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A TRAJETÓRIA DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL E SEUS DESDOBRAMENTOS NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA ABRAPCORP: UMA BREVE RETROSPECTIVA.

No artigo propomos recuperar, mesmo que brevemente, a trajetória da comunicação organizacional digital no Brasil, a partir de sua emergência como objeto de estudo, das pesquisas realizadas e das temáticas que se tornaram recorrentes no campo da comunicação organizacional e relações públicas. Ao descrevermos o campo de estudos da comunicação organizacional e relações públicas, destacamos a relevância da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp) como mediadora na comunicação das pesquisas científicas dessa área. Apresentamos resultados preliminares de pesquisa acerca da produção científica sobre Comunicação Organizacional no Brasil, tendo como corpus de análise os artigos científicos apresentados nas oito edições do Congresso Científico da Abrapcorp.

Valéria de Siqueira Castro Lopes Luiz Alberto de Farias Cleusa Maria Andrade Scroferneker Organização ANAIS DO IX CONGRESSO BRASILEIRO CIENTÍFICO DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E DE RELAÇÕES PÚBLICAS Chanceler Dom Jaime Spengler Reitor Joaquim Clotet Vice-Reitor Evilázio Teixeira Conselho Editorial Jorge Luis Nicolas Audy | Presidente Jeronimo Carlos Santos Braga | Diretor Jorge Campos da Costa | Editor-Chefe Agemir Bavaresco Ana Maria Mello Augusto Buchweitz Augusto Mussi Bettina S. dos Santos Carlos Gerbase Carlos Graeff Teixeira Clarice Beatriz da Costa Söhngen Cláudio Luís C. Frankenberg Érico João Hammes Gilberto Keller de Andrade Lauro Kopper Filho Valéria de Siqueira Castro Lopes Luiz Alberto de Farias Cleusa Maria Andrade Scroferneker Organizadores ANAIS DO IX CONGRESSO BRASILEIRO CIENTÍFICO DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E DE RELAÇÕES PÚBLICAS Realização do Evento porto alegre 2015 © EDIPUCRS 2015 DESIGN GRÁFICO [CAPA] [DIAGRAMAÇÃO] RocketPub REVISÃO E EDIÇÃO DE TEXTO: dos Autores EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33 Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – Brasil Fone/fax: (51) 3320 3711 E-mail: edipucrs@pucrs.br Site: www.pucrs.br/edipucrs Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C749a Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (9. : 2015 : Campinas, Brasil) Anais do IX Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e Relações Públicas [recurso eletrônico] / org. Valéria de Siqueira Castro Lopes, Luiz Alberto de Farias, Cleusa Maria Andrade Scroferneker . – Dados Eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2015. 1220 p. Modo de acesso: http://www.pucrs.br/edipucrs/ ISBN: 978-85-397-0751-5 1. Comunicação Organizacional. 2. Relações Públicas. I. Título. II. Lopes, Valéria de Siqueira Castro. III. Farias, Luiz Alberto de. IV. Scroferneker, Cleusa Maria Andrade. CDD 658.45 Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). SUMÁRIO APRESENTAÇÃO............................................................................................................... 14 Luiz Alberto de Farias COMUNICAÇÃO, PESQUISA E ENSINO | 1 | COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL NO BRASIL: CAMPO DE CONHECIMENTO EM CONSTRUÇÃO A PARTIR DE AUTORES BRASILEIROS................................................. 18 Ivone de Lourdes Oliveira, Isaura Mourão, Anice B. Pennini | 2 | COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL INTEGRADA: UMA POLISSEMIA PROBLEMÁTICA NO CAMPO DA INTERPRETAÇÃO FRANCESA......................................... 37 Alice Zozima Rego de Souza | 3 | DAS FILIGRANAS DA TRANSVERSALIDADE À CONSTITUIÇÃO DE UMA EPISTEME DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL..........................................................48 Talles Rangel Rodrigues | 4 | GESTÃO ESTRATÉGICA E COMUNICAÇÃO: IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS A PARTIR DO BALANCED SCORECARD.............................................................................62 Fábia Pereira Lima | 5 | A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM UMA SOCIEDADE MIDIATIZADA SOB A PERSPECTIVA DA ANÁLISE ECOLÓGICA....................................................................... 76 Lutiana Casaroli | 6 | RESSIGNIFICAÇÃO DOS PROCESSOS COMUNICACIONAIS A PARTIR DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS: UM REPENSAR SOBRE O ENSINO DE RELAÇÕES PÚBLICAS.... 91 Maristela Romagnole de Araújo Jurkevicz, Joaquim José Jacinto Escola e Regiane Regina Ribeiro | 7 | EAD EM RELAÇÕES PÚBLICAS: ANÁLISE DOS CURSOS SIMILARES OFERECIDOS................................................................................. 108 Simone Alves de Carvalho | 8 | PERFIL E TRAJETÓRIA DOS EGRESSOS DE RELAÇÕES PÚBLICAS DA ECA/USP: SUBSÍDIOS PARA EXCELÊNCIA ACADÊMICA E COMPETITIVIDADE NO MERCADO DE TRABALHO...........................................................127 Maria Aparecida Ferrari e Ana Cristina da Costa Piletti Grohs | 9 | RELAÇÕES PÚBLICAS EM JOGO: A SIMULAÇÃO COMO RECURSO DIDÁTICO........ 149 Márcio Simeone Henriques e Daniel Reis Silva | 10 | A CONSULTA DE OPINIÕES NA GESTÃO DA CONFIANÇA INTERPESSOAL EM GRUPOS DE TRABALHO MULTICULTURAIS .................................................................... 166 Célia Maria Retz Godoy dos Santos, Angélica Aparecida Parreira Lemos Ruiz e Raquel Cabral COMUNICAÇÃO, INOVAÇÃO E TECNOLOGIAS | 1 | A TRAJETÓRIA DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL E SEUS DESDOBRAMENTOS NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA ABRAPCORP: UMA BREVE RETROSPECTIVA. ................................................................ 184 Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa e Cleusa Maria Andrade Scroferneker | 2 | TUDO EM TEMPO REAL: ESTAMOS VIVENDO A ERA DAS RELAÇÕES PÚBLICAS DO IMEDIATISMO?.......................................................................................206 Carolina Frazon Terra | 3 | UM OLHAR SOBRE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTOS ESTRATÉGICOS A PARTIR DA TEORIA ATOR-REDE................................................................................... 224 Marcello Chamusca e Márcia Carvalhal | 4 | COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL: A DIMENSÃO DA “ORGANIZAÇÃO FALADA” NA INTERNET E INTERFERÊNCIAS NA GESTÃO HOTELEIRA............................238 Jean Felipe Rossato e Rudimar Baldissera | 5 | A PRESENÇA DAS EMPRESAS EM PLATAFORMAS DE MÍDIAS SOCIAIS DIGITAIS: UMA ANÁLISE DA NESTLÉ BRASIL S/A.........................................................258 Bianca Marder Dreyer | 6 | A FAN PAGE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA....................................................................................... 274 Daiana Stasiak e Rhayssa Fernandes Mendonça | 7 | O USO DO WHATSAPP NA COMUNICAÇÃO INFORMAL ENTRE OS EMPREGADOS............................................................................. 292 Bruno Carramenha, Thatiana Cappellano e Viviane Regina Mansi | 8 | ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL DA EMBRAPA: IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO........................ 310 Maria Eugênia Ribeiro COMUNICAÇÃO, IDENTIDADE E DISCURSOS | 1 | DIÁLOGO E VÍNCULO – CONTRIBUIÇÕES PARA A LUGARIZAÇÃO DE PERSPECTIVAS COMPLEXAS NAS ORGANIZAÇÕES....................................................... 327 Profª. Dra. Cleusa Maria Andrade Scroferneker,Dra. Lidiane Ramirez de Amorim e Me. Rosângela Florczak de Oliveira | 2 | PRÁTICAS DISCURSIVAS, CONTORNOS IDENTITÁRIOS E CONFLITOS MORAIS: TOPOGRAFIAS DO DIÁLOGO NOS CONTEXTOS ORGANIZACIONAIS.............................. 341 Rennan Lanna Martins Mafra e Angela Cristina Salgueiro Marques | 3 | CULTURA, COMUNICAÇÃO E IDENTIDADE EM INTERFACE E SUAS MANIFESTAÇÕES NO DISCURSO ORGANIZACIONAL.....................................................358 Eliane Davila dos Santos e Ernani Cesar de Freitas | 4 | O CINISMO EM GOFFMAN: UM ESTUDO SOBRE AS REPRESENTAÇÕES E AS ESTRATÉGIAS DE DISPUTA DE PODER NAS INTERAÇÕES ENTRE FUNCIONÁRIOS E ORGANIZAÇÕES...................................... 373 Dôuglas Aparecido Ferreira | 5 | CONTRIBUIÇÃO DAS NARRATIVAS PARA AUMENTAR O SENSO DE PERTENCIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES: O TEMPO DE OUVIR E O TEMPO DE FALAR...........................................................................................390 Viviane Regina Mansi, Paulo Jarbas Jr. e Vânia Bueno Cury | 6 | COMUNICAÇÃO E TRABALHO EM EDITORIAIS DE JORNAL DE EMPRESA: EVIDÊNCIAS PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVAS PRÁTICAS COMUNICATIVAS...............402 Gislene Feiten Haubrich e Ernani Cesar de Freitas | 7 | O REGISTRO DA IMPRENSA NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA ORGANIZACIONAL NO MEMORIAL THEATRO SÃO PEDRO............................................. 418 Diego Pereira da Maia e Karla Maria Müller | 8 | RIO 450 ANOS: A CELEBRAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DA CAMPANHA COMEMORATIVA EM HOMENAGEM À CIDADE MARAVILHOSA.....................................434 Alessandra de Figueredo Porto e Maria Helena Carmo dos Santos | 9 | ULTRAJE DO ROSTO: EMBATES DISCURSIVOS E RECONHECIMENTO DA LIDERANÇA FEMININA NO ATUAL CONTEXTO ORGANIZACIONAL DA PETROBRAS.......................... 451 Frederico Vieira | 10 | COMUNICAÇÃO, CULTURA E CAPITAL SOCIAL EM COOPERATIVAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO EM COOPERATIVAS DO ESTADO DE SÃO PAULO.....................469 Maura Padula COMUNICAÇÃO, RESPONSABILIDADE SOCIAL E CIDADANIA | 1 | DO PARADIGMA DOMINANTE AO CRÍTICO: EM BUSCA DE NOVAS ABORDAGENS EM RELAÇÕES PÚBLICAS............................................................................................... 487 Else Lemos Inácio Pereira | 2 | COMUNICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL: PRESSUPOSTOS DA LIDERANÇA PARA A CONSTRUÇÃO DE PARCERIAS...........................................................................503 Flávia Cristina Martins Mendes | 3 | COMUNICAÇÃO NO TERCEIRO SETOR A CULTURA ORGANIZACIONAL COMO INTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO CONTEXTUAL....................................................... 519 Carlos Augusto Gonçalves Camilotto e Boanerges Balbino Lopes Filho | 4 | DEMOCRACIA VIA PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL INTERNACIONAL: COMPARAÇÃO DAS PRÁTICAS DE ACCOUNTABILITY NO BNDES E NO BANCO MUNDIAL...................................................................................................535 Felipe Rodrigues Siston | 5 | ENGAJAMENTO DE STAKEHOLDERS NA GESTÃO DO GRI-G4 E O MODELO SIMÉTRICO DE RELAÇÕES PÚBLICAS: ANÁLISE DOCUMENTAL DE QUATRO RELATOS DE SUSTENTABILIDADE.................................................................................................550 Ágatha Camargo Paraventi | 6 | A NORMA REPUTACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE: A EXPERIÊNCIA DIALÓGICA EM AUDIÊNCIA PÚBLICA, OS SUJEITOS COLETIVOS E A AÇÃO DOS DIREITOS COMUNS..............................................................569 Ana Lúcia de Alcântara Oshiro e Lara Macedo Pascom | 7 | REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO ENTRE A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL................................................................................586 Paulo Roberto Rosa Calegaro e Tânia Maria Diederichs Fischer | 8 | RELAÇÕES PÚBLICAS ENQUANTO COMUNICAÇÃO POLÍTICA DO MOVIMENTO SOCIAL DOS DIREITOS ANIMAIS ............................................................603 Camila Carbornar de Souza e Nicole Kollross | 9 | “FALTA TEMPO”: CONFIANÇA NOS ESPAÇOS INSTITUCIONAIS E PROCESSOS DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL NO VALE DO RIO PARDO/RS ................................................ 621 Carlise Schneider Rudnicki e Verenice Zanchi | 10 | O CONTROLE DA OBESIDADE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS.................................... 637 Devani Salomão de Moura Reis | 11 | COMUNICAÇÃO PÚBLICA E EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA: A ESCOLA COMO ESPAÇO DE INTERLOCUÇÃO E DE DELIBERAÇÃO NA FORMAÇÃO E EMPODERAMENTO DO CIDADÃO. ............................................................ 657 Maria José da Costa Oliveira COMUNICAÇÃO, POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS | 1 | ESTRATÉGIAS E POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO EM CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM UMA UNIDADE DE PESQUISA .................................................................................. 676 Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade | 2 | RELACIONAMENTO COM PÚBLICOS ESTRATÉGICOS: UM OLHAR SOBRE OS PORTAIS INSTITUCIONAIS DAS PRINCIPAIS UNIVERSIDADES LATINOAMERICANAS........................................................................694 Ana Claudia Braun Endo e Silvia Regina Machado Campos | 3 | O ASTROTURFING E A COMUNICAÇÃO CORPORATIVA: A SIMULAÇÃO DE PÚBLICOS COMO ESTRATÉGIA CONTEMPORÂNEA DE DIVULGAÇÃO....................... 710 Ewerton França Pinheiro, Flávia Roberta de Queiroz Dias e Helaine Ferreira Cavalcante | 4 | UM OLHAR DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL SOBRE AS POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE O NOTICIÁRIO DE NEGÓCIOS E A PRÁTICA DA ESTRATÉGIA NAS ORGANIZAÇÕES.................................................................................727 Victor Marcio Laus Reis Gomes e Robson Dias | 5 | COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA E O MÉTODO GIV: REFLEXÕES, POSSIBILIDADES, RESULTADOS E ANÁLISES................................................................ 744 Tassiara Baldissera Camatti, Julio César de Bem e Márcia Almeida | 6 | INTERFACES DA CULTURA ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO FRONTEIRIÇO: POSSIBILIDADES, ESTRATÉGIAS E GOVERNANÇA CORPORATIVA................................ 762 Karla M. Muller, Camila C. Barths e Stefânia O. Costa | 7 | O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA SUSTENTABILIDADE EM UMA AMOSTRA DE MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS................................780 Valdete Cecato | 8 | A INFLUÊNCIA DE FATORES CULTURAIS NO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE MULTINACIONAIS BRASILEIRAS: ESTUDO DE CASO VOTORANTIM. ........................797 Leila Gasparindo e Denise Pragana | 9 | PROCESSOS DE FUSÕES EM ORGANIZAÇÕES BRASILEIRAS DE DESTAQUE REPUTACIONAL....................................................................................... 818 Patricia Carla Gonçalves Salvatori | 10 | PROCESSO DE COMUNICAÇÃO DAS EMPRESAS PÚBLICAS BRASILEIRAS EM REDES SOCIAIS DIGITAIS.................................................................832 Lebna Landgraf do Nascimento | 11 | GESTÃO DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO: DESAFIOS E NOVAS COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS EM PROL DO ENGAJAMENTO E DA PROPAGAÇÃO DE VALORES E SIGNIFICADOS ..............................848 Boanerges Balbino Lopes Filho e Cibele Maria Ferraz | 12 | O PAPEL DOS GESTORES NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL: TENSIONAMENTOS NA ORGANIZAÇÃO COMUNICANTE...............................................864 Cássia Aparecida Lopes da Silva | 13 | A GESTÃO DA COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE RACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO: PRESCRIÇÕES DE RELAÇÕES PÚBLICAS NO BRASIL E NA FRANÇA (ANOS 1930-1960)....................................................................................883 Claudia Nociolini Rebechi | 14 | ESPIRAIS DO SILÊNCIO E GOVERNANÇA NA COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS........................................................................903 Rozália Del Gáudio e Paulo Henrique Leal Soares COMUNICAÇÃO PÚBLICA, POLÍTICA E GOVERNAMENTAL | 1 | ASSESSORIA DE IMPRENSA COMO FERRAMENTA ESTRATÉGICA DE MARKETING NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO............. 913 Dulcelene Jatobá | 2 | COMUNICAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO COMPARTILHADA: UMA INTERLOCUÇÃO ENTRE PODER PÚBLICO E CIDADÃOS..........................................929 Laura Nayara Pimenta | 3 | DO PONTO DE VISTA DA RELAÇÃO DIALÓGICA ENTRE ENUNCIADOS: COMO PODEMOS PENSAR O DIÁLOGO ENTRE GOVERNO E CIDADÃOS NA CONSULTA PÚBLICA ON-LINE...................................................................................946 Luciana Saraiva de Oliveira Jerônimo | 4 | TV PÚBLICA, ESPAÇO PÚBLICO E PARTICIPAÇÃO CIDADÃ....................................963 Jorge José Pereira Filho | 5 | A RELEVÂNCIA DA COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA EM GESTÃO AUTORITÁRIA DE INSTITUIÇÃO PÚBLICA COM BASE NA PRÁTICA DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E RELAÇÕES PÚBLICAS DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO.............................................................................. 981 Danielly Augusto de Abreu | 6 | PROGRAMA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E DE POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: UMA POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO PÚBLICA CIENTÍFICA..................................................................................................... 997 Cristiane Benevides Pinto Komiyama | 7 | IMPLICAÇÕES ESTRATÉGICAS DO PROGRAMA FEDERAL “MAIS MÉDICOS” SOB A ÉGIDE DA COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL E POLÍTICA.................................1014 Alessandra Castilho e Roberto Gondo Macedo ESPAÇO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - EIC | 1 | A COMUNICAÇÃO COM A COMUNIDADE COMO ESTRATÉGIA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: A EXPERIÊNCIA DA USINA HIDRELÉTRICA BARRA GRANDE....................................................................... 1032 Luisa Arvani Marques, Rafaela Defreyn Fernandes e Cristiane Maria Riffel | 2 | COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E BARRAGENS: A COMUNICAÇÃO DO CONCESSIONÁRIO NA IMPLANTAÇÃO NA USINA HIDRELÉTRICA DE MACHADINHO (BRASIL) ............................................................... 1052 João Paulo Fernandes Silva | 3 | RELAÇÕES PÚBLICAS E CULTURA: COMO PROMOVER MOBILIZAÇÃO SOCIAL PARA MUDANÇAS NA SOCIEDADE .......................................... 1071 Ana Carolina Mendes Marinho Valentim Candido e Mariângela Furlan Haswani | 4 | OS CONFLITOS ENTRE AS ORGANIZAÇÕES E O PÚBLICO LGBT: PERSPECTIVAS DE ATUAÇÃO DO RELAÇÕES- PÚBLICAS .............................................1088 Felipe Franklin Anacleto da Costa e Júlio Afonso Sá de Pinho Neto | 5 | A GESTÃO DA ÉTICA ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO DO RELACIONAMENTO ENTRE A EMPRESAS DA CONSTRUÇÃO CIVIL DE LONDRINA-PARANÁ E SUAS COMUNIDADES. ..............................................................1106 Débora Maria Facci Cardoso e Zilda Aparecida Freitas de Andrade | 6 | COMUNICAÇÃO E AS RELAÇÕES PÚBLICAS NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO: UM ESTUDO SOBRE ORGANIZAÇÕES PRIVADAS BAURUENSES........................................................ 1122 Verônica Ferreira Gonçalves e Maria Eugênia Porém | 7 | O PAPEL ESTRATÉGICO DO PROFISSIONAL DE RELAÇÕES PÚBLICAS NA ASSESSORIA DE IMAGEM PARA PERSONALIDADES PÚBLICAS.............................1139 Raquel Campos da Cruz, Emanuelle Andrade Déa e Marta Terezinha Motta Campos Martins | 8 | AS MÍDIAS SOCIAIS E A (RE) SIGNIFICAÇÃO DAS ‘OUVIDORIAS VIRTUAIS’ NOS HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS........................................................1154 Cleusa Maria Andrade Scroferneker, Francielle Benett Falavigna e Thaís Gonçalves da Silva | 9 | O USO DO CROWDFUNDING NO FINANCIAMENTO DE PROJETOS SOCIAIS E CULTURIAS: UM ESTUDO SOBRE A CATARSE............................. 1167 Caroline Dias MILANI e Cristiane Maria RIFFEL | 10 | A INSERÇÃO DO PROSUMER NO PERFIL DO INSTAGRAM DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS............................................................................. 1187 Fernanda Lica Aires da Costa, Júllia Robertha Rosa Machado, Thays Lanusse Gomes Lopes e Dra. Daiana Stasiak | 11 | HUMANIZAÇÃO E RELAÇÕES PÚBLICAS: A CONTRIBUIÇÃO DO STORYTELLING PARA A PROMOÇÃO DE AMBIENTES DE TRABALHO HUMANIZADOS................................................................ 1204 Vânia Penafieri de Farias e Bárbara Miano APRESENTAÇÃO A TRANSPARÊNCIA QUE SE VÊ C riada no ano de 2006, a Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas ( Abrapcorp) sempre esteve conectada aos grandes movimentos e às indagações de seus pesquisadores e do campo em que se inserem as questões ligadas à comunicação no contexto das organizações. Nesse sentido, pode contribuir com a realização de congressos que se sucederam sempre conectando os espaços do Brasil – sendo abrigados em diversas instituições de ensino superior brasileiras –, seus pesquisadores, que indicaram temas e puderam contribuir com suas pesquisas, e com questões que demandavam e mobilizavam, em seus dados momentos, a atenção do público envolvido com a comunicação. Foi nesse sentido que se desenhou a nona edição do Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas (IX Congresso Abrapcorp), promovido pela Abrapcorp e realizado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas) e pela Faculdade Matrocamp/Grupo Ibmec, na Cidade de Campinas entre os dias 12 e 15 de maio de 2015. A temática escolhida não poderia ser mais atual e em ebulição: Comunicação-Governança-Organizações. As atividades que compuseram o programa do IX Congresso Abrapcorp foram esquematizadas a partir do eixo ética e transparência na comunicação, tendo início com a conferência do pesquisador catalão Jordi Xifra T., da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona. A apresentação provocadora de Xifra trouxe à cena a realidade vivida em nosso país na contemporaneidade, em que os valores tem sido discutidos e colocados em agendas de todas as classes socioeconômicas. Deram tom aos debates os painéis compostos pela hibridização entre pesquisadores e profissionais de campo, atuantes em organizações dos mais diversos perfis. Caracterizando o universo dos congressos, as sessões de comunicação científica vinculadas aos Grupos de Pesquisa (GPs) e ao Espaço de Iniciação Cientifica (EIC) trouxeram mais uma vez a riqueza das pesquisas ligadas a comunicação orga- nizacional e relações públicas, em franco processo de crescimento e amadurecimento no Brasil. O perfil do congresso expressa a relevância da área – tanto em qualidade quanto em quantidade demonstra força em qualquer comparação nacional ou internacional com eventos especializados e segmentados – e nesse sentido foi apresentada a Rede de Pesquisadores Abrapcorp, idealizada em 2014, e efetivada em 2015, com o objetivo de conectar, a partir dos temas dos Grupos de Pesquisa (GPs), aqueles que podem maximizar seus trabalhos a partir de ações de parceria e colaboracionismo. A proposta mais importante é fomentar o diálogo, a troca e maior proximidade dos associados da Abrapcorp e dos demais pesquisadores de nosso campo. Os trabalhos apresentados nos diversos espaços do Congresso passaram por um crivo minucioso a partir de blind review e com a participação de um número significativo de avaliadores de todo o país – a quem a Abrapcorp presta o justo agradecimento – e de um grupo maduro de coordenadores liderados pela diretora Científica Dra. Cleusa Scroferneker. Em seu primeiro congresso a atual diretoria executiva da Abrapcorp pôde contar com a colaboração valiosa da comunidade acadêmica e com o apoio vigoroso da organização do congresso liderada pelas Professoras Maura Padula (PUC Campinas) e Maria José da Costa Oliveira (Metrocamp/Ibmec). A expertise consolidada pelas diretorias executivas anteriores – nas gestões de Margarida M. Krohling Kunsch, Ivone de Lourdes Oliveira e Claudia Moura – também foi essencial. A Abrapcorp, como explicita seu nome, é uma entidade voltada a pesquisadores, mas com a segurança que suas portas estão abertas à comunidade, desde os estudantes que podem apresentar seus trabalhos no Espaço de Iniciação Científica, passando pelos pesquisadores menos ou mais maduros, que oferecem suas contribuições em termos de pesquisas, assim como abriga também as contribuições advindas do espaço das organizações, onde de fato ocorrem os processos comunicacionais. Neste ano de 2015, a transparência pôde ser vista como tema e como prática, como princípio e como fim. A Abrapcorp também não pode deixar de agradecer a valiosa contribuição de seus apoiadores para a realização do evento Unimed Campinas, Fapesp, Capes e CNPq, cujo fomento permitiu a ampliação da discussão e o caminho para a busca 15 plena de uma comunicação que envolva organizações a partir do conceito de governança, de ética e de transparência. Os Grupos de Pesquisa apresentam relatos científicos, com reflexões e discussões sobre diversos assuntos desenvolvidos pelos pesquisadores a partir de investigações de cunho teórico e prático. Os trabalhos selecionados são resultantes de pesquisas realizadas em nível de pós-graduação lato sensu (Especialização) e stricto sensu (Mestrado e Doutorado), assim como por especialistas, mestres ou doutores, de organizações públicas ou privadas, não vinculadas a instituições de ensino. Versam sobre questões pertinentes ao foco definido para os cinco Grupos de Pesquisa da Abrapcorp: Comunicação, pesquisa e ensino; Comunicação, inovação e tecnologias; Comunicação, identidade e discursos; Comunicação, responsabilidade e cidadania; Comunicação, políticas e estratégias; e para o assunto tratado no Congresso de 2014, no Grupo de Pesquisa Temático – Comunicação e Interculturalidade. Esta obra oferece mais um espaço de reflexão, de discussão, de oportunidade e, acima de tudo, de encontro. Boa leitura. Luiz Alberto de Farias Presidente 16 GRUPO DE PESQUISA I COMUNICAÇÃO, PESQUISA E ENSINO COORDENAÇÃO: PROFA DRA. CLAUDIA PEIXOTO DE MOURA (PUCRS) |1| COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL NO BRASIL: CAMPO DE CONHECIMENTO EM CONSTRUÇÃO A PARTIR DE AUTORES BRASILEIROS Ivone de Lourdes Oliveira1, Isaura Mourão2, Anice B. Pennini3 RESUMO Este artigo busca identificar e compreender o pensamento contemporâneo brasileiro acerca da Comunicação Organizacional, tendo como base uma metapesquisa realizada na disciplina Processos Interacionais das Organizações, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC – Minas. Com esse intuito, foram identificadas produções científicas de alguns autores brasileiros sobre o tema e, a partir dessas publicações, foram observadas as singula- Pós-doutora pela Université de Toulouse – Paul Sabatier, Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da ECA-USP, professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social – Interações Midiáticas da PUC – Minas, e líder do grupo de pesquisa “Comunicação no contexto organizacional: aspectos teórico-conceituais” (PUC – Minas/CNPq). 1 Doutoranda em Comunicação e Informação na UFRGS, Mestre em Comunicação Social – Interações Midiáticas pela PUC – Minas, Especialista em Comunicação e Gestão Empresarial pela PUC Minas, Jornalista pela UFMG, membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Organizacional, Cultura e Relações de Poder (GCCOP UFRGS/CNPq), consultora e professora universitária. 2 Mestre em Comunicação Social, na linha de pesquisa Midiatização e Práticas Interacionais, PUC Minas (Bolsista Fapemig). Especialista em Marketing pela FGV. Jornalista pela PUC Minas. Analista de Pesquisa de Opinião e Marketing. Membro dos grupos de pesquisa “Campo Comunicacional e suas Interfaces” e “Comunicação no contexto organizacional: aspectos teórico-conceituais” (PUC Minas). 3 ridades do pensamento dos autores, mas também, aspectos em comum, que convergem para uma perspectiva interacional, complexa e sistêmica da comunicação no contexto das organizações. Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Paradigmas; Interações; Epistemologia. 1 - INTRODUÇÃO O interesse em compreender e dar visibilidade à comunicação no contexto organizacional tem mobilizado diversos autores brasileiros. Este artigo tem o propósito de compreender esse pensamento, a partir da produção acadêmica de autores que pesquisam sobre o tema. Assim, buscamos identificar os paradigmas, as teorias e os conceitos que vêm fundamentando essa produção, na última década. O ambiente organizacional é um contexto vivenciado por sujeitos sociais, que nele convivem e/ou com ele se relacionam cotidianamente. Cada um dos sujeitos implicados nesse contexto traz consigo seu próprio universo cultural, que, por sua vez, se abre em múltiplas perspectivas cognitivas e subjetivas. Ao mesmo tempo, os sujeitos sociais coexistem e relacionam-se com vários outros, em torno de uma mesma organização, que, por seu turno, apresenta seus objetivos e interesses. Assim, o fazer comunicacional em ambientes organizacionais se desenvolve em processos dinâmicos e complexos, que demandam reflexões consistentes, no sentido de se pensar essa teia intrincada de relacionamentos, para além de uma visada meramente instrumental. A partir de uma metapesquisa proposta na disciplina Processos Interacionais das Organizações, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC Minas4, conduzida pela professora Ivone de A metapesquisa gerou diversos artigos e foi realizada pelos seguintes alunos: Anice B. Pennini; Bruna Raquel de Oliveira e Santos; Bruno Barbosa Costa; Cristiano Diniz Cunha; Ellen Barros; Eulálio Mabuie; Isabella Novais; Isaura 4 19 Lourdes Oliveira, buscamos estudar o pensamento científico de autores brasileiros da Comunicação Organizacional, escolhidos pelos alunos da disciplina. A definição dos autores analisados não pretende esgotar o rol dos estudiosos. A escolha dos nomes se materializou a partir da afinidade de pesquisa dos então alunos pesquisadores. Dessa forma, o corpus da metapesquisa foi constituído pela produção científica dos professores: Cleusa Scroferneker (PUC-RS), Eugênia Barichello (UFSM), Ivone de Lourdes Oliveira (PUC-Minas), João José A. Curvello (UNB), Luiz Carlos A. Iasbeck (UCB), Márcio Simeone Henriques (UFMG), Margarida M. K. Kunsch (USP) e Rudimar Baldissera (UFRGS), no período de 2005 a 2012. Na referida pesquisa, a metodologia se constituiu, inicialmente, do levantamento de artigos e de capítulos de livros publicados pelos autores, presentes em seus respectivos currículos Lattes, no período determinado. Independentemente da quantidade de trabalhos encontrados, a análise se deu a partir de um roteiro, elaborado em sala de aula, que indicava os pontos de análise, tais como as ideias centrais dos autores, os principais aportes teóricos e metodológicos utilizados e os campos de interface abordados em suas produções científicas. A partir da leitura das publicações desses oito autores, foram identificadas três abordagens teóricas que, de forma recorrente, ancoram seus estudos. É sobre tais perspectivas que trataremos na parte inicial do presente artigo. São elas: a perspectiva interacional/relacional, o paradigma da complexidade e o paradigma sistêmico, sob as lentes da Teoria dos Sistemas Sociais. Posteriormente, serão abordados os principais pensamentos que norteiam a produção científica dos oito pesquisadores. 2 – PERSPECTIVAS TEÓRICAS PARA A COMPREENSÃO DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL A partir da década de 1990, iniciam-se os estudos sobre a Comunicação Organizacional, em uma perspectiva ampla, que compreende a interação entre os sujeitos sociais nas sociedades contemporâneas. Mesmo que, na prática, a Comunicação Organizacional ainda seja, em boa parte, subsidiada pelo paradigma clássico, essa visão do fazer Mourão; Joanicy Brito Gonçalves; Márcia Araújo; Marlene Machado; Nadjanaira Costa; Terezinha Gislene Rodrigues Alencar e Vanessa Mol. 20 comunicacional passa a ser questionada, a partir da emergência e fortalecimento de fenômenos na sociedade, a exemplo da globalização da economia, da valorização dos direitos dos cidadãos, do reconhecimento da liberdade de expressão e do desenvolvimento tecnológico. Nesse cenário, a complexidade do processo comunicacional tem dificultado a ênfase na visão linear da transmissão da informação. A interação entre sujeitos interlocutores e o espaço da circulação das informações tornaram-se mais perceptíveis e valorizados na dinâmica comunicativa. A perspectiva relacional/interacional oferece uma forma de pensamento condizente com o ambiente de compartilhamento simbólico contemporâneo, em que sujeitos sociais se afetam mutuamente. A pesquisadora Vera França5 (2002) propõe alguns eixos para fundamentar a forma de lidar com a comunicação nesse contexto: comunicação como um processo de interação e de prática de produção e interpretação entre sujeitos sociais, em vez da polarização entre emissores e receptores; comunicação como uma realidade em que é possível identificar marcas simbólicas desses sujeitos e do ambiente que os envolve; e comunicação como um processo dependente de determinado contexto, no qual ocorrem manifestações singulares da prática discursiva e do panorama sociocultural de dada sociedade. Alguns conceitos mostram-se bastante imbricados nesse arcabouço teórico. Destacamos a mediação, a interação e a midiatização. Tomamos a mediação como um conceito amplo, que abarca tanto as mediações abstratas, a exemplo da cultura, das convicções políticas, da origem social etc., como também as realizadas por aparatos materiais, tais como computador e televisão. As mediações podem ser pensadas, portanto, como meios para se atingir a interação. Ao mesmo tempo, deve-se ter em mente que todas essas relações são ainda mais complexificadas, na medida em que se identifica um processo cada vez mais intenso de midiatização da sociedade, entendida como um processo construído pela articulação entre sujeitos sociais, mercado, tecnologias, entre outras instâncias, que tem produzido transformações nas diversas práticas diárias, seja na relação com outros indivíduos e organizações, Profa. Dra. Vera França é professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atua como pesquisadora nas áreas de Teoria da Comunicação, Comunicação e Cultura Midiática e Metodologia de Pesquisa em Comunicação. 5 21 seja na conformação da cultura de uma dada sociedade. Em suma, na perspectiva relacional/interacional a comunicação nas organizações é percebida como uma área de relacionamentos, em que a alteridade apresenta seus próprios valores, sentimentos e expectativas, em uma concepção em que as divergências são percebidas como elementos inerentes ao processo comunicacional. Essa perspectiva dialoga com o paradigma da complexidade, marco teórico da produção do filósofo e sociólogo francês Edgar Morin6, na medida em que o conceito da complexidade contempla a relação com a alteridade. A complexidade para Morin (2011) é um conceito desvinculado dos pressupostos da complicação, e traz em si a ordem e a desordem, bem como o uno e os múltiplos, noções essas que se influenciam mutuamente (MORIN, 2011). A noção de pensamento complexo emerge em contraponto ao pensamento simplificador, que busca expulsar a desordem do universo, a serviço de uma racionalidade, privilegiando a fragmentação. Assim, o pensamento simplificador trata de ordenar os fenômenos e afastar a incerteza. Contudo, a partir desse raciocínio, corre-se o risco de não se enxergar importantes aspectos envolvidos nos processos. No caso da Comunicação Organizacional, ao se focar apenas uma das partes – por exemplo, a emissão, o veículo, a mensagem ou a recepção –, assume-se a possibilidade de não se considerar os elementos envolvidos na circulação e na produção de sentidos, instâncias essas intrínsecas ao processo comunicacional. “A simplicidade vê o uno, ou o múltiplo, mas não consegue ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo.” (MORIN, 2011, p.59). A complexidade considera os paradoxos: a ordem e a desordem, a contradição e a incerteza, na busca da compreensão do fenômeno como um todo. Nos aportes do pensamento complexo, é possível perceber as organizações como sistemas vivos e abertos, o que sublinha a importância das interações entre os sujeitos no processo comunicacional. Morin (2010) aponta uma questão inerente à complexidade, que é o conceito da autonomia, concebido a partir de uma teoria de sistemas abertos e O francês Edgar Morin é considerado um dos principais intelectuais da atualidade. Formado em Direito, História e Geografia, realiza estudos nas áreas da Filosofia, Sociologia e Epistemologia. 6 22 fechados, simultaneamente, em um processo que compreende que os sistemas precisam se abrir para renovar as energias. Essa renovação é captada no meio ambiente e, consequentemente, a autonomia se fundamenta na dependência do sistema ao meio ambiente. Assim, o conceito de autonomia passa a ser complementar ao conceito de dependência, embora sejam antagônicos. Por outra via, o sistema mantém-se fechado, quando se trata de preservar sua individualidade. Eis que nos deparamos com mais uma questão conceitual de complexidade, pois, sob o paradigma simplificador, é preciso que a porta esteja aberta ou fechada, mas, na concepção complexa, é preciso que um sistema autônomo esteja aberto e fechado, ao mesmo tempo. (MORIN, 2010). Fazendo esse raciocínio no contexto organizacional, tem-se que é na sociedade que a organização se auto-organiza, envolvida no ambiente de ordem e desordem, de resistências e cooperações, em um processo de regeneração e atualização. Os conceitos que compõem o paradigma da complexidade se coadunam com o paradigma sistêmico, em que se filiam, além das ideias moranianas, os pensamentos de Niklas Luhmann7 (2010), em sua proposta de se conceber as organizações como sistemas sociais que se fecham para sobreviver, mas que também se abrem ao exterior, como forma de regeneração. Segundo essa vertente de pensamento, as organizações se fecham, com a finalidade de elaborarem suas próprias atividades e de estabelecerem sua identidade, mas também se abrem, pois, mesmo correndo riscos de terem sua ordem interna alterada ou de terem sua imagem percebida de forma indesejável, precisam interagir com outros sistemas para manterem-se atualizadas. Em síntese, no pensamento luhmanniano, as organizações constituem-se sistemas fechados, já que precisam impor limites entre suas atividades e o ambiente complexo que as cercam. O estabelecimento dessas fronteiras é que propicia a particularização das organizações, e se dá por meio da auto-organização e da autopoiese8. É preciso ter claro, contudo, Niklas Luhmann foi um dos mais influentes estudiosos na Sociologia alemã contemporânea. 7 Entendemos o conceito de autopoiese, aos moldes dos estudiosos da área biológica, Maturana e Varela. Transpondo suas ideias para a Comunicação,as 8 23 que nesse processo não se pode garantir que sempre haverá compreensão. Há sempre o risco de que a comunicação não se complete ou não se dê conforme o planejado pelas organizações. Essa corrente de pensamento considera então, a ruptura com a linearidade, pois reconhece a importância da interação com a alteridade no fazer comunicacional. Pode-se observar que as três perspectivas sobre as quais discorremos trazem em seu arcabouço os pensamentos da complexidade, da imprevisibilidade e da subjetividade. Essas ideias são apropriadas por importantes autores da Comunicação Organizacional, como veremos na análise da produção científica desses autores. 3 – PENSAMENTOS DOS AUTORES BRASILEIROS 3.1 - MARGARIDA KUNSCH A trajetória acadêmica da pesquisadora está intimamente relacionada ao encadeamento do pensamento científico da Comunicação Organizacional e sua produção contribui para a institucionalização e a consolidação do campo no Brasil. Para a autora, a Comunicação Organizacional e as Relações Públicas estão imbricadas. Reconhecida no País e internacionalmente, Kunsch articula as dimensões instrumental, estratégica e humana do processo comunicacional das e nas organizações, e trabalha em sua produção acadêmica os conceitos de planejamento, alinhamento, administração estratégica e humanização das organizações. A partir de 2005, seus estudos passam a enfatizar a Comunicação Organizacional como a disciplina que estuda o fenômeno comunicativo e seu contexto sociopolítico, numa perspectiva mais complexa, como fenômeno inerente à natureza das organizações. No entanto, continua sua produção relativa às Relações Públicas, apontando as diferenças entre as duas áreas. Para a autora, a Comunicação Organizacional é um fenômeno constituído por processos complexos que ocorrem no contexto organizações são vistas como sistemas autônomos, interdependentes e constituídos de sentidos. Os autores questionam a ruptura entre ciência e filosofia, de modo que suas reflexões reforçam o conceito de intersubjetividade, fundamentado na ideia de que o conhecimento científico é uma construção social. 24 específico das organizações. Já as Relações Públicas atuam na gestão dos processos comunicativos organizacionais, fazendo sua gestão por meio de todo o aparato de comunicação, visando a mediação com os interlocutores (KUNSCH, 2009). Um dos principais conceitos desenvolvidos pela autora é o da Comunicação Integrada, que abarca a Comunicação Institucional, a Mercadológica, a Interna e a Administrativa. Observadas separadamente, cada uma possui objetivos distintos, mas, de forma integrada, devem estar articuladas na política de Comunicação Organizacional. Outra contribuição teórica trazida por Kunsch é a compreensão da comunicação em três dimensões: a instrumental, a estratégica e a humana. A instrumental, de caráter funcional e técnico, ainda é a que predomina nas organizações, segundo a autora. A partir dessa perspectiva, enfatiza-se a transmissão das informações buscando viabilizar os processos comunicacionais, de forma linear. A dimensão estratégica guarda fortes semelhanças com a instrumental. Nesse viés, a comunicação é vista como forma de agregar valor à organização e aos negócios, a partir de uma visão pragmática, buscando eficácia e resultados nos processos comunicativos. Nesse caso, a comunicação, por meio do planejamento e da gestão, deve alinhar-se, de forma estratégica, aos objetivos da organização, abrindo canais que buscam confiança mútua e construção de credibilidade, valorizando a dimensão social da organização (KUSNCH, 2006, 2012). A dimensão humana, que tem sido mais enfatizada pela autora em suas produções mais recentes, é considerada por ela como inerente ao processo comunicativo e provoca uma mudança na perspectiva dos estudos da área, uma vez que a comunicação acontece entre as pessoas, que não vivem sem se comunicar. No caso das organizações, tem-se um contexto específico no qual esse fenômeno ocorre, sendo vivenciado pelas pessoas que nelas convivem e com elas se relacionam, num fazer comunicativo diário. Essas pessoas querem ser reconhecidas e não sufocadas pelo excesso de comunicação técnica e instrumental, de interesse da empresa e dos negócios. A partir dessa perspectiva, torna-se necessário a abertura de canais diretos de diálogo entre a alta direção e os trabalhadores (KUSNCH, 2012). Essa dimensão da Comunicação Organizacional tem marcado as pesquisas da autora nos últimos anos e evidenciado como a evolução 25 dos estudos da área e das práticas são capazes de produzir novos conhecimentos e perspectivas para um campo até então muito fundamentado no técnico e funcional. Kunsch ressalta que é a dimensão humana a propulsora de transformação das organizações, uma vez que olhar para a comunicação a partir da humanização das organizações significa, acima de tudo, respeitar o outro, permitindo pensar numa convivência com mais harmonia, capaz de produzir significado. Analisar a Comunicação Organizacional a partir dessa perspectiva é pensar em um fenômeno com processos complexos, constituído pelas interações humanas, pelos meios e mensagens internas, institucionais e mercadológicas, e pela valorização humana e social nas organizações. 3.2 – CLEUSA SCROFERNEKER A autora traz uma abordagem mais complexa da Comunicação Organizacional, com aportes oriundos do paradigma da complexidade, de Edgar Morin, e da Teoria dos Sistemas Sociais, de Niklas Luhmann, especialmente em suas produções mais recentes. Suas reflexões têm sido marcadas pelos estudos comparativos entre as Relações Públicas e a Comunicação Organizacional que, segundo a pesquisadora, abrange toda a comunicação nas suas diferentes formas e modalidades para que a organização possa interagir e relacionar-se com os diferentes públicos (SCROFERNEKER, 2006). Scroferneker enfatiza que as pesquisas desenvolvidas recentemente têm buscado evidenciar a importância da comunicação para as organizações e definir a abrangência de sua atuação, uma vez que, nos últimos anos, uma série de reflexões, fundamentadas por novos paradigmas, dentre eles o da complexidade, alteram conceitos, convicções e certezas acerca do campo. Ainda assim, ressalta que elementos do paradigma funcionalista devem ser considerados. No entanto, as organizações contemporâneas, muito mais complexas, demandam outras perspectivas e modelos que possam contribuir com a compreensão e o desenvolvimento das atividades de comunicação nesse espaço. A transposição do paradigma da complexidade para fundamentar as reflexões teóricas da autora imprime à sua produção uma visão da comunicação organizacional que compreende seus antagonismos e contradições. Além disso, como a mudança tornou-se a constante, faz26 -se necessário, segundo Scroferneker, (re)visitar permanentemente as concepções de comunicação, de organização e de sujeito organizacional (SCROFERNEKER, 2008). Para a autora, a consolidação dos conceitos do campo é hoje um grande desafio. Além da consolidação acadêmica do campo, ressalta que é fundamental o apoio e o entendimento por parte da alta direção das organizações para viabilizar os processos de Comunicação Organizacional, uma vez que a comunicação é complexa e constitutiva da organização, atentando para a importância do planejamento e do conhecimento profissional (SCROFERNEKER, 2008). 3.3 - EUGÊNIA BARICHELLO A produção científica da pesquisadora tem como conceitos centrais a mídia, a midiatização, a visibilidade midiática e a legitimação, articulando toda sua fundamentação com os estudos sobre estratégias de Comunicação, Comunicação Institucional e Comunicação Organizacional. Ela concebe a midiatização para além do suporte, uma vez que considera as possibilidades de interação presente nas mídias, especialmente nas digitais, e a ‘autonomia’ dos sujeitos nesse ambiente de manifestação. Segundo Barichello, a midiatização leva a sociedade a outras formas de estruturação, assim como os processos sociais interativos, que interferem nos processos de legitimação das organizações no mundo. A mídia é entendida não como um fluxo comunicacional conectado a um dispositivo técnico, mas como uma concepção da vida, um bios virtual, que tem uma lógica específica de funcionamento e uma responsabilidade na dinâmica interativa da sociedade, além de ser um campo de legitimidade, que acontece por meio da visibilidade. Nesta perspectiva, a autora se fundamenta em Braga (2007) e em Sodré (2002), apropriando-se do conceito de midiatização como ambiência que ultrapassa os meios tecnológicos e que intervém nas formas de sociabilidade. A pesquisadora transpõe esses conceitos para o contexto organizacional, o que representa um avanço para o campo em estudo. Sua contribuição é direcionada à compreensão da legitimação e da visibilidade das organizações a partir da midiatização. Nesse aspecto, trabalha a visibilidade institucional midiática em duas perspectivas: uma a partir das estratégias organizacionais concebidas no planejamento; outra a partir da construção de sentido dos sujeitos sobre as organizações nos 27 espaços midiáticos tradicionais e digitais. Sob a perspectiva do campo midiático, a pesquisadora admite que a imagem da organização é construída pelo indivíduo, baseada nas ações que a torna visível. Com isso, a pesquisadora reforça a importância dos relacionamentos da organização com seus públicos. A partir de 2007, Barichello direciona seus estudos para a internet, relacionando-a aos suportes tecnológicos e digitais como meios e estratégias constituintes da representação organizacional e de sua visibilidade. Nesse contexto, afirma que para que isso se materialize, deve-se investir nas interações, no compartilhamento, nas reciprocidades e nas apropriações, para além dos suportes impressos, tais como jornais e folders. A partir dos autores Verón (2007) e Fausto Neto (2005), a pesquisadora instiga um tensionamento, ao declarar que as instituições midiáticas estão perdendo a posição de mediadora, tradicionalmente a elas designadas, para dividir o espaço com instituições não midiáticas, que adquirem cada vez mais espaços de conquista na sociedade. 3.4 – IVONE OLIVEIRA Uma marca da pesquisadora é o olhar para o contexto organizacional que, segundo ela, vai além de um agrupamento de pessoas. Trata-se de uma realidade comunicacional com múltiplas perspectivas. A partir desse olhar, compartilhado também por outros pesquisadores, lança a perspectiva da comunicação no contexto das organizações, conferindo maior abrangência aos estudos de comunicação na e das organizações. Para a autora, a comunicação é um processo constitutivo da sociedade, que se dá a partir da representação e da narrativa feita pelos indivíduos nele inseridos, uma vez que é por meio dos atos comunicativos que esses indivíduos constroem o mundo (OLIVEIRA, LIMA E MONTEIRO, 2011). Nesse raciocínio, Oliveira (2011) define o fenômeno comunicativo como processo sempre marcado pelo contexto social e histórico no qual é produzido. Diretamente influenciada pela perspectiva relacional, a pesquisadora também se fundamenta em abordagens que enfatizam a complexidade do processo comunicativo, e, em sua tese de doutorado, formula o Modelo de Comunicação Interacional Dialógica. O modelo privilegia a relação dialógica entre organização e interlocutores ativos, num processo de comunicação em movimento, no qual os sujeitos desempenham, 28 simultaneamente, múltiplas funções, tornando-se emissores e receptores ao mesmo tempo, em um contexto de incertezas, indeterminações, contradições e aleatoriedades. A autora critica a falta de autonomia do campo frente a outras áreas de conhecimento e o modo funcionalista de se tratar o fenômeno comunicacional, amparado na perspectiva da Administração. Segundo afirma, tal direcionamento reduz o fenômeno comunicacional a um fluxo linear e transmissional, a serviço da gestão organizacional – denotando uma visão simplificadora da Comunicação. Apesar da interface com outras áreas do conhecimento, ressalta que o fenômeno deve ser estudado tendo como base a própria Comunicação e não a partir de outras áreas do conhecimento. Para a autora, a comunicação praticada nas organizações não deve ser pensada de forma “divorciada” de uma ideia geral da comunicação: a organização como contexto, onde ocorre o fenômeno comunicativo, é tão plausível, legítimo e específico para ser pesquisado quanto diversos outros. Como os sentidos se conformam aos contextos, o lugar organizacional é, dessa forma, uma empiria tão singular e relevante para o desenvolvimento de uma teoria geral da comunicação quanto o cinema, o jornalismo e a publicidade. Por essa perspectiva, as organizações se transformam na medida das mudanças da sociedade, ao mesmo tempo em que transformam a própria sociedade a partir de suas ações. Ao jogar luz sobre a importância da alteridade nos processos e fenômenos comunicacionais, a autora mostra outros caminhos de pesquisa, além daqueles da busca de causa e efeito, interessados em encontrar ações e estratégias bem sucedidas. Assim, coloca-nos em zonas de desconforto, instigando-nos a refletir sobre o que é fora do padrão ou pouco visto. Enfim, a autora instiga a visão sobre a comunicação sem os filtros funcionalistas. 3.5 – JOÃO JOSÉ AZEVEDO CURVELLO O pesquisador, a partir de sua produção teórica, nos provoca a refletir sobre a complexidade das organizações e da comunicação nesse contexto, enfatizando os estudos relacionados à cultura e aos processos organizacionais. Fundamentando suas reflexões em Edgar Morin, Niklas Luhmann, e considerando a perspectiva autopoiética de Humberto Maturana e Francisco Varela, a partir da qual as organiza29 ções devem ser vistas como sistemas autônomos, interdependentes e constituídos de sentidos, Curvello ressalta que as organizações devem ser observadas como organismos vivos e como sistemas sociais altamente complexos, questionando a ordem e a simetria que devem dar lugar ao imprevisível e ao complexo. A perspectiva sistêmico-comunicacional, apropriada por Curvello para estudar a cultura e a comunicação organizacional, postula que o ser humano é comunicativo em sua essência, e se posiciona como ator social em um ambiente organizacional. Nesse sentido, há maior probabilidade de se ter conflito do que consenso nas relações sociais, e as conversações e embates devem ser considerados instâncias de aprendizagem. A abordagem sistêmica possibilita compreender essa aprendizagem, bem como a construção do conhecimento, do sentido e da identidade em ambientes complexos, gerando novas formas de conexão entre organização e indivíduo. Suas contribuições tornam possível um exame ampliado sobre os processos comunicacionais. As relações entre os atores sociais não são homogêneas e cada um se torna elemento importante no sistema ao compartilhar experiências dentro da organização. Assim, diálogos, impressões e sentidos são recriados, invariavelmente, sob a influência de processos interacionais. Essa perspectiva valoriza a relação mútua dos interlocutores, na qual os sentidos são construídos, e a dimensão simbólica passa a ser considerada. Para o autor, o fenômeno comunicacional deve ser compreendido como processo dinâmico e ágil, ocorrendo em cenários de imprevisibilidade. 3.6 - LUIZ CARLOS IASBECK As contribuições teóricas de Iasbeck sinalizam outras perspectivas para as pesquisas em Comunicação Organizacional. O autor é um estudioso da Semiótica e a adota como referência conceitual para entender as relações comunicativas nos universos organizacionais. Adota as linhas de Charles Peirce (1839-1914) e da semiótica da cultura, iniciada por estudiosos russos e estonianos das escolas de Moscou e Tartu (década de 1960), com destaque para Ivanov, Lotman, Uspenskij, Piatgorski, Toporov e Bystrina. 30 Para o pesquisador, a comunicação é um processo de criação e perpetuação de vínculos, conceito que se fundamenta nas teorias de Bateson (1979) e Baitello Júnior (2005). Fundamenta-se ainda, no filósofo Paul Watzlawick (1968) e em Erich Fromm (1956), de onde tira argumentos para declarar que a comunicação é um processo inerente ao ser vivo e fundamental para a vida, porque o homem precisa se comunicar para enfrentar a solidão. Conclui afirmando que a comunicação representa o compartilhamento de experiências nas dinâmicas interativas, consideradas como espaço onde o homem cria vínculos de afinidades e diferenças. Esses se concretizam nas relações, que conformam redes de relacionamentos e de informações, que intensificam ou esgarçam, conforme a qualidade dos processos comunicativos que são instituídos. Para o autor, a comunicação constrói vínculos entre sujeitos comunicantes e entre organizações e seus públicos, podendo aumentá-los e administrá-los, sustentados pelas informações, objetos, pessoas e fenômenos. O pesquisador desenvolve os conceitos de discurso e imagem, respaldado também pela perspectiva da Semiótica, trazendo-os para compreender o universo organizacional. Assim, Iasbeck conceitua imagem como o encontro das instâncias da produção e da recepção, no processo comunicativo. Devido a interligação entre os conceitos de imagem e identidade, o autor trabalha com a noção de identidades relativas, motivado por Waismann (1896-1959). A questão da cultura é outro conceito que perpassa sua obra. Para o pesquisador, a cultura não está desassociada da comunicação e da linguagem (LOTMAN, 1978). A cultura de uma organização é refletida em seu discurso, que explicita os modos de ser e atuar das organizações e dos públicos, e se caracterizam pelas intenções, desejos, crenças e convicções. Outra vertente de destaque de sua produção acadêmica são os estudos sobre ouvidorias. O pesquisador defende que a ouvidoria é lugar de comunicação, pois é uma instância mediadora da relação entre organizações e públicos, cuja função primordial é curar vínculos estremecidos originados no relacionamento. Para Iasbeck, as ouvidorias são mídias, pois atuam como lugares de trocas informacionais e de mediação. 31 3.7 - MÁRCIO SIMEONE HENRIQUES A contribuição de Henriques na construção epistemológica do campo da Comunicação Organizacional está relacionada ao desenvolvimento dos conceitos de público, formação de público e mobilização social, frente às tensões existentes nas interações entre sujeitos coletivos, que vivem uma controvérsia e/ou são afetados pelas ações e estratégias das organizações. Para o autor, os públicos são entes coletivos em permanente formação, a partir da interação que os constituem e as estratégias adotadas pelas organizações. Declara, baseando-se em estudos empíricos, que os públicos não existem a priori e que não devem ser classificados como alvos, já que eles se constituem na relação estabelecida em um acontecimento ou em uma controvérsia. O autor reforça a ideia de que os públicos são entes que se mobilizam socialmente para defenderem seus interesses ou um bem público, e se constituem também, por meio da circulação dos discursos organizacionais, que manifestam intencionalidades específicas de cada ator na relação. A formação de públicos pode se dar em duas dimensões, a real e a virtual. A virtual abarca o sentido de o publico vir a se instituir a partir da controvérsia, em interações que surgem em determinada situação. Na dimensão real, os públicos são identificados a partir das políticas e discursos organizacionais postos em circulação, que podem provocar ou não o conflito. A análise de sua produção acadêmica possibilita-nos compreender que a comunicação é fundamental ao processo de mobilização social. O autor vincula esse conceito à comunidade e às relações públicas para compreender os relacionamentos entre as organizações e as comunidades, a partir do olhar sistemático sobre a movimentação de públicos, a opinião pública e as estratégias de comunicação. A mobilização social se organiza na união de objetivos dos sujeitos com a intenção de transformar uma realidade. Para isso, Henriques salienta que é necessário estabelecer o compartilhamento de responsabilidade, sentimentos e conhecimentos para se atingir um interesse público e comum aos envolvidos. A partir dos conceitos de público e de opinião pública, o autor constrói sua perspectiva comunicacional, associando-a à condição pública dos processos que deflagram uma mobilização social. Dessa forma, 32 desenvolve o conceito de comunidade, fundamentado na Sociologia, como um elemento chave do entendimento de sua obra. Para ele, a comunidade se constitui pelo conjunto de públicos possíveis com objetivos em comum, definida pelos limites territoriais. No entanto, para se mobilizar em torno de problemas e controvérsias são estabelecidos os vínculos de sociabilidade , nos quais estão presentes o compartilhamento e a co-responsabilidade dos sujeitos envolvidos. Henriques constrói seus conceitos fundamentando-se na Teoria Crítica, além de estabelecer interfaces com a Psicologia Social e a Sociologia. Seus aportes teóricos se encontram basicamente nos estudos dos sociólogos Herbert Blumer, Erving Goffman, John Dewey e outros estudiosos da Escola de Chicago. 3.8 – RUDIMAR BALDISSERA O autor ressalta a necessidade de se considerar a produção e a circulação de sentidos na Comunicação Organizacional, pois é mediante processos comunicacionais que a teia de significados é (re)tecida, reconfigurando-se e construindo sentidos. Ao longo de sua trajetória, apropria-se do paradigma da complexidade, de Edgar Morin, transpondo-o para os estudos da Comunicação Organizacional e, fundamentado por ele, desenvolve os conceitos de complexidade da comunicação, o que inclui os sujeitos em interação, a imagem/alteridade e os processos identificatórios. Em seus estudos mais recentes, conceitua o que denominou as três dimensões da Comunicação: a) organização comunicada, que consiste na fala autorizada da organização ou a comunicação planejada e “controlada”; b) organização comunicante, a fala autorizada e demais processos comunicacionais que se atualizam sempre que alguém estabelece relação direta com a organização; e c) organização falada, que consiste nos processos de comunicação que não se dão a partir de relações diretas com a organização, mas referem-se a ela, reforçando, com isso, a ausência de controle e a complexidade dos processos de comunicação no contexto das organizações. Trazendo aportes de Michael Foucault, Baldissera reforça o conceito de disputa de sentidos no processo de comunicação, compreendido como relacional e, por isso, imbricado por relações de disputas de 33 significação e de sentidos. Dessa percepção, decorre a compreensão de que a comunicação qualifica-se como lugar de sujeitos-força em relações dialógico-recursivas, em consonância com o paradigma da complexidade. Ressalta, no entanto que, no contexto organizacional, as disputas de sentido não implicam em sobredeterminação de uma força à outra, mas em diálogo que tensiona, em diferentes graus, os sujeitos que interagem (BALDISSERA, 2008b). Pode-se inferir, a partir da análise de suas publicações, que Baldissera problematiza o conceito de comunicação organizacional, evidenciando a perspectiva política do processo comunicativo, compreendido como uma disputa de forças e de sentidos. Reforça a complexidade da comunicação e indica que, para compreendê-la, é imprescindível considerar as incertezas da sociedade, os processos identificatórios e a intersubjetividade que permeiam a dinâmica interativa no contexto das organizações. Para o autor, as organizações que percebem a comunicação organizacional com base nos princípios do paradigma da complexidade tendem a se afastar da rigidez administrativa e produtiva, com regras e hierarquias fixas, para serem inoculadas pelas ideias das relações participativas. 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS A metapesquisa desenvolvida pelos alunos do Programa de Pósgraduação em Comunicação da PUC-Minas significou um movimento teórico e de reflexões sobre a formação epistemológica da Comunicação Organizacional, compreendendo-a como parte do campo da comunicação que trata especialmente das interações no ambiente organizacional e nas relações da organização com a sociedade. A metapesquisa também propiciou oportunidade para se enxergar as conexões conceituais e metodológicas entre os autores escolhidos, as interfaces estabelecidas, assim como a percepção da riqueza das pesquisas desenvolvidas na última década, no Brasil. Outra questão de relevância no processo investigativo foi o envolvimento dos alunos e o interesse em construir o pensamento científico traçado pelo autor escolhido, a partir de sua produção. O material bibliográfico recolhido foi levado ao grupo, a fim de que todos pudessem discutir as perspectivas teóricas de cada autor, buscando conexões en34 tre eles, e reconhecendo os movimentos de consolidação de um campo de saber tão importante na sociedade contemporânea. A organização, na atualidade, é um ator social em constantes relacionamentos com o mundo econômico político, social e cultural e, por isso mesmo, espaço de interações, que também tem sua lógica midiática. REFERÊNCIAS BALDISSERA, Rudimar. Significação e comunicação na construção da imagem-conceito. In: Revista Fronteiras – estudos midiáticos; X(3): 193-200, set/dez 2008b. BALDISSERA, Rudimar. A teoria da complexidade e novas perspectivas para os estudos de comunicação organizacional. In: KUNSCH, Margarida M. Frohling. (org.). Comunicação organizacional: históricos, fundamentos e processos, v.1. São Paulo, Saraiva, 2009a. CURVELLO, João José Azevedo; SCROFERNEKER, Cleusa Maria Andrade . A comunicação e as organizações como sistemas complexos: uma análise a partir das perspectivas de Niklas Luhmann e Edgar Morin. E-Compós (Brasília), v. 11, p. 1-16, 2008. CURVELLO, J. J. A. A perspectiva sistêmico-comunicacional das organizações e sua importância para os estudos da comunicação organizacional. In: KUNSCH, Margarida Maria Krohling (Org.). Comunicação Organizacional - Volume 1 - Histórico, fundamentos e processos. 1ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 1, p. 91-105. FRANÇA, Vera. Paradigmas da comunicação: Conhecer o quê? Paradigmas da comunicação: conhecer o quê? In: MOTTA, Luiz Gonzaga et al. Estratégias e culturas da comunicação. 1ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2002. KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Relações Públicas e modernidade. Novos paradigmas na Comunicação Organizacional. 1ed. São Paulo: Summus, 1997. KUNSCH, Margarida. Comunicação Organizacional Integrada. In: Marchiori, Marlene. (Org.) Faces da cultura e da Comunicação Organizacional. 1ed. São Paulo: Difusão Editora, 2006. KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Relações Públicas e Comunicação Organizacional: das práticas à institucionalização acadêmica. In: Organicom, Números 10/11, p.49-56. São Paulo, 2009. 35 LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. 414 p. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 14. ed.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011. OLIVEIRA, Ivone de Lourdes; LIMA, F. P.; MONTEIRO, L. S. 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Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Comunicação Integrada; Polissemia; MCI; IMC; COI; França; Brasil TEXTO: « Um conceito de publicidade e marketing. A união entre a comunicação externa e interna. Apenas uma moda brasileira. » Estas foram algumas respostas que obtivemos de alguns professores franceses após questioná-los sobre o conceito e a prática da Comunicação Organizacional Alice Zozima Rego de Souza é doutoranda em cotutela pela ECA/USP e a Universidade de Toulon França / lab. I3M. 1 Integrada2, trabalhada no Brasil pela professora Margarida Kunsch, que permite uma performance sinergética. “Quer dizer uma junção entre a comunicação institucional, comunicação mercadológica, comunicação interna e comunicação administrativa”. (KUNSCH, 2002, p. 150) Nosso interesse busca distinguir as igualdades e as diferenças sobre o conceito e a prática da Comunicação Integrada utilizada pelos franceses e essa desenvolvida pelos brasileiros, seja ela, no campo da pesquisa ou profissional. Nosso questionamento foi realizado em 2013, de forma qualitativa, com alguns professores3 ‘chaves’ da disciplina da comunicação organizacional na França. Conhecida na França como MCI (Marketing Communication Intégrée) e falada e trabalhada apenas como Comunicação Integrada, vimos que após um período de analise etimológico, que existia uma polissemia4 entre os dois termos, mas que nada tinha a ver com este utilizado no Brasil. Descobrimos também, diversas dificuldades ao confrontarmos o trabalho realizado em Comunicação Integrada no Brasil e este da França. Nossa problemática começaria por entender e como aceitar conceitos e práticas de um outro país com a mesma nomenclatura. Etimologicamente percebemos que existia uma diferença na interpretação nos dois países com a palavra ‘Integrada’. No Brasil esta palavra quer dizer: Fazer parte de um todo. Na França a mesma palavra significa: adaptar. Nós constataremos que ‘fazer parte de um todo’ e se ‘adaptar’ não tem a mesma conotação. Entretanto, não podíamos nos fechar no nosso ninho e dizer que o problema da interpretação vem da tradução. Admitir esta simples tradução etimológica não quer dizer nada de concreto, apenas nos ajuda a observar a diferença de pensamento entre os brasileiros e os franceses em uma simples palavra. Por exemplo, essa da integração. Se a França, hoje interpreta a Comunicação Integrada de forma divergente (essa do marketing) é porque os Estados O conceito da Comunicação Organizacional Integrada foi abordado pela primeira vez em 1985 pela professora Dr. Margarida Kunsch. 2 Gino Gramaccia, Michel Durampart, Arlette Bouzon, Christian Le Moenne, Pierre Delcambre, Jacques Bonnet … 3 É a propriedade de uma palavra ou locução que pode ter mais de uma significação. 4 38 Unidos foram os pioneiros na aplicação deste conceito no país. O que tornou-se necessário para nós analisarmos a interpretação polissêmica desse conceito pela comunidade científica e pelos profissionais da área no Brasil e na França. A POLISSEMIA NA INTERPRETAÇÃO, IDENTIDADE, TRADUÇÃO E SIGNIFICAÇÃO ENTRE A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL INTEGRADA BRASILEIRA E A COMUNICAÇÃO INTEGRADA FRANCESA A origem da tradução do “Marketing Communication Intégrée”, vem do termo americano “Integrated Marketing Communication (IMC)”. Essa tradução vai nos ajudar a compreender o porquê da França praticar e empregar esse conceito dentro de suas agências e em quaisquer universidades do país. Tudo começou em 1989, nos Estados Unidos, quando o presidente da 4As - American Association of Advertising Agencies - (AAAA), Keith Reinhart, contata o professor de Marketing e Jornalismo da Universidade de l’Oklahoma, Don E. Schultz5, para desenvolver o primeiro programa de pesquisa sobre a ‘Integrated Marketing Communication – IMC 6’. Uma ideia original apresentada pela primeira vez pelo publicitário Leo Burnett durante uma conferência organizada por essa associação. Don E. Schultz torna-se o pai e um dos primeiros dessa disciplina e a formular a necessidade de integrar os diferentes componentes da comunicação e do marketing. Em 1989, o programa de pesquisa é finanDon E. Schultz Don Schultz é professor emérito de Integrated Marketing Communication (IMC) na Escola Medill, da Universidade Northwestern. Ele também é presidente da empresa de consultoria, Agora, Inc., com sede em Evanston, Illinois. Ele já escreveu vários livros, incluindo os Comunicação Integrada de Marketing, comunicando mundialmente sua marca estratégica a IMC. Schultz falou e organizou inúmeros seminários sobre comunicação integrada de marketing, marketing, publicidade, promoção de vendas, marcas e imagens de marcas, na Europa, América do Sul, Ásia, Oriente Médio, Austrália e América do Norte. Ele é o autor e co-autor de 18 livros, todos reconhecidos pelo mundo profissional. 5 Vamos continuar a descrever a forma original de Integrated Marketing Communication, Inglês, sem traduzir, ao longo deste trabalho, a fim de distinguir do que é utilizado na França. 6 39 ciado pela 4As - l’American Association of Advertising Agencies (AAAA), l’Association of National Advertisers (ANA) e l’American Advertising Federation (AAF). Juntos eles criaram o programa universitário Medill IMC, nos Estados Unidos. Os primeiros estudantes de Integrated Marketing Communication foram diplomados pela Universidade de Northwestern, em 1991. Ao mesmo tempo Schultz cria com sua equipe um conceito inexistente dentro do setor de comunicação e do marketing. O novo paradigma do marketing leva o mesmo nome do programa de pesquisa: Integrated Marketing Communication’. Um ano depois, Schultz e sua equipe publica o livro que se chamará: The New Marketing Paradigm: Integrated Marketing Communication. Dentro dele, Schultz desenvolve um conceito unicamente ligado ao marketing7 e a publicidade8. Conceito este, onde ele afirma a necessidade da integração entre os setores da comunicação (RH, marketing, endomarketing, administração...) Em outras palavras, as mesmas noções que Margarida Kunsch havia já citado para explicar a Comunicação Integrada dentro das Organizações. Até o presente é complicado, tanto para os Estados Unidos como para o Brasil, separar os conceitos teóricos de Integrated Marketing Communication e este da Comunicação Integrada dentro das Organizações, das práticas realizadas pelos chefes de empresas. Enquanto que a América do Sul e do Norte tentam gerar suas “comunicações integradas” dentro das organizações, das agências publicitárias e de marketing, a França, em campo teórico, por enquanto não utiliza nem um nem outro conceito. Tanto é que esta proposição de IMC dos Estados Unidos, como prática, só chegará na França em meados dos anos 2004 dentro do livro de Jacques Marketing é um nome Inglês utilizado em agências de publicidade, que significa um conjunto de métodos e técnicas de estratégia de negócios. Dirigida para representar e vender uma marca. 7 A agência de publicidade é responsável pela concepção e execução de campanhas publicitárias, campanhas de marketing e outros serviços publicitários destinadas a atrair e reter clientes, colocando cartazes móveis ou fixos, reestruturando a disposição e a manutenção de outdoors. 8 40 Lendrevie9 e Arnaud de Baynast10, Le Publicitor: Communication 360° on line et off line, interpretado como a Communication Multicanale Intégrée (Comunicação Muticanal Integrada). Em 2006, a sucursal francesa Né Kid, da agência publicitária americana Naked11 implantada nos Estados Unidos, dirigida pelo publicitário Eric de Rugy, passa a chamar esta prática de Marketing Communication Intégrée (Marketing Comunicação Integrada), baseada na progressão da comunicação planificada12 realizada pela sua filial. Tanto como no Brasil e nos Estados Unidos, a França escolhe sua versão de Comunicação Integrada, mas uma versão realizada apenas como uma prática. O conceito ficará sujeito a novas definições e muitas interpretações por parte dos profissionais do setor de publicidade francês, direcionando a Comunicação Integrada apenas para o Marketing, dando-lhes os nomes de Comunicação Multicanal Integrada, Comunicação Global ou Comunicação 360°. A comunicação mais conhecida, antes da chegada da versão mais recente de Comunicação Integrada usada por agências franco-americanas ficou sendo a Marketing Communication Intégrée. No entanto, podemos remarcar que essas diferentes interpretações nos levam a considerar uma série de barreiras construídas por esses profissionais e pelas diversas equipes de pesquisadores franceses, tanto que a Comunicação Integrada é considerada como uma ‘moda’ projetada pelo marketing e não como um conceito para se estudar. Para Christian Le Moënne esta situação há duas explicações: a primeira, faz referência a dificuldade e o acesso as fontes. E a segunda é devida a dificuldade de estruturação do campo científico da Comunicação Organizacional. É verdade que esse problema é tido pela « fraqueza das Jacques Lendrevie é professor honorário HEC, e fundador do Mestrado HEC/ Télécom Paris ‘Management et nouvelles technologies’. 9 Arnaud de Baynast é o fundador da agência Sales Story, diretor geral da Euro RSCG worldwide, primeiro reseau de agências interativas. 10 Naked Communications agência publicitária de integração. Ela trabalha uma nova disciplina em plena expansão, mais conhecida na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos com as siglas IMC (Integrated Marketing Communications). 11 12 Um conjunto de campanhas de mídia, comunicação e marketing. 41 problemáticas da análise das organizações e dos fenômenos de comunicação organizacional ». (MOËNNE, 1998, p. 10) Estas dificuldades são encontradas também em outras disciplinas da Ciência de Informação e Comunicação (SIC) como a : sociologia do trabalho, psicologia social, etnologia, gestão e ciências políticas. A Comunicação Integrada, como uma prática, assume um novo perfil nas áreas de marketing e publicidade, na França, que até agora, como um conceito científico não tem nenhum valor simbólico no mundo da pesquisa. E por quê? Entraremos nesse momento no nosso conceito original de Comunicação Integrada, aplicado no Brasil desde 1985, pela equipe de pesquisa brasileira da Universidade de São Paulo do setor de Relações Públicas e Comunicação Organizacional, Margarida Maria Krohling Kunsch, Francisco Gaudêncio Torquato do Rego e o Jornalista, Wilson Bueno. A referência à Comunicação “Integrada” começa na França por uma simples necessidade de economia. As agências de publicidade precisavam contratar profissionais multifuncionais. Por isso, a utilização dos vários termos de comunicação global, multicanal e 360°. Por exemplo, a definição da Comunicação Global utilizada pela primeira vez por Christian Regouby13, em 1988, permite a ele selecionar todos os possíveis canais de mídia que possam ser usados na estratégia da empresa. Abordagem que visa quebrar a hierarquia no local, e estabelecer expressões de comunicação que seriam ‘mais nobres que outras’. Este conceito parte de um princípio básico, esclarece: “Em uma empresa onde tudo se comunica. Cada expressão de comunicação deve ser considerada como um elemento vital da identidade e da personalidade da empresa. “ (REGOUBY, 1988, p. 63) Para Regouby, a Comunicação Global foi criada para dar uma nova abordagem que visaria conceituar todas as potencialidades de comunicação dentro de uma empresa, com suportes e objetivos bem Christian Regouby, francês, criou e liderou 1984-2004 o Concept Consulting Group, uma empresa especializada em comunicações globais, gestão de mudanças e situações sensíveis à comunicação, prevenção e gestão de crises. Hoje é perito em gestão e comunicação de riscos e gestão de crises no Instituto de Riscos e Crises (IGRC) da empresa que fundou e trabalha até hoje. 13 42 definidos. Em seguida, cada disciplina de comunicação deveria se aprofundar, se necessário, para fazer a escolha certa com base na seleção mais adequada para o problema. Naquela descoberta, isso era muito importante, pois “essas disciplinas evoluíram muito rapidamente e tornaram-se difíceis de entender e mais sofisticadas de manipular. Seja o design, promoção, marketing direto, comunicação interna, relações públicas. Cada uma dessas áreas precisava ser implementada de forma eficaz nos níveis de profissionalismo específico e altamente especializado.” (REGOUBY, 1988, p. 65 et 67) Um olhar mais atento nos revela fusões dentro do conceito da Comunicação Global e da Comunicação Integrada de Margarida Kunsch e esta de Don Schultz. Nós não podemos mostrar os resultados obtidos por esta teoria, pois ela acabou sendo abandonada no meio do caminho, mesmo se o autor, Christian Regouby, recebeu o Prémio Europeu de melhor livro de comunicação um ano após a publicação de sua obra: A Comunicação Global. Como construir o capital-imagem da empresa. Esta noção vê o fim de seus dias em 2004 com a chegada das práticas chamadas de Marketing Direto Multicanal, Comunicação Multicanal Integrado, Comunicação Marketing Integrado ou Marketing Comunicação Integrada. Estas nomenclaturas nos permitem repetir a proposição de Bruno Latour14 ‘sempre falta algo para fechar essa caixa-preta15 de uma vez por todas’. A conjuntura dos anos 80-90, vão causar uma revolução cultural que será exercida dentro das empresas, pois se tornará urgente mudar os métodos de trabalho utilizados por várias delas, principalmente estas que recusam a inacessibilidade e deixam sempre uma distância entre o empregador e o empregado e por sua vez o consumidor. Essa mudanBruno Latour é sociólogo, antropólogo e filósofo da ciência, ele é professor na Sciences-Po em Paris, onde foi Diretor Científico. Sobre tudo pesquisador, ele é bastante conhecido pelos seus trabalhos de pesquisa científica em torno da construção social. 14 A expressão caixa-preta é usada por cibernética para descrever um dispositivo ou um conjunto de instruções de grande complexidade. Eles tiram dessa pequena caixa o que eles mais precisam saber, principalmente o que entra e o que sai como informação. 15 43 ça obriga as empresas a aplicarem uma nova filosofia a do ‘consumidor cidadão’, isto é, garantir uma relação interativa e amigável claramente identificável com diferentes públicos. Em grosso modo, será que para nossa atual conjuntura é pedir muito? Voltando as nossas nomenclaturas. “O Marketing Direto Multicanal torna-se uma disciplina que reagrupa as técnicas de comunicação visando a reação da distância entre um indivíduo e/ou um grupo de indivíduos previamente identificados, através de uma ação direcionada, viável e interativa”. (CLAEYSSEN; DEYDIER; RIQUET, 2006, p. 1) Dentro do seu livro Le Marketing direct Multicanal. Prospection, fidélisation et reconquête du client, Yan Claeyssen16 e sua equipe, estimulam que para evitar erros estratégicos, uma Comunicação Marketing Integrada vai se impor. “Temos que evitar uma cacofonia de mensagens. Isso requer frequentes comunicações interpessoais e uma qualidade entre as equipes de comunicação/marketing, seja interna ou externa da empresa. [...] Uma atenção muito importante é essa visada para os clientes e/ou consumidores, o que eles querem ouvir e ver, em qual momento, quando, onde, e não apenas em qualquer tipo de mídia. Este é um passo importante que dará seguimento as comunicações integradas.” (CLAEYSSEN; DEYDIER; RIQUET, 2006, p. 8) Esta Communication Multicanal Intégrée, vai ganhar um “e”, na palavra francesa, no final de “multicanale” e será usada pela equipe de publicidade Jacques Lendrevie e Arnaud de Baynast, como um recurso a múltiplos canais de comunicação. Em seu livro ‘Publicitor : Communication 360° on line off line, la Communication Multicanale Intégrée’, a Comunicação Multicanal Integrada, significa “a utilização seletiva, conjunta e complementar de múltiplos canais de comunicação tentando utilizar uma mesma mensagem com a máximo de eficiência”. (LENDREVIE; BAYNAST; EMPRIN, 2008, p. 540) Esta nova interpretação nos leva também a outras e outras novas nomenclaturas, uma polissemia que não tem mais fim. Vimos com isso que existe em tudo isso um único intuito: o de chegar a soberania de uma comunicação total, global e integrada, para melhor vender, comu- Yan Claeyssen é especialista em marketing direto multicanal, presidente da agência ETO e vice-presidente da l’AACC. 16 44 nicar e ganhar. O que muda agora é apenas a coerência entre as mensagens veiculadas para os diferentes emitentes, que agora não serão mais percebidos como um joguete. Até então: “Nós ainda não falamos em Comunicação Integrada, mas nós já fazíamos sem saber, nós nos virávamos com os meios que podíamos, fazendo uma espécie de integração que chamamos de ‘cosmética’, difundido palavras de ordem para que todos os comunicadores, dentro de uma empresa, tenham um discurso coerente”. (LENDREVIE; BAYNAST; EMPRIN, 2008, p. 540) Jacques Lendrevie explica também que a Comunicação Integrada revela um método que se destaca muito no meio publicitário, e que por isso funciona, pois é sempre necessário ter competências multidisciplinares e responsáveis, evitando conceitos já formados. Hoje « não é suficiente reunir vários experts em torno de um projeto para ter essa visão multidisciplinar, como também não é suficiente ter um bom pedreiro, encanador, eletricista, etc., para construir uma casa que fique em pé. É preciso um arquiteto, um mestre de obras que sigam o projeto de A à Z. [Então para nós resta perguntar] onde estão os arquitetos do programa de Comunicação Integrada? Quem faz o papel do mestre de obras? » (LENDREVIE; BAYNAST; EMPRIN, 2008, p. 552) Se há uma polissemia no conceito da Comunicação Integrada, que seja ela multicanal (e), global, total, de marketing ou outra, nossa questão é como sair desse impasse? O que temos que relevar são as dificuldades e a resistência de mudanças no homem e dentro das organizações. Philippe Gaumont, o presidente da FCB (Foot Cone and Belding)17 França, disse numa entrevista à CB News, que: “A Comunicação Integrada é como a Santa-Virgem. Nós rezamos muito por ela, mais não a vemos.” (Gaumond, CB News, n° 785, avril 2004, par LENDREVIE; BAYNAST; EMPRIN, 2008, p. 593) Fundada em Chicago em 1873, FCB foi a terceira mais antiga agência de publicidade do mundo. A agência foi chamada Lord & Thomas, até 1942, quando Albert Lasker, um dos fundadores da moderna publicidade, entrega a empresa para seus três líderes, Emerson Foote, em Nova York, Fairfax Cone, em Chicago e Don Belding, na Califórnia. Em 2000, o FCB realizou um volume de negócios de US $ 9,5 bilhões, com mais de 190 escritórios em mais de 102 países. 17 45 Mas essa resistência já tinha sido invocada desde de 1994 por Don E. Schultz : “o único obstáculo que detém o desenvolvimento da comunicação integrada é simplesmente a resistência a mudança dentro das organizações”. (Don E. Shultz, The new marketing paradigm. Integrated marketing communications, 1994, par LENDREVIE; BAYNAST; EMPRIN, 2008, p. 594) Isso quer dizer que para mudar é necessário: recomeçar, reaprender, modificar, transformar e se tornar diferente, mas essa parte ficará para um outro estudo, talvez em ciências da etimologia ou da psicologia humana. Em todo caso, raras são as pessoas que têm o senso e o desejo de mudança. Tanto é que nenhuma mudança é feita ou deveria ser feita de uma hora para outra. Para transformar uma pessoa, uma sociedade, ou uma organização tem que se ter tempo e sobretudo ter o acordo das partes interessadas, para poder se chegar a um equilíbrio. Esse equilíbrio que semanticamente ainda não existe dentro da Comunicação Organizacional Integrada entre os dois países, não está perto de chegar ao fim. Essa polissemia está longe de se tornar uma referência única como explica a professora Nicole d’Almeida no seu artigo ‘Un syntagme en discussion’. Quando se refere a uma estabilidade semântica da Comunicação Organizacional (global, integrada, total, etc), dizendo que nada mais é que uma multiplicação do termo, hoje extinto na França, das Relações Públicas. Após vários termos já explicados acima ela comenta a forma trabalhada no Brasil dizendo que a professora Margarida Kunsch trabalha “a comunicação integrada como um agrupamento entre comunicação institucional, a comunicação de mercado, comunicação interna e administrativa [...] convidando todos a um pensamento dinâmico das componentes”. (D’ALMEIDA; CARAYOL, 2014, p. 2). Todas essas dificuldades de nomenclatura escondem apenas um problema muito maior: o da falta de comunicação. Pois, a comunicação ela só, já existe diversas nomenclaturas e ele por si só é polissêmica. Pouco importa o que foi criado e o que virá a ser praticado, chamado e trabalhado por futuros profissionais, pois em definitivo o que temos até o momento é uma enorme “caixa preta” cheia de mistérios e ainda aberta a procura de um conceito universal para enfim fechá-la. 46 REFERÊNCIAS: CLAEYSSEN, Y.; DEYDIER, A.; RIQUET, Y. Le marketing direct multicanal : prospection, fidélisation et reconquête du client. Paris: Dunod, 2006. D’ALMEIDA, N.; CARAYOL, V. La communication organisationnelle, une question de communauté. Revue française des sciences de l’information et de la communication, n. 4, 15 jan. 2014. KUNSCH, M. M. K. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. 4e. ed. Brasil: Summus Editorial, 2002. LENDREVIE, J.; BAYNAST, A. DE; EMPRIN, C. Publicitor : communication 360° on line, off line. 7e. ed. Paris: Dunod, 2008. MOËNNE, C. L. Communications d’entreprises et d’organisations. Rennes: PU Rennes, 1998. REGOUBY, C. La communication globale : comment construire le capital image de l’entreprise. Paris: Ed. d’Organisation, 1988. 47 |3| DAS FILIGRANAS DA TRANSVERSALIDADE À CONSTITUIÇÃO DE UMA EPISTEME DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL Talles Rangel Rodrigues1 RESUMO Circunscrito no entremeio dos estudos de Comunicação Organizacional e nas reflexões sobre epistemologia clássica e contemporânea, esta investigação analisa a produção de um conjunto de trabalhos publicados nos anais dos congressos da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação Organizacional e Relações Públicas, no período entre 2007 e 2012. Entende, como pressuposto geral, que constituição de uma episteme da Comunicação Organizacional deve ser edificada a partir da interface com as Relações Públicas, visando a consolidação de três importantes sustentáculos que giram em torno da revolução tecnológica que desloca a centralidade do emissor, da compreensão dos públicos em suas acepções mais plurais, bem como o fenômeno da globalização que altera as relações em âmbito intrínseco e extrínseco à organização. Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Epistemologia; Episteme da Comunicação Organizacional. Mestrando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Comunicação Organizacional pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR). 1 INTRODUÇÃO Este trabalho apresenta, de maneira sucinta, os resultados de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do programa de pós-graduação latu sensu em Gestão Estratégica de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, da Escola de Comunicações e artes da Universidade de São Paulo. A título de hipótese geral, entende-se que uma possibilidade de edificação de uma epistemologia da comunicação organizacional poderia se emanar por meio da interface da Comunicação Organizacional com as Relações Públicas em que se tomasse como pilares epistêmicos a revolução tecnológica que tirou a centralidade das organizações como emissoras no modelo canônico de comunicação, o profundo entendimento da pluralidade dos públicos que compõem as organizações, bem como os impactos provocados pelo fenômeno da globalização que alterou as dinâmicas culturais em contexto intrínseco e extrínseco às organizações. Nesse contexto, o objetivo geral da investigação buscou compreender a constituição do campo científico da comunicação organizacional e suas relações com os públicos estratégicos, com a nova dimensão tecnológica que alterou o modelo canônico de comunicação e também entender as novas dinâmicas provocadas pelos impactos da globalização. Como objetivo específico, o trabalho procurou entender como a transversalidade epistemológica atua na constituição do campo científico da Comunicação Organizacional. ENTRE A TEORIA DO CONHECIMENTO E A EPISTEMOLOGIA Em sentido latu compreende-se a epistemologia como uma ramificação da teoria do conhecimento em que se busca questionar a natura do conhecimento, as origens, bem como sua validação. Ancorado no viés conceitual, Abbagnano (2007, p. 205) entende, em sentido lato, que o conhecimento é: uma técnica para aferição de um objeto qualquer, ou a disponibilidade ou posse de uma técnica semelhante. Por técnica de aferição deve-se entender qualquer procedimento que possibilite a descrição, o cálculo ou a previsão verificável de um objeto; e por objeto deve-se entender qualquer entidade fato, coisa, realidade e propriedade. 49 Nessa perspectiva, a relação entre o Homem e o conhecimento, os tipos e taxonomias de conhecimentos, a maneira como se ele se origina e as formas como se edifica, os modos como é difundido são algumas das questões da qual se ocupa a Teoria do Conhecimento. Nesse raciocínio, Lacerda (2012) acrescenta que a Teoria do Conhecimento traz em sua gênese três vieses fundamentais. O primeiro diz respeito às fontes e a procedência de onde é tecido o conhecimento, que pode advir dos processos de linguagem, pela observação, pelas práticas cotidianas, bem como de sensações e por ideias. O segundo viés questiona a possibilidade de realmente conhecer e decodificar a realidade e assevera sobre as respostas provenientes das descobertas. Desta forma, a autora entende que as respostas podem ser de natureza “positiva ou dogmática, como negativa ou cética, tanto realista como idealista, tanto racionalista como empirista” (LACERDA, 2012, p. 11). Já a terceira corrente pela qual caminha a Teoria do Conhecimento assevera sobre a validade ou refutação do conhecimento. Questiona se com determinado tipo de conhecimento é possível se chegar à “verdade” e, nesse contexto, qual pode ser a colocação da “subjetividade e se é possível atingir a objetividade. Enfim, como se conhece, o que se conhece e quais são os critérios para se avaliar se o resultado é justificável e/ou confiável” (LACERDA, 2012, p. 12). Se, como vimos, Lacerda (2012) lanças três grandes bases que conduzem a Teoria do Conhecimento, Abbagnano (2007) a entende por meio de dois grandes pressupostos. De acordo com o autor: o problema que constitui tema específico da Teoria do Conhecimento é o da realidade das coisas ou em geral o mundo externo. A teoria do C. baseia-se em dois pressupostos 1- o Conhecimento é uma “categoria” do espírito, uma “forma” da atividade humana ou do sujeito que pode ser indagada de modo universal e abstrato, ou seja, prescindindo-se dos procedimentos cognitivos particulares de que o homem dispõe fora e dentro da ciência. 2- Num sentido cartesiano, é a ideia ou representação; e a ideia é uma entidade mental existente apenas dentro do sujeito que pensa (ABBAGNANO, 2007, p. 213-214). 50 Dentre as acepções da Teoria do Conhecimento dadas tanto por Lacerda (2012) como por Abbagnano (2007), chama-nos a atenção questão da validação, dos modos de verificação, os critérios que tornam uma ideia, uma hipótese em conhecimento. Nesse raciocínio, pensar a edificação do conhecimento passa necessariamente pela questão do método. Outrora, motivado pelas inspirações positivistas, o método converteu-se em uma questão basilar que, ao lado do objeto, delineavam as formas e fronteiras de disciplinas clássicas como a Física, Psicologia, Linguística. (cf. BRAGA, 2010). Ao problematizar a questão do método no desenvolvimento do conhecimento chega-se à Epistemologia que, de acordo com Gomes (2003, p. 313), “é uma parte da teoria do conhecimento que se dedica às questões relacionadas à natureza, aos fundamentos, aos limites e às condições de validade do conhecimento”. A nosso ver, essa rasa e embaçada conceituação merece algumas ressalvas. Como já delineamos anteriormente, a questão da natureza e das condições de produção dentre outras já convergem o ramo de abordagem da teoria do conhecimento. É verdade que o Dicionário de Filosofia, de Abbagnano (2007), traz com ares sinonímicos os verbetes Teoria do Conhecimento e Epistemologia. Entretanto, a abordagem do filósofo italiano envereda-se pelo caminho da semântica que esses termos correspondem em línguas latinas e anglo-saxônicas, caminho que aqui não percorreremos. Na contramão de Gomes (2003) convergimos apenas na aceitação de que a Epistemologia é uma ramificação da Teoria do Conhecimento e encontramos endosso teórico no pensamento de Lacerda (2012) que assevera que a Epistemologia assumiu o status de uma disciplina independente na alvorada do século XIX. Nesse contexto, entende a autora que: A problemática específica da Epistemologia cobre, atualmente, um campo de estudo próprio. Nele se indaga certos tipos de saber, especialmente o saber científico, sua relação com outros tipos de saber e formas de conhecimento, os critérios pelos quais operam as diversas ciências, quais são as modificações culturais e institucionais que estatuem e que muitas vezes alteram o modo como a sociedade valida e usa esses tipos de saber. (LACERDA, 2012, p. 13). 51 A questão do método é um ponto fulcral na edificação do conhecimento científico. Essa afirmação provocativa e axiomática nada mais alinhava um inventário do que já foi versado pelos epistemólogos no transcorrer dos tempos. O que nos parece maior emergência aqui é discutir, ainda que de modo breve, a questão histórica do método para então refletir seu papel na constituição do conhecimento. Isto porque, na história das ciências, ao revisitar o paradigma positivista, aclarado por Auguste Comte, viu-se que para tal para pressuposto paradigmático, as ciências se formavam a partir da clara articulação entre o objeto e o método. (c. f. BRAGA, 2010). Sem negar as benesses do paradigma positivista ao desenvolvimento da ciência, enveredamos por concepções distintas às de que as disciplinas se formam pelo tensionamento entre o método e o objeto. REFLEXÕES INICIAIS SOBRE O CAMPO CIENTÍFICO E A CONSTITUIÇÃO DOS ESTUDOS DA COMUNICAÇÃO Nas diversas escolas que se dedicaram a estudar, de alguma forma, o fenômeno da comunicação desde a herança frankfurtiana passando pela corrente funcionalista norte-americana até os estudos culturais ingleses e, posteriormente, a escola latino-americana percebe-se as reverberações dos postulados de Bourdieu (1982) sobre a dominação e as lutas dentro de determinado campo científico. Se, durante décadas, houve um debate pungente entre as concepções frankfurtianas em contraposição às ideias funcionalistas, bem como os novos olhares e abordagens da vertente culturalista são traços que, em sentido latu, convergem para a identificação de um campo científico mesmo que este, ainda em formação, apresente-se fora dos moldes canônicos. Dessa forma, aceitar a Comunicação como campo científico independente requer a mudança de olhar sobre os critérios que determinada disciplina como independente. Logo, vemos na transversalidade, a partir das reflexões alinhavadas por Braga (2010), um caminho possível para a consolidação do campo científico da Comunicação. O entendimento de transversalidade epistemológica para a constituição da área de comunicação caminha junto ao lado de dois importantes conceitos que Braga (2010) denomina de enfrentamento e dispersão. Para o autor, na história das ciências humanas e sociais o mo52 vimento interdisciplinar “permite a colaboração entre visadas diferentes, apanhando aspectos de situações complexas que cada disciplina, isolada não apanharia” (BRAGA, 2010, p. 20).Entretanto, no transcorrer das ciências humanas e sociais é percebido um tensionamento que se esbarra em uma dicotomia: disciplina ou campo de estudo. Nesse eixo, a disciplina seria a formalização e independência de determinada área do conhecimento. Já um mero campo de estudos mostraria a existência sim de uma área, mas ainda com dependência teórico-metodológica importados de outras frentes de estudos. É verdade que várias disciplinas modernas emergiram a partir das zonas de encontros entre disciplinas clássicas já desenvolvidas como a Bioquímica, Psicossociologia etc. Nesses casos, valendo-se da interdisciplinaridade, essas novas disciplinas trabalharam a organização da dispersão, ou seja, o reconhecimento dos aspectos teórico-metodológicos imanentes à nova disciplina bem como as contribuições importadas de áreas vizinhas. (cf. BRAGA, 2010). Nesse percurso, o autor problematiza a Comunicação. Organizar a dispersão não se resume a um inventário taxionômico do que foi desenvolvido pela Comunicação em relação às contribuições buscadas nas zonas de fronteiras com outras áreas do conhecimento. De modo canônico, as disciplinas clássicas como a História, Sociologia, Psicologia, dentre outras, se edificaram a partir de uma lógica positivista em que delineava assertivamente a articulação do método com o objeto. Nesse eixo: Seria difícil assegurar, hoje, que o que garante seu estatuto como disciplina de conhecimento seja a definição positivista. Mesmo esse tendo sido o critério epistemológico, em sua origem histórica, para o reconhecimento de das cartas de nobreza acadêmicas, é preciso concordar que as extensões, sobreposições, compartilhamentos, tensionamentos com outras disciplinas, assim como as disputas internas, tornam difícil, senão impossível, explicitar com clareza original e o consenso generalizado a chave dupla de objeto e método, para além da referência histórica aos começos. (BRAGA, 2010, p. 24). A partir dessas reflexões cabe-nos a pergunta: quais os critérios e sustentações epistemológicas confeririam à Comunicação o status de uma disciplina? Braga propõe um caminho a partir de três eixos de refle53 xões. O primeiro assevera que os critérios positivistas não mais podem ser o ponto de clivagem para assunção de uma disciplina. Em seguida, reconhecer que “as metáforas ‘territoriais’, antes facilitadas pela exclusividade objetal e pelos mapas de percurso preferencial propiciados pelo método apriorístico, são crescentemente ineficazes [...] para produzir conhecimento”. (BRAGA, 2010, p. 25). Questionar, na atual conjuntura das ciências, e dos novos campos de investigação, quais critérios dão lastro aos novos conhecimentos produzidos frente a novos fenômenos vividos e apreendidos na sociedade nos serve de ponte para problematizarmos a Comunicação Organizacional que podemos situar na confluência dos estudos de comunicação e da teoria das organizações. Nessa linha de pensamento acreditamos que uma vereda possível para se pensar a constituição de uma episteme da Comunicação Organizacional seja por meio da interface entre as Relações Públicas e a Comunicação Organizacional. Por interface recorremos ao termo que surge originalmente no âmbito das Ciências Geológicas, Física e da Química e, posteriormente, foi incorporado aos estudos da computação a partir dos anos 1980. Às ciências da natureza, a interface versa sobre determinada superfície que toma contato e permite trocas. Isso pode ser evidenciado, por exemplo, na zona de intersecção imiscível entre a superfície do óleo em contato com a superfície da água. Para além dos significados que a interface contribui para as ciências naturais, importa-nos sua pertinência para a área de Comunicação. Nesse eixo, a interface pode ser pensada “como o espaço de interação entre duas (ou mais) coisas de natureza heterogênea ou funcionalmente diferentes”. (c.f. PEREIRA, 2009, p. 121). Essa conceituação de Pereira nos abre a vereda para tensionarmos os campos de estudos da Comunicação e das Organizações para, então, nos aproximarmos do tema central de nossa investigação que se edifica a partir da Comunicação Organizacional, bem como as complexidades que as envolve. Nesse contexto, o foco central da pesquisa objetiva uma reflexão sobre a episteme que forma, ou pode que se formar, nessa zona de intersecção que se une pela interface e, a nosso ver, se torna crível pela transversalidade. Ao articular a transversalidade com o campo científico da Comunicação Organizacional é pertinente, a nosso ver, considerar três 54 grandes pilares apreendidos no campo científico em discussão. O primeiro versa sobre o impacto do desenvolvimento tecnológico. Nesse sentido, Curvello (2001. P. 77) expõe a complexidade que a comunicação organizacional assumiu com os novos regimes de visibilidade das organizações e nos explica que tanto no âmbito profissional como no universo acadêmico viu-se “as passagens da era da dominação do emissor para a era na qual o emissor tem seu papel questionado e para a fase em que o destinatário destrona definitivamente o emissor, até chegarmos à era tecnológica que destrona os dois”. Se o aprimoramento do advento tecnológico ressignifica os papéis do emissor e receptor - antes enredados ao modelo canônico de comunicação, preconizado por Harold Lasswell, onde a instância emissora e instância receptora encontravam-se em extremidades opostas separadas pela verticalidade do modelo. O impacto tecnológico ao qual se aponta Curvello (2001) reconfigura as relações de emissor e receptor, colocando-os agora em uma proposta horizontal de comunicação, que por meio da interatividade, a nosso ver, aproxima-se da complexidade teorizada por Morin (2012) quando o sociólogo francês argumenta ser problemático conhecer um elemento sem conhecer o todo, assim como é improvável tomar ciência do todo sem conhecer os elementos que o integra. caráter horizontal das relações entre emissor e receptor nos conduz a uma reflexão sobre os relacionamentos com públicos, especialmente a ressignificação e, não obstante, a reinvenção dos relacionamentos com vistas ao estabelecimento de uma relação de simetria e dualidade. Nesse caminho, parece-nos pertinente a concepção edificante dos públicos desenvolvida por Fábio França em seu estudo doutoral que reúne os públicos em três grandes categorias: Essenciais, Não Essenciais e as de Interferência. Esse quadro traçado por França (2009) nos conduz à uma consonância com os pressupostos teóricos desenvolvidos por Porto Simões (1995). Sua composição teórica permeia dois pontos basilares: a micropolítica e a administração de conflitos. Esses dois pontos pelos quais partem o postulado teórico de Porto Simões, a nosso ver, se articulam com a taxonomia de públicos de Fábio França (2009) na medida em que só uma compreensão da complexa tessitura que compõe a pluralidade dos públicos estratégicos das organizações pode auxiliar na administração de conflitos. Essas dimensões, não raro, permeiam a micropolítica inerente às corporações. 55 Nas veredas da revolução tecnológica, da reorganização dos públicos, com vistas à constituição de relacionamentos simétricos de duas mão, vemos pertinência ainda no terceiro pilar epistemológico que congrega nossa linha de pensamento. Se a pluralidade dos públicos já se torna ponto fulcral na reflexão epistemológica da comunicação organizacional, o fenômeno da globalização torna esse pilar epistemológico ainda mais complexo. Desta forma, não é a globaliza em si que se converte em premissa epistemológica para a comunicação organizacional, mas sim algumas reconfiguração que estão enredadas a ela e abraçam de modo visceral as organizações e os públicos ao redor dela. Nesse sentido, cenário globalizado ao mostra-se em deslocamento, apresenta tensionamentos entre o global e o local, integra em um mesmo local cultura e identidades diferentes. Como as organizações tem visto esse fenômeno? Ao “encurtar” distâncias e abreviar o tempo, as organizações deixam de ser lugar e passam a ser espaço? De que forma o multiculturalismo impacta na comunicação nas/das organizações? Esses questionamentos conduzem-nos às reflexões de Ferrari (2009) acerca da interculturalidade no âmbito das organizações. Nesse caminho, é pertinente dedicar especial atenção ao fato de que nenhuma organização é um inventário cerrado em si mesmo. Logo, mesmo em um cenário globalizado, não se pode vilipendias as peculiaridades culturais, linguísticas, perceptivas, sensórias de determinada comunidade que compõe uma corporação. Nesse contexto, é importante ainda refletir sobre todas essas dimensões que passam por processos de hibridização a partir do fenômeno da globalização. A partir dessas premissas levantadas, vemos uma possibilidade de consonância com a reflexão de Ferrari (2009, p. 140) que entende que: A instabilidade e imprevisibilidade do presente contexto têm mostrado que o pensamento linear que impera nas empresas não tem mais lugar no novo cenário organizacional. Futuro passa a ser visto como o resultado de processos emergentes, de situações desconhecidas que dependem de múltiplas variáveis. Dessa forma, diante da dificuldade de se preverem certezas, vivemos em um espaço de incertezas, qual exige a adoção de um pensamento estratégico, em substituição ao linear, por todos aqueles que querem sobreviver. 56 A partir das reflexões alinhavadas, nosso trabalho entende que a transversalidade para a constituição de uma episteme da Comunicação Organizacional precisa interfacear-se com as Relações Públicas na articulação do novo cenário em que concebe a horizontalidade entre emissor e receptor, o entendimento da pluralidade dos públicos, bem como da ressignificações da relações e dos relacionamento a partir do fenômeno da globalização. DA CONSTITUIÇÃO À OBSERVAÇÃO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO A partir de uma triagem feita nos anais dos congressos da Abrapcorp entre os anos de 2007 a 2012 detivemo-nos nas pesquisa que abordavam o estatuto teórico-metodológico da comunicação organizacional. Focamos nossa escolha nos GTs2 cujo tema privilegiava a acolhida de trabalhos teóricos, com vistas à discussões de cunho epistemológico. Nesse percurso selecionamos cinco artigos que pertencem a diferentes pesquisadores com titularidades de diversos níveis. Do congresso de 2007, selecionamos os trabalhos de Camila Krohling Colnago e Ivone de Lourdes Oliveira, denominados “Os Novos enfoques da comunicação organizacional no ambiente complexo” e “Estrutura e funções da Comunicação nas organizações: articulação entre conceito e operacionalização”, respectivamente. De 2008, escolhemos o artigo de Fábia Pereira Lima intitulado “As contribuições do paradigma relacional para o estudo da comunicação no contexto organizacional”. Em 2010, elegemos a pesquisa “O processo social de midiatização: efeitos para a comunicação no contexto organizacional” das pesquisadoras Adelina Martins de La Fuente e Carine Fonseca Caetano de Paula. Já em 2012, o artigo escolhido foi “Os grupos de pesquisa em Comunicação Organizacional no Brasil: Perfil, indicadores, de produção e o protagonismo dos líderes” de Wilson da Costa Bueno. Desde o primeiro Congresso da Abrapcorp é possível notar que no transcorrer dos anos a nomenclatura dos Grupos de Trabalho sofreram algumas alterações. No entanto, uma leitura atenta das propostas de cada Grupo mostra que os temas que versam sobre a pesquisa e metodologia sempre estiveram presentes. 2 57 Conforme debatemos no início deste trabalho, os critérios positivistas que foram cruciais para a edificação das disciplinas clássicas não mais serviam para a problematização de um campo científico como o da Comunicação. Nesse sentido, se os velhos pressupostos positivistas ruíram concomitantemente a seu paradigma qual(is) o(s) critério(s) servem à complexidade da Comunicação? Em clareza a essa aporia é que nos valemos do modelo propositivo de Braga (2010) que se emana por meio de sete matrizes para analisarmos nosso corpus de pesquisa. Nesse eixo, a primeira matriz versa sobre os entendimentos básicos de uma conceituação de comunicação organizacional vistos em nosso corpus de análise. A segunda matriz vai deter-se sobre o estudo do contexto, ou seja, o fenômeno da comunicação nas/das organizações será observado considerando seu contexto espacial/temporal/paradigmático. A terceira categoria analítica, a partir do conhecimento já agregado da primeira categoria, desentranha perspectivas que constituem a comunicação organizacional, levando em consideração o estreitamento com outras disciplinas das ciências humanas e sociais aplicadas. A quarta categoria reflete sobre a inversão programática, ou seja, “uma inversão entre o que é considerado essencial e o secundário na ótica das disciplinas vizinhas” (BRAGA 2010, p. 32). A partir da inversão dos critérios vistos nas disciplinas vizinhas, a quinta categoria deve propõe novas perguntas e questionamentos gerados pelo referencial teórico adotado na primeira fase da pesquisa. A sexta categoria gera novas hipóteses de cunho heurístico e não explicativo. Por fim, a sétima categoria tensiona internamente os ângulos de dispersão das perguntas, questionamentos, hipótese e proposições heurísticas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Do mesmo modo em que um paradigma se situa em um tempo e espaço socialmente constituído, este trabalho não pode ser desvinculado de sua temporalidade. As reflexões aqui alinhavadas nos apontam a transversalidade como um caminho possível para semear um caminho epistêmico para a Comunicação Organizacional. Ao revisar a proposta original desenvolvida no anteprojeto deste estudo me surpreendi com a visão todavia incipiente do pressuposto da transversalidade epistemológica. Pensar um fenômeno, observar uma realidade ou debruçar-se 58 sobre um corpus sob a ótica transversal implica um olhar para o socialmente constituído. Nesse sentido, a carga semântica da transversalidade só se sustenta pelos pilares das articulações. Logo, olhar pelo caleidoscópio da transversalidade nos convida a ver, em suas idiossincrasias, as filigranas que ora escapam às linearidades e desvelam a complexa urdidura das relações incrustadas nas organizações. Percorrer os signos que irmanam das organizações em relação a seus públicos e também o caminho inverso, tendo em mente a ductilidade do modelo tradicional de comunicação, nos mostra com um pouco mais de clareza a vereda antes aporética. Trilhar as veredas abertas pela transversalidade nos mostrou pontos de incompletude os quais solapam os relacionamentos das organizações com seus públicos, mas ao mesmo tempo desafia e instiga a Comunicação Organizacional a observar com maior alteridade as aporias que ora obstruem as veredas dos relacionamentos simétricos. Conforme foi testemunhado pelas páginas que nos conduziram até aqui, a comunicação é o fio condutor da tessitura social que envolve o conhecimento, os relacionamentos, o ruído, a dissonância, e é também dispositivo que ajuda a ossificar a simetria nas relações entre os públicos e a organização. Também ressalta-se o papel da comunicação na compreensão da complexa realidade nas organizações a partir do fenômeno da globalização que passou a demandar não apenas projetos de comunicação, mas também políticas de comunicação nas relações interculturais aproximadas “desterritorialização” do globo e pelos novos relacionamentos que perpassam a cultura nacional. Inicialmente, buscávamos entender como se configurava o campo científico da Comunicação Organizacional e como o pressuposto da transversalidade poderia implicar na constituição de sua episteme. Nesse sentido, vimos que o trabalho de Relações Públicas deve ser colocado em interface com o desenvolvimento da Comunicação Organizacional e, de pronto, deve considerar o novo modelo de comunicação horizontal em que a organização além de emissora passa também a ser receptora e o receptor atinge a categoria de emissor. Nesse sentido, essa nova conjuntura implica um profundo conhecimento dos públicos que precisam ser tratados em suas especificidades e idiossincrasias. Essas premissas, conforme mostraram as reflexões teóricas e a análise de nosso corpus 59 demonstram, a nosso ver, que o processo de transversalidade começa a ser visto com mais clareza dentro do campo científico e acena um caminho com maior segurança para a consolidação dos relacionamentos simétricos em que o escopo da organização, além do retorno financeiro, passe também a ser e responsabilidade com a constituição espaço/temporal/social em que a organização está circunscrita. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BOURDIEU, Pierre. O Campo Científico. In: ORTIZ, Renato. Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, 1982. BRAGA, José Luiz. Disciplina ou Campo? O desafio da consolidação dos estudos em Comunicação. In: FERREIRA, Jairo Getúlio (Org.). Estudos de Comunicação: transversalidades epistemológicas. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2010. CURVELLO, João José Azevedo. Autopoiese, Sistema e Identidade: a comunicação organizacional e a construção de sentido em um ambiente de flexibilização nas relações de trabalho. São Paulo, 2001, 162 p. Tese (Doutorado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. GOMES, Wilson. O Estranho Caso de Certos Discursos Epistemológicos que Visitam a Área de Comunicação. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2003. GRUNIG, James; FERRARI, Maria Aparecida; FRANÇA, Fábio. Relações Públicas: teoria, contexto e relacionamentos. 2 ed. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2011. LACERDA, Inês. Curso de Teoria do Conhecimento e Epistemologia. Barueri: Minha Editora, 2012. MORIN, Edgar. A Cabeça Bem Feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 20 ed. Trad. Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. PEREIRA, José Haroldo. Curso Básico de Teoria da Comunicação. 5 ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2009. 60 SIMÕES, Roberto Porto. Relações Públicas: função política. 7 ed. São Paulo: Summus, 1995. REFERÊNCIAS DOS ARTIGOS DA ABRAPCORP BUENO, Wilson da Costa. Os grupos de pesquisa em Comunicação Organizacional no Brasil: Perfil, indicadores, de produção e o protagonismo dos líderes. VI Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e Relações Públicas. 2012. São Luís. V. 1. COLNAGO, Camila Krohling. Os Novos enfoques da comunicação organizacional no ambiente complexo. I Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas. São Paulo, SP: ECA/USP, 2007. v. 1. LA FUENTE, Adelina Martins; PAULA, Carine Fonseca Caetano de. O processo social de midiatização: efeitos para a comunicação no contexto organizacional. IV Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e Relações Públicas. 2010. Porto Alegre. V. 1. LIMA, Fábia Pereira. As contribuições do paradigma relacional para o estudo da comunicação no contexto organizacional. II Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas, 2008, Belo Horizonte. v. GT1. OLIVEIRA, Ivone Lourdes. Estrutura e funções da Comunicação nas organizações: articulação entre conceito e operacionalização. I Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas. São Paulo, SP: ECA/USP, 2007. v. 1. 61 |4| GESTÃO ESTRATÉGICA E COMUNICAÇÃO: IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS A PARTIR DO BALANCED SCORECARD Fábia Pereira Lima1 RESUMO O artigo apresenta um resgate histórico e os principais fundamentos teóricos trazidos pela metodologia de gestão da estratégia Balanced Scorecard (BSC), buscando evidenciar as implicações, desafios e limitações que a cercam, do ponto de vista epistemológico da comunicação organizacional. Deste modo, problematiza a função ideológica do discurso que apresenta e descreve o BSC como um sistema de tradução da estratégia em ação e defende a importância de tomar a estratégia (e seus sistemas de gestão) como objeto de estudo da comunicação organizacional. Palavras-chave: Balanced Scorecard; gestão estratégica; comunicação organizacional. A academia vem apresentando um crescente interesse pelo melhor entendimento de um sistema de gestão organizacional que é cada vez mais disseminado entre as organizações brasileiras, o Balanced Scorecard (BSC). Dados do banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) mostram que o número de trabalhos em nível de doutorado, mestrado ou profissionalizantes cujo tema direto ou indireto era o BSC, no Brasil, saltou de Professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. 1 apenas uma em 1998, para 57 em 2008, e 165 em 2013, embora estejam concentrados em estudos nas ciências gerenciais, especialmente voltados para a análise da eficácia dos indicadores. Do ponto de vista do mercado, Kallás e Coutinho (2005) apresentaram, há alguns anos, casos de um conjunto de grandes empresas brasileiras que já adotavam de maneira bem-sucedida o BSC, como a Brasil Telecom, Companhia Siderúrgica Tubarão, Gerdau Açominas, Petrobrás, SENAI e Unibanco. A própria adoção dessa metodologia em organizações governamentais, como a Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais, objeto de tese desta autora, é outro indicador da relevância deste sistema no âmbito da gestão das organizações contemporâneas. Contudo, chama a atenção que o tema ainda não configure como significativo objeto de estudo dos pesquisadores de comunicação organizacional, interessados em produzir conhecimento científico acerca dos processos comunicativos das e nas organizações, a fim de contribuir na formação dos profissionais da área. É a partir do reconhecimento desta lacuna que o presente trabalho discute alguns dos principais fundamentos teóricos trazidos pelo BSC, buscando evidenciar importantes implicações do ponto de vista epistemológico da comunicação organizacional. Defendida como uma metodologia de gestão que inscreve outros objetivos organizacionais para além da perspectiva financeira, o Balanced Scorecard apresenta-se como uma possibilidade de fomento à decisão participativa, na medida em que encampa a força do corpo da organização em prol de objetivos e esforços compartilhados: um alinhamento organizacional a partir da estratégia. Neste sentido, pressupõe que o sustentáculo dos processos de gestão da estratégia reverte-se, via de regra, em desafios de comunicação. O Balanced Scorecard é fruto de um estudo que envolveu diversas empresas, ao longo de 1990, e que foi liderado por David Norton, principal executivo do Instituto Nolan Norton, e por David Kaplan, pesquisador da Harvard Business School. Motivados pela crença de que os métodos de avaliação de desempenho empresarial estavam obsoletos e pelo objetivo de desenvolver um novo modelo que ultrapassasse a dimensão meramente financeira para criação de valor nas empresas, o estudo integrou interesses acadêmicos e mercadológicos, sendo rapidamente 63 tomado como referência para novos estudos e como sistema de gestão para as empresas. Como filosofia gerencial, o BSC adota como princípios - esclarecer e traduzir a visão e a estratégia ( função da alta administração); comunicar e associar objetivos e medidas estratégicas; planejar, estabelecer metas e alinhar iniciativas estratégicas e melhorar o feedback e o aprendizado estratégico (KAPLAN; NORTON, 1997). O sistema de indicadores balanceados (scorecards) preconizado pelo BSC fundamenta-se na identificação de indicadores de diversas naturezas na organização que possam fomentar a mensuração de seu desempenho numa perspectiva global. Assim, incorpora em sua metodologia, não apenas a perspectiva financeira ou contábil, mas também a dos clientes, a dos processos internos e a do aprendizado e crescimento. Considerando estratégia, dentre outras definições, como “[...] um conjunto de hipóteses sobre causas e efeitos [o BSC visa] tornar explícitas as relações (hipóteses) entre os objetivos (e as medidas) nas várias perspectivas, para que elas possam ser gerenciadas e validadas” (KAPLAN e NORTON, 1997, p.30). Desse modo, a cadeia de relações de causa e efeito está no cerne do sistema, devendo permear todas as perspectivas e, ainda, buscando equilibrar (ou balancear) as dimensões dos objetivos de curto e longo prazos, as de tendência e de resultado, as do ambiente interno e externo, além das medidas financeiras e não-financeiras já mencionadas. Se no pioneiro livro A estratégia em ação: Balanced Scorecard, de 1997, seus idealizadores discutiram as diretrizes gerais do modelo lançado, alguns anos depois o mesmo já era implantado em diversas empresas ao redor do mundo e, já em 2000, os atores lançaram o segundo livro, Organização orientada para a estratégia, com o aprimoramento do sistema. Neste, ficaram explicitados os cinco princípios do BSC. O primeiro destaca o papel da liderança executiva para mobilizar a mudança, defendendo que o mesmo não deve ser visto como um programa de mensuração e controle, mas, sim, como um programa de mudança. De fato, trata-se de um processo que tem início na mobilização, quando se desloca a governança, para depois ser considerado um sistema gerencial que institucionaliza a estratégia e os novos valores culturais. Cabe aqui lembrar que o modelo do BSC é expressamente do tipo top-down, 64 ou seja, prevê o alinhamento estratégico de cima para baixo, respeitando um processo hierárquico norteado pela missão e objetivos organizacionais. O segundo princípio foca a tradução da estratégia em termos operacionais, tendo como principal ferramenta os mapas estratégicos e os Balanced Scorecards. Aqui se fala realmente dos sistemas de mensuração, a partir de relações de causa e efeito que evidenciam o impacto das ações em resultados. Já o terceiro princípio visa alinhar a organização à estratégia, desdobrando as formulações corporativas ao nível das áreas de negócio. Como quarto princípio, a proposta de transformar a estratégia em tarefa de todos, de modo que todos os empregados a compreendam e conduzam suas tarefas cotidianas para o êxito organizacional, possibilitando a vinculação da remuneração por incentivos financeiros ao desempenho evidenciado pelo Balanced Scorecard. Por fim, o quinto princípio defende que a estratégia deve ser um processo contínuo, ou seja, precisa ter um suporte de um sistema de gestão que garanta sua efetividade. O livro de 2004, Mapas Estratégicos, explorou o princípio de traduzir a estratégia em termos operacionais, por meio das relações de causa e efeito preconizadas, e das perspectivas financeira, clientes, processos internos e aprendizado e crescimento. Assim, ofereceu um modelo que articula processos, pessoas, tecnologias e culturas com a proposta de valor para os clientes e com os objetivos dos acionistas. Já em Alinhamento, o livro seguinte, de 2006, os autores abordaram o uso dos mapas estratégicos com o intuito de alinhar e trazer sinergia para as unidades organizacionais com a estratégia corporativa. Até que, em 2009, foi lançado A Execução Premium, motivado pela busca dos autores em “[...] descobrir uma maneira de incutir o gerenciamento contínuo da estratégia no estilo de fazer negócios da organização” (KAPLAN e NORTON, 2009, s/p). Além de reforçar as contribuições dos livros anteriores e, assim, propor um sistema gerencial de loop fechado, esta última obra tem enfoque voltado para a apresentação de casos e práticas. A ideia de incutir o gerenciamento contínuo da estratégia no estilo de fazer negócios chama a atenção para a preocupação em integrar os preceitos estratégicos à cultura organizacional, revelando a intencionalidade de “[...] construir fortes vínculos entre estratégia e operações, para que as atividades operacionais cotidianas promovam os objetivos estratégicos” (KAPLAN e NORTON, 2009, s/p). Colocado dessa manei65 ra, os autores evidenciam que o BSC é um sistema de gestão preocupado em articular planejamento estratégico e execução da estratégia com foco nas ações cotidianas. Mais do que isso, que este processo somente se realiza pela comunicação, o que nos faz reconhecer nesta metodologia (tanto no mercado como na academia) o mérito da inovação tanto teórica quanto prática no âmbito da administração das organizações, aproximando a discussão sobre gestão estratégica aos estudos da comunicação. No entanto, nossas análises revelam que, na bibliografia que fundamenta o BSC, o papel de destaque à comunicação não se reflete em profundidade teórica sobre o tema. Assim, considera-se que a produção acadêmica em torno do BSC, bem como sua adoção nas organizações, reflete o mesmo problema de fundo, qual seja, uma fragilidade na abordagem comunicacional que requer redobrada atenção dos pesquisadores de comunicação organizacional. Mais que isso, nota-se que, mesmo sem um embasamento amplo e claro sobre comunicação, os idealizadores do BSC apontam que é assim que a metodologia deve ser considerada (como um sistema de comunicação) e, não, como um sistema de controle. Muita gente considera medidas e indicadores como uma ferramenta para controle do comportamento e avaliação do desempenho passado. Como vimos […], as medidas do Balanced Scorecard devem ser usadas de forma diferente – para articular a estratégia da empresa, para comunicar essa estratégia e para ajudar a alinhar iniciativas individuais, organizacionais e interdepartamentais, com a finalidade de alcançar uma meta comum. Utilizado dessa maneira, o scorecard não pretende manter as unidades individuais e organizacionais em conformidade com um plano preestabelecido, que é o objetivo dos sistemas de controle tradicionais. O Balanced Scorecard deve ser utilizado como um sistema de comunicação, informação e aprendizado, não como um sistema de controle (KAPLAN e NORTON, 1997, p. 25, grifo do autor). Fica mais claro o que eles compreendem por tornar o BSC um sistema de comunicação quando explicitam que, “para muitas empresas, o scorecard consolida a fase inicial de um novo processo gerencial - a tradução da visão e da estratégia em objetivos e indicadores que possam ser 66 comunicados aos atores internos e externos da organização” (KAPLAN e NORTON, 1997, p. 259). Ou seja, embora os autores desenvolvam em suas obras uma noção de comunicação como processo que permite a apreensão da estratégia, aqui comunicação é tomada como sinônimo de transmissão – em um ato de começo, meio e fim. O que se percebe é que há um forte viés funcionalista (e utilitarista, portanto) na sua perspectiva e, assim, mesmo quando a comunicação é compreendida por uma perspectiva mais ampliada de compartilhamento de significados, o processo é tomado como algo a ser dominado pelos gerentes para o alcance de objetivos organizacionais. Nesse caso, espera-se que a comunicação sirva à metodologia e ao sistema de gestão para tornar compreendido o que se espera que seja da estratégia organizacional, como processo capaz de transmitir a estratégia ao corpo organizacional. Os objetivos e medidas estratégicos do Balanced Scorecard são transmitidos à empresa inteira através de newsletters, quadros de avisos, videos e até por via eletrônica usando softwares de trabalho em grupo e computadores ligados em rede. A comunicação serve para mostrar a todos os funcionários os objetivos críticos que devem ser alcançados para que a estratégia da empresa seja bem-sucedida. (KAPLAN e NORTON, 1997, p.13. Grifo nosso). Claramente, os propositores do BSC assumem comunicação pelo viés transmissivo e, mais, fundamentado em seus aparatos e veículos. O processo se reveste de uma clara função de informar, mostrar, dar visibilidade aos objetivos da organização para seu corpo de funcionários. Seguindo a tradição do pensamento estratégico e, mais especificamente, da formulação estratégica, a estratégia está no cerne de todo processo gerencial, que deve nortear-se por uma visão compartilhada de quem é a organização (sua missão, visão e valores), um quadro simbólico capaz de subsidiar a ação organizacional, por meio de seus sujeitos. É nesse sentido que a comunicação aparece nesse modelo como base para o empoderamento dos funcionários devendo servir, assim, às diretrizes desenvolvidas pela cúpula organizacional (já que o modelo propõe o alinhamento das metas de cima para baixo) que, em alguma medida, pressupõe o homem motivado por recompensas financeiras - e, assim, vinculando a estratégia à remuneração. 67 Enfatiza-se, mais uma vez, o caráter utilitarista com que a comunicação é considerada e, ao mesmo tempo, o poder que lhe é conferido, como se a compreensão da estratégia pelo corpo organizacional fosse suficiente para promover o alinhamento de seus sujeitos, desde o nível individual, aos interesses da organização. Além disso, ressalta-se a ênfase na habilidade de liderança dos gerentes, que devem ser capazes de conduzir todo o processo. O ideal seria que todos na empresa, do nível hierárquico mais elevado ao mais baixo, compreendessem a estratégia e como as suas ações individuais sustentam o “quadro geral”. O Balanced Scorecard permite esse alinhamento de cima para baixo. O desenvolvimento de um Balanced Scorecard deve começar pela equipe executiva. A formação e o comprometimento da equipe executiva são essenciais para a obtenção dos benefícios do scorecard. […] Quando todos compreendem as metas de longo prazo da unidade de negócios, bem como a estratégia para alcançá-las, os esforços e iniciativas da empresa se alinham aos processos necessários de transformação (KAPLAN e NORTON, 1997, p.208, grifos nossos). Para colocar a estratégia em ação, como expresso no subtítulo do livro que apresenta o BSC, defendem seus idealizadores que se faz necessário o uso de, pelo menos, três mecanismos integrados para traduzir a estratégia e o BSC “[...] em objetivos e medidas locais que influenciem as prioridades das pessoas e das equipes” (KAPLAN e NORTON, 1997, p.208): os programas de comunicação e educação, os programas de estabelecimento de metas e a vinculação dos sistemas de compensação. 1. Programas de comunicação e educação. Um pré-requisito para a implementação da estratégia é que todos os funcionários, altos executivos e o conselho de administração compreendam a estratégia e o comportamento necessário para que os objetivos estratégicos sejam alcançados. [...] 2. Programas de estabelecimento de metas. A partir do momento em que passa a existir um nível básico de compreensão, os indivíduos e as equipes de toda a unidade de negócios devem traduzir os objetivos estratégicos de nível mais alto em objetivos pessoais e de grupo [...]. 3. Vinculação dos sistemas de compensação. O alinhamento da organização à estratégia deve ser 68 motivado principalmente através de sistemas de incentivo e compensação (KAPLAN e NORTON, 1997, p. 208). Nota-se que, além de considerar que a compreensão da estratégia é o principal componente para sua adoção como diretriz para a ação de todo o corpo organizacional, o BSC preconiza que um programa contínuo de educação para a estratégia deve reforçar permanentemente essas premissas, como suporte ao alinhamento organizacional. Sendo a compreensão da estratégia o primeiro passo de engajamento, a seguir, espera-se que as equipes estabeleçam suas próprias metas, a partir da vinculação dos objetivos organizacionais aos específicos de suas unidades, por meio de indicadores de mensuração de resultado. O terceiro mecanismo para colocar a estratégia em ação compreende o desenvolvimento de sistemas de remuneração vinculados ao desempenho, defendendo ser este o principal meio de promover o alinhamento organizacional, entendido como a equiparação entre objetivos pessoais, setoriais (de cada equipe) e organizacionais. Outro aspecto enfatizado pelo BSC refere-se ao almejado aprendizado organizacional em torno da estratégia. A proposição dos scorecards, expressos em mapas estratégicos e indicadores é, notavelmente, a de simplificar temas amplos e complexos, aproximando-os da realidade de cada ator organizacional, de modo a fomentar a sua ação por essas diretrizes. Nesse sentido, os autores tomam os indicadores como linguagem, na medida em que possibilitam a tradução de conceitos complexos em conceitos que alinham e mobilizam os indivíduos. A capacidade de aprendizado organizacional em nível executivo – o que chamamos de aprendizado estratégico – talvez seja o aspecto mais inovador do Balanced Scorecard. [...] O processo tem início com o esclarecimento da visão compartilhada que a organização está tentando alcançar. O uso de indicadores como linguagem ajuda a traduzir conceitos complexos e frequentemente obscuros em ideias mais precisas que alinham e mobilizam todos os indivíduos em ações dirigidas à realização dos objetivos organizacionais. A ênfase na construção de relações de causa e efeito no scorecard gera um raciocínio sistêmico dinâmico, permitindo que os indivíduos nos diversos setores da organização compreendam como as peças se encaixam, como o seu papel influencia o papel 69 de outras pessoas, além de facilitar a definição dos vetores de desempenho e as iniciativas correlatas que não apenas medem a mudança, como também a alimentam (KAPLAN e NORTON, 1997, p.282, grifo nosso). Aqui, há de se preocupar com o modo recorrente com que se faz referência à noção de tradução nesta abordagem do BSC. Percebe-se uma perigosa equiparação dos universos de debate, com uma apropriação da ideia de tradução como um espaço supostamente ateórico, como se houvesse tradução neutra entre sujeitos assujeitados, em um vazio de cultura, e como se a transposição de sentidos, entre universos distintos, fosse de fato possível. A ideia de traduzir a estratégia merece ser problematizada, quer seja na perspectiva de que os mapas traduzem a estratégia em uma materialidade, quer seja pela responsabilidade imputada aos gestores no sentido de traduzir a estratégia para suas equipes. Em qualquer dos pontos de vista, o uso do termo parece preciso para revelar o apagamento das forças e dos agentes que tornam o processo da tradução possível, bem como de uma intencionalidade para a transmissão de sentido, desejando-se uma equivalência entre os significados elaborados e os sentidos construídos. Tal perspectiva ancora-se numa pretensão de universalização dos significados compartilhados, destituindo-os dos seus contextos culturais, ou seja, como se a própria linguagem não constituísse uma construção cultural envolvendo produção, circulação e uso (principalmente apropriação, construção e criação) de significados. Rodrigues (2000), pesquisadora de estudos linguísticos e especialista em tradução, defende a impossibilidade de transparência nos processos de tradução citando Jakobson, para quem a tradução envolve duas mensagens equivalentes em dois códigos diferentes, razão pela qual “vai se situar em um ponto intermediário, que não é o da transparência nem o da equivalência, pois cada signo se relaciona com os outros signos de modo diferente em cada língua e em cada texto de cada língua” ( JAKOBSON, apud RODRIGUES, 2000, p.92). Nesse sentido, deve-se pensar a tradução como uma prática essencialmente da diferença (seja entre valores, crenças ou representações sociais), pois tomá-la como o contrário (uma prática de equivalência) significa também desconsiderar 70 questões relacionadas ao poder, aos embates de força e de dominação envolvidas no processo. A noção de equivalência como proposta nos textos em que é central pressupõe que os intercâmbios linguísticos possam se realizar com perfeito equilíbrio, em uma relação idealizada entre povos e culturas, em que duas línguas estão em posição simétrica. Pensar sobre a questão da multiplicidade de línguas e a da violência cultural, significa desmascarar essa noção de equilíbrio, pois as escolhas do tradutor sempre apontam para a construção de valores - que nunca estão em perfeita simetria. Nesse sentido, a tradução é “o lugar de múltiplas determinações e efeitos - linguísticos, culturais, institucionais, políticos” (RODRIGUES, 2000, p.92). Ainda segundo a autora, a própria ideia de representação compreende valores e interesses ideológicos, o que também a distancia da possibilidade de transparência, neutralidade ou espelhamento. Os processos de significação são, portanto, socialmente estabelecidos e é por meio desses processos que se vê o mundo, ele é constituído pelos sujeitos que o integram, os indivíduos relacionam-se uns com os outros e se constituem. Desse modo, não se pode concordar que a tradução transporte uma essência, trocando ou substituindo “[...] significados dados, prontos em um texto, por significados equivalentes em outra língua. A tradução é uma relação em que o texto original se dá por sua própria modificação, em sua transformação” (RODRIGUES, 2000, p. 96). O que essa reflexão incita pensar é que os processos relacionados à tradução são complexos demais para serem tomados do modo como aparecem na bibliografia do BSC, desconsiderando um farto campo de estudos que se dedica ao tema. É fundamental que se perceba que os valores são sempre expressos pela/na tradução, ao contrário do que aparece ao senso comum. Por envolver escolhas (desde os termos acionados na re-construção até a eleição, priorização e/ou supressão ou não de certos aspectos considerados por sua relevância), o processo de tradução implica, necessariamente, algum tipo de interferência do tradutor, e suas escolhas não são isentas, revelando sempre também sua perspectiva cultural, que não deve ser desconsiderada. 71 No caso do BSC, há de se considerar que a implantação da metodologia está sujeita à construção que os sujeitos organizacionais dela farão no ambiente específico de cada organização. Entendendo que a formulação da estratégia é o processo de materialização da estratégia em texto, sua tradução em mapas estratégicos e em quadros simbólicos mais acessíveis às equipes, pelas mãos dos gestores, constitui-se em novos processos de negociação de significados e construção de sentido, antes mesmo que sejam ainda reapropriados pelos componentes das equipes. Trata-se de um processo essencialmente comunicativo e que neste campo (da comunicação) precisa ser analisado. As teorias da comunicação nos ajudam a compreender que a tradução (inlcuindo a da estratégia) não é um processo neutro, livre de coerções, nem isento de (re-) contextualizações, atribuição de valores, nem reapropriações diversas, tal como compreendemos a significação do próprio processo de tradução. Essas concepções poderiam levar a se pensar que a tradução é totalmente impossível. No entanto, o que é impossível não é a tradução, mas a noção de tradução de que se parte para pensar nessa impossibilidade - uma concepção que espera que a tradução repita o texto original, que seja seu equivalente, que reproduza seus valores. Conceber a tradução como uma atividade produtora de significado implica concebê-la como um caso particular de leitura, ou de escritura, que promove a diferença, a transformação e uma complexa relação de débito. “O débito não envolve restituir uma cópia ou uma boa imagem, uma representação fiel ao original - este, o sobrevivente, está, ele próprio, em processo de transformação. O original se dá ao se modificar e esse dom não é um objeto dado, ele vive e sobrevive em mutação” (DERRIDA, apud RODRIGUES, 2000, p. 95). Reforça esse entendimento a ideia de que os signos, se não refletem uma cultura e uma sociedade, são o que sustentam seus valores e seus significados, por meio dos discursos construídos, dos quadros simbólicos que fazem circular, sendo, ao mesmo tempo, produto e produtores de ideologia. A ideia de tradução do BSC, quer seja pelos mapas estratégicos (desenvolvidos por indivíduos, sujeitos em ação), quer seja pela liderança envolvida no processo de gestão estratégica (que deve 72 traduzir a estratégia para suas equipes), compreende uma prática de interpretação, mais do que representação. Nesse processo, há de se aceitar a impossibilidade de isenção dos sujeitos tradutores e da equivalência de significados, sendo o ato de traduzir uma prática, antes de tudo, de diferença. Nas palavras da autora, o [...] tradutor constrói uma interpretação que, por sua vez, também vai ser movimento e desdobrar-se em outras interpretações. A tradução não pode transportar valores iguais aos do texto de partida porque o processo transforma valores. Nesse sentido, a tradução é um texto que se insere em uma outra cadeia diferencial, substituindo e modificando, o texto de partida. Assim, conceber a tradução como uma relação complexa entre dois textos, não como uma relação de equivalência em que haveria simetria entre eles, significa conceber a tradução como o lugar da diferença, como um processo que promove a transformação de valores (RODRIGUES, 2000, p.97). Essas discussões abriram espaço para a questão fundamental de como pensar uma teoria estratégica menos quantitativa e racional, passando para uma abordagem mais relacional e hermenêutica. Encontramos em Pérez e Massoni (2009) uma proposta, a Nova Toria da Estratégia, que prega que a estratégia deveria ser refundada a partir da comunicação e inserida no viés da complexidade, discutindo que sete grandes mudanças no pensamento estratégico exigem sua reconfiguração paradigmática. A primeira mudança que transformou a estratégia, para os autores, é em seu paradigma - na contramão de uma concepção cartesiana, fragmentada e simplificadora, essa perspectiva considera a realidade a partir da trama de relações multidirecionais e sempre dinâmicas entre os homens. A segunda mudança está no modo como esses homens são considerados - se o homem estratégico era o homem racional da modernidade, ou o homo economicus das ciências administrativas, agora passa a ser tomado como sujeito que se constrói nas relações. Também as organizações deixaram de ser vistas como meras unidades de produção e passaram a ser compreendidas como locus de inovação e significação. Como objeto de estudo, o enfoque da estratégia deixa de ser como uma ciência de conflito para uma ciência de articulação em que 73 a negociação, a mediação, a cooperação e o consenso orientem as relações entre as pessoas. Esse enfoque reconfigura a própria concepção da comunicação, remetendo à quinta mudança, na matriz de estudo. Se, tradicionalmente, a estratégia era objeto privilegiado das ciências econômicas, agora a comunicação apresenta-se como o mais contundente espaço para se pensar a estratégia. E, por fim, todas essas transformações alteram também metodologia e método de análise da estratégia, requerendo novas ferramentas e modelos de apreensão, desafios postos principalmente aos pesquisadores que se interessam pela ação estratégica no contexto organizacional. Com esse aporte, entende-se estratégia como quadro de significados compartilhado por sujeitos que, em interação, conferem sentido para suas ações e contextos de atuação. Ou seja, estratégia enquanto construção que se dá pela comunicação, pela relação entre sujeitos. Na análise dos preceitos do BSC, o que se observou foi um esforço na promoção de um alinhamento organizacional fundado numa perspectiva paradigmática transmissional da comunicação que não dá conta de abarcar a complexidade do contexto organizacional e das interações que o constitui. Além disso, o BSC pode ser entendido, para além de uma metodologia de implantação da estratégia, como uma ferramenta carregada ideologicamente, na medida em que os sujeitos organizacionais precisam dela se apropriar enquanto tecnologia gerencial. Os mapas estratégicos (com seus objetivos, metas e indicadores) constituem e fundam uma nova gramática (com novos fonemas, sintaxes e semânticas) nas organizações, de modo que o aprendizado desses novos códigos, se não imposto, torna-se uma barreira (mesmo que simbólica) entre os integrados e os desalinhados, para usar um termo do BSC. Por isto, acreditamos que mais importante do que as críticas que usualmente são feitas ao BSC - de que este configura-se como mecanismo de controle, pela proliferação de indicadores de desempenho das atividades organizacionais -, o que deveria despertar o interesse de pesquisa em comunicação organizacional é a função ideológica por trás de sua propagada (e impossível) neutralidade (posicionando-se como uma ferramenta tradutora da estratégia em ação, no sentido de transposição de significados). O que se percebe é que, para além da medição dos indicadores, conforma-se um discurso que é tão mais eficiente enquanto mecanismo de controle quanto este for naturalizado nas pesqui74 sas, práticas e rotinas organizacionais, pautando as interações que, num continuum, reproduzem a ordem (estrutural) desejada. Assim, a partir da análise do BSC, ressalta-se a importância de que os sistemas de gestão estratégica configurem, cada vez mais, como objeto de estudo não apenas das ciências administrativas mas também da comunicação organizacional. Acreditamos que as discussões epistemológicas e metodológicas do campo acadêmico e científico da comunicação organizacional, com a problematização de seus paradigmas e metodologias, têm tanto a aprender como contribuir para o avanço das investigações nas ciências gerenciais, e vice-versa. REFERÊNCIAS: KALLÁS, David; COUTINHO, André R. Gestão da estratégia: experiências e lições de empresas brasileiras. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. A estratégia em ação: Balanced Scorecard. Rio de Janeiro: Campus, 1997. _______. Organização orientada para a estratégia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. _______. Mapas estratégicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. _______. Alinhamento: usando o Balanced Scorecard para criar sinergias corporativas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. _______. A execução premium: a obtenção de vantagem competitiva através do vínculo da estratégia com as operações do negócio. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. PÉREZ, Rafael Alberto; MASSONI, Sandra. Siete cambios que transformaron la estratégia. In: Hacia una teoría general de la estrategia. Barcelona: Ariel Comunicación, 2009, p.105-122. RODRIGUES, Cristina Carneiro. Tradução: a questão da equivalência. Revista Alfa. São Paulo - Edição 44, 2000, p. 89-98. 75 |5| A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM UMA SOCIEDADE MIDIATIZADA SOB A PERSPECTIVA DA ANÁLISE ECOLÓGICA Lutiana Casaroli1 RESUMO Com o objetivo de refletir acerca das noções de comunicação organizacional e mídia, sob a perspectiva da Análise de Discurso Ecológica (ADE), adotamos a perspectiva da análise ecológica da comunicação organizacional, instaurada em meio a uma sociedade midiatizada, mas pautada no princípio relacional previsto na comunhão e na luta pela vida. Para tanto, lançaremos mão de autores como Couto (2007, 2013), Peruzzolo (2006) e Fausto Neto (2005; 2008) que nos oferecem a base teórica necessária à estruturação de tal raciocínio. Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Análise Ecológica, Midiatização; Comunhão; Sobrevivência. INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é refletir acerca das noções de comunicação organizacional e mídia, sob a perspectiva da Análise de Discurso Ecológica (ADE), com o intuito de pensarmos em uma análise ecológica da comunicação organizacional, instaurada em meio a uma sociedade midiatizada, mas pautada no princípio relacional previsto na comunhão Professora da Faculdade de Informação e Comunicação – Curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Goiás. 1 e na luta pela vida. Para tanto, lançaremos mão de autores como Couto, Peruzzolo e Fausto Neto que nos oferecem a base teórica necessária à estruturação de tal raciocínio. Partimos do pressuposto de que a vida tem a comunicação como alicerce para suas relações. No mundo humano tais relações vitais se tornam mais complexas, devido especialmente à sua capacidade simbólica que origina tanto a cultura, constituída pelo fazer diário de cada um em comunidade, quanto as organizações e as mídias, que podem ser compreendidos como resposta às necessidades humanas e resultado do desenvolvimento tecnológico das sociedades. Por algum tempo a comunicação foi compreendida como um processo de troca, ou seja, apenas em seu aspecto informativo, sem considerar de fato a situação dos sujeitos comunicantes. Hoje, acredita-se que ela seja mais, que é constituinte da vida humana no mundo e que sua força está no fato de a vida clamar por continuidade. O mesmo entendimento estende-se para a questão da comunicação organizacional que hoje, para além de seu caráter informativo, necessita retornar as suas raízes e agregar valores da ordem do estético, do ético e do sensível para garantir a sua sobrevivência com base na sobrevivência do outro. Aí reside a importância de considerar a comunicação a partir de sua gênese e de interpretá-la sob a lente da análise de discurso ecológica que tem em sua natureza a questão da ideologia da vida. Nesta perspectiva, compreende-se aqui a comunicação a partir de seu conceito mínimo, a partir de seu aspecto fundamental: a comunicação como uma relação. Relação esta em que o homem se movimenta em busca da sobrevivência, sendo que é a relação de comunicação humana (simbólica) que permite ao homem que ele se torne um ser social. Neste sentido, dizemos que a comunicação precisa ser, antes de mais nada, e sobretudo, comunhão. É neste sentido que afirmamos que a comunicação organizacional pensada e planejada tem a responsabilidade primordial de estabelecer contatos, manter relações, por meio das mais diversas estratégias de significação com a finalidade de chegar a seus públicos de interesse de modo a promover não só a interação da ordem do imediato, mas, sobretudo, a dupla afetação. A evolução dos processos de comunicação organizacional por meio de diversas tecnologias condicionam profundas mudanças nos 77 modos de estabelecimento relações sociais e vitais. Da comunicação impressa aos meios audiovisuais e avançando em direção à hipermídia, virtual e interativa como a internet, a comunicação organizacional vem modificando as formas de relação, vivências e compreensão do mundo. É nesse contexto que assentamos a importância da observação cuidadosa e responsável dos processos de produção de sentidos nestes meios, através da discussão de conceitos como comunicação organizacional, comunhão, midiatização sob a ótica da ideologia da vida. Portanto, para conseguirmos chegar ao objetivo proposto, dividimos o artigo em duas partes principais, pautadas nos princípios que regem cada elemento envolvido no processo, a saber: a defesa intransigente pela vida e a natureza relacional da comunicação e das organizações. 1. PRINCÍPIO PRIMEIRO: DA DEFESA INTRANSIGENTE PELA VIDA Com o intuito de operarmos uma ADE, a partir dos princípios que ela sustenta, sobre a noção de comunicação organizacional e mídia, o olhar analítico partiu da ideologia da vida. Neste sentido, o que pretendemos ver é de que maneira a comunicação organizacional e a mídia, enquanto dispositivos linguísticos e discursivos, podem se aproximar da ecologia profunda que prevê o respeito e o equilíbrio entre todos os seres vivos do planeta, não exclusivamente humanos. Para se ter uma compreensão acerca do universo conceitual da ADE, faz-se necessário compreender em primeiro lugar a ecologia profunda, que tem três princípios fundantes previstos na plataforma do Movimento da Ecologia Profunda (COUTO, 2007, p. 37), a saber: 1. O bem-estar e o florescimento da vida humana e da não-humana sobre a terra têm valor em si próprios (sinônimos: valor intrínsecos, valor inerente). Esses valores são independentes da utilidade do mundo não-humano para propósitos humanos. 2. A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a realização desses valores e são valores em si mesmas. 3. Os humanos não têm nenhum direito de reduzir essa riqueza e diversidade, exceto para satisfazer necessidades humanas vitais. Para a biologia, por exemplo, ecologia é a área que estuda as inter-relações dinâmicas dos componentes bióticos e abióticos do meio am78 biente. É daí que são extraídas as bases epistemológicas para os mais diversos estudos que buscam compreender as relações ou interações que se dão nos ecossistemas. A ética ecológica ou ecoética acredita na sobrevivência da vida humana a partir da conservação de toda espécie. De um modo geral podemos dizer que está ligada à ética ambiental (COUTO, 2007). Neste trabalho, a ecoética será compreendida para além da questão ambiental, referindo-se também ao meio ambiente natural, mental e social que compreendem o “mundo” de análise da ADE. Consequentemente, ela será entendida como a ética do não sofrimento e da harmonia da vida. A ecolinguagem, por sua vez, é entendida como a linguagem que expressa a visão ecológica de mundo. Para a ADE, a língua é a própria interação entre o ser humano e o meio ambiente, pautando-se na ecoética e na ecolinguagem para desenvolver seus preceitos ancorados na defesa da vida e na luta contra o sofrimento. Após a apresentação destes conceitos fundamentais, e com o intuito empreendermos um olhar da ADE sobre a comunicação organizacional e a mídia em busca da compreensão da força da comunhão na sociedade midiatizada, retomamos a discussão pelo conceito de ética. Para ADE, tanto a ética quanto a vida são relevantes. A ética para Aristóteles inicia-se pela definição de felicidade e se pauta na concepção de justa medida, guiada pela razão, em busca da felicidade. Isso quer dizer que a ação ética é aquela que busca a harmonia nas relações entre os indivíduos. Por sua vez, na perspectiva ecossistêmica, ética seria toda ação que busca a harmonia nas inter-relações dentro do ecossistema e entre os seus integrantes com seu meio ambiente, quer dizer, toda ação que promova a felicidade. Neste sentido, o sofrimento passa a ser visto como um elemento que precisa ser combatido. Sendo assim, a ética tanto para Aristóteles, quanto para a ADE é aquela que busca a harmonia da vida e a luta contra o sofrimento, tanto no ecossistema natural, como no social e mental. Essa é chamada de ética da vida. A marca da ADE é a da defesa intransigente da vida, sendo este o princípio ético que rege a linguística ecossistêmica. Por sua vez, a vida é entendida como a vida vivida em de modo harmonioso, quer dizer, em comunhão, nas inter-relações estabelecidas entre os sujeitos no ecos- 79 sistema. A lógica do não sofrimento e do viver em harmonia, assim, se configura, antes de mais nada, como a ética da vida. Desse modo, a ADE privilegia o ecocentrismo de modo a privilegiar a ideologia da vida, na qual os seres humanos são compreendidos de modo holístico, sem hierarquia e tomando como ponto de partida as relações naturais estabelecidas no interior do ecossistema. Como princípio ético fundamental, tem-se a questão da defesa intransigente da vida e o combate ao sofrimento desarmônico. Sendo assim, podemos dizer que a ecolinguagem não se trata unicamente de uma linguagem ecologicamente correta, mas sim, para compreendê-la de fato, temos que associá-la a “uma visão ecológica de mundo” (COUTO, 2014, p. 215). Por sua vez, a ecolinguística é tomada como sendo o estudo das relações entre língua e seu meio ambiente (natural, mental e social), ou das interações verbais que se dão no meio ambiente natural, mental e social. (COUTO, 2014, p. 215). Neste sentido, a ecolinguística é mais ampla do que a ecolinguagem, pois ela se interessa por toda e qualquer manifestação linguística. A Análise de Discurso Ecológica surgiu com o objetivo de substituir a ênfase dada pela análise de discurso tradicional à ideologia e às consequentes relações de poder. A ADE parte, antes de mais nada, da ideologia ecológica, ou ideologia da vida que defende a defesa da vida e se materializa em uma luta constante contra tudo o que possa trazer sofrimento ao ser vivo. A ADE, sobretudo, tenta compreender como os discursos existem no ecossistema em que os sujeitos estão inseridos e a ecologia da interação comunicativa como um todo, não apenas seus produtos. Em sintonia com ecologia e o taoísmo, pode ser entendida como a “linguagem da comunhão. Como sabemos, comunhão é a base para todo e qualquer entendimento” (COUTO, 2014, p. 222) e é a partir dela que podemos pensar em uma forma de vida mais harmônica e respeitosa no planeta, que prime verdadeiramente pela sustentabilidade da existência. É neste sentido que defendemos aqui a escolha da ADE para lançar as bases de análise sobre a comunicação e a mídia. Metodologicamente podemos dizer que o objetivo não se encerra no aspecto da arquitetura dos enunciados em busca da articulação discursiva em torno da produção de significações. Para além, busca 80 apontar o modo como tais discursos contribuem para a defesa da vida e o combate ao sofrimento dos indivíduos presentes no ecossistema em questão. Compreendemos, especialmente, que a ADE se revelou em um modelo teórico que permite analisar diversos tipos de textos e discursos, encarando a língua como sendo a própria interação e partindo da visão ecológica de mundo, que é visceral para o objeto em questão. 2. PRINCÍPIO SEGUNDO: DA NATUREZA RELACIONAL DA COMUNICAÇÃO E DAS ORGANIZAÇÕES Neste trabalho, não estamos em busca de novos fatos, mas sim em busca de novos olhares para fatos pré-existentes. Sendo assim, partimos do pressuposto de que a vida tem a comunicação como alicerce para suas relações. Desse modo, tentamos compreender a gênese da comunicação, quer dizer, sua natureza: a comunicação enquanto força vital do ser humano que o impulsiona para sobrevivência e ao exercício da vida. Sob este ponto de vista, Peruzzolo afirma que a comunicação é “a força vital que produz o social, que tem a sua força na impulsão de todo ser vivo” (2006, p.29). É a força vital que impulsiona o ser vivo a entrar em relação com a alteridade para que, em relação com o outro, ele possa construir a trajetória da própria existência. É só em relação com o outro que é possível fazer-se. De acordo com Maffesoli (1998 apud COUTO, 2013) o indivíduo não pode existir isolado, mas sempre está ligado a uma comunidade. Tal relação é produzida e organizada em forma de mensagens que aparecem como respostas às necessidades do outro. Este outro, ao acolher a mensagem, estabelece o contato. Daí vem a definição de comunicação como encontro, na qual ambos, destinador e destinatário, entram em relação por meio de mensagens para se tornarem indivíduos no mundo. É graças à linguagem que o homem entra em relação e estabelece o tipo de comunicação propriamente humano: a comunicação simbólica. A atividade comunicacional tem de ser necessariamente remetida ao sistema das ações e dos desejos – e ao princípio básico da agressividade – mediante os quais os seres vivos se relacionam uns com os outros e com o meio ambiente, pois essa impulsão está na base de toda comunicação, não 81 apenas como fundamento, mas principalmente, como força-motriz (PERUZZOLO, 2006, p.29). De acordo com Peruzzolo (2006), a comunicação estaria na própria vida, como impulsão dela e para ela mesma na busca de ser. É a busca do outro para a realização de si, sendo que o outro também vê neste encontro a própria realização. Sendo assim, observar a comunicação sob este aspecto, a partir da visão ecológica do mundo que propicia um olhar abrangente e holístico deste fenômeno, significa cuidar do lugar do outro no processo comunicacional, levando em conta a questão da reciprocidade como fundamental, quer dizer, a dupla afetação, o envolvimento e a comunhão. Nem toda relação é de comunicação, mas toda comunicação é uma relação. O que caracteriza uma relação como sendo de comunicação é a capacidade de representação dos sujeitos envolvidos no processo: a relação de comunicação é regida pela representação que o sujeito comunicante faz do objeto. Ela é o modo como o comunicante se inscreve no espaço e no tempo do outro, de modo harmônico, construtivo e positivo em termos de existência. Para que a relação seja desencadeada, é preciso que o outro perceba e represente o material dado, sendo que é a representação que possibilita o relacionamento, pois qualifica o objeto e orienta condutas. É ela que ativa as reações dos organismos, levando-os a entrar em relação. Então, a comunicação humana é definida pela qualidade da representação e tem seu fundamento na necessidade de sobrevivência da espécie. O que marca a especificidade da comunicação humana é a presença da linguagem e a representação simbólica, como meio de comunicar. Esta relação é operada por uma matéria que, necessariamente, subentende as representações dos comunicantes. Sendo assim, a comunicação pode ser vista como um ato que se faz no tempo e no espaço, mas cujo sentido está na relação, que é, pois, a força de impulsão para o ‘tornar-se’. Neste ponto podemos dizer que se aproxima dos ideais da ADE que tem no ser humano que luta para garantir sua sobrevivência e combater o sofrimento o seu eixo de análise. “Comunicar, no nível humano, é estabelecer uma relação entre uma pessoa e outra através de um meio material, comumente chamado de mensagem, que subentende as representações do sujeito comu82 nicante.” (PERUZZOLO, 2006, p.45). Esta perspectiva revela a necessária presença da ação de representação como meio de comunicação. A mensagem materializada nada mais é do que as representações do que se pretende compartilhar e do significado do estabelecimento daquela relação. Além disso, é bom destacar que a relação acontece entre os sujeitos, fazendo com que a mensagem seja considerada um pacote de representações “que serve de ponto de passagem para as significações sociais” (PERUZZOLO, 2006, p.45). Considera-se, assim, que o destinatário interpreta suas mensagens na sua ação de representar. Os sujeitos, ao se relacionarem com as representações constituídas na situação de comunicação, estabelecem a forma legítima da interação, pois operam ações persuasivas de modo recíproco, privilegiando assim a qualidade discursiva que prime pela cooperação em detrimento da competição. Desse modo, o termo comunicação aqui está designando “os fenômenos de relação dos seres vivos dotados de percepção com outros de semelhantes capacidades, operada por meio material, quando este meio vem representado por ambos num grau de significação possível”. (PERUZZOLO, 2006, p.52) O fenômeno da comunicação, como uma estrutura de comportamento, é complexificado no ser humano pelo fato de, em muitos momentos, prescindir do controle do código genético. Isso acontece pelo que chamamos de memória de projeto ou de futuro, condição esta que permite ao homem a construção de uma cultura por meio de sua comunicação simbólica. Esse é o modo humano de trabalhar com as realidades circulantes e com o meio ambiente que o cerca. É sob este prisma que se desenvolveu a noção de que o homem é a consciência do universo. Para se comunicar é preciso primeiramente definir o lugar e o significado do outro. Então, na relação de comunicação, o lugar do outro é primordial, perceber o outro, o desejo e a necessidade do outro. Isso se dá porque a comunicação é uma relação no jogo do encontro com a alteridade. O que torna possível a relação de comunicação é o meio de representar que é justamente a representação daquilo que se quer comunicar. A qualidade dessa representação vista em todo o investimento valorativo nela feita é que vai caracterizar a relação de comunicação humana, na qual a relação se apresenta articulada em linguagem. 83 O símbolo é a expressão máxima do ser-homem: o meio de comunicar humano é caracterizado pela dimensão simbólica. No nível do símbolo, é amplo o afastamento considerado entre os comunicantes ou até mesmo absoluto. Além do mais, as relações de significação são polivalentes, não havendo necessariamente uma única relação possível e compartilhável entre significante e significado. Desse modo, dizemos que o homem não se defronta imediatamente com a realidade, pois a sua percepção é gerenciada pelo simbolismo que o faz se relacionar com o real pelas representações que dele faz. Então, dizemos que a realidade social humana é construída em processos de semiose. A linguagem simbólica funciona através de signos, que operam as representações em processos mentais e organizam a linguagem. Porém, ela não só é um produto da seleção de signos, como também é uma fonte produtora inesgotável de signos. O homem, nessa instância, não só pode imaginar o inexistente, assim como pode realizá-lo. Exprimir o inexprimível. Na linguagem humana o símbolo pode ser usado nas situações em que foram criados. Essa é a potência simbólica de libertação do humano, tanto do espaço, quanto do tempo presente que confere a possibilidade de o homem traçar relações mentais mesmo na ausência das coisas nas quais imagina. A vida humana e organizacional é uma extensa teia relacional que dá forma à vida social e que só pode ser compreendida por meio da cultura. Sendo assim, se toda ação humana é cultural, os processos comunicacionais e organizacionais também são eminentemente culturais. A comunicação é o ato cultural mais essencial do homem: “a Comunicação constitui o fundamento de toda sociedade humana e de toda relação social” (PERUZZOLO, 2006, p.29). Esta concepção se aproxima das noções previstas na perspectiva relacional da comunicação proposta por França (2012), na qual ele afirma que a comunicação é responsável por articular os interlocutores, o contexto e os discursos produzidos na situação de interação, melhor dizendo, na situação da enunciação, com o intuito de compreender a comunicação em sua complexidade. Ao assumirmos este olhar acerca do fenômeno comunicacional a partir de sua natureza relacional, estamos pois revelando a importância de encararmos a comunicação organizacional como sendo muito mais do que um documento a servi84 ço da gestão estratégica, como afirma Marchiori (2012). Ela é, isto sim, um elemento constituinte das relações e uma disputa de sentidos permanente no espaço das organizações. De acordo com Baldissera (2008, p.169), a comunicação organizacional precisa ser entendida, sobretudo, como um processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações organizacionais. Um elemento constituinte e constitutivo, a serviço da vida, pois se até então “a centralidade das organizações às sustentavam, hoje se veem provocadas pelos processos de interação, essenciais para os regimes de visibilidade” (MARCHIORI, 2012, p.4). Se o cuidado com o outro não estiver muito claro e preciso, a tendência é a de desaparecimento da organização. De acordo com Fausto Neto (2008), para compreender a comunicação organizacional em sua dimensão estratégica, é preciso que se compreenda a comunicação como um processo e a organização como uma realidade comunicacional. Disto isso, retomamos aqui a noção de linguagem para que se explicite as relações existentes na noção de realidade comunicacional, ou discursiva. Lembremos que é a linguagem a grande mediadora dos processos de construção do homem e do seu mundo. “Criada a linguagem, torna-se esta não apenas o instrumento da comunicação e, decorrentemente, da organização complexa da sociedade; mas também o patrimônio cultural portador do conjunto dos conhecimentos e das práticas da sociedade, constituindo-se num sistema generativo de alta complexidade sem o qual essa complexidade ruiria” (PERUZZOLO, 2006, p.138). Com isso, chega-se a algumas observações importantes. Primeiro que, sob a ótica da comunicação humana e da ecologia profunda, os processos comunicacionais tanto de um sujeito, quanto de uma organização, são essencialmente modelos culturais de ser. Em segundo lugar, a cultura se faz a partir de processos de comunicação. Sendo assim, é imprescindível que se pense comunicação e cultura conjuntamente, pois a comunicação gera a cultura e a cultura é o elemento que rege a vida e age sobre as forma de comunicação. Neste sentido, compartilho com a perspectiva do interacionismo simbólico quando diz que nem o homem, nem a sociedade são estruturas, mas sim processos em constante modificação e construção. Toda vez que os processos de comunicação mudam, a formação de cada 85 pessoa também muda, portanto, a cultura social é transformada a cada novo processo de comunicação que surge. A compreensão de cultura como um conceito implica suas duas dimensões: Seu caráter social e seu caráter histórico. A cultura, como ação criadora do homem é sua expressão essencial e universal, enquanto que ele se realiza criando sua obra e dirigindo-se aos outros para comunicar intencionalmente sua criação. Por isso, a cultura exprime o processo histórico do relacionamento do homem com o real, enquanto exprime a sua realização no tempo e no espaço (PERUZZOLO, 2006, p.168) Vale novamente lembrar que a comunicação gera a cultura e a cultura gere a comunicação, sendo que a comunicação é uma modalidade singular de cultura: “quer dizer, a força que habita a comunicação está na busca da relação que implica a necessidade de cooperação do outro na formação do si próprio, o que institui o nexo social; e a força da cultura está institucionalizada na relação” (PERUZZOLO, 2006, p.171). O pressuposto basilar da teoria do Interacionismo Simbólico é o de que a comunicação é eminentemente um processo de interação simbólica. Tenta discutir por processos de representação, os processos simulantes de uns com os outros. O Interacionismo Simbólico, formação advinda principalmente do campo da Sociologia, é uma ampla perspectiva sobre o papel da comunicação em Sociedade. “O Interacionismo Simbólico não é, em realidade, uma teoria. Trata-se antes, de uma perspectiva ou orientação teórica que pode englobar numerosas teorias específicas” (LITTLE JOHN, 1983, p.65). Algumas das premissas do Interacionismo podem ser utilizadas para se pensar a teoria comunicacional. De acordo com Peruzzolo, “uma das premissas fundamentais do Interacionismo Simbólico é que o ser humano orienta todos os seus atos em relação ao mundo em função do que as coisas deste mundo significam para ele” (2006, p.99). Aqui, acrescemos ainda a visão da ADE que sugere que a preocupação recaia, sobretudo, no cuidado com a diversidade de um ecossistema, não somente aquilo que signifique para o homem em termos econômicos e políticos, mas principalmente em termos de manutenção da vida de si e do outro, afinal “dentro do todo que é a biosfera, por exemplo, para haver uma certa estabilidade é necessário que haja muita diversidade de espécies. Sua 86 redução pode causar perturbações que, a médio e longo prazo, podem causar o colapso de todo o sistema” (COUTO, 2007, p. 34) A partir destas reflexões acerca dos princípios da ideologia da vida e da natureza relacional da comunicação e das organizações, torna-se possível a compreensão das organizações não só como produtoras de objetos discursivos, mas elas mesmas como objetos discursivos em si, capaz de serem analisados pela ADE. Neste ínterim, apontamos que as organizações existem no ecossistema em que os sujeitos estão inseridos, existência esta essencialmente ligada a seus discursos, fruto de sua comunicação organizacional, que interferem diretamente no processo de sociabilidade instaurado. De acordo com as ideias expostas acima, posicionamos o nosso entendimento a respeito comunicação organizacional considerando-a enquanto um processo complexo que interfere diretamente na construção e na manutenção da vida organizacional, seja enquanto dispositivo técnico, seja enquanto dispositivo de linguagem (dispositivo de enunciação), seja enquanto discurso em si. Sendo assim, infere-se que a comunicação, através da linguagem, da língua viva, configura-se na força de interação social que é capaz de reger não só de organizações, mas do planeta. Desse modo, quanto mais próximas estiverem as formas de comunicação estabelecidas de seus princípios fundantes, maior será o potencial de defesa da vida e de majoração das existências. 3. ALGUMAS NOTAS EM CONCLUSÃO Como vimos, ao pensarmos a gênese da comunicação e da comunicação organizacional, sentimos que elas têm em seus íntimos os princípios e a lógica dos valores propostos pela ecologia profunda, pois em sua natureza está presente a noção da ideologia da vida. Ao olharmos o processo de comunicação, é preciso levarmos em conta não mais o viés da comunicação linear e instrumental, mas sim considerarmos as transformações relacionadas aos avanços tecnológicos e ao papel que a mídia desempenha no atual contexto contemporâneo. Acreditamos que esses fatores incidem diretamente na qualidade dos processos relacionais estabelecidos entre os sujeitos em sociedade e entre a sociedade e o meio ambiente. 87 Sodré (2002) entende que a atual fase de midiatização dos processos comunicacionais como um quarto âmbito de existência na qual é a lógica mercadológica que predomina e mesmo dá as cartas do jogo levando a uma nova qualificação cultural e a novas formas de sociabilidade que, consequentemente, leva as pessoas a um novo regime social no qual estão intimamente ligadas, porém fragmentadas e distantes em termos de relações afetivas humanas. Como consequência disso, podemos notar uma postura crescente em torno do antropocentrismo que leva ao desrespeito e desvalorização do principio fundamental da comunicação: a manutenção das mais diversas formas de vida no planeta. No limiar entre a natureza da comunicação organizacional e a evolução das tecnologias da comunicação associadas à lógica do capital e ao lucro, por vezes, ocorrem distorções tamanhas em seus usos discursivos que depõem contra sua própria essência: verdadeira degradação e desprezo pela vida no planeta em nome da suposta satisfação das necessidades, só que desta vez, não necessariamente vitais. A garantia da sobrevivência única e exclusivamente humana, do mesmo modo que a garantia da sobrevivência individual, inevitavelmente leva ao colapso do sistema, pois não há vida isolada, sozinha. Há de se conceber a noção consciente de que se o outro não sobreviver, o eu também não sobrevive. Fausto Neto (2005) afirma com propriedade que o processo de midiatização cria um novo ambiente (seja individual, seja organizacional) tanto da informação, em termos de conteúdos e fluxos, quanto da comunicação, em seus aspectos relacionais e de produção de afetações. Acredita que por meio das tecnologias, de seus dispositivos e linguagem ganha forma um entendimento de comunicação que possibilita ver os meios como pulsões que instituem e põem em andamento um novo tipo de real, no qual as bases da interação social não mais se estabelecem através de laços sociais entre os seres humanos, mas, isto sim, por meio de interações sociotécnicas. É em nome de certa força transformadora de modos de sociabilidade que a comunicação organizacional por vezes midiática carrega o potencial de gerar e alimentar formas culturais de ser e fazer e, por isso, acredita-se que seja capaz de disseminar seus valores essenciais de modo a não querer impor a forma de vida humana sobre as demais, mas pelo contrário, buscar discursos que em vez da competição sejam capa88 zes de gerar a harmonia, a comunhão e o modo colaborativo de vivência no ecossistema, em nome da ideologia da vida que ocupa a centralidade e a razão de sua existência. Há que se pensar uma ética específica para a comunicação em organizações, a partir da lógica da ecologia profunda, que preveja limites e mecanismos de regulação interna. A partir do ponto de vista da ADE, recomenda-se que se tenha como baliza a luta contra qualquer tipo de sofrimento e a defesa da vida. Esse modo de pensar, advindo da ADE, permite-nos ir além da análise da perspectiva da ideologia do cotidiano e das relações de poder. “Nos permite olhar para um contexto social/natural estruturado na complexidade e em constante processo de mutação” (COUTO, 2013, p. 7) REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Davi. Ecolinguística. Tese de Doutorado. UFG: 2013. BALDISSERA, Rudimar. Comunicação Organizacional: uma reflexão possível a partir do paradigma da complexidade. In: Oliveira, Ivone de L.; Ana Tereza N. (Org). Interfaces e tendências da comunicação no contexto das organizações. São Caetano do Sul, SP: Difusão, 2008. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. COUTO, Elza Kioko. Ecolinguagem. In: Antropologia do Imaginário, Ecolinguística e Metáforas. Brasília, DF: Theseaurus, 2014. COUTO, Elza Kioko; COUTO, Hildo; BORGES, Lorena. Análise do discurso Ecológica. 2013. COUTO, Hildo Honório do. Ecolinguística: Estudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus, 2007. FAUSTO NETO, Antônio. “Midiatização: Prática Social, Prática de Sentido?” Paper apresentado no Seminário Internacional da Rede Prosul – CNPq. São Leopoldo, 2005. FAUSTO NETO, Antônio. Comunicação das organizações: da vigilância aos pontos de fuga. OLIVEIRA, Ivone de L. SOARES, Ana Thereza N. (Orgs). Interfaces e tendências da comunicação no contexto das organizações, São Caetano do Sul: Difusão Editora, (2008). P. 39-64. 89 FRANÇA, Vera Veiga; CORREA, Laura (orgs). Mídias, instituições e valores. Belo Horizonte: Autêntica Difusora, 2012. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru, EDUSC, 2001. LITTLE JOHN, S. Fundamentos Teóricos da Comunicação Humana. RJ: Zahar, 1983. MARCHIORI, Marlene. Um giro na concepção de estratégias comunicacionais. X Encontro do Fórum Iberoamericano de Estrategias de Comunicação. Republica Dominicana, 12 a 14 de julho de 2012. PERUZZOLO, Adair. Comunicação como Encontro. Bauru, SP: Edusc, 2006. SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. 90 |6| RESSIGNIFICAÇÃO DOS PROCESSOS COMUNICACIONAIS A PARTIR DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS: UM REPENSAR SOBRE O ENSINO DE RELAÇÕES PÚBLICAS Maristela Romagnole de Araújo Jurkevicz1, Joaquim José Jacinto Escola2 e Regiane Regina Ribeiro3 RESUMO O objetivo deste artigo é apresentar o projeto de tese proposto junto ao curso de Doutoramento em Ciências da Educação, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Portugal. A ênfase no trabalho é pesquisar, avaliar e propor alternativa de arquitetura curricular para o Projeto Pedagógico de Curso (PPC), da habilitação em Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), contemplando o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), a partir de literatura específica e das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s). Para o desenvolvimento do estudo, pretende-se elaborar uma pesquisa em- Professora do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Educação pela UEL. Doutoranda em Ciências da Educação na Universidade de Trás-Montes e Alto Doro. 1 Professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e do programa de mestrado e doutorado na linha de pesquisa Filosofia da Educação e Espaço Público, professor da Escola Superior de Educação de Torres Novas e professor assistente visitante na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Doutor em Educação na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Doro. 2 Professora adjunta da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Professora Permanente do Mestrado em Comunicação na linha de pesquisa Comunicação, Educação e Formações sócio-culturais. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. 3 pírica de cunho qualitativo, com estratégias metodológicas do estudo de caso. Palavras-chave: Relações Públicas; Tecnologias da Informação e da Comunicação; Ensino Superior de Relações Públicas. 1 INTRODUÇÃO Vive-se a quarta revolução da informação - a Sociedade da Informação, precedidas primeiramente pela invenção da escrita, livro escrito e posteriormente, a imprensa. Esta última que estamos vivenciando, teve início com o avanço das tecnologias da informação e de sua convergência com as tecnologias de comunicação, dando origem aos que alguns autores chamam de “economia em rede” ou “sociedade em rede” (Amaral, 2007, p.86). A questão central da Sociedade da Informação é a aquisição, armazenamento, processamento, transmissão, distribuição e disseminação da informação, sendo a matéria prima desta sociedade, a inteligência e o domínio dos fluxos de informação. Três fenômenos estão interrelacionados e são responsáveis pela transformação em curso, conforme apresenta o Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil (2000); a convergência da base tecnológica propiciada pela digitalização, pois todo tipo de informação pode ser representada e processada de forma digital. O segundo aspecto refere-se à popularização do uso dos computadores, possibilitado pela queda consecutiva de seu preço, como consequência da dinâmica da indústria e da competitividade. E como último aspecto, o crescimento vertiginoso da Internet em termos de conectividade internacional num curto espaço de tempo, em oito anos (91 a 98) a Internet se disseminou por praticamente todo o mundo, propiciando conectividade a países até fora de redes e substituindo outras tecnologias mais antigas (Bitnet, Fidnet, etc). Com a difusão da informação à velocidade luz pelos media e com a utilização em larga escala dos computadores para armazenar a informação, Tornero (2007) adverte para a multiplicação das fontes de saber. 92 Desta forma, a palavra conhecimento, ganha um novo sentido, conforme destaca o autor: “Impulsionado pela tecnologia, o discurso consumista promove a ideia de uma nova revalorização do conhecimento – mas de um conhecimento expandido e global que se estende por todas as épocas e todos os espaços” (TORNERO, 2007, p.33). Diante desta nova realidade, o ensino e professores encontram-se frente a novos desafios, tornar a instituição escolar um lugar mais atraente para os alunos e propiciar os meios para uma compreensão crítica da sociedade da informação. O papel da escola em todos os níveis, do fundamental ao Ensino Superior, também passa por transformações, na medida em que a tecnologia proporciona a abertura de novos espaços de aprendizagem. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e suas aplicações, bem como suas implicações nos processos educacionais ganham novas perspectivas diante do mundo globalizado, onde a difusão da informação e do conhecimento acontece de forma acelerada e contínua, assim como o desenvolvimento científico e tecnológico. Neste contexto, faz-se necessário refletir sobre os princípios que fundamentam as ações no processo educativo, buscando enquadrar os desafios para os educadores com relação ao uso das TIC de maneira crítica, no processo de construção do conhecimento. Já, nas organizações, a globalização e a revolução tecnológica da informação e das comunicações estão exigindo a concepção de um planejamento estratégico de comunicação que priorize o relacionamento com seus públicos de interesse. Cada vez mais, as empresas atuam ligadas à internet, para gerar novos negócios, lucros e comunicar-se com os seus públicos. Neste novo ambiente de trabalho, as inovações tecnológicas digitais propiciam uma ressignificação dos processos comunicacionais e uma postura diferenciada dos profissionais de comunicação. Para o Ensino Superior de Relações Públicas (RP), a incorporação do uso das TIC nas disciplinas do curso e a preparação do aluno para habilitá-lo a compreender e selecionar as tecnologias mais adequadas para os projetos de comunicação traz novos desafios a partir das demandas e expectativas atuais do mercado, cada dia mais competitivo e globalizado. A realidade vivenciada pelos egressos no mundo do traba- 93 lho faz emergir novos contornos com o uso das tecnologias digitais, e com isto, os currículos precisam ser repensados. 1.1 JUSTIFICATIVA Para a realização da investigação proposta na tese, o recorte de pesquisa está vinculado às Tecnologias da Informação e Comunicação no contexto das Relações Públicas e sua inserção no ensino superior da área, verificando sua incorporação no curso de Comunicação Social – habilitação em Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina, com oferta no período matutino e noturno. Trata-se de uma Universidade Pública, mas precisamente no Estado do Paraná, situada na cidade de Londrina. O Curso de Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas teve sua criação através da Resolução nº. 202, de 15.12.73, sendo implantado na UEL em 01.08.744. Nesta mesma década, ocorreu a proliferação das escolas de comunicação e o surgimento de novos cursos no país, conforme relata Kunsch (2002), período em que aconteceu também, uma acomodação da categoria proveniente da regulamentação da profissão. O Curso foi reconhecido pelo Decreto Federal nº. 83.656, de 28.06.79, com a permissão de conferir o Grau de Bacharel em Comunicação Social a seus egressos. Duas habilitações eram oferecidas no primeiro currículo do curso: Jornalismo e Polivalente. Os aprovados no vestibular matriculavam-se em Comunicação Social e depois de dois anos cursados, correspondentes à parte teórica do curso, o aluno escolhia uma das duas habilitações. Mas na Polivalente, antes mesmo de começar o primeiro período do profissionalizante, alunos e professores discutiram a substituição dessa habilitação por Relações Públicas, que teve início no segundo semestre de 1976. Em 2004 houve um avanço significativo e definitivo para o curso, com a separação dos colegiados dos cursos de Comunicação Social, conseguindo assim maior autonomia didática e pedagógica. Atualmente, o Dados históricos extraídos e sintetizados do Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social - habilitação em Relações Públicas da UEL, Londrina, p.1-104, 2009. 4 94 Curso de Comunicação Social - habilitação em Relações Públicas mantém as especializações: Comunicação com o Mercado e Comunicação Organizacional, que objetivam atualizar os conhecimentos de graduados em Relações Públicas e de profissionais de outras áreas sobre as novas tendências das Relações Públicas e da Comunicação Organizacional aplicadas em empresas e em outras organizações. A maioria do corpo docente tem contrato de 40 horas semanais em regime de TIDE – Tempo integral e dedicação exclusiva. Os docentes estabelecem significativos vínculos com a Pesquisa e Extensão, além das atividades de Ensino, o que caracteriza a preocupação com os objetivos maiores de uma Universidade. A duração mínima do curso é de 4 anos e a máxima de 8 anos, e o sistema acadêmico vigente é o Seriado Anual, com uma carga horária total de 2700 (duas mil e setecentas) horas. Encontra-se atualmente em vigor o projeto pedagógico do curso, estabelecido e aprovado pela resolução CEPE nº 0258/2009, com início de seu funcionamento em 2010, somente nas duas primeiras séries (matutino e noturno). Gradualmente a cada ano uma nova série foi implantada, completando em 2013 a totalidade da grade curricular proposta, com o oferecimento de todas as séries (1ª a 4ª série). Antes deste, o projeto pedagógico anterior funcionou no período de 2002 a 2012. Por dois anos (2010-2012) vigoraram dois currículos. O número de matriculados por turma é de 20 alunos para cada turno. A concepção do projeto político pedagógico que passou a funcionar a partir deste período foi fruto de constantes avaliações feitas pelos próprios professores e alunos do curso. Como participante ativa da reformulação deste último projeto, principalmente, nos dois últimos anos (2008/2009), esta autora esteve à frente da Coordenação de Colegiado do Curso e da Comissão Pedagógica tendo como principal tarefa a finalização do projeto e a promoção de discussões com os membros da área, discentes e do Colegiado. Atualmente, encontra-se novamente em discussão mudanças a serem incorporadas no projeto do curso em decorrência das Novas Diretrizes Curriculares Nacionais aprovadas em 2013. Para tanto, a área de Relações Públicas da UEL, montou um Núcleo Docente Estruturante (NDE) do Curso em 11 de março de 2014, com uma co95 ordenação e professores, com a incumbência de elaborar uma nova proposta pedagógica. As TIC no contexto das Relações Públicas apareceram recentemente na bibliografia da área, no Brasil, em alguns estudos acadêmicos, nos trabalhos de Conclusão de Curso da graduação, dissertações de mestrado, teses de doutorado, além de artigos em revistas científicas e do material existente no Portal de Periódicos da Capes/CNPq que serão investigados e apresentados nesta tese posteriormente, entre outras fontes de pesquisa. 1.2 PROBLEMATIZAÇÃO E QUESTÕES NORTEADORAS Como docente do Ensino Superior na rede pública há mais de vinte anos, no Curso de Comunicação Social, com habilitação em Relações Públicas, esta pesquisadora participou da coordenação do curso e da última reformulação do Projeto Pedagógico do Curso finalizada em 2009, com implantação em 2010. As novas Diretrizes Curriculares Nacionais aprovadas em 2013 demandarão novas alterações curriculares, discussões e novas propostas para o ensino da área. A partir de conversas em reuniões com os colegas de curso e com os alunos, bem como com os egressos que constantemente aparecem na academia para dar palestras e em congressos científicos, constatou-se um descompasso entre as tendências e as expectativas do mundo do trabalho e a preparação dos acadêmicos, que posteriormente se tornarão profissionais de Relações-Públicas5. Percebeu-se que as evoluções tecnológicas digitais não são incorporadas no ensino de Relações Públicas na mesma velocidade que o mundo do trabalho necessita. Ao se falar em trabalho é preciso refletir sobre a formação profissional oferecida pelos cursos de Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas, pois como a proposta é formar Bacharéis, a discussão que surge na academia é formar ou não profissionais com principal foco no mercado. Como está o cenário desta profissão, quais são os indicadores de formados na área e absorvidos na pesquisa/docência e Relações-Públicas com hífen refere-se ao profissional e Relações Públicas sem hífen a atividade. Font: Portaria nº 116, de 09 de maio de 2011, do Conferp. Disponível em http://www.conferp.org.br/?p=2728. Acesso em: 11de nov. 2013. 5 96 outros que trabalham em organizações de primeiro, segundo e terceiro setor? Estas questões são relevantes quando se pensa na empregabilidade, ou seja, habilidades e competências para o exercício profissional. Para Rueda, Martins & Campos (2014) são as ações empreendidas pelas pessoas para desenvolver habilidades e buscar conhecimentos favoráveis, que possibilitem conseguir colocação no mercado de trabalho, formal ou informal. A atuação dos profissionais formados nos cursos de Comunicação Social do país ocorre no mercado de trabalho ou mundo do trabalho. O entendimento das distinções entre estas terminologias está no âmbito da educação, vista sob a ótica da sociedade capitalista, inserindo suas contradições históricas das mudanças nos modelos de gestão nas organizações empresariais e suas interfaces com o trabalhador. Neste sentido, Oliveira & Almeida (2009, p.155) reconhecem a educação para o mercado como aquela em que: [...] os processos educativos foram modificados em cada modelo de produção, no atendimento às exigências das empresas, resultando em um investimento que trouxesse um índice maior de produtividade e, por consequência, mais lucro. (OLIVEIRA; ALMEIDA, 2009, p.155). Desta forma, a educação passa a ser vista como um produto mercadológico, junto com uma visão imediatista, priorizando os resultados de curto prazo, desconsiderando-se o contexto social, interferências culturas e políticas. Ao mesmo tempo, as autoras evidenciam que no espaço do trabalho aparecem diferentes processos educativos, onde o conhecimento é colocado em prática, estimulando novas formas de pensamento, possibilitando a emancipação do trabalhador, contrapondo-se às ideias pragmáticas do modelo neoliberal. É nesta perspectiva que a educação deve estar alicerçada, na busca de uma educação integral do homem, não somente para o trabalho, mas para a sociedade. Portanto, a educação para o mundo do trabalho, transcende para a possibilidade do fazer diferente, de tornar o trabalhador mais do que um apêndice da máquina, mas de um sujeito participativo em todas as esferas, na familiar, comunitária ou escolar, por meio do diálogo. 97 Assim sendo, o trabalho, a profissão, é o modo como os indivíduos se inserem e agem no mundo, na sociedade, incorporando-se os saberes escolares, sociais, trajetórias pessoais, experiências profissionais, suscitando as diversas dimensões da formação humana. Para o nosso estudo, selecionamos a terminologia mundo do trabalho. A tecnologia digital traz muitas facilidades, bem como desafios para o ensino superior, especialmente para a graduação de Comunicação Social – habilitação em Relações Públicas. A sua evolução de maneira acelerada na atualidade, provocou mudança de hábitos nas organizações e na sociedade em geral. Para Grunig (2011), este cenário tem reflexos na atividade de Relações-Públicas, pois atribui um grau de flexibilidade e precisão da informação, em tempo real, o que, até recentemente, não fazia parte da realidade do comunicador com essa velocidade e interatividade. O ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico, juntamente com o avanço da internet criaram uma lacuna entre o mundo do trabalho e os cursos que preparam os futuros profissionais de RelaçõesPúblicas, deixando-os de certa forma defasados. Aliado a este descompasso entre academia e organizações, os meios de comunicação não são exclusivamente digitais, e os tradicionais, muitas vezes tem uma versão online. Fica evidenciado a necessidade de se conhecer cada dia mais as relações entre a velha e a nova mídia e entre a tecnologia e o mercado, além dos paradigmas teóricos que fundamentam o pensamento comunicacional. Neste sentido, a atuação do profissional de Relações-Públicas precisa ser repensada, no mundo do trabalho e no significado da profissão para a sociedade. Para tanto, ao se refletir no perfil do novo profissional, deve-se pensar no Projeto Pedagógico do Curso (PPC), e neste tocante, verificar a inserção dos conteúdos digitais que o curso tem ofertado em seu programa curricular. Cabe ressaltar, que a centralidade da comunicação na sociedade contemporânea implica no fortalecimento desse campo de estudos na academia. O profissional de Relações-Públicas na contemporaneidade precisa ter uma série de competências para lidar com suportes técnicos para o aprimoramento das práticas comunicativas, além de embasamentos teóricos que permitam compreender as tecnologias digitais, re98 cursos que não podem ser vistos como algo complementar ao contexto da comunicação integrada, que de acordo com Kunsch (2008), engloba diversas formas de comunicação (institucional, mercadológica, interna e administrativa). A partir dessas reflexões, o problema de pesquisa selecionado para estudo implica responder as seguintes questões norteadoras: a) Como o ensino superior de Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina insere as Tecnologias da Informação e Comunicação na formação profissional de seus alunos? b) De que forma a Comunicação Educativa pode contribuir na discussão da inserção das TIC no Ensino Superior de Relações Públicas, promovendo um questionamento sobre o modelo vigente universidade/mercado, fortalecendo a emancipação do indivíduo no contexto social? c) De que forma as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s) do curso de Relações Públicas podem ser incorporadas na construção de uma nova arquitetura curricular, de modo a contemplar o mundo do trabalho do egresso na contemporaneidade, no que se refere ao uso das TIC? O objeto teórico de investigação refere-se a duas abordagens complementares, as Tecnologias da Informação e Comunicação no contexto da profissão de Relações-Públicas, e o ensino da área. Ambas com poucas publicações sobre a temática, apesar de despertar interesse e discussões por parte de egressos e de professores da área. Como objetivo geral decorrente do problema de pesquisa pretende-se pesquisar, avaliar e propor alternativa de arquitetura curricular para o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Comunicação Social – habilitação em Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina, contemplando o uso das TIC, a partir de literatura específica e das DCN’s. E como desdobramentos destes objetivos, os específicos terão os seguintes propósitos: Analisar a literatura contemporânea sobre o cenário digital, na perspectiva das Relações Públicas; investigar os documentos oficiais da área sobre a inserção no cenário digital; identificar os aspectos do cenário digital no curso selecionado para investigação e a concepção sobre as Relações Públicas Digitais; levantar aspectos da comunicação educativa no ensino superior, para sugerir 99 modificações no uso das TIC que permitam acompanhar seus avanços na sociedade e no mundo do trabalho. 2 ENQUADRAMENTO A comunicação pode ser entendida como um instrumento para a criação da autonomia do sujeito, da cidadania e do espírito crítico em meio às Tecnologias de Educação, ou às Tecnologias da Informação e da Comunicação, incluindo as redes sociais que hoje tomam forma na chamada era da globalização. Sendo a comunicação um processo de relacionamento social, é essencial sua interação com outras áreas de conhecimento para que se possa aprimorar esta rede de relacionamentos tão complexa com a qual cada um de nós se depara nos campos de trabalho. O dinamismo da rede de informações existente é indiscutível e habilita cada um dos indivíduos a superar dificuldades e criar uma novidade científica num curto espaço de tempo e com a participação de pessoas que, apesar de fazerem parte de uma mesma rede de informações, não necessitam compartilhar de um mesmo espaço físico. Destaca-se que essas novas configurações do ambiente social global vão exigir das organizações e da academia novas posturas. A organização precisará de um planejamento mais apurado de sua comunicação para o relacionamento mais adequado com os públicos, opinião pública e sociedade em geral. Já, a academia demandará a formação de profissionais com maior flexibilidade e autonomia para gerenciar as redes de comunicação. As organizações privadas exercem um papel fundamental dentro do processo de globalização, pois segundo Armand Mattelard (1994), [...] não somente a empresa se converteu em um ator social de pleno direito, exprimindo-se cada vez mais em público e agindo politicamente sobre o conjunto dos problemas da sociedade, mas, também, suas regras de funcionamento, sua escala de valores, e suas maneiras de comunicar, foram progressivamente, impregnando todo o corpo social. (MATTELARD, 1994, p.246-247). Todos esses aspectos estão provocando novas formas de sociabilidade e novas posturas dos agentes responsáveis pelas comunicações, 100 dos setores públicos e privados e de segmentos da sociedade civil, alterando também a formação profissional de nível superior. Aliado a estes fatores, esse avanço tecnológico nas telecomunicações, imprensa, rádio, televisão, computadores, estabelece um novo processo comunicativo social, gerando implicações de ordem técnica, ética e moral. Uma das expressões mais fortes da sociedade midiática é a web – rede mundial de computadores, apontada por Manuel Castells (2003, p.287), ao afirmar a existência de uma sociedade em rede e dominada pelo poder da internet: [...] a internet não é simplesmente uma tecnologia; é um meio de comunicação que constitui a forma organizativa de nossas sociedades; é o equivalente ao que foi a fábrica ou a grande corporação na era industrial. A internet é o coração de um novo paradigma sociotécnico, que constitui na realidade a base material de nossas vidas e de nossas formas de relação, de trabalho e de comunicação. O que a internet faz é processar a virtualidade e transformá-la em nossa realidade, constituindo a sociedade em rede, que é a sociedade em que vivemos. Os cenários que as organizações se deparam frente às novas mídias digitais, incluindo a internet, são mutantes e complexos, onde o que predomina é a incerteza global, conforme destaca Anthony Giddens (2003). São nestes novos ambientes, que elas precisam operar e garantir sua sobrevivência para cumprir a sua missão, visão e inserir seus valores. O grande desafio para a instituição escolar, incluindo o ensino superior, segundo Ribeiro (2009, p.37) é: [...] entender que o desafio da globalidade é, também, um desafio da complexidade. Existe complexidade, de fato, quando os componentes (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo), que constituem um todo, são inseparáveis, existindo um tecido interdependente, interativo e interretroativo entre as partes e o todo, assim como entre o todo e as partes. (RIBEIRO, 2009, p.37) Em ambos os contextos (organizações e escola) a comunicação assume um papel primordial, passando a ser considerada mais estratégica do que no passado. Neste sentido, o poder que a comunicação e 101 a mídia exercem na sociedade contemporânea é incontestável. Sendo assim, a comunicação passa a ser vista não mais como um instrumento de informações, mas como um processo básico e como um fenômeno nas organizações. Dominique Wolton destacou este poder no livro Pensar a Comunicação (2004, p.27), afirmando o seguinte: “A comunicação é um dos mais brilhantes símbolos do século XX; seu ideal de aproximar os homens, os valores e as culturas compensa os horrores e as barbaridades de nossa época.” O autor reafirmou em sua obra seguinte, É preciso salvar a comunicação (2006), a comunicação como uma das maiores questões do século XXI. Barroso e Escola (2013, p.218) concordam com a relevância da comunicação na sociedade contemporânea e apontam algumas características que a tornam um elemento de ligação e inclusão social: A comunicação tornou-se mais fácil, situação que veio reforçar o seu caráter vital, deixando perceber a necessidade de cada um estar em constante ligação com todos os elementos constituintes da rede social. Por telemóvel ou por computador, o novo paradigma em ascensão é marcado pelo desejo de inclusão social, pela necessidade de ligação através de uma rede virtual, pugnando para que cada um não seja arremessado para a zona de exclusão social em virtude de não estar online ou de se viver à margem da cidade informacional, privado do contato e alheado de tudo o que é dito ou de tudo o que acontece. (BARROSO; ESCOLA, 2013, p.218). A convergência midiática presente no dia-a-dia de cada cidadão é uma realidade também nas organizações, ocorrendo com a mesma intensidade, já que estas são partes integrantes da sociedade formadas por pessoas que se comunicam e se relacionam, por meio da comunicação interpessoal, grupal e todas as mídias tradicionais e digitais. Portanto, a valorização da comunicação ocorre tanto na sociedade, como também nas organizações. Novos instrumentos ou suportes, jargões e novas palavras, siglas do mundo digital surgem, como: e-mail, internet, blogs, blogosfera, wiki’s, wikipedia, sala de imprensa, chats, banco de dados, conectividade, interatividade, conexão, links, redes sociais de conversação, MSN, 102 Second Life, Web 2.0, Web 3.0, entre tantos outros meios e instrumentos disponíveis. Todos estes novos suportes podem e estão sendo utilizados por organizações e públicos, bem como pelos atores e produtores das indústrias das comunicações e agentes responsáveis pela comunicação organizacional. A comunicação nas organizações opera sob novos paradigmas e a comunicação digital ocupa um espaço de destaque na convergência midiática pelo poder de interatividade que possui nos relacionamentos institucionais e mercadológicos com os públicos e a opinião pública. Neste sentido, mais do que nunca, as organizações vão prescindir de uma comunicação viva e permanente, sob a ótica de relações públicas. Kunsch (2007) destaca esta questão: Uma filosofia empresarial restrita ao marketing certamente não dará conta do enfrentamento dos grandes desafios da atualidade. Elas terão que se valer de serviços integrados nessa área, pautando-se por políticas que privilegiem o estabelecimento de canais efetivos de diálogos com os segmentos a elas vinculados e, principalmente, a abertura das fontes e à transparência de suas ações. (KUNSCH, 2007, p.42) De acordo com Corrêa (2009) essa ambiência digital aponta para uma realidade na qual as características físicas serão cada vez mais baseadas nas conexões digitais em diversas formas e categorias. Neste contexto multimidiático digital, exige-se dos profissionais domínio sobre essas novas tecnologias. Todas precisam estar alinhadas à política de comunicação da organização, acrescidas das especificidades, necessidades e expectativas dos diferentes públicos diante dos meios digitais. Para manter uma comunicação com resultados na web, Terra (2006, p.38) considera imprescindível para a organização realizar um planejamento de Relações Públicas, na qual a palavra-chave deve ser o relacionamento. “Os meios de comunicação digitais permitem uma aproximação e um contato maiores com os públicos do que as estratégias tradicionais utilizadas pela comunicação.” Sendo assim, todo o processo comunicacional precisa ser pensado/planejado e direcionado estrategicamente para a realidade do novo cenário digital. Para Kunsch (2007), com a internet a formação de públicos virtuais é uma constante e incontrolável, tendo que se considerar novas 103 configurações e novos conceitos, tais como “comunidade virtual”, “redes sociais”, “redes digitais. Desta forma, o tema de relacionamento com públicos ultrapassa fronteiras geográficas, envolvendo as redes sociais criadas no ciberespaço, que também podem provocar mudanças comportamentais, implicando novas formas de atuação para as relações públicas e a comunicação nas organizações. Vislumbra-se diante destas mudanças, uma nova definição do trabalho de Relações Públicas, à medida que a tecnologia da informação, a internet e a reestruturação organizacional crescem em ritmo acelerado. Esses aspectos têm força para mudar a forma de construção das relações, que são conhecidas, hoje, como Relações Públicas, afirma Lattimore et al (2012), consequentemente a academia precisa repensar a maneira de ensinar a profissão. Para alcançar os objetivos propostos no projeto de tese, pretende-se utilizar como procedimento metodológico uma pesquisa de campo, característica das pesquisas exploratórias, com estratégias metodológicas do estudo de caso (Yin, 2005). A unidade-caso a ser analisada será o Curso de Comunicação Social – habilitação em Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina. Trata-se de uma abordagem metodológica de investigação especialmente adequada quando o objetivo é procurar compreender, explorar ou descrever acontecimentos e contextos complexos, nos quais estão simultaneamente envolvidos diversos fatores. A investigação, sob a forma de estudo de caso, emprega vários métodos e técnicas para recolha de informações, entre eles as entrevistas, a observação participante e os estudos de campo. A utilização destes diferentes instrumentos constitui uma forma de obtenção de dados de diferentes tipos, os quais proporcionam a possibilidade de cruzamento de informação, criando condições para uma triangulação dos dados, durante a fase de análise dos mesmos. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do cenário apresentado, constata-se a imprescindibilidade da comunicação, em todos os seus formatos e esferas; unidirecional, bidirecional, virtual, nas relações sociais, nas empresas. Portanto, a comunicação que se fazia há 10 anos não é a mesma hoje, alterando também a 104 postura do profissional que irá trabalhar nas organizações sociais. Essas mudanças precisam estar incorporadas nos currículos das faculdades de ensino superior, responsáveis pela formação dos futuros profissionais para atuar no mundo do trabalho, especialmente nos cursos fundamentados no estudo das comunicações e das relações sociais, como é o caso, das Relações Públicas. A partir de uma nova arquitetura curricular e uma compreensão mais apurada das TIC no ensino e o seu uso nas organizações, será possível desenhar um novo perfil do profissional de Relações Públicas, alinhado com as novas tendências e com o cenário digital. Esta é a pretensão do projeto de tese apresentado neste artigo, promover a reflexão, discussões, críticas e análises sobre a temática proposta, bem como gerar novas perspectivas de estudo, abordagens e enfoques. REFERÊNCIAS AMARAL, L. M. A sociedade da informação. In: COELHO, J.D. (Coord.). Sociedade da Informação – o percurso português. Lisboa: Edições Sílabo, 2007. p. 85-92. BARROSO, Jorge Miguel D.; ESCOLA, Joaquim José Jacinto. Filosofar com a tecnologia educativa. In: AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO ENSINO; POLÍTICAS, USOS E REALIDADES, 2013. Anais...Santiago de Compostela:ANDAVIRRA Ed., 2013. p. 211-232. CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Trad. 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Simone Alves de Carvalho é graduada em Relações Públicas pela ECA-USP; MBA em Gestão Empresarial pela FGV; mestre e doutoranda em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM-USP; com especialização em andamento em Gestão e Inovação em EAD pela FEARP-USP; e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Comunicação Pública e Comunicação Política da ECA-USP. E-mail: simonecarvalho@usp.br. 1 INTRODUÇÃO O bacharel em Relações Públicas (RP) tem como atividades principais o planejamento e a gestão da comunicação integrada da organização, seja ela pública ou privada e independentemente do seu porte; estas organizações devem manter boas relações públicas através das práticas de comunicação institucional, mercadológica e administrativa, estando organizadas através do planejamento estratégico da comunicação integrada (KUNSCH, 2003). No entanto, são utilizadas no mercado de trabalho muitas nomenclaturas correlatas, tais como assessoria de imprensa, relações com a mídia, relações com investidores, entre outros (KUNSCH, 2003); além de coexistirem profissionais formados tanto em relações públicas quanto em diversas áreas, tais como jornalismo, marketing, publicidade, administração e mesmo graduados nas áreas de exatas e biológicas atuando na área de comunicação integrada (NASSAR; FIGUEIREDO, 2007). Essa dificuldade em encontrar disponibilidade de emprego sob a alcunha correta de acordo com a Lei nº 5.377 de 1967 prejudica o conhecimento tanto do mercado profissional quanto dos estudantes do ensino superior sobre essa área de trabalho e suas atividades. O curso de graduação em Relações Públicas é oferecido na modalidade educação a distância (EAD) em poucas Instituições de Ensino Superior (IES). Em 2013 foram homologadas as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a graduação como bacharel em Relações Públicas, sendo que a proposta básica era transformar as antigas habilitações em cursos, todas sob a grande área de conhecimento de Comunicação Social, ao reduzir o número excessivo das nomenclaturas vigentes para terminologias específicas dos cursos existentes (KUNSCH, s/d). O problema investigado neste artigo é se a formação esperada do egresso em Relações Públicas tem relação com os cursos oferecidos na modalidade EAD sobre temas correlatos às RP. Não se pretende oferecer uma avaliação quantitativa destes, mas sim uma análise qualitativa dos mesmos. A contribuição é mostrar os diferentes cursos existentes nos diferentes níveis (graduação, especialização e extensão); se eles estão formando egressos habilitados para trabalhar na área, ainda que sem a 109 graduação formal exigida pelos conselhos da área (Conselho Regional de Relações Públicas – CONRERP e Conselho Federal de Relações Públicas – CONFERP); e apresentar possibilidades de evolução do currículo tradicional existente, visando o aprendizado contínuo do profissional. O objetivo geral é investigar o conteúdo dos cursos oferecidos com suporte EAD na área de Relações Públicas, segundo as novas DCNs. Como objetivos específicos, pretende-se conhecer os conteúdos programáticos curriculares dos cursos oferecidos na modalidade EAD na área exposta acima, nos níveis de graduação, especialização e extensão; apresentar um levantamento preliminar realizado online sobre a disposição de frequentar um curso EAD na área de Relações Públicas; confrontar a oferta de cursos na área com os dados obtidos no levantamento realizado e verificar oportunidades de atuação na área de docência independente, ou seja, sem vinculação direta com alguma instituição de ensino superior. REFERENCIAL TEÓRICO As atividades similares às Relações Públicas são iniciadas historicamente há mais de cinco mil anos, mas tal como é conhecida hoje, como práticas de relacionamentos entre organizações e públicos de interesse, com o objetivo de estabelecer diálogos e consensos (PINHO, 2008), surge nas duas primeiras décadas do século XX, com o trabalho desenvolvido por Ivy Lee para as indústrias de Rockfeller, nos Estados Unidos (KUNSCH, 2009). A área de relações públicas é responsável por estabelecer e promover políticas, estratégias e instrumentos de relacionamentos e comunicações entre as organizações de qualquer porte e natureza, e seus públicos de interesse, que são consumidores, trabalhadores, investidores, mídia, comunidade, entre outros. Kunsch (2003) advoga que o profissional destacado para ser o gestor do planejamento estratégico da comunicação integrada das organizações, composta pelas atividades de comunicação administrativa, institucional e mercadológica deva ser graduado em Relações Públicas, embora esteja constatado em outras pesquisas (NASSAR; FIGUEIREDO, 2007) que essa indicação nem sempre corresponde à realidade encontrada nas organizações. 110 O primeiro curso superior de Relações Públicas surge na ECA-USP (que, na época, se chamava ECC – Escola de Comunicações Culturais) em 1967, mesmo ano em que foi sancionada a Lei nº 5377 que disciplinava a profissão de relações públicas. Historicamente, “a trajetória do ensino de relações públicas no Brasil está associada aos caminhos delineados pela questão curricular” (MOURA, 2008, p. 688), criado durante o período do regime ditatorial militar. Para Freitas (2008, p. 695), as IES estão se adaptando continuamente aos “interesses econômicos, hegemônicos, políticos, sociais” e “às necessidades do sistema”, repensando assim os conteúdos e práticas dos cursos oferecidos. Embora sejam genéricos em suas propostas, As diretrizes curriculares oferecem liberdade para que as IES estruturem os cursos de diferentes formas. Antes de se discutir a sistemática creio que a qualidade do docente, os conteúdos que serão transmitidos e o perfil do egresso que se pretende são questões mais relevantes. (FREITAS, 2008, p. 698) As Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação em RP sofreram modificações por diversas vezes ao longo da história e, recentemente foram realizadas Audiências Públicas Regionais para reelaboração destas diretrizes, que tiveram como pauta norteadora das discussões as seguintes questões (BRASIL, 2013(a), p. 3): a) Quais os objetivos para a formação em Relações Públicas? b) Qual o perfil desejado para o egresso? c) Quais as competências a serem desenvolvidas no curso? d) Quais os conteúdos curriculares orientadores para a formação em Relações Públicas? e) Que critérios podem definir padrões de qualidade para o curso? f) Que interfaces caracterizam a integração de Relações Públicas com outras áreas? 111 As diretrizes também determinam como características do egresso as seguintes (BRASIL, 2013(a), p. 12): • O egresso do curso de Relações Públicas deve ser profissional ético, humanista, crítico e reflexivo, com as seguintes características: • Capacidade acurada de análise conjuntural, de forma a lidar quantitativa e qualitativamente com dados estatísticos, econômicos e sociais, transformando-os em indicadores para a elaboração de políticas de comunicação; • Percepção das dinâmicas socioculturais, tendo em vista interpretar as demandas dos diversos tipos de organizações e dos públicos; • Compreensão das problemáticas contemporâneas, decorrentes da globalização, das tecnologias de informação e da comunicação e do desenvolvimento sustentável necessária ao planejamento de relações públicas; • Entendimento do campo técnico-científico da comunicação, capaz de estabelecer uma visão sistêmica das políticas e estratégias de relacionamentos públicos; • Capacidade de liderança, negociação, tomada de decisão e visão empreendedora. As competências gerais e específicas são (BRASIL, 2013(a), p. 12-13): Gerais: • Dominar as linguagens e as técnicas utilizadas no processo de comunicação e nas diversas mídias, articulando as dimensões de criação, produção e interpretação; • Articular de forma interdisciplinar as interfaces existentes nas diferentes áreas da comunicação, e outros campos do saber, promovendo a integração teórico-prática; • Atuar em consonância com os princípios éticos de comunicação para a cidadania, considerando as questões contemporâneas de sustentabilidade; • Produzir conhecimento científico no campo da comunicação e 112 na área das Relações Públicas e exercer a docência. Específicas: • Desenvolver pesquisas, estratégias e políticas que favoreçam a interpretação qualificada da conjuntura sócio-organizacional; • Criar, executar e avaliar planos, programas, campanhas e projetos estratégicos de relações públicas integrados às demandas organizacionais e da opinião pública; • Sistematizar os repertórios necessários à prática profissional, nos âmbitos da gestão de processos comunicacionais, da cultura organizacional e das inovações tecnológicas; • Utilizar técnicas e instrumentos adequados ao desenvolvimento de atividades específicas: assessoria de imprensa, organização de eventos, cerimonial e protocolo, ouvidoria, comunicação interna, pesquisa de opinião pública e de mercado; • Realizar serviços de auditoria, consultoria e assessoria de comunicação de empresas; • Atuar de forma qualificada em atividades de lobby/relações governamentais e comunicação pública; • Administrar crises e controvérsias, promovendo ações para a construção e preservação da imagem e da reputação das organizações. Sriramesh (2008, p. 506) professa que a formação em RP deve se fundar em dois pilares principais: um vasto volume de conhecimento e um corpo docente qualificado, que contribua para o conhecimento do campo, em consonância com as novas DCNs. Para Kunsch (s/d), ainda existem necessidades em nível nacional para que as novas diretrizes sejam bem sucedidas, a saber: • Oferecimento de cursos de atualização e aperfeiçoamento para professores em nível nacional. • Avaliação institucional externa e interna dos cursos que vem sendo oferecidos no País. • Participação política nas iniciativas e no estabelecimento de novas políticas do MEC para o ensino. 113 • Participação dos pesquisadores no sistema de bolsas do CNPq do Ministério de Ciência e Tecnologia. Em relação às DCNs anteriores, as modificações realizadas em 2013 determinaram que o estágio curricular passa a ser obrigatório, a estrutura curricular está subdivida em eixos coordenados e a carga horária mínima obrigatória passou de 2700 horas para 3200 horas de estudos. Rhoden e Rhoden (2014, p. 21) afirmam que “a inserção, mais incisiva desse digital no ensino superior da área de relações públicas também exige, do corpo docente, preparação adequada, aspecto que merece mais reflexão e estudo”, ou seja, a falta da prática no âmbito digital por parte dos docentes também afeta esse cenário. Além de elevada qualificação intelectual e domínio de saberes na área, com os novos paradigmas da educação, o professor, cada vez mais, tem papel importante na condução de estudos, pesquisas e atividades que auxiliem na construção do conhecimento do aluno. Os gestores e professores dos cursos de relações públicas precisam discutir o impacto que o cenário digital traz aos egressos e dimensionar a inserção de maneira mais efetiva no ensino superior da área. (RHODEN e RHODEN, 2014, p. 21) Por esses motivos, entende-se que a educação a distância nessa área deva ser estudada, pois consiste em um momento de grande modificação através das Diretrizes Curriculares Nacionais e no próprio mercado de trabalho, que exige mais qualificação dos oriundos dessa área. Além disso, é salutar que as pesquisas em RP sejam aprofundadas, pois a parca produção científica no campo é apontada como um dos fatores para a falta de inovação ou atualização do mesmo (SCROFERNEKER, 2008). Sobre os cursos de RP na modalidade EAD, Rhoden (2013, p. 125) afirma que “se no modelo tradicional já são enfrentados muitos problemas, como a evasão e a pouca inserção de egressos no mundo do trabalho, nesta modalidade o desafio é ainda maior, requerendo, inclusive, docentes mais preparados do que os da modalidade presencial tradicional”, o que pode ser um impeditivo se verificarmos editais recentes de concursos para professores e tutores e analisarmos os valores pagos por esses trabalhos. 114 Moran (2003, p. 102) aponta que a área de comunicação tem especificidades, e para ter qualidade, deve “ampliar as possibilidades de interação, a qualidade do conteúdo, dos educadores e orientadores, a metodologia inovadora, a variedade de opções de aprendizagem” e que os cursos devem ser “focados na construção do conhecimento e na interação; no equilíbrio [entre] o individual e o grupal, entre conteúdo e interação” (MORAN, 2003, p. 104). Entretanto, deve-se ser lembrado que o ensino superior tem limitações, sendo uma delas que “não se levam em consideração as deficiências da formação anterior dos alunos” (DURHAM, 2007, p. 23), ou seja, os alunos devem ser preparados não só para a prática da profissão, mas inclusive para entender o mundo digital quando inserido no contexto da educação a distância mediada pela internet. André e Bruzzi (2012, p. 143) corroboram com Durham ao demonstrar em sua pesquisa que “adolescentes na faixa de 15 a 24 anos têm cada vez menos acesso a educação em detrimento da necessidade de trabalho para sustento próprio e/ ou familiar”. Esse cenário está longe de ser considerado o ideal para desenvolvimento intelectual, científico, tecnológico e, em última instância, econômico do país. Entende-se que a EAD seja uma prática educacional determinante para a melhoria do país em médio prazo. MÉTODO O método (VOLPATO et al., 2013) utilizado para a construção deste artigo foi a pesquisa bibliográfica (desk research), por ser o que melhor se encaixa para atingir os objetivos esperados, que inclui conhecer os conteúdos programáticos em cursos EAD de RP e confrontá-los com o rol de práticas e conhecimentos que se adequem melhor aos conhecimentos, habilidades e atitudes (BEHAR, 2013) esperados do profissional que atua em Relações Públicas ou áreas correlatas, de acordo com as novas DCNs. Além disso, foi realizado um levantamento sobre cursos de RP oferecidos na modalidade EAD e uma apuração preliminar online sobre a predisposição dos estudantes e profissionais frequentarem cursos de RP na modalidade EAD. Para a primeira etapa, os dados foram coletados em livros da área e em documentos oficiais com as Diretrizes Curriculares Nacionais do 115 curso de graduação em Relações Públicas. A análise foi realizada com base nas estruturas curriculares e no perfil do egresso esperado pelo mercado (BRASIL, 2013(a), pp. 12-13). Na sequência, foram consultados os sites do Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância (www.abraead.com.br), Guias de Educação (www.guiasdeeducacao.com.br) e Universidade Aberta do Brasil (http://www.uab.capes.gov.br) para definir os cursos que foram analisados. No que tange cursos ofertados na modalidade EAD, observou-se o retorno de 11 cursos relacionados à palavra-chave (relações públicas) no site da ABRAEAD, de apenas 4 cursos no Guias de Educação e de nenhum curso na UAB. Entretanto, apenas no segundo site a palavra-chave foi diretamente relacionada com cursos, e em apenas dois casos ela estava explícita. Embora a palavra-chave fosse relações públicas, os sites automaticamente redirecionavam para comunicação, a grande área dentro da qual está o curso de relações públicas. As buscas foram realizadas na primeira quinzena de dezembro de 2014. Para a análise dos dados, a intenção era verificar a estrutura curricular oferecida pelos 25 cursos em EAD sobre temas ligados à área de relações públicas que foram apontados pelos sites. Entretanto, ao entrar nos sites das IES, inclusive das que não foram listadas pelos portais de busca, observa-se que os resultados apresentados por eles, que poderiam ajudar a escolher um curso, não correspondem à realidade, seja por estarem desatualizados, mostrando cursos que não existem mais, ou por não apresentarem cursos que estão sendo oferecidos segundo os sites de busca. Como categorias de análise foram separados quatro grandes blocos: formação geral, formação em comunicação, formação em relações públicas e formação suplementar, segundo a Resolução nº 2 de 27 de setembro de 2013, que institui as DCNs do curso de graduação em RP. Adicionalmente, realizou-se um levantamento exploratório via Survey Monkey e Facebook sobre a disposição destes usuários potenciais frequentarem um curso de RP na modalidade EAD. 116 RESULTADOS Apresentam-se nessa seção os resultados sobre a verificação se os cursos oferecidos atendem às DCNs e se existe a possibilidade e interesse, por parte de profissionais e estudantes, em frequentar estes cursos na modalidade EAD. A formação segundo as novas DCNs O eixo de formação geral contempla conteúdos de cultura geral e de formação ética e humanística e prevê disciplinas baseadas essencialmente em conhecimentos das Humanidades e das Ciências Sociais Aplicadas, da filosofia e da sociologia, com foco na ética e nas questões da sociedade contemporânea, em especial nas questões ligadas aos temas dos direitos humanos, educação ambiental e sustentabilidade, ao qual poderão ser agregados conteúdos gerais de formação em economia, direito, antropologia, psicologia, estética e artes, ciência política, administração e de outras áreas do conhecimento (BRASIL, 2013(a), p. 13). O eixo de formação em comunicação postula conteúdos teóricos e aplicados das ciências da comunicação, com foco naqueles que contribuem para o entendimento dos processos e práticas de relações públicas, a saber: fundamentos teóricos da comunicação, com estudos das correntes teóricas da comunicação social e da história social dos meios de comunicação, pesquisa em comunicação, interfaces da comunicação com a cultura e a política, campos profissionais da comunicação, estudos sobre a legislação e a ética da comunicação; linguagens, mídias e tecnologias, com estudos da linguagem, da retórica e do discurso, estudos da organização das informações, estudos das mídias, das tecnologias de informação e de comunicação, estudos sobre a cibercultura, estudos semióticos da comunicação, estudo de línguas de contato ou de relação (língua franca) (BRASIL, 2013(a), p. 13-14). A formação em relações públicas promove conteúdos teóricos e técnicos que contemplem: estudos sobre teorias das organizações e correntes teóricas da comunicação organizacional e comunicação nos processos de gestão organizacional, estudos sobre história, princípios e fundamentos das relações públicas e sobre perspectivas teóricas e tendências do setor, estudos sobre públicos e opinião pública e as relações 117 públicas no contexto nacional e internacional, estudos de comunicação pública, responsabilidade histórico-social e sustentabilidade, estudos de políticas, planejamento e gestão estratégica da comunicação, assessorias de comunicação e estratégias de relacionamento com as mídias, estudos de planejamento e organização de eventos, prevenção e gerenciamento de comunicação de risco e crise, comunicação governamental no terceiro setor e nos movimentos sociais, estudos sobre a cultura organizacional, a construção da imagem e da reputação e processos de comunicação interpessoal nas organizações, estudos sobre as relações públicas no contexto da comunicação integrada (institucional, administrativa, mercadológica e interna), estudos de mercado e de negócios e avaliação e mensuração em comunicação, pesquisas de opinião e de imagem que fundamentem a execução de projetos específicos, diagnóstico, planejamento e gestão estratégica da comunicação, planejamento e organização de eventos, gerenciamento de crises, redação institucional, produção de mídias impressas, audiovisuais e digitais, comunicação em rede, portais corporativos, governamentais e comunitários, realização de projetos sociais e culturais (BRASIL, 2013(a), p. 14-15). A formação suplementar é composta por: conteúdos de domínios conexos que são importantes, de acordo com o projeto de formação definido pela instituição de educação superior, para a construção do perfil e das competências pretendidas, devendo ser previstos estudos voltados para: empreendedorismo e gestão de negócios, comunicação nos processos de governança corporativa, psicologia social, estatística, relações governamentais, cerimonial e protocolo e ouvidoria. Estágio supervisionado, atividades complementares e trabalho de conclusão de curso são as demais exigências para a graduação em Relações Públicas (BRASIL, 2013(a), p. 15). Os cursos ofertados em EAD Foi escolhida uma amostra aleatória não exaustiva, a partir dos resultados obtidos pelos portais de busca, acrescentadas de outros cursos que surgiram no buscador Google, durante a primeira quinzena de dezembro de 2014. Os resultados estão divididos em graduação, pós-graduação e extensão, para estruturar as análises. 118 Os dois cursos de graduação ofertados em EAD atendem aos requisitos propostos pelas novas DCNs. O arranjo das disciplinas durante os semestres é de responsabilidade das instituições de ensino superior, e sua lógica interna é facilmente compreensível, do conhecimento mais amplo ao mais específico e aplicado. Não há nenhum impedimento legal para a oferta dos cursos de RP na modalidade EAD, mas poucos cursos foram encontrados sendo ofertados dessa maneira. Já os cursos de especialização, cuja oferta não tem regulações quanto ao conteúdo, apenas quanto à carga horária e à exigência de trabalho de conclusão e curso. Pelos exemplos utilizados, pode-se apreender que os cursos buscam correlacionar os quatro eixos propostos pelas DCNs ( formação geral, em comunicação, em relações públicas e suplementar), de maneira a agregar conhecimentos da área de RP aos potenciais estudantes, independentemente de sua área de graduação original. Os cursos de extensão são muito mais flexíveis em sua gênese, sem se preocupar com as DCNs, mas também sem desviar-se muito ao proposto pelas mesmas. Conclui-se com esta análise exploratória não-exaustiva, que a grande área Comunicação ainda abrange muitos significados e é utilizada como sinônimo de diversas áreas de estudo, incluindo marketing e linguística. Esta situação se replica no mercado profissional, em que a pouca visibilidade da denominação oficial Relações Públicas, conforme previsto na lei nº 5.377, de 11 de dezembro de 1967, fragiliza a própria imagem do curso, motivo este, que talvez justifique os poucos cursos na modalidade EAD oferecidos para esta graduação. Os cursos de graduação de RP na modalidade EAD analisados têm estruturas curriculares ajustadas às novas normativas, mas deve haver adequação da nomenclatura, para que possam ser avaliados pelas instâncias competentes, segundo as novas DCNs. Aqueles de extensão e de pós-graduação lato sensu são menos susceptíveis às avaliações reguladoras e normativas, portanto existe um campo de atuação, inclusive para cursos livres, muito grande a ser explorado. Levantamento exploratório com usuários em potencial O levantamento exploratório foi realizado com a utilização da ferramenta Survey Monkey, através da rede social Facebook. O método 119 utilizado foi divulgar o questionário com 3 perguntas nos grupos que exibissem afinidade com o tema (grupos profissionais, estudantis e assemelhados). O levantamento foi disponibilizado durante o período de 16 a 29 de dezembro de 2014. Esse tipo de levantamento sofre com a fluidez e velocidade próprias das redes sociais, sendo que as 73 respostas vieram de um universo de mais de 11 mil pessoas, conectadas aos grupos digitais da área. Entretanto, decidiu-se por incluir essas respostas por serem, embora poucas numericamente, relevantes para o objetivo da pesquisa. É importante ressaltar que os resultados foram obtidos entre os dias 16, 17 e 18 de dezembro de 2014, ou seja, teve alto impacto logo após sua publicação mas teve vida curta na rede, fenômeno recorrente nesse meio. Dos respondentes, 49% são formados na área e outros 44% estão estudando RP. Apenas 7% são de outras áreas, ainda que correlatas: jornalismo, publicidade, marketing e gestão empresarial. Esse resultado é justificado uma vez que a divulgação foi em redes sociais ligadas aos profissionais e estudantes da área. Gráfico 1: formação dos respondentes Fonte: levantamento realizado com o Survey Monkey 73%, um número expressivo, afirma que não faria o curso de RP na modalidade EAD. Os motivos desta recusa não são o objetivo desta pesquisa, embora possamos inferir que sejam por causa do não conhecimento de como funciona esta modalidade, desconfiança com o método e o próprio desconhecimento do campo de trabalho do profissional formado em RP. Entretanto, pela análise exposta anteriormente, os cursos 120 de RP na modalidade EAD seguem às diretrizes normativas, mesmo porquê, se não as seguissem, não teriam sido autorizados a funcionar em primeira instância. Gráfico 2: respondentes que fariam o curso de RP na modalidade EAD Fonte: levantamento realizado com o Survey Monkey Na pergunta sobre cursos extracurriculares e de extensão, a maioria (77%) se sente inclinada favoravelmente a cursar a modalidade EAD para a realização dos mesmos, o que demonstra interesse para os estudos contínuos, além da flexibilidade de tempo e horários para estudos. Gráfico 3: cursos que fariam na modalidade EAD Fonte: levantamento realizado com o Survey Monkey Considera-se que os cursos de extensão na modalidade EAD seja um campo de atuação em crescimento, pois podem atrair vários interessados em conhecer ou aprofundar um ou mais aspectos da área, e que 121 também podem influenciar na maior interdisciplinaridade da formação profissional e pessoal, uma característica necessária no mercado de trabalho e pouco explorada nos cursos de graduação, independentemente da modalidade na qual são oferecidos. Esse campo também oferece oportunidades de atuação na docência independente, através de cursos livres oferecidos por especialistas nas áreas. É interessante observar que Palloff e Pratt (2003, p. 23) fazem um perfil do estudante que opta pelo EAD que se encaixa nas respostas obtidas: esse estudante já seria formado ou estaria estudando na educação superior ou continuada, tem liberdade para horário e local de aprendizagem formal, sem abrir mão de trabalho e/ ou família e pensam criticamente. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo desse artigo foi verificar se os conteúdos dos cursos oferecidos com suporte EAD na área de Relações Públicas seguem os requisitos recomendados pelas novas DCNs em 2013, e verificou-se que estão aptos a serem oferecidos de acordo com a legislação vigente. Quanto aos demais objetivos, embora não tenha-se verificado uma predisposição favorável entre os estudantes e formados na área para frequentar a graduação em RP na modalidade EAD, a oferta de cursos, especialmente na modalidade extensão, é um campo em expansão com maior possibilidade de aceite entre os pesquisados. Estima-se também a existência de oportunidades de atuação na área de docência independente, ou seja, sem vinculação direta com alguma instituição de ensino superior. Embora seja inegável o crescimento da EAD, tanto na quantidade de cursos oferecidos quanto na qualidade dos mesmos, a área de Relações Públicas tem poucos cursos de graduação nesta modalidade. Após o desenvolvimento da pesquisa, verifica-se que a área de Relações Públicas ainda tem um grande campo a ser explorado pela EAD. As novas tecnologias de informação e comunicação promoveram essa área de estudos ao planejamento estratégico das instituições, com impactos em todos os setores produtivos. Esta pesquisa teve caráter exploratório e seus resultados permitiram conhecer o campo e as possibilidades de atuação profissional futura no campo da docência independente. Recomenda-se que sejam 122 aprofundados os motivos pela rejeição do curso de graduação em RP na modalidade EAD entre os atuais estudantes e os já formados. Como dificuldades para a escrita deste artigo, aponta-se a escassez de material de pesquisa sobre cursos ofertados na modalidade a distância na área de Relações Públicas. Maiores pesquisas com estudantes e profissionais que atuam na área também se fazem necessárias para construir um corpo de pesquisa mais denso. REFERÊNCIAS ANDRÉ, Claudio Fernando; BRUZZI, Demerval Guilarducci. Formação técnica de alunos usando a EAD. In: LITTO, Fredric Michael; FORMIGA, Marcos (orgs.). Educação a distância: o estado da arte. Vol 2. 2 ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2012. ANUÁRIO BRASILEIRO ESTATÍSTICO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA. 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Acesso em 16 dez. 2014. 126 |8| PERFIL E TRAJETÓRIA DOS EGRESSOS DE RELAÇÕES PÚBLICAS DA ECA/USP: SUBSÍDIOS PARA EXCELÊNCIA ACADÊMICA E COMPETITIVIDADE NO MERCADO DE TRABALHO Maria Aparecida Ferrari1 e Ana Cristina da Costa Piletti Grohs2 RESUMO Esta pesquisa tem como propósito conhecer o perfil e a trajetória dos ex-alunos do curso de Relações Públicas da ECA/USP, entre o período de 1996 a 2013. O projeto está dividido em quatro etapas. A primeira consistiu no mapeamento de 580 egressos do período mencionado, com confirmação de dados pessoais e e-mails. A segunda etapa tratou da aplicação de um questionário on-line a 447 egressos cujos contatos foram atualizados. A aplicação de um focus group foi a terceira etapa a ser desenvolvida, com o objetivo de confirmar alguns resultados obtidos na análise estatística. A quarta etapa ainda encontra-se em andamento e consiste em identificar quais são as competências e habilidades que os executivos de comunicação buscam no momento de contratar os jovens egressos. Os resultados obtidos servirão para determinar o estado da arte do curso de Relações Doutora e mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Graduada em Ciências Sociais pela USP e em Relações Públicas pela Faculdade de Comunicação Social Anhembi. Docente dos Programas de Pós-graduação e Graduação do Departamento de Relações públicas, Propaganda e Turismo da ECA-USP. E-mail: maferrar@usp.br 1 Doutoranda do Programa de Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Bolsista convênio FAPESP/ CAPES* (processo nº 2014/ 26010-5). E-mail: anacris.piletti@usp.br *As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da FAPESP e da CAPES. 2 Públicas da ECA/USP em relação a grade curricular, as disciplinas do curso, aos docentes e coordenação, assim como conhecer os pontos negativos e positivos dos egressos sobre o curso e a carreira profissional. Como recomendações, pretende-se apresentar propostas de novas metodologias de ensino que atendam as competências, atitudes e habilidades para o mundo do trabalho. Palavras-chave: Egressos; Relações Públicas; Ensino Superior; Competências; Habilidades. INTRODUÇÃO A transformação da base da economia do trabalho manual para o trabalho baseado no conhecimento passou a exigir um trabalhador mais qualificado e um indivíduo engajado nas questões da sociedade. Esse engajamento tem como base a educação e o ensino superior, responsáveis pelo desenvolvimento do conhecimento científico, tecnológico e cultural de uma sociedade. Nesse sentido, como afirmou Peter Drucker “a educação tornou-se a chave das oportunidades e do progresso em todo mundo moderno” (1970, p. 350). Vale lembrar que uma das finalidades da educação superior é “formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua” (LDB, 1996, Art.43º, II). O curso universitário de Relações Públicas é oferecido no Brasil desde 1966 e o primeiro curso foi criado na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo – ECA/USP. No ano de 1967, a profissão passou a ser regulamentada pela Lei 5.377 e, para tanto, o registro profissional e a formação de nível superior tornaram-se obrigatórias para o exercício das atividades de Relações Públicas. Segundo Ferrari (2011, p. 205) a criação da lei e do curso superior “por um lado, proporcionou a oportunidade de sistematizar o ensino e oferecer parâmetros ao mercado, por outro ‘engessou’ a atividade criando um rígido sistema de con128 trole de seu exercício por meio da fiscalização dos Conselhos Regionais”. A partir de 1969, com a criação do CONFERP – Conselho Federal dos Profissionais de Relações Públicas e dos conselhos regionais, a rígida função fiscalizadora e punitiva da entidade - multava as empresas que não contavam com profissionais de Relações Públicas devidamente registrados - fez com que as organizações mudassem a nomenclatura dos departamentos, até então denominados de Relações Públicas, para “Comunicação”, “Comunicação Social”, “Assuntos Públicos”, entre outras denominações. Essa alteração na denominação dos departamentos foi a forma que as empresas encontraram para escapar da fiscalização dos CONRERP´s ao longo do país. Para Ferrari (2001) este fato apressou a distância entre o mercado de trabalho e a formação acadêmica dos profissionais. Aliada a situação mencionada, existe ainda o fato de que a habilitação de Relações Públicas está vinculada a área de Comunicação Social, muito embora a sua prática esteja predominantemente ligada à área da gestão organizacional, mais voltada para o campo da administração, gestão e negócios, pois a comunicação é uma função ‘meio’ e não fim nas organizações. Quando analisamos as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Relações Públicas observamos, por exemplo, que os conteúdos essenciais como “empreendedorismo e gestão de negócios” aparecem no eixo de formação suplementar (DCN, 2013), enquanto que na prática profissional esses conteúdos são elementares para o bom desempenho da atividade de Relações Públicas. No cenário contemporâneo, compreendemos que a “sociedade do conhecimento” tão propalada por Drucker (1970) passou a exigir um profissional tecnicamente qualificado e um cidadão comprometido com o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural da sociedade. É neste sentido que a educação superior tem um papel fundamental na formação qualificada e que atenda as competências do mercado de trabalho. Portanto, os profissionais devem estar aptos para atenderem as demandas profissionais e sociais do mundo contemporâneo. Embora seja uma atividade de gestão da comunicação, as Relações Públicas no Brasil enfrentam dificuldades para ser reconhecida e legitimada, seja no mercado de trabalho, como junto a sociedade em geral. De acordo com pesquisa realizada por Oliveira et al (2014) com 132 egressos do curso de Relações Públicas da Universidade Federal da Paraíba, no período de 2000 a 2009, apenas 3% dos egressos que estavam empregados 129 atuavam como relações-públicas. Para os pesquisadores tal resultado denota a existência de dissonância de conhecimento e conteúdo entre a academia e o mercado de trabalho o que pode ser resultante da inadequada formação dos alunos frente as competências exigidas pelo mercado de trabalho. Para Lousada e Martins (2005, p. 74) a integração academia e mercado é essencial e, segundo a definição dos autores “o egresso é aquele que efetivamente concluiu os estudos, recebeu o diploma e está apto a ingressar no mercado de trabalho – como fator de destaque e fonte de informação à Instituição de Ensino Superior (IES) que o formou”. Diante da afirmação dos autores apresentamos as seguintes questões: qual é o perfil do relações-públicas que o curso de Relações Públicas da ECA/ USP tem buscado formar? qual é a avaliação dos egressos sobre a formação recebida no curso de Relações Públicas da ECA/USP? o embasamento teórico e prático obtido na formação acadêmica recebida durante o curso tem ajudado a prática no mercado de trabalho? Depois de realizada uma varredura na literatura especializada, observou-se que existem escassos estudos e pesquisas realizadas sobre o perfil dos egressos do curso de Relações Públicas no Brasil. Aqui mencionamos dois trabalhos que mais se aproximam da nossa pesquisa. A mais recente foi conduzida por Oliveira et al (2014) e tratou de analisar as expectativas e opiniões dos egressos do curso de Relações Públicas da Universidade Federal da Paraíba – UFPB e a inserção no mercado de trabalho da região. O segundo estudo foi realizado por Lopes et al (1992) com egressos das décadas de 70 e 80 dos cursos de Comunicação Social da ECA/USP, entre os quais foram pesquisados os ex-alunos do curso de Relações Públicas. Dado o pioneirismo do curso de Relações Públicas da ECA/USP no país e a relevância da Universidade de São Paulo no contexto do ensino superior nacional e internacional, consideramos relevante realizar um estudo que contemplasse as opiniões dos egressos sobre o curso, a trajetória profissional, assim como a identificação de competências, habilidades e atitudes que são necessárias no mercado de trabalho. Consideramos, como afirmam Lousada e Martins (2005, p. 83), que: a observação da trajetória dos ex-alunos serve como fonte de informações gerenciais, permitindo a tomada de decisões so130 bre o planeamento de cursos, arranjos didático-pedagógicos e modalidades de programas que desenvolvam uma polivalência e identidade profissional capazes de interagir e atender às mutações do mercado de trabalho. Ex-reitor da USP, Jacques Marcovitch (1998) em um de seus comentários fez várias críticas a USP, apontando que a universidade ainda não enxergou o valor dos ex-alunos, uma vez que o relacionamento com os egressos enriquece os vínculos e torna mais duradoura sua relação com os seus ex-alunos. Cassimiro e Pereira (2006) afirmam que no Brasil, o relacionamento entre as universidades e seus ex-alunos ainda não faz parte da tradição educacional do país. No entanto, como esse relacionamento mostra-se extremamente profícuo, algumas instituições de ensino superior estão desenvolvendo ações nesse sentido. O caso mais antigo no Brasil é da Associação dos Ex-alunos da FGV de São Paulo criada em 1954. A exGV é uma entidade sem fins lucrativos que gera seus próprios recursos financeiros por meio de anuidades de seus associados, doações e serviços prestados aos ex-alunos e em alguns casos para o mercado em geral. Por outro lado, é comum em universidades da Europa, dos Estados Unidos, da Ásia e de alguns países da América Latina (Colombia e Chile) o relacionamento com o alumni (ex-aluno), relação que é levada com muito profissionalismo. As universidades contam com estruturas organizacionais que contemplam uma área específica para a função de alumni relations, cujos objetivos são: aproximar e acompanhar a trajetória profissional do egresso, criar banco de conferencistas e até impulsionar iniciativas como a captação de recursos devido à escassez de recursos pelos quais passam as universidades em geral. Frente a realidade das universidades estrangeiras no tratamento aos seus egressos, a presente pesquisa tem como propósito conhecer a trajetória dos egressos do curso de Relações Públicas da ECA/USP para posteriormente propor a criação de mecanismos de engajamento dos ex-alunos com a instituição de ensino que o formou. O estudo contou com a participação dos egressos do período de 1996 a 2013 e compreende quatro etapas. Inicialmente foi feito o mapeamento dos egressos do período mencionado (atualização de dados pessoais e e-mails); em seguida foi enviado um questionário on-line e, logo após, a 131 análise estatística dos dados; a terceira etapa envolveu egressos em um grupo focal com o objetivo de compreender alguns resultados e reforçar outros dados encontrados na etapa quantitativa. A quarta etapa está em andamento e consiste em entrevistar executivos de comunicação para conhecer quais são as competências e habilidades que as organizações buscam no momento da contratação dos egressos. No presente paper apresentamos os resultados mais relevantes referentes as três etapas já concluídas do projeto. Os resultados obtidos até o momento apontam que os egressos são enfáticos quanto a melhoria da grade curricular, assim como a adoção de novas metodologias de ensino. Os resultados também oferecem aos coordenadores dos cursos de Relações Públicas informações importantes para atualizar as grades curriculares, principalmente no momento em que as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (2013) para o curso de graduação em Relações Públicas devem ser implantadas por todos os cursos no Brasil. GESTÃO DA QUALIDADE NO ENSINO SUPERIOR De acordo com a legislação educacional brasileira, o ensino deve ser ministrado visando a “garantia de padrão de qualidade” e a “vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais” (LDB, 1996, Art. 3º, IX, XI). Segundo Davok (2007, p. 507) o conceito mais usual de qualidade nas ciências sociais e humanas significa “a perfeição de algo diante da expectativa das pessoas. Nas áreas mencionadas, qualidade não existe como elemento mono (perfeição), mas exige a relação de dois elementos (perfeição e expectativa)”. Portanto, a qualidade do ensino superior depende de dois elementos essenciais: as entregas que as instituições de ensino realizam para a sociedade e comunidade acadêmica (serviços prestados, profissionais formados, tecnologias e conhecimentos desenvolvidos entre outros) e a satisfação dos estudantes e da sociedade que recebem os benefícios sociais, científicos e culturais gerados pela IES. Demo (2001) apresenta duas dimensões da qualidade. A primeira é a qualidade formal, relacionada à “reconstrução do conhecimento” e refere-se aos meios utilizados para produzir e aplicar métodos, tecnologias e ciências. Segundo o autor as universidades não se dedicam, como 132 regra, a reconstrução do conhecimento, ou seja, “não formam profissionais capazes de autonomia própria, mas porta-vozes de mensagens ultrapassadas, dificultando imensamente um dos desafios da própria competitividade: a capacidade de continuar aprendendo” (DEMO, 2001, on-line). A segunda dimensão é a política e está relacionada ao desenvolvimento da autonomia cidadã, ou seja, “saber aprender, argumentar, contestar, pensar, não significa apenas exercício lógico, mas exercício de autonomia, habilidade de intervenção alternativa, capacidade de mudar a história e a realidade” (DEMO, 2001, on-line) Neste sentido o autor afirma que existem dois eixos: uma é preparar o estudante para ocupar uma função no mercado de trabalho e o outro eixo é prepará-lo para trabalhar com autonomia. Neste sentido, a dimensão política da qualidade deve ser finalidade da educação. Como previsto na LDB 1996, garantir a qualidade e assegurar o processo de avaliação da IES é uma das incumbências da União. Por conseguinte, com o objetivo de verificar o padrão de qualidade dos cursos de ensino superior foi criada a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). O referido sistema avalia, de forma integrada, a instituição, os cursos e o desempenho dos estudantes e “fundamenta-se na necessidade de promover a melhoria promover a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional, da sua efetividade acadêmica e social (...)”. (SINAES, 2004, p.4). Embora existam muitas críticas em relação à redução do Sinaes aos indicadores quantitativos e rankings (DIAS SOBRINHO, 2008), seus princípios e valores visam contribuir com a qualificação do ensino superior e consolidação dos valores democráticos. Na sua essência, o Sinaes tem finalidade construtiva e formativa visando o aperfeiçoamento da comunidade acadêmica. Uma das modalidades de avaliação que integra o Sinaes é a avaliação das instituições de ensino superior, formada pela avaliação externa e pela avaliação interna. A avaliação externa ocorre por meio da análise de documentos, visitas in loco na IES e interlocução com membros dos diferentes segmentos da instituição, da comunidade local ou regional. Elas são realizadas por comissões de especialistas externos à instituição (Sinaes, 2004). 133 A avaliação interna ou autoavaliação ocorre por meio de um processo de planejamento, sensibilização, sistematização de informações e análise crítica e coletiva dos resultados pelos membros da IES’s. Este processo deve conduzido por meio de uma equipe de coordenação (CPA – Comissão Própria de Avaliação) e contar com o comprometimento dos dirigentes e participação da comunidade acadêmica. A autoavaliação é “um processo contínuo por meio do qual uma instituição constrói conhecimento sobre a sua própria realidade buscando compreender os significados do conjunto de suas atividades para melhorar a qualidade educativa e alcançar maior relevância social” (Sinaes, 2004, p.6) Para orientar a elaboração do processo de autoavaliação das IES, o Ministério da Educação e o INEP por meio do Sinaes, organizou um documento que apresenta dimensões e temas a serem consideradas neste processo e que também são considerados pelas comissões de avaliadores externos. Uma dessas dimensões refere-se às políticas de atendimento aos estudantes e tem como um dos temas nucleares o acompanhamento dos egressos e a criação de oportunidades de formação continuada. O Quadro 1 apresenta as orientações em relação ao tema acompanhamento dos egressos. 134 QUADRO 1 – ORIENTAÇÕES EM RELAÇÃO AO TEMA ACOMPANHAMENTO DOS EGRESSOS Núcleo básico e comum Inserção profissional dos egressos. Participação dos egressos na vida da Instituição. Núcleo de temas optativos Existem mecanismos para conhecer a opinião dos egressos sobre a formação recebida, tanto curricular quanto ética? Quais são? Qual a situação dos egressos? Qual o índice de ocupação entre eles? Há relação entre a ocupação e a formação profissional recebida? Existem mecanismos para conhecer a opinião dos empregadores sobre os egressos da instituição? Quais? É utilizada a opinião dos empregadores dos egressos para revisar o plano e os programas? Como é feita? Existem atividades de atualização e formação continuada para os egressos? Quais? Há participação dos egressos na vida da instituição? Como? Que tipos de atividades desenvolvem os egressos? Que contribuições sociais têm trazido? Documentação, dados e indicadores Pesquisas ou estudos sobre os egressos e/ou empregadores dos mesmos. Dados sobre a ocupação dos egressos. Evidências de atividades de formação continuada para os egressos. N.º de Candidatos. / N.º de Ingressantes. / N.º de Estudantes matriculados por curso/ N.º de Estudantes com bolsas. / N.º médio de estudantes por turma. / N.º de bolsas e estímulos concedidos. / N.º de intercâmbios realizados. / N.º de eventos realizados. / N.º. de participações em eventos. / N.º de trabalhos de estudantes publicados. Indicadores TSG - Taxa de Sucesso na Graduação / GPE - Grau de Participação Estudantil / Tempo médio de conclusão do curso. / Aluno tempo integral/professor / Aluno tempo integral/funcionário técnico-administrativo MEC/CONAES/ INEP, 2004 135 No Quadro 1 verificamos que a inserção profissional e a participação dos egressos na vida da instituição aparecem como tópicos básicos que devem integrar a autoavaliação da entidade de ensino. Como núcleo de temas optativos aparece tópicos de sugestões para reflexões e discussões da comunidade acadêmica. Também são apresentados dados, documentos e indicadores que podem contribuir para fundamentar as análises e interpretações da Comissão Própria de Avaliação. Consideramos importante apresentar as orientações do Sinaes porque em 2013 a Universidade de São Paulo firmou um acordo de cooperação técnica com o MEC e INEP para desenvolver estudos e pesquisas sobre o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), mais especificamente sobre o Enade – um dos pilares do Sinaes – que avalia o desempenho dos estudantes. A Universidade de São Paulo apresenta sua Comissão Permanente de Avaliação e, em relação aos egressos, orienta as unidades para definir o perfil do egresso como referência do processo aprendizagem e manter um relacionamento formal e de acompanhamento dos ex-alunos. No entanto, as orientações do Sinaes completam tais diretrizes e fornecem questionamentos e indicadores que podem ser utilizados por qualquer curso e IES. Portanto, a pesquisa sobre os egressos é uma pauta importante a ser discutida no âmbito das entidades de ensino e principalmente para o curso de Relações Públicas da ECA/USP, objeto de nossa pesquisa. PESQUISA COM EGRESSOS DA ECA/ USP No segundo semestre de 1989, às vésperas da comemoração dos 25 anos da criação da ECA/USP, Lopes et al (1992) realizaram uma pesquisa com o objetivo de identificar o perfil dos profissionais formados pela ECA/USP, bem como relacionar o ensino dessas profissões com os respectivos mercados de trabalho, visando uma análise prospectiva para a década de 90. Em relação à graduação de Relações Públicas, o estudo contemplou 10% dos 210 diplomados no período de 1970 a 1989. No ano de 2014, às vésperas dos 50 anos de criação do curso de Relações Públicas da ECA/USP foi iniciado o projeto de pesquisa Perfil e trajetória dos egressos de Relações Públicas da ECA/USP: subsídios para excelência acadêmica e competitividade no mercado de 136 trabalho3 com o objetivo de conhecer a trajetória acadêmica e profissional dos egressos do curso de Relações Públicas da ECA/USP, no período de 1996 a 2013. O Quadro 2 apresenta algumas informações sobre os dois projetos mencionadas. QUADRO 2: PESQUISA COM EGRESSOS DE RP/ECA/USP PESQUISAS COMPARADAS PERÍODO UNIVERSO AMOSTRA “O mercado de trabalho de comunicações e artes e os profissionais formados pela Escola de Comunicações e Artes nas décadas de 70 e 80” (Lopes et al., 1992) 1970 – 1989 210 10% = 21 egressos “Perfil e trajetória dos egressos de Relações Públicas da ECA/USP: subsídios para excelência acadêmica e competitividade no mercado de trabalho» (Ferrari e Grohs, 2014) 1996 – 2013 580 51% = 293 egressos Fonte: autoras Embora as duas pesquisas tenham sido conduzidas de formas e em períodos distintos, consideramos relevante comparar alguns resultados encontrados. Lopes et al (1992) apresentaram dados sobre os perfis profissional e educacional, avaliação do curso da ECA/USP, perfil ocupacional dos egressos e competências exigidas pelo mercado de trabalho. Entrevistas com os empregadores e com o presidente Conselho Regional de Profissionais de Relações Públicas de São Paulo também fizeram parte da metodologia. Com relação a pesquisa de Ferrari e Grohs (2014) com egressos do curso de Relações Públicas da ECA/USP do período de 1996 a 2013, O projeto “Perfil e trajetória dos egressos de Relações Públicas da ECA/ USP: subsídios para excelência acadêmica e competitividade no mercado de trabalho” faz parte do grupo de pesquisas CECORP. Conta com a coordenação da Profa. Dra. Maria Aparecida Ferrari e com as participações da doutoranda Ms. Ana Cristina da Costa Piletti Grohs e da aluna de graduação Karina Ferrara de Barros, bolsista de Iniciação Científica CAPES. 3 137 foi realizada pesquisa descritiva que teve como finalidade “estudar as características de um grupo (...), levantar as opiniões, atitudes e crenças de uma população” (GIL, 2014, p.28). A identificação da existência de relações entre variáveis, que foi realizada mediante processo estatístico, o estudo pretende verificar a natureza dessas relações (GIL, 2014) e por isso além do levantamento quantitativo com egressos, buscará a partir de entrevistas em profundidade e discussões em grupos entender a dinâmica academia e mercado que envolve os egressos em Relações Públicas da ECA/USP. Para isso, o estudo foi organizado em quatro etapas. A primeira consistiu no mapeamento de 580 egressos do período mencionado, com confirmação de dados pessoais e e-mails. A segunda foi a aplicação de um questionário on-line, com abordagem quantitativa e aplicação de técnicas estatísticas; a terceira etapa foi a aplicação de um focus group e a quarta etapa também utiliza a abordagem qualitativa mediante a aplicação de entrevistas a executivos de comunicação. Neste artigo, apresentamos os resultados obtidos na fase quantitativa do estudo. FASE QUANTITATIVA A primeira etapa da pesquisa foi realizada no período de setembro de 2013 a julho de 2014. Iniciamos com o mapeamento dos alunos formados em Relações Públicas do período de 1996 a 2013 junto a Secretaria de Graduação da ECA/USP e em seguida foi criado um banco de dados dos egressos atualizado. Do total de 580 alunos se formaram neste período, conseguimos o contato com 447 ex-alunos. Para auxiliar no contato com os egressos foi criada uma página no facebook e um e-mail para manter um canal de comunicação direto com o grupo. A iniciativa também colaborou para o encontro e aproximação entre colegas de curso. Em seguida foi elaborado e enviado um questionário on line para os egressos. Utilizamos, para isso, a plataforma google docs e disponibilizamos os questionários por e-mail e na página do facebook. O questionário foi estruturado em três partes com 22 questões. Até o encerramento da fase quantitativa 293 egressos (51%) haviam participado da pesquisa. 138 PERFIL DOS EGRESSOS O primeiro bloco de questões teve como objetivo conhecer o perfil do egresso, ou seja, verificar questões de gênero, idade, estado civil, escolaridade, tempo de permanência na graduação e tempo de inserção no mercado de trabalho. Dos 293 egressos pesquisados, verificamos que 80% são mulheres, com idade média de 30 anos. Considerando o desvio padrão de mais ou menos 4 anos, cerca de 68% dos egressos apresentavam entre 26 a 34 anos de idade no momento da pesquisa. Também constatamos que 61% dos egressos são solteiros e a média de permanência no curso foi de 5 anos. Quanto ao tempo decorrido do ano de conclusão de curso ao ano de aplicação da pesquisa, denominado como tempo de inserção no mercado de trabalho, ou seja, tempo que este aluno está apto para exercer sua função profissional, a média obtida foi de seis anos e um desvio padrão de quatro anos. Isto é, cerca de 68% dos egressos pesquisados estão no mercado de trabalho entre 2 e 10 anos. Em relação a educação continuada, 41% dos egressos concluíram cursos de especialização, enquanto que no estudo de Lopes et. al (1992) apenas 7% dos egressos das décadas de 70 e 80 realizaram cursos de especialização. Alguns fatores como a expansão do ensino superior a partir da década de 90, a finalidade expressa na LDB de 1996 em relação à colaboração da educação superior no incentivo da formação continuada e a transformação da economia manual para o trabalho baseado no conhecimento (Drucker, 1970) contribuem para entendermos, ao menos em parte, este cenário. Comparando os resultados com os estudos conduzidos por Lopes et al (1992), verificamos que a ocupação feminina nos cursos de Relações Públicas continua predominante, no entanto, a idade da maior parte dos pesquisados situava-se na faixa etária de 40 a 44 anos e havia um equilíbrio entre o número de solteiros e casados. Nas décadas de 70 e 80, 90% dos egressos concluíram o curso em quatro anos; nos últimos anos os estudantes têm permanecido mais tempo na universidade e tal comportamento pode estar relacionado ao incentivo da reitoria às políticas de internacionalização por meio de intercâmbio estudantil no exterior. 139 TRAJETÓRIA ACADÊMICA O segundo bloco de questões tratou da trajetória acadêmica dos egressos como os motivos que levaram os ex-alunos a procurar o curso de Relações Públicas, as atividades que desenvolveu durante sua permanência na universidade, os conteúdos que considerados mais relevantes e a avaliação geral do curso. Do total de 293 pesquisados, 29% dos egressos realizaram até três atividades extracurriculares no decorrer da graduação: estágio remunerado, curso de línguas e trabalho remunerado. Na pesquisa de Lopes et al (1992) a realização de cursos de línguas já aparecia como um imperativo uma vez que 64% dos egressos declararam ter realizado este tipo de curso em decorrência da necessidade profissional. Em relação à adequação das expectativas do curso da ECA/ USP e o currículo da graduação, os egressos demonstraram insatisfação nas décadas de 70 e 80, sobretudo em relação às matérias laboratoriais e de formação profissional. Apesar da diferença de mais de 30 anos entre as duas pesquisas verificamos que 49% dos 293 egressos também demonstraram insatisfação com os conteúdos de formação específica, 53% demonstraram insatisfação com o comprometimento e dedicação dos docentes e 77% demonstraram insatisfação com a coordenação. Quanto ao domínio do conteúdo e competência técnica dos docentes, 65% dos egressos afirmaram estar satisfeitos e 59% demonstraram satisfação com os conteúdos de formação geral e humanística, ou seja, concordaram totalmente e em parte que os conteúdos de formação geral e humanística oferecidos durante o curso contribuíram de maneira decisiva para o ingresso ou permanência no mercado de trabalho. Se considerarmos que os conteúdos de formação geral têm como principal objetivo desenvolver a capacidade crítica e de argumentação dos estudantes, verificamos que a dimensão política da qualidade tem predominado em relação à dimensão formal (DEMO, 2001). Quanto a adequação entre as expectativas do curso da ECA/USP e o exercício profissional Lopes et al (1992) detectaram muita frustração dos egressos demonstrando que nas décadas de 70 e 80 o curso estava longe de fazer a adequação com o exercício profissional. Na pesquisa atual não verificamos muita melhora neste quadro, afinal 58% dos 293 egressos demonstraram insatisfação com a formação acadêmica e preparação para o mercado de trabalho; 41% dos egressos não 140 estudariam Relações Públicas novamente. Portanto, verificamos que as entregas realizadas pelo curso em relação à formação do estudante não tem suprido as suas expectativas profissionais ao longo das décadas, como apontam as duas pesquisas mencionadas. Desta forma, o curso não tem alcançado a qualidade causando o desiquilíbrio entre os elementos “perfeição” e “expectativa” (DAVOK, 2007). Os principais motivos apontados para não estudar Relações Públicas novamente foram: “o curso não me preparou para o mercado de trabalho”, segundo alguns respondentes, o egresso não gostou do curso e a carreira é pouco reconhecida pelo mercado de trabalho e sociedade em geral. Da mesma forma que Oliveira et al (2014), constatamos que existem dissonâncias entre a formação acadêmica e as demandas quanto as competências e habilidades requeridas pelo mercado. Por outro lado, 70% dos egressos recomendaria o curso para outras pessoas. Dos 89 egressos que não recomendariam o curso para outra pessoa, 78% demonstraram insatisfação com os conteúdos de formação específica. No estudo de Lopes et al (1992), também houve aceitação do curso da ECA/USP uma vez que 79% dos egressos recomendariam o curso para outra pessoa. Entendemos que há mais satisfação do aluno em valorizar a instituição USP e a ECA do que o curso de Relações Públicas. Em relação aos conteúdos necessários no mercado de trabalho e que mais fizeram falta durante a graduação os egressos citaram conhecimentos relacionados à mensuração de resultados, administração, finanças e a necessidade de aulas mais práticas com metodologias diferenciadas. Algumas disciplinas também foram citadas na pesquisa conduzida por Lopes et al (1992) principalmente àquelas relacionadas à administração, as técnicas de Relações Públicas mais adequadas à realidade profissional e as atividades laboratoriais. Ora, se as necessidades em relação aos conteúdos de gestão e negócios e de metodologias diferenciadas aparecem nas duas pesquisas, podemos inferir que não houve uma mudança relevante na grade curricular ao longo das décadas a partir de 1970 até 2010; outra possível causa pode ser o processo ensino-aprendizagem que, no decorrer do referido período, não foi transformador para lograr a eficácia e eficiência requeridas pelos números de ambas pesquisas. Identificamos que 47% dos egressos discordaram totalmente ou em parte que o sistema de avaliação adotado pelos docentes foi coerente com os conteúdos ministrados. Neste sentido, obser141 va-se que há um descontentamento em relação a forma como as avaliações são conduzidas no âmbito do processo ensino-aprendizagem. Em nosso estudo, os egressos também relacionaram alguns conteúdos considerados essenciais para o seu exercício profissional e foram mencionadas as disciplinas de formação geral e humanística, componentes curriculares de marketing, projeto experimental e planejamento estratégico. Outro dado interessante foi que 56% dos egressos concordaram totalmente ou em parte que os relacionamentos e contatos desenvolvidos durante o curso colaboraram para a sua inserção no mercado de trabalho. Assim, a academia aparece como um espaço de inserção social e profissional, de construção de redes de relacionamento que podem extrapolar o tempo da graduação e as fronteiras da universidade. Ao verificarmos o conhecimento sobre a profissão de Relações Públicas antes do ingresso no curso, 77% dos 293 egressos conheciam pouco sobre a carreira e 158 escolheram a profissão porque afirmaram se identificar com o curso. Somente 11% do total dos egressos conheciam com clareza a profissão antes de ingressar no curso. Entendemos que outro público a ser considerado nas ações dos gestores dos cursos de Relações Públicas, portanto, são os estudantes do ensino médio, em fase de escolha da carreira universitária. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL O terceiro bloco de questões teve como objetivo conhecer a trajetória profissional dos egressos, ou seja, renda, tipo de empresa onde trabalha, funções e atividades exercidas, registro no órgão de classe entre outras características relacionadas ao perfil ocupacional. Dos 293 pesquisados, 26% dos egressos apresentaram renda mensal de mais de 14 salários mínimos e 24% dos diplomados declararam renda mensal entre 9 e 14 salários mínimos, ou seja, 50% dos egressos apresentam renda mensal de 9 a mais salários mínimos. Estes salários estão acima da média salarial nacional da profissão que é de R$ 2.099,92 (CATHO, 24/02/2014). Na pesquisa de Lopes et al (1992), os salários da maioria dos profissionais de Relações Públicas pesquisados foram considerados mais que razoáveis para a profissão em relação a outras profissões de comunicação na época do estudo. 142 Quanto à situação funcional no mercado de trabalho, dos 293 pesquisados, 38% dos egressos ocupam cargos de gerentes, coordenadores ou supervisores, seguido de 29% exercem a função de analistas, técnicos ou especialistas. 11% profissionais liberais ou empreendedores; 6% dos egressos ocupam o cargo de assistentes e 5% são diretores. Professores e pesquisadores representam 5% pessoas e foram 3% dos indivíduos que citaram exercer outras funções. Apenas 3% dos egressos não estavam trabalhando no momento da pesquisa. A pesquisa ainda revelou que 61% dos egressos atuam em organizações privadas, 17% trabalham em organizações públicas e mistas e 9% contam com negócios próprios. Profissionais liberais somam 5% dos egressos assim como 5% atuam no terceiro setor. O predomínio da atuação dos profissionais de relações públicas em organizações privadas também foi visível na pesquisa de Lopes et al (1992), no entanto, verificamos que a atuação destes profissionais em órgãos públicos e no terceiro setor começou a ter expressividade a partir da década de 90. Uma análise conjunta entre as variáveis tipo de organização em que trabalha, cargo que ocupa e salário que recebe revelou que das 75 pessoas que apresentam renda mensal de mais de 14 salários mínimos, 56% dos egressos ocupam cargo de gerentes/ coordenadores ou supervisores em organizações privadas. Por outro lado, dos 9 egressos que apresentaram renda mensal de até 2 salários mínimos, 4 são professores e pesquisadores em organizações públicas, privadas e mistas. Considerando o total de 16 professores e pesquisadores que fizeram parte da amostra, foi representativo o número desses profissionais com renda mensal inferior aos profissionais que ocupam outros cargos como de gerentes e diretores. Sobre o registro profissional no sistema no Conselho Federal dos Profissionais de Relações Públicas (Conferp), 260 respondentes não têm registro profissional, 84% não exercem atividades exclusivas de Relações Públicas e dos 33 que apresentam registro profissional, 61% exercem atividades exclusivas de Relações Públicas. Os principais motivos apontados pelos egressos para não se filiarem ao conselho profissional foram: considerar o registro desnecessário para a atuação profissional e não trabalhar exclusivamente na área. Dos 33 profissionais que apresentam registro, 16 atuam em organizações públicas e mistas que exigem o registro profissional, 15 egressos trabalham em organizações privadas, 143 um egresso tem empresa própria e um atua em organização do terceiro setor. Dado que 50 profissionais atuam em empresas públicas e mistas e 178 egressos trabalham em organizações privadas, a exigência do registro em organizações públicas e mistas é proporcionalmente maior do que nas empresas privadas. Destacamos ainda que 13 dos 16 profissionais que exercem a função de docentes não apresentam registro profissional, ou seja, é provável que lecionem disciplinas específicas de Relações Públicas de forma irregular, pois segundo a lei 5.377, o registro é necessário para os docentes de disciplinas específicas de Relações Públicas ou não lecionem disciplinas específicas de Relações Públicas. Lopes et al (1992) verificaram que 71% dos egressos da década de 70 e 80 também não eram filiados ao conselho profissional e que a maioria dos egressos consideravam baixa a influência dos órgãos de classe como sindicatos, associações e conselho na área profissional. Ferrari (2006) também constatou a pouca expressividade do sistema Conferp explicada pelos entrevistados principalmente pela rigidez da lei e pela falta de um plano estratégico do órgão para atrair os profissionais. Quanto à realização e reconhecimento profissional, satisfação financeira e estabilidade profissional, identificamos que dos 293 respondentes, 70% dos egressos estão satisfeitos financeiramente com o seu trabalho atual, 83% consideram que são reconhecidos pelas atividades que exercem profissionalmente, 81% acreditam ter vínculo seguro com a empresa que trabalham e 79% estão realizados com as atividades que exercem no trabalho atual. Por outro lado, para 61% dos egressos pesquisados a profissão de Relações Públicas não supriu as suas expectativas profissionais. Ou seja, embora a avaliação em relação à satisfação financeira, realização, estabilidade e reconhecimento profissional tenha sido positiva, os egressos se sentem frustrados em relação à profissão. Embora se sintam reconhecidos profissionalmente, a falta de legitimidade da profissão de Relações Públicas foi apontada como um dos principais motivos para o egresso afirmar que não estudaria Relações Públicas novamente. Neste sentido, o reconhecimento parece ocorrer em maior parte pelas competências pessoais e não àquelas relacionadas à profissão. Entre os 113 egressos que declararam que a profissão de Relações Públicas supriu suas expectativas profissionais, 59% dos pesquisados exercem mais do que seis tipos de atividades de Relações Públicas em 144 seu cotidiano profissional, sendo que as mais citadas foram: planejamento estratégico, organização de eventos e comunicação interna. Aqui detectamos que quanto maior é o envolvimento do profissional com o exercício das atividades de relações públicas, maior é a sua avaliação em relação ao atendimento de suas expectativas pelo curso. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com Lousada e Martins (2005, p. 84) “estabelecer um canal de comunicação com os egressos implica em ouvir aqueles que pela Instituição passaram, cujas percepções, pareceres e críticas possam fundamentar projetos institucionais”. Neste sentido, a primeira etapa da pesquisa com os egressos de Relações Públicas da ECA/USP trouxe a possibilidade de construir uma rede de contatos e de conhecer o perfil e a opinião dos egressos em relação a sua trajetória acadêmica e profissional. Conforme estabelece a Comissão Permanente de Avaliação da Universidade de São Paulo e o Sinaes (2004), é importante que os gestores das IES’s e os coordenadores de cursos estabeleçam um sistema de avaliação contínuo e permanente e que os egressos sejam atores fundamentais neste processo. Neste primeiro momento da pesquisa, identificamos aspectos sobre a inserção profissional dos egressos no mercado de trabalho, a relação entre ocupação e formação profissional, informações sobre a formação e dados relevantes que podem contribuir com a melhoria da qualidade dos cursos e maior articulação entre academia, mercado e sociedade. Os principais resultados que encontramos foram: * Presença predominante feminina no curso de Relações Públicas da ECA/USP; * Elevada taxa de ocupação dos egressos no mercado de trabalho (97% dos diplomados estão inseridos no mercado de trabalho), embora apenas 21% dos egressos exerçam atividades exclusivas dos profissionais de Relações Públicas; * A maioria dos egressos exerce no seu cotidiano profissional algum tipo de atividade de Relações Públicas ainda que não seja considerada como atividade exclusiva da profissão; * Os egressos demonstraram maior satisfação com os conteú145 dos de formação geral e humanística do que em relação aos conteúdos de formação específica; * Os egressos apontaram para a necessidade de conteúdos relacionados a gestão e negócios, além do uso de metodologias diferenciadas no processo ensino-aprendizagem, em especial, de aulas práticas; * A maioria dos egressos não apresenta registro no Conselho Profissional de Relações Públicas; a opinião é de que é desnecessário para atuar no mercado de trabalho. A exigência do registro profissional ocorre em organizações públicas e mistas; * Os egressos sentem-se satisfeitos financeiramente, realizados e reconhecidos profissionalmente, no entanto, quase a metade dos pesquisados não estudaria Relações Públicas novamente. Desta etapa da pesquisa chegamos a três conclusões importantes: 1) A ineficiência do curso na formação de profissionais aptos para atuar no mercado de trabalho. Essa ineficácia, conforme aponta a pesquisa, pode ter sua causa na não inclusão de conteúdos de gestão e negócios, uma vez que as organizações buscam profissionais que tenham competências de âmbito empresarial; 2) É urgente que os cursos de Relações Públicas renovem as metodologias de ensino-aprendizagem para que as competências e habilidades requeridas no mercado possam ser desenvolvidas por meio de técnicas didáticas que coloquem o aluno no centro do processo de aprendizagem; 3) Existe entre os egressos de Relações Públicas uma crise de identidade profissional. É possível que esta crise esteja relacionada à divergência entre a identidade da atividade profissional de Relações Públicas construída na academia e a identidade social e profissional que existe no mercado de trabalho. A partir destas conclusões, novas questões surgiram: qual é a demanda do mercado e da sociedade que os cursos de Relações Públicas têm atendido? de que forma as novas Diretrizes Curriculares poderão contribuir para diminuir as lacunas entre as demandas do mercado de trabalho e a formação oferecida pelos cursos de Relações Públicas? quais são os motivos da crise de identidade profissional? 146 É preciso reforçar que a presente pesquisa trata da realidade específica de um curso de graduação, oferecido por uma universidade pública estadual situada na região sudeste, na cidade e estado de São Paulo. A estrutura estatal burocrática da universidade, assim como o corpo docente concursado, é algo que deve ser levado em consideração e que não tem similaridade com as IES confessionais e particulares existentes no país. Assim, desta etapa da pesquisa e dos resultados e conclusões iniciais apresentados surgiram os questionamentos que foram levados ao grupo focal com egressos com a finalidade de produzir insights sobre a formação acadêmica e necessidades profissionais dos ex-alunos. O grupo focal foi realizado no segundo semestre de 2014 e a análise dos resultados ainda está em fase de revisão, assim como a etapa quatro, entrevistas com diretores de comunicação para identificar as habilidades e competências que eles buscam nos egressos de Relações Públicas, ainda está em andamento. A continuidade do nosso trabalho buscará identificar os motivos dos descontentamentos em relação a formação que persistem desde a década de 70 no curso de Relações Públicas da ECA/USP e uma proposta que busque alternativas para atender melhor a relação academia-mercado. REFERÊNCIAS BRASIL. CNE/CES. Resolução n. 2, de 27 de setembro de 2013. Diário Oficial da União – Seção 1 – 01 de outubro de 2013, p. 28-29. BRASIL. Lei n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <www.planalto.gov.br> Acesso em 05/ abril/ 2014. CASSIMIRO, W. T. e PERIRA, B. C. S. Relacionamento com ex-alunos como prática de gestão universitária: estudo do caso da FEA-USP. Paper apresentado no VI Coloquio Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul. Blumenau, SC, 2006. CATHO. Guia de profissões e salários. Cargo de Relações Públicas. Disponível em < http://www.catho.com.br/profissoes/relacoes-publicas/> Acesso em 24/ fev./2014. 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Para tanto, discorre-se inicialmente sobre a relação entre jogos de simulação e o ensino, bem como sobre as características específicas da área de Relações Públicas que tornam propícia a proposta de um jogo sobre a atividade. Em seguida, são realizadas uma apresentação geral do Jogo e uma discussão sobre os elementos que atravessam o mesmo e suas fundamentações teóricas. Por fim, são abordados aspectos da avaliação do jogo e da experiência dos estudantes que participaram da atividade. Professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, Doutor em Comunicação Social pela UFMG, realiza a pesquisa “Vigilância civil, opinião pública e accountability nas políticas urbanas” em estágio pós-doutoral na Universidade Nova de Lisboa/Portugal (bolsista CAPES, Proc. 1931-14-8). E-mail: simeone@ufmg.br. 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista CAPES. E-mail: daniel.rs@hotmail.com.br. 2 Palavras-chave: Relações Públicas; Públicos; Opinião Pública; Ensino; Jogos de simulação. INTRODUÇÃO A utilização de jogos com intuitos educacionais, visando promover o engajamento e o aprendizado por meio de atividades lúdicas, se tornou uma estratégia didática recorrente nas últimas cinco décadas. Atualmente, os jogos são amplamente reconhecidos como um recurso educacional importante, sendo empregados em uma ampla gama de situações que variam desde o auxílio no aprendizado e na socialização de crianças em fases pré-escolares e no período de alfabetização (BROUGÈRE, 1998) até treinamentos bastante específicos para gerentes empresariais em posições de liderança e de tomada de decisões (RAMOS, 1991). No presente artigo, refletimos sobre nossa experiência com o desenvolvimento e aplicação de um jogo centrado na proposta de auxiliar o ensino de Graduação em Relações Públicas, batizado de Jogo das Relações Públicas (“Jogo das RP”). Uma versão piloto do jogo foi integrada em 2013 à disciplina Técnicas e Processos de Relações Públicas3. Consiste numa atividade lúdica de simulação e interpretação de papeis, na qual os participantes devem, no decorrer de cinco semanas, interagir uns com os outros para lidar com um cenário problemático apresentado. Teve como objetivo geral o fomento de uma maior compreensão acerca de alguns dos principais desafios da atuação na atividade de RP, em especial os conflitos resultantes da diversidade de interesses e grupos na sociedade contemporânea, a complexidade das situações enfrentadas pelos profissionais da área e a influência da mídia na formação da opinião e dos públicos. Apresentamos inicialmente uma discussão a respeito da utilização de jogos como recursos didáticos e da definição e importância da Durante os semestres letivos de 2013/01, 2013/02, 2014/01 e 2014/02 do curso da UFMG 3 150 ideia de simulação que justifica a realização da proposta, além de argumentarmos pela relevância e pelo caráter promissor do emprego de atividades lúdicas de simulação no ensino das Relações Públicas. Em seguida abordamos os elementos e a dinâmica do jogo, refletindo sobre os principais fundamentos teóricos presentes na atividade e destacando quatro eixos principais: a formação dos públicos e do interesse público; a movimentação dos públicos; as estratégias e ações de relações públicas; e a ação da mídia. Finalmente, concluímos o presente artigo discutindo aspectos da avaliação do jogo. SOBRE JOGOS E SIMULAÇÕES Inúmeros teóricos se dedicaram, nas últimas décadas, a explorar e compreender o potencial da utilização de jogos para o ensino, dando origem a diferentes correntes de pensamento sobre o tema (KISHIMOTO, 1994; BROUGÈRE, 1998; 2002; PIAGET, 1976). Entre estes, é importante ressaltar a observação de Brougère sobre como o jogo não deve ser caracterizado por uma “vocação particular para a educação”, mas sim pelo seu potencial de transformação e construção de conteúdos: “porque manipula comportamentos e significações exteriores [a si], o jogo pode ser um espaço de aprendizagem em relação a esses mesmos conteúdos” (2002, p. 16). O autor destaca como o jogo possui a capacidade de instaurar espaços miméticos ricos, nos quais séries de conteúdos exteriores e significações culturais são retomadas e dotadas de novas acepções pelos jogadores. Justamente pela manipulação destes significados, o jogo pode ser acompanhado “de aprendizagens informais ou implicar aprendizagens anteriores para dominar esses conteúdos” (BROUGÈRE, 2002, p.16). O jogo se torna também, devido ao seu apelo ao divertimento e como uma quebra na rotina, uma forma de aumentar o engajamento e o entusiasmo dos estudantes (PERROTTA et. al, 2013). Dentre as diversas modalidades de jogos, interessa-nos especialmente refletir sobre os que são tradicionalmente nomeados como jogos de simulação. Cosete Ramos (1991) argumenta por uma utilização ampliada do conceito de simulação, entendendo-o como “uma seletiva representação da realidade, abrangendo apenas aqueles elementos da situação real que o autor considera relevante para seu propósito” (RAMOS, 1991, p. 21). A simulação consiste, assim, em uma representa151 ção simplificada da realidade (ABT, 1974), uma abstração propícia para abordar processos dinâmicos e complexos. Os jogos de simulação colocam os jogadores frente a um recorte simplificado da realidade a partir do qual eles “assumem papéis realistas, enfrentam problemas, formulam estratégias, tomam decisões, e obtêm rápida informação sobre as consequências de sua ação” (ABT, 1974, p. 12). Surgem como uma alternativa para lidar com problemas concretos, consistindo em um modelo de aprendizado orientado para a ação e centrado nos participantes, que devem tomar decisões e traçar estratégias para alcançar determinados objetivos. Dentre as principais vantagens do uso pedagógico dos jogos de simulação devem ser citadas também a aproximação entre teoria e prática e o incentivo para que o participante assuma um papel ativo no seu próprio aprendizado. Segundo o autor, nessa modalidade de jogo os “indivíduos podem novamente ter participação, e pensamento e ação podem novamente ser integrados” (ABT, 1974, p. 4), o que aproxima tal modalidade do ideal do aprendizado ativo proposto por John Dewey (1959). O somatório de todas essas características fez com que os jogos de simulação conquistassem progressivamente reconhecimento e espaço em várias áreas como o treinamento militar e a capacitação de lideranças para enfrentamento de problemas em organizações. São também empregados como um recurso didático no ensino superior. O norte-americano William Gamson é um dos pioneiros de tal utilização, tendo criado, em 1964, o SIMSOC – Simulated Society. Segundo Gamson (2013), sua intenção era encontrar uma maneira de demonstrar para seus alunos a complexidade da tomada de decisões coletivas em uma sociedade. Mais do que isso, o que Gamson intencionava era permitir aos estudantes lidar efetivamente com questões de conflitos sociais e com problemas de ordem e controle social, motivo pelo qual ele optou por desenvolver um jogo de simulação. Inicialmente aplicado em um laboratório semanal para estudantes de sociologia, o SIMSOC era uma oportunidade para que os estudantes “se encontrassem em posições poderosas que poucos iriam ocupar no restante de suas vidas, lidando com dilemas, desafios e tentações” (GAMSON, 2013, p. 612, tradução nossa). O sucesso dessa experiência incentivou-o a criar outras duas iniciativas similares durante sua carreira: o WHAT’S NEWS, um jogo de simulação sobre a imprensa televisiva, e o GLOBAL JUSTICE GAME, que busca 152 destacar dilemas globais, como trabalho infantil ou contaminação de águas, e prover uma variedade de ações possíveis para que os participantes tentem lidar com os mesmos. RAZÕES PARA UM JOGO DE SIMULAÇÃO SOBRE RELAÇÕES PÚBLICAS Uma primeira justificativa a destacar é o fato de que a área lida com processos sociais de grande complexidade. Em uma perspectiva sistêmica, observamos que o caráter mediador das Relações Públicas faz com que a atividade interaja a todo o momento com uma multiplicidade de sistemas sociais, cada um deles dotado de lógicas e interesses peculiares. A atividade é, assim, perpassada e configurada por diversas dimensões sistêmicas importantes, como a organizacional, a dos públicos e da opinião pública, a midiática e a governamental; lida, portanto, com um complexo de interações e de interinfluências, onde cada um dos interagentes adota estratégias e diferentes táticas de ação. A partir dessa perspectiva, emerge uma questão didática importante sobre como gerar uma boa compreensão acerca de processos complexos como aqueles com os quais a atividade lida. Um problema é que nem sempre é possível obter tal entendimento apenas por meio da literatura, reconhecendo as dificuldades e limitações dos esforços de descrição e explicação das múltiplas e interconectadas lógicas que perpassam as Relações Públicas e suas dinâmicas. Mesmo o recurso didático aos estudos de caso possui limitações significativas em sua capacidade de prover uma compreensão refinada acerca da complexidade dos processos da atividade. Eles enfrentam constrangimentos devido ao próprio caráter estratégico das Relações Públicas, que limita o acesso aos dados sobre as decisões de organizações e aos materiais a serem estudados. Além disso, o tom unilateral do relato tende a omitir vários dos aspectos contraditórios das questões envolvidas. Mesmo casos premiados sofrem de escassez de informações, impossibilitando um estudo aprofundado sobre os seus diversos elementos. Mais ainda, o pensamento centrado na organização (um vício também compartilhado por parte da literatura da área) inviabiliza a exploração de uma visão global sobre as Relações Públicas, falhando em captar interconexões e influências de grande importância para a compreensão de momentos críticos no decorrer de uma controvérsia pública. 153 Perante tais limitações, a proposta de desenvolvimento de um jogo de simulação surge como uma perspectiva promissora. Como mencionado, uma das principais características desses jogos consiste na forma com que eles possibilitam a exploração de situações complexas e problemas concretos. O recurso à simulação oferece uma oportunidade de quebrar a visão centrada na organização, recorrente no ensino das Relações Públicas. Acreditamos que a proposta pode também possibilitar o desenvolvimento de habilidades e capacidades relevantes para um profissional da área. Ao colocar os participantes em um papel ativo no qual devem traçar estratégias visando alcançar certos objetivos (tanto no lado das organizações como no lado dos públicos), oferece a oportunidade para que os estudantes possam desenvolver suas capacidades de tomada de decisão e de lidar com situações críticas, compreender e avaliar dilemas morais, bem como trabalhar habilidades de expressão, de argumentação e exposição pública. O CENÁRIO E A COMPOSIÇÃO DO JOGO Como Abt (1974) menciona, a concepção de um jogo de simulação perpassa, em seu primeiro e mais essencial aspecto, a tomada de decisão sobre a complexidade do mesmo, algo que está diretamente vinculado aos objetivos didáticos almejados. Apesar de uma simulação ser sempre uma representação simplificada da realidade, é importante refletir sobre o ponto em que a simplificação excessiva passa a suprimir nuances importantes e a comprometer o entendimento sobre os diferentes elementos interconectados daquela situação. No caso do Jogo das RP, que busca propiciar maior compreensão acerca da multiplicidade de lógicas que perpassam os processos da atividade de RP, uma primeira preocupação era evitar o esvaziamento da simulação, que tornaria o jogo mais simples e acessível, porém prejudicaria seu potencial didático. Em sua estrutura básica, o Jogo consiste na simulação de um cenário problemático: uma situação conflituosa entre diversos grupos e atores sociais ancorada em elementos característicos de problemas de Relações Públicas. O primeiro cenário construído para o Jogo foi intitulado “Mina Oráculo”, e as premissas básicas e equipes envolvidas no mesmo são apresentadas na Tabela 1: 154 TABELA 1 – CENÁRIO PROBLEMÁTICO “MINA ORÁCULO” Fonte: elaborada pelos autores. Os participantes do jogo são divididos em equipes, sendo que cada uma contém entre três e seis membros. Cada equipe assume o controle de um grupo envolvido no conflito apresentado, e deverá realizar uma série de ações para se posicionar e interferir na controvérsia, buscando atingir seus objetivos. Para trabalhar uma visão ampliada sobre as situações do mundo real, existem dois tipos de equipes: as envolvidas na controvérsia (de seis a oito equipes) - que representam grupos diretamente relacionados com o conflito apresentado e devem realizar ações para se posicionar e influenciar no andamento das controvérsias - e as equipes de jornalistas, que representam a imprensa. Cada cenário apresenta três equipes de jornalistas que possuem características próprias – de alcance nacional ou regional e tendências editoriais diferentes. Tais equipes realizam um tipo de ação específica durante o jogo: a 155 publicação de notícias sobre o desenrolar do caso a partir da atuação das demais equipes. Além de receber um documento contendo a explicação geral sobre o cenário, com dados minuciosos sobre a situação, cada equipe recebe no início do jogo um dossiê exclusivo que explica suas características e seus indicadores de sucesso. Os indicadores são a forma de medir o desempenho de cada equipe durante o jogo, variando a cada ação realizada pelas várias equipes . Em geral refletem uma série de suportes de públicos específicos e da opinião pública e sua variação será determinada pelos moderadores do jogo (em nosso caso, os professores da disciplina). A ESTRUTURA E A DINÂMICA DO JOGO O desenrolar do jogo ocorre por rodadas, e pode ser compreendido pela observação que Richard Barton (1973) tece sobre a tomada de decisão em jogos de simulação, na qual a mesma ocorre numa sequência de três estágios: estímulo, reação e consequência. A partir de um estímulo lançado pelo jogo, a situação problemática inicial, solicita-se a reação do jogador que é premido a tomar uma decisão e esta provoca uma consequência no ambiente do jogo, o que o atualiza. O cenário é, assim, algo em construção, que será moldado durante o desenrolar do próprio jogo. Sua evolução ocorrerá tanto em decorrência da ação dos participantes, que influenciam diversos aspectos da situação, como também através de novos fatores que serão introduzidos de maneira aleatória em momentos específicos – como novos grupos que se engajam na controvérsia pública, novos desenvolvimentos ou descobertas sobre a situação, entre outros. O Jogo foi concebido em três rodadas. Elas ocorrem em dois ambientes distintos: o ambiente presencial, na sala de aula, e o ambiente virtual, em um fórum previamente preparado a qual todos os participantes tenham acesso4. A parte presencial foi idealizada para ser jogada em uma hora e quarenta minutos e consiste de quatro etapas. Inicialmente os membros de cada equipe se reúnem entre si para discutir o cenário e traçar estratégias para atingir seus objetivos, planejando seus próximos passos. Em seguida, as equipes se reúnem umas com as outras, engajan4 No nosso caso foi utilizada a plataforma Moodle disponibilizada pela UFMG. 156 do-se em um processo de negociação no qual buscam formar acordos e discutir apoios para melhorar seus indicadores de sucesso. Na terceira etapa as equipes voltam a se reunir isoladamente para decidir as ações que executaram na rodada. Finalmente, a quarta etapa é a da ação pública, em que cada equipe realiza um pronunciamento público, à frente de todos os participantes, delineando suas ações e posicionamentos naquela rodada. Durante todo o tempo, as equipes de jornalistas coletam materiais, podendo dialogar com as demais equipes durante a etapa da negociação e interpelá-las durante a etapa da ação pública. Concluída a parte presencial, as equipes envolvidas na controvérsia devem postar no fórum virtual um breve press release delineando as ações realizadas por elas na rodada. As equipes de jornalistas possuem um prazo para postarem as notícias referentes àquela rodada no fórum virtual. Assim como na vida real, tais notícias possuem limitações sensíveis de espaço, impossibilitando que todas as ações sejam tratadas e tenham o mesmo espaço. As equipes da imprensa, então, enquadram os acontecimentos, sendo as notícias por eles produzidas de grande importância por implicarem na variação dos indicadores de sucessos. Conquistar uma visibilidade positiva para o empreendimento em um veículo nacional, por exemplo, pode ocasionar um ganho de confiança do mercado e a valorização das ações da mineradora. Os moderadores do jogo assumem o papel de públicos e da opinião pública, ou seja, dos públicos em sua generalidade, avaliando, por meio das ações das equipes e de sua repercussão na mídia, as variações nos indicadores de sucesso. Um indicativo do resultado é comunicado para as equipes no início do segundo encontro presencial, assim como alterações no cenário e a ocorrência dos eventos aleatórios. Após três rodadas, o jogo é finalizado, a apuração final determina a equipe com melhores indicadores de sucesso. Inicia-se o processo de avaliação do jogo, com duração de três horas. A figura 1 apresenta uma síntese da estrutura básica do Jogo: 157 FIGURA 1 - ESTRUTURA DAS RODADAS JOGO DAS RELAÇÕES PÚBLICAS Fonte: elaborada pelos autores. O Jogo foi concebido de forma a salientar aspectos de cooperação e competição entre as equipes, inspirado em jogos que fomentam um misto de conflito e dependência (GAMSON, 2013). A principal mecânica para tanto é a da variação dos indicadores de sucesso, que não depende apenas das ações realizadas por uma equipe – eles flutuam igualmente de acordo com as ações realizadas por outras equipes e, principalmente, pela forma com que a mídia tece a narrativa sobre a situação. Temos assim um cenário complexo, no qual cada equipe possui seus próprios objetivos, interesses e indicadores de sucesso. Apesar do Jogo das RP não ser de soma-zero, indicadores de diferentes equipes são por vezes contrários, com o sucesso de uma delas comprometendo os objetivos de outras (a própria cobertura midiática é um exemplo, já que o foco de uma matéria sobre as ações de determinada equipe acaba significando a negligência às ações das demais e afetando seu desempenho). Por outro lado, a cooperação entre as equipes surge como uma estratégia de grande importância para influenciar ações diversas, fortalecer posicionamentos e lutar por cobertura midiática. A cooperação perpassa, porém, a busca por um interesse comum entre uma ampla diversidade de objetivos contraditórios e modos de agir distintos, o que abre espaço para uma série de práticas como a barganha, a busca por um meio-termo entre certos posicionamentos e a formação de alianças estratégicas. 158 No decorrer do jogo, as equipes são também confrontadas com acontecimentos aleatórios, externalidades (sorteadas pelos moderadores) que afetam a todos e que podem alterar os rumos da situação, desvelando novos sentidos, possibilidades e problemas a serem enfrentados. Tais acontecimentos podem incentivar tanto a cooperação entre as equipes (no caso de uma tragédia, por exemplo) como o conflito e a competição (um vazamento de informações que revela que a organização escondia um estudo de impactos ambientais que apontava para um elevado grau de degradação ambiental, por exemplo), constituindo-se em mais um elemento que aumenta a complexidade daquelas relações. O Jogo foi concebido como uma plataforma maleável que permite adaptações diversas e a aplicação de diversos casos. A mesma dinâmica permite a utilização de cenários problemáticos completamente distintos, que abordem outros elementos da atividade de Relações Públicas5. Além disso, a natureza aberta da simulação envolvida no Jogo possibilita que diferentes aplicações de um mesmo cenário se desenvolvam de maneira bastante distinta. Foi possível observar tal característica nas três oportunidades em que aplicamos mesmo cenário, com a controvérsia em cada uma delas ganhando rumos próprios nos quais diferentes equipes se destacaram e acabaram por ganhar o jogo6. De fato, desenvolvemos e aplicamos até o momento dois cenários, o primeiro chamado “Mina Oráculo”, cuja premissa foi apresentada anteriormente, e o segundo intitulado “Porto das Ostras”, sobre uma parceria público-privada para a construção de um porto no litoral da Bahia que envolve questões e grupos sociais bastante distintos, como uma associação de pescadores e a associação de turismo local. 5 Em uma das aplicações, por exemplo, a equipe que representava a ONG ambiental não obteve sucesso em sua tentativa de colocar na pauta pública os impactos potenciais da construção da Mina Oráculo nos recursos hídricos locais. Assim, se viu relegada a um papel de coadjuvante, enquanto a controvérsia e os debates das demais equipes orbitavam ao redor de questões econômicas e do desenvolvimento social. Já em outra aplicação, a atuação da equipe da ONG produziu melhor efeito, com a mesma conquistando diversos apoios públicos e estabelecendo a questão ambiental como o cerne da situação problemática, o que demonstra bem as possibilidades diversas do desenvolvimento do jogo. 6 159 A REFLEXÃO SOBRE O JOGO E SEUS ELEMENTOS Ao conceber o Jogo, uma das primeiras questões sobre a qual nos debruçamos estava relacionada com o momento de inserção do mesmo dentro do programa da disciplina, que possui característica introdutória sobre os conceitos da área. Optamos por inserir a atividade em um momento intermediário, em que os alunos já tivessem tido contato com discussões sobre a função das RP e sua importância em organizações contemporâneas, bem como com uma primeira abordagem sobre formação e movimentação de públicos, opinião pública, imagem e reputação, permitindo uma referência para a ação e para recuperar os sentidos da atividade. Pela própria natureza aberta do Jogo das RP, diferentes elementos temáticos podem surgir no decorrer da atividade. Acreditamos, porém, que a essência do jogo perpassa quatro elementos que devemos abordar com maiores detalhes. O primeiro elemento diz respeito à formação de públicos e do interesse público. Nesse sentido, a dinâmica desenvolvida pelo jogo permite explorar a própria constituição de uma questão pública relevante, bem como explorar a forma com que diferentes públicos se posicionam perante uma situação controversa. Duas questões de grande importância para a área se localizam no âmago desse elemento: a formação de públicos, com sujeitos que se julgam afetados perante uma controvérsia (DEWEY, 1954; BLUMER, 1971), e o processo de coletivização que gera a formação de um interesse público (HENRIQUES, 2010). No decorrer do jogo, as equipes não apenas se posicionam perante uma situação dada, mas se engajam em uma disputa de sentido sobre o próprio interesse público, sustentando diferentes posições e propondo significados sobre os acontecimentos e sobre qual seria a dimensão dos mesmos. É viabilizada, assim, uma observação sobre os processos complexos de disputa de sentido que perpassam a atividade. Além de abordar a formação de públicos, um segundo elemento do jogo se refere à movimentação dos mesmos. Nesse aspecto, o jogo apresenta um cenário propício para a observação sobre como o processo de mobilização de públicos menos ou mais organizados em função de uma situação controversa ocorre, permitindo ver elementos da disputa de interesses e da tentativa dos públicos de influenciar a opinião de outros em favor de certas posições. É de grande riqueza a observação sobre 160 a complexidade de táticas desenvolvidas pelas equipes que representam grupos e movimentos sociais, que buscam conquistar apoios para sua causa por meio de atos públicos, do apelo a celebridades e especialistas e da construção fatores de identificação com sua causa. Importante notar os fatores estratégicos empregados por tais grupos na tentativa de conquistar visibilidade, relacionar com a imprensa e forjar alianças – aspectos estes fundamentados em toda uma literatura que aborda a mobilização social (HENRIQUES et. al, 2004; TORO e WERNECK, 2004) e que ajuda a compreender facetas importantes da dinâmica da formação da opinião pública. Mesmo sem ter um background como membros de uma ONG ambiental ou de um movimento de bairro, os participantes acionam repertórios anteriores, mimetizando condutas que eles conhecem e atribuem a tais grupos. Muitos jogadores, inclusive, vão atrás de informações e estratégias utilizadas em situações parecidas, ampliando a riqueza da simulação construída e permitindo abordar a movimentação dos públicos de maneira mais verossímil. O terceiro elemento parte da observação de que o jogo também permite explorar as estratégias e ações de relações públicas empregadas pelas diversas organizações e atores institucionais, tanto na interação entre si como com os públicos. É possível vislumbrar relações de organizações com governos, com comunidades, com segmentos específicos e com a imprensa – aspectos-chave das teorias de Relações Públicas, do planejamento estratégico e da atuação profissional. Assim, podem ser explorados os recursos e instrumentos acionados por tais atores, bem como a maneira com que são constituídas alianças estratégicas e os elementos que essas organizações incorporam em seus discursos na tentativa de lidar com uma controvérsia. Mais do que observar as táticas e estratégias das organizações e dos públicos de maneira isolada, o Jogo permite refletir sobre a relação entre esses atores, explorando as diversas interações dos mesmos por diferentes pontos de vista. É justamente essa possibilidade que torna o jogo uma atividade didática relevante e promissora. Por fim, o quarto elemento central é a ação da mídia. As dinâmicas do jogo permitem ver a ação da imprensa e seu modus operandi, expandindo um pouco da compreensão sobre como os assuntos são abordados, os critérios de noticiabilidade e os enquadramentos, os alinhamentos e limitações da ação da imprensa. Mais ainda, é funda161 mental a observação sobre a influência da própria mídia durante o desenrolar da controvérsia, explorando a forma com que os diversos atores envolvidos tentam pautar a mídia ao mesmo tempo em que são pautados por ela. O papel das equipes da mídia é, assim, fundamental, permitindo refletir sobre aspectos que perpassam todos os demais elementos e conteúdos trabalhados, permitindo tecer considerações fundamentadas em teorias sobre o agendamento e o enquadramento midiático. De um lado, a dinâmica apresentada pelo jogo possibilita refletir sobre a importância da mídia na concepção de estratégias e táticas organizacionais, bem como nas intrincadas nuances da formação da imagem e da cristalização da reputação das organizações. Por outro, revela também aspectos sobre a atuação da mesma nos processos de formação do público e na disputa de sentidos para determinar o que é de interesse público, questões de grande importância para a compreensão sobre movimentos sociais. PROCESSO DE AVALIAÇÃO E RESULTADOS INICIAIS Conforme David Crookall (2011) argumenta em sua intervenção no simpósio comemorativo de quarenta anos do periódico Simulation & Games, a existência de um processo organizado de debrief e avaliação é um aspecto crucial para o aprendizado em jogos de simulação. Ele sustenta que é fundamental em um jogo existir um momento que possibilite aos participantes empreender uma reflexão sobre a experiência e compartilhar aspectos da mesma. Assim, enquanto “algum aprendizado normalmente ocorre no decorrer do jogo, as lições mais profundas são derivadas do debriefing” (CROOKALL, 2011, p.908, tradução nossa). Foi concebido um amplo processo avaliativo como conclusão do Jogo das RP, processo dotado de duplo objetivo: fomentar discussões que possibilitem o aprendizado dos participantes e fornecer subsídios para a pontuação dos próprios estudantes na avaliação da disciplina. Nas aplicações-piloto, o Jogo era mais do que um recurso didático auxiliar, constituindo uma atividade avaliativa para os estudantes, motivo que nos levou a refletir sobre a adoção de critérios de pontuação. Nossa opção foi por não vincular a pontuação dos estudantes ao resultado das equipes no jogo em si, mas sim ao processo de debrief e avaliação após o jogo, numa dinâmica que permitisse observar o aprendizado dos con162 teúdos mais importantes. O processo de avaliação compõe-se de três dimensões: as equipes se autoavaliam, elas avaliam as demais equipes e, por fim, avaliam o jogo enquanto recurso didático. O primeiro passo do processo ocorre após a finalização da terceira rodada, momento em que os participantes se reúnem em suas respectivas equipes e devem responder a um questionário elaborado para guiar a reflexão acerca dos quatro elementos fundamentais que apresentamos na sessão anterior. Esse questionário, entregue aos professores, opera como a base para a pontuação dos alunos, sendo complementado pelas discussões das próximas etapas do processo de avaliação. Concluído o primeiro momento, inicia-se uma dinâmica coletiva de discussão envolvendo todos os participantes. Nesta, os principais elementos desenvolvidos no decorrer da atividade são retomados e analisados, com os estudantes oferecendo opiniões e impressões sobre sua experiência e sobre o desenrolar da situação trabalhada. Essa discussão é direcionada por questionamentos dos moderadores acerca das ações das equipes e das dinâmicas do jogo e suas temáticas, incentivando assim o debate entre os participantes. Ao todo, o processo de avaliação tem duração de três horas. Observamos nas aplicações-piloto a riqueza do momento de avaliação, no qual eram recorrentes as tentativas dos próprios estudantes de vincular os acontecimentos do jogo com os conteúdos temáticos trabalhados, especialmente quanto às estratégias organizacionais e ao papel da mídia. Acreditamos ter sido exitosa a opção por trabalhar o jogo no decorrer da disciplina, permitindo múltiplas ligações entre os conceitos e a experiência da simulação. A condução do processo de avaliação é uma questão central, principalmente por perpassar um momento em que os participantes avaliam tanto suas próprias ações e estratégias como também as táticas das demais equipes, um movimento que só ocorre de fato quando os mesmos se despem do papel de jogadores para assumir o papel de estudantes. Essa análise, em especial, é um dos momentos mais importantes da avaliação e deve ser um objetivo dos moderadores, já que permite observar a relação entre os diversos grupos sociais e influências mútuas entre os mesmos – desvelando, assim, aspectos de uma visão mais global. No geral, as quatro aplicações geraram impressões semelhantes nos participantes, que avaliaram positivamente a atividade tanto pelo seu apelo lúdico quanto, principalmente, 163 por permitir o aprendizado de determinados conceitos e uma percepção sobre a complexidade que configura a área. Mais ainda, foi possível constatar o alto engajamento dos alunos, observado tanto pelo nível de presença à aula nos dias de aplicação da atividade como pelo interesse e expectativa no desenrolar da mesma. Cada uma das aplicações evidenciou, pela própria natureza aberta da simulação, elementos específicos atrelados ao desenrolar do jogo, que iam além dos quatro eixos temáticos principais e que foram expostos durante a discussão final com os participantes, enriquecendo-a. Os estudantes observaram e debateram, por exemplo, acerca do papel do poder econômico e político na disputa de sentidos, da importância de uma estratégia concisa e de objetivos claros, da existência de posicionamentos radicais e mediadores que eram assumidos por diversos grupos, da legitimidade das falas da imprensa e sua importância, da importância da retórica e do acionamento de diferentes valores durante os discursos públicos das equipes, do recurso aos especialistas e da divergência sobre dados científicos no desenvolvimento de uma controvérsia. Rendeu, assim, reflexões e discussões de grande pertinência, que não ficam restritas apenas ao ambiente da atividade didática, mas contribuem para um aprendizado mais amplo sobre as Relações Públicas. REFERÊNCIAS ABT, Clark C. Jogos Simulados: estratégia e tomada de decisão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. BARTON, Richard F. Manual de Simulação e Jogo. Petrópolis: Vozes, 1973. GAMSON, William. Games Throughout the Life Cycle. In: Simulation & Gaming, v. 44, 2013. BLUMER, Herbert. “A massa, o público e a opinião pública”. In: COHN, G. (Org.), Comunicação e Indústria Cultural. São Paulo: Companhia Editora Nacional/Editora da Universidade de S. Paulo, 1971. BROUGÈRE, Gilles. A criança e a cultura lúdica. In: KISHIMOTO, T. M. O Brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. BROUGÈRE, Gilles. Jogo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 164 CROOKALL, David. Serious Games, Debriefing, and Simulation/Gaming as a Discipline. In: Simulation & Gaming, v.41, 2011. 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Mobilização Social: um modo de construir a democracia e a participação. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. 165 | 10 | A CONSULTA DE OPINIÕES NA GESTÃO DA CONFIANÇA INTERPESSOAL EM GRUPOS DE TRABALHO MULTICULTURAIS Célia Maria Retz Godoy dos Santos1, Angélica Aparecida Parreira Lemos Ruiz2 e Raquel Cabral3 RESUMO No presente artigo, discute-se a importância da pesquisa como recurso metodológico e instrumento de reflexão para a compreensão da realidade em grupos de trabalho multiculturais. Reflete-se sobre a lógica da ação coletiva no processo de estabelecimento de tais grupos. Ao mesmo tempo, discute-se sobre as relações de competência intercultural, confiança interpessoal e ética no processo de compartilhamento de interesses. Apresenta-se como exemplificação o grupo de trabalho multicultural formado no programa Da classe ao mercado internacional em parceira entre a Unesp (Brasil) e a Universidade de Sevilha (Espanha), no qual foi possível ponderar sobre essas temáticas. Como resultados, Professora Doutora no Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da UNESP-Bauru. Doutora em Sociologia pela UNESP, Mestre e Graduada em Comunicação Social. Atual coordenadora do curso de Relações Públicas da Unesp. 1 Diretora Acadêmica da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da UNESP/Bauru. Bacharel em Psicologia. Especialista em Gestão de Pessoas e Sistemas de Informação. 2 Professora Doutora no Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da UNESP-Bauru. Doutora em Comunicação Institucional pela Universitat Jaume I (Espanha), Mestre em Comunicação Midiática e Bacharel em Relações Públicas pela UNESP-Bauru. 3 identificou-se a efetividade da consulta de opiniões para a gestão da confiança interpessoal, a partir de um instrumento que permite o monitoramento da ansiedade e da incerteza pautada pela ética da ação coletiva. Palavras-chave: Grupo de trabalho multicultural; confiança interpessoal; consulta de opiniões; ética. INTRODUÇÃO Muitos são os discursos que colocam separadas as ações da universidade, como se houvessem mundos distintos entre o fazer e o refletir, entre a técnica e a teoria ou entre o mundo do trabalho e o viver. Essas “distâncias” no ensino superior, pelo menos no Brasil, evidenciam uma desarticulação entre a produção de conhecimento, a formação acadêmica e o fazer técnico, colaborando para a formação de um futuro profissional que desconhece o mercado de trabalho real e não consegue estabelecer relacionamentos de forma dialógica. Por isso, mais do que promover processos de ensino-aprendizagem, ou ainda ser estimuladora de conhecimentos, a universidade deve incentivar a criação de um espaço privilegiado de reflexão e de construção de como os conhecimentos podem ser vivenciados ou aplicados no cotidiano. Viver em sociedade implica em reconhecer a existência de uma ordem social, de regras, acordos explícitos ou tácitos, de um código de conduta e ética, que permitam a comunicação entre todos os envolvidos. Sem códigos comuns não seria possível falar em comunicação excelente e relacionamentos dialógicos. Viver em sociedade, como nós conhecemos, não seria possível sem o estabelecimento de relações sociais pautadas por regras de convivência. Deste modo, pode-se dizer que as representações sociais são como uma espécie de lastro social, constituído pelos signos, símbolos, sinais e imagens, reconhecidos, partilhados e, especialmente, sustentados pelos sujeitos constituintes desta sociedade, os quais permitem a comu167 nicação interindividual e a partilha das diferentes “visões” de mundo. Segundo Moscovici (2003) a criação e a transformação da informação levam à modificação de nossos valores, influenciando os relacionamentos, tanto na forma como o ser humano se percebe no mundo, como em sua relação com o outro. Este processo está sempre em movimento e vai tomando novos formatos de acordo com a dinâmica de valores de cada época, ou seja, o que era certo para a geração anterior não necessariamente poderá sê-lo para a atual. [...] a dinâmica das relações é uma dinâmica de familiarização, onde os objetos, pessoas e acontecimentos são percebidos e comprendidos em relação a prévios encontros e paradigmas [...] a memória prevalece sobre a dedução, o passado sobre o presente, a resposta sobre o estímulo e as imagens sobre a ‘realidade’ (MOSCOVICI, 2003, p. 55). A partir deste enfoque verifica-se que é possível considerar as representações sociais no contexto dos fenômenos de identidade e de diferenciação social. Em outras palavras, significa dizer que a mesma questão ou um mesmo problema não será nunca analisado da mesma forma por todos os grupos sociais. Dito isso, se observa que as representações sociais, ou coletivas, nas palavras de Durkheim (2007), e até mesmo os códigos linguísticos que fazem parte destas, são os principais suportes da comunicação entre os indivíduos, numa sociedade. Elas têm um papel central determinante na orientação das atividades avaliativas e explicativas e, na prática, correspondem aos conteúdos de cada um dos processos de comunicação. Portanto, se o conhecimento das representações sociais passa pela análise dos atos de comunicação, os quais envolvem interação entre indivíduos, grupos e instituições a partir de diferentes linguagens, pode-se dizer a partir de Moscovici (1984), que a comunicação se torna um mecanismo central de todo o processo representacional. É a partir dela que se criam, se transmitem e se partilham as representações, as quais assumem o lugar da própria realidade. Desse modo, podemos entender que a comunicação se concretiza como um processo de descrição, avaliação e explicação das representações sociais de cada sujeito coletivo ou individual gerando e construindo o aspecto da vivência cotidiana. Nesse sentido, este artigo apresenta um 168 olhar sobre o papel da comunicação nos relacionamentos organizacionais em um grupo de trabalho voltado para o ensino-aprendizagem em comunicação. O referido grupo é composto por pesquisadores de duas universidades, Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade de Sevilha (Espanha), no contexto do programa interuniversitário “Da classe ao mercado internacional”, desenvolvendo pesquisa, execução de tarefas interdisciplinares, discutindo aspectos para a resolução de problemas e pró-atividade em um ambiente multicultural. Além disso, o referido grupo está comprometido com resultados que implicam na adequação de interesses, linguagem e gestão das motivações individuais e coletivas, portanto, reúne uma diversidade de elementos a serem gerenciados, especialmente quando se incluem valores culturais distintos. Nesse sentido, pretende-se discutir as questões mencionadas a partir dos seguintes enfoques: a) a função das consultas (pesquisas) aos envolvidos na construção de relacionamentos em grupos de trabalho para o ensino-aprendizagem; b) a interculturalidade e seu impacto na comunicação grupal entre indivíduos de uma mesma cultura nacional e entre culturas distintas; e c) a ética como estrutura e estabilidade dos grupos de trabalho. 1. AS CONSULTAS (PESQUISAS) AOS ENVOLVIDOS NA CONSTRUÇÃO DE RELACIONAMENTOS E GRUPOS DE TRABALHO PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM Para que existam grupos de trabalho numa determinada organização, seus membros devem estar motivados para nele ingressarem. Precisam percebê-lo como uma unidade integrada de pessoas que interagem entre si e que contribuem de vários modos (com tempo e energia) mediante múltiplas formas de interação e interesses comuns. Seja satisfazendo suas necessidades sociais, de segurança, de estima e de autorrealização, ou para efetivar projetos, tarefas e interações prescritas pela organização na execução de metas ou tarefas particulares, a formação de grupos obedece a diversas lógicas. Do mesmo modo, seja para atender a interesses comuns como idade, crenças políticas ou traços étnicos, ou ainda se colocando frente a uma posição ou causa específica, os grupos se articulam para diversos fins. De qualquer modo, pode-se dizer que os objetivos dos grupos nem sempre estão relacionados aos da organização em que estão inseridos 169 seus membros, mas dependem direta ou indiretamente e necessariamente da motivação para atender aspectos particulares de cada um deles. Portanto, as diferentes necessidades que estimulam os vários aspectos nos grupos organizacionais, especialmente a comunicação e gestão dos relacionamentos, nos levam a evidenciar a importância de se perscrutar a opinião dos sujeitos visando os enfoques da percepção, motivação e da interação entre seus membros para a sua adequada gestão. E como fazer isso mediante pesquisas, sondagens ou mesmo consultas com entrevistas ou pesquisa-ação, a fim de orientar e facilitar o relacionamento e a comunicação? Inicialmente propomos alguns aspectos a serem observados: a) A percepção dos membros sobre seu grupo. Esta questão é indispensável para compreender as relações mútuas e definir suas características a partir de seus integrantes: (O que somos? Qual o papel de cada membro e do próprio grupo visto pelo ângulo da organização?). Isto é imperativo para a sobrevivência deste, até porque para que se considerem um grupo, os sujeitos têm que se reconhecer no conjunto de relações de papéis e normas que o regulariza, mesmo que informalmente; b) A motivação que tem um papel fulcral para o estabelecimento e construção de um grupo de trabalho e para tanto interessa conhecer as necessidades de cada membro (Quais etapas dos trabalhos são compensadoras para o indivíduo? Há uma hierarquia de necessidades e motivações? O que é prioritário na rotina de seus membros? O que os motiva a permanecer no grupo?). Definir as motivações e atendê-las são condições para a permanência dos membros, pois os que não conseguirem ter suas necessidades acolhidas passarão a procurar outros grupos que os ajudem a satisfazê-las; c) Por fim, a interação, no sentido de interdependência é o “núcleo” daquilo que constitui um grupo. Implica em identificar certo número de pessoas suficientemente pequeno, que se comunicam entre si, com frequência, durante certo tempo, de modo que cada pessoa possa comunicar-se com todas as outras diretamente face a face. Isso deve se dar de tal maneira que o comportamento e o desempenho de um deles seja influenciado pelo do outro (Com quem gosta de interagir? O que aprecia em seus colegas?). 170 De qualquer maneira, seja num grupo de trabalho organizacional ou num grupo de relações informais (agrupamentos naturais de pessoas surgidos em resposta às necessidades sociais), eles se formam em relação a um objetivo comum, a metas claramente entendidas que atraem os indivíduos para o grupo. Vale destacar que Olson (1965), já no século XIX, discutia a passagem de uma ação individual para a estrutural, isto é, dos interesses individuais para o coletivo de forma diferenciada. A visão dos cientistas sociais antes da publicação do livro A Lógica da Ação Coletiva (The logic of collective action) de Olson (1965), era a de que, pelo menos quando haviam objetivos econômicos envolvidos, os indivíduos com interesses comuns importantes tenderiam a se organizar para alcançá-los ou promovê-los. Esta opinião sobre comportamento grupal é encontrada não só em discussões de senso comum, mas em trabalhos científicos de relevância e ocupou um lugar proeminente na ciência política, especialmente nos Estados Unidos, país onde o estudo dos grupos de pressão foi dominado pela celebre Teoria de Grupo, a qual se apoiava na ideia de que os grupos agiam coletivamente quando necessário para promover o bem comum ou metas grupais. Ao contrário, Olson (1965) defendeu que os indivíduos tendem a procurar seus próprios interesses (egoisticamente), agindo com racionalidade (razão) e se organizando para conseguir chegar aos fins aos que se propõem. Se os membros de um grupo têm interesses comuns é porque seus objetivos individuais são semelhantes aos dos demais membros e estes se organizam para alcançá-los da melhor maneira. Portanto, os sujeitos deste grupo estariam sendo racionais e ego-interessados na medida em que estão agindo racionalmente em interesse próprio (particular) e, consequentemente promoveriam o interesse comum (bem público ou bem coletivo). Na ótica do autor, não seria a realização do bem coletivo que levaria a uma ação conjunta, mas o objetivo individual, que compartilhado com outros de mesmo interesse se constituem em objetivos coletivos. Nesta perspectiva, Pizzorno (1966) complementa a ideia de Olson, definindo interesse como sendo qualquer fim ou objetivo próprio, seja de atores individuais ou coletivos. Ele vai além, ao identificar solidariedade como sendo o compartilhamento de objetivos e interesses comuns. Isso 171 significa que somos solidários a determinado fato, indivíduo ou grupo social, quando compartilhamos e aceitamos seus objetivos e interesses. Deste modo, Pizzorno compreende que para estabelecer um sistema de solidariedade ou um foco de interesse coletivo será preciso que os sujeitos compartilhem condições para alcançar seus objetivos individuais. Por outro lado, na teoria de Olson (1965), o bem público não representa para os indivíduos racionais e egoístas um estímulo suficiente no dispêndio de energia na consecução dos recursos necessários para se conseguir o bem coletivo. Em consequência disto, a ação coletiva não se realizará, a menos que haja coerção ou algum outro dispositivo especial (denominado por ele de incentivo seletivo ou separado) para fazer com que os indivíduos ajam a favor do interesse comum. Estes incentivos separados ou seletivos seriam ganhos e benefícios individuais, derivados da participação pessoal que, consequentemente, promovem a realização do bem coletivo. E, é por isso que, para buscar e manter o envolvimento e desempenho frente aos desafios do trabalho em grupo ou na gestão de grupos acadêmicos é imprescindível assumir uma posição de gerenciador do sistema e não das pessoas. Incentivar a troca de experiências, trazer a historia e o sentimento de continuidade como algo significativo, promovendo o registro das atividades durante todo o processo e motivar as avaliações e discussões para alinhar os interesses pode se configurar como uma diretriz na gestão de grupos de trabalho. Daí a importância das pesquisas e das rotineiras reuniões e entrevistas entre os membros da equipe, promovendo a troca de experiências como forma de articular os interesses particulares com os coletivos e promovendo o reconhecimento mediante “incentivos separados ou seletivos” a cada um dos integrantes. Em 2014, numa parceria entre a Universidade Estadual Paulista (Unesp/Brasil) e a Universidade de Sevilha (Espanha), diversos docentes e alunos de ambas as universidades iniciaram um Programa interuniversitário: “Da classe ao mercado internacional”. Ao final de sua primeira edição internacional foram encaminhados questionários para os participantes (estudantes e docentes) solicitando sugestões para o alinhamento e continuidade do programa, abordando diversos aspectos do trabalho em grupo (comissão gestora, a comunicação entre os parti172 cipantes, a proposta e o cronograma de trabalho, o evento de premiação, o curso de extensão, as publicações e o relacionamento e envolvimento entre os membros). O inquérito ou consulta de opiniões serviu como uma espécie de “barômetro” a fim de monitorar o grupo, observando seus membros de forma organizada e periódica com diferentes variáveis de análise, como por exemplo: - Monitoramento das necessidades de informação dos membros sobre os públicos envolvidos (mídia, parceiros, fontes externas), no sentido de aproximá-los e transformá-los num polo de agregação e síntese dessa mesma informação destinada a monitorar a atividade fim promovida pelo grupo; - Observação para estudar - as necessidades de conhecimento aprofundado sobre algumas temáticas específicas, a fim de produzir estudos científicos e técnicos sobre a realidade em questão, assumindo o papel de organismo incentivador, produtor e divulgador dessa investigação teórica e aplicada pelo grupo; - Observação para informar – as necessidades de informação sobre a proposta do grupo, para criar e desenvolver níveis adequados de transmissão da informação relevante, em tempo real, aos agentes que operam as atividades propostas e orientam a comunicação. Por exemplo, foram identificadas as dificuldades para a realização das reuniões via Skype, as diferenças de fuso-horário e calendários escolares entre as universidades e os diferentes campos de atuação e pesquisa dos docentes; - Observação para formação - qualificação profissional dos envolvidos nos grupos de trabalho, analisando as relações com as atividades de capacitação e ensino-aprendizagem. A convergência e as interfaces entre os cursos que fizeram parte do Programa (Artes, Design, Jornalismo, Publicidade, Rádio e TV e Relações Públicas); - Observação para sugestão – de ações que visem contribuir com o amadurecimento científico e social do grupo, levantando diretrizes políticas e iniciativas formais (editais e incentivos) que o possibilitem e estimule seu crescimento. 173 Como se observou, a consulta aos membros é indispensável especialmente para que se possa trabalhar as diferentes expectativas, anseios e divergências dos membros do grupo tanto em relação à cultura nacional como intercultural. A proposta é propiciar oportunidades para a sinergia do grupo e a gestão da ansiedade e incerteza que podem ser geradas durante o processo de interação cultural entre os membros. 2. A COMUNICAÇÃO E A COMPETÊNCIA INTERCULTURAL EM GRUPOS DE TRABALHO MULTICULTURAIS PARA FINS DE ENSINO-APRENDIZAGEM Quando falamos em gestão de grupos de trabalho, cabe considerar a bagagem cultural que cada indivíduo adiciona ao grupo e que, diante de sua formalização, produz uma cultura coletiva que pode ou não refletir a cultura da organização, na qual os grupos estão inseridos. Em muitos casos, o processo de conformação, transição e adaptação da cultura individual à cultura coletiva, especialmente no caso de grupos de trabalho em que há presença de indivíduos de culturas distintas, passa por algumas etapas importantes em que a partir da perspectiva da competência intercultural se discute a confiança interpessoal (ANEAS ALVAREZ e VILÀ BAÑOS, 2014, p. 48), um importante elemento para o êxito destes grupos. Segundo as autoras, a influência da cultura dos integrantes em grupos de trabalho multiculturais já é pesquisada desde início do ano 2002, quando a questão da virtualidade na forma organizativa destes grupos tomava grande repercussão. De fato, partindo desse enfoque, as pesquisas sobre os grupos de trabalho multiculturais virtuais se centravam em estudos de aspectos comunicativos, os quais determinavam a eficácia da comunicação e da competência intercultural sobre a gestão da ansiedade e da incerteza nestas equipes, conforme explicam Stephan et. al (1999) apud Aneas Alvarez e Vilà Baños (2014, p. 59): La gestión de la ansiedade por la incertidumbre influye directamente sobre la eficácia de la comunicación en los encuentros interpersonales e intergrupales. Es decir, los indivíduos pueden comunicarse efectivamente en la medida que pueden gestionar su ansiedad y se sienten capaces de predecir con cierta probabilidad de éxito las actitudes, sentimientos y comportamientos del o de los interlocutores. 174 Nesse sentido, considerando a importância da gestão da ansiedade causada pela incerteza para a eficácia da comunicação em grupos de trabalho, especialmente multiculturais, cabe compreender a noção de confiança interpessoal no contexto da competência intercultural. Para tanto, ainda discorrendo sobre o enfoque do trabalho de Aneas Alvarez e Vilà Baños (2014) como sendo aplicado ao contexto de grupos de trabalho multiculturais virtuais, podemos reconhecer alguns elementos comuns que perpassam a organização de grupos tanto virtuais como presenciais, já que no caso do primeiro o uso da tecnologia se configura como um instrumento de comunicação e aproximação, pois imita a experiência do presencial. Partindo dessa aclaração, Aneas (2003) apud Aneas Alvarez e Vilà Baños (2014, p. 48) define competência intercultural como: [...] la integración y aplicación de conocimientos, habilidades y actitudes que permiten diagnosticar los aspectos personales y las demandas generadas por la diversidad cultural. Permiten negociar, comunicarse y trabajar en equipos interculturales y hacer frente a las incidencias que surgen en la empresa intercultural mediante el autoaprendizaje intercultural y la resolución de problemas que consideren las otras culturas. Partindo desse pressuposto, é notório que na atual conjuntura haja inúmeras iniciativas para o desenvolvimento de projetos transnacionais, nos quais uma diversidade de integrantes de distintos perfis profissionais e nacionalidades interagem. No entanto, alguns limites organizacionais, tecnológicos, pessoais e culturais comprometem a eficácia destes grupos, ressaltando questões culturais que se desdobram em uma diversidade de elementos. Na perspectiva da competência intercultural, estes elementos se relacionam com as duas dimensões da confiança interpessoal, que são identificadas como fatores cognitivos e afetivos (ANEAS ALVAREZ e VILÀ BAÑOS, 2014, p. 49). Segundo as autoras, na maior parte da literatura sobre grupos de trabalho multiculturais se destaca a importância da confiança interpessoal como fator chave para o êxito dos mesmos. A gestão da confiança interpessoal requer adaptação mútua tanto no entendimento como no comportamento. Se não for conduzida de forma adequada pode gerar 175 uma atitude defensiva e a perda da confiança por parte dos integrantes do grupo. Partindo desse pressuposto, a confiança interpessoal pode ser definida como: [...] um estado psicológico que implica la posibilidad de aceptar uma posición de vulnerabilidad personal basada en las expectativas positivas sobre intenciones o comportamientos de otros (Rosseau et. al., 1998). Ella es um ingrediente básico, según Roderick Kramer (1999), para que los integrantes del equipo dediquen tiempo y esfuerzo a las metas colectivas, compartiendo la información útil, ayudando y colaborando con los demás. (ANEAS ALVAREZ e VILÀ BAÑOS, 2014, p. 49). Fundamentando-nos nessa definição, podemos reconhecer o papel central que a confiança interpessoal exerce no contexto dos grupos de trabalho multiculturais. De certo modo, ousa-se afirmar que ela tem um grande valor em todas as culturas. De fato, conforme explicam as autoras, o que diferencia uma cultura de outra é a maneira de ganhar ou perder a referida confiança. Nesse sentido, Aneas Alvarez e Vilà Baños apresentam o quadro 1 abaixo, no qual se identificam dezesseis elementos de diferenciação cultural, fatores potenciais de dificuldades em grupos de trabalho multiculturais virtuais que se relacionam com a questão da confiança interpessoal: QUADRO 1. ELEMENTOS DE DIFERENCIAÇÃO CULTURAL RELACIONADOS À CONFIANÇA INTERPESSOAL 1) A influência dos estereótipos e preconceitos culturais sobre as expectativas em relação ao outro. 2) A atitude de sensibilidade intercultural em relação à diferença cultural. 3) A distância hierárquica ou de poder que possa existir entre os membros de uma cultura. 4) As fontes de reconhecimento pessoal e social a partir da perspectiva cultural. 5) A tolerância à incerteza, como a necessidade de controle, segurança e previsibilidade que podem variar de uma cultura à outra. . 6) A gestão do tempo de forma monocrônica ou policrônica. 7) O conceito de honra que diverge de cultura para cultura. 176 8) O valor do contexto, diferenciando culturas segundo a importância exercida pelo contexto na relação comunicativa intercultural. . 9) O valor da diversidade. Universalismo e particularismo no trabalho virtual. 10) A justiça nos princípios de equidade e igualdade. 11) A reciprocidade nas relações interpessoais que pode contribuir ou não para estabelecer e alimentar a percepção de justiça da outra pessoa. 12) A disciplina moral como valor, que rompe a tendência ocidental baseada em valores orientais. 13) A concepção prioritária dos objetivos, conciliando os de propósitos individuais e os da equipe e seus integrantes. 14) A distância social, cuja Teoria da Penetração Social destaca os estágios nas relações interculturais, partindo de uma orientação estereotipada até o mútuo conhecimento. 15) As ameaças que surgem quando há um nível relativamente alto de ansiedade nas relações intergrupais, quando as pessoas mostram condutas e respostas exageradas, fundamentadas em estereótipos. 16) A gestão da ansiedade e incerteza, cujo processo é de fundamental influência sobre a eficácia da comunicação e da competência intercultural. Fonte: Aneas Alvarez e Vilà Baños (2014, p. 60-61). Tradução das autoras. Com isso, tomando como referência o estudo e quadro apresentado por Aneas Alvarez e Vilà Baños (2014), identificam-se alguns elementos que se interrelacionam com a gestão do grupo de trabalho para desenvolvimento do programa interuniversitário “Da classe ao mercado internacional”. Este é um projeto voltado para o ensino-aprendizagem em comunicação, em especial, com foco em Relações Públicas. Tal grupo foi idealizado a partir do convite da professora coordenadora do projeto na Universidade de Sevilha, Ana María Cortijo e estendido aos docentes e pesquisadores dos cursos de Comunicação, em especial, de Relações Públicas da Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação (FAAC) da Unesp/Brasil. Como um dos objetos de estudo neste artigo, pretendemos focar no último elemento identificado pelas autoras no quadro 1, a fim de desenvolver uma reflexão em torno da importância da gestão da ansiedade e da incerteza para a eficácia da comunicação e da competên177 cia intercultural no referido grupo multicultural. Como opção metodológica da gestão do grupo, optou-se pela análise organizada com base em parâmetros qualitativos e interpretativos, além da problematização próxima da pesquisa-ação e das experiências cotidianas pautadas em alguns aspectos. Do mesmo modo, a partir da consulta de opiniões apresentada anteriormente foram avaliadas as pautas e questionários de consulta qualitativa, que se configuraram como instrumentos eficazes para controle e monitoramento da ansiedade e da incerteza no grupo, destacando a importância destes recursos como essenciais para a gestão da confiança interpessoal. De fato, ao trabalharmos com a gestão da confiança, alguns debates éticos adquirem grande relevância, como discutimos a seguir. 3. ÉTICA E ORGANIZAÇÃO A PARTIR DA CONSULTA DE OPINIÕES PARA GESTÃO DA ANSIEDADE E INCERTEZA EM GRUPOS DE TRABALHO MULTICULTURAIS Ética no trabalho é algo essencial para um ambiente organizacional saudável. Mesmo quando não há um Código de Ética formalmente definido, em geral há um conjunto de aspectos considerados de «bom senso», mas que deixam espaço para interpretações variadas, numa tentativa de delimitar o que é «comportamento ético» no âmbito pessoal ou grupal. Conforme defende Cortela (2013), de forma lúdica e perspicaz, ética é um conjunto de valores e princípios que norteiam nossas decisões a partir de três grandes questões da vida em sociedade: quero, devo e posso. Ele explica que há coisas que eu quero, mas não devo, ou que devo, mas não posso, ou ainda que posso, mas não quero. Quando aquilo que você quer é o que você pode e deve, você encontra certa coerência e paz de espírito. Por isso, não é possível discutir ética fora do contexto social e cultural, já que ela é um aperfeiçoar da convivência coletiva. Todo comportamento humano pode ser avaliado a partir de uma reflexão ética. O “zelo pela convivência ou bem estar de todos implica em estar disposto a abrir mão de alguns apetites, vantagens e prazeres particulares” (BARROS FILHO, 2014). Para o autor, a ética é a tensão entre a preocupação coletiva (de todos) com a convivência e a necessidade de perceber 178 que não dá para satisfazer todos os apetites (ou interesses particulares) ao mesmo tempo e preservar a convivência. Ele exemplifica dizendo que toda vez que citamos um problema ético nos referimos a alguém que não entendeu que a convivência tem que ser preservada em detrimento de alguma vantagem pessoal. O “apodrecimento ético” (CORTELA, 2013) num grupo ou sociedade começa quando a satisfação dos próprios interesses se sobrepõe ao desejo coletivo. Na gestão de grupos de trabalho, a ética é um constituinte balizador do relacionamento e confiança entre os integrantes. É uma aprendizagem necessária, na qual é preciso “abrir mão” dos interesses pessoais face aos coletivos. Como dizia Olson (1965), os membros do grupo necessitam de incentivos seletivos ou separados para fazer com que ajam para o interesse comum. Daí a necessidade da consulta de opiniões para dar a oportunidade a cada um de revelar seus interesses, percepções e experiências na construção do trabalho coletivo. Desse modo, um dos pressupostos éticos que permeiam as relações humanas, e por conseqüência, os relacionamentos organizacionais é a transparência. Ela implica em sermos responsáveis ao reconhecer-nos como autores da ação e de suas consequências, e de imprimir veracidade ao nosso repertório comportamental pautado pela ética. Desse modo, partindo da noção de transparência, podemos entender como confiança, a afinidade entre pessoas, em que uma espera da outra o desempenho adequado. Em outras palavras, é a relação em que há expectativa positiva mútua entre os integrantes do grupo. A confiança é um artefato que modera as semelhanças entre os indivíduos e faz prosperar a proposta de atuação do grupo. O cumprimento do esperado só se efetivará se houver comprometimento dos envolvidos com resultados, satisfação de interesses e motivações. Quando há conduta ética por parte dos indivíduos, se pressupõe que os relacionamentos serão pautados pela confiança e o risco de desapontamentos é menor, facilitando a interação e o fortalecimento da confiança grupal (NOVELLI, 2004). Quando alguém se serve de astucia ou ardil para ludibriar a convivência em proveito de uma vantagem pessoal ou privilégio, o grupo se desestrutura e a confiança é perdida. 179 Ao historiar suas vivências e percepções nos questionários, os participantes do grupo envolvido no Programa “Da classe ao mercado internacional” tiveram a oportunidade de expressar, de forma transparente, suas ansiedades, frustrações e desejos. Por meio dos resultados foi possível monitorar o grupo. Este mecanismo fez emergir emoções e identificou eventuais divergências e manifestações, as quais puderam ser realinhadas e reconduzidas, solucionando possíveis conflitos gerados por interpretações equivocadas. Por outra parte, esta técnica também possibilitou a identificação de diretrizes conceituais e organizacionais que deveriam ser repensadas, a fim de se adaptar determinadas questões culturais à realidade local, promovendo a harmonização dos papéis de cada integrante do grupo, reafirmando a confiança mútua e prospectando êxitos no trabalho grupal para o futuro do programa. A partir da consulta de opiniões, pode-se administrar a ansiedade e as incertezas presentes no grupo. Ao mesmo tempo, pode-se buscar por meio da comunicação, a reconstrução da relação de confiança, que é essencial à colaboração, integração e formação de redes de partilha de competências, conhecimento e práticas éticas e eficientes. E estes são os ingredientes necessários para o exercício da liberdade e criatividade que enunciam a natureza humana e enriquecem o relacionamento e convivência em grupos de trabalho, além de promover uma sociedade democrática, transparente e ética. CONSIDERAÇÕES Como dito, esta dinâmica organizacional construída em torno dos grupos de trabalho multiculturais vem se consolidando nas últimas décadas. A premissa que apoia essa estruturação de pessoas é que nos grupos existe uma diversidade maior de perspectivas, competências e experiências necessárias para produzir resultados mais efetivos (SOBRAL e BISSELING, 2012). De fato, os grupos produzem conhecimento plural, oferecem maior amplitude de pontos de vista e agregam maior eficiência aos projetos que se propõem. Além disso, os grupos também geram oportunidades para um número maior de abordagens e alternativas, visto que quando os membros participam de uma decisão tendem a apoiar a solução escolhida e estimular os demais a aceitá-la por se sentirem parte do processo. 180 Contudo, existem alguns pontos frágeis no trabalho desenvolvido em grupos, já que consomem mais tempo, demoram muito mais para chegar a uma solução e ainda requerem benefícios separados (Olson, 1965) para manter os membros interessados. No grupo estudado, docentes, funcionários e estudantes demonstraram uma diversidade de demandas, interesses e motivações. São variáveis que podem e devem ser observadas a partir das técnicas de consulta, no sentido de manter a confiança interpessoal e diminuir a ansiedade e incerteza no grupo. No estudo realizado a partir da experiência vivenciada no grupo de trabalho multicultural citado, foi possível identificar que o saldo comum aos integrantes do programa foi positivo, e repercutiu na aprendizagem mútua e na produção de conhecimento entre docentes, estudantes e funcionários envolvidos. Ao mesmo tempo, potencializadas pela característica multicultural do programa, algumas questões interculturais foram amplamente discutidas, assim como seu impacto na comunicação e ética coletiva no grupo. Desta maneira, foi possível reinterpretar o outro, assim como nossa própria cultura a partir de uma sensibilidade intercultural que buscou e, em muitos momentos, foi capaz de observar as diferenças culturais e até mesmo modificar-se em respeito aos demais. Essa aprendizagem possui inúmeros desdobramentos e propriedades pedagógicas profundas, ao destacar o valor da ética da ação coletiva na gestão da confiança interpessoal em grupos de trabalho multiculturais. REFERÊNCIAS ANEAS, Assumpta. Competencias interculturales transversales. Tese (Doutorado) – Universitat Autònoma de Barcelona, 2003. Disponível em: <http://www.tdx.cesca.es/TDX-1223104-122502/>. Acesso em 13 mar. 2015. ANEAS ALVAREZ, A.; VILÀ BAÑOS, R. Confianza interpersonal y competência intercultural en los equipos de trabajo virtuales. In: REVISTA ORGANICOM – Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, edição 21, 2º sem 2014. 181 BARROS FILHO, C.; CORTELA, M. S. Especial Ética e Vergonha na cara. Entrevista concedida ao Programa Todo Seu, TV Gazeta, em 26 de abril de 2014. Youtube. Disponível em: http://www.bing.com/videos/search? q=entevista+especial+etica+e+verginha+na+cara+26%2f05%2f2014&F ORM=VIRE3#view=detail&mid=0B39A195634A545325440B39A19563 4A54532544 Acesso em 12 mar. 2015. CORTELA, M. S. O que é ética. Entrevista concedida ao Programa Jô Soares, TV Globo, em 26 de setembro de 2013. Youtube.. Disponível em: http://www.bing.com/videos/search?q=etica+com+cortela+e+jo+&FORM=VIRE3#view=detail&mid=EEF3DFCABD8D0C2C27EEEEF3DFCA BD8D0C2C27EE Acesso em 12 mar. 2015. MOSCOVICI, S. The phenomenon of social representations. In: Social representations FARRE, R. M; S. MOSCOVICI (orgs.), USA: Cambridge Universily Press, 1984, p.3-69. ______________. Representações sociais: investigações em psicologia social. Rio de Janeiro, Vozes, 2003. DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. (trad.) NEVES, Paulo; BRANDÃO, Eduardo. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. (Coleção tópicos). Olson, Mancur. The logic of collective action: public goods and the theory of groups, Cambridge, Maw, Harvard University Press, 1965. Pizzorno, Alessandro. Introducione allo studio della partecipazione política. In: Quaderni di sociologia, XV, 3-4, julho-dezembro, 1966. P. 235288. SOBRAL, F.; BISSELING, D. Exploring the Black Box in Brazilian Work Groups: a Study of Diversity, Conflict and Performance. 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Ao descrevermos o campo de estudos da comunicação organizacional e relações públicas, destacamos a relevância da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp) como mediadora na comunicação das pesquisas científicas dessa área. Apresentamos resultados preliminares de pesquisa acerca da produção científica sobre Comunicação Organizacional no Brasil, tendo como corpus de análise os artigos científicos apresentados nas oito edições do Congresso Científico da Abrapcorp. Doutoranda no DINTER-Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/ PUCRS/ Universidade Federal do Maranhão/ UFMA. Professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão/ UFMA. Mestrado na ECA/ USP. E-mail: gisasousa90@yahoo.com.br. 1 Doutorado em Ciências da Comunicação – Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Professora Titular da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – FAMECOS/PUCRS. Bolsista PQ/CNPq 2. 2 Palavras-chave: Comunicação Organizacional Digital. Campo científico. Produção científica. INTRODUÇÃO A sociedade contemporânea tem vivenciado, nas últimas décadas, mudanças profundas atribuídas à rápida e contínua evolução das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e sua relação com os atores sociais. Tais mudanças ainda não foram mensuradas e/ ou estudadas em sua totalidade, posto que a complexidade não permite dimensionar suas fronteiras frente ao processo histórico, que se encontra ainda em curso. Algumas dimensões da vida social se tornaram flexíveis, leves e/ ou simplesmente esvaíram-se, tornaram-se cambiantes e/ou perderam o valor que tinham anteriormente. O poder, o capital, a individualidade, o trabalho, a comunidade, as relações sociais e a relação tempo/ espaço, são algumas das dimensões atravessadas pela fluidez e a volatilidade do mundo contemporâneo: dos mercados globalizados, das economias emergentes, do capital flutuante, das relações efêmeras, do trabalho à distância, da instantaneidade do fluxo informativo, da obsolescência dos produtos e da transitoriedade dos conceitos. Parte da liquidez dessas dimensões, entretanto, está ancorada no processo de digitalização3, que como nos esclarece Scolari (2008), De acordo com Scolari (2008), o processo de digitalização nasceu do interesse de reduzir, ou erradicar, as distorções e perdas de informação (ruídos) próprios da transmissão dos sinais por meio da eletrônica analógica, na qual “os sistemas se encarregavam de traduzir fenômenos físicos em impulsos elétricos, em sinais, que podiam ser amplificados, modulados, arquivados, identificados e reconvertidos ao formato original”. Já a com a digitalização, esse mesmo fenômeno físico, “ é registrado como uma massa de valores numéricos, expressados por meio do sistema binário”, que da mesma forma pode ser reconvertido ao analógico ou reproduzido, transmitido, amplificado, arquivado, mas sem perdas e sem ruídos, mantendo-se idêntico ao original (SCOLARI, 2008, p.80, 3 185 consiste na conversão de sinais analógicos, que antes se encarregavam da reprodução de fenômenos físicos, em sinais baseados num sistema binário, num valor numérico composto de zeros e uns, que, por sua vez, puderam fluir com extrema rapidez pelas infovias da banda larga e ganhar alcance planetário por meio da internet. Santaella (2007) argumenta que a multiplicação das mídias de produção de linguagem e consequente proliferação exacerbada de processos e misturas sígnicas, têm conduzido ao midiacentrismo, com uma hipervalorização das mídias, em detrimento da linguagem. Adverte, a autora, que não devemos perder de vista as matrizes da linguagem, cujas modalidades e sub-modalidades, em que essas matrizes aparecem em sua forma mais pura, são classificadas por ela: a sonoridade, as imagens fixas e o texto oral escrito. A partir destas formas puras, as hibridizações, misturas e combinações acontecem e circulam por meios de comunicação e suportes diversos. (SANTAELLA, 2007). Para a referida autora, convivemos hoje, com “linguagens líquidas”, ou seja, [...] linguagens antes consideradas do tempo – verbo, som, vídeo – espacializaram-se em cartografias líquidas e invisíveis do ciberespaço, assim como as linguagens tidas como espaciais – imagens, diagramas, fotos – fluidificaram-se nas enxurradas e circunvoluções dos fluxos (SANTAELLA, 2007, p. 24). O texto impresso coexiste com o hipertexto, que pode conter, além do próprio texto, fotos, vídeos e áudios. Mídias e linguagens são digitalizáveis e convergentes, fluídas, são mescladas e hibridizadas, convivem com a oralidade, a escrita impressa, a imagem e o som. Essa convivência e mistura de mídias e linguagens constituem “um tecido cultural polimorfo e intrincado” (SANTAELLA, 2007, p.133), que caracteriza a cibercultura e constitui o contexto contemporâneo. Algumas das características marcantes da contemporaneidade tais como: a globalização; a quebra de barreiras espaço-temporais; a digitalização; a convergência midiática; as linguagens líquidas, entre outras, afetaram de forma direta a vida cotidiana e os valores da societradução livre). O processo de digitalização esteve subjacente, portanto, ao desenvolvimento das TICs e às mudanças ocorridas nos anos recentes, dando agilidade aos fluxos econômicos, informativos e comunicativos, entre outros. 186 dade e são constituintes e/ ou foram constituídas de modo recursivo da/pela cibercultura. Autores como Lévy (2000), Lemos (2003) e Scolari (2008) utilizam o termo cibercultura para referirem-se a essa contemporaneidade, a esse tempo não delimitado, pós-surgimento das tecnologias da informação e da comunicação (TICs), que traz uma gama de novos objetos de estudos, especialmente para o campo da comunicação. Neste artigo propomos recuperar, mesmo que brevemente, a trajetória da comunicação organizacional digital no Brasil, a partir de sua emergência como objeto de estudo, das pesquisas realizadas e das temáticas que se tornaram recorrentes no campo da comunicação organizacional e relações públicas. COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL NO BRASIL: CONSTITUIÇÃO COMO OBJETO DE ESTUDOS. O Campo Científico da Comunicação (CCC) no Brasil começou a se constituir a partir da criação dos programas de pós-graduação, das associações científicas e das instituições de fomento à pesquisa que tiveram importante papel de sistematizar, normatizar e criar meios de comunicação científica e instâncias de consagração e legitimação ao conhecimento produzido, respeitando as leis criadas no interior do próprio campo. Caparelli (2000) associa a consolidação do “campo acadêmico de estudos de comunicação” no Brasil à criação dos primeiros cursos de pós-graduação, nos níveis de mestrado e doutorado, no início dos anos 70 do séc. XX. Enquanto a pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) estiveram relacionadas diretamente às áreas de Letras e Literatura, na Universidade de São Paulo (USP), a organização departamental, criada em 1972, era compartimentada numa vinculação com as profissões, portanto, com o mercado de trabalho, embora os professores desta também fossem oriundos das Ciências Humanas e Sociais. Como precursores do campo científico, estes programas o influenciaram fortemente tendo em vista que em 1999 “quase 70% dos doutores de todos os programas e quase 80% dos mais de 600 estudantes de pós-graduação” eram destes três programas (CAPARELLI, 2000, p.2). 187 De acordo com a Tabela de áreas do Conhecimento da CAPES a comunicação, como área de estudos, está institucionalmente4 vinculada à grande área das Ciências Sociais Aplicadas, constituída por 13 subáreas, onde há uma única subárea para Relações Públicas e Propaganda, para a qual não são apresentadas subdivisões de acordo com as especificidades de cada uma. Tal fato se constitui num paradoxo em relação à práxis no mundo acadêmico, caracterizado pela segmentação dos cursos e a alta especialização destas subáreas, e, que pode ser observado também, no mercado de trabalho. De acordo com Kunsch (2009a, p. 52) Como áreas do conhecimento, Comunicação Organizacional e Relações Públicas inserem-se no âmbito das Ciências da Comunicação e das Ciências Sociais Aplicadas. Possuem um corpus de conhecimento com literatura específica, teorias reconhecidas mundialmente, cursos de pós-graduação (lato sensu e stricto sensu), pesquisas científicas, etc. Constituem, portanto, campos acadêmicos e aplicados de múltiplas perspectivas. Relações Públicas e Comunicação Organizacional são convergentes, possuem interfaces e dialogam no âmbito da organização e vêm se consolidadando com o aprofundamento dos dabates teórico-metodológicos, criação de núcleos de pesquisa e associações científicas, com a afirmação/ legitimação como parte do campo científico da comunicação, com pesquisas e produção de conhecimento crescentes. As próprias associações científicas da área da Comunicação trataram de compartimentar o conhecimento da área, sempre de acordo com especialidades e/ou profissões, como a Intercom e a COMPÓS. Por outro lado, algumas subáreas trataram de agregar seus pesquisaDe acordo com a Tabela de áreas do Conhecimento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Disponível em : http://www. capes.gov.br/avaliacao/instrumentos-de-apoio/tabela-de-areas-do-conhecimento-avaliacao . Acessao em 29/09/2014. E, ainda, Com a tabela de áreas do conhecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Disponível em : http://www.cnpq.br/documents/10157/186158/ TabeladeAreasdoConhecimento.pdf . Acessado em 29/09/2014. 4 188 dores em associações próprias, com finalidades e dinâmicas específicas, como a Abrapcorp e a Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). No mercado de trabalho, esta subárea conquistou também espaço ao longo dos últimos 20 anos, em especial nos ambientes organizacionais, devido à centralidade da comunicação na sociedade contemporânea. Estima-se que, dada a complexidade vivida pelas instituições e organizações nesta era digital, estas se veem obrigadas a repensar suas formas e estratégias de se comunicar. Com isso não há mais lugar para improvisações. Nesse sentido buscam-se na academia os aportes teóricos como uma aliança necessária para uma base científica do fazer comunicativo cotidiano. (KUNSCH, 2009a, p. 56). Alguns pesquisadores/ autores trazem dimensões que balizam a relevância da comunicação digital no âmbito das organizações no contexto sócio histórico contemporâneo, de tal modo que passaram a incorporá-la às suas estratégias comunicativas, entre eles KUNSCH (2009a), CÔRREA (2005, 2008), TERRA (2011, 2012), A comunicação digital, segundo Corrêa (2005), é entendida [...] de per si como o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TIC’s), e de todas as ferramentas delas decorrentes, para facilitar e dinamizar a construção de qualquer processo de Comunicação Integrada nas organizações. Falamos, portanto, da escolha daquelas opções tecnológicas, disponíveis no ambiente ou em desenvolvimento, cujo uso e aplicação é o mais adequado para uma empresa específica e respectivos públicos específicos. (2005, p. 102, grifo da autora). A comunicação organizacional mediada no ambiente digital incorpora ganhos diversos, tanto quantitativos como qualitativos, em consonância com as potencialidades que lhe são agregadas: digitalização, hipertextualidade, multimedialidade, instantaneidade, multi-linguagens, reticularidade, interatividade, convergência, entre outras destacadas por autores da área como Scolari (2008), Corrêa (2005, 2008), Terra (2011). A comunicação digital se tornou ubíqua nas organizações, tomando espaço cada vez maior na dinâmica comunicacional e, em muitos casos, substituindo as modalidades mais convencionais de comu189 nicação, como a comunicação dirigida escrita (newsletters, murais, boletins, etc) e de estabelecimento de relacionamentos com públicos, em razão de possibilidades de interação que oferece. O termo comunicação organizacional digital (COD) passou a ser utilizado por Corrêa (2005) e Terra (2011, 2012), para designar a comunicação digital no âmbito das organizações e/ ou a comunicação digital nas/das organizações, embora admitam variações que circulam no campo e identificadas quando da análise das palavras-chave dos artigos da Abrapcorp. A nossa opção pela Abrapcorp, associação científica fundada em 13 de maio de 2006, em São Paulo/ SP, se justifica por reunir especificamente a área de estudos da comunicação organizacional e relações públicas, com o GP de “Comunicação, Organizações e Tecnologias5, que contempla a temática da comunicação organizacional digital (COD), objeto teórico do trabalho em curso. Mais ainda, pelo fato de a produção científica apresentada e debatida nesse GP se constituir no corpus de análise de pesquisa em andamento. De acordo com Kunsch (2009b, p.1), com a fundação da associação [...] um novo capítulo foi acrescentado à história desses campos do conhecimento que florescem e se consolidam cada vez mais no conjunto das Ciências da Comunicação. A existência de uma entidade científica nesse contexto exerce um papel fundamental para estimular o fomento, a realização e a divulgação de estudos avançados resultantes da pesquisa e que possam contribuir para a transformação da sociedade, das instituições e das organizações. O estatuto, aprovado na Assembleia Geral de Fundação de 13 de maio de 2006, foi elaborado por um comitê formado por pesquisadores de diferentes regiões do Brasil. A Abrapcorp tinha inicialmente cinco GTs permanentes: História, Teoria e Pesquisa em Relações Públicas; Processos, Políticas e Estratégias de Comunicação Organizacional; Comunicação Digital, Inovações Tecnológicas e Organizações; Estudos do Discurso, da Imagem e da Identidade Organizacionais; Comunicação 5 Esta denominação foi adotada a partir de 2009. 190 Pública e Política, Relações Públicas Comunitárias e Comunicação no Terceiro Setor. (KUNSCH, 2009, p. 05). Os Grupos de Pesquisa (GPs)6, no congresso anual de 2014, de acordo com o site da associação7, eram seis, sendo que um deles era o GP Temático do congresso deste ano, cujo tema foi Comunicação e Interculturalidade, e os demais: Comunicação, Pesquisa e Ensino; Comunicação, Organizações e Tecnologias; Comunicação, Identidade e Discursos; Comunicação, Responsabilidade e Cidadania; Comunicação, Políticas e Estratégias. De acordo com levantamento feito no site da associação8, com base nos Anais dos Congressos científicos, obtivemos o número de 530 trabalhos apresentados e publicados nas versões anuais do evento, distribuídos por GP9 (QUADRO 1) 6 Nomenclatura adotada neste ano. Disponível no URL: < http://www.abrapcorp.org.br/site/int. php?pagina=congresso-abrapcorp&codigo=F1eApCoZIKPRrvwtlHphMZhC87 MN3doy6s0lWdbwPQd7czrp7H >, acessado em 10/10/2014. 7 Os trabalhos apresentados de 2007 a 2012 estão disponíveis online, no URL: <http://www.abrapcorp.org.br/portal/index.php/2011/10/anais-online/> , acessado em 10/10/2012. Os artigos apresentados em 2013 foram publicados no e-book “Abrapcorp 2013”, disponível no link: <http://abrapcorp2013.com/2013/05/21/ lancado-o-livro-do-congresso-abrapcorp-2013/ >, acessado em 15/08/2013. Já os artigos de 2014, estão disponíveis no link: < http://abrapcorp.org.br/site/manager/arq/%28cod2_21198%29Anais_VIII_ABRAPCORP_2014.pdf > 8 Aqui utilizaremos a nomenclatura de GP, por ser a que é utilizada atualmente (congresso de 2015). Aos números de trabalhos dos GPs marcados com asteriscos foram acrescidos números de divisões ou mesas temáticas que estiveram presentes em apenas uma ou duas edições do Congresso, como, por exemplo: Gestão de Relacionamentos, Opinião Pública e Públicos nas Organizações (2008), Comunicação, Mudanças Organizacionais (2011); Comunicação, Cultura Organizacional (2011 e 2012); Comunicação Interna e Organizações (2013). 9 191 QUADRO 1 - PRODUÇÃO CIENTÍFICA CONGRESSOS DA ABRAPCORP 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 TOTAL ANO Comunicação, Pesquisa e Ensino 12 06 06 09 04 04 14 08 63 Comunicação, Organizações e Tecnologias 08 05 10 11 08 04 10 06 62 Comunicação, Identidade e Discursos 08 06 12 11 09* 16* 05 12 79 Comunicação, Responsabilid e Cidadania 07 08 06 05 05 04 05 13 53 Comunicação, Políticas e Estratégias 14 22* 14 18 08* 05 15* 19 115 Iniciação científica 07 12 27 10 10 25 07 15 113 06 07 06 07 04 04 - - 34 GP Temático - - - - - - - 11 11 TOTAL 62 66 81 71 48 62 56 84 530 GPS Comunicação Pública, Governamental e Política Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos dados dispiníveis nos Anais dos Congressos disponíveis no site da Abrapcorp (www.abrapcorp.org.br). A produção científica dos GPs, excluídos os do Espaço de Iniciação Científica- EIC 10, destinado aos alunos de graduação, resume-se a um 10 Antes denominado Pesquisa Experimental e Iniciação Científica – tem a seguinte 192 total de 417 artigos, dos quais ressaltamos os 62 do GP Comunicação, Organizações e Tecnologias, que equivalem a aproximadamente 15% do total apresentado. Numa aproximação ainda inicial, foi possível constatar também a prevalência da vinculação institucional dos autores aos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Instituições do Ensino Superior (IES) Públicas e Privadas nos níveis de mestrado e doutorado. Merece igualmente destaque, a constância da participação de pesquisadores reconhecidos no campo científico da comunicação por sua importante contribuição à subárea da Comunicação Organizacional e Relações Públicas. Tal análise reforça a relevância da Abrapcorp como associação científica preocupada em debater e fazer circular a produção científica da subárea da comunicação organizacional e relações públicas, tornando-a acessível por meio da internet. A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL: PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA ABRAPCORP Num primeiro momento, destacamos o número de trabalhos apresentados e publicados nos Anais, disponíveis no site da Abrapcorp, no GP Comunicação, Organizações e Tecnologias, no período de 20072014, em 8 edições do Congresso científico, para aproximarmo-nos do objeto empírico, mapeando-o e levantando alguns dados que permitam identificar as principais temáticas abordadas na produção científica e outros dados (QUADRO 2). ementa : “Estudos resultantes de Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC – monografias e de Trabalhos de Iniciação Científica – TIC – provenientes dos Programas de IC, desenvolvidos em nível de Graduação nas Instituições de Ensino Superior. Trabalhos inscritos em forma de artigo científico, contemplando temáticas direcionadas à Comunicação Organizacional e às Relações Públicas.” ( site da Abrapcorp – Disponível em: < http://www.abrapcorp.org.br/site/int.php?pagina=congresso-abrap corp&codigo=9igWidFhhSQL0NB36JOz4WE0p6XtWYxV6GKeJeoSZ5tRLVKHur > . Acessado em: 14/03/2015. 193 QUADRO 2 - LEVANTAMENTO DOS ARTIGOS – CONSTITUIÇÃO DO CORPUS DE ANÁLISE ANO TOTAL ARTIGOS ARTIGOS ARTIGOS EXCLUÍDOS CORPUS 2007 08 01 07 2008 05 - 05 2009 10 01 09 2010 11 01 10 2011 08 - 08 2012 04 - 04 2013 10 02 08 2014 06 01 05 Total 62 06 56 Fonte:Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp (www.abrapcorp.org.br). A partir dos 56 artigos que compõem o corpus de análise, realizamos mapeamento de algumas variáveis de identificação: autores, instituições às quais estão vinculados, qualificação, região geográfica, conforme descreveremos a seguir: Entre os 56 artigos que compõem o corpus de análise, foram encontrados 66 autores. Destes somente 9 apresentaram mais de 1 trabalho, com destaque para Carolina Frazon Terra que apresentou 7 trabalhos em 7 edições diferentes do Congresso científico da Abrapcorp11 (QUADRO 3) A pesquisadora não apresentou trabalho em 2013 no GP Comunicação, Organizações e Tecnologias. 11 194 QUADRO 3 - AUTORES DOS ARTIGOS CIENTÍFICOS DO CORPUS ARTIGOS CIENTÍFICOS NOMES DE AUTORES 7 artigos Carolina Frazon Terra 3 artigos Daiana Stasiak 2 artigos Vanessa Matos dos Santos , Valéria de Fátima Raymundo, Candice Habeiche, , Angela Lovatto Dellazzana, Taís Stefenello Ghisleni, Lidiane Ferreira Sant’Anna, Helenice Carvalho 1 artigo Vivian Beatriz Temp, Karla Maria Müller, Valério Brittos, Monica F. Carniello , Luis F. Zulietti, Zilda Aparecida Freitas de Andrade, Massimo Di Felice, Cláudia Maria M. Bredarioli, Maria Aparecida Baccega, Ana Almansa Martinez, Sonia Virgínia Moreira, Maria das Graças Costa Cruz Louzada, Carla Schneider, Joanicy Maria Brito Gonçalves de Sousa, Ana Valéria M. Mendonça, José Mauricio C. Moreira da Silva, Lucio Flavio Franco, Cristina Mello, Flavia Galindo, Carina Ferreira Gomes Rufino, Cinara Moura, Mariana Oliveira, Vanessa Nascimento Schleder, Silvana Maria Sandini, Rafael Figueiredo Cruz e Silva, Ana Isaía Barreto, Daniela Osvald Ramos, Enoí Dagô Liedke, Tiago Mainieri, Eva Ribeiro, Vanessa Bueno Mol, Fernanda de Oliveira Silva Bastos, Fábia, Pereira Lima, Rodrigo César S. Neiva, Sonia, Aparecida Cabestré, Erika de Moraes, Rosane Rosa, Rosângela Florczak, Márcio Carneiro dos Santos, Tércia Zavaglia Torres, Nadir Rodrigues Pereira, Bruno Gâmbaro, Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa, Polianne Merie Espíndola, Melissa Villanova, Luíza Campos, Frederico Vieira, Luciana Saraiva de Oliveira Jerônimo, Lebna, Landgraf do Nascimento, Cleusa Scroferneker, Lidiane R.Amorim, Gabriela Sarmento, Rebeca Escobar, Camila Giuliani, Claudio Cardoso, Mônica Pieniz, Ariane Urbanetto Total ¨66 autores Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp (www.abrapcorp.org.br). Observamos que um número considerável dos artigos é produzido individualmente, 38 dos 56 do corpus, enquanto os outros 18, têm 2 ou mais autores (GRÁFICO 1). 195 GRÁFICO 1- AUTORIA Autoria Co-Autoria Individual 0% 20% 40% 60% 80% Autoria Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp (www.abrapcorp.org.br). Os autores dos artigos indicam em nota de rodapé (NR) um currículo resumido de onde extraímos a titulação dos autores no momento da publicação do artigo. No Quadro 4 identificamos o predomínio da titulação Doutor (a)/ Doutorando (a) entretanto, destacamos que não excluímos os casos de autores que, por exemplo, mencionaram sua titulação em 2 momentos diferentes, num artigo como mestre, em outro, como doutor, em razão do avanço na qualificação no transcurso do período da análise, de 7 anos (2007-2014) (QUADRO 4). 196 QUADRO 4: TITULAÇÃO DOS AUTORES TITULAÇÃO Nº DE AUTORES PERCENTUAL Livre-docente 01 0,1% Doutor(a)/ doutorando(a) 34 56,6% Mestre/ mestrando(anda) 20 33,3% Especialista 03 0,5% Professor 01 0,1% Aluno da Graduação 01 0,1% TOTAL 60 1 Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa, com base nos Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp (www.abrapcorp.org.br). Ainda na identificação, levantamos instituições às quais estes autores estavam vinculados, seja como professores, profissionais e/ou alunos de pós-graduação. Nesse caso, encontramos 32 instituições, pois consideramos até 2 menções feitas por cada autor nos trabalhos, daí porque não fechar um número correspondente ao corpus (QUADRO 5). 197 QUADRO 5 – INSTITUIÇÕES DOS AUTORES DOS ARTIGOS CAMPO ACADÊMICO Nº ARTIGOS Universidade São Paulo/ SP 14 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul / PUCRS 10 Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ RS 05 Universidade Federal de Minas Gerais/ MG 03 Universidade Federal do Maranhão/ MA 03 Universidade Federal de Goiás/ GO 03 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/MG 03 Universidade Vale dos Sinos/ RS 02 Universidade Sagrado Coração/ SP 02 Universidade de Brasília/ DF 02 Universidade de Santa Maria/ RS 02 Universidade Federal da Bahia/ BA 01 Centro Universitário UNA/ MG 01 Faculdade Anhanguera/ MG 01 Universidade Metodista de São Paulo/ SP 01 Centro Universitário Franciscano/ RS 01 ESPM/ SP 01 Faculdade Cásper Líbero/SP 01 Faculdade Maria Augusta R. Daher/ SP 01 Universidade Estadual de Londrina/ PR 01 Universidade Federal do Rio de Janeiro/ RJ 01 Instituto Superior de Brasília (IESB)/DF 01 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP 01 Fundação Escola Álvares Penteado/ SP 01 Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie/ SP 01 Universidade Taubaté/SP 01 198 UNESP/ Araraquara/ SP 01 UNESP/ Marília/ SP 01 IEL/ UNICAMP/ SP 01 INTERNACIONAL Universidade de Málaga/ Espanha 01 CAMPO PROFISSIONAL Petrobrás 01 Controladoria Geral do Município do Rio de Janeiro 01 Cristina Mello Comunicação Empresarial 01 TOTAL 71 Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp (www.abrapcorp.org.br). As Instituições às quais os autores indicaram sua vinculação encontram-se distribuídas nos diversos estados do país (QUADRO 6). 199 QUADRO 6 - DAS INSTITUIÇÕES ÀS QUAIS OS AUTORES ESTÃO VINCULADOS POR ESTADO ESTADO São Paulo INSTITUIÇÕES UNESP/ Araraquara/ SP UNESP/ Marília/ SP IEL/ UNICAMP/ SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP Fundação Escola Álvares Penteado/ SP Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie/ SP Universidade Taubaté/SP Universidade Metodista de São Paulo/ SP Centro Universitário Franciscano ESPM/ SP Faculdade Cásper Líbero/SP Faculdade Maria Augusta/ SP Universidade Sagrado Coração/ SP Universidade São Paulo/ USP Faculdade Maria Augusta R. Daher/ SP Rio Grande do Sul Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/ PUCRS Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ RS Universidade de Santa Maria/ RS Universidade Vale dos Sinos/ RS Centro Universitário Franciscano/ RS Minas Gerais Universidade Federal de Minas Gerais/ MG Faculdade Anhanguera/ MG Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/MG Centro Universitário UNA/ MG Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro/ RJ Bahia Universidade Federal da Bahia/ BA Distrito Federal Universidade de Brasília/ DF Goiás Universidade Federal de Goiás/ GO Maranhão Universidade Federal do Maranhão/ MA 200 Instituto Superior de Brasília (IESB)/DF Paraná Universidade Estadual de Londrina/ PR Outros Universidade de Málaga/ Espanha Petrobrás Controladoria Geral do Município do Rio de Janeiro Cristina Mello Comunicação Empresarial Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp (www.abrapcorp.org.br). De acordo com o quadro, constatamos que são, predominantemente, instituições de educação superior que possuem Programas de Pós-Graduação em Comunicação (PPGComs), sendo o Estado de São Paulo aquele com maior número de menções. As palavras-chave foram identificadoras das principais temáticas tratadas nos congressos da Abrapcorp nas suas oito primeiras edições. Algumas são apresentadas na tabela abaixo com algumas de suas variações (plural) e similaridades (sinônimos, ressignificações) (QUADRO 7). QUADRO 7 - PALAVRAS-CHAVE DOS ARTIGOS DO CORPUS PALAVRA-CHAVE VARIAÇÕES/ Nº DE SIMILARES MENÇÕES Comunicação Processo de comunicação 06 Comunicação Organizacional Comunicação Corporativa 21 Comunicação no contexto das organizações Comunicação nas Organizações Comunicação Organizacional Contemporânea Comunicação digital Comunicação Bidirecional 03 Interações Comunicacionais 03 Comunicação Instantânea 201 Comunicação Organizacional Comunicação Corporativa digital Digital Comunicação digital nas organizações Relações Públicas Organizações 05 Comunicação Organizacional virtual 08 Organizações virtuais Web 2.0 05 02 Mídia digital Novas Mídias 03 Tecnologia Recursos Tecnológicos 06 Novas Tecnologias Tecnologias Digitais Redes Sociais Online Mídias Sociais 21 Redes Sociais Redes Sociais Virtuais Análise de Redes Sociais (ARS) Redes Sociais Digitais Twitter Facebook Rede Sociedade em rede 06 Redes de pesquisa Teoria das redes Viral Rede Sesi do Trabalhador Site organizacional Sítios de TV Aberta 02 Conhecimento Gestão do conhecimento 04 Informação Blogs Públicos 02 Usuários de mídias sociais 06 Usuário-mídia Formador de opinião online Quinto-poder Conteúdo Produção de conteúdo Internet Comunicação Interna 202 02 06 Intranet 04 Interação Interatividade 04 Educação Escolas Universidades Produção científica 05 Cultura cibercultura 02 Complexidade Paradigma relacional 02 Relacionamento Midiatização Outras: 02 02 E-Administração/ Planejamento/ Estratégias de Comunicação/ Legitimação Institucional/ Economia política da comunicação/ Convergência de Linguagens/ Ubiquidade/ Incomunicação/ Webjornalismo participativo/ Análise Multifocal/ Ambiente colaborativo/ Discurso/ Interdiscurso/ Economia Digitalizada/ Visibilidade Midiática/ Análise Dialógica do Discurso/ Crise Organizacional/ Carnaval/ Transdisciplinaridade/ Fluxos de comunicação/ Campanha Ficha Limpa/ Empregados/ Meios de Comunicação/ Metodologia de pesquisa/ Personagens Virtuais/ Participação Online/ Engajamento/ Setor Público/ Comunicação simétrica/ Chocolates Garoto/ Rede SESI do Trabalhador/ Visibilidade/ Tecnicidade/ Trânsito de audiências/ Emissão/ Recepção Crosmidiática/ Imagem Institucional/ Aprendizagem Organizacional/ Comunicação Empresarial. 39 Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp (www.abrapcorp.org.br). Observamos que há uma recorrência no uso de termos diferentes para designar o mesmo objeto, processo ou modalidade comunicativa. A comunicação organizacional digital é também denominada nas pa203 lavras-chave como: “Comunicação Corporativa digital”, “Comunicação Organizacional virtual” e “Comunicação digital nas organizações”. Da mesma forma redes sociais online são: “Mídias Sociais”, “Redes Sociais”, “Redes Sociais Virtuais”, “Redes Sociais Digitais”. Por outro lado, palavras-chave são sínteses, que deveriam condensar e não pulverizar as temáticas, o que pode ser observado no caso, uma vez que há uma variedade significativa de palavras numa divisão que focaliza na articulação de comunicação, organizações e tecnologias ALGUMAS CONSIDERAÇÕES... É importante mencionar que o artigo, por tratar-se de um recorte do projeto de tese, apresenta fragmentos de análises preliminares. Contudo, destacamos algumas observações que emergiram desse momento inicial da análise. A comunicação organizacional digital tem se tornado objeto de estudos do campo científico, embora do ponto de vista da produção, considerando o acompanhamento realizado, ainda necessite consolidar-se como área de pesquisa. Conforme mencionado, dos 530 trabalhos apresentados nos Congressos da Abrapcorp de 20072014, 62 artigos estão relacionados e/ou abordam questões referentes à Comunicação Organizacional Digital. Outro aspecto que merece ser destacado refere-se às trocas simbólicas entre instituições/ autores, visto que os trabalhos em co-autoria são de uma mesma instituição e que a maioria dos trabalhos foi produzida individualmente. A pulverização das temáticas é outro aspecto que poderá ser melhor detalhado e aprofundado. Essas observações, por sua vez, revelam as inúmeras possibilidades de análises e desdobramentos em pesquisas. Esperamos que o desenvolvimento delas nos conduzam a novas abordagens e maiores trocas. REFERÊNCIAS CAPARELLI, Sérgio, STUMPF, Ida Regina. A campo acadêmico da comunicação revisitado. IN: Alaic. 2001. Disponível em: <http://webcache. googleusercontent.com/search?q=cache:__NREy7198MJ:www.eca.usp. br/associa/alaic/chile2000/17%2520GT%25202000Teorias%2520e%252 0Metodologias/SergioCapparelli.doc+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br > . Acessado em 27/01/2015. 204 CORRÊA, Elizabeth Saad. Comunicação digital: uma questão estratégica de relacionamento com os públicos. IN: Revista Organicom, 2º semestre 2005.p. 95 - 111. _________. Reflexões para uma epistemologia da Comunicação Digital. IN: Observatório (OBS*) Journal. vol. 2, nº 1, 2008. Disponível em: <http://obs.obercom.pt/index.php/obs/article/view/116/142> Acessado em 12/04/2012. KUNSCH, Margarida Maria K. Relações públicas e comunicação organizacional: das práticas à institucionalização acadêmica. IN: ORGANICOM. Ano 6, n. 10/11, Edição Especial, 2009a, p. 50- 56. __________. A comunicação organizacional e as relações públicas como áreas de pesquisa: o caso da Abrapcorp. IN: Global Media Journal – Brazilian Edition, v.1, n.1, Primavera, 2009b. LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002. _____. Cibercultura: alguns pontos para compreender a nossa época. In: Lemos, André; Cunha, Paulo (Orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Sulina, Porto Alegre, 2003; pp. 11-23. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2000. 2.ed. SANTAELLA, Lúcia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007. SCOLARI, Carlos. Hipermediaciones: elementos para uma teoría de lacomunicación digital interactiva. Barcelona: Gedisa Editorial, 2008. TERRA, Carolina Frazon. Usuário-mídia: a relação entre a comunicação organizacional e o conteúdo gerado pelo internauta nas mídias sociais. 2011. Tese (Doutorado em Interfaces Sociais da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27154/ tde-02062011-151144/pt-br.php>. Acesso em: 02 de junho 2012. _____. Comunicação organizacional digital no Brasil: uma análise dos autores utilizados nas mesas temáticas de comunicação digital dos congressos da Abrapcorp. In: XXXV CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. Fortaleza/CE, 03 a 07 set. 2012. 205 |2| TUDO EM TEMPO REAL: ESTAMOS VIVENDO A ERA DAS RELAÇÕES PÚBLICAS DO IMEDIATISMO? Carolina Frazon Terra1 RESUMO O artigo analisa como as características de tempo real, imediatismo e memes afetam a dinâmica das atividades de Relações Públicas e Comunicação Organizacional. Também busca conceituar as Relações Públicas aplicadas ao universo das redes sociais online, discute brevemente o termo Relações Públicas Digitais e apresenta diversos casos reais de organizações que se valeram de fatos, eventos e oportunidades em seus perfis de mídias sociais como uma tentativa de ganhar a atenção dos usuários, gerar visibilidade e comentários a respeito de si próprias. Por fim, comentamos o meme do vestido que atraiu a atenção dos usuários de redes sociais e internautas em geral e que acabou por fazer com que as marcas buscassem “ganchos” de conteúdo em seus perfis para mostrar que estavam acompanhando o fato. Palavras-chave: Comunicação organizacional; Relações Públicas Digitais; tempo real; mídias sociais; memes. Doutora e mestre em Ciências da Comunicação, especialista em Gestão Estratégica da Comunicação Organizacional e Relações Públicas, todos pela ECA-USP, formada em Relações Públicas, pela Unesp/Bauru. Professora de cursos de pós graduação na ECA-USP, FAAP e FIA, além de diversos MBAs. Pesquisadora do grupo Com+, na ECA-USP, liderado por Beth Saad. Possui também uma consultoria de mídias sociais. 1 RELAÇÕES PÚBLICAS DIGITAIS, TEMPO REAL E AS MARCAS Em tempos de modernidade líquida de Bauman (2001), os tempos são igualmente líquidos, tudo muda rapidamente, nada é feito pra durar ou para ser sólido. Assim, vivemos uma efemeridade que também atinge o cenário comunicacional e, consequentemente, a comunicação que praticamos nas organizações e nos relacionamentos destas com seus públicos de interesse. Assim, nasce uma necessidade de se olharem as Relações Públicas com lentes diferentes dos contatos e dos eventos presenciais. Surge, aí, um novo campo de atuação: o das Relações Públicas (RP) Digitais. Em 2010 (TERRA, 2010, p. 101), conceituamos RP Digitais como a (...) atividade de mediação e/ou interação por parte de organizações ou agências (consultorias etc.) com seus públicos na rede, especialmente, no que diz respeito às expressões e manifestações desses nas mídias sociais. Todd Defren (apud BITES, 2008) , reconhecido norte-americano nos campos das mídias sociais e das RP Digitais, chegou a afirmar que dificilmente a comunicação organizacional tradicional, no que tange ao relacionamento com mídia ou gerenciamento de crises, por exemplo, estariam fadados à morte, mas que as mídias sociais acabaram por remodelar técnicas e filosofias de relacionamento e que o crescimento das interações diretas entre consumidores e transparência corporativa seriam o novo padrão de excelência nesse quesito. Stasiak e Barichello (2008, p. 5) acreditam que acontece uma complexificação da atividade de Relações Públicas oportunizadas pelo ambiente digital, conforme reproduzimos as palavras das autoras “(...) devido a midiatização das relações sociais e às novas formas de relacionamentos instituição-públicos, proporcionadas pelas tecnologias digitais”. Com o conteúdo gerado pelo consumidor nas redes sociais online, acreditamos que a área de Relações Públicas ganhou muita importância e despertou ainda mais necessidade junto às organizações. O endosso, crítica ou simples comentário de um usuário a respeito de marcas, produtos, serviços e experiências passa a ser mídia essencial na construção da reputação e da imagem das organizações. 207 Scroferneker et. al. (2013, p. 5) entendem que as mídias sociais geram novas possibilidades de diálogo entre organizações e públicos: Por meio de canais organizados em rede como o Facebook, e o Twitter, entre muitos outros, começam a ser visualizadas novas tentativas de interlocução entre os chamados públicos e as organizações. Ou seja, consumidores, admiradores, defensores e opositores de marcas, empresas, organizações não governamentais, entre outras, assumem espaço de fala direta, emitem mensagens e esperam respostas, assumindo efetivamente o papel de interlocutores. No entanto, toda essa mídia gerada pelo consumidor causa uma expectativa por parte destes usuários em relação às organizações no que diz respeito ao tempo e de resposta e solução. Os usuários/consumidores/clientes acreditam que devam ser considerados de maneira imediata. Steve Rubel, em entrevista à Hackradt (2011, online), afirma que: A sociedade vai ficar mais móvel, mais social e mais dependente do imediatismo, na mesma medida em que os consumidores ganham mais poder. Esse movimento irá diminuir nossa habilidade de enxergar a figura completa, como um dia o fizemos, porque os conteúdos e a informação serão cada vez mais filtradas por nossas “lentes sociais”. O padrão do tempo real para a solução das interações, diálogos, participações acaba por criar um novo modelo de relacionamentos. E tal questão de tempo afeta e impacta diretamente na forma como planejamos e executamos as estratégias de relacionamento e comunicação. Assim, surgem demandas de participação das organizações nas redes digitais que têm que acompanhar o tempo real. Ao surgir um tema na rede, as organizações se veem obrigadas a encontrar “ganchos” temáticos com suas marcas para que possam se legitimar diante de seus públicos. Os chamados memes da rede ou os temas do momento passam a figurar no cenário de conteúdo das organizações e usuários. Ganham aquelas organizações que fazem bom uso de tais temas para atrair fãs e curtidas em suas iniciativas de mídias sociais. Ou seja, as organizações que conseguem dar visibilidade aos seus conteúdos são mais comenta208 das ou curtidas que as que não investem em conteúdos atuais ou que estejam em conformidade com os assuntos do momento. Tal necessidade de imediatismo altera a forma como pensávamos as estratégias de RP para as organizações. Assim, com as tecnologias digitais e sociais, surge um novo padrão de relacionamentos que passa pela agilidade e interação entre organizações e suas audiências. TEMPO REAL E RP Aproveitar as oportunidades em “real time” ou em tempo real significa agir rapidamente e analisar a resposta de suas audiências. Em geral, casos bem pensados ação em tempo real acabam por se tornarem virais e ganham a atenção das audiências da rede e também da mídia em geral. Significa também remodelar a estrutura de aprovações e de reação das organizações. Não há tempo para morosidade ou uma cadeia imensa de aprovações de conteúdo. Algo que tem que passar por diversas instâncias de aprovação antes de ir ao ar não segue os preceitos de rapidez e agilidade e pode acabar perdendo o timing2 do acontecimento. A comunicação que se vale do tempo real precisa estar sintonizada com os acontecimentos ao seu redor e estruturas de criação, produção e aprovação em sincronia. Velocidade e agilidade são fundamentais para aproveitar-se de um assunto ou tema do momento e conseguir ser relevante ou interessante para as audiências online. O sucesso dessa combinação de conteúdo relevante, velocidade e agilidade é que culminarão na viralização dos posts e, no consequente, êxito da iniciativas. Uma das empresas que mais se destaca no conceito de “real time” é a fabricante de biscoitos, Oreo. Em 2013, durante a competição de futebol americano Superbowl, um dos eventos esportivos de maior expressão no mundo e com os intervalos publicitários mais disputados e caros, a marca de biscoitos se valeu de um apagão que ocorreu durante o jogo. Com o estádio às escuras, a marca aproveitou para publicar uma imagem do biscoito na rede social Twitter, conforme abaixo. Timing, nesse context, pode ser caracterizado como senso de oportunidade quanto à duração de uma ação ou evento. 2 209 IMAGEM N.1 – POSTAGEM DE OREO3 DURANTE O BLECAUTE DO SUPERBOWL DE 2013. A postagem trazia a seguinte legenda: “Falta de energia? Sem problemas”. Já a imagem dizia: “você pode mergulhar o biscoito mesmo no escuro”. O resultado da reação rápida da marca foi uma avalanche de retuitadas e curtidas, como se vê na imagem 1, acima. Em 2014, durante a Copa do Mundo FIFA realizada no Brasil, a fabricante de chocolates Garoto, se mostrou alinhada aos acontecimentos em campo e quando o jogador Neymar Jr. se machucou, fez uma postagem para homenageá-lo por meio de seu perfil de Facebook. Disponível em: https://twitter.com/Oreo/status/298246571718483968. Acesso em 06/03/2015. 3 210 IMAGEM N.2 – POSTAGEM DA GAROTO4 DURANTE A COPA DO MUNDO DA FIFA, NO BRASIL, EM 2014, NA OCASIÃO DA LESÃO DO JOGADOR NEYMAR JR. Também se valendo da Copa do Mundo, a Coca-Cola publicou, após a derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1, um post solidário ao povo, demonstrando estar acompanhando a comoção nacional. IMAGEM N.3 – POSTAGEM DA COCA-COLA5 APÓS A DERROTA PARA A ALEMANHA DURANTE A COPA DO MUNDO DE 2014. Disponível em: <https://www.facebook.com/garoto/photos/ pb.246020928822930.-2207520000.1407 274908./663353460423006/?type=3&th eater>. Acesso em: 05/08/2014. 4 Disponível em: https://twitter.com/cocacola_br/status/486679376722157569. Acesso em 06/03/2015. 5 211 A rapidez de planejamento e cotização para acompanhar os eventos do momento põe as organizações diante de situações que circulam amplamente nas redes, os chamados memes. No próximo item, abordamos o tema das comunicações virais, que estamos chamando de memes, e como elas afetam a forma como planejamos, executamos e operacionalizamos as estratégias de comunicação organizacional. MEMES E CASES A palavra meme foi usada pela primeira vez por Richard Dawkins no livro “O Gene Egoísta”, em 1976, e se referia àquilo que era produto da replicação de ideias. O meme seria uma unidade de informação que passa de um cérebro a outro, por imitação e hereditariedade. Recuero (2009) afirma que o estudo dos memes está ligado diretamente ao estudo da difusão da informação e que tipo de ideia sobrevive. Blackmore (apud RECUERO, 2009, p. 123) completa que a ação de replicar é uma forma de aprendizado social pela imitação. As ideias, em tese, funcionariam de maneira similar ou análoga aos genes. Ou seja, as ideias e os genes têm potencial de se espalharem como vírus e podem contaminar quantidades expressivas de pessoas. Mas, nem todo meme é viral ou de amplo alcance. Com as redes digitais, os memes ganham em potência de viralização, pela própria característica de funcionamento das plataformas sociais online e pelo comportamento dos usuários. Recuero (2011, online) aponta que as redes sociais online, por suas características associativas ou de filiação são ambiente propício para a propagação e/ou recuperação dos memes. Ainda que o usuário não esteja online, suas conexões sociais continuam ativas, permitindo-o que recupere as informações durante a sua ausência ali. O microblog Twitter, por exemplo, lançou uma funcionalidade chamada “enquanto você esteve ausente”, valendo-se exatamente de tal capacidade do usuário desta rede social poder acompanhar conteúdos que foram divulgados enquanto ele não esteve ali. Novamente, Recuero (id. Ibid.) explica que as redes sociais online facilitam a viralização dos memes, pois: (...)Há uma simplificação dos modos de colocar ideias na rede e circulá-las, o que aumenta (e muito) a quantidade de memes nas redes e, consequentemente, cria um espaço mais 212 competitivo para que esses consigam replicar-se (a chamada “economia da atenção”, de Lahan, que advoga que o recurso em escassez na sociedade contemporânea não é a informação e sim a atenção). Saad Corrêa (2012, p. 8) também acredita que as redes sociais digitais provocaram comportamentos que permitem que usuários espalhem informações, o que a autora chama de “práticas sociais coletivas”: A presença das redes digitais de informação e comunicação em nosso dia-a-dia – ou mais simplesmente, a presença da internet – incorpora em nossos relacionamentos e trocas de informações uma sucessão de comportamentos, hábitos, linguajares, atitudes e ações que se transformam rapidamente em práticas sociais coletivas, ultrapassando os limites daquele do grupo de cidadãos conectados em rede digital. Saad Corrêa (id. Ibid.) discute o assunto não apenas pelo viés dos memes, mas acreditando que pelos curadores digitais passa boa parte das divulgações da rede e que estes são responsáveis pela viralização dos conteúdos: O termo curadoria entrou na categoria dos ciber-significados de uma forma impactante e muito recentemente. O bem conhecido e consolidado curador das artes ou aquele curador gestor legal de patrimônios passaram a conviver com uma multidão de curadores da informação, curadores digitais, curadores de festas, de musicas, de programações, de coletâneas literárias, entre outras novas funções que necessitam de “cura” para se concretizarem. Um dos primeiros questionamentos que um pesquisador do campo das mídias e comunicação digitais faz ao deparar-se com tal profusão de usos de um mesmo termo está na analise do seu potencial transformador das relações sociais. Quando isso acontece no meio digital, nos vemos acelerando análises e olhares para entender as implicações de um novo ciber-significado nos contextos da comunicação e da informação. Antes que o significado se perca. 213 Aqui, neste artigo, iremos considerar o conceito de meme, sem alusão a quem o está repassando, apenas observando o uso que as marcas e/ou organizações fazem diante dele. Comentaremos, a seguir, o uso que algumas marcas fizeram sobre o polêmico vestido azul e preto que muitos chegaram a vê-lo branco e dourado em função de uma ilusão ótica. A questão tomou a internet durante os dias 26, 27 e 28 de Fevereiro de 2015. IMAGEM N.3 – POLÊMICO VESTIDO6 QUE DIVIDIU A INTERNET POR SUAS CORES PRETAS E AZUL OU BRANCO E DOURADAS. O site de notícias Adnews7 reuniu uma seleção de postagens de marcas que aproveitaram-se do meme do vestido. Destacaremos algumas a seguir. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/debate-na-internet-alavanca-venda-do-vestido-azul-e-preto. De 28/02/105. Acesso em 05/03/2015. 6 Disponível em: http://www.adnews.com.br/internet/marcas-aproveitam-polemica-do-vestido-preto-e-azul-ou-seria-branco-e-dourado. De 27/02/2015. Acesso em 05/03/2015. 7 214 A Prefeitura de Curitiba, em sua fanpage, aproveitou-se do meme para divulgar um curso de costura promovido pela Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS): IMAGEM N.4 – PREFEITURA DE CURITIBA APROVEITANDO-SE DO MEME EM SUA FANPAGE8. Disponível em: https://www.facebook.com/PrefsCuritiba/photos/a.5164 41535066322.1073741830.515514761825666/849903495053456/?type=1. De 27/02/2015. Acesso em 05/03/2015. 8 215 A marca McDonald’s também utilizou-se do tema para falar de um de seus produtos, as McFritas que são douradas em embalagens brancas. IMAGEM N.5 – PERFIL DO MCDONALD’S BRASIL9 NO TWITTER FALANDO DA POLÊMICA. Disponível em: https://twitter.com/McDonalds_BR/status/571129476924502016. De 26/02/2015. Acesso em 05/03/2015. 9 216 A marca de sandálias Havaianas serviu-se do assunto em alusão a um de seus icônicos chinelos. IMAGEM N.6 – POSTAGEM NA FANPAGE DA HAVAIANAS10 RELEMBRANDO O ICÔNICO CHINELO AZUL E BRANCO E FAZENDO ALUSÃO AO MEME DO VESTIDO. Disponível em: https://www.facebook.com/HavaianasBrasil/photos/a. 287966277965235.63516.280431155385414/753064504788741/?type=1. De 27/02/2015. Acesso em 05/03/2015. 10 217 A cervejaria Ambev também viu oportunidade no tema e divulgou, em seu perfil de Twitter, uma referência. IMAGEM N.7 – POSTAGEM NO TWITTER DA AMBEV BRASIL11 EMITINDO A SUA OPINIÃO SOBRE O MEME COM UM TOQUE DE HUMOR. Disponível em: https://twitter.com/ambevbrasil/status/571328964490342400. De 27/02/105. Acesso em 05/03/2015. 11 218 O assunto foi aproveitado pelas marcas nos chamados “posts de oportunidade”, uma vez que o tema estava também circulando fortemente entre os usuários comuns sob a forma de memes. Separamos dois exemplos de memes difundidos por usuários, abaixo. IMAGEM N.8 – EXEMPLO DE POSTAGEM-MEME12 QUE CIRCULOU ENTRE OS USUÁRIOS DAS REDES SOCIAIS ONLINE NO PERÍODO EM QUE O VESTIDO ESTEVE SOB OS COMENTÁRIOS DE TODOS. Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/02/azul-e-preto-ou-branco-e-dourado-vestido-polemico-quebra-internet.html. De 27/02/2015. Acesso em 05/03/2015. 12 219 Outra imagem que foi amplamente difundida foi o meme ligado ao programa do Sílvio Santos. IMAGEM N.9 – EXEMPLO DE POSTAGEM-MEME13 QUE CIRCULOU ENTRE OS USUÁRIOS DAS REDES SOCIAIS ONLINE NO PERÍODO EM QUE O VESTIDO ESTEVE SOB OS COMENTÁRIOS DE TODOS. Saad Corrêa (2014, p. 222) tem um ponto de vista interessante acerca da exposição que os temas tomam nas redes sociais online: “(...) A visibilidade da individualidade (privada) nas redes e websites de redes sociais expande e funde essas estruturas sociais para um contexto de ubiquidade”. Não importa onde o usuário esteja. Se ele está conectado às redes, a possibilidade de participação, interação e acompanhamento dos fatos e eventos que estão ocorrendo é perfeitamente possível. Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/02/azul-e-preto-ou-branco-e-dourado-vestido-polemico-quebra-internet.html. De 27/02/2015. Acesso em 05/03/2015. 13 220 CONSIDERAÇÕES FINAIS - REAL TIME RP? Em linhas gerais, o que estamos vivenciando em termos de comunicação organizacional e seus relacionamentos com as audiências do mundo digital passa por uma reestruturação da atividade de Relações Públicas (obrigando-a a mudar parâmetros de meio de relacionamento e de agilidade), além de necessidade de reação rápida diante dos acontecimentos. Se antes já estávamos ligados ao contexto para traduzí-lo para as organizações para as quais trabalhávamos, agora essa necessidade se faz ainda mais presente. Não importa apenas o que a organização representa ou diz sobre si própria, mas também como é percebida, sentida, experenciada e comunicada – sobretudo pelas plataformas digitais – pelos públicos das redes. Tal cenário encontra eco em Baldissera (2009, p. 117) que enxerga nas organizações três dimensões, pois acredita que a comunicação não se restringe ao seu próprio âmbito, à fala organizada, aos processos formais e à comunicação da/ou na organização. As três dimensões da comunicação organizacional, para ele, se resumem assim: a comunicada (os processos formais, a fala autorizada); a comunicante (que ultrapassa a dimensão comunicada e se dá quando qualquer sujeito estabelece relação com a organização); e a falada (os processos de comunicação informal indiretos, que acontecem fora do âmbito organizacional, mas dizem respeito à organização). Entendemos que é na dimensão “falada” que se localizam o conteúdo gerado pelos usuários nas mídias sociais, sobre as organizações, seus produtos, seus serviços, suas experiências e suas opiniões. Observamos, porém, que as mídias digitais também podem estar na dimensão “comunicada”, quando a própria organização está presente com seus perfis oficiais, e na “comunicante” (quando os usuários estabelecem contato com a organização). Aproveitar-se dos memes passa por todas as dimensões: falada, comunicada e comunicante. O trabalho do profissional e da atividade de RP passam, portanto, pelo planejamento exaustivo das organizações comunicada, comunicante e falada, bem como por sua visibilidade digital positiva e estruturação das interações (que corroboram para a comunicação de mão dupla) com seus públicos de interesse. 221 Stasiak e Barichello (2008, p. 3) já afirmavam que a busca da legitimidade é um dos princípios norteadores da atividade de RP e que tal processo “(...) concede validade a seus significados, implica a existência de valores e sua transmissão”. Valer-se de contextos e acontecimentos da vida real é uma forma de legitimação por parte das organizações junto às suas audiências, sobretudo nas mídias sociais. Praticar Relações Públicas na era da comunicação em tempo real requer atenção aos fatos, agilidade para a tomada de decisão e para a produção de conteúdo, mas, sobretudo, demanda uma estruturação e um planejamento prévios, características inerentes à atividade. Na era do imediatismo, da necessidade e quase obrigatoriedade de Relações Públicas Digitais, ganha quem está melhor estruturado, planejado e organizado, mas também quem age e responde às demandas dos usuários de forma legítima, rápida e certeira. E, porque não dizer também, bem humorada. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Leonardo. Marcas aproveitam polêmica do vestido em posts de oportunidade. De 27 de fevereiro de 2015. Disponível em: http:// www.adnews.com.br/internet/marcas-aproveitam-polemica-do-vestido-preto-e-azul-ou-seria-branco-e-dourado. Acesso em 05/03/2015. 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Como considerações finais, observa-se que os processos de comunicação e relacionamento nessa ambiência precisam ser pensados não mais como fluxos e mídias, mas como redes heterogêneas que se complexificam cada vez mais pelos novos entornos tecnológicos e sociais que estão imersas as organizações. Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Relações Públicas; Teoria Ator-Rede. Relações-públicas, doutorando na Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Professor de pós-graduação convidado da FGV em vários estados do Brasil. Professor convidado em outros 13 cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. 1 Relações-públicas, doutoranda na Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Coordenadora dos cursos de pós-graduação Especialização Gestão Estratégica em Relações Públicas (EGERP) e MBA em Gestão Estratégica de Mídias Sociais e Comunicação Digital (MBAGEMS) da Faculdade Batista Brasileira (FBB). 2 INTRODUÇÃO A teoria Ator-Rede (TAR), ainda pouco difundida no campo da Comunicação Organizacional e Relações Públicas, pode se configurar num significativo instrumental teórico-metodológico para o pensar estratégico da área, no contexto contemporâneo, visto que a TAR possibilita a análise de redes sócio-técnicas - heterogêneas - e não apenas das redes sociais, pois leva em conta e entende como atores atuantes de uma rede - actantes - não apenas os atores humanos, mas também os não-humanos, o que enriquece muito as possibilidades de qualificação dos diagnósticos e consequentemente do processo de planejamento estratégico neste campo. O objetivo desse artigo é, a partir de dados de pesquisas e reflexões realizadas no âmbito do doutoramento dos seus autores, trazer um olhar diferenciado e até certo ponto vanguardista de possibilidades de teorização, bem como do pensar estratégico - técnico - da Comunicação Organizacional e das Relações Públicas, enquanto processos administrativos, de função mediadora dos processos sociais e tecnológicos que são estabelecidos na atualidade na ambiência organizacional. Se buscará um esforço de articulação entre a Teoria Ator-Rede e o constructo teórico da hipótese das três palavras-chave, proposta e discutida nos últimos anos, em várias publicações (CHAMUSCA; CARVALHAL, 2011, 2013, 2014), que implica na seleção de três conceitos centrais - mobilidade, hibridação e presença - entendidos como catalisadores e agregadores de outros conceitos que vêm sendo desenvolvidos por pensadores da área, sobretudo, naquelas que dizem respeito aos ambientes das organizações, instituições ou corporações, sejam elas públicas ou privadas. As três palavras-chave, uma vez articuladas com a Teoria AtorRede, possibilitarão o lançamento de um olhar complexo e significativo sobre os processos de comunicação e relacionamentos no atual contexto e - ainda que de modo especulativo - uma mostra real de que a análise realizada é paradigmática, pois traz intrinsecamente a abordagem epistemologica da TAR, “aplicável a qualquer outra análise e, por isso mesmo, impregnada de cientificidade”, conforme defende Chamusca e Carvalhal (2014, p.13). 225 TEORIA ATOR-REDE, SEUS CONCEITOS FUNDAMENTAIS E SUAS INTERFACES COM AS RELAÇÕES PÚBLICAS Para uma primeira aproximação com o tema buscar-se-á uma breve caracterização da Teoria Ator-Rede (LATOUR, 1987, 2005; LAW, 2006; SANTAELLA, 2010; LEMOS, 2007, 2013; CHAMUSCA, CARVALHAL, 2014). Conforme observa Law (2006), a sociedade é materialmente heterogênea. Nesse sentido, artefatos e arquiteturas devem ser levados tão a sério quanto as pessoas numa análise conjuntural, pois, se assim não se fizer, nunca se terá a capacidade de resolução dos problemas deste grupo social em específico. É imprescindível portanto a constante busca pelo entendimento do que surge como produto das relações entre os atores (agentes) atuantes, sejam eles humanos ou não humanos numa sociedade, como um efeito das interações estabelecidas entre eles e a instituição da ordem social proveniente desse efeito. Para Chamusca e Carvalhal (2014, p. 17), Os atores não-humanos, se retirados da rede, modificam completamente todo o processo de interação entre os atores humanos, podendo inclusive inviabilizar essas interações e elas não acontecerem. Diante dessa constatação, verifica-se a importância de se identificar, caracterizar e analisar a participação dos atores não-humanos nos processos de comunicação e relacionamentos que acontecem na atualidade, pois esses não só contribuem, mas são determinantes na definição dos relacionamentos entre os atores humanos. Portanto, os não-humanos também fazem parte do social, uma vez que sem a sua existência, assim como acontece com os atores humanos, não só as relações sociais, mas também toda a ordem social como é conhecida, sequer existiria. A Teoria Ator-Rede (TAR) é adaptativa, se ajusta a diferentes ambientes e possui características absolutamente adequadas à ambiência da Comunicação Organizacional e Relações Públicas no contexto atual. A despeito do entendimento de que o termo “ator” pode, em alguns contextos, ser interpretado de modo negativo e, inclusive, ser desqualificado por alguns autores, bem como que o termo “agente” pode 226 ser entendido, por esses mesmos autores, como de maior abrangência e aceitação acadêmica, utilizar-se-á o termo “ator” sempre que necessário, superando o preciosismo acadêmico em torno dessa questão, para contextualizá-lo nas leituras da TAR sobre os objetos de reflexão, uma vez que nesse caso, em específico, o termo “ator” não se encontra no mérito das questões centrais discutidas e o seu uso não deve invalidar a essência do que aqui se propõe. Independente disso, todos os atores (humanos e não humanos), pela perspectiva da TAR, são pensados de modo articulado como atuantes da mesma rede e, por isso mesmo, não são distinguidos por serem humanos ou não humanos e sim por serem atuantes ou não na rede, por isso passam a ser chamados de actantes (atores atuantes). A noção de actante é inspirada na semiótica de Greimas e serviu para libertar o conceito de “ator” dos sentidos sociológico e antropológico vigentes, que restringiram o conceito de ator, independente do seu caráter atuante no processo de interação, a um agente humano. Ao se entender redes sociais como iminentes redes sócio-técnicas, uma vez que essas são formadas por interconexões entre actantes humanos e também por interconexões entre actantes não humanos, além das relações entre as interconexões humanas e não humanas, bem como das relações diretas e indiretas entre actantes humanos e não humanos, percebe-se a importância da observação da participação dos actantes não humanos no processo social no ambiente das organizações, geralmente sonegada nas análises tradicionais. Os actantes não humanos, portanto, transformam de modo flagrante a significação humana no contexto organizacional, mediando relações, lhe atribuindo status, determinando níveis de poder etc., sempre a partir de variáveis sócio-técnicas e não apenas social, ou seja, esses valores não são atribuídos ou mensurados somente pelos atributos humanos, mas também por aquilo de material que se acrescenta ou se retira da equação. A TAR, ao fortalecer a ideia de que actantes humanos e não humanos estão constantemente ligados a uma rede social de elementos materiais e imateriais, bem como à ideia de que redes são compostas não apenas por pessoas, mas também por máquinas, textos, dinheiro, arquiteturas, mobiliário, roupas, enfim por qualquer outro material, nos mostra a importância de se pensar os objetos, o fardamento, o mobiliário, os equipamentos e todas as coisas que são inseridas no ambiente das organizações de forma cada vez mais estratégica, visto que 227 a partir de uma leitura sócio-técnica passa-se a entender que as coisas materiais não apenas dão suporte ou servem de mediação ou mesmo interface para o exercício das atividades dos públicos internos de uma organização, por exemplo, mas também para o seu empoderamento no exercício das suas atribuições profissionais, dentro do âmbito hierárquico que se encontram. Relações Públicas, segundo Simões (1995, 2001), é o campo científico que vai se debruçar na análise das relações micropolíticas estabelecidas no sistema organização-públicos. A sua função precípua, portanto, é a política, entendendo política como toda intenção humana que envolve a conquista, a manutenção ou o exercício do poder que, por sua vez, pode ser entendido como toda e qualquer ação intencional que vise estabelecer a conduta do outro, sendo o outro, nesse caso, qualquer pessoa, grupo ou instituição que se relacione direta ou indiretamente com a organização, ou seja, os seus públicos de interesse. Boa parte das relações de poder estabelecidas nesse contexto, na atualidade, é interfaceada, muitas vezes com protagonismo, por artefatos e equipamentos digitais, ou seja, por actantes não humanos, como por exemplo, as simulações holográficas, as teleconferências, as ações que envolvem realidade aumentada, dentre outras. Nesse sentido, as relações que determinam a autoridade e o status de um ator humano no âmbito organizacional, hoje é baseada no produto das relações estabelecidas em redes heterogêneas - formadas por actantes humanos e não humanos. Aqui é imperativo observar que não está em discussão o que, quem e nem porque os actantes não humanos foram inseridos no contexto sócio-espacial e/ou econômico das organizações, mas que, uma vez que esses materiais passam a compor esses espaços de relações e de interações entre as pessoas nas organizações, passam também a ser entendidos como parte da construção do espaço simbólico ou concreto das mesmas, ou seja, da sua ordem socioeconômica, e, por isso mesmo, já não podem mais ser omitidos de uma análise dessa conjuntura, uma vez que são determinantes na construção dos sentidos tanto da própria organização quanto dos seu públicos estratégicos. As relações de poder aqui são discutidas enquanto produto de todas as relações sociais estabelecidas em rede (FOUCAULT, 1995). 228 Numa abordagem da TAR, uma organização também pode ser definida e estudada pelas redes heterogêneas produzidas pelas relações sociais - que consequentemente são também relações de poder estabelecidas em rede - que nelas acontecem, envolvendo actantes humanos e não humanos. Essa perspectiva proporciona a possibilidade de exploração de um amplo espectro teórico da Comunicação e das Relações Públicas no contexto das organizações atuais, visto que se insere nas analises os artefatos e as arquiteturas, hoje tratados como mera “paisagem” ou mediação, sem o entendimento da sua importância e em alguns casos o seu protagonismo na ordem sócio-espacial e econômica, bem como na construção da própria noção do sistema organização-públicos. É importante acrescentar que hoje muitas vezes os artefatos quando digitais e dotados de inteligência artificial, por conta das suas possibilidades tecnológicas de contribuir com a organização e execução de tarefas pessoais e profissionais, intervindo de modo significativo no dia-a-dia das pessoas e das organizações - possuem status de protagonistas da rede sócio-técnica dos seus usuários, determinando muitas vezes as suas práticas sócio-espaciais e econômicas, pois a depender do que o dispositivo indique ou determine através dos seus aplicativos funcionais, as relações estabelecidas pelo usuário com outros actantes humanos e não humanos podem ser completamente diferentes. Aqui se faz necessário abrir um parêntese. Quando se fala em não humanos protagonizando relações sociais juntamente com humanos e de artefatos estabelecendo a conduta humana, pode surgir, e quase sempre surge, a noção marxiana de “fetichismo da mercadoria”. Contudo, o que está se tratando do ponto de vista da TAR em relação ao protagonismo de não humanos numa determinada rede sócio-técnica tem outro sentido completamente diferente, apesar do falso simbólico ser quase sempre imediatamente acionado com essa abordagem. Para o velho Marx, o “fetiche da mercadoria” consistia numa ilusão que se opunha à ideia de “valor de uso” e não se referia à utilidade do produto, mas a uma espécie de invenção, de fantasia ou uma aura de simbolismo que se atribui ao objeto, projetando nele um valor acima do que determinaria a sua utilidade. Quando aqui se afirma que na atualidade há actantes não humanos protagonizando redes sociais - ou sócio-técnicas - é exatamente por conta da sua utilidade, do que o artefato 229 acrescenta de legítimo e concreto, seja do ponto de vista material ou imaterial, com o seu uso e como ele pode transformar de modo significativo, para melhor, a vida dos humanos que compõem a mesma rede sócio-técnica que ele. Ou seja, trata-se de dar crédito ao seu “valor de uso”, que seria exatamente o oposto do “fetiche” em Marx. Além disso, Latour (1987) relativiza de modo contundente a noção de fetiche, quando afirma que toda descoberta científica é também uma invenção e vice-versa; os fatos também podem ser criações fictícias e as ficções, por sua vez, podem se converterem ou serem inspiradas em fatos, uma vez que o simbolismo é constituinte da realidade, e o imaginário, muitas vezes fantasioso, pode ser uma variável precisa para se chegar ao factual. As relações entre os actantes humanos e não humanos, aqui discutidas, estão submetidas a um ordenamento micro-político que as organizações se inserem e pode ser determinante para o seu entendimento. Perceba que Law (2006), ao observar que se tirarem dele os seus colegas, alunos, seu escritório, seus livros, sua mesa de trabalho e seu telefone, ele não seria um sociólogo que escreve artigos, ministra aulas e produz “conhecimento”, ele seria uma outra coisa. “E o mesmo é verdade para todos nós”, adverte. Nesse exemplo, os actantes humanos e não humanos estão todos eles territorializados, pois fazem parte de uma construção sócio-política que os identificam como parte daquele território, lhes conferem poder e protagonismo dentro da rede e proporcionam ao actante humano a sensação de pertencimento ao seu lugar de referência. Observa-se também que se retirados da rede ou manipulados espacialmente, modificam todo o processo de interação entre os actantes humanos, podendo inclusive inviabilizar as interações e elas não acontecerem. Diante dessa constatação, verifica-se a importância de se identificar, caracterizar e analisar a participação dos actantes não humanos no processo histórico-social para um estudo sobre Comunicação Organizacional e Relações Públicas, bem como para se pensar estrategicamente as práticas administrativas e comunicacionais da organização contemporânea, pois esses não só contribuem, mas são determinantes no entendimento do seu macro e micro ambientes, na análise das suas forças e debilidades, bem como oportunidades e ameaças, que serão es230 senciais para obtenção da qualidade dos relacionamentos estabelecidos entre a organização e seus públicos. Portanto, os actantes não humanos precisam ser pensados como parte não só do espaço físico da organização (como já é notado nos estudos realizados nessa área até o momento) mas também do âmbito social. É natural, numa primeira aproximação com a TAR, o estranhamento e o incomodo com a ideia de que “coisas” possam ser pensadas dentro da mesma rede que as pessoas e que os actantes humanos não sejam, em alguns casos, mais importantes que os actantes não humanos, visto que ao mundo ainda pesa o paradigma do humanismo ético e epistemológico3. Entretanto, Law (2006) observa que dizer que não há diferença fundamental entre pessoas e objetos no momento de estudar uma rede é uma atitude analítica e não uma posição ética. Fazer isso não significa dizer que está se tratando pessoas como máquinas ou vice-versa, uma vez que não se está negando aos actantes humanos nenhum dos seus direitos, deveres e/ou responsabilidades que usualmente lhes são atribuídos e muito menos atribuindo às “coisas” o caráter humano. Mas apenas identificando-os dentro de um conceito de rede heterogênea, caracterizando-os e lhes atribuindo níveis de importância do ponto de vista relacional, independentemente de ser humano ou não humano, para tentar explicar como, nessa rede, está a construção dos espaços de poder, de legitimidade, do contexto das decisões administrativas e comunicacionais, e, portanto, do ambiente organizacional que ali se constrói e se mantém. Para um melhor entendimento do que a TAR propõe e na tentativa de eliminar qualquer equívoco sobre ela, é importante lançar mão de um exemplo emblemático fora da relação organizacional administrativa ou comunicacional: num caso de uma análise de uma rede em que a vida de um actante humano é mantida artificialmente por equipamenNão é a toa que se trata de uma teoria dos anos 1980 que passou décadas sendo preterida pelos cientistas sociais, pois foi acusada de se manter aquém das lutas de poder e desigualdades sociais. Só nos anos 2000, já sob a égide do advento das tecnologias digitais, que vieram para romper com muitos paradigmas vigentes e proporcionar visões mais livres e menos totalitárias, que a TAR foi retomada por importantes pesquisadores de todo o mundo. No Brasil, as obras mais significativas são de Lúcia Santaella e André Lemos. 3 231 tos, certamente o papel dos actantes não humanos correspondentes aos equipamentos que mantém o homem vivo pode possuir um maior nível de importância naquele contexto que outros humanos que fazem parte das redes de relacionamentos desse actante humano, que está na posição de paciente mantido pelos equipamentos. Nesse sentido, é correto afirmar que a atuação e o agenciamento de um actante não humano pode ter um maior nível de importância que de um actante humano dentro de uma determinada rede e num determinado contexto, sem, em nenhum momento, “coisificar” ou desmerecer o ser humano. Por outro lado, é importante advertir que a abordagem da TAR em nada tem a ver com as tão criticadas abordagens da Teoria da Administração Científica, que tem em Taylor o seu maior e mais emblemático representante, em que, via de regra, máquinas ganhavam atributos humanos, ao mesmo tempo que pessoas assumiam atributos de máquinas. Ao contrário disso, o argumento principal da TAR, está fincado, segundo Law (2006), na ideia de que pensar, agir, escrever, amar, ganhar dinheiro etc. são ações atribuídas exclusivamente aos seres humanos, mas que vão além dele, pois só são possíveis por conta de redes heterogêneas - formadas por actantes humanos e não humanos - que se estabelecem para a execução dessas ações. Daí o termo ator-rede: um ator é também, e sempre, uma rede (LATOUR, 2005). O CONCEITO DE CAIXA PRETA E SUA IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL A caixa preta é um conceito complexo que está diretamente relacionado com a redução da noção de ator-rede na unidade ator. Segundo Law (2006), o aparecimento da unidade e o desaparecimento da rede tem a ver com a simplificação do sujeito social, pois, apesar de todos os fenômenos sociais serem o efeito ou o produto de redes heterogêneas, na prática, as pessoas não lidam e sequer detectam as complexidades dessas redes (apud CHAMUSCA, CARVALHAL, 2014, p. 18). Um exemplo, dentro do âmbito da Comunicação Organizacional e Relações Públicas, que pode ser utilizado para um entendimento preciso do conceito: um funcionário da área de comunicação de uma organi232 zação geralmente não conhece o funcionamento de toda a organização. Mas somente o funcionamento da sua área e do que é essencial conhecer para dar conta das suas obrigações diárias, inerentes ao cargo e a função que ocupa dentro da estrutura. Se ela ficar doente, por exemplo, e tiver a necessidade de se relacionar com as áreas financeira e pessoal, entretanto, ela passa a descobrir a complexa rede que compõe a empresa que trabalha, pois precisará de muito mais que uma Comunicação Interna (CI) para resolver o seu problema e dependerá de outra complexa rede heterogênea, composta de processos e um conjunto de intervenções humanas, técnicas, médicas, documentais, etc. Nesse sentido, conforme Chamusca e Carvalhal (2014, p.19), “a caixa-preta é uma rede que permanece fechada, desconhecida, muitas vezes algo que é tratado como unidade, apesar de ser uma complexa rede heterogênea que envolvem atores humanos e não-humanos”. Esse é um conceito essencial para as áreas de Comunicação e Relações Públicas, que necessitam de visão holística para o desenvolvimento das suas atividades com sucesso. Abrir constantemente as “caixas pretas”, ou seja, desvelar em redes as unidades simbólicas é primordial para se pensar a organização, os seus públicos, os ambientes interno e externo que ela se encontra e todas as variáveis técnico-econômico-sociais que compõem as suas redes multiescalares, que vão do local ao global, passando pelo regional, nacional e supranacional. TRADUÇÃO: DANDO TANGIBILIDADE AO INTANGÍVEL Traduzir é transformar ideias em materiais escritos, desenhados, formas tridimensionais, etc. ou dar novos usos para antigos materiais. Segundo Latour (2005), significa uma mediação ou invenção de uma relação, antes inexistente e que, de algum modo, modifica os actantes nela envolvidos. É, portanto, um método no qual um ator insere outros atores numa rede. O legado das áreas da Comunicação e Relações Públicas para uma organização é quase sempre intangível, pois envolve a imagem e a reputação conquistados através do pensar estratégico de processos administrativos e comunicacionais que por sua vez envolve a criação de discursos que visam, em última análise, a construção e/ou a manutenção da qualidade das relações entre ela e seus públicos de interesse. 233 Pensamentos e discursos, entretanto, só ganham perenidade e passam a ter valor quando são materializados em textos, plantas arquitetônicas, mapas, tabelas, desenhos, projetos, planejamentos, peças gráficas etc. Nesse sentido, tradução para a área pode ser pensada em diversas atividades: Elaboração de projetos, traduzindo ideias em propostas de ações; Adaptações de projetos existentes, traduzindo processos antigos e superados em processos adaptados à atual conjuntura; Criação de campanhas internas ou externas, traduzindo ideias em relacionamentos; Realização de eventos aproximativos, traduzindo recursos organizacionais em aproximação e qualidade de relacionamento; Criação de Memória Organizacional, traduzindo práticas, ações, esforços e recursos em história e memória; Estudos sobre seus públicos de interesse, traduzindo informações em inteligência organizacional; Instituição de canais de diálogo, traduzindo informação em legado para tomada de decisões; Dentre muitas outras possibilidades... Todo esse esforço de articulação visa criar uma ambiência adequada para um novo olhar sobre os processos de Comunicação e Relações Públicas no contexto atual. UM OLHAR ESTRATÉGICO E CONTEMPORÂNEO Os processos de comunicação e relacionamentos no momento atual passam pela observação de elementos paradigmáticos e centrais, como a hibridez, a presença e a mobilidade digital, que empoderam cidadãos comuns e lhes permitem um nível de participação e autonomia nunca antes visto. Tudo isso, em tese, concorre a favor da criação de um coletivo mais crítico, consciente e participativo, que reivindica cada vez mais protagonismo nos processos comunicacionais estabelecidos pelas organizações. 234 Para se ter um olhar estratégico e contemporâneo nesse contexto deve-se necessariamente buscar através de uma abordagem crítica à objetividade positivista observada nas organizações da atualidade, que tende a simplificar os processos complexos e as redes heterogêneas em indivíduos separados das suas redes de interações e relações contínuas, ou seja, em caixas pretas, pensando e tratando apenas da ação humana, como se essa ação pudesse ser realizada sem a imprescindível participação do actante não humano no processo. Para se lançar um olhar estratégico e contemporâneo sobre a Comunicação e Relações Públicas, não se pode deixar de pensar em redes sócio-técnicas, em redes heterogêneas, formadas por actantes humanos e não humanos, e não somente em redes sociais, como se apenas o elemento humano formasse a noção do social. A TAR tem um valor epistemológico significativo, que pode servir para a superação de dicotomias cognitivas importantes no âmbito das relações e interações organizacionais, pois ao incorporar as interfaces entre actantes humanos e não-humanos na discussão, pensar as questões sociais e as questões técnicas, levar em conta o natural e o cultural, não esquecendo o conhecimento científico e o conhecimento do senso comum, se pode então compreender de forma muito mais clara a complexa teia tecida por esses actantes que atuam em rede e que precisam ser pensados estrategicamente por quem se ocupa de analisar os fluxos informacionais de uma organização. Os lugares e as temporalidades também podem fazer parte dessa análise, pois se constituem em componentes das redes de actantes. E mais do que isso, se conectam a partir dessas redes com outros lugares e temporalidades, ou seja, o contexto espacial e temporal em que se encontram os lugares influenciam diretamente na dinâmica da rede, pois os lugares são o resultado das relações e interações dos actantes no tempo e no espaço e dos fluxos informacionais que nelas estavam envolvidos, formando os fluxos, os processos de comunicação, as interações, as relações, dentro das redes heterogêneas aqui pensadas. Sobre isso, Felinto (2011) observou que: Para Latour (2005, p. 200, 201), nenhuma relação associativa em um determinado lugar é: “isotopic” (o que age em um lugar vem de muitos outros lugares), “synchoric” (reúne ac235 tantes gerados em diversas temporalidades), “synoptic” (não é possível ter uma visão do todo), “homogeneous” (as relações não têm as mesmas qualidades) ou “isobaric” (relações e pressões diferenciadas em cada lugar onde intermediários transformam-se em mediadores e vice-versa). Latour (1987) observou que, o que agia em um lugar vinha de muitos outros lugares. Além disso, as redes reuniam actantes que vinham de diversas temporalidades, por isso, a noção ou interpretação, imaginada como total, é sempre parcial, pois não é possível ter uma visão do todo, visto que a relação tempo-espaço pode ser diferenciada para cada actante da rede, complexificando exponencialmente uma leitura integral do processo social no ambiente das organizações. CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES Apesar da TAR ser considerada radical, por se opor diametralmente aos paradigmas dominantes na sociologia tradicional, é um ótimo instrumental teórico-metodológico para o aprofundamento da essência das relações e das interpretações simbólicas, resultantes das interações entre atores sociais para a construção do sentido da vida. No contexto das organizações, e do ponto de vista da Comunicação e das Relações Públicas, pode ser tratada como uma forma vanguardista de leitura dessa ambiência e contribuir para novos e ricos olhares. Os processos de comunicação e relacionamento nessa ambiência precisam ser pensados não mais como fluxos e mídias, mas como redes heterogêneas que se complexificam cada vez mais pelos novos entornos tecnológicos, sociais, econômicos, etc. REFERÊNCIAS CHAMUSCA, Marcello; CARVALHAL, Márcia (ORGs). Comunicação e Marketing Digitais: conceitos, práticas, métricas e inovações. Salvador: Edições VNI, 2011. ______. 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Espaço, mídia locativa e teoria ator-rede. Galaxia (Online). São Paulo, n. 25, p. 52-65, jun. 2013. ______. Mídias locativas e territórios informacionais. In SANTAELLA, Lúcia; ARANTES, Priscila (edit.). Estéticas tecnológicas. novos modos de sentir. São Paulo: EDUC, 2007. p.48-71. SANTAELLA, Lúcia; LEMOS, Renata. Redes Sociais Digitais: a cognição conectiva do Twitter. São Paulo: Paulus, 2010. SIMÕES, Roberto Porto. Relações Públicas e micropolítica. São Paulo: Summus, 2001. ______. Relações Públicas: Função Política. São Paulo: Summus, 1995. 237 |4| COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL: A DIMENSÃO DA “ORGANIZAÇÃO FALADA” NA INTERNET E INTERFERÊNCIAS NA GESTÃO HOTELEIRA Jean Felipe Rossato e Rudimar Baldissera1 RESUMO Este artigo tem como objetivo compreender como os sentidos ofertados na dimensão da “organização falada” (BALDISSERA, 2009), particularmente na internet, interferem nos processos de gestão hoteleira. Para isso, além de acionar aportes teóricos sobre as tecnologias digitais, disserta-se também sobre gestão organizacional e comunicação organizacional. Como pesquisa empírica, foram realizadas quinze entrevistas em profundidade com gestores de três municípios da Microrregião das Hortênsias (Gramado, Canela e Nova Petropólis). Com a análise dos dados, pelo procedimento da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2009), foi possível evidenciar que as opiniões dos hóspedes sobre hotéis, publicadas na internet, provocam uma série de implicações na gestão, desde redimensionamentos na comunicação dessas organizações até alterações em seus processos decisórios. Palavras-chave: comunicação organizacional; organização falada; gestão hoteleira; internet e organizações. Mestre em Comunicação e Informação (PPGCOM/UFRGS). Integrante do GCCOP. E-mail: jeanfelipe793@gmail.com; Doutor em Comunicação Social e Professor no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS (PPGCOM/UFRGS). Bolsista produtividade CNPq. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicação Organizacional, Cultura e Relações de Poder – GCCOP: site: www.gccop.com.br E-mail: rudimar.baldissera@ufrgs.br. 1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS2 Com a ampliação do acesso às tecnologias digitais da comunicação e informação (TDCIs), a sociedade passou a experimentar outras possibilidades de interação, estabelecidas, sobretudo, na internet. O intenso uso das TDCIs alterou as práticas tradicionais de comunicação, além de redimensionar as lógicas de visibilidade e as relações de poder. Nos ambientes digitais, os sujeitos passaram a produzir, compartilhar e disseminar conteúdos sobre o mundo, aumentando consideravelmente a circulação de informações (em grande parte, antes restrita às gramáticas dos meios de comunicação de massa) e incidindo, por conseguinte, nos processos de formação da opinião pública. Nessa direção, pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que as TDCIs possibilitaram às organizações ampliarem seus níveis de visibilidade, também se configuraram como espaços privilegiados para que outros sujeitos falem, opinem e troquem informações sobre elas, podendo, inclusive, elevar seus níveis de vulnerabilidade. Portanto, a configuração organizações–TDCIs–públicos tende a exigir, cada vez mais, que as organizações atentem para essas falas (sentidos em circulação), não apenas sob o prisma de seus processos de comunicação e relacionamento, mas também para suas decisões de gestão. Assim, pensar a comunicação organizacional na contemporaneidade exige ultrapassar a ideia de que ela se configura apenas nas ações oficiais, pois compreende todas as interações estabelecidas entre sujeitos e organização e, também, aquelas que se atualizam entre os próprios sujeitos e que, de alguma forma e em algum nível, referenciam e atribuem sentidos a ela. É nessa perspectiva que Baldissera (2009), propõe compreender a comunicação sob três dimensões: a “organização comunicada”, a “organização comunicante” e a “organização falada”, como se verá adiante. Primeira versão de texto para discussão. Texto elaborado a partir da pesquisa de mestrado ‘Comunicação organizacional: a dimensão da “organização falada’ e as implicações na gestão hoteleira, de autoria de Jean Felipe Rossato PPGCOM/UFRGS. 2 239 Essa compreensão evidencia a potência que a “organização falada” assume no âmbito da comunicação organizacional, exercendo-se não apenas no sentido de perturbar os processos formais de comunicação, senão que, também, os demais processos de gestão organizacional. Nessa direção, este trabalho tem como objetivo compreender como os sentidos ofertados na dimensão da “organização falada”, particularmente na internet, interferem nos processos de gestão hoteleira. Os dados de campo foram coletados com entrevistas semi-estruturadas, realizadas com gestores hoteleiros, na Microrregião das Hortênsias, na Serra Gaúcha/RS. A seguir, destacam-se alguns dos fundamentos do estudo e, após, apresentam-se resultados da pesquisa. CARACTERÍSTICAS DO CONTEMPORÂNEO E AS TECNOLOGIAS DIGITAIS DE COMUNICAÇÃO As organizações inserem-se, hoje, em contexto caracterizado pela velocidade (IANNI, 1997) e pela imprevisibilidade, com fluxos de informação e comunicação ampliados, fluídos e, mesmo, efêmeros (THOMPSON, 2008); as identidades são múltiplas, os sujeitos contraditórios; os vínculos sociais tendem a ser mais frágeis e provisórios (HALL, 2004); a vida em conjunto ganha ares arcaicos de comunidade tribal (MAFFESOLI, 2012) e os ambientes virtuais possibilitam uma ambiência de simulacros e de representações. Pode-se dizer que essas transformações ocorridas na sociedade devem-se, em grande parte, ao crescente desenvolvimento das tecnologias da informação, particularmente, das redes digitais, as quais possibilitaram a todos que estão inseridos nessa estrutura, um espaço no qual as inteligências individuais podem se articular e colaborar, produzindo outras sociabilidades e relações de força. Isto é, produzir saberes distribuídos pela rede, que são alimentados individualmente, em tempo real, com base no processamento das informações de cada nó que a compõe (LÉVY, 1999). Em perspectiva semelhante, Benkler (2006) afirma que as redes digitais possibilitaram uma esfera mais produtiva de comunicação e debate, pois suas lógicas possuem características mais democráticas e participativas, ao potencializarem a visibilidade das opiniões dos sujeitos e ao permitirem a construção, o armazenamento e o compartilhamento de conteúdo entre os indivíduos. Para Di Felice (2008, p. 53), 240 “as redes digitais instauram uma forma comunicativa feita de fluxos e troca de informações ‘de todos para todos’”, tendo um caráter cada vez mais dialógico e multireferencial entre os sujeitos. Essa ampliação das formas de produção, compartilhamento e organização das informações online, acontece principalmente a partir da segunda geração de serviços da rede, conhecida como web 2.0, que potencializou os espaços, as possibilidades e as formas de relacionamento entre os interagentes nesse ambiente (PRIMO, 2007). Segundo o autor, ao incorporar recursos de interconexão e compartilhamento, o sistema informático da web 2.0 intensificou a livre criação e organização dos dados na rede, constituindo o que se conhece hoje como “arquitetura de participação”. Nessa plataforma, quanto mais os sujeitos interagem, melhores tendem a ser os serviços produzidos, ou seja, quanto mais ação e colaboração entre os interagentes, maior tenderá a ser a quantidade de informação ofertada (PRIMO, 2007). Nas palavras de Thompson (2008, p. 37), o domínio público transforma-se, então, em “espaço complexo de fluxo de informação no qual palavras, imagens e conteúdos simbólicos disputam atenção à medida que indivíduos e organizações procuram ser vistos e ouvidos”. Nessa perspectiva, a possibilidade de os sujeitos ofertarem sentidos e estarem visíveis através dos espaços digitais têm se constituído em perturbações dos processos formais da comunicação organizacional, uma vez que as manifestações ( falas) materializadas nesses ambientes tendem a adquirir cada vez mais credibilidade e a influenciar outros sujeitos na atribuição de sentidos a algo e/ou alguma coisa, orientando a construção de significação. CONSIDERAÇÕES SOBRE GESTÃO ORGANIZACIONAL Embora seja referenciada, na maioria das vezes, para tratar do funcionamento prático das organizações (em princípio, seu objeto de estudo), a gestão organizacional tende a passar ao lado de seu objeto ao se decompor em campos especializados, tais como a gestão comercial e financeira. Apesar da multiplicidade de modalidades da gestão, o que aparenta ser comum em todas elas é o uso de técnicas para “modelar práticas, definir comportamentos, orientar processos 241 de decisão, estabelecer procedimentos e normas de funcionamento” (GAULEJAC, 2006, p. 415). Nessa direção, observa-se que, em sentido lato senso, a gestão é voltada à prática, pois seus processos são construídos para transformar a realidade com intenções (declaradas ou não) de lograr eficiência produtiva nas atividades da organização. No entanto, para além dessa visão simplificadora, que atenta apenas para os parâmetros de mensuração, o listar fatores, o maximizar as margens de lucro, o ampliar a relação custos/benefícios, importa “compreender as significações, ajudar cada um a analisar o sentido de sua experiência, definir as finalidades de suas ações, a fim de que ele (empregado) contribua para produzir a sociedade na qual vive” (GAULEJAC, 2006, p. 430). Assim, é preciso que o gestor busque interpretar e analisar a realidade, em perspectiva muito mais explicativa e compreensiva do que normativa e adaptativa (GAULEJAC, 2006). Entender as organizações como fatos sociais, exige reconhecer que se está diante de uma “realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, material e cultural, relativamente estável e em movimento permanente” (GAULEJAC, 2006, p. 428), portanto, exige que se abandone a ideia de modelo de gestão de causalidade linear e unívoco, de total racionalidade. Em vez disso, a organização constitui-se em composto de relações e processos de força, de disputas e de contradições, que são resultados de interações humanas (racionais e subjetivas) e dos tensionamentos socioculturais. Assim, ainda de acordo com Gaulejac (2206), a gestão organizacional na contemporaneidade exige: a) considerar a organização como um fato social; b) compreender a gestão como um conjunto de processos de mediação de contradições entre sujeitos; c) reconhecer e tratar a subjetividade como elemento inerente aos processos organizacionais; d) conceber que todo indivíduo necessita atribuir/perceber sentido em suas ações na organização; e, e) admitir que cada sujeito é capaz de produzir conhecimento e intervir em seu ambiente. Essa perspectiva é particularmente fértil para se pensar a gestão hoteleira que, segundo Chon e Sparrowe (2003), fundamenta-se em, ao menos, quatro operações básicas: a recepção, a governança, a manutenção e a segurança. E, conforme Garcia (2003), além de gerir atributos tangíveis como a boa conservação das estruturas e instalações, 242 lida com aspectos intangíveis, muitas vezes centrais na construção da percepção dos hóspedes sobre os serviços consumidos nessas organizações, como por exemplo, a hospitalidade, que “consiste na ação voluntária de inserir o recém-chegado em uma comunidade, possibilitando o benefício das prerrogativas relacionadas ao seu novo status, seja ele provisório ou definitivo” (CASTELLI, 2006, p. 2), e configura-se como basilar para a geração de valor. Importa observar que a hospitalidade, como conceito base, atualiza-se como diferencial da gestão hoteleira, isto é, a “sutileza das emoções e atitudes envolvidas” na prestação dos serviços podem se traduzir em percepções de hospitalidade e acolhimento nos públicos (PIMENTA e DIAS, 2005, p. 172). Dessa maneira, a gestão hoteleira, para além do viés objetivo, racional e instrumental, necessita atentar para as subjetividades que se realizam na organização, seja na situação de empregados, de hóspede ou de prestador de serviços, de modo que a cultura da hospitalidade seja permanentemente (re)generada. E, para isso, a comunicação organizacional apresenta-se como um dos principais processos. COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL – A “ORGANIZAÇÃO FALADA” A comunicação é processo basilar da existência e do funcionamento das organizações. Conforme Deetz (2010, p. 85), ela “é constitutiva das organizações” e seu foco não está na transmissão, mas na formação de significados que são decorrentes das diversas relações estabelecidas entre sujeitos, em referência à organização e/ou deles em contato direto com ela. Para Scroferneker (2006, p. 47), “a comunicação implica trocas, atos e ações compartilhadas, pressupõe interação, diálogo e respeito mútuo do falar e de deixar falar”. Isto é, pressupõe relação e compartilhamento simbólico. A comunicação organizacional é compreendida, então, como “processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações organizacionais” (BALDISSERA, 2008, p. 33). À luz dessa concepção, é preciso ressaltar alguns pontos: a) comunicação organizacional é relação/interação, o que pressupõe a ideia de ação conjunta de sujeitos ativos; b) essas relações estabelecidas em processos interativos são relações de poder, pois que, em ação, cada sujeito possui intencionalidades que se traduzem em disputas de força – o que não significa disputa física 243 ou qualquer outro tipo de dominação, mas sim disputas de sentidos; c) a significação sobre a organização será permanentemente construída, atualizada, (re)tecida em todos os processos interativos realizados pelos sujeitos com ela/sobre ela atribui-se; d) a comunicação não se restringe apenas à fala oficial produzida pela organização, mas envolve, além dessa fala, todo processo interativo que, direta ou indiretamente, atribui sentidos a ela; e e) por sua natureza, os processos comunicacionais não se reduzem/prendem à estrutura física da organização; em fluxos, não respeitam limites e fronteiras geográficas (BALDISSERA, 2009). Nessa perspectiva, em sentido complexo, a comunicação organizacional compreende, segundo Baldissera (2009), três dimensões tensionadas, interdependentes e complementares: a da “organização comunicada”, a da “organização comunicante” e a da “organização falada”. Sucintamente, pode-se dizer que a dimensão da “organização comunicada”, refere-se às falas autorizadas da organização e, nessa direção, aos processos comunicacionais que, estrategicamente ou não, tendem a dar visibilidade a elementos de sua identidade que são favoráveis a ela, bem como toda comunicação autorizada contidiana. A dimensão da “organização comunicante”, abarca, ultrapassa e complexifica a fala autorizada à medida que, além de conter a dimensão da “organização comunicada”, inclui também toda relação direta que determinado sujeito estabelecer com a organização (BALDISSERA, 2009) e considerar comunicação. Por sua vez, a dimensão da “organização falada”, de particular interesse para este estudo, refere-se aos processos de comunicação indiretos, isto é, “aqueles que se realizam fora do âmbito organizacional e que dizem respeito à organização” (BALDISSERA, 2009, p. 119). Nesses processos, ela não participa diretamente da interação, mas é sobre ela que os interlocutores/interagentes falam. São exemplos: os comentários e opiniões, em referência a ela, manifestados em sites de redes sociais3. De acordo com Recuero (2014, p. 102), “sites de redes sociais são espaços utilizados para a expressão das redes sociais na internet”. Nesses ambientes, além de haver mecanismos para individualização (personalização e construção do eu), também é possível estabelecer interações com outros interagentes, sendo que as redes sociais de cada ator permanecem visíveis em âmbito público. 3 244 Assim, considerando-se a perspectiva empírica deste estudo, na dimensão da “organização falada” os hóspedes (reais e potenciais)4 podem interagir entre si, de forma livre e em diferentes ambientes, tendo as organizações hoteleiras como objeto/assunto central de suas conversações. Nessas falas, apesar de os hotéis não participarem diretamente da ação, é sobre eles que os sujeitos falam, oferecendo, construindo, transacionando, disputando sentidos. Pode-se dizer que esses processos de comunicação que acontecem na dimensão da “organização falada” encontram, nos ambientes digitais, lócus privilegiado para essas trocas simbólicas entre os sujeitos. Sob esse prisma, considera-se que à medida em que assumem visibilidade, as opiniões/avaliações sobre determinada organização, expressas na internet, podem, em diferentes níveis e formas, interferir nos seus processos formais, exigindo adaptações e/ou investimentos em ações de comunicação e de gestão, como se verá a partir do estudo que se apresenta a seguir. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Como pesquisa empírica, foram realizadas quinze entrevistas semi-estruturadas, com gestores de organizações hoteleiras dos municípios de Gramado, Canela e Nova Petrópolis, localizados na Microrregião das Hortênsias5, na Serra Gaúcha/RS. A partir dos dados publicados no Neste estudo, hóspedes reais são os sujeitos que já se hospedaram em determinado hotel e, hóspedes potenciais, os interessados em comprar os seus serviços e/ou aqueles que têm o perfil do público do hotel, mas que ainda não se hospedaram lá. 4 Localizada a cerca de 100 km de Porto Alegre, essa região é um dos principais destinos turísticos do Brasil. De acordo com dados da Agência de Desenvolvimento da Região das Hortênsias (VISÃO), os munícipios referenciados nesta pesquisa, juntamente com São Francisco de Paula e Picada Café (que formam a Microrregião das Hortênsias), recebem, anualmente, em torno de 6 milhões de turistas, principalmente para o turismo de lazer. Em razão disso, seu parque hoteleiro é de 17.800 leitos, oferta maior que a de Porto Alegre (capital do Estado do Rio Grande do Sul), que possui cerca de 15.900 leitos, segundo dados da Secretária Estadual de Turismo/RS. 5 245 portal Cadastur6, mapearam-se os hotéis da referida região que possuíam registro junto ao Ministério do Turismo. A partir desses dados, foi construída uma amostragem estratificada de modo que abrangesse hotéis com diferentes números de leitos e traduzisse, em algum nível, o universo de estudo – os estratos: até 75 leitos, estrato A; de 76 a 150 leitos, estrato B; de 151 a 225 leitos, estrato C; mais de 226 leitos, estrato D. O intervalo de 75 leitos foi estabelecido considerando-se que, assim, seria possível ter na amostragem hotéis de todos os portes. A seleção dos hotéis atendeu os seguintes critérios: a) segmentação (a quantidade de hotéis obedeceu à proporção de cada estrato); b) manifestação (priorizou-se as organizações que possuíam mais incidência de opiniões e avaliações de hóspedes (reais e potenciais) publicadas em dois sites: Booking e Tripadvisor); c) franquia (quando os hotéis pertencem à mesma rede hotelaria, apenas uma organização foi pesquisada); d) localização (realização de, ao menos, uma entrevista por município em cada estrato); e, e) acessibilidade (contemplados os critérios anteriores, a seleção aconteceu pela possibilidade de acesso ao gestor da organização). A interpretação dos relatos foi realizada mediante Análise de Conteúdo (AC) na perspectiva de Bardin (2009). Os dados decampo foram o ponto de partida para a construção das categorias de análise, isto é, após a segmentação dos relatos dos gestores em sequências de texto e a identificação dos núcleos de sentidos7 correspondentes em cada uma delas, realizamos a análise temática, num processo progressivo de construção das categorias, o que resultou em duas rubricas principais: “ava- Segundo documento elaborado pela MTUR, o Cadastur serve para comprovar que o empreendimento turístico (neste caso: hotéis) está legalizado e em funcionamento, e que seus profissionais atendem aos requisitos legais para o exercício da atividade desenvolvida. Além de gerenciar as informações sobre o setor turístico, o Cadastur também possibilita o acesso às informações sobre os prestadores de serviços cadastrados, tais como a quantidade de leitos e de habitações, no caso dos hotéis (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2011). 6 Neste texto, os núcleos de sentido, presentes nas sequências de texto, estão destacados em itálicos. 7 246 liação das opiniões pelos gestores” e “implicações práticas das opiniões na gestão hoteleira”. A) AVALIAÇÃO DAS OPINIÕES PELOS GESTORES Esta categoria inclui as sequências de texto (STs) que ilustram as impressões dos gestores hoteleiros acerca das falas manifestadas sobre suas organizações em ambientes digitais. Desde essa ótica, a partir dos relatos analisados, identificaram-se três subcategorias relacionadas a esta rubrica: 1) opinião como informação para a organização; 2) opinião irrelevante para a organização; e 3) opinião como informação para hóspedes potenciais. 1) Opinião como informação para a organização – as STs se referem ao fato de os sentidos ofertados pelos públicos se configurarem como fonte de informações para as organizações, contribuindo, inclusive, para qualificar os processos de gestão, fundamentar os processos decisórios e capacitar os empregados, como ilustram as próximas STs: Para nós está sendo muito importante, porque a gente está tirando as informações dos sites e colocando-as em prática (E5). Então, tudo isso está refletindo diretamente nas nossas decisões aqui dentro [...] Isso passa a ser pauta de reunião e pauta para definição de planejamento estratégico, por exemplo (E3). Sempre tento passar para nossos empregados como tem opinário positivo, como as pessoas estão gostando do nosso trabalho (E15). 2) Opinião irrelevante para a organização – contempla as STs que tratam das percepções dos gestores sobre as opiniões de hóspedes publicadas na internet que, na concepção deles, são irrelevantes para a organização, pois não condizem com a realidade vivenciada pelo hóspede durante sua estadia, tampouco podem contribuir para a gestão aperfeiçoar seus processos. Além disso, segundo entrevistados, tais falas, embora sejam críticas aos serviços prestados pelo hotel, não são coerentes com a proposta e o conceito da organização, por isso tendem a ser ignoradas, como se pode inferir das seguintes STs: 247 Óbvio que tem muitas coisas que fogem até ao conceito do hotel.[...] Então, nessas [opiniões] tu só tens a agradecer a opinião, mas não tens o que fazer, porque o conceito do teu produto não é esse (E12). Têm hóspedes com má índole que fazem comentários totalmente fora do que aconteceu [na hospedagem]. Já aconteceu conosco de [hóspedes] difamando, [ falando] coisas que não ocorreram (E1). 3) Opinião como informação para hóspedes potenciais – compreende as STs que evidenciam as avaliações dos gestores sobre como as opiniões sobre os hotéis, publicadas na internet, configuram-se como informações para hóspedes potenciais. Para eles, as conversações online dos hóspedes (reais e potenciais) tendem a interferir na formação da opinião dos públicos, impactando tanto na decisão de compra quanto na experiência em determinado meio de hospedagem. Com base na análise dos relatos dos pesquisados, observou-se dois núcleos de sentido principais: a) publicidade positiva; e, b) publicidade negativa. No primeiro núcleo, as STs se referem às opiniões dos hóspedes que ofertam sentidos convergentes com aqueles que a organização, em âmbito formal, deseja ver associados a si, conforme ilustram as STs a seguir: Eu já tive vários hóspedes que disseram: ‘Ah, nós viemos aqui porque eles falam tão bem da senhora’ (E10). Se você está desempenhando um bom trabalho eu acredito que traz um retorno muito bom [...] o hóspede sai satisfeito e a comunicação vai ocorrer naturalmente (E3). O segundo núcleo de sentidos, publicidade negativa, contempla as opiniões e avaliações de hóspedes na internet que ressaltam significados prejudiciais à imagem idealizada pelo hotel, e que podem, inclusive, afetar os relacionamentos com públicos. Na ST a seguir, o relato destaca aspectos que já foram alvo dessas avaliações negativas: Teve reclamação de não achar boa a limpeza, um não estava satisfeito com o café da manhã (E8). 248 Após essa análise, apresentada de modo sucinto, apresentam-se as ações práticas que forem realizadas pelos hotéis devido às conversações online. B) IMPLICAÇÕES PRÁTICAS DAS OPINIÕES NA GESTÃO HOTELEIRA Nesta categoria são evidenciadas as implicações práticas que as conversações online provocam nas organizações, tanto em termos de comunicação quanto de gestão. Com a interpretação dos relatos que compõem esta rubrica identificou-se quatro subcategorias: 1) ações de monitoramento; 2) ações comunicacionais; 3) ações operacionais; e, 4) ações gerenciais. 1) Ações de monitoramento – as STs referem-se aos processos de escuta estabelecidos pelos hotéis para monitorar e analisar as opiniões publicadas sobre eles por hóspedes (reais e potenciais) em sites de redes sociais. O monitoramento das falas dos hóspedes em ambientes digitais e, consequentemente, a análise dos sentidos postos em circulação nesses espaços são cada vez mais centrais para os processos hoteleiros, pois tendem a estruturar e fundamentar as demais ações da organização. Assim, segundo os gestores, cabe à gestão estabelecer processos para identificar e captar esses dados, processá-los e, se julgar pertinente, traduzi-los para o ambiente organizacional, aperfeiçoando processos e traçando estratégias de interação com públicos. Embora a análise dos relatos tenha evidenciado diferentes modos e procedimentos de escuta das falas dos públicos, observa-se que, em geral, a gestão hoteleira tem atualizado três procedimentos principais, que são: a) acompanhamento; b) pesquisa; e, c) interpretação. Os próximos excertos de relatos das entrevistas ilustram essas etapas do monitoramento das conversações nos ambientes digitais: Todo o dia eu te garanto a gente olha as avaliações para ver como está o andamento [das ações realizadas pelo hotel]. É um termômetro para a gente, na verdade (E5). Você faz um contato com essa pessoa para complementar a informação ou para ter maiores detalhes do que ele está querendo dizer (E12). 249 Nós temos que observar e ver o que está acontecendo. O porquê ele está colocando aquele tipo de opinião e tentar ver para que um próximo hóspede não tenha esse tipo de situação (E15). 2) ações comunicacionais – contempla as STs que tratam sobre as ações de comunicação realizadas pelo hotel, em razão das opiniões manifestadas pelos hóspedes na internet. Ganham revelo aqui os fluxos de sentidos que ocorrem na dimensão da “organização comunicada” (BALDISSERA, 2009), nos quais os hotéis procuram dar visibilidade a elementos de sua identidade que tenham potência para que os públicos se identifiquem com ele. A interpretação dos relatos dos gestores permite identificar três núcleos de sentido principais: a) relacionamento (refere-se à comunicação efetuada pelo hotel em resposta às manifestações dos públicos no ambiente digital); b) promoção (inclui as STs que ressaltam as ações de desconto da organização e os usos discursivos realizados por ela, dos sentidos ofertados pelos sujeitos em suas conversações online); e, c) silenciamento (contempla as STs que evidenciam a posição de alguns gestores hoteleiros de não se manifestarem em razão das opiniões dos hóspedes materializadas na internet). As ações de relacionamento, segundo alguns gestores, têm como intuito esclarecer os sujeitos (pessoas que se hospedaram no hotel e o avaliaram) sobre os fatos/aspectos negativos mencionados em seus comentários, bem como agradecê-los por suas avaliações, opiniões, sugestões e/ou críticas, conforme se observa na ST a seguir: Eu acho que a manifestação do hotel deve ser sempre, de agradecimento, dando satisfação, deve ocorrer sempre (E12). O núcleo de sentido “promoção” compreende as ações de desconto e ações discursivas de promoção. O primeiro caso se refere às ofertas monetárias em hospedagem e/ou brindes concedidos pela organização aos hóspedes produtores dos comentários na internet. Em geral, tais ações são efetivadas com o objetivo de amenizar impressões negativas dos públicos, além de, em alguns casos, estimulá-los a retirar seus comentários dos sites de redes sociais. A seguir, STs sobre ações de descontos: Em certos pontos até recompensando com outra hospedagem ou com desconto na próxima hospedagem (E12). 250 A gente entra em contato com o cliente, oferece alguma coisa, oferece uma cortesia de hospedagem (E15). Em relação às ações discursivas de promoção, identificou-se o uso dessas conversações pela gestão hoteleira em duas situações: a organização reproduz as opiniões positivas e elogiosas dos sujeitos em suas campanhas e peças publicitárias; e, ações para estimular os hóspedes a se manifestarem na internet sobre os serviços prestados pela organização, a fim de que ofertem sentidos coerentes com aqueles que ela deseja ter associados a si. Esse incentivo ao hóspede, em geral, só acontece quando ele sinaliza, de alguma forma, que está satisfeito com a hospedagem e que, portanto, os possíveis sentidos que circulará estarão em conformidade com a imagem desejada pelo hotel. A seguir, STs que exemplificam os usos discursivos, conforme entrevistados: Estamos usando isso [ falas positivas] a nosso favor [em peças publicitárias]. Então, quem está dizendo isso, não é [nome do hotel], mas sim as outras pessoas que vieram aqui (E3). O desafio é sempre conseguir uma pontuação alta. Então, [a gente busca] cativar o hóspede e motivar ele a fazer comentários nas redes sociais (E1). Diferentemente dos demais núcleos de sentido desta subcategoria, que versam sobre a necessidade de as organizações produzirem comunicação, o núcleo temático “silenciamento”, contempla as unidades de análise que se referem a não manifestação formal do hotel em relação às opiniões publicadas sobre ele em ambientes digitais (estratégia e/ou contradição?), conforme se pode ver na ST que segue: Você se meter a falar é pior. Eu acho pelo menos do jeito que o ser humano está hoje, que o melhor é ficar quieto [...] (E10). 3) ações operacionais: contempla as STs que destacam os investimentos realizados em razão das opiniões e avaliações manifestadas pelos hóspedes (reais e potenciais) na internet. Os investimentos são realizados tanto em aspectos tangíveis, como a infraestrutura do hotel, quanto intangíveis, no que se refere à prestação de serviços: É a questão que eu te falei: troca de piso, secador de cabelo, 251 cofre no quarto, mais espaço [para outros alimentos] no café da manhã. Todas essas coisas estão sendo feitas baseadas nos comentários (E5). Nosso cardápio está sempre alterando. Então: ‘ah, a gente vê que tal prato está gerando muita reclamação ou não está saindo 100% da nossa parte na questão do preparo e daí a gente modifica’ (E4). 4) ações gerenciais – compreende as STs que destacam algumas mudanças ocorridas nos processos gerenciais dos hotéis, devido às opiniões expressas pelos hóspedes na internet. Foram identificados dois principais núcleos de sentido que, embora sejam ações já realizadas pelos hotéis, revelam algumas alterações nos processos de gestão dessas organizações: a) atendimento personalizado; e, b) ações de antecipação. Nessa direção, é possível afirmar que, se, anteriormente, os serviços do hotel eram padronizados para todos os hóspedes, agora, a gestão tem trabalhado para tornar seus produtos cada vez mais personalizados, a fim de atender às expectativas e necessidades particulares de cada sujeito: Então, a gente está tendo que tomar um tipo de atendimento que é diferente para cada pessoa. [...] Cada nicho busca algo diferente, então a gente tem que tentar agradar esse cliente (E2). O segundo núcleo temático considera as STs que se referem às ações realizadas pela gestão para evitar possíveis opiniões negativas de hóspedes na internet, além de prevenir eventuais situações de crise, portanto, pode-se dizer que são ações de antecipação: Eu posso tomar aqui dentro as ações que, de repente [os hóspedes] nem tenham lido aquele comentário, mas eu já tomei a ação (E3). A seguir, apresentam-se algumas inferências acerca das percepções dos gestores entrevistados, bem como sobre as implicações dos sentidos ofertados na dimensão da “organização falada” para os processos de comunicação e de gestão dos hotéis. 252 IMPACTOS DAS CONVERSAÇÕES ONLINE PARA A GESTÃO DOS HOTÉIS Com base no estudo realizado, infere-se que as opiniões e avaliações dos públicos expressas na internet tendem a provocar significativas implicações para os hotéis, tanto em termos econômicos (impactando na taxa de ocupação, ao influenciarem outros hóspedes potenciais em suas decisões de compra de hospedagem, assim como na necessidade de os gestores investirem em infraestrutura e serviços do hotel), quanto em termos simbólicos (trazendo ganhos ou prejuízos em imagem e poder simbólico à organização). Observou-se, ainda, que tais opiniões e avaliações, expressas em sites de redes sociais, tendem a se traduzir em rankings que hierarquizam os meios de hospedagem pela qualidade dos serviços prestados e dos produtos oferecidos, segundo percepções de seus hóspedes. Assim, ao estar nas primeiras colocações desses rankings, o hotel tende a ampliar seus níveis de visibilidade, além de aumentar a possibilidade de se constituir como distinto (obter destaque) e de ser reconhecido como organização de excelência, o que poderá, consequentemente, resultar em prestígio, fama e reputação positiva. No que concerne às percepções dos gestores entrevistados acerca das conversações online, observou-se que, embora algumas concepções sejam convergentes, outras revelam certas divergências. Por exemplo, se, para alguns gestores, as opiniões dos hóspedes, que ofertam sentidos negativos sobre o hotel na internet, podem se configurar como informações que contribuirão para qualificação dos processos da organização, para outros informantes, tais falas, muitas vezes, são qualificadas como irrelevantes, o que evidencia a dificuldade ou mesmo a resistência de alguns gestores de estabelecerem processos qualificados de escuta em suas organizações, de modo que consigam entender a significação construída pelo hóspede, a partir de seu lugar sociocultural. Em perspectiva semelhante, considerando os processos práticos dessas organizações, constatou-se que, apesar de terem objetivos parecidos, as ações realizadas pelos hotéis apresentam diferentes formatos e níveis de profissionalização. Assim, devido às características das ações de comunicação realizadas pelos hotéis que foram mencionadas pelos gestores em seus relatos, pode-se dizer que os fluxos de sentido ofertados na dimensão da “organização falada” tendem a redimensionar as formas de comunicação 253 dos hotéis. Tais mudanças podem ser verificadas pela diminuição dos investimentos em ações de divulgação dessas organizações (campanhas publicitárias) em mídias tradicionais – como TVs, jornais e revistas – e pelo crescimento cada vez mais significativo de ações de comunicação realizadas na internet. Essas ações possuem caráter mais personalizado e dialógico do que as efetivadas nas mídias de massa, possibilitando o estabelecimento de relacionamentos próximos e diretos (sem intermediários) com hóspedes. Em direção semelhante, a análise também revelou que os gestores têm procurado qualificar os processos comunicacionais que se realizam nas imediações da organização. Nessa perspectiva, observam-se diversos investimentos em comunicação com os empregados, com o objetivo de assegurar coerência entre os serviços prestados por eles e as demais ações da organização, impactando positivamente nas experiências de estadia dos hóspedes. Assim, à medida que sinalizam que estão satisfeitos com sua hospedagem, a gestão tende a efetivar ações de comunicação que buscam estimular os hóspedes a se manifestarem na internet, tornando-os porta-vozes da organização. Isso tende a atenuar, inclusive, o lugar hegemônico do hotel como produtor de comunicação sobre si, dando relevo ao protagonismo da fala dos públicos para a comunicação dessas organizações atualmente, principalmente nos ambientes digitais. Nessa direção, além de impactarem na comunicação dos hotéis, nota-se que as opiniões dos hóspedes na internet modificam também alguns aspectos da gestão, a qual aparenta estar mais preocupada em analisar as interações estabelecidas com a organização para, posteriormente, deliberar sobre as ações que podem ser efetivadas pelo hotel. Em geral, verifica-se que essas organizações estão mais dispostas – porque precisam (!?) – a ouvir a alteridade e a gerir os sentidos que são ofertados pelos públicos sobre elas nos diversos ambientes. Em decorrência disso, observa-se que as ações estratégicas e os investimentos a serem executados na/pela organização são decididos cada vez mais com base nos sentidos ofertados pelos públicos na internet e na frequência com que essas falas (com conteúdos semelhantes) adquirem visibilidade nos ambientes digitais. Desse modo, pode-se dizer que, se anteriormente, os públicos eram considerados pelos gestores como alvos a serem atingidos, sendo tratados, muitas vezes, como 254 externos e distantes a organização, atualmente, devido à influência que suas opiniões, materializadas na internet, podem ter na construção da significação de outros sujeitos sobre determinada organização, os públicos necessitam ser reconhecidos, cada vez mais, como constitutivos do hotel, os quais participam, direta e indiretamente, das diversas deliberações da gestão (BALDISSERA, 2014). CONSIDERAÇÕES Com a pesquisa evidenciou-se uma série de implicações das conversações online para os processos das organizações hoteleiras, desde alterações nos processos decisórios da gestão, modificações nas políticas de reserva, implantação de processos de monitoramento das opiniões na internet, introdução de estratégias voltadas à antecipação de crises e à personalização dos produtos, até alterações no próprio conceito de negócio do hotel, com mudanças nas propostas de atendimento e nos demais serviços da organização. Nessa direção, pode-se dizer que, ao estabelecerem relacionamentos em ambientes digitais é preciso que as organizações privilegiem o diálogo direto, aberto e permanente com os públicos, primando por informações claras, objetivas e verdadeiras. Entretanto, embora isso seja evidente nas reflexões teóricas sobre comunicação, o que se observou em termos práticos, com a análise dos relatos, foi que alguns gestores sequer estão preocupados em interagir com os públicos na internet. Isso evidencia o fato de o engajamento de alguns desses hotéis em conversações nas redes digitais ainda ser bastante reduzido. Em geral, as ações de comunicação que são efetivadas por eles na internet possuem caráter reativo, isto é, só acontecem quando demandadas pelas opiniões dos hóspedes. Desse modo, é possível afirmar que, com o “empoderamento” dos sujeitos, devido à visibilidade que suas falas (manifestações) podem assumir na contemporaneidade, particularmente através da internet, os hotéis estão tendo de repensar suas formas de comunicar e de se relacionar com seus públicos, além de terem de readequar seus processos gerenciais para atender as reivindicações dos hóspedes. 255 REFERÊNCIAS BALDISSERA, Rudimar. 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Como método, foi realizado um levantamento bibliográfico e um estudo de caso. Como técnicas, foram utilizadas a Netnografia e entrevistas em profundidade. A análise foi feita por meio meio da observação não participante nas plataformas digitais da empresa. Concluiu-se que a empresa escolhida apresenta a variável interação em sua presença nas plataformas digitais, porém, não utiliza um modelo específico de comunicação na sua íntegra para atuar no ambiente digital. Palavras-chave: Comunicação Digital; Mídias Sociais Digitais; Modelos; Interação; Relações Públicas. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM-ECA/USP), Mestre em Ciências da Comunicação pelo mesmo Programa, Membro do COM+, grupo de pesquisa em comunicação e mídias digitais da ECA/USP e professora de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero. 1 INTRODUÇÃO A comunicação vem evoluindo e protagonizando a transformação das relações na sociedade, o que nos faz refletir a respeito das características fundantes de uma sociedade digitalizada. Mais precisamente no final do século XX, a partir das Tecnologias de Informação e Comunicação – as TICs, as mudanças aconteceram a uma velocidade jamais imaginada. A própria evolução da Web, que de 1.0 já se fala em 4.0 ou superior, também contribuiu para tais avanços. Dessa forma, viver a contemporaneidade, que, segundo Santaella (2011), tem sido chamada de pós-modernidade, modernidade pós-industrial, modernidade líquida, hipermodernidade, entre outras, converge no reconhecimento de que algo muito novo está ocorrendo independentemente da nomenclatura denominada. Frente às inúmeras formas de classificar o viver contemporâneo, optamos por falar de uma sociedade digitalizada para caracterizar o estado da arte de pensar a comunicação entre uma empresa e seus públicos em tempos de plataformas de mídias sociais digitais. Sobre essa sociedade, não podemos deixar de considerar os estudos de Manuel Castells (2011), que resume com clareza as características do que ele chamou de sociedade em rede, além de nos fornecer uma base teórica para entender o que pensam muitos estudiosos sobre o tema. Portanto, pensar a comunicação de uma empresa na contemporaneidade pressupõe compreender algumas das características de uma sociedade digitalizada, como a rede, a arquitetura das relações, os fluxos, o espaço, o tempo, o poder e tudo que, até hoje, vem configurando outras formas de relações, como aquelas que se dão através das plataformas de mídia social digital e que são dotadas de interação, simetria, integração, convergência, não linearidade, entre muitas outras características. As consequências de uma sociedade digitalizada para a gestão da comunicação nas empresas impulsionam a elaboração de outras estratégias, provocam o repensar de modelos de comunicação e de relações públicas ou ainda proporcionam o amálgama desses modelos por parte das empresas em relação a seus públicos. Pois, se, por um lado, as empresas deixam de ter a primazia do discurso, por outro, os indivíduos se tornam protagonistas da comunicação. E é justamente esse protagonismo que, na maior parte das vezes, é manifestado por meio do uso das 259 plataformas de mídias sociais digitais, ou seja, um protagonismo que, pela sua forma de acontecer, também configura aquilo que Castells chamou de arquiteturas das relações na sociedade em rede. Diante desse contexto, este artigo tem como objetivo apresentar o resultado de uma pesquisa realizada com a Nestlé Brasil S/A sobre sua presença no ambiente digital. Na parte I, apontaremos as características de modelos de comunicação e relações públicas, assim como a variável interação para mostrar se a empresa apresentava essa variável em sua presença nas plataformas de mídias sociais digitais e se existia algum modelo de comunicação integrada digital que norteava sua estratégia de comunicação. Na parte II, mostraremos a análise da presença digital da Nestlé em todas as plataformas de mídias sociais digitais na qual a empresa estava presente na época. Como método, foi realizado um levantamento bibliográfico e um estudo de caso. Como técnicas, foram utilizadas a Netnografia e entrevistas em profundidade. A análise foi feita por meio da observação não participante nas plataformas digitais da empresa. De acordo com informações divulgadas pela própria companhia2, a Nestlé é considerada a maior empresa do mundo em alimentos e bebidas e também consagrada como a maior autoridade em Nutrição, Saúde e Bem-Estar. Foi considerada pela Revista Forbes3, em 2014, uma das empresas com melhor reputação no mundo e pela Revista Época Negócios4 uma das empresas de maior prestígio no Brasil. Dona de um portfólio copioso de marcas, a Nestlé, em 2002, comprou a marca Chocolates Garoto, aumentando ainda mais seu portfólio e sua atuação no mercado. Nestlé. Disponível em http://corporativo.nestle.com.br/aboutus. Acesso em 19/06/2014. 2 Forbes Brasil. Disponível em http://forbesbrasil.br.msn.com/listas/as-empresas-com-melhor-reputa%C3%A7%C3%A3o-do-mundo-em-2014-1?page=18. Acesso em 19/06/2014. 3 Época Negócios. Disponível em http://epocanegocios.globo.com/Epoca-NEGoCIOS-100/noticia/2014/04/100-empresas-de-maior-prestigio-do-brasil. html. Acesso em 19/06/204. 4 260 Três fatores nos levaram a escolher a Nestlé para este estudo de caso. O primeiro deles está relacionado ao critério de escolha. A empresa selecionada precisava constar na lista das “Empresas mais Admiradas no Brasil5” em 2013. O segundo fator diz respeito a uma inquietação em saber como uma empresa do porte da Nestlé, ou seja, uma multinacional, multimarcas, líder de mercado no seu segmento e percebida como uma organização tradicional na sua forma de comunicar, entendeu a necessidade de estar presente nas plataformas de mídias sociais digitais. Por fim, o terceiro motivo está relacionado a uma percepção do ponto de vista de consumidora. Após verificar um avanço na atuação da empresa nas diferentes plataformas de mídias sociais digitais, considerando que a Nestlé não é uma empresa ousada, no que se refere à sua comunicação, surgiu a vontade de conhecer quais seriam as estratégias de atuação nas mídias sociais digitais, principalmente aquelas que correspondem às atividades de relações públicas. MODELOS DE COMUNICAÇÃO E A VARIÁVEL INTERAÇÃO Dreyer (2014, p. 106) descreveu dez modelos estratégicos de comunicação e relações públicas6 que caracterizam a prática da atividade de 1984 a 2013 e mostrou os aspectos mais representativos em cada um dos modelos com o objetivo de tentar encontrar elementos que indicassem ou fizessem parte de uma comunicação contemporânea. Constatamos que o diálogo, o relacionamento, a integração, a interação e a visibilidade foram os cinco elementos mais citados e, independentemente do período em que foram elaborados seus respectivos modelos, esses elementos são considerados fundantes de uma comunicação na sociedade digitalizada. Além desses, encontramos outros elementos que também contemplavam o conjunto dos modelos, como a simetria, a cooperação, a integração, a visibilidade, a sincronia, a participação, o compartilhamento, o multiculturalismo, o digital integrado à comunicação tradiCartaCapital. As Mais Admiradas. Edição 2013. “Edição Especial – As Empresas Mais Admiradas no Brasil 2013”, nº 16, novembro/dezembro de 2013. ISSN 1980- 1688. 5 A descrição detalhada dos modelos pode ser encontrada em: http://www. teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-13112014-111159/pt-br.php 6 261 cional e ao negócio, a adaptabilidade, a fluidez, a não intermediação, a circulação, o hibridismo e o storytelling. Frente às características que foram percebidas nos dez modelos, optamos por fazer um estudo aprofundado da interação por quatro razões: (1) ela foi uma das características mais presentes nos modelos tanto direta quanto indiretamente; (2) na pesquisa realizada, falamos de modelos de comunicação e relações públicas bem como da atividade de relações públicas na contemporaneidade e isso implica o uso de plataformas com características específicas disponíveis a partir da Web 2.0, como, por exemplo, a interação; (3) entendemos a interação como parte da essência da atividade de relações públicas, visto que estamos falando de relacionamento entre uma organização e seus públicos nas suas mais diversas formas e, por fim, (4) há estudiosos do tema que tratam desta variável como intrínseca à comunicação mediada pelas tecnologias de comunicação. Dessa forma, foi apresentado o conceito de interação7 na visão de quatro autores: (1) Thompson (2014), que desenvolveu uma estrutura conceitual para a análise das interações criadas pela mídia distinguindo três tipos: a interação face a face, a interação mediada e a quase-interação mediada; (2) o conceito para Recuero (2011), onde a interação, assim como as relações e os laços sociais, é um dos elementos de conexão. A autora considera que estudar a interação social compreende estudar a comunicação entre os atores. Para ela, há dois tipos de interação: a interação reativa e a interação mútua com seus respectivos laços: associativo e dialógico; (3) o conceito para Stasiak (2014), que relaciona a interação com a visibilidade na rede e que acredita que a visibilidade inicial promovida pelo consumidor se transforma em interação e, por fim, (4) o conceito para Barrichello (2008 e 2009), que acredita que a interação interfere no processo de legitimação das instituições na contemporaneidade sendo, portanto, uma estratégia de comunicação da visibilidade. O estudo detalhado sobre interação pode ser encontrando em: DREYER, Bianca. Relações Públicas na gestão das estratégias de comunicação organizacional na sociedade digitalizada: um estudo de caso da Nestlé Brasil S/A. 2014. 249 f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. P. 168. Disponível em: http://www.teses.usp.br/ teses/disponiveis/27/27152/tde-13112014-111159/pt-br.php 7 262 Os autores mencionados nos levaram ao conhecimento do conceito de interação por outros estudiosos, como Primo (2007), que estabelece uma tipologia para tratar a interação mediada por computador. Para ele, existe a interação mútua e a interação reativa, como vimos. Dessa forma, frente ao conjunto de autores pesquisados, podemos inferir que o ponto comum entre todos é que as tecnologias de comunicação que surgiram com a Web 2.0 proporcionaram outros tipos de interação que, embora distantes fisicamente, apresentam suas peculiaridades e intensidades. Mesmo Thompson, que traz a noção de interação antes das TICs, reconhece que outras formas de interação podem ser criadas pelo desenvolvimento de tecnologias de comunicação que permitem um maior grau de receptividade. ANÁLISE DA PRESENÇA DIGITAL DA NESTLÉ BRASIL S/A NO CONTEXTO DE UMA SOCIEDADE DIGITALIZADA Descreveremos oito plataformas digitais usadas pela Nestlé. Essas plataformas contemplam a marca institucional Nestlé e a marca Chocolates Garoto. Inicialmente, esclarecemos que a escolha por tais marcas, frente às inúmeras que fazem parte do portfólio da empresa, é justificada pela própria atuação da organização em suas plataformas de mídias sociais digitais com essas duas marcas. A Chocolates Garoto, por exemplo, por ser uma das patrocinadoras da Copa do Mundo, precisou de uma estratégia arrojada e, possivelmente, integrada de comunicação. Além disso, é um caso considerado de sucesso por trabalhar com diferentes frentes digitais e por ter se tornado a maior fanpage de alimentos no País. Esses motivos, portanto, nos levaram a escolher a Garoto para este estudo. Já a marca institucional foi selecionada por ser a marca “mãe”, a representação pura da imagem da companhia e por contemplar todas as outras marcas. Após esclarecermos a escolha das duas marcas, justificaremos a seleção das oito mídias. Na marca institucional, analisamos duas mídias: (1) a fanpage institucional da Nestlé no Facebook e o (2) site corporativo da Nestlé. A fanpage do Facebook foi escolhida por ser a plataforma digital com maior presença da empresa entre as plataformas de mídias sociais digitais existentes para o institucional e o site corporativo por ser uma plataforma considerada básica e pioneira, a qual entendemos que a 263 organização deve usar para também indicar os caminhos para se chegar às demais plataformas de contato com o público. É importante esclarecer que não analisamos o conteúdo destas mídias, pois nosso objetivo era identificar a existência da variável interação. Na marca Chocolates Garoto, analisamos seis mídias: (1) a fanpage da Garoto no Facebook; (2) o perfil da Garoto no Twitter; (3) o perfil do SAC da Garoto no Twitter; (4) o perfil da Garoto no Instagram; (5) o canal da Garoto no YouTube e (6) o site corporativo da Garoto. Essas plataformas foram selecionadas por serem, até o período da observação, todas as frentes de atuação digital da Garoto e, para que pudéssemos entender a presença da marca como um todo no ambiente digital, precisávamos observar as seis. Além disso, como falamos anteriormente, a fanpage da Garoto no Facebook já é considerada um caso de sucesso e isso nos interessava porque queríamos entender quais as estratégias utilizadas. A observação foi realizada de forma aleatória em todas as plataformas. No total, foram doze dias de observação, o que gerou uma riqueza de informações e imagens inviáveis de serem apresentadas na sua totalidade neste artigo. Por esse motivo é que selecionamos apenas alguns exemplos. FANPAGE INSTITUCIONAL DA NESTLÉ NO FACEBOOK8 A imagem e o conteúdo do post que faziam referência à Copa do Mundo. A frase “#EstarJuntosFazBem. Nossos ganhadores adoraram curtir juntos o dia na Granja Comary. Clique em nosso álbum e veja como foi! #EstarJuntosFazBem” representa essa data e ainda demonstra, por meio das fotos, uma relação de proximidade entre alguns clientes/ consumidores e a empresa. Este post é o resultado de interações anteriores que resultaram na visita à Granja Comary. Verificamos a interação entre a empresa e os indivíduos que se manifestaram. Embora os comentários tenham sido negativos e não necessariamente tivessem relação com o conteúdo do post, a Nestlé respondeu individualmente para cada um. NESTLÉ. Facebook. Disponível em https://www.facebook.com/Nestle. Brasil?fref=ts. Acesso em 21/04/2014 e 04/06/2014. 8 264 Segundo os tipos de interação, de acordo com Recuero, classificamos a empresa em uma interação mútua com os indivíduos, pois ocorreu retorno e diálogo por parte da organização, inclusive fazendo uso de outras formas de contato com o público, como o SAC. Além disso, se formos avaliar o contato presencial que ocorreu por meio da visita à Granja Comary, poderíamos ainda classificar a interação como face-a-face, segundo Thompson, pois ocorreu o contato físico e o diálogo no local. Dessa forma, podemos dizer que houve interação em um estágio mais avançado, segundo a classificação de Thompson e Recuero. 265 SITE CORPORATIVO DA NESTLÉ9 O objetivo aqui era apenas identificar a existência da interação com os públicos por meio de programas específicos ou links para acesso a outras plataformas, como o Facebook ou Twitter, por exemplo, onde a interação pode fluir melhor. Portanto, verificamos a presença do link para curtir a página institucional da empresa no Facebook e também a opção de serviço “Fale Conosco”. Esse último direciona para outra página com alternativas de contato. O SAC é organizado por temas e oferece números de telefones de contato para cada assunto ou produto. Há também o serviço de SMS como mais uma opção de escolha para o cliente. FANPAGE DA GAROTO NO FACEBOOK10 O primeiro dia em que foi realizada a observação era um domingo e a empresa postou sete vezes na plataforma. Nos dois dias seguintes de observação, a empresa postou quatro e onze vezes respectivamente. A quantidade de postagens, bem como os dias dessas postagens, revela uma estratégia mais agressiva que a estratégia escolhida para o institucional, por exemplo, e principalmente participativa. A imagem e o texto da figura que mostramos abaixo se referem à Copa do Mundo, ou seja, além de combinar com o mês que marcava o início do campeonato mundial de futebol, também reforçava, de alguma forma, que a marca é uma das patrocinadoras da Copa. A frase “Conheça a história do chocolate que nasceu pra torcer pelo Brasil: htt://goo.gl/j4r6Gz ” demonstra que a empresa provoca interação, pois a mensagem “faz um convite” aos públicos para conhecer a história do chocolate. Embora a maioria das respostas do público tenha sido em função de problemas com o produto, também ocorreram mensagens positivas e a empresa respondeu todos os comentários, o que reforça uma postura positiva da empresa em retornar ao público independentemente de ser em um comentário positivo ou negativo. NESTLÉ. Site Corporativo. Disponível em https://www.nestle.com.br/site/ home.aspx. Acesso em 05/06/2014. 9 https://www.facebook.com/garoto?fref=ts. 09/06/2014 e 10/06/2014. 10 266 Acesso em 08/06/2014, Embora não seja nosso foco avaliar o conteúdo das mensagens, é válido ressaltar a mensagem que aparecia quando clicávamos no link da mensagem. O projeto de criar um chocolate da Copa do Mundo, desde a combinação dos ingredientes até o visual da embalagem, com a participação dos brasileiros, é um dos maiores exemplos de interação com os públicos. Portanto, o post avaliado, além de mostrar a preocupação da empresa em responder aos comentários do público, também é a demonstração dos resultados de um projeto colaborativo construído por meio da interação e participação dos públicos. 267 Além disso, verificamos, no universo de publicações, que a empresa sempre responde aos indivíduos independentemente de ser uma pergunta, um comentário positivo ou negativo. O que ela não responde são reações ou comentários espontâneos das pessoas, até porque, se respondesse, não ficaria uma situação natural. As respostas, quando possível, são realizadas no mesmo dia ou, em alguns casos, no dia seguinte. Por fim, classificamos a interação na fanpage da Garoto, no Facebook, como mútua e com laço dialógico, de acordo com Recuero, pois há o retorno da empresa aos diversos tipos de postagens por parte de seus públicos, como também há conversas que se estendem para outras plataformas ou canais de atendimento ao cliente. Além disso, a variável interação parece fazer parte das etapas anteriores às publicações, como, por exemplo, no próprio ato de planejar a comunicação nas mídias sociais digitais. Este é um fator perceptível no formato das publicações que, como vimos, envolvem os públicos também nos projetos da marca, como no caso da criação do chocolate da Copa do Mundo. O PERFIL DA GAROTO NO TWITTER11 No que refere à interação, podemos dizer que, no Twitter, a interação é menor que no Facebook. No entanto, a empresa tem presença assídua nessa plataforma, mesmo que com publicações em dias não consecutivos. Além disso, as mensagens procuram sempre incluir outras pessoas conectadas ou reconhecidas publicamente, o que acaba sendo um aspecto de interação. Segundo a classificação de Recuero, a Garoto, no Twitter, parece apresentar uma interação reativa com laço associativo, ou seja, é um tipo de interação que ocorre pelo simples fato de uma pessoa decidir seguir o perfil da empresa no Twitter, trocar um link ou ainda mencionar alguém. É diferente do retorno a uma pergunta ou extensão do diálogo praticamente em tempo real que ocorre na plataforma do Facebook, além das inúmeras provocações de interação com os públicos e retornos de tais interações por meio das mensagens, como vimos na presença da empresa no Facebook da Garoto. 11 https://twitter.com/Garoto. Acesso em 09/06/2014 e 10/06/2014. 268 PERFIL DO SAC DA GAROTO NO TWITTER12 Diferentemente da observação do Twitter da marca, como vimos acima, em todas as postagens do SAC, há o ícone “view conversation”, que significa a existência de um diálogo. É interessante observar que, em algumas situações, a empresa interage sem necessariamente estar tratando de problemas que dizem respeito ao SAC, assim como também responde em outra língua, como foi o caso da resposta em Espanhol no exemplo abaixo. Percebemos também a inclusão de links para as outras plataformas de mídia social digital no qual a empresa está presente, assim como o link para o site da marca Garoto. Quanto à interação, acreditamos que a plataforma apresenta uma interação reativa com laço associativo devido às conversas e interações com os usuários. TWITTER. SAC Garoto. Disponível em https://twitter.com/sacgaroto. Acesso em 03/07/2014. 12 269 PERFIL DA GAROTO NO INSTAGRAM13 O período de observação do perfil da Garoto no Instagram foi a semana de 4 a 11 de junho de 2014. Ao longo dessa semana, a empresa postou uma vez no dia 11, uma vez no dia 6 e uma vez no dia 5 de junho. A cada foto, é possível perceber a reação das pessoas nos comentários. Embora a empresa não tenha a mesma assiduidade de postagens como em outras plataformas que já vimos acima, há regularidade e comentários por parte dos públicos. Dessa forma, classificamos a interação da empresa no Instagram como reativa e com laço associativo, segundo a tipologia de Recuero, pois não identificamos um diálogo como nas demais plataformas analisadas. INSTAGRAM. Chocolates Garoto. Disponível em http://instagram.com/garotochocolates. Acesso no período de 04 a 11 de junho de 2014. 13 270 CANAL DA GAROTO NO YOUTUBE14 O objetivo aqui era apenas verificar com que frequência acontecia a presença da Garoto no YouTube, bem como verificar a existência de links para acesso a outras plataformas, como o Facebook ou Twitter, por exemplo, onde a interação pode fluir melhor. Sendo assim, constatamos que a empresa é assídua nessa plataforma, da mesma forma que identificamos os links para acesso às outras mídias sociais. SITE CORPORATIVO DA GAROTO15 Da mesma forma que no site corporativo da Nestlé, o objetivo desta análise era apenas identificar a existência da interação com os públicos por meio de programas específicos ou links para acesso a outras plataformas. Observamos que, na primeira página do site, constam todos os links onde a empresa tem presença digital. Além disso, ao clicarmos no link “Fale Conosco” somos direcionados para outra página onde mais opções de contato com a empresa são oferecidas, como por meio do pre- YouTube.Canal da Garoto. Disponível em https://www.youtube.com/user/ GarotoChocolates/videos. Acesso em 12/06/2014. 14 Garoto. Site corporativo. Disponível em http://www.garoto.com.br/. Acesso em 12/06/2014. 15 271 enchimento de um formulário, telefone do SAC ou ainda as opções das plataformas de mídias sociais, que aparecem novamente nessa página. Por fim, foram também realizadas entrevistas em profundidade para verificar, junto aos três gestores de comunicação entrevistados, como se dava a percepção deles em relação à atuação da empresa no ambiente digital, assim como identificar se existia coerência entre o discurso e as práticas da organização nesse campo. Além disso, por meio das entrevistas, também foi possível identificar se a Nestlé utiliza algum modelo de comunicação integrada digital nas práticas digitais observadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo teve como objetivo apresentar o resultado de uma pesquisa realizada com a Nestlé Brasil S/A sobre sua presença no ambiente digital. Inicialmente, apontamos o conjunto de características de dez modelos de comunicação e relações públicas e optamos por descrever a variável interação por ser considerada a mais presente em todos os modelos. Posteriormente, analisamos a participação da Nestlé em todas as plataformas de mídias sociais digitais na qual a empresa estava presente na época da pesquisa. A observação realizada comprovou a existência da variável interação em todas as plataformas, porém em diferentes tipos ou graus. Foram observadas duas plataformas digitais da marca institucional e seis da marca Chocolates Garoto. Por fim, para verificar a existência de algum modelo de comunicação integrada digital que norteava sua estratégia de comunicação, foram realizadas entrevistas em profundidade com gestores da área de comunicação da empresa. Com base no conjunto dos relatos, percebeu-se que a Nestlé utiliza, em suas ações de comunicação, as características da maior parte dos modelos de comunicação e relações públicas descritos, inclusive, dos modelos mais contemporâneos. No entanto, embora apresente fortemente interação em suas plataformas digitais, não utiliza um modelo específico de comunicação na sua íntegra para atuar no ambiente digital. Para finalizar, o que podemos inferir é que existem inúmeras formas de presença e participação para as empresas em plataformas de mídias sociais digitais e a Nestlé é uma boa referência inicial. 272 REFERÊNCIAS BARRICHELLO, Eugênia M. da Rocha. Apontamentos em torno da visibilidade e da lógica de legitimação das instituições na sociedade midiática. In: DUARTE, Elizabeth Bastos; CASTRO, Maria Lília Dias de (orgs.). Em torno das mídias: práticas e ambiências. Porto Alebre: Sulina, 2008. BARRICHELLO, Eugênia M. da Rocha. Apontamentos sobre as estratégias de comunicação mediadas por computador nas organizações contemporâneas. In: KUNSCH, M. (org.). Comunicação organizacional. v.1. Histórico, fundamentos e processos. SP: Saraiva, 2009. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2011. DREYER, Bianca. Relações Públicas na gestão das estratégias de comunicação organizacional na sociedade digitalizada: um estudo de caso da Nestlé Brasil S/A. 2014. 249 f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. PRIMO, A. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. Porto Alegre: Sulina, 2007. RECUERO, Raquel. Redes Sociais na internet. 2a ed. Porto Alegre: Sulina, 2011. SANTAELLA, Lucia. Entrevista concedida ao site da UNISINOS em 20/11/2011. Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/ entrevistas/504504-nao-ha-divorcio-entre-a-evolucao-biologica-humana-e-a-revolucao-tecnologica-entrevista-especial-com-lucia-santaella. Acesso em 23/06/2013. STASIAK, Daiana.Visibilidade e interação na era da cibercultura: novas propostas comunicacionais para as organizações. Anais. Congressso ABRAPCORP, 2014. THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 15a ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. 273 |6| A FAN PAGE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA Dra. Daiana Stasiak1 e Rhayssa Fernandes Mendonça2 RESUMO O artigo apresenta as percepções da análise comparativa das publicações da Universidade Federal de Goiás3 em sua Fan Page entre os anos de 2013 e 2014. O objetivo é compreender as transformações advindas a partir da adoção de uma nova postura da Instituição em relação à produção de conteúdos específicos para essa rede social on-line. Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Internet, Fan Page, Assessoria de Comunicação. Professora da Comunicação da Faculdade de Comunicação e Informação da Universidade Federal de Goiás (UFG). Doutora em Comunicação (UnB). Mestre em Comunicação e Relações Públicas (UFSM). E-mail: daiastasiak@gmail.com 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação e Informação da Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: rhayssafernandesrp@gmail.com 2 Com 54 anos de existência é a maior Universidade do Estado de Goiás, presente nas cidades de Goiânia, Jataí, Catalão, Cidade de Goiás e Aparecida de Goiânia. Em 2015, conta com aproximadamente 23.000 estudantes, 2.500 docentes, 2.400 servidores técnico-administrativos, 150 cursos de Graduação e 81 programas de Pós-Graduação. 3 INTRODUÇÃO É nítido que o advento da internet tem consequências diretas sobre as rotinas de comunicação das organizações. Entre elas destacamos a autonomia para publicizar informações em plataformas midiáticas como sites4, blogs e redes sociais, as novas formas de interação mútua com os sujeitos (PRIMO, 2007), a recomendação da marca entre as pessoas, o monitoramento das opiniões dos indivíduos para avaliar a reputação on-line (RECUERO, 2009), as novas formas de publicidade, entre outros. Ao mesmo tempo, a abertura da rede traz a fala dos sujeitos e isso torna as organizações vulneráveis, pois se ampliam os espaços para críticas e reclamações sobre produtos e serviços, de modo que as informações oficiais da organização passam a conviver e, por vezes, competir com aquelas feitas pelas pessoas, fator que pode enaltecer ou denegrir a formação da sua imagem. Os avanços tecnológicos aumentam substancialmente o número de informações que circulam. Em todas as áreas que formam a sociedade, os sujeitos assumem o poder de interferir nas mensagens publicadas e isso constrói novos paradigmas. Para Saad (2003), estamos sob um novo paradigma que influência fortemente a construção das estratégias das empresas, em que adentrar no campo das novas tecnologias de informação é algo imposto pelo próprio mercado e seus consumidores, e não por decisões corporativas. A Universidade Federal de Goiás (UFG) percebeu essas transformações e decidiu aderir às redes sociais on-line no ano de 2012, dentre os motivos, os conteúdos sobre a instituição criados pelos sujeitos e a busca pela presença da instituição nas redes sociais estiveram entre os principais, conforme afirmam as jornalistas responsáveis pela comunicação da Instituição5. Desta forma, a Fan Page6 da UFG é criada em 23 de Muitos pesquisadores sugerem as expressões site e portal como sinônimos. Neste trabalho seguimos a denominação de Ferrari (2003) a qual propõe que para ser chamado de Portal, um site deve apresentar grande quantidade de conteúdos vindos de diferentes origens. 4 5 Conforme entrevista concedida para a tese defendida em 2013, no Poscom da UnB. 6 Disponível em: www.facebook.com/universidadefederaldegoias 275 fevereiro de 2012. Em sua descrição feita no item “Sobre” encontramos a frase “Página oficial da Universidade Federal de Goiás, atualizada pela Assessoria de Comunicação da UFG”. Atualmente a página conta com cerca de 47.6007 curtidas. Ao estudarmos essas mudanças, encontramos na área da comunicação organizacional alguns pesquisadores que refletem sobre a insuficiência dos modelos lineares e transmissionistas voltados apenas para a funcionalidade e os resultados da organização. Eles lançam um olhar crítico sobre os fenômenos que surgem a partir da sociedade complexa e sugerem as organizações como atores sociais8, que podem agir como sistemas abertos, guiados pelo paradigma dialógico relacional (OLIVEIRA; PAULA, 2007; CURVELLO; 2009; SCROFERNEKER, 2011). Corroboramos com os autores supracitados e entendemos que a práxis organizacional ainda se adapta às transformações advindas com o desenvolvimento das tecnologias, fato que demanda olhares mais críticos. Neste artigo, escolhemos comparar as ações de comunicação on-line da Universidade Federal de Goiás (UFG) em sua Fan Page durante os anos de 2013 e 2014 com o objetivo de compreender as mudanças de comportamento em relação à presença institucional nas redes sociais, motivadas pelo planejamento e criação de uma equipe específica para a comunicação on-line no ano de 2014. 1. A FAN PAGE DA UFG Em 2013, a Fan Page era composta pelos itens “Fotos” (as imagens publicadas na linha do tempo, no perfil e álbuns específicos), “Opções Curtir”, “Linha do Tempo” e “Mensagem”. Na figura abaixo podemos visualizar uma imagem do processo seletivo como capa e a mar7 Dados de Março/2015. A expressão ator social deriva da corrente de estudos denominada Interacionismo Simbólico que faz parte da Escola Norte Americana e tem como principal expoente o professor George Herbert Mead, da Universidade de Chicago. Para o Interacionismo, as interações humanas constituem o social e a interatividade é algo intrínseco à humanidade. Nesse sentido, os modelos de comunicação lineares são contestados tendo em vista a capacidade humana de interpretar e construir significados (BLUMER, 1980). 8 276 ca da UFG como foto de perfil, além do número de pessoas que curtiam a página (22.134), datadas de 14 de setembro de 2013. FIGURA 1: PÁGINA INICIAL FAN PAGE UFG EM 2013 Em 2014, a página ainda manteve a mesma descrição no item “Sobre”, mas a sua estrutura está diferente, devido às mudanças na rede social. A página ainda possui os itens “Mensagem” no qual as pessoas podem enviar mensagens via inbox para a página e “Fotos” que apresenta todas as imagens postadas. Neste ano foram adicionados “@ufg_oficial” que mostra as fotos postadas no perfil do Instagram da UFG e “Mais” nos qual foi criado o item Regras da Página. Este último destacado na imagem a seguir. 277 FIGURA 2: REGRAS DA FAN PAGE UFG, CRIADAS EM 2014 A denota uma preocupação em manter a reputação da página, enquanto espaço organizado, com regras que conferem credibilidade. A prática pode ser considerada como uma ação de adaptação, às exigências que nascem das interações e com a realidade do ambiente. Conforme aponta Oliveira (2008), a organização busca metodologias que ampliem a capacidade interativa com a sociedade, algo que define a sua reputação, que é um fator de diferença, visto que proporciona a conquista da credibilidade e da respeitabilidade, algo que virá a estabelecer sua legitimidade pública. A “Linha do Tempo” traz todas as publicações realizadas pela instituição desde a sua inserção na rede social. Em 2013, a página apresenta as publicações denominadas “Publicações de outros usuários”, em que os sujeitos em geral, mesmo àqueles que não “curtiam” a página, podem 278 publicar mensagens direcionadas à instituição. Essas ficavam visíveis para todos aqueles que a visitavam. O que pode ser considerada uma das principais mudanças, foi, que em 2014, uma decisão institucional optou por fechar a linha do tempo para publicações de usuários. A medida foi tomada, mediante a constatação que o espaço possuía muitas propagandas e conteúdos desvinculados à Instituição. Em 2013, o item “Opções curtir”, mostra indicações da UFG para outras Fan Pages, nas quais se tem “TV UFG”, “Cine UFG”, “Música no Campus”, entre outros. No ano seguinte, o item “opções curtir” passa a ser denominado como “curtidas desta página”, e ainda apresenta as Fan Pages já citadas. A seguir estão as figuras do espaço da Fan Page em que podemos visualizar os elementos centrais da página nos anos de 2013 e 2014. FIGURA 3: DIFERENÇAS DO CENTRO DA FAN PAGE UFG EM 2013 (ESQUERDA) E 2014 (DIREITA) Consideramos que a facilidade em produzir mensagens e interagir por meio das plataformas da internet leva as organizações a entrar em contato com “um enfoque mais interacional, circular e sistêmico em oposição ao pensamento simplificador, reducionista e linear” (SCROFERNEKER; CURVELLO, 2008, p. 15). Essa é uma postura mais coerente com a atualidade, e que pôde ser observada na Instituição estudada, pois ela investiu em pressupostos não somente de imagem e representação, mas também de construção conjunta, em busca da legitimação e construção de sua reputação diante dos públicos vinculados a ela. 279 1.1 ANÁLISE COMPARATIVA Para a comunicação organizacional, uma grande transformação relacionada à esfera dos meios foi a migração dos veículos para a rede, que trouxe o aumento do espaço e consequentemente mais possibilidades para a publicação de informações. Apesar das informações chegarem aos públicos de diversas formas, as organizações precisaram repensar as características da audiência, pois, mesmo havendo mais espaço on-line, quem decide se irá acessar as informações, ou não, são os públicos, por isso a importância do conhecimento e planejamento das informações relevantes para cada veículo. A presença na internet torna-se um requisito fundamental para as organizações, visto que as tecnologias já são intrínsecas a sociedade. Para Castells (2008, p.10) “As pessoas, as instituições e a sociedade em geral transformam a tecnologia, apropriando-a, modificando-a, experimentando-a. Essa é a lição fundamental, ainda mais verdadeira no caso da internet, uma tecnologia da comunicação”. Assim, a UFG, percebendo a migração dos públicos para as redes sociais passou a se preocupar com a criação de perfis oficiais da Universidade nestes espaços, ocorre que nos dois anos iniciais, eles foram produzidos e atualizados sem planejamento nem equipe específicas, já em 2014, o diagnóstico da necessidade de maior dedicação às redes fez com que a Assessoria criasse um grupo de trabalho responsável somente pelos veículos on-line, em especial a Fan Page, que é considerada o carro chefe entre as redes sociais. Em análise preliminar dos dados administrativos do perfil observou-se uma evolução da Fan Page em seus dois anos iniciais. Em 2013 pode-se considerar que houve um crescimento substancial, pois a página acumulou cerca de 24.000 novas curtidas ao longo do ano. Por sua vez, em 2014 o crescimento quantitativo foi menor, mas não menos importante pois recebe cerca de 14.000 novos curtidores. 1.2 AS POSTAGENS DA FAN PAGE DA UFG EM 2013 E 2014 Foram eleitas como objeto de estudo do artigo as publicações que obtiveram maior alcance em cada mês do respectivo ano. O alcance das publicações é calculado pela Fan Page a partir da união do número 280 de curtidas, comentários, compartilhamentos e visualizações tanto na postagem original quanto naquelas reverberadas pelos sujeitos em seus perfis particulares. A publicação com mais pessoas alcançadas em janeiro de 2013 refere-se a divulgação da segunda chamada do processo seletivo para ingresso na universidade. Possui um texto de 5 linhas e um link, que encaminha para o site do Centro de Seleção da UFG. Foram 3.810 pessoas alcançadas, 55 curtidas na publicação da página e 7 em compartilhamentos, 24 comentários e 16 compartilhamentos. Por sua vez, em 2014, a publicação com mais pessoas alcançadas, no mês de janeiro, também se refere ao resultado do Processo Seletivo daquele ano, e possui apenas uma frase e um link. Foram 3 vezes mais pessoas alcançadas, num total de 12.156. Observa-se que mesmo tratando do mesmo assunto, as publicações possuem formato e conteúdo diferentes. Há uma adaptação do texto, que reduz a informação para uma forma mais direta. No mês de fevereiro de 2013 a publicação sobre o calendário acadêmico alcançou 5.236 mil pessoas. O post de três frases e um link é relevante para os alunos, que precisam do calendário para saber de datas do semestre. Em fevereiro de 2014, a publicação com maior alcance foi sobre a lista de alunos em exclusão da universidade, com 6.852 mil pessoas, 17 curtidas, 8 comentários e 4 compartilhamentos. Apesar de ter maior alcance, a publicação tem uma quantidade menor de curtidas, em relação à publicação do ano anterior. O assunto desta publicação é mais delicado, pois trata de alunos que estão sendo excluídos da universidade, justificando a curiosidade que se reflete no alcance. Ambos tratam de assuntos relevantes para os alunos, um dos públicos considerados prioritários nas redes. Durante o mês de março de 2013, a publicação sobre o resultado do processo seletivo alcançou 7.428 mil pessoas, com 113 curtidas, 42 comentários e 18 compartilhamentos. Essa contém apenas uma frase e um link. Em comparação, a publicação que mais obteve pessoas alcançadas em março de 2014 foi uma nota divulgada pela reitoria explicando a presença de militares no Câmpus, com 9.588 mil pessoas, 136 curtidas, 26 comentários e 18 compartilhamentos. A estrutura é também uma frase e um link. A postagem do ano de 2014 demonstra que por meio da internet a UFG não precisou de uma mediação com 281 outros veículos para interagir com os públicos. Mediante uma situação delicada, o Facebook permitiu que ela se expusesse “com suas próprias palavras” uma alternativa dos novos tipos de visibilidade que proporciona o acesso direto à organização. As postagens são muito diferentes, pela primeira vez, nota-se um número grande de pessoas que recorrem à Fan Page para replicar a postura da Universidade sobre algo que não tem haver com processo seletivo e, mesmo assim se destaca entre as pessoas, a explicação pode ser a de que a nota refere-se a um tema polêmico. Em abril de 2013, a publicação com mais alcance, atingiu 12.137 pessoas, 83 curtidas, 58 comentários e 27 compartilhamentos. O assunto é, mais uma vez, o Processo Seletivo, mas agora relativo ao Preenchimento de Vagas Remanescentes. Em abril de 2014, a publicação sobre a lista de cursos oferecidos e o edital do Processo Seletivo obteve 83 curtidas, 58 comentários e 27 compartilhamentos, totalizando 16.472 pessoas alcançadas. Ambas abordaram processos de ingresso na UFG. A primeira traz um texto de oito linhas e um link. A segunda, conta com apenas uma frase e um link, que exibe uma imagem do cartaz de divulgação do Processo. Em comparação, percebe-se claramente a mudança de estratégia nas formas e conteúdos das publicações entre os dois anos. Nos quatro primeiros meses, houve uma redução na quantidade de texto nas postagens. Há uma objetividade maior nas informações publicadas, bem como imagens produzidas especificamente para o assunto. Em maio de 2013, a publicação relativa ao concurso para técnicos administrativos, conquista 7.892 mil pessoas, 29 curtidas, 4 comentários e 29 compartilhamentos. Na publicação há duas frases com a data para inscrição. Já no mesmo mês de 2014, a publicação com maior alcance é sobre a adesão da UFG ao Sistema de Seleção Unificada (SiSU) com 22.864 mil pessoas alcançadas, 718 curtidas, 118 comentários e 211 compartilhamentos. Em duas frases, a postagem comenta a decisão e convida os alunos para se inscreverem no Enem. Nos dois anos, as postagens abordam formas de ingresso diferentes, uma para servidor e outra de interesse dos alunos. Nota-se mais uma vez que o público de estudantes que buscam ingressar na UFG é superior, nas curtidas os números de 2013 para 2014 saltam de 29 para 718. 282 Na linha dos assuntos mais chamativos, em junho de 2013, uma publicação sobre o Edital para Preenchimento de Vagas Disponíveis, obteve um alcance de 8.432 pessoas. A informação possui quatro linhas e um link sobre o edital. Em junho do ano seguinte, 2014, nota-se uma transformação profunda no assunto de maior alcance. Uma montagem de fotos, com vários Ipês que teve em sua legenda o uso de hashtags9 #UFG #campus2 #campusflorido consegue alcançar 20.784 pessoas, 2.049 mil curtidas, 148 comentários e 128 compartilhamentos. Importante destacar que a postagem de junho de 2014 configura a maior repercussão da página desde a sua criação. Ela segue uma linha diferente de todos os conteúdos postados, pois possui fotos de uma paisagem da universidade e faz uso de hashtags, linguagem popular nas redes sociais da internet. O fato demonstra que as pessoas mudam seus comportamentos e também podem curtir conteúdos mais lúdicos. Conforme se observa na figura a seguir: FIGURA 4: POSTAGEM QUE OBTEVE O MAIOR ALCANCE DESDE A CRIAÇÃO DA FAN PAGE DA UFG O hashtag é um protocolo social compartilhado para se “etiquetar” um tweet, utiliza-se o sinal de sustenido (“hash”, em inglês) antes de uma ou mais palavras que servirão como tag. (PRIMO, 2008b, p.4) 9 283 Com a análise das publicações dos seis primeiros meses dos anos, percebe-se que a página mudou suas publicações, tanto em conteúdo quanto em formato. Com a publicação do mês de junho, é perceptível que a página deixou de publicar apenas assuntos informativos, para publicar um conteúdo que estabelece uma relação diferente com os seus públicos. Lima (2008), aponta que concretamente, isso significa que a organização deixa de ser apenas anunciante, para torna-se produtora de conteúdo cultural. Tais mudanças sinalizam para a necessidade de convocação de sujeitos para uma relação, a partir da qual sentidos, discursos e identidades são criados. No mês de julho, em 2013 a publicação com mais pessoas alcançadas refere-se ao Programa de Isenção do pagamento do Processo Seletivo com 8.616 mil pessoas alcançadas. A postagem tem quatro linhas e um link que repete o assunto. Já em 2014, a publicação sobre um curso gratuito de matemática básica obteve 9.132 pessoas alcançadas. A postagem possui 3 linhas e um link com imagem produzida para o post. Aqui identificamos também a presença do estudante da UFG e não apenas os possíveis ingressantes. Em 2014, os estudantes sentem-se mais inseridos nas redes da UFG e demonstram sua confiança nos materiais produzidos pela Assessoria. Essa afirmação completa-se no mês de agosto de 2014 quando uma arte em homenagem ao Dia do Estudante foi a mais popular, alcançando 5.794 mil pessoas, 552 curtidas, 12 comentários e 54 compartilhamentos. 284 FIGURA 5: POSTAGEM DE CALENDARIZAÇÃO MAIS CURTIDA EM AGOSTO DE 2014 NA FAN PAGE DA UFG A imagem de um lápis com a frase “A todos aqueles que estão sempre dispostos a aprender. Homenagem da UFG ao Dia do Estudante. 11 de agosto” confirma que a mudança na linha das postagens obteve uma boa resposta. Com mais de 500 curtidas e 54 compartilhamentos. Pode ser considerada uma ação positiva, por valorizar um público importante no contexto da Universidade. Por sua vez, em 2013, mais uma vez, no mês de agosto, a publicação de maior alcance foi sobre o Processo Seletivo, com 11.308 mil pessoas, 84 curtidas, 6 comentários e 27 compartilhamentos. No mês de setembro de 2013, a publicação refere-se às inscrições para a comunidade acadêmica fiscalizar concursos do Centro de Seleção. Foram 10.952 pessoas alcançadas. O assunto é de interesse de um público amplo, que são os alunos e servidores da UFG, pois a fiscalização é remunerada. Já em setembro de 2014, a postagem da campanha denominada ‘Estude em Goiás’, desenvolvida pelas instituições de ensino superior públicas do Estado foi a de maior alcance com 4.864 pessoas. O assunto é de extrema relevância social, pois esclarece dúvidas frequentes para aqueles que desejam ingressar no ensino superior gratuito. Pensando 285 na concepção da campanha, que visa divulgar as formas de ingresso e manutenção dos alunos em instituições de ensino superior públicas, o Facebook é utilizado, então, para uma ação de comunicação pública. Conforme Duarte (on-line), isso acontece quando uma instituição viabiliza o direito social coletivo e individual ao diálogo, à informação e expressão. Fazer comunicação pública é assumir a perspectiva cidadã na comunicação envolvendo temas de interesse coletivo. No mês de outubro, as publicações com maior alcance nos dois anos coincidem seu assunto, o Preenchimento de Vagas Disponíveis nos cursos de graduação. Com a análise é possível observar melhor as mudanças na página. Em 2013, a postagem trouxe um texto de seis linhas e um link que direciona para o site da UFG. Esse obtém 11.384 mil pessoas alcançadas, 96 curtidas, 59 comentários e 78 compartilhamentos. Já em 2014, a postagem sobre o mesmo assunto obtém 23.976 pessoas alcançadas, 348 curtidas, 172 comentários e 200 compartilhamentos, a diferença é um texto de apenas três linhas, um link reduzido e uma arte feita especificamente para a postagem. Esteticamente pode-se observar que a publicação é mais atrativa, a imagem encaixa-se com o texto e o uso do link encurtado reduz o tamanho do post. Tratando-se do mesmo tema a de 2014 consegue engajar mais pessoas. Conforme Saad (2003), na web o conteúdo feito apenas com palavras não é o mais importante, mas também as associações visuais, que conferem valor à informação. Isso é constatado com o aumento significativo nos dados numéricos da postagem, demonstrando que a mudança na forma de apresentação do conteúdo foi positiva. 286 FIGURA 6: LADO A LADO, PUBLICAÇÕES DE 2013 E 2014 SOBRE VAGAS DISPONÍVEIS. RESPECTIVAMENTE CONTABILIZARAM 11.384 E 23.976 PESSOAS ALCANÇADAS. No mês de novembro de 2013, mais uma vez, o Processo Seletivo teve a publicação com mais pessoas alcançadas sendo 12.768. Já em 2014, no mesmo mês, a publicação com maior alcance, é sobre o Centro de Esportes da UFG. A postagem faz parte de uma seção denominada #descubraUFG, em que um serviço da universidade é destacado com postagens específicas durante uma semana. O alcance foi de 4.232 pessoas, 226 curtidas, 37 comentários e 12 compartilhamentos. É a primeira vez que os serviços obtém destaque entre os públicos e isso também denota uma mudança de cultura. 287 FIGURA 7: PROJETO #DESCUBRAUFG MOSTRANDO O SERVIÇOS NA FAN PAGE DA UFG No mês de dezembro de 2013, a postagem com 6.960 mil pessoas alcançadas também foi sobre o Processo Seletivo. Essa obteve 24 curtidas, 11 comentários e 8 compartilhamentos. A informação envolve vários públicos, pois se refere à interdição dos prédios da UFG para a realização do Processo Seletivo, algo que atinge os servidores, alunos e aqueles que realizaram a prova. O texto tem dez linhas e cita o nome de todos os prédios interditados. Em mais um contraste sobre as mudanças que ocorreram na Fan Page, em dezembro de 2014, a publicação que mais alcançou as pessoas é uma arte anunciando o final do semestre letivo. Com 6.472 pessoas, obteve 633 curtidas, 11 comentários e 21 compartilhamentos. A publicação contém uma foto, retirada do perfil da UFG no Instagram. A imagem, feita por uma estudante da UFG, recebeu o texto “Outro semestre termina. A UFG deseja boas férias para seus alunos”. Essa postagem obteve vinte e seis vezes mais curtidas do que a publicação de dezembro do ano anterior. 288 FIGURA 8: PUBLICAÇÃO DE MAIOR ALCANCE EM DEZEMBRO/2014 A postagem sobre o fim do semestre e a publicação sobre o dia do estudante, demonstram que a página reformulou suas publicações para dar atenção aos seus públicos, por meio de postagens que agregam valor a estes. Conforme Saad (2009), entre as vantagens competitivas do uso de meios digitais, está a sustentação de relacionamento e de comunidades de interesse. Desta forma, compreende-se que a promoção de campanhas que retratam e valorizam os alunos estreitam o relacionamento entre os sujeitos e a organização. Com isso, observa-se que as transformações sinalizam uma construção em que a página deixa de ser estritamente informativa, para tornar-se um espaço estratégico de relacionamento. Conforme Barichello (2008) é necessário pensar as posições estratégicas e as possibilidades de estabelecer estes vínculos na sociedade midiatizada. Comparando as publicações de maior repercussão de cada ano, percebe-se a importância do planejamento para estratégias digitais e a mudança na página refletida nos números, com aumento considerável de 289 “curtidas”, o fato demonstra que a página tinha uma função mais informativa e replicadora de conteúdos, algo que era importante e para disseminar informações relevantes. Porém, com o novo posicionamento, as postagens são construídas especificamente para as redes sociais, indo além do mero aproveitamento de conteúdos de outros veículos, como site. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a análise das publicações com maior alcance mensal durante os anos de 2013 e 2014, observa-se que a Fan Page da UFG passou por mudanças. Em 2013 identificou-se uma predominância de postagens sobre o Processo Seletivo, com textos e links extensos. Nos doze meses de 2013, em sete deles a publicação de maior alcance referiu-se ao Processo Seletivo. Os conteúdos replicam notícias dos sites da Instituição e não são produzidos especificamente para o Facebook. Já em 2014, as publicações de maior alcance abordaram uma diversidade de assuntos. Ao invés de oferecer apenas informações conforme as demandas do Processo Seletivo, a página fez uso de campanhas para os estudantes, apresentou serviços como o Centro de Esportes e o curso de matemática básica. Isso potencializou a página enquanto fonte de informações institucionais, mas também de conteúdos diversos. Além disso, em 2014, o formato das publicações fez uso de mais imagens e links encurtados, tornando-as visualmente mais chamativas. O investimento em conteúdos diferentes resultou em melhoras quantitativas e também de qualidade. A questão lúdica exposta em posts como o dos ipês cor de rosa e o de desejo de bom final de semestre demonstram uma mudança no perfil das publicações e, ao mesmo tempo, de aceitação e engajamento por parte dos públicos. No momento em que vivemos, já são notáveis outros padrões de sociabilidade advindos das relações on-line que proporcionaram novos modos de interação entre os sujeitos e as instituições. Nesse âmbito, pensamos sobre as instituições que, diante de um novo meio de comunicação e de novos comportamentos sociais, precisaram refletir sobre as formas de publicizar conteúdos e interagir com os seus públicos. Neste sentido, o caso da UFG é significativo, pois, a partir do diagnóstico das formas de publicação inadequadas ao perfil das redes sociais, recorreu ao planejamento e a elaboração de novas estratégias 290 de comunicação voltadas especificamente para esses novos veículos de comunicação. A participação dos sujeitos por meio de compartilhamentos, curtidas e comentários em relação ao ano anterior é uma conquista para a Instituição nas redes sociais on-line. REFERÊNCIAS BARICHELLO, E.M.M.R. Apontamentos sobre as estratégias de comunicação mediadas por computador nas organizações contemporâneas. In: KUNSCH, M.M.K. (Org). Comunicação Organizacional: histórico, fundamentos e processos. V.1. São Paulo: Saraiva, 2009. 386p. CASTELLS, M.. Comunicación, poder y contrapoder en la sociedad red (II). Los nuevos espacios de la comunicación. Telos. Cuadernos de comunicación e Innovación. Abril/Junio, n. 75, 2008. CURVELLO J. J. A; SCROFERNEKER, C. M. A. A comunicação e as organizações como sistemas complexos: Uma análise a partir das perspectivas de Niklas Luhmann e Edgar Morin. E-compós. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, Brasília, v.11, n.3, set/dez, 2008. DUARTE, Jorge. Comunicação Pública. On-line. Disponível em: http:// goo.gl/MOTunf Acesso em: 10 mar 2015 LIMA, F. P. As contribuições do paradigma relacional para o estudo da comunicação no contexto organizacional. Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, 2. Anais... Belo Horizonte-MG: PUC Minas, 2008. OLIVEIRA, I. L.; PAULA, M. A. O que é comunicação estratégica nas organizações? São Paulo: Paulus, 2007. PRIMO, A. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. Porto Alegre: Sulina, 2007. ______. A cobertura e o debate público sobre os casos Madeleine e Isabella: encadeamento midiático de blogs, Twitter e mídia massiva. Revista Galáxia, v.16, 2008. RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. SAAD Corrêa, E. Estratégias para a mídia digital. Internet, informação e comunicação. 1. ed. São Paulo: SENAC, 2003. Vol. 1. 293p. SCROFERNEKER, C. M. A. Contra tendências paradigmáticas da Comunicação Organizacional Contemporânea no Brasil. Encontro da Compós, 20. Anais... Porto Alegre, RS, 2011. 291 |7| O USO DO WHATSAPP NA COMUNICAÇÃO INFORMAL ENTRE OS EMPREGADOS Bruno Carramenha1, Thatiana Cappellano2 e Viviane Regina Mansi3 RESUMO Num mundo cada vez mais conectado e interdependente, assistimos a chegada de novas formas de comunicação, em especial daquelas que permitem acesso, leitura e comentários ágeis. Este artigo pretende investigar o espaço do WhatsApp na comunicação informal das empresas brasileiras a partir dos conceitos de midiatização defendidos por Hjarvard (2014) e Martino (2014a; 2014b), dos desafios da comunicação com os empregados debatidos por Carramenha, Cappellano e Mansi (2013) e Freitas (2009) e de casos concretos do uso não-oficial do WhatsApp. O artigo investiga também se é possível afirmar que o aplicativo midiatizou a comunicação informal nas organizações e quais as possíveis oportunidades e desafios num momento em que há ubiquidade de mídias, diminuição de fronteiras físicas e maior troca de informação, independentemente de elas, de fato, constituírem um processo de diálogo e de pertencimento. 1 Bruno Carramenha – Faculdade Cásper Líbero 2 Thatiana Cappellano – FAAP 3 Viviane Regina Mansi – Faculdade Cásper Líbero Palavras-chave: Comunicação com empregados; Midiatização; Comunicação Informal; Pertencimento; Processos midiáticos. CONTEMPORANEIDADE E A MIDIATIZAÇÃO Segundo o pesquisador dinamarquês Stig Hjarvard (2014), o sujeito contemporâneo está submetido, direta ou indiretamente, à interferência de mídias em seu cotidiano. As atividades básicas do dia a dia - como fazer compras ou ouvir música, por exemplo - são, cada vez mais, realizadas em articulação com algum tipo de mídia, que alteram o modo tradicional de cumprir essas atividades. Esse fenômeno, estudado no campo da comunicação há algumas décadas, recebeu de Hjarvard a definição de “midiatização”, que pressupõe que há uma reorganização da sociedade a partir da lógica das mídias. Esta visão não encara os meios como um agente externo que influencia o indivíduo, mas, sim, como parte indissociável da sociedade contemporânea. A mídia deixa de ser reconhecida como responsável pela organização de processos interacionais entre campos sociais e passa a ser estudada e entendida como fenômeno atrelado - e não auxiliar - à constituição e o funcionamento das práticas da sociedade (NETO, 2008). Hjarvard aprofunda essa questão quando diz que Hoje experimentamos uma midiatização intensificada da cultura e da sociedade que não está limitada ao domínio da formação da opinião pública, mas que atravessa quase toda instituição social e cultural, como a família, o trabalho, a política e a religião. As mídias são coprodutoras de nossas representações mentais, de nossas ações e relacionamentos com outras pessoas em uma variedade de contextos privados e semiprivados, e deveríamos considerar essa revolução significativa também (HJARVARD, 2014, p. 23). A base do entendimento do conceito de midiatização está em reconhecer que se trata de um processo recíproco, portanto, diz respeito à interdependência e às transformações estruturais de longa duração 293 na relação entre a mídia e outros campos sociais. A articulação entre mídia e indivíduos que se estabelece nas relações sociais cotidianas não acontece de forma mediada por uma imposição de uma instituição específica, mas porque ambos - mídia e indivíduos - fazem parte da mesma sociedade. Ao referenciar Hjarvard, Martino afirma que “a midiatização da sociedade é possível por conta da presença das mídias em todos os lugares, a chamada ubiquidade das mídias” (2014a, p. 273). Essa ubiquidade faz com que, muitas vezes, os indivíduos nem percebam conscientemente a articulação das práticas sociais com as mídias. No ambiente organizacional, por sua vez, já parece tão natural convidar um colega de trabalho para uma reunião por meio de emails, que há quem não consiga imaginar como era a vida corporativa antes dos computadores. Nota-se que a perspectiva que a mídia assume no contexto da midiatização da sociedade é relacional e não causal (MARTINO, 2014b, p. 240), ou seja, em vez de gerar efeitos sobre a sociedade, os meios fazem parte do contexto social e estão naturalmente integrados a ele. Esse entendimento fica ainda mais claro quando consideramos que os produtores de conteúdo das mídias são também consumidores do que é veiculado nesses mesmos meios. A mídia é, ao mesmo tempo, parte do tecido da sociedade e da cultura e uma instituição independente que se interpõe entre outras instituições culturais e sociais e coordena sua interação mútua. A dualidade desta relação estrutural estabelece uma série de pré-requisitos de como os meios de comunicação, em determinadas situações, são usados e percebidos pelos emissores e receptores, afetando, desta forma, as relações entre as pessoas. Assim, as questões tradicionais sobre o uso e os efeitos dos meios de comunicação precisam levar em consideração as circunstâncias nas quais a cultura e a sociedade passaram a ser midiatizadas (HJARVARD, 2012, p. 55). Isto posto, pode-se dizer que os meios oferecem um espaço para o debate e interação, ao mesmo tempo em que, como instituições, influenciam e intervêm na atividade de outras instituições, tais como família ou empresas (HJARVARD, 2012, p. 68). 294 MÍDIAS DIGITAIS O conceito de midiatização, da forma como abordado neste artigo, emerge no campo da Comunicação a partir dos anos 2000. Está, portanto, fortemente vinculado - mas não exclusivamente - a um tipo de mídia que se desenvolveu também neste período: as mídias digitais4, especialmente as mídias sociais na internet5. Segundo o historiador Juliano Spyer, o conceito de Web 2.0, difundido como sinônimo de tecnologia colaborativa, foi cunhado para simbolizar uma nova era da internet pós-estouro da bolha e diferenciar os novos sites daqueles que foram afetados pela crise. O termo, criado pela O’Reilly Media, empresa de comunicação, “deveria distinguir sites ou aplicativos com baixo custo de desenvolvimento, em que o conteúdo surge de baixo para cima (Bottom-up) a partir do relacionamento entre participantes (User Generated Content) (SPYER, 2007, p. 28). Este novo tipo de tecnologia permitiu o surgimento do que Clay Shirky chamou de cultura da participação, valorizando as contribuições sociais do uso das novas tecnologias e atribuindo a grande parte disso ao baixo custo que têm aos usuários. Se antes apenas grandes grupos de comunicação podiam produzir e distribuir conteúdo de comunicação com alto alcance, hoje, qualquer um pode criar um blog e se fazer ouvido no mundo todo. “Novas ferramentas não causaram esses comportamenLuis Mauro Sá Martino em Teoria das Mídias Digitais (2014: p. 10) defende este termo, apesar de reconhecer, citando Chandler e Munday, que às vezes é intercambiado com outros vocábulos como “novas mídias” e “novas tecnologias” e expressões derivadas. “De algum modo, essas expressões procuram estabelecer uma diferença entre os chamados “meios de comunicação de massa” ou “mídias analógicas”, como a televisão, o cinema, o rádio, jornais e revistas impressos, dos meios eletrônicos” (op. cit). 4 Ferramentas que permitem a formação de discussões entre pessoas e empresas na rede. Elas promovem vida em comunidade e cooperação, possibilidade de alterar ou misturar criações de terceiros, melhor experiência on-line, diversão, educação, controle e domínio do que queremos buscar ou usar, abrindo espaço par assuntos muito específicos e colocando o usuário em primeiro lugar é no centro das atenções (CIPRIANI, 2011, p.5) 5 295 tos, mas o permitiram. Uma mídia flexível, barata e inclusiva nos oferece agora oportunidades de fazer todo tipo de coisas que não fazíamos antes” (SHIRKY, 2011, p. 61). A pesquisadora brasileira Elizabeth Saad Corrêa propõe esta abordagem da colaboração a partir de um olhar para o impacto que as mídias digitais têm na comunicação corporativa. Para a professora, o ciberespaço6 recebe um novo ciclo de reconfiguração do processo comunicacional, por meio da colaboração, participação, recomendação, expressão: Passamos a considerar variáveis como simetria comunicacional (o equilíbrio dialógico entre emissores e receptores), conversações (a mudança narrativa da mensagem) e a integração midiático-informativa (ou uma das possibilidades de convergência de conteúdos e suportes), como parte desse processo” (CORRÊA, 2009, p. 171). De forma complementar, Jue, Marr e Kassotakis afirmam que a participação pode acontecer de várias maneiras. “Pode ser simplesmente a visualização de informações que estavam escondidas de nossas vistas, mas muitas vezes é uma forma de comunicação, colaboração e contato com qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer hora” (2011, p. 5). Para eles, trata-se da interação entre indivíduos e grupos que desperta um potencial infinito de compartilhar mais e aprender mais do em qualquer outro período da história. A mídia da moda, aquela que todo mundo usa e desponta como fenômeno contemporâneo, depende, essencialmente, de dois fatores vinculados à sua relevância: tecnológico e humano. Para estar na “crista da onda”, as mídias digitais precisam combinar adequadamente esses fatores interdependentes. Do ponto de vista tecnológico, é necessário, por um lado, que a tecnologia usada seja simples e intuitiva - as pessoas não estão dispostas a dispender tempo para aprender a usar um novo sistema -, mas, por outro, tem de apresentar uma inovação suficientemente relevante para substituir aquela que era utilizada até então. Segundo Martino, ciberespaço é um “espaço de interação criado no fluxo de dados digitais em redes de computadores; virtual por não ser localizável no espaço, mas real em suas ações e efeitos (2014, p.11) 6 296 Já do ponto de vista humano, a relevância de uma nova mídia estará vinculada à capacidade que ela tem de reunir pessoas e conteúdos interessantes em torno dela. A interação faz mais sentido quando acontece entre pessoas que se reconhecem como semelhantes e a partir da troca de conteúdos que façam sentido para seu contexto. Neste cenário, os comunicadores instantâneos (SPYER, 2007) encontram um espaço de desenvolvimento, visto que, em geral têm interface fácil e, pela sua natureza, viabilizam o relacionamento de indivíduos por meio da intermediação tecnológica. O Brasil foi pioneiro na popularização deste tipo de ferramenta, incialmente por meio do ICQ e, mais recentemente, utilizada em smartphones, para o qual o destaque fica com o WhatsApp, objeto de estudo deste artigo, que será desenvolvido adiante. Grande parte das organizações demonstrou algum tipo de resistência na adoção corporativa dessa tecnologia, mas é possível concluir, a partir da análise prévia realizada acerca do processo de midiatização da sociedade, que o fenômeno se integrou no ambiente organizacional e que a adoção deste tipo de tecnologia - mesmo quando à revelia da gestão - já está incorporado na relação dos indivíduos. A COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS E SUA IMPORTÂNCIA NAS ORGANIZAÇÕES A comunicação interna evoluiu. Cresceu em importância, em complexidade e em objetivo. Já foi entendida unicamente como um processo funcional, a partir do desenvolvimento e gestão de diferentes meios que alcançam os empregados para informá-los. Hoje, é compreendida e praticada a partir das transformações sociais decorrentes do contexto contemporâneo (CARRAMENHA, CAPPELLANO E MANSI, 2013), numa perspectiva mais dialógica. Não há mais espaço para dizer que existe uma comunicação que seja efetivamente interna: ou seja, que fique limitada aos muros ( físicos ou imaginários) da própria organização. O empregado é, sempre foi, e mais do que nunca permanecerá sendo um cidadão do mundo, pertencente a um ambiente muito mais amplo do que o de sua vivência corporativa. É notável, porém, que as características digitais nas quais estão imersas as empresas e seus empregados acentuaram tal realidade. A in297 teração, o relacionamento e a transparência, tão comuns ao ambiente digital, também são questões essenciais desse posicionamento contemporâneo da comunicação com empregados. A informação que antes o empregado dividia no almoço de domingo com a esposa, amigos e familiares hoje é compartilhada em tempo real com todos aqueles que fazem parte de seus grupos virtuais – pessoas que, muitas vezes, nem se conhecem, porém acreditam no que o outro diz a respeito de uma marca, produto ou situação. Estão juntos, encontram-se e compartilham opiniões e vivências porque têm interesses comuns. E para o empregado não faltam assuntos a serem partilhados: um feedback às avessas do chefe ou um elogio; não encontrar o departamento médico que mudou de sala; saber da crise financeira da companhia através dos jornais; não ter uma resposta quanto ao seu pacote de benefícios; ver o projeto ao qual se dedicou ser descontinuado pelos entraves burocráticos. Tudo comunica. (CARRAMENHA, CAPPELLANO E MANSI, 2013, p. 15). Além disso, não se pode perder de vista a questão da complexidade, que nos lembra que a comunicação com empregados pode ser vista a partir de um campo muito mais amplo que o estudo exclusivo da comunicação. O ambiente no qual estão imersas as organizações e seus empregados é reflexo do contexto social externo, que é múltiplo, diverso e alastrado em uma necessidade de visão sistêmica. Assim, É necessária visão multidisciplinar e transparece a correlação com profissionais oriundos de várias áreas de conhecimento humano: Administração (gestão de pessoas ou recursos humanos), Psicologia, Sociologia, Linguística, Antropologia Cultural, Cultura Organizacional, Letras (Semiologia) e outros que colaboram na concepção e na execução de programas. (FREITAS, 2009, p.140). A partir deste enquadramento é possível definir um novo olhar para a “antiga” disciplina da comunicação interna: esta passa a ser, agora, uma efetiva forma de gestão baseada primordialmente na construção do diálogo, a partir do qual é possível estabelecer-se um sentido mais significativo tanto para a empresa quanto para os empregados. É uma 298 visão que privilegia a conversa, o ouvir, a convivência, menos voltada para a dimensão do comando-controle que estivemos acostumados no passado e mais aberta a criar valor a partir da experiência, criatividade e inovação daqueles que fazem parte da organização. O diálogo implica conversa. Falar e ouvir. E, então, é possível que haja o compartilhamento de significados, que permite a criação de sentidos. O diálogo, portanto, é algo que inclui. Como diz Mansi, é um estágio mais maduro do processo de comunicação: Comunicação é uma via de mão dupla, de troca, de compartilhamento. Diálogo é um espaço de transformação, de criação de sentido, de reinterpretação de realidade a partir da convivência. Não se trata de ver comunicação e diálogo como princípios opostos, mas com diferentes graus de profundidade. O caminho do diálogo passa pela comunicação, como uma primeira etapa, em que os indivíduos se conheçam, convivam, estabeleçam confiança para, num segundo momento, alcançar um estágio mais profundo de interação (MANSI, 2014, p. 155). Se o diálogo inclui, é possível defender que ele perpassa pelo desejo de pertencimento. Isso é fundamental para que haja o fortalecimento das relações que se constituem entre os membros de um determinado grupo. São essas relações que permitem ao empregado (enquanto Sujeito de um dado contexto que o precede na organização) efetivar a vivência deste desejo, principalmente, a partir da lógica da comunicação comumente conhecida como informal. Tal característica é a base para se entender os motivos que levam a comunicação informal a ser tão presente, assertiva e envolvente. A COMUNICAÇÃO INFORMAL A comunicação informal nasce no seio das relações interpessoais e interfere na maneira pela qual os indivíduos trocam significações a respeito daquilo que é de interesse comum para um determinado contexto ou grupo. Essa troca promove o enlaçamento social, ou seja, o posicionamento do Sujeito enquanto parte de um elo de pertencimento e reconhecimento com o Outro. Assim, diz Marques (2011) que “a conversação informal é marcada, em um primeiro momento, pelo prazer de estar junto, 299 de compartilhar expectativas vividas com o outro, sem a preocupação de atingir metas e objetivos a curto ou longo prazo” (2011, p. 19). Dentro das corporações não é diferente. A comunicação informal (que opõe-se àquilo que se denomina por comunicação formal) ocorre fora dos canais oficiais da organização. Enquanto a comunicação formal ocupa-se prioritariamente a disseminar as normas, os objetivos e as metas da organização, a comunicação informal é feita pelos empregados desprendidos de suas funções profissionais e de seus cargos e funções, o que incrementa o processo formalmente prescrito. Os dois processos (o formal e o informal) operam de maneira autônoma, mas interdependente: um se cria na medida em que o outro deixa espaço para livres, e novas, interpretações. Afinal, o sujeito presente em um processo de comunicação não é passivo. Ele modifica e é modificado, codifica e decodifica, é emissor e receptor, de tal forma que expectativas, compreensão e sentidos daquilo que é comunicado se atualizem constantemente. Assim, deve-se considerar que a comunicação informal é de natureza dialógica. Devido às suas características, exploradas logo a seguir, a comunicação informal facilmente ganha seu espaço. Isto se dá porque o diálogo pode acontecer entre emissor e receptor sem que haja o uso de uma mídia que o suporte. Isto gera a segunda característica da comunicação informal: uma narrativa prioritariamente centrada na pessoa que fala e na sua experiência, fato que aproxima o universo de referência dos interlocutores e, portanto, faz com que a narrativa seja mais atraente. Por fim, como terceira característica, está a “presentificação” da intenção, da opinião e da verdade do interlocutor, pois os significantes ditos ganham gestos e expressões. Assim, a efetividade da comunicação aumenta, uma vez que as chances para instalação do ruído diminuem. É um espaço onde há confiança. Por isso, pode-se dizer que a comunicação, nesse caso, irá acontecer de maneira mais afetiva, já que está em um ambiente compreensivo de maior campo semântico e relacional - sem que se percam de vista os conceitos pressupostos na base de qualquer natureza comunicacional. Dadas tais características, a comunicação informal, nas organizações, muitas vezes acaba sendo considerada mera especulação, algo de tom pejorativo e, por isso, desprezada. 300 Este artigo nos convida, no entanto, a rever essa relação que temos com a comunicação informal. Não se pode resumi-la simplesmente ao campo do ruído: este, apesar de ser inerente a todo e qualquer processo comunicacional, de toda natureza, representa mais do que apenas desordem. Oliveira e Alencar (2013, p. 206) lembram que “considerar a existência do ruído com parte dos processos de interação é reconhecer que todo sistema é autônomo, mas dependente porque precisa do meio para se reorganizar”. Consequentemente, cabe às organizações capturar os significados compartilhados pela comunicação informal, a fim de aperfeiçoar o conteúdo disseminado pela comunicação formal, ao invés de tentar apenas controlá-la e eliminá-la. É preciso considerar, ainda, que algumas características se sobressaem na comunicação informal, tais como a inclusão, a igualdade, a sinceridade, a reciprocidade. Assim, não resta espaço para preconceito já que o objetivo deste processo de comunicação não é converter a opinião de um à do outro, mas sim ampliar o conhecimento prévio a um determinado tema (ou a muitos). Como nos lembra Provedel, Trata-se de um fenômeno que se dá a partir de um contexto de redes de relacionamento, onde há uma ou mais pessoas, existindo uma interação dialógica, ainda que em nível informal, possuindo potencial para contribuir com a construção de sentido nas organizações, uma vez que tem em sua essência o propósito de dar sentido e significado ao contexto no qual o boato surgiu, buscando explicações a respeito dele (PROVEDEL, 2013, p. 142). Finalmente, nos propusemos a investigar, nesse artigo, quais interferências – e novos diálogos – a tecnologia e as mídias digitais, especialmente o WhatsApp, trazem para o entendimento dessa realidade. WHATSAPP E A COMUNICAÇÃO INFORMAL WhatsApp Messenger (cujo nome é um trocadilho com a expressão inglesa What’s Up, que, em tradução coloquial significa “E aí?”) é um aplicativo multiplataforma que permite trocar mensagens pelo celular sem pagar por SMS. Usa o plano de dados de internet previamente adquirido pelo usuário para e-mails e navegação. Assim, não há custo para enviar mensagens e ficar em contato com sua a rede 301 de relacionamento. Além das mensagens básicas de texto, os usuários do WhatsApp podem criar grupos, enviar mensagens ilimitadas com imagens, vídeos e áudio, além de valerem-se do uso de emoticons7 para a expressão de emoções no ambiente virtual. Dessa forma, é possível trocar todo tipo de conteúdo de forma rápida, de onde quer que o usuário esteja, bem como é possível criar grupos de contatos para que a conversa se dê entre vários usuários. Presente no bolso de 92% dos usuários de smartphones no Brasil, o WhatsApp é um tipo de mídia ideal para exemplificar a conceituação de midiatização proposta por este trabalho. Objeto de estudo deste artigo, o WhatsApp se insere e se articula com a comunicação informal das organizações, tornando-se parte natural dela. Uma das principais características do processo de midiatização é a adaptação das práticas cotidianas e das instituições à lógica de cada mídia, isto é, ao modus operandi particular de cada uma delas. Pensando nas mídias digitais, por exemplo, a lógica das mensagens via celular exigem textos relativamente curtos e diretos - quem decidir interagir com outra pessoa a partir dessa mídia precisa, de alguma maneira, se adaptar a essa lógica. (MARTINO, 2014a, p. 272) O WhatsApp surge na sociedade contemporânea como mais um aplicativo entre os milhares disponibilizados nas lojas virtuais da Apple e do Google, entre outras. De interface bastante simples e com um conceito relativamente inovador (a troca de mensagens instantâneas e gratuitas pelo celular, utilizando apenas a transferência de dados, o que o posiciona numa alta relevância tecnológica), o WhatsApp galgou rapidamente os mais altos patamares do fator humano da relevância: usado por 450 milhões de pessoas por mês, tem alto poder de engajamento: 70% que têm o Forma de comunicação paralinguística, um emoticon, palavra derivada da junção dos seguintes termos em inglês: emotion (emoção) + icon (ícone) é uma sequência de caracteres tipográficos, tais como: ^-^, :), :(, :3 e :-); ou, também, uma imagem (usualmente pequena), que traduz ou quer transmitir o estado psicológico, emotivo, de quem os emprega, por meio de ícones ilustrativos de uma expressão facial (WIKIPÉDIA, 2015). 7 302 aplicativo instalado em seus celulares o manuseiam diariamente. Por dia, registra 1 milhão de novos usuários, segundo o G1 (2014). PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS É possível identificar, na perspectiva deste artigo, algumas características comunicacionais do WhatsApp, especialmente se considerarmos seu uso dentro das organizações. A seguir, exploramos cada uma delas: Enlaçamento: O WhatsApp baseia-se essencialmente no uso da comunicação escrita ou falada. Ambas têm condição de permitir a formação do diálogo. Assim, torna-se factível considerar o caráter formador de laço social desta ferramenta, uma vez que o diálogo produz a sensação de pertencimento. A própria lógica do contexto digital e em rede nos coloca diante da criação do laço: elas, as redes, têm por base os relacionamentos estruturados desta forma, que são em si mais democráticas e flexíveis. Sincronicidade: Comumente, ambos, emissor e receptor estão online ao mesmo tempo. Assim, efetivamente, configura-se a ideia de um diálogo, como se ambos estivessem frente a frente no momento da conversação. “Perecibilidade”: O conteúdo é importante, válido e relevante (e deve ser consumido) somente naquele espaço de tempo. Não se pode confundir o nome deste tópico com a ideia de efemeridade dos laços em redes – que se caracterizam pela fácil dissolução. Tal característica não se presentifica no contexto de utilização do WhatsApp. Isto porque, no contexto organizacional, existe um agrupamento social prévio à criação de um grupo virtual no aplicativo. Desta forma, não se pode imaginar que um indivíduo que pertença a um determinado grupo no WhatsApp poderá, ao “abandoná-lo” a qualquer momento, se desvencilhar também dos laços prévios preexistentes. Dada a existência de uma cultura organizacional, as regras, normas e comportamentos que precedem o empregado, de alguma maneira, determinam (ou deveria determinar) seu comportamento – e não é factível acreditar que o empregado possa deliberadamente isolar-se do seu entorno. Descorporificação: Ponto de extrema importância é a questão da ausência do corpo na comunicação que se estabelece pelo WhatsApp. Apesar de este estar fortemente centrado na comunicação verbal, oral e escrita, o corpo em si não se presentifica. Ou seja, todas as caracterís303 ticas complementares da mensagem quando esta é dita face a face, que colaboram para o aumento do entendimento do conteúdo disseminado, desaparecem quando o corpo não está presente. Talvez por esse fato seja possível compreender porque a comunicação no WhatsApp se valha fortemente de outros recursos, tais como o uso de emoticons, fotos, vídeos e, até mesmo, as mensagens de áudio (que carregam junto consigo o tom da fala daquele que a emite). Amplificação: Se a comunicação informal se dá no momento da troca de conteúdo entre um indivíduo e outro (e por isso limita-se ao espaço de alcance do corpo – da fala e dos gestos), no caso do uso do WhatsApp tal característica ganha amplitude. Agora, não é mais necessário que duas pessoas estejam compartilhando o mesmo espaço físico, simultaneamente, para que a comunicação informal possa ocorrer: basta enviar uma mensagem ao grupo. Desta forma, a comunicação que se estabelece no WhatsApp amplia o espaço de abrangência do discurso, tornando a dimensão física da distância irrelevante e a obrigatoriedade da presença física dispensável. Segurança: Uma vez que, em sua maioria, o aparelho utilizado pelo empregado é particular, e o foro de diálogo é privado (constituído por indivíduos previamente selecionados a formar aquele determinado agrupamento), a sensação de segurança e conforto, que permite ao indivíduo expressar de forma aberta suas ideias e até mesmo algumas opiniões polêmicas, torna-se maior. Assim, é possível dizer que no WhatsApp a comunicação que se estabelece é de característica privada (e não pública) e, de certa forma, pessoal (e não profissional). A partir dessas características, observaremos algumas práticas de organizações. EVIDÊNCIAS: OBSERVAÇÕES EMPÍRICAS A fim de demonstrar evidências relacionadas ao tema objeto de estudo, faz-se necessário refletir sobre situações que ocorrem no ambiente interno das organizações. Assim, as ocorrências descritas a seguir são resultado da observação empírica, feita pelos autores, do fenômeno que é objeto deste artigo e são índices da reflexão proposta. O empirismo se caracteriza por fugir dos métodos científicos tradicionais e fazer uso da sabedoria adquirida pelas percep304 ções que se tem do mundo, ou do objeto de estudo. (...) Podemos dizer que a pesquisa empírica se utiliza da sabedoria e do conjunto de percepções que o pesquisador tem sobre um objeto e que pode vir a ser comprovado pelo método científico. CARNEIRO et al, 2011, p.4) O SOBRENOME DO PRESIDENTE Numa indústria multinacional com mais de 170 mil empregados no mundo, localizados na sede da empresa em São Paulo, um grupo de empregados de cerca de 20 membros, de diferentes gerências de uma mesma diretoria, mantém um grupo de WhatsApp. Parte do grupo é composto por terceiros. O nível hierárquico participante é múltiplo, sendo o cargo mais alto um gerente executivo. Diariamente, os membros do grupo se comunicam com o intuito de se manter atualizados sobre os acontecimentos da companhia. O nome do grupo, que carrega o sobrenome do presidente da corporação, dá vazão à comunicação informal e permite que todos - de qualquer nível hierárquico – relatem suas notícias. Além de conteúdo de caráter cotidiano (como, por exemplo, a escolha de um local para almoço), parte do conteúdo versa sobre questões relacionadas à gestão. Algumas merecem destaque: a prática de desligamento, que acontece quando um dos membros fala ou antecipa casos de demissão, é uma delas. Vale notar, nesse caso, que os membros desligados permanecem no grupo mesmo após rompimento do vínculo empregatício – característica importante a ser considerada pelas estruturas de gestão, uma vez que tais membros podem vir a fazer parte de empresas concorrentes no futuro. E, também, característica esta que comprova a existência do enlaçamento preexistente no contexto não virtual. Amigos (...) tenho uma notícia para dar em primeira mão e um convite a fazer. Acho que poucos de vcs sabem, mas estou saindo da Companhia na próxima semana. Foram 3 anos incríveis, mas meu ciclo se encerrou. Pelo menos por ora, do jeito que está. Em algum momento deve sair um anúncio oficial sobre as mudanças. Quero combinar de fazermos um almoço de despedida na próxima quarta. Prometo não irmos ao lugar de sempre, pq quero que o Paulo vá! Rs... E o 305 convite vale, obviamente, também para as egressas Patrícia, Leda e Alice. (sic)8. Outra prática observada no grupo de WhatsApp desta organização é a de conversas e referências jocosas à gestão da área, realizada por um diretor executivo. São frequentes as conversas relacionadas ao comportamento deste gestor ou situações que envolvem sua participação, conforme ilustra o exemplo abaixo, tirado do mesmo grupo. Genteeeee! Tava fumando um cigarro agora e apareceu o Paulo Silveira [Vice-presidente de Recursos Humanos] e ele ficou me instigando, perguntando o que eu achava de trabalhar com o Palhares [diretor da área]. Me disse que percebe que ele está tendo problemas de adaptação, mas que é normal. Meuuuu, muito estranho ele vir com esses papos pra cima de mim. Eu fiz de morto e fingi que estava tudo bem entre nós kkkkkk (sic. Trecho concedido por um Gerente da empresa em questão)9. BOLÃO DA DEMISSÃO Neste caso, o grupo é formado por diferentes níveis hierárquicos, sendo o mais alto um membro da gerência executiva e o mais baixo um analista (entre empregados e ex-empregados que permaneceram no grupo) de uma multinacional de serviços de tecnologia. Anualmente, após anúncio dos resultados e dos valores referentes ao programa de participação nos lucros, demissões sistemáticas ocorriam. Assim, esse contexto cíclico que antes era discutido no ambiente da comunicação informal migrou para a plataforma do Whatsapp. No final do ano de 2013, formou-se a comunidade virtual “Bolão da demissão”, que passou a especular sobre o nome dos possíveis desligamentos daquele ano. Além dessa pauta inicial, o grupo manteve conversas a respeito de outros temas da companhia, dando vazão por meio desta Trecho concedido por um gerente da empresa em questão. Os nomes foram alterados para preservar a confidencialidade do conteúdo. 8 Trecho concedido por um gerente da empresa em questão. Os nomes foram alterados para preservar a confidencialidade do conteúdo. 9 306 mídia das angústias relacionadas a líderes específicos, demais colegas e incoerências da gestão. CONSIDERAÇÕES FINAIS Amplamente popularizado, o WhatApp passou a fazer parte da dinâmica das relações sociais e integrou, de fato, a forma pela qual as pessoas trocam informações. No contexto informal das organizações, em que a comunicação ganha mais propriedade, por ser criada e desenvolvida à luz do interesse dos empregados, ganhou ainda mais força, pelas próprias características que apresenta – enlaçamento, sincronicidade, perecibilidade, descorporificação, amplificação e segurança. O indivíduo, que ao mesmo tempo é produtor e consumidor do conteúdo que circula pelo WhatsApp, mesmo estando submetido a um conjunto de normas e cultura que regem o ambiente que lá se estabelece, encontra espaços para falar e ser ouvido, criando e recriando uma comunicação mais pertinente às suas necessidades e interesses. Midiatizando as relações empregatícias do ambiente organizacional, o WhatsApp amplia os espaços de comunicação na empresa, mesmo que não formalizado entre as ferramentas oficiais de informação da organização. Caracterizado como uma rede social, por se tratar de uma plataforma que permite a “formação de redes de pessoas conectas e pequenas comunidades virtuais” (CIPRIANI, 2011, p. 6), o WhatsApp carrega as particularidades deste tipo de mídia digital. Ao propiciar a formação de laços, da mesma forma como acontecia anteriormente nos grupos presenciais, ou seja, na conversa de corredor, o laço, como já referenciado, gera pertencimento, o que dá identificação ao indivíduo como membro de um grupo. Importante reforçar que o ineditismo aqui conferido ao WhatsApp se dá porque, apesar de outras mídias anteriormente se apresentarem como ferramentas de mediação da comunicação informal, nenhuma delas, até então, foi capaz de reunir todas as características essenciais para se inserirem de forma orgânica na dinâmica da comunicação informal. O telefone, por exemplo, apresar de também prescindir a presença física, não permite com facilidade a transmissão de informações em grupo com a simultaneidade de interações. O e-mail, assim como o SMS, não 307 pressupõe a sincronicidade, enquanto o WhatsApp permite o (e se vale do) diálogo instantâneo. Nenhuma outra mídia oferecida pela empresa como veículo de Comunicação está livre de ser auditada. 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Acesso em 09 nov. 2014 309 |8| ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL DA EMBRAPA: IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO Maria Eugênia Ribeiro1 RESUMO Esse trabalho tem por finalidade analisar o processo de inserção da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no ambiente das mídias e redes sociais, quais estratégias adotou ao se preparar para ingressar de maneira institucional nesse ecossistema e como utiliza-se das estratégias de comunicação organizacional digital para divulgar suas ações e fortalecer o relacionamento com seus públicos de interesse. Além disso, são apresentados modelos de estratégias e abordada a importância do planejamento e do monitoramento quando se pretende atuar no ambiente digital de maneira estratégica. O artigo objetiva também analisar a atuação da Embrapa na rede social Facebook, por meio de revisão de literatura, pesquisa documental, análise de conteúdo e entrevistas semiestruturadas. Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Comunicação Digital; Estratégia; Mídias sociais; Redes Sociais. MestreemComunicaçãoSocialpelaUniversidadeMetodistadeSãoPaulo(Umesp)ejornalistadaEmpresaBrasileiradePesquisaAgropecuária(Embrapa). 1 INTRODUÇÃO A utilização das tecnologias digitais pela sociedade atual vem provocando profundas mudanças em todo o processo de comunicação. No Brasil, assim como na maioria dos países ocidentais, as empresas de comunicação e as demais instituições públicas e privadas também foram levadas a se inserir nessa nova modalidade. Desde o surgimento da internet, as empresas começaram a utilizar suas ferramentas para incrementar processos de gestão, vendas, logística e, principalmente, a comunicação com seus clientes ou com seus públicos de interesse. Passaram a utilizar o e-mail para a troca de informações, criaram páginas na internet, blogues e investiram em sistemas cada vez mais modernos visando agilizar os processos, atender seus clientes com mais rapidez e se relacionar de maneira cada vez mais próxima com eles. Com a disseminação das redes e mídias sociais estas também passaram a ser incorporadas pelas organizações como ferramentas de comunicação. A Embrapa foi uma das primeiras instituições públicas do país a se preocupar em estabelecer procedimentos para orientar as ações de comunicação e ainda na década de 90 publicou a sua Política de Comunicação Empresarial que a consolidou como um processo de gestão da organização. Com o avanço das tecnologias de comunicação e informação, a empresa teve que promover mudanças também em suas já consolidadas estratégias de comunicação. A organização promoveu ações voltadas para o planejamento de sua atuação nas mídias e redes sociais antes de ingressar de maneira institucional nesse ambiente, estabelecendo normas específicas para esse ecossistema digital. Esse trabalho tem por objetivo identificar as estratégias de comunicação organizacional digital utilizadas pela Embrapa e verificar como a atuação nas mídias digitais conectadas e nas redes sociais digitais contribuem para o aprimoramento da divulgação das tecnologias, processos e serviços da empresa, assim como verificar como ocorre o diálogo e o relacionamento da Embrapa com seus públicos de interesse por esses meios de comunicação. Como objetivos específicos pretende-se conhecer o processo de planejamento, implantação e acompanhamento da atuação da Embrapa nas mídias e redes sociais e identificar 311 como a Embrapa divulga suas ações e se relaciona com seus públicos de interesse utilizando a rede social Facebook. Pretende-se ainda, a partir da análise das informações obtidas na pesquisa propor melhoria no processo de comunicação organizacional digital da Embrapa. Para desenvolver a pesquisa, foi realizada uma revisão de literatura sobre estratégias de comunicação organizacional digital até se chegar às estratégias de comunicação organizacional digital na Embrapa, tema deste trabalho. Buscamos fazer também uma pesquisa documental sobre a empresa e entrevistas semiestruturadas com os gestores e profissionais de comunicação da sede e das Unidades da Embrapa, responsáveis por perfis em redes e mídias sociais. Foi ainda realizada uma análise do conteúdo publicado na página da Embrapa na rede social Facebook, intitulada “Agro Sustentável”. COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL ESTRATÉGICA A criação da Internet e mais tarde da web, permitiu que estas mídias fossem incorporadas às estratégias de comunicação corporativa ou organizacional no planejamento e execução de ações voltadas para seus públicos internos e externos. O uso dessas tecnologias digitais pelas organizações ficou conhecido como Comunicação Digital. Elizabeth Saad Corrêa (2005) conceitua Comunicação Digital “como o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TIC´s), e de todas as ferramentas delas decorrentes, para facilitar e dinamizar a construção de qualquer processo de Comunicação Integrada nas Organizações”. O uso da comunicação digital pelas organizações requer planejamento e monitoramento constante, mas é um espaço que pode trazer benefícios às organizações. Outro aspecto importante é que cada empresa deve saber qual o significado da internet para o seu negócio e ao assumir o uso dessa tecnologia como parte do seu processo de comunicação com seus públicos, deve estar atenta às diferenças existentes entre o meio digital e os meios de comunicação tradicionais ao elaborar e distribuir mensagens pela internet. Esse meio requer alterações nos processos de edição e de linguagem, tendo em vista o aproveitamento das novas possibilidades de estruturação narrativa por meio do hipertexto, da multimídia e da interatividade. 312 A utilização das ferramentas da Internet na Comunicação Organizacional não pressupõe alterações apenas relacionadas aos equipamentos em si, mas vem alterando o modo de agir dos profissionais da área de comunicação, tais como jornalistas, relações públicas e publicitários, por exemplo, que têm buscado incorporar ao seu dia a dia novas formas de trabalho mais focado nos públicos de interesse da instituição e nos objetivos que a organização pretende alcançar por meio do uso de estratégias de comunicação. É importante também compreender as relações que se construíram ao longo dos anos entre tecnologia e comunicação, a ruptura e o processo de inovação tecnológica, além da convergência dos meios, suportes e sistemas e a configuração da ambiência digital. Nesse trabalho abordamos as estratégias de comunicação digital nas organizações, com destaque para as estratégias que a Embrapa vem utilizando para divulgar suas ações e se relacionar com seus públicos de interesse nas mídias e redes sociais. Com isso, torna-se necessário conhecer conceitos e características do ambiente digital, com foco nas redes e mídias sociais digitais. Para Carolina Terra (2012), as mídias sociais digitais podem ser caracterizadas da seguinte maneira: “é aquela utilizada pelas pessoas por meio de tecnologias e políticas na web com fins de compartilhamento de opiniões, ideias, experiências e perspectivas” (TERRA, 2012, p. 202). De maneira geral, as mídias sociais podem ser definidas como ambientes ou ainda plataformas para divulgação dos mais diversos tipos de informação, tanto em forma de texto, como imagens, áudios (podcasts) e vídeos e onde também ocorrem diálogos, publicação de comentários (um blogue, por exemplo) e troca de ideias e informações, não necessitando para seu amplo funcionamento que seja feita uma adesão formal, uma filiação, visando a formação de laços ou de uma rede de relacionamentos, como ocorre, por exemplo, em sites de redes sociais, como o Facebook, Orkut ou Linkedin, quando é necessário que os usuários se inscrevam e passem a ser “amigos” uns dos outros, para que o diálogo e a troca de informações seja possível de forma completa. No que diz respeito às redes sociais, Boyd e Ellison (2007) definem sites de redes sociais como serviços baseados na web que permitem aos indivíduos construir um perfil público ou semipúblico dentro de um sistema limitado; articular uma lista de outros usuários com os quais 313 compartilha uma conexão e ainda ver e percorrer a sua lista de ligações e aquelas feitas por outras pessoas dentro do sistema. Raquel Recuero (2009) define como sites de redes sociais toda a ferramenta que for utilizada de modo a permitir que se expressem as redes sociais suportadas por ela. Ela acrescenta que os sites de redes sociais “são uma consequência da apropriação das ferramentas de comunicação mediada pelo computador pelos atores sociais” (RECUERO, 2009, p. 109). Ao pensar na elaboração de um trabalho sobre estratégias de comunicação digital em uma organização é necessário revermos alguns conceitos relacionados ao tema estratégia, estratégia empresarial e também a comunicação organizacional estratégica. Henry Mintzberg (2006), professor da Mcgill University em Montreal, e um dos autores do livro O processo da estratégia, a define não com um conceito único, mas ao apresentá-la, o faz sob diversas visões, traçando as inter-relações entre as cinco definições apresentadas: como plano, pretexto, padrão, posição e perspectiva. Antes de tratarmos da comunicação digital estratégica, um dos temas principais desse trabalho, optamos por apresentar conceitos, requisitos e características da comunicação estratégica nas organizações de maneira geral, não só no âmbito da comunicação digital. De maneira geral, o professor da Tuck School of Business, nos Estados Unidos, e autor de diversos livros na área de comunicação corporativa, Paul Argenti (2006), afirma que a primeira parte da estratégia de comunicação empresarial (organizacional) eficiente está relacionada diretamente à empresa e apresenta os três subconjuntos de ações que fazem parte de uma estratégia organizacional. São eles: determinar os objetivos da comunicação; decidir que recursos estão disponíveis para que se alcance os objetivos e fazer um diagnóstico da reputação da organização. No caso da comunicação organizacional, o planejamento é imprescindível, pois é uma atividade que envolve a direção da empresa, seus públicos internos e externos, o que implica em cuidados para evitar a improvisação e consequentes erros que venham a comprometer a imagem da organização e a realização de seus objetivos. As professoras Ivone de Lourdes Oliveira e Maria Aparecida de Paula (2008) argumentam que para a comunicação organizacional tornar-se de fato estratégica é necessária a ampliação do seu papel e da 314 sua função para que se conquiste espaço gerencial. Dessa forma, será possível auxiliar as organizações a promover e revitalizar seus processos de interação e interlocução com os atores sociais, articulados com suas políticas e objetivos estratégicos. Para Elizabeth Saad Corrêa (2009), é possível a convivência entre diferentes estratégias de presença no ciberespaço. Ela propõe um modelo de abordagem a ser utilizado pelas organizações que pretendem planejar a comunicação organizacional digital incorporando aspectos da estratégia empresarial geral definida pela organização. “Propomos um modelo adaptável a diferentes ambientes e contextos organizacionais e construído em dois estágios de desenvolvimento: o posicionamento estratégico e a constituição dos espaços-informação” (CORRÊA, 2009, p. 328). A seguir, apresentamos um resumo do modelo elaborado pela autora (2009), como destaque para suas principais características, seus componentes e requisitos: a) O modelo possibilita ao comunicador respostas mais bem sustentadas para os diferentes aspectos com que se depara na rotina da comunicação digital corporativa; b) Necessita de atualização constante da equipe sobre as Tecnologias da Comunicação e da Informação (TICs) como forma de garantir eficiência às ações de comunicação digital; c) Identificação da necessidade de convergência midiática a ser implementada e sua relação com as necessidades estratégicas e dos públicos de cada organização; d) Considerar a necessidade de investimentos, tendo em vista que as ações de comunicação têm custos, muitas vezes de difícil mensuração, em decorrência das mudanças contínuas no ambiente tecnológico e das expectativas dos usuários; e) Requer a integração e ações coordenadas de áreas como tecnologia da informação, desenvolvimento e treinamento de pessoas, os diferentes negócios em seus níveis operacionais e a própria comunicação corporativa; f) A comunicação digital nas organizações é uma tarefa que tem uma relação indissolúvel com planejamento, gerenciamento e governança, além de aumentar conforme o tamanho 315 e abrangência física da empresa, ou seja, quanto mais a organização for proativa em relação às TICs, mais ela se manterá estrategicamente; g) É impraticável propor um modelo único, ideal para todas as ações de comunicação digital, pois é necessário conhecer as especificidades de cada ambiente e definir ações de acordo com análise de cada um desses ambientes. Após a apresentação desse modelo, consideramos importante destacar outro, desta vez voltado para a comunicação estratégica em mídias sociais, elaborado pelo professor e consultor, Fábio Cipriani. A estratégia em mídias sociais propostas por Fábio Cipriani (2011) tem três elementos principais: os objetivos, as abordagens e as dimensões. O primeiro elemento a ser pensado são os objetivos, pois estes definem todos os demais elementos da estratégia. Após a definição dos objetivos, a empresa deve decidir quais abordagens utilizará para alcançá-los, tendo como base a conectividade das mídias sociais alinhada à sua forma de fazer negócio. As abordagens que forem escolhidas devem ser mapeadas, assim como os impactos ou mudanças provocados nas operações da empresa em decorrência do uso das mídias sociais. O objetivo e a abordagem devem ser escolhidos com base nas dimensões estratégicas que contém elementos importantes para o alcance do sucesso. O modelo apresentado recomenda que sejam seguidas três etapas para desenvolver o conteúdo mais adequado para mídias sociais. São elas: monitoramento (para perceber o que o mercado está falando sobre a marca e quais suas demandas), conteúdo (desenvolvido e moldado pelo resultado do monitoramento) e relacionamento (multiplica e energiza o conteúdo nas mídias sociais). Os dois modelos apresentados defendem que toda e qualquer estratégia de comunicação em uma empresa ou organização deve estar alinhada ao planejamento estratégico gerencial da instituição. Ambos se preocupam em conhecer o ambiente em que se pretende atuar, de dispor de profissionais treinados e capacitados para atuar no ambiente digital, de identificar quais os públicos com os quais se pretende estabelecer relacionamento, de definir objetivos e monitorar durante todo o processo os resultados que estão sendo alcançados. 316 As principais diferenças nos dois modelos é que Elizabeth Saad apresenta uma proposta voltada a atuação das empresas na internet de uma maneira mais geral, envolvendo a criação de portais, salas de imprensa e outros canais de divulgação e também de relacionamento com os públicos de interesse, não só com estratégias para atuação nas mídias e redes sociais. O outro modelo está mais focado no mercado, no negócio e todo o planejamento e execução, mesmo priorizando o relacionamento com os públicos, visam o negócio e a geração de valor para a empresa e para tanto, o autor apresenta um detalhamento de cada etapa a ser seguida, apontando ao final, assim como a outra autora, que não existe um modelo verdadeiro e absoluto para ser utilizado ao se ingressar no ambiente da internet e das mídias sociais. Deve-se, portanto, monitorar e avaliar cada passo para identificar quais os caminhos que devem ser trilhados em busca de se alcançar os objetivos propostos. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA Para a realização do estudo, foi feita uma revisão de literatura, a partir de material já publicado (livro, dissertações, teses e artigos), e pesquisa documental (publicações da Embrapa impressas e disponíveis na internet, palestras e diagnósticos), visando subsidiar a elaboração do corpus do trabalho. Fez-se necessária uma combinação entre a pesquisa quantitativa e qualitativa. A análise qualitativa teve por objetivo identificar como a Embrapa realizou o planejamento e execução das estratégias de comunicação em mídias sociais da instituição. Buscou-se identificar por meio das informações obtidas durante as entrevistas quais as prioridades que a empresa considera ao buscar as mídias e redes sociais para divulgar suas ações e para se relacionar com seus públicos de interesse. Nessa fase do trabalho foi essencial a busca por informações sobre métodos de pesquisa voltados para a internet. A partir dessas informações, foi possível analisar as estratégias escolhidas e confrontá-las com os modelos de estratégias de comunicação organizacional digital apresentados por Elizabeth Saad Corrêa e Fábio Cipriani para avaliar se a empresa está utilizando estratégias que possam realmente contribuir para os objetivos que ela estabeleceu como prioritários ao ingressar no ambiente das mídias e redes sociais. 317 Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com gestores da área de comunicação e mídias sociais da Embrapa e com profissionais que atuam nas Unidades da empresa e que são responsáveis pelos perfis nas mídias e redes sociais. As entrevistas aconteceram nos meses de setembro, outubro e novembro de 2013, com utilização da ferramenta digital, Skype. Para exemplificar como a Embrapa divulga suas ações nas mídias e redes sociais e ter uma visão ainda que parcial sobre como ela se relaciona com seus públicos de interesse por meio dessas plataformas digitais, optou-se por fazer uma análise quantitativa a partir das postagens publicadas na página da instituição no Facebook (https://www.facebook.com/agrosustentavel). Foram também identificadas categorias de públicos que mantinham algum tipo de diálogo ou relacionamento com a Embrapa via página Agro Sustentável e verificado o conteúdo dos diálogos referentes às postagens. Nessa fase, optamos por analisar os 50 primeiros posts (março a junho de 2012) publicados no Facebook e os 50 últimos posts publicados (janeiro e fevereiro de 2014), períodos normais de publicação de posts na página Agro Sustentável. Foram identificados e quantificados os compartilhamentos e opções “curtir”. Em relação aos comentários, foram analisados os conteúdos e procurou-se identificar a qual público de interesse (de acordo com a Política de Comunicação da Embrapa) pertenciam os usuários que faziam comentários. Foi também observada a questão do diálogo entre a Embrapa e seus públicos a partir das respostas ou comentários feitos pelo gestor da página Agro Sustentável, quando ocorriam críticas ou dúvidas, para analisar, como está a interação entre a Embrapa e seus públicos por esse canal (lembrando que essa análise dará apenas uma visão geral, tendo em vista a necessidade de outros recursos metodológicos para realiza-la de maneira aprofundada). Procuramos ainda nessa fase identificar quais dos temas divulgados atraem mais a atenção dos públicos que se relacionam com a Embrapa por meio do Facebook. USO DAS MÍDIAS E REDES SOCIAIS COMO ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DA EMBRAPA O primeiro passo dado pela Embrapa para se preparar para atuar no ambiente das mídias e redes sociais foi realizar o planejamento de suas ações. Ela começou pela formação de um grupo de trabalho 318 multidisciplinar e multiregional para definir como seria essa atuação que realizou as seguintes ações: priorizou a elaboração de documento orientador; realizou encontros presenciais e via internet (Skype, Hangout); elaborou os esboços dos documentos eram compartilhados utilizando-se ferramentas de internet (Google Docs; etc); todo processo era sistematizado, desde o início até a conclusão; foi escolhida uma metodologia para a realização do trabalho; foi realizada pesquisa sobre uso das mídias sociais (menções) pelos órgãos do governo, disponibilizada pelo Ministério da Agricultura; visita a empresas para conhecer como atuavam nas mídias e redes sociais; entrevistas com a diretoria da empresa e com os profissionais de comunicação das unidades; entrevistas e visitas a outras instituições. Todo esse processo foi feito de maneira colaborativa, com apenas uma reunião presencial com o apoio de um consultor e as demais via web; Após essa etapa a empresa definiu que seria criado um perfil no Twitter e no caso do Facebook, seria dado continuidade ao perfil criado para o evento Rio +20. Em relação ao conteúdo produzido pela Embrapa para divulgação por meio das mídias e redes sociais, em especial o Facebook, objeto mais direto desse trabalho, o principal critério para a escolha dos temas é que este estejam voltados para as soluções sustentáveis para a agricultura. Com isso, a equipe responsável busca divulgar de maneira mais efetiva as publicações da Embrapa têm caráter mais simples, mais direto e com uma linguagem mais simples. A postagem de novos conteúdos, desde abril de 2012, é feita diariamente e em situações especiais, quando ocorre algum evento ou surge algum assunto emergencial, pode ocorrer mais de uma geralmente feita entre 11h e meio-dia. Durante as entrevistas com os gestores de mídias sociais da Embrapa, a resposta foi a mesma ao perguntarmos sobre a questão do monitoramento que ocorrei diariamente. Tanto no Facebook (página Agro Sustentável) como no Twitter (@embrapa), são usadas ferramentas gratuitas para a análise dos dados. Para o Twitter, a equipe utiliza a ferramenta gratuita que se chama Tweet Reach e nessa ferramenta é feito o monitoramento diário do termo “Embrapa”. 319 No caso do Facebook, é utilizado o sistema de estatísticas dessa rede social para verificar as interações que acontecem na página. Para o acompanhamento das redes e mídias sociais é feito um relatório toda segunda-feira, com as análises das postagens e também com as menções à palavra Embrapa, utilizando-se de softwares gratuitos. Esse relatório é enviado aos gestores da Embrapa, entre eles a chefe da Secretaria de Comunicação, assessores da diretoria e outros coordenadores da Secom. A partir dessa verificação semanal, observou-se que os estudantes e moradores das zonas urbanas são os principais públicos da Embrapa que se relacionam com a empresa via redes sociais. Em relação às Unidades da Embrapa, antes mesmo da normatização do uso das mídias sociais pela empresa, diversas Unidades já dispunham de perfis no Orkut, Facebook e Twitter, por exemplo. Encaminhamos a quatro profissionais de comunicação das Unidades da Embrapa, via e-mail 19 questões acerca do trabalho desenvolvido com a utilização das mídias sociais. Foram entrevistados dois jornalistas e duas relações públicas, sendo os dois primeiros do Nordeste e CentroOeste e os outros dois, das regiões Norte e Sul. Como aspectos positivos da utilização das mídias e redes sociais pela Embrapa, os profissionais foram unânimes ao afirmar que está sendo uma experiência positiva, principalmente por representar mais possibilidades de aproximação com os públicos da empresa, além de incrementar, principalmente a divulgação de eventos e ações de Transferência de Tecnologia promovidas pela Embrapa. Os quatro participantes informaram que iniciaram os trabalhos com mídias sociais em suas Unidades antes da adesão institucional da Embrapa. Iniciaram de maneira intuitiva, sem treinamento específico sobre o tema, tendo ocorrido apenas uma videoconferência após a a publicação dos manuais pela Embrapa e da definição das normas para utilização das redes e mídias sociais. Em suas Unidades também não aconteceram eventos para orientar tanto os profissionais de comunicação quanto os demais empregados sobre como utilizar as mídias sociais de maneira institucional. Eles apontaram necessidades de melhoria no processo de monitoramento da atuação da Embrapa no ambiente digital. Atualmente, as Unidades, assim como a sede da Embrapa, fazem o acompanhamento do que é publicado nas mídias sociais utilizando-se 320 de ferramentas gratuitas e cada uma utiliza o software que deseja ou consegue utilizar. Não foi definido um padrão de informações que devem ser obtidas e analisadas de forma que a Embrapa possa gerar um relatório com as mesmas categorias de informações, por exemplo. Um dos profissionais entrevistados afirmou ter contratado, por conta própria, serviço de monitoramento para fazer o trabalho da Unidade, pois considera que os softwares gratuitos não lhe fornecem informações suficientes para a realização de um monitoramento eficaz. ANÁLISE DA PÁGINA AGRO SUSTENTÁVEL NO FACEBOOK Como um exemplo da atuação da Embrapa nas mídias sociais e redes sociais, optamos por utilizar os primeiros 50 posts divulgados pela Embrapa ao criar o perfil https://www.facebook.com/agrosustentavel e também os últimos 50 posts publicados em janeiro e fevereiro de 2014. Dos 100 posts divulgados na página Agro Sustentável, observamos que 7.036 pessoas compartilharam o conteúdo; 5.778 “curtiram” e somente 201 pessoas teceram comentários sobre o post. Estabelecemos como critérios para análise aspectos relativos aos tipos de comentários feitos ao conteúdo divulgado, como críticas, elogios, dúvidas, pessoas que apenas marcavam amigos e não emitiam opinião e aquelas que faziam comentários neutros. Dos 201 comentários feitos constatamos que 36% são sugestões ou marcações de amigos, 27% são elogios ao conteúdo, 19% são neutros, 8% são respostas do gestor da página a comentários, dúvidas ou críticas, 6% são críticas e 4% são dúvidas. Ao analisar as postagens, procuramos identificar a qual público de interesse (conforme estabelecido pela Política de Comunicação) da Embrapa pertence a pessoa que estava interagindo com a empresa via rede social. Identificamos que a comunidade acadêmica e os próprios empregados da Embrapa foram aqueles que mais comentaram, abaixo apenas dos que não indicavam a profissão no perfil do Facebook. Dos 201 comentários, 46 são da comunidade acadêmica, 44 são empregados e em terceiro lugar estão os profissionais que fazem parte do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, 14 pessoas. A maioria das pessoas que interagiram com a Embrapa não discriminavam em seus perfis qual a profissão ou área de atuação profissional. 321 Buscamos identificar qual o teor dos comentários e observamos que a maioria se tratava de algum elogio ou parabenizava a Embrapa pelo conteúdo da postagem. Identificamos 47 elogios, 13 pedidos de informação, 07 fizeram algum comentário sobre alimentação saudável, dois comentaram sobre o caráter informativo da postagem, dois sugeriram realização de eventos, dois incentivaram a realização de ações contínuas sobre o tema publicado e 30 pessoas fizeram comentários genéricos. Foi possível identificar os temas de maior e de menor interesse por aqueles que interagem com a Embrapa pelo Facebook. Observamos que publicações e vídeos contendo orientações sobre hortaliças ou do tipo “como fazer”, contendo orientações foram os que mais tiveram compartilhamentos, comentários e também “curtir”. Já os que menos despertaram o interesse no que diz respeito a essas três opções acima (comentar, compartilhar e curtir) foram as postagens relacionadas à agroenergia, considerado um tema voltado para públicos mais específicos, divulgação de visitas e outros eventos. Esse resultado demonstra que, entre outros aspectos, que o Facebook, de maneira geral, tem se mostrado como um espaço para postagens de materiais que estejam mais sintonizados com o dia a dia das pessoas e que aqueles temas mais complexos devam ser tratados ou em outro espaço ou com um tratamento específico para torna-lo mais acessível aos públicos que utilizam essa plataforma digital para diálogo e interação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entendemos ter alcançado o que foi proposto como objetivo dessa pesquisa. Foi possível identificar quais as estratégias que a Embrapa utilizou para planejar suas ações, além disso, verificamos como a atuação nas mídias digitais conectadas e nas redes sociais digitais contribui para o aprimoramento do diálogo e do relacionamento da Embrapa com seus públicos de interesse. Tanto os gestores de comunicação como os profissionais das Unidades ressaltam as novas possibilidades de interação e diálogo que se abriram a partir do uso das mídias digitais. Ao fazer a análise do Facebook, mesmo observando que há um reduzido número de comentários quando comparados com os com322 partilhamentos e os “curtir”, observamos que sempre que há alguma dúvida por parte de algum representante dos públicos de interesse o gestor da página Agro Sustentável fornece as informações solicitadas via comentário. Em relação ao processo de planejamento pudemos identificar as fases priorizadas pela empresa. Na análise da página Agro Sustentável, observamos que os posts que mais tinham “curtidas”, comentários ou compartilhamentos eram aqueles voltados para o “como fazer” ou como “plantar” algo. As pessoas não conversam entre si pela página, mas a utilizam como um espaço para compartilhamento de conteúdo. Em relação aos modelos de comunicação organizacional propostos pela professora Elizabeth Saad Corrêa e por Fábio Cipriani, na etapa de planejamento observamos que a Embrapa não estabeleceu claramente com quais públicos pretendia se relacionar utilizando as estratégias de mídias sociais e esse é um pressuposto fundamental nos dois modelos. Outro ponto que está em desacordo com a metodologia proposta pelos autores é a questão do monitoramento das mídias sociais em que ela está atuando. A falta de investimento em um monitoramento mais eficiente e eficaz que possibilite a investigação e o acompanhamento do que é divulgado pelas mídias sociais, pode estar excluindo da análise informações que poderiam contribuir para a realização de parcerias e novos projetos pela Embrapa. A empresa não definiu um procedimento padrão para análise da sua atuação nas mídias e redes sociais. A partir do momento que a Sede da empresa utiliza uma ferramenta ou mecanismo para análise que prioriza alguns critérios ou categorias e que as unidades da empresa utilizam outras ferramentas voltadas para outros aspectos ou categorias, não se tem um processo uniformizado de monitoramento, acompanhamento e avaliação do processo de atuação da empresa no ambiente digital. Sobre a questão do relacionamento com os públicos, observamos que a Embrapa não determinou durante seu planejamento os públicos com os quais ela priorizaria suas ações de comunicação organizacional via mídias e redes sociais. Os usuários das regiões urbanas, estudantes das áreas de ciências agrárias e professores foram alguns dos que ela conseguiu interagir por meio do Facebook, por exemplo, mas não houve 323 de início uma priorização desses públicos. Observamos ainda que não “surgiram” novos públicos, mas que houve uma maior aproximação com estudantes e professores da zona urbana. Como tendências e perspectivas para o uso das mídias e redes sociais, em especial o Facebook, a Embrapa, a partir do exposto durante as entrevistas, está buscando reavaliar as ações desenvolvidas nos primeiros dois anos de atuação nas mídias e redes sociais, buscando aprimorar o monitoramento e fortalecer o relacionamento com seus públicos de interesse. Como sugestão para que a Embrapa tenha uma estratégia que preze pela eficiência e eficácia, fica como recomendação final desse trabalho que a empresa busque estratégias de comunicação com foco na segmentação de públicos, como propõe os autores utilizados como referencial teórico desse estudo, além de monitorar cada mínimo passo da sua atuação no ambiente digital e assim conhecer como está a sua imagem, reputação e a o posicionamento da sua marca no mercado. Outra sugestão seria, além da segmentação de públicos, buscar alternativas tecnológicas que sejam mais adequadas para alcançar públicos considerados prioritários pela empresa. Além disso, é importante aprimorar o diálogo e o relacionamento como aqueles apontados como prioritários para empresa em pesquisa de imagem realizada em 2013 (Técnicos de Assistência Técnica, produtores, crianças e comunidade científica). Ferramentas como newsletters específicas para a comunidade acadêmica e uso de outras alternativas para a comunicação com profissionais de Assistência Técnica (ATER) poderiam ser analisadas possibilidades para incrementar a divulgação, a promoção de ações e eventos, assim como o diálogo e o relacionamento com esses públicos. REFERÊNCIAS ARGENTI, Paul A. Comunicação Empresarial – a construção da identidade, imagem e reputação. 4 ed. Tradução de Adriana Rieche. Rio de Janeiro: Campus (Elsevier), 2006. 369 p. BOYD, Danah. M.; ELLISON, Nicole. B. Social network sites: Definition, history, and scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication, 13(1), article 11. http://jcmc.indiana.edu/vol13/issue1/boyd.ellison.html, 2007. Acesso em 27 de março de 2013. 324 CIPRIANI, Fábio. Estratégia em mídias sociais: como romper o paradoxo das redes sociais e tornar a concorrência irrelevante. Rio de Janeiro, Elsevier, 2011. 184 p. CORRÊA, Elizabeth. Saad. Comunicação digital: uma questão de estratégia e de relacionamento com os públicos. Organicom, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 94-111, 2. sem. 2005. Disponível em: http://www.eca.usp.br/departam/crp/cursos/posgrad/gestcorp/organicom/re_vista3/94.pdf. Acesso em: 16 de julho de 2013. ____________ Comunicação Digital e novas mídias institucionais. In: KUNSCH, Margarida M. Krohling . Comunicação Organizacional: Histórico, fundamentos e processos - Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 317 – 335. MINTZBERG, Henry; QUINN. James Brian. O processo da Estratégia – conceitos, contextos e casos selecionados. 4 ed. Porto Alegre: Bookman, 2006. 496 p. OLIVEIRA, Ivone de Lourdes; PAULA, Maria Aparecida de. O que é comunicação estratégica nas organizações? 2. ed. 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Questionamo-nos sobre a necessidade do diálogo e do estabelecimento e fortalecimento de vínculos para a sustentação de relacionamentos que contribuam para a (re) Doutorado em Ciências da Comunicação – Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Professora Titular da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia. Universidade Católica do Rio Grande do Sul – FAMECOS/PUCRS. Bolsista PQ/CNPq 2. 1 Doutorado em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), Mestre pela mesma Universidade. Atua como Gerente de Comunicação Corporativa da Rede Marista, em Porto Alegre/RS, Brasil e como docente da Faculdade SENAC – Porto Alegre. 2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), Mestre pela mesma Universidade. Professora da ESPM-Sul. 3 construção de sentido e favoreçam a lugarização de novas compreensões sobre os sujeitos, dimensões tão essenciais e centrais (no mais das vezes, esquecidas) para a própria sobrevivência das organizações. Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Complexidade; Diálogo; Vínculo; Sujeitos. 1 TENSÕES PARADIGMÁTICAS NA COMPREENSÃO DAS ORGANIZAÇÕES CONTEMPORÂNEAS O espaço organizacional é por nós compreendido4 como um sistema vivo, (re) tecido por meio de vínculos e relações, permeado pelo diálogo, essencialmente composto por sujeitos, sobrecarregado de significações e simbolismos, e, com eles, se auto-eco-organiza, num constante movimento recursivo. Este universo comunicante e produtor de sentidos (VERÓN, 2004, OLIVEIRA e PAULA, 2008) por muito tempo permaneceu encerrado nas redomas de paradigmas mecanicistas, marcados pela simplificação e pela linearidade. Universo no qual não cabiam incertezas, uma vez que havia sido concebido para ‘funcionar’ (grifo nosso) como máquinas eficientes, equilibradas, estáveis, confiáveis, previsíveis e precisas. Assim eram entendidas as organizações nas teorias e escolas clássicas da administração. Desde o surgimento dos primeiros estudos organizacionais, no início do século XX, inúmeras metáforas e imagens pretendem dar conta de classificar, representar e interpretar as organizações. A escola clásDe acordo com Morin (2001, 2012) compreender é captar as significações existenciais de uma situação ou de um fenômeno, significa intelectualmente apreender em conjunto, abraçar junto, o texto e seu contexto, as partes e o todo, o múltiplo e o uno, como sugere sua etimologia, do latim comprehendere. Compreender significa agarrar com a mão, abarcar com os braços, lembra Sodré (2006a), dela não se separar, como acontece com o puro entendimento, em que a razão penetra o objeto, mantendo-se à distância para explicá-lo. 4 328 sica, que perdurou por mais de 50 anos e deixou, até hoje, resquícios no modo de entender os ambientes corporativos está baseada no paradigma mecanicista. Como a expressão sugere, esta corrente assume a organização como máquina, composta por partes e processos totalmente confiáveis e coerentes entre si, onde cada atividade, pessoa, relação, é parte de uma engrenagem maior, dirigida por um “timoneiro” que deve guiá-la até a efetividade total e à perfeição (URIBE, 2007). Posteriormente a esta escola, as organizações passam a ser analisadas a partir de correntes antropológicas e sociológicas como o funcionalismo e estruturalismo, até a emergência da teoria dos sistemas, um divisor de águas na análise organizacional. Conforme Baldissera e Solio (2006, p.13), trata-se de um avanço que merece destaque, porém, deve-se atentar que a noção de sistema aberto implica em relações dialógicas e recursivas, fator que, em princípio, tende a ser rechaçado pela perspectiva da administração científica. Assim, é difícil imaginar que uma organização fragmentada em departamentos cristalizados consiga oxigênio. A teoria sistêmica avançou, sobretudo, por admitir a relação entre a organização e o ambiente e por admiti-la como um sistema social. Temos ainda, a partir dos anos 70, a Teoria da Contingência, o Participacionismo e inúmeras outras tendências que têm em comum a busca por modelos que, em grande parte, permanecem lançando olhares fragmentados e buscando entender partes isoladas de um todo. O que percebemos é que ainda existem reminiscências cristalizadas no pensamento contemporâneo herdadas da teoria clássica e das correntes que nasceram na modernidade. É o que, todavia, ocorre em inúmeras outras áreas do conhecimento nas quais reverberam os princípios de legislar, disjuntar, isolar os objetos, priorizar o isolamento da objetividade e exclusão da subjetividade e a crença na validade das certezas absolutas. O paradigma da simplificação recorre à fragmentação e ao ordenamento, e ignora o todo que envolve o objeto, os contextos e as mediações que o produzem e que agem sobre ele (MORIN, 2003). Segundo Uribe (2007), passados todos estes anos, ainda não presenciamos uma mudança paradigmática, mas sim, um desenvolvimento acumulativo dentro de um mesmo paradigma. Para o pesquisador colombiano, tanto na versão inicial tendo a máquina como metáfora, ou 329 na atual baseada no desenvolvimento da cibernética, informática e da globalização, o mecanicismo não adquiriu mudanças profundas, apenas questionamentos ritualísticos e formais que contribuíram para mascarar e acentuar os efeitos dos seus dois princípios fundantes: a ruptura entre mão e cérebro e a coisificação do ser humano, ou seja, sua redução a uma coisa, a um mero recurso de produção, sem respeitar sua igualdade e a possibilidade de exercer a fala e construir sua identidade no ambiente organizacional. As teorias organizacionais, ao seu tempo e contexto histórico, revelam e desvelam especificidades que as (re) dimensionam e (re) colocam o indivíduo, assumindo [ou não] uma pluralidade de papéis/funções. Contudo, apesar da relevância [ou não] dessa relação, esse indivíduo-sujeito organizacional continua sendo discutido, e percebido como um ‘ente’ (grifo nosso) destituído de sentimentos, afeto, expectativas, frustrações, emoção. De acordo com Silva (2008, p.7) “Durante muito tempo, as teorias simplificadoras tentaram reduzir o homem a uma casualidade. Fizeram dele um ser para a produção, para o jogo, para a loucura, para a religião, etc. Faber, ludens, demens...” Este sujeito fragmentado, visto apenas como máquina física é, para Morin (2006), um vício da concepção tayloriana do trabalho. Com o passar do tempo, avançamos na compreensão da multiplicidade desse sujeito que, mais do que máquina, tem necessidades biológicas, sociais e psicológicas que necessitam ser levadas em consideração também no universo do trabalho. “A evolução do trabalho ilustra a passagem da unidimensionalidade para a multidimensionalidade”, explica Morin (2006, p. 91) e adverte: “estamos apenas no início deste processo” (Ibidem). Admitimos que, racionalmente, as organizações podem ser percebidas como uma combinação ordenada de produção e cooperatividade, conforme define Srour (2012, p. 69): As organizações podem ser definidas como coletividades especializadas na produção de um determinado bem ou serviço. Elas combinam agentes sociais e recursos, e forma a economizar esforços e tornar seu uso eficiente. Potencializam a força numérica desses agentes e convertem-se em terreno preferencial das ações cooperativas coordenadas. 330 Contudo, ao adentrarmos neste universo a partir do pensamento complexo, compreendemos que junto à natureza normativa das organizações coabitam inúmeras outras realidades e cenários que não se restringem aos seus sistemas de produtividade e extrapolam a noção de ambientes racionalizados, lineares e ordenados. Organizações são sistemas complexos na medida em que abarcam, dialogicamente, um viés normativo, funcional, racional que está permeado por dimensões subjetivas, humanas, simbólicas, relacionais, e tudo que delas emerge. Reduzir a organização à sua parte ‘matematizada’, previsível, lógica, é, de certa maneira, fechar os olhos para o que lhe dá vida: a atividade humana que a constitui. Para Morin (2002, p. 106), a organização configura-se em uma disposição de relações entre componentes ou indivíduos, que produz uma unidade complexa ou sistema, dotada de qualidades desconhecidas ao nível dos componentes dos indivíduos. A organização liga, de modo inter-relacional, elementos ou acontecimentos ou indivíduos diversos que, a partir daí, se tornam os componentes dum todo. Organizações, sujeitos, comunicação, relacionamentos, dimensões complexas e interdependentes, recursivas, auto-organizadoras5 alimentam-se mutuamente e são, dialogiacamente, autônomas e dependentes (SCROFERNEKER, AMORIM, CASTILHOS, 2013, p.3). Como uma tapeçaria de fios não dispostos ao acaso, os “fios” da organização são tecidos [e retecidos] em função de uma unidade sintética, onde cada um contribui para o conjunto (MORIN, 2005). Uma unidade onde habita a diversidade, a desordem, a prosa e a poesia (MORIN, 1999, 2001) e, indubitavelmente, a incerteza inerente a todo fenômeno complexo. Para Silva e Rebelo (2003), as organizações estão diante de um ambiente em que a imprevisibilidade é o elemento que permeia todos os contextos macro e micro organizacional. “Esse cenário desencadeou Recursividade e auto-organização são dois dos sete princípios do Paradigma da Complexidade. A recursividade diz respeito a um círculo gerador em que os produtos e efeitos podem ser produtores e causadores do que os produz. O princípio da auto-organização, por sua vez, reflete as relações complexas entre dimensões que são, ao mesmo tempo, autônomas e dependentes (MORIN, 2005). 5 331 um novo conceito de organização, na qual a ordem e a desordem caminham juntas em um mundo sem fronteiras” (SILVA E REBELO, 2003, p. 778 - 779). Nessa mesma linha de raciocímio, Scroferneker, Amorim e Castilhos (2013, p. 3) destacam que “A complexidade das organizações é inerente a todo e qualquer sistema que está imerso em uma sociedade que é complexa, e é composto por sujeitos que são, essencialmente, também complexos”. Mesmo que ainda distante do espaço organizacional, na instância da produção de conhecimento e do pensamento organizacional, começam a ganhar força as perspectivas que indicam o esgotamento do paradigma cartesiano-newtoniano como lógica para compreender a realidade organizacional contemporânea. Silva e Rebelo (2003, p. 779) evidenciam a necessidade de trocar as lentes de leitura: Os fundamentos do paradigma cartesiano-newtoniano estão ancorados em relações ordenadas de causa e efeito entre eventos [...]. A dualidade e separação entre sujeito e objeto buscam a máxima objetividade, além de apoiar-se numa observação pretensamente neutra e imparcial, procurando uma maior previsibilidade, regularidade, quantificação e controle. Nesse cenário, o desafio que se impõe na contemporaneidade é a inclusão, legitimação e consequente lugarização6, nas organizações, desses novos saberes e modos de compreender, tanto as organizações, como os próprios sujeitos organizacionais e suas múltiplas dimensões. O que implica em um movimento complexo de (re) construção de sentidos sobre tais dimensões no contexto cotidiano, na realidade vivida diariamente nas organizações. A expressão lugarização [e lugar] em itálico advém da compreensão de lugar antropológico proposto por Augé (2010, 2012) e significa o processo de inclusão, legitimação e reconhecimento (ZIMMERMANN, 2010) de uma determinada dimensão em um dado contexto espacial e social. Uma dimensão, ao estar lugarizada, mesmo que provisoriamente, plenamente inserida, incluída e, sobretudo, compreendida no contexto em que se insere. Há, portanto, um vínculo constituído entre a dimensão lugarizada e o espaço (lugar). 6 332 2 O SUJEITO COMPLEXO E O DIÁLOGO EM MEIO ÀS TRAMAS DA RACIONALIDADE INSTRUMENTAL Chanlat (2010) e Gaulejac (2011) propõem uma leitura das organizações, por meio da análise das práticas gerenciais que prevalecem na rotina organizacional, ou seja, práticas sociais enraizadas no tempo-espaço. Para os autores, a racionalidade instrumental ainda se mantém soberana nas organizações e sustenta a ideologia gerencial que considera o indivíduo como um recurso ao invés de um sujeito (GAULEJAC, 2011). O indivíduo é instrumentalizado para atender aos objetivos gerenciais podendo perder o sentido de sua ação e até de sua existência (Idem). A prevalência do paradigma da racionalidade instrumental busca manter a ordem e a uniformidade dos comportamentos em todas as relações (SILVA e RABELO, 2003, p.779) “[...] esta lógica preconiza, sobretudo, a fragmentação e a unidimensionalidade do sujeito, visto sob a ótima mecanicista e biológica”. Uma das consequências deste modo de entender o mundo e as organizações, é apontada por Sennett (2012): o isolamento de indivíduos e departamentos em diferentes unidades, pessoas e grupos que pouco compartilham. Ao discutir as condições reduzidas de cooperação no espaço laboral, o autor evidencia e exemplifica o dilema contemporâneo ao afirmar que a estrutura das organizações e as profundas alterações na dimensão do tempo têm colaborado para a ampliação do isolamento. “Nas organizações, as relações [...] são de curto prazo, e a prática gerencial recomenda que as equipes [...] não sejam mantidas por mais de nove a dez meses para que os empregados não se vinculem [...]” (SENNETT, 2012, p.19). Ao refletir sobre a efemeridade/volatilidade das relações sociais, o autor afirma que: [...] são um produto dessa tendência para o curto prazo; quando as pessoas permanecem por longo tempo em uma instituição, debilitam-se seu conhecimento da organização e seu comprometimento com ela. As relações superficiais e os vínculos institucionais breves reforçam o efeito de silo: as pessoas ficam na reserva, não se envolvem com problemas que não lhes dizem respeito diretamente, sobretudo no trato 333 com aqueles que fazem algo diferente na instituição (SENNETT, 2012, p. 19). Este efeito ‘silo’ fragiliza as relações e auto-fragiliza os relacionamentos, a construção/fortalecimento de vínculos, instituindo, mesmo que provisoriamente, um não-lugar7, que sugere a ausência do diálogo. As dimensões do humano são impactadas pela metamorfose do nosso tempo. Mesmo conscientes dos grandes problemas da humanidade, concordamos com Giddens (2007) quando afirma que a dimensão que mais nos ocupa é a das mudanças que atingem diretamente o cerne de nossas vidas emocionais. Entre as muitas perspectivas possíveis de análise acerca do mal estar do sujeito organizacional contemporâneo, do seu desenraizamento, por tratarmos aqui do espaço da Comunicação, escolhemos problematizar aspectos que envolvem o estabelecimento e a sustentação de relações entre sujeitos que coabitam em ambientes complexos. Mais do que vislumbrar um conjunto de técnicas e prescrições, a Comunicação Organizacional implica em compreender as interações, as trocas simbólicas que se desenvolvem a partir de pensamentos e palavras, atos e sentimentos, em espaços e projetos coletivos, portanto em espaços sociais. Chanlat (2011) afirma que é fundamental considerar as atividades de fala nas organizações para que seja possível compreender a ação humana neste contexto. Isso porque, “qualquer vínculo social passa, em grande parte, pela linguagem” (CHANLAT, 2010, p. 13). Ele exemplifica com o campo da gestão estratégica, no qual alguns importantes pesquisadores concentram grande valor à natureza do diálogo para favorecer o êxito da ação estratégica. “O homo socialis, por definição, é sempre um homo loquens” (CHANLAT, 2010, p. 6). Segundo o autor, De acordo com Augé (2010, 2012), não-lugares são espaços normalmente de circulação e de consumo, típicos da supermodernidade, que pressupõem a ausência de vínculos (RIVIÈRE, 1998; ZIMERMAN, 2010; BAITELLO, 2008) e onde, normalmente, não se inscrevem relações sociais duradouras. Ao contrário dos lugares antropológicos (idem.), que são identitários, históricos, relacionais, espaços de diálogo e relação, os não-lugares são caracterizados por serem locais de passagem, transitórios, superpovoados, supermovimentados e ao mesmo tempo tão vazios de significado e de sentido. 7 334 Na verdade, é graças à linguagem que eu crio vínculo. O fato de eu falar a mesma linguagem que meu interlocutor ou grupo com o qual convivo possibilita que eu faça parte de um espaço linguístico e pertença a um grupo. A ação humana no contexto empresarial exige a cooperação de todos para atingir o objetivo definido e, naturalmente, requer partilha de uma língua comum (CHANLAT, 2010, p.15). São as perspectivas antropológicas e de outros conjuntos de saberes que redefinem as relações entre sujeitos na organização e impactam no campo da Comunicação Organizacional, produzindo inquietações sobre novos lugares para as práticas comunicacionais. O foco centrado na organização e transmissão de informações que sustentava um modelo fundamentalmente instrumental vem dando lugar a reflexões de cunho relacional. Ou seja, nos espaços organizacionais é possível, como sugere Wolton (2006, 2010), compreender a comunicação como mediação entre lógicas e interesses distintos. Percebemos que os avanços na compreensão do lugar da comunicação organizacional permitem alocar o diálogo como elemento central dos processos comunicacionais também dentro do [no] universo de tensão das organizações de naturezas diversas. “[...] comunicação é contato, pôr em relação, vincular, fazer comungar, partilhar um universo semântico, responder a um apelo, a uma chamada, a uma incitação ao diálogo, um encontro de diferenças” (SILVA, 2006, p.20). 3 DE QUE DIÁLOGO ESTAMOS FALANDO? De um simples termo do senso comum, aplicado de forma descomprometida, a um conceito polissêmico que permeia diversos campos do conhecimento ou, até mesmo, fundamenta métodos de construção do saber, o diálogo permite distintas buscas teóricas. Pelo campo da antropologia, da semiótica, da linguística, da psicanálise, da comunicação, da sociologia e da filosofia, entre outros, é possível encontrar aplicações da palavra. Etimologicamente, a expressão tem origem grega. “Diálogo vem do grego dialogos. Logos significa ‘palavra’ ou, em nosso caso, poderíamos dizer ‘significado da palavra’ e dia significa ‘através’ [...]” (BOHM, 2005, p.34). 335 Assumimos que a palavra diálogo quer dizer “palavra que atravessa”, conversa que permeia, “papo” que preenche um espaço entre pessoas. Ou seja, diálogo é o que acontece entre pessoas, é a atmosfera, a cena, o clima, a situação em que duas, três, cinco, dez pessoas se relacionam (MARCONDES FILHO, 2008). Entre as pessoas circula algo. Além das palavras emitidas, circulam sensações, emoções, desejos, interesses, curiosidades, percepções, estados de espírito, intuições, humores, uma indescritível sensação de “coisa comum”, de ligação (MARCONDES FILHO, 2008, p. 25-26). Para Bohm (2005), o diálogo é um processo de vai e vem, com a emergência contínua de novos conteúdos que passam a ser comuns aos participantes. Segundo o autor (2005, p.29): “Desse modo, num diálogo cada pessoa não tenta tornar comuns certas ideias [...] por ela já sabidos. Em vez disso, pode-se dizer que os interlocutores estão fazendo algo em comum, isto é, criando juntos alguma coisa nova”. No ambiente organizacional, o diálogo ganha um lugar relevante e estratégico. Sob esta perspectiva as pessoas que estiverem dispostas a cooperar, trabalhar juntas, precisam ser capazes de criar algo em comum, ou seja, “[...] alguma coisa que surja de suas discussões e ações mútuas, em vez de algo que seja transmitido por uma autoridade a outros que se limitem à condição de instrumentos passivos” (BOHM, 2005, p. 30). Sennet (2012), situa o diálogo nas relações sociais e laborais, especialmente na busca de cooperação entre os sujeitos. Para o autor, o tipo exigente de cooperação entre as pessoas pode ser um dos caminhos para melhorar a condição humana nas organizações, considerando que “[...] Essa cooperação sustenta os grupos sociais nos infortúnios e reviravoltas do tempo [...] O que ganhamos com tipos mais exigentes de cooperação é a compreensão de nós mesmos” (SENNETT, 2012, p. 16-17). Para que a cooperação exigente ocorra há um conjunto de habilidades que emerge como fundamental: as habilidades dialógicas. O diálogo no ambiente contemporâneo das organizações, embora ainda persiga a síntese típica da proposição dialética, passa a assumir configuração dialógica. “Em uma conversa dialógica os mal-entendidos podem eventualmente contribuir para o entendimento mútuo” (SENNETT, 2012, p. 32). 336 Sennet (2012), ao caracterizar a conversa como dialógica, afirma que ela faz prosperar através da empatia, o sentimento de curiosidade sobre os outros. “Pelas práticas dos rodeios e vias indiretas, conversando [...], podemos vivenciar certo tipo de prazer sociável: estar com os outros, dando-lhes atenção e aprendendo sobre eles, sem nos obrigar a ser como eles” (SENNET,2012, p.36). Na conversa dialógica, além do conhecimento, os interlocutores conseguem obter prazer nas trocas, o que favorece o vínculo8 e a cooperação. Para Scroferneker e Amorim (2014, p.9): São vários os exemplos cotidianos que encontramos sobre a configuração vincular entre sujeitos e organizações. O que nos leva a acreditar que as organizações, por serem lugar de pessoas, relações de comunicação, são também, eminentemente, lugares de vínculos emocionais e sociais, que se (re) constroem por/e em comunicação. Kramer e Faria (2007) reiteram que os vínculos organizacionais denotam, de certa forma, a ligação entre o indivíduo e a organização, o envolvimento com seus projetos e objetivos, assim como o comprometimento com seus problemas, desafios, desempenho e resultados. Encontramos, em nosso híbrido tempo presente, organizações com pensamento e atuação pautados por posturas em que o sujeito é mera máquina produtiva, órfão de vínculos, de sentimento, de lugar, e os processos comunicativos verticalizados e “controlados”, Concomitantemente, outras organizações adotam comportamentos contemporâneos de gestão e de relação/comunicação com seus profissionais, com seu entorno, com a sociedade, com o meio ambiente, e nos mostram que é possível alcançar objetivos organizacionais sem descui- Entendemos oportuno, recuperar a noção de vínculo que tem sido presente em nossos artigos (SCROFERNEKER e AMORIM, 2014, 2013). Para Zimmermann (2010), a partir do olhar da psicanálise, a expressão também faz referência a uma forma de ligação relacional-emocional entre duas partes que se encontram unidas e inseparáveis, apesar de suas fronteiras estarem claramente definidas. Pichon-Rivière (1998), por sua vez, admite o vínculo entre pessoas e objetos, que podem ser considerados instituições, organizações, com as quais se estabelece uma relação de maneira particular. 8 337 dar de dimensões tão essenciais e centrais para a própria sobrevivência das organizações. Sob a perspectiva de nossos estudos, trazer e reconhecer o diálogo como centro dos processos comunicacionais amplia a possibilidade de lugarização de novos paradigmas de compreensão das organizações e dos novos comportamentos gerenciais. Além disso, o diálogo no contexto organizacional, na perspectiva de aceitação e compreensão da alteridade, de reconhecimento da importância e do lugar do outro, favorece não apenas a cooperação e o sentido de pertença, mas a lugarização dos próprios sujeitos, ou seja, transforma o ambiente organizacional da racionalidade instrumental para um espaço relacional de constituição de vínculos essenciais entre sujeitos e organizações. Nessa perspectiva, é fundamental repensar a compreensão acerca da Comunicação Organizacional. O viés puramente técnico que, todavia persiste em algumas realidades não dá conta dos desafios contemporâneos que emergem nos [dos] diferentes cenários, que se impõem a partir das novas concepções de sujeitos e de organizações. Para Wolton (2004, p. 29) “Uma reflexão sobre comunicação requer um esforço considerável de distanciamento, tanto para aquele que tenta compreender como para aquele a quem se destina a reflexão”, visto que, “Comunicação organizacional, antes de tudo, é comunicação” (BALDISSERA, 2008, p. 31). Esperamos que o pensamento contemporâneo sobre Comunicação Organizacional possa contribuir, assim, com o movimento de colocar o foco no sujeito, favorecendo o estabelecimento de vínculos e os relacionamentos, possibilitando que o contexto organizacional assuma feições mais cooperativas e apropriadas, sendo compreendido como sistema vivo em toda a sua complexidade. Para Silva (2008, p.9) “não há comunicação sem organização nem comunicação sem complexidade. Não seria descabido afirmar que a comunicação organizacional é a organização complexa da comunicação na complexidade de uma organização”. Talvez, a citação de Silva (re) dimensione, mesmo que no momento, as inquietações [manifestadas em nossos artigos] que nos movem, nos estimulam e nos desafiam cotidianamente. Esse tem sido o nosso lugar. 338 REFERÊNCIAS AUGÉ, Marc. Não-lugares. Introdução a uma antropologia da supermodernidade.Campinas, São Paulo: Papirus, 2012. ______. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Editora Unesp/ UFAL, 2010. BALDISSERA, Rudimar. Por uma compreensão da comunicação organizacional. In: SCROFERNEKER, Cleusa Maria Andrade (Org) O diálogo possível: comunicação organizacional e Paradigma da Complexidade. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2008, p.31-50) BOHM, D. Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athena, 2005. CHANLAT, J. F. 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Em seguida, investiga em que medida tais contornos identitários insinuam topografias discursivas ( formas, relevos, disposições espaciais) ao diálogo no cenário comunicacional das organizações – topografias essas assumidas enquanto conjuntos discursivos justapostos, despedaçados e instáveis, ainda mesmo quando o diálogo seja operado discursivamente como promessa de harmonização do ambiente organizacional e de resolução de conflitos morais. Professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Mestre e Doutor em Comunicação pela UFMG. E-mail: rennan.mafra@ufv.br. 1 Professora do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre e Doutora em Comunicação pela mesma instituição. E-mail: angelasalgueiro@gmail.com. 2 Palavras-chave: Diálogo; Práticas Discursivas; Organizações; Identidade; Conflitos Morais. INTRODUÇÃO O interesse pelo conjunto de problemas aberto pela noção de diálogo nos contextos organizacionais não se trata de gesto recente. Dentre as inúmeras evidências que confirmam tal quadro, pode-se identificar na própria emergência das atividades de relações públicas e de comunicação organizacional uma forte demanda pelo aprimoramento de interações mais dialógicas com públicos, nos contextos sociais modernos em crise (Kunsch, 1997). Ainda que o diálogo não possa ser tomado como gesto de harmonia (Marques; Mafra, 2013), muito menos como sinônimo de comunicação organizacional (Mafra; Marques, 2015), é inegável o quanto as interações entre organizações e públicos, em cenários democráticos, solicitam o diálogo como gesto capaz de produzir resultados comunicacionais supostamente mais justos e legítimos (Bohman, 2009). Dito por outras palavras, uma vez permitindo a construção de cenas dialógicas, as organizações, por suposto, buscariam fazer coro às expectativas contemporâneas pelo aprimoramento democrático nas relações engendradas entre instituições e sujeitos sociais, nos contextos recentes de sociedades complexas e pluralistas. Se em outros trabalhos mantivemos forte interesse em a) compreender como o diálogo é operado nos contextos organizacionais (Marques; Mafra, 2014), ou mesmo em b) indicar quais dimensões poderiam ser atribuídas ao diálogo quando assumido pelos sujeitos nas organizações (Marques; Mafra, 2013), ou ainda em c) demonstrar a potência política do diálogo na produção de cenas de dissenso, instauradoras de novas possibilidades de interfaces com públicos (Mafra; Marques, 2015), o interesse disposto nesse artigo é o de problematizar as possíveis implicações que gravitam em torno da mobilização discursiva do diálogo nos cenários organizacionais. De modo mais específico, pretendemos compreender como o emprego discursivo da noção de diálogo aparece como promessa para a 342 resolução de inúmeros conflitos morais que emergem nos ambientes interacionais das organizações. Entendem-se, nesse sentido, os conflitos morais como as diversas situações de desrespeito, desvalorização e desconsideração às quais sofrem os sujeitos (Honneth, 2003; Rancière, 1995; 2000; Marques, 2013), em meio às interações estabelecidas nos contextos organizacionais. É inegável a relação que tais conflitos possuem com os contornos identitários assumidos pelos sujeitos (Taylor, 2011a; 2011b), nas mais variadas situações comunicacionais deflagradas nas organizações. Para além, portanto, de uma visão que toma os sujeitos enquanto tábulas rasas, facilmente adaptáveis às normas e às regras impostas, ou enquanto entidades fixas, instrumentalizadas pelas funções prescritas nas relações de trabalho e de especialização, admitimos, nas próximas linhas, um olhar que toma os sujeitos como instâncias instáveis, complexas e incompletas – quadro esse que pode ser evidenciado não apenas em contextos sociais mais amplos, como também nos ambientes relacionais constitutivos das organizações. A compreensão dos conflitos morais e dos contornos identitários nos contextos organizacionais é possível na medida em que se admite o espaço organizacional como âmbito de contradições, incompletudes, des-organizações, des-estabilizações; des-controles; des-igualdades (Mafra; Marques, 2015; Baldissera, 2007; 2009a; 2014). O reforço dessa compreensão pode ser vislumbrado por uma espécie de visada discursiva às interações nos contextos das organizações: independente das inúmeras correntes que imputam concepções teóricas à noção de discurso, tal visada é capaz de revelar a instabilidade dos campos interacionais nos ambientes organizacionais – ainda que, inúmeras vezes, os discursos prescritivos oficiais tentem tomar tal instabilidade como inexistente (Baldissera, 2009a). Nesse sentido, uma análise discursiva dos cenários organizacionais é capaz de evidenciar o movimento próprio de inúmeras práticas de sentido em disputa (Baldissera, 2007), frente aos possíveis e variados contextos organizacionais nos quais acontecem as interações. Sendo assim, interessa-nos compreender em que medida a noção de diálogo é mobilizada discursivamente enquanto promessa orientadora para encaminhamento e resolução dos conflitos morais, frente a inúmeros e possíveis contornos identitários presentes nos ambientes organizacionais. 343 Dessa maneira, partindo de uma metodologia baseada, essencialmente, em pesquisa bibliográfica, colocam-se como objetivos desse artigo a produção de duas principais reflexões. A primeira busca compreender a relação existente entre práticas discursivas, diálogo e concepções de bem e de moralidade na produção de contornos identitários e de conflitos morais nos contextos organizacionais. A segunda volta-se a investigar em que medida tais contornos insinuam topografias discursivas ( formas, relevos, disposições espaciais) às concepções de diálogo mobilizadas em cenários de conflitos morais – topografias essas assumidas enquanto conjuntos discursivos justapostos, despedaçados, fragmentados e conflituosos, ainda quando o diálogo é operado discursivamente como promessa de harmonização e de resolução de tais conflitos. Para isso, esse trabalho se organiza em três partes. Em primeiro lugar, serão mobilizadas as noções de identidade e de moralidade como propostas por Charles Taylor (2011a), uma vez que constituem relevante matriz teórica para a compreensão do lugar dos conflitos morais nos contextos organizacionais. Dentre outros feitos, tal matriz permite tomar o diálogo como uma espécie de prática discursiva do bem, voltada à orientação moral no espaço organizacional, em tempos de multiculturalismo (Taylor, 2011b) e de democracia (Bohman, 2009). Em seguida, o texto procura evidenciar que a mobilização discursiva da noção do diálogo nos ambientes organizacionais produz-se a partir de topografias (disposições espaciais) multiformes e fragmentadas, tendo em vistas as inúmeras disputas de sentido (Baldissera, 2009a) que envolvem as concepções discursivas de diálogo vitalizadas em processos comunicacionais nas organizações. Assim, para demonstrar a qualidade instável e despedaçada dessas topografias discursivas, assumiremos a compreensão proposta por Baldissera (2009a), ao reconhecer a comunicação nos contextos organizacionais como um fenômeno composto pela manifestação de três âmbitos comunicacionais interligados: a organização comunicada; a organização comunicante; e a organização falada. As considerações finais serão responsáveis por insinuar um quadro político de compreensão aos discursos sobre o diálogo – discursos estes tomados enquanto lugares capazes de revelar a desigualdade na partilha do sensível (Ranciére, 2000), verificada nos contemporâneos ambientes interacionais constitutivos das organizações. 344 DIÁLOGO COMO CONCEPÇÃO DISCURSIVA DE BEM: IDENTIDADE E CONFLITOS MORAIS NOS CONTEXTOS ORGANIZACIONAIS CONTEMPORÂNEOS A compreensão do diálogo como uma espécie de concepção discursiva de bem torna-se possível quando aceitamos o desafio presente em um dos ambiciosos projetos teóricos empreendidos pelo filósofo canadense Charles Taylor (2011a, p. 63): “examinar o quadro de fundo de nossas intuições morais” com vistas a descortinar a intrínseca relação entre identidade e moralidade. Segundo Taylor (2011a, p. 30), não podemos escapar de uma experiência moral real, uma vez que a maneira mesma como andamos, nos movemos, gesticulamos e falamos é moldada desde os primeiros momentos por nossa consciência de estar na presença de outros, de nos encontrarmos num espaço público e de que esse espaço pode trazer potencialmente o respeito ou o desprezo, o orgulho ou a vergonha. De tal sorte, quem somos, ou seja, o modo como nossa identidade se apresenta, vincula-se inevitavelmente ao sentido da posição que ocupamos em relação ao bem3, de modo que a natureza do bem pelo qual nos orientamos corresponde à maneira como estamos situados em relação a ele. Assim, a identidade possui uma ligação inevitável como uma espécie de orientação: “saber quem se é equivale a estar orientado no espaço moral, um espaço em que surgem questões acerca do que é bom ou ruim, do que vale e do que não vale a pena fazer, do quem tem sentido e importância (Taylor, 2011a, p. 44)”. Dessa maneira, a posição que ocupamos no espaço moral possui relação direta com a orientação de bem que possuímos. Na empreitada de “rastrear os vínculos existentes entre nosso sentido do bem e nosso sentido do self” (Ibidem, p. 63), Taylor considera que somos um “self na medida em que nos movemos num certo espaço de indagações, em que buscamos e encontramos uma orientação para o bem” (Ibidem, p. 52). Para Taylor (2011a), o termo bem é utilizado em sua obra “num sentido bastante geral, designando qualquer coisa considerada valiosa, digna, admirável, de qualquer tipo ou categoria”. 3 345 Nesse raciocínio, o filósofo compreende a identidade como a emergência de um processo (um vir-a-ser, em referência heideggeriana) que expressa não apenas onde estamos, mas também para onde vamos; que insinua qual direção assumimos nas “redes de interlocução” em que construímos indagações morais para mover nossas vidas (Ibidem, p. 55). Para Taylor (2011a, p. 76), tal processo é essencialmente relacional e discursivo: a orientação e a direção dos contornos identitários se fazem pela e na linguagem, requerendo, inevitavelmente, uma compreensão de nossa vida “em forma narrativa, como uma ‘busca’”. Tomar a palavra, para o autor, é assumir um poder que torna disponível uma fonte moral, até então desconhecida ou não totalmente experimentada sem os usos da linguagem e do discurso. Entretanto, Taylor (2011a, p. 56) denuncia as concepções de individualismo desenvolvidas pela cultura moderna que retratam o sujeito como aquele que “encontra suas coordenadas dentro de si mesmo, que declara independência das redes de interlocução que o formaram originalmente ou, ao menos, as neutraliza”, ainda que potencialmente. A projeção desse self pontual ou neutro, como chamado pelo canadense, corresponde a um tipo de sujeito que “acredita na objetificação desprendida, que vê o domínio da razão como uma espécie de controle racional das emoções conseguido pelo distanciamento do escrutínio científico”, e que, ao mesmo tempo, sugere alguém que “rompeu com a religião, com a superstição, resistiu a adulações das visões de mundo agradáveis e lisonjeiras que ocultam a austera realidade da condição humana num universo desencantado” (Ibidem, p. 68-69). Apesar de tais características representarem, para o self pontual, uma fonte de profunda satisfação e orgulho, o reducionismo das fontes morais a uma espécie de postura epistemológica não foi capaz de dissolver as preocupações constitutivas da identidade – mesmo porque, a concepção de bem que orienta o self pontual revela-se escondida por detrás de formas de dominação, percebidas enquanto tais na medida em que o próprio projeto moderno entra em crise (Taylor, 2011a). Já apontava Castoriadis (1981) que a crise do projeto moderno corresponde à crise de suas significações sociais imaginárias, algo que perpassa toda a sorte de contextos, revelando a falibilidade de uma moral universalizante, centrada na instrumentalização, na dominação e numa meritocracia exclusiva e excludente, promovida pela ciência e pelo capitalismo. 346 Na visão de Taylor (2011a, p. 125), “uma concepção de bem torna-se disponível para as pessoas de uma dada cultura quando vem a ser expressa de alguma maneira”, de modo que os conflitos morais tomam parte em meio a uma rede de interlocuções quando há evidências de contornos identitários cuja orientação discursiva não corresponde a determinadas concepções de bem ora tidas como aceitas. Levando-se em conta a expressão acerca de uma ampla crise do projeto moderno, pode-se considerar que os conflitos morais vinculados a contornos identitários contemporâneos instauram-se, dentre outras razões, mediante um parâmetro fundamental de orientação em direção ao bem: a mobilização discursiva da noção de diálogo – gesto capaz de, supostamente: a) romper com uma autenticidade absoluta do self pontual, fundindo-a com os horizontes de contextos multiculturais (Taylor, 2011b) e b) colaborar para a consolidação da democracia, tomada como horizonte político adequado às demandas por legitimidade e justiça de sociedades complexas e pluralistas (Bohman, 2009). Com relação ao primeiro aspecto, Taylor (2011b, p. 73) reconhece aquilo que chama de “autodefinição no diálogo” como gesto capaz de superar a autenticidade autorreferencial e descolada do mundo, alegoria típica do self pontual. Para o canadense, o diálogo, enquanto locus conector dos sujeitos à cultura, restituindo-os às redes de interlocução, seria capaz de evidenciar a formação de contornos identitários abertos às demandas contemporâneas por respeito às diferenças, na medida em que permite ao sujeito uma espécie de abertura a horizontes múltiplos de significados. Assim, tais contornos lançam mão do diálogo de modo a admitirem “(i) criação e construção, assim como descoberta, (ii) originalidade e, frequentemente, (iii) oposição às regras da sociedade e mesmo potencialmente ao que reconhecemos como moralidade” (Taylor, 2011b, p. 73). Com relação ao segundo aspecto, é válido considerar que o diálogo torna-se gesto qualificador de contextos democráticos pluralistas e complexos, nos quais se apresentam demandas por legitimidade e justiça, pautadas em inúmeras redes de interlocução. Nessa seara, destaca-se a visão do deliberacionista James Bohman (2009, p.42), para quem a democracia se constitui “mergulhada na ação social do diálogo – da troca de razões”. Nesse sentido, o diálogo aparece como possibilidade de conectar sujeitos plurais, afetados por situações problemáticas em con347 textos específicos, funcionando como “um ideal distributivo de acordo que outorga a cada um sua própria motivação para cooperar em um processo de julgamento público” (Ibidem, p. 64). Pelas searas do multiculturalismo e da democracia, o diálogo aparece, portanto, como configuração voltada a imprimir um sentido de orientação no espaço de indagações sobre o bem. Com enorme força moral, ele se apresenta como ponto de referência para a direção dos sujeitos, bem como objeto de investidas em articulações discursivas que dele possam aproximar os contornos identitários ora assumidos. Por tudo isso, podemos tomar o diálogo como concepção discursiva de bem, voltado à orientação moral nos cenários organizacionais. Nesses contextos, não dialogar passa a ser sinônimo de sobrepujar a diferença4, desconsiderando o valor do outro, e de instalar práticas não democráticas de ação. Entretanto, é válido considerar as peculiaridades das organizações quando tentam formar seus contornos identitários por meio de uma articulação discursiva com a noção de diálogo. Não podemos nos esquecer de que os espaços organizacionais se apresentam, por excelência, como âmbitos da materialização em pujança do projeto moderno: são sedes da nova sociedade que emerge com a modernidade. Orientamse, em última análise, pela racionalidade instrumental que prescreve rotinas estruturantes (e limitantes) da ação dos sujeitos; práticas voltadas à eficiência, à eficácia e ao controle; construção de espaços de trabalho racionais. Por si sós, as organizações tendem a instituir padrões em direção a um processo nada dialógico de objetificação dos sujeitos. Todavia, e ao mesmo tempo, as organizações não podem se afastar do multiculturalismo e da democracia, gesto que as deixaria distantes de concepParte das discussões realizadas pelo pesquisador norte-americano Dennis Mumby (2010) que tem ganhado considerável espaço na área de comunicação organizacional no Brasil nos últimos seis anos, fazem coro à perspectiva multicultural encetada por Taylor (2011b). A abordagem dos estudos críticos nos contextos organizacionais (lugar ao qual Mumby (2010) se filia) e a noção de comunicação organizacional como humanização se mostram como indícios de um amplo movimento da teoria social em direção à compreensão das complexas e contraditórias experiências contemporâneas assumidas pelos sujeitos em cenários de crise do projeto moderno. 4 348 ções contemporâneas de bem. Por tudo isso, o espaço organizacional instaura-se mediante indigesto paradoxo moral, evidenciado pelas tentativas de reconciliação de orientações para o bem extremamente opostas. É possível combinar os gestos ontológicos, típicos das organizações modernas, de padronizar, taxar, rotular, avaliar com a presença contemporânea de concepções morais críticas à própria racionalidade instrumental? Não sofreriam as organizações de uma força crônica, voltada sempre a instrumentalizar o diálogo e a inibir reflexões críticas dirigidas à própria instrumentalização? Para não cair em visões totalizantes e nem chegar a conclusões precipitadas que generalizem os espaços organizacionais como locais da total instrumentalização das práticas discursivas sobre o diálogo, no próximo tópico, tentaremos compreender, de um ponto de vista comunicacional, os espaços relacionais nas organizações a partir da proposta de Baldissera (2009a). Como aponta Taylor (2011a, p.71), se “a orientação no espaço moral mostra-se [...] similar à orientação no espaço físico” e se o espaço físico apresenta topografias distintas, o espaço moral discursivo relacionado ao diálogo também se constitui por relevos, formas específicas, disposições espaciais, como veremos a seguir. TOPOGRAFIAS DISCURSIVAS DO DIÁLOGO NOS CENÁRIOS DAS ORGANIZAÇÕES Compreender as disposições discursivas multiformes e fragmentadas do diálogo nos cenários organizacionais é gesto possível na medida em que se reconhece os próprios ambientes relacionais das organizações como espaços instáveis, em permanente jogo de forças. Em profunda consonância com o Paradigma da Complexidade, proposto por Edgar Morin, Baldissera (2007, p. 231) assim entende a organização (e suas identidades) não como “algo completo, uníssono e sempre coerente. Também não se sustenta a ideia de a organização/instituição ser somente ordenação, organização, estabilidade”. Desse modo, Baldissera (2007, p. 231) lança sua proposta a partir da noção de que “o ordenado, o organizado e o estável guardam em si o desordenado, o desorganizado e o instável”, de modo que, desse permanente e tenso jogo de forças, os sistemas organizacionais ganham possibilidades de se regenerarem e se atualizarem, em meio a seus ambientes relacionais. 349 Por tudo isso, ainda que tendencialmente uma organização busque uma espécie de fechamento estratégico “para construir-se e instituir-se como uma dada coerência/ordenação identitária frente ao outro (sua alteridade)”, ela, simultânea e intrinsecamente, se abre “para, em tensões/disputas com sua alteridade (de qualquer qualidade), atualizar-se (regenerar-se) e torna-se mais complexa em relações dialógico-recursivas” (Ibidem, p. 231-232). O próprio princípio dialógico para Morin, nos termos de Baldissera (2007), reconhece a presença de perturbações e de pulsões antagônicas, concorrentes e complementares, na expressão de qualquer fenômeno pretensamente organizado. De tal sorte, Baldissera (2009a) reconhece a comunicação organizacional como fenômeno que não se restringe aos âmbitos da fala autorizada, constitutiva dos processos formais organizados e dos discursos tidos como oficiais. Tomar a comunicação como um processo de construção e disputa de sentidos (Baldissera, 2009a) demanda também tomar os sujeitos em interação nos contextos organizacionais como forças em relação, portadores de inúmeras, incertas e infinitas redes interacionais5 – para muito além de um olhar que privilegia as manifestações organizadas, aparentemente coerentes (Baldissera, 2009a). É nesse sentido que, em tais redes, os sujeitos tendencialmente buscam fontes morais diversas (muitas vezes antagônicas e contraditórias) para se orientarem num espaço moral organizacional plural e complexo, aberto a concepções de bem igualmente múltiplas e, por vezes, paradoxais. Por isso, Baldissera (2009a) reconhece a comunicação nos contextos organizacionais como um fenômeno composto pela manifestação de três âmbitos comunicacionais interligados: a organização comunicada; a organização comunicante; e a organização falada. A organização comunicada constitui processos formais e disciplinadores, e corresponde à fala autorizada da organização – a partir da qual são selecionados estrategicamente elementos, muitos deles, voltados ao autoelogio, com vistas à conquista de legitimidade, reconhecimento, vendas, lucro e de quaisquer outros capitais. A organização comunicante, que se conforma por um processo de atualização dos sentidos organizacionais, quando Aqui, localizamos uma importante interface com a noção de redes de interlocução de Taylor (2011a), ainda que tal interface não apareça explicitamente na obra de Baldissera (2009a). 5 350 qualquer sujeito/instituição estabelece interações com a organização, inéditas e/ou informais, carrega o potencial de forçar a ordem imposta a novos movimentos de re(organização). Como aponta Baldissera (2009a, p.118-119), “essa compreensão permite dar relevo aos processos dialógico-recursivos, pois atenta para a possibilidade e fertilidade de ocorrências de relações comunicacionais que escapam ao planejamento (e controle)”, com potencial de perturbação do status quo. Já a organização falada, constitui-se pela evidência de processos informais e indiretos, realizados fora do âmbito organizacional – nos quais a organização partilha de verdadeira impotência para estabelecer qualquer controle direto (embora possa estabelecer algum tipo de acompanhamento). Sendo assim, a mobilização discursiva da noção do diálogo nos contextos organizacionais produz-se por topografias fragmentadas e múltiplas, em meio às disputas de sentido engendradas no âmbito da comunicação organizacional. A qualidade instável e despedaçada dessas topografias discursivas, envoltas ao diálogo enquanto concepção de bem no espaço moral organizacional, pode ser problematizada levando em conta as categorias propostas por Baldissera (2009a). Tais categorias são insinuadoras de contextos relacionais em meio aos quais atividades conformadoras das práticas discursivas dos sujeitos ganham expressão e particularidade. Sendo assim, tomar o diálogo enquanto prática discursiva orientada (e orientadora) ao bem pelo prisma da comunicação organizacional de Baldissera (2009a) é gesto que indica as disposições discursivas do diálogo quando articulado como fonte moral nos contextos da organização comunicada, da organização comunicante e da organização falada. Dito por outras palavras, o sentido moral das práticas discursivas sobre o diálogo pode ser suposto pelos moldes discursivos que, em processo recursivo, são atualizados em e são atualizadores de cada um dos contextos relacionais constituidores da comunicação organizacional. Prescrevendo a organização comunicada um contexto relacional marcado por processos disciplinadores e formais, a mobilização discursiva do diálogo nesse espaço tende, por sua vez, a se apresentar como algo também disciplinador e formal. Como moeda de troca com vistas a ganhos imediatos, sobretudo no que se refere a uma articulação formal com as principais fontes morais que orientam as ações sociais na contemporaneidade, o emprego discursivo do diálogo projeta sentidos de uma organização que respeita as diferenças e que se mostra demo351 crática em seu modo de agir. Assim, a fala autorizada se volta com força totalizadora e instrumental sobre as práticas discursivas do diálogo: com visas a confirmar a ordem imposta, o diálogo tende a ser tomado como promessa de harmonização e como gesto acabado, universalmente orientador de um bem para todos. Obviamente, a organização comunicada é sempre forçada, pelos contextos sociais em que se inscreve, a se abrir a novos sentidos e fontes morais. Por isso, a chegada do diálogo ao campo da organização comunicada é parte de um processo histórico de embates, em que o mesmo passa a funcionar como uma espécie de orientador/materializador de concepções de bem contemporâneas. Entretanto, as tentativas de organização da fala autorizada tendem a sugerir o diálogo para suprimir os conflitos, uma vez que os processos disciplinadores não pretendem considerar como positivas as perturbações causadas pelo ineditismo nas interações – a não ser que tal ineditismo seja apropriado e pasteurizado pelas formas oficiais. As articulações em torno das fontes morais buscam conferir um certo poder diante de concepções de bem publicamente compartilhadas, como aponta Taylor (2011a). Sendo assim, o uso de uma concepção discursiva de diálogo nos contextos da organização comunicada tende, ironicamente, a instrumentalizar as trocas dialógicas – como evidenciado por Deetz (2010, p. 92), quando aponta que práticas dialógicas e participativas de tomada de decisão, por exemplo, são prejudicadas por inúmeras formas ocultas de controle estratégico que violam a reciprocidade (Deetz; McClellan, 2009). Dessa forma, a dinâmica discursiva em torno do diálogo evoca a noção de prática articulatória (Laclau; Mouffe, 1985): por esses termos, o diálogo funcionaria como uma espécie de ponto nodal, em meio a necessidades de manutenção e permanência de uma posição hegemônica, construída mediante processos estratégicos, totalizantes e relacionais de legitimidade pública. Verifica-se, portanto, a expressão do diálogo como ideologia6. No texto O reconhecimento como ideologia, Honneth (2006) aponta as distorções que o discurso do reconhecimento apresenta em determinados contextos, transformando-se em ideologia. Nesses casos, o reconhecimento apresenta-se como estratégia de convencimento e de integração dos sujeitos a uma ordem social dominante. Esse caso se aplica muito bem quando o diálogo aparece (de modo instrumentalizado), na organização comunicada, como possibilidade de 6 352 Já no âmbito da organização comunicante, a mobilização discursiva do diálogo tende a emergir quando necessidades de atualização dos sentidos organizacionais – novos movimentos de re(organização) – também emergem. Nesse sentido, é o próprio diálogo que, discursivamente, se projeta como elemento capaz de fazer desaguar o conflito e a perturbação numa nova ordem desejada pelos sujeitos. Assim, a organização comunicante acolhe o fenômeno do descortinamento de enquadramentos discursivos totalizadores por meio de uma resistência que se lança contra a opressão, a depender, obviamente, das forças em jogo, dispostas na organização. A organização comunicante, portanto, insinua o diálogo como âmbito do dissenso e da polêmica (Marques e Mafra, 2014), gesto de expressão dos falseamentos e das ideologias, das hostilidades e assimetrias, das situações de assédio e de desrespeito, com vistas à modelagem de novos entendimentos nos contextos organizacionais. O diálogo, por esses termos, aparece, portanto, como possibilidade de reorganização do espaço moral organizacional, revelador da potência política presente (ou ausente) no estatuto dos sujeitos falantes. Por fim, no âmbito da organização falada, a ausência ou a presença do diálogo nos contextos organizacionais é revelada pelos sujeitos, estes que contam com a possibilidade de expressão mais livre acerca dos conflitos morais que vivenciam nos cotidianos organizacionais. Sendo assim, a mobilização discursiva do diálogo aparece como gesto voltado à reflexão sobre a aproximação ou o distanciamento dos contextos organizacionais em direção às concepções de bem compartilhadas publicamente – o respeito às diferenças e à democracia, como apontado em seções anteriores. A mobilização discursiva do diálogo é projetada, nesses espaços relacionais, ora como desejo, ora como falta; ora como falseamento ideológico, ora como conquista organizacional; ora como mecanismo de escuta e evolução moral, ora como gesto desigual e moralmente conflituoso. Enquanto fenômeno inacabado e descontínuo, a mobilização discursiva do diálogo evidencia as leituras e as novas autorias (ainda que voláteis e taticamente silenciosas, numa referência a Certeau (1994)) da organização, a partir de uma modelagem que permite, em determinado grau, uma expressão livre das articulações e das fontes morais experienciadas pelos sujeitos nas organizações. reconhecimento das diferenças. 353 CONSIDERAÇÕES FINAIS As discussões realizadas nesse artigo buscaram compreender que o aparecimento discursivo da noção de diálogo nos contextos organizacionais contemporâneos estabelece íntima relação com concepções de bem que orientam, discursivamente, a emergência de contornos identitários no ambiente relacional das organizações. Para isso, buscamos investigar em que medida tais contornos sugerem topografias discursivas ( formas, relevos, disposições espaciais) às concepções de diálogo, sobretudo quando mobilizadas em cenários de conflitos morais. As topografias do diálogo insinuam um conjunto justaposto de lances discursivos, considerando-se ainda que os contextos da organização comunicada, da organização comunicante e da organização falada se misturam no fluir da experiência organizacional, insinuando formas comunicacionais sempre aos cacos e carregadas de instabilidade e perturbação – mesmo com as tentativas impositivas de ordem e disciplina. Nesse sentido, qualquer tentativa de emprego discursivo do diálogo em contextos organizacionais não conseguiria unificar os sujeitos numa espécie de grande orquestra em harmonia. Ao contrário, o aparecimento discursivo da noção de diálogo é capaz de: a) descortinar as desigualdades morais em meio às quais vivem os sujeitos nos ambientes organizacionais; b) colaborar para a instauração de um processo político de disputa pela partilha do sensível nos ambientes das organizações (Marques, 2013; Mafra; Marques, 2015); e c) tornar possível a emergência de quadros discursivos e interacionais justapostos, não padronizados, dispostos desigualmente, reveladores de papeis sociais em conflito e em distribuição assimétrica, conformadores de interações plurais, inusitadas e instáveis. Sendo assim, cabe investigar em que medida a organização comunicante aparece como potência política na reorganização dos sujeitos, no (re) tecer da cultura organizacional (Baldissera, 2009b) em direção a esforços por alteração da partilha do sensível, ou se as formas autoritárias e policiais não são capazes de permitir a instauração de novas possibilidades, minando as perturbações a ponto de as mesmas sequer parecerem reais. Por isso, quando o diálogo aparece como uma espécie de posicionamento no espaço moral, ele revela os cenários e os contextos autoritários e/ou democráticos – ainda que os discursos oficiais 354 acreditem serem totalizantes. Fato é que a mobilização do diálogo revela o grande paradoxo de uma vivência organizacional instrumental, e, ao mesmo tempo, favorece a emergência dos conflitos morais diante das pressões enfrentadas nas rotinas organizacionais. Enfim, se a noção de diálogo é utilizada pela organização para que ela se posicione supostamente de modo mais correto no espaço moral contemporâneo, é essa própria noção que abre espaço para que os sujeitos avaliem, no espaço organizacional, em que medida podem (ou não) expor suas diferenças, em que medida se situam entre a realização e o sofrimento (Baldissera, 2014), em que medida interferem recursivamente no ou se apartam de modo opressor do ordenamento institucional. Por tudo isso, uma hermenêutica do espaço social em que se encontram as organizações é capaz de revelar o diálogo como discurso aos cacos, fazendo coro à incompletude da própria experiência moderna. REFERÊNCIAS BALDISSERA, Rudimar. Tensões dialógico-recursivas entre a comunicação e a identidade organizacional. Organicom, nº 7, 2007, p 229-243. BALDISSERA, Rudimar. Comunicação Organizacional na perspectiva da complexidade. Organicom, Edição Especial, nº 10/11, 2009a, p. 115-120. BALDISSERA, Rudimar. 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Os resultados apontam que, para a compreensão do discurso corporativo, os temas podem ser concatenados, em interface, por meio de cenografias que constroem o ethos discursivo. Palavras-chave: cultura; comunicação; identidade; ethos discursivo. Mestranda em Processos e Manifestações Culturais, Universidade Feevale; Currículo Lattes; http://lattes.cnpq.br/7340135294368513; E-mail:elianedavila@yahoo.com. 1 Doutor em letras (PUCRS), com Pós-Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP/LAEL); professor permanente do Mestrado em Processos e Manifestações Culturais, Universidade Feevale; Currículo Lattes; http://lattes.cnpq.br/9653110286244674; E-mail: ernanic@feevale.br. 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O tema da pesquisa compreende um estudo sobre cultura, comunicação e identidade, manifestados no discurso organizacional. Atualmente percebe-se que há valores e crenças manifestados por meio da linguagem, o que leva à busca de um entendimento mais profundo do discurso e à sua subsequente análise. Não há como pensar a cultura sem ser levado à análise da forma como a linguagem produzida é interpretada em um contexto social ou corporativo. A comunicação organizacional e a construção da identidade organizacional têm feito com que pesquisadores de diversas partes do mundo dediquem-se aos estudos desses temas. No presente artigo valoriza-se a interdisciplinaridade, evidenciando a importância dos constantes diálogos entre diferentes áreas acadêmicas, a fim de fornecer ao pesquisador e, consequentemente, ao leitor, possibilidades diversas de conexões. O estudo é, também, relevante devido ao interesse pessoal dos autores que trazem, em sua bagagem, o desejo de aprofundar suas análises sobre aspectos relativos ao ambiente organizacional, do qual fizeram parte em uma dada época de suas vidas profissionais. Inserido na área de concentração do curso de Mestrado em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale, o presente trabalho se inscreve na linha de pesquisa Linguagem e Processos Comunicacionais e trata-se de um recorte de uma pesquisa em andamento, cuja perspectiva está no estudo do ethos discursivo como imagem de si, em uma organização financeira. Esse percurso de acomodação teórica é de ímpar relevância, pois aproxima conceitos e dá subsídios para integração posterior, cujas associações iniciais são discutidas neste estudo, sendo o objetivo do estudo investigar as articulações iniciais entre cultura, comunicação e identidade manifestados no discurso organizacional. A problemática que surge neste estudo estabelece-se: de que forma a cultura, a comunicação, a identidade podem ser mobilizadas em interface para que seja possível a compreensão do discurso corporativo por meio da cenografia e do ethos discursivo? Este artigo permite reflexões iniciais para o entendimento dessa problemática. 359 Quanto aos procedimentos metodológicos, utiliza-se a pesquisa de natureza básica, com abordagem qualitativa, uma vez que se objetiva o entendimento sobre as associações iniciais entre os conceitos de cultura, comunicação e identidade, que se manifestam no discurso corporativo, por meio da projeção de cenografias e do ethos discursivo. Nesse sentido, tem caráter exploratório, pois tende a sinalizar caminhos frente à questão norteadora. Quanto ao procedimento de coleta de dados, trata-se de uma pesquisa bibliográfica que busca refletir sobre as associações entre a cultura, comunicação, identidade e discurso. O marco teórico compõe-se das contribuições de Geertz (2008), Schein (2009) e Martin (2014), que elucidam os conceitos de cultura. Baldissera (2010) contribui acerca da comunicação. As representações identitárias são apresentadas por Bourdieu (2012), Chartier (1991, 2002) e Woodward (2000). Hall (2006) esclarece o que é identidade. Por fim, as proposições sobre o discurso são postulados por Maingueneau (2011, 2013). A INFLUÊNCIA DA CULTURA E DA COMUNICAÇÃO NO AMBIENTE CORPORATIVO Definir o que é cultura, não é uma tarefa fácil. Cultura lembra interesses multidisciplinares, sendo explorada em áreas como sociologia, antropologia, história, comunicação, administração, entre outras. Cada esfera trabalha o conceito com distintos enfoques e usos. Tal realidade se dá devido ao próprio caráter transversal da cultura, que perpassa diferentes campos da vida cotidiana. Clifford Geertz (2008) define, na antropologia, o conceito de cultura como um sistema simbólico, sendo característica fundamental e comum da humanidade de atribuir de forma sistemática, racional e estruturada, os significados e sentidos a todas as coisas do mundo. Quando se traz a fala ao ambiente organizacional, Freitas (1991) salienta que cultura organizacional compreende um conjunto ou sistema de significados que são compartilhados por uma determinada empresa ou entidade num tempo específico. Ela inclui valores e crenças, ritos, histórias, formas de relacionamento, tabus, tipos de gestão, de distribuição da autoridade, de exercício da liderança e uma série de outros elementos. Uma das definições mais conhecidas de cultura organizacional é a de Schein (2009), que se baseia na ideia de a cultura ser um conjunto 360 de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu, ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem validados e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir-se em relação aos problemas. À luz de Hall (2006), a cultura é formada, ao longo do tempo, por processos, da sociedade, conscientes ou não. Segundo Hall (2006), a interdependência global está levando todas as identidades culturais fortes a um colapso gerando fragmentação dos códigos culturais e multiplicidade de estilos que resultam no pluralismo cultural. Marchiori (2008) faz uma reflexão acerca do que reproduz e cria a cultura. Essa estudiosa enfatiza que, entre os fatores de destaque, pode-se incluir a socialização, os ritos e outros eventos que a reforçam e, especificamente, a prática social. Na realidade, a prática social constrói manifestações culturais, enquanto os ritos e eventos relacionam-se com a reprodução da cultura. Assim, as pessoas em suas manifestações e discursos, são criadoras de significados e entendimentos na organização. As pessoas são produtos culturais. Elas são formadas pela cultura, assim como a reproduzem e a formam. Esses grupos de pessoas que formam a organização, ao transacionar com o meio ambiente e ao conceberem conexões internas para responder às demandas externas, criam maneiras próprias de agir e interagir (TAVARES, 1999). Martin (2014) defende que, para se estudar a organização de forma mais completa, é preciso avaliá-la a partir de três diferentes perspectivas. Os padrões que surgem a partir dos estudos dessas manifestações são disseminados pelos membros da organização, que apresentam diferentes percepções, crenças e experiências à luz de um fenômeno idêntico. As perspectivas apresentadas por Martin (2014), com relação à análise, são apresentadas sob as seguintes formas: a perspectiva da integração, a perspectiva da diferenciação e a perspectiva da fragmentação. A perspectiva da integração possibilita o consenso, que é a característica principal dessa visão. Fazem parte dessa ideia os procedimentos de tomada de decisão consensual, que consideram as opiniões de todos, na organização. A partir dessa perspectiva, os funcionários sabem quais são as expectativas em relação a seu trabalho. Na perspectiva da diferenciação, a ênfase se dá aos conflitos de interesse, e remete à leitura 361 do consenso como um mito. Martin (2014) define essa perspectiva como aquela que desnuda as manifestações culturais, às vezes, inconsistentes. O consenso ocorre somente dentro dos limites de subculturas, que frequentemente entram em conflito umas com as outras. As opiniões são compartilhadas por um grupo e não pela organização como um todo. A última perspectiva considera a organização como uma rede, um tecido de tramas que se insere infinitamente em algo que não ela mesma, em outras tramas diferenciais, conforme esclarece Martin (2014). Partindo do pressuposto de que a diversidade da cultura existe em todas as sociedades, não é possível esquecer que cada indivíduo também traz consigo sua cultura, sua personalidade. Nas organizações, não é diferente. Os estudos culturais dentro das organizações devem ser feitos de forma abrangente. Os conceitos apresentados por Schein (2009) e Martin (2014) possuem cada um seu valor. Embora sejam autores com visões diferentes, mantêm objetivos idênticos: buscar respostas para o entendimento da cultura organizacional. Segundo Marchiori, na realidade, a concepção de Martin (2014) está diretamente ligada a questões de mudança cultural, que possibilitam contribuições para a visão global da cultura das organizações, enquanto Schein (2009) trabalha mais a fundo identificação da cultura organizacional, seu detalhamento e como desvendá-la. Além da cultura, a comunicação permeia todos os atos da vivência humana e, nas organizações, vistas como organismos sociais vivos e interdependentes, não é diferente. Inserida na base das funções administrativas de planejamento, organização, direção e controle, a linguagem consiste na alma da organização, pois é ela que estabelece as relações de entendimento necessárias para que as pessoas possam interagir como grupos organizados para atingir objetivos predeterminados. Ao lançar um olhar à temática da comunicação organizacional, recorre-se às questões das manifestações culturais e dos discursos que emergem nesse contexto para o entendimento da organização, conforme mencionado por Marchiori (2008). A temática situa-se na fronteira de diversos campos do conhecimento: linguística, fonética, semântica, teoria da comunicação, sociologia, etc. Para Marchiori (2008) a percepção da comunicação como um processo, garante maior abrangência e 362 significado para a organização, onde se estimula o conhecimento das pessoas que se sentem desafiadas como seres humanos. É pertinente um entendimento mais profundo sobre as questões da comunicação dentro das organizações, o que requer uma atenção dos administradores empresariais para que consigam, da melhor forma possível, fazer transitar as informações dentro e fora das organizações. Ao tratar a comunicação nas organizações, procura-se evidenciar que ela é um processo que se concretiza por meio das interações que somente se efetuam a partir das linguagens. Portanto, pode-se dizer que, a partir da elaboração das linguagens, os discursos emergem, produzindo sentido e significado. Um dos autores que se dedicam a refletir sobre assuntos relacionados à comunicação nas organizações é Rudimar Baldissera, que aprofunda o conceito de comunicação muito além de caracterizá-la como, simplesmente, uma transmissão de informações. Para o estudioso, a organização é comunicação, isto é, são as relações existentes entre os diversos sujeitos e, essas relações vinculativas, combinam significados que, dessa forma, constituem e reconstituem a organização. Considerase que a “[...] comunicação, entendida como processo de construção e disputa de sentidos3, as organizações são permanentemente (re) construídas como complexos de significação, forças e subjetividade”. (BALDISSERA, 2010, p.210). Para esse autor, a comunicação é vista como um processo de construção e é articulada a partir da ideia de que é preciso, a cada interação entre os sujeitos, organizar ou reorganizar os signos. A comunicação, dessa forma, é um processo complexo. A relação comunicacional deve ser transparente e ter vínculos sólidos, para que a reputação da empresa, tanto interna quanto externamente, seja coerente com o posicionamento e o objetivo da organização. A REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE E A CONSTRUÇÃO DO ETHOS DISCURSIVO Conforme Chartier (1991), as representações estão conectadas à ordem social do indivíduo e são construídas ao longo do tempo. Pode-se dizer que a representação é uma estratégia de classe, onde cada grupo elabora a realidade à sua maneira. Segundo Chartier (1991), a represen3 A disputa de forças são ideias originárias de Foucault (1996). 363 tação é o resultado de uma prática. Para o autor, a representação não se separa da prática. A prática é um ato do indivíduo no mundo que faz com que o mesmo tenha um lugar social. O mundo da representação cria as práticas sociais e, portanto, não pode existir sem a prática. Bourdieu (2012) e Chartier (2002) convergem quando apontam que as representações estão localizadas no tempo e são elaboradas pelos indivíduos e seus grupos. Esses grupos, de alguma forma, são capazes de forjar uma realidade social que pode ser construída para obedecer ou para dominar. Eis o jogo do discurso sendo apresentado à sociedade. A representação é, de certa maneira, a forma como se interpreta o mundo. A maneira como se lê uma imagem, um texto e os acontecimentos sociais. Para Hall (2006), os estudos da representação partem de uma visão da cultura, na criação de um intercâmbio de significados de um grupo comum, em um determinado período. A ideia de partilhar a cultura permite encontrar na linguagem um meio para dar sentido, ou seja, dar significação às coisas. Sendo possível, por meio da linguagem (verbal ou não verbal), o compartilhamento de significados, pode-se afirmar que a linguagem produz significado e é fator relevante para a compreensão das questões sobre representação. A representação, para Hall (2006), envolve a língua, as imagens, os sinais, os sons que representam o mundo para uma determinada cultura. É a aproximação do sujeito com a linguagem que permite entender melhor a questão da representação. A partir do signo, vão se formando símbolos que conduzem a um significado e, assim, à representação. Hall (2006) reforça que existe um processo mental que permite a tradução do mundo. Essa tradução é o signo. Os signos vão compondo a estrutura de significação da cultura. Ao utilizar a linguagem, o ser humano é capaz de representar o mundo a alguém. Os significados, para Hall (2006), são gerados a partir de uma representação do mundo que é compreendida e reconhecida por cada cultura. A representação corresponde, portanto, às associações de sentido a determinado signo, o que é viabilizado, principalmente, por meio da linguagem (HALL, 2006). Sendo a representação um discurso, a identidade eclode a partir das ideias que são representadas pelos próprios discursos de uma cultura, pela forma como cada um é interpelado por esses discursos e como se admite a posição de sujeito frente à cultura. A identidade deve ser pen364 sada a partir da representação, uma vez que ela vem unificada ao posicionamento do sujeito no interior das representações. Woodward (2000) e Hall (2006) convergem na argumentação de que as identidades estão entrando em colapso, porque um tipo diferente de mudança estrutural tem transformado as sociedades desde o final do século passado. As identidades tornaram-se um problema social e, por isso, têm sido estudadas tão intensamente. O estudo de questões sobre a identidade organizacional trata da “[...] essência da organização; o que faz a organização se distinguir de outras e o que é percebido como estável ao longo do tempo, ou seja, o que faz a ligação entre o presente e o passado e provavelmente o futuro”. (ALMEIDA, 2008, p. 34). A ligação e a interdependência entre a cultura e a identidade ficam evidentes, pois um necessita do outro como origem de significados. Almeida (2008) esclarece que a identidade interfere na imagem e na reputação e, por fim, a imagem e a reputação influenciam a produção e a mantença da identidade. É um “processo contínuo e cíclico, em que a organização deve buscar um alinhamento entre as percepções internas e externas, de forma a consolidar uma reputação sustentada ao longo dos anos”. (ALMEIDA, 2008, p. 37). As construções simbólicas que ocorrem nos espaços organizacionais onde a produção e a desconstrução criam sentido contribuem para elaboração de conceitos, determinam linguagens em uma teia de leituras e releituras culturais, que revelam os valores e crenças das empresas. A representação possibilita a compreensão de que o sujeito se constitui na linguagem. O sujeito assume diversas posições discursivas e esse movimento contribui como desencadeador da identidade a partir das representações sociais. O estatuto do enunciador e do destinatário diz que “em termos de discurso, tanto o enunciador quanto o destinatário dispõem de um lugar e, nesse espaço, o enunciador projeta uma imagem de si no discurso a partir da qual o legitima.” (FREITAS; FACIN, 2011, p. 5). O modo de enunciação, conforme Maingueneau (2011), está ancorado na dêixis enunciativa, que é entendida como uma espécie de localização de pessoas, objetos, processos, eventos e atividades que criam uma relação espaço-temporal que implica um ato de enuncia- 365 ção. Essas marcas que situam o discurso no tempo e no espaço são chamadas dêixis enunciativas. Para melhor entendimento, esclarece-se que a cena de enunciação é composta por três cenas chamadas de cena englobante, genérica e cenografia. A cena englobante atribui ao discurso um estatuto pragmático. A cena genérica é a do contrato associado a um gênero, como editorial, o sermão, o guia turístico, a consulta médica, etc., à luz de Maingueneau (2013). A compreensão de que a cena englobante corresponde ao tipo de discurso, auxilia na interpretação desse texto, assim como fornece informações sobre em função de qual objetivo ele foi organizado. A cenografia é “[...] um processo de enlaçamento paradoxal [...] ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la [...]”. ( MAINGUENEAU, 2013, p. 98, grifo do autor). A construção da imagem de si pelo discurso permite que as instituições e os sujeitos sociais estabeleçam, ou não, suas relações de poder. O enunciador se esforça para que acreditem na representação que faz de si e, para tanto, ele constrói uma imagem de si, conforme Maingueneau (2013). Assim sendo, a representação utilizada pela linguagem contribui para dizer algo que seja revelador para outra pessoa. Hall (2006) comenta que a língua, os sons, as imagens representam dados importantes para a compreensão de uma determinada cultura. A construção de uma imagem de si, no discurso, prevê a presença do outro, mesmo que implícita, segundo Maingueneau (2011). Dessa forma, é possível afirmar que as estratégias discursivas, bem como as particularidades da cena de enunciação, contribuem para que o outro acredite na construção dessa imagem de si. Conforme Maingueneau (2011, p. 17, grifo do autor), “o ethos é uma noção discursiva, ele se constrói através do discurso, não é uma imagem do locutor exterior a sua fala; o ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o outro; o ethos é fundamentalmente híbrido [...]”. Quando Maingueneau (2011) articula o corpo ao discurso, ele considera o corpo como “fiador” (enunciador) desse discurso. Ao “fiador” se concede um caráter e uma corporalidade, que se pode vincular a uma aparência física, um modo de se vestir e movimentar-se, assim como os traços psicológicos que moldam um comportamento. Desse modo, o destinatário o identifica apoiando-se em um conjunto de representações so366 ciais que são os estereótipos. A maneira como a audiência ou o leitor se apropria desse ethos, chama-se “incorporação” (MAINGUENEAU, 2011), que é associada à “cena de enunciação”, pois ela se articula em função dos gêneros e tipos de discurso. É por meio do ethos que o enunciatário está convidado a participar da cena de enunciação. Maingueneau (2011) acrescenta que, nesse espaço subjetivo, encarnado, o “fiador” do discurso é construído a partir do processo de incorporação. O “mundo ético” regula as representações sócio-culturais e a instância subjetiva não é percebida apenas como um estatuto, mas como uma “voz”, associada a um “corpo enunciador”. A percepção do tom possibilita ao leitor construir uma representação do corpo do enunciador. O enunciador aciona os estereótipos, valores, princípios, um imaginário que pode ser coletivo ou social, elevando o percentual de possibilidade de aderência do enunciatário. Pode-se considerar, a partir disso, que esses valores, princípios e o imaginário estão relacionados à cultura organizacional, pois “a construção discursiva de uma imagem de si é suscetível de conferir ao orador sua autoridade, isto é, o poder de influir nas opiniões e modelar atitudes.” (AMOSSY, 2008, p. 142). Portanto, a partir dos postulados de Maingueneau (2011, 2013), destaca-se que são as cenas que são validadas em memórias coletivas. Esses discursos são, em realidade, estereótipos que se apresentam em representações arquetípicas. O ethos permite entrar em contato com a imagem do fiador, que, por meio de seu dizer, legitima a si próprio uma identidade equivalente ao mundo que está construindo em seu enunciado. AS MOBILIZAÇÕES INICIAIS EM INTERFACE A cultura, a comunicação, a identidade manifestadas no discurso levam ao entendimento do ethos discursivo como imagem de si, conforme proposto por Maingueneau (2011, 2013). A identidade organizacional, nesse caso, é a essência da empresa e é o que faz com que ela se diferencie das outras organizações. É o que é percebido como estável ao longo do tempo. Cultura e identidade são conceitos independentes, porém, um precisa do outro como fonte de significados. A cultura colabora com a construção da identidade. Compreender a identidade é uma maneira de construir sentido sobre o que constitui a cultura das organizações. Construir sentido sobre a cultura das organizações permite, 367 por sua vez, a criação de reputação, de imagem positiva e possibilita um processo de comunicação das organizações e seus públicos, segundo Marchiori (2008). A cultura nas instituições é pautada por seus valores, ou seja, engloba a confiança das pessoas, zelo no cumprimento dos pactos, transparência, foco em resultados e visão de longo prazo. Com a premissa de que toda produção de linguagem é discurso, o jogo de imagens de si que as empresas revelam, contempla as diversas maneiras com que cada empresa investe para dizer o que deseja dizer, com o objetivo de construir sua própria identidade, principalmente no agenciamento das posições que cada organização assume em seu discurso. Dessa forma, pensar no discurso como uma forma de representação, permite dizer que a identidade eclode a partir das ideias que são representadas pelos discursos da cultura, pela forma como cada um é interpelado pelos discursos e como se admite a posição de sujeito frente à cultura. A identidade deve ser pensada a partir da representação, uma vez que ela vem unificada com o posicionamento do sujeito no interior das representações. A comunicação vista como um processo de disputa de sentido, segundo Baldissera (2010), permite vislumbrar a importância das pessoas nesse processo. As pessoas produzem os discursos e os diálogos nas organizações. A comunicação permeia todos os atos da vivência humana e, nas organizações, não é diferente. Inserida na base das funções administrativas de planejamento, organização, direção e controle, a comunicação consiste na alma da organização, pois é ela que estabelece as relações de entendimento necessárias para que as pessoas possam interagir como grupos organizados para atingir objetivos predeterminados. A compreensão das manifestações da cultura, nas organizações, a partir das representações identitárias, revela as cenografias que levam à construção do ethos discursivo como imagem de si, expressos pelos discursos das mesmas, conforme sugerido por Maingueneau (2011, 2013). Por se tratar de um estudo exploratório, em fase inicial, acredita-se que as mobilizações realizadas em interface sirvam como paradigmas relevantes para a compreensão da cenografia e do ethos discursivo corporativo. Diante do percurso metodológico percorrido, foi elaborado um dispositivo epistemológico, detalhado na Figura 1, que poderá nor368 tear o estudo em andamento, cuja perspectiva está no estudo do ethos discursivo como imagem de si em uma organização financeira. FIGURA 1 - DISPOSITIVO DE ANÁLISE DO DISCURSO Fonte: Elaborado pelos autores Na Figura 1, é possível visualizar que o discurso inicia com a cultura. A cultura está inserida em um contexto organizacional que se integra à comunicação, que resulta em diferentes manifestações culturais que expressam o discurso da organização por meio das cenografias que constroem o ethos discursivo. A partir da construção do ethos, verifica-se a imagem que a organização faz dela mesma, promovendo a identificação da identidade corporativa e de suas representações. Assim, a cenografia e o ethos discursivo são constituídos pelos modos de dizer e de se revelar no discurso. 369 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após as reflexões iniciais sobre os temas propostos, admite-se que exista concatenação dos mesmos em interface. O objetivo do trabalho consistiu em investigar as articulações iniciais de conceitos relacionados à cultura, à comunicação e à identidade manifestados no discurso organizacional. A cultura está inserida no contexto organizacional e, dessa forma, ela se integra à comunicação que resulta em manifestações culturais. Essas manifestações culturais expressam o discurso da organização, por meio das cenografias que constroem o ethos discursivo organizacional. Esse estudo foi de grande valia para a melhor compreensão de que a comunicação organizacional é a alma da empresa e de que as pessoas são essenciais nesse processo, uma vez que todos são seres produtores de discursos e diálogos na organização. Entendeu-se que as limitações do estudo estariam na necessidade de aprofundamento dos assuntos escolhidos, visando fomentar articulações mais detalhadas sobre o que foi abordado. Acredita-se que é relevante promover estudos sobre a compreensão da cultura organizacional, tendo como base a análise do discurso e discutindo sobre o processo de comunicação que há nas organizações. Nota-se neste estudo uma colaboração para a construção do ethos discursivo - imagem de si - e das identidades organizacionais. Em suma, com a premissa de que toda produção de linguagem é discurso, o jogo de imagens de si contempla as diversas maneiras com que cada empresa investe para dizer o que deseja dizer, com o objetivo de construir sua própria identidade e, por conseguinte, sua reputação organizacional. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Ana Luísa de Castro. A construção de sentido sobre ‘quem somos’ e ‘como somos percebidos’. In: MARCHIORI, Marlene. (Org.) Faces da cultura e da comunicação organizacional. 2. ed. São Paulo, SP: Difusão Editora, 2008, p. 31-44. AMOSSY, Ruth. O ethos na intersecção das disciplinas: retórica, pragmática, sociologia dos campos. In: AMOSSY, Ruth (org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo, SP: Contexto, 2008, p. 9-27. 370 BALDISSERA, Rudimar. A complexidade dos processos comunicacionais e interação nas organizações. Faces da cultura e da comunicação organizacional. In: MARCHIORI, Marlene (org.). São Caetano do sul, SP: Difusão editora, 2010, p. 199-213. 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Para isso, fez-se necessário percorrer algumas correntes da sociologia, da comunicação e da filosofia da linguagem para se compreender este processo social (cinismo) em um contexto privilegiado para este estudo (as organizações). Partindo do pressuposto de que as organizações são âmbitos complexos, marcados pelas disputas de poder, a busca pelo controle dos processos e, mais recentemente pela adoção de práticas da lógica midiática. Palavras-chave: Ator cínico; comunicação no contexto das organizações; estratégias de recepção; pragmatismo; acordo tácito Mestrando em Comunicação Social – Interações Midiáticas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 1 INTRODUÇÃO As relações dos indivíduos já foram objeto de estudo de diversos campos do conhecimento como a filosofia, a psicologia, a sociologia, a antropologia e mais recentemente, a comunicação. Das inúmeras discussões que o relacionamento humano já suscitou, uma delas ficou conhecida pela tentativa de compreender o comportamento interacional através de uma metáfora: a representação teatral. O autor desta abordagem, o sociólogo canadense Erving Goffman, é um dos expoentes de uma corrente de estudos norte-americana conhecida por interacionismo simbólico. E, na busca por avançar no enfoque dramatúrgico, microssociológico e etnometodológico cunhado por Goffman, pretende-se aqui fazer um pequeno retrospecto bibliográfico das teorias que influenciaram suas pesquisas, além de trazer à luz outras contribuições do campo da semiótica, da linguagem e da comunicação, no intuito de que estes outros olhares possam promover novas reflexões, principalmente quando contextualizadas no âmbito organizacional. O PRAGMATISMO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O ENTENDIMENTO DA REPRESENTAÇÃO DO “EU” De certa forma, pode-se afirmar que os estudos do interacionismo simbólico foram sustentados pelos pilares epistemológicos do pragmatismo. As heranças conceituais do pragmatismo serviram de alicerces para os estudos, por exemplo, da Escola de Chicago, e mais precisamente, ao trabalho do filósofo George Herbert Mead (FRANÇA, 2008). Mead acreditava que a sociedade não é um elemento exterior ao indivíduo, mas um contexto objetivo de ações. Para ele, a sociedade se dá através das atividades cooperativas de seus membros, dos atos e das interações. Sendo assim, a vida social oportuniza e exige dos indivíduos uma personalidade social, levando Mead a crer que os membros de uma sociedade são dotados de um self, uma entidade unitária, porém flexível (FRANÇA, 2008). Mead teve influências sobre o trabalho de Goffman (NUNES, 2005), principalmente na conceituação de self e seus desdobramentos sociais. “Ao analisar o ‘eu’, então, somos arrastados para longe de seu possuidor, da pessoa que lucrará ou perderá mais em tê-lo, pois 374 ele e seu corpo simplesmente fornecem o cabide no qual algo de uma construção será pendurado por algum tempo.” (GOFFMAN, 2013, p.217). Avançando a partir desta perspectiva de self, pode-se entender que as interações são processos que tecem e retecem, ao mesmo tempo, o indivíduo e a sociedade. Essas interações recursivas se manifestam em gestos carregados de significados, verdadeiras trocas que acontecem em todas as direções do processo de interlocução (BALDISSERA, 2009). Os estudos de Goffman reforçam essa perspectiva ao destacarem que “o estar em relação demanda dos sujeitos a consciência da situação, para seleção do papel a ser desempenhado por cada um frente ao outro, naquela ação específica.” (LIMA, 2008, p. 121). Para Goffman, “a interação (isto é, interação face a face) pode ser definida, em linhas gerais, como a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata” (2013, p. 28). 2 Goffman (2013) também acreditava que durante o desempenho de um papel, o indivíduo discretamente solicita que sua plateia leve a sério a impressão representada perante ela. Em outras palavras, o ator social espera que acreditem em seu personagem e nas consequências pretendidas por ele. Durante uma representação as coisas devem ser como parecem ser. Portanto, de modo geral, o ator se apresenta para o benefício e a crença de sua plateia. Contudo, existe a possiblidade de um outro olhar sobre esta questão. Afinal, este mesmo comportamento teatral pode também ser visto, entendido e estudado a partir da própria crença que o indivíduo (ator) deposita sobre o papel que está representando. Posto isso, Goffman (2013) lembra que há dois extremos. Num deles, se encontra o ator sincero, inteiramente compenetrado em seu desempenho e convencido de que a impressão da realidade que encena é verdadeira. Esta percepção também é compartilhada e aceita pela pla- É importante destacar aqui que embora Mead e Goffman tenham usado a perspectiva de interação a partir do âmbito face a face, estudos contemporâneos da comunicação ampliaram este entendimento para o contexto das novas mídias, demostrando que estas mesmas representações também podem ser observadas em co-presença virtual (LIMA, 2008). Sendo assim, neste artigo, o termo interação também será tomado na amplitude de sua significação, abrangendo tanto as construções de sentido face a face, quanto as mediadas. 2 375 teia, que convencida pelo espetáculo, não tem dúvidas do que se apresenta a ela. Em contrapartida, em outro extremo, está o ator cínico. Quando um indivíduo não crê em sua própria atuação e não se interessa em última análise pelo que seu público acredita, podemos chamá-lo de cínico, reservando o termo “sincero” para os que acreditam na impressão criada por sua representação. (GOFFMAN, 2013, p. 30). É bom que fique claro que nem sempre o ator cínico está interessado somente em enganar sua plateia, ou ter algum privilégio pessoal através da representação. Muitas vezes, ele pode iludir seu público pelo o que julga ser o bem deste, uma tentativa de evitar os possíveis conflitos. Os médicos que são levados a receitar medicamentos inócuos para tranquilizar os doentes; os empregados de postos de gasolina que resignadamente verificam e tornam a verificar a pressão dos pneus para ansiosas senhoras; os vendedores de calçados que vendem um sapato de número diferente, mas que dá no pé da freguesa e dizem a ela que é do tamanho pedido, todos estes são profissionais cínicos, cujo público não lhes permitirá serem sinceros. (GOFFMAN, 2013, p. 30). O cinismo também pode ser entendido como o resultado da insegurança de um indivíduo. Os atores podem usar o cinismo como uma estratégia para isolar sua personalidade íntima do contato com a plateia, uma maneira de se resguardar da exposição sincera e preservar a impressão que tentam causar nos seus interlocutores. Portanto, o ator não está fixo em apenas um dos extremos da representação. Ele oscila constantemente entre a sinceridade e o cinismo, à medida que, através da representação, passa a legitimar atributos que antes eram apenas para iludir a plateia. Tomando por exemplo, os curandeiros que em alguns casos sabem estar praticando uma fraude, mas mesmo assim acreditam em seus poderes e até recorrem a outros feiticeiros quando estão enfermos (GOFFMAN, 2013). A DRAMATURGIA NAS ORGANIZAÇÕES Cabe aqui contextualizar as ideias já apresentadas, trazendo para esta discussão algumas reflexões de estudiosos da comunicação organizacional. Esse diálogo e recorte contextual é possível e viável a par376 tir do viés microssociológico dos estudos de Goffman, caracterizados pela compreensão da sociedade pela ótica das infinitas interações que juntas constroem a vida cotidiana. Sabendo disso, a organização, ambiente marcado pela gestão do controle, pela disputa de poder e pelo aperfeiçoamento dos processos em busca de resultados maximizadores (OLIVEIRA; PAULA, 2012) se torna um contexto privilegiado para se analisar o comportamento cínico dos indivíduos quando em interação. A partir de Strauss (1959) a análise das organizações passa a fazer parte da temática interacionista, sob a hipótese de que as macroestruturas podem ser compreendidas a partir de uma base microanalítica. O paradigma de uma “ordem negociada” (Strauss, 1978) admite a coerção das macroestruturas sobre os significados e também a “incorporação”, pelas instituições, da construção de formas sociais, mesmo que as macroestruturas não determinem completamente o significado e a interação (Cf. Fine, p. 68). Daí a contribuição específica da perspectiva interacionista simbólica, reconhecendo a importância de um “nível mesoscópico” (Maines, 1982), que conduziria ao exame da dinâmica social, em que se manifesta a submissão de atores individuais a instituições, organizações, à ordem econômica e a regimes políticos. (NUNES, 2005, p. 42). No curso de sua história, o interacionismo simbólico apresentou uma relação estreita com uso de metáforas e analogias para explicar a relação entre os sujeitos, a vida social como um drama é um exemplo disso. “A analogia é o método tradicional de geração de teorias de mundo: toma-se uma área de fato do senso comum e tenta-se compreender outras áreas por meio dessa.” (NUNES, 2005, p. 10). Os estudos de Goffman foram marcados por um vocabulário próprio. Em sua obra é recorrente o uso de termos como: palco, fachada, atores, plateia, bastidores, etc. Em analogia, o pesquisador parte de observações descompromissadas, avançando progressivamente para quadros conceituais cada vez mais compreensivos, tentando descrever melhor a base inicial de observação, em nível crescente de abstração. (NUNES, 2005, p. 100). O emprego da metáfora do teatro na teorização sociológica se mostra bastante frutífero à nível microssociológico, mas tem sua vali377 dade diminuída em termos macrossociológicos. Mesmo assim, é importante destacar sua importância heurística em todos os níveis. E, no caso de sua aplicação teórica, o procedimento transcende a função heurística, que por muito tempo foi associada ao emprego metodológico de analogias e metáforas (NUNES, 2005). Isso reforça a ideia de que o modelo dramatúrgico de Goffman pode contribuir para o entendimento da complexidade das relações sociais de uma organização, principalmente aquelas interações que se dão dentro de seu espaço físico, no caso deste artigo, a relação entre o empregado e a comunicação oficial de uma organização. Cabe ressaltar que esta perspectiva não isola uma organização em um sistema fechado, ela apenas busca destacar o palco como um lugar bem definido, acreditando que as outras relações da organização com a sociedade devem ser objeto de outros estudos, outras análises. CINISMO: UMA ESTRATÉGIA PARA UM ACORDO TÁCITO NAS ORGANIZAÇÕES O termo “cinismo”, usado por Goffman, pode ser entendido como uma estratégia consciente dos atores na tentativa de satisfazer as expectativas de sua plateia. “Um acordo tácito é mantido entre os atores e a plateia, para agir como se um dado nível de oposição e concordância existisse entre eles.” (GOFFMAN, 2013, p. 256). O comportamento cínico pode sustentar uma falsa sensação de harmonia e ordem que, a priori, contribuiria para a manutenção e a aparente cristalização dos sentidos intencionados pela comunicação planejada, a fala oficial de uma organização, ainda muitas vezes apoiada no paradigma informacional da comunicação. Então, entre a oferta de sentidos planejados pela organização e a sua internalização pelos interlocutores – diferentes sujeitos que constituem a alteridade quando das relações – há a arena das disputas. Neste lugar dinâmico atualizam-se estratégias, saberes prévios, desejos, expectativas, competências e habilidades diversas, não apenas para dizer, mas também para descontruir as estratégias cognitivas da outra força em relação e (re)apresentar efeitos de sentidos para levar o interlocutor a internalizá-las da forma desejada, mesmo que nem tudo seja da qualidade do consciente para todas as forças de relação. (BALDISSERA, 2008, p. 171). 378 Uma das hipóteses aqui levantadas é de que o cinismo é usado de forma estratégica pelos funcionários das organizações no intuito de garantirem a manutenção de seus empregos. Partindo do pressuposto de que, o comportamento cínico esconde da plateia as verdadeiras crenças dos atores. “É importante que a organização compreenda que os grupos interlocutores presentes no processo também têm suas estratégias comunicacionais” (OLIVEIRA; PAULA, 2012, p. 71). A metáfora teatral, abordada por Goffman, se torna pertinente neste contexto porque direciona para uma situação de tensão entre os agentes envolvidos. Este ambiente de disputa de sentidos é propício para que os interlocutores se utilizem de estratégias e táticas para explicitar ou esconder seus reais posicionamentos de acordo com cada situação. Jair Oliveira (2013) lembra que as organizações, no seu plano macro, não despertam interesse em encarar a produção de sentidos como um elemento contextual, dinâmico e construído dialogicamente, enquanto os lucros estiverem em curva ascendente. Todavia, no âmbito micro, aquele das relações interpessoais, as mudanças se fazem necessárias para alterar o estado atual das coisas. Humerto Maturana (1999) observou que na dimensão do trabalho a conduta é determinada pelo papel que o indivíduo representa na estrutura hierárquica e neste domínio, o cumprimento de tarefas é a única coisa que importa. Há um esforço dos gestores para que rituais e normas específicas da esfera empresarial sejam “humanizadas”; ou sejam construídas relações que se baseiem na aceitação do “outro” (Maturana, 1999, p. 69). Este imperativo às vezes é encarado pelos “donos” da organização como uma tentativa de eliminar o trabalho e postular “o direito à preguiça” (Lafargue, 1999). Tais dirigentes concebem metáforas como “emoção”, “afeto” e “riso” do mesmo modo que Platão tratou os poetas: com descaso. As considerações que costumam apresentar nas reuniões são quase sempre de ordem material e a compreensão da linguagem é sempre determinística: X então Y. Não há espaços para as necessidades emocionais dos indivíduos. (OLIVEIRA, 2013, p. 56). Essas considerações contribuem para reforçar algumas reflexões levantadas neste artigo. Principalmente quando se percebe que algumas organizações se utilizam de métodos rasos na tentativa de mensu379 rar os resultados da recepção de suas plataformas de comunicação (se é que a comunicação possa ser mensurada). Os dados levantados nestas pesquisas podem estar maquiados pelo comportamento cínico dos funcionários. Portanto, dispositivos de interação planejados pela gestão de uma organização como, por exemplo, as pesquisas de clima organizacional, os jornais murais ou house organ, os ritos de integração de novos empregados, os cartões com frases de efeito emocional em datas comemorativas, as celebrações de conquistas, as confraternizações, etc, podem ser oportunidades para que os empregados se utilizem do discurso cínico para manter a aparente situação de total controle tão buscado pela gestão. Esses dispositivos comunicacionais também podem ser espaços para que a organização assuma seu papel de ator cínico, através de uma tentativa não sincera de “dar voz e ouvir o outro”, mesmo sabendo que, sobre os aspectos capitalistas, há outros interesses econômicos mais relevantes do que criar espaços para diálogos. Pesquisas internas de clima organizacional com altos índices de aprovação, jornais murais com falas eufóricas de dedicação ao trabalho, agradecimentos efusivos aos gestores, comportamentos pouco espontâneos e estrategicamente alinhados a conduta oficial da empresa, entre outras atitudes, podem ser apenas representações não sinceras dos funcionários para agradar a sua plateia. Afinal, para as organizações, há outros interesses mais importantes do que aceitar os dissensos da alteridade e, por ser assim, qualquer desvirtuamento das intencionalidades da gestão deve ser ignorado, coagido ou banido. Talvez, por estar consciente dessa situação, o funcionário se proteja, como um indivíduo dependente do empego, através de um comportamento de falso consentimento e cristalização dos sentidos propostos pela organização. Júlio Pinto (2008) contribui para esta discussão, ao propor a palavra permediatividade, termo derivado da semiótica, para conceituar a instabilidade dos processos comunicativos, a indeterminação da linguagem e a imprevisibilidade dos signos. Segundo ele, num ambiente como o das organizações, que vem sendo dominado cada vez mais pela ideia de gestão – e gestão talvez seja só outro nome mais açucarado para panóptico e para vigilância -, existe a ilusão de que se possui a forma de bem conduzir as coisas, de maneira que atinjam seus ob380 jetivos. Essa gestão está preocupada com os significados: “A significa B e, se eu disser A, entenderão B.” O mundo seria bem mais simples, mas bem menos fascinante assim. Essa tendência rígida, do tipo necessário (se A, então necessariamente B), é uma peça de ficção tendo em vista que A é opção e, portanto, B também o será. Talvez B nem seja B, mas C ou D ou Z. (PINTO, 2008, p. 86). A partir dessa perspectiva, o ruído, algo tão temido e repudiado pela comunicação oficial da organização, é visto como uma consequência inerente a qualquer processo de interação, devido exatamente as rupturas causadas pelas ressignificações infinitas que os indivíduos fazem apoiados em seus diferentes interesses e repertórios. A permediatividade leva em conta que há intenção nas instâncias produtoras de mensagens, mas também há intenção nas instâncias receptoras de mensagens, na medida em que somos vítimas de nosso próprio discurso, já que meus signos fazem parte de um repertório que vou adquirindo ao longo da vida. (PINTO, 2008, p. 87). Diante disso, por mais que exista uma intencionalidade planejada pela instância de produção e até um reconhecimento dos repertórios interpretativos e das competências da instância de recepção, sempre haverá algo que escapa na comunicação (OLIVEIRA; PAULA, 2008). As organizações, aparentemente pouco interessadas em aceitar o caráter processual, complexo e multidirecional da comunicação, parecem mais interessadas em usá-la como um mecanismo corretor, na tentativa de estabilizar as interações e direcionar a produção de sentido de acordo com seus interesses. Esta lógica instrumentalista da comunicação é um indício da busca incessante das diretorias das organizações pelo controle de todos os seus processos. Este posicionamento garante à organização uma impressão de total autoridade sobre o negócio, inclusive sobre as pessoas. Ou seja, introduz-se a comunicação como um mecanismo de regulação, retirando as possiblidades de paradoxos, sem que se pergunte até que ponto o dissenso interacional não estaria relacionado com a própria comunicação, enquanto uma interação que não se realiza em termos simétricos. Trata-se da instalação da lógica da vigilância sistemática e do “sobrea381 viso” flutuante, o que significa a criação no ambiente de uma lógica de alerta. (FAUSTO NETO, 2008, p. 44). Por sua vez, o funcionário, ciente deste ambiente de alerta, poderá se utilizar de recursos dramáticos para não demonstrar suas verdadeiras crenças e, consequentemente, apresentar um discurso mais ameno e menos opositor ao da organização. Esse comportamento é aceitável quando se leva em consideração que as regras atuais do capitalismo exigem dos indivíduos atitudes que demonstrem seu apreço e dedicação ao trabalho, o famoso “vestir a camisa da empresa”, como uma situação que dignifique a condição humana, através de uma carreira estável e o acúmulo de riquezas. Sendo assim, o cinismo se apresenta como um artifício dos funcionários para manterem seus empregos e evitar possíveis atritos durante as interações com a comunicação oficial da organização. É claro que esta conformidade é utópica, apesar de extremamente desejada pela empresa. Numa tentativa de talvez manter o status quo hierárquico, um ambiente harmônico no qual ele acredita ser o ideal para sua plateia. Vemos que os atores, a plateia e os estranhos, todos utilizam técnicas para salvar o espetáculo, quer evitando rupturas possíveis, quer corrigindo as inevitáveis, ou ainda tornando possível que outros o façam. (GOFFMAN, 2013, p. 257). O cinismo poder ser um dos elementos determinantes no processo comunicacional no contexto das organizações. Afinal, “a comunicação é o lugar de sujeitos em relação que (re)tecem o ser organizacional, muitas vezes, independentemente da vontade e dos objetivos da própria organização” (BALDISSERA, 2008, p. 169). Às vezes, e isso é apenas uma suposição, já que este artigo não tem dados suficientes para constatar isso e nem é esta sua proposta, a organização seja consciente do cinismo no discurso de seus funcionários. Mas, não se preocupa com isso, a partir do momento que é favorável para ela ter esta sensação de domínio sobre a situação, mesmo que apenas aparente. Os funcionários, também podem ser conscientes de que seu cinismo é reconhecido por sua plateia, mas, como já apresentado, ao ator cínico pouco importa o que seu público acredita, e pode até experimentar uma “jubilosa agressão espiritual” pelo fato de brincar com algo que 382 a plateia aparentemente está levando a sério (GOFFMAN, 2013). Enfim, esses fatores apenas reforçam a ideia de que existe um acordo invisível e muito satisfatório entre as duas partes. A funcionário finge que está em conformidade à comunicação oficial da organização e a organização finge acreditar nele. Portanto, o cinismo pode ser uma estratégia de funcionários e organizações. Para que esta metáfora teatral em que se tornaram as interações sociais; segundo Goffman, resulte, é necessário um acordo tácito entre todos os intervenientes, o que confere a estes fenômenos de comunicação a categoria de rituais, cerimônias que permitem confirmar não só a ordem moral, como as práticas culturais e sociais. (FERIN, 2002, p. 80). Ao usar da linguagem teatral para explicar as relações sociais, Goffman deixa clara a sua aproximação de uma máxima linguística: quando conversamos, estamos também agindo. Outros tratamentos científicos posteriores ao de Goffman são fundamentais para se entender esse “agir”, que começou a ser desenhado na teoria dos atos de fala de Grice e Austin e a teoria da ação comunicativa de Habermas. Na comunicação em situação de co-presença os sujeitos de fala sempre desempenham alguma ação ao dizer algo. A concepção de linguagem como atividade, com raízes na compreensão pragmática da linguagem defendida por Wittgenstein e na teoria dos atos performativos de Austin, é fundamental para uma correta avaliação não só do modelo da ordem social de Goffman, mas de sua obra sociológica como um todo. Para Wittgenstein, assim como para Goffman, aprender uma linguagem não é conhecer o significado de palavras, mas é o mesmo que aprender a se comportar de uma determinada forma; aprendemos a pedir comida, e não o significado de “mamá” ou “papinha”. Aprendemos a agradecer, a desculpar, a solicitar; sabemos livrar as aparências, nossas ou de outros, às vezes sem compreender exatamente o que dizemos ou por que o fazemos. Aprendemos a manipular as palavras assim como aprendemos a alterar formas de comportamento, a adequá-las a situações ou contextos. As regras que regem o uso cotidiano da linguagem não são reguladoras como as regras gramaticais para um uso “correto” da linguagem. Não 383 são propriamente regras, mas regularidades, que governam o sentido das palavras e a forma de falar; o desvio dessas regras não constitui uma violação, mas um abuso, assim como, por exemplo pegar uma faca pelo lado da lâmina e usar seu cabo como um tipo de martelo. (NUNES, 2005, p. 122-123). Ao aprender a adequar e alterar seu discurso de acordo com o contexto, o ator cínico evidencia seu tato social, ou seja, sua capacidade de interpretar e identificar a situação de interação e o perfil de seus interlocutores antes de iniciar seus discursos. Esta análise antecipada da situação define o caráter promissório da comunicação. Há uma certa expectativa sobre o que vai acontecer. Afinal, “quando um indivíduo chega à presença de outros, este, geralmente, procura obter informações a seu respeito ou traz à baila as que já possuem.” (GOFFMAN, 2013, p. 13). A informação a respeito dos interlocutores e seu espaço de interação levam a definir a situação, tornando possível se saber antecipadamente o que os atores esperam da plateia e o que a plateia pode esperar dos atores. Cabe aqui destacar que a figura do ator e da plateia nunca é fixa. O indivíduo-ator em um momento, pode se tornar plateia no mesmo instante. O que caracteriza o aspecto interlocutório desta abordagem. Diante dessas questões, apesar deste artigo deixar mais evidente o uso do cinismo pelos funcionários, ele não rejeita, nem ignora a existência do cinismo na fala oficial da organização. Essa abordagem é apenas um recorte intencional para se destacar um grupo social ( funcionários) que frequentemente tem suas estratégias de recepção ignoradas pela bibliografia recorrente. Obviamente, o cinismo é um artifício recorrido por todas as instâncias de interação, afinal a posição de ator e plateia está em constante troca durante a interação. O Princípio da Cooperação, cunhado por Grice (1982), pode contribuir para o entendimento do cinismo como um desvio de uma expectativa de comportamento. Grice (1982) lembra que os diálogos não são uma sucessão de observações sem conexões. Na verdade, eles são esforços cooperativos, o que leva os participantes da interação a conhecer um propósito comum ou um conjunto de propósitos, ou ainda, pelo menos, um direcionamento aceitável entre as partes. Estes propósitos ou direcionamentos são fixados desde o início do diálogo ou podem evoluir durante seu acontecimento. Mas, a cada etapa, alguns compor384 tamentos são considerados inadequados. Sobre essas inadequações, Grice apresenta quatro máximas conversacionais que implicitamente são responsáveis pelas expectativas de cooperação entre os interlocutores, a saber: a quantidade – a contribuição deve ser tão informativa quando requerida; a relação – os enunciados precisam ser relevantes; o modo – a maneira como algo é dito precisa ser clara e, por fim, o que parecer ser o mais importante para este estudo, a máxima da qualidade – a contribuição deve ser verdadeira. “Não diga o que você acredita ser falso” (GRICE, 1982, p. 87). Cabe aqui fazer alguns entrelaçamentos metodológicos entre o que Goffman chamou de acordo tácito entre atores e plateia e Grice denominou de Princípio de Cooperação. No intuito de manter o espetáculo, os atores cínicos dificilmente revelarão a violação da máxima da qualidade, afinal, acreditam que esta descoberta afetaria o bem estar da plateia. Mas então, como seria possível identificar o cinismo em um discurso, sabendo-se de suas características tão calculistas e nunca explícitas durante a interação? Goffman pode contribuir para esta questão ao apontar que Tipicamente, mas nem sempre, o acordo é acentuado e a oposição é representada com truques. O consenso operacional resultante tende a ser contradito pela atitude que os atores expressam em relação à plateia na ausência dela e pela comunicação imprópria cuidadosamente controlada, transmitida pelos atores quando a plateia está presente. (GOFFMAN, 2013, p.256) Parece ficar claro que o cinismo dos atores dificilmente será percebido pela plateia, afinal, há uma expectativa de que as falas proferidas sempre representarão as verdades, aquilo que os atores realmente acreditam. Contextualizando o proposto ao âmbito das organizações, o cinismo dos funcionários quando em relação às ações responsivas à fala oficial de uma organização seria mais facilmente identificado nos bastidores, como o momento do café, o almoço entre colegas de mesmo nível hierárquico, os cochichos em lugares sem a presença de gestores, enfim, qualquer ambiente que fuja do contato direto com a plateia. Afinal, caso a plateia descubra a violação da máxima da qualidade, isso poderia implicar, no caso das organizações, em possíveis demissões ou sanções de retaliações aos envolvidos. Do mesmo modo que o cinismo por parte da 385 organização pode ser percebido quando se comparado o discurso das reuniões gerenciais às portas fechadas e as falas oficiais públicas efetivamente direcionadas aos funcionários. Habermas apud Ferin (2002) também colabora para esta discussão ao afirmar que as expectativas pela verdade emitidas durante uma interação só poderão ser alcançadas a partir de um acordo intersubjetivo obtido no quadro de uma comunicação ilimitada, constrangida apenas pela troca de argumentos. Habermas desenvolveu em Teoria do Agir Comunicacional, o conceito de situação de comunicação ideal ancorada na observância, por parte de todos os falantes, de regras partilhadas e de exigências de validade pautadas pela necessidade de verdade, correção e sinceridade nos conteúdos transmitidos. Propõe ainda a distinção entre o agir orientado para a compreensão que se desenvolve mediante a linguagem, na base de acordos racionalmente motivados acerca de exigências específicas de validade, e o agir orientado para o sucesso, no qual estão incluídas as formas do agir instrumental, ou agir de tipo técnico, não social e as do agir estratégico, de tipo social. (FERIN, 2002, p. 61). A etnometodologia de Goffman oportunizou esta observação de regras internas entre os interlocutores, representadas na relação entre ator e plateia, permitindo analisar os papéis sociais dos indivíduos em cenas do dia a dia. O momento do palco e o acordo subentendido entre seus envolvidos, aproxima Goffman do estudo da ação comunicativa de Habermas e dos atos de fala de Austin. Afinal, os atores estão fazendo coisas com as palavras. Quando reconhecemos, por exemplo, um estado de conversa, passamos a efetivar os rituais de manutenção de aparências, a respeitar a estrutura do desenvolvimento da conversa por turnos, a adotar, conscientemente ou não, os princípios de interação como pressuposições. (NUNES, 2013, p. 117) As considerações apresentadas mostram um diálogo possível entre as teorias da linguagem e a metáfora do teatro desenvolvida por Goffman, já que são abordagens que se sustentaram sobre um mesmo pilar epistemológico, as ideias do pragmatismo e do interacionismo 386 simbólico. Na verdade, o uso de metáforas parece ser algo recorrente em ambas perspectivas: sociedade como teatro, sociedade como linguagem, interação como conversação, linguagem como ato, entre outras. Goffman se mostra um autor bem próximo das abordagens que colocam a linguagem como um processo social compartilhado e esta constatação se torna ainda mais latente quando observa-se suas ligações com a perspectiva performática da linguagem, direcionada ao entendimento do contexto, das condições, das intencionalidades e dos modos de fala. Contextualizar a linguagem no âmbito organizacional, como foi tentado neste artigo, reafirma sua prática como ação social e evidencia as múltiplas direções que os discursos podem tomar, possibilitando até rupturas com a institucionalização dos significados pelas organizações. A linguagem, quando vista como uma prática de discursos, mostra como as pessoas disputam e ressignificam os sentidos para se posicionarem durante as interações. É num processo conflituoso de consensos e dissensos, ordem e desordem, concessões e exigências, enfim, uma constante negociação de um processo comunicacional sempre em tensão de interesses. E que, por ser assim, a linguagem se mostra imune a abordagens prescritivas, mas está sempre instigando novos olhares e interpretações. CONSIDERAÇÕES FINAIS A principal consequência da prática do cinismo é a sensação de autocensura que se manifesta em um contexto, impedindo a pluralidade de ideias que, mesmo contrárias às da gestão, poderiam contribuir para o melhoramento do convívio organizacional ou facilitar o sucesso do negócio. Este ambiente marcado pelo medo e pelo falso consenso entre funcionários e organização pode esconder as verdadeiras crenças dos indivíduos. Seria muita pretensão este artigo se colocar como uma leitura completa e profunda da relação entre funcionários e organização. Afinal, há muitos outros fatores, além do cinismo, envolvidos neste processo. Mas, ele aponta para algumas diretrizes que uma pesquisa, talvez empírica, conseguisse analisar com mais afinco. Principalmente quando se percebe contradições entre o discurso do palco e dos bastidores. 387 O percurso histórico do capitalismo deixa evidente que dificilmente existirá uma organização onde haja uma plena abertura para discursos discordantes a sua fala oficial. E, por ser assim, o cinismo certamente será um recurso muito utilizado nestes contextos por muitos anos. Mas, é preciso que as organizações estejam cientes de que, nem tudo o que está sendo dito pelos seus funcionários é verdadeiro e representa suas opiniões, expectativas e desejos. É preciso uma aceitação por parte das organizações de que os dissensos podem trazer contribuições críticas valiosas ao negócio e que o fato de tudo parecer estar bem alinhado e harmonioso pode esconder um risco ainda maior para a organização que busca controle, afinal, muitas vezes, as estratégias cínicas, de ambos os lados ( funcionários e organização) levam essas últimas a serem espaços menos democráticos, contribuindo para o aumento de leituras míopes sobre suas complexidades. REFERÊNCIAS BALDISSERA, Rudimar. Comunicação Organizacional: uma reflexão possível a partir do Paradigma da Complexidade. In: Ivone de Lourdes Oliveira; Ana Thereza Nogueira Soares. (Org.). Interfaces e tendências da comunicação no contexto das organizações. São Caetano do Sul SP: Difusão, 2008, p. 149-177. BALDISSERA, Rudimar. A comunicação no (re) tecer da cultura organizacional. Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, v. 10, 2009, p. 52-62. FAUSTO NETO, Antonio . 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A Linguagem Performativa na Comunicação Organizacional. In: Ivone Oliveira; Marlene Marchiori. (Org.). Comunicação, Discurso, Organizações. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2013, v. 6, p. 53-70. 389 |5| CONTRIBUIÇÃO DAS NARRATIVAS PARA AUMENTAR O SENSO DE PERTENCIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES: O TEMPO DE OUVIR E O TEMPO DE FALAR Viviane Regina Mansi1, Paulo Jarbas Jr2. e Vânia Bueno Cury3 RESUMO As narrativas sempre estiveram presentes na cena organizacional, mas ao longo dos estudos da comunicação organizacional não foram vistas como lugar de conhecimento e por isso ficaram à margem das discussões sobre senso de pertencimento dos empregados. Apresenta-se neste documento uma proposta do papel das narrativas e do seu potencial de criação de vínculos e engajamento. Entre os tantos olhares possíveis para o assunto, foi dada ênfase à dimensão do tempo nesta reflexão, pois vivemos um momento em que falta atenção para ouvir, mas sobram oportunidades para falar sem, com isso, alcançarmos um diálogo efetivo. Os estudiosos que embasam o trabalho são do campo da comunicação, da psicologia e da filosofia, pois a soma de diferentes saberes contribuem para ampliarmos o entendimento do assunto e nos lançarmos a diferentes oportunidades de lidar com ele. Palavras-chave: comunicação organizacional; comunicação com empregados; diálogo; narrativas; tempo Viviane Regina Mansi, Faculdade Cásper Líbero e GENN – USP (Grupo de Estudos de Novas Narrativas) 1 2 Paulo Jarbas Jr., GENN - USP (Grupo de Estudos de Novas Narrativas) 3 Vânia Bueno Cury, GENN - USP (Grupo de Estudos de Novas Narrativas) Como a organização pode existir? Todos os esforços têm início num intento, com a convicção de que algo maior é possível uma vez que um grupo soma suas forças de trabalho. Esse pensamento é reforçado por Wheatley (2006, p. 43), quem diz que A organização se forma a partir de uma identidade - uma “individualidade” - que se organiza. Posta em movimento, essa identidade se torna o processo gerador de sentido da organização. Ao decidir o que fazer, o sistema se reporta ao senso de identidade. Todos nós interpretamos acontecimentos e dados de acordo com o que pensamos que somos. Não “conhecemos” simplesmente o mundo: nós criamos mundos com base no significado que investimos na informação que escolhemos perceber. Então, tudo o que sabemos é determinado pelo que pensamos que somos. A fala da autora nos dá oportunidade de pensar na organização e na interação dos empregados de diversas formas. De início, reforça que o sentido é gerado por meio da atuação de um conjunto, que também preserva suas individualidades. Manter-se ‘eu’ e, ao mesmo tempo, ‘todo’ não é uma operação trivial. Muito pelo contrário, nos leva a imaginar que há a necessidade de diálogo, pois somente assim se conhece o que é comum. Exige também respeito àquilo que o define o que o indivíduo é – e quer continuar a ser. Estamos diante do que pode ser um primeiro campo de conflito. Também podemos observar que a autora traz a ideia de movimento. Nada na organização é estático. Mudanças acontecem em decorrência do amadurecimento dos empregados, das demandas do negócio, das crises às quais as empresas estão expostas. Esse movimento também exige diálogo constante, pois é da sua natureza estar ‘suspenso’ e em relação a muitas outras variáveis. Estamos diante de um potencial segundo campo de conflito, pois o indivíduo, quando acuado, tem medo dessas mudanças que podem afetá-lo sem aviso prévio. Finalmente, Wheatley também menciona que o nosso olhar modela o que vemos. Aqui é possível lembrar de um pensamento de Bakunin, resgatado por Maffesoli, que diz que “em toda realidade há um quarto de realidade e três quartos de imaginário” e a segunda parte sempre age poderosamente sobre os homens. Aqui cabe-nos pensar se na 391 velocidade dos tempos em que vivemos nós estamos dedicando tempo suficiente para nos conhecermos, conhecermos a nossa história e o nosso legado nas organizações. Eis o terceiro possível campo de conflito. Os três campos de conflito – Ser ‘eu’ e ao mesmo tempo ser ‘todo’, trafegar nas constantes mudanças que vivemos e buscarmos foco num mundo veloz – são afetados pela lógica do tempo, como veremos adiante. TEMPO: ENTRE O CHRONOS E O KAIRÓS Podemos considerar duas dimensões distintas quando nos referimos ao tempo. A primeira está ligada ao conceito de chronos, linear, finito, algo que, por ser medido da mesma forma – o relógio – é igual para todos. “É, portanto, um tempo artificial. Não nascemos orientados para o relógio, mas sim para nossas necessidades de alimentos, cuidado e afeto” (Cerantola e Mansi, 2014, p. 4). A segunda está ligada ao conceito de kairós, ou o momento oportuno, que é independente da nossa relação com o relógio. Em geral, quando nos referimos ao tempo nas organizações, ele está ligado ao chronos. A tentativa de buscar significado, no entanto, depende mais da noção de tempo ligada ao kairós - o que também pode ser entendido como o tempo que tem significado para nós. Tanto faz se é uma história de três anos na empresa, ou o momento exato de uma conquista, ou o tempo de uma reunião, ou o tempo de um feedback. Seja qual for esse momento, ele é traduzido pela relevância e não pelos ponteiros do relógio. A nossa relação com esse chronos também pode ser entendida pela maneira como consumimos informação. A urgência associada ao uso dos meios vem alterando a nossa percepção e concepção mental sobre o tempo e, consequentemente, sobre o espaço. A instantaneidade das informações obtidas nesse contexto está construindo uma nova linguagem e uma nova forma de interação, fato este que trará consequências ainda imprevisíveis para a nossa cultura. Nesse contexto, o tempo é acelerado. Em vez da impressão de “câmera lenta”, de saborearmos o momento vivido, acabamos acelerando o filme das nossas vidas corporativas. Em vez do sabor, fica somente a confusão. Sucessão de fatos que perdem a relevância de tão rápido que passam por nós. 392 Falta de tempo? Estamos repletos de atividades: trabalhamos o dia todo, estudamos, fazemos cursos, navegamos em diversas redes sociais. Tudo acontece ao mesmo tempo, numa tentativa árdua de estarmos sempre à frente da novidade. Em consequência dessa obsessão, e da falta de conversas mais profundas e de construir algo na memória, ficamos diante de uma espécie de distanciamento da experiência verdadeira. O recurso do tempo se tornou uma preciosidade. Cada vez mais a sociedade impõe atividades ao homem, que mergulhado em tanta coisa, que vê-se sufocado e “sem tempo”. O tempo é, e sempre tem sido, um problema filosófico de grande interesse, principalmente em nossa época. Aliás, não só para filósofos e cientistas, mas também para o indivíduo comum, que está acostumado a organizar e realizar suas tarefas e experiências de acordo com a ideia de tempo concebida como sucessão de instantes traduzida em presente, passado e futuro. Santo Agostinho (1999, cap. XI) fala da sua incapacidade de expressar o tempo: É preciso evitar explicações, é preciso dar o tempo para que se estabeleçam as conexões. O extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor, pelo contrário, as conexões se estabelecem dialeticamente por conhecimentos e pensamentos inéditos em relação aos repertórios originais das pessoas que conversam. Desta forma o discurso é livre e com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que não existe na informação. É preciso dar o tempo para que a arte de narrar tenha êxito. Nesse contexto, podemos ainda resgatar o pensamento de Thomas Hobbes, no Leviatã (cap.VI): A vida nada mais é que movimento. Imobilidade e falta de tempo são então uma espécie de morte social. Não ter tempo não significa somente qualidade de vida inferior, mas um massacre de gente morrendo continuamente privado de condições fundamentais de nossa sociedade atual que exige cada vez mais uma relação de produtividade em todos os sentidos. De certo modo, o tempo nos envolve e nos transporta em nossa existência humana. Diversos filósofos tangenciaram o tema do tempo, 393 dentre os quais Paul Ricouer (2012), quando nos lembra que o tempo se torna tempo humano na medida em que está articulado de maneira narrativa, e desse modo, a narrativa ganha significado na proporção em que desenha a experiência humana no tempo. Outras autoras, como Linda Ellinor e Glena Gerard, também refletiram sobre a forma como o homem moderno consome o tempo nas organizações: É raro, hoje em dia, nós darmos tempo e espaço para conversas ponderadas e reflexivas. Em nossa veloz corrida para a ação, permitir formas mais ponderadas e reflexivas de falar pode parecer meio estranho ou fora de contexto (ELLINOR, & GERARD, 1998, p. 66). São essas as conversas, de caráter mais reflexivo e profundo, que são guardadas na nossa memória e às quais recorremos quando damos significado àquilo que nos cerca na organização. A reflexão sobre a memória é um elemento central na filosofia agostiniana, principalmente para falar do tempo. Ao falar da memória, Agostinho sempre usa as metáforas do lugar e do espaço como, por exemplo, “campos e vastos palácios”, “santuários infinitamente amplos”. A linguagem não é suficiente para tratar da memória, tanto quanto não é suficiente para tratar do tempo. Ou seja, não conseguimos ir além ao que diz respeito à memória e ao tempo por sermos limitados pelas categorias espaciais das quais fazemos uso. Os referenciais de tempo e espaço são de vital importância, especialmente porque regulam a vida organizacional no nível do inconsciente e moldam comportamentos. Localizar os eventos importantes da organização e torná-los visíveis para o empregado, dando a ele chance de entender tais eventos em contexto com as demais demandas do mercado e da própria empresa o ajudam a entender sua realidade. Ellinor e Gerard também abordam essa questão quando dizem: As pessoas enfrentam muito melhor a incerteza e o estresse quando sabem o que está acontecendo, mesmo que as informações sejam incompletas ou provisórias. A livre circulação de informação gera confiança e nos permite aprender com mais rapidez e trabalhar com mais eficácia. Em geral, não é a situação em si que induz o stress: ficamos estressados quando não sabemos o que está acontecendo ou quando nos 394 sentimos enganados. Quanto maior a crise, mais temos que saber. Quanto mais afetados somos pela situação, mais informações precisamos (ELLINOR, & GERARD, 1998, p. 110). Está aqui a importância da palavra, novamente, no contexto da empresa. É através da fala que compartilhamos significado. O discurso também se pode agradar e comover ou agredir e violentar, independentemente de sua estrutura lógica ou dos argumentos que se utilizam. Walter Benjamin (1994, p. 197) já trazia a questão da importância do narrar e, ao mesmo tempo, sua dificuldade: É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências. Os atuais tempos líquidos, definidos por Bauman (2001) como um período recente da história em que há perda das relações, desapego, insegurança, em que tudo de desfaz rapidamente, a retomada de práticas de narrativas pode ser um caminho para reconectar e reencantar as pessoas na medida em que podem trazer a elas o significado de sua participação, aumentando assim o senso de pertencimento. No contexto organizacional, não se trata de reencantar o empregado somente à organização, mas aos seus próprios propósitos, à causa que une a todos em torno de um objetivo comum. Essas questões precisam, necessariamente, de tempo e de presença. Em meio a diversos e modernos suportes tecnológicos, proliferação de campanhas internas, continua sendo crítica a reflexão sobre o espaço de convívio nas organizações. Como lembram Cerantola e Mansi (2014, p.334) É preciso levar em conta que a grande quantidade de comunicação oferecida gera, também, incomunicação. A quantidade de comunicação disponível não significa, necessariamente, que houve uma clara compreensão e entendimento entre os interlocutores. Em meio a tanta informação que os empregados estão expostos dentro e fora da empresa, não é difícil de imaginar que pouco conteúdo 395 realmente pareça significativo a eles. Porém, os mesmos autores lembram que “o diálogo, possível quando há o “estar junto”, permite aos empregados elaborar melhores respostas que sejam adequadas às demandas da empresa, muitas vezes de forma mais criativa e rápida” (2014, p.330). O DIÁLOGO COMO CAMINHO Na contemporaneidade, muitos desafios e oportunidades surgem dentro e fora das organizações. Segundo Lyotard (2004), as metanarrativas científicas, que impunham verdades totalitárias sobre o mundo, cedem espaço para as micronarrativas, ou narrativas do cotidiano, em que cada indivíduo exerce poder e influência ao produzir e difundir conteúdo. A conectividade já é realidade. Transparência virou condição. A gestão dos relacionamentos é estratégica. Neste contexto complexo, um estudo The Ketchum leadership communication monitor (Ketchum, 2014) realizado com 6.500 pessoas em treze países, dentre eles o Brasil, indica a comunicação como atributo muito importante para 74% dos entrevistados. Mostra ainda que apenas 29% da liderança em geral e 35% dos líderes corporativos demonstram competências para a comunicação. O gap de 45 pontos entre a comunicação desejada e a efetiva confirma o amplo campo de desenvolvimento e aprendizado para as lideranças no que diz respeito à comunicação. Considerando o fato de que nunca houve tantas ferramentas e canais de comunicação, cabe refletir sobre as razões para tamanha discrepância. O estudo discorre sobre uma crise de legitimidade e sinaliza que mais do que palavras é preciso transparência, honestidade e colaboração para superá-la. Liderança pelo exemplo é o aspecto mais citado (56%) enquanto a retórica inspiradora foi o menos apontado (34%). Esta constatação remete à teoria da nova comunicação, desenvolvida nos anos 1940, na Escola de Palo Alto, que defende, com base pragmática, a comunicação como um fenômeno comportamental e de interação. Muitas pesquisas e publicações recentes apontam o diálogo como essencial para o exercício da liderança, processos de inovação, gestão dos relacionamentos e, em especial, para o engajamento das equipes. Em um artigo da Harvard Business Review, publicado em 2012, Boris Grysberg e Michael Slind afirmam, a partir de um estudo focado no estado da comunicação organizacional no século 21, que liderança é diálogo. 396 Os autores identificaram na pesquisa com mais de 150 profissionais de comunicação e altos executivos que a mudança econômica, organizacional, geracional, global e tecnológica estão estimulando a migração da comunicação centralizada para o diálogo organizacional. Afirmam que o diálogo é a forma mais efetiva de gerir a transição dos padrões ditados pela visão de curto prazo e pelo comando e controle do modelo conservador para a gestão mais integrada, horizontal e inclusiva. Dizem também que em conversas mais íntimas e pautadas pela confiança é possível gerir grandes empresas como se fossem pequenas, o que estimula a flexibilidade operacional e aumenta o grau de envolvimento e alinhamento estratégico da equipe. De fato, o diálogo é condição para a aproximação, para a criação de vínculos e para a reintegração dos saberes fragmentados, mas falar e escrever sobre diálogo é muito mais fácil do que, de fato, praticá-lo. Isto porque, para além do entendimento geral de que saber dialogar é ser capaz de expressar e defender ideias, a prática do diálogo exige uma forma especial de ouvir, uma predisposição para considerar e acolher outros pontos de vista, sem julgamento, e abertura para deixar-se convencer. Em culturas movidas pela competição, pela pressão e pelo medo, dialogar, mesmo que defendido nos manuais de melhores práticas, demanda autoconsciência, vontade, coragem e muito empenho. Estas questões estão muito ligadas aos campos de possíveis conflitos. É preciso tornar-se um bom narrador, mas, ao mesmo tempo, tornar-se um excelente ouvinte. Mas aqui também nos toca a dimensão do tempo, como bem descreve Bondía: A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno impedem a conexão significativa entre acontecimentos. Impedem também a memória, já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento, mas sem deixar qualquer vestígio (BONDÍA, 2002, p. 19). Em um mundo cada vez marcado pela velocidade e pelo excesso de informação, Bondía nos alerta para o fato de que “a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência” (Bondía, 2002, p. 21). 397 O diálogo, que tem sua origem desde as primeiras interações humanas, ainda quando a fala não preponderava, “expande nossa capacidade de nos adaptarmos a condições cada vez mais complexas e em rápida mutação” (Ellinor, & Gerard, 1998, p. 53). É por meio do diálogo que a organização constrói sentido e senso de pertencimento. Embora veículos de comunicação ajudem a construir memória e alinhar a comunicação nas empresas, o encantamento tem muito mais probabilidade de acontecer em meio às conversas verdadeiras e cotidianas do que no ambiente frio da leitura solitária. Quando pensamos no homem e sua disposição para narrar, fatalmente é preciso estabelecer algumas questões sobre alteridade. A narrativa é, em si, “um convite” para falar e o “aceite” para ouvir. Está aí uma oportunidade única de empatia. Como diz Morin: Se vejo uma criança chorando, vou compreendê-la, não por medir o grau de salinidade de suas lágrimas, mas por buscar em mim minhas aflições infantis, identificando-a comigo e identificando-me com ela. O outro não apenas é percebido objetivamente, é percebido como outro sujeito com o qual nos identificamos e que identificamos conosco, o ego alter que se torna alter ego. Compreender inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de projeção. Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade (MORIN, 2003, p. 94- 95). Para alcançar a abertura, simpatia e generosidade é preciso tempo. Tempo de estar junto, conviver, ‘‘fiar com’. Somente esse movimento é capaz de abraçar as diferenças e tornar as semelhanças ainda mais significativas. É preciso que a história que alguém conta reverbere para quem ouve e que esses papeis sejam constantemente trocados, compartilhados. Tempo (de falar e de ouvir) e narrativa são, portanto, indissociáveis. Criar espaço para o diálogo é abrir-se para a experiência, para a partilha de significado que, ainda segundo Bondía: Requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, 398 falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (BONDÍA, 2002, p. 24). AS NARRATIVAS COMO LUGAR DE CONHECIMENTO PERTINENTE As narrativas apoiam-se nos indivíduos, buscando valorizá-los. Usadas para melhorar o ambiente social, ao reforçar pertencimento e afetividade, elas podem se configurar como trabalhos colaborativos e, especialmente, inventivos. Ellinor e Gerard (1998, p. 55) colaboram com essa visão ao dizer que: À medida que aprendemos a dialogar, maneiras mais novas e consistentes de pensar e operar serão uma decorrência natural. O diálogo focaliza nossa atenção em como o trabalho de realiza através do significado compartilhado que se desenvolve por meio da conversação. Aumenta nossa consciência da importância do relacionamento na realização do trabalho. Ele desenvolve perspectivas sistêmicas e nos auxilia abordar problemas e dilemas complexos que até então nos confundiam. Restrepo (2001, p. 17) reforça a ideia de Ellinor e Gerald quando diz que “O discurso é também um agora que pode encher-se de ternura, sendo possível acariciar com a palavra sem que a solidez argumentar sofra detrimento por fazer-se acompanhar da vitalidade emotiva”. Estamos diante de um componente caro ao processo de entendimento das narrativas a partir do exercício do diálogo: os afetos. O autor ainda diz que é pertinente lembrar Que o que nos resta depois de muitos anos de formação na escola ou na universidade, de convivência na rua ou na família, não são tantas cadeias de argumentos ou blocos de informação, mas a lembrança do clima afetivo e interpessoal que pudemos respirar (Restrepo, 2011, p. 58). Neste sentido, a narrativa pode ser tratada como a reconstrução racional de uma emoção, estabelecendo amarrações e conectividade de conceitos e coisas aparentemente desconectadas. Por meio do tecido de significados construídos no detalhe expressivo da narrativa é possível estar presente em toda a parte e ao mesmo tempo visível em parte alguma. 399 A retomada do tempo para a narrativa dialógica é uma saída possível frente ao desafio reconectar as pessoas a elas mesmas, aos seus propósitos e aos propósitos das organizações. CONSIDERAÇÕES FINAIS Criar tempo para estar com as pessoas, tecendo e retecendo as questões que nos cercam, é uma responsabilidade primeira da gestão. Uma vez estabelecido este espaço de diálogo nas organizações, abre-se uma porta para uma nova relação entre os interlocutores. Por meio da narrativa, da construção conjunta de significado, é possível estabelecer confiança, algo que só se constrói na experiência do cotidiano, no estar-junto, no tempo e no espaço que se é dado para encontrar o humano que há em nós. Como nos lembram Cerantola e Mansi (2014, 336), “as práticas do diálogo podem inaugurar espaços de interação e convívio organizacional e social, estabelecendo mediações para situações complexas”. Estas, cada vez mais presentes, são aquelas que realmente contam e para as quais precisamos estar preparados. A qualidade dessas interações define e é definida, em um processo de mútua influência, a cultura organizacional. Interna e externamente, provoca percepções e reflete-se na identidade corporativa e na reputação. Uma vez que os comunicadores estejam preparados para lidar com essa demanda, e consigam articulá-las em torno das questões críticas para o desenvolvimento dos negócios em equilíbrio com o sentido do trabalho para os empregados, iniciaremos uma nova e próspera fase no desenvolvimento da comunicação organizacional. 400 REFERÊNCIAS AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção “OS PENSADORES”). Tradução de J. Oliveira Santos, S.J., e A. Ambrósio de Pina, S.J. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor (2001). BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994 BONDÍA, Jorge L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação – Jan/Fev/Mar/Abr, 2002 CERANTOLA, William; MANSI, Viviane. Tempo para o diálogo nas organizações. In: Gottilieb, Liana (org.) Comunicação em Cena – Volume 4. São Paulo: Scortecci, 2014, p. 325-337 ELLINOR, Linda; GERARD, Glenna. Diálogo: redescobrindo o poder transformador da conversa. São Paulo: Futura, 1998 GROYSBERG, Boris; SLIND, Michael. Leadership is a conversation. Harvard business review, v. 90, n. 6, 2012, p. 76-84. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Tradução de Ricardo Corrêa Barbosa, 2004 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez. Brasília, DF: UNESCO, 2003 WHEATLEY, Margareth J. Liderança em Tempos de Incerteza: A descoberta de um novo caminho. São Paulo: Cultrix, 2006 RESTREPO, Luiz Carlos. O direito à ternura. Tradução de Lúcia M. Endlich Orth - petropolis, RJ: vozes, 2001 The Ketchum leadership communication monitor (Ketchum, 2014). 401 |6| COMUNICAÇÃO E TRABALHO EM EDITORIAIS DE JORNAL DE EMPRESA: EVIDÊNCIAS PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVAS PRÁTICAS COMUNICATIVAS Gislene Feiten Haubrich1 e Ernani Cesar de Freitas2 RESUMO O artigo versa sobre a temática comunicação e trabalho com base na expressão discursiva institucional. Visa identificar e analisar possíveis interpretativos acerca do processo comunicacional da Hera, a partir dos discursos expressos em editoriais do jornal empresa. Trata-se de um estudo de caso fundamentado na análise teórico-ergo-discursiva. O corpus é composto por oito editoriais publicados no período de janeiro/2012 a julho/2014. Como principal evidência, defende-se a urgência da inclusão dos sentidos emergentes das práticas laborais aos estudos e ao exercício da comunicação no âmbito das organizações, incluindo a abordagem interacional que restitui aos sujeitos a autoria em seus processos. Palavras-chave: comunicação e trabalho; editoriais; atividade; discurso. Doutoranda e mestra em Processos e Manifestações Culturais (Feevale). Graduada em Comunicação Social. Bolsista Capes. gisleneh@gmail.com. 1 Doutor em Letras, área de concentração Linguística Aplicada (PUCRS), com pós-doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP/ LAEL), e-mail: ernanic@feevale.br. 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O trabalho é elemento ordenador da sociedade. Prática cultural marginalizada e vinculada a sentidos contraproducentes como punição, sofrimento e alienação, é fonte das identidades dos sujeitos, que figuram como coadjuvantes nesse exercício “globalizado”. No entanto, negligenciar a ação efetiva do sujeito no processo laboral se refere a uma alternativa inconsistente frente o desafio de manter vinculados às organizações profissionais qualificados, sujeitos criativos e cidadãos engajados aos seus valores e princípios. Nesse sentido, a comunicação assume uma posição fundamental tanto para a manutenção quanto para a transformação dos sentidos produzidos pelos trabalhadores acerca da atividade que exercem. Aceito o desafio de contribuir com a ampliação das investigações que relacionam comunicação e trabalho, o artigo visa identificar e analisar possíveis interpretativos acerca do processo comunicacional da Hera, a partir dos discursos expressos em editoriais do jornal empresa. O objeto de estudo assume, assim, dupla dimensão: empírica, perante os discursos institucionais, e, teórica, a relação comunicação e trabalho. O corpus é composto por editoriais do jornal de empresa publicados no período de janeiro de 2012 a julho de 2014, totalizando oito. A natureza da pesquisa é aplicada, tem enfoque descritivo e abordagem qualitativa. Os procedimentos analíticos constituem a apreciação denominada teórico-ergo-discursiva. O artigo é estruturado a partir de três blocos teóricos e dois empíricos. Inicia-se a construção conceitual com a abordagem das noções de trabalho e de organizações, evidenciando seus aspectos subjetivos. Na sequência, amplia-se o diálogo inicial com base na inter-relação entre as dimensões da comunicação organizacional e as modalidades da linguagem. No terceiro bloco teórico, apresenta-se o entendimento discursivo que fundamenta as concepções interligadas anteriormente, cujas categorias são centrais na construção da pesquisa. Os blocos empíricos se constituem do esclarecimento dos procedimentos metodológicos, do detalhamento do corpus e das indicações dele emergentes ante os conjuntos analíticos. 403 O TRABALHO, O TRABALHADOR E AS ORGANIZAÇÕES O olhar que a sociedade confere ao trabalho é determinante às condições que os sujeitos têm para suas relações. “A atividade de trabalho é, de imediato, social. Ela permite a cada um se produzir como ser social”. (DURAFFOURG; DUC; DURRIVE, 2007, p. 68). Esse aspecto permeia a problemática da representação do trabalho, predominantemente negativa. Em geral, a leitura das práticas laborais se dá com enfoque na situação em que a atividade se inscreve: as prescrições, o contexto, a execução. O trabalho é caracterizado como produto disponível na gôndola do mercado e a sociedade é reduzida às relações econômicas. De outro modo, compreender o trabalho como atividade humana implica a preocupação com a tensão da dialética entre os usos de si do sujeito. Um movimento contrário, centrado naquele que faz uso de suas características pessoais para realizar algo solicitado por outro, pelo meio externo (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007). Schwartz (2014, p. 260) descreve a atividade laboral como “campo da experiência humana especialmente propício à interrogação sobre a presença enigmática de uma pessoa, de uma singularidade viva no tratamento de situações a viver”. A noção ergológica3 da atividade, como uso de si, diante das múltiplas condições que a determinam e da relação com os outros, introduz uma forma diferenciada de interação sujeito–mundo, já que é a partir dela, também, que se constitui a identidade e se materializa a socialização dos saberes que cercam as tomadas de decisão. O trabalho, enquanto atividade, se efetiva através da dialética entre saberes constituídos, ou prescrições formalizadas em documentos, e saberes investidos, oriundos do desenvolvimento social e intelectual dos indivíduos no âmbito da experiência, do vivido (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007). As prescrições, ou normas, estão ligadas ao uso que o outro (organização) faz do trabalhador, ao passo que os saberes investidos e as transgressões se referem ao uso que o próprio indivíduo faz A Ergologia é uma área de estudos que surgiu na França, em meados da década de 1980. Articula, de forma interdisciplinar ( filosofia, em interface com a sociologia, psicologia, linguística e pedagogia), concepções da linguagem à compreensão da atividade laboral. Refere-se, ainda, a um método pluridisciplinar de investigação do trabalho. 3 404 de si a partir do que é posto. O olhar ressignificado ao trabalho exige a transcendência do entendimento ecomicista atrelado às organizações. É basilar admiti-las como espaço de interações e de construção de sentidos que transformam a vida daqueles que ali coabitam pela atividade que realizam: pelo investimento de saberes que (re)estruturam ativa e permanentemente a realidade. Os saberes são tensionados por meio da linguagem em uso, ou seja, das práticas comunicativas fundamentadas pelo/no discurso. Nesse sentido, Fairhust e Putnam (2010) proporcionam três diferentes interpretações que orientam o debate acerca da associação entre as noções de discurso e de organizações. A primeira interpretação sugere que as organizações são objetos ou entidades já formadas e assenta-se na ideia de um discurso informacional que obedece a essa formação. Na segunda apreciação, busca-se compreender como os discursos e as interações transformam a realidade organizacional, o que defende a permanente constituição dessa realidade. Por fim, na terceira observação, práticas sociais e formas discursivas são relevantes e as organizações se fundamentam nessa ação. Apesar dessa distinção, Fairhust e Putnam (2010, p. 135) defendem que é necessário “manter as três orientações, com seus elementos, em tensão entre si”. Entende-se, assim, que é na conjunção entre prescrições, transgressões e interações que se apresenta o discurso. A produção de sentidos diante dele se relaciona com a possibilidade do diálogo entre essas três propostas como ponto de partida à análise. Além de considerar a tensão entre essas três interpretações nos horizontes da relação discurso–organização, Oliveira e Paula (2008, p. 97) chamam a atenção à compreensão dos fluxos informacionais “porém, entendendo-os como parte da interação social, que acontece de uma forma mais relacional”. Trata-se de perceber que, pela comunicação, a informação adquire mobilidade, transformando-se na transação entre produção e recepção. A singularidade da ação humana se manifesta pela capacidade de registrar e transformar, com base em registros anteriores, as ações futuras. Por isso o trabalho é atividade singular e predominantemente comunicativa, pois as experiências dos sujeitos são como motores na produção de novos sentidos que propiciam suas perspectivas de mundo. 405 COMUNICAÇÃO, LINGUAGEM E TRABALHO: DIMENSÕES E MODALIDADES A inclusão de uma abordagem organizacional baseada na linguagem e nos discursos que circulam no cotidiano é transformadora. O trabalhador deixa de ser visto como engrenagem que mantém em funcionamento uma máquina na reprodução de produtos. A ele é restituída a capacidade de escolha, de reflexão e de responsabilidade por suas manifestações. De todo modo, a legitimidade da ação transgressora do sujeito, que produz uma “ordem” diante do “caos” de sentidos e saberes no qual está imerso, ainda não é uma realidade na sociedade, tão pouco nas organizações. Ambas as instâncias são fundamentadas em uma perspectiva genuinamente econômica, na qual a operação simbólica é velada e considerada figura secundária nas interações. As práticas comunicacionais, nesse âmbito, são ferramentas a favor da manutenção de significados, que anseiam a liberdade nos enunciados da classe trabalhadora, interpretante e produtora de sentidos. Haveria, pois, modos de evidenciar esse clamor? Para tanto, propõe-se a interlocução entre as três dimensões da comunicação organizacional, idealizadas por Baldissera (2009, 2014), e as três modalidades da linguagem, desenvolvidas por Nouroudine (2002). A dimensão da organização comunicada “contempla aquilo que, de alguma forma, a organização como força em interação com outros sujeitos, considera relevante sobre si mesma, identifica como potencialidade para trazer algum tipo de retorno”. (BALDISSERA, 2014, p. 117). Seu enfoque está em legitimar as normalizações organizacionais, atribuindo-lhes valor perante a seleção de algumas informações em detrimento de outras. Aproxima-se dela a modalidade da linguagem como trabalho, que além de manifestar a intencionalidade dos sujeitos do ato de linguagem, evidencia a complexidade do trabalho diante de seu caráter multidimensional: econômico, social, cultural, etc. (NOUROUDINE, 2002). Com base nessa multidimensionalidade, elegem-se as categorias que terão ênfase na enunciação, na construção dos discursos organizacionais, muitas vezes prescritivos, disponibilizados nos diversos suportes comunicacionais, dentre eles os jornais de empresa ou reuniões, por exemplo. A segunda dimensão, a organização comunicante, reflete como “os públicos que interagem com a organização podem atribuir sentidos 406 a tudo o que percebem, independentemente de a organização ter a intenção de comunicação ou não”. (BALDISSERA, 2014, p. 119). Aborda-se aqui a discussão que envolve a interpretação realizada pelos sujeitos na interação com as prescrições e a singularidade das experiências nesse processo de construção de sentidos. Nesta dimensão se desenvolvem as tensões entre os saberes, seja pelo próprio sujeito com um texto, ou no diálogo com os colegas. As características dessa dimensão permitem sua vinculação com as ideias da linguagem no trabalho, que se refere à situação global de trabalho, a partir de elementos como ambiente, condições, objetivos e coerções. Implica a produção de enunciados na interação entre os trabalhadores (NOUROUDINE, 2002). Por fim, “é possível redimensionar a noção de Comunicação Organizacional para que contemple outras materializações comunicacionais que dizem respeito às organizações, mas que pouco são pensadas como Comunicação Organizacional” (BALDISSERA, 2009, p. 119). A dimensão da organização falada tange as conversas, por vezes informais, acerca dos eventos organizacionais, como decisões gerenciais ou conflitos de interesses entre áreas diferentes, por exemplo. A interpretação manifesta nos discursos dos trabalhadores remete à noção de linguagem sobre o trabalho, quando se realiza uma verbalização segundo as experiências do cotidiano laboral. É necessário que se reflita sobre a atividade e se traga no dizer questões simbólicas. Implica interpretar e descrever a experiência para além das descrições objetivas de um pesquisador ou gestor, por exemplo. É a oportunidade de capturar questões simbólicas da produção de saberes sobre o trabalho. Percebe-se que a conexão entre a conceituação de Baldissera (2009, 2014) e de Nouroudine (2002) permite que se tenha uma base interessante à análise das organizações perante a atividade laboral, proeminentemente comunicativa. Da reflexão realizada até o momento, sugere-se que a análise discursiva é profícua aos estudos da comunicação organizacional. Freitas (2011, p. 105) corrobora: “a análise do discurso permite compreender em profundidade a realidade social e cultural manifestada pela formação discursiva através de discursos individuais ou coletivos”. Dentre as diversas escolas que estudam o discurso, é necessário optar por aquela que permita a investigação mais densa diante dos objetivos da pesquisa. No caso deste estudo, selecio407 na-se a proposta teórica do linguista Patrick Charaudeau, brevemente esclarecida na sequência do artigo. A COMPLEXIDADE COMUNICACIONAL NA PERSPECTIVA DISCURSIVA Por tratar especificamente da produção de sentidos a partir dos discursos, acredita-se que a perspectiva semiolinguística de Charaudeau (2010, 2012) ofereça reflexões pertinentes para repensar as práticas comunicacionais nas organizações. Importa salientar o que Charaudeau (2010, p. 63, grifo do autor) resolve acerca do sujeito analisante: “deve, sim, dar conta dos possíveis interpretativos [...] já que está em uma posição de coletor de pontos de vista interpretativos e, por meio da comparação, deve extrair constantes e variáveis do processo analisado”. Essa premissa orienta a atuação do pesquisador (e por que não do comunicador?) nesta proposta reflexiva. O aparato teórico-metodológico elaborado por Charaudeau (2010, 2012) considera que o discurso está sempre em relação: imbricação do linguístico ao situacional, do macro ao microssocial, do implícito ao explícito. A ênfase está na ação dos sujeitos no ato de linguagem, ou produção discursiva. Estabelece-se um jogo enunciativo em que o objetivo do EU é envolver o TU por meio de estratégias linguageiras. Essa interação se configura como uma encenação (mise-en-scène) e é denominada como ato de linguagem. Quatro são os sujeitos implicados no ato de linguagem: dois seres sociais, o sujeito comunicante (EUc) e o sujeito interpretante (TUi), e dois seres de fala, o sujeito enunciador (EUe) e o sujeito destinatário (TUd). A encenação discursiva se dá na relação entre EUe e TUd, sendo o enunciador, responsável por articular interesses às implicações contextuais e situacionais que envolvem a seleção de quais sentidos serão postos em ação por meio do discurso. O TUi é assume a posição de destinatário ideal (TUd), aquele que pode ser persuadido à intencionalidade do EUc, projetada e configurada pelo EUe. A Figura 1 representa o processo comunicativo ancorado nesse olhar. 408 FIGURA 1 – A COMPREENSÃO SEMIOLINGUÍSTICA DO PROCESSO COMUNICATIVO Fonte: adaptado de Haubrich (2014) A circulação de informações e sentidos que compõem o ato de linguagem, conforme a Figura 1, tem como centro a ação dos atores num processo de semiotização do mundo, ou seja, de transformação dos acontecimentos em eventos inteligíveis, passíveis de transação ou difusão. Ao descrever uma situação, por exemplo, o sujeito busca em seu repertório signos que possam representá-la. Essa busca não é ingênua, mas depende diretamente da finalidade do enunciador, que filtra os aspectos a incluir ou excluir de seu discurso. Charaudeau (2012) denomina essas escolhas discursivas como visadas comunicativas e classifica-as ante a relação que o EU visa estabelecer com o TU. As principais visadas são apresentadas no Quadro 1. QUADRO 1 – VISADAS COMUNICATIVAS Visada Ação do EU Ação do TU Prescrição Fazer-saber Dever-fazer Incitação Mandar-fazer àfazer acreditar (persuasão/sedução) Dever-acreditar Informação Fazer-saber Dever-saber Captação Fazer-sentir Dever-sentir Fonte: Haubrich (2014, p. 102) 409 Como se pode perceber no Quadro 1, as visadas estão relacionadas com as ações tomadas pelo EU e pelo TU. O EUc toma a palavra e propaga a mensagem elaborada pelo EUe e, nesse sentido, a visada passa a ser uma síntese entre a intencionalidade do EU e a atitude esperada do TUd. Não há, porém, controle algum, por parte do EUc, de que esse envolvimento ocorra quando o TUi interagir com os enunciados proferidos. Percebe-se, assim, que a construção de um discurso é um ato estratégico, que se ancora em quatro diferentes modos de organização dos enunciados, a fim de que as expectativas do EU persuadam o TU. Enunciativo, descritivo, narrativo e argumentativo são os quatro modos delineados por Charaudeau (2010) para compreender a concretização de enunciados e a produção de sentidos. O modo de organização enunciativo “aponta a maneira pela qual o sujeito falante age na encenação”. (CHARAUDEAU, 2010, p. 81). Seja por meio de uma relação de influência ou de força ( função alocutiva), da expressão de um ponto de vista ( função elocutiva) ou do uso de uma terceira pessoa para subsidiar seus argumentos ( função delocutiva), o EUe define bem qual sua posição em relação ao seu interlocutor. O modo de organização descritivo se constitui da nomeação, localização e qualificação do objeto de fala, cujo foco está na produção de efeitos de verdade. Já o modo narrativo subsidia o encadeamento de ações, enquanto o modo argumentativo tem como função “construir explicações sobre asserções feitas do mundo” (CHARAUDEAU, 2010, p. 207). Desse modo, a inclusão das variáveis discursivas e das modalidades da linguagem ao olhar investido à comunicação organizacional promove a reconfiguração das organizações. A fim de identificar como se dá o processo comunicacional da Hera, a partir dos discursos expressos em editoriais do jornal empresa, prossegue-se a reflexão com a delimitação dos procedimentos metodológicos e de análise, a descrição do corpus e a indicação de possíveis interpretativos emergentes do ato de linguagem em específico. CORPUS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE O objeto de estudo tem uma dupla dimensão: teórica, perante a relação comunicação e trabalho, e empírica, com base nos discursos institucionais da empresa Hera. A natureza da pesquisa é aplicada, tem 410 enfoque descritivo e abordagem qualitativa. A seleção da unidade de análise orienta a realização do estudo de caso. O corpus é composto por oito editoriais do jornal de empresa, publicados no período de janeiro de 2012 a julho de 2014. A escolha dos editoriais se pauta por dois aspectos: 1) a avaliação do periódico como um todo, composto por matérias de cunho técnico ao ramo empresarial; 2) a gênese da noção de editoriais como representação da opinião da empresa, o que evidencia aspectos culturais e comunicacionais do cotidiano laboral. A lente para análise é denominada teórico-ergo-discursiva, visto que pretende a articulação entre noção de comunicação organizacional, as concepções ergológicas relacionadas à atividade e a teoria semiolinguística de análise do discurso. Após a organização dos dados em estado bruto4, orientada pela técnica Mapa de Associação de Ideias (VERGARA, 2005), parte-se das evidências discursivas, que compreendem: situação e contrato de comunicação, circunstâncias de discurso e os modos de organização discursiva (CHARAUDEAU, 2010, 2012). Entrecruzam-se às categorias discursivas, a categoria teórica de comunicação (BALDISSERA, 2009, 2014) e a categoria ergológica da linguagem e trabalho (NOUROUDINE, 2002). As considerações oriundas dessa proposta metodológica são apresentadas na sequência. O ATO DE LINGUAGEM DA HERA: EVIDÊNCIAS PARA NOVAS PRÁTICAS COMUNICATIVAS A perspectiva semiolinguística (CHARAUDEAU, 2010) considera que os discursos somente podem ser compreendidos quando contextualizados diante da situação que enquadra a troca linguageira e o contrato que a rege. Desse modo, antes da avaliação central acerca do processo comunicacional na organização em estudo, promove-se a apresentação dos elementos que situam os discursos analisados. Quanto aos locais de fala dos atores do ato de linguagem, elucida-se: EUc = organização Hera e TUi = classe trabalhadora. Assume-se a perspectiva do sujeito As tabelas com a qualificação dos enunciados, bem como os editoriais na íntegra, podem ser consultados no estudo de mestrado defendido junto ao PPG em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale, disponível em: <http://biblioteca.feevale.br/Dissertacao/DissertacaoGisleneHaubrich.pdf>. 4 411 analisante, cujo enfoque está na produção de possíveis interpretativos, oriundos da relação EUe e TUd. A Hera é uma empresa de automação industrial com matriz localizada na região metropolitana de Porto Alegre (RS). Sua classe trabalhadora é composta por 440 funcionários5, 319 homens e 121 mulheres, cuja alocação é distribuída em seis diferentes estados brasileiros6. Dentre as múltiplas possibilidades para compreender o processo comunicacional no trabalho, seleciona-se o jornal da empresa Hera. Exploram-se oito editoriais, cujas edições circularam no período de janeiro de 2012 a junho de 2014. Trata-se de um periódico com divulgação quadrimestral e distribuição para funcionários, fornecedores e clientes da Hera. Mesmo que “a época do house organ “Bombril”, isto é, aquele que tem mil e uma utilidades, já tenha passado, ainda há empresas ou entidades que, por falta de percepção, continuem optando por esta alternativa”. (BUENO, s. a., s. p.). A observação de Bueno auxilia na inferência de um aspecto importante quanto ao entendimento de comunicação que a organização tem. A opção por manter uma ferramenta genérica de difusão de informações a públicos diversos manifesta uma perspectiva linear do processo comunicacional, em que a força das informações é detida por uma das partes e as demais são coadjuvantes, passivas ao que recebem. O acesso do jornal pelos funcionários se dá diante do interesse do trabalhador, visto que os jornais são dispostos junto aos acessos principais da empresa, próximos à recepção. O contexto acima descrito envolve a situação de comunicação estabelecida pelo jornal da empresa e apoia à análise do ato de linguagem estabelecido nos editoriais, sob as feições da relação linguagem, comunicação e trabalho, que pretende a inclusão da dimensão da atividade aos estudos da comunicação organizacional. A proposição do diálogo entre Baldissera (2009, 2014) e Nouroudine (2002) fundamenta a análise do corpus em face das inferências resultantes desse embate conceitual. A escolha dos editoriais de jornal da empresa como materialidade 5 Dados de 04 de setembro de 2014. Sede em São Leopoldo (RS), a fábrica de painéis em Sapucaia do Sul (RS) e as filiais em São Paulo (SP), Campinas (SP), Macaé (RJ), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS). 6 412 à análise dos possíveis interpretativos acerca da comunicação organizacional pode ter incidência à característica que marca o discurso da Hera: as prescrições. Refere-se à dimensão da organização comunicada (BALDISSERA, 2009, p. 119) que congrega os “processos formais e, até, disciplinares, da fala autorizada; àquilo que a organização seleciona de sua identidade”. Em associação com a modalidade da linguagem como trabalho (NOUROUDINE, 2002), essa dimensão da comunicação pode revelar aspectos referentes à multidimensionalidade da atividade perante os aspectos estratégicos do ato de linguagem. Diante da análise semiolinguística, assume evidência o uso da visada de informação na construção dos enunciados, cujo intuito é “significar o verdadeiro [...] produzir um valor de verdadeiro”. (CHARAUDEAU, 2012, p. 88). Nesse caso, perante o corpus analisado, destacam-se como propósitos comunicados pela organização a internacionalização, a nova era que se instaura após os festejos de 30 anos e as prescrições para realização da atividade. A Hera organiza seu discurso principalmente diante dos modos descritivo e argumentativo, para expressar seu ponto de vista ante o contexto, e no modo argumentativo a fim de apresentar pressupostos que justifiquem suas asserções (CHARAUDEAU, 2010). Assim, a dimensão da organização comunicada indica que a organização experimenta um período de transição. Seja pela necessidade de “manter o nível de produtos e serviços, como também aumentá-lo”, pela listagem da empresa no Bovespa Mais, que “possibilita uma tranquila adaptação às exigências do mercado de ações”, inferências à atividade são representadas nessa situação de comunicação. O segundo ponto de diálogo entre as concepções das modalidades da linguagem por Nouroudine (2002) e das dimensões da comunicação em Baldissera (2014) tange o aspecto interacional e se vincula à análise da comunicação organizacional realizada anteriormente. Ratifica-se a ideia de que a restrição às interações no ambiente laboral não as eliminam, mas estimulam a transgressão. Consideradas como anomalias frente ao que consenso proposto pela organização, as interações não merecem atenção. A organização toma suas decisões e desconsidera as implicações que tendem a trazer ao cotidiano laboral. “A característica comum a estas decisões é que elas são tomadas na mais perfeita ignorância de suas consequências sobre o trabalho!”. (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 64). Esse aspecto referencia muitos dos sentidos atri413 buídos à atividade e ao exercício da comunicação perante o discurso da Hera. Ante o exposto até aqui, percebe-se que a linguagem no trabalho, refletida a partir da dimensão da organização comunicante, é restritiva, desconsidera os aspectos simbólicos da gestão que o trabalhador realiza na atividade, assim como tende a limitar o investimento de saberes aos profissionais da área de P&D, sendo que as demais áreas são reprodutoras desses saberes. A atenção à modalidade da linguagem sobre o trabalho (NOUROUDINE, 2002), que implica interpretações sobre a atividade perante comentários elaborados sobre a organização em sua dimensão falada (BALDISSERA, 2009), trata das percepções, dos autores deste trabalho, inferidas ao longo da análise. Como síntese dos apontamentos, sugere-se que a Hera está distante de aceitar a perspectiva ressignificada do trabalho, mantendo-o como execução de tarefas prescritas pela gestão. A tomada de decisão organizacional é embasada em dados do mercado e demonstra certo desinteresse às implicações no cotidiano organizacional, visto que considera que aqueles que para ela trabalham devem se adequar aos padrões estabelecidos. A organização percebe seus trabalhadores como conjuntos de habilidades enquadradas em perfis considerados adequados, sendo a singularidade elemento irrelevante nesse processo. Desse modo, a comunicação é uma ferramenta informacional a favor dos interesses da organização, o que opõe a natureza dialógica do processo comunicacional. CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho é a prática que estrutura as sociedades. Do mesmo modo, as organizações são também constituídas pela atividade laboral e tem nos sujeitos sua criação, reflexão e evolução. Ao dar fé para esses argumentos, defende-se o desenvolvimento de uma perspectiva ressignificada ao trabalho, restituindo-o de autoria e de envolvimento intelectual. Trata-se de uma oposição ao olhar que simplifica e reduz o trabalho a um ato reprodutor de prescrições. Sugere-se, então, que tal compreensão decorre dos estudos e do relevo ao uso da linguagem em situação de trabalho, ou seja, das práticas comunicativas estabelecidas no âmbito das organizações. Além de manifestar a realidade organizacional cotidiana, elas também a constroem, por meio da linguagem. Assim, o 414 estudo sustenta que o trabalho é, sobretudo, instituído pela capacidade de comunicação e de interação entre os trabalhadores. A articulação entre as modalidades da linguagem e as dimensões da comunicação organizacional se refere a uma possibilidade para o entendimento de como o trabalho se constrói e se adapta a realidade, que é construída na/pela comunicação. Nesse caso, a perspectiva ferramental é coadjuvante e a concepção interacional é protagonista, visto que o movimento permanentemente transformador é evidenciado. Aceita-se, então, que a linguagem em uso permite à comunicação a produção de sentidos diante de cada experiência do sujeito, o que implica a visualização do trabalho como situação única, marcada pela intencionalidade e por jogos de poder expressos pelos dizeres. O uso de editoriais de jornal de empresa pode ser uma ferramenta interessante para o estudo da comunicação neste contexto, pois as marcas discursivas, assim como os argumentos utilizados na construção do texto, são delineadas pelos interesses de incorporação que a organização tem para com seus leitores. Como ferramenta em apoio aos diagnósticos, os editoriais manifestam aspectos acerca da identidade da organização. A análise do discurso aplicada a esse diagnóstico permite a autoavaliação da comunicação na organização e apresenta possíveis construções de sentido implícitas ou explícitas pelo ato de linguagem. Desse modo, acredita-se que o método de análise discursivo contribua com a reflexão das práticas comunicativas. Para além do impresso em normas, pode-se perceber os rumos que os discursos incentivam no exercício do trabalho. Quanto ao corpus específico deste estudo, apresentam-se como principais possíveis interpretativos acerca dos processos comunicacionais da Hera: 1) uma perspectiva linear da comunicação, ancorada em prescrições, cuja estratégia discursiva é a visada de informação, estruturada por meio de enunciados que transitam entre os modos descritivo e argumentativo; 2) o discurso desconsidera a capacidade de interação humana na atividade, bem como seus aspectos simbólicos. A produção de saberes é limitada a uma área da organização, responsável pela criação de produtos, enquanto as demais são apenas reprodutoras daquilo que é posto pela gestão; 3) o trabalho é visto como execução e os sujeitos são passivos às imposições comportamentais e laborais. A singularida415 de, marca do ato comunicativo/interacional, é elemento irrelevante ao processo comunicacional. Por fim, defende-se a urgência da transgressão das práticas comunicativas no âmbito organizacional; da busca por alternativas para a inclusão das interações como meio de construção de saberes e propagação de sentidos entre os sujeitos. Aceita-se, então, que os trabalhadores são ativos na construção da realidade e que as tentativas de neutralizar suas ações tendem a desestabilizar a relação sujeito-trabalho e sujeito-organização. Para além das questões financeiras, a capacidade de inovação e de produção de saberes atribui aos sujeitos o papel principal nas decisões e consequências de suas ações. O trabalhador tem restituída sua capacidade reflexiva na alteração da conjuntura situacional, sendo que suas contribuições são reconhecidas e valorizadas pela gestão. Para os pesquisadores desde estudo, contemplar e agregar as práticas comunicativas dialógicas a partir do trabalho é um dos grandes desafios para o desenvolvimento dos sujeitos, das organizações e da sociedade. 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São Paulo, SP: Atlas, p. 157–170, 2005. 417 |7 | O REGISTRO DA IMPRENSA NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA ORGANIZACIONAL NO MEMORIAL THEATRO SÃO PEDRO Diego Pereira da Maia1 e Karla Maria Müller2 RESUMO Analisar como recortes de jornais, expostos como registros históricos no Memorial Theatro São Pedro (MTSP), auxiliam a contar e a valorizar a história organizacional do Theatro São Pedro é o objetivo deste trabalho. Para tanto, optou-se pela pesquisa bibliográfica, referencial, análise documental e análise de conteúdo. Foi elaborado um panorama sobre a Museologia no Brasil, sua aproximação com as Relações Públicas e a busca de um traçado sobre o estudo de história organizacional. Percebeu-se que a construção do MTSP por uma empresa de comunicação promove a educação e a informações, bases da Museologia e, como Relações Públicas; Mestrando do PPGCOM/UFRGS; Membro da equipe coordenadora do Projeto Em dia com a pesquisa FABICO/ PPGCOM/ UFRGS; Chefe da Assessoria de Comunicação Social da Fundação Theatro São Pedro. E-mail: diegomaia.rp@gmail.com. 1 Relações Públicas, Jornalista e Publicitária; Dra. em Ciências da Comunicação; Mestre em Comunicação; Profa. pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Coordenadora da pesquisa “Práticas Socioculturais Fronteiriças na Mídia Online”; Membro dos Grupo de Pesquisa no CNPq “Comunicação e práticas culturais” e “Mídia, tecnologia e Cultura; Assessora Ad Hoc do CNPq. Coordenadora do Projeto Em dia com a pesquisa FABICO/ PPGCOM/ UFRGS e do Projeto Comunicação e Atendimento ao Cidadão FABICO/ UFRGS. E-mail: kmmuller@orion.ufrgs.br. 2 qualquer mídia, usa-se desse espaço para unir seu nome ao patrimônio histórico cultural. Palavras-chave: Memorial organizacional; Relações Públicas; Museologia; Theatro São Pedro. INTRODUÇÃO O objeto de estudo é formado pelos registros de imprensa expostos no Memorial Theatro São Pedro (MTSP) e seu papel, dentro de um espaço museológico, como contador da história da instituição. Sendo uma importante ferramenta que educa e informa a respeito da memória organizacional, os espaços museais estão cada vez mais populares em empresas tradicionais e que desejam narrar sua trajetória para o público por meio da linha do tempo. De acordo com as duas pesquisas de opinião mais importantes do empreendedorismo gaúcho, “Marcas de Quem Decide”, do Jornal do Comércio, e o prêmio “Top Of Mind”, da Revista Amanhã, o Theatro São Pedro é líder invicto na categoria “teatro” desde a primeira edição, tanto em preferência quanto em lembranças. Além disso, foi tombado pelo patrimônio histórico nacional, estadual e municipal, consolidando-se como um importante instrumento político do Estado do RS. Por ser o teatro mais antigo da cidade, capital do Estado, faz parte do imaginário da população do Rio Grande do Sul. Interditado em 1973, devido seu precário estado de conservação, iniciaram em 1975 as obras de reconstrução da edificação, sendo reinaugurado em 1984. Em 2008, ano dos 150 anos do TSP, foi criado um espaço museológico com o intuito de informar os principais fatos ao longo da trajetória desse patrimônio cultural. O Memorial do Theatro São Pedro (MTSP) foi desenvolvido pela maior empresa de comunicação do Estado, o Grupo RBS, e a curadoria por Maria Cultura3, uma agênA Maria Cultura é uma agência de comunicação e criação voltada para a cultura e seus desdobramentos. Ela atua junto a empresas que investem em 3 419 cia de comunicação social voltada para a divulgação de eventos culturais. Com isso, questiona-se como uma empresa de comunicação pode construir um memorial e utilizar disso para aproximar sua marca à imagem de outra instituição. Outra questão é qual a relação dos Relações Públicas com a manutenção da memória organizacional, que é a base para se constituir uma instituição museal. Além do objetivo geral de analisar como registros da imprensa, expostos no Memorial Theatro São Pedro, auxiliam a contar a história da instituição, foram construídos objetivos específicos, como examinar e relacionar os conceitos de história organizacional, memória e museu empresarial, valendo-se do espaço museal como uma importante mídia, que deve ser estudada e entendida pelos profissionais de comunicação como uma ferramenta de exposição da história de uma organização. A seguir, uma breve análise sobre os conceitos de museu, o desenvolvimento da Museologia no Brasil e a diferença entre museu e memorial. MUSEU Os museus se tornaram populares no mundo todo e servem para guardar a memória de um povo por meio de objetos, livros, joias, obras de arte, cadáveres entre outros legados. O Comitê Internacional de Museus (ICOM), em 1956, considerou museu, segundo Henriques (2010), um estabelecimento de caráter permanente, administrado para interesse geral, com a finalidade de conservar, estudar, valorizar de diversas maneiras o conjunto de elementos de valor cultural, como coleções de objetos artísticos, históricos, científicos e técnicos, jardins botânicos, zoológicos, aquários e cemitérios. Sendo assim, o museu é uma instituição permanente, que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe a história de uma sociedade e de seu entorno. O Estatuto de Museus define e classifica as instituições museológicas brasileiras e expõe no artigo 1° suas disposições gerais: Consideram-se museus, as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e excultura, agentes culturais e instituições culturais. O foco da empresa é o desenvolvimento de atitudes culturais que interajam com anseios do mundo atual: inclusão social, sustentabilidade, educação, tecnologia, entretenimento. 420 põem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. (BRASIL, 2009) De acordo com o artigo 7°, que introduz o regime aplicável aos museus, declara: “a criação de museus por qualquer entidade é livre, independentemente do regime jurídico”. Com isso, um espaço museal pode ser criado para que empresas e instituições possam contar a sua história. São os chamados museus ou memoriais empresariais, que segundo AXT (2011), se comunicam, mas são instituições diferentes. O museu pressupõe necessariamente a existência de um acervo, enquanto o memorial pode ser formado sem necessariamente ter um acervo documental e material consolidado, pois é construído por meio da estratégia de interpretação e consulta de acervos já existentes. O memorial é um espaço físico que atende interesses de divulgação, conservação e valorização de uma memória específica de determinada instituição. A função desses locais é prestar uma homenagem e contar uma história específica de alguma época, personalidade ou instituição. Os memoriais funcionam, em sua grande maioria, como grandes centros culturais, sendo cenário para as mais diferentes atividades artísticas, como música e artes plásticas. No Brasil, o estudo de museus ainda é recente e de acordo com busca realizada no banco de teses e dissertações da Capes, percebe-se que não existem trabalhos na comunicação sobre memoriais organizacionais, o que reforça a necessidade de um estudo sobre essa importante mídia. No Rio Grande do Sul, o primeiro curso de Museologia foi criado em 2006 pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Segundo o site desta a Universidade4, a elaboração do curso ocorreu logo após o reconhecimento da profissão de museólogo em 1984, pela elaboração e aprovação da Lei n.º 7.287, de 18 de dezembro de 1984. Em 1985 criou-se o Conselho Federal de Museologia (COFEM) e os Regionais de Museologia (COREM) com a finalidade de fiscalizar o exercício da profissão e as instituições. UNIVERSIDADE Federal de Pelotas. Museologia. Encontrado em: http://www. ufpel.edu.br/prg/graduacao_museologia.php Acesso em: 23 de junho de 2014. 4 421 Em 2008, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) abre suas portas para a primeira turma do curso de Museologia, na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico). O curso de Bacharelado em Museologia tem duração de quatro anos e segundo o site da Universidade5 propõe formar profissionais para atuar no campo da Museologia, contribuindo para a construção da cidadania, por meio da difusão e da preservação da memória, do patrimônio e da cultura das sociedades. Uma observação interessante é o curso estar na mesma Unidade do Curso de Comunicação Social. Dessa forma, ambos os profissionais têm a chance de um diálogo estreito, possibilitando estudos que aproximem essas duas áreas. Outro avanço foi a criação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), em 2009. A nova autarquia, vinculada ao Ministério da Cultura, sucedeu o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) nos direitos, deveres e obrigações relacionados aos museus federais. O órgão é responsável pela Política Nacional de Museus, por meio do Estatuto de Museus, visando a melhoria dos serviços do setor, com aumento de visitação e arrecadação dessas instituições, fomento de políticas de aquisição e preservação de acervos e criação de ações integradas entre os museus brasileiros. O reconhecimento da Museologia como uma ciência que necessita de constante pesquisa está sendo elaborado, mesmo que de forma atrasada em nosso Estado. Seu estudo é multidisciplinar, permitindo a busca de referenciais teóricos da História, Psicologia, Sociologia, Antropologia, Arquivologia, Biblioteconomia e principalmente, Comunicação, como será visto neste trabalho. 2.1 O MUSEU ENQUANTO MÍDIA Grande parte do curso de Comunicação Social estuda as mídias se detendo aos seguintes veículos: rádio, televisão, jornal, revista e internet (sites, blogs e redes sociais). Entretanto, o museu é uma das mais antigas mídias e, nos últimos tempos, é uma importante ferramenta de comuUNIVERSIDADE Federal do Rio Grande do Sul. Museologia. Encontrado em: http://www.ufrgs.br/fabico/ensino/graduacao/museologia Acesso em: 23 de junho de 2014. 5 422 nicação dirigida para organizações públicas e privada apresentar a história organizacional e a importância social ao longo de uma trajetória. O termo mídia se refere aos meios de informação e de notícias em geral. Segundo Souza (2010), mídia é o vocábulo transcrito da pronúncia inglesa para o plural latino de medium, que tanto em latim quanto em inglês se escreve media, que significa meios. Para o Campo das teorias da Informação, mídia é a mediação, entre emissor e receptor de uma mensagem, dada a impossibilidade de comunicação direta, servindo como suporte para ampliar e atingir uma variedade indefinida de receptores. Para as Ciências da Comunicação, as mídias são entendidas como diferentes suportes técnicos dos processos comunicativos, como meio de comunicação que se estende no tempo e no espaço ultrapassando os contextos da simples interação face a face. A aproximação entre a Comunicação Social e a Museologia, no presente trabalho, vem pela necessidade de analisar como as Relações Públicas auxiliam na construção da memória das organizações. Como desafio, construir um espaço museológico e transformá-lo em uma atrativo veículo de comunicação para que o público tenha identificação com a história do local e que ensine e o remeta para o passado, como relata Torresini: Defende-se a ideia de que na visitação a um museu histórico, através do material exposto, o visitante entra em contato com sua capacidade de construir imagens do passado, ampliando a capacidade de imaginação, habilidade indispensável à compreensão dos movimentos da história e à fixação dos conteúdos necessários ao aprofundamento do conhecimento sobre o passado humano. Acredita-se que o desenvolvimento da imaginação histórica auxilie na aprendizagem, na pesquisa e no ensino da História. (2010, p. 39) A partir da visita no espaço museal, o público entra em contato com uma memória, mesmo não vivenciando tal fato. É impossível falar de história sem falar de memória, ambas estão intrinsecamente ligadas e são usadas, muitas vezes, como sinônimos. Como qualquer mídia, os museus também exercem poder e sua identidade é construída de acordo com os interesses do que se quer mostrar, esse é o discurso de Scheiner (2009) e que é de extrema importância para qualquer análise de um museu organizacional: 423 A identidade de cada museu estará, portanto, estreitamente vinculada à identidade social e política dos grupos culturais que o criaram e mantém, bem como à capacidade desses grupos de atuar cada museu – e também o patrimônio – como instância de significação social. (p. 46) No âmbito da história empresarial, é relevante perguntarmos o que é selecionado no campo da memória pelos gestores que formam a direção da organização. Além disso, em que espaços, momentos e condições são feitas essas seleções de memória. No caso do nosso objeto de análise, o Memorial Theatro São Pedro (MTSP), veremos o Grupo RBS, um das maiores empresas de comunicação do Estado, criando esse espaço museal e exercendo influencia ao aproximar a história do teatro centenário com a cidade e a participação do Jornal Zero Hora na cobertura de acontecimentos históricos. Sendo assim, observamos que a mídia museu utiliza de outras mídias, como recortes de jornais, no caso do MTSP, para informar a história da instituição. Uma primeira distinção se impõe se quisermos tratar dessas questões, segundo Charaudeau (2010), que analisa as mídias da seguinte forma: “’informação’ e ‘comunicação’ são noções que remetem a fenômenos sociais; as mídias são um suporte organizacional que se apossa dessas noções para integrá-las em suas diversas lógicas” (p. 15). A utilização de registros da imprensa em museus é algo muito comum e confere credibilidade à história que se quer contar. Segundo Charaudeau (2010), a imprensa é essencialmente uma área escritural, feita de palavras, gráficos, desenhos e imagens fixas, sobre um suporte de papel, que convence e se torna referência histórica com muito mais poder que as palavras: “A escrita desempenha o papel de prova para a instauração da verdade, o que não é possível para a oralidade, não recuperável e aparentemente mais efêmera”. (p. 113) Alguns desses espaços são chamados de museus, outros de memoriais. Ambos pertencem à Museologia, possuem características semelhantes, mas diferem em sua essência. A partir do que foi refletido neste capítulo, faz-se necessária uma abordagem mais aprofundada sobre o que vem a ser a história organizacional e os reflexos na construção de um memorial. 424 3 HISTÓRIA ORGANIZACIONAL Entender a história organizacional promove o entendimento de suas origens e desvenda o seu legado para a comunidade, encontrando novos caminhos para mudar, sem perder a consciência de sua verdadeira identidade, mantendo os diferenciais da marca. A memória organizacional é discutida no contexto social por Nassar da seguinte forma: As organizações são percebidas, lembradas e narradas de inúmeras formas pela sociedade, pelos mercados, pelos públicos e pelos indivíduos. Uma das formas mais importantes é definida pela história e pelas diferentes formas de memória dessa história que os protagonistas sociais têm das organizações como um todo e também em suas expressões individuais. As organizações, como os indivíduos, não existem fora da sociedade e, assim, são participantes, mesmo na omissão, dos acontecimentos sociais. (2008, p. 117) A história de uma organização é a narrativa estruturada a partir de memórias individual, social ou organizacional. Assim, ela é uma narrativa possível entre tantas outras que podem ser construídas. O importante é entender que essa construção é feita a partir do que foi e do que é relevante para cada grupo que coleta a história. Assim como a memória humana, a memória empresarial também é seletiva, pois se escolhem algumas das experiências mais relevantes e os fatos marcantes, positivos e negativos, ou apenas os positivos, depende da estratégia que se quer adotar. É preciso conservar a memória de uma instituição, para que um dia se possa buscar informações capazes de contar a história de uma determinada organização. Um dia é preciso contar a história das organizações. Mas, antes, disso, é necessário conhecê-la e, mais do que isso, entendê-la, para extrair conhecimento, sabedoria e visão relacional e comunicacional estratégica do rico material que elas oferecem. Existe inteligência e técnica para tanto. Basta apenas que se tenha disposição e determinação para restabelecer a substância dos pilares históricos da empresa ou da instituição, resgatar sua história, ressaltar as soluções encontradas diante dos tantos obstáculos que surgem ao longo do caminho, desenhar um mapa de DNA, identificar as característi425 cas particulares do organismo e preparar-se adequadamente para o futuro. (NASSAR, 2008. p. 138-139) Selecionar as etapas para apresentar em uma linha do tempo e conectá-las tem uma influência direta com o presente da organização, pois mesmo ao pensar o passado, o curador remete ao presente e o que a empresa representa para a sociedade. Existem para isso, profissionais especializados, como museólogos e historiadores, para a curadoria do acervo documental e os processos de catalogação e armazenamento dos materiais, de maneira que possam ser disponibilizados e consultados da melhor forma possível. Contudo, nem sempre essa é a realidade, pois profissionais de outras áreas acabam sendo os curadores de muitos memoriais organizacionais. Como exemplo, o objeto de estudo do presente trabalho: o Memorial do Theatro São Pedro. Sua realização foi feita pela maior empresa de comunicação do Estado, Grupo RBS e a curadoria por Maria Cultura, uma agência de comunicação social voltada para a divulgação de eventos culturais. O controverso é que embora haja falta de pesquisas na área, os profissionais da comunicação são os maiores responsáveis pelo resgate da memória institucional, como mostra o estudo de Nassar (2008). No final de sua obra, o autor apresenta os resultados de uma pesquisa feita com 119 empresas que atuam no Brasil. Uma das principais categorias tem como levantamento saber a formação do responsável pela memória e história da empresa. O resultado é o seguinte: Nas empresas entrevistadas 24,5% dos profissionais responsáveis por projetos de história empresarial eram graduados em relações públicas, seguidos pelos jornalistas (19,6%) e por profissionais de marketing (11,8%). Essa informação sinaliza que os programas de história empresarial, por lidarem diretamente com a imagem institucional da organização, contemplam as funções atribuídas à comunicação, especialmente às relações públicas. No entanto, esta é uma área que chamamos de “mestiça”, reunindo até mesmo pedagogos, antropólogos, musicólogos, arquitetos, cientistas sociais, advogados, psicólogos e economistas, que também estão representados na pesquisa, na categoria “outros”, com 13,9% da amostra. (p. 166) 426 O estudo de Nassar revela os profissionais de Relações Públicas como os maiores responsáveis pela história organizacional das instituições pesquisadas, demonstra importantes resultados que confirmam a necessidade da multidisciplinaridade do curso, não só de Relações Públicas, como de todas as áreas da Comunicação Social. Como podemos observar, os profissionais de relações públicas são os maiores responsáveis pelo resgate histórico e estão envolvidos, na grande maioria das empresas pesquisadas, na criação de espaços museais – memoriais - das instituições. Maricano (2008) classifica os museus e memoriais como veículos de comunicação dirigida aproximativa, enquanto na obra de Fortes (2003) eles estão representados como veículos de comunicação dirigida auxiliar. Segundo o primeiro autor, a comunicação dirigida aproximativa permite uma relação direta entre a instituição e o público, que estará inserido no universo interno da organização. Isso permite criar um vínculo afetivo e emocional entre o público e a empresa por meio do fascínio estabelecido entre a história da marca atrelada ao meio social no qual atua. Também são estreitadas as ligações com os públicos já identificados e é capaz de aproximar aqueles que nem conheciam a marca, por meio de uma comunicação eficiente entre a história e o visitante. Já para o segundo autor, espaços museológicos estão enquadrados em comunicação dirigida auxiliar, pois abrangem o conjunto dos recursos audiovisuais e sofisticações tecnológicas. Esta duas formas de classificação não são contraditórias, mas sim complementares, ou seja, o entendimento do museu ou do memorial como mídia dirigida, é consenso e instrumentos utilizados pelo profissional de Relações Públicas para trabalhar o relacionamento das organizações com seus diferentes públicos. 4 MEMORIAL THEATRO SÃO PEDRO Um fenômeno constante nas empresas é a inauguração de acervos e museus institucionais em datas comemorativas, com prazos de encerramento. No entanto, a grande maioria se transforma em um espaço museal permanente em constante atualização e divulgação da história da empresa. Foi o que ocorreu com o Memorial Theatro São Pedro (MTSP). 427 Em 2008, foi o ano que o Theatro São Pedro completou 150 anos, e para comemorar, várias manifestações artísticas foram destaques da programação de aniversário. Uma delas foi a inauguração do MTSP no subsolo do teatro, dividido em quatro salas para contar a história do teatro mais antigo da cidade, com a exposição “Nosso Theatro”, realizada pelo Grupo RBS, como já destacamos, um dos maiores grupos de comunicação do Estado, com curadoria da agência de comunicação Maria Cultura. Inaugurado em 7 de outubro de 2008, inicialmente seria apenas uma mostra que se estenderia até o dia 21 de dezembro de 2008. Contudo, devido à grande aceitação por parte do público visitante e da administração do teatro, passou a ser considerada uma importante mídia a qual recebe dezenas de visitantes por dia, muitos deles turistas de outros Estados e de fora do país. O MTSP tornou-se permanente, após doação do Grupo RBS do acervo exposto para a AATSP, transformando-se num importante local de aprendizagem da história de um dos mais respeitados teatros do país. 5 ANÁLISE DOS REGISTROS DE IMPRENSA DO MTSP O fenômeno a ser analisado é como os registros da imprensa, que estão expostos no Memorial Theatro São Pedro, contribuem para contar a história da instituição. Para evidenciar o entendimento de diferentes pensadores sobre os conceitos-chave da questão de pesquisa, busca-se responder como uma empresa de comunicação pode construir um memorial e utilizar disso para aproximar sua marca à imagem de outra instituição. Pode-se perceber, como já foi exposto anteriormente, que as Relações Públicas são responsáveis pela memória organizacional, assim como se pode trabalhar uma instituição museal como qualquer mídia, inclusive na curadoria desses espaços, como foi o caso do Grupo RBS, que contratou a empresa Maria Cultura para a esse trabalho no MTSP. Na primeira etapa do levantamento dos recortes de jornais foi feita a análise documental, entendendo que este método tem como característica muito mais que localizar, identificar, organizar e avaliar textos, sons e imagens, funciona como expediente eficaz para contextualizar fatos, situações, momentos. Consegue dessa maneira introduzir novas perspectivas em outros ambientes, sem deixar de respeitar a substância original dos documentos. (MOREIRA, 2006, p. 276) 428 O objetivo desta etapa foi mapear como os registros da imprensa ajudam a contar a história de uma instituição. Todos os recortes expostos têm ligação com a história do teatro, contudo, podemos classificá-los em diferentes temáticas para chegar a um número capaz de fazer aproximações com o que é proposto pela análise de conteúdo posteriormente, o que exige a criação de categorias de análise como veremos na sequência. Os materiais foram fotografados para leitura e houve a classificação de cada registro a partir do tema central da matéria. A partir de sete temas encontrados nos registros, podemos separar os recortes nos grupos: Theatro São Pedro (nosso objeto de análise); Programação Artística; Publicidade; Multipalco; AATSP; Eva Sopher; e Depoimentos. O foco foi analisar os recortes que trazem o Theatro São Pedro como notícia, excluindo os demais. O resultado foi o seguinte: 21 tinham como assunto o TSP; outros 21 são referentes à Programação Artística do teatro; 13 são Campanhas Publicitárias de arrecadação para a construção do complexo Multipalco, outros 13 abordam o Multipalco como pauta; 5 são reportagens e entrevistas com Eva Sopher; 3 recortes expõem a Associação Amigos do Theatro São Pedro como pauta; e na última categoria, Depoimentos, encontram-se 3 registros de depoimentos de jornalistas e políticos sobre o teatro e o trabalho de Eva Sopher frente à administração. Para a análise dos recortes das páginas de jornais, com a categoria “Theatro São Pedro”, optou-se por utilizar aproximações com o método de Análise de Conteúdo – AC. Junior (2006, p.280) afirma que a AC é “um método das ciências humanas e sociais destinados à investigação de fenômenos simbólicos por meio de várias técnicas de pesquisa”. Mesmo sendo considerado um método subjetivo, é amplamente usado para colaborar na descrição e na valorização das propostas dos métodos de classificação do objeto de estudo. A AC é igualmente válida para este estudo de caso, porque se ocupa da análise híbrida, ou seja, permite a busca de resultados tanto quantitativos quanto qualitativos, conforme a ideologia e interesse do autor, segundo Junior (2006). Bauer (2004) cita diversos autores para alegar que a AC utiliza técnicas sistêmicas, objetivas, com regras e com um referencial de codificação que se estrutura teoricamente com base no objeto da pesquisa. 429 A análise das 21 peças é dividida em três importantes categorias: Período Histórico; Manchete; e Enfoques. A referência para a construção dessas divisões foi de Efrom (2010) e Junior (2006). O visitante é instigado também pelas manchetes de alguns recortes. Para isso, foi criada esta categoria com a finalidade de pontuar questões peculiares da mostra. O que será analisado serão os títulos, pois por meio deles é que o visitante se aproxima da notícia, situando-se na história do TSP pelo período do registro. Por mais que o público não leia os recortes, pois alguns estão sobrepostos, impossibilitando a leitura na íntegra, os títulos muitas vezes também narram esses momentos do passado da instituição e resumem o texto da matéria. Um destaque importante, que merece reflexão, é a reportagem com o título “Participação da RBS foi decisiva na reconstrução”. Como comentado em itens anteriores, a realização do MTSP foi do Grupo RBS. Contudo, afirmar que a participação da empresa de comunicação foi decisiva na reconstrução do teatro é um exagero e um erro histórico. Compreendemos que a visibilidade e os espaços da imprensa foram fundamentais para que a diretora da época, Eva Sopher, arrecadasse fundos e mobilizasse o empresariado gaúcho em prol do TSP, mas grande parte do dinheiro para a reconstrução era público, do Estado, e mesmo que com a falta de comprometimento de prazos também foi decisivo para a conclusão dessa etapa. Para afirmar o destaque deste recorte na mostra, percebe-se que é um recorte isolado, assim como um quadro. Isso deixa claro que a intenção da curadoria era aproximar a imagem do Grupo RBS, por meio do veículo Zero Hora, com a imagem do Theatro São Pedro. Ao avaliar os registros da imprensa, expostos no Memorial Theatro São Pedro e os resultados da análise, comprova-se o quanto é importante vários aspectos que rondam o cotidiano dos profissionais de Relações Públicas e Comunicação Social em geral. A começar pelo trabalho de clipagem feito pela assessoria de imprensa, que resulta no conhecimento e mapeamento da imagem da instituição e que servem como registro histórico documental. O fato da maioria dos responsáveis pelo resgate histórico organizacional no país terem a formação de Relações Públicas, denota o quanto a profissão exige o conhecimento de outras áreas, como a da Museologia, apresentada no presente trabalho. 430 As diferentes fases da instituição estão presentes na linha do tempo de um memorial organizacional. A responsabilidade e necessidade de educar e informar a comunidade transcende do espaço físico relacionando o surgimento e desenvolvimento com a história da própria cidade. O visitante tem a oportunidade de sentir a importância histórica do Theatro São Pedro por meio das fotos dos inúmeros artistas que ali passaram, pela imagem da cidade desde a metade do século XIX e que, após décadas, o TSP foi um dos poucos sobreviventes do desenvolvimento da capital. 7 CONSIDERAÇÕES O Memorial Theatro São Pedro é composto de exposições de imagens fotográficas do teatro, de artistas e do entorno da praça que abriga o prédio histórico, e também de registros da imprensa, por meio de cópias fac-similares de páginas do jornal Zero Hora. Além disso, estão presentes objetos que constroem sentido para a história da casa centenária e em todos os espaços há a presença de murais explicativos nas paredes, com textos que narram alguma época ou curiosidade da linha do tempo do Theatro São Pedro. Para efetuar uma boa avaliação sobre o estudo de caso, fez-se necessário entender com mais detalhes a origem dos espaços museológicos e o contexto que reflete no trabalho dos Relações Públicas diante da tarefa de responsabilidade na construção de uma memória organizacional. O MTSP é um espaço de educação e informação, situado no subsolo do Theatro São Pedro, que ao invés de ser temporário, como o planejado após sua inauguração em 2008, transformou-se em uma exposição permanente, em constante atualização. Referente ao estudo de caso, constatou-se que a maioria dos recortes de imprensa está no II Ato, sala que abrange o período da obra de reconstrução do TSP. Nesta época, o teatro não estava em evidência pela sua programação artística, como de costume, mas o próprio prédio era o tema de pauta. Isso ocorreu devido à interdição para obra de reconstrução, sendo um assunto de interesse da mídia e da comunidade nos 11 anos. Com isso, o MTSP evidencia essa época importante do teatro, com recortes que abordam a escassez de recursos do Governo para as obras, empasses políticos, especulações de datas para a reabertura e novidades da obra à medida que ela avançava, assim como se a vida cultural 431 do Theatro São Pedro voltaria a ser tão ativa e representativa, como em décadas passadas. As imagens que são vistas no MTSP relembram episódios memoráveis. No entanto, não contemplam todos os importantes personagens que dão continuidade à história do Theatro São Pedro. Eles são tantos que não caberiam nesta sala expositiva. Mas trazem os principais, segundo o criador de cada espaço museal, neste caso, o Grupo RBS. REFERÊNCIAS AXT, Gunter. Entrevista publicada em 13 de setembro de 2011. O que é um memorial. Disponível em: <http://www.youtube.com/ watch?v=WRN3V4B6Kxg>. Acesso em: 20 de abril de 2012. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. 2. Ed. São Paulo: Contexto, 2010. EFROM, Bianca. 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Portanto, neste artigo, tem-se a intenção de analisar como o discurso oficial da Prefeitura, principalmente pelo uso de uma ferramenta online criada para divulgação do calendário de eventos, contribui para a expansão da marca Rio e o despertar para a celebração dos cariocas por meio da campanha comemorativa cujo slogan “Viva a Carioquice!” evoca a essência carioca de ser. Palavras-chave: Rio 450; Marca; Imagem; Estratégia; Cidade Maravilhosa. Mestre em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pós-Graduada em Marketing Empresarial pela Universidade Estácio de Sá. Graduada em Comunicação Social (Habilitação: Relações Públicas) pela UERJ. É professora do curso de Comunicação Social do IBMEC/RJ 1 Doutoranda em Comunicação no PPGCOM/UERJ. Mestre em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ. Graduação em Comunicação Social, habilitação: Relações Públicas (UERJ) e em Letras (UFRJ). Coordenadora e professora do curso de Relações Públicas das Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA). 2 1. INTRODUÇÃO Fundada em 1º de março de 1565 por Estácio de Sá como estratégia para expulsar definitivamente os franceses que dominavam a região, a Cidade Maravilhosa completa 450 anos em 2015. Durante esse tempo, o Rio de Janeiro passou por altos e baixos. Mesmo antes da fundação, o porto do Rio já era mencionado nos documentos portugueses do início do século XVI (SANTOS; LENZI, 2005) por ser um lugar estratégico devido as suas características geográficas, o que mais tarde o tornaria um ponto fundamental de ligação entre o Rio da Prata e os postos negreiros da África (idem, 2005) e de importante papel para a atividade econômica da cidade e do país por séculos. Em 1815, por exemplo, sete anos depois da chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, a cidade foi alçada a sede Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. No início do século XX, a então capital da República, conhecida por sua insalubridade, era denominada pelos estrangeiros como “cidade da morte” (Revista de História, 2013). Essa imagem negativa acabou sendo determinante para a primeira grande intervenção do Rio de Janeiro: as reformas Pereira Passos e Rodrigues Alves, a primeira de remodelação e embelezamento da metrópole emergente, especificamente da sua região central, a segunda de obras no porto para torná-lo mais competitivo e atraente para os visitantes da cidade. Enfim, as duas reformas eram complementares3 e tinham como objetivo principal apresentar uma nova imagem do Rio de Janeiro e abrir “outra perspectiva para movimentação de cargas e passageiros que chegavam e partiam da cidade” (PINHEIRO; RABHA, 2004, p. 13). A capital do país se modernizava, assim como outras cidades, projetando uma imagem de progresso no cenário internacional. Conforme parecer da comissão encarregada de planejar as obras do porto, havia necessidade de construir a futura Avenida Central (atual Av. Rio Branco), além de uma larga via paralela ao próprio porto, a avenida do cais, mais tarde Av. Rodrigues Alves (SANTOS; LENZI, 2005, p 173). De acordo com os autores, o empréstimo realizado em Londres, 135 mil contos, era para as duas reformas. A um custo de 90 mil contos, a do porto, elaborada por engenheiros brasileiros, tendo à frente Francisco Bicalho, teria 3.500 metros de cais, entre Arsenal da Marinha, aos pés do Morro de São Bento, e embocadura do Mangue. 3 435 Na década de 60, o grande baque: o Rio deixa de ser capital do Brasil. Duas décadas após, de 80 e 90, o Rio de Janeiro enfrenta um caos na segurança pública, e a imagem da violência urbana é projetada nacional e internacionalmente. Foram quase três décadas de repercussão negativa na mídia até a implantação do programa de segurança pública do Rio de Janeiro, mais conhecido como UPP (Unidade Política Pacificadora). Aos poucos, a cobertura midiática se desloca para outras abordagens, como a preparação da cidade para receber os grandes eventos. Nos seus 450 anos, o Rio de Janeiro está com obras por toda parte. Na zona portuária, são cinco milhões de metros quadrados, com grande impacto na transformação paisagem, tendo como principal marco a demolição da Perimetral4, construções de grandes aparatos de serviços, lazer e cultura, como AquaRio, o maior aquário marinho da América Latina, o Museu do Amanhã e o Museu do Rio (MAR, este inaugurado há dois anos na data de aniversário do Rio) e a promessa de soluções de mobilidade urbana, como a via expressa, que surgirá no lugar da Perimetral, e o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). A questão da mobilidade envolve outras áreas da cidade, nas quais o BRT (Bus Rapid Transit ou Transporte Rápido por Ônibus) está sendo implementado. Todas essas transformações fazem parte da preparação do Rio de Janeiro para sediar a Olimpíada de 2016 e/ou também constavam do legado da Copa do Mundo 2014. Enfim, a cidade aniversariante é praticamente uma “cidade-evento”, ou seja, desde o PAN 2007, o Rio de Janeiro tem recebido grandes eventos, sem contar os já tradicionais e reconhecidos internacionalmente Carnaval e Réveillon, duas submarcas5 da marca Rio: Rio+20 (2012), Jornada Mundial da Juventude (2013), Copa do Mundo (2014), além do festival Rock in Rio, já parte do calendário oficial de eventos a cada dois anos. Entre dois “eventos-mídia” de alcance mundial – Copa 2014 e Olimpíada 2016, estão os 450 anos. Mais uma oportunidade para celebrar. Para isso, Construída em 1974, foi uma importante via de acesso que ligava a Zona Norte a região central e Zona Sul. Atualmente, sua demolição é ícone da nova reconfiguração espacial da zona portuária, de acordo com o discurso oficial da Prefeitura. 4 Segundo Ries (2000, 84), a Lei das Submarcas seria uma estratégia de branding “que tenta expandir a marca principal em novas direções”. 5 436 foi criado o Comitê Rio 450, responsável por criar e gerenciar o projeto para “trabalhar o pertencimento à Cidade e valorizar as manifestações culturais mais genuínas do Rio” (site oficial Rio 450 anos) por meio de um calendário oficial com atividades ao longo de catorze meses ao final do qual a cidade “será mais orgulhosa de si mesma” (idem). 2. O RIO QUE COMEMORA: UMA BREVE ANÁLISE DOS GRANDES EVENTOS. Refletir sobre grandes eventos (ou megaeventos, como alguns autores preferem) exige relacioná-los às cidades, uma vez que é no espaço urbano que esses acontecimentos tomam forma, impactando não somente o durante, mas o pré e pós-evento, com a promessa de um legado tangível (regeneração urbana, investimentos em transportes públicos) e intangível (orgulho local, legitimação política6, como geração de empregos, desenvolvimento do turismo, melhorias na infra-estrutura, projeção internacional da cidade). Para Roche (2000); Guala (2007); Burbank et. al (2002), Jogos Olímpicos e Copa de Mundo de Futebol são planejados para atingir público alvo global, o que demanda cobertura midiática internacional, e “pode servir como vitrine para a cidade sede ou país” (BURBANK et al, 2002, p.33), ou seja, representam estratégias para a gestão da marca-cidade ou país. Roche7 denomina os megaeventos esportivos de “evento-mídia”, quer dizer, eles promovem valores olímpicos universais, diretamente relacionados à estandardização cultural (consumo da cultura do esporte) e indiretamente, por meio de estratégias de marketing, marcas globais e o consumo da cultura, exemplificando uma economia globalizada em que o discurso em relação ao desenvolvimento urbano ( fundamental para a realização dos grandes eventos) traz em si fórmulas globais, ao mesmo tempo em que se resgatam valores locais. Na visão de Philippe Bovy, além do número de participantes e da cobertura midiática, um megaevento demanda uma logística de grande impacto para a cidade, como transporte, aeroportos, energia, acomoda6 Cf. sugere Molina (2013, p. 146) Artigo “Olympic and Sport Mega-Events as Media Events”, p. 3. <Disponível em http://library.la84.org/SportsLibrary/ISOR/ISOR2002c.pdf. Acesso em: 13mar. 2015> 7 437 ções, segurança, hospitalidade global, bem como estruturas efêmeras, executadas para esses eventos temporários, os quais atraem uma grande cobertura midiática, convertendo as sedes em cidades mundiais (BOVY, 2009, 8-9), produzindo desenvolvimento local ao atrair turistas e contribuindo para que a cidade seja plataforma comunicacional para a publicidade, o marketing e o branding urbano. Pode-se inferir, então, que, mesmo antes da realização de um megaevento, tem início a construção de uma narrativa oficial sobre a cidade/país com objetivo de gerar vantagem competitiva e criar vínculos emocionais com o público (no caso de cidades, esse vínculo dar-se-á com o cidadão, com o turista, com eventuais investidores). Isso se apresenta oficialmente no dossiê de candidatura entregue ao órgão internacional responsável pelo megaevento, como FIFA ou Comitê Olímpico Internacional (COI), em que o discurso em torno do legado (tangível e intangível) emerge como potencializador do branding. Mas o Rio de Janeiro não se transformou em “cidade-evento” em decorrência de ter sido escolhido sede dos megaeventos esportivos, da Jornada Mundial da Juventude e do Rio +20, embora esteja vivendo a “década de ouro” 8 dos grandes eventos. Esses acontecimentos ocasionais parecem reforçar uma natureza para a festa, sinalizada no dossiê de candidatura Rio 2016, e reforçada por estratégias de divulgação da marca Rio no país e internacionalmente, graças ao Carnaval e Réveillon, que fazem parte do imaginário da cidade e atraem milhares de turistas. Os números da Folia 2015, por exemplo, exemplificam o impacto nas oportunidades de negócios e visibilidade: 977 mil turistas, com renda de US$ 782 milhões (cerca de R$ 2,2 bilhões; 4.793.500 pessoas em blocos de rua; média de ocupação hoteleira de 83,79%. e um grande interesse de cobertura midiática nacional, com 1.288 profissionais de 228 veículos de 14 estados do Brasil, e internacional, com 362 profissionais de 142 veículos de 29 países (destaque para EUA, França e Japão)9. Denominação oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro. <Disponível em: http:// www.rio.rj.gov.br/web/riotur/exibeconteudo?article-id=1127038. Acesso em: 14mar. 2015> 8 Dados da Riotur, empresa do turismo do município do Rio de Janeiro. <Disponível em http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2015/noticia/2015/02/ quase-1-milhao-de-turistas-geram-us-782-milhoes-ao-rio-no-carnaval.html. 9 438 Para Roberto da Matta (1997), o carnaval contrasta com outros festejos nacionais, sejam religiosas ou cívicas. Enquanto nessas, a celebração decorre de um motivo, de uma lógica, no Carnaval, há celebração em estado puro. Talvez isso explique o porquê essa manifestação cultural brasileira contribua para formar o imaginário urbano do Rio de Janeiro. Para o sociólogo Maffesoli (1995, p. 117), essa materialidade, atravessada por um conjunto de imagens coletivas dá sentido a um lugar, ou seja, esse composto de espacialidade possui um gênio, o genius loci, “dado por construções imaginárias, sejam eles contos e lendas, memórias escrita ou orais, descrições romanescas ou poéticas” (Maffesoli, 2001, p. 115). Por ultrapassar o indivíduo, o imaginário “é o estado de espírito de um grupo, de um país, de um Estado-nação, de uma comunidade, etc. O imaginário estabelece vínculo. É cimento social” (idem, p. 76). Legros (2007, p. 54) reforça que a sociedade é um conjunto de idéias e o que liga os homens, é uma maneira comum de pensar, ou seja, de representar as coisas – isso cria o elo, tornando o lugar o laço (MAFFESOLI, 2010). Esse elo que o genius loci provoca é essencial para desenvolver uma marca-cidade forte, por meio da identificação de atributos do lugar que a tornariam “singular” e os quais podem ser trabalhados para diversos públicos estratégicos (DINNIE, 2011, p. 36), como o turista e o cidadão, ambos consumidores da cidade-mercadoria, essa que deseja ser competitiva globalmente. No caso do Rio de Janeiro, o carnaval é um desses atributos distintivos da cidade. “Multinacionais do século XXI” (Borja; Castells, 1997, p. 123), as cidades-empresas precisam seguir uma lógica de gestão, em que palavras como eficiência, produtividade, planejamento assumem importância no vocabulário da administração urbana. É a linguagem das organizações, do mercado incorporado à cidade, transformando-a em um produto competitivo regional, nacional e/ou internacionalmente para ser consumido por locais e turistas. Por essa nova ótica de ver as cidades, mais do que gerir o seu dia-a-dia das cidades, a questão é: como atrair mais investimentos e turistas, diferenciando-as de outras já inseridas no mercado de consumo global e outras que estão construindo a sua inserção. Temos, portanto, de um lado, uma gestão urbana empresarial, que articula interesses públicos e privados, e de outro, mas de Acesso em: 14mar. 2015> 439 forma articulada e fundamental ao processo, o de planejar estratégias de comunicação e de marketing que projetem a marca das cidades local e globalmente. Os eventos, sejam aqueles considerados atributos locais, como o Carnaval, ou os megaeventos esportivos, por exemplo, podem, então, ser catalisadores dessa procura por reposicionamento da marca-cidade. Nada parece ser tão autêntico, tão local, nesse planejamento da cidade-empresa, do que reforçar, no caso do Rio de Janeiro, a carioquice. 3. A “CARIOQUIDADE OU CARIOQUICE”: UM ESTADO DE ESPÍRITO VOLTADO PARA CELEBRAR A VIDA. O Rio de Janeiro é umas das metrópoles brasileiras responsável pela propagação de ideias e valores. Sendo assim, pode-se falar em um estilo próprio oriundo da cidade: a “carioquice10”. Gontijo (2007) menciona que desde o século XVIII (mesmo antes da transferência da capital colonial de Salvador para o Rio de Janeiro) o que era criado no Rio acabava se tornando a essência da “brasilidade”. Todavia, o Rio foi deixando aos poucos de ser somente um “produtor e exportador da brasilidade”. A cidade passou a apresentar uma série de características próprias, “particulares, permitindo que falemos, então, de uma espécie de carioquidade” (GONTIJO in Goldenberg, 2007, p. 42). Segundo o autor (2007), a “carioquidade” seria maior do que a carioquice - já que a primeira definição evocaria o pensamento de que o espelho do Brasil seria o Rio de Janeiro. Seja através do carnaval (que trouxe de volta às ruas a força dos blocos), dos grandes eventos (como o réveillon na orla de Copacabana), do samba, do funk e demais manifestações intimamente ligadas ao imaginário carioca, o Rio de Janeiro produz uma identidade formada por um rico mosaico, composto por diversos mundos culturais. Gontijo (2007) reitera que a “carioquidade” nunca foi devidamente evocada, conforme se observa a seguir: Quanto ao Rio de Janeiro, no entanto, nunca se tentou fazer alusão à existência de uma suposta carioquidade. Ao contráA palavra “carioquice” foi dicionarizada, e segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, possui os seguintes significados: 1) Ação ou dito próprio de carioca; cariocada; carioquismo. 2) Caráter ou qualidade peculiar do que é ou de quem é carioca. 3) Predisposição favorável às coisas cariocas. 10 440 rio, ainda há uma espécie de ideologia (sutil) da carioquice permeando os escritos da maioria dos cientistas sociais e intelectuais brasileiros (de todos os tempos), que generaliza os traços cariocas para o resto do Brasil, transformando-os em traços culturais nacionais, formadores da própria identidade nacional brasileira. Para Bauman (1998), o significado da identidade na contemporaneidade diz respeito tanto às pessoas quanto às coisas, podendo ser adotado (e também descartado) como uma troca de roupa. Visando ilustrar o raciocínio em questão, cabe mencionar que o bairro de Copacabana seria então uma síntese da “carioquidade”. Para Lessa (2005), o bairro permite a exploração da natureza sem abrir mão da civilização, mesclando o bucolismo com a agitação da vida metropolitana. O bairro de Copacabana retrata o despojamento do carioca e as inúmeras possibilidades de compartilhamento de ideias, valores e crenças. Na atualidade, ao analisar uma metrópole contemporânea como o Rio de Janeiro, cabe registrar a importância de entender Copacabana como um lugar onde as pessoas se unem para comungar com o outro. Em seu sentido etimológico, a palavra “comungar” deriva do latim communicare, cujo significado é “pôr em comum, dividir, partilhar, ter relações com”. E partilhar (seja um sentimento, ideia, valor ou crença) é algo que traduz a alma de Copacabana. Copacabana é a síntese de múltiplas interações. Ao ser analisado, o bairro pode ser representado por uma multiplicidade de pequenos altares que possuem a mesma função de elaborar os “mistérios da comunicação-comunhão” (MAFFESOLI, 2004). Neste caso, a comunicação é proxêmica, fazendo com que as pessoas estruturem inconscientemente o próprio espaço. Nos quiosques da orla, bares, restaurantes, praças do bairro e demais espaços urbanos de Copacabana são erigidos altares, onde a socialidade se constrói. Os ”altares” são lugares e espaços da socialidade, compostos por afetos e emoções comuns. Desse modo, Copacabana está inserida na lista dos “lugares altares”, onde as pessoas fazem parte de um mundo compartilhado com os outros. Para Maffesoli (2004, p.64): É longa a lista dos ‘altares’ em que podemos investir fisicamente ou na fantasia. E, como um eco, encontramos alguma coisa parecida em todos os ‘pequenos altares’ que vêm aninhar-se no seio das grandes megalópoles, como tantos outros 441 abrigos matriciais em que posso viver, locomover-me e passar tempo com outros. Vale a pena registrar que a cidade contemporânea é um emaranhado de comunicações que também acontecem nos prédios e nos corpos que transitam pelos mais diversos espaços metropolitanos (Freitas in Freitas e Oliveira, 2011). Sendo assim, Copacabana pode ser vista como um imenso e perpétuo altar, no qual são celebrados diversos cultos de componente estético-ético. Maffesoli faz menção à Copacabana “de encantos evocadores” (2004, p. 63), como se observa a seguir: Montparnasse, Pigalle, o Marais, cada um destes é, simultaneamente, um lugar e um espírito. E poderíamos facilmente acrescentar uma sucessão de nomes a esses encantos evocadores: Quartier Latin, Shinjuku, Copacabana, Manhattan, Kreusberg, Trastevere, etc. O lugar seria o responsável pela ligação. Maffesoli frisa que “a ligação, quer dizer o espaço, a natureza e os elementos primordiais que os compõem, tornam visível a força invisível da ligação que me une aos outros” (MAFFESOLI, 2010, p. 104). Nesse contexto, o futebol dominical no Maracanã, as rodas de samba regadas a feijoada e caipirinha, as idas à praia para o mergulho no mar representariam mecanismos identitários da cidade do Rio de Janeiro. Tais itens também suscitam as possíveis representações sociais do Rio de Janeiro no Brasil e no mundo, que devem ser entendidas como conceitos que implicam tradições, transmissões e significações ao cotidiano urbano. Partindo dos elementos que dão significado ao universo do carioca, Gontijo (2007, p. 75) menciona que: O culto ao corpo bronzeado e à praia, a corporeidade e a preocupação com a saúde física e mental, as invenções de modos de vida alternativos, a criatividade musical, o ciclo festivo do verão e seu desfecho representado pelas manifestações carnavalescas (...) o amor pelo futebol e pelas festas esportivas, o sotaque e as gírias, o apego à cidade, urbanidade, a violência emotiva e tantos outros elementos escolhidos aleatoriamente compõem o repertório cultural da carioquidade, sem que sejam integral e exclusivamente elementos cariocas. 442 Nenhum dos elementos citados faria sentido caso o carioca não fosse capaz de criar um composto particular gerador de sentidos. Gontijo (2007) menciona que o conjunto dos elementos identitários e de suas respectivas práticas estrutura e também é estruturado por uma série de princípios e valores que guiam e orientam as práticas sociais cariocas, produzindo e reproduzindo o jeito de ser carioca, uma identidade carioca global ou carioquidade. De acordo com matéria intitulada “Ser carioca vai além de nascer no Rio de Janeiro, é um estado de espírito” (publicada pelo site de notícias G1)11, ser carioca é: “Biscoito, mate, água... ó ó biscoito! É a cara do Rio. Biscoitinho de polvilho!” Cabe registrar que o que faz do cidadão um legítimo carioca é a maneira com que tais elementos são materializados, experimentados e tangibilizados em seu cotidiano - aliados ao modo de se relacionar com a cidade e com o outro. Sendo assim, o que faz o carioca ser o que é parte também da sua capacidade de se relacionar com o outro seja na praia, no “Maraca” ou nos diversos logradouros que compõem a “Cidade Maravilhosa”. 4. “RIO 450”: ESTRATÉGIAS DE MARKETING PARA DIVULGAR O “PRODUTO” RIO DE JANEIRO. No dia 1º de março de 2015, o Rio comemorou 450 anos. Visando valorizar o aniversário da cidade, a prefeitura lançou a campanha “Rio 450”. Tal projeto reuniu farta programação de caráter artístico e cultural, incluindo eventos e iniciativas âncoras12: 1) Biblioteca Rio 450, com mais de 80 títulos sobre a história e cultura carioca; 2) Passaporte dos Museus Cariocas, parceria com o Instituto Brasileiro de Museus, que oferecerá gratuidades ou descontos em quase 40 lugares; 3) Projeto Memória Carioca, um convite para que os cariocas compartilhem fotos artefatos e lugares que traduzam a memória afetiva pelo Rio; e 4) Jogos Rio 450, eventos-teste dos Jogos Rio 2016. <Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2015/02/ser-carioca-vai-alem-de-nascer-no-rio-de-janeiro-e-um-estado-de-espirito.html Acesso em: 16mar. 2015> 11 O calendário de eventos referente ao projeto “Rio 450” se encontra no seguinte link: <Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/eventos/ Acesso em: 14mar. 2015> 12 443 O texto do “Comitê Rio 450”13 (equipe composta por dezesseis profissionais de diversas áreas que são responsáveis pela elaboração do projeto) frisa que é fundamental, acima de qualquer coisa, homenagear o cidadão carioca - e menciona a importância de “reverenciar as pessoas que fizeram e fazem desta cidade um dos lugares mais adorados do planeta: os cariocas.” 14 Nesse contexto, foi criada a marca “Rio 450”, que está sendo divulgada por toda a cidade, acompanhada do slogan “Viva a Carioquice!” De acordo com informações divulgadas no site referente à campanha, a marca deve ressaltar o ludismo e a “alma carioca”, explicando inclusive que a pessoa pode ser “carioca por nascimento ou por escolha”15. Complementando a análise, a marca pretende evocar a multiplicidade de identidades que compõe o carioca, e menciona que ela “foi pensada para resgatar o orgulho de pertencer, através de uma ideia simples e direta: se o carioca é multicultural, multiétnico e multifacetado, a marca deve espelhar tudo isso.” 16 A marca está sendo divulgada em vários lo<Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/comite-450/ Acesso em: 14mar. 2015> 13 <Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/comite-450/ Acesso em: 15mar. 2015> 14 <Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/conheca-a-marca/ Acesso em: 16mar. 2015> 15 16 <Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/conheca-a-marca/ Acesso 444 cais do Rio de Janeiro, como na sinalização do asfalto de algumas ruas da cidade. Além disso, no carnaval 2015, a marca também foi amplamente difundida nas peças de mobiliário urbano referentes aos dias de folia, bem como foi tema da camiseta do Cordão do Bola Preta (idealizada por Ziraldo) e dos camarotes da Brahma, dos supermercados Guanabara e no pórtico do camarote Rio, Samba e Carnaval no sambódromo. A marca pretende também valorizar a malemolência do carioca, e o texto divulgado pelo “Comitê Rio 450” no site da campanha diz: “Criamos uma marca que identifica o povo do Rio e faz graça com o seu jeito; uma marca que representa o que o carioca tem de mais essencial, mostrando o perfil de quem tem orgulho de ser o que é.”17 Essa “alma carioca” foi oficialmente declarada pela Prefeitura patrimônio imaterial da cidade, tendo o baile charme, o Mercadão de Madureira, o frescobol e a bossa nova como alguns dos representantes desse jeito de ser. O uso da marca apresentada anteriormente em vários pontos da cidade do Rio de Janeiro evidencia a importância de criar uma identidade visual para o aniversário da cidade. Riel (apud Kunsch, 2003) aponta que a identidade é a manifestação de uma reunião de características que forma uma espécie de concha ao redor do que o cerca. Ainda segundo o autor, a identidade funciona como forma de apresentação, se desenvolvendo por um conjunto que engloba o comportamento, a comunicação, o simbolismo (atrelado à identidade visual) e a personalidade. Nesse contexto, foram utilizados os princípios do brand equity na execução da campanha - e principalmente no que se refere à marca “Rio 450”. Para Aaker (1998), o brand equity significa um conjunto de ativos e passivos ligados a uma marca, seu nome e seu símbolo, que se somam ou se subtraem do valor proporcionado por um produto ou serviço para uma organização e/ou para os consumidores dela. Ainda segundo o autor (1998), o primeiro passo na identificação do brand equity é compreender o que contribui para o valor de uma marca. “Viva a “carioquice!”, o slogan da campanha, seria esse valor agregado. em: 15mar. 2015> <Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/conheca-a-marca/ Acesso em: 16mar. 2015> 17 445 Contudo, seja classificado “carioquidade” como cita Gontijo (2007), ou como “carioquice” (conforme abordado na campanha), a essência do carioca reside nas inúmeras facetas que residem na alma do indivíduo que nasceu e/ou escolheu a cidade para viver. Cabe registrar aqui que o ato de utilizar e aplicar marcas existe há séculos, sempre associado ao modo de diferenciar algo: um produto, serviço, pessoa, ideia, etc. Aprofundando a análise sobre o uso das marcas, a palavra brand (marca, em inglês) possui origem nórdica, derivando da antiga expressão brandr, que significa queimar. Indo totalmente na contramão dos movimentos protetores dos animais, “isso porque as marcas a fogo eram, e de certa maneira ainda são, usadas pelos proprietários de gado para marcar e identificar seus animais” (KELLER; MACHADO, 2006, p. 2). Uma das acepções do conceito de marca diz respeito à combinação de vários elementos que deverá ser capaz de torná-la singular. Lipovetsky (2005) menciona que a imagem de uma marca corresponde ao conjunto das associações estocadas na memória do indivíduo. Sendo assim, a marca “Rio 450” pretende oferecer valor à cidade aniversariante e a todos que são cariocas (de nascimento ou porque vivem na cidade). Cabe frisar que a falta de saneamento básico, de segurança pública e problemas de mobilidade urbana são apenas algumas das mazelas que o cidadão carioca enfrenta no seu cotidiano18. Todavia, o “Comitê Rio 450” frisa que o projeto (e consequentemente a marca desenvolvida para campanha) deve resgatar o “orgulho de pertencer” à cidade. Ou seja: pretende somar valor ao universo do carioca (seja ele de nascença ou não), no sentido de torná-lo “orgulhoso” da cidade onde nasceu e/ou reside. Visando enriquecer a análise, é importante observar que várias marcas19 também aproveitaram o aniversário de 450 anos da cidade para divulgar seus produtos ou serviços, como a Nestlé, parceira do “Comitê <Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/rio-450-anos-veja-cinco-grandes-desafios-para-o-futuro,a93c02ec3eecb410VgnCLD200000 b1bf46d0RCRD.html Acesso em: 15mar. 2015> 18 A Fiat, com o Uno Rio450, da Fiat, a TAM, com um avião adesivado no trajeto ponte aérea Rio-São Paulo, a Antártica, com a lata de cerveja, Antártica, o vinho Miolo, as canetas Compactor e chinelos Grendene são parceiros da campanha, entre outros. <Dispoível em: http://www.rio450anos.com.br/parceiros/. Acesso em: 16mar. 2015> 19 446 Rio 450”.20 A empresa planejou um calendário de ações e lançamento de novos produtos, fazendo com que as atividades em comemorações dos 450 anos do Rio de Janeiro se estendam até 2016. Em relação aos produtos, a Nestlé criou uma identidade visual exclusiva para vários itens para promover a marca Rio 450. Um dos exemplos é o picolé La Frutta+Coco, que será vendido até setembro de 2016 com uma embalagem comemorativa, estampando a marca “Rio 450” Segundo Rogério Lopes, diretor de sorvetes Nestlé, “a linha de Sorvete Nestlé tem um importante vínculo com o Rio de Janeiro como um todo e estamos felizes em participar desta comemoração. Com a fábrica desses produtos em operação no estado desde 1997, este já é o segundo mercado para a empresa na categoria”.21 Todo esse planejamento da campanha teve início oficialmente em 5 de dezembro de 2015 e, desde então, várias ações foram executadas com objetivo de expandir as comemorações do aniversário da Cidade Maravilhosa durante um período de catorze meses, tendo sido o réveillon 2015 o grande evento para dar visibilidade às comemorações, época em que a Prefeitura divulgou uma peça instituicional com a mensagem “Réveillon 2015 - Feliz Rio 450 Anos! A festa dos 450 anos do Rio começa no maior réveillon do mundo” (O Globo, 31.12.2014). É a cidade que, por meio do planejamento das estratégias oficiais (incluindo parceiros da campanha), projeta a marca Rio, fortalecendo a imagem da cidade e, portanto, tornando-a mais competitiva no cenário nacional e internacional e despertando o orgulho dos cariocas. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando o Comitê Rio450 foi criado para pensar as celebrações, um dos grandes desafios era encontrar uma marca para comemorar os 450 anos. Isso porque nas festividades do IV Centenário, em 1965, o símbolo criado teve um papel funda<Disponível em: http://corporativo.nestle.com.br/media/pressreleases/ nestle-celebra-450-anos-do-rio-com-surpresas-na-linha-la-frutta Acesso em: 16mar. 2015> 20 <Disponível em: http://corporativo.nestle.com.br/media/pressreleases/ nestle-celebra-450-anos-do-rio-com-surpresas-na-linha-la-frutta Acesso em: 16mar. 2015> 21 447 mental no engajamento e mobilização dos cariocas, sendo reproduzido em diferentes lugares da cidade.22. (site da Prefeitura, 6/6/2014) Embora em dois momentos históricos bem diversos – em 1965, a cidade ainda vivia o trauma da transferência da capital federal para o interior do país; em 2015, o Rio de Janeiro parece viver a efervescência dos grandes eventos. No entanto, nessas duas datas, o discurso pela mobilização e o engajamento dos cariocas é um objetivo da campanha de comunicação e marketing que cria narrativas para valorização da cidade, tendo o seu aniversário como o fio condutor. Para isso, a marca dos 450 anos, “é uma expressão que, além da cara do carioca, é a cara da comemoração dessa festa”23, ou seja, comemora-se a carioquice ao ponto da Prefeitura do Rio de Janeiro divulgar, no dia do aniversário da cidade, o Certificado de Carioca: Você, ________________________, é um legítimo carioca. Desde o dia ____________ o mundo convive com sua carioquice. É morador do bairro _________ e tem orgulho de toda a cidade. Tem ginga para o dia-a-dia, alegria para toda a vida e a felicidade de participar desse momento histórico, o aniversário de 450 anos do Rio. (O Globo, 1/3/2015, p. 5) Como atributo identitário da cidade, a carioquice seria o que de mais autêntico o Rio de Janeiro tem a oferecer. Mas essa carioquice tem uma ginga, uma felicidade e alegria que vão ao encontro da “cidade-evento”, pronta para uma celebração. Por essa razão, o aniversário da cidade não poderia se limitar a um “Parabéns para você”. Várias estratégias coordenadas planejadas para multiplicar a data de “nascimento” de 1 de março por 365 dias de 2015. Ou seja, a campanha comemorativa em homenagem à Cidade Maravilhosa parece ter transformado a data em um grande evento, de reverberação midiática por mais de um ano, como se a festa não tivesse fim. A pauta “permanente” nos veículos de comu- <Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/sect/ exibeconteudo?id=4764291. Acesso em: 16mar. 2015> 22 <Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/conheca-a-marca/. Acesso em: 16mar. 2015> 23 448 nicação, a divulgação da marca no mobiliário urbano, as estratégias de empresas parceiras, os mais de 600 eventos até dezembro de 2015, tudo isso mantém a marca Rio na mente de cariocas, moradores da cidade e turistas. E, quem sabe, conquista o coração deles também! REFERÊNCIAS AAKER, David A. Marcas: Brand Equity - gerenciando o valor da marca. São Paulo: Negócio Editora, 1998. AZEVEDO, André Nunes de. A Reforma urbana do Rio de Janeiro pelo Presidente Rodrigues Alves: o progresso como forma de legitimação política. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, São Paulo, julho 2011. Disponível em <http://www. snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300854212_ARQUIVO_ ComunicacaodeAndreAzevedoparanapuh2011.pdf>. Acesso em 4 mar. 2015. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Local & Global: management of the cities in the information age. London: Earthscan Publications, Ltd, 1997. BOVY, Philippe. Megaeventos: catalisadores para transporte mais sustentável nas Cidades. 2009. Disponível em: <http://www.mobility-bovy. ch/>. Acesso em: 10 jul. 2014. DINNIE, Keith. City Branding: Theory and cases. 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Valendo-se de aparições da liderança feminina no espaço público (imagens e textualidades), o artigo tem caráter exploratório e elege como norteadores conceituais as noções de Rosto e de ultraje para embasar uma breve análise comunicacional desses dilemas, sedimentada no rosto concreto de Graça Foster, primeira mulher a ocupar a presidência da Petrobras. Tal problematização não pretende oferecer um estudo conclusivo sobre o tema, nem advogar um método de análise de antemão estruturado, seja do caso em questão ou de outros similares. Palavras-chave: Discurso; Reconhecimento; Rosto; Liderança Feminina; Graça Foster. 1 Doutorando em Comunicação Social pela UFMG “Não conheço homens tão firmes como a vida me fez ser”, afirmou a então presidente da Petróleo Brasileiro S.A., Petrobras2, Maria das Graças Foster, à revista Você S.A, em abril de 2013. O porvir a desafiaria com uma crise sem precedentes na história da empresa, sobremaneira motivada pelas investigações da Operação Lava-Jato da Polícia Federal e pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito)3 da Petrobras. Os escândalos de corrupção e o declínio de credibilidade da empresa culminaram em sua perda de valor de mercado, levando Graça Foster (GF) e toda a Diretoria Executiva à renúncia dos cargos em fevereiro de 2015. Nesse processo, foi necessário mais que uma firmeza masculina por parte de GF, mas (numa provocação!) resignação feminina perante a impossibilidade de permanência na presidência. No presente artigo arriscamos uma análise que não enfoca as causas e os efeitos da ascensão, apogeu e queda de GF como liderança máxima da Petrobras, nem desenvolvemos juízos morais ou justificações para acusar ou defender a gestão GF. Nosso olhar se volta para a expressividade do feminino, encarnado na figura pública de Foster, investigando deslocamentos possíveis do olhar que nos façam perceber os embates entre discursos presentes no contexto organizacional e a precarização do feminino resultante desse fenômeno comunicacional, desnaturalizando-se os limites entre territórios de sentido que eivados por estereótipos, como o são firmeza masculina e a resignação feminina. Petroleira de capital aberto cujo acionista majoritário é o Governo do Brasil (União); empresa estatal de economia mista com presença em todo o país e no exterior. A indicação de nomes para a presidência da Petrobras é feita pelo Chefe do Poder Executivo. 2 “A CPI da Petrobras foi instalada por iniciativa de parlamentares de oposição (ao governo Dilma) em decorrência de diversas denúncias envolvendo a Petrobras. Em março de 2014, quando a operação Lava-Jato, da Polícia Federal, revelou relações entre o doleiro Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, a gestão da estatal foi posta à prova já que os dois foram presos em uma investigação de um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou R$ 10 bilhões.” Fonte: http://exame.abril.com.br/brasil/ noticias/o-que-ja-se-sabe-sobre-o-escandalo-envolvendo-a-petrobras 3 452 DISCURSOS EM COLISÃO: ENTRE O ROSTO E O ULTRAJE Há muito se fazem presentes no espaço público diferentes discursos construídos pelas organizações sobre as mulheres e suas condições de vida, especialmente projetados pelas práticas corporativas de comunicação. Esses discursos não se referem estritamente a aspectos do mundo do trabalho, mas também sobre como a presença do feminino no ambiente organizacional se desdobra em relações que tais organizações estabelecem com a sociedade e com os seus diferentes segmentos de públicos. Por vezes esses discursos divergem gerando, com isso, espaço para abertura e transformação da cena organizacional ou, de modo inverso, o recrudescimento de aspectos pouco democráticos como preconceitos e crenças totalizantes. Em que pese as agruras oriundas desses dilemas, seja na iniciativa privada, nas instituições públicas ou nas organizações da sociedade civil, observa-se um avanço, mesmo que lento e em diferentes níveis, no atendimento às demandas trazidas à esfera pública pelos movimentos feministas do século XX4. Tais movimentos são protagonistas da luta por reconhecimento (HONNETH, 2003) que, no momento político e social contemporâneo, revela novos matizes tensionados pelas multiplicidades de identidades de gênero e pelas alteridades envolvidas no processo de construção da autonomia política e social das mulheres, leitmotiv das atuais políticas pró-equidade, excedendo-se o estreito binômio feNo Brasil, de acordo com estudo realizado e divulgado em março de 2015 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres, embora sejam maioria da população e apresentem maior nível de escolaridade que os homens, recebem remunerações inferiores a eles, mesmo quando ocupam os mesmos cargos. Nas organizações, o público feminino situa-se, com maior frequência, em postos de trabalho inferiores da hierarquia. De acordo com relatório do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero, as mulheres são minoria nos cargos de maior nível hierárquico no Parlamento, nos governos municipais e estaduais, nas secretarias do primeiro escalão do Poder Executivo, no Judiciário, nos sindicatos e até nas reitorias. No setor privado, o quadro permanece o mesmo; várias pesquisas realizadas pelo Observatório confirmam a proporção de 20% a 30% de mulheres nos postos de chefia. Fonte: http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/noticias 4 453 minino versus masculino. Importante lembrar que a noção de igualdade é sempre algo a ser problematizado em processos de negociação linguageiros e políticos que envolvam conflitos morais e de gênero. Nas últimas décadas, a própria noção de feminino se deslocou da exclusividade do substantivo mulher para ocupar, nos discursos que circulam e se enfeixam no espaço público, outras fronteiras. Nesse cenário de considerável complexidade, desenrolam-se os discursos organizacionais tanto sobre mulheres quanto sobre o feminino. Cada organização, a seu modo, posiciona-se perante essa luta pelo reconhecimento empreendida por grupos e coletivos feministas. Mesmo o silêncio organizacional ou a alienação institucional sobre as necessidades de se estabelecer novos padrões de relacionamento com o público feminino já constituem um tipo de posicionamento. O discurso organizacional delimita sempre territórios de produção de sentido, tanto para os públicos, como para a própria organização. As perspectivas de M. Bakhtin (1981; 2000) e Norman Fairclough (2001) nos auxiliam a compreender as possíveis articulações entre e usos dos elementos linguísticos (imagens, palavras e outros signos sensoriais) presentes nas manifestações publicizadas pelas organizações em diferentes tipos de mídia, internas ou externas ao sistema organizacional, e na abordagem das questões afetas ao universo das mulheres. Os embates discursivos apontam para o surgimento de subjetividades para além do si (organização falando sobre e para ela mesma) rumo às alteridades marcadas por danos ou pelo reconhecimento das diferenças de gênero (no âmbito do próprio discurso e na construção das relações entre sujeitos e a organização). A compreensão dos “tipos relativamente estáveis de enunciados”, em que diferentes vozes podem ser percebidas levando à interdiscursividade, pode oferecer mais que um mapa das trilhas discursivas que por vezes entre si conflitam, mas sintetizar modos de aparecer e dizer das organizações e de seus públicos sobre dada questão, mesmo que para além do visto e do dito. Fairclough (2001) avança um pouco nessa direção ao integrar uma variedade de perspectivas e métodos de análise para estudar as dimensões discursivas da mudança social. Para o autor, a conexão entre o discurso e as práticas sociais é afetada por uma hegemonia do modo de ver e pensar presente nas práticas sociais. Há relações de poder que 454 variam do mais tenaz assujeitamento à autonomia, as quais reproduzem, reestruturam ou desafiam as hegemonias existentes. Um exemplo de pensamento hegemônico concernente à compreensão do feminino e das mulheres no mundo do trabalho é a de que “lideranças femininas são mais comunicativas, intuitivas e acolhedoras”, estabelecendo as balizas para o reforço do estereótipo da mulher “auxiliadora e compreensiva”. Esse olhar oculta um modo de ver e pensar que faz contrapor o masculino “racional, viril e dominador” ao feminino “emocional, dócil e passivo”. Mesmo respeitáveis teóricos da comunicação organizacional como Gareth Morgan (1996) resvalam em estereótipos. Na obra “Imagens da Organização” o autor apresenta um rol de “estratégias femininas populares”, das quais destacamos: “Rainha Elizabeth I – Reina com mãos firmes, tendo sempre que possível à sua volta homens dóceis (…) A mulher invisível – Tem um perfil inexpressivo; tenta misturar-se com os que estão à sua volta, exercendo a sua influência de todas as formas possíveis.” (p.187) O discurso das organizações – e a respeito delas – podem, no entanto, reestruturar ou desafiar ordens hegemônicas. Esse é um dos focos das organizações que, em suas políticas de gestão, promovem a liderança feminina; procuram valorizar a singularidade da gestora em seu lugar de poder e operar mudanças que vão além do discurso, amparadas na efetiva garantia de cotas ou número de assentos femininos nas hierarquias mais elevadas da organização. Nesse contexto, é esperado que a comunicação corporativa apele não apenas às imagens das mulheres, mas às vozes e expressões do feminino dentro das organizações e nas ações externas a elas. Assim a conhecida comunicação organizacional “feita para mulheres” ou que discursa “sobre as mulheres” ou, ainda, “sobre o feminino” deve ser considerada partícipe de um sistema discursivo do espaço público, em que as organizações agem e sofrem enunciações discursivas dos outros a seu respeito, sejam as midiáticas tradicionais (jornais, revistas, tv...), sejam aquelas publicizadas pelos múltiplos sujeitos presentes nas redes sociais online. Ao remeterem continuamente uns aos outros, os discursos conformam uma teia vazada por “entres”. Acreditamos que é nesse espaço intersticial que se revela o não visto e o não dito sobre os interlocutores, ou ainda o que está por dizer. E nisso o conceito de Rosto de Lévinas pode muito ajudar, ao nos conduzir 455 a esse além do discurso, que desvela dimensões outras dos processos de subjetivação feminina imbricados nos meandros da comunicação corporativa e para além dela. Nossa breve exploração do conceito de Rosto, busca trazer visões de autores cujas perspectivas filosóficas ora tensionam, ora dialogam com a noção de rosto levinasiana, a saber: Deleuze e Guattari, com viés marcado fortemente pela reificação do humano no mundo pós-moderno; Agamben e Debray que ressaltam do rosto aspectos produtores de sociabilidade e de intersubjetividade; o rosto como fiel depositário da noção de comunidade. Segundo Deleuze e Guattari (2004), o rosto é como a superfície lisa e moldável por agenciamentos que fazem parte de uma “máquina abstrata” social que rejeita tanto os rostos não-conformes quanto aqueles que tenham ares suspeitos (p. 44). Um rosto só se produz quando a cabeça se separa do corpo e esse pode se revelar colônia da rostidade que descodifica, encapsulando-o como paisagem, por meio do processo de produção social do rosto. Sob essa perspectiva, o que hoje se vê circular nos discursos é uma hegemônica rostificação. Já para Debray (1999) o rosto é “a exposição indiscreta de um enigma: (...) aquilo que possuímos de mais comprometedor, de mais secreto, sendo também a parte mais perigosamente exposta de nós mesmos (...) Por meio de meu rosto eu confesso – sem saber o quê (1999, p. 227, grifo nosso). Soma-se a isso a perspectiva de Agamben (2000) de que o rosto expõe e oculta o sujeito. No que é exterioridade para o Outro, também se faz revelar a interioridade subjetiva, o que convoca o outro, como um apelo, um enigma. No reconhecimento do rosto é possível partilhar o que se vive e as relações que se constituem nesse viver. Segundo Agamben (2000), “compreender a verdade do rosto significa tomar não a semelhança, mas a simultaneidade dos semblantes, a inquieta potência que os mantêm juntos e os reúne em comum” (p.99). Assim, o modo de interação pragmática instaurada pelo rosto apresenta-se, ao mesmo tempo, como uma abertura à comunicabilidade e uma forma múltipla de expressões da comunidade. Finalmente Lévinas, como Agamben, compartilha de uma dimensão comunal do rosto. O conceito de Rosto na obra de Lévinas parece divergir em absoluto do conceito deleuziano. Todavia, argumentamos que 456 Lévinas toma um “atalho”, situando o Rosto fora do campo de visão, elevando a estética não reduzida à forma, mas ampliada pelo verbo. “Pode-se dizer que o rosto não é “visto”. Ele é o que não pode se tornar um conteúdo, o que vosso pensamento abarcaria; ele é o que não pode ser contido, ele vos conduz ao além.” (LÉVINAS apud POIRIÉ, 2007, p. 27) Ao atribuir voz ao rosto, Lévinas localiza o aquém da imagem: “antes de ser imagem plástica e percepção sensível, de uma maneira mais essencial, o rosto é significação, fala; é por isso que a escuta do rosto prima sobre sua visão.” (POIRIÉ, 2007, p. 27). Esse apontamento evidencia os mecanismos de interlocução e, portanto, discursivos, que perpassam a subjetivação do que se constitui como rosto. A perspectiva de Lévinas, ao nosso ver, arremata o “enigma” (Debray) e o “estar-junto” (Agamben) dentro de um horizonte ético, respondendo criticamente a Deleuze e Guattari. A partir disso, cabe ressaltar que o Rosto feminino, em sua constituição no seio da cultura eurocêntrica sofreu ao logo dos séculos diversas violações, entre as quais elegemos a modalidade do ultraje. Tal processo forjou-se alimentado pelos discursos das organizações dominadas por homens; a histórica exposição pública discursiva e estereotipada dos rostos das mulheres tanto rostificaram as identidades de gênero em torno de representações fixas, quanto interditaram o direito à palavra, dificultando a constituição das mulheres como interlocutoras. Para Honneth o ultraje situa-se com uma das manifestações públicas do não reconhecimento e da violação do outro. Ao partir das três dimensões hegelianas de reconhecimento intersubjetivo (o amor, o direito e a estima social), Honneth aborda as formas de desprezo reversas a tais dimensões, como as práticas de tortura, a supressão ou privação de direitos e a exclusão, além das ofensas sistemáticas e a desvalorização pública; “formas de não-reconhecimento que impedem a autorrealização completa do indivíduo, por violarem a integridade física, a integridade social e a moral (dignidade), respectivamente.” (MATTOS, 2006, p. 116). Como Honneth (1992) destaca, as faces do desprezo apontam danos diretos ou indiretos ao corpo, por exemplo: fala-se em morte psíquica para designar experiências de abuso sexual ou de tortura; em morte social quando há privação de direitos, como na situação de escravidão ou de marginalização; e – o que aqui nos interessa destacar, há ultraje quando está em jogo a dignidade, a reputação pública. O ultraje designa uma agressão física, moral, social ou psicológica a alguém, a alguma institui457 ção ou autoridade5. O agressor se serve de terceiros como testemunhas do ato e que, como tais, venham legitimar o discurso e as práticas de quem ultraja, assujeitando o ultrajado a um juízo público que o diminui socialmente e perante si mesmo. Discursos ultrajantes antifeministas são antigos. Em particular, na cultura medieval europeia a visão da mulher como animal (bestia) a vinculava ao signo da serpente ou de outra criatura venenosa. De acordo com Fonseca (2012), “normalmente retratada como ciumenta e abrasivamente loquaz (virulentis sermonibus), a mulher era ainda uma consumista egoísta, frívola, dissimulada e de imbecilidade para o conhecimento e entendimento das coisas superiores6.” (p.169). Para o autor, a visão androcêntrica que atravessou os discursos misógenos ao longo dos séculos produziu na cultura ocidental uma ode à virgindade e ao celibato da mulher para que se garantisse a tranquilidade mental e espiritual do homem. A manutenção da virgindade era uma espécie de chancela que “livrava” as donzelas de abusos e das dores do casamento – e particularmente das fogueiras, para as quais eram conduzidas à força as “ameaçadoras bruxas” que rompiam com a fixidez do modelo medieval de feminino. Em suma, as mulheres eram “acessórias às disposições dos homens, vítimas dos seus comentários detratores e discriminatórios. Muitas vezes, o próprio elogio que a elas era feito constituía o fundamento de uma visão oposta, preocupada em conceituá-las más por natureza” (DELANY apud FONSECA, 2012, p. 183). À guisa de exemplo, o episódio da história medieval francesa conhecido como “Ultraje de Anagni”, ocorrido em 1303 na cidade de Anagni, Itália, resume a violenta disputa entre o então rei da França Felipe, o Belo, e o Papa Bonifácio VIII. Conta-se que o Papa foi esbofeteado por um dos opositores italianos com a mão coberta pela luva de ferro. Sob a violência do golpe, o papa caiu do trono para o chão. Mesmo sob ameaça física, Bonifácio respondeu aos que pediam sua renúncia: “Eis a minha cabeça, eis a minha tiara: morrerei, é certo, mas morrerei papa”. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Atentado_de_Anagni 5 O autor aponta pelo menos três literatos medievais como referências clássicas para o antifeminismo: Theophrastus (c.372-288), de São Jerônimo (Eusebius Sophronius Hieronimus, c.342-420) e de Walter Map (1140- c.1209). 6 458 Seria possível reconhecer, ainda hoje, discursos antifeministas entre as imagens e as textualidades trabalhadas pela comunicação organizacional ou por outras mídias que a tomam o discurso da organização como ponto de apoio para desenvolver suas enunciações quase medievais? Possíveis respostas para isso podem ser pensadas a partir do exemplo de Graça Foster na Petrobras. GRAÇA FOSTER: NOTAS ACERCA DE UM ROSTO ULTRAJADO O que apresentaremos a seguir não constitui uma defesa de Graça Foster (GF) ou uma reflexão imparcial, que pretenda neutralidade diante do fenômeno investigado. Melhor seria dizer que o autor, por ser afetado pelo tema e por se sentir convocado pelo rosto da liderança feminina de GF procura problematizar as dimensões do que vê e do que haveria a ver para além do que é exposto. A partir daí nasce uma análise que remete a aspectos universais do Rosto feminino, ancorada nas singularidades dos sujeitos de exploração – GF e o próprio autor. Desde 2005, a Petrobras aderira ao Programa Pró-Equidade de Gênero7, conquistara por três vezes o Selo Pró-Equidade de Gênero, concedido anualmente pelo Programa às empresas que se destacam no cumprimento das metas relacionadas às Políticas para Mulheres. A iniciativa formalizou a política de igualdade de oportunidades na empresa para homens e mulheres de sua força de trabalho. Em 2012, após mais de 50 anos desde a criação da petroleira em 1953, uma mulher passa a ocupar seu mais alto cargo: Graça Foster. Sua posse simbolizava afirmação máxima da presença feminina num espaço historicamente ocupado por homens. GF, diferentemente de seu antecessor, ingressara como estagiária em 1978, construiu uma sólida carreira. Era esperada uma gestão “mais técnica, menos política”. A partir de então haveria fortes embates discursivos em torno da figura feminina da presidente, potencializados pelas denúncias de atos corrupção envolvendo a empresa, mesmo anteriores à gestão GF. Paralelamente, outro discurso organizacional procurava se fortalecer Programa promovido pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, e apoiado pelos escritórios do Fundo das Nações Unidas para as Mulheres (Unifem) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) 7 459 na imprensa, mas sem grandes repercussões. A Petrobras divulgava um balanço do número de mulheres na Companhia; em nove anos a participação feminina cresceu 120%, face menos de 60% de crescimento dos homens.8 Diante desse contexto, e dos discursos nele envolvidos, pode-se depreender que GF presentificava o discurso de autonomia do Rosto feminino no contexto organizacional da Petrobras, do que ressaltamos três dimensões: (1) sua notável trajetória de vida; (2) o justo reconhecimento profissional; (3) a consolidação e continuidade da liderança feminina em altos cargos de decisão.9 Dessas três, parece-nos que a terceira tenha sofrido os mais fortes embates por discursos antifeministas, os quais contribuíram para a precariedade da posição política institucional assumida por GF, ameaçando sua sustentação no poder e, por procuração, o próprio discurso feminista interno. Embora não se possa atribuir à resistência ou violência de gênero causa direta da renúncia da presidente, não se pode ignorar que essa tenha sido uma das variáveis fortemente presentes no processo de desconstrução da voz feminina no campo de decisão máxima da Petrobras.Além disso, é sabido que o rosto de Graça Foster inscrevia o rosto de outra mulher no comando da petroleira: o de Dilma Rousseff10. Há uma co- À época as mulheres ocupavam 1.104 cargos de gerência, dos 6.563 gerentes, o que representava cerca de 17%. A maioria das mulheres, em torno de 65%, possuía o ensino superior completo. Dados publicados em nota na data de 8 de março de 2013. Além disso, a empresa tinha o compromisso de debater e implementar iniciativas pela diversidade, como a produção de material pedagógico com conteúdos que incentivassem o combate à discriminação de gênero e raça. 8 Importante destacar que, muitas vezes, o rosto transmuta-se em máscara, se torna paisagem e, embora pareça ocultar, a máscara revela as marcantes contradições do próprio rosto. Isso se aplica a Graça Foster quando suas aparições reforçam uma imagem de gestão “imbatível” ou “verde-amarela”, quase ufanista, dois atributos muito presentes no universo simbólico e no imaginário da empresa. Como máscara, GF personificaria um enunciado que circula nos corredores da empresa há décadas: “Sou Petrobras: petróleo corre nas minhas veias!” 9 Dilma fora Presidente do Conselho de Administração da Petrobras de 2003 a 2010, mantendo sua proximidade com Graça Foster mesmo depois de sua substituição por Guido Mantega, então ministro da Fazenda do Governo Lula. 10 460 nexão claramente identificável entre elas. Ambas mulheres pioneiras nos cargos, reconhecidas publicamente por suas trajetórias pessoais e competências técnicas, mas distanciadas, ao menos perante a opinião pública, de um modus operandi de se “fazer política” movido a negociações escusas e a corrupções de diferentes matizes. O ultraje seria o resultado da dissociação entre a dimensão deleuziana maquínica (máscara da gestora) e o rosto nu (a mulher, o feminino)? Quando GF, na dimensão em liderança, para além das competências técnicas e da trajetória pessoal, é sumariamente e publicamente julgada a partir de variáveis entendidas socialmente como próprias do feminino, vinculadas tradicionalmente ao universo da mulher, abre-se campo ao ultraje. Cremos que o ultraje moral ataca o feminino por meio da depreciação do rosto nu que inscreve impossibilidade de GF, como pioneira na presidência, oferecer uma contribuição coletiva efetiva à sociedade por meio de seu trabalho nesse cargo. Na primeira imagem do Painel I (ver p. 13), veiculada pela revista “IstoÉ Dinheiro” em 27 de janeiro de 2012, dias antes de sua posse, GF aparece mirando a lente com um sorriso discreto nos lábios, cabelos alinhados, terno preto e camisa rosa; a vestes e os óculos de armação metálica equilibram a sobriedade de uma alta executiva com a cor amplamente explorada como traço de feminilidade na cultura capitalista. Nada muito avesso às visualidades tradicionalmente expressas na mídia ao se retratar mulheres ditas poderosas, não fosse a postura pouco formal que Graça. De pé, porém recostada numa parede de aço escovado, ela lança um olhar lateral para o espectador que culmina na cabeça ligeiramente inclinada para trás, num gesto corporal que destaca a linha dos seios, contrastando-se a vestimenta opaca com o fundo luminoso. Por um segundo temos a impressão de que esse mesmo gesto corporal poderia ser o de uma colegial, apoiada nos muros de uma escola à espera de um belo rapaz que lhe desvirginasse – uma atualização do tema renascentista da Morte da Donzela11. O somatório dos elementos visuais discursa sob o arquétipo da virgem; e curiosamente, o texto da matéria traz a ideia da moça que saiu A Morte e a Donzela é um motivo comum na Arte da Renascença, especialmente na pintura, e música. Um proeminente representante é Hans Baldung Grien. O motivo foi usado novamente durante o Romantismo. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Morte_e_a_Donzela 11 461 do borralho rumo ao trono. Mas felizmente por conta própria, sem direito à fada madrinha; a nova presidente é, certo modo, heroína12. A legenda que acompanha a imagem corrobora com a ideia de superação; ela apresenta uma confissão pessoal da mulher que nos olha, mais princesa que majestade. Uma confissão que poderia ser a de muitas mulheres trabalhadoras da própria Petrobras, e mesmo de outras brasileiras: “A necessidade de superar a mim mesma me trouxe muita força e coragem”. GF situa-se dentro do discurso mainstream segundo o qual alguém – especialmente uma mulher – alça uma poderosa liderança corporativa após enorme esforço e superação pessoais, a partir de uma longa jornada. GF é um exemplo bem sucedido do self-mad man “de saias”. Ainda nessa primeira aparição de Graça Foster na “IstoÉ Dinheiro”, há referências ao “Estilo Graça”, desta vez apresentado por meio de infográfico nos tons verde e rosa, em que – aí sim – a figura estilizada da presidente aparece frontalmente, acompanhada por qualificativos que evocam elementos presentes nos manuais de “estilo e boas maneiras”, publicação tradicionalmente direcionada ao público feminino (ver Painel I, p.13). São destacados os seguintes traços de GF: centralizadora, rápida, trabalha 12h por dia e “ainda leva demanda para casa”; rigorosa com seus subordinados, “não se intimida em dar broncas em público”. O adjetivo autoritária aparece ao lado de apenas exigente. Esse rol de atributos, visualmente desdobrados por setas que partem dos cabelos e das vestes de Graça reforçam a ambivalência de seu caráter feminino (autoritária versus exigente), bem como a “mãe brava” que não se exime de corrigir a prole em público; também a mulher incansável que traz para si as responsabilidades e que “dá conta” de tudo, mesmo que para isso seja necessária dupla ou tripla jornada. Ao que parece, o “Estilo Graça” remete à dona de casa que administra uma empresa com a esperada habilidade “doméstica”, exercendo o controle por meio de uma dedicação exaustiva, ora fálica, ora castradora já que “Graça não tira férias há cinco anos”. “Ela cresceu no Morro do Adeus, que hoje faz parte do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ocupado pela polícia em 2010. Aos oito anos, começou a trabalhar como catadora de papel, garrafas e latas para ajudar a família e para comprar material escolar. Sem descuidar dos estudos, formou-se em engenharia química, fez mestrado, pós-graduação em engenharia nuclear e MBA em economia” 12 462 Já em 4 fevereiro de 2015, GF aparece nas capas da “Folha de S. Paulo” e do “Estado de S. Paulo” (ver Painel II, p. 14) em uma imagem constrangedora. Flagrada ao passar pelo detector de metais do Aeroporto de Brasília, cabeça baixa, descalça, par de sapatos nas mãos, cabelos em desalinho, GF nada lembra a executiva bem sucedida de 2012. Como se sabe, no caso de violência física contra mulheres, os agressores ferem preferencialmente a face das companheiras para garantir marcas publicamente visíveis e GF não passa ilesa. Segundo Porto (2004), o rosto da mulher que sofre violência “é marcado por olheiras profundas, o cabelo não é penteado e algumas vezes ajuda a esconder o rosto. Seu olhar é voltado para baixo e dificilmente olha nos olhos do interlocutor.” (p. 112, grifo nosso). O que se vê nessa imagem é um rosto feminino nu atingido por um ultraje. Havia muitos motivos para que a imprensa denunciasse uma possível “má gestão” da empresa ou mesmo apontasse críticas e falhas da administração Foster. Mas o que se viu foi uma cascata de chamadas de capa ambíguas valendo-se do nome próprio feminino Graça como matéria-prima para máquina-imprensa de rostificação: “Dilma fica sem Graça” (Extra, 5/2/15); “Acabou a Graça” (Metro, 4/2/15), “Graça se foi... desgraça continua” (Estado de Minas, 5/2/15); “Bilhete sem volta para Graça Foster” (Correio Brasiliense, 4/2/15); “Sem Graça” (Zero Hora, 4/2/15). Folha e Estadão também exploram um paralelismo inegável entre a imagem da presidente GF “deposta” e a execução do piloto jordaniano Moaz al Kasasbeh, prisioneiro do Estado Islâmico, queimado vivo. Nas capas há uma evidente “proporção visual” entre a imagem dos dois acontecimentos, conferindo maior violência ao ultraje do discurso da imprensa. Evocando a lição de Anagni, “do trono ao chão”, a exposição do rosto ultrajado de GF em primeira capa marca a ferro e fogo seu “triste fim”. Graça já não é mais a donzela, mas “bruxa” que ameaça a sociedade e deve pagar por seus pecados, presentificados no corpo do jordaniano. O símbolo da indústria automobilistica ocupa as margens de ambas as capas, como a lembrar que o mesmo fogo em que ardem os “criminosos” é aquele que alimenta a indústria mundial do ódio ao feminino – desde o medievo – e dos combustíveis fósseis, da qual a Petrobras é uma das maiores representantes. A punição simbólica de GF é a fogueira, talvez por sua inadequada pretensão em fazer-se soberana num cenário majoritariamente masculino e povoado por 463 escândalos explosivos que podem colocar em risco mortal anos de trabalho, reputação positiva e, em última instância, o lugar feminino no contexto organizacional da Petrobras em situação precária. A mesma Graça que fora, durante o exercício do cargo, eleita pela revista norte-americana “Fortune” a executiva mais poderosa fora dos EUA e ficou em 4º lugar no ranking mundial. Finalmente a virulência do ultraje atinge talvez seu paroxismo e uma das expressões discursivas mais peçonhentas vistas à época da renúncia, no mesmo nível dos abomináveis discursos medievais, embora revestida de “bom humor”. A composição do Painel III (p. 14), publicada nas redes sociais da web, revela a máscara do predador. Sobre tal composição nos negamos tecer comentários, uma vez que a textualidade acaba por desumanizar completamente o Rosto feminino em favor de sua toxidez, esvaziando a ética perante outrem em favor do escárnio... Tal experiência de ultraje aqui relatada nos leva a pensar a Comunicação nas organizações a partir de um viés mais ético.. Os discursos e práticas organizacionais buscam, não raro, a valorização do Todo em detrimento do rosto particular. É preciso provocar um tensionamento plural interno ao ambiente organizacional, desnaturalizando o que nos (a)parece comum, ou melhor, como um. Ela pode estar orientada para o reconhecimento do outro, que rompe com o assujeitamento da alteridade à mesmidade e, ainda, impõe limite ao agenciamento dos sujeitos ao império das imagens, num caminho comunicativo mais aberto à escuta, à receptividade que à totalidade presente na produção maquínica dos rostos. Trata-se de romper com viés totalizante do discurso organizacional interno ou revelado na mídia, suspendendo sem romantismos o ultraje que estereotipa e enclausura as alteridades em identidades corporativas (máscara maquínica) pré-determinadas por preconceitos ou crenças limitantes. 464 PAINEL I: GRAÇA FOSTER E A PETROBRAS: APARIÇÃO DO FEMININO ENTRE O HERÓICO E O ERÓTICO. 465 PAINEL II: ULTRAJE AO ROSTO FEMININO: RENÚNCIA DE GRAÇA FOSTER OU CAÇA ÀS BRUXAS? 466 PAINEL III: A BESTIA FOSTER: (DES)HUMANIZAÇÃO DO FEMININO REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. O rosto. In: Means without end: notes on politics. University of Minnesota Press: Minneapolis, 2000, p.91-100. BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. São Paulo: Forense, 1981. _____. Observações sobre a epistemologia das ciências humanas. In M. Bakhtin, Estética da criação verbal (pp. 399-414). São Paulo: Martins Fontes, 2000. DEBRAY, Regis. “Les matières de l’âme: le visage entre pierre et cyber”. 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Trata-se de estudo exploratório, que tem como objeto quatro cooperativas do interior do estado de São Paulo: uma cooperativa de trabalho, uma de serviços, uma de crédito e uma agrícola. Como resultado, aponta uma tendência à comunicação informativa e não à interativa, como se pressupõe como ideal para a gestão do capital social, e que o valor cooperação não é prioridade da comunicação, perdendo espaço para questões administrativas e mercadológicas. Palavras-chave: Cooperativismo, Comunicação, Cooperação; Capital Social. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Comunicação da Universidade de São Paulo. maurapadula@usp.br 1 INTRODUÇÃO Foi em plena Revolução Industrial, no início do século XIX, que começou a se falar, efetivamente, de cooperação e a se desenvolver a filosofia cooperativista, pelos então chamados socialistas utópicos, que geraram essa doutrina econômica. Formalmente instituída, a primeira cooperativa surgiu na Inglaterra2 e apresentou-se ao mundo uma nova maneira de encarar o binômio capital e trabalho. No decorrer do tempo, o cooperativismo vem encontrando nas transformações e exigências do mundo capitalista, condições de desenvolvimento em áreas diversas, como a agropecuária, trabalho, crédito, seguro, saúde, habitação e consumo. Hoje, reúne 1 bilhão de pessoas em mais de 100 países, nos cinco continentes, tendo movimentado, em 2012, USD 2,603.02 bi3. No Brasil, o cooperativismo destaca-se principalmente no setores agrícola, seguido pelo financeiro (crédito) e pelo transporte. São 6.600 cooperativas, que reúnem mais de 11 milhões de cooperados (OCB, 2013, apud OCESP, 2015), gerando 304 mil empregos diretos. Em 2012, o movimento injetou R$ 8 bilhões na economia, apenas com salários e benefícios ao trabalhador, e cerca de 370 mil brasileiros tornaram-se cooperativistas (OCB, 2013). Apesar de sua importância econômica e social, o cooperativismo enfrenta alguns desafios que, dependendo do caso, colocam em risco sua sustentabilidade. O modelo cooperativista de gestão define, em suas premissas, a democracia, a solidariedade e a igualdade como princípios básicos, com foco no homem e não no capital, a partir de atividades associacionistas de amparo mútuo. Há relatos de experiências cooperativistas anteriores, mas a Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, criada em 1844, foi a primeira que estruturou um estatuto, com ideias e regras gerais para o seu funcionamento, princípios estes que norteiam o cooperativismo até os dias atuais. (SILVA FILHO, 2001; MARASCHIN, 2004; ) 2 Valores que incluem as cooperativas de crédito e os prêmios das cooperativas de seguros e mutualidades. Dados publicados no World Co-operative Monitor (2014, p. 15). 3 470 Entretanto, esse modelo organizacional vive um conflito característico de sua estrutura, com dimensões distintas, dependendo do ramo de atividade em que atua e das características específicas de seus sócios, incluindo, aqui, cultura, hábitos e costumes (PADULA, 2006, p.2). A renda de cada cooperado está relacionada ao desenvolvimento de seu próprio produto ou serviço junto à cooperativa, e não à “sobra”4, dando margem ao surgimento de interesses individuais em detrimento do coletivo. É a “ponta” de um conflito permanente vivido nesse modelo organizacional e que coloca em cheque a essência cooperativista, que é exatamente a cooperação, idealizada pelos socialistas utópicos do século XIX. O tema tem merecido a atenção dos pesquisadores, particularmente no âmbito da administração, discutindo os modelos de governança e gestão do capital social. É nesse cenário que se insere este estudo, que pretende identificar como a comunicação é trabalhada em cooperativas tendo em vista que a cultura voltada para a “cooperação” e gestão do capital certamente fazem a diferença nas estruturas cooperativas enquanto fonte de vantagem competitiva. Independente de sua proposta, que prega a democracia e igualdade social, é em um mundo predominantemente capitalista que a organização tem que competir. Quando o desafio da gestão passa a ser maior internamente, em função da falta de união e de ética entre os sócios - que estão mais preocupados com o seu próprio negócio e não com o grupo - a cooperativa perde eficácia e competitividade, comprometendo sua sustentabilidade. METODOLOGIA Este estudo propõe-se a avaliar o processo de comunicação das cooperativas com seus cooperados, a partir do método de Análise de Conteúdo (AC) definido por Bardin (1997), buscando identificar as mensagens-chave transmitidas, relacionado-as (ou não) com o valor “cooperação” e o capital social almejado neste modelo organizacional. “Sobra” é o termo usado pelo sistema cooperativo para identificar os resultados operacionais da organização, que é distribuída aos cooperados, ao final de cada exercício fiscal. Quanto é negativo é chamado de “perdas”, que também são rateadas entre os associados. 4 471 Segundo Caregnato e Mutti (2006, p.682), “Na AC o texto é um meio de expressão do sujeito, onde o analista busca categorizar as unidades de texto (palavras ou frases) que se repetem, inferindo uma expressão que as representem”. Trata-se de uma pesquisa exploratória, tendo como objeto quatro cooperativas do Estado de São Paulo, mais especificamente, os veículos de comunicação desenvolvidos por estas cooperativas para seus cooperados. A metodologia de análise foi baseada na proposta de Bardin (1997, p.42), para quem Análise de Conteúdo (AC) é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”. Foi feita a análise de conteúdo de edições dos veículos de comunicação dirigidos aos cooperados das quatro cooperativas, sendo uma cooperativa de trabalho médico, uma de serviços odontológicos, uma de crédito e uma agrícola, que foram nominadas neste trabalho, respectivamente, de Alfa, Beta, Gama e Delta. A amostra foi composta de forma intencional, não aleatória, considerando o relacionamento desta pesquisadora. De cada cooperativa foram selecionadas as edições dos veículos de comunicação dirigidos aos cooperados do período de abril de 2013 a abril de 2014. Os jornais das cooperativas Alfa, Gama e Delta são dirigidos exclusivamente aos cooperados. Já, o da cooperativa Beta é dirigido a cooperados, funcionários e clientes. COOPERATIVISMO Segundo Lezamiz (2005), há divergências de opinião entre os estudiosos quanto ao que seja exatamente o cooperativismo. Existem aqueles que dizem que o cooperativismo não é uma doutrina política porque não prescreve normas para a função e/ou organização do Estado, nem para as relações deste com os indivíduos. É simplesmente um plano econômico. Outros, afirmam que é uma doutrina econômico-política, que propõe a cooperação no campo econômico e social como meio para proporcionar melhores condições de trabalho e renda. 472 Na definição da Aliança Cooperativista Internacional (ACI), A cooperativa é uma associação autônoma de pessoas unidas voluntariamente para satisfazer suas necessidades econômicas, sociais e culturais comuns e aspirações através de uma empresa de propriedade comum e democraticamente gerida. (ICA, 2015). A origem histórica do cooperativismo explica a base da filosofia. Em 1844, inspirados nas ideias dos socialistas Charles Fourier e Robert Owen, um grupo de 28 tecelões criou a Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, formada a partir de um fundo constituído pela economia mensal de uma libra de cada participante, durante o período de um ano. Eles buscavam, naquele momento, uma alternativa econômica que lhes permitisse sobreviver naquela nova realidade imposta pela Revolução Industrial e criaram uma cooperativa de consumo, a fim de evitar as especulações dos intermediários. Tratando-se de uma iniciativa ousada e incomum, foi motivo de deboche por muitos comerciantes. Entretanto, ao final de dez anos, a cooperativa já contava com 1.400 cooperados. A ratificação desse processo se deu com a criação da Aliança Cooperativista Internacional (ACI), em 1895, na Inglaterra, atualmente com sede na cidade de Genebra, na Suíça, uma das primeiras organizações não governamentais a ter uma cadeira no Conselho da Organização das Nações Unidas (ONU) e é, hoje, a maior organização não governamental do mundo. Apesar de ser um modelo de associação com forte impacto econômico e social, em alguns países ainda há o pensamento duplo e contraditório quanto o seu futuro. Alguns críticos acreditam que as cooperativas não conseguiram e tem pouca chance de desenvolvimento nas atuais economias de mercado livres. Os oponentes ao cooperativismo enfatizam, também, o uso indevido das cooperativas de trabalho para flexibilizar as leis trabalhistas. Em contrapartida, os defensores deste modelo organizacional destacam o cooperativismo e a economia social e solidária como uma alternativa para o desenvolvimento empresarial, que equilibra o capital e o trabalho (MONGREVEJO et al, 2012). Pautada nos números que ratificam a dimensão do cooperativismo para a economia mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) consagrou 2012 como o Ano Internacional das Cooperativas e o tema 473 central, lançado para a comemoração, foi “Empresas cooperativas constroem um mundo melhor”. A partir desta oportunidade, as instituições cooperativistas se organizaram para divulgar a filosofia e destacar a importância do movimento na promoção da cidadania e da igualdade social, na geração de emprego e renda. Neste sentido, uma importante contribuição foi dada pelos escritórios de representação para a América Latina da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da ACI, que desenvolveram uma pesquisa que confirmou o perfil heterogênio do segmento neste continente, encontrando, inclusive, países com carência de dados estatísticos que permitam avaliar o setor e seu impacto na economia. A maior contribuição deste estudo é permitir aos governos e ao movimento cooperativista traçar estratégias de desenvolvimento para o setor e fortalecer a rede de cooperação na América Latina. À Aliança Cooperativista Internacional (ACI) coube o papel de organizar um trabalho maior, em nível mundial, do diagnóstico ao plano de ação. Para isso, reuniu um Comitê Gestor, formado por representantes de cooperativas associadas à ACI de diversos países, que apresentou um diagnóstico e um “Plano de Ação para uma Década Cooperativa”, que projeta o futuro para o sistema cooperativo até 2020 (ACI, 2013). Entre os grandes desafios para a década, segundo o relatório, estão a necessidade de elevar a relação entre cooperados e governança a um nível maior de envolvimento e a construção de uma mensagem capaz de garantir a identidade cooperativa, que muitas vezes é confundida ou inserida no conjunto de empresas capitalistas. Essa não é uma questão simples, mas que deve ser trazida à pauta, visando à sustentabilidade do sistema cooperativo. Estudo sobre governança e a gestão do capital social em cooperativas desenvolvido por Davis e Bialoskorsky Neto (2010) aponta que a participação dos associados na gestão pode ser limitada e complexa, mas que ao não dar atenção para tal questão as cooperativas comprometem uma importante vantagem competitiva. Mas a forma de fazê-lo ainda é um desafio. (...) está claro que há a necessidade de novas abordagens para incentivar o envolvimento dos membros, não se sugere que sejam abolidas as oportunidades de participação tradicionais e democráticas, em que os cooperados frequentam 474 as reuniões e nas quais os gestores têm a obrigação de apresentar relatórios. Os processos democráticos de responsabilização institucional e de prestação de contas devem ser preservados, mas deve-se reconhecer que, por si só, eles não são suficientes. (DAVIS; BIALOSKORSKY NETO, 2010, p.4) Um ponto que chama a atenção é que os conflitos entre gestores e cooperados/associados ganham maior proporção na medida em que a cooperativa cresce e se profissionaliza. Gestores profissionais tendem a atuar totalmente focados nas competências e regras de mercado e, muitas vezes, se esquecem de que a maior vantagem competitiva deste modelo organizacional está exatamente na gestão de seu capital social, no valor cooperação, na união de seus associados. Os autores complementam seu pensamento afirmando que essa realidade ratifica “a necessidade de engajamento da gestão com os valores e a cultura administrativa, a fim de garantir uma boa comunicação e compromisso comum em relação às metas compartilhadas no âmago da rede e das organizações que compõem a cadeia produtiva” (DAVIS e BIALOSKORSKI NETO, 2010, p.12). COMUNICAÇÃO, CULTURA E GESTÃO DO CAPITAL SOCIAL EM COOPERATIVAS Há consenso que a comunicação nas organizações evoluiu da simples necessidade de compreensão e otimização de processos operacionais, passou pelas demandas da comunicação de marketing advindas do pós-guerra (produção em massa, aumento da competitividade e necessidade de conhecimento das preferências de produto), até chegar no aumento da demanda por informações sobre o negócio como um todo, na necessidade estrutural de transparência e envolvimento dos stakeholders. O exercício da comunicação nas organizações deve, ainda, dar conta de sua inserção social responsável e, mais recentemente, implantar, compartilhar e comunicar seus mecanismos de Governança Corporativa, entre os quais estão os valores a serem praticados. A comunicação voltada para a gestão de valores, visando a gestão do capital social, ainda é uma novidade no meio. É raro encontrar pesquisas que se dediquem a pesquisar, de maneira refinada e inovadora, a construção do capital social como um processo comunicativo de intercompreensão e co475 operação, no qual os interlocutores estabelecem conversações, diálogos e troca de informação acerca de suas experiências, questões e problemas.(MATOS, 2009, P. 23) Com essa afirmação, a autora enfatiza que a comunicação, enquanto atividade coletiva que envolve o uso da linguagem, é uma condição necessária para a formação do capital social de uma nação. Pode-se estender o conceito também para as sociedades cooperativas, cujos atores sociais que formam a comunidade são, prioritariamente, os cooperados. Coleman destacava a visão interacionista do conceito de capital social. Para o autor, capital social “não está situado nem nos indivíduos nem nos meios de produção, mas nas redes sociais densas e fechadas que garantem a confiança nas estruturas sociais e permitem a geração de solidariedade” (COLEMAN, 1990, p. 302, apud MATOS, 2009, p. 36). Apoiando-se em Granovetter (1983), Coleman definiu as distinções entre capital físico, o capital humano e o capital social, sendo esse último constituído por três características: confiança entre os membros; gerar e colocar em funcionamento os fluxos de informações; e a normas que regem o processo. Assim, a promoção da cooperação e do capital social nas cooperativas passa necessariamente pela comunicação, que se torna estratégica, porque estabelece o diálogo da organização, tanto interna como externamente. Porém, não é qualquer comunicação. Em pesquisa anterior (Padula, 2006), pudemos verificar que a maioria das cooperativas entende a importância da comunicação nos processos cooperativos, mas a maior parte o faz de forma assimétrica. Buscam não apenas informar, mas principalmente convencer, o que acaba por quebrar a confiança tão almejada, conforme mostram os estudos sobre capital social. Investimentos na área de comunicação não garantem o engajamento, pois para se construir o capital social não basta informar; tem que interagir, olho no olho, a fim de desenvolver a confiança. Matos (2009, p. 97) destaca que nas associações, a conversação cívica5 é fundamental para se manter a confiança, pois por meio dela Matos (2009) chamou de conversação cívica – diferente da conversação social e da conversação política - uma comunicação que valoriza a interatividade em busca do entendimento. 5 476 os participantes podem expressar suas experiências, refletir sobre elas e também entrar em contato com um rol maior de opiniões e entendimentos. E o fato positivo é que ter a própria opinião considerada confere ao indivíduo um sentimento de eficácia política, ou seja, a percepção de que seu ponto de vista pode fazer a diferença (Lane e Sears, 1996; Noris, 2000 apud Matos, 2009, p. 97). Freitas (1997) destaca a comunicação interna, que segundo o autor, deve acontecer em consonância com a cultura organizacional e, nesse sentido, é apontada com o poder para facilitar a cooperação, a credibilidade e o comprometimento dos envolvidos em relação aos valores; a base da organização são as pessoas e elas é que se comunicam. Ratificando esse pensamento, Marchiori (1999) afirma que a experiência tem demonstrado que o papel do profissional de comunicação não é apenas produzir informação/comunicação por meio de boletins informativos, murais, intranet e malas-diretas, mas, sim, modificar a organização no sentido de realmente obter o comprometimento dos indivíduos, trabalhando de forma estratégica. Ferrari (2003) amplia esse pensamento ao ressaltar o cuidado que se deve ter com as influências da cultura sobre a cultura organizacional. “ a cultura tem um papel importante no modelamento de valores, atitudes e comportamentos dos indivíduos de diferentes sociedade e que a cultura organizacional não existe separadamente da cultura da sociedade. Assim sendo, a cultura organizacional, entre outras variáveis, influi diretamente na escolha de modelos e estratégias” (FERRARI, 2003, p.58). Portanto, à área de comunicação cabe a responsabilidade que vai além do simples ato de informar. Nas cooperativas essa questão é ainda mais importante, considerando as particularidades deste modelo organizacional. ESTUDO EXPLORATÓRIO O processo de análise de conteúdo seguiu a proposta de três fases, apresentadas por Bardin (1997). Primeiramente, após a seleção das cooperativas que irão compor o estudo, foi estabelecido um esquema de trabalho, com os primeiros contatos com os documentos a serem anali- 477 sados, no caso, os jornais dirigidos aos associados das cooperativas Alfa, Beta, Gama e Delta. Na segunda fase, após a primeira leitura, foram identificadas as palavras-chave relacionadas aos conteúdos de cada uma das matérias divulgadas, chegando a 52 palavras diferentes. Após redução por afinidades, restaram 25 palavras, que foram classificadas em quatro variáveis de análise, a saber: Mercado(1) – Mercado; Crescimento; Desempenho; Vitória/ Conquista; Meta; Concorrência; Negócio Institucional(2) – Sucesso; Marca (exposição); Sustentabilidade; Confraternização/comemoração Administrativo(3) - Capacitação; Líder/Liderança; Remuneração; Investimento/custo; Parceiro/Parceria; Ajuda; Amparo/ apoio; Motivar/Motivação; Subsídio/benefício; Remuneração Cooperação (4) -Auxílio/ Facilitar; Cooperação/cooperar; Participação/participar; Contribuição/contribuir; Junto(s)/juntamente/comum. 478 A identificação das palavras relacionadas à cooperação partiu-se do conceito apresentado pela OCB6 (2014) da palavra cooperar, que define como “unir-se a outras pessoas para conjuntamente enfrentar situações adversas, no sentido de transformá-las em oportunidade e bem-estar econômico e social”. Institucional Mercado VARIÁVEL PALAVRAS-CHAVE Nº CITAÇÕES ALFA BETA GAMA DELTA TOTAL Mercado 10 38 20 31 99 Crescimento 14 16 48 28 106 Desempenho 18 4 4 10 36 Vitória/Conquista 14 2 2 6 24 Meta 8 4 2 4 18 Concorrência 4 16 0 0 20 Negócio 6 14 0 3 23 TOTAL POR VARIÁVEL 74 94 76 82 326 Sucesso; 24 24 2 26 76 Marca (exposição); 12 16 2 12 42 Sustentabilidade; 8 2 0 4 14 Confraternização/ comemoração 8 26 4 10 48 TOTAL POR VARIÁVEL 52 68 8 52 180 Disponível em http://www.ocb.org.br/site/cooperativismo/identidade.asp . Acesso em 14/07/2014 6 479 Administrativo Cooperação Capacitação (mercado); 6 6 0 6 18 Líder/Liderança; 6 8 0 8 22 Remuneração; 8 6 0 3 17 Investimento/ custo; 10 2 16 12 30 Parceiro/Parceria; 14 2 2 3 21 Ajuda; Amparo/ apoio 2 6 2 4 14 Motivar/ Motivação; 6 0 2 0 8 Subsídio/benefício 14 0 0 4 18 Remuneração 8 6 0 3 17 TOTAL POR VARIÁVEL 74 36 22 43 175 Cooperação/cooperar; 2 6 12 2 26 Participação/participar; 14 12 30 20 81 Contribuição/contribuir 4 4 12 7 27 Junto(s)/juntamente/comum 2 12 2 15 31 TOTAL POR VARIÁVEL 22 34 58 46 160 Quadro 1: Palavras-Chave por variável: tabulação Fonte: desenvolvido pela autora Na análise do quadro, considerando os números absolutos, é possível perceber que nas quatro cooperativas a variável Mercado foi a que mereceu maior ênfase na comunicação para cooperado, seguida pela Institucional e Administrativa. A variável Cooperação ficou com os números mais baixos, obtendo praticamente a metade das citações de mercado. 480 Na análise detalhada, é possível perceber que as palavras crescimento e mercado juntas foram mais citadas que a soma de todas as palavras relacionadas à Cooperação – 205 contra 160. Ficou, também, bastante acima da variável Institucional, que somou 180 citações, e da soma de todas as palavras relacionadas à administração. Considerando o segmento, nota-se da a cooperativa de Gama (de Crédito) é a que tem o número de citações mais alto da palavra mercado, porém é preciso considerar que ao ter o foco em mercado financeiro – um setor regulado que está totalmente relacionado à mercado - é natural que isso aconteça, não significando uma super valorização do capital financeiro em detrimento do social. A prova disso é que essa mesma cooperativa é a que mantém os melhores índices relacionados ao valor cooperação, superando o administrativo e o institucional. Nota-se que a cooperativa Beta é a que mais trabalha questões relacionadas a mercado e ao institucional, em detrimento da cooperação. Isso é possível ser explicado a partir do momento em que ela não foca o boletim informativo exclusivamente para o cooperado, dirigindo-o também aos clientes e colaboradores. Neste cenário, o boletim informativo torna-se mais um folder institucional, com informações superficiais, não cumprindo sua missão de contribuir com a formação cooperativista, promovendo a interatividade. A comunicação dirigida é fundamental para o sucesso da comunicação, especialmente em organizações cooperativas. A cooperativa Alfa é a que mantém os menores índices de cooperação, voltando-se quase que totalmente para as questões administrativas e mercadológicas, em primeiro lugar, seguida da institucional. Notase a preocupação da comunicação em enfatizar aspectos como sucesso, desempenho e conquista, destacando aspectos positivos administrativos e seu respectivo impacto nas questões mercadológicas. Há, também, grande preocupação com a marca, destacando os sucessos da gestão. A cooperativa Delta, apesar de também dar maior destaque às questões mercadológicas, mantém um certo equilíbrio entre as demais variáveis. Trata-se de uma cooperativa que exerce um papel de liderança nacional no setor, o que deve tirar a preocupação primeira com o mercado, mas também não se destaca pela cooperação. 481 CONSIDERAÇÕES FINAIS De forma geral, é possível perceber que os valores e competências característicos das empresas de capital são priorizados pela área de comunicação das cooperativas. Na análise detalhada, é possível perceber que na comunicação com os cooperados, os chamados “donos” da cooperativa, a maior preocupação está informar para convencê-los do sucesso da administração, não existindo, de fato, a interatividade voltada para conversação cívica, apresentada por Matos (2009), e também descrita na filosofia cooperativista, que prega a participação dos sócios na cooperativa. É fato, também, que na maioria das vezes não há interesse do cooperado em participar ativamente, como já destacaram diversos pesquisadores. Entretanto, fica claro que as áreas de comunicação não priorizam a interatividade – conversação cívica - e, ao que parece, ainda não perceberam o seu papel fundamental na disseminação do valor cooperação enquanto fonte de vantagem competitiva neste modelo organizacional. O espírito de cooperação é a grande mola mestra e o maior diferencial de uma cooperativa. Concordamos com Davis e Bialoskorsky, quando afirmam que (...)em um contexto tão desfavorável aos valores da cooperação, a empresa cooperativista pode apresentar vantagem competitiva singular, resultados crescentes e sustentáveis, quando a sua gestão é combinada às melhores práticas de gestão do capital social, do corpo de membros associados e de colaboradores. (DAVIS; BIALOSKORSKI NETO, 2010, p.1) Percebe-se que no ramo “crédito”, o cooperativismo é mais forte. No ponto de vista desta pesquisadora, isso acontece por tratar-se de segmento regulado pelo Banco Central e que, portanto, por questões legais, não há espaço para que os interesses individuais se sobreponham ao coletivo. É também porque, neste caso, é da força do coletivo que os cooperados obterão maiores vantagens, inclusive para seus negócios individuais. Mas esse caso é exclusivo. Nos demais ramos a realidade é diferente. Considerando que, de fato, o valor “cooperação”, quando não colocado em prática nas cooperativas, expõe a organização a riscos, é de 482 vital importância que a comunicação contribua neste processo, não apenas criando canais que reproduzam informações consideradas de interesse dos cooperados ou favoráveis à cooperativa, mas que seja planejada, customizada e envolvente em todo o seu processo. O cooperativismo foi e é bastante estudado por pesquisadores do campo da administração. A contribuição da comunicação na gestão da cultura cooperativa ainda é um assunto que demanda estudos. E é essa a proposta deste artigo, que como estudo exploratório, se propõe exclusivamente a levantar uma questão que, estudada com maior profundidade, certamente contribuirá com esse modelo organizacional que tem feito a diferença em muitas sociedades, com geração de trabalho e renda. A oportunidade de desenvolver um projeto de pesquisa no tema proposto vem ao encontro das expectativas das lideranças do setor, pois documentos emitidos pelas entidades representativas do segmento nos últimos anos apontam como desafio prioritário a necessidade de aproximação entre governança e cooperados/associados, sob pena de comprometer a razão de ser instituição: a cooperação entre os sócios. REFERÊNCIAS BIALOSKOSKY NETO, S.. Economia das organizações cooperativas: uma análise da influência da cultura e das instituições. 2004, 178f. Tese (Livre Docência). Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, 2004. CAREGNATO, R.C.A; MUTTI, R.. Pesquisa Qualitativa: Análise de Discurso versus Análise de Conteúdo. Contexto Enferm, Out-Dez; 15(4): 679-84. Florianópolis, 2006 DAVIS, P.; BIALOSKORSKI NETO, S.. Governança e gestão de capital social em cooperativas: uma abordagem baseada em valores. In: ESAC Economia Solidária e Ação Cooperativa . 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Palavras-chave: Relações Públicas; paradigma crítico; assimetria; intermediário cultural; ética INTRODUÇÃO Discutir Relações Públicas é uma questão não apenas de avaliar o progresso das ideias, mas de compreender como a forma concreta da desigualdade e dominação é colocada em prática. Ideias não têm existência independente das condições materiais e lutas da vida. (...) A indústria de relações públicas não é uma pústula flutuante na superfície Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo. Professora Adjunta no curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero. 1 de um mundo globalizado, mas a ponta do poder corporativo em sua campanha para sufocar a democracia. (DINAN & MILLER, 2007, p. 18. Tradução nossa.) Este artigo é de natureza teórico-conceitual e traz uma revisão de conceitos ligados ao paradigma dominante e ao paradigma crítico em relações públicas. O objetivo do trabalho é retomar a abordagem de Grunig (modelos de relações públicas e estudo de excelência) como principal ideia adotada por pesquisadores e professores do campo acadêmico e profissional de relações públicas, apresentando conceitos alternativos que são uma via necessária para o avanço dos estudos neste campo. Com base nas propostas de L’Etang (2008), L’Etang & Pieczka (1996), Dinan & Miller (2007), Moloney (2006), Fawkes (2015), Coombs & Holladay (2014) e Peruzzo (1986), os conceitos de relações públicas, simetria e ética nas relações públicas são avaliados sob uma perspectiva crítica. Do ponto de vista contextual, o cenário contemporâneo é marcado por um ambiente de comunicação fortemente midiatizado, como afirmam Kunsch (2014), Saad Correa (2009), Barichello (2014) e monitorado por governos, organizações e indivíduos (ANDREJEVIC, 2007, 2013). Nesse cenário, a promessa de interatividade é um dos maiores desafios para as relações públicas contemporâneas e socialmente responsáveis. SOBRE A NECESSIDADE DE UMA DISCUSSÃO SOBRE O PARADIGMA DOMINANTE EM RELAÇÕES PÚBLICAS A perspectiva crítica de relações públicas é cada vez mais necessária. Não que já não o fosse, pois sua legitimidade sempre foi questionada. Em seu artigo Relações Públicas e Pesquisa Crítica em Comunicação, Francisco Rüdiger faz uma reflexão histórica sobre a prática de relações públicas e menciona diversos autores e casos que reafirmam essa interpretação. Segundo o autor, “As críticas e objeções à prática das relações públicas são antigas, numerosas e se originam de vários campos da sociedade, mas, é fato, ainda não atraíram a devida atenção por parte dos pesquisadores em comunicação.” (RÜDIGER, 2011, p. 43). Segundo Dominique Wolton, ao refletirmos sobre a comunicação, ... o trabalho a ser empreendido é distinguir entre as múltiplas situações aquilo que realmente é da ordem da comunicação 488 e aquilo que não é, a fim de que não se faça da comunicação um bode expiatório para todas as situações de manipulação, de meia-mentira... Na realidade, três tipos de situações devem ser distinguidos: aquelas em que desde sempre os homens mentem e manipulam e onde a comunicação nada muda, ou talvez onde ela torne mais rapidamente visíveis as manipulações, o que não é forçosamente ruim; as situações em que um pouco de comunicação e de transparência constituem um autêntico progresso que, da informação à política, às relações sociais etc. não deve ser negado, mas valorizado; enfim, as situações em que se observa realmente uma busca de comunicação normativa de intercompreensão. Se fizermos este trabalho de triagem, vamos nos dar conta de que a comunicação não é realmente responsável pelas perversões que lhe são imputadas. (WOLTON, 2006, p. 178, grifo do autor). Os avanços que o próprio meio técnico trouxe às comunicações deram às relações públicas esse “autêntico progresso” que merece ser valorizado. Como afirma Kunsch, Na era digital e das redes e ou mídias sociais, as organizações não têm mais controle quando os públicos se veem afetados. Se não houver coerência por parte dos discursos institucionais e se não houver verdade naquele seu certificado de sustentabilidade ou naquele seu balanço social, isso é passível de ser colocado em xeque e ir parar nas redes sociais. As pressões vêm de fora – da sociedade, da legislação etc. As empresas não mudam porque querem, mas por causa das pressões sociais e do mercado. (KUNSCH, 2014, p. 46) No entanto, os desafios para alcançar a dimensão normativa2 de intercompreensão são cada vez maiores. “Complexa por natureza, a comunicação complicou-se ainda mais nestes últimos trinta anos, devido Segundo Wolton, a comunicação é resultado “da mistura inextricável de duas dimensões, uma normativa, a outra funcional. A dimensão normativa remete ao ideal da comunicação: informar, dialogar, compartilhar, compreender-se. A dimensão funcional, como seu nome indica, ilustra o fato de que, nas sociedades modernas, muitas informações são simplesmente necessárias para o funcionamento das relações humanas e sociais.” (2006, p. 15, grifo do autor). 2 489 ao progresso técnico. Hoje em dia todo mundo vê tudo ou quase tudo, mas percebe, ao mesmo tempo, que não compreende melhor o que acontece.” (WOLTON, 2006, p. 18-19). E ele complementa: “As técnicas são homogêneas, mas o mundo é heterogêneo. A performance das técnicas torna ainda mais visível a heterogeneidade do mundo.” (p. 19). Em Rethinking Public Relations, Kevin Moloney (2006) afirma que é irônico que justamente aqueles que trabalham pela reputação das organizações e instituições, os relações-públicas, sejam, eles mesmos, reconhecidos por reputação duvidosa. Mas, por outro lado, para o autor, não é razoável pensar que essa atividade é pura manipulação e um atentado à democracia. Antes, é necessário avaliar seus efeitos, bons ou ruins, imaginando que “em uma sociedade igualitária liberal, pronta a redistribuir recursos de comunicação em uma sociedade civil forte, relações públicas tornam o debate mais igual, mais vigoroso, mais interessante, com mais chance de acabar em alguma verdade.” (MOLONEY, 2006, p. 2. Tradução nossa.). Cicilia Peruzzo já enfatizava em uma das mais relevantes obras na produção acadêmica brasileira, o livro Relações Públicas no modo de produção capitalista (1986): A suposta neutralidade das Relações Públicas que aparece nos debates em cursos, congressos e em alguns escritos é uma manifestação fantasmagórica. Na prática a neutralidade não acontece. Quando se estabelece a comunicação descendente e ascendente entre empresários e trabalhadores, por exemplo, objetiva-se captar problemas, conflitos e tendências dos trabalhadores para que o capital se antecipe em respostas que conciliem interesses ou esvaziem, desvirtuem ou eliminem possível movimento de organização dos trabalhadores. (PERUZZO, 1986, p. 73) A visão de Peruzzo é ratificada por diversos autores, sobretudo acadêmicos europeus e australianos, que têm se contraposto ao chamado ‘paradigma dominante’. Segundo Jacquie L’Etang (2008), o paradigma é uma visão de mundo que molda e influencia nossa abordagem com relação ao que vemos. O paradigma influencia nossa maneira de atribuir sentido e interpretar informações. Segundo a autora, “Um paradigma abrange valores, suposições e abordagens tidos como certos.” 490 E em um contexto acadêmico, os paradigmas “se tornam legítimos por referência aos mesmos nomes e conceitos que serão apresentados como conhecimento básico em um campo de conhecimento” (L’ETANG, 2008, p. 9. Tradução nossa.). Portanto, o paradigma dominante é, segundo a autora, aquele que se torna mais popular ou a abordagem majoritária com relação ao um assunto. Quando há um paradigma dominante, ele tendo a guiar a maioria dos estudos sobre um assunto. A um paradigma dominante se contrapõe(m) um ou vários paradigmas alternativos. L’Etang (2008) afirma que o paradigma dominante em relações públicas é funcionalista e enfoca questões como eficácia, métodos, avaliação, profissionalismo, papéis profissionais e status. Esse paradigma tem tentado construir uma teoria coerente, útil e funcional para os profissionais de relações públicas. Embora considere que não há “nada de errado com isso”, reforça que outros paradigmas podem ser úteis para explorar novas possibilidades na área. Assim, os estudos de relações públicas devem abrir cada vez mais espaço para perspectivas interpretativas e críticas. Segundo Moloney (2006, p. 3), o pensamento de Grunig é classificado como “o paradigma contemporâneo” em relações públicas e nos livros e estudos da área, sendo essa percepção equivalente à de “paradigma dominante”. Este paradigma ‘Grunigiano’ teve início com a publicação de Managing Public Relations em 1984, por J. Grunig e T. Hunt. Em Thinker, Faker, Spinner, Spy – Corporate PR and the Assault on Democracy, Dinan & Miller (2007) falam sobre os modelos de relações públicas propostos por Grunig e Hunt: James Grunig é o campeão acadêmico líder para a indústria de relações públicas. Ele, juntamente com outros historiadores oficiais de relações públicas, gosta de argumentar que as relações públicas podem ter sido um pouco grosseiras quando começaram, mas estão bem melhores agora, tanto que eles não podem conceber uma democracia sem relações públicas. Grunig desenvolveu um modelo em quatro partes que é simultaneamente um modelo histórico e normativo. Ele distingue sucessivamente “agência/assessoria de imprensa”, que é mais comumente identificado com o trabalho de promoção na mídia; “informação pública”, que usa comunicação de mão única para promover uma dada 491 mensagem, talvez no interesse público; o modelo assimétrico de mão dupla, no qual o feedback e em alguns casos pesquisa de mercado e de opinião pública são usados para manipular os públicos mais eficientemente; e um modelo simétrico de duas mãos, que ajudaria a ‘criar compreensão mútua’ entre a organização e seus públicos.(...) Os modelos têm a intenção de ilustrar um progresso histórico do mau para o bom. (DINAN & MILLER, 2007, p. 16. Tradução nossa.) O problema desta proposta, na opinião de Dinan & Miller, é que há ainda muita coisa ruim no mercado de relações públicas, e é uma visão simplista porque torna qualquer tentativa de refutá-la facilmente solucionável pelo fato de que qualquer evidência de uma prática ruim ou duvidosa de relações públicas poderá ser enquadrada em uma das três primeiras categorias (ou três primeiros modelos). Isso torna o quarto modelo “onipresente como um ideal” (p. 17), mas sem espaço no mundo real. E a crítica dos autores é mais contundente: se considerarmos que o modelo pode ser um guia para a prática, ele pode ser considerado também um manual para manipulação mais eficiente. Para Dinan & Miller, não há possibilidade de alinhar interesses públicos e privados: Só pela manipulação, pelo engano e pela ideologia eles podem ser apresentados como iguais. O trabalho de Grunig, portanto, tem valor apenas para aqueles que estão interessados em tentar perseguir seus próprios interesses dando a impressão de que tais interesses estão alinhados a interesses mais amplos. Essa abordagem é a raiz de muitas práticas enganosas operadas sob os nomes de Responsabilidade Social Corporativa e diálogo multistakeholder, e outros programas de parceria e engajamento entre as corporações e seus críticos. (DINAN & MILLER, 2007, p. 17. Tradução nosssa.) Em Public Relations Ethics and Professionalism (2015), Johanna Fawkes também menciona os quatro modelos de Grunig e Hunt (1984). E afirma: “Eles [os modelos] foram originalmente apresentados como um progresso histórico de propaganda agressiva e não ética à simetria ética...” (FAWKES, 2015, p. 15. Tradução nossa.). A autora avalia: “Em suma, a teoria de excelência emergiu de teorias de administração de meados do século XX, com muito pouca consciência de seu viés ideológico e insistência no valor social de relações públicas, uma suposição 492 que é fundamental em sua ética.” (p. 16). Segundo Fawkes, apesar de suas incongruências, a abordagem de Grunig tem sido o paradigma dominante por diversas décadas, tanto por ser pragmática, orientada cientificamente para a construção de um modelo estruturado, e também por ter atribuído ao campo das relações públicas um significado mais ‘elevado’, por ter se baseado em extensa coleta de dados e pela proposição de um modelo idealmente mais ético. A principal crítica de autores como Fawkes (2015), Moloney (2006), L’Etang e Pieczka (1996) e L’Etang (2008) está no fato de que o modelo construído com base na teoria científica da administração mostra-se frágil por ter como enfoque as organizações e seus objetivos, desejos e estratégias com vistas à eficácia e à eficiência. Tal visão funcionalista da comunicação, baseada em planejamento, mensuração e mesmo números – a pesquisa quantitativa é a referência dos estudos de Grunig – deixa de lado outros importantes aspectos da história de relações públicas e suas origens associadas aos conceitos de propaganda, persuasão, manipulação. Fawkes afirma: Ao longo dos anos, notei que os colegas que são mais entusiastas sobre o paradigma de Grunig são os mais resistentes a qualquer análise ideológica da sociedade. Os textos norte-americanos, como os escritos sobre o estudo de excelência, ecoaram essa reivindicação e os dois argumentos pareciam conectados: 1) persuasão é um assunto periférico; 2) relações públicas são apolíticas. Não aderi a nenhuma dessas posições. (FAWKES, 2015, p. 17. Tradução nossa.) Sendo a persuasão um assunto que não pode ser tratado como periférico, e entendendo que a simetria em comunicação está mais próxima de uma ideia que de um ideal, a própria ideia de uma comunicação ideal é um conceito que existe para estimular certos pontos de vista e respaldar determinadas tomadas de decisão. Para Dinan & Miller (2008, p. 173), ... são os interesses sociais e econômicos incorporados por instituições criadas e operadas por humanos reais que proveem a ligação entre o econômico e o ideológico. Ideias são produzidas e lutam sua luta apenas no contexto das circunstâncias materiais nas quais todas – economia, governo, ideo493 logia – operam. Isso também significa que ideias em conflito nunca estão divorciadas de interesses e que podem ter consequências, no sentido de que organizam, legitimam e tornam possíveis certas decisões e ações. Ideias têm eficácia, mas não por si sós, em um vácuo, fora do contexto dos interesses que as criam. Por outro lado, interesses precisam de ideias para sobreviver e prosperar. Eles caminham juntos, atados. (DINAN & MILLER, 2008, p. 173. Tradução nossa.) Se partirmos do pressuposto de que apenas o quarto modelo – simétrico de duas mãos – é inerentemente ético, e os outros três modelos são os mais representativos da prática real de relações públicas, tem-se que a maior parte das práticas de relações públicas são inerentemente não éticas. Para Grunig, “É difícil, se não impossível, praticar relações públicas de forma ética e socialmente responsável usando um modelo assimétrico.” (GRUNIG et al, 1992, p. 175 apud FAWKES, 2015, p. 17. Tradução nossa.). O CONTROVERSO PAPEL DE INTERMEDIÁRIOS CULTURAIS: RELAÇÕES PÚBLICAS EM UM AMBIENTE MIDIATIZADO Em Informar não é comunicar, Dominique Wolton afirma que “A informação acessível tornou-se uma tirania” (2011, p. 35). Segundo o autor, “A tolerância em relação ao outro, fundamento de toda comunicação normativa, tem pouca coisa a ver com a velocidade das trocas de informação.” (p. 42). Para Mark Andrejevic, o excesso é a marca de nossos tempos. Essa é a tese defendida por ele em sua obra Infoglut How much information is changing the way we think and know (2013). Para o pesquisador, ... a quantidade de informação mediada – aquela sobre a qual conscientemente refletimos como informação que nos é apresentada em formatos construídos e fabricados (shows de TV, filmes, jornais, Tweets, atualizações de status, blogs, mensagens de texto, e afins) por meio de vários dispositivos incluindo televisões, rádios, computadores, entre outros – certamente aumentou dramaticamente, graças, em grande parte, à proliferação de dispositivos portáteis, conectados, interativos. Mesmo antes do advento desses dispositivos, tudo que precisávamos fazer era ir à biblioteca para nos 494 sentirmos sobrecarregados por mais do que poderíamos possivelmente absorver. Agora esse excesso nos confronta a todo momento: nos dispositivos que usamos para trabalhar, para nos comunicar com os outros, para nos divertir. O excesso não é mais um fenômeno de “ir ao encontro”, mas um fenômeno que vem “à força”. Não vamos às coisas, elas vêm a nós. É a atmosfera mediada na qual estamos imersos. (ANDREJEVIC, 2013, p. 3. Tradução nossa.) Para Andrejevic (2013, p. 7), “Não apenas jamais estamos completamente informados, mas, de alguma forma recursivamente, não conseguimos estar plenamente informados sobre o quão desinformados somos.” (tradução nossa). É inevitável pensar, portanto, no papel dos comunicadores como intermediários culturais no contexto da enorme expansão da oferta de bens simbólicos. Maguire e Matthews (2014, p. 1) definem intermediários culturais como taste makers, ou seja, aqueles que definem o que é ‘bom gosto’ e cultura ‘arrojada’ no mercado. Os intermediários culturais são vetores que influenciam modos de ver e perceber. Os autores mencionam que os intermediários culturais são atores de mercado que constroem valor pela mediação de como mercadorias (ou serviços, práticas, pessoas) são percebidas e adotadas por outros (consumidores finais, e outros atores de mercado, incluindo outros intermediários culturais). Essa construção deve ser exercida em um contexto específico e o intermediário cultural é visto como um especialista. Para Hodges e Edwards (2014), a ligação entre intermediação cultural e relações públicas é clara: a atividade envolve produção, negociação e gerenciamento de relacionamentos para as organizações. Segundo os autores, “Profissionais de relações públicas gerenciam a reputação, bem como uma gama de relacionamentos externos e internos em nome das organizações por meio da construção e desenvolvimento de discursos aplicáveis a variáveis contextos” (HODGES & EDWARDS, 2014, p. 89. Tradução nossa.). Entre as características dos profissionais de relações públicas que os tornam intermediários culturais, estão a atuação como guardiões da identidade corporativa (por meio de diferentes artefatos culturais), seu impacto social e sua participação ativa na produção de sentidos ligados a produtos, serviços, ideias e pessoas. Hodges & Edwards (2014, p. 92-94) complementam sua proposta reforçando que as práticas dos relações-públicas estão intimamente 495 relacionadas com as de outros intermediários culturais, como profissionais de publicidade e propaganda, marketing, jornalismo, entre outros. Juntos, eles promovem discursos que visam legitimar produtos, serviços, organizações, marcas, pessoas, ideias e políticas. Segundo eles, os consumidores de mensagens de relações públicas são eles mesmos produtores de sentido ao se engajar no processo de construção de sentido sobre o que recebem. Ao atuar como intermediário cultural e exercer monitoramento e pesquisa, o profissional de relações públicas estaria, portanto, ajudando as organizações a modelar produtos, serviços e sua própria comunicação aos anseios de seus públicos. O nível de alcance mais expressivo alcançado pelos profissionais de relações públicas em sua atuação como intermediários culturais aconteceria quando eles têm suas percepções e pontos de vista repercutidos e reinterpretados por outros intermediários culturais, indivíduos ou grupos (HODGES & EDWARDS, 2014). Com base na noção de Media Ecology ou Ecologia da Mídia, Eugênia Barichello propõe que hoje, “o processo de midiatização da sociedade e das práticas sociais, incluindo as práticas organizacionais, atua como matriz de práticas sociais e comunicacionais, dificultando a separação entre mídia e cultura.” (2014, p. 37). Assim, segundo Barichello, A digitalização e a popularização das tecnologias de informação e comunicação de uso personalizado tornaram mais complexo o ecossistema midiático, trazendo novas possibilidades de interação e fluxos comunicacionais. A tecnologia digital possibilita maior participação dos usuários, que passam a ter a oportunidade de produzir conteúdo e ocupar espaços que, no sistema midiático massivo, eram característicos do polo emissor. A emergência de novos espaços de interação, especialmente nos suportes digitais, amplia as possibilidades de resposta e a interação dos interagentes. Mais que isso, as tecnologias digitais ampliam as possibilidades de proposição, pois não se trata apenas de um sujeito receptor, mas de um sujeito que tem condições de construir seus próprios espaços de atuação e, dessa forma, pôr em debate questões de seu interesse. (BARICHELLO, 2014, p. 42) 496 Se o contexto contemporâneo midiatizado traz consigo a promessa da interatividade 3, do ponto de vista das relações públicas, essa visão traz novos dilemas, dada a ênfase hoje atribuída às práticas de monitoramento e gestão de conteúdo. Em uma visão bastante crítica, Mark Andrejevic, professor do Centro para Estudos Críticos e Culturais da Universidade de Queensland (Austrália), propõe que ... as associações positivas de interatividade como forma de comunicação de duas mãos, simétrica, e relativamente transparente (no sentido de conhecer para onde a informação que enviamos vai) foram assimiladas às formas de interação que equivalem a pouco mais que estratégias de monitoramento e vigilância. (ANDREJEVIC, 2007, p. 5. Tradução nossa.) Na guerra de narrativas que desafia a reputação das organizações em ambientes digitais, é muitas vezes graças ao monitoramento e à vigilância que a contranarrativa de defesa das marcas acontece. Esse dilema tem suas ambiguidades. Se, para Andrejevic, estamos cada vez menos conscientes do que sabem a nosso respeito ou sobre nossas opiniões, Wolton (2006, p. 104), por outro lado, defende que “Os indivíduos cada vez mais informados, educados, abertos ao mundo, são cada vez menos enganáveis.” Para Wolton (2006, p. 17), “Não basta mais informar para comunicar. O receptor está se tornando cada vez mais autônomo e crítico, embora isso não seja percebido imediatamente.”. A questão é: podemos estar menos enganáveis mesmo estando também menos conscientes do que sabem a nosso respeito? A participação crítica e reflexiva no ecossistema relacional organizacional midiatizado e digitalizado é possível? Aparentemente a (in)consciência sobre a troca desbalanceada proporcionada pela tal promessa de interatividade é um embate para o qual não há respostas simplificadoras ou simplistas – esse é o dilema com Andrejevic alerta que a interatividade é uma clausura digital (digital enclosure): nela, toda ação e transação gera informação sobre si mesma (2007, p. 2). Nesse caso, a interatividade funcional é crescentemente assimétrica (p. 8), e a interatividade normativa é algo desejável, mas, do ponto de vista de compartilhamento do poder, configura-se apenas como uma promessa (the promise of interactivity) (p. 8). 3 497 o qual os profissionais de comunicação devem lidar em sua busca por uma comunicação real, em sua dimensão normativa. Se em termos contextuais, as práticas de relações públicas em ambientes digitais estão se expandindo em função do próprio zeitgeist, crescem também as ações de monitoramento e vigilância. A exposição e a vulnerabilidade dos indivíduos a esse tipo de ação se dá, em sua maioria, pelo enorme desconhecimento sobre, mas não restrito a: 1) políticas e termos de uso; 2) maneiras como a rede opera; 3) dados acessíveis e compartilhados por empresas, governos e instituições; 4) monitoramento de conversas e interações em mídias sociais; 5) crescente ênfase das organizações em planejamento e publicidade baseados em megadados (Big Data). Em O que fazer com todos esses megadados? (TED@IBM, 2014)4, Susane Etinger, executiva da Altimeter, situa a questão do big data com a seguinte assertiva: “Não somos consumidores passivos de dados e tecnologia, nós damos forma ao papel que isso tem em nossas vidas de forma que faça sentido para nós”. Para Etinger, há muitos dados disponíveis, mas é salutar ter em mente que dados são criados por pessoas e requerem contexto. Isso significa dizer que antes de entender o quê as pessoas dizem sobre alguma coisa, é necessário entender, primeiro, o que elas querem dizer. Nesse sentido, a linguagem é a complexa chave que torna a interpretação de dados uma questão tão relevante em nossos dias. Como afirma Etinger, “somos confusos, complexos, usamos metáforas, gírias, jargões, enfim, alteramos a linguagem o tempo todo.” E é assim, numa realidade em que o homem historicamente tem dificuldades para interpretar dados – fatos e dados são vulneráveis e suscetíveis a mau uso e má interpretação – que emerge com toda a força o papel das relações públicas na governança digital nas organizações. Em sua proposta de Código de Ética e Padrões para social data, publicada em novembro de 2014, a Big Boulder Initiative (BBI)5 afirma Disponível em: http://www.ted.com/talks/susan_etlinger_what_do_we_do_ with_all_this_big_data?language=pt-br . Acesso em 03/01/2015. 4 A BBI é uma associação fundada em 2011 nos Estados Unidos por representantes de organizações que fazem parte do ecossistema ligado ao social data com o objetivo de discutir em conjunto os principais desafios para que se estabeleçam os fundamentos para as práticas dessa indústria com vistas a seu sucesso em 5 498 que os social media oferecem um conjunto de oportunidades e responsabilidades sem precedentes, tanto para indivíduos como para organizações. E explica: Para os indivíduos, os social media oferecem novas possibilidades de autoexpressão mescladas com expectativas desiguais e às vezes desconhecidas com relação à posse e à privacidade dos dados. Para as organizações, os social data oferecem novas formas de coletar insights sobre atitudes, emoções e comportamentos de clientes e consumidores em um nível individual, e portanto também levantam dilemas éticos com respeito a seu uso. (DRAFT: CODE. s/d. Tradução nossa.) Nesse sentido, o Código de Ética proposto pela BBI visa estabelecer um padrão para essa indústria tendo como preocupação aspectos como usos, propriedade, privacidade e comportamento. Para isso, os temas-chave escolhidos pela entidade são: Responsabilidade/Accountability; privacidade; transparência; educação; acessibilidade. Esses temas são, sem dúvidas, os desafios que serão enfrentados pelos profissionais de relações públicas contemporâneos de forma crescente. A atuação dos relações-públicas deve se voltar cada vez mais para a educação e conscientização dos indivíduos sobre as questões que envolvem o ambiente midiatizado das organizações e instituições (empresas, organizações da sociedade civil, governos). Retomando o pressuposto de que, ao atuar como intermediário cultural e exercer monitoramento e pesquisa, o profissional de relações públicas estaria, portanto, ajudando as organizações a modelar produtos, serviços e sua própria comunicação aos anseios de seus públicos (2014, p. 94), cresce no contexto contemporâneo sua responsabilidade por manter os públicos informados sobre políticas, práticas e ações empreendidas com a finalidade de monitorar, e por criar espaços de diálogo alternativos cuja continuidade seja assegurada não graças à prática de monitoramento, mas a uma escuta autêntica. Um das palavras mais evocadas em relações públicas é a noção de simetria: o modelo simétrico de comunicação remete ao ideal desejável. Diálogo, negociação, mão dupla e interação são parte do campo semânlongo prazo. Para mais informações, acessar: http://bigboulderinitiative.org/ 499 tico que justifica a importância de se buscar uma comunicação cada vez mais simétrica. Tal premissa, no entanto, nem sempre se concretiza. A comunicação organizacional e as relações públicas têm sido alvo de recorrentes críticas por práticas duvidosas, autoritárias e top down, e não raro suas estratégias suscitam o debate sobre influência, persuasão e até manipulação. Para Saad Correa, já superamos o debate sobre “a necessidade e as aplicações da mediação digitalizada e conectada nos ambientes organizacionais”. Segundo a autora, Hoje as questões centrais estão na discussão do processo de comunicação em redes e na construção de relacionamentos da organização com seus públicos por meio de formatos comunicacionais que propõem uma equalização entre emissores e receptores. E, mais que tudo isso, a discussão de base está na imposição de mudanças culturais que a digitalização em rede traz para a rotina comunicacional das empresas. (SAAD CORREA, 2009, p. 163) Entre os aspectos mencionados por Saad Correa como pontos sensíveis da relação organização/tecnologias digitais/comunicação estão a questão da agilidade para incorporar a inovação digital e as “diferenças em sua absorção e implementação por parte da organização (delimitada pela estrutura) e dos públicos (motivados pelo protagonismo adquirido).” E a autora conclui: “Tal adequação exige das organizações e dos profissionais de comunicação novos posicionamentos e conhecimentos, muita flexibilidade e criatividade no planejamento e na gestão dos processos comunicacionais.” (SAAD CORREA, 2009, p. 163). Os profissionais de comunicação em geral, e, especificamente, os relações-públicas, precisam não apenas entender os processos de comunicação, mas o contexto social e organizacional em que a comunicação se dá. A permanente orientação para a gestão de riscos de imagem por meio de monitoramento e a ‘promessa’ de simetria e interatividade são desafios para as relações públicas, que têm papel essencial na proposição de espaços de diálogo com os interagentes/atores que compõem o ecossistema relacional das organizações. Tal pressuposto é o ponto de partida para a discussão hoje imposta a profissionais, pesquisadores e professores que trabalham no campo das relações públicas. 500 REFERÊNCIAS ANDREJEVIC, Mark. iSpy: surveillance and power in the interactive era. The University of Kansas, 2007. _____. Infoglut: how too much information is changing the way we think and know. Abindon, UK; New York, US: Routledge, 2013. BARICHELLO, Eugenia Mariano da Rocha. Midiatização e cultura nas organizações da contemporaneidade: o processo de midiatização como matriz de práticas sociais. In: MARCHIORI, Marlene. Contexto organizacional midiatizado. 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(Coleção Comunicação). 502 |2| COMUNICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL: PRESSUPOSTOS DA LIDERANÇA PARA A CONSTRUÇÃO DE PARCERIAS Flávia Cristina Martins Mendes1 RESUMO O presente artigo procura apresentar uma abordagem teórica sobre o papel da comunicação organizacional no contexto atual e sua importância na construção da temática da sustentabilidade com enfoque em desenvolvimento social e cidadania. Através da discussão sobre os conceitos propostos foi possível compreender como a liderança em sustentabilidade é responsável para a construção de parcerias e alianças intersetoriais. Palavras-chave: comunicação; desenvolvimento social, liderança; parcerias. INTRODUÇÃO Muitas transformações socioeconômicas começaram a nascer a partir da década de 1970 com os debates sobre os impactos ambientais e Mestre em Interfaces Sociais da Comunicação pela ECA-USP. Proprietária da FCMMendes para desenvolvimento e treinamento em comunicação e marketing. Professora e orientadora do Programa de Iniciação Científica da FAPPES (Faculdade Paulista de Pesquisa e Ensino Superior) onde ministra as disciplinas Comunicação Empresarial e Sustentabilidade Coautora da Coleção Comunicação em Cena, Volume 1 (2012) e Volume 5 (2014). 1 ainda se encontram em processo de evolução dentro da sociedade e das organizações nas duas primeiras décadas do século XXI. Segundo Elkington (2001), houve mudanças de paradigmas, denominadas como as sete revoluções para a sustentabilidade. Estas revoluções impulsionaram e destacaram esta temática na sociedade contemporânea, assim como despertaram a consciência das organizações sobre como poderiam se adaptar a essas revoluções. Estamos embarcando em uma revolução cultural global. As empresas, muito mais que as organizações governamentais e não governamentais, estarão na posição de comando. No entanto, isso não tornará a transição mais fácil para os executivos. (ELKINGTON, 2001, p. 2) As sete revoluções, abordadas por Elkington, são a competição do mercado, a alteração dos valores, a transparência, a tecnologia do ciclo de vida dos produtos e serviços, as parcerias, o tempo (longo prazo) e a governança corporativa. Muitas organizações continuam resistentes ao encarar essas mudanças de paradigmas, pois acreditam que as mudanças só servem para atrapalhar o crescimento e o desenvolvimento econômico. Outras organizações perceberam que é inevitável superar os desafios que envolvem essas mudanças, mas encontram muitos percalços na construção desse caminho, pois não tem definido a importância da sustentabilidade e da liderança em sua missão, visão e valores. Ao analisarmos as sete revoluções para sustentabilidade, podemos dizer que a segunda revolução, denominada alteração dos valores, e a quinta revolução, denominada parcerias, foram ingredientes base para a compreensão da importância da liderança e da construção do social pelas organizações. O foco deste artigo é apresentar uma abordagem teórica sobre o papel da comunicação no contexto social recente das organizações e também a importância do seu papel na temática da sustentabilidade que tem como enfoque o desenvolvimento social e a cidadania, assim como, mostrar que as lideranças são responsáveis para a construção de parcerias e alianças intersetoriais. 504 Para tanto, o artigo procurou tratar no primeiro tópico, o papel da comunicação organizacional no contexto social. Para o referencial teórico de comunicação organizacional foram utilizados os autores Kunsch (2003), Nassar (2009) e Yanaze (2011). Para complementar o embasamento teórico foram utilizados os conceitos de mudanças de paradigmas de Elkinton (2001) e o conceito de valor compartilhado de Porter e Kramer (2011). O segundo tópico abordou os pressupostos da comunicação para o desenvolvimento social, assim como a importância da liderança neste processo. As referências de comunicação para o desenvolvimento social são de Melkote e Steeves (2001), White, Nair e Ashcroft (1994) e Lee e Kotler (2011). Nos temas de sustentabilidade e liderança sustentável, os principais autores são Sachs (2007) e Voltolini (2011). No terceiro tópico foi abordado o papel da comunicação e da liderança na construção de alianças e parcerias. Neste tópico, os temas abordados integram-se com os temas apresentados nos outros tópicos. Cidadania e desenvolvimento social por Peruzzo (2007) e alianças/parcerias por Austin (2000) e Fischer (2002). Para então apresentar as considerações finais. O PAPEL DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO SOCIAL A sociedade tem baseado a construção de seus alicerces nas organizações, sejam organizações públicas ou privadas, que tiveram uma expansão muito rápida a partir da segunda metade do século XX. A própria morfologia da palavra organização demonstra que são organismos sociais e que interagem com o capital humano, capital social e o capital natural-físico. Conforme as organizações cresceram, o papel da comunicação também foi ampliado. A comunicação organizacional permeia os relacionamentos internos e externos das organizações e é um fator determinante para alcançar objetivos essenciais e estratégicos (YANAZE, 2011). Para a compreensão do papel da comunicação nas organizações é necessário compreender que existem algumas características básicas a todas as organizações: a) São sistemas sociais constituídos por relacionamentos entre pessoas; 505 b) São complexas e aplicam a divisão de trabalho – para serem efetivas dividem o trabalho entre pessoas, a partir de critérios como conhecimentos e habilidades; c) Têm história e memória – são o produto da ação de seus fundadores, de seus integrantes e da sociedade da qual se inserem; d) Devem enfrentar o desafio das mudanças – mudam para se adequar às inúmeras mudanças acontecidas nos âmbitos mercadológico, econômico, social, histórico, ambiental, cultural, comportamental, entre outros; e) Têm identidade – cada organização expressa sua cultura em uma determinada identidade; f) Querem resultados – se estruturam para serem eficazes. (NASSAR, 2009, p.62-63) Por meio dessas características é possível verificar que as organizações estão em constante adaptação e dependem da sociedade onde estão inseridas para se transformarem nos âmbitos social, econômico e ambiental. É importante reconhecer que as organizações atuais se encontram em uma perspectiva holística2 que considera o ambiente onde está vinculada (KUNSCH, 2003) e as mudanças de paradigmas que este ambiente proporciona. Para cada uma das características pertencentes às organizações, que foram citadas por Nassar (2009), existe um papel da comunicação. O primeiro papel da comunicação organizacional é fazer parte de um sistema social onde indivíduos se relacionam e interagem através do processo comunicativo (emissor – mensagem – canal – receptor). O segundo papel está ligado ao primeiro, pois para acontecer a divisão do trabalho e a divisão das tarefas de uma equipe é preciso utilizar a comunicação para o relacionamento e a interação. O terceiro papel da comunicação é construir a história da organização, ou seja, por meio da Perspectiva holística significa que as organizações buscam um entendimento integral dos fenômenos que ocorrem a sua volta. 2 506 comunicação e de suas ferramentas (canais/meios) torna-se possível a construção da trajetória de uma instituição. O quarto papel está relacionado às revoluções e mudanças de paradigmas (ELKINGTON, 2001). A comunicação organizacional atua na compreensão das mudanças e na disseminação de informações e de novos padrões para que as organizações consigam se adaptar as diversas mudanças. O quinto papel volta-se a construção da cultura organizacional que assim como o segundo papel depende do aspecto interacional e relacional dos indivíduos que constroem, interagem e trabalham em uma organização. O último papel da comunicação organizacional é estratégico, ligado ao planejamento da comunicação integrada. Conforme apresentado, a comunicação organizacional está presente nos relacionamentos internos entre pessoas que pertencem à mesma organização e nos relacionamentos externos com outras organizações ou apenas com outros indivíduos. Portanto, a comunicação associa-se a estratégia das organizações e, por fazer parte da estratégia, opera de uma maneira sinérgica em diversas áreas a qual é denominada comunicação integrada, formada pelo composto da comunicação organizacional – comunicação interna, comunicação administrativa, comunicação mercadológica e comunicação institucional. (KUNSCH, 2003) A comunicação organizacional integrada deve expressar uma visão de mundo e transmitir valores intrínsecos, não se limitando à divulgação dos produtos e serviços da organização. Deve contribuir, por meio de uma sinergia da comunicação institucional, mercadológica, interna e administrativa, para a construção de uma identidade corporativa forte e sintonizada com as novas exigências e necessidades da sociedade contemporânea. (KUNSCH, 2003, p.180) Para construir uma identidade corporativa e trabalhar de forma sinérgica e integrada com as exigências e mudanças da sociedade e dos públicos com os quais se relaciona, a comunicação organizacional procura auxiliar a administração dos processos organizacionais. 507 Existem diversos modelos de gestão da comunicação. Neste artigo será considerado o modelo dos fatos comunicáveis que tem como definição “ações ou realizações que sejam merecedoras de menção e de referência” (YANAZE, 2011, p.460). Entretanto, para a compreensão de como este modelo é utilizado mostraremos o processo sistêmico de uma empresa/organização. A empresa/organização encontra-se dentro de um processo sistêmico onde existem os inputs, os throughputs e os outputs (YANAZE, 2011). Os inputs seriam o que entra na empresa como recursos financeiros, recursos humanos e recursos materiais, ou seja, recursos que vêm de fora da organização e são necessários para o andamento de seus processos internos. Os throughputs são os processos de produção, os sistemas administrativos e financeiros e a cultura organizacional, a forma como a empresa se estrutura para produzir os outputs. Por último, os outputs, aquilo que resulta dos processos internos (throughputs) e dos recursos externos (inputs) e é caracterizado por produtos e serviços, precificação, distribuição e comunicação. Cada item do processo sistêmico empresarial pode ter fatos comunicáveis que procuram meios para serem disseminados e buscam atingir determinados stakeholders. Para os fatos comunicáveis serem merecedores de referência e criarem uma imagem positiva da organização é indispensável a construção de ações baseadas em valores sólidos, em uma cultura organizacional voltada para a sustentabilidade e para o desenvolvimento social. Sem uma ação institucional que gere fatos não haverá o que compartilhar, tornar comum, e, portanto, não há razão para desencadear uma ação de comunicação. Podemos definir a ação institucional como o esforço, por parte da empresa, de administrar adequadamente suas relações com seus públicos, minimizando eventuais conflitos gerados por objetivos, estratégias e políticas divergentes. (YANAZE, 2011, p. 463) O esforço por parte de empresa, citado pelo autor, nos mostra que os pilares da sustentabilidade3 transformam-se na base que pode direcionar a organização para o desenvolvimento social. Elkington define os três pilares como as áreas ambiental, social e econômica que compõem a sustentabilidade. 3 508 Este esforço é visualizado quando as organizações demonstram que estão dispostas a tornarem-se parte integrante e integradora da sociedade, e por este motivo começam a modificar seus valores tradicionais para valores flexíveis a uma nova realidade que estima o todo e não apenas o único, a qualidade, a responsabilidade e o holístico (ELKINGTON, 2001). Após modificar internamente os seus valores e princípios, as organizações passam para a segunda etapa que é compartilhar esses novos valores. O conceito de valor compartilhado pode ser definido como políticas e práticas operacionais que melhoram a competitividade de uma empresa enquanto simultaneamente avançam as condições econômicas e sociais das comunidades em que operam. (PORTER; KRAMER, 2011, p. 6, tradução nossa) As alterações de valores, que impulsionaram as organizações para a sustentabilidade, fazem parte do conceito de valor compartilhado. Quando as organizações desejam modificar seus valores, elas procuram comunicar e compartilhar com seus stakeholders. Os valores, geralmente, são compartilhados pelos modelos de comunicação, aqui foi citado o modelo dos fatos comunicáveis. Quando as organizações compreendem as mudanças e seus impactos, elas procuram fazer práticas que beneficiem e melhorem sua atuação, essas práticas são denominadas de ação institucional. Essas ações quando trazem um benefício ganha-ganha (organização ganha e sociedade ganha) são comunicadas através de um meio (jornal mural, anúncio institucional, campanhas de conscientização, entre outros) para um público específico ( funcionários, clientes, fornecedores, comunidade etc.). Mas o sucesso das empresas dependerá cada vez mais de um forte senso de seus objetivos internos e dos seus valores como também da congruência desses valores com os de uma vasta gama de stakeholders externos. Tais stakeholders acompanharão o desempenho da linha dos três pilares das empresas em que investem, trabalham ou compram. (ELKINGTON, 2001, p.164) Os stakeholders são os públicos que interagem com as organizações e recebem os valores compartilhados pela organização através dos fatos 509 comunicáveis. Os stakeholders são um grande desafio para as organizações que tem como direção a sustentabilidade e o desenvolvimento social. A gestão com stakeholders significa que a empresa busca diferentes grupos da sociedade para participarem de suas decisões estratégicas de melhoria de processos, produtos ou até mesmo de inserir novos modelos de gestão. A empresa precisa conhecer muito bem seus valores para incorporar de qual maneira a sustentabilidade pode ser exercida na sua integridade e totalidade. (MENDES, 2014, p. 56-57) O desafio da gestão com stakeholders e de compartilhar valores com eles está relacionado à quinta revolução, as parcerias (ELKINGTON, 2001). Para o autor, as parcerias são muito relevantes, pois fazem parte da agenda da sustentabilidade global e da estratégia das organizações. A construção de alianças e parcerias, principalmente entre organizações do segundo setor com organizações do terceiro setor representa um ganho para sociedade, pois nasce um modelo empresarial para uma nova compreensão e gestão da sociedade (MULLER, 2009). E só com o reconhecimento da existência de redes complexas de conexão entre as organizações e pessoas, as comunicações sobre a sustentabilidade poderão caminhar na direção de uma mudança cultural, pré-condição para afirmarmos que praticamos e construímos, efetivamente, a sustentabilidade. (SOARES, 2009, p. 31) A mudança cultural se estabelece quando organizações do segundo setor enxergam as parcerias e alianças como um modo de desenvolver e consolidar sua função social. Efetivamente, as parcerias de longo prazo serão cruciais durante a transição para sustentabilidade. Algumas serão firmadas entre os setores público e privado, algumas entre empresas e algumas entre empresas e grupos de ativistas que defendem uma ampla gama de objetivos vinculados aos três pilares. (ELKINGTON, 2001, p. 237) Para que o entendimento sobre as parcerias se transforme, as organizações precisam de lideranças que atuem no sentido de mostrar caminhos e influenciar os comportamentos dos stakeholders. Uma das 510 funções das lideranças em sustentabilidade está ligada ao papel da comunicação de relacionar-se e interagir, como veremos no próximo tópico. PRESSUPOSTOS DA COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL E DA LIDERANÇA O processo da comunicação organizacional pode e deve contribuir intrinsecamente para a sustentabilidade e para o desenvolvimento social, cuja finalidade se traduz como um processo de construção de parcerias e alianças produtivas por meio de lideranças que objetivem o bem comum. O papel da comunicação na mudança social vem da compreensão da comunicação como um significado compartilhado (MELKOTE; STEEVES, 2001). Para criar um significado é preciso construir valores baseados na visão abrangente da sustentabilidade. Uma visão abrangente é mostrada por Sachs (2007). O autor afirma que a sustentabilidade possui cinco dimensões: social, econômica, ecológica, espacial e cultural. Cada uma dessas dimensões possui particularidades e valores intrínsecos. As dimensões em conjunto e, não separadas, constroem as práticas sustentáveis tão necessárias à sociedade. As práticas sustentáveis procuram o desenvolvimento da sociedade. Segundo Melkote (2003), o desenvolvimento é um processo que oferece acesso às oportunidades sustentáveis que melhorem a vida das comunidades e dos indivíduos que fazem parte dela. Na medida em que o desenvolvimento é um construto processual multidimensional e em aberto, para se alcançar o desenvolvimento genuinamente sustentável e sadio os critérios de sustentabilidade precisam ser satisfeitos em todas as dimensões pertinentes ao desenvolvimento. (SACHS, 2007, p. 296) O desenvolvimento é parte da função ampla da sustentabilidade. A área de estudo da comunicação para o desenvolvimento e mudança social vem para confirmar esta afirmação. A comunicação para mudança social depende da participação dos stakeholders. Essa participação é construída quando o conhecimento é compartilhado de forma igualitária entre indivíduos de uma comunidade e especialistas ou, até mesmo, organizações (MELKOTE, 2003). 511 A participação genuína é o primeiro passo para o estabelecimento de relações genuínas (WHITE; NAIR; ASHCROFT, 1994). Essas relações são construídas através do processo comunicativo que tem como alicerce o primeiro papel da comunicação organizacional, o papel de relacionamento entre pessoas. As lideranças no primeiro e segundo setor são responsáveis por influenciar comportamentos que tragam ganhos benéficos para todos os componentes da sociedade (LEE; KOTLER, 2011). As lideranças, ou os líderes, em sustentabilidade são os agentes de mudança nas organizações. Segundo Voltolini (2011), esses líderes podem ser especialistas (possuem o poder da solução), facilitadores (desenvolvem as condições internas), catalisadores (são visionários e observadores) e por último, ativistas (valorizam a colaboração). Independente da maneira como desenvolvem sua atuação, os líderes em sustentabilidade são profissionais que possuem características de liderança muito bem consolidadas e, além disso, procuram ter como foco as dimensões da sustentabilidade (SACHS, 2007). Esses líderes [...] creem que suas empresas detêm a criatividade e os recursos necessários para solucionar desafios sociais e ambientais e que além de gerar valor para seus negócios, devem se responsabilizar pelo desenvolvimento mais amplo das comunidades nas quais estão instaladas. (VOLTOLINI, 2011, p. 22) Os pressupostos da liderança sempre foram estudados por diversas áreas das ciências humanas, principalmente da administração e gestão de pessoas. O artigo possui uma abordagem teórica por este motivo faz-se necessário compreender alguns conceitos sobre liderança e sua importância no mundo organizacional. Os conceitos apresentados são abordagens que se vinculam de alguma maneira com o conceito de amplitude da sustentabilidade e com o papel da comunicação para o desenvolvimento social. “O líder garante o controle organizacional, por meio da socialização, do compartilhamento das visões e da concordância de um conjunto de normas, valores e opiniões entre pessoas” (BARRETO et al, 2013, p.38). Este conceito demonstra o aspecto relacional da liderança, pois para conseguir o controle, ou podemos denominar direção, é necessá512 rio relacionar-se, compartilhar conhecimento e visões e também ter um comportamento coerente e integrado à cultura da organização (normas e valores). Neste mesmo enfoque é possível perceber que as funções da liderança também estão interligadas com os diversos papéis da comunicação organizacional. Ao ter este conceito como embasamento pode-se mostrar a ligação entre liderança e cultura organizacional: Líderes criam mecanismos para o desenvolvimento cultural e o reforço de normas e comportamentos expressos dentro da cultura. Normas culturais surgem e mudam em virtude de onde os líderes focam suas atenções, de como reagem a crises, de quais sejam seus modelos de comportamento e de quem eles atraem para suas organizações. (BARRETO et al, 2013, p.39). A citação mostra que a cultura organizacional é modificada pela liderança que a conduz, portanto podemos dizer que quando o líder procura ser um agente de mudança e compreende que a sustentabilidade é seu foco de atenção ele pode conseguir influenciar o comportamento de seus colaboradores, como também de outros stakeholders que interagem com a organização. Segundo Voltolini (2011), existem vinte atribuições deste perfil de líder. Algumas dessas atribuições estão ligadas ao papel da comunicação organizacional e da comunicação para o desenvolvimento social. A primeira atribuição, que destacaremos neste artigo, é fazer o conceito de sustentabilidade permear a cultura organizacional até transformá-la em um valor corporativo relevante. A segunda atribuição é comunicar os resultados obtidos das práticas sustentáveis, e a última atribuição é envolver os stakeholders nas políticas da organização. As três atribuições do líder em sustentabilidade mostradas confirmam os conceitos apresentados de liderança e sua relação com os diversos papéis da comunicação. [...] o que define os líderes sustentáveis é, a rigor, a paixão por uma missão, a crença inabalável no poder de transformação e a presença de um conjunto de princípios e valores consolidados ao longo da vida. (VOLTOLINI, 2011, p.30) 513 A capacidade da liderança de transformar a sociedade é muito extensa. Essa capacidade é essencial para a implementação e disseminação da cultura organizacional voltada ao desenvolvimento social. A busca pelo desenvolvimento social precisa de práticas sustentáveis das organizações, de suas lideranças e também da construção de alianças/ parcerias sólidas e produtivas, pois o objetivo são ganhos benéficos para toda sociedade. O PAPEL DA COMUNICAÇÃO E DA LIDERANÇA NA CONSTRUÇÃO DE ALIANÇAS/PARCERIAS A liderança consegue influenciar os comportamentos dos stakeholders quando se relaciona com eles e pode disseminar o desenvolvimento social como um valor a ser compartilhado por todos. Quando todos participam de forma genuína e constroem relações genuínas (WHITE; NAIR; ASHCROFT, 1994) é possível identificar sinais de cidadania que significa “participação, nos seus múltiplos sentidos e dimensões [...]” (PERUZZO, 2007, p. 52). As organizações do segundo setor começaram a compreender que seu papel na sociedade poderia ser expandido além do seu papel principal de produzir e comercializar produtos e serviços. A compreensão desta questão pelas organizações demonstra o quanto: [...] representam o movimento de cidadãos e o protagonismo da sociedade civil em prol da ampliação dos direitos da cidadania, enquanto exercem seus deveres também de cidadania, de participação ativa do processo de democratização da sociedade. (PERUZZO, 2007, p. 57) Para essa atuação de protagonista social, as organizações do segundo setor dependem de alianças intersetoriais e do relacionamento de seus líderes com a sociedade. Os governos federais se descentralizaram e permitiram que os governos locais assumissem a responsabilidade por uma série de serviços criando oportunidades para um número maior de atividades intersetoriais no âmbito local. Há um afastamento do modelo de desenvolvimento centrado no Estado, mas também o reconhecimento crescente de que as 514 forças de mercado, por si sós, não aliviarão a miríade dos problemas sociais. (AUSTIN; REFICCO, 2005, p.7) A citação afirma que o primeiro e o segundo setor têm uma grande responsabilidade, porém sozinhos, sem o auxílio de outras instituições e uma participação integradora não possuem meios para o desenvolvimento social. As alianças intersetorias possuem três estágios: estágio filantrópico, estágio transacional e estágio integrativo (AUSTIN, 200). O estágio filantrópico tem um enfoque paternalista, pois valoriza a relação doador-beneficiário. Quando as organizações começam a ter consciência que apenas filantropia não basta nesta interação, elas deslocam-se para o segundo estágio cuja relação tem um enfoque no benefício para ambas as partes. O terceiro e último estágio enfatiza a integração entre as missões, os valores e as atividades de todos os integrantes da parceria (AUSTIN, 2000). Do lado das organizações de mercado a proposição de participar de alianças intersetorias vem preencher uma necessidade de expandir e concretizar a função social da empresa. [...] Valores intangíveis, como o capital social, os padrões éticos, a cultura da qualidade ganharam um significado na avaliação da performance empresarial e começaram a atuar como diferenciais de competitividade no mercado consumidor e na arena dos negócios globalizados. (FISCHER, 2002, p. 36) Para Fischer, a parceria intersetorial possui três características principais: “(1) os parceiros em relação devem ter sua identidade bem consolidada; (2) devem estar dispostos a compartilhar seus valores; e (3) devem respeitar mutuamente a esfera de responsabilidade de cada um” (FISCHER, 2002, p. 63). As características das parcerias dependem das atribuições da comunicação organizacional, pois fazem parte de um sistema social onde organizações e indivíduos se relacionam, constroem e respeitam ambas as culturas organizacionais, além de utilizarem modelos de gestão da comunicação (neste artigo foi apresentado os fatos comunicáveis) para disseminar valores que sejam merecedores de menção. Para a comunicação organizacional cumprir seus diversos papéis e entre eles o de construir alianças e parcerias produtivas para o desen515 volvimento social e cidadania, é indispensável a capacidade de atuação dos líderes em sustentabilidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS O artigo procurou mostrar uma abordagem teórica que contextualiza a comunicação organizacional e a sustentabilidade no âmbito social atual. Para que esse contexto fosse construído de forma articulada foram apresentados dois importantes fatores para a gestão da sustentabilidade, o primeiro são as lideranças das organizações e o segundo, as alianças entre as mesmas. As atribuições dos líderes em sustentabilidade estão interligadas com o papel da comunicação organizacional de encarar as mudanças de paradigmas e dessa forma compartilhar novas missões, visões e valores organizacionais que proporcionem o desenvolvimento social e a cidadania nos múltiplos sentidos (PERUZZO, 2007). A valorização da gestão com stakeholders e de uma gestão participativa nas organizações proporciona um ambiente e uma cultura organizacional promissora para a construção de parcerias, principalmente as que ocorrem entre segundo e terceiro setor. Quando as alianças encontram-se no estágio integrativo (AUSTIN, 2000) significa que os líderes das organizações em aliança conseguiram permear a cultura organizacional com os conceitos de participação genuína, relações genuínas e de progresso social e, consequentemente, conseguiram compartilhar os valores organizacionais que envolveram os stakeholders. Foi discutido que o papel da liderança em sustentabilidade é influenciar os comportamentos dos stakeholders que interagem com as organizações para o bem comum, para o ganho social. É possível afirmar, por meio do embasamento teórico apresentado, que a comunicação organizacional voltada para o desenvolvimento social é parte estratégica da liderança em sustentabilidade. 516 REFERÊNCIAS AUSTIN, J. E. Strategic collaboration between nonprofits and businesses. Nonprofit and Voluntary Sector Quarterly, Thousand Oaks, v. 29, n. 1, p. 69-97, 2000. AUSTIN, J. E.; REFICCO, E. Questões chaves sobre colaboração. 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YANAZE, M. H. Gestão de marketing e comunicação: avanços e aplicações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 518 |3| COMUNICAÇÃO NO TERCEIRO SETOR A CULTURA ORGANIZACIONAL COMO INTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO CONTEXTUAL Carlos Augusto Gonçalves Camilotto1 e Boanerges Balbino Lopes Filho2 RESUMO O aprimoramento da qualidade das práticas de Comunicação Social no âmbito do Terceiro Setor vem sendo objeto crescente de estudos. Nesse sentido, busca-se descortinar parte do cenário da atuação do segmento. Dialogando com paradigmas oriundos da Teoria da Complexidade, o artigo relaciona as organizações sociais e as relações de poder engendradas na esfera midiática. Essa interface é capaz de influenciar de forma determinante a formação da cultura organizacional, transmitida através das práticas que vem sendo consolidadas. A reflexão fundamentada acerca do papel das entidades constitui mecanismo de diálogo entre o campo teórico e os avanços implementados. Palavras-Chave: Terceiro Setor, esfera pública, poder, mídia, cultura organizacional. Mestrando da Linha Comunicação e Poder do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, com bolsa de estudo da CAPES. Especialista em planejamento e gestão social, bacharel em Comunicação e Ciências Sociais, licenciado em Ciências Sociais. E-mail: cagcamilotto@gmail.com 1 Orientador do trabalho, Jornalista, professor e pesquisador. Pós-doutorando pela UEPG (PR). Doutor e mestre em Comunicação, autor de livros, coordenador de pós-graduação e professor do PPGCom na UFJF (MG). Diretor do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo – FNPJ. E-mail: bblopes@globo.com 2 INTRODUÇÃO Utilizar a questão do exercício de poder, como um dos fios condutores da discussão acerca do papel da Comunicação Organizacional, e sua adequada inserção em nossa sociedade envolve analisar as peculiaridades dessa articulação. Hannah Arendt “concebe poder como a faculdade de alcançar um acordo quanto à ação comum, no contexto da comunicação livre de qualquer tipo de violência” (HABERMAS, 1980, p.100). Busca-se, portanto, a reflexão acerca das funções a serem desempenhadas pelas organizações sociais na construção de uma realidade contemplada com maior grau de equidade. Uma vez que o papel desempenhado define uma zona de obrigações e coerções relativas a uma autonomia condicionada e recíproca, convém situar a atuação no espaço intermediário, entre as obrigações cotidianas e a atração proveniente dos benefícios advindos, passíveis de compartilhamento. A conciliação entre os fundamentos institucionais e a imagem projetada na sociedade como um todo gera subsídios para enfrentamento das contradições inerentes a um contexto perpassado por conflitos e desigualdades. Paralelamente, vai se produzindo a representação intelectual sobre um segundo “domínio”: o político e social. Esse novo domínio (o dos homens, e seu governo e o Estado) é uma realidade dual: os indivíduos tendem a colocar seu próprio interesse individual sobre o interesse coletivo, sobre o qual faz falta um dispositivo de criação de sentido de valores que os reintegre à sociedade e as formas organizadas de vida e de governo. (VIZER, 2011, p.44). Essas representações, ou a falta que elas fazem, reforçam a ideia da influência recíproca. Trata-se do exercício das forças atuantes entre demandas agendadas, responsabilidades assumidas e a fidedignidade em relação a posturas políticas. O objetivo é relatar compromissos com a sociedade, de forma direta e honesta. Como afirma o professor Wilson Gomes, “se há complexidade no objeto, não se adota, por isso, complicações no texto” (GOMES, 2004, p. 15). Portanto, quando um indivíduo se dispõe a gerenciar determinado segmento de uma organização social, em nosso caso específico os 520 encargos relativos aos processos de Comunicação Social, precisa estar consciente das forças exercidas entre as partes. Nesse sentido, buscar visibilidade para projetos sociais relaciona-se com os efeitos que esperamos desses projetos. O grau de eficácia das ações será proporcional ao envolvimento com as partes responsáveis pela atuação junto aos stakeholders, bem como o estabelecimento de retorno junto aos que se empenham na articulação da proposta. O CAMPO DE ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS O crescimento das demandas e a multiplicidade de interesses passam a integrar a ordem social. Esse cenário, proveniente de fatores arquitetados e aleatórios, impõe articulações mais sofisticadas e abrangentes, contemplando uma divisão em campos sociais. Segundo Mantovani: “um ‘campo’ é definido como “um espaço social estruturado”, um ‘campo de forças’, onde existem dominantes e dominados, relações constantes e permanentes de desigualdade, de luta e concorrência entre os agentes” (MANTOVANI, 2009, p. 29). A delimitação dos campos em nossa sociedade demarca espaços coletivos, corporativos e individuais. O resultado desse processo é que os indivíduos trazem incrustadas identidades que delineiam parte de seu fluxo. Características inerentes ao sentimento de pertencimento a um determinado segmento social. A árdua tarefa de inserção de nuances capazes de conferir maior grau de acuidade da sociedade para uma determinada causa, em detrimento de outras, não menos legítimas, exige compreensão acerca das possibilidades do sistema político. O processo de avaliação envolve mensurar tendências presentes nesse sistema de forças, bem como empreender reflexão sobre a abrangência e responsabilidades de cada segmento. A composição desse direcionamento é um caminho necessariamente político, considerando “a política como dimensão fecunda, porque nela se articulam o social e sua representação, e a política como matriz simbólica onde a experiência coletiva se enraíza e se reflete ao mesmo tempo” (REIS FILHO, 2000, p. 12). Para além da atuação socialmente responsável, faz-se indispensável que as organizações sociais e empresariais divulguem e agendem iniciativas programas e ações implementadas junto às comunidades onde atuam. A ascensão de ferramentas operacionais, capazes de aprimorar 521 os elos entre o mundo corporativo e a sociedade possibilitam esses objetivos. Os estudos dessa área são fundamentais, tendo em vista que: A comunicação corporativa é uma função recente da administração e foi concebida para ajudar a empresa a obter e manter uma reputação favorável no processo de comunicação com seus públicos. Usando o conhecimento sobre a realidade da empresa e seu ambiente externo, em especial sobre as tendências culturais, sociais, políticas e econômicas, a função busca identificar as oportunidades nas quais a empresa pode projetar sua voz e captar o interesse das audiências. (NETO, 2010, p 2). Conquistar a simpatia da opinião pública é um desafio para as empresas. Geralmente, elas obtêm bons resultados quando lançam novos produtos, geram emprego, investem e agem com responsabilidade social. Torna-se negativa mediante a divulgação de notícias, por exemplo, a respeito da má qualidade de produtos, falhas, acidentes graves e conduta inadequada de seus diretores. Dentro do paradigma da complexidade, as práticas comunicacionais precisam ser articuladas junto ao bojo da organização a que pertencem, pois: A comunicação corporativa não deve ser uma função isolada nas organizações modernas. Para ter alto desempenho, precisa desenvolver e manter um ótimo relacionamento no contexto organizacional e atuar em parceria com as demais áreas funcionais, como marketing, finanças, jurídico, produção e recursos humanos. A ideia central da parceria é que cada área contribua com seus conhecimentos especializados na formulação de mensagens alinhadas com as políticas e a Visão da empresa e adequadas aos públicos a que se destinam. (NETO, 2010, p 7). A partir da repercussão da comunicação acerca de uma instituição, ela acaba colhendo problemas ou oportunidades. Daí o fato de que, a partir de 1990, a comunicação corporativa tem alcançado franca expansão devido aos resultados exitosos que vem oferendo no processo de articulação entre a imagem agendada junto aos meios de comunicação social, os públicos alvo e os interesses corporativos, devidamente inseridos em um contexto segmentado. 522 A ESFERA PÚBLICA Percorrendo historicamente, desde o “outono” da idade média europeia, o estabelecimento de limites em relação ao uso dos poderes integram alguns dos conceitos chaves para a compreensão do ambiente da esfera pública, contextualizada por Jürgen Habermas. Nesse espaço convivem o “mundo do trabalho e da organização”, portanto, “já revela algo da tendência à objetivação de um setor outrora considerado sujeito a dispositivos privados” (HABERMAS, 2003, p. 181). Esses espaços sociais, permeados por interesses, vontades e pretensões constituem fórum para expressão de opiniões e manifestações diversas. A argumentação habermasiana é marcada pela abertura e a racionalidade. Com as repaginações da sociedade, sobressai a discussão sobre o papel do Estado e as lutas pela incorporação de demandas. A influência das discussões empreendidas envereda pelos trabalhos desenvolvidos acerca da condição política entre o liberalismo e a social democracia. Abrindo espaço para ponderações, seja no sentido de concordância ou divergência, mas contribuindo para embates que com certeza estão muito longe de serem esgotados. A sociedade civil burguesa passa a constituir um contrapeso à autoridade governamental constituída através do Estado. Para Hanna Arendt, a “sociedade é a forma de vida conjunta, fisionomia do espaço público”. A fisionomia dessa estrutura é integrada pelos meios de comunicação de massa. Nesse contexto, as notícias se transformam em mercadoria e os jornais passam a conferir publicidade aos atos governamentais. Alguns indivíduos nascem com conceitos como o de Estado introjetados. Sob a égide de um governo autoritário ou democratizado, as noções de enquadramento pessoal apresentam-se arraigadas. Vale ressaltar que a formação e a decadência da esfera pública encontram-se intrinsecamente relacionadas ao público que pensa e o que consome a cultura. Os meios de comunicação de massa são difusores dessa cultura e palco para as disputas. É preciso estabelecer uma esfera pública que, antigamente, era dada com a posição dos representantes e que tinha assegurada a sua continuidade através de um simbolismo garantido por tradição. Hoje, precisam ser arranjados pretextos 523 para a identificação – a esfera pública precisa ser “fabricada”, ela já não “há” mais. Altmann apelidou isso acertadamente de ato de “comunicação” (HABERMAS, 2003 p. 235). A comunicação constitui a ferramenta de expressão dos anseios e materialização de ideias. O território da esfera pública é o solo comum das batalhas por interesses diversos. A história é apresentada como teia de influência na vida, construção da individualidade e diálogo com aspectos subjetivos. A alienação ou concessão de direitos constitui parte importante da consolidação das identidades. A reflexão acerca da aceitação das premissas da sociedade, através da outorga de poderes, conduz as criaturas a ponderar riscos e benefícios da acomodação ou revolta. Para melhor compreensão da delimitação dos âmbitos que integram este escopo do artigo é fundamental a definição do que vem a ser a sociedade civil. Rossy salienta que: “para Gramsci, é o espaço das corporações ou das organizações que expressam interesses coletivos mais ou menos estruturados na sociedade, enquanto a sociedade política é o espaço onde emergem os interesses individuais do indivíduo” (ROSSY, 2006, p.51). A sociedade civil figura, dentro desse cenário complexo, como agente de legitimação da atuação social, sustentando a busca por um conceito artificialmente introjetado pela espécie humana, mas que nos é tão caro e legitimamente defensável a todo e qualquer custo: a justiça. A sociedade civil constitui um contrapeso à autoridade governamental constituída através do Estado. Conforme citado por Jürgen Habermas, na obra “Mudança estrutural da esfera pública”, para Hanna Arendt, a “sociedade é a forma de vida conjunta, fisionomia do espaço público” (HABERMAS, 2003 p. 33). A fisionomia dessa estrutura é integrada pelos meios de comunicação de massa. Nesse contexto, as notícias podem ser transformadas em mercadoria e servir a interesses segmentados. É no interior da esfera púbica que os diversos setores disputam espaço, recursos e legitimidade. O professor e pesquisador da teoria habermasiana Jorge Adriano Lubenow descreve parte do funcionamento da esfera pública: No seu bojo colidem os conflitos em torno do controle dos fluxos comunicativos que percorrem entre o mundo da vida e a sociedade civil, e o sistema político administrativo. A esfera pública constitui a “caixa de ressonância”, dotada de senso524 res sensíveis ao âmbito de toda a sociedade, e tem a função de filtrar e sintetizar temas, argumentos e contribuições, e transportá-los para o nível de dos processos institucionalizados de decisão. (LUBENOW, 2007, p. 113). Esse espaço, permeado por discussões engendradas por atores públicos e privados, constitui o local adequado para interação na defesa de anseios. O diálogo entre as visões de mundo e estratégias de atuação sociais corroboram para a tentativa de formação de consenso, contribuindo para que correntes discrepantes busquem encontrar equilíbrio O CENÁRIO DE ATUAÇÃO DO TERCEIRO SETOR Na interseção dos anseios da sociedade civil, no contexto da esfera pública, temos a ascensão e a consolidação do Terceiro Setor, nicho capaz de fomentar melhores condições sociais. Considerado como um espaço privilegiado para o exercício e fomento da cidadania, o segmento emergiu no Brasil como uma forma de resposta de grupos socialmente engajados para a alteração de algumas premissas que norteavam a ação governamental. Essas modificações vêm alterando de forma significativa os contornos das políticas relativas às questões sociais. Constituindo oportunidade singular para que as Ciências Sociais aplicadas busquem consolidar o diálogo entre a teoria postulada e a atuação prática cotidiana. Um dos desafios em relação à análise profícua das políticas públicas implementadas é ponderar que o capitalismo organizado realiza, no cenário atual, “um novo movimento do pêndulo, passando pelo acréscimo da informalidade, do estatismo para o civilismo, do coletivismo para o individualismo, caracteriza o mundo atual” (PIMENTA, 2006, p. 3). Essa crise de representatividade congrega características distintas, como a fragilização estrutural e a abertura de possibilidade de mudanças oportunas. Ainda conforme (PIMENTA, 2006, p. 88) “não basta examinar o processo de exercício da autoridade e as estruturas. Também é necessário examinar as motivações subjetivas expressas nos discursos, o envolvimento dos sujeitos no processo de decisão”. A incorporação desses aspectos viscerais possibilita pensar a sociedade sob outros prismas, capazes de romper com o viés meramente econômico. O Terceiro Setor fortaleceu-se no Brasil nos anos 90, mudando o conceito da atuação social no país. O incremento desta esfera deve-se, en525 tre outros fatores, a ênfase na adoção de políticas neoliberais, momento em que o Estado passa a fomentar a transferência de parte de suas atribuições para a sociedade civil. O segmento buscou aprimorar a atuação com base nos movimentos sociais, que precisam ser devidamente compreendidos, “procurando não idealizar demais movimentos sociais e sua capacidade de ação e mobilização, é preciso compreender sua real importância e amplitude na sociedade brasileira” (MOREIRA, 2012, p.44). Ganhando, paulatinamente, cada vez mais espaço na sociedade e nos noticiários, seja por avanços sociais, ou pela utilização inadequada de seus princípios, diversos enquadramentos legais e denominações vêm se tornando cada vez mais familiares em nosso cotidiano. Instituições como as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), institutos específicos, fundações e entidades que se popularizaram, principalmente como ONGs (organizações não governamentais), devido ao duplo caráter de negação, não estatal e não lucrativo, vem apresentando expressivo crescimento, seja em aspectos quantitativos, como qualitativos. No contexto das entidades do Terceiro Setor, como nos demais segmentos da sociedade atual, a Comunicação Social constitui ferramenta indispensável, seja no relacionamento com os stakeholders, seja no centro estratégico das decisões organizacionais. Uma vez que, as possibilidades da atuação e influência das práticas formam objeto para pesquisa, implementação e adequação de práticas. COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E AS ESPECIFICIDADES DO TERCEIRO SETOR O aprimoramento das práticas de gerenciamento é o caminho adequado para a evolução dos processos e, consequentemente, das organizações. Conforme Capra (2005), os seres humanos estão ligados à “teia da vida” que perpassa toda a simetria cósmica. Como a construção da cultura organizacional busca equacionar conjuntos formados por pessoas aglutinadas e institucionalizadas em graus variáveis, pode-se afirmar, indubitavelmente, que as organizações são sistemas repletos de vida e, especificamente, complexos. Uma das dificuldades do Terceiro Setor reside em seu menor tempo de existência e atuação enquanto esfera social. Entretanto, mesmo constituído em um campo com menor trajetória percorrida vem 526 consolidando práticas próprias. Essas posturas necessitam de profissionalização e respaldo, respeitando as contextualizações e alicerçadas por sólido arcabouço científico. As especificidades das organizações do Terceiro Setor referem-se, principalmente, ao fato da pesquisa envolver a interface entre esferas com lógicas distintas, pois: Os objetivos a serem alcançados vão além da prestação de contas para as diferentes partes interessadas na empresa, como os acionistas, trabalhadores, consumidores, fornecedores, autoridades governamentais, comunidades do entorno, associações de ativistas. A comunicação que se processa por meio de diálogo com as partes interessadas constitui uma etapa importante do processo de planejamento estratégico, pois identifica ameaças e oportunidades nas dimensões econômicas, sociais e ambientais da sustentabilidade. Para isso, é necessário desenvolver uma nova sensibilidade para as demandas das partes interessadas. (NETO, 2010, p. 141) Podemos salientar que, de forma diferente do que ocorre na iniciativa privada, o Estado não é dissolvido por falência. O termo falência pode ser compreendido sob algumas acepções como, por exemplo: colapso financeiro, falta de legitimidade, dificuldades em se manter a organização e o poder. A decadência ou ruptura do caráter salutar das atividades estatais reverberam na qualidade de vida da população, principalmente dos mais vulneráveis. Peculiaridades em relação à atuação estatal passam pela necessidade de transparência. A partir de práticas de prestação de contas, o Estado pode tornar-se confiável. Para manter compromissos, essa esfera desvencilhou-se de várias atribuições através da adoção de políticas neoliberais, deixando a lacuna que vem sendo preenchida por organizações do Terceiro Setor. As questões sociais influenciam substancialmente na construção da cidadania, das identidades e na busca pela qualidade de vida dos públicos atendidos pelas instituições. O enfrentamento promove uma nova ordem social mais justa. Essa articulação, sofisticada e abrangente, pensada em consonância com a Teoria da Complexidade, é capaz de transformar a realidade. A legítima responsabilidade social, exercida em 527 prol de um planeta melhor, torna as boas coisas do mundo mais próximas das pessoas e das organizações. Um dos desafios é compreender essa engrenagem construtora de laços, ou seja, as conexões que viabilizam os processos e os aprimoramentos. Em nosso contexto organizacional, “também é necessário examinar as motivações subjetivas expressas nos discursos, o envolvimento dos sujeitos no processo de decisão, desejo de pertença a um projeto de vida no qual o sujeito pode ser parte de algo cuja finalidade transcende resultados econômicos”. (PIMENTA, 2006, p. 88). As organizações necessitam agir de forma sofisticada, abarcando aspectos tangíveis e não tangíveis de seus integrantes. Indo além das aparências, uma vez que “na medida em que o indivíduo mantém diante dos outros um espetáculo no qual ele mesmo não acredita, pode vir a experimentar uma forma de alienação de si mesmo e uma forma especial de cautela em relação aos outros” (GOFFMAN 2008, p.216). Mesmo lutando pela conciliação de interesses discrepantes, acreditamos ser possível criar condições para que o ambiente corporativo seja um local mais saldável e salubre, tanto em relação aspectos materiais, quanto aos psicológicos. O SER HUMANO INTEGRAL NO CENTRO DAS ESTRATÉGIAS As estratégias de comunicação e de marketing ganham uma nova dinâmica sob o olhar de Philip Kotler. O equacionamento das questões passa, indubitavelmente, pelo envolvimento da sociedade civil com as causas de interesse público. Indivíduos, empresas e entidades precisam se posicionar acerca da participação e intervenção para o aprimoramento de nosso tecido social. Ao atingirem esse estágio, passam a cobrar atitudes, contribuindo para a criação de um ciclo virtuoso. Para Kotler, trata-se de um novo cenário emergente. Segundo Kotler, estamos testemunhando o surgimento do “Marketing 3.0, ou a era voltada para os valores. Em vez de tratar as pessoas simplesmente como consumidoras, os profissionais de marketing as tratam como seres humanos plenos: com mente, coração e espírito”. (KOTLER, 2010, p. 4). Afirma ainda que, em nossa sociedade, as pessoas desejam que as empresas abordem suas necessidades de justiça social, econômica e ambiental em sua missão e valores. Organizações cujas metas não se enquadrem nessas questões tendem a ser estigmatizadas ou até mesmo 528 “proscritas” por consumidores conscientes. Kotler faz alusão às empresas de um futuro cada vez mais próximo, que seriam como a estrela do mar, uma criatura que não tem cabeça, mas é funcional. Os mecanismos utilizados na comunicação no Terceiro Setor são bastante similares aos empreendidos por outras organizações. Contudo, faz-se indispensável a adequação contextual. (PIMENTA, 2006, p.50) afirma que: “variáveis como a cultura, o contexto da comunicação, o meio e o universo simbólico dos indivíduos devem ser levados em consideração ao se traçar estratégias de comunicação, especialmente as de caráter organizacional”. Descortinar parte das construções derivadas da crescente importância da Comunicação Social, empoderamento e autonomia desse campo, no contexto organizacional, envolve uma perspectiva analítica visceral. Instituições sociais, esses organismos vivos, só podem sobreviver e se perpetuar através da constante evolução. Paradigma traduzido por Clemente Nobrega através da frase do escritor Alvin Toffler: “nosso problema não é a mudança, mas sim a mudança da mudança. A rapidez com que a mudança muda”. (NOBREGA, 1996, p.353). Essa perspectiva marca, ainda segundo Toffler, um contexto que “arbitra essa mudança na forma de pensar e organizar das grandes corporações, para caracterizar a passagem da Era de Produção em Massa para a Era da Eficiência” (MEREGE, 2001, p. 150). O aprimoramento das esferas sociais interfere na vida das pessoas. Esses novos arranjos precisam ser acompanhados de adequações em âmbito coletivo, contemplando a satisfação dos diversos públicos alvo. Há que se pensar formas alternativas de vida e inserção nos processos sociais, outras formas que possibilitem romper com uma ordem social onde “não é tanto a perda de valores que marca essa mudança de século (milênio), e sim a instalação hegemônica de um só domínio de realidade, uma só força de produção das relações transobjetivas: o mercado” (VISER, 2011, p. 65). A TEORIA DA COMPLEXIDADE APLICADA AO TERCEIRO SETOR Os processos de interface constituem uma das chaves para a melhoria qualitativa de nossa sociedade, seja no aprimoramento da qualidade do tecido social ou no gerenciamento adequado das relações entre 529 as esferas de atuação. O intercâmbio de práticas e a consolidação de ações servem de alicerce para a ordem contemporânea, construída racionalmente através de circunstâncias como a Crise dos Paradigmas. Os aspectos da cidadania e as identidades derivadas integram este cenário, no qual correntes ideológicas se realinham e novos interesses afluem para a esfera política. Emerge daí a necessidade de que discussões setoriais, que perpassam as fronteiras dos segmentos, rompem com posturas insuladas, promovem diálogo e constroem imagem institucional. Conforme Capra (2005), os seres humanos estão ligados à “teia da vida”. Essa rede, capaz de conectar processos sociais e sua evolução ao longo da trajetória histórica, constitui importante mecanismo para o compartilhamento das responsabilidades e o delineamento de posturas. A lógica, pautada na Teoria da Complexidade, reforça a ideia da influência recíproca. Trata-se do exercício das forças atuantes entre demandas agendadas, responsabilidades assumidas e a fidedignidade em relação a posturas políticas. A importância do pensamento complexo reside no estabelecimento de diálogo com quaisquer estruturas de poder. Seja o poder fragmentado, seja o poder do Estado com suas problemáticas estruturais, conjunturais e derivadas de atavismos. As relações entre as instituições e a esfera política são, necessariamente, permeadas por dilemas. O importante é ressaltar a face promissora dessa crise sistêmica em detrimento de uma simples ruptura passível de conduzir determinada organização para o ostracismo. Como movimento indica mudança, o objetivo da interface é o fortalecimento da sinergia presente em função de uma determinada causa. Em nosso contexto organizacional “não basta examinar o processo de exercício da autoridade e as estruturas. Também é necessário examinar as motivações subjetivas expressas nos discursos, o envolvimento dos sujeitos no processo de decisão” (PIMENTA, 2006, p. 88). Dentro de uma perspectiva pautada na complexidade vale ressaltar que “o mundo não está lá independente do nosso ato de observação; o que está ‘lá’ depende em parte do que a gente decida ver. A realidade é parcialmente criada por quem está olhando (NOBREGA, 1996, p. 127). O desafio é utilizar o conhecimento derivado desse entendimento de forma profícua, para buscar eficiência e progresso coletivo, uma vez 530 que, “a presença da consciência humana no ato da observação faz com que apenas uma dessas identidades se manifeste. As outras se perdem para sempre” (NOBREGA, 1996, p. 136). A Comunicação Social constitui ferramenta para possibilitar a ênfase para parte dessa realidade que interesse do campo organizacional que se deseja aprimorar. Ou seja, capaz de agir “sepultando os atávicos conceitos de messias e pais da pátria tão arraigados em nossa cultura colonial” (MEREGE, 1998, p. 53). Buscando transformar nossa sociedade em um lugar mais justo para parcelas significativas da população, que orbitam ao largo de certas práticas e oportunidades, mas contribuem de forma laboriosa. CONSIDERAÇÕES FINAIS O exercício do poder e as articulações pertinentes realizadas no interior das organizações sociais são marcados por disputas. Os embates, abertos ou velados, podem ser válidos, no sentido de alinhar esforços no sentido de buscar alcançar os objetivos delineados no planejamento estratégico. As principais variações verificadas se dão em função de que: Todo sistema de ideias é simultaneamente fechado e aberto. É fechado porque se protege e defende contra as degradações ou agressões externas. É aberto porque se alimenta de confirmações e verificações vindas do mundo exterior. Contudo, embora não existe fronteira estável entre uns e outros, podemos distinguir e opor dois tipos ideais: os sistemas de prioridade à abertura, que denominamos teorias, e os sistemas que priorizam o fechamento, as doutrinas. (MORIN, 2011, p. 158). Para além dessas tendências salientadas pelo sociólogo Edgar Morin, durante o planejamento e desenvolvimento das atividades podem emergir interesses individuais, voltados para a promoção pessoal. Um dos papéis da Comunicação Social dá-se no sentido de equalizar os interesses pessoais com os objetivos maiores, que figuram como a razão da existência institucional. Nesse sentido, a aplicação dos mecanismos da área de comunicação pode ser capaz, se utilizados adequadamente, de promover a conciliação de interesses. Auxiliar a administração dessas questões, indubitavelmente, não é uma tarefa fácil, uma vez que, “se é um desafio para as corporações empresariais que detêm as mais modernas tecnologias de 531 gestão, essas alianças parecem ainda mais complicadas na ótica dos administradores e líderes das organizações da sociedade civil”. (FISCHER, 2002, p. 22). Dosando de forma minuciosa o destaque dado a cada projeto e segmento da entidade a divulgação interna e externa pode garantir que o interesse maior ganhe visibilidade, em detrimento da valorização individual exacerbada e do cultivo de valores personalistas que podem comprometer a atuação socialmente responsável. A correta distribuição do espaço e da ênfase concedidos a cada segmento da organização por parte do setor responsável pela comunicação pode corroborar melhores relações endógenas de liderança, composição de forças e otimização de recursos, pois, “o poder pode ser visto como uma relação que aparece na análise da interação, ou como um fenômeno mais complexo que ‘emerge’ da agregação ou da composição de uma variedade de tipos de interações elementares” (BOUDON, 2001, p.433). Essas conexões facilitam a viabilidade da execução de projetos, melhoram a convivência cotidiana e podem contribuir para evitar o afastamento de colaboradores. Dedicar tempo para pensar a conformidade e a interface de segmentos da organização compara-se, metaforicamente, com a preocupação do trabalhador em afiar as ferramentas que irá usar, prática capaz de facilitar em muito a execução de seus afazeres. REFERÊNCIAS BOUDON, Raymond. Dicionário crítico de Sociologia. São Paulo: Editora Ática, 2001. CAMUS, Albert. 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Palavras-chave: Accountability; Relações públicas; noopolitik; BNDES, Banco Mundial; INTRODUÇÃO Empréstimos concedidos por Bancos de Desenvolvimento, instituições constituídas majoritariamente após os grandes conflitos do século XX, têm consequências no longo e no curto prazo. Decisões de- Este artigo apresenta, de forma resumida, parte da pesquisa amadurecida ao longo da Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 1 legadas a essas burocracias2 afetam a capacidade de sobrevivência de nações, culturas ou indivíduos por gerações. Em um mundo midiatizado e globalizado3, os efeitos dessas decisões são intensos e extensos, em termos do grau de impacto e da abrangência de territorialidade, dada a alta interdependência, velocidade e dinamismo de um mundo onde as distâncias foram – antes tecnologicamente do que solidariamente – encurtadas. (KEOHANE, 2002, p.1, tradução nossa4) A crescente demanda por transparência e envolvimento do público externo nos processos técnico-burocráticos de financiamento do desenvolvimento se explica, em parte, a partir da proliferação de regimes democráticos de governos no mundo. Em paralelo à influência de fins privados e capitalista, exercida por empresas ou conglomerados multinacionais, crescem ou resistem os grupos de pressão autodeclarados sem fins lucrativos e defensores de direitos. Líderes de governos ou de instituições precisam responder, cada vez mais, a demandas de populações cujos interesses podem ser contraditórios ao de seus Estados-nações ainda que visem o seu desenvolvimento. Os profissionais responsáveis, no interior das burocracias, por dar as respostas a essas demandas externas variam caso a caso, mas o campo da responsabilidade social tem se afirmado como uma das áreas sob o encargo de especialistas das áreas de comunicações ou de relações públicas. Com isso, apontam-se ao menos três vertentes de investigação desta pesquisa considerando-se a comunicação e seus profissionais: i) o tema da qualidade da democracia em instituições governadas por Refere-se ao corpo de funcionários de carreira dessas instituições, aos seus processos administrativos, às regras e princípios da organização. 2 Uma compreensão de midiatização passa pelo entendimento do crescente uso de aparelhos ou empresas de mídia na vida cotidiana das pessoas. Globalização é entendida aqui como a integração de economias nacionais no comércio internacional observada ao longo do século XX, com trocas monetárias crescentemente facilitadas, distâncias físicas encurtadas, crescentes trocas tecnológicas, movimentação de pessoas, etc. 3 Texto original: “States and other organizations exert effects over great distances; people’s lives can be fundamentally changed, or ended, as a result of decisions made only days or moments earlier, thousands of miles away.” 4 536 Estados; ii) identificar e comparar os esforços internacionais de relações públicas voltados para o público de ONGs em bancos de desenvolvimento; iii) comparar um caso de referência para os países do Norte, Grupo Banco Mundial, e outro caso que participa da formação de instituições similares no Sul, o BNDES. Mais especificamente, espera-se ao final deste trabalho realizar ao menos dois objetivos específicos: 1) uma breve revisão teórica de autores das Relações Internacionais e das Relações Públicas relevantes para o tema; 2) a apresentação de um método de checagem dos esforços institucionais dos bancos de desenvolvimento em foco; 3) uma aplicação empírica do método proposto. REFERENCIAL TEÓRICO O artigo parte do pressuposto de que os esforços e as práticas de relações públicas, especificamente os de instituições embutidas no sistema da economia política internacional, podem aprender de uma combinação de pesquisas no campo da Comunicação e das Relações Internacionais para aumentar ou alcançar níveis de excelência prática no campo, conforme definido por Grunig (2002). Somam-se, nesse sentido, os estudos contemporâneos sobre os limites de mecanismos de autorregulação corporativa, nele incluídos os mecanismos da responsabilidade social; assim como o debate sobre uma provável mudança em curso no sistema internacional governado por Estados, especialmente no que diz respeito aos modos de se fazer política. Essa mudança, referida como a passagem da realpolitic para uma noopolitik em função das novas dinâmicas de comunicação e informação, é melhor compreendida nos seguintes termos: Nos níveis mais altos da arte de governar, o desenvolvimento de uma estratégia de informação pode favorecer a emergência de um novo paradigma baseado em ideias, valores e ética, transmitidos através de soft power em oposição à política do poder e sua ênfase sobre os recursos e capacidades associados ao tradicional e material “hard power”. Assim, realpolitik (política baseada em fatores práticos e materiais como ditos por Henry Kissinger) dará algum espaço para o que chamamos de noopolitik (política baseada na ética e ideias...) (...) Enquanto a noopolitik emerge, as duas aborda537 gens para a arte de governar vão coexistir por algumas décadas. Algumas vezes irão complementar uma a outra, mas muitas vezes vão fazer opções contraditórias (ARQUILLA, RONSFELDT, 1999, pp. 4-5).5 Nesse contexto e partir dos estudos sobre as nações sem Estados, Xifra (2012) acrescenta que o conceito de uma noopolitikal public relations descreve mais adequadamente um modelo de relações públicas que opera em um processo comunicativo mais democrático, “não só em uma forma mais inclusiva de relações internacionais (seja entre Estados ou entre Estados e nações sem estados), mas na governança corporativa.” O que define esse tipo de relação de governança mais precisamente são os fluxos e as redes estabelecidas entre organizações e seus públicos (XIFRA, et al., 2012). O que diferencia uma noopolitikal public relations de outros modelos tradicionais é a ênfase na função de “gerenciamento do conhecimento na era da informação” (XIFRA, et al.,2012). No entanto, não está claro ainda o papel que esses fluxos comunicacionais e o estabelecimento de redes e interações com organizações não governamentais cumprem no cenário político internacional. Tais interações ocorrem em um cenário onde os Estados ainda seriam os mais poderosos na política mundial, conforme descrito por vertente tradicional no debate teórico das Relações Internacionais (KEOHANE, 2002). “Há uma clara tensão entre o conceito de um Banco Mundial que presta contas às pessoas pobres e o que presta contas perante o Secretário do Tesouro dos EUA.”6 (GRANT, et al., 2005). Essa tensão se dá Tradução nossa do seguinte trecho: At the highest levels of statecraft, the development of information strategy may foster the emergence of a new paradigm, one based on ideas, values, and ethics transmitted through soft power— as opposed to power politics and its emphasis on the resources and capabilities associated with traditional, material “hard power.” Thus, realpolitik (politics based on practical and material factors those of, say, Henry Kissinger) will give some ground to what we call noopolitik (politics based on ethics and ideas . . .) (…) As noopolitik emerges, the two approaches to statecraft will coexist for some decades.Sometimes they will complement each other, but often they will make for contradictory options. 5 6 Tradução nossa do seguinte trecho: “The language of empowerment suggests 538 pelas dificuldades da sociedade civil, apresentando-se seja como uma rede transnacional de ONGs, movimentos sociais ou um grupo de indivíduos, em tornarem accountable os Estados de maneira geral. Quanto aos limites das práticas de responsabilidade social, Mclnerney (2005) nos lembra que tais práticas são decorrentes de um processo histórico que valorizou a autorregulamentação em contraposição à regulamentação corporativa externa. De acordo com Mclnerney (2005), práticas de responsabilidade social seriam ineficazes socialmente em dois tipos de empresas: naquelas que conhecem o sistema legal que as disciplina e ainda assim o descumpre; e naquelas que desconhecem a lei e mesmo que a conhecessem não buscariam cumpri-la. Hipoteticamente, portanto, relações públicas de excelência, incluindo-se aí as modalidades noopolitik, só ocorreriam em instituições que se caracterizem por conhecer a lei e segui-la ou em instituições que, apesar de desconhecerem a lei, se esforçam para conhece-la e cumpri-la. Ainda que cumprir ou buscar cumprir uma obrigação não denote uma atitude ética por excelência, configura-se ainda assim como o mínimo esperado de tal comportamento. O problema no caso do sistema internacional é o seu caráter anárquico e a falta de um governo ou um sistema legal constitucional comum. A lei só existe para os Estados que já possuem a disposição em segui-la. Mais do que isso, o poder7 dos Estados ainda é medido na capacidade de ser ou não influenciado externamente, de resistir a processos de accountability. Na arena anárquica global, criar e aplicar leis, agendar a participatory model of accountability, the logic of which could easily be extended to imply more empowerment within the Bank itself for the people who are affected by its policies, whether they are represented through state leaders or NGOs. There is a clear tension between the concept of a World Bank that is accountable to poor people and one that is accountable to the U.S. Secretary of the Treasury.” 7 Poder definido como capacidade de influência é apresentado em: “(…) influence is a relation among actors in which one actor induces other to act in some way they would not otherwise act.” (DAHL, 1963 p. 40). Tradução nossa: “influência é uma relação entre atores na qual um ator induz outro a agir de forma que ele não faria sem esse ato”. 7 539 sentidos ou valores sociais, assim como tornar mais eficientes modelos institucionais são, de alguma forma, ações que tangenciam o entendimento realista clássico de poder. O poder pode abarcar tudo que estabeleça e mantenha o controle do homem sobre o homem (...) engloba todos os relacionamentos sociais a que se prestam a tal fim, desde a violência física até os mais sutis laços psicológicos mediante os quais a mente de um ser controla uma outra. (...). (MORGENTHAU, 2003 p. 18) Assim expresso, poder confunde-se com a capacidade de controle. Ao se abrir espaço à participação de indivíduos e públicos (outsiders) nos assuntos internos da governança de uma instituição diz-se realizar o empowerment8 (“empoderamento”) desses indivíduos. Mas ao participar nessas instituições, esse público também legitima politicamente e fornece informações dificilmente acessíveis sem essa interação, acumulando o poder das instituições ou de parcela de sua burocracia. (...) sistemas constitucionais podem ser concebidos para limitar os abusos de poder, sem reduzir o grau de influência dos líderes quando a ação é necessária. Mas podemos esperar que os detentores do poder evitem a accountability quando podem fazê-lo sem comprometer outros objetivos. E na ausência de um sistema constitucional, a capacidade de evitar que sejam externamente imputáveis pode ser visto como uma dimensão de poder. Discutir accountability sem focar em questões de poder seria como discutir motivações dos líderes corporativos sem mencionar o dinheiro.9 (KEOHANE, 2002) Cf. http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTPOVERTY/ EXTEMPOWERMENT/0,,contentMD K:20 260036~menuPK:543261~pagePK:14 8956~piPK:216618~theSitePK:486411,00.html 8 Tradução nossa do seguinte trecho original: “(…) constitutional systems may be designed to limit abuses of power without reducing the amount of influence the leaders have when action is necessary. But we can expect power-holders to seek to avoid accountability when they can do so without jeopardizing other goals. And in the absence of a constitutional system, the ability to avoid being held externally accountable can be viewed as one dimension of power. Discus- 9 540 Dados esses limites, será possível reduzir a assimetria entre insiders e outsiders a partir de processos de comunicação em instituições com operação internacional? Uma abordagem de poder relacional pode auxiliar nessa resposta. Derivada da teoria das firmas10, a teoria Principal-Agente serve aqui como um exemplo para os tipos de relações de poder sustentadas pela lógica de delegação. A fundação de nossa teoria é a premissa de que, pelo menos, três características são comuns a cada elo da cadeia de delegação. Em primeiro lugar (...) cada ato de delegação envolve um principal, a pessoa ou o ator fazendo uma concessão contingente de autoridade, e um agente, a pessoa ou o ator a quem essa autoridade foi concedida. Em segundo lugar (...) cada ato de delegação contém a possibilidade de conflito de interesses, informação assimétrica (ação oculta ou informações ocultas), ou ambos. Em terceiro lugar (...) diretores podem ser capaz de adaptar-se a problemas de agência.11 (LAKE, et al., 2006) Ainda que o sistema internacional seja anárquico, como sugere uma das correntes internacionalistas, é formado por Estados que mantêm uma relação de delegação: prestam-se a representar uma ou mais nações, que na maioria dos casos participa politicamente como públising accountability without focusing on issues of power would be like discussing motivations of corporate leaders without mentioning money.” “A firm, therefore, consists of the system of relationships which comes into existence when the direction of resources is dependent on an entrepreneur.” (COASE, 1937) Tradução nossa: A empresa, portanto, consiste no sistema de relações que passa a existir quando a direção dos recursos depende de um empresário. 10 Tradução nossa do seguinte trecho original: The foundation of our theory is the premise that at least three features are common to each link in the chain of delegation. First, (…) every act of delegation involves a principal, the person or actor making a contingent grant of authority, and an agent, the person or actor to whom that authority has been granted. Second, (…) every act of delegation contains the possibility of conflicting interests, asymmetric information (hidden action or hidden information), or both. Third, (…) principals may be able to adapt to agency problems. 11 541 cos outsiders de instituições de Estado. Não se trata de uma relação de chefia direta, pois há considerável assimetria quanto ao acesso à informação; à capacidade de comunicação; de influenciar outros atores; de causar dano, sanções ou estímulos; de resistir a mudanças e influenciar mudanças; etc. Mas ainda assim trata-se de uma relação de delegação. E nessa lógica, o poder de accountability é exercido por um Principal (P), ou seja, o ator que delegou o seu poder a um Agente (A). Regras de contexto, positivadas pelo sistema normativo internacional ou nacional, seja em Constituições ou moralmente assentidas como a Carta Universal dos Direitos Humanos, entre outras; ou regras que se aplicam via práticas normativas explícitas ou implícitas aos campos sociais, como o da comunicação, o da administração ou o da própria política, podem contribuir para aumentar ou diminuir o poder do público externo (SISTON, 2015). Essa estrutura também favorecerá mais ou menos a agenda a ser considerada pelas partes como dignas de serem abordadas por alguns atores e não por outros. Questões indígenas, ambientais e sociais, por exemplo são atribuídas a certos atores em oposição a macroeconômicas e hight politics (SISTON, 2015). Com base nesta reflexão teórica, considera-se que as etapas do conceito aqui usado para accountability social melhor sintetizam um processo de identificação e análise da qualidade da democracia nos processos de relações públicas de instituições embutidas no sistema da economia política internacional. METODOLOGIA Na vasta bibliografia sobre práticas institucionais de democracia, certos autores parecem concordar que processos de accountability têm três princípios basilares: “responsibility, answerability and enforceability” (UNITED NATIONS, 2013). Cumprem as seguintes funções: atendimento a queixas, correção de conduta ou problemas sistêmicos, e prevenção de falhas. Uma série de mecanismos e práticas atuando de forma eficiente, realizariam, assim, o poder de fiscalização e influência de públicos sobre organizações. (...) na maioria dos contextos de política pública, accountability se refere à obrigação de aqueles que têm autoridade assumirem a responsabilidade por suas ações, respondendo por elas, explicando-as e justificando-as para as pessoas afetadas 542 e submetendo-se a algum tipo de sanção, caso sua conduta ou explicação seja considerada falha.12 (UNITED NATIONS, 2013) Com base na teoria Principal-Agente e definições de accountability encontradas em diversos autores, as características basilares mais presentes sistematizadas por (LINDBERG, 2013) compõe o seguinte esquema: TABELA 1: ESTRUTURA BÁSICA DE UM PROCESSO DE ACCOUNTABILITY 1 – é preciso que haja um Agente (A) que preste contas, isto é, seja objeto da accountability. 2 – é preciso haver um Domínio (D), área, temas ou assuntos sujeitos à accountability. 3 – é preciso um centro de poder, Principal (P), para quem se espera que (A) preste contas. 4 – é preciso que seja reconhecido o direito de (P) requisitar (A) a informá-lo, explicar e justificar decisões no âmbito de (D). 5 – ocorre o direito de (P) sancionar (A) se (A) faltar em informar, explicar ou justificar decisões tomadas no que diz respeito a (D). Fonte: LINDBERG, 2009, tradução e adaptação nossa. O viés de accountaility é central na análise das instituições citadas neste estudo. Isto é, a transparência deve contemplar etapas de um processo completo de accountability, conforme detalhado na Tabela 1. A complexidade dos bancos analisados torna necessário uma série de recortes. Da Tabela 1 serão pinçados apenas alguns elementos dos pontos 4 e 5. Outro recorte exclui órgãos de imprensa, focando-se nas ONGs e movimentos sociais. Além dos sites, outra fonte adotada são os documentos que sintetizam as políticas de informação pública, quando existentes. Em ambos os casos – sites e documentos – respeita-se um reTradução nossa do seguinte trecho original: (…) in most public policy contexts, accountability refers to the obligation of those in authority to take responsibility for their actions, to answer for them by explaining and justifying them to those affected, and to be subject to some form of enforceable sanction if their conduct or explanation for it is found wanting. 12 543 corte temporal entre dezembro de 2014 e março de 2015. Esta pesquisa também faz uso de entrevista realizadas com funcionários de organizações não governamentais (ONGs) e dos bancos estudados. APLICAÇÃO DO MÉTODO DE ANÁLISE NOS CASOS BANCO MUNDIAL (4.1) O documento basilar no site do BM que sintetiza o fluxo de informações do banco com a sociedade civil em geral é chamado “Política de Acesso à informação” (World Bank, 2010). Há ainda um soucebook, manual que apresenta uma definição de sociedade civil, de ONGs e de consulta a esses grupos, além de um detalhamento sobre o perfil ou os tipos existentes desses públicos, modos de interagir e como avaliar essa interação. A publicação é utilizada para treinamentos internos da equipe do banco em Washington e nos países onde o banco atua e se relaciona com a sociedade civil. (World Bank, 2007) (4.2) Há um departamento responsável por essa interação, chamado NGO/Civil Society Unit, composto por uma equipe de cinco pessoas na sede do BM em Washington e que conta com a colaboração de cerca de 100 funcionários globalmente, atuando em meio período de trabalho ou tempo integral. O chefe desse departamento tem experiência acadêmica como cientista social e experiência profissional como financiador ou funcionário de ONGs. Sobre as ações desenvolvidas, destacam-se aqui: compartilhamento de informação, voltado para ativamente divulgar ações do banco, inclusive sobre os projetos financiados e documentos ao longo do ciclo de projetos; diálogo de políticas, em que são liberados rascunhos das políticas em desenvolvimento para contar com os comentários externos ao banco durante reuniões face a face ou por uso de tecnologias de informação e comunicação; e colaboração operacional, em que ONGs podem agir como conselheiros informais, consultores, agências implementadoras, gerentes de construção ou co-financiadores. (World Bank, 2010) O banco também dispõe de mecanismos de divulgação de informação sob demanda dos públicos interessados na instituição. 544 (5.1) O BM possui o Painel de Inspeção Independente, um organismo que há mais de 20 anos se encarrega de realizar o ajuste de conduta do banco a partir de estímulo oferecido diretamente pela sociedade civil. ​Uma vez autorizada, os membros do painel realizam uma visita no projeto, caso necessário, e produzem um relatório, a Gerência do banco também produz um relatório contendo recomendações. As duas publicações são encaminhadas para o Conselho de Diretores Executivos que decidem sobre a aprovação ou não das recomendações de ajuste de conduta do banco. Por fim, o painel realiza nova visita se necessário e implementa um plano de ação com a gerência do banco. Em seu site é possível encontrar 100 casos investigados pelo painel desde a sua criação, sendo o mais recente de janeiro de 2015. (World Bank, [sem ano]) BNDES (4.1) O BNDES não disponibiliza em seu site um documento que caracterize uma política de informação pública específica da instituição, que detalhe o fluxo de informações e documentos que são liberados ao público da sociedade civil ao longo do ciclo de financiamento da instituição. No site é possível encontrar uma declaração que explica em termos gerais a existência de uma iniciativa específica de transparência. Não há também uma definição de sociedade civil ou de como se dá o relacionamento com esses grupos. Questionado sobre essa definição, o encarregado pelo relacionamento com este público informou que isso vem sendo construído em conjunto com as ONGs que se relacionam com o banco. (4.2) Sobre o órgão ou departamento responsável na instituição brasileira pelo relacionamento com o público de ONGs, apenas o assessor de comunicação do presidente do banco e uma funcionária são encarregados de responder a essas tarefas. O assessor de comunicação é subordinado ao chefe de gabinete do presidente do BNDES e assumiu para si a tarefa por seu perfil como acadêmico no campo da ciência política e como assessor de comunicação na presidência da república. A sua rede de contatos em ONGs, inclusive pessoais, justificaria a sua afinidade com a área. Quanto às ações de compartilhamento de informações especificamente relacionado aos financiamentos, existe o BNDES 545 Transparente. Existe também um fluxo de informação regulado pela Lei de acesso à Informação, que segue o regime internacional de liberação de informações públicas passivamente, isto é, a partir da demanda do público. O banco não informa em seu site ações realizadas no âmbito do Fórum com a sociedade civil. Essa informação só foi obtida durante conversa com membro da sociedade civil e com o encarregado no BNDES desse relacionamento. (5.1) Quanto aos mecanismos internos da sociedade civil para ajustar ou sancionar a conduta do banco, pode-se considerar a ouvidoria, regulada por lei e estabelecida desde 2003 na instituição para atuar “no pós-atendimento e na mediação de conflitos entre o cidadão e a Instituição, prestando esclarecimentos e procurando estreitar os laços entre o BNDES, seus clientes e o público em geral” (BNDES, [sem ano]). Em entrevista, o assessor de comunicação confirmou que este instrumento pode ser utilizado também para denúncias por pessoas impactadas em decorrência de operações internacionais do BNDES. O site da instituição não informa, no entanto, dados gerais sobre essas consultas. Alguns desses dados foram levantados pela ONG Conectas em entrevista com a ouvidoria do banco: No ano de 2012, a Ouvidoria do BNDES recebeu aproximadamente 2.400 casos, sendo que foi dado seguimento a cerca de 2.100 deles. Embora as estatísticas exatas não estejam disponíveis, a maior parte dos pedidos de providências e de outros tipos de solicitações teve por objeto o esclarecimento de dúvidas quanto aos procedimentos prévios para a apresentação de pedido de crédito ao Banco ou produtos destinados especialmente a pequenos empreendedores, como o Cartão BNDES. (BORGES, 2014) A ONG recomenda que a ouvidoria seja reformada para o atendimento de questões relativas ao impacto do banco, especialmente em questões de direitos humanos. 546 CONCLUSÃO Ambos os bancos, como visto anteriormente, possuem programas de relacionamento com seus públicos que considera a liberação ativa de informações sobre projetos financiados. Ocorre contudo, assimetrias consideráveis entre o caso multilateral e o nacional. Isso leva a concluir que a prática de relações públicas com a sociedade civil no caso multilateral se aproxima do modelo noopolitik, enquanto o caso nacional se aproxima de modelos mais preocupados com a realpolitik. Esse entendimento é reforçado com as preocupações levantadas nos discursos dos funcionários do BNDES entrevistados, relativas a preservar interesses nacionais, em dar vantagens materiais às empresas brasileiras internacionalmente. Por outro lado, esses funcionários não consideram que o BNDES, por ser instituição nacional deva se preocupar em se relacionar diretamente com o público composto pela sociedade civil internacional por questões que dizem respeito à soberania de outros estados. Este artigo reuniu, portanto, uma breve revisão teórica que fundamentasse um método de checagem de práticas de relações públicas com um viés de accountability social. Essa ferramenta pode contribuir para os esforços de avaliar a qualidade democrática da comunicação institucional, especialmente a realizada com o público interessado em influenciar e ajustar atores da economia política internacional. O método proposto não é suficiente, no entanto, para cobrir uma infinidade de dimensões dos fluxos de comunicação e informação, nem das conexões entre os atores aqui selecionados. Também não relativiza diferenças substancias entre as instituições citadas como casos de estudo. Mas acredita-se que o exercício deste método tenha cumprido o papel de provocar uma visão de contrastes institucionais com base em modelos de relações públicas que se orientam pela noção de realpolitik e de noopolitik. REFERÊNCIAS ARQUILLA, J., RONFELDT, D. 1999. The emergence of Noopolitik: Toward an American information strategy. Santa Mónica, CA: National Defense Research Institute-RAND, 1999 BANCO MUNDIAL. 2014. Relatório Anual 2014. Washington: Banco Mundial, 2014. 547 BNDES. [sem ano]. Ouvidoria. BNDES. [Online] [sem ano]. [Citado em: 25 de janeiro de 2015.]http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Navegacao_Suplementar/Ouvidoria/index.html. —. [sem ano]. Política de Responsabilidade Social e Ambiental. BNDES. [Online] [sem ano]. [Citado em: 25 de janeiro de 2015.] http://www. bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/BNDES_ Transparente/Responsabilidade_Social_e_Ambiental/politica_de_responsabilidade.html. —. 2014. Relatório Anual 2013. Rio de Janeiro : BNDES, 2014. BORGES, Caio. 2014. Desenvolvimento para pessoas? O financiamento do BNDES e os direitos humanos. São Paulo : Conectas, 2014. BROWN, Chris e AINLEY, Kirsten. 2012. Compreender as Relações Internacionais. [ed.] Guilherme Valente. [trad.] Ana Sampaio. 1ª. Lisboa : Gradiva Publicações S.A., 2012. ISBN. GRANT, Ruth W. e KEOHANE, Robert O. 2005. Accountability and Abuses of Power in World Politics. American Political Science Review. Fevereiro, 2005, Vol. 99, 1. KEOHANE, Robert O. 2002. Public events: Global Governance and Democratic Accountability. Site da London School of Economics and Political Science. [Online] 2002. http://www.lse.ac.uk/PublicEvents/ pdf/20020701t1531t001.pdf. LAKE, David A. e MCCUBBINS, Mathew D. . 2006. The logic of delegation to international. [A. do livro] Darren G. HAWKINS, et al. Delegation and Agency in International Organizations. New York : Cambridge University Press, 2006. LINDBERG, Staffan I. 2013. Mapping accountability: core concept and subtypes. International Review of Administrative Sciences. June, 21 de June de 2013, Vol. 79, 2, pp. 202-226. MORGENTHAU, Hans J. 2003. A Política entre as Nações: A luta pelo poder e pela paz. [trad.] Oswaldo Biato. Brasília : FUNAG, 2003. SISTON, F. R. 2015. Accountability social: casos do Banco Mundial e do BNDES em perspectiva comparada. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – PPGRI-UERJ, no prelo, Rio de janeiro 548 UNITED NATIONS. 2013. Who will be accountable: Human Rights and the Post-2015 and the Post-2015 Development Agenda. New York : United Nations, 2013. World Bank. [sem ano]. Website. [Online] [sem ano]. [Citado em: 25 de janeiro de 2015.] http://ewebapps.worldbank.org/apps/ip/Pages/ AboutUs.aspx. XIFRA, Jordi e MCKIE, David. From realpolitik to noopolitik: The public relations of (stateless)nations in an information age. [Online] 549 |5| ENGAJAMENTO DE STAKEHOLDERS NA GESTÃO DO GRI-G4 E O MODELO SIMÉTRICO DE RELAÇÕES PÚBLICAS: ANÁLISE DOCUMENTAL DE QUATRO RELATOS DE SUSTENTABILIDADE Ágatha Camargo Paraventi1 RESUMO Este artigo apresenta a relação entre a fundamentação de relações públicas como prática de gestão de vínculos, diálogo e negociação a partir do princípio simétrico, com a demanda de engajamento de stakeholders estabelecida como prioritária para a gestão do relato de sustentabilidade GRI-G4. Por meio de um estudo documental de quatro relatos de sustentabilidade descreve a comunicação dos processos de engajamento com stakeholders sob a ótica dos critérios de engajamento de stakeholders do GRI e de simetria de relacionamentos. Palavras-chave: Engajamento de Stakeholders; Relações Públicas; Modelo Simétrico; GRI-G4. Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, com pesquisa sobre Comunicação e Ética Organizacional; Especialista em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas pela ECA/USP e Bacharel em Relações Públicas pela Faculdade Cásper Líbero. Atuou por 11 anos no mercado corporativo, nas áreas de Relações com Imprensa, Comunicação Interna, Relações com Consumidor e Relações com Fornecedores. Docente nos cursos de Graduação da Faculdade Cásper Líbero e do Centro Universitário Belas Artes, nas disciplinas Ética e Legislação em Relações Públicas, Planejamento, Opinião Pública, Cultura Organizacional e Relações com Imprensa. Docente nos cursos de Pós-Graduação MBA ABERJE e GESTCORP - ECA/USP. Está Diretora Administrativa da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (2014-2016). Co-autora do livro “Relações Públicas Estratégicas”. 1 1. INTRODUÇÃO As organizações vistas como sistemas abertos demandam constante troca com o ambiente externo para a consecução de sua missão. O desenvolvimento das operações depende da capacidade de ouvir, captar e processar os inputs do meio e devolvê-los em formato de outputs consistentes que respondam às demandas e expectativas do mercado e sociedade. A demanda da responsabilidade pública e sustentabilidade das organizações também fundamentam suas aplicações por meio da qualidade da participação dos stakeholders. Stakeholder é um público estratégico, compreendido como público que tem um stake, um interesse ou participação em determinada organização (legal ou moral) (FRANÇA, 2008, p. 33) e conceituada como “ampla categoria de pessoas que poderiam ser afetadas por decisões gerenciais ou afetar as decisões organizacionais, como os funcionários de uma empresa ou moradores de uma comunidade” (GRUNIG, 2009, p. 78). As relações públicas, como função mediadora (KUNSCH, 2003) e função gerencial (GRUNIG, 1992) contribui para o cumprimento da função social das organizações. “A essência das relações públicas é tornar a organização e o seu quadro gerencial mais responsável perante aqueles públicos que influenciam e, neste sentido, a atividade de relações públicas é o exercício da responsabilidade pública” (GRUNIG, 2009, p. 34). A observação do papel das relações públicas como agente de relacionamento com os públicos estratégicos será discutida a partir da demanda de engajamento de stakeholders para a sustentabilidade. Buscou-se compreender como as organizações buscam descrever seus processos nos relatos de engajamento no GRI de forma a trazer legitimidade. 551 2. O ESTUDO O estudo tem como objetivos discutir as relações entre a fundamentação de relacionamentos de relações públicas (GRUNIG, 2009) com o engajamento de stakeholders para a gestão de temas materiais no GRI-G4; e descrever a comunicação do processo de definição de temas materiais e engajamento de stakeholders dos Relatos de Sustentabilidade GRI-G4 2013 de quatro organizações brasileiras que há mais tempo utilizam as Diretrizes para prestação de contas. A metodologia contemplou breve recorte teórico para traçar as guias de análise da fundamentação dos relacionamentos estratégicos proposta por Grunig (2009) e das Diretrizes GRI-G4. Seguida de análise documental dos Relatos de Sustentabilidade GRI-G4 de quatro organizações selecionadas em uma amostra intencional. O método de coleta de dados envolveu a pesquisa do Relato de Sustentabilidade GRI-G4 publicado em 2014, referente ao ano de 2013, no site das organizações, no período de realização do estudo: fevereiro de 2015. A amostra inclui organizações brasileiras que há mais tempo utilizam o GRI para prestação de contas em sustentabilidade. A pesquisa das organizações foi realizada na base de dados do GRI desde 1999, e resultou nas organizações: TABELA 1: LISTA DE ORGANIZAÇÕES NACIONAIS QUE PUBLICAM RELATÓRIO DE SUSTENTABILIDADE DE ACORDO COM AS DIRETRIZES GRI SELECIONADAS NA AMOSTRA. ORGANIZAÇÃO PUBLICA RELATO GRI DESDE: PUBLICOU GRI-G4 2014 (ANO BASE 2013)? Natura 2000 Sim Petrobras 2002 Sim CPFL Energia 2003 Sim Itaú Unibanco 2004 Sim 552 No grupo de organizações pioneiras estavam também Usiminas (relato desde 2002), Alcoa (desde 2004) e Samarco Mineração (desde 2004) mas que não foram selecionadas no por terem apresentado intervalo maior de dois anos sem publicar relatórios. O universo de organizações que utilizam as diretrizes GRI no país é pequeno, conforme quantidades de relatórios por ano, desde o lançamento do Guia: 2000 - 1; 2001 - 1; 2002 - 3; 2003 - 4; 2004 - 8; 2005 - 13; 2006 - 17; 2007 - 38; 2008 - 61; 2009 - 66; 2010 - 135; 2011 - 117; 2012 - 182; 2013 - 243; 2014 - 206. 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 3.1 ÉTICA E SUSTENTABILIDADE: A LEGITIMIDADE DAS ORGANIZAÇÕES A responsabilidade das organizações permeia os objetos científicos ética e sustentabilidade. Ética é traduzida no ambiente organizacional como transparência, verdade, respeito aos públicos, atuar de forma correta, não agir com corrupção, ser responsável pela atuação e impactos da organização em todos os ambientes e públicos com os quais se relaciona, como destaca Thiry-Cherques (2008, p. 205). “Ser moralmente responsável é cuidar para que o output da organização não repercuta negativamente sobre os seres humanos, incluindo as pessoas que ali trabalham. Isso compreende cada ser humano e a humanidade como um todo”. Sustentabilidade relaciona-se com a perenidade – do ambiente natural, das pessoas, da cultura, da economia, do modo de vida saudável e de desenvolvimento, como foi conceituada pela Organização das Nações Unidas – ONU: “o atendimento das necessidades das gerações atuais, sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades das gerações futuras” (ONU, Brundtland Comission, na publicação “Our Common Future”, Oxford University Press, 1987, p. 43). As organizações tem compromisso com o desenvolvimento da sociedade (BENEDICTO, RODRIGUES, et. al, 2014), (ALMEIDA, 2007). As discussões das teorias stockholder (FRIEDMAN, 1997) e stakeholder (FREEMAN, 1997) sobre a finalidade das organizações não encontra mais espaço equilibrado de defesa. Alinhado ao que está na própria constituição brasileira, artigo 5, que diz no inciso XXIII que “a propriedade atenderá a sua função social”, a organização não pode e não consegue mais operar sem envolver-se em questões além de sua fina553 lidade de produção, pagamentos de impostos e atendimento à regulamentações setoriais e legais. Na visão Stakeholder (FREEMAN, 1997), a sociedade concede uma licença para a operação das empresas privadas, e essa licença prevê a observação, pela empresa, de todos os stakeholders. Nesta teoria, os gestores tem a obrigação ética de atender às demandas das contrapartes e minimizar os impactos para todos os agentes afetados pela empresa, incluindo neste conjunto de agentes os clientes, fornecedores, funcionários, os acionistas, a comunidade local, bem como os gestores, que devem ser agentes a serviço desse grupo ampliado. A organização é um nexo de contratos estabelecidos com contrapartes, cuja relação de troca é indispensável tendo em vista que uma não sobrevive sem a outra - “o colapso da sociedade determinaria, automaticamente, a extinção de qualquer modalidade de empresa” (BENEDICTO, et. al, 2014, p. 70) Essa licença para operar é vista como legitimidade (GARCÍAMARZÁ, 2007), que passa a ser buscada pelas organizações, cada vez mais em alinhamento próximo com seus stakeholders. Legitimidade é a necessidade de conseguir uma justificação por parte das organizações. As empresas requerem e reclamam legitimidade como instituição, nos níveis econômico, Legal e Moral, onde se situam as bases éticas da confiança. A legitimidade é buscada e gerida pelas organizações em mecanismos que buscam, eleger critérios de comparabilidade e accountabiliby relevantes para os públicos formadores de opinião estratégicos. Desde os anos 2000, surgiram diversas certificações, índices, modelos, selos e acordos da sociedade civil, entre os quais podemos destacar: o Índice Dow Jones de Sustentabilidade Empresarial (IDJS) criado em 1999, que avalia por setor, as organizações com capital aberto e que são líderes em sustentabilidade; o Índice de Sustentabilidade Empresarial ISE, modelo similar da bolsa de valores de São Paulo criado em 2005; a conformidade à lei Sarbanes Oxley, que cria mecanismos para padrão de transparência e ética organizacional para abertura de capital nos Estados Unidos; o grupo de normas ISSO 14000 que tem o objetivo de melhorar o desempenho ambiental nos modos de produção, a participação no Global Compact, a norma AA 1000, os prêmios setoriais como do Ethisphere, Transparency International, entre outras. 554 Selecionou-se para este estudo o Global Reporting Initiative (GRI), fundado em 1997, que representa o modelo mais difundido e respeitado internacionalmente de publicação de relatórios de sustentabilidade, criado pela ONU, por meio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA e Coalition for Environmentally Responsible Economies – CERES. O GRI publicou cinco Guidelines para produção de relatos, sendo G1 em 2000, G2 em 2002, G3 em 2006, G3.1 em 2011 e G4 em 2013. 3.2 DEMANDA DE ENGAJAMENTO DE STAKEHOLDERS E AS DIRETRIZES GRI-G4 Os critérios de indicadores e avaliação de sustentabilidade foram definidos como prioritários no Relatório de Brudtland de 1987 e na Agenda 21, resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. Os Princípios de Bellagio, conferência realizada na Itália em novembro de 1996 apoiada pela fundação Rockefeller, servem como um guia para a implementação e avaliação do processo da sustentabilidade, e definem, entre 10 princípios, quatro ligados ao engajamento de stakeholders, a saber: 6. Abertura/transparência com construção de dados acessíveis ao público, tornando explícitos todos os julgamentos, suposições e incertezas nos dados e nas interpretações; 7. Comunicação efetiva projetada para atender às necessidades do público, feita para estimular tomadores de decisão, com simplicidade na estrutura do sistema; 8. Ampla participação com representação de todos os públicos que garantam o reconhecimento dos valores diversos e dinâmicos e dos tomadores de decisão para assegurar a adoção de políticas e resultados da ação; 9. Avaliação constante de forma interativa, adaptativa e responsiva às mudanças promovendo o desenvolvimento do aprendizado coletivo e o feedback necessário. De forma geral, os estudos pontuam que os stakeholders estão em um processo evolutivo de posicionamento, como descrito por Fernando Almeida (2007). Na década de 1970, os stakeholders confiavam nos discursos organizacionais, mas em função dos acontecimentos sociais, passaram a pedir que as organizações relatassem seus feitos, depois que os comprovasse, demonstrando o período de maior baixa na confiança e credibilidade no início do século XXI, e desde o início dos anos 2000 555 estamos em um processo de demanda crescente de envolvimento e participação nas políticas. FIGURA 1: EVOLUÇÃO DO ENGAJAMENTO DE STAKEHOLDERS. APRESENTAÇÃO DA ROYAR DUTCH SHELL, JULHO DE 2004. RIO DE JANEIRO, CEBDS. (APUD ALMEIDA, 2006, P. 61) O GRI aborda o Engajamento com stakeholders como processo estratégico na gestão da sustentabilidade: Compõe os quatro princípios de conteúdo: Materialidade, Completude, Inclusão de stakeholders e Contexto da sustentabilidade; Integra o conteúdo padrão geral a ser relatado por todas as organizações, independente do setor; Fundamenta etapas importantes do relato: Conecte-se: identificação e diálogo com stakeholders; Definição de aspectos materiais: Diálogo com stakeholders para priorização de temas; Comunicação do relatório e Avaliação do relato junto a stakeholders. Os temas materiais na diretriz GRI G4 representam a materialidade, ou seja, o que é de fato importante a ser relatado, no contexto importante para os públicos stakeholders. O engajamento com stakeholders já era o pilar estratégico desde a primeira Diretriz GRI (G1) em 1999, mas no G4 (2013) assume caráter decisivo. A definição dos temas materiais é proposta em um processo de quatro etapas: 1) Identificação: Mapeamento do impacto ambiental, econômico e social da organização, por meio de ampla leitura do cenário, aspectos das diretrizes, diálogo com stakeholders, considerando 556 a demanda de licença para operar e os limites da origem dos impactos, dentro ou fora da organização, 2) Priorização: Convergência entre a importância dos impactos para a organização e a percepção dos stakeholders, por meio de engajamento e análise da matriz de materialidade, 3) Validação: Decisão final executiva sobre temas a serem selecionados para a gestão, a partir do princípio da completude que envolve escopo, limite, relevância, impacto e risco. Organização define os limites, pontos de monitoramento, forma de gestão e comunica os stakeholders e 4) Análise: Após a publicação do relato, a análise do feedback dos públicos sobre a abordagem dos temas, completude de informações e da transformação do contexto da sustentabilidade. A seleção de stakeholders que participam do processo deve obedecer aos critérios de Responsabilidade, Influência, Proximidade, Dependência e Representação. FIGURA 2: FLUXO VISUAL PROPOSTO PELA AUTORA, DO PROCESSO DE DEFINIÇÃO DOS TEMAS MATERIAIS E ENGAJAMENTO DE STAKEHOLDERS DESCRITO NAS DIRETRIZES GRI G4 A matriz de materialidade descrita no processo acima envolve a análise dos temas em escalas atribuídas pela gestão da organização e pelos stakeholders, que resultam em um quadrante que colabora para a definição da priorização. 557 FIGURA 3: REPRESENTAÇÃO VISUAL DA MATRIZ PARA VISUALIZAÇÃO DE ASPECTOS MATERIAIS GRI-G4 P. 37 Os fatores identificados pela organização como importantes no eixo inferior, ao convergirem com a percepção dos stakeholders, ganham escala de priorização nos temas a serem validados pela organização. Contudo, muitos temas às vezes de não conhecimento por parte dos stakeholders, mas que tem nível de importância de impacto, precisam ser selecionados pela organização e comunicados aos stakeholders, em uma leitura mais analítica do que a simples convergência da matriz. 3.3 RELAÇÕES COM STAKEHOLDERS - A FUNDAMENTAÇÃO DAS RELAÇÕES PÚBLICAS As relações públicas fundamentam-se em relacionamentos, como definem Simões (1987, p. 30) “Relações Públicas referem-se a um processo pluridimensional de interações das organizações com seus públicos” e Grunig e Hunt (1984, p.6) “a administração da comunicação entre uma organização e seus públicos”. Grunig (2009) apresenta, a respeito das duas abordagens correntes das relações públicas, a demanda do paradigma da gestão estratégica comportamental, em superação ao paradigma simbólico-interpretativo 558 - que assume que as relações públicas empenham-se para influenciar a forma pela qual os públicos interpretam a organização. Na gestão comportamental estratégica, as relações públicas tem uma função de vinculação (SCOTT, 1987, apud GRUNIG, 2009, p. 24) e não de defesa (BOSCH; VAN RIEL, 1998, apud GRUNIG, 2009, p. 24). Destaca-se nessa visão, o papel das relações públicas para a realização de modalidades de mão dupla para que os públicos tenham voz no processo decisório e para facilitar o diálogo entre a administração e os públicos. O processo de negociação e colaboração com os públicos é destacado na atividade, como mecanismo que assegura o entendimento, mesmo que não seja possível a concordância entre aspectos, e resulta em benefícios mútuos e tornam as organizações mais responsáveis (GRUNIG, 2009). Esse resultado está fundamentado no modelo simétrico de relações públicas, conforme estudos desenvolvidos por Grunig e Hunt (1984). Os três primeiros modelos, de agência de imprensa/divulgação que objetivam publicidade favorável; o modelo de informação pública que objetiva a disseminação de informações; o assimétrico de duas mãos, que utiliza a pesquisa como forma de identificar mecanismos de persuasão, não pressupõem o fator estratégico de pesquisa e diálogo como meio para administrar conflitos, aperfeiçoar entendimentos, negociar e fazer concessões. Assim, entende-se que o modelo simétrico de duas mãos seja o mais ético dos modelos, pois “permite que a questão do que é correto seja fruto de negociação, uma vez que quase todos os envolvidos num conflito - sejam eles associados à energia nuclear, ao aborto ou ao controle de armas - acreditam que a sua posição é a correta” (GRUNIG, 2009, p.33). As relações públicas fornecem mecanismo de identificação de stakeholders, premissa inicial do GRI, face à complexidade de mudanças que podem alterar o peso e a influência de um público. Os profissionais identificam consequências de decisões e a presença de públicos mediante análise de cenários. “Realizam pesquisas e conversam com líderes comunitários, líderes de grupos ativistas ou funcionários do governo para verificar quais sãos os públicos de interesse e quais são os assuntos emergentes que esses públicos podem criar” (GRUNIG, 2009, p. 76). A teoria situacional dos públicos proposta por França, 2008, por exemplo, fornece guia ao segmenta os públicos em Essenciais, Não Essenciais e os Públicos de redes de interferência. 559 Na gestão de conflitos e negociações, Grunig (2009) propõe princípios, que podem ampliar a eficácia do processo de engajamento: Princípio do relacionamento que destaca a qualidade e a continuidade; Princípio da Responsabilidade que a aborda independente de imprudência ou iniquidade; Princípio da Transparência, Princípio da Comunicação Simétrica, que visa assegurar o equilíbrio dos interesses organizações e públicos. A avaliação dos relacionamentos empreendidos pelas relações públicas envolve indicadores específicos de qualidade. Grunig (2009) propõe que um bom relacionamento pode ser avaliado pela Reciprocidade de Controle, Confiança, Satisfação e Compromisso. TABELA 2: INDICADORES DE AVALIAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS, PROPOSTOS POR GRUNIG (2008) RECIPROCIDADE DE CONTROLE Grau em que as organizações e públicos estão satisfeitos ou não com a capacidade de influenciar o outro. O grau de controle que possui no relacionamento. CONFIANÇA SATISFAÇÃO COMPROMISSO Boa vontade de cada uma das partes em se abrir para o risco de participar de um relacionamento. Envolve a percepção de integridade, confiabilidade e competência. Medida na qual cada uma das partes se sente favorável ou desfavorável em relação à outra, com expectativas positivas no relacionamento. Medida na qual cada uma das partes sente ou não que o relacionamento vale o dispêndio de energia para mantê-lo ou promovê-lo. Para a efetivação da comunicação simétrica das organizações com seus stakeholders, Grunig e Huang (2000), a partir de pesquisa realizada por Canary e Stafford (1991, apud GRUNIG 2009), Plowmann (1995, apud GRUNIG 2009) e Huang (1997, apud GRUNIG 2009), propõe exemplos de estratégias de relacionamento: 1) Acessibilidade, 2) Abertura, 3) Garantia de legitimidade, 4) Rede de relacionamento, 5) Divisão de tarefas, 6) Estratégias de solução de conflitos integradas, 7) Ser incondicionalmente construtivo, 8) Negociação ganha/ganha ou sem acordo, 9) Cumprir Promessas. São complementadas pelas estratégias de Rhee 560 (2007, apud GRUNIG, 2009) 10) Liderança visível, 11) Saber ouvir, 12) Receptividade e 13) Diálogo constante. A fundamentação de RP, como “função que introduz os valores e os problemas dos stakeholders nas decisões estratégicas, e que introduz o elemento moral nessas decisões” (GRUNIG, 2009, p. 105), por meio dos fundamentos de identificação de públicos, modelos de relacionamento, princípios, estratégias e mecanismos de avaliação pode contribuir para a eficácia do processo de Engajamento com Stakeholders no GRI-G4. 4. ANÁLISE DOCUMENTAL E RESULTADOS A partir do breve recorte teórico realizado, foram selecionados sete aspectos, das Diretrizes GRI-G4 e da teria de relacionamentos (GRUNIG, 2009) que poderiam ser investigados em estudo documental dos relatos de sustentabilidade. TABELA 3: CATEGORIAS DE ANÁLISE A PARTIR DE RECORTE TEÓRICO. FATOR REFERENCIA ANÁLISE Lista grupos GRI-G4 - 24 Lista de grupos engajados pela organização Base utilizada GRI-G4 - 25 Base utilizada para a identificação e seleção de stakeholders Abordagem GRI-G4 - 26 Relate a abordagem adotada pela organização para engajar stakeholders Frequência por tipo e grupo GRI-G4 - 26 Relate a frequência do seu engajamento discriminada por tipo e grupo Tópicos levantados GRI-G4 - 27 Relate os principais tópicos e preocupações levantadas durante o engajamento, para a definição dos temas materiais Grupos e tópicos GRI-G4 - 27 Relate quais grupos levantaram cada uma das questões e preocupações Medidas para tópicos GRI-G4 - 27 Relate as medidas adotadas pela organização para abordar esses tópicos e preocupações 561 Modelo simétrico GRUNIG, 2008 Se a organização adotou relação simétrica, se considerou aspectos materiais propostos por stakeholders, na análise validação de impactos e importância. A partir da análise documental dos Relatórios GRI, fez-se o seguinte resumo. Ressalta-se que a avaliação refere-se à divulgação ou relato feito pelas organizações, e não às atividades desenvolvidas pela organização, não possíveis de se avaliar neste estudo. TABELA 4: SÍNTESE DA ANÁLISE DOCUMENTAL DE ENGAJAMENTO DE STAKEHOLDERS NA DEFINIÇÃO DOS TEMAS MATERIAIS. FATOR CPFL ENERGIA ITAÚ UNIBANCO NATURA PETROBRAS Lista grupos SIM SIM SIM PARCIAL Base utilizada SIM NÃO SIM SIM Abordagem SIM SIM SIM SIM Frequência EM PARTES EM PARTES EM PARTES EM PARTES Tópicos PARCIAL PARCIAL PARCIAL SIM Grupos e tópicos NÃO NÃO NÃO NÃO Medidas para tópicos SIM PARCIAL SIM PARCIAL PARCIAL NÃO DEMONSTRADO PARCIAL PARCIAL Modelo simétrico A CPFL Energia destaca a Plataforma da sustentabilidade, mecanismo pelo qual gerencia o tema, iniciada em 2012 com um painel de consulta a diversos públicos (representantes da sociedade civil, clien562 tes, membros do universo acadêmico, órgãos governamentais, colaboradores, investidores, acionistas, e fornecedores, além de pesquisa online com colaboradores, alinhados à norma AA1000). Lista os seis temas materiais definidos (Relacionamento com clientes, Gestão da cadeia de suprimentos, Ecoeficiência, Gestão de impactos socioambientais, Desenvolvimento comunitário, Saúde e segurança), destacando que outros temas surgiram, como gestão de riscos, a capacidade de inovação e a divulgação de informações sobre a busca por fontes renováveis de geração de energia, mas não destaca todos os temas e nem quais grupos os pontuaram. A organização apresenta que a Plataforma da Sustentabilidade em 2014 será disseminada e promoverá o engajamento dos públicos por meio de um roadmap. Informa que realizou um amplo engajamento dos públicos, por meio do projeto “sustentabilidade como alavanca de valor” mas não destaca quais públicos foram engajados, com que frequência e os temas levantados nos engajamentos. Não é possível avaliar o relato da simetria do relacionamento, pois não listou todos os temas propostos por grupos. No relato do Itaú Unibanco, a apresentação da lista de stakeholders está vinculada à espiral de valor, que inclui Colaboradores, Clientes, Acionistas, Sociedade e Fornecedores. Apresentam os mecanismos contínuos de diálogo e gestão do relacionamento com os públicos prioritários, como imprensa, clientes, investidores, colaboradores. Para a definição dos temas materiais, foram levantados tópicos a partir do relacionamento contínuo com Líderes (diretrizes anunciadas no encontro entre líderes de 2013) e Investidores (estudo prévio que identifica principais informações consideradas por investidores). A visão da sociedade foi consultada por meio de temas apontados pela mídia em 2013, através da ferramenta de clipping IQEM (Índice de qualidade de exposição na mídia) e por painéis e grupos de trabalho com especialistas (não descritos os públicos) e o setor financeiro foi observado a partir da própria diretriz GRI-G4 setorial financeira. Não descreveram engajamento específico para tratar do tema gestão da sustentabilidade, mas que o tema permeia os relacionamentos contínuos. Os temas materiais definidos foram: Relação com clientes, Eficiência, Relação com colaboradores, Riscos e oportunidades socioambientais, Educação financeira, Diálogo e transparência. Pontuaram que no engajamento apareceram temas como produção de conteúdos isentos, abordagem assertiva e 563 transparência, sem citar os públicos que os propuseram, e que especialistas discutiram o papel do banco na sociedade, definiram objetivos e iniciativas de curto, médio e longo prazo, mas não descrevem os pontos no relato. Pontuam que estão revendo as iniciativas e que tem o compromisso de retomar o engajamento em 2014. Em 2013, escolheram o foco da educação financeira para desenvolver iniciativas. No relato Natura, estão listados na matriz de públicos de relacionamento revisada em 2012, consultoras e consultores, consultoras natura orientadoras, consumidores, colaboradores e fornecedores. O engajamento com esses públicos foi realizado em 16 encontros presenciais com 227 participantes e 88 interações virtuais (webcasts, whorkshops virtuais) com 7.850 interações, com os temas autoconhecimento, gestão da mudança, planejamento estratégico, ética, gestão comercial e comunicação. Especificamente para a revisão da matriz de materialidade do relato de 2013, foram realizados entre 2010 e 2011, diálogos com os públicos: colaboradores, fornecedores, consultoras, especialistas em temas diversos, imprensa, órgãos do governo e entidades não governamentais, com o envolvimento da alta gestão. Os temas materiais são destacados na matriz de materialidade, com o peso dado pelos stakeholders e pela natura para os temas selecionados: Educação, Resíduos, Água, Mudanças climáticas, Qualidade das relações, Sociobiodiversidade e Empreendedorismo sustentável. Contudo, os temas não contemplados não foram listados pela organização. Iniciou em 2013 nova revisão da matriz de materialidade, que os temas reportados no relatório continuarão a ser geridos e que os públicos serão engajados para concluir a visão da nova matriz. Os temas materiais de 2013 são apresentados em figuras da análise de limites dentro e fora da organização, com a indicação de tópicos GRI onde as informações podem ser encontradas no relatório. No relato Petrobrás a definição dos temas materiais envolveu análise interna de documentos corporativos, estudos e pesquisas externas. Dos 13 públicos de interesse corporativos (clientes; comunidade científica e acadêmica; comunidades; concorrentes; consumidores; fornecedores; imprensa; investidores; organizações da sociedade civil; parceiros; poder público; público interno e revendedores) foram priorizados 10 (não listados), a partir dos critérios de relevância, necessidade de informação, potencial de influencia e formação de opinião e oportunidade de consolidação de posicionamento. Os 230 represen564 tantes foram consultados em reuniões e entrevistas, que resultaram em 24 temas, dos quais foram validados 12: Prevenção de acidentes e vazamentos, uso de recursos naturais e consumo de materiais, gestão de impacto nas comunidades, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, gestão de efluentes e resíduos, viabilização dos negócios em longo prazo, impactos econômicos, biodiversidade, transparência e prestação de contas, saúde e segurança dos trabalhadores, gestão de emissão de gases de efeito estufa, eficiência energética de processos. Os 12 temas não contemplados na validação da organização foram: Concorrência e práticas de mercado, desenvolvimento do capital humano, engajamento com públicos de interesse, estratégias de investimento, gestão de fornecedores e desenvolvimento da indústria local, gestão dos riscos econômicos, gestão, política e viabilização do pré-sal, mecanismos anticorrupção, relações trabalhistas e condições de trabalho, respeito e atuação para equidade e diversidade e saúde e segurança do consumidor. Entre os mecanismos de engajamento com stakeholders estão o site, o Programa Petrobras Agenda 21, os comitês comunitários das refinarias e o Diálogo Social do Comperj, o Espaço Conhecer e relacionamento com universidades, eventos e relacionamento com fornecedores, Website, telefones, e-mails, jornal Petrobrás em Ações para investidores, encontros com organizações da sociedade civil, entendimentos e contatos periódicos com o Governo, canais de relacionamento com o público interno e Jornal do Revendedor. A análise demonstra aspectos próximos sobre a divulgação do processo de relacionamento com stakeholders. A listagem de públicos engajados foi realizada por todas as organizações, exceto Petrobras, que não listou quais foram os 10 grupos dentre os 13 da matriz de públicos; A base ou critério dos quais foram analisados os públicos, bem como o perfil da abordagem foram apresentadas por todas as organizações, embora destaca-se que no Itaú a abordagem não teve o tema sustentabilidade como foco dos engajamentos. A frequência de relacionamentos não foi apresentada de forma completa ou consistente por nenhuma organização. O GRI recomenda que o processo de engajamento seja contínuo e não apenas pontual, mas observa-se a falta de sistematização do processo. Os tópicos apresentados pelos stakeholders no engajamento foram listados apenas por uma organização, Petrobras, - as demais listaram apenas alguns temas relevantes que apareceram e que não foram 565 contemplados, e a Natura apresentou os tópicos que eram convergentes com a visão interna. Nenhuma organização apresentou os temas levantados por grupo de representantes e apenas duas organizações apresentaram as medidas adotadas para abordá-los de forma clara, referenciado nos temas materiais, Natura e CPFL. Não foi possível avaliar o princípio da simetria de relacionamentos, pois como nenhuma organização listou os tópicos por grupo, não é possível analisar o equilíbrio interesses interno e externo. A Natura foi a única organização a apresentar a matriz da materialidade. Destaca-se que todas as organizações listaram todos os pontos do GRI-G4 de engajamento (24, 25, 26 e 27) como reportados. 5. CONCLUSÃO O estudo apresenta pequeno recorte sobre a transparência e processo de relato do engajamento com os públicos que asseguram a legitimidade de temas que serão geridos. Demonstra não cumprimento de todas as diretrizes, mesmo por organizações mais envolvidas historicamente no país com o Relato GRI. Visto que a eficácia do processo de gestão da sustentabilidade está diretamente vinculado ao engajamento com stakeholders, o estudo demonstra a convergência e benefícios das práticas de relações públicas como mecanismo estratégico na seleção de stakeholders, com processos eficazes de realização da comunicação simétrica, bem como na implementação de mecanismos claros de avaliação dos relacionamentos. Destaca-se, como oportunidade, a vinculação das áreas para benefícios mútuos. O desenvolvimento das relações públicas excelentes, com maior participação estratégica nas decisões organizacionais, com resultados mais consistentes de relacionamento e responsabilidade pública está relacionado, de acordo com estudos desenvolvidos por L. Grunig (1992), com a pressão de ativistas ou crises. E demonstrou que as organizações que adotam relações públicas excelentes tiveram sucesso no desenvolvimento de suas responsabilidades, bem como os ativistas, em um processo simétrico. 566 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Fernando. Os desafios da sustentabilidade: uma ruptura urgente. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. BENEDICTO, G.C, RODRIGUES, A. C. et. al. Surgimento e Evolução da Responsabilidade Social Empresarial. In: SILVA, C. F., BENEDICTO G. C. e CALIL, J. F. Ética, responsabilidade social e governança corporativa. Campinas, SP: Editora Alínea, 2014. Compêndio de Indicadores de Sustentabilidade de Nações: uma contribuição ao diálogo da sustentabilidade. São Paulo : WHH, 2009. CPFL ENERGIA. Relatório de Sustentabilidade 2013. Acesso em 17 de fevereiro de 2015. FRANÇA, F. Públicos: Como identificá-los em uma nova visão estratégica. São Caetano do Sul, SP: Yendis Editora, 2008. FREEMAN, R. Edward. A stakeholder Theory of the Modern Corporation. 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São Paulo: Summus editorial, 2003. NATURA. Relatório de Sustentabilidade 2013. Acesso em 16 de fevereiro de 2015. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório de Brundtland. 1987. PETROBRAS. Relatório de Sustentabilidade 2013. Acesso em: 15 de fevereiro de 2015. SIMÕES, R. P. Relações Públicas: Função Política. Novo Hamburgo: Freeval, 1987. THIRY-CHERQUES, Hermano R. Ética para Executivos. Rio de Janeiro: Euditora FGV, 2008. 568 |6| A NORMA REPUTACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE: A EXPERIÊNCIA DIALÓGICA EM AUDIÊNCIA PÚBLICA, OS SUJEITOS COLETIVOS E A AÇÃO DOS DIREITOS COMUNS Autoria: Prof. Dra. Ana Lúcia de Alcântara Oshiro1 e Lara Macedo Pascom2 RESUMO Nas últimas décadas, o termo reputação se presenta em discursos institucionais, políticos, do entretenimento e na vida cotidiana contemporânea. Tornou-se o balizador entre estar ou não no lugar legitimado, do ser virtuoso, destacado. Referencial colocado como norma a ser procurada incessantemente e validado por certificações que confirmam os níveis alcançados pelos variados sujeitos contemporâneos - aqui entendidos como indivíduos, organizações, conjunto de sujeitos que passam a ter sua fala destacada naquele local reputável. Este artigo aborda a reputação sob a égide humanista da virtude aristotélica e da perspectiva do sujeito coletivo, integrando os campos do Direito, da Filosofia e da Comunicação Organizacional. Demonstra a possibilidade Doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, Mestre em Comunicação, Tecnologia e Mercado Pos Graduada em Marketing e Comunicação pela Faculdade Casper Libero, Jornalista e consultora em comunicação, reputação e marketing e sócio proprietária da Tatica Comunicação, empresa há 25 no mercado, especializada em projetos e marca, reputação de empresas de Tecnologia da Informação. 1 Graduanda do 3º ano de Relações Públicas pela Universidade Anhembi Morumbi, pesquisadora de iniciação científica pela PIBIC/UAM e estudante de formação em Hatha Yoga pela Humaniversidade. Tem sua ética pautada pela Carta da Terra. 2 da construção de uma reputação integradora por meio do entendimento das normas de cada agrupamento de sujeito coletivizado, a partir da experiência empírica de uma Audiência Pública que reuniu sujeitos coletivos norteados pelo direito para dialogar e buscar a efetividade do direito ao acesso à educação infantil, o qual deve ser garantido pelo Estado, no caso a Prefeitura de São Paulo. Palavras-chave: Reputação; Norma Organizacional; Diálogo Organizacional; Comunicação Organizacional; Relações Públicas. CORPO DO TRABALHO No confronto de perspectivas e papéis assumidos pelo homem no mundo contemporâneo encontram-se sujeitos coletivos organizados, articulados, defendendo suas causas, motivadas por paixões nem sempre sintonizadas com os poderes institucionais históricos. São novos poderes, em parte disponibilizados pelo espaço de articulação e relacionamento, aberto pelas novas experiências articuladas no universo global de interação da ambiência virtualizada da estrutura tecnológica das TICs (tecnologia da informação e comunicação integrada) em rede (internet). O indivíduo que integra o coletivo é, na economia de rede/cognitiva, o trabalho do sujeito cuja atividade mais premente é produzir a si mesmo (GORZ, 2005, p. 20). Todo usuário do trabalho em rede virtual sincroniza-se continuamente com os outros, e os dados que manipulam põem em marcha um processo em que o resultado coletivo excede, de longe, a soma dos dados manipulados individualmente (Ibidem, 2005, p. 21). Os saberes produzidos e quando compartilhados faz surgir, sob a perspectiva de Gorz (2005, p.21), uma externalidade positiva cujos resultados coletivos, surgidos a partir da interação individual, tem uma ação positiva – sendo coletivamente útil, desde que não imposta ou pressio570 nada pelo poder de uma organização – possibilitando a sua conversão em positividade, passando a pertencer a um saber universal que gera valor – por meio de um coro polifônico. Dessa forma, não é mais o sujeito que adere ao trabalho, mas o trabalho que adere ao sujeito; [...] é a mobilização total das capacidades e das disposições, aí compreendidas as afetivas; uma nova ordem balizada pela servidão voluntária [...] (GORZ, 2005, p. 23), pelos saberes norteados por objetivos além da lógica histórica anterior. A pessoa está presente, pois “[...] ela deve, para si mesma, tornar-se uma empresa, ela deve tornar-se, como empresa, um capital fixo, exigindo que continuamente seja reproduzido, modernizado, alargado e valorizado. E é dessa maneira que a própria vida torna-se um business” (GORZ, 2005, p. 23-14). Na realidade contemporânea da sociedade em rede (Castells, 2000), todas as atividades individuais, desenvolvidas fora do tempo de trabalho e dedicadas à realização pessoal, podem ser consideradas atividades produtivas e tornam-se uma das principais fontes de produtividade e criação de valor econômico nessa nova fase do capitalismo. Diante dessa imaterialidade do mundo, a auto organização, a auto coordenação e a livre troca concentram-se na produção social. Elas são realizadas sem a necessidade de um planejamento central ou intermediação do mercado. Os produtores, que se relacionam entre si em redes, colocam-se em comum acordo, preventivamente e de maneira pactuada para produzir em função das necessidades, desenvolvendo sua função produtiva como um complexo de atividades essencialmente coletivas. É nessa ambiência conflituosa da contemporaneidade que a sociedade do século XXI age pela ausência da complementaridade da modernidade (nada fica completo) – que gerou o pós moderno e sua sede insaciável de destruição criativa. Da revelação e condição etéreas, os humanos ficaram por conta de seu próprio risco, passando a não conhecer mais limites: [...] “ser moderno passou a significar ser incapaz de parar, movendo-nos não tanto pelo adiamento da satisfação” (WEBER, 1968) [...] “mas pela capacidade de promover a satisfação” (BAUMAN, 1999, p. 37):61 [...] hoje os padrões e configurações não são mais dados e menos ainda auto evidentes, são muitos, chocando-se entre si, de forma que todos e cada um foram desprovidos de boa parte de 571 seus poderes de coercitivamente compelir e restringir. Em vez de proceder a política da vida e emoldurar-se no curso futuro, devemos seguir (o movimento)21 para que sejam formados e reformados. Os poderes que liquefazem passaram do sistema para a sociedade, da política para as políticas da vida desceram do macro para o nível micro do convívio social. Nossa versão e individualizada e a trama dos padrões e responsabilidades caem sobre os ombros dos indivíduos, os padrões de interação são maleáveis, não mantêm as formas por muito tempo... as narrativas da condição humana tendem a se desenvolver em cima dos conceitos (BAUMAN, 1999, p. 14). No cenário de dissolução e imaterialidade do mundo, cabe retomar às palavras de Giddens (2011, p.12), por meio de seu esforço de inserção dos clássicos pioneiros do pensamento sociológico (Marx), (Durkheim), (Weber) na contemporaneidade quando afirma que [...] “a sociedade tradicional está, por definição, virada para o próprio passado e o seu presente é o seu passado; [...] as coisas se passam assim, não existe a história propriamente dita, já que a continuidade entre o ontem e o hoje obscurece a consciência das diferenças entre o que foi e o que é [...] (GIDDENS, 2011, p.12). O pensamento de Giddens (2011), na análise da confluência do pensamento dos filósofos clássicos do capitalismo, serve para entendermos o que temos nesse momento de transição, no qual emoldura-se um cenário clássico e inerente do sistema capitalista, sustentado exatamente nas suas [...] contradições básicas, derivadas de seu caráter nato, baseado na produção de valores de troca. Sua necessidade de manter ou de expandir seu lucro, ao invés de produzir para atender as exigências humanas existentes, apresenta-se como o principal fator subjacente às crises que ocorrem, periodicamente, ao longo de sua trajetória histórica – do passado ao presente‖ (BAUMAN, 1999, p.45). As transformações econômicas geradas pelas leis do movimento da produção capitalista alteram, por um lado, o sistema e por outro o preparam para a substituição dialética para uma nova ordem social (GIDDENS, 2011, p. 319). Uma nova ordem social que instaura um processo intenso de ressignificação em que o eu e o outro só se tornam seres reais quando interagem e se harmonizam como parte de um sujeito coletivizado em uma 572 ambiência interativa, gerando, juntos, novas significações onde encontramos as variáveis de um coletivo (OSHIRO, 2014, p.65). Essa ambiência coletiva, colaborativa e interativa (suportada pelas tecnologias da informação e do conhecimento) dos dias atuais, fruto de uma evolução que vem se moldando em ondas na realidade, definem o novo perfil do homem da segunda década do segundo milênio: um homem, contextualizado por Tapscot no final dos anos 1990, caracterizado no seu nascedouro, já em uma cultura essencialmente cibernética ou, na nossa concepção, tecnoinformacional em rede (Castell, 2010, p.10) Norteada pela experimentação de novas ideias, encorajada pela comunicação interativa e universal do novo ambiente de relacionamento social que experimenta no virtual e leva a experiência para o mundo real para troca e junção das novas significações compartilhadas com seus iguais (OSHIRO, 2014). O universo contemporâneo, assim, se transforma em um humano que escreve um grande livro, no qual se encontra um imenso e universal alfabeto, uma história contada por todos os sujeitos. A realidade física, os fatos da história, o que quer que os homens tenham criado são, por assim dizer, sílabas de uma mensagem que se perpetua, mas que, nessa nova ambiência, assume uma forma única de falar (OSHIRO, 2014, p.23), coletivizada. É uma ambiência de mutação social que necessita de uma transmutação de linguagem e do próprio processo participativo, colocando o humano, dado pela pós-modernidade, em uma participação, colaboração ― quase mística e que se constitui como parte receptora do cosmos, do mundo ordenado, de uma natureza não de objeto, jogado lá, mas domável (MAFFESOLI, 2012, p.9), sustentado por discursos como o da sustentabilidade, da reputação e que são, em si, também, uma preocupação social (Ibidem). Nessa preocupação nasce o próprio inconsciente coletivo (e até consciente), que tende a retornar a uma progressividade mais humana, menos paranoica, capaz de integrar os aportes da sedimentação tradicional e do enraizamento natural da amplificação social (2012, p.10). É assim que, no coletivo das relações, do sujeito que se constrói no outro – o homem e seu discurso, extrapolado no grande sistema coletivo 573 universal da contemporaneidade, em oposição ao homogêneo e vazio da modernidade, redescobre o vivido concreto, em todos os [...] seus pequenos rituais cotidianos, colocando-se como vetor de religação no concreto, ao mesmo tempo com os outros e com o espaço, que é, enfim, a matriz comum, Porém, -[...] na palavra concreto advém o termo do cum crescere, crescer com (o ponto, com dos endereços na web) onde se pode declinar à vontade nas modalidades desse relacionalismo: o estar com os outros (mit Sein), com o mundo (mit Welt) (2012, p.12). O indivíduo, enquanto mestre de si mesmo e do universo da modernidade, se reconstrói sob a égide da pós-modernidade, sob um originário comunitário (tribal), fundando o original e hoje: -[...] cada um, pessoa plural em sua tribo de escolha, vai ser o que é a partir das ligações que o constituem. Ligações de afetos, odores, gostos, sentimentos, sensações, tudo fazendo com que cresçamos significa na visão do autor, a volta da experiência com o outro que é, antes de tudo, coletiva (MAFFESOLI, 2012, p.12-13). Para além daquele racionalismo esclerosante anterior, Mafessoli (2012, p.13) alerta que a ênfase, agora, é colocada na vida cotidiana, sedimentada em uma memória coletiva que [...] remete a encarregar-se dos problemas no seio da tribo (dos diversos agrupamentos sociais), na qual me reconhecem ou me comprazo (Ibidem, 2012, p.13). É “[...] a horizontalidade da lei dos irmãos, a nova irmanação que conta com o suporte do desenvolvimento tecnológico das TICs, nas quais o coração que bate da cotidianidade é o órgão vitaminado pelo copertencimento, que estabelece o homem em relação, numa ordem simbólica e em correspondência com o grupo, com a natureza, tudo em referendado pelo sagrado (2012, p.19). Mas, o copertencimento, enquanto comunicação, não mais é sustentado nas habituais injunções da hierarquia vertical, que foi progressivamente fundada na razão, e “[...] monopólio da contestação antes dos partidos políticos, das classes especialistas inclusive da imprensa do universo comunicacional do século XX já não se basta por si – são 574 atropelados pelo surgimento das estruturas espontâneas – já que estas não se utilizam de uma linguagem que só eles compreendem – uma lei cruel de linguagem fazendo com que as palavras sejam o epitáfio de uma linguagem que só elas compreendem e designam – uma - língua de palácio - e que a vivaz e efervescente socialidade não pretende deixar-se aprisionar” (MAFFESOLI, 2012, p.20). Para o autor, representa um novo ser humano que incorpora novas maneiras e dizeres e que apontam para sua própria legitimidade, já que a geografia da verdade (Foucault, 1998) é aquela onde ela reside e não simplesmente a dos lugares onde nos colocamos para melhor observá-la. Sua cronologia é a das conjunções que lhe permitem se produzir como um acontecimento, e não a dos momentos que devem ser aproveitados para percebê-la. (Foucault.1998, p.113) Nesse novo contexto, norteado pelo pacto emocional, não racionalizável, que está na ordem do dia contemporâneo e do homem dos anos 2013/15, se reinaugura uma sociologia compreensiva (WEBER apud MAFFESOLI, 2012, p.23), que leva em conta todos os elementos da existência, do viver em coletividade - em conjunto. Em tal realidade, tudo é considerado bom e não há nada que se possa jogar fora. Nela, o homem aprende a lidar socialmente consigo mesmo e, por consequência, com aqueles que o rodeiam, conduzindo, assim, as suas relações sociais de forma equilibrada. E isso só pode ser aprendido através do exercício do convívio, da prática da Retórica e da arte de falar, que estreitam as distâncias entre os indivíduos, proporcionando oportunidades sociais de aprendizagem, uma vez que a mesma paixão, vivenciada isoladamente ou em grupo, obtém resultados diferentes (OSHIRO, 2014). Isso porque, ao vivenciar uma paixão isolada, o indivíduo conta apenas com a sua própria resposta a ela e de tal modo não consegue aprender com essa experiência, pois não tem a resposta do outro. Por isso, faz-se tão importante o convívio em sociedade (MAFFESOLI, 2012). 575 O SUJEITO COLETIVO DO DIREITO Nessa ambiência de transformação emerge, no cenário contemporâneo, a figura do sujeito coletivo, um novo elemento considerado já no campo do Direito, já que ele é fruto das transformações sociais históricas ocorridas desde os anos 90, conforme alertava José Geraldo de Souza no XII Congresso Mundial de Sociologia realizado em Madri e promovido pela Associação Sociológica Internacional de Madrid, citando Marilena Chauí, abordando tema da liberdade autônoma referendando-se aqueles sujeitos – autônomos - e capazes de dar a si mesmo a lei” [...] abrindo-se à possibilidade de que no interior da sociedade civil, para além do privado e dos interesses, passam a se constituir em uma região instaurada pelos direitos, âmbito da cidadania, sendo está interpretada como a capacidade de colocar no social um sujeito novo que cria direitos e participa da direção da sociedade e mesmo do Estado. (CHAUÍ, Marilena apud JUNIOR, 1990, p.11)3. Fruto de um novo Direito, aquele que, na expressão de Roberto Lyra Filho (apud JUNIOR, 1990), “busca compreender o processo emergente e refletir sobre a atuação jurídica e política dos novos sujeitos coletivos e que [...] busca a valorização do pluralismo jurídico, com base na definição e uma natureza jurídica do novo sujeito capaz de elaborar um projeto político de transformação social de forma a obter uma representação teórica do mesmo, enquadrando os dados derivados dessas práticas sociais criadoras de direitos e estabelecer novas categorias jurídicas de forma a estruturar as relações solidarias de uma sociedade alternativa em que sejam superadas as condições de espoliação e opressão do homem pelo homem (Ibidem). O novo sujeito é fruto das mudanças históricas que tiveram como centro as movimentações e as práticas em busca de espaços nos Citação apresentada no texto do autor em referência presente apud prefacio in Eder Sader. “Quando Novos Personagens entraram em cena”, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1988. 3 576 quais o sentido político dado pelo Estado e instituições tradicionais já não dava conta das demandas reivindicatórias existentes, que não refletiam mais as condições objetivas do cotidiano, gerando tensões e conflitos de um mundo de transição capitalista de uma economia material para outra imaterial cognitiva, processo que vem se dando desde o final da década dos anos 80 aglutinado com a interação do mundo e da vida pelas tecnologias da informação e comunicação. E o autor ressalta ainda: [...] o relevante na designação das identidades coletivas que origina a figura desse novo sujeito é a conjugação das identidades coletivas, como forma do exercício de suas autonomias e a consciência de um projeto coletivo de mudança social a partir de suas próprias experiências. O fato das distinções sociais serem construídas pelo direito, como acontecia até a instauração da igualdade dos cidadãos perante a lei, relaciona-se com sua eficácia social e pelo fato delas ganharem os efeitos do direito (HESPANHA, 1993). O Direito, na perspectiva weberiana (1968, p.250) - o Direito racional, calculável – é o principal instrumento do Capital para que a exploração econômica capitalista proceda racionalmente. Nessa perspectiva, afirmava Weber, o sistema necessita confiar de que a justiça e a administração seguirão determinadas pautas preestabelecidas. Mas é essa mesma Justiça, àquela “real” (1990, p.250) que concede direitos advindos das práticas sociais e de um poder também novo, proveniente de um sujeito (coletivizado) com capacidade de criar, também, novos direitos ( JÚNIOR, 1990), que “[...] traz constantes perturbações nos cálculos peculiares da vida econômica capitalista” (WEBER, 1968, p.250). É fato que o próprio direito em pontos de vistas recentes de historiadores, juristas e sociólogos ressaltam justamente o caráter marginal do direito enquanto ordem coercitiva (HESPANHA, 1993, p.23). O momento de transição do capitalismo ressalta a constante tensão entre sujeitos que, coletivizados, formalizam novas normas que incorporam pautas de negociações focando a própria legitimidade no espaço social – todos, nesse momento, tornam-se sujeitos coletivizados – sejam organizações ou indivíduos. 577 É certo que uma criatividade normativa, ainda que anônima e inconsciente, permeia a vida coletiva em todas as sociedades humanas (CIARAMELLI, 2009, p.88). Porém é igualmente certo que nas instituições da democracia moderna ocorrem o entrelaçamento de criatividade - quando a normatividade abandona o âmbito inconsciente e a espontaneidade difusa em toda a esfera social e transmuta-se para um universo no qual é reconhecido como a origem das leis, onde se converte em uma dimensão já não unicamente vivida, senão tematizada e objeto de reflexão, sustentada e submetida por regras que ela mesmo se dá (Ibidem). É no âmbito desse entrelaçamento que podemos nos situar com relação aos conflitos que pululam na contemporaneidade, frutos, a nosso ver, do embate que se trava entre o esforço funcionalista da institucionalização, racionalização liderada pelo capitalismo cognitivo, do coletivo social e as normas do corpus social, onde estão os variados sujeitos coletivos em relação. O processo racionalizante que se impõe pelo discurso desse momento de transição de uma ordem para outra pode ser interpretada trazendo à tona a explanação de Ciaramelli (2009, p.97) quando ele advoga o modelo biológico de autorreferência que utiliza a mesma lógica dos organismos sobrevivente, dos seres viventes adaptando-a para a lógica humana. Essa lógica, diz o autor, não pode ser aplicável enquanto tal ao mundo humano. Em outras palavras, para transpor ao plano social, torna-se indispensável que a autorreferência biológica esteja vinculada à autorrepresentação coletiva e é igualmente indispensável chegar a conteúdos históricos sociais determinados, na forma da própria identidade do indivíduo e dos grupos, podendo até alcançar as invariantes cognitivas, que irão garantir a sobrevivência biológica do indivíduo. Porém, a sobrevivência propriamente humana exige muito mais. [...] nem o evolucionismo puramente biológico nem sua versão estrutural-funcional conseguem mostrar de uma vez por todas, inferindo-lhes da lógica do vivente ou do sistema, as perguntas constantes universais e necessárias de elaboração cultural, por uma ruma razão radical: podem alcançar as invariantes cognitivas, que garantem a sobrevivência biológica, porém, exige578 -se a elaboração de um código normativo e este último não se pode inferir apenas da lógica do vivente senão que deverá ser instituído socialmente (CIARAMELLI, 2009, p.88). Para que normas sejam sociais, elas devem ser compartilhadas e em parte garantidas pela aprovação ou desaprovação de outros. Elas são também mantidas pelos sentimentos como, por exemplo, embaraço, ansiedade, culpa e vergonha diante da possibilidade de sua violação. Ao obedecer a uma norma, pode-se também ser movido por emoções positivas, como a raiva e a indignação. Djilas (1958, p.107 apud ELSTER, 1989, p.34) descreve o sentimento de uma pessoa que obedecia a normas de vingança em Montenegro como sendo o da “mais selvagem e mais doce embriaguês”. As normas sociais detêm tamanho controle psicológico em virtude das fortes emoções que: O membro de uma tribo, por exemplo, vê as pessoas de outra tribo como formando um grupo indiferenciado, em relação ao qual ele tem um padrão de comportamento também indiferenciado, mas se vê a si mesmo como integrante de um segmento de seu próprio grupo. Diferenciações sutis, gracejos e pilhérias dentro do grupo são consistentes com uma “solidariedade negativa” para com os estranhos. Essa concepção me parece mais plausível, mas ainda não indica os benefícios sociais de seguir as normas. Também não estão claros os benefícios coletivos que essas variedades proporcionam aos membros de uma dada subcultura (ELSTER, 1989). Poder-se-ia talvez dizer que as normas servem para limitar os parceiros potenciais de interação a um número pequeno e controlável, contribuindo, dessa maneira, para uma maior clareza e consistência da vida social. [...] as normas como o interesse próprio compõem explicações da ação. A escolha da norma a que obedecemos também pode ser, em certa medida, explicada pelo interesse. Mesmo quando há uma crença sincera na norma, a escolha de uma dentre muitas igualmente relevantes pode ser uma ação inconsciente, ditada pelo interesse próprio; é possível também que se siga uma norma por medo das sanções desencadeadas por sua violação. Mas não é apenas o interesse que fornece a explicação completa da adesão às normas – ela extrapola e é 579 componha de outros elementos (ELSTER, 1989). A legitimidade concede um lugar privilegiado, um lugar que estabelece a nobreza de ser reputado e que aparece no próprio discurso normativo presente nos direitos apresentados. O termo nobre e nobreza, destacado por Maciel (apud HESPANHA, 1993) já eram termos muito utilizados nas categorias da lei portuguesa, que destacava um papel menos nobre, comum de “peão” opondo-se a distintas outras mais privilegiadas. No repertorio de legislações dos inicios do século XIX, a palavra já é muito mais comum como elemento de uma classificação fundamental entre súditos (nobre/não nobre) e o autor cita ainda o próprio direito romano que os homens ou são nobres ou plebeus e essa classificação, herdada pelo direito comum remete e são invocados pela perspectiva das virtudes humanas associadas também à nobreza. No entanto, para Hespanha (1993), “[...] o sentido das classificações jurídicas (as qualificações) objetivam descrever uma situação de fato de forma a lhes corresponder uma cosnequência (um privilegio, uma isenção”. Como se vê, a justiça torna-se medidora do equilíbrio na validação do privilégio do assento do nobre no direito julgado, válido e legitimado, passando, em consequência, a dar um local privilegiado aquele julgado pelo social como reputável. Porém, passamos para a segunda categoria do julgar, do lugar nobre, aquele que concede o titulo ao sujeito (agora coletivizado) como reputável. REPUTAÇÃO INTEGRADORA Reputação na contemporaneidade tornou-se o viabilizador do julgamento, do ser nobre ou “plebeu” - esta última categorização no sentido de não ser ou estar legitimado. Tornou-se, em paralelo, um instrumento de poder e mesmo de valorização de ativos econômicos numa economia imaterial e cognitivizada, dependente do entendimento dos significados derivados e geridos nos coletivos. De encontro à necessidade de entroncamento dos estudos de reputação corporativa para um framework conceitual o mais unificado possível (BARNETT; JERMIER; LAFFRTY, 2006) alocamos o termo reputação 580 no lugar dos aspectos da filosofia da linguagem, na qual as significações surgem pelo diálogo e encontro com o outro, que impõe sua alteridade irredutível sobre o eu que se constitui, através da visão Bakhtiniana: [...] pois nossas palavras são sempre constituídas pela interação com os demais (...) nos constituímos, pois todos os nossos pensamentos se constituem pelo diálogo de outros: “o diálogo não é uma proposta, uma concessão, mas uma imposição, uma necessidade, um compromisso que já existe com o outro...o eu, assim, se constitui como um compromisso dialógico... (BAKHTIN apud PONZIO, 2009, p.23). É por meio dessa perspectiva que devemos pensar em reputação, dialógicamente, em meio a um contexto no qual os sujeitos buscam pela interação com o outro, de forma a compartilhar as mesmas perspectivas e identidades, o mesmo processo de produção de significados, sentimentos e paixões, compartilhando o mesmo entendimento da significação de reputação (OSHIRO, 2014). Temos que perpassar por um esforço normalizador que considere a perspectiva da pessoa humana (MAFESSOLI, 2012), na qual a essência seja sustentada no diálogo, na qual vários sujeitos, em seu contexto quotidiano, se constituam pela interação – no qual as variadas vozes sejam “geridas” não como um fim, mas uma grande possibilidade de construção de uma reputação o menos matematizável, racionalizada, mas motivo de evolução para novas possibilidades de dar voz aos variados sujeitos (coletivos). Conforme Alvarez (2012) 4vivemos, na contemporaneidade, um “capitalismo reputacional” – acrescido de um processo normativo reputacional, lugar onde se inflamam as paixões humanas: é nesse lugar que se destacam e se constroem as variadas normas, sustentadas nos valores, nas causas que se inflamam em cada espaço coletivo do cotidiano social - é lá que estão, também, os signos que poderão garantir o valor dos ativos (imateriais) do capitalismo contemporâneo. Curso apresentado pelo Professor Doutor Jesus Timóteo Álvares, sob o título Communication management- os desafios para a gestão da comunicação nas organizações em tempos de poder diluído no Departamento de Relações Públicas e Propaganda, da Escola de Comunicações e artes da Universidade de São Paulo. 4 581 Mas é a busca do eu, pelo outro, parte da base dos discursos que transitam na contemporaneidade e que dão voz aos variados sujeitos, onde se encontram também os conflitos que pululam na contemporaneidade. SUJEITO COLETIVO, NORMAS E DIÁLOGO - ALTERNATIVA PARA A REPUTAÇÃO INTEGRADORA O diálogo social é a chave estratégica das relações entre os setores sociais e o equilíbrio do planeta, das empresas, e dos indivíduos (PEREIRA apud KUNSCH. 2010, p.294-314). No campo da Comunicação Organizacional, na qual se insere a teoria das Relações Públicas encontra-se a prática que pode construir o diálogo entre organismos vivos (organizações que se constituem – públicas, privadas ou indivíduos agrupados) da ambiência social. Relações Públicas, uma atividade multidisciplinar, que exige múltiplos olhares para constituir e efetivar sua prática – o campo do entendimento das relações e relacionamentos, da norma e das regulações organizacionais. É, sob o olhar de Roberto Porto Simões (1979), “[...] um campo polissêmico que possui vários significados: um processo, um profissional, uma profissão, uma função, uma técnica e, talvez, como querem alguns, uma ciência”. [...] um processo intrínseco entre a organização, pública ou privada, e os grupos aos quais está direta ou indiretamente ligada por questões de interesses. Esses grupos em nosso caso recebem a designação de públicos. Este processo é um fenômeno que sempre existiu, apenas que somente neste século foi percebida sua importância. Caracteriza-se por ser multidimensional, dinâmico e histórico, das várias formas de interação das organizações em um sistema social, segundo estruturas políticas, econômicas, sociais, éticas, psicológicas e culturais (SIMÕES.1979, p.4). Um exemplo de perspectiva nesse sentido, tendo como elemento aglutinador um direito focado no coletivo social se abre com a experiência da articulação que levou à criação da Audiência Pública sobre Vagas na Educação Infantil5, em 2013 (29 e 30 de agosto de 2013) no Tribunal 5 A Audiência Pública e a sua análise sob a perspectiva dos sujeitos coletivos 582 de Justiça de São Paulo, que objetivou colocar em pauta a demanda social por creche e o alto déficit existente no município de São Paulo. A proposta da Audiência Pública, capitaneada pelo Poder Judiciário teve como característica inédita promover o diálogo entre diversos sujeitos (Poder Executivo, organizações sociais, representantes da sociedade civil e especialistas) com vista à ampliação da rede de educação infantil e a efetivação do direito à educação. Este modelo de Audiência Pública decorreu da iniciativa do Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Educação Infantil (GTIEI) em requer um plano de expansão baseado no diálogo, de acesso público e com padrões de qualidade, um sujeito aglutinador que passou a reunir outros sujeitos coletivos, a saber: * as organizações da Sociedade Civil (Ação Educativa e Rede Nossa São Paulo); * a Defensoria Pública do Estado de São Paulo; * o Ministério Público do Estado de São Paulo (Grupo de Atuação Especial de Educação – GEDUC); * os escritórios Associados de Advocacia (Rubens Naves, Santos Jr. e Hesketh) como membros Voluntários. Estes sujeitos, considerados nesse paper como grupos com suas próprias normas, causas e perspectiva se reuniram para, pelo dialogo, levar à causa integradora no sentido de efetuar o diagnóstico de entraves à efetivação do direito à Educação Infantil; a Judicialização intensa no município; a Preocupação com a qualidade do ensino; levantar a Ausência de planejamento público e destacar a Falta de informação para controle social das ações voltadas à Educação Infantil Na Audiência o GTIEI apresentou 10 diretrizes principais para ampliação de vagas em creches e melhorias na qualidade do ensino ao TJSP, o qual condenou o Município de São Paulo a criar 105 mil novas vacom vistas ao dialogo a partir das normas reputacionais que os norteiam, é parte do estudo empírico do trabalho de iniciação cientifica desenvolvido na Faculdade de Comunicação e Educação da Universidade Anhembi Morumbi-UAM, orientado pela autora deste paper e pesquisado por Lara Macedo Pascom, cujos resultados deverão estar finalizados no segundo semestre de 2015. 583 gas em creches até 2016, mantendo os parâmetros básicos de qualidade estabelecidos pelo Ministério da Educação-MEC. A principal inovação da Audiência tem sido a promoção do diálogo entre poderes e organizações da sociedade civil e a definição de texto de decisão com caráter amplo e coletivo, incorporando todo o referencial normativo sobre qualidade da educação infantil. Dentre os sujeitos coletivos envolvidos está o Movimento Creche Para Todos (2008), que surgiu com a proposta de ampliar a consciência da população sobre o direito à educação infantil, mobilizando e organizando a demanda popular de vagas na rede municipal de São Paulo e monitorar as políticas públicas nesse sentido no período de 2008 e 2010 que redundou em duas Ações Civis Públicas para ampliação das vagas. A Secretaria Municipal de São Paulo que redundou numa avaliação por parte dos sujeitos envolvidos que nos quatro primeiros meses de 2013 apenas conseguiram vagas quem entrou com ação judicial. E o Comitê Interinstitucional de Monitoramento - Modelo de acompanhamento da execução da decisão – criado após a Audiência sob responsabilidade da Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJSP, que privilegia a continuidade do diálogo interinstitucional como complementação ao processo civil tradicional. REFERÊNCIAS ÁLVAREZ, Jesús Timoteo. Historia y modelos de la comunicación em el siglo XX. 25. ed. Madrid: Editorial Universitas. Madrid, ES, 2012. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Tradução de Roneide Venancio Majer com Klauss Brandini Gerhardt. Atualização por Jussara Simões. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. v. I, 2000. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas.9ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. GÖRZ, André. O Imaterial. Tradução de Celso Azzan Junior. São Paulo: Annablume, 2005. HESPANHA, António Manuel. A nobreza nos tratados jurídicos dos séculos XVI e XVIII, p.27. Ediciones Campos, Portugal, 1993. 584 JUNIOR, José Geraldo de Souza. El Derecho halado em la Calle: experiências populares de criação do Direito no Brasil. Sociologia Abstrata – XII Congresso Mundial de Sociologia, 9-13. A Igreja no Processo Constituinte, coleção verde, no. 60. Edições Paulinas, São Paulo, 1990. OSHIRO, Ana Lucia de Alcântara. Reputação no contexto de transição do capitalismo material para o imaterial cognitivo: as interpretações dos sujeitos: organizacionais e coletivos.Tese de Doutorado, defendida em julho2014 na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo-USP, sob a orientação da Profa. Dra. Sidineia Gomes de Freitas. MAFESSOLI, Michel. O Tempo retorna – Formas elementares da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitaria, 2012. PEREIRA, Costa, Murad e Ambrósio in “Comunicação e gestão corporativa: diálogo social para alinhamento de expectativas e articulação com o território produtivo”, p.294-314 apud KUNSCH –Comunicação Organizacional, volume 1. 2010. Editora Saraiva, São Paulo. WEBER, Max. A Ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2005. SIMÕES, Roberto Porto, número 2 do jornal O Público, órgão informativo da Associação Brasileira de Relações Públicas – Seção Estadual de São Paulo, página 4, 1979. 585 |7| REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO ENTRE A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL Paulo Roberto Rosa Calegaro e Tânia Maria Diederichs Fischer1 RESUMO Um dos desafios das empresas em sua atuação socialmente responsável é colaborar com o desenvolvimento dos territórios nos quais se instalam. Entendendo que as práticas dos sujeitos são influenciadas pelo modo como as coletividades se apropriam de um objeto ou acontecimento e o resignificam, apontamos como um caminho viável para subsidiar a definição das estratégias de responsabilidade social empresarial a análise das representações sociais. É o que aplicamos no presente artigo; partindo dos discursos da sociedade civil e do poder público de um município sobre o papel de uma empresa no desenvolvimento deste território, sugere-se a implantação de práticas de responsabilidade social relacionadas à qualificação profissional, intermediação de mão-de-obra, programas de relacionamento, entre outras ações. Palavras-chave: Desenvolvimento territorial. Responsabilidade Social Empresarial. Representações Sociais. Paulo Calegaro é bacharel em Relações Públicas pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia. Tânia Fischer é Doutora em Administração pela Universidade de São Paulo. 1 INTRODUÇÃO Os estudos sobre o desenvolvimento dos territórios estiveram sempre imbricados com o papel das empresas neste processo. Independente da abordagem, se globalistas ou regionalistas (DALLABRIDA, FERNANDÉZ E SIEDENBERG, 2004), as teorias hegemônicas do desenvolvimento territorial centram-se na análise de como se estruturam economicamente estes espaços, reservando lugar de destaque às organizações privadas. Reformas neoliberais, a transnacionalização do capital com a globalização, a re/indefinição dos chamados primeiro, segundo e terceiro setor, alteram as responsabilidades atribuídas a cada um deles no processo de desenvolvimento, reforçando ainda mais a importância e influência das organizações privadas nos territórios. Em paralelo, crescem as cobranças da sociedade em relação ao papel das corporações, culminando no movimento da responsabilidade social empresarial. Nesta interseção entre o desenvolvimento dos territórios e a responsabilidade social empresarial, uma indagação nos parece relevante: Como este ator social (a empresa) pode ou deve contribuir e, principalmente, como integrar-se ao processo de desenvolvimento do território em que se encontra? Levando em conta que o desenvolvimento territorial envolve diferentes atores, atores estes que representam também as partes interessadas na organização privada, faz-se necessário conhecer seus interesses e expectativas, em quais projetos de desenvolvimento estão engajados e quais as crenças e paradigmas que orientam suas ações, ou seja, como enxergam o território e seu desenvolvimento, o que esperam de cada uma das institucionalidades envolvidas neste processo e que papeis atribuem a elas. Para realizar esta escuta qualificada buscamos apoio no campo da psicologia social, na teoria das representações sociais, por entender que as práticas são influenciadas pelas representações sociais compartilhadas por um determinado grupo, pois este é o modo como as coletividades se apropriam de um objeto ou acontecimento e o resignificam, como “partilham o conhecimento e deste modo constituem sua realidade comum, como transformam as ideias em práticas” (MOSCOVICI, 2012). 587 É neste contexto que se enquadra o presente artigo, buscando apoio na teoria das representações sociais de modo a subsidiar a definição das práticas de responsabilidade social empresarial com vistas à promoção do desenvolvimento territorial. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com abordagem de estudo de caso, partindo da pergunta: Quais as representações dos atores sociais sobre o papel da empresa X no desenvolvimento territorial do município Y2. Iniciamos com o aporte teórico-metodológico utilizado na pesquisa, seguido da apresentação dos resultados do estudo na seção ‘Representações sobre o papel da empresa X no desenvolvimento do território Y’. Nas considerações finais apresentamos, com base nas representações sociais, possíveis caminhos para implantação de práticas de responsabilidade social da empresa no território. APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS Com base nas teorias de SEN (2010), Dallabrida (2012), Brandão (2011) e Fischer (2002), definimos aqui o desenvolvimento como um processo de exercitar escolhas com vistas à eliminação das privações e à melhoria da qualidade de vida e da consciência cívica. Este processo é compreendido como um complexo de variadas dimensões e, sobretudo, como um construto social entremeado por interesses, conflitos e relações assimétricas de poder, localizado em um tempo e espaço. As formas espaciais são materializações de projetos elaborados por sujeitos históricos e sociais. Por trás dos padrões espaciais, das formas criadas...estão concepções, valores, interesses, mentalidades, visões de mundo. Trata-se de ação dotada de um sentido, atribuído pelo executante. Um movimento que necessariamente se realiza através de sujeitos, individuais e/ou coletivos, que, ao agirem, desencadeiam séries causais. Isso coloca o imperativo de se compreender as motivações envolvidas para dar conta da produção do espaço, pois são elas que impulsionam os sujeitos. Os atores são movidos por necessidades, interesses, desejos e sonhos (MORAES, 2002). Por questões éticas e legais, de modo a preservar o anonimato da empresa e do território, os nomeamos como ‘empresa X’ e ‘território Y’. 2 588 Aprofundamos desta definição dois aspectos em particular: a diversidade de sujeitos e as motivações e sentidos atribuídos ao processo de desenvolvimento do território. Para investigar os sentidos atribuídos ao desenvolvimento do território pelos atores sociais nele presentes, nos embasamos na teoria das representações sociais, apontada como um caminho para integração entre a responsabilidade social e o desenvolvimento territorial. A diversidade de sujeitos nos remete à multiatorialidade do desenvolvimento, às interorganizações, à coletividade e à capacidade associativa. Dentro deste múltiplo de atores, é objeto de nosso estudo a transformação do papel atribuído a um deles no processo de desenvolvimento, a organização privada. A reflexão sobre o papel das empresas perante a sociedade, a responsabilidade social empresarial, pode ser vista sob diferentes abordagens, a saber: visão liberal, política ou crítica (SCHOMMER e ROCHA, 2007); ou ainda a partir das teorias dos stakeholders, empírica ou contratualista (BARBIERI E CAJAZEIRA, 2012). Independente da abordagem que se venha a adotar, é inegável o crescente peso das empresas na arena sociopolítica e econômica, assim como as cobranças e expectativas da sociedade em relação às organizações privadas. Não se trata de uma defesa de que as empresas devem ser as responsáveis pelas questões sociais e ambientais, mas que não podem estar de fora do debate público e da renegociação do pacto social. Consideramos, entretanto, que a empresa não está no centro deste debate, mas é parte dele. Este engajamento no campo social exige da organização privada uma capacidade de adaptação aos diferentes contextos em que está localizada, exige uma visão sistêmica para além de seus muros, uma compreensão da empresa como parte de uma dinâmica que se constrói na interação entre os atores sociais presentes em um território. (CALEGARO e CUEVAS, 2014). Assim, é a partir de uma escuta qualificada dos atores presentes no território que a empresa poderá compreender seu papel na dinâmica socioterritorial com vistas ao desenvolvimento de cada localidade. Para estabelecer esta escuta, nos apoiamos na teoria das representações sociais. A escolha deste itinerário investigativo é para nós relevante na 589 medida em que as práticas que se dão cotidianamente nas relações interorganizações influenciarão e serão influenciadas pelas representações sociais que estes atores constroem uns sobre os outros e sobre o processo de desenvolvimento do território. Moscovici (2012) conceitua representação social como uma forma de conhecimento em que o sujeito procura adaptar o conhecimento cientifico às suas necessidades, por meio dos recursos de que dispõe. As representações sociais podem ser entendidas como meios de recriar a realidade, são elas que vêm à nossa mente para dar sentido às coisas ou explicar a situação de alguém. Um sistema de valores, ideias e práticas com uma dupla função: primeiro estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem ambiguidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social (MOSCOVICI, 2012). Representar algo é então explicar, dar sentido à realidade social, produzir efeito identitário, organizar as comunicações e orientar as condutas. Neste sentido, entende-se que o conhecimento das representações sociais dos atores presentes em um território se apresenta como um caminho viável para a definição das práticas de responsabilidade social empresarial com vistas ao desenvolvimento territorial. O município Y foi escolhido por tratar-se de um caso que tipifica bem a influência empresarial sobre o desenvolvimento do local, bem como por ser área de atuação do pesquisador. A dinâmica socioeconômica do município Y transforma-se, saindo de uma base agrícola extrativista para a atividade industrial com a entrada em operação de uma unidade da empresa X. Para obtenção dos discursos dos atores sociais foram realizadas entrevistas individuais em profundidade, partindo do entendimento de que as representações sociais são um pensamento coletivo que se caracteriza, conforme Lefevre, F. e Lefevre, A. (2005), pela presença, internalizada no pensar de cada um dos membros da coletividade, de esquemas sociocognitivos ou de pensamento socialmente compartilhado. 590 Para obter o pensamento coletivo é preciso convocar os indivíduos, um a um, para que cada indivíduo possa expor seu pensamento social internalizado, livre da pressão psicossocial do grupo, para que o conjunto dessas individualidades possa representar uma coletividade (LEFEVRE, F.; LEFEVRE, A., 2005). Estas entrevistas foram realizadas com dez pessoas do poder público municipal e dez representantes da sociedade civil. A segmentação do público pesquisado levou em conta se o entrevistado representa o poder público ou sociedade civil e se vive na sede do município ou em algum distrito, haja vista que o relacionamento da empresa difere entre estes segmentos de públicos. Tendo como subsídio as entrevistas semiestruturadas, aplicou-se a metodologia de análise do discurso do sujeito coletivo (DSC), de Lefévre e Lefévre, possibilitando identificar necessidades, oportunidades e responsabilidades, bem como encontrar possíveis consensos para o desenvolvimento do território. Foram seguidas as etapas de construção do DSC indicadas na metodologia de Lefevre, F. e Lefevre, A. (2005, 2012), desde a seleção das expressões-chave e ideias centrais até chegar no discurso; durante o processo utilizou-se o sistema qualiquantisoft, software desenvolvido para apoio à metodologia de análise do Discurso do Sujeito Coletivo. As entrevistas são transcritas e lidas uma a uma selecionando as expressões-chave, que são trechos destacados de cada material verbal, que melhor descrevam seu conteúdo, que revelem a essência do seu conteúdo, depurando o discurso do que é acessório. A partir delas (as expressões-chave) são descritas as ideias centrais – formulas sintéticas que descrevem o sentido presente nas expressões-chave; as ideias centrais que apresentem sentidos semelhantes ou complementares são agrupadas e suas respectivas expressões-chave formam um discurso-síntese. Sendo uma metodologia quali-quantitativa, o discurso do sujeito coletivo traz, além dos discursos-síntese, duas variáveis quantitativas: intensidade e amplitude. O fator intensidade, também chamado de força, nos mostra quantas pessoas ou qual o percentual dos entrevistados que formou aquele discurso, enquanto a amplitude indica se ele está concentrado em um público ou disperso - conforme indicado nos procedimentos metodológicos as variáveis consideradas para seg591 mentação do público pesquisado foram: pertence a qual parte interessada (poder público - PP ou sociedade civil - SC) e bairro em que vive (sede - S ou distrito - D), uma vez que a unidade da empresa está localizada em um distrito distante da Sede do município. Na seção seguinte os discursos são ordenados a partir da combinação entre estes dois fatores, sendo apresentadas as ideias centrais a partir da mais ‘forte’ e ‘ampla’ até aquela com menor grau de compartilhamento. As ideias centrais sintetizam a essência dos discursos, enquanto estes são formados pela junção das expressões-chave retiradas das entrevistas realizadas. Após a tabela-síntese de cada questão são apresentados os discursos, ao que se segue uma breve análise sobre o mesmo. REPRESENTAÇÕES SOBRE O PAPEL DA EMPRESA X NO DESENVOLVIMENTO DO TERRITÓRIO Y Os discursos apresentados em seguida representam aquilo que os atores sociais acreditam que a empresa já faz ou deixa de fazer pelo desenvolvimento do município. Depois, a mesma pergunta era feita com base no que creem ser o papel ideal da empresa, o que deveria fazer pelo desenvolvimento do território. TABELA 1 – DISCURSO SOBRE “O QUE A EMPRESA X FAZ HOJE PELO DESENVOLVIMENTO”, POR IDEIA CENTRAL. INTENSIDADE IDEIA CENTRAL AMPLITUDE NO DE PESSOAS % Empresa X atua no social, mas ainda é pouco 9 45% Empresa X tem um passivo com o município 6 Empresa X faz sua obrigação 3 592 PARTE INTERESSADA* BAIRRO** 78% SC 45% S 22% PP 55% D 30% 100% PP 100% S 15% 100% SC 66% S 33% D Empresa X desmobiliza comunidade 2 10% 100% PP 100% S Fonte: Elaboração própria. * Legenda: SC representa entrevistados que são da Sociedade Civil, enquanto PP representa entrevistados que pertencem ao poder público. ** Legenda: S representa entrevistados que vivem/convivem na Sede do município, enquanto D representa entrevistados que vivem/convivem nos distritos. Discurso Empresa X atua no social, mas ainda é pouco: A empresa X está buscando essa ação a nível social. Há alguns programas como aquele programa de criança que é muito bom, pena que não dá pra agraciar todos, se fosse mais abrangente seria melhor. Tem a Agenda 21 que está também pela empresa, tem algumas iniciativas quanto a relação com os manguezais, com os pescadores, mas ainda é muito pouco, poderia fazer muito mais coisas para dentro do município. Tem o Mova Brasil, que é uma outra ação que a empresa vem fazendo, mas ainda é muito restrito. Mais concentrada na sociedade civil, tanto dos distritos quanto da sede, esta ideia central reconhece a atuação da empresa por meio de projetos sociais e programas de educação, organização comunitária e conservação ambiental. Ainda assim acham que a empresa X deveria realizar mais ações e que alcançassem um público maior. Discurso Empresa X tem um passivo com o município: A empresa X tem um débito social muito grande, um passivo enorme, não basta só esse repasse, o maior compromisso que a empresa deve ter é o compromisso social. Precisa colocar mais os programas que ela tem em outras cidades, em outros estados, que às vezes nem tem unidade da empresa; o nosso município respira gases que prejudica a saúde, que tudo isso é provocado pela empresa. Primeiro pagar o que deve, que é muito, é uma dívida incalculável. E podemos culpar a empresa propriamente? Não. Depende também do gestor, não só da empresa. Formulado por representantes do poder público que vivem na sede, o discurso é baseado na ideia de que é necessária uma atuação social para compensar impactos e danos causados pela empresa, comparando com outros municípios em que a empresa não tem opera593 ções mas realiza investimentos sociais. A responsabilidade pela falta de investimentos da empresa X no município é também atribuída ao poder executivo municipal que, na visão destes entrevistados, deveria exercer uma cobrança mais forte sobre a empresa, reforçando a visão de que o poder executivo é o principal responsável pela promoção do desenvolvimento. Discurso Empresa X faz sua obrigação: Olhe, não como um defensor da empresa X, eu vejo que ela cumpre o seu papel social, cumpre aquilo que a Legislação determina, que é área ambiental, a social, paga os tributos, mas aí não cabe à empresa administrar esse recurso dos impostos. Então ela vem atendendo de maneira satisfatória, os empreendimentos que são propostos existe os critérios, não vejo a empresa X com uma certa pendência, porque se uma estrada está ruim, sistema de educação está ruim, não cabe à empresa. Há que sinalizar também a empresa X como um dos fortes empreendedores nesses avanços da sociedade civil; tivemos a contemplação de cinco entidades do município porque foi possibilitado isso, no trabalho social da empresa. Esse comitê que nós participamos mesmo das organizações é um ponto assim, que é fundamental pra que a gente hoje, tenha essa condição de conhecer e aproveitar no que podemos. A empresa X é uma das maiores incentivadoras para o crescimento. A empresa X é vista como uma fomentadora do desenvolvimento das organizações da sociedade civil, contribuindo com formação de conhecimento e patrocínio à projetos. É salientada a contribuição em impostos pela empresa e sua conduta social e ambientalmente responsável, diferenciando ainda as responsabilidades da empresa e dos demais atores. Compartilhado por entrevistados da sociedade civil, este discurso é composto apenas por pessoas que mantém um relacionamento contínuo com a empresa X, uma variável até então não considerada por não ser relevante em outras temáticas, nas quais este grupo se mescla aos outros sem que seja possível identificar um discurso específico deste em outras questões. Vale salientar ainda que, de todos os entrevistados, seis mantém relacionamento contínuo com a empresa X, todos da sociedade civil. Discurso Empresa X desmobiliza comunidade: Há uma gestão de influência da empresa X no território, a forma como a sociedade está totalmente desorganizada é gerenciada pela pró594 pria empresa. Existe uma governança paralela feita pela empresa que desmobiliza todas as ações conjuntas que poderiam ser implementadas pelos prefeitos da região. Já a ação junto às comunidades é muito mais uma prestação de contas do que de fato uma intervenção, uma ação que possa transformar, interferir ou modificar. Não é culpa só da empresa, é porque o outro lado que está participando não acredita, a sociedade tem como perspectiva a solução do seu imediato, então vai para uma reunião, chega lá não se sente contemplado, aquilo para o indivíduo não tem validade nenhuma. Ele volta para casa e continua a vidinha dele. A empresa X faz de conta que está resolvendo; é uma ação pontual, o diálogo fica na base de resolução de demandas, não tem um planejamento. Representantes do poder público afirmam que a empresa exerce influência sobre a sociedade civil e sobre o poder público, desarticulando-os para que não façam frente à organização no que diz respeito à concentração de poder, de modo que não exerçam pressão sobre a empresa. A sociedade civil também é responsabilizada pela falta de consequência das ações da empresa junto à comunidade, que se dão muito mais como uma prestação de contas que como uma intervenção transformadora. Partindo do que a empresa X faz pelo desenvolvimento, os entrevistados passam então para quais seriam os papeis ideais atribuídos à organização com vistas à promoção do desenvolvimento do território. A tabela abaixo sintetiza as ideias centrais referentes a esta questão. TABELA 2 – DISCURSO SOBRE O PAPEL IDEAL DA EMPRESA X, POR IDEIA CENTRAL. IDEIA CENTRAL INTENSIDADE AMPLITUDE N DE PESSOAS % Empresa X deve fazer formação 10 50% Empresa X tem que empregar 8 40% Empresa X deve cuidar do meio ambiente 3 15% O PARTE INTERESSADA BAIRRO 60% SC 70% S 40% PP 30% D 50%SC 62% S 50% PP 38% D 66% SC 33% S 33% PP 66% D 595 Empresa X deve fazer projetos duradouros 2 10% 100% SC Empresa X deve participar/patrocinar eventos 2 10% 100% PP 50% S 50% D 100% S Fonte: Elaboração própria Discurso Empresa X deve fazer formação: A empresa X pode ter esse papel em termos de formação profissional, porque é bom para o cidadão, para o munícipe, mas para a empresa também é muito bom ter um quadro bem formado próximo do local onde ela está instalada. Deveria fazer uma escola profissionalizante, bem direcionada as necessidades do mercado de trabalho para ações de trabalho que ela executa e necessita, bem como para as empresas que realizam seus serviços terceirizados. Muitos jovens têm vontade, mas não aparecem oportunidades, um grande número de pessoas que fizeram o curso do petróleo e gás concluíram com muita dificuldade e em momento nenhum tiveram oportunidade. Se a empresa X fizesse uma formação, “oh a gente vai ajudar aqui o município, vamos dar um curso para vocês aí de comércio”, o sujeito sabia que ele ia fazer um curso de comércio, mas que ele não iria trabalhar na empresa X porque não é atividade dela (da empresa). Mas a empresa X faz a formação exatamente na sua área, na área de demanda da sua empresa, e aí depois esse retorno é muito pequeno para essa sociedade. Então precisa responder essa questão. A qualificação profissional é apontada como um dos papeis atribuídos à empresa X; entrevistados da sociedade civil e do poder público ressaltam a carência deste tipo de formação, bem como os possíveis ganhos tanto em empregabilidade quanto em redução de custos para a empresa X e seus prestadores de serviço. O discurso traz ainda que mesmo aqueles que têm formação encontram dificuldades de ingressar no mercado de trabalho, não adiantando a empresa fazer formação na área em que atua se não haverá oportunidades de ingresso. Discurso Empresa X tem que empregar: A empresa X está aqui perto, dentro do município e não emprega ninguém. Por quê? As pessoas não conseguem entender. Precisava ter um 596 atendimento maior no campo da geração de emprego e de renda, estabelecer e criar políticas em cima disso para atender todo mundo. A empresa X não é só pro pessoal daqui, mas não é admissível que uma empresa dentro do município e que emprega várias pessoas não seja a número 1 em ocupação das pessoas da cidade, que não tenha quase ninguém daqui trabalhando. Muitos pais deixam a família para trás e vão trabalhar em outro Estado, isso é complicado. Complementando o discurso anterior, esta ideia central questiona o não aproveitamento da mão de obra local pela empresa X e seus prestadores de serviço. Discurso Empresa X deve cuidar do meio ambiente: O cuidado com o meio ambiente deve ter um grande investimento de trabalho. A empresa X tem um grande débito aí nessa área de meio ambiente. Quando tinha um derrame de produto o que a empresa fazia? - limpava o que dava e o que não podia ficava lá degradando. Então tem que investigar essa área de meio ambiente, olhar o pessoal da pesca, ver problema de mau cheiro que tem, o que deve consertar para não causar problema para comunidade, trabalhar estas tecnologias para melhorar as coisas. Com maior concentração entre os entrevistados que vivem nos distritos, são apontados impactos ambientais com consequências para a saúde e geração de renda dos munícipes. Fala-se em passivos que precisam ser investigados e da necessidade de desenvolvimento de tecnologia para minimizar eventuais impactos. Discurso Empresa X deve fazer projetos duradouros: Essa questão de patrocinar festas, eventos, não sei quantos milhões para fazer uma festa, isso não vale a pena, porque festa é aquilo ali e acabou, não fica nada pra comunidade de verdade. A empresa deve fazer uma coisa na comunidade, com entidade, todo mundo que tomou aquele curso, qualquer coisa, uma escola profissionalizante, projetos que ajudem a promover a transformação do indivíduo, do cidadão, isso tudo fica marcado. Formulada exclusivamente por entrevistados da sociedade civil, esta ideia central questiona o investimento da empresa X em eventos esporádicos que não promovem a transformação social, reforçando que o investimento deve ser realizado em projetos de longo prazo que tenham retorno à sociedade. Discurso Empresa X deve participar/patrocinar eventos: 597 Era bom que a empresa bancasse aqui o festejo popular, um show de banda famosa, também feiras de livro, festival de cultura. É muito bom estar vinculando o nome da empresa X a estes eventos. Às vezes o que precisa não é nem tanto dinheiro, é essa questão de parceria, que onde tem a marca da empresa fica uma boa impressão, além do retorno que tem para a própria empresa. Isso serve também para aliviar o poder público a fazer outros investimentos na cidade. Contrapondo o discurso anterior e compartilhado somente pelo poder público, a proposta apresentada é que a empresa X participe também de eventos pontuais, ‘emprestando’ sua credibilidade à organização do evento ao associar sua marca e aliviando os custos do poder público, de modo que este possa investir em ações mais estruturantes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estabelecido como objetivo proporcionar a integração da responsabilidade social da empresa X ao desenvolvimento do território Y, por meio da análise das representações sociais de seus atores –, há que se destacar as possibilidades proporcionadas pela análise do discurso do sujeito coletivo em nosso caso. Entre representações e práticas há um processo de codeterminação e, segundo Abric (apud Chamon, 2009), esta ligação têm relação direta com a natureza da situação e, principalmente, com duas de suas características: a autonomia do sujeito na situação, ainda que parcial, e a presença, na situação, de elementos ligados fortemente à afetividade ou à memória coletiva. Daí derivam duas hipóteses: a) as representações determinariam as práticas sociais nas situações nas quais a carga afetiva é forte ou a referência à memória coletiva é necessária para manter ou justificar a identidade, a existência ou as práticas de grupo; b) as representações teriam papel determinante sobre as práticas nas situações nas quais o ator dispusesse de uma autonomia (mesmo relativa) com respeito às restrições da situação ou àquelas resultantes das relações de poder (CHAMON, 2009). De modo prático e simplista, visando a instrumentalidade necessária para sermos propositivos, há então dois extremos (permeados de nuances entre eles) no modo de lidar com a representação social: o pri598 meiro é entendê-la como uma condição dada à qual se deve aceitar como limite à atuação, ou seja, aquele paradigma está consolidado e temos de conviver com ele, ajustando as estratégias dentro desta realidade. O segundo, mais complexo, é estabelecer estratégias, discursivas e práticas, para transformação da representação social, o que só poderá se dar em longo prazo, a partir de ações planejadas e conscientes. Dentro deste amplo espectro, nos propusemos a encontrar os possíveis consensos, sejam presentes ou passiveis de serem construídos (com ações conscientes e planejadas), e a partir deles avaliar as possibilidades de integração da responsabilidade social empresarial ao desenvolvimento territorial. Abordando os papeis atribuídos à empresa, nota-se que a sociedade civil tem, em geral, uma imagem mais positiva de sua atuação, o que pode ser notado em ‘Empresa X faz sua obrigação’ e ‘Empresa X atua no social, mas ainda é pouco’, que reconhece os esforços ainda que os considere insuficientes. Já o poder público, ator com maior concentração de poder no território, expõe dois discursos negativos sobre a empresa X, o que demonstra a necessidade da organização atuar mais próximo deste ator, tanto com divulgação de suas ações visando reverter esta percepção, quanto estabelecendo um relacionamento transparente e de parceria com este público. Uma demonstração de que o relacionamento pode formar uma representação diferenciada sobre a organização foi encontrada na ideia central ‘Empresa X faz sua obrigação’, formulada por aqueles que mantém contato frequente com a empresa. Não se trata de isentar a empresa de sua responsabilidade ou apenas de melhorar a representação destes públicos sobre a organização, mas de estabelecer entre os atores presentes no território relações de confiança e parceria, relações interorganizacionais que são imprescindíveis para o desenvolvimento do território. Entre os discursos, dois apontam a necessidade de atuação da empresa sobre a temática do emprego, que foi citada por 90% dos entrevistados. Cabe ainda ressaltar que tanto sociedade civil quanto poder público, assim como sede e distritos são parte destas ideias centrais citadas, sendo este claramente um consenso possível. Não basta, entretanto, a empresa proporcionar qualificação profissional se isso não for revertido em maior empregabilidade: “Mas a empresa X faz a formação exatamente na sua área, na área de demanda da sua empresa, e aí depois esse retorno é muito pequeno para essa sociedade. Então precisa responder 599 essa questão”. O envolvimento da empresa com a temática significa para os demais atores um comprometimento com a solução. Não há espaço para a empresa se omitir neste tema, mas promover somente a qualificação não será suficiente, sendo necessário estabelecer estratégias de intermediação de mão de obra que aumentem a empregabilidade dos participantes dos cursos de qualificação. Neste sentido, uma possibilidade é a articulação de um comitê ou fórum interorganizacional que envolva empresas prestadoras de serviço, poder público, sociedade civil organizada, instituições tecnológicas e acadêmicas. A este comitê caberia avaliar as potencialidades econômicas do território de modo a definir as áreas de qualificação profissional a serem desenvolvidas, bem como implantar um processo transparente e multiatorial de intermediação de mão-de-obra. Outro ponto importante na relação da empresa com o território diz respeito ao que é abordado em toda a literatura sobre responsabilidade social, o tratamento dos impactos causados e/ou atribuídos à ela. Discurso compartilhado em especial por aqueles que vivem mais próximos às instalações da organização (‘Empresa X deve cuidar do meio ambiente’), demanda tanto ações de esclarecimento, para os casos de falta de informação e responsabilização equivocada, como desenvolvimento e/ou aplicação de tecnologias para efetiva minimização de eventuais impactos que realmente estejam ligados à operação da empresa, mantendo uma relação de transparência com seus vizinhos. Apresentamos algumas das diversas possibilidades de atuação de uma empresa para que possa colaborar com a transformação do local. Todas as sugestões colocadas são especificas para este contexto e só serão efetivas em um espaço e tempo delimitados, são dirigidas ao caso em questão e são temporárias, pois refletem a dinâmica socioterritorial atual. Estes são os limites e ao mesmo tempo as possibilidades que a análise das representações sociais nos apresenta quando aplicadas ao desenvolvimento territorial; é uma metodologia aplicável a outras situações justamente por nos permitir ver o que há de singular em cada uma delas, e mais, por trazer à tona as crenças e paradigmas que influenciam as práticas. Consideramos desta forma que a análise das representações sociais deve ser uma das muitas ferramentas utilizadas para pensar processos de indução do desenvolvimento territorial; é preciso mesclar análises 600 quantitativas, intervenções territoriais baseadas em métodos participativos, análise de representações sociais e tantas outras formas de análise disponíveis para estabelecer estratégias com vistas ao desenvolvimento territorial, um grande desafio da sociedade contemporânea ‘glocalizada’. REFERÊNCIAS BARBIERI, José Carlos; CAJAZEIRA, Jorge Emanuel R. Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável: da teoria à prática. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BRANDÃO, Carlos. A busca da utopia do planejamento regional. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n.120, p 17-37, jan./jun. 2011. CALEGARO, Paulo R. R.; CUEVAS, Marcelo M. R. 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São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 602 |8| RELAÇÕES PÚBLICAS ENQUANTO COMUNICAÇÃO POLÍTICA DO MOVIMENTO SOCIAL DOS DIREITOS ANIMAIS Camila Carbornar de Souza1 e Nicole Kollross2 RESUMO O artigo tem como tema a atividade de relações públicas como potencializadora do caráter político e, consequentemente, da efetividade comunicacional do movimento social pelos direitos animais. O artigo tem como objetivo central a discussão sobre a ação política (por meio da comunicação) do movimento no cenário brasileiro, e o problema de pesquisa é como as organizações do movimento lançam o debate sem a grande mídia. Constituem a metodologia o embasamento teórico é a teoria da mobilização política e o conhecimento de mobilização da área das relações públicas, (sendo que ambos têm como fio condutor o conflito político) e análise de enquadramento. Como resultado constata-se que a mobilização do movimento é a atividade de Relações Públicas, sem conhecimento, sem desenvolvimento adequado e sem o devido mérito – um quadro brasileiro no qual se trabalha para mudar. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora no Grupo de Pesquisa Comunicação e Mobilização Política (CNPq). 1 Doutoranda em Comunicação e Linguagens no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná. Pesquisadora no Grupo de Pesquisa Interações Comunicacionais, Imagens e Culturas Digitais (CNPq). 2 Palavras-chave: Mobilização; Movimento dos direitos animais; Comunicação política; Relações públicas. INTRODUÇÃO A preocupação com os animais se mostra crescente, pois há uma maior sensibilidade tanto nos cuidados destinados aos gatos e cães, quanto ao tratamento destinado aos bois e porcos (mesmo que por causa da sua carne, o seu destino seja invariavelmente a morte); o mesmo acontece no tratamento destinado aos coelhos e primatas, por causa da cura do câncer. Há sensibilidade quanto ao tratamento, ninguém quer infringir dor desnecessária aos animais e avanços vêm sendo feitos no âmbito legal para amenizar o sofrimento deles. Num caminho que começa no século XIX na Inglaterra, passa pelos Estados Unidos e chega posteriormente na América Latina, o movimento pelos direitos animais chega ao Brasil nos anos 2000. As preocupações do movimento se diferenciam, contudo, das preocupações acima. Numa pauta única, esse movimento exprime a complexidade de uma questão contra-hegemônica e cheia de por menores: a abolição da exploração animal e do status de propriedade do animal. Entendendo que os animais possuem senciência (capacidade de sentir dor conscientemente) – que é o que, em determinada instância, faz todos os seres humanos terem direitos – há agora a busca pelos interesses dos animais em bem viver as suas vidas, com liberdade3 (FRANCIONE, 2013). São justamente as organizações que agem com o fim de abolição animal, que constituem o movimento dos direitos animais, o objeto de estudo do artigo, sendo o Brasil o universo de pesquisa. A necessidade intrínseca dos seres humanos os ultrapassa e é também uma necessidade das organizações, para que elas sobrevivam. Para agir de modo coerente com a convicção, o veganismo ( filosofia de vida sem usos de produtos que envolvem animais no seu processo, na sua composição ou tem animais como produto final) é adotado como base necessária. 3 604 É um elemento vital: “é a comunicação que ocorre dentro [da organização] e a comunicação entre ela e seu meio ambiente que [a] definem e determinam as condições da sua existência e a direção do seu movimento” (THAYER4 apud KUNSCH, 2003, p. 69). Tal vitalidade é evidenciada no surgimento dos movimentos sociais e em sua caracterização atual, que só foi possível (em retrospectiva) graças à comunicação impressa, elemento facilitador da comunicação em maior escala (TARROW, 2009). Enquanto movimento social, o dos direitos animais tem a intenção de lançar o debate e de mobilizar por meio de ações comunicativas. Nesse processo de mobilização, a mídia tem um papel importante, relacionado ao de contribuir com a oferta de visibilidade e de influenciar no rumo de um debate; para Tarrow (2009, p. 150), por exemplo, os movimentos utilizam ou os recursos internos ou a mídia para efetivar o protesto, e em suas próprias palavras “a mídia é uma fonte difusa de formação de consenso que os movimentos não podem obter facilmente”. Logo, meios alternativos são apropriados, como sugere Peruzzo (2011, s/n), num ajuste às condições dadaspor parte dos movimentos para se comunicar. A internet é um desses meios, usado como meio de manutenção da rede e meio mobilizador. A sua infraestrutura, mais rápida e mais barata, com potencial de produção e difusão autônomas e com recursos para ação política em diversas escalas (MAIA, 2011) possibilita o empoderamento de grupos pouco formalizados (BENNET, 2004). Como afirmou Lévy (1996, p. 203), “o ciberespaço é justamente uma alternativa para as mídias de massa clássicas”; portanto, são os materiais online das organizações que formarão o corpus para a análise de enquadramento do artigo, na tentativa de responder como que as organizações do movimento enquadram o debate na intenção de mobilizar. Dado a dificuldade de obtenção de visibilidade midiática (da grande mídia) por parte do movimento pelos direitos animais, a problemática de estudo é como organizações que compõem esse movimento lançam o debate e mobilizam, sem a grande mídia? O referencial teórico da pesquisa é a teoria da mobilização política, principalmente a sua vertente de enquadramento – atividade comunicacional estratégica – e a área de co- THAYER, Lee O. Comunicação: fundamentos e sistemas na organização, na administração, nas relações interpessoais. São Paulo: Atlas, 1976. 4 605 nhecimento das relações públicas, no que tange o caráter social e político da atividade. O artigo tem como objetivo central a discussão sobre a ação política (por meio da comunicação) do movimento no cenário brasileiro e como objetivos específicos discutir a atividade das relações públicas nessa comunicação política e verificar os repertórios e enquadramentos dos grupos. Os objetivos constituem os tópicos principais do artigo e a metodologia empregada é bibliográfica, com análise de enquadramento. POSICIONAMENTO DO CONCEITO DE RELAÇÕES PÚBLICAS Devido à polissemia de conceitos que a atividade abrange, faz-se aqui necessário pontuar o conceito de relações públicas que orienta o trabalho. Algumas das características gerais que permeiam o termo são: a busca pela compreensão mútua entre uma organização e seu pessoal, assim como entre ela e os grupos aos quais está ligada5;ou mesmo o seu posicionamento estratégico, para agregar valor e facilitar os processos interativos, as mediações (KUNSCH, 2003) e a sua gestão da função política (SIMÕES6 apud SCROFERNEKER, 2008). O surgimento da atividade – que se deu com o fortalecimento da sociedade civil e com a mobilização política nos Estados Unidos – está afim, para Pinho (2008), com o caráter eminentemente político das relações públicas, através do qual há o entendimento da necessidade de atingir adeptos, de mobilizar. Foram reconhecidas como importantes as habilidades voltadas para o mútuo entendimento, dado por meio da negociação das opiniões de diferentes públicos; que, somada às estratégias comunicativas, acabaram por se profissionalizar através das relações públicas. O conflito está na raiz e na razão de ser da atividade. No Brasil a atividade nasce vinculada à administração pública. Nos aos 1970, com abertura política e redemocratização, ela ganha caráter mais solidário e comunitário e reencontra a sua teoria de gestora de relações de poder (STEFFEN, 2008). Deixa de ser “conformada” e retoma à sua raiz de conflito com Peruzzo (2009), que a reintroduz na vertenAssociação Brasileira de Relações Públicas – ABPR. Disponível em: <http:// www.portal-rp.com.br/historia/parte_13.htm>. Acesso em: jul. 2013. 5 SIMÕES, R. P. Relações Públicas e Micropolítica. São Paulo: Summus, 2001. (Coleção Novas Buscas em Comunicação, v.64) 6 606 te de atividade no âmbito popular, alternativo ou comunitário; ligada aos movimentos sociais e a outras organizações sem fins lucrativos da sociedade civil, cumprindo um papel e tendo uma tarefa maior do que “apenas” mediar: fazer com que as organizações se autorrepresentem. Mais precisamente, a atividade de relações públicas passa a ser adotada de acordo com essa revivescência. Para Pinho (2008, p. 41), é a volta das relações públicas no cerne das grandes questões contemporâneas: “fala-se de uma revivescência da profissão a partir do fortalecimento dos movimentos sociais de demanda especializada, tão bem representados pelas ONG’s e demais grupos e associações pertencentes à sociedade civil”. Segundo Peruzzo (2009), nos movimentos sociais as atividades das relações públicas são as que se referem ao relacionamento dos atores com os seus públicos, com o conjunto da sociedade e ainda com a opinião pública. Dessa forma, às relações públicas são conferidas também às atividades comunicativas que influenciam no enquadramento feito pelos movimentos. O planejamento (participativo) das ações, a preparação de materiais, as pesquisas e as campanhas, a orientação quanto à postura e as próprias atividades com os diversos públicos, são alguns dos instrumentos da área que, quando aplicados nos movimentos sociais, auxiliam na efetivação do alcance dos objetivos. Dessa forma, o próprio repertório do movimento caracteriza um processo de relações públicas, quando elaborado e aplicado de forma estratégica. De modo que a atividade, que surgiu com vistas na mobilização social, ainda cumpre essa função (que é o objetivo de todo e qualquer movimento social). Em organizações sociais, as relações públicas devem estabelecer canais de comunicação desobstruídos para que tanto a comunicação entre a organização com os seus públicos seja estimulada, quanto à comunicação dos seus respectivos públicos entre si. Alguns instrumentos utilizados pela atividade são: pesquisa e auditoria, que possibilitam fazer diagnósticos e prognósticos da organização; planejamento, que orienta as ações futuras a partir das demandas e necessidades atuais e; comunicação dirigida, segmentada e massiva (utilizadas pela atividade para o fortalecimento de vínculos). Para a atuação específica das relações públicas nos movimentos sociais, Henriques (2007) propõe estratégias comunicativas que esti607 mulam a participação dos públicos, orientadas pelo sentimento de co-responsabilidade. As estratégias são difusão de informações, promoção da coletivização, registro da memória do movimento e fornecimento de elementos de identificação com a causa e com o projeto mobilizador. TEORIA DA MOBILIZAÇÃO POLÍTICA Um dos objetivos dos movimentos sociais é fazer com que as reivindicações ganhem adesão de mais pessoas e, posteriormente, estimular essas pessoas a agirem em prol das reivindicações dos movimentos. Esse processo é um dos apontados por Tarrow (2009) como principais dos movimentos sociais – o de instigar redes sociais, objetivos comuns e quadros culturais – e diz respeito ao consenso e à mobilização. “Mobiliza-se para estimular uma participação maior na vida coletiva, nas questões que afligem a sociedade, em causas que são de responsabilidade de todos” (MAFRA, 2006, p. 36). A mobilização parte de um esforço deliberado para a construção do consenso (que implica em definições coletivas de uma situação), que não é planejado e ainda vai além dele, para levar as pessoas à ação. É o consenso mobilizado que produz a ação coletiva, e a mobilização consiste em “tentativas deliberadas de difundir as perspectivas de um ator social entre partes de uma população” (KLANDERMANS7apud TARROW, 2009, p.147). Ela ocorre “quando um grupo de pessoas, uma comunidade ou uma sociedade decide e age com um objetivo comum, buscando, cotidianamente, resultados decididos e desejados por todos” (TORO; WERNECK8 apud MAFRA, 2006, p. 32). Desse modo, é o resultado de ações de sujeitos que compartilham sentimentos, conhecimento e realidade e pode ser entendida como objeto da comunicação, já que pressupõe a troca de discursos, visões e informações. KANDERMANS, A. The formation and mobilization of consensus. In: KLANDERMANS, B.; KRIESI, H.; TARROW, S. From structure to action.International Social MovementsResearch. V. 1. Greenwich, 1988, p. 173-196. 7 TORO, J. B.; WERNECK, Nísia M. Mobilização social: um modo de construir a democracia e a participação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. 8 608 A mobilização depende dos quadros interpretativos (TARROW, 2009) que levarão à ação, a alianças e à interação. São esses quadros que o artigo vai explorar através da análise de enquadramento, especialmente na internet, já que a repercussão na mídia tradicional é comparativamente fraca. A noção de enquadramento foi apresentada originalmente por Gregory Bateson em estudo sobre a psicologia. Logo essa noção foi apropriada por sociólogos (ganhando ainda noção política e comunicativa) e o sociólogo Erving Goffman elaborou a frame analysis. Na apropriação da noção de enquadramento por Goffman (19869 apud MENDONÇA; SIMÕES, 2012), foi introduzido o termo frame para designar as estruturas de sentido delineadas pelos sujeitos nas situações que enfrentam. O conceito dialoga com o pragmatismo, a fenomenologia e a etnometodologia e, nas palavras de Benford e Snow (2000, p. 614), em tradução livre do inglês para o português10: “para Goffman frames denotam ‘esquemas de intepretação’ que habilitam aos indivíduos ‘localizar, perceber, identificar e trabalhar’ ocorrências no espaço de suas vidas e no mundo em geral”. Segundo a teoria da mobilização política, o enquadramento é uma atividade estratégica, acionada quando se abrem oportunidades políticas para a mobilização social e que encontra na mídia um papel importante. A frame analysis “possibilita identificar as regras e as instruções que orientam determinada situação eo envolvimento dos atores nela” (MENDONÇA; SIMÕES, 2012, p. 189). Ela observa como são construídos os enquadramentos acerca do mundo e quais os recursos e medidas utilizados para lidar com isso (HANGAI, 2012). Snow e Benford (2000) se apropriaram do conceito para analisar a comunicação em âmbitos políticos de ação coletiva, “argumentando que há uma categoria especial de entendimento cognitivo – os quadros interpretativos das ações coletivas – que se refere a como os movimentos sociais constroem significados para a ação” (TARROW, 2009, p. 143). GOFFMAN, E. Frame analysis: an essay on the organization of experience. Boston, Northeastern University Press. 1986. 9 “For Goffman, frames denoted “schemata of interpretation” that enable individuals “to locate, perceive, identify, and label” occurrences within their life space and the world at large” (BENFORD; SNOW, 2000, p. 614). 10 609 Ele discorre “sobre como os atores coletivos inseridos no processo de mobilização social empregam quadros interpretativos da realidade, permitindo-lhes analisar sua situação atual e promover reivindicações públicas” (HANGAI, 2012, p. 5). Segundo Benford e Snow (2000), os quadros interpretativos de ação coletiva “são dispositivos enfatizadores que ressaltam e adornam a gravidade e a injustiça de uma condição social ou redefinem como injusto ou imoral o que era visto anteriormente como desastroso, mas talvez tolerável” (BENFORD; SNOW11apud TARROW, 2009, p.143). Em Goffman (2009), as interpretações são dirigidas a partir dos primary frameworks, que é uma atividade da qual se pode atrair um sentido sem a “necessidade de se recorrer a outro enquadramento prévio”. Daí se dá a interação com agentes que tentam direcionar o assunto em questão com interpretações de acordo com os seus próprios valores e objetivos enquadrando o assunto ao seu modo, através do “alinhamento do quadro interpretativo”. Nesse alinhamento, os atores “conectam quadros culturais existentes a uma questão ou problema particular, esclarecem e revigoram um quadro interpretativo que se relaciona a uma questão específica e expandem os limites do quadro primário de um movimento para incluir interesses ou pontos de vista mais amplos” (GOFFMAN apud TARROW, 2009, p.144). REPERTÓRIO E ANÁLISE DE ENQUADRAMENTO No mapeamento realizado como passo inicial da pesquisa foram constatadas 27 organizações do movimento dos direitos animais. O corpus de análise são os materiais online dos 15 grupos que deram retorno à pesquisa.Os grupos que lutam pelos direitos animais atuam de diversas maneiras: somadas, formam o repertório da mobilização. Tilly12 (apud TARROW, 2009, p.51)define “repertório de confronto” como o conjunto SNOW, David E. & BENFORD, Robert (1992). Master Frames and Cycles of Protest. In: MORRIS, Aldon& MUELLER, Carol McClurg (orgs.). Frontiers in Social Moviment Theory. New Haven: Yale University Press, p. 133-155. 11 TILLY, C. How to detect, describe and explain repertoires of contention. Texto não publicado, 1992. 12 610 de rotinas compartilhadas e realizadas, e como “as maneiras através das quais as pessoas agem juntas em busca de interesses compartilhados”. O repertório do movimento dos direitos animais é composto por manifestações, protestos, atos públicos, intervenções urbanas ou educativas para crianças, oficinas de arte gratuitas, produção de material (gráfico e audiovisual) de livre reprodução, projeções em espaços públicos, campanhas pelos direitos animais (via rede social e meios impressos), palestras, programa de rádio, cursos educadores humanitários, discussões teórico-literárias, panfletagem, petição, colagem de cartazes, ação direta não violenta, denúncias, diálogo com o poder político, diálogo com instituições de ensino, elaboração de projetos de lei, exibição de filmes, biblioteca itinerante, eventos de culinária vegetariana estrita, diálogo com empreendedores para implantação de opções veganas, ciberativismo, “terrorismo midiático”13, assessoria aos que estão ingressando no veganismo ou a ONGs de proteção, oficinas de capacitação e vegnics14. Quanto ao enquadramento, o movimento dos direitos animais já é estudado por tal perspectiva (DECOUX, 2009; JASPER e POULSEN, 1995; WRENN, 2014; RUBISTEIN, 2910; FREMANN, 2010). Para mobilizar indivíduos, os grupos usam os já mencionados quadros de ação coletiva, que se divide em três componentes. O primeiro é o problema do status dos animais como propriedade, constitui o diagnostic framing. Já o segundo é o prognostic framing, que sugere alternativas ao público, como fazem os grupos do movimento nos Estados Unidos, ao concentrar a solução na dispersão de informações, aumentando o acesso a opções veganas, não no sentimento de culpa pela exploração animal (RUBINSTEIN, 2010). O terceiro componente é o motivational framing, que fornece justificativa e motivação para a participação e envolve um vocabulário que indica um sentimento de gravidade, urgência e eficácia (BENFORD; SNOW, 2000). Os quadros motivacionais utilizados pelo movimento exprimem a gravidade dos matadouros e fazem apelo às crenças e costumes. Outro estudo dos enquadramentos do movimento abolicionista nos Estados Descrita pelo grupo que o mencionou em questionário como “várias ações comunicativas para expor conceitos do movimento”. 13 Vegnics são picnics veganos. São momentos de descontração dos grupos em que os seus membros e outros convidados têm como fortalecimento do vínculo interno. 14 611 Unidos (FREMANN, 2010) delineia quatro principais enquadramentos utilizados: crueldade e sofrimento, mercantilização (animal como produto), danos aos seres humanos e ao ambiente, e matança desnecessária. Numa análise comparativa, foi identificada semelhança de enquadramentos dos grupos brasileiros em relação aos norte-americanos. O que surge como novidade na comparação é um enquadramento emergente nos grupos brasileiros: o de veganismo como benéfico para a sociedade, como uma cultura de paz e de compaixão, também pelo fato da exploração animal se renquadrada possuindo relações com a exploração humana (inclusive em âmbito econômico) e com discriminações (como a de identidade de gênero). A tabela15 exprime o resultado da análise: A – Crueldade e sofrimento; B – Mercantilização; C – Danos à saúde e ao ambiente; D – Matança desnecessária; E – Outros enquadres; F – Uso de choques morais Org./ Enquadres A B C AVEG X x X Camaleão X X x Libertação animal relacionada com a libertação humana X x Veganismo como respeito aos animais x Veganismo como respeito aos animais X X x Justiça social como uma consequência do veganismo; veganismo como cultura de paz e compaixão X X x X NÃO MATE X x F X X Instituto Nina Rosa E Libertação animal relacionada com a libertação de gênero COMPATA FALA D X A tabela foi originalmente apresentada no GP Políticas e Estratégias de Comunicação, XIV Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, setembro de 2014. 15 612 Onca X x X x Justiça social como consequência do veganismo; libertação animal relacionada com a libertação humana Princípio Animal X x X x Libertação animal relacionada com a libertação humana Libertação animal através da alimentação; libertação animal relacionada com a libertação humana Revolução da Colher X X x Sementes X X x X x Animais são seres equitativos, que merecem igual consideração x Justiça social como uma consequência do veganismo; veganismo como cultura de paz e compaixão SVB ULA X x X Vanguarda Abolicionista X x VEDDAS X x X x Libertação animal relacionada com a libertação humana VIDA X x X x Justiça social como uma consequência do veganismo x X X X X X DEBATE DOS DIREITOS ANIMAIS COMO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO POLÍTICA DAS RELAÇÕES PÚBLICAS (ANÁLISE) No contexto popular e dos movimentos sociais, as relações públicas atuam de modo a alcançar a transformação social e na ampliação da cidadania, possibilitando a participação e o protagonismo. Elas tratam do relacionamento dos atores entre si, com os seus públicos, com o conjunto da sociedade e, ainda, com a opinião pública (PERUZZO, 2009). De tal forma, a atividade de relações públicas tem como competência tratar legitimamente das relações sociais e a sua função é de natureza social. Ela deve ser dialógica, libertadora e educativa, e não centralizada, manipulada, autoritária, uniderecional ou paternalista (HENRIQUES, 2007). Uma vez que a estratégia é um fundamento das relações públi613 cas, tal dimensão, na qual elas participam das tomadas de decisões e analisam cenários (FERRARI, 2011), se faz essencial também no contexto de ações sociais e coletivas. Mesmo que,nesse contexto, as relações públicas sejam exercidas de forma mais democrática, compartilhando em maior grau o grupo no qual atua, para que a atuação seja condizente com a sua proposta ética. Estratégia não é só um procedimento de organizações empresariais, e, portanto deve estar presente nos debates entre os grupos sociais também. Estratégico não é antônimo de diálogo e não é sinônimo de manipulação, é uma forma de se alcançar efetividade (HENRIQUES, 2007; MAFRA, 2006). Mafra (2006, p.43) discorre sobre o aspecto político da atividade: “a atividade de Relações Públicas pode inserir, a partir da formulação de estratégias argumentativas, argumentos na cena pública, estimulando um processo de discussão e de debate”. Há três dimensões de estratégias de comunicação para a mobilização social: a espetacular, a festiva e a argumentativa (MAFRA, 2006). A dimensão espetacular é uma estratégia de comunicação extraordinária, de modo que recebe atenção de indivíduos que não a concederiam de outra forma. A festiva usa técnicas de comunicação aproximativa para fortalecer a rede interna do grupo, o que fortalece nos integrantes tanto a identificação com o grupo, quanto à co-responsabilidade em relação à causa levantada pelo mesmo. Já a dimensão argumentativa justifica a existência de um grupo, mobiliza com a racionalidade, sustenta as ações e deve estar presente ainda nas outras duas dimensões. Pelo repertório do grupo pode-se notar que as três dimensões estão presentes. Para o desenvolvimento de mais conclusões, assim como a verificação se tais dimensões são feitas de forma estratégica ou não, serão necessários estudos posteriores complementares. Considera-se, aqui, o repertório do movimento como ações criadas com o intuito de mobilizar. Essas atividades também devem ser articuladas e pensadas estrategicamente, o que resultaria em um bom trabalho de relações públicas. De acordo com Simões (1995) a dimensão política existe na medida em que há conflitos, ou diferentes interesses que tornem as negociações necessárias. Para Tarrow (2009, p. 18), toda ação coletiva é marcada pelo confronto político, que “ocorre quando pessoas comuns, sempre 614 aliadas a cidadãos mais influentes, juntam forças para fazer frente às elites, autoridades e opositores”. Quanto ao movimento dos direitos animais, enquadrar a questão (colocada a partir do quadro primário da defesa animal), direcionando interpretativamente o debate e mobilizar, constitui, então, uma ação de comunicação política. Com base em uma postura político-educativa, na qual a organização social é um sujeito ativo no processo de mobilização política, é possível construir uma concepção diferente de relações públicas. Nessa concepção, a percepção das relações públicas e dos seus usos dos meios de comunicação é superada – ela passa a ser uma “atividade meio”, instigadora. Tal caráter político, emergente das relações públicas (inserida em conflitos), fomenta o debate. Na verdade, reencontra as suas origens, já que a sua consolidação teve estreita relação com mobilizações, reivindicações e opinião pública. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como as organizações do movimento dos direitos animais estabelecem vínculos com a sociedade de um modo geral e com outros atores, inclusive a mídia, o que as organizações fazem caracteriza por si só um processo de relações públicas, até mesmo no que se refere ao enquadramento (já que este é construído nas interações). Se as atividades realizadas são caracterizadas como relações públicas, o desafio que se coloca é de mão-dupla: às organizações cabe atribuir maior valor e reconhecimento da área, e; às relações públicas, cabe se apropriar do ramo da atividade que envolve confrontos políticos, assim como foi no seu surgimento. De tal forma, os processos serão estabelecidos e exercidos com maior propriedade e legitimidade. A partir da análise das organizações – que compõem o movimento com diversidade – nota-seque as atividades realizadas de forma mais estratégica são as dos grupos que pagam por algum trabalho externo, ou que tem gente especializada (internamente) na área de comunicação, design ou audiovisual, como Instituto Nina Rosa (SP) e o Movimento Não Mate (SP). Aqui o caráter de voluntariado dos coletivos sociais coloca esse limite, visto que o tempo livre dedicado ao ativismo é limitado e, assim, a comunicação estratégica é deixada de lado em detrimento de atividades tidas como mais importantes ou emergenciais. 615 A posição de contra-cultura do movimento dificulta a sua repercussão e adesão. Isso implica num trabalho minucioso que deve ser feito por meio da divulgação de informações e maiores esclarecimentos acerca da temática. Cabe aos grupos, então, ao prestarem esses esclarecimentos. Uma hipótese aqui lançada, ainda sem confirmação, é a de que alguns deles necessitam do reconhecimento da atividade de relações públicas para agirem com mais estratégia na tentativa da mobilização. Mesmo as ideias do movimento sendo contra-hegemônicas, o seu ganho de adeptos provoca pequenas aberturas na mídia. O jornal de maior circulação de Curitiba, Gazeta do Povo, tem na sua versão online o blog Verdura sem Frescura16, o que evidencia essa abertura – talvez não da melhor forma que os ativistas gostariam, mas que já mostra oportunidades (no caso, gastronômicas). As relações públicas, atuantes dentro de organizações civis e em movimentos sociais, são entendidas – pelateoria do confronto político– como atividade mobilizadora e criadora de debate. Elas têm capacidade de estabelecer relações comunicativas de modo a estimular a mobilização social (sendo que ela é motivadora de deliberação na esfera pública). Através da comunicação e do conhecimento dos atores envolvidos, as relações públicas contribuem no sentido de estabelecer e fortalecer vínculos, através de canais comunicativos, de modo a fortalecer os grupos e as suas identidades. Possibilita, assim, que mais pessoas se identifiquem com a causa das organizações e, até mesmo, assumam a co-responsabilidade, que nada mais é que o grau de envolvimento em que o público entende a sua participação como parte essencial do todo, o que é gerado pelos sentimentos de solidariedade e compaixão (HENRIQUES, 2007). Esses foram trabalhados por Gamson17 (apud TARROW, 2009) nos processos de enquadramento, que os definiu como emotividade. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/verdura-sem-frescura/>. Acesso em: 02 de mar. 2015. 16 GAMSON, William (1992a). The social psychology of collective action. In: MORRIS, Aldon D. & MUELLER, Carol McClurg (orgs.). Frontiers in social movement theory. 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Optou-se pela realização de grupos de discussão, entrevistas em profundidade e análise documental. Conclui-se que a escolha pelo turismo refere-se a um modo de resistência ao modelo econômico e social introduzido pelas empresas de tabaco. Além da comunidade apresentar dificuldades para se organizar e agir coletivamente, destacam-se conflitos nas relações de gênero e geracional, tendo em vista a estrutura patriarcal operante nas comunidades em estudo. Palavras-chave: comunicação; tabaco; organização social; confiança. Relações Públicas, Mestre em Doutora em Desenvolvimento Rural/Ciências Econômicas UFRGS/PGDR. Professora Colaboradora PPGCOM/UFRGS e Pós-doutoranda CAPES/FAPERG, PPGCOM/UFRGS. 1 Administradora de empresas, Mestre e doutoranda em Desenvolvimento Regional/UNISC. 2 COMO OS SUJEITOS E AS ORGANIZAÇÕES TÊM OCUPADO, OU NÃO, SEUS ESPAÇOS Este artigo3 busca refletir sobre possibilidades e entraves nos processos de organização social de famílias que cultivam, ou já cultivaram, tabaco no Vale do Rio Pardo/RS, a partir da implantação do turismo rural. Este tem se apresentado como uma estratégia de resistência frente aos sistemas de governança das empresas e a possibilidade de alterar os modos de vida dos atores sociais. Para Kunrath (2010), paradoxalmente tem-se “uma intensa mobilização de atores sociais e da significativa expansão de espaços institucionais abertos à participação destes atores” (2010, p.3) e, por outro, ainda conforme o autor, as ciências sociais brasileiras apresentam uma diminuição das reflexões voltadas ao estudo dos processos de construção e atuação dos atores sociais desta sociedade. Portanto, este trabalho destaca a necessidade de ampliar esforços voltados ao tema, no sentido de entender como os sujeitos têm ocupado, ou não, seus espaços. Como sujeitos da pesquisa tem-se famílias agricultoras que abandonaram, ou tentam abandonar, o cultivo do tabaco a partir do turismo rural, mais especificamente no “Roteiro Caminhos da Imigração”, localizado no Vale do Rio Pardo/RS. O artigo faz parte das discussões estabelecidas no Projeto intitulado “Comunicação, relações de poder e sistema do tabaco: discursos e estratégias de visibilidade e legitimidade empregados por Ongs, organizações públicas e indústrias do tabaco na mídia do Vale do Rio Pardo – RS”, tem como objetivo geral compreender, sob a perspectiva da comunicação, como se estruturam as relações de poder na articulação entre as organizações voltadas à saúde pública e as organizações do setor do tabaco, a partir de seus discursos na mídia do Vale do Rio Pardo – RS, iniciado em 2012 e com prazo de finalização em 2016. O estudo tem como fontes financiadoras CAPES e FAPERGS a partir do Edital DOCFIX/09 sob supervisão do Prof. Dr. Rudimar Baldissera, PPGCOM/UFRGS. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da UFRGS e teve seu parecer final da Plataforma Brasil sob o Protocolo 16763113.8.0000.5347, emitido em 03 de março de 2013.Também fazem parte deste trabalho as discussões e dados apresentados na dissertação de mestrado da autora Verenice Zanchi (2013). 3 622 No sul do país, a indústria do tabaco compõe-se de empresas de porte pequeno, médio e grande, sendo as últimas aquelas que fazem parte de um sistema mundial de produção de tabaco, pois o setor encontra-se inserido na economia de mais de 100 países e conta com a participação crescente de países em desenvolvimento na produção mundial. No Brasil, a produção está presente em 704 municípios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná e ocupa uma área de 373 mil hectares, sendo o país o maior exportador mundial de tabaco e o segundo maior produtor mundial (AFUBRA, 2015). O Sistema de Produção do Tabaco4 foi criado na década de 1920, pela Souza Cruz Tabacos, e adotado na cadeia produtiva como um novo modelo de produção. Considera-se que o sistema tem sido bem sucedido no que refere ao número de produtores integrados, à inserção dos agricultores no mercado de trabalho e ao aumento da produção de tabaco. Esse Sistema é composto de contratos formais e informais. Contratos são acordos de vontade entre pessoas a respeito de um negócio. Sem adentrar em questões jurídicas, pode-se acrescentar que, em regra, as pessoas devem ser capazes (maiores de idade, com consciência do que estão acordando) e que o objeto do negócio deve ser lícito. Nem sempre será assim, crianças podem por vezes negociar e mesmo o ilícito pode ser acordado. Para se entender, os contratos devem-se ainda considerar que eles podem ser formais ou informais5. No âmbito dos contratos informais os processos de comunicação têm se desenvolvido basicamente a partir da relação estabelecida entre o orientador técnico e as famílias produtoras, ou seja, observa-se um ciclo fechado de relações e permea- Através deste sistema de produção as empresas fornecem para os agricultores familiares as sementes, agrotóxicos e insumos, bem como orientação técnica sobre o que e como plantar, bem como garantem a compra da safra. 4 Formais são aqueles que estabelecem normas e desempenham um papel que assegura algo ou diminui os riscos (WILLIAMSON, 1991), já os contratos informais são acordos e códigos de conduta não escritos que afetam fortemente o comportamento das pessoas nas empresas (BAKER; GIBBONS; MURPHY, 2002). Os formais, em regra, são escritos, ao passo que os informais acontecem no cotidiano. Também se pode considerar como contrato informal relações estabelecidas além do previsto no contrato formal. 5 623 do pelas ações das empresas na comunidade, como ações de responsabilidade social e projetos educacionais em escolas municipais. Tais reflexões são importantes para que se entenda os movimentos que compõem a caminhada das famílias que procuram alterar seus modos de vida e de produção, caso dos agricultores entrevistados nas proximidades dos roteiros turísticos localizados no município de Santa Cruz do Sul/RS. A relação entre estes sujeitos e o poder público é fragilizado e as ações/decisões não são tomadas em conjunto. Destaca-se também que, independentemente das críticas às empresas e ao Sistema Integrado de Produção, a entrada das empresas na cadeia produtiva possibilitou a inserção desses agricultores no mercado e a garantia de compra do cultivo. Entretanto, o mundo do tabaco passa a enfrentar novos desafios quando, em 2003, foi criado um tratado internacional de saúde pública, denominado Convenção-Quadro de Controle do Tabaco6. Após a ratificação do tratado internacional da Convenção-Quadro, em 2005, pelo governo brasileiro, vêm acontecendo negociações e sendo assinados protocolos que visam à criação e implantação de políticas que buscam diminuir a plantação e oferecer alternativas para os agricultores. Tais negociações envolvem as empresas de tabaco, partidos políticos, movimentos sociais, governos municipal, estadual e federal, mídia e entidades representativas (do setor tabagista e dos agricultores). Outra dimensão importante nestas análises se refere ao cotidiano expresso na mídia. Há tempos os sujeitos da pesquisa participam dos meios de comunicação, tendo em vista as disputas de visibilidade e legitimidade entre a saúde pública e as empresas de tabaco na arena midiática. Os agricultores têm sido chamados a participar de entrevistas, seja em rádios, jornais ou em revistas corporativas das empresas. De um lado, a mídia local ressalta o senso comum de que eles praticam O tratado surge das reivindicações da sociedade civil frente à gama de informações sobre os problemas que o cigarro pode causar à saúde humana. Neste ano, o tratado foi assinado por 191 países e, em fevereiro de 2004, entrou em vigor, propondo mudanças na oferta e na demanda de cigarro em todo o mundo. Ele foi ratificado por 57 países – dos 192 integrantes da Organização Mundial da Saúde (OMS). 6 624 uma atividade altamente rentável e lucrativa e que, apesar de demandar uso intenso de mão-de-obra, pode ser realizada em pequenos lotes de terra. Ao mesmo tempo, os custos com mão de obra, agrotóxicos e investimentos em infraestrutura também são altos e não contemplados nas discussões. Os agricultores afirmam que a renda é o fator principal de permanência no cultivo do tabaco, apesar de confessarem que estão, permanentemente, endividados junto a empresas e bancos. De todo modo, o sistema de produção gera uma “zona de conforto”: através do instrutor técnico os contratos, as informações e os insumos agrícolas, por exemplo, são levados na propriedade. Nesta arena, as explicações sobre o comportamento das famílias produtoras (deixar ou não a produção do tabaco, dentre outras) têm sido a partir da lógica econômica, desconsiderando, assim, outras questões importantes, como a manutenção dos padrões da unidade familiar, questões de gênero, de juventude e processos de organização e mobilização social, por exemplo. Diante deste cenário, a atividade turística tem, cada vez mais, tem recebido destaque nos debates sobre as novas abordagens de desenvolvimento e presente nos projetos de desenvolvimento regionais, estaduais e federais. Sob a luz do enfoque social, vê-se que a renda possibilita outras melhorias na vida, as quais podem gerar o resgate do sentimento de pertencimento destas famílias. O turismo promove, ainda, o encontro de diferentes culturas devido às interações de pessoas com diferentes culturas e hábitos. No entanto, outras questões inerentes e conflituosas fazem parte deste cenário, principalmente no que tange à hierarquia familiar. Os jovens e as mulheres, antes invisíveis na relação patriarcal estabelecida no trabalho familiar da produção do tabaco, passam a dividir as cenas com aquele que, antes, era responsável pelas decisões. A ATURVARP (Associação de Turismo do Vale do Rio Pardo) organiza uma reunião mensal na região, em diferentes municípios. Quem comparece às reuniões é, em regra, o homem da casa (marido/pai), mesmo que as mulheres e filhos participem ativamente da divisão de tarefas e estejam à frente do atendimento ao público e do gerenciamento, é ele quem representa a propriedade. Perguntou-se porque outros membros não participavam e a resposta foi unânime: “ele gosta de estar lá, conversar com os amigos, colocar a conversa em dia”, confessa, sorrindo, a esposa de um proprietário. 625 Em um contexto de valorização do meio rural, das potencialidades do lugar a partir do território, visando o desenvolvimento da região, que o turismo surge para o agricultor familiar como uma atividade econômica complementar e conflituosa. As relações instauradas e vividas pelos sujeitos em estudo encontram-se fundadas em contratos formais baseados em relações de proximidade, ou seja, mediados/conduzidos pelos técnicos agrícolas. Estes sujeitos, contratados pelas empresas de tabaco, são, em geral, oriundos das regiões/comunidades em que atuam. Por esse motivo, as relações informais podem ser pensados, a partir das relações de confiança, como importantes instrumentos de governança para as empresas. Conforme Nooteboom, Woolthuis e Hillebrand, “relações que implicam investimentos específicos criam dependência e vulnerabilidade que favorecem comportamentos oportunistas” (NOOTEBOOM; WOOLTHUIS; HILLEBRAND, 2005, p.813). Tal citação ressalta que os espaços de manobras encontram-se influenciados por outras questões, dentre elas a dependência e a vulnerabilidade dos sujeitos perante um sistema vigente. Essa “confiança” no sistema de produção, que propiciaria uma certa “acomodação”, inclusive no momento de se organizar e buscar informação, certamente interfere nos processos de mobilização e de organização social. Ao justificarem sua permanência no sistema de produção do tabaco e confirmarem o descrédito em ações associativas, utilizam argumentos econômicos. Segundo eles, trabalhar sozinho é mais fácil e mais rentável, pois não confiam nos parceiros: nunca “deu certo” uma cooperativa na região, confidencia um entrevistado. Há um visível descontentamento em relação aos movimentos sindicais do setor (Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA), sindicatos e associações na região. Contrariando as enunciações pautadas em aspectos econômicos, as falas também exprimem o desejo da mudança, a falta de liberdade para negociar com as empresas e a individualidade do “outro” como um problema para o desenvolvimento do roteiro. No ponto de vista de Ostrom (2008), existe outra forma de explicar o comportamento humano, que não a partir da maximização de ganhos. Dessa perspectiva, os sujeitos podem ser múltiplos, ou seja, em alguns momentos pessoas guiadas por lógicas egoístas racionais que coope626 rariam mediante a possibilidade de reciprocidade (desde que recebam algo em troca mediante a cooperação do outro). Conforme destaca Peruzzo (2005), a participação envolve a tomada de decisões políticas e metodologias adequadas. Ademais, prossegue a autora, a estratégia de comunicação focada apenas na prática das organizações tradicionais de ação comunitária e da grande mídia propicia pensar “o meio de comunicação apenas como fim (conscientizar, convencer, educar) e não como meio facilitador de um processo de auto emancipação cidadã (PERUZZO, 2005, p.38). Assim, mobilizar-se é um processo complexo e que envolve variáveis distintas e em âmbitos diversos. Nesse sentido, acredita-se na relevância de conectar o contexto socioeconômico e a capacidade e a vontade de mobilização (dos agricultores) às discussões destacadas pela mídia local. ANÁLISE DAS FALAS E CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS Este estudo e caráter teórico-empírico vem sendo realizado no Vale do Rio Pardo/RS. A coleta dos dados primários foram obtidos em trabalho de campo nos anos de 2012, 2013 e 2014. Em primeiro lugar foi efetuada revisão de literatura sobre o tema de estudo – sistema produtivo do tabaco –, questões contextuais, sistema político-econômico e pesquisas online no jornal “A Gazeta do Sul”. A Gazeta faz parte de um grupo local (rádio e jornal), concorrente do Grupo RBS TV Santa Cruz do Sul ( filada da Rede Globo). Também foram feitas leituras sobre temas fundamentais para os objetivos de estudo, tais como: comunicação, comunicação comunitária e turismo rural. Para aprofundamento da pesquisa, e no intuito de compreender o fenômeno em estudo, foram empregados os seguintes procedimentos metodológicos para a investigação empírica: entrevistas individuais em profundidade e a realização de grupos de discussões como unidades de análise. A opção por essa região deve-se ao fato de ser a mais representativa na produção do tabaco no Brasil. Em primeiro lugar foi feita uma pesquisa bibliográfica e documental, a partir de dados secundários, reportagens na mídia local e publicações científicas. Em um segundo momento, foram realizadas entrevistas em profundidade e organizados grupos de discussão com a população rural. Destaca-se que as autoras trabalham com pesquisa na região desde 2006, o que propiciou uma facilidade para realizar as 627 entrevistas. O critério de escolha dos grupos de discussão foi: a) sujeitos produtores de tabaco do Vale do Rio pardo/RS e b) indivíduos com certo grau de proximidade (parentesco ou amizade). Para definir-se a quantidade de grupos e indivíduos considerou-se o critério da saturação, quando as respostas começavam a repetir-se, sem acréscimo de novas informações. As discussões aconteceram conforme o método de William Gamson (2011), sendo estas realizadas nas casas dos sujeitos ou, ainda, em espaços naturais e entre pessoas que se conhecem. Foram analisadas (neste trabalho, pois o artigo é parte dos dados de pós-doutoramento da autora) três entrevistas realizadas com agricultores que fazem parte do roteiro “Caminhos da Imigração7” e três grupos de discussão. Localizado no distrito de Boa Vista, encontra-se à 15 km do centro da cidade de Santa Cruz do Sul. O Roteiro teve alterado seu nome algumas vezes: “Caminhos Verdes de Boa Vista”, “Roteiro Rural”, “Colonial de Boa Vista”, “Roteiro de Boa Vista”, “Roteiro Turístico Caminhos de Boa Vista” e “Roteiro Caminhos de Boa Vista”). Em 2002, dois anos após seu primeiro lançamento, foi reconfigurado a partir de um estudo realizado pela UNISC (Universidade de Santa Cruz do Sul) em parceria com a Prefeitura Municipal de Santa Cruz do Sul. O roteiro não tem associação representativa dos seus integrantes. Dentre as principais atividades nas propriedades tem-se: “colhe e pague” (verduras, frutas), venda de carne, organização de almoços, aluguel de casas/ alojamentos e espaço para festas. Dentre os paradoxos encontrados nestes espaços, tem-se, como um dos atrativos do roteiro uma antiga cooperativa, criada, inicialmente Vinte e dois atrativos compõem o roteiro: Família Fritz e Frida, Rua José Germano Frantz, Residência de José Germano Frantz, Café na Colônia, Aeroporto Luiz Beck da Silva, Escola Estadual Professor Affonso Pedro Rabuske, Cooperativa Agrícola Linha Santa Cruz, Paróquia Santos Mártires das Missões de Linha Santa Cruz, Cruz dos Assmann, Casa Comercial e Salão de Bailes Frantz – Associação de Damas, Igreja Evangélica de Alto Linha Santa Cruz, Cemitério Evangélico de Alto Linha Santa Cruz, Casa em estilo enxaimel, Mirante de Boa Vista, Centro Histórico de Boa Vista, Local da primeira missa, Sítio Sete Águas, Pousada Camponesa, Centro Esportivo Recreativo Cultural Chácara Bauermann, Pousada Recanto de Linha Nova, Capril Boa Vista e Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil de Linha Andrade Neves. 7 628 para a compra do fumo e desativada desde a década de 70. Na Cooperativa Agrícola Linha Santa Cruz, nos anos 50, foi construído um salão, local em que eram realizados bailes e festas da comunidade. A mesma é lembrada por eles como ‘algo que não deu certo’, porque ‘cooperativa e associação nunca dá certo’, relata um dos sujeitos durante os debates em grupo. O local resume-se a ‘uma vista bonita’. Sobre as festas comunitárias, não há mais tempo para organizá-las ou participar destas. Os indivíduos relataram inúmeros problemas de relacionamento com a prefeitura e com a Secretaria de Turismo. Um entrevistado descreveu que, em 2012, durante a maior feira da região (EXPOAGRO), a Associação de Turismo do Vale do Rio Pardo (ATURVARP) não distribuiu material de divulgação do roteiro. Segundo eles, apenas algumas rotas/ roteiros recebem apoio do governo local. Prosseguem denunciando que algumas propriedades foram inseridas em virtude de “jogos políticos”, pois algumas propriedades não teriam ‘nada a ver’ com turismo rural. A gestão deste roteiro é efetivada pela prefeitura, visto que não há uma associação. A dificuldade de exercer práticas coletivas foi o maior entrave declarado pelos integrantes, ou seja, a falta de interesse de participar de ações e resolver problemas coletivos. Ao mesmo tempo, se sentem subtraídos das decisões. A escassez de tempo, segundo eles, não permite ‘pensar na vida’ e se organizar. Todos reivindicam informação com qualidade, citam como problema o descaso da comunidade em participar das reuniões gerenciadas pela Secretaria de Turismo e a negligencia em relação a criação de uma associação de turismo para o roteiro. Também apontam a necessidade de mais atrativos e resolução de deficiências em termos de agências receptivas, infraestrutura (estrada, acesso às propriedades) e falta de sinalização. Além disso, sublinham a falta conhecimento a respeito do que é turismo rural, tanto entre os empreendedores quanto os órgãos governamentais e entidades. Adiciona-se a este cenário a escassez de organização, os conflitos familiares. Também há problemas quanto ao acesso à internet na região. Apesar do acesso à internet ter sido ampliado, o custo é alto e a qualidade dos serviços é baixa. Observou-se que a capacidade de uso das ferramentas, principalmente no que tange à busca de informações e de divulgação de seus produtos turísticos, também merece atenção. Aqueles 629 que já acessam a rede mundial a utilizam não para busca de informações, mas, geralmente, apenas para lazer, “passar o tempo” em redes sociais digitais, como o facebook. Retoma-se, aqui, a partir de Peruzzo, a necessidade de compreender que há uma “[...] exclusão do acesso à comunicação no sentido da capacidade de abstração e de expressão de pessoas” (PERUZZO, 2005, p. 39-40). De forma isolada, as famílias confessam estar sempre em contato com a Secretaria de Turismo. Também afirmam ter participado de um curso do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR/RS) voltado ao planejamento da atividade turística. Segundo eles, outra forma de obter informações sobre o ramo e pensar sobre o gerenciamento tem sido viagens/passeios em regiões como a serra gaúcha, por exemplo. Ao serem questionados sobre a participam em projetos governamentais, a resposta, além de negativa, apresentou um tom irônico, de descrédito nos governos. A maior parte dos entrevistados disseram não saber de projetos do governo federal. Destaca-se que, em 2012, o Ministério do Desenvolvimento Agrário selecionou entidades na região de tabaco, no intuito de fornecer ajuda técnica aos agricultores com interesse em diversificar a propriedade. Denominado Projeto de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), as ações, não divulgadas na mídia local, foram realizadas em parceria com a Cooperativa Mista dos Fumicultores do Brasil e atendeu 1600 famílias na região8. É pertinente apontar a “confiança” como um tema a ser contemplado em estudos posteriores, pois a confiança, seja entre os pares (comunidade), seja nas instituições que permeiam o cotidiano dos sujeitos ( famílias, empresas, igrejas, associações, governos), permeia as relações e permite solidariedade. Elinor Ostrom tem focado na confiança que se opõe à perspectiva encontrada na “Tragédia dos Comuns”, artigo do biólogo norte-americano Hardin, publicado em 1968. Ele argumenta que a competição, e não a colaboração, frente a um produto natural escasso, oferece um final em que as escolhas baseiam-se nas necessidades individuais. Preocupado com o crescimento da população humana, a solução As famílias contempladas vivem nos municípios de Estrela Velha, Passa Sete, Lagoa Bonita do Sul, Segredo, Ibarama, Santa Cruz do Sul, Herveiras, Vale do Sol, Venâncio Aires, Sinimbu, Sobradinho, Arroio do Tigre e Vera Cruz. 8 630 viria de um controle severo e de incentivos via punições. A descoberta no trabalho de campo de sua pesquisa foi que os sujeitos buscam conversar e conquistar a confiança um dos outros, de uma forma recíproca. Ao perguntar-lhes se estivessem famintos e com pouca comida e outra pessoa precisasse dela “Você daria metade a ela? Em muitas regiões, sim. Mas é uma decisão difícil se não houver confiança e trabalho em conjunto” (CANAL FUTURA, 2010). Percebe-se que é possível pensar em outras formas de comportamento humano, sendo este o grande desafio, ou seja, A partir do referencial teórico intitulado por ela Institutional Analysis and Development (IAD), Ostrom analisa como as instituições são formadas, como elas operam, seu dinamismo e como influenciam o comportamento da sociedade. Se o comportamento dos indivíduos perante os dilemas sociais, segundo Ostrom e Walker (2005), pode ser mais bem compreendido quando a racionalidade limitada dos indivíduos passa a ser vista a partir da reciprocidade, baseada em relações anteriores, pretende-se mostrar contribuições teóricas que se opõem ao comportamento estreitamente conectado ao auto interesse. A autora (2008) ao referir-se às relações entre os indivíduos e as instituições, estabelece como base a confiança, ao observar a “arena” em que as interações ocorrem, recupera as regras empregadas pelos participantes que ordenam os relacionamentos, os atributos que estruturam e que são estruturados nessas interações e os atributos das comunidades na qual a arena particular está colocada. Em termos gerais, as instituições são as receitas que os humanos usam para organizar todas as formas de interação repetitivas e estruturadas, incluindo as famílias, bairros, mercados, empresas, ligas esportivas, igrejas, associações privadas e os governos em todas as escalas. Indivíduos que interagem em situações estruturadas enfrentam escolhas sobre as ações e estratégias que irão aderir, tendo em vista as consequências para si e para os outros. Conforme se verifica nos argumentos de Ostrom, Gardner e Walker (1994), a análise institucional refere-se ao entendimento de diversas variáveis, ou seja, regras, padrões de interação, atributos da comunidade em estudo, condições materiais, dentre outros. Portanto, ao analisar a relação entre instituições e atores sociais, ressaltam a falta de confiança, de comunicação, de informação e da construção de um plano comum. Neste estudo, evidencia-se a falta de confiança no ambiente, nas comunidades e no governo. A prefeitura e a Secretaria de Turismo do muni631 cípio, conforme relatado, pouco colaboram com a divulgação do roteiro, a começar pela falta de sinalização. O roteiro trazido ao debate neste artigo relata que eles estão em desvantagem na região, pois não estão organizados em associação. Para eles, os moradores de outra comunidade, Boa Vista, por exemplo, pelo fato de estarem associados apresentam aspectos positivos, principalmente a capacidade de reunir todos os moradores, ter rede de telefonia, asfalto e iluminação na vila. Os entrevistados, ao serem questionados sobre o motivo de não se organizarem em associação, declararam que as pessoas da rota são individualistas, incapazes de discutir e pedir ajuda, em grupo, ao poder público local. Da mesma forma, quando o pesquisador insiste e pergunta porque eles não tomam a iniciativa, dizem que é um trabalho familiar, demanda alta dedicação e que não há tempo para tratar de questões “fora da propriedade”. Ao mesmo tempo, nas falas, atentou-se que as famílias realizam visitas individuais à prefeitura, ora para solicitar melhoramentos na infraestrutura da propriedade, do roteiro ou pedir ajuda na divulgação. Entende-se que, nestes espaços, assim como em outros, há uma crise de confiança nas instituições. Tal questão, também é contemplada no pensamento de Ostrom, considera a confiança um importante fator para os indivíduos manterem suas reputações como membros confiáveis da comunidade (OSTROM; WALKER, 2005). Tal observação evoca a importância da imagem (percepção) que as pessoas têm no ambiente em que interagem com as demais. A situação difere-se quando os sujeitos se relacionam não com desconhecidos, mas com pessoas com quem se tenha desenvolvido uma relação de confiança. A autora considera que as “[...] normas de reciprocidade e confiança são necessárias para a sustentação de longo prazo de regimes de auto governança” (OSTROM; WALKER, 2005, p. 287). Nesse sentido, pode-se refletir sobre as condições de governança perante um processo constante de adaptação que apresenta uma expressiva vigência ao longo do tempo. Por isso, um elemento indispensável refere-se à confiança que se estabelece entre as redes de relações sociais, seja em um nível mais imediato (confiança interpessoal), seja baseada em encontros anteriores, ao longo do tempo, as quais incentivam os sujeitos a permanecerem confiando. Entretanto, para os entrevistados os modelos associativos e cooperativos pressupõem um ideário socioeconômico e representam um grupo de indivíduos que juntos buscam promover melhores condições de venda de seus produtos. A 632 racionalidade, nesses grupos estudados, indica a associação como um espaço que não se solidifica na solidariedade, mas na maximização dos lucros. A antiga cooperativa da linha Santa Cruz, patrimônio histórico do roteiro, ilustra a falta de tempo destinado a ações e negociações coletivas. Assim se tem a evocação da cultura e das informações disponíveis (ou da qualidade da informação) como fatores relevantes para entender as relações que se estabelecem entre sujeitos e instituições. Assim, resgatando as ideias de Ostrom, os fatores relevantes para o sucesso ou fracasso de um acordo de cooperação referem-se à construção de um plano em comum, ao tipo das lideranças, ao entendimento das consequências das ações dos envolvidos, enfim, se as informações e o conhecimento forem suficientes, já que “Há um número de fatores relacionados ao grupo, à liderança, ao desenvolvimento, à confiança que têm entre eles” (CANAL FUTURA, 2010). Acredita-se que o debate importa, e muito, para a discussão sobre políticas públicas federais na região (Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco, conduzidas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário9. A partir da assinatura do tratado internacional de saúde pública, constitui-se um confronto político e econômico, em busca da legitimidade das diferentes vozes e verdades (saúde versus iniciativa privada). O governo local tem se posicionado a favor das empresas de tabaco não havendo, assim, um diálogo com o governo federal, no que diz respeito à diversificação das propriedades. Para as mulheres que trabalham no roteiro, o turismo significa a possibilidade de lidar com o público, servir, oferecer, receber pessoas “diferentes” em suas casas e conhecer outras realidades. Ao mesmo tempo, reconhecem que a distribuição das tarefas é “meio complicada”, pois não há uma divisão de tarefas, todos fazem tudo, herança de padrões de trabalho da agricultura familiar. Aqueles que já abandonaram produção destruíram a estrutura (galpões e fornos) para não voltar a plantar: “sou capaz de não depender do fumo, fazer algo diferente para não depender mais”, desabafa a entrevistada. E retoma: Para mais ver: Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco. Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/saf-projetosespeciais/programa-nacional-de-diversifica%C3%A7%C3%A3o-em-%C3%A1reas-cultivadas-com-tabaco#sthash.ypvIEAtB.dpuf 9 633 “O bem-estar mudou, quando não se tem turismo e só plantar, colher, estar de sol a sol no mesmo lugar, sem contato com as pessoas, sem conhecimento da vida de outras pessoas, antes era apenas de casa para a lavoura, da lavoura para a casa”, finaliza. REFLEXÕES FINAIS O cotidiano do agricultor encontra-se permeado não apenas pela incerteza (que pode ser visualizada no caso das intempéries do clima e no interesse das pessoas em visitar os locais), e pelo risco, dado que esse, diferente daquela, não pode ser previsto, encontrando-se em cenários complexos. Mas pela falta do tempo. Tempo para organizar festas comunitárias, conversar com os vizinhos e trocar experiências, participar das reuniões e organizar uma associação. A falta de organização verificada no gerenciamento dos empreendimentos, tanto no que concerne à falta de controle financeiro (custos de produção, dívidas com bancos e empresas) soma-se à baixa confiança em cooperativas e associações. Percebe-se que a informação desempenha um relevante papel para entender as relações de confiança e a falta desta na comunidade. Tendo em vista a importância dos discursos econômicos na região, na economia a confiança é ressaltada a partir da limitação encontrada na assimetria de informações entre os atores. A confiança estudada em algumas correntes teóricas econômicas, ressalta a frequência de transações como fonte desta. Neste estudo, ressaltam-se outras possibilidades de pensar o assunto. A assimetria de informações se refere, aqui, não a um pressuposto, conforme preconiza grande parte do pensamento econômico. Minimizar esta assimetria demanda uma alteração nos modos de vida do grupo, exige debates e a composição de planos comuns. Os sujeitos localizaram a individualidade como entrave para a organização dos mesmos. E confessaram a relevância do turismo e a oportunidade e o desejo do encontro com o outro, de conviver com a alteridade. Isto posto, parece evidente a necessidade de pesquisas que atendam essa carência investigativa de modo a ampliar e complexificar a compreensão sobre essa realidade e, como desdobramento, estimulem outros estudos e avancem na construção do conhecimento, no sentido de subsidiar a sociedade civil para que melhor compreenda sua realidade e decida pelas ações mais adequadas. A pesquisa também atenta – no 634 sentido de desvelar e compreender – para as relações de poder que se materializam entre o setor público, a comunidade e a iniciativa privada, bem como para os possíveis efeitos que se exercem sobre a comunidade (população local). Importa observar que a compreensão dessas relações estratégicas e de poder, bem como suas conexões e inscrições nas relações socioculturais, é relevante caso se deseje uma intervenção orientada por princípios verdadeiramente democráticos. A socialização desse tipo de informação poderá permitir que se questionem tais fazeres para que, no “jogo” de relações não prevaleçam apenas os interesses de “alguns” em detrimento dos da maioria. Ganha-se, em algum grau, efetividade na crítica ao sistema. E mais, permite identificar a necessidade que determinados grupos apresentam. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS FUMICULTORES DO BRASIL – AFUBRA. Fumicultura Brasil. Disponível em: <http://www.afubra.com. br/principal.php>. Acesso em: 11 jan. 2015. BAKER, G.; GIBBONS, R.; MURPHY, K. J. Relational contracts and the theory of the firm. The Quarterly Journal of Economics, Cambridge, v. 117, p. 39-84, Feb. 2002. CANAL FUTURA. 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Pós-doutora pela Escola de Comunicações de Artes da Universidade de São Paulo, com pesquisa financiada pelo CNPq, cujo tema foi a averiguação da existência da gestão sustentável nas indústrias farmacêuticas, analisando os discursos e práticas gerenciais em multinacionais desse setor (2014). Pós-doutora pela Universidade Metodista de São Paulo, Cátedra UNESCO de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, Cátedra Prefeito Celso Daniel, Gestão de Cidades oportunidade em que foi analisado a funcionalidade do Manual de Prevenção de quedas da Pessoa Idosa, um veículo de comunicação do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público do Estado de São Paulo (2011). Doutora em Relações Públicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (2005) e mestre em Relações Públicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (1999). Ambos projetos foram financiados pela CAPES. Possui graduação em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pelo Instituto Unificado Paulista (1977). Membro do Grupo de Pesquisa Comunicação Pública & Comunicação Política, CNPq, PPGCOM - USP – CRP. 1 da saúde, fármacos, educação relacionada à alimentação, atividade física e qualidade de vida. O nosso propósito é verificar se as políticas públicas e, consequentemente, a comunicação pública, determinadas pelas instituições brasileiras envolvidas na prevenção e contenção da obesidade são factíveis, acessíveis e eficientes à população obesa, considerando-se os aspectos socioeconômicos, culturais, hábitos alimentares, qualidade de vida. Palavras-chave: custo da saúde, obesidade, hábitos alimentares, políticas públicas, comunicação pública. INTRODUÇÃO E PROBLEMÁTICA Para Medici (2014), três fatores continuarão interferindo na dinâmica das políticas públicas na área da saúde nos próximos anos. O primeiro deles é o envelhecimento da população mundial, com o crescimento da incidência de doenças crônicas e o decorrente aumento dos gastos governamentais. O segundo é a pressão crescente internacional, liderada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em universalizar a atenção à saúde ao nível mundial – uma versão modificada do que saiu ao final dos anos 1970 na Conferência Alma Ata, com a proposta de Saúde para todos no ano 2000 (DECLARAÇÃO DA ALMA, 1978). A saúde faz parte também dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), da Organização das Nações Unidas (ONU) para 2015. O terceiro é o avanço nas pesquisas e na inovação tecnológica, dado que o setor continua sendo a incubadora da ponta tecnológica em áreas como medicamentos, imunobiológicos, equipamentos e sistemas médicos de informação. Entretanto, alguns prognósticos mostram que, apesar destas tendências, determinados problemas para a área da saúde tendem a crescer. Há preocupação governamental, em nível mundial, com a tendência do aumento dos gastos na área, em consequência dos fatores decorren- 638 tes do envelhecimento mundial da população e sobretudo com a endemia da obesidade. A obesidade evidencia-se como epidemia global, e os esforços para sua prevenção são incipientes. As previsões, na área da saúde, sugerem que as altas taxas de obesidade serão calamitosas para o bem-estar e gastos da população, assim como da saúde pública. Os governos, sejam eles federal, estaduais ou municipais, deveriam se preocupar com a sua prevenção, mas até agora poucos têm mostrado boa administração nesse sentido. A base de evidências sobre como precaver a obesidade é limitada e precisa ser ampliada para além de estudos randomizados controlados e incluir as avaliações de experiências, mudanças de políticas públicas e análises de custos (GORTMAKER, 2011). Esse quadro não será revertido sem a liderança dos governos, regulação e investimento em programas, monitoramento dos mesmos e pesquisa. Faz-se necessário a parceria das universidades, sejam elas das ciências biológicas, assim como as das ciências humanas, com os governos para conter e reduzir esse problema. CAUSAS DA OBESIDADE Para muitas pessoas, a obesidade e o sobrepeso são causados por um desequilíbrio no metabolismo energético (TEICHMANN, OLINTO, COSTA, & ZIEGLER, 2006). O peso corporal é determinado pelo balanço entre a quantidade de energia ou calorias que são ingeridas (vindas de alimentos ou bebidas) e a quantidade de energia ou calorias que são gastas (atividades físicas, por exemplo). Em suma, quando se ingere mais calorias do que se gasta, há ganho de peso. Quando se ingere menos calorias do que se gasta, há perda de peso. Quando quantidades iguais de calorias são ingeridas e gastas, o peso se mantém. Vários fatores contribuem para a obesidade, além do desequilíbrio do balanço energético. Dentre eles, podemos citar os seguintes: sedentarismo (ou falta de atividades físicas); fatores ambientais ( falta de espaço para lazer, falta de tempo para praticar atividades físicas para pessoas que trabalham muito, grande quantidade de “fast foods” e lanchonetes de lanches rápidos, dificuldade de encontrar alimentos saudáveis em determinados locais); fatores genéticos e história familiar: as chances de um filho se tornar obeso são grandes quando os pais também são obesos. 639 Algumas vezes, problemas hormonais podem causar sobrepeso e obesidade, como o hipotireoidismo (redução ou falta do hormônio tireoidiano), síndrome de Cushing (excesso de produção do hormônio cortisol pela glândula adrenal) e síndrome dos ovários policísticos (além da obesidade, esta doença pode causar também excesso de pelo, problemas de infertilidade, e outros problemas de saúde por conta da produção de excesso de hormônios androgênicos); medicamentos: alguns medicamentos podem levar a ganho de peso, como os corticosteróides, alguns tipos de antidepressivos e algumas medicações utilizadas para tratamento da epilepsia; fatores emocionais: algumas pessoas comem mais quando estão chateadas, estressadas ou nervosas; idade: ao envelhecer, a massa muscular corporal tende diminuir, reduzindo também o gasto energético, favorecendo o ganho de peso; gravidez: durante a gestação há uma maior tendência em ganho de peso em determinadas mulheres. Após o parto, às vezes fica difícil perder peso, podendo levar ao sobrepeso ou obesidade e insônia. PLANO GOVERNAMENTAL PARA COMBATER A OBESIDADE O “Plano Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade: promovendo modos de vida e alimentação adequada e saudável para a população brasileira”, foi elaborado no âmbito da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) e contou com a participação oficial dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social e outros 17 ministérios, além do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e da Organização Pan Americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS) tem como objetivos principais reverter a curva de crescimento da obesidade reduzindo os índices entre crianças de 5 a 9 anos e estacionar a evolução do problema entre adultos. OBJETIVO DA PESQUISA EM ANDAMENTO O Plano Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade será dissecado para a verificação e análise das políticas públicas e, consequentemente da comunicação pública, determinadas pelas instituições brasileiras envolvidas na prevenção e contenção da obesidade. Averiguaremos se são factíveis, acessíveis e eficientes para a população 640 obesa, considerando-se os aspectos socioeconômicos e culturais, hábitos alimentares e qualidade de vida. BRASIL & OBESIDADE O Brasil manteve o índice da população acima do peso em 2013 em relação a 2012, segundo a pesquisa feita pela Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico Vigitel, do Ministério da Saúde. Os dados foram coletados em 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. O estudo, divulgado em 30 de abril de 2014, indica que 50,8% dos brasileiros estão acima do peso ideal e 17,5% são obesos. O índice é praticamente o mesmo da pesquisa anterior, que apontou que 51% da população tem excesso de peso, sendo que 17,4% eram obesos. Essa pesquisa, baseada em dados de 2011, apontava que 48,5% da população tinha excesso de peso. Em 2006, primeiro ano avaliado pela pesquisa, esse índice era de 43%. INFLUÊNCIA DO AMBIENTE De modo recente, características do ambiente no qual as pessoas convivem, como nível socioeconômico da vizinhança, disponibilidade e acesso para a aquisição de gêneros alimentícios saudáveis, oportunidades para a prática de atividade física e deslocamento a pé ou de bicicleta, têm sido propostas como fatores associados à epidemia de obesidade em diversos países (HANDY et al., 2002; JANSSEN et al., 2006; POPKIN; DUFFEY; GORDON-LARSEN, 2005). Quando tais ambientes incentivam a inatividade física e as escolhas alimentares não saudáveis, eles são caracterizados como obesogênicos e, por isso, responsáveis por promoverem a obesidade (SWINBURN; EGGER; RAZA, 1999). O termo ambiente obesogênico surgiu na década de 1990 como mais uma hipótese para explicar a epidemia mundial de obesidade. Foi definido por Swinburn, Egger e Raza (1999, p. 564) como “an environment which is defined as the sum of the influences that the surroundings, opportunities or conditions of life have on promoting obesity in individuals and population”. Desta forma, o ambiente obesogênico diz respeito às influências que o ambiente e as oportunidades ou condições de vida têm nas escolhas por parte dos indivíduos e populações de hábitos de 641 vida que promovam o desenvolvimento de obesidade. O termo abarca toda a gama de condições sociais, culturais e infraestruturais que têm impacto na capacidade do indivíduo para seguir um estilo de vida saudável em relação tanto à alimentação quanto à prática de atividade física. Os mesmos autores ainda citam o ambiente leptogênico, que se opõe ao ambiente obesogênico, uma vez que promove escolhas saudáveis de estilo de vida em relação tanto à alimentação quanto à prática de atividades físicas. Diante desse contexto, acredita-se que a atual epidemia de obesidade seja resultante da combinação de fatores genéticos complexos e de um ambiente obesogênico. Ou seja, a susceptibilidade à obesidade é em parte determinada pela genética, mas para sua expressão fenotípica é necessário um ambiente obesogênico (EGGER; SWINBURN, 1997; LOOS; BOUCHARD, 2003). No que diz respeito à relação entre fatores genéticos e ambientes obesogênicos, Loos e Bouchard (2003) sugerem que para as formas mais comuns da obesidade é possível dividir as pessoas em quatro grupos: a) com obesidade genética; b) com forte predisposição genética; c) com predisposição leve para a obesidade; d) geneticamente resistentes à obesidade. De acordo com os autores, em relação ao primeiro grupo (obesidade genética), aqueles com forte predisposição em um ambiente que não seja obesogênico provavelmente seriam pessoas com excesso de peso, porém, tornam-se obesos e potencialmente obesos severos (mórbidos) em um ambiente obesogênico. O terceiro grupo em um ambiente que não promova a obesidade pode ter peso normal ou estar levemente acima do peso, mas em ambiente obesogênico também podem ser obesos. Bouchard (2007) explica que a atual epidemia de obesidade está relacionada a quatro fatores principais: ambiente construído; ambiente social; comportamento; e fatores biológicos de cada indivíduo. Assim, um ambiente obesogênico favorece a adoção de comportamentos obesogênicos, por exemplo, consumo de refeições com alta densidade energética e aumento do tempo em atividades sedentárias, os quais irão influenciar, em maior ou menor escala, o balanço energético e o ganho de peso de um indivíduo, dependendo de sua predisposição genética/biológica. 642 Assim, o desafio é a promoção de escolhas mais saudáveis por meio de mudança ambiental, já que essa medida possui efeito mais duradouro na transformação comportamental dos indivíduos, uma vez que essas escolhas se incorporam nas estruturas, nos sistemas, nas políticas e em normas socioculturais (SWINBURG et al., 1999). O desenvolvimento econômico e a urbanização determinaram as modificações no estilo de vida da população, traduzidos por padrões alimentares discutíveis e por modelos de ocupação predominantemente sedentários, favorecendo o aumento de peso e, portanto, a obesidade (OLIVEIRA et al., 2003). Isso tem ocorrido predominantemente em países desenvolvidos e urbanizados. Entretanto, a formação dos hábitos alimentares transcende as questões geográficas e econômicas. Fischer (1990), citado por Oliveira e Thébaud-Mony (1996), afirma que alguns alimentos e hábitos de consumo remetem a uma hierarquização, indicando o fenômeno de ascensão e de distinção sociais. De acordo com o autor, os grupos em ascensão imitariam o consumo das classes dominantes. Por outro lado, Oliveira e Thébaud-Mony (1996) afirmam que as mudanças nos hábitos alimentares, próximos do modelo agroindustrial, e a manutenção de modelos alimentares nacionais mostram que não se trata de um simples processo de mimetismo ou ocidentalização. Argumentam que, mesmo com a transferência do modelo e dos processos de produção, em função do contexto socioeconômico, histórico e cultural do país, fizeram-se necessárias adaptações, que levaram a uma maior diversificação dos hábitos e das práticas alimentares. Nesse contexto, o crescente aumento de ambientes obesogênicos representa o maior desafio para a manutenção do peso (SWINBURG, EGGER, 2004). Nesse sentido, torna-se imprescindível dissecar o papel e a interação desses ambientes, a fim de que seja possível reunir informações suficientes para combater as crescentes proporções de indivíduos acometidos pela obesidade, responsáveis por impactos negativos na saúde da população e na economia dos países. OBESIDADE E FATORES ENVOLVIDOS Embora seja classificada como uma doença, o enfrentamento da obesidade impõe uma série de desafios no campo das políticas públicas, pois se trata de um problema que envolve vários tipos de fatores: como 643 nível sócio econômico, escolaridade, além de hábitos alimentares, valores culturais e qualidade de vida que têm impacto sobre a incidência do sobrepeso e da obesidade. No campo da medicina, as drogas tradicionalmente adotadas para tratamento da obesidade têm demonstrado efeitos colaterais importantes e acabaram sendo retiradas do mercado em várias partes do mundo. Em outras palavras, os malefícios são maiores do que os benefícios. As drogas modernas são caras e ainda estão em estado experimental. A única estratégia continua sendo a cirurgia bariátrica (de redução do estômago) que, no entanto, é tática de risco e mutiladora, já que mais de 80% da área do estômago é inutilizada. Além disso, não é incomum que os pacientes submetidos à cirurgia apresentem um quadro psicótico e muitos, inclusive, voltam a ganhar peso após a intervenção. POLÍTICA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO O Ministério da Saúde, através da Secretaria de Políticas Públicas de Saúde, criou a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), aprovada em 1999, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, que considera como objetivos a formulação de políticas no campo social e econômico, que possam garantir o acesso à saúde; a execução de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde e a identificação de seus condicionantes e determinantes, dentre eles a alimentação. Encontramse no seu campo de atuação a vigilância alimentar e nutricional, a promoção da alimentação saudável, prevenção e controle de carências nutricionais e outras doenças associadas à alimentação, o controle de qualidade nutricional dos alimentos, a vigilância sanitária de alimentos, a vigilância ambiental e a responsabilidade de formular e apoiar políticas de alimentação e nutrição. Ao completarem-se dez anos da publicação PNAN, o Programa apresenta singular trajetória de avanços e tem à sua frente importantes desafios nos âmbitos intra e intersetorial. No que se refere aos avanços, cabe destacar o fortalecimento da rede de alimentação e nutrição, o financiamento das ações nos Estados e Municípios brasileiros, a implementação do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) em todo o território nacional, a publicação de diretrizes oficiais para a promoção da alimentação saudável por meio do Guia Alimentar para a 644 população brasileira, a efetivação dos programas de suplementação de micronutrientes ferro e vitamina. O conjunto de desafios configura-se principalmente pela qualificação da gestão das ações de alimentação e nutrição, fortalecimento das estratégias de implantação da nutrição na atenção básica e nos demais níveis de atenção à saúde, delineamento de ações destinadas a populações específicas (indígenas e outros povos e comunidades tradicionais), reconhecimento e valorização da cultura alimentar, ampliação da discussão relativa à temática de nutrição, ambiente e desenvolvimento e aproximação com as instâncias de controle social da saúde e da nutrição. Têm atuado em parceria com o Ministério da Educação em ações voltadas para a melhoria da qualidade da merenda escolar e realizado ações junto à indústria alimentícia destinada a modificar a composição de alimentos processados, reduzindo a quantidade de sódio e outros componentes nocivos à saúde. Essa estratégia, no entanto, apresenta limites, na opinião da coordenadora do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição/UnB. “Tratar a obesidade somente como um fator de risco para doenças crônicas é uma limitação”, afirma Elisabetta Recine. A nutricionista defende que obesidade é uma doença em si, cujo tratamento depende de ações multissetoriais, já que é multideterminada - ou seja, ela é causada por um conjunto de fatores. “No Brasil e no mundo, não existe um setor que, sozinho, dê conta do problema”. É por isso que ela defende a implementação do Plano Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade, elaborado pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutrição (CONSEA), lançado em outubro de 2012. O plano abrange um conjunto de ações, diretrizes e objetivos visando ao aumento da produção de alimentos saudáveis, ao acesso da população a eles, além de iniciativas no campo da legislação, como a regulação de publicidade de alimentos. “Mas sua implementação depende de compromissos políticos, o que ainda não ocorreu”, conclui Elisabetta. COMO SÃO FORMULADAS AS POLÍTICAS PÚBLICAS? As políticas públicas podem ser formuladas principalmente por iniciativa dos poderes executivo, ou legislativo, separada ou conjuntamente, a partir de demandas e propostas da sociedade, em seus diversos seguimentos. 645 A participação da sociedade na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas em alguns casos é assegurada na própria lei que as institui. Assim, no caso da Educação e da Saúde, a sociedade participa ativamente mediante os Conselhos em nível municipal, estadual e nacional. Audiências públicas, encontros e conferências setoriais são também instrumentos que vem se afirmando nos últimos anos como forma de envolver os diversos seguimentos da sociedade em processo de participação e controle social. A Lei Complementar n.º 131 (Lei da Transparência), de 27 de maio de 2009, quanto à participação da sociedade, assim determina: “I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos;” “II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público;” Assim, de acordo com esta Lei, todos os poderes públicos em todas as esferas e níveis da administração pública, estão obrigados a assegurar a participação popular. Está, portanto, não é mais uma preferência política do gestor, mas uma obrigação do Estado e um direito da população. QUAIS OS INSTRUMENTOS QUE COMPÕEM AS POLÍTICAS PÚBLICAS? As políticas públicas normalmente estão constituídas por instrumentos de planejamento, execução, monitoramento e avaliação, encadeados de forma integrada e lógica, da seguinte forma: 1. Planos; 2. Programas; 3. Ações; 4. Atividades. Os planos estabelecem diretrizes, prioridades e objetivos gerais a serem alcançados em períodos relativamente longos. Por exemplo, os 646 planos decenais de educação têm o sentido de estabelecer objetivos e metas estratégicas a serem alcançados pelos governos e pela sociedade ao longo de dez anos. Os programas constituem, por sua vez, objetivos gerais e específicos focados em determinado tema, público, conjunto institucional ou área geográfica. O Programa Nacional de Capacitação de Gestores Ambientais (PNC) é um exemplo temático e de público. Ações visam o alcance de determinado objetivo estabelecido pelo Programa, e a atividade, por sua vez, visa dar concretude à ação. Políticas públicas são passíveis de ser compreendidas, portanto, como ações governamentais idealizadas, formuladas e desenhadas em atenção aos propósitos de agenda dos governos, permeados e intercambiados com os anseios e demandas de grupos da sociedade, resultando em programas, ações, estratégias, planos, que terão efeitos e buscarão transformações e resultados positivos e benéficos para pessoas numa dada realidade. (DIAS, R.; MATOS, F., 2012) Isso permite dizer que as políticas públicas, de modo geral (dentre elas, iniciativas nas áreas da Saúde e da Educação, por exemplo) são campos multidisciplinares de estudos e interesses, já que, diante da vontade e inclinação para estudá-las, torna-se necessária a compreensão de que teorias e instrumentais construídos nos campos da Sociologia, da Ciência Política e da Economia, para citar os mais evidentes, são fundamentais para a realização de análises e estudos. Nunca perdendo de vista o caráter intersetorial e multidisciplinar dos processos das políticas, a sua formulação, implementação e execução são caracterizadas por situações e desafios que demandam práticas de acompanhamento, monitoramento e avaliação, não apenas para eventuais correções de rumo na condução das ações por parte dos especialistas, políticos e técnicos responsáveis, mas também para atender às modificações constantes e estruturais que o dinamismo do processo inerentemente apresenta e para servir de base e lições aprendidas para aplicação em outras ações do mesmo gênero (MAGALHÃES R.; BODSTEIN R., 2009). Tendo sido feitas reflexões para se pensar o que é, como se faz e quais as questões envolvendo avaliação de políticas, especialmente no âmbito da gestão pública no setor saúde, um bom ponto de partida é 647 estabelecer uma definição objetiva: avaliar significaria emitir um juízo de valor, atribuir valor a algo, conferir a algo um aval. Só que, por ser a avaliação de políticas um processo complexo, avaliar também é comparar parâmetros estabelecidos e resultados alcançados de uma dada intervenção ou sobre qualquer dos seus componentes, com vistas à facilitação da consecução de determinados objetivos. Utilizando-se de critérios ou padrões traçados para uma investigação sistemática, a atividade avaliativa insere-se tanto no campo da ciência - por meio da produção de evidências - quanto no da prática cotidiana da política - por meio dos processos analisados, e vincula-se a uma dimensão instrumental, com o intuito de auxiliar na tomada de decisões. Se a ação avaliativa compreende a emissão de um juízo de valor, torna-se, portanto, necessário refletir sobre como; quando; onde; para quem; com quem; quanto - ou seja, despendendo quais fontes e quais quantidades de recursos; em que medida; atendendo a quais interesses; significando quais conceitos; representando quais influências e interesses; resultando em quais consequências; uma prática caracterizada como avaliação pode - e deve - gerar transformações positivas na realidade e bem-estar coletivo. Nesse contexto e com essas preocupações, procura-se contribuir para o debate sobre a avaliação de políticas públicas, especificamente no que concerne ao setor saúde. POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SAÚDE O QUE É SAÚDE PÚBLICA A saúde pública/saúde coletiva é definida genericamente como o campo de conhecimento e de práticas organizadas institucionalmente e orientadas à promoção da saúde das populações (SABROZA, 1994). O conhecimento e a institucionalização das práticas em saúde pública configuraram-se articulados à medicina. Apesar de efetivamente superarem a mera aplicação de conhecimentos científicos, as práticas em saúde representaram-se como técnica fundamentalmente científica. Essa representação não pode ser entendida como simples engano, mas aspecto essencial da conformação dessas práticas, as quais encontram suas raízes na efetiva utilização do conhecimento científico. A medicina estruturou-se com 648 base em ciências positivas e considerou científica a apreensão de seu objeto (MENDES GONÇALVES, 1994). O discurso científico, a especialidade e a organização institucional das práticas em saúde circunscreveram-se a partir de conceitos objetivos não de saúde, mas de doença. A DOENÇA O conceito de doença constituiu-se a partir de uma redução do corpo humano, pensado a partir de constantes morfológicas e funcionais, as quais se definem por intermédio de ciências como a anatomia e a fisiologia. A ‘doença’ é concebida como dotada de realidade própria, externa e anterior às alterações concretas do corpo dos doentes. O corpo é, assim, desconectado de todo o conjunto de relações que constituem os significados da vida (Mendes Gonçalves, 1994), desconsiderando-se que a prática médica entra em contato com homens e não apenas com seus órgãos e funções (CANGUILHEM, 1978). A PREVENÇÃO E A PROMOÇÃO DE SAÚDE O termo prevenir tem o significado de “preparar, chegar antes de, dispor de maneira que evite (dano, mal); impedir que se realize” (FERREIRA, 1986). A prevenção em saúde “exige uma ação antecipada, baseada no conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior da doença” (LEAVELL; CLARCK, 1976:17). As ações preventivas definem-se como intervenções orientadas a evitar o surgimento de doenças específicas, reduzindo sua incidência e prevalência nas populações. A base do discurso preventivo é o conhecimento epidemiológico moderno; seu objetivo é o controle da transmissão de doenças infecciosas e a redução do risco de doenças degenerativas ou outros agravos específicos. Os projetos de prevenção e de educação em saúde estruturam-se mediante a divulgação de informação científica e de recomendações normativas de mudanças de hábitos. ‘Promover’ tem o significado de dar impulso a; fomentar; originar; gerar (FERREIRA, 1986). A Promoção da saúde da saúde define-se, tradicionalmente, de maneira bem mais ampla que prevenção, pois refere-se a medidas que “não se dirigem a uma determinada doença ou desordem, mas servem para aumentar a saúde e o bem-estar gerais” (LEAVELL; CLARCK, 649 1976: 19). As estratégias de promoção enfatizam a transformação das condições de vida e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de saúde, demandando uma abordagem intersetorial (TERRIS, 1990). A constatação de que os principais determinantes da saúde são exteriores ao de tratamento não é novidade. Oficialmente, contudo, é bem recente a formulação de um discurso sanitário que afirme a saúde em sua positividade. A Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada em Ottawa (1986), postula a ideia da saúde como qualidade de vida resultante de complexo processo condicionado por diversos fatores, tais como, entre outros, alimentação, justiça social, ecossistema, renda e educação. No Brasil, a conceituação ampla de saúde assume destaque nesse mesmo ano, tendo sido incorporada ao Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde: Direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida E acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASIL. MS, 1966). COMUNICAÇÃO EM SAÚDE No campo da saúde, a comunicação exerce uma força educativa pela qual vem sendo cada vez mais observada. O fenômeno da educação em saúde se apresenta como um jogo de vários saberes, que “constituem as práticas e as reflexões envolvidas nas relações entre educação e comunicação na área da saúde” (DONATO, GOMES, 2010, p. 42). O ministério da Saúde relaciona uma lista de competências que os profissionais de devem reunir, das quais fazem parte não apenas o conjunto de tarefas que lhes cabem, mas também aspectos relacionados a formas de conscientização, de formação de opinião e de incorporação de hábitos, comportamentos e atitudes. Por exemplo, faz parte do conjunto de competências que integram as Unidades Básicas de Saúde conhecer a realidade das famílias que atendem, no que se refere aos aspectos sociais, econômicos, culturais, demográficos e epidemiológicos. 650 O desenvolvimento profissional, na visão da comunicação, atende às necessidades permanentes de definição, identificação, mapeamento e utilização de novas competências. Carvalho comenta (2003, p. 16): O conceito de competência nos diz ser ela fator primordial para a conduta humana quando da realização de procedimentos e tarefas. Não apenas pelo fato de realizar coisas corretamente e de forma válida, mas por conferir ao homem o sentido humano de suas capacidades. Ser competente significa, de modo amplo, estar no mundo de forma útil e participativa. Dessa forma, no que fazem e no modo que realizam coisas, as pessoas precisam se sentir integradas ao mundo, sendo isso o que as capacita a interagir sobre eles. COMUNICAÇÃO PÚBLICA E INTERESSE PÚBLICO A informação é uma obrigação do Estado. No artigo 37 da Constituição Federal resguarda que a administração pública direta e indireta tem por dever obedecer, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade eficiência e publicidade – preceito central para a transparência dos atos e fatos administrativos. O artigo 5º inciso XXXIII da Constituição Federal estabelece que todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (LENZA, 2009: 689). Fazer cumprir estes mandamentos da Constituição é, acima de tudo, exercer um direito fundamental e cidadão. O direito à informação está dentro das garantias constitucionais modernas, pois se encontra dentro dos direitos fundamentais. Sendo assim, é um constituinte sine qua non para a efetivação da cidadania. Percebe-se que uns direitos precedem aos outros - os direitos à vida e à liberdade, da mesma maneira que os direitos à informação e à democracia são primordiais para a constituição de outros direitos. A ideia de que comunicar seja um direito de todo cidadão a se manifestar e ser ouvido, não se limita a questão de liberdade de acesso aos meios de comunicação. O direito à comunicação passa necessariamente pela par651 ticipação do cidadão como sujeito ativo em todas as fases do processo de comunicação, tornando-o também emissor (DUARTE, 2009: 106). A comunicação pública é protagonizada por diversos setores da sociedade: Estado, Terceiro Setor, partidos políticos, empresas privadas e públicas, órgãos de imprensa, social civil organizada. Ela não é determinada pelos promotores/emissores da ação comunicativa, mas sim pelo objeto que a mobiliza – o interesse público – afastando-se, ainda, de uma finalidade de cunho mercadológico. A comunicação do Estado e/ou governamental é exercida por órgãos governamentais, como secretarias, conselhos e agências reguladoras; por organizações do terceiro setor (ONG) e associações comunitárias; e por empresas privadas que prestam serviço público. Este tipo de comunicação deve ser entendido como o principal canal de interação com os cidadãos e de prestação de contas à sociedade. É um instrumento fundamental para a construção da agenda pública (BRANDÃO, 2009, p.5). O repasse de informações à sociedade sobre as atividades exercidas pelo Estado, como realização de obras ou criação de projetos sociais; as ações promovidas, como campanhas de vacinação e chamamento para participação de eleições; têm como objetivo, além de praticar responsabilidade e transparência, despertar o sentimento cívico do cidadão, que é a base de uma sociedade bem informada e educada (socializada). A comunicação política aborda, substancialmente, o uso de técnicas e estratégias de comunicação para divulgar e transmitir ideologias e posicionamentos políticos, seja por parte de governos ou partidos políticos. Neste ambiente, a mídia e os seus veículos de comunicação são fundamentais para a propagação das ideias e dos ideais políticos. Podemos inferir que mesmo que as políticas públicas das instituições envolvidas no combate e prevenção da obesidade sejam as corretas, se houver falha na comunicação que deve chegar aos protagonistas de todo o processo, elas não serão eficazes. 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Maria José da Costa Oliveira1 RESUMO Este artigo apresenta a proposta inicial de desenvolvimento de uma pesquisa que pretende identificar e analisar as práticas de comunicação utilizadas pelas escolas de ensino médio, que promovam e estimulem o diálogo, o debate, as interações que evidenciam espaços democráticos de manifestação e exercício de cidadania, com o empoderamento de adolescentes para que se transformem em protagonistas dentro da sociedade. No artigo são apresentados e correlacionados conceitos teóricos que fundamentam a aplicação de pesquisa empírica, a ser desenvolvida em etapa posterior, junto aos atores sociais de escolas, com o propósito de confirmar se e como a comunicação, no papel aqui destacado, tem contribuído com a articulação entre o saber e o poder para a formação cidadã crítica e emancipatória, com vistas ao interesse público. Palavras-chave: Comunicação Pública; Educação; Cidadania; Democracia; Deliberação. Pós-Doutora, Doutora e Mestre em Ciências da Comunicação. Coordenadora e Docente da Metrocamp-Grupo IBMEC. Integrante e vice-coordenadora do Grupo de Pesquisa em Comunicação Pública e Comunicação Política – COMPOL, da ECA/USP sob coordenação da Profa. Dra. Heloiza Matos 1 INTRODUÇÃO A partir da matriz de Craig (2007) e com base na teoria crítica, esta pesquisa parte de suposições sobre o conhecimento considerando a comunicação teorizada como reflexão discursiva. Como pressupostos praxeológicos está fundamentada em suposições sobre a prática da teoria identificada na ideologia presente, na dialética utilizada, na opressão percebida, na conscientização, nas ações de resistência e nas formas de emancipação que ocorrem no ambiente escolar. Assim, esta pesquisa parte da análise de valores que são determinantes numa percepção da formação do cidadão no contexto democrático, tais como liberdade, igualdade e razão, enfatizados na discussão que produz consciência, visão. Esta pesquisa, em fase inicial, tem como objetivo identificar as práticas de comunicação que têm sido adotadas pelas escolas de ensino médio que estejam contribuindo para a formação do cidadão crítico, atuante e responsável, e que sejam capazes de promover, entre os estudantes, o diálogo e a participação continua, e não apenas episódica, nas questões de interesse público. Nesse sentido, este artigo analisa, sob o ponto de vista teórico, os eixos que alicerçam as etapas a serem postetiormente construídas, partindo dos conceitos de comunicação pública, deliberação, educação e capital social. COMUNICAÇÃO PÚBLICA PARA A CIDADANIA O conceito de comunicação pública representa uma percepção de política de comunicação em contextos democráticos, dado seu compromisso com a cidadania e por promover a interlocução com a sociedade visando o interesse público. Brandão (2007), enfatiza que esta comunicação deve ser realizada por todos que integram a área pública. Ocorre que dentro de contexto democrático todos os setores, instituições e indivíduos se integram com seus diferentes papéis formando diversas esferas públicas na sociedade. Matos (2007) analisa que comunicação pública evoca pluralidade de estilos, gêneros, pontos de vista, opiniões, visões de mundo. E, essa pluralidade evidencia a importância do diálogo, dos debates, das dis658 cussões e das deliberações que provocam a tomada de decisão em situações que impactam a sociedade. Matos (2007) também nos indica que a comunicação pública supõe acolhimento das demandas por canais e mensagens de vários pólos, seja do Estado para a sociedade, do mercado para o Estado, como da sociedade para o mercado. Para Duarte (2007, p. 59), comunicação pública centraliza o processo no cidadão, já que, conforme endossa Matos (2007, p. 47), comunicação pública pode ser entendida como espaço plural para a intervenção do cidadão no debate das questões de interesse público. Interessante incluir para a presente análise a contribuição de Haswani (2011, p. 82) ao destacar que a comunicação pública compreende processos diversos e faz interagir os atores públicos e também os privados, na perspectiva de ativar a relação entre o Estado e os cidadãos, com o intuito de promover um processo de crescimento civil e social. Rosso e Silvestrin (2013) concluem que a comunicação pública é a esperança para se ampliar a democracia, tornando o cidadão corresponsável nas questões de interesse público e que afetam a vida em sociedade. Assim, no contexto democrático, não há como limitar comunicação pública às ações do Estado, pois envolve, preferencialmente, ação conjunta, integrada e por iniciativa de diferentes setores da sociedade, sempre que privilegiem o interesse público. Diante disso, surge a necessidade de analisar o papel que a comunicação desempenha em contextos de educação formal, a partir da instituição de espaços de participação, de diálogo, de debate e de deliberação nas escolas, que levem à experiência prática de exercício de cidadania. Para tanto, cabe aqui considerações sobre esfera pública, democracia e deliberação, para se identificar se a escola tem atuado para promover uma educação ajustada ao cenário democrático. Inúmeras abordagens acerca de esfera pública e democracia já foram realizadas. Todavia, aqui torna-se imprescindível resgatar a contribuição de alguns autores, que oferecem a base para se compreender questões e consequências das novas esferas públicas, que passaram a se constituir na sociedade, marcada por profundas mudanças. 659 Habermas analisa que a esfera pública se localiza entre o Estado e a sociedade, o que nos permite entender a origem do impacto que a comunicação organizacional provoca na comunicação pública e vice- versa. Marques (2008) indica que, para garantir que todos participem igualmente dos debates e discursos em contextos formais e informais, é necessário que os atores sigam procedimentos que zelem pelas condições de igual participação e consideração de todos. Levando em conta tais considerações e analisando o papel das escolas, pode-se pressupor que o espaço escolar deveria realizar sistematicamente atividades que valorizem a igualdade de participação, educando os jovens para se tornarem cidadãos preparados para uma atuação efetiva nas diferentes esferas públicas. Porém, ainda há grandes desafios a serem superados, já que, mesmo no espaço escolar, a educação parece seguir modelos tradicionais que pouco estimulam a participação. Claro que essa dificuldade não se restringe ao âmbito escolar e se estende para todos que integram a esfera pública, pois, conforme Esteves (2003) isso decorre da constituição histórica do espaço público e sua dificuldade em se tornar verdadeiramente democrático para a participação da sociedade civil. Já na abordagem de Gomes (2008, p. 40) o papel da comunicação ganha destaque, em especial quando o autor sugere que um público é uma reunião de sujeitos capazes de opinião e interlocução. Como é proposta desta pesquisa, é importante saber se as escolas têm contribuído para a realização desse tipo de reunião. Gomes deixa claro que esfera pública é o âmbito da negociação argumentativa dos cidadãos, o domínio do seu debate racional-crítico, a dimensão social das práticas e dos procedimentos mediante os quais os cidadãos reunidos podem elaborar, estipular, rejeitar ou adotar posições sobre qualquer questão de interesse comum. Para tanto, a educação exerce um papel imprescindível para formar cidadãos, desde que comprometida com essa perspectiva transformadora e democrática. O PAPEL DA DELIBERAÇÃO NO CONTEXTO DEMOCRÁTICO Para atender aos objetivos propostos neste trabalho, uma abordagem sobre o conceito de deliberação se faz necessária, justamente por 660 representar o elo que entrelaça democracia e comunicação, já que se refere a ação de emitir opinião de forma a influenciar decisões. Marques (2008, p. 13) considera que a deliberação pode ser compreendida como uma atividade discursiva capaz de conectar esferas comunicativas formais e informais, nas quais diferentes atores e discursos estabelecem um diálogo, que tem por objetivo a avaliação e a compreensão de um problema coletivo ou de uma questão de interesse geral. Kim, Wyatt e Katz (2008) definem democracia deliberativa como um processo em que os cidadãos voluntariamente e livremente participam dos debates sobre as questões públicas. Destacam, também, que democracia deliberativa é um sistema discursivo onde os cidadãos dividem informações sobre assuntos públicos, conversações políticas, formação de opiniões e participação nos processos políticos. Para Gomes (2008), a democracia precisa que as instâncias deliberativas funcionem como esfera pública para proteger o bem comum do arbítrio do domínio que não precisa dar razões das suas decisões. A política deliberativa cumpre um papel crucial no processo democrático, pois, segundo Habermas (1997, p. 28), obtém sua força legitimadora da estrutura discursiva de uma formação da opinião e da vontade, a qual preenche sua função social e integradora graças à expectativa de uma qualidade racional de seus resultados. Por isso, o nível discursivo do debate público constitui a variável mais importante. Habermas, cita Cohen, para caracterizar o processo democrático por meio dos seguintes postulados: a) As deliberações realizam-se de forma argumentativa, portanto, através da troca regulada de informações e argumentos entre as partes, que recolhem e examinam criticamente propostas; b) As deliberações são inclusivas e públicas; c) As deliberações são livres de coerções externas; d) As deliberações também são livres de coerções internas que poderiam colocar em risco a situação de igualdade dos participantes. (p. 29) O agir comunicativo é o responsável por estabelecer relações, estimulando os vínculos sociais, ou, de acordo com Habermas, “o que 661 associa os parceiros do direito é, em última instância, o laço linguístico que mantém a coesão de qualquer comunidade comunicacional”. (Habermas, 1997, p. 31) A comunicação ganha força no contexto democrático, pois, conforme Habermas (1997) “se quisermos enfrentar questões que tratam da regulação de conflitos ou da persecução de fins coletivos sem empregar a alternativa dos conflitos violentos, temos que adotar uma prática de entendimento, cujos processos e pressupostos comunicativos, no entanto, não se encontram simplesmente à nossa disposição”. (1997, p. 36) Para Benhabib (1996, p. 69, apud Maia, p, 165) as concepções deliberativas da democracia baseiam-se no princípio de que “as decisões que afetam o bem-estar de uma coletividade devem ser o resultado de um procedimento de deliberação livre e razoável entre cidadãos considerados iguais moral e politicamente”. Afirma, também, que deliberação deve ser entendida como processo argumentativo (p. 166), que precisa ser estimulada em fóruns de discussão. Assim, tanto Habermas, como Cohen e Benhabib tratam de destacar o quanto a comunicação, como processo argumentativo, tem papel crucial na deliberação, sendo capaz de estabelecer vínculos entre os membros que dela participam. Nesse sentido, as escolas podem cumprir um papel público importante, ao educarem seus alunos para que participem de fóruns que elas também promovam, envolvendo questões de interesse público. Esse papel tem sido desenvolvido por algumas escolas, mas ainda não se tornou prática corrente. Fora isso, considerando a defesa de que democracia não se restringe ao âmbito político, esta deve permear a sociedade como um todo, envolvendo todos os setores da sociedade. Assim, ao incentivar a que criação de espaços de discussão dentro das escolas, a educação passa a ser coerente com a política democrática. Nessa perspectiva, vale a afirmação de Maia (p. 180) de que a esfera pública não é entendida de forma única e global, mas, sim, constituída por diversos públicos que se organizam em torno de temas ou causas de interesse comum. 662 Maia considera que a deliberação pública ajuda a distinguir pragmaticamente entre as reivindicações particularistas, egoístas, e aquelas com maior apelo coletivo (p. 192). Para minha proposta de analisar como a comunicação pública é estimulada nas escolas visando a educação para a cidadania, a abordagem de Maia é muito útil, em especial porque a autora enfatiza uma concepção ampliada de política, atenta aos contextos práticos da vida cotidiana e às configurações da sociedade civil, bem como às complexas interações que se estabelecem entre os domínios privados e públicos. Mansbridge (1999, p. 211), por exemplo, concebe a deliberação não só entre públicos organizados – isto é, “entre representantes formais e informais em fóruns públicos designados, da conversação entre constituintes e representantes eleitos ou grupos representantes de organizações orientadas politicamente”, mas também entre públicos não organizados – isto é, “ da conversação na mídia, da conversação entre ativistas políticos e da conversação cotidiana em espaços privados. (apud Maia, p. 196) Marques (2008) elucida as interseções entre o processo comunicativo e a deliberação pública, destacando que o tema da deliberação pública apresenta-se como referência fundamental na formação de uma esfera pública de discussão ampliada que pode contribuir não só para a construção de um sistema democrático marcado pela aproximação entre instâncias formais do governo e espaços informais de discussão entre os cidadãos, mas também para melhor atendimento e abordagem apropriada dos conflitos políticos e sociais travados nas sociedades contemporâneas. (Marques, p. 11) A deliberação pode ser compreendida como uma atividade discursiva capaz de conectar esferas comunicativas formais e informais, nas quais diferentes atores e discursos estabelecem um diálogo, que tem por objetivo a avaliação e a compreensão de um problema coletivo ou de uma questão de interesse geral. (Marques, p. 13) Uma sociedade que incorpora a cultura democrática tende a adotar a deliberação como um processo natural em todas as instâncias públicas e privadas, mas, conforme Marques (p. 184) cidadãos que possuem oportunidades efetivas de deliberar tratam uns aos outros não meramente como objetos, mas também como sujeitos que podem aceitar ou rejeitar as razões dadas para as leis que os vinculam mutuamente. 663 Assim, o conceito de comunicação pública tem por base esse novo sujeito da sociedade plural, democrática, que tem o direito e o dever de usufruir de espaços para debate, com diversidades de opinião, em que se pese o respeito como um valor que se torna fundamental para que os sujeitos se expressem. RESPEITO NA DELIBERAÇÃO Sem respeito de todos os lados envolvidos em debates, não há como estreitar relacionamentos, nem como incentivar o processo de deliberação, pois, como afirma Mansbridge (apud Steiner), os participantes devem tratar uns aos outros com respeito mútuo e igual interesse. Sennett (2004, p. 67) afirma que o respeito parece tão fundamental para a nossa experiência das relações sociais e do self que devemos defini-lo com mais clareza. Trata-se assim de analisar seu significado, a partir de alguns sinônimos que lhe são atribuídos. São eles “status”, “prestígio”, “reconhecimento”, “honra” e “dignidade”. A começar por “status”, Sennett (2004, p. 71) considera que este se refere à posição de uma pessoa na hierarquia social, enquanto “prestígio” é entendido como emoções que o status suscita nos outros. Mesmo parecendo evidente a relação entre status e prestígio, Sennett alerta para sua complexidade e lembra que na estrutura do caráter do respeito às necessidades dos outros, status dificilmente é conveniente e o prestígio simplesmente não convém de modo algum. Ao se referir ao reconhecimento, Sennett (2004, p. 73) cita Rawls, para quem seu significado é respeitar as necessidades daqueles que são heterogêneos, além de Habermas, que o defende como respeito às opiniões daqueles cujos interesses os levam a discordar. Assim, o reconhecimento pode contribuir para gerar consciência social. Para designar honra, Sennett (2004, p. 73) sugere, primeiro, seu emprego como códigos de conduta e segundo como um tipo de eliminação de fronteiras e distâncias sociais. O autor utiliza como referência Bourdieu, que considera que honra supõe um indivíduo que sempre se vê através dos olhos dos outros, que tem necessidade dos outros para sua existência, porque a imagem que ele tem de si é indistinguível daquela apresentada a ele por outras pessoas. Nesse sentido, a honra também gera consciência social, ainda que à custa de agressão contra estranhos. 664 Por fim, dignidade tanto é aplicada para a dignidade humana, como para dignidade do trabalho. Ambas vertentes são vistas como valores universais: a dignidade do corpo é um valor que todos podem compartilhar, enquanto a dignidade do trabalho somente pode ser alcançada por uns poucos. (Sennett, 2004, p. 77) Assim, das considerações de Sennett (2004) se depreende que o respeito é com frequência escasso, revelando-se complexo em uma sociedade de desigualdades, pois está ligado aos atos de reconhecimento pelos outros. Mesmo diante dessa complexidade, o respeito é o aspecto central das ações que podem ser promovidas pelas escolas voltadas ao diálogo, ao debate e à deliberação. Para tanto, é necessário que exista respeito de todos os lados, porque sua ausência pode provocar a inibição do processo deliberativo, da participação, do engajamento. Afinal, conforme Gutmann e Thompson (apud Steiner) respeito mútuo exige um esforço para apreciar a força moral da posição com a qual possamos estar em desacordo. Com respeito, a participação, o debate e a deliberação passam a ser estimulados, fortalecendo o capital social, conceito que passo a analisar, a seguir. EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA É evidente que, para tratar do objetivo aqui proposto, é preciso ter em vista de qual perspectiva de educação será realizada essa análise. Barbero (2014, p. 10), ao tratar de comunicação na educação, defende que a educação já não é pensável a partir de um modelo escolar (sic). O autor reforça que o lugar para se aprender pode ser qualquer um e evidencia a importância de se formar o cidadão como pessoa capaz de pensar com sua cabeça e de participar ativamente na construção de uma sociedade justa e democrática (p.11). Todavia, é em Freire, que encontramos a principal referência sobre a educação numa perspectiva transformadora, pois na concepção do autor a educação deve ser libertadora, humanista e ao mesmo tempo conscientizadora. O autor, assim como Barbero, defende uma proposta não escolar que pretende alfabetizar e, ao mesmo tempo, conscientizar/ politizar os homens pelo diálogo, levando à necessidade de se superar as mais diversas situações de opressão que vive o oprimido. 665 Para Freire, a libertação do oprimido, tão necessária, será possível pela educação. Não a educação “bancária”, em que o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que eles julgam nada saber, que visa defender os interesses do opressor, que trata os homens como seres vazios, desfigurados, dependentes; mas a educação problematizadora. A educação problematizadora, libertadora, promovida nos Círculos de Cultura por meio de perguntas e respostas (diálogo), se afirma na relação dialógica entre educador-educando. Para Paulo Freire, o Círculo de Cultura constitui-se numa estratégia da educação libertadora. Nele não haveria lugar para o professor bancário, que tudo sabe, nem para um aluno passivo, que nada sabe. Linhares (2008) analisa que o Círculo de Cultura proposto por Freire é um lugar onde todos têm a palavra, onde todos lêem e escrevem o mundo. É um espaço de trabalho, pesquisa, exposição de práticas, dinâmicas, vivências que possibilitam a construção coletiva do conhecimento. Nos chamados Círculos de Cultura, os analfabetos aprendiam e ensinavam a interpretar o mundo e a descodificá-lo, a partir da palavra e temas geradores de significância para a sua realidade, idéias estas presentes, principalmente, nas obras “Pedagogia do Oprimido” e “Educação como prática da Liberdade”. Todavia, ainda que o lugar da educação possa ser qualquer um, a escola tem potencial para ser o espaço privilegiado da educação. Durkheim (apud Hauschild, 2011), por exemplo, defende a postura social que a escola e a educação em si, devem ter. Na perspectiva do autor, a educação escolar deixa de ser vista de forma individualista e sim através de uma perspectiva coletiva. Conforme indica Hauschild (2011), a escola representa um espaço de desenvolvimento e aprendizagem que envolve todas as experiências contempladas nesse processo, considerando tudo como significativo, como os padrões relacionais, aspectos culturais, cognitivos, afetivos, sociais e históricos, os quais estão inseridos nas interações e relações entre os diferentes segmentos. Nesse contexto, a escola tem papel importante, pois é um espaço potencial para reflexão sobre as transformações que se processam na atualidade e seus resultados. Afinal, a escola não pode ficar alheia 666 às transformações sociais e culturais advindas da sociedade. Mas, pelo contrário, a escola pertence ao meio social e, por isso, sofre as influências do meio. “A escola é uma comunidade. Como parte da sociedade, ela está normalmente estruturada de forma a reproduzir a estrutura social.” (GALLO, 2010, p. 145). Bauman (2001) destaca que, muitas transformações estão permeando a sociedade contemporânea e essas acabam por invadir todos os contextos, inclusive a escola. A ESCOLA NA CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL SOCIAL A relação do conceito de capital social com a presente abordagem ocorre porque, para que sejam estabelecidas relações nas diferentes esferas públicas e privadas, torna-se condição essencial o estabelecimento de vínculos entre membros que compõem as organizações. São esses vínculos que contribuem para garantir o engajamento, seja em relação aos objetivos intra-organizativos, seja em relação aos objetivos voltados ao interesse público. Reis (2003, p. 43), analisando a obra de Putnam, Making Democracy Work, de 1993, considera capital social como variável-chave para identificar as potencialidades de implementação bem sucedida de políticas e programas públicos em contextos variados. Essa consideração ajuda a justificar a relevância do capital social como conceito dentro da análise sobre a escola como espaço de interlocução e de deliberação na formação e empoderamento do cidadão. Dessa forma, cabe lembrar que capital social está intimamente ligado às redes sociais e de comunicação disponíveis para as interações dos agentes sociais (Matos, 2009, p. 101). Matos destaca, também, que “a rede social pode ser dimensionada pela confiança que os membros atribuem aos participantes e às consequências associadas a esse sentimento”. (Matos, apud Duarte, 2007, p. 55) Matos (2009, p. 37) cita Coleman, para quem o capital social pode ser encontrado em dois tipos de estrutura: nas redes sociais que funcionam num espaço fechado (um clube, associação ou sindicato, com suas próprias normas e sanções) ou numa organização social ou instituição com um objetivo específico (empresa, governo, associação cultural, partido politico, ONG). 667 Matos (2009, p. 38) analisa que Coleman no campo da educação e Putnam com foco na participação cívica e no comportamento das instituições são fontes de inspiração para a maior parte dos estudos sobre o capital social. Tais estudos mais recentes concentram-se, de acordo com Matos (2009, p. 38) em nove campos: família; comportamento juvenil, escolarização e educação; vida comunitária virtual e cívica; trabalho e organização; democracia e qualidade do governo; ação coletiva; saúde pública e meio ambiente; delinquência e violência; desenvolvimento econômico. Considerando esses campos, é possível perceber que os estudos sobre capital social já têm enfatizado o universo escolar e de educação como dos mais propensos a alimentar laços comunitários de reciprocidade. Vale et al (2006, p. 46) consideram que o capital social se manifesta por meio das redes sociais que tornam possíveis a cooperação e a ação coletiva para benefício mútuo, no interior das organizações, grupos e comunidades. Isso provoca a necessidade de se estabelecer estratégias coletivas, voltadas a promover, de acordo com Vale et al (2006, p. 46), relações de confiança mútua, senso de propósito e capacidade de trabalho coletivo, elementos subjacentes ao conceito de capital social. Para completar minha abordagem, torna-se necessário não apenas evidenciar a importância do capital social no âmbito escolar, mas também levar em conta o contexto democrático, de participação e engajamento cívico. Assim, Matos (2209, p. 44) trata de enfatizar e aprofundar justamente o conceito de capital social na estruturação de laços sociais e engajamento cívico. Para tanto, a autora destaca a obra de Sennet – que analisa a corrosão do caráter e o declínio do capital social. Conforme Sennet (1999, apud Matos, 2009, p. 45) caráter designa sobretudo os traços permanentes de nossa experiência emocional que se exprime pela confiança e o engajamento recíproco, na tentativa de atingir os objetivos de longo prazo, ou ainda, para retardar a satisfação, visando a um objetivo futuro. Matos (2009, p. 45) constata que a obra de Sennet ajuda a elucidar que as causas prováveis da corrosão são as mesmas que afetam o capital social, trazendo, entre outras questões, porque devem-se articular os interesses pessoais e públicos. 668 Um sistema político que não fornece aos seres humanos as razões profundas para que se interessem uns pelos outros não pode conservar sua legitimidade por longo tempo (Sennet, 1999, p. 66) Segundo Putnam (2006, apud Matos, 2009, p. 47) os indivíduos têm mais chance de mudar sua vida quando fazem parte de uma comunidade cívica fortemente engajada. Dessa forma, os laços sociais e o engajamento cívico teriam influência preponderante sobre a vida privada e pública. “As redes de interação alargariam enormemente a consciência dos membros, permitindo que eles desenvolvessem um “eu” e um “nós”, ou, retomando os termos teóricos da escolha racional, pode-se dizer que a presença dessas redes reforçaria o gosto dos indivíduos pelos benefícios coletivos (Bevort e Lallement, 2006, pp 37-8, apud Matos, 2009, p. 47) Se até aqui tratei de considerar o conceito de capital social, seus campos de aplicação e evidenciar sua utilidade para a sociedade, resta analisar qual seria o papel da comunicação na sua constituição. Matos (2009, p. 82), ao tratar das perspectivas atuais da abordagem da conversação, lembra que as noções de opinião pública e esfera pública fizeram com que o conceito de conversação fosse reconhecido como relevante dimensão da constituição da democracia. Matos (2009, p. 82) faz um questionamento sobre o porquê das conversações serem tão importantes para a formação de espaços públicos democráticos se, geralmente, elas se estabelecem em contextos privados (pouco propícios ao embate de ideias) e entre pessoas que pensam de forma semelhante. A autora resgata diferentes autores (Mansbridge, 1999; Kim e Kim, 2008; Moy e Gastil, 2006), que já destacaram que as conversações tendem a ocorrer com maior frequência em ambientes nos quais as pessoas se sentem protegidas ao expressarem seus argumentos e conclui que: Assumir opiniões divergentes em contextos controversos não só impõe um desafio aos indivíduos como também um preço: transformar uma conversação fluida, amistosa e agradável em um embate de ideias voltado para a produção de um acordo ou para a solução de um determinado 669 acordo ou para a solução de determinada questão. (Matos, 2009, p. 82) Essa abordagem alinha-se em especial com o conceito de respeito na deliberação, aspecto que tratei na sessão anterior. Todavia, Matos complementa sua análise sobre o papel da conversação no capital social, lembrando que há uma outra forma de conversação apontada por Schudson como aquela voltada para a solução de problemas, a qual focaliza as trocas de argumentos em público entre pessoas com backgrounds distintos, exigindo que os participantes formulem os próprios pontos de vista e respondam aos questionamentos alheios. (Matos, 2009, p. 84) A evidencia da comunicação para o capital social é apontada por Matos (2009, p. 214) quando cita Hartman e Lenk (2001) que acreditam que a comunicação pode potencializar o capital social e o cumprimento de metas negociais, sendo um ativo intangível capaz de contribuir para o capital social, ativo da mesma natureza. Para Matos (2009, p. 218) é justamente o movimento de aproximação entre a noção de capital social e a de comunicação que oferece a possibilidade de pensar na constituição dos indivíduos como cidadãos e atores cívicos com base nas interações que estabelecem nas redes sociais, sejam elas organizacionais e/ou cívicas. Por fim, considero que a constituição de capital social facilita o engajamento dos cidadãos nos assuntos que afetam a coletividade, por vínculos de confiança que são estabelecidos, e, se as escolas têm um papel importante na formação do cidadão, é preciso que a educação seja praticada numa perspectiva de empoderamento que leva à transformação, já que, segundo Romano (2002, p. 17) empoderar significa colocar as pessoas e o poder no centro dos processos de desenvolvimento; um processo pelo qual as pessoas, as organizações, as comunidades assumem o controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida e tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir. CONSIDERAÇÕES FINAIS É interessante observar se, num espaço público como a escola, tem sido estimulada a participação, o diálogo, o debate e a deliberação, como aprendizagem para o exercício da cidadania. 670 Com essa proposta, a pesquisa em desenvolvimento procura identificar se essa visão de utilização do espaço da escola como espaço de aprendizagem para o debate e a participação seria considerado coerente para a formação de uma sociedade democrática, que reconhece a necessidade de integração entre todos os setores da sociedade na definição e execução de políticas públicas que atendam ao interesse público. Entretanto, é preciso reconhecer que obstáculos históricos e culturais precisam ser transpostos para que a escola se torne um espaço de aprendizagem para a cidadania. É óbvio que é preciso também levar em conta que a educação passou por alterações que levaram à quebra de paradigmas, em função de um cenário social que exigia abertura para a ação conjunta entre diferentes setores sociais, comprometidos com o desenvolvimento e a auto-sustentação das futuras gerações. A escola, com espaços de interlocução, de participação e de deliberação, estimula a interface entre educação e comunicação, já que essa interligação faz com que, na sua formação, o cidadão desenvolva a habilidade e competência para se utilizar dos instrumentais da comunicação para interferir nas questões de interesse público. No âmbito da educação, formal ou informal, as ações educativas combinam elementos de reprodução da cultura de seus agentes, bem como de transformação. Da mesma forma ações de comunicação pública constituem-se recursos indispensáveis ao envolvimento da sociedade para o estabelecimento de potenciais de transformação, presentes e futuros. Independentemente do tipo e da abrangência das ações integradas entre comunicação e educação a serem empreendidas, deve-se ter em mente que a apreensão dos conhecimentos envolve, além da capacidade intelectual, o convívio em espaços de troca, de diálogo, de debate, que estimulem os sentidos, os desejos e a motivação. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Felipe Quintão de; BRACHT, Valter; GOMES, Ivan Marcelo. Bauman e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70, 1979. 671 BARBERO, J M. A Comunicação na Educação. São Paulo, Ed. Contexto, 2014. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução: Mauro Gama; Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. ______. Globalização: as consequências humanas. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. ______. Modernidade líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. ______. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. 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JOÃO JOSÉ CURVELLO (UNB) |1| ESTRATÉGIAS E POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO EM CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM UMA UNIDADE DE PESQUISA Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade1 RESUMO Neste trabalho abordam-se as estratégias utilizadas em uma unidade de pesquisa para o favorecimento da comunicação em Ciência, Tecnologia e Inovação (C, T & I). Objetivou-se investigar os fenômenos comunicacionais relativos à divulgação científica e ao trabalho da assessoria de comunicação, a partir de políticas públicas e dos documentos derivados dessas políticas. As ações executadas pela instituição são analisadas por meio de pesquisa-ação, tendo como referência seu atual plano diretor. Foram descritas as metas e ações, o que levou a perceber na instituição duas frentes de comunicação social: a assessoria de comunicação e a divulgação científica. Mesmo assim, a comunicação com os públicos de interesse não está entre as principais atividades desenvolvidas. Conclui-se que o plano diretor é tímido em relação ao estabelecimento dessas atividades e ao aproveitamento de seus resultados. Palavras-chave: Comunicação organizacional; Políticas e Estratégias; Ciência e Tecnologia. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo e analista em Ciência e Tecnologia no Laboratório Nacional de Astrofísic, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). E-mail: gcapistrano@lna.br 1 INTRODUÇÃO O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) coordena o trabalho de execução dos programas e ações que consolidam a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I). Essa política tem como objetivo transformar esse setor em componente estratégico do desenvolvimento econômico e social do Brasil com o intuito de contribuir para que os benefícios sejam distribuídos de forma justa a toda a sociedade. A divulgação da ciência é produto da interface entre ciência e sociedade e é dever dos órgãos públicos prestar contas à sociedade de todos os atos administrativos. Além disso, o acesso às informações de C,T&I é fundamental para o exercício pleno da cidadania e, consequentemente, para o estabelecimento de uma democracia participativa. O estudo, amparado em teorias da informação e da comunicação, foi desenvolvido em uma unidade de pesquisa do MCTI, o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), com o objetivo principal de analisar as ações de comunicação organizacional do instituto para a divulgação do conhecimento científico e tecnológico. Usou-se como metodologia a pesquisa-ação, amparada em pesquisa documental, iniciada pela análise situacional das estratégias estabelecidas pelo MCTI para C,T&I de 2012 a 2015. Essa análise permitiu o delineamento das diretrizes que orientam as ações nacionais e regionais para a divulgação científica e, consequentemente, a compreensão do que o MCTI entende como comunicação organizacional. As ações de popularização da C,T&I executadas pelo LNA foram analisadas a partir do proposto em seu plano diretor, documento em que se descrevem as ações previstas para 2011 a 2015 e das atividades desenvolvidas de acordo com a demanda e exigências dos vários públicos de interesse do instituto. O desenvolvimento do artigo está dividido em três seções. Na primeira, apresentam-se as ações de C,T&I voltadas para a comunicação contidas na Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), documento que estabelece o planejamento da área entre 2012 e 2015. Na segunda, fala-se sobre os Planos Anuais de Comunicação (PAC) e o papel da assessoria de comunicação do MCTI e do LNA, ressaltando o entendimento da pasta sobre comunicação organizacional. Na 677 terceira, faz-se a análise das ações realizadas pelo LNA a partir do que foi estabelecido em seu plano diretor e da demanda espontânea gerada pela necessidade social de compreender a ciência. Finaliza-se com as conclusões alcançadas pelo estudo. ESTRATÉGIA NACIONAL PARA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO “Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação” (ENCTI) é um documento elaborado pelo MCTI, em 2011, com o objetivo de estabelecer diretrizes para consolidar um sistema nacional de C,T&I “capaz de conjugar esforços em todos os âmbitos – federal, estadual, municipal, público e privado – e promover o aperfeiçoamento do marco legal e a integração dos diferentes instrumentos de apoio a C,T&I disponíveis no País” (MCTI, 2012, p. 24). O ENCTI estabelece as estratégias e linhas de atuação para expandir e fortalecer a infraestrutura da pesquisa e do desenvolvimento científico e tecnológico. Tem como eixos de sustentação a promoção da inovação das empresas, o financiamento público para o desenvolvimento científico e tecnológico e a formação e capacitação de recursos humanos. Os nove programas do documento foram eleitos por envolverem “as cadeias mais importantes para impulsionar a economia brasileira” (MCTI, 2012, p. 54), revelando a preocupação econômica do documento. São eles: tecnologias da informação e comunicação, fármacos e complexo industrial da saúde, petróleo e gás, complexo industrial da defesa, aeroespacial, e áreas relacionadas com a economia verde, como energia limpa e o desenvolvimento social e produtivo. Por fim, destaca-se a contribuição da C,T&I para o desenvolvimento social. Dentre as ações de desenvolvimento social, o ENCTI preocupa-se com a apropriação do conhecimento científico e tecnológico pela sociedade. A popularização da C,T&I e as ações que visam à apropriação social do conhecimento “são relevantes na formação permanente para a cidadania e no aumento da qualificação científico-tecnológica.” (MCTI, 2012, p. 83). Como visão de futuro, o documento propõe o avanço da política de difusão de C,T&I, “de modo a motivar a juventude a se interessar por carreiras científicas e tecnológicas e a propiciar mais conhecimento à população para o exercício da cidadania em tempos de imersão tecnológica.”(MCTI, 2012, p. 25) 678 Como explica Cardoso (2006, p.1132): A comunicação é um fato nas organizações, ou seja, não existe nenhuma organização sem uma prática comunicativa, ainda que os processos comunicativos não sejam institucionalizados. Eles são essenciais para a operação da entidade e estão intimamente vinculados às formas de significar, valorar e expressar uma organização, isto é, ao processo comunicacional e constitutivo da cultura da organização, e de sua identidade, configurando imagens reconhecidas por seus diversos públicos internos e externos. A comunicação pode ser entendida, então, como um alicerce que dá forma à organização, fazendo-a ser aquilo que ela é. Desse modo, a divulgação científica tem, portanto, papel norteador relevante para as ações de comunicação a serem desenvolvidas pelo MCTI e pelas unidades de pesquisa a ele vinculadas. Entende-se por unidade de pesquisa toda organização cuja finalidade é desenvolver pesquisas práticas e objetivas e promover o conhecimento produzido para a sociedade. Assim, amparado no ENCTI, o MCTI estabeleceu, nos anos de 2011 a 2014, o Plano Anual de Comunicação (PAC), documento interno que contém as iniciativas de popularização de C,T&I. A ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO MCTI E DO LNA A assessoria de comunicação (ASCOM) do MCTI é uma unidade subordinada ao Gabinete do Ministro2. As ações de comunicação social são orientadas pelo Plano Anual de Comunicação (PAC), que estabelece as políticas e diretrizes de comunicação social de cada integrante do Sistema de Comunicação dos Órgãos do Governo Federal (SICOM) e define suas ações, metas, segmentos de público, cronogramas de execução, meios a serem utilizados e recursos financeiros. As atividades desenvolvidas pela ASCOM e presentes nos PAC de 2012 a 2015 são apresentadas no Quadro 1. Dentro da estrutura organizacional do MCTI , o Gabinete do Ministro é um órgão de assistência direta e imediata ao Ministro de Estado. 2 679 QUADRO 1 – ATIVIDADES DA ASCOM PLANEJADAS NOS PAC DE 2012 A 2015 2012 2013 2014 Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) Cada ano realizada em uma cidade do país, tem como objetivo despertar o interesse da sociedade brasileira para o tema da ciência, tecnologia e inovação com vistas ao desenvolvimento sustentável do Brasil. O evento pretende chamar atenção para a importância da ciência na vida das pessoas por meio de atividades de difusão e popularização da ciência (palestras, filmes, exposições interativas e oficinas, dentre outras atividades). Ciência sem Fronteira O programa “Ciência sem fronteira” é o maior programa de expansão e internacionalização da ciência brasileira. Criado pelo governo federal, tem como objetivo propiciar aos estudantes brasileiros a experiência de formação acadêmica nas principais universidades do mundo. O programa também atrai para o Brasil cientistas de renome internacional que vão ajudar a melhorar os indicadores da produção científica nacional. A ASCOM é responsável por informar à sociedade em geral sobre os benefícios do programa. TI-maior Criado pelo governo federal para estimular a cadeia produtiva de software. O programa visa a ampliação da base tecnológica nacional e o aumento dos atuais indicadores de competitividade do país, tendo em vista os mercados globais e a qualificação da mão-de-obra brasileira em tecnologia da informação. Start-up Brasil O Programa Start-Up Brasil tem por objetivo fortalecer os setores científico, tecnológico e econômico do país, ligados às tecnologias de comunicações e informação (TICs), e estimular o empreendedorismo visando a ampliação da base tecnológica nacional, a consolidação de ecossistemas digitais e o surgimento de um ambiente favorável à inovação tecnológica e à pesquisa e desenvolvimento em TICs. 2015 2012 2013 2014 2012 2013 2014 2013 2014 2015 680 2013 2014 2014 2015 2014 2015 2014 2015 Pluviômetros nas comunidades O projeto visa introduzir a cultura da percepção de riscos de desastres naturais no Brasil por meio da instalação de pluviômetros semiautomáticos operados por equipes da comunidade local, especialmente treinadas. A ASCOM deve comunicar à sociedade, em especial os moradores das áreas de risco de desastres naturais (deslizamento de terra em morros), sobre o projeto, o início das suas atividades e como eles podem se envolver e participar. Tecnologias Assistivas O programa visa estimular a elaboração de projetos de pesquisa e o desenvolvimento de produtos inovadores voltados para às melhorias da qualidade de vida de pessoas com deficiência ou com a mobilidade. À ASCOM cabe informar sobre a criação de novos produtos, a disponibilização de recursos para pesquisas e demais eventos o programa. Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia Comunicar às universidades, centros de pesquisa, instituições científicas, empresas, setor público, entre outros, sobre a os benefícios da Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia (IBN), bem como a realização de eventos, publicação de editais, resultados e outras ações que interessem à cadeia produtiva. Plano Inova Empresa O Plano Inova Empresa prevê investimentos para impulsionar, por meio da inovação tecnológica, a produtividade e a competitividade em diversos setores da economia. Comunicar à sociedade em geral, em especial empresas e centros de pesquisa, sobre o Plano Inova Empresa, seus editais, progressos, eventos, iniciativas de cooperação e seus resultados obtidos das suas atividades, entre outros fatos, tanto no mercado de impacto direto, quanto no desenvolvimento da economia nacional. 681 2014 Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) Promovida pelo MCTI e MEC e realizada pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), a OBMEP tem como objetivo estimular o estudo da matemática e revelar talentos na área. A comunicação busca despertar o interesse da sociedade brasileira pela matemática por meio da olimpíada, além de informar sobre eventos, ações, editais e resultados. 2014 Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação - 20122015 Comunicar sobre ações realizadas no âmbito da ENCTI, bem como a realização de eventos, publicação de editais, resultados e outras ações que interessam o público-alvo. Tal comunicação tem o objetivo de tornar públicas as informações vitais para tomadas de decisões empresariais, de pesquisa e de política pública, além de instruir e informar a população em geral. Todas as ações são orientadas e impulsionadas pelas diretrizes do ENCTI. Algumas são voltadas para a divulgação da ciência, como a SNCT, mas a maioria destina-se a comunicar outros programas prioritários do documento, especialmente os capazes de impulsionar a economia do Brasil. A missão da ASCOM3 (ASSESSORIA, 2015) esclarece que seu papel é divulgar conteúdo e não é, portanto, responsável pela divulgação científica, ainda que por vezes os papeis se confundam e a assessoria desenvolva essa atividade. Divulgar ciência é colocar ao alcance da população os conhecimentos científicos e tecnológicos para que possam ser usados nas suas atividades cotidianas e nas tomadas de decisão (BUENO, 2010). As formas de divulgação e popularização da ciência variam de eventos cientíAtender ao princípio constitucional da publicidade, por meio de ações que visam informar, esclarecer, orientar, mobilizar, prevenir ou alertar à população em geral e/ou segmentos de públicos-alvo sobre as políticas deste Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação sobretudo em temas que tragam benefícios sociais direto à população e que e que melhoraram a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros. 3 682 ficos, como congressos, conferências, a publicações como livros, revistas, jornais, a criação de museus, jardins botânicos, planetários, a produção de filmes, vídeos, programas de rádio e TV, internet, centros de ciência, parques temáticos, incluindo escolas, faculdades e universidades. O MCTI possui o Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia (DEPDI) cuja finalidade é “subsidiar a formulação e a implementação de políticas, programas e a definição de estratégias para a popularização e para a difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos, nas diversas instâncias sociais e nas instituições de ensino.” (MCTI, 2011) Já, divulgar conteúdo é informar à sociedade sobre as atividades desenvolvidas pelo Ministério, mediante divulgação das políticas públicas, programas, ações e projetos de interesse público. Os atos são realizados mediante a produção de conteúdos em formato de noticiários, documentários, entrevistas e reportagens para veiculação em televisão, rádio, internet e outras plataformas digitais. O LNA4 foi criado no início da década de 1980 para impulsionar os estudos científicos em astronomia e tem como prioridade a pesquisa e o desenvolvimento em instrumentação. A instituição tem sede na cidade de Itajubá, Minas Gerais e gerencia o maior telescópio brasileiro em terra, instalado no Observatório do Pico dos Dias (OPD)5, em Brazópolis, Minas Gerais. Gerencia também a participação do Brasil em dois consórcios internacionais: o Observatório Gemini e o Telescópio SOAR, instalados no Chile e no Havaí. A história do OPD entrelaça-se à história da astronomia brasileira. Foi ele o grande propulsor do salto em qualidade que essa ciência experimentou após 1980. Em 1989, o LNA foi efetivado como unidade de pesquisa do CNPq do então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), atualmente MCTI, e, em 1992, estabeleceu sede própria em Itajubá. Em 2000, o LNA tornou-se oficialmente uma unidade de pesquisa do MCTI. Desde então, o LNA seguiu sua vocação para a promoção da astronomia As informações necessárias à construção desse histórico foram retiradas da página oficial da instituição (< http://www.lna.br/>). 4 O OPD, inicialmente Observatório Astrofísico Brasileiro (OAB), foi criado há 30 anos e é a pedra fundamental do LNA. Em 1985, o OAB transformou-se no primeiro laboratório nacional do país e recebeu o nome de Laboratório Nacional de Astrofísica. 5 683 brasileira e, mais do que administrar o OPD, tornou-se gerente da participação brasileira em observatórios internacionais. Em 1993, o Brasil tornou-se parceiro do Observatório Gemini, que compreende dois telescópios idênticos, com espelhos de 8,1m de diâmetro, respectivamente localizados nos Andes chilenos (Gemini Sul) e em Mauna Kea, Havaí (Gemini Norte). O LNA assumiu o papel de escritório nacional do Gemini. A participação brasileira no consórcio aumentou de 2,5% iniciais para 6% com a saída de alguns parceiros. O Brasil é o país com a maior produção proporcional de artigos com dados do Gemini, o que evidencia a importância do observatório para a comunidade científica. Em 1999, o MCTI firmou acordo com os Estados Unidos para a construção e operação de telescópio de última geração, com abertura de 4,1m, situado em Cerro Pachón, a algumas centenas de metros do Gemini Sul - o Telescópio SOAR. Além de ser responsável pela comissão que distribui o tempo de telescópio e de dar suporte aos usuários, o LNA foi responsável por projetar e construir, em suas oficinas, dois instrumentos para o telescópio. O LNA passou a desenvolver, portanto, sua mais nova vocação: a instrumentação astronômica. Nas últimas décadas, ampliou sua capacidade tecnológica ao conceber e construir instrumentos para os observatórios consorciados e para observatórios de outros países. Hoje, o LNA é referência internacional em instrumentação astronômica. A história do LNA, portanto, pode ser organizada em três frentes de ação: a primeira envolve a criação, o desenvolvimento e a manutenção do OPD; a segunda tem início com a entrada do Brasil nos consórcios para a construção de grandes telescópios internacionais; a terceira, o desenvolvimento de instrumentos para pesquisa em astronomia, área que concentra grande esforço da instituição e delineia sua visão de futuro. Embora relevante, a comunicação com seus públicos de interesse nunca esteve entre as principais atividades desenvolvidas pela instituição. A comunicação do LNA com seus públicos de interesse deu-se de formas variadas. A comunidade astronômica, que faz uso dos telescópios gerenciados pela instituição para desenvolver suas pesquisas, sempre foi o público prioritário. Conhecidos como “usuários”, os cientistas espalhados por institutos de pesquisa e universidades do país atribuem ao LNA uma reputação devido ao trabalho de excelência que executa. Bueno (2012, p.24) ensina que a reputação é “uma representação mais 684 consolidada, mais amadurecida, de uma organização.” O público leigo, ainda que fascinado esteticamente pelo espaço e pela busca da origem da vida, vê as atividades desenvolvidas no LNA com distância e obscuridade. O LNA, não obstante a divulgação institucional e científica que realiza, ainda é desconhecido desse público e da mídia especializada. Destaca-se, como estratégia de comunicação organizacional o modo de lidar com essa variação de público. Cardoso (2006, p.1132), ao citar Genelot (2001) afirma que é evidente a presença de processos e ações de comunicação que não devem ser entendidos como complementos da estratégia organizacional, mas como componentes essenciais na construção de uma estratégia comum. Além disso, tais processos e ações são formadores da identidade cultural de qualquer organização e, por fim, da projeção de sua imagem. Kunsch (2007, p.44-45) diz que muitos autores já escreveram sobre públicos em relações públicas. Numa visão contemporânea, temos que considerar as tipologias dos públicos dentro da dinâmica da história, levando em conta as forças sociais do macro-ambiente e os comportamentos dos grupos de interesses que podem vir a formar um novo público. Um público que praticamente nunca foi pensado como prioritário ou que não tem nenhum vínculo com a organização, dependendo dos acontecimentos, isto é, de como o comportamento institucional o afeta, pode vir a ser um público estratégico. Assim como o MCTI, o LNA também apresenta duas frentes de comunicação social: a assessoria de comunicação e a divulgação científica. A divulgação científica é responsável por disseminar o conhecimento científico e tecnológico por meio de visitas às instalações do OPD e do LNA, palestras, exposições, participações em feiras, realização de concursos de astronomia para estudantes e coordenação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia em Itajubá. A equipe da divulgação científica é formada por uma pesquisadora, um técnico e três estagiários, todos estudantes de Física e aspirantes a seguir a carreira em Astronomia. A pesquisadora dá o suporte e treinamento científico para que os membros do grupo possam receber as visitas escolares e do pú685 blico em geral, esclarecer as dúvidas e participar dos eventos e planejar as ações de disseminação de C,T&I. A assessoria de comunicação, por sua vez, tem como papel, grosso modo, trabalhar a notícia gerada pela instituição. Esse trabalho subdivide-se em múltiplas atividades, que envolvem desde o contato e divulgação das pesquisas do instituto para a mídia até ações de comunicação integrada com os públicos de interesse, passando pela construção da imagem junto à opinião pública. O trabalho de assessoria no LNA deve levar a informação a dois níveis de público: o interno e o externo. O público externo subdivide-se em três segmentos: a comunidade astronômica brasileira, conhecida como “usuários”, a mídia e o público em geral. A assessoria é formada por uma única servidora. Muitas atividades desenvolvidas pela assessoria de comunicação são impulsionadas pelo interesse público e não estão previstas como metas do plano diretor. Essa demanda espontânea revela o crescente envolvimento da sociedade com a ciência e a curiosidade em relação aos atos administrativos para o suporte à pesquisa. AS AÇÕES DE COMUNICAÇÃO DO LNA: METAS DO PLANO DIRETOR E DEMANDA ESPONTÂNEA GERADA PELO INTERESSE SOCIAL O plano diretor em vigência (LNA, 2010) foi elaborado para abranger ações a serem desenvolvidas de 2011 a 2015. É constituído por eixos estratégicos, diretrizes de ação e projetos estruturantes que definem e delineiam claramente a finalidade estratégica de fortalecer a área de desenvolvimento tecnológico e aprimorar o gerenciamento da infraestrutura existente para a astronomia observacional. Com a missão de “planejar, desenvolver, prover, operar e coordenar os meios e a infraestrutura para fomentar, de forma cooperada, a astronomia observacional brasileira” (LNA, 2010, p. 13), fica evidente a identificação do LNA como instituto vocacionado para o desenvolvimento de pesquisa, seja observacional ou na área da instrumentação. A visão de futuro institucional permanece a mesma formulada no plano diretor anterior, que abrange ações a serem desenvolvidas entre 2006 e 2010, que é ser reconhecido nacional e internacionalmente como referência brasileira em desenvolvimento instrumental para a as686 tronomia terrestre, e como contato principal em assuntos de abrangência nacional na área de astronomia observacional, com o intuito de otimizar as condições de pesquisa da comunidade científica e de socialização de conhecimento, e desenvolver pesquisa científica e tecnológica de ponta (LNA, 2010, p.14) Percebe-se que não há referência específica sobre a necessidade de divulgação da ciência, mas pode ser incluída na menção ao “intuito de otimizar as condições de pesquisa da comunidade científica e de socialização de conhecimento”. A preocupação ainda modesta de inserção social dos frutos das pesquisas desenvolvidas é perceptível já na visão de futuro explicada no plano diretor de 2006-2010: a visão do futuro formulada acima não visa a “glória maior” para o LNA, mas é o meio para uma finalidade maior que deve beneficiar toda a comunidade astronômica, e, além disso, deve, diretamente (através de divulgação pública) e indiretamente (p.ex. através de benefícios provindos do desenvolvimento tecnológico), beneficiar a comunidade como um todo, contribuindo, desta forma, para a socialização do conhecimento. (LNA, 2006, p.18) Embora o plano diretor atual apresente eixos estratégicos, diretrizes de ação e projetos estruturantes, somente faz menção direta à divulgação científica no primeiro desses tópicos. A instituição deve responder a três eixos estratégicos estabelecidos pelo MCTI – os eixos I, II e V –, apresentados e detalhados no documento. O eixo estratégico V, denominado “C,T & I para o Desenvolvimento Social” , tem uma única linha de ação: “fortalecimento da área de divulgação pública da astronomia”. O programa que compõe essa linha de ação é assim descrito: Divulgação pública e popularização da astronomia, e alfabetização científica com atenção especial à Inclusão Social, tanto regionalmente, por meio de produtos e serviços dirigidos à população local, como nacionalmente, por meio de medidas junto a agentes multiplicadores (LNA, 2010, p. 22). As quatro metas do programa somadas a outras ações já anteriormente desenvolvidas no LNA com foco em divulgação da ciência são apresentadas no Quadro 2. 687 QUADRO 2 – METAS E AÇÕES DO LNA PARA A DIVULGAÇÃO DA CIÊNCIA Metas Descritas na coluna conforme o plano diretor (LNA, 2010, p.22-23) 688 18: Operacionalizar, até o final de 2011, o Observatório no Telhado e implementar, até o final de 2012, um programa para seu uso na divulgação pública. O LNA já possui um sistema regular de visitas diurnas ao OPD, sem possibilidade de observação do céu. A construção de um observatório no telhado da sede, com observação noturna, atende a uma solicitação antiga da sociedade. O Observatório no Telhado foi criado e implementou-se um programa para seu uso efetivo e para a divulgação da astronomia. A observação é aberta ao público em geral e sempre precedida de palestras. 19: Realizar, até o final de 2012, um minicurso para jornalistas, com eventual colaboração com outras instituições nacionais, com perspectiva de repetições periódicas. A motivação da meta era aumentar a visibilidade da instituição junto à mídia nacional. Os jornalistas, além de aprender noções básicas de astronomia, conheceriam a infraestrutura de laboratórios e oficinas do LNA e dos observatórios aos quais os astrônomos brasileiros têm acesso. O LNA passaria a ser uma das fontes de notícias e contatos. A meta não foi realizada devido ao corte orçamentário com despesas de diárias e passagens. 20: Realizar, até o final de 2012, um estudo sobre o desenvolvimento do LNA desde os primórdios do OPD até o presente momento e publicar um livro sobre sua história para o público geral O livro foi escrito em parceria com o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST). Já foi revisado, a empresa que vai publicar já foi contratada e está, portanto, em fase de editoração e publicação. Será feita uma cerimônia de divulgação do livro junto com a comemoração dos 30 anos do LNA, no primeiro semestre de 2015. 21: Criar, até o final de 2015, em colaboração com o MAST, o museu virtual do OPD. O objetivo é preservar a memória do desenvolvimento técnico por meio da impressionante evolução das técnicas de observação e registro dos dados astronômicos, testemunhada durante a criação e o desenvolvimento do OPD. As ações para a criação do museu virtual estão em andamento. Ações Visitas ao OPD As visitas ao OPD, ação de divulgação científica mais antiga do LNA, são marcadas e acompanhadas por um estagiário treinado para orientar alunos e professores. Consistem em apresentar as instalações do OPD e o que envolve a pesquisa em astronomia. Geralmente a visita é precedida de palestra e finalizada com a apreciação do campus, instalado a 1.864m de altitude. Tarde e Noite de Portas Abertas Criado em 2005, o evento consiste em abrir os portões do OPD ao público, 1 vez ao ano, das 14h às 22h, para que se possa conhecer o campus e realizar observações diurnas e noturnas, com filtros especiais para ver o Sol. A programação inclui sessões de vídeos sobre astronomia e explicações sobre o que está sendo observado. O evento tornou-se tradição na região e, nos últimos anos, chegou a receber em torno de 1.700 pessoas, o que obrigou o LNA a restringir o acesso. Para isso, estabeleceu-se a entrada gratuita somente mediante convite, que deve ser retirado em datas e horários específicos, informados pelo site da instituição. 689 Concurso de Astronomia para Estudantes 690 O concurso teve a 1ª edição realizada em setembro/2013. Com a ajuda da equipe que organiza a Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA), foi divulgado no Brasil todo. Teve a participação de 267 estudantes e 92 professores de 72 cidades distribuídas em 18 estados. Os alunos deveriam escolher um objeto astronômico e justificar a escolha. O prêmio para a melhor proposta apresentada seria a imagem do objeto astronômico escolhido, feita por astrônomos profissionais com o Telescópio SOAR, uma viagem às instalações do SOAR no Chile, e a visita de um astrônomo do LNA à escola vencedora para entregar a imagem impressa e enquadrada. A edição de 2014 foi dividida em duas categorias: Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Foram aceitas 409 propostas, submetidas por um total de 561 estudantes. Aos vencedores, será entregue a imagem impressa e enquadrada e a escola vencedora receberá a visita de um astrônomo para proferir uma palestra. Os vencedores do Ensino Fundamental II irão visitar o Observatório do Pico dos Dias e os alunos do Ensino Médio irão ao Chile para visitar o SOAR. Exposições em parceria com o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), unidade de pesquisa do MCTI O Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), em parceria com o LNA, Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) e Prefeitura de Itajubá, traz para a cidade, desde 2012, exposições itinerantes de seu acervo. A primeira foi a exposição “Luiz Cruls, um cientista a serviço do Brasil”, em 2012, seguida, no mesmo ano, da mostra “Passo a passo, salto a salto, voo a voo: o cientista Santos-Dumont”. Em 2013 foi a exposição “Leonardo da Vinci – Maravilhas Mecânicas”. Em 2014, a mostra “O eclipse e o presidente”, que conta a história da vinda da comitiva presidencial ao Sul de Minas para ver o eclipse de 1912. As exposições, abertas e gratuitas, são montadas na Biblioteca da UNIFEI, recebem a visita de escolas de Itajubá e região e do público interessado. Com o quadro, pode-se notar que as ações de divulgação científica não ficam restritas às metas estabelecidas no plano diretor. No entanto, todas essas ações, mesmo registradas e documentadas, não receberam até o momento nenhuma análise qualitativa mais aprofundada de seu alcance. Pode-se citar, por exemplo, que os registros acerca das visitas escolares ao OPD e ao Observatório no Telhado (OnT) abarcam sua natureza (se escola pública – municipal, estadual, federal – ou privada), mas não se pode precisar a penetração da divulgação científica em cada uma dessas instâncias bem como seu efeito sobre a população da região. A ausência dessa análise é reflexo do fato de a divulgação científica não ser prioridade institucional. Assim como o plano diretor prevê timidamente ações de divulgação científica, ainda menos estabelece atividades mais específicas de estudos e relatos dos resultados obtidos. Por meio da pesquisa-ação desenvolvida percebe-se ainda que as ações de divulgação científica realizadas pelo LNA estão concentradas na difusão da ciência ligada à Astronomia em geral, e não na pesquisa particularmente desenvolvida pela instituição. Os astrônomos usuários e/ou os astrônomos que compõem o quadro de servidores da instituição 691 raramente promovem as pesquisas que desenvolvem utilizando a infraestrutura do LNA. Observa-se, ainda, que os papeis de divulgação científica e assessoria comunicacional, embora distintos em sua concepção e em seu arranjo organizacional, mesclam-se nas ações desenvolvidas. CONCLUSÃO Informação e comunicação devem ser fortemente consideradas nas estratégias organizacionais de uma instituição, seja ela pública ou privada. Os públicos a que ela está ligada interna ou externamente são de grande relevância paqra a construção das estratégias comunicacionais e para a constituição de sua identidade e imagem. Como se observou na unidade de pesquisa analisada, é preciso que os papéis da assessoria de comunicação e da divulgação científica, estejam bem delineados para melhor desenvolver as ações competentes a cada um. Ressalta-se a importância de aproveitar os registros dos resultados das ações, atividade ainda de pouco destaque. A definição da atuação de cada segmento favorece a comunicação mais eficiente com os públicos de interesse e fortalece tanto a divulgação científica quanto à assessoria comunicacional, que passariam a ter mais relevo nas ações descritas no plano diretor. REFERÊNCIAS ASSESSORIA. Assessoria de Comunicação. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), 2015. (documento interno) BUENO, Wilson da Costa. Auditoria de imagem das organizações: teoria e prática. São Paulo: All Print Editora: Mojoara, 2012. BUENO, Wilson da Costa. Comunicação científica e divulgação científica: aproximações e rupturas conceituais. Informação e informação, Londrina, v.15, n.esp., p. 1-12, 2010. CARDOSO, Onésimo de Oliveira. Comunicação empresarial versus comunicação organizacional: novos desafios teóricos. RAP. Rio de Janeiro 40(6):1123-44, nov./dez. 2006. GENELOT, D. Manager dans la complexité — reflexions à l’usage des dirigents. 3. ed. Paris: Insep Consulting, 2001. 692 KUNSCH, Margarida M. Comunicação organizacional na era digital: contextos, percursos e possibilidades. Signo pensam., Bogotá , n. 51, Dec. 2007. Disponível em <http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0120-48232007000200005&lng=en&nrm=iso>. access on 09 Mar. 2015 LNA. Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). Plano diretor 20062010. Itajubá: LNA, 2006. Disponível em: < http://www.lna.br/lna/relatorios/PD_LNA_FINAL.pdf> LNA. Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). Plano diretor 20112015. Itajubá: LNA, 2010. Disponível em: < Disponível em: http://www. lna.br/lna/LNA-PDU-2011-2015.pdf>. MCTI. Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia – DEPDI. Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), 2011. Disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/ view/12926.html MCTI. Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação – ENCTI. Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), 2012. 693 |2| RELACIONAMENTO COM PÚBLICOS ESTRATÉGICOS: UM OLHAR SOBRE OS PORTAIS INSTITUCIONAIS DAS PRINCIPAIS UNIVERSIDADES LATINOAMERICANAS Ana Claudia Braun Endo1 e Silvia Regina Machado Campos2 RESUMO O presente artigo objetiva identificar o relacionamento das universidades com seus públicos, a partir dos portais institucionais, uma vez que estes são fundamentais nas estratégias das organizações. Foram analisados os portais institucionais das 10 principais universidades listadas pelo ranking QS Latin America 2014, com o propósito de avaliar se estas estabelecem relacionamento com seus públicos e, em caso afirmativo, de que forma. Concluiu-se que, embora os Jornalista, especialista em Marketing e mestre em Comunicação Integrada pela Universidade Metodista de São Paulo. Doutoranda em Gestão da Informação pela Universidade Nova de Lisboa e em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Atuou como gestora de Comunicação, Marketing e Relacionamento na Rede Metodista de Educação e no Instituto Presbiteriano Mackenzie nos últimos 15 anos. Docente e consultora de marketing educacional (http://marketingeducacional.strikingly.com). 1 Tradutora e educadora. Mestre em Administração pela Universidade Paulista. Doutoranda em Gestão da Informação pela Information Management School da Universidade Nova de Lisboa e em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Docente da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, onde também coordena o Departamento de Planejamento e Organização (DPLAN) e a Coordenadoria de Apoio aos Projetos Institucionais (CAPI). Desde 2004, atua na gestão de instituições de ensino superior (IES), com foco nas áreas de estratégia e alinhamento organizacional. 2 portais institucionais preocupem-se com a segmentação de seus públicos, focam suas ações prioritariamente nos alunos e nos docentes. Poucas universidades dedicam-se a estabelecer um canal de comunicação que de fato promova o relacionamento com os demais públicos de seu core business. Palavras-chaves: Relacionamento; públicos estratégicos; universidade(s); portal institucional; imagem. Em tempos de comunicação digital, os portais institucionais exercem importante papel no relacionamento, na medida em que se tornaram o primeiro ponto referência no conhecimento de qualquer organização. Considerando-se os avanços comunicacionais oportunizados pelo ambiente digital, pode-se afirmar que os portais institucionais ganharam maior responsabilidade nos dias de hoje, na medida em que têm como finalidade permitir “a eficiência e a busca pela vantagem competitiva nos espaços organizacionais, intensificando a relançar entre as organizações e seus públicos” (SOARES, 2007, p. 95) A partir da avaliação dos portais institucionais das dez principais da América Latina listadas pelo QS Latin America 2014, o presente artigo tem como objetivo avaliar “se” as universidades em questão estabelecem algum tipo de relacionamento com os seus diversos públicos, com quais públicos e de que forma. A fim de se alcançar o objetivo proposto, tem-se como objetivos secundários: 1. Identificar, por meio dos portais das universidades em estudo, se as mesmas estabelecem alguma forma de relacionamento com diferentes públicos estratégicos. 2. Mapear com quais públicos as universidades em estudo estabelecem relacionamentos estratégicos ou desenvolvem algum tipo de comunicação. 3. Analisar comparativamente as universidades estudadas e recomendar ações no sentido de se fortalecer e estreitar os relacionamentos estratégicos a partir da comunicação. 695 Como referencial teórico, foram revistos conceitos de relacionamento e de públicos estratégicos, a partir de teóricos da Administração e das Relações Públicas. O RELACIONAMENTO COMO PONTO DE PARTIDA O termo relacionamento tem sido utilizado, num sentido bastante amplo, para identificar diversas situações de interação entre indivíduos dentro e fora das organizações. Relacionamentos com fornecedores, clientes ou outras empresas são práticas rotineiras dentro das empresas e podem ser estendidas, também, às universidades enquanto organizações privilegiadas pela multiplicidade de públicos. Segundo Holmlund & Tornroos (1997, p. 305 apud Campos, 2006, p. 34), para se entender a dinâmica dos relacionamentos é preciso, primeiramente, estudar a sua natureza, pois esses definem-se como um “processo interdependente de interação e trocas contínuas entre, pelo menos, dois atores”, envolvendo recursos e atividades. Além disso, um relacionamento baseia-se na ideia de que existem “laços”33 que conectam os atores (HOLMLUND & TORNROOS, 1997, p. 305 apud CAMPOS, 2006, p. 34). O relacionamento começa a ser visto sob novo enfoque à medida que se questiona sua operacionalização, ou seja, a partir da incorporação dos elementos acima, de modo que os mesmos passam a fazer parte integrante da estratégia organizacional. A diferença desta abordagem está em se questionar a “forma” de se gerenciar os relacionamentos para se abstrair o melhor que ele possa oferecer. Sem interação entre pessoas ou públicos distintos não há como Estes “laços” devem atender a algumas condições: 1. Reciprocidade: partindo-se do pressuposto de que entre as partes deve haver confiança e compromisso; bem como simetria na habilidade de se influenciar o relacionamento; 2. Longa duração: as partes devem permanecer no relacionamento por um longo período de tempo e resistir à sua dissolução; 3. Natureza do processo: para que o relacionamento subsista e seja de natureza dinâmica e mutável, deve haver uma variedade de trocas e adaptações entre seus integrantes e 4. Dependência do contexto: os relacionamentos estão sustentados em uma intrincada rede e conectados a outros relacionamentos. 3 3 696 se estabelecer vínculos entre as organizações, de forma que possam desenvolver capacidades ou habilidades que lhes permitam criar uma vantagem competitiva. Por meio das interações com diversos públicos e organizações e/ ou instituições, as empresas ou universidades acessam recursos similares ou complementares aos seus (Lavie, 2002), agregando novas capacitações e competências (Ireland; Hoskisson & Hitt 2015), constituindo, assim, a singularidade de sua rede de relacionamentos e estabelecendo vínculos com seus públicos diversos. Sabe-se que todo relacionamento se constitui com o decorrer do tempo (Ford et al., 2003. p.38 apud Campos, 2006, p. 35). Assim, o relacionamento entre empresas ou universidades, entre si, e com os seus diversos públicos, só se estabelecerá com o decorrer deste. Ou seja, à medida que os indivíduos desenvolvem confiança mútua para partilhar suas necessidades em uma relação de reciprocidade, identificam oportunidades conjuntas e, conseqüentemente, buscam novas formas de competir e de colaborar entre si. OS MÚLTIPLOS PÚBLICOS DE UMA UNIVERSIDADE Nas relações públicas, James Grunig afirma a importância dos diferentes públicos estratégicos como elementos que podem influenciar as decisões e os objetivos da organização. Segundo Grunig, os gestores devem: planejar programas contínuos de comunicação com os mais importantes, ou seja, com os stakeholders mais estratégicos, trabalhando com todos que foram classificados até serem utilizados todos os recursos disponíveis (2009, p. 85). Dado o poder de influência que estes públicos podem exercer junto às organizações, recomenda-se conhecê-los bem para se estabelecer uma comunicação e um relacionamento adequados com estes, uma vez que, segundo França (2004, p.18): O conhecimento das características do público, como suas crenças, suas atitudes, suas preocupações e seu estilo de vida é parte essencial da persuasão. Permite ao comunicador particularizar as mensagens, responder a uma necessidade percebida e oferecer uma argumentação de ação lógica. (...) 697 permite estabelecer as diretrizes para a seleção de estratégias e táticas adequadas para se alcançar os públicos definidos. Ao mesmo tempo, estudos de marketing que privilegiam as instituições de ensino, KOTLER e FOX (1994, p. 43) conceituam público como “um grupo distinto de pessoas e/ou organizações que têm interesse real ou potencial em afetar uma instituição”. No caso de uma universidade, em que existe uma multiplicidade de públicos, recomendam às instituições administrarem os relacionamentos com a maioria deles: “Cabe ao gestor selecionar quais são seus públicos prioritários, para efetivamente realizar uma comunicação eficiente”. Por isso, é fato extremamente comum que alunos e professores sejam os públicos mais lembrados em uma universidade – e, por sua vez, priorizados nas comunicações oficiais – passando longe da extensa lista de públicos existentes em uma universidade, possíveis e passíveis de um relacionamento que potencialize o estabelecimento de uma comunicação estratégica. Alguns dos públicos que interagem direta ou indiretamente com as universidades são: alunos; potenciais alunos (candidatos aos processos seletivos); ex-alunos, também denominados egressos ou alumni; docentes; corpo técnico-administrativo ou funcional; imprensa; outras universidades; gestores; outros stakeholders que podem ser parceiros no desenvolvimento de projetos, órgãos ou associações de classe, órgãos reguladores, bancos e financiadoras, mantenedoras, ONGs e entidades, dentre outros. A este respeito, ENDO (2003, p. 118) propôs como cada um destes públicos pode ser importante para a construção da imagem da organização, uma vez que “Cada momento de interação com os diversos públicos de uma organização transmite uma imagem, que pode ou não estar de acordo com a identidade pretendida”. (…). Entendemos, portanto, que o olhar acurado sobre estes portais institucionais seja um instrumento eficiente e efetivo para demonstrar um aspecto importante na construção da imagem institucional, uma vez que estes têm como finalidade permitir “a eficiência e a busca pela vantagem competitiva nos espaços organizacionais, intensificando a relançar entre as organizações e seus públicos” (SOARES, 2007, p. 95) 698 Mas será que, na prática, os gestores se preocupam com estas questões ou realizam estas ações de relacionamento sem muita reflexão e acabam sendo ineficientes? RELACIONANDO-SE COM PÚBLICOS DISTINTOS Todo relacionamento surge a partir de uma situação pré-existente: identificação de uma necessidade, incertezas de mercado, contatos pré-existentes ou uma outra condição inerente à própria atividade da organização. Partindo-se dessa premissa, FORD et al (2003, p.91) apud CAMPOS (2006, p. 38) preveem a existência de quatro estágios para o seu desenvolvimento, a saber: 1) a fase de pré-relacionamento; 2) a fase exploratória; 3) a fase de desenvolvimento e 4) a fase de maturidade. Para os autores, o relacionamento inicia-se pela fase do pré-relacionamento, que pressupõe a existência de um canal de comunicação entre ambos para que se desenvolva o comprometimento e a confiança. A fase exploratória é considerada a fase de negociação: quando se define o que cada parte pode esperar da outra ou o que cada uma poderá obter com o relacionamento. Nesta fase, o comprometimento de ambos é vital para o relacionamento se desenvolver e se estruturar em bases sólidas. A fase de desenvolvimento é a etapa em que os laços de relacionamentos entre os atores, as conexões entre atividades e as relações de dependências de recursos estão se consolidando. Esta fase é baseada na estabilidade do aprendizado entre os atores, bem como no comprometimento com o relacionamento. A fase da maturidade pode conduzir-se ao estabelecimento de procedimentos padrão, normas de conduta e confiança, bem como incitar a institucionalização do relacionamento, dando a impressão de que os atores envolvidos não estão mais comprometidos com o relacionamento. Por outro lado, a manutenção do relacionamento só é possível a partir do momento em que a interação entre as empresas e os diversos públicos exista e que os atores sejam dinâmicos o bastante para se adaptar constantemente às novas condições, criando assim, vantagens competitivas temporárias, voltadas às necessidades também efêmeras dos dias atuais. 699 O QS LATIN AMERICA Publicado anualmente desde 2011, o ranking universitário QS Latin America destaca as 300 universidades top no continente latino-americano, com base em sete indicadores: reputação acadêmica, reputação dos empregados, media de alunos/faculdade, citações por paper, papers por faculdade, proporção do staff com PhD e impacto da web. As universidades de destaque neste ranking são as seguintes (em ordem): 1. Pontificia Universidad Católica de Chile (UC); 2. Universidade de São Paulo (USP); 3. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); 4. Universidade Federal do Rio de Janeiro; 5. Universidad de Los Andes Colombia; 6. Universidad de Chile; 7. Instituto Tecnológico de Monterrey (ITESM); 8. Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM); 9. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”; 10= Universidade Federal de Minas Gerais e 10= Universidade Federal do Rio Grande do Sul. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A proposta de pesquisa é identificar quais públicos ganham atenção específica nos portais das 10 universidades de destaque, segundo o ranking QS Latin America 2014. Quanto à sua natureza, trata-se de pesquisa aplicada, buscando a solução de um problema específico, ou seja, responder à questão do relacionamento entre universidades e seus públicos. Quanto à forma de abordagem do problema, trata-se de pesquisa qualitativa, não requerendo o uso de técnicas e métodos estatísticos. Quanto aos seus objetivos, trata-se de pesquisa exploratória, visando proporcionar maior familiaridade com o problema em estudo de modo a torná-lo explícito, construindo hipóteses que permitam traçar estratégias mais eficientes e eficazes para as universidades em estudo. Quanto aos procedimentos técnicos, faz uso de pesquisa bibliográfica e levantamentos por meio da observação. A amostra é não-probabilística e intencional, composta pelas 10 principais universidades listadas pelo QS Latin America, compondo, assim, as universidades em estudo. O instrumento de coleta respaldou-se na observação sistemática, pelas pesquisadoras, dos portais das universidades acima mencionadas, de modo a se coletar os dados de interesse, registrando-os em uma matriz previamente elaborada, propiciando, 700 posteriormente, a sua tabulação e análise. O instrumento foi composto por questões no formato de perguntas abertas e fechadas, de múltipla escolha e escalas de avaliação. O objetivo principal foi identificar a preocupação destes portais institucionais em relação aos seus mais diversos públicos, tomando como referência principal a 1a página de cada site. Em seguida, localizou-se quais públicos eram privilegiados nesta comunicação: alunos, potenciais alunos (candidatos), egressos (antigos alunos), funcionários, docentes, imprensa, como públicos prioritários. Posteriormente, aprofundou-se a investigação, buscando identificar o que diziam os canais específicos para cada um dos públicos mencionados. Em seguida, retornou-se à 1a página, com o objetivo de identificar os elementos que mais se destacam neste privilegiado espaço, buscando ordená-los por ordem de prioridade (Notícias, Eventos, Premiações da própria instituição, Pesquisa, Informações sobre os cursos, Livros, Banners web, outros). Finalmente, buscou-se identificar outros elementos que compunham o portal em estudo, tais como: Banners, sistemas de buscas, Perguntas mais frequentes (FAQs), telefone principal da universidade, galeria de fotos, tradução do site para outras línguas e uso das redes sociais. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS A primeira pergunta do questionário foi: “Existe a preocupação de segmentar os diferentes públicos na primeira página do Portal?”. Da avaliação e consulta feita, observou-se que 9 das 11 universidades pesquisadas se preocupam com a segmentação de seus públicos já na primeira página do seu Portal. 701 A segmentação se dá da seguinte forma e nas seguintes proporções para os seguintes públicos-alvo da pesquisa, conforme ilustra o Gráfico 1, a seguir: * Alunos: 9 de 11 * Futuros alunos: 5 de 11 * Egressos: 7 de 11 * Docentes: 8 de 11 * Imprensa: 3 de 11 * Corpo técnico-administrativo: 6 de 11 * Outros stakeholders: apenas 2 de 11 GRÁFICO 1 – SEGMENTAÇÃO DOS DIFERENTES PÚBLICOS DAS UNIVERSIDADES GRÁFICO 1 – Segmentação dos diferentes públicos das universidades Oito (73%) das onze universidades possuem um canal específico para os egressos ou alumni. Seis possuem um canal específico para o fu702 turo aluno, correspondendo a 54,5% das universidades, conforme ilustra o Gráfico 2, a seguir: GRÁFICO 2 – UNIVERSIDADES COM CANAIS PARA PÚBLICOS ESPECÍFICOS GRÁFICO 2 – Universidades com canais para públicos específicos Os principais elementos que surgem na primeira página do portal das universidades são ilustrados pelo Gráfico 3, a seguir: * Notícias em primeiro lugar: em 9 das 11 universidades * Eventos em segundo lugar: em 8 das 11 universidades 703 GRÁFICO 3 – ITENS PREDOMINANTES NOS PORTAIS INSTITUCIONAIS GRÁFICO 3 – Itens predominantes nos Portais Institucionais Todas as universidades possuem site de busca, mas apenas 4 das 11 (36,4%) universidades possuem FAQs, o que representa uma oportunidade de melhoria para aquelas que não a possuem. Das 11 universidades pesquisadas, 8 (73%) dispõem do telefone na primeira página e 10 (91%) utilizam ferramentas de interação em redes sociais na primeira página. Todas as universidades fazem uso de recursos fotográficos e visuais como ilustração no portal e na primeira página. No que se refere à tradução do portal para outras línguas, 9 de 11 universidades o traduzem, mesmo que parcialmente. Entretanto, há grande variedade na disponibilidade de conteúdo e das línguas utilizadas, variando-se consideravelmente de uma universidade para outra. Esses outros recursos disponibilizados nos portais das Universidades, tais como: FAQs, telefone, recursos visuais e tradução estão indicados no Gráfico 4, a seguir. O público docente tem acesso a grande variedade de informações, de forma bem segmentada, em 9 das 11 universidades (82%). Observa-se, entretanto, que poucas universidades - 6 de 11 (54,5%) ape704 nas - lembram-se de seu corpo técnico-administrativo ou funcional, o que representa nova oportunidade de estabelecimento de comunicação e relacionamento, uma vez que esses são os responsáveis pelo apoio à comunidade acadêmica (alunos e docentes). Obviamente, não consideramos aqui a existência ou não de uma intranet específica para atender a este público. GRÁFICO 4 – OUTROS RECURSOS DISPONIBILIZADOS NOS PORTAIS INSTITUCIONAIS GRÁFICO 4 – Outros recursos disponibilizados nos Portais Institucionais A maioria das universidades - 9 de 11 (82%) – preocupa-se em oferecer espaços segmentados para o alunado. Mas, duas delas deixam essa informação dispersa no Portal, dificultando o acesso por parte deles. Neste caso, identifica-se nova oportunidade, já que para essas universidades, uma melhoria no portal representaria uma melhora concomitante no nível da informação. Cabe valorizar o trabalho das universidades públicas brasileiras Unicamp, Unesp e USP, que conseguem transpor aos portais institucionais muitos de seus avanços e discussões no campo da ciência e da comunicação científica. 705 Das universidades avaliadas, públicas e privadas, constantes do QS Latin America, as universidades públicas (UFRJ, UNESP e UFMG) devem rever a arquitetura de informação do site de modo a aprimorar a sua usabilidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base no que foi previamente apresentado, conclui-se que as universidades em geral não exploram suficientemente ou não utilizam adequadamente os portais institucionais, deixando escapar a oportunidade de um relacionamento efetivo com diversos públicos, dada a importância da comunicação digital nos dias atuais. Embora a maioria das universidades de referência no QS Latin America 2014 tenha a preocupação em segmentar seus públicos, boa parte foca sua atenção prioritariamente nos alunos existentes e nos seus docentes. Estas universidades, quase de forma unânime, negligenciam total ou parcialmente os demais públicos de seu core business. Poucas ações são direcionadas aos futuros alunos ou ao corpo técnico-administrativo ( funcional) e raras são as ações no âmbito do estabelecimento de um relacionamento com a imprensa e com outros stakeholders. Esta condição aponta para um vasto campo de oportunidades de desenvolvimento de ações que potencializem esses relacionamentos subestimados, criando e constituindo laços sólidos, duradouros, respaldados na confiança e na reciprocidade, conforme sugerem HOLMLUND & TORNROOS (1997), para que perdurem ao longo do tempo, respaldados por processos de comunicação eficientes e eficazes. O estudo e a aplicação do modelo proposto por FORD (2003) no contexto desta pesquisa permitiu identificar que muitas universidades encontram-se ainda na fase do pré-relacionamento ou na fase exploratória, demonstrando que ainda há um caminho a ser percorrido com vistas ao estabelecimento de relacionamento com seus públicos diversos. Assim, há um enorme potencial a ser desenvolvido pelas universidades, de modo a se potencializar as estratégias organizacionais das mesmas. Resumidamente, em relação ao quê seria possível avançar, pontuamos: ampliar a divulgação de informações para além de notícias referentes a eventos, premiações, publicações, de forma a incluir conteúdo 706 de comunicação científica; efetivamente estabelecer um canal de comunicação eficiente que propicie o estabelecimento de um vínculo com os seus diversos públicos, em especial, os seus futuros alunos ou os egressos, importantes para seu core business; melhorar o design e a arquitetura da informação, para facilitar o contato com os públicos; favorecer a tradução de conteúdos bilíngues, sempre que possível, considerando-se a oportunidade de internacionalização das universidades. Essas condições (aqui pontuadas) geram oportunidades de desenvolvimento e melhoria que poderiam refletir na qualidade da informação disponibilizada e do processo de comunicação; além da definição de um procedimento para estabelecimento de um relacionamento estratégico com vistas a um melhor posicionamento das próprias universidades. Afinal, somente existindo a interação entre organizações e públicos distintos será possível estabelecer vínculos. Ressalte-se, ainda, que essa conclusão não pode ser generalizável para as demais universidades que compõem a América Latina, restringindo-se às dez universidades avaliadas pelo ranking em questão. Pressupõe-se, entretanto, que um modelo da mesma natureza poderia ser aplicado a qualquer universidade, refletindo, positivamente, no estabelecimento de sua comunicação e relacionamento com seus diversos públicos e ampliando a sua visibilidade e posicionamento estratégicos. Embora não tenhamos informações sobre os números de acesso atuais destes portais institucionais ou sobre o desempenho em relação às mídias sociais, está claro que as universidades podem e devem buscar melhorar a performance destes portais institucionais pela valorização de estratégias digitais44. Sendo assim, é de nosso entendimento que os gestores de Comunicação e Marketing destas universidades – bem como seus principais gestores acadêmicos e administrativos – deveriam liderar a discussão a respeito destas oportunidades e assumir seu papel fundamental para “redimensionar o seu perfil comunicacional” (BUENO, 2006, p. 51): Recentemente, o prestigiado NYTimes reinventou-se ao lançar o Relatório de Inovação, que propôs a implantação de uma série de medidas para ampliar e melhorar seu relacionamento com seus públicos, dentre as quais estão: ampliar sua atuação nas mídias sociais e dar “novo formato” aos seus conteúdos. 4 4 707 “Isso implica atribuir nova escala de valores ao trabalho de interação com seus distintos públicos de interesse e priorizar relacionamentos”. Deve-se fomentar a interação universidade-públicos com maior eficiência e eficácia da estratégia organizacional, a partir de laços e vínculos de dependência mútua, que permitam inclusive a melhor interação e a criação de novas oportunidades colaborativas para a construção da imagem institucional. E as estratégias digitais podem auxiliar na mudança deste cenário. REFERÊNCIAS BUENO, Wilson da Costa. Comunicação Empresarial no Brasil : uma leitura crítica. São Paulo: ALL PRINT, 2006. CAMPOS, Silvia R. M. Estudo da Evolução de uma Rede de Negócios: Enfoque Estratégico dos Relacionamentos. 2006. 222p. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Administração, Universidade Paulista, São Paulo, 2006. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ENDO, Ana Claudia Braun. A gestão da comunicação integrada em instituições de ensino confessionais sem fins lucrativos. In: Revista de Educação do Cogeime – Conselho Geral das Instituições Metodistas de Educação. Identidade e Gestão no 23. Piracicaba: Cogeime, 2003. ______. As marcas de uma universidade comunitária na Comunicação Integrada: a Unisinos. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2005. FORD, David; GADDE, Lars-Erik; HAKANSSON, Hakan; SNEHOTA, Ivan. Managing Business Relationships. 2nd ed. Wiley, 2003. FRANÇA, Fábio. Públicos: como identificá-los em uma nova visão estratégica. São Caetano do Sul, SP: Difusão, 2004. GRUNIG, James; FRANÇA, Fábio; FERRARI, Maria Aparecida. Relações Públicas: teoria, contexto e relacionamentos. São Caetano do Sul, SP: Difusão, 2009. HOLMLUND, Maria; TORNROOS, Jan-Ake. What are relationships in business networks?. Management decision 35/4 (1997), p.304-309. 708 IRELAND, R. Duane; HOSKISSON, Robert E. e HITT, Michael A. Administração Estratégica. São Paulo: Cengage Learning, 2015. KOTLER, Philip e FOX, Karen. Marketing estratégico para instituições educacionais. São Paulo: Ed. Atlas, 1994. LAVIE, Dovev. The competitive advantage of interconnected firms: an extension of the Resource-Based View. Academy of Management Proceeding (2002). SOARES, Valéria Deluca. A agenda setting e comunicação nas organizações: um encontro possível. 2007. 285 p. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Faculdade de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. “The leaked New York Times innovation report is one of the key documents of this media age”. Disponível em http://www.niemanlab.org/2014/05/ the-leaked-new-york-times-innovation-report-is-one-of-the-key-documents-of-this-media-age/?fb_action_ids=10152000673791261&fb_action_types=og.likes. Acesso em 1o de março de 2015. 709 |3| O ASTROTURFING E A COMUNICAÇÃO CORPORATIVA: A SIMULAÇÃO DE PÚBLICOS COMO ESTRATÉGIA CONTEMPORÂNEA DE DIVULGAÇÃO1 Ewerton França Pinheiro2, Flávia Roberta de Queiroz Dias3 e Helaine Ferreira Cavalcante4 RESUMO Este trabalho propõe-se a observar práticas de astroturfing na sociedade contemporânea que evidenciam a vulnerabilidade dos públicos. Pretende refletir sobre o processo de simulação de públicos, analisando quais as possíveis interpretações que essa prática pode ter do ponto de vista ético, legal e comunicacional. Para isso, analisa a relação entre casos em que a prática do astroturfing foi Trabalho de conclusão do curso de Especialização (pós-graduação latu sensu) em Comunicação Corporativa do Centro de Pós-graduação da Escola Superior da Amazônia (Cpós-Esamaz), campus Belém, Pará. 1 Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade Estácio-Seama e concluinte ao curso de Especialização (pós-graduação latu sensu) em Comunicação Corporativa do Centro de Pós-graduação da Escola Superior da Amazônia (Cpós-Esamaz), campus Belém, Pará. 2 Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade Estácio-Seama e concluinte ao curso de Especialização (pós-graduação latu sensu) em Comunicação Corporativa do Centro de Pós-graduação da Escola Superior da Amazônia (Cpós-Esamaz), campus Belém, Pará. 3 Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e concluinte ao curso de Especialização (pós-graduação latu sensu) em Comunicação Corporativa do Centro de Pós-graduação da Escola Superior da Amazônia (Cpós-Esamaz), campus Belém, Pará. 4 constatada e os Códigos de Ética Profissionais e o Código de Defesa do Consumidor da legislação brasileira. Além disso, faz uma análise teórica acerca do astroturfing enquanto prática comunicacional utilizando autores como Dominique Wolton, Adriano Duarte Rodrigues, Margarida Kunsch e Rudimar Baldissera. Palavras-chave: Comunicação; comunicação organizacional; astroturfing; públicos. INTRODUÇÃO Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE, o Brasil tem aproximadamente sete milhões de empresas privadas atuantes, entre nacionais e multinacionais5. Além disso, uma pesquisa desenvolvida pela Serasa Experian - e divulgada pela emissora TV Globo em 20146 - revelou que 32% dos brasileiros são empreendedores. O estudo mostrou ainda que de janeiro a dezembro de 2013, foram abertas mais de 900 mil empresas só na Região Sudeste do país. O crescimento do número de empreendimentos particulares no Brasil é diretamente proporcional ao crescimento de usuários no ciberespaço. Divulgada em junho de 2014, a pesquisa TIC Domicílios, realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br), revela que o número de usuários da internet passou da metade da população brasileira pela primeira na vez na história. De acordo com o estudo, os internautas representam hoje 51% dos cidadãos brasileiros com mais de dez anos de idade, ou seja, 85,9 miDisponível em: <http://www.rh.com.br/Portal/Geral/Pesquisa/9429/estudo-inedito-revela-numero-recorde-de-empresas-inadimplentes.html>. Acesso em: 13 de out. de 2014. 5 Disponível em: <http://globotv.globo.com/tv-tem-interior-sp/tem-noticias-2a-edicao-itapetiningaregiao/v/pesquisa-revela-que-cresce-o-numero-de-abertura-de-empresas-na-regiao/3509534/>. Acesso em: 13 de out. de 2014. 6 711 lhões de pessoas. Para o Cetic.br, vários fatores contribuíram para isso, em especial o aumento exponencial do uso de celulares do tipo smartphones7. Tudo isso faz com que as empresas privadas vejam no ciberespaço um ambiente favorável para divulgação de suas marcas, produtos e/ou serviços. Para isso, várias estratégias comunicacionais são utilizadas pelas empresas e suas assessorias de comunicação para a expansão de seus mercados. Nesse contexto, o uso do ambiente virtual em escala exponencial para fins de publicidade traz consigo diversos fatores que precisam ser considerados. Para Dominique Wolton, quanto mais o homem entra no universo globalizado, mais sente a necessidade de afirmar quais são suas raízes e de se fazer atuante, manifestar sua opinião. Algo que o autor identifica como “aspiração à liberdade individual” e que ele considera um sentimento contraditório: Certamente o modelo individualista não é universal, há outros valores além daqueles do Ocidente, menos centrados no indivíduo e mais voltados para a comunidade ou para a família; mas por toda a parte existe mesmo assim esta aspiração à liberdade individual encontrada no centro da comunicação. [...] Lutamos durante séculos para sermos livres, e a primeira coisa que fazemos é restabelecer um vínculo pelo telefone ou pelo correio eletrônico. Porque ser livre se é para estar sempre conectado? (WOLTON, 2006, p.28). Wolton afirma ainda que se conectar é também falar livremente de tudo e pressupor que esse tudo é discutível, negociável, incluindo os conceitos de autoridade e legitimidade. Um exemplo disso é a não obrigatoriedade de confirmação de identidade no ambiente virtual, que favorece a criação de perfis falsos nas redes sociais. As empresas privadas, por sua vez, têm feito uso desses fakes para simular apoios a uma causa, um produto ou uma marca. Essa prática de marketing é conhecida como astroturfing. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/numero-de-internautas-no-brasil-alcanca-percentual-inedito-mas-acesso-ainda-concentrado-13027120>. Acesso em: 13 de out. de 2014. 7 712 Neste trabalho, pretendemos analisar como a prática de astroturfing se configura no cenário da Comunicação Organizacional e qual o papel dos públicos envolvidos nesse processo, fazendo uma reflexão teórica sobre o assunto. O ASTROTURFING COMO ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL Apesar do astroturfing ter tomado grandes proporções no ciberespaço nos últimos anos, sua origem pode ser reconhecida muito antes disso. No século XVII, o escritor inglês William Shakespeare narrou na trama Júlio César um caso de astroturfing. Na peça, Cássio escreve diversas cartas simulando autoria de cidadãos romanos para convencer Brutus de que César, seu amigo, queria dar um golpe de Estado e instaurar a monarquia na então República Romana (SILVA, 2013, p. 5). O termo astroturfing foi utilizado pela primeira vez para dar nome à prática de simulação de públicos em 1985, pelo então senador do Texas (EUA) Lloyd Bentsen, durante um debate público sobre seguros de vida. Após receber inúmeras cartas de supostos cidadãos americanos que defendiam os interesses das empresas de seguros, Bentsen suspeitou tratarem-se de correspondências criadas pelos próprios empresários. O termo grassroots é uma denominação para manifestações públicas espontâneas naquele país, mas também significa “raízes de grama”. A partir disso, o senador fez uma analogia entre a autenticidade da prática de grassroots e a artificialidade do AstroTurf, marca de grama sintética. As cartas escritas por cidadãos seriam, portanto, grassroots, e o envio de cartas falsas, astroturfing. (SILVA E SIMEONE, 2014, p. 6). Mais de 20 anos depois, com o crescimento do número de usuários da internet e do consequente uso das redes sociais, a prática do astroturfing encontrou um ambiente favorável para a disseminação entre as estratégias de divulgação para fins publicitários. Porém, o seu uso ainda causa discussões em todo o mundo sobre a sua legalidade. Em outubro de 2013, por exemplo, a empresa sul-coreana Samsung foi multada em 340 mil dólares em Taiwan por práticas de astroturfing. Isso porque a multinacional contratou duas agências de marketing para criar usuários que criticavam na internet os produtos da concorrente HTC. Além disso, também em 2013, o Promotor-Chefe do Estado de 713 Nova York concluiu uma investigação que multou 19 empresas locais que realizavam ações de astroturfing virtual (SELTZER, 2013). No Brasil, o episódio Eu sou da Lapa, que aconteceu em 2005, no Rio de Janeiro, também merece destaque quando falamos de astroturfing. Uma construtora prestes a lançar um novo condomínio, intitulado Cores da Lapa, contratou uma agência de publicidade que elaborou um suposto movimento popular para revalorização do bairro carioca: uma maneira de aumentar o interesse pela compra de imóveis na região. Outro caso é a campanha Bloqueio não, criada pela empresa de telefonia Oi, em 2007. Consistia em uma mobilização, aparentemente de origem civil, contra a venda de aparelhos celulares bloqueados. Até então, a Oi era a única empresa de telefonia que comercializava aparelhos desbloqueados. A campanha pedia aos usuários da internet que participassem de um abaixo-assinado virtual disponibilizado no site oficial da campanha e que seria enviado à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Além disso, alguns blogs foram remunerados para divulgar a campanha que tinha como objetivo atacar as empresas concorrentes (VIANA, 2010). FIGURA 1 - A CAMPANHA BLOQUEIO NÃO TAMBÉM TEVE A PARTICIPAÇÃO DE FAMOSOS COMO O JOGADOR DE FUTEBOL RONALDINHO GAÚCHO, O APRESENTADOR BRUNO DE LUCCA E A ATRIZ GISELLE ITIÊ.8. Disponível em: <http://possoserutil.blogspot.com.br/2007_06_01_archive. html> Acesso em: 22 de nov. 2014. 8 714 Segundo a jornalista Márion Strecker (2013), no Brasil e no mundo é possível contratar agências de comunicação especializadas em fazer marketing de detração (para prejudicar a imagem de um concorrente) e/ou o marketing de evangelização (para beneficiar a imagem de uma marca, produto ou serviço). As opiniões geradas por esse tipos de marketing são publicadas por supostos usuários não só nas redes sociais, mas também em sites de notícias e de opiniões de consumidores9. Ainda de acordo com Streker (2013), Bing Liu, professor de Ciência da Computação da Universidade de Illinois, em Chicago (EUA), estima que um terço das resenhas de consumidores na internet seja falsa10. O elevado número de casos nos quais a indústria de RP emprega o astroturfing chama a atenção inclusive dos próprios praticantes da área, gerando críticos que, de posse de conhecimentos especializados, passam a também denunciar abusos e deslizes éticos - se juntando à rede de vigilância civil sobre o tema. Um desses é o canadense James Hoggan, presidente da agência Hoggan and Associates. Em sua obra “Climate Cover-up” (2009), sobre os elos de organizações da indústria de energia com grupos que negam a existência do aquecimento global, Hoggan analisa uma série de casos de astroturfing praticados por agências de RP, afirmando que vivemos, mesmo sem consciência disso, na “Era do Astroturfing”. (HENRIQUES e SILVA, 2014, p. 8). A frequência com a qual o astroturfing vem sendo utilizado pelas organizações como estratégia contemporânea de publicidade nos chama a atenção. Contudo, não são apenas os interesses de mercado que fortalecem essa prática. Não é somente a simulação dos públicos a responsável pela efetividade do astroturfing enquanto ação publicitária. É o que veremos mais adiante. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ ed772_astroturfing>. Acesso em: 13 de out. de 2014 9 10 Idem (sem acento). 715 OS PÚBLICOS NO ASTROTURFING: SIMULADO PRA QUEM? A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificou que a proporção de internautas no país passou de 49,2%, em 2012, para 50,1%, em 2013, do total da população brasileira. Além disso, o estudo mostra que pessoas entre 15 e 19 anos representam o maior número de internautas em 2013, ou seja, mais de 70% do total de brasileiros com essa idade tem acesso à internet. Já na faixa etária entre 40 e 49 anos, 44,4% do total acessa a internet. Apenas 21,6% de quem tem mais de 50 anos se conecta à Web11. Esse alcance massivo, a rapidez no fluxo de informações e, como falado anteriormente, a não obrigatoriedade de comprovação de identidade dos usuários, firmam a internet como um ambiente favorável para a execução de práticas de astroturfing por parte das organizações. Assim, consideramos o astroturfing como uma prática de Comunicação Organizacional que visa o interesse privado e que, apesar de possuir registros mais remotos, encontrou na contemporaneidade o cenário ideal para sua expansão a partir do crescimento do número de usuários na internet e o consequente aumento do uso de redes sociais. Trata-se de uma tentativa de influenciar a tomada de decisão individual do sujeito, para que este manifeste um sentimento, talvez até então desconhecido por ele mesmo. Essa influência é exercida a partir do momento em que as corporações criam uma causa – sob o objetivo de atender seus interesses privados e estimulem o envolvimento do público para que ela ganhe visibilidade. O pesquisador Rudimar Baldissera (2001) observa essa tendência como uma estratégia da Comunicação Organizacional na contemporaneidade para expandir sua área de influência e abrangência a partir do direcionamento da individualização dos sentidos dos interlocutores no processo comunicacional. No entanto, deve-se atentar para o fato de que os sentidos, disponíveis na cadeia de comunicação, sempre serão consDisponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/09/mais-de-50-dos-brasileiros-estao-conectados-internet-diz-pnad.html>. Acesso em: 16 de nov. de 2014. 11 716 truídos e disputados por sujeitos interlocutores, a partir do seu saber prévio. (BALDISSERA, 2001, p. 3) Em contrapartida, é importante que não se assuma o direcionamento da individualização dos sentidos na cadeia de comunicação como sinônimo de manipulação dos públicos. As interpretações do receptor podem ser diferentes das almejadas pelo emissor, principalmente ao se considerar, no cenário atual das campanhas publicitárias, a possibilidade de verificar na internet a veracidade das informações e o histórico dos envolvidos. O público é ativo e capaz de não corresponder aos objetivos mercadológicos das corporações. A prática do astroturfing, por isso, pode ser construída pelo público ao qual ela se direciona. É uma das principais aquisições de setenta anos de pesquisa em comunicação: o receptor não é facilmente manipulado pela mensagem. Endereçada a todo o mundo, a mesma mensagem não é recebida da mesma maneira por todos. Certo, a comunicação é uma atividade social como as outras, é marcada pelas desigualdades e pelas questões de poder, mas não é totalitária. Os indivíduos aprendem a resistir. Mantém seu livre arbítrio, o que temos muita tendência a esquecer. [...] Sim, o receptor é sempre ativo, esteja ele lendo, escutando, assistindo ou usando seu computador. Sim, o receptor é o grande enigma da comunicação, um enigma cujo interesse é crescente com a globalização da informação e da comunicação (WOLTON, 2006, p. 33). Nesse sentido, é fundamental refletir acerca da complexidade que é falar de públicos simulados. Se considerarmos que, junto aos usuários criados pela agência da Samsung para criticar os aparelhos da HTC, existiam muitos consumidores realmente insatisfeitos com os produtos dessa marca e que foram estimulados a participar dessas manifestações virtuais a partir das reações de um público simulado, percebemos que o astroturfing incentivou a manifestação de um público que já existia. Por isso, Henriques e Silva (2014) afirmam que a prática do astroturfing é um processo mais complexo do que se imagina: A principal peculiaridade do astroturfing reside justamente na possibilidade de formação do público que antes era simulado. Diferentemente de, por exemplo, um vazamento de 717 uma substância tóxica em uma fábrica, que afetaria diversos indivíduos ao redor do acontecimento e daria origem a públicos que se movimentariam em relação ao fato, a essência do astroturfing está na existência de um público que já é apresentado, mesmo que de maneira simulada. (HENRIQUES e SILVA, 2014, p.12). Chega-se então a um ponto central desta análise: o astroturfing simula manifestações públicas, mas faz isso a partir de condições pré-existentes na sociedade. Ou seja, em algum momento a simulação pode se dissolver em um público autêntico. Finalmente, quando o astroturfing consegue fazer com que os sujeitos se mobilizem e passem a atuar de forma semelhante ao público inicialmente simulado, quem busca monitorar a prática é colocado diante de um enorme desafio. Nesse momento, o limiar entre o simulado e o autêntico se torna mais confuso, e a denúncia sobre o caráter enganoso e artificial da prática pode acabar sendo um fator que aumenta a mobilização daqueles que estão genuinamente engajados e manifestando sua opinião [...] (HENRIQUES e SILVA, 2014). Vimos até aqui a perspectiva comunicacional do astroturfing, onde a compreensão das disputas de sentido na configuração de um cenário simulado/real é fundamental para a utilização dessa estratégia. A seguir, refletiremos como tal prática suscita alguns questionamentos sob o ponto de vista legal e ético. A ÉTICA PROFISSIONAL E O DIREITO DO CONSUMIDOR EM TEMPOS DE ASTROTURFING Em um mundo cada vez mais globalizado e integrado, onde as tecnologias têm papel fundamental na hora de informar e de comunicar, práticas como o astroturfing suscitam debates constantes sobre o papel da ética profissional e a importância do direito do consumidor. Nos Estados Unidos, o astroturfing não possui uma conduta aprovada pelo Código de Ética da Public Relations Society of America12, que Disponível em <http://www.prsa.org/AboutPRSA/Ethics/EthicalStandardsAdvisories/Documents/PSA-07.pdf> Acesso em: 16 de out. de 2014 12 718 define a prática como uma representação de patrocínios não revelada ou de descrições enganosas. Já no Brasil, nenhuma regulamentação cita a prática do astroturfing de maneira direta. O Código de Ética da Publicidade e Propaganda13 afirma que “o profissional da propaganda, para atingir aqueles fins, jamais induzirá o povo ao erro; jamais lançará mão da inverdade; jamais disseminará a desonestidade e o vício”. O Código de Ética de Profissionais de Relações Públicas14 proíbe “disseminar informações falsas ou enganosas ou permitir a difusão de notícias que não possam ser comprovadas por meio de fatos conhecidos e demonstráveis”. A regulamentação profissional que menciona de forma mais evidente, mesmo que de maneira indireta, a não aprovação de práticas de astrutorfing é o código do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária15, na seção de Honestidade, artigo 23, ao defender que “os anúncios devem ser realizados de forma a não abusar da confiança do consumidor, não explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credulidade”. A ausência de uma regulamentação que defina explicitamente a proibição ou permissão do astroturfing pode ser melhor compreendida se considerarmos alguns traços da sociedade atual. Tal processo dialoga com a afirmação do pesquisador Adriano Duarte Rodrigues (1999) quando ele afirma que o ideal progressivo da pós-modernidade confronta a prática dos valores éticos e, consequentemente, vem a construir o que ele chama de “ética relativista”, cuja subordinação está ligada a interesses particulares. O pesquisador português afirma que hoje a ética possui diversas dimensões, entre elas a dimensão da tecnicidade, onde a ética da verdade – no astroturfing representada pelos códigos de condutas profissionais – se contrapõe à ética da eficácia – o desejo de se conquistar um determinado público consumidor. Disponível em <http://www.cenp.com.br/PDF/Legislacao/Codigo_de_etica_dos_proffisionais_da_propaganda.pdf> Acesso em: 16 de out. de 2014. 13 Disponível em < http://www.sinprorp.org.br/Codigo_de_etica/001.htm> Acesso em: 16 de out. de 2014 14 Disponível em <http://www.conar.org.br/codigo/codigo.php>. Acesso em 16 out de 2014. 15 719 É por isso que sempre que ocorre uma nova intervenção técnica surge inevitavelmente uma nova intervenção ética acerca do seu valor e discussões acerca das normas que deverão reger a sua aplicação. (RODRIGUES, 1999, p. 76). É importante também observar as relações do astroturfing com o Código de Defesa do Consumidor (CDC) vigente hoje no Brasil (Lei nº 8.078/90). Sob consulta da advogada especialista em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil Marlúcia do Socorro Magno Ferreira (OAB nº 145008), percebemos que o astroturfing é um crime publicitário pela lógica consumerista, e pode ser enquadrado no ordenamento jurídico do CDC, nos artigos 67, 68 e 69, que se referem às penalidades para as práticas de propaganda enganosa: Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de três meses a um ano e multa. Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa. Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade: Pena - Detenção de um a seis meses ou multa. (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR [CDC], 1990, p; 13-14). Apesar da legislação brasileira não permitir o astroturfing, não há registros de casos que tenham sido julgados pelo Ministério Público no país, pois a dificuldade está em reconhecer quando uma campanha publicitária está, de fato, utilizando um público simulado. A dificuldade de reconhecimento da infração aos direitos do consumidor dá espaço à impunidade. A agência que desenvolveu a campanha Eu sou da Lapa inscreveu o trabalho no prêmio Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) de 2006 e, mesmo afirmando que se tratava de uma estratégia publicitária baseada no astroturfing, foi finalista regional do prêmio. 720 Por se tratar de um direito coletivo, a advogada Marlúcia afirma que uma forma da prática não ficar impune seria a sua submissão a um juízo público. Assim “terá como consequências para a empresa que a pratica, o repúdio da sociedade e o consequente dano a sua própria imagem, o que por si só representa punição significativa”. De novo, enfatizamos que o público – não o simulado e sim o estimulado - é também responsável por reconhecer na prática do astroturfing algo que fere ou não os seus próprios direitos. CONSIDERAÇÕES FINAIS: COMUNICAÇÃO ABUSIVA PRA QUEM? Observar as práticas de astroturfing nos traz diversas reflexões importantes, uma delas é questionar o que poderia ser considerado como comunicação abusiva do ponto de vista da metapesquisa, ou seja, o que é para os estudos da comunicação uma prática abusiva se o receptor não é considerado passivo? Como falar de uma prática manipuladora de comunicação se a publicidade por si só já prevê a indução de um público para o consumo de um determinado produto ou serviço? O astroturfing empregado enquanto estratégia de Comunicação Organizacional nos faz refletir também acerca das dimensões técnicas e instrumentais defendidas pela pesquisadora Margarida Kunsch (2012). Para ela, as ações de dimensão técnica – campanhas publicitárias, por exemplo – devem estar em concordância com o âmbito da dimensão instrumental – a comunicação entre os indivíduos. As estratégias de comunicação organizacional precisam considerar os públicos interno e externo, sem bombardeá-los pelo “excesso de comunicação” técnica e instrumental. Assim, até que ponto as empresas que praticam o astroturfing estão considerando essas duas dimensões de Comunicação Organizacional? Ainda segundo Margarida Kunsch (1997), o avanço tecnológico e as recentes mudanças da sociedade contemporânea fez com que os públicos se tornassem mais ativos e é papel da Comunicação Organizacional mapear suas ações a partir da identificação desse novo público que se forma e se transforma tão rapidamente: Hoje, sabemos, os públicos são muito mais exigentes e estão muito mais atentos. A sociedade está mais articulada e o cidadão mais reivindicativo. E a área das Relações Públicas tem o papel de fazer a leitura dessa sociedade tão complexa que 721 aqui procuramos apresentar em pinceladas rápidas. Relações Públicas devem ter como bússola a dimensão futura, espelhada na crítica em relação ao presente e no estudo do que se deve desejar de melhor para o futuro da atuação profissional, buscando o equilíbrio entre a modernidade técnica e a modernidade ética. (KUNSCH, 199716). Entretanto, torna-se confuso distinguir, dentro das práticas publicitárias, o direcionamento individual dos sentidos do interlocutor, descrito por Baldissera (2001), da prática de indução ao consumo indevido, proibida pela legislação brasileira. Como um Código de Ética ou qualquer outro tipo de regulamentação pode controlar exatamente as ações de divulgação indevidas se essas correspondem à disputa de sentidos e interpretações que fazem parte do processo comunicacional da publicidade? Analisar o astroturfing significa ainda refletir sobre a Comunicação Organizacional como um todo e tentar compreender se é possível haver algum equilíbrio entre as ações de divulgação das corporações e os públicos envolvidos no processo. Contudo, o planejamento estratégico das organizações deve sim considerar as dimensões técnicas e instrumentais de Kunsch, conhecer os públicos que se pretende atingir e tentar compreender as formas de assimilação do conteúdo que será disseminado. O astroturfing nos faz atentar à legitimidade dos discursos dos quais as publicidades se apropriam. Como exposto anteriormente, a manifestação simulada confere legitimação à manifestação autêntica de um público existente. Nesse ponto, destacamos o que Wolton (2006) define como um “conflito de legitimidades”, ou seja, a tentativa de se distinguir informação, conhecimento e ação. Isso porque, para o autor, entender o papel complementar e indispensável desses três fatores é reconhecer a legitimidade e a irredutibilidade dos discursos na sociedade democrática. Então, como o público estimulado pela prática de astroturfing ou por qualquer outra prática publicitária reconhece o seu papel a ponto de interpretar a informação, adquirir conhecimento e, então, agir? Em contrapartida, Wolton afirma ainda que “os indivíduos são cada vez menos enganáveis” e que, por isso, “as profissões de comunica- Disponível em: <http://www.aberje.com.br/antigo/margarid.htm>. Acesso em: 15 de out. 2014. 16 722 ção serão na hierarquia das empresas, amanhã, tão importantes quanto as funções financeiras e comerciais” (WOLTON, 2006, p. 104). Por tudo o que já foi exposto, concluímos ainda que as práticas de astroturfing são cada vez mais comuns não só pelo advento das novas tecnologias e da virtualização da Comunicação. É uma prática que chama cada vez mais atenção enquanto estratégia de Comunicação Organizacional pela sua capacidade de dialogar com a individualidade do público e, assim, provocar nele o desejo de participação e visibilidade social. Dessa forma, a indução do público ocorre não por uma suposta passividade no processo comunicacional, mas pela oportunidade de expressar um sentimento latente por meio de uma ação publicitária que prevê a sua atividade como receptor e, simultaneamente, canal e emissor da mensagem pretendida. Tudo ocorre como se a comunicação se tornasse a condição normativa de funcionamento, ou ainda de coabitação, das sociedades. Menos como múltiplas conexões do que como uma espécie de apetência e de aceitação do risco. Menos uma lógica de manipulação do que um jogo… Porque a comunicação é menos manipuladora do que se diz. Seria antes uma espécie de jogo de tolos em que ninguém é tolo. (WOLTON, 2006, p. 32). Em resumo, para compreender a possibilidade de se alcançar na contemporaneidade o equilíbrio entre a técnica e a ética, acreditamos ser necessário prosseguir com os estudos sobre o astroturfing. Contudo, destacamos que a discussão sobre o caráter moral dessa prática não foi o objetivo central desta investigação, mas sim contrapor as práticas de mercado com os valores éticos e legais a fim de iniciar as reflexões sobre o tema considerando a sua complexidade. Aqui tentamos observar o astroturfing enquanto estratégia de comunicação organizacional que prevê comportamentos se apropriando das características de “aspiração à liberdade individual” (WOLTON, 2006) e de não passividade do receptor. Entretanto, por mais que a indução e as disputas simbólicas façam parte da comunicação publicitária, respeitar os direitos do consumidor é um princípio soberano na legislação da atividade. Assim, a complexidade desse processo comunicacional e o seu diálogo entre a ética profissional e a legislação vigente devem ser ainda mais investigados. 723 REFERÊNCIAS BALDISSERA, Rudimar. Estratégia, comunicação e Relações Públicas. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 24, 2001. Campo Grande, MS. Anais. Campo Grande: UFMS. BUENO, Wilson da Costa. Comunicação empresarial: teoria e prática. Barueri: Manole: 2003. BONFADINI, Gerson J. O relacionamento com públicos como estratégia de comunicação nas organizações. 2007. 175 f. Tese (Doutorado em Comunicação) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. CAMELO, Marjony; el tal. A Comunicação Organizacional Integrada como Diferencial Competitivo. Disponível em <http://www.aedb.br/ seget/artigos06/686_SEGET_Artigo3.pdf>. Acesso em: 09 mar 2014 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Lei 8.078 de 11/09/90. Brasília, Diário Oficial da União, 1990. FERRARI, Maria Aparecida. 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Em uma abordagem comunicacional, fundamentada na teoria sistêmica de Niklas Luhmann e na teoria discursiva de Eliseo Véron, discutimos como os sentidos sobre termos e práticas estratégicas circulam entre as organizações e as publicações de negócios e são (re)apropriados em processos de comunicação organizacional, configurando as estratégias organizacionais. A hipótese do agendamento amplia a reflexão, indicando que as notícias sobre negócios podem contribuir para a saliência e a legitimação de conteúdos sobre a estratégia que circulam nos ambientes organizacionais. Ao final, são delineadas propostas para investigações futuras. Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Estratégia Organizacional; Perspectiva SistêmicoDiscursiva; Agenda-setting. Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB), linha Processos Comunicacionais nas Organizações. E-mail: victor.gomes@ucb.br. 1 Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB), linha Processos Comunicacionais nas Organizações. E-mail: robson.dias@ucb.br. 2 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como precedente a tese de doutorado de Gomes (2014)3, em que é proposto um modelo teórico para a compreensão da estratégia organizacional a partir de um conjunto de elementos comunicacionais. Com esse modelo, buscamos “desentranhar” (BRAGA, 2004) o que há de propriamente comunicacional nesse objeto que, tradicionalmente, é pesquisado nos campos da administração e da economia. A noção central do modelo proposto é a rede decisória comunicacional, que é compreendida como um espaço de construção de sentidos, configurado em processos de comunicação organizacional, em que as decisões4, como efeitos de sentidos, se interconectam e se autorreforçam. Como uma condição estrutural para a existência dos sistemas organizacionais, a rede se constitui tanto no interior quanto no exterior desses sistemas. No interior, é formada pelas comunicações/ decisões que definem as fronteiras sistêmicas, e, no exterior, pelas comunicações/decisões que estruturam os sistemas sociais e organizacionais com os quais as organizações interagem ou, em outras palavras, aos quais elas se acoplam. Reconhecendo que estratégias são formadas em e por decisões (CHANDLER, 1998; ANSOFF; McDONNEL, 1993; MINTZBERG; WATERS, 1985; PÉREZ, 2008), e que decisões são uma forma de comunicação responsável pela constituição e manutenção dos sistemas organizacionais, consideramos que as estratégias organizacionais podem ser compreenDoutorado realizado com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). 3 A noção da decisão não é compreendida no contexto da racionalidade e da previsibilidade. Sob uma perspectiva sistêmica (LUHMANN, 2005b; 2011), ela revela, justamente, as limitações da racionalidade e a imprevisibilidade, além de abrir espaço para a multirracionalidade envolvida nos processos decisórios, que considera, além dos aspectos cognitivos, os elementos afetivos e também instintivos do comportamento humano (LEITÃO, 1997). Em nossa perspectiva, consideramos a decisão em sua dimensão social. Em uma rede dinâmica e complexa, as decisões parecem ser geradas a partir de efeitos de sentidos e representam a inter-relação de fatores de ordem cognitiva, emotiva e social. 4 728 didas como decisões voltadas para a (re)produção da diferença entre organização e ambiente. Notícias e reportagens, publicidade e entretenimento constituem, na perspectiva de Luhmann (2005a), áreas de programação do sistema dos meios de difusão. Conforme o autor, a função social desses meios não é a atualização das informações, mas a memória produzida através de sua operação. Assim, no presente trabalho, partimos do pressuposto de que as organizações interagem com o sistema dos meios de difusão e de que suas comunicações/decisões são, de alguma forma, por ele influenciadas. Nesse contexto, nosso objetivo é discutir, através de uma abordagem comunicacional, possíveis relações entre a prática da estratégia nas organizações e as notícias de negócios veiculadas em revistas de negócios de grande circulação. Partimos da perspectiva sistêmico-discursiva originalmente proposta por Seidl (2007), baseada na teoria de Luhmann (1997a; 1997b; 2005a; 2005b; 2006; 2011), na filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein (1979) e na concepção social da linguagem de JeanFrançois Lyotard (1999; 2002). À proposta de Seidl (2007), agregamos a teoria discursiva de Eliseo Véron (1980; 1996; 2004), possibilitando uma abordagem comunicacional complexa e interpretativa sobre nosso foco de estudo. À perspectiva sistêmico-discursiva, aproximamos a hipótese do agenda-setting5, de forma a possibilitar a reflexão específica sobre as possíveis relações entre as notícias de negócios e a prática da estratégia. Alguns trabalhos, como os de Soares (2007) e de Soares e Miranda A evolução da Agenda Setting, cronologicamente, segundo Formiga (2006), passa por McCombs e Shaw (1972), Funkhouser (1973), Tipton, Haney e Baseheart (1975), Benton e Frazier (1976), Erbring, Goldenberg e Miller (1980), Winter e Eyal (1981), Cook, Tyler, Goetz, Gordon, Protess e Leff Emolotch (1983), Behr e Iyengar (1985), Iyengar e Kinder (1987), Saperas (1987), Brosius e Kepplinger (1990), Zhu (1992), Rogers, Dearing e Bregman (1993), Mccombs e Shaw (1993), Iyengar e Simon (1993), Kosicki (1993), Ader (1995), Barros Filho (1995), Scheufele (2000), Mccombs (2004). No Brasil e em Portugal, esse conceito está sistematizado no que se convencionou chamar de Teoria da Notícia, principalmente, nos registros de Traquina (1993; 2000; 2003; 2004) e Sousa (1999; 2002). 5 729 (2012), tratam do agendamento em veículos e materiais de comunicação dirigidos aos funcionários das organizações. No entanto, são raros os estudos que estabelecem alguma relação entre o conteúdo noticioso das revistas de negócios e a comunicação organizacional. Entre eles, destacamos as abordagens de Gomes (2009) e de Viana e Freitas (2014), que, embora não tratem da agenda-setting, discutem narrativas e discursos das revistas de negócios, como elas constroem representações e imagens das organizações. Há, ainda, a proposta de Mazza e Alvarez (2000), que defende o papel central das publicações de negócios para a construção social das realidades organizacionais e das práticas de gestão. Com isso, temos um quadro que nos indica uma oportunidade para a investigação que estamos propondo neste artigo. A seguir, delineamos, de forma sucinta, a perspectiva sistêmico-discursiva e a hipótese do agenda-setting. Em seguida, discutimos possíveis caminhos para a compreensão da relação entre o noticiário de negócios e a prática da estratégia nas organizações, em uma abordagem desenvolvida a partir da comunicação organizacional. A PERSPECTIVA SISTÊMICO-DISCURSIVA Um dos principais fundamentos da perspectiva sistêmico-discursiva é a compreensão dos sistemas sociais como unidades operacionalmente fechadas e interativamente abertas, que têm a comunicação como sua operação essencial. É através dela que a diferença entre sistema e ambiente é (re)produzida continuamente. Seguindo um movimento reflexivo e recursivo, o sentido é construído em uma rede de comunicações, que opera de forma circular, autopoiética6 e operacionalmente fechada. O sistema observa o entorno e constrói sentido tendo por referência esse tecido autorreferenciado de comunicações7. O adjetivo “autopoiética” é utilizado para designar uma estrutura (sistema) em que ocorre a autopoiese, ou seja, a capacidade de autorreproduzir-se exclusivamente através de seus próprios elementos e operações internas. No caso dos sistemas sociais, a comunicação e a rede de comunicações formada no interior do sistema constituem o elemento fundamental para a autorreprodução e são por ele responsáveis (LUHMANN, 2011). 6 7 Ilustrando essa visão, pela Teoria da Notícia, temos o seguinte: a partir da 730 O fechamento operacional dos sistemas sociais tem, para Luhmann (1997b), a mesma natureza que o fechamento do sistema cognitivo. Conforme o autor (1997b, p. 52), “nós conhecemos o mundo externo apenas porque o acesso a ele é bloqueado”. O conhecimento é uma construção própria do sistema cognitivo, que não pode ser estruturada ou determinada pelo ambiente, apenas perturbada. Assim, a compreensão é de que informações não são obtidas do entorno, são construtos internos gerados a partir de acontecimentos observados no lado externo. Para o autor, os sistemas sociais constroem o ambiente do qual se diferenciam. As notícias sobre negócios produzidas no âmbito do sistema dos meios de difusão podem, nesse contexto, ser compreendidas como elementos a serem observados pelos sistemas organizacionais e que, quando selecionados por esses, venham a deflagrar apropriações ou construções de sentido próprias desses sistemas. No momento em que realizam processos de comunicação, é construída uma diferença entre comunicação e meio (sistema e ambiente). A comunicação é responsável pelo desenvolvimento de uma lógica própria de conexão com a comunicação seguinte, formando uma rede que inventa sua própria memória e diferencia os sistemas sociais. A rede de sentidos dos sistemas organizacionais, no entanto, está acoplada ou em interação com redes externas. Os sentidos, dessa forma, circulam nas redes, e constituem o horizonte operativo dos sistemas sociais, os quais, apesar de operacionalmente fechados, não estão isolados. A linguagem cultura profissional dos jornalistas e da cultura da organização noticiosa (Fábrica de Notícias, Newsmaking), o Jornalismo tem uma cultura transorganizacional, transnacional e local, ao mesmo tempo, segundo Soloski (1993) citado por Sousa (1999) “a natureza organizacional das notícias é determinada pela interação entre o mecanismo de controle transorganizacional representado pelo profissionalismo jornalístico e os mecanismos de controle representados pela política editorial. Em conjunto, estes mecanismos de controle ajudam a estabelecer as fronteiras do comportamento profissional dos jornalistas. Seria errado supor que essas fronteiras ditam ações específicas da parte dos jornalistas; melhor, estas fronteiras fornecem uma estrutura para a ação. As fronteiras são suficientemente amplas para permitir aos jornalistas alguma criatividade. Por outro lado, as fronteiras são suficientemente estreitas para se poder confiar que os jornalistas agem no interesse da organização jornalística”. 731 possibilita acoplamentos estruturais8 com indivíduos e outros sistemas, permitindo que elementos externos sejam incorporados, mantendo, no entanto, a autorreferencialidade na construção dos sentidos. Ou seja, o sistema tem contato com o mundo externo, mas constrói o sentido segundo suas referências internas. Isso garante a identidade, mantendo a diferenciação sistema/ambiente. Nesse contexto, os discursos são compreendidos como efeitos de sentidos construídos nos sistemas sociais. Podem ser entendidos também como lances de linguagem ou enunciados que, em jogos de linguagem, materializam os sentidos que circulam nos sistemas. Esses lances parecem estar submetidos a regras e acordos, explícitos ou tácitos, que são intrínsecos à condição de fechamento dos sistemas sociais. Além disso, os lances configuram um contexto social e, com isso, assumem posições, expectativas e disputas. A teoria do discurso de Verón (1980; 1996; 2004) é construída sobre uma hipótese de defasagem entre as noções de “produção” e de “reconhecimento”, guardando semelhanças com as noções de emissão e de recepção da teoria da comunicação. A problemática da comunicação, para o autor, está justamente nessa defasagem. Há uma não liO sistema, segundo Luhmann (2011), se relaciona com o meio circundante através do acoplamento estrutural. Em abordagens anteriores, a relação com o ambiente era pensada a partir de entradas e saídas. O acoplamento, por sua vez, considera o fechamento operacional e a relação com o ambiente a partir dos mecanismos internos de operação do sistema. Assim como a diferença entre ele e o ambiente é produzida pelo próprio sistema, as relações que este estabelece com o ambiente também são resultados dessas operações internas. A linguagem é considerada por Luhmann (1997c) como o elemento responsável pelo acoplamento estrutural entre comunicação e consciência, ou seja, entre sociedade e indivíduo, mantendo esses sistemas separados. A linguagem pode perturbar a consciência através da comunicação ou perturbar a sociedade através da consciência. Já, na Teoria da Notícia, Scheufele (2000) discute em Agenda-setting, Priming, and Framing Revisited: Another Look at Cognitive Effects of Political Communication os efeitos cognitivos em torno do conceito de Agenda-setting e processos comunicacionais complementares, como: Agenda-building (1), Framing (2), Priming (3), Newsmaking (4) e Gatekeeper (5), que circundam a discussão. Voltando a Luhmann, podemos pensar esses 5 pontos como constituintes do sistema. 8 732 nearidade entre produção e reconhecimento, implicando que um discurso nunca produz um efeito único, mas um campo de efeitos. A não linearidade expressa uma circulação de sentidos em um sistema em desequilíbrio. A defasagem entre produção e reconhecimento se manifesta quando, do lado da produção, é possível descrever ou reconstruir as regras que compõem a classe de textos analisada; no entanto, do lado do reconhecimento, há uma variedade de leituras possíveis. Um mesmo discurso pode ter múltiplos efeitos, graças a não linearidade da relação entre produção e recepção. Os discursos circulam entre condições de produção e condições de reconhecimento, formando uma rede de semiose (VÉRON, 1980; 1996; 2004) em que um discurso é condição produtiva de outro. Assim, a análise não pode considerar o objeto em si mesmo. Ela precisa considerar a relação do objeto com aspectos determinados das condições, buscando as pistas ou marcas dessas nos textos analisados. Os “objetos” que interessam à análise de discursos sociais são “sistemas de relações que todo produto significante mantém com suas condições de produção, de um lado, e com seus efeitos, de outro.” (VERÓN, 1996, p. 128). A perspectiva sistêmico-discursiva contribui para direcionar a atenção da investigação para a dimensão social do discurso, não ignorando o sujeito, mas deslocando a atenção para a diferença sistema/ambiente e para a dinâmica social da construção de sentidos. É sob essa perspectiva que discutimos a relação entre as notícias sobre negócios e a prática da estratégia. A HIPÓTESE DO AGENDAMENTO A hipótese do agenda-setting foi configurada, a partir do final dos anos 1960, incialmente por Maxwell McCombs e, posteriormente, pelo mesmo autor, em parceria com Donald L. Shaw, com base em pesquisas que investigavam a relação entre a agenda da mídia e a agenda do público, durante campanhas eleitorais nos Estados Unidos. Os resultados das pesquisas mostravam uma forte influência da mídia sobre os eleitores e também sobre os próprios candidatos, que incluíam em suas campanhas assuntos agendados pela mídia. Outras questões relevantes também foram esclarecidas por esses estudos. Dentre elas, destacamos: uma grande parte das informações, além de ser transmitida pela mídia, 733 também é mediada por líderes de opinião, caracterizando o duplo fluxo informacional; a agenda do receptor muitas vezes influencia a agenda da mídia; há um interagendamento entre as diferentes mídias, sendo que a mídia impressa apresenta maior influência sobre as demais mídias e sobre o receptor; a influência da agenda da mídia sobre a agenda do receptor depende da relevância ou importância do tema para o receptor e também de sua necessidade de orientação ou falta de informação em relação ao assunto agendado (HOHLFELDT, 2010). Hohlfeldt (2010) destaca os pressupostos da hipótese do agendamento ou agenda-setting: o fluxo contínuo informacional ao qual está submetido o receptor; a influência a médio e longo prazos dos meios de comunicação sobre o receptor; a capacidade de os meios de comunicação, a médio e longo prazos, influenciarem o receptor sobre o que pensar e falar. Em um artigo mais recente, McCombs (2005, p. 553) chama a atenção para pesquisadores que têm aplicado a ideia central da hipótese do agendamento em uma ampla variedade de contextos: “em anos recentes, pesquisadores inovadores têm aplicado a ideia central da teoria de agenda-setting, à transferência da saliência de uma agenda para outra, em uma ampla variedade de novas arenas ”9. Um desses contextos mencionados por McCombs (2005) é o organizacional. O autor faz referência à aplicação da hipótese em estudos que buscam investigar a influência tanto da imprensa especializada em negócios quanto da imprensa em geral sobre a reputação das organizações. Uma das observações do autor, reproduzida na citação abaixo, interessa particularmente ao nosso estudo, pois a partir da mesma é possível estabelecer uma relação entre os trabalhos de McCombs (2005) e de Mazza e Alvarez (2000): Esta pesquisa identificou tanto efeitos de primeiro nível de agenda-setting – a influência da cobertura de mídia sobre a lembrança e a proeminência de uma empresa ou de seu CEO – e efeitos de atributo de agenda-setting – a influência de representações veiculadas em notícias sobre as imagens de empresas e de seus CEOs. [...] Na arena da reputação corpo- 9 Tradução nossa. 734 rativa, a teoria do agenda-setting relaciona um aspecto especializado da agenda da mídia, o jornalismo de negócios, com as agendas de primeiro e segundo nível do público e com posturas e comportamentos subsequentes (McCOMBS, 2005, p. 553)10. Entendemos que os aspectos destacados por McCombs (2005), relativos à cobertura da mídia e à sua influência sobre a lembrança e sobre as imagens das empresas e de seus principais executivos, podem ser relacionados com a constatação de Mazza e Alvarez (2000) sobre o papel da mídia como legitimadora de enunciados com forte conteúdo ideológico. Com base na hipótese do agenda-setting, podemos considerar que as notícias sobre negócios podem influenciar o que comentam e pensam seus leitores a respeito de temas relacionados ao mundo dos negócios. A forma como esses temas, entre eles a estratégia, são selecionados e enquadrados pela publicação, pode contribuir para a agenda de seu público leitor, formado prioritariamente por pessoas envolvidas ou interessadas em negócios, economia e gestão. A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL, O NOTICIÁRIO DE NEGÓCIOS E A PRÁTICA DA ESTRATÉGIA Sob a perspectiva sistêmico-discursiva, assumimos que a organização existe enquanto houver comunicação. Esta, por sua vez, é compreendida como um processo social de circulação, multiplicação e disputa de sentidos, configurada nos desvios entre produção e reconhecimento, formando uma rede complexa de sentidos, em que uma comunicação é condição para existência da outra. Essa rede de sentidos, continuamente (re)produzida no âmbito dos sistemas organizacionais e nas suas relações com o ambiente ( formado por outros sistemas e por indivíduos), é configurada em desvios, dissensos e indeterminações. Além disso, como sistemas constituídos por comunicação, as organizações parecem ser constantemente observadas na/pela sociedade, o que pode deflagrar processos de construção de sentidos, que fogem ao seu controle, mas que contribuem, assim como os processos intencionais, para a configuração da organização nos âmbitos interno e externo (GOMES, 2014). 10 Tradução nossa. 735 Baldissera (2009) defende que a comunicação organizacional envolve, além dos processos formais e das falas autorizadas, uma dinâmica informal associada a incertezas, tensões, disputas, perturbações, interdependência ecossistêmica e processos recursivos. Nessa perspectiva, além de uma dimensão formal, autorizada e planejada, que o autor denomina organização comunicada, há outras duas dimensões, que fogem ao controle de eventuais mecanismos de gestão. A organização comunicante envolve os processos comunicacionais deflagrados nas relações estabelecidas com pessoas, públicos ou outras organizações. Nesses casos, ganham destaque os processos informais que, muitas vezes, ocorrem sem que a organização tenha conhecimento. Nessa dimensão, atribuem-se sentidos à organização que não necessariamente correspondem aos esforços formais de planejamento e independem da intencionalidade. Assim, a organização pode ver sua ordem ameaçada ou perturbada e ser pressionada a investir em movimentos que procurem reverter os desvios de sentidos que eventualmente tenham sido criados nessas relações. No âmbito da informalidade, há ainda um conjunto de materializações da comunicação organizacional, a dimensão da organização falada, envolvendo processos aparentemente distantes e sem relevância. São as conversas e manifestações sobre a organização em situações fora do ambiente organizacional, como momentos de lazer e encontros casuais, em que participam funcionários, amigos e familiares. A comunicação organizacional pode ser relacionada à prática da estratégia, conforme já discutiram autores como Bulgacov e Marchiori (2010; 2011) e Reis, Marchiori e Casali (2010), que chamam a atenção para aspectos como a multidimensionalidade e a imprevisibilidade das interações comunicativas e dos processos de construção de sentidos envolvidos no fazer estratégia. Bulgacov e Marchiori (2010), com base no trabalho desenvolvido por Jarzabkowski, Balogun e Seidl, analisam as três dimensões da estratégia como prática: a práxis, as práticas e os praticantes. A práxis envolve o trabalho realizado durante o fazer estratégia, o fluxo de atividades e as interconexões entre os praticantes. As práticas reúnem tanto questões tácitas e informais, quanto explícitas e formais. Elas “podem ser consideradas como um conjunto de metodologias, tecnologias, rotinas, ferramentas, conceitos e procedimentos para pensar e agir estrategicamente” (BULGACOV; MARCHIORI, 2010, 736 p. 157). Os praticantes são os atores que moldam a construção das práticas através de suas características, das habilidades e dos recursos que eles empregam. O fazer estratégia, portanto, envolve as conexões entre práxis, práticas e praticantes. Nesse contexto, os discursos veiculados nas publicações de negócios parecem ter um papel central para a construção social das realidades organizacionais e para a prática da estratégia. Em um trabalho em que investigam a influência da mídia na produção e legitimação de teorias e práticas de gestão, Mazza e Alvarez (2000) concluem que jornais e revistas participam da definição de temas que circulam nas organizações e em instituições de ensino e pesquisa. Para os autores, o papel da imprensa de negócio vai além da mera difusão de ideias pré-fabricadas e envolve a coprodução e legitimação de práticas e teorias de gestão. Assim, vislumbramos as possíveis relações entre o conteúdo de publicações de negócios e a prática da estratégia nas organizações. Os sentidos parecem circular entre os noticiários e as organizações, sendo apropriados e (re)construídos nas interações entre esses sistemas. Uma notícia sobre uma nova prática estratégica, veiculada em uma revista de negócios, pode, por exemplo, refletir na adoção de termos técnicos e até mesmo de rotinas, tecnologias e ferramentas pelos praticantes da estratégia. Essa apropriação, no entanto, na perspectiva sistêmico-discursiva, não garante a reprodução dos sentidos. Cada sistema irá (re)construir os sentidos de forma autorreferenciada, de acordo com seu próprio contexto. Um mesmo termo ou prática pode assumir sentidos diferentes em uma publicação e em cada organização que tiver contato com ela. A hipótese do agenda-setting indica que as notícias veiculadas contribuem para a saliência (primeiro nível do agendamento) e a imputação de atributos (segundo nível do agendamento) (McCOMBS, 2005; 2009). No caso do noticiário sobre negócios, entendemos que a saliência ocorre através da valorização de determinados termos e práticas, que podem se tornar proeminentes e predominar em um determinado período nas publicações, e a imputação de atributos, através da caracterização e da legitimação desses termos e práticas em reportagens sobre o desempenho de organizações e executivos em suas iniciativas estratégicas. Importa reforçar, no entanto, que, aproximando essa hipótese à perspectiva sistêmico-discursiva, entendemos que os sentidos 737 não são transferidos e sim (re)apropriados pelas organizações em suas práticas estratégicas11. Ou seja, frente ao agendamento e ao enquadramento, parece haver uma autorreferencialidade que precisa ser considerada quando procuramos compreender essa relação. Outros aspectos a serem considerados, tendo a agenda-setting como referência, são as possíveis mediações de consultores e de suas empresas de consultoria, que podem caracterizar o duplo fluxo informacional, e a influência das agendas das organizações sobre a agenda das publicações de negócios. Com base nesses pressupostos, desenhamos um contexto de interações entre sistemas organizacionais e meios de difusão, em que parecer haver uma intensa circulação de temas e uma (re)apropriação de sentidos de acordo com as particularidades de cada realidade sistêmica. Um tema como a governança corporativa, por exemplo, pode estar presente na pauta das publicações de negócios e ser apropriado como prática estratégica de uma organização, com um sentido não necessariamente equivalente ao construído nas notícias de negócios. Por um lado, determinados temas são salientados e legitimados pelas publicações. Por outro, as organizações parecem ávidas por inserir, de alguma forma, essas pautas em suas práticas. Essa necessidade de “estar em dia” com o que circula no mundo dos negócios parece motivar as organizações à adoção de determinados termos e práticas, que passam a povoar seus discursos em seus universos autorreferenciados de sentidos, em processos de comunicação organizacional. Frente a esse quadro, indicamos possíveis caminhos de investigação a serem aprofundados em estudos posteriores: a. quais os termos e práticas estratégicas, em um determinado período, apresentam maior saliência nas publicações de negócio? Scheufele (2000) trata de forma distinta a Agenda-setting e o processo de Agenda-building: o primeiro, ocorre no âmbito macroscópico (com base na agenda dos meios de comunicação, ou seja, na importância dada aos temas pelos meios) e; o segundo, no âmbito microscópico (com base na agenda do público, ou seja, na importância que determinados temas possuem na memória das pessoas). Nesse contexto, cita-se também o Priming (influência que a pauta agendada pode ter na forma como o indivíduo entende dado tema) e o Framing (recorte de atributos de pautas que circulem nos meios de comunicação). 11 738 b. quais os sentidos construídos pelas publicações de negócios sobre esses termos e práticas? c. quais os sentidos construídos pelas organizações sobre os termos e práticas estratégicas que circulam nas publicações de negócio? d. como esses termos e práticas são apropriados em decisões que configuram as estratégias das organizações? CONSIDERAÇÕES FINAIS A perspectiva-sistêmico discursiva revela novas possibilidades de compreensão da estratégia organizacional em um viés comunicacional. Entre elas, a reflexão sobre as interações entre os sistemas organizacionais e o sistema de difusão, desvendando novos caminhos para pensar a relação entre as estratégias das organizações e o conteúdo veiculado em publicações de negócios. Acreditamos que essa abordagem pode contribuir para a aproximação entre a comunicação e a prática da estratégia, atendendo, em parte, o chamado de autores como Bueno (2009) e Kunsch (2009), que defendem uma maior inserção da comunicação nos processos estratégicos. Com este trabalho, procuramos delinear uma nova proposta de investigação, propondo questões a serem exploradas em estudos futuros. Sob a perspectiva adotada, com o aporte da hipótese do agendamento, chegamos a um quadro que fundamenta teoricamente e indica possíveis relações entre o conteúdo das publicações de negócios e a prática da estratégia. Podemos dizer que, em seus universos autorreferenciados de sentidos, os sistemas organizacionais interagem com essas publicações e se apropriam de termos e práticas que passam a fazer parte de seus processos comunicacionais e, com isso, configuram suas estratégias organizacionais. Fazemos circular essas primeiras considerações no IX Congresso da Abrapcorp, com o intuito de promover a discussão em torno do tema em apreço. Esta iniciativa tem como objetivo dar início às investigações sobre este fenômeno, sob a perspectiva sistêmico-discursiva, visando multiplicar e ampliar os resultados encontrados e percebidos na pesquisa inicial, em Gomes (2014). 739 REFERÊNCIAS ANSOFF, H. Igor; McDONNEL, Edward J. Implantando a administração estratégica. São Paulo: Atlas, 1993. BALDISSERA, Rudimar. Comunicação organizacional na perspectiva da complexidade. Organicom, n. 10/11, p. 115-120, 2009. BRAGA, José L. Os estudos de interface como espaço de construção do Campo da Comunicação. Contracampo, n. 10/11, v. 2, p. 219-235, 2004. BUENO, Wilson da Costa. Comunicação empresarial: políticas e estratégias. São Paulo: Saraiva, 2009. BULGACOV, Sérgio; MARCHIORI, Marlene. Estratégia como prática: a construção de uma realidade social em processos de interação organizacional. 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WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 743 |5| COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA E O MÉTODO GIV: REFLEXÕES, POSSIBILIDADES, RESULTADOS E ANÁLISES1 Tassiara Baldissera Camatti2, Julio César de Bem3 e Márcia Almeida4 RESUMO Este artigo visa apresentar uma abordagem reflexiva sobre a gestão estratégica e a comunicação nas organizações, expondo o método GIV – Gaps Informativos e Valorativos, proposto por Pérez (2012), enquanto uma nova maneira de formular estratégias. Essa incorpora os proTrabalho apresentado no GP 5: Comunicação, Políticas e Estratégias, no IX Congresso ABRAPCORP, realizado de 13 a 15 de maio de 2015, UNICAMP, Campinas/SP. 1 Relações Públicas (UNIJUÍ), Especialista em Gestão da Informação Estratégica (UCS, Université de Poitiers e Universidade de Monterrey), Mestre em Administração (UCS) e Doutora em Comunicação (PUCRS). É Diretora de Projetos da INTERCOM, membro da Célula Brasil da CISC (Comunidade Ibero-americana de Sistemas do Conhecimento) e dos GP - CNPq: Teoria Social nas Organizações (UCS), Gestão dos Processos de Informação, Comunicação e Inovação para o Desenvolvimento das Organizações (UCS) e Grupo de Estudos Avançados em Comunicação Organizacional (PUCRS). 2 Bacharel em Administração de Empresas (FEEVALE), Mestre em Comunicação (PUCRS). Atualmente é Gerente de Recursos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. 3 Bacharel em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda (UNIJUÍ), Especialista em Gestão de Processos em Comunicação (UNIJUÍ) e Mestre em Desenvolvimento (UNIJUÍ), na linha de pesquisa Gestão das Organizações para o Desenvolvimento. Participa do Núcleo de Estudos de Marketing – NEM/CNPq. Atualmente é professora do curso de Comunicação Social da UNIJUÍ. 4 cessos criativos e perceptivos, para tornar o fazer estratégico parte do dia a dia organizacional, desvinculando-o de modelos programados, deliberados e inflexíveis, mas propondo a interação com os mesmos. Para isso, resgatamos o planejamento de comunicação da Unijuí – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e, por meio da pesquisa exploratória, avaliamos as contribuições possíveis a partir do método GIV. Palavras-chave: Ambiente; Comunicação; Estratégia; GIV; Organização. 1. INTRODUÇÃO Não é de hoje que as organizações investem recursos e tempo para preverem ou anteciparem o futuro. Essa é uma prática antiga, que advém da arte da guerra (SUN TZU, IV a.C.) e ganha força, enquanto prática de gestão, com estudos de Ansoff, na década de 60. Para tanto, precisamos levar em conta os fatores internos e externos das organizações, sua relação com o ambiente e os diversos públicos, para propormos formas de repensar seu fazer com vistas a um objetivo norteador. No entanto, hoje as novas e inúmeras formas de se comunicar, seja presencial, telefônica ou virtualmente, instigam novos modos de relacionamento num ambiente digital/virtual, ao qual Lévy (1999) denominou “ciberespaço”. Este, segundo o autor, amplifica, exterioriza e modifica as funções cognitivas humanas, como o raciocínio, a memória e a imaginação, criando “espaços de conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não lineares, se reorganizando de acordo com os objetivos ou os contextos, nos quais cada um ocupa posição singular e evolutiva” (LÉVY, 1999, p. 158). Assim, o ciberespaço traz novas possibilidades aos indivíduos sociais. Apesar disso, quando analisamos o planejamento e a ação estratégica de muitas organizações, normalmente percebemos que partem de cenários estáticos, onde as pessoas são todas iguais e os fatos marcada745 mente rotineiros. Para isso, costumam adotar processos de formulação e construção de planos estratégicos com técnicas tradicionais, partindo do pressuposto de que a estratégia implica em um processo racional e instrumental, o que, a nosso ver, remete à estratégias de comunicação ortodoxas e convencionais frente a situações de descontinuidade e de imprevisibilidade, fragilizando e expondo as organizações. Mas então, há outro caminho a seguir? Como podemos nos desvincular do modelo padrão existente para repensar o fazer estratégico da comunicação? No intuito de refletir a esse respeito e buscar novos modos de pensar a comunicação estratégica nas organizações, redigimos este artigo. Queremos, por meio da análise proposta, olhar de maneira crítica e curiosa para a formulação estratégica com base nos estudos de Pérez (2012), que propõe o método GIV como uma alternativa possível para a geração de estratégias, principalmente no campo da comunicação. Para isso, desenvolvemos um estudo exploratório na Unijuí - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, a fim de considerarmos o quanto o método é viável e quais seus diferenciais ao incorporar os gaps informativos e valorativos à formulação estratégica. 2. AMBIENTE E GESTÃO ESTRATÉGICA O ambiente organizacional sofreu importantes mudanças nas últimas décadas, principalmente de ordem econômica e tecnológica. Segundo Mintzberg (2003), o ambiente compreende virtualmente tudo que está fora da organização: sua “tecnologia” (a base de conhecimento que deve seguir); a natureza de seus produtos, clientes e concorrentes; sua posição geográfica; o clima econômico, político e até meteorológico em que deve operar e assim por diante. Tradicionalmente, cada organização define métodos próprios de gestão, preocupa-se com a redução de seus custos operacionais e com a rentabilidade de seu negócio e gerencia suas atividades em função de diretrizes próprias para alcançar objetivos estratégicos no mercado. Em paralelo, cada organização desempenha uma atividade econômica específica que se insere em um contexto maior na visão da cadeia produtiva, que pode ser conceituada, segundo Kupfer e Hasenclever (2002) como um conjunto de etapas consecutivas pelas quais passam e vão sendo transformados e transferidos os diversos insumos. 746 Nesse contexto, compreendemos a gestão estratégica, ou administração estratégica como também é denominada, como um processo contínuo e interativo, que visa manter a organização integrada ao ambiente; participando, se relacionando, interferindo e sendo afetada por ele. No entanto, é importante ressaltarmos que os estudos de gestão estratégica unem duas ondas de consenso. A primeira inicia em 1960 com a contribuição de autores como Ken Andrews (1980) e Igor Ansoff (1981), propondo que há distinção entre a formulação e a implementação da estratégia, visto que a primeira se refere ao pensamento estratégico e a segunda à ação estratégica. Ansoff (1981) também expõe, em seus estudos, que a empresa se relaciona com o ambiente de duas maneiras distintas: por um comportamento competitivo (ou operacional) ou por um comportamento empreendedor (ou estratégico). E, explica: Como o modelo competitivo é gerador de lucro e o modelo empreendido é absorvedor de lucro, espera-se que a empresa gravite em torno do primeiro enquanto for adequado o potencial de seus mercados atuais e enquanto tais mercados satisfizerem os objetivos de lucro e de crescimento. (ANSOFF, 1981, p. 54). Outra contribuição que pontuamos, é que a estratégia emana da liderança formal da organização, pois, na visão dos autores, é responsabilidade do líder conduzir a estrutura organizacional a fim de que se desenvolva de acordo com a estratégia pretendida. Ou seja, a estratégia é um conjunto de decisões que determina os padrões que definem o caráter central e a imagem da empresa, a individualidade que tem com seus membros e os diversos públicos, além da posição que ocupará nos mercados e cenários. Portanto, a estratégia deve ser o mais explícita possível, a fim de que possa ser compreendida pelo todo. (ANDREWS, 1980). A segunda onda dos estudos de gestão estratégica inicia na década de 1980 e tem entre seus teóricos Michael Porter (1989) e Henry Mintzberg (1998, 2003). Para os autores, é fundamental conhecer o mapeamento do espaço da formação estratégica, para que possamos identificar as várias abordagens possíveis tanto na dimensão interna, compreendida como a própria organização, quanto na dimensão externa, o macro e microambientes. Essa abordagem possibilita visualizar a empresa agindo em múltiplas direções e criando redes exuberantes 747 de contatos, parcerias e reconfigurações. Ou seja, “as organizações devem compreender o passado se pretendem gerenciar o futuro. Somente através do conhecimento dos padrões que fazem parte de seus comportamentos serão capazes de conhecer suas capacidades e potenciais” (MINTZBERG, 1998, p. 432). Uma forma de realizar tal façanha é a construção de mapas estratégicos. Estes, segundo Kaplan e Norton (2000, p. 83-84) “[...] ajudam as organizações a ver suas estratégias de maneira coesiva, integrada e sistemática. [...] ‘nossa melhor compreensão da estratégia em todos os tempos’”. Portanto, a estratégia não é um processo gerencial isolado, mas sim, “parte de um contínuo que começa, no sentido mais amplo, com a missão da organização, que deve ser traduzida para que as ações individuais com ela se alinhem e lhe proporcionem apoio.” (KAPLAN; NORTON, 2000, p. 83-84). Por outro lado, Thompson Jr. e Strickland (2000) afirmam que a estratégia é mais do que os gerentes planejam cuidadosamente e pretendem realizar como parte de um grande projeto estratégico, pois o futuro contém tantas incertezas que não é possível planejar cada ação com antecedência ou perseguir uma estratégia pretendida sem necessidade de alteração. Novas circunstâncias estão sempre emergindo, sejam elas importantes desenvolvimentos tecnológicos, introdução de novos produtos pelos concorrentes, novos regulamentos e políticas governamentais ou aumento do interesse do consumidor. Assim, para se efetivar o monitoramento do ambiente é necessária a aplicação das práticas de gerenciamento da informação e conhecimento. Essas, segundo os autores, apresentam formas de busca, aquisição e tratamento de dados e informações que facilitam a tomada de decisão. Algumas práticas, como o sistema de gestão da qualidade e os softwares de gerenciamento de informação interna, podem ser aplicadas à organização, possibilitando a gestão das informações já existentes como forma de criar um conhecimento útil à empresa. As orientadas ao ambiente externo, por sua vez, buscam propor tendências e novas informações que podem servir de subsídio para reforçar ou mudar a vantagem competitiva da organização. Assim, considerando que os acontecimentos no ambiente externo da organização podem influenciar de maneira relevante sua competitividade e afetar seu desenvolvimento, por ser instável, complexo, dinâmico e hostil (MINTZBERG, 2003), percebemos que uma gestão estra748 tégica que vise o melhor ajustamento entre organização e ambiente é o mais apropriado, na maioria dos casos. Cabe-nos ressaltar ainda que cada organização enfrenta ambientes múltiplos e nesse sentido a habilidade para prever, compreender e lidar com a diversidade de desafios propostos, respondendo rapidamente a eles, é fator de diferencial competitivo. Segundo Mintzberg (1998, p. 424), “estratégias podem se formar assim como ser formuladas. Uma estratégia realizada pode emergir como resposta a uma situação em evolução ou pode ser introduzida deliberadamente, através de um processo de formulação seguido de implementação”. Portanto, compreendemos que a estratégia envolve tudo e requer comprometimento e dedicação por parte de toda a organização. Mais que isso. Estimula que os competidores estejam atentos às ações e às reações da concorrência, a ponto de reorganizar e realocar seus próprios recursos de modo rápido e competente. Com base nas reflexões teóricas expostas, acreditamos que a grande diferença entre competição natural e estratégia é que a primeira é evolutiva enquanto que a segunda é revolucionária. A competição natural opera por um processo incremental de ensaios e erros de baixo risco. Pequenas mudanças são tentadas e experimentadas. As que se mostram favoráveis são gradualmente incorporadas e mantidas. Não há necessidade de previsões ou de envolvimento, pois o que importa é a adaptação a situação atual. A estratégia, ao contrário, procura fazer mudanças rápidas em relacionamentos competitivos, investindo recursos para que longos períodos de equilíbrio sejam rompidos por mudanças abruptas. Nesse sentido, o comprometimento dos atores envolvidos é fundamental. Para tanto, valorizar os indivíduos, seu potencial criativo e cognitivo, é ponto crucial às organizações. Junto à isso, está a comunicação e suas possibilidades estratégicas. 3. COMUNICAÇÃO, ESTRATÉGIA E O MÉTODO GIV O processo de comunicação pressupõe dinâmica: interagir a informação e a experiência, para criar e ampliar o conhecimento. Nesse sentido, agrega diferenciais estratégicos ao fazer organizacional, à medida que coloca em comum múltiplas compreensões para compor cenários criativos e inovadores. Esses possibilitam alçar novos desafios, 749 propostos pelo ambiente, considerando diferenciais estratégicos que pressupõem interação, via comunicação. Em sua pesquisa, Pérez (2012) confirma que o fenômeno das estratégias de comunicação é real e está cada vez mais explícito nas múltiplas formas dos indivíduos se relacionarem, entre si e com o ambiente, dentro e fora das organizações. No entanto, o autor destaca que muitas estratégias constroem-se na, e com a, comunicação, sendo, portanto chamadas de ações comunicativas estratégicas. E reforça: Esta incursión en el mundo real nos confirma que el fenómeno de las estrategias de comunicación existe y es cada vez más explícito. Y que muchas de esas estrategias se concretan en su ejecución en un sinnúmero de comunicaciones que, al formar parte de una estrategia, merecen llamarse estratégicas. Encontramos una relación entre la parte y el todo. [...] La buena noticia es que sí hemos encontrado “actos comunicativos estratégicos” (PÉREZ, 2012, p. 128). Quanto a denominarmos a comunicação de estratégica, o autor contrapõem-se a medida que entende que seria um modo de categorizar o tipo de comunicação, o que, a seu ver, não existe. O que há, segundo o autor, é a comunicação enquanto fenômeno social, que pode fomentar estratégias, mas não uma comunicação especificamente estratégica. E esclarece: Pero lo que no hemos podido encontrar es la “comunicación estratégica” en singular, y no la hemos encontrado sencillamente porque no existe, es una categoría y las categorías solo habitan en la mente de las personas. No son fenómenos sociales. Como ya apuntó Wittgesteing: “no existe el habla, lo que existe es el lenguaje de la vida cotidiana que se concreta en actos de habla” (PÉREZ, 2012, p. 128). Com base em seus estudos sobre estratégia, Pérez (2012) propõe o método GIV, que incorpora os gaps informativos e valorativos na formulação estratégica. Para tanto, o autor sugere que a conceituação do mesmo, parte de uma metodologia composta por sete fases, além de uma fase zero que compreende estabelecer o objetivo e as perguntas de investigação. A proposta inicial é identificar a brecha existente entre a percepção que há entre o que queremos: nossas metas, e o que consegui750 mos perceber do ambiente e dos públicos, espécies de sinais, para que possamos concretizá-las ou não. Cabe ressaltar que as primeiras cinco fases pressupõem a revisão teórica sobre o tema e as demais propõem um método para olhar a realidade e repensar o futuro dos estudos de comunicação estratégica. No Quadro 1 expomos as fases propostas pelo autor. QUADRO 1 – FASES DO MÉTODO GIV Fase 1 Novos olhares: assumir novas perspectivas para enxergar a questão com diversos olhares - sistêmicos, complexos, pragmáticos, construtivistas e evolucionistas. Fase 2 Identificar as características do sistema interativo pré-existente, tanto entre os indivíduos como destes com o ambiente. Essa é a perspectiva da comunicação estratégica. Fase 3 Compreender que a comunicação estratégica é um fenômeno multifacetado, que exige abordagem transdisciplinar. Fase 4 Simplificar sem renunciar a diversidade. Para isso é preciso distanciar-se a fim de alcançar uma visão global, panorâmica, que nos permita enxergar os cenários que compõem a trama da comunicação. Fase 5 Identificar os diferentes subsistemas que compõem a trama de interações humanas: estudos sobre estratégia, estudos sobre a comunicação e estudos específicos sobre comunicação estratégica. A esses deve-se agregar um quarto subsistema: a perspectiva biológica/ evolutiva que estuda as ciências da vida. Fase 6 Reconhecer os subsistemas no objeto investigado e observar as trajetórias da comunicação estratégica, identificando fontes, resumindo teorias explicativas e marcando pontos relevantes da pesquisa. Fase 7 Analisar as investigações existentes e as possibilidades futuras para ampliar o debate sobre a comunicação estratégica. Fonte: Elaboração própria a partir de Pérez (2012, p. 128-129). A diferença, segundo o teórico, é que o método GIV parte de princípios diferentes dos modelos tradicionais de análise estratégica. Tem sua base na forma com que os indivíduos criam e fazem suas estratégias na vida cotidiana, considerando assim os processos naturais existentes, 751 a partir dos modelos mentais humanos, bio-antropológicos, e não artificiais. Assim, a formulação estratégica deixa de ser um processo somente racional, derivado de análise de cenários, mas inclui a emoção e a percepção humanas, tornando-se diferenciado devido seu novo DNA, intangível e criativo. Assim, segundo o método, possui uma formação não linear, mas em espiral, algorítmica, considerando que uma etapa posterior pode alimentar uma etapa anterior de maneira criativa e inovadora. Além disso, compreende a comunicação enquanto um processo mental e fluído, que não segue etapas rigorosamente prescritas, mas é formado por um contínuo de processos mentais que cremos existir. Com base nos conceitos apresentados acreditamos ser possível estabelecer uma linha mestra conceitual para analisar o desenvolvimento da comunicação estratégica nas organizações. Nessa visão, as estratégias criam-se e crescem em todo ambiente em que existam pessoas com capacidade de aprender e que disponham de recursos necessários para sustentar essa capacidade. Tornam-se organizacionais quando adquirem uma abrangência coletiva, ou seja, quando proliferam de forma a guiar o comportamento da organização em geral. Nessa visão, buscamos aplicar o Método GIV a uma experiência real, buscando identificar se é possível agregar diferenciais a formação estratégica da comunicação. Nossa pesquisa, norteada pelo método exploratório, tem como objeto de estudo a Unijuí, Universidade Comunitária do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. 4. O MÉTODO GIV NA UNIJUÍ Para iniciarmos nossa pesquisa exploratória, também caracterizada como Fase 1 do Método GIV (PÉREZ, 2012), buscamos assumir novas perspectivas para conhecer a fundo os pressupostos norteadores e o ambiente das universidades comunitárias, uma vez que nosso objeto de estudo, a Unijuí, pertence a esse segmento e classificação no contexto do ensino superior brasileiro. As IES Comunitárias são pautadas pela democracia de suas decisões e participações. Não estão organizadas a partir da autocracia, ou seja, não têm um dono e também não visam lucro. Derivadas desta orientação do vínculo comunitário, essas organizações desenvolveram ao longo de sua história uma gestão baseada em colegiados. Assim, o 752 cerne das comunitárias tomou forma a partir de ideais de liberdade e participação coletiva. Portanto, sua cultura organizacional é dotada de formas diferenciadas de relação democrática, onde instituem-se fóruns coletivos para que todas as decisões institucionais sejam definidas. Percebemos que devido a orientação democrática e descentralização das relações de poder, as IES Comunitárias lidam com um ambiente onde as orientações são construídas pelos diferentes grupos e atores participantes, sendo possível sua adequação. Isso permite que se estabeleça uma conduta customizada conforme a ocasião, com orientações que tornam-se hábito, costume e, posteriormente, regras. Estas, normalmente, não estão prescritas em manuais, mas são percebidas, obedecidas e fazem parte da cultura organizacional. Vanucchi (2004) alerta-nos que em primeiro lugar, parece necessário dissipar logo a ilusão romântica de identificar as instituições comunitárias como uma família perfeita, visto que, por mais harmonioso que seja o seu clima organizacional, sempre há tensões e até agressividades, como acontece, aliás, em qualquer família. Prova disso são as mudanças no contexto onde se encontram as IES, que agregaram, nos últimos anos, maior competitividade entre as instituições. Novas orientações como sustentabilidade e concorrência acirrada foram incorporadas à organizações educacionais de ensino superior, desestabilizando a visão romântica da forma de administrar estas instituições. O que se entendia como uma grande família passou a ser percebido como uma empresa com foco no resultado e nos diferenciais competitivos, suscitando a formação de subgrupos divergentes que defendem a manutenção das raízes comunitárias. Outro fator relevante é que o aumento expressivo de instituições de ensino e os programas governamentais de incentivo à educação possibilitaram a ampliação da oferta de cursos e modalidades de ensino, sendo preciso a revisão das estratégias e até mesmo de conceitos já arraigados. Em muitos casos, o foco no negócio tornou-se prioritário, renegando os princípios norteadores das IES, como a ampliação do conhecimento e a formação do cidadão, a segundo plano. Portanto, nossa escolha pela Unijuí como objeto de investigação, deve-se ao fato de ser uma universidade comunitária, de médio porte (10 mil alunos), situada em uma região de rica diversidade cultural e 753 racial, o noroeste do Rio Grande do Sul. Destacamos que nosso foco é identificar a aplicabilidade do Método GIV (PÉREZ, 2012) na Unijuí, precisamente na área de comunicação e marketing, que possibilitou-nos acessar os dados necessários para que pudéssemos realizar este estudo. A segunda fase do Método GIV (PÉREZ, 2012), leva-nos a identificar como os indivíduos interagem com a organização via comunicação. No Quadro 2, expomos de modo resumido uma parte da pesquisa a que tivemos acesso e na qual os agentes internos de endomarketing pontuam seu sentimento em relação a comunicação existente. QUADRO 2 - FASE 2: INTERAÇÃO DOS INDIVÍDUOS COM A UNIJUÍ Participantes: Representantes dos setores/unidades e departamentos institucionais: oito dos 32 Agentes Internos de Endomarketing (25%) Questão: Como se sentem enquanto colaboradores e fontes de informação da Unijuí? - a participação dos agentes deixa a desejar, justificada pela correria diária e pela falta de tempo; - a informação ainda é muito centralizada nas chefias; - falta informação formal, a maioria é repassada de maneira informal; - é mais fácil ser agente nas reuniões do comitê do que nos departamentos; - os professores não percebem a importância do projeto; - deveria ser feito um trabalho com as chefias para mostrar a importância de ter um fluxo de informações que funcione; - muitos ruídos na comunicação interna, muito fragmentada e sem um padrão institucional. Fonte: Relatório da Pesquisa Focus Group com Agentes de Endomarketing da Unijuí (2011) Ao analisarmos o exposto, percebemos que a comunicação interna da instituição é percebida de modo centralizado, fragmentado, informal e sem padrão institucional, o que agrega um caráter duvidoso a veracidade do que é comunicado. Destacamos que essa é a percepção dos agentes de endomarketing, ou seja, não são funcionários de um modo geral, mas sim um público especialista na função de promover a comunicação interna da instituição nos diversos departamentos e setores, o que torna a constatação de grande valia. 754 A Unijuí tem como missão “Formar e qualificar profissionais com excelência técnica e consciência social crítica, capazes de contribuir para a integração e o desenvolvimento da região” (UNIJUÍ, 2015). Nesse propósito, atua com o objetivo de proporcionar ensino de qualidade para a comunidade regional numa estrutura multicampi. A universidade está presente nos municípios de Ijuí, Panambi, Santa Rosa e Três Passos, além de contar com um núcleo universitário em Tenente Portela e seis parceiros para os cursos de modalidade EaD. Oferece 33 cursos de graduação, cinco de mestrado e dois de doutorado, além da educação continuada, projetos de pesquisa e extensão universitária. Ao analisarmos este contexto, adentramos na Fase 3 do Método GIV (PÉREZ, 2012), compreendendo que mesmo centralizando a tomada de decisões institucionais na Reitoria, não há um posicionamento uníssono da universidade no mercado, o que, consequentemente, reflete na falta de unidade das ações e estratégias de comunicação. Acreditamos que isso se deve a pluralidade do meio e das relações com as quais a instituição precisa lidar. No entanto, é justamente isso que torna a comunicação um ponto chave para estabelecer conexões estratégicas que contribuam na evolução organizacional embasada na abordagem transdisciplinar. Para tanto, a Fase 4 nos leva a simplificar sem renunciar a diversidade, ou seja, buscamos uma análise estruturada que nos leve a conhecer sinteticamente a realidade organizacional, ao mesmo tempo que compreendemos a amplitude de cada ponto elencado. Para isso, extraímos a Matriz SWOT da Unijuí do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da Fidene, sua mantenedora (QUADRO 3). 755 QUADRO 3 - ANÁLISE SWOT UNIJUÍ (FASE 4) OPORTUNIDADES AMEAÇAS - Ações em novos mercados; - Entrada de novos concorrentes; - Capacidade de diferenciação da concorrência local; - Aumento potencial e comercial de produtos substitutos; - Aposta maior da sociedade no Ensino Superior; - Empobrecimento regional em função das crises na agricultura e no setor agroindustrial; - Problemas econômico/financeiros das instituições concorrentes; - Facilidade de acesso dos estudantes ao ensino superior. - Diminuição do número de clientes “Potenciais”, a partir diminuição do número de pessoas nas famílias; - Crescente pressão competitiva do setor das IES; - Crescente poder de barganha dos clientes em função do maior número de concorrentes do segmento da educação. PONTOS FORTES - Competências distintas enquanto Universidade; - Liderança no mercado onde atua; - A partir das pesquisas dos cursos, potencial capacidade de inovação para a região; - Instituição democrática com conselhos eleitos pela comunidade acadêmica. PONTOS FRACOS - É necessária a implementação de mais ferramentas de controle e avaliação das estratégias; -Atividades centralizadas em algumas pessoas; - Ainda falta visão sistêmica devido à fragmentação das áreas; - Elaboração de planejamento financeiro eficaz; - Evidenciar para toda a instituição o foco de negócio da Unijuí. Fonte: Elaborado pelo autor com base no PDI da Fidene (2008). Ao analisarmos a matriz, percebemos que a Unijuí é uma instituição líder na área geográfica e no mercado onde atua, o noroeste do RS, reconhecendo seu potencial enquanto universidade democrática e próxima da comunidade acadêmica. No entanto, demonstra que precisa profissionalizar sua gestão acadêmica, descentralizando atividades, avaliando seu desempenho, realizando planejamento e atuando de modo sistêmico. A Unijuí enxerga as oportunidades do mercado educa756 cional brasileiro, do investimento no acesso a educação e na possibilidade de expansão de sua estrutura. No entanto, reconhece a concorrência e os novos formatos educacionais que podem interferir no desempenho do crescimento de seu número de estudantes, assim como as limitações econômicas da região onde se encontra. Com isso, é possível identificarmos os cenários que compõem a trama da comunicação e como a instituição pode agir frente aos mesmos. Para identificarmos os diferentes subsistemas que compõem a trama de interações humanas, nas abordagens estratégicas, comunicacionais e biológica/evolutiva, definidas por Pérez (2012), analisamos, na Fase 5, como se contrapõem ou se somam os elementos da matriz SWOT. Nesse sentido, desenvolvemos a chamada SWOT Sistêmica, que leva-nos a identificar os pontos principais que devem ser abordados na comunicação da Unijuí. QUADRO 4 - SWOT SISTÊMICA (FASE 5) Desafios: Pontos Fortes => Oportunidades A comunicação precisa agir nos diversos meios para além das fronteiras regionais, destacando os diferenciais competitivos e os aspectos inovadores da Unijuí. Constrangimentos: Pontos Fracos => Oportunidades A comunicação é fator chave para a divulgação das melhorias, qualificação dos processos internos e profissionalização da gestão universitária. Alertas: Pontos Fortes => Ameaças A comunicação deve posicionar a Unijuí no segmento educacional brasileiro, reforçando suas vantagens competitivas. Perigos: Pontos Fracos => Ameaças A comunicação necessita ter foco no foco do cliente, para ampliar a confiança na instituição, reforçar o relacionamento com a comunidade acadêmica e minimizar o impacto da entrada de novos concorrentes. Fonte: Elaboração própria (2015) A partir das análises realizadas em seu processo de planejamento, a instituição reorganizou a área de marketing em sete grandes programas (QUADRO 5), compostos de subprogramas, projetos, ações, atividades integradas e novos projetos, tendo a comunicação como processo 757 primordial. Ao reconhecer os subsistemas no objeto investigado ( fase 6), foi possível analisar as possibilidades futuras para ampliar o debate sobre a comunicação estratégica ( fase 7). QUADRO 5 – PROGRAMAS DE MARKETING DA UNIJUÍ NOME DO PROGRAMA BREVE DESCRIÇÃO TÉCNICA 1. Sinergia Endomarketing focado em técnicos administrativos e de apoio e docentes. 2. Presença Unijuí Composto de distribuição/praça/meeting point, em eventos, instituições, campi, Polos EaD, diversos públicos da instituição. 3. Egresso Unijuí Relacionamento, satisfação e fidelização com egressos, diplomados e certificados. 4. Relações estudantis Relacionamento, satisfação e manutenção dos atuais estudantes. 5. Relações institucionais Relacionamento com imprensa, formadores de opinião e comunidade. 6. Promoção Unijuí Composto promocional – propaganda, publicidade, merchandising, relações públicas, vendas - campanhas de atração dos públicos. 7. Branding Unijuí Gestão de marca – agregação de valor à marca institucional, às extensões de marcas e aos diferentes produtos da instituição. Fonte: FIDENE (2011). Percebemos que os programas escolhidos, abordam os aspectos comunicacionais pontuados no Quadro 4. Isso demonstra que além de serem permanentes e executados através de diversas atividades, projetos, ações, subprogramas, deverão evoluir com o passar do tempo, ampliando a percepção do ambiente e sua influência para a estratégia de comunicação nas organizações. Para tanto, as atividades, projetos e subprogramas da Unijuí, terão seu acompanhamento monitorado por índices, que no conjunto irão compor seus indicadores de desempenho, podendo ser extintos, substituídos ou aprimorados. 758 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao findarmos este artigo, percebemos que partimos de uma base sólida para realizarmos o estudo proposto, o que nos possibilitou compreender o contexto teórico e como o ambiente e as organizações interagem e se influenciam. Souza e Prado (2009) propõe que organizações bem sucedidas são aquelas em que predomina uma cultura forte entre seus membros, que compartilham identidade, valores e aspirações. As tarefas da liderança estariam pautadas nos aspectos simbólicos da organização com o fortalecimento de valores convergentes e a redução da discrepância entre aquela oficial e a dos subgrupos. Portanto, a articulação e a capacidade de se comunicar com a grande diversidade de atores é um desafio permanente para as universidades brasileiras. Para atingirmos nosso objetivo inicial, analisarmos a utilização do método GIV (PÉREZ, 2012) em uma organização do segmento da educação de ensino superior e elaborarmos uma proposta viável de análise de cenário para a realização de estratégias de comunicação, realizamos a pesquisa exploratória. Para tanto, descrevemos o contexto da organização, desenvolvemos a análise interna e externa, compreendemos os limites e as possibilidades da universidade em questão e propusemos novas formas de pensar e agir. Portanto, a adoção da metodologia GIV para geração de estratégias de comunicação no caso da Unijuí considerou as relações humanas e seus efeitos sociais, onde a situação problema a ser resolvida, neste caso, envolvia uma instituição comunitária de ensino superior e a sociedade. Assim, a análise estratégica envolveu duas etapas: a identificação dos públicos relevantes, responsáveis pelo sucesso ou fracasso no atingimento do objetivo principal, tais como empregados, diplomados, egressos, estudantes, imprensa, formadores de opinião e comunidade; e o enfoque sistêmico, onde destacamos as interações comunicativas para atingir o objetivo via endomarketing (público interno) e marketing (públicos externos). Na aplicação do método GIV destacamos três pontos relevantes. O primeiro foi a análise do ambiente, onde analisamos as situações de descontinuidade e/ou mudanças nos processos dinâmicos de atuação da Instituição. O segundo foi a análise estratégica do plano de marke759 ting da Unijuí, que apresentou subprogramas que confirmaram a análise da SWOT Sistêmica e expuseram várias estratégias de comunicação para posicionar a instituição de forma uníssona no mercado. O terceiro foi a análise das percepções internas e externas, considerando a matriz SWOT e a identificação dos gaps informativos e valorativos advindos da pesquisa focus group. Concluímos, deste modo, que é possível chegarmos a construir um plano de comunicação institucional baseado no comportamento humano e nas relações dos indivíduos com as instituições de ensino superior, a partir da aplicação do método GIV. Com isto, identificamos, que os públicos, os conflitos, as oportunidades e as ameaças, assim como os pontos fortes e fracos, instigam nossa opção por estratégias que incrementem o fazer da comunicação na organização. Avaliamos, também, que o método GIV proporcionou o conhecimento mais profícuo de informações e da cultura da Instituição para a geração de estratégias, englobando a análise de cenários e a pesquisa com os funcionários, para aplicar e propor, com segurança e liberdade criativa, a ampliação dos modelos pré-existentes, buscando qualificar a gestão da comunicação estratégica. Assim, podemos afirmar que as técnicas aplicadas foram responsáveis pelo enriquecimento do conhecimento acerca do modelo construído, que buscou identificar a interação entre os indivíduos, a organização e o ambiente, numa proposta de ação estratégica. REFERÊNCIAS ANDREWS, K. The concept of corporate strategy. 1980. In: MINTZBERG, Henry …[et all]. O processo da estratégia: conceitos, contextos e casos selecionados. 4. Ed. Porto Alegre: Bookman, 2006. ANSOFF, H.I.; DECLERCK, R.P.; HAYES, R.L. Do planejamento estratégico à administração estratégica. São Paulo: Atlas, 1981. FIDENE. Plano de Desenvolvimento Institucional da Fidene: Plano de Desenvolvimento Institucional da Unijuí e Plano Plurianual da Unijuí. Ijuí: Editora Unijuí, 2008 (Coleções Cadernos de Gestão Universitária, 17). _____. Relatório e Balanço – exercício 2010. Ijuí: Editora Unijuí, 2011. 760 _____. Relatório da Pesquisa Focus Group com Agentes de Endomarketing da Unijuí. Setor de Marketing da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí. Documento físico. Novembro de 2011. KAPLAN, R. S.; NORTON, D. P. Organização orientada para a estratégia. Rio de Janeiro: Campus, 2000. KUPFER, D.; HASENCLEVER, L.. Economia industrial: fundamentos teóricos e práticas no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 2002. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. MINTZBERG, H. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. _____. A criação artesanal da estratégia. In: PORTER, M. Estratégia: a busca da vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1998. PÉREZ, Rafael Alberto. El estado del arte en la Comunicación Estratégica. Mediaciones Sociales, Nº 10, I semestre 2012, pp. 121196. ISSN electrónico: 1989-0494. DOI: http://dx.doi.org/10.5209/ rev_MESO.2012.n10.39684. Disponível em: http://www.ucm.es/info/ mediars/MediacioneS10/Indice/AlbertoPerezR2012/albertoperez2012. html Acesso em outubro de 2012. PORTER, M. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campus, 1989. SOUZA, Sofia; PRADO, Vaner Jose do. Imagens Da Escola Como Organização: Uma Análise Comparativa Entre o Modelo Burocrático e a Anarquia Organizada Através de Metáforas, Encontro da ANPAD/2009, São Paulo. SUN TZU, Século VI a.C. A arte da guerra: os treze capítulos originais. Tradução e adaptação de Nikko Bushidô. São Paulo: Jardim dos Livros, 2007. THOMPSON JR. A.A.; STRICKLAND III, A.J. Planejamento estratégico: elaboração, implementação e execução. São Paulo: Pioneira, 2000. UNIJUÍ. Site Institucional. Disponível em http://www.unijui.edu.br/ Acesso em janeiro de 2015. VANUCCHI, Aldo. A Universidade COMUNITÁRIA – o que é, como se faz. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2004. 761 | 6 |I NTERFACES DA CULTURA ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO FRONTEIRIÇO: POSSIBILIDADES, ESTRATÉGIAS E GOVERNANÇA CORPORATIVA1 Karla M. Muller2, Camila C. Barths3 e Stefânia O. Costa4 RESUMO O paper traz à discussão elementos da identidade cultural fronteiriça e movimentos de inserção da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) neste contexto. A reflexão constitui-se num recorte do estudo sobre comunicação organizacional de instituições de ensino superior nas fronteiras nacionais e as possíveis relações com as práticas Trabalho apresentado no IX Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação Organizacional e Relações Públicas (ABRAPCORP): Comunicação, governança e organizações. GT 5 – Comunicação, políticas e estratégias. PUC/Campinas e Faculdade Metrocamp - Campinas/ SP – 13 a 15 de maio de 2015. 1 Relações Públicas, Jornalista e Publicitária; Dra. em Ciências da Comunicação; Mestre em Comunicação; Profa. pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Coordenadora da pesquisa “Práticas Socioculturais Fronteiriças na Mídia Online”; Membro dos Grupo de Pesquisa no CNPq “Comunicação e práticas culturais” e “Mídia, tecnologia e Cultura; Assessora Ad Hoc do CNPq. E-mail: kmmuller@ufrgs.br 2 Relações Públicas; Mestre em Comunicação e Informação/UFRGS; Doutoranda em Comunicação e Informação/UFRGS; Relações Públicas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Email: camilabarths@gmail.com 3 Relações Públicas, Publicitária; Especialista em Comunicação Integrada de Marketing; Mestre em Comunicação no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Técnica Administrativa da UFPel. E-mail: facosta4@hotmail.com 4 de governança corporativa existentes. A análise recai sobre dados colocados no portal da Universidade e nos sites institucionais dos campi de Santana do Livramento e de Jaguarão, localizados nas linhas da divisa do sul do Brasil com o Uruguai. O intuito é verificar se a instituição aciona o potencial estratégico de comunicar traços de sua identidade que a aproximem dos grupos locais, e se utiliza das falas intencionais para melhor interagir com o contexto, promovendo a integração cultural da região fronteiriça. Palavras-chave: comunicação organizacional; identidade fronteiriça; universidade; integração cultural; governança corporativa. APRESENTAÇÃO As teorias e paradigmas que hoje dão suporte à comunicação organizacional visam responder positivamente às demandas propostas pelo novo entorno social: o da diversidade, da interdependência, do hibridismo, das línguas em contato, do pluralismo, das rápidas mudanças, do acúmulo de informação, enfim, das trocas culturais intensificadas pelos processos globalizantes. Nesse cenário, as organizações são compreendidas como agentes sociais, afetando e sendo afetadas pela história, pelo contexto, pelas práticas socioculturais existentes nos espaços onde atuam. Atenta-se, assim, para a importância de as organizações refletirem o local, valorizando as marcas do lugar e elevando, em suas ações, projetos e propostas, a autoestima dos grupos a ele pertencentes. Isso demonstra um efetivo trabalho de aceitação e aproximação entre as organizações, os sujeitos aos quais estão vinculadas e os contextos socioculturais em que se inserem, o que resulta em boas práticas de governança corporativa, alinhando objetivos da organização e seus públicos de interesse5. 5 Nesses mais de quinze anos de pesquisa no espaço fronteiriço, considerando o 763 A partir destas reflexões e de outros trabalhos que vêm sendo desenvolvidos6 (MULLER ET AL, 2012), estamos realizando uma pesquisa empírica a fim de verificar se as organizações, em suas práticas discursivas, procuram intencionalmente promover interações com o entorno, enxergando potencial estratégico nesses movimentos, bem como (re)elaborando a cultura e o imaginário sobre os/dos grupos locais. O foco do estudo está direcionado para a Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)7 por se tratar da primeira universidade pública totalmente localizada na faixa de fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai e a Argentina. Seus campi estão distribuídos entre dez cidades gaúchas8, cinco delas consideradas cidades-gêmeas9, conurbadas ou semi-conurbadas com município desses países, isto é, ligadas por uma ponte, uma praça, um marco oficial, muitas vezes mais imaginário do que visível. Por um lado, considera-se importante verificar se uma universidade que no próprio nome se diz “pampiana” e que afirma ter como principal objetivo o desenvolvimento regional (lembrando que o conceito de contexto, a mídia e as organizações, foi possível avaliar procedimentos de instituições como as empresas midiáticas (como o Jornal A Plateia, Jornal de Uruguaiana, Rádio RCC FM), ONGs (como a ACM/ACJ Fronteira/Frontera), entre outras, relativos às relações que estabelecem com o lugar e os sujeitos que ali habitam. MÜLLER, K. M.; RADDATZ, V. L. S.; BOMFIM, I.; MARTINS, T. C. Mídia local no espaço fronteiriço: a integração a partir das ‘leituras’ do contexto. Paper apresentado no IV Seminário Internacional América Platina: UNASUR: Naciones, etnicidades y fronteras en redefinición - Eixo temático: Procesos de integración transfronterizos: posibilidades y limitaciones. Buenos Aires: UBA, nov/ 2012. 6 O enfoque na questão lingüística da UNIPAMPA tem recebido especial atenção de Stefânia Costa, no desenvolvimento de sua dissertação de mestrado junto ao PPGCOM/ UFRGS. 7 Alegrete, Bagé, Caçapava do Sul, Dom Pedrito, Itaqui, Jaguarão, Santana do Livramento, São Borja, São Gabriel e Uruguaiana. 8 O território do município faz limite com o país vizinho e as duas sedes se localizam no limite internacional. As cidades-gêmeas são conurbadas quando não há acidente geográfico que as separem, como Santana do Livramento (BR) – Rivera (UY), e semi-conurbadas quando há divisão geográfica, como em Jaguarão (BR) – Rio Branco (UY), divididas pelo Rio Jaguarão e ligadas pela Ponte Internacional Mauá. 9 764 região extrapola limites territoriais), percebe o potencial estratégico de comunicar traços de sua identidade que a aproximem dos grupos locais, posicionando-se de fato como “da fronteira”. Por outro, torna-se relevante analisar se e como a instituição utiliza suas falas intencionais para melhor interagir com esse contexto, reconhecendo as peculiaridades do lugar, promovendo a integração a partir de suas práticas e utilizando estratégias de governança corporativa no alinhamento de critérios de gestão. COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL, CONTEXTO SOCIOCULTURAL E ESTRATÉGIAS DE GOVERNANÇA Os estudos sobre a comunicação organizacional surgem com aportes teóricos de outros campos do conhecimento, como Administração, Linguística, Psicologia e Retórica, de modo que se constituem efetivamente com caráter multidisciplinar. De início, esses estudos adotaram o paradigma clássico ou informacional, cuja principal referência é a Teoria Matemática da Comunicação. Com o avanço nos estudos no Campo das Ciências da Comunicação, muda esta perspectiva e a comunicação passa a ser vista como agente da construção mútua do lugar comum onde os sujeitos se relacionam entre si e com o mundo, elaborando reciprocamente suas ações. Ou seja, o espaço público é visto como o resultado de uma atividade conjugada, advindo da interação e da efetiva estrutura das relações sociais. Oliveira e Paula destacam que o espaço comum, ao entender o receptor como sujeito ativo, considera as diferenças daí resultantes e favorece a construção de sentidos nos ambientes interno e externo das organizações: No processo social de construção de sentido, as organizações podem ser entendidas como agentes de práticas discursivas que buscam significação de sentidos na recepção, construídos pelos grupos que compõem o espectro do relacionamento organizacional, sendo esses grupos também entendidos como agentes de práticas discursivas e responsáveis pelos sentidos atribuídos às ações comunicativas das organizações (OLIVEIRA; PAULA, 2008, p. 100). No entanto, o sentido tem uma abertura para a significação que foge à previsibilidade e intencionalidade da instância produtora. A função da comunicação organizacional seria, portanto, criar mecanismos 765 que facilitem as interações entre organização e atores sociais, contribuindo para a construção de sentido não apenas sobre a organização, mas, paralelamente, a respeito do ambiente. Os fluxos informacionais, relacionais e comunicacionais das organizações, salientam Oliveira e Paula (2008, p. 102), “materializam-se por práticas discursivas escritas, verbais ou visuais produzidas no próprio contexto organizacional e se constituem de forma espontânea ou planejada pela instância de produção, no caso as organizações”. Nesse processo há intencionalidades, pois se busca dar visibilidade ao que é conveniente. De acordo com as práticas de governança corporativa, Silveira (2010, p. 8), exemplifica que é importante que “as decisões corporativas sejam sempre tomadas com a finalidade de maximizar a perspectiva de geração de valor de longo prazo para o negócio, e nesse caso, também utilizam a comunicação para transparecer esse valor”. O autor ainda afirma que a governança corporativa “lida com o processo decisório na alta gestão e com os relacionamentos entre os principais personagens das organizações empresariais, notadamente executivos, conselheiros e acionistas”. Essa relação com os públicos revela a proximidade das estratégias de governança com as práticas comunicacionais e as possibilidades de integração entre os processos organizacionais. Entretanto, não se pode reduzir a comunicação das organizações apenas às falas planejadas e oficiais, devendo-se também atentar para a dinamicidade dos processos organizacionais, os desequilíbrios, incertezas, entre outros fatores os quais desestabilizam o sistema. Baldissera (2009, p.119), ao refletir a esse respeito, propõe pensar a comunicação organizacional como “processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações organizacionais”, contemplando três dimensões: organização comunicada, organização comunicante, organização falada. Neste momento, para atender à reflexão que estamos propondo, iremos nos deter na primeira dimensão, ou seja, nas falas autorizadas, intencionais, as quais objetivam dar visibilidade (estratégica ou não) a alguns traços da identidade organizacional por meio de processos comunicacionais disseminados pela UNIPAMPA em seu portal e sites de dois de seus campi. Portanto, com a integração da comunicação às expectativas e propósitos das práticas de governança, é possível definir quem são 766 os públicos que serão atendidos pela organização, envolvendo a ética empresarial, tendo em vista os propósitos organizacionais (missão, visão, valores), e ainda considerando o contexto cultural da organização ( JOHNSON; SCHOLES; WHITTINGTON, 2007). Dessa forma, percebemos que as práticas de governança corporativa precisam estar em sintonia com a cultura local, buscando aceitação e confluência de compreensão sobre a organização. Enquanto agentes sociais, as organizações apresentam-se como resultados provisórios da cultura do grupo onde estão inseridas e, ao mesmo tempo, influenciam a (re)elaboração da cultura e do imaginário desse grupo. Assim, a comunicação pode ser entendida como produtora de sentido nas organizações, e estas, como construções sociais e discursivas. Nesse mesmo sentido, Baldissera (2007) propõe que se considerem principalmente dois movimentos: no primeiro, as organizações apreendem os principais códigos culturais, responsáveis pela sensação de pertencimento a um grupo, e elaboram um sistema de representações de modo a interagir com esse grupo; no segundo, usam estrategicamente as informações obtidas com o intuito de se tornar uma referência, institucionalizando-se. Como resultado possível desse jogo tem-se o reconhecimento da organização como uma referência para seus públicos e com uma identidade coesa com o entorno. Assim, é possível compreender o relato de Johnson, Scholes e Whittington, a respeito da integração de governança em relação aos públicos: A estrutura de governança corporativa fornece exigências formais e fronteiras dentro das quais a estratégia é desenvolvida. Ela está ligada às relações e responsabilidades dentro da cadeia de governança. Mas junto com isso é importante entender suas expectativas de outros grupos que não estão na cadeia de governança corporativa – como fornecedores, clientes ou comunidades locais. Para todos esses grupos (dentro e fora da cadeia de governança), é importante entender suas expectativas em detalhes, como elas podem diferir uma das outras e até que ponto elas exercem influência sobre os propósitos e as estratégias de uma organização (2007, p. 215). Essas colocações permitem visualizar claramente as relações de interdependência entre organizações e contextos socioculturais, de 767 modo que investigar a comunicação organizacional da Universidade Federal do Pampa exige que nos dediquemos também a melhor compreender identidade cultural, em especial, a fronteiriça. IDENTIDADE E CULTURA A identidade comporta as semelhanças e as diferenças com o outro. Ela é formada numa relação dialética que pressupõe um processo de identificação, pelo qual o sujeito se torna semelhante ao outro, e um processo de diferenciação, que distancia o indivíduo dos que são distintos dele. No caso do enfoque deste estudo, ao dizer “sou brasileiro”, pode-se entender “não sou uruguaio” ou “não sou argentino”. Da mesma forma, quando se afirma “ele é uruguaio”, está sendo estabelecida a diferença, pois fica subentendido que o referido sujeito não é brasileiro, ou seja, “a mesmidade (ou a identidade) porta sempre o traço da outridade (ou da diferença)” (SILVA, 2013, p.79). Cabe destacar que cultura e identidade, por conseguinte, são conceitos inter-relacionados e interdependentes na medida em que uma necessita da outra como fonte de significados, até porque cultura pode ser pensada como teias de significados tecidas pelo próprio homem: “como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis [...], a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos” (GEERTZ, 1989, p.24). Podemos dizer que as análises culturais devem ter como objetivo a lógica informal da vida real, em que os sujeitos e suas teias de significados estão em relação e o encontro com outras culturas nos permite refletir nossas ações sob a perspectiva de diferentes padrões culturais, facilitando a compreensão dos nossos próprios sistemas simbólicos de significação. Logo, é a cultura que distingue os grupos humanos e faz com que construam uma identidade própria. Esta, por sua vez, também vinculada à língua, à religião e ao território, é sempre dinâmica e inacabada, principalmente devido ao fenômeno da globalização que, aliado às tecnologias da comunicação e da informação, facilitou contatos com os mais diversos grupos, os quais possuem suas próprias características étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e, principalmente, nacio- 768 nais. Ou seja, trouxe consigo a possibilidade de os sujeitos estabelecerem múltiplas identificações. A identidade cultural seria a identificação a um ou a vários grupos culturais. Seria um fenômeno coletivo que toma sentido sempre em relação ao outro, consistindo em uma maneira de distinguir-se e de traçar fronteiras (NIETO e PEREZ-CARABALLO, 2012); ela não é estática, podendo transformar-se em função dos indivíduos e especialmente em função do tempo e do espaço. Tais esclarecimentos nos levam ao próximo passo: a identidade cultural fronteiriça, presente nas práticas dos sujeitos do lugar. PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS FRONTEIRIÇAS Cercado por dez países, o Brasil é o país da América Latina com a maior extensão em fronteiras territoriais. De acordo com o Ministério da Integração, 27% de nosso território está distribuído na faixa de fronteira, o que corresponde a 15.719 km. Apesar de representarem limites territoriais, as fronteiras nacionais são aqui compreendidas como estruturas sociais, espaços abertos e contínuos, com possibilidades de intercâmbios diversos (de informações, de produtos, de relações etc.). São historicamente marcadas pelo “entre-dois”: entre dois países, entre duas línguas, entre dois Estados, entre duas culturas. Segundo Hall (2011, p.90), os sujeitos que partilham esses espaços “devem aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas”. Na mesma linha, Canclini (2008, p.29) afirma que “as fronteiras rígidas estabelecidas pelos Estados modernos se tornaram porosas. Poucas culturas podem ser agora descritas como unidades estáveis, com limites precisos baseados na ocupação de um território delimitado”. No caso dos espaços pampianos focados neste trabalho, isto é, dos binômios Santana do Livramento (BR) – Rivera (UY) e Jaguarão (BR) – Rio Branco (UY), eles foram povoados no final do século XIX e começo do século XX, quando também nasceram as demais cidades fronteiriças, justamente umas em frente às outras, com o intuito de frear a expansão territorial, principalmente portuguesa. Esses terrenos podem hoje ser compreendidos como “o resultado de lutas fronteiriças, de demarcação de 769 limites e de acampamentos militares” (PÉREZ-CARABALLO, 2011, p.54, tradução nossa). A miscigenação local deriva, portanto, do encontro entre guaranis, jesuítas, portugueses e espanhóis, sendo intensificada pela posterior chegada de outras populações, como a palestina, por exemplo. Tanto o lado brasileiro quanto o uruguaio estão distantes dos centros decisórios, ou seja, dos respectivos poderes executivo e legislativo, de forma que os habitantes desses espaços, em suas práticas cotidianas, superam divisões geopolíticas e normas provenientes da criação dos Estados-Nacionais. Isso não apenas facilita e viabiliza a vida em sociedade, como resulta em uma identidade própria, em elementos que destacam a especificidade do ser fronteiriço. Assim, uma das principais colocações a serem feitas sobre a região fronteiriça aqui tratada se refere às práticas linguísticas. Conforme Müller e Raddatz (2009, p.108), “na região da fronteira, presencia-se uma mescla linguística muito grande, uma aceitação da língua do outro e a convivência rotineira sem predominância de um ou de outro idioma”. Nesses espaços, é muito comum que uma pessoa fale em espanhol e a outra responda em português, por exemplo, e vice-versa, bem como nos dialetos próprios da fronteira, entre eles o Português do Uruguai (PU) e o Português Gaúcho da Fronteira (PGF), usualmente apelidados de portunhol/portuñol. As diferentes gerações demonstram que seus usos e falares independem de uma mecânica padronizada. A tradução do espanhol e do português não é literal, mas consequência da sociabilidade entre os povos e da tradição oral que se desenvolve nesse espaço” (MÜLLER e RADDATZ, 2009, p.108). Essa mescla no linguajar pode ser percebida na própria mídia local e na literatura. Pérez-Cabarallo (2011) explica que muitos artistas continuam a escrever e a cantar em portunhol com o argumento de que não conseguem expressar suas emoções a não ser em sua língua materna. Existem ainda gírias ou expressões idiomáticas fronteiriças que não podem ser traduzidas sob o risco de terem seus significados reduzidos. São entendidas, assim, somente por quem conhece o contexto, por quem é do pampa ou já estabeleceu relações com ele. Outro fruto da permanente interação são as famílias binacionais, os casamentos mistos, que por sua vez também apresentam características próprias (BENTANCOR, 2009). Ao querer dar a dupla nacionalida770 de para os filhos, por exemplo, precisa-se reconhecer o matrimônio em ambos os lados da fronteira. Assim como é comum famílias com integrantes das duas nacionalidades, é frequente que pessoas que moram num lado da linha divisória trabalhem ou estudem do outro. As trocas comerciais são também constantes, dando-se não apenas em nível de comércio internacional. Acompanhando as flutuações monetárias, os moradores dos dois lados cruzam a linha da divisa territorial em busca de produtos com preços reduzidos ou inexistentes. Esta prática é reconhecida como de subsistência na região e também denominada de “comércio formiga” (RECEITA FEDERAL). Outra dinâmica comum no pampa gaúcho é o contrabando, fonte de renda de muitos habitantes das fronteiras. Normalmente em pequenas e médias escalas, é percebido, sobretudo, como um “ganha-pão”, não necessariamente ilegal. Neste aspecto, Dorfman (2012, p.109) observa que o contrabando representado nas obras literárias um movimento naturalizado “estratégia de sobrevivência da população diante de uma dinâmica histórica desterritorializante, e não como crime ou contravenção”. Sendo assim, as trocas comerciais estariam sobrepostas à cultura da fronteira, pois se constituem numa prática conectada com a condição fronteiriça. É também curioso o fato de atualmente as cidades fronteiriças, principalmente do lado brasileiro, possuírem suas economias fortalecidas por atividades com características predominantemente urbanas, como o comércio, as universidades, as redes hoteleira e imobiliária, mas ainda persistirem as práticas e o imaginário acerca de atividades como andar a cavalo, tomar chimarrão, comer muita carne e ouvir músicas folclóricas ou tradicionalistas. A vida campeira é mais um elo entre as distintas nações que habitam a região, bem como mais uma referência para ser batizada de identidade cultural fronteiriça. O sujeito habitante dessas cidades mantém dentro de si permanente ambiguidade. Por isso a importância de as administrações locais e as instituições ali sediadas pensarem a fronteira e o fronteiriço de modo particular, favorecendo um ambiente inovador e contribuindo com a difusão de uma cultural local desenvolvimentista e integracionista. Essa difusão, bem como a renovação das diversas imagens que uma cultura tem de si mesma, dá-se pela comunicação, vista aqui como principal articuladora das interações culturais e identitárias entre sujeitos e organizações: “Ao 771 promover intercâmbios e ações cooperativas entre as culturas organizacionais e a cultura local, a comunicação mostra que as fronteiras vivem, pulsam e são produtivas” (MÜLLER ET AL, 2007, p. 188). Neste sentido, as instituições de ensino têm importante papel, não apenas como educadoras e formadoras, mas também como sujeitos ativos. INSERÇÃO DA UNIPAMPA NO CONTEXTO REGIONAL O estudo que vimos desenvolvendo possui cunho qualitativo e contempla revisão bibliográfica, pesquisa documental e análise de conteúdo, abrangendo postagens da Universidade Federal do Pampa em seus sites10. Esta instituição federal de ensino superior, criada em 2008, tem seus campi distribuídos em dez cidades gaúchas, todas na região do pampa, ao lado dos vizinhos Uruguai e Argentina. Logo, sendo o tema desta pesquisa a comunicação organizacional das instituições de ensino superior atuantes nas fronteiras nacionais, considerou-se coerente optar pela UNIPAMPA em virtude de sua localização, o que facilita o contato pessoal com o objeto. Para a pesquisa documental, foram selecionados documentos oficiais, fontes primárias, cujos conteúdos ajudam a entender melhor a instituição, sua missão, valores e objetivos, além de servirem de apoio durante toda a pesquisa. Dentre estes documentos estão a Lei n° 11.640, de 11 de janeiro de 2008, na qual o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, institui a Universidade; o Projeto Institucional da UNIPAMPA, de 16 de agosto de 2009; o Estatuto e o Regimento da UNIPAMPA; os Editais UNIPAMPA n° 145/2011, 73/2013 e 204/2013, referentes a processos seletivos específicos para uruguaios fronteiriços; e, por fim, o Decreto n° 5105, de junho de 2004, que dá suporte aos respectivos editais. A leitura de tais documentos permite estabelecer critérios para a seleção das fontes secundárias as quais compõem o corpus para a análise de conteúdo que, segundo Bardin (2011, p. 31), “é um conjunto de técnicas de análise das comunicações”, consistindo em realizar a préO material aqui apresentado representa um recorte na pesquisa que está sendo desenvolvida desde 2013 junto ao PPGCOM/ UFRGS que discute o elemento linguístico e as práticas socioculturais fronteiriças da UNIPAMPA na divulgação de seu material institucional. 10 772 -análise, a exploração do material, o tratamento, a inferência e a interpretação dos resultados. Assim, uma vez identificado, através dos editais acima citados, que a instituição oferece, no campus de Jaguarão e no de Santana do Livramento, vagas específicas para uruguaios que possuam o documento especial de fronteiriços (o que se interpreta neste estudo como uma forma de reconhecimento dos sujeitos que habitam no entorno), e que as notícias e informações sobre a universidade são postadas em sites específicos de cada campus, opta-se por observar as postagens realizadas pela própria instituição nos sites dos campi de Jaguarão e de Santana do Livramento, no período que abrange o lançamento do Edital 145/2011 e o encerramento do Edital 204/2013, acrescidas do texto de apresentação institucional. Essa observação permite selecionar, dentre essas “falas institucionais”, textos que de alguma forma fazem referência às práticas socioculturais inerentes à região da fronteira, comparando-os. Cabe ressaltar os impactos que as tecnologias sociais trouxeram à gestão corporativa, permitindo às organizações inovar no modo de produção e da comunicação. Através da tecnologia em rede, as empresas estão se tornando mais acessíveis e transparentes, aproximando os públicos de interesse (MAIA, 2014). Uma vez que a pesquisa ainda está em andamento, neste artigo sintetizamos algumas observações realizadas. Abrindo os sites da UNIPAMPA, dos campi de Jaguarão e Santana do Livramento, não visualizamos elementos que a posicione como um agente local, no sentido de ser percebida como fronteiriça. Seu caráter diferenciado, de uma instituição situada na linha divisória do país, não recebe destaque. Não há links que remetam para a possibilidade de ler as informações em outras línguas, como o inglês ou o espanhol, neste caso, língua oficial do país vizinho, mais precisamente, da cidade vizinha e de seus habitantes. O site de Jaguarão não remete para informações institucionais da organização. Encontramos apenas o link para o Centro de Interpretação do Pampa, que, ao ser acessado, nada diz sobre o espaço fronteiriço; e o link para o blog “Español Para Niños”, projeto vinculado ao curso de Letras, buscando estimular em crianças o aprendizado da língua espanhola. No material colocado pelo campus de Livramento existe um link para a “Gestão Unificação de Recursos Institucionais”, cuja sigla é GURI. 773 Mesmo não sendo possível ao internauta acessar informações neste espaço que é restrito para quem possui uma senha, o que chama a atenção é que a sigla recebe um acréscimo ilustrativo: um chapéu de gaúcho. Há também o direcionamento no link Universidade para a proposta maior da UNIPAMPA como instituição de ensino. Dessa forma, na busca de avançar na compreensão da proposta da Universidade, em especial de seus campi localizados na linha de fronteira, dedicamos a abordagem desta análise ao texto de apresentação da Universidade Federal do Pampa presente no portal desta Universidade: A Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) faz parte do programa de expansão das universidades federais no Brasil. Um Acordo de Cooperação Técnica financiado entre o Ministério da Educação, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), prevê a ampliação do Ensino Superior na metade sul do estado do Rio Grande do Sul. A Universidade Federal do Pampa foi criada pelo governo federal para minimizar o processo de estagnação econômica onde está inserida, pois a educação viabiliza o desenvolvimento regional, buscando ser um agente da definitiva incorporação da região ao mapa do desenvolvimento do Rio Grande do Sul. A expansão da educação pública superior, com a criação da Universidade Federal do Pampa, além de concretizar um antigo sonho da população, permitirá que a juventude, ávida de conhecimentos, permaneça em sua região de origem e adquira as informações necessárias para impulsionar o progresso de sua região, no momento em que se forma mão de obra qualificada, e aumenta-se a autoestima de seus habitantes, tendo, como consequência, o surgimento de novas famílias, cujos filhos vislumbrarão opções para que se desenvolvam sociedades cultural e economicamente independentes. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA, 2013.) Existem alguns fatores indiscutíveis que permeiam a identidade organizacional da UNIPAMPA e a de todas as instituições de ensino superior vinculadas ao governo federal: ser brasileira, federal (pública), 774 gratuita. A leitura do texto permite realmente assim identificá-la, acrescentando-se a isso o fato de estar localizada na metade sul do estado do Rio Grande do Sul e de ter por intuito a promoção do desenvolvimento regional e o estímulo aos jovens estudantes para que ali permaneçam após graduados. Em nenhum momento, contudo, há informações sobre ser essa uma região pampiana e/ou fronteiriça. O próprio mapa que acompanha o texto não traz a fronteira representada, pois mostra apenas cidades do lado brasileiro e não faz nenhuma referência aos países vizinhos, Uruguai e Argentina. Logo, ao se falar em desenvolvimento regional nas cidades de fronteira, as quais apresentam práticas semelhantes em ambos os lados da linha divisória e que tornam esses espaços compartilhados e com uma identidade própria, considera-se incoerente não citar os países vizinhos, pois que o conceito de região extrapola limites territoriais. Uma vez que, como visto anteriormente, é possível estabelecer identificações múltiplas, entende-se ser também viável a UNIPAMPA apresentar-se como uma universidade localizada na região da fronteira, com todas as peculiaridades simbólicas e culturais que esse espaço possui, e, mesmo assim, ser reconhecida como mais uma instituição federal de ensino superior brasileira. Segundo Müller et al (2008, p.188), “priorizar respostas próprias, considerando a identidade das populações em questão [...], parecem ser os desafios para as organizações e populações das fronteiras, em especial das fronteiras nacionais”. As autoras lembram ainda que “possíveis conflitos podem ser problematizados através da comunicação e de organizações comprometidas com as situações locais”. Os sites da UNIPAMPA, bem como o texto ao qual nos referimos, disponibiliza seu conteúdo somente em português, língua oficial do país de origem. Todavia, sabe-se que na região onde estão distribuídos seus campi, o português convive harmoniosamente com o espanhol, sendo comuns diálogos em que determinado sujeito fala em sua língua e obtém a resposta em outra. Ademais, há a presença dos dialetos locais e de expressões próprias do lugar. Também se sabe que existem muitas famílias binacionais, de forma que um indivíduo pode ser brasileiro e uruguaio ao mesmo tempo e ter como língua materna o espanhol, o português e/ou um dos dialetos regionais. 775 A mídia como organização, segundo pesquisas desenvolvidas anteriormente (MÜLLER e RADATTZ, 2009), legitima essas práticas linguísticas. As emissoras de rádio e os jornais locais já compreenderam a importância de valorizar as marcas do lugar, e, em seus produtos, verifica-se que através da língua fortalecem suas funções como meios de comunicação, como organizações e como partícipes do processo integracionista. É importante ressaltar que, segundo Johnson, Scholes e Whittington (2007), há, nas práticas de governança em empresas públicas, a restrição de escolhas estratégicas, como a incapacidade de se especializar em alguns serviços e clientes devido à falta de recursos ou determinação política. Ainda assim, compreendemos que esta é a razão pela qual se acredita que as organizações devem dar importância a políticas específicas, como a linguística, contemplando estrategicamente as peculiaridades do contexto local ao definirem os idiomas regionais como fatores de relevância nas suas práticas. CONSIDERAÇÕES Acreditamos que deve fazer parte da política das instituições aceitar e reforçar marcas identitárias específicas dos grupos com os quais estão envolvidas – colaboradores, consumidores, fornecedores etc. - localmente. Nas práticas colocadas em curso, as organizações demonstram e reconhecem a importância do lugar e as características dos sujeitos e especificidades do contexto. Entendemos que no caso do site oficial de uma instituição de ensino (superior), em seu texto institucional de apresentação, fica difícil dar ênfase a marcas culturais e identitárias que indiquem fortemente a região, como o chimarrão, o gado e os cavalos, a músicas folclóricas/ tradicionalistas, a planícies de vegetação rasteira e à figura do gaúcho, do trabalhador rural, o que é possível perceber nesse primeiro material analisado. Entretanto, na medida em que vira as costas para o país vizinho, no caso o Uruguai, nega a relação que se estabelece geográfica e historicamente entre os sujeitos do lugar, sejam eles indivíduos ou organizações. Logo, pode-se dizer que, com exceção de algumas referências à metade sul do Rio Grande do Sul, também representada no mapa, não há menções ao espaço fronteiriço, à identidade cultural fronteiriça e suas riquezas, dentre elas a presença de mais de uma língua. Assim, a 776 UNIPAMPA coloca-se como uma organização desvinculada dos lugares nos quais está localizada. Cremos que a tarefa de identificação com diferentes culturas e públicos, como é o caso de uma instituição de ensino cujas unidades estão distribuídas em cidades diferentes, não é simples nem fácil. No entanto, há marcas que podem relacioná-la de modo mais efetivo com o contexto social, do qual se presume, pretende fazer parte. Certamente, como universidade, a UNIPAMPA tem uma forte responsabilidade no que tange à integração e ao reconhecimento do outro. Portanto, se tomarmos por base o portal da instituição e os sites dos campi de Livramento e Jaguarão, e considerarmos que a instituição ainda é “jovem”, os movimentos, ali expostos, de inclusão da UNIPAMPA no contexto regional, ainda são acanhados e pouco refletem a interação existente no espaço fronteiriço e pampiano. Assim, identificamos oportunidade de aprimoramento na integração entre os processos organizacionais e as práticas de governança que colaboram para o efetivo relacionamento com os públicos de interesse. REFERÊNCIAS BALDISSERA, R. Comunicação organizacional na perspectiva da complexidade. In: Organicom: Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas. São Paulo, v.6, n.10/11, p. 115-120, 2009. ________. Tensões dialógico-recursivas entre a comunicação e a identidade organizacional. In: Organicom: Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas. Ano 4, n. 7. ago./dez. 2007. Disponível em <http://scholar.google.com.br/scholar?q=Tens%C3%B5es+dial%C 3%B3gico-recursivas+entre+a+comunica%C3%A7%C3%A3o+e+a+iden tidade+organizacional&btnG=&hl=pt-BR&as_sdt=0%2C5&as_vis=1>. Acesso em 10 de agosto de 2013. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo, SP: Edições 70, 2011. BENTANCOR, Gladys. Rivera-Livramento: una frontera diferente. 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As organizações consideradas pela pesquisa estão localizadas em todas as regiões do país e têm em comum a oferta de produtos ou serviços com posicionamento associado aos princípios da sustentabilidade. Entender como essas empresas se relacionam com seus stakeholders e de que forma acreditam que a comunicação pode ajudá-las na divulgação dos atributos sustentáveis de seus produtos e serviços são duas das principais questões abordadas pela pesquisa, que serão tratadas nesse artigo. Palavras-chave: Comunicação; educação; sustentabilidade; desenvolvimento. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). 1 INTRODUÇÃO A pesquisa em andamento tem como uma de suas bases teóricas o entendimento de que as organizações, independente de seu porte, devem ser entendidas como um “fenômeno de comunicação sem o qual inexistiriam” (Freitas, 1991, p.34). A comunicação está presente em todas as atividades e relacionamentos das empresas mesmo que não existam processos formalizados, planejados, estruturados e alinhados à sua estratégia de negócios ou posicionamento. De acordo com Taylor e Cooren (1997, apud Casali, 2009) as organizações, não apenas se constituem pela comunicação como também se expressam em comunicação, o que se torna possível por intermédio de ideias, conceitos e outras formas de expressão corporal e oral. Os conceitos de Freitas (1991), bem como o pensamento de Taylor e Cooren (1997, apud Casali, 2009) são muito oportunos para a pesquisa que está sendo desenvolvida. O objeto de estudo – empresas de micro, pequeno e médio portes – não tem grande familiaridade com o investimento em processos estruturados de comunicação, o que é consequência da sua reduzida disponibilidade de recursos, de sua escala de prioridades ou, até mesmo, desconhecimento. No entanto, essa ausência parcial de formalização nos processos comunicativos, evidenciada na pesquisa em questão, não significa que as organizações que compõem a amostra pesquisada estejam isoladas ou desenvolvam suas atividades sem que haja a preocupação de buscar uma interação com os seus entornos interno e externo, por meio de ações de comunicação. Os primeiros resultados do estudo revelam que há muita riqueza nas trocas que essas empresas estabelecem com as suas redes de relacionamento sendo que a maioria dos respondentes disseram que o fazem de forma estratégica. Os participantes da pesquisa acreditam que a comunicação pode ajudá-los a disseminar os atributos sustentáveis dos produtos e serviços de suas organizações aumentando, assim, a sua valorização pelo mercado. Para alguns, a comunicação para a sustentabilidade apresenta um vínculo muito forte com a educação e aprendizagem. Outros, entendem a comunicação para a sustentabilidade como fator de mobilização de uma cultura organizacional movida por valores inspirados na cidadania, bem estar das gerações futuras e proteção ao meio ambiente. A maioria considera a gestão da política econômica pelo 781 governo como uma ameaça ao seu negócio. Fatores como, por exemplo, as regulações da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) são vistas como geradoras de oportunidades, assim como a maior autonomia dos públicos emitirem suas opiniões e percepções a respeito de marcas e produtos e os negócios e parcerias com empresas de grande porte. A principal ameaça é a concorrência com produtos e serviços importados. Nesse artigo, complementaremos os pontos de vista sobre comunicação, que embasaram a pesquisa, bem como alguns conceitos sobre sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. Abordaremos também os critérios adotados para classificar as MPMEs, alguns números que mostram a relevância desse setor, além dos princípios metodológicos, resultados da pesquisa e considerações finais. O DIÁLOGO COMO FATOR ESSENCIAL DA SUSTENTABILIDADE Um dos pressupostos da pesquisa em questão é que a construção de contextos organizacionais movidos pela sustentabilidade depende da qualidade dos relacionamentos que a organização estabelece com os seus públicos. Entre os condicionantes para que essa interação seja construtiva e perene está a transparência que, de acordo com Rawlins (2006; 2008 apud Bortree, 2011), apresenta quatro dimensões. A primeira delas é a participação, possível por meio da implementação de um clima de diálogo e trocas com os seus entornos interno e externo; a segunda é a disponibilidade de informações suficientes para que as pessoas possam fazer seu próprio julgamento sobre a organização; a terceira dimensão é a atitude pró-ativa da empresa em assumir publicamente a responsabilidade pelos seus atos e decisões, por último, o fomento à uma comunicação aberta com todos os seus públicos. Além disso, na promoção da sustentabilidade organizacional, o processo de comunicação tende a tornar-se educativo porque, além de informar, precisa mobilizar, conscientizar as pessoas para que mudem seus hábitos e comportamentos. Dessa forma, a empresa torna-se uma difusora dessas práticas para toda a sua rede de relacionamentos assim como recebe inputs dos públicos com os quais se relaciona criando um clima de permanente aprendizado. Para Sodré (2012), comunicação e educação andam juntas sendo que, na sustentabilidade, a aprendizagem se sobrepõe à mera distribuição de informações: 782 [...] a sustentabilidade requer uma ampla partilha do conhecimento, que não pode ser entendida como mera vulgarização de informações técnicas, ainda que caracterizada pelo gigantesco volume de dados e pela velocidade das tecnologias digitais. (SODRÉ, 2012, P. 36). Martín-Barbero (2014) defende a ideia do compartilhamento de significados como essência da comunicação, processo que se dá por meio da troca de informações (Castells, 2013). Mas, ao relacionar comunicação e educação, Martín-Barbero vai além e insere a participação, como um pressuposto da própria ação de compartilhar, o que nos sugere a ideia de engajamento, essencial para que os projetos empresariais que visam à sustentabilidade sejam bem sucedidos: Se comunicar é compartilhar significação, participar é compartilhar a ação. A educação seria, então, o lugar decisivo de seu entrecruzamento. Mas, para isso, deverá se converter em espaço de conversação de saberes e narrativas[...]. (MARTÍN-BARBERO, 2014, P. 78). As organizações que dialogam com seus públicos sobre sustentabilidade são capazes de criar engajamento, contribuindo também para o bem estar da sociedade como um todo, segundo Sigtnizer & Prexl (2008, apud Bortree, 2011). Dessa forma, o resultado da interação de uma empresa com a sua rede de relacionamentos vai muito além da mudança de percepção ou melhoria de imagem em seus produtos, serviços ou marcas, tanto no nível mercadológico, como institucional, estimulando o envolvimento dos públicos em torno das mensagens que são transmitidas. Esse movimento insere-se em um processo de permanente mudança de atitudes com vistas a atender às demandas da sociedade contemporânea, como explica Ferrari (2011): Ao longo do século XX, as organizações cresceram baseadas na lógica econômica, fórmula que tem de ser mudada por força dos novos desafios decorrentes das grandes transformações sociais e tecnológicas e das lições que essa mesma lógica vem lhes impondo. A mudança dessa fórmula deve começar pela adoção, por parte das organizações, de uma nova postura que as leve a assumir o seu papel de atores sociais, o que é cada vez mais importante para a boa condução 783 das questões públicas e para transformar o modo como os indivíduos deliberam na sociedade. E, diante desse cenário, a comunicação passa a assumir um papel mais importante do que em décadas anteriores (FERRARI, 2011, P. 140-141). A partir desse contexto, que exige das organizações mais atenção às demandas de seus públicos, a tipologia dos modelos de práticas de relações públicas (Grunig e Hunt, 1984, apud Grunig, 2011) torna-se uma ferramenta importante para a caracterização dos relacionamentos que as empresas mantêm com seus stakeholders. Os autores dividem os dividem em assimétricos e simétricos. Os assimétricos constituem as práticas nas quais o processo de comunicação é utilizado somente como ferramenta para a obtenção de imagem favorável ao seu negócio e divulgação de informações. Já os relacionamentos simétricos pressupõem planejamento, interação e construção de alianças (Grunig, 2011), o que é essencial em organizações que desejam ser sustentáveis, como é o caso da amostragem da pesquisa em questão. A SUSTENTABILIDADE COMO UM CAMINHO SEM VOLTA Sustentabilidade é uma palavra que inspira múltiplos entendimentos e definições. Nos últimos anos, tem sido utilizada nas mais diferentes situações e, muitas vezes, sem que a profundidade de seu significado fosse corretamente transmitida. As práticas de greenwashing2 contribuíram muito para que isso acontecesse e continuam representando um risco de banalização do seu sentido (Engelman, 2013). Mas, para Kunsch (2009), resta como única alternativa às organizações a conscientização sobre o real significado da palavra sustentabilidade. Elas precisam entender que a sustentabilidade não se constitui apenas em um conjunto de ações que resultarão em ganhos financeiros ou de O termo pode ser traduzido como ‘maquiagem verde’, ou seja, propaganda enganosa que confere atributos ‘verdes’ que não existem ou não estão comprovados nos produtos, serviços ou marcas. Em 2011, o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) estabeleceu alguns princípios para evitar que a publicidade enalteça características de sustentabilidade sem comprovação. Disponível em http://www.akatu.org.br/Temas/Sustentabilidade/Posts/Conar-define-normas-para-combater-greenwashing-na-propaganda-. Acesso em 21/02/2015. 2 784 imagem, mas embute um modelo de gestão e compromissos efetivos com a sociedade. No ponto de vista de Pereira, Costa e Murad et al (2009) a sustentabilidade organizacional deve orientar-se na direção da obtenção, pelas organizações, de sua licença social para operar3. Eles atribuem ao conceito uma amplitude capaz de abranger todo o elenco de ações desenvolvidas pelas organizações, com potencial de apoiá-las na conquista do aval da sociedade, conforme sua explicação: A sustentabilidade organizacional é o resultado do somatório da responsabilidade social, dos investimentos sociais, da gestão dos impactos sociais e ambientais, dos resultados mercadológicos, da construção de valor para o acionista e da transparência na relação com os investidores e normas de mercado (PEREIRA, COSTA, MURAD et al, 2009, P. 300). No contexto das empresas, os conceitos mais reconhecidos são o triple botton line (Elkington, 1998), que define a sustentabilidade como o resultado sistêmico das dimensões ambiental, social e econômica, e o Relatório Brundtland que conceitua desenvolvimento sustentável como aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras suprir as suas próprias necessidades (Kruglianskas & Pinsky, 2013). Porém, na avaliação de Amato Neto (2011), o adjetivo sustentável apenas faz sentido quando integrado à empresa como um todo: A empresa sustentável é aquela na qual o foco das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, da política de recursos humanos, do trabalho produtivo, das estratégias de marketing e mesmo do departamento financeiro encontram-se no horizonte da sustentabilidade (AMATO NETO. 2011, p. 10). É definida pelo IBGC como “um contrato social não formalizado, onde é mantido o voto de confiança dos stakeholders com relação às operações da empresa. É obtida a partir do entendimento de como suas ações afetam os stakeholders. [...]Nesse contrato, a sociedade legitima a existência da empresa, reconhecendo suas atividades e obrigações, bem como estabelecendo limites legais para sua atuação”. Disponível em: http://www.ibgc/userfiles/4.pdf. Acesso em 18/06/2014. 3 785 Veiga (2010) segue uma linha completamente diferente e atribui à sustentabilidade o sentido de valor o que impossibilita que seja definida com clareza e objetividade. Cada pessoa tende a ter o seu próprio parecer e confere à sustentabilidade um significado que esteja alinhado ao seu conhecimento e bagagem cultural: A sustentabilidade não é, e nunca será, uma noção de natureza precisa, discreta, analítica ou aritmética, como qualquer positivista gostaria que fosse. Tanto quanto a ideia de democracia – entre muitas outras ideias tão fundamentais para a evolução da humanidade -, ela sempre será contraditória, pois nunca poderá ser encontrada em estado puro (VEIGA, 2010, P. 165). Diante dos múltiplos significados e entendimentos sobre sustentabilidade, tanto no nível teórico-filosófico como no processo de sua implantação e gestão pelas organizações, buscou-se, para a pesquisa em questão, uma definição que fosse mais abrangente e inserisse, tanto mudanças nas operações e inovação das empresas, como também itens relacionados à ética dos negócios. Com este objetivo, optou-se pelos conceitos adotados pela Fundação Dom Cabral (FDC) para os estudos que desenvolve para apurar o estágio da sustentabilidade das empresas brasileiras (2012; 2014). Na sua pesquisa, a FDC utiliza uma metodologia desenvolvida pelo Boston Center of Corporate Citizenship, que considera a sustentabilidade como sinônimo de cidadania corporativa: A ideia da cidadania corporativa é a de que as empresas devem possuir uma conduta ética, levando em consideração os interesses das pessoas, sejam elas funcionários, fornecedores, comunidade etc. Em uma perspectiva ampla, a cidadania corporativa pode ser definida como sinônimo de sustentabilidade, isto é, a busca por atividades e processos corporativos com resultados ambientais, econômicos e sociais equilibrados para todas as partes interessadas da organização. (MIRVIS, GOOGINS, 2006 apud LAURIANO, BUENO, SPITZECK, FDC,2014)4 Disponível em http://pt.slideshare.net/FundacaoDomCabral/relatrio-egsb-estado-da-gesto-para-sustentabilidade-nas-empresas-brasileiras-2014. Acesso em 20/02/2015. 4 786 A pesquisa feita pela FDC é composta por um questionário com 113 questões, que avaliam sete dimensões da gestão empresarial para a sustentabilidade: a) conceito de sustentabilidade adotado pela empresa; b) intenção estratégica, que visa avaliar como a sustentabilidade é vista dentro das empresas; c) liderança; d) estrutura; e) gestão das questões que surgem no dia a dia e que são relacionadas à sustentabilidade/cidadania; f) relacionamento com stakeholders; g) transparência. A forma como essas dimensões são tratadas dentro das organizações vai determinar em que estágio de sustentabilidade elas se encontram. Na elaboração do questionário da pesquisa, tratada nesse artigo, buscou-se também informações sobre os níveis de sustentabilidade das empresas brasileiras elaborados pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), que foram estabelecidos com base em na categorização de Willard (2005). O quadro do IBGC é composto por cinco estágios: a) pré-cumprimento legal; b) cumprimento legal; c) além do cumprimento legal; d) estratégia integrada; e) propósito e paixão.5 O estágio de pré-cumprimento legal é o mais rudimentar de todos e o de propósito e paixão, o mais avançado. A partir dessas visões sobre comunicação e sustentabilidade, que formaram a base conceitual da pesquisa, no item seguinte abordaremos as principais informações sobre o contexto das MPMEs no Brasil. PARÂMETROS DAS MPMES E JUSTIFICATIVAS DO ESTUDO As empresas podem ser classificadas como MPMEs por meio de dois critérios. O primeiro deles leva em conta a receita operacional bruta anual, que deve situar-se entre R$ 360 mil (microempresa) e R$ 90 milhões anuais (média empresa) ao ano. Esse modelo serve, principalmente, para determinar as políticas de concessão de crédito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e sistema financeiro em geral. Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) determina o porte das empresas por meio do número de empregados formais. Esse critério é, também, o mais usado pelos pesquisadores brasileiros, da União Europeia e Estados Unidos, segundo análise do Programa de Capacitação da Empresa em Desenvolvimento (Proced) 5 Disponível em http://www.ibgc.org.br/userfiles/4.pdf. Acesso em 20/02/2015. 787 da Fundação Instituto de Administração (FIA). Por esse parâmetro, são MPMEs organizações que possuem entre um e 499 empregados (indústria) ou até 99 empregos formais (comércio e serviços)6. Esse foi o preceito utilizado na pesquisa que é o tema desse artigo. A escolha do segmento das MPMEs, para ser o objeto do estudo em questão, deve-se a sua enorme relevância para a economia, geração de emprego, renda, inovação e potencial de difusão e sedimentação de práticas sustentáveis pela sociedade. Vários estudos reforçam essa linha de pensamento. O Proced estima que o conjunto das MPMEs corresponda a 99,7% do total de estabelecimentos com mais de um empregado e a 64,9% dos empregos formais7. Já o IBGE, em parceria com o Instituto Empreender Endeavor, divulgou em 2014 a pesquisa Estatísticas do Empreendedorismo, cujos resultados baseiam-se nos indicadores do triênio 2010-2012. Para o estudo, as duas instituições elegeram como tema central as empresas de alto crescimento e gazelas8. Os empreendimentos com esse perfil são considerados por vários autores citados pela publicação essenciais para a dinâmica do crescimento de países em desenvolvimento, bem como para a geração de empregos9. A análise Análise feita pela Fundação Instituto de Administração (FIA), disponível em http://www2.fia.com.br/PortalFIA/Default.aspx?idPagina=27012. Acesso em 06/02/2014. 6 O cálculo utiliza como base o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Íntegra disponível em http://www2.fia.com.br/PortalFIA/Default. aspx?idPagina=27012. Acesso em 06/02/2014. 7 Empresas de alto crescimento são aquelas que, por três anos ininterruptos, registram aumento médio do pessoal ocupado assalariado de 20% ao ano e que, ao final da observação, possuem 10 ou mais trabalhadores assalariados. Empresas gazela são um subconjunto das empresas de alto crescimento, com até três anos de idade, no ano inicial da observação. Essas definições, utilizadas pelo IBGE, estão de acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE. 8 O estudo Estatísticas de Empreendedorismo 2012 utiliza como base as informações do Cadastro Central de Empresas – Cempre – e pesquisas estruturais do IBGE dos anos de referência de 2009 a 2012. A Íntegra está disponível em http:// www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/empreendedorismo/2012/. Acesso em 13/01/2015. 9 788 mostrou que, ao final de 2012 (considerando o triênio 2010-2012), havia 35.206 empresas que se enquadravam na definição de alto crescimento e gazelas. Desse total, mais da metade possuía até 49 pessoas ocupadas o que as caracterizava como pequenas. No entanto, os atributos de competitividade e inovação, que caracterizam as empresas de alto crescimento e gazelas, destacadas pelo estudo do IBGE e do Instituto Empreender Endeavor, estão muito distantes da realidade do conjunto das micro e pequenas empresas (MPEs)10. Segundo o Global Enterpreneurship Monitor (GEM, 2013)11 mais da metade das MPEs, um percentual de 74%, não têm qualquer formalização e o seu índice de mortalidade, mesmo apresentando tendência de queda, ainda é elevado. Alguns indicadores sinalizam mudanças qualitativas relevantes e que já estão transformando o setor de pequenos negócios. A primeira delas refere-se aos motivos que induzem um número cada vez maior de brasileiros a empreender. A maioria dos empreendedores pesquisados pelo GEM (71,3%, em 2013), cujos negócios encontravam-se em estágio inicial,12 disseram ter optado por constituir sua própria empresa, porque vislumbraram oportunidades de crescimento, mesmo tendo a possibilidade de emprego e carreira em outras organizações. Esse movimento é o oposto daquele que prevalecia até o ano 2000, época em que as pessoas decidiam empreender por necessidade e para sobreviver. O empreendedorismo por oportunidade é uma decisão tomada principalmente por pessoas com nível superior completo ou incompleto, seguido de indivíduos com segundo grau completo de escolaridade, o que sinaliza que se trata de uma opção de vida. (Global Entrepreneurship Monitor - GEM, 2013). Essas informações atestam a relevância do segmento das MPMEs e justificam a realização de estudos que as ajudem a tornar o processo de comunicação um fator fundamental para a construção de sua sustentabilidade. São micro e pequenas empresas organizações que possuem até 99 empregados (indústria) ou até 49 empregados (comércio e serviços). 10 Disponível em http://www.ibqp.org.br/upload/tiny_mce/GEM_2013_-_Livro_Empreendedorismo_no_Brasil.pdf. Acesso em 12/02/2015. 11 Negócios classificados como em estágio inicial têm entre três meses e 42 meses de idade, segundo o GEM (2013). 12 789 METODOLOGIA DA PESQUISA A pesquisa em desenvolvimento tem caráter exploratório, com a busca de dados quantitativos e qualitativos por meio da aplicação de um questionário e entrevistas em profundidade. O caráter exploratório deve-se à pouca disponibilidade de conhecimento acumulado sobre o tema proposto. Segundo Sampieri, Collado e Lucio (2006, apud Caridade, 2012, p. 81), realizam-se estudos exploratórios quando o objetivo é “examinar um tema ou problema de pesquisa pouco estudado, do qual se tem dúvidas ou não foi abordado antes”. Os dois instrumentos da pesquisa – questionário e entrevista em profundidade - são complementares. O questionário enviado à amostra contava com 21 questões estruturadas fechadas e uma aberta. No total, foram avaliados 97 pontos referentes à organização, perfil do empreendedor, comunicação e sustentabilidade. O questionário foi dividido em três partes sendo que a primeira delas visava à busca de dados gerais sobre o negócio e o empresário. Na sequência, foram abordadas as visões de sustentabilidade e comunicação para, finalmente, obter dos entrevistados a resposta para a questão essencial da pesquisa: eles consideram o processo de comunicação importante para a construção do conceito de sustentabilidade de seus empreendimentos? A segunda etapa da pesquisa prevê a realização de entrevistas em profundidade com o objetivo aprofundar tópicos que foram levantados no questionário, bem como explorar aspectos aparentemente contraditórios ou polêmicos identificados nas respostas. Serão abordados empresários que representem todas as regiões do país respeitando a proporcionalidade das respostas obtidas por meio do questionário online. Ou seja, enquanto a primeira fase da pesquisa viabilizou a coleta de um número elevado de informações em todo país, que podem ser trabalhadas estatisticamente, a entrevista em profundidade ajudará a qualificar as respostas enriquecendo os resultados da pesquisa (BARROS, NOVELLI, 2012). A amostra de empresários é não probabilística e foi selecionada de acordo com critérios de intencionalidade e conveniência (Novelli, 2012). A opção por esse caminho deve-se, principalmente, ao cenário que caracteriza as MPMEs no Brasil. O segmento é formado por cerca 790 de 3,6 milhões de organizações, conforme dados do Proced/FIA (2012), obtidos por meio de dados da Relação Anual de Informações (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego. Essas empresas apresentam enormes disparidades em relação a sua cultura, objetivos de negócio, motivações e formalização. Para viabilizar a pesquisa e encontrar respostas a dois temas ainda muito pouco explorados pela grande parte desse segmento – comunicação e sustentabilidade – foram definidos alguns critérios visando à constituição de uma amostra que possibilitasse a realização do estudo. O primeiro desses parâmetros foi identificar MPMEs que associassem os seus produtos ou serviços com a sustentabilidade. A partir de algumas bases de dados13 foram selecionadas as organizações que atendiam à especificação inicial a respeito do porte – ser uma MPME – e ao desenvolvimento de produtos ou serviços relacionados à sustentabilidade. O segundo passo foi a checagem dos atributos sustentáveis dessas empresas, por meio de informações disponíveis no site das próprias organizações, entidades ou associações, além de publicações na mídia. Assim, foi possível chegar a uma amostra de 103 destinatários em 79 MPMEs, que constituíram o grupo de receptores do questionário. O índice de retorno dos questionários foi de 53,2% sendo que, dois participantes não entraram nos cálculos finais por estarem em desacordo com os critérios da pesquisa. As bases de dados utilizadas para identificar MPMEs para a pesquisa foram: Finep - Prêmio Nacional de Inovação – Categoria Micro e Pequenas Empresas – Edições 2006-2013 –Disponível em http://www.premiodeinovacao. com.br/. Acesso em 10/09/2014; Centro Sebrae de Sustentabilidade. Disponível em http://sustentabilidade.sebrae.com.br/Sustentabilidade/. Acesso em 11/09/2014; Exame PME- 250 empresas que mais crescem no Brasil, 2014. Disponível em http://exame.abril.com.br/pme/noticias/exame-pme-lista-as-250-pequenas-empresas-que-mais-crescem. Acesso em 15/09/2014; Instituto Empreender Endeavor. Disponível em https://endeavor.org.br/empreendedores-endeavor/. Acesso em 10/10/2014; Prêmio Isto É Empresas Mais Conscientes. Categorias Pequena e Média Empresa. Disponível http://www.istoe.com. br/reportagens/389075_ISTOE+PREMIA+AS+EMPRESAS+MAIS+CONSCIENT ES+DO+BRASIL. Acesso em 23/10.2014. 13 791 A segunda etapa do estudo – entrevistas em profundidade – prevê a abordagem de empreendedores de todas as regiões do Brasil considerando a proporcionalidade da sua participação na pesquisa. RESULTADOS PRELIMINARES Sobre as características gerais das empresas que responderam o questionário, a maioria pertence à indústria (55%), seguidas de serviços (30%), comércio (10%) e agronegócio (5%) sendo que mais da metade dos respondentes (55,26%) são o seu presidente e/ou fundador enquanto os sócios ou executivos correspondem a 21,05% e os diretores a 7,81%. Esses números mostram que um dos objetivos da pesquisa, a obtenção de respostas do alto comando das organizações, foi alcançada. Contribuíram para esse resultado o porte das empresas pesquisadas, o interesse pelo tema apresentado e também o fato de serem procurados para a realização de uma pesquisa acadêmica dedicada a estudar o seu negócio. A grande maioria – 52,63% - possui pós-graduação e outros 26,32% curso superior completo. Em relação ao entendimento de sustentabilidade, pelos empresários, o questionário apresentou cinco opções aos receptores da pesquisa. A grande maioria (68,42%) optou pela alternativa que a relaciona com uma cultura transformadora e colaborativa, cuja finalidade é mobilizar a empresa para o desenvolvimento de produtos e serviços sustentáveis, contribuindo para a proteção do meio ambiente, melhoria contínua da qualidade de vida das pessoas e garantia dos direitos das gerações futuras. Outro grupo de empreendedores (21,05%) escolheu a opção que alinha a sustentabilidade a uma estratégia de negócios que considera os pilares social, econômico e ambiental. Apenas dois empresários escolheram a questão que exprime uma visão de sustentabilidade alinhada ao posicionamento de marketing da empresa, seus produtos ou serviços. Ao serem questionados sobre como relacionam o seu entendimento de sustentabilidade com outros aspectos, a grande maioria cita como muito relevante a comunicação transparente, diálogo com os stakeholders, inovação e desenvolvimento de produtos e serviços sustentáveis, ética nos negócios e proteção ao meio ambiente. A geração de lucros aos acionistas, a realização de convênios ou parcerias com universidades ou outros centros de pesquisa além da disseminação de informações sobre 792 sustentabilidade para a comunidade, clientes ou fornecedores são itens que, para os entrevistados, têm média relevância. Aparentemente, essa menor importância atribuída à comunicação para a sustentabilidade para clientes, fornecedores e comunidade indica uma contradição com a resposta dada pela maioria dos empreendedores, ao serem perguntados sobre o conceito de sustentabilidade adotado em suas organizações. Esse é um dos aspectos a ser checado nas entrevistas em profundidade. Uma outra questão refere-se à visão de comunicação das empresas. A grande maioria (83,33%) respondeu que é estratégica e alinhada aos objetivos do empreendimento. Apenas uma pequena parte (16,67%) admite que, em sua organização, a comunicação é esporádica e ocorre sem um planejamento prévio. E esse é mais um aspecto que merece ser avaliado nas entrevistas em profundidade. A maioria das empresas que participaram da pesquisa são pequenas (média de 57 empregos) e esse é um grupo que não costuma manter uma estrutura formal de comunicação devido à própria escassez de recursos financeiros. Uma das suposições, a ser conferida, é se a alta direção, fundadores e sócios enxergam a comunicação como uma atribuição já integrada ao seu papel de líder e não como o resultado do trabalho de uma equipe dedicada ao processo. Contribui para essa suposição a opinião da maioria em relação à comunicação ser um fator essencial para tornar a sua empresa sustentável. Nesse caso, o item considerado mais relevante foi a informação a clientes e consumidores sobre os atributos sustentáveis de seus produtos e serviços, seguido do engajamento de funcionários e outros colaboradores, fidelização de clientes e consumidores, atração de profissionais alinhados à cultura da empresa, identificação de parcerias adequadas aos seus objetivos estratégicos, apoio ao fortalecimento da cultura da empresa e conscientização de clientes sobre a destinação adequada de resíduos, atendendo à legislação. Outros aspectos vinculados diretamente ao processo de comunicação têm menos relevância. É o caso, por exemplo, da busca de espaços qualificados na mídia por meio de sugestões de pauta para a divulgação de seus produtos e serviços e, até mesmo, da definição de uma política de comunicação e relacionamento e de mensagens-chave que auxiliem a sua empresa a ser percebida corretamente pela sociedade, além da prevenção e gestão de crises de imagem e relacionamento com os seus públicos. 793 CONSIDERAÇÕES FINAIS As informações captadas pela pesquisa em andamento indicam que há desafios importantes para um melhor entendimento sobre as expectativas que empresários de MPMEs têm do processo de comunicação para a sustentabilidade de seu negócio. Essas indicações sinalizam para uma comunicação mais vinculada à educação, ao engajamento dos públicos e ao fortalecimento de uma cultura voltada aos princípios da sustentabilidade. A relevância é menor para ações de divulgação convencional de produtos e serviços. Há uma forte preocupação das MPMEs pesquisadas em encontrar formas de comunicar os diferenciais sustentáveis dos produtos e serviços que desenvolvem, de forma a induzir o consumidor a valorizá-los. Para a maioria dos respondentes, que apontaram para essa necessidade, esse é um processo educativo. Todos esses aspectos representam desafios à comunicação. As informações capturadas até o momento pela pesquisa indicam que a prática do dia a dia, nas organizações com o perfil pesquisado, exige dos comunicadores uma boa dose de reinvenção e de mais inserção nos processos das MPMEs como um todo. Para a academia, as MPMEs são um campo fértil às pesquisas que relacionam a comunicação com a educação e a cultura com vistas ao seu desenvolvimento sustentável. REFERÊNCIAS AMATO NETO, João (Org). Os desafios da produção e do consumo sob novos padrões sociais e ambientais. In: AMATO NETO, João (Org.). Sustentabilidade & Produção. São Paulo. SP: Atlas, 2011. BORTREE, Denise S. 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VEIGA, José Eli. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro, RJ: Garamond, 2010. YANAZE, Mitsuru Higuchi. Retorno dos Investimentos em Comunicação. São Caetano do Sul, SP: Difusão, 2010. 796 |8| A INFLUÊNCIA DE FATORES CULTURAIS NO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE MULTINACIONAIS BRASILEIRAS: ESTUDO DE CASO VOTORANTIM. Leila Gasparindo1 e Denise Pragana2 RESUMO Este artigo traz uma reflexão inicial sobre os desafios da cultura na internacionalização de empresas brasileiras e como os elementos da cultura impactaram no processo de internacionalização da Votorantim Cimentos. Trata de apontar as dimensões de cultura organizacional, segundo Hofstede (1992). A metodologia usada faz uma correlação entre a primeira e a segunda fases de internacionalização da Votorantim Cimentos ao comparar as dimensões Distância de Poder e Aversão à Incerteza. Finalmente, para alargar as Mestranda do Programa Ciência da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM/ECA/USP). Especialista em Gestão de Comunicação Organizacional e Relações Públicas pela ECA/USP e graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela PUC-SP. Sócia-fundadora da Trama Comunicação e co-autora das obras Marketing para Incubadoras: o que de bom está acontecendo, Anprotec: Sebrae, 2006 e Faces do Empreendorismo Inovador, Coleção Inova, Vol. III, do Sistema FIEP – Federação da Indústria do Paraná, 2008. E-mail: leilag@usp.br 1 Mestranda do Programa Ciência da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM/ECA/USP). Pós-graduada em Administração de Marketing pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP - SP) e graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO – UFRJ). Experiência de mais de 25 anos como executiva na área de Comunicação, tendo atuado na gestão de Comunicação Organizacional de empresas multinacionais brasileiras. Email: denisepragana@usp.br 2 fronteiras existentes, aponta para o fato de como a cultura impactou os negócios e quais foram as lições aprendidas pela empresa. Palavras-chave: Internacionalização; cultura organizacional; multinacionais brasileiras; comunicação. 1 . INTRODUÇÃO Motivado pela relevância do tema internacionalização e pelo movimento das multinacionais de países emergentes das duas últimas décadas, este estudo objetiva identificar o impacto dos aspectos culturais e comunicacionais, as razões e as lições aprendidas pelas empresas brasileiras que optaram pela internacionalização como estratégia de ampliação de seus negócios. O artigo aborda o estudo de caso da Votorantim Cimentos, uma das primeiras empresas nacionais a enfrentar os desafios e os impactos da cultura e da comunicação no processo de internacionalização e propõe uma reflexão sobre o aprendizado gerado. Analisa os impactos das diferenças culturais, baseando-se nos pressupostos teóricos das dimensões de cultura (HOFSTEDE, 1991) para analisar a influência da cultura nacional na cultura organizacional. A pergunta central é de que forma e quais diferenças culturais entre o país de origem e o país hospedeiro ocupam papel preponderante na estratégia corporativa de internacionalização das empresas. E no caso da Votorantim Cimentos, como as dimensões culturais impactaram o início da internacionalização, como tem sido a adaptação e as mudanças em seu modelo de gestão para se tornar empresa global. Assim, o estudo caso de caso da Votorantim Cimentos é utilizado para ilustrar os principais desafios culturais da primeira fase de internacionalização e as adaptações implantadas na segunda fase em relação à cultura dos países hospedeiros. O texto encerra-se com as considerações finais, apontando correlações entre a cultura Votorantim Cimentos e a teoria de Hofstede (1991) e indicando as dimensões que mais impactaram o processo. 798 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 ONDAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO O mundo viveu três ondas de internacionalização. A primeira intensificou-se entre os anos 1950 e 1960 com a hegemonia americana e o poder oligopolístico. A segunda onda deu-se entre os anos 70 e 80, com a entrada das empresas japonesas e asiáticas e os países de terceiro mundo, com a ascensão do modelo produtivo japonês. E a terceira teve início na década de 1990, com mudanças que colocaram em cheque a eficácia dos modelos de gestão dos países desenvolvidos e abriram espaço para novas multinacionais emergentes (FLEURY e FLEURY, 2012). Nesse contexto, as empresas brasileiras passaram a competir com subsidiárias de empresas estrangeiras primeiramente em seus próprios países de origem e depois foram impulsionadas a se tornarem multinacionais em busca de novos mercados que lhe garantissem maior competitividade, inclusive perante seus competidores locais e globais. 2.2 REVISITANDO A CONCEPÇÃO DE CULTURA ORGANIZACIONAL É durante a segunda onda de internacionalização, a partir da década de 60, que o conceito de cultura é introduzido na ciência da gestão (FLEURY et al, 2009) e ganha força a partir das experiências de multinacionais que tentam reproduzir suas práticas de gestão em outros países, além do seu país de origem. Na definição de Hofstede (1991), reconhecido autor de estudos na área de cultura organizacional, cultura é uma programação mental, que diferencia um grupo de outros e é partilhada coletivamente. “É resultado de processos de aprendizagem adquiridos desde a infância e em diversos ambientes sociais que encontramos no decurso da vida” (HOFSTEDE, 1991, p. 18). Para o autor, esses diferentes níveis de programação correspondem a diferentes dimensões de cultura, advindas de diferentes origens: da nacionalidade, da regionalidade e/ou do nível étnico e/ou religioso e/ou linguístico; da geração à qual pertence, da origem social, da profissão, da organização ou empresa, entre outras. 799 Hofstede (1991) mostra que as diferenças culturais são manifestadas por quatro camadas: símbolos, heróis, rituais e, no centro, estão os valores. Para Hofstede, os valores são aprendidos por volta dos 10 anos de idade e mudam pouco durante a vida. Segundo Fleury (2009), para o autor, nas organizações, pessoas com diferentes valores podem aprender práticas similares. Para Hofstede a cultura organizacional está enraizada em práticas aprendidas e compartilhadas no ambiente de trabalho. Segundo Fleury (2009), outro importante autor contemporâneo, Edgar Schein traz uma visão que difere da de Hofstede, pois considera cultura um modelo dinâmico que é aprendido, transmitido e modificado. “Considera que as empresas desenvolvem culturas próprias tão fortes que superam os contextos locais em que estão inseridas” (Fleury, 2009, p. 67). Schein (1992) preconiza a cultura organizacional dividida em três camadas: a) premissas básicas, composta por valores fundamentais, pensamentos e sentimentos; b) normas e valores, compostos pelas aspirações e a visão de certo e errado de um grupo: c) artefatos e produtos, que são os comportamentos visíveis construídos por histórias, mitos, heróis, lendas, símbolos, ritos e rituais. É nessa terceira camada que estão os elementos mais perceptíveis da cultura organizacional. Fleury (2009) ressalta que, para o autor, os estudos sobre cultura não devem se limitar à observação do que é visível, mas incluir a interação entre os membros da organização. Na perspectiva analítica intercultural, o conceito de cultura não está associado exclusivamente a referências étnicas, nacionais ou linguísticas. Estudos recentes (Mato, 2012, p. 46) mostram “categoriais institucionais, culturas corporativas, culturas profissionais, de classe, culturas territoriais, culturas de gênero, culturas geracionais e culturas políticas”, que se inter-relacionam, como preconiza: A comunicação intercultural entre atores sociais coletivos e/ ou institucionais envolve o intercâmbio entre atores sociais heterogêneos que produzem, competem e negociam formulações de significado não só entre si, mas também em seu interior, ou seja, dentro de si. (MATO, 2012, p. 46) Segundo Tanure, a mudança cultural na organização acontece do ponto de vista do negócio ou da gestão. “A cultura brasileira, com suas características e especificidades, impacta o modelo de gestão das em800 presas” (TANURE, 2010, p. 15) e, consequentemente, traz desafios para as multinacionais brasileiras. Em busca de competitividade, muitas empresas, influenciadas pela cultura de seu país de origem, instauraram seu modo de gestão em outros países. Entretanto, os modelos de gestão são impactados pela cultura organizacional, que é construída ao longo do tempo. Fleury (2009) conclui que o estilo de gestão é influenciado por fatores culturais locais, ligados ao país de origem, e também por padrões culturais próprios da organização, “tecidos no interior da organização por seus membros, que partilharam, ao longo da sua história, valores e visões comuns de como conduzir os negócios da empresa” (FLEURY, 2009, p. 68). 2.3. AS DIMENSÕES DE HOFSTEDE Para analisar a influência da cultura nacional em relação à cultura organizacional, Hofstede realizou uma investigação empírica da presença da IBM em mais de 60 países (1980, 1991, 2001), com base em análise estatística realizada com trabalhadores ocupando postos de trabalhos idênticos nos diferentes países. Segundo o estudo, as culturas nacionais diferem em seis dimensões: a) Distância de poder, que é o modo de enfrentar a desigualdade e a relação com a autoridade e poder, ou seja, a distância hierárquica; b) o Individualismo/coletivismo, ou seja, a relação do indivíduo e o grupo; c) a Masculinidade/Feminilidade, ou seja, diferenças entre os papéis sociais masculino/feminino; d) Aversão a incerteza, ou seja, o grau de tolerância ao desconhecido na forma de gerir a incerteza; e) o Pragmatismo, ou seja, a orientação de curto versus longo prazo; e por fim, uma última dimensão foi acrescentada, a Indulgência/Restrição, que analisa, na sociedade, o grau de permissão ou restrição na satisfação de necessidades, como aproveitar a vida e se divertir, regulada por regras e normas rígidas em sociedades restritivas e de forma mais permissiva, como uma gratificação, em sociedades mais indulgentes. Três décadas depois, Tanure (2010) usou como base a pesquisa de Hofstede e realizou uma comparação da gestão brasileira com Am. Latina, Estados Unidos, Europa e Ásia. No novo estudo, o índice de distância de poder ficou inalterado, migrando de 69 pontos para 75, demonstrando que “a hierarquia e a concentração de poder continuam como fortes dimensões na sociedade brasileira” (TANURE, 2010, p. 42). 801 Essa característica da gestão brasileira confronta com alguns valores centrais de outras culturas, principalmente das culturas anglo-saxônicas, entre elas a canadense e norte-americana, que aprovam o encorajamento da autonomia do indivíduo com a consequente descentralização de processos decisórios. Como outros países da América Latina, o Brasil apresenta alto índice de distância hierárquica e, consequentemente, maior aceitação da distribuição desigual de poder e da desigualdade social (TANURE, 2010, p. 33). A relação do indivíduo com o grupo é baseada em afeição, demonstração de emoções e sentimentos, mas, em função da grande importância dada às relações pessoais, o brasileiro apresenta dificuldade para administrar conflitos abertamente e prefere não se indispor com os superiores e iguais. 3. METODOLOGIA Para responder a pergunta central desse artigo, que é de que forma e quais diferenças culturais entre o país de origem e o país hospedeiro ocupam papel preponderante na estratégia corporativa de internacionalização das empresas, o caso da Votorantim Cimentos será analisado com base nas dimensões culturais de Hosftede que impactaram o início da internacionalização e como essa adaptação tem ocorrido até os dias atuais. Foram entrevistados, por meio de pesquisa semi-estruturada, dois ex-executivos da empresa da área de Recursos Humanos que participaram da primeira fase de internacionalização (entrada nos mercados canadense e norte-americano) e preparação para a segunda; e um terceiro executivo, que ocupa papel chave na área de Operações desde a primeira fase até o atual momento. Além das entrevistas, utilizamos dados secundários, colhidos de reportagens publicadas pela imprensa e do Relatório Integrado Votorantim Industrial de 2013, disponível na internet. Nosso estudo baseou-se no quadro 1, gerado no site Hofstede Centre3 que permite construir um comparativo dos traços culturais mais marcantes entre os países estudados com base nas seis Dimensões Culturais de Hofstede, ou seja, entre o Brasil e os países nos quais a Votorantim O website http://geert-hofstede.com usa informação com direitos autorais do livro Professor Greert Hofstede e disponibiliza uma ferramenta de comparação entre países com base na teoria do autor: Cultural Tools Country Comparison. 3 802 Cimentos possui subsidiárias. Foram elaboradas perguntas referentes a cada uma das dimensões sobre a entrada da empresa no Canadá e Estados Unidos, na primeira fase de internacionalização. Sobre a segunda fase foram feitas perguntas específicas para a dimensão Distância do Poder, por representar o maior grau de diversidade de comportamento nos países pesquisados (Canadá/Estados Unidos, Espanha, Índia, Marrocos, China e Turquia), relativamente ao Brasil. Também pesquisou-se à luz das demais dimensões de cultura de Hofstede. QUADRO 1 - COMPARATIVO ENTRE PAÍSES COM BASE NAS SEIS DIMENSÕES CULTURAIS HOSFTEDE INDIVIDUALISMO DISTÂNCIA DE PODER BRASIL 38 - Forte integração em grupos coesos - Família extensiva Relações de negócios de longa-duração e confiáveis CHINA MARROCOS ÍNDIA ESPANHA 39 Independência entre seus habitantes - Valor colocado no igualitarismo CANADÁ 80 - Desigualdade entre as pessoas é aceitável - Poder do superior, sem defesa contra o abuso de poder - Sem aspiração de ir além da classificação 70 - Sociedade hierárquica - Aceitação da ordem hierárquica, sem justificativa - Nenhuma expectativa de auto iniciativa 77 - Hierarquia e estrutura top-down na sociedade e nas organizações - Dependência do chefe - Aceitação de direitos desiguais - Líderes paternalistas - Centralização do poder real 57 - Sociedade hierárquica - Aceitação da ordem hierárquica, sem justificativa - Nenhuma expectativa de auto iniciativa 80 - Cultura individualista - Os funcionários devem ser auto-suficientes e mostrar iniciativa - Promoção com base no mérito 20 - Cultura altamente coletivista - Pertencem a grupos - Baixo comprometimento com a organização - Relações pessoais 46 - Sociedade coletivista - Relacionamentos fortes - Responsabilidade por colegas - Relação empregado / empregador como um elo familiar - Promoção com base no empregado em grupo 48 - Ambos os traços coletivistas e individualistas - Ações influenciadas pela opinião de seus pares - Lealdade do colaborador / proteção patronal e familiar - Hinduísmo: as pessoas individualmente responsáveis pela vida e pelo renascimento 51 - Coletivista vs. outros países europeus, mas individualista vs. outros países - Trabalho em equipe visto como natural, sem necessidade de motivação da Administração 803 52 - Sociedade moderadamente masculina - Equilíbrio entre vida profissional e pessoal - Elevados padrões de desempenho 76 - Forte necessidade de estrutura de vida para ser segura (por regras e sistema legal) - Pessoas passionais e demonstrativas de afetividade (linguagem corporal) 48 - Aceitação da Incerteza - Fácil aceitação de novas idéias, produtos inovadores e práticas de negócios - Tolerância à liberdade de expressão - Não há regras orientadas- 30 - Confortável com a ambiguidade - Chineses são adaptáveis e empreendedores - Pequenas e médias empresas e de propriedade familiar 67 - Preferência para evitar a insegurança - Rígidos códigos de crença e comportamento - Intolerantes ao comportamento pouco ortodoxo - A segurança é um elemento importante na motivação individual 40 - Baixa preferência - Aceitação da imperfeição - País paciente - Alta tolerância para o inesperado - Nada impossível se você sabe como ajustar 86 - O segundo país mais barulhento do mundo - Regras / evitando regras - Grande preocupação para a mudança, situações ambíguas e indefinidas 44 Intermediário 36 - Sociedade Normativa Estabelecimento da verdade absoluta - Um grande respeito por tradições - Foco na obtenção de resultados rápidos 87 - Cultura muito pragmática - Verdade depende da situação, contexto e tempo - Adaptar tradições às novas condições - Perseverança 14 - Cultura muito normativa - Estabelecer a verdade absoluta - Grande respeito pela tradição - Foco na obtenção rápida 51 - Aceitação de muitas verdades e religiões 48 País normativo - Resultados rápidos em atraso - Precisa de estrutura clara e regras bem definidas 58 - Sociedade indulgente - Positivas atitudes e tendência ao otimismo - Importância de tempo para o lazer 68 - Indulgente - atitude positiva e tendência para o otimismo - Importância do tempo de lazer 24 - -Sociedade contida/restrição - Tendência de cinismo e de pessimismo - Percepção de que as ações são seguras por normas sociais 25 - Sociedade contida/restrição - Tendência de cinismo e de pessimismo - Percepção de que as ações são seguras por normas sociais 26 - Sociedade contida/restrição - Tendência de cinismo e de pessimismo - Percepção de que as ações são seguras por normas sociais 44 - Cultura de restrição - Tendência de cinismo e de pessimismo - Percepção de que as ações são seguras por normas sociais INDULGÊNCIA PRAGMATISMO AVERSÃO A INCERTEZA MASCULINIDADE 49 - Intermediária 804 66 - Sociedade masculina - Sacrifício da Família e lazer, Prioridade para o trabalho 53 - Inconclusivo 56 - Muito masculina em termos de mostrar visualmente o sucesso e poder 42 - Consenso: Gestores gostam de ter a opinião de outros colaboradores para tomar decisões 4. ESTUDO DE CASO – VOTORANTIM CIMENTOS 4.1 – PERFIL DA EMPRESA4 A Votorantim Cimentos pertence ao Grupo Votorantim, que se estabeleceu no Brasil em 1918, e é um dos maiores grupos empresariais nos setores de cimento, celulose, papel, alumínio, zinco, níquel, suco de laranja, atividades financeiras, biotecnológicas e de TI, com receita líquida de R$ 26,3 bilhões. Criada em 1936, a empresa é responsável por 46% da receita líquida do Grupo. Em 2013 posicionou-se como a 8.a maior produtora global de cimento, presente em 14 países e capacidade de produção de 53,9 milhões de toneladas. Seus valores são: saúde e segurança no trabalho; pessoas motivadas e comprometidas, desenvolvimento sustentável dos negócios, qualidade de vida; melhoria e sinergia nos processos, racionalidade e otimização inteligente dos custos; desempenho das instalações e dos equipamentos; ambiente aberto a novas ideias. No Brasil, a Votorantim Cimentos opera 61 unidades de fabricação entre cimento, agregados, argamassa e cal, e 119 centrais de concreto, presente em praticamente todos os estados do país. Possui também participação nas empresas Mizu e Itambé. Na América do Norte, é representada pela subsidiária Votorantim Cimentos North America (VCNA), com operações nos EUA e Canadá, com 7 unidades de produção de cimento, 141 centrais de concreto e 37 unidades de agregados. Na América do Sul atua por meio de participações na Argentina, Bolívia, Chile, Peru e Uruguai. Na Europa, Ásia e África opera na China, Espanha, Índia, Marrocos, Tunísia e Turquia, por meio da subsidiária VCEAA, contabilizando 30 unidades de produção e 52 centrais de concreto. As atividades internacionais começaram em 2001 com a aquisição do controle da empresa St. Marys Cement Inc., na região dos Grandes Lagos (Canadá), seguida da aquisição de 50% do capital da Suwanee American Cement, na Flórida (EUA). Nos dois anos seguintes adquiriu nos EUA plantas em Jacksonville, Michigan, Illinois. Em 2012 incorporou Dados do Relatório Integrado Votorantim Cimentos, disponível em http:// votorantim.mzweb.com.br. 4 805 as operações, na área de cimentos, da Cimpor (Cimentos Portugal), na Espanha, Marrocos, Turquia, Tunísia, Índia e China, adicionando 16,5 milhões de toneladas à sua capacidade produtiva mundial, passando a 50,5 milhões de ton/ano. ano. GRÁFICO 1 – LINHA DE TEMPO DA VOTORANTIM CIMENTOS 4.2 - COMO A EMPRESA SE ENCAIXA NA TEORIA DA INTERNACIONALIZAÇÃO A trajetória da Votorantim na indústria do cimento pode ser dividida em diferentes fases como mostra o Gráfico 1. Em 1991 formou-se a holding Votorantim Cimentos, concentrando as atividades do grupo; a partir de 2001 iniciou a internacionalização, na busca pela elevação do market share nas regiões dos Grandes Lagos e na Flórida. A empresa optou por um modo de entrada acelerado com aquisições de plantas para produzir diretamente no exterior, permitindo seu acesso rápido ao mercado local, aos canais de distribuição e às tecnologias. A aquisição, embora possa representar uma série de vantagens em relação a outras formas de entrada, apresenta obstáculos importantes como problemas de comunicação e conflitos de culturas resultante da necessidade de integração entre a empresa compradora e adquirida. 806 4.3 - 1º FASE DE INTERNACIONALIZAÇÃO: EXPERIÊNCIA DA ST. MARYS Com a aquisição do controle da St Marys, o aumento da eficiência das fábricas tornou-se prioridade. As unidades não recebiam investimentos há anos e os sistemas de gestão eram obsoletos. O plano agressivo da empresa consistia em transferir rapidamente a sua cultura de excelência operacional e de operação de baixo custo que inclui instrumentos que formam o Votorantim Cimentos Production System (TPM, Six Sigma, Project Management). “A meta era passar uma borracha na velharia e conseguir recuperar o investimento em três anos. Faltou, porém, combinar com os canadenses” (Revista Exame, 2005). A reação violenta dos funcionários da St Marys levou à revisão do plano inicial, adiando as metas por mais dois anos. A declaração do diretor corporativo do Grupo Votorantim, Gilberto Lara, resumiu o que já parecia evidente, ou seja, que a empresa negligenciou a questão das diferenças culturais: “Tínhamos uma expectativa além do razoável, pois fizemos nossos planos com o perfil do trabalhador brasileiro em mente. Talvez tenhamos subestimado uma questão fundamental – a realidade cultural” (Revista Exame, 2005). O quadro 2 reúne alguns aspectos culturais que diferenciam os brasileiros dos canadenses/americanos: QUADRO 2 – ASPECTOS CULTURAIS NAS RELAÇÕES ENTRE BRASILEIROS E CANADENSES/AMERICANOS PRINCIPAIS PROBLEMAS CULTURAIS QUE EXECUTIVOS BRASILEIROS ENFRENTARAM NAS SUBSIDIÁRIAS CANADENSES E AMERICANAS BRASILEIROS FALTA DE SENSO DE URGÊNCIA APEGO AO CORPORATIVISMO AMERICANOS Priorizam o cumprimento de tarefas, podendo esticar expediente para terminar um trabalho atrasado Seguem o que foi estipulado no contrato, vão embora no final do expediente e continuam no dia seguinte Mesmo os funcionários sindicalizados apresentam um grau razoável de abertura às transformações A maioria é sindicalizada, e os dirigentes sindicais resistem a tudo e a qualquer tipo de mudança 807 RIGIDEZ COMPORTAMENTAL Tem mais jogo de cintura e se adaptam melhor a mudanças Fazem o que foi acordado com os chefes. Se os superiores mudam de opinião, são logo vistos com desconfiança. Fonte: Revista Exame – O mal-estar da internacionalização, 13/12/2005 Existem diferenças em relação à distância do poder entre o Brasil e o Canadá (Quadro 1). A Votorantim é uma empresa familiar, líder no mercado doméstico. Sua gestão era hierárquica, com decisões top-down e relacionamento paternalista. Até então, a empresa não havia investido em desenvolver um mindset global para seus executivos (BORINI, FLEURY e URBAN, 2009). Os canadenses também tiveram dificuldade para aceitar a viabilidade do projeto e a qualidade dos produtos brasileiros. As principais causas dessa reação foram desconfiança dos funcionários locais; forte relutância à mudança na empresa; e resistência para serem dirigidos por brasileiros. Para convencê-los, a Votorantim convidou lideranças da St Marys conhecerem o Sistema Operacional da empresa (VCPS) e visitarem plantas no Brasil. Um dos entrevistados relatou: Convidamos todos os executivos e mais 100 funcionários (da St. Marys, de Baumanville e de Detroit) e os membros do sindicato para conhecer as operações da Votorantim aqui no Brasil. Para eles foi chocante perceber a diferença em termos de qualidade de operação industrial em comparação com a América do Norte. Ao visitarem a fábrica da Rio Branco, no PR, viram um processo altamente sofisticado, limpo, não poluente, com um equipamento de computação que controlava todo o processo industrial, ligado diretamente com a Secretaria do Meio Ambiente que monitorava a fábrica em tempo real. A fábrica era limpa, sem poeira. Já na St, Marys, havia tanta poeira que eles não podiam nem sentar na cadeira. Eles tiraram fotografia, ficaram maravilhados e passaram a ser nossos embaixadores lá. (ENTREVISTADO) A reação dos funcionários locais trouxe valiosas lições. Talvez a mais crucial seja a importância do diálogo. Em 2004, a Votorantim com808 prou duas fábricas nos Estados Unidos e sua atitude foi outra. Antes de qualquer mudança, reuniu-se com os sindicatos, fornecedores e autoridades para apresentar a empresa e seus objetivos. 4.4 - 2º FASE – EXPANSÃO PARA A EUROPA, ÁSIA E ÁFRICA A atuação global da Votorantim Cimentos se deu de fato com a aquisição dos ativos da Cimpor na Turquia, Marrocos, Tunísia, Índia, China e Espanha. Mais uma vez, segundo reportagem publicada na Revista Época Negócios 360º de 2014, a integração passou a ser vista pela empresa como seu principal desafio cultural. Para lidar com as nuances culturais, a empresa criou o projeto “One team, one company”, de governança corporativa. O presidente da empresa, Walter Dissinger, explicou que o projeto visa “(...) integrar novos sotaques, aprendendo com eles, mas também levando gestão, criando estruturas de governança globais e regionais (...)”. Ao contrário da experiência anterior, em que a empresa confiou que sua competência operacional era suficiente para obter resultados em qualquer cultura, dessa vez o diálogo tornou-se estratégia para absorver as competências positivas de suas subsidiárias. O entrevistado que continua atuando na expansão internacional da empresa relatou que foi definido um modelo claro de governança com direitos decisórios/papeis e responsabilidades: “Valorizamos mais a liderança local, aliado a um sistema de gestão das áreas chaves, com claro mandato, fóruns e rituais de gestão bem definidos”. 5- ANÁLISE DOS DADOS Neste artigo, desenvolvemos um pressuposto que trata de mostrar de que forma e quais diferenças culturais entre o país de origem e o país hospedeiro ocupam papel preponderante na estratégia corporativa de internacionalização das empresas. E no caso da Votorantim Cimentos, como as dimensões culturais (HOFSTEDE, 1991) impactaram o início da internacionalização e como essa adaptação tem ocorrido até os dias atuais. Nosso estudo baseou-se no quadro 1, gerado no site Hofstede Centre5 que permite construir um comparativo dos traços culturais 5 O website http://geert-hofstede.com usa informação com direitos autorais 809 mais marcantes entre os países estudados com base nas seis Dimensões Culturais de Hofstede, ou seja, entre o Brasil e os países nos quais a Votorantim Cimentos possui subsidiárias. Foram levados em consideração a pontuação atribuída por Hosftsde, em uma escala até 100 pontos, na qual quanto maior o valor, maior é a presença da dimensão analisada. Comparando os valores atribuídos por Hosftede para cada uma das dimensões e com base nas respostas obtidas em nossa pesquisa identificamos os seguintes impactos, apresentados no quadro 3: QUADRO 3 – IMPACTO DAS DIMENSÕES CULTURAIS ESTUDADAS NO CASO VOTORANTIM DIMENSÕES IMPACTO PARCIAL OU POSITIVO IMPACTO NEUTRO IMPACTO PARCIAL OU NEGATIVO DISTÂNCIA DE Índia, Marrocos, China Canadá – Canadá e Espanha – pos- PODER – centralização de poder e Personalismo e turas como centralização Brasil (70) respeito a hierarquia são bem Respeito à Hierarquia de poder e autoritarismo aceitos nesses países foi considerado neutro e paternalismo não foram Canadá (39) China (80) Canadá – provocou estra- Marroco (70) brasileiras no primeiro Indía (77) momento, mas foi bem aceito Espanha (57) bem aceitos nesses países nhamento nas lideranças a demonstração de autonomia por parte dos colaboradores canadenses Espanha – aceita parcialmente bem hierarquia do livro Professor Greert Hofstede e disponibiliza uma ferramenta de comparação entre países com base na teoria do autor: Cultural Tools Country Comparison. 810 INDIVIDUALISMO Canadá – foi bem aceita pelos China – as boas condi- Brasil (38) brasileiros as características ções de infraestrutura independência, auto- e valorização do tempo -suficiência e iniciativa dos com família e lazer colaboradores canadenses, tiverem impacto neutro e a disponibilidade deles em na China Canadá (80) China (20) aprender e se aperfeiçoar e buscar trabalhos desafiantes. E os canadenses recebem bem as boas condições de trabalho e infraestrutura oferecidas pelos brasileiros AVERSÃO A Índia - o lado mais relacional Índia – a necessi- Canadá – aversão ao INCERTEZA e a aversão ao conflito dos dade emocional de conflito, numerosas regras, Brasil (76) brasileiros geraram um impac- regras dos brasileiros, aversão ao risco, burocracia to positivo na relação com os e a burocracia tiveram e dificuldade de seguir re- indianos. impacto neutro gras são características que Canadá (48) Índia (40) tiveram impacto negativo na relação entre brasileiros e canadenses MASCULINIDADE Canadá – importância do China – a busca por Brasil (49) reconhecimento, as boas qualidade de vida, as relações com a chefia, clima boas relações com a Canadá (52) China (66) de cooperação foram pontos chefia, clima de coope- importantes que os brasileiros ração, e competitivi- perceberam no relacionamen- dade foram avaliados to com os canadenses como pontos neutros China – com os chineses os no relacionamento com entrevistados destacaram a os chineses importância do reconhecimento e remuneração. PRAGMATISMO Brasil – otimismo dos Índia e Espanha – tra- Canadá - Sociedade Brasil (44) brasileiros nos negócios está ços culturais próximos Normativa. relacionada ao pouco valor ao do Brasil no aspecto Dificuldade de relaciona- dado no planejamento em de- pragmatismo. Espanha (48) mento com o sindicato corrência do foco no alcance China – bastante prag- canadense. Resistência à China (87) de resultados rápidos. Na opi- mática e perseverante. instalação da fábrica da Marrocos – cultura Swannee na Flórida por par- muito normativa e te da sociedade, imprensa e focada no alcance de órgãos ambientais Índia (51) Canadá (36) Marrocos (14) nião dos entrevistados, é um diferencial competitivo junto as culturas mais contidas. rápidos resultados. 811 INDULGÊNCIAS Brasil – traço cultural do Canadá, considerado China, Marrocos e Índia Brasil (58) otimismo foi relacionado um país indulgente possuem culturas bem pelos entrevistados como com o nível próximo contidas, com tendência resultante das características do Brasil. ao pessimismo e normas Canadá (68) China (24), nacionais de pouco valor dado Marrocos (25) ao planejamento. sociais mais restritivas. India (26) Fonte: as autoras Em resumo, apontamos no quadro 4 os principais aprendizados da empresa em sua trajetória de internalização do ponto de vista das dimensões de cultura de Hofstede. QUADRO 4 – RESUMO DOS PRINCIPAIS PONTOS LEVANTADOS NA PESQUISA MODELOS DIMENSÃO INICIAIS DA 1ª CULTURAL FASE (HOFSTEDE) IMPACTOS SOLUÇÕES IMEDIATAS APRENDIZADOS NOVOS MODELOS PARA A 2ª FASE Critério de Distância do - Choque Implantação Necessidade Implantação do escolha dos Poder cultural no de programa de valorização projeto de gover- primeiros Individualismo estilo de fast track de da liderança nança corporativa expatriados liderança entre desenvolvi- local alinhada “One team, one brasileiros brasileiros e mento, para à estratégia company” baseou-se canadenses dotar as de gestão apenas em - Brasileiros lideranças sinérgica aspectos mal prepa- brasileiras, entre diversas técnicos rados e com canadenses e áreas chave da problemas de americanas de empresa comunicação competências em outras necessárias línguas ao desafio da internacionalização 812 Crença de Indulgência Reação inicial Comitiva de - Importância Estabelecimento que possuir (no sentido de dos canaden- executivos, da abertura ao de um sistema de um Sistema pouco valor ses de não funcionários diálogo gestão como um de Gestão dado ao plane- cooperarem e chave da Operacional jamento e foco não confiarem St.Marys e re- robusto era excessivo na na competên- presentantes suficiente para ação imediata) cia do sistema do sindicato de gestão canadense o sucesso da visitaram aquisição as plantas benchmark da VC no Brasil todo (integrando - Importância da de promover a integração entre as equipes de forma não só a parte operacional) com mandatos definidos entre a sede e as subsidiárias participativa e experiencial para conhecer o processo de fabricação de cimento - Problemas no Contratação - Importância Presença de às questões relaciona- de um executi- da abertura ao equipes que culturais e po- mento com vo com grande diálogo mesclam profis- líticas locais o sindicato experiência e - Importância sionais oriundos canadense. competência de montar do Grupo - Resistência no relacio- equipes Votorantim com à instalação namento mesclando pro- pessoas trazidas da fábrica da internacional fissionais com do mercado com Swannee na para lidar com competência global mind set Flórida por essas questões em operações desenvolvido Pouca atenção Pragmatismo parte da socie- com pessoas dade, impren- experientes sa e órgãos em gestão de ambientais negócios internacionais Centralização Distância do Negócios Na St.Marys, a Importância do Liderança das decisões Poder internacio- reponsabi- envolvimento executiva hoje é estratégicas nais sendo lidade pela das subsidiá- formada por um no Brasil administrados operação era rias no plano presidente global, com visão brasileira e a estratégico ao qual se repor- do mercado comercial foi global da com- tam presidentes brasileiro delegada a panhia de três regiões: um executivo Brasil; Canadá/ canadense. USA; Europa, Ásia e África. Fonte: as autoras 813 7- CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma das questões da pesquisa foi sobre “como Votorantim Cimentos orienta seus negócios”. O executivo que atua na empresa há 32 anos a define como “apegada às tradições e que não se aventura em negócios onde o risco é grande”. Resposta semelhante deu o entrevistado que atuou no final da primeira fase da internacionalização, argumentando que a empresa “vê mudanças societárias com cautela”. O terceiro entrevistado, que participou do início da primeira fase, trouxe a face de abertura ao novo: “empresa que prepara seus profissionais para os desafios futuros”. Ao decidir pela aquisição da St. Marys em sua estratégia inicial de internacionalização, apoiada em sua vantagem de ownership (DUNNING, 1988), percebe-se semelhança com a pontuação do Brasil (76) na dimensão Aversão à Incerteza. A terceira resposta está ligada à dimensão Pragmatismo (HOFSTEDE, 2010), onde o Brasil tem uma pontuação intermediária (44), situando-se como uma cultura que mantém o vínculo com o passado enquanto lida com os desafios do presente e do futuro. Percebemos assim que a pergunta central do artigo encontra respaldo no estudo de caso realizado, ou seja, que o fator cultural do país de origem ocupa papel preponderante na estratégia de internacionalização das empresas. A Votorantim Cimentos foi uma das pioneiras no Brasil a se internacionalizar nos anos 2000, iniciando sua trajetória de forma diferente da maioria das empresas nacionais. Ao contrário das primeiras multinacionais brasileiras, que optaram por países da América Latina de menor distância geográfica e menores diferenças culturais e institucionais (FLEURY e FLEURY, 2012), a empresa alçou voo rumo ao hemisfério norte, longe de casa, aproveitando a oportunidade que surgiu no mercado e, com isso, defender-se dos ataques das multinacionais ao Brasil e ganhar experiência internacional. Usou sua principal competência, o VCPS, e traçou planos ousados de entrada no Canadá e EUA para recuperar rapidamente o capital investido na modernização das fábricas obsoletas que compunham a St. Marys Cement Inc. e, assim, ampliar a capacidade produtiva para aproveitar a alta demanda de mercado dos Grandes Lagos. Só que, no início, a realidade não se mostrou tão favorável. Faltou empregar a lente das diferenças culturais que existem entre um país e 814 outro, ou seja, faltou aos saber usar as características da cultura brasileira a favor dos objetivos traçados, evitando impactos negativos e fortalecendo os diferenciais positivos da cultura brasileira. A dimensão cultural Distância do Poder (HOFSTEDE, 1991) apresenta diferença considerável entre Brasil (69) e Canadá (39). Nossa pesquisa mostra que essa diferença foi a responsável pela maioria dos problemas enfrentados, gerando impacto negativo junto aos funcionários e sindicato local. Percebe-se, por outro lado, que a exigência de maior autonomia por parte das equipes teve impacto positivo, uma vez que para a dimensão Individualismo (HOFSTEDE, 1991), o Canadá pontua alto (80). Na atual fase de internacionalização, a Votorantim Cimentos mostra-se aberta para a integração de competências das subsidiárias, de acordo com a declaração do presidente da companhia, Walter Dissinger, à revista Época Negócios 360º de 2014, quando afirma que a empresa pretende absorver conhecimento das fábricas de melhor performance, como a de Niebla, na Espanha. Em sentido contrário, ainda segundo a mesma reportagem, atuará de forma mais assertiva em países como a Índia, na implantação de normas de segurança do trabalho e padrões de gestão. Na Índia a pontuação Distância do Poder é ainda mais alta do que no Brasil (77). Pelo levantamento, a hierarquia e a centralização causam impactos positivos nas equipes. Características positivas da cultura nacional (TANURE, 2010), como facilidade de relacionamento e flexibilidade, foram reconhecidas pelos entrevistados como responsáveis pelos impactos positivos, propiciando a posterior integração e confiança. Não há informações sobre possíveis prejuízos em sua primeira fase de internacionalização. Ao contrário, sabe-se que a produtividade das fábricas da St Marys aumentou em 8%. Importante ressaltar a rápida reação da empresa para minimizar os problemas e as lições aprendidas levando a novos modelos de gestão. O Relatório Integrado 2013 do Grupo Votorantim destaca a reestruturação organizacional realizada, responsável pela definição mais clara de funções e papeis internos e a criação de uma nova estrutura global, alinhando as necessidades dos negócios no Brasil e no exterior. 815 REFERÊNCIAS CERCEAU, Júnia; TAVARES, Mauro Calixta. Estratégias de internacionalização: um estudo comparativo de casos de empresas do setor siderúrgico. Nova Lima: Fundação Dom Cabral. Caderno de Idéias CI0220, dez. 2002. BORINI, Felipe; FLEURY, Maria Tereza; URBAN, Tatiana. Internalization strategies and the architectures of competences of first and late movers. A case study in the cement industry, Economia Global e Gestão, v. 14, p. 61-80, 2009. DUNNING, John – The Eclectic Paradigm of International Production: A Restatement and Some Possible Extensions, Journal of International Business Studies, Basingstoke, v. 19, n. 1, p. 1-31, 1988 FLEURY, Afonso; FLEURY, Maria Tereza. Multinacionais brasileiras: competências para a internacionalização. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. FLEURY, Maria Tereza, Organizational Culture and the Renewal of Competences, BAR, Brazilian Administration Review, v. 6, art 1p. 1-14, 2009. GRUPO VOTORANTIM. Relatório Integrado 2013. Disponível em: http:// votorantim.mzweb.com.br. Acesso em 11 de dezembro de 2014. HOFSTEDE, G. Culture’s consequences: International differences in workrelated values. Beverly Hills: Sage, 1984 _____. Cultures and organizations: Software of the mind. London: McGraw-Hill, 1991. HOFSTEDE, G. Jan/HOFSTEDE, G/MINKOV, M. Cultures and Organizations. 3ed. London: McGraw-Hill, 2010 MATHEWS, J.A - Dragon multinationals: New players in 21st century globalization, Asia Pacific Journal of Management, 23: 5-27, 2006 MATO, Daniel. Heterogeneidade social e institucional, interculturalidade e comunicação intercultural. MATRIZes: Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo. São Paulo, ano 6, n.1, p. 43-61, jul-dez 2012. 816 SCHEIN, E. H. Organizational culture and leadership. San Francisco: Jossey-Bass, 1992. REVISTA EXAME: O mal estar da internacionalização. Edição de 13 de dezembro de 2005 REVISTA ÉPOCA NEGÓCIOS 360º: Materiais de Construção e Decoração – Votorantim Cimentos. Edição de 2014. TANURE DE BARROS, B.; PRATES, M. A. S. O estilo brasileiro de administrar. São Paulo, Atlas, 1996. TANURE DE BARROS, B; Gestão à brasileira. São Paulo, Atlas, 2010. 817 |9| PROCESSOS DE FUSÕES EM ORGANIZAÇÕES BRASILEIRAS DE DESTAQUE REPUTACIONAL Patricia Carla Gonçalves Salvatori 1 RESUMO Este estudo apresenta a busca por um modelo metodológico para mapear os processos de fusões de grandes corporações com renomado destaque reputacional no cenário brasileiro, como parte de uma pesquisa de mestrado que abordará o papel das relações públicas como diferencial em processos de fusões. Aponta a análise das fusões e aquisições e a dicotomia entre a real importância das pessoas nos processos e o que as organizações pensam sobre as pessoas envolvidas. Palavras-chave: Reputação; Fusões e Aquisições; Organizações, Comunicação. TEXTO Para dar início ao estudo das fusões e aquisições, se faz necessário o olhar conceitual para os diferentes formatos de transações que existem no cenário empresarial. De acordo com os pesquisadores Marks e Mirvis (2010), existe um leque de possibilidades de transações entre empresas que buscam operações conjuntas, que evoluem proporcionalmente ao aumento do nível de investimento, controle, impacto e dificulMestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e Professora do curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero. 1 dade. As combinações fluem gradativamente de uma relação superficial como o licenciamento ao extremo processo integrativo entre duas corporações: as fusões e aquisições. A partir do entendimento que os processos de licenciamento, parcerias e joint ventures abordam vínculos menos profundos e, portanto, demandantes de estratégias comunicacionais diferentes das que serão analisadas neste estudo, o enfoque será dado somente para as operações classificadas como fusões e aquisições. A aquisição é definida como um processo na qual a adquirente assume o controle acionário da adquirida, ou seja, uma empresa compra outra, que deixa legalmente de existir e todo seu capital humano, material e social é incorporado pela compradora. Já a fusão representa a combinação de duas empresas que deixam de existir para a formação de uma terceira, com nova identidade (BARROS, 2003). Em que pese o aspecto de equilíbrio entre as partes nas fusões, o que tradicionalmente ocorre é que um dos lados predomina sobre o outro, seja por ter havido um maior aporte de recursos financeiros, humanos ou materiais na associação ou mesmo por um histórico mais acentuado de transações deste porte. Já para Marks e Mirvis (2010), o que pode ser anunciada como fusão raramente é percebida como uma combinação de iguais pelos membros de pelo menos uma das organizações parceiras. Pessoas de um lado sentem-se propensas a um sentimento de superioridade e mais direitos no processo, enquanto que aqueles que estão do outro lado ficam em uma posição relativamente fraca e de maior ameaça para si e o modo de executar seu trabalho. Percebe-se portanto que a linha entre fusões e aquisições é bastante tênue e mesmo quando a combinação é assumidamente uma fusão, pode haver um ruído entre as partes, o que dificulta o processo comunicacional como um todo. O início da prática das combinações empresariais remonta ao final do século XIX, em processos definidos como ondas de fusões e aquisições, que oscilavam à mercê de variações na bolsa de valores norte-americana (BREALEY e MYERS, 1998). No decorrer do século XX, o ritmo das combinações empresariais aumentou à medida que o mundo passava por transformações e evoluções dos pontos de vista econômico e tecnológico. Com o fortalecimento da globalização na década de 90, houve um salto considerável nos processos de alianças corporativas, em busca de competitividade que possibilitasse crescimento e continuidade de seus negócios. 819 De acordo com Galpin e Herndon (2007), as fusões e aquisições, que em décadas passadas visavam basicamente o ganho de controle de ativos sub-valorizados, migraram para objetivos mais estratégicos como aquisição de base de clientes, canais de distribuição e novos mercados. Segundo os autores, hoje compra-se as competências de uma determinada organização e sua gama de talentos que alavancam e ampliam oportunidades estratégicas, visando sobressair-se frente aos produtos e serviços de seus concorrentes. Com pressões cada vez maiores por resultados de curto prazo e margens de erros cada vez menores, os atuais processos de combinações buscam o enxugamento de custos, sem que isso interfira na capacidade de gerar sinergias geradoras de novas receitas. Com isso, os processos integrativos se transformam, cada vez mais, em enormes desafios, pois buscam novos e urgentes patamares de performance enquanto, pela configuração das mudanças geradas, impactam negativamente os resultados de ambos os lados. Em uma analogia simplificada, é como se um avião recebesse incrementos de carga, combustível e passageiros em pleno ar, para que alcançasse novos destinos, sem que isso pudesse interferir negativamente em sua velocidade e altitude. Outro aspecto importante na análise de fusões e aquisições é a dicotomia entre a real importância das pessoas nos processos e a importância que as organizações dão às pessoas envolvidas no processo. Na visão de Cartwright e Cooper (1999), as fusões e aquisições têm sido historicamente objeto de estudo e trabalho quase exclusivo de economistas, estrategistas de mercado e consultores financeiros, portanto os aspectos financeiros e estratégicos se destacam e são amplamente debatidos na literatura de gestão empresarial. Porém, apesar de fusões e aquisições serem algo que acontece com as pessoas nas organizações, em vez das organizações em seu sentido abstrato, os autores afirmam que os aspectos humanos têm recebido relativamente pouca atenção e as pessoas, por muitas vezes, são ignoradas por serem consideradas uma questão menos importante pelos tomadores de decisões. Em um contra-senso ainda maior, estudos apontam que os fatores humanos são cada vez mais responsáveis pelos resultados dos processos, seja pela compatibilidade cultural entre as empresas ou pela forma que a integração é conduzida, não por acaso, por pessoas envolvidas no processo. A pouca atenção dada às pessoas torna-se um dos fatores de impacto para um eventual fracasso, que atrela-se, entre outros aspec820 tos, à incompreensão das necessidades especificas de atuação em cada etapa do processo: pré-combinação, combinação e pós-combinação. (MARKS e MIRVIS, 2010) Para Appelbaum et al. (2000), qualquer processo de mudança é intrinsecamente difícil de se submeter; no entanto, o aumento estratégico na quantidade e no modo como as informações são fornecidas aos funcionários pode aumentar significativamente as chances de sucesso. Os processos de mudanças, em especial as fusões e aquisições, costumam ser muito estressantes para os indivíduos envolvidos. Ao passo que a empresa demonstra empatia com estas pessoas e proporciona-lhes todas as informações necessárias e válidas, pode, com isso, reduzir seu nível de estresse e consequentemente aumentar sua eficácia no trabalho. Em um olhar mais abrangente sobre o fator humano, as pessoas impactadas pelas mudanças geradas em uma combinação não se restringem ao público interno das organizações envolvidas. Cada empresa possui diversos públicos de interesse que afetam, são afetados e se interessam por ela e por suas decisões. Relações com fornecedores e clientes, por exemplo, podem ser abaladas em função das mudanças ou não. A diferença pode estar nas competências da empresa em lidar com o ponto de vista da outra parte, que não precisa reagir negativamente se o negócio não for afetado. Na visão de Anderson, Havila e Nilsson (2012), o diferencial se dá por meio de uma abordagem multi-stakeholder, que deve envolver vários grupos de interesses de ambas as empresas oriundas, que precisam ter acesso aos prós e contras das mudanças ocorridas, para com isso, elaborar suas próprias ações e reações. Segundo os autores, existem dúzias de objetivos diferenciados nos processos combinatórios, que impactam seus públicos de interesse de maneiras variadas, portanto a abordagem deveria ser customizada caso a caso. Entretanto, pesquisas apontam majoritariamente para o olhar das empresas envolvidas, e raramente para as necessidades de seus públicos. A lógica dos estudos realizados neste caminho aponta os benefícios de maior envolvimento dos stakeholders nos processos de fusões e aquisições: ampliação da rede de negócios, visibilidade aos conflitos ocultos e aprimoramento do entendimento do processo de maneira holística. 821 REALIDADE E CENÁRIOS NO MERCADO BRASILEIRO O movimento de combinações no Brasil segue a lógica empresarial mundial, porém alguns fatores específicos da realidade brasileira interferiram no processo: na década de 1990, a abertura econômica, a privatização de empresas públicas, principalmente dos setores de infra-estrutura e fabricação de matérias-primas e a estabilidade monetária adquirida após implantação do Plano Real acentuaram ainda mais o volume de fusões e aquisições no Brasil (BARROS, 2001). A partir deste período, houve um intenso crescimento de grupos estrangeiros que entrou ou fortaleceu sua presença na economia brasileira, por meio de fusões e aquisições de companhias nacionais estabelecidas. Outro aspecto relevante para o novo ciclo de fusões e aquisições foi a questão de mudança de geração. A década de 90 representou a chegada de novas gerações ao comando de grandes empresas familiares e conforme os fundadores passavam seus negócios aos herdeiros, por falecimento ou aposentadoria, muitos optaram por vender ou se associar a outros grupos, por possuírem propósitos profissionais distintos dos negócios da família (ROSSETTI in BARROS, 2001). Na perspectiva dos adquirentes, as principais razões para os negócios recaiam sobre ganhos de mercado, de escala e ampliação de atuação geográfica, motivações embasadas pelo acirramento da competitividade em escala mundial. Em uma pesquisa realizada por Barros (2003) com as quinhentas maiores empresas brasileiras para mapear as operações combinatórias no país desde 1995, os executivos apontaram a comunicação com os diferentes stakeholders, a aceitação das gerências e equipes envolvidas, bem como a gestão cultural como os principais fatores de sucesso. Entretanto os mesmos executivos confirmam que a prática ainda está distante da realidade, pois grande parte das empresas ainda não planeja sua estratégia de integração com foco nas pessoas e na cultura. Segundo a autora, na grande maioria das vezes a empresa compradora impõe sua cultura e, em alguns casos, busca capturar alguns traços da empresa comprada, na tentativa de inseri-los em seu “modo de ser” ou “jeito de agir”. Importam-se artefatos, traduzem-se discursos, adaptam-se comportamentos. Ao longo do tempo uma nova cultura será construída. As prioridades do top management, a decisão pela estratégia de comunica822 ção, o conteúdo e a forma de distribuição das mensagens, o respeito demonstrado na efetivação da mudança e o modo de gerenciar desligamentos exprimem os valores da empresa. (BARROS, 2003) Nota-se, com isso, uma validação prática das percepções dos pesquisadores Appelbaum et al. (2000), Cartwright e Cooper (1999) e Marks e Mirvis (2010), sobre a importância e urgência de processos comunicacionais centrados em todos os atores sociais, que permitam atender ao interesses estratégicos e econômicos dos acionistas sem passar por cima das necessidades dos demais públicos envolvidos e interessados. ORGANIZAÇÕES, OPINIÃO PÚBLICA E REPUTAÇÃO Uma das principais características da sociedade no século XXI é a descentralização do poder de fala, antes restrito às grandes instituições, e agora passível de compartilhamento por todo e qualquer cidadão inserido no contexto social e tecnológico. Qualquer um de nós, seres humanos contemporâneos, pode criar um manifesto, traduzir para meia dúzia de idiomas e pulverizar na mídia online e offline, por meio de estratégias de relações públicas. Entretanto, os antigos quinze minutos de fama que tantos almejam agora podem se resumir apenas em pouco mais de quinze segundos, em função da liquidez social dos tempos atuais, descrita por Bauman (2001). Neste cenário, as organizações, como reflexo da sociedade em que estão inseridas, se antes focavam sua visão de mundo em si próprias, agora se permitem (ou são exigidas para) uma atuação participativa e compartilhadora de ideias, perante os demais atores sociais. A procura das organizações é pelo diálogo constante e ponderado, que como alertam Marques e Mafra (2013), não deve buscar apenas a neutralização das divergências, mas “um espaço efetivo de trocas, de tratamento de problemas coletivos e de verificação conflitiva de uma pretensa igualdade entre os interlocutores.” Segundo as autoras, há muito o que caminhar antes de se afirmar um equilíbrio nesta relação dialógica, ainda permeada por relações ocultas de controle, poder e persuasão por parte das corporações. O desafio atual das organizações é equilibrar percepções, para que seus interesses sejam considerados, ao mesmo tempo que as demais 823 opiniões não sejam descartadas e com isso, volte para si a imagem de autoritarismo do modelo de gestão tradicional. Às organizações contemporâneas, não é dado mais o direito de agirem com seriedade somente de seus portões para dentro. É preciso ir além e fazer com que todos os públicos que componham sua teia de relacionamento, conheçam, acreditem e participem da construção de seus valores, sejam morais, como honestidade e integridade; ou técnicos, como sua competência. Para Farias (2009), o planejamento comunicacional se reflete na necessidade de obter melhores resultados com menos esforços, na potencialização de resultados e principalmente na transformação de imagem em reputação, construída em longo prazo e por meio de relacionamentos estáveis. Ou seja, as relações publicas, quando utilizadas em seu papel estratégico e coordenado, tornam-se diretamente responsável pela geração de reputação corporativa. Segundo Barnett (2006), reputação pode ser analisada como um estado de consciência, como avaliação e como um ativo. O primeiro olhar, de reputação como consciência, refere-se ao termo utilizado para indicar que os stakeholders tem uma consciência geral sobre determinada empresa, mas sem fazer julgamentos sobre tal. O termo mais adequado para definição de reputação corporativa neste enfoque seria ‘percepção’. Para o segundo grupo, de reputação como avaliação, os stakeholders são envolvidos em uma avaliação do status da entidade e incluem referências à reputação corporativa como julgamento, estimativa, avaliação ou medição. Este grupo também inclui referências a respeito, estima pela empresa e quão atrativa a empresa é. Os termos ‘opiniões’ e ‘crenças’ se encaixam nesse grupo. O terceiro grupo, rotulado como ativo, incorpora as definições de reputação como algo de valor e significado para a empresa, incluindo referências como um recurso ou como um ativo intangível, financeiro ou econômico. Tanto na visão de reputação como um ativo de Barnett ou como bem econômico para Fombrun (2007), a reputação deve ser tratada como um recurso estratégico da organização, que deve ser gerenciado por meio de ações estruturadas de comunicação. De acordo com Fombrun, um sistema efetivo de gestão da reputação deve estar apoiado em dois alicerces: minimização dos riscos de danos e maximização dos ganhos com as oportunidades. Este processo de antecipação de poten824 ciais riscos, aliado a uma equilibrada e relativizada determinação de peso reputacional de influência, proporciona às organizações um colchão de proteção reputacional, que amortece e as prepara para os inevitáveis e nem sempre previsíveis impactos negativos. A reputação corporativa, construída lenta e gradualmente por décadas, torna-se a cada dia mais vulnerável e sujeita a variáveis externas que podem destruí-la em questão de dias ou horas com o auxílio das novas tecnologias digitais de informação e comunicação. Conforme apresenta Almeida (2009), a gestão eficaz da reputação corporativa deve contemplar: a percepção dos stakeholders externos, o alinhamento dos funcionários à estratégia organizacional, a cobertura da mídia e as mensagens corporativas produzidas e veiculadas em seu processo comunicacional. Os quatro aspectos organizacionais perpassam as estratégias comunicacionais das relações públicas, seja no relacionamento com stakeholders externos, internos ou imprensa. A gestão da reputação vai além do cumprimento das exigências legais da organização em sua atuação na sociedade, bem como não se limita à capacidade produtiva ou de geração de lucro. Faz-se necessário um comportamento permanente de diálogo, transparência e construção compartilhada de valores com seus stakeholders, capaz de cultivar e fortalecer o relacionamento entre empresa e sociedade. É neste ponto que entram as relações públicas, como parte fundamental do composto da comunicação integrada. PROTOCOLO DE SELEÇÃO PARA ESTUDO DE CASOS DE PROCESSOS DE FUSÕES O ponto de partida para o protocolo de seleção surgiu da compilação das organizações listadas no Relatório de Fusões e Aquisições no Brasil da consultoria PWC no período de 2008 a 2012 e no Boletim de Fusões e Aquisições da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), no mesmo período e apontou 380 processos de fusões, aquisições e parcerias, dentre os diversos formatos de combinações empresariais possíveis. A escolha do período recortado (de 2008 a 2012) para o estudo foi proposta para que os casos analisados tivessem, no mínimo, dois anos de existência, tempo médio para a conclusão dos processos de integração, segundo Barros (2003). 825 De acordo com Marks e Mirvis (2010), as combinações empresariais evoluem proporcionalmente ao aumento do nível de investimento, controle, impacto e dificuldade. Em que pese a colocação dos autores sobre a aquisição como o extremo de complexidade nos processos de integração, para fins da pesquisa houve uma seleção intencional exclusiva das combinações que se encaixam na classificação de fusões. Do ponto de vista comunicacional, a construção de uma identidade organizacional inédita, fruto da combinação de duas ou mais empresas que deixam de existir diante da formação de uma terceira empresa nova, como Barros (2003) define fusão, representa um cenário mais fértil para a análise de reconstrução de relacionamentos, reputação e cultura, objetos de estudo desta pesquisa. Ainda segundo a autora, a aquisição representa o desaparecimento legal de uma empresa que entrega seu controle acionário para outra. Outro aspecto a ser considerado foi a amplitude de contextos e variações de níveis de transações dentre as classificadas como aquisições, desde a concepção total deste conceito, até transações que já vinham se desdobrando para este cenário por aquisições de participações recorrentes e finalmente uma transação final. Principalmente por meio da crescente participação dos fundos de pensão no patrimônio empresarial brasileiro (ROSSETTI in BARROS, 2001), que representa uma intensa intervenção econômica, mas não necessariamente cultural ou reputacional. Com isso, os níveis de impacto e integração seriam demasiado amplos para assegurar uma análise estatística. Com isso, os 380 processos de fusões e aquisições listados inicialmente deram lugar a quinze casos de fusões. Na sequência, foi efetuada a análise cruzada das organizações resultantes de fusões no período de 2008 a 2012 com os principais rankings nacionais e internacionais de destaque reputacional (“Empresas mais admiradas do Brasil” da revista Carta Capital; Dow Jones Sustainability Índex; Melhores empresas para se trabalhar” das revistas Exame e Você SA; Guia Exame de Sustentabilidade, da Editora Abril; Prêmio ABERJE e Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BMF&Bovespa). Das quinze novas empresas, duas deixaram de existir e das treze restantes, seis não obtiveram citação em nenhum dos rankings reputacionais, conforme tabelas abaixo. 826 Empresas compradas posteriormente à fusão ou que deixaram de existir: EMPRESAS ORGANIZAÇÕES DE ORIGEM OBS Agre Empreendimentos Imobiliários Abyara, Agra e Klabin Segall Comprada pela PDG Realty em maio/2010 Virtus Biosalc, Intelekto, Trellis, Visionnaire, Volans, Automatos e Dedalus Empresa se desfez em 2009 Empresas não citadas nos rankings reputacionais: EMPRESA ORGANIZAÇÕES DE ORIGEM Cromex Resinet Cromex e Resinet Drogaria DPSP Drogaria SP e Drogaria Pacheco Ernst&Young Ernst&Young e Terço IOB Folhamatic IOB e Folhamatic LBR Lácteos Brasil Bom Gosto e Leite Bom Maquina de Vendas Ricardo Eletro, Insinuante e City Lar Portanto, a amostra condensou-se em sete organizações resultantes de processos de fusões no cenário brasileiro entre os anos de 2008 e 2012. São elas: EMPRESA BM&F Bovespa ORGANIZAÇÕES DE ORIGEM Bovespa Holding e a BM&F RANKINGS NA* 827 BRF Sadia e Perdigão GE: 2009 PA: 2010, 2012 ISE: 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 Fibria Aracruz e VCP EA: 2009, 2010 DJ: 2009, 2010, 2011, 2013 GE: 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 PA: 2009, 2010 ISE: 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 Itaú Unibanco Itaú e Unibanco EA: 2010, 2011, 2012, 2013 DJ: 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 ME: 2009, 2011, 2012, 2013 GE: 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 PA: 2010, 2011, 2012, 2013 ISE: 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 LATAM TAM e LAN EA: 2010, 2011, 2012, 2013 Raia Drograsil Drogasil e Raia EA: 2013 Via Varejo Grupo Pão de Açúcar e Casas Bahia EA: 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 PA: 2009 * BMF&Bovespa é organizadora do ISE Legenda de Rankings: EA: Empresas mais Admiradas do Brasil – Carta Capital DJ: Dow Jones Sustainability Índex ME: Melhores empresas para se trabalhar” Exame e Você SA GE: Guia Exame de Sustentabilidade PA: Prêmio ABERJE ISE: Índice de Sustentabilidade Empresarial 828 CONCLUSÃO De acordo com Nassar (2009), as organizações são um sistema social e histórico que se comunicam e se relacionam de forma endógena e exógena e têm como característica comum o enfrentamento do desafio das mudanças, dentre outros aspectos. Mudanças estas que visam melhor adequação às transformações mercadológicas, econômicas, sociais, históricas, ambientais, culturais e comportamentais. No decorrer das últimas décadas, as organizações vêm passando por marcantes transformações estruturais em busca de crescimento acelerado, ganhos de escala, redução de custos operacionais e adaptação às mudanças econômicas e tecnológicas contemporâneas. Dentre as práticas mais frequentes neste sentido encontram-se os processos de fusões. Em que pesem as vantagens competitivas decorrentes da unificação de duas corporações que se extinguem para a formação de uma nova entidade jurídica, os impactos negativos destes processos podem causar danos reputacionais e financeiros relevantes à nova instituição. A perda, mesmo que temporária, das referências, da memória empresarial e consequentemente do espírito de grupo derivam para a deterioração do clima organizacional e comprometem a percepção dos stakeholders sobre a reputação da instituição. Neste contexto, o gerenciamento do fator humano, por meio de um cuidadoso planejamento de comunicação pode proporcionar a linha tênue entre o sucesso e insucesso do processo de integração e construção de uma nova reputação corporativa. A comunicação pode exercer um papel de maior amplitude, oferecendo sentido às mudanças que impactam os stakeholders da nova empresa. O objetivo central deste trabalho foi estabelecer os parâmetros iniciais para o entendimento da correlação entre o trabalho estratégico de relações públicas nos processos de fusões de grandes organizações e o sucesso destes processos, uma vez que a temática das fusões e aquisições, amplamente pesquisada, analisada e teorizada pela campo da administração, ainda não possui estudos estruturados pelo olhar da comunicação organizacional, em que pese o volume crescente de novas combinações. A continuidade do estudo se dará com uma pesquisa qualitativa com estudo de casos múltiplos, a partir de evidências de duas fontes: entrevistas, meio pelo qual foram exploradas as percepções dos execu829 tivos da área de comunicação institucional e interna das organizações pré-estabelecidas, e análise de documentação. Por meio de entrevistas individuais com os executivos responsáveis pelo desenvolvimento e condução dos planos de comunicação institucional e interna das organizações, bem como o levantamento de dados secundários, por meio de documentação da empresa (canais de comunicação interna e institucional, relatórios anuais e de sustentabilidade, manuais, entre outros), matérias noticiadas pela imprensa sobre as organizações e citações em estudos acadêmicos, a pesquisadora pretende contribuir com a teoria ainda não consolidada sobre um tema recorrente na sociedade atual, porém pouco analisado do ponto de vista acadêmico e científico, por meio da análise de fatos e detalhes dos casos existentes.. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Ana Luisa de Castro. Identidade, imagem e reputação organizacional: conceitos e dimensões da práxis. In: KUNSCH, Margarida M. Krohling (Org.). Comunicação organizacional. Linguagem, gestão e perspectivas. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. Vol. 2. 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Diálogo no contexto organizacional e lugares de estratégia, argumentação e resistência. Organicom (USP), v. 10, p. 72-84, 2013 NASSAR, Paulo. Conceitos e processos de comunicação organizacional In: KUNSCH, Margarida M. Krohling (Org.). Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas. São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2009. 831 | 10 | PROCESSO DE COMUNICAÇÃO DAS EMPRESAS PÚBLICAS BRASILEIRAS EM REDES SOCIAIS DIGITAIS Lebna Landgraf do Nascimento1 RESUMO Este artigo é resultado de pesquisa realizada para investigar os processos e as práticas de comunicação de empresas públicas brasileiras em redes sociais digitais. A análise dos dados obtidos junto a cinco empresas públicas foi sustentada metodologicamente, por meio de uma matriz balizadora de dados. A partir da análise realizada, constatou-se que as empresas da amostra utilizam as redes digitais para disponibilizar informações de interesse público, mas que os processos de escuta sobre as demandas públicas e a prática de deliberação para reconhecer os argumentos dos clientes/ cidadãos são praticados por apenas quatro das cinco empresas públicas analisadas. Também observou-se que ainda precisa ser incrementando pelo setor público a disposição para entender e negociar os interesses dos cidadãos, assim como permitir que sua opinião, de fato, impacte em processos de comunicação e de gestão institucional. Palavras-chave: Comunicação organizacional; Comunicação pública digital; Redes sociais digitais; Deliberação e Corresponsabilidade. Graduada em jornalismo na Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Agronegócios pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em Ciências da Comunicação, pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Desde 1999, atua como analista de comunicação na Embrapa Soja, em Londrina (PR). 1 APRESENTAÇÃO No Brasil, há aproximadamente 86 milhões de brasileiros usando a internet e, desse total, 77% participam das redes sociais digitais, a exemplo do Facebook e Twitter (PESQUISA..., 2014). A crescente utilização das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TICs) pela sociedade contemporânea vem interferindo nos processos de comunicação sociais. Diante dessa configuração social, o setor público brasileiro procura ampliar sua presença digital para se comunicar de forma mais efetiva com os cidadãos. Na sociedade brasileira, o impacto proporcionado pela comunicação digital foi evidenciado a partir de junho de 2013, quando mais de 1 milhão de brasileiros se organizaram pelas redes sociais digitais e partiram para as ruas para reivindicar inúmeras temáticas de interesse público. Este desejo por participação entre os brasileiros é um indicativo de mudança no comportamento da população, que tradicionalmente tende a ter uma postura de espectadora com tendência ao protecionismo e dependência (TANURE, 2009). Atento a estas alterações de comportamento do brasileiro, o governo reformulou, em 2013, o Portal Brasil, que congrega as informações sobre as estratégias digitais de governo (BRASIL, 2013) e busca estimular os relacionamentos com a sociedade. A ideia com a reformulação era também melhorar a interação do governo com o cidadão. De acordo com 50 gestores da área de comunicação de órgãos públicos entrevistados, em 2013 pelo Mapa da Comunicação Brasileira, pesquisa realizada pelo Instituto FSB Pesquisa2, 78% dos órgãos públicos têm participação no Facebook e 76% no Twitter (INSTITUTO, 2013). Em reportagem publicada no The Wall Street Journal, o Facebook, em 2013, tinha cerca de 65 milhões de usuários no Brasil, o que tornava o país o segundo maior mercado da empresa em número de usuários, depois dos EUA (CHAO, 2013). Conforme apresentado, tanto o setor público quanto a sociedade brasileira têm ampla presença nas redes sociais digitais, o que é um desa- Mais informações disponíveis em <http://www.institutofsbpesquisa.com.br/ publicacoes/mapa-da-comunicacao-brasileira/> 2 833 fio para a comunicação pública em ambiente digital. A partir deste cenário, esta pesquisa tinha por objetivo investigar os processos e as práticas de comunicação de empresas públicas brasileiras em redes sociais digitais. A complexidade desta temática instigou a formulação das seguintes questões de pesquisa: quais são os processos e as práticas de comunicação do setor público brasileiro nas redes sociais digitais? Será que as instituições públicas vêm explorando o potencial dos recursos tecnológicos para realizar prestação de serviços, dar transparência às suas ações e ainda abrir canais de comunicação bidirecional com a sociedade? Em atenção aos questionamentos de pesquisa foi realizada uma pesquisa qualitativa que contou com duas etapas: 1) pesquisa bibliográfica sobre a temática em discussão e construção metodológica de uma matriz para análise dos dados obtidos, 2) análise das mensagens institucionais e dos usuários nos perfis institucionais no Facebook e entrevistas com coordenadores de comunicação e das redes digitais das empresas selecionadas. A partir da realização da pesquisa foi possível identificar pontos convergentes e também diferenças no processo e nas práticas de comunicação institucional e de participação dos públicos nas redes sociais digitais. O levantamento bibliográfico que forneceu as bases para a realização dessa pesquisa, assim como os resultados obtidos serão explicitados ao longo do texto. SOCIEDADE EM REDE E SEU IMPACTO NA COMUNICAÇÃO DO SETOR PÚBLICO Desde o final do século XX, os processos de comunicação vêm sendo influenciados pelas alterações sociais e culturais provocadas pelo avanço das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TICs), que somado a outros fatores culminaram com a formação da sociedade em rede (CASTELLS, 2003). Um ponto central no debate sobre as TICs é que, principalmente a partir da segunda fase da internet ou Web 2.0 (O´REILLY, 2005) e do surgimento das redes sociais digitais (Facebook, Twitter, entre outras) a arquitetura do processo informativo foi alterada de uma dinâmica de repasse de informação para uma comunicação em rede, que envolve questões como interatividade, coletividade e colaboração. Na visão de Castells (2009), o poder na atualidade está relacionado à conexão ou desligamento das redes, cuja decisão está nas mãos de diferentes atores sociais, tanto individuais quanto coletivos, como 834 os grupos organizados, a iniciativa privada ou instituições públicas. A capacidade relacional dos diversos atores sociais significa que o poder não é só um atributo, mas também uma relação entre os sujeitos de poder e Castells (2009, p. 85) completa dizendo que “o poder na sociedade em rede é o poder da comunicação.” E, por isso, a disputa pelo poder relaciona-se à batalha para a construção de significado na mente das pessoas. Os indivíduos criam significado interagindo com seu ambiente e se conectando com as redes sociais, cuja operacionalização ocorre pelo processo de comunicação, ou seja, “compartilhar significado pela troca de informação” (CASTELLS, 2013, p.11). Ao se trazer esta reflexão para a comunicação das instituições públicas, ganha evidência e amplitude o papel do Estado de tornar conhecidas as informações que são de interesse público. Tanto que para Zémor (2009, p.220), “o direito à informação estabelece um dever de comunicação”. A boa comunicação das instituições públicas, sob esta ótica, requer mais que facilidade no acesso à informação, porque exige também transparência, manutenção da qualidade dos serviços oferecidos, exercício da escuta individual ou coletiva e precisa levar em consideração as demandas da sociedade e a disponibilidade para o diálogo. No caso das instituições brasileiras, seu papel de administrar as questões públicas parece ter sido reposicionado na contemporaneidade, quando estas instituições são demandadas a fornecer mecanismos para facilitar a deliberação dos cidadãos, assim como incrementar as formas de participação da sociedade (Moisés, 2005). Partindo desta visão, a comunicação praticada pelas instituições públicas será mais efetiva ao se utilizar de abordagens que entendam a comunicação como um processo transversal na instituição e interativo em vários níveis. Ferrari (2011, p. 154) reforça a ideia ao dizer que “a ênfase está na comunicação como um processo cujos significados são criados e trocados, ou mesmo compartilhados pelas partes envolvidas”. Esta construção partilhada dos processos de comunicação está em consonância com as exigências por participação e colaboração coletiva da sociedade em rede. O cenário apresentado sobre a comunicação pública e sua interface com as disponibilidades da comunicação digital instigaram o interesse desta pesquisadora por investigar essa temática. Para entender como é o processo e quais são as práticas de comunicação do setor público 835 nas redes sociais digitais e sua relação com a sociedade decidiu-se pela construção de uma matriz balizadora de dados, cujos eixos teóricos serão apresentados no próximo item. PARÂMETROS METODOLÓGICOS PARA ANÁLISE DO PROCESSO E DAS PRÁTICAS DE COMUNICAÇÃO DO SETOR PÚBLICO EM REDES SOCIAIS DIGITAIS A matriz de comunicação e participação dos públicos nas redes sociais digitais, apresentada no Quadro 1, foi desenvolvida a partir de dois eixos fundamentais: o primeiro foi constituído adotando os Modelos de Práticas de Relações Públicas, de Grunig e Hunt (1984) e os paradigmas de comunicação - simbólico e comportamental -, explicitados por Grunig (2009), e o segundo eixo foi estruturado com base no Modelo de Participação Crescente, de autoria de Jaramillo López (2011). As bases conceituais que dão forma e consistência à matriz serão apresentados a seguir. QUADRO 1. MATRIZ DE COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO DOS PÚBLICOS Fonte: a própria autora 836 As controvérsias que envolvem as práticas da comunicação nas organizações são explicitadas por Grunig (2009), a partir da Teoria da Excelência, em duas dimensões: o paradigma simbólico-interpretativo e o paradigma da gestão estratégica comportamental. No primeiro, a comunicação nas organizações se esforça para influenciar os públicos a interpretarem os comportamentos da organização como ela assim o deseja. Essas interpretações são incorporadas aos conceitos de reputação, imagem, marca, impressões e identidade. Ao seguir este paradigma, a organização enfatiza o processo de comunicação na difusão das suas mensagens, nas campanhas publicitárias, nas relações e efeitos da mídia sobre suas ações. No paradigma comportamental os executivos de comunicação participam das tomadas de decisões estratégicas, o que auxilia no gerenciamento da percepção dos públicos a respeito do comportamento das organizações e, consequentemente nos seus relacionamentos. O paradigma comportamental enfatiza o aprimoramento da comunicação simétrica para permitir aos públicos a oportunidade de ter voz nas decisões gerenciais. As duas formas de praticar a comunicação nas organizações, que se encontram dispostas no paradigma simbólico e no comportamental ficam, melhor evidenciadas a partir da identificação dos quatro Modelos de Práticas de Relações Públicas descritos por Grunig e Hunt, 1984: 1) Agência de Imprensa: objetiva obter a divulgação de produtos/serviços mediante o uso excessivo da Publicidade; 2) Informação Pública: orientado para disseminação de informações por meio do uso praticamente exclusivo dos meios de comunicação massiva; 3) Assimétrico de Duas Mãos: procura, mediante a aplicação de pesquisas, identificar as percepções dos públicos a respeito da organização; 4) Simétrico de Duas Mãos: preza pelo diálogo e negociação para que organização e os públicos cheguem a se influenciar reciprocamente. É necessário enfatizar que a prática destes modelos de comunicação pelas organizações é determinada por um conjunto de aspectos que envolvem o modelo de gestão empresarial, a cultura organizacional e as vulnerabilidades do ambiente externo. Consequentemente, as estratégias de relacionamento que as organizações estabelecem com os públicos estão vinculadas aos elementos citados. 837 Como as tipologias e os modelos usados na matriz do Quadro 1 são anteriores às atividades proporcionadas pela comunicação digital, esta pesquisadora fez ajustes na maneira como os autores referenciados definiram o continuum de comportamento dos públicos para uma nova configuração espaço-temporal. Atualmente se pode dizer que os usuários que optam espontaneamente por seguir as empresas da amostra no Twitter ou tornaram-se seus fãs no Facebook são, de certa forma, uma audiência. Mas não uma audiência passiva no sentido tradicional de serem simples receptáculos de informação (WOLF, 2005). As redes sociais digitais possibilitam que as audiências se midiatizem ou se tornem usuários-mídia como prefere Terra (2011), ou seja, utilizam as mídias sociais como instrumento para obter informação, produzir seu conteúdo, distribui-lo com suas opiniões e expressões pessoais. Ao trazer reflexões sobre o relacionamento digital entre empresas públicas/usuários, pode-se dizer que os usuários que fizeram a opção espontaneamente de se relacionar via perfis institucionais nas redes digitais são, a princípio, simples observadores ou interessados no conteúdo institucional. Estes usuários estão interessados em acompanhar as mensagens postadas pela instituição ou por conhecer seus posicionamentos na rede, mas dependendo das relações estabelecidas também poderão tornar-se engajados (ao compartilharem conteúdos) ou mesmo participativos (ao exprimirem opinião, crítica ou elogio). Também compõe a matriz de pesquisa, conforme exposto no Quadro1, o Modelo de Participação Crescente, de Jaramillo López (2011), que relaciona os diferentes processos de comunicação com o nível de participação dos cidadãos. O referido modelo parte de um processo contínuo segmentado em cinco níveis, sendo que o nível básico de participação é o acesso à informação, seguido pelos níveis de expressão de opiniões (por meio de consulta), do intercâmbio de argumentos (na deliberação) e da negociação de interesses (harmonização), até chegar ao nível de comprometimento com a decisão (corresponsabilidade). Estas etapas do processo de comunicação pública foram reunidas em três níveis: Informação, Consulta+Deliberação e Harmonização+Corresponsa bilidade para serem agrupadas nos quadrantes da matriz de pesquisa que reúnem os Modelos de Práticas de Relações Públicas, de Grunig e Hunt (1984): Informação Pública, Assimétrico de Duas Mãos e Simétrico de Duas Mãos, conforme exposto no Quadro 1. 838 A partir das bases conceituais dos autores mencionados foram criados quatro quadrantes referentes tanto às práticas de comunicação nas organizações quanto à participação dos públicos-cidadãos em questões que afetam mutuamente públicos e organizações, conforme disposto no Quadro 1. A seta pontilhada tem início no quadrante 1 e, conforme o nível de informação e comunicação institucional é ampliado ao longo dos quadrantes, os públicos também se tornam mais interessado, engajados ou participativos nas questões institucionais. A seta perpassa os eixos teóricos num movimento crescente e ascendente até atingir o quadrante 4, estágio no qual há maior participação dos públicos. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA Das cinco empresas públicas brasileiras selecionadas na amostra, três pertencem ao setor produtivo da esfera pública federal brasileira e duas são instituições financeiras. Devido às diferenças originadas pelo setor de atuação e definição de orçamento, a amostra foi dividida em três agrupamentos. Esta segmentação foi relevante para respeitar as similaridades dos agrupamentos e também para que as diferenças entre elas não inviabilizassem a análise comparativa dos dados coletados. No primeiro grupo, encontram-se o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, instituições financeiras que estão presentes no mercado concorrencial financeiro brasileiro, uma vez que disputam clientes com os bancos privados. Portanto, a comunicação com seus públicos tem interface direta com a comercialização de produtos e com a prestação de serviços, assim como a conquista de credibilidade e de confiança dos clientes-cidadãos. No segundo grupo estão reunidas a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), conhecida como Correios, cujas atividades, produtos e serviços são marcados pelo monopólio parcial ou total do Estado. Neste caso, a comunicação tem tanto uma vertente mercadológica como a de prestação de serviços e de atendimento direto ao cliente-cidadão. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) forma o terceiro grupo que apesar de desenvolver pesquisas e comercializar produtos para um mercado especializado, sua missão está relacionada à prestação de soluções para o desenvolvimento da agropecuária brasi839 leira. Neste caso, a comunicação prima pelo favorecimento e acesso ao conhecimento científico gerado pela empresa. RESULTADOS OBTIDOS Nesta pesquisa, realizada em 2013, constatou-se que as empresas públicas da amostra usavam as redes sociais digitais para disponibilizar informação, revelando interesse por utilizar as estratégias de comunicação massiva nas redes sociais digitais. Tal fato está relacionado ao nível básico do Modelo de Participação Crescente, de Jaramillo Lopéz (2004,2011) que prevê a disseminação de informação e também se relaciona ao segundo modelo (Informação Pública), de Grunig e Hunt (1984). Observou-se que uma empresa da amostra, a Caixa Econômica, ainda estava centrada apenas na disponibilização de informação pelas redes sociais digitais, porque não avançava nos demais níveis da matriz de pesquisa, que prevê uma comunicação multidirecional. Evidenciou-se que as outras quatro empresas da amostra ultrapassavam o nível básico do processo de comunicação preconizado pelos autores citados, de apenas disponibilizar informações. Isto porque estas empresas incorporaram aos processos de comunicação as práticas de deliberação e de consulta, principalmente por meio de monitoramento das falas dos clientes/cidadãos pelas redes digitais. Esta etapa do processo de comunicação é considerada relevante, conforme enfatiza Jaramillo Lopéz (2004, 2011), porque é uma forma de reconhecer e compreender a opinião dos públicos no ambiente digital. Para Grunig e Hunt (1984) a comunicação de duas mãos deve estar presente nos processos de comunicação que buscam relacionamentos efetivos com os públicos. Durante a pesquisa, quatro das cinco empresas da amostra revelaram também disponibilidade para estabelecer diálogos pautados pelo atendimento de demandas e para a resolução de problemas. Mesmo assim, o que ainda merece atenção nos processos de comunicação das empresas públicas são as práticas de harmonização, ou seja, o investimento na negociação de questões de interesses comuns, conforme prevê Jaramillo Lopéz (2011, 2004). Além disso, a pesquisa mostrou que nem sempre as empresas conseguem assumir o compromisso de considerar a opinião dos cidadãos como referência para a ação institucional. Neste sentido, as premissas da comunicação simétrica, preconizada por 840 Grunig e Hunt (1984), também não são plenamente colocadas em prática. Desta forma, as empresas da amostra ficaram posicionadas entre o quadrante 1 e o 3 da matriz de pesquisa, disposta no Quadro 2. QUADRO 2. POSICIONAMENTO DAS EMPRESAS DA AMOSTRA NA MATRIZ DE PESQUISA Fonte: a própria autora Verificou-se, durante a análise, que as empresas privilegiam conteúdos com informações institucionais, os lançamentos ou inovações em produtos e serviços, a prestação de serviços e os conhecimentos gerados pela empresa. No entanto, o diferencial estava entre as empresas que apresentarem conteúdo de interesse público, que utilizem imagens e vídeos de qualidade, linguagem adaptada às redes sociais digitais, agilidade e transparência. No que diz respeito ao relacionamento entre os cidadãos/clientes e as empresas da amostra, concluiu-se que, no caso dos Correios, da 841 Caixa e do Banco do Brasil, os clientes são interessados, engajados e participativos, buscando interação prioritariamente para resolver problemas pessoais em situações que demandavam das empresas o estabelecimento de confiança e credibilidade. Na Infraero, alguns usuários buscavam informação sobre o setor aéreo, mas o interesse maior era para atendimento de demandas. Somente a interação dos públicos com a Embrapa, cuja atividade está relacionada à geração de resultados científicos em agropecuária, é mais direcionada para a busca informação e conhecimento institucional do que para resolver problemas de ordem pessoal. Também se observou a necessidade das empresas da amostra de organizarem equipes para gerenciar a comunicação digital. Nas cinco empresas analisadas existem profissionais de comunicação que se dedicam exclusiva ou parcialmente para atender à administração das redes digitais. Tal realidade encontra respaldo nos princípios preconizados no Estudo da Excelência, de Grunig (2011), que entende que os departamentos de comunicação devem ser estruturados para atingir sua melhor performance. Em consonância com a teoria referida, também se observou que o trabalho integrado entre profissionais com experiência em comunicação e visão institucional e comunicadores jovens - os nativos digitais conhecedores de tecnologias e acostumados às interações digitais resulta em melhores resultados para os processos de comunicação digital. Além de incrementar as estruturas internas das áreas de comunicação, a complexidade da comunicação pública digital também tem forçado os departamentos de comunicação a buscarem o suporte e a adesão de outras áreas internas da empresa para os processos de comunicação. Tal comportamento tem sido marcado pela criação de comitês multisetoriais e pelo incentivo ao trabalho cooperativo entre funcionários de diferentes áreas. A realidade observada harmoniza-se com o pensamento de Grunig (2011), quando defende que os departamentos de comunicação trabalhem em conjunto com outras funções gerenciais, tais como marketing, recursos humanos ou finanças. O trabalho integrado entre departamento de comunicação e setor de atendimento ao cliente foi perceptível entre as empresas que, pela característica do seu negócio (Banco do Brasil e os Correios), necessitam ter uma interface diária com os clientes para resolver problemas corriqueiros e cotidianos que, em tempos pré-internet, eram direcionados 842 para os serviços de atendimento ao cliente. No caso destas empresas, o envolvimento da área de atendimento aos clientes tem se mostrado bastante eficaz, porque as demandas surgidas nas redes sociais são complexas ou muito específicas para ficarem sob a responsabilidade única da área de comunicação. No período de realização da pesquisa, a Caixa Econômica ainda não respondia aos clientes/usuários pelas redes sociais digitais, prática que passou a adotar no segundo semestre de 2014. A seguir estão reunidos alguns resultados da pesquisa: a) O setor de atuação das empresas públicas analisadas atua como fator de influência nos processos de gestão e de comunicação com os públicos/cliente/cidadãos. Nas empresas que oferecem serviços utilizados por grande parcela da população, como é caso dos Correios e dos bancos, os clientes/ cidadãos buscam diariamente uma resposta da empresa para questões de interesse pessoal. Por isso, observou-se a necessidade do serviço de atendimento ao cliente estar integrado ao processo de comunicação pelas redes digitais, por exemplo. b) As empresas públicas estão sendo gradativamente levadas a adotar posturas mais simétricas nas redes sociais digitais, diante da presença e da participação dos clientes/ cidadãos nestes ambientes. As redes sociais digitais têm sido entendidas pelos brasileiros como um relevante canal de relacionamento, tal comportamento tem induzido as empresas públicas a planejarem seus processos de comunicação para atuar estrategicamente no ambiente digital, inclusive com posturas mais dialógicas e simétricas. c) Quando questões relacionadas à inovação estão presentes no cotidiano institucional, a cultura organizacional tende a privilegiar os processos participativos dos diversos públicos. A Embrapa, empresa que desenvolve tecnologias para a agropecuária, por exemplo, mostrou-se mais disposta a incorporar as demandas dos públicos em discussões que mobilizam a condução de processos de mudança em benefício dos envolvidos. Por outro lado, as empresas públicas que têm forte controle de agências reguladoras e estão submetidas a normas e processos hierárquicos mais rigorosos tendem a ter processos de gestão mais fechados e menos participativos. d) A comunicação pública digital deve ultrapassar as abor843 dagens puramente informativas com os clientes/cidadãos para que prevaleça o diálogo e a influência recíproca. A utilização das redes sociais digitais pelas empresas públicas permite mais que a divulgação de produtos e serviços de interesse público, com agilidade e baixo custo. Esses canais digitais possibilitam práticas de comunicação direta com os cidadãos, facilitando os processos de transparência institucional e de prestação de contas sobre suas ações; também auxiliam no monitoramento das conversações nas redes digitais para compreender as demandas da sociedade e promovem a interação com os cidadãos e consequentemente a comunicação simétrica. e) Os relacionamentos entre empresas públicas e cidadãos pelas redes sociais devem ser conduzidos mediante a criação de interesse e engajamento, a partir de conteúdo atraente e relevante, além de incentivo à participação em questões institucionais. Além de ampliar o número de usuários pelas redes digitais, o processo de comunicação digital precisa incentivar relacionamentos de qualidade, por meio de engajamento dos usuários com o conteúdo institucional e estímulo a sua participação. Os Correios, por exemplo, demostraram durante a crise ocorrida em virtude da falta de cuidados no manuseio de encomendas que, mesmo em situações de vulnerabilidade, é preciso investir na interação com os públicos e ter ação transparente. f) O comportamento do brasileiro por meio das redes digitais revela que é urgente que o setor público desenvolva processos de comunicação que considerem os pontos de vista da sociedade. De maneira geral, ficou evidenciado ao longo do estudo que os brasileiros presentes na internet - aproximadamente 50% da população - têm afinidade com o ambiente 2.0 e se sentem à vontade para utilizar as redes sociais digitais para se comunicar. Apesar da ampliação na capacidade de autoexpressão da sociedade pelos meios digitais, não se pode negar traços culturais arraigados no comportamento dos brasileiros, como a concentração de poder e a expectativa de que os problemas sociais sejam solucionados de forma paternalista (TANURE, 2009). Mesmo assim, percebe-se uma mudança cultural em relação ao desejo de participação social em processos políticos que é facilitada pelas potencialidades interativas da comunicação digital e até mesmo por certo amadurecimento democrático em uma parcela da sociedade brasileira. 844 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme observado na análise individual e conjunta das empresas da amostra, as práticas de comunicação variam em diferentes aspectos entre as empresas públicas pesquisadas. No entanto, de um lado, é possível dizer que a disponibilização de informação pelas redes sociais, premissa disposta no quadrante 1 da matriz de pesquisa, era realizada por todas elas. Por outro lado, os processos de escuta sobre as demandas públicas e a prática da deliberação para reconhecer os argumentos dos clientes/ cidadãos, relativos ao quadrante 2, eram realizados por quatro das cinco empresas públicas analisadas, com exceção da Caixa Econômica. O que ainda precisa ser incrementando nos processos de comunicação entre as empresas públicas e os cidadãos pelas redes digitais é a disposição do setor público para entender e negociar os interesses dos cidadãos, assim como permitir que sua opinião, de fato, impacte em processos de comunicação e de gestão institucional (quadrante 4). A partir dos resultados obtidos na análise dos dados, pode-se afirmar que as redes sociais digitais são relevantes canais de relacionamento entre as empresas públicas e os cidadãos brasileiros, porque facilitam o acesso às informações de interesse coletivo, com agilidade e baixo custo; incrementam a prestação de contas sobre as ações institucionais; possibilitam que as empresas públicas entendam as demandas que são explicitadas livremente pelos cidadãos e ainda incentivam os processos dialógicos e participativos. Uma vez que os processos de comunicação pública digital não são estáticos, pois estão submetidos a mudanças tecnológicas e sociais contínuas, esta pesquisa apresenta diferentes elementos à discussão sobre a participação do setor público nas redes sociais digitais, por meio da identificação de práticas comunicacionais em 2013. A expectativa é que os resultados apresentados possam contribuir para que as empresas públicas avancem em processos de comunicação simétricos em que os públicos sejam estimulados a participar das questões institucionais. 845 REFERÊNCIAS BRASIL. Presidente Dilma apresenta novo Portal Brasil. Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2013/09/dilma-anuncia-reformulacao-do-portal-brasil>. Acesso em: out. 2013. CASTELLS, M. Comunicación y Poder. Madri: Alianza Editorial, 2009, p.33-85. ______. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 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São Paulo: Atlas, 2009. p. 214-245. 847 | 11 | GESTÃO DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO: DESAFIOS E NOVAS COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS EM PROL DO ENGAJAMENTO E DA PROPAGAÇÃO DE VALORES E SIGNIFICADOS Boanerges Balbino Lopes Filho1 e Cibele Maria Ferraz RESUMO O presente artigo tem por objetivo promover ponderações em torno da comunicação organizacional em um cenário de transição provocado pelas tecnologias da informação, onde o engajamento das audiências se fortalece, com ênfase no gerenciamento da imagem corporativa e nos desafios enfrentados pelos profissionais da área diante das opiniões e participações de interlocutores presentes nas mais diferentes modalidades de mídia. O texto é fruto de algumas das reflexões iniciais oriundas da pesquisa em andamento no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (Mestrado) da Universidade Federal de Juiz de Fora –MG. Orientador do trabalho, Jornalista, professor e pesquisador. Pós-doutorando em Jornalismo pelo Programa PNPD/Capes no PPG da UEPG (PR). Doutor (UFJF) e mestre (Umesp) em Comunicação, autor de livros, coordenador de pós-graduação e professor do PPGCom na UFJF (MG). Diretor do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo – FNPJ. E-mail: bblopes@globo.com. Mestranda da Linha Comunicação e Poder do PPGCOM da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Especialista em Comunicação Empresarial, com MBA em Marketing. Gerente de Comunicação e Marketing da Medquímica Indústria Farmacêutica S/A. – E-mail: cibeleferraz@gmail.com 1 Palavras-chave: Comunicação organizacional; mídias digitais; imagem corporativa; gestão da comunicação. INTRODUÇÃO O mundo atravessa um momento de transformações tecnológicas e sociais que impulsionam novos comportamentos. Os valores profissionais e espirituais acompanham as tendências contemporâneas, fazendo com que sejam projetados novos cenários nos ambientes organizacionais. Kotler (2010) afirma que com a tecnologia, a globalização cria uma economia interligada e torna-se uma força que estimula o equilíbrio e, muitas vezes, estabelece paradoxos. “Graças à tecnologia, esses paradoxos da globalização, em especial o sociocultural, influenciam não apenas os países e as empresas, mas também as pessoas. Os indivíduos começaram a sentir pressão para se tornarem cidadãos globais, além de cidadãos locais” (KOTLER, 2010, p. 15). Assim como a sociedade, é fundamental lembrarmos também que as organizações passam permanentemente por mudanças, especialmente em um ambiente em que a tecnologia vem se modificando significativamente, alterando não apenas as noções de tempo e de espaço, mas, também, os modos de produzir, de comercializar, de organizar e de se comunicar. Para Wolton (2010, p. 15) A revolução do século XXI não é a da informação, mas a da comunicação. Não é a da mensagem, mas a da relação. Não é a da produção e da distribuição da informação por meio de tecnologias sofisticadas, mas a das condições de sua aceitação ou de sua recusa pelos milhões de receptores, todos sempre diferentes e raramente em sintonia com os emissores. O excesso de informação sempre disponível através de diversos canais desafia as práticas tradicionais da comunicação organizacional, cabendo aos setores e a seus profissionais, reverem sua atuação e definirem novas estratégias para atingirem seus interlocutores. Os novos meios de se comunicar com os stakeholders – surgidos com a ampliação da utilização de diversas ferramentas virtuais – eliminam as fron849 teiras físicas tradicionais das empresas. E, paralelamente, temos uma maior valorização de ativos intangíveis, como a imagem, as marcas, os recursos humanos e as práticas sociais. Além disso, de acordo com Bueno (2000), cada vez mais, funcionários, fornecedores, clientes e a comunidade estão sendo vistos como “sócios” do negócio, pois discutem, reagem, espalham seus interesses e críticas, contribuindo para o crescimento das corporações e compartilhando seus resultados. O que na dinâmica empresarial significa, segundo o pesquisador, que não há espaço mais para uma distinção nítida entre “eu” (a empresa) e “os outros” (clientes, colaboradores, fornecedores, acionistas, imprensa etc). Consequentemente, os vínculos tornam-se cada vez mais estreitos. Podemos dizer, assim, que no passado as organizações tomavam suas decisões com base não apenas na percepção do que o consumidor/cidadão deveria querer, mas também – e principalmente – no interesse do que as organizações desejavam oferecer. Criaram um mito, a fantasia do que o consumidor gostaria de ter, e, pela força do controle das ideias, bem ou mal, conseguiram impor suas diretrizes à sociedade (NEPOMUCENO, 2013, p. 93). Diante desse cenário, a proposta neste artigo parte de um breve resgate dos conceitos de comunicação, inclusive os relacionados à realidade da comunicação organizacional e suas atribuições. Além disso, abordaremos as possíveis mudanças nos relacionamentos das organizações com seus públicos, mediados, de forma mais intensa e permanente, pelas tecnologias. A importância cada vez maior da opinião pública na construção da imagem e da reputação das organizações será tratada na sequência, levantando, por fim, algumas questões centrais do estudo dentre as quais a que se segue: a comunicação passou a exercer um novo papel (estratégico) dentro das organizações, diante do advento da era da informação mediada pela tecnologia e pela participação mais ativa e intensa dos steakholders, acarretando em mudanças no perfil dos gestores e profissionais da área? COMUNICAÇÃO É A BASE DO RELACIONAMENTO Segundo Wolton (2010), a comunicação é inerente à condição humana, uma vez que não há vida pessoal e coletiva sem trocas. Ainda de 850 acordo com o autor, os seres humanos desejam se comunicar para compartilhar, convencer e seduzir. Para Ferrari (2009, p. 78), pensar a comunicação é tentar entender toda a sua complexidade e pluralidade, uma vez que sua presença está estreitamente relacionada com a existência da sociedade. “A comunicação como campo de conhecimento é um processo contínuo e permanente que permeia as interações humanas, atuando como um sistema dialógico com o objetivo de informar, persuadir, motivar e alcançar a compreensão mútua”. Entendemos, dessa forma, que o ato comunicacional só se consuma quando existe o relacionamento entre pessoas ou entre uma corporação e seus diversos públicos. Pode-se, então, dizer que os horizontes da comunicação são o compartilhamento, a convicção, a sedução, a influência, a convivência e a incomunicação. Se os sistemas técnicos estão em sintonia, os homens e as sociedades só raramente o estão (WOLTON, 2010, p. 23). Em uma sociedade necessariamente globalizada, a comunicação assumiu um papel definidor que ora permite e valoriza o engajamento das audiências superando aos poucos as limitações impostas pelo controle que até bem pouco tempo predominava. Por isso, um grande desafio é reanalisar seus processos, princípios e modelos, principalmente no âmbito organizacional. Para Nassar (2009), todas as instituições têm na comunicação um processo complexo, integrante de suas políticas, seus planejamentos e suas ações. Morgan (1996) enxerga as organizações como lugares onde residem ideias, valores, normas, rituais e crenças que sustentam as empresas como realidades socialmente construídas. Capra (2002) entende que a vida no campo social pode ser compreendida em termos de redes de comunicações, que são “redes vivas em comunidades humanas”. “Cada comunicação cria pensamentos e significados, os quais por sua vez dão lugar a comunicações posteriores, e assim uma rede inteira gera a si própria” (CAPRA, 2002, p. 04). Segundo o autor, as redes de comunicação são como as redes biológicas, por serem também autogeradoras, mas o que geram é especialmente o impalpável. Vivemos em um mundo unido pela tecnologia, porém, com incontáveis diferenças políticas, religiosas, filosóficas e culturais. “A comunicação é protagonista nessas mudanças que temos vivido. Mas é, também, consequência de todas elas”, afirmou Nassar (2011). 851 A criação de conteúdo se democratizou e a voz e a opinião de pessoas comuns tornam-se cada vez mais poderosas perante as empresas. Com a conscientização e a mobilização crescentes da sociedade pela defesa de seus direitos de cidadania, em várias partes do mundo, aumenta a cobrança sobre as empresas. Exatamente nesse momento, aumenta também a responsabilidade de uma comunicação empresarial excelente e moderna (MIGUEL JORGE, 2000). No passado, com a limitada disponibilidade de tecnologias, as mensagens eram direcionadas a públicos mais homogêneos. Além disso, comunicar significava transmitir, uma vez que as relações humanas eram basicamente hierárquicas. Atualmente, as mensagens são abundantes e os receptores mais numerosos, heterogêneos e reticentes. Por isso, são estabelecidas negociações, pois os indivíduos se encontram cada vez mais em situação de igualdade e ao mesmo tempo mantêm suas singularidades. Informar continua a ser uma negociação implícita entre os fatos, o acontecimento, o contexto e as representações. O que dizer dos receptores? Impossível ignorá-los, impossível satisfazê-los. A margem de manobra é restrita, pois a informação não é mais sagrada, é superabundante e mastigada. O receptor é, ao mesmo tempo, o melhor aliado da liberdade de informação e seu maior inimigo (WOLTON, 2010, p. 57). Hoje, as informações que uma empresa precisa podem estar em qualquer lugar, inclusive do lado de fora das organizações. “Os líderes que terão sucesso e cujas organizações prosperarão nesta era de fofocas eletrônicas generalizadas são os que se esforçarem para tornar suas empresas o mais transparentes possível” (BENNIS, GOLEMAN, BIEDERMAN, 2008, p. 24). Com essa mudança na dinâmica da comunicação e, consequentemente, do relacionamento com os públicos das empresas, as imagens corporativas, que antes eram construídas com base em uma comunicação unidirecional imposta pelas empresas verticalmente aos seus grupos de interesse, passam a ser posicionadas e fundamentadas em princípios como conversação, interação, envolvimento e personalização. “O modelo de comunicação, antes em forma de funil, 852 acabará tomando a forma de um tubo, onde a entrada tem a mesma conformação da saída” (TORQUATO, 2012, p. 267). Novos canais de comunicação se fazem presentes e ganham cada vez mais adeptos. “Trata-se, em todo caso, de um contrapoder que permite a expressão e a tomada da palavra sem regulamentos nem hierarquias” (WOLTON, 2010, p. 37). As organizações tentam manter a imagem e/ou a reputação pública e se esforçam para manter privada a informação que afete a imagem. IMAGEM, REPUTAÇÃO E IDENTIDADE A reputação - e/ou a imagem - das organizações sofre influência direta da avaliação feita pelos públicos de interesse da empresa – tanto no ambiente off line, mas, especialmente, nas plataformas online. O comportamento e os valores das empresas estão cada vez mais acessíveis ao público. Os relacionamentos evoluíram e hoje, princípios como o diálogo e as vias de mão dupla são reforçados. A democratização da Internet e o crescimento das redes sociais permitiram um acesso mais intenso das pessoas às empresas, seus produtos e marcas. As empresas estão sendo reinventadas e realizam transições dos limites (antes seguros) para novos modelos de relacionamento. O receptor, que nunca foi passivo, está cada vez mais ativo para resistir ao fluxo de informações. Seria mais adequado falar em receptor-ator para destacar o aspecto dinâmico dessa função. Revalorizar o estatuto do receptor passa também pela revalorização da própria problemática da comunicação (WOLTON, 2010, p. 18). Apesar de serem tratados como sinônimos em diversos momentos, os conceitos de imagem, reputação e identidade são complementares e estão intimamente interligados. Para Bueno (2007), a imagem corporativa pode ser definida como a representação mental de uma organização, construída por um indivíduo ou grupo a partir de percepções e experiências concretas e expressa a “leitura” – mesmo que muitas vezes superficial, incompleta ou equivocada -, da identidade corporativa de uma organização. Já Argenti (2014) afirma que a imagem de qualquer corporação é uma função de como os diferentes públicos a percebem 853 com base em todas as mensagens que ela envia em nomes e logomarcas e através de auto apresentações. Teixeira (2013) complementa as inferições ao destacar que a imagem é resultado também do “crédito” acumulado a partir de um processo de comunicação bem-sucedido ao longo do tempo. Por isso, é comum que os consumidores das organizações façam distinções sobre produtos ou serviços homogêneos, baseados muito mais na imagem de uma empresa do que no produto ou serviço em si. Enquanto a imagem é a construção mental sobre determinada empresa após um contato superficial com a marca e está ligada às opiniões mais recentes do público, a reputação é uma representação mais consolidada e reflete uma avaliação e um julgamento do conjunto de valores e percepções transmitido ao longo do tempo. “Pode-se construir uma imagem de uma organização com alguma facilidade (mesmo quando eu não tenho relação direta com ela), mas a reputação resulta de uma interação maior, vivenciada por um tempo mais longo e com mais intensidade” (BUENO, 2007, p. 131). Diferentemente da imagem e da reputação, a identidade de uma empresa é construída por elementos internos da própria corporação. Com a crescente globalização e, consequentemente, com a tendência à comoditização dos produtos, a identidade e a imagem de uma organização podem se tornar o principal ponto de distinção entre duas empresas. Uma identidade bem construída discursivamente, assentada, na prática, sobre princípios e valores positivos e bem aceitos publicamente, tende a produzir uma boa imagem e, por consequência, em longo prazo, uma boa reputação. “Somente quando a imagem e a identidade estiverem alinhadas é que uma reputação forte será produzida” (ARGENTI, 2014, p. 110). A identidade se desenvolve interativamente na relação com o outro. No mundo contemporâneo, o outro pode ser a mídia tradicional, os blogs, as redes sociais ou qualquer indivíduo que estabeleça um relacionamento com as marcas. Para Wood (2001), se no plano individual a identidade está sob ameaça, no plano organizacional a situação não é diferente. Diante da tendência de virtualização e da quebra de fronteiras – que envolve tanto alianças entre corporações quanto entre empresas e públicos – o conceito de identidade organizacional deve ser repensado. 854 A ONIPRESENÇA DA OPINIÃO PÚBLICA Comunicação organizacional – funcionando como base institucional da administração – tem por objetivo o ato de servir ao interesse público. Vieira (2003) afirma que a comunicação organizacional compreende um conjunto complexo de atividades, ações, estratégias, produtos e processos desenvolvidos para reforçar as ideias e a imagem organizacional junto aos seus públicos de interesse e junto à opinião pública. Entendemos, assim, que a prática comunicacional é importante para a formação da opinião pública – tanto presencial quanto virtual. A comunicação, integrando-se à velocidade da informação, influencia o modo como as pessoas se comunicam, trocam experiências, realizam debates e, principalmente, constroem a opinião pública. Nas últimas décadas, os estudos de opinião pública ficaram concentrados na força e mobilização da imprensa, mas, em anos mais recentes, este retrato mudou, e percebeu-se que a internet é um espaço livre e infinito para a troca de informações, argumentos e debates em tempo real, que conta, ainda, com a contribuição dos dispositivos móveis para validar a velocidade dos fatos (TEIXEIRA, 2013, p. 02). A tecnologia favoreceu a opinião pública no sentido de dar voz e importância a cada manifestação emitida por qualquer indivíduo. Com isso, o poder e a habilidade de controlar a mensagem - prerrogativa que anteriormente estava sob controle das empresas – são reduzidos. “Os “replicantes”, muitas vezes, nem sabem onde começou, o que também representa um séria ameaça à credibilidade de notícias que circulam na web. Em muitos casos, precisam ser desmentidas ou explicadas rapidamente. Acabou o filtro dos revisores, dos diretores” (FORNI, 2013, p. 228). Hoje, as empresas sabem que mais do que informar aos seus públicos, elas devem estabelecer comunicações e relacionamentos, não apenas como um dever, mas como um fator estratégico para o sucesso de seus negócios e para a conquista da opinião pública. “A informação é a mensagem. A comunicação é a relação, que é muito mais complexa” (WOLTON, 2010, p. 12). Torquato (2012, p. 266) alerta que esse “novo” ambiente de comunicação e de uma nova opinião pública interfere diretamente nos atos 855 e nas atitudes empresariais, uma vez que as organizações estão passando pelos filtros da opinião pública a partir da lupa mais acesa da mídia e destaca: “A demagogia está sendo identificada. Irresponsabilidades, idem. Postura responsável significa assumir posições públicas consoantes com o novo dicionário do meio ambiente”. A sociedade mais participativa coloca na arena da visibilidade lideranças informais, conjuntos mais densos de formadores de opinião. Torquato (2012) afirma que aqueles que apresentarem discurso mais forte, mais original, mais qualificado, estarão no alto da “tuba de ressonância”. Esse pano de fundo requer mais espaços de visibilidade, melhor qualificação, maior aperfeiçoamento e participação estratégica das áreas de comunicação das empresas. As estruturas de relações corporativas e institucionais, por sua vez, precisarão estar mais bem equipadas. O avanço sem igual, impactante, por que passam todos esses meios impele a sociedade a um novo tipo de comportamento e, consequentemente, a um novo processo social, base para o perfil da empresa de comunicação do futuro, que exigirá novas posturas dos agentes envolvidos (KUNSCH, 1997, p. 140). Considerando as organizações como entes políticos e como matizes ideológicas, as estruturas das relações institucionais, relações governamentais, relações corporativas devem ser construídas com base na ideologia da transparência, da responsabilidade, da ética e do compromisso. “A capacidade de articular informações de diferentes fontes em um todo coerente é vital hoje em dia. (...) As fontes de informação são vastas e distintas, e os indivíduos têm fome de coerência e integração” (GARDNER, 2007, p. 46). Questões que se apresentam neste ponto: Como a comunicação poderá ajudar nesse processo de mudanças culturais, de novas formas de relações, contribuindo para a promoção de um diálogo construtivo? Qual o papel da comunicação na administração dos conflitos e nas oportunidades geradas entre as instituições e seus públicos interno e externo? A COMUNICAÇÃO ENQUANTO FERRAMENTA DE GESTÃO As organizações precisam estar atentas ao fato de que as tecnologias de informação devem ser desenvolvidas para aprimorar o fluxo de 856 ligações e colaboração entre os públicos organizacionais, adaptando estruturas e sistemas de apoio que deverão estar voltados para obtenção e manutenção tanto do comprometimento com o público interno e externo, quanto da vantagem competitiva. Elas devem tornar-se instrumentos de integração, compartilhamento de conhecimento e experiências. O incentivo a estes aspectos poderá agregar valor ao processo de comunicação existente dentro das organizações e facilitar a consolidação dos relacionamentos, dando a ela, um tratamento estratégico que vise uma moderna gestão de conhecimento e consequentemente de desenvolvimento organizacional, afirma Bueno (2003). Embora a comunicação empresarial também seja vista como poderoso instrumento de marketing – e o é, de fato -, sua função maior é construir uma imagem positiva das corporações e marcas, capitalizando as qualidades intrínsecas dos produtos e serviços e, principalmente, os valores e os relacionamentos com os diversos públicos (MIGUEL JORGE, 2000). Uma das grandes funções da comunicação organizacional atualmente é a de manter a construção e a manutenção da imagem da organização perante seus públicos. A imagem organizacional forma, atualmente, um importante patrimônio, tratando-se de um dos ativos intangíveis mais valorizados pelas organizações. A preocupação com a análise dos bens intangíveis surgiu desde o momento em que se observou que existem empresas cujo valor da marca é superior ao seu valor contábil. A necessidade de manter a transparência elevou a comunicação empresarial nas empresas a um novo nível estratégico. (...) E a proliferação de veículos de comunicação on-line, incluindo portais Web, sistemas de mensagens instantâneas e blogs, acelerou o fluxo de informações e o acesso do público em velocidades recordes (ARGENTI, 2014, p. 61). O papel dos gestores organizacionais consiste, então, em reconhecer, entender, criar, implementar e modificar as estratégias comunicacionais de acordo com as necessidades e as expectativas dos indivíduos que delas fazem parte. Uma vez que liderar é impor confiança, a nova e involuntária transparência exige um novo código de comportamento por parte de todos os gestores e líderes, determinado pela comunicação 857 e pela realidade de que nunca podemos presumir que estamos sozinhos ou sem vigilância. Em primeiro lugar, os gerentes precisam reconhecer que o ambiente de negócios está em constante evolução. O treinamento de curto prazo que é dado atualmente aos gerentes raras vezes lhes oferece uma visão geral da influência desse ambiente em constante mudança sobre a imagem da empresa perante os diferentes públicos. (ARGENTI, 2014, p. 15) Bueno (2000) afirma que a introdução acelerada de novas tecnologias, dominadas quase sempre pelas novas gerações, rejuvenesce o staff gerencial e administrativo das organizações, fazendo surgir novos líderes, legitimados pela sua competência técnica ou empreendedora. Para Kunsch (1997), o profissional de relações públicas “moderno” tem que ser um “revolucionário”, saindo da passividade para a administração ativa do processo comunicacional, posicionando-se como um estrategista e não apenas “como um mero reprodutor de recados da organização”. Já Argenti (2014) considera que os profissionais de comunicação empresarial devem estar dispostos a desempenhar uma ampla variedade de subfunções, e seus papeis continuarão a se ampliar e diversificar à medida que a globalização e os fluxos de informação de uma variedade de fontes exigirem uma comunicação estratégica e significativa Bueno (2005) defende ainda que o conceito de Comunicação Empresarial não vem sendo definido de maneira abrangente e, na quase totalidade das organizações, ele se resume a ações e produtos que não se articulam, necessariamente, com o processo de gestão. “A Comunicação Empresarial continua sendo tática, operacional, gerando, no máximo, alguns resultados pontuais”. Para o autor, a comunicação organizacional estratégica deve assumir a importância crescente na construção e na manutenção dos chamados ativos intangíveis (marca, reputação ou imagem, redes de relacionamentos). As estratégias não são instrumentos e nem objetivos. São os caminhos que o profissional vai escolher para desenvolver seu programa e suas ações, levando em consideração os cenários interno e externo, assim como os elementos constitutivos da organização: a visão, a missão, as normas e a filosofia que norteiam seu presente e seu futuro. As estratégias são altamen858 te relacionadas com a visão de mundo da organização, isto é, com sua cultura, com sua maneira de ser (internamente) e de enxergar o mundo (externamente) (FERRARI, 2009, p. 87-88). Por esta ótica, passamos, atualmente, por um momento em que as atenções passam a se voltar para a procura da efetividade dos processos de comunicação organizacional, entendidos como a capacidade de gerar uma comunicação de mão dupla e potencializadora da gestão do conhecimento. Possuir uma visão ampla e abrangente da complexidade da comunicação nas organizações é uma primeira premissa. A comunicação organizacional vai muito além de um setor ou departamento que produz e transmite informações. Temos que ver a comunicação como um fenômeno inerente à natureza das organizações e que acontece em diferentes dimensões, como a humana, instrumental e estratégica, e sob fortes influências conjunturais e dos contextos econômicos, sociais, políticos, culturais e tecnológicos (KUNSCH, 2009, p. 112). Uma comunicação estratégica requer, obrigatoriamente, a construção de cenários, fundamentais para um planejamento adequado e que, efetivamente, leve em conta as mudanças drásticas que vêm ocorrendo no mundo dos negócios e da própria comunicação. Alguns autores, como Argenti (2014), defendem uma melhor posição dos executivos de comunicação no organograma das empresas, sendo vinculados, hierarquicamente, de modo direto ao CEO. A vantagem desse tipo de relacionamento seria a possibilidade do profissional de comunicação ter acesso aos planejamentos da empresa diretamente através dos que estão no mais alto nível hierárquico da organização, permitindo que todas as comunicações da instituição fossem mais estratégicas e direcionadas. Bueno (2005) corrobora desse posicionamento, afirmando que, quase sempre, a comunicação nas empresas é vista apenas como uma instância operacional do processo amplo de gestão (embora o discurso a reconheça como estratégica), ficando à margem do planejamento estratégico. Isso se deve, talvez, porque na maioria das organizações, a comunicação ocupe um lugar menos destacado em sua estrutura organizacional. 859 CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma comunicação estratégica pressupõe uma autêntica cultura de comunicação na organização, ou seja, a comunicação não pode ser estratégica apenas pela intenção de sua equipe profissional. A expressão comunicação estratégica, há que se considerar que a palavra estratégica é mais do que um mero adjetivo: trata-se de um conceito. Se ela fosse percebida com essa intensidade e esse comprometimento, talvez o discurso da área não se apropriasse dela com tanta freqüência ou leviandade (BUENO, 2006, p. 16). Se a comunicação faz parte da estratégia, ela deve estar diretamente associada ao dia-a-dia da organização, incluindo todas as pessoas que fazem parte dela. Comunicação estratégica pode ser definida como aquela “alinhada à estratégia geral da empresa para aprimorar seu posicionamento estratégico”, resumiu Argenti (2014). No entendimento de Kunsch (2009), a comunicação organizacional é uma atividade complexa e precisa deixar de ter uma função meramente tática. Ela precisa incorporar valores às organizações, auxiliando-as no cumprimento de sua missão, na consecução dos objetivos globais, na fixação pública dos seus valores e nas ações para atingir seu ideário de visão no contexto de uma visão de mundo, sob a base de princípios éticos e verdadeiros. A comunicação organizacional, na visão de Bueno (2005) deve partir de uma leitura ampla do macroambiente (econômico, político, sociocultural e legal), incorporando o diagnóstico ou auditoria interna, tendo em vista a realidade do mercado (explicitando os pontos fortes, fracos, os desafios e as oportunidades da organização) e estabelecer procedimentos (ou métodos) sistemáticos de avaliação. Isso significa que o gerenciamento estratégico da comunicação pressupõe análise permanente dos resultados e admite reajustes de modo a garantir que os objetivos sejam cumpridos. A administração estratégica infere um processo e não se reduz a uma ação específica. Quando nos referimos à comunicação estratégica, temos, portanto, que verificar se esses pressupostos estão efetivamente presentes e se estão vinculados – desde sua formulação até sua implementação - ao processo de gestão organizacional. 860 Na opinião de Bueno (2005), as equipes de comunicação, na maioria das instituições brasileiras, estão cada vez mais enxutas, com profissionais desempenhando múltiplos papeis e sobrecarregados com as instâncias de execução e controle. Pouco tempo lhes restaria para a tarefa de planejar, e reduzidas seriam as possibilidades de comandar, após a execução das suas atividades, processos sistemáticos de avaliação. Não podemos considerar apenas a informação e as novas tecnologias como condutores das mudanças organizacionais. A maioria das mudanças é possibilitada pela combinação do uso das tecnologias da informação, a informação em si e as mudanças de recursos organizacionais e humanos. “A comunicação empresarial funciona como um espelho, que reflete culturas e tendências” (BUENO, 2000, p. 50). A concorrência acirrada e os desafios de um mundo em constante mudança exigem uma nova postura diante dessa realidade. Ou as estruturas (e posturas) de comunicação das organizações assumem definitivamente um perfil estratégico, respaldado por sistemas de informação, metodologias fundamentadas, visão abrangente e compromisso com o bom relacionamento com os públicos de interesse ou estarão correndo sério risco de desvalorização da função. Por isso, é importante analisar se atualmente ou num futuro próximo, a “comunicação estratégica nas organizações” não será apenas mais um discurso dos executivos da área. REFERÊNCIAS ARGENTI, Paul A. Comunicação empresarial: a construção da identidade, imagem e reputação. 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Fechamos o foco nos gestores de equipes das organizações, os quais impactam a cultura organizacional (SCHEIN, 2009) por meio de suas relações, e tendem a atuar como mediadores nos processos comunicacionais entre organizações e empregados. Buscamos analisar possíveis papeis (GOFFMAN, 1996) que estes líderes podem assumir nesta interação. Palavras-chave: Gestor, Liderança; Representações; Comunicação Organizacional, Cultura Organizacional. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação Organizacional, Cultura e Relações de Poder gccop.com.br. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. E-mail: lopes.cassia.a@gmail.com 1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento socioeconômico das últimas décadas e as novas possibilidades de comunicação, de compartilhamento de informações, de produção de bens e de prestação de serviços proporcionadas pelas NTIC (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação), entre outros aspectos, transformaram o mundo capitalista e consequentemente as relações de trabalho. A nova lógica produtiva da dita sociedade do conhecimento - caracterizada por uma nova concepção de mercadoria, em que o valor transporta-se do produto em si ( físico) para o conhecimento embutido neste produto (CORSANI, 2003) - traz consigo uma nova realidade que tende a transformar a força de trabalho em sujeitos mais conscientes sobre o que ocorre ao seu redor e sobre seus direitos. Essa nova lógica aponta uma dependência maior do intelecto do que da força física do trabalhador (ibidem), fundamentando a natureza do que Hardt e Negri (2005) definem como trabalho imaterial2, ou seja, uma perspectiva em que a atividade produtiva se dá cada vez mais a partir das intersubjetividades do sujeito trabalhador, das informações e conhecimentos que ele traz de suas vivências e, portanto de um locus que é externo à organização. Para Lazzarato e Negri (2001) o trabalho imaterial se concretiza especialmente em atividades como as da publicidade, da moda e da Tecnologia da Informação, no entanto, afirmam que a definição do trabalho operário como uma atividade ligada à subjetividade permeia toda a sociedade. “Esta forma de atividade produtiva não pertence somente aos operários mais qualificados: trata-se também do valor de uso da força de trabalho e mais genericamente da forma de atividade de cada sujeito produtivo na sociedade pós industrial.” (p. 26) e acrescentam que este modelo ainda é virtual, mas presente, no jovem operário ou no desocupado e no trabalhador precário. Para Hardt e Negri o trabalho imaterial concentra-se em algumas regiões do planeta e é minoria do trabalho no mundo atual, mas assim como já foi o trabalho industrial outrora, “o trabalho imaterial tornou-se hegemônico em termos qualitativos, tendo imposto uma tendência a outras formas de trabalho e à própria sociedade. (2005, p. 151) 2 865 Então, mesmo sensível ao poder simbólico3 que as organizações exercem com seus públicos, este novo trabalhador especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil, é exposto a informações e tecnologias disponíveis (como computadores e smartphones que tornaram-se acessíveis a praticamente toda população), e, desta forma, depende cada vez menos da organização em que atua para entender a lógica produtiva da qual faz parte, bem como para perceber o contexto do ambiente laboral. Diante disso, as tradicionais formas de comunicação utilizadas pelas organizações para comunicar-se com seus empregados tornam-se apenas mais um veículo, um dos meios de acesso à informação, e por isso mesmo questionáveis, não apenas em seu conteúdo, mas também no formato, na atratividade, na periodicidade, na atualidade. Essa realidade reflete, conforme Curvello “a necessidade de integração entre organizações e trabalhadores...” (2010, p.78), fundamentando a importância da comunicação organizacional, especialmente a focada nas relações com empregados. Nesse sentido, inúmeras são as iniciativas tomadas pelas organizações para promover – ou pelo menos para transparecer junto a suas equipes – a participação, a transparência e a valorização do empregado como indivíduo em suas práticas organizacionais e de comunicação. Iniciativas que podem ser concretizadas4 em ferramentas como os portais corporativos, os blogs, as redes sociais (abertas, ou corporativas fechadas) e também em estratégias como as pesquisas de clima, o compartilhamento de informações, o convite ao empregado para que participe (em níveis controlados) do planejamento estratégico da organização, etc. Neste panorama propício à participação mais ativa dos empregados nos processos comunicacionais, parece não haver espaço para ou- Segundo Bourdieu (2010, p.7-8), poder simbólico é o poder invisível que “pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.” 3 Entendemos que as ferramentas ou plataformas em si não nos permitem caracterizar ou qualificar as relações estabelecidas como participativas. Nas particularidades das estratégias da organização reside a natureza mais ou menos democrática dos processos comunicacionais. 4 866 tra concepção de cultura organizacional5 que não seja aquela oriunda das interações que ocorrem na organização, tecida em conjunto pelos indivíduos que a compõem e, portanto, a partir da vivência que cada um dos indivíduos da organização traz de seus convívios sociais. Como também indivíduos da organização, os gestores influenciam fortemente a cultura organizacional, uma vez que formal ou informalmente atuam na mediação da comunicação que se dá entre a organização e os empregados. Neste ponto, portanto, reside nossa inquietação: que papeis eles assumem nesta intermediação? Estariam os gestores preparados para atuar na comunicação com empregados? Esses questionamentos nos conduzem à reflexão sobre a atuação dos gestores nas organizações por meio de revisão bibliográfica e de exemplos. CULTURA ORGANIZACIONAL E COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO DO TRABALHO O trabalho, fonte necessária para o sustento das necessidades básicas individuais e da família nas sociedades capitalistas (do ponto de vista material), tem como locus as organizações. E, sendo esta (a organização) uma “associação de sujeitos de modo coordenado que combinam esforços individuais (...) para a realização de objetivos organizacionais” (BALDISSERA, 2010a, p. 62), ela subentende a comunicação como condição necessária para sua existência, posto que, através da comunicação, os atores sociais interagem para constitui-la (BALDISSERA, 2014). Inerente, portanto, a todo o processo produtivo nas organizações, a comunicação - nesta configuração do trabalho pautada pela velocidade - não é mais tão simples quanto aquela que se propõe a ensinar o empregado a ligar uma máquina ou a preencher um questionário de atendimento do SAC (serviço de atendimento ao consumidor), por exemplo. Os produtos, os serviços, as demandas, as estratégias, as rotinas de produção mudam constantemente, e com eles modificam-se muitas atividades e fluxos de informação, evidenciando uma necessidade de que as Carrieri e Silva definem a essência da diferenciação entre as diversas abordagens sobre cultura organizacional como a busca pelo controle, ou seja a organização como produtora de sua cultura, versus a compreensão do contexto cultural, ou seja, a organização como produto de um ambiente macrossocial (2014). 5 867 descrições destas atividades e fluxos estejam em constante atualização e, por isso mesmo, permanentemente desatualizadas. Antes do período pós-fordista, as rotinas de trabalho eram facilmente descritas: bastava apertar firme um parafuso, retirar as fagulhas de uma peça que passava pela esteira na linha montagem, preencher uma planilha, por exemplo. Hoje, a dissociação entre hardware e software permite a realização de diversas atividades na mesma máquina e exige conhecimentos diferentes, tornando a atividade do sujeito trabalhador interdependente e dependente da informação: “... cada indivíduo inserido na produção capitalista não passa de um elo informacional que recebe, processa a transmite algum subconjunto de informações necessário às atividades de outros indivíduos, ou do conjunto do subsistema social no qual interage.” (DANTAS,1996, p. 59) Neste sentido, tanto nas organizações que entregam um produto mais complexo e contam com trabalho de natureza intelectualizada em diversos níveis, quanto as que dispõem de um corpo funcional menos especializado, são propensas a encontrar dificuldades para manter seus empregados atualizados acerca das mudanças constantes no processo produtivo. Mais ainda, precisam garantir que a adaptação necessária em relação a essas mudanças ocorra em sintonia com o ‘jeito de fazer as coisas na organização’ que resume a cultura organizacional. No entanto, mais do que uma busca por controle, numa visão funcionalista que a compreende como o conjunto de verdades, valores e crenças que a alta administração da organização institui como regras apropriadas de conduta e impõe junto a suas equipes (CARRIERI; SILVA, 2014), a cultura organizacional, para nós, é “o reflexo da essência de uma organização, ou seja, sua personalidade” (MARCHIORI, 2008, p. 94) e, como essência da organização, só pode ser moldada a partir da interação. Por isso, com base na definição de cultura proposta por Geertz (1989) como teia de significados tecida pelo próprio homem, compreendemos cultura organizacional como uma rede de significados atribuídos pelos membros de uma organização às práticas sociais (como os ritos, crenças, valores) no âmbito da organização (BALDISSERA, 2009a), fortemente impactada pela liderança: 868 “...pode-se argumentar que a única coisa de real importância que os líderes fazem é criar e gerenciar a cultura; que o talento único dos líderes é a sua capacidade de entender e trabalhar com a cultura; e que é um ato final de liderança destruir a cultura, quando ela é vista como disfuncional.” (SCHEIN, 2009, p. 10). No entanto, entendemos que a influência dos gestores sobre a cultura organizacional não se opera (unicamente) na defesa das vontades/ visões da organização, mas também numa equação tácita que equilibra forças tensionadas, uma vez que, conforme Baldissera, os objetivos da organização muito provavelmente não são os mesmos objetivos pessoais dos indivíduos que ela emprega (2010a). Face a esta constatação, o trabalho tende a ser não apenas uma fonte de prazer para o empregado (quando possibilita a realização de seus objetivos pessoais: como a realização profissional, a satisfação das necessidades financeiras, a reputação, o reconhecimento, entre outros), mas também pode ser uma causa de sofrimento (ibidem, 2010a), devido à falta de reconhecimento, ansiedade, clima organizacional desfavorável, condições inadequadas de trabalho (tais como temperatura muito alta ou muito baixa, pouca luminosidade, materiais e instrumentos de trabalho insuficientes ou danificados, riscos para segurança do empregado), entre outros fatores. Desta forma, as organizações podem empreender uma comunicação que esclareça seus objetivos aos empregados, e que busque tangibilizar a realização dos objetivos pessoais dos empregados por meio do trabalho, a exemplo de ações como matérias em seus veículos de comunicação, campanhas, prêmios de reconhecimento, comemorações por metas atingidas, participação de resultados, etc. No entanto, a comunicação planejada pela organização (com o intuito de instituir sobre os empregados seus valores e sua interpretação do mundo) é apenas uma das dimensões da comunicação organizacional, pois consideramos que esta última pode ocorrer, ‘pela’, ‘na’ e/ou ‘sobre a’ organização, uma vez que “a partir de seus lugares de fala, articulados em relações de comunicação, os sujeitos atualizam-se como forças e percebem-se construindo e disputando sentidos...” (BALDISSERA, 2010b, p. 69). Como frutos destes tensionamentos, o mesmo autor (ibidem, 2009b) propõe três dimensões da comunicação organizacional, sendo elas: a organização comunicada (ou seja, a fala autorizada, e a oficial, da organização), a organização comunicante (presente nos flu869 xos da comunicação e na atribuição de sentido a partir de falas e demais interações não formais), e a organização falada (o que se fala sobre a organização, à revelia de relação direta com ela). Importante ressaltar que a dimensão da organização comunicante não é tensionada apenas quando um porta-voz autorizado interage com o público. “Toda vez que alguém/algo/alguma coisa tornar a organização presente em uma relação haverá produção e disputa de sentidos, e isso não se restringe aos processos autorizados.” (BALDISSERA, 2010b). No entanto, ainda que não exclusivamente assim acionada, a organização comunicante é também tensionada por meio dos gestores da organização. Seguimos, portanto, nossa abordagem sobre a atuação dos gestores nos processos de comunicação organizacional. O PAPEL DOS GESTORES NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL As lideranças formais das organizações são denominadas grosso modo como “gestores”. Os gestores também são empregados, e muitas vezes somam a suas rotinas atividades operacionais, no entanto se diferem dos demais empregados por terem a responsabilidade de coordenar uma equipe, independentemente da área em que atuam dentro da organização. Seus cargos podem receber diferentes nomenclaturas: gerente, coordenador, supervisor, chefe, líder, e são escolhidos pela alta administração das organizações para assumir a gestão de uma equipe não necessariamente porque exercem liderança naturalmente ou por serem reconhecidos como representantes pelo grupo. O perfil dessas lideranças também tem se modificado substancialmente diante das transformações sociais que reconfiguram o mundo do trabalho. Do ponto de vista das organizações e de suas estratégias para obtenção dos resultados planejados, se antes os gestores basicamente fiscalizavam e comandavam as atividades de trabalho, quase que como os antigos capatazes das fazendas coloniais, e para desempenhar sua função de liderança bastava que fossem bons técnicos na atividade que comandavam e que soubessem mandar; hoje, numa perspectiva que compreende a relação de forças nos processos comunicacionais, na qual o trabalhador não é mais um ente passivo (uma simples etapa da linha de montagem), mas um sujeito intelectualizado e criador do seu próprio trabalho, cada vez mais, as organizações esperam que seus líderes intermedeiem a relação 870 entre elas e os empregados. Por isso, muitas organizações desenvolvem canais de comunicação exclusivos para os gestores6, os quais visam a apoiar os líderes em habilidades de comunicação, assim como informá-los antes, ou de maneira mais completa, sobre questões abordadas nos canais de comunicação que atingem todos os empregados. Assim os gestores teriam subsídios para atuar como incentivadores ou esclarecedores destes assuntos perante suas equipes. Com propósito semelhante, diversos treinamentos7 são oferecidos por consultorias e associações de comunicação e recursos humanos focados em formar e/ou preparar lideranças das organizações, os quais inserem em suas súmulas o papel do líder na comunicação. Entedemos que os gestores representam papeis em suas interações com a equipe, considerando como representação “toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes alguma influência” (GOFFMAN, 1996, p.29). Portanto, nos cabe refletir sobre estes papeis no que tangem os processos de comunicação, e, para tanto, numa visão geral, sem intenção de esgotar a variedade e a análise, descrevemos algumas possibilidades destes papeis que os gestores podem desempenhar, as quais se relacionam com a temática que abordamos neste trabalho. Primeiro, no que tange os interesses da organização, é o gestor quem deve assumir o papel de transmitir/reforçar boa parte das informações estratégicas da organização a sua respectiva equipe. Uma vez que os trabalhadores têm mais condições de avaliar criticamente o que organização divulga em seus canais formais escritos e audiovisuais, caberá aos líderes, por exemplo, argumentar sobre os motivos de um não aumento de salário ou A Pesquisa comunicação interna 2012, divulgada pela Aberje, relaciona a evolução dos canais de comunicação organizacional que são desenvolvidos exclusivamente para os executivos, aqui considerados como gestores de níveis médio e alto na hierarquia organizacional. 6 Como exemplos, elencamos informações sobre cursos que serão realizados nos próximos meses pela Associação Brasileira das Agências de Comunicação, pela Associação Brasileira de Recursos Humanos e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial Nacional. 7 871 de demissões, explicar porque a reforma do showroom é mais urgente do que a do refeitório da fábrica, exemplificar como cada um poderá ajudar a reduzir despesas, decodificar as regras do PPR8 de modo a motivar a equipe a aumentar a produção, entre outros. Por outro lado, mais do que uma transmissão de informações empenhada apenas na instituição das ideias da organização, o segundo papel do gestor que mapeamos pode ser o de tradutor das estratégias, das demandas e dos objetivos da empresa aos empregados, pois ainda que a organização se preocupe com a transmissão de informações por meio de seus canais formais de comunicação com empregados (jornal, newsletter, mural, etc), e que se ocupe com a objetividade das informações transmitidas, muitas vezes é necessário - para que ocorra a compreensão das informações pelos empregados - re-significar o que está expresso nos canais de comunicação, de acordo com as diferentes realidades e atividades de cada setor da empresa: “As relações de comunicação no mundo do trabalho pressupõem a circulação de discursos, enunciados por vozes de diferentes sujeitos e instituições que o compõem. Enunciam-se e circulam diversos discursos, sobretudo, de vários pontos de vista sobre o trabalho e sobre a regulação dele.” (FIGARO, 2014, p. 108) Neste sentido, o gestor pode também facilitar os fluxos de informação que são inerentes ao processo produtivo e que se transformam diariamente para atender a demandas de mercado. Percebendo o empregado como também criador do próprio trabalho, o gestor poderá angariar programas de capacitação junto à alta administração, reuniões e atividades de integração, ou mesmo adaptações na rotina produtiva, de modo que as alterações necessárias à produção sejam também positivas para os trabalhadores. Acrescenta-se ainda que na interação com sua equipe o gestor tem contato com os questionamentos, as críticas, as angústias e insatisfações dos empregados, evidenciando uma conSigla comumente utilizada pelas organizações para definir Programa de Participação de Resultados, expresso geralmente por meio de regras e condições para distribuição dos lucros da organização com os empregados, de acordo com as metas anuais atingidas. 8 872 dição para que exercite o terceiro papel que pontuamos, o de escuta9. Desta forma, o gestor atua também na conquista de espaço para valores e pressupostos considerados importantes pelos empregados, muitas vezes parecendo, para a equipe, ser mais confiável10 do que os canais formais de comunicação da organização. Pode ser que o gestor que não saiba e/ou não seja orientado quanto a seu papel na comunicação da organização. É o que acontece, comumente, em organizações que parecem se ocupar pouco com a comunicação corporativa a este nível, em cujas a rádio corredor é o mais consistente (se não o único) meio de informação para as equipes. Não raro, nestas organizações, os gestores tomam conhecimento de informações a cerca de questões importantes da empresa, por meio de seus funcionários. Retomamos, porém, que mesmo em casos como estes, em que o gestor não atua como mediador (seja por decisão própria ou por ausência de orientação da alta administração) há produção de sentido por parte dos empregados a partir da interação (ou da não interação) com o gestor. Fundamentamos assim, que a relação intermediada pelos gestores é uma das formas assumidas por uma das dimensões mais complexas da comunicação organizacional, a organização comunicante. Complexa, primeiro, porque a fala do gestor, mesmo que planejada e orientada não se compara a peças de comunicação estáticas: quando informando algo sobre a organização e/ou sobre o trabalho para sua equipe, por exemplo, se o fizer de maneira decorada e artificial, o gestor não terá credibilidade perante a equipe. Ele terá sempre de adaptar sua fala a sua própria linguagem caraterística e às particularidades do grupo com o qual interage. Para tanto, se expressa por meio de equipamentos Entendemos como escuta a habilidade que as organizações podem desenvolver no sentido de ouvir ativamente seus públicos. Segundo Sólio as organizações que efetivam a escuta “fazem uma leitura em profundidade de formas de comunicação como a troca de informações convencional (diálogo), o silêncio, a formalidade, informalidade e espontaneidade no relacionamento interpessoal/ intergrupal, o ato falho, o chiste.” (2008, p. 34) 9 Como apontado em pesquisa da Internacional Association of Business Communication (IABC) realizada em empresas norte-americanas, britânicas e canadenses (Prado, 2009). 10 873 de fachada11 intencionais ou mesmo inconscientemente (GOFFMAN, 1996). Segundo, porque como seres constituidores de sua própria cultura, os públicos com os quais interage (ou seja, os empregados de sua equipe) podem atribuir sentidos a tudo o que percebem nessa relação. Portanto, muito mais do que necessária para a obtenção dos resultados das organizações, a interação com empregados por meio dos gestores: a) é inerente aos processos de comunicação organizacional e b) em pouco pode ser controlada, planejada, idealizada pela organização. OS GESTORES E A ORGANIZAÇÃO COMUNICANTE Um exemplo de atuação do gestor na comunicação entre organização e empregados está no artigo integrante de publicação editada pela Aberje em 2013 que aborda a estratégia de uma grande mineradora brasileira para reduzir o número de acidentes fatais no seu quadro de empregados. Tradicionalmente, para resolver tal problema, poder-se-ia pensar na inclusão ‘pesada’ de matérias informativas sobre segurança no trabalho nos prováveis canais de comunicação que esta organização disponibiliza a seus funcionários (mural, jornal interno, por exemplo). No entanto, ainda que isto tenha ocorrido (o artigo em questão não aborda o uso de canais de comunicação pela empresa), a mineradora optou pela realização periódica de um evento chamado “dia de reflexão sobre saúde” (GIACOMO; SCHRECK, 2013, p. 67). Também atualmente, muitas empresas, especialmente as do segmento industrial, realizam todos os dias eventos semelhantes, de curta duração, no início de seus turnos, comumente designados como “DDS” (diálogo diário de segurança) ou siglas semelhantes. A estrutura básica deste tipo de evento, conforme Giacomo e Shcrek, consiste em orientar os líderes (chefes, supervisores, gestores) a parar as atividades de toda a sua equipe e promover uma rodada de conversa sobre a importância da segurança no trabalho e sobre como cada um pode reduzir os riscos de acidentes. E para orientar os líderes nestas situações, a mineradora desenvolveu uma ferramenta própria para os gestores: “vimos que era preciso auxiliar o líder com um Fachada é “parte do desempenho do indivíduo que funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que observam da representação” (GOFFMAN, 1996, p.29), podendo conter elementos conscientes ou não. 11 874 roteiro para a conversa...” (GIACOMO; SCHREK, 2013, p. 66). Desta forma, a organização utiliza mais uma ferramenta na tentativa de assegurar que a conscientização acerca de seus temas importantes chegará a todos os níveis de pessoal por meio da interação. E isso se dá sem sobrecarregar o gestor com tarefas que ele provavelmente não desempenharia bem sem orientação, como o levantamento dos dados que a empresa dispõe e questões específicas sobre segurança, por exemplo. O relato do texto nos leva a crer que o papel do gestor neste exemplo seja o de traduzir a informação, e talvez de realizar uma escuta ativa capaz de entender possíveis dificuldades dos empregados na manutenção de sua própria segurança. Porém, não temos informação suficiente, no texto referido, que nos permita avaliar se – de fato – o evento proporciona o diálogo e participação. Cabe lembrar, a simples realização do processo de comunicação que permita, por sua natureza original, interação presencial (e ativa) não é condição bastante para concluirmos que esta comunicação se dê de forma participativa. Na postura dos gestores, na condução do evento, na valorização dos assuntos e dos pontos levantados pelos empregados em equiparidade aos que são trazidos pela organização, a real natureza do processo comunicacional se revela. Outro exemplo que trazemos é um episódio que ganhou notoriedade nas redes sociais e na mídia de massa no Brasil12 em janeiro de 2015: um ‘pronunciamento da enfermeira-chefe do Hospital de Base de Brasília, seguido de um juramento para o qual a gestora convoca os empregados a repetirem frase por frase. O vídeo13 que registra esse fato te- Matéria publicada no site www.g1.globo.com com link para a reportagem exibida no telejornal Jornal Hoje está disponível em <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/01/no-df-chefe-faz-enfermeiros-jurarem-preservar-aparelho-em-hospital-video.html>. Além disso, outros telejornais de outras emissoras de televisão também veicularam reportagem sobre o fato. 12 Ressaltamos que, como exemplo ilustrativo deste artigo, o episódio é considerado somente a partir de edição do vídeo disponível na Internet no site Youtube e nas matérias que foram ao ar em telejornais de audiência expressiva. Entendemos, contudo, que uma correta análise sobre o fato, bem como sobre as interrelações deste fato com a cultura naquela organização dependem de uma pesquisa aprofundada e contextual junto aos representantes da organização e 13 875 ria sido gravado pela própria enfermeira-chefe, a partir de um aparelho de celular, e postado em uma rede social. O conteúdo de tal pronunciamento e juramento está pautado, ao que se pode inferir, como uma tentativa de obter colaboração daquela equipe em relação à preservação de um novo material – de valor financeiro considerável – que o hospital recebera recentemente. No entanto, o uso de expressões imperativas; o tratamento dispensado pela chefe à equipe (visto que apenas ela se pronuncia e os empregados têm de se submeter as suas ordens e repetir as frases do juramento); a ausência de uma informação concreta que dê conta de que equipamento está se tratando e para que este serve; o tom lúdico, quase infantilizado, com que solicita a todos que ponham a mão no coração para fazer o juramento e com o qual convoca a aceitação da equipe; acreditamos ser suficientes para questionarmos se tal ação surtiu (ou surtirá) o efeito esperado. Uma análise simples14, como a que nos propusemos nesta livre interpretação, é capaz de identificar inconsistências, como, por exemplo, a chefe informar que se trata de um momento histórico para o hospital, mas não fundamentar a importância do equipamento em questão (sua relevância reside somente na alta cifra que custa), além disso, a gestora aos seus empregados de diversos níveis. Enfatizamos: como exemplo para ilustrar a temática que abordamos neste trabalho, não consideramos o vídeo na condição de mídia veiculada na televisão, até porque, nas matérias jornalísticas disponíveis sobre o fato, este encontra-se cortado em algumas partes, e ainda contextualizado com o script do âncora do programa, com a fala do repórter e de pessoas entrevistadas que são envolvidas com o fato. Consideramos esta postagem do vídeo, portanto, como registro de um momento não privado (já que se tratava de uma reunião em grupo que foi filmada pela pessoa que a conduziu). Entendemos que esta postagem é uma versão mais completa do vídeo, sem cortes entre as partes já veiculadas na mídia, uma vez que ângulo, local, sujeitos, sons, tom de voz, tema e trechos são idênticos aos pedaços exibidos nos telejornais como notícia. Entendemos que, como exemplo ilustrativo, não cabe para o objetivo proposto a este estudo uma análise aprofundada do discurso. Apenas a descrição de alguns aspectos bastam para refletirmos sobre este fato na perspectiva de nosso objeto que é o papel dos gestores na comunicação entre organização e empregados. 14 876 não esclarece como deve ser o cuidado com o equipamento, o que não pode ser feito, se ele tem ou não funcionamento semelhante a outros materiais já existentes no hospital. É possível ainda identificar um contexto de acusação para com os empregados, já que o juramento deixa margem para o entendimento de que os enfermeiros são os culpados de possíveis danos já existentes em equipamentos do hospital: “Eu juro que nunca mais...” Além disso, parece ameaça aos empregados a declaração em que a chefe afirma, caso ocorra dano ao equipamento, que “não será nada boazinha”, fazendo parecer que a motivação para o funcionário preservar os bens do hospital seja o medo de sofrer uma represália da chefe e não a consciência sobre sua responsabilidade com o bem público. Diante destes aspectos, a definição mais aproximada – entre as que descrevemos anteriormente – para o papel representado por esta gestora neste ato comunicacional é a de transmitir unilateralmente a vontade e o objetivo (que seria) da organização. Há poucos elementos que exemplifiquem um papel de tradução, como na parte final do juramento, citando uma ação que não deve ser realizada pelos empregados com o novo equipamento. Muito menos o papel de escuta pode ser percebido neste fato, já que os empregados não parecem ter espaço ou não se sentem à vontade para se manifestar. Importa ressaltar que não categorizamos esta iniciativa como ruim. Pelo contrário, especialmente num momento em que casos sérios de corrupção e lavagem de dinheiro estão em pauta no país, a ação de conscientizar (ou de reforçar junto a) funcionários públicos sobre sua responsabilidade com o patrimônio público é - no mínimo - louvável. Mas, ainda que realizada com boas intenções, seus aspectos aqui relatados podem provocar questionamentos ou interpretações negativas sobre a consideração e o respeito da organização para com seus empregados; instauram a dúvida se ameaças, imposição, e a realização de ritual em tom de brincadeira são suficientes para que a organização (ou a gestora) atinja o objetivo de preservar o equipamento. Segundo as matérias veiculadas nos telejornais e nos sites de notícias, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal informou que o o ritual coordenado pela gestora foi uma ação isolada (voluntária) da enfermeira. No entanto, mesmo que esta não tenha sido uma estratégia planejada pela alta gestão do hospital ou pelos órgãos públicos de saúde, como representante da organi877 zação perante os empregados, a fala da gestora tende a ser interpretada pelos seus interlocutores como a fala da organização. CAMPO FÉRTIL PARA INQUIETAÇÕES Ainda que os esforços de muitas organizações sejam voltados para que a influência do gestor nos processos de comunicação resulte unilateralmente na obtenção dos resultados ( financeiros, de produção, estratégicos) da organização, a realidade socioeconômica, especialmente no mundo capitalista, configura um novo perfil do trabalhador. Mesmo que sujeitado ao poder simbólico e econômico da organização empregadora, este novo trabalhador tem condições intelectuais e políticas de questionar muitas das normas e das ações realizadas pela organização para a qual trabalha, o que tende a tornar a relação entre empregados e organização mais participativa, mais coerente com posições e visões que são antogônicas e interdepentes, cavando espaço para a compreensão mútua acerca das informações que permeiam o processo produtivo. Como mediadores nessa relação, os gestores desempenham papel importante nos processos comunicacionais que se estabelecem, disseminando e reforçando valores, normas, informações e atuando na relação de forças que se dá entre estes sujeitos. Neste sentido, há evidências de que algumas organizações já estão ocupando orçamento e tempo para munir os gestores de informações, bem como para prepará-los em sua competência de comunicação. Mas, como num dos exemplos citados, em alguns casos, os gestores ainda não parecem ser/ estar orientados sobre a responsabilidade e os desafios deste papel. Além disso, ainda que orientada pela organização, a interação entre gestores e empregados não pode ser totalmente planejada e controlada pela organização. Como uma manifestação da dimensão da organização comunicante (BALDISSERA, 2009b) ela compreende as subjetividades do gestor e de seus interlocutores, e a partir das diferentes interpretações de acordo com a teia de significados e valores de cada indivíduo. Nessa intermediação, o gestor pode assumir distintos papéis, os quais acolhem implícita ou explicitamente objetivos, funções, lugares de fala. Como proposta de iniciar um levantamento sobre estes possíveis papeis representados pelos gestores, nossa reflexão evidencia ainda espaço para outros estudos que visem investigar questões 878 como: os gestores das organizações têm noção de que devem/podem desempenhar um papel na comunicação com empregados? Em caso afirmativo, consideram-se preparados para esta responsabilidade? Como se percebem desempenhando esse papel? Os gestores acreditam que a empresa lhes proporciona o acesso a ferramentas suficientes para o exercício dessa responsabilidade? Além disso, o aparente investimento realizado por organizações para a capacitação dos gestores pode ser traduzido em desenvolvimento do gestor como sujeito e como mediador de interesses e visões de mundo interdependentes, ou como simples treinamento que aborda técnicas de convencimento e persuasão? E finalmente, em que medida a atuação dos gestores nos processos de comunicação entre a organização e empregados pode influenciar uma cultura organizacional que privilegie o diálogo, o senso crítico e a participação? REFERÊNCIAS BALDISSERA, Rudimar. Comunicação cultura e interação nas organizações. In: MARCHIORI, Marlene (Org). Cultura e interação. São Caetano do Sul: Difusão Editora/ Rio de Janeiro: Senac Rio de Janeiro, 2014, p. 87-99. BALDISSERA, Rudimar. Organizações como complexus de diálogos, subjetividades e significação. In: KUNSCH, Margarida (Org). A comunicação com fator de humanização das organizações. 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Trata-se de parte dos resultados de nossa tese de doutorado, que realizou uma ampla pesquisa em arquivos brasileiros e franceses para identificar e analisar as prescrições de relações públicas em diálogo com o discurso da racionalização do trabalho. Palavras-chave: gestão da comunicação; racionalização do trabalho; prescrições de relações públicas; Brasil; França. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP. Pesquisadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da ECA-USP. Professora do Departamento de Comunicação - Centro de Educação, Comunicação e Artes (CECA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: nociolini@hotmail.com. 1 INTRODUÇÃO Na primeira metade do século XX, os princípios da racionalização do trabalho - representados pelas filosofias taylorista/fordista e da Escola das Relações Humanas - mostraram-se fundamentais na constituição das formas de gestão do trabalho em organizações. Conhecidos como parte integrante do ideário da «Organização Científica do Trabalho», esses princípios foram difundidos amplamente em sociedades capitalistas com processos mais avançados de industrialização e também em outras que ainda estavam em fase inicial de desenvolvimento urbano-industrial, a exemplo do Brasil à época. Em ambos os casos, a doutrina da racionalização do trabalho foi admitida pela classe dirigente - formada por empresários, intelectuais e políticos - como a mais adequada para controlar a realização e a eficiência do trabalho nos ambientes produtivos e apaziguar os conflitos existentes nas relações de trabalho. Tendo isso em vista, entidades promotoras da racionalização do trabalho foram criadas em vários países com o propósito de difundir os preceitos da «Organização Científica do Trabalho» e de tentar convencer a opinião pública a aceitar os princípios da «administração científica» como os mais adequados para a administração de organizações. Para desempenhar esse papel no Brasil, foi criado o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), que, entre as décadas de 1930 e 1960, mostrou-se bastante atuante. Dirigida e apoiada por membros da burguesia industrial, essa entidade procurou organizar e difundir um amplo conjunto de informações sobre a “Organização Científica do Trabalho”, além de possibilitar o compartilhamento de conhecimento entre os interessados na questão. Dentro dessa perspectiva, o IDORT promoveu várias campanhas nacionais e organizou jornadas e congressos internacionais, bem como realizou diversas consultorias para empresas privadas e órgãos governamentais. O IDORT, no entanto, não era uma entidade isolada no Brasil. Ao longo de sua trajetória, o Instituto manteve uma relação estreita com entidades congêneres no exterior, por meio de sua integração ao movimento internacional de organização racional do trabalho, coordenado pelo Comité International de l´Organisation Scientifique (CIOS), criado 884 na década de 1930, em Paris. Não por acaso, na primeira metade do século XX, estabeleceu-se um intercâmbio de informações entre organismos nacionais semelhantes ao IDORT, de diversos países, em torno da corrente de pensamento centrada no delineamento e na difusão da combinatória de métodos e princípios baseada nos ditames da “Organização Científica do Trabalho”, que, por sua vez, focalizava a criação de parâmetros “científicos” e “racionais” para a organização e a gestão do trabalho. Tais parâmetros, propagados pelas entidades ligadas ao CIOS, impuseram uma nova lógica às relações de trabalho nas empresas. Nessa direção, um arsenal de dispositivos foi instaurado a favor da racionalização dos processos produtivos, em especial, aquele direcionado às relações entre indivíduos, grupos e classes no ambiente de trabalho. Uma nova conformação dos relacionamentos entre os diversos níveis hierárquicos mostrou-se essencial para o “bom” funcionamento das organizações, conforme a ótica do patronato. As relações entre chefias e subordinados, trabalhadores e o comando da empresa e entre os próprios trabalhadores ganharam uma nova dimensão. Dentro desse contexto, as entidades promotoras da racionalização do trabalho, como o IDORT, contribuíram para a produção e disseminação de novos modos de regulação social nas empresas, dentre os quais aparece o uso da comunicação. Por meio de um levantamento exaustivo de material produzido pelo IDORT - textos de sua revista institucional e apostilas dos cursos de relações públicas promovidos pelo Instituto -, foi possível identificar um conjunto de prescrições que orientaram a gestão da comunicação nas relações de trabalhos em organizações da época. Ademais, a análise desse material revelou que as prescrições de comunicação em organizações difundidas pelo Instituto brasileiro poderiam estar integradas a um discurso de racionalização compartilhado por outras entidades estrangeiras que atuavam de forma correlata a ele. A partir disso, optamos por concentrar nossos esforços, durante certo momento de nossa pesquisa, em identificar e analisar as prescrições de relações públicas e, consequentemente, de comunicação em empresas, disseminadas por duas entidades congêneres do IDORT na França: o Comité National de l´Organisation Française (CNOF) e a Commission Générale d´Organisation Scientifique (CEGOS). Durante nosso estágio 885 doutoral (doutorado-sanduíche) na cidade de Paris, realizamos um aprofundado levantamento de textos sobre relações públicas publicados por ambas as entidades francesas. Coletado sobretudo na Bibliothèque nationale de France (BnF), esse material revelou muitos pontos de contato entre os ditames presentes no discurso do IDORT e das entidades francesas CNOF e CEGOS. Desse modo, os resultados de nossa pesquisa mostram que há convergências importantes entre as abordagens brasileira e francesa sobre a gestão da comunicação no trabalho, evidenciadas sobretudo no material analisado da década de 1950. Dentro desse contexto, este artigo procura trazer informações fundamentais para o conhecimento e a compreensão dos ditames que nortearam a gestão da comunicação nas relações de trabalho em organizações, em especial no Brasil, na primeira metade do século XX. Trata-se de reflexões integrantes de nossa tese de doutorado, que se propôs a estudar as prescrições de comunicação em relação aos princípios da racionalização do trabalho, orientadores da principal lógica de organização e gestão do trabalho em empresas no Brasil, no período de 1930 a 1960, tendo por base o discurso do Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT). As análises dispostas no estudo demonstram a plausibilidade de duas hipóteses que guiaram a tese: o desenvolvimento da atividade de relações públicas no Brasil recebeu influência dos princípios da racionalização do trabalho admitidos pelo IDORT e a gênese das prescrições de comunicação nas relações de trabalho em organizações apresenta relação direta com os mesmos princípios. A tese referida intitula-se “Prescrições de comunicação e racionalização do trabalho: os ditames de relações públicas em diálogo com o discurso do IDORT (anos 19301960) e foi defendida recentemente, em abril de 2014, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM da ECA-USP). Esse estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio de concessão de bolsa de doutorado. Para este artigo, optamos por apresentar e discutir, mesmo que de modo sucinto, sobre os ditames que orientaram as prescrições de relações públicas identificados no material levantado, considerando que 886 essas prescrições são representativas do modelo de gestão da comunicação nas relações de trabalho em organizações admitido na primeira metade do século XX. Diante disso, a composição deste artigo apresenta três momentos. Inicialmente, mostraremos o percurso de investigação da pesquisa em arquivos brasileiros e franceses. Em seguida, trataremos das filosofias de trabalho constituintes do processo de racionalização, que nortearam a gestão da comunicação nas relações de trabalho à época. E, por fim, discutiremos sobre parte das prescrições de relações públicas identificadas e analisadas na tese. CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA EM ARQUIVOS BRASILEIROS E FRANCESES Nosso estudo guiou-se, em grande medida, pela investigação em arquivos que oferecessem material suficiente para criarmos o corpus da pesquisa sobre as prescrições de comunicação em organizações no contexto da racionalização do trabalho. Tendo isso em vista, tomamos conhecimento do «fundo IDORT», conservado pelo Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Constituído por um extenso conjunto de documentos, doado pelo próprio IDORT à UNICAMP na década de 1980, o acervo foi disponibilizado para consulta pública no início dos anos 1990, após ter sido inventariado sob a coordenação do professor, sociólogo e estudioso do mundo do trabalho Ricardo Antunes. A documentação contempla relatórios e correspondências da entidade com data entre 1931 e 1961, apostilas produzidas a partir dos cursos oferecidos pelo IDORT (de temas variados) e sua participação em diversos eventos no período de 1934 e 1974. O AEL também guarda grande parte dos números da revista institucional publicada pelo IDORT, desde 1932 até final da década de 1950. Dentre todo esse material produzido pelo IDORT, dois documentos mostraram-se fundamentais para a composição do corpus de nossa pesquisa: os textos sobre relações públicas publicados na revista institucional do Instituto e as apostilas produzidas com base nos cursos de relações públicas promovidos pela entidade. 887 Quanto à revista institucional do IDORT, consultamos todos os números publicados entre 1932 e 1959. O AEL da UNICAMP foi a principal fonte de levantamento do material no Brasil, mas não a única. Apesar desse Arquivo contemplar boa parte da coleção da revista do IDORT, ele dispõe dos números publicados até o ano 1957. Com base nessa realidade, foi preciso consultar acervos de outras instituições para continuar a investigação, haja vista que o objetivo era realizar um levantamento de textos que contemplasse todos os número do periódico até final da década de 1960. Desse modo, essa etapa continuou na Biblioteca da FEAUSP, onde pudemos acessar os números da revista publicados entre 1958 e 1969, com exceção dos anos 1963 e 1966. Especificamente quanto a esses dois anos, ainda foi preciso consultar o acervo da Biblioteca do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP. Já no que se refere às apostilas de relações públicas, identificamos doze delas, produzidas e difundidas nos anos 1950 e 1960, cujas referências são: (a) curso de iniciação às relações públicas (autoria: Mario Sassi); (b) curso de relações públicas (autoria: Celso Lobo da Costa Carvalho); (c) curso de relações públicas - nível I (autoria: Candido Teobaldo de Souza Andrade); (d) curso de relações públicas - nível II, duas versões com datas distintas, provavelmente porque o curso foi ministrado mais de uma vez (autoria: Candido Teobaldo de Souza Andrade); (e) curso de relações públicas - nível III, duas versões com datas distintas (autoria: Candido Teobaldo de Souza Andrade); ( f) curso de relações públicas e comunicação com o pessoal (autoria: Candido Teobaldo de Souza Andrade e Joel Barbosa); (g) Curso de relações públicas na Força pública de São Paulo (autoria: Amaury Morais de Maria); (h) Curso de relações públicas, sendo que são duas apostilas com datas distintas, mas do mesmo autor (autoria: Amaury Morais de Maria); (i) curso de relações públicas (autoria: Rubens José de Castro Albuquerque). Todo esse material levantado em acervos brasileiros, de fato, pode ser considerado o principal corpus da pesquisa, pois é por meio dele que conseguimos criar um percurso de análise e de interpretação coerente com os objetivos e as hipóteses da tese. A leitura desse material, no entanto, nos instigou a continuar mais um pouco esse trabalho de identificação e de coleta de documentos que poderiam contribuir para a discussão central da pesquisa. 888 Enquanto tomávamos conhecimento da trajetória do IDORT, soubemos que o Instituto brasileiro participava ativamente do movimento mundial de racionalização do trabalho liderado inicialmente pelo Institut International d’Organisation Scientifique du Travail (IIOST) (até 1934) e posteriormente pelo Comité International d´Organisation Scientifique (CIOS). Tratava-se de um movimento que congregava várias entidades congêneres do IDORT, de nacionalidades distintas, com o propósito principal de criar um discurso hegemônico sobre a racionalização por meio do intercâmbio de informações entre elas. Dentre as entidades estrangeiras, duas despertaram nossa atenção por demonstrarem interesse na atividade de relações públicas: o Comité National de l’Organisation Française (CNOF) e a Commission Générale d’Organisation Scientifique (CEGOS). Ambas, entidades francesas, assim como o IDORT e no mesmo período - anos 1950 e 1960 - desenvolveram ações para divulgar as relações públicas dentro do propósito da racionalização do trabalho, aliando o uso da comunicação que essa atividade propunha aos princípios da «Organização Científica do Trabalho». Diante disso, fizemos um estágio de pesquisa na cidade de Paris, França, para realizar um levantamento de documentos produzidos pelo CNOF e pela CEGOS no que diz respeito às relações públicas. Nosso estágio de pesquisa doutoral na França foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio de concessão de bolsa de doze meses (proc. 2012/ 04335-4), de julho/2012 a agosto/2013. Ainda no Brasil, investigamos as bases digitais de acervos franceses e descobrimos a existência de material produzido pelas entidades disponível para consulta na Bibliothèque nationale de France (BnF). Após conseguirmos superar os procedimentos burocráticos de acesso ao material na BnF, pudemos utilizar seu espaço reservado aos pesquisadores e iniciar a identificação dos textos. Consultamos uma série de documentos produzidos pelo CNOF e pela CEGOS e identificamos aqueles que tratam sobre relações públicas. O resultado dessa investigação inicial revelou-se positivamente acima da expectativa prevista no plano inicial. No caso do CNOF, seu periódico Revue mensuelle de l’organisation mostrou integrar textos diretamente relacionados ao assunto. Diante disso, realizamos a leitura de todos os números dessa revista mensal do período de 1950 a 1969 e separamos os textos que, à primeira vista, inte889 ressavam à pesquisa. A lista completa dos textos levantados nos acervos brasileiros e franceses está disponível em nossa tese, que pode ser acessada no site “Teses USP”. Quanto à CEGOS, descobrimos duas valiosas publicações de sua autoria, oriundas de jornadas de relações públicas que promoveu nos anos 1950. Trata-se de publicações que reúnem um conjunto de textos dos conferencistas que participaram desses eventos: 1) Les journées d´études de la Cégos: 20, 21, 22 avril 1953. Pratiques des relations publiques: experiénces. Paris: Éditions Hommes et Techiniques, 1953. 2) Les journées d´études de la Cégos: 6 et 7 avril 1959. Techniques actuelles de relations publiques. Neuilly - sur-Seine: Éditions Hommes et Techiniques, 1959. O levantamento documental, tanto no Brasil como na França, foi fundamental no desenvolvimento da íntegra da pesquisa. Optou-se por explorar o corpus de modo que ele aparecesse como motriz das análises realizadas e como elemento imprescindível para a mobilização dos objetivos e das hipóteses do estudo ao longo do desenvolvimento da tese. Decidiu-se pelo modo de tratamento desse material - parte do corpus da pesquisa integral - que não se limitasse ao ponto de vista já estabelecido por seu conteúdo. Tratar o corpus como um conjunto de textos que transmitem ideias pré-concebidas e procurar descrevê-los para ilustrar seus dizeres não seria suficiente aos objetivos e às hipóteses da pesquisa. Dentro dessa abordagem, é possível dizer que a forma escolhida para a mobilização do corpus, de certo modo, filia-se aos princípios gerais da Análise do Discurso de linha francesa (AD), embora não seja uma pesquisa de AD stricto sensu. A Análise do Discurso é admitida no desenvolvimento do percurso teórico-metodológico da pesquisa em questão devido ao olhar específico que ela coloca nos textos, mostrando a relevância de tentar compreendê-los dentro do contexto sócio-político e ideológico que produz sua discursividade. Pode-se afirmar que os princípios da Análise do Discurso apresentam-se significativos na medida em que contribuem para a constituição de uma prática de leitura do material levantado coerente com os propósitos da pesquisa. Concordamos, por exemplo, com a linguista Eni 890 Orlandi, uma das principais difusoras dos conceitos da AD no Brasil, quando ela afirma que «a natureza dos materiais analisados, a questão colocada, as diferentes teorias dos distintos campos disciplinares - tudo isso constitui o dispositivo analítico» (ORLANDI, 1999, p. 28). A leitura dos textos levantados e uma análise inicial, dispostas a compreender esse material na sua integralidade, revelou uma convivência bastante curiosa entre a noção de relações públicas e os princípios da racionalização do trabalho. Verificou-se a presença de um ponto de vista sobre essa questão já articulado pelo próprio material. Dito de outro modo, havia um determinado entendimento sobre essa inter-relação já posto pelos dizeres dos textos. Por outro lado, procurou-se não admitir tal ponto de vista como o único possível de se analisar, de modo que não fossem ignoradas outras possibilidades de entendimento das prescrições de relações públicas dentro do contexto da racionalização do trabalho, os quais não são sempre colocados em evidência pelo material. A GESTÃO DO TRABALHO SOB A FILOSOFIA DA «ORGANIZAÇÃO CIENTÍFICA DO TRABALHO» As entidades promotoras da racionalização do trabalho propagavam a ideia de determinação «científica» das formas de organização e gestão do trabalho, pois consideravam que somente o planejamento e a realização do trabalho baseados em técnicas e princípios estabelecidos pela gerência e pelos controladores do capital seriam os mais eficientes para o aumento da produtividade dentro das empresas. Conforme essa abordagem, a lógica de administração do trabalho aceita e difundida pelo IDORT e pelas entidades francesas CNOF e CEGOS esteve baseada em ditames estabelecidos por uma certa racionalidade considerada a mais adequada aos objetivos de modernização das relações de produção. O ideário taylorista, nesse sentido, mostrou-se como a opção mais favorável aos interesses da classe industrial, numa ajustada compatibilidade com o projeto de expansão do capitalismo naquele momento. Entretanto, outras doutrinas desenvolvidas e disseminadas, sobretudo na primeira metade do século XX, também foram reconhecidas pelas entidades promotoras da racionalização do trabalho como aliadas a uma ordem social, considerada necessária para o acúmulo de capital e 891 para a industrialização do país. Duas delas mostraram-se importantes: o fordismo e a Escola das Relações Humanas. Trata-se de doutrinas que, juntamente com o taylorismo, mobilizaram ditames e técnicas motrizes desse intenso processo de racionalização do trabalho. No cruzamento de fundamentos e intenções em comum de tais formas de gestão e organização do trabalho, padrões e normas são estabelecidos pela sociedade. É sabido que a doutrina da «administração científica» ou «Organização Científica do Trabalho», muito propagada pela expressão «taylorismo», devido ao seu criador, o norte-americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915), estabeleceu, no final do século XIX, um ideário seguido e ratificado, em muitos de seus aspectos, por outras tendências. Tendo em vista o propósito de aumentar o rendimento dos trabalhadores em prol do aumento da produtividade na empresa norte-americana em que atuava como contramestre - a Midvale Steel -, Taylor estabeleceu parâmetros para a organização e gestão do trabalho que seriam conhecidos e aplicados em outros organismos e em outros países, além dos Estados Unidos, tempos depois. Trata-se de princípios e métodos (técnicas) que fazem da «administração científica» um sistema racionalizador do trabalho com algumas distinções significativas dos sistemas de administração precedentes a ele. Em sua obra mais célebre, intitulada «Princípios da administração científica», Taylor esforça-se por sistematizar seu pensamento e apresenta ao leitor os fundamentos de sua filosofia. Filosofia, esta, centrada especialmente na relação de «cordialidade» entre aqueles que «planejam» e os que «executam» o trabalho (TAYLOR, 2013). Recomenda-se, dentro da ótica taylorista, que cada tarefa a ser desempenhada pelo trabalhador seja inteiramente pensada pela gerência. Deve-se detalhar a tarefa ao especificar o que fazer, como fazer e em quanto tempo realizar. À direção é atribuída toda a responsabilidade de pensar, de antecipar a realização do trabalho de seus subordinados: «quase todos os atos dos trabalhadores devem ser precedidos de atividades preparatórias da direção, que habilitam os operários a fazerem seu trabalho mais rápido e melhor do que em qualquer outro caso» (TAYLOR, 1987, p. 43). Taylor compreendia o princípio da separação entre concepção e execução do trabalho como uma forma de «cooperação» entre a dire892 ção e o trabalhador, essencial à «administração científica». Enquanto a direção ficasse responsável por planejar o trabalho, os trabalhadores contribuiriam com a sua execução mais fiel possível ao que lhe foi instruído, pois: «um tipo de homem é necessário para planejar e outro tipo diferente para executar o trabalho» (TAYLOR, 1987, p. 52). Nessa perspectiva, simplifica-se o trabalho em instruções consideradas possíveis de serem compreendidas e assimiladas pelo trabalhador. O indivíduo, em última instância, é considerado um ser incapaz intelectualmente de pensar o processo de trabalho e de realizá-lo sem o auxílio da gerência. Frederick W. Taylor insiste que a «administração científica» exige «cooperação íntima e cordial» na nova divisão de responsabilidades entre aqueles que planejam e os que devem executar o trabalho. Esse sistema compreenderia uma combinação complexa de elementos que demanda «harmonia, em vez de discórdia», «cooperação, não individualismo», enfim, «ciência, em lugar de empirismo» (TAYLOR, 1987, p. 128). No caso do Brasil, quando se toma conhecimento do percurso do IDORT, é de se supor que o taylorismo difundiu-se por meio da atuação de industriais paulistas, a partir do começo dos anos 1930. Mas, conforme indica Nilton Vargas (1985), é a partir dos anos 1950 que os princípios tayloristas são apropriados, de modo mais evidente, pela classe dirigente nacional. Os aspectos do ideário taylorista eram considerados úteis para a elaboração de uma ideologia adequada à proposta de uma sociedade industrial, urbana, calcada no modelo capitalista e em suas exigências de produção e acúmulo de capital. A formação e a reprodução de mão de obra nacional era, dentro desse contexto, um dos elementos de maior interesse à classe dirigente. Outro engenheiro norte-americano e contemporâneo de Frederick W. Taylor também esteve interessado em criar fundamentos e métodos para submeter o trabalhador a modos de trabalhar extremamente racionalizados de maneira «consensual». Trata-se de Henry Ford (18621947), que, assim como Taylor, procurou criar parâmetros para planejar e controlar o processo de trabalho. Significativo aspecto do ideário de Ford dizia respeito a como «educar» a mão de obra a fim de adaptá-la ao seu método de produção, que exigia grande disciplina e engajamento físico e psíquico do trabalhador para um melhor desempenho em termos de produtividade. As 893 «iniciativas educativas» propagadas pelo Fordismo, conforme expressão cunhada por Gramsci (2008), referem-se às maneiras pensadas pela classe empresarial para aumentar o dito «bem-estar» social da classe trabalhadora como uma maneira de conseguir mais engajamento de sua parte no rendimento do trabalho. Serviços sociais e atividades de recreação e lazer começaram a ser oferecidos aos trabalhadores na tentativa de impor a eles valores considerados adequados pela classe dirigente. Conforme lembra José Roberto Heloani (1994), o modelo fordista não se preocupava somente em disciplinar a força de trabalho dentro do espaço fabril, mas, inclusive, estendia-se fora dele. Assim como Taylor, Ford procurou aumentar a especialização das tarefas no trabalho, simplificando-as a tal ponto que qualquer pessoa poderia executá-las a partir de instruções, das normas emitidas, pelos empregadores. Ambos mostraram-se pouco valorizadores da especificidade humana na realização do trabalho e ignoravam o ponto de vista do trabalhador no processo de trabalho. O processo de racionalização do trabalho do sistema taylorista/ fordista apresenta características de cunho essencialmente mecanicistas. Sob essa ótica, o ser humano é compreendido, sobremaneira, por meio de aspectos fisiológicos, econômicos e técnicos. No período entre as Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, entretanto, as condições de trabalho e o trabalhador foram investigados em outra perspectiva. Para um grupo de pesquisadores norte-americanos interessava estudar o que chamaram de «fator humano» dentro do processo produtivo. Uma série de experiências com o propósito de analisar o indivíduo no trabalho foram realizadas na usina de Hawthorne da Western Eletric Company, entre 1924 e 1932. Algumas dessas experiências foram dirigidas por engenheiros do Massachussett Institute of Technology. As mais conhecidas dessas são as investigações coordenadas por Elton Mayo, que, posteriormente, tornariam referência para inúmeros estudos de sociologia do trabalho, da sociologia industrial e da psicossociologia. Em especial, os experimentos de Mayo originaram a Escola das Relações Humanas, cujos fundamentos configuraram as diretrizes de gestão de pessoal associada às políticas do management, a partir dos anos 1940. Essa tendência buscava agir sobre o comportamento 894 e a motivação dos trabalhadores a fim de explorar a dimensão social das relações entre os indivíduos e o sistema produtivo nas empresas (DESMAREZ, 1986). O trabalhador, na perspectiva das «relações humanas», deveria ser compreendido como um ser humano constituído de «sentimentos» e com necessidades «psicológicas» e «sociais» que ultrapassam necessidades econômicas e materiais, tais como o recebimento de um salário ou de gratificações financeiras relacionadas ao rendimento de seu trabalho (PILLON; VATIN, 2003). Tendo isso em vista, questões subjetivas como o comportamento e a motivação dos trabalhadores tornaram-se centrais no contexto da racionalização do trabalho. Aparentemente, pode-se supor que o movimento das «relações humanas» é considerado uma reação ou uma oposição aos princípios e métodos tayloristas. No entanto, Desmarez (1986), assim como Braverman (1987), questionam esse posicionamento. Ambos compreendem que tal perspectiva complementa a doutrina da «administração científica». Pois ela não critica os fundamentos desse tipo de organização do trabalho, mas, sim, os meios de submeter os trabalhadores a essa lógica. O processo de organização e gestão do trabalho trazido pelo taylorismo é considerado algo inelutável. A preocupação de Elton Mayo e sua equipe seria, portanto, de oferecer instrumentos para a «gestão social» dos trabalhadores face ao modo de realizar o trabalho, num contexto já estabelecido pela «administração científica». Pode-se dizer que, de modo adaptado aos contextos sociopolítico e econômico do Brasil e da França, todas essas filosofias de gestão do trabalho foram assimiladas e propagadas pelo IDORT e pelas entidades francesas CNOF e CEGOS, cujos princípios influenciavam as formas de gestão e organização do trabalho e de controle social das relações entre trabalhadores e a direção de empresas praticadas por parcela significativa do empresariado. Nesse sentido, o encontro do IDORT, do CNOF e da CEGOS com a atividade de relações públicas, sobretudo a partir dos anos 1950, mostrou-se representativo dentro desse cenário. PRESCRIÇÕES DE RELAÇÕES PÚBLICAS NA GESTÃO DO TRABALHO Conforme indicado antes, a atuação similar, e, sobretudo, dentro de um mesmo período histórico, do IDORT e das entidades francesas 895 CNOF e CEGOS na difusão dos princípios de relações públicas não se trata de uma mera coincidência. Pode-se dizer que o interesse comum dessas entidades promotoras da racionalização pelas relações públicas deu-se, principalmente, devido ao teor da natureza «conciliadora» dessa atividade que se formulava naquela época. A incorporação de princípios e métodos, alinhados às doutrinas da «Organização Científica do Trabalho», por organizações privadas e governamentais acirravam os conflitos no contexto da gestão do trabalho. Não surpreendentemente, os trabalhadores resistiram a certos modos de realização do trabalho e de comportamentos impostos a eles. Tendo isso em vista, a filosofia de «harmonização» admitida pelas relações públicas mostrava-se conveniente à necessidade do processo de racionalização de amenizar os embates nas relações internas aos espaços produtivos. Seja no Brasil ou na França, o discurso sobre a relevância das relações públicas à conformação de determinadas formas de gestão do trabalho, filiadas às doutrinas taylorista, fordista e da Escola das Relações Humanas, foi constituído com base em aspectos basilares da atividade difundidos em ambos os países. Mais especificamente na década de 1950, influentes propagadores das relações públicas justificavam a coerência da filosofia das relações públicas aos princípios da racionalização do trabalho. No caso do Brasil, por exemplo, o norte-americano Eric Carlson, consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) e especialista em relações públicas, esteve no país, no ano de 1953, para ministrar cursos e conferências sobre o tema. Em conformidade com a configuração do entendimento sobre gestão do trabalho que se formou após o final da Segunda Guerra Mundial, atualizada com base em orientações de gestão de pessoas menos autoritárias e mais integradas aos aspectos “psicológicos” do trabalhador, isto é, às orientações constituídas em acordo à filosofia das “relações humanas”, Carlson apresenta as relações públicas aos membros do IDORT como a atividade que poderia ajudar a administrar o “fator humano” nas relações de trabalho. Foram três as conferências concedidas pelo norte-americano aos membros do Instituto na ocasião de sua vinda ao Brasil. Carlson havia sido convidado para ministrar um curso específico de relações públicas na Escola Brasileira de Administração Pública (Ebap) da Fundação 896 Getúlio Vargas, localizada na cidade do Rio de Janeiro, estendendo sua estadia a convite de membros do Instituto, para visita à cidade de São Paulo. Com o apoio da empresa São Paulo Trainway, Light and Power Companhia Ltda. ( futura Eletropaulo), o IDORT promoveu as seguintes palestras de Eric Carlson nos dias 6, 7 e 10 de julho de 1953, no auditório do Banco Nacional Interamericano: (1) O papel das relações públicas na racionalização do trabalho; (2) Relações públicas e suas responsabilidades na administração e organização administrativa; e (3) Criação de um clima de opinião pública favorável à produtividade e ao trabalho de cooperação entre a administração e os trabalhadores. Já na França, em 1951, Lucien Matrat, em parceria com Alec Carin, publicou uma obra considerada pioneira no contexto dos estudos sobre as relações públicas. Intitulado Les public-relations: moteur de productivité, esse livro procurou mostrar argumentos que, segundo seus autores, poderiam demonstrar a relação direta entre a atividade de relações públicas e o aumento de produtividade nas empresas. Convém notar que, dentro desse propósito, tal publicação traz questões que revelam, de certa forma, o entendimento que se demonstrava à época sobre as orientações de relações públicas no tocante à administração das relações de trabalho. Pode-se dizer que as recomendações de relações públicas difundidas por Eric Carlson, no Brasil, e por Lucien Matrat, na França, fazem parte de um contexto mais abrangente de orientações de comunicação nas relações de trabalho em organizações, que foram produzidas e postas em circulação por um conjunto de indivíduos e instituições num momento decisivo de (re)configuração da racionalização do trabalho em ambos os países. O material produzido pelo IDORT, pelo CNOF e pela CEGOS - levantado em nossa pesquisa - indica uma série desses ditames de relações públicas adequados aos princípios da racionalização do trabalho. Trata-se de preceitos que procuram conceber um conjunto de valores sociais e de regras de comportamento aos trabalhadores, dentre os mais diversificados níveis hierárquicos. Estamos falando de “prescrições” que compõem o discurso de comunicação nas relações de trabalho em organizações, produzidas no embate de relações de produção e de força engendrado em condições sócio-econômicas e políticas determinadas pelo curso da história. Isto é, são enunciados compostos, dispostos e di897 fundidos em campos de trocas simbólicas, materializados em discursos que, no caso de nosso estudo, são representativos de um tipo de compreensão sobre a gestão da comunicação atrelada aos princípios da racionalização do trabalho em empresas. Tendo isso em vista, tratar de prescrições de relações públicas é falar de recomendações e orientações consideradas obrigatórias para a conformação de um determinado modo de pensar e ordenar as relações sociais em situações de trabalho. Yves Schwartz e Louis Durrive (2010) explicam que a realização do trabalho demanda sempre “um prescrito, um conjunto de objetivos, de procedimentos, de regras - relativos aos resultados esperados e às maneiras de obtê-los. Quem prescreve? Em termos gerais, é a sociedade quem prescreve” (SCHWARTZ, DURRIVE, 2010, p. 68). Admitir que é a sociedade quem prescreve o trabalho é levar em conta que o trabalhador está sempre suscetível às várias pressões e injunções, de origens variadas, que influenciam os objetivos a serem alcançados e as formas de consegui-los na realização do trabalho (DANIELLOU, 2002). As prescrições de relações públicas, alinhadas à essa abordagem, podem ser consideradas prescrições sob o “modo de pensar”, conforme ideia pensada originalmente por François Daniellou (2002). Sob essa perspectiva, apresentaremos, de modo sucinto, algumas dessas prescrições identificadas no corpus de nossa pesquisa. No que diz respeito aos textos publicados pelo CNOF e pela CEGOS, observa-se uma série de posicionamentos políticos compartilhados entre seus produtores. Seus modos de conceber a vida em sociedade denunciam uma ideologia integrada à tentativa de escamotear os conflitos presentes nas relações entre capital e trabalho. Percebe-se um cenário construído em torno de ditames progressistas e civilizatórios que conduzem a pontos de vista defendidos como positivos ao bem-estar do homem na sociedade. Porém, o confronto entre os indivíduos é reprovado e contesta-se, num cunho plenamente moralista, qualquer comportamento ou atitude que possa lançar discórdia na sociedade e nas empresas. Existe uma tentativa contínua de evitar situações de tensão. Ao mesmo tempo, reivindica-se mais atenção às condições dos indivíduos nas organizações; àqueles que propiciam sua existência e o seu 898 funcionamento. As recomendações quanto ao tratamento que deve ser dado aos trabalhadores são formuladas em torno de ditames, tais como: mais atenção às suas necessidades psicológicas, mais respeito e dignidade, menos atitudes autoritárias e coercitivas. É como se houvesse um desejo generalizado por criar um contexto nas organizações, livre de agitações e de perturbações. Seria a formulação de um ambiente de harmonia, em que os indivíduos possam concentrar todos os seus esforços na realização de seu trabalho de modo a serem os mais eficazes possível. A atividade de relações públicas e o uso da comunicação nas organizações são apropriados como uma maneira eficiente de acomodar e fazer valer todas essas condições em favor de uma conjuntura pensada a partir dos princípios da racionalização do trabalho. Dentre as prescrições identificadas no material francês são recorrentes as seguintes: (1) apelo à «verdade», ou seja, as relações entre os homens na sociedade, entre o Estado e os cidadãos, entre empresas e trabalhadores deveriam estar pautadas por uma espécie de honestidade e de transparência; (2) objetividade da informação; (3) funcionário permanentemente informado sobre o funcionamento da empresa; (4) diálogo entre trabalhadores e o comando das organizações e entre chefias e subordinados; (5) a atividade de relações públicas e a comunicação consideradas um novo meio de administração da empresa. No que se refere ao material brasileiro, em especial às apostilas oriundas dos cursos de relações públicas promovidos pelo IDORT, pensamos em seis categorias de análise das prescrições de relações públicas oriundas da análise do corpus em questão que, a nosso ver, são capazes de potencializar reflexões fundamentais quanto à constituição dessas prescrições em relação ao discurso de racionalização do trabalho difundido e legitimado pelo IDORT no Brasil. As categorias de análise propostas foram as seguintes: 1) relação entre as organizações e seus empregados por meio de interesses mútuos; 2) «boas relações» entre chefias e subordinados; 3) identificação dos interesses dos trabalhadores; 4) garantia de compreensão das informações transmitidas pela empresa aos trabalhadores; 5) integração do trabalhador ao ambiente das organizações; 6) fases do planejamento da atividade de relações públicas no contexto da organização e gestão do trabalho. 899 Em linhas gerais, o desenvolvimento dessas categorias demonstram determinados pontos em comum no que diz respeito ao uso prescrito da comunicação na administração das relações entre trabalhadores e o comando das organizações, sendo que a apologia à doutrina das «relações humanas» ganhou destaque dentro desse contexto. É sabido que os princípios das “relações humanas” foram retomados pelo discurso da racionalização do trabalho, a partir da segunda metade dos anos 1940, de modo a conduzir, em grande medida, o próprio discurso do IDORT nas duas décadas seguintes. A filosofia propagadora do “fator humano” no trabalho trouxe novos elementos para a argumentação dos agentes da racionalização, em benefício de um maior controle social dos trabalhadores nas organizações. E como é discutido em nossa pesquisa de doutorado, a filosofia das relações públicas encontrou-se com os ditames das “relações humanas” no próprio discurso da racionalização difundido pelo IDORT. Nossa análise procurou mostrar que os princípios das “relações humanas” estariam bem conectados à noção de relações públicas. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com o que indicamos no início deste artigo, nosso principal propósito foi tratar sobre os ditames que orientaram a constituição das prescrições de relações públicas identificadas no material brasileiro e francês levantado e analisado em nossa pesquisa de doutorado. Diante disso, mesmo que de maneira sintética, falamos e procuramos refletir sobre as filosofias de trabalho constituintes do processo de racionalização do trabalho que guiaram a gestão da comunicação nas relações de trabalho em organizações, na primeira metade do século XX. No caso, tratamos dos preceitos tayloristas, fordistas e da Escola das Relações Humanas. Ademais, abordamos algumas das prescrições de relações públicas identificadas e analisadas em nossa tese. Certamente, um entendimento mais amplo e aprofundado sobre a pesquisa pode ser alcançado com a leitura da tese em sua íntegra. De qualquer forma, entende-se que a apresentação - mesmo que introdutória - sobre o objeto de estudo e sobre o corpus da pesquisa realizada pode contribuir para dois pontos considerados por nós fundamentais para o avanço das pesquisas científicas sobre a gestão da comunicação 900 no trabalho em organizações: (1) investigações de cunho histórico, por meio de identificação e análise de documentos primários, são valiosas para melhor compreendermos as bases constitutivas dos discursos do tempo presente e (2) tratar de gestão da comunicação nas relações de trabalho em organizações demanda uma relação mais próxima com os temas do mundo do trabalho, ainda ignorados por significativa parte dos estudiosos do campo da Comunicação interessados na questão. REFERÊNCIAS BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1987. CARIN, Alec; MATRAT, Lucien. Les public-relations : moteur de productivité. Paris: Éd. Elzevier, 1951. DANIELLOU, François. Le travail des prescriptions. 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PILLON, Thierry; VATIN, François. Traité de Sociologie du Travail. Toulouse: Octares, 2007. 901 TAYLOR, Frederick W. Princípios da administração científica. São Paulo: Atlas, 1978. TAYLOR, Frederick W. Comment réconcilier patrons et travailleurs. Extraits de The Principles of Scientific Management, traduits, présentés et annotés par Igor Martinache. Paris: Alternatives Économiques, 2013. VARGAS, Nilton. Gênese e difusão do taylorismo no Brasil. In: ANPOCS. Ciências Sociais Hoje. Anuário de antropologia, política e sociologia. São Paulo: Cortez, 1985. p.155-190. 902 | 14 | ESPIRAIS DO SILÊNCIO E GOVERNANÇA NA COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS Rozália Del Gáudio e Paulo Henrique Leal Soares1 RESUMO Neste artigo discutimos do ponto de vista teórico aspectos de governança para a Comunicação com Empregados, compreendida como um dos processos mais nevrálgicos e complexos para o sucesso organizacional. Em um mundo de múltiplas vozes e no qual o nível de influência dos empregados na reputação das organizações ganha mais importância, as ações voltadas para o compartilhamento de informações e criação de ambiente de alta performance encontram-se desafiadas a se reinventar. Assim, buscamos compreender modelos mais efetivos para ampliar as condições de diálogo no interior das companhias e driblar as Rozália Del Gáudio, Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Paris 1 – Panthéon Sorbonne, onde também obteve o Master em Antropologia e Sociologia, Mestra em Administração de Empresas e Bacharel em Comunicação Social/ Jornalismo pela UFMG; Professora do MBA Aberje ESEG de Gestão da Comunicação Empresarial e Gerente Sênior de Comunicação da C&A no Brasil – rozalia. delgaudio@uol.com.br . Paulo Henrique Leal Soares, Mestre em Comunicação pela PUC Minas, Graduado em Comunicação Social / Publicidade e Propaganda pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, Especialista em Comunicação Organizacional pela Universidade Federal do Maranhão e em Comunicação Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Diretor de Comunicação da Vale S.A. e do Capítulo Regional Rio de Janeiro da ABERJE - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, Membro da IABC (Associação Internacional de Comunicadores Empresariais) e do Instituto de Reputação Brasil - paulohenriquelealsoares@gmail.com 1 possíveis espirais de silêncio que processos ancorados no paradigma informacional podem gerar. Palavras-chave: Comunicação com Empregados; Governança; Espiral do Silêncio. DO MODELO INFORMACIONAL AO DIÁLOGO – DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS A comunicação é inerente ao ser humano e às organizações. Dentro do ambiente empresarial, estruturas formais buscam suportar essa atividade, que se desenvolve em um contexto de complexidade extrema. Isso porque, como explica Baldissera (2008) a comunicação é o espaço onde as relações se materializam em constante transformação. “Isso exige reconhecer que a comunicação constitui-se em lugar e fluxo privilegiados para a materialização das inter-relações/interações culturais e identitárias, de modo que, dialógica e recursivamente, construam-se/transformem-se mutuamente” (BALDISSERA, 2008, p. 36). A existência de uma estrutura ou área de comunicação, com profissionais dedicados ao processo não garante a existência de um ambiente propício ao diálogo ou até mesmo uma relação de troca de informações e experiências. Durante muito tempo, a prática da Comunicação nas organizações esteve orientada dentro do que podemos chamar de paradigma informacional. Uma das marcas desse paradigma é a forma de tratar as necessidades de comunicação, vista como algo que pertence às organizações e na qual os demais interlocutores deveriam se portar como receptores passivos, em alguns casos, de informativos obsoletos e irrelevantes, sem contexto, sem conteúdo e sem significado. Nesse modelo a troca, a inter-relação e a construção conjunta não são parte constituinte. Com a evolução dos estudos neste campo teórico, pesquisadores como Maia e França (2003) afirmam que a comunicação é formada por elementos múltiplos e dinâmicos, e que para uma correta abordagem de estudo (e, na nossa visão, de práxis), será necessária a escolha de uma metodologia plural, que consiga apreender diferentes movimentos e 904 considere a interseção dos elementos contidos no processo. O contexto é complexo, bem como todos os sujeitos envolvidos: empregados, liderança, proprietários e acionistas. Assim, ganha importância o contexto sócio-histórico das organizações e dos interlocutores, pois se amplia a consciência de que a comunicação se dá na interação, compartilhando sentidos, em uma perspectiva relacional. Dessa maneira, atualmente não é mais possível considerar as relações das organizações com seus interlocutores suportadas por uma comunicação baseada no paradigma informacional. “... As interfaces devem ser tomadas como uma possibilidade de diálogo, visto que permitem melhor entendimento do objeto comunicacional em si e da sua relação com a complexidade das organizações e da sociedade contemporânea” (OLIVEIRA, 2008, p. 95). Ou seja, somente a partir desta abordagem será possível compreender como se dão estas relações, em que contexto, quais as influências sofridas e seus desdobramentos. A reputação das organizações é constituída a partir das percepções dos interlocutores, fruto de interfaces e relações múltiplas e intrincadas. Mesmo diante dessa compreensão, não é tarefa simples estabelecer modelos de comunicação, e especialmente a orientada aos empregados, que levem em consideração um contexto de mais diálogo e partilha, e menos informação unidirecional. Isso acontece, na nossa visão, porque a própria gestão nas organizações ainda é permeada por princípios de controle, previsibilidade e coerção. A relação de poder do capital versus o trabalho também contribui para uma visão distorcida de processo, criando assimetrias importantes. Esses modelos de gestão convivem em um mundo que experimenta a explosão de redes sociais online. Isso cria pressões adicionais aos imperativos de lucratividade e perenidade das empresas, afinal, as organizações estão sofrendo uma transformação no processo de interação com seus interlocutores. O controle sempre foi uma centralidade das organizações, um desejo comum, uma expectativa da alta liderança e um dispositivo “natural”. Os líderes das organizações sempre criaram procedimentos e estruturas para garantir controle da atuação no mercado, junto aos fornecedores, clientes e público interno, aqui denominado de empregados. Mas frente ao mundo virtual e em especial às redes 905 sociais, as organizações enfrentam desafios de compreensão do funcionamento, uma vez que, por exemplo, essas redes virtuais são pautadas pela total ausência de controle. Ou seja, o mundo da gestão contrapõe-se cotidianamente ao mundo sem limites, sem barreiras e com baixíssima previsibilidade e chances de coerção – inclusive dos empregados. Do ponto de vista das pessoas, percebe-se uma busca de cada vez realização e satisfação no trabalho, que normalmente é acompanhada pela necessidade de pertencimento e participação no ambiente das organizações. Esse desejo se coloca como uma resposta à necessidade do ser humano de afiliação, de identificação e relacionamento social. No interior das organizações, essa aspiração acontece a partir de relações de poder e simbólicas, que media o quotidiano no trabalho. As simetrias, ou assimetrias, nessa relação, vão impactar de maneira profunda a forma como os indivíduos vão viver o seu exercer laboral. Essas reflexões iniciais colocam elementos do contexto em que a comunicação com empregados se realiza atualmente. Se de um lado a gestão encontra-se diante da necessidade de mudança, pela perda da centralidade e controle, do ponto de vista das pessoas, a busca de mais troca, diálogo e participação dentro das organizações convive com estruturas formais e disputas de poder e sentido. Nessa encruzilhada de transformações, os modelos e práticas de comunicação precisam urgentemente se colocar também em movimento de reelaboração. A GOVERNANÇA NA COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS – É A COMUNICAÇÃO DE QUEM? Se a comunicação é um fenômeno humano, que acontece nas interações e trocas simbólicas, seria possível estabelecer a quem pertence a Comunicação com Empregados? Na prática profissional, aprendemos muito cedo que uma boa comunicação é reflexo direto de uma boa gestão. Assim, empresas mais maduras do ponto de vista de relacionamento interno, investem no desenvolvimento de lideranças capazes de conduzir esse processo e usam atividades clássicas de Comunicação, como veículos internos, campanhas e eventos, como suporte para o sucesso. Por outro lado, os empregados precisam de tempo para desenvolver relações e narrativas coerentes nas suas experiências internas com 906 as organizações, ainda que o contexto atual apresente um movimento contrário (SENNETT, 2009). Ou seja, num mundo volátil e de rápidas transformações, não necessariamente a profissionalização dos processos comunicacionais e uma boa liderança são suficientes para se criar um ambiente de mais troca e diálogo. Na busca pelo contexto de interações, as realizações pessoais e profissionais são balanceadas de acordo com as características dos indivíduos, seus anseios, expectativas e desejos. Cultura, religião, nível educacional e experiências laborais anteriores também são fatores que impactam as relações dos empregados com as organizações, dos empregados com suas lideranças e entre os empregados e, por consequência, também influenciam a forma de percepção, circulação e formação de sentido a partir da comunicação direcionada a eles. Com isso, a comunicação com empregados ganha rotas e vínculos que escapam a uma visão tradicionalista e funcional do processo, e se estabelece em uma rede de interações e trocas simbólicas que podem ser indecifráveis à organização. De todos os interlocutores de uma organização, talvez o que esteja em uma posição mais complexa de compreensão das realidades, de relativização e conhecimento do contexto interno (dificuldades e oportunidades) sejam os empregados. Por isso, dialogar com esse público se torna ao mesmo tempo um processo vital e emaranhado. Para os empregados qualquer mensagem pode ser facilmente reapurada tendo em vista o conhecimento das realidades internas e o acesso a fontes externas de informação Desconsiderar essa circularidade nova, a multiplicidade de pontos de contato e a existência de redes indecifráveis, pode levar à desgovernança na Comunicação com Empregados. Assim, entendemos que cabe aos profissionais de comunicação pautar sua atuação no interior das organizações pelo profundo entendimento de como circulam informações e símbolos, como o poder é mediado (e compreendido), e como as mensagens são construídas e percebidas pelo conjunto de interlocutores internos. São múltiplas vozes em constante ressignificação e conexão. Nesse sentido, mais do que garantir a governança sobre processos comunicacionais de forma profissional e condizente com os valores humanos e organizacionais, cabe ao comunicador garantir que os fluxos 907 de comunicação sejam convergentes e compartilhados entre empregados e líderes, grupo esse responsável por representar a organização frente as suas equipes. ESPIRAIS DO SILÊNCIO – O INCÔMODO DE SE FALAR SOZINHO NUM MUNDO DE MÚLTIPLAS VOZES Ao pensar o diálogo organizacional num contexto de redes sociais online, podemos ter uma abordagem otimista, imaginando que o uso de plataformas tecnológicas vão conectar pessoas e assim os fluxos comunicacionais e a governança ficam mais claros. Por outro lado, ao observar algumas práticas organizacionais, notamos que interações das organizações nas redes sociais são muito mais um “falar” do que “ouvir”, e, onde não se ouve, não podemos afirmar que exista algum tipo de diálogo e interação. Diálogo pressupõe o ouvir e a consideração do outro, a abertura para a troca e para o aprendizado mútuo. Talvez por um medo das repercussões nas redes sociais, as organizações ainda são tímidas nas suas interações, e acabam utilizando o ambiente das redes sociais como mais um canal, mais um ambiente para veiculação das suas mensagens de forma tradicional, unilateral e com pouco espaço para troca e a construção coletiva, características estruturais das redes sociais virtuais. A teoria da Espiral do Silêncio, formulada por Elisabeth NoelleNeumann pode trazer uma nova luz para o comportamento dos indivíduos nas redes sociais virtuais. Noelle-Neumann formula a teoria da espiral do silêncio nos seguintes termos: se uma opinião é percebida como pertencendo à maioria, as pessoas que não partilham tal opinião tenderiam a esconder sua própria opinião por medo de rejeição social, por exemplo. Além disso, se ao fim de um dado período as pessoas percebem que suas opiniões continuam sendo minoritárias, elas acabariam por mudar sua própria opinião para seguir a maioria. A espiral do silêncio indica um deslocamento da opinião nascida do fato de que a opinião de um grupo distinto pode parecer mais fraca do que efetivamente é. ´Há um vínculo estreito entre os conceitos de opinião pública, sanção e castigo` (Idem, 1998: 200). (GOMES, 2004, p. 85). 908 Espaço de amplas possibilidades e ainda em construção, talvez o comportamento dos indivíduos nas redes sociais virtuais seja comum ao descrito por Noelle-Neumann na Espiral do Silêncio. A opinião pública exerce uma pressão na busca de uma conformidade com o indivíduo, onde estes acabam seguindo a posição de uma maioria. Curtidas no mundo virtual levam a mais curtidas, mesmo que não haja uma concordância e/ou compreensão do conteúdo, criando uma percepção de aderência que pode ser inexata. Quanto mais visibilidade um acontecimento tem na internet, maior a sua atratividade para obter mais visualizações e interação. E o mesmo se aplica a opiniões expressas no mundo virtual, onde a força da maioria acaba por influenciar os demais e em alguns casos gerando o silêncio. Na tentativa de encontrar uma imagem para explicar a relação entre a discussão pública e da opinião pública como controle social, a discussão pública poderia ser vista como incorporada na dinâmica do psicossocial, que orienta e articula-o em alguns ocasiões, mas muitas vezes continua a ser um nível puramente intelectual e não tem nenhum efeito, portanto, nas emoções morais, que é onde se origina a pressão da opinião pública. (NOELLE-NEUMANN, 2005, p. 292, tradução nossa). A força das redes sociais sempre este na relação indivíduo versus coletivo. Os indivíduos são agrupados segundo suas características, interesses e preferências. Grupos são formados em torno de temas comuns e a mobilidade entre grupos, entre temas é amplamente praticada pelos internautas. Bretas (2012) reforça a possibilidade de utilização destes atributos no contexto das organizações, em especial para potencializar o diálogo e o que ele denominou construção de estruturas horizontalizadas favoráveis à colaboração. Neste mundo virtual, em rede, as organizações não podem considerar os seus públicos como passivos, são interlocutores, são públicos de interesse e reforçam a existência de um ambiente público. Que não pode ser considerado como uma troca se as organizações apenas emitem mensagens, em sua maioria meramente mercadológicas e/ou promocionais, com um nível muito baixo de interação, nada muito além de um simples “curtir”. 909 CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreender transformações em curso sempre é uma tarefa de alta complexidade. Sabemos que as organizações estão mudando, diante de um contexto social, econômico e político que, especialmente no Brasil, ganha contornos inesperados. Vemos as pessoas e as suas relações no trabalho também serem alteradas, por um jeito novo de viver e se relacionar, baseado em grande parte em plataformas de conexão online. E temos a Comunicação, especialmente a orientada aos empregados, buscando modelos e formas de apoiar a construção de redes de relacionamento e compartilhamento que sirvam aos objetivos estratégicos das organizações e também correspondam às expectativas das pessoas. Nossa reflexão nesse artigo visou sinalizar a necessidade de evolução não apenas nas práticas e processos comunicacionais, mas também no entendimento da governança do processo de comunicação com empregados. Como algo absolutamente humano, mas que se desenvolve no interior de uma rede de relações de poder e símbolos, a quem cabe mediar a comunicação com empregados? A quem pertence a comunicação com empregados? Na nossa visão, a comunicação pertence às pessoas, e somente pessoas em diálogo e troca permanente, podem realiza-la em sua plenitude. Às marcas, cabe estabelecer uma busca de clareza, confiança e senso de comunidade, em estrito alinhamento aos valores e cultura organizacional, e serem humildemente apenas mais um interlocutor na rede. Caso contrário, serão apenas mais um elemento em obscuras espirais de silêncio. REFERÊNCIAS BALDISSERA, Rudimar. Por uma compreensão da Comunicação organizacional. In: SCROFERNEKER, Cleusa M. A. O Diálogo Possível: Comunicação Organizacional e Paradigma da Complexidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 31-50. BRETAS, Beatriz. Remixagens cotidianas: o valor das pessoas comuns nas redes sociais. In: OLIVEIRA, Ivone; Marchiori, Marlene (Org.). Redes sociais, comunicação, organização. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2012. p. 49-66. 910 GOMES, Itânia Maria Mota. Efeito e Recepção – a interpretação do processo receptivo em duas tradições. Rio de Janeiro: E-papers Serviços Editoriais, 2004. MAIA, Rousiley C. M.; FRANÇA, Vera V. A comunidade e a conformação de uma abordagem comunicacional dos fenômenos. In: Immacolata V. Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003. p. 187-2003. NOELLE-NEUMANN, Elisabeth. La espiral del silencio. Opinión pública: nuestra piel social. Buenos Aires: Ediciones Paidós Ibérica, 1995. OLIVEIRA, Ivone de L. Constituição do campo da comunicação das organizações: interfaces e construção de sentido. In: JESUS, Eduardo de. SALOMÃO, Mozahir (Orgs.). Interações Plurais. A comunicação e o contemporâneo. São Paulo: Annblume, 2008, p. 85-108. SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Tradução: Marcos Santarrita. 14ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2009. 205 p. 911 GRUPO DE PESQUISA VI COMUNICAÇÃO PÚBLICA, POLÍTICA E GOVERNAMENTAL COORDENAÇÃO: PROFA. DRA. HELOIZA MATOS (USP) |1 | ASSESSORIA DE IMPRENSA COMO FERRAMENTA ESTRATÉGICA DE MARKETING NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO Dulcelene Jatobá1 RESUMO Este trabalho buscou verificar se as instituições públicas enxergam e utilizam a assessoria de imprensa como uma ferramenta estratégica de marketing. Para buscar respostas, o estudo foi composto por uma pesquisa exploratória, com abordagem quantitativa. Um questionário foi enviado às instituições públicas do Estado de São Paulo que possuem serviço de assessoria de imprensa. Os resultados sinalizam que as áreas, dentro das instituições, estão profissionalizadas e bem estruturadas. Além disso, a assessoria de imprensa tem se mostrado versátil nas atividades realizadas e participado de tudo o que acontece dentro da instituição, não apenas para noticiar, mas também para conhecer e colaborar com as outras áreas. Palavras-chave: Assessoria de imprensa; marketing; instituições públicas. Jornalista formada pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Especialista em Gestão de Marketing pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Atua como assessora de imprensa na OPA Assessoria em Comunicação, empresa que presta serviços para a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP). Antes, trabalhou como repórter para o Jornal A Cidade de Ribeirão Preto, onde fez parte das editorias de Economia e Cidades, além de produzir os cadernos especiais Agrishow, Imóveis e Fenasucro. E-mail: duljatoba@gmail.com. 1 INTRODUÇÃO Noticiar se tornou a forma mais eficaz de agir e interagir com o mundo. Com isso, as relações com a imprensa tornaram-se preocupação prioritária na estratégia das instituições, sejam elas privadas ou governamentais (CHAPARRO, 2011). Responsável pela construção de um relacionamento sólido com a imprensa, o profissional da área tem o objetivo de fornecer informações confiáveis, facilitando o acesso de veículos de comunicação (BELLA, 2011). De acordo com a autora, o jornalista que atua como assessor de imprensa precisa aplicar as técnicas e conhecimento sobre a mídia para difundir as informações, além de mediar o relacionamento em todos os vieses, como atender a crescente necessidade de transparência das organizações, exigida pela sociedade, principalmente nas instituições públicas. No setor público “é tradicional a divulgação de informações com base na ideia de que, já que o público paga as contas, tem o direito de saber o que o governo faz” (CORRADO, 1994 apud MONTEIRO, 2011, p. 122). Portanto, tornar público o trabalho feito pela instituição, por meio da imprensa, tem o objetivo de prestar contas à sociedade, para que possa ser avaliado o que está sendo feito e verificar se está de acordo com seus interesses e necessidades (MONTEIRO, 2011). Citado por Kotler, Keller (2013) dentro da atividade de relações públicas de marketing, a assessoria de imprensa assume o papel de “alardear” um bem, serviço, ideia, lugar, pessoa ou organização. É a maneira de assegurar espaço editorial na imprensa e na mídia eletrônica, sem precisar pagar para isso. O desafio das assessorias de imprensa na administração pública é aproximar os serviços da sociedade. Para isso, as estruturas de comunicação dos governos, tanto em nível federal como estadual e municipal, devem ser profissionalizadas (TORQUATO, 2011). Ainda segundo o autor, um dos erros da comunicação na administração pública é privilegiar a pessoa e não o fato. A mensagem aparece de maneira mais crível e a fonte ganha em credibilidade e respeitabilidade quando o fato se superpõe ao agente. Torquato (2011) diz que notícia é o fato e o elemento reforçador é o agente. 914 A partir dos fatores expostos acima, este trabalho pretendeu responder ao seguinte problema de pesquisa: as instituições públicas enxergam e utilizam a assessoria de imprensa como ferramenta estratégica de marketing? 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Kotler, Keller (2013) afirmam que o marketing está em toda parte. Seja formal ou informalmente, as pessoas e organizações estão envolvidas em diversas atividades que podem ser chamadas de marketing. Os autores explicam que, atualmente, um bom marketing é de extrema importância para qualquer tipo de ação. Produto, preço, promoção e praça (ou ponto de venda) são denominados os “4Ps” e compõem o mix de marketing. A comunicação, inserida dentro do “P” de promoção, é “o meio pelo qual as empresas buscam informar, persuadir e lembrar os consumidores – direta ou indiretamente – sobre os produtos e as marcas que comercializam” (KOTLER; KELLER, 2013, p. 512). Os autores dizem ainda que a comunicação de marketing representa a voz da empresa. Por meio da comunicação, é estabelecido um diálogo com os consumidores e construído o relacionamento com eles. Pasquale, Lammardo Neto, Gomes (2012) definem que o mix de comunicação nas organizações é composto por três grandes grupos: Relações Públicas – Comunicação institucional; Comunicação Interna – Comunicação administrativa; e Marketing – Comunicação mercadológica. Ainda segundo Pasquale, Lammardo Neto, Gomes (2012), a comunicação dentro de uma organização articula estreita relação entre diversas áreas. Sendo assim, a comunicação se transforma em área estratégica, devendo então estar articulada com todas as áreas da organização. Kotler, Keller (2013) definem que o mix de comunicação de marketing consiste em sete principais formas de comunicação: propaganda, promoção de vendas, eventos e experiências, relações públicas e publicidade, marketing direto e interativo, marketing boca a boca e vendas pessoais. Definida como conjunto de ações que visam divulgar informações aos públicos de interesse sobre objetivos, práticas, políticas e ações institucionais da organização, a comunicação institucional tem, como objetivo principal, “construir, manter ou melhorar a imagem da empresa 915 no mercado perante seus públicos” (PASQUALE; LAMMARDO NETO; GOMES, 2012. p. 11). Ainda de acordo com os autores, a comunicação institucional combate o desconhecimento a respeito da organização e promove a integração entre os públicos que estão ligados a ela. Kotler, Keller (2013) afirmam que as relações públicas envolvem diversos programas desenvolvidos para promover ou proteger a imagem da organização. Os autores elencam cinco funções principais da área: relações com a imprensa, publicidade de produto, comunicação corporativa, lobby e aconselhamento. A seguir, este trabalho abordará os conceitos e funções da assessoria de imprensa. 1.1 ASSESSORIA DE IMPRENSA – CONCEITOS E FUNÇÕES O Manual de Assessoria de Comunicação da Federação Nacional dos Jornalistas – FNAJ (2014) define a assessoria de imprensa como um serviço prestado a instituições privadas e públicas, que se concentra no envio frequente de informações jornalísticas, dessas organizações, para veículos de comunicação como revistas, jornais, emissoras de rádio, sites, agências de notícias, emissoras de TV, entre outros. “A função do assessor de imprensa é facilitar a relação entre seu cliente – empresa, pessoa física, entidades e instituições – e os formadores de opinião” (FNAJ 2007 apud FERRARETTO; FERRARETTO, 2009, p. 13). Cabe ao profissional de assessoria de imprensa orientar o assessorado quanto aos assuntos que podem ou não interessar os veículos de comunicação e virar notícia. A intermediação das relações entre o assessorado e a imprensa é uma das principais funções do assessor, tendo como matéria-prima a informação e como processo sua abordagem na forma de notícia. (FERRARETTO; FERRARETTO, 2009). De acordo com o Manual da FNAJ (2014), as funções que estão sob a responsabilidade da assessoria de imprensa são: elaboração de press-releases, sugestões de pauta e press-kits; relacionamento formal e informal com os pauteiros, repórteres e editores da mídia; acompanhamento de entrevistas de suas fontes; organização de coletivas; edição de jornais, revistas, sites de notícia e material jornalístico para vídeos; preparação de textos de apoio, sinopses, súmulas e artigos; organização do mailling de jornalistas; clipping de notícias (impressos, Internet e 916 eletrônicos); arquivo do material jornalístico; participação na definição de estratégias de comunicação. Duarte (2011) afirma que ainda é possível identificar outras contribuições para o profissional de assessoria de imprensa. De acordo com o autor, o assessor utiliza conhecimento técnico para agregar valor, criar e administrar produtos de uma organização. Para o autor, o trabalho do assessor de imprensa pode, além de aumentar a presença das fontes nos veículos de comunicação, também democratizar o acesso da sociedade à informação, mostrar o contexto em que a organização está inserida para os dirigentes e estimular o envolvimento dos funcionários com questões diretamente ligadas a eles. A assessoria de imprensa pode também desempenhar funções que envolvam o apoio a outras áreas da organização. 1.2 ASSESSORIA DE IMPRENSA COMO FERRAMENTA ESTRATÉGICA DE MARKETING Torquato (2011) caracteriza a assessoria de imprensa como a área nobre do sistema de comunicação das organizações. O autor coloca ainda a área como conceito, atividade e suporte estratégico consolidados. A área de assessoria de imprensa deve ser percebida como estratégica dentro de uma organização e os assessores de imprensa devem participar ativamente do estabelecimento de políticas e estratégias de comunicação (FERRARETTO; FERRARETTO, 2009). Pasquale, Lammardo Neto, Gomes (2012, p.33) colocam a assessoria de imprensa como parte integrante da comunicação institucional, que “transmite, propaga, divulga a organização de forma integral, isto é, fixa a imagem da empresa em sua totalidade sem se preocupar em vender produtos ou serviços.” Os autores também explicam que a comunicação institucional pode ser utilizada pelos três setores: governo, empresas e organizações não governamentais com atuação em âmbito social. Ainda de acordo com os autores, com o papel de divulgadora da organização, a comunicação institucional e, consequentemente a assessoria de imprensa, assume cada vez maior importância no marketing. Dutra (2014) explica que uma assessoria de imprensa bem trabalhada consegue inserir na mídia, seja geral ou especializada, os trabalhos desenvolvidos pela empresa, além de seus eventos, pesquisas realizadas, declarações de especialistas, entre outros. Ainda segundo ele, 917 o objetivo é transformar a empresa “em um opinion leader do mercado, no primeiro nome que vem na cabeça quando se fala no seu segmento”. Para conseguir a preferência de clientes, fazer crescer a renda e os lucros, despertar a confiança de investidores, dentre tantos outros objetivos almejados pela organização, o prestígio proporcionado pela presença adequada na mídia é uma das estratégias (DUARTE, 2011). 1.3 MARKETING NO SETOR PÚBLICO Apesar de ter características próprias, Haenlein, Kaplan (2009) afirmam que a administração pública é, até certo ponto, governada pelos mesmos princípios das organizações privadas. Isso mostra que o marketing pode e deve ser aplicado na administração pública. Porém, atualmente no setor público, o marketing ainda tem sido omitido e mal compreendido. Kotler, Lee (2008) comentam que normalmente o marketing é visto por funcionários públicos apenas como propaganda e venda. Mas identificar o marketing através de um único dos quatro “Ps” faz com que todo o potencial e os benefícios do marketing não sejam aproveitados. Haenlein, Kaplan (2009) dizem que, partindo do pressuposto de que o marketing já entrou no domínio da administração pública, é surpreendente constatar que agentes que trabalham no setor e estudiosos da área ainda se perguntam se o marketing deve ser utilizado na gestão pública, ao invés de se perguntarem como o marketing poderia ser utilizado de forma mais eficiente. No Brasil, Oliveira, Ribeiro (2013) afirmam que a história política brasileira explica o fato de o marketing no setor público ser incipiente. Corrupções, descaso com a população, má qualidade de serviços e má administração dos recursos públicos eram recorrentes e o governo não se preocupava com a satisfação dos cidadãos. Porém, com o passar dos anos e diante de uma transformação mundial, o setor público inicia uma nova era e passou a se preocupar com seu desempenho e a satisfação da população. A nova gestão pública (NPM), citada por Haenlein, Kaplan (2009) ajudou a trazer um novo olhar para a administração pública, já que lida com a aplicação de conceitos conhecidos a partir da gestão de empresas. Sendo assim, a NPM define uma perspectiva nova para a administração pública, em que os agentes desempenham um papel empreendedor 918 (HAENLEIN; KAPLAN, 2009). Como empreendedor, o agente deve olhar o marketing como uma de suas principais ferramentas. E a preocupação central do marketing é produzir resultados que o mercado-alvo valorize. Kotler, Lee (2008) afirmam que, no setor público, o mantra do marketing é a valorização e satisfação do cidadão. Ainda segundo os autores, o marketing é a melhor plataforma de planejamento para o setor público que queira atender as necessidades do cidadão. Mas há características específicas da administração pública que precisam ser consideradas e cabe ao marketing adaptar conceitos e ferramentas para impor essas especificidades ao invés de mudar ou destruí-las (HAENLEIN; KAPLAN, 2009). De acordo com os autores, a gestão pública é influenciada por fatores como política, eleições e lobby, o que pode tornar um planejamento de longo prazo e o cumprimento de realizações estratégicas um objetivo difícil. Apesar das dificuldades, há muito espaço e potencial para a aplicação de conceitos de marketing e ferramentas para a administração pública. 1.4 ASSESSORIA DE IMPRENSA NO SETOR PÚBLICO Eid (2003) afirma que para ser verdadeiramente democrático, o Estado deve prestar contas à sociedade e interagir com todos os seus segmentos. Para isso, o canal mais eficaz é a mídia jornalística, considerando desde a grande imprensa com o rádio, TV e internet, até jornais e publicações especializadas. Para o autor, a principal missão da assessoria de imprensa no setor público é contribuir para que a sociedade tenha acesso às informações de seu interesse, por meio da mídia jornalística. Ele comenta que realizar um trabalho de assessoria de imprensa próxima ao ideal é tarefa difícil nas instituições públicas. O autor afirma que muitas vezes os assessores de imprensa enfrentam o personalismo dos gestores das instituições públicas, o que prejudica o trabalho com a distribuição de releases insólitos, criando desinteresse dos jornalistas dos veículos de comunicação. Para evitar esse tipo de situação, é recomendável que os assessores de imprensa tenham, com os gestores, um diálogo franco, baseado em parâmetros éticos, nas tendências reais do jornalismo atual, nas experiências bem sucedidas dos profissionais atuantes na área (EID, 2003). 919 A assessoria de imprensa é de extrema importância na esfera pública. Considerada um órgão de primeira necessidade, deve estar ligada diretamente ao comando político-administrativo, sem deixar de atuar e estar presente em todos os níveis organizacionais (SALLES, 2004). 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Este estudo foi composto por uma pesquisa exploratória, com abordagem quantitativa. Como método, foi utilizado o levantamento (survey), com corte transversal, por meio da aplicação de um questionário estruturado (apêndice) desenvolvido com base na teoria estudada. O questionário foi enviado (via e-mail) às instituições públicas do Estado de São Paulo, que possuem serviço de assessoria de imprensa, em julho de 2014. Este trabalho considerou como instituições públicas prefeituras municipais, universidades/faculdades e secretarias estaduais. Para se chegar aos contatos de e-mail das assessorias de imprensa das referidas instituições, a pesquisadora acessou o website de cada uma, onde havia os contatos. No caso das prefeituras, primeiramente deu-se prioridade o acesso ao site daquelas cujas cidades são mais populosas, já que, geralmente, essas prefeituras possuem assessoria de imprensa estruturada. Para as cidades menores, a pesquisadora utilizou uma lista disponível na web com o nome e quantidade da população, sendo então descartado o acesso ao website das prefeituras de cidades com menos de dez mil habitantes, por já se saber da dificuldade dessas prefeituras em terem uma assessoria de imprensa. Mas, mesmo em algumas cidades com maior população, não foi possível encontrar o contato de e-mail da assessoria de imprensa ou área de comunicação no website. Sendo assim, foram ouvidas assessorias de imprensa de 25 instituições públicas do Estado de São Paulo, dentre elas prefeituras municipais e universidades/faculdades. Para se chegar a esse número, foram enviados, por e-mail, questionários a 83 assessorias de instituições, sendo elas secretarias do governo estadual, prefeituras municipais e universidades/faculdades. É importante ressaltar que, no caso desse estudo, a amostra foi definida pelo método de conveniência e, por esse motivo, e também por ter caráter apenas exploratório, os resultados não podem ser generalizados para todo universo. 920 3 RESULTADOS Do total de respondentes, 12 são assessorias de imprensa de prefeituras municipais e 13 de universidades/faculdades. É importante ressaltar que neste último grupo constam as respostas das assessorias de imprensa das reitorias das três universidades públicas do Estado de São Paulo. Em uma dessas universidades, a assessoria de imprensa não é centralizada na reitoria, tendo sido necessário então enviar os questionários também às unidades, que possuem autonomia para estruturarem as áreas. Não foram obtidas respostas de nenhuma das assessorias de imprensa das secretarias do governo estadual. A estrutura de recursos humanos de uma assessoria de imprensa diz muito sobre como ela é encarada em uma instituição pública. De acordo com Eid (2003, p.10), uma estrutura ideal de assessoria de imprensa na gestão pública deve ser de agência de notícias, “possibilitando excelência e eficácia na missão de prestar serviços eficientes aos jornalistas, aos veículos de comunicação, aos cidadãos e ao cliente governamental.” Ainda segundo o autor, as instituições públicas devem pensar em uma equipe capaz de cobrir as atividades em tempo integral. Do total dos respondentes da pesquisa levantada por este trabalho, onze disseram que as respectivas instituições possuem de 2 a 4 profissionais trabalhando na área de assessoria de imprensa. A maior parte dos respondentes é de universidades/faculdades, sendo que oito delas possuem essa quantidade de profissionais. Enquanto isso, oito instituições, dentre elas seis prefeituras municipais, responderam que mais do que 10 profissionais atuam na área de assessoria de imprensa. A quantidade de profissionais trabalhando na área de assessoria de imprensa demonstra se ela é bem estruturada ou não. Neste item, é importante levar em conta o tamanho da instituição e o custo-benefício para a mesma possuir a referida área. Neste trabalho, não houve a delimitação do tamanho das instituições respondentes, mas sabe-se que há instituições como prefeituras de cidades com grande população e reitorias de universidades dentre os respondentes e que são essas instituições, por exemplo, que possuem uma área estruturada com mais do que dez profissionais trabalhando. 921 Os jornalistas são a maioria dentre os profissionais que compõem a equipe de assessoria de imprensa das instituições públicas. Vinte e três delas responderam que possuem esse profissional na equipe. O fotógrafo é a segunda profissão com mais representação nas assessorias de imprensa da administração pública: 15 instituições afirmaram possuir o profissional na equipe. Outras instituições ainda responderam que possuem diagramadores, publicitários, estagiários e funcionários da área da tecnologia da informação nas áreas de assessoria de imprensa. Eid (2003) afirma que a assessoria de imprensa de uma instituição pública deve possuir os seguintes profissionais: chefe/editor de redação, editores de texto para mídia impressa e mídia eletrônica, ghost writer, pauteiro, repórteres, profissional de relações públicas, fotógrafos, secretária de redação, operador de ilha de edição de rádio e pessoal auxiliar para fluxo interno e distribuição de material à imprensa. “Essa estrutura básica, obviamente, varia de acordo com a demanda. Deve-se procurar, sempre, a melhor relação custo-benefício na composição da equipe.” (EID, 2003, p.11) Apesar do autor afirmar que a prestação de serviços às instituições públicas representa um novo e promissor mercado para as agências de assessorias de imprensa, por meio de terceirização, 21 das instituições ouvidas neste trabalho possuem profissionais concursados atuando na área. Apenas oito das assessorias de imprensa das instituições que responderam ao questionário possuem assessores terceirizados. Os profissionais com cargos de confiança também estão presentes na assessoria de imprensa da administração pública. Ao todo, doze instituições, sendo 11 delas prefeituras, apontaram ter essa relação de trabalho com os assessores. 922 GRÁFICO 01: TIPO DE CONTRATO DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA Fonte: Elaborado pela autora Todas as instituições que responderam ao questionário deste trabalho afirmaram que as áreas de assessoria de imprensa realizam atendimento a jornalistas de veículos de comunicação diversos (jornais, TV, rádio) e produção de imagens ( fotografia, filmagem etc), além de notícias para o website da instituição. Vinte e quatro disseram que produzem release e 23 produzem conteúdo para as redes sociais. A atividade menos realizada pelas assessorias de imprensa das instituições ouvidas foi a diagramação. 923 GRÁFICO 02: TIPO DE TRABALHO REALIZADO PELAS ASSESSORIAS DE IMPRENSA Fonte: Elaborado pela autora Grande parte das atividades relacionadas acima são funções que, de acordo com o Manual da FNAJ (2014), estão sob a responsabilidade da assessoria de imprensa. Porém, nota-se que as áreas vêm desenvolvendo atividades como a produção de conteúdo para as mídias sociais como Facebook e Twitter. Isso mostra uma versatilidade de trabalho das áreas de assessoria de imprensa nas instituições públicas. Quando questionadas sobre quais áreas a assessoria de imprensa nas instituições públicas estão ligadas, sete delas responderam ao Gabinete e sete à Direção. Seis delas estão ligadas à Comunicação – Marketing e quatro delas disseram estar ligadas a outras áreas, como Secretaria de Comunicação, Secretaria da Casa Civil, Governo e Relações Institucionais. Apenas uma respondeu estar ligada à área de Planejamento. 924 No dia a dia, 15 instituições responderam que é a área de Comunicação – Marketing que define o que será divulgado pela assessoria de imprensa. Para Martinez (2011), normalmente as assessorias de imprensa nas instituições públicas estão ligadas a uma Coordenação de Comunicação Social, que possui recursos orçamentários previstos em lei e que são reavaliados anualmente. Ainda segundo a autora, essas assessorias reportam-se ao coordenador de comunicação. Quinze das assessorias de imprensa das instituições públicas ouvidas neste trabalho responderam que sempre ou frequentemente participam de reuniões de outras áreas. Enquanto isso, quatro responderam “às vezes” e cinco responderam “raramente”. Somente uma respondeu que nunca participa. Os resultados mostram como a maioria das assessorias de imprensa está conectada com as outras áreas das instituições. Como já disse Duarte (2011), o assessor de imprensa deve também ter conhecimento das ações de todas as áreas e envolver-se com elas. Sobre as reuniões de planejamento estratégico da instituição, oito assessorias de imprensa informaram que sempre participam. Porém, cinco delas responderam que “raramente” participam e quatro delas nunca participaram. Ferraretto, Ferraretto (2009) dizem que a assessoria de imprensa deve ser percebida como estratégica dentro de uma instituição. Sendo assim, a área deveria participar sempre das reuniões de planejamento estratégico da instituição pública. Porém, ressalta-se aqui que no questionário não foi dada a oportunidade de resposta para que o respondente pudesse informar se a instituição possuía planejamento estratégico. Portanto, é possível que os respondentes que disseram não participar das reuniões sejam assessorias de imprensa onde as instituições não possuam o referido planejamento, situação recorrente em instituições públicas, principalmente nas menores como em algumas prefeituras municipais e unidades de ensino de uma universidade. As reuniões entre a assessoria de imprensa e superiores para tratar sobre as atividades realizadas como a produção de textos, releases, clipagem etc, são realizadas semanalmente por quinze das instituições que responderam ao questionário, sendo nove delas prefeituras municipais e seis universidades/faculdades. 925 Doze das instituições ouvidas afirmaram que possuem metas a serem seguidas a longo prazo. Desse total, oito são prefeituras municipais. Dentre as metas citadas por uma dessas instituições estão: criação de um programa de TV, criação de uma rádio web, criação de identidade visual do governo, melhoria na relação com os veículos de comunicação e criação de um jornal interno. Outras instituições citaram: melhorias no website, aumento no índice de mídia espontânea positiva e aumento no índice de interação nas mídias sociais. Na última pergunta, foi questionado às assessorias de imprensa se as instituições públicas em que atuam possuem um plano de comunicação. Quatorze delas, sendo nove prefeituras municipais e cinco universidades/faculdades, responderam que sim. Isso demonstra que a maioria das instituições considera a comunicação, e consequentemente a assessoria de imprensa, parte estratégica. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com Martinez (2011), a assessoria de imprensa no Brasil é um movimento relativamente novo no mercado. Segundo a autora, os diversos segmentos do mercado descobriram que a imagem é fator de vantagem competitiva e que é construída com inteligência, informação, pesquisa, uso de técnicas de comunicação, além de ações coordenadas e profissionalismo. Empresas, Organizações Não Governamentais, profissionais, governos etc, precisam de assessoria de imprensa. Este trabalho buscou descobrir como as instituições públicas enxergam a assessoria de imprensa: de forma estratégica ou não. Por meio da análise das respostas ao questionário enviado por e-mail às assessorias de imprensa das instituições, é possível constatar que a área de assessoria de imprensa tem conquistado espaço na gestão pública. É possível observar que as áreas estão profissionalizadas, com a presença de jornalistas, e bem estruturadas, levando-se em conta o tamanho da instituição. Além disso, a assessoria de imprensa tem se mostrado versátil nas atividades realizadas e participado de tudo o que acontece dentro da instituição, não apenas para noticiar, mas também para conhecer e colaborar com as outras áreas. Apesar de muitas não estarem ligadas diretamente à área de comunicação dentro da instituição, as assessorias de imprensa estão atre926 ladas a ela, que define quais assuntos serão divulgados no dia a dia. Isso mostra a integração entre as áreas, lembrando que Martinez (2011) aponta que a comunicação dentro das instituições públicas deve ser vista como política pública, fundamental e necessária. O que ainda falta às assessorias de imprensa das instituições públicas é estarem mais diretamente ligadas ao planejamento estratégico. Ribeiro, Lorenzetti (2011) dizem que o uso tático da assessoria de imprensa, ou seja, o uso para apenas aparecer na mídia, sempre vai existir, seja na iniciativa privada ou na pública. Mas a assessoria de imprensa deixou de ser apenas essa ferramenta isolada, tática e passou a ser uma ferramenta poderosa e estratégica da comunicação corporativa, sendo integrada aos esforços gerais e planejados de comunicação das organizações. Ainda segundo os autores, quanto mais a assessoria tem avançado para o board das organizações, tanto públicas quanto privadas, mais estratégica ela irá ficar e mais atribuições lhe serão dadas. REFERÊNCIAS BELLA, Priscilla Pompeu Piva Di. Jornalistas, Relações Públicas e Assessoria de Imprensa: Um problema de comunicação. Dissertação (Mestrado). São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2011. CHAPARRO, Manuel Carlos. 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São Paulo: Cengage Learning, 2011. 928 |2| COMUNICAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO COMPARTILHADA: UMA INTERLOCUÇÃO ENTRE PODER PÚBLICO E CIDADÃOS Laura Nayara Pimenta1 RESUMO O presente artigo analisa a interlocução estabelecida entre a Prefeitura de Belo Horizonte e seus cidadãos no desenho institucional participativo da Secretaria Municipal Adjunta de Gestão Compartilhada. A noção de desenho institucional é importante para compreender o potencial e os limites das formas de participação, principalmente por remeter a três aspectos cruciais: quem participa; como são formadas e tomadas as decisões e como estas se vinculam às políticas públicas. Além disso, devemos considerar que, atualmente, as instâncias participativas apresentam desenhos institucionais que constituem uma modalidade de comunicação pública e dão um contorno às interações entre o poder público e os cidadãos e, especialmente, às interações com as diversas formações de base comunitária organizadas na cidade. Assim pretendemos examinar diversos dilemas relativos à institucionalização dessas relações. Palavras-chave: Comunicação Pública; Desenho Institucional; Gestão Compartilhada; Influência. Laura Nayara Pimenta é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Sociabilidade da Universidade Federal de Minas Gerais e mestra pela mesma instituição. E-mail: lanapi05@gmail.com. 1 INTRODUÇÃO O princípio da construção de um Brasil democrático teve seu marco formal na Constituição Federal de 1988, que consagrou o princípio de participação da sociedade civil e a crescente criação de espaços públicos de interlocução. A promulgação desta Constituição ratificou a aposta na possibilidade de ação conjunta entre Estado e sociedade civil, visando a um aprofundamento democrático que tem como característica distintiva o princípio de participação da sociedade, subjacente ao próprio esforço de criação de espaços públicos onde o poder do Estado pudesse ser compartilhado com a sociedade. Contudo, essas transformações demandam modelos de gestão pública que sejam inovadores e que atendam ao que está preconizado nas legislações ambientais e urbanas (Lei das Águas e Estatuto da Cidade, por exemplo). É nesse contexto que surge a ideia de gestão compartilhada, que propõe um sistema que abrange cooperação, compartilhamento, transparência e protagonismo social como forma de promover o exercício democrático. Esta noção nos chamou a atenção pelo fato da Prefeitura de Belo Horizonte criar uma secretaria para tratar especificamente das questões relacionadas a esta proposta de gestão – a Secretaria Municipal Adjunta de Gestão Compartilhada, o que nos leva a questionar quais são as intenções da PBH com esse modelo e que mudanças ele implica nos processos comunicacionais, ou seja, nas formas de interlocução entre Estado e sociedade civil. Essa nova forma de gestão pública culmina, principalmente, em arranjos institucionais que devam possibilitar a participação social nos negócios públicos, colocando novas demandas para a comunicação do poder público. A implantação de canais participativos onde se possa dialogar sobre políticas públicas faz com que o poder público tenha que se moldar a um novo tipo de relação com os cidadãos, buscando estabelecer com a sociedade civil um relacionamento de interlocução e cooperação. Desse modo, entendemos que o processo de comunicação pública não se restringe a ser simplesmente informativo, a fim de o poder público prestar contas aos cidadãos das atividades que realiza ou informar sobre o uso de seus diversos serviços. Todavia, o desafio da comunicação não está apenas no relacionamento com os cidadãos. Os arranjos institucionais dos canais participativos interferem fortemente 930 no potencial de interlocução no processo de comunicação pública. A normatividade desses canais conforma os processos comunicacionais, podendo, inclusive, impor barreiras que dificultem a relação entre o poder público e a sociedade civil ou, ao invés disso, possibilitar uma maior interação entre as partes. Considerando esse contexto, o presente artigo pretende abordar o significado e as implicações do sistema de gestão compartilhada, compreendendo a relação entre sua arquitetura institucional e os processos comunicativos que nela ocorrem. Para isso, traremos para a discussão o caso da Secretaria Municipal Adjunta de Gestão Compartilhada de Belo Horizonte. Utilizamos para este estudo, além da pesquisa bibliográfica, a análise de documentos obtidos diretamente da SMAGC – como o Boletim Gestão Compartilhada –, bem como das informações disponibilizadas no Portal Gestão Compartilhada2, onde encontramos mapas, gráficos e tabelas com dados sobre a capital. Além disso, realizamos entrevistas em profundidade com representantes da SMAGC. GESTÃO COMPARTILHADA, INSTÂNCIAS PARTICIPATIVAS E DESENHO INSTITUCIONAL Nos últimos anos, o termo gestão compartilhada tem sido bastante utilizado, principalmente em sentidos que convergem no fato de considerarem a participação dos interessados – clientes, usuários, cidadãos – na gestão de iniciativas públicas ou privadas. Segundo Costa (2009), o termo é recorrente nos textos que se referem aos modelos de gestão adotados em programas de desenvolvimento regional, em bacias hidrográficas, escolas e projetos de Ciência e Tecnologia que valorizam o protagonismo local. Registros pioneiros do uso do termo encontram-se na Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH, também conhecida como “Lei das Águas” e no Programa Escola Autônoma de Gestão Compartilhada (hoje Escola Comunitária de Gestão Compartilhada), da Secretaria da Educação e Cultura do Estado do Tocantins (NÔLETO, 2009). Em ambos os documentos o termo apareceu no ano de 1997 e inaugurou a ideia Portal Gestão Compartilhada. Disponível em: <http://gestaocompartilhada. pbh.gov.br/>. Acesso em: 2 fev. 2014. 2 931 de descentralização da gestão e de participação da comunidade nos processos de gestão e tomada de decisão das políticas públicas citadas. Ainda que estes tenham sido os primeiros registros do termo no Brasil, a noção de gestão compartilhada – baseada em princípios de intersetorialidade, descentralização da gestão e participação da comunidade – já estava presente nas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) desde a Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007). Além disso, o Estatuto da Cidade – Lei no 10.257/2001 – dedica alguns artigos à chamada Gestão Democrática da Cidade, cujas disposições remetem a um conceito de gestão pública compromissada com o processo de participação social. Para Torrecilha (2013), estas noções do SUS e do Estatuto da Cidade se aproximam, guardadas as devidas proporções, do que é entendido atualmente por gestão compartilhada, uma vez que esta, para a autora, é a possibilidade de se criar um espaço de participação para obter os melhores objetivos, para tomar decisões sobre políticas públicas, demandar serviços públicos, financiamentos, execução financeira e gestão de pessoas, bem como a transparência nas atividades realizadas no território. Já Costa (2009), argumenta que a noção de gestão compartilhada refere-se a novos desenhos institucionais que “compartilham” algumas dimensões da gestão ou da realização de uma iniciativa de interesse comum. Para o autor, esses desenhos devem ser novos, pois precisam superar o tradicional modelo burocrático tendo em vista os princípios da legalidade, da isonomia, da participação e da cidadania. Diante disso, ele afirma que tais arranjos institucionais têm que solicitar maior cooperação intergovernamental, parcerias público-privadas, mobilização de organizações não-governamentais e controle social difuso, conformando um intrincado processo de comunicação que qualifique a tomada de decisão. Ainda que as concepções dos diversos autores e da legislação confluam ao considerar a gestão compartilhada como um modelo capaz de estabelecer o controle social e criar canais de participação que possibilitem uma ação conjunta entre Estado e sociedade civil, devemos considerar que existem pelo menos duas perspectivas que pensam de formas diferentes esse compartilhamento. A concepção de Costa (2009), por exemplo, tem uma preocupação neoliberal, ou seja, assume que é neces932 sária uma intervenção da sociedade civil nas políticas públicas, pois o Estado não consegue empreender sozinho suas obrigações. Já a perspectiva trabalhada pelo SUS e seus teóricos tem um viés progressista ligado aos movimentos sociais e defende que é necessário o controle social dos assuntos públicos para que a democracia seja efetivamente realizada. Diferenças à parte, o fato é que nas duas vertentes muito se fala de protagonismo social e em instâncias que permitam essa autoridade. Contudo, os canais que foram criados com esse pretexto, tais como os conhecemos hoje, apresentam desenhos institucionais que interferem substancialmente no potencial participativo dos mesmos. As variações nesses desenhos podem favorecer ou colocar obstáculos à qualidade dos processos participativos e deliberativos, assim como afetar a capacidade decisória e o funcionamento desses espaços. Para Fung (2006), essas condições múltiplas da governança pública moderna formatam instituições participativas que são igualmente complexas em pelo menos três maneiras. Primeiro, os modos de participação contemporâneos são diversos, com arranjos institucionais diferentes, não existindo uma forma canônica de participação direta. Em segundo lugar, a participação pública avança segundo múltiplos propósitos e valores, não se prendendo a um único objetivo. Por último, os mecanismos participativos não são uma alternativa rígida à representação política ou à administração especializada, mas as complementam. Nesse sentido, Fung (2006) defende que a participação pública funciona em sinergia com a representação e a administração, a fim de produzir práticas mais desejáveis e melhores resultados na tomada de decisão coletiva. Considerando essa diversidade dos canais participativos Fung (2006) argumenta que três questões de desenho institucional são importantes para a compreensão do potencial e dos limites das formas participativas: quem participa; como são formadas e tomadas as decisões e como estas decisões se vinculam às políticas públicas. Cada uma dessas dimensões traz uma série de espectros de valores que não detalharemos neste artigo, mas cabe ressaltar que a argumentação do autor considera que o potencial de interlocução de uma instância participativa está diretamente relacionado às possibilidades de influência ou intervenção dos atores nos processos decisórios, bem como os alcances e objetivos que esta pretende. Outro ponto a ser analisado é a forma de acesso dos 933 participantes a esses canais – se o processo é aberto ou ocorre por meio de representação, ou se contempla ambas as dimensões. O terceiro ponto a ser observado é o processo de tomada de decisão: se este ocorre por meio de um mecanismo agregativo ou se é de natureza deliberativa, ou ambas as dimensões (FUNG, 2006). O POTENCIAL DE INFLUÊNCIA PRESENTE NO PROCESSO COMUNICATIVO Nos processos participativos, um problema importante em relação aos desenhos institucionais é perceber como as decisões que os participantes tomam tornam-se políticas, bem como o potencial que eles têm para influenciar as autoridades institucionalizadas. Diante disso, Fung (2006) elenca cinco categorias de influência e autoridade que emergem nesse contexto. Em muitos espaços participativos, o participante apenas busca obter benefícios pessoais ou cumprir um senso de obrigação cívica, sendo esta a primeira categoria defendida pelo autor. No entanto, outras instâncias participativas exercem uma influência indireta sobre o Estado e seus agentes, alterando ou mobilizando a opinião pública, exercendo uma influência comunicativa por meio de testemunho ou pela probidade do processo em si. Esta categoria de influência comunicativa pode nos dizer sobre a tentativa do autor considerar as estratégias que os públicos têm de contornar a institucionalidade das instâncias participativas e partir para uma ação mais direta, o que evidencia um dilema gerado pela institucionalização da participação. Um terceiro mecanismo através do qual os fóruns participativos exercem influência sobre a autoridade pública é a dita “assessoria e consulta”. Neste modo, os funcionários preservam sua autoridade e poder, mas comprometem-se a receber a opinião dos participantes (FUNG, 2006). Não obstante, alguns poucos mecanismos de participação exercem o poder direto. De acordo com o autor, tal poder pode ser exercido em dois níveis: em uma situação de co-governança ou em contextos de autoridade participativa direta. No caso da co-governança, os cidadãos que participam se juntam com os funcionários em uma espécie de parceria para fazerem planos e políticas ou desenvolverem estratégias para a ação pública. Em um nível mais elevado, as instâncias participativas ocasionalmente exercem autoridade direta sobre as decisões ou recursos públicos, controlando, planejando ou implementando projetos de 934 desenvolvimento local. Contudo, cabe ressaltar que ocasionalmente é possível que ocorra uma co-governação ou uma autoridade direta por parte dos cidadãos, pois as relações de poder que permeiam a máquina estatal raramente permitem que se delegue a tomada de decisão ao público considerado leigo. Esta é uma questão problemática, principalmente quando se assume que é um “Estado democrático”. Se não é dado o devido poder aos cidadãos, como pode se falar em democracia? Mesmo com esses entraves, podemos considerar que a categoria de co-governança de Fung está intrinsecamente relacionada ao discurso da proposta de gestão compartilhada de Belo Horizonte que, para seus gestores, trata-se de uma maneira de ampliar o diálogo, a parceria com a sociedade na hora de governar a cidade (PBH, 2011). Entretanto, Avritzer (2008) observa que o êxito desse sistema participativo não está somente ligado ao desenho institucional, mas sim à maneira como se articulam desenho institucional, organização da sociedade civil e vontade política de implantar arranjos participativos. Diante disso, cabe ressaltar que os desenhos institucionais são objetos da ação humana, e não apenas incidem sobre esta ação. Eles são construções sociais, isto é, não se autorrealizam, mas são objetos de intervenções humanas, deliberadas ou não, que influem sobre a própria instituição criada. Portanto, podemos considerar que essas instituições resultam de processos de escolhas, decorrem da decisão e da ação humanas e correspondem a valores que são difundidos socialmente, o que as tornam sensíveis aos atores que interagem no seu interior, no seu entorno e com elas. Nesse sentido, tanto podem incidir sobre a ação humana, quanto são objeto desta ação. Por serem produtos humanos, essas instituições não se constituem por acaso. Cada dimensão do desenho institucional dos canais participativos é pensada pelos gestores e políticos com a intenção de conformarem uma especificidade de participação para aquele canal, seja para dizer que permitem o controle social ou para efetivamente deixá-lo acontecer. Não obstante, a sociedade civil também tem condições de realizar mudanças, de influenciar aspectos do desenho. Tal influência só se torna possível quando os cidadãos, os membros da sociedade civil, fortalecem seus laços de cooperação e solidariedade através das interações comunicativas, o que pode aumentar a potência cívica da sociedade, possibilitando uma participação qualificada nas instâncias 935 disponibilizadas pelo poder público, o que permite maiores chances de respostas às suas reivindicações. Poderíamos adicionalmente afirmar que outro fator importante para essa capacidade de influência é uma comunicação pública que atue no sentido de favorecer não só a participação em si, mas o fluxo de informações e o conjunto de relações entre os atores envolvidos, bem como garantir a ampla publicidade de todo o processo e a mobilização dos públicos envolvidos (ZÉMOR, 1995; HENRIQUES, 2010). Assim, cada desenho institucional orienta e configura modos de interação entre poder público e cidadãos que definem possibilidades e limites para o exercício da influência por meio das instâncias participativas. Porém, essas influências não estão totalmente circunscritas às instâncias e aos canais formais de participação, pois os públicos buscam também outras formas de ação – de expressão – que extrapolam esses limites, mas podem incidir sobre a tomada de decisão segundo a permeabilidade das instituições às diversas demandas e em função de sua necessidade de accountability. É, portanto, essa complexa rede de influências que constitui o processo de comunicação pública, inclusive com o sentido de por em questão o próprio modelo de participação que se adota. COMUNICAÇÃO PÚBLICA EM PROCESSOS DE GESTÃO COMPARTILHADA O conceito de comunicação pública implica várias vertentes e significações, indo desde premissas mais simplistas ligadas às técnicas comunicativas governamentais até as relações mais subjetivas e abstratas entre os cidadãos e o poder público. Não pretendemos detalhar todas as vertentes teóricas sobre a comunicação pública nesta pesquisa, mas nos interessamos por aquelas que nos esclarecem as formas como os cidadãos se articulam para permear um contexto comunicativo cercado de normatividade, construindo uma possível interlocução entre as partes. Dentre as múltiplas dimensões da comunicação pública que podem ser encontradas na literatura, destacamos três que nos permitem elucidar como que esse processo comunicacional se dá em um cenário de gestão compartilhada: (a) comunicação do poder público “para” e “com” os cidadãos (KOÇOUSKI, 2012; KUNSCH, 2012; BRANDÃO, 2009; ZEMÓR, 1995); (b) comunicação pública como espaço de circulação estratégica de temas de interesse público (WEBER, 2007; DUARTE, 2011); (c) comuni936 cação constituída no espaço público e veiculada pela (ou para) a opinião pública (ESTEVES, 2011). Cada uma dessas dimensões apresenta limites e possibilidades peculiares que dizem um pouco sobre cada faceta do processo de comunicação pública. Isso nos leva a acreditar que tal processo se constitui como um complexo de interações específicas e amplas que não se excluem mutuamente, pelo contrário, se permeiam. Desse modo, não podemos nos ater apenas a uma ou outra dessas dimensões para compreender como o processo de comunicação pública se dá no sistema de gestão compartilhada, pois, ao mesmo tempo em que as interlocuções que ocorrem nesse sistema demandam condições de abertura, de visibilidade e publicidade dos debates, constituindo uma dinâmica ampla, elas também se conformam ao desenho dos espaços de participação, revestindo-se de institucionalidade. Não obstante, a comunicação pública também tem uma interface institucional que dá forma à interação das partes envolvidas na interlocução. Segundo uma lógica de especialização administrativa, a comunicação se constitui dentro de uma estrutura burocrática, mas não se reduz à mera intervenção profissional. Além de dar forma aos processos comunicacionais, a institucionalidade dos canais participativos e fóruns de interação que o poder público adota também conformam a ação da população, interferindo na organização e articulação de grupos e de comunidades que pretendem se inserir neste contexto e ganhar condições de interlocução. Como ressaltamos na seção anterior, a arquitetura institucional de uma instância participativa é fruto da ação humana e está intrinsecamente relacionada aos valores que são difundidos socialmente no momento de sua concepção. Contudo, tais instâncias são desenhadas por especialistas e técnicos que pouco se baseiam nas expectativas e preferências dos cidadãos, mas sim naquilo que eles concebem, baseados em pesquisas técnicas e percepções do social, como sendo o melhor. A possibilidade que os cidadãos têm de modificar o desenho desses canais é mínima. Diante disso, podemos elencar pelo menos três ações cabíveis para que os cidadãos se insiram nesse contexto e tentem alguma chance de interlocução. Uma dessas atitudes é a adequação dos cidadãos às normativas impostas pela instância, conhecendo seu funcionamento, as possibilidades que ela oferece, capacitando-se para a participação. 937 Outra atitude, segundo Dryzek (2000), é a utilização de agentes “extraconstitucionais”, tais como manifestações, boicotes, eventos midiáticos, entre outros, para promover uma influência direta no poder público, contornar os bloqueios gerados pelos desenhos institucionais, ou reivindicar a modificação desses desenhos. Além disso, os cidadãos podem utilizar parcerias com autoridades políticas do poder Legislativo ou do próprio Executivo para tentar influenciar a modificação desses canais ou até mesmo alcançar seus objetivos mais rapidamente. Isto posto, ratificamos que o processo amplo e aberto da comunicação pública se orienta e formata conforme os limites impostos por este desenho. Esses limites podem demandar uma comunicação que seja meramente informativa ou possibilitar melhores meios para estimular a participação, mantendo as condições essenciais de publicidade das instâncias participativas. Contudo, essa formatação da comunicação não é algo construído ingenuamente, o que o torna difícil de ser apreendido. Para tentarmos compreender essa conformação, a próxima seção procura abordar a dita “gestão compartilhada” da Prefeitura de Belo Horizonte, de modo que possamos encontrar pistas sobre as suas implicações em termos comunicacionais. A PROPOSTA DE GESTÃO COMPARTILHADA DE BELO HORIZONTE Apresentada por seus gestores como a capital com maior histórico de participação cidadã na gestão pública, Belo Horizonte utiliza canais como o Orçamento Participativo, conferências, fóruns, audiências públicas, assembleias, Planejamento Participativo Regionalizado, entre outros, na tentativa de melhorar a vida das pessoas. Tentando dar continuidade a esse histórico, a Prefeitura de Belo Horizonte criou, em 2011, a Secretaria Municipal Adjunta de Gestão Compartilhada – SMAGC, cujo objetivo é dinamizar, organizar, expandir e integrar todas as atuais formas de participação da cidade. Deste modo, a Prefeitura acredita estar estimulando a mobilização social, a capacitação dos representantes da sociedade e a criação de novos espaços dialógicos, ampliando a cooperação institucional e proporcionando maior transparência nas atividades governamentais (GESTÃO COMPARTILHADA, 2014). Mas, afinal, como a PBH compreende a gestão compartilhada? De acordo com as informações obtidas no boletim Gestão Compartilhada 938 da Prefeitura de Belo Horizonte, esta “deve ser uma forma de radicalizar a democracia, ampliando as possibilidades de participação e controle social na gestão daquilo que é de interesse público” (PBH, 2011, p.1). Para alcançar esses objetivos, a SMAGC apresenta uma localização estratégica no organograma da Prefeitura, bem como possui uma organização interna tão complexa quanto o que ela deseja realizar. Ao analisarmos a estrutura organizacional da PBH, percebemos que a secretaria está vinculada à Secretaria Municipal de Governo. Tal Secretaria é responsável pela integração dos múltiplos interesses que transitam pelo município. Ela planeja e coordena, com a participação dos órgãos e entidades da Administração Pública, as políticas de mobilização social. Além de gerenciar as atividades de apoio às ações políticas da administração municipal, cabe à Secretaria de Governo assessorar o município nas atividades de representação política e em assuntos de natureza técnico-legislativa. O fato da SMAGC estar vinculada a esta Secretaria a confere uma posição estratégica dentro da estrutura da PBH, pois suas ações podem auxiliar e interferir no planejamento municipal, conferindo maior legitimidade às suas ações políticas. Todavia, para que a atuação da SMAGC seja realmente estratégica, ela deve apresentar uma estrutura organizacional que lhe confira tal capacidade. Considerando o atual organograma institucional da Secretaria, observamos que ela é composta por 4 unidades administrativas gerenciais de 1º nível e classe A, 9 gerências de 1º nível e classe C3, 16 gerências de 2º nível e quatro gerências de 3º nível. Não entraremos aqui nas competências de cada gerência, mas, ao analisarmos as entrevistas que realizamos e os diversos decretos que regem a Secretaria algumas atribuições nos instigaram, principalmente por serem elementos em comum entre várias gerências e evidenciarem normativas da SMAGC que dizem sobre a interlocução que ela pretende instituir. Estas atribuições As gerências de 1o nível são segmentadas nas classes A, B e C, de acordo com os níveis de competências e responsabilidades, as áreas de atuação, a relevância estratégica, a quantidade e a qualidade do atendimento a demandas internas e externas, bem como os projetos e programas desenvolvidos, o número de gerências que lhe forem subordinadas, o volume orçamentário alocado e o número de servidores lotados em suas respectivas unidades, sendo que a classe A é a mais abrangente e a C a mais específica. 3 939 são: (a) realização de diagnóstico sobre a situação da gestão participativa na cidade; (b) capacitação e fortalecimento da representatividade comunitária; (c) mobilização da sociedade para a participação. A partir dessas atribuições, podemos concluir que, ao menos em princípio a PBH se mostra preocupada em qualificar e mobilizar os representantes da sociedade civil, de modo a fortalecer a cidadania e aprimorar a qualidade dos fóruns participativos e das discussões neles ocorridas. Por outro lado, fica evidente uma preocupação em construir um diagnóstico sobre as formas de participação existentes no Município, para que se possa elaborar, posteriormente, um embasamento que paute a formatação de todos esses canais. Assim, fica claro que o próprio desenho fica sujeito a uma intervenção técnica especializada. Outro ponto que devemos ressaltar é que na era da gestão compartilhada os canais participativos da PBH requerem uma ação transparente e que estabeleça uma interlocução entre a administração municipal e as organizações da sociedade civil. Além disso, para que a população saiba da existência desses canais, é preciso que a Prefeitura desenvolva um processo de comunicação pública que não fique preso apenas ao caráter informativo. É preciso utilizar também estratégias de mobilização que sensibilizem a população. Ao retomarmos as dimensões da comunicação pública abordadas na seção anterior e avaliarmos os meios que a Prefeitura de Belo Horizonte utiliza para divulgar suas instâncias participativas, bem como para tentar mobilizar a sociedade civil e estabelecer com ela uma interlocução, percebemos que esses meios dizem de uma comunicação pública que se restringe às duas primeiras dimensões trabalhadas. Ou seja, trata-se de estruturas e práticas de comunicação do setor público que dizem respeito à responsabilidade que este tem de disponibilizar informações de interesse público para a sociedade civil. Mesmo estando relacionados apenas às estratégias de comunicação governamental, podemos dividir os meios utilizados pela SMAGC conforme seus objetivos específicos, dos quais ressaltamos três: (a) disponibilidade de informação; (b) chamado à participação; (c) recursos e ações de mobilização social. 940 DILEMAS NA COMUNICAÇÃO ENTRE PODER PÚBLICO E CIDADÃOS A proposta da PBH de congregar todas as formas de participação existentes na cidade sob a égide de um órgão único forneceu boa oportunidade para um exame em caráter exploratório sobre as questões de desenho institucional, naquilo que respeita à formação comunicacional das influências. O Orçamento Participativo, os colegiados – 24 Conselhos de Políticas Públicas e 9 Conselhos Tutelares – o Planejamento Participativo Regionalizado, as Conferências de Políticas Públicas e a mobilização social para a participação nessas instâncias estão a cargo dessa secretaria para a qual Belo Horizonte foi dividida em 40 territórios de gestão compartilhada, a fim de envolver os cidadãos no planejamento urbano da cidade. Essa divisão teve como referência interna os bairros da capital, agrupando-os segundo uma lógica socioeconômica, de infraestrutura e de características do espaço urbano, desconsiderando-se os aspectos associativos e o relacionamento entre as comunidades. Assim, foram criados comitês gestores em cada território, que ficaram responsáveis pelo encaminhamento de propostas ao Planejamento Participativo Regionalizado. Entretanto, a PBH não pretende envolver apenas as formas institucionalizadas mais tradicionais no sistema de gestão compartilhada. O seu objetivo declarado é incorporar, na gestão compartilhada, não apenas quem formalmente ocupa funções de direção ou coordenação em organizações, conselhos municipais, mas também aqueles que coordenam grupos e movimentos religiosos, culturais ou esportivos, representantes do setor econômico e empresarial, da juventude, de referências populares, entre outros (PBH, 2011, p.1). A própria Gerente de Mobilização da SMAGC evidencia essa preocupação ao descrever o mapa de relacionamento em construção pela equipe. Devido ao fato do Orçamento Participativo ser o expoente de participação no Município, quando se falava em controle social e em envolvimento da comunidade a Prefeitura recorria somente às gerências do OP para convocar a população para suas conferências e assembleias. Contudo, a Gerente afirma que existem muitos outros fóruns e canais de participação que não eram considerados para compor a lista de pessoas 941 que seriam contatadas, convocadas para a participação. Foi daí que a ideia de criar um mapa das diversas formas de participação, dos múltiplos elos de relacionamento entre a Prefeitura e a comunidade – que não seja só o OP – surgiu. Esse mapa deve permitir que a SMAGC identifique os diversos canais de participação para que possa congregá-los sobre sua responsabilidade. Todavia, essa iniciativa de congregação das instâncias traz uma série de dilemas em relação à interlocução com os públicos e suas possibilidades de influência, mas, para este artigo, destacamos três aspectos: (a) a multiplicidade de desenhos institucionais; (b) diferentes formas de influência sobre as decisões circunscritas aos desenhos institucionais e para além deles. (a) Multiplicidade de desenhos institucionais - Observamos que existe um paradoxo entre as pretensões e a formatação da Gestão Compartilhada da PBH. Ao mesmo tempo em que a Secretaria diz que pretende fomentar uma maior participação social nas suas mais diversas instâncias participativas, capacitando os cidadãos para isso e propiciando um maior controle social, a multiplicidade de arranjos institucionais que seus diferentes canais participativos apresentam podem inibir ou até mesmo confundir os cidadãos que desejam participar. Essa dificuldade de conciliar aspectos institucionais muito diferentes exige que se tenha um exaustivo processo mobilizador com os participantes, motivo pelo qual a proposta da SMAGC enfatiza as ações pedagógicas. A própria Secretaria assume a necessidade de ensinar, capacitar para que os cidadãos e grupos tenham condições de participar segundo suas regras, como é evidenciado nos terceiros incisos dos artigos 56B, 56C e 56E do Decreto no 14.281: “III - apoiar as atividades destinadas a ampliar e qualificar a representatividade da participação social nos processos de gestão compartilhada do Município”, e no inciso segundo do artigo 56F do mesmo decreto: “II - implementar estratégias educativas relacionadas aos processos de gestão compartilhada”. (b) Diferentes formas de influência sobre as decisões circunscritas aos desenhos institucionais e para além deles – Percebemos, através das entrevistas e análise dos documentos, que a institucionalização da participação pode gerar três ações/reações na comunidade: (a) organização para se adequar às regras e se in942 serir no ambiente participativo; (b) utilização de estratégias que extrapolam a institucionalidade dos desenhos para influenciar a tomada de decisão; (c) realização de negociações com autoridades do Poder Legislativo para conseguir agilizar a tomada de decisão. Todas essas ações demonstram as tentativas da comunidade em tentar influenciar o poder público e, assim, obter resultados em suas causas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A constituição de espaços públicos de discussão representa o saldo positivo das décadas de luta pela democratização, expresso especialmente pela Constituição de 1988, que foi crucial para a implementação destes espaços de participação dos cidadãos na gestão da sociedade. No entanto, essas transformações exigem modelos de gestão pública que sejam inovadores e que atendam ao que está preconizado nas legislações ambientais e urbanas, o que faz surgir, daí, a ideia de gestão compartilhada. Tal noção, como vimos, propõe um sistema que abrange cooperação, compartilhamento, transparência e protagonismo social como forma de promover o exercício democrático, culminando, principalmente, em arranjos institucionais que possibilitem esse protagonismo. Os desenhos institucionais das instâncias participativas que surgem desse processo são compostos de muitas variáveis, podendo ser combinados de muitos modos diferentes. Cada modalidade coloca possibilidades e limites distintos à interação e à interlocução com os cidadãos, o que reflete no potencial de influência das políticas públicas que os cidadãos podem ter. As regras desses desenhos podem criar oportunidades e constranger certas ações, conformando, assim, o processo amplo e aberto de comunicação pública. Além de incidirem sobre a comunicação, os arranjos institucionais também interferem na organização da sociedade civil. Nesse cenário, os cidadãos buscam confrontar esses arranjos, ora se organizando e buscando estratégias de ação dentro dos limites de influência possíveis neste desenho, ora desafiando esses próprios limites ou agindo fora deles para conseguir manifestar publicamente opiniões e preferências. Em ambos os casos, recorrem a estratégias de mobilização social. 943 Nossa análise permite observar que a dificuldade de lidar com múltiplos arranjos institucionais - que variam desde formas mais inclusivas até as mais limitadoras – e a rigidez das formas institucionalizadas implicam em dilemas e desafios à comunicação pública, como a necessidade de encontrar modelos institucionais que sejam sensíveis a outras formas de manifestação de preferências e demandas dos cidadãos e a necessidade dos públicos se adaptarem aos formatos das instâncias participativas e de aumentarem sua capacidade de influenciar as decisões do poder público. Fica evidente que a tentativa da SMAGC de abarcar diferentes instâncias participativas, com desenhos múltiplos, acaba gerando a necessidade de criar um processo pedagógico/mobilizador para “ensinar” a comunidade a participar. Essa necessidade de capacitar cidadãos cria um entrave: como defender uma proposta de compartilhamento e controle social sem que aqueles que a legitimarão, ou seja, os cidadãos, não conseguem compreender “sozinhos” como participar de seus processos? Esses e outros dilemas nos aparecem quando pensamos em um processo de gestão compartilhada, principalmente pelo que é trabalhado pela Prefeitura de Belo Horizonte. Longe de esgotar a discussão, não cremos num ideal participativo canônico, mas sim diferentes institucionalidades que devem se adaptar da forma mais democrática às demandas dos diferentes públicos, buscando o justo meio entre a burocracia e o controle social. REFERÊNCIAS AVRITZER, Leonardo. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Campinas: Opinião Pública, vol. 14, no1, p. 43-64, Junho 2008. BRANDÃO, Elizabeth Pazito. Conceito de comunicação pública. In: DUARTE, Jorge (org.). 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Professora Adjunta IV do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão (desde 1998), Mestre em Comunicação pelo Instituto Metodista de Ensino Superior (1995), São Bernardo do Campo e, atualmente, doutoranda do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS. E-mail: l-jeronimo@hotmail.com. 1 1. QUESTÃO INICIAL Diálogo entre governo e cidadãos está, hoje, no centro da relação entre comunicação política e democracia digital, a partir do momento que se começa institucionalizar a participação on-line da sociedade na gestão pública brasileira e construir espaços de participação social e diálogo nos quais podem ocorrer confrontos de ideias e efetivas negociações entre sujeitos sociais distintos, como apontam Oliveira (2006) e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Secretaria Geral da Presidência da República (BRASIL/MPOG, 2012). O objeto deste trabalho teórico-reflexivo está no centro da relação discursiva entre governo e cidadãos (debate político) sobre temas que se pretendem de interesse geral da população, quando estes são colocados em pauta pelo governo, através de consulta pública on-line, em contexto empírico institucionalizado2, como é o caso do “Gabinete Digital”3. Partimos do nosso Relatório de Qualificação de Tese ( JERÔNIMO, 2014), em que propomos analisar o diálogo entre o Governo do Rio Grande do Sul e seus cidadãos. Nesse processo de conhecimento, deparamo-nos com outra relação que constitui o debate entre governo e cidadãos, no sentido bakhtiniano: a relação entre a forma e o estilo de cada enunciado individual, as relações dialógicas entre enunciados individuais e o conjunto dessas relações dialógicas em uma consulta pública on-line. Essa relação poderá ser problematizada, a posteriori, se pudermos comBaseamo-nos na ideia de que os fatos estão como a essência da realidade, e que os fatos se dão em uma realidade social e histórica dada. Eles são a materialização da experiência (HABERMAS, [1968]2014). Desta maneira, o contexto empírico é o lugar situacional em que se objetiva e materializa uma experiência, podendo-se, através dele, percebê-la. Nesse sentido, chamaremos aqui de contexto empírico institucionalizado o lugar ou unidade ou espaço concreto constituído legalmente que possibilita, neste caso, a materialização da comunicação discursiva. 2 “Gabinete Digital” é um website governamental criado pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul, que funcionou no período de maio de 2011 até dezembro de 2014 como espaço de participação social on-line na Administração Pública. Seu acesso continua sendo www.gabinetedigital.rs.gov.br até a finalização deste trabalho. 3 947 preender as relações dialógicas entre enunciados individuais, observando-as em uma realidade social e histórica específica dada. A tarefa aqui é, então, pensar uma orientação teórica capaz de organizar a prática da metodologia necessária à análise das relações dialógicas entre enunciados individuais para, depois, desvelar que tipo de diálogo entre governo e cidadãos foi constituído e qual a natureza do enunciado concreto final produzido. Por isso recorremos a Mikhail Bakhtin e seu Círculo4. Na primeira metade do século XX, Mikhail Bakhtin, contemporâneo dos formalistas russos5, debruçara-se sobre o caráter dinâmico, mutável e dialógico da linguagem, entendendo o diálogo como fenômeno central na vida social e na vida pessoal. Mudando as categorias básicas dos estudos da linguagem anteriores, seu pensamento filosófico-linguístico, buscara compreender o exercício da linguagem, e não o seu código6. Concentrando-se no agir concreto do sujeito, ele trouxera à tona a categoria “polifonia” – “multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis” (ver nota de rodapé 8) representantes de um contexto empírico particular e, simultaneamente, formada e marcada por esse “Círculo de Bakhtin” é a designação do grupo de pensadores russos que se reuniam para refletir e criticar concepções filosóficas e que constituíram uma concepção própria de Filosofia da Linguagem, produzindo conceitos basilares para o estudo da linguagem, como: dialogismo, signo ideológico, interação verbal e enunciado concreto. Esse grupo era composto por Mikhail M. Bakhtin, Lev V. Pumpiánski, Matvei I. Kagan, Valentin N. Volochinov, Ivan I. Solertínski, Pável N. Medviédev, Maria V. Iudina, Ivan I Kasaiev, Konstantim Vaguinov e Bóris Zubákin (CLARK; HOLQUIST, 2004; BAKHTIN; DUVAKIN, 2012). 4 Viktor Chklovsky, Vladimir Propp, Yuri Tynianov, Boris Eichenbaum, Roman Jakobson e Grigory Vinokur (CLARK; HOLQUIST, 2004; BAKHTIN; DUVAKIN, 2012). No Brasil, temos na obra Teoria da Literatura: formalistas russos (TOLEDO,1976) o contato com suas ideias e, através delas, uma noção da razão do distanciamento de Mikhail Bakhtin dos formalistas. 5 Na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem ([1929]2010), Mikhail Bakhtin recolhe as ideias de duas linhas que orientam o pensamento filosófico-linguístico que estão em oposição: as orientações do subjetivismo idealista e do objetivismo abstrato. Ele as critica e as contrapõem, construindo sua própria orientação filosófica-linguística. 6 948 mesmo contexto, apresentando uma “fala” aparentemente homogênea (BEZERRA, 2012. p.194). Confrontando-se com o modelo ocidental positivista – a partir do qual “só é real e material aquilo que pode ser medido, pesado, tocado, manipulado, quantificado” -, Bakhtin e seu Círculo afastam-se das filosofias da forma ( formas imutáveis) que remonta a Platão (com seu mundo das ideias, fora do tempo e do espaço). Bakhtin trabalha, em suas obras, com a filosofia do movimento, cujo objeto é o exercício da linguagem (movimento; sempre por se construir); está sempre em processo; não se submete a uma forma fixa e imutável (RIBEIRO, 2006, p. 5). O exercício da linguagem é ação no diálogo. Se ambicionamos compreender como acontece o diálogo entre governo e cidadãos, de onde partiremos? Partiremos do princípio dialógico que orienta a ideia que para nós perpassa e orienta a formação das relações dialógicas entre enunciados individuais e a natureza do diálogo concreto, como veremos a seguir. 2. O PRINCÍPIO DIALÓGICO BAKHTINIANO: A BASE DAS RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE ENUNCIADOS INDIVIDUAIS. O princípio dialógico7 é um dos pilares da arquitetura teórica que Mikhail Bakhtin constrói sobre enunciação dialógica. Este princípio articula três posicionamentos maiores, conforme Patrick Dahlet (2005, p.55), como veremos a seguir: a natureza social do diálogo (que é de essência intersubjetiva8), a natureza do signo (o signo é um “mecanismo” Adail Sobral (2009, p.123) nos lembra que as obras do Círculo de Bakhtin indicam que o “dialogismo” não é uma questão estritamente discursiva, pois “seus aspectos discursivos são derivados de sua definição filosófica como princípio geral do agir”. Que só a posteriori o “dialogismo” é compreendido como princípio de produção de enunciados/discurso. Neste trabalho, assumimos a segunda concepção. 7 Para Bakhtin, o sujeito não é fonte primeira de sentido (DAHLET, 2005). Para Bakhtin ([1929]2010, p.47), “o psiquismo subjetivo é o objeto de uma análise ideológica, de onde se depreende uma interpretação socioideológica. O fenômeno psíquico, uma vez compreendido e interpretado, é explicável exclusivamente por fatores sociais, que determinam a vida concreta de um dado indivíduo, nas condições do meio social”. Assim, a fonte primeira de sentido na produção de diálogo 8 949 de ação sobre uma determinada realidade9) e a natureza do sujeito10 (o sujeito falante é constituído de várias vozes, ou seja, ele existe através do outro, por uma alteridade, e não por um discurso interno, fechado). Mas, qual a implicação do princípio dialógico à compreensão de como se constitui o diálogo? Para nós, é o fato de Bakhtin conceber o discurso dito (enunciado concreto final), enquanto produto das relações dialógicas entre enunciados individuais, como “uma construção híbrida, (in)acabada por vozes em concorrência e sentidos em conflito” (DAHLET, 2005, p. 56), quer dizer, como produto de intercâmbio verbal fundado, como todo processo de produção de sentido, na diferença. E isso pode ser energizador do processo social e constituir-se em força centrífuga11 da participação social, neste caso, na Administração Pública, em um governo. O princípio dialógico (dialogismo) nos orienta sobre o uso da linguagem quando o diálogo vai se constituindo. Para este princípio, a iné o meio social onde os sujeitos estão inseridos. Isso é perceptível no processo de intersubjetividade, que nas obras de Bakhtin vem para o primeiro plano. Em Marxismo e Filosofia da Linguagem ([1929]2010), Mikhail Bakhtin pensa sobre isso ao trabalhar a relação entre o estudo das ideologias e a filosofia da linguagem. Para ele, “a palavra é o fenômeno ideológico por excelência” (p. 36). A palavra penetra nas relações entre indivíduos na vida cotidiana; ela é indicador de transformações sociais. 9 Para Adail Sobral (2009, p. 123), “a noção de sujeito, que sempre remete ao agir, a um agente, implica pensar o contexto da ação, que envolve tanto o princípio dialógico (que segue a direção do interdiscurso, da interação, constitutivos do discurso, dos atos), como os elementos sócio-históricos que formam o contexto mais amplo, sempre interativo (na direção da polifonia, isto é, da presença de vários pontos de vista nos atos e discursos humanos”. Sua fala representa bem o que já expressamos. 10 Para Bakhtin (CLARK; HOLQUIST, 2004), os participantes do diálogo travam uma luta discursiva. Ou seja, uma luta com forças centrífuga e centrípeta. “As forças centrífugas compelem ao movimento, ao devir e à história; elas aspiram à mudança e à vida nova. As forças centrípetas exigem estase, resistem ao devir; abominam a história e desejam a quieta mesmice da morte” (CLARK; HOLQUIST, 2004, p. 35). Em Habermas (2012, v.1), essa luta é visível nas formulações de pretensões de validade criticáveis. 11 950 tersubjetividade é anterior à subjetividade, pois o saber partilhado entre os distintos sujeitos sociais é a base da consciência individual; a percepção da forma e da dinâmica do uso da linguagem se dá pelo signo mutável; e seus sujeitos são dialógicos. Entender o “dialogismo” nos dá uma certa aptidão para observar radicalmente as relações dialógicas entre enunciados individuais. 3. AS RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE ENUNCIADOS (INDIVIDUAIS) Para Bakhtin, o enunciado é uma unidade da comunicação discursiva que está no centro da relação entre linguagem e sociedade, enquanto materialização do efeito de estruturas sociais. Nesse sentido, o enunciado reflete uma determinada realidade em uma dimensão espacial e temporal. Em uma mesma dimensão espacial, a interação entre enunciados produz a passagem de uma realidade temporal para outra realidade temporal. É o que Bakhtin ([1929] 2010, p. 42) chama de “refração”. Ou seja, o enunciado final concretiza um signo criado valorativamente na relação entre enunciados individuais que revela a realidade (reflete) e modifica a direção (refrata) da realidade em transformação. Diferentes realidades temporais (ou espaciais) se apropriam, por exemplo, do enunciado sobre “saúde pública” de diferentes formas e o transformam em outros enunciados, produzindo uma polissemia sobre esse objeto. Quando um enunciado individual começa a ser constituído na mente humana, pelo processo de conscientização e de reflexão, esse ciclo de reflexão e refração começa a se construir. Entretanto, o que se torna visível é o que Bakhtin denominou “enunciado concreto” (o já dito/escrito). Sua constituição é dada pelo exercício da linguagem se pensarmos no que chamamos de enunciado concreto individual, e pelo movimento entre enunciados individuais se pensarmos no enunciado concreto final. É pela percepção da relação entre esses dois tipos de “enunciados concretos” que compreendemos o diálogo, enquanto forma específica de composição do discurso. E se nele há uma realidade refletida ou refratada em um debate. Para observar e compreender como o diálogo se compõe, a categoria relações dialógicas entre enunciados precisa ser analisada através de seus elementos conceituais: “alteridade e respondibilidade”, “conclusibilidade” e “valoração”. Estes elementos revelam a natureza das séries 951 de enunciações. As diversas enunciações desvelam o tipo de diálogo e a característica do enunciado concreto final produzido na consulta pública on-line (ver Figura 1). Então, vejamos o processo resultante da apreensão teórica que possibilita teoria e experiência se fundirem. FIGURA 1 – PROCESSO DA PRÁTICA DE PESQUISA Fonte: (A autora, 2015) 3.1 ALTERIDADE E RESPONDIBILIDADE NAS RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE ENUNCIADOS INDIVIDUAIS A “alteridade” consiste na ideia de que “somente do outro eu posso obter o meu self”(CLARK; HOLQUIST, 2004, p. 91), reafirmando nosso entendimento de que o sujeito em si pressupõe a relação entre sujeitos. Sua importância é percebida na construção dos enunciados e no processo de respondibilidade que veremos mais tarde. Segundo Clark e Holquist (2004, p. 93), Bakhtin entende que há uma interdependência entre a mente e o mundo no sentido de que “ninguém pode existir sem modificações efetuadas por outrem”. Isso gera a ideia de “vivenciamento empático” (BAKHTIN, [1979], 2011). Nesse sentido, o “dialogismo” torna-se um procedimento em que o sujeito se vê e se reconhece através do outro, na imagem que o outro faz dele. Essa é condição para entender que, quando um sujeito pensa e se exterioriza para um “auditório social” bem definido, ele se reconhece e é reconhecido pelo “auditório” (BAKHTIN [1929]2010, p. 16). Ou seja, a necessária complementariedade do outro/tu. 952 A “alteridade” para Bakhtin explica a alternância de vozes e consciências independentes e imiscíveis; alternância de vozes “plenivalentes” e consciências “equipolentes”12; é o constante deslizamento entre o “eu” e o “outro”; alternância entre dois enunciados; significa relações semânticas tensionadas13. Ela gera a categoria de “heteroglossia” (ocorrência de vozes diferentes) no interior do texto produzido no diálogo. Nessa perspectiva, “alteridade” torna-se princípio para o movimento entre o enunciado do governo e os enunciados dos cidadãos (relação dialógica dos enunciados). Bakhtin, em Estética da Criação Verbal ([1979]2011, p. 294 e 295), recupera o princípio “alteridade” para falar de relação entre enunciados compondo um discurso. Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é pleno de palavra dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos. A interação dos enunciados se dá pela alteridade dos sujeitos que participam de um diálogo, e é essa mesma alteridade que estabelece os limites dos enunciados (começo e fim de cada um nesse processo) e que possibilita perceber outro elemento teórico: a “respondibilidade”14. “Plenivalente” e “equipolente” são traduções de criações vocabulares de Bakhtin em russo que significam respectivamente: livre e preservando sua característica individual; e com a mesma possibilidade de convivência e de diálogo (em pé de igualdade). 12 Na obra Linguagem e diálogo (2003, p. 66), Carlos Alberto Faraco lembra que o dialogismo bakhtiniano é tanto convergência, quanto divergência e que “o Círculo de Bakhtin entende as relações dialógicas como espaços de tensão entre enunciados”, e não simplesmente como promoção de entendimento, como alerta também Fiorin (2012, p. 170). 13 Empregamos o termo “respondibilidade” para designar ação de “responder a alguém ou alguma coisa” sem abdicar do caráter de “responder pelos próprios atos”. Cada autor de enunciado individual é responsável ou “respondível” por si mesmo e pelo conteúdo de sua fala, conforme expresso em Clark; Holquist 14 953 Para Bakhtin ([1979]2011, p. 297), existem formas de alternância de enunciados que precisam ser reveladas e que indicam uma “recepção ativa do discurso de outrem” (cf. BAKHTIN, [1929]2010, pp. 150-160): a) a dos enunciados dos outros que podem ser introduzidos diretamente no contexto dos enunciados (por exemplo, uma postagem de opinião quando outras opiniões já foram postadas); b) a dos enunciados em que podem ser introduzidas somente palavras isoladas ou orações de outros que, neste caso, figurem como representantes de enunciados plenos, mas não podem ser reacentuadas (por exemplo, citações diretas como as usadas neste trabalho); e c) a dos enunciados dos outros que podem ser recontados com um variado grau de reassimilação (por exemplo, uma opinião postada acrescida com informações que alteram o sentido do que se discute). Sobre “alteridade e respondibilidade”, considerando esses contextos, Bakhtin ([1979]2011, p. 297) nos lembra: Os enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um a si mesmos; uns conhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos outros. Esses reflexos mútuos lhes determinam o caráter. Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera da comunicação discursiva. Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo (aqui concebemos a palavra “resposta” no sentido mais amplo): ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta. Precisamos então identificar, no diálogo entre governo e cidadão via consulta pública on-line, as marcas de alternância de enunciados; como os contextos imediato e histórico estão presentes em cada enunciado concreto individual; e como na alternância de enunciados há “respondibilidade”. (2004, pp.89-116) e em Adail Sobral no texto “Ato/atividade e evento” (BRAIT, 2012, p. 20). 954 Para Bakhtin, ainda em Estética da Criação Verbal ([1979]2011, p. 271), quando um sujeito percebe e compreende o significado (linguístico) do discurso do outro sujeito, ele ocupa uma ativa posição responsiva. Ou seja, [...] concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc; uma posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de audição e compreensão desde o seu início, às vezes literalmente a partir da primeira palavra do falante. Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. Assim, “respondibilidade” é um elemento teórico que compõe, também, a relação dialógica entre enunciados. Ele materializa “uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução” (BAKHTIN, [1979]2011, p. 272). Enquanto propriedade da enunciação, ela permite e exige uma resposta de um enunciado para o outro. Para Menegassi (2009, p.158), ela é motivada pelo encontro e choque das “palavras-signos” com o mundo interior do outro, a partir de coerções do contexto social da enunciação. Só há relações dialógicas entre enunciados se há “alteridade e respondibilidade”. O princípio alteridade orienta e solicita a ideia da respondibilidade nessas relações. Para que um enunciado individual interaja com outro, [...] é preciso que aquilo que foi dito/escrito encontre eco nas vivências anteriores do outro, que ele seja envolvido pela relevância do conteúdo em questão em relação ao contexto em que ele e o locutor encontram-se imersos. Somente assim essas palavras merecerão, de fato, uma resposta” (MENEGASSI, 2009, p.158). Esses princípios e conceito perpassam os conceitos de interação verbal, de discurso, de enunciado concreto e de gêneros do discurso. Mas só o conceito de “respondibilidade” figura no diálogo a necessidade humana “de provocar no seu par uma reação, uma resposta às suas 955 ações, sejam elas de natureza atitudinal ou linguística” (Op. Cit., p. 149). Ou seja, uma ação ou uma fala responsável que responda às palavras ditas por outrem. Todavia, a resposta responsável de uma pessoa em um diálogo não se dá sempre de forma direta e imediata, mas também de forma subsequente não imediata. A temporalidade não é um aspecto essencial à “respondibilidade”, pelo contrário, às vezes ela exige distanciamento temporal. Considerando isso, Bakhtin ([1979]2011, p. 272), pensou dois tipos de surgimento de “respondibilidade”: a) a ativa15 (ou imediata, como denomina Menegassi) – que “pode realizar-se imediatamente na ação”; nela “o outro, ao compreender o enunciado, apresenta, imediatamente, ao locutor, a sua devolutiva” (MENEGASSI, 2009, p. 160). Como exemplo, podemos citar: o cumprimento de ordem ou comando entendidos e aceitos para execução, a réplica no diálogo cotidiano, a interação face-a-face, a comunicação mediada por computador, etc.; e b) a silenciosa16 ou de efeito retardado – em que “cedo ou tarde, o que foi ouvido e ativamente entendido responde nos discursos subsequentes ou no comportamento do ouvinte” (BAKHTIN, [1979]2011, p. 272). Como exemplo, podemos citar os discursos escritos e lidos nos gêneros líricos. De qualquer forma, a manifestação de respondibilidade marca a passagem de um enunciado a outro, gerando um “fluxo de fala”, que tem um aspecto interno: a “conclusibilidade”. 3.2 CONCLUSIBILIDADE DO ENUNCIADO Em Estética da Criação Verbal ([1979]2011), Bakhtin entende que a “conclusibilidade” é um aspecto interno da alternância dos sujeitos do discurso. Quer dizer que, a alternância ocorrereu porque um dos sujeitos “disse (ou escreveu) tudo o que quis dizer em dado momento ou sob dadas condições” (p. 280). Dizer “tudo” significa produzir o “indí“Respondibilidade ativa” representa a prontidão da resposta após a compreensão do enunciado dito/escrito, sendo responsável por este ato. Essa resposta pode ser um enunciado, uma ação ou o silêncio. 15 Na “respondibilidade silenciosa”, o sujeito que responde, requisita para si um tempo maior para elaborar sua resposta linguística ou atitudinal, sendo, a posteriori, responsável por sua fala ou por seu comportamento. 16 956 cio de inteireza acabada do enunciado”17, que é determinado por três fatores. Primeiro pela “exauribilidade do objeto e do sentido”, ou seja, pela relação entre o falante e o objeto de sua fala. Uma relação de cognição (compreensão do objeto da discussão) e uma relação valorativa (a importância do objeto da discussão para o falante naquele momento). Segundo, pelo “projeto do discurso” ou vontade do falante, isto é, o objetivo do falante ao decidir participar da consulta pública on-line, neste caso. E, terceiro, pelas “formas típicas composicionais e de gênero do acabamento”, ou seja, o tipo de texto e a forma como este deve produzir sentido conforme o projeto enunciativo. Sobre isso ver Adail Sobral (BRAIT; MAGALHÃES, 2014, pp.19-36). A partir daqui, destacamos do primeiro fator de “conclusibilidade”: a relação do falante com seu objeto de fala. Esta relação influi na produção de sentido sobre o objeto da consulta pública on-line e que põe a descoberto a natureza ideológica dos atos de fala individuais. Estamos falando do processo de “valoração”. 3.3 VALORAÇÃO NO ENUNCIADO Que sentido se forma sobre o objeto de uma consulta pública on-line? Esta questão só é respondida a partir das relações dialógicas entre enunciados individuais em que se decifra como cada sujeito atribui valor ao objeto de sua fala e disputa poder simbólico para fazer validar e preponderar seu enunciado. É nesse sentido que o elemento teórico “valoração” surge como componente que marca a criação de um “signo”, conforme entendimento bakhtiniano, nas relações dialógicas entre enunciados. Mikhail Bakhtin ([1979]2011, p. 280) entende “Indício de Inteireza Acabada do Enunciado” as marcas de “compreensão responsiva dos interlocutores” determinada por três fatores “intimamente ligados no todo orgânico do enunciado”, aí citados. Para ele existem as seguintes formas da ativa “compreensão responsiva”: a) a influência educativa sobre os leitores, sobre suas convicções; b) as respostas críticas; e c) a influência sobre seguidores e contaminadores (cf. Op. Cit., p. 279). Para Bakhtin, “o ouvinte, ao compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.” (Op. Cit., p. 271). É a compreensão da fala viva. 17 957 A cada etapa do desenvolvimento da sociedade, encontram-se grupos de objetos particulares e limitados que se tornam objeto da atenção do corpo social e que, por causa disso, tomam um valor particular. Só este grupo de objetos dará origem a signos, tornar-se-á um elemento da comunicação por signos (BAKHTIN, [1929]2010, p. 46). Para Bakhtin, um objeto se torna tema de discussão social quando este adquire valor social, ou seja, quando ele afeta a existência material do ser humano. A partir daí, o tema atinge a consciência individual para possuir um índice individual de valor (BAKHTIN, [1929]2010, p. 46). Na interação entre consciências individuais, produzimos um índice interindividual de valor sobre o tema, tornando-o socialmente pertinente para discussão18. O autor explica como o elemento teórico “valoração” é marcado por gêneros (valorativos) do discurso. Quando atribuímos valor a um tema, podemos reacentuá-lo, pondo-o em destaque de uma outra maneira, diferente da antecedente. Para Bakhtin ([1979]2011, p. 293), “os gêneros do discurso, no geral, se prestam de modo bastante fácil a uma reacentuação: o triste pode ser transformado em jocoso-alegre, mas daí resulta em alguma coisa nova”. Ao produzirmos um enunciado, reacentuando um tema (ou reassimilando-o; compreendendo de outra forma), estamos alterando um elemento semântico-objetal desse tema e do enunciado. Produzimos então um novo “tom” na resposta, que ao nosso ver é um indício de quão seriamente algo é discutido. Um único enunciado é pleno de “tons” para Bakhtin ([1979]2011, p. 298), mas na relação entre enunciados individuais há uma pluralidade deles. Essa pluralidade de “tons” pode potencializar ainda mais um diálogo qualificado, com força centrífuga maior, que compele a um movimento mais intenso na discussão do tema almejando uma mudança, uma transformação da realidade. Ou, ao contrário, gerar uma força centrípeta no (e pelo) diálogo, produzindo uma imobilização, uma resistência ao devir, desejando o desinteresse na sociedade e a quieta mesmice da morte de um debate. Bakhtin discute essa relação quando apresenta suas considerações sobre a natureza sociológica da estrutura de expressão e da atividade mental, na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem ([1929]2010, pp. 118 a 122). 18 958 Cada enunciado publicado, em uma consulta pública on-line, pode ter uma forma de valorar seu objeto ou tema. Essa “valoração” pode atribuir ou retirar a força de uma ideia. Ênfases/silêncios, elogios/ depreciações, aprovações/desaprovações, êxtase/desencantos são “entonações expressivas” que, para Bakhtin, dão um peso específico à produção de sentido nos enunciados. “Em certa situação a palavra pode adquirir um sentido profundamente expressivo na forma do enunciado exclamativo [...]”(BAKHTIN[1979]2011, p. 291). Qualquer “valoração” pode dar espaço a uma distinção ideológica de caráter apreciativo (cf. BAKHTIN [1929] 2010, p. 81), o que ultrapassa a concepção de estar certo ou errado em uma “embate” discursivo, recepcionando a apreciação do que é pior, melhor, belo ou repugnante, etc. Fazendo parte das relações dialógicas entre enunciados individuais, a “valoração” interfere no resultado de uma consulta pública on-line. Ela participa da constituição do diálogo entre governo e cidadãos, podendo alterar o sentido do tema da consulta pública, assim como seu objetivo primeiro. Ela pode alterar a produção simbólica no diálogo entre governo e cidadãos, pois nela podem estar contidos juízos de valor que, por sua vez, são subjetivos, podendo ou não ser bastante arbitrários. A “valoração” nem sempre se fundamenta, mas produz um processo de movimento ou de estagnação nas relações dialógicos entre enunciados. Bakhtin acredita no processo de movimento quando os indivíduos expressam seus juízos de valor e se responsabilizam por eles. 4. RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE ENUNCIADOS: PONDO A DESCOBERTO O CONTEXTO EMPÍRICO Para que serve uma trama conceitual na prática da pesquisa? Orientar um olhar para compreender algo; por a descoberto e apreender sobre um contexto empírico sob um determinado ponto de vista teórico. A trama que aqui é apresentada - um conjunto de conceitos entrelaçados - ajuda a pensar a categoria teórica relações dialógicas entre enunciados individuais e, por conseguinte, a compreender sobre um processo: o diálogo; um objeto presente em uma realidade (social) específica. Neste trabalho, “alteridade e respondibilidade”, “conclusibilidade” e “valoração” revelam juntas a natureza das relações enunciativas, o tipo 959 de diálogo e o enunciado concreto final. É o encontro da teoria com a realidade, tentando interpretá-la. Por exemplo em uma consulta pública on-line sobre “Atendimento na saúde pública”, o interesse e o desejo do governo e dos cidadãos podem ser diversamente orientados ou se alinhar completamente. Então, como é possível o diálogo entre eles? Como acontecem as relações dialógicas entre enunciados individuais quando os sujeitos distintos estão alinhados e quando estão diversamente (ou conflituosamente) orientados? O tema “saúde pública”, a título de exemplo, pode produzir e revelar sentidos diferentes para governo e para cada cidadão. Portanto, precisamos reconhecer a ausência de unicidade da palavra e numa perspectiva semântica, entender o que diz Bakhtin: “os contextos não estão simplesmente justapostos, como se fossem indiferentes uns aos outros; encontram-se numa situação de interação e de conflito tenso e ininterrupto” (BAKHTIN, [1929]2010, p. 46). Ou seja, interesses e desejos nem sempre estão aproximados, unidos, encaixados. Suas vozes, como já explicamos, são “plenivalentes” e “equipolentes” no debate de um tema que se pretende de interesse geral. Sabendo que essa pode ser a natureza do processo de diálogo, e sabendo que pode haver uma mudança de “acento avaliativo da palavra” em função do contexto (do governo e do cidadão), partimos para observar e compreender como as relações dialógicas entre enunciados individuais acontecem, apesar das orientações diversas dos sujeitos enunciadores. Tal observação pretende desvelar o diálogo em construção e seu produto: o enunciado concreto final, produto da consulta pública on-line sobre um tema específico. Na prática da metodologia, escolhemos uma consulta pública on-line, identificando, em cada extrato19 de enunciação dialógica, as marcas de alteridade e respondibilidade, de valoração em cada enunciado individual e de conclusividade da enunciação dialógica do extrato. Para cada extrato, podemos: a) construir a ilustração do esquema de alteridade e respondibilidade, possibilitando sua comparação; b) identificar Entendemos extrato como um fragmento que representa uma relação dialógica entre enunciados (pergunta-resposta-réplica-tréplica) dentre tantas, contida em uma consulta pública on-line estudada. 19 960 as marcas de valoração nos enunciados individuais, possibilitando a percepção do signo ideológico preponderante; c) identificar o “indício de inteireza acabada do enunciado”, evidenciando a conclusibilidade da consulta pública on-line; e d) revelar a característica do enunciado concreto final produzido no diálogo. A partir daí, é possível tecer críticas sobre o tipo de diálogo entre governo e cidadãos. Se ele é capaz, por exemplo, de produzir força centrífuga na sociedade, energizando a participação social na gestão pública do país, através da consulta pública on-line. Mas esse será um outro momento de pesquisa. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail M. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem. Prefácio de: Roman Jakobson. Apresentação de: Marina Yaguello.14.ed. São Paulo; Editora Hucitec, 2010. BAKHTIN, Mikhail M. (1979). Estética da criação verbal. Introdução e Tradução: Paulo Azevedo Bezerra. 6.ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. BAKHTIN, Mikhail; DUVANKIN, Viktor. Mikhail Bakhtin em diálogo – Conversas de 1973 com Viktor Duvalin. 2.ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2012. BEZERRA, Paulo. Polifonia. In: Brait, Beth (Org.). Bakhtin: Conceitoschaves. 5.ed. São Paulo: Contexto, 2012, pp. 191-200. CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. Tradução: J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2004. DAHLET, Patrick. “Dialogização Enunciativa e Paisagem do sujeito”. In: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: dialogismo e construção do sentido. 2.ed.rev. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2005. pp. 55-84. HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e interesse. São Paulo: Editora Unesp, 2014. 961 JERÔNIMO, Luciana Saraiva de Oliveira. Diálogo Temático Online: um estudo sobre relações entre enunciados do governo e dos cidadãos. O caso das consultas públicas no “Gabinete Digital” do RS. 2014. 168f. Relatório de Qualificação de Tese (Doutorado em Comunicação Social). Faculdade de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. MENEGASSI, Renilson José. “Aspectos da responsividade na interação verbal”. IN: Revista Línguas e Letras. Cascavel, vol. 10, nº 18, 2009, pp. 147-170. PIRES, Vera Lúcia. “Da intersubjetividade na linguagem” In: TEIXEIRA, Marlene; FLORES, Valdir do Nascimento (orgs.). O sentido da linguagem: uma homenagem à professora Leci Borges Barbisan. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. pp 139-147. RIBEIRO, Luís Filipe. “O conceito de linguagem em Bakhtin”. Palestra proferida na Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, RJ: 2006. Disponível em: www.revistabrasil.org/revista/artigos/crise.htm. Acesso em: 25/09/2014. 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Apesar das distintas trajetórias históricas e da pluralidade das experiências, as redes públicas de TV e rádio na Europa e na América Latina procuram, neste início de século, se legitimar em suas sociedades, inseridas agora um contexto de velozes inovações no setor das comunicações. Analisamos esse questionamento sobre o papel da radiodifusão pública no século XXI à luz das transformações do espaço público em nossas sociedades, conceito considerado aqui criticamente. A proposta, assim, é fomentar um debate sobre os novos desafios das empresas de radiodifusão pública, destacando o papel que a participação da sociedade pode ter em seu aprimoramento. Possui graduação em Comunicação Social pela Faculdade Cásper Líbero (2004), com habilitação em Jornalismo. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (PPG-COM / ECA / USP) e pesquisador do Grupo de Pesquisa Comunicação Pública e Comunicação Política. Pesquisa temas relacionados à comunicação popular, democracia deliberativa e controle social. Atua como editor-assistente da Editora Unesp. 1 Palavras-chave: Radiodifusão pública; comunicação pública; participação social; espaço público; convergência tecnológica. “Os sentidos intermediários [de comunicação] – tornar comum a muitos e partilhar – podem ser lidos em qualquer uma das direções, e a escolha da direção é frequentemente crucial.” Raymond Williams (2007:103) Em 11 de junho de 2013, o primeiro-ministro grego, Antónis Samarás, surpreendeu o país anunciando o encerramento das atividades da TV pública nacional, a Hellenic Broadcasting Corporation. Subitamente, determinou a demissão de cerca de dois mil funcionários e o fim das atividades da empresa que era mantida pelos cidadãos gregos há 75 anos. Em meio à crise financeira que assolara o caos ao país, a medida respondia aos acordos negociados com a União Europeia e os representantes dos credores da dívida grega, que clamavam por mais austeridade fiscal e corte dos gastos públicos. A justificativa apresentada pelo porta-voz do governo Simos Kedikoglou, foi inequívoca: “A ERT é um caso de extraordinária falta de transparência e esbanjamento. Isso acaba agora”. E acrescentou que a empresa apenas queria “controlar a informação sem nenhum tipo de accountability”. É revelador que o berço da democracia ocidental, de cuja experiência emanaram princípios que, de uma maneira ou de outra, a maior parte dos governos – ao menos, discursivamente – advogam compartilhar, tenha explicitado de maneira dramática a crise pela qual passam atualmente as empresas de radiodifusão pública (PBS, Public Service Broadcasting). Nosso objetivo não é discutir esse caso em particular, o fechamento da Hellenic Broadcasting Corporation. Mas sim refletir sobre um dos argumentos usados neste caso – mas também em outros contextos – para a crítica do projeto das PBS: a falta de transparência na gestão, o que comprometeria a legitimidade da empresa em prestar seu serviço de modo adequado. Até mesmo porque o governo grego não questionou 964 a validade da existência de um serviço público de comunicação, mas sim sua ineficiência. O fechamento da HBC foi anunciado como temporário, até o surgimento de uma nova companhia, remodelada, que tivesse missão semelhante – o que ainda não ocorreu.2 Estruturamos nosso artigo da seguinte maneira: primeiro, fazemos algumas considerações sobre as transformações do conceito de esfera pública que, de uma maneira ou de outra, formam o substrato teórico das experiências das PBS. Fortalecer valores democráticos, manter independência em relação ao governo e estimular o engajamento cidadão são algumas das autojustificativas de um serviço público de radiodifusão. A seguir, apresentamos uma reflexão sobre o papel que a participação cidadã poderia ter nesse momento de redefinição do pacto que essas experiências firmam com seu público. Em um contexto em que os regimes democráticos sentem-se cada vez mais provocados por uma cidadania ativa, e que ao mesmo tempo nem sempre respondem às novas possibilidades abertas pelas novas ferramentas de comunicação, ampliar o horizonte democrático das instituições públicas é uma questão colocada para o tempo futuro. O ESPAÇO PÚBLICO EM REVISÃO Em uma entrevista publicada pelo jornal alemão Die Zeit em 2008 sobre a crise financeira internacional, o filósofo Jürgen Habermas criticou os processos de privatização nos Estados Unidos, que englobaram serviços como previdência e saúde, assinalando que tal política não combina com os princípios igualitários próprios de um Estado democrático de direito. O jornalista fez um contraponto: “Burocracias estatais podem simplesmente não ser rentáveis do ponto de vista econômico”. Habermas redarguiu: Mas há domínios vitais vulneráveis que nós não podemos expor aos riscos da especulação financeira. [...] No Estado constitucional democrático, há também bens públicos, como Uma das prioridades anunciadas pelo Syriza, partido de esquerda crítico da maneira como se gerenciou a crise na Grécia e que chegou ao governo em 2015, foi o relançamento da empresa pública de comunicação, medida que ainda não foi efetivada. 2 965 a comunicação política não distorcida, que não podem ser talhados conforme as expectativas de rendimento de investidores financeiros. A necessidade de informação dos cidadãos não pode ser satisfeita pela cultura de canapés promovida por uma televisão privada disseminada por todos os cantos. (HABERMAS, 2012:112)3 É possível extrair desse comentário do filósofo alemão duas provocações atuais que se relacionam com o estudo da comunicação pública: a insuficiência da informação direcionada pela racionalidade financeira no que se refere ao atendimento da necessidade dos cidadãos; a ênfase dada ao entretenimento por parte dos grupos privados de comunicação.4 Evidentemente, essas questões não contemplam respostas simplistas; em sociedades democráticas, os meios de comunicação compõem um ecossistema complexo, de variadas matizes. O próprio comentário de Habermas, por exemplo, foi publicado em um semanário alemão, de um grupo privado, cuja linha editorial se caracteriza por fomentar um debate plural e qualificado sobre os acontecimentos locais e internacionais. A rejeição das respostas maniqueístas nos parece tão necessária quanto a cuidadosa apreciação da crítica às limitações do interesse econômico na veiculação de informações por grupos privados, como a que por exemplo Noam Chomsk e Edward Herman apresentaram em Manufacturing Consent: The Political Economy of The Mass Media. Esta temática em particular, porém, não é a ênfase deste texto, que procura refletir sobre alguns traços contemporâneos da teorização sobre o espaço público, relacionando-os com as PBS. Não se pretende apresentar uma exaustiva discussão bibliográfica a respeito, mas sim esboçar um debate exploratório, a partir da revisão feita pelo próprio Habermas, complementando-a com uma bibliografia selecionada. 3 A entrevista foi publicada no livro Sobre a constituição da Europa. Não nos parece que a comunicação política não distorcida seja um horizonte factível, dada a subjetividade inerente de todo processo comunicacional. Sem aprofundar essa questão, talvez a comunicação política ancorada na cidadania seja uma premissa mais efetiva. 4 966 Compartilhamos da premissa levantada por Angela Marques (2008) de que Habermas reviu sua teoria, calcada inicialmente em um olhar eminentemente crítico dos meios de comunicação, para considerar que se tornaram “estruturas indispensáveis à articulação entre as diferentes arenas e atores dos processos deliberativos nas sociedades contemporâneas”, mediante, porém, algumas ressalvas. Entendemos que esse referencial – ao lado de outros estudos não citados aqui – pode contribuir com o aprimoramento de um sistema público de comunicação. Não há dúvida de que as decisivas transformações da sociedade contemporânea, ocorridas a partir da segunda metade do século XX, alteraram qualitativamente o espaço público. Como registra o diagnóstico feito pelo sociólogo Zygmunt Bauman. Se o indivíduo é hoje o pior inimigo do cidadão, e se a individualização significa problema para a cidadania e para as políticas baseadas na cidadania, é porque são as preocupações e os interesses dos indivíduos qua indivíduos preenchem o espaço público, pretendendo ser seus únicos ocupantes legítimos e expulsando todo o resto do discurso público. O «público» é colonizado pelo «privado»; «o interesse público» é reduzido à curiosidade a respeito das vidas privadas das figuras públicas, limitando a arte da vida pública à exposição pública dos casos privados e das confissões públicas de sentimentos privados (quanto mais íntimos melhor). As «questões públicas» que resistem a tal redução se tornam incompreensíveis. (BAUMAN, 2001:68) Se a origem do espaço público, em Habermas, está na passagem das questões privadas, próprias do ambiente particular da família burguesa, para uma arena mais ampla, pública, Bauman assinala o inverso; hoje o interesse público se desvanece na vida privada, restringe-se a uma espécie de voyeurismo coletivo, ignorando questões verdadeiramente (ou supostamente) públicas. Procuraremos ao longo do texto assinalar aspectos dessa transformação na visão de quem primeiro desenvolveu o conceito de espaço público. 967 O ESPAÇO PÚBLICO BURGUÊS Em Mudança estrutural da esfera pública, livro publicado originalmente em 1961, Jürgen Habermas analisa a vida pública e política dos séculos XVII e XVIII até meados do século XX na Inglaterra, França e Alemanha, com destaque para as novas relações entre economia, sociedade e Estado. Em linhas gerais, a investigação interdisciplinar habermasiana elege a dinâmica do espaço público como categoria central para compreender o surgimento das sociedades modernas; a obra discorre sobre a transformação da intimidade e da sociabilidade promovida no âmbito interno da família burguesa, relacionando-a ao florescimento de um ideal de humanidade. Isso ocorre na esteira do desenvolvimento da economia mercantil capitalista, com a troca de mercadorias em larga escala e com um sistema de comunicação de longa distância. Restrito a questões literárias no início, o espaço público é a extrapolação dos assuntos relacionados à família burguesa, por meio de pessoas privadas, primeiramente para ambientes de convivência como os salões, os clubes, as casas de chá ou café. Esses sujeitos burgueses (proprietários), reunidos coletivamente em um espaço comum, passam a compartilhar informações e a formar opiniões; e suas necessidades individuais ganham novo relevo. A esfera pública nasce, enfim, como projeção das relações de mercado, que ganham ressonâncias públicas no interior do Estado, transformando as razões dos sujeitos de mercado em contrapartes das razões de Estado. (Bucci, 2011) Wilson Gomes (1997) propõe uma definição sintética de esfera pública: é um âmbito da vida social protegido de influências não-comunicativas e não-racionais, tais como o poder, o dinheiro e as hierarquias sociais. A pública argumentação que nela se realiza constringe por princípio os parceiros do debate a aceitar como única autoridade aquela que emerge do melhor argumento. A esfera pública como que impõe uma paridade inicial entre os sujeitos de pretensões até que a sua própria posição se torne discurso; depois disso, há de se submeter apenas às regras internas ao processo de conversação ou debate público. 968 Como explica Denilson Werle, o espaço público é formado por um público de pessoas privadas que se reuniam para debater racionalmente questões da vida privada, da administração pública e da regulação das atividades civil. Mas não se pode atribuir a ele uma ambição de se tornar o próprio poder estatal. A esfera pública burguesa não visava a conquista direta do poder do Estado; antes, buscava a racionalização do poder político, procurando estabelecer novas bases de legitimação para sua origem e seu exercício: o consentimento racional entre pessoas autônomas, livres e iguais. Um certo público de pessoas privadas passa a se compreender não mais como o mero objeto passivo da autoridade pública, mas como sujeitos autônomos que se opõem criticamente a ela. (Werle, 2014) Em Mudança estrutural..., o filósofo alemão constata que o espaço público florescente na ordem burguesa entra em franca decadência sob o Estado de bem-estar social e as democracias de massa do capitalismo tardio. Habermas assinala a contradição crucial da esfera pública moderna: paradoxalmente, quanto mais ela se expande, mais o seu princípio, a discussão critica mediante razões de um público de pessoas privadas autônomas, parece perder sua força porque justamente vão desaparecendo seus fundamentos no âmbito privado. É essa mudança estrutural Habermas deu o nome de “refeudalizacão” da sociedade. (WERLE, 2014) Habermas entende que, se no período concomitante à esfera pública burguesa, os meios de comunicação estimulavam a emancipação, o caráter dialógico comunicacional, no período posterior passam a atuar estrategicamente, fabricando uma opinião não pública que tem origem na imposição de vontades particulares, e não no processo de troca pública de razões. A mídia seria, assim, um dos fatores responsáveis pela perda da capacidade crítica do público e pelo declínio da esfera pública. Para Habermas, os problemas impostos pelos meios de comunicação à constituição e ao fortalecimento de uma esfera pública voltada para o esclarecimento recíproco e para a troca de opiniões entre um público letrado estavam localizados não no período inicial de criação da imprensa, mas sim em sua fase posterior de mercantilização 969 e abertura do espaço interno dos jornais aos anunciantes. (MARQUES, 2008) AUTOCRÍTICA E REFORMULAÇÕES Três décadas depois da publicação da obra, Habermas revisitou Mudança estrutural para uma nova edição. Como ele próprio admitiu, foi a primeira vez que releu o livro e ficou tentado a modificar passagens, alterando ou suprimindo trechos. Ao perceber que seria obrigado a reescrever a obra novamente, optou por apresentar, em um texto à parte, os comentários que, antes de mais nada, assinalariam a passagem do tempo. Uma das primeiras revisões é a da existência de não “apenas uma” esfera pública burguesa, mas também de outras “esferas públicas” concorrentes, subculturais ou específicas de uma classe, com premissas próprias e não negociáveis. O que me abriu os olhos para a dinâmica interna de uma cultura popular foi o monumental trabalho de M. Bakhtin, Rabelais und Seine Welt [Rabelais e seu mundo]. É evidente que essa cultura popular não era de maneira alguma apenas um pano de fundo, isto é, uma moldura passiva da cultura dominante; era também a revolta violenta ou moderada, retomada periodicamente, de um contraprojeto para o mundo hierárquico da dominação, com suas festividades oficiais e suas disciplinas cotidianas. (HABERMAS, 2014b) Outra ponderação de Habermas é com relação à participação das mulheres no espaço público, aspecto ignorado na escrita da obra. Três décadas depois, ele confere contornos mais dramáticos para essa lacuna, frisando que a exclusão das mulheres da se deu de maneiras distintas da que ocorreu em relação aos trabalhadores, camponeses e à plebe. Torna-se patente nisso que a exclusão das mulheres foi também constitutiva para a esfera pública política, no sentido de que esta foi dominada pelos homens não apenas de modo contingente, mas foi determinada também em termos de gênero em sua estrutura e sua relação com a esfera privada. (Habermas, 2014b) 970 Habermas questiona a ênfase que atribuiu ao poder dos meios de comunicação de massa na sociedade moderna, quando escreveu que a mídia propicia a passagem de “um público que discute a cultura para um público que consome a cultura”. Citando os estudos de Stuart Hall, ele afirma julguei de forma muito pessimista a capacidade de resistência e, sobretudo, o potencial crítico de um público de massa pluralista, muito diversificado internamente, que em seus hábitos culturais começava a superar as barreiras de classe. (HABERMAS, 2014b) Por fim, o autor reflete sobre o uso que fez a respeito do conceito de opinião pública, considerando que se trata de uma ficção do Estado de direito e que, embora possua uma unidade de grandeza contrafactual na teoria normativa da democracia, “nas investigações empíricas da pesquisa dos meios de comunicação e da sociologia da comunicação, essa unidade já se dissolveu há muito tempo”. Essas revisões, porém, não o fazem abandonar o projeto de efetivar os pressupostos normativos da aspiração iluminista. Não obstante, ainda mantenho a intenção que orientou a investigação como um todo. Segundo a autocompreensão normativa das democracias de massa do Estado de bem-estar social, estas somente podem se ver como uma continuidade dos princípios do Estado de direito liberal se assumirem seriamente o imperativo de uma esfera pública politicamente ativa. (HABERMAS, 2014b) Habermas acrescenta que, pouco a pouco, se afastou de referenciais clássicos das concepções de alienação e apropriação das forças objetivas essenciais, quando rejeita a possibilidade de autotransformação do Estado. “O novo equilíbrio de poder não deve ser produzido entre os poderes do Estado, mas entre diferentes recursos da integração social.” Para ele, o objetivo da democratização radical é definido muito mais pelo deslocamento de forças no interior de uma “separação de podres” mantida em princípio. O objetivo não é mais simplesmente a “superação” de um sistema econômico capitalista autônomo e um sistema de dominação burocrática autônomo, mas a contenção demo971 crática da interferência colonizadora dos imperativos sistêmicos nos domínios do mundo da vida. (HABERMAS, 2014b) PRODUÇÕES POSTERIORES É bem verdade que o tema específico dos meios de comunicação de massa não ocupa lugar central na obra de Habermas, mais centrada na problematização dos aspectos normativos dos sistemas democráticos modernos, com ênfase nas questões de deliberação. Ainda assim, Mudança estrutural... lançou bases conceituais que influenciaram uma geração de investigações na área de comunicação. Na obra Direito e democracia (1992), Habermas volta a tratar da temática da esfera pública, em meio a um aprimoramento de suas teorias, quando reformula a relação sistema-mundo da vida e altera as características da esfera pública. Ressalte-se que mantém profundamente crítico com relação ao papel dos meios de comunicação de massa para a esfera pública. Em geral, é possível dizer que a imagem política construída pela televisão compõe-se de temas e contribuições que já foram produzidos para a publicidade e lançados nela através de conferências, esclarecimentos, campanhas etc. Os produtores de informação impõem-se na esfera pública através de seu profissionalismo, qualidade técnica e apresentação pessoal. Ao passo que os atores coletivos, que operam fora do sistema político ou fora das organizações sociais e associações, têm normalmente menos chances de influenciar conteúdos e tomadas de posição dos grandes meios. Isso vale especialmente para opiniões que extrapolam o leque de opiniões da grande mídia eletrônica, “equilibrada”, pouco flexível e limitada centristicamente. Antes de serem postas no ar, tais mensagens são submetidas a estratégias de elaboração da informação, as quais se orientam pelas condições de recepção ditadas pelos técnicos em publicidade. E dado que a disposição de recepção, capacidade cognitiva e atenção do público constituem uma fonte extremamente escassa [...] a apresentação de notícias e comentários segue conselhos e receitas dos especialistas em propaganda. A personalização de questões objetivas, a mistura entre informação e entretenimento, a elaboração episódica e a fragmentação de contex972 tos formam uma síndrome que promove a despolitização da comunicação pública. (HABERMAS apud LUBENOW, 2013) Habermas, no entanto, faz uma inflexão em sua construção teórica, abdica de algumas pressuposições próprias da Escola de Frankfurt e entende os meios de comunicação como um espaço limítrofe poroso entre os diferentes espaços que compõem o centro (elite política) e a periferia (sociedade civil) do sistema político. Em Comunicação política na sociedade midiática, propõe duas condições para que a mídia exerça efetivamente uma dinâmica de mediação entre diferentes arenas e atores cívicos e políticos: a) independência do poder econômico e político; b) instauração de mecanismos adequados de feedback entre esses diferentes atores e as arenas comunicativas. Em primeiro lugar, um sistema mediático autorregulador deve manter sua independência frente aos sistemas que o rodeiam, ao mesmo tempo que estabeleça conexões entre a comunicação política desenvolvida na esfera pública, a sociedade civil e o centro do sistema político. Em segundo lugar, uma sociedade civil inclusiva precisa conferir poder aos cidadãos, de modo que eles possam participar de discursos públicos e responder-lhes. Em contrapartida, esses discursos não podem se degenerar em um modo colonizador da comunicação. Sob o segundo aspecto, ressalte-se que Habermas também considera que a representação da sociedade civil na realidade retratada pela mídia é insuficiente, comparativamente. Dado o alto nível da organização e dos recursos materiais, os representantes de sistemas funcionais e de grupos de interesse especiais usufruem também de um certo acesso privilegiado aos media. Eles se encontram em uma posição na qual podem utilizar técnicas profissionais para transformar o poder social em potência política. Grupos de interesse público e advogados tendem também a empregar métodos gerenciais de comunicação coorporativa. Nesse sentido, os atores da sociedade civil, se comparados aos políticos e aos lobistas, ocupam a posição mais fraca. 973 TVS PÚBLICAS Se houve, na visão de Habermas, uma transformação da esfera pública na passagem do período burguês para as democracias de massa, é representativo que em sua própria teoria percebam-se constantes tentativas de atualizações dessa conceituação conforme as próprias mudanças da sociedade. No decorrer desse período, o projeto das televisões públicas surge, encampado sobretudo pela socialdemocracia europeia, em uma tentativa de lançar iniciativas reguladoras que garantissem a qualidade do espaço público ou de um debate plural que não se submetesse ao jugo do poder econômico. Não nos cabe aqui discorrer sobre a complexidade dessa experiência – que, segundo Eugenio Bucci (2011), consistiu em “uma política pública de eficácia verificável, mas limitada” – implementada não apenas em países do mundo ocidental, como também no então chamado campo socialista, com peculiaridades e leituras específicas. A questão é que hoje esses projetos de alguma maneira se encontram em revisão. Podemos decir que en todo el mundo, pero con especial énfasis en América Latina, donde desde hace algún tiempo se ha reavivado el debate en torno a cuál debería ser su función y su misión, se está reflexionando sobre qué lugar deberían ocupar en el ecosistema plural de medios que toda sociedad democrática debe construir y alimentar. Un debate que se produce en el marco general de la reflexión – más amplia – sobre el espacio público que se está llevando a cabo en Latinoamérica en los últimos años y que se articula en diferentes y nuevas fórmulas de convivencia entre Estado, mercado y sociedad. (ARROYO; BECERRA; CASTILLEJO; SANTAMARÍA, 2012) A concentração econômica em curso entre os grupos privados que atuam no setor e o impacto das transformações tecnológicas, sobretudo a disseminação dos serviços de informação pela internet, estão reconfigurando o negócio midiático sem que se visualize um ponto de chegada. Ao mesmo tempo, o projeto de uma televisão pública, isoladamente, se tornou anacrônico. Há um processo de convergên974 cia, que aponta para um setor público de comunicação, incorporando também rádio e internet. Nesse contexto de reflexões e disputas, na Inglaterra os grupos privados questionam a atuação da icônica BBC na internet – que nasceu como empresa privada em 1922 e se tornou pública e independente a partir de 1927 (ARROYO; BECERRA; CASTILLEJO; SANTAMARÍA, 2012) –, a ponto de conseguirem a anuência do Estado de que agirá para reduzir a presença da empresa pública na web. Na França, em uma operação controversa, o presidente Nicolas Sarkozy proíbe a Télévision France de veicular publicidade comercial no horário nobre, sob a acusação feita por seus críticos – reunindo até mesmo integrantes da Liga Comunista Revolucionária, em tese favoráveis ao veto comercial – de que a medida beneficiava justamente grandes apoiadores de sua campanha presidencial, as emissoras privadas (a TF1, entre elas), que herdariam a receita privada da televisão A questão é dramática, a ponto de o chairman da BBC Trust (que administra a empresa inglesa), Lord Patten of Barnes, considerar um caso de “renascimento” ou de uma “batida em retirada”: The 21st century has seen the rise of new technologies and new competitors. The comfortable monopolies and duopolies on which public service reputations were founded are a fading memory. And as a new era of austerity bites, politicians and competitors look on publicly funded broadcasters with occasionally greedy eyes. Yes, times are very different now. We who believe in broadcasting as a public service stand at a cross roads in which we have a choice - renaissance or retreat?5 Em paralelo, a América Latina vive justamente um período de renascimento do sistema público de comunicação, com novas empresas sendo criadas no Equador, na Venezuela, no Brasil, entre outros, e com projetos já existentes revigorados com aportes significativos de verbas. A esse respeito, as reflexões críticas de Eugenio Bucci (2011) nos servem de balizas para repensar, em um contexto de reconfiguração da esfera pública, as possibilidades de crítica da utopia da televisão pública. Disponível em http://www.bbc.co.uk/bbctrust/news/speeches/2013/prix_ italia.html. Acesso em mar. 2014. 5 975 ENTRE MITOS E REALIZAÇÕES Em O telespaço público, Bucci analisa que um horizonte irreal permeou a tentativa de tornar a televisão pública ordenadora da esfera pública. Deus ex-machina, a comunicação pública seria a solução para os dilemas da sociedade no que se refere a liberá-la dos constrangimentos do mercado e do interesse governamental. Nascida contra o absolutismo e a desumanização da sociedade, a esfera pública moderna iria atingir, pelas redes públicas de comunicação, a condição de arena permanente capaz de barrar tanto os vícios absolutistas quanto os excessos selvagens do capitalismo: eis a síntese do caráter utópico dos projetos de televisão pública da social-democracia. (BUCCI, 2011) É de se ressaltar que, nesse texto, o autor ressalva que considera possível contribuir institucionalmente para a esfera pública, no sentido de garantir sua pluralidade e sua efetividade com vistas a um sistema democrático. Exemplos de medidas nesse sentido seriam tanto as garantias e os direitos constitucionais relativos à informação, à liberdade de opinião, de expressão e de organização, quanto o limite para o monopólio e o oligopólio dos meios de comunicação social. A ênfase do questionamento, no entanto, recai na exclusividade de atribuir aos serviços públicos de televisão o papel de garantir a qualidade da esfera pública. Um dos argumentos apresentados é que, com todos os seus vícios inerentes, os grupos privados realizam tarefas que os serviços públicos de comunicação não realizaram. Em momentos extremos, a interação do público com a mídia comercial pode ser tão “politizada” quanto aquela que a social-democracia esperava que o telespectador mantivesse com a televisão pública. E, muitas vezes, a televisão comercial pode ser mais sensível às demandas do público que a televisão estatal ou mesmo pública, que se encontram em crise de identidade, de modelo e de gestão na Europa e também no Brasil. Bucci afirma que as experiências históricas mostram que os variados projetos oscilaram entre justamente os dois pólos a que estavam predestinados a combater: a influência do poder e a do dinheiro. em nenhum momento, e em lugar nenhum, as redes públicas 976 escaparam à condenação de promover um equilíbrio tortuoso entre o Estado e o mercado. Antes de abrir um “terceiro termo”, consistiram-se num campo que era disputado tanto pelo poder quanto pelo dinheiro. Diante do telespectador, propunham (e propõem) uma interlocução que oscilava (e oscila) entre dois discursos: o estatal e o comercial. Nos bastidores, a TV pública, no mundo inteiro, com raras exceções, debate-se entre fórmulas de financiamento mais ou menos estatais e outras mais ou menos comerciais. Uma leitura apressada, ou enviesada, poderia indicar o abandono de qualquer possibilidade de efetivação do serviço público de comunicação, uma vez que na prática a mídia privada se mostrara mais eficiente. Não nos parece o caso. O que Bucci propõe é um ajuste das expectativas dos projetos de uma televisão pública, em termos factíveis, com vistas à sua viabilização. O que resta para o projeto das emissoras públicas é justamente o de proporcionar espaços públicos protegidos da lógica posta pelo sistema de anunciantes da comunicação comercial, o que pode ser garantido por ordenamentos públicos. Parece uma pretensão menor, mas, em termos objetivos, teria sido no passado e ainda é no presente a mais ambiciosa possível, desde que sem salvacionismos. O projeto requer emissoras públicas que se ocupem mais da qualidade da comunicação e menos de suas consequências, ou de suas conclusões. Retomando a provocação feita por Habermas sobre a condições de circularidade, ou do feedback, da mídia, consideramos que refletir sobre os contornos em que ocorre a participação da sociedade em um projeto público sinaliza não reviver a utópica caminhada rumo a mundo fantasioso, mas sim atualizar as possibilidades que tal iniciativa poderia se realizar. 977 QUE PARTICIPAÇÃO? Um dos enquadramentos que adotamos para estudar essa participação cidadã está nos conceitos de democracia participativa. Em “Para ampliar o cânone democrático”, Boaventura Sousa Santos e Leonardo Avritzer fazem uma breve análise da constituição dos sistemas democráticos modernos, contrapondo discursos hegemônicos e contra-hegemônicos a respeito de suas problemáticas. Os autores concluem que a democracia participativa constitui uma nova “gramática histórica”, afirmando que a preocupação das contra-hegemônicas é “a ênfase na criação de uma nova gramática social e cultural e o entendimento da inovação social articulada com a inovação institucional, isto é, com a procura de uma nova institucionalidade da democracia” (BOAVENTURA; AVRITZER, 2003:25). Boaventura e Avritzer destacam que Jürgen Habermas abriu espaço para que o procedimentalismo passasse a ser pensado como prática social, e não como método de constituição de governos, considerando que a “esfera pública é um espaço no qual indivíduos – mulheres, negros, trabalhadores, minoriais raciais – podem problematizar em público uma condição de desigualdade na esfera privada” (Boaventura; Avritzer, 2003:26). Tal procedimentalismo social e participativo, cuja origem está na diversidade das formas de vida existentes nas sociedades contemporâneas, precisa contar, para ser plural, com o assentimento dos atores envolvidos a partir de processos racionais de discussão e deliberação. Consistiria, assim, em uma modalidade de exercício coletivo do poder político, cuja base estaria assentada em um processo de livre apresentação de razões entre iguais. Entendemos que pressupostos próximos balizam a caracterização de serviço público de radiodifusão feita pelo Conselho Mundial de Rádio-Televisão (CMRTV), organização não governamental (ONG) criada para promover a radiodifusão pública a radiotelevisão pública se destina a cada um dos cidadãos. Encoraja o acesso e a participação na vida pública. Desenvolve os conhecimentos, amplia os horizontes e permite a cada um compreender melhor o mundo e os outros. A radiotelevisão pública se define como um lugar de encontro 978 onde todos os cidadãos são convidados e considerados sobre uma base igualitária.6 Em nosso estudo, entendemos que a incorporação de instâncias de interlocução efetivas com a sociedade podem contribuir consideravelmente para um projeto dialógico de televisão pública. Não desconsideramos aqui a crucial importância de outros aspectos para a efetivação de um projeto de comunicação deste tipo – com destaque para a independência editorial-administrativa e para o financiamento. Porém, vemos que a vigorosa apropriação da sociedade civil é vital para a efetivação de um projeto de verdadeiramente plural e democrático. REFERÊNCIAS ARROYO, L.; BECERRA, M.; CASTILLEJO, A. G.; SANTAMARÍA, O. Cajas májicas: el renacimiento de la televisión pública em América Latina. Madrid: Tecnos, 2012. BAUMAN, Z. A sociedade individualizada. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BUCCI, Eugênio. Em torno de um conceito preliminar de telespaço público. In: BENEVIDES, M. V. de M.; BERCOVICI, G.; MELO, C. de (Orgs). Direitos humanos, democracia e República: Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2008. p.399-428. CHOMSKY, N.; HERMAN, E. Manufacturing Consent: a Propaganda Model. New York: Pantheon, 2002. HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Trad. Denilson Werle. São Paulo: Editora Unesp, 2014a. _____. Prefácio à nova edição. In: _____. Mudança estrutural da esfera pública. Trad. Denilson Werle. São Paulo: Editora Unesp, 2014b. “C’est la radiotélévision du public; elle s’adresse à chacun en tant que citoyen. Elle encourage l’accès et la participation à la vie publique. Elle développe les connaissances, élargit les horizons et permet à chacun de mieux se comprendre en comprenant le monde et les autres. A radiotélévision publique se définit comme un lieu de rencontre où tous les citoyens sont invités et considérés sur une base égalitaire.” Disponível em: <http://www.cmrtv.org/radio-publique/ radio-publique-historique-fr.htm>, acesso em 10 ago. 2012. 6 979 _____. Comunicação política na sociedade mediática: o impacto da teoria normativa na pesquisa empírica. Líbero, São Paulo, v.11, n.21, 2008. _____. Sobre a constituição da Europa. São Paulo: Editora Unesp, 2012. GOMES, Wilson. Esfera pública política e media. Com Habermas, contra Habermas. Anais do VI Encontro anual da COMPÓS, Unisinos, 1997. LUBENOW, J. L. A esfera pública 50 anos depois: esfera pública e meios de comunicação em Jürgen Habermas. Trans/Form/Ação, Marília, v. 35, n. 3, p. 189-220, Set./Dez., 2012 MARQUES, A. Os meios de comunicação na esfera pública: novas perspectivas para as articulações entre diferentes arenas e atores. Líbero, São Paulo, v.11, n.21, 2008. SANTOS, B. S.; AVRITZER, L. “Para ampliar o cânone democrático”. In: _____. (org.). Democratizar a democracia. Porto: Afrontamento, 2003. WERLE, D. Introdução à edição brasileira. In: HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Trad. Denilson Werle. São Paulo: Editora Unesp, 2014. WILLIAMS, R. Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo, 2007. 980 |5| A RELEVÂNCIA DA COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA EM GESTÃO AUTORITÁRIA DE INSTITUIÇÃO PÚBLICA COM BASE NA PRÁTICA DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E RELAÇÕES PÚBLICAS DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO Danielly Augusto de Abreu RESUMO O artigo objetiva estudar a relevância de uma comunicação estratégica em instituições com gestão autoritária, tendo por base uma análise da comunicação organizacional e relações públicas do Centro de Comunicação Social da Polícia Militar do Estado de São Paulo. A partir de pesquisa bibliográfica e entrevista em profundidade qualitativa aberta com seleção de fonte, segundo Duarte (2011), o artigo pretende verificar como as instituições públicas podem realizar trabalhos de comunicação estratégica, com a postura de um gestor estrategista, que tenham por foco prestar um serviço satisfatório à sociedade e compreender a importância do bom relacionamento com o público, tendo por base a importância do princípio da publicidade e o empenho, a longo prazo, na construção da reputação. Palavras-chave: Comunicação Pública; Gestão Estratégica; Administração Pública; Polícia Militar do Estado de São Paulo. DO ATO DE COMUNICAR À COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA O ato de comunicar é uma das práticas mais antigas da humanidade; independente da forma como é realizado, todo ser humano precisa se comunicar para se fazer entendido, permeando as interações humanas, que têm por objetivo informar, persuadir, motivar e alcançar a compreensão mútua, de acordo com Ferrari (2009). Com uma organização/ instituição não é diferente, a comunicação é essencial para ligar os elos de contato com seus públicos. Para que ande alinhada é necessário falar a mesma língua, ou seja, independente do nível hierárquico ou como é atingido pela organização, a sua identidade, os valores e objetivos devem ser compreendidos. Todo o conceito de comunicação e seu planejamento devem estar juntamente a todo o pensamento da organização/instituição. Diante dessa ideia, “é impossível imaginar uma organização sem um processo de comunicação que não esteja alinhado com seus objetivos estratégicos”. (FERRARI; FRANÇA; GRUNIG, 2011, p.155). Uma organização/instituição somente conseguirá construir uma imagem positiva diante de seu público se tiver uma identidade fortalecida. Se antes a Assessoria de Imprensa era o principal canal para atender aos públicos e manter a imagem e a reputação da organização, hoje, há que se pensar em uma comunicação extremamente planejada, integrada e proativa para atender às necessidades e expectativas dos stakeholders, saber trabalhar um relacionamento amigável, capaz de amenizar futuros conflitos e crises. É plausível que não haja unanimidade de aceitação, mas o trabalho de um bom comunicador e, nesse caso, o relações públicas, está em ser responsável perante os seus públicos, de acordo com Ferrari; França; Grunig (2011, p.39), relações públicas consistem no exercício de responsabilidade pública. Um modelo apresentado por Ferrari (2009) é importante para a análise de comunicação estratégica, no que se refere à vulnerabilidade da organização diante de seu ambiente. O estudo aponta para as duas dimensões que podem aumentar ou diminuir a vulnerabilidade da organização: a externa, que são riscos, ameaças e impactos externos; e a interna, que pode ser ocasionada por falta de um planejamento de comunicação alinhado e pela falta de harmonia nos relacionamentos. O estudo apresentado pela autora demonstra que organizações “mais vulneráveis” tendem a ter o profissional estrategista desenvolvendo um trabalho de negociação 982 com seu público estratégico e alinhado com um ambiente de mudanças constantes. Nesse caso, o modelo geralmente adotado é o misto ou simétrico de duas mãos. Ao contrário, as organizações “menos vulneráveis” tendem a ser mais conservadoras, tradicionais, com cultura autoritária e com modelo de prática assimétrico de duas mãos, tornando o profissional técnico ou operacional. Conforme o fluxograma: Fonte: Ferrari; França; Grunig (2011) Kunsch (2009) defende que o trabalho de relações públicas deve ser integrado com as demais áreas de comunicação, fato que pode ser entendido como uma interdependência das áreas de comunicação para que, harmoniosamente, possam ter excelência nos relacionamentos e nos fluxos de comunicação. De acordo com Ferrari; França; Grunig (2011), enquanto o marketing trabalha com o ambiente econômico, a área de relações públicas trabalha com o institucional das organizações. O principal objetivo da “comunicação integrada”, em consonância com a autora, é promover uma comunicação alinhada e eficaz. Ademais, Kunsch (2009) mostra que o relações públicas possui função mediadora, pois faz a ponte entre as organizações e seus públicos. Pensando em instituição pública, temos o entendimento de que público é a sociedade em 983 geral, a população como um todo. A visão de comunicação estratégica pode ser estabelecida também em um ambiente público? COMUNICAÇÃO PÚBLICA Compreender a importância de uma comunicação pública capaz de atender às necessidades do cidadão tende a refletir sobre os conceitos e relevâncias da área estatal e sua representatividade na sociedade. Pensar em instituição pública faz uma ponte direta ao termo “público”. Público é aquilo que é relativo ou pertencente a um povo, a uma coletividade, aquilo que pertence a todos, um bem comum. E cabe ao governo de um país, estado ou cidade administrar esse bem capaz de atingir a todos que estão naquele território. Haswani (2009, p.33) coloca que o termo “público” refere-se ao “comum a todos os humanos, esse diferencia do lugar privado que cada pessoa ocupa nele” Ou seja, o lugar público é aquele que representa a coletividade, no qual os interesses em comum são debatidos, separa-se a vida privada do indivíduo e se coloca na necessidade do coletivo. Nessa concepção, pode-se chegar à ideia da esfera pública, constituída após a Revolução Burguesa, fato que definiu claramente aquilo que era público e privado, passando a responsabilidade de tudo que era público ao Estado. A esfera pública por sua vez era essencial para a participação política dos cidadãos, um ambiente em que se estabelece o relacionamento entre Estado e sociedade. A comunicação em uma organização privada é fundamental para que ela consiga sobreviver. Sem comunicação não há qualquer forma de interação com o seu público, que desconhecerá o produto, seus benefícios, os valores e a missão da organização. Nas instituições públicas, a presença do diálogo com o público é muito mais do que estabelecer um relacionamento; pois uma das responsabilidades do Estado é um atendimento ao direito do cidadão, “assim, fazer comunicação pública é assumir a perspectiva cidadã na comunicação envolvendo temas de interesse coletivo” (DUARTE, 2007, p. 6). O direito à informação também é sustentado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas. Dessa forma, é obrigação dos governantes informarem os seus governados. É necessário estabelecer a diferença entre os diversos níveis de interação, a princípio comunicar não é, simplesmente, informar. Comunicar 984 é manter diálogo, é estabelecer conexão, abrir os canais de interação com os públicos, saber ouvir a opinião dos mesmos, debater, estimular a cidadania. De acordo com Salgado (2011, p. 257), comunicar é mais do que informar, é obter a compreensão e o apoio dos públicos. A informação rasa pode, muitas vezes, ser inútil ou até mesmo manipuladora, por isso, a necessidade de que diversos assuntos sejam levados a debate, sejam realizadas pesquisas de opinião para que se possa estabelecer um relacionamento contínuo entre Administração Pública e sociedade. Em uma instituição pública, a comunicação organizacional, por sua vez, difere um pouco do conceito de comunicação integrada estabelecido por Kunsch, pois de acordo com Haswani (2013, p. 96), mesmo com algumas adaptações não se ajusta aos intentos estatais, contudo levantada a ideia da convergência dos vários instrumentos de comunicação, é possível propor um novo mix de comunicação no âmbito estatal, dividido em: Relações Públicas; Propaganda e Publicidade; Jornalismo e o marketing que, apesar de ser um conceito mercadológico, tem se mostrado presente, principalmente em períodos eleitorais, as instituições estatais têm utilizado as armas e estratégias do marketing. Não há como imaginar uma comunicação com resultados positivos, em que os setores trabalhem isoladamente. Pesquisas e estudos têm demonstrado que “a plenitude dos resultados de planejamento em comunicação depende da conjunção das três especialidades (relações públicas, publicidade e jornalismo) de modo a atingir divulgação (sempre), persuasão e sintonia (quando necessário)” (HASWANI, 2013, p. 97). É importante destacar, no entanto, que a comunicação não é uma ferramenta de salvação, não faz milagres e tampouco mágica. Se o serviço público realizado é ruim ou não atende à expectativa da sociedade, a comunicação não conseguirá consertar a imagem da administração, ela poderá eliminar equívocos ou ajustar aquilo que está sendo mal compreendido pelo público, mas não poderá melhorar um serviço que não está sendo realizado com qualidade ao cidadão. Thomas Jefferson disse que o “modo de evitar rebelião consiste em dar ao povo plena informação de seus negócios, mediante canais da imprensa, e imaginar meios que permitam a esse escrito penetrar toda a massa do povo” (SALGADO, 2011, p. 248). Essa declaração faz refletir o quanto é importante manter o relacionamento, reduzir a área de ignorância da sociedade e o conhecimento superficial. 985 Ainda é muito complexo para os profissionais de comunicação realizarem um trabalho gerencial ou até mesmo estratégico. Uma das primeiras dificuldades ainda é a estrutura organizacional e dos valores presentes na instituição. A forte tradição burocrática, a hierarquização e o longo caminho que a comunicação tem que percorrer dificultam “a promoção de uma comunicação que visa à instituição como um todo” (NOGUEIRA, 2013, p. 123). A realidade das áreas de comunicação organizacional em instituições públicas é de uma visão diminuta da real responsabilidade do setor. Os departamentos ainda se contentam apenas com uma Assessoria de Imprensa e um contrato com uma agência de publicidade, falta uma comunicação integrada, ou seja, a integração de diversas áreas de comunicação atuantes. A gestão burocrática impede que os profissionais desenvolvam um planejamento de relacionamentos e ações institucionais com a finalidade de ser contínuo e duradouro. Retomando o gráfico Ferrari; França; Grunig (2011), contata-se que o modelo de gestão autoritário, com a centralização, o sistema fechado, a tradição e a hierarquia muito presentes em suas raízes, torna o papel do profissional de comunicação como sendo instrumental, midiático e reativo, transformando o desempenho apenas como técnico executor. O setor de comunicação acaba se tornando apenas um distribuidor de informações, que, muitas vezes, torna-se superficial para o cidadão que as receberá. É necessário sair do sistema burocrático e alcançar um nível de percepção do ambiente, é função do profissional de relações públicas estabelecer o contato com os públicos, no caso a população, e manter o diálogo. As instituições públicas governamentais precisam descobrir o valor do diálogo como um fator decisivo para o seu desenvolvimento; muito mais do que alavancar o seu capital, a comunicação é importante para desenvolver o capital de ideias. Pode-se dizer que a atividade de relações públicas consiste na execução de uma política e um programa de ação que objetivam conseguir a confiança, de modo a harmonizar os interesses em conflito. Para isto, não se deve tentar estabelecer meras falácias (imagens), mas por meio de conceitos e ideias, alcançar, honestamente, atitudes e opiniões favoráveis, para as organizações em geral. (ANDRADE, 1982, p. 91). Se o foco principal de uma área pública é o seu público, ou os interesses de assuntos públicos, que são as ações que envolvem a coletividade, a sociedade, não há motivo de a comunicação ser colocada como uma ativi986 dade operacional, deve ser estabelecida uma comunicação capaz manter um relacionamento com o público e capaz de prever possíveis riscos. Os quatro eixos centrais para uma Comunicação Pública, de acordo com Duarte (2007) são: transparência, acesso, interação e ouvidoria social. Apenas informar ou transmitir a informação não caracteriza em si um relacionamento com o seu público, abrir canais de comunicação efetivos, em que se pode verificar uma comunicação de duas vias, pode ser o início de um processo favorável para uma gestão estratégica, capaz de realizar uma comunicação eficaz. O profissional de comunicação não realiza um trabalho propagandista, mas, de acordo com Stefano Rolando (1992, apud Haswani, 2013, p.121): Trata-se de um sistema, inserido em um contexto de modernização do Estado, para o qual a cooperação, de fato, dos recursos profissionais disponíveis é importante no acolhimento dos direitos dos cidadãos, dentro de um plano estratégico de neutralidade e maturidade por parte dos funcionários, que apresentam uma nova visão de trabalho, a qual se faz adequada aos interesses coletivos. POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO Antes de entender o funcionamento do Centro de Comunicação Social da Polícia Militar do Estado de São Paulo, é importante compreender as principais características que envolvem a administração, um breve levantamento histórico e as fortes características de uma gestão autoritária. Em 1970, ocorreu a fusão da Força Pública e da Guarda Civil do Estado de São Paulo originando uma única instituição, a atual Polícia Militar do Estado de São Paulo. Nesse mesmo ano, foi criado um grupo de trabalho para disciplinar as atividades desenvolvidas pela instituição e foi estabelecido que a 5ª Seção do Estado-Maior-Geral seria responsável pela divulgação de noticiário. Em 1973, foram estabelecidas novas diretrizes quanto à relação com a imprensa, e jornalistas credenciados começaram a trabalhar permanentemente na Sala de Imprensa. Somente em abril de 2010, houve uma reestruturação da corporação e foi criado o Centro de Comunicação Social da Polícia Militar do Estado de São Paulo (CComSoc), que tem por objetivo assessorar o comandante-geral, manter estreita ligação com os órgãos da imprensa, com a missão de aper987 feiçoar a interação positiva com a sociedade, e estimular a valorização pessoal e profissional dos integrantes da corporação, em todos os níveis e escalões de comando. O Centro de Comunicação Social trabalha com várias frentes de trabalho, mas com duas divisões básicas: a Divisão de Imprensa e a de Marketing e Relações Institucionais, além da Divisão Administrativa, que é uma seção comum a todos os departamentos da instituição pública e serve como apoio à seção e dá suporte administrativo e técnico. A Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) tem como visão ser reconhecida como referência nacional e internacional em serviços de segurança pública. Como missão, proteger as pessoas, fazer cumprir as leis, combater o crime e preservar a ordem pública. E, por fim, como valores, o patriotismo, civismo, hierarquia, disciplina, profissionalismo, lealdade, constância, verdade real, honra, dignidade, honestidade e coragem. A valorização da história da PMESP, de seus heróis, é um traço muito marcante na cultura. Os fatos e as conquistas históricas são lembrados, por causa do patriotismo que está no valor da instituição. Os ritos são fundamentais e muito fortes na cultura organizacional da instituição, tanto que o Cerimonial Público é imprescindível e responsável pelas solenidades e diversas premiações de funcionários, que caracterizam a valorização do profissional. MODELO DE GESTÃO E PRÁTICAS DO CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL A PMESP defende o Pensamento Sistêmico, que de acordo com a Fundação Nacional da Qualidade-FNQ, trata do entendimento das relações de interdependência entre os diversos componentes da instituição, bem como entre a instituição e o ambiente externo. A instituição ainda afirma que esse pensamento será compreendido com excelência quando adotado um sistema de gestão que possibilite a disseminação de informação e conceitos de forma transparente, com monitoramento de autoavaliações. A partir disso, a PMESP trabalha com o Sistema de Gestão da Polícia Militar do Estado de São Paulo (GESPOL), que tem por objetivo que cada parte de gestão interdependente busque um todo unificado. A instituição possui uma visão holística da administração, que diz que uma parte impactada gera alterações no todo, modificando o resultado. 988 Na gestão, pode-se perceber inter-relacionamento das diversas ações de sua estrutura gerencial, suportadas pelos princípios da Administração Pública e todo o processo dentro de sua base, que está ligada aos três pilares: Direitos Humanos, Polícia Comunitária e Gestão de Excelência pela Qualidade. A PMESP possui uma preocupação muito grande com a comunicação, a responsabilidade desse departamento é muito forte para a construção da imagem e reputação da instituição. Apenas a partir dos valores, pode-se perceber o modelo de gestão adotado pela instituição, entre eles estão a hierarquia e a disciplina, é uma gestão autoritária. O poder é totalmente centralizado, sendo que há uma hierarquia a ser cumprida, pode-se, claramente, ver uma pirâmide invertida em toda a corporação e em cada departamento. A PMESP possui uma tradição que precisa ser respeitada, há um histórico e um dever a ser lembrado e cumprido. Além da própria estrutura, a Polícia Militar deve subordinação à Secretaria de Segurança Pública e, por sua vez, ao Governo do Estado de São Paulo. Ou seja, todo o plano estratégico traçado pela Instituição tem que estar em concordância com a Secretaria de Segurança Pública e com o Plano Plurianual do Governo do Estado de São Paulo, que tem uma estratégia a longo prazo. Apesar da forte estrutura centralizada e dos níveis hierárquicos, percebe-se que a comunicação é muito proativa, uma característica que é fundamental para os momentos de crise. A comunicação é extremamente dinâmica, realiza diversos atendimentos diariamente e a maioria deles são casos de crise, no entanto, há uma pré-preparação de porta-vozes e de coleta de dados que sempre demonstram a transparência da instituição respondendo aos pedidos e muitas vezes elaborando notas antes de ser questionada. A PMESP desenvolve seu planejamento, por meio da 6ª Seção (dedicada a desenvolver projetos, planejamentos e cuidar das finanças), a partir do plano Plurianual do Governo do Estado de São Paulo. As medidas adotadas são voltadas para um plano de longo prazo, em torno de cinco anos. No entanto, também desenvolvem planejamentos de médio e curto prazos, por exemplo, no Centro de Comunicação Social dentro daquilo que a instituição quer atingir daqui a cinco anos. Todo o planejamento que se faz anualmente é desenvolvido a partir da meta que se quer alcançar, que foi prevista pelo Estado-Maior, pelo programa de ação da Polícia 989 Militar, que tem que estar, por sua vez, alinhado com o Plano Plurianual do Governo. É importante ressaltar que os planejamentos não são alterados caso haja mudança de Comandante Geral, o CEO da instituição, as medidas são mantidas, pois a importância institucional é maior. A comunicação está inserida no plano estratégico, o planejamento potencializa as atividades de comunicação social para inserir uma imagem positiva da PMESP junto à imprensa e ao cidadão, trabalhando sempre com a comunicação de crise, com planejamento prévio e adequado, uma atitude que contribui para anular ou minimizar os efeitos negativos e danosos para a sua imagem, além de corresponder positivamente ao cidadão, dando publicidade às suas ações. Um plano que a PMESP desenvolveu nesse sentido foi o “Plano de Administração de Comunicação de Crise”, formado por policiais das áreas de comunicação, inteligência e operacional, que são planos para cada situação repetitiva, que pode causar algum impacto negativo para a imagem da instituição. A análise de cenário, o mapeamento e o estudo dos ambientes interno e externo são primordiais para estabelecer um planejamento estratégico, não só da área de comunicação, mas de toda a instituição. Idealizar uma tabela SWOT também é fundamental para verificar os pontos importantes que a Polícia Militar precisa trabalhar. Os estudiosos Glen M. Broom e David M. Dozier, mencionados por Ferrari, França; Grunig (2011), em sua tese, identificaram quatro tipos de papéis que podem ser desempenhados pelo profissional de relações públicas. Um deles, classificado como “administrador da comunicação”, é considerado como profissional de relações públicas que integra a equipe da alta administração da empresa e, junto dela, elabora planos e compartilha políticas de comunicação, sendo considerado um importante executivo nos processos decisórios da empresa. Na análise do papel do relações públicas atuante na PMESP, é possível dizer que “administrador da comunicação” é o que melhor define o papel do profissional na instituição em questão. A área de comunicação não só tem acesso aos processos decisórios como também participa da cúpula. O TenenteCoronel Soffner, chefe da Divisão de Imprensa da PMESP, afirma a importância da participação dos comunicadores da PMESP no processo de tomada de decisões em entrevista cedida a autora. Presente nas reuniões da cúpula e sempre é ouvido no Estado Maior, por meio da 5ª Seção (seção de assessoramento para propositura de tomada de decisão), além 990 de opinar e aconselhar os altos executivos, pois é considerado um órgão de suporte técnico em todos os níveis. Soffner afirma que a PMESP é um sistema de comunicação social, que permeia o estratégico, tático e operacional. Em todo batalhão e grandes comandos há um oficial de comunicação social que trabalha juntamente com a sede. Na área de Relações Institucionais, quando uma campanha é feita, por exemplo, existe um acompanhamento da área de comunicação para checar as peças de publicidade e de distribuição, os aspectos da comunicação da campanha e detalhes das regiões onde será aplicada. O assessor de imprensa é encarregado de assessorar, dentro de todos os níveis, e aconselhar qual a melhor forma de atendimento de imprensa, por exemplo. De acordo com Soffner, ele faz parte da tomada de decisão, sendo a decisão final tomada pelo comandante. A gestão de Comunicação Social é fundamentada em não ser apenas o intérprete do Comando em relação ao seu público, mas também, ser intérprete desses públicos perante o Comando. Utiliza de diversos canais disponíveis para conscientizar o seu público interno sobre seu papel social e o público externo de seu papel como agente de segurança local. Não há competição de mercado ou concorrência, mas a PMESP tem por objetivo atrair a confiança e consequentemente trazer reputação à marca. E esse processo se inicia no primeiro contato que o cidadão tem com a instituição. É importante ressaltar também que tudo comunica, desde materiais impressos, sites, fachadas, quartéis e até o tempo de espera de uma viatura ou o tratamento de um policial, independente de o cidadão estar certo ou errado. O serviço envolve o comprometimento de todas as áreas para que se possa proporcionar uma experiência válida para o cidadão e assim superar as expectativas. Por isso a preocupação da instituição em desenvolver projetos e programas que façam com que o funcionário se sinta parte da instituição, eles lidam com segurança, com a vida de cidadãos, desta forma, eles têm que estar preparados a todo momento para que a imagem da instituição seja favorável. O esforço do Centro de Comunicação está justamente em firmar essa identidade em cada membro da corporação, seja através de campanhas motivacionais ou por meio de boletins informativos, “online”, com acesso a todas as Unidades da PMESP, por meio da rede Intranet PM ou de folders fixados nos murais dos batalhões. A valorização do 991 funcionário também é fundamental, por exemplo, com o Café com o Comandante, que é um rito primordial, torna o contato de um servidor com o seu comandante, um militar de baixo escalão com o seu comandante, o que constitui uma ferramenta de interação de alta valorização do corpo de funcionários. O público externo da instituição está dividido em: sociedade, imprensa e governo. Em relação à sociedade em si, os profissionais de comunicação da PMESP desenvolve pesquisas para conseguir verificar alguns pontos em relação ao seu público externo. O relacionamento com ele não é unilateral, ou seja, eles ouvem o seu público, eles possuem interação, seja por meios formais ou informais. Eles utilizam como ferramentas internet, redes sociais, fale conosco, fones 190, 181, canais institucionais de relacionamento com a comunidade, por meio de bases comunitárias e reunião de segurança. São importantes canais para traçar um projeto estratégico maior e melhor para atender aos objetivos dos cidadãos, sempre com o ciclo PDCAL, pois há o aprendizado. A imprensa é um forte público externo e a demanda é diária, sendo que o estreitamento de relacionamento com esse público é constante, por meio de notas e diversas possibilidades de contato, como o Open House. O Governo também é um público estratégico da PMESP, pois ele espera que atenda às expectativas traçadas em seu plano plurianual. Analisando a instituição nos modelos de relações públicas propostos por Grunig e Hunt (1984, apud FERRARI; FRANÇA; GRUNIG, 2011), é possível “classificar” a PMESP como uma instituição simétrica de duas mãos, pois ela desenvolve e proporciona um espaço destinado ao diálogo com seus públicos. As opiniões, reações da população e pesquisas de opinião são levadas em consideração e impactam diretamente o gerenciamento e desenvolvimento das atividades de relações públicas, de imprensa, campanhas e demais ferramentas de comunicação. A Polícia Militar do Estado de São Paulo vem evoluindo e se modernizando, ainda que sua essência seja de uma instituição com modelo de gestão autoritário, com centralização, sistema fechado, tradição e com hierarquia. A área de comunicação funciona de forma diferente e, ainda que siga um processo hierárquico de aprovações, as atividades desenvolvidas não ficam “emperradas” na burocracia. 992 CONSIDERAÇÕES FINAIS Toda instituição é complexa, possui sua identidade e suas interações, atentando ao fato de que também é composta por indivíduos que possuem suas particularidades e individualidades e se reúnem em um mesmo espaço, compartilhando valores, missão e objetivos comuns. Possuindo uma imagem, uma marca e defendendo a sua reputação, compreende-se que uma instituição/organização é “como um sistema social e histórico, formal, que obrigatoriamente se comunica e se relaciona, de forma endógena, com seus integrantes e, de forma exógena, com outros sistemas sociais e com a sociedade” (NASSAR, 2009. p.62). Pensar em uma comunicação no âmbito de Administração Pública é pensar uma comunicação para todos que estão na sociedade, independente de ser cidadão ou não. A realidade enfrentada hoje por uma Administração Pública é a de quebrar as barreiras, que há anos são impostas pela burocracia, e conseguir realizar uma comunicação eficaz para a população, capaz de atender às necessidades e fazer valer o princípio básico da publicidade. A importância de uma comunicação estratégica em meio à Administração Pública é essencial para que se possa ter uma Comunicação Pública de excelência. O valor do cidadão talvez possa ser considerado acima do de um cliente de uma organização privada, o relacionamento com o mesmo é primordial para estabelecer a dinâmica de interação, verificar suas prioridades e trabalhar de forma que a Administração Pública possa ter, além de uma imagem e reputação positiva diante da população, um diálogo com o seu público, ação que não beneficia apenas a instituição, mas acima de tudo, faz cumprir o seu dever com o cidadão. Mesmo que algumas instituições estejam moldadas apenas em uma Assessoria de Imprensa, é possível verificar, a partir da análise do Centro de Comunicação Social da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que é possível realizar uma comunicação estratégica em uma instituição burocrática, regida por hierarquia e centralização de poder. Ademais, pode-se ver que são desenvolvidas diversas ações internas e externas com base em planejamentos estratégicos, que visam a estabelecer a interação da Administração Pública com os seus diversos públicos. Uma análise do sistema de relações públicas e da área de marketing leva à 993 conclusão de que os processos comunicativos são bem elaborados e alinhados com o discurso da instituição. Ainda que a PMESP seja rígida e hierárquica, o processo de comunicação é considerado importante e os responsáveis por sua elaboração participam da cúpula, na qual as principais decisões da instituição são tomadas. Mais além, são considerados conselheiros estratégicos. O fato de ter uma base de comunicação bem definida já torna a Polícia Militar do Estado de São Paulo uma instituição diferenciada das demais instituições públicas. Estar aberta para receber críticas, fazer pesquisas de opinião e mudar as estratégias de comunicação de acordo com o resultado de algumas ações é exemplo de uma boa gestão da comunicação. É possível dizer que a atual percepção de alguns públicos da PMESP é negativa em relação à instituição, mas não se pode negar os esforços da área de comunicação em tentar mudar esse cenário. Ainda que os resultados sejam pouco visíveis, existe mais que a intenção de transparência, existe uma estrutura de comunicação que entende as dificuldades do processo de formação de imagem, e que lida com uma instituição que dificilmente não passará por momentos de crise, pois se trata de uma instituição dependente das decisões do Estado. Percebe-se que há possibilidade de uma instituição pública realizar uma comunicação estratégica, tendo um planejamento capaz de desenvolver metas a longo prazo e prever riscos ou crises; um gestor conselheiro, que possui a responsabilidade de mediar o público com a alta cúpula da administração; realizar uma comunicação de “duas mãos”, que possibilite um equilíbrio no diálogo entre instituição e público; além da valorização e do incentivo do servidor em fazer parte da instituição, perceber a sua responsabilidade perante o público. O Estado não pode se colocar como superior e defensor do poder absoluto. Quando se trata de democracia, o poder emana do povo, desta forma, o equilíbrio na troca de mensagens e informação é primordial para estabelecer um governo eficaz e satisfatório a ambos. Quando se trata de serviço público, lida-se com valores e não com um produto tangível, a reputação da instituição depende do ato de satisfazer desejos, necessidades e expectativas de uma pessoa ou de um grupo. Muito além de ter uma área de comunicação, em que a única função é transmitir releases para a imprensa, o setor público deve considerar o 994 fato de possuir representantes que tenham a preocupação de pensar no cidadão como parte inerente da instituição. O bom relacionamento traz consigo benefício tanto ao Estado quanto ao cidadão, que não terá suas expectativas frustradas. REFERÊNCIAS ANDRADE, Cândido Teobaldo Souza. Administração de relações públicas no governo. São Paulo: Ed. Loyola, 1982. DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: BARROS, Antônio; DUARTE, Jorge (Org). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2011. DUARTE, Jorge. Instrumentos de comunicação pública. In: DUARTE, Jorge(Org.). Comunicação Pública: Estado, Mercado, Sociedade e Interesse Público. São Paulo: Atlas, 2007. FERRARI, Maria Aparecida. Teorias e estratégias de relações públicas. In: KUNSCH, Margarida Krohling. Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas. São Paulo: Difusão, 2009. FERRARI, Maria Aparecida, FRANÇA, Fábio e GRUNIG, James E. Relações Públicas: teoria, contexto e relacionamentos.2 ed. São Paulo: Difusão, 2011. HASWANI, Mariângela. Comunicação Pública e Política. In: KUNSCH, Margarida Krohling. Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas. São Paulo: Difusão, 2009. HASWANI, Mariângela. Comunicação Pública: bases e abrangências. São Paulo: Saraiva, 2013. KUNSCH, Margarida M. Krohling. Planejamento estratégico de comunicação. In: KUNSCH, Margarida Krohling. Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas. São Paulo: Difusão, 2009. NASSAR, Paulo. Conceitos e processos de comunicação organizacional. In: KUNSCH, Margarida Krohling. Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas. São Paulo: Difusão, 2009. NOGUEIRA, Maria Francisca Magalhães. Gestão da comunicação interna das instituiçõespúblicas: um recurso esquecido. Disponível em <http://www.portalrp.com.br/bibliotecavirtual/relacoespublicas/funcoesetecnicas/0138.html> Acesso em Out/14. 995 SALGADO, Paulo Régis. Comunicação organizacional: a ótica das relações públicas governamentais. In: FARIAS, Luiz Alberto de (Org). Relações Públicas Estratégicas: técnicas, conceitos e instrumentos. São Paulo: Summus, 2011. 996 |6| PROGRAMA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E DE POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: UMA POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO PÚBLICA CIENTÍFICA Cristiane Benevides Pinto Komiyama1 RESUMO Este artigo analisa o Programa de Jornalismo Científico e de Popularização da Ciência no Estado de Mato Grosso do Sul – Mídia Ciência – criado desde 2011 pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso (Fundect). São analisadas as ações de comunicação desenvolvidas e contempladas nos Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) da Assessoria de Comunicação Científica. A pesquisa inclui uma análise das atividades propostas para a divulgação e difusão da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) de Mato Grosso do Sul, além da estruturação da equipe de comunicação, os impactos e os desafios com a crescente demanda do Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia. Palavras-chave: Assessoria de Comunicação; Comunicação Pública; Comunicação Científica; Publicação Institucional. Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional pela Universidade Anhanguera-Uniderp, especialista em Assessoria de Comunicação, graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), assessora de comunicação da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (Fundect). Filiação: Deise Benevides Pinto e Júlio César Komiyama. 1 INTRODUÇÃO A popularização da ciência é uma iniciativa necessária que envolve diretamente as assessorias de comunicação organizacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) e das agências financiadoras nacionais. Os projetos em desenvolvimento e financiados por essas instituições promovem o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) no país por meio de ações de pesquisa relevantes para a sociedade. Por outro lado, muitas informações científicas ainda são pouco difundidas, e necessitam de suporte das assessorias de comunicação para que os conteúdos das pesquisas sejam difundidos de forma clara e objetiva por meio de uma linguagem acessível a todos. A Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso (Fundect) é uma das FAPs do país cuja missão é promover o desenvolvimento da CT&I por meio de fomento e aporte financeiro junto às instituições que compõem o Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul2. A Fundect está estruturada na Secretaria de Cultura, Turismo Empreendedorismo e Inovação (SECTEI) do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul. Possui uma Diretoria-Executiva formada por DiretorPresidente, Diretor Científico e Diretor Administrativo. As decisões deliberativas são tomadas pelo Conselho Superior da Fundect, constituído por quatorze membros, representantes das instituições de pesquisa, ensino e extensão, do setor produtivo e do governo. Em 2011, a Fundect criou o Programa de Jornalismo Científico e de Popularização da Ciência no Estado de Mato Grosso do Sul – Mídia Ciência – com o objetivo de desenvolver diferentes atividades de comunicação científica. Despertar e desenvolver vocações na área da difusão científica a partir do envolvimento de pesquisadores, profissionais e estudantes na geração de produtos de comunicação científica O Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul é composto por 15 instituições de pesquisa, ensino e extensão do Estado. Com base nos dados do SIGFAP ( ferramenta de gestão das fundações), estão vinculados ao Sistema 19.872 pesquisadores e 1.547 de projetos de pesquisa. 2 998 de diferentes naturezas, veiculados em diferentes mídias de comunicação. Os produtos obtidos serão resultados de um programa definido de estudos voltados à formação profissional no âmbito da comunicação científica e a difusão de pesquisa teórica, aplicada ou de inovação referentes às ações e aos temas previstos nesta Chamada (FUNDECT, 2011, p.18). Integram a atual equipe dois jornalistas profissionais com formação em nível de mestrado, e dois publicitários, sendo um jornalista coordenador do Programa. Os profissionais foram selecionados por meio de duas Chamadas Públicas n° 12/2011 e n° 21/2013, e contratados por bolsa individual, não caracterizando vínculo empregatício junto à instituição. Para a execução do Programa, foi apresentada e aprovada a Proposta de Plano de Trabalho do Programa do coordenador. São contemplados o monitoramento, acompanhamento e veiculação de notícias nas Redes Sociais, cobertura de eventos institucionais, produção de reportagens de pesquisa científica no portal institucional, produção de materiais gráficos (agendas, calendários, cartazes, fôlderes) e publicações impressas. Este artigo trata das atividades propostas pela última edição do Programa, Chamada Pública n° 21/2013, para a divulgação e difusão da CT&I de Mato Grosso do Sul, os impactos e os desafios com a crescente demanda do Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia. COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL DO PROGRAMA MÍDIA CIÊNCIA A comunicação empresarial, organizacional e corporativa são alguns dos termos utilizados para determinar a presença da comunicação em uma empresa. Para explicá-los há diversas teorias, aqui se apresentam as principais ideias e estudos de dois autores, Kunsch e Rego. Para Kunsch (2003, p.149), a comunicação organizacional “analisa o sistema, o funcionamento e processo de comunicação entre a organização e seus diversos públicos”. As diferentes modalidades comunicacionais que permeiam sua atividade, compreendendo assim, a comunicação institucional, a comunicação mercadológica, a comunicação interna e a comunicação administrativa (KUNSCH, 2003, p.149-150). 999 A comunicação administrativa, segundo Kunsch (2003, p.152), é “aquela que se processa dentro da organização, no âmbito das funções administrativas; é a que permite viabilizar todo o sistema organizacional, por meio de uma confluência de fluxos e redes”. A comunicação interna seria a trabalhada com o público interno da organização que vai dos funcionários ou colaboradores, passando pelos distribuidores e terceirizados, até os acionistas e a alta cúpula da empresa. Já com o foco voltado para os produtos ou serviços da empresa está a comunicação mercadológica, isto é, “diretamente ligada ao marketing de negócios” (KUNSCH, 2003, p.162). Na comunicação institucional estão os chamados instrumentos ou subáreas, as atividades ligadas ao jornalismo dentro da organização, como o jornalismo empresarial e a assessoria de imprensa, que são, respectivamente, responsáveis pelas publicações institucionais de boletins às revistas, e pelo contato com a imprensa. Em “Tratado de Comunicação Organizacional e Política”, Rego (2002, p. 34-45) divide em três áreas as formas de comunicação nas organizações: a comunicação gerencial, que trabalha com foco no gerente das empresas; a administrativa, que abrange todos os conteúdos relativos ao cotidiano da administração e dá suporte informacional-normativo da organização; e, por último, a comunicação social, que reúne “as áreas de jornalismo, relações públicas, publicidade, editoração e marketing”. A comunicação social, por sua vez, é divida em dois focos de trabalho, a comunicação interna e externa. Sendo que na primeira há as publicações internas, e, na segunda, o que Rego (1987) chama de modalidades de programas de comunicação, o jornalismo empresarial, que integra os jornais, revistas e boletins, rádio e TV. Então, tanto na comunicação interna quanto externa, Rego apresenta as publicações jornalísticas como uma das maneiras de se trabalhar com o objetivo de atingir os públicos de interesse da organização. Neste ponto chegamos à interseção das ideias dos dois autores citados: as publicações institucionais. Mesmo utilizando diferentes teorias para explicar a comunicação e suas várias formas, ambos destacam os veículos criados para informar aos públicos da organização e o papel estratégico das publicações dentro da empresa. Por exemplo, quando diz que veículos de comunicação empresarial permitem que “ocorra dentro 1000 da empresa fluxo de informação (tanto vertical quanto horizontal), possibilita condições para que a alta diretoria da empresa tome decisões a partir da avaliação a capacidade e atitude da comunidade e aproxima os empregados e a empresa através da reciprocidade de relacionamento.” (Rego, 1987, p. 84). Neste aspecto, as publicações institucionais ganham destaque na comunicação organizacional, pois cumprem o papel estratégico de levar a informação da empresa aos diversos públicos de interesse, apoiando-se nas ferramentas jornalísticas de tratamento da informação. A mídia está presente no cotidiano da sociedade. Roger Silverstone (2002, p. 13) diz que não é possível escapar à mídia, pois ela está presente em todos os aspectos da vida cotidiana. Portanto, é importante estudá-la como componente da dimensão social e cultural, política e econômica, entender a sua onipresença e a complexidade de seu processo. É necessário estudar a mídia “como algo que contribui para nossa variável capacidade de compreender o mundo, de produzir e partilhar seus significados”. “A mídia nos oferece estruturas para o dia, pontos de referência, pontos de parada, pontos para o olhar de relance e para a contemplação, pontos de engajamento e oportunidades de desengajamento” (Silverstone, 2002, p. 24). Dessa forma, é essencial que as instituições possuam um relacionamento concreto e saudável com a mídia, pois a imagem das organizações é também construída com base no que se conhece delas por meio do que é veiculado nos Meios de Comunicação de Massa (MCM). Bernard Cohen (apud Wolf, 2008) afirma que a imprensa pode, na maior parte das vezes, não conseguir dizer às pessoas como pensar, mas tem a capacidade espantosa de dizer sobre o que pensar. Assim ressalta-se a importância da Assessoria de Comunicação Científica com o objetivo de divulgar as ações desenvolvidas em CT&I em Mato Grosso do Sul. Kotler (2000, p. 33) afirma que as organizações “lutam para estabelecer uma marca sólida – ou seja, uma imagem de marca forte e favorável”. Assim, por meio do planejamento e execução das ações da Assessoria de Comunicação Científica, pretende-se estabelecer essa solidez à marca Fundect e, consequentemente, ao conhecimento e à CT&I em Mato Grosso do Sul. O Programa de Jornalismo Científico e de Popularização da Ciência no Estado de Mato Grosso do Sul – Mídia Ciência – é um ins1001 trumento de planejamento, como explica Kunsch. “Por programas entendemos a colocação sistemática das ações necessárias, no que se refere tanto ao planejamento como à execução das atividades propostas” (Kunsch, 2003, p.371). As ações são estabelecidas por meio de Proposta de Plano de Trabalho envolvendo as atividades diárias da Assessoria de Comunicação Científica guiadas por Procedimentos Operacionais Padrão (POPs). Os POPs são roteiros para execução de ações rotineiras. Um POP define exatamente como uma atividade deve ser realizada, com Objetivo, Meta e Ações a serem realizadas. QUADRO1. POPS E SUAS DEFINIÇÕES QUANTO AO OBJETIVO, META E AÇÕES POP OBJETIVO POP 001 – Planejamento de mídia/comunicação Realizar planejamento de mídia / comunicação. 1002 META Gerar relatório das ações da Assessoria de Comunicação Científica. AÇÕES Realizar análise e planejamento das ações da Assessoria de Comunicação Científica. Verificar os impactos que as ações tiveram na mídia local e planejar ações futuras. Deve ser feita análise no início da gestão para planejamento de ações e ao final como forma de avaliação. POP 002 – Website Ser referência no tema Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para consulta por outras instituições de comunicação. Mínimo de 100 textos reproduzidos/publicados por mês (cinco textos por dia). a) Notícias externas/gerais Monitorar notícias referentes à educação e à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) que tenham sido divulgadas na mídia (local/regional, nacional e internacional). b) Reprodução de notícias Selecionar e reproduzir no website da Fundect as notícias referentes à Ciência Tecnologia e Inovação que tenham sido divulgadas na mídia (local/ regional, nacional e internacional), sempre citando a fonte do texto. c) Produção de material para divulgação Abastecimento do website com produção de material jornalístico pela equipe da Assessoria de Comunicação Científica da Fundect (notícias, notas, avisos, cadastro de eventos, entrevistas e outros). 1003 POP 003 – Produção de texto jornalístico 1004 Ser referência no tema Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para consulta por outras instituições de comunicação. Vinte textos produzidos / publicados por mês (um texto por dia). A produção de notícias deve seguir as especificações do jornalismo científico. O jornalismo científico apresenta características específicas dessa modalidade e que devem ser seguidas para todos os produtos da Assessoria de Comunicação Científica da Fundect. A equipe trabalhará com metas mensais de produção. As metas serão cadastradas em arquivo elaborado e compartilhado em formato padrão para todos os integrantes da equipe. A proposta é que todos os projetos em andamento cadastrados no SIGFUNDECT sejam tema de, pelo menos, um formato de texto jornalístico (notícia, nota, cobertura de evento, entrevista, etc.) ao final dos 12 meses de projeto POP 004 – Release Divulgar e popularizar a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Divulgação das ações da Fundect e das propostas aprovadas e em andamento financiadas pela fundação. Produção de release e envio à mídia por meio do mailing list. A meta de produção e envio de release à mídia corresponde à meta mensal de textos elaborados pelos jornalistas e demanda diária. POP 005 – Produção de vídeos Divulgar e popularizar a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Divulgação das ações da Fundect e das propostas aprovadas e em andamento financiadas pela fundação. Produção de programa de TV em formato de entrevista de periodicidade mensal; cobertura de eventos; vídeo institucional. 1005 POP 006 – Produção de material impresso Divulgar e popularizar a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Divulgação das ações da Fundect e das propostas aprovadas e em andamento financiadas pela fundação. Desenvolver logística para entrega dos materiais. Boletim: produção bimestral de Boletim Impresso, contendo a divulgação das ações da Fundect e das propostas aprovadas e em andamento financiadas pela fundação e assuntos referentes à educação e à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Revista: produção semestral de Revista Impressa, contendo a divulgação das ações da Fundect e das propostas aprovadas e em andamento financiadas pela fundação e assuntos referentes à educação e à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Folder: produção de folder institucional. Encarte infantil: produção de encarte com material direcionado ao público infantil (parte do Boletim Impresso). Demanda esporádica: produção para atender a demandas especiais. Sempre com base em briefing. 1006 POP 007 – Formatos eletrônicos Divulgar e popularizar a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Divulgação das ações da Fundect e das propostas aprovadas e em andamento financiadas pela fundação. O Boletim Informativo e a Revista Impressa, assim como todos os materiais impressos com conteúdo de divulgação científica devem ser disponibilizados em formato eletrônico no website da Fundect. POP 008 – Redes Sociais Divulgar e popularizar a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Atualização diária das redes sociais. Facebook e Twitter: Acessar as páginas oficiais da Fundect diariamente, de forma contínua. Manter o login on-line durante todo o período de trabalho para que as dúvidas enviadas sejam prontamente respondidas. Divulgar, pelo menos, uma notícia por período. Linkedin: Divulgar editais que contemplem bolsas. POP 009 – Produção de material gráfico Divulgar e popularizar a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Divulgação das ações da Fundect e das propostas aprovadas e em andamento financiadas pela fundação. A produção de material gráfico deve ser solicitada por meio de briefing enviado/entregue ao responsável pela área, profissional de Comunicação Social/Publicidade e Propaganda. 1007 POP 010 – Registro fotográfico Realizar o registro fotográfico das ações presentes na agenda da Assessoria de Comunicação Científica. Registrar 100% da agenda da Assessoria de Comunicação Científica. O registro fotográfico deve acompanhar todas as coberturas de eventos e reuniões internas e externas. A divulgação do registro fotográfico deve ser autorizada, em casos de reuniões internas o registro deve ser arquivado. POP 011 – Revisão de textos Oferecer ao público textos de qualidade e de acordo com as normas oficiais da Língua Portuguesa. Revisar 100% dos textos produzidos pela Assessoria de Comunicação Científica. Todo material produzido pela Assessoria de Comunicação Científica da Fundect deve ser revisado. A revisão de textos será de responsabilidade de seu produtor e da coordenação da equipe. POP 012 – Reuniões de equipe Avaliar e planejar ações da Assessoria de Comunicação Científica. Realizar reuniões quinzenais. Avaliação e planejamento de ações. Periodicidade quinzenal ou quando a equipe demonstrar necessidade. 1008 POP 013 – Reunião de pauta Definir pautas das publicações. Realizar reuniões de pauta para todas as publicações. Todos os produtos a serem produzidos pela equipe de Assessoria de Comunicação Científica devem ser precedidos de uma reunião de pauta para definição dos temas abordados na publicação. POP 014 – Brainstorm Gerar novas ideias, conceitos e soluções para temas que envolvam a Assessoria de Comunicação Científica. Reuniões a serem definidas de acordo com a demanda da Assessoria de Comunicação Científica. Brainstorming é uma conhecida técnica de geração de ideias, que significa “tempestade cerebral” e é desenvolvida em grupo, envolvendo a contribuição espontânea de todos os participantes. O envolvimento e a motivação do grupo promove comprometimento com a ação e um sentimento de responsabilidade compartilhada (SEBRAE, 2005). POP 015 – Agenda da DiretoriaExecutiva Acompanhar as ações da diretoria. Fazer a cobertura de 100% das ações da diretoria, desde que públicas e autorizadas. Consultar a agenda da DiretoriaExecutiva da Fundect diariamente. Elaborar a agenda da Assessoria de Comunicação Científica com base na agenda oficial da fundação. 1009 POP 016 – Agenda compartilhada Compartilhar com a equipe a agenda da Assessoria de Comunicação Científica. Manter a equipe atualizada acerca das ações a serem realizadas. A agenda deve ser montada e compartilhada por meio de software específico. POP 017 – E-mail oficial Enviar, receber e responder mensagens eletrônicas. Responder ou encaminhar ao setor responsável 100% das mensagens enviadas à Assessoria de Comunicação Científica. Acessar o e-mail oficial da Assessoria de Comunicação Científica diariamente, de forma contínua. As mensagens oficiais devem ser enviadas pelo e-mail oficial da fundação. POP 018 – Mailing list Possuir uma agenda com os contatos da mídia. Manter os contatos atualizados. Atualização mensal do mailing list para envio de releases. POP 019 – Clipping de mídia Identificar a presença da marca Fundect na mídia. 100% dos textos que fazem referência à marca. Monitoramento de notícias que façam referência à Fundect e que tenham sido divulgadas na mídia (local/regional, nacional e internacional) por meio do acesso a websites de notícias e demais veículos de comunicação que tratam de assuntos gerais, assim como os especializados ou de instituições de pesquisa e de ensino superior. Clipping deve ser enviado para a Diretoria-Executiva da Fundect e para a equipe de Assessoria de Comunicação Científica. 1010 POP 020 – Comunicação interna Manter os colaboradores da Fundect informados sobre as ações internas. Divulgar as informações internas para os colaboradores. Produção de material destinado à comunicação interna. Proposta 1: Produção de informativo eletrônico quinzenal com as principais notícias relevantes para os colaboradores. Proposta 2: Enviar por e-mail as informações diariamente Fonte: Motta (2013) Juran (1992) explica que um processo é uma série sistemática de ações direcionadas para a consecução de uma meta. Oliveira (2006) diz que um processo é o conjunto estruturado de atividades sequenciais que apresentam relação lógica entre si, com a finalidade de atender e superar as necessidades e as expectativas dos clientes externos e internos da instituição. CONSIDERAÇÕES De acordo com o relatório parcial de atividades, foram estimados resultados satisfatórios quanto à divulgação e difusão da CT&I de Mato Grosso do Sul, assim como impacto positivo junto ao Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia, tendo em vista a execução dos POPs em relação aos números de profissionais envolvidos. No período que compreende janeiro a dezembro de 2014, o portal institucional da Fundect, recebeu 135.520 visualizações. Foram publicados no total 432 textos jornalísticos, entre produzidos e reproduzidos, sendo 230 produzidos pela equipe de jornalismo do Programa Mídia Ciência. Quanto aos materiais impressos, foram produzidas quatro edições do Boletim Informativo MS Faz Ciência, totalizando 29 textos jornalísticos inéditos, e uma edição da Revista Corumbella. Saliente-se 1011 que, em 2014, por impedimentos estabelecidos pela Legislação Eleitoral, deixaram de ser produzidas duas edições do Boletim Informativo. A coordenação do programa também foi responsável pela execução da primeira edição do Prêmio Fundect de Jornalismo Científico, premiação que reconheceu o trabalho de 14 profissionais de comunicação, divididos em seis categorias. O Prêmio tem como objetivo incentivar a prática do jornalismo científico no Estado do Mato Grosso do Sul, premiando trabalhos jornalísticos que tenham contribuído para a divulgação da ciência nos meios de comunicação do Estado, estimulando, assim, a cultura de popularização da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Outras demandas consideradas esporádicas foram requisitadas pela Diretoria da Fundect como: folder e cartaz para divulgação do Prêmio Fundect de Jornalismo Científico; Folder/relatório do Programa ALI – Agente Local de Inovação; folder 21 dicas para Prestação de Contas; dois folders para o Geopark Bodoquena-Pantanal; reestruturação do website (layout); Pesquisa de Satisfação; Material/folder Tecnova; folder Casa do Pantanal; agenda e calendário; adesivo para porta da recepção; adesivo para parede da sala de reunião; Newsletter semanal; atualização Capesweb. O Programa tem-se mostrado estratégico para a divulgação de conteúdo científico em Mato Grosso do Sul, assim como tem aproximado a comunidade científica, formada por pesquisadores, bolsistas, professores e profissionais que atuam nas instituições do Estado. REFERÊNCIAS JURAN, J. M. Planejando para a Qualidade. 2. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1992. MOTTA, K. B. I. M. Plano de Trabalho do Coordenador Programa de Jornalismo Científico e de Popularização da Ciência no Estado de Mato Grosso do Sul: Mídia Ciência. Campo Grande: Novembro, 2013. p. 05. OLIVEIRA, D. P. R. de. Administração de Processos: conceitos, metodologia e práticas. São Paulo: Atlas, 2006. KOTLER, P. Administração de Marketing. 10. ed. Tradução de Bazán Tecnologia e Lingüística. São Paulo: Prentice Hall, 2000. 1012 KUNSCH, M. M. K. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. 4. ed. São Paulo: Summus, 2003. ________. Relações Públicas e Modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997. REGO, Francisco G. Torquato. Jornalismo Empresarial: teoria e prática. São Paulo: Summus, 1984. ________. Tratado de Comunicação Organizacional e Política. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. SILVERSTONE, R. Por que estudar a mídia. São Paulo: Loyola, 2002. WOLF, M. Teorias da comunicação. 2. ed. São Paulo: WMF MARTINS FONTES, 2008. 1013 |7 | IMPLICAÇÕES ESTRATÉGICAS DO PROGRAMA FEDERAL “MAIS MÉDICOS” SOB A ÉGIDE DA COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL E POLÍTICA Alessandra Castilho 1 e Roberto Gondo Macedo 2 RESUMO Em uma sociedade complexa demograficamente e com intensos indicadores de desigualdade social, o Brasil convive com um sistema deficitário de saúde pública. O desenvolvimento de projetos desta ordem temática pelos mais diversos tipos de governo pode ser utilizado estratégicamente nas ações de comunicação governamental e política, visando o fortalecimento da imagem da gestão, corroborando para positivos resultados eleitorais nos momentos de sufrágio democrático. O presente artigo objetiva explanar acerca do projeto federal destinado à saúde denominado Doutoranda em Humanidades pela Universidade Federal do ABC, Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Especialista em Comunicação Empresarial pela mesma instituição. Chefe de Comunicação e Assessoria da Universidade Federal do ABC, no estado de São Paulo. Diretora de Relações Internacionais da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político – POLITICOM. Email.: ale_castilho@hotmail.com. 1 Doutor em Comunicação Social, com Pós-doutorado em Comunicação Política pela Universidade de São Paulo. Preside a Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político – POLITICOM. Docente e Pesquisador do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Diretor de Estratégias e Marketing do Instituto Gestão do Conhecimento – IGC, Brasi. Email.: r.gondomacedo@gmail.com. 2 “Mais Médicos”, na qual existe um intento em direcionar médicos participantes do programa em regiões com limitações de atendimento clínico, seja no interior dos estados, como na periferia das capitais brasileiras. Sob a égide da comunicação governamental, é apresentado o programa e como que tem sido utilizado nas ações de comunicação do governo da presidente Dilma Rousseff como um dos pilares de ua gestão e como um escudo popular para inibir demais problemas gerenciais presentes em sua gestão federal. Palavras-Chave: Mais Médicos; Comunicação Política; Governo; Estratégia e Eleições. INTRODUÇÃO Este artigo versa sobre a comunicação política, governamental e eleitoral no contexto atual brasileiro. Amparado em um sistema democrático presidencialista desde o final do período ditatorial no final da década de 70, o país vive um contexto de consolidação do seu processo eleitoral e político. Essa necessidade de aprimoramento do sistema e da competitividade cada vez mais acentuada entre os partidos, que é estruturado em uma organização pluripartidária, permite contemplar múltiplas ações desenvolvidas pelas agremiações pertencentes na situação de governo, bem como os partidos opositores, que se posicionam em apontar falhas no sistema gerencial, visando enfraquecer os atores situacionistas e potencializar um novo cenário na disputa eleitoral. A escolha do Programa “Mais Médicos”, desenvolvido pelo Governo Federal brasileiro desde 2013 se tornou representativo para estudo do artigo e cerne do simulacro de pesquisa pelo fato de ter sido lançado logo após o período acentuado de manifestações sociais3 ocorridas em todo o território nacional no primeiro semestre de 2013. 3 As manifestações sociais ocorridas no primeiro semestre de 2013 no Brasil, 1015 Outro ponto relevante para a escolha é decorrente ao perfil do Partido dos Trabalhadores e sua relação instrínseca com o processo de assistencialismo nas camadas mais baixas da sociedade e alocadas em comunidades e regiões distantes dos centros urbanos. Desde o ínicio do período de gestão presidencial petista, originário em 2002 por Luiz Inácio Lula da Silva, os projetos sociais foram o grande eixo de fortalecimento governamental, que contribuiu para a reeleição do presidente em 2006 e conseguir a vitória da sucessora na presidência, Dilma Rousseff. O Programa faz parte de um projeto de melhorias do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde, denominado no Brasil pelas siglas SUS, que prevê investimento em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde há escassez ou não existem profissionais. Segundo dados do Portal da Saúde (2013), atualmente o país possui 1,8 médicos por mil habitantes. Esse índice é menor do que em outros países, como a Argentina (3,2), Uruguai (3,7), Portugal (3,9) e Espanha (4). Além da carência dos profissionais, o Brasil sofre com uma distribuição desigual de médicos nas regiões, dos 27 estados da federação, 22 deles possuem número de médicos abaixo da média nacional. A proposta norteadora desse trabalho é apresentar proposituras de como o Programa do atual Governo pode refletir na comunicação eleitoral de 2014 no Brasil. O artigo também faz um comparação sobre o peso do Programa nas eleições presidenciais e nas eleições municipais, uma vez que nos pleitos regionais os médicos bolsistas poderão tornar-se atores políticos representativos. Um dos pontos demais discussão entre governantes e a classe médica está no reclutamento de médicos estrangeiros para atuar em regiões onde há escassez, ou simplemente não existem profissionais. Além tiveram como ponto de partida a reinvindicação contrária ao aumento da tarifa de ônibus na Prefeitura de São Paulo. De modo integrado, milhares de brasileiros foram às ruas exigindo inúmeras melhorias no sistema político e políticas públicas, principalmente no campo da saúde, segurança e mobilidade urbana. Depois da cidade de São Paulo, as mobilizações ocorreram em praticamente todas as capitas de estados e cidades interioranas do país, levando a quedas de credibilidade dos governos das esferas, federal, estadual e municipal. 1016 do recrutamento externo, o Programa estabelece que o Governo abrirá 11,5 mil vagas nos cursos de medicina no país até 2017 e 12 mil vagas para formação de especialistas até 2020. Desse total, 2.415 novas vagas de graduação já foram criadas e serão implantadas até o fim de 2014 com foco nas áreas que mais precisam de profissionais e que possuem a estrutura adequada para a formação médica. Se de um lado o polêmico Programa tende a ter um efeito positivo indireto, a exemplo do Programa “Luz para Todos” de Lula, na campanha presidencial de 2006, por outro lado, entidades médicas já prometem mobilização em campanha contrária a reeleição da presidente. Vale refletir sobre o verdadeiro impacto dessas propostas sociais no real campo eleitoral e até que ponto que projetos de foro popular e assistencialista destinados à população mais pobre do país, fortalecem no processo eleitoral, no caso proposto, influência na reeleição de Dilma Rousseff. O pleito de 2014 foi um processo eleitoral dos mais conturbados e intensos desde o período da redemocratização brasileira. Liderando até final de julho do mesmo ano de modo estável e confortável para a caminhada para a reeleição presidencial, Dilma e dirigentes do Partido dos Trabalhadores vivenciaram um árduo período de instabilidade estatística das intenções de voto, bem como o dinâmico papel dos demais presidenciaveis no processo. A eleitoral para presidente foi iniciada com três postulantes ao posto majoritário do Planalto devidamente amparados por suas alianças eleitorais e bases de apoio. Além de Dilma para o PT, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) seguiam disputando preferência do eleitorado descontente com o governo petista e buscando novos rumos para o país. Todavia, o acidente aéreo ocorrido na primeira quinzena de agosto, logo após começo da disputa eleitoral, retira Eduardo Campos da disputa por ocasião de seu falecimento, bem como alguns integrantes da sua equipe de campanha. Diante de trágica realidade, uma comoção generalizada conduziu os humores nacionais por semanas. Marina Silva, até então vice na chapa homologada pelo TSE, assume o lugar de Eduardo Campos e conduz uma disputa direta com a primeira colocada nas pesquisas, Dilma Rouseff. 1017 Marina Silva somente de aliou com as forças de Eduardo Campos após o seu projeto de formação partidária não tem obtido êxito no mês de outubro de 2013, exatamente um ano antes do pleito eleitoral e, de acordo com as datas estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, prazo regimentar para a homologação de novos partidos no país. São duas principais condições que são solicitadas para grupos que desejam iniciar novos partidos: a primeira é com relação ao número de eleitores ativos e regularmente validados na base de dados do Tribunal Superior Eleitoral – TSE. O total de assinaturas validadas deve ser superior ao número de 492 mil assinaturas e em segundo momento, distribuidas em ao menos nove estados da federação. A maioria dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) votou contra a concessão de registro ao partido Rede Sustentabilidade, fundado pela ex-senadora Marina Silva. Os ministros entenderam que a legenda não conseguiu o número mínimo de 492 mil assinaturas de apoiadores exigido pela Justiça Eleitoral. Com a decisão, o partido não poderá participar das eleições do ano que vem. (RICHTER, 2013, online). O Projeto denominado “Rede Sustentabilidade” não obteve êxito no número de assinaturas validadas e não pode cumprir o prazo regimental pré-estabelecido, culminando na ida de Marina para o Partido Social Brasileiro – PSB de Eduardo Campos. A retomada do processo de coleta e validação de assinaturas para a solicitação do novo partido foi anunciado por dirigentes da Rede Sustentabilidade depois das eleições, o que conduz quer o interesse por senso de independência partidária de Marina para as próximas disputas eleitorais. O segundo turno das eleições presidenciais, bem como o seu resultado demonstraram grande representatividade e aceitação do Partido dos Trabalhadores e Dilma Rousseff nas regiões: norte, nordeste e centro-oeste do país, tendo concentração favorável ao candidato social democrata Aécio Neves peso maior nas regiões sudeste e sul, equilibrando a disputa, que foi finalizada com uma pequena diferença de votos favorável à reeleição petista. 1018 FIGURA 1 – MAPA FINAL DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2014 FONTE – Portal UOL (2014, online) Um dos pontos que pode ser considerado e factualmente comprovado é a identificação do Partido dos Trabalhadores e seus representantes políticos em regiões mais limitadas economicamente em âmbito nacional, como também que apresentam maior desigualdade social de classes e necessitam de maior apoio de políticas públicas para sobrevivência, dentre elas no campo da saúde, direcionamento da pesquisa com o enquadramento do Projeto “Mais Médicos”. Torne-se pertinente considerar de modo concomitante as manifestações que se iniciaram no ano de 2015, fomentando a ideia de alguns grupos políticos e sociais descontentes com o governo petista, o processo de impeachment da presidente, principalmente pelo alto número de denúncias de corrupção presentes em seu governo, tanto em estatais como a Petrobrás, como em demais órgãos públicos, distribuídos em território nacional. 1019 COMUNICAÇÃO NO ÂMBITO POLÍTICO E ELEITORAL: ESTRATÉGIAS PARA FORTALECIMENTO DA IMAGEM GOVERNAMENTAL A comunicação possui um papel fundamental no poder público, principalmente porque o desenvolvimento de uma imagem governamental está diretamente relacionado com a capacidade de fomentar políticas públicas exitosas para a população, e também de modo concomitante, deve ser explorada e difundida sob a égide da propaganda como um feito positivo e bem aceito pela sociedade. A comunicação pública deve ser pensada como um processo político de interação no qual prevalecem a expressão, a interpretação e o diálogo. É preciso salientar que o entendimento da comunicação pública como dinâmica voltada para as trocas comunicativas entre instituições e a sociedade é relativamente recente (MATOS, 2011, p.45). De acordo com o sistema político brasileiro, pela sua estrutura, regulamentação eleitoral e periodicidade de mandatos, é natural que fosse desenvolvida uma dinâmica de busca por uma constante forma de fazer política visando os resultados das próprias eleições, prejudicando em muitos casos o próprio período de gestão pública, dada a preocupação em trabalhar para a reeleição de um ator político ou até mesmo para manter o sucessor no poder após sua saída de dois mandatos majoritários consecutivos. O fato da comunicação estar presente no cotidiano público não é especificidade brasileira, mas sim está presente em muitos outros países de foro democrático, cuja preocupação eleitoral é latente e a busca por alianças e apoios governamentais constante. O governo federal do governo do Partido dos Trabalhadores é um exemplo factual dessa dinâmica. De acordo com Torquato (2002, p.121) “as estruturas de comunicação na administração pública federal hão de se reorganizar em função da evolução dos conceitos e das novas demandas sociais”. O apelo ideológico do PT, desde sua fundação no início da década de 80, foi relacionado aos movimentos populares e cidadãos pertencentes as classes mais baixas de renda e acesso político e cultural. Todavia, suas políticas públicas são mais direcionadas ao público predominante no país, com classse de renda menos e que ações públicas são 1020 muito mais relevantes e necessárias, visto a ausência de recursos para suprir tal necessidade pelos caminhos do setor privado, como educação, saúde e lazer, por exemplo. Em seu movimento mais ousado e dirigido, nas eleições de 2002, o grande ponto de campanha eleitoral do PT, com Lula como candidato, foi a promessa de implantação do Programa denominado “Fome Zero”, que difundia o conceito de erradicar nos anos posteriores indicadores de baixa qualidade de vida, como analfabetismo, baixo investimento na prevenção de doenças e limitado poder de consumo da população mais carente, decorrente da limitação de crédito no mercado e baixa taxa de crescimento de novos empregos no mercado. Com o passar dos anos, as ações petistas com direcionamento para as classes mais baixas foram permitindo um aumento sustentável nos indicadores de popularidade do governo de Lula e nos dois primeiros anos de Dilma Rousseff. Fator que prova empiricamente o senso exitoso de controle e dominio de um grande e representativo percentual popular, dependente de um governo que mantenha os subsídios e demais assistências para os membros da família e do próprio cidadão. FIGURA 2 – LOGOTIPO DO PROGRAMA FOME ZERO (2002) FONTE – Portal IG (2014, online) A ação “Mais Médicos” foi iniciada como uma das séries de políticas para atingir cidades brasileiras cuja distância e características 1021 estruturais e econômicas não permitiam a manutenção de profissionais da saúde nesses municípios. Vale considerar que o perfil de formação dos profissionais da saúde no país por décadas passadas foi direcionado aos membros de classes mais abastadas financeiramente e culturalmente da sociedade. Esse fator é um dos grande entraves no que tange permitir a contratação de médicos para cidades mais afastadas e com pouca estrutura. São dois fatores principais: 1) grande parte dos médicos formados no país não se interessam em desenvolver e fixar carreira médica em cuidades pequenas do interior, mas sim nas capitais dos estados da federação, principalmente São Paulo. 2) os salários trabalhados pelo poder público não são atrativos aos formados em medicina no Brasil, que já conta com número não suficiente de graduados por ano, que poderiam suprir o representativo déficit de profissionais no país. O desenvolvimento dos meios de comunicação foi fator altamente corroborativo para promover maior capacidade informacional da população com os feitos do governo, sejam eles positivos, derivados de boas ações políticas, como também os feitos negativos, que são responsáveis pela queda de popularidade e derrocada de muitos atores políticos, distribuídos em todas as esferas do poder nacional. A convergência tecnológica, com a funcionalidade dos multimeios, exigem do poder público e seus representante capacidade de resposta rápida para as demandas da sociedade, como também na prestação de contas de escandalos e demais denúncias oriundas do contexto político e partidário. Na visão de Castells (1999), a sociedade informacional está amparada na capacidade do individuo comprender como lidar com a informação de modo útil e produtivo para os seus interesses. As eleições de 2014 no Brasil para Presidente da República, Senadores, Governadores e Deputados (Federais e Estaduais) foi um representativo desafio para os candidatos e seus partidos, principalmente porque será a primeira eleição que ocorrerá posterior ao período de manifestações sociais de 2013, cuja força e intensidade foi responsável por grande redução dos índices de credibilidade dos governos e da imagem dos políticos e da instituição política. Nesse sentido, em âmbito federal, que representa o recorte do presente artigo, a disputa foi pautada em feitos ocorridos na gestão de 1022 Dilma Rousseff, que buscou mais um mandato de quatro anos, contra os demais adversários políticos provenientes de diversar alianças estratégicas partidárias. Para Fausto (2014, online) “No Brasil, os candidatos em geral buscam se associar a ideias-imagens de compreensão instantânea e se refugiar em generalidades que não desagradem a nenhuma parcela significativa do eleitorado”. O poder de controlar Projetos populares nas cidades pequenas no interior dos estados brasileiros pode oferecer para o Partido dos Trabalhadores uma representativa vantagem no que tange conquistar votos de eleitores que não estarão, na maioria dos casos, envoltos informacionalmente com inúmeras ações ocorridas nos dezesseis anos de governo petista, por ocasião de ausência informacional e formação política para tal fim. O caso do mensalão4, ocorrido no ano de 2004 e com desfecho depois e uma década marcou o governo de Lula da Silva, todavia, diante de intensos projetos sociais, não podem ser considerados como um argumento com força suficiente para alterar um cenário político eleitoral, elegendo a oposição em uma queda de governo. PROGRAMA “MAIS MÉDICOS” E SEU IMPACTO NO PAÍS Um dos temas mais discutidos no país, unido com segurança pública e mobilidade urbana é a situação da saúde. Segundo dados do IBGE em 2013, explanados pelo periódico Estadão (2013, online), o país atingiu a marca de 200 milhões de habitantes. Desse número, uma estimativa descrita pelo TSE (2013, online), aponta que nas eleições de 2014, o pleito contará com aproximadamente 135 milhões de eleitores. O caso do Mensalão realizado por membros do governo de Lula no seu primeiro mandato, estava relacionado com um complexo esquema que foi desenvolvido para distribuir propinas à parlamentares de demais partidos e outros níveis políticos, com o objetivo de conseguir aprovações em projetos direcionados para votação na Câmara e Senado da República. Com mais de vinte indiciados, os processos tramitaram por dez anos até iniciarem as primeiras condenações e devoluções de parte dos recursos públicos desviados durante o esquema de corrupção. 4 1023 FIGURA 3 – LOGOTIPO DO PROGRAMA MAIS MÉDICOS LANÇADO EM 2013 FONTE – Portal Mais Saude (2014, online) Esses apontamentos representam um alto e representativo contingente de brasileiros que estão envolvidos com as políticas públicas estabelecidos pelos estados e municípios, aliados com o governo federal. O país já passou dos 200 milhões de habitantes e desse percentual, ao menos 1/3 do contingente está relacionado com ao menos um dos principais projetos da esfera federal. Formado predominantemente de brasileiros pertencentes na classe C de riqueza, com no máximo cinco salários mínimos de Renda Familiar, o uso dos recursos públicos ainda é muito intenso e influencia no processo de identificação com um governo ou determinado gestor público, aumentando sua credibilidade ou possibilitando sua queda e derrota política nas urnas. Isto posto, é possível afirmar que o desenvolvimento de um Programa de foro popular, envolvendo médicos em comunidades e cidades carentes de atendimento hospitalar é necessário e contribuirá explicitamente para a melhoria da relação do governo com o cidadão, que agora poderá observar atendimentos médicos para seus familiares e demais amigos. Um dos pontos que fomentou grande repercussão na mídia e nos demais atores envolvidos no cenário médico foi o fato da possibilidade de contratação de médicos estrangeiros, caso as vagas para os lugares 1024 mais afastados não fosse cumprida e aceitas por médicos brasileiros. Diversas manifestações foram realizadas, inclusive com alguns atos de violência por parte dos manifestantes. O programa foi alvo de críticas das principais entidades médicas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Federação Nacional dos Médicos. Uma delas é que o contrato de trabalho era ilegal, já que os profissionais recebem uma bolsa de ensino para trabalhar, e a vinda de médicos estrangeiros sem precisarem passar pelo Exame Nacional de Revalidação de Diplomas (Revalida). As entidades recorreram à Justiça, promoveram protestos e adiaram a emissão do registro provisório. (ULTIMOSEGUNDO, 2013, online). De acordo com diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde, descritas no Portal da Saúde, o Programa contará com o auxílio de dois Ministérios para gerenciar os procedimentos burocráticos e formativos da proposta. O primeiro é o Ministério da Saúde, responsável pela contratação dos médicos e acompanhamento com as cidades inscritas no programa. De modo concomitante, o Ministério da Educação irá colaborar com o acompanhamento formativo dos médicos participantes do programa, incluindo médicos brasileiros e estrangeiros. O Programa conta com uma série de benefícios para o médico que aderir ao Programa, que terá duração de três anos. Alguns dos benefícios são: 1) salário de 10 mil reais; 2) auxílio moradia na cidade que o médico ficar alocado (nesse caso ocorrerá parceria da União com o município e 3) subsídios para que o médico possa conseguir visitar os familiares de acordo com períodos pré-estabelecidos entre os pares contratados. Como não se faz saúde apenas com profissionais, o Ministério está investindo R$ 15 bilhões até 2014 em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde. Desses, R$ 2,8 bilhões foram destinados a obras em 16 mil Unidades Básicas de Saúde e para a compra de equipamentos para 5 mil unidades; R$ 3,2 bilhões para obras em 818 hospitais e aquisição de equipamentos para 2,5 mil hospitais; além de R$ 1,4 bilhão para obras em 877 Unidades de Pronto Atendimento. (PORTALDASAUDE, 2014, online). 1025 Outro ponto polêmico foi o acordo realizado entre o Brasil com Cuba, para que médicos cubanos pudessem concorrer as vagas disponíveis e participar do programa. Nesse ponto, o que mais diferencia é que os valores que serão repassados para os médicos não serão os mesmos estabelecidos para outros médicos, já que uma parte ficará para o governo de Cuba e a relação de trabalho da equipe cubana, assistida de modo distinto do que qualquer outra nacionalidade envolvida. FIGURA 4 – MÉDICOS CUBANOS NO BRASIL PARA O PROGRAMA MAIS MÉDICOS FONTE – Portal Isto é (2014, online) Para Sias (2013, online) No acordo, temos um gritante exemplo de mais-valia: o médico recebe 30% do valor de seu trabalho, enquanto o governo cubano embolsa os outros 70%. A precarização da mão de obra e a coerção são exemplificadas pelo regime de trabalho ao qual serão submetidos, vigiados dia e noite, com passaportes confiscados e o pagamento efetuado diretamente às autoridades cubanas, que virtualmente são seus donos. Aliás, o que poderia significar maior precarização que praticamente ignorar a Lei Áurea de 1888? 1026 Além da própria infra técnica de políticas públicas utilizada, o Projeto “Mais Médicos” está sendo trabalhado pelo Governo Federal como uma ação de intervenção ao maior problema sofrido pela população, que é o caso da saúde. O impacto emocional conduzido pela mensagem da campanha busca claramente traçar um divisor de águas, no que tange o tratamento federal para com os problemas da sociedade mais carente e desprezada por outros governos. O Slogan principal da campanha “Mais médicos para o Brasil, Mais saúde para você” está sendo veiculado em rede nacional, por intermédio de mídias eletrônicas, mas também via material impresso. Entretanto, o grande interesse da proposta pela égide da comunicação de governo que caminha para um olhar eleitoral é o processo sinestésico que ocorrerá nessas cidades envolvidas e amparadas por esse atendimento. O Portal Eletrônico também é utilizado para servir de canal de comunicação para médicos que queiram participar do programa, bem como sanar potenciais dúvidas da população de demais interlocutores sociais. Além de apresentar dados do programa, também oferece ferramentas que são ágeis para receber denúncias provenientes de atendimentos e maior controle da população acerca das atividades pré-dispostas pelas regras do programa federal. De acordo com dados estabelecidos pelo Ministério da Saúde (2014) o programa aumentou em 35% o número geral de consultas na atenção básica – foram 5.972.908 em janeiro de 2014 ante 4.428.112 em janeiro de 2013. O atendimento a pessoas com diabetes aumentou 45%, passando de 587.535 em janeiro de 2013 para 849.751 em janeiro de 2014. No mesmo período, os atendimentos de pacientes com hipertensão arterial aumentaram 5% e as consultas de pré-natal, 11%. O encaminhamento de pacientes para hospitais diminuiu 20%, passando de 20.170 para 15.969. Os números do ministério indicam que o programa contratou 14,4 mil profissionais (11,4 mil deles cubanos) distribuídos em 3,7 mil municípios e em 34 distritos indígenas. Cerca de 75% dos médicos estão em regiões de grande vulnerabilidade social, como o semiárido nordestino, a periferia de grandes centros e regiões com população quilombola. (PORTAL EXAME, 2014, online). 1027 Sendo mais que 2000 mil cidades no Brasil, a possibilidade de persuasão eleitoral de modo institucional é muito alta, visto que a presença de um médico entre pares antes totalmente desamparados nesse quesito, causará um impacto positivo na credibilidade de governo, independente de denúncias e demais informações fora do senso comum da maior parte dos brasileiros. CONSIDERAÇÕES FINAIS Um dos pontos mais estratégicos e representativos em uma comunicação de governo visando pleitos eleitorais futuros é a capacidade de unir gestão de políticas públicas com abordagens corretas em camadas da população mais aderentes com a identificação das propostas estabelecidas. A comunicação no poder público, assim como no poder privado é de extrema relevância para o alinhamento de ações políticas com potencialização e construção de imagem governamental positiva. Essas estratégias podem ser desenvolvidas em múltiplos segmentos e cenários. O Programa “Mais Médicos” desenvolvido pelo Governo Federal de Dilma Rousseff foi lançado nacionalmente logo depois do período de maifestações sociais que percorreram todo o país, no primeiro semestre de 2013. Sendo um dos pontos mais críticos presentes nas pesquisas populares, o Programa visa direcionar médico brasileiros e estrangeiros para cidades e regiões carentes desses profissionais, permitindo atendimento para a população. Esse projeto estará diretamente relacionado na estratégia de fortalecimento de Dilma no seu fortalecimento como uma interlocutora política, visto que é uma forma pragmática de buscar envolver eleitores que observam nesse programa e vários outros de foro assistencialista, aprovação de governo e plausível continuidade. A campanha publicitária desenvolvida para o Programa explicita um cenário de solução de problemas, onde o médico será um interlocutor da comunicação, terminando tempos de ausência de médicos e atendimentos. Por ser um programa com claras características para construção da imagem pública do PT, está sendo alvo de inúmeros brasileiros, mas um ponto que deve ser lembrado é o impacto que a ações de um novo mé- 1028 dico pode causar em uma comunidade carente, podendo ser persuadida com mais facilidade, no que tange uma potencial escolha eleitoral. A identificação de programas sociais é muito mais aderente com a prática midiática adotada pelo PT nos últimos 12 anos de gerenciamento federal. Esse reflexos são demonstrados nos resultados eleitorais do pleito do segundo turno, de acordo com o mapa de votação que foi estabelecido, não necessariamente com uma divisão entre ricos e pobres, mas sim de regiões mais e menos desenvolvidas. Todavia, vale ressaltar a grande quantidade de denúncias que envolveram membros do governo federal, Partido dos Trabalhadores e demais lideranças de partidos da base de governo nos últimos dois anos, culminando em atos representativos contrário ao governo federal, iniciados simbolicamente no dia 15 de março de 2015, instaurando um novo processo de desgaste de imagem de governo, sendo necessária estratégias de comunicação e uso de programas como “Mais Médicos” como um dos alicerces de fomento pré-eleições de 2018. REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. Sociedade em Rede. Paz e Terra: São Paulo, 1999. ESTADÃO. Brasil supera 200 milhões de habitantes em 2013. Disponível em <www.estadao.com.br/noticias/politica/brasil200mi>. Acesso em 18.fev.2014. FAUSTO, Sergio. Estadão Opinião. Eleições 2014. Disponível em <http:// www.estadao.com.br/noticias/impresso,eleicoes-2014,1129795,0.htm>. Acesso em 18.fev.2014. PORTALDASAUDE. Mais médicos para o Brasil, mais saúde para você. Disponível em <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/ acoes-e-programas/mais-medicos/mais-sobre-mais-medicos/5953-como-funciona-o-programa>. Acesso em 18.fev.2014. PORTAL IG. O que não deu certo no Fome Zero? Disponível em <www. ig.com.br/ultimominuto/politica/oquenaodeucertodepoisdeumadecada>. Acesso em 18.fev.2014. PORTAL ISTOE. Médicos cubanos recebidos no Brasil. Disponível em <www.portalistoe.com.br/mundo/saude/maismedicoseapolemicadomaismedicos>. Acesso 10.mar.2014. 1029 RICHTER, André. Maioria do TSE nega registro para a Rede Sustentabilidade. 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CELSI BRÖNSTRUP SILVESTRIN (UFPR) |1| A COMUNICAÇÃO COM A COMUNIDADE COMO ESTRATÉGIA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: A EXPERIÊNCIA DA USINA HIDRELÉTRICA BARRA GRANDE Luisa Arvani Marques1, Rafaela Defreyn Fernandes2 e Cristiane Maria Riffel3 RESUMO O relacionamento com as comunidades é fundamental para as empresas. Por meio da comunicação com esse público é possível evitar crises e construir boa imagem. O objetivo geral do estudo foi analisar como a Usina Hidrelétrica Barra Grande utilizou a comunicação como uma estratégia com as comunidades do entorno. Os objetivos específicos foram verificar a contribuição da comunicação nas estratégias de relacionamento com a comunidade; entender como a empresa utiliza a comunicação com a comunidade como política de responsabilidade social. Os dados sobre o tema foram levantados por meio de pesquisa bibliográfica, e os da empresa por pesquisa documental e entrevista. A partir da pesquisa constatou-se que a organização utilizou estratégias de informação e diálogo com a comunidade na fase Estudante de Graduação do 6º período do Curso de Comunicação Social – Relações Públicas da Univali, e-mail: lu_marques93@hotmail.com 1 Estudante de Graduação do 6º período do Curso de Comunicação Social – Relações Públicas da Univali, e-mail: rafa.defreyn@hotmail.com 2 Mestre em Extensão Rural (UFSM-RS), Bacharel em Comunicação Social – Hab. em Relações Públicas (UFSM-RS). Atua como docente nos cursos de Relações Públicas e Pós Graduação em Comunicação Empresarial da Univali, e-mail: crisriffel@univali.br 3 de implantação. Para manter o relacionamento, permaneceu com algumas estratégias e acrescentou outras após o início da operação. Palavras-chave: Comunicação; comunidade; relacionamento; Relações Públicas; usinas hidrelétricas. 1 INTRODUÇÃO A implantação e atuação de organizações em comunidades modifica a rotina do ambiente em aspectos econômicos, sociais e ambientais. É necessário que haja diálogo e interação entre a empresa e os moradores. Dessa forma é possível minimizar conflitos, criar relacionamentos e fortalecer a imagem institucional. A relação entre organizações e a comunidade é uma preocupação da atividade de Relações Públicas. Por sua vez, a comunicação com esse público deve ser vista pela empresa como uma estratégia de Responsabilidade Social. De acordo com o Instituto Ethos (2001) é necessário que as empresas se vejam como agentes transformadoras das sociedades em que estão inseridas. Não se baseando apenas em ações pontuais, mas sim em estratégias contínuas objetivando a troca de informações e diálogo. A construção de usinas hidrelétricas gera impactos e muitas vezes implica no deslocamento da população. O processo de reassentamento pode ser tenso e as vezes conflituoso. Para evitar embates e seguir a legislação imposta pelo Plano Básico Ambiental (PBA), as usinas hidrelétricas utilizam estratégias de comunicação com a comunidade. Em razão do crescimento do setor elétrico brasileiro, se definiu o tema da comunicação com a comunidade no âmbito das usinas hidrelétricas. A Usina Hidrelétrica Barra Grande é uma das maiores usinas em operação em Santa Catarina. Os impactos sociais, econômicos e ambientais que gera na localidade em que está instalada despertaram o interesse das acadêmicas. Neste sentido, a pergunta de pesquisa que orientou o estudo foi: a Baesa Energética Barra Grande S.A utilizou a 1033 comunicação como uma estratégia no seu processo de relacionamento com as comunidades do entorno da Usina Hidrelétrica Barra Grande? O estudo teve como objetivo geral analisar de que forma a Baesa utilizou a comunicação com uma estratégia de relacionamento com as comunidades do entorno da usina. Buscou verificar por meio de pesquisa bibliográfica a importância da comunicação nas estratégias de relacionamento com a comunidade. Procurou também mapear as estratégias de comunicação utilizadas pela Baesa na sua relação com a comunidade nas fases de implantação e operação da usina. Além de entender de que forma a empresa utiliza a comunicação com a comunidade como uma política de responsabilidade social. Caracterizou-se como pesquisa aplicada, de caráter exploratório e abordagem qualitativa. O método de coleta de dados para reunir informações sobre o tema foi a pesquisa bibliográfica. Para coletar informações sobre a Baesa foi feita pesquisa documental com relatórios, flyers, o site e outros documentos disponibilizados pela empresa. Além disso, foram feitas duas entrevistas pessoalmente com o Coordenador de Comunicação Social da Baesa, Sr. Rafael Masseli e a Coordenadora de Projetos Sociais da Baesa, Sra. Aline Serafini. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A preocupação com o estudo das Relações Públicas com a comunidade4 no Brasil se fortaleceu a partir da década de 80. Até então, as relações das empresas com as comunidades não eram consolidadas, se resumiam a reivindicações frente aos problemas ambientais decorrentes dos processos industriais. A competitividade do mercado e a preocupação com a reputação elevou a necessidade de se ter bons relacionamentos na comunidade em que a empresa está instalada (Peruzzo, 1999). Com os impactos gerados pelas organizações, se intensifica nos anos 80 uma preocupação com assuntos referentes aos indicadores éticos das empresas e à responsabilidade social empresarial. Na visão de Para Peruzzo (2002) “o termo “comunidade” pode ser usado como sinônimo de sociedade, organização social, grupos sociais ou sistema social. Para designar segmentos sociais, grupos de interesse afins e caracterizar agrupamentos sociais situados em espaços geográficos”. 4 1034 Nogueira e Schoemmer (2009, p. 16), a prática de responsabilidade social remete ao comportamento ético da organização com seus públicos de interesse, em uma perspectiva de longo prazo, em processo contínuo. No processo de relacionamento com a comunidade, a comunicação é fundamental. De acordo com Brito (2009, p.1), “a comunicação entre empresa e comunidade pode ser um instrumento instituinte de cidadania e de fortalecimento da responsabilidade social de uma organização econômica”. Para estabelecer uma comunicação eficaz é necessário o uso de conhecimento científico. Segundo França (2004, p. 3-9) as Relações Públicas “atuam como técnica (...) para perceber as realidades da sociedade/organização, criando canais adequados para viabilizar trocas”. Para a atividade das Relações Públicas, de acordo com Peruzzo (1999, p.4) “a comunidade é considerada um dos públicos das organizações, ao lado de vários outros tais como empregados, imprensa, fornecedores, consumidores e etc”. A importância do bom relacionamento com a comunidade é destacada de forma a colocá-la junto dos consumidores. Por isto, a concepção de comunicação com a comunidade está ligada à definição de uma política de responsabilidade social. Segundo o Instituto Ethos5 (Ethos, 2013, p. 78) Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresarias compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. Essas preocupações com a ética, transparência e sustentabilidade não ocorrem apenas por uma visão de que é necessário amparo aos públicos e ao meio ambiente. Estão diretamente ligadas aos objetivos e estratégias de marketing da empresa (Peruzzo, 1999). Elas auxiliam na O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social é uma Oscip cuja missão é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável. 5 1035 construção da imagem e reputação da mesma perante seus públicos de interesse, além de minimizar os conflitos e evitar crises. Tradicionalmente, as estratégias de relacionamento com a comunidade têm sido em apoio às causas comunitárias, considerando problemas eminentes e relevantes para o funcionamento das empresas. De acordo com Lima (2002, p.116) existem duas formas para uma organização apoiar a comunidade. De forma assistencialista ou paternalista, com a doação independente sem necessidade de periodicidade; ou de forma cidadã ou pró-ativa, quando a empresa se envolve com a comunidade e busca atender seus objetivos. Neste caso, a empresa atua como agente social na transformação da comunidade em que está inserida. A forma cidadã e pró-ativa é considerada a mais efetiva e deve ser buscada pelas empresas. Ela irá possibilitar o estreitamento da relação entre as organizações e a comunidade em que está inserida. De acordo com Rossetti (2007, p.251) Somente aquelas que têm o relacionamento com a comunidade como um de seus valores e como parte de sua cultura é que efetivamente conseguem um diálogo enriquecedor e permanente com a sociedade. A atuação social deve ser elevada definitivamente ao status de componente estratégico das empresas, como uma filosofia administrativa aplicada e praticada por todos os níveis que as constituem. Para firmar um relacionamento contínuo com a comunidade, a empresa deve fazer uma análise de território e mapear de que forma sua atuação irá impactar a região. Com a pesquisa, um diagnóstico será obtido e virá a possibilidade de avaliar os danos e estrategicamente, desenvolver ferramentas para solucioná-los. Deve-se levar em consideração que mesmo dentro do público “comunidade”, as vezes é necessário fazer segmentações. 2.1 A COMUNICAÇÃO COM A COMUNIDADE De acordo com Peruzzo (1999, p.9) existem três diferentes grupos de público no nível comunitário, são eles “aqueles constituídos pelos setores organizados da população, universo formado pelos indivíduos dispersos e outras instituições sediadas na região”. Dessa forma é possível 1036 perceber características específicas de cada segmento, que agem de acordo com sua situação habitacional, vínculos, instalação em determinada região por motivos adversos ou organização da comunidade entre si. Em casos de obras ou reformas, de acordo com Almeida e Paula (2006, p. 266) os públicos que necessitam de atenção são “a comunidade envolvida diretamente; lideranças comunitárias formais, informais e não-governamentais; entidades ambientalistas; setores governamentais; imprensa; dirigentes e equipes técnicas e operacionais da empresa responsável pelo projeto”. Isso difere a maneira de relacionamento com esses determinados públicos e requerem um tratamento específico. Classificado por França (2008, p. 64) como “tipo de relacionamento social”, a comunidade necessita de uma estratégia comunicacional eficiente. Ainda de acordo com França (2008, p. 66) o “apoio das forças da comunidade, convivência harmônica, colaboração, confiança e satisfação”, é possível por meio da comunicação. Para se manter um bom relacionamento entre empresa e a comunidade é fundamental o diálogo entre ambos. A partir desse contexto, ruídos são gerados e complicações funcionam como barreiras para o relacionamento entre esses públicos. Em razão desse julgamento, é estritamente necessário a implantação de comunicação estratégica que vise minimizar embates com a população (Locatelli, 2012). Na construção da relacionamento com a comunidade, a empresa pode utilizar meios de comunicação massivos e dirigidos. De acordo com Cesca (2006, p. 38) os veículos de comunicação de massa – rádio, tv, jornal - “são aqueles capazes de levar a um grande número de pessoas, rapidamente, uma mensagem, atingindo diferentes públicos de forma indistinta e simultânea”. Ainda de acordo com Cesca (2006, p. 38), os veículos dirigidos - orais, escritos, aproximativos e auxiliares - contribuem para “conduzir informações e estabelecer comunicação limitada, orientada e frequente com um número selecionado de pessoas homogêneas e conhecidas”. Neste sentido, Almeida e Paula (2006) indicam que as estratégias de comunicação que podem auxiliar nesse processo são: placas de sinalização; estande de informações; circulares com informações ágeis; cartazes informativos; palestras; visitas e encontros com lideranças; folheto; vídeo e pasta informativa; catálogos e fichas para informações complementares; cartilhas e/quadrinhos para serem utilizadas em atividades didáticas 1037 com crianças; apoio a iniciativas da comunidade e campanha institucional. Esses meios são eficientes como facilitadores para divulgação de informações e fortalecimento do relacionamento com a comunidade, de forma a firmar laços de confiança e credibilidade para ambos. Desta forma o relacionamento se efetivará por meio de comunicação eficiente e também por investimentos em projetos sociais6. Pode-se relatar que a organização desses processos estratégicos envolve a essência da atividade das Relações Públicas. Facilitar o relacionamento entre públicos, minimizar ruídos e fortalecer a reputação da empresa são atribuições da atividade. Esse trabalho é essencial para que a empresa atinja seus objetivos e mantenha a imagem positiva na comunidade (Grunig; Ferrari;França, 2009). 2.2 A EXPANSÃO DAS USINAS HIDRELÉTRICAS A construção de meios geradores de energia elétrica veio com a necessidade das sociedades em ter energia. Várias fontes para a geração foram adotadas ao longo dos anos: a força dos ventos, radiação solar, queima de materiais, energia nuclear e proveniente da força d’água. O Brasil começou a produzir energia a partir da lenha e do carvão. Em 1883, passou a explorar seus rios devido à riqueza natural do país (Locatelli, 2011). No início do século XX, a construção de usinas hidrelétricas teve um forte impulso. Isto porque, segundo Castro (2004) “em 2001, o setor enfrentou uma crise de oferta que impôs, a todo o país, racionamento com corte compulsório de 20% na demanda de eletricidade”. A partir de então foi observada a necessidade da construção de novas usinas geradoras e um salto na produção de energia (Locatelli, 2011). A preocupação com o relacionamento com a comunidade é um dos fatores que integra os Indicadores Ethos (2013). Algumas questões levantadas são: a elaboração de comitês com a participação de líderes locais, reconhecer a comunidade como parte importante em seus processos decisórios, participar da discussão de problemas comunitários, contribuir com melhorias na infraestrutura que possam ser usufruídas pela comunidade, possuir indicadores para monitorar os impactos causados por suas atividades na comunidade. 6 1038 Hoje, de acordo a Aneel (2014), existem 1.140 empreendimentos de fonte hidrelétrica em funcionamento no Brasil, o que corresponde a 87.968.987 KW. São ainda mais 43 em construção com potência de geração de 14.466.003 KW e 193 outorgados. Desta forma, de toda a capacidade de energia elétrica no Brasil, 67,02% são provenientes de hidrelétricas. Em Santa Catarina, ainda conforme a Aneel (2014), existem atualmente 189 usinas hidrelétricas de diferentes portes em funcionamento o que corresponde a 82,54% da energia gerada. Além de sete em construção com potência total de geração de 173.045 KW, e mais 31 outorgadas com potência total de 506.042 KW. A construção de usinas de qualquer porte e fonte implica em grande impacto ambiental e social. Isto porque a implantação requer um desvio do rio ou construção de grandes reservatórios. Por necessitarem de um alagamento de grandes áreas para a estocagem de água, a construção de Usinas Hidrelétricas de Energia implica geralmente na remoção de comunidades e alterações na fauna e flora (CERPCH, 2011). Uma das legislações que devem ser seguidas pelas empresas concessionárias para a construção de usinas hidrelétricas é o Plano Básico Ambiental. Ele determina como obrigação a criação e execução de estratégias de comunicação com as comunidades atingidas pela construção de usinas. As empresas que não cumprem o plano podem ter suas obras paralisadas ou inviabilizadas (Locatelli, 2011). 2.3 A BAESA A Baesa Energética Barra Grande S.A é um consórcio formado pelas empresas Alcoa, CPFL Geração, Companhia Brasileira de Alumínio (Votorantim), InterCement (Camargo Corrêa Cimentos) e pela DME Energética. Esse consórcio foi autorizado a construir e operar a Usina Hidrelétrica de Barra Grande (Masseli, 2014). A usina de Barra Grande é localizada no rio Pelotas entre os municípios de Anita Garibaldi em Santa Catarina, e Pinhal da Serra no Rio Grande do Sul. As obras de construção da usina iniciaram em junho de 2001 e a operação em novembro de 2005. A construção envolveu o trabalho de 3.000 empregados diretos e 2.000 indiretos. Segundo informações do site, a usina possui um reservatório com área total de 94 km² que ocupa parcialmente os municípios de Anita 1039 Garibaldi, Cerro Negro, Campo Belo do Sul, Capão Alto e Lages em Santa Catarina e Pinhal da Serra, Esmeralda, Vacaria e Bom Jesus no Rio Grande do Sul. De forma geral, essas comunidades de acordo com Masseli (2014) são formadas por famílias de agricultores. A produção agrícola é baseada na produção de leite, na fruticultura, no artesanato, na apicultura e na criação de galinhas caipiras. A potência instalada da Usina Hidrelétrica Barra Grande é de 690 MW, o que de acordo com dados da Baesa (2014), é suficiente “para atender ao equivalente a 30% da demanda catarinense ou a 20% do total de energia consumida no Rio Grande do Sul”. Isso mostra a importância da instalação da usina para os dois estados. 3 METODOLOGIA A metodologia da pesquisa tem como fim classificá-la quanto à sua natureza, abordagem, objetivos e procedimento de coleta de dados. A referida pesquisa se enquadra no âmbito de pesquisa aplicada. Quanto ao seu objetivo, o estudo em questão baseia-se na pesquisa exploratória, que segundo Dias (2000), tem como fim “estimular o próprio pensamento científico, por meio da concepção mais aprofundada de um problema e da geração de novas ideias ou hipóteses”. Quanto a abordagem a pesquisa é qualitativa que, segundo Luz (2001, p. 104) “envolve uma abordagem interpretativa, naturalista de seu objeto, (...) tentando dar-lhes sentido ou interpretá-los em termos dos significados que as pessoas atribuem a eles”. Buscou-se compreender a realidade da comunicação da Baesa com os atingidos pelas barragens durante a construção da hidrelétrica até os dias atuais. Quanto aos métodos de coleta de dados foram utilizadas a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e entrevistas estruturadas. Para adquirir informações sobre o tema foi feita uma pesquisa bibliográfica. Para reunir dados da empresa realizou-se uma pesquisa documental, foram utilizadoscomo fonte: documentos, relatórios, o site, flyers e outros materiais disponibilizados pela mesma. Com o intuito de conhecer os trabalhos da empresa realizados com a comunidade, utilizou-se a técnica de entrevista estruturada, com perguntas referentes às estratégias de comunicação da empresa nos períodos de implantação e operação e como ocorrem as ações 1040 de Responsabilidade Social. A entrevista estruturada, para Lakatos; Marconi (1991, p.196) “trata-se de uma conversação efetuada face a face”. Ela foi realizada pessoalmente com o Sr. Rafael Masseli, jornalista e Coordenador de Comunicação Social da Baesa no dia 30 de setembro de 2014, na Sede Administrativa da Baesa, em Florianópolis e teve a duração de 3 horas. Uma segunda entrevista foi realizada com a Sra. Aline Serafini, turismóloga e Coordenadora de Projetos Sociais da Baesa, realizada no mesmo local no dia 14 de outubro de 2014 e teve a duração de 50 minutos. 4.1 ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO COM A COMUNIDADE Uma política de relacionamento com a comunidade7 é fundamental no processo de instalação de uma usina hidrelétrica, além de ser uma obrigação de acordo com o Plano Básico Ambiental. Isto porque muitos são os impactos gerados, em especial a realocação das pessoas, pois é necessária a evacuação dos locais onde o lago será formado. Neste processo, a empresa construtora tem como dever legal dar respaldo para essas pessoas, as reassentando. São oferecidas duas possibilidades: a carta de crédito e o reassentamento rural. Na carta de crédito, a empresa avalia o terreno e a casa do morador e oferece um valor de mercado. No reassentamento rural é construída uma nova comunidade, uma espécie de vila em um novo local. No caso da Baesa foram construídos sete reassentamentos rurais, que incluíam igrejas, ginásios, casas, lavouras e demais estruturas necessárias para os moradores remanejados (Masseli, 2014). A fase dos reassentamentos foi um processo delicado, que gerou tensões e conflitos entre a empresa e a comunidade. De acordo com Masseli (2014), os moradores da área que seria ocupada pelo lago, moravam lá há anos e as casas e terrenos passaram de geração para geração. De acordo com o site, a Baesa entende que a comunidade são os 9 municípios do entorno da usina: Anita Garibaldi, Cerro Negro, Campo Belo do Sul, Capão Alto e Lages, no estado de Santa Catarina, e Pinhal da Serra, Esmeralda, Vacaria e Bom Jesus, no estado do Rio Grande do Sul. Não apenas as famílias reassentadas, mas a população das cidades como um todo. É considerado um stakeholder estratégico para a empresa. 7 1041 Eram terras que tinham um grande valor sentimental. Alguns não receberam bem a notícia de que teriam que se mudar. A insegurança e incerteza por parte dos moradores colocou o trabalho da empresa em xeque. Para garantir os direitos dos que são deslocadas para a construção de usinas, existe uma organização denominada Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). O MAB (2014) é um “movimento popular, reivindicatório e político (...) em defesa dos direitos dos atingidos e atingidas (...)”. De acordo com Masseli (2014), por ser formado por pessoas da comunidade e líderes de opinião regional, o MAB possui uma força de comunicação maior que a empresa. Por ser um público que age diretamente na relação comunidade versus empresa, foi fundamental manter diálogo com o MAB para negociar e evitar crises. 4.1.1 Fase da implantação Para comunicar a comunidade do entorno da usina acerca dos procedimentos necessários para sua implantação, as consequências da obra e os benefícios que ela iria trazer para a região, foram utilizadas estratégias de comunicação. Com o objetivo informar e aproximar a empresa dos atingidos. Para ter acesso à comunidade, uma equipe de profissionais foi estabelecida, com engenheiros, biólogos e assistentes sociais, liderada pelo Coordenador de Comunicação, Rafael Masseli. O veículo de comunicação massivo utilizado pela Baesa para se comunicar com a comunidade na fase da implantação foi: • Programetes em rádios locais: Foi elaborado, junto a dez emissoras de rádio da região da usina, um boletim de duas inserções diárias com informações sobre a obra escritas pela empresa. Masseli (2014) destaca que uma pesquisa feita pela empresado revelou que os programetes foram a estratégia mais eficaz para o relacionamento com a comunidade. Os veículos de comunicação dirigidos utilizados pela empresa foram: • Placas indicativas: No perímetro da obra haviam placas indicativas, que informavam os horários de explosões, locais que seriam inundados e outras informações pertinentes. • Centrais de Atendimento Permanente (CAP): Foram im1042 plantadas no período das obras duas centrais de atendimento ao público. Uma em Pinhal da Serra - RS e outra em Anita Garibaldi - SC. O departamento de comunicação recrutou duas moradoras de cada município que tinham conhecimento das regições como responsáveis de cada central. As funcionárias auxiliavam na apresentação da empresa, exibindo a maquete da usina, fotos e flyers, antes das visitas. • Programa de visita às instalações: Possibilitava que a comunidade visitasse a usina durante as obras. O público conhecia as instalações, sistema de segurança e equipamentos. Segundo Masseli (2014), eram realizadas cerca de 20 visitas por mês, o que foi essencial para estreitar o relacionamento com a comunidade. • Cartazes de banners informativos: Eram produzidos cartazes para os CAPs e banners para os eventos que a empresa participava. • Folders: Foram elaborados folders com informações diversas sobre a usina e ilustravam os processos da obra. Eram entregues nas visitas e reuniões. • Visitas e encontros com lideranças: Eram levados materiais como imagens e vídeos sobre o funcionamento da estrutura da obra. As reuniões aconteciam em galpões ou salões paroquiais, para um grande número de pessoas. Masseli (2014) relata que era necessário fazer mais de uma visita em cada comunidade, para sanar dúvidas e firmar o relacionamento. • Assessoria de imprensa: Eram produzidos e enviados releases aos jornais de maior abrangência da região. A maioria dos acontecimentos eram relatados à imprensa, com intuito de gerar credibilidade para a empresa, torná-la conhecida e bem vista. • Eventos: Na época de festas nos municípios, a empresa montava um estande com vídeo e folders para distribuição. • Caixa de sugestões: Foi implantada uma caixa de sugestões para a comunidade. Porém, segundo Masseli (2014), apenas pequena parcela da comunidade participava. 1043 Pôde-se observar que no período da implantação, a Baesa usou também como estratégia de aproximação com a comunidade a compensação dos impactos e investimento em obras para as cidades. Agindo como transformador no local, concordando com o Instituto Ethos (2001). Foram construídos postos de saúde e policiais, feitas reformas de ambulâncias, adquiridos computadores e veículos para a Polícia Civil, ampliadas de creches, entre outros. Analisando as estratégias na fase da implantação é notável o envolvimento da empresa com a comunidade nesse período. A Baesa se preocupou em cumprir o papel social e a obrigação legal com os atingidos de diferentes maneiras, utilizando ações que alcançassem o maior número de envolvidos, relacionando à ideia de Brito (2009), como a empresa instituindo práticas cidadãs. Porém, deve ser ponderado que a situação é extremamente delicada para a empresa e a comunidade afetada, ocasionando tensão entre ambas. 4.2 FASE DA OPERAÇÃO A Usina Barra Grande entrou em operação no dia 1 de novembro de 2005. De acordo com Masseli (2014) há uma crença em regiões de construção de usinas, de que quando o lago começa a se formar, a empresa deixa de investir na comunidade. Segundo ele, a Baesa continuou com os investimentos em comunicação e projetos sociais como posicionamento. Os veículos de comunicação massivos utilizados pela Baesa na fase de operação são: • Programetes em rádios locais: A empresa continuou com os programetes de rádio até o ano de 2011. Após pesquisa de opinião realizada na comunidade, foram suspensos. • Site: Produzido em 2008 o site possui o maior número possível de informações sobre a empresa. De acordo com Serafini (2014), tudo o que a empresa produz é disponibilizado no site. É visto como uma estratégia para os acionistas e visitantes já que a comunidade do entorno tem acesso limitado à internet. Os veículos de comunicação dirigida utilizados pela empresa na fase de operação são: 1044 • Placas indicativas: As placas de sinalização ainda são utilizadas pela empresa. Guiam os visitantes da usina e passam informações de segurança. • Centrais de Atendimento Permanente (CAP): Ainda estão em funcionamento, prestando atendimento para a comunidade e os visitantes. • Programa de visita às instalações: A empresa continua com seu programa de visitas às instalações da usina. Recebe cerca de quatro grupos por mês - geralmente compostos por acadêmicos e professores. Os agendamentos das visitas são feitos por e-mail. • Informativo: A empresa produz um informativo mensal desde 2006. A publicação possui quatro páginas e é postada no site da empresa e entregue aos moradores do entorno. Contém informações sobre eventos e ações sociais apoiados pela empresa, visitas realizadas à usina, prêmios, cursos oferecidos e outras informações relevantes. • Cartazes e banners informativos: A empresa deu continuidade aos cartazes em eventos como forma de registrar presença e aos banners nos CAPs. • Folders: São produzidos folders explicando as instalações da usina e outro com as ações sociais desenvolvidas. O primeiro mostra a estrutura da usina, o segundo aborda temas como a sustentabilidade, a memória do local e o desenvolvimento regional. • Vídeo: A empresa possui um vídeo institucional que já foi atualizado três vezes e um vídeo briefing que é passado para os visitantes da usina. • Cartilhas e quadrinhos: Foi produzida uma história em quadrinhos para ser usada em atividades didáticas com as crianças. Possui informações e orientações básicas sobre o Plano de Conservação Ambiental e de Usos do Reservatório da Usina Hidrelétrica de Barra Grande. • Palestras: São organizadas palestras, especialmente de capacitação das entidades na elaboração de projetos de Responsabilidade Social a serem enviados para a empresa. 1045 • Visitas e encontros com lideranças: As visitas às comunidades permaneceram. São marcadas com as comunidades para discutir assuntos relacionados à atuação da empresa. • Assessoria de imprensa: Continua sendo uma estratégia utilizada pela empresa. • Apoio a iniciativas da comunidade: Além dos projetos enviados pela comunidade para os programas de Responsabilidade Social, a empresa apoia financeiramente eventos de datas comemorativas nas cidades. • Relatórios: São produzidos e disponibilizados no site os Relatórios de Sustentabilidade ( feito no modelo GRI) e Relatórios de Administração. Segundo Serafini (2014), para a empresa produzir o Relatório de Sustentabilidade é feita uma consulta pública para as pessoas dizerem o que acham interessante constar no relatório. De acordo com Masseli (2014), a empresa foi a primeira do setor elétrico a produzir os Relatórios de Sustentabilidade. • Eventos: A empresa apoia financeiramente eventos como os aniversários dos municípios, festa do Divino Espírito Santo, Festa do Pinhão e outras. • Publicações: São produzidas publicações como o edital do Programa de Conservação da APP, informativo do Programa Economize o Planeta,Catálogo de Produtos Artesanais da região, cartilha de Capacitação para Projetos Sociais 2014, Código de Ética e Conduta Empresarial, o Plano de Conservação Ambiental e Usos da Água e do Entorno do reservatório; o Case Barra Grande que registra a relação dos moradores do entorno com a hidrelétrica; cartilha do Programa de Responsabilidade Socioambiental. • Projetos sociais: A empresa possui seis linhas de atuação com os projetos sociais - geração de renda, crianças e jovens, cultura (através da Lei de Incentivo à Cultura – Lei Rouanet), esporte, meio ambiente e terceira idade. De acordo com Serafini (2014), os projetos sociais chegam até a empresa como sugestão da comunidade do entorno e também de outros estados do país e passam por um processo de avaliação. Os que beneficiem a comunidade do entorno da usina possuem prioridade. De acordo com Serafini (2014), a continuidade dos projetos é determinada 1046 pela demanda, sendo que alguns existem desde 2009 e outros são pontuais. O que se pode verificar é que as estratégias de comunicação com a comunidade, de acordo com Masseli (2014), fizeram a Baesa se tornar uma referência no setor elétrico brasileiro. Segundo Serefini (2014), a empresa optou por fornecer as informações aos seus públicos de maneira acessível e transparente. Enfatiza que sem a comunicação com a comunidade não seria possível desenvolver os projetos de Responsabilidade Social. A comunicação é realmente uma preocupação e estratégia da empresa. A Baesa possui muitos veículos de comunicação dirigida com a comunidade acerca da usina. Entretanto, em sua maioria, são estratégias informativas, e não de diálogo. Apesar de não ser uma obrigação legal a continuidade com os programas de comunicação, a prestação de contas é uma obrigação moral para com os que estão ao redor. É o papel social básico das empresas que geram grandes impactos, como as usinas hidrelétricas. A continuidade das ações mostra que a comunicação com a comunidade é um valor da empresa. E que de acordo com Rossetti, é uma estratégia utilizada para conquistar um diálogo enriquecedor e permanente com a sociedade impactada. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após o estudo foi possível concluir que as empresas geradoras de impactos nas comunidades em que estão inseridas devem estruturar ações de relacionamento com esse público. A comunicação deve ser planejada de forma que a comunidade seja vista como um público estratégico para as organizações. É necessário construir e manter um bom relacionamento, gerar imagem positiva e evitar crises com esse stakeholder. Além disso, informar e manter diálogo com a população é um papel social e, às vezes, legal das empresas. Com análise da experiência da Baesa, foi possível observar o investimento realizado na comunidade como estratégia de responsabilidade social. Foram realizadas obras e aquisições de equipamentos para a cidade, mas houve também preocupação com a comunicação. Além de cumprir seu papel legal, de acordo com o Plano Básico Ambiental, de informar os reassentados e a comunidade do entorno na fase da implan1047 tação, a empresa continuou com alguns de seus projetos e criou novos após o início das operações da usina. A usina utilizou algumas das estratégias recomendadas por Almeida e Paula (2006). Na fase da implantação, foram utilizadas estratégias de comunicação para informar e dialogar com os moradores. De acordo com o pensamento de Cesca (2006), a empresa utilizou muitos veículos de comunicação dirigida para se relacionar com a comunidade. Mesmo utilizando alguns veículos de massa, enfocou a comunicação direta. Tal fato ressalta a importância dada pela Baesa para o relacionamento direcionado com este público. Foi possível fazer um parâmetro entre as atitudes da empresa e os Indicadores Ethos de Responsabilidade. A Baesa organizou comitês na fase de implantação, fez melhorias na infraestrutura, utiliza os incentivos fiscais para apoiar projetos, e convida a comunidade a participar de alguns processos, como o Relatório de Sustentabilidade. Um aspecto que chamou a atenção durante a pesquisa foi a estrutura de comunicação da Baesa. Formada por apenas um profissional que coordena o setor e produz diversos materiais, acaba por concentrar muitas atribuições. Pelo porte da empresa, um departamento tão enxuto é um fator a ser considerado. A execução do estudo não obteve limitações, pois a empresa se mostrou disposta a colaborar com informações sobre sua experiência. Para futuros estudos, sugere-se uma pesquisa sobre o ponto de vista da comunidade atingida em relação à empresa nos dias atuais. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Ana Luisa de Castro; PAULA, Maria Aparecida. Relações Públicas com as Comunidades: importância e programas de ação. IN: KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Obtendo resultados com relações públicas.2 ed. VER. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006. ANEEL,Agência Nacional de Energia Elétrica. Banco de informações de geração. Disponível em: <www.aneel.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2014. BAESA. Usina Hidrelétrica Barra Grande. Disponível em: <http:// www.baesa.com.br/baesa/> Acesso em: 1. set. 2014. 1048 BRITO,Walderes. Empresas Responsáveis e Comunidades Cidadãs: responsabilidade social sob o crivo da comunicação pública. IN: ABRAPCORP, 2009, São Paulo. CASTRO, Nivaldo José. O novo marco regulatório do setor elétrico do Brasil. Rio de Janeiro: IFE 1298, IE – UFRJ, 03 de março de 2004. 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Arquivo de áudio. 1051 |2| COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E BARRAGENS: A COMUNICAÇÃO DO CONCESSIONÁRIO NA IMPLANTAÇÃO NA USINA HIDRELÉTRICA DE MACHADINHO (BRASIL) João Paulo Fernandes Silva RESUMO Apresenta resultados de pesquisa monográfica e de projeto de iniciação científica sobre o papel da comunicação organizacional da empresa Machadinho Energética S.A. (Maesa) no processo de implantação da Usina Hidrelétrica de Machadinho, localizada no rio Pelotas, entre os municípios de Piratuba (SC) e Maximiliano de Almeida (RS), Brasil. Foram analisados quatro dos principais produtos de comunicação organizacional elaborados pela Maesa durante o período de construção, entre 1998 e 2002 – o programa de rádio, as reunião com as comunidades atingidas e os releases – com o objetivo de identificar a matriz cognitiva e as condições de visibilidade, discutibilidade e accountability presentes na comunicação do concessionário. O estudo insere-se no projeto de pesquisa “Jornalismo, Comunicação Organizacional e Barragens”, do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC. Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Barragens; Maesa; Usina Hidrelétrica de Machadinho. INTRODUÇÃO É fato notório de que a idealização da corrida pelo desenvolvimento econômico permeia de forma hegemônica os discursos em torno das políticas do setor energético brasileiro. Inegavelmente, a energia é insumo determinante na conquista dos avanços econômicos e sociais. Todavia, na linha apontada por Locatelli (2011), é a partir do momento em que o sonho do desenvolvimento toma forma no mundo da vida que se tem a aporia: de um lado, o ideal de prosperidade generalizada e de progresso de construção coletiva e, de outro, as severas cicatrizes de cunho social e ambiental decorrentes da construção de grandes obras de engenharia como as usinas hidrelétricas. Marcadamente, a implantação de grandes hidrelétricas implica em intensos conflitos, consequência de reassentamentos compulsórios de milhares de famílias em nome do denominado interesse nacional, frequentemente divergente do interesse local. Apesar disso, a tendência é de que a contestação da implantação deste tipo de empreendimento seja rotulada como retrocesso. “A discussão sobre barragens ganhou certo feitio de coisa velha, tanto no campo científico quanto em outros espaços, especialmente diante dos argumentos de que questioná-las significa questionar o próprio desenvolvimento (que seria inquestionável)” (LOCATELLI, 2011, p.21). Todavia, o tema conquistou, recentemente, maior relevância e visibilidade, em especial a partir da controvérsia em torno da construção da Usina de Belo Monte, na bacia amazônica. O fato desta usina vir a se tornar, quando inaugurada, a terceira maior do mundo, centralizou a maior parte da visibilidade midiática da polêmica em torno da implantação de hidrelétricas. Contudo, pouco se debate sobre os outros 161 projetos de geração de energia em construção no Brasil, e tampouco dos 432 que serão iniciados até 2015. Estudo da Empresa Nacional de Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e avalizado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aponta que, para a economia brasileira crescer numa média de 3,7% até 2020 e 4,1% até 2030, deverá ser ampliado em 50% (53.700 MW) o parque gerador existente em 2009. Nessa estimativa, seria necessária a remoção de 100 mil famílias atingidas (EPE, 2007). 1053 Neste tabuleiro de interesses, a comunicação estabelecida entre as empresas executoras dos projetos e seus públicos configura como determinante no transcorrer da implantação de barragens. O caráter público das usinas, alienadas às empresas na forma de concessão de serviços públicos, traz a tona uma série de responsabilidades jurídicas no âmbito da comunicação a nível supraconstitucional, constitucional, regulatório e licenciatório (LOCATELLI, 2011, FARIA 2004). Diante de intensas disputas na esfera pública, acrescida de um panorama de ambiguidade entre os conceitos de público e privado, a comunicação organizacional estabelece influência determinante no transcorrer dos acontecimentos. Por esta razão, e frente à importância adquirida pela estratégia na dinâmica conflito-consenso que marca a construção de barragem e seus conflitos sociais decorrentes, são as estratégias comunicativas do órgão concessionário quando da construção destes investimentos, bem como sua natureza e as modalidades utilizadas, fundamentalmente, o fio condutor da investigação aqui proposta. Para tanto, será analisado o caso da construção de uma destas barragens, a Usina Hidrelétrica de Machadinho, implantada entre os anos de 1998 e 2002 na divisa entre as cidades de Piratuba, em Santa Catarina, e Maximiliano de Almeida, no Rio Grande do Sul. CAMINHOS DA PESQUISA Optou-se como moldura teórica para construção desta pesquisa o conceito de esfera pública de Jürgen Habermas, a partir da análise de Gomes (2008), percorrendo a evolução de sua obra, destacadamente a partir dos textos Mudança Estrutural da Esfera Pública, Teoria do Agir Comunicativo e Direito e Democracia, até a gênese do campo da democracia deliberativa. A comunicação organizacional é pensada na linha de autores que privilegiam seus aspectos cognitivos, semiológicos, discursivos e sociopolíticos. Considera-se enquanto definição de comunicação um “processo de construção e disputa de sentidos” (BALDISSERA, 2004 p.128), transpondo-o para o contexto das organizações, buscando assim protagonizar o papel dos sujeitos na ressignificação cotidiana e permanente dos elementos semióticos correntes. A partir dessa visão subjetiva e discursiva, busca-se trabalhar com autores que reivindicam um papel mais 1054 democrático da comunicação nas organizações (DEETZ, 2010; WEBER, 2001; LOPEZ, 2011). Partindo-se deste entendimento, traça-se uma diferenciação de dois papeis distintos adotados pela comunicação organizacional. Um deles está inclinado a um comportamento de proteção de interesses privados, ordenando o discurso de acordo com uma intencionalidade mais persuasiva e menos dialógica, o qual nomeia-se “comunicação estratégica”. O segundo prioriza um entendimento da comunicação enquanto cooperação, na linha do que Maia (2006) denomina “interação transformativa”, buscando ser “responsivo às objeções do outro, de promover respostas às suas demandas e considerar suas preocupações” (MAIA, 2006, p.161), ao qual referimo-nos como “comunicação pública”. O conceito e a evolução histórica da ideia de desenvolvimento foram observados a partir da reflexão de Pase (2012) e sua transposição para o campo ambiental, com os conflitos sociais daí decorrentes, e a partir da análise de Zhouri e Laschefski (2010). As definições de espaço e território são consideradas a partir da leitura de autores como Milton Santos e Claude Raffestin realizada por Rocha (2012) e Locatelli (2011), cujo resgate do conceito de “ideologia das barragens” também foi utilizado. A revisão bibliográfica de estudos atuais sobre comunicação e barragens mostrou-se restrita, e considerou trabalhos que analisam a comunicação realizada nestes processos em seu sentido mais amplo e partindo de todos os atores envolvidos. A metodologia utilizada é o estudo de caso (Yin, 2001), com análise crítica de discurso (Fairclough, 2008), que propõe um modelo socioteórico na análise e interpretação de discursos orientados linguisticamente sob um modelo de análise tridimensional, no qual um evento discursivo é tratado enquanto texto, prática discursiva e prática social. Neste sentido, utiliza-se um quadro analítico proposto por Locatelli (2011), no qual busca-se localizar, a partir dos argumentos dos textos, os enquadramentos e a matriz cognitiva subjacentes (MAIA, 2009) e, a partir disso, as condições de visibilidade, discutibilidade e accountability. Integra o material empírico da pesquisa uma vasta amostra de documentos do arquivo da Maesa, referentes ao Programa 9 do Plano Básico Ambiental (PBA), destinado à comunicação social. Ela é composta de um total de 27 documentos, totalizando mais de 2.000 páginas, 1055 entre relatórios, arquivo de produtos de comunicação, documentos internos, faxes, e-mails, contratos, projetos, planos, propostas comerciais e outros. Este material foi utilizado para fazer a análise geral do contexto do empreendimento, e específica dos produtos de comunicação mais relevantes no período de construção da usina, cujos resultados apresentam-se a seguir. A USINA HIDRELÉTRICA DE MACHADINHO A Usina Hidrelétrica de Machadinho é um aproveitamento hidrelétrico do Rio Pelotas e está localizada na divisa entre os municípios de Piratuba (SC) e Maximiliano de Almeida (RS). Ao custo de R$1,5 bilhão, a barragem começou a ser construída entre 2 de março de 1998, com o início do enchimento do reservatório em 28 de agosto de 2001 e início da geração em 16 de fevereiro de 2002. A área de abrangência do reservatório compreende ao todo dez municípios. Além dos já mencionados Piratuba e Maximiliano de Almeida, foram atingidos os municípios catarinenses de Capinzal, Zortéa, Celso Ramos, Campos Novos e Anita Garibaldi, e os gaúchos Machadinho, Barracão e Pinhal da Serra (NÉSPOLI; PIZZATO, 2007). O potencial total de geração em Machadinho é de 1.140 MW (três unidades geradoras de 380 MW), equivalentes a 15% da demanda energética de Rio Grande do Sul e Santa Catarina somados. No processo de implantação, 2.076 famílias de 1.272 propriedades rurais atingidas foram reassentadas, aproximadamente 7.000 trabalhadores atuaram na sua implantação, sendo 2.600 diretamente no canteiro de obras no pico das obras, entre agosto e outubro de 2000 (NÉSPOLI; PIZZATO, 2007). A COMUNICAÇÃO DA MAESA Ao que indicam o conjunto de documentos a que a pesquisa teve acesso, a comunicação realizada no período da construção da usina não obedeceu a um único projeto pré-determinado, tendo sido revisado e remodelado periodicamente, com a geração de vários “Planos de Comunicação” em diferentes tempos da obra, adequado aos diferentes diagnósticos realizados ao longo do período. Em cada plano de comunicação realizado pela Del Mondo, era feito um diagnóstico, uma análise do cenário no qual aquela comunicação 1056 seria inserida. Estes diagnósticos apontam para uma opção da empresa por uma comunicação mais comedida e menos intensa, voltada a cumprir compromissos assumidos no EIA/Rima e no Programa 09 do PBA, ante o qual a agência costumava propor condutas mais abertas e pró-ativas no âmbito da comunicação. Os documentos apontam para uma posição de centralidade, no conjunto das ações de comunicação da Maesa, do programa de rádio Usina de Notícias e da assessoria de imprensa com produção de releases e realização de encontros e visitas com jornalistas locais. Esses produtos serão analisados a seguir. Além destes, por conta do caráter estratégico, também integrarão a análise as dinâmicas das reuniões com os atingidos feitas pela empresa. O PROGRAMA DE RÁDIO USINA DE NOTÍCIAS O programa de rádio da Maesa era veiculado em espaços comprados pela empresa em inicialmente 10 rádios da região1, às segundas e quintas-feiras às 7 horas, com edições inéditas apresentadas a cada dia de veiculação. O primeiro dos 193 programas produzidos foi ao ar no dia 26 de abril de 1999. O documento a que esta pesquisa teve acesso compila a transcrição dos roteiros das 100 primeiras edições do programa, equivalentes a um ano de veiculação, aproximadamente. Quanto ao formato, os programas tinham duração média de 5 minutos, iniciando sempre com uma mensagem de saudação aos ouvintes, seguida da vinheta do programa, abrindo assim com o “assunto do dia”. A locução era feita pelo engenheiro agrônomo Ainor Lotário, em linguagem coloquial. Eventualmente a locução é dividida entre Ainor e outra locutora do sexo feminino. É recorrente a utilização de metalinguagem e apelo emocional nas aberturas para descrever o próprio programa com aquele feito “com muito carinho”, “para você que trabalha duro e quer ver a vida melhorar”, “de coração para coração”, “com muita energia” ou “na alegria de viver”. Em algumas edições também defende-se o caráter informativo do programa, enquanto aquele que quer “deixar você semA memória técnica da usina fala em 13 emissoras, dando a entender que o número foi ampliado durante o período de veiculação, mas sem especificar quais seriam estas rádios (NPE-UFSC, 2007). 1 1057 pre bem informado” ou que está “cheio de informações que interessam a você”. Concluída a mensagem principal do programa, segue-se a “dica de energia”, quadro fixo que apresenta orientações voltadas principalmente à economia de energia e prevenções de acidentes com a rede elétrica. Em seguida, o locutor frequentemente convoca os ouvintes para que mandem cartas com dúvidas para Maesa, repassando o endereço da sede da ETS em Piratuba. A deixa final característica do programa é “até o próximo programa se Deus quiser, e ele quer”, reforçando o apelo emocional e religioso. O tema mais recorrente é o reassentamento de famílias atingidas. São apresentadas descrições e informações práticas sobre as modalidades, condições e requisitos para reassentamento e informações sobre o estágio do programa de reassentamento de atingidos na voz do(s) locutor(es) na forma de entrevistas com os técnicos da Measa e da ETS. Outra linha geral dos programas eram as entrevistas com técnicos e autoridades da Maesa e ETS para falar sobre a condução da obra e do PBA, políticos (prefeitos, vice-prefeitos e secretários municipais dos municípios atingidos, secretários de estado, vice-governador, etc.) para falar sobre o impacto da barragem na região, especialistas e pesquisadores contratados para execução dos subitens do PBA. A característica universal destas entrevistas é a matriz discursiva positiva, sempre em tom de reafirmação de aspectos positivos da obra, como se evidencia na entrevista com o Diretor Superintendente da Maesa, Luis Fernando Achá Mercado. Loc: Existe uma preocupação muito grande com relação ao Ser Humano, os cuidados com a segurança do operário no empreendimento e também os afetados pelo reservatório. A empresa quer o bem-estar das pessoas em geral. Como é que funciona essa questão? Achá: Olha, nossa preocupação aqui em Machadinho com o ser humano não é somente na obra, é também no reservatório. Nós colocamos o Ser Humano como a nossa prioridade de atendimento, não adianta a gente querer produzir, construir, se a gente não estiver olhando pelo bem-estar e a satisfação do ser humano, que é nosso grande colaborador e a mola mestra de tudo aquilo que a gente faz. [...] (STUDIO 156, 2000. Usina de Notícias nº81) 1058 Temas potencialmente controversos tendem a ser abordados com superficialidade, ignorando suas interpretações negativas, como no caso da entrevista com o Comandante do 4º Pelotão da 2º Companhia do 2º Batalhão da Polícia Militar de Piratura, Tenente Robson Xavier Nunes, que revela que a Maesa equipou a PM do município. Loc: A Maesa foi parceira nesta obra, para que um novo quartel fosse construído na cidade. Qual a sua opinião sobre essa parceria? Tenente: A Maesa foi fundamental neste processo, pois ela contribuiu com 50% dos recursos para que fosse feito esse pelotão novo, além do que a Maesa sempre está e sempre foi uma grande colaboradora da Polícia Militar local, pois fomos prontamente atendidos quando solicitamos o seu serviço.[...] (STUDIO 156, 2000. Usina de Notícias, nº88) Alguns programas dedicaram-se exclusivamente à defesa da necessidade de implantação do empreendimento na região. Nestes casos, nota-se uma explícita vertente desenvolvimentista e nacionalista, enfatizando o fato de que os transtornos decorrentes da instalação da UHE Machadinho são condição necessária para o crescimento econômico e fortalecimento do Brasil. Loc: Ninguém quer correr o risco de ficar no escuro, não é? Pois bem, recentemente vocês acompanharam aquele apagão que ocorreu na região Sudeste e prejudicou inúmeras famílias. O Brasil é um país rico em energia mas também corre o risco de, dentro de alguns anos, ficar numa situação crítica, pois o consumo crescer a cada dia porque a população cresce, as cidades crescem, novas indústrias são instaladas, enfim... E nós precisamos estar prevenidos para esse aumento de consumo. É como na história da cigarra e da formiga: se ficarmos cantando no verão quando chegar o inverno estaremos passando mal! Vamos trabalhar como as formigas para termos fartura no futuro. [...] (STUDIO 156, 2000. Usina de Notícias, nº16) 1059 Apesar de o programa se declarar interativo, e seguidamente solicitar o envio de perguntas dos ouvintes para a sede Maesa, não há registro de nenhuma resposta de perguntas de ouvintes no programa. A única interação com a comunidade existente na amostra é a reprodução de depoimentos de atingidos satisfeitos com a nova propriedade ou com as ações desenvolvidas pela Maesa. Estes depoimentos são feitos com claro apelo emocional, em tom de convocação aos atingidos para que realizem os acordos com a Maesa. Vinheta emocional (sic) Loc: E agora a participação do coração. Nossa equipe esteve na região e conversou com o senhor Pedrinho Gomes de Oliveira, que é da linha Barro Amarelo e futuro reassentado de Barracão. Pedrinho: Tamo trabalhando todo unido aqui por enquanto, tamo seguindo nosso trabalho, mas prá mim, eu tô contente, tá beleza. Se seguir assim prá frente, melhor ainda. Espero que a gente possa produzir bastante aqui nesse terreno. Eu acho que a gente tem que acreditar e enfrentar. É isso aí que eu tenho prá dizer. Loc: É isso aí seu Pedrinho, tem que acreditar. (STUDIO 156, 2000. Usina de Notícias, nº03) AS REUNIÕES O “Relatório de Reuniões no Reservatório da UHMA” consiste em um documento no qual a ETS (Energia, Transporte e Saneamento S/C Ltda.), consultoria com sede em Florianópolis contratada para execução de itens do PBA (incluindo o Programa 9, de Comunicação Social) , reporta à Maesa os resultados de uma série de 19 reuniões realizadas com comunidades localizadas na área de abrangência do reservatório da usina em nove municípios. Com o objetivo de “restabelecer o canal direto de comunicação com a população atingida pela implantação do empreendimento da UHMA”, o relatório registra a participação de 373 pessoas, com uma média de público estimado em 20 pessoas por reunião. 1060 As reuniões foram realizadas pelos técnicos da ETS José Carlos Michalowski e Ana Clarice Granzotto Oliveira, tinham entre 1hora 30 minutos e 3 horas de duração e ocorreram entre 24 de junho e 13 de julho de 1999 em espaços comunitários nos Municípios de Machadinho, Capinzal, Zortéa, Barracão, Esmeralda, Campos Novos, Celso Ramos e Anita Garibaldi. O relatório é dividido em quatro partes. A primeira apresenta considerações gerais sobre as reuniões, a lista de perguntas mais frequentes feitas pelos participantes com as respostas fornecidas e as conclusões dos autores. A segunda exibe o roteiro da apresentação realizada com as transparências apresentadas. A terceira apresenta as atas e listas de presença e a última traz uma compilação de fotografias das reuniões. As atas das reuniões apresentam-se na forma de um esquema resumido, registrando os horários de início e término da reunião, a quantidade aproximada de pessoas, a presença ou não de autoridades, o roteiro ou “itemização da palestra” (sempre reproduzindo a mesma estrutura de cinco pontos gerais) e, por fim, os questionamentos realizados. Chama a atenção a falta de detalhamento do documento, especialmente no que se refere às perguntas realizadas pela comunidade, que aparecem na forma de tópicos gerais. Tampouco há indícios, seja nas atas ou no restante do relatório, de coleta de contatos dos participantes para que as perguntas não respondidas fossem posteriormente elucidadas pela Maesa. Outra peculiaridade é o fato de a ata não conter assinaturas, sendo todas elas coletadas em um documento à parte, no qual constam os dizeres “ATA DE REUNIÃO – LISTA DE PRESENÇA”, o que leva a crer que os atingidos assinavam a ata, que posteriormente seria entregada à Maesa, sem ter acesso aos seus termos. As respostas às perguntas não aparecem nas atas, mas sim em uma tabela juntada à primeira parte do documento. A tabela abaixo apresenta o comparativo do registro de algumas perguntas feitas nas atas, o mesmo questionamento conforme conta no diagrama elaborado para a Maesa, as respectivas respostas (todos ipsis literis) e uma análise nossa. 1061 TABELA 1 - TRATAMENTO DAS PERGUNTAS REALIZADAS POR ATINGIDOS NAS REUNIÕES ATA DE REUNIÃO QUESTIONAMENTO RELATÓRIO DA ETS À MAESA OBSERVAÇÕES QUESTIONAMENTO RESPOSTA Pessoas não cadastradas como ficam? As famílias que não foram cadastradas têm direito aos programas de remanejamento? Não. Somente aquelas que através de comprovação documental for constatado o vínculo com a propriedade atingida na época do cadastro socioeconômico (ago/out/96), através de estudo de caso específico Sutileza semântica entre as perguntas da ata e do relatório revela que a pergunta não foi respondida. Ou seja, não existe solução da empresa para a situação dos atingidos não cadastrados em 1996. Indenizações; Querem nova avaliação dos preços das terras Desatualização da tabela de preços aplicados para a indenização, visto que a última pesquisa de preços foi realizada em 1997. Foi explicado que os preços praticados são suficientes para a recomposição daquilo que o proprietário possuía, tanto em termos de benfeitorias, como de terra. Constantemente são aferidos valores, e o praticado pela empresa condiz com o mercado. Caso seja observada alguma defasagem, será realizada uma nova pesquisa. Resposta demonstra que é conhecido que o que proprietário “possuía” difere daquilo que hoje possui; “Caso seja observada alguma defasagem” por quem? A pergunta dos atingidos revela que uma defasagem foi observada por eles; Como são aferidos valores constantemente se a última aferição data de 1997? Que critérios são utilizados para definir o valor de mercado? 1062 (AUTOR) Reivindicação de uma única classe p/ a classificação de terras e não A, B, C, D. Contestaram a classificação de aptidão agrícola do solo em classes A, B, C e D, para compor o valor de indenizações. Reivindicam um único valor por ha Método de classificação atualmente utilizado é resultado de acordo firmado em 87, entre CRAB e ELETROSUL e ratificado em 97, em reunião na cidade de Capinzal com o F.A., GERASUL e MAESA. Resposta aponta para a “documentalização” dos argumentos e baixa discutibilidade, visto que a decisão foi deliberada por alguma razão específica entre os órgãos citados. Questão da cerca que irá fechar a área dos 30m. Quem irá pôr a cerca? A empresa ou o proprietário? Quando houver pastagem na área remanescente, o limite da faixa ciliar (30m) deverá ser cercado? De quem será a responsabilidade? Sobre este assunto não foi respondido, pois não encontramos informações a respeito no RIMA/PBA Tampouco foram providenciados canais para encaminhamento da resposta após a reunião Faixa dos 70m (várias ocorrências) A faixa de uso de 70m será indenizada? Explicamos sobre a jurisprudência para a UHITA, definida em audiência de conciliação (27/05/97) Resposta aponta para jurisdização dos argumentos A grande maioria dos presentes não concorda com a alienação de 10 anos. Assunto foi muito discutido. Redução do período de alienação do imóvel, para os proprietários que entregam a propriedade como parte do pagamento da Carta de Crédito. Foi explicado que atualmente isso é norma da Empresa, visto que o objetivo do programa de remanejamento é fixar o homem à terra, caso o proprietário não concorde, terá direito à indenização Não foi abordada a questão da segurança jurídica, ou seja, a segurança para a empresa de que não teria problemas judiciais decorrentes de venda das terras. Fonte: ETS e autor 1063 Outra característica relevante das reuniões evidenciada pelo relatório é a maciça presença masculina entre os participantes. A proporção em algumas reuniões chega a 100% de homens em alguns encontros, conforme pode-se perceber a partir das listas de presença e do registro fotográfico que integram o relatório. OS RELEASES A produção e o envio de releases eram realizados pela empresa Del Mondo Estratégias de Comunicação e assinados pelos jornalistas Rogério Luiz Tallini, Silvia Zamboni e Kalyta Camargo. Segundo os relatórios mensais de análise de mídia emitidos pela Del Mondo, os releases eram encaminhados aos jornais impressos e emissoras de TV de cobertura estaduais e regionais do norte e noroeste do Rio Grande do Sul e meio-oeste e oeste de Santa Catarina, e rádios que cobrem a região de abrangência da UHE Machadinho e aquelas regiões. Nada consta em relação a envio para veículos de abrangência nacional. As pautas estavam relacionadas principalmente a ações desenvolvidas pela Maesa isoladamente ou em parceria com outras organizações, à evolução do projeto no canteiro de obra (cronograma) e na área do reservatório (ações previstas no PBA) e à realização de eventos, exposições e palestras (geralmente nas instalações do Centro de Atendimento ao Visitante) ou participação da Maesa em solenidades públicas, conforme demonstra a Tabela 2, que quantifica os releases do ano de 2000 a que a pesquisa teve acesso. TABELA 2 - TEMÁTICAS DOS RELEASES PRODUZIDOS PELA MAESA ENTRE JUNHO E NOVEMBRO DE 2000 TEMÁTICAS QUANTIDADE Projetos e convênios com outras organizações 7 Participação ou promoção de(em) eventos 6 Reuniões com a comunidade 5 Preservação da fauna e flora 4 Cronograma de obra 3 1064 Liberação/limpeza do reservatório 3 Recursos para agricultores 3 Acidentes de trabalho na obra 2 Patrimônio Histórico-cultural 1 Reassentamento rural 1 Desenvolvimento regional 1 Geração de emprego e renda e capacitação 1 Total 37 Fonte: autor Em apenas um dos releases analisados (“Colmeias serão resgatadas durante limpeza do lago da usina”) há menção a envio de material de apoio anexado – uma entrevista com o coordenador da Maesa, sem especificar a mídia (áudio ou vídeo). Todos os releases contêm no rodapé nomes e telefones dos jornalistas e e-mail da Assessoria de Imprensa da Maesa, mas não exibem número de registro profissional do jornalista responsável. As ações escolhidas pela empresa para publicação têm conotação positiva, relacionada a algum tipo de ganho social ou ambiental, conforme indicam os verbos de ação mais frequentes: receber (crédito, sementes), firmar (convênio, parceria), executar (obras, atividades, projetos), concluir (etapa, projeto). Os releases apresentam poucas fontes. Quando ocorrem, as fontes são técnicos ou autoridades da Maesa. Em matérias que tratam de parcerias, o protagonismo recai sobre a Maesa, estando a empresa sempre anteriormente citada (convênio/parceria da Maesa com organização X). Em apenas um release apresentam-se fontes externas a Maesa: o coordenador do MAB Aldir Reginatto. [...] A Maesa e o MAB decidiram que o projeto de apoio à safra 2000/2001 está com prazo de conclusão previsto para dezembro. (...)“Agora todos os projetos passarão por uma análise mais profunda”, informa o coordenador do MAB, Aldir Reginatto. (...) (STUDIO 156. Agricultores descumprem acordo e obrigam Maesa e MAB a revisar crédito para safra 2000/2001. Grifo nosso). 1065 O trecho revela que, neste caso, a Measa proporcionou um canal de debate ao apresentar posicionamentos de outras organizações em seu contato com a imprensa. Entretanto, o episódio refere-se a uma ação na qual o MAB atua como parceiro da Maesa, estando o conflito relacionado com a relação entre ambas as organizações e os agricultores participantes do programa de crédito subsidiado. Visto ser esta a única aparição de fonte externa à empresa, denota-se ser o alinhamento de posições uma condicionante para a apresentação de fontes externas à empresa. CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta desta pesquisa foi analisar a natureza da comunicação desenvolvida para a implantação da UHE Machadinho. Como resultado geral, observou-se uma comunicação abrangente do ponto de vista do seu alcance, com matriz cognitiva predominantemente desenvolvimentista e instrucional, visando principalmente orientar os públicos na direção da obediência a seu projeto de atuação. Na perspectiva jurídica, nota-se a intenção de atender de maneira autocentrada os dispostos legislativos que exigem a publicitação das informações referentes ao empreendimento. A comunicação volta-se para o atendimento dos pressupostos do Plano Básico Ambiental (PBA), elaborado como pré-requisito para a obtenção da Licença de Instalação (LI). Sob a ótica da comunicação estratégica, pode-se considerar que o empreendedor foi eficaz na persecução de seus objetivos. A Maesa controlou cuidadosamente o debate em todas as modalidades de comunicação realizada, prevalecendo como fonte prioritária para fornecimento de informações acerca do empreendimento na mídia e ausentando-se de manifestar-se sobre questões que pudessem oferecer risco a sua imagem perante a opinião pública. Em alguns momentos, a empresa construiu inclusive alianças estratégicas com o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), principal movimento social atuante na região.2 Há de se reconhecer, porém, as limitações enfrentadas por esta pesquisa, que não localizou nenhum produto de comunicação da Maesa referente a períodos de grandes conflitos. Os maiores conflitos existentes deram-se a partir de março de 2001, e intensificaram-se nos meses subsequentes com a aproximação da data do enchimento do reservatório, realizado em agosto daquele ano. Os 2 1066 Da perspectiva da comunicação pública, entretanto, sua comunicação apresentou algumas deficiências. Observou-se um elevado grau de unilateralismo na realização do debate público em todos os produtos analisados, com a restrita viabilização de meios de esclarecimento bilateral. Os produtos claramente vetam a presença de argumentos contrários aos objetivos dos empreendedores da obra, fazendo do concessionário um poderoso controlador dos discursos correntes acerca do empreendimento. Comparando-se os resultados obtidos por este estudo e os encontrados por Locatelli (2011) na análise do caso da implantação da Usina de Foz do Chapecó, implantada no Rio Uruguai, entre 2006 e 2010, podem-se alcançar algumas conclusões importantes. Do ponto de vista das semelhanças, as duas experiências se aproximam no que se refere aos resultados obtidos pelo empreendedor. A maioria dos proprietários atingidos retirou-se de suas terras voluntariamente, aceitando a indenização oferecida pelo empreendedor. A comunicação realizada pelo empreendedor assumiu matriz cognitiva desenvolvimentista, com baixo nível de debate e accountability e alto grau de assimetria. Sob a ótica das diferenças, destaca-se a disparidade entre o número de produtos de comunicação produzidos pelo empreendedor nos dois casos. Nota-se que Foz do Chapecó teve não apenas uma comunicação mais intensa como mais variada, incluindo novas modalidades de produtos como colunas pagas em jornais impressos, newsletter, mecanismos de perguntas e respostas por meio da internet, house-organs, entre outros. É provável que esta tendência não decorra apenas de uma demanda tecnológica, visto a usina de Foz de Chapecó ter sido implantada em um contexto de emergência de ferramentas digitais, mas de uma abertura e amadurecimento democrático no debate em torno da questão das barragens. Nesse sentido, este trabalho reforça a necessidade de meios para democratização dos processos comunicativos que envolvem a implantação de barragens conforme apresenta Locatelli (2011), que propõe a implementação de um ambiente virtual de natureza independente que proporcione trocas informativas transparentes e multilaterais entre todos protestos motivam-se principalmente pelas reivindicações dos atingidos que não viram-se incluídos no programa de remanejamento por não terem sido contabilizados em 1996, quando o cadastro foi realizado. Infelizmente, não há qualquer produto, nos arquivos da empresa, datado do período em questão. 1067 os atores envolvidos. Um portal que proporcione a disponibilização dos documentos normatizadores do processo (EIA, Rima, PBA, avaliações do PBA pelo Ibama, etc.) para consulta pública, repositório de informação, chat, observatório, centro de pesquisa, entre outras ferramentas. Apesar das dificuldades e da grandiosidade desta solução, considera-se que existe predisposição da sociedade civil para arcar com os esforços necessários, afora a necessidade premente explicitada por essa e diversas outras pesquisas acadêmicas por processos mais democráticos e dialógicos. REFERÊNCIAS BALDISSERA, Rudimar. Estratégia, comunicação e relações públicas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DA COMUNICAÇÃO, 24. Anais. Campo Grande, 2001. BALDISSERA, Rudimar. Imagem-conceito: anterior a comunicação, um processo de significação. (tese) Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS. Porto Alegre, 2004 DEETZ, Stanley. Comunicação Organizacional: fundamentos e desafios. In: MARCHIORI, Marlene (Org.). Comunicação e organização: reflexões, processos e práticas. São Caetano do Sul: Difusão, 2010. DEL MONDO, Plano de Comunicação da UHE Machadinho – Novembro de 1999. Forianópolis, 1999 DUARTE, Jorge. Instrumentos de Comunicação Pública. In: DUARTE, Jorge (Org.) 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O uso das ferramentas de relações públicas neste contexto contribui para a efetividade e eficácia das ações do projeto com a gestão dos relacionamentos e promoção da participação dos públicos. Palavras-chave: comunicação; relações públicas; mobilização social. Estudante de Graduação 10º. Semestre do Curso de Relações Públicas da da ECA/USP e-mail: ammvcandido@gmail.com. 1 Orientadora do trabalho. Professora Doutora do Curso de Relações Públicas da ECA/USP e-mail: haswani@usp.br. 2 INTRODUÇÃO Vivemos em uma sociedade marcada por contradições, contrastes e desigualdades. Na cidade de São Paulo, por exemplo, há muitos bairros ricos que são vizinhos de comunidades, também chamadas de favelas, onde as pessoas vivem em péssimas condições e, muitas vezes, sem acesso aos serviços básicos de saneamento básico, transporte público e educação. Essas comunidades são lugares onde a presença do Estado é, muitas vezes, deficiente, o que gera ainda mais um desconforto dos cidadãos. Neste contexto, a comunicação comunitária surge com as mobilizações pela mudança social das condições que privam os cidadãos que são marginalizados dos processos sociais. Ela é responsável por auxiliar na promoção da cidadania. A comunicação desempenha papel fundamental para a construção da cidadania devido ao fato de utilizar canais de expressão assim como a troca de informações e saberes e mecanismos de relacionamento entre os cidadãos e as instituições. Caune (2014) diz que os meios de comunicação não são apenas para informar, eles são o local de participação e de ação no mundo, nos levando a assumir nosso posicionamento social. Em outras palavras, temos consciência social quando nos comunicamos, exercendo uma influência recíproca. Para que haja cidadania, é necessária, sobretudo, a participação dos cidadãos em todos os níveis. Peruzzo (2009, p. 424) afirma que estes devem ser ativos no processo de articulação social, saindo de mero receptor para emissor e difusor de conteúdos, o que altera completamente a sua relação com os meios e ambiente nos quais vivem. Essa participação, como é possível perceber, está intimamente relacionada à comunicação, neste caso, chamada comunitária ou alternativa. A partir da década de 1980, quando as relações públicas ganhou uma nova perspectiva, na qual se percebeu a sua importância também nas organizações a serviço de interesses populares e comunitários. Esta nova perspectiva foi denominada de relações públicas comunitárias. Relações públicas comunitárias são aquelas realizadas no âmbito de “comunidades”, associações, movimentos populares e outras organizações sem finalidade de lucro e, por extensão, até aquelas do mundo do trabalho, como os sindicatos, 1072 desde que se achem configuradas na contramão de mecanismos reprodutores dos interesses do capital e das condições alienadoras da pessoa humana. (PERUZZO, 2009, p. 426) Os autores Margarida Kunsch (2007), Roque (2007) e Peruzzo (2009) consideram as relações públicas comunitárias como uma atividade na qual a interação é entre as organizações e a “comunidade”, sejam elas do primeiro, segundo ou terceiro setor. Assim as relações públicas comunitárias têm três abordagens: comunicação de empresas com “comunidades” de seu entorno; comunicação de órgãos públicos com “comunidades” de se entorno; e comunicação das associações comunitárias, ONGs e movimentos populares com a sociedade e demais públicos com os quais se relacionam (também pode-se chamar de “opinião pública”). (PERUZZO, 2009, p. 426) Neste trabalho será explorada a terceira abordagem, na qual a atividade não está relacionada a lucros de uma organização ou benefícios pessoais de políticos e sim tem como visão o bem da sociedade, da “comunidade”. Algumas instituições, como as Organizações Não Governamentais (ONGs), realizam trabalhos sociais nessas regiões para suprir de alguma maneira o papel do Estado nas garantias dos direitos dos cidadãos que ali residem. Realizam desde oficinas de língua, teatro, dança, cursos de capacitação profissional entre outros. Há um leque amplo de atuação das ONGs nas comunidades brasileiras. Como resultado deste trabalho, prevê-se o desenvolvimento da região com maior acesso à educação e informação além da diminuição de jovens em atividades violentas e relacionadas ao tráfico de drogas, por exemplo. Para garantir a efetividade neste tipo mudança social, é preciso planejar ações e estabelecer estratégias. O profissional de Relações Públicas possui as habilidades requeridas para exercer este papel de coordenador de projetos de desenvolvimento social em comunidades e regiões onde há um alto índice de desigualdade social e violência. Sua expertise em mediação das relações, gerenciamento de conflitos, planejamento e visão macro, além da habilidade de entender os contextos nos quais estão inseridos os públicos, são essenciais para a qualidade do projeto. É necessário refletir sobre o nosso papel, não apenas como cidadão, mas também como profissional, para contribuir com a melhora deste cenário. Este artigo procura discutir o papel do profissional de rela1073 ções públicas na sociedade a fim de gerar mudanças sociais e promover a cidadania. Assim, foi realizada uma pesquisa bibliográfica (STUMPF, 2005) com autores em sua maioria brasileiros, como Caune, Margarida Kusnch, Cecília Peruzzo, Marcio Simeone Henriques e Rennan Mafra entre muitos outros, a fim de entender o contexto dos movimentos sociais, o papel da comunicação e a importância da cultura neste contexto. MOBILIZAÇÃO SOCIAL: POR DENTRO DO CONCEITO O conceito de mobilização social apresentado neste trabalho diz respeito à união de indivíduos para realizar ações a fim de mudar algum aspecto no meio onde vivem e melhorar suas vidas. Segundo Toro & Wernec (apud MAFRA, 2008, p.34), “a mobilização ocorre quando um grupo de pessoas, uma comunidade, ou uma sociedade decide e age com um objetivo comum, buscando, quotidianamente, resultados decididos e desejados por todos”. Henriques, Braga & Mafra (2007, pp. 35-36), acreditam que a mudança é necessária quando há problemas que impedem o bom funcionamento daquela sociedade. Para eles, “mobilizar [...] é mostrar o problema, compartilhá-lo, distribuí-lo, para que assim as pessoas se sintam corresponsáveis por ele e passem a agir na tentativa de solucioná-lo”. Assim, é possível dizer que o processo de mobilização exige, antes de tudo, que as pessoas sejam informadas a respeito do que se passa à sua volta. Os autores também apontam a necessidade de compartilhar, além de informações, conhecimento, imaginário e emoções para que haja reflexão e debate para a mudança. As pessoas envolvidas no processo de mobilização devem possuir necessidades e problemas em comum, além de compartilhar valores e visões de mundo semelhantes. (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2007, p. 37) Em outras palavras, a realidade compartilhada somada aos objetivos, crenças e valores faz com que essas pessoas tenham algo que as una e gere afinidade, levando ao engajamento para a transformação da sua realidade. “Para que o interesse coletivo seja definido, é necessário que entendimentos sejam negociados e trocados a partir de um processo comunicativo”, sendo a comunicação no sentido relacional, de produção e compartilhamento de sentidos entre os interlocutores. (MAFRA, 2008, p. 34) 1074 Mafra (2008, p. 36) reflete sobre a importância da mobilização social para estimular a participação na esfera pública. Essa participação envolve também o processo de deliberação em relação às questões que afligem a sociedade e causas que são de responsabilidades de todos. Diversas áreas do conhecimento permeiam os processos de mobilização e de programas sociais de maneira holística. A integração dessas áreas inclui também a comunicação que envolve diferentes formas de expressão, como face a face, grupal, meios tecnológicos, etc., por meio de suas atividades (PERUZZO, 2009, p. 427), sendo estas fundamentais na permanência e solidificação dos projetos de mobilização social. (HENRIQUES et al., 2007, p. 18) Nesse contexto, destaca-se a importância das relações públicas nos processos mencionados acima: Podemos entender o processo mobilizador como um processo de relações públicas. [...] em uma visão mais ampla, podemos compreender que a atividade se aplica em seus fundamentos a qualquer demanda de relacionamento que se apresente entre instituições e seus públicos. É uma atividade que deve ser compreendida como parte de um complexo sistema especializado – que emerge na sociedade de massas – de administração dos mecanismos de visibilidade pública e, por conseguinte, de mediação e administração das controvérsias públicas. (HENRIQUES, 2007, P.101) O PAPEL DA COMUNICAÇÃO PARA A MOBILIZAÇÃO SOCIAL A comunicação exerce um papel de extrema importância no processo de mobilização social, não apenas no sentido de visibilidade do projeto em questão, mas também quando o assunto é a geração e manutenção de vínculos e a participação. Os movimentos sociais visam um reconhecimento público de suas causas e tal reconhecimento é resultante da luta por visibilidade, gerando uma mobilização daqueles que não estão no mesmo contexto espaço/temporal do que os indivíduos que fazem parte dos movimentos. (HENRIQUES et al., 2007, p. 18) Gerar visibilidade para as suas causas atinge outros indivíduos que podem dar força ao movimento e contribuir para a transformação social. 1075 Para que a área de comunicação possa contribuir para a efetividade do movimento ou do projeto de mobilização social, é necessária uma intervenção especializada e profissional, principalmente no cenário social atual onde a atenção dos indivíduos é disputada entre várias redes de interação. Planejar estratégias de comunicação é fundamental para garantir o alcance dos objetivos da área, que devem estar alinhados ao do projeto, visando a mudança social e promoção da cidadania. (HENRIQUES et al., 2007) O objetivo da comunicação nesse contexto é, segundo Henriques et al., estimular a participação dos públicos do projeto de mobilização social a fim de que sintam a corresponsabilidade nas ações. Além disso, sendo a participação uma condição intrínseca e essencial para a mobilização, a principal função da comunicação em um projeto de mobilização é gerar e manter vínculos entre os movimentos e seus públicos, por meio do reconhecimento da existência e importância de cada um e do compartilhamento de sentidos e valores. (2007, p. 19) Os autores apontam em sua obra outras quatro funções que devem estar integradas e articuladas com a função básica de gerar e manter vínculos. Tais funções são fundamentais para que a primeira seja bem sucedida. Entre elas, estão: difundir informações; promover a coletivização; registrar as memórias; fornecer elementos de identificação com a causa e o projeto. (HENRIQUES et al., 2007) Com a difusão das informações, as ações são legitimadas e as pessoas envolvidas passam a ser reconhecidas e conectar-se umas às outras “pelo sentimento de pertencimento a um grupo com interesses comuns”. Sobre a função de fornecer elementos de identificação com a causa e o projeto, os autores acrescentam: articulação entre valores e símbolos no processo de construção da identidade de um movimento, estabelecendo de uma maneira estruturada a produção de elementos que orientem e gerem referências para a interação dos indivíduos, possibilitando, assim, um sentimento de reconhecimento e pertencimento capaz de torna-los corresponsáveis. (HENRIQUES et al., 2007, p. 23) 1076 Tais sentimentos são importantes para o movimento social, pois influenciam no processo de apreensão das informações coletivizadas, podendo resultar na reformulação de valores pelo ator social e isso “refletirá diretamente em suas atitudes e juízos sobre a realidade que vive”. (HENRIQUES et al., 2007, p. 24) A comunicação no processo de mobilização deve ter algumas características específicas para promover a participação, gerar e manter vínculos. Segundo Henriques et al. (2007, p. 25), ela deve ser descentralizada, encarada como uma coordenação de ações, dialógica, libertadora e educativa. “Dialógica na medida em que não é a transferência do saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores”. Braga (2001 apud HENRIQUES et al., 2007, p. 28) reforça que esta comunicação deve ser “diversificada, personalizada, necessariamente local e de inserção cultural e etno-orientada”, apontando novamente a importância dos contextos e da comunicação não somente para, mas com a comunidade. É importante ressaltar também o caráter estratégico que a comunicação neste contexto deve ter. Segundo Peruzzo (2009, p. 421), é fundamental que haja sintonia entre a atividade de relações públicas com a visão e valores da organização popular. O profissional deve construir em conjunto com a organização e ajudá-la a se autorrepresentar. Toda a atividade deve visar a transformação social e a ampliação da cidadania. ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO PARA A MOBILIZAÇÃO SOCIAL Conforme falamos anteriormente, é imprescindível que a comunicação do movimento social ou projeto de mobilização social seja planejada para garantir a efetividade das ações. Usar uma comunicação dirigida e gerar visibilidade da causa, promovendo a participação dos sujeitos ao projeto de mobilização social, são exemplos de estratégias que podem ser utilizadas nesse setor. Segundo Henriques, Braga & Mafra, a escolha da comunicação dirigida – ou seja, segmentada de acordo com os públicos – é estratégica para garantir maior efetividade às ações do projeto, pois essa trabalha com interações face a face, proximidade entre os interlocutores e resultam em ações mais coesas, gerando mais impacto. Para os autores, a mobilização social “não depende, para ser bem sucedida, apenas da simples difusão de informações, como muitos são levados a acreditar, 1077 muito embora a visibilidade, a divulgação e a presença na mídia sejam elementos decisivos”. Mafra (2008, p. 46) destaca a importância dos recursos de mídia e de comunicação estratégia para gerar visibilidade aos temas levantados pelo pelos processos de mobilização, além de promover um debate público e promover o engajamento coletivo dos indivíduos. Os projetos de mobilização social não devem apenas construir uma causa, mas também gerar visibilidade a ela para que ocorra uma ampliação da controvérsia e do debate público, aumentando os blocos dos públicos legitimadores e geradores. Assim, para gerar visibilidade para a causa defendida e ampliar o engajamento dos públicos do processo de mobilização, recomenda-se o uso de recursos como o agendamento midiático, realização de eventos, materiais audiovisuais, premiações, espetáculos, peças publicitárias etc. (MAFRA, 2008) Como alternativa eficaz nesta era digital, também é possível realizar um trabalho na Internet, principalmente nas redes sociais. Para realizar ações estratégicas de visibilidade para os movimentos sociais, Mafra (2008, p. 49) identifica cinco tipos de espaços de visibilidade pública - espaços físicos ou mediados onde um assunto fica disponível para um grupo de pessoas - que podem ser trabalhados nas ações estratégicas dos projetos de mobilização social. Tais espaços não são rígidos, influenciando uns aos outros, gerados por meios de comunicação de massa ou que sejam direcionados a determinado público, além dos espaços onde as informações são compartilhadas presencialmente ou por meio da Internet, cujo alcance é ilimitado. Mafra (2008) também propõe uma análise da comunicação estratégica em movimentos sociais em três dimensões, que na prática se sobrepõem, com o objetivo de entender, caracterizar e diagnosticar as estratégias comunicativas: a dimensão “espetacular” – visa chamar a atenção e o interesse do sujeito à causa -, a dimensão “festiva” – visa promover o engajamento físico dos indivíduos - e a dimensão “argumentativa” – visa disponibilizar ao público argumentos que justifiquem a existência da causa. 1078 A DIMENSÃO ARGUMENTATIVA Somente as dimensões espetacular e festiva não são suficientes para que “os projetos de mobilização consigam um engajamento coletivo capaz de transformar a realidade, tendo como base as possibilidades democráticas contemporâneas”. (MAFRA, 2008, p. 73) É de extrema importância que os projetos também forneçam argumentos que sustentem suas propostas de mobilização social à medida que estimulam o debate público e a mudança. Segundo Breton (1999 apud MAFRA, 2008), a argumentação é um meio de convencimento. Argumentar, em linhas gerais, é acionar um raciocínio em uma situação de comunicação. Não é convencer a qualquer preço, mas é raciocinar, propor aos outros uma opinião com boas razões para aderirem a ela. Neste sentido, o objetivo da argumentação é transmitir ou partilhar não uma informação, mas uma opinião, um ponto de vista que sempre supõe um outro ponto de vista possível. (MAFRA, 2008, p. 73) Mafra (2008, p. 78) aponta os três principais elementos da dimensão argumentativa da comunicação estratégica para a mobilização social, que são: os relacionados à constatação e denúncia, os relacionados à possibilidade de modificação do quadro denunciado e os relacionados à proposição de soluções para que a realidade seja transformada. Nessa dimensão o público é considerado como igual, como um interlocutor, não somente como audiência, pois participam e são corresponsáveis pelas mudanças. Ou seja, ele deve se posicionar a respeito do tema abordado. Mafra (2008, pp. 80-81) acredita que apenas disponibilizar os argumentos não é suficiente para que ocorra a mudança social, mas que é necessário “estimular uma negociação de entendimentos num processo de debate, a partir das realidades e dos quadros significativos dos sujeitos” para que se sintam capazes de propor mudanças e utilizar as informações recebidas em situações reais, de acordo com seus contextos. “Neste sentido, a existência de propostas é fundamental para que o projeto possa ganhar adesão dos cidadãos, e suas soluções sejam debatidas, comunicadas e implementadas”. 1079 A DIMENSÃO FESTIVA Durkhein (1996 apud MAFRA, 2008, p.65) afirma que os indivíduos passam a ser dominados pelo coletivo no divertimento festivo. Ou seja, quando há um ritual, como nas religiões, os indivíduos passam a atuar como seres sociais, vivenciando crenças grupais e reanimando o sentimento de pertencimento do grupo. A dimensão festiva das ações de comunicação é importante para reforçar os laços entre os membros do grupo. O que realmente fica não é o significado da festa em si, mas sim da relação com o momento, da ligação afetiva. “A festa estabelece um outro mundo, uma outra forma de experienciar a vida social, marcada pelo lúdico, pela exaltação dos sentidos e das emoções” (PEREZ, 2002 apud MAFRA, 2008, p.66). A dimensão festiva mais do que capturar a atenção dos sujeitos, busca envolvê-los afetivamente/sentimentalmente; entende o público como participante das festas realizadas, e tem, baseada em laços mais espontâneos de sociabilidade, a convivialidade como modalidade de participação nas relações comunicativas instauradas pelas festas (MAFRA, 2008, p. 71) Mafra (2008) aponta que os elementos festivos mais relevantes que caracterizam esta dimensão da comunicação estratégica para mobilização social são os relacionados à construção de cerimônias e os relacionados à construção de momentos de divertimento. A festa “exige a participação ativa, marcada por esse aniquilamento, por esse abandono de si e na con-fusão com o outro. É impossível ser apenas espectador de uma festa. Ela impõe participação, leia-se relação, o estar junto”. (PEREZ, 2002 apud MAFRA, 2008, p. 71) É fundamental que se crie condições de igualdade moral e política entre os sujeitos ao reforçar esses vínculos, pois somente assim é possível participar de fato de uma arena política. (MAFRA, 2008, p. 72) A DIMENSÃO ESPETACULAR O emprego da palavra “espetáculo” para caracterizar uma das dimensões da comunicação estratégica para a mobilização social proposta por Mafra (2008) se dá pelo fato de estar relacionada à esfera do 1080 sensacional, do surpreendente e do extraordinário – em oposição ao ordinário, ao dia a dia - além da relação à esfera da encenação, da constituição de personagens e narrativas, da dramaturgia. Ao utilizar a dimensão espetacular nas ações de comunicação do projeto de mobilização social, faz-se uso de elementos que tentam mostrar suas causas como questões que merecem ser vistas e notadas, e que buscam encher “os olhos” dos sujeitos. Assim, elementos “espetaculares” são utilizados, em última análise, para despertar na sociedade o interesse público pelas tematizações, com a função de capturar a atenção dos sujeitos para essas questões. (MAFRA, 2008, p. 60) O caráter dramaturgo dessas ações tem o desafio de tirar o sujeito do papel de assistente para “assumir outro papéis, por exemplo, o de participantes de momentos festivos ou de interlocutores de um debate público”. (MAFRA, 2008, p. 64) Essa dimensão é caracterizada pelo uso de estrutura narrativa, imagens, criação de personagens e papéis para poder reter a atenção de sua audiência, “que deve se interessar pela causa para que, num segundo momento, possa participar do processo de forma ativa”. (MAFRA, 2008, p. 63) Esses elementos fazem parte do contexto cultural no qual estão inseridos os indivíduos organizados para a mobilização social. Desta maneira, entender a cultura local é fundamental para propor ações que estejam de acordo com a realidade daquela comunidade, assim como é essencial para gerar o sentimento de pertencimento e corresponsabilidade naquele projeto de mudança social. A CULTURA NA DIMENSÃO ESPETACULAR DA COMUNICAÇÃO Para falar de cultura, é importante que se deixe clara a definição que se está usando. Isso porque este termo é definido de diversas maneiras por autores de diferentes campos do conhecimento. Uma das definições mais recorrentes e abrangentes é de cultura como “tudo aquilo que caracteriza uma população humana”. (SANTOS, 2006, p. 12) Segundo o autor (2006, p. 13), nesse caso, existem duas possibilidades de diferentes culturas se relacionarem entre si: quando são hierarquizadas de acordo com algum critério ou quando se considera que não é possível hierar1081 quizá-las, pois cada uma tem o seu próprio critério de avaliação e não devem ser subjugadas aos de outras. Para o autor, existem várias maneiras de entender o que é cultura e essas são derivadas de duas concepções básicas. “A primeira concepção de cultura remete a todos os aspectos de uma realidade social; a segunda refere-se mais especificamente ao conhecimento, às ideias e crenças de um povo”. (SANTOS, 2006, p.23) Para Neto, a cultura, como substrato fundamental da própria concepção do homem perante a si mesmo, os demais e as instituições da sociedade, é esfera responsável pela percepção e pelo exercício da cidadania e, consequentemente, de tudo aquilo que dela advém, tanto em termos de direitos como de deveres. (2007, p. 283) Todavia estas definições ainda são demasiado amplas, abordamos aqui o conceito de cultura como “configuração de elementos aprendidos e de seus resultados, cujos componentes são compartilhados e transmitidos pelos membros de uma determinada sociedade”, conceito desenvolvido por Ralph Linton (1986 apud CAUNE, 2014, p. 46). Em outras palavras, é possível dizer que cultura seria tudo aquilo produzido e aprendido por um grupo de pessoas e compartilhado entre elas. Neste caso, não está em questão o tipo de elemento compartilhado nem há hierarquização de acordo com classes sociais, ou seja, todos os membros da sociedade fazem parte de um grupo e, consequentemente, está inserido em uma cultura, na qual compartilha e transmite elementos aprendidos e produzidos entre eles. Nesta concepção, tanto o funk quanto a ópera, por exemplo, são elementos culturais, assim como tudo aquilo que é transmitido pelos meios de comunicação da sociedade. Segundo Caune (2014, p. 39), a cultura é um ato de comunicação e a linguagem seria uma maneira de transmitir e interpretar os elementos culturais. Desta maneira, para que haja essa transmissão de conhecimento cultural, é preciso o uso da comunicação e a viabilidade do entendimento está a cargo da linguagem. A cultura é apreendida como um conjunto muito complexo e diversificado de representações e objetos, organizados por relações de valores: traduções, normas, religiões, artes etc. A transmissão de conhecimentos de geração em geração, assim como a difusão de valores e, também, dos padrões de com1082 portamento se efetivam segundo os encadeamentos dos atos de comunicação. (CAUNE, 2014, p.39) Segundo a sociologia psicológica (CAUNE, 2014, p. 41), a cultura é interiorizada e transmitida por meio da aprendizagem, aculturação e integração social. Desta maneira, o indivíduo apenas será inserido em uma determinada cultura, aprendendo e produzindo elementos culturais, quando estiver inserido em um grupo, uma sociedade. Assim, pode-se afirmar que para gerar o sentimento de pertencimento ao grupo, é necessário o compartilhamento de elementos da cultura. Ao trabalhar com a dimensão espetacular da comunicação, o relações públicas promove tal compartilhamento contribuindo também para a construção da identidade cultural do grupo. Dinah Guimaraens (apud NETO, 2007, p. 282) define a identidade cultural como a necessidade de se poder reconhecer a si mesmo ou de construir a própria realidade com base na tradição de seus antecessores. Para a autora, cidadania seria “o direito individual à liberdade de expressão e também o direito da coletividade de partilhar de distintas opiniões e posturas culturais”. A construção da identidade no processo de mobilização social é fundamental para que o grupo consiga atingir os seus objetivos, tendo apoio e participação de mais indivíduos e despertando a corresponsabilidade. Castells (1999 apud BRAGA; SILVA; MAFRA, 2007, p. 82), ao analisar o processo de construção de identidades, “distingue atores sociais que utilizam o material cultural acessível para criar uma identidade, a identidade de projeto, capaz de redefinir sua posição na sociedade, buscando a transformação de toda a estrutura social”. A identidade é responsável por criar sujeitos que visam atribuir significado às suas experiências individuais. Criar identidades, nesse sentido para o autor, é expandir os seus projetos de vida individuais para a transformação da sociedade. Em outras palavras, ao trabalhar com identidades em um grupo, criam-se sujeitos mais coletivos. Com o modelo ternário de interpretação da cultura, proposto por Caune (2014), cujo objetivo é identificar elementos para interpretar e compreender determinada cultura, é possível trabalhar de maneira mais eficaz com a cultura no processo de construção de identidades culturais. Este mo- 1083 delo estabelece uma troca circular entre os três termos: a enunciação, o indivíduo e o quadro cultural no qual a enunciação ganha sentido. Para entender como se dá esta troca, os termos se relacionam “dois a dois a partir de duas propostas: em sua relação com a cultura, o indivíduo não existe fora das manifestações expressivas que o exprimem; e o indivíduo singular, caracterizado por sua enunciação, é relativo a um contexto cultural”. (CAUNE, 2014, p. 89) Segundo o autor, o indivíduo constrói sua identidade no campo cultural por meio da expressão – também chamada de enunciação - e que tudo aquilo que é vivenciado por ele é também uma expressão da sociedade, ou seja, ele se apropria das manifestações culturais do grupo no qual está inserido. O interesse por essa proposta de análise se deu pelo fato da possibilidade de análise e atuação na sociedade, considerando os três aspectos da cultura, sem desconsiderar nenhuma das partes. Isso porque tanto a enunciação, como o indivíduo, quanto o contexto cultural no qual estão inseridos, elementos trabalhados na dimensão espetacular, são de extrema importância para o entendimento daquela cultura. Quando um dos termos desta relação não é levado em conta, ocorre uma redução ideológica da cultura. Assim é possível identificar as suas particularidades e atuar de maneira mais efetiva e eficaz para a promoção cultural e mobilização daquele grupo para melhoras em seu contexto. Pode-se dizer que a escolha deste modelo facilita o trabalho do comunicador com as dimensões da comunicação estratégica nos movimentos sociais, principalmente com a dimensão espetacular, que visa sair do chamar a atenção e o interesse do sujeito, sair do comum e promover a existência pública às causas sociais por meio das estruturas narrativas, imagens, criação de personagens, ou seja, por meio do espetáculo. Estes símbolos fazem parte da cultura de um grupo. Sendo a construção simbólica um fator imprescindível para a construção da identidade para a mobilização social - pois esta é capaz de desenvolver afetos e paixões -, a proposta apresentada aqui é de atuar com cultura na dimensão espetacular da comunicação estratégia para essa esfera. A dimensão espetacular, como mencionado no item anterior, é responsável por dar visibilidade e chamar a atenção do público para a mensagem e a causa que está sendo defendida. Para isso, podem ser utilizados elementos culturais - como os símbolos compartilhados e costumes, por 1084 exemplo - daqueles indivíduos e, quando utilizados também na dimensão festiva, contribuem para o fortalecimento dos vínculos e sentimento de pertencimento ao grupo. Assim, utilizando elementos culturais para criação de uma identidade no projeto de mobilização social, é possível gerar coesão e corresponsabilidade no grupo a fim de lutar pela causa apresentada e efetuar de fato a mudança em sua realidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo apresentamos as contribuições da comunicação e relações públicas para o processo de mobilização social. Ferramentas de planejamento, mapeamento dos públicos e relacionamento com a mídia, por exemplo, são essenciais para o sucesso do projeto. Também são apresentadas algumas estratégias de comunicação para a mobilização social em cada uma das três dimensões dos projetos: a espetacular, a festiva e a argumentativa. Toda a atuação do profissional de relações públicas neste contexto visa gerar e manter vínculos entre o projeto e seus públicos, assim como promover a participação, estando sempre alinhada aos objetivos gerais do projeto, ou seja, a promoção da mobilização social. Além do fato de os movimentos e projetos ser formados essencialmente por pessoas e as causas que as unem, os vínculos são importantes na medida em que, quanto mais próximos os públicos estão do projeto, suas causas possuem mais visibilidade, agregando um maior número de adeptos, exercendo mais pressão e contribuindo para a mudança social. A questão da corresponsabilidade é de extrema importância, pois a partir dela, quando os vínculos estão mais fortes, é que se consegue maior engajamento e participação dos indivíduos para promover a mobilização. Em um movimento ou projeto social são identificadas três dimensões: a espetacular, a festiva e a argumentativa. O relações públicas deve estabelecer estratégias comunicativas para cada uma dessas dimensões, considerando as especificidades não apenas do projeto, mas também de seus públicos. Conhecer a cultura neste contexto é essencial para estabelecer estratégias de ações mais assertivas. Isto se dá não apenas pelo fato de se saber as características daquele público específico, mas também por poder utilizar elementos simbólicos daquela cultura para gerar sentimento de pertencimento, promovendo a corresponsabilidade, a participação e fortalecendo os vínculos. Além disso, é possível enten1085 der a realidade e as necessidades daquela “comunidade”, podendo então auxiliá-los a lutar por suas reais causas. O campo de estudo da cultura como elemento importante para promover mobilização social é amplo e ainda há muito que ser explorado. O relações públicas, ao conhecer os públicos estratégicos, é capaz e elaborar estratégias de comunicação que trabalhem para a identificação com elementos culturais. Ainda que apresentamos os principais conceitos, esta temática pode ser explorada por futuros pesquisadores da área. As relações públicas sociais no Brasil ainda estão no começo, com pouca literatura especializada, é necessário explorar e desenvolver essa dimensão da atividade. REFERÊNCIAS BRAGA, C. S.; E SILVA, D. B.; & MAFRA, R. L. Fatores de identificação em projetos de mobilização social. In: HENRIQUES, M. S. (Org), Comunicação e estratégias de mobilização social. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 59-101. CAUNE, J. Cultura e comunicação: convergências teóricas e lugares de mediação. São Paulo: Editora Unesp, 2014. HENRIQUES, M. S. Ativismo, movimentos sociais e relações públicas. In: KUNSCH, M. M.; KUNSCH, & W. L. (Org). Relações públicas comunitárias: a comunicação em uma perspectiva dialógica e transformadora. São Paulo: Summus, 2007. p. 92-104. HENRIQUES, M. S.; BRAGA, C. S.; & MAFRA, R. L. O planejamento da comunicação para a mobilização social: em busca da co-responsabilidade. In: HENRIQUES, M. S.(Org). Comunicação e estratégias de mobilização social. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 33-58. HENRIQUES, M. S., et al. Relações públicas em projetos de mobilização social: funções e características. In: HENRIQUES, M. S.(Org). 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São Paulo: Atlas, 2005. p. 51-61. 1087 |4| OS CONFLITOS ENTRE AS ORGANIZAÇÕES E O PÚBLICO LGBT: PERSPECTIVAS DE ATUAÇÃO DO RELAÇÕES- PÚBLICAS Felipe Franklin Anacleto da Costa1 e Júlio Afonso Sá de Pinho Neto2 RESUMO O público LGBT conquistou diversos direitos no Brasil. Porém, a ocorrência da homofobia institucional revela a necessidade de mais avanços. Considerando que as Relações Públicas podem melhorar este cenário, o artigo analisa como o profissional da área pode contribuir na gestão do relacionamento com este público nas organizações. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica e, em seguida, uma pesquisa documental no Espaço LGBT3 para conferir os casos de homofobia institucional ocorridos em João Pessoa/ PB, entre 2011 e 2013. Por fim, foi empreendida uma pesquisa de campo nas ONG’s que defendem este público na cidade, a fim de conhecer as suas atuações contra este tipo de crime. Verificou-se um número expressivo de denúncias no período, bem como uma atuação incipiente das ONG’s para garantir a inclusão dos LGBT’s nas ações das organizações locais, além de possibilidades de atuação do relações-públicas neste contexto. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: feanacletorp@gmail.com. 1 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Graduação em Relações Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: sadepinho@uol.com.br. 2 Centro de Referência de Direitos de LGBT e Enfrentamento à Homofobia no Estado da Paraíba. 3 Palavras-chave: Público LGBT; Movimento LGBT; Homofobia institucional; ONG’s; Relações Públicas. INTRODUÇÃO Após séculos de lutas, são notáveis as conquistas de negros, mulheres e homossexuais, as chamadas “minorias”. Tais conquistas se refletiram em diversas esferas, como o Trabalho, a Educação e a Justiça. Anteriormente reféns de diversos procedimentos que os aprisionavam e invisibilizavam, a exemplo do trabalho escravo, da restrição ao lar e aos filhos, e da reclusão para evitar a discriminação e o preconceito, estes personagens mostram empoderamento e ocupam papéis de destaque na sociedade. Refletir sobre lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais significa pensar em públicos que conquistaram direitos fundamentais e que possuem instituições que atuam em suas proteções. Alguns desses direitos são a possibilidade de união civil e a adoção de crianças, o tratamento para mudança de sexo oferecido gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS) e a vigência da Lei nº 9.029/95, que coíbe condutas discriminatórias nas relações de trabalho. Os protestos de Stonewall nos Estados Unidos são considerados como os atos catalisadores para a gênese do movimento LGBT em vários países. No dia 28 de junho de 1969, uma blitz policial ocorreu no bar Stonewall In, localizado numa região conhecida como Village, na cidade de Nova York. Os policiais realizaram algumas detenções e um deles teria agredido uma lésbica com uma pancada na cabeça. Tal atitude foi o estopim para que a mesma incitasse uma rebelião, que contou com a adesão dos presentes no local. Após o fato, outras manifestações ocorreram até o dia 02 de julho do mesmo ano, assinalando um marco para o público homossexual, pois representava o fim da passividade a que se submetiam. De acordo com Silva (2011, p.40): “os acontecimentos de Stonewall deram início a uma nova fase do movimento lesbigay marcada por uma transformação política tanto no que se refere às estratégias e pautas do movimento quanto em relação ao seu conteúdo ideológico”. 1089 No Brasil, existe um acordo entre alguns pesquisadores que o pontapé inicial para a consolidação do movimento organizado de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais ocorreu no país a partir do surgimento do Grupo Somos e do Jornal Lampião, primeira publicação destinada ao público homossexual a ser comercializada em bancas de jornais e revistas, na década de 70 (COTTA, 2009; FACCHINI e FRANÇA, 2009). Atualmente, observa-se uma ampla repercussão midiática em relação à temática LGBT, seja pela discussão acerca de direitos, por propostas de candidatos na campanha eleitoral brasileira do ano de 2014 ou pela grande ocorrência de crimes contra gays, lésbicas, travestis e transexuais. Uma parte significativa destes crimes ocorre no âmbito das instituições e recebem a denominação de homofobia institucional, que pode ser definida mais detalhadamente como: “formas pelas quais instituições discriminam pessoas em função de sua orientação sexual ou identidade de gênero presumida” (BRASIL, 2011, p.9). Portanto, aos desrespeitá-los, estas organizações não têm consciência da importância destes públicos. Por outro lado, percebendo o crescente potencial de consumo dos LGBTs, algumas organizações têm trabalhado no desenvolvimento de ações específicas para estes, estejam eles compondo o público interno (colaboradores) ou o público externo (consumidores). Segundo Nucci (2014), esta parcela populacional movimenta cerca de R$ 150 bilhões por ano no Brasil e corresponde a 10% da população nacional, conforme o último senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como sistemas abertos, que influenciam e recebem influências do ambiente externo, as organizações não podem se privar de dialogar com as questões sociais do seu entorno. O contexto atual é marcado pela imprevisibilidade e por ameaças, o que torna as organizações cada vez mais vulneráveis aos fatores externos. Em meio a essas incertezas, pensando em sobreviver, elas devem passar a adotar um pensamento menos linear e mais estratégico (FERRARI, 2011). A lógica econômica que domina a visão do mercado deve ser gradativamente substituída por uma nova postura que vá além dos lucros e considere relevantes as questões sociais. Fatores como qualidade de produtos e serviços, preço competitivo, atendimento ágil e cordial e divulgação consistente não se constituem mais como grandes diferenciais, é preciso considerar outras possibilidades para a construção de uma boa reputação. 1090 Ferrari (2011) ainda acrescenta que questões como responsabilidade social, desenvolvimento sustentável, direito do consumidor e exercício pleno da cidadania devem estar presentes nos objetivos estratégicos das organizações. Logo, o ideal é que não se restrinjam a algumas ações isoladas e sim estejam na filosofia de atuação, ou seja, no que elas são, em como atuam e nos discursos que adotam. Neste sentido, a quantidade de iniciativas organizacionais voltadas ao público homossexual foi se ampliando a partir dos anos 2000 e despertou a atenção de entidades como o Instituto Ethos de Responsabilidade Social (2013) que lançou um manual intitulado “O compromisso das empresas com os direitos humanos LGBT” com diretrizes para o desenvolvimento de ações do tipo, assim como alguns cases de sucesso. Em meio a multinacionais do porte da Google, da Walmart e da P&G, instituições brasileiras, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal também se destacam neste sentido. O Banco do Brasil menciona em sua carta de princípios o empenho no combate a atitudes segregatícias de diversas ordens: “Repelir preconceitos e discriminações de gênero, orientação sexual, etnia, raça, credo ou de qualquer espécie” (BANCO DO BRASIL, 2014). Além disso, a instituição realizou em 2013 a campanha “Financiamento Imobiliário para casais do mesmo sexo: no Banco do Brasil você pode”, em que defendia a igualdade de direitos para este público ao conceder a ele um benefício já oferecido aos casais heterossexuais. Já a Caixa Econômica Federal foi além e implementou diversas ações para o público LGBT interno e externo, a exemplo da criação da licença-adoção para casais em união homoafetiva e o patrocínio à Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. A instituição também contempla os casais homoafetivos em sua política de benefícios trabalhistas desde 2006: “A medida permitiu que funcionários incluíssem seus companheiros homossexuais e os filhos dessa união no plano de saúde corporativo e plano de previdência privada, entre outras coisas” (INSTITUTO ETHOS, 2013, p. 69). Diante desse panorama, esse estudo aborda o papel do profissional de relações públicas na gestão do relacionamento com o público LGBT nas organizações. Segundo Murade (2007, p. 151), as Relações Públicas “[...] por meio da comunicação, possibilitam a persuasão dos grupos e a viabilização do consenso para as práticas organizacionais, 1091 sob o argumento da harmonia social e da compreensão mútua”. Fortes (2003) ratifica a opinião de Murade ao afirmar que essa atividade corrobora para a melhoria da compreensão e da colaboração entre as instituições e os grupos sociais vinculados a elas, promovendo a harmonização dos interesses. Integram as funções das Relações Públicas: pesquisa, planejamento, assessoria, consultoria, execução e avaliação. Na pesquisa levantam-se as primeiras informações sobre a organização-cliente e percepções dos públicos sobre ela. Constitui-se como uma etapa primordial, pois é nela em que são verificados os problemas de relacionamento que podem comprometer o pleno funcionamento e os objetivos da instituição. Além disso, tem como objetivos, segundo Kunsch (2003, p. 278): [...] construir diagnósticos da área ou do setor de comunicação organizacional/institucional; conhecer em profundidade a organização, sua comunicação e seus públicos para a elaboração de planos, projetos e programas especiais de comunicação; fazer análise ambiental interna e externa, verificando quais implicações que possam afetar os relacionamentos. O processo das Relações Públicas, na sua fase de planejamento estabelece que devam ser elaborados programas, projetos e ações, observando a especificidade de cada caso, com a finalidade de auxiliar na superação das deficiências apontadas na pesquisa. Em suma, é um trabalho que visa facilitar a realização de ações futuras, arquitetando-as de acordo com o que se almeja. É algo impossível de se conceber de forma isolada, uma vez que deverá sempre estar ligado a algum contexto, permeando situações cotidianas da vida de pessoas, grupos e instituições, sejam públicas, privadas ou da sociedade civil (KUNSCH, 2003). Já o exercício da assessoria e da consultoria corresponde ao suporte à administração com o fornecimento de informações e conselhos, é primordial na interpretação de cenários e tendências do mercado e do ambiente social como um todo. A função de execução, por sua vez, se ocupa da realização plena dos programas, projetos e ações de comunicação estabelecidos no planejamento. Por fim, a função de avaliação, com base em técnicas e instrumentos de pesquisa e mensuração, identifica possíveis falhas e aponta se os objetivos foram alcançados. 1092 O PERCURSO METODOLÓGICO Para a viabilização do trabalho, realizou-se uma pesquisa bibliográfica junto a obras de autores que versam sobre a constituição do movimento LGBT no Brasil, os direitos desta população, assim como as teorias e fundamentos das Relações Públicas. Neste último tema, deu-se prioridade a estudos que tratassem das Relações Públicas Comunitárias, vertente que aborda a contribuição da área para o fortalecimento da cidadania dos grupos populares e da atuação das organizações da sociedade civil e do terceiro setor. Inicialmente foram levantados a partir de uma pesquisa documental, os casos de homofobia institucional ocorridos no período compreendido entre os anos de 2011 a 2013, na cidade de João Pessoa/PB. Os documentos analisados foram os relatórios do Disque 100 (Disque Direitos Humanos), serviço do governo federal para a realização de denúncias acerca da violação dos direitos humanos. A coleta de dados aconteceu em dois períodos distintos, entre o final do mês de maio e o começo do mês de junho de 2014 e foi empreendida no Espaço LGBT (Centro de Referência dos Direitos de LGBT e Enfrentamento à Homofobia na Paraíba), órgão mais antigo mantido pelo Governo do Estado para o atendimento jurídico de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Por fim, no mês de outubro de 2014, uma pesquisa de campo foi desenvolvida junto a duas das três organizações do terceiro setor que atuam na defesa dos direitos do público LGBT no Estado da Paraíba, localizadas na capital João Pessoa. Foram elas: Movimento do Espírito Lilás (entidade representativa dos gays) e Grupo Maria Quitéria (entidade representativa das lésbicas). A pesquisa não foi desenvolvida na Associação dos Travestis e Transexuais do Estado da Paraíba (Astrapa) devido a dificuldade, após sucessivas tentativas, de obter junto aos seus membros as informações necessárias à pesquisa. Buscaram-se depoimentos acerca dos casos de homofobia institucional, e também opiniões referentes às instituições que têm como objetivo prestar assessoria jurídica e psicológica ao público LGBT. Durante esta etapa foram realizadas entrevistas semiabertas com um membro de cada ONG, totalizando dois entrevistados. Este tipo de entrevista segue um roteiro de 1093 questões que pode ser alterado no momento de sua aplicação, pois a argumentação do entrevistado pode suscitar outros questionamentos. Os dados foram tratados posteriormente mediante o método da análise de conteúdo. Considerado um método quanti-quali por possuir natureza quantitativa e qualitativa, a análise de conteúdo pode se aproximar mais de uma abordagem ou de outra, dependendo dos anseios do pesquisador. Em meio a variadas propostas de utilização, optou-se por utilizar a proposição da autora francesa Laurence Bardin (1988), em que divide o método em três etapas: pré-análise (planejamento do trabalho e escolha dos documentos), exploração do material (análise dos dados e codificação) e tratamento dos resultados e interpretações (divisão dos dados codificados em categorias e inferências sobre tais). Sendo assim, estabeleceram-se quatro categorias. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS Este tópico contém a apresentação e a interpretação dos dados coletados através da pesquisa documental realizada no Espaço LGBT e da pesquisa de campo desenvolvida junto às organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos e da cidadania da população LGBT na Paraíba. Nas ONG’s, os entrevistados foram a coordenadora administrativa do Grupo Maria Quitéria e o coordenador de projetos e ex-vice-presidente do Movimento do Espírito Lilás (MEL), ambos com bastante tempo de atuação e descritos aqui, por uma questão de garantia da privacidade dos sujeitos da pesquisa, pelos códigos E1 e E2, respectivamente. Conflitos entre as organizações e o público LGBT em João Pessoa Os relatórios pesquisados não apresentam uma definição comum para os tipos de violência registrados, cada caso é descrito conforme as suas especificidades. Percebeu-se, no entanto, que a maioria das ocorrências de negligência diz respeito à recusa de atendimento por parte de funcionários ou servidores ou mesmo a conivência de superiores que, tendo conhecimento do desrespeito à população LGBT, não tomam medidas para combatê-lo nas instituições. Já os casos de discriminação e agressão psicológica são apresentados como sinônimos e indicam a emissão de xingamentos e termos homofóbicos, como “viado”, “sapatão”, entre outros. 1094 As ocorrências envolvendo travestis e transexuais representaram um total de 17 denúncias, constituindo-se como a maioria dos 31 casos registrados em tais relatórios, o que pode ser compreendido pelo fato dessas pessoas externarem de forma mais clara as suas orientações sexuais e identidades de gênero, diferentemente de gays e lésbicas, que possuem mais facilidade para ocultar tais condições. Cinco dessas denúncias feitas por travestis e transexuais diz respeito a condutas negligentes no reconhecimento dos seus nomes sociais, isto é, no direito à utilização dos nomes pelos quais se intitulam no dia a dia em documentos como cadernetas escolares, crachás, etc. A Portaria n° 3844 da Prefeitura Municipal autoriza o reconhecimento do nome social em serviços públicos do município de João Pessoa, o que torna ainda mais grave a postura da Universidade Federal da Paraíba (3)5, do Instituto Federal da Paraíba (1) e do Hospital Clementino Fraga (1), instituições sobre as quais incidem as referidas denúncias. Aliás, observou-se que 24 casos de preconceito, portanto a grande maioria, ocorrem em órgãos públicos, havendo também algumas denúncias ocorridas em empresas. Contudo, estas se apresentam em número bastante reduzido, apenas sete. Tal fato revela o já conhecido descaso destas instituições públicas no atendimento à população e o despreparo de seus servidores para lidar com a diversidade humana. Ainda mais alarmante é o fato de grande parte dessas instituições, mais especificamente sete delas, serem da área da saúde, revelando que num serviço público básico do qual se espera um atendimento humanizado e uma assistência igualitária para todos que o requisitarem, ocorrem flagrantes desrespeitosos a direitos tão essenciais. Todavia, é sobre as instituições públicas da área de educação que recaem a maior parte das denúncias encontradas, num total de nove. As organizações públicas, assim como as demais, possuem a obrigação de tratar com dignidade e respeito todos os públicos para os quais oferecem os seus serviços. Uma denúncia de agressão ou negligência a Disponível em: <http://www.abglt.org.br/docs/Portaria_384_2010_Joao_ Pessoa.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2014. 4 Quantidade de denúncias relacionadas ao não reconhecimento do nome social por instituição. 5 1095 uma pessoa LGBT pode, caso venha a ser comprovada, ocasionar severas punições aos envolvidos. Tais ocorrências podem reverberar para toda a sociedade, tornando-se de domínio dos movimentos sociais, que se articulam para realizar diferentes formas de manifestações que via de regra acabam repercutindo na mídia, provocando efeitos danosos à reputação das instituições envolvidas, sobretudo numa cidade como João Pessoa, que possui organizações da sociedade civil que atuam já há diversos anos pela defesa dos direitos da população homossexual, o que pode ser constatado a seguir na análise dos dados da pesquisa de campo. ANÁLISE DAS CATEGORIAS A partir da proposta metodológica de Bardin (1988), estabeleceram-se quatro categorias de análise. São elas a consolidação do movimento LGBT em João Pessoa, a atuação do movimento LGBT em João Pessoa contra a homofobia institucional, as medidas adotadas pelas organizações de João Pessoa para evitar o preconceito contra o público LGBT e por fim, as contribuições possíveis para o enfrentamento da homofobia institucional. CONSOLIDAÇÃO DO MOVIMENTO LGBT EM JOÃO PESSOA Na categoria 1 foram analisadas as declarações sobre o surgimento e a estabilização das ONG’s que lutam pela causa LGBT em João Pessoa, que segundo E2 caracterizam-se como “mongas”, uma mistura de movimentos sociais com ONG’s, que além de cumprir ações pontuais, tem o papel de “atuar como sociedade civil organizada, cobrando direitos, cobrando leis, cobrando coisas dos governos”. Foi constatado que a organização pioneira que defende o público LGBT na cidade de João Pessoa, o Movimento do Espírito Lilás, teve origem na década de 90, num período marcado pela extinção de diversos grupos de ativistas no Sudeste e constituição de novos grupos no Nordeste, representados principalmente pelo Grupo Gay da Bahia, organização até hoje reconhecida como uma das mais atuantes neste sentido. O Grupo Maria Quitéria, por sua vez, surgiu uma década depois com o objetivo de mobilizar-se diante de pautas mais específicas relacionadas às mulheres lésbicas. Segundo E1: “nós enquanto mulheres tínhamos o nosso empoderamento, os nossos problemas e não tinha mais 1096 como dialogar entre os problemas dos outros segmentos. Os problemas são muito distintos”. A existência dessas ONG’s e o fato de que sempre estiveram unidas sinalizam a forte representação que o público LGBT possui na capital paraibana. De acordo com E2, em 23 anos de atuação do movimento LGBT no Estado da Paraíba, as conquistas ainda são incipientes, porém significativas: “cela no presídio [...] Espaço LGBT, Conselho Estadual, Lei Municipal, Secretaria...”. Isso evidencia a organização política e o potencial de mobilização destas organizações que conforme E2, levam as demandas desse público para os governos e permanecem fazendo pressão até que suas reivindicações sejam atendidas. A articulação política destes movimentos pode ser notada ainda na participação estratégica das ONG’s na campanha eleitoral do ano de 2014, apoiando os candidatos que têm priorizado o atendimento às suas reivindicações numa tentativa de garantir a continuidade dos avanços já conquistados historicamente. De acordo com E2, o público LGBT já não é mais uma minoria e mesmo aquelas pessoas que não assumem a sua orientação sexual, tendem a apoiar candidaturas que contemplem a questão LGBT em suas propostas. Logo, “isso pesa para os outros candidatos, com certeza, e talvez numa próxima eleição eles pensem duas vezes antes de desfavorecer o segmento LGBT”. Outro sinal da articulação entre os movimentos da cidade é a realização de ações em conjunto, a exemplo do Dia do Orgulho LGBT e do Dia do Combate à Homofobia, que têm dado visibilidade à causa por meio da exposição na mídia local, como também auxiliado no reconhecimento de direitos desse público específico. ATUAÇÃO DO MOVIMENTO LGBT EM JOÃO PESSOA CONTRA A HOMOFOBIA INSTITUCIONAL Na categoria 2 foram avaliadas as ações desenvolvidas pelas organizações da sociedade civil que compõem o movimento LGBT de João Pessoa no tocante ao problema da homofobia institucional. De acordo com E1, existe uma demanda por uma atuação no combate a este tipo de preconceito, logo esta categoria se destina a discutir se o que vem sendo feito está atendendo a esta demanda ou não. 1097 De acordo com as declarações de E1 e E2, as ONG’s encaminham os casos para os órgãos protetivos dos governos estadual e municipal, principalmente o Espaço LGBT, por ser o órgão mais antigo do Estado que trabalha na assistência jurídica à população homossexual. E2 ainda revelou o empenho de sua instituição na divulgação destas políticas públicas, a exemplo da Lei Estadual nº 73096, que protege a população LGBT contra preconceitos no âmbito das instituições e do Disque 100 (Disque Direitos Humanos). O registro das denúncias pelo Disque 100 torna-se ainda mais importante, pois segundo E2: “É uma forma de a gente fazer desses casos, estatísticas e transformar essas estatísticas em provas para conseguir obter políticas”. Com a posse dos relatórios deste serviço, estas organizações da sociedade civil têm argumentos contundentes para pressionar o poder público, que responde as reivindicações com a elaboração de políticas públicas direcionadas ao público homossexual. Outra ação importante, abordada por E1 é a realização de cursos de capacitação para os profissionais do serviço público no que se refere ao atendimento da população LGBT. Ao mencionar um curso que ocorreu no Centro de Referência de Mulheres do Estado da Paraíba, instituição que presta assistência jurídica e psicológica à população feminina, E1 comenta: “O atendimento da mulher lésbica e bissexual é diferente do atendimento de uma mulher heterossexual porque ela já vem acompanhada da lesbofobia e bifobia também”. Devido ao caráter da instituição, pressupõe-se que ela já tenha em seus valores e princípios operacionais a sensibilização para atuar junto a esse perfil de pessoas, porém E1 enfatiza a relevância dessas ações para a construção de um atendimento mais especializado e humanizado. Segundo o artigo 2, inciso 1 da referida lei, constitui ato de discriminação em razão da orientação sexual: “impedir ou dificultar acesso, recusar o atendimento ao usuário, cliente ou comprador, em estabelecimentos públicos ou particulares”. De acordo com o inciso 10 do mesmo artigo, também se constitui como discriminação por orientação sexual: “negar emprego, demitir sem justa causa, impedir ou dificultar a ascensão profissional na iniciativa pública ou privada”. A Lei ainda prevê em seu artigo 4 sanções como multa, suspensão ou cassação do alvará ou autorização do funcionamento para as instituições que a infringirem. Disponível em: <http://www.abglt.org.br/docs/Lei7309Paraiba. pdf>. Acesso em: 25 nov. 2014. 6 1098 Entretanto, a essência e a atuação das organizações da sociedade civil “cujos programas objetivam atender direitos sociais básicos e combater a exclusão social...” (SZAZI apud ROQUE, 2007, p. 238) implica além de uma atuação preventiva com base na capacitação e conscientização, na necessidade de uma atuação mais firme e combativa, vista principalmente na atuação do MEL num caso ocorrido em um dos shoppings centers da capital paraibana. Em parceria com a Comissão de Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo da OAB/PB7, a ONG organizou um ato intitulado por “Beijaço” no referido shopping. Conforme matéria do site Paraíba Urgente8, o Movimento protestou devido a um comentário homofóbico proferido pela proprietária de um dos estabelecimentos comerciais e também esposa de um dos donos do shopping que teria dito que beijos entre homossexuais deveriam ser proibidos no interior daquele recinto. Ainda segundo a matéria, a acusada negou ter feito os comentários, mas admitiu que os seguranças eram orientados a pedir para que os homossexuais parassem de se beijar, devido a presença de crianças naquele local. MEDIDAS ADOTADAS PELAS ORGANIZAÇÕES DE JOÃO PESSOA PARA EVITAR O PRECONCEITO CONTRA O PÚBLICO LGBT A categoria 3, por sua vez, analisou as ações direcionadas ao público LGBT que são desenvolvidas pelas empresas locais. E1 e E2 concordam que não existem empresas que desenvolvam ações específicas voltadas ao público LGBT na cidade de João Pessoa. Algumas ações pontuais foram mencionadas, como a realização de campanhas de combate ao preconceito e de reconhecimento do relacionamento homoafetivo pela empresa de call center AeC e pela Floricultura Paraíso das Flores, respectivamente. Porém, nenhuma dessas empresas possui um projeto consistente nesse sentido, se limitando a desenvolver apenas ações e/ou campanhas pontuais para este tipo de público. A contratação de travestis e transexuais pela empresa AeC ainda foi mencionada pelos en7 Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Paraíba. Disponível em: <http://www.paraibaurgente.com.br/s/destaque/movimento-lgbt-realiza-beijaco-em-protesto-neste-domingo-no-shopping-tambia>. Acesso em: 25 nov. 2014. 8 1099 trevistados, mas esta postura não se constitui como uma ação pujante nesse sentido, pois é mais que justo que tais indivíduos sejam contratados caso possuam as competências necessárias para o preenchimento de determinadas vagas de emprego. No entanto, é importante notar que diante das dificuldades encontradas por esse público para conseguir empregos formais, as empresas que absorvem a sua mão de obra acabam sendo reconhecidas. AS CONTRIBUIÇÕES POSSÍVEIS PARA O ENFRENTAMENTO DA HOMOFOBIA INSTITUCIONAL Para finalizar, a categoria 4 diz respeito às declarações sobre possíveis contribuições para o combate à homofobia institucional. A pouca quantidade de sugestões assinala que esta problemática é algo ainda novo para os integrantes das ONG’s pesquisadas. A denúncia, a divulgação e o aconselhamento pela procura dos serviços públicos foram indicados, porém são iniciativas básicas e que se aplicam a qualquer caso de homofobia, não só aos problemas ocorridos em instituições. Já a capacitação está diretamente ligada à busca pelo aperfeiçoamento no relacionamento entre profissionais e usuários dos serviços. Contudo, tal esforço só ocorre, segundo E1, em organizações públicas. Em nenhum momento E1 e E2 mencionaram atuar, estando à frente de movimentos de defesa dos direitos da população LGBT, junto às empresas locais com o intuito de conscientizá-las sobre as dificuldades encontradas por travestis e transexuais para ingressar no mercado de trabalho ou mesmo para alertá-las sobre os benefícios que estas poderiam obter desenvolvendo projetos e ações voltadas ao público LGBT. Isto denota que faltam às ONG’s um conhecimento mais específico sobre o tema que em face da sua enorme importância não pode ser ignorado ou negligenciado pelas organizações. A CONTRIBUIÇÃO DAS RELAÇÕES PÚBLICAS NESTE CENÁRIO Como pode ser constatado, os movimentos sociais que defendem o segmento LGBT na cidade de João Pessoa são bastante articulados, representando um risco para as organizações locais que desrespeitarem os direitos deste público ou que não o contemplem em suas decisões. Além disso, a ocorrência significativa de denúncias sobre homofobia institucional na cidade de João Pessoa nos últimos três anos 1100 torna evidente a necessidade do estabelecimento de ações de relações públicas especialmente voltadas para o público LGBT nas organizações locais. Tal estado de coisas diz respeito não somente ao setor privado, mas também está relacionado às instituições públicas, sobre as quais se espera um comprometimento ainda maior com a prestação de serviços para a população sem qualquer tipo de distinção de raça, cor, orientação sexual ou identidade de gênero. Tomando-se como princípio os pressupostos das Relações Públicas Comunitárias, elas deveriam se posicionar claramente pela diminuição das desigualdades sociais e promoção de uma cultura de respeito e valorização das minorias. O coordenador de projetos da ONG Movimento do Espírito Lilás mencionou, durante a entrevista, que a educação das pessoas no que diz respeito a questões voltadas para a orientação sexual e a identidade de gênero é um quesito que precisa avançar. É exatamente aí que as Relações Públicas podem contribuir muito com projetos e ações para transformar esta realidade. Oliveira (2007) ressalta a possibilidade de atuação do profissional dessa área elaborando projetos educativos, que podem ser capazes de resgatar a valorização do público LGBT tanto no âmbito interno como externo às organizações. Segundo a autora, estas iniciativas podem ser realizadas no âmbito de instituições de ensino ou até mesmo nas próprias organizações. A elaboração de cartilhas, boletins informativos, materiais audiovisuais, cursos, entre outros instrumentos, são alguns exemplos de ações que, dentro de estratégias de distribuição e comunicação, podem ser empregados por este profissional. Ainda segundo a autora: a elaboração de projetos sociais, seja por parte das entidades sociais, seja por parte das empresas, como também dos órgãos governamentais, pode contar com a assessoria do profissional de relações públicas, apto a planejar e desenvolver a parceria entre os diversos setores da sociedade (OLIVEIRA, 2007, p. 188). A atividade de Relações Públicas também pode ser especialmente desenvolvida nas organizações do terceiro setor, a exemplo do Movimento do Espírito Lilás e do Grupo Maria Quitéria. O profissional pode utilizar do seu conhecimento para pressionar o poder público com a finalidade de conquistar políticas públicas, divulgando notícias e ma1101 teriais informativos sobre as estatísticas dos crimes ocorridos contra a população LGBT, gerenciando páginas na internet e elaborando materiais em outros meios como ferramenta para mobilização de atos e protestos. A atuação pode se estender também aos empresários da cidade, alertando-os sobre os problemas para a inserção no mercado de trabalho de alguns segmentos da população LGBT; sugerindo políticas de recursos humanos como reserva de cotas, benefícios familiares estendidos a funcionários que tenham parceiros do mesmo sexo; realizando campanhas contra a homofobia institucional, etc. Há ainda a possibilidade de contribuir com ações para a captação de recursos, mostrando para possíveis doadores o valor e a importância das causas ou como os próprios membros das ONG’s chamam, as suas “bandeiras de luta”. Mais do que satisfazer apenas as aspirações de determinados segmentos de públicos, essa vertente das Relações Públicas está particularmente preocupada com as questões sociais de uma forma geral, assumindo um compromisso com os direitos humanos e trabalhando pela igualdade de oportunidade para todos. Ela enxerga no homem a possibilidade de contribuir para a construção de uma sociedade justa e livre, observa as desigualdades sociais e os contrastes entre as classes e acredita nas oportunidades de mudança e na sociedade civil como propulsora destas, auxiliando dessa maneira a construir uma nova hegemonia (PERUZZO apud MURADE, 2007). CONSIDERAÇÕES FINAIS As décadas de lutas e pressões exercidas por ativistas impulsionaram a formação de um movimento LGBT consistente e atuante e, por consequência, a conquista de vários direitos nos campos do Trabalho, Educação, Justiça, entre outros. Entretanto, as violações a esses direitos são constantes, a exemplo da ocorrência de inúmeros casos de homofobia institucional. Nesse sentido, a pesquisa constatou a ocorrência de uma quantidade significativa de casos de homofobia institucional na cidade de João Pessoa/PB, revelando o despreparo das organizações locais para lidar com a diversidade de crenças e condições sexuais. Tais ocorrências estão ligadas, na maioria dos casos a instituições públicas da área de Saúde e da Educação, algo que se revela ainda mais alarmante. 1102 Em algumas oportunidades, os movimentos sociais de João Pessoa se posicionaram e realizaram atos em protesto a posturas discriminatórias de empresas locais, provocando grande repercussão negativa para estas organizações na mídia, seja ela impressa, televisiva ou digital. Apesar da articulação do movimento LGBT da cidade e da ação combativa nestes casos, observou-se que a atuação ainda é incipiente no sentido de ir ao local da ocorrência, dialogar com os empresários e gestores locais e conscientizá-los da importância deste público. Neste contexto, a atuação do profissional de relações públicas é de fundamental importância, pois este é o responsável por gerenciar o relacionamento de uma organização com seus diversos públicos de interesse. Na elaboração do planejamento estratégico de relações públicas, ele pode sugerir uma política de comunicação direcionada à promoção da diversidade, com projetos e ações voltados para os funcionários, tornando o ambiente de trabalho mais flexível e aberto a mudanças. Tal esforço pode também ser direcionado para os consumidores, impulsionando uma maior identificação destes com os produtos e/ou serviços oferecidos pelas empresas. Há possibilidades de atuação também junto aos movimentos sociais e à sociedade civil organizada que lutam pela causa LGBT, onde há espaço para desenvolver ações e estratégias com a finalidade de pressionar o poder público para atender as reivindicações dessas entidades, assim como também para auxiliar na captação de recursos, algo fundamental para a sobrevivência destas ONG’s. Em todas essas situações, a atuação das Relações Públicas estará contribuindo para o despertar de uma consciência social nas organizações, fazendo com que estas passem a combater um problema cada vez mais atual e preocupante: a discriminação. REFERÊNCIAS BANCO DO BRASIL. Carta de princípios. Disponível em: <http://www. bb.com.br/portalbb/page3,136,9083,0,0,1,8.bb>. Acesso em: 22 out. 2014. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1988. BRASIL. Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2011. Brasília, DF: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2012. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/ pdf/relatorio-violencia-homofobica-2011-1>. Acesso em: 03 mar. 2014. 1103 COTTA, Diego. Estratégias de visibilidade do movimento LGBT: Campanha Não Homofobia! – Um estudo de caso. Monografia (Graduação em Comunicação Social – Jornalismo). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Comunicação, 2009. 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Memória, Consciência e Políticas Públicas: as Paradas do Orgulho LGBT e a construção de políticas públicas inclusivas. In: Revista Electrónica de Psicologia Política. San LuisArgentina, ano 9, n. 27, 2011, p. 127-158. Disponível em: <http://www.psicopol.unsl.edu.ar/abril2012-nota09-Memoria,%20conciencia%20y%20 pol%EDticas%20publicas-el%20papel%20de%20las%20marchas%20 del%20orgullo%20LGBT.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2014. 1105 |5| A GESTÃO DA ÉTICA ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO DO RELACIONAMENTO ENTRE A EMPRESAS DA CONSTRUÇÃO CIVIL DE LONDRINA-PARANÁ E SUAS COMUNIDADES. Débora Maria Facci Cardoso1 e Zilda Aparecida Freitas de Andrade2 RESUMO A gestão do relacionamento entre organização e comunidade ganha cada vez mais destaque no contexto empresarial. Em vista deste crescimento, o projeto de Pesquisa de Iniciação Científica foi desenvolvido com o propósito de identificar e analisar de que forma se dá a gestão da ética organizacional, sob a perspectiva da comunicação – e aplicação das relações públicas – no contexto da relação empresa e comunidade. O estudo teve como principal objeto de análise a atuação das empresas de engenharia civil de Londrina/PR, no que se refere a aplicação do código de ética organizacional e ações desenvolvidas no contexto do relacionamento com as suas comunidades. Constatou-se que as empresas mencionadas preocupam-se com práticas corretas e benéficas a todos. Palavras-chave: Código de ética; Relacionamento com a comunidade; Relações Públicas. Discente do curso de Comunicação Social – Relações Públicas - da Universidade Estadual de Londrina-UEL. Autora do Projeto de Iniciação Científica “A gestão da ética organizacional no relacionamento entre as empresas da construção civil de Londrina – PR e suas comunidades”. E-mail: deborafacci@hotmail.com 1 Docente do curso de Comunicação Social – Relações Públicas - Universidade Estadual de Londrina - UEL. Orientadora do Projeto de Iniciação Científica. E-mail: zilda@uel.br 2 INTRODUÇÃO A globalização das informações e comunicação, as contínuas mudanças sociais e inúmeros efeitos que com estes florescem, encaminharam as organizações a repensarem e reestruturarem diversas de suas ações e políticas. A gestão do relacionamento com os públicos, com base em uma comunicação eficaz, se torna essencial para o sucesso e bom desenvolvimento das atividades, formação de imagem e relações empresariais. Com isso, as organizações percebem, cada vez mais, a relevância de um programa de Relações Públicas com seus públicos, especialmente com a comunidade, público este que merece destaque. O bom relacionamento com a comunidade gera grandes benefícios às partes envolvidas, mesmo quando estas possuem objetivos distintos – como muitas vezes ocorre entre empresa e comunidade. Para a organização, ao primeiro olhar, o objetivo principal é se fazer conhecer perante a comunidade. Mostrar sua missão, valores e metas, atividades, como opera, enfim, o que ela é. Podendo a partir deste conhecimento, corrigir conceitos errôneos sobre si, e assim, consequentemente, se aproximar da comunidade e obter apoio à sua atuação. Entretanto, antes mesmo de almejar tais objetivos – a aceitação e a colaboração da comunidade – é fundamental que a organização construa um relacionamento com base em um verdadeiro comprometimento e interesse no desenvolvimento da comunidade. É necessário conhecer as reais necessidades, os costumes, cultura, valores, anseios e atuar junto a este público de maneira ética e responsável, com a consciência do papel social das organizações na sociedade. As organizações devem atuar não de forma paternalista ou de mera assistência financeira, mas sim, atentas e dedicada à promoção e formação cultural, política, educacional, à melhoria da saúde e segurança da comunidade. Como reflete Elizete Passos (2013, p. 62): Inicialmente é preciso reconhecer que as empresas são sistemas sociais e, portanto, além de possuírem e seguirem teorias e técnicas, também se constituem em um sistema de valores e crenças. Elas devem pôr em funcionamento o pa1107 trimônio cultural de um país e de um povo, sob pena de não concretizarem o que a priori é sua principal funcionalidade: o desenvolvimento social e econômico. Para isto são necessárias políticas e princípios que pautem e direcionem as ações e relacionamentos organizacionais. Neste sentido, encontramos no Código de ética uma ferramenta importante para tal fim. O Código de ética é uma ferramenta que formaliza e reúne as diretrizes e orientações que regem a filosofia, as ações e a forma como se dão os relacionamentos entre uma organização e os seus públicos. O código de ética é um meio de informar os valores, a missão e os princípios da organização para todos os públicos. A filosofia organizacional expressa no código orienta as ações dos colaboradores, auxilia a alta administração na tomada de decisão e dá as diretrizes aos relacionamentos. Para os públicos, o código de ética pode ser utilizado para analisar as intenções da organização com todos os seus públicos [...]. (ANDRADE, 2010, p. 83) Faz se necessário salientar que, a ética não pode ser tratada como uma estratégia competitiva ou de formação da boa reputação, mas sim como um posicionamento que permeie todos os indivíduos e ações da organização. Portanto, a relação com a comunidade deve ser fundamentada em uma conduta ética, com base no código de ética organizacional e na sua aplicação, e que objetive o real desenvolvimento e valorização de toda a comunidade. E que fique claro às organizações que não se trata apenas de possui papéis e quadros nas paredes que defendam uma posição ou qualificação ética, mas sim, que seus posicionamentos sejam expressos na prática, por meio de ações socialmente responsáveis e verdadeiras. Nota-se, portanto, a relevância da gestão do relacionamento com a comunidade. Neste sentido, como proposta do projeto de Iniciação Científica “A gestão da ética organizacional no relacionamento entre as empresas da construção civil de Londrina-PR e suas comunidades” foi aplicada a pesquisa visando compreender de que forma tem se desenvolvido a gestão do relacionamento entre empresas e comunidade, na região de Londrina – PR. Como também, identificar qual a utilização e importância do Código de ética e como se dá a atuação das Relações Públicas neste contexto. 1108 O estudo foi realizado junto às três principais organizações do setor de construção civil da região metropolitana de Londrina/PR, atuantes há mais de 40 anos na região. Tal seleção se deu com objetivo de desenvolver a pesquisa apenas com organizações consolidadas no mercado da cidade e que, consequentemente, devido ao tempo de atuação, devem (ou deveriam) possuir um relacionamento já estabelecido e fortalecido com seus públicos, especialmente com a comunidade. A pesquisa foi realizada a partir de uma abordagem dialética, portanto, qualitativa, tendo como técnicas a aplicação da entrevista em profundidade (semi aberta) com representantes de cada organização. Justifica-se a utilização da entrevista em profundidade por ser: [...] uma técnica dinâmica e flexível, útil para a apreensão de uma realidade tanto para tratar de questões relacionadas ao íntimo do entrevistado, como para descrição de processos complexos nos quais está ou esteve envolvido. É uma pseudoconversa realizada a partir de um quadro conceitual previamente caracterizado [...]. (DUARTE, 2006, p. 64). A aplicação da entrevista em profundidade ocorreu no período de julho a setembro de 2014, e obteve a colaboração e abertura de todas as empresas contatadas. Porém, é preciso destacar, que das três organizações selecionadas para a entrevista, com apenas uma delas foi possível a realização da entrevista pessoalmente, com as demais, o roteiro foi enviado e respondido por e-mail. A entrevista pessoal se torna mais rica em detalhes devido a condução que o entrevistador pode realizar, contudo, as duas entrevistas feitas por e-mail não se desqualificam em sua utilidade e confiabilidade por atenderem as necessidades básicas da pesquisa. Anteriormente a aplicação da entrevista, foi realizada uma pesquisa bibliográfica a fim de levantar e revisar alguns conceitos e pressupostos teóricos acerca dos temas tratados. Esta revisão bibliográfica foi a base para a construção do roteiro da entrevista, como também compôs os fundamentos da perspectiva adotada na composição de todo o estudo. Portanto, apresenta-se a seguir, resumidamente, os principais eixos teóricos empregados, e em seguida, relata-se os resultados obtidos na pesquisa de campo. 1109 REVISÃO TEÓRICA E RESULTADOS As organizações são unidades intencionalmente construídas e administradas a fim de atingir objetivos específicos e pré-determinados, de maneira contínua, constituídas de diversos elementos, físicos, pessoais e subjetivos, que se relacionam em diversos níveis e de maneira complexa. Entretanto, além de seus objetivos finais, é necessário que as organizações, públicas ou privadas, sejam reconhecidas – e se reconheçam – como uma importante célula no desenvolvimento social e econômico de toda a sociedade a qual pertencem. Neste sentido, a atuação empresarial junto a todos os públicos a ela envolvidos é essencial e precisa de atenção e cuidados em todos os momentos. O público, de acordo com um dos principais autores de Relações Públicas, é: O agrupamento espontâneo de pessoas adultas e/ou de grupos sociais organizados, com ou sem contiguidade física com abundância de informações, analisando uma controvérsia, com atitudes e opiniões múltiplas quanto à solução ou medidas a ser tomadas frente a ela; [...] à procura de uma atitude comum, expressa em uma decisão ou opinião coletiva, que permitirá a ação conjugada. (ANDRADE, 1994, p. 32-34). Dentre estes grupos, destaca-se, principalmente no que se refere à atuação das organizações em sociedade – a comunidade. Comunidade é um conceito complexo e de múltiplos entendimentos, dado a sua grande abrangência e diferentes perspectivas pela qual pode ser analisada. Este termo é frequentemente utilizado em diversas áreas, aplicando lhe significados que vão desde grupos sociais organizados, sociedade em geral, ou determinados segmentos como “comunidade cristã”, “comunidade universitária”, “comunidade imigrante”, entre outros. Em Relações Públicas, a concepção dada ao termo, está relacionada não apenas com uma característica que distingue o grupo, mas sim com aspectos mais subjetivos e abrangentes. Segundo Fortes (1998, p. 63), a comunidade é: “Aglomerado de pessoas, que vivendo numa região, têm essencialmente uma coesão consistente, baseada no consenso espontâneo de seus integrantes e traduzida por atitudes de cooperação, em face de vantagens e ambições comuns”. Já Canfield (1970, p.197) afirma que, 1110 Comunidade é um grupo de pessoas que, por motivos de trabalho, entretenimento, culto religioso, estudo ou satisfações sociais, vive numa mesma área. A fim de satisfazer suas necessidades básicas de vida material, espiritual e social, as pessoas estabelecem, em cooperação com os seus conterrâneos, instituições de serviço social. Com base nestas referências, pode-se compreender que a comunidade constitui-se por indivíduos que possuem algum vínculo, seja ele físico, de trabalho, lazer, cultural, religioso, entre outros, e que encontram controvérsias e necessidades comuns, que precisam do diálogo, cooperação e ações conjugadas, discutidas coletivamente. A comunidade é um espaço de debate e satisfação das questões e objetivos comuns aos indivíduos envolvidos, por meio de decisões e ações tomadas e realizadas de maneira coletiva, que não depende exclusivamente da proximidade física. Além de organizações, relacionamento e comunidade, os conceitos sobre ética também são fundamentais. Desde a Grécia, a Ética vem sido estudada e definida por diversos autores. Com seu caráter subjetivo e abrangência de significados, é alvo de muitas reflexões até os dias atuais. Para Arruda, Whitaker e Ramos (2001, p.30): A Ética é a parte da filosofia que estuda a moralidade dos atos humanos, enquanto livres e ordenados a seu fim último. De modo natural, a inteligência adverte a bondade ou malícia dos atos livres, haja visto o remorso ou satisfação que se experimenta por ações livremente realizadas. Cabe sempre a dúvida, no entanto, sobre o que é o bem e o mal, ou porque tal ação é boa ou má. A resposta a tais questões conduz a um estudo científico dos atos humanos enquanto bons ou maus. É a Ética, o estudo científico e filosófico sobre o agir humano: é a ciência das ações humanas. Ao passo que as ações são praticadas em um contexto social (a sociedade) e que possuem, inevitavelmente, consequências, a Ética se estabelece como a reflexão acerca das práticas humanas, sob a perspectiva de compreender e buscar as respostas de se, e porque, uma ação é boa ou não. Reflexão esta, tanto em nível individual como coletivo. 1111 Assim como em sociedade, no ambiente organizacional a ética deve ser fundamentada e exercida. Existem inúmeras ferramentas gerenciais e estratégias de administração pessoal no que tange a ética das organizações. entre elas, o Código de ética. O Código de ética é, segundo Andrade (2010, p. 84), [...] um meio para informar os valores, a missão e os princípios da organização para todos os públicos. A filosofia organizacional expressa no código orienta as ações dos colaboradores, auxilia a alta administração na tomada de decisão e dá as diretrizes aos relacionamentos. Para os públicos, o código de ética pode ser utilizado para analisar as intenções da organização com todos os seus públicos. Internamente, o código de ética não pode simplesmente ser um instrumento de controle porque perde o seu valor, no sentido de dar condições aos indivíduos de escolher e se responsabilizar pelas suas ações. O código de ética é também denominado código de conduta por algumas organizações, mas objetiva essencialmente formalizar e agrupar as diretrizes e orientação que regem a filosofia, as ações e os relacionamentos de uma organização. Não deve se tratar, portanto, de regras e princípios definidos e impostos pela alta administração, mas sim uma união dos pensamentos e cultura de todos os membros, como que um patrimônio construído pela consciência ética de todos os níveis e públicos envolvidos à organização. Vale ressaltar, que em nenhum momento, o código de ética visa o controle e imposição sobre o agir dos indivíduos, mas sim, apresentar guias e critérios que colaborem para o agir de forma ética. Neste sentido, o papel do profissional de relações públicas se apresenta como de grande importância, haja visto que ele é capaz de unir seus conhecimentos sobre a gestão dos relacionamentos organizacionais com as diretrizes da organização (missão, visão, valores). E assim, juntamente da alta administração, em sintonia com todos os membros da empresa, auxiliar na elaboração do código de ética empresarial de maneira consoante com o que é e pensa a organização. Como afirma Passos (2013, p. 73), As organizações devem dedicar à ética o mesmo cuidado dispensado às questões ditas organizacionais, não só porque ela é 1112 condição de sobrevivência das mesmas, mas porque o ser humano deve ser seu valor maior, seja ele parte da estrutura interna da organização – gerente, funcionários e demais pessoas relacionadas à equipe de trabalho –, ou sua clientela externa – parceiros e clientes em geral, assim como toda a sociedade. É necessário que as organizações reconheçam o seu papel no desenvolvimento social, e atuem para tal. Haja vista que são sistemas sociais, e, portanto, constituídos dos valores e crenças de cada membro, as empresas devem trabalhar por meio de ações éticas e que elevem o ser humano, sua peça fundamental. Não podemos dizer que se trata de um caminho fácil, visto que envolve diferentes pensamentos e objetivos, no que tange os relacionamentos organizacionais, contudo, é possível e fundamental que a ética tenha cada vez mais espaço e significado nas organizações. ÉTICA ORGANIZACIONAL NO RELACIONAMENTO DAS CONSTRUTORAS E SUAS COMUNIDADES Após apresentarmos sobre os diversos conceitos e reflexões – ética, comunidade, código de ética e a importância da ética nas organizações – podemos compreender a necessidade e relevância, dentre todos os outros públicos, do relacionamento com a comunidade. Como abordado, as organizações devem, em seu código de ética e, assim, em todas as suas ações, atuar como um sistema social e célula fundamental no desenvolvimento social e econômico da sociedade. Esta atuação se torna ainda mais exposta quando tratamos da relação entre a organização e comunidade. O relacionamento com a comunidade pode se dar por meio de inúmeras ações e diversos objetivos, mas todas devem visar, como fim último e exclusivamente, a promoção humana e social de todo o grupo (e cada indivíduo). Deve ser uma relação que permita à organização ser reconhecida e compreendida, para que ganhe espaço e a cooperação da comunidade na busca por seus objetivos, ao mesmo tempo, em que a comunidade possa ser beneficiada e potencializada em todas as áreas possíveis, como também, tendo os seus objetivos e necessidades atendidos. Com a compreensão na teoria da relevância do relacionamento com a comunidade e a postura ética neste contexto, a segunda fase da 1113 pesquisa consistiu na análise (por meio dos métodos já explicitados) de como se dá a gestão da ética organizacional no contexto do relacionamento das construtoras civis de Londrina/PR e as suas comunidades. Foram realizadas as entrevistas com representantes das três empresas pesquisas, das quais não terão os nomes divulgados, sendo aqui nomeadas como “empresa A, empresa B e empresa C”. Das três representantes, duas atuam como coordenadoras no setor de Marketing e Comunicação e possuem formação acadêmica em Administração de Empresas, e apenas uma possui formação em Relações Públicas, e atua como supervisora no Instituto da organização. Quanto às empresas pesquisadas, todas possuem mais de 40 anos de atuação, sendo desde microempresa (com 380 funcionários efetivos) a grande porte (com 2.000 efetivos), e com sede na cidade de Londrina. Das três organizações pesquisadas, duas possuem o Código de ética formalizado, destas, apenas uma disponibilizou o acesso ao documento. Da interpretação das respostas obtidas por meio das entrevistas (lembrando que todas as questões eram abertas, e que apenas em uma empresa a aplicação foi pessoalmente, nas restantes as entrevistas foram respondidas através de roteiro estruturado por e-mail) foi possível inferir diversas conclusões e posicionamentos, que serão apresentados a seguir: A primeira questão abordava qual o entendimento sobre o conceito de Ética e Ética organizacional: as três representantes entrevistadas definem ética com algo que acontece na relação do homem com o outro, e também com a sociedade, e que deve ser coerente com a conduta social aceita. Além disso, os entrevistados abordam que o respeito e empatia são bases para a ética. Já na definição de Ética organizacional, as empresas entrevistadas apontaram como se tratando do respeito às leis, à transparência, ao compromisso e à honestidade nas ações. O entendimento e respeito às leis, tanto da empresa como dos públicos, e a assertividade entre o que se divulga e o que se pratica, também foram características citadas. Todas as entrevistadas, quando questionadas sobre a importância da ética para a sua empresa (segunda questão), afirmaram ser a ética uma das grandes preocupações e compromissos que possuem. O respeito ao próximo, e também às leis e o compromisso com o cliente são destacados como objetivos de todas elas, o que faz com que a ética seja 1114 fundamental para atingir estes. Isto é demonstrado pela representante da empresa C ao afirmar que esta foi a primeira construtora a editar um Código de ética no setor de construção civil em Londrina. Na terceira e quarta questão, discutiu-se de que forma se dá o processo de implantação e gestão da ética organizacional, os benefícios e dificuldades existentes e quais seriam os responsáveis e públicos envolvidos nesta gestão. A implantação da ética organizacional junto aos colaboradores se dá através da disseminação do Código de ética ou de manuais internos constando os valores e políticas éticas, sempre entregues no momento de integração dos membros em todas as organizações. Assim, a disseminação da ética organizacional acontece, nas três empresas, por meio de reuniões, treinamentos e pelo uso de materiais audiovisuais. O uso dos meios de comunicação, principalmente escrito (impressos ou digitais) foi percebido como sendo a principal forma utilizada a fim de reforçar a conduta ética, além de detectarmos que o exemplo nas ações e imagem dos líderes e gestores é essencial neste processo. Quanto aos responsáveis e públicos envolvidos na gestão da ética, em duas empresas, atuam os chamados “Conselho de ética” ou “Grupos de Comunicação Interna”, que são formados por colaboradores dos diferentes departamentos e níveis hierárquicos, e presididos pelo setor de RH. Estes grupos, além de determinarem os melhores meios para o compartilhamento dos valores éticos, são os responsáveis pelo tratamento das questões discordantes aos valores éticos das organizações. A terceira empresa pesquisada não apontou a existência de responsável pela gestão da ética, pois a empresa acredita ser responsabilidade de todos os membros, e que, no caso dos líderes há uma exigência maior e que a conduta seja exemplar. A próxima questão da entrevista interrogou sobre os meios utilizados na implantação/disseminação da ética na organização e qual o papel da área de comunicação nesse processo. A representante da empresa A afirmou que é utilizado o Código de ética disponível no site da empresa e na intranet, como também o Programa de Integração para a disseminação do Código de Ética. Nas outras duas organizações, as entrevistadas apontaram diversos meios de comunicação: intranet, e-mail marketing, mural (wallpaper), jornal interno e externo, quadro institucional nas salas internas, o código de ética e o manual de integra1115 ção do colaborador. Outro meio interessante utilizado por uma destas empresas é o denominado “Fala do Presidente”, que consiste em um e-mail escrito pela presidente da empresa e enviado a todos os colaboradores para reforçar os valores e visão empresarial, além de fortalecer o relacionamento interno. No entanto, esta mesma empresa, não possui o Código de Ética formalizado. A sexta questão abordou sobre as políticas adotadas para a gestão da ética nos relacionamentos com os públicos. Percebeu-se nas duas empresas que possuem o Código de ética formalizado uma facilidade maior para apresentar e definir as políticas que são adotadas. Nestas organizações o Código de ética possui as diretrizes e conselhos referentes à relação com todos os públicos a ela envolvidos, constando as razões e exemplos de tais definições. Com a empresa que não possui o Código de Ética formalizado, a empresa A, (o que não representa que ela não possua valores e condutas éticas) notou-se uma dificuldade maior em definir as políticas éticas empresariais. A representante utilizou exemplos de ocorrências para buscar apresentar quais as políticas adotadas, tendo sido possível, compreender que a empresa preza, principalmente, por uma política de transparência e conduta justa em negociações (compras e vendas da empresa). Às duas empresas que possuem o Código de ética formalizado, foi questionado também (questão 7) qual a importância deste instrumento para a gestão da ética nos relacionamentos organizacionais. Ambas as representantes entrevistadas afirmaram ser um documento fundamental, pois orienta e oferece os principais norteadores para as decisões de toda a empresa. A oitava questão refere-se aos conceitos de comunidade, em que a primeira representante descreveu como “Um conjunto de pessoas que vivem em um lugar comum e com princípios comuns”. Outra representante afirmou que “A comunidade é o público em torno da empresa e que recebe o impacto de suas ações.”. A terceira definição, mais destoante das anteriores, apontou a comunidade como sendo “não só os que estão próximos a “empresa A”, mas um geral. Por exemplo, mesmo que não seja o nosso público alvo, todo mundo que a marca está em contato [...]. Uma comunidade é até onde a marca atingir: é numa rede social, é no site, em todos os meios onde 1116 tiver o alcance da marca. Todo esse público que tiver o contato conosco, a gente considera como sendo nossa comunidade, é esse olhar que temos.”. Em seguida, foram questionadas sobre a relevância do relacionamento com a comunidade para a gestão da empresa, da ética organizacional, e quais os princípios para esta relação. Uma das representantes afirmou: “é extremamente relevante o relacionamento com a comunidade, pois é preciso ouvir este público no sentido de como a organização impacta na sua realidade. As políticas que pautam são as mesmas do relacionamento com todos os públicos: transparência e respeito.” A representante de outra empresa não deixa claro qual a relevância dada ao relacionamento com a comunidade. Afirma apenas que todos os públicos são uma preocupação à organização e que “como empresa, que é um organismo vivo, o relacionamento é algo intrínseco ao seu funcionamento”. A representante da empresa A afirmou ser relevante e percebe uma grande correlação entre o desenvolvimento do relacionamento ético, não apenas com a comunidade, mas também, para o fortalecimento da ética organizacional junto aos colaboradores. As três últimas questões da entrevista abordavam sobre quais as ações eram desenvolvidos para com a comunidade, como eram definidas, como também qual a ligação com o Código de ética, quem eram os responsáveis pelas ações e se neste processo há a participação do profissional de Relações Públicas (RP). A empresa A realiza ações voltadas a comunidade geral da cidade de Londrina (junto à hospitais e ONGs), e todas são desenvolvidas pelo departamento de Marketing, e com base, segundo a entrevistada, nas orientações do Código de ética. Nesta empresa há a presença de profissionais de Relações Públicas atuando na gestão do relacionamento com a comunidade, e também na gestão da ética organizacional. A empresa B realiza suas ações com a comunidade por meio de um Instituto fundado unicamente com o objetivo de colaborar no pleno desenvolvimento da sociedade, especialmente da comunidade relacionada à organização. O Instituto, assim, desenvolve diversos programas e projetos nas áreas da educação, cultura, lazer e cidadania, As ações estão sob a responsabilidade, como já dito, do Instituto, em conjunto com o departamento de Marketing da empresa, e tanto no Instituto como no departamento de marketing, as equipes são formadas com a presença 1117 de profissionais de Relações Públicas. Por fim, a representante afirmou sobre o relacionamento com a comunidade “[...] procura-se seguir o que está escrito no código de ética a fim de que o discurso seja coerente com as práticas realizadas.”. A terceira organização entrevistada, não desenvolve ações realmente voltadas à comunidade, contudo, a empresa realiza, através do Projeto de Voluntariado com os colaboradores, ações junto a outras instituições e empresas, mas de maneira esporádica. A responsabilidade sob as ações são divididas entre o departamento de marketing – responsável pela parceria com o Hospital do Câncer, e o Grupo de Comunicação Interna – responsável por todas as ações de Voluntariado da empresa. Como esta empresa não possui o código de ética formalizado, a representante não respondeu as últimas questões. CONSIDERAÇÕES De acordo com o levantamento teórico realizado percebe-se a relevância da ética organizacional para a sobrevivência e fortalecimento das empresas, assim como, nota-se o valor do relacionamento com a comunidade, dentre todos os públicos ligados a uma organização. A partir do referencial teórico obtido, desenvolveu-se a pesquisa em campo por meio de aplicação de entrevista em profundidade com as três maiores construtoras civis de Londrina/PR. Checou-se a verificação dos pressupostos definidos no Projeto de pesquisa elaborado para a realização prática deste estudo. Estes pressupostos foram formulados a partir da primeira fase da pesquisa (referencial teórico), e a partir das entrevistas e análises pode ser realizada a validação dos mesmos. O primeiro pressuposto, “a aplicação do Código de ética está coerente com as práticas no relacionamento com a comunidade”, não pode ser avaliado, pois encontramos o seguinte contexto frente às organizações pesquisadas: uma não possui o Código de ética formalizado e entre as duas que possuem o Código de ética, uma não especifica em seu Código sobre o relacionamento com a comunidade e a outra não veicula o documento em seus meios de comunicação externo, como também não permitiu o acesso ao mesmo para a realização desta pesquisa. Já o segundo pressuposto, “a gestão da ética organizacional é o que direciona a forma como o relacionamento com a comunidade acon1118 tece, principalmente por meio do uso do Código de ética como diretriz para este relacionamento”, pode ser validado ao constatarmos que as organizações pesquisadas, seja por meio de Código de ética ( formalizado ou não), consideram o relacionamento com a comunidade de maneira comprometida e continuamente, aspecto tal que é primordial para a existência do bom relacionamento. As representantes afirmaram haver uma relação entre o discurso do Código de ética e as ações realizadas com a comunidade, porém, em duas das empresas entrevistadas, tal afirmação se mostra inadequada, haja vista que não possuem expressos em seus Códigos de ética as diretrizes para o relacionamento com a comunidade, ou seja, apenas a gestão da ética aplicada à organização que participa ativamente da forma como o relacionamento com a comunidade se desenvolve, e não o expresso pelo Código de ética. O terceiro pressuposto, “os instrumentos de comunicação disponíveis não são utilizados da maneira mais eficaz na gestão da ética organizacional (ambiente interno e externo da organização)” foi refutado. Foi possível constatar que as organizações entrevistadas utilizam-se diversos meios de comunicação para a promoção dos valores e gestão da ética organizacional. São usados tanto instrumentos aplicados no cotidiano da empresa (quadro institucional, intranet, mural, outros) como meios esporádicos para a promoção ou restauração da cultura ética como exemplo, eventos, “Fala do presidente”, outros. O quarto pressuposto, “no relacionamento com a comunidade os meios de comunicação são bem utilizados, tanto para o desenvolvimento das ações como na divulgação destas”, não pode ser avaliado. As respostas obtidas com as entrevistas não permitiram que se identificassem os meios de comunicação utilizados para a divulgação e execução das ações com a comunidade. O quinto pressuposto, “o profissional de Relações Públicas tem papel relevante na implantação e gestão da ética organizacional”, também foi invalidado. O profissional de Relações Públicas não possui um papel relevante na implantação e gestão da ética organizacional nas empresas pesquisadas. Constatou-se que os departamentos de Recursos Humanos são os principais responsáveis pela gestão da ética organizacional. Por mais que o departamento de comunicação (onde se aloca o profissional de Relações Públicas) participe do processo de implantação e gestão da 1119 ética organizacional, a sua atuação não se mostra como fundamental, mas limitadando-se a um papel de apoio neste processo. Por fim, o sexto pressuposto, “o profissional de Relações Públicas tem papel relevante na gestão do relacionamento com a comunidade”, foi validado. Ainda que o quinto pressuposto tenha sido invalidado, verificou-se que o profissional de Relações Públicas participa de maneira ativa no desenvolvimento do relacionamento com a comunidade, diferentemente da atuação no que tange a gestão da ética organizacional. O desenvolvimento desta pesquisa deixou evidente a relevância que a gestão da ética possui nas empresas contemporâneas, e como tal reflete em todas as suas decisões, ações e relacionamentos. Entretanto, foi possível perceber que o relacionamento com a comunidade ainda não é tão valorizado ou desenvolvido da forma correta como destacado no referencial teórico, apesar das organizações afirmarem que o mesmo é de extrema relevância. A atuação das Relações Públicas deveria ser cada vez mais estratégica no campo da gestão da ética organizacional com vista ao desenvolvimento dos relacionamentos da organização, em especial com a comunidade, de forma dirigida e baseada nos valores éticos e princípios empresariais. Podemos considerar que as construtoras civis de Londrina/PR, aqui pesquisadas, estão trilhando o caminho para que o contexto do relacionamento com a comunidade alcance práticas corretas e benéficas a todos. Contudo, é notável que se faz necessário que o Código de Ética seja visto como uma ferramenta de gestão eficaz e apropriada a todas as organizações. Além disso, que seja um documento acessível aos públicos e que atenda a variedade de atividades que a empresa realiza. Além disso, é reforçada a necessidade da utilização dos canais de comunicação para a disseminação de uma cultura ética organizacional que contemple todos os relacionamentos com os públicos, e não somente aos que normalmente são encontrados nos programas de relacionamento. 1120 REFERÊNCIAS ANDRADE, Candido Teobaldo de Souza. Curso de relações públicas: relações com os diferentes públicos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 32-34. ANDRADE, Zilda Aparecida Freitas de. Gestão da ética nas organizações: possibilidade aos profissionais de relações públicas e comunicação organizacional. 2010. Tese (Doutorado em Ciência da Comunicação). Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo. ARRUDA, Maria Cecilia Coutinho de; WHITAKER, Maria do Carmo; RAMOS, José Maria Rodriguez. Fundamentos de ética empresarial e econômica. São Paulo: Atlas, 2001. CANFIELD, Bertrand R. Relações públicas - princípios, casos e problemas. São Paulo: Pioneira, 1970. DUARTE, Jorge & BARROS, Antonio (orgs.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2006. FORTES, Waldyr Gutierrez. Relações Públicas: processo, funções, tecnologia e estratégias. Londrina: Ed. UEL, 1998. PASSOS, Elizete. Ética nas organizações. São Paulo: Atlas, 2013 1121 |6| COMUNICAÇÃO E AS RELAÇÕES PÚBLICAS NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO: UM ESTUDO SOBRE ORGANIZAÇÕES PRIVADAS BAURUENSES Verônica Ferreira Gonçalves1 e Maria Eugênia Porém2 RESUMO Trata-se do resultado de pesquisa desenvolvida em Iniciação Científica – PIBIC/UNESP. Este artigo propõe uma análise acerca do planejamento estratégico em organizações privadas, considerando a comunicação como elemento indutor desse processo e as relações públicas para melhor relação entre organização-públicos. Busca-se conceituar o que é planejamento estratégico e o papel da comunicação e das relações públicas neste contexto. Palavras-chave: Planejamento estratégico; comunicação; Relações Públicas; organizações privadas; Pesquisa; Aluna de Graduação em Relações Públicas na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Social. Bolsista em iniciação científica PIBIC/UNESP. 1 Docente do curso de Relações públicas, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). E-mail: meporem@faac.unesp.br. 2 INTRODUÇÃO Mais do que em qualquer outra época da história o momento requer das organizações maior capacidade de inovação, inventividade e criatividade. Estas são algumas competências, dentre outras, que as organizações desejam desenvolver para fazerem frente a um mundo marcado por mudanças, pela globalização e novas tecnologias. Um cenário, muitas vezes turbulento e mais competitivo, que requer das organizações adequação “[...] às novas formas de inserção nos mercados, bem como buscarem novos sistemas de gestão” (FERRARI, 2000 apud FERRARI, 2009, p. 132). Nesta esfera, o planejamento estratégico como um instrumento de gestão estratégica (REZENDE, 2011), pode ser considerado uma atividade relevante para melhorar a performance das organizações contemporâneas, na medida em que apresenta uma análise aprofundada dos ambientes internos e externos, oferece subsídios para a tomada de decisões estratégicas e estabelece as providências que deverão ser tomadas no futuro (OLIVEIRA, 2011). Entretanto, um ponto inquietante em relação à gestão e planejamento estratégico é a quase inexistência da área de comunicação (KUNSCH, 2003) como parte intrínseca desse processo, fato que motivou a proposição e realização desta pesquisa. Essa particularidade pode refletir em duas situações importantes: a primeira é que, uma vez que se considera a comunicação uma função estratégica de resultados, a inexistência de articulação entre o planejamento estratégico e o planejamento de comunicação pode gerar grandes obstáculos para a eficácia e eficiência do processo e seus resultados; a segunda, é que na construção e execução do planejamento estratégico a gestão da comunicação é uma ferramenta da administração estratégica e, sem ela, é impossível assegurar que as informações cheguem até os stakeholders3 envolvidos a ponto de desenvolver relacionamentos cooperativos e colaborativos. Essa situação pode criar barreiras para Segundo Pfeiffer (2000) “[...] o termo inglês stakeholder compreende todas as pessoas, grupos ou organizações que fazem parte (stake) dos temas tratados, seja como participantes ativos no processo, seja como afetados das medidas a serem tomadas [...]”. Neste texto é possível utilizar-se do termo “públicos de interesse” como sinônimo ao stakeholder. 3 1123 as organizações que as impedem de obter resultados mais positivos em relação às decisões tomadas, ações e estratégias selecionadas em seus planejamentos estratégicos e, até mesmo, de alcançarem plenamente os resultados futuros planejados. Assim, conhecer como as organizações implementam o planejamento estratégico e como usam a comunicação corporativa para interagir com o ambiente e seus stakeholders é a questão central deste estudo. Isso significa refletir sobre a institucionalização das Relações Públicas como função no gerenciamento estratégico. Dito de outro modo, pretende-se analisar o papel do Relações Públicas na gestão estratégica, em especial determinando quais públicos influem ou orientam de forma consequente as decisões organizacionais. Entretanto, as discussões sobre as Relações Públicas estratégicas, as quais se referem à ideia de uma atividade planejada, avaliada, gerenciada e vinculada aos objetivos estratégicos da comunicação corporativa (KUNSCH, 2006), criando e desenvolvendo interfaces entre as áreas diretivas, gerenciais e operacionais, ligando pessoas, analisando cenários e construindo relacionamento com seus públicos de interesse, ainda é uma utopia nas organizações interioranas, como as bauruenses. Apesar do entendimento de que a comunicação é condição indispensável e inexorável para o êxito do planejamento estratégico, reconhece-se que esse aspecto precisa avançar para uma perspectiva estratégica, ou seja, para uma gestão da comunicação integrada ao ambiente e, ao mesmo tempo, para o uso eficiente e excelente das competências das Relações Públicas. REVISÃO DOS PRINCIPAIS CONCEITOS PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO Antes de se iniciar um projeto de planejamento estratégico é preciso que a organização como um todo tome ciência de sua existência e importância. Para seu início é preciso antes de qualquer coisa estudar a organização, discutir e disseminar a ideia de planejamento e pesquisar, para só assim, com a visão geral da organização, começar a elaboração e a definir metodologias utilizadas. 1124 Entende-se, portanto, que para que o planejamento atinja seus objetivos, deve ser amplamente compreendido, estudado e verificado de acordo com referenciais teóricos e práticos e não feito de maneira improvisada. Ele também requer dedicação, engajamento, compromisso e diálogo para que atinja seu êxito. Um dos maiores desafios enfrentados pelas organizações é gerenciá-las de modo a oferecer vantagens competitivas e utilizar a grande quantidade de informações como insumo estratégico para gestão do conhecimento. O projeto de planejamento deve ser dinâmico, adaptando continuamente sua estratégia, sua capacitação e sua estrutura, fornecendo insumos para a articulação de forças internas para as oportunidades que aparecem no mercado assegurando o crescimento, continuidade e sobrevivência da organização. Sendo assim, deve-se repensar a gestão estratégica adotada como propulsão para as mudanças organizacionais, além disso, a gestão estratégica incorporada pela organização poderá gerar um conhecimento crítico e aprofundado sobre seus processos e características internas, portanto, será capaz de direcioná-las de maneira mais assertiva e estratégica. Para Oliveira (1992) o planejamento estratégico deve ser visto como um processo sistemático, onde as decisões são constantemente tomadas, contudo isso não diz respeito às decisões futuras, e sim às implicações futuras nas decisões presentes. Também defende que o planejamento estratégico não deve ser considerado como um ato isolado, pois ele é um processo de encadeamento de ações inter-relacionadas e interdependentes e para tanto a organização deverá ter uma visão integrada sobre todas as variáveis que interferem neste processo. De acordo com o mesmo autor, o processo de desenvolvimento do planejamento estratégico é mais valorizado que seu resultado final, pois é um processo de aprendizagem organizacional, de geração e disseminação de conhecimento. E sendo assim, uma organização que valoriza o seu autoconhecimento, estará sempre pronta para resolver os conflitos, terá capacidade de capacitar seus gestores e as pessoas que tomam as decisões e imprevisibilidades característicos do contexto econômico contemporâneo (OLIVEIRA, 1992) 1125 Sendo assim, o autoconhecimento da organização realimenta o processo de planejamento estratégico, gerando assim um ciclo, onde com inteligência as empresas podem visualizar, aperfeiçoar, adaptar e utilizar oportunidades, possibilidades com as oscilações do mercado. Alguns aspectos básicos estão presentes em qualquer tipo de planejamento, como: o próprio processo de planejamento dever ser planejado, o processo é interativo, ou seja, sua ação exerce mutuamente, entre duas ou mais partes do todo; e o processo é iterativo, ou seja, repete-se ao longo do tempo. (OLIVEIRA, 1992, p. 15). Há diversas formas para se implementar o planejamento estratégico, porém todas têm em comum a visão dos níveis organizacionais, na qual cada tipo específico de planejamento participa em uma organização. Outro ponto a ser considerado é que embora existam diversos modelos e metodologias para o planejamento estratégico, sua aplicabilidade estará sempre sujeita às características intrínsecas de cada organização social. A metodologia sugerida por Rezende (2011) é dividida em quatro fases. Na primeira fase analisa-se as organizações identificando a real situação, coletando e levando em consideração aspectos internos e externos, problemas e desafios. Já na segunda faze, faz-se o levantamento das diretrizes organizacionais, estabelecendo produtos e serviços com foco nos objetivos da empresa. Já na terceira fase, é estabelecido as ações e a visibilidade para atender os objetivos, tendo em vista as estratégias organizacionais. Na última fase é analisado os controles organizacionais e gestão do planejamento, ou seja, definição dos controles estratégicos, táticos e operacionais, através de padrões ou medições de desempenho, acompanhamento e correção de desvios. O modelo proposto por Oliveira (1992, p.57) também é dividido em fases básicas: Fase I. Diagnóstico estratégico: Determina o “como se está” da organização; Fase II. Missão da empresa: Razão de ser da empresa e seu posicionamento estratégico; Fase III. Instrumentos prescritivos e quantitativos: A análise básica do “como se chegar na situação que se deseja”, e; Fase IV. Controle e avaliação: Verifica-se o “como a empresa está indo” para a situação desejada. É essencial que a organização conheça os princípios básicos do planejamento e envolva e engaje todos os níveis hierárquicos na sua im1126 plantação. E assim fortaleça e dê credibilidade a este processo. Por fim, a gestão estratégica e o planejamento estratégico podem promover melhorias contínuas na organização como um todo, e assim se tornando mais criativa e inovadora em suas atividades e ações. As organizações que adotam esse modelo de gestão devem buscar formas para catalisar suas atividades, estruturas e suas estratégias coletivamente. E esse alinhamento é constituído pela comunicação como base para este propósito. Portanto a comunicação é vista sob o ponto de vista estratégico, que facilitará que os aspectos sobre o planejamento estratégico sejam socializados e cristalizados nas organizações. COMUNICAÇÃO E RELAÇÕES PÚBLICAS Segundo Drucker (1999, p.189) nenhum outro século na história da humanidade passou por tantas transformações sociais radicais como no século XX. As novas tecnologias estão definitivamente revolucionando as comunicações. Kunsch (2006) ressalta que é nesse cenário novo, complexo e que está em constante mutação que as empresas operam, lutam para se manter e para cumprir sua missão, visão e cultivar seus valores. Logo, A comunicação adquiriu notoriedade no campo da gestão organizacional, graças a seu caráter estratégico que vem sendo reconhecido especialmente pelas empresas que se propõem a acompanhar as transformações e abrir suas portas para os diferentes públicos com os quais se relaciona (MARCHIORI, 2006, p. 23) Além disso, a autora ainda afirma que as organizações devem preocupar-se cada vez mais com o monitoramento das informações e a abertura de diálogo com seus stakeholders, entendendo que seu comportamento deve ir além do repasse de informações. Portanto, entendo que a comunicação deve produzir conhecimento, definindo caminhos que levem a organização a um processo de modernização, na busca de sua percepção e consequente consciência comportamental. Sendo assim, a comunicação deve agir no sentido de construir e consolidar o futuro da organização. (MARCHIORI, 2006, p.27) 1127 A comunicação envolve necessariamente um emissor, mensagem, canal, receptor e feedback, sem isso o processo de comunicação não seria possível. Além disso, ela envolve a troca de ideias, de opiniões, emoções, ou seja, é a capacidade de passar informação e compreensão de uma pessoa para a outra criando assim compreensão mútua e confiança uma vez que a compreensão leva a uma aceitação ou não da mensagem. Segundo Kunsch (2006), o novo ambiente social global exigirá das organizações novas posturas, necessitando elas de um planejamento mais apurado da sua comunicação para se relacionar com os seus stakeholders, a opinião pública e a sociedade em geral. O segundo ponto levantado pela autora é que no cenário contemporâneo a convergência das mídias promove a interação dos diversos meios de comunicação e isso também ocorre nos processos comunicativos de âmbito organizacional. Com maior acesso a informação graças a tecnologias, os públicos têm mais acesso a elas e estas devem ser transmitidas com veracidade e transparência. Kunsch (2006,p.129) complementa afirmando que, A transparência, portanto, vai muito além da obrigação de fornecer informações financeiras em balanços contábeis. Tudo isto implicará a necessidade de se planejar, pensar e administrar estrategicamente a comunicação organizacional com todos os públicos e a opinião pública. A mesma autora defende que, acima de tudo o reconhecimento da importância do planejamento estratégico é o primeiro passo para que este seja efetuado. Albuquerque (1981) diz que independentemente da filosofia da organização perante a comunicação, a elaboração de estratégias é indispensável para a solução de problemas ou para a exploração de oportunidades de comunicação. Dessa forma, Um ponto básico e se, questionamentos na condução da comunicação é de que ela precisa ser entendida, estimulada, observada, acompanhada e avaliada por profissionais que saibam conduzir os processos. Não basta apenas que os administradores afirmem a sua importância. É necessário que eles sejam conscientes da sua função, o que exige das empresas uma postura abrangente quanto à comunicação. Para 1128 tanto, é preciso que essa área seja conduzida de forma profissional, pois somente dessa forma a comunicação passará a ser valorizada e entendida, exercendo todo o seu poder. (MARCHIORI, 2006, p.134) Marchiori (2006) afirma que o trabalho de Relações Públicas está na criação de um processo de gestão de relacionamento que estimula a organização a evoluir quanto a sua cultura organizacional, ou seja, as organizações são constituídas por relações internas e externas em interatividade de sentidos e intercâmbio de significados. E como esta trata dessa comunicação é um fator que determina o seu sucesso ou fracasso perante ao mercado. Tendo isso em vista, a atividade de Relações Públicas é fundamental, pois é vista como uma atividade de gerenciamento nas organizações, atuando diretamente com os relacionamentos que esta tem com seus stakeholders. Portanto, para o desenvolvimento de sua função, o profissional de comunicação deve levar sempre em consideração – e com cuidado – a área de relacionamento humano, e aspectos (da natureza) da harmonia dos relacionamentos entre os indivíduos de todas as funções, bem como a análise do ambiente externo. (MARCHIORI, 2006, p.66) Cabe às relações públicas um relevante papel perante a gestão de comunicação. Na era da informação, organizações viverão ou morrerão, dependendo das habilidades que tiverem para processar dados, transformá-los em informações, distribuí-los adequadamente e usá-los com rapidez para tomar decisões hoje e mudá-las amanhã quando chegarem novas informações (MARCHIORI, 2006, p. 127). O planejamento estratégico é o ponto de partida para o desenvolvimento do planejamento de relações públicas que visa atingir à eficácia e excelência da comunicação nas empresas. Kunsch (1997) afirma que o planejamento das relações públicas deve estar alinhado com o planejamento estratégico empresarial corroborando a visão, missão, valores, objetivos, metas e políticas organizacionais definidas, ou seja, este não deve ser feito isoladamente. 1129 A partir disso é possível fazer uma análise da organização como um todo e reavaliar algumas questões que se relacionam a identidade da mesma. Igor Ansoff (1981 e 1993) e Henry Mintzberg (2000 e 2004) destacam a importância em se envolver e incentivar todos os membros a participarem do processo de implantação do planejamento estratégico A vantagem de se obter um planejamento das relações públicas como estratégia é fazer com que o plano resultante seja um auxílio importante na busca do objetivo organizacional, por meio de caminhos que permitam a interação de todos os públicos estratégicos, motivação que ajuda a atingir as metas desejadas por cada indivíduo do processo e pela organização como um todo. Portanto, ele “desenvolve o espírito crítico nas pessoas, visando novas soluções estratégicas, administrativas ou operacionais, voltadas para melhor adaptação ao ambiente, e objetivando uma postura empreendedora” (KUNSH, 2006, p.130). Ao refletirmos sobre o papel das relações públicas neste contexto de administração e planejamento estratégico, temos que o profissional deverá atuar de maneira estratégica para que a comunicação atinja o se êxito no processo. Portanto, [...] as relações públicas devem desenvolver nas organizações sua função estratégica. O exercício dessa função só é possível por meio do planejamento. O profissional tem que se valer dos ensinamentos das teorias de gerenciamento ou administração. Suas aplicações são claras em todo o processo de planejamento, pois lidam com as incertezas, com tarefas e responsabilidades para tomada de decisões e para implantação dos planos de ação. (KUNSH, 2006, p.130) Além disso, o papel das relações públicas na função estratégica está relacionado em posicionar a organização perante seus públicos de interesse, demonstrando sua missão, valores, identidade e como querem ser vistas no futuro. Canais de comunicação entre organização e públicos são abertos buscando a confiança mútua, construindo e fortalecendo a credibilidade e a dimensão institucional da organização. Dessa forma, a função das relações públicas passa de uma função tática e técnica para a estratégica. E, 1130 [...] como função estratégica, as relações públicas devem, com base na pesquisa e no planejamento, encontrar as melhores estratégias comunicacionais para prever e enfrentar as reações dos públicos e da opinião pública em relação às organizações, dentro da dinâmica social (KUNSH, 2006, p.131). Contudo o desempenho desta função estratégica dependerá do posicionamento desta área no organograma da organização e também da capacitação do profissional da comunicação para atuar de forma estratégica. Englobando a definição anterior, Kunsch (1997) complementa a ideia de que a comunicação apenas será vista como estratégica, quando a primeira etapa de seu planejamento for sensibilizar a alta administração das empresas. A autora também apresenta quatro princípios básicos que devem ser levados em conta na hora da elaboração de um bom planejamento em comunicação, sendo eles: cultura e valorização do planejamento estratégico, área de comunicação subordinada à cúpula diretiva e participante da gestão estratégica, capacitação do profissional responsável pela comunicação e valorização de uma cultura organizacional corporativa. A função estratégica das relações públicas está intimamente ligada ao planejamento e à gestão estratégica da comunicação organizacional. O setor deverá atuar em conjunto às demais áreas da comunicação a fim de reunir os objetivos e esforços globais da organização para uma comunicação assertiva com todos os públicos. Neste contexto, o planejamento de relações públicas deixa de ser meramente tático e operacional e passa a ser muito mais estratégico. Este planejamento deve ajudar as organizações a cumprirem sua missão, atingirem seus objetivos e se posicionarem institucionalmente perante a sociedade. Para que a organização atinja a comunicação excelente não basta realizar ações isoladas, mas sim um plano integrado a partir dos levantamentos e considerações do planejamento estratégico. Sendo assim, Como parte integrante da gestão estratégica, as relações públicas deverão auxiliar a alta direção a fazer a leitura de cenários e das ameaças e das oportunidades presentes na dinâmica do ambiente global, avaliando a cultura organizacional, e pensar estrategicamente as ações comunicativas. (KUNSH, 2006, p.133) 1131 As relações públicas estratégicas irão se valer do PE realizado pela organização para traçarem planos e programas de ação. Dessa forma, o PE e o planejamento de relações públicas devem estar aliados, corroborando para que a missão, valores e metas traçadas sejam alcançadas. Grunig (1992) em seus estudos sobre as relações públicas excelentes e como elas podem contribuir para a efetividade organizacional, identificou três esferas de excelência da comunicação. A esfera do conhecimento, capacidades da administração estratégica e dos dois modelos de mão-dupla, comunicação assimétrica (baseada na persuasão) e simétrica (entendimento). A esfera intermediária, interações do departamento de comunicação/relações públicas com a alta administração da organização, que por sua vez, compreende a importância da comunicação. E a esfera da cultura participativa, o trabalho em equipe e participação dos integrantes nas tomadas de decisão. Dessa forma, concluiu que as relações públicas excelentes e o valor de um programa de comunicação excelente estão em conciliar os objetivos organizacionais às expectativas do público-alvo. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA A pesquisa foi desenvolvida a partir das seguintes etapas: 1. Pesquisa Teórica de caráter exploratório teve a pesquisa bibliográfica como principal método para desenvolver o referencial teórico que subsidiará a pesquisa aplicada; 2. Pesquisa exploratório-descritiva apoiada em um estudo de caso, junto a uma organização privada de Bauru – SP, a qual foi selecionamento levando em consideração os seguintes critérios: a.Ser uma empresa legitimamente Bauruense; b. Ser uma organização privada e com relevância ao mercado Bauruense; c. Ter planejamento estratégico; d. Seleção da organização privada: Mezzani, localizada na cidade de Bauru. 3. Análise qualitativa: Estudo de caso 4. Elaboração de uma entrevista semiestruturada, junto ao diretor executivo da Mezzani há cinco anos, Carlos Sette. 5. Interpretação dos resultados da entrevista optou-se pela Análise de Conteúdo. 1132 A entrevista foi dividida em três eixos de análise, quais sejam: 1. Gestão e Gestão Estratégica: identificar a organização privada de acordo com suas especificidades e averiguar a percepção da organização a respeito do tema. 2. Planejamento Estratégico (PE): Perceber a percepção da empresa privada em relação ao PE; Verificar a prática do PE identificando barreiras que interferem ou/e impedem sua concretização na organização privada pesquisada. 3. Comunicação e Relações Públicas: Verificar a percepção da organização privada sobre comunicação e relações públicas; Identificar que tipo de profissional é responsável pela gestão estratégica da comunicação; Verificar o tipo de modelo de comunicação adotado pela organização pesquisada. DADOS DA EMPRESA A empresa Massas Mezzani, tem 65 anos de história e está localizada em Bauru desde sua inauguração. Empresa fundada pela família Nagasawa e que possui resquícios de uma gestão de cunho familiar. Inicialmente fabricava apenas massas de macarrão oriental, hoje possuí vasta cartela de massas tradicionais, como pastéis, pizzas, entre outros. Possui apenas 276 funcionários, pois seus processos são em sua grande maioria automatizados. RESULTADOS Eixo de Análise: Gestão e Gestão Estratégica Por ser uma empresa que possui resquícios de uma gestão de cunho familiar a empresa em questão ainda está em fase de transição e em constante modificação para conseguir acompanhar as dinâmicas do mercado. Carlos Sette explica que foi o primeiro funcionário a ser contratado há cinco anos no período de sessenta anos de existência da empresa. Segundo Vidigal (1996), as empresas familiares representam 99% das empresas não estatais brasileiras. São elas que representam a possibilidade de uma maior absorção de mão-de-obra e geração de empregos, 1133 são responsáveis pela sustentação da economia e aquecimento do mercado e consequentemente são também as mais afetadas pela globalização. A estrutura organizacional da empresa é compreendida por todos e possui um organograma tradicional. Com este tipo de organograma é possível identificar com rapidez quem é quem na estrutura, o fluxo de autoridade e relacionamentos. A alta gestão da empresa ainda é composta por familiares, porém todos eles têm o conhecimento que devem se capacitar para as funções que irão exercer, o seu modelo de gestão está em transição, passando de um cunho paternal, para a profissionalização do restante das áreas da empresa. Segundo Carlos Sette, a empresa atualmente tem a gestão mais participativa, do que antigamente. Pontos estratégicos da empresa são discutidos quinzenalmente, por uma espécie de “conselho”, formado pelos principais diretores administrativos: diretor comercial, diretor de produção, diretor de compras, diretor financeiro e diretor executivo. Eixo de Análise: Planejamento Estratégico Grande avanço apontado pelo entrevistado foi, a implementação de um planejamento estratégico. Implementado em 2011 após a crise econômica de 2008, e sofreu algumas revisões, devido às necessidades de política econômica da empresa. Foi realizada a Análise Swot, analisando as ameaças e oportunidades, de seus pontos fortes e fracos. Foram criados planos de ação, para retirar ou zerar os pontos fracos, fortalecer os pontos fortes e aproveitar as oportunidades. Segundo o entrevistado para cada foco, foram definidas estratégias específicas, no primeiro ano. Segundo o entrevistado, a organização em questão não faz uma pesquisa formalizada. Ou seja, os diagnósticos de mercado foram feitos através de: literaturas especializadas no assunto, como revistas; Acesso a pesquisas feitas pela Fundação Getúlio Vargas; A própria equipe de vendas; Seus clientes. Expondo ainda que o maior obstáculo para o processo de planejamento estratégico é a resistência da alta direção e depois, de recursos. O que segundo Oliveira (1992), são pontos a serem considerados como causas e falhas do planejamento estratégico. Em relação à resistência da 1134 alta direção da empresa, o autor expõe a importância de se “preparar o terreno” adequadamente. Apesar disso, o diretor executivo expõe que é o responsável pelo planejamento estratégico na empresa, assim como, agente norteador das reuniões que existem para a manutenção e elaboração desse planejamento. O planejamento é elaborado e discutido entre a alta direção e os gerentes existentes de cada área. Sem excluir, caso sintam necessidade, a presença de funcionários de áreas específicas, principalmente da área de produção. As mudanças são feitas com rapidez, pois o entrevistado nos conta que, por trabalhar diretamente com seus líderes consegue notificar e ser notificado pela gerencia, com certa facilidade. Ao notificar a gerencia, esta multiplica para baixo, ou seja, notifica o restante dos funcionários para que estes tomem conhecimento. Apesar de haver certa resistência perante a alta gestão, é realizada anualmente uma reunião para a discussão das metas operacionais advindas do planejamento pré-estabelecido. A Mezzani vê o planejamento como um processo educativo. Eixo de Análise: Comunicação e Relações Públicas Retomando um ponto inquietante em relação à gestão e planejamento estratégico, que é a quase inexistência da área de comunicação (KUNSCH, 2003) como parte intrínseca desse processo; foi possível perceber que não é apenas na gestão do planejamento estratégico que a comunicação enfrenta desafios. Na Mezzani, fatores que prejudicam a comunicação é o desconhecimento da importância da comunicação e a disputa de poder. Não há um setor que organize a comunicação interna da empresa, há um projeto para a criação de um departamento de marketing para suprir as falhas de comunicação existentes. Atualmente a comunicação interna concentra-se na área de gestão de pessoas, porém o entrevistado relata sério problema de comunicação entre linha de produção e o atendimento ao cliente. A comunicação interna é feita através de encontro dos setores onde são feitas notificações curtas, através de comunicação direta. Os canais utilizados para que a comunicação interna caminhe são: jornal 1135 mural e um boletim bimestral onde são expostos, por exemplo, a missão da empresa, política de qualidade, entre outros. Já a comunicação externa é feira pela área Comercial, a cargo do supervisor de vendas. Hoje, esse atendimento é feito através do 0800, onde o consumidor entra em contato e após 10 dias obtém uma resposta oficial da empresa, como previsto no código do consumidor. Para a empresa, existem dois tipos de clientes: o cliente intermediário, que é o varejo, e o consumidor final. A Mezzani só tem acesso a informações de níveis intermediários, pois não há nenhum tipo de pesquisa estruturada para recolher informações a respeito do consumidor final. Uns dos únicos feedbacks existentes com o consumidor final são os pré-testes de produtos. Os instrumentos dessa comunicação são os pontos de vendas e os tabloides, além de participação em campanhas anuais e ser patrocinador de organizações fortes na região, como o Bauru Basquete. Não utilizam grandes mídias como, rádio, televisão e as redes sociais, esse é um projeto para os próximos anos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através da análise da pesquisa aplicada junto à Mezzani, constatou-se que a gestão da empresa está diretamente ligada com as necessidades da empresa e há realização do planejamento estratégico. É possível constatar que este planejamento apesar de sofrer certa resistência é amplamente discutido. O entrevistado diz que o modelo de gestão adotada pela Mezzani está em processo de transformação, profissionalizando suas áreas, fazendo com que a empresa passe de um cunho familiar para profissional. Ainda sobre o Planejamento Estratégico, percebe-se que por ser um planejamento recente, ainda encontram-se algumas falhas em sua execução, pois a mentalidade da empresa também está em mutação. Em relação à Comunicação e das Relações Públicas no processo de implementação do planejamento estratégico de uma organização privadas, na empresa em questão algumas áreas poderiam ser aprimoradas. Uma vez que, há grandes falhas na comunicação interna e principalmente a quase inexistência de comunicação com consumidores finais. Além da falta de uma área específica de comunicação interna e externa. Foi possível perceber que não é apenas na gestão do planeja1136 mento estratégico que a comunicação é defasada, mas também na gestão da organização, considerando que através desta análise constatou-se que não existe um planejamento de comunicação e relações públicas que abrange a empresa e seus stakeholders como um todo. Em suma, foi possível perceber que as organizações privadas derivam suas metodologias de planejamento a partir do modo de gestão e de clima organizacional no qual está inserida. Não há pesquisas que indiquem se a comunicação está sendo efetiva ou não, a comunicação na empresa é uma comunicação tradicional e não há grandes mudanças por resistência e não por gastos. Sendo assim, através da análise do eixo de Comunicação e Relações Públicas, foi possível compreender de acordo com o referencial teórico e a análise da entrevista que embora a comunicação seja imprescindível ao processamento das funções administrativas nas organizações, ainda não é destinada a devida atenção a esta área, uma vez que as ferramentas de comunicação não estão muito presentes, muito menos são devidamente desenvolvidas. Quando questionado sobre a existência de um relações públicas na empresa, o diretor executivo expõe que apesar de conhecer a importância e as melhorias que o profissional poderia proporcionar a empresa, esta não tem um profissional nesta área REFERÊNCIAS ANSOFF, Igor et al. Do planejamento estratégico à administração estratégica. São Paulo, 1981 CHIAVENATO, Idalberto. Administração nos novos tempos. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004 COSTA, E.A. Gestão estratégica: da empresa que temos para a empresa que queremos. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 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Planejamento estratégico: conceitos, metodologia e práticas. 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 1992. REZENDE, D.A. Planejamento estratégico público ou privado: guia para projetos em organizações de governo ou de negócios. São Paulo: Atlas, 2011. RINEHART & WINSTON; et al. Excellence in public relations and communication management. New Jersey: Erlbaum, 1992 VIDIGAL, A. C. Viva a empresa familiar. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. 1138 |7| O PAPEL ESTRATÉGICO DO PROFISSIONAL DE RELAÇÕES PÚBLICAS NA ASSESSORIA DE IMAGEM PARA PERSONALIDADES PÚBLICAS Raquel Campos da Cruz1, Emanuelle Andrade Déa2 e Marta Terezinha Motta Campos Martins3 RESUMO O trabalho tem o objetivo de apresentar o papel do profissional de relações públicas, atuando no planejamento estratégico da assessoria de imagem de personalidades públicas. O estudo empírico deu-se por meio da aplicação de um plano de Comunicação com a banda Cluster Sisters, da região de Londrina, Paraná. Ele foi criado com o intuito de ser utilizado como um alicerce para o aprimoramento da atividade de relações públicas para personalidades públicas. As práticas de relações públicas para personalidade públicas encontradas no Brasil preocupam-se, majoritariamente, em gerenciar situações imediatas. Assim, a principal contribuição desta pesquisa é incluir o planejamento estratégico de ações voltadas para públicos de interesse da per- Graduada pelo curso de Comunicação Social – Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina e pós graduanda do curso de Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas (GESTCORP) da Universidade de São Paulo. 1 Graduada pelo curso de Comunicação Social – Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina. 2 Orientadora do trabalho. Docente do curso de Comunicação Social – Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina. 3 sonalidade pública, incluindo não só a mídia, mas também os fãs, os clientes, os investidores, entre outros. Palavras-chave: relações públicas para personalidades públicas; personalidades públicas; assessoria de imagem; planejamento de relações públicas. INTRODUÇÃO O gerenciamento da imagem de personalidades públicas surge como uma nova perspectiva de atuação para o profissional de relações públicas em uma época, na qual a divulgação de informação torna-se relevante. Forni (2013), observa a “paranoia” que a Internet tem causado devido sua velocidade e seu potencial em destruir carreiras. Dessa maneira, Howard Bragman (2008) afirma que a reputação dessas personalidades públicas adquire maior vulnerabilidade e, portanto, necessita de cuidados específicos e estratégicos, que o relações-públicas pode oferecer. Este profissional será capaz de determinar os aspectos norteadores da existência do trabalho da personalidade pública e o devido interesse advindo da massa, como observam Campbell (1197), Turner (2004), Pena (2002) e outros autores, ao classificar as celebridades. É necessário perceber que estas características culminam no alcance de objetivos para satisfazer uma necessidade humana. A personalidade pública irá, então, relacionar-se com diversos públicos e passará a depender deles, semelhantemente ao processo relacional das organizações. Dentre esses relacionamentos, a imprensa torna-se um público capaz de proporcionar a exposição necessária para que estas figuras públicas passem a ter tamanha importância para a sociedade, a ponto de deixarem o anonimato e construírem uma reputação tão positiva que possam ser perpetuadas na memória midiática. Neste trabalho, pretende-se evidenciar o papel estratégico do profissional de relações públicas na assessoria de carreiras de personalidades públicas, por meio de conceitos fundamentais para a execução da atividade. 1140 A fim de alcançar este objetivo, escolheu-se o grupo musical Cluster Sisters da região de Londrina (PR), por meio do qual fosse possível aplicar um plano de comunicação adequado. Além disso, a escolha por um grupo musical levou em consideração a produção artística bastante presente na região. O plano de comunicação elaborado utilizou como metodologia as ideias propostas por Margarida Kunsch (2003), adicionando-se às contribuições de planejamento estratégico de Djalma de Oliveira (2013). PERSONALIDADES PÚBLICAS A literatura acadêmica tem a tendência de explicar o fenômeno das personalidades públicas por meio, primordialmente, da mídia (TURNER, 2004). Além disso, as definições acerca do termo celebridade são muito abundantes, de forma que cada autor determina um conceito para cada realidade estudada. Campbell (1997) observa a figura dos heróis, seres dotados de poderes extraordinários, cujas aventuras dependiam do público para serem fixadas na memória. Com o foco nos heróis modernos, os olimpianos, Morin (1981) comenta a idealização, originária da convergência entre o mundo real e imaginário, que a massa cultuava diante a astros do cinema, atletas campeões, reis, príncipes e exploradores. Os olimpianos teriam, então, o poder de ditar estilos de vida, por meio de atitudes, pela beleza, pela sedução, pelo bem estar. Outra classificação é a de Torres (2011), que as separa em estrelas, celebridades ou famosos e conhecidos. Segundo ele, o termo estrela foi utilizado pela primeira vez em 1909, pelo New York Times e está vinculado ao trabalho desempenhado pelos atores do início do cinema hollywoodiano, no qual os estúdios organizavam suas vidas. Dessa maneira, percebe-se que as celebridades são menos consolidadas que as personalidades públicas. Elas estão no mercado tempo suficiente para serem interessantes ao público. Entretanto, as personalidades públicas são quase perpetuadas, provavelmente voltando ao significado primordial dos heróis; além disso, elas podem ser advindas de diversos segmentos como entretenimento, política, ação social, ciência, entre outros. 1141 Ao comparar as ideias de Kunsch (2003) e Morgan (2207) sobre a constituição das organizações, com as de Aristóteles (1997) e Vigotsky (1991), sobre a existência do homem, pode-se concluir que as personalidades públicas são organizações. Ao mesmo tempo em que se relacionam com o meio em que vivem e seus atores sociais, também pretendem alcançar objetivos. No entanto, delimitar seu trabalho e sua vida pessoal são tarefas muito árduas, como defende Bragman (2008). Assim, o profissional de relações públicas depara-se com a abordagem de estratégias de relacionamento em três diferentes momentos da vida da personalidade pública: em sua vida profissional, quando a personalidade pública realiza a atividade pela qual é conhecida; em sua vida pessoal, quando ela realiza atividades quotidianas e acaba por ter essas atividades incluídas no interesse público; em sua vida privada, isto é, na essência de sua identidade, em todos aqueles momentos que não interessam para o público e que nem são captados por eles. RELAÇÕES PÚBLICAS PARA PERSONALIDADES PÚBLICAS Pode-se depreender que a prática das Relações Públicas em um cenário construído por personalidades públicas necessita de adequações que promovam a excelência da atividade. Assim, alguns autores como Vieira, Salles e Lima (2010) e Moura, Fustinoni e Hatamura (2007), denominam essa área como Relações Públicas Pessoais. Entretanto, é interessante ressaltar que o termo relações públicas pessoais, pode também ser compreendido do ponto de vista do relacionamento interpessoal, ou seja, relacionamentos entre pais e filhos, entre colegas de trabalho, entre outros. Relações públicas pessoais é a utilização das ferramentas de relações públicas para organizar e planejar os relacionamentos cotidianos, além de incorporar preceitos do marketing pessoal e da visão micropolítica pregada por Simões (2001), prevendo as relações de poder empregada nos relacionamentos. Portanto, as Relações Públicas para Personalidades Públicas abrangem o complexo processo de gestão de relacionamento com os públicos no contexto das figuras que produzem entretenimento, esporte, religião e política. Estas devem ser tratadas como organizações, uma vez 1142 que são formadas por um conjunto de profissionais com o objetivo comum de fazê-las alcançarem lucro e visibilidade da mídia, promovendo seu trabalho e relacionando-se com seus públicos estratégicos. Neste contexto, assim como no contexto organizacional, deve ser levada em conta, a função de planejamento, que segundo Farias (2011) deve estar presente em toda atividade de relações públicas, sendo indispensável para o exercício da profissão. Para Oliveira (2013), planejamento é um processo desenvolvido para alcançar objetivos e desejos da organização, de maneira eficiente, eficaz e efetiva, concentrando os esforços e recursos necessários para que isso aconteça. Assim, ele é um processo contínuo e composto por ações interligadas e interdependentes, necessitando de processo decisório antes, durante e depois da sua implantação. A função de assessoria também deve ser observada, sobretudo quanto à assessoria de imagem, ou seja, a gestão da identidade, imagem e reputação da personalidade. Segundo Riel (2013), o engajamento total dos stakeholders pode levar uma organização ao sucesso, pois proporciona o que ele chama de alinhamento, que acontece tanto com o público interno quanto com o externo, e planeja alinhar as diretrizes e ações da organização com esses públicos. Riel (2013) ressalta que a reputação baseia-se na avaliação do comportamento da organização ao longo do tempo, o que inclui seu passado e as expectativas para o futuro. ASSESSORIA DE IMAGEM PARA PERSONALIDADES PÚBLICAS Assessorar a imagem de uma personalidade pública é utilizar de seus relacionamentos para atingir seus objetivos, utilizando-se de diversos profissionais que cuidem de áreas específicas para que esses relacionamentos fluam de modo positivo para a personalidade. A atividade de relações públicas é a maior responsável pela gestão da carreira de uma personalidade. Segundo Marcondes Neto (2008) o profissional pode assumir as funções de representante, porta-voz e administrador de carreira para o artista, além de poder ser responsável pela função de assessoria de imagem, o que significa atuar no planejamento estratégico do processo de identidade, imagem e reputação. 1143 Identidade é o ser, aquilo que é interiorizado à personalidade pública. Por sua vez, imagem é produto da percepção de uma identidade, a qual pode ser gerenciada. Para Riel (2013), a identidade pode ser percebida em três perspectivas: desejada, características que a personalidade deseja alcançar, projetada, a apresentação das características, e percebida, em um estágio final, quase chegando à imagem. Assim, percebe-se a importância do gerenciamento da imagem, uma vez que a interpretação para transformar identidade em imagem resulta na reputação da personalidade para o público. É fundamental que as ações determinadas para consolidar a imagem da personalidade pública estejam intimamente ligadas à identidade real. O planejamento estratégico de relações públicas para personalidades públicas segue a mesma metodologia do qual para organizações, proposto por Kunsch (2003). Entretanto, alguns pontos devem ser adequados pelo fato de alguns públicos serem exclusivos da personalidade ou então por terem o relacionamento diferenciado com a personalidade, como nos casos dos fãs e da mídia. Como Bragman (2008) afirma, deve-se identificar a personalidade pública, o cenário em que está inserida e como a opinião pública a reconhece, monitorando e mantendo, sob controle, a relação entre percepção do público e a realidade da personalidade. Além disso, devem-se traçar objetivas e metas realistas com a situação e identidade da celebridade. Outro cuidado que o profissional de relações públicas deve ter é com a mídia. A celebridade, na maioria dos casos, passa a ser reconhecida através da mídia. Por isso é necessário construir um relacionamento que seja benéfico para ambos os lados, com o profissional de relações públicas buscando trazer credibilidade e coerência com a imprensa. Além disso, o networking deve ser explorado pela personalidade, Bragman (2008) comenta que os eventos são as melhores oportunidades que a personalidade pública terá para se reunir, conhecer e homenagear outras personalidades. Post, Preston e Sachs (apud GRUNIG; FERRARI; FRANÇA, 2009) o relacionamento com os stakeholders é fundamental para a prosperidade da organização. As personalidades públicas mantêm relacionamento com diversos públicos, cabe ao relações públicas identifica-los e gerir estes relacionamentos com públicos tão distintos. 1144 Todos os públicos têm sua determinada importância para a personalidade, pode-se dizer que dentre os que mais se destacam estão os investidores, patrocinadores, clientes, consumidores, fãs, mídia, e um segmento que tem tido bastante destaque que são os estilistas de moda, uma vez que as personalidades possuem bastante visibilidade e influência sobre a massa, e os estilistas também podem conferir prestígio à imagem da personalidade por esta usar uma criação sua. A mídia, como diz Forni (2013), é um dos públicos mais importantes por estar aliada à opinião pública e à prestação de contas à sociedade. Ela acaba por influenciar todos os outros públicos ao qual a personalidade está ligada. Por serem pessoas públicas e terem muita visibilidade, as personalidades públicas se expõem, muitas vezes desnecessariamente, o que as torna vulneráveis a toda e qualquer tipo de informação vazada. É baseando-se nisso que Farias (2013) recomenda passar a assessoria de imprensa para o status de relacionamento com a mídia, sendo guiado por políticas de relacionamento, assim como qualquer outro público decisivo para uma organização. O relações públicas, por sua vez, trabalha de forma estratégica na construção e manutenção de todos os relacionamentos com os públicos da personalidade pública, a fim de garantir um equilíbrio entre o seu assessorado e todo o ambiente em que está inserido, atuando com cada público. Com relação à mídia, o relacionamento deve ser direto e constante, uma vez que ela é a linha de veiculação da personalidade pública. PROJETO EXPERIMENTAL DE RELAÇÕES PÚBLICAS PARA A BANDA CLUSTER SISTERS O grupo musical Cluster Sisters foi fundado em 2008 pelas integrantes Gabriela Catai e Maitê Motta, sendo inspiradas pela banda Puppini Sisters. Assim, escolheram o estilo musical swing jazz como principal da banda. Tendo se conhecido inicialmente em um grupo de corais de Londrina (PR), Giovanna Correia também foi convidada para participar do grupo. As Cluster Sisters ficaram nacionalmente conhecidas após fazerem parte do reality show musical da Rede Globo, Superstar, no começo de 2014. Hoje, além das três vocalistas, a banda ainda conta com um 1145 produtor executivo, Davi di Pietro, e mais músicos: Emílio Mizão (guitarra), Filipe Barthem (contrabaixo), Bruno Cotrim (bateria), Wesley César (saxofone), André Siqueira ( flauta e trompete – contratado por show) e Mateus Gonsales (piano – contratado por show). Atualmente, os eventos corporativos são o principal tipo de show para o qual a banda é contratada, sendo performados, aproximadamente, todos os finais de semana, na região de Londrina e em outros estados do País. O grupo também finaliza a produção de seu primeiro álbum pela produtora S de Samba, localizada na cidade de São Paulo. Analisando as respostas obtidas por meio de um questionário aplicado para identificar o cenário da banda, foi possível elaborar um diagnóstico de Relações Públicas para as Cluster Sisters. Por meio da análise SWOT (pontos fortes, pontos fracos, oportunidade e ameaças), assim como indicado por Oliveira (2013), a seguir estão listados os principais tópicos observados: a) Pontos fortes: os integrantes possuem comunicação eficaz e democrática entre si; apresentam identidade bastante forte; dispõem-se à execução de programas de responsabilidade social; estão presentes nas redes sociais (Facebook, Twitter e Instagram) e possuem website. b) Pontos fracos: a maior parte das fraquezas da banda dá-se devido à falta de uma estrutura administrativa que organize e crie uma estrutura organizacional, dentre elas a falta de formalização do grupo enquanto uma empresa e a má gestão de horários e reuniões. Ainda estão presentes algumas falhas de relacionamento principalmente com a imprensa. c) Oportunidades: acesso ao SEBRAE pode suprir algumas necessidades administrativas; estímulo à criação de leis de incentivo à cultura; observação cuidadosa da sociedade perante ações de responsabilidade social. d) Ameaças: registro da marca por terceiros; pouco acesso à cultura no Brasil, o que causa o desconhecimento de estilos musicais como o swing jazz; interesse excessivo da mídia por personalidades públicas. Neste cenário, foram estabelecidos alguns objetivos para o plano de comunicação proposto ao grupo: potencializar as ações já executa1146 das pela banda; sistematizar os processos comunicativos não identificados pelo grupo; manter relacionamentos estratégicos. A identificação de públicos foi elaborada de acordo com a classificação lógica de França (2008), sendo os stakeholders principais a imprensa, contratantes de shows, fãs, investidores e patrocinadores. Os programas e projetos elaborados foram baseados no esforço integrado das áreas de relações públicas, Administração e Jornalismo. Tendo em vista os pontos diagnosticados, ficou clara a necessidade que a banda possui em manter a organização e padronização de suas atividades rotineiras, reunindo essas áreas de atuação. Portanto, foram propostos programas ideais executados parcialmente. Assim, foram constituídos por um conjunto de projetos. Dois projetos foram apenas propostos, um para o aprimoramento do website, criando um espaço restrito de troca de arquivos entre a banda e, principalmente, contratantes, e um para a gestão das redes sociais. Os projetos executados concentraram-se na assessoria de imprensa, com o envio de newsletters para o mailing reunido e com o atendimento direto aos veículos de mídia. Durante a execução desses projetos, foi observado o pouco interesse da imprensa com a banda, somente dois contatos foram feitos no período de aplicação, de 18/08/2014 a 26/09/2014. Como forma de avaliação, primeiramente, os projetos deveriam ser avaliados de acordo com os objetivos estimulados para eles. Após, os programas receberiam uma nota por seu desempenho e, por último, a média aritmética dessas notas, resultaria na avaliação do plano como um todo. Vale ressaltar que o plano não teve custos orçamentários devido às plataformas gratuitas utilizadas. CONCLUSÃO O trabalho de relações públicas para personalidades públicas vai muito além de meramente relacionar-se com os públicos destas figuras. Envolve estratégia, observação, organização e conhecimento do cenário em que a personalidade está inserida. A relevância de se estabelecer diretrizes para que a personalidade consiga uma projeção positiva no mercado mostra a necessidade de trabalhar estrategicamente a comunicação da celebridade, tanto no relacionamento dos públicos, que possuem papéis fundamentais na con1147 solidação da carreira, quanto na administração da vida pessoal e profissional. O profissional de relações públicas, juntamente com outros profissionais capacitados, pode administrar a comunicação da personalidade pública, traçando estratégias e ações. Nesse cenário, foi possível observar a necessidade em estabelecer ações estratégicas de relacionamento que consolidem a personalidade pública em seu meio de trabalho, levando em consideração suas ambições pessoais. O relacionamento com a imprensa, além dos fãs e investidores, também é fundamental para que a exposição dessas figuras cresça e que elas passem de celebridades para personalidades públicas, construindo reputação favorável. A presença online é outro ponto que deve ser explorado neste planejamento. Em suma, reafirma-se a necessidade em discutir o planejamento estratégico da assessoria de imagem para personalidades públicas por relações-públicas. A amplitude de conhecimentos da área pode subsidiá-los com ideias cruciais para a perpetuação dessas figuras na memória da humanidade. 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Professora Titular/Faculdade de Comunicação Social/Programa de Pós-Graduação em Comunicação – FAMECOS/PPGCOM/PUCRS. Bolsista de Produtividade – PQ/CNPq 2. 1 Bolsista de Iniciação Científica – BPA/PUCRS/2014-2015 e estudante do Curso de Relações Públicas da Faculdade de Comunicação Social – FAMECOS/PUCRS. 2 Bolsista de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/2014-2015 e estudante do Curso de Relações Públicas da Faculdade de Comunicação Social – FAMECOS/PUCRS. 3 A pesquisa está sendo desenvolvida com o apoio do CNPq e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Bolsa PQ/CNPq [renovada até 2018], Bolsas de Iniciação Científica PIBC/CNPq 2014-2015 e BPA/PUCRS [2014/2015]. 4 Palavras-chave: Ouvidoria Virtual; Mídias Sociais; Comunicação Digital; Hospitais Universitários Brasileiros. CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA: UMA BREVE INTRODUÇÃO O presente artigo destaca os resultados parciais da pesquisa desenvolvida no projeto - As mídias sociais e a (re) significação das ouvidorias virtuais nos Hospitais Universitários Brasileiros. A expressão ‘Ouvidoria Virtual’5, compreende as modalidades virtuais que os Hospitais disponibilizam para [tentar] interagir com seus segmentos de públicos, geralmente identificadas como Fale Conosco, Ouvidoria e Contato/Contatos. De acordo com Scroferneker (2006, p.12): as tentativas de ‘enxergar e visualizar’ as ‘ouvidorias’ virtuais [...] evidenciam a necessidade de ampliar o espaço de discussão sobre um tema emergente, complexo e cada vez mais presente nas organizações no que se refere à virtualização dos relacionamentos pessoa-pessoa. É importante destacar que as mídias sociais6 digitais, sob a perspectiva do projeto, se constituem em modalidades de ouvidorias virtuais (re) significadas. A apropriação de diferentes plataformas que compõem as mídias sociais digitais pelas organizações, e específicamente pelos Hospitais Universitários, buscam/pretendem (re) estabelecer/consolidar o relacionamento com os seus segmentos de públicos, semelhantemente ao pretendido/esperado pelas modalidades tradicionais. De acordo com Nassar ([2009]) “[...] como organizações da área da saúde, os hospitais são reconhecidamente organizações complexas. 5 Expressão criada pela coordenadora do Projeto em 2005. Telles (2011) ao chamar a atenção para o uso - como sinônimo- das expressões redes sociais e mídias sociais afirma que “ [,..] rede social é uma categoria de mídias sociais, que é um conceito mais abrangente: “são sites na internet construídos para permitir a criação colaborativa de conteúdo, a interação social e o compartilhamento de informações em diversos formatos” (TELLES, 2011, p.19). 6 1155 Portanto, dada a complexidade, é importante analisar os procedimentos comunicacionais que ocorrem nas plataformas de mídias sociais dessas organizações, pois neste contexto, a comunicação se estabelece como variável contribuinte no processo de padronização. Levando em conta tais considerações, interessa-nos, investigar sobre como os Hospitais Universitários Brasileiros estão ‘utilizando’ as mídias sociais digitais, especialmente as plataformas do Twitter e do Facebook para [tentar] interagir com seus públicos e discutir sobre as especificidades desse ‘diálogo virtual’, proposto pelos Hospitais em relação a essas plataformas. Para a definição da amostra de Hospitais foram adotados critérios em relação à nomenclatura, ou seja, possuir a terminologia de Hospital Universitário (HU) ou algum tipo de dependência financeira com IES (Instituição de Educação Superior); constar na relação de Hospitais Universitários reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC); pertencer à Associação Brasileira de Hospitais Universitários e de Educação e disponibilizar alguma modalidade de ‘Ouvidoria’ virtual nos sites/portais7, tradicionais e/ou (re)significada. Com a aplicação dos critérios, foi definida uma amostra de 36 Hospitais Universitários. Dessa relação de Hospitais foram relacionados, para apresentação nesse artigo, apenas aqueles que disponibilizavam plataformas oficiais em seus sites/portais (QUADRO 1). São eles: Walter Cantídio, Júlio Müller, João de Barros Barreto, Clementino Fraga Filho, Betina Ferro de Souza e Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O termo site designa um ‘local virtual’, ou seja, um conjunto de páginas virtualmente localizado em algum ponto da Web ([DICTIONARY.COM, 2010]). Os portais, por sua vez, podem ser entendidos como sites da Internet que funcionam como centros aglomeradores de outros sites e de seus conteúdos. 7 1156 QUADRO 1 – OS HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS E SUAS PLATAFORMAS OFICIAIS Fonte: Elaborado por FALAVIGNA, Francielle Benett (Bolsista BPA/ PUCRS/2014-2015) e SILVA, Thais Gonçalves (PIBIC/CNPq/ 2014-2015). Os sites/portais desses hospitais foram acompanhados mensalmente, assim como as plataformas que disponibilizavam. SOBRE OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E RESULTADOS PARCIAIS Para que nossas discussões pudessem ser fundamentadas, os procedimentos metodológicos envolveram pesquisa exploratória (GIL, 1999), desenvolvida mediante técnicas de levantamento bibliográfico, estratégia de estudo de caso (YIN, 2001), envio de questionários por e-mail (DUARTE, 2006) e exploração e análise das plataformas disponibilizadas nos sites/portais dos Hospitais que compõem a amostra. Para o 1157 detalhamento dos procedimentos metodológicos optamos por apresentá-los em quatro momentos: 1º momento: Levantamento bibliográfico para a fundamentação teórica da pesquisa. Autores como Primo (2011), Recuero (2012), Scroferneker, Ramires e Silva (2011), dentre outros, nos auxiliaram no embasamento das análises realizadas no segundo momento de nossas investigações. Para Recuero (2012, p.16) “As redes sociais são as estruturas dos agrupamentos humanos, constituídas pelas interações, que constroem os grupos sociais” Sob essa abordagem, as redes sociais, ou os sites de redes sociais, são espaços que permitem a virtualização de agrupamentos sociais, de ordem pessoal e/ou profissional, a partir do compartilhamento/ proximidade de interesses e valores (RECUERO, 2009). Em plataformas como o Twitter e o Facebook, é importante ressaltar a necessidade do diálogo, “[...] porque é na comunicação e nos seus relacionamentos sociais que as organizações têm os principais processos que as legitimam e consolidam na sociedade e mercado onde atuam” (NASSAR, 2008, p. 193). E, no contexto atual, a internet passou a ser cenário desses processos de legitimação, relacionamento e visibilidade (SCROFERNEKER; SILVA E AMORIM, 2011). 2º Momento: Acompanhamento e análise mensal dos sites/portais dos Hospitais Universitários da amostra8. Compõem a amostra analisada os seguintes Hospitais: Hospital Universitário Getúlio Vargas (UFMA), Hospital Universitário Betina Ferro de Souza (UFPA), Hospital Universitário João de Barros Barreto (UFPA), Hospital das Clínicas (UFGO), Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (UFMS), Hospital Universitário Júlio Müller (UFMT), Hospital Universitário de Brasília (UNB), Hospital Universitário da Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD), Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes (UFAL), Hospital Universitário Prof. Edgard Santos (UFBA), Hospital Universitário Walter Cantídio (UFCE), Hospital Universitário Alcides Carneiro (UFCG), Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Hospital Universitário Lauro Wanderley (UFPB), Hospital das Clínicas UFPE (UFPE), Hospital Universitário Ana Bazerra (UFRN), Hospital Universitário Onofre Lopes (UFRN), Hospital Universitário UFS (UFS), Hospital Universitário 8 1158 O acompanhamento e a análise mensal dos sites/portais dos Hospitais buscou, evidenciar se as plataformas se constituem [ou não] em redes de relacionamento e de diálogo. A conversação como apropriação na comunicação mediada pelo computador (RECUERO, 2012) apresenta especificidades relacionadas à estrutura de rede no ambiente virtual. Esse acompanhamento revelou que dentre as plataformas de mídias sociais oficiais, redirecionadas através dos sites/portais do Hospitais, o Twitter e o Facebook se constituem nas mais ‘utilizadas’. O Twitter, é a alternativa de mídia oficial que os Hospitais mais se apropriam, apresentando replicações de postagens do site/portal dessas Instituições. Os tweets, normalmente são relacionados à área da saúde e a conteúdos de interesse público. A ausência de interação, no entanto, nos permite afirmar que a gestão da plataforma está pautada na emissão. No caso do Facebook, também são predominantes as postagens de links de conteúdos disponíveis em seus sites/portais, o que caracteriza, ao mesmo tempo, uma postura com foco na emissão. Recuero destaca que (2012, p.16) “O Facebook, o Orkut e o Twitter são ferramentas que [...] que pertencem à categoria cada vez mais popular dos ‘sites de rede social’ [grifo da autora], ou ferramentas que proporcionam a publicação e a construção de redes sociais”. Segundo Santaella e Lemos (2010, p. 55) “O Twitter [...] é um ambiente digital que possui uma dinâmica singular de interação social”, ou seja, “[...] é uma mídia social particular que apresenta características únicas em relação a outras plataformas de rede social, como o Facebook [...]” (SANTAELLA e LEMOS, 2010, p. 63). Dr. Miguel Riet Correa Junior (FURG), Hospital de Clínicas de Porto Alegre (UFRGS), Hospital de Clínicas da UFPR (UFPR), Hospital Escola de Pelotas (UFPEL), Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (UFSC), Hospital Universitário de Santa Maria (UFSM), Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (UFRGS e UFCSSPA), Hospital São Lucas da PUCRS (PUC-RS), Hospital Universitário Antônio de Moraes (UFES), Hospital Universitário Antonio Pedro (UFF), Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), Hospital Escola São Francisco de Assis (UFRJ), Hospital Universitário UFJF (UFJF), Hospital das Clínicas da UFMG (UFMG), Hospital Escola (UFTM), Hospital de Clínicas de Uberlândia (UFU) e Hospital Universitário da (UNIFESP). 1159 Ainda de acordo com as referidas autoras, diferentemente das demais plataformas, o foco do Twitter “[...] encontra-se na qualidade e no tipo de conteúdo veiculado por um usuário específico”, apresentando “[...] uma ecologia relacional completamente diversa das outras RSIs9 (SANTAELLA e LEMOS, 2010, p.67). Segundo nossas análises em relação aos seis hospitais, no que diz respeito à apropriação do Facebook, apenas dois - Hospital de Clínicas de Porto Alegre (UFGRS) e o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) - revelam, mesmo que parcialmente, certa clareza sobre o conceito de cada uma dessas plataformas, sob a perspectiva do diálogo ‘virtual’ (FIGURA 1). FIGURA 1 - DIÁLOGOS ENTRE OS INTERAGENTES - HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE E HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO NO FACEBOOK. Fonte: Elaborado por FALAVIGNA, Francielle Benett (Bolsista BPA/ PUCRS/2014-2015) e SILVA, Thais Gonçalves (PIBIC/CNPq/ 2014-2015) com base em Facebook (2015). Já no que se refere ao Twitter, observamos uma postura informacional por parte dos Hospitais Universitários. Tal modalidade de interatividade é entendida por Primo (2011, p.149-150) como reativa (FIGURA Redes Sociais na Internet/RSIs. Para Santaella e Lemos (2010, p. 32) “Redes são fluxos, circulações, movimentos, alianças que nada têm a ver com entidades fixas”. 9 1160 2), visto que “[...] dependem de previsibilidade e da automatização nas trocas, sendo [...] marcada pelo disparar de potenciais”. FIGURA 2 - DIÁLOGOS ENTRE OS INTERAGENTES - HOSPITAL CLEMENTINO FRAGA FILHO NO TWITTER. Fonte: Elaborado por FALAVIGNA, Francielle Benett (Bolsista BPA/ PUCRS/2014-2015) e SILVA, Thais Gonçalves (PIBIC/CNPq/ 2014-2015) com base em Twitter (2015). É importante destacar que apesar dos Hospitais recorrerem e pretenderem que as plataformas se constituam em alternativas de comunicação institucional, de relacionamento com os públicos, nossas observações identificaram um ‘uso’ das mídias sociais com viés predominantemente informacional. 3º Momento: Realização de pré-teste, com envio de questionário, no corpo do e-mail. Nesse terceiro momento, elaboramos dois modelos de questionários, com base no critério de segmentação dos Hospitais Universitários que disponibilizavam Ouvidoria em sua modalidade presencial e aqueles que, além dessa, também a disponibilizavam em modalidade virtual. Posterior à elaboração dos questionários, iniciamos o período de pré-teste [entre 16 de setembro e 2 de outubro de 2014], em que foram 1161 selecionados seis Hospitais para amostra, três que disponibilizavam plataformas de mídias sociais e três que, não as disponibilizavam. O pré-teste teve como objetivo validar as questões propostas visando atingir os objetivos do projeto. Nessa etapa retornaram apenas dois questionários, destes, apenas um Hospital disponibilizava plataformas em seus sites/portais, no entanto, não respondeu as questões direcionadas à Ouvidoria em sua modalidade Virtual. 4º Momento: Envio dos questionários validados após o pré-teste. Considerando que apenas dois Hospitais responderam o questionário enviado, optamos por reenviá-lo, após a revisão das questões, aos 30 Hospitais Universitários, no período entre 24 de setembro e 4 de novembro de 2014. Cabe aqui uma citação de Wolton, que em nossa opinião traduz essa ausência de resposta. Para esse autor “as técnicas não bastam para criar a comunicação”, dado que “o mais simples tem a ver com as tecnologias e mensagens, enquanto o mais complicado tem a ver com os homens [...]” (WOLTON, 2010, p.13). Com o envio desse questionário, pretendíamos ‘ouvir’ ouvidores e/ou responsáveis de Ouvidoria sobre a apropriação das modalidades tradicionais de ouvidoria, bem como entender os motivos que levaram esses Hospitais a disponibilizarem as plataformas em seus sites/portais e como estavam sendo ‘utilizadas’ (grifo nosso). Dos 30 questionários enviados, inclusive endereçados nominalmente, recebemos seis questionários preenchidos10. Destacamos como pontos importantes: a) as Ouvidorias dos Hospitais que responderam apresentam um quadro de funcionários reduzido (de até três pessoas); b) dispõem de salas próprias; c) estão vinculadas à superintendência; d) possuem banco de dados para armazenamento de informaHospital Universitário Júlio Müller (UFMT), Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Hospital Universitário da Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD), Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (UFSC), Hospital Universitário Lauro Wanderley (UFPB) e Hospital Universitário Antonio Pedro (UFF). 10 1162 ções referentes à Ouvidoria em suas modalidades tradicionais; e) e os Ouvidores relatam que desempenham a função até no máximo dois anos. Em virtude das dificuldades de pesquisa, entramos em contato telefônico com os Hospitais, no período entre 03 e 6 de novembro de 2014, buscando ressaltar a importância de responder o questionário para o desenvolvimento da pesquisa. Para Recuero (2013, p.53) “É pela conversação, [...], que conseguimos conhecer melhor o Outro, estabelecer relações e construir laços sociais que vão estruturar os grupos sociais e a sociedade como um todo”. Ainda assim, após contato e algumas tentativas telefônicas sem sucesso aos vinte e quatro Hospitais, treze questionários foram reenviados conforme solicitação dos ouvidores. Destes, seis questionários retornaram preenchidos11. Nossas investigações permitiram que fossem observadas algumas especificidades em relação àqueles que responderam somente após as ligações. Entre elas podemos destacar o tempo que a função de ouvidor é desempenhada – entre dois e dezessete anos –, período significativamente maior em relação àqueles que responderam via e-mail, sem a necessidade de ligação. Ainda que sejam observadas disparidades, algumas semelhanças são constatadas. As equipes também são reduzidas, com no máximo três pessoas no setor e, no que se refere às demandas, as reclamações são as mais frequentes, principalmente por parte de familiares e pacientes. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A intenção deste artigo, como já destacado, era investigar sobre como se dá a apropriação das mídias sociais digitais por parte dos Hospitais Universitários Brasileiros e como estão sendo ‘utilizadas’ essas mídias, especialmente as plataformas do Twitter e do Facebook, enquanto mediadoras nas relações entre os Hospitais e os seus diferentes públicos. Hospital Universitário Antônio de Moraes (UFES), Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Correa Junior (FURG), Hospital Universitário Prof. Edgard Santos (UFBA), Hospital São Lucas da PUCRS (PUC-RS), Hospital Escola de Pelotas (UFPEL) e Hospital de Clínicas de Uberlândia (UFU). 11 1163 Com base nas respostas obtidas e nas observações realizadas, algumas considerações devem ser destacadas. Dentre os seis Hospitais com plataformas de Mídias Sociais oficiais, por exemplo, todos possuem conta no Twitter e quatro possuem conta no Facebook, ou seja, essas plataformas são as mais ‘utilizadas’ pelos Hospitais Universitários, que compõem a amostra. Em relação ao Facebook, apenas dois Hospitais revelaram, parcialmente, maior clareza na apropriação da plataforma, se considerarmos uma perspectiva de diálogo virtual. Já no que se refere ao Twitter, predomina a interatividade reativa (PRIMO, 2011, p. p.149-150), o que dificulta o diálogo e o relacionamento dos Hospitais com seus públicos, bem como dos públicos com essas Instituições. Os Hospitais Universitários pesquisados evidenciaram, no que se refere ao modo como ‘utilizam’ e/ou se apropriam das plataformas de mídias sociais digitais enquanto modalidades de Ouvidoria Virtual, uma postura fortemente pautada na cultura da informação. Como já destacado por Scroferneker, Amorim, Florczak, Castilhos e Falavigna (2014), acreditamos que “[...] a falta de clareza conceitual sobre Ouvidoria e principalmente da ‘Ouvidoria’ virtual, [...] expõe o desconhecimento sobre a relevância que essas novas possibilidades de comunicação oferecem aos Hospitais Universitários”. A presença de uma organização no ambiente virtual, pressupõe a disponibilidade para dialogar com os diferentes públicos com que se relaciona. Concordamos com Marcondes Filho (2008, p.25-26) quando afirma que, O diálogo, na realidade, é um espaço comum [...].Além das palavras emitidas, circulam sensações, emoções, desejos, interesses, curiosidades, percepções, estados de espírito, intuições, humores, uma indescritível sensação de ‘coisa comum’ [grifo do autor]. Avaliar e (re) avaliar a relação organização-públicos a partir de plataformas como o Twitter e o Facebook, implica considerar uma visão crítica sobre o modo como estão sendo gerenciados estes espaços. Esperamos que nossas observações e análises [em andamento] contribuam para uma reflexão aprofundada sobre o modo como estão sendo geridas e (re) significadas estas plataformas, especialmente, a de Hospitais Universitários Brasileiros. 1164 REFERÊNCIAS BRASIL. e-SIC – Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão. Disponível em: h tt p : / / w w w. a c e s s o a i n f o r m a c a o . g o v. b r / s i st e m a / s i t e / i n d e x . html?ReturnUrl=%2fsistema%. Acesso em: 11 mar. 2015. BRASIL. SIG – EBSERH. Disponível em: < http://sig.ebserh.gov.br/>. Acesso em: 11 mar. 2015. DICTIONARY.COM. Disponível em: <http://www.disctionary.com/>. Acesso em: 19 dez. 2009. DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: BARROS, Antonio; DUARTE, Jorge. Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2 ed. São Paulo. Atlas, 2006. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1999. HUUFMA. Apresentação. 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Porto Alegre: Bookman, 2001. 1166 |9| O USO DO CROWDFUNDING NO FINANCIAMENTO DE PROJETOS SOCIAIS E CULTURIAS: UM ESTUDO SOBRE A CATARSE. Caroline Dias MILANI1 e Cristiane Maria RIFFEL2 RESUMO O estudo buscou analisar o uso do crowdfunding como forma de financiamento para projetos sociais e culturais no Brasil, por meio da análise da plataforma Catarse, sendo ela a primeira plataforma do Brasil. O crowdfunding, também conhecido como financiamento coletivo, compreende em uma estratégia de captação de recursos para projetos que aliam o desenvolvimento tecnológico da internet com práticas relacionadas à cultura participativa. O estudo caracteriza-se como exploratório de abordagem qualitativa. Primeiro realizou-se a coleta de dados por meio de pesquisa bibliográfica. Em segundo momento realizou-se a pesquisa documental, análise de conteúdo do site e do blog e entrevista com o coordenador de comunicação da Catarse. Os resultados indicaram que o sucesso do financiamento coletivo só é possível graças às facilidades e às possibilidades que a internet proporciona, entre elas estão à visibilidade e o engajamento do público no ambiente virtual. O estudo mostrou ainda que a comunicação é um elemento Estudante de Graduação do 5º período do Curso de Comunicação Social - Relações Públicas da Univali, email: caroliinemilani@hotmail.com 1 Mestre em Extensão Rural (UFSM-RS), Bacharel em Comunicação Social – Hab. em Relações Públicas (UFSM-RS). Atua como docente nos cursos de Relações Públicas e Pós Graduação em Comunicação Empresarial da Univali. 2 essencial para a prática do crowdfunding e do sucesso no financiamento de projetos. Palavras-chave: Crowdfunding; financiamento coletivo; cultura participativa; Catarse. INTRODUÇÃO Este estudo investiga o crowdfunding, também conhecido como financiamento coletivo. Na prática, o crowdfunding consiste em doações feitas pela internet a fim de viabilizar financeiramente projetos de interesse comum. Seu principal objetivo é que várias pessoas contribuam com pequenas quantias de dinheiro até atingir o montante necessário para viabilizar um projeto em questão. Na concepção de Howe (2008) o financiamento coletivo mobiliza o bolso coletivo, por meio da internet, permitindo que as pessoas financiem projetos em que acreditam. O crowdfunding surgiu na Europa no ano de 2006 e desde então vem se expandindo ao redor do mundo. No Brasil, o crowdfunding chegou no ano de 2011, por meio da plataforma Catarse. De acordo com um estudo publicado no site crowdsourcin.org, em 2012, identificou-se que, na época, já haviam 452 plataformas de crowdfunding no mundo, sendo 21 delas brasileiras. O sucesso e a disseminação da prática do financiamento coletivo não se resume apenas na viabilização financeira dos projetos, mas também na visibilidade e no impacto que a prática proporciona para os projetos financiados. O financiamento coletivo é uma forma de captação de recursos inovadora que visa aliar a cultura participativa com o desenvolvimento tecnológico, por meio da internet. Isto por que os métodos de captação de recursos tradicionais3, na maioria das vezes, são muito burocráticos e não oferecem a visibilidade e a divulgação para os projetos na mesma proporção que o financiamento coletivo. Diferente das Alguns dos tipos de captação de recursos tradicionais são: incentivo governamental, incentivo privado e editais públicos. 3 1168 formas tradicionais de captação, o crowdfunding permite o engajamento do público, divulgação do projeto e impacto na mídia e na sociedade, por meio da internet. Neste contexto o estudo buscou analisar o uso do crowdfunding para o financiamento de projetos sociais e culturais, por meio da experiência da Catarse. Como objetivos específicos a pesquisa buscou mapear a trajetória do financiamento coletivo no Brasil, compreender o uso do financiamento coletivo e identificar as estratégias de comunicação que a Catarse utiliza para captar financiadores. A pesquisa realizada caracteriza-se como exploratória de abordagem qualitativa. Na primeira fase fez-se o levantamento de dados bibliográficos, por meio de artigos científicos, monografias, livros e pesquisas já realizadas na área. Na segunda fase realizou-se uma pesquisa documental por meio de reportagens jornalísticas, documentários disponíveis no Youtube e no canal Multishow. Posteriormente foi feita uma análise de conteúdo do site e do blog da Catarse, e por fim uma entrevista com o coordenador de comunicação da Catarse, Felipe Caruso. INTERNET E CULTURA PARTICIPATIVA: UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS COLABORATIVOS Para entender os processos que permeiam a prática do crowdfunding é preciso compreender os impactos sociais e culturais que a internet vem ocasionando na sociedade contemporânea. A grande transformação da internet aconteceu por volta dos anos 2000, com o advento da chamada web 2.0. Na concepção de Ferrari (2008) a web 2.0 permitiu a participação dos usuários, bem como a geração de conteúdo e a democratização do fluxo de informações, que antes ficavam apenas nas mãos das grandes mídias como rádio e televisão. Do ponto de vista de Gabriel (2010) a web 2.0 é considerada a web da participação, em que as pessoas utilizam a web como plataforma para todo o tipo de interação: blogs, vídeos, fotos, redes sociais, etc. A interatividade, o rápido acesso e a facilidade na postagem de conteúdos que as mídias sociais proporcionaram, resultou em novas maneiras de se utilizar a internet. Telles (2011, p.19) propõe que as mídias sociais são sites na internet construídos para permitir a criação colaborativa de 1169 conteúdo, a interação social e o compartilhamento de informações em diversos formatos. O fácil acesso à internet democratizou os meios de produção e distribuição dos recursos midiáticos. Jenkins (2009, p.28) afirma que os usuários estão criando aquilo que desejam consumir como mídia. Ele utiliza a expressão “cultura participativa” para contextualizar o processo de mudanças midiáticas entre os usuários na internet. A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras. A mudança de comportamento dos usuários em relação ao uso da internet proposta por Jenkins (2009) só foi possível graças a interatividade promovida pelas mídias sociais. O autor afirma que a circulação de conteúdo nas mídias sociais depende fortemente da participação dos usuários. Shirky (2010, p.109) esclarece que a tecnologia possibilita essas mudanças de comportamento, mas não pode causá-los. O caráter humano é o expoente essencial do comportamento sociável, mesmo quando coordenado por ferramentas tecnológicas. Essas mudanças de comportamento deram origem a processos colaborativos desenvolvidos por meio da interação da internet. Trata-se de práticas relacionadas ao crowdsourcing e ao crowdfunding. Na concepção de Howe (2008, p.23) o crowdsourcing é o conjunto de contribuições (trabalho) voluntárias ou de baixo custo de diversos indivíduos e grupos, predominantemente conectados por meio da internet, a fim de compartilhar conhecimento, talento, tempo e recursos, para resolver problemas ou criar novos conteúdos, em funções anteriormente designadas a especialistas. Para os autores Tapscott e Williams (2007, p.23), a produção de conhecimento, conteúdo, bens e serviços estão se tornando uma atividade colaborativa na qual cada vez mais um maior número de pessoas pode participar. Embora o crowdsourcing esteja ligado à internet e as suas possibilidades, sua essência não é a tecnologia, mas sim o comportamento humano e as habilidades de compartilhar conhecimento (HOWE, 2008). 1170 O que torna o crowdsourcing um sucesso é a união de diferentes intelectos, com um objetivo em comum, mediado pelo uso da internet. Alguns especialistas da área como Howe (2008), Tapscott e Wiliians (2007), fazem referência a Pierre Lévy, quando se trata da união de diferentes intelectos. Lévy (1999), já abordava essa reflexão em seu livro Inteligência Coletiva. Antes mesmo do surgimento das mídias sociais e da interatividade na internet, o autor já propunha que a inteligência coletiva estava relacionada à capacidade das comunidades virtuais de alavancar expertise combinada de seus membros. A união de diferentes intelectos é uma prática antiga, mas que com o surgimento das mídias sociais ganhou força. O crowdsourcing é o resultado da mudança de comportamento dos usuários aliada ao desenvolvimento da internet. Sua essência não consiste na tecnologia em si, mas na cultura participativa que se fortalece no ambiente virtual. Dentro deste contexto surge assim o crowdfunding, que utiliza o capital excedente da multidão para o financiamento de projetos de interesse comum. CROWDFUNDING: UMA ALTERNATIVA INOVADORA PARA O FINANCIAMENTO DE PROJETOS O crowdfunding4 é um desdobramento do crowdsourcing, na medida em que ele busca na multidão uma solução para um problema e tem a internet como seu grande agente facilitador. Sbeghen (2012, p.37) explica que, neste caso o problema é o financiamento de algum projeto, ideia, negócio ou outro tipo de necessidade, e o que a multidão oferece é a sua renda excedente. Na verdade o financiamento coletivo nada mais é do que a boa e velha “vaquinha”, em que um grupo de pessoas arrecada dinheiro a fim de viabilizar algo de interesse comum. Na concepção de Howe (2008, p.219) o crowdfunding mobiliza o bolso coletivo, por meio da internet, permitindo que as pessoas financiem projetos em que acreditam, com “pequenas doações aqui e ali”. O termo crowdfunding vem do inglês, “crowd” significa multidão ou público e “funding” significa financiamento. Traduzido para o português: financiamento coletivo 4 1171 Steinberg (2012, p.7) compreende o financiamento coletivo como um processo de pedir ao público em geral doações que forneçam capital inicial para novos empreendimentos. O autor também compreende que utilizando a internet como meio de comunicação, o projeto ou produto em questão ganha visibilidade a partir do sucesso ou insucesso do financiamento. O primeiro registro de uso do crowdfunding foi no ano de 2006, na Europa. O site “Sellaband” foi o primeiro da categoria a usar o espaço na web para promover o financiamento coletivo. Mas foi em 2008, após o financiamento da campanha do então candidato a presidência dos EUA, Brack Obama, que o financiamento coletivo ganhou força e visibilidade mundial. A campanha utilizou o site de rede social Facebook, como plataforma online para a realização do financiamento. No total a campanha arrecadou cerca $272 milhões de dólares de mais de dois milhões de pessoas (HOWE, 2008). Posteriormente diversos sites de financiamento coletivo foram surgindo ao redor mundo, mas o que se destacou na época foi o site norte americano “Kickstarter”. O site já movimentou cerca de $1bilhão de dólares até março de 2014.Atualmente o site é referência mundial na prática do crowdfunding. De acordo com Valiati (2012) a prática do financiamento coletivo consiste em criar um projeto, estipular o valor necessário para a viabilização, determinar prazos e se cadastrar em uma plataforma de crowdfunding. As plataformas de financiamento coletivo, neste caso os sites, funcionam como intermediários entre os produtores e os consumidores dos projetos em financiamento. Eles são responsáveis por divulgar os projetos na web, por meio do site, e captar financiadores para os mesmos. Zanotelli (2013) explica que a maioria das plataformas de financiamento coletivo costuma cobrar uma taxa de comissão. Essa taxa pode chegar até 15% do valor total arrecadado pelo projeto. Os grandes diferenciais do crowdfunding são as recompensas, a visibilidade do projeto e o engajamento do público. As recompensas, por exemplo, não são uma regra, mas a maioria dos projetos oferece recompensas aos seus doadores. Essas podem ser desde um CD até um ingresso para shows. Na maioria das vezes as recompensas estão ligadas ao projeto que está em processo de financiamento. Além das recompensas, o principal fator que promove o engajamento do público com os projetos é a interatividade proporcionada 1172 pela internet. O crowdfunding não possibilita apenas que projetos sejam viabilizados financeiramente, mas possibilita também que através do sucesso (ou insucesso) do financiamento, se mensure o impacto do mesmo. No caso de projetos sociais e culturais Howe (2008) defende que os artistas, por exemplo, podem atrair diretamente seus consumidores. O autor explica que quando pedem para as pessoas investirem pequenas quantias nas carreiras de músicos e cineastas, os artistas conseguem atrair diretamente o público que acabará consumindo suas produções. Ao mesmo tempo em que os financiadores são colaboradores do projeto eles são consumidores do mesmo. É o coletivo financiado o próprio coletivo. Valiati (2012) explica que a realização de projetos não está mais nas mãos do capital privado (ou estatal), está nas mãos daqueles que querem tirar ideais do papel e para isso utilizam a internet como ferramenta para promover o engajamento do público e captar recursos. Ainda sobre os diferenciais do crowdfunding, pode-se citar a visibilidade que os projetos ganham enquanto estão sendo financiados. O advento da web 2.0, permitiu que usuários do mundo inteiro compartilhassem ideias, informações e até mesmo utilizassem esse recurso midiático para divulgação de determinado produto ou projeto. Isso tudo sem custo algum, já que a falta de dinheiro é o que leva as pessoas a recorrerem ao financiamento coletivo. Entende-se que não há verba disponível para uma campanha de divulgação, por exemplo (COCATE, 2011). A fim de compreender a aplicação do crowdfunding no Brasil, o próximo item abordará a trajetória brasileira das plataformas de financiamento coletivo bem como sua aplicação para projetos sociais e culturais. O USO DO CROWDFUNDING NO BRASIL De acordo com o levantamento bibliográfico feito pela autora identificou-se que existem poucas referências disponíveis que abordem o uso do crowdfunding no cenário brasileiro. As práticas colaborativas no cenário brasileiro só foram possíveis devido ao forte crescimento de usuários na internet. De acordo com uma pesquisa realizada pelo IBOPE (Instituto de Pesquisa de Opinião Pública e Estatística), em 2013, já havia 102,3 milhões de pessoas com acesso a internet. 1173 O crowdfunding, especificamente, chegou ao Brasil no ano de 2011, com a Catarse, que foi a primeira plataforma de financiamento coletivo a utilizar o espaço online para financiar projetos culturais, sociais, ambientais, tecnológicos e etc. Posteriormente, outras plataformas foram sendo criadas, entre elas estão: Vakinha, Queremos, Juntos com você, Benfeitoria e etc (VALIATI, 2012).Dentro do cenário brasileiro, a Catarse é a plataforma de crowdfunding que mais se destaca. Com mais de 1.500 projetos financiados, a Catarse vem fomentando a prática do financiamento coletivo no Brasil. Embora o crowdfunding seja recente no país, alguns fatores como perfil dos financiadores brasileiros, bem como a abrangência do crowdfunding no país já foram identificados por meio de uma pesquisa realizada pela Catarse em parceria com a empresa de pesquisa Chorus.A fim de sintetizar os principais resultados da pesquisa “Retrato do financiamento coletivo no Brasil”5, elaborou-se um quadro. QUADRO 1: DADOS DA PESQUISA: RETRATO DO FINANCIAMENTO COLETIVO NO BRASIL – CATARSE E CHORUS PERFIL DOS FINANCIADORES 59% são homens e 41% são mulheres, considerando ambos os sexos 74% ganham acima de 6mil por mês. ÁREA DE ATUAÇÃO DOS FINANCIADORES Comunicação Social, administração e negócios, web e tecnologia. Seguido por publicidade, marketing e produção cultural. PERFIL DOS REALIZADORES DO FINANCIAMENTO COLETIVO NO BRASIL ÁREA DE ATUAÇÃO DOS REALIZADORES 37% têm entre 25 e 30 anos; 28% têm entre 31 e 40 anos e 17% entre 18 e 24 anos. Artes 22%, Produção Cultural 11%, Comunicação e Jornalismo 9%, seguidos por web e tecnologia, publicidade e marketing. Pesquisa realizada pela Catarse em parceria com a empresa de pesquisa Chorus, realizada no período de 29 de agosto de 2013 a 17 de setembro de 2013. Sendo 3336 pessoas entrevistadas, com uma margem de erro de 1,7%. A pesquisa está disponível em: http://pesquisa.catarse.me/.Acesso em 01 de jun de 2014. 5 1174 CARÁTER DOS PROJETOS QUE AS PESSOAS TÊM MAIS INTERESSE EM APOIAR FATORES IMPORTANTES EM UM PROJETO 52% têm interesse em apoiar projetos de fomento à produção artística e cultural. 41% têm interesse em apoiar projetos com viés social e/ou ambiental. Os três fatores mais importantes na hora de financiar um projeto são: Transparência, qualidade e recompensas. Os dados da pesquisa realizada pela Catarse e a empresa de pesquisa Chorus mostram que 90% dos projetos financiados no Brasil são de caráter cultural ou de viés social e ambiental. É possível identificar também que os apoiadores dos projetos não são pessoas de baixa renda, considerando que 74% deles ganham acima de 6mil reais por mês. A pesquisa também identificou que o crowdfunding está presente em todas as regiões do país. Sendo as regiões Sul e Sudeste que mais apresentam atuação no financiamento coletivo no Brasil. De acordo com a pesquisa a cidade que mais apoia projetos no país é a cidade de Florianópolis, representando 79% dos apoiadores de crowdfunding no Brasil. Em contra partida as regiões Norte e Centro-Oeste são as que menos apresentam atuação na prática do financiamento coletivo. METODOLOGIA O estudo caracteriza-se como uma pesquisa de tipo exploratória, que busca maior domínio sobre o tema em questão. Aeker (2004), explica que o uso da pesquisa do tipo exploratória é empregado quando o pesquisador busca compreender um problema, levantar hipóteses e alternativas sobre ele. Neste caso, o problema levantado é a dificuldade da captação de recursos para projetos sociais e culturais no Brasil, aliado ao advento do financiamento coletivo. A abordagem da pesquisa é de caráter qualitativo, Aeker (2004) propõem que a pesquisa de tipo exploratória adote esta abordagem, pois o pesquisador busca compreender determinada problemática e não quantificá-la. Já a técnica de amostragem caracteriza-se como não probabilística intencional. A seleção da amostra se deu pelo fato de o objeto de estudo, neste caso a Catarse, ser a primeira plataforma de financiamento coletivo do Brasil, além de ser uma das mais atuantes no brasileiro. 1175 O levantamento de dados secundários aconteceu no período de 27 de março a 30 de abril de 2014. A coleta dos dados foi por meio de pesquisa bibliográfica, com a utilização de livros, artigos científicos e monografias. Tendo em vista que o tema trata-se de um assunto novo e pouco explorado na área acadêmica, fez-se necessário o levantamento de dados secundários também por meio de publicações em língua estrangeira, neste caso língua inglesa. Para analisar a plataforma de crowdfunding Catarse, realizou-se uma pesquisa documental por meio de reportagens jornalísticas, documentários disponíveis no Youtube e uma reportagem do programa Reclame do canal Multishow. Posteriormente realizou-se a análise de conteúdo do site e do blog da Catarse. Por último foi realizada uma entrevista com Felipe Caruso, coordenador de comunicação da Catarse. A entrevista foi realizada via email no dia 06 de maio de 2014, e permitiu uma análise mais profunda sobre o funcionamento da plataforma de crowdfunding. A análise das informações foi definida em três categorias são estas: A Entidade, Projetos e Comunicação, que serão abordadas no próximo item. ANÁLISE DOS RESULTADOS a) A Entidade QUADRO 2: A ENTIDADE A ENTIDADE PERSONALIDADEJURÍDICA Grupo Comum Consultoria e Intermediação de Negócios Ltda– Me. Denominada Catarse. DATA DE FUNDAÇÃO 17, janeiro de 2011. HISTÓRICO A Catarse foi criada por um grupo de amigos que se conheceram pela internet. A história começou no final de 2010, quando os cinco amigos estavam criando plataformas de crowdfunding separadamente. Foi então que surgiu a ideia de unir os conhecimentos e criar uma única plataforma, mais forte e atuante para viabilizar projetos que ficavam engavetados. EQUIPE A Catarse dispõe de uma equipe formada por 16 pessoas. 1176 A plataforma de crowdfunding Catarse foi a primeira da categoria a atuar no Brasil. De acordo com Felipe Caruso, coordenador de comunicação da plataforma, a Catarse iniciou suas atividades em janeiro de 2011. E desde então vem fomentando a prática do financiamento coletivo no país. A Catarse identifica-se como uma comunidade de financiamento coletivo. Entretanto, juridicamente a instituição caracteriza-se como uma microempresa de consultoria e intermediação de negócios. Efetivamente, a Catarse atua como uma plataforma de crowdfunding para viabilizar projetos de interesse comum. Embora a Catarse seja uma empresa privada, a proposta da plataforma não está vinculada a empréstimos financeiros para qualquer finalidade. O site possui diretrizes que regem o uso da plataforma para o financiamento dos projetos. Na prática, a Catarse é responsável por receber projetos, avaliá-los e se caso forem aprovados, eles serão disponibilizados na plataforma para captar os recursos necessários para sua viabilização. O custo do trabalho realizado pela Catarse consiste na cobrança de 13% em cima do valor total do projeto financiado. Caso o projeto não atinja a meta estabelecida, o dinheiro já arrecadado é devolvido aos doadores. De acordo com uma publicação feita no blog da Catarse esses 13% são divididos em duas partes, 4% está destinado ao pagamento de parceiros que processam as transações (Moip e Paypal), e 9% ficam com a Catarse. A aplicação desses 9% se divide em: Comunicação e Marketing, Caixa, Custos para manter a plataforma, Impostos e Salários.Identificase que a instituição preocupa-se com a comunicação, uma vez que parte do seu lucro é para investimentos no setor. De acordo com uma publicação no Blog da Catarse, a plataforma já movimentou cerca de R$ 13.363.842 na economia do país como financiamento de mais de 1.500 projetos criativos, culturais, sociais, etc. Estes dados indicam fortemente o crescimento e o fortalecimento da Catarse no Brasil. De acordo com Felipe Caruso, uma das consequências deste crescimento foi a triplicação da equipe, inicialmente composta por cinco sócios, e que hoje conta com 16 pessoas para gerenciar todos os processos da plataforma. Embora a Catarse esteja apenas a três anos no cenário do financiamento coletivo no Brasil, identificou-se que a organização está em constante crescimento e há uma preocupação com a transparência das 1177 informações, sendo este um fator muito importante para a credibilidade da plataforma, considerando que de acordo com a pesquisa6 realizada pela Catarse, 72% dos financiadores de projetos levam em conta este fator na hora de financiar ou não um projeto. b) Projetos A fim de compreender como funcionam os processos dentro de uma plataforma de crowdfunding, buscou-se uma abordagem mais ampla sobre os projetos viabilizados pela Catarse. QUADRO 3: PROJETOS PROJETOS ENVIO DE PROJETOS O envio do projeto deve ser feito no próprio site da Catarse. Existe um link disponível no cabeçalho do site que redireciona o idealizador para uma página específica de envio de projetos. SELEÇÃO DE PROJETOS A seleção de projetos é realizada pela própria Catarse, o idealizador envia seu projeto pelo site, se caso for aprovado ele entra em processo de financiamento por meio da plataforma. QUEM PODE ENVIAR PROJETOS? Pessoas físicas e jurídicas. TEMPO DE APROVAÇÃO DOS PROJETOS Após o envio do projeto a Catarse tem até quatro dias úteis para entrar em contato com o idealizador do projeto. Mesmo que não tenho sido aprovado os responsáveis pela Catarse entram em contato para justificar a decisão. Retrato do financiamento coletivo no Brasil – Pesquisa realizada pela Catarse e pela empresa de pesquisa Chorus. 6 1178 RECOMPENSAS Na Catarse, é de total responsabilidade do idealizador do projeto defini-las. As recompensas variam de acordo com o valor doado, quanto maior o valor, melhor será a recompensa. Na maioria das vezes as recompensas estão relacionadas ao projeto em financiamento, por exemplo: Se o projeto tem como objetivo financiar um espetáculo de teatro, a recompensa pode ser desde uma camiseta exclusiva do espetáculo até um ingresso para o mesmo, isso varia de acordo com o valor doado pelo apoiador. TAXA DE COMISSÃO 13% do valor total arrecadado pelos projetos financiados. SISTEMA DE PAGAMENTO As doações podem ser feitas via cartão de crédito ou boleto bancário. TEMPO DE FINANCIAMENTO Definido de acordo com o caráter do projeto e o valor necessário para viabilizá-lo. CARÁTER DOS PROJETOS EM ANDAMENTO NÚMERO DE PROJETOS FINANCIADOS O caráter dos projetos em financiamento apresentam-se em: Literatura, Cinema e Vídeo, Música, Teatro, Eventos, Comunidade e Campanhas de conscientização. Até janeiro de 2014, 1.582 projetos foram financiados por meio da plataforma de crowdfunding Catarse. De acordo com a análise da plataforma identificou-se que há um espaço reservado para o envio de projetos. Felipe Caruso, explicou que ao enviar um projeto para a plataforma o idealizador deve estabelecer começo, meio, fim, e alguns itens como: vídeo campanha, meta financeira realista, recompensas7 para os apoiadores (definidas pelos idealizadores) e descrição transparente do projeto, são obrigatórios ao inscrever o mesmo. O projeto só será aceito e lançado para captação de recursos se o idealizador seguir as diretrizes8 propostas pela plataforma. Essas diretrizes Recompensas – O projeto que tiver como recompensas: armas de fogo, drogas ilícitas e remédios são automaticamente desclassificados. 7 8 Diretrizes para a criação de projetos – Catarse. Disponível em: http:// 1179 consistem em um regulamento com os itens necessários para que o projeto vá para avaliação. Caso o projeto não cumpra com as diretrizes, ele é automaticamente desclassificado. Felipe Caruso explicou que não cabe à Catarse julgar a qualidade artística dos projetos, por exemplo. Ele enfatiza que a Catarse não é capacitada para isso e que sua proposta não é essa. Ainda de acordo com Felipe Caruso, apenas 30% dos projetos enviados a Catarse são aprovados. Diante da análise feita no site e da entrevista realizada com o coordenador de comunicação, identificou-se que os critérios para aceitação de um projeto por meio da Catarse não ficam claros. Embora as diretrizes norteiem o que um projeto deve, ou não, ter para ser aprovado, os critérios estabelecidos pela Catarse não ficam em evidencia. Isso deve justificar o baixo índice de aceitação dos projetos. A falta de clareza e exposição dos critérios de avaliação apresentam-se de forma confusa na plataforma. Segundo a análise feita no site, identificou-se que tanto pessoa física quanto jurídica pode enviar um projeto. Embora seja permitido que pessoas jurídicas inscrevam seus projetos, aqueles que forem de cunho político, venda de produtos, angariação de fundos para viagens, pagamentos de contas atrasadas e etc, não são aceitos pela Catarse. A organização tem como prioridade projetos que sejam de cunho social, cultural e que de alguma forma causem impacto na sociedade. Ao analisar o cárter dos projetos na plataforma identificou-se que eles estão divididos em: Arquitetura e Urbanismo, Arte, Artes Plásticas, Carnaval, Ciência e Tecnologia, Cinema e Vídeo, Circo, Comunidade, Dança, Design, Educação, Esporte, Eventos, Fotografia, Gastronomia, Humor, Jogos, Jornalismo, Literatura, Meio Ambiente, Mobilidade e Transporte, Moda, Música, Negócios Sociais, Quadrinhos, Teatro, e Web. Percebe-se que a prática do crowdfunding tem tirado ideias do papel das mais diversas áreas. Na plataforma de financiamento coletivo Catarse, existe um espaço reservado para os projetos em financiamento. Cada projeto ganha uma página exclusiva dentro da plataforma, em que é possível visualizar o vídeo campanha, a proposta do projeto, o número de pessoas que já apoia- suporte.catarse.me/hc/pt-br/articles/202387638-Diretrizes-para-a-cria%C3%A7%C3%A3o-de-projetos Acesso em 3 de jun de2014. 1180 ram, o valor arrecadado até o momento e o tempo restante para finalizar o financiamento. De acordo com Felipe Caruso, essa página também está destinada a prestação de contas pós-financiamento. Ele explicou que é de responsabilidade do idealizador utilizar a página para declarar quanto do dinheiro arrecadado foi destinado para cada etapa do projeto. A dinâmica da plataforma de crowdfunding é de fácil acesso e permite que o usuário navegue sem ter muitas dificuldades, principalmente para aqueles que têm interesse em apoiar um projeto por meio do financiamento coletivo e escolhem a Catarse como intermediário. Além da facilidade de navegação, identificou-se que os sistemas de pagamento para as doações são ágeis e seguros. Foi possível verificar que a Catarse, uma plataforma de crowdfunding recente no Brasil, já possui forte atuação no cenário do financiamento coletivo. A plataforma em si é o meio de comunicação responsável por disponibilizar o espaço na web, para financiar os projetos, dando visibilidade a baixo custo e promovendo o engajamento entre o público. c) Comunicação Nesta categoria analisou-se as estratégias de comunicação que a Catarse utiliza para se relacionar com os idealizadores e apoiadores dos projetos. Também buscou-se analisar as estratégias de divulgação que a organização utiliza para captar financiadores. QUADRO 4: COMUNICAÇÃO COMUNICAÇÃO DIVULGAÇÃO DE PROJETOS FEEDBACK DOS PROJETOS FINANCIADOS PRESENÇA NAS REDES SOCIAIS A Catarse não se responsabiliza pela divulgação dos projetos em financiamento na plataforma. O site possui um espaço reservado para a realização do feedback dos projetos. Esse espaço é composto por um fórum que está separado por seções, entre elas estão: transparência, processos de pagamento, apoio a projetos, pós-projeto, etc. - Twitter; Facebook; Instagram; Github e Blog. 1181 RELACIONAMENTO COM A IMPRENSA A Catarse possui um setor de Comunicação e Marketing que é responsável por atender toda a demanda da imprensa. De acordo com Felipe Caruso, a Catarse possui um setor de Comunicação e Marketing, que é responsável por atender todas as demandas da área. Felipe explicou que a plataforma de crowdfunding em si é a maior ferramenta de comunicação e divulgação da organização. Todos os processos que envolvem os projetos, a captação de recursos e o relacionamento com os apoiadores estão diretamente ligados à plataforma. De acordo com a entrevista, a estrutura da plataforma no ambiente virtual é o que torna possível a interação entre os idealizadores e apoiadores dos projetos. A pesquisa mostrou que a Catarse é responsável por disponibilizar o espaço online da plataforma para que o projeto seja financiado, mas ela não se responsabiliza pela divulgação do mesmo em outras mídias. Felipe Caruso explicou que a execução das campanhas de financiamento e a realização do projeto são de responsabilidade exclusiva do idealizador, tanto que para inscrever um projeto na plataforma o idealizador deve ter, no mínimo, um vídeo campanha. Compreende-se que, embora a Catarse não se responsabilize pela divulgação dos projetos, a organização faz exigências de comunicação para que os projetos sejam disponibilizados na plataforma. De acordo com Felipe Caruso, além da plataforma a Catarse possui outras estratégias de comunicação, entre elas estão: presença nas redes sociais, relacionamento com a imprensa, eventos e ações realizadas com a comunidade. De acordo com o entrevistado essas estratégias são utilizadas para produzir conteúdo que gere aprendizado sobre o modelo do financiamento coletivo e sirva de inspiração para futuros projetos. Atualmente a Catarse está presente nas seguintes redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram, Github e Blog. Essas ferramentas de comunicação são utilizadas para o fomento de conteúdo relacionado ao uso do crowdfunding no Brasil e no mundo. Ao consultar as redes sociais utilizadas pela Catarse, observou-se que são feitas postagens diárias so1182 bre a organização e sobre práticas relacionadas ao financiamento coletivo e processos colaborativos online. Além dessas ferramentas a Catarse possui um fórum de feedback, que pode ser acessado por meio da plataforma. O fórum tem como objetivo promover o debate sobre questões que envolvam o financiamento coletivo em geral, ele está subdividido por seções, entre elas estão: transparência, processo de pagamento, apoio a projetos, pós-projeto, etc. Essa é uma das principais ferramentas de comunicação da Catarse, utilizada para promover o relacionamento, a interação e o engajamento entre idealizadores e apoiadores de projetos. De acordo com a pesquisa realizada identificou-se que o blog também é uma das ferramentas mais utilizadas pela Catarse. Da mesma maneira que o fórum, ele está subdividido por seções. Neste espaço o usuário pode encontrar informações sobre a Catarse, comentar postagens e interagir com os demais usuários que acessam o blog. O uso dessas ferramentas de comunicação complementam a abordagem feita por Howe (2008).O autor propõe que, no caso do crowdfunding, a internet é o meio de comunicação que permite promover o engajamento do público, atraindo diretamente aqueles que vão consumir o projeto em financiamento. Ao mesmo tempo em que os financiadores são colaboradores do projeto, eles são consumidores do mesmo. Diante da analisados dados é possível perceber que a comunicação é uma das prioridades da organização, tanto que 4% do seu lucro é destinado a investimentos na área. Identificou-se também que embora algumas informações relacionadas à seleção de projetos não fiquem claras na plataforma, a Catarse utiliza o fórum e o blog como principais canais de comunicação e relacionamento com os idealizadores e apoiadores dos projetos. No que diz respeito ao relacionamento com a imprensa não foi possível identificar um espaço reservado para tal na plataforma. Felipe Caruso explicou que o setor de Comunicação e Marketing da Catarse é responsável por atender todas as demandas dessa área. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da pesquisa realizada identificou-se que o crowdfunding é um processo colaborativo que vem modificando o cenário de financiamento de projetos. O financiamento coletivo surgiu como uma alterna1183 tiva inovadora e democrática para a captação de recursos de projetos, que antes dependiam de incentivos privados ou estatais. Os grandes diferenciais do crowdfunding são o engajamento do público e a visibilidade que os projetos ganham. Enquanto processo colaborativo no ambiente virtual, o financiamento coletivo tem como mecanismo facilitador a internet, que por sua vez permite conectar milhares de pessoas e mobilizá-las com uma determinada causa, neste caso o financiamento de projetos. É através dessa mobilização que os projetos ganham visibilidade a baixo custo, compreende-se que ao buscar uma plataforma de crowdfunding para financiar um projeto, não se tem dinheiro para investir em campanhas de divulgação, sendo a internet o grande facilitador e principal meio de comunicação e divulgação dos projetos em questão. No cenário brasileiro percebe-se que o financiamento coletivo está em expansão. De acordo com a pesquisa, foi possível identificar que cerca de 90% dos projetos financiados no país são de cunho social ou viés cultural. Embora seja uma prática recente, menos de quatro anos, o Brasil já possui um número expressivo de plataformas de crowdfunding. Isto porque os modelos de captação de recursos tradicionais não possuem a facilidade, a visibilidade e o engajamento que o financiamento coletivo possibilita aos projetos. A pesquisa também identificou que as regiões Sul e Sudeste do país são as regiões mais atuantes na prática do crowdfunding, sendo a cidade de Florianópolis (SC) a cidade com o maior índice de apoiadores. A Catarse foi a primeira plataforma de crowdfunding a atuar no Brasil, com apenas três anos de atuação a organização já mobilizou milhares de pessoas e movimentou cerca de R$13 milhões de reais com práticas colaborativas na internet. Compreende-se que a Catarse é um empreendimento social que busca viabilizar financeiramente projetos que, sem o crowdfunding, talvez levassem anos ou nem fossem realizados. Diante da análise da pesquisa, identificou-se que a Catarse, enquanto empresa, compreende a importância da comunicação para o gerenciamento dos processos na plataforma. A instituição possui um setor específico para a área e faz investimentos de cerca de 4% do seu lucro total para comunicação e marketing. 1184 A comunicação torna-se elemento essencial também na hora de enviar, apoiar e viabilizar os projetos na Catarse. Através da pesquisa identificou-se que 74% dos apoiadores de crowdfunding no Brasil consideram o fator “transparência” como um dos mais importantes na hora de apoiar, ou não, um projeto. Entende-se que para o sucesso do crowdfunding é preciso que haja clareza nas informações relacionadas ao projeto, bem como a prestação de contas do mesmo. As limitações do presente estudo compreendem na falta de bibliografias disponíveis em língua portuguesa que abordem o tema. Devido ao domínio da língua inglesa, foi possível consultar documentos publicados em outros países, principalmente nos EUA. Como sugestão para outros estudos, recomenda-se a escolha de outras plataformas de crowdfunding brasileiras que contribuam com o financiamento de projetos sociais e culturais no Brasil. REFERÊNCIAS AEKER, David. Pesquisa de Marketing. São Paulo: Atlas, 2044 CATARSE. Pesquisa: Retrato do financiamento coletivo no Brasil, 2014. Disponível em: HTTP://pesquisa.catar.me/#/02 Acesso em 02 mar. 2014 COCATE, Flávia Medeiros, JÚNIOR, Carlos Pernisa. Crowdfunding: análise do fenômeno sob a ótica da cultura da convergência. In: Congresso Brasileiro De Ciências Da Comunicação, 34. 2011, Recife. Anais eletrônicos. Recife: Intercom, 2011. Disponível em: <http://www. intercom.org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-1337-1.pdf>. Acesso em 02 mar. 2014. FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, 2003. GABRIEL, Martha. Marketing na era digital: Conceitos, plataformas e estratégias.São Paulo: Novatec, 2010. HOWE, Jeff. O poder das multidões: por que a força da coletividade está remodelando o futuro dos negócios. Tradução: Alessandra Mussi Araujo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 1185 IBOPE. Acesso à internet no Brasil atinge 102,3 milhões de pessoas. Disponível em: http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/numero-de-pessoas-com-acesso-a-internet-passa-de-100-milhoes.aspx. Acesso em 10 jun, 2014. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009. KICKSTARTER/OMG Special edition: BILION, 2014. Disponível em https://www.kickstarter.com/1billion. Acesso em 02 de mar. 2014 LÉVY, Pierre. Inteligência Coletiva.São Paulo: Loyola, 1999. MULTISHOW, Reclame. Reclame mostra o que é e como funciona o crowdfunding. Disponível em: http://www.youtube.com/ watch?v=lQ1bpjpiZTo. Acesso em 25 de mai 2014. SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. STEINBERG, Scott. 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Daiana Stasiak4 RESUMO O artigo apresenta a análise de publicações da Universidade Federal de Goiás5 em seu perfil da rede social Instagram, ao longo dos seus primeiros meses de existência. Neste período, a instituição demonstra um movimento de busca pela participação dos públicos ao apresentar em seu Acadêmica do 3º período do curso de Comunicação Social, habilitação em Relações Públicas, da Universidade Federal de Goiás. Integrante do Grupo de Pesquisa WEBRP - Práticas de Relações Públicas em Suportes Midiáticos Digitais (CNPq). 1 Acadêmica do 3º período do curso de Comunicação Social, habilitação em Relações Públicas, da Universidade Federal de Goiás. Integrante do Grupo de Pesquisa WEBRP - Práticas de Relações Públicas em Suportes Midiáticos Digitais (CNPq). 2 Acadêmica do 3º período do curso de Comunicação Social, habilitação em Relações Públicas, da Universidade Federal de Goiás. Integrante do Grupo de Pesquisa WEBRP - Práticas de Relações Públicas em Suportes Midiáticos Digitais (CNPq). 3 Professora do curso de Relações Públicas da UFG. Orientadora do trabalho. Líder do Grupo de Pesquisa WEBRP - Práticas de Relações Públicas em Suportes Midiáticos Digitais (CNPq). 4 Com 54 anos de existência é a maior Universidade do Estado de Goiás, presente nas cidades de Goiânia, Jataí, Catalão, Cidade de Goiás e Aparecida de Goiânia. Em 2015, conta com aproximadamente 23.000 estudantes, 2.500 docentes, 2.400 servidores técnico-administrativos, 150 cursos de Graduação e 81 programas de Pós-Graduação. 5 perfil, imagens produzidas por pessoas que fazem parte da rotina da Universidade. Essa ação pode ser entendida como uma estratégia de uso de “prosumers” (TOFFLER,1980) expressão feita na união das palavras inglesas consumer (consumidor) e producer (produtor) que designa um consumidor com aptidões de produtor. Palavras-chave: Internet; redes sociais on-line; prosumer; Instagram; Assessoria de Comunicação; 1. INTRODUÇÃO Em uma era de rapidez e dinamicidade, as organizações se encontram diante do que pode ser considerado como um novo patrão: os públicos. A internet permite o transporte do convívio social para o meio on-line, onde velhas redes se legitimam e novas surgem. A reorganização da estrutura social, proposta do pesquisador espanhol Manuel Castells (1999) como uma “sociedade em rede” traz uma nova característica para as organizações: a segmentação de vários nichos ou agrupamentos de públicos com interesses específicos. De forma que, o meio torna-se então, mais inclusivo e receptivo às diversas mensagens, conforme se percebe nas palavras do autor mencionado: Nessa rede, nenhum lugar existe por si mesmo, já que as posições são definidas por fluxos. Consequentemente, a rede de comunicação é a configuração espacial fundamental: os lugares não desaparecem, mas sua lógica e seu significado são absorvidos na própria rede (CASTELLS, 1999, p.437). Com uma nova estrutura, nasce também um novo perfil de usuários. Eles são mais ativos e conscientes do meio em sua volta e estão dispostos a engajar-se em tópicos que sejam de seu interesse. Além de se relacionarem mais e melhor uns com os outros. Manuel Castells (2005, p.23) descreve isso como o hipersocial: As pessoas, na sua maioria, não disfarçam a sua identidade 1188 na Internet, exceto alguns adolescentes a fazer experiências de vida. As pessoas integraram as tecnologias nas suas vidas, ligando a realidade virtual com a virtualidade real, vivendo em várias formas tecnológicas de comunicação, articulando-as conforme as suas necessidades. Então, a sociedade em rede é a sociedade de indivíduos em rede. Os sites de redes sociais são apenas resultado de um mundo dominado pela facilidade de posse do instrumento comunicacional e seus dispositivos. Recuero (2009, p. 102) afirma que eles são “uma consequência da apropriação das ferramentas de comunicação mediada pelo computador pelos atores sociais”. Esses sites tornam públicas as redes sociais dos atores, que transformam seus grupos sociais em redes, nas quais os laços são as conexões e os atores, os nós. Sites como Facebook, Twitter e o objeto de estudo deste artigo, o Instagram, são classificados como sites de redes sociais. Para Recuero (2009), as categorias dos sites de redes sociais incluem fotologs, weblogs e ferramentas de microblogging. O Instagram se encaixa na categoria de fotologs, pois é um diário de fotos, que, recentemente permite também a publicação de vídeos curtos. A autora afirma que esses sites dão a oportunidade de individualidade dos sujeitos, que podem construir-se no meio virtual e gerar visibilidade para toda a comunidade de usuários. Na mesma linha de raciocínio, para uma organização, a utilização desse meio é de grande valor. Com a migração dos sujeitos para o ambiente on-line, as organizações seguem o mesmo caminho e buscam seus públicos de interesse nas redes. O objetivo da organização não pode ser apenas a aglomeração de seguidores, no caso do Instagram, mas sim o engajamento deles. Brian Haven (2007), em seu estudo sobre a importância do engajamento para a realização do marketing na empresa, conceituou o termo. Para o autor mencionado, “Engajamento é o nível de envolvimento, interação, intimidade e influência que um indivíduo tem com uma marca ao longo do tempo” (HAVEN, 2007, p.4). Dessa forma, entende-se que a interação é fundamental, pois é uma ação na qual o público participa. É uma resposta da abertura que a organização deixa para seus consumidores. Nela há contribuição de conteúdo, conversas entre a organização e seus públicos e também en1189 tre esses usuários. Isso melhora a condição da organização na medida em que pode lhe aproximar dos sujeitos. Ao buscar esse contato com seus públicos, a Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás criou um perfil oficial na rede Instagram, no dia 14 de julho de 2014. Nesse contexto, o trabalho realiza a análise das postagens da instituição nos primeiros 7 meses de existência, bem como avalia-se a opinião da equipe produtora da rede social a respeito de suas características e objetivos. 2. O PERFIL @UFG_OFICIAL: AS FORMAS DE ANÁLISE Entre 14 de julho de 2014, data da sua criação, até 25 de fevereiro de 2015 o perfil denominado @ufg_oficial realizou 175 publicações. As postagens englobam imagens fotográficas e audiovisuais. Nesta mesma data o perfil contabilizava 2.458 seguidores e seguia 172 pessoas. As primeiras observações para a análise foram realizadas durante o ano de 2014, ao longo do período de julho a dezembro, o grupo de pesquisa observou os formatos e conteúdos das publicações da instituição no Instagram e foram realizadas leituras e reflexões sobre teorias da área da comunicação organizacional voltadas para a internet. O processo de análise envolve as etapas de escolha do período ( Julho-2014 a Fevereiro-2015), o estabelecimento do quantitativo de publicações (175). A primeira observação refere-se ao formato do conteúdo: imagem fotográfica ou audiovisual. Segue com o entendimento sobre a aceitação de cada publicação a partir do seu número de curtidas. Assim como as formas de interação são observadas na quantidade e teor de comentários em cada imagem. O movimento de análise leva a categorização das postagens de acordo com seu conteúdo, sendo estabelecidas: “pessoas”, “eventos”, “espaço físico”, “natureza” ou “data comemorativa” e aquelas que não se encaixaram em nenhumas das categorias acima foram agrupadas em “outros”. Em relação ao conteúdo avalia-se ainda presença da figura do prosumer na origem do conteúdo. Momento no qual se observa se a postagem derivou de fotos ou vídeos produzidos pelo público da Universidade ou pelos gerenciadores da conta do Instagram. 1190 Por fim, são definidas e aplicadas questões para a equipe da Assessoria de Comunicação da Universidade responsável pela criação e administração do seu perfil no Instagram. 2.1 AS CATEGORIAS A categorização foi estabelecida a partir da observação das 175 publicações. Os tipos de imagens ou vídeos que mais apareceram foram divididos em cinco categorias explicitadas anteriormente (“natureza”, “pessoas”, “espaço físico”, “evento” e “data comemorativa”), sendo que a última surgiu ao longo do movimento de análise das postagens. Aquelas publicações que não se encaixaram em quaisquer categorias ou apresentaram uma mistura delas foram nomeadas como “outros”. Na categoria “natureza” estão presentes imagens ou vídeos que retratam paisagens naturais - como árvores de flamboyant e ipê e animais como o macaco-prego, que estão presentes no Campus II da Universidade, entre outros elementos naturais. Nela há o maior número de imagens e vídeos do Instagram oficial da UFG, um total de 68 fotografias. A imagem a seguir demonstra os tipos de publicação que caracterizam a categoria mencionada. 1191 FIGURA 1: EXEMPLOS DE PUBLICAÇÕES DA CATEGORIA “NATUREZA” Fonte: Instagram.com6 Em “pessoas” há um agrupamento de publicações nas quais indivíduos interagem no âmbito da UFG, interação essa que ocorre em imagens que retratam o momento de matrícula na Universidade, as salas de aula, alunos em rodas de debate, entre outros. Essa categoria totaliza 11 publicações. Por sua vez, em “espaço físico”, são contempladas fotografias/vídeos de unidades acadêmicas, espaços de convivência, centros de eventos e outras construções civis que integram todas as regionais da UFG, com 33 postagens. Já na categoria “evento”, que contempla 53 imagens ou vídeos, estão presentes os eventos promovidos pela instituição: colações de grau, shows culturais, congressos, entre outros. A categoria “data comemorativa” é um agrupamento de apenas 4 postagens que memoram datas especiais. Aparecem nessa categoria: a Campanha Outubro Rosa7, Dia do Professor, Natal e Réveillon. A figura a seguir demonstra uma postagem da categoria mencionada. Disponível em: https://instagram.com/ufg_oficial/. Acesso em 20 de dezembro de 2014. 6 7 Movimento internacional de conscientização do câncer de mama 1192 FIGURA 2: EXEMPLO DE PUBLICAÇÃO DA CATEGORIA “DATA COMEMORATIVA” Fonte: Instagram.com Por fim, em “outros”, existem 4 postagens. Dentre essas postagens estão: uma montagem de fotos que, por apresentar um misto de pessoas, espaços físicos e animais, não pôde ser inclusa em apenas uma categoria citada; uma foto de um grafite tirada no âmbito da UFG, porém sem registro do lugar específico, não podendo ser categorizada como “espaço físico”. Uma imagem abstrata que não se encaixa em nenhum dos critérios usados para cada uma das categoria anteriormente explicadas e uma publicação elaborada pela ASCOM, felicitando o sucesso das hashtags8 #orgulhodeserUFG e #UFG e a conquista dos dois mil seguidores. Uma vez que essas postagens não se encaixaram nas especificações de nenhuma das cinco categorias, foram agrupadas em “outros”. Ao longo da análise observa-se que muitas imagens publicadas no perfil da Universidade foram produzidas por outras pessoas, a maioria delas feitas por estudantes. Esta pode ser considerada como uma estratégia da instituição para se aproximar de seus públicos. E, para entender como os públicos da UFG estão inseridos na rede social Instagram e O hashtag é um protocolo social compartilhado para se “etiquetar” um tweet, utiliza-se o sinal de sustenido (“hash”, em inglês) antes de uma ou mais palavras que servirão como tag. (PRIMO, 2008b, p.4) 8 1193 qual a relevância dessa inserção para a Universidade, surge o conceito de “prosumer”, descrito no subtítulo a seguir. 3. PROSUMERS Antes mesmo da popularização da internet, já na década de 1980, no livro A Terceira Onda do escritor futurista Alvin Toffler, a palavra estrangeira prosumer já apareceu para designar um consumidor com aptidões de produtor. Ou seja, prosumer provém da união das palavras inglesas consumer e producer (consumidor e produtor respectivamente) que, a principio, podem parecer antagônicas, mas que no contexto da web 2.09 formam um todo capaz de interferir no processo organizacional por meio das novas tecnologias da informação e comunicação – as chamadas TICs. O Instagram é uma rede social onde os públicos de uma organização têm o livre poder de marcá-la em fotos ou vídeos por meio das hashtags, manifestando-se sem a necessidade de mediadores para isso. No caso da UFG, a instituição visualiza as publicações que receberam marcações que a referenciam, tornando públicas aquelas que lhe são de interesse. Logo, é uma rede na qual existe um empoderamento desses públicos, pois esses são responsáveis diretamente por parte da produção de conteúdo do perfil da instituição. É o que pode ser visto claramente com a criação das hashtags #orgulhodeserUFG, ou ainda #UFG. A constituição dessas hashtags por parte do perfil oficial, @ufg_ oficial, trouxe ao ambiente virtual a inserção de novos sujeitos interessados na instituição. Fato esse que é evidenciado em números. Das 175 postagens analisadas, 92 foram identificadas como sendo feitas com a colaboração de sujeitos. Ou seja, 52,5% das imagens foram provenientes de postagens do próprio público. É o que pode ser exemplificado na imagem a seguir. Web 2.0 é “a segunda geração de serviços on-line e caracteriza-se por potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização de informações, além de ampliar os espaços para a interação entre os participantes do processo” (PRIMO, 2007). 9 1194 FIGURA 3: POSTAGEM DE PROSUMER NO PERFIL UFG_OFICIAL Fonte: Instagram.com A fotografia acima, tirada no bosque da Universidade, foi marcada com a hashtag #UFG pelo usuário em seu perfil pessoal (@cmonaretta). Em consequência dessa marcação a foto foi encontrada pelos gerenciadores do Instagram da UFG e publicada no perfil oficial da Instituição. A relevância dos prosumers no perfil oficial da UFG é grande e pode ser observada tanto na produção de conteúdo em si, quanto nos comentários. As postagens com mais de um usuário marcado no perfil oficial da UFG, apresentam maior quantidade de comentários, como pode ser constatado na imagem a seguir. 1195 FIGURA 4: FOTO DA CATEGORIA “PESSOAS” COM PRESENÇA DE PROSUMERS Fonte: Instagram.com A imagem acima se enquadra na categoria “pessoas”. Ela é um mosaico feito no perfil oficial da UFG, na qual foram utilizadas fotos de usuários do Instagram que marcaram em suas fotos as hashtags #orgulhodeserUFG e #UFG. Além dos prosumers serem os maiores responsáveis pela produção do material visual dessa postagem, são eles também que suscitam comentários e uma maior interação neles. Essa postagem está entre as mais comentadas no perfil, com um total de 19 interações. A análise do movimento de curtidas e comentários pode ser observada nos conteúdos com a participação dos prosumers, mas vai além e por isso é analisada no item que segue. 4. CURTIDAS E COMENTÁRIOS Por meio da observação das postagens, foi possível detectar um aumento significativo no número de curtidas e comentários no período examinado. As curtidas possuem um número maior, totalizando 21.863. As postagens mais curtidas estão nas categorias “natureza” e “evento”. Por sua vez, os comentários nas 175 publicações, totalizaram 465. Devido aos 1196 seus conteúdos esses foram categorizados da seguinte forma: “marcação”, “contemplação” e “interação”. Os comentários na categoria de “marcação” apresentam indicações de perfil de outros usuários para que esses possam visualizar aquela postagem. Em “contemplação” os comentários estão relacionados à admiração das postagens. Em “interação” é possível constatar que há um diálogo entre dois ou mais usuários. No processo de análise foi possível perceber que nas postagens com o tema “natureza” o número de comentários de “admiração” foi maior, demonstrando que as pessoas admiram o campo, as árvores, o céu e entre outros. Já nas postagens que envolvem “pessoas”, a estratégia da UFG de marcação de vários perfis gera um número grande de comentários entre aqueles que foram marcados. Conforme mostra a postagem 42, na qual foi criado um mosaico com as fotos dos usuários do Instagram, com o intuito de gerar mais diálogo. FIGURA 5: EXEMPLO DE PUBLICAÇÃO COM GRANDE NÚMERO DE MARCAÇÕES Fonte: Instagram.com 1197 Na categoria “eventos” os comentários de “interação” também foram maiores. Como demonstra a postagem abaixo, na qual os próprios estudantes que estavam na imagem de sua colação de grau, marcaram outros perfis para interagir e fazer com que a pessoa visualize a imagem. FIGURA 6: POSTAGEM DA CATEGORIA “EVENTO” COM COMENTÁRIOS DO TIPO “INTERAÇÃO” Fonte: Instagram.com Nas duas últimas categorias “pessoas” e “eventos”, conclui-se que, quanto maior o número de pessoas envolvidas, maior é a quantidade de comentários, e não necessariamente o número de curtidas. Movimento que pode ser visto a partir da estratégia de utilizar os usuários como produtores, os prosumers, pois entre os objetivos da criação de uma rede social está a busca pela interação com seus públicos. Para complementar a análise das postagens foi aplicado um questionário à equipe de gerenciadores do perfil da Universidade Federal de Goiás no Instagram. 1198 5. A ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA UFG: CRIAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DO PERFIL Com o objetivo de entender o posicionamento e o planejamento da UFG no Instagram, foi realizada uma sondagem de opinião com as responsáveis pela criação e administração do perfil oficial da Universidade na página, por meio de um questionário on-line. Foram feitas seis perguntas que abordavam desde o planejamento até os reflexos observados com a criação e consolidação do perfil. A Assessoria de Comunicação (ASCOM) funciona com uma perspectiva de Comunicação Integrada, na qual coexistem profissionais das três áreas da Comunicação Social. Atualmente, a equipe responsável pelas redes sociais é composta por três profissionais, uma Relações Públicas, uma publicitária e uma jornalista. A pergunta inicial buscou compreender como surgiu a ideia de criar um perfil para a Universidade e qual o objetivo. As três disseram que a criação surgiu em uma reunião na qual foi decidido que o Instagram seria a rede social mais adequada, por ser mais recente e popular entre o público de interesse que a UFG queria atingir especificamente, os alunos. Para entender como a inserção da Universidade ocorreu, questionou-se qual a estratégia de comunicação10 para a divulgação do perfil. De acordo com as profissionais, o perfil do Instagram foi divulgado, por meio de um banner, no Twitter e na Fan Page da UFG. Houve depois, uma adaptação da arte do banner para a produção de cartazes, que foram fixados nos dois câmpus da Universidade nos meses de julho e agosto. Recentemente, outro material de divulgação foi produzido e distribuído para os calouros durante a matrícula. Esse material será também entregue nas unidades acadêmicas, após os eventos da semana do calouro. No período de sete meses desde a criação do perfil, percebe-se uma mudança no conteúdo publicado. O motivo dessa mudança aparece em respostas diversas. Das três profissionais, apenas uma reconhece uma mudança clara nas publicações. Ela afirmou que, no começo, as Adotamos estratégia de comunicação como escolha racional feita a partir do ajuste da solicitação inicial às possibilidades midiáticas e exposta pelas organizações em seus veiculos de comunicação tradicionais e on-line. 10 1199 imagens eram provenientes do banco de dados da UFG e que, os eventos e campanhas da Universidade passaram a ser publicados, como colações de grau e a campanha criada para o Facebook #DescubraUFG. Com isso, surgiram conexões entre os conteúdos para os diversos veículos. A medida que os números de seguidores do perfil da UFG aumentavam, a Ascom foi percebendo quais imagens obtinham um maior retorno do público (quantidade de curtidas, compartilhamentos e comentários). Assim, a Assessoria foi conhecendo o potencial da rede social e as melhores formas de divulgar e trabalhar a imagem institucional (JORNALISTA, 2015). Já para as outras duas, não houve mudança porque a administração da página seguiu seu planejamento inicial, que previa a interação com os públicos. Para elas, essa mudança aconteceu de acordo com planejamento decidido em sua reunião inicial. Acredito que não houve mudança. Desde que elaboramos o planejamento para o Instagram, a ideia seria postarmos fotos da UFG e, principalmente, fotos publicadas ou enviadas pelos próprios alunos (que estariam marcadas com as hashtags: #UFG e #OrgulhodeserUFG). Publicaríamos também fotos de eventos importantes como o Conpeex, as Colações de Grau, as Matrículas, entre outros. Continuamos adotando esse modelo (PUBLICITÁRIA, 2015). A pergunta seguinte questiona as estratégias aplicadas para a mudança nas postagens. Como apenas a jornalista respondeu de forma positiva a questão, sua resposta é a única analisada. Ela indica que a conexão entre conteúdos de outras redes sociais e as postagens abriram espaço para o engajamento entre esses diversos públicos. Isso proporcionou mais visibilidade para o perfil do Instagram. Outra estratégia foi a postagem de fotos que os alunos enviavam por meio do Instagram Direct11 e, também, a cobertura de eventos da UFG. O Instagram Direct permite que você envie uma foto ou um vídeo a um grupo seleto de pessoas. As publicações não aparecerão no Feed, na pesquisa ou em seu perfil (INSTAGRAM, 2015). 11 1200 A quinta pergunta indagou acerca das formas de interação com o público de interesse e as respostas foram unânimes. O uso das hashtags #OrgulhodeserUFG e #UFG deram a oportunidade delas rastrearem fotos dos alunos e postarem na página da Instituição. As fotos provenientes de alunos são as mais curtidas e comentadas. Para entender como a aplicação dessas estratégias afetaram as relações entre instituição e seus públicos, foi feita a pergunta sobre o efeito da inserção dos sujeitos na rotina da instituição por meio do uso das imagens. De acordo com elas, o efeito foi extremamente positivo já que, ao ver sua foto no perfil oficial, o sujeito experimenta um sentimento de pertença e importância para sua Universidade. Um impacto bastante positivo. Notamos um número cada vez maior de fotos com #UFG e #OrgulhodeserUFG. Existe uma espécie de orgulho mesmo ao ver a própria foto no perfil da Universidade ou ao se ver em uma foto (nas montagens com fotos de alunos que produzimos, por exemplo). Eles costumam fazer comentários positivos, agradecem ou marcam os amigos para que eles vejam também. Muitos também nos encaminham diretamente as fotos, por mensagens, para podermos publicá-las. Publicar as imagens dos usuários foi uma ideia que funcionou muito bem. Estamos tendo um resultado satisfatório e positivo devido ao interesse que o público tem demonstrado (PUBLICITÁRIA, 2015). Segundo a Relações Públicas, “quando publicamos as imagens deles e damos os créditos, eles têm uma visibilidade enquanto alunos da UFG. Se sentem valorizados por participar de uma rede que carrega o peso da instituição”. E, isso, gera uma espécie de efeito dominó porque, quando esse sujeito se vê no Instagram da UFG, ele curte, comenta, compartilha e marca amigos, o que traz maior visibilidade para a UFG. Assim, o perfil da Universidade cumpre o papel que se propôs. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Instagram conta com um grande número de usuários pelo mundo e ultrapassa a marca de duzentos milhões de usuários ativos por mês, segundo dados do próprio aplicativo, referentes ao mês de março de 2014. Assim, configura-se como uma rede social de grande alcance. 1201 Mais importante que a quantidade alçada, é a qualidade. Ou seja, sua relevância está muito mais ligada à construção de um relacionamento mais direto entre uma instituição e seus públicos de interesse. Essa rede social pode ser um meio extremamente eficiente no que diz respeito à divulgação espontânea da instituição, pois ela cria um ambiente de interação único, no qual os sujeitos interessados engajam-se de forma voluntária, sem mediadores para isso. Fato esse que faz com que a presença da UFG no Instagram seja importante para aproximação da Universidade com os seus públicos. Na atual “sociedade em rede” (CASTELLS, 1999) a instituição que não aposta nas redes sociais, deixa de se posicionar no mundo virtual, mas não deixa de existir nele. Desse modo, abre espaço para que outros sujeitos falem sobre ela deliberadamente, sem poder defender-se, caso necessário. Dessa forma, perde voz em um meio que poderia ser fundamental na construção de sua reputação e imagem. Ao adentrar no Instagram e criar um perfil oficial, a Universidade demanda seu espaço e se posiciona nesse meio. Tal inserção na rede social, se bem administrada, gera visibilidade. Porém não basta apenas criar um perfil, mas também alimentá-lo com frequência e qualidade, com conteúdos adaptados aos tipos de público e rede utilizados. A UFG está presente em diversos meios de comunicação, que vão dos mais tradicionais - como o jornal impresso e o rádio - aos novos espaços em mídias atuais, como o Instagram. E cada mídia requer um planejamento diferente. No caso do Instagram, pode-se perceber, a partir das falas das profissionais de comunicação da Ascom, que a estratégia de criação das hashtags #orgulhodeserUFG e #UFG foi desenvolvida especialmente para tal rede social como forma de atrair seus públicos. Com a oportunidade de ver suas fotos postadas no perfil oficial da Universidade, os públicos, transformam-se em prosumers e sentem-se mais próximos à UFG, construindo um sentimento de pertença. A sociedade hoje é marcada por uma nova dinâmica, na qual as redes sociais se transferiram para o meio on-line. Recuero (2009) acredita que os sites de redes sociais são apenas um efeito da presença da tecnologia nas mãos dos atores sociais. Em um ambiente propício para a interatividade e compartilhamento, esses atores constroem o processo de relacionamento entre instituições e seus públicos, baseados no engajamento. 1202 De nada adianta acumular seguidores que não estão verdadeiramente interessados na instituição, é importante que eles se enxerguem como parte constituinte dela e se engajem no processo produtivo. Nessa nova lógica, as organizações passam a escutar seus consumidores e dar espaço para eles. O artigo demonstra que, diante da postura de muitas instituições tradicionais, a UFG destaca-se por demonstrar uma preocupação em ocupar novos espaços nas redes sociais on-line. O reconhecimento de sua presença no espaço virtual é evidenciado no crescimento da participação dos prosumers, no aumento no número de seguidores, bem como nas curtidas e comentários nas imagens do perfil oficial da Universidade no Instagram. REFERÊNCIAS CASTELLS, M. A sociedade em rede: A era da informação, economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ______. A Sociedade em rede: do conhecimento à política. In: CASTELLS, M.; CARDOSO, G (Orgs). A sociedade em rede do conhecimento à Ação Política. Lisboa, Portugal: Imprensa Nacional, 2005. HAVEN, B. Marketing’s New Key Metric: Engagement. IN: Forrester, for Marketing Leadership Professionals, 2007, Cambridge, Massachussets. INSTAGRAM. Central de ajuda. O que é Instagram Direct? Disponível em <https://help.instagram.com/400205900081854/> Acesso em 5 mar. 2015. PRIMO, Alex. O aspecto relacional das interações na Web 2.0. In: Compós, v. 9, p. 1-21, 2007, Brasília. ______. A cobertura e o debate público sobre os casos Madeleine e Isabella: encadeamento midiático de blogs, Twitter e mídia massiva. Revista Galáxia, v.16, 2008. RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. 1203 | 11 | HUMANIZAÇÃO E RELAÇÕES PÚBLICAS: A CONTRIBUIÇÃO DO STORYTELLING PARA A PROMOÇÃO DE AMBIENTES DE TRABALHO HUMANIZADOS Vânia Penafieri de Farias1 e Bárbara Miano2 RESUMO O artigo apresenta uma análise sobre a humanização nas organizações e a sua promoção pelas relações públicas utilizando o storytelling como estratégia central. O estudo se vale de três metodologias, sendo a primeira uma revisão bibliográfica seguida por pesquisas de dados secundários e coleta de dados primários. Com isso, a principal conclusão obtida por meio desse artigo indica que os principais apoios prestados pelos profissionais da comunicação para o resgate da humanização nas organizações é de ativar o sentimento de pertencimento, contextualizar a participação do funcionário e garantir voz a ele. Palavras-chave: Storytelling; Humanização; Organizações; Narrativas; Relações Públicas. Doutoranda e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, especialista em Comunicação e Marketing e bacharel em Relações Públicas pela Faculdade Cásper Líbero, vaniapenafieri@ig.com.br 1 Mestranda em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e bacharel em Relações Públicas pelo Centro Universitário Belas Artes, barbara. miano11@gmail.com . 2 INTRODUÇÃO Esse artigo tem como objetivo estudar a contribuição das relações-públicas para a humanização das organizações, utilizando o storytelling como estratégia central. Assim, disseca pensamentos de autores como Émile Durkheim, Margarida Kroling Kunsch, Adenil Alfeu Domingos, Paulo Nassar, entre outros autores, inclusive da literatura estrangeira que oferecem suporte a uma estruturação disposta entre quatro blocos temáticos, sendo o último deles uma entrevista em profundidade sobre o tema com líderes de comunicação de agências e empresas de médio a grande porte. A HUMANIZAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES De acordo com o dicionário online Michaelis, “humanização” é um substantivo feminino que significa ato ou efeito de humanizar, uma palavra sinônimo de humanar, ou seja, tornar humano, dar a condição de homem, civilizar (MICHAELIS.UOL.COM.BR, 2014, s/p). Já na história da evolução do homem, a palavra “humanização” designa o processo em que o ser humano coloca a natureza a seu favor. Tal processo de humanização do mundo acontece pela transformação da natureza, ou seja, pelo trabalho. Entretanto, sabe-se que tal conceito de trabalho sofreu algumas modificações ao longo dos anos e essas mudanças, em grande parte, foram fomentadas pelo capitalismo, posto que, com a revolução industrial, iniciada na Inglaterra, durante o século XVIII, o novo modelo econômico cria raízes e as fábricas ganham novos braços, não mais humanos, mas sim metalizados o que deu origem a um cenário catastrófico, composto por desemprego e péssimas condições de trabalho. Paradoxalmente a essas terríveis condições, os trabalhadores se depararam com o lema “liberdade, igualdade e fraternidade” para sedimentar as bases capitalistas, durante a revolução francesa. Além do cunho ideológico do capitalismo, as práticas de troca entre capitalistas e trabalhadores colaboraram com a carga negativa agregada ao trabalho. Isso aconteceu por causa do que denominou Marx como mais-valia, um fenômeno causado pela divisão injusta do valor pago pela força 1205 real de trabalho e o lucro, distribuída entre capitalistas e trabalhadores (ANTUNES, 2013, p. 75). Todo esse cenário também é reforçado pela intensa divisão do trabalho e especialização que se reproduzem em uma progressão geométrica, alcançando o século XIX. “Os matemáticos e os naturalistas eram, por vezes, eruditos ou poetas. No século XIX, [...] não apenas o cientista já não cultiva simultaneamente ciências diferentes, como sequer abarca o conjunto de uma ciência inteira” (DURKHEIM, 1999, p.2). Com isso, aquele ato de humanizar ou transformar o mundo que caracterizava nossos ancestrais é atrofiado e cede lugar a um trabalho embrionário. Conforme explica Marilena Chauí (2008, p.65), “[...] os homens não se percebem como produtores da sociedade, transformadores da natureza e inventores da religião, mas julgam que há um alienus [...] que decidiu suas vidas e a forma social em que vivem”. Paradoxalmente a esse cenário, alguns especialistas são positivos em relação às tendências para a humanização. Segundo José Pastore (2014, s/p), “[...] as atividades de rotina e repetitivas, assim como as perigosas e insalubres, passarão a ser executadas por robôs e computadores pensantes que dispensam chefes, supervisores e controladores de qualidade”. Entretanto, não devemos ignorar o fato de que, se, por um lado, esses dados demonstram uma tendência pendente para um mercado de trabalho focado no uso de capacidades estratégicas, por outro, as tecnologias impõem abolições de postos e até departamentos inteiros o que aumenta o poder de barganha e até “chantagem” das empresas para com os funcionários, posto que o emprego sai da condição de direito humano e adquire caráter similar a de um “bilhete premiado”, significando um solo arenoso para a humanização nas organizações. Além do mais, o surgimento das TICs não apenas delimita novos horizontes para o mundo do trabalho, como também remodela a maneira com a qual os países se relacionam entre si, dando origem a uma economia informacional, global e em rede (CASTELLS, 1999, p.119). E é nesse cenário, de uma economia desenvolvida pelo conhecimento científico que nasce a geração Y, composta por pessoas nascidas entre 1980 e 1995 (EDELMAN, 2012, s/p). Correspondendo a 47% da mão de obra brasileira, atualmente, a geração Y é marcada pelo conceito multimídia e são resistentes aos tra1206 balhos alienadores, o que significa um grande ganho para a humanização nas organizações. Segundo Krueger (2014, s/p, tradução nossa), “os milennials não são tão motivados por dinheiro. Foram os dias em que os empregados apenas se preocupavam com o salário. Agora, eles priorizam [...] fazer a diferença no mundo”. Além dar luz à geração Y, a era da informação também impõe a necessidade de um capital intelectual que saiba corresponder às drásticas mudanças causadas pelo advento das tecnologias da informação. “[...] Nesta nova concepção, as pessoas deixam de ser simples recursos (humanos) organizacionais para serem abordadas como seres dotados de inteligência [...]. São os novos parceiros da organização” (CHIAVENATO, 1999, p.31). Com isso, a valorização do capital humano significa uma tendência extremamente positiva para a humanização nas organizações, posto que impõe uma abandono das velhas práticas de controle e abraça novos caminhos que permitem que o indivíduo dê início ao seu processo de humanização do mundo. AS RELAÇÕES PÚBLICAS NA CONSTRUÇÃO DE AMBIENTES HUMANIZADOS É sabido que o habitat das relações públicas são as organizações que também são consideradas o objeto de estudo da profissão junto com seus públicos. É dentro delas que a profissão atua na gestão do relacionamento e na mediação de conflitos público/organização. Conforme explica Kunsch (2003, p.90), “as relações públicas, como disciplina acadêmica e atividade profissional, têm como objeto as organizações e seus públicos, instâncias distintas que, no entanto, se relacionam dialeticamente”. A autora e James Grunig (in GRUNIG; FERRARI; FRANÇA, 2011, p.34) convergem em seus estudos quanto à importância da administração para a profissão de Relações Públicas. Segundo ele, comunicação e administração são duas palavras que estão no “DNA” da profissão e por esse motivo, define Relações Públicas como “a administração da comunicação entre uma organização e seus públicos” (GRUNIG; HUNT, 1984, p.6). Dialogando com Kunsch, Freitas (in KUNSCH, 1997, 42) explica que a comunicação é um fator predeterminante para a existência de qualquer organização, pois, mais do que promover negócios por meio dos relacionamentos, ela só existe por causa de nós, seres humanos. Somos nós que damos graça e cor a sons, os transformamos em palavras 1207 repletas de sentidos, criamos a comunicação e estabelecemos vínculos ou relacionamentos. Assim, é junto com comunicação, que o trabalho, como vimos anteriormente, é capaz de transformar o mundo, o que consiste no verdadeiro caráter humanizador das relações públicas. “A comunicação é apontada como poder para facilitar a cooperação com valores, pois são as pessoas – a base da organização [...]” (FREITAS; in KUNSCH, 1997, 42). Por outro lado, com a crescente entrada da geração Y no mercado de trabalho, mais do que inovar em seus produtos ou serviços, as organizações estão sendo instigadas a empreender em seus processos internos, reinventando-se e criando desafios cada vez mais envolventes, visando à retenção de talentos. E nesse contexto, surge a palavra “engajamento” que, nos diversos estudos de gerenciamento de pessoas, aparece como uma grande estratégia na manutenção de baixas taxas de rotatividade, conforme explica Negrão et. al. (2013, p.8) “a empresa que tem a pretensão de manter em seu quadro de colaboradores os profissionais Y deverá, principalmente, preocupar-se em obter motivação e engajamento”. Com isso, é evidente que, se as organizações desejarem seguir a sua jornada no alcance de objetivos, deverão abrir não apenas os “olhos”, mas também os “ouvidos” para insatisfações como as apresentadas no início desse item. Logo, relacionando as informações acima descritas, “engajamento” e “diálogo” são duas palavras que cada vez mais devem aparecer nos guias de boas práticas das empresas. Ou seja, no atual cenário, o engajamento dos funcionários ou employee engagement, termo original em inglês, apresenta-se, mais do que como um caminho para a retenção de talentos, mas sim como uma estratégia que visa garantir diferencial competitivo e sucesso nos negócios das organizações. Ademais, “pesquisas mostram que a conexão entre o trabalho dos funcionários e as estratégias da organização [...] significa o fator mais importante no engajamento de funcionários” (LOCKWOOD, 2007, v. 52, n. 3, p. 1-12, tradução nossa). Por outro lado, a comunicação também é definida como um fator essencial na garantia de sucesso das estratégias de engajamento de funcionários, pois é capaz de incentivar o foco nos objetivos das organizações para diferentes tipos de audiência. “Uma comunicação consistente, honesta e clara é uma importante ferramenta de gerenciamento 1208 de employee engagement. Além do mais, uma comunicação estratégica e contínua garante credibilidade para a liderança organizacional” (LOCKWOOD, 2007, v. 52, n. 3, p. 4). STORYTELLING, UMA ESTRATÉGIA DE HUMANIZAÇÃO É sabido que interação é palavra de ordem para a existência humana. Polegar oponível, inteligência e capacidade de interação com o meio foram alguns dos grandes fatores para a sobrevivência da nossa espécie tão sensível e delicada frente aos grandes animais pré-históricos. “As narrativas nascem pelo poder do homem combinar os símbolos, produzindo um signo maior. Foi o surgimento do homem cultural que deu luz à narrativa”, demonstram Arab, Domingos e Dias (2011, s/p).E é nesse ponto que se encaixa a função experimental das narrativas, posto que “as narrativas surgem na tentativa mítica de explicar a origem e as suposições sobre algum assunto de difícil compreensão [...].” (ARAB; DOMINGOS; DIAS, 2011, s/p). Ademais, é a partir delas que nós damos sentido ao mundo, o conhecemos de forma lógica e cronológica e estabelecemos noções de ordem simbólica como o direito e a economia ou o passado, o presente e o futuro. “A narrativa traduz o conhecimento objetivo e subjetivo do mundo [...] em relatos. A partir dos enunciados narrativos somos capazes de colocar as coisas em relação umas com as outras em uma ordem e perspectiva [...]” (MOTTA, 2007, p. 143-167). Com isso, ocorre uma inversão de papéis e não mais a realidade dá origem ao imaginário, mas sim o imaginário que passa a atribuir sentido ao mundo. Elas, as narrativas, também são a forma mais legítima e inata aos seres humanos de experimentação do mundo. São elas que atribuem cor, cheiro, textura e gosto a tudo. “Mais que representar, as narrativas constituem a textura da experiência, permitem instituir o mundo [...]. Sobrepõem-se umas às outras, interatuam, são continuamente postas à prova, refeitas e substituídas por novas narrativas” (MOTTA, 2009, s/p). Por outro lado, é sabido que as organizações são constituídas pela produção de sentidos. Assim, os indivíduos que nelas trabalham e as fazem existir estão, a todo o momento, construindo e interpretando sentidos. “O sentido é o que as organizações elaboram como experiência a 1209 partir desses sinais do presente e nos ambientes sempre porosos em que estão mergulhadas” (ANDRADE, 1988, p. 602-636). Nesse contexto, sabendo que as narrativas, conforme apresentado, constituem o modo como experimentamos e/ou damos sentido ao mundo, é possível inferir que as organizações estão a todo o momento produzindo narrativas. De um modo mais abrangente, esse conceito foge à criação de histórias e faz-se presente nas rotinas mínimas de uma organização, que seguem desde o entendimento das regras da empresa às decisões mais estratégicas. Entretanto, as narrativas não nascem do mero acaso, elas possuem uma função ímpar dentro das organizações – a institucionalização. São elas que sedimentam as redes de poder, atribuem sistemas de valoração positivos ou negativos e agregam valores institucionais e monetários às empresas. “[...] É pela institucionalização ou micro-institucionalização de um sentido, e das respectivas narrativas que o transportam, que as organizações [...] criam um campo de influência [...]” (ANDRADE, 1988, p. 602-636 ). E é nesse contexto, de institucionalização, que reside a verdadeira importância da história e memória para as organizações. A história de uma empresa é capaz de estabelecer vínculos, é ela que norteia boa parte da percepção dos públicos. “O consumidor e o funcionário tem na cabeça uma imagem que é histórica. Recuperar [...] é usá-la a favor do futuro da organização e de seus objetivos presentes” (NASSAR; in NASSAR, 2004, p. 21). Entretanto, a revolução industrial e os novos modelos de administração transformaram os cenários organizacionais e, obviamente, tal contexto empobreceu as narrativas ou o modo de experimentação do mundo dentro das organizações. As novas técnicas de controle e divisão do trabalho retiraram a fórceps todo o encantamento, fantasia e afetividade das narrativas e deram lugar a uma linguagem dura e numérica, quase que robótica. Nesse contexto, salta aos olhos dos profissionais da comunicação, o resgate da memória e da história como princípio para o estabelecimento de vínculos e laços de pertencimento. Mais do que institucionalizar as organizações, os comunicólogos buscaram rotas que posicionassem as empresas como “lugares antropológicos” que criassem raízes no imaginário coletivo e que seriam capazes de transformar atitudes, por meio do riso, da lágrima, da curiosidade ou da 1210 compaixão. Surge então o storytelling, “uma história criada ou reutilizada, quando já existente, com o fim de persuadir e criarnovos hábitos. [...] São narrativas que trazem uma ideologia [...]” (DOMINGOS, 2009, s/p). O storytelling apresenta-se como uma poderosa estratégia para as relações públicas na transmissão e assimilação de mensagens e, assim, pode também ser incluso nas práticas de gestão e administrativas das organizações. Mais do que sedimentar as bases institucionais da organização, as narrativas são extremamente estratégicas para as relações públicas à medida que fixam uma imagem e uma reputação favorável na mente dos públicos de uma organização. Recuperar a memória da empresa e transformá-la em uma narrativa passível de experimentação é também estabelecer vínculos e relações sólidas com cidadãos, consumidores, acionistas e etc. As narrativas tornam aspectos como a cultura organizacional ativos “vivenciáveis” e, com isso, as relações públicas têm no storytelling um grande aliado para tornar o que é intangível em uma organização passível de experimentação. “As relações públicas devem criar meios para que a cultura seja criada e vivenciada. O storytelling empresarial [...] favorece a reconstrução simbólica e o compartilhamento de emoções” (ARAB; DOMINGOS; DIAS, 2011, s/p). Ademais, o storytelling está intrinsecamente ligado à prática de comunicação interna à medida que se mostra como estratégia de valorização de pessoas, posto que um dos objetivos da profissão é o estímulo do orgulho de pertencimento por parte dos funcionários. “[...] Nosso trabalho tem, também, o objetivo de neles motivar o orgulho de pertencer a uma empresa, quando ela realmente pratica os seus valores corporativos” (CREMONINE; In. NASSAR 2006, p.30). Além do mais, cada história enunciada a cada indivíduo possui capacidade ímpar de reformulação e de configuração infinita de inúmeras narrativas. Logo, o ouvinte não se apresenta como parte passiva, mas sim extremamente ativa que ao receber a narrativa a interpreta e a transforma de acordo com a sua interioridade. Com isso, é a partir dessa coletividade e democracia intrínseca às narrativas que ocorre a construção do conhecimento. Sabendo que a valorização do capital intelectual tem se tornado uma realidade cada vez mais presente nas organizações, 1211 o storytelling tem se tornado uma estratégia ímpar e muito utilizada por empresas na educação corporativa e na gestão do conhecimento. Sob outra perspectiva, paralelamente às correntes teóricas que discorrem a respeito do uso estratégico do storytelling e do resgate da memória nas organizações, há uma linha de estudo talvez não muito valorizada pela literatura “vendável” que retrata os abusos aos quais a narrativa se presta. Ora, é evidente que tanto as histórias resgatadas quanto as silenciadas obedecem a um certo enquadramento ideológico e passam por uma minuciosa seleção. O que, de fato, essas correntes discutem talvez não seja tanto o uso estratégico das narrativas, mas sim a sua utilização abusiva e muitas das vezes manipuladora. Muito associado a “era da liquidez” proposta por Zygmunt Bauman (2004), a qual discorre sobre os contratos temporários e ficcionais que demarcam a nossa moderna sociedade, o storytelling povoa os domínios digitais com narrativas cada vez mais “fakes”, presentes na virtualidade e efemeridade dos relacionamentos e encontros virtuais. “Alastra-se, assim, o interesse pela vida particular do outro e de expor a sua própria vida; os livros investigativos, sobre a vida de personalidades, como jogadores de futebol, por exemplo” (DOMINGOS, 2009, p.100). Assim, com uma boa história a tiracolo, empresários, profissionais da comunicação e políticos legitimam suas ações no meio público e projetam atitudes em parte manipuladoras. “O Storytelling gradualmente invade disciplinas tão diversas como a sociologia, economia, direito, psicologia, educação, neurociências, inteligência artificial” (SALMON, 2006, s/p, tradução nossa). A CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS POR MEIO DA LIDERANÇA Dotado da rica habilidade de transformar conhecimentos tácitos em explícitos, o storytelling chega ao mundo corporativo com a função ímpar de gerir e perpetuar os aprendizados adquiridos com o passar dos anos, assim como visões de mundo, conceitos subjetivos como “ética” e “sucesso” ou até mesmo a configuração de “heróis” e “vilões”. Desse modo, associando emoções às mensagens emitidas, o storytelling inspira decisões e ações futuras por parte dos funcionários de acordo com os valores das organizações da qual fazem parte. Ademais, o storytelling também tem sido utilizado pelas grandes em1212 presas como recurso de gestão da inovação, pois assim como mudanças comportamentais, as narrativas inspiram a imaginação. “De um lado, histórias servem para refletir o passado, por outro, elas incitam a imaginação, a pensar em contextos amplos e ao desenvolvimento de diálogos multidisciplinares” (TERRA, 2010, s/p). Com isso, o storytelling adquire grande valor estratégico para as organizações, pois não apenas é capaz de influenciar e, de certa forma, “delimitar” os futuros caminhos tomados pela organização como também gerencia e faz fluir todo aquele conhecimento antes enferrujado e retido na mente da alta liderança. E é nesse contexto que a liderança entra como peça chave na narração de histórias. Além de garantir “cara”, entonação e voz às histórias, os líderes das organizações são, na realidade, personificações de todo aquele conhecimento produzido por essas ao longo dos anos. Assim, a habilidade da oratória tem sido cada vez mais procurada pelos recrutadores. “Não há mais dúvidas sobre a necessidade de formação de líderes na competência narrativa para desenvolver sua capacidade de comunicar. [...] O líder como o bom contador de histórias, tem que [...] saber contar-se” (MATOS, G, 2010, p. 107). PESQUISA QUALITATIVA COM LÍDERES DE COMUNICAÇÃO Baseado no compromisso de trazer ao mundo acadêmico diversas visões contidas na atual realidade organizacional sobre o contexto da humanização e o seu resgate por meio da utilização do storytelling, foi realizada uma pesquisa qualitativa com dez líderes da área de comunicação. Nota-se que a amostra elaborada foi composta por gerentes e diretores de empresas e agências de médio a grande porte, nacionais e multinacionais a fim de agregar também ao estudo uma visão estratégica do setor. Sobre o problema a ser investigado, basicamente, as entrevistas abordaram a comprovação de se, na visão dos líderes de comunicação entrevistados, o strorytelling é ou não uma estratégia de humanização e quais seriam os seus limites, caso existam. Detalhes sobre os entrevistados podem ser observados no quadro n. 1.: 1213 QUADRO 1 – RELAÇÃO DE FONTES PARA A PESQUISA QUALITATIVA NOME Claudia Reis CARGO / EMPRESA Diretora Geral da agência de comunicação Press à Porter Gestão de Imagem Daniela Ferreira Gerente Senior de Employee Engagement da agência de Relações Públicas Edelman Significa Marta Dourado Sócia Diretora da agência de comunicação Fundamento Comunicação Corporativa Ltda Mauro Lopes Sócio-fundador da MVL Comunicação Meire Fidelis Diretora de Relações Corporativas do Grupo Abril Neivia Justa Diretora de comunicação e Relações Públicas para a América Latina da The Goodyear Tire & Rubber Company Phydia de Athayde Editora do Projeto Draft, da empresa de comunicação The Factory. Rodrigo Cândido Diretor de Marketing e Relacionamento Bestway Group Brasil e Diretor de Marketing da ABRH Sergio Giacomo Diretor de comunicação e Public Affairs para a América Latina da GE Valeria Perito Fundadora da agência de relações públicas Ketchum ANÁLISE DAS ENTREVISTAS Após a análise das entrevistas realizadas com as fontes, nota-se que o objetivo não apenas foi alcançado como também outras importantes informações foram agregadas pelos especialistas. Logo, a grande resposta para tal questão é que sim, de acordo com a visão dos líderes, o storytelling é uma estratégia de humanização. Assim, nota-se que as narrativas são essenciais na promoção da humanização à medida que contextualizam e dão sentido à colaboração do funcionário para o al1214 cance dos objetivos organizacionais, o posicionando como peça chave para o bom funcionamento de uma organização. De acordo com a análise proposta, demonstrar o funcionário como parte essencial e integrante do processo de produção, dando voz a ele e contextualizando a sua participação tanto no produto final quanto no bom funcionamento da organização seria a grande função humanizadora das narrativas, posto que, de acordo com a revisão bibliográfica elaborada antes da realização da pesquisa qualitativa, humanização pressupõe o ato de o ser humano modificar o mundo que o cerca, utilizando suas diversas capacidades e se reconhecendo no produto final por ele produzido. Entretanto, conforme proposto pelo próprio objetivo, as fontes entrevistadas admitem que há limitações quanto à dimensão humanizadora do storytelling. Assim, de acordo com as fontes ouvidas, retirar o funcionário de uma posição alienadora e colocá-lo em funções mais instigantes e motivadoras nas quais ele possa de fato exercer sua humanização sobre o mundo, utilizando suas diversas capacidades, seria uma questão administrativa e gerencial na qual a comunicação pode colaborar com sugestões e identificação de possíveis problemas, mas não seria a área responsável por mudanças efetivas, devendo agir em conjunto com as demais, como recursos humanos e até finanças. Desta forma, a análise indica que o engajamento da liderança pode ser o grande segredo para a promoção da humanização no ambiente organizacional. De acordo com as fontes entrevistadas, a liderança salta como a grande narradora das histórias e valores organizacionais, sendo dela a responsabilidade de engajar e motivar pessoas por meio de narrativas. Entretanto, deve-se notar que tanto quanto saber contar a história organizacional, é essencial que a liderança domine também a arte de saber ouvir e promover o diálogo com os diversos níveis da organização. Ademais, opiniões admitem que, embora tenha havido um grande avanço da humanização no ambiente organizacional, nos últimos anos, ainda há um longo caminho a ser percorrido para o alcance ideal de relações mais humanizadas no ambiente de trabalho. Tecnologias e geração y certamente são dois fatores que, na opinião das fontes ouvidas, pedem humanização, à medida que tem suas máximas tangibilizações 1215 nas redes sociais e na sensibilização das empresas para questões como responsabilidade social, motivação, diálogo e declínio das hierarquias. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse artigo nos proporcionou delimitar alguns muros para o mote humanizador das narrativas. A partir das entrevistas realizadas com líderes da área de comunicação, talvez, um dos ensinamentos mais representativos que se obteve ao longo desse estudo, é que o storytelling é sim uma estratégia de humanização, entretanto, há algumas fronteiras as quais dificilmente será capaz de ultrapassar. Dada afirmação se faz a partir do momento em que as narrativas podem ser estratégicas para a humanização quando, conforme mencionado, dão sentido à participação do funcionário no ambiente organizacional, no entanto, garantir espaço onde o funcionário sinta-se motivado e livre para produzir, inovar, utilizando suas diversas capacidades, seria uma questão administrativa e gerencial na qual a comunicação pode colaborar com sugestões e identificação de possíveis problemas, mas deverá agir em conjunto com outras áreas da organização. Com isso, tanto quanto uma contribuição para o mundo acadêmico com o desenvolvimento de pesquisa acerca da utilização estratégica das narrativas pela comunicação como um caminho plausível de alcance da humanização, espera-se também que esse estudo seja, de algum modo, força motriz de conscientização das organizações a respeito de medidas e estratégias ardilosas e covardes em busca do acúmulo do capital e conscientizem-se sobre a importância de voltarem seus olhares e esforços para aqueles aos quais as suas existências são destinadas – nós, os seres humanos. 1216 REFERÊNCIAS ANDRADE, Rogério Ferreira. Institucionalizações e colapsos de sentido nas organizações. Administrative Science Quarterly, v. 43, n. 3, p. 602636, [S/l], 1988. Disponível em: <http://bocc.unisinos.br/pag/andrade-rogerio-institucionalizacoes.pdf> Acesso em: 20 set. 2014. ANTUNES, Ricardo. A dialética do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2013. ARAB, Analú Bernasconi; DOMINGOS, Adenil Alfeu; DIAS, Dalva Aleixo. 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