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MEMÓRIA E IDENTIDADES NIPO-BRASILEIRAS: CULTURA POP,
TECNOLOGIAS E MEDIAÇÕES
MEMORY AND JAPANESE-BRAZILIAN'S IDENTITIES: POP CULTURE, TECHNOLOGY
AND MEDIATIONS
Mariany Toriyama Nakamura
Giulia Crippa
Resumo: Esta pesquisa se volta para o estudo das manifestações da cultura pop nipobrasileira associadas aos descendentes de japoneses no Brasil e de artistas de outras origens
que compartilham da estética da cultura pop japonesa. Tem por objetivo estudar o
desenvolvimento dos processos de mediações da cultura e da informação contidos nas
manifestações da cultura pop nipo-brasileira e dos novos espaços culturais virtuais nos quais
se manifesta graças à influência das atuais tecnologias de informação e comunicação. Para
tanto, é necessário compreender aspectos da cultura e da tradição japonesa que foram trazidos
pelos imigrantes e incorporados e adaptados por seus descendentes de modo a constituir um
sentimento diferenciado de identidade ou “japonesidades multiplicadas”, termo adotado em
simpósio realizado na UFSCAR em 2010 e que discute o ser e estar nipo-brasileiro, bem
como se percebe expressado nas manifestações artísticas em questão.
Palavras-chave: Cultura pop; Mediação cultural; Memória; Identidades; Ciência da
Informação; Tecnologia.
Abstract: This research turns to the study of the manifestations of Japanese-Brazilian pop
culture related with Japanese descendants in Brazil and artists from other origins who share
the aesthetic of Japanese pop culture. This research aims to study the development of the
processes of mediation of culture and information contained in the manifestations of pop
culture Japanese-Brazilian cultural and new virtual spaces in which is manifested through the
influence of current information technologies and communication. Therefore, it is necessary
to understand aspects of Japanese culture and traditions that were brought by immigrants and
incorporated and adapted by his descendants in order to constitute a distinct sense of identity
or "japonesidades multiplied," a term adopted in UFSCAR symposium held in 2010 and
discussing being and Japanese-Brazilian, and one realizes expressed in artistic concerned.
Keywords: Pop Culture; Cultural mediation; Memmory; Identities; Information Science;
Technology.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho observa as manifestações nipo-brasileiras do pop de origem
japonesa e as relações de mediação que se estabelecem com os suportes tecnológicos e
informacionais utilizados hoje como ambiente mais propício de criação e divulgação da
cultura pop. Para isto, é preciso compreender as raízes do primeiro contato entre japoneses e
brasileiros até que seja possível chegar ao que hoje se compreende por identidades nipobrasileiras. Para a realização deste estudo utilizou-se estudo exploratório, fundamentado em
uma pesquisa bibliográfica. Nesta pesquisa trata-se a formação de identidades influenciada
pela memória, o folclorista Kunio Yanagita, por exemplo, chama atenção para o termo "jonin"
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que significa: "a parte de nós que é comum a nós", aquilo que é transmitido por gerações e
gerações, como memória adquirida. É por meio desta raiz que aqui se questiona como a
memória e a formação de identidades se reconhece nas ilustrações e artistas da vertente da
cultura pop nipo-brasileira manifestada na web.
Hoje, com o desenvolvimento de gerações mais integradas à cultura receptora, a
manutenção da cultura de origem se tornou mais difícil e complexa, no entanto, o que se vê é
uma mudança dos grupos nipo-descendentes, principalmente jovens, que tendem a encarar a
preservação da cultura japonesa através de uma releitura das tradições e da estética do Japão.
Não é mais possível trabalhar com a ideia de identidades nipo-brasileiras
desconsiderando as gerações mais novas constituídas por netos (sanseis) e bisnetos (yonseis)
de japoneses. É fato que o afastamento do contato direto com as tradições e ensinamentos dos
membros mais velhos de comunidades de japoneses no Brasil provoca mudanças na forma
com que os nipo-descendentes se identificam com a cultura de origem, mas Susumu Miyao
(2002, p. 180) crê na passagem, ou conservação de valores culturais transmitidos pela
educação familiar. A cultura pop nipo-brasileira, no entanto, não reside apenas nas
manifestações produzidas e difundidas por nipo-descendentes, mas agrega muitas outras
origens que convergem no gosto pelas mais novas referências da cultura pop japonesa.
O objeto de estudo do presente trabalho é a cultura pop nipo-brasileira. Definida por
Luyten (2005, p.7) como um poderoso reflexo da sociedade, a cultura pop não se limita
apenas ao sentido estético, mas atinge a todos em um sentido cultural mais amplo. Ela aponta
que no Japão de hoje a cultura aparece sob várias formas:
Aspectos da música popular (como enka), karaokê, videogames, desenhos
animados (animês), filmes, novelas de TV, entre outras. No entanto, a forma
que mais reflete a tradição cultural intesamente visual são os mangás (as
histórias em quadrinhos japonesas). Atualmente, as imagens dos mangás,
consumidos por milhares de pessoas semanalmente, mostram uma mudança
de idéias políticas e culturais do oriente para o ocidente. Os temas que
envolveram a juventude japonesa dos anos 70 e 80 tornaram-se relevantes
para as juventudes norte-americana, européia e brasileira nos anos 90 e no
novo milênio (LUYTEN, 2005, p.8).
A disseminação de características e da estética da cultura pop, neste caso a vertente
japonesa, é possível quando entrelaçada ao desenvolvimento das TICs, essencialmente com o
surgimento da Internet e com a consequente identificação popular. Com a possibilidade
gerada por computadores conectados em redes, ao contrário da televisão, os consumidores da
rede também são produtores, pois fornecem conteúdo e dão forma à teia (CASTELLS, 1999,
p.439). Isso modifica completamente o cenário da cultura pop nipo-brasileira constituída, em
sua maioria, por grupos de jovens que mantêm contato e trocam informações no ciberespaço.
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As possibilidades de novas formas de comunicação, sociabilidade e circulação de informações
em fluxo contínuo, segundo Lúcia Santaella (2003, p.27) arrancaram o indivíduo da inércia da
recepção de mensagens impostas de fora e o treinou para a busca da informação e do
entretenimento que deseja encontrar.
A constituição de uma arte mais participativa e comunicativa também entrelaça
fortemente a ideia de mediação cultural que para autores como Teixeira Coelho (2004, p.248)
pode ser compreendida como "processos de diferente natureza cuja meta é promover a
aproximação entre indivíduos ou coletividades e obras de cultura e arte", porém, considerando
o uso das TICs pode-se pensar na abertura de possibilidades de mediação cultural que
envolvam a participação dos indivíduos e grupos às dinâmicas socioculturais. A possibilidade
de construção coletiva de conhecimento e a estruturação de uma sociedade em redes alteram a
compreensão existente de informação e, segundo Almeida (2009), as TICs permitem a
constituição de espaços de circulação da informação menos hierárquicos possibilitando que o
consumidor cultural, possa ser também um mediador.
2 JAPONESES ALCANÇAM A AMÉRICA: IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL
Tanto Brasil quanto Japão tinham seus interesses e motivações para incentivar a
imigração. O cenário que se formou no período de 1908 até a II Guerra Mundial para a vinda
dos japoneses foi turbulento, mas esta convivência contribuiu para a constituição de um Brasil
multicultural (TAKEUCHI, 2010, p. 25).
O primeiro período da imigração japonesa no Brasil vai de 1908 a 1924 e é descrito
historicamente como uma fase experimental marcada pela insegurança tanto de japoneses
quanto de fazendeiros brasileiros. Os primeiros imigrantes japoneses no Brasil são ainda
considerados como aqueles que não corresponderam às expectativas dos fazendeiros.
Takeuchi (2010, p. 40) aponta que a alta mobilidade territorial dos japoneses após sua
chegada ao Brasil é justificada pela expectativa de, em pouco tempo, retornar ao Japão
enriquecidos. Dado esse fenômenos é possível indicar algumas circunstâncias que levaram a
um relativo fracasso da primeira leva de trabalhadores: a falta de critério na seleção de
trabalhadores que não eram agricultores pelas companhias de emigração; a obrigatoriedade de
3 pessoas aptas ao trabalho por família forçando a constituição de famílias arranjadas cuja
falta de vínculo de parentesco levava muitos a desertarem das fazendas; sérios problemas com
a alimentação que levavam à desnutrição tanto por não serem capazes de se acostumarem com
a cozinha brasileira quanto por não disporem de terrenos para o cultivo de verduras básicas da
culinária japonesa; e o choque cultural.
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O período de 1924 a 1941 corresponde à segunda fase da imigração japonesa no Brasil
marcado pelo auge de entrada de trabalhadores japoneses – mais da metade dos que vieram ao
longo de quase 90 anos – agora não mais apenas no campo, mas em vários outros estados e
núcleos urbanos em um processo descrito por Célia Sakurai (2000, p. 219), de rápida ascensão
social. Hiroshi Saito (1961, p. 38) retoma o interesse do capital industrial do Japão para
investimento no Brasil quando se dá o desenvolvimento da produção de caráter comercial
entre os imigrados. Desta forma, na década de 1930, o capital japonês que antes era
direcionado aos setores agropecuários, agora era direcionado aos setores comercial e
industrial. Neste momento também é possível apontar uma mudança significativa nas
resoluções do imigrante japonês: chegavam à conclusão que, diante das dificuldades
encontradas na lida com o café, seria preciso fixar-se e planejar-se a longo prazo.
A Constituição de 1934 estabeleceu cota de 2% do total de imigrantes de uma mesma
origem já estabelecidos no Brasil nos últimos 50 anos. Mais uma vez, embora a imigração
japonesa não tenha sido nomeada, era de conhecimento geral que se planejou atingi-la, uma
vez que era o processo mais recente e mais numeroso do contexto. Sakurai (2000, p.66) ainda
completa que as discussões em torno da Constituição de 1934 causaram mal estar nos círculos
diplomáticos entre Japão e Brasil. A corrente imigratória cessa assim que se dá a Segunda
Guerra Mundial e, durante o governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945) o fortalecimento do
nacionalismo brasileiro tornou explícita a campanha antijaponesa que tinha por base a
superioridade da raça branca e o temor ao militarismo expansionista japonês. Assim, o ensino
da língua japonesa nas escolas foi proibido e os jornais editados em idioma estrangeiro
fechados, o que marcou abruptamente este período da história da imigração japonesa da
integração para a separação. Os contextos de guerra e pós-guerra são determinantes para
compreender o processo de formação de identidades entre japoneses e seus descendentes no
Brasil visto que é partir deste momento que se dá o surgimento da primeira geração de nipobrasileiros.
Em janeiro de 1942 são impostas aos estrangeiros diversas restrições consequentes do
rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e os países constituintes do Eixo o que
leva à restrição de atividades culturais e educacionais dos imigrantes japoneses. O ambiente
hostil em que se encontrava a comunidade japonesa e a ausência de informações graças ao
fechamento dos jornais voltados para as colônias, geraram incredulidade com a notícia da
derrota do Japão na Guerra. A fase obscura da imigração japonesa foi marcada pelo
desenvolvimento de sociedades secretas consequentes do inconformismo da derrota pelos
mais nacionalistas. Destacou-se, sem dúvida, a Shindô-Renmei (Liga do Caminho dos Súditos
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ou Dos que Seguem as Diretrizes Imperiais) que não apenas defendia e divulgava a suposta
vitória do Japão como também perseguia aqueles que compunham a vertente “derrotista”. Em
1946, o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS) efetuou
prisões e expulsou do território nacional muitos membros da Shindô-Renmei.
A partir de 1954, com as comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo
essa imagem negativa que se estabelecera sobre os japoneses no Brasil começou a ser
amenizada com a organização de uma comissão da colônia japonesa visando sua participação
nas festividades mediante apoio do governo nipônico que também viria a financiar a
construção do Pavilhão Japonês localizado no Parque do Ibirapuera. Takeuchi (2010, p. 60)
atribui a esse evento e ao reconhecimento da derrota do Japão na Segunda Guerra a
conscientização dos japoneses de que o Brasil seria a terra onde firmariam definitivamente
suas raízes. Assim, a comunidade japonesa no Brasil passou a receber a denominação de
Colônia Nikkei do Brasil simbolizando seu processo de integração à sociedade brasileira.
Em 1952 são restabelecidas as relações diplomáticas entre Brasil e Japão e a retomada
da imigração para território nacional só é oficializada em 1963 com João Goulart. Tal como o
período anterior o governo japonês continua a oferecer respaldo aos seus trabalhadores que
deixam o país, porém, diferente do processo anterior cujas famílias saiam em busca de
melhores condições de vida, a imigração no contexto pós-guerra se dá como parte de um
planejamento mundial.
Pelo lado dos imigrantes propriamente ditos, os jovens do
sexo masculino, na sua maioria solteiros, com alguma
qualificação profissional, são também uma novidade. Os
“Japão novo”, como ficaram conhecidos, têm experiência
diferente dos jovens descendentes aqui nascidos. Para a
sociedade, no entanto, todos são japoneses. O contraste entre
os dois grupos cria a necessidade de uma redefinição da
identidade dos nipo-brasileiros, tendo diante de si outro
elemento: a imagem de detentores da tecnologia de ponta. [...]
(SAKURAI, 2008, p. 221).
A vinda dos chamados “Japão Novo”, ou seja, imigrantes do pós-guerra contribuíram
para selar a paz de seus conterrâneos no Brasil trazendo notícias de sua terra natal e a nova
conjuntura de valores da sociedade japonesa, o que causou estranhamento nas primeiras
gerações que chegaram ao Brasil. A inserção de filhos e netos à dinâmica da sociedade
brasileira e o consequente afastamento das antigas tradições japonesas também foi motivo de
estranhamento e preocupação nos mais velhos. A abordagem de Susumu Miyao (2002, p.
176) explica que pessoas que se tornaram adultos no Japão, imersos em uma cultura diferente,
quando no Brasil, tendem a ver criticamente a forma de pensar e agir dos brasileiros e o fato
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de aprenderem português e de se habituarem com o modo de vida do Brasil não significa que
substituíram os valores aprendidos em sua terra natal. Da mesma forma, para nisseis e sanseis
– filhos e netos – nascidos aqui, aprender japonês não significa que absorverão os valores
japoneses, mas provavelmente ajudará a compreender a cultura japonesa.
Neste momento há de se retomar Lesser (2001) e Takeuchi (2010) quando afirmam
que foi da mais profunda ironia o fato de o Brasil buscar com a imigração conseguir tornar-se
mais europeu e por fim, desenvolver uma sociedade imensamente multicultural. Não raro, nas
gerações de filhos e netos observa-se uma mistura pouco homogênea que mescla valores
japoneses em contexto brasileiro para compor, o que no final das contas, continua a ser
considerado japonês no Brasil.
2.1 Japoneses no Brasil ou nipo-brasileiros: memória e identidades
O livro "Resistência e Integração: 100 anos de imigração japonesa no Brasil"
organizado por Célia Sakurai e Magda Prates Coelho retoma os caminhos que homens,
mulheres e crianças tomaram ao deixarem parte de suas vidas para trás para transformar seus
descendentes em brasileiros com passado japonês. Há de se considerar o contexto que esses
imigrantes encontraram no Brasil; uma época de mudanças políticas e econômicas rápidas e
profundas que determinaram a forma de ser japonês no Brasil. Após a Segunda Guerra
Mundial é que se torna possível enxergar uma inserção maior dos japoneses no Brasil e, com
a mudança de seus objetivos para a permanência no país, surgia a primeira geração de nipobrasileiros ou nipo-descendentes.
Kodama e Sakurai (2008) apontam que as trocas culturais e inserção dos imigrantes e
descendentes japoneses já despontavam por meio dos nipo-brasileiros que adotavam a Língua
Portuguesa e que assumiam uma formação cultural híbrida, dando mostras de que as relações
mantidas entre a comunidade nipo-descendente e a sociedade brasileira mais ampla tornavamse mais complexas. Uma nova geração de filhos e netos dos imigrantes que haviam chegado
antes da guerra já despontava e abria caminho para uma integração cada vez mais intensa com
os outros segmentos da sociedade brasileira. Segundo Meneses (1987), o conceito de
identidade implica semelhança a si próprio, formulada como condição de vida psíquica e
social. Sob esse ponto de vista, a busca de uma identidade vê de forma negativa conteúdos
novos, entretanto, a antropologia e a sociologia nos informam que a identidade é socialmente
atribuída e mantida e só se transforma também socialmente. O suporte fundamental da
identidade é a memória e é preciso analisá-la para que outros aspectos das identidades
culturais sejam compreendidos.
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Segundo Meneses (1992) a caracterização mais corrente de memória é como
mecanismo de registro e retenção, depósito de informações e conhecimento e sua produção e
acabamento estariam atreladas apenas ao passado. Um equívoco, visto que a memória é um
processo permanente de construção e reconstrução. No âmbito da ciência da informação cuja
preservação, em algum momento figurou de forma central, a relação com a concepção de
memória era inevitável. Jacques Le Goff (2003) propõe que a memória como propriedade de
conservar certas informações, nos remete em primeiro lugar a um conjunto de funções
psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar as impressões e informações adquiridas.
Ainda que a memória nos pareça inicialmente um fenômeno individual, próprio de
cada um, Maurice Halbwachs (2006) nos conduz a compreender a memória também como um
fenômeno coletivo e social, ou seja, “como um fenômeno construído coletivamente e
submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes” (POLLAK, 1992, p.201).
Memória coletiva é o processo social de reconstrução do passado vivido e
experimentado por um determinado grupo, comunidade ou sociedade. Este
passado vivido é distinto da história, a qual se refere mais a fatos e eventos
registrados, como dados e feitos, independentemente destes terem sido
sentidos e experimentados por alguém (HALBWACHS, 1991120 apud
SILVA, 2009, p.4).
Assim pode-se afirmar que o indivíduo carrega consigo a lembrança, mas está sempre
interagindo com a sociedade, seus grupos e instituições. Tanto a memória individual quanto a
coletiva mantém uma relação que se estende à memória histórica; guardam informações
relevantes para os sujeitos e têm como função primordial garantir a coesão do grupo e o
sentimento de pertinência entre seus membros.
Para evocar seu próprio passado, em geral a pessoa precisa recorrer às
lembranças de outras, e se transporta a pontos de referência que existem fora
de si determinados pela sociedade. Mais do que isso, o funcionamento da
memória individual não é possível sem esses instrumentos que são as
palavras e as ideias, que o individuo não inventou, mas toma emprestado de
seu ambiente. (HALBWACHS, 2006, p. 72)
Pollak (1992) sintetiza que os elementos constitutivos da memória seja individual ou
coletiva, são: os acontecimentos vividos pessoalmente e em segundo lugar os acontecimentos
relacionais, ou vividos por tabela, ou seja, vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a
pessoa se sente pertencer. Para ele, há entre a memória e o sentimento de identidade uma
ligação fenomenológica muito estreita. Pollak trabalha com a ideia de três elementos
120
HALBWACHS, Maurice. Fragmentos de la memória colectiva. Seleção e tradução. Miguel Angel
Aguilar D. (texto em espanhol). Universidad Autónoma Metropolitana Iztapalapa Licenciatura
em Psicologia Social. Publicado originalmente em Revista de Cultura Psicológica, Ano 1, n.1,
México, UNAM-Faculdad de psicologia, 1991.
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essenciais da construção de identidade: a unidade física que consiste no sentimento de
fronteira física como o corpo ou, em caso coletivo, o pertencimento a um grupo; a
continuidade dentro do tempo; e o sentimento de coerência, "ou seja, de que os diferentes
elementos que formam um indivíduo são efetivamente unificados". (POLLAK, 1992, p. 204)
Se para Pollak (1992) a memória é, em parte, herdada então está sujeita a flutuações
em função do momento de sua articulação ou expressão. "As preocupações do momento
constituem um elemento de estruturação da memória. Isso é verdade também em relação à
memória coletiva, ainda que esta seja bem mais organizada". (1992, p. 204) Sob este aspecto
de organização ou da memória como fenômeno construído individual e social, Pollak atribui
uma ligação muito estreita entre memória e o sentimento de identidade.
2.2 Identidades culturais: nipo-brasileiros
Tomando o sentimento de identidade em seu aspecto mais superficial é possível
compreendê-lo no sentido da imagem de si, para si e para os outros, ou seja, a imagem que
uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e
apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua representação, mas também para ser
percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros.
A construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos
outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de
credibilidade, e que se faz por meio na negociação direta com outros. Vale
dizer que memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas, e não
são fenômenos que devam ser compreendidos como essências de uma pessoa
ou de um grupo. (POLLAK, 1992, p. 204)
Segundo Stuart Hall (2005) a identidade é realmente algo formado, ao longo do
tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no
momento do nascimento.
Existe sempre algo ‘imaginário’ ou fantasiado sobre sua unidade. Ela
permanece sempre incompleta, está sempre ‘em processo’, sempre ‘sendo
formada’ [...]. Assim, em vez de falar de identidade como uma coisa
acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em
andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já
está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é
‘preenchida’ a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós
imaginamos ser vistos por outros (p.38-39).
Hall (2011) propõe explorar questões sobre identidade cultural na modernidade tardia
e avaliar se de fato existe uma "crise de identidade". Se ela existe, o que significa? Que
formas ela toma e quais suas possíveis consequências? Sua posição primordial afirma que as
identidades modernas estão sendo "descentradas", ou seja, passando por um processo de
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fragmentação. Diante disso Hall reflete sobre as possíveis consequências desta noção de
descentralização.
O sujeito assume identidade diferentes em diferentes momentos, identidades
que não são unificadas ao redor de um "eu" coerente. Dentro de nós há
identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo
que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. (HALL,
2011, p. 13)
Hall (2011) ainda prossegue com a afirmativa de que a ideia de uma identidade
unificada e coerente é uma fantasia, uma vez que à medida que os sistemas de significação e
representação cultural se multiplicam há o confronto com uma multiplicidade identitária com
a qual seria possível estabelecer alguma identificação ainda que temporariamente. No que
toca a globalização, ou o momento de 'modernidade tardia' conforme palavras do próprio
autor, as sociedades seriam caracterizadas pelas diferenças e antagonismos sociais que fazem
com que o sujeito tenha vários posicionamentos, ou, neste caso, identidades.
Por este ponto de vista pode-se inferir que o deslocamento é positivo a partir do
momento que desarticula estruturas de identidades passadas e possibilita a formação de novas
identidades. Ramificada desta mesma matriz as discussões se voltam ao descentramento do
sujeito, no qual é relevante pensar na descoberta do inconsciente de Freud e a ideia de que
nossas identidades e desejos são formados com base em processos simbólicos do inconsciente
gradualmente e arduamente a partir da relação com os outros.
Miranda (2000) ao tratar do sujeito pós-moderno refere-se ao fato de não haver uma
identidade fixa, essencial ou permanente pois está sujeito às formações e transformações
contínuas relacionadas às formas em que os sistemas culturais o condicionam.
Em outras palavras, o sujeito pós-moderno é definido historicamente, e não
mais biologicamente (como preferem os que defendem identidades raciais
originais, mas sem bases científicas), porquanto o sujeito assume identidades
diferentes em diferentes momentos, afetadas tanto pelos processos de
socialização quanto de globalização dos meios de comunicação e
informação. (MIRANDA, 2000, p.82).
Isa Maria Freire (2006) atenta para a fragmentação de uma ideia unificada e estável de
identidade na globalização. Assim, apresenta-se não mais uma única identidade, mas a
composição de várias, algumas vezes contraditórias. Também deve ser considerado que as
pessoas participam de várias identidades simultaneamente, como por exemplo, “mulher,
pobre, homossexual e negra ao mesmo tempo”. (MIRANDA, 2000, p.82).
As identidades nipo-brasileiras são resultados da síntese de duas chaves culturais
distintas: a japonesa e a brasileira; que sofrem ainda com a influência das características
locais e regionais, o que as tornam únicas. Nota-se que a preservação da cultura de origem era
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mais forte no início do processo imigratório, facilitada pela concentração em comunidades
mais fechadas na maioria das regiões onde se instalaram. A primeira geração genuinamente
nipo-brasileira foi aquela que acompanhou o período pós-guerra. Os primeiros filhos de
japoneses nascidos após a derrota do Japão, diferente de seus antecessores, não foram criados
com o vislumbre do retorno ao Japão, ao contrário, lidaram com a nova realidade que os
prendia ao território brasileiro e à sua cultura permanentemente.
A constituição do termo “nipo-brasileiro” vem carregada pela relação das origens
étnica e nacional: a etnicidade japonesa e a identidade nacional brasileira. Neste caso é
possível observar que, de um modo geral, a medida da identidade étnica está atrelada às
gerações de nipo-brasileiros sendo os mais velhos mais próximos da raiz japonesa e os mais
novos do convívio brasileiro, o que, entretanto, não é determinante visto a existência de
comunidades mais fechadas cujas gerações mais novas têm tanto contato quanto os mais
velhos de suas raízes japonesas. De qualquer forma, o afastamento do contato com as
tradições e ensinamentos dos membros mais velhos de comunidades de japoneses no Brasil
provoca mudanças na forma que os nipo-descendentes se identificam com a cultura de origem
e identificamos reflexos nas manifestações e composição de arte e cultura pop externadas por
meio das Tecnologias de Informação e Comunicação.
3: ゴジラ(GOJIRA): O JAPÃO POP
No período pós-guerra o Japão se insere "no mundo do consumo" (SAKURAI, 2008,
p. 342) através dos eletrônicos, automotores e, pelo que nos interessa: o entretenimento.
Houve uma grande necessidade de inserção global que apagasse a humilhação da derrota.
Godzilla, ou Gojira, é símbolo mundialmente conhecido da cultura pop japonesa e crítica
absoluta aos ataques sofridos em Hiroshima e Nagasaki. Inicialmente projetado como um
monstro cuja cabeça se assemelharia a um cogumelo de explosão atômica, gradualmente a
personagem se tornou mais "suave" à medida que passava o medo e o trauma causados pela
Guerra.
Com a ocupação americana após a derrota na Guerra os japoneses tiveram de lidar
com a abrupta ocupação das forças americanas em território nipônico e tão subitamente
quanto lidar com o arrebatamento da perda, o Japão se viu cercado por tudo que anteriormente
era considerado "inimigo" e descartado durante a guerra. Logo houve a invasão das
referências americanas nas rádios, cinemas, jornais e revistas, estética e linguagem.
Durante os anos 50 e 60 o Japão foi tomado por um ímpeto consumista levado pelo
desejo por produtos que viam nos filmes de Hollywood, e que, adaptados para a realidade
japonesa compunham a preferência de um “sonho pagável” nacional que marcou o início do
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pop japonês. Com o fortalecimento e a estabilidade econômica, desde os prósperos anos de
1980, temos tido contato com um Japão estilizado, predominantemente virtual e tecnológico
que vem influenciando a estética e o comportamento Ocidental.
Os japoneses tinham, como ainda têm, preferências locais baseadas em suas
condições, tradições, folclore e cultura que demonstraram ser fortes o
bastante para criar e manter um amplo e rico mercado nacional. E assim se
formou o pop japonês contemporâneo: ocidentalizado na forma, mas
nipônico no conteúdo. (SATO, 2007, p.15)
A autora ainda acrescenta que sendo um fenômeno ligado à industrialização e à
sociedade do consumo é importante destacar que o pop japonês ocorreu e se beneficiou de
condições culturais e econômicas favoráveis que foram conquistadas no pós-guerra, "quando
o então Primeiro Ministro Hayato Ikeda implantou um histórico programa econômico, que em
dez anos duplicou a distribuiu de forma ampla a renda per capta do país [...]" (SATO, 2007, p.
17) Como em qualquer lugar, a cultura pop está relacionada ao consumo e isso torna o pop
um fenômeno essencialmente cultural e comercial.
Foi através da televisão, na segunda metade do século XX, que muitos países tiveram
um contato menos rígido e histórico com o Japão com as primeiras animações japonesas que
começaram a ser exportadas. Foi a partir da década de 1950 que o termo anime, do inglês
animation, passou a ser utilizado como sinônimo de desenhos animados.
Com a difusão de produções de animação japonesa no exterior a partir da
década de 1980, a palavra anime virou sinônimo de animação com a estética
e a técnica desenvolvidas pelos japoneses, embora no Japão ela signifique
todo e qualquer desenho animado, japonês ou não (SATO, 2005, p32).
Os animês, desenhos animados japoneses, foram grandes agentes difusores de outros
componentes da cultura pop japonesa, como os mangás e vice e versa. Assim como produtos
eletrônicos e carros, este “produto de exportação”, termo usado por Cristiane Sato (2005), tem
suas características próprias, que para serem usufruídas e apreciadas em sua totalidade
dependem de um conhecimento mais profundo das tradições, hábitos e valores da cultura
japonesa. Com a Internet, o acesso aos animês foi facilitado e ampliado, assim como a troca
de informações e referências sobre as produções de animações, sejam elas mais antigas ou
mais recentes. Este cenário cada vez mais complexo de fluxo informacional reflete na
formação do consumidor cultural contemporâneo, ou, neste caso, do protagonista cultural a
partir do momento que ele se apropria de algo e passa a produzir e criar novos sentidos e
significados.
Segundo Almeida e Crippa (2009), o acesso à cultura, a partir do século XX, passou a
se processar muito mais por meio dos produtos culturais do que propriamente pelo contato
direto com a criação e apresentação artística. Percebe-se hoje, entre a geração de jovens, que é
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nítida a relação cada vez mais precoce com a tecnologia digital o que modifica as concepções
de produção, circulação e recepção de bens culturais principalmente quando considerada a
Internet.
4: ゴジラ 2.0 (Gojira 2.0): Tecnologias, arte e estética pop japonesa
Segundo Claudia Gianetti (2006) o avanço das tecnologias digitais possibilitou novas
formas de criação e percepção artística que elevam as discussões sobre novos paradigmas
estéticos e modificam as noções de autor, observador, objeto de arte e originalidade.
Considerando o uso das TICs pode-se pensar na abertura de possibilidades de mediação
cultural que envolvam a participação dos indivíduos e grupos às dinâmicas socioculturais. A
possibilidade de construção coletiva de conhecimento e a estruturação de uma sociedade em
redes alteram a compreensão existente de informação e, segundo Almeida (2009), as TICs
permitem a constituição de espaços de circulação da informação menos hierárquicos
possibilitando que o consumidor cultural, possa ser também um mediador.
Machiko Kusahara (2009), em torno da vertente pop, aponta que as tecnologias da
informação causaram um impacto profundo na infraestrutura da sociedade desde a segunda
metade do século XX marcado pela transição de um sistema cujos valores eram baseados no
material para um sistema no qual rege a informação imaterial. Hoje as tecnologias de mídias
digitais estão mudando nossa concepção de vida e cultura e sob este ponto de vista, também o
paradigma de arte não conseguirá permanecer o mesmo. A autora questiona a solidez dos
campos de arte e estética e aponta para a necessidade de novas abordagens para a relação de
arte e tecnologia considerando ainda a visão de arte baseada na noção Oriental no qual, é
característico não estabelecer limites entre a arte erudita e a arte popular.
No contexto brasileiro reflexos destes apontamentos são percebidos nitidamente nas
gerações que hoje convivem facilmente com um mundo menos físico e de múltiplas
realidades conectadas quase todo o tempo. O pop japonês, transmitido para o resto do globo
primeiramente pelos meios de comunicação de massa como a televisão foi adotado e
apropriado gerando manifestações artísticas diferenciadas e atreladas à imensa gama de
comunidades virtuais existentes pela rede gerando uma nova concepção que deve ser
considerada nipo-brasileira.
A dinâmica social do ciberespaço transmite o desejo de conexão que é realizado em
escala planetária. O computador pessoal passa a ser um computador coletivo quando ligado à
rede. Diante dos novos ambientes culturais virtuais, ou simplesmente das homepages da
Internet o indivíduo não é mais apenas leitor ou observador, mas personagem central que é
constantemente estimulado a interagir com este novo cenário.
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Diana Domingues (1997) aponta que há cerca de trinta anos a arte contemporânea
abraçou uma série de práticas artísticas assentadas no desenvolvimento tecnológico
configurando novas formas de produção de arte que rompem com seu passado e caminham
para um cenário dominado pela arte participativa, interativa e principalmente comunicativa.
Artefatos e ferramentas são substituídos por dispositivos de múltiplas conexões que auxiliam
na produção e na comunicação.
Roy Ascott (1996) reforça que com o envolvimento da Internet estabeleceu-se uma
estrutura de “mente global” onde a arte não é mais unilateral nem mesmo um encontro
secundário de interpretação pessoal, mas passa por transformações que a tornam interativa e
fazem do observador parte integrante do sistema criativo. Se neste ambiente virtual as pessoas
se aproximam e as possibilidades de interação e criação aumentam, tanto os espaços
museológicos quanto artistas, público e mediadores teriam condições de estar conectados sob
esta configuração de “mente global”. Neste novo ambiente o museu constitui-se mais
interativo do que sua concepção tradicional; criação e curadoria estariam abertas à
colaboração, mas é preciso lembrar que quando se trata de virtual a mediação não é realizada
diretamente, mas sim remotamente, o que configura um novo desafio ao museu ao pensar na
adequação ao público. Entretanto a possibilidade colaborativa dá oportunidade ao usuário de
estabelecer por si mesmo aquilo que melhor o atende no processo de mediação cultural.
4.1 Godzilla X Mothra: Do pop viemos, ao pop voltaremos
Considerando o ciberespaço, o que mantém os laços de uma comunidade já não
consiste mais na territorialidade ou nacionalidade; as fronteiras se tornam mais fluidas e as
trocas informacionais se aceleram. A pesquisa realizada por Juliana Kiyomura - "Do Kasato
Maru ao porto digital: as identificações e a identidade comunicativa expressas em blogs de
dekasseguis" - realizada e defendida em 2009 também aponta o ciberespaço como propício
para a aproximação de culturas, sejam elas representantes de grupos fisicamente próximos ou
não.
Com isso, na rede digital estabelecem-se interações comunicativas
sustentando, produzindo e recriando laços e vínculos a partir de interesses
comuns. Aliadas à informática, as novas tecnologias de informação e
comunicação [...] possibilitaram a multiplicação das possibilidades
interativas e pluridirecionais gerando um novo tipo de sociabilidade.
(KIYOMURA, 2009, p. 131)
Enxergando além do consumo e tocando o aspecto estético ou manifestações artísticas
do pop japonês por nipo-descendentes ou protagonistas que se identificam, pode-se perceber o
hibridismo cultural. Erika Kobayashi, uma das idealizadoras da ação "Invasão Moyashis" que
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integrou a Semana Cultural Brasil-Japão realizada em junho de 2008, pretendia e conseguiu,
levar ao evento a discussão sobre produção e difusão da cultura japonesa produzida por
artistas contemporâneos brasileiros. Sob a afirmação da existência de uma memória daquilo
que sequer se conhece, os "moyashis", ou artistas em broto, apropriaram-se de imagens de um
Japão distante em sua produção artística e mostraram:
Um Japão que se formou no imaginário de brasileiros a partir de estereótipos
e símbolos que aqui chegaram por meio de manifestações culturais japonesas
tanto tradicionais (trazidas pelos imigrantes que começaram a chegar ao
Brasil em 1908, como ikebana e cerimônia do chá entre outras) quanto
contemporâneas (influenciadas pelo pop, anime e mangá, e absorvidas pela
internet). (KOBAYASHI, 2011, p. 152)
Além de manifestações e ilustrações nas ruas o grupo fez uso de blogs e sites como
youtube e flickr para expor, produzir e divulgar a ideia de uma cultura japonesa renovada no
Brasil baseada na teoria do antropólogo Koichi Mori de uma cultura híbrida brasileira de
origem japonesa ou nipo-brasileira.
A cultura japonesa deslocada não configura ‘cultura japonesa’. Isso acontece
porque os nikkeis criaram uma cultura étnica com referências japonesas e
brasileiras. Por isso, as festas realizadas por nikkeis como as do tradicional
bairro da Liberdade, em São Paulo, não tem o mesmo significado das festas
de mesmo nome no Japão (MORI, Koichi, 2008121)
O nome do grupo, segundo Kobayashi (2011) surgiu espontaneamente por meio de
trocas de e-mails e teve sua legitimação pelo artista japonês Tadashi Endo, quando passou
pelo Brasil em 2006.
Ao reconhecer o termo, ele compreendeu de imediato a atitude
embutida por trás do nome: shoshin ("mente de principiante"),
que aparece no caminho filosófico e espiritual japonês. No
caso dos moyashis, a atitude shoshin é aplicada ao conceito do
coletivo: artistas em constante processo evolutivo no sentido
de acompanhar tendências estéticas e não se fixar apenas em
expressões culturais do passado. (KOBAYASHI, 2011, p.
155)
Assim como Juliana Kiyomura aborda os novos vínculos que se estabelecem entre
Brasil e Japão pelos dekasseguis no ambiente digital desenvolvendo culturas híbridas, a
relação dos moyashis e Japão estabelece aquilo que sintetiza a motivação da presente
pesquisa; os laços que se formam a partir de uma estética comum no qual a imagem de torna
canalizadora de uma comunicação coletiva e, assim, abrem-se as portas para novas formas de
comunicação e sociabilidade.
121 MANFRINATTO, Ana. “Sorry, Liberdade”. In: Especial 100 anos da imigração japonesa: as
surpreendentes histórias do povo que ajudou a mudar o Brasil. São Paulo: Abril, 2008.
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Pensar a mediação cultural na/e através da Internet é perder a referência de uma figura
de mediador. O próprio usuário se torna mediador ao determinar aquilo que está acessando ou
como o faz. Mesmo os sites por onde navega, ao possibilitar o acesso torna-se também um
mediador. Sob este aspecto é válido pensar no que as pessoas, ou o público considerado
comum tem a contribuir neste ambiente cultural de configuração virtual. Almeida e Crippa
(2009) indicam que as atuais tecnologias de informação e comunicação trazem possibilidades
inéditas para as formas de produção, circulação e recepção de produtos simbólicos compondo
um cenário mais complexo no qual atuam múltiplas camadas de informação que se agregam
aos produtos culturais em torno deles.
Hoje não é difícil identificar muitos sites, comunidades virtuais, blogs e outras
estruturas virtuais que conectam pessoas de várias regiões do globo que têm um determinado
interesse comum, como a arte. Para a estética pop japonesa e outros elementos da cultura pop
a Internet é uma das principais ferramentas que colaboraram para que o Ocidente pudesse se
apropriar de suas características. Carlos (2009) atenta que para os otakus122 brasileiros, a rede
é sinônimo de download pois é onde circula informalmente uma variedade incrível de
produtos de seu interesse. Mais do que isso a Internet permite que se acompanhe o que o
público japonês tem lido, assistido, jogado ou criado no ramo das artes quase que
simultaneamente, retomando o que foi dito sobre a quebra da ordem espaço temporal e o
desenvolvimento de culturas híbridas. Nos processos de criação artística foi possível perceber
que a rede trouxe uma gama imensa de possibilidades e é também através dela, nos espaços
virtuais de caráter cultural, que é possível observar toda uma organização de pessoas que
geram espaços de discussão e troca de informação, que, segundo Almeida e Crippa (2009)
constituem um circuito de circulação de informações e juízos de valor paralelo, ou muitas
vezes oposta, à crítica institucionalizada na Imprensa. A Internet reconfigurou não apenas a
crítica, mas também a mediação.
Plataformas de redes sociais como o conhecido Facebook tornaram-se usuais canais de
divulgação de novos artistas bem como suas produções. As mídias sociais, que dependem da
interação entre as pessoas - pois é a partir de sua integração que seu conteúdo será construído
e compartilhado - podem ser então encaradas como ferramentas online projetadas de modo a
permitir a interação social a partir do compartilhamento e da criação colaborativa de
122
Embora no Japão o termo otaku tenha um valor negativo e designe uma geração de jovens
avessos a aprofundar relações pessoais, no Brasil os otakus são os fãs de animes, mangás e outros
ramos da cultura pop japonesa.
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informação nos mais diversos formatos que dependerão das perspectivas e concepções da
pessoa ou do grupo que compartilhou este conteúdo. Assim, blogs, videologs ou flogs para
compartilhamento de fotos além de sistemas de mensagens instantâneas e compartilhamento
de músicas são formatos assumidos pelas mídias sociais e que colocam o indivíduo em
primeiro plano.
O contexto contemporâneo é o da expansão na produção informacional principalmente
com a Internet propiciando que todos produzam e disponibilizem seus conteúdos em rede. Tal
como a produção de informação, a mediação cultural também passou por mudanças e é
preciso estar alerta para o fato de que o usuário está atento e ativo nestes novos ambientes.
Mais do que um consumidor cultural ele é um protagonista, um ator que convive e interage
nesses novos espaços virtuais que, por si só têm um papel importante não só nos processos de
criação artística, mas também nos processos de mediação cultural, portanto, é preciso
compreender que simultaneamente ao excesso há a falta. Se a rede facilitou a produção e o
acesso a diversas formas de criações artísticas bastando aos mais diversos públicos estarem
conectados é preciso pensar na complexidade adquirida pelos processos de mediação cultural
a partir do momento que se tornam mais abertos e informais.
Nas imagens, ilustrações ou composições artísticas existentes na Internet sejam
produzidas por e para o meio, ou sejam reproduções do que existe fisicamente e foi
disponibilizada neste espaço virtual, tornam-se suscetíveis à utilização dos recursos da Web
2.0 na realização de suas mediações. Existem hoje, inúmeros recursos que nos permitem
passar da posição de consumidores culturais para produtores e mediadores como já foi dito
anteriormente. Poderiam ser listados várias ferramentas que nos permite ocupar cargos de
artistas a críticos.
Tão fácil e igualmente complexo, a informática abriu portas para experiências inéditas
de interação entre as pessoas. Se conhecimento é poder, pode-se dizer que quase todos agora
podem tê-lo uma vez que, como Almeida (2012) afirma: "O antigo modelo, em que apenas
algumas pessoas ou grupos detinham o saber, vai aos poucos sendo substituído por formas
colaborativas e socializadas de produção, circulação e apropriação do conhecimento". (p. 98)
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se, como defendem alguns autores, na nova era cultural que se inicia, tão ou mais
importante que a identidade vinculada ao passado é trabalhar com identidades que se projetam
para o futuro, aqui a questão se coloca por ambos os lados. Mais do que identidades comuns
pela origem, as identidade nipo-brasileiras constituem-se cada vez mais tecnológicas e cada
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vez mais percebemos reinvenções de costumes e valores. É possível apontar uma capacidade
cada vez maior de negociação dessas identidades e valores em locais e redes distintas,
descentralizando, de alguma maneira, os processos de circulação e legitimação de
informações e conhecimentos sobre a produção cultural.
Sob o olhar nas gerações nipo-brasileiras mais recentes que recebem referências
culturais diversas e são tomadas pelo consumo do pop nipônico e estão cada vez mais
conectadas, é preciso enxergá-los como um exemplo de usuário cada vez mais atuante em
espaços interativos virtuais e que devem receber atenção dos pesquisadores para compreender
essa nova configuração.
Mesmo que seja discutível e por vezes contraditório pensar no conceito de identidade,
ou sua pluralidade em ambientes virtuais que praticamente eliminam fronteiras como tempo e
espaço talvez possamos passar a questionar o processo de identificação que é construída
basicamente a partir do reconhecimento de alguma origem comum ou alguma característica
partilhada entre outros grupos e pessoas uma vez que é inevitável encarar os esvanecimento
de fronteiras possível graças à internet.
Mais uma vez, assim como já vem acontecendo nos últimos tempos, questionam-se os
limites do campo da Ciência da Informação bem como seus profissionais e a forma como
devem encarar ou, ainda neste momento, discutir e refletir sobre as relações entre o indivíduo
ou grupos com as atuais tecnologias e como, da mesma forma, se estabelecem as relações com
os processos de produção, circulação e apropriação da informação. Cada vez mais ativo nos
ambientes virtuais o individuo, ou ainda, grupos ou comunidades, fazem uso das ferramentas
disponíveis na rede provocando aberturas para pensar os processos comunicativos também em
constante processo de construção e mudança.
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