Valéria de Siqueira Castro Lopes
Luiz Alberto de Farias
Cleusa Maria Andrade Scroferneker
Organização
ANAIS DO IX CONGRESSO BRASILEIRO CIENTÍFICO
DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E DE
RELAÇÕES PÚBLICAS
Chanceler
Dom Jaime Spengler
Reitor
Joaquim Clotet
Vice-Reitor
Evilázio Teixeira
Conselho Editorial
Jorge Luis Nicolas Audy | Presidente
Jeronimo Carlos Santos Braga | Diretor
Jorge Campos da Costa | Editor-Chefe
Agemir Bavaresco
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Augusto Buchweitz
Augusto Mussi
Bettina S. dos Santos
Carlos Gerbase
Carlos Graeff Teixeira
Clarice Beatriz da Costa Söhngen
Cláudio Luís C. Frankenberg
Érico João Hammes
Gilberto Keller de Andrade
Lauro Kopper Filho
Valéria de Siqueira Castro Lopes
Luiz Alberto de Farias
Cleusa Maria Andrade Scroferneker
Organizadores
ANAIS DO IX CONGRESSO BRASILEIRO CIENTÍFICO
DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E DE
RELAÇÕES PÚBLICAS
Realização do Evento
porto alegre
2015
© EDIPUCRS 2015
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C749a
Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e
Relações Públicas (9. : 2015 : Campinas, Brasil)
Anais do IX Congresso Brasileiro Científico de Comunicação
Organizacional e Relações Públicas [recurso eletrônico] / org. Valéria de
Siqueira Castro Lopes, Luiz Alberto de Farias, Cleusa Maria Andrade
Scroferneker . – Dados Eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2015.
1220 p.
Modo de acesso: http://www.pucrs.br/edipucrs/
ISBN: 978-85-397-0751-5
1. Comunicação Organizacional. 2. Relações Públicas. I. Título.
II. Lopes, Valéria de Siqueira Castro. III. Farias, Luiz Alberto de.
IV. Scroferneker, Cleusa Maria Andrade.
CDD 658.45
Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.
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Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998,
Lei dos Direitos Autorais).
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................................................................................... 14
Luiz Alberto de Farias
COMUNICAÇÃO, PESQUISA E ENSINO
| 1 | COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL NO BRASIL: CAMPO DE CONHECIMENTO
EM CONSTRUÇÃO A PARTIR DE AUTORES BRASILEIROS................................................. 18
Ivone de Lourdes Oliveira, Isaura Mourão, Anice B. Pennini
| 2 | COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL INTEGRADA: UMA POLISSEMIA
PROBLEMÁTICA NO CAMPO DA INTERPRETAÇÃO FRANCESA......................................... 37
Alice Zozima Rego de Souza
| 3 | DAS FILIGRANAS DA TRANSVERSALIDADE À CONSTITUIÇÃO DE UMA
EPISTEME DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL..........................................................48
Talles Rangel Rodrigues
| 4 | GESTÃO ESTRATÉGICA E COMUNICAÇÃO: IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
A PARTIR DO BALANCED SCORECARD.............................................................................62
Fábia Pereira Lima
| 5 | A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM UMA SOCIEDADE MIDIATIZADA SOB
A PERSPECTIVA DA ANÁLISE ECOLÓGICA....................................................................... 76
Lutiana Casaroli
| 6 | RESSIGNIFICAÇÃO DOS PROCESSOS COMUNICACIONAIS A PARTIR DAS
TECNOLOGIAS DIGITAIS: UM REPENSAR SOBRE O ENSINO DE RELAÇÕES PÚBLICAS.... 91
Maristela Romagnole de Araújo Jurkevicz,
Joaquim José Jacinto Escola e Regiane Regina Ribeiro
| 7 | EAD EM RELAÇÕES PÚBLICAS: ANÁLISE DOS
CURSOS SIMILARES OFERECIDOS................................................................................. 108
Simone Alves de Carvalho
| 8 | PERFIL E TRAJETÓRIA DOS EGRESSOS DE RELAÇÕES
PÚBLICAS DA ECA/USP: SUBSÍDIOS PARA EXCELÊNCIA ACADÊMICA E
COMPETITIVIDADE NO MERCADO DE TRABALHO...........................................................127
Maria Aparecida Ferrari e Ana Cristina da Costa Piletti Grohs
| 9 | RELAÇÕES PÚBLICAS EM JOGO: A SIMULAÇÃO COMO RECURSO DIDÁTICO........ 149
Márcio Simeone Henriques e Daniel Reis Silva
| 10 | A CONSULTA DE OPINIÕES NA GESTÃO DA CONFIANÇA INTERPESSOAL EM
GRUPOS DE TRABALHO MULTICULTURAIS .................................................................... 166
Célia Maria Retz Godoy dos Santos,
Angélica Aparecida Parreira Lemos Ruiz e Raquel Cabral
COMUNICAÇÃO, INOVAÇÃO E TECNOLOGIAS
| 1 | A TRAJETÓRIA DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
DIGITAL E SEUS DESDOBRAMENTOS NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA
ABRAPCORP: UMA BREVE RETROSPECTIVA. ................................................................ 184
Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa e Cleusa Maria Andrade Scroferneker
| 2 | TUDO EM TEMPO REAL: ESTAMOS VIVENDO A ERA DAS RELAÇÕES
PÚBLICAS DO IMEDIATISMO?.......................................................................................206
Carolina Frazon Terra
| 3 | UM OLHAR SOBRE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTOS ESTRATÉGICOS
A PARTIR DA TEORIA ATOR-REDE................................................................................... 224
Marcello Chamusca e Márcia Carvalhal
| 4 | COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL: A DIMENSÃO DA “ORGANIZAÇÃO
FALADA” NA INTERNET E INTERFERÊNCIAS NA GESTÃO HOTELEIRA............................238
Jean Felipe Rossato e Rudimar Baldissera
| 5 | A PRESENÇA DAS EMPRESAS EM PLATAFORMAS DE MÍDIAS SOCIAIS
DIGITAIS: UMA ANÁLISE DA NESTLÉ BRASIL S/A.........................................................258
Bianca Marder Dreyer
| 6 | A FAN PAGE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS:
UMA ANÁLISE COMPARATIVA....................................................................................... 274
Daiana Stasiak e Rhayssa Fernandes Mendonça
| 7 | O USO DO WHATSAPP NA COMUNICAÇÃO
INFORMAL ENTRE OS EMPREGADOS............................................................................. 292
Bruno Carramenha, Thatiana Cappellano e Viviane Regina Mansi
| 8 | ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL DA EMBRAPA:
IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO........................ 310
Maria Eugênia Ribeiro
COMUNICAÇÃO, IDENTIDADE E DISCURSOS
| 1 | DIÁLOGO E VÍNCULO – CONTRIBUIÇÕES PARA A LUGARIZAÇÃO DE
PERSPECTIVAS COMPLEXAS NAS ORGANIZAÇÕES....................................................... 327
Profª. Dra. Cleusa Maria Andrade Scroferneker,Dra. Lidiane Ramirez de
Amorim e Me. Rosângela Florczak de Oliveira
| 2 | PRÁTICAS DISCURSIVAS, CONTORNOS IDENTITÁRIOS E CONFLITOS MORAIS:
TOPOGRAFIAS DO DIÁLOGO NOS CONTEXTOS ORGANIZACIONAIS.............................. 341
Rennan Lanna Martins Mafra e Angela Cristina Salgueiro Marques
| 3 | CULTURA, COMUNICAÇÃO E IDENTIDADE EM INTERFACE E SUAS
MANIFESTAÇÕES NO DISCURSO ORGANIZACIONAL.....................................................358
Eliane Davila dos Santos e Ernani Cesar de Freitas
| 4 | O CINISMO EM GOFFMAN: UM ESTUDO SOBRE AS
REPRESENTAÇÕES E AS ESTRATÉGIAS DE DISPUTA DE PODER
NAS INTERAÇÕES ENTRE FUNCIONÁRIOS E ORGANIZAÇÕES...................................... 373
Dôuglas Aparecido Ferreira
| 5 | CONTRIBUIÇÃO DAS NARRATIVAS PARA AUMENTAR O
SENSO DE PERTENCIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES: O TEMPO DE
OUVIR E O TEMPO DE FALAR...........................................................................................390
Viviane Regina Mansi, Paulo Jarbas Jr. e Vânia Bueno Cury
| 6 | COMUNICAÇÃO E TRABALHO EM EDITORIAIS DE JORNAL DE EMPRESA:
EVIDÊNCIAS PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVAS PRÁTICAS COMUNICATIVAS...............402
Gislene Feiten Haubrich e Ernani Cesar de Freitas
| 7 | O REGISTRO DA IMPRENSA NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA
ORGANIZACIONAL NO MEMORIAL THEATRO SÃO PEDRO............................................. 418
Diego Pereira da Maia e Karla Maria Müller
| 8 | RIO 450 ANOS: A CELEBRAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DA CAMPANHA
COMEMORATIVA EM HOMENAGEM À CIDADE MARAVILHOSA.....................................434
Alessandra de Figueredo Porto e Maria Helena Carmo dos Santos
| 9 | ULTRAJE DO ROSTO: EMBATES DISCURSIVOS E RECONHECIMENTO DA LIDERANÇA
FEMININA NO ATUAL CONTEXTO ORGANIZACIONAL DA PETROBRAS.......................... 451
Frederico Vieira
| 10 | COMUNICAÇÃO, CULTURA E CAPITAL SOCIAL EM COOPERATIVAS: UM
ESTUDO EXPLORATÓRIO EM COOPERATIVAS DO ESTADO DE SÃO PAULO.....................469
Maura Padula
COMUNICAÇÃO, RESPONSABILIDADE SOCIAL E CIDADANIA
| 1 | DO PARADIGMA DOMINANTE AO CRÍTICO: EM BUSCA DE NOVAS ABORDAGENS
EM RELAÇÕES PÚBLICAS............................................................................................... 487
Else Lemos Inácio Pereira
| 2 | COMUNICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL: PRESSUPOSTOS DA LIDERANÇA
PARA A CONSTRUÇÃO DE PARCERIAS...........................................................................503
Flávia Cristina Martins Mendes
| 3 | COMUNICAÇÃO NO TERCEIRO SETOR A CULTURA ORGANIZACIONAL COMO
INTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO CONTEXTUAL....................................................... 519
Carlos Augusto Gonçalves Camilotto e Boanerges Balbino Lopes Filho
| 4 | DEMOCRACIA VIA PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL
INTERNACIONAL: COMPARAÇÃO DAS PRÁTICAS DE ACCOUNTABILITY NO BNDES
E NO BANCO MUNDIAL...................................................................................................535
Felipe Rodrigues Siston
| 5 | ENGAJAMENTO DE STAKEHOLDERS NA GESTÃO DO GRI-G4 E O MODELO
SIMÉTRICO DE RELAÇÕES PÚBLICAS: ANÁLISE DOCUMENTAL DE QUATRO RELATOS
DE SUSTENTABILIDADE.................................................................................................550
Ágatha Camargo Paraventi
| 6 | A NORMA REPUTACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE: A
EXPERIÊNCIA DIALÓGICA EM AUDIÊNCIA PÚBLICA, OS SUJEITOS
COLETIVOS E A AÇÃO DOS DIREITOS COMUNS..............................................................569
Ana Lúcia de Alcântara Oshiro e Lara Macedo Pascom
| 7 | REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO INSTRUMENTO DE
INTEGRAÇÃO ENTRE A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL................................................................................586
Paulo Roberto Rosa Calegaro e Tânia Maria Diederichs Fischer
| 8 | RELAÇÕES PÚBLICAS ENQUANTO COMUNICAÇÃO POLÍTICA DO
MOVIMENTO SOCIAL DOS DIREITOS ANIMAIS ............................................................603
Camila Carbornar de Souza e Nicole Kollross
| 9 | “FALTA TEMPO”: CONFIANÇA NOS ESPAÇOS INSTITUCIONAIS E PROCESSOS
DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL NO VALE DO RIO PARDO/RS ................................................ 621
Carlise Schneider Rudnicki e Verenice Zanchi
| 10 | O CONTROLE DA OBESIDADE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS.................................... 637
Devani Salomão de Moura Reis
| 11 | COMUNICAÇÃO PÚBLICA E EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA:
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE INTERLOCUÇÃO E DE DELIBERAÇÃO NA
FORMAÇÃO E EMPODERAMENTO DO CIDADÃO. ............................................................ 657
Maria José da Costa Oliveira
COMUNICAÇÃO, POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS
| 1 | ESTRATÉGIAS E POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO EM
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
EM UMA UNIDADE DE PESQUISA .................................................................................. 676
Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade
| 2 | RELACIONAMENTO COM PÚBLICOS ESTRATÉGICOS:
UM OLHAR SOBRE OS PORTAIS INSTITUCIONAIS DAS PRINCIPAIS
UNIVERSIDADES LATINOAMERICANAS........................................................................694
Ana Claudia Braun Endo e Silvia Regina Machado Campos
| 3 | O ASTROTURFING E A COMUNICAÇÃO CORPORATIVA: A SIMULAÇÃO
DE PÚBLICOS COMO ESTRATÉGIA CONTEMPORÂNEA DE DIVULGAÇÃO....................... 710
Ewerton França Pinheiro, Flávia Roberta de Queiroz Dias
e Helaine Ferreira Cavalcante
| 4 | UM OLHAR DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL SOBRE AS
POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE O NOTICIÁRIO DE NEGÓCIOS E A PRÁTICA DA
ESTRATÉGIA NAS ORGANIZAÇÕES.................................................................................727
Victor Marcio Laus Reis Gomes e Robson Dias
| 5 | COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA E O MÉTODO GIV: REFLEXÕES,
POSSIBILIDADES, RESULTADOS E ANÁLISES................................................................ 744
Tassiara Baldissera Camatti, Julio César de Bem e Márcia Almeida
| 6 | INTERFACES DA CULTURA ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO FRONTEIRIÇO:
POSSIBILIDADES, ESTRATÉGIAS E GOVERNANÇA CORPORATIVA................................ 762
Karla M. Muller, Camila C. Barths e Stefânia O. Costa
| 7 | O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA SUSTENTABILIDADE
EM UMA AMOSTRA DE MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS................................780
Valdete Cecato
| 8 | A INFLUÊNCIA DE FATORES CULTURAIS NO PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO
DE MULTINACIONAIS BRASILEIRAS: ESTUDO DE CASO VOTORANTIM. ........................797
Leila Gasparindo e Denise Pragana
| 9 | PROCESSOS DE FUSÕES EM ORGANIZAÇÕES BRASILEIRAS
DE DESTAQUE REPUTACIONAL....................................................................................... 818
Patricia Carla Gonçalves Salvatori
| 10 | PROCESSO DE COMUNICAÇÃO DAS EMPRESAS PÚBLICAS
BRASILEIRAS EM REDES SOCIAIS DIGITAIS.................................................................832
Lebna Landgraf do Nascimento
| 11 | GESTÃO DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO:
DESAFIOS E NOVAS COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS EM PROL DO
ENGAJAMENTO E DA PROPAGAÇÃO DE VALORES E SIGNIFICADOS ..............................848
Boanerges Balbino Lopes Filho e Cibele Maria Ferraz
| 12 | O PAPEL DOS GESTORES NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL:
TENSIONAMENTOS NA ORGANIZAÇÃO COMUNICANTE...............................................864
Cássia Aparecida Lopes da Silva
| 13 | A GESTÃO DA COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE RACIONALIZAÇÃO
DO TRABALHO: PRESCRIÇÕES DE RELAÇÕES PÚBLICAS NO BRASIL
E NA FRANÇA (ANOS 1930-1960)....................................................................................883
Claudia Nociolini Rebechi
| 14 | ESPIRAIS DO SILÊNCIO E GOVERNANÇA
NA COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS........................................................................903
Rozália Del Gáudio e Paulo Henrique Leal Soares
COMUNICAÇÃO PÚBLICA, POLÍTICA E GOVERNAMENTAL
| 1 | ASSESSORIA DE IMPRENSA COMO FERRAMENTA ESTRATÉGICA
DE MARKETING NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO............. 913
Dulcelene Jatobá
| 2 | COMUNICAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO COMPARTILHADA:
UMA INTERLOCUÇÃO ENTRE PODER PÚBLICO E CIDADÃOS..........................................929
Laura Nayara Pimenta
| 3 | DO PONTO DE VISTA DA RELAÇÃO DIALÓGICA ENTRE ENUNCIADOS:
COMO PODEMOS PENSAR O DIÁLOGO ENTRE GOVERNO E CIDADÃOS
NA CONSULTA PÚBLICA ON-LINE...................................................................................946
Luciana Saraiva de Oliveira Jerônimo
| 4 | TV PÚBLICA, ESPAÇO PÚBLICO E PARTICIPAÇÃO CIDADÃ....................................963
Jorge José Pereira Filho
| 5 | A RELEVÂNCIA DA COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA
EM GESTÃO AUTORITÁRIA DE INSTITUIÇÃO PÚBLICA COM BASE NA PRÁTICA
DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E RELAÇÕES PÚBLICAS DA POLÍCIA
MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO.............................................................................. 981
Danielly Augusto de Abreu
| 6 | PROGRAMA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E DE POPULARIZAÇÃO DA
CIÊNCIA NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: UMA POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO
PÚBLICA CIENTÍFICA..................................................................................................... 997
Cristiane Benevides Pinto Komiyama
| 7 | IMPLICAÇÕES ESTRATÉGICAS DO PROGRAMA FEDERAL “MAIS MÉDICOS”
SOB A ÉGIDE DA COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL E POLÍTICA.................................1014
Alessandra Castilho e Roberto Gondo Macedo
ESPAÇO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - EIC
| 1 | A COMUNICAÇÃO COM A COMUNIDADE COMO
ESTRATÉGIA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: A EXPERIÊNCIA DA
USINA HIDRELÉTRICA BARRA GRANDE....................................................................... 1032
Luisa Arvani Marques, Rafaela Defreyn Fernandes e Cristiane Maria Riffel
| 2 | COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E BARRAGENS:
A COMUNICAÇÃO DO CONCESSIONÁRIO NA IMPLANTAÇÃO NA USINA
HIDRELÉTRICA DE MACHADINHO (BRASIL) ............................................................... 1052
João Paulo Fernandes Silva
| 3 | RELAÇÕES PÚBLICAS E CULTURA: COMO PROMOVER
MOBILIZAÇÃO SOCIAL PARA MUDANÇAS NA SOCIEDADE .......................................... 1071
Ana Carolina Mendes Marinho Valentim Candido e Mariângela Furlan Haswani
| 4 | OS CONFLITOS ENTRE AS ORGANIZAÇÕES E O PÚBLICO LGBT:
PERSPECTIVAS DE ATUAÇÃO DO RELAÇÕES- PÚBLICAS .............................................1088
Felipe Franklin Anacleto da Costa e Júlio Afonso Sá de Pinho Neto
| 5 | A GESTÃO DA ÉTICA ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO DO
RELACIONAMENTO ENTRE A EMPRESAS DA CONSTRUÇÃO CIVIL DE
LONDRINA-PARANÁ E SUAS COMUNIDADES. ..............................................................1106
Débora Maria Facci Cardoso e Zilda Aparecida Freitas de Andrade
| 6 | COMUNICAÇÃO E AS RELAÇÕES PÚBLICAS NO PROCESSO
DE DESENVOLVIMENTO DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO: UM ESTUDO
SOBRE ORGANIZAÇÕES PRIVADAS BAURUENSES........................................................ 1122
Verônica Ferreira Gonçalves e Maria Eugênia Porém
| 7 | O PAPEL ESTRATÉGICO DO PROFISSIONAL DE RELAÇÕES PÚBLICAS
NA ASSESSORIA DE IMAGEM PARA PERSONALIDADES PÚBLICAS.............................1139
Raquel Campos da Cruz, Emanuelle Andrade Déa
e Marta Terezinha Motta Campos Martins
| 8 | AS MÍDIAS SOCIAIS E A (RE) SIGNIFICAÇÃO DAS ‘OUVIDORIAS VIRTUAIS’
NOS HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS........................................................1154
Cleusa Maria Andrade Scroferneker, Francielle Benett Falavigna
e Thaís Gonçalves da Silva
| 9 | O USO DO CROWDFUNDING NO FINANCIAMENTO DE
PROJETOS SOCIAIS E CULTURIAS: UM ESTUDO SOBRE A CATARSE............................. 1167
Caroline Dias MILANI e Cristiane Maria RIFFEL
| 10 | A INSERÇÃO DO PROSUMER NO PERFIL DO INSTAGRAM DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS............................................................................. 1187
Fernanda Lica Aires da Costa, Júllia Robertha Rosa Machado,
Thays Lanusse Gomes Lopes e Dra. Daiana Stasiak
| 11 | HUMANIZAÇÃO E RELAÇÕES PÚBLICAS:
A CONTRIBUIÇÃO DO STORYTELLING PARA A PROMOÇÃO DE
AMBIENTES DE TRABALHO HUMANIZADOS................................................................ 1204
Vânia Penafieri de Farias e Bárbara Miano
APRESENTAÇÃO
A TRANSPARÊNCIA QUE SE VÊ
C
riada no ano de 2006, a Associação Brasileira de Pesquisadores
de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas (
Abrapcorp) sempre esteve conectada aos grandes movimentos e
às indagações de seus pesquisadores e do campo em que se inserem as
questões ligadas à comunicação no contexto das organizações. Nesse
sentido, pode contribuir com a realização de congressos que se sucederam sempre conectando os espaços do Brasil – sendo abrigados em diversas instituições de ensino superior brasileiras –, seus pesquisadores,
que indicaram temas e puderam contribuir com suas pesquisas, e com
questões que demandavam e mobilizavam, em seus dados momentos, a
atenção do público envolvido com a comunicação.
Foi nesse sentido que se desenhou a nona edição do Congresso
Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações
Públicas (IX Congresso Abrapcorp), promovido pela Abrapcorp e realizado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas)
e pela Faculdade Matrocamp/Grupo Ibmec, na Cidade de Campinas entre os dias 12 e 15 de maio de 2015. A temática escolhida não poderia
ser mais atual e em ebulição: Comunicação-Governança-Organizações.
As atividades que compuseram o programa do IX Congresso
Abrapcorp foram esquematizadas a partir do eixo ética e transparência
na comunicação, tendo início com a conferência do pesquisador catalão
Jordi Xifra T., da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona. A apresentação provocadora de Xifra trouxe à cena a realidade vivida em nosso
país na contemporaneidade, em que os valores tem sido discutidos e
colocados em agendas de todas as classes socioeconômicas.
Deram tom aos debates os painéis compostos pela hibridização
entre pesquisadores e profissionais de campo, atuantes em organizações dos mais diversos perfis. Caracterizando o universo dos congressos, as sessões de comunicação científica vinculadas aos Grupos de
Pesquisa (GPs) e ao Espaço de Iniciação Cientifica (EIC) trouxeram
mais uma vez a riqueza das pesquisas ligadas a comunicação orga-
nizacional e relações públicas, em franco processo de crescimento e
amadurecimento no Brasil.
O perfil do congresso expressa a relevância da área – tanto em
qualidade quanto em quantidade demonstra força em qualquer comparação nacional ou internacional com eventos especializados e segmentados – e nesse sentido foi apresentada a Rede de Pesquisadores
Abrapcorp, idealizada em 2014, e efetivada em 2015, com o objetivo de
conectar, a partir dos temas dos Grupos de Pesquisa (GPs), aqueles que
podem maximizar seus trabalhos a partir de ações de parceria e colaboracionismo. A proposta mais importante é fomentar o diálogo, a troca e
maior proximidade dos associados da Abrapcorp e dos demais pesquisadores de nosso campo.
Os trabalhos apresentados nos diversos espaços do Congresso
passaram por um crivo minucioso a partir de blind review e com a participação de um número significativo de avaliadores de todo o país – a
quem a Abrapcorp presta o justo agradecimento – e de um grupo maduro de coordenadores liderados pela diretora Científica Dra. Cleusa
Scroferneker. Em seu primeiro congresso a atual diretoria executiva da
Abrapcorp pôde contar com a colaboração valiosa da comunidade acadêmica e com o apoio vigoroso da organização do congresso liderada
pelas Professoras Maura Padula (PUC Campinas) e Maria José da Costa
Oliveira (Metrocamp/Ibmec). A expertise consolidada pelas diretorias
executivas anteriores – nas gestões de Margarida M. Krohling Kunsch,
Ivone de Lourdes Oliveira e Claudia Moura – também foi essencial.
A Abrapcorp, como explicita seu nome, é uma entidade voltada
a pesquisadores, mas com a segurança que suas portas estão abertas à
comunidade, desde os estudantes que podem apresentar seus trabalhos
no Espaço de Iniciação Científica, passando pelos pesquisadores menos
ou mais maduros, que oferecem suas contribuições em termos de pesquisas, assim como abriga também as contribuições advindas do espaço
das organizações, onde de fato ocorrem os processos comunicacionais.
Neste ano de 2015, a transparência pôde ser vista como tema e
como prática, como princípio e como fim. A Abrapcorp também não
pode deixar de agradecer a valiosa contribuição de seus apoiadores para
a realização do evento Unimed Campinas, Fapesp, Capes e CNPq, cujo
fomento permitiu a ampliação da discussão e o caminho para a busca
15
plena de uma comunicação que envolva organizações a partir do conceito de governança, de ética e de transparência.
Os Grupos de Pesquisa apresentam relatos científicos, com reflexões e discussões sobre diversos assuntos desenvolvidos pelos pesquisadores a partir de investigações de cunho teórico e prático. Os trabalhos selecionados são resultantes de pesquisas realizadas em nível de
pós-graduação lato sensu (Especialização) e stricto sensu (Mestrado e
Doutorado), assim como por especialistas, mestres ou doutores, de organizações públicas ou privadas, não vinculadas a instituições de ensino. Versam sobre questões pertinentes ao foco definido para os cinco
Grupos de Pesquisa da Abrapcorp: Comunicação, pesquisa e ensino;
Comunicação, inovação e tecnologias; Comunicação, identidade e discursos; Comunicação, responsabilidade e cidadania; Comunicação, políticas e estratégias; e para o assunto tratado no Congresso de 2014, no
Grupo de Pesquisa Temático – Comunicação e Interculturalidade.
Esta obra oferece mais um espaço de reflexão, de discussão, de
oportunidade e, acima de tudo, de encontro. Boa leitura.
Luiz Alberto de Farias
Presidente
16
GRUPO DE PESQUISA I
COMUNICAÇÃO, PESQUISA E ENSINO
COORDENAÇÃO: PROFA DRA. CLAUDIA PEIXOTO DE MOURA (PUCRS)
|1|
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL NO BRASIL: CAMPO DE
CONHECIMENTO EM CONSTRUÇÃO A PARTIR DE AUTORES
BRASILEIROS
Ivone de Lourdes Oliveira1, Isaura Mourão2, Anice B. Pennini3
RESUMO
Este artigo busca identificar e compreender o pensamento contemporâneo brasileiro acerca da Comunicação
Organizacional, tendo como base uma metapesquisa realizada na disciplina Processos Interacionais das Organizações,
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da
PUC – Minas. Com esse intuito, foram identificadas produções científicas de alguns autores brasileiros sobre o tema
e, a partir dessas publicações, foram observadas as singula-
Pós-doutora pela Université de Toulouse – Paul Sabatier, Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola
de Comunicações e Artes da ECA-USP, professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social – Interações Midiáticas da PUC – Minas, e líder do
grupo de pesquisa “Comunicação no contexto organizacional: aspectos teórico-conceituais” (PUC – Minas/CNPq).
1
Doutoranda em Comunicação e Informação na UFRGS, Mestre em Comunicação Social – Interações Midiáticas pela PUC – Minas, Especialista em Comunicação e Gestão Empresarial pela PUC Minas, Jornalista pela UFMG, membro
do Grupo de Pesquisa em Comunicação Organizacional, Cultura e Relações de
Poder (GCCOP UFRGS/CNPq), consultora e professora universitária.
2
Mestre em Comunicação Social, na linha de pesquisa Midiatização e Práticas
Interacionais, PUC Minas (Bolsista Fapemig). Especialista em Marketing pela FGV.
Jornalista pela PUC Minas. Analista de Pesquisa de Opinião e Marketing. Membro
dos grupos de pesquisa “Campo Comunicacional e suas Interfaces” e “Comunicação no contexto organizacional: aspectos teórico-conceituais” (PUC Minas).
3
ridades do pensamento dos autores, mas também, aspectos
em comum, que convergem para uma perspectiva interacional, complexa e sistêmica da comunicação no contexto
das organizações.
Palavras-chave: Comunicação Organizacional;
Paradigmas; Interações; Epistemologia.
1 - INTRODUÇÃO
O interesse em compreender e dar visibilidade à comunicação no
contexto organizacional tem mobilizado diversos autores brasileiros.
Este artigo tem o propósito de compreender esse pensamento, a partir
da produção acadêmica de autores que pesquisam sobre o tema. Assim,
buscamos identificar os paradigmas, as teorias e os conceitos que vêm
fundamentando essa produção, na última década.
O ambiente organizacional é um contexto vivenciado por sujeitos
sociais, que nele convivem e/ou com ele se relacionam cotidianamente. Cada um dos sujeitos implicados nesse contexto traz consigo seu
próprio universo cultural, que, por sua vez, se abre em múltiplas perspectivas cognitivas e subjetivas. Ao mesmo tempo, os sujeitos sociais
coexistem e relacionam-se com vários outros, em torno de uma mesma
organização, que, por seu turno, apresenta seus objetivos e interesses.
Assim, o fazer comunicacional em ambientes organizacionais se desenvolve em processos dinâmicos e complexos, que demandam reflexões
consistentes, no sentido de se pensar essa teia intrincada de relacionamentos, para além de uma visada meramente instrumental.
A partir de uma metapesquisa proposta na disciplina Processos
Interacionais das Organizações, do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da PUC Minas4, conduzida pela professora Ivone de
A metapesquisa gerou diversos artigos e foi realizada pelos seguintes alunos: Anice B. Pennini; Bruna Raquel de Oliveira e Santos; Bruno Barbosa Costa; Cristiano Diniz Cunha; Ellen Barros; Eulálio Mabuie; Isabella Novais; Isaura
4
19
Lourdes Oliveira, buscamos estudar o pensamento científico de autores
brasileiros da Comunicação Organizacional, escolhidos pelos alunos da
disciplina. A definição dos autores analisados não pretende esgotar o rol
dos estudiosos. A escolha dos nomes se materializou a partir da afinidade de pesquisa dos então alunos pesquisadores. Dessa forma, o corpus
da metapesquisa foi constituído pela produção científica dos professores: Cleusa Scroferneker (PUC-RS), Eugênia Barichello (UFSM), Ivone de
Lourdes Oliveira (PUC-Minas), João José A. Curvello (UNB), Luiz Carlos
A. Iasbeck (UCB), Márcio Simeone Henriques (UFMG), Margarida M. K.
Kunsch (USP) e Rudimar Baldissera (UFRGS), no período de 2005 a 2012.
Na referida pesquisa, a metodologia se constituiu, inicialmente,
do levantamento de artigos e de capítulos de livros publicados pelos autores, presentes em seus respectivos currículos Lattes, no período determinado. Independentemente da quantidade de trabalhos encontrados,
a análise se deu a partir de um roteiro, elaborado em sala de aula, que
indicava os pontos de análise, tais como as ideias centrais dos autores,
os principais aportes teóricos e metodológicos utilizados e os campos
de interface abordados em suas produções científicas.
A partir da leitura das publicações desses oito autores, foram identificadas três abordagens teóricas que, de forma recorrente, ancoram seus
estudos. É sobre tais perspectivas que trataremos na parte inicial do presente artigo. São elas: a perspectiva interacional/relacional, o paradigma
da complexidade e o paradigma sistêmico, sob as lentes da Teoria dos
Sistemas Sociais. Posteriormente, serão abordados os principais pensamentos que norteiam a produção científica dos oito pesquisadores.
2 – PERSPECTIVAS TEÓRICAS PARA A COMPREENSÃO
DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
A partir da década de 1990, iniciam-se os estudos sobre a
Comunicação Organizacional, em uma perspectiva ampla, que compreende a interação entre os sujeitos sociais nas sociedades contemporâneas. Mesmo que, na prática, a Comunicação Organizacional ainda seja,
em boa parte, subsidiada pelo paradigma clássico, essa visão do fazer
Mourão; Joanicy Brito Gonçalves; Márcia Araújo; Marlene Machado; Nadjanaira
Costa; Terezinha Gislene Rodrigues Alencar e Vanessa Mol.
20
comunicacional passa a ser questionada, a partir da emergência e fortalecimento de fenômenos na sociedade, a exemplo da globalização da
economia, da valorização dos direitos dos cidadãos, do reconhecimento da liberdade de expressão e do desenvolvimento tecnológico. Nesse
cenário, a complexidade do processo comunicacional tem dificultado a
ênfase na visão linear da transmissão da informação. A interação entre
sujeitos interlocutores e o espaço da circulação das informações tornaram-se mais perceptíveis e valorizados na dinâmica comunicativa.
A perspectiva relacional/interacional oferece uma forma de pensamento condizente com o ambiente de compartilhamento simbólico
contemporâneo, em que sujeitos sociais se afetam mutuamente. A pesquisadora Vera França5 (2002) propõe alguns eixos para fundamentar a
forma de lidar com a comunicação nesse contexto: comunicação como
um processo de interação e de prática de produção e interpretação entre sujeitos sociais, em vez da polarização entre emissores e receptores;
comunicação como uma realidade em que é possível identificar marcas
simbólicas desses sujeitos e do ambiente que os envolve; e comunicação como um processo dependente de determinado contexto, no qual
ocorrem manifestações singulares da prática discursiva e do panorama
sociocultural de dada sociedade.
Alguns conceitos mostram-se bastante imbricados nesse arcabouço teórico. Destacamos a mediação, a interação e a midiatização.
Tomamos a mediação como um conceito amplo, que abarca tanto as
mediações abstratas, a exemplo da cultura, das convicções políticas, da
origem social etc., como também as realizadas por aparatos materiais,
tais como computador e televisão. As mediações podem ser pensadas,
portanto, como meios para se atingir a interação. Ao mesmo tempo,
deve-se ter em mente que todas essas relações são ainda mais complexificadas, na medida em que se identifica um processo cada vez mais
intenso de midiatização da sociedade, entendida como um processo
construído pela articulação entre sujeitos sociais, mercado, tecnologias,
entre outras instâncias, que tem produzido transformações nas diversas
práticas diárias, seja na relação com outros indivíduos e organizações,
Profa. Dra. Vera França é professora da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e atua como pesquisadora nas áreas de Teoria da Comunicação, Comunicação e Cultura Midiática e Metodologia de Pesquisa em Comunicação.
5
21
seja na conformação da cultura de uma dada sociedade. Em suma, na
perspectiva relacional/interacional a comunicação nas organizações
é percebida como uma área de relacionamentos, em que a alteridade
apresenta seus próprios valores, sentimentos e expectativas, em uma
concepção em que as divergências são percebidas como elementos inerentes ao processo comunicacional.
Essa perspectiva dialoga com o paradigma da complexidade, marco teórico da produção do filósofo e sociólogo francês Edgar Morin6, na
medida em que o conceito da complexidade contempla a relação com a
alteridade. A complexidade para Morin (2011) é um conceito desvinculado dos pressupostos da complicação, e traz em si a ordem e a desordem, bem como o uno e os múltiplos, noções essas que se influenciam
mutuamente (MORIN, 2011).
A noção de pensamento complexo emerge em contraponto ao pensamento simplificador, que busca expulsar a desordem do universo, a serviço de uma racionalidade, privilegiando a fragmentação. Assim, o pensamento simplificador trata de ordenar os fenômenos e afastar a incerteza.
Contudo, a partir desse raciocínio, corre-se o risco de não se enxergar importantes aspectos envolvidos nos processos. No caso da Comunicação
Organizacional, ao se focar apenas uma das partes – por exemplo, a emissão, o veículo, a mensagem ou a recepção –, assume-se a possibilidade de
não se considerar os elementos envolvidos na circulação e na produção
de sentidos, instâncias essas intrínsecas ao processo comunicacional. “A
simplicidade vê o uno, ou o múltiplo, mas não consegue ver que o uno
pode ser ao mesmo tempo múltiplo.” (MORIN, 2011, p.59). A complexidade considera os paradoxos: a ordem e a desordem, a contradição e a
incerteza, na busca da compreensão do fenômeno como um todo.
Nos aportes do pensamento complexo, é possível perceber as organizações como sistemas vivos e abertos, o que sublinha a importância das interações entre os sujeitos no processo comunicacional. Morin
(2010) aponta uma questão inerente à complexidade, que é o conceito
da autonomia, concebido a partir de uma teoria de sistemas abertos e
O francês Edgar Morin é considerado um dos principais intelectuais da atualidade. Formado em Direito, História e Geografia, realiza estudos nas áreas da
Filosofia, Sociologia e Epistemologia.
6
22
fechados, simultaneamente, em um processo que compreende que os
sistemas precisam se abrir para renovar as energias. Essa renovação é
captada no meio ambiente e, consequentemente, a autonomia se fundamenta na dependência do sistema ao meio ambiente. Assim, o conceito
de autonomia passa a ser complementar ao conceito de dependência,
embora sejam antagônicos.
Por outra via, o sistema mantém-se fechado, quando se trata de
preservar sua individualidade. Eis que nos deparamos com mais uma
questão conceitual de complexidade, pois, sob o paradigma simplificador, é preciso que a porta esteja aberta ou fechada, mas, na concepção
complexa, é preciso que um sistema autônomo esteja aberto e fechado,
ao mesmo tempo. (MORIN, 2010). Fazendo esse raciocínio no contexto
organizacional, tem-se que é na sociedade que a organização se auto-organiza, envolvida no ambiente de ordem e desordem, de resistências
e cooperações, em um processo de regeneração e atualização.
Os conceitos que compõem o paradigma da complexidade se coadunam com o paradigma sistêmico, em que se filiam, além das ideias moranianas, os pensamentos de Niklas Luhmann7 (2010), em sua proposta
de se conceber as organizações como sistemas sociais que se fecham
para sobreviver, mas que também se abrem ao exterior, como forma de
regeneração. Segundo essa vertente de pensamento, as organizações
se fecham, com a finalidade de elaborarem suas próprias atividades e
de estabelecerem sua identidade, mas também se abrem, pois, mesmo
correndo riscos de terem sua ordem interna alterada ou de terem sua
imagem percebida de forma indesejável, precisam interagir com outros
sistemas para manterem-se atualizadas.
Em síntese, no pensamento luhmanniano, as organizações constituem-se sistemas fechados, já que precisam impor limites entre suas atividades e o ambiente complexo que as cercam. O estabelecimento dessas
fronteiras é que propicia a particularização das organizações, e se dá por
meio da auto-organização e da autopoiese8. É preciso ter claro, contudo,
Niklas Luhmann foi um dos mais influentes estudiosos na Sociologia alemã
contemporânea.
7
Entendemos o conceito de autopoiese, aos moldes dos estudiosos da área
biológica, Maturana e Varela. Transpondo suas ideias para a Comunicação,as
8
23
que nesse processo não se pode garantir que sempre haverá compreensão. Há sempre o risco de que a comunicação não se complete ou não se
dê conforme o planejado pelas organizações. Essa corrente de pensamento considera então, a ruptura com a linearidade, pois reconhece a importância da interação com a alteridade no fazer comunicacional.
Pode-se observar que as três perspectivas sobre as quais discorremos trazem em seu arcabouço os pensamentos da complexidade, da
imprevisibilidade e da subjetividade. Essas ideias são apropriadas por
importantes autores da Comunicação Organizacional, como veremos
na análise da produção científica desses autores.
3 – PENSAMENTOS DOS AUTORES BRASILEIROS
3.1 - MARGARIDA KUNSCH
A trajetória acadêmica da pesquisadora está intimamente relacionada ao encadeamento do pensamento científico da Comunicação
Organizacional e sua produção contribui para a institucionalização
e a consolidação do campo no Brasil. Para a autora, a Comunicação
Organizacional e as Relações Públicas estão imbricadas. Reconhecida
no País e internacionalmente, Kunsch articula as dimensões instrumental, estratégica e humana do processo comunicacional das e nas organizações, e trabalha em sua produção acadêmica os conceitos de planejamento, alinhamento, administração estratégica e humanização das
organizações.
A partir de 2005, seus estudos passam a enfatizar a Comunicação
Organizacional como a disciplina que estuda o fenômeno comunicativo
e seu contexto sociopolítico, numa perspectiva mais complexa, como fenômeno inerente à natureza das organizações. No entanto, continua sua
produção relativa às Relações Públicas, apontando as diferenças entre
as duas áreas. Para a autora, a Comunicação Organizacional é um fenômeno constituído por processos complexos que ocorrem no contexto
organizações são vistas como sistemas autônomos, interdependentes e constituídos de sentidos. Os autores questionam a ruptura entre ciência e filosofia,
de modo que suas reflexões reforçam o conceito de intersubjetividade, fundamentado na ideia de que o conhecimento científico é uma construção social.
24
específico das organizações. Já as Relações Públicas atuam na gestão
dos processos comunicativos organizacionais, fazendo sua gestão por
meio de todo o aparato de comunicação, visando a mediação com os
interlocutores (KUNSCH, 2009).
Um dos principais conceitos desenvolvidos pela autora é o da
Comunicação Integrada, que abarca a Comunicação Institucional, a
Mercadológica, a Interna e a Administrativa. Observadas separadamente, cada uma possui objetivos distintos, mas, de forma integrada, devem
estar articuladas na política de Comunicação Organizacional.
Outra contribuição teórica trazida por Kunsch é a compreensão da
comunicação em três dimensões: a instrumental, a estratégica e a humana. A instrumental, de caráter funcional e técnico, ainda é a que predomina nas organizações, segundo a autora. A partir dessa perspectiva, enfatiza-se a transmissão das informações buscando viabilizar os processos
comunicacionais, de forma linear. A dimensão estratégica guarda fortes
semelhanças com a instrumental. Nesse viés, a comunicação é vista como
forma de agregar valor à organização e aos negócios, a partir de uma visão
pragmática, buscando eficácia e resultados nos processos comunicativos.
Nesse caso, a comunicação, por meio do planejamento e da gestão, deve
alinhar-se, de forma estratégica, aos objetivos da organização, abrindo canais que buscam confiança mútua e construção de credibilidade, valorizando a dimensão social da organização (KUSNCH, 2006, 2012).
A dimensão humana, que tem sido mais enfatizada pela autora
em suas produções mais recentes, é considerada por ela como inerente
ao processo comunicativo e provoca uma mudança na perspectiva dos
estudos da área, uma vez que a comunicação acontece entre as pessoas, que não vivem sem se comunicar. No caso das organizações, tem-se
um contexto específico no qual esse fenômeno ocorre, sendo vivenciado
pelas pessoas que nelas convivem e com elas se relacionam, num fazer
comunicativo diário. Essas pessoas querem ser reconhecidas e não sufocadas pelo excesso de comunicação técnica e instrumental, de interesse
da empresa e dos negócios. A partir dessa perspectiva, torna-se necessário a abertura de canais diretos de diálogo entre a alta direção e os
trabalhadores (KUSNCH, 2012).
Essa dimensão da Comunicação Organizacional tem marcado as
pesquisas da autora nos últimos anos e evidenciado como a evolução
25
dos estudos da área e das práticas são capazes de produzir novos conhecimentos e perspectivas para um campo até então muito fundamentado no técnico e funcional. Kunsch ressalta que é a dimensão humana a
propulsora de transformação das organizações, uma vez que olhar para
a comunicação a partir da humanização das organizações significa, acima de tudo, respeitar o outro, permitindo pensar numa convivência com
mais harmonia, capaz de produzir significado. Analisar a Comunicação
Organizacional a partir dessa perspectiva é pensar em um fenômeno
com processos complexos, constituído pelas interações humanas, pelos
meios e mensagens internas, institucionais e mercadológicas, e pela valorização humana e social nas organizações.
3.2 – CLEUSA SCROFERNEKER
A autora traz uma abordagem mais complexa da Comunicação
Organizacional, com aportes oriundos do paradigma da complexidade,
de Edgar Morin, e da Teoria dos Sistemas Sociais, de Niklas Luhmann,
especialmente em suas produções mais recentes. Suas reflexões têm
sido marcadas pelos estudos comparativos entre as Relações Públicas
e a Comunicação Organizacional que, segundo a pesquisadora, abrange
toda a comunicação nas suas diferentes formas e modalidades para que
a organização possa interagir e relacionar-se com os diferentes públicos
(SCROFERNEKER, 2006).
Scroferneker enfatiza que as pesquisas desenvolvidas recentemente têm buscado evidenciar a importância da comunicação para as
organizações e definir a abrangência de sua atuação, uma vez que, nos
últimos anos, uma série de reflexões, fundamentadas por novos paradigmas, dentre eles o da complexidade, alteram conceitos, convicções
e certezas acerca do campo. Ainda assim, ressalta que elementos do
paradigma funcionalista devem ser considerados. No entanto, as organizações contemporâneas, muito mais complexas, demandam outras
perspectivas e modelos que possam contribuir com a compreensão e o
desenvolvimento das atividades de comunicação nesse espaço.
A transposição do paradigma da complexidade para fundamentar as reflexões teóricas da autora imprime à sua produção uma visão
da comunicação organizacional que compreende seus antagonismos e
contradições. Além disso, como a mudança tornou-se a constante, faz26
-se necessário, segundo Scroferneker, (re)visitar permanentemente as
concepções de comunicação, de organização e de sujeito organizacional
(SCROFERNEKER, 2008). Para a autora, a consolidação dos conceitos
do campo é hoje um grande desafio. Além da consolidação acadêmica
do campo, ressalta que é fundamental o apoio e o entendimento por
parte da alta direção das organizações para viabilizar os processos de
Comunicação Organizacional, uma vez que a comunicação é complexa
e constitutiva da organização, atentando para a importância do planejamento e do conhecimento profissional (SCROFERNEKER, 2008).
3.3 - EUGÊNIA BARICHELLO
A produção científica da pesquisadora tem como conceitos
centrais a mídia, a midiatização, a visibilidade midiática e a legitimação, articulando toda sua fundamentação com os estudos sobre estratégias de Comunicação, Comunicação Institucional e Comunicação
Organizacional. Ela concebe a midiatização para além do suporte, uma
vez que considera as possibilidades de interação presente nas mídias, especialmente nas digitais, e a ‘autonomia’ dos sujeitos nesse ambiente de
manifestação. Segundo Barichello, a midiatização leva a sociedade a outras formas de estruturação, assim como os processos sociais interativos,
que interferem nos processos de legitimação das organizações no mundo.
A mídia é entendida não como um fluxo comunicacional conectado a um dispositivo técnico, mas como uma concepção da vida, um bios
virtual, que tem uma lógica específica de funcionamento e uma responsabilidade na dinâmica interativa da sociedade, além de ser um campo
de legitimidade, que acontece por meio da visibilidade. Nesta perspectiva, a autora se fundamenta em Braga (2007) e em Sodré (2002), apropriando-se do conceito de midiatização como ambiência que ultrapassa
os meios tecnológicos e que intervém nas formas de sociabilidade.
A pesquisadora transpõe esses conceitos para o contexto organizacional, o que representa um avanço para o campo em estudo. Sua
contribuição é direcionada à compreensão da legitimação e da visibilidade das organizações a partir da midiatização. Nesse aspecto, trabalha
a visibilidade institucional midiática em duas perspectivas: uma a partir
das estratégias organizacionais concebidas no planejamento; outra a
partir da construção de sentido dos sujeitos sobre as organizações nos
27
espaços midiáticos tradicionais e digitais. Sob a perspectiva do campo
midiático, a pesquisadora admite que a imagem da organização é construída pelo indivíduo, baseada nas ações que a torna visível. Com isso,
a pesquisadora reforça a importância dos relacionamentos da organização com seus públicos.
A partir de 2007, Barichello direciona seus estudos para a internet, relacionando-a aos suportes tecnológicos e digitais como meios e
estratégias constituintes da representação organizacional e de sua visibilidade. Nesse contexto, afirma que para que isso se materialize, deve-se investir nas interações, no compartilhamento, nas reciprocidades e
nas apropriações, para além dos suportes impressos, tais como jornais
e folders. A partir dos autores Verón (2007) e Fausto Neto (2005), a pesquisadora instiga um tensionamento, ao declarar que as instituições
midiáticas estão perdendo a posição de mediadora, tradicionalmente a
elas designadas, para dividir o espaço com instituições não midiáticas,
que adquirem cada vez mais espaços de conquista na sociedade.
3.4 – IVONE OLIVEIRA
Uma marca da pesquisadora é o olhar para o contexto organizacional que, segundo ela, vai além de um agrupamento de pessoas. Trata-se de
uma realidade comunicacional com múltiplas perspectivas. A partir desse
olhar, compartilhado também por outros pesquisadores, lança a perspectiva da comunicação no contexto das organizações, conferindo maior abrangência aos estudos de comunicação na e das organizações. Para a autora, a
comunicação é um processo constitutivo da sociedade, que se dá a partir
da representação e da narrativa feita pelos indivíduos nele inseridos, uma
vez que é por meio dos atos comunicativos que esses indivíduos constroem
o mundo (OLIVEIRA, LIMA E MONTEIRO, 2011). Nesse raciocínio, Oliveira
(2011) define o fenômeno comunicativo como processo sempre marcado
pelo contexto social e histórico no qual é produzido.
Diretamente influenciada pela perspectiva relacional, a pesquisadora também se fundamenta em abordagens que enfatizam a complexidade do processo comunicativo, e, em sua tese de doutorado, formula
o Modelo de Comunicação Interacional Dialógica. O modelo privilegia a
relação dialógica entre organização e interlocutores ativos, num processo de comunicação em movimento, no qual os sujeitos desempenham,
28
simultaneamente, múltiplas funções, tornando-se emissores e receptores ao mesmo tempo, em um contexto de incertezas, indeterminações,
contradições e aleatoriedades.
A autora critica a falta de autonomia do campo frente a outras
áreas de conhecimento e o modo funcionalista de se tratar o fenômeno
comunicacional, amparado na perspectiva da Administração. Segundo
afirma, tal direcionamento reduz o fenômeno comunicacional a um fluxo linear e transmissional, a serviço da gestão organizacional – denotando uma visão simplificadora da Comunicação. Apesar da interface
com outras áreas do conhecimento, ressalta que o fenômeno deve ser
estudado tendo como base a própria Comunicação e não a partir de outras áreas do conhecimento.
Para a autora, a comunicação praticada nas organizações não deve
ser pensada de forma “divorciada” de uma ideia geral da comunicação:
a organização como contexto, onde ocorre o fenômeno comunicativo, é
tão plausível, legítimo e específico para ser pesquisado quanto diversos
outros. Como os sentidos se conformam aos contextos, o lugar organizacional é, dessa forma, uma empiria tão singular e relevante para o desenvolvimento de uma teoria geral da comunicação quanto o cinema, o
jornalismo e a publicidade. Por essa perspectiva, as organizações se transformam na medida das mudanças da sociedade, ao mesmo tempo em
que transformam a própria sociedade a partir de suas ações. Ao jogar luz
sobre a importância da alteridade nos processos e fenômenos comunicacionais, a autora mostra outros caminhos de pesquisa, além daqueles
da busca de causa e efeito, interessados em encontrar ações e estratégias
bem sucedidas. Assim, coloca-nos em zonas de desconforto, instigando-nos a refletir sobre o que é fora do padrão ou pouco visto. Enfim, a autora
instiga a visão sobre a comunicação sem os filtros funcionalistas.
3.5 – JOÃO JOSÉ AZEVEDO CURVELLO
O pesquisador, a partir de sua produção teórica, nos provoca
a refletir sobre a complexidade das organizações e da comunicação
nesse contexto, enfatizando os estudos relacionados à cultura e aos
processos organizacionais. Fundamentando suas reflexões em Edgar
Morin, Niklas Luhmann, e considerando a perspectiva autopoiética de
Humberto Maturana e Francisco Varela, a partir da qual as organiza29
ções devem ser vistas como sistemas autônomos, interdependentes e
constituídos de sentidos, Curvello ressalta que as organizações devem
ser observadas como organismos vivos e como sistemas sociais altamente complexos, questionando a ordem e a simetria que devem dar
lugar ao imprevisível e ao complexo.
A perspectiva sistêmico-comunicacional, apropriada por Curvello
para estudar a cultura e a comunicação organizacional, postula que o
ser humano é comunicativo em sua essência, e se posiciona como ator
social em um ambiente organizacional. Nesse sentido, há maior probabilidade de se ter conflito do que consenso nas relações sociais, e as
conversações e embates devem ser considerados instâncias de aprendizagem. A abordagem sistêmica possibilita compreender essa aprendizagem, bem como a construção do conhecimento, do sentido e da identidade em ambientes complexos, gerando novas formas de conexão entre
organização e indivíduo.
Suas contribuições tornam possível um exame ampliado sobre
os processos comunicacionais. As relações entre os atores sociais não
são homogêneas e cada um se torna elemento importante no sistema ao
compartilhar experiências dentro da organização. Assim, diálogos, impressões e sentidos são recriados, invariavelmente, sob a influência de
processos interacionais. Essa perspectiva valoriza a relação mútua dos
interlocutores, na qual os sentidos são construídos, e a dimensão simbólica passa a ser considerada. Para o autor, o fenômeno comunicacional
deve ser compreendido como processo dinâmico e ágil, ocorrendo em
cenários de imprevisibilidade.
3.6 - LUIZ CARLOS IASBECK
As contribuições teóricas de Iasbeck sinalizam outras perspectivas para as pesquisas em Comunicação Organizacional. O autor é
um estudioso da Semiótica e a adota como referência conceitual para
entender as relações comunicativas nos universos organizacionais.
Adota as linhas de Charles Peirce (1839-1914) e da semiótica da cultura, iniciada por estudiosos russos e estonianos das escolas de Moscou e
Tartu (década de 1960), com destaque para Ivanov, Lotman, Uspenskij,
Piatgorski, Toporov e Bystrina.
30
Para o pesquisador, a comunicação é um processo de criação
e perpetuação de vínculos, conceito que se fundamenta nas teorias de
Bateson (1979) e Baitello Júnior (2005). Fundamenta-se ainda, no filósofo Paul Watzlawick (1968) e em Erich Fromm (1956), de onde tira argumentos para declarar que a comunicação é um processo inerente ao ser
vivo e fundamental para a vida, porque o homem precisa se comunicar
para enfrentar a solidão. Conclui afirmando que a comunicação representa o compartilhamento de experiências nas dinâmicas interativas,
consideradas como espaço onde o homem cria vínculos de afinidades
e diferenças. Esses se concretizam nas relações, que conformam redes
de relacionamentos e de informações, que intensificam ou esgarçam,
conforme a qualidade dos processos comunicativos que são instituídos.
Para o autor, a comunicação constrói vínculos entre sujeitos comunicantes e entre organizações e seus públicos, podendo aumentá-los e administrá-los, sustentados pelas informações, objetos, pessoas
e fenômenos. O pesquisador desenvolve os conceitos de discurso e imagem, respaldado também pela perspectiva da Semiótica, trazendo-os
para compreender o universo organizacional. Assim, Iasbeck conceitua
imagem como o encontro das instâncias da produção e da recepção, no
processo comunicativo. Devido a interligação entre os conceitos de imagem e identidade, o autor trabalha com a noção de identidades relativas,
motivado por Waismann (1896-1959).
A questão da cultura é outro conceito que perpassa sua obra.
Para o pesquisador, a cultura não está desassociada da comunicação
e da linguagem (LOTMAN, 1978). A cultura de uma organização é refletida em seu discurso, que explicita os modos de ser e atuar das organizações e dos públicos, e se caracterizam pelas intenções, desejos,
crenças e convicções.
Outra vertente de destaque de sua produção acadêmica são os estudos sobre ouvidorias. O pesquisador defende que a ouvidoria é lugar
de comunicação, pois é uma instância mediadora da relação entre organizações e públicos, cuja função primordial é curar vínculos estremecidos originados no relacionamento. Para Iasbeck, as ouvidorias são mídias, pois atuam como lugares de trocas informacionais e de mediação.
31
3.7 - MÁRCIO SIMEONE HENRIQUES
A contribuição de Henriques na construção epistemológica do
campo da Comunicação Organizacional está relacionada ao desenvolvimento dos conceitos de público, formação de público e mobilização
social, frente às tensões existentes nas interações entre sujeitos coletivos, que vivem uma controvérsia e/ou são afetados pelas ações e estratégias das organizações. Para o autor, os públicos são entes coletivos
em permanente formação, a partir da interação que os constituem e as
estratégias adotadas pelas organizações. Declara, baseando-se em estudos empíricos, que os públicos não existem a priori e que não devem ser
classificados como alvos, já que eles se constituem na relação estabelecida em um acontecimento ou em uma controvérsia.
O autor reforça a ideia de que os públicos são entes que se mobilizam socialmente para defenderem seus interesses ou um bem público, e
se constituem também, por meio da circulação dos discursos organizacionais, que manifestam intencionalidades específicas de cada ator na
relação. A formação de públicos pode se dar em duas dimensões, a real e
a virtual. A virtual abarca o sentido de o publico vir a se instituir a partir
da controvérsia, em interações que surgem em determinada situação.
Na dimensão real, os públicos são identificados a partir das políticas e
discursos organizacionais postos em circulação, que podem provocar
ou não o conflito.
A análise de sua produção acadêmica possibilita-nos compreender que a comunicação é fundamental ao processo de mobilização
social. O autor vincula esse conceito à comunidade e às relações públicas para compreender os relacionamentos entre as organizações e
as comunidades, a partir do olhar sistemático sobre a movimentação
de públicos, a opinião pública e as estratégias de comunicação. A mobilização social se organiza na união de objetivos dos sujeitos com a
intenção de transformar uma realidade. Para isso, Henriques salienta
que é necessário estabelecer o compartilhamento de responsabilidade, sentimentos e conhecimentos para se atingir um interesse público
e comum aos envolvidos.
A partir dos conceitos de público e de opinião pública, o autor
constrói sua perspectiva comunicacional, associando-a à condição pública dos processos que deflagram uma mobilização social. Dessa forma,
32
desenvolve o conceito de comunidade, fundamentado na Sociologia,
como um elemento chave do entendimento de sua obra. Para ele, a comunidade se constitui pelo conjunto de públicos possíveis com objetivos em comum, definida pelos limites territoriais. No entanto, para se
mobilizar em torno de problemas e controvérsias são estabelecidos os
vínculos de sociabilidade , nos quais estão presentes o compartilhamento e a co-responsabilidade dos sujeitos envolvidos.
Henriques constrói seus conceitos fundamentando-se na Teoria
Crítica, além de estabelecer interfaces com a Psicologia Social e a
Sociologia. Seus aportes teóricos se encontram basicamente nos estudos dos sociólogos Herbert Blumer, Erving Goffman, John Dewey e outros estudiosos da Escola de Chicago.
3.8 – RUDIMAR BALDISSERA
O autor ressalta a necessidade de se considerar a produção e a
circulação de sentidos na Comunicação Organizacional, pois é mediante processos comunicacionais que a teia de significados é (re)tecida,
reconfigurando-se e construindo sentidos. Ao longo de sua trajetória,
apropria-se do paradigma da complexidade, de Edgar Morin, transpondo-o para os estudos da Comunicação Organizacional e, fundamentado
por ele, desenvolve os conceitos de complexidade da comunicação, o
que inclui os sujeitos em interação, a imagem/alteridade e os processos
identificatórios.
Em seus estudos mais recentes, conceitua o que denominou as
três dimensões da Comunicação: a) organização comunicada, que consiste na fala autorizada da organização ou a comunicação planejada e
“controlada”; b) organização comunicante, a fala autorizada e demais
processos comunicacionais que se atualizam sempre que alguém estabelece relação direta com a organização; e c) organização falada, que
consiste nos processos de comunicação que não se dão a partir de relações diretas com a organização, mas referem-se a ela, reforçando, com
isso, a ausência de controle e a complexidade dos processos de comunicação no contexto das organizações.
Trazendo aportes de Michael Foucault, Baldissera reforça o conceito de disputa de sentidos no processo de comunicação, compreendido como relacional e, por isso, imbricado por relações de disputas de
33
significação e de sentidos. Dessa percepção, decorre a compreensão de
que a comunicação qualifica-se como lugar de sujeitos-força em relações dialógico-recursivas, em consonância com o paradigma da complexidade. Ressalta, no entanto que, no contexto organizacional, as disputas de sentido não implicam em sobredeterminação de uma força à
outra, mas em diálogo que tensiona, em diferentes graus, os sujeitos que
interagem (BALDISSERA, 2008b).
Pode-se inferir, a partir da análise de suas publicações, que
Baldissera problematiza o conceito de comunicação organizacional,
evidenciando a perspectiva política do processo comunicativo, compreendido como uma disputa de forças e de sentidos. Reforça a complexidade da comunicação e indica que, para compreendê-la, é imprescindível considerar as incertezas da sociedade, os processos identificatórios
e a intersubjetividade que permeiam a dinâmica interativa no contexto
das organizações. Para o autor, as organizações que percebem a comunicação organizacional com base nos princípios do paradigma da complexidade tendem a se afastar da rigidez administrativa e produtiva,
com regras e hierarquias fixas, para serem inoculadas pelas ideias das
relações participativas.
4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A metapesquisa desenvolvida pelos alunos do Programa de Pósgraduação em Comunicação da PUC-Minas significou um movimento
teórico e de reflexões sobre a formação epistemológica da Comunicação
Organizacional, compreendendo-a como parte do campo da comunicação que trata especialmente das interações no ambiente organizacional
e nas relações da organização com a sociedade. A metapesquisa também propiciou oportunidade para se enxergar as conexões conceituais e
metodológicas entre os autores escolhidos, as interfaces estabelecidas,
assim como a percepção da riqueza das pesquisas desenvolvidas na última década, no Brasil.
Outra questão de relevância no processo investigativo foi o envolvimento dos alunos e o interesse em construir o pensamento científico
traçado pelo autor escolhido, a partir de sua produção. O material bibliográfico recolhido foi levado ao grupo, a fim de que todos pudessem
discutir as perspectivas teóricas de cada autor, buscando conexões en34
tre eles, e reconhecendo os movimentos de consolidação de um campo
de saber tão importante na sociedade contemporânea. A organização,
na atualidade, é um ator social em constantes relacionamentos com o
mundo econômico político, social e cultural e, por isso mesmo, espaço
de interações, que também tem sua lógica midiática.
REFERÊNCIAS
BALDISSERA, Rudimar. Significação e comunicação na construção da
imagem-conceito. In: Revista Fronteiras – estudos midiáticos; X(3):
193-200, set/dez 2008b.
BALDISSERA, Rudimar. A teoria da complexidade e novas perspectivas
para os estudos de comunicação organizacional. In: KUNSCH, Margarida
M. Frohling. (org.). Comunicação organizacional: históricos, fundamentos e processos, v.1. São Paulo, Saraiva, 2009a.
CURVELLO, João José Azevedo; SCROFERNEKER, Cleusa Maria Andrade
. A comunicação e as organizações como sistemas complexos: uma
análise a partir das perspectivas de Niklas Luhmann e Edgar Morin.
E-Compós (Brasília), v. 11, p. 1-16, 2008.
CURVELLO, J. J. A. A perspectiva sistêmico-comunicacional das organizações e sua importância para os estudos da comunicação organizacional. In: KUNSCH, Margarida Maria Krohling (Org.). Comunicação
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36
|2|
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL INTEGRADA:
UMA POLISSEMIA PROBLEMÁTICA NO CAMPO DA
INTERPRETAÇÃO FRANCESA
Alice Zozima Rego de Souza1
RESUMO:
Nosso estudo nos leva a um problema polissêmico
ainda não resolvido entre o Brasil e a França. Um impasse, foi criado ao pesquisar a identidade da Comunicação
Integrada na França para compará-la à esta trabalhada no
Brasil. A medida que entravamos na semântica do termo,
nos víamos a cada dia com novas nomenclaturas com sentidos as vezes impares e outras vezes distintos. O que nos leva
a apresentar este artigo e nos interrogarmos o que deverá
ser feito para chegarmos a um denominador comum. Se é
que isto é possível ou necessário!
Palavras-chave: Comunicação Organizacional;
Comunicação Integrada; Polissemia; MCI; IMC; COI;
França; Brasil
TEXTO:
« Um conceito de publicidade e marketing. A união entre a comunicação externa e interna. Apenas uma moda brasileira. » Estas foram algumas respostas que obtivemos de alguns professores franceses após questioná-los sobre o conceito e a prática da Comunicação Organizacional
Alice Zozima Rego de Souza é doutoranda em cotutela pela ECA/USP e a
Universidade de Toulon França / lab. I3M.
1
Integrada2, trabalhada no Brasil pela professora Margarida Kunsch, que
permite uma performance sinergética. “Quer dizer uma junção entre a
comunicação institucional, comunicação mercadológica, comunicação
interna e comunicação administrativa”. (KUNSCH, 2002, p. 150) Nosso
interesse busca distinguir as igualdades e as diferenças sobre o conceito
e a prática da Comunicação Integrada utilizada pelos franceses e essa
desenvolvida pelos brasileiros, seja ela, no campo da pesquisa ou profissional. Nosso questionamento foi realizado em 2013, de forma qualitativa, com alguns professores3 ‘chaves’ da disciplina da comunicação
organizacional na França.
Conhecida na França como MCI (Marketing Communication
Intégrée) e falada e trabalhada apenas como Comunicação Integrada,
vimos que após um período de analise etimológico, que existia uma polissemia4 entre os dois termos, mas que nada tinha a ver com este utilizado no Brasil. Descobrimos também, diversas dificuldades ao confrontarmos o trabalho realizado em Comunicação Integrada no Brasil e este
da França. Nossa problemática começaria por entender e como aceitar
conceitos e práticas de um outro país com a mesma nomenclatura.
Etimologicamente percebemos que existia uma diferença na interpretação nos dois países com a palavra ‘Integrada’. No Brasil esta
palavra quer dizer: Fazer parte de um todo. Na França a mesma palavra significa: adaptar. Nós constataremos que ‘fazer parte de um todo’
e se ‘adaptar’ não tem a mesma conotação. Entretanto, não podíamos
nos fechar no nosso ninho e dizer que o problema da interpretação vem
da tradução. Admitir esta simples tradução etimológica não quer dizer
nada de concreto, apenas nos ajuda a observar a diferença de pensamento entre os brasileiros e os franceses em uma simples palavra. Por
exemplo, essa da integração. Se a França, hoje interpreta a Comunicação
Integrada de forma divergente (essa do marketing) é porque os Estados
O conceito da Comunicação Organizacional Integrada foi abordado pela primeira vez em 1985 pela professora Dr. Margarida Kunsch.
2
Gino Gramaccia, Michel Durampart, Arlette Bouzon, Christian Le Moenne,
Pierre Delcambre, Jacques Bonnet …
3
É a propriedade de uma palavra ou locução que pode ter mais de uma significação.
4
38
Unidos foram os pioneiros na aplicação deste conceito no país. O que
tornou-se necessário para nós analisarmos a interpretação polissêmica
desse conceito pela comunidade científica e pelos profissionais da área
no Brasil e na França.
A POLISSEMIA NA INTERPRETAÇÃO, IDENTIDADE, TRADUÇÃO E SIGNIFICAÇÃO
ENTRE A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL INTEGRADA BRASILEIRA E A
COMUNICAÇÃO INTEGRADA FRANCESA
A origem da tradução do “Marketing Communication Intégrée”,
vem do termo americano “Integrated Marketing Communication
(IMC)”. Essa tradução vai nos ajudar a compreender o porquê da França
praticar e empregar esse conceito dentro de suas agências e em quaisquer universidades do país.
Tudo começou em 1989, nos Estados Unidos, quando o presidente da 4As - American Association of Advertising Agencies - (AAAA), Keith
Reinhart, contata o professor de Marketing e Jornalismo da Universidade
de l’Oklahoma, Don E. Schultz5, para desenvolver o primeiro programa de pesquisa sobre a ‘Integrated Marketing Communication – IMC 6’.
Uma ideia original apresentada pela primeira vez pelo publicitário Leo
Burnett durante uma conferência organizada por essa associação.
Don E. Schultz torna-se o pai e um dos primeiros dessa disciplina
e a formular a necessidade de integrar os diferentes componentes da
comunicação e do marketing. Em 1989, o programa de pesquisa é finanDon E. Schultz Don Schultz é professor emérito de Integrated Marketing Communication (IMC) na Escola Medill, da Universidade Northwestern. Ele também
é presidente da empresa de consultoria, Agora, Inc., com sede em Evanston, Illinois. Ele já escreveu vários livros, incluindo os Comunicação Integrada de Marketing, comunicando mundialmente sua marca estratégica a IMC. Schultz falou
e organizou inúmeros seminários sobre comunicação integrada de marketing,
marketing, publicidade, promoção de vendas, marcas e imagens de marcas, na
Europa, América do Sul, Ásia, Oriente Médio, Austrália e América do Norte. Ele é
o autor e co-autor de 18 livros, todos reconhecidos pelo mundo profissional.
5
Vamos continuar a descrever a forma original de Integrated Marketing Communication, Inglês, sem traduzir, ao longo deste trabalho, a fim de distinguir do
que é utilizado na França.
6
39
ciado pela 4As - l’American Association of Advertising Agencies (AAAA),
l’Association of National Advertisers (ANA) e l’American Advertising
Federation (AAF). Juntos eles criaram o programa universitário Medill
IMC, nos Estados Unidos. Os primeiros estudantes de Integrated
Marketing Communication foram diplomados pela Universidade de
Northwestern, em 1991. Ao mesmo tempo Schultz cria com sua equipe
um conceito inexistente dentro do setor de comunicação e do marketing. O novo paradigma do marketing leva o mesmo nome do programa de pesquisa: Integrated Marketing Communication’. Um ano depois,
Schultz e sua equipe publica o livro que se chamará: The New Marketing
Paradigm: Integrated Marketing Communication. Dentro dele, Schultz desenvolve um conceito unicamente ligado ao marketing7 e a publicidade8.
Conceito este, onde ele afirma a necessidade da integração entre os setores da comunicação (RH, marketing, endomarketing, administração...)
Em outras palavras, as mesmas noções que Margarida Kunsch havia já
citado para explicar a Comunicação Integrada dentro das Organizações.
Até o presente é complicado, tanto para os Estados Unidos como
para o Brasil, separar os conceitos teóricos de Integrated Marketing
Communication e este da Comunicação Integrada dentro das Organizações,
das práticas realizadas pelos chefes de empresas. Enquanto que a América
do Sul e do Norte tentam gerar suas “comunicações integradas” dentro
das organizações, das agências publicitárias e de marketing, a França, em
campo teórico, por enquanto não utiliza nem um nem outro conceito.
Tanto é que esta proposição de IMC dos Estados Unidos, como prática, só
chegará na França em meados dos anos 2004 dentro do livro de Jacques
Marketing é um nome Inglês utilizado em agências de publicidade, que significa um conjunto de métodos e técnicas de estratégia de negócios. Dirigida para
representar e vender uma marca.
7
A agência de publicidade é responsável pela concepção e execução de campanhas publicitárias, campanhas de marketing e outros serviços publicitários
destinadas a atrair e reter clientes, colocando cartazes móveis ou fixos, reestruturando a disposição e a manutenção de outdoors.
8
40
Lendrevie9 e Arnaud de Baynast10, Le Publicitor: Communication 360° on
line et off line, interpretado como a Communication Multicanale Intégrée
(Comunicação Muticanal Integrada).
Em 2006, a sucursal francesa Né Kid, da agência publicitária americana Naked11 implantada nos Estados Unidos, dirigida pelo publicitário
Eric de Rugy, passa a chamar esta prática de Marketing Communication
Intégrée (Marketing Comunicação Integrada), baseada na progressão da
comunicação planificada12 realizada pela sua filial.
Tanto como no Brasil e nos Estados Unidos, a França escolhe
sua versão de Comunicação Integrada, mas uma versão realizada apenas como uma prática. O conceito ficará sujeito a novas definições e
muitas interpretações por parte dos profissionais do setor de publicidade francês, direcionando a Comunicação Integrada apenas para o
Marketing, dando-lhes os nomes de Comunicação Multicanal Integrada,
Comunicação Global ou Comunicação 360°. A comunicação mais conhecida, antes da chegada da versão mais recente de Comunicação
Integrada usada por agências franco-americanas ficou sendo a Marketing
Communication Intégrée.
No entanto, podemos remarcar que essas diferentes interpretações nos levam a considerar uma série de barreiras construídas por esses profissionais e pelas diversas equipes de pesquisadores franceses,
tanto que a Comunicação Integrada é considerada como uma ‘moda’
projetada pelo marketing e não como um conceito para se estudar.
Para Christian Le Moënne esta situação há duas explicações: a primeira, faz referência a dificuldade e o acesso as fontes. E a segunda é devida a dificuldade de estruturação do campo científico da Comunicação
Organizacional. É verdade que esse problema é tido pela « fraqueza das
Jacques Lendrevie é professor honorário HEC, e fundador do Mestrado HEC/
Télécom Paris ‘Management et nouvelles technologies’.
9
Arnaud de Baynast é o fundador da agência Sales Story, diretor geral da Euro
RSCG worldwide, primeiro reseau de agências interativas.
10
Naked Communications agência publicitária de integração. Ela trabalha uma
nova disciplina em plena expansão, mais conhecida na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos com as siglas IMC (Integrated Marketing Communications).
11
12
Um conjunto de campanhas de mídia, comunicação e marketing.
41
problemáticas da análise das organizações e dos fenômenos de comunicação organizacional ». (MOËNNE, 1998, p. 10) Estas dificuldades são
encontradas também em outras disciplinas da Ciência de Informação
e Comunicação (SIC) como a : sociologia do trabalho, psicologia social,
etnologia, gestão e ciências políticas.
A Comunicação Integrada, como uma prática, assume um novo
perfil nas áreas de marketing e publicidade, na França, que até agora, como um conceito científico não tem nenhum valor simbólico no
mundo da pesquisa. E por quê? Entraremos nesse momento no nosso
conceito original de Comunicação Integrada, aplicado no Brasil desde 1985, pela equipe de pesquisa brasileira da Universidade de São
Paulo do setor de Relações Públicas e Comunicação Organizacional,
Margarida Maria Krohling Kunsch, Francisco Gaudêncio Torquato do
Rego e o Jornalista, Wilson Bueno.
A referência à Comunicação “Integrada” começa na França por
uma simples necessidade de economia. As agências de publicidade precisavam contratar profissionais multifuncionais. Por isso, a utilização
dos vários termos de comunicação global, multicanal e 360°. Por exemplo, a definição da Comunicação Global utilizada pela primeira vez por
Christian Regouby13, em 1988, permite a ele selecionar todos os possíveis canais de mídia que possam ser usados na estratégia da empresa.
Abordagem que visa quebrar a hierarquia no local, e estabelecer expressões de comunicação que seriam ‘mais nobres que outras’. Este conceito
parte de um princípio básico, esclarece: “Em uma empresa onde tudo
se comunica. Cada expressão de comunicação deve ser considerada
como um elemento vital da identidade e da personalidade da empresa.
“ (REGOUBY, 1988, p. 63)
Para Regouby, a Comunicação Global foi criada para dar uma
nova abordagem que visaria conceituar todas as potencialidades de
comunicação dentro de uma empresa, com suportes e objetivos bem
Christian Regouby, francês, criou e liderou 1984-2004 o Concept Consulting
Group, uma empresa especializada em comunicações globais, gestão de mudanças e situações sensíveis à comunicação, prevenção e gestão de crises. Hoje
é perito em gestão e comunicação de riscos e gestão de crises no Instituto de
Riscos e Crises (IGRC) da empresa que fundou e trabalha até hoje.
13
42
definidos. Em seguida, cada disciplina de comunicação deveria se
aprofundar, se necessário, para fazer a escolha certa com base na seleção mais adequada para o problema. Naquela descoberta, isso era
muito importante, pois “essas disciplinas evoluíram muito rapidamente e tornaram-se difíceis de entender e mais sofisticadas de manipular. Seja o design, promoção, marketing direto, comunicação interna,
relações públicas. Cada uma dessas áreas precisava ser implementada
de forma eficaz nos níveis de profissionalismo específico e altamente
especializado.” (REGOUBY, 1988, p. 65 et 67)
Um olhar mais atento nos revela fusões dentro do conceito da
Comunicação Global e da Comunicação Integrada de Margarida Kunsch
e esta de Don Schultz. Nós não podemos mostrar os resultados obtidos
por esta teoria, pois ela acabou sendo abandonada no meio do caminho, mesmo se o autor, Christian Regouby, recebeu o Prémio Europeu de
melhor livro de comunicação um ano após a publicação de sua obra: A
Comunicação Global. Como construir o capital-imagem da empresa.
Esta noção vê o fim de seus dias em 2004 com a chegada das
práticas chamadas de Marketing Direto Multicanal, Comunicação
Multicanal Integrado, Comunicação Marketing Integrado ou Marketing
Comunicação Integrada.
Estas nomenclaturas nos permitem repetir a proposição de Bruno
Latour14 ‘sempre falta algo para fechar essa caixa-preta15 de uma vez por
todas’. A conjuntura dos anos 80-90, vão causar uma revolução cultural
que será exercida dentro das empresas, pois se tornará urgente mudar
os métodos de trabalho utilizados por várias delas, principalmente estas
que recusam a inacessibilidade e deixam sempre uma distância entre o
empregador e o empregado e por sua vez o consumidor. Essa mudanBruno Latour é sociólogo, antropólogo e filósofo da ciência, ele é professor na
Sciences-Po em Paris, onde foi Diretor Científico. Sobre tudo pesquisador, ele
é bastante conhecido pelos seus trabalhos de pesquisa científica em torno da
construção social.
14
A expressão caixa-preta é usada por cibernética para descrever um dispositivo ou um conjunto de instruções de grande complexidade. Eles tiram dessa
pequena caixa o que eles mais precisam saber, principalmente o que entra e o
que sai como informação.
15
43
ça obriga as empresas a aplicarem uma nova filosofia a do ‘consumidor
cidadão’, isto é, garantir uma relação interativa e amigável claramente
identificável com diferentes públicos. Em grosso modo, será que para
nossa atual conjuntura é pedir muito?
Voltando as nossas nomenclaturas. “O Marketing Direto
Multicanal torna-se uma disciplina que reagrupa as técnicas de comunicação visando a reação da distância entre um indivíduo e/ou um grupo
de indivíduos previamente identificados, através de uma ação direcionada, viável e interativa”. (CLAEYSSEN; DEYDIER; RIQUET, 2006, p. 1)
Dentro do seu livro Le Marketing direct Multicanal. Prospection,
fidélisation et reconquête du client, Yan Claeyssen16 e sua equipe, estimulam que para evitar erros estratégicos, uma Comunicação Marketing
Integrada vai se impor. “Temos que evitar uma cacofonia de mensagens.
Isso requer frequentes comunicações interpessoais e uma qualidade entre as equipes de comunicação/marketing, seja interna ou externa da
empresa. [...] Uma atenção muito importante é essa visada para os clientes e/ou consumidores, o que eles querem ouvir e ver, em qual momento, quando, onde, e não apenas em qualquer tipo de mídia. Este é um
passo importante que dará seguimento as comunicações integradas.”
(CLAEYSSEN; DEYDIER; RIQUET, 2006, p. 8)
Esta Communication Multicanal Intégrée, vai ganhar um “e”, na
palavra francesa, no final de “multicanale” e será usada pela equipe
de publicidade Jacques Lendrevie e Arnaud de Baynast, como um recurso a múltiplos canais de comunicação. Em seu livro ‘Publicitor :
Communication 360° on line off line, la Communication Multicanale
Intégrée’, a Comunicação Multicanal Integrada, significa “a utilização
seletiva, conjunta e complementar de múltiplos canais de comunicação
tentando utilizar uma mesma mensagem com a máximo de eficiência”.
(LENDREVIE; BAYNAST; EMPRIN, 2008, p. 540)
Esta nova interpretação nos leva também a outras e outras novas
nomenclaturas, uma polissemia que não tem mais fim. Vimos com isso
que existe em tudo isso um único intuito: o de chegar a soberania de
uma comunicação total, global e integrada, para melhor vender, comu-
Yan Claeyssen é especialista em marketing direto multicanal, presidente da
agência ETO e vice-presidente da l’AACC.
16
44
nicar e ganhar. O que muda agora é apenas a coerência entre as mensagens veiculadas para os diferentes emitentes, que agora não serão mais
percebidos como um joguete. Até então: “Nós ainda não falamos em
Comunicação Integrada, mas nós já fazíamos sem saber, nós nos virávamos com os meios que podíamos, fazendo uma espécie de integração
que chamamos de ‘cosmética’, difundido palavras de ordem para que
todos os comunicadores, dentro de uma empresa, tenham um discurso
coerente”. (LENDREVIE; BAYNAST; EMPRIN, 2008, p. 540)
Jacques Lendrevie explica também que a Comunicação
Integrada revela um método que se destaca muito no meio publicitário, e que por isso funciona, pois é sempre necessário ter competências
multidisciplinares e responsáveis, evitando conceitos já formados. Hoje
« não é suficiente reunir vários experts em torno de um projeto para ter
essa visão multidisciplinar, como também não é suficiente ter um bom
pedreiro, encanador, eletricista, etc., para construir uma casa que fique
em pé. É preciso um arquiteto, um mestre de obras que sigam o projeto
de A à Z. [Então para nós resta perguntar] onde estão os arquitetos do
programa de Comunicação Integrada? Quem faz o papel do mestre de
obras? » (LENDREVIE; BAYNAST; EMPRIN, 2008, p. 552)
Se há uma polissemia no conceito da Comunicação Integrada,
que seja ela multicanal (e), global, total, de marketing ou outra, nossa
questão é como sair desse impasse? O que temos que relevar são as dificuldades e a resistência de mudanças no homem e dentro das organizações. Philippe Gaumont, o presidente da FCB (Foot Cone and Belding)17
França, disse numa entrevista à CB News, que: “A Comunicação Integrada
é como a Santa-Virgem. Nós rezamos muito por ela, mais não a vemos.”
(Gaumond, CB News, n° 785, avril 2004, par LENDREVIE; BAYNAST;
EMPRIN, 2008, p. 593)
Fundada em Chicago em 1873, FCB foi a terceira mais antiga agência de publicidade do mundo. A agência foi chamada Lord & Thomas, até 1942, quando
Albert Lasker, um dos fundadores da moderna publicidade, entrega a empresa
para seus três líderes, Emerson Foote, em Nova York, Fairfax Cone, em Chicago
e Don Belding, na Califórnia. Em 2000, o FCB realizou um volume de negócios
de US $ 9,5 bilhões, com mais de 190 escritórios em mais de 102 países.
17
45
Mas essa resistência já tinha sido invocada desde de 1994 por
Don E. Schultz : “o único obstáculo que detém o desenvolvimento
da comunicação integrada é simplesmente a resistência a mudança
dentro das organizações”. (Don E. Shultz, The new marketing paradigm. Integrated marketing communications, 1994, par LENDREVIE;
BAYNAST; EMPRIN, 2008, p. 594)
Isso quer dizer que para mudar é necessário: recomeçar, reaprender, modificar, transformar e se tornar diferente, mas essa parte ficará
para um outro estudo, talvez em ciências da etimologia ou da psicologia
humana. Em todo caso, raras são as pessoas que têm o senso e o desejo
de mudança. Tanto é que nenhuma mudança é feita ou deveria ser feita
de uma hora para outra. Para transformar uma pessoa, uma sociedade,
ou uma organização tem que se ter tempo e sobretudo ter o acordo das
partes interessadas, para poder se chegar a um equilíbrio.
Esse equilíbrio que semanticamente ainda não existe dentro
da Comunicação Organizacional Integrada entre os dois países, não
está perto de chegar ao fim. Essa polissemia está longe de se tornar
uma referência única como explica a professora Nicole d’Almeida no
seu artigo ‘Un syntagme en discussion’. Quando se refere a uma estabilidade semântica da Comunicação Organizacional (global, integrada, total, etc), dizendo que nada mais é que uma multiplicação
do termo, hoje extinto na França, das Relações Públicas. Após vários
termos já explicados acima ela comenta a forma trabalhada no Brasil
dizendo que a professora Margarida Kunsch trabalha “a comunicação
integrada como um agrupamento entre comunicação institucional, a
comunicação de mercado, comunicação interna e administrativa [...]
convidando todos a um pensamento dinâmico das componentes”.
(D’ALMEIDA; CARAYOL, 2014, p. 2).
Todas essas dificuldades de nomenclatura escondem apenas um
problema muito maior: o da falta de comunicação. Pois, a comunicação ela só, já existe diversas nomenclaturas e ele por si só é polissêmica. Pouco importa o que foi criado e o que virá a ser praticado, chamado e trabalhado por futuros profissionais, pois em definitivo o que
temos até o momento é uma enorme “caixa preta” cheia de mistérios e
ainda aberta a procura de um conceito universal para enfim fechá-la.
46
REFERÊNCIAS:
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2006.
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Rennes: PU Rennes, 1998.
REGOUBY, C. La communication globale : comment construire le
capital image de l’entreprise. Paris: Ed. d’Organisation, 1988.
47
|3|
DAS FILIGRANAS DA TRANSVERSALIDADE À
CONSTITUIÇÃO DE UMA EPISTEME DA COMUNICAÇÃO
ORGANIZACIONAL
Talles Rangel Rodrigues1
RESUMO
Circunscrito no entremeio dos estudos de
Comunicação Organizacional e nas reflexões sobre epistemologia clássica e contemporânea, esta investigação
analisa a produção de um conjunto de trabalhos publicados nos anais dos congressos da Associação Brasileira
de Pesquisadores em Comunicação Organizacional e
Relações Públicas, no período entre 2007 e 2012. Entende,
como pressuposto geral, que constituição de uma episteme da Comunicação Organizacional deve ser edificada
a partir da interface com as Relações Públicas, visando
a consolidação de três importantes sustentáculos que
giram em torno da revolução tecnológica que desloca a
centralidade do emissor, da compreensão dos públicos
em suas acepções mais plurais, bem como o fenômeno da
globalização que altera as relações em âmbito intrínseco
e extrínseco à organização.
Palavras-chave: Comunicação Organizacional;
Epistemologia; Episteme da Comunicação Organizacional.
Mestrando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo
(USP). Especialista em Comunicação Organizacional pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Comunicação
Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
1
INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta, de maneira sucinta, os resultados de uma
pesquisa desenvolvida no âmbito do programa de pós-graduação latu
sensu em Gestão Estratégica de Comunicação Organizacional e Relações
Públicas, da Escola de Comunicações e artes da Universidade de São
Paulo. A título de hipótese geral, entende-se que uma possibilidade de
edificação de uma epistemologia da comunicação organizacional poderia se emanar por meio da interface da Comunicação Organizacional
com as Relações Públicas em que se tomasse como pilares epistêmicos
a revolução tecnológica que tirou a centralidade das organizações como
emissoras no modelo canônico de comunicação, o profundo entendimento da pluralidade dos públicos que compõem as organizações, bem como
os impactos provocados pelo fenômeno da globalização que alterou as
dinâmicas culturais em contexto intrínseco e extrínseco às organizações.
Nesse contexto, o objetivo geral da investigação buscou compreender a constituição do campo científico da comunicação organizacional e suas relações com os públicos estratégicos, com a nova dimensão
tecnológica que alterou o modelo canônico de comunicação e também
entender as novas dinâmicas provocadas pelos impactos da globalização. Como objetivo específico, o trabalho procurou entender como a
transversalidade epistemológica atua na constituição do campo científico da Comunicação Organizacional.
ENTRE A TEORIA DO CONHECIMENTO E A EPISTEMOLOGIA
Em sentido latu compreende-se a epistemologia como uma ramificação da teoria do conhecimento em que se busca questionar a natura do conhecimento, as origens, bem como sua validação. Ancorado no
viés conceitual, Abbagnano (2007, p. 205) entende, em sentido lato, que
o conhecimento é:
uma técnica para aferição de um objeto qualquer, ou a disponibilidade ou posse de uma técnica semelhante. Por técnica de aferição deve-se entender qualquer procedimento
que possibilite a descrição, o cálculo ou a previsão verificável de um objeto; e por objeto deve-se entender qualquer
entidade fato, coisa, realidade e propriedade.
49
Nessa perspectiva, a relação entre o Homem e o conhecimento, os
tipos e taxonomias de conhecimentos, a maneira como se ele se origina
e as formas como se edifica, os modos como é difundido são algumas
das questões da qual se ocupa a Teoria do Conhecimento. Nesse raciocínio, Lacerda (2012) acrescenta que a Teoria do Conhecimento traz em
sua gênese três vieses fundamentais. O primeiro diz respeito às fontes e
a procedência de onde é tecido o conhecimento, que pode advir dos processos de linguagem, pela observação, pelas práticas cotidianas, bem
como de sensações e por ideias. O segundo viés questiona a possibilidade de realmente conhecer e decodificar a realidade e assevera sobre as
respostas provenientes das descobertas. Desta forma, a autora entende
que as respostas podem ser de natureza “positiva ou dogmática, como
negativa ou cética, tanto realista como idealista, tanto racionalista
como empirista” (LACERDA, 2012, p. 11).
Já a terceira corrente pela qual caminha a Teoria do Conhecimento
assevera sobre a validade ou refutação do conhecimento. Questiona se
com determinado tipo de conhecimento é possível se chegar à “verdade”
e, nesse contexto, qual pode ser a colocação da “subjetividade e se é possível atingir a objetividade. Enfim, como se conhece, o que se conhece
e quais são os critérios para se avaliar se o resultado é justificável e/ou
confiável” (LACERDA, 2012, p. 12).
Se, como vimos, Lacerda (2012) lanças três grandes bases que
conduzem a Teoria do Conhecimento, Abbagnano (2007) a entende por
meio de dois grandes pressupostos. De acordo com o autor:
o problema que constitui tema específico da Teoria do Conhecimento é o da realidade das coisas ou em geral o mundo externo. A teoria do C. baseia-se em dois pressupostos
1- o Conhecimento é uma “categoria” do espírito, uma “forma” da atividade humana ou do sujeito que pode ser indagada de modo universal e abstrato, ou seja, prescindindo-se
dos procedimentos cognitivos particulares de que o homem
dispõe fora e dentro da ciência. 2- Num sentido cartesiano,
é a ideia ou representação; e a ideia é uma entidade mental
existente apenas dentro do sujeito que pensa (ABBAGNANO, 2007, p. 213-214).
50
Dentre as acepções da Teoria do Conhecimento dadas tanto por
Lacerda (2012) como por Abbagnano (2007), chama-nos a atenção questão da validação, dos modos de verificação, os critérios que tornam uma
ideia, uma hipótese em conhecimento. Nesse raciocínio, pensar a edificação do conhecimento passa necessariamente pela questão do método. Outrora, motivado pelas inspirações positivistas, o método converteu-se em uma questão basilar que, ao lado do objeto, delineavam
as formas e fronteiras de disciplinas clássicas como a Física, Psicologia,
Linguística. (cf. BRAGA, 2010).
Ao problematizar a questão do método no desenvolvimento do
conhecimento chega-se à Epistemologia que, de acordo com Gomes
(2003, p. 313), “é uma parte da teoria do conhecimento que se dedica
às questões relacionadas à natureza, aos fundamentos, aos limites e às
condições de validade do conhecimento”. A nosso ver, essa rasa e embaçada conceituação merece algumas ressalvas. Como já delineamos anteriormente, a questão da natureza e das condições de produção dentre
outras já convergem o ramo de abordagem da teoria do conhecimento.
É verdade que o Dicionário de Filosofia, de Abbagnano (2007), traz com
ares sinonímicos os verbetes Teoria do Conhecimento e Epistemologia.
Entretanto, a abordagem do filósofo italiano envereda-se pelo caminho
da semântica que esses termos correspondem em línguas latinas e anglo-saxônicas, caminho que aqui não percorreremos.
Na contramão de Gomes (2003) convergimos apenas na aceitação
de que a Epistemologia é uma ramificação da Teoria do Conhecimento e
encontramos endosso teórico no pensamento de Lacerda (2012) que assevera que a Epistemologia assumiu o status de uma disciplina independente na alvorada do século XIX. Nesse contexto, entende a autora que:
A problemática específica da Epistemologia cobre, atualmente, um campo de estudo próprio. Nele se indaga certos tipos
de saber, especialmente o saber científico, sua relação com
outros tipos de saber e formas de conhecimento, os critérios
pelos quais operam as diversas ciências, quais são as modificações culturais e institucionais que estatuem e que muitas
vezes alteram o modo como a sociedade valida e usa esses
tipos de saber. (LACERDA, 2012, p. 13).
51
A questão do método é um ponto fulcral na edificação do conhecimento científico. Essa afirmação provocativa e axiomática nada
mais alinhava um inventário do que já foi versado pelos epistemólogos
no transcorrer dos tempos. O que nos parece maior emergência aqui é
discutir, ainda que de modo breve, a questão histórica do método para
então refletir seu papel na constituição do conhecimento. Isto porque,
na história das ciências, ao revisitar o paradigma positivista, aclarado
por Auguste Comte, viu-se que para tal para pressuposto paradigmático,
as ciências se formavam a partir da clara articulação entre o objeto e o
método. (c. f. BRAGA, 2010). Sem negar as benesses do paradigma positivista ao desenvolvimento da ciência, enveredamos por concepções
distintas às de que as disciplinas se formam pelo tensionamento entre o
método e o objeto.
REFLEXÕES INICIAIS SOBRE O CAMPO CIENTÍFICO E A CONSTITUIÇÃO DOS
ESTUDOS DA COMUNICAÇÃO
Nas diversas escolas que se dedicaram a estudar, de alguma forma, o fenômeno da comunicação desde a herança frankfurtiana passando pela corrente funcionalista norte-americana até os estudos culturais
ingleses e, posteriormente, a escola latino-americana percebe-se as
reverberações dos postulados de Bourdieu (1982) sobre a dominação e
as lutas dentro de determinado campo científico. Se, durante décadas,
houve um debate pungente entre as concepções frankfurtianas em contraposição às ideias funcionalistas, bem como os novos olhares e abordagens da vertente culturalista são traços que, em sentido latu, convergem para a identificação de um campo científico mesmo que este, ainda
em formação, apresente-se fora dos moldes canônicos. Dessa forma,
aceitar a Comunicação como campo científico independente requer a
mudança de olhar sobre os critérios que determinada disciplina como
independente. Logo, vemos na transversalidade, a partir das reflexões
alinhavadas por Braga (2010), um caminho possível para a consolidação
do campo científico da Comunicação.
O entendimento de transversalidade epistemológica para a
constituição da área de comunicação caminha junto ao lado de dois
importantes conceitos que Braga (2010) denomina de enfrentamento e
dispersão. Para o autor, na história das ciências humanas e sociais o mo52
vimento interdisciplinar “permite a colaboração entre visadas diferentes, apanhando aspectos de situações complexas que cada disciplina,
isolada não apanharia” (BRAGA, 2010, p. 20).Entretanto, no transcorrer
das ciências humanas e sociais é percebido um tensionamento que se
esbarra em uma dicotomia: disciplina ou campo de estudo. Nesse eixo,
a disciplina seria a formalização e independência de determinada área
do conhecimento. Já um mero campo de estudos mostraria a existência sim de uma área, mas ainda com dependência teórico-metodológica
importados de outras frentes de estudos. É verdade que várias disciplinas modernas emergiram a partir das zonas de encontros entre disciplinas clássicas já desenvolvidas como a Bioquímica, Psicossociologia etc.
Nesses casos, valendo-se da interdisciplinaridade, essas novas disciplinas trabalharam a organização da dispersão, ou seja, o reconhecimento
dos aspectos teórico-metodológicos imanentes à nova disciplina bem
como as contribuições importadas de áreas vizinhas. (cf. BRAGA, 2010).
Nesse percurso, o autor problematiza a Comunicação. Organizar
a dispersão não se resume a um inventário taxionômico do que foi
desenvolvido pela Comunicação em relação às contribuições buscadas nas zonas de fronteiras com outras áreas do conhecimento. De
modo canônico, as disciplinas clássicas como a História, Sociologia,
Psicologia, dentre outras, se edificaram a partir de uma lógica positivista em que delineava assertivamente a articulação do método com o
objeto. Nesse eixo:
Seria difícil assegurar, hoje, que o que garante seu estatuto
como disciplina de conhecimento seja a definição positivista.
Mesmo esse tendo sido o critério epistemológico, em sua origem histórica, para o reconhecimento de das cartas de nobreza acadêmicas, é preciso concordar que as extensões, sobreposições, compartilhamentos, tensionamentos com outras
disciplinas, assim como as disputas internas, tornam difícil,
senão impossível, explicitar com clareza original e o consenso generalizado a chave dupla de objeto e método, para além
da referência histórica aos começos. (BRAGA, 2010, p. 24).
A partir dessas reflexões cabe-nos a pergunta: quais os critérios
e sustentações epistemológicas confeririam à Comunicação o status de
uma disciplina? Braga propõe um caminho a partir de três eixos de refle53
xões. O primeiro assevera que os critérios positivistas não mais podem
ser o ponto de clivagem para assunção de uma disciplina. Em seguida,
reconhecer que “as metáforas ‘territoriais’, antes facilitadas pela exclusividade objetal e pelos mapas de percurso preferencial propiciados pelo
método apriorístico, são crescentemente ineficazes [...] para produzir
conhecimento”. (BRAGA, 2010, p. 25).
Questionar, na atual conjuntura das ciências, e dos novos campos de investigação, quais critérios dão lastro aos novos conhecimentos produzidos frente a novos fenômenos vividos e apreendidos na
sociedade nos serve de ponte para problematizarmos a Comunicação
Organizacional que podemos situar na confluência dos estudos de comunicação e da teoria das organizações. Nessa linha de pensamento
acreditamos que uma vereda possível para se pensar a constituição de
uma episteme da Comunicação Organizacional seja por meio da interface entre as Relações Públicas e a Comunicação Organizacional.
Por interface recorremos ao termo que surge originalmente no
âmbito das Ciências Geológicas, Física e da Química e, posteriormente, foi incorporado aos estudos da computação a partir dos anos 1980.
Às ciências da natureza, a interface versa sobre determinada superfície que toma contato e permite trocas. Isso pode ser evidenciado,
por exemplo, na zona de intersecção imiscível entre a superfície do
óleo em contato com a superfície da água. Para além dos significados
que a interface contribui para as ciências naturais, importa-nos sua
pertinência para a área de Comunicação. Nesse eixo, a interface pode
ser pensada “como o espaço de interação entre duas (ou mais) coisas
de natureza heterogênea ou funcionalmente diferentes”. (c.f. PEREIRA,
2009, p. 121). Essa conceituação de Pereira nos abre a vereda para tensionarmos os campos de estudos da Comunicação e das Organizações
para, então, nos aproximarmos do tema central de nossa investigação
que se edifica a partir da Comunicação Organizacional, bem como as
complexidades que as envolve. Nesse contexto, o foco central da pesquisa objetiva uma reflexão sobre a episteme que forma, ou pode que
se formar, nessa zona de intersecção que se une pela interface e, a nosso ver, se torna crível pela transversalidade.
Ao articular a transversalidade com o campo científico da
Comunicação Organizacional é pertinente, a nosso ver, considerar três
54
grandes pilares apreendidos no campo científico em discussão. O primeiro versa sobre o impacto do desenvolvimento tecnológico. Nesse
sentido, Curvello (2001. P. 77) expõe a complexidade que a comunicação
organizacional assumiu com os novos regimes de visibilidade das organizações e nos explica que tanto no âmbito profissional como no universo acadêmico viu-se “as passagens da era da dominação do emissor para
a era na qual o emissor tem seu papel questionado e para a fase em que
o destinatário destrona definitivamente o emissor, até chegarmos à era
tecnológica que destrona os dois”. Se o aprimoramento do advento tecnológico ressignifica os papéis do emissor e receptor - antes enredados
ao modelo canônico de comunicação, preconizado por Harold Lasswell,
onde a instância emissora e instância receptora encontravam-se em extremidades opostas separadas pela verticalidade do modelo. O impacto
tecnológico ao qual se aponta Curvello (2001) reconfigura as relações de
emissor e receptor, colocando-os agora em uma proposta horizontal de
comunicação, que por meio da interatividade, a nosso ver, aproxima-se
da complexidade teorizada por Morin (2012) quando o sociólogo francês argumenta ser problemático conhecer um elemento sem conhecer o
todo, assim como é improvável tomar ciência do todo sem conhecer os
elementos que o integra.
caráter horizontal das relações entre emissor e receptor nos
conduz a uma reflexão sobre os relacionamentos com públicos, especialmente a ressignificação e, não obstante, a reinvenção dos relacionamentos com vistas ao estabelecimento de uma relação de simetria e dualidade. Nesse caminho, parece-nos pertinente a concepção edificante
dos públicos desenvolvida por Fábio França em seu estudo doutoral que
reúne os públicos em três grandes categorias: Essenciais, Não Essenciais
e as de Interferência. Esse quadro traçado por França (2009) nos conduz à uma consonância com os pressupostos teóricos desenvolvidos por
Porto Simões (1995). Sua composição teórica permeia dois pontos basilares: a micropolítica e a administração de conflitos. Esses dois pontos
pelos quais partem o postulado teórico de Porto Simões, a nosso ver, se
articulam com a taxonomia de públicos de Fábio França (2009) na medida em que só uma compreensão da complexa tessitura que compõe
a pluralidade dos públicos estratégicos das organizações pode auxiliar
na administração de conflitos. Essas dimensões, não raro, permeiam a
micropolítica inerente às corporações.
55
Nas veredas da revolução tecnológica, da reorganização dos públicos, com vistas à constituição de relacionamentos simétricos de duas
mão, vemos pertinência ainda no terceiro pilar epistemológico que congrega nossa linha de pensamento. Se a pluralidade dos públicos já se
torna ponto fulcral na reflexão epistemológica da comunicação organizacional, o fenômeno da globalização torna esse pilar epistemológico
ainda mais complexo. Desta forma, não é a globaliza em si que se converte em premissa epistemológica para a comunicação organizacional,
mas sim algumas reconfiguração que estão enredadas a ela e abraçam
de modo visceral as organizações e os públicos ao redor dela.
Nesse sentido, cenário globalizado ao mostra-se em deslocamento, apresenta tensionamentos entre o global e o local, integra em um
mesmo local cultura e identidades diferentes. Como as organizações
tem visto esse fenômeno? Ao “encurtar” distâncias e abreviar o tempo, as organizações deixam de ser lugar e passam a ser espaço? De que
forma o multiculturalismo impacta na comunicação nas/das organizações? Esses questionamentos conduzem-nos às reflexões de Ferrari
(2009) acerca da interculturalidade no âmbito das organizações. Nesse
caminho, é pertinente dedicar especial atenção ao fato de que nenhuma
organização é um inventário cerrado em si mesmo. Logo, mesmo em um
cenário globalizado, não se pode vilipendias as peculiaridades culturais,
linguísticas, perceptivas, sensórias de determinada comunidade que
compõe uma corporação. Nesse contexto, é importante ainda refletir
sobre todas essas dimensões que passam por processos de hibridização
a partir do fenômeno da globalização.
A partir dessas premissas levantadas, vemos uma possibilidade
de consonância com a reflexão de Ferrari (2009, p. 140) que entende que:
A instabilidade e imprevisibilidade do presente contexto têm
mostrado que o pensamento linear que impera nas empresas
não tem mais lugar no novo cenário organizacional. Futuro
passa a ser visto como o resultado de processos emergentes,
de situações desconhecidas que dependem de múltiplas variáveis. Dessa forma, diante da dificuldade de se preverem
certezas, vivemos em um espaço de incertezas, qual exige a
adoção de um pensamento estratégico, em substituição ao
linear, por todos aqueles que querem sobreviver.
56
A partir das reflexões alinhavadas, nosso trabalho entende que a
transversalidade para a constituição de uma episteme da Comunicação
Organizacional precisa interfacear-se com as Relações Públicas na articulação do novo cenário em que concebe a horizontalidade entre emissor e receptor, o entendimento da pluralidade dos públicos, bem como
da ressignificações da relações e dos relacionamento a partir do fenômeno da globalização.
DA CONSTITUIÇÃO À OBSERVAÇÃO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO
A partir de uma triagem feita nos anais dos congressos da
Abrapcorp entre os anos de 2007 a 2012 detivemo-nos nas pesquisa que
abordavam o estatuto teórico-metodológico da comunicação organizacional. Focamos nossa escolha nos GTs2 cujo tema privilegiava a acolhida de trabalhos teóricos, com vistas à discussões de cunho epistemológico. Nesse percurso selecionamos cinco artigos que pertencem a
diferentes pesquisadores com titularidades de diversos níveis. Do congresso de 2007, selecionamos os trabalhos de Camila Krohling Colnago
e Ivone de Lourdes Oliveira, denominados “Os Novos enfoques da comunicação organizacional no ambiente complexo” e “Estrutura e funções
da Comunicação nas organizações: articulação entre conceito e operacionalização”, respectivamente. De 2008, escolhemos o artigo de Fábia
Pereira Lima intitulado “As contribuições do paradigma relacional para
o estudo da comunicação no contexto organizacional”. Em 2010, elegemos a pesquisa “O processo social de midiatização: efeitos para a comunicação no contexto organizacional” das pesquisadoras Adelina Martins
de La Fuente e Carine Fonseca Caetano de Paula. Já em 2012, o artigo
escolhido foi “Os grupos de pesquisa em Comunicação Organizacional
no Brasil: Perfil, indicadores, de produção e o protagonismo dos líderes”
de Wilson da Costa Bueno.
Desde o primeiro Congresso da Abrapcorp é possível notar que no transcorrer dos anos a nomenclatura dos Grupos de Trabalho sofreram algumas alterações. No entanto, uma leitura atenta das propostas de cada Grupo mostra que
os temas que versam sobre a pesquisa e metodologia sempre estiveram presentes.
2
57
Conforme debatemos no início deste trabalho, os critérios positivistas que foram cruciais para a edificação das disciplinas clássicas
não mais serviam para a problematização de um campo científico como
o da Comunicação. Nesse sentido, se os velhos pressupostos positivistas
ruíram concomitantemente a seu paradigma qual(is) o(s) critério(s) servem à complexidade da Comunicação? Em clareza a essa aporia é que
nos valemos do modelo propositivo de Braga (2010) que se emana por
meio de sete matrizes para analisarmos nosso corpus de pesquisa.
Nesse eixo, a primeira matriz versa sobre os entendimentos básicos de uma conceituação de comunicação organizacional vistos em
nosso corpus de análise. A segunda matriz vai deter-se sobre o estudo
do contexto, ou seja, o fenômeno da comunicação nas/das organizações
será observado considerando seu contexto espacial/temporal/paradigmático. A terceira categoria analítica, a partir do conhecimento já agregado da primeira categoria, desentranha perspectivas que constituem a
comunicação organizacional, levando em consideração o estreitamento com outras disciplinas das ciências humanas e sociais aplicadas. A
quarta categoria reflete sobre a inversão programática, ou seja, “uma
inversão entre o que é considerado essencial e o secundário na ótica das
disciplinas vizinhas” (BRAGA 2010, p. 32). A partir da inversão dos critérios vistos nas disciplinas vizinhas, a quinta categoria deve propõe novas
perguntas e questionamentos gerados pelo referencial teórico adotado
na primeira fase da pesquisa. A sexta categoria gera novas hipóteses de
cunho heurístico e não explicativo. Por fim, a sétima categoria tensiona
internamente os ângulos de dispersão das perguntas, questionamentos,
hipótese e proposições heurísticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do mesmo modo em que um paradigma se situa em um tempo e
espaço socialmente constituído, este trabalho não pode ser desvinculado de sua temporalidade. As reflexões aqui alinhavadas nos apontam a
transversalidade como um caminho possível para semear um caminho
epistêmico para a Comunicação Organizacional. Ao revisar a proposta
original desenvolvida no anteprojeto deste estudo me surpreendi com a
visão todavia incipiente do pressuposto da transversalidade epistemológica. Pensar um fenômeno, observar uma realidade ou debruçar-se
58
sobre um corpus sob a ótica transversal implica um olhar para o socialmente constituído. Nesse sentido, a carga semântica da transversalidade só se sustenta pelos pilares das articulações. Logo, olhar pelo caleidoscópio da transversalidade nos convida a ver, em suas idiossincrasias,
as filigranas que ora escapam às linearidades e desvelam a complexa
urdidura das relações incrustadas nas organizações.
Percorrer os signos que irmanam das organizações em relação a
seus públicos e também o caminho inverso, tendo em mente a ductilidade do modelo tradicional de comunicação, nos mostra com um pouco
mais de clareza a vereda antes aporética. Trilhar as veredas abertas pela
transversalidade nos mostrou pontos de incompletude os quais solapam os relacionamentos das organizações com seus públicos, mas ao
mesmo tempo desafia e instiga a Comunicação Organizacional a observar com maior alteridade as aporias que ora obstruem as veredas dos
relacionamentos simétricos.
Conforme foi testemunhado pelas páginas que nos conduziram
até aqui, a comunicação é o fio condutor da tessitura social que envolve
o conhecimento, os relacionamentos, o ruído, a dissonância, e é também dispositivo que ajuda a ossificar a simetria nas relações entre os
públicos e a organização. Também ressalta-se o papel da comunicação
na compreensão da complexa realidade nas organizações a partir do fenômeno da globalização que passou a demandar não apenas projetos
de comunicação, mas também políticas de comunicação nas relações
interculturais aproximadas “desterritorialização” do globo e pelos novos
relacionamentos que perpassam a cultura nacional.
Inicialmente, buscávamos entender como se configurava o campo científico da Comunicação Organizacional e como o pressuposto da
transversalidade poderia implicar na constituição de sua episteme. Nesse
sentido, vimos que o trabalho de Relações Públicas deve ser colocado
em interface com o desenvolvimento da Comunicação Organizacional
e, de pronto, deve considerar o novo modelo de comunicação horizontal
em que a organização além de emissora passa também a ser receptora e
o receptor atinge a categoria de emissor. Nesse sentido, essa nova conjuntura implica um profundo conhecimento dos públicos que precisam
ser tratados em suas especificidades e idiossincrasias. Essas premissas,
conforme mostraram as reflexões teóricas e a análise de nosso corpus
59
demonstram, a nosso ver, que o processo de transversalidade começa
a ser visto com mais clareza dentro do campo científico e acena um caminho com maior segurança para a consolidação dos relacionamentos
simétricos em que o escopo da organização, além do retorno financeiro,
passe também a ser e responsabilidade com a constituição espaço/temporal/social em que a organização está circunscrita.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 5 ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BOURDIEU, Pierre. O Campo Científico. In: ORTIZ, Renato. Bourdieu:
sociologia. São Paulo: Ática, 1982.
BRAGA, José Luiz. Disciplina ou Campo? O desafio da consolidação dos
estudos em Comunicação. In: FERREIRA, Jairo Getúlio (Org.). Estudos
de Comunicação: transversalidades epistemológicas. São Leopoldo:
Ed. UNISINOS, 2010.
CURVELLO, João José Azevedo. Autopoiese, Sistema e Identidade: a
comunicação organizacional e a construção de sentido em um ambiente
de flexibilização nas relações de trabalho. São Paulo, 2001, 162 p. Tese
(Doutorado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São
Paulo.
GOMES, Wilson. O Estranho Caso de Certos Discursos Epistemológicos
que Visitam a Área de Comunicação. In: LOPES, Maria Immacolata
Vassallo de. Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Edições
Loyola, 2003.
GRUNIG, James; FERRARI, Maria Aparecida; FRANÇA, Fábio. Relações
Públicas: teoria, contexto e relacionamentos. 2 ed. São Caetano do Sul:
Difusão Editora, 2011.
LACERDA, Inês. Curso de Teoria do Conhecimento e Epistemologia.
Barueri: Minha Editora, 2012.
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem Feita: repensar a reforma, reformar o
pensamento. 20 ed. Trad. Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2012.
PEREIRA, José Haroldo. Curso Básico de Teoria da Comunicação. 5
ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2009.
60
SIMÕES, Roberto Porto. Relações Públicas: função política. 7 ed. São
Paulo: Summus, 1995.
REFERÊNCIAS DOS ARTIGOS DA ABRAPCORP
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Organizacional no Brasil: Perfil, indicadores, de produção e o
protagonismo dos líderes. VI Congresso Brasileiro Científico de
Comunicação Organizacional e Relações Públicas. 2012. São Luís.
V. 1.
COLNAGO, Camila Krohling. Os Novos enfoques da comunicação organizacional no ambiente complexo. I Congresso Brasileiro Científico
de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas. São Paulo, SP:
ECA/USP, 2007. v. 1.
LA FUENTE, Adelina Martins; PAULA, Carine Fonseca Caetano de.
O processo social de midiatização: efeitos para a comunicação
no contexto organizacional. IV Congresso Brasileiro Científico de
Comunicação Organizacional e Relações Públicas. 2010. Porto Alegre.
V. 1.
LIMA, Fábia Pereira. As contribuições do paradigma relacional para
o estudo da comunicação no contexto organizacional. II Congresso
Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações
Públicas, 2008, Belo Horizonte. v. GT1.
OLIVEIRA, Ivone Lourdes. Estrutura e funções da Comunicação nas
organizações: articulação entre conceito e operacionalização. I
Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de
Relações Públicas. São Paulo, SP: ECA/USP, 2007. v. 1.
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GESTÃO ESTRATÉGICA E COMUNICAÇÃO: IMPLICAÇÕES
EPISTEMOLÓGICAS A PARTIR DO BALANCED SCORECARD
Fábia Pereira Lima1
RESUMO
O artigo apresenta um resgate histórico e os principais fundamentos teóricos trazidos pela metodologia de
gestão da estratégia Balanced Scorecard (BSC), buscando
evidenciar as implicações, desafios e limitações que a cercam, do ponto de vista epistemológico da comunicação
organizacional. Deste modo, problematiza a função ideológica do discurso que apresenta e descreve o BSC como um
sistema de tradução da estratégia em ação e defende a importância de tomar a estratégia (e seus sistemas de gestão)
como objeto de estudo da comunicação organizacional.
Palavras-chave: Balanced Scorecard; gestão estratégica;
comunicação organizacional.
A academia vem apresentando um crescente interesse pelo
melhor entendimento de um sistema de gestão organizacional que
é cada vez mais disseminado entre as organizações brasileiras, o
Balanced Scorecard (BSC). Dados do banco de teses da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) mostram que
o número de trabalhos em nível de doutorado, mestrado ou profissionalizantes cujo tema direto ou indireto era o BSC, no Brasil, saltou de
Professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
1
apenas uma em 1998, para 57 em 2008, e 165 em 2013, embora estejam
concentrados em estudos nas ciências gerenciais, especialmente voltados para a análise da eficácia dos indicadores.
Do ponto de vista do mercado, Kallás e Coutinho (2005) apresentaram, há alguns anos, casos de um conjunto de grandes empresas
brasileiras que já adotavam de maneira bem-sucedida o BSC, como a
Brasil Telecom, Companhia Siderúrgica Tubarão, Gerdau Açominas,
Petrobrás, SENAI e Unibanco. A própria adoção dessa metodologia
em organizações governamentais, como a Secretaria de Estado de
Fazenda de Minas Gerais, objeto de tese desta autora, é outro indicador da relevância deste sistema no âmbito da gestão das organizações
contemporâneas. Contudo, chama a atenção que o tema ainda não
configure como significativo objeto de estudo dos pesquisadores de
comunicação organizacional, interessados em produzir conhecimento
científico acerca dos processos comunicativos das e nas organizações,
a fim de contribuir na formação dos profissionais da área. É a partir do
reconhecimento desta lacuna que o presente trabalho discute alguns
dos principais fundamentos teóricos trazidos pelo BSC, buscando evidenciar importantes implicações do ponto de vista epistemológico da
comunicação organizacional.
Defendida como uma metodologia de gestão que inscreve outros objetivos organizacionais para além da perspectiva financeira, o
Balanced Scorecard apresenta-se como uma possibilidade de fomento à
decisão participativa, na medida em que encampa a força do corpo da
organização em prol de objetivos e esforços compartilhados: um alinhamento organizacional a partir da estratégia. Neste sentido, pressupõe
que o sustentáculo dos processos de gestão da estratégia reverte-se, via
de regra, em desafios de comunicação.
O Balanced Scorecard é fruto de um estudo que envolveu diversas
empresas, ao longo de 1990, e que foi liderado por David Norton, principal executivo do Instituto Nolan Norton, e por David Kaplan, pesquisador da Harvard Business School. Motivados pela crença de que os métodos de avaliação de desempenho empresarial estavam obsoletos e pelo
objetivo de desenvolver um novo modelo que ultrapassasse a dimensão
meramente financeira para criação de valor nas empresas, o estudo integrou interesses acadêmicos e mercadológicos, sendo rapidamente
63
tomado como referência para novos estudos e como sistema de gestão
para as empresas.
Como filosofia gerencial, o BSC adota como princípios - esclarecer e traduzir a visão e a estratégia ( função da alta administração);
comunicar e associar objetivos e medidas estratégicas; planejar, estabelecer metas e alinhar iniciativas estratégicas e melhorar o feedback e o
aprendizado estratégico (KAPLAN; NORTON, 1997).
O sistema de indicadores balanceados (scorecards) preconizado
pelo BSC fundamenta-se na identificação de indicadores de diversas
naturezas na organização que possam fomentar a mensuração de seu
desempenho numa perspectiva global. Assim, incorpora em sua metodologia, não apenas a perspectiva financeira ou contábil, mas também
a dos clientes, a dos processos internos e a do aprendizado e crescimento. Considerando estratégia, dentre outras definições, como “[...]
um conjunto de hipóteses sobre causas e efeitos [o BSC visa] tornar
explícitas as relações (hipóteses) entre os objetivos (e as medidas) nas
várias perspectivas, para que elas possam ser gerenciadas e validadas”
(KAPLAN e NORTON, 1997, p.30). Desse modo, a cadeia de relações
de causa e efeito está no cerne do sistema, devendo permear todas as
perspectivas e, ainda, buscando equilibrar (ou balancear) as dimensões dos objetivos de curto e longo prazos, as de tendência e de resultado, as do ambiente interno e externo, além das medidas financeiras
e não-financeiras já mencionadas.
Se no pioneiro livro A estratégia em ação: Balanced Scorecard, de
1997, seus idealizadores discutiram as diretrizes gerais do modelo lançado, alguns anos depois o mesmo já era implantado em diversas empresas ao redor do mundo e, já em 2000, os atores lançaram o segundo
livro, Organização orientada para a estratégia, com o aprimoramento do
sistema. Neste, ficaram explicitados os cinco princípios do BSC. O primeiro destaca o papel da liderança executiva para mobilizar a mudança, defendendo que o mesmo não deve ser visto como um programa de
mensuração e controle, mas, sim, como um programa de mudança. De
fato, trata-se de um processo que tem início na mobilização, quando se
desloca a governança, para depois ser considerado um sistema gerencial que institucionaliza a estratégia e os novos valores culturais. Cabe
aqui lembrar que o modelo do BSC é expressamente do tipo top-down,
64
ou seja, prevê o alinhamento estratégico de cima para baixo, respeitando um processo hierárquico norteado pela missão e objetivos organizacionais. O segundo princípio foca a tradução da estratégia em termos
operacionais, tendo como principal ferramenta os mapas estratégicos e
os Balanced Scorecards. Aqui se fala realmente dos sistemas de mensuração, a partir de relações de causa e efeito que evidenciam o impacto
das ações em resultados. Já o terceiro princípio visa alinhar a organização à estratégia, desdobrando as formulações corporativas ao nível
das áreas de negócio. Como quarto princípio, a proposta de transformar
a estratégia em tarefa de todos, de modo que todos os empregados a
compreendam e conduzam suas tarefas cotidianas para o êxito organizacional, possibilitando a vinculação da remuneração por incentivos
financeiros ao desempenho evidenciado pelo Balanced Scorecard. Por
fim, o quinto princípio defende que a estratégia deve ser um processo
contínuo, ou seja, precisa ter um suporte de um sistema de gestão que
garanta sua efetividade.
O livro de 2004, Mapas Estratégicos, explorou o princípio de traduzir a estratégia em termos operacionais, por meio das relações de causa
e efeito preconizadas, e das perspectivas financeira, clientes, processos
internos e aprendizado e crescimento. Assim, ofereceu um modelo que
articula processos, pessoas, tecnologias e culturas com a proposta de valor para os clientes e com os objetivos dos acionistas. Já em Alinhamento,
o livro seguinte, de 2006, os autores abordaram o uso dos mapas estratégicos com o intuito de alinhar e trazer sinergia para as unidades organizacionais com a estratégia corporativa. Até que, em 2009, foi lançado A
Execução Premium, motivado pela busca dos autores em “[...] descobrir
uma maneira de incutir o gerenciamento contínuo da estratégia no estilo de fazer negócios da organização” (KAPLAN e NORTON, 2009, s/p).
Além de reforçar as contribuições dos livros anteriores e, assim, propor
um sistema gerencial de loop fechado, esta última obra tem enfoque voltado para a apresentação de casos e práticas.
A ideia de incutir o gerenciamento contínuo da estratégia no estilo
de fazer negócios chama a atenção para a preocupação em integrar os
preceitos estratégicos à cultura organizacional, revelando a intencionalidade de “[...] construir fortes vínculos entre estratégia e operações,
para que as atividades operacionais cotidianas promovam os objetivos
estratégicos” (KAPLAN e NORTON, 2009, s/p). Colocado dessa manei65
ra, os autores evidenciam que o BSC é um sistema de gestão preocupado em articular planejamento estratégico e execução da estratégia
com foco nas ações cotidianas. Mais do que isso, que este processo
somente se realiza pela comunicação, o que nos faz reconhecer nesta
metodologia (tanto no mercado como na academia) o mérito da inovação tanto teórica quanto prática no âmbito da administração das
organizações, aproximando a discussão sobre gestão estratégica aos
estudos da comunicação.
No entanto, nossas análises revelam que, na bibliografia que
fundamenta o BSC, o papel de destaque à comunicação não se reflete
em profundidade teórica sobre o tema. Assim, considera-se que a produção acadêmica em torno do BSC, bem como sua adoção nas organizações, reflete o mesmo problema de fundo, qual seja, uma fragilidade na abordagem comunicacional que requer redobrada atenção dos
pesquisadores de comunicação organizacional. Mais que isso, nota-se
que, mesmo sem um embasamento amplo e claro sobre comunicação,
os idealizadores do BSC apontam que é assim que a metodologia deve
ser considerada (como um sistema de comunicação) e, não, como um
sistema de controle.
Muita gente considera medidas e indicadores como uma
ferramenta para controle do comportamento e avaliação do
desempenho passado. Como vimos […], as medidas do Balanced Scorecard devem ser usadas de forma diferente – para
articular a estratégia da empresa, para comunicar essa estratégia e para ajudar a alinhar iniciativas individuais, organizacionais e interdepartamentais, com a finalidade de alcançar
uma meta comum. Utilizado dessa maneira, o scorecard não
pretende manter as unidades individuais e organizacionais
em conformidade com um plano preestabelecido, que é o objetivo dos sistemas de controle tradicionais. O Balanced Scorecard deve ser utilizado como um sistema de comunicação,
informação e aprendizado, não como um sistema de controle
(KAPLAN e NORTON, 1997, p. 25, grifo do autor).
Fica mais claro o que eles compreendem por tornar o BSC um sistema de comunicação quando explicitam que, “para muitas empresas, o
scorecard consolida a fase inicial de um novo processo gerencial - a tradução da visão e da estratégia em objetivos e indicadores que possam ser
66
comunicados aos atores internos e externos da organização” (KAPLAN
e NORTON, 1997, p. 259). Ou seja, embora os autores desenvolvam em
suas obras uma noção de comunicação como processo que permite a
apreensão da estratégia, aqui comunicação é tomada como sinônimo de
transmissão – em um ato de começo, meio e fim. O que se percebe é que
há um forte viés funcionalista (e utilitarista, portanto) na sua perspectiva e, assim, mesmo quando a comunicação é compreendida por uma
perspectiva mais ampliada de compartilhamento de significados, o processo é tomado como algo a ser dominado pelos gerentes para o alcance
de objetivos organizacionais. Nesse caso, espera-se que a comunicação
sirva à metodologia e ao sistema de gestão para tornar compreendido
o que se espera que seja da estratégia organizacional, como processo
capaz de transmitir a estratégia ao corpo organizacional.
Os objetivos e medidas estratégicos do Balanced Scorecard
são transmitidos à empresa inteira através de newsletters,
quadros de avisos, videos e até por via eletrônica usando
softwares de trabalho em grupo e computadores ligados em
rede. A comunicação serve para mostrar a todos os funcionários os objetivos críticos que devem ser alcançados para que
a estratégia da empresa seja bem-sucedida. (KAPLAN e NORTON, 1997, p.13. Grifo nosso).
Claramente, os propositores do BSC assumem comunicação pelo
viés transmissivo e, mais, fundamentado em seus aparatos e veículos. O
processo se reveste de uma clara função de informar, mostrar, dar visibilidade aos objetivos da organização para seu corpo de funcionários.
Seguindo a tradição do pensamento estratégico e, mais especificamente, da formulação estratégica, a estratégia está no cerne de todo processo gerencial, que deve nortear-se por uma visão compartilhada de
quem é a organização (sua missão, visão e valores), um quadro simbólico capaz de subsidiar a ação organizacional, por meio de seus sujeitos. É
nesse sentido que a comunicação aparece nesse modelo como base para
o empoderamento dos funcionários devendo servir, assim, às diretrizes
desenvolvidas pela cúpula organizacional (já que o modelo propõe o
alinhamento das metas de cima para baixo) que, em alguma medida,
pressupõe o homem motivado por recompensas financeiras - e, assim,
vinculando a estratégia à remuneração.
67
Enfatiza-se, mais uma vez, o caráter utilitarista com que a comunicação é considerada e, ao mesmo tempo, o poder que lhe é conferido,
como se a compreensão da estratégia pelo corpo organizacional fosse
suficiente para promover o alinhamento de seus sujeitos, desde o nível
individual, aos interesses da organização. Além disso, ressalta-se a ênfase na habilidade de liderança dos gerentes, que devem ser capazes de
conduzir todo o processo.
O ideal seria que todos na empresa, do nível hierárquico mais
elevado ao mais baixo, compreendessem a estratégia e como
as suas ações individuais sustentam o “quadro geral”. O Balanced Scorecard permite esse alinhamento de cima para
baixo. O desenvolvimento de um Balanced Scorecard deve
começar pela equipe executiva. A formação e o comprometimento da equipe executiva são essenciais para a obtenção
dos benefícios do scorecard. […] Quando todos compreendem
as metas de longo prazo da unidade de negócios, bem como a
estratégia para alcançá-las, os esforços e iniciativas da empresa se alinham aos processos necessários de transformação (KAPLAN e NORTON, 1997, p.208, grifos nossos).
Para colocar a estratégia em ação, como expresso no subtítulo do
livro que apresenta o BSC, defendem seus idealizadores que se faz necessário o uso de, pelo menos, três mecanismos integrados para traduzir
a estratégia e o BSC “[...] em objetivos e medidas locais que influenciem
as prioridades das pessoas e das equipes” (KAPLAN e NORTON, 1997,
p.208): os programas de comunicação e educação, os programas de estabelecimento de metas e a vinculação dos sistemas de compensação.
1. Programas de comunicação e educação. Um pré-requisito
para a implementação da estratégia é que todos os funcionários, altos executivos e o conselho de administração compreendam a estratégia e o comportamento necessário para que
os objetivos estratégicos sejam alcançados. [...] 2. Programas
de estabelecimento de metas. A partir do momento em que
passa a existir um nível básico de compreensão, os indivíduos
e as equipes de toda a unidade de negócios devem traduzir
os objetivos estratégicos de nível mais alto em objetivos pessoais e de grupo [...]. 3. Vinculação dos sistemas de compensação. O alinhamento da organização à estratégia deve ser
68
motivado principalmente através de sistemas de incentivo e
compensação (KAPLAN e NORTON, 1997, p. 208).
Nota-se que, além de considerar que a compreensão da estratégia
é o principal componente para sua adoção como diretriz para a ação de
todo o corpo organizacional, o BSC preconiza que um programa contínuo de educação para a estratégia deve reforçar permanentemente
essas premissas, como suporte ao alinhamento organizacional. Sendo a
compreensão da estratégia o primeiro passo de engajamento, a seguir,
espera-se que as equipes estabeleçam suas próprias metas, a partir da
vinculação dos objetivos organizacionais aos específicos de suas unidades, por meio de indicadores de mensuração de resultado. O terceiro
mecanismo para colocar a estratégia em ação compreende o desenvolvimento de sistemas de remuneração vinculados ao desempenho, defendendo ser este o principal meio de promover o alinhamento organizacional, entendido como a equiparação entre objetivos pessoais, setoriais
(de cada equipe) e organizacionais.
Outro aspecto enfatizado pelo BSC refere-se ao almejado aprendizado organizacional em torno da estratégia. A proposição dos scorecards, expressos em mapas estratégicos e indicadores é, notavelmente, a de
simplificar temas amplos e complexos, aproximando-os da realidade de
cada ator organizacional, de modo a fomentar a sua ação por essas diretrizes. Nesse sentido, os autores tomam os indicadores como linguagem,
na medida em que possibilitam a tradução de conceitos complexos em
conceitos que alinham e mobilizam os indivíduos.
A capacidade de aprendizado organizacional em nível executivo – o que chamamos de aprendizado estratégico – talvez
seja o aspecto mais inovador do Balanced Scorecard. [...] O
processo tem início com o esclarecimento da visão compartilhada que a organização está tentando alcançar. O uso de
indicadores como linguagem ajuda a traduzir conceitos complexos e frequentemente obscuros em ideias mais precisas que
alinham e mobilizam todos os indivíduos em ações dirigidas
à realização dos objetivos organizacionais. A ênfase na construção de relações de causa e efeito no scorecard gera um
raciocínio sistêmico dinâmico, permitindo que os indivíduos nos diversos setores da organização compreendam como
as peças se encaixam, como o seu papel influencia o papel
69
de outras pessoas, além de facilitar a definição dos vetores
de desempenho e as iniciativas correlatas que não apenas
medem a mudança, como também a alimentam (KAPLAN e
NORTON, 1997, p.282, grifo nosso).
Aqui, há de se preocupar com o modo recorrente com que se faz
referência à noção de tradução nesta abordagem do BSC. Percebe-se
uma perigosa equiparação dos universos de debate, com uma apropriação da ideia de tradução como um espaço supostamente ateórico, como
se houvesse tradução neutra entre sujeitos assujeitados, em um vazio de
cultura, e como se a transposição de sentidos, entre universos distintos,
fosse de fato possível.
A ideia de traduzir a estratégia merece ser problematizada, quer
seja na perspectiva de que os mapas traduzem a estratégia em uma
materialidade, quer seja pela responsabilidade imputada aos gestores
no sentido de traduzir a estratégia para suas equipes. Em qualquer dos
pontos de vista, o uso do termo parece preciso para revelar o apagamento das forças e dos agentes que tornam o processo da tradução possível, bem como de uma intencionalidade para a transmissão de sentido,
desejando-se uma equivalência entre os significados elaborados e os
sentidos construídos. Tal perspectiva ancora-se numa pretensão de universalização dos significados compartilhados, destituindo-os dos seus
contextos culturais, ou seja, como se a própria linguagem não constituísse uma construção cultural envolvendo produção, circulação e uso
(principalmente apropriação, construção e criação) de significados.
Rodrigues (2000), pesquisadora de estudos linguísticos e especialista em tradução, defende a impossibilidade de transparência nos
processos de tradução citando Jakobson, para quem a tradução envolve duas mensagens equivalentes em dois códigos diferentes, razão pela
qual “vai se situar em um ponto intermediário, que não é o da transparência nem o da equivalência, pois cada signo se relaciona com os outros
signos de modo diferente em cada língua e em cada texto de cada língua” ( JAKOBSON, apud RODRIGUES, 2000, p.92). Nesse sentido, deve-se
pensar a tradução como uma prática essencialmente da diferença (seja
entre valores, crenças ou representações sociais), pois tomá-la como o
contrário (uma prática de equivalência) significa também desconsiderar
70
questões relacionadas ao poder, aos embates de força e de dominação
envolvidas no processo.
A noção de equivalência como proposta nos textos em que
é central pressupõe que os intercâmbios linguísticos possam
se realizar com perfeito equilíbrio, em uma relação idealizada entre povos e culturas, em que duas línguas estão em
posição simétrica. Pensar sobre a questão da multiplicidade
de línguas e a da violência cultural, significa desmascarar
essa noção de equilíbrio, pois as escolhas do tradutor sempre
apontam para a construção de valores - que nunca estão em
perfeita simetria. Nesse sentido, a tradução é “o lugar de múltiplas determinações e efeitos - linguísticos, culturais, institucionais, políticos” (RODRIGUES, 2000, p.92).
Ainda segundo a autora, a própria ideia de representação compreende valores e interesses ideológicos, o que também a distancia da
possibilidade de transparência, neutralidade ou espelhamento. Os processos de significação são, portanto, socialmente estabelecidos e é por
meio desses processos que se vê o mundo, ele é constituído pelos sujeitos que o integram, os indivíduos relacionam-se uns com os outros e se
constituem. Desse modo, não se pode concordar que a tradução transporte uma essência, trocando ou substituindo “[...] significados dados,
prontos em um texto, por significados equivalentes em outra língua. A
tradução é uma relação em que o texto original se dá por sua própria
modificação, em sua transformação” (RODRIGUES, 2000, p. 96).
O que essa reflexão incita pensar é que os processos relacionados
à tradução são complexos demais para serem tomados do modo como
aparecem na bibliografia do BSC, desconsiderando um farto campo de
estudos que se dedica ao tema. É fundamental que se perceba que os valores são sempre expressos pela/na tradução, ao contrário do que aparece ao senso comum. Por envolver escolhas (desde os termos acionados
na re-construção até a eleição, priorização e/ou supressão ou não de
certos aspectos considerados por sua relevância), o processo de tradução implica, necessariamente, algum tipo de interferência do tradutor, e
suas escolhas não são isentas, revelando sempre também sua perspectiva cultural, que não deve ser desconsiderada.
71
No caso do BSC, há de se considerar que a implantação da metodologia está sujeita à construção que os sujeitos organizacionais dela
farão no ambiente específico de cada organização. Entendendo que a
formulação da estratégia é o processo de materialização da estratégia
em texto, sua tradução em mapas estratégicos e em quadros simbólicos
mais acessíveis às equipes, pelas mãos dos gestores, constitui-se em novos processos de negociação de significados e construção de sentido,
antes mesmo que sejam ainda reapropriados pelos componentes das
equipes. Trata-se de um processo essencialmente comunicativo e que
neste campo (da comunicação) precisa ser analisado.
As teorias da comunicação nos ajudam a compreender que a tradução (inlcuindo a da estratégia) não é um processo neutro, livre de
coerções, nem isento de (re-) contextualizações, atribuição de valores,
nem reapropriações diversas, tal como compreendemos a significação
do próprio processo de tradução.
Essas concepções poderiam levar a se pensar que a tradução
é totalmente impossível. No entanto, o que é impossível não
é a tradução, mas a noção de tradução de que se parte para
pensar nessa impossibilidade - uma concepção que espera
que a tradução repita o texto original, que seja seu equivalente, que reproduza seus valores. Conceber a tradução como
uma atividade produtora de significado implica concebê-la
como um caso particular de leitura, ou de escritura, que promove a diferença, a transformação e uma complexa relação
de débito. “O débito não envolve restituir uma cópia ou uma
boa imagem, uma representação fiel ao original - este, o sobrevivente, está, ele próprio, em processo de transformação.
O original se dá ao se modificar e esse dom não é um objeto
dado, ele vive e sobrevive em mutação” (DERRIDA, apud RODRIGUES, 2000, p. 95).
Reforça esse entendimento a ideia de que os signos, se não refletem uma cultura e uma sociedade, são o que sustentam seus valores e
seus significados, por meio dos discursos construídos, dos quadros simbólicos que fazem circular, sendo, ao mesmo tempo, produto e produtores de ideologia. A ideia de tradução do BSC, quer seja pelos mapas
estratégicos (desenvolvidos por indivíduos, sujeitos em ação), quer seja
pela liderança envolvida no processo de gestão estratégica (que deve
72
traduzir a estratégia para suas equipes), compreende uma prática de interpretação, mais do que representação. Nesse processo, há de se aceitar
a impossibilidade de isenção dos sujeitos tradutores e da equivalência
de significados, sendo o ato de traduzir uma prática, antes de tudo, de
diferença. Nas palavras da autora, o
[...] tradutor constrói uma interpretação que, por sua vez,
também vai ser movimento e desdobrar-se em outras interpretações. A tradução não pode transportar valores iguais
aos do texto de partida porque o processo transforma valores. Nesse sentido, a tradução é um texto que se insere em
uma outra cadeia diferencial, substituindo e modificando,
o texto de partida. Assim, conceber a tradução como uma
relação complexa entre dois textos, não como uma relação
de equivalência em que haveria simetria entre eles, significa
conceber a tradução como o lugar da diferença, como um
processo que promove a transformação de valores (RODRIGUES, 2000, p.97).
Essas discussões abriram espaço para a questão fundamental
de como pensar uma teoria estratégica menos quantitativa e racional, passando para uma abordagem mais relacional e hermenêutica.
Encontramos em Pérez e Massoni (2009) uma proposta, a Nova Toria
da Estratégia, que prega que a estratégia deveria ser refundada a partir
da comunicação e inserida no viés da complexidade, discutindo que
sete grandes mudanças no pensamento estratégico exigem sua reconfiguração paradigmática.
A primeira mudança que transformou a estratégia, para os autores, é em seu paradigma - na contramão de uma concepção cartesiana,
fragmentada e simplificadora, essa perspectiva considera a realidade a
partir da trama de relações multidirecionais e sempre dinâmicas entre
os homens. A segunda mudança está no modo como esses homens são
considerados - se o homem estratégico era o homem racional da modernidade, ou o homo economicus das ciências administrativas, agora
passa a ser tomado como sujeito que se constrói nas relações. Também
as organizações deixaram de ser vistas como meras unidades de produção e passaram a ser compreendidas como locus de inovação e significação. Como objeto de estudo, o enfoque da estratégia deixa de ser
como uma ciência de conflito para uma ciência de articulação em que
73
a negociação, a mediação, a cooperação e o consenso orientem as relações entre as pessoas. Esse enfoque reconfigura a própria concepção da
comunicação, remetendo à quinta mudança, na matriz de estudo. Se,
tradicionalmente, a estratégia era objeto privilegiado das ciências econômicas, agora a comunicação apresenta-se como o mais contundente
espaço para se pensar a estratégia. E, por fim, todas essas transformações alteram também metodologia e método de análise da estratégia,
requerendo novas ferramentas e modelos de apreensão, desafios postos
principalmente aos pesquisadores que se interessam pela ação estratégica no contexto organizacional. Com esse aporte, entende-se estratégia como quadro de significados compartilhado por sujeitos que, em
interação, conferem sentido para suas ações e contextos de atuação. Ou
seja, estratégia enquanto construção que se dá pela comunicação, pela
relação entre sujeitos.
Na análise dos preceitos do BSC, o que se observou foi um esforço na promoção de um alinhamento organizacional fundado numa
perspectiva paradigmática transmissional da comunicação que não dá
conta de abarcar a complexidade do contexto organizacional e das interações que o constitui. Além disso, o BSC pode ser entendido, para além
de uma metodologia de implantação da estratégia, como uma ferramenta carregada ideologicamente, na medida em que os sujeitos organizacionais precisam dela se apropriar enquanto tecnologia gerencial.
Os mapas estratégicos (com seus objetivos, metas e indicadores) constituem e fundam uma nova gramática (com novos fonemas, sintaxes e
semânticas) nas organizações, de modo que o aprendizado desses novos
códigos, se não imposto, torna-se uma barreira (mesmo que simbólica)
entre os integrados e os desalinhados, para usar um termo do BSC.
Por isto, acreditamos que mais importante do que as críticas
que usualmente são feitas ao BSC - de que este configura-se como mecanismo de controle, pela proliferação de indicadores de desempenho
das atividades organizacionais -, o que deveria despertar o interesse de
pesquisa em comunicação organizacional é a função ideológica por trás
de sua propagada (e impossível) neutralidade (posicionando-se como
uma ferramenta tradutora da estratégia em ação, no sentido de transposição de significados). O que se percebe é que, para além da medição
dos indicadores, conforma-se um discurso que é tão mais eficiente enquanto mecanismo de controle quanto este for naturalizado nas pesqui74
sas, práticas e rotinas organizacionais, pautando as interações que, num
continuum, reproduzem a ordem (estrutural) desejada.
Assim, a partir da análise do BSC, ressalta-se a importância de
que os sistemas de gestão estratégica configurem, cada vez mais, como
objeto de estudo não apenas das ciências administrativas mas também
da comunicação organizacional. Acreditamos que as discussões epistemológicas e metodológicas do campo acadêmico e científico da comunicação organizacional, com a problematização de seus paradigmas e
metodologias, têm tanto a aprender como contribuir para o avanço das
investigações nas ciências gerenciais, e vice-versa.
REFERÊNCIAS:
KALLÁS, David; COUTINHO, André R. Gestão da estratégia: experiências
e lições de empresas brasileiras. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. A estratégia em ação: Balanced
Scorecard. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
_______. Organização orientada para a estratégia. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2000.
_______. Mapas estratégicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
_______. Alinhamento: usando o Balanced Scorecard para criar sinergias corporativas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
_______. A execução premium: a obtenção de vantagem competitiva
através do vínculo da estratégia com as operações do negócio. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2008.
PÉREZ, Rafael Alberto; MASSONI, Sandra. Siete cambios que transformaron la estratégia. In: Hacia una teoría general de la estrategia.
Barcelona: Ariel Comunicación, 2009, p.105-122.
RODRIGUES, Cristina Carneiro. Tradução: a questão da equivalência.
Revista Alfa. São Paulo - Edição 44, 2000, p. 89-98.
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A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL EM UMA SOCIEDADE
MIDIATIZADA SOB A PERSPECTIVA DA ANÁLISE
ECOLÓGICA
Lutiana Casaroli1
RESUMO
Com o objetivo de refletir acerca das noções de comunicação organizacional e mídia, sob a perspectiva da
Análise de Discurso Ecológica (ADE), adotamos a perspectiva da análise ecológica da comunicação organizacional,
instaurada em meio a uma sociedade midiatizada, mas
pautada no princípio relacional previsto na comunhão e na
luta pela vida. Para tanto, lançaremos mão de autores como
Couto (2007, 2013), Peruzzolo (2006) e Fausto Neto (2005;
2008) que nos oferecem a base teórica necessária à estruturação de tal raciocínio.
Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Análise
Ecológica, Midiatização; Comunhão; Sobrevivência.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é refletir acerca das noções de comunicação organizacional e mídia, sob a perspectiva da Análise de Discurso
Ecológica (ADE), com o intuito de pensarmos em uma análise ecológica
da comunicação organizacional, instaurada em meio a uma sociedade
midiatizada, mas pautada no princípio relacional previsto na comunhão
Professora da Faculdade de Informação e Comunicação – Curso de Relações
Públicas da Universidade Federal de Goiás.
1
e na luta pela vida. Para tanto, lançaremos mão de autores como Couto,
Peruzzolo e Fausto Neto que nos oferecem a base teórica necessária à
estruturação de tal raciocínio.
Partimos do pressuposto de que a vida tem a comunicação como
alicerce para suas relações. No mundo humano tais relações vitais se
tornam mais complexas, devido especialmente à sua capacidade simbólica que origina tanto a cultura, constituída pelo fazer diário de cada
um em comunidade, quanto as organizações e as mídias, que podem ser
compreendidos como resposta às necessidades humanas e resultado do
desenvolvimento tecnológico das sociedades.
Por algum tempo a comunicação foi compreendida como um processo de troca, ou seja, apenas em seu aspecto informativo, sem considerar de fato a situação dos sujeitos comunicantes. Hoje, acredita-se
que ela seja mais, que é constituinte da vida humana no mundo e que
sua força está no fato de a vida clamar por continuidade. O mesmo entendimento estende-se para a questão da comunicação organizacional
que hoje, para além de seu caráter informativo, necessita retornar as
suas raízes e agregar valores da ordem do estético, do ético e do sensível
para garantir a sua sobrevivência com base na sobrevivência do outro.
Aí reside a importância de considerar a comunicação a partir de sua gênese e de interpretá-la sob a lente da análise de discurso ecológica que
tem em sua natureza a questão da ideologia da vida.
Nesta perspectiva, compreende-se aqui a comunicação a partir de
seu conceito mínimo, a partir de seu aspecto fundamental: a comunicação como uma relação. Relação esta em que o homem se movimenta
em busca da sobrevivência, sendo que é a relação de comunicação humana (simbólica) que permite ao homem que ele se torne um ser social.
Neste sentido, dizemos que a comunicação precisa ser, antes de mais
nada, e sobretudo, comunhão. É neste sentido que afirmamos que a comunicação organizacional pensada e planejada tem a responsabilidade
primordial de estabelecer contatos, manter relações, por meio das mais
diversas estratégias de significação com a finalidade de chegar a seus
públicos de interesse de modo a promover não só a interação da ordem
do imediato, mas, sobretudo, a dupla afetação.
A evolução dos processos de comunicação organizacional por
meio de diversas tecnologias condicionam profundas mudanças nos
77
modos de estabelecimento relações sociais e vitais. Da comunicação
impressa aos meios audiovisuais e avançando em direção à hipermídia,
virtual e interativa como a internet, a comunicação organizacional vem
modificando as formas de relação, vivências e compreensão do mundo.
É nesse contexto que assentamos a importância da observação cuidadosa e responsável dos processos de produção de sentidos nestes meios,
através da discussão de conceitos como comunicação organizacional,
comunhão, midiatização sob a ótica da ideologia da vida.
Portanto, para conseguirmos chegar ao objetivo proposto, dividimos o artigo em duas partes principais, pautadas nos princípios que regem cada elemento envolvido no processo, a saber: a defesa intransigente pela vida e a natureza relacional da comunicação e das organizações.
1. PRINCÍPIO PRIMEIRO: DA DEFESA INTRANSIGENTE PELA VIDA
Com o intuito de operarmos uma ADE, a partir dos princípios que
ela sustenta, sobre a noção de comunicação organizacional e mídia, o
olhar analítico partiu da ideologia da vida. Neste sentido, o que pretendemos ver é de que maneira a comunicação organizacional e a mídia,
enquanto dispositivos linguísticos e discursivos, podem se aproximar
da ecologia profunda que prevê o respeito e o equilíbrio entre todos os
seres vivos do planeta, não exclusivamente humanos.
Para se ter uma compreensão acerca do universo conceitual da
ADE, faz-se necessário compreender em primeiro lugar a ecologia profunda, que tem três princípios fundantes previstos na plataforma do
Movimento da Ecologia Profunda (COUTO, 2007, p. 37), a saber:
1. O bem-estar e o florescimento da vida humana e da não-humana sobre a terra têm valor em si próprios (sinônimos: valor intrínsecos, valor inerente). Esses valores são independentes da utilidade do mundo não-humano para propósitos humanos.
2. A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a
realização desses valores e são valores em si mesmas.
3. Os humanos não têm nenhum direito de reduzir essa riqueza e
diversidade, exceto para satisfazer necessidades humanas vitais.
Para a biologia, por exemplo, ecologia é a área que estuda as inter-relações dinâmicas dos componentes bióticos e abióticos do meio am78
biente. É daí que são extraídas as bases epistemológicas para os mais
diversos estudos que buscam compreender as relações ou interações
que se dão nos ecossistemas.
A ética ecológica ou ecoética acredita na sobrevivência da vida
humana a partir da conservação de toda espécie. De um modo geral
podemos dizer que está ligada à ética ambiental (COUTO, 2007). Neste
trabalho, a ecoética será compreendida para além da questão ambiental, referindo-se também ao meio ambiente natural, mental e social que
compreendem o “mundo” de análise da ADE. Consequentemente, ela
será entendida como a ética do não sofrimento e da harmonia da vida.
A ecolinguagem, por sua vez, é entendida como a linguagem que
expressa a visão ecológica de mundo. Para a ADE, a língua é a própria interação entre o ser humano e o meio ambiente, pautando-se na ecoética
e na ecolinguagem para desenvolver seus preceitos ancorados na defesa
da vida e na luta contra o sofrimento.
Após a apresentação destes conceitos fundamentais, e com o intuito empreendermos um olhar da ADE sobre a comunicação organizacional e a mídia em busca da compreensão da força da comunhão na
sociedade midiatizada, retomamos a discussão pelo conceito de ética.
Para ADE, tanto a ética quanto a vida são relevantes. A ética para
Aristóteles inicia-se pela definição de felicidade e se pauta na concepção de justa medida, guiada pela razão, em busca da felicidade. Isso quer
dizer que a ação ética é aquela que busca a harmonia nas relações entre
os indivíduos. Por sua vez, na perspectiva ecossistêmica, ética seria toda
ação que busca a harmonia nas inter-relações dentro do ecossistema e
entre os seus integrantes com seu meio ambiente, quer dizer, toda ação
que promova a felicidade. Neste sentido, o sofrimento passa a ser visto
como um elemento que precisa ser combatido. Sendo assim, a ética tanto para Aristóteles, quanto para a ADE é aquela que busca a harmonia
da vida e a luta contra o sofrimento, tanto no ecossistema natural, como
no social e mental. Essa é chamada de ética da vida.
A marca da ADE é a da defesa intransigente da vida, sendo este o
princípio ético que rege a linguística ecossistêmica. Por sua vez, a vida é
entendida como a vida vivida em de modo harmonioso, quer dizer, em
comunhão, nas inter-relações estabelecidas entre os sujeitos no ecos-
79
sistema. A lógica do não sofrimento e do viver em harmonia, assim, se
configura, antes de mais nada, como a ética da vida.
Desse modo, a ADE privilegia o ecocentrismo de modo a privilegiar a ideologia da vida, na qual os seres humanos são compreendidos
de modo holístico, sem hierarquia e tomando como ponto de partida as
relações naturais estabelecidas no interior do ecossistema. Como princípio ético fundamental, tem-se a questão da defesa intransigente da
vida e o combate ao sofrimento desarmônico.
Sendo assim, podemos dizer que a ecolinguagem não se trata
unicamente de uma linguagem ecologicamente correta, mas sim, para
compreendê-la de fato, temos que associá-la a “uma visão ecológica de
mundo” (COUTO, 2014, p. 215). Por sua vez, a ecolinguística é tomada
como sendo o estudo das relações entre língua e seu meio ambiente (natural, mental e social), ou das interações verbais que se dão no meio ambiente natural, mental e social. (COUTO, 2014, p. 215). Neste sentido, a
ecolinguística é mais ampla do que a ecolinguagem, pois ela se interessa
por toda e qualquer manifestação linguística.
A Análise de Discurso Ecológica surgiu com o objetivo de substituir a ênfase dada pela análise de discurso tradicional à ideologia e às
consequentes relações de poder. A ADE parte, antes de mais nada, da
ideologia ecológica, ou ideologia da vida que defende a defesa da vida
e se materializa em uma luta constante contra tudo o que possa trazer
sofrimento ao ser vivo.
A ADE, sobretudo, tenta compreender como os discursos existem
no ecossistema em que os sujeitos estão inseridos e a ecologia da interação comunicativa como um todo, não apenas seus produtos. Em sintonia com ecologia e o taoísmo, pode ser entendida como a “linguagem
da comunhão. Como sabemos, comunhão é a base para todo e qualquer
entendimento” (COUTO, 2014, p. 222) e é a partir dela que podemos
pensar em uma forma de vida mais harmônica e respeitosa no planeta,
que prime verdadeiramente pela sustentabilidade da existência. É neste
sentido que defendemos aqui a escolha da ADE para lançar as bases de
análise sobre a comunicação e a mídia.
Metodologicamente podemos dizer que o objetivo não se encerra no aspecto da arquitetura dos enunciados em busca da articulação
discursiva em torno da produção de significações. Para além, busca
80
apontar o modo como tais discursos contribuem para a defesa da vida
e o combate ao sofrimento dos indivíduos presentes no ecossistema em
questão. Compreendemos, especialmente, que a ADE se revelou em um
modelo teórico que permite analisar diversos tipos de textos e discursos, encarando a língua como sendo a própria interação e partindo da
visão ecológica de mundo, que é visceral para o objeto em questão.
2. PRINCÍPIO SEGUNDO: DA NATUREZA RELACIONAL DA COMUNICAÇÃO
E DAS ORGANIZAÇÕES
Neste trabalho, não estamos em busca de novos fatos, mas sim
em busca de novos olhares para fatos pré-existentes. Sendo assim, partimos do pressuposto de que a vida tem a comunicação como alicerce
para suas relações. Desse modo, tentamos compreender a gênese da
comunicação, quer dizer, sua natureza: a comunicação enquanto força
vital do ser humano que o impulsiona para sobrevivência e ao exercício da vida. Sob este ponto de vista, Peruzzolo afirma que a comunicação é “a força vital que produz o social, que tem a sua força na impulsão
de todo ser vivo” (2006, p.29).
É a força vital que impulsiona o ser vivo a entrar em relação com
a alteridade para que, em relação com o outro, ele possa construir a
trajetória da própria existência. É só em relação com o outro que é
possível fazer-se. De acordo com Maffesoli (1998 apud COUTO, 2013)
o indivíduo não pode existir isolado, mas sempre está ligado a uma
comunidade. Tal relação é produzida e organizada em forma de mensagens que aparecem como respostas às necessidades do outro. Este
outro, ao acolher a mensagem, estabelece o contato. Daí vem a definição de comunicação como encontro, na qual ambos, destinador e destinatário, entram em relação por meio de mensagens para se tornarem
indivíduos no mundo. É graças à linguagem que o homem entra em
relação e estabelece o tipo de comunicação propriamente humano: a
comunicação simbólica.
A atividade comunicacional tem de ser necessariamente remetida ao sistema das ações e dos desejos – e ao princípio
básico da agressividade – mediante os quais os seres vivos
se relacionam uns com os outros e com o meio ambiente,
pois essa impulsão está na base de toda comunicação, não
81
apenas como fundamento, mas principalmente, como força-motriz (PERUZZOLO, 2006, p.29).
De acordo com Peruzzolo (2006), a comunicação estaria na própria vida, como impulsão dela e para ela mesma na busca de ser. É a busca do outro para a realização de si, sendo que o outro também vê neste
encontro a própria realização. Sendo assim, observar a comunicação
sob este aspecto, a partir da visão ecológica do mundo que propicia um
olhar abrangente e holístico deste fenômeno, significa cuidar do lugar
do outro no processo comunicacional, levando em conta a questão da
reciprocidade como fundamental, quer dizer, a dupla afetação, o envolvimento e a comunhão.
Nem toda relação é de comunicação, mas toda comunicação é
uma relação. O que caracteriza uma relação como sendo de comunicação é a capacidade de representação dos sujeitos envolvidos no processo: a relação de comunicação é regida pela representação que o sujeito
comunicante faz do objeto. Ela é o modo como o comunicante se inscreve no espaço e no tempo do outro, de modo harmônico, construtivo e
positivo em termos de existência. Para que a relação seja desencadeada,
é preciso que o outro perceba e represente o material dado, sendo que é
a representação que possibilita o relacionamento, pois qualifica o objeto
e orienta condutas. É ela que ativa as reações dos organismos, levando-os a entrar em relação.
Então, a comunicação humana é definida pela qualidade da representação e tem seu fundamento na necessidade de sobrevivência
da espécie. O que marca a especificidade da comunicação humana é a
presença da linguagem e a representação simbólica, como meio de comunicar. Esta relação é operada por uma matéria que, necessariamente,
subentende as representações dos comunicantes. Sendo assim, a comunicação pode ser vista como um ato que se faz no tempo e no espaço,
mas cujo sentido está na relação, que é, pois, a força de impulsão para
o ‘tornar-se’. Neste ponto podemos dizer que se aproxima dos ideais da
ADE que tem no ser humano que luta para garantir sua sobrevivência e
combater o sofrimento o seu eixo de análise.
“Comunicar, no nível humano, é estabelecer uma relação entre
uma pessoa e outra através de um meio material, comumente chamado de mensagem, que subentende as representações do sujeito comu82
nicante.” (PERUZZOLO, 2006, p.45). Esta perspectiva revela a necessária presença da ação de representação como meio de comunicação. A
mensagem materializada nada mais é do que as representações do que
se pretende compartilhar e do significado do estabelecimento daquela relação. Além disso, é bom destacar que a relação acontece entre os
sujeitos, fazendo com que a mensagem seja considerada um pacote de
representações “que serve de ponto de passagem para as significações
sociais” (PERUZZOLO, 2006, p.45). Considera-se, assim, que o destinatário interpreta suas mensagens na sua ação de representar.
Os sujeitos, ao se relacionarem com as representações constituídas na situação de comunicação, estabelecem a forma legítima da interação, pois operam ações persuasivas de modo recíproco, privilegiando
assim a qualidade discursiva que prime pela cooperação em detrimento
da competição. Desse modo, o termo comunicação aqui está designando “os fenômenos de relação dos seres vivos dotados de percepção com
outros de semelhantes capacidades, operada por meio material, quando
este meio vem representado por ambos num grau de significação possível”. (PERUZZOLO, 2006, p.52)
O fenômeno da comunicação, como uma estrutura de comportamento, é complexificado no ser humano pelo fato de, em muitos momentos, prescindir do controle do código genético. Isso acontece pelo
que chamamos de memória de projeto ou de futuro, condição esta que
permite ao homem a construção de uma cultura por meio de sua comunicação simbólica. Esse é o modo humano de trabalhar com as realidades
circulantes e com o meio ambiente que o cerca. É sob este prisma que se
desenvolveu a noção de que o homem é a consciência do universo.
Para se comunicar é preciso primeiramente definir o lugar e o significado do outro. Então, na relação de comunicação, o lugar do outro
é primordial, perceber o outro, o desejo e a necessidade do outro. Isso
se dá porque a comunicação é uma relação no jogo do encontro com a
alteridade. O que torna possível a relação de comunicação é o meio de
representar que é justamente a representação daquilo que se quer comunicar. A qualidade dessa representação vista em todo o investimento
valorativo nela feita é que vai caracterizar a relação de comunicação humana, na qual a relação se apresenta articulada em linguagem.
83
O símbolo é a expressão máxima do ser-homem: o meio de comunicar humano é caracterizado pela dimensão simbólica. No nível do
símbolo, é amplo o afastamento considerado entre os comunicantes ou
até mesmo absoluto. Além do mais, as relações de significação são polivalentes, não havendo necessariamente uma única relação possível e
compartilhável entre significante e significado. Desse modo, dizemos
que o homem não se defronta imediatamente com a realidade, pois a
sua percepção é gerenciada pelo simbolismo que o faz se relacionar com
o real pelas representações que dele faz. Então, dizemos que a realidade
social humana é construída em processos de semiose.
A linguagem simbólica funciona através de signos, que operam as
representações em processos mentais e organizam a linguagem. Porém,
ela não só é um produto da seleção de signos, como também é uma fonte
produtora inesgotável de signos.
O homem, nessa instância, não só pode imaginar o inexistente,
assim como pode realizá-lo. Exprimir o inexprimível. Na linguagem humana o símbolo pode ser usado nas situações em que foram criados.
Essa é a potência simbólica de libertação do humano, tanto do espaço,
quanto do tempo presente que confere a possibilidade de o homem traçar relações mentais mesmo na ausência das coisas nas quais imagina.
A vida humana e organizacional é uma extensa teia relacional que
dá forma à vida social e que só pode ser compreendida por meio da cultura. Sendo assim, se toda ação humana é cultural, os processos comunicacionais e organizacionais também são eminentemente culturais. A
comunicação é o ato cultural mais essencial do homem: “a Comunicação
constitui o fundamento de toda sociedade humana e de toda relação social” (PERUZZOLO, 2006, p.29).
Esta concepção se aproxima das noções previstas na perspectiva relacional da comunicação proposta por França (2012), na qual ele
afirma que a comunicação é responsável por articular os interlocutores,
o contexto e os discursos produzidos na situação de interação, melhor
dizendo, na situação da enunciação, com o intuito de compreender a
comunicação em sua complexidade. Ao assumirmos este olhar acerca do fenômeno comunicacional a partir de sua natureza relacional,
estamos pois revelando a importância de encararmos a comunicação
organizacional como sendo muito mais do que um documento a servi84
ço da gestão estratégica, como afirma Marchiori (2012). Ela é, isto sim,
um elemento constituinte das relações e uma disputa de sentidos permanente no espaço das organizações. De acordo com Baldissera (2008,
p.169), a comunicação organizacional precisa ser entendida, sobretudo,
como um processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das
relações organizacionais. Um elemento constituinte e constitutivo, a
serviço da vida, pois se até então “a centralidade das organizações às
sustentavam, hoje se veem provocadas pelos processos de interação, essenciais para os regimes de visibilidade” (MARCHIORI, 2012, p.4). Se o
cuidado com o outro não estiver muito claro e preciso, a tendência é a
de desaparecimento da organização.
De acordo com Fausto Neto (2008), para compreender a comunicação organizacional em sua dimensão estratégica, é preciso que se
compreenda a comunicação como um processo e a organização como
uma realidade comunicacional. Disto isso, retomamos aqui a noção de
linguagem para que se explicite as relações existentes na noção de realidade comunicacional, ou discursiva. Lembremos que é a linguagem
a grande mediadora dos processos de construção do homem e do seu
mundo. “Criada a linguagem, torna-se esta não apenas o instrumento da
comunicação e, decorrentemente, da organização complexa da sociedade; mas também o patrimônio cultural portador do conjunto dos conhecimentos e das práticas da sociedade, constituindo-se num sistema
generativo de alta complexidade sem o qual essa complexidade ruiria”
(PERUZZOLO, 2006, p.138).
Com isso, chega-se a algumas observações importantes. Primeiro
que, sob a ótica da comunicação humana e da ecologia profunda, os
processos comunicacionais tanto de um sujeito, quanto de uma organização, são essencialmente modelos culturais de ser. Em segundo lugar, a
cultura se faz a partir de processos de comunicação. Sendo assim, é imprescindível que se pense comunicação e cultura conjuntamente, pois
a comunicação gera a cultura e a cultura é o elemento que rege a vida e
age sobre as forma de comunicação.
Neste sentido, compartilho com a perspectiva do interacionismo simbólico quando diz que nem o homem, nem a sociedade são estruturas, mas sim processos em constante modificação e construção.
Toda vez que os processos de comunicação mudam, a formação de cada
85
pessoa também muda, portanto, a cultura social é transformada a cada
novo processo de comunicação que surge. A compreensão de cultura
como um conceito implica suas duas dimensões:
Seu caráter social e seu caráter histórico. A cultura, como
ação criadora do homem é sua expressão essencial e universal, enquanto que ele se realiza criando sua obra e dirigindo-se aos outros para comunicar intencionalmente sua criação.
Por isso, a cultura exprime o processo histórico do relacionamento do homem com o real, enquanto exprime a sua realização no tempo e no espaço (PERUZZOLO, 2006, p.168)
Vale novamente lembrar que a comunicação gera a cultura e a cultura gere a comunicação, sendo que a comunicação é uma modalidade
singular de cultura: “quer dizer, a força que habita a comunicação está
na busca da relação que implica a necessidade de cooperação do outro
na formação do si próprio, o que institui o nexo social; e a força da cultura está institucionalizada na relação” (PERUZZOLO, 2006, p.171).
O pressuposto basilar da teoria do Interacionismo Simbólico é
o de que a comunicação é eminentemente um processo de interação
simbólica. Tenta discutir por processos de representação, os processos
simulantes de uns com os outros. O Interacionismo Simbólico, formação advinda principalmente do campo da Sociologia, é uma ampla perspectiva sobre o papel da comunicação em Sociedade. “O Interacionismo
Simbólico não é, em realidade, uma teoria. Trata-se antes, de uma perspectiva ou orientação teórica que pode englobar numerosas teorias específicas” (LITTLE JOHN, 1983, p.65).
Algumas das premissas do Interacionismo podem ser utilizadas
para se pensar a teoria comunicacional. De acordo com Peruzzolo, “uma
das premissas fundamentais do Interacionismo Simbólico é que o ser
humano orienta todos os seus atos em relação ao mundo em função do
que as coisas deste mundo significam para ele” (2006, p.99). Aqui, acrescemos ainda a visão da ADE que sugere que a preocupação recaia, sobretudo, no cuidado com a diversidade de um ecossistema, não somente
aquilo que signifique para o homem em termos econômicos e políticos,
mas principalmente em termos de manutenção da vida de si e do outro,
afinal “dentro do todo que é a biosfera, por exemplo, para haver uma certa estabilidade é necessário que haja muita diversidade de espécies. Sua
86
redução pode causar perturbações que, a médio e longo prazo, podem
causar o colapso de todo o sistema” (COUTO, 2007, p. 34)
A partir destas reflexões acerca dos princípios da ideologia da
vida e da natureza relacional da comunicação e das organizações, torna-se possível a compreensão das organizações não só como produtoras
de objetos discursivos, mas elas mesmas como objetos discursivos em
si, capaz de serem analisados pela ADE. Neste ínterim, apontamos que
as organizações existem no ecossistema em que os sujeitos estão inseridos, existência esta essencialmente ligada a seus discursos, fruto de sua
comunicação organizacional, que interferem diretamente no processo
de sociabilidade instaurado.
De acordo com as ideias expostas acima, posicionamos o nosso
entendimento a respeito comunicação organizacional considerando-a
enquanto um processo complexo que interfere diretamente na construção e na manutenção da vida organizacional, seja enquanto dispositivo
técnico, seja enquanto dispositivo de linguagem (dispositivo de enunciação), seja enquanto discurso em si.
Sendo assim, infere-se que a comunicação, através da linguagem,
da língua viva, configura-se na força de interação social que é capaz de
reger não só de organizações, mas do planeta. Desse modo, quanto mais
próximas estiverem as formas de comunicação estabelecidas de seus
princípios fundantes, maior será o potencial de defesa da vida e de majoração das existências.
3. ALGUMAS NOTAS EM CONCLUSÃO
Como vimos, ao pensarmos a gênese da comunicação e da comunicação organizacional, sentimos que elas têm em seus íntimos os princípios e a lógica dos valores propostos pela ecologia profunda, pois em
sua natureza está presente a noção da ideologia da vida.
Ao olharmos o processo de comunicação, é preciso levarmos em
conta não mais o viés da comunicação linear e instrumental, mas sim
considerarmos as transformações relacionadas aos avanços tecnológicos e ao papel que a mídia desempenha no atual contexto contemporâneo. Acreditamos que esses fatores incidem diretamente na qualidade
dos processos relacionais estabelecidos entre os sujeitos em sociedade
e entre a sociedade e o meio ambiente.
87
Sodré (2002) entende que a atual fase de midiatização dos processos comunicacionais como um quarto âmbito de existência na qual
é a lógica mercadológica que predomina e mesmo dá as cartas do jogo
levando a uma nova qualificação cultural e a novas formas de sociabilidade que, consequentemente, leva as pessoas a um novo regime social
no qual estão intimamente ligadas, porém fragmentadas e distantes em
termos de relações afetivas humanas. Como consequência disso, podemos notar uma postura crescente em torno do antropocentrismo que
leva ao desrespeito e desvalorização do principio fundamental da comunicação: a manutenção das mais diversas formas de vida no planeta.
No limiar entre a natureza da comunicação organizacional e a
evolução das tecnologias da comunicação associadas à lógica do capital
e ao lucro, por vezes, ocorrem distorções tamanhas em seus usos discursivos que depõem contra sua própria essência: verdadeira degradação e desprezo pela vida no planeta em nome da suposta satisfação das
necessidades, só que desta vez, não necessariamente vitais. A garantia
da sobrevivência única e exclusivamente humana, do mesmo modo que
a garantia da sobrevivência individual, inevitavelmente leva ao colapso
do sistema, pois não há vida isolada, sozinha. Há de se conceber a noção
consciente de que se o outro não sobreviver, o eu também não sobrevive.
Fausto Neto (2005) afirma com propriedade que o processo de
midiatização cria um novo ambiente (seja individual, seja organizacional) tanto da informação, em termos de conteúdos e fluxos, quanto da
comunicação, em seus aspectos relacionais e de produção de afetações.
Acredita que por meio das tecnologias, de seus dispositivos e linguagem
ganha forma um entendimento de comunicação que possibilita ver os
meios como pulsões que instituem e põem em andamento um novo tipo
de real, no qual as bases da interação social não mais se estabelecem
através de laços sociais entre os seres humanos, mas, isto sim, por meio
de interações sociotécnicas.
É em nome de certa força transformadora de modos de sociabilidade que a comunicação organizacional por vezes midiática carrega
o potencial de gerar e alimentar formas culturais de ser e fazer e, por
isso, acredita-se que seja capaz de disseminar seus valores essenciais de
modo a não querer impor a forma de vida humana sobre as demais, mas
pelo contrário, buscar discursos que em vez da competição sejam capa88
zes de gerar a harmonia, a comunhão e o modo colaborativo de vivência
no ecossistema, em nome da ideologia da vida que ocupa a centralidade
e a razão de sua existência.
Há que se pensar uma ética específica para a comunicação em organizações, a partir da lógica da ecologia profunda, que preveja limites
e mecanismos de regulação interna. A partir do ponto de vista da ADE,
recomenda-se que se tenha como baliza a luta contra qualquer tipo de
sofrimento e a defesa da vida.
Esse modo de pensar, advindo da ADE, permite-nos ir além da
análise da perspectiva da ideologia do cotidiano e das relações de poder. “Nos permite olhar para um contexto social/natural estruturado na
complexidade e em constante processo de mutação” (COUTO, 2013, p. 7)
REFERÊNCIAS
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BALDISSERA, Rudimar. Comunicação Organizacional: uma reflexão
possível a partir do paradigma da complexidade. In: Oliveira, Ivone
de L.; Ana Tereza N. (Org). Interfaces e tendências da comunicação no
contexto das organizações. São Caetano do Sul, SP: Difusão, 2008.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
COUTO, Elza Kioko. Ecolinguagem. In: Antropologia do Imaginário,
Ecolinguística e Metáforas. Brasília, DF: Theseaurus, 2014.
COUTO, Elza Kioko; COUTO, Hildo; BORGES, Lorena. Análise do discurso Ecológica. 2013.
COUTO, Hildo Honório do. Ecolinguística: Estudo das relações entre
língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus, 2007.
FAUSTO NETO, Antônio. “Midiatização: Prática Social, Prática de
Sentido?” Paper apresentado no Seminário Internacional da Rede
Prosul – CNPq. São Leopoldo, 2005.
FAUSTO NETO, Antônio. Comunicação das organizações: da vigilância aos pontos de fuga. OLIVEIRA, Ivone de L. SOARES, Ana Thereza N.
(Orgs). Interfaces e tendências da comunicação no contexto das organizações, São Caetano do Sul: Difusão Editora, (2008). P. 39-64.
89
FRANÇA, Vera Veiga; CORREA, Laura (orgs). Mídias, instituições e valores. Belo Horizonte: Autêntica Difusora, 2012.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru, EDUSC, 2001.
LITTLE JOHN, S. Fundamentos Teóricos da Comunicação Humana.
RJ: Zahar, 1983.
MARCHIORI, Marlene. Um giro na concepção de estratégias comunicacionais. X Encontro do Fórum Iberoamericano de Estrategias de
Comunicação. Republica Dominicana, 12 a 14 de julho de 2012.
PERUZZOLO, Adair. Comunicação como Encontro. Bauru, SP: Edusc,
2006.
SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
90
|6|
RESSIGNIFICAÇÃO DOS PROCESSOS COMUNICACIONAIS
A PARTIR DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS: UM REPENSAR
SOBRE O ENSINO DE RELAÇÕES PÚBLICAS
Maristela Romagnole de Araújo Jurkevicz1,
Joaquim José Jacinto Escola2 e Regiane Regina Ribeiro3
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar o projeto de tese
proposto junto ao curso de Doutoramento em Ciências
da Educação, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro, em Portugal. A ênfase no trabalho é pesquisar, avaliar e propor alternativa de arquitetura curricular para
o Projeto Pedagógico de Curso (PPC), da habilitação em
Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina
(UEL), contemplando o uso das Tecnologias da Informação
e Comunicação (TIC), a partir de literatura específica e das
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s). Para o desenvolvimento do estudo, pretende-se elaborar uma pesquisa em-
Professora do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de
Londrina. Mestre em Educação pela UEL. Doutoranda em Ciências da Educação na Universidade de Trás-Montes e Alto Doro.
1
Professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e do programa
de mestrado e doutorado na linha de pesquisa Filosofia da Educação e Espaço
Público, professor da Escola Superior de Educação de Torres Novas e professor
assistente visitante na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Doutor
em Educação na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Doro.
2
Professora adjunta da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Professora Permanente do Mestrado em Comunicação na linha de pesquisa Comunicação, Educação e
Formações sócio-culturais. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
3
pírica de cunho qualitativo, com estratégias metodológicas
do estudo de caso.
Palavras-chave: Relações Públicas; Tecnologias da
Informação e da Comunicação; Ensino Superior de
Relações Públicas.
1 INTRODUÇÃO
Vive-se a quarta revolução da informação - a Sociedade da
Informação, precedidas primeiramente pela invenção da escrita, livro
escrito e posteriormente, a imprensa. Esta última que estamos vivenciando, teve início com o avanço das tecnologias da informação e de sua
convergência com as tecnologias de comunicação, dando origem aos que
alguns autores chamam de “economia em rede” ou “sociedade em rede”
(Amaral, 2007, p.86). A questão central da Sociedade da Informação é a
aquisição, armazenamento, processamento, transmissão, distribuição e
disseminação da informação, sendo a matéria prima desta sociedade, a
inteligência e o domínio dos fluxos de informação.
Três fenômenos estão interrelacionados e são responsáveis pela
transformação em curso, conforme apresenta o Livro Verde da Sociedade
da Informação no Brasil (2000); a convergência da base tecnológica propiciada pela digitalização, pois todo tipo de informação pode ser representada e processada de forma digital. O segundo aspecto refere-se à
popularização do uso dos computadores, possibilitado pela queda consecutiva de seu preço, como consequência da dinâmica da indústria e da
competitividade. E como último aspecto, o crescimento vertiginoso da
Internet em termos de conectividade internacional num curto espaço
de tempo, em oito anos (91 a 98) a Internet se disseminou por praticamente todo o mundo, propiciando conectividade a países até fora de redes e substituindo outras tecnologias mais antigas (Bitnet, Fidnet, etc).
Com a difusão da informação à velocidade luz pelos media e com
a utilização em larga escala dos computadores para armazenar a informação, Tornero (2007) adverte para a multiplicação das fontes de saber.
92
Desta forma, a palavra conhecimento, ganha um novo sentido, conforme destaca o autor: “Impulsionado pela tecnologia, o discurso consumista promove a ideia de uma nova revalorização do conhecimento –
mas de um conhecimento expandido e global que se estende por todas
as épocas e todos os espaços” (TORNERO, 2007, p.33).
Diante desta nova realidade, o ensino e professores encontram-se
frente a novos desafios, tornar a instituição escolar um lugar mais atraente para os alunos e propiciar os meios para uma compreensão crítica
da sociedade da informação. O papel da escola em todos os níveis, do
fundamental ao Ensino Superior, também passa por transformações, na
medida em que a tecnologia proporciona a abertura de novos espaços
de aprendizagem.
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e suas aplicações, bem como suas implicações nos processos educacionais ganham
novas perspectivas diante do mundo globalizado, onde a difusão da informação e do conhecimento acontece de forma acelerada e contínua,
assim como o desenvolvimento científico e tecnológico. Neste contexto,
faz-se necessário refletir sobre os princípios que fundamentam as ações
no processo educativo, buscando enquadrar os desafios para os educadores com relação ao uso das TIC de maneira crítica, no processo de
construção do conhecimento.
Já, nas organizações, a globalização e a revolução tecnológica da
informação e das comunicações estão exigindo a concepção de um planejamento estratégico de comunicação que priorize o relacionamento
com seus públicos de interesse. Cada vez mais, as empresas atuam ligadas à internet, para gerar novos negócios, lucros e comunicar-se com os
seus públicos. Neste novo ambiente de trabalho, as inovações tecnológicas digitais propiciam uma ressignificação dos processos comunicacionais e uma postura diferenciada dos profissionais de comunicação.
Para o Ensino Superior de Relações Públicas (RP), a incorporação
do uso das TIC nas disciplinas do curso e a preparação do aluno para
habilitá-lo a compreender e selecionar as tecnologias mais adequadas
para os projetos de comunicação traz novos desafios a partir das demandas e expectativas atuais do mercado, cada dia mais competitivo e
globalizado. A realidade vivenciada pelos egressos no mundo do traba-
93
lho faz emergir novos contornos com o uso das tecnologias digitais, e
com isto, os currículos precisam ser repensados.
1.1 JUSTIFICATIVA
Para a realização da investigação proposta na tese, o recorte de
pesquisa está vinculado às Tecnologias da Informação e Comunicação
no contexto das Relações Públicas e sua inserção no ensino superior da área, verificando sua incorporação no curso de Comunicação
Social – habilitação em Relações Públicas da Universidade Estadual de
Londrina, com oferta no período matutino e noturno. Trata-se de uma
Universidade Pública, mas precisamente no Estado do Paraná, situada
na cidade de Londrina.
O Curso de Comunicação Social com habilitação em Relações
Públicas teve sua criação através da Resolução nº. 202, de 15.12.73, sendo implantado na UEL em 01.08.744. Nesta mesma década, ocorreu a
proliferação das escolas de comunicação e o surgimento de novos cursos no país, conforme relata Kunsch (2002), período em que aconteceu
também, uma acomodação da categoria proveniente da regulamentação da profissão. O Curso foi reconhecido pelo Decreto Federal nº.
83.656, de 28.06.79, com a permissão de conferir o Grau de Bacharel em
Comunicação Social a seus egressos.
Duas habilitações eram oferecidas no primeiro currículo do curso:
Jornalismo e Polivalente. Os aprovados no vestibular matriculavam-se
em Comunicação Social e depois de dois anos cursados, correspondentes à parte teórica do curso, o aluno escolhia uma das duas habilitações.
Mas na Polivalente, antes mesmo de começar o primeiro período do
profissionalizante, alunos e professores discutiram a substituição dessa
habilitação por Relações Públicas, que teve início no segundo semestre
de 1976.
Em 2004 houve um avanço significativo e definitivo para o curso,
com a separação dos colegiados dos cursos de Comunicação Social, conseguindo assim maior autonomia didática e pedagógica. Atualmente, o
Dados históricos extraídos e sintetizados do Projeto Pedagógico do Curso
de Comunicação Social - habilitação em Relações Públicas da UEL, Londrina,
p.1-104, 2009.
4
94
Curso de Comunicação Social - habilitação em Relações Públicas mantém as especializações: Comunicação com o Mercado e Comunicação
Organizacional, que objetivam atualizar os conhecimentos de graduados em Relações Públicas e de profissionais de outras áreas sobre as novas tendências das Relações Públicas e da Comunicação Organizacional
aplicadas em empresas e em outras organizações.
A maioria do corpo docente tem contrato de 40 horas semanais
em regime de TIDE – Tempo integral e dedicação exclusiva. Os docentes estabelecem significativos vínculos com a Pesquisa e Extensão, além
das atividades de Ensino, o que caracteriza a preocupação com os objetivos maiores de uma Universidade.
A duração mínima do curso é de 4 anos e a máxima de 8 anos, e
o sistema acadêmico vigente é o Seriado Anual, com uma carga horária total de 2700 (duas mil e setecentas) horas. Encontra-se atualmente em vigor o projeto pedagógico do curso, estabelecido e aprovado
pela resolução CEPE nº 0258/2009, com início de seu funcionamento em 2010, somente nas duas primeiras séries (matutino e noturno).
Gradualmente a cada ano uma nova série foi implantada, completando em 2013 a totalidade da grade curricular proposta, com o oferecimento de todas as séries (1ª a 4ª série). Antes deste, o projeto pedagógico anterior funcionou no período de 2002 a 2012. Por dois anos
(2010-2012) vigoraram dois currículos. O número de matriculados por
turma é de 20 alunos para cada turno.
A concepção do projeto político pedagógico que passou a funcionar a partir deste período foi fruto de constantes avaliações feitas pelos
próprios professores e alunos do curso. Como participante ativa da reformulação deste último projeto, principalmente, nos dois últimos anos
(2008/2009), esta autora esteve à frente da Coordenação de Colegiado
do Curso e da Comissão Pedagógica tendo como principal tarefa a finalização do projeto e a promoção de discussões com os membros da área,
discentes e do Colegiado.
Atualmente, encontra-se novamente em discussão mudanças a serem incorporadas no projeto do curso em decorrência das
Novas Diretrizes Curriculares Nacionais aprovadas em 2013. Para tanto, a área de Relações Públicas da UEL, montou um Núcleo Docente
Estruturante (NDE) do Curso em 11 de março de 2014, com uma co95
ordenação e professores, com a incumbência de elaborar uma nova
proposta pedagógica.
As TIC no contexto das Relações Públicas apareceram recentemente na bibliografia da área, no Brasil, em alguns estudos acadêmicos, nos trabalhos de Conclusão de Curso da graduação, dissertações
de mestrado, teses de doutorado, além de artigos em revistas científicas
e do material existente no Portal de Periódicos da Capes/CNPq que serão investigados e apresentados nesta tese posteriormente, entre outras
fontes de pesquisa.
1.2 PROBLEMATIZAÇÃO E QUESTÕES NORTEADORAS
Como docente do Ensino Superior na rede pública há mais de vinte anos, no Curso de Comunicação Social, com habilitação em Relações
Públicas, esta pesquisadora participou da coordenação do curso e da última reformulação do Projeto Pedagógico do Curso finalizada em 2009,
com implantação em 2010. As novas Diretrizes Curriculares Nacionais
aprovadas em 2013 demandarão novas alterações curriculares, discussões e novas propostas para o ensino da área.
A partir de conversas em reuniões com os colegas de curso e com
os alunos, bem como com os egressos que constantemente aparecem na
academia para dar palestras e em congressos científicos, constatou-se
um descompasso entre as tendências e as expectativas do mundo do trabalho e a preparação dos acadêmicos, que posteriormente se tornarão
profissionais de Relações-Públicas5. Percebeu-se que as evoluções tecnológicas digitais não são incorporadas no ensino de Relações Públicas
na mesma velocidade que o mundo do trabalho necessita.
Ao se falar em trabalho é preciso refletir sobre a formação profissional oferecida pelos cursos de Comunicação Social com habilitação
em Relações Públicas, pois como a proposta é formar Bacharéis, a discussão que surge na academia é formar ou não profissionais com principal foco no mercado. Como está o cenário desta profissão, quais são os
indicadores de formados na área e absorvidos na pesquisa/docência e
Relações-Públicas com hífen refere-se ao profissional e Relações Públicas
sem hífen a atividade. Font: Portaria nº 116, de 09 de maio de 2011, do Conferp.
Disponível em http://www.conferp.org.br/?p=2728. Acesso em: 11de nov. 2013.
5
96
outros que trabalham em organizações de primeiro, segundo e terceiro
setor? Estas questões são relevantes quando se pensa na empregabilidade, ou seja, habilidades e competências para o exercício profissional.
Para Rueda, Martins & Campos (2014) são as ações empreendidas pelas
pessoas para desenvolver habilidades e buscar conhecimentos favoráveis, que possibilitem conseguir colocação no mercado de trabalho, formal ou informal.
A atuação dos profissionais formados nos cursos de Comunicação
Social do país ocorre no mercado de trabalho ou mundo do trabalho. O
entendimento das distinções entre estas terminologias está no âmbito
da educação, vista sob a ótica da sociedade capitalista, inserindo suas
contradições históricas das mudanças nos modelos de gestão nas organizações empresariais e suas interfaces com o trabalhador.
Neste sentido, Oliveira & Almeida (2009, p.155) reconhecem a
educação para o mercado como aquela em que:
[...] os processos educativos foram modificados em cada modelo de produção, no atendimento às exigências das empresas, resultando em um investimento que trouxesse um índice maior de produtividade e, por consequência, mais lucro.
(OLIVEIRA; ALMEIDA, 2009, p.155).
Desta forma, a educação passa a ser vista como um produto mercadológico, junto com uma visão imediatista, priorizando os resultados
de curto prazo, desconsiderando-se o contexto social, interferências
culturas e políticas. Ao mesmo tempo, as autoras evidenciam que no espaço do trabalho aparecem diferentes processos educativos, onde o conhecimento é colocado em prática, estimulando novas formas de pensamento, possibilitando a emancipação do trabalhador, contrapondo-se
às ideias pragmáticas do modelo neoliberal.
É nesta perspectiva que a educação deve estar alicerçada, na
busca de uma educação integral do homem, não somente para o trabalho, mas para a sociedade. Portanto, a educação para o mundo do trabalho, transcende para a possibilidade do fazer diferente, de tornar o
trabalhador mais do que um apêndice da máquina, mas de um sujeito
participativo em todas as esferas, na familiar, comunitária ou escolar,
por meio do diálogo.
97
Assim sendo, o trabalho, a profissão, é o modo como os indivíduos
se inserem e agem no mundo, na sociedade, incorporando-se os saberes
escolares, sociais, trajetórias pessoais, experiências profissionais, suscitando as diversas dimensões da formação humana. Para o nosso estudo,
selecionamos a terminologia mundo do trabalho.
A tecnologia digital traz muitas facilidades, bem como desafios
para o ensino superior, especialmente para a graduação de Comunicação
Social – habilitação em Relações Públicas. A sua evolução de maneira
acelerada na atualidade, provocou mudança de hábitos nas organizações e na sociedade em geral. Para Grunig (2011), este cenário tem reflexos na atividade de Relações-Públicas, pois atribui um grau de flexibilidade e precisão da informação, em tempo real, o que, até recentemente,
não fazia parte da realidade do comunicador com essa velocidade e interatividade.
O ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico, juntamente
com o avanço da internet criaram uma lacuna entre o mundo do trabalho e os cursos que preparam os futuros profissionais de RelaçõesPúblicas, deixando-os de certa forma defasados. Aliado a este descompasso entre academia e organizações, os meios de comunicação não
são exclusivamente digitais, e os tradicionais, muitas vezes tem uma
versão online. Fica evidenciado a necessidade de se conhecer cada dia
mais as relações entre a velha e a nova mídia e entre a tecnologia e o
mercado, além dos paradigmas teóricos que fundamentam o pensamento comunicacional.
Neste sentido, a atuação do profissional de Relações-Públicas precisa ser repensada, no mundo do trabalho e no significado da profissão
para a sociedade. Para tanto, ao se refletir no perfil do novo profissional,
deve-se pensar no Projeto Pedagógico do Curso (PPC), e neste tocante,
verificar a inserção dos conteúdos digitais que o curso tem ofertado em
seu programa curricular. Cabe ressaltar, que a centralidade da comunicação na sociedade contemporânea implica no fortalecimento desse
campo de estudos na academia.
O profissional de Relações-Públicas na contemporaneidade precisa ter uma série de competências para lidar com suportes técnicos
para o aprimoramento das práticas comunicativas, além de embasamentos teóricos que permitam compreender as tecnologias digitais, re98
cursos que não podem ser vistos como algo complementar ao contexto
da comunicação integrada, que de acordo com Kunsch (2008), engloba
diversas formas de comunicação (institucional, mercadológica, interna
e administrativa).
A partir dessas reflexões, o problema de pesquisa selecionado
para estudo implica responder as seguintes questões norteadoras: a)
Como o ensino superior de Relações Públicas da Universidade Estadual
de Londrina insere as Tecnologias da Informação e Comunicação na
formação profissional de seus alunos? b) De que forma a Comunicação
Educativa pode contribuir na discussão da inserção das TIC no Ensino
Superior de Relações Públicas, promovendo um questionamento sobre o
modelo vigente universidade/mercado, fortalecendo a emancipação do
indivíduo no contexto social?
c) De que forma as orientações das Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN’s) do curso de Relações Públicas podem ser incorporadas na construção de uma nova arquitetura curricular, de modo a contemplar o mundo do trabalho do egresso na contemporaneidade, no que
se refere ao uso das TIC?
O objeto teórico de investigação refere-se a duas abordagens complementares, as Tecnologias da Informação e Comunicação no contexto da profissão de Relações-Públicas, e o ensino da área. Ambas com
poucas publicações sobre a temática, apesar de despertar interesse e
discussões por parte de egressos e de professores da área.
Como objetivo geral decorrente do problema de pesquisa pretende-se pesquisar, avaliar e propor alternativa de arquitetura curricular para o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Comunicação
Social – habilitação em Relações Públicas da Universidade Estadual
de Londrina, contemplando o uso das TIC, a partir de literatura específica e das DCN’s.
E como desdobramentos destes objetivos, os específicos terão
os seguintes propósitos: Analisar a literatura contemporânea sobre
o cenário digital, na perspectiva das Relações Públicas; investigar os
documentos oficiais da área sobre a inserção no cenário digital; identificar os aspectos do cenário digital no curso selecionado para investigação e a concepção sobre as Relações Públicas Digitais; levantar
aspectos da comunicação educativa no ensino superior, para sugerir
99
modificações no uso das TIC que permitam acompanhar seus avanços
na sociedade e no mundo do trabalho.
2 ENQUADRAMENTO
A comunicação pode ser entendida como um instrumento para a
criação da autonomia do sujeito, da cidadania e do espírito crítico em
meio às Tecnologias de Educação, ou às Tecnologias da Informação e da
Comunicação, incluindo as redes sociais que hoje tomam forma na chamada era da globalização. Sendo a comunicação um processo de relacionamento social, é essencial sua interação com outras áreas de conhecimento para que se possa aprimorar esta rede de relacionamentos tão
complexa com a qual cada um de nós se depara nos campos de trabalho.
O dinamismo da rede de informações existente é indiscutível e
habilita cada um dos indivíduos a superar dificuldades e criar uma novidade científica num curto espaço de tempo e com a participação de pessoas que, apesar de fazerem parte de uma mesma rede de informações,
não necessitam compartilhar de um mesmo espaço físico.
Destaca-se que essas novas configurações do ambiente social global vão exigir das organizações e da academia novas posturas. A organização precisará de um planejamento mais apurado de sua comunicação
para o relacionamento mais adequado com os públicos, opinião pública
e sociedade em geral. Já, a academia demandará a formação de profissionais com maior flexibilidade e autonomia para gerenciar as redes de
comunicação.
As organizações privadas exercem um papel fundamental dentro
do processo de globalização, pois segundo Armand Mattelard (1994),
[...] não somente a empresa se converteu em um ator social
de pleno direito, exprimindo-se cada vez mais em público
e agindo politicamente sobre o conjunto dos problemas da
sociedade, mas, também, suas regras de funcionamento, sua
escala de valores, e suas maneiras de comunicar, foram progressivamente, impregnando todo o corpo social. (MATTELARD, 1994, p.246-247).
Todos esses aspectos estão provocando novas formas de sociabilidade e novas posturas dos agentes responsáveis pelas comunicações,
100
dos setores públicos e privados e de segmentos da sociedade civil, alterando também a formação profissional de nível superior. Aliado a estes
fatores, esse avanço tecnológico nas telecomunicações, imprensa, rádio,
televisão, computadores, estabelece um novo processo comunicativo
social, gerando implicações de ordem técnica, ética e moral.
Uma das expressões mais fortes da sociedade midiática é a web
– rede mundial de computadores, apontada por Manuel Castells (2003,
p.287), ao afirmar a existência de uma sociedade em rede e dominada
pelo poder da internet:
[...] a internet não é simplesmente uma tecnologia; é um
meio de comunicação que constitui a forma organizativa de
nossas sociedades; é o equivalente ao que foi a fábrica ou a
grande corporação na era industrial. A internet é o coração
de um novo paradigma sociotécnico, que constitui na realidade a base material de nossas vidas e de nossas formas de
relação, de trabalho e de comunicação. O que a internet faz é
processar a virtualidade e transformá-la em nossa realidade,
constituindo a sociedade em rede, que é a sociedade em que
vivemos.
Os cenários que as organizações se deparam frente às novas mídias digitais, incluindo a internet, são mutantes e complexos, onde o
que predomina é a incerteza global, conforme destaca Anthony Giddens
(2003). São nestes novos ambientes, que elas precisam operar e garantir
sua sobrevivência para cumprir a sua missão, visão e inserir seus valores. O grande desafio para a instituição escolar, incluindo o ensino superior, segundo Ribeiro (2009, p.37) é:
[...] entender que o desafio da globalidade é, também, um desafio da complexidade. Existe complexidade, de fato, quando
os componentes (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo), que constituem um todo, são inseparáveis, existindo um tecido interdependente, interativo e
interretroativo entre as partes e o todo, assim como entre o
todo e as partes. (RIBEIRO, 2009, p.37)
Em ambos os contextos (organizações e escola) a comunicação
assume um papel primordial, passando a ser considerada mais estratégica do que no passado. Neste sentido, o poder que a comunicação e
101
a mídia exercem na sociedade contemporânea é incontestável. Sendo
assim, a comunicação passa a ser vista não mais como um instrumento
de informações, mas como um processo básico e como um fenômeno
nas organizações.
Dominique Wolton destacou este poder no livro Pensar a
Comunicação (2004, p.27), afirmando o seguinte: “A comunicação é um
dos mais brilhantes símbolos do século XX; seu ideal de aproximar os
homens, os valores e as culturas compensa os horrores e as barbaridades de nossa época.” O autor reafirmou em sua obra seguinte, É preciso salvar a comunicação (2006), a comunicação como uma das maiores
questões do século XXI.
Barroso e Escola (2013, p.218) concordam com a relevância da comunicação na sociedade contemporânea e apontam algumas características que a tornam um elemento de ligação e inclusão social:
A comunicação tornou-se mais fácil, situação que veio reforçar o seu caráter vital, deixando perceber a necessidade de
cada um estar em constante ligação com todos os elementos
constituintes da rede social. Por telemóvel ou por computador, o novo paradigma em ascensão é marcado pelo desejo de
inclusão social, pela necessidade de ligação através de uma
rede virtual, pugnando para que cada um não seja arremessado para a zona de exclusão social em virtude de não estar
online ou de se viver à margem da cidade informacional, privado do contato e alheado de tudo o que é dito ou de tudo o
que acontece. (BARROSO; ESCOLA, 2013, p.218).
A convergência midiática presente no dia-a-dia de cada cidadão
é uma realidade também nas organizações, ocorrendo com a mesma
intensidade, já que estas são partes integrantes da sociedade formadas
por pessoas que se comunicam e se relacionam, por meio da comunicação interpessoal, grupal e todas as mídias tradicionais e digitais.
Portanto, a valorização da comunicação ocorre tanto na sociedade,
como também nas organizações.
Novos instrumentos ou suportes, jargões e novas palavras, siglas do mundo digital surgem, como: e-mail, internet, blogs, blogosfera,
wiki’s, wikipedia, sala de imprensa, chats, banco de dados, conectividade, interatividade, conexão, links, redes sociais de conversação, MSN,
102
Second Life, Web 2.0, Web 3.0, entre tantos outros meios e instrumentos
disponíveis. Todos estes novos suportes podem e estão sendo utilizados
por organizações e públicos, bem como pelos atores e produtores das
indústrias das comunicações e agentes responsáveis pela comunicação
organizacional.
A comunicação nas organizações opera sob novos paradigmas e
a comunicação digital ocupa um espaço de destaque na convergência
midiática pelo poder de interatividade que possui nos relacionamentos
institucionais e mercadológicos com os públicos e a opinião pública.
Neste sentido, mais do que nunca, as organizações vão prescindir de
uma comunicação viva e permanente, sob a ótica de relações públicas.
Kunsch (2007) destaca esta questão:
Uma filosofia empresarial restrita ao marketing certamente
não dará conta do enfrentamento dos grandes desafios da
atualidade. Elas terão que se valer de serviços integrados
nessa área, pautando-se por políticas que privilegiem o estabelecimento de canais efetivos de diálogos com os segmentos
a elas vinculados e, principalmente, a abertura das fontes e à
transparência de suas ações. (KUNSCH, 2007, p.42)
De acordo com Corrêa (2009) essa ambiência digital aponta para
uma realidade na qual as características físicas serão cada vez mais
baseadas nas conexões digitais em diversas formas e categorias. Neste
contexto multimidiático digital, exige-se dos profissionais domínio sobre essas novas tecnologias. Todas precisam estar alinhadas à política
de comunicação da organização, acrescidas das especificidades, necessidades e expectativas dos diferentes públicos diante dos meios digitais.
Para manter uma comunicação com resultados na web, Terra
(2006, p.38) considera imprescindível para a organização realizar um
planejamento de Relações Públicas, na qual a palavra-chave deve ser
o relacionamento. “Os meios de comunicação digitais permitem uma
aproximação e um contato maiores com os públicos do que as estratégias tradicionais utilizadas pela comunicação.” Sendo assim, todo o
processo comunicacional precisa ser pensado/planejado e direcionado
estrategicamente para a realidade do novo cenário digital.
Para Kunsch (2007), com a internet a formação de públicos virtuais é uma constante e incontrolável, tendo que se considerar novas
103
configurações e novos conceitos, tais como “comunidade virtual”, “redes sociais”, “redes digitais. Desta forma, o tema de relacionamento com
públicos ultrapassa fronteiras geográficas, envolvendo as redes sociais
criadas no ciberespaço, que também podem provocar mudanças comportamentais, implicando novas formas de atuação para as relações públicas e a comunicação nas organizações.
Vislumbra-se diante destas mudanças, uma nova definição do
trabalho de Relações Públicas, à medida que a tecnologia da informação, a internet e a reestruturação organizacional crescem em ritmo
acelerado. Esses aspectos têm força para mudar a forma de construção
das relações, que são conhecidas, hoje, como Relações Públicas, afirma
Lattimore et al (2012), consequentemente a academia precisa repensar
a maneira de ensinar a profissão.
Para alcançar os objetivos propostos no projeto de tese, pretende-se utilizar como procedimento metodológico uma pesquisa de campo,
característica das pesquisas exploratórias, com estratégias metodológicas do estudo de caso (Yin, 2005). A unidade-caso a ser analisada será
o Curso de Comunicação Social – habilitação em Relações Públicas da
Universidade Estadual de Londrina.
Trata-se de uma abordagem metodológica de investigação especialmente adequada quando o objetivo é procurar compreender, explorar ou descrever acontecimentos e contextos complexos, nos quais
estão simultaneamente envolvidos diversos fatores. A investigação, sob
a forma de estudo de caso, emprega vários métodos e técnicas para recolha de informações, entre eles as entrevistas, a observação participante e os estudos de campo. A utilização destes diferentes instrumentos
constitui uma forma de obtenção de dados de diferentes tipos, os quais
proporcionam a possibilidade de cruzamento de informação, criando
condições para uma triangulação dos dados, durante a fase de análise
dos mesmos.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do cenário apresentado, constata-se a imprescindibilidade
da comunicação, em todos os seus formatos e esferas; unidirecional, bidirecional, virtual, nas relações sociais, nas empresas. Portanto, a comunicação que se fazia há 10 anos não é a mesma hoje, alterando também a
104
postura do profissional que irá trabalhar nas organizações sociais. Essas
mudanças precisam estar incorporadas nos currículos das faculdades
de ensino superior, responsáveis pela formação dos futuros profissionais para atuar no mundo do trabalho, especialmente nos cursos fundamentados no estudo das comunicações e das relações sociais, como é o
caso, das Relações Públicas.
A partir de uma nova arquitetura curricular e uma compreensão mais apurada das TIC no ensino e o seu uso nas organizações, será
possível desenhar um novo perfil do profissional de Relações Públicas,
alinhado com as novas tendências e com o cenário digital. Esta é a pretensão do projeto de tese apresentado neste artigo, promover a reflexão,
discussões, críticas e análises sobre a temática proposta, bem como gerar novas perspectivas de estudo, abordagens e enfoques.
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107
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EAD EM RELAÇÕES PÚBLICAS: ANÁLISE DOS CURSOS
SIMILARES OFERECIDOS
Simone Alves de Carvalho1
RESUMO
Este artigo é resultado das análises realizadas em documentos das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), em
sites de educação a distância (EAD) e de pesquisa exploratória online, dos cursos oferecidos na modalidade EAD que
estão relacionados com a formação em Relações Públicas
(RP), sejam eles de graduação, pós-graduação ou extensão. Assim sendo, foram pesquisadas as novas Diretrizes
Curriculares Nacionais, o perfil do egresso e os cursos oferecidos nessa área. Obteve-se como resultado uma leitura
inicial sobre como os cursos na área de Relações Públicas
podem ser ofertados na modalidade a distância.
Palavras-chave: Relações públicas; graduação; educação a
distância; comunicação social.
Simone Alves de Carvalho é graduada em Relações Públicas pela ECA-USP;
MBA em Gestão Empresarial pela FGV; mestre e doutoranda em Ciências da
Comunicação pelo PPGCOM-USP; com especialização em andamento em Gestão e Inovação em EAD pela FEARP-USP; e pesquisadora do Grupo de Pesquisa
Comunicação Pública e Comunicação Política da ECA-USP. E-mail: simonecarvalho@usp.br.
1
INTRODUÇÃO
O bacharel em Relações Públicas (RP) tem como atividades principais o planejamento e a gestão da comunicação integrada da organização, seja ela pública ou privada e independentemente do seu porte;
estas organizações devem manter boas relações públicas através das
práticas de comunicação institucional, mercadológica e administrativa,
estando organizadas através do planejamento estratégico da comunicação integrada (KUNSCH, 2003).
No entanto, são utilizadas no mercado de trabalho muitas nomenclaturas correlatas, tais como assessoria de imprensa, relações com a
mídia, relações com investidores, entre outros (KUNSCH, 2003); além de
coexistirem profissionais formados tanto em relações públicas quanto
em diversas áreas, tais como jornalismo, marketing, publicidade, administração e mesmo graduados nas áreas de exatas e biológicas atuando
na área de comunicação integrada (NASSAR; FIGUEIREDO, 2007). Essa
dificuldade em encontrar disponibilidade de emprego sob a alcunha
correta de acordo com a Lei nº 5.377 de 1967 prejudica o conhecimento
tanto do mercado profissional quanto dos estudantes do ensino superior sobre essa área de trabalho e suas atividades.
O curso de graduação em Relações Públicas é oferecido na modalidade educação a distância (EAD) em poucas Instituições de Ensino
Superior (IES). Em 2013 foram homologadas as novas Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCNs) para a graduação como bacharel em
Relações Públicas, sendo que a proposta básica era transformar as antigas habilitações em cursos, todas sob a grande área de conhecimento
de Comunicação Social, ao reduzir o número excessivo das nomenclaturas vigentes para terminologias específicas dos cursos existentes
(KUNSCH, s/d).
O problema investigado neste artigo é se a formação esperada do
egresso em Relações Públicas tem relação com os cursos oferecidos na
modalidade EAD sobre temas correlatos às RP. Não se pretende oferecer
uma avaliação quantitativa destes, mas sim uma análise qualitativa dos
mesmos. A contribuição é mostrar os diferentes cursos existentes nos
diferentes níveis (graduação, especialização e extensão); se eles estão
formando egressos habilitados para trabalhar na área, ainda que sem a
109
graduação formal exigida pelos conselhos da área (Conselho Regional de
Relações Públicas – CONRERP e Conselho Federal de Relações Públicas
– CONFERP); e apresentar possibilidades de evolução do currículo tradicional existente, visando o aprendizado contínuo do profissional.
O objetivo geral é investigar o conteúdo dos cursos oferecidos
com suporte EAD na área de Relações Públicas, segundo as novas DCNs.
Como objetivos específicos, pretende-se conhecer os conteúdos programáticos curriculares dos cursos oferecidos na modalidade EAD na
área exposta acima, nos níveis de graduação, especialização e extensão;
apresentar um levantamento preliminar realizado online sobre a disposição de frequentar um curso EAD na área de Relações Públicas; confrontar a oferta de cursos na área com os dados obtidos no levantamento realizado e verificar oportunidades de atuação na área de docência
independente, ou seja, sem vinculação direta com alguma instituição de
ensino superior.
REFERENCIAL TEÓRICO
As atividades similares às Relações Públicas são iniciadas historicamente há mais de cinco mil anos, mas tal como é conhecida hoje,
como práticas de relacionamentos entre organizações e públicos de
interesse, com o objetivo de estabelecer diálogos e consensos (PINHO,
2008), surge nas duas primeiras décadas do século XX, com o trabalho
desenvolvido por Ivy Lee para as indústrias de Rockfeller, nos Estados
Unidos (KUNSCH, 2009). A área de relações públicas é responsável por
estabelecer e promover políticas, estratégias e instrumentos de relacionamentos e comunicações entre as organizações de qualquer porte e
natureza, e seus públicos de interesse, que são consumidores, trabalhadores, investidores, mídia, comunidade, entre outros.
Kunsch (2003) advoga que o profissional destacado para ser o
gestor do planejamento estratégico da comunicação integrada das organizações, composta pelas atividades de comunicação administrativa,
institucional e mercadológica deva ser graduado em Relações Públicas,
embora esteja constatado em outras pesquisas (NASSAR; FIGUEIREDO,
2007) que essa indicação nem sempre corresponde à realidade encontrada nas organizações.
110
O primeiro curso superior de Relações Públicas surge na ECA-USP
(que, na época, se chamava ECC – Escola de Comunicações Culturais)
em 1967, mesmo ano em que foi sancionada a Lei nº 5377 que disciplinava a profissão de relações públicas. Historicamente, “a trajetória do
ensino de relações públicas no Brasil está associada aos caminhos delineados pela questão curricular” (MOURA, 2008, p. 688), criado durante
o período do regime ditatorial militar. Para Freitas (2008, p. 695), as IES
estão se adaptando continuamente aos “interesses econômicos, hegemônicos, políticos, sociais” e “às necessidades do sistema”, repensando
assim os conteúdos e práticas dos cursos oferecidos. Embora sejam genéricos em suas propostas,
As diretrizes curriculares oferecem liberdade para que as IES
estruturem os cursos de diferentes formas. Antes de se discutir a sistemática creio que a qualidade do docente, os conteúdos que serão transmitidos e o perfil do egresso que se pretende são questões mais relevantes. (FREITAS, 2008, p. 698)
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação em RP
sofreram modificações por diversas vezes ao longo da história e, recentemente foram realizadas Audiências Públicas Regionais para reelaboração destas diretrizes, que tiveram como pauta norteadora das
discussões as seguintes questões (BRASIL, 2013(a), p. 3):
a) Quais os objetivos para a formação em Relações Públicas?
b) Qual o perfil desejado para o egresso?
c) Quais as competências a serem desenvolvidas no curso?
d) Quais os conteúdos curriculares orientadores para a formação em Relações Públicas?
e) Que critérios podem definir padrões de qualidade para o curso?
f) Que interfaces caracterizam a integração de Relações Públicas com outras áreas?
111
As diretrizes também determinam como características do egresso as seguintes (BRASIL, 2013(a), p. 12):
• O egresso do curso de Relações Públicas deve ser profissional
ético, humanista, crítico e reflexivo, com as seguintes características:
• Capacidade acurada de análise conjuntural, de forma a lidar
quantitativa e qualitativamente com dados estatísticos, econômicos e sociais, transformando-os em indicadores para a elaboração de políticas de comunicação;
• Percepção das dinâmicas socioculturais, tendo em vista interpretar as demandas dos diversos tipos de organizações e dos
públicos;
• Compreensão das problemáticas contemporâneas, decorrentes da globalização, das tecnologias de informação e da comunicação e do desenvolvimento sustentável necessária ao planejamento de relações públicas;
• Entendimento do campo técnico-científico da comunicação,
capaz de estabelecer uma visão sistêmica das políticas e estratégias de relacionamentos públicos;
• Capacidade de liderança, negociação, tomada de decisão e visão empreendedora.
As competências gerais e específicas são (BRASIL, 2013(a), p. 12-13):
Gerais:
• Dominar as linguagens e as técnicas utilizadas no processo de
comunicação e nas diversas mídias, articulando as dimensões
de criação, produção e interpretação;
• Articular de forma interdisciplinar as interfaces existentes nas
diferentes áreas da comunicação, e outros campos do saber,
promovendo a integração teórico-prática;
• Atuar em consonância com os princípios éticos de comunicação para a cidadania, considerando as questões contemporâneas de sustentabilidade;
• Produzir conhecimento científico no campo da comunicação e
112
na área das Relações Públicas e exercer a docência.
Específicas:
• Desenvolver pesquisas, estratégias e políticas que favoreçam
a interpretação qualificada da conjuntura sócio-organizacional;
• Criar, executar e avaliar planos, programas, campanhas e projetos estratégicos de relações públicas integrados às demandas
organizacionais e da opinião pública;
• Sistematizar os repertórios necessários à prática profissional,
nos âmbitos da gestão de processos comunicacionais, da cultura organizacional e das inovações tecnológicas;
• Utilizar técnicas e instrumentos adequados ao desenvolvimento de atividades específicas: assessoria de imprensa, organização de eventos, cerimonial e protocolo, ouvidoria, comunicação
interna, pesquisa de opinião pública e de mercado;
• Realizar serviços de auditoria, consultoria e assessoria de comunicação de empresas;
• Atuar de forma qualificada em atividades de lobby/relações
governamentais e comunicação pública;
• Administrar crises e controvérsias, promovendo ações para a
construção e preservação da imagem e da reputação das organizações.
Sriramesh (2008, p. 506) professa que a formação em RP deve se
fundar em dois pilares principais: um vasto volume de conhecimento e
um corpo docente qualificado, que contribua para o conhecimento do
campo, em consonância com as novas DCNs. Para Kunsch (s/d), ainda
existem necessidades em nível nacional para que as novas diretrizes sejam bem sucedidas, a saber:
• Oferecimento de cursos de atualização e aperfeiçoamento
para professores em nível nacional.
• Avaliação institucional externa e interna dos cursos que vem
sendo oferecidos no País.
• Participação política nas iniciativas e no estabelecimento de
novas políticas do MEC para o ensino.
113
• Participação dos pesquisadores no sistema de bolsas do CNPq
do Ministério de Ciência e Tecnologia.
Em relação às DCNs anteriores, as modificações realizadas em
2013 determinaram que o estágio curricular passa a ser obrigatório,
a estrutura curricular está subdivida em eixos coordenados e a carga
horária mínima obrigatória passou de 2700 horas para 3200 horas de
estudos. Rhoden e Rhoden (2014, p. 21) afirmam que “a inserção, mais
incisiva desse digital no ensino superior da área de relações públicas
também exige, do corpo docente, preparação adequada, aspecto que
merece mais reflexão e estudo”, ou seja, a falta da prática no âmbito digital por parte dos docentes também afeta esse cenário.
Além de elevada qualificação intelectual e domínio de saberes na área, com os novos paradigmas da educação, o professor, cada vez mais, tem papel importante na condução de
estudos, pesquisas e atividades que auxiliem na construção
do conhecimento do aluno. Os gestores e professores dos cursos de relações públicas precisam discutir o impacto que o
cenário digital traz aos egressos e dimensionar a inserção de
maneira mais efetiva no ensino superior da área. (RHODEN e
RHODEN, 2014, p. 21)
Por esses motivos, entende-se que a educação a distância nessa
área deva ser estudada, pois consiste em um momento de grande modificação através das Diretrizes Curriculares Nacionais e no próprio mercado de trabalho, que exige mais qualificação dos oriundos dessa área.
Além disso, é salutar que as pesquisas em RP sejam aprofundadas, pois
a parca produção científica no campo é apontada como um dos fatores
para a falta de inovação ou atualização do mesmo (SCROFERNEKER,
2008). Sobre os cursos de RP na modalidade EAD, Rhoden (2013, p. 125)
afirma que “se no modelo tradicional já são enfrentados muitos problemas, como a evasão e a pouca inserção de egressos no mundo do trabalho, nesta modalidade o desafio é ainda maior, requerendo, inclusive,
docentes mais preparados do que os da modalidade presencial tradicional”, o que pode ser um impeditivo se verificarmos editais recentes de
concursos para professores e tutores e analisarmos os valores pagos por
esses trabalhos.
114
Moran (2003, p. 102) aponta que a área de comunicação tem especificidades, e para ter qualidade, deve “ampliar as possibilidades de
interação, a qualidade do conteúdo, dos educadores e orientadores, a
metodologia inovadora, a variedade de opções de aprendizagem” e que
os cursos devem ser “focados na construção do conhecimento e na interação; no equilíbrio [entre] o individual e o grupal, entre conteúdo
e interação” (MORAN, 2003, p. 104). Entretanto, deve-se ser lembrado
que o ensino superior tem limitações, sendo uma delas que “não se levam em consideração as deficiências da formação anterior dos alunos”
(DURHAM, 2007, p. 23), ou seja, os alunos devem ser preparados não só
para a prática da profissão, mas inclusive para entender o mundo digital quando inserido no contexto da educação a distância mediada pela
internet.
André e Bruzzi (2012, p. 143) corroboram com Durham ao demonstrar em sua pesquisa que “adolescentes na faixa de 15 a 24 anos
têm cada vez menos acesso a educação em detrimento da necessidade
de trabalho para sustento próprio e/ ou familiar”. Esse cenário está longe de ser considerado o ideal para desenvolvimento intelectual, científico, tecnológico e, em última instância, econômico do país. Entende-se
que a EAD seja uma prática educacional determinante para a melhoria
do país em médio prazo.
MÉTODO
O método (VOLPATO et al., 2013) utilizado para a construção deste artigo foi a pesquisa bibliográfica (desk research), por ser o que melhor se encaixa para atingir os objetivos esperados, que inclui conhecer
os conteúdos programáticos em cursos EAD de RP e confrontá-los com
o rol de práticas e conhecimentos que se adequem melhor aos conhecimentos, habilidades e atitudes (BEHAR, 2013) esperados do profissional
que atua em Relações Públicas ou áreas correlatas, de acordo com as
novas DCNs. Além disso, foi realizado um levantamento sobre cursos de
RP oferecidos na modalidade EAD e uma apuração preliminar online sobre a predisposição dos estudantes e profissionais frequentarem cursos
de RP na modalidade EAD.
Para a primeira etapa, os dados foram coletados em livros da área
e em documentos oficiais com as Diretrizes Curriculares Nacionais do
115
curso de graduação em Relações Públicas. A análise foi realizada com
base nas estruturas curriculares e no perfil do egresso esperado pelo
mercado (BRASIL, 2013(a), pp. 12-13).
Na sequência, foram consultados os sites do Anuário Brasileiro
Estatístico de Educação Aberta e a Distância (www.abraead.com.br),
Guias de Educação (www.guiasdeeducacao.com.br) e Universidade
Aberta do Brasil (http://www.uab.capes.gov.br) para definir os cursos
que foram analisados.
No que tange cursos ofertados na modalidade EAD, observou-se
o retorno de 11 cursos relacionados à palavra-chave (relações públicas)
no site da ABRAEAD, de apenas 4 cursos no Guias de Educação e de
nenhum curso na UAB. Entretanto, apenas no segundo site a palavra-chave foi diretamente relacionada com cursos, e em apenas dois casos ela estava explícita. Embora a palavra-chave fosse relações públicas,
os sites automaticamente redirecionavam para comunicação, a grande
área dentro da qual está o curso de relações públicas. As buscas foram
realizadas na primeira quinzena de dezembro de 2014.
Para a análise dos dados, a intenção era verificar a estrutura curricular oferecida pelos 25 cursos em EAD sobre temas ligados à área
de relações públicas que foram apontados pelos sites. Entretanto, ao
entrar nos sites das IES, inclusive das que não foram listadas pelos
portais de busca, observa-se que os resultados apresentados por eles,
que poderiam ajudar a escolher um curso, não correspondem à realidade, seja por estarem desatualizados, mostrando cursos que não existem mais, ou por não apresentarem cursos que estão sendo oferecidos
segundo os sites de busca. Como categorias de análise foram separados quatro grandes blocos: formação geral, formação em comunicação, formação em relações públicas e formação suplementar, segundo
a Resolução nº 2 de 27 de setembro de 2013, que institui as DCNs do
curso de graduação em RP.
Adicionalmente, realizou-se um levantamento exploratório via
Survey Monkey e Facebook sobre a disposição destes usuários potenciais
frequentarem um curso de RP na modalidade EAD.
116
RESULTADOS
Apresentam-se nessa seção os resultados sobre a verificação se os
cursos oferecidos atendem às DCNs e se existe a possibilidade e interesse, por parte de profissionais e estudantes, em frequentar estes cursos
na modalidade EAD.
A formação segundo as novas DCNs
O eixo de formação geral contempla conteúdos de cultura geral e de
formação ética e humanística e prevê disciplinas baseadas essencialmente em conhecimentos das Humanidades e das Ciências Sociais Aplicadas,
da filosofia e da sociologia, com foco na ética e nas questões da sociedade
contemporânea, em especial nas questões ligadas aos temas dos direitos
humanos, educação ambiental e sustentabilidade, ao qual poderão ser
agregados conteúdos gerais de formação em economia, direito, antropologia, psicologia, estética e artes, ciência política, administração e de outras áreas do conhecimento (BRASIL, 2013(a), p. 13).
O eixo de formação em comunicação postula conteúdos teóricos
e aplicados das ciências da comunicação, com foco naqueles que contribuem para o entendimento dos processos e práticas de relações públicas, a saber: fundamentos teóricos da comunicação, com estudos das
correntes teóricas da comunicação social e da história social dos meios
de comunicação, pesquisa em comunicação, interfaces da comunicação
com a cultura e a política, campos profissionais da comunicação, estudos sobre a legislação e a ética da comunicação; linguagens, mídias e
tecnologias, com estudos da linguagem, da retórica e do discurso, estudos da organização das informações, estudos das mídias, das tecnologias de informação e de comunicação, estudos sobre a cibercultura,
estudos semióticos da comunicação, estudo de línguas de contato ou de
relação (língua franca) (BRASIL, 2013(a), p. 13-14).
A formação em relações públicas promove conteúdos teóricos
e técnicos que contemplem: estudos sobre teorias das organizações e
correntes teóricas da comunicação organizacional e comunicação nos
processos de gestão organizacional, estudos sobre história, princípios e
fundamentos das relações públicas e sobre perspectivas teóricas e tendências do setor, estudos sobre públicos e opinião pública e as relações
117
públicas no contexto nacional e internacional, estudos de comunicação
pública, responsabilidade histórico-social e sustentabilidade, estudos
de políticas, planejamento e gestão estratégica da comunicação, assessorias de comunicação e estratégias de relacionamento com as mídias,
estudos de planejamento e organização de eventos, prevenção e gerenciamento de comunicação de risco e crise, comunicação governamental no terceiro setor e nos movimentos sociais, estudos sobre a cultura
organizacional, a construção da imagem e da reputação e processos de
comunicação interpessoal nas organizações, estudos sobre as relações
públicas no contexto da comunicação integrada (institucional, administrativa, mercadológica e interna), estudos de mercado e de negócios
e avaliação e mensuração em comunicação, pesquisas de opinião e de
imagem que fundamentem a execução de projetos específicos, diagnóstico, planejamento e gestão estratégica da comunicação, planejamento e
organização de eventos, gerenciamento de crises, redação institucional,
produção de mídias impressas, audiovisuais e digitais, comunicação em
rede, portais corporativos, governamentais e comunitários, realização
de projetos sociais e culturais (BRASIL, 2013(a), p. 14-15).
A formação suplementar é composta por: conteúdos de domínios
conexos que são importantes, de acordo com o projeto de formação
definido pela instituição de educação superior, para a construção do
perfil e das competências pretendidas, devendo ser previstos estudos
voltados para: empreendedorismo e gestão de negócios, comunicação
nos processos de governança corporativa, psicologia social, estatística,
relações governamentais, cerimonial e protocolo e ouvidoria. Estágio
supervisionado, atividades complementares e trabalho de conclusão de
curso são as demais exigências para a graduação em Relações Públicas
(BRASIL, 2013(a), p. 15).
Os cursos ofertados em EAD
Foi escolhida uma amostra aleatória não exaustiva, a partir dos
resultados obtidos pelos portais de busca, acrescentadas de outros cursos que surgiram no buscador Google, durante a primeira quinzena de
dezembro de 2014. Os resultados estão divididos em graduação, pós-graduação e extensão, para estruturar as análises.
118
Os dois cursos de graduação ofertados em EAD atendem aos requisitos propostos pelas novas DCNs. O arranjo das disciplinas durante
os semestres é de responsabilidade das instituições de ensino superior,
e sua lógica interna é facilmente compreensível, do conhecimento mais
amplo ao mais específico e aplicado. Não há nenhum impedimento legal
para a oferta dos cursos de RP na modalidade EAD, mas poucos cursos
foram encontrados sendo ofertados dessa maneira.
Já os cursos de especialização, cuja oferta não tem regulações
quanto ao conteúdo, apenas quanto à carga horária e à exigência de trabalho de conclusão e curso. Pelos exemplos utilizados, pode-se apreender que os cursos buscam correlacionar os quatro eixos propostos pelas
DCNs ( formação geral, em comunicação, em relações públicas e suplementar), de maneira a agregar conhecimentos da área de RP aos potenciais estudantes, independentemente de sua área de graduação original.
Os cursos de extensão são muito mais flexíveis em sua gênese,
sem se preocupar com as DCNs, mas também sem desviar-se muito ao
proposto pelas mesmas.
Conclui-se com esta análise exploratória não-exaustiva, que a
grande área Comunicação ainda abrange muitos significados e é utilizada como sinônimo de diversas áreas de estudo, incluindo marketing
e linguística. Esta situação se replica no mercado profissional, em que a
pouca visibilidade da denominação oficial Relações Públicas, conforme
previsto na lei nº 5.377, de 11 de dezembro de 1967, fragiliza a própria
imagem do curso, motivo este, que talvez justifique os poucos cursos na
modalidade EAD oferecidos para esta graduação.
Os cursos de graduação de RP na modalidade EAD analisados têm
estruturas curriculares ajustadas às novas normativas, mas deve haver
adequação da nomenclatura, para que possam ser avaliados pelas instâncias competentes, segundo as novas DCNs. Aqueles de extensão e
de pós-graduação lato sensu são menos susceptíveis às avaliações reguladoras e normativas, portanto existe um campo de atuação, inclusive
para cursos livres, muito grande a ser explorado.
Levantamento exploratório com usuários em potencial
O levantamento exploratório foi realizado com a utilização da
ferramenta Survey Monkey, através da rede social Facebook. O método
119
utilizado foi divulgar o questionário com 3 perguntas nos grupos que
exibissem afinidade com o tema (grupos profissionais, estudantis e assemelhados). O levantamento foi disponibilizado durante o período de
16 a 29 de dezembro de 2014.
Esse tipo de levantamento sofre com a fluidez e velocidade próprias das redes sociais, sendo que as 73 respostas vieram de um universo de mais de 11 mil pessoas, conectadas aos grupos digitais da área.
Entretanto, decidiu-se por incluir essas respostas por serem, embora
poucas numericamente, relevantes para o objetivo da pesquisa. É importante ressaltar que os resultados foram obtidos entre os dias 16, 17
e 18 de dezembro de 2014, ou seja, teve alto impacto logo após sua publicação mas teve vida curta na rede, fenômeno recorrente nesse meio.
Dos respondentes, 49% são formados na área e outros 44% estão
estudando RP. Apenas 7% são de outras áreas, ainda que correlatas: jornalismo, publicidade, marketing e gestão empresarial. Esse resultado é
justificado uma vez que a divulgação foi em redes sociais ligadas aos
profissionais e estudantes da área.
Gráfico 1: formação dos respondentes
Fonte: levantamento realizado com o Survey Monkey
73%, um número expressivo, afirma que não faria o curso de RP na
modalidade EAD. Os motivos desta recusa não são o objetivo desta pesquisa, embora possamos inferir que sejam por causa do não conhecimento de como funciona esta modalidade, desconfiança com o método
e o próprio desconhecimento do campo de trabalho do profissional formado em RP. Entretanto, pela análise exposta anteriormente, os cursos
120
de RP na modalidade EAD seguem às diretrizes normativas, mesmo porquê, se não as seguissem, não teriam sido autorizados a funcionar em
primeira instância.
Gráfico 2: respondentes que fariam o curso de RP na modalidade EAD
Fonte: levantamento realizado com o Survey Monkey
Na pergunta sobre cursos extracurriculares e de extensão, a maioria (77%) se sente inclinada favoravelmente a cursar a modalidade EAD
para a realização dos mesmos, o que demonstra interesse para os estudos contínuos, além da flexibilidade de tempo e horários para estudos.
Gráfico 3: cursos que fariam na modalidade EAD
Fonte: levantamento realizado com o Survey Monkey
Considera-se que os cursos de extensão na modalidade EAD seja
um campo de atuação em crescimento, pois podem atrair vários interessados em conhecer ou aprofundar um ou mais aspectos da área, e que
121
também podem influenciar na maior interdisciplinaridade da formação
profissional e pessoal, uma característica necessária no mercado de trabalho e pouco explorada nos cursos de graduação, independentemente da modalidade na qual são oferecidos. Esse campo também oferece
oportunidades de atuação na docência independente, através de cursos
livres oferecidos por especialistas nas áreas.
É interessante observar que Palloff e Pratt (2003, p. 23) fazem
um perfil do estudante que opta pelo EAD que se encaixa nas respostas obtidas: esse estudante já seria formado ou estaria estudando na
educação superior ou continuada, tem liberdade para horário e local
de aprendizagem formal, sem abrir mão de trabalho e/ ou família e
pensam criticamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desse artigo foi verificar se os conteúdos dos cursos
oferecidos com suporte EAD na área de Relações Públicas seguem os requisitos recomendados pelas novas DCNs em 2013, e verificou-se que estão aptos a serem oferecidos de acordo com a legislação vigente. Quanto
aos demais objetivos, embora não tenha-se verificado uma predisposição favorável entre os estudantes e formados na área para frequentar a
graduação em RP na modalidade EAD, a oferta de cursos, especialmente
na modalidade extensão, é um campo em expansão com maior possibilidade de aceite entre os pesquisados. Estima-se também a existência de
oportunidades de atuação na área de docência independente, ou seja,
sem vinculação direta com alguma instituição de ensino superior.
Embora seja inegável o crescimento da EAD, tanto na quantidade de cursos oferecidos quanto na qualidade dos mesmos, a área de
Relações Públicas tem poucos cursos de graduação nesta modalidade.
Após o desenvolvimento da pesquisa, verifica-se que a área de Relações
Públicas ainda tem um grande campo a ser explorado pela EAD. As novas tecnologias de informação e comunicação promoveram essa área de
estudos ao planejamento estratégico das instituições, com impactos em
todos os setores produtivos.
Esta pesquisa teve caráter exploratório e seus resultados permitiram conhecer o campo e as possibilidades de atuação profissional
futura no campo da docência independente. Recomenda-se que sejam
122
aprofundados os motivos pela rejeição do curso de graduação em RP
na modalidade EAD entre os atuais estudantes e os já formados. Como
dificuldades para a escrita deste artigo, aponta-se a escassez de material
de pesquisa sobre cursos ofertados na modalidade a distância na área
de Relações Públicas. Maiores pesquisas com estudantes e profissionais
que atuam na área também se fazem necessárias para construir um corpo de pesquisa mais denso.
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126
|8|
PERFIL E TRAJETÓRIA DOS EGRESSOS DE RELAÇÕES
PÚBLICAS DA ECA/USP: SUBSÍDIOS PARA EXCELÊNCIA
ACADÊMICA E COMPETITIVIDADE NO MERCADO DE TRABALHO
Maria Aparecida Ferrari1 e Ana Cristina da Costa Piletti Grohs2
RESUMO
Esta pesquisa tem como propósito conhecer o perfil
e a trajetória dos ex-alunos do curso de Relações Públicas
da ECA/USP, entre o período de 1996 a 2013. O projeto está
dividido em quatro etapas. A primeira consistiu no mapeamento de 580 egressos do período mencionado, com confirmação de dados pessoais e e-mails. A segunda etapa tratou da aplicação de um questionário on-line a 447 egressos
cujos contatos foram atualizados. A aplicação de um focus
group foi a terceira etapa a ser desenvolvida, com o objetivo
de confirmar alguns resultados obtidos na análise estatística. A quarta etapa ainda encontra-se em andamento e consiste em identificar quais são as competências e habilidades
que os executivos de comunicação buscam no momento de
contratar os jovens egressos. Os resultados obtidos servirão para determinar o estado da arte do curso de Relações
Doutora e mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Graduada em Ciências Sociais
pela USP e em Relações Públicas pela Faculdade de Comunicação Social Anhembi. Docente dos Programas de Pós-graduação e Graduação do Departamento de
Relações públicas, Propaganda e Turismo da ECA-USP. E-mail: maferrar@usp.br
1
Doutoranda do Programa de Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Bolsista convênio FAPESP/
CAPES* (processo nº 2014/ 26010-5). E-mail: anacris.piletti@usp.br *As opiniões,
hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da FAPESP e da CAPES.
2
Públicas da ECA/USP em relação a grade curricular, as disciplinas do curso, aos docentes e coordenação, assim como
conhecer os pontos negativos e positivos dos egressos sobre o curso e a carreira profissional. Como recomendações,
pretende-se apresentar propostas de novas metodologias
de ensino que atendam as competências, atitudes e habilidades para o mundo do trabalho.
Palavras-chave: Egressos; Relações Públicas; Ensino
Superior; Competências; Habilidades.
INTRODUÇÃO
A transformação da base da economia do trabalho manual para
o trabalho baseado no conhecimento passou a exigir um trabalhador
mais qualificado e um indivíduo engajado nas questões da sociedade.
Esse engajamento tem como base a educação e o ensino superior, responsáveis pelo desenvolvimento do conhecimento científico, tecnológico e cultural de uma sociedade. Nesse sentido, como afirmou Peter
Drucker “a educação tornou-se a chave das oportunidades e do progresso em todo mundo moderno” (1970, p. 350). Vale lembrar que uma das
finalidades da educação superior é “formar diplomados nas diferentes
áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e
para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua” (LDB, 1996, Art.43º, II).
O curso universitário de Relações Públicas é oferecido no Brasil
desde 1966 e o primeiro curso foi criado na Escola de Comunicações e
Artes, da Universidade de São Paulo – ECA/USP. No ano de 1967, a profissão passou a ser regulamentada pela Lei 5.377 e, para tanto, o registro
profissional e a formação de nível superior tornaram-se obrigatórias para
o exercício das atividades de Relações Públicas. Segundo Ferrari (2011,
p. 205) a criação da lei e do curso superior “por um lado, proporcionou
a oportunidade de sistematizar o ensino e oferecer parâmetros ao mercado, por outro ‘engessou’ a atividade criando um rígido sistema de con128
trole de seu exercício por meio da fiscalização dos Conselhos Regionais”.
A partir de 1969, com a criação do CONFERP – Conselho Federal dos
Profissionais de Relações Públicas e dos conselhos regionais, a rígida
função fiscalizadora e punitiva da entidade - multava as empresas que
não contavam com profissionais de Relações Públicas devidamente
registrados - fez com que as organizações mudassem a nomenclatura
dos departamentos, até então denominados de Relações Públicas, para
“Comunicação”, “Comunicação Social”, “Assuntos Públicos”, entre outras denominações. Essa alteração na denominação dos departamentos
foi a forma que as empresas encontraram para escapar da fiscalização
dos CONRERP´s ao longo do país. Para Ferrari (2001) este fato apressou
a distância entre o mercado de trabalho e a formação acadêmica dos
profissionais. Aliada a situação mencionada, existe ainda o fato de que a
habilitação de Relações Públicas está vinculada a área de Comunicação
Social, muito embora a sua prática esteja predominantemente ligada
à área da gestão organizacional, mais voltada para o campo da administração, gestão e negócios, pois a comunicação é uma função ‘meio’
e não fim nas organizações. Quando analisamos as novas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o curso de Relações Públicas observamos,
por exemplo, que os conteúdos essenciais como “empreendedorismo e
gestão de negócios” aparecem no eixo de formação suplementar (DCN,
2013), enquanto que na prática profissional esses conteúdos são elementares para o bom desempenho da atividade de Relações Públicas.
No cenário contemporâneo, compreendemos que a “sociedade
do conhecimento” tão propalada por Drucker (1970) passou a exigir
um profissional tecnicamente qualificado e um cidadão comprometido
com o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural da sociedade.
É neste sentido que a educação superior tem um papel fundamental na
formação qualificada e que atenda as competências do mercado de trabalho. Portanto, os profissionais devem estar aptos para atenderem as
demandas profissionais e sociais do mundo contemporâneo. Embora
seja uma atividade de gestão da comunicação, as Relações Públicas no
Brasil enfrentam dificuldades para ser reconhecida e legitimada, seja
no mercado de trabalho, como junto a sociedade em geral. De acordo
com pesquisa realizada por Oliveira et al (2014) com 132 egressos do
curso de Relações Públicas da Universidade Federal da Paraíba, no período de 2000 a 2009, apenas 3% dos egressos que estavam empregados
129
atuavam como relações-públicas. Para os pesquisadores tal resultado
denota a existência de dissonância de conhecimento e conteúdo entre a academia e o mercado de trabalho o que pode ser resultante da
inadequada formação dos alunos frente as competências exigidas pelo
mercado de trabalho.
Para Lousada e Martins (2005, p. 74) a integração academia e mercado é essencial e, segundo a definição dos autores “o egresso é aquele
que efetivamente concluiu os estudos, recebeu o diploma e está apto a
ingressar no mercado de trabalho – como fator de destaque e fonte de
informação à Instituição de Ensino Superior (IES) que o formou”. Diante
da afirmação dos autores apresentamos as seguintes questões: qual é
o perfil do relações-públicas que o curso de Relações Públicas da ECA/
USP tem buscado formar? qual é a avaliação dos egressos sobre a formação recebida no curso de Relações Públicas da ECA/USP? o embasamento teórico e prático obtido na formação acadêmica recebida durante o curso tem ajudado a prática no mercado de trabalho?
Depois de realizada uma varredura na literatura especializada,
observou-se que existem escassos estudos e pesquisas realizadas sobre
o perfil dos egressos do curso de Relações Públicas no Brasil. Aqui mencionamos dois trabalhos que mais se aproximam da nossa pesquisa. A
mais recente foi conduzida por Oliveira et al (2014) e tratou de analisar
as expectativas e opiniões dos egressos do curso de Relações Públicas
da Universidade Federal da Paraíba – UFPB e a inserção no mercado de
trabalho da região. O segundo estudo foi realizado por Lopes et al (1992)
com egressos das décadas de 70 e 80 dos cursos de Comunicação Social
da ECA/USP, entre os quais foram pesquisados os ex-alunos do curso de
Relações Públicas.
Dado o pioneirismo do curso de Relações Públicas da ECA/USP
no país e a relevância da Universidade de São Paulo no contexto do ensino superior nacional e internacional, consideramos relevante realizar
um estudo que contemplasse as opiniões dos egressos sobre o curso,
a trajetória profissional, assim como a identificação de competências,
habilidades e atitudes que são necessárias no mercado de trabalho.
Consideramos, como afirmam Lousada e Martins (2005, p. 83), que:
a observação da trajetória dos ex-alunos serve como fonte de
informações gerenciais, permitindo a tomada de decisões so130
bre o planeamento de cursos, arranjos didático-pedagógicos
e modalidades de programas que desenvolvam uma polivalência e identidade profissional capazes de interagir e atender às mutações do mercado de trabalho.
Ex-reitor da USP, Jacques Marcovitch (1998) em um de
seus comentários fez várias críticas a USP, apontando que a universidade ainda não enxergou o valor dos ex-alunos, uma vez que o relacionamento com os egressos enriquece os vínculos e torna mais duradoura
sua relação com os seus ex-alunos. Cassimiro e Pereira (2006) afirmam
que no Brasil, o relacionamento entre as universidades e seus ex-alunos
ainda não faz parte da tradição educacional do país. No entanto, como
esse relacionamento mostra-se extremamente profícuo, algumas instituições de ensino superior estão desenvolvendo ações nesse sentido. O
caso mais antigo no Brasil é da Associação dos Ex-alunos da FGV de São
Paulo criada em 1954. A exGV é uma entidade sem fins lucrativos que
gera seus próprios recursos financeiros por meio de anuidades de seus
associados, doações e serviços prestados aos ex-alunos e em alguns casos para o mercado em geral.
Por outro lado, é comum em universidades da Europa, dos
Estados Unidos, da Ásia e de alguns países da América Latina (Colombia
e Chile) o relacionamento com o alumni (ex-aluno), relação que é levada
com muito profissionalismo. As universidades contam com estruturas
organizacionais que contemplam uma área específica para a função de
alumni relations, cujos objetivos são: aproximar e acompanhar a trajetória profissional do egresso, criar banco de conferencistas e até impulsionar iniciativas como a captação de recursos devido à escassez de recursos pelos quais passam as universidades em geral.
Frente a realidade das universidades estrangeiras no tratamento aos seus egressos, a presente pesquisa tem como propósito
conhecer a trajetória dos egressos do curso de Relações Públicas da
ECA/USP para posteriormente propor a criação de mecanismos de engajamento dos ex-alunos com a instituição de ensino que o formou. O
estudo contou com a participação dos egressos do período de 1996 a
2013 e compreende quatro etapas. Inicialmente foi feito o mapeamento
dos egressos do período mencionado (atualização de dados pessoais e
e-mails); em seguida foi enviado um questionário on-line e, logo após, a
131
análise estatística dos dados; a terceira etapa envolveu egressos em um
grupo focal com o objetivo de compreender alguns resultados e reforçar
outros dados encontrados na etapa quantitativa. A quarta etapa está em
andamento e consiste em entrevistar executivos de comunicação para
conhecer quais são as competências e habilidades que as organizações
buscam no momento da contratação dos egressos. No presente paper
apresentamos os resultados mais relevantes referentes as três etapas já
concluídas do projeto.
Os resultados obtidos até o momento apontam que os egressos
são enfáticos quanto a melhoria da grade curricular, assim como a adoção de novas metodologias de ensino. Os resultados também oferecem
aos coordenadores dos cursos de Relações Públicas informações importantes para atualizar as grades curriculares, principalmente no momento em que as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (2013) para o curso de graduação em Relações Públicas devem ser implantadas por todos
os cursos no Brasil.
GESTÃO DA QUALIDADE NO ENSINO SUPERIOR
De acordo com a legislação educacional brasileira, o ensino deve
ser ministrado visando a “garantia de padrão de qualidade” e a “vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais” (LDB,
1996, Art. 3º, IX, XI). Segundo Davok (2007, p. 507) o conceito mais usual
de qualidade nas ciências sociais e humanas significa “a perfeição de
algo diante da expectativa das pessoas. Nas áreas mencionadas, qualidade não existe como elemento mono (perfeição), mas exige a relação
de dois elementos (perfeição e expectativa)”. Portanto, a qualidade do
ensino superior depende de dois elementos essenciais: as entregas que
as instituições de ensino realizam para a sociedade e comunidade acadêmica (serviços prestados, profissionais formados, tecnologias e conhecimentos desenvolvidos entre outros) e a satisfação dos estudantes
e da sociedade que recebem os benefícios sociais, científicos e culturais
gerados pela IES.
Demo (2001) apresenta duas dimensões da qualidade. A primeira é a qualidade formal, relacionada à “reconstrução do conhecimento” e
refere-se aos meios utilizados para produzir e aplicar métodos, tecnologias e ciências. Segundo o autor as universidades não se dedicam, como
132
regra, a reconstrução do conhecimento, ou seja, “não formam profissionais capazes de autonomia própria, mas porta-vozes de mensagens
ultrapassadas, dificultando imensamente um dos desafios da própria
competitividade: a capacidade de continuar aprendendo” (DEMO, 2001,
on-line). A segunda dimensão é a política e está relacionada ao desenvolvimento da autonomia cidadã, ou seja, “saber aprender, argumentar,
contestar, pensar, não significa apenas exercício lógico, mas exercício de
autonomia, habilidade de intervenção alternativa, capacidade de mudar a história e a realidade” (DEMO, 2001, on-line) Neste sentido o autor
afirma que existem dois eixos: uma é preparar o estudante para ocupar
uma função no mercado de trabalho e o outro eixo é prepará-lo para trabalhar com autonomia. Neste sentido, a dimensão política da qualidade
deve ser finalidade da educação.
Como previsto na LDB 1996, garantir a qualidade e assegurar
o processo de avaliação da IES é uma das incumbências da União. Por
conseguinte, com o objetivo de verificar o padrão de qualidade dos
cursos de ensino superior foi criada a Comissão Nacional de Avaliação
da Educação Superior (Conaes) e o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (SINAES). O referido sistema avalia, de forma integrada, a instituição, os cursos e o desempenho dos estudantes e “fundamenta-se na necessidade de promover a melhoria promover a melhoria
da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua
oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional, da sua efetividade acadêmica e social (...)”. (SINAES, 2004, p.4). Embora existam
muitas críticas em relação à redução do Sinaes aos indicadores quantitativos e rankings (DIAS SOBRINHO, 2008), seus princípios e valores
visam contribuir com a qualificação do ensino superior e consolidação dos valores democráticos. Na sua essência, o Sinaes tem finalidade construtiva e formativa visando o aperfeiçoamento da comunidade
acadêmica. Uma das modalidades de avaliação que integra o Sinaes é
a avaliação das instituições de ensino superior, formada pela avaliação
externa e pela avaliação interna.
A avaliação externa ocorre por meio da análise de documentos,
visitas in loco na IES e interlocução com membros dos diferentes segmentos da instituição, da comunidade local ou regional. Elas são realizadas
por comissões de especialistas externos à instituição (Sinaes, 2004).
133
A avaliação interna ou autoavaliação ocorre por meio de um processo de planejamento, sensibilização, sistematização de informações e
análise crítica e coletiva dos resultados pelos membros da IES’s. Este
processo deve conduzido por meio de uma equipe de coordenação (CPA
– Comissão Própria de Avaliação) e contar com o comprometimento
dos dirigentes e participação da comunidade acadêmica. A autoavaliação é “um processo contínuo por meio do qual uma instituição constrói
conhecimento sobre a sua própria realidade buscando compreender os
significados do conjunto de suas atividades para melhorar a qualidade
educativa e alcançar maior relevância social” (Sinaes, 2004, p.6)
Para orientar a elaboração do processo de autoavaliação das
IES, o Ministério da Educação e o INEP por meio do Sinaes, organizou
um documento que apresenta dimensões e temas a serem consideradas
neste processo e que também são considerados pelas comissões de avaliadores externos. Uma dessas dimensões refere-se às políticas de atendimento aos estudantes e tem como um dos temas nucleares o acompanhamento dos egressos e a criação de oportunidades de formação
continuada. O Quadro 1 apresenta as orientações em relação ao tema
acompanhamento dos egressos.
134
QUADRO 1 – ORIENTAÇÕES EM RELAÇÃO AO TEMA
ACOMPANHAMENTO DOS EGRESSOS
Núcleo básico e comum
Inserção profissional dos egressos.
Participação dos egressos na vida da Instituição.
Núcleo de temas optativos
Existem mecanismos para conhecer a opinião dos egressos sobre a formação recebida, tanto curricular quanto ética? Quais são?
Qual a situação dos egressos? Qual o índice de ocupação entre eles? Há relação
entre a ocupação e a formação profissional recebida?
Existem mecanismos para conhecer a opinião dos empregadores sobre os egressos
da instituição? Quais?
É utilizada a opinião dos empregadores dos egressos para revisar o plano e os
programas? Como é feita?
Existem atividades de atualização e formação continuada para os egressos? Quais?
Há participação dos egressos na vida da instituição? Como?
Que tipos de atividades desenvolvem os egressos? Que contribuições sociais têm
trazido?
Documentação, dados e indicadores
Pesquisas ou estudos sobre os egressos e/ou empregadores dos mesmos.
Dados sobre a ocupação dos egressos.
Evidências de atividades de formação continuada para os egressos.
N.º de Candidatos. / N.º de Ingressantes. / N.º de Estudantes matriculados por
curso/ N.º de Estudantes com bolsas. / N.º médio de estudantes por turma. / N.º de
bolsas e estímulos concedidos. / N.º de intercâmbios realizados. / N.º de eventos
realizados. / N.º. de participações em eventos. / N.º de trabalhos de estudantes
publicados.
Indicadores
TSG - Taxa de Sucesso na Graduação / GPE - Grau de Participação Estudantil /
Tempo médio de conclusão do curso. / Aluno tempo integral/professor / Aluno
tempo integral/funcionário técnico-administrativo
MEC/CONAES/ INEP, 2004
135
No Quadro 1 verificamos que a inserção profissional e a participação dos egressos na vida da instituição aparecem como tópicos básicos que devem integrar a autoavaliação da entidade de ensino. Como
núcleo de temas optativos aparece tópicos de sugestões para reflexões
e discussões da comunidade acadêmica. Também são apresentados dados, documentos e indicadores que podem contribuir para fundamentar as análises e interpretações da Comissão Própria de Avaliação.
Consideramos importante apresentar as orientações do Sinaes
porque em 2013 a Universidade de São Paulo firmou um acordo de cooperação técnica com o MEC e INEP para desenvolver estudos e pesquisas
sobre o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes),
mais especificamente sobre o Enade – um dos pilares do Sinaes – que
avalia o desempenho dos estudantes.
A Universidade de São Paulo apresenta sua Comissão Permanente
de Avaliação e, em relação aos egressos, orienta as unidades para definir o
perfil do egresso como referência do processo aprendizagem e manter um
relacionamento formal e de acompanhamento dos ex-alunos. No entanto, as orientações do Sinaes completam tais diretrizes e fornecem questionamentos e indicadores que podem ser utilizados por qualquer curso
e IES. Portanto, a pesquisa sobre os egressos é uma pauta importante a
ser discutida no âmbito das entidades de ensino e principalmente para o
curso de Relações Públicas da ECA/USP, objeto de nossa pesquisa.
PESQUISA COM EGRESSOS DA ECA/ USP
No segundo semestre de 1989, às vésperas da comemoração dos
25 anos da criação da ECA/USP, Lopes et al (1992) realizaram uma pesquisa com o objetivo de identificar o perfil dos profissionais formados
pela ECA/USP, bem como relacionar o ensino dessas profissões com
os respectivos mercados de trabalho, visando uma análise prospectiva
para a década de 90. Em relação à graduação de Relações Públicas, o
estudo contemplou 10% dos 210 diplomados no período de 1970 a 1989.
No ano de 2014, às vésperas dos 50 anos de criação do curso de Relações Públicas da ECA/USP foi iniciado o projeto de pesquisa
Perfil e trajetória dos egressos de Relações Públicas da ECA/USP: subsídios para excelência acadêmica e competitividade no mercado de
136
trabalho3 com o objetivo de conhecer a trajetória acadêmica e profissional dos egressos do curso de Relações Públicas da ECA/USP, no período
de 1996 a 2013. O Quadro 2 apresenta algumas informações sobre os
dois projetos mencionadas.
QUADRO 2: PESQUISA COM EGRESSOS DE RP/ECA/USP
PESQUISAS COMPARADAS
PERÍODO
UNIVERSO
AMOSTRA
“O mercado de trabalho de comunicações e artes e os profissionais formados pela Escola de Comunicações
e Artes nas décadas de 70 e 80”
(Lopes et al., 1992)
1970 – 1989
210
10% = 21
egressos
“Perfil e trajetória dos egressos de
Relações Públicas da ECA/USP:
subsídios para excelência acadêmica
e competitividade no mercado de
trabalho» (Ferrari e Grohs, 2014)
1996 – 2013
580
51% = 293
egressos
Fonte: autoras
Embora as duas pesquisas tenham sido conduzidas de formas
e em períodos distintos, consideramos relevante comparar alguns resultados encontrados. Lopes et al (1992) apresentaram dados sobre os
perfis profissional e educacional, avaliação do curso da ECA/USP, perfil
ocupacional dos egressos e competências exigidas pelo mercado de trabalho. Entrevistas com os empregadores e com o presidente Conselho
Regional de Profissionais de Relações Públicas de São Paulo também fizeram parte da metodologia.
Com relação a pesquisa de Ferrari e Grohs (2014) com egressos
do curso de Relações Públicas da ECA/USP do período de 1996 a 2013,
O projeto “Perfil e trajetória dos egressos de Relações Públicas da ECA/
USP: subsídios para excelência acadêmica e competitividade no mercado
de trabalho” faz parte do grupo de pesquisas CECORP. Conta com a coordenação da Profa. Dra. Maria Aparecida Ferrari e com as participações da doutoranda Ms. Ana Cristina da Costa Piletti Grohs e da aluna de graduação Karina
Ferrara de Barros, bolsista de Iniciação Científica CAPES.
3
137
foi realizada pesquisa descritiva que teve como finalidade “estudar as
características de um grupo (...), levantar as opiniões, atitudes e crenças de uma população” (GIL, 2014, p.28). A identificação da existência
de relações entre variáveis, que foi realizada mediante processo estatístico, o estudo pretende verificar a natureza dessas relações (GIL,
2014) e por isso além do levantamento quantitativo com egressos,
buscará a partir de entrevistas em profundidade e discussões em grupos entender a dinâmica academia e mercado que envolve os egressos
em Relações Públicas da ECA/USP. Para isso, o estudo foi organizado
em quatro etapas. A primeira consistiu no mapeamento de 580 egressos do período mencionado, com confirmação de dados pessoais e
e-mails. A segunda foi a aplicação de um questionário on-line, com
abordagem quantitativa e aplicação de técnicas estatísticas; a terceira etapa foi a aplicação de um focus group e a quarta etapa também
utiliza a abordagem qualitativa mediante a aplicação de entrevistas a
executivos de comunicação. Neste artigo, apresentamos os resultados
obtidos na fase quantitativa do estudo.
FASE QUANTITATIVA
A primeira etapa da pesquisa foi realizada no período de setembro de 2013 a julho de 2014. Iniciamos com o mapeamento dos alunos formados em Relações Públicas do período de 1996 a 2013 junto
a Secretaria de Graduação da ECA/USP e em seguida foi criado um
banco de dados dos egressos atualizado. Do total de 580 alunos se formaram neste período, conseguimos o contato com 447 ex-alunos. Para
auxiliar no contato com os egressos foi criada uma página no facebook e um e-mail para manter um canal de comunicação direto com o
grupo. A iniciativa também colaborou para o encontro e aproximação
entre colegas de curso. Em seguida foi elaborado e enviado um questionário on line para os egressos. Utilizamos, para isso, a plataforma
google docs e disponibilizamos os questionários por e-mail e na página do facebook. O questionário foi estruturado em três partes com 22
questões. Até o encerramento da fase quantitativa 293 egressos (51%)
haviam participado da pesquisa.
138
PERFIL DOS EGRESSOS
O primeiro bloco de questões teve como objetivo conhecer o perfil do egresso, ou seja, verificar questões de gênero, idade, estado civil,
escolaridade, tempo de permanência na graduação e tempo de inserção
no mercado de trabalho.
Dos 293 egressos pesquisados, verificamos que 80% são mulheres,
com idade média de 30 anos. Considerando o desvio padrão de mais
ou menos 4 anos, cerca de 68% dos egressos apresentavam entre 26 a
34 anos de idade no momento da pesquisa. Também constatamos que
61% dos egressos são solteiros e a média de permanência no curso foi
de 5 anos. Quanto ao tempo decorrido do ano de conclusão de curso ao
ano de aplicação da pesquisa, denominado como tempo de inserção no
mercado de trabalho, ou seja, tempo que este aluno está apto para exercer sua função profissional, a média obtida foi de seis anos e um desvio
padrão de quatro anos. Isto é, cerca de 68% dos egressos pesquisados
estão no mercado de trabalho entre 2 e 10 anos. Em relação a educação
continuada, 41% dos egressos concluíram cursos de especialização, enquanto que no estudo de Lopes et. al (1992) apenas 7% dos egressos das
décadas de 70 e 80 realizaram cursos de especialização. Alguns fatores
como a expansão do ensino superior a partir da década de 90, a finalidade expressa na LDB de 1996 em relação à colaboração da educação
superior no incentivo da formação continuada e a transformação da
economia manual para o trabalho baseado no conhecimento (Drucker,
1970) contribuem para entendermos, ao menos em parte, este cenário.
Comparando os resultados com os estudos conduzidos por Lopes
et al (1992), verificamos que a ocupação feminina nos cursos de Relações
Públicas continua predominante, no entanto, a idade da maior parte
dos pesquisados situava-se na faixa etária de 40 a 44 anos e havia um
equilíbrio entre o número de solteiros e casados. Nas décadas de 70 e 80,
90% dos egressos concluíram o curso em quatro anos; nos últimos anos
os estudantes têm permanecido mais tempo na universidade e tal comportamento pode estar relacionado ao incentivo da reitoria às políticas
de internacionalização por meio de intercâmbio estudantil no exterior.
139
TRAJETÓRIA ACADÊMICA
O segundo bloco de questões tratou da trajetória acadêmica dos
egressos como os motivos que levaram os ex-alunos a procurar o curso
de Relações Públicas, as atividades que desenvolveu durante sua permanência na universidade, os conteúdos que considerados mais relevantes e a avaliação geral do curso. Do total de 293 pesquisados, 29% dos
egressos realizaram até três atividades extracurriculares no decorrer da
graduação: estágio remunerado, curso de línguas e trabalho remunerado. Na pesquisa de Lopes et al (1992) a realização de cursos de línguas
já aparecia como um imperativo uma vez que 64% dos egressos declararam ter realizado este tipo de curso em decorrência da necessidade
profissional. Em relação à adequação das expectativas do curso da ECA/
USP e o currículo da graduação, os egressos demonstraram insatisfação
nas décadas de 70 e 80, sobretudo em relação às matérias laboratoriais
e de formação profissional. Apesar da diferença de mais de 30 anos entre as duas pesquisas verificamos que 49% dos 293 egressos também
demonstraram insatisfação com os conteúdos de formação específica,
53% demonstraram insatisfação com o comprometimento e dedicação
dos docentes e 77% demonstraram insatisfação com a coordenação.
Quanto ao domínio do conteúdo e competência técnica dos docentes, 65% dos egressos afirmaram estar satisfeitos e 59% demonstraram satisfação com os conteúdos de formação geral e humanística, ou
seja, concordaram totalmente e em parte que os conteúdos de formação
geral e humanística oferecidos durante o curso contribuíram de maneira decisiva para o ingresso ou permanência no mercado de trabalho. Se
considerarmos que os conteúdos de formação geral têm como principal
objetivo desenvolver a capacidade crítica e de argumentação dos estudantes, verificamos que a dimensão política da qualidade tem predominado em relação à dimensão formal (DEMO, 2001).
Quanto a adequação entre as expectativas do curso da ECA/USP
e o exercício profissional Lopes et al (1992) detectaram muita frustração dos egressos demonstrando que nas décadas de 70 e 80 o curso
estava longe de fazer a adequação com o exercício profissional. Na pesquisa atual não verificamos muita melhora neste quadro, afinal 58%
dos 293 egressos demonstraram insatisfação com a formação acadêmica e preparação para o mercado de trabalho; 41% dos egressos não
140
estudariam Relações Públicas novamente. Portanto, verificamos que
as entregas realizadas pelo curso em relação à formação do estudante
não tem suprido as suas expectativas profissionais ao longo das décadas, como apontam as duas pesquisas mencionadas. Desta forma, o
curso não tem alcançado a qualidade causando o desiquilíbrio entre
os elementos “perfeição” e “expectativa” (DAVOK, 2007). Os principais
motivos apontados para não estudar Relações Públicas novamente
foram: “o curso não me preparou para o mercado de trabalho”, segundo alguns respondentes, o egresso não gostou do curso e a carreira é
pouco reconhecida pelo mercado de trabalho e sociedade em geral.
Da mesma forma que Oliveira et al (2014), constatamos que existem
dissonâncias entre a formação acadêmica e as demandas quanto as
competências e habilidades requeridas pelo mercado.
Por outro lado, 70% dos egressos recomendaria o curso para outras pessoas. Dos 89 egressos que não recomendariam o curso para outra
pessoa, 78% demonstraram insatisfação com os conteúdos de formação
específica. No estudo de Lopes et al (1992), também houve aceitação do
curso da ECA/USP uma vez que 79% dos egressos recomendariam o curso para outra pessoa. Entendemos que há mais satisfação do aluno em
valorizar a instituição USP e a ECA do que o curso de Relações Públicas.
Em relação aos conteúdos necessários no mercado de trabalho
e que mais fizeram falta durante a graduação os egressos citaram conhecimentos relacionados à mensuração de resultados, administração,
finanças e a necessidade de aulas mais práticas com metodologias diferenciadas. Algumas disciplinas também foram citadas na pesquisa
conduzida por Lopes et al (1992) principalmente àquelas relacionadas
à administração, as técnicas de Relações Públicas mais adequadas à realidade profissional e as atividades laboratoriais. Ora, se as necessidades em relação aos conteúdos de gestão e negócios e de metodologias
diferenciadas aparecem nas duas pesquisas, podemos inferir que não
houve uma mudança relevante na grade curricular ao longo das décadas
a partir de 1970 até 2010; outra possível causa pode ser o processo ensino-aprendizagem que, no decorrer do referido período, não foi transformador para lograr a eficácia e eficiência requeridas pelos números
de ambas pesquisas. Identificamos que 47% dos egressos discordaram
totalmente ou em parte que o sistema de avaliação adotado pelos docentes foi coerente com os conteúdos ministrados. Neste sentido, obser141
va-se que há um descontentamento em relação a forma como as avaliações são conduzidas no âmbito do processo ensino-aprendizagem.
Em nosso estudo, os egressos também relacionaram alguns conteúdos considerados essenciais para o seu exercício profissional e foram
mencionadas as disciplinas de formação geral e humanística, componentes curriculares de marketing, projeto experimental e planejamento
estratégico. Outro dado interessante foi que 56% dos egressos concordaram totalmente ou em parte que os relacionamentos e contatos desenvolvidos durante o curso colaboraram para a sua inserção no mercado
de trabalho. Assim, a academia aparece como um espaço de inserção
social e profissional, de construção de redes de relacionamento que podem extrapolar o tempo da graduação e as fronteiras da universidade.
Ao verificarmos o conhecimento sobre a profissão de Relações
Públicas antes do ingresso no curso, 77% dos 293 egressos conheciam
pouco sobre a carreira e 158 escolheram a profissão porque afirmaram
se identificar com o curso. Somente 11% do total dos egressos conheciam com clareza a profissão antes de ingressar no curso. Entendemos
que outro público a ser considerado nas ações dos gestores dos cursos
de Relações Públicas, portanto, são os estudantes do ensino médio, em
fase de escolha da carreira universitária.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
O terceiro bloco de questões teve como objetivo conhecer a trajetória profissional dos egressos, ou seja, renda, tipo de empresa onde trabalha, funções e atividades exercidas, registro no órgão de classe entre
outras características relacionadas ao perfil ocupacional.
Dos 293 pesquisados, 26% dos egressos apresentaram renda mensal de mais de 14 salários mínimos e 24% dos diplomados declararam
renda mensal entre 9 e 14 salários mínimos, ou seja, 50% dos egressos
apresentam renda mensal de 9 a mais salários mínimos. Estes salários
estão acima da média salarial nacional da profissão que é de R$ 2.099,92
(CATHO, 24/02/2014). Na pesquisa de Lopes et al (1992), os salários da
maioria dos profissionais de Relações Públicas pesquisados foram considerados mais que razoáveis para a profissão em relação a outras profissões de comunicação na época do estudo.
142
Quanto à situação funcional no mercado de trabalho, dos 293 pesquisados, 38% dos egressos ocupam cargos de gerentes, coordenadores
ou supervisores, seguido de 29% exercem a função de analistas, técnicos
ou especialistas. 11% profissionais liberais ou empreendedores; 6% dos
egressos ocupam o cargo de assistentes e 5% são diretores. Professores
e pesquisadores representam 5% pessoas e foram 3% dos indivíduos que
citaram exercer outras funções. Apenas 3% dos egressos não estavam
trabalhando no momento da pesquisa. A pesquisa ainda revelou que
61% dos egressos atuam em organizações privadas, 17% trabalham em
organizações públicas e mistas e 9% contam com negócios próprios.
Profissionais liberais somam 5% dos egressos assim como 5% atuam no
terceiro setor. O predomínio da atuação dos profissionais de relações
públicas em organizações privadas também foi visível na pesquisa de
Lopes et al (1992), no entanto, verificamos que a atuação destes profissionais em órgãos públicos e no terceiro setor começou a ter expressividade a partir da década de 90.
Uma análise conjunta entre as variáveis tipo de organização em
que trabalha, cargo que ocupa e salário que recebe revelou que das 75
pessoas que apresentam renda mensal de mais de 14 salários mínimos, 56% dos egressos ocupam cargo de gerentes/ coordenadores ou
supervisores em organizações privadas. Por outro lado, dos 9 egressos
que apresentaram renda mensal de até 2 salários mínimos, 4 são professores e pesquisadores em organizações públicas, privadas e mistas.
Considerando o total de 16 professores e pesquisadores que fizeram
parte da amostra, foi representativo o número desses profissionais com
renda mensal inferior aos profissionais que ocupam outros cargos como
de gerentes e diretores.
Sobre o registro profissional no sistema no Conselho Federal dos
Profissionais de Relações Públicas (Conferp), 260 respondentes não têm
registro profissional, 84% não exercem atividades exclusivas de Relações
Públicas e dos 33 que apresentam registro profissional, 61% exercem atividades exclusivas de Relações Públicas. Os principais motivos apontados pelos egressos para não se filiarem ao conselho profissional foram:
considerar o registro desnecessário para a atuação profissional e não
trabalhar exclusivamente na área. Dos 33 profissionais que apresentam
registro, 16 atuam em organizações públicas e mistas que exigem o registro profissional, 15 egressos trabalham em organizações privadas,
143
um egresso tem empresa própria e um atua em organização do terceiro
setor. Dado que 50 profissionais atuam em empresas públicas e mistas
e 178 egressos trabalham em organizações privadas, a exigência do registro em organizações públicas e mistas é proporcionalmente maior
do que nas empresas privadas. Destacamos ainda que 13 dos 16 profissionais que exercem a função de docentes não apresentam registro
profissional, ou seja, é provável que lecionem disciplinas específicas de
Relações Públicas de forma irregular, pois segundo a lei 5.377, o registro é necessário para os docentes de disciplinas específicas de Relações
Públicas ou não lecionem disciplinas específicas de Relações Públicas.
Lopes et al (1992) verificaram que 71% dos egressos da década de 70 e
80 também não eram filiados ao conselho profissional e que a maioria
dos egressos consideravam baixa a influência dos órgãos de classe como
sindicatos, associações e conselho na área profissional. Ferrari (2006)
também constatou a pouca expressividade do sistema Conferp explicada pelos entrevistados principalmente pela rigidez da lei e pela falta de
um plano estratégico do órgão para atrair os profissionais.
Quanto à realização e reconhecimento profissional, satisfação
financeira e estabilidade profissional, identificamos que dos 293 respondentes, 70% dos egressos estão satisfeitos financeiramente com o
seu trabalho atual, 83% consideram que são reconhecidos pelas atividades que exercem profissionalmente, 81% acreditam ter vínculo
seguro com a empresa que trabalham e 79% estão realizados com as
atividades que exercem no trabalho atual. Por outro lado, para 61%
dos egressos pesquisados a profissão de Relações Públicas não supriu
as suas expectativas profissionais. Ou seja, embora a avaliação em relação à satisfação financeira, realização, estabilidade e reconhecimento profissional tenha sido positiva, os egressos se sentem frustrados
em relação à profissão. Embora se sintam reconhecidos profissionalmente, a falta de legitimidade da profissão de Relações Públicas foi
apontada como um dos principais motivos para o egresso afirmar que
não estudaria Relações Públicas novamente. Neste sentido, o reconhecimento parece ocorrer em maior parte pelas competências pessoais e
não àquelas relacionadas à profissão.
Entre os 113 egressos que declararam que a profissão de Relações
Públicas supriu suas expectativas profissionais, 59% dos pesquisados
exercem mais do que seis tipos de atividades de Relações Públicas em
144
seu cotidiano profissional, sendo que as mais citadas foram: planejamento estratégico, organização de eventos e comunicação interna. Aqui
detectamos que quanto maior é o envolvimento do profissional com o
exercício das atividades de relações públicas, maior é a sua avaliação em
relação ao atendimento de suas expectativas pelo curso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com Lousada e Martins (2005, p. 84) “estabelecer um
canal de comunicação com os egressos implica em ouvir aqueles que
pela Instituição passaram, cujas percepções, pareceres e críticas possam fundamentar projetos institucionais”. Neste sentido, a primeira
etapa da pesquisa com os egressos de Relações Públicas da ECA/USP
trouxe a possibilidade de construir uma rede de contatos e de conhecer
o perfil e a opinião dos egressos em relação a sua trajetória acadêmica
e profissional.
Conforme estabelece a Comissão Permanente de Avaliação da
Universidade de São Paulo e o Sinaes (2004), é importante que os gestores das IES’s e os coordenadores de cursos estabeleçam um sistema de
avaliação contínuo e permanente e que os egressos sejam atores fundamentais neste processo. Neste primeiro momento da pesquisa, identificamos aspectos sobre a inserção profissional dos egressos no mercado
de trabalho, a relação entre ocupação e formação profissional, informações sobre a formação e dados relevantes que podem contribuir com a
melhoria da qualidade dos cursos e maior articulação entre academia,
mercado e sociedade. Os principais resultados que encontramos foram:
* Presença predominante feminina no curso de Relações Públicas da ECA/USP;
* Elevada taxa de ocupação dos egressos no mercado de trabalho (97% dos diplomados estão inseridos no mercado de trabalho), embora apenas 21% dos egressos exerçam atividades exclusivas dos profissionais de Relações Públicas;
* A maioria dos egressos exerce no seu cotidiano profissional
algum tipo de atividade de Relações Públicas ainda que não seja
considerada como atividade exclusiva da profissão;
* Os egressos demonstraram maior satisfação com os conteú145
dos de formação geral e humanística do que em relação aos conteúdos de formação específica;
* Os egressos apontaram para a necessidade de conteúdos relacionados a gestão e negócios, além do uso de metodologias
diferenciadas no processo ensino-aprendizagem, em especial,
de aulas práticas;
* A maioria dos egressos não apresenta registro no Conselho
Profissional de Relações Públicas; a opinião é de que é desnecessário para atuar no mercado de trabalho. A exigência do registro
profissional ocorre em organizações públicas e mistas;
* Os egressos sentem-se satisfeitos financeiramente, realizados
e reconhecidos profissionalmente, no entanto, quase a metade
dos pesquisados não estudaria Relações Públicas novamente.
Desta etapa da pesquisa chegamos a três conclusões importantes:
1) A ineficiência do curso na formação de profissionais aptos
para atuar no mercado de trabalho. Essa ineficácia, conforme
aponta a pesquisa, pode ter sua causa na não inclusão de conteúdos de gestão e negócios, uma vez que as organizações buscam
profissionais que tenham competências de âmbito empresarial;
2) É urgente que os cursos de Relações Públicas renovem as
metodologias de ensino-aprendizagem para que as competências e habilidades requeridas no mercado possam ser desenvolvidas por meio de técnicas didáticas que coloquem o aluno no
centro do processo de aprendizagem;
3) Existe entre os egressos de Relações Públicas uma crise de
identidade profissional. É possível que esta crise esteja relacionada à divergência entre a identidade da atividade profissional
de Relações Públicas construída na academia e a identidade social e profissional que existe no mercado de trabalho.
A partir destas conclusões, novas questões surgiram: qual é a demanda do mercado e da sociedade que os cursos de Relações Públicas
têm atendido? de que forma as novas Diretrizes Curriculares poderão
contribuir para diminuir as lacunas entre as demandas do mercado
de trabalho e a formação oferecida pelos cursos de Relações Públicas?
quais são os motivos da crise de identidade profissional?
146
É preciso reforçar que a presente pesquisa trata da realidade específica de um curso de graduação, oferecido por uma universidade pública
estadual situada na região sudeste, na cidade e estado de São Paulo. A estrutura estatal burocrática da universidade, assim como o corpo docente
concursado, é algo que deve ser levado em consideração e que não tem
similaridade com as IES confessionais e particulares existentes no país.
Assim, desta etapa da pesquisa e dos resultados e conclusões iniciais apresentados surgiram os questionamentos que foram levados ao
grupo focal com egressos com a finalidade de produzir insights sobre
a formação acadêmica e necessidades profissionais dos ex-alunos. O
grupo focal foi realizado no segundo semestre de 2014 e a análise dos
resultados ainda está em fase de revisão, assim como a etapa quatro,
entrevistas com diretores de comunicação para identificar as habilidades e competências que eles buscam nos egressos de Relações Públicas,
ainda está em andamento. A continuidade do nosso trabalho buscará
identificar os motivos dos descontentamentos em relação a formação
que persistem desde a década de 70 no curso de Relações Públicas da
ECA/USP e uma proposta que busque alternativas para atender melhor
a relação academia-mercado.
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148
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RELAÇÕES PÚBLICAS EM JOGO: A SIMULAÇÃO COMO
RECURSO DIDÁTICO
Márcio Simeone Henriques1
e Daniel Reis Silva2
RESUMO
O presente artigo aborda a experiência didática do
Jogo das Relações Públicas, uma atividade lúdica de simulação e interpretação de papeis voltada para estudantes de
graduação e concebida como uma forma de contribuir para
a compreensão acerca das complexas dinâmicas que permeiam a formação e a movimentação de públicos na sociedade e compõem a atividade de RP. Para tanto, discorre-se
inicialmente sobre a relação entre jogos de simulação e o
ensino, bem como sobre as características específicas da
área de Relações Públicas que tornam propícia a proposta
de um jogo sobre a atividade. Em seguida, são realizadas
uma apresentação geral do Jogo e uma discussão sobre os
elementos que atravessam o mesmo e suas fundamentações teóricas. Por fim, são abordados aspectos da avaliação
do jogo e da experiência dos estudantes que participaram
da atividade.
Professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal
de Minas Gerais, Doutor em Comunicação Social pela UFMG, realiza a pesquisa
“Vigilância civil, opinião pública e accountability nas políticas urbanas” em estágio pós-doutoral na Universidade Nova de Lisboa/Portugal (bolsista CAPES,
Proc. 1931-14-8). E-mail: simeone@ufmg.br.
1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista CAPES. E-mail: daniel.rs@hotmail.com.br.
2
Palavras-chave: Relações Públicas; Públicos; Opinião
Pública; Ensino; Jogos de simulação.
INTRODUÇÃO
A utilização de jogos com intuitos educacionais, visando promover o engajamento e o aprendizado por meio de atividades lúdicas, se tornou uma estratégia didática recorrente nas últimas cinco
décadas. Atualmente, os jogos são amplamente reconhecidos como
um recurso educacional importante, sendo empregados em uma ampla gama de situações que variam desde o auxílio no aprendizado e
na socialização de crianças em fases pré-escolares e no período de alfabetização (BROUGÈRE, 1998) até treinamentos bastante específicos
para gerentes empresariais em posições de liderança e de tomada de
decisões (RAMOS, 1991).
No presente artigo, refletimos sobre nossa experiência com o desenvolvimento e aplicação de um jogo centrado na proposta de auxiliar o ensino de Graduação em Relações Públicas, batizado de Jogo das
Relações Públicas (“Jogo das RP”). Uma versão piloto do jogo foi integrada em 2013 à disciplina Técnicas e Processos de Relações Públicas3.
Consiste numa atividade lúdica de simulação e interpretação de papeis,
na qual os participantes devem, no decorrer de cinco semanas, interagir
uns com os outros para lidar com um cenário problemático apresentado. Teve como objetivo geral o fomento de uma maior compreensão
acerca de alguns dos principais desafios da atuação na atividade de RP,
em especial os conflitos resultantes da diversidade de interesses e grupos na sociedade contemporânea, a complexidade das situações enfrentadas pelos profissionais da área e a influência da mídia na formação da
opinião e dos públicos.
Apresentamos inicialmente uma discussão a respeito da utilização de jogos como recursos didáticos e da definição e importância da
Durante os semestres letivos de 2013/01, 2013/02, 2014/01 e 2014/02 do curso da UFMG
3
150
ideia de simulação que justifica a realização da proposta, além de argumentarmos pela relevância e pelo caráter promissor do emprego de
atividades lúdicas de simulação no ensino das Relações Públicas. Em
seguida abordamos os elementos e a dinâmica do jogo, refletindo sobre
os principais fundamentos teóricos presentes na atividade e destacando
quatro eixos principais: a formação dos públicos e do interesse público;
a movimentação dos públicos; as estratégias e ações de relações públicas; e a ação da mídia. Finalmente, concluímos o presente artigo discutindo aspectos da avaliação do jogo.
SOBRE JOGOS E SIMULAÇÕES
Inúmeros teóricos se dedicaram, nas últimas décadas, a explorar e compreender o potencial da utilização de jogos para o ensino, dando origem a diferentes correntes de pensamento sobre o tema
(KISHIMOTO, 1994; BROUGÈRE, 1998; 2002; PIAGET, 1976). Entre estes,
é importante ressaltar a observação de Brougère sobre como o jogo não
deve ser caracterizado por uma “vocação particular para a educação”,
mas sim pelo seu potencial de transformação e construção de conteúdos: “porque manipula comportamentos e significações exteriores [a si],
o jogo pode ser um espaço de aprendizagem em relação a esses mesmos
conteúdos” (2002, p. 16). O autor destaca como o jogo possui a capacidade de instaurar espaços miméticos ricos, nos quais séries de conteúdos exteriores e significações culturais são retomadas e dotadas de
novas acepções pelos jogadores. Justamente pela manipulação destes
significados, o jogo pode ser acompanhado “de aprendizagens informais
ou implicar aprendizagens anteriores para dominar esses conteúdos”
(BROUGÈRE, 2002, p.16). O jogo se torna também, devido ao seu apelo
ao divertimento e como uma quebra na rotina, uma forma de aumentar
o engajamento e o entusiasmo dos estudantes (PERROTTA et. al, 2013).
Dentre as diversas modalidades de jogos, interessa-nos especialmente refletir sobre os que são tradicionalmente nomeados como jogos de simulação. Cosete Ramos (1991) argumenta por uma utilização
ampliada do conceito de simulação, entendendo-o como “uma seletiva representação da realidade, abrangendo apenas aqueles elementos
da situação real que o autor considera relevante para seu propósito”
(RAMOS, 1991, p. 21). A simulação consiste, assim, em uma representa151
ção simplificada da realidade (ABT, 1974), uma abstração propícia para
abordar processos dinâmicos e complexos.
Os jogos de simulação colocam os jogadores frente a um recorte
simplificado da realidade a partir do qual eles “assumem papéis realistas,
enfrentam problemas, formulam estratégias, tomam decisões, e obtêm
rápida informação sobre as consequências de sua ação” (ABT, 1974, p.
12). Surgem como uma alternativa para lidar com problemas concretos,
consistindo em um modelo de aprendizado orientado para a ação e centrado nos participantes, que devem tomar decisões e traçar estratégias
para alcançar determinados objetivos. Dentre as principais vantagens
do uso pedagógico dos jogos de simulação devem ser citadas também a
aproximação entre teoria e prática e o incentivo para que o participante
assuma um papel ativo no seu próprio aprendizado. Segundo o autor,
nessa modalidade de jogo os “indivíduos podem novamente ter participação, e pensamento e ação podem novamente ser integrados” (ABT,
1974, p. 4), o que aproxima tal modalidade do ideal do aprendizado ativo
proposto por John Dewey (1959).
O somatório de todas essas características fez com que os jogos de simulação conquistassem progressivamente reconhecimento
e espaço em várias áreas como o treinamento militar e a capacitação
de lideranças para enfrentamento de problemas em organizações. São
também empregados como um recurso didático no ensino superior. O
norte-americano William Gamson é um dos pioneiros de tal utilização,
tendo criado, em 1964, o SIMSOC – Simulated Society. Segundo Gamson
(2013), sua intenção era encontrar uma maneira de demonstrar para
seus alunos a complexidade da tomada de decisões coletivas em uma
sociedade. Mais do que isso, o que Gamson intencionava era permitir
aos estudantes lidar efetivamente com questões de conflitos sociais e
com problemas de ordem e controle social, motivo pelo qual ele optou
por desenvolver um jogo de simulação. Inicialmente aplicado em um
laboratório semanal para estudantes de sociologia, o SIMSOC era uma
oportunidade para que os estudantes “se encontrassem em posições poderosas que poucos iriam ocupar no restante de suas vidas, lidando com
dilemas, desafios e tentações” (GAMSON, 2013, p. 612, tradução nossa).
O sucesso dessa experiência incentivou-o a criar outras duas iniciativas
similares durante sua carreira: o WHAT’S NEWS, um jogo de simulação sobre a imprensa televisiva, e o GLOBAL JUSTICE GAME, que busca
152
destacar dilemas globais, como trabalho infantil ou contaminação de
águas, e prover uma variedade de ações possíveis para que os participantes tentem lidar com os mesmos.
RAZÕES PARA UM JOGO DE SIMULAÇÃO SOBRE RELAÇÕES PÚBLICAS
Uma primeira justificativa a destacar é o fato de que a área lida
com processos sociais de grande complexidade. Em uma perspectiva
sistêmica, observamos que o caráter mediador das Relações Públicas
faz com que a atividade interaja a todo o momento com uma multiplicidade de sistemas sociais, cada um deles dotado de lógicas e interesses
peculiares. A atividade é, assim, perpassada e configurada por diversas
dimensões sistêmicas importantes, como a organizacional, a dos públicos e da opinião pública, a midiática e a governamental; lida, portanto,
com um complexo de interações e de interinfluências, onde cada um
dos interagentes adota estratégias e diferentes táticas de ação.
A partir dessa perspectiva, emerge uma questão didática importante sobre como gerar uma boa compreensão acerca de processos
complexos como aqueles com os quais a atividade lida. Um problema
é que nem sempre é possível obter tal entendimento apenas por meio
da literatura, reconhecendo as dificuldades e limitações dos esforços
de descrição e explicação das múltiplas e interconectadas lógicas que
perpassam as Relações Públicas e suas dinâmicas. Mesmo o recurso didático aos estudos de caso possui limitações significativas em sua capacidade de prover uma compreensão refinada acerca da complexidade
dos processos da atividade. Eles enfrentam constrangimentos devido ao
próprio caráter estratégico das Relações Públicas, que limita o acesso
aos dados sobre as decisões de organizações e aos materiais a serem
estudados. Além disso, o tom unilateral do relato tende a omitir vários
dos aspectos contraditórios das questões envolvidas. Mesmo casos premiados sofrem de escassez de informações, impossibilitando um estudo
aprofundado sobre os seus diversos elementos. Mais ainda, o pensamento centrado na organização (um vício também compartilhado por
parte da literatura da área) inviabiliza a exploração de uma visão global
sobre as Relações Públicas, falhando em captar interconexões e influências de grande importância para a compreensão de momentos críticos
no decorrer de uma controvérsia pública.
153
Perante tais limitações, a proposta de desenvolvimento de um
jogo de simulação surge como uma perspectiva promissora. Como mencionado, uma das principais características desses jogos consiste na
forma com que eles possibilitam a exploração de situações complexas e
problemas concretos. O recurso à simulação oferece uma oportunidade
de quebrar a visão centrada na organização, recorrente no ensino das
Relações Públicas. Acreditamos que a proposta pode também possibilitar o desenvolvimento de habilidades e capacidades relevantes para um
profissional da área. Ao colocar os participantes em um papel ativo no
qual devem traçar estratégias visando alcançar certos objetivos (tanto
no lado das organizações como no lado dos públicos), oferece a oportunidade para que os estudantes possam desenvolver suas capacidades
de tomada de decisão e de lidar com situações críticas, compreender e
avaliar dilemas morais, bem como trabalhar habilidades de expressão,
de argumentação e exposição pública.
O CENÁRIO E A COMPOSIÇÃO DO JOGO
Como Abt (1974) menciona, a concepção de um jogo de simulação
perpassa, em seu primeiro e mais essencial aspecto, a tomada de decisão
sobre a complexidade do mesmo, algo que está diretamente vinculado
aos objetivos didáticos almejados. Apesar de uma simulação ser sempre
uma representação simplificada da realidade, é importante refletir sobre o ponto em que a simplificação excessiva passa a suprimir nuances
importantes e a comprometer o entendimento sobre os diferentes elementos interconectados daquela situação. No caso do Jogo das RP, que
busca propiciar maior compreensão acerca da multiplicidade de lógicas
que perpassam os processos da atividade de RP, uma primeira preocupação era evitar o esvaziamento da simulação, que tornaria o jogo mais
simples e acessível, porém prejudicaria seu potencial didático.
Em sua estrutura básica, o Jogo consiste na simulação de um cenário problemático: uma situação conflituosa entre diversos grupos e
atores sociais ancorada em elementos característicos de problemas de
Relações Públicas. O primeiro cenário construído para o Jogo foi intitulado “Mina Oráculo”, e as premissas básicas e equipes envolvidas no
mesmo são apresentadas na Tabela 1:
154
TABELA 1 – CENÁRIO PROBLEMÁTICO “MINA ORÁCULO”
Fonte: elaborada pelos autores.
Os participantes do jogo são divididos em equipes, sendo que
cada uma contém entre três e seis membros. Cada equipe assume o controle de um grupo envolvido no conflito apresentado, e deverá realizar
uma série de ações para se posicionar e interferir na controvérsia, buscando atingir seus objetivos. Para trabalhar uma visão ampliada sobre
as situações do mundo real, existem dois tipos de equipes: as envolvidas na controvérsia (de seis a oito equipes) - que representam grupos
diretamente relacionados com o conflito apresentado e devem realizar
ações para se posicionar e influenciar no andamento das controvérsias
- e as equipes de jornalistas, que representam a imprensa. Cada cenário
apresenta três equipes de jornalistas que possuem características próprias – de alcance nacional ou regional e tendências editoriais diferentes. Tais equipes realizam um tipo de ação específica durante o jogo: a
155
publicação de notícias sobre o desenrolar do caso a partir da atuação
das demais equipes.
Além de receber um documento contendo a explicação geral sobre o cenário, com dados minuciosos sobre a situação, cada equipe recebe no início do jogo um dossiê exclusivo que explica suas características
e seus indicadores de sucesso. Os indicadores são a forma de medir o desempenho de cada equipe durante o jogo, variando a cada ação realizada pelas várias equipes . Em geral refletem uma série de suportes de públicos específicos e da opinião pública e sua variação será determinada
pelos moderadores do jogo (em nosso caso, os professores da disciplina).
A ESTRUTURA E A DINÂMICA DO JOGO
O desenrolar do jogo ocorre por rodadas, e pode ser compreendido pela observação que Richard Barton (1973) tece sobre a tomada
de decisão em jogos de simulação, na qual a mesma ocorre numa sequência de três estágios: estímulo, reação e consequência. A partir de um
estímulo lançado pelo jogo, a situação problemática inicial, solicita-se
a reação do jogador que é premido a tomar uma decisão e esta provoca uma consequência no ambiente do jogo, o que o atualiza. O cenário
é, assim, algo em construção, que será moldado durante o desenrolar
do próprio jogo. Sua evolução ocorrerá tanto em decorrência da ação
dos participantes, que influenciam diversos aspectos da situação, como
também através de novos fatores que serão introduzidos de maneira
aleatória em momentos específicos – como novos grupos que se engajam na controvérsia pública, novos desenvolvimentos ou descobertas
sobre a situação, entre outros.
O Jogo foi concebido em três rodadas. Elas ocorrem em dois ambientes distintos: o ambiente presencial, na sala de aula, e o ambiente
virtual, em um fórum previamente preparado a qual todos os participantes tenham acesso4. A parte presencial foi idealizada para ser jogada em
uma hora e quarenta minutos e consiste de quatro etapas. Inicialmente
os membros de cada equipe se reúnem entre si para discutir o cenário e
traçar estratégias para atingir seus objetivos, planejando seus próximos
passos. Em seguida, as equipes se reúnem umas com as outras, engajan4
No nosso caso foi utilizada a plataforma Moodle disponibilizada pela UFMG.
156
do-se em um processo de negociação no qual buscam formar acordos e
discutir apoios para melhorar seus indicadores de sucesso. Na terceira
etapa as equipes voltam a se reunir isoladamente para decidir as ações
que executaram na rodada. Finalmente, a quarta etapa é a da ação pública, em que cada equipe realiza um pronunciamento público, à frente
de todos os participantes, delineando suas ações e posicionamentos naquela rodada. Durante todo o tempo, as equipes de jornalistas coletam
materiais, podendo dialogar com as demais equipes durante a etapa da
negociação e interpelá-las durante a etapa da ação pública.
Concluída a parte presencial, as equipes envolvidas na controvérsia devem postar no fórum virtual um breve press release delineando as
ações realizadas por elas na rodada. As equipes de jornalistas possuem
um prazo para postarem as notícias referentes àquela rodada no fórum
virtual. Assim como na vida real, tais notícias possuem limitações sensíveis de espaço, impossibilitando que todas as ações sejam tratadas e
tenham o mesmo espaço. As equipes da imprensa, então, enquadram
os acontecimentos, sendo as notícias por eles produzidas de grande
importância por implicarem na variação dos indicadores de sucessos.
Conquistar uma visibilidade positiva para o empreendimento em um veículo nacional, por exemplo, pode ocasionar um ganho de confiança do
mercado e a valorização das ações da mineradora. Os moderadores do
jogo assumem o papel de públicos e da opinião pública, ou seja, dos públicos em sua generalidade, avaliando, por meio das ações das equipes
e de sua repercussão na mídia, as variações nos indicadores de sucesso.
Um indicativo do resultado é comunicado para as equipes no início do segundo encontro presencial, assim como alterações no cenário
e a ocorrência dos eventos aleatórios. Após três rodadas, o jogo é finalizado, a apuração final determina a equipe com melhores indicadores
de sucesso. Inicia-se o processo de avaliação do jogo, com duração de
três horas. A figura 1 apresenta uma síntese da estrutura básica do Jogo:
157
FIGURA 1 - ESTRUTURA DAS RODADAS JOGO DAS RELAÇÕES PÚBLICAS
Fonte: elaborada pelos autores.
O Jogo foi concebido de forma a salientar aspectos de cooperação
e competição entre as equipes, inspirado em jogos que fomentam um
misto de conflito e dependência (GAMSON, 2013). A principal mecânica
para tanto é a da variação dos indicadores de sucesso, que não depende
apenas das ações realizadas por uma equipe – eles flutuam igualmente
de acordo com as ações realizadas por outras equipes e, principalmente,
pela forma com que a mídia tece a narrativa sobre a situação. Temos
assim um cenário complexo, no qual cada equipe possui seus próprios
objetivos, interesses e indicadores de sucesso. Apesar do Jogo das RP
não ser de soma-zero, indicadores de diferentes equipes são por vezes
contrários, com o sucesso de uma delas comprometendo os objetivos
de outras (a própria cobertura midiática é um exemplo, já que o foco de
uma matéria sobre as ações de determinada equipe acaba significando a negligência às ações das demais e afetando seu desempenho). Por
outro lado, a cooperação entre as equipes surge como uma estratégia
de grande importância para influenciar ações diversas, fortalecer posicionamentos e lutar por cobertura midiática. A cooperação perpassa,
porém, a busca por um interesse comum entre uma ampla diversidade
de objetivos contraditórios e modos de agir distintos, o que abre espaço
para uma série de práticas como a barganha, a busca por um meio-termo entre certos posicionamentos e a formação de alianças estratégicas.
158
No decorrer do jogo, as equipes são também confrontadas com
acontecimentos aleatórios, externalidades (sorteadas pelos moderadores) que afetam a todos e que podem alterar os rumos da situação,
desvelando novos sentidos, possibilidades e problemas a serem enfrentados. Tais acontecimentos podem incentivar tanto a cooperação entre
as equipes (no caso de uma tragédia, por exemplo) como o conflito e a
competição (um vazamento de informações que revela que a organização escondia um estudo de impactos ambientais que apontava para um
elevado grau de degradação ambiental, por exemplo), constituindo-se
em mais um elemento que aumenta a complexidade daquelas relações.
O Jogo foi concebido como uma plataforma maleável que permite
adaptações diversas e a aplicação de diversos casos. A mesma dinâmica
permite a utilização de cenários problemáticos completamente distintos, que abordem outros elementos da atividade de Relações Públicas5.
Além disso, a natureza aberta da simulação envolvida no Jogo possibilita que diferentes aplicações de um mesmo cenário se desenvolvam de
maneira bastante distinta. Foi possível observar tal característica nas
três oportunidades em que aplicamos mesmo cenário, com a controvérsia em cada uma delas ganhando rumos próprios nos quais diferentes
equipes se destacaram e acabaram por ganhar o jogo6.
De fato, desenvolvemos e aplicamos até o momento dois cenários, o primeiro
chamado “Mina Oráculo”, cuja premissa foi apresentada anteriormente, e o segundo intitulado “Porto das Ostras”, sobre uma parceria público-privada para
a construção de um porto no litoral da Bahia que envolve questões e grupos
sociais bastante distintos, como uma associação de pescadores e a associação
de turismo local.
5
Em uma das aplicações, por exemplo, a equipe que representava a ONG ambiental não obteve sucesso em sua tentativa de colocar na pauta pública os impactos potenciais da construção da Mina Oráculo nos recursos hídricos locais.
Assim, se viu relegada a um papel de coadjuvante, enquanto a controvérsia e
os debates das demais equipes orbitavam ao redor de questões econômicas e
do desenvolvimento social. Já em outra aplicação, a atuação da equipe da ONG
produziu melhor efeito, com a mesma conquistando diversos apoios públicos e
estabelecendo a questão ambiental como o cerne da situação problemática, o
que demonstra bem as possibilidades diversas do desenvolvimento do jogo.
6
159
A REFLEXÃO SOBRE O JOGO E SEUS ELEMENTOS
Ao conceber o Jogo, uma das primeiras questões sobre a qual nos
debruçamos estava relacionada com o momento de inserção do mesmo
dentro do programa da disciplina, que possui característica introdutória sobre os conceitos da área. Optamos por inserir a atividade em um
momento intermediário, em que os alunos já tivessem tido contato com
discussões sobre a função das RP e sua importância em organizações
contemporâneas, bem como com uma primeira abordagem sobre formação e movimentação de públicos, opinião pública, imagem e reputação, permitindo uma referência para a ação e para recuperar os sentidos
da atividade. Pela própria natureza aberta do Jogo das RP, diferentes elementos temáticos podem surgir no decorrer da atividade. Acreditamos,
porém, que a essência do jogo perpassa quatro elementos que devemos
abordar com maiores detalhes.
O primeiro elemento diz respeito à formação de públicos e do interesse público. Nesse sentido, a dinâmica desenvolvida pelo jogo permite explorar a própria constituição de uma questão pública relevante,
bem como explorar a forma com que diferentes públicos se posicionam
perante uma situação controversa. Duas questões de grande importância para a área se localizam no âmago desse elemento: a formação de
públicos, com sujeitos que se julgam afetados perante uma controvérsia
(DEWEY, 1954; BLUMER, 1971), e o processo de coletivização que gera a
formação de um interesse público (HENRIQUES, 2010). No decorrer do
jogo, as equipes não apenas se posicionam perante uma situação dada,
mas se engajam em uma disputa de sentido sobre o próprio interesse
público, sustentando diferentes posições e propondo significados sobre
os acontecimentos e sobre qual seria a dimensão dos mesmos. É viabilizada, assim, uma observação sobre os processos complexos de disputa
de sentido que perpassam a atividade.
Além de abordar a formação de públicos, um segundo elemento
do jogo se refere à movimentação dos mesmos. Nesse aspecto, o jogo
apresenta um cenário propício para a observação sobre como o processo de mobilização de públicos menos ou mais organizados em função de
uma situação controversa ocorre, permitindo ver elementos da disputa
de interesses e da tentativa dos públicos de influenciar a opinião de outros em favor de certas posições. É de grande riqueza a observação sobre
160
a complexidade de táticas desenvolvidas pelas equipes que representam
grupos e movimentos sociais, que buscam conquistar apoios para sua
causa por meio de atos públicos, do apelo a celebridades e especialistas e da construção fatores de identificação com sua causa. Importante
notar os fatores estratégicos empregados por tais grupos na tentativa
de conquistar visibilidade, relacionar com a imprensa e forjar alianças
– aspectos estes fundamentados em toda uma literatura que aborda a
mobilização social (HENRIQUES et. al, 2004; TORO e WERNECK, 2004) e
que ajuda a compreender facetas importantes da dinâmica da formação
da opinião pública. Mesmo sem ter um background como membros de
uma ONG ambiental ou de um movimento de bairro, os participantes
acionam repertórios anteriores, mimetizando condutas que eles conhecem e atribuem a tais grupos. Muitos jogadores, inclusive, vão atrás de
informações e estratégias utilizadas em situações parecidas, ampliando
a riqueza da simulação construída e permitindo abordar a movimentação dos públicos de maneira mais verossímil.
O terceiro elemento parte da observação de que o jogo também
permite explorar as estratégias e ações de relações públicas empregadas pelas diversas organizações e atores institucionais, tanto na interação entre si como com os públicos. É possível vislumbrar relações
de organizações com governos, com comunidades, com segmentos específicos e com a imprensa – aspectos-chave das teorias de Relações
Públicas, do planejamento estratégico e da atuação profissional.
Assim, podem ser explorados os recursos e instrumentos acionados
por tais atores, bem como a maneira com que são constituídas alianças estratégicas e os elementos que essas organizações incorporam em
seus discursos na tentativa de lidar com uma controvérsia. Mais do
que observar as táticas e estratégias das organizações e dos públicos
de maneira isolada, o Jogo permite refletir sobre a relação entre esses
atores, explorando as diversas interações dos mesmos por diferentes
pontos de vista. É justamente essa possibilidade que torna o jogo uma
atividade didática relevante e promissora.
Por fim, o quarto elemento central é a ação da mídia. As dinâmicas do jogo permitem ver a ação da imprensa e seu modus operandi,
expandindo um pouco da compreensão sobre como os assuntos são
abordados, os critérios de noticiabilidade e os enquadramentos, os
alinhamentos e limitações da ação da imprensa. Mais ainda, é funda161
mental a observação sobre a influência da própria mídia durante o
desenrolar da controvérsia, explorando a forma com que os diversos
atores envolvidos tentam pautar a mídia ao mesmo tempo em que são
pautados por ela. O papel das equipes da mídia é, assim, fundamental, permitindo refletir sobre aspectos que perpassam todos os demais
elementos e conteúdos trabalhados, permitindo tecer considerações
fundamentadas em teorias sobre o agendamento e o enquadramento
midiático. De um lado, a dinâmica apresentada pelo jogo possibilita
refletir sobre a importância da mídia na concepção de estratégias e
táticas organizacionais, bem como nas intrincadas nuances da formação da imagem e da cristalização da reputação das organizações. Por
outro, revela também aspectos sobre a atuação da mesma nos processos de formação do público e na disputa de sentidos para determinar
o que é de interesse público, questões de grande importância para a
compreensão sobre movimentos sociais.
PROCESSO DE AVALIAÇÃO E RESULTADOS INICIAIS
Conforme David Crookall (2011) argumenta em sua intervenção
no simpósio comemorativo de quarenta anos do periódico Simulation
& Games, a existência de um processo organizado de debrief e avaliação é um aspecto crucial para o aprendizado em jogos de simulação. Ele
sustenta que é fundamental em um jogo existir um momento que possibilite aos participantes empreender uma reflexão sobre a experiência
e compartilhar aspectos da mesma. Assim, enquanto “algum aprendizado normalmente ocorre no decorrer do jogo, as lições mais profundas
são derivadas do debriefing” (CROOKALL, 2011, p.908, tradução nossa).
Foi concebido um amplo processo avaliativo como conclusão do Jogo
das RP, processo dotado de duplo objetivo: fomentar discussões que
possibilitem o aprendizado dos participantes e fornecer subsídios para
a pontuação dos próprios estudantes na avaliação da disciplina. Nas
aplicações-piloto, o Jogo era mais do que um recurso didático auxiliar,
constituindo uma atividade avaliativa para os estudantes, motivo que
nos levou a refletir sobre a adoção de critérios de pontuação. Nossa opção foi por não vincular a pontuação dos estudantes ao resultado das
equipes no jogo em si, mas sim ao processo de debrief e avaliação após
o jogo, numa dinâmica que permitisse observar o aprendizado dos con162
teúdos mais importantes. O processo de avaliação compõe-se de três
dimensões: as equipes se autoavaliam, elas avaliam as demais equipes
e, por fim, avaliam o jogo enquanto recurso didático. O primeiro passo
do processo ocorre após a finalização da terceira rodada, momento em
que os participantes se reúnem em suas respectivas equipes e devem
responder a um questionário elaborado para guiar a reflexão acerca dos
quatro elementos fundamentais que apresentamos na sessão anterior.
Esse questionário, entregue aos professores, opera como a base para a
pontuação dos alunos, sendo complementado pelas discussões das próximas etapas do processo de avaliação.
Concluído o primeiro momento, inicia-se uma dinâmica coletiva
de discussão envolvendo todos os participantes. Nesta, os principais
elementos desenvolvidos no decorrer da atividade são retomados e analisados, com os estudantes oferecendo opiniões e impressões sobre sua
experiência e sobre o desenrolar da situação trabalhada. Essa discussão
é direcionada por questionamentos dos moderadores acerca das ações
das equipes e das dinâmicas do jogo e suas temáticas, incentivando assim o debate entre os participantes. Ao todo, o processo de avaliação
tem duração de três horas.
Observamos nas aplicações-piloto a riqueza do momento de avaliação, no qual eram recorrentes as tentativas dos próprios estudantes
de vincular os acontecimentos do jogo com os conteúdos temáticos trabalhados, especialmente quanto às estratégias organizacionais e ao papel da mídia. Acreditamos ter sido exitosa a opção por trabalhar o jogo
no decorrer da disciplina, permitindo múltiplas ligações entre os conceitos e a experiência da simulação. A condução do processo de avaliação é uma questão central, principalmente por perpassar um momento
em que os participantes avaliam tanto suas próprias ações e estratégias como também as táticas das demais equipes, um movimento que
só ocorre de fato quando os mesmos se despem do papel de jogadores
para assumir o papel de estudantes. Essa análise, em especial, é um dos
momentos mais importantes da avaliação e deve ser um objetivo dos
moderadores, já que permite observar a relação entre os diversos grupos sociais e influências mútuas entre os mesmos – desvelando, assim,
aspectos de uma visão mais global. No geral, as quatro aplicações geraram impressões semelhantes nos participantes, que avaliaram positivamente a atividade tanto pelo seu apelo lúdico quanto, principalmente,
163
por permitir o aprendizado de determinados conceitos e uma percepção sobre a complexidade que configura a área. Mais ainda, foi possível
constatar o alto engajamento dos alunos, observado tanto pelo nível de
presença à aula nos dias de aplicação da atividade como pelo interesse e
expectativa no desenrolar da mesma.
Cada uma das aplicações evidenciou, pela própria natureza aberta da simulação, elementos específicos atrelados ao desenrolar do jogo,
que iam além dos quatro eixos temáticos principais e que foram expostos durante a discussão final com os participantes, enriquecendo-a. Os
estudantes observaram e debateram, por exemplo, acerca do papel do
poder econômico e político na disputa de sentidos, da importância de
uma estratégia concisa e de objetivos claros, da existência de posicionamentos radicais e mediadores que eram assumidos por diversos grupos,
da legitimidade das falas da imprensa e sua importância, da importância
da retórica e do acionamento de diferentes valores durante os discursos
públicos das equipes, do recurso aos especialistas e da divergência sobre dados científicos no desenvolvimento de uma controvérsia. Rendeu,
assim, reflexões e discussões de grande pertinência, que não ficam restritas apenas ao ambiente da atividade didática, mas contribuem para
um aprendizado mais amplo sobre as Relações Públicas.
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Janeiro: José Olympio, 1974.
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(Org.), Comunicação e Indústria Cultural. São Paulo: Companhia Editora
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164
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TORO, José B. & WERNECK, Nísia M. D. Mobilização Social: um modo de
construir a democracia e a participação. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2004.
165
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A CONSULTA DE OPINIÕES NA GESTÃO DA
CONFIANÇA INTERPESSOAL EM GRUPOS DE
TRABALHO MULTICULTURAIS
Célia Maria Retz Godoy dos Santos1,
Angélica Aparecida Parreira Lemos Ruiz2 e Raquel Cabral3
RESUMO
No presente artigo, discute-se a importância da pesquisa como recurso metodológico e instrumento de reflexão para a compreensão da realidade em grupos de trabalho
multiculturais. Reflete-se sobre a lógica da ação coletiva no
processo de estabelecimento de tais grupos. Ao mesmo tempo, discute-se sobre as relações de competência intercultural, confiança interpessoal e ética no processo de compartilhamento de interesses. Apresenta-se como exemplificação
o grupo de trabalho multicultural formado no programa Da
classe ao mercado internacional em parceira entre a Unesp
(Brasil) e a Universidade de Sevilha (Espanha), no qual foi
possível ponderar sobre essas temáticas. Como resultados,
Professora Doutora no Departamento de Comunicação Social da Faculdade
de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da UNESP-Bauru. Doutora em Sociologia pela UNESP, Mestre e Graduada em Comunicação Social. Atual coordenadora do curso de Relações Públicas da Unesp.
1
Diretora Acadêmica da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
(FAAC) da UNESP/Bauru. Bacharel em Psicologia. Especialista em Gestão de
Pessoas e Sistemas de Informação.
2
Professora Doutora no Departamento de Comunicação Social da Faculdade
de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da UNESP-Bauru. Doutora em Comunicação Institucional pela Universitat Jaume I (Espanha), Mestre em Comunicação Midiática e Bacharel em Relações Públicas pela UNESP-Bauru.
3
identificou-se a efetividade da consulta de opiniões para a
gestão da confiança interpessoal, a partir de um instrumento que permite o monitoramento da ansiedade e da incerteza pautada pela ética da ação coletiva.
Palavras-chave: Grupo de trabalho multicultural; confiança interpessoal; consulta de opiniões; ética.
INTRODUÇÃO
Muitos são os discursos que colocam separadas as ações da universidade, como se houvessem mundos distintos entre o fazer e o refletir, entre a técnica e a teoria ou entre o mundo do trabalho e o viver.
Essas “distâncias” no ensino superior, pelo menos no Brasil, evidenciam
uma desarticulação entre a produção de conhecimento, a formação acadêmica e o fazer técnico, colaborando para a formação de um futuro
profissional que desconhece o mercado de trabalho real e não consegue
estabelecer relacionamentos de forma dialógica.
Por isso, mais do que promover processos de ensino-aprendizagem, ou ainda ser estimuladora de conhecimentos, a universidade deve
incentivar a criação de um espaço privilegiado de reflexão e de construção de como os conhecimentos podem ser vivenciados ou aplicados no
cotidiano.
Viver em sociedade implica em reconhecer a existência de uma
ordem social, de regras, acordos explícitos ou tácitos, de um código de
conduta e ética, que permitam a comunicação entre todos os envolvidos. Sem códigos comuns não seria possível falar em comunicação excelente e relacionamentos dialógicos. Viver em sociedade, como nós conhecemos, não seria possível sem o estabelecimento de relações sociais
pautadas por regras de convivência.
Deste modo, pode-se dizer que as representações sociais são como
uma espécie de lastro social, constituído pelos signos, símbolos, sinais
e imagens, reconhecidos, partilhados e, especialmente, sustentados pelos sujeitos constituintes desta sociedade, os quais permitem a comu167
nicação interindividual e a partilha das diferentes “visões” de mundo.
Segundo Moscovici (2003) a criação e a transformação da informação
levam à modificação de nossos valores, influenciando os relacionamentos, tanto na forma como o ser humano se percebe no mundo, como em
sua relação com o outro. Este processo está sempre em movimento e vai
tomando novos formatos de acordo com a dinâmica de valores de cada
época, ou seja, o que era certo para a geração anterior não necessariamente poderá sê-lo para a atual.
[...] a dinâmica das relações é uma dinâmica de familiarização, onde os objetos, pessoas e acontecimentos são percebidos e comprendidos em relação a prévios encontros e paradigmas [...] a memória prevalece sobre a dedução, o passado
sobre o presente, a resposta sobre o estímulo e as imagens
sobre a ‘realidade’ (MOSCOVICI, 2003, p. 55).
A partir deste enfoque verifica-se que é possível considerar as
representações sociais no contexto dos fenômenos de identidade e de
diferenciação social. Em outras palavras, significa dizer que a mesma
questão ou um mesmo problema não será nunca analisado da mesma
forma por todos os grupos sociais. Dito isso, se observa que as representações sociais, ou coletivas, nas palavras de Durkheim (2007), e até mesmo os códigos linguísticos que fazem parte destas, são os principais suportes da comunicação entre os indivíduos, numa sociedade. Elas têm
um papel central determinante na orientação das atividades avaliativas
e explicativas e, na prática, correspondem aos conteúdos de cada um
dos processos de comunicação.
Portanto, se o conhecimento das representações sociais passa
pela análise dos atos de comunicação, os quais envolvem interação entre indivíduos, grupos e instituições a partir de diferentes linguagens,
pode-se dizer a partir de Moscovici (1984), que a comunicação se torna
um mecanismo central de todo o processo representacional. É a partir
dela que se criam, se transmitem e se partilham as representações, as
quais assumem o lugar da própria realidade.
Desse modo, podemos entender que a comunicação se concretiza
como um processo de descrição, avaliação e explicação das representações sociais de cada sujeito coletivo ou individual gerando e construindo
o aspecto da vivência cotidiana. Nesse sentido, este artigo apresenta um
168
olhar sobre o papel da comunicação nos relacionamentos organizacionais em um grupo de trabalho voltado para o ensino-aprendizagem em
comunicação. O referido grupo é composto por pesquisadores de duas
universidades, Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade
de Sevilha (Espanha), no contexto do programa interuniversitário “Da
classe ao mercado internacional”, desenvolvendo pesquisa, execução
de tarefas interdisciplinares, discutindo aspectos para a resolução de
problemas e pró-atividade em um ambiente multicultural. Além disso,
o referido grupo está comprometido com resultados que implicam na
adequação de interesses, linguagem e gestão das motivações individuais
e coletivas, portanto, reúne uma diversidade de elementos a serem gerenciados, especialmente quando se incluem valores culturais distintos.
Nesse sentido, pretende-se discutir as questões mencionadas a
partir dos seguintes enfoques: a) a função das consultas (pesquisas) aos
envolvidos na construção de relacionamentos em grupos de trabalho
para o ensino-aprendizagem; b) a interculturalidade e seu impacto na
comunicação grupal entre indivíduos de uma mesma cultura nacional
e entre culturas distintas; e c) a ética como estrutura e estabilidade dos
grupos de trabalho.
1. AS CONSULTAS (PESQUISAS) AOS ENVOLVIDOS NA CONSTRUÇÃO DE
RELACIONAMENTOS E GRUPOS DE TRABALHO PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM
Para que existam grupos de trabalho numa determinada organização, seus membros devem estar motivados para nele ingressarem.
Precisam percebê-lo como uma unidade integrada de pessoas que interagem entre si e que contribuem de vários modos (com tempo e energia)
mediante múltiplas formas de interação e interesses comuns. Seja satisfazendo suas necessidades sociais, de segurança, de estima e de autorrealização, ou para efetivar projetos, tarefas e interações prescritas pela
organização na execução de metas ou tarefas particulares, a formação
de grupos obedece a diversas lógicas. Do mesmo modo, seja para atender a interesses comuns como idade, crenças políticas ou traços étnicos,
ou ainda se colocando frente a uma posição ou causa específica, os grupos se articulam para diversos fins.
De qualquer modo, pode-se dizer que os objetivos dos grupos nem
sempre estão relacionados aos da organização em que estão inseridos
169
seus membros, mas dependem direta ou indiretamente e necessariamente da motivação para atender aspectos particulares de cada um deles.
Portanto, as diferentes necessidades que estimulam os vários aspectos
nos grupos organizacionais, especialmente a comunicação e gestão dos
relacionamentos, nos levam a evidenciar a importância de se perscrutar
a opinião dos sujeitos visando os enfoques da percepção, motivação e da
interação entre seus membros para a sua adequada gestão.
E como fazer isso mediante pesquisas, sondagens ou mesmo consultas com entrevistas ou pesquisa-ação, a fim de orientar e facilitar o
relacionamento e a comunicação? Inicialmente propomos alguns aspectos a serem observados:
a) A percepção dos membros sobre seu grupo. Esta questão é indispensável para compreender as relações mútuas e definir suas
características a partir de seus integrantes: (O que somos? Qual
o papel de cada membro e do próprio grupo visto pelo ângulo da
organização?). Isto é imperativo para a sobrevivência deste, até
porque para que se considerem um grupo, os sujeitos têm que
se reconhecer no conjunto de relações de papéis e normas que o
regulariza, mesmo que informalmente;
b) A motivação que tem um papel fulcral para o estabelecimento e construção de um grupo de trabalho e para tanto interessa
conhecer as necessidades de cada membro (Quais etapas dos
trabalhos são compensadoras para o indivíduo? Há uma hierarquia de necessidades e motivações? O que é prioritário na
rotina de seus membros? O que os motiva a permanecer no grupo?). Definir as motivações e atendê-las são condições para a
permanência dos membros, pois os que não conseguirem ter
suas necessidades acolhidas passarão a procurar outros grupos
que os ajudem a satisfazê-las;
c) Por fim, a interação, no sentido de interdependência é o “núcleo” daquilo que constitui um grupo. Implica em identificar certo
número de pessoas suficientemente pequeno, que se comunicam
entre si, com frequência, durante certo tempo, de modo que cada
pessoa possa comunicar-se com todas as outras diretamente face
a face. Isso deve se dar de tal maneira que o comportamento e o
desempenho de um deles seja influenciado pelo do outro (Com
quem gosta de interagir? O que aprecia em seus colegas?).
170
De qualquer maneira, seja num grupo de trabalho organizacional
ou num grupo de relações informais (agrupamentos naturais de pessoas
surgidos em resposta às necessidades sociais), eles se formam em relação a um objetivo comum, a metas claramente entendidas que atraem
os indivíduos para o grupo.
Vale destacar que Olson (1965), já no século XIX, discutia a passagem de uma ação individual para a estrutural, isto é, dos interesses
individuais para o coletivo de forma diferenciada. A visão dos cientistas
sociais antes da publicação do livro A Lógica da Ação Coletiva (The logic
of collective action) de Olson (1965), era a de que, pelo menos quando
haviam objetivos econômicos envolvidos, os indivíduos com interesses comuns importantes tenderiam a se organizar para alcançá-los ou
promovê-los. Esta opinião sobre comportamento grupal é encontrada
não só em discussões de senso comum, mas em trabalhos científicos de
relevância e ocupou um lugar proeminente na ciência política, especialmente nos Estados Unidos, país onde o estudo dos grupos de pressão foi
dominado pela celebre Teoria de Grupo, a qual se apoiava na ideia de
que os grupos agiam coletivamente quando necessário para promover o
bem comum ou metas grupais.
Ao contrário, Olson (1965) defendeu que os indivíduos tendem a
procurar seus próprios interesses (egoisticamente), agindo com racionalidade (razão) e se organizando para conseguir chegar aos fins aos
que se propõem. Se os membros de um grupo têm interesses comuns
é porque seus objetivos individuais são semelhantes aos dos demais
membros e estes se organizam para alcançá-los da melhor maneira.
Portanto, os sujeitos deste grupo estariam sendo racionais e ego-interessados na medida em que estão agindo racionalmente em interesse
próprio (particular) e, consequentemente promoveriam o interesse
comum (bem público ou bem coletivo). Na ótica do autor, não seria a
realização do bem coletivo que levaria a uma ação conjunta, mas o objetivo individual, que compartilhado com outros de mesmo interesse
se constituem em objetivos coletivos.
Nesta perspectiva, Pizzorno (1966) complementa a ideia de Olson,
definindo interesse como sendo qualquer fim ou objetivo próprio, seja de
atores individuais ou coletivos. Ele vai além, ao identificar solidariedade
como sendo o compartilhamento de objetivos e interesses comuns. Isso
171
significa que somos solidários a determinado fato, indivíduo ou grupo
social, quando compartilhamos e aceitamos seus objetivos e interesses.
Deste modo, Pizzorno compreende que para estabelecer um sistema de
solidariedade ou um foco de interesse coletivo será preciso que os sujeitos compartilhem condições para alcançar seus objetivos individuais.
Por outro lado, na teoria de Olson (1965), o bem público não representa para os indivíduos racionais e egoístas um estímulo suficiente
no dispêndio de energia na consecução dos recursos necessários para se
conseguir o bem coletivo. Em consequência disto, a ação coletiva não se
realizará, a menos que haja coerção ou algum outro dispositivo especial
(denominado por ele de incentivo seletivo ou separado) para fazer com
que os indivíduos ajam a favor do interesse comum. Estes incentivos separados ou seletivos seriam ganhos e benefícios individuais, derivados
da participação pessoal que, consequentemente, promovem a realização do bem coletivo.
E, é por isso que, para buscar e manter o envolvimento e desempenho frente aos desafios do trabalho em grupo ou na gestão de grupos
acadêmicos é imprescindível assumir uma posição de gerenciador do
sistema e não das pessoas. Incentivar a troca de experiências, trazer a
historia e o sentimento de continuidade como algo significativo, promovendo o registro das atividades durante todo o processo e motivar
as avaliações e discussões para alinhar os interesses pode se configurar como uma diretriz na gestão de grupos de trabalho. Daí a importância das pesquisas e das rotineiras reuniões e entrevistas entre os
membros da equipe, promovendo a troca de experiências como forma
de articular os interesses particulares com os coletivos e promovendo o reconhecimento mediante “incentivos separados ou seletivos” a
cada um dos integrantes.
Em 2014, numa parceria entre a Universidade Estadual Paulista
(Unesp/Brasil) e a Universidade de Sevilha (Espanha), diversos docentes e alunos de ambas as universidades iniciaram um Programa interuniversitário: “Da classe ao mercado internacional”. Ao final de sua
primeira edição internacional foram encaminhados questionários para
os participantes (estudantes e docentes) solicitando sugestões para o
alinhamento e continuidade do programa, abordando diversos aspectos
do trabalho em grupo (comissão gestora, a comunicação entre os parti172
cipantes, a proposta e o cronograma de trabalho, o evento de premiação,
o curso de extensão, as publicações e o relacionamento e envolvimento
entre os membros).
O inquérito ou consulta de opiniões serviu como uma espécie de
“barômetro” a fim de monitorar o grupo, observando seus membros de
forma organizada e periódica com diferentes variáveis de análise, como
por exemplo:
- Monitoramento das necessidades de informação dos membros
sobre os públicos envolvidos (mídia, parceiros, fontes externas),
no sentido de aproximá-los e transformá-los num polo de agregação e síntese dessa mesma informação destinada a monitorar
a atividade fim promovida pelo grupo;
- Observação para estudar - as necessidades de conhecimento
aprofundado sobre algumas temáticas específicas, a fim de produzir estudos científicos e técnicos sobre a realidade em questão, assumindo o papel de organismo incentivador, produtor e
divulgador dessa investigação teórica e aplicada pelo grupo;
- Observação para informar – as necessidades de informação
sobre a proposta do grupo, para criar e desenvolver níveis adequados de transmissão da informação relevante, em tempo real,
aos agentes que operam as atividades propostas e orientam a
comunicação. Por exemplo, foram identificadas as dificuldades
para a realização das reuniões via Skype, as diferenças de fuso-horário e calendários escolares entre as universidades e os diferentes campos de atuação e pesquisa dos docentes;
- Observação para formação - qualificação profissional dos envolvidos nos grupos de trabalho, analisando as relações com
as atividades de capacitação e ensino-aprendizagem. A convergência e as interfaces entre os cursos que fizeram parte do
Programa (Artes, Design, Jornalismo, Publicidade, Rádio e TV e
Relações Públicas);
- Observação para sugestão – de ações que visem contribuir com
o amadurecimento científico e social do grupo, levantando diretrizes políticas e iniciativas formais (editais e incentivos) que
o possibilitem e estimule seu crescimento.
173
Como se observou, a consulta aos membros é indispensável especialmente para que se possa trabalhar as diferentes expectativas, anseios e divergências dos membros do grupo tanto em relação à cultura
nacional como intercultural. A proposta é propiciar oportunidades para
a sinergia do grupo e a gestão da ansiedade e incerteza que podem ser
geradas durante o processo de interação cultural entre os membros.
2. A COMUNICAÇÃO E A COMPETÊNCIA INTERCULTURAL EM GRUPOS DE
TRABALHO MULTICULTURAIS PARA FINS DE ENSINO-APRENDIZAGEM
Quando falamos em gestão de grupos de trabalho, cabe considerar a bagagem cultural que cada indivíduo adiciona ao grupo e que,
diante de sua formalização, produz uma cultura coletiva que pode ou
não refletir a cultura da organização, na qual os grupos estão inseridos.
Em muitos casos, o processo de conformação, transição e adaptação da
cultura individual à cultura coletiva, especialmente no caso de grupos
de trabalho em que há presença de indivíduos de culturas distintas, passa por algumas etapas importantes em que a partir da perspectiva da
competência intercultural se discute a confiança interpessoal (ANEAS
ALVAREZ e VILÀ BAÑOS, 2014, p. 48), um importante elemento para o
êxito destes grupos.
Segundo as autoras, a influência da cultura dos integrantes em
grupos de trabalho multiculturais já é pesquisada desde início do ano
2002, quando a questão da virtualidade na forma organizativa destes
grupos tomava grande repercussão. De fato, partindo desse enfoque, as
pesquisas sobre os grupos de trabalho multiculturais virtuais se centravam em estudos de aspectos comunicativos, os quais determinavam a
eficácia da comunicação e da competência intercultural sobre a gestão
da ansiedade e da incerteza nestas equipes, conforme explicam Stephan
et. al (1999) apud Aneas Alvarez e Vilà Baños (2014, p. 59):
La gestión de la ansiedade por la incertidumbre influye directamente sobre la eficácia de la comunicación en los encuentros interpersonales e intergrupales. Es decir, los indivíduos
pueden comunicarse efectivamente en la medida que pueden gestionar su ansiedad y se sienten capaces de predecir
con cierta probabilidad de éxito las actitudes, sentimientos y
comportamientos del o de los interlocutores.
174
Nesse sentido, considerando a importância da gestão da ansiedade causada pela incerteza para a eficácia da comunicação em grupos
de trabalho, especialmente multiculturais, cabe compreender a noção
de confiança interpessoal no contexto da competência intercultural. Para
tanto, ainda discorrendo sobre o enfoque do trabalho de Aneas Alvarez
e Vilà Baños (2014) como sendo aplicado ao contexto de grupos de trabalho multiculturais virtuais, podemos reconhecer alguns elementos
comuns que perpassam a organização de grupos tanto virtuais como
presenciais, já que no caso do primeiro o uso da tecnologia se configura
como um instrumento de comunicação e aproximação, pois imita a experiência do presencial.
Partindo dessa aclaração, Aneas (2003) apud Aneas Alvarez e Vilà
Baños (2014, p. 48) define competência intercultural como:
[...] la integración y aplicación de conocimientos, habilidades y actitudes que permiten diagnosticar los aspectos personales y las demandas generadas por la diversidad cultural. Permiten negociar, comunicarse y trabajar en equipos
interculturales y hacer frente a las incidencias que surgen
en la empresa intercultural mediante el autoaprendizaje intercultural y la resolución de problemas que consideren las
otras culturas.
Partindo desse pressuposto, é notório que na atual conjuntura
haja inúmeras iniciativas para o desenvolvimento de projetos transnacionais, nos quais uma diversidade de integrantes de distintos perfis
profissionais e nacionalidades interagem. No entanto, alguns limites
organizacionais, tecnológicos, pessoais e culturais comprometem a eficácia destes grupos, ressaltando questões culturais que se desdobram
em uma diversidade de elementos. Na perspectiva da competência intercultural, estes elementos se relacionam com as duas dimensões da
confiança interpessoal, que são identificadas como fatores cognitivos e
afetivos (ANEAS ALVAREZ e VILÀ BAÑOS, 2014, p. 49).
Segundo as autoras, na maior parte da literatura sobre grupos de
trabalho multiculturais se destaca a importância da confiança interpessoal como fator chave para o êxito dos mesmos. A gestão da confiança
interpessoal requer adaptação mútua tanto no entendimento como no
comportamento. Se não for conduzida de forma adequada pode gerar
175
uma atitude defensiva e a perda da confiança por parte dos integrantes
do grupo. Partindo desse pressuposto, a confiança interpessoal pode ser
definida como:
[...] um estado psicológico que implica la posibilidad de aceptar uma posición de vulnerabilidad personal basada en las
expectativas positivas sobre intenciones o comportamientos
de otros (Rosseau et. al., 1998). Ella es um ingrediente básico, según Roderick Kramer (1999), para que los integrantes
del equipo dediquen tiempo y esfuerzo a las metas colectivas,
compartiendo la información útil, ayudando y colaborando
con los demás. (ANEAS ALVAREZ e VILÀ BAÑOS, 2014, p. 49).
Fundamentando-nos nessa definição, podemos reconhecer o
papel central que a confiança interpessoal exerce no contexto dos grupos de trabalho multiculturais. De certo modo, ousa-se afirmar que ela
tem um grande valor em todas as culturas. De fato, conforme explicam
as autoras, o que diferencia uma cultura de outra é a maneira de ganhar ou perder a referida confiança. Nesse sentido, Aneas Alvarez e Vilà
Baños apresentam o quadro 1 abaixo, no qual se identificam dezesseis
elementos de diferenciação cultural, fatores potenciais de dificuldades
em grupos de trabalho multiculturais virtuais que se relacionam com a
questão da confiança interpessoal:
QUADRO 1. ELEMENTOS DE DIFERENCIAÇÃO CULTURAL RELACIONADOS À
CONFIANÇA INTERPESSOAL
1) A influência dos estereótipos e preconceitos culturais sobre as expectativas em
relação ao outro.
2) A atitude de sensibilidade intercultural em relação à diferença cultural.
3) A distância hierárquica ou de poder que possa existir entre os membros de uma
cultura.
4) As fontes de reconhecimento pessoal e social a partir da perspectiva cultural.
5) A tolerância à incerteza, como a necessidade de controle, segurança e previsibilidade que podem variar de uma cultura à outra. .
6) A gestão do tempo de forma monocrônica ou policrônica.
7) O conceito de honra que diverge de cultura para cultura.
176
8) O valor do contexto, diferenciando culturas segundo a importância exercida
pelo contexto na relação comunicativa intercultural. .
9) O valor da diversidade. Universalismo e particularismo no trabalho virtual.
10) A justiça nos princípios de equidade e igualdade.
11) A reciprocidade nas relações interpessoais que pode contribuir ou não para
estabelecer e alimentar a percepção de justiça da outra pessoa.
12) A disciplina moral como valor, que rompe a tendência ocidental baseada em
valores orientais.
13) A concepção prioritária dos objetivos, conciliando os de propósitos individuais
e os da equipe e seus integrantes.
14) A distância social, cuja Teoria da Penetração Social destaca os estágios nas
relações interculturais, partindo de uma orientação estereotipada até o mútuo
conhecimento.
15) As ameaças que surgem quando há um nível relativamente alto de ansiedade
nas relações intergrupais, quando as pessoas mostram condutas e respostas exageradas, fundamentadas em estereótipos.
16) A gestão da ansiedade e incerteza, cujo processo é de fundamental influência
sobre a eficácia da comunicação e da competência intercultural.
Fonte: Aneas Alvarez e Vilà Baños (2014, p. 60-61). Tradução das autoras.
Com isso, tomando como referência o estudo e quadro apresentado por Aneas Alvarez e Vilà Baños (2014), identificam-se alguns
elementos que se interrelacionam com a gestão do grupo de trabalho para desenvolvimento do programa interuniversitário “Da classe
ao mercado internacional”. Este é um projeto voltado para o ensino-aprendizagem em comunicação, em especial, com foco em Relações
Públicas. Tal grupo foi idealizado a partir do convite da professora coordenadora do projeto na Universidade de Sevilha, Ana María Cortijo
e estendido aos docentes e pesquisadores dos cursos de Comunicação,
em especial, de Relações Públicas da Faculdade de Arquitetura Artes e
Comunicação (FAAC) da Unesp/Brasil.
Como um dos objetos de estudo neste artigo, pretendemos focar no último elemento identificado pelas autoras no quadro 1, a fim
de desenvolver uma reflexão em torno da importância da gestão da ansiedade e da incerteza para a eficácia da comunicação e da competên177
cia intercultural no referido grupo multicultural. Como opção metodológica da gestão do grupo, optou-se pela análise organizada com base
em parâmetros qualitativos e interpretativos, além da problematização
próxima da pesquisa-ação e das experiências cotidianas pautadas em
alguns aspectos. Do mesmo modo, a partir da consulta de opiniões apresentada anteriormente foram avaliadas as pautas e questionários de
consulta qualitativa, que se configuraram como instrumentos eficazes
para controle e monitoramento da ansiedade e da incerteza no grupo,
destacando a importância destes recursos como essenciais para a gestão da confiança interpessoal. De fato, ao trabalharmos com a gestão
da confiança, alguns debates éticos adquirem grande relevância, como
discutimos a seguir.
3. ÉTICA E ORGANIZAÇÃO A PARTIR DA CONSULTA DE OPINIÕES PARA GESTÃO
DA ANSIEDADE E INCERTEZA EM GRUPOS DE TRABALHO MULTICULTURAIS
Ética no trabalho é algo essencial para um ambiente organizacional saudável. Mesmo quando não há um Código de Ética formalmente definido, em geral há um conjunto de aspectos considerados de
«bom senso», mas que deixam espaço para interpretações variadas,
numa tentativa de delimitar o que é «comportamento ético» no âmbito pessoal ou grupal.
Conforme defende Cortela (2013), de forma lúdica e perspicaz,
ética é um conjunto de valores e princípios que norteiam nossas decisões a partir de três grandes questões da vida em sociedade: quero,
devo e posso. Ele explica que há coisas que eu quero, mas não devo, ou
que devo, mas não posso, ou ainda que posso, mas não quero. Quando
aquilo que você quer é o que você pode e deve, você encontra certa
coerência e paz de espírito.
Por isso, não é possível discutir ética fora do contexto social e cultural, já que ela é um aperfeiçoar da convivência coletiva. Todo comportamento humano pode ser avaliado a partir de uma reflexão ética.
O “zelo pela convivência ou bem estar de todos implica em estar disposto a abrir mão de alguns apetites, vantagens e prazeres particulares”
(BARROS FILHO, 2014). Para o autor, a ética é a tensão entre a preocupação coletiva (de todos) com a convivência e a necessidade de perceber
178
que não dá para satisfazer todos os apetites (ou interesses particulares)
ao mesmo tempo e preservar a convivência.
Ele exemplifica dizendo que toda vez que citamos um problema ético nos referimos a alguém que não entendeu que a convivência
tem que ser preservada em detrimento de alguma vantagem pessoal.
O “apodrecimento ético” (CORTELA, 2013) num grupo ou sociedade
começa quando a satisfação dos próprios interesses se sobrepõe ao
desejo coletivo.
Na gestão de grupos de trabalho, a ética é um constituinte balizador do relacionamento e confiança entre os integrantes. É uma aprendizagem necessária, na qual é preciso “abrir mão” dos interesses pessoais
face aos coletivos. Como dizia Olson (1965), os membros do grupo necessitam de incentivos seletivos ou separados para fazer com que ajam
para o interesse comum. Daí a necessidade da consulta de opiniões para
dar a oportunidade a cada um de revelar seus interesses, percepções e
experiências na construção do trabalho coletivo.
Desse modo, um dos pressupostos éticos que permeiam as relações humanas, e por conseqüência, os relacionamentos organizacionais
é a transparência. Ela implica em sermos responsáveis ao reconhecer-nos como autores da ação e de suas consequências, e de imprimir veracidade ao nosso repertório comportamental pautado pela ética.
Desse modo, partindo da noção de transparência, podemos entender como confiança, a afinidade entre pessoas, em que uma espera
da outra o desempenho adequado. Em outras palavras, é a relação em
que há expectativa positiva mútua entre os integrantes do grupo. A confiança é um artefato que modera as semelhanças entre os indivíduos e
faz prosperar a proposta de atuação do grupo. O cumprimento do esperado só se efetivará se houver comprometimento dos envolvidos com
resultados, satisfação de interesses e motivações. Quando há conduta
ética por parte dos indivíduos, se pressupõe que os relacionamentos serão pautados pela confiança e o risco de desapontamentos é menor, facilitando a interação e o fortalecimento da confiança grupal (NOVELLI,
2004). Quando alguém se serve de astucia ou ardil para ludibriar a convivência em proveito de uma vantagem pessoal ou privilégio, o grupo se
desestrutura e a confiança é perdida.
179
Ao historiar suas vivências e percepções nos questionários, os
participantes do grupo envolvido no Programa “Da classe ao mercado
internacional” tiveram a oportunidade de expressar, de forma transparente, suas ansiedades, frustrações e desejos. Por meio dos resultados
foi possível monitorar o grupo. Este mecanismo fez emergir emoções e
identificou eventuais divergências e manifestações, as quais puderam
ser realinhadas e reconduzidas, solucionando possíveis conflitos gerados por interpretações equivocadas. Por outra parte, esta técnica também possibilitou a identificação de diretrizes conceituais e organizacionais que deveriam ser repensadas, a fim de se adaptar determinadas
questões culturais à realidade local, promovendo a harmonização dos
papéis de cada integrante do grupo, reafirmando a confiança mútua e
prospectando êxitos no trabalho grupal para o futuro do programa.
A partir da consulta de opiniões, pode-se administrar a ansiedade
e as incertezas presentes no grupo. Ao mesmo tempo, pode-se buscar
por meio da comunicação, a reconstrução da relação de confiança, que
é essencial à colaboração, integração e formação de redes de partilha de
competências, conhecimento e práticas éticas e eficientes. E estes são
os ingredientes necessários para o exercício da liberdade e criatividade que enunciam a natureza humana e enriquecem o relacionamento e
convivência em grupos de trabalho, além de promover uma sociedade
democrática, transparente e ética.
CONSIDERAÇÕES
Como dito, esta dinâmica organizacional construída em torno dos
grupos de trabalho multiculturais vem se consolidando nas últimas décadas. A premissa que apoia essa estruturação de pessoas é que nos grupos existe uma diversidade maior de perspectivas, competências e experiências necessárias para produzir resultados mais efetivos (SOBRAL
e BISSELING, 2012). De fato, os grupos produzem conhecimento plural,
oferecem maior amplitude de pontos de vista e agregam maior eficiência aos projetos que se propõem. Além disso, os grupos também geram
oportunidades para um número maior de abordagens e alternativas, visto que quando os membros participam de uma decisão tendem a apoiar
a solução escolhida e estimular os demais a aceitá-la por se sentirem
parte do processo.
180
Contudo, existem alguns pontos frágeis no trabalho desenvolvido
em grupos, já que consomem mais tempo, demoram muito mais para
chegar a uma solução e ainda requerem benefícios separados (Olson,
1965) para manter os membros interessados. No grupo estudado, docentes, funcionários e estudantes demonstraram uma diversidade de
demandas, interesses e motivações. São variáveis que podem e devem
ser observadas a partir das técnicas de consulta, no sentido de manter
a confiança interpessoal e diminuir a ansiedade e incerteza no grupo.
No estudo realizado a partir da experiência vivenciada no grupo de
trabalho multicultural citado, foi possível identificar que o saldo comum
aos integrantes do programa foi positivo, e repercutiu na aprendizagem
mútua e na produção de conhecimento entre docentes, estudantes e
funcionários envolvidos. Ao mesmo tempo, potencializadas pela característica multicultural do programa, algumas questões interculturais foram amplamente discutidas, assim como seu impacto na comunicação
e ética coletiva no grupo. Desta maneira, foi possível reinterpretar o outro, assim como nossa própria cultura a partir de uma sensibilidade intercultural que buscou e, em muitos momentos, foi capaz de observar as
diferenças culturais e até mesmo modificar-se em respeito aos demais.
Essa aprendizagem possui inúmeros desdobramentos e propriedades
pedagógicas profundas, ao destacar o valor da ética da ação coletiva na
gestão da confiança interpessoal em grupos de trabalho multiculturais.
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ANEAS ALVAREZ, A.; VILÀ BAÑOS, R. Confianza interpersonal y competência intercultural en los equipos de trabajo virtuales. In: REVISTA
ORGANICOM – Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e
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181
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Entrevista concedida ao Programa Todo Seu, TV Gazeta, em 26 de abril
de 2014. Youtube. Disponível em: http://www.bing.com/videos/search?
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4A54532544 Acesso em 12 mar. 2015.
CORTELA, M. S. O que é ética. Entrevista concedida ao Programa Jô
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http://www.bing.com/videos/search?q=etica+com+cortela+e+jo+&FORM=VIRE3#view=detail&mid=EEF3DFCABD8D0C2C27EEEEF3DFCA
BD8D0C2C27EE Acesso em 12 mar. 2015.
MOSCOVICI, S. The phenomenon of social representations. In: Social
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perspectiva gerencial. 228 f. 2004. Tese (Doutorado em Administração).
Universidade de São Paulo, São Paulo. 2004.
182
GRUPO DE PESQUISA II
COMUNICAÇÃO, INOVAÇÃO E TECNOLOGIAS
COORDENAÇÃO: PROFA. DRA. ELISABETH SAAD CÔRREA (USP)
|1|
A TRAJETÓRIA DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL
E SEUS DESDOBRAMENTOS NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA
ABRAPCORP: UMA BREVE RETROSPECTIVA.
Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa 1
e Cleusa Maria Andrade Scroferneker 2
RESUMO
No artigo propomos recuperar, mesmo que brevemente, a trajetória da comunicação organizacional digital no Brasil, a partir de sua emergência como objeto de
estudo, das pesquisas realizadas e das temáticas que se
tornaram recorrentes no campo da comunicação organizacional e relações públicas. Ao descrevermos o campo de
estudos da comunicação organizacional e relações públicas, destacamos a relevância da Associação Brasileira de
Pesquisadores em Comunicação Organizacional e Relações
Públicas (Abrapcorp) como mediadora na comunicação
das pesquisas científicas dessa área. Apresentamos resultados preliminares de pesquisa acerca da produção científica
sobre Comunicação Organizacional no Brasil, tendo como
corpus de análise os artigos científicos apresentados nas
oito edições do Congresso Científico da Abrapcorp.
Doutoranda no DINTER-Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul/ PUCRS/ Universidade Federal do Maranhão/ UFMA. Professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão/ UFMA.
Mestrado na ECA/ USP. E-mail: gisasousa90@yahoo.com.br.
1
Doutorado em Ciências da Comunicação – Escola de Comunicação e Artes
da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Professora Titular da Faculdade de
Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
– FAMECOS/PUCRS. Bolsista PQ/CNPq 2.
2
Palavras-chave: Comunicação Organizacional Digital.
Campo científico. Produção científica.
INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea tem vivenciado, nas últimas décadas, mudanças profundas atribuídas à rápida e contínua evolução das
tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e sua relação com
os atores sociais. Tais mudanças ainda não foram mensuradas e/ ou estudadas em sua totalidade, posto que a complexidade não permite dimensionar suas fronteiras frente ao processo histórico, que se encontra
ainda em curso.
Algumas dimensões da vida social se tornaram flexíveis, leves e/
ou simplesmente esvaíram-se, tornaram-se cambiantes e/ou perderam
o valor que tinham anteriormente. O poder, o capital, a individualidade,
o trabalho, a comunidade, as relações sociais e a relação tempo/ espaço,
são algumas das dimensões atravessadas pela fluidez e a volatilidade
do mundo contemporâneo: dos mercados globalizados, das economias
emergentes, do capital flutuante, das relações efêmeras, do trabalho à
distância, da instantaneidade do fluxo informativo, da obsolescência
dos produtos e da transitoriedade dos conceitos.
Parte da liquidez dessas dimensões, entretanto, está ancorada
no processo de digitalização3, que como nos esclarece Scolari (2008),
De acordo com Scolari (2008), o processo de digitalização nasceu do interesse de reduzir, ou erradicar, as distorções e perdas de informação (ruídos) próprios da transmissão dos sinais por meio da eletrônica analógica, na qual “os
sistemas se encarregavam de traduzir fenômenos físicos em impulsos elétricos,
em sinais, que podiam ser amplificados, modulados, arquivados, identificados
e reconvertidos ao formato original”. Já a com a digitalização, esse mesmo fenômeno físico, “ é registrado como uma massa de valores numéricos, expressados por meio do sistema binário”, que da mesma forma pode ser reconvertido
ao analógico ou reproduzido, transmitido, amplificado, arquivado, mas sem
perdas e sem ruídos, mantendo-se idêntico ao original (SCOLARI, 2008, p.80,
3
185
consiste na conversão de sinais analógicos, que antes se encarregavam
da reprodução de fenômenos físicos, em sinais baseados num sistema
binário, num valor numérico composto de zeros e uns, que, por sua vez,
puderam fluir com extrema rapidez pelas infovias da banda larga e ganhar alcance planetário por meio da internet.
Santaella (2007) argumenta que a multiplicação das mídias de
produção de linguagem e consequente proliferação exacerbada de processos e misturas sígnicas, têm conduzido ao midiacentrismo, com uma
hipervalorização das mídias, em detrimento da linguagem. Adverte,
a autora, que não devemos perder de vista as matrizes da linguagem,
cujas modalidades e sub-modalidades, em que essas matrizes aparecem
em sua forma mais pura, são classificadas por ela: a sonoridade, as imagens fixas e o texto oral escrito. A partir destas formas puras, as hibridizações, misturas e combinações acontecem e circulam por meios de
comunicação e suportes diversos. (SANTAELLA, 2007). Para a referida
autora, convivemos hoje, com “linguagens líquidas”, ou seja,
[...] linguagens antes consideradas do tempo – verbo, som, vídeo – espacializaram-se em cartografias líquidas e invisíveis do
ciberespaço, assim como as linguagens tidas como espaciais –
imagens, diagramas, fotos – fluidificaram-se nas enxurradas e
circunvoluções dos fluxos (SANTAELLA, 2007, p. 24).
O texto impresso coexiste com o hipertexto, que pode conter,
além do próprio texto, fotos, vídeos e áudios. Mídias e linguagens são
digitalizáveis e convergentes, fluídas, são mescladas e hibridizadas, convivem com a oralidade, a escrita impressa, a imagem e o som. Essa convivência e mistura de mídias e linguagens constituem “um tecido cultural polimorfo e intrincado” (SANTAELLA, 2007, p.133), que caracteriza a
cibercultura e constitui o contexto contemporâneo.
Algumas das características marcantes da contemporaneidade
tais como: a globalização; a quebra de barreiras espaço-temporais; a
digitalização; a convergência midiática; as linguagens líquidas, entre
outras, afetaram de forma direta a vida cotidiana e os valores da societradução livre). O processo de digitalização esteve subjacente, portanto, ao
desenvolvimento das TICs e às mudanças ocorridas nos anos recentes, dando
agilidade aos fluxos econômicos, informativos e comunicativos, entre outros.
186
dade e são constituintes e/ ou foram constituídas de modo recursivo
da/pela cibercultura.
Autores como Lévy (2000), Lemos (2003) e Scolari (2008) utilizam
o termo cibercultura para referirem-se a essa contemporaneidade, a
esse tempo não delimitado, pós-surgimento das tecnologias da informação e da comunicação (TICs), que traz uma gama de novos objetos de
estudos, especialmente para o campo da comunicação.
Neste artigo propomos recuperar, mesmo que brevemente, a trajetória da comunicação organizacional digital no Brasil, a partir de sua
emergência como objeto de estudo, das pesquisas realizadas e das temáticas que se tornaram recorrentes no campo da comunicação organizacional e relações públicas.
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL NO BRASIL: CONSTITUIÇÃO COMO
OBJETO DE ESTUDOS.
O Campo Científico da Comunicação (CCC) no Brasil começou a
se constituir a partir da criação dos programas de pós-graduação, das
associações científicas e das instituições de fomento à pesquisa que
tiveram importante papel de sistematizar, normatizar e criar meios
de comunicação científica e instâncias de consagração e legitimação
ao conhecimento produzido, respeitando as leis criadas no interior do
próprio campo.
Caparelli (2000) associa a consolidação do “campo acadêmico
de estudos de comunicação” no Brasil à criação dos primeiros cursos de
pós-graduação, nos níveis de mestrado e doutorado, no início dos anos
70 do séc. XX. Enquanto a pós-graduação da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC/SP) e da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) estiveram relacionadas diretamente às áreas de Letras e
Literatura, na Universidade de São Paulo (USP), a organização departamental, criada em 1972, era compartimentada numa vinculação com as
profissões, portanto, com o mercado de trabalho, embora os professores
desta também fossem oriundos das Ciências Humanas e Sociais.
Como precursores do campo científico, estes programas o influenciaram fortemente tendo em vista que em 1999 “quase 70% dos
doutores de todos os programas e quase 80% dos mais de 600 estudantes
de pós-graduação” eram destes três programas (CAPARELLI, 2000, p.2).
187
De acordo com a Tabela de áreas do Conhecimento da CAPES a
comunicação, como área de estudos, está institucionalmente4 vinculada
à grande área das Ciências Sociais Aplicadas, constituída por 13 subáreas, onde há uma única subárea para Relações Públicas e Propaganda,
para a qual não são apresentadas subdivisões de acordo com as especificidades de cada uma. Tal fato se constitui num paradoxo em relação à
práxis no mundo acadêmico, caracterizado pela segmentação dos cursos e a alta especialização destas subáreas, e, que pode ser observado
também, no mercado de trabalho.
De acordo com Kunsch (2009a, p. 52)
Como áreas do conhecimento, Comunicação Organizacional e Relações Públicas inserem-se no âmbito das Ciências
da Comunicação e das Ciências Sociais Aplicadas. Possuem
um corpus de conhecimento com literatura específica, teorias reconhecidas mundialmente, cursos de pós-graduação
(lato sensu e stricto sensu), pesquisas científicas, etc. Constituem, portanto, campos acadêmicos e aplicados de múltiplas perspectivas.
Relações Públicas e Comunicação Organizacional são convergentes, possuem interfaces e dialogam no âmbito da organização e vêm se
consolidadando com o aprofundamento dos dabates teórico-metodológicos, criação de núcleos de pesquisa e associações científicas, com a
afirmação/ legitimação como parte do campo científico da comunicação, com pesquisas e produção de conhecimento crescentes.
As próprias associações científicas da área da Comunicação trataram de compartimentar o conhecimento da área, sempre de acordo
com especialidades e/ou profissões, como a Intercom e a COMPÓS.
Por outro lado, algumas subáreas trataram de agregar seus pesquisaDe acordo com a Tabela de áreas do Conhecimento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Disponível em : http://www.
capes.gov.br/avaliacao/instrumentos-de-apoio/tabela-de-areas-do-conhecimento-avaliacao . Acessao em 29/09/2014. E, ainda, Com a tabela de áreas do
conhecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Disponível em : http://www.cnpq.br/documents/10157/186158/
TabeladeAreasdoConhecimento.pdf . Acessado em 29/09/2014.
4
188
dores em associações próprias, com finalidades e dinâmicas específicas, como a Abrapcorp e a Associação Brasileira de Pesquisadores em
Jornalismo (SBPJor).
No mercado de trabalho, esta subárea conquistou também espaço
ao longo dos últimos 20 anos, em especial nos ambientes organizacionais,
devido à centralidade da comunicação na sociedade contemporânea.
Estima-se que, dada a complexidade vivida pelas instituições e
organizações nesta era digital, estas se veem obrigadas a repensar suas
formas e estratégias de se comunicar. Com isso não há mais lugar para
improvisações. Nesse sentido buscam-se na academia os aportes teóricos como uma aliança necessária para uma base científica do fazer
comunicativo cotidiano. (KUNSCH, 2009a, p. 56).
Alguns pesquisadores/ autores trazem dimensões que balizam
a relevância da comunicação digital no âmbito das organizações no
contexto sócio histórico contemporâneo, de tal modo que passaram
a incorporá-la às suas estratégias comunicativas, entre eles KUNSCH
(2009a), CÔRREA (2005, 2008), TERRA (2011, 2012),
A comunicação digital, segundo Corrêa (2005), é entendida
[...] de per si como o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TIC’s), e de todas as ferramentas delas
decorrentes, para facilitar e dinamizar a construção de qualquer processo de Comunicação Integrada nas organizações.
Falamos, portanto, da escolha daquelas opções tecnológicas,
disponíveis no ambiente ou em desenvolvimento, cujo uso e
aplicação é o mais adequado para uma empresa específica e
respectivos públicos específicos. (2005, p. 102, grifo da autora).
A comunicação organizacional mediada no ambiente digital incorpora ganhos diversos, tanto quantitativos como qualitativos, em
consonância com as potencialidades que lhe são agregadas: digitalização, hipertextualidade, multimedialidade, instantaneidade, multi-linguagens, reticularidade, interatividade, convergência, entre outras
destacadas por autores da área como Scolari (2008), Corrêa (2005, 2008),
Terra (2011).
A comunicação digital se tornou ubíqua nas organizações, tomando espaço cada vez maior na dinâmica comunicacional e, em muitos casos, substituindo as modalidades mais convencionais de comu189
nicação, como a comunicação dirigida escrita (newsletters, murais,
boletins, etc) e de estabelecimento de relacionamentos com públicos,
em razão de possibilidades de interação que oferece.
O termo comunicação organizacional digital (COD) passou a ser
utilizado por Corrêa (2005) e Terra (2011, 2012), para designar a comunicação digital no âmbito das organizações e/ ou a comunicação digital nas/das organizações, embora admitam variações que circulam no
campo e identificadas quando da análise das palavras-chave dos artigos
da Abrapcorp.
A nossa opção pela Abrapcorp, associação científica fundada em
13 de maio de 2006, em São Paulo/ SP, se justifica por reunir especificamente a área de estudos da comunicação organizacional e relações
públicas, com o GP de “Comunicação, Organizações e Tecnologias5, que
contempla a temática da comunicação organizacional digital (COD),
objeto teórico do trabalho em curso. Mais ainda, pelo fato de a produção científica apresentada e debatida nesse GP se constituir no corpus
de análise de pesquisa em andamento.
De acordo com Kunsch (2009b, p.1), com a fundação da associação
[...] um novo capítulo foi acrescentado à história desses campos do conhecimento que florescem e se consolidam cada
vez mais no conjunto das Ciências da Comunicação. A existência de uma entidade científica nesse contexto exerce um
papel fundamental para estimular o fomento, a realização e
a divulgação de estudos avançados resultantes da pesquisa e
que possam contribuir para a transformação da sociedade,
das instituições e das organizações.
O estatuto, aprovado na Assembleia Geral de Fundação de 13 de
maio de 2006, foi elaborado por um comitê formado por pesquisadores
de diferentes regiões do Brasil. A Abrapcorp tinha inicialmente cinco
GTs permanentes: História, Teoria e Pesquisa em Relações Públicas;
Processos, Políticas e Estratégias de Comunicação Organizacional;
Comunicação Digital, Inovações Tecnológicas e Organizações; Estudos
do Discurso, da Imagem e da Identidade Organizacionais; Comunicação
5
Esta denominação foi adotada a partir de 2009.
190
Pública e Política, Relações Públicas Comunitárias e Comunicação no
Terceiro Setor. (KUNSCH, 2009, p. 05).
Os Grupos de Pesquisa (GPs)6, no congresso anual de 2014, de
acordo com o site da associação7, eram seis, sendo que um deles era
o GP Temático do congresso deste ano, cujo tema foi Comunicação
e Interculturalidade, e os demais: Comunicação, Pesquisa e Ensino;
Comunicação, Organizações e Tecnologias; Comunicação, Identidade e
Discursos; Comunicação, Responsabilidade e Cidadania; Comunicação,
Políticas e Estratégias.
De acordo com levantamento feito no site da associação8, com
base nos Anais dos Congressos científicos, obtivemos o número de 530
trabalhos apresentados e publicados nas versões anuais do evento, distribuídos por GP9 (QUADRO 1)
6
Nomenclatura adotada neste ano.
Disponível
no
URL:
<
http://www.abrapcorp.org.br/site/int.
php?pagina=congresso-abrapcorp&codigo=F1eApCoZIKPRrvwtlHphMZhC87
MN3doy6s0lWdbwPQd7czrp7H >, acessado em 10/10/2014.
7
Os trabalhos apresentados de 2007 a 2012 estão disponíveis online, no URL:
<http://www.abrapcorp.org.br/portal/index.php/2011/10/anais-online/> , acessado em 10/10/2012. Os artigos apresentados em 2013 foram publicados no e-book
“Abrapcorp 2013”, disponível no link: <http://abrapcorp2013.com/2013/05/21/
lancado-o-livro-do-congresso-abrapcorp-2013/ >, acessado em 15/08/2013. Já os
artigos de 2014, estão disponíveis no link: < http://abrapcorp.org.br/site/manager/arq/%28cod2_21198%29Anais_VIII_ABRAPCORP_2014.pdf >
8
Aqui utilizaremos a nomenclatura de GP, por ser a que é utilizada atualmente
(congresso de 2015). Aos números de trabalhos dos GPs marcados com asteriscos foram acrescidos números de divisões ou mesas temáticas que estiveram
presentes em apenas uma ou duas edições do Congresso, como, por exemplo:
Gestão de Relacionamentos, Opinião Pública e Públicos nas Organizações
(2008), Comunicação, Mudanças Organizacionais (2011); Comunicação, Cultura Organizacional (2011 e 2012); Comunicação Interna e Organizações (2013).
9
191
QUADRO 1 - PRODUÇÃO CIENTÍFICA CONGRESSOS DA ABRAPCORP
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
TOTAL
ANO
Comunicação,
Pesquisa e
Ensino
12
06
06
09
04
04
14
08
63
Comunicação,
Organizações e
Tecnologias
08
05
10
11
08
04
10
06
62
Comunicação,
Identidade e
Discursos
08
06
12
11
09*
16*
05
12
79
Comunicação,
Responsabilid e
Cidadania
07
08
06
05
05
04
05
13
53
Comunicação,
Políticas e
Estratégias
14
22*
14
18
08*
05
15*
19
115
Iniciação científica
07
12
27
10
10
25
07
15
113
06
07
06
07
04
04
-
-
34
GP Temático
-
-
-
-
-
-
-
11
11
TOTAL
62
66
81
71
48
62
56
84
530
GPS
Comunicação
Pública,
Governamental
e Política
Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos
dados dispiníveis nos Anais dos Congressos disponíveis no site da Abrapcorp
(www.abrapcorp.org.br).
A produção científica dos GPs, excluídos os do Espaço de Iniciação
Científica- EIC 10, destinado aos alunos de graduação, resume-se a um
10
Antes denominado Pesquisa Experimental e Iniciação Científica – tem a seguinte
192
total de 417 artigos, dos quais ressaltamos os 62 do GP Comunicação,
Organizações e Tecnologias, que equivalem a aproximadamente 15% do
total apresentado.
Numa aproximação ainda inicial, foi possível constatar também
a prevalência da vinculação institucional dos autores aos Programas
de Pós-Graduação em Comunicação de Instituições do Ensino Superior
(IES) Públicas e Privadas nos níveis de mestrado e doutorado. Merece
igualmente destaque, a constância da participação de pesquisadores
reconhecidos no campo científico da comunicação por sua importante contribuição à subárea da Comunicação Organizacional e Relações
Públicas.
Tal análise reforça a relevância da Abrapcorp como associação
científica preocupada em debater e fazer circular a produção científica
da subárea da comunicação organizacional e relações públicas, tornando-a acessível por meio da internet.
A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL:
PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA ABRAPCORP
Num primeiro momento, destacamos o número de trabalhos
apresentados e publicados nos Anais, disponíveis no site da Abrapcorp,
no GP Comunicação, Organizações e Tecnologias, no período de 20072014, em 8 edições do Congresso científico, para aproximarmo-nos do
objeto empírico, mapeando-o e levantando alguns dados que permitam
identificar as principais temáticas abordadas na produção científica e
outros dados (QUADRO 2).
ementa : “Estudos resultantes de Trabalhos de Conclusão de Curso – TCC – monografias e de Trabalhos de Iniciação Científica – TIC – provenientes dos Programas de
IC, desenvolvidos em nível de Graduação nas Instituições de Ensino Superior. Trabalhos inscritos em forma de artigo científico, contemplando temáticas direcionadas
à Comunicação Organizacional e às Relações Públicas.” ( site da Abrapcorp – Disponível em: < http://www.abrapcorp.org.br/site/int.php?pagina=congresso-abrap
corp&codigo=9igWidFhhSQL0NB36JOz4WE0p6XtWYxV6GKeJeoSZ5tRLVKHur > .
Acessado em: 14/03/2015.
193
QUADRO 2 - LEVANTAMENTO DOS ARTIGOS – CONSTITUIÇÃO
DO CORPUS DE ANÁLISE
ANO
TOTAL
ARTIGOS
ARTIGOS
ARTIGOS
EXCLUÍDOS
CORPUS
2007
08
01
07
2008
05
-
05
2009
10
01
09
2010
11
01
10
2011
08
-
08
2012
04
-
04
2013
10
02
08
2014
06
01
05
Total
62
06
56
Fonte:Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos
Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp
(www.abrapcorp.org.br).
A partir dos 56 artigos que compõem o corpus de análise, realizamos mapeamento de algumas variáveis de identificação: autores,
instituições às quais estão vinculados, qualificação, região geográfica,
conforme descreveremos a seguir:
Entre os 56 artigos que compõem o corpus de análise, foram
encontrados 66 autores. Destes somente 9 apresentaram mais de 1 trabalho, com destaque para Carolina Frazon Terra que apresentou 7 trabalhos em 7 edições diferentes do Congresso científico da Abrapcorp11
(QUADRO 3)
A pesquisadora não apresentou trabalho em 2013 no GP Comunicação, Organizações e Tecnologias.
11
194
QUADRO 3 - AUTORES DOS ARTIGOS CIENTÍFICOS DO CORPUS
ARTIGOS CIENTÍFICOS
NOMES DE AUTORES
7 artigos
Carolina Frazon Terra
3 artigos
Daiana Stasiak
2 artigos
Vanessa Matos dos Santos , Valéria de Fátima Raymundo,
Candice Habeiche, , Angela Lovatto Dellazzana, Taís
Stefenello Ghisleni, Lidiane Ferreira Sant’Anna, Helenice
Carvalho
1 artigo
Vivian Beatriz Temp, Karla Maria Müller, Valério Brittos,
Monica F. Carniello , Luis F. Zulietti, Zilda Aparecida Freitas
de Andrade, Massimo Di Felice, Cláudia Maria M. Bredarioli,
Maria Aparecida Baccega, Ana Almansa Martinez, Sonia
Virgínia Moreira, Maria das Graças Costa Cruz Louzada,
Carla Schneider, Joanicy Maria Brito Gonçalves de Sousa,
Ana Valéria M. Mendonça, José Mauricio C. Moreira da
Silva, Lucio Flavio Franco, Cristina Mello, Flavia Galindo,
Carina Ferreira Gomes Rufino, Cinara Moura, Mariana
Oliveira, Vanessa Nascimento Schleder, Silvana Maria
Sandini, Rafael Figueiredo Cruz e Silva, Ana Isaía Barreto,
Daniela Osvald Ramos, Enoí Dagô Liedke, Tiago Mainieri,
Eva Ribeiro, Vanessa Bueno Mol, Fernanda de Oliveira
Silva Bastos, Fábia, Pereira Lima, Rodrigo César S. Neiva,
Sonia, Aparecida Cabestré, Erika de Moraes, Rosane Rosa,
Rosângela Florczak, Márcio Carneiro dos Santos, Tércia
Zavaglia Torres, Nadir Rodrigues Pereira, Bruno Gâmbaro,
Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa, Polianne Merie
Espíndola, Melissa Villanova, Luíza Campos, Frederico
Vieira, Luciana Saraiva de Oliveira Jerônimo, Lebna,
Landgraf do Nascimento, Cleusa Scroferneker, Lidiane
R.Amorim, Gabriela Sarmento, Rebeca Escobar, Camila
Giuliani, Claudio Cardoso, Mônica Pieniz, Ariane Urbanetto
Total
¨66 autores
Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos
Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp
(www.abrapcorp.org.br).
Observamos que um número considerável dos artigos é produzido individualmente, 38 dos 56 do corpus, enquanto os outros 18, têm 2
ou mais autores (GRÁFICO 1).
195
GRÁFICO 1- AUTORIA
Autoria
Co-Autoria
Individual
0%
20%
40%
60%
80%
Autoria
Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos
Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp
(www.abrapcorp.org.br).
Os autores dos artigos indicam em nota de rodapé (NR) um currículo resumido de onde extraímos a titulação dos autores no momento
da publicação do artigo. No Quadro 4 identificamos o predomínio da
titulação Doutor (a)/ Doutorando (a) entretanto, destacamos que não
excluímos os casos de autores que, por exemplo, mencionaram sua titulação em 2 momentos diferentes, num artigo como mestre, em outro,
como doutor, em razão do avanço na qualificação no transcurso do período da análise, de 7 anos (2007-2014) (QUADRO 4).
196
QUADRO 4: TITULAÇÃO DOS AUTORES
TITULAÇÃO
Nº DE AUTORES
PERCENTUAL
Livre-docente
01
0,1%
Doutor(a)/ doutorando(a)
34
56,6%
Mestre/ mestrando(anda)
20
33,3%
Especialista
03
0,5%
Professor
01
0,1%
Aluno da Graduação
01
0,1%
TOTAL
60
1
Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa, com base nos
Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp
(www.abrapcorp.org.br).
Ainda na identificação, levantamos instituições às quais estes
autores estavam vinculados, seja como professores, profissionais e/ou
alunos de pós-graduação. Nesse caso, encontramos 32 instituições, pois
consideramos até 2 menções feitas por cada autor nos trabalhos, daí
porque não fechar um número correspondente ao corpus (QUADRO 5).
197
QUADRO 5 – INSTITUIÇÕES DOS AUTORES DOS ARTIGOS
CAMPO ACADÊMICO
Nº ARTIGOS
Universidade São Paulo/ SP
14
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul / PUCRS
10
Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ RS
05
Universidade Federal de Minas Gerais/ MG
03
Universidade Federal do Maranhão/ MA
03
Universidade Federal de Goiás/ GO
03
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/MG
03
Universidade Vale dos Sinos/ RS
02
Universidade Sagrado Coração/ SP
02
Universidade de Brasília/ DF
02
Universidade de Santa Maria/ RS
02
Universidade Federal da Bahia/ BA
01
Centro Universitário UNA/ MG
01
Faculdade Anhanguera/ MG
01
Universidade Metodista de São Paulo/ SP
01
Centro Universitário Franciscano/ RS
01
ESPM/ SP
01
Faculdade Cásper Líbero/SP
01
Faculdade Maria Augusta R. Daher/ SP
01
Universidade Estadual de Londrina/ PR
01
Universidade Federal do Rio de Janeiro/ RJ
01
Instituto Superior de Brasília (IESB)/DF
01
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP
01
Fundação Escola Álvares Penteado/ SP
01
Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana
Mackenzie/ SP
01
Universidade Taubaté/SP
01
198
UNESP/ Araraquara/ SP
01
UNESP/ Marília/ SP
01
IEL/ UNICAMP/ SP
01
INTERNACIONAL
Universidade de Málaga/ Espanha
01
CAMPO PROFISSIONAL
Petrobrás
01
Controladoria Geral do Município do Rio de Janeiro
01
Cristina Mello Comunicação Empresarial
01
TOTAL
71
Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos
Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp
(www.abrapcorp.org.br).
As Instituições às quais os autores indicaram sua vinculação encontram-se distribuídas nos diversos estados do país (QUADRO 6).
199
QUADRO 6 - DAS INSTITUIÇÕES ÀS QUAIS OS AUTORES ESTÃO
VINCULADOS POR ESTADO
ESTADO
São Paulo
INSTITUIÇÕES
UNESP/ Araraquara/ SP
UNESP/ Marília/ SP
IEL/ UNICAMP/ SP
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP
Fundação Escola Álvares Penteado/ SP
Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana
Mackenzie/ SP
Universidade Taubaté/SP
Universidade Metodista de São Paulo/ SP
Centro Universitário Franciscano
ESPM/ SP
Faculdade Cásper Líbero/SP
Faculdade Maria Augusta/ SP
Universidade Sagrado Coração/ SP
Universidade São Paulo/ USP
Faculdade Maria Augusta R. Daher/ SP
Rio Grande do
Sul
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/ PUCRS
Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ RS
Universidade de Santa Maria/ RS
Universidade Vale dos Sinos/ RS
Centro Universitário Franciscano/ RS
Minas Gerais
Universidade Federal de Minas Gerais/ MG
Faculdade Anhanguera/ MG
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/MG
Centro Universitário UNA/ MG
Rio de Janeiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro/ RJ
Bahia
Universidade Federal da Bahia/ BA
Distrito
Federal
Universidade de Brasília/ DF
Goiás
Universidade Federal de Goiás/ GO
Maranhão
Universidade Federal do Maranhão/ MA
200
Instituto Superior de Brasília (IESB)/DF
Paraná
Universidade Estadual de Londrina/ PR
Outros
Universidade de Málaga/ Espanha
Petrobrás
Controladoria Geral do Município do Rio de Janeiro
Cristina Mello Comunicação Empresarial
Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos
Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp
(www.abrapcorp.org.br).
De acordo com o quadro, constatamos que são, predominantemente, instituições de educação superior que possuem Programas de
Pós-Graduação em Comunicação (PPGComs), sendo o Estado de São
Paulo aquele com maior número de menções.
As palavras-chave foram identificadoras das principais temáticas
tratadas nos congressos da Abrapcorp nas suas oito primeiras edições.
Algumas são apresentadas na tabela abaixo com algumas de suas variações (plural) e similaridades (sinônimos, ressignificações) (QUADRO 7).
QUADRO 7 - PALAVRAS-CHAVE DOS ARTIGOS DO CORPUS
PALAVRA-CHAVE
VARIAÇÕES/
Nº DE
SIMILARES
MENÇÕES
Comunicação
Processo de comunicação
06
Comunicação
Organizacional
Comunicação Corporativa
21
Comunicação no contexto das organizações
Comunicação nas Organizações
Comunicação Organizacional
Contemporânea
Comunicação digital
Comunicação
Bidirecional
03
Interações Comunicacionais
03
Comunicação Instantânea
201
Comunicação
Organizacional
Comunicação Corporativa digital
Digital
Comunicação digital nas organizações
Relações Públicas
Organizações
05
Comunicação Organizacional virtual
08
Organizações virtuais
Web 2.0
05
02
Mídia digital
Novas Mídias
03
Tecnologia
Recursos Tecnológicos
06
Novas Tecnologias
Tecnologias Digitais
Redes Sociais Online
Mídias Sociais
21
Redes Sociais
Redes Sociais Virtuais
Análise de Redes Sociais (ARS)
Redes Sociais Digitais
Twitter
Facebook
Rede
Sociedade em rede
06
Redes de pesquisa
Teoria das redes
Viral
Rede Sesi do Trabalhador
Site organizacional
Sítios de TV Aberta
02
Conhecimento
Gestão do conhecimento
04
Informação
Blogs
Públicos
02
Usuários de mídias sociais
06
Usuário-mídia
Formador de opinião online
Quinto-poder
Conteúdo
Produção de conteúdo
Internet
Comunicação Interna
202
02
06
Intranet
04
Interação
Interatividade
04
Educação
Escolas
Universidades
Produção científica
05
Cultura
cibercultura
02
Complexidade
Paradigma relacional
02
Relacionamento
Midiatização
Outras:
02
02
E-Administração/ Planejamento/
Estratégias de Comunicação/
Legitimação Institucional/
Economia política da comunicação/ Convergência de Linguagens/
Ubiquidade/ Incomunicação/
Webjornalismo participativo/ Análise
Multifocal/ Ambiente colaborativo/
Discurso/ Interdiscurso/ Economia
Digitalizada/ Visibilidade Midiática/
Análise Dialógica do Discurso/
Crise Organizacional/ Carnaval/
Transdisciplinaridade/ Fluxos de comunicação/ Campanha Ficha Limpa/
Empregados/ Meios de Comunicação/
Metodologia de pesquisa/
Personagens Virtuais/ Participação
Online/ Engajamento/ Setor Público/
Comunicação simétrica/ Chocolates
Garoto/ Rede SESI do Trabalhador/
Visibilidade/ Tecnicidade/ Trânsito
de audiências/ Emissão/ Recepção
Crosmidiática/ Imagem Institucional/
Aprendizagem Organizacional/
Comunicação Empresarial.
39
Fonte: Elaborado por Gisela Maria Santos Ferreira de Sousa com base nos
Anais dos Congressos dispiníveis no site da Abrapcorp
(www.abrapcorp.org.br).
Observamos que há uma recorrência no uso de termos diferentes
para designar o mesmo objeto, processo ou modalidade comunicativa.
A comunicação organizacional digital é também denominada nas pa203
lavras-chave como: “Comunicação Corporativa digital”, “Comunicação
Organizacional virtual” e “Comunicação digital nas organizações”. Da
mesma forma redes sociais online são: “Mídias Sociais”, “Redes Sociais”,
“Redes Sociais Virtuais”, “Redes Sociais Digitais”.
Por outro lado, palavras-chave são sínteses, que deveriam condensar e não pulverizar as temáticas, o que pode ser observado no caso,
uma vez que há uma variedade significativa de palavras numa divisão
que focaliza na articulação de comunicação, organizações e tecnologias
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...
É importante mencionar que o artigo, por tratar-se de um recorte do projeto de tese, apresenta fragmentos de análises preliminares. Contudo, destacamos algumas observações que emergiram desse
momento inicial da análise. A comunicação organizacional digital tem
se tornado objeto de estudos do campo científico, embora do ponto de
vista da produção, considerando o acompanhamento realizado, ainda
necessite consolidar-se como área de pesquisa. Conforme mencionado,
dos 530 trabalhos apresentados nos Congressos da Abrapcorp de 20072014, 62 artigos estão relacionados e/ou abordam questões referentes à
Comunicação Organizacional Digital.
Outro aspecto que merece ser destacado refere-se às trocas simbólicas entre instituições/ autores, visto que os trabalhos em co-autoria
são de uma mesma instituição e que a maioria dos trabalhos foi produzida individualmente. A pulverização das temáticas é outro aspecto que
poderá ser melhor detalhado e aprofundado.
Essas observações, por sua vez, revelam as inúmeras possibilidades de análises e desdobramentos em pesquisas. Esperamos que o desenvolvimento delas nos conduzam a novas abordagens e maiores trocas.
REFERÊNCIAS
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googleusercontent.com/search?q=cache:__NREy7198MJ:www.eca.usp.
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204
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Digital. IN: Observatório (OBS*) Journal. vol. 2, nº 1, 2008. Disponível
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<http://obs.obercom.pt/index.php/obs/article/view/116/142>
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__________. A comunicação organizacional e as relações públicas como
áreas de pesquisa: o caso da Abrapcorp. IN: Global Media Journal –
Brazilian Edition, v.1, n.1, Primavera, 2009b.
LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura
contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002.
_____. Cibercultura: alguns pontos para compreender a nossa época.
In: Lemos, André; Cunha, Paulo (Orgs). Olhares sobre a Cibercultura.
Sulina, Porto Alegre, 2003; pp. 11-23.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2000. 2.ed.
SANTAELLA, Lúcia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São
Paulo: Paulus, 2007.
SCOLARI, Carlos. Hipermediaciones: elementos para uma teoría de lacomunicación digital interactiva. Barcelona: Gedisa Editorial, 2008.
TERRA, Carolina Frazon. Usuário-mídia: a relação entre a comunicação
organizacional e o conteúdo gerado pelo internauta nas mídias sociais.
2011. Tese (Doutorado em Interfaces Sociais da Comunicação) - Escola
de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27154/
tde-02062011-151144/pt-br.php>. Acesso em: 02 de junho 2012.
_____. Comunicação organizacional digital no Brasil: uma análise dos
autores utilizados nas mesas temáticas de comunicação digital dos
congressos da Abrapcorp. In: XXXV CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. Fortaleza/CE, 03 a 07 set. 2012.
205
|2|
TUDO EM TEMPO REAL: ESTAMOS VIVENDO A ERA DAS
RELAÇÕES PÚBLICAS DO IMEDIATISMO?
Carolina Frazon Terra1
RESUMO
O artigo analisa como as características de tempo
real, imediatismo e memes afetam a dinâmica das atividades de Relações Públicas e Comunicação Organizacional.
Também busca conceituar as Relações Públicas aplicadas
ao universo das redes sociais online, discute brevemente o
termo Relações Públicas Digitais e apresenta diversos casos reais de organizações que se valeram de fatos, eventos e
oportunidades em seus perfis de mídias sociais como uma
tentativa de ganhar a atenção dos usuários, gerar visibilidade e comentários a respeito de si próprias. Por fim, comentamos o meme do vestido que atraiu a atenção dos usuários
de redes sociais e internautas em geral e que acabou por
fazer com que as marcas buscassem “ganchos” de conteúdo
em seus perfis para mostrar que estavam acompanhando o
fato.
Palavras-chave: Comunicação organizacional; Relações
Públicas Digitais; tempo real; mídias sociais; memes.
Doutora e mestre em Ciências da Comunicação, especialista em Gestão Estratégica da Comunicação Organizacional e Relações Públicas, todos pela ECA-USP, formada em Relações Públicas, pela Unesp/Bauru. Professora de cursos
de pós graduação na ECA-USP, FAAP e FIA, além de diversos MBAs. Pesquisadora do grupo Com+, na ECA-USP, liderado por Beth Saad. Possui também uma
consultoria de mídias sociais.
1
RELAÇÕES PÚBLICAS DIGITAIS, TEMPO REAL E AS MARCAS
Em tempos de modernidade líquida de Bauman (2001), os tempos são igualmente líquidos, tudo muda rapidamente, nada é feito pra
durar ou para ser sólido. Assim, vivemos uma efemeridade que também atinge o cenário comunicacional e, consequentemente, a comunicação que praticamos nas organizações e nos relacionamentos destas com seus públicos de interesse. Assim, nasce uma necessidade de
se olharem as Relações Públicas com lentes diferentes dos contatos e
dos eventos presenciais. Surge, aí, um novo campo de atuação: o das
Relações Públicas (RP) Digitais.
Em 2010 (TERRA, 2010, p. 101), conceituamos RP Digitais como a
(...) atividade de mediação e/ou interação por parte de organizações ou agências (consultorias etc.) com seus públicos
na rede, especialmente, no que diz respeito às expressões e
manifestações desses nas mídias sociais.
Todd Defren (apud BITES, 2008) , reconhecido norte-americano
nos campos das mídias sociais e das RP Digitais, chegou a afirmar que
dificilmente a comunicação organizacional tradicional, no que tange
ao relacionamento com mídia ou gerenciamento de crises, por exemplo, estariam fadados à morte, mas que as mídias sociais acabaram por
remodelar técnicas e filosofias de relacionamento e que o crescimento
das interações diretas entre consumidores e transparência corporativa
seriam o novo padrão de excelência nesse quesito.
Stasiak e Barichello (2008, p. 5) acreditam que acontece uma complexificação da atividade de Relações Públicas oportunizadas pelo ambiente digital, conforme reproduzimos as palavras das autoras “(...) devido
a midiatização das relações sociais e às novas formas de relacionamentos
instituição-públicos, proporcionadas pelas tecnologias digitais”.
Com o conteúdo gerado pelo consumidor nas redes sociais online,
acreditamos que a área de Relações Públicas ganhou muita importância
e despertou ainda mais necessidade junto às organizações. O endosso,
crítica ou simples comentário de um usuário a respeito de marcas, produtos, serviços e experiências passa a ser mídia essencial na construção
da reputação e da imagem das organizações.
207
Scroferneker et. al. (2013, p. 5) entendem que as mídias sociais
geram novas possibilidades de diálogo entre organizações e públicos:
Por meio de canais organizados em rede como o Facebook,
e o Twitter, entre muitos outros, começam a ser visualizadas
novas tentativas de interlocução entre os chamados públicos e as organizações. Ou seja, consumidores, admiradores,
defensores e opositores de marcas, empresas, organizações
não governamentais, entre outras, assumem espaço de fala
direta, emitem mensagens e esperam respostas, assumindo
efetivamente o papel de interlocutores.
No entanto, toda essa mídia gerada pelo consumidor causa uma
expectativa por parte destes usuários em relação às organizações no
que diz respeito ao tempo e de resposta e solução. Os usuários/consumidores/clientes acreditam que devam ser considerados de maneira imediata. Steve Rubel, em entrevista à Hackradt (2011, online), afirma que:
A sociedade vai ficar mais móvel, mais social e mais dependente do imediatismo, na mesma medida em que os consumidores ganham mais poder. Esse movimento irá diminuir
nossa habilidade de enxergar a figura completa, como um dia
o fizemos, porque os conteúdos e a informação serão cada
vez mais filtradas por nossas “lentes sociais”.
O padrão do tempo real para a solução das interações, diálogos,
participações acaba por criar um novo modelo de relacionamentos. E
tal questão de tempo afeta e impacta diretamente na forma como planejamos e executamos as estratégias de relacionamento e comunicação.
Assim, surgem demandas de participação das organizações nas
redes digitais que têm que acompanhar o tempo real. Ao surgir um
tema na rede, as organizações se veem obrigadas a encontrar “ganchos” temáticos com suas marcas para que possam se legitimar diante
de seus públicos.
Os chamados memes da rede ou os temas do momento passam
a figurar no cenário de conteúdo das organizações e usuários. Ganham
aquelas organizações que fazem bom uso de tais temas para atrair fãs e
curtidas em suas iniciativas de mídias sociais. Ou seja, as organizações
que conseguem dar visibilidade aos seus conteúdos são mais comenta208
das ou curtidas que as que não investem em conteúdos atuais ou que
estejam em conformidade com os assuntos do momento.
Tal necessidade de imediatismo altera a forma como pensávamos
as estratégias de RP para as organizações. Assim, com as tecnologias
digitais e sociais, surge um novo padrão de relacionamentos que passa
pela agilidade e interação entre organizações e suas audiências.
TEMPO REAL E RP
Aproveitar as oportunidades em “real time” ou em tempo real significa agir rapidamente e analisar a resposta de suas audiências. Em geral, casos bem pensados ação em tempo real acabam por se tornarem
virais e ganham a atenção das audiências da rede e também da mídia
em geral. Significa também remodelar a estrutura de aprovações e de
reação das organizações. Não há tempo para morosidade ou uma cadeia
imensa de aprovações de conteúdo. Algo que tem que passar por diversas instâncias de aprovação antes de ir ao ar não segue os preceitos de
rapidez e agilidade e pode acabar perdendo o timing2 do acontecimento. A comunicação que se vale do tempo real precisa estar sintonizada
com os acontecimentos ao seu redor e estruturas de criação, produção
e aprovação em sincronia.
Velocidade e agilidade são fundamentais para aproveitar-se de
um assunto ou tema do momento e conseguir ser relevante ou interessante para as audiências online. O sucesso dessa combinação de conteúdo relevante, velocidade e agilidade é que culminarão na viralização dos
posts e, no consequente, êxito da iniciativas.
Uma das empresas que mais se destaca no conceito de “real time”
é a fabricante de biscoitos, Oreo. Em 2013, durante a competição de
futebol americano Superbowl, um dos eventos esportivos de maior expressão no mundo e com os intervalos publicitários mais disputados e
caros, a marca de biscoitos se valeu de um apagão que ocorreu durante
o jogo. Com o estádio às escuras, a marca aproveitou para publicar uma
imagem do biscoito na rede social Twitter, conforme abaixo.
Timing, nesse context, pode ser caracterizado como senso de oportunidade
quanto à duração de uma ação ou evento.
2
209
IMAGEM N.1 – POSTAGEM DE OREO3 DURANTE O BLECAUTE
DO SUPERBOWL DE 2013.
A postagem trazia a seguinte legenda: “Falta de energia? Sem problemas”. Já a imagem dizia: “você pode mergulhar o biscoito mesmo no
escuro”. O resultado da reação rápida da marca foi uma avalanche de
retuitadas e curtidas, como se vê na imagem 1, acima.
Em 2014, durante a Copa do Mundo FIFA realizada no Brasil, a
fabricante de chocolates Garoto, se mostrou alinhada aos acontecimentos em campo e quando o jogador Neymar Jr. se machucou, fez uma postagem para homenageá-lo por meio de seu perfil de Facebook.
Disponível em: https://twitter.com/Oreo/status/298246571718483968. Acesso em 06/03/2015.
3
210
IMAGEM N.2 – POSTAGEM DA GAROTO4 DURANTE A COPA DO MUNDO DA FIFA,
NO BRASIL, EM 2014, NA OCASIÃO DA LESÃO DO JOGADOR NEYMAR JR.
Também se valendo da Copa do Mundo, a Coca-Cola publicou,
após a derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1, um post solidário ao
povo, demonstrando estar acompanhando a comoção nacional.
IMAGEM N.3 – POSTAGEM DA COCA-COLA5 APÓS A DERROTA PARA A
ALEMANHA DURANTE A COPA DO MUNDO DE 2014.
Disponível
em:
<https://www.facebook.com/garoto/photos/
pb.246020928822930.-2207520000.1407 274908./663353460423006/?type=3&th
eater>. Acesso em: 05/08/2014.
4
Disponível em: https://twitter.com/cocacola_br/status/486679376722157569.
Acesso em 06/03/2015.
5
211
A rapidez de planejamento e cotização para acompanhar os eventos do momento põe as organizações diante de situações que circulam
amplamente nas redes, os chamados memes. No próximo item, abordamos o tema das comunicações virais, que estamos chamando de memes, e como elas afetam a forma como planejamos, executamos e operacionalizamos as estratégias de comunicação organizacional.
MEMES E CASES
A palavra meme foi usada pela primeira vez por Richard Dawkins
no livro “O Gene Egoísta”, em 1976, e se referia àquilo que era produto
da replicação de ideias. O meme seria uma unidade de informação que
passa de um cérebro a outro, por imitação e hereditariedade. Recuero
(2009) afirma que o estudo dos memes está ligado diretamente ao estudo da difusão da informação e que tipo de ideia sobrevive. Blackmore
(apud RECUERO, 2009, p. 123) completa que a ação de replicar é uma
forma de aprendizado social pela imitação.
As ideias, em tese, funcionariam de maneira similar ou análoga
aos genes. Ou seja, as ideias e os genes têm potencial de se espalharem
como vírus e podem contaminar quantidades expressivas de pessoas.
Mas, nem todo meme é viral ou de amplo alcance.
Com as redes digitais, os memes ganham em potência de viralização, pela própria característica de funcionamento das plataformas
sociais online e pelo comportamento dos usuários.
Recuero (2011, online) aponta que as redes sociais online, por
suas características associativas ou de filiação são ambiente propício
para a propagação e/ou recuperação dos memes. Ainda que o usuário
não esteja online, suas conexões sociais continuam ativas, permitindo-o que recupere as informações durante a sua ausência ali. O microblog
Twitter, por exemplo, lançou uma funcionalidade chamada “enquanto
você esteve ausente”, valendo-se exatamente de tal capacidade do usuário desta rede social poder acompanhar conteúdos que foram divulgados enquanto ele não esteve ali. Novamente, Recuero (id. Ibid.) explica
que as redes sociais online facilitam a viralização dos memes, pois:
(...)Há uma simplificação dos modos de colocar ideias na
rede e circulá-las, o que aumenta (e muito) a quantidade de
memes nas redes e, consequentemente, cria um espaço mais
212
competitivo para que esses consigam replicar-se (a chamada
“economia da atenção”, de Lahan, que advoga que o recurso
em escassez na sociedade contemporânea não é a informação e sim a atenção).
Saad Corrêa (2012, p. 8) também acredita que as redes sociais digitais provocaram comportamentos que permitem que usuários espalhem informações, o que a autora chama de “práticas sociais coletivas”:
A presença das redes digitais de informação e comunicação
em nosso dia-a-dia – ou mais simplesmente, a presença da
internet – incorpora em nossos relacionamentos e trocas de
informações uma sucessão de comportamentos, hábitos, linguajares, atitudes e ações que se transformam rapidamente
em práticas sociais coletivas, ultrapassando os limites daquele do grupo de cidadãos conectados em rede digital.
Saad Corrêa (id. Ibid.) discute o assunto não apenas pelo viés dos
memes, mas acreditando que pelos curadores digitais passa boa parte
das divulgações da rede e que estes são responsáveis pela viralização
dos conteúdos:
O termo curadoria entrou na categoria dos ciber-significados
de uma forma impactante e muito recentemente. O bem conhecido e consolidado curador das artes ou aquele curador
gestor legal de patrimônios passaram a conviver com uma
multidão de curadores da informação, curadores digitais,
curadores de festas, de musicas, de programações, de coletâneas literárias, entre outras novas funções que necessitam
de “cura” para se concretizarem. Um dos primeiros questionamentos que um pesquisador do campo das mídias e comunicação digitais faz ao deparar-se com tal profusão de
usos de um mesmo termo está na analise do seu potencial
transformador das relações sociais. Quando isso acontece no
meio digital, nos vemos acelerando análises e olhares para
entender as implicações de um novo ciber-significado nos
contextos da comunicação e da informação. Antes que o significado se perca.
213
Aqui, neste artigo, iremos considerar o conceito de meme, sem
alusão a quem o está repassando, apenas observando o uso que as marcas e/ou organizações fazem diante dele.
Comentaremos, a seguir, o uso que algumas marcas fizeram sobre
o polêmico vestido azul e preto que muitos chegaram a vê-lo branco e
dourado em função de uma ilusão ótica. A questão tomou a internet
durante os dias 26, 27 e 28 de Fevereiro de 2015.
IMAGEM N.3 – POLÊMICO VESTIDO6 QUE DIVIDIU A INTERNET POR SUAS
CORES PRETAS E AZUL OU BRANCO E DOURADAS.
O site de notícias Adnews7 reuniu uma seleção de postagens de
marcas que aproveitaram-se do meme do vestido. Destacaremos algumas a seguir.
Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/debate-na-internet-alavanca-venda-do-vestido-azul-e-preto. De 28/02/105. Acesso em
05/03/2015.
6
Disponível em: http://www.adnews.com.br/internet/marcas-aproveitam-polemica-do-vestido-preto-e-azul-ou-seria-branco-e-dourado. De 27/02/2015.
Acesso em 05/03/2015.
7
214
A Prefeitura de Curitiba, em sua fanpage, aproveitou-se do meme
para divulgar um curso de costura promovido pela Fundação de Ação
Social de Curitiba (FAS):
IMAGEM N.4 – PREFEITURA DE CURITIBA APROVEITANDO-SE
DO MEME EM SUA FANPAGE8.
Disponível em: https://www.facebook.com/PrefsCuritiba/photos/a.5164
41535066322.1073741830.515514761825666/849903495053456/?type=1.
De
27/02/2015. Acesso em 05/03/2015.
8
215
A marca McDonald’s também utilizou-se do tema para falar de
um de seus produtos, as McFritas que são douradas em embalagens
brancas.
IMAGEM N.5 – PERFIL DO MCDONALD’S BRASIL9 NO TWITTER
FALANDO DA POLÊMICA.
Disponível
em:
https://twitter.com/McDonalds_BR/status/571129476924502016. De 26/02/2015. Acesso em 05/03/2015.
9
216
A marca de sandálias Havaianas serviu-se do assunto em alusão a
um de seus icônicos chinelos.
IMAGEM N.6 – POSTAGEM NA FANPAGE DA HAVAIANAS10 RELEMBRANDO O
ICÔNICO CHINELO AZUL E BRANCO E FAZENDO
ALUSÃO AO MEME DO VESTIDO.
Disponível em: https://www.facebook.com/HavaianasBrasil/photos/a.
287966277965235.63516.280431155385414/753064504788741/?type=1.
De
27/02/2015. Acesso em 05/03/2015.
10
217
A cervejaria Ambev também viu oportunidade no tema e divulgou, em seu perfil de Twitter, uma referência.
IMAGEM N.7 – POSTAGEM NO TWITTER DA AMBEV BRASIL11 EMITINDO A SUA
OPINIÃO SOBRE O MEME COM UM TOQUE DE HUMOR.
Disponível em: https://twitter.com/ambevbrasil/status/571328964490342400.
De 27/02/105. Acesso em 05/03/2015.
11
218
O assunto foi aproveitado pelas marcas nos chamados “posts de
oportunidade”, uma vez que o tema estava também circulando fortemente entre os usuários comuns sob a forma de memes. Separamos dois
exemplos de memes difundidos por usuários, abaixo.
IMAGEM N.8 – EXEMPLO DE POSTAGEM-MEME12 QUE CIRCULOU ENTRE OS
USUÁRIOS DAS REDES SOCIAIS ONLINE NO PERÍODO EM QUE O VESTIDO
ESTEVE SOB OS COMENTÁRIOS DE TODOS.
Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/02/azul-e-preto-ou-branco-e-dourado-vestido-polemico-quebra-internet.html.
De
27/02/2015. Acesso em 05/03/2015.
12
219
Outra imagem que foi amplamente difundida foi o meme ligado
ao programa do Sílvio Santos.
IMAGEM N.9 – EXEMPLO DE POSTAGEM-MEME13 QUE CIRCULOU ENTRE OS
USUÁRIOS DAS REDES SOCIAIS ONLINE NO PERÍODO EM QUE O VESTIDO
ESTEVE SOB OS COMENTÁRIOS DE TODOS.
Saad Corrêa (2014, p. 222) tem um ponto de vista interessante
acerca da exposição que os temas tomam nas redes sociais online: “(...)
A visibilidade da individualidade (privada) nas redes e websites de redes
sociais expande e funde essas estruturas sociais para um contexto de
ubiquidade”. Não importa onde o usuário esteja. Se ele está conectado
às redes, a possibilidade de participação, interação e acompanhamento
dos fatos e eventos que estão ocorrendo é perfeitamente possível.
Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/02/azul-e-preto-ou-branco-e-dourado-vestido-polemico-quebra-internet.html.
De
27/02/2015. Acesso em 05/03/2015.
13
220
CONSIDERAÇÕES FINAIS - REAL TIME RP?
Em linhas gerais, o que estamos vivenciando em termos de comunicação organizacional e seus relacionamentos com as audiências do
mundo digital passa por uma reestruturação da atividade de Relações
Públicas (obrigando-a a mudar parâmetros de meio de relacionamento
e de agilidade), além de necessidade de reação rápida diante dos acontecimentos. Se antes já estávamos ligados ao contexto para traduzí-lo
para as organizações para as quais trabalhávamos, agora essa necessidade se faz ainda mais presente.
Não importa apenas o que a organização representa ou diz sobre si
própria, mas também como é percebida, sentida, experenciada e comunicada – sobretudo pelas plataformas digitais – pelos públicos das redes.
Tal cenário encontra eco em Baldissera (2009, p. 117) que enxerga
nas organizações três dimensões, pois acredita que a comunicação não
se restringe ao seu próprio âmbito, à fala organizada, aos processos formais e à comunicação da/ou na organização. As três dimensões da comunicação organizacional, para ele, se resumem assim: a comunicada
(os processos formais, a fala autorizada); a comunicante (que ultrapassa
a dimensão comunicada e se dá quando qualquer sujeito estabelece relação com a organização); e a falada (os processos de comunicação informal indiretos, que acontecem fora do âmbito organizacional, mas dizem
respeito à organização). Entendemos que é na dimensão “falada” que se
localizam o conteúdo gerado pelos usuários nas mídias sociais, sobre as
organizações, seus produtos, seus serviços, suas experiências e suas opiniões. Observamos, porém, que as mídias digitais também podem estar
na dimensão “comunicada”, quando a própria organização está presente
com seus perfis oficiais, e na “comunicante” (quando os usuários estabelecem contato com a organização). Aproveitar-se dos memes passa por
todas as dimensões: falada, comunicada e comunicante.
O trabalho do profissional e da atividade de RP passam, portanto,
pelo planejamento exaustivo das organizações comunicada, comunicante e falada, bem como por sua visibilidade digital positiva e estruturação das interações (que corroboram para a comunicação de mão
dupla) com seus públicos de interesse.
221
Stasiak e Barichello (2008, p. 3) já afirmavam que a busca da legitimidade é um dos princípios norteadores da atividade de RP e que tal
processo “(...) concede validade a seus significados, implica a existência
de valores e sua transmissão”. Valer-se de contextos e acontecimentos
da vida real é uma forma de legitimação por parte das organizações junto às suas audiências, sobretudo nas mídias sociais.
Praticar Relações Públicas na era da comunicação em tempo real
requer atenção aos fatos, agilidade para a tomada de decisão e para a
produção de conteúdo, mas, sobretudo, demanda uma estruturação e
um planejamento prévios, características inerentes à atividade.
Na era do imediatismo, da necessidade e quase obrigatoriedade
de Relações Públicas Digitais, ganha quem está melhor estruturado, planejado e organizado, mas também quem age e responde às demandas
dos usuários de forma legítima, rápida e certeira. E, porque não dizer
também, bem humorada.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Leonardo. Marcas aproveitam polêmica do vestido em posts
de oportunidade. De 27 de fevereiro de 2015. Disponível em: http://
www.adnews.com.br/internet/marcas-aproveitam-polemica-do-vestido-preto-e-azul-ou-seria-branco-e-dourado. Acesso em 05/03/2015.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2001.
HACKRADT, Lucas. “A sociedade vai ficar mais dependente do
imediatismo”, diz Steve Rubel. In: http://revistaepoca.globo.com/
Sociedade/A-decada-da-Internet/noticia/2011/09/sociedade-vai-ficar-mais-dependente-do-imediatismo-diz-steve-rubel.html, 10/09/2011.
O CRIADOR do PR 2.0. Revista Bites. 04/11/2008. Edição 623. Disponível
em HTTP://w3editora.relazione.com.br/uploads/shift.pdf. Acesso em
06/03/2015.
RECUERO, Raquel. Sobre memes e redes sociais. 05/09/11. Disponível
em: http://www.raquelrecuero.com/arquivos/sobre_memes_e_redes_
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RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina,
2009.
222
SAAD CORRÊA, Elizabeth N (org.). Curadoria Digital e o Campo da
Comunicação. São Paulo, 2012. Disponível em: http://issuu.com/grupo-ecausp.com/docs/ebook_curadoria_digital_usp#download. Acesso
em 05/03/2015.
SCROFERNEKER, Cleusa M. A.; Silvestrin, Celsi B.; DA SILVA, Diego W;
DE OLIVEIRA Rosângela F. Comunicação e mídias sociais: em busca
de diálogos possíveis. Trabalho apresentado no GP Relações Públicas
e Comunicação Organizacional, XIII Encontro dos Grupos de Pesquisas
em Comunicação, evento componente do XXXVI Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação. Manaus, 2013. Disponível em: http://
www.intercom.org.br/papers/nacionais/2013/resumos/R8-1089-1.pdf.
Acesso em 08/03/2015.
STASIAK, Daiana; BARICHELLO, Eugenia. WebRP: as estratégias de
comunicação de cada tempo. Trabalho apresentado no NP Relações
Públicas e Comunicação Organizacional do VIII Nupecom – Encontro
dos Núcleos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do
XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Natal, 2008.
Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2008/resumos/R3-0815-1.pdf. Acesso em 05/03/2015.
TERRA, Carolina F. Relações Públicas 2.0: novo campo de atuação para
a área. In: CHAMUSCA, M. & CARVALHAL, M. Relações Públicas
Digitais: O pensamento nacional sobre o processo de relações públicas interfaceado pelas tecnologias digitais. Salvador, BA: Edições
VNI, 2010.
223
|3|
UM OLHAR SOBRE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTOS
ESTRATÉGICOS A PARTIR DA TEORIA ATOR-REDE
Marcello Chamusca 1 e Márcia Carvalhal 2
RESUMO
Esse artigo tem como principal objetivo trazer um
olhar diferenciado e até certo ponto vanguardista de um
pensar estratégico da Comunicação Organizacional e das
Relações Públicas, enquanto processos administrativo e
comunicacional, a partir da Teoria Ator-Rede, que dará
base teórico-metodológica e permitirá uma análise de rede
sócio-técnica, em que elementos humanos e não-humanos
são pensados estrategicamente como elementos atuantes
da rede na formação do ambiente social nas organizações
contemporâneas. Como considerações finais, observa-se
que os processos de comunicação e relacionamento nessa
ambiência precisam ser pensados não mais como fluxos
e mídias, mas como redes heterogêneas que se complexificam cada vez mais pelos novos entornos tecnológicos e
sociais que estão imersas as organizações.
Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Relações
Públicas; Teoria Ator-Rede.
Relações-públicas, doutorando na Universidade Católica do Salvador (UCSAL).
Professor de pós-graduação convidado da FGV em vários estados do Brasil. Professor convidado em outros 13 cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior.
1
Relações-públicas, doutoranda na Universidade Católica do Salvador (UCSAL).
Coordenadora dos cursos de pós-graduação Especialização Gestão Estratégica
em Relações Públicas (EGERP) e MBA em Gestão Estratégica de Mídias Sociais e
Comunicação Digital (MBAGEMS) da Faculdade Batista Brasileira (FBB).
2
INTRODUÇÃO
A teoria Ator-Rede (TAR), ainda pouco difundida no campo da
Comunicação Organizacional e Relações Públicas, pode se configurar
num significativo instrumental teórico-metodológico para o pensar estratégico da área, no contexto contemporâneo, visto que a TAR possibilita a análise de redes sócio-técnicas - heterogêneas - e não apenas
das redes sociais, pois leva em conta e entende como atores atuantes
de uma rede - actantes - não apenas os atores humanos, mas também os
não-humanos, o que enriquece muito as possibilidades de qualificação
dos diagnósticos e consequentemente do processo de planejamento estratégico neste campo.
O objetivo desse artigo é, a partir de dados de pesquisas e reflexões realizadas no âmbito do doutoramento dos seus autores, trazer um
olhar diferenciado e até certo ponto vanguardista de possibilidades de
teorização, bem como do pensar estratégico - técnico - da Comunicação
Organizacional e das Relações Públicas, enquanto processos administrativos, de função mediadora dos processos sociais e tecnológicos que
são estabelecidos na atualidade na ambiência organizacional.
Se buscará um esforço de articulação entre a Teoria Ator-Rede
e o constructo teórico da hipótese das três palavras-chave, proposta e discutida nos últimos anos, em várias publicações (CHAMUSCA;
CARVALHAL, 2011, 2013, 2014), que implica na seleção de três conceitos
centrais - mobilidade, hibridação e presença - entendidos como catalisadores e agregadores de outros conceitos que vêm sendo desenvolvidos por pensadores da área, sobretudo, naquelas que dizem respeito
aos ambientes das organizações, instituições ou corporações, sejam elas
públicas ou privadas.
As três palavras-chave, uma vez articuladas com a Teoria AtorRede, possibilitarão o lançamento de um olhar complexo e significativo
sobre os processos de comunicação e relacionamentos no atual contexto e - ainda que de modo especulativo - uma mostra real de que a análise realizada é paradigmática, pois traz intrinsecamente a abordagem
epistemologica da TAR, “aplicável a qualquer outra análise e, por isso
mesmo, impregnada de cientificidade”, conforme defende Chamusca e
Carvalhal (2014, p.13).
225
TEORIA ATOR-REDE, SEUS CONCEITOS FUNDAMENTAIS E SUAS INTERFACES
COM AS RELAÇÕES PÚBLICAS
Para uma primeira aproximação com o tema buscar-se-á uma
breve caracterização da Teoria Ator-Rede (LATOUR, 1987, 2005;
LAW, 2006; SANTAELLA, 2010; LEMOS, 2007, 2013; CHAMUSCA,
CARVALHAL, 2014).
Conforme observa Law (2006), a sociedade é materialmente heterogênea. Nesse sentido, artefatos e arquiteturas devem ser levados tão
a sério quanto as pessoas numa análise conjuntural, pois, se assim não
se fizer, nunca se terá a capacidade de resolução dos problemas deste
grupo social em específico. É imprescindível portanto a constante busca pelo entendimento do que surge como produto das relações entre os
atores (agentes) atuantes, sejam eles humanos ou não humanos numa
sociedade, como um efeito das interações estabelecidas entre eles e a
instituição da ordem social proveniente desse efeito.
Para Chamusca e Carvalhal (2014, p. 17),
Os atores não-humanos, se retirados da rede, modificam
completamente todo o processo de interação entre os atores
humanos, podendo inclusive inviabilizar essas interações e
elas não acontecerem. Diante dessa constatação, verifica-se
a importância de se identificar, caracterizar e analisar a participação dos atores não-humanos nos processos de comunicação e relacionamentos que acontecem na atualidade, pois
esses não só contribuem, mas são determinantes na definição dos relacionamentos entre os atores humanos. Portanto,
os não-humanos também fazem parte do social, uma vez que
sem a sua existência, assim como acontece com os atores humanos, não só as relações sociais, mas também toda a ordem
social como é conhecida, sequer existiria.
A Teoria Ator-Rede (TAR) é adaptativa, se ajusta a diferentes ambientes e possui características absolutamente adequadas à ambiência
da Comunicação Organizacional e Relações Públicas no contexto atual.
A despeito do entendimento de que o termo “ator” pode, em alguns contextos, ser interpretado de modo negativo e, inclusive, ser desqualificado por alguns autores, bem como que o termo “agente” pode
226
ser entendido, por esses mesmos autores, como de maior abrangência
e aceitação acadêmica, utilizar-se-á o termo “ator” sempre que necessário, superando o preciosismo acadêmico em torno dessa questão, para
contextualizá-lo nas leituras da TAR sobre os objetos de reflexão, uma
vez que nesse caso, em específico, o termo “ator” não se encontra no mérito das questões centrais discutidas e o seu uso não deve invalidar a essência do que aqui se propõe. Independente disso, todos os atores (humanos e não humanos), pela perspectiva da TAR, são pensados de modo
articulado como atuantes da mesma rede e, por isso mesmo, não são
distinguidos por serem humanos ou não humanos e sim por serem atuantes ou não na rede, por isso passam a ser chamados de actantes (atores atuantes). A noção de actante é inspirada na semiótica de Greimas
e serviu para libertar o conceito de “ator” dos sentidos sociológico e antropológico vigentes, que restringiram o conceito de ator, independente
do seu caráter atuante no processo de interação, a um agente humano.
Ao se entender redes sociais como iminentes redes sócio-técnicas, uma vez que essas são formadas por interconexões entre actantes
humanos e também por interconexões entre actantes não humanos,
além das relações entre as interconexões humanas e não humanas, bem
como das relações diretas e indiretas entre actantes humanos e não humanos, percebe-se a importância da observação da participação dos actantes não humanos no processo social no ambiente das organizações,
geralmente sonegada nas análises tradicionais. Os actantes não humanos, portanto, transformam de modo flagrante a significação humana
no contexto organizacional, mediando relações, lhe atribuindo status,
determinando níveis de poder etc., sempre a partir de variáveis sócio-técnicas e não apenas social, ou seja, esses valores não são atribuídos
ou mensurados somente pelos atributos humanos, mas também por
aquilo de material que se acrescenta ou se retira da equação.
A TAR, ao fortalecer a ideia de que actantes humanos e não humanos estão constantemente ligados a uma rede social de elementos
materiais e imateriais, bem como à ideia de que redes são compostas
não apenas por pessoas, mas também por máquinas, textos, dinheiro,
arquiteturas, mobiliário, roupas, enfim por qualquer outro material,
nos mostra a importância de se pensar os objetos, o fardamento, o mobiliário, os equipamentos e todas as coisas que são inseridas no ambiente das organizações de forma cada vez mais estratégica, visto que
227
a partir de uma leitura sócio-técnica passa-se a entender que as coisas
materiais não apenas dão suporte ou servem de mediação ou mesmo
interface para o exercício das atividades dos públicos internos de uma
organização, por exemplo, mas também para o seu empoderamento
no exercício das suas atribuições profissionais, dentro do âmbito hierárquico que se encontram.
Relações Públicas, segundo Simões (1995, 2001), é o campo científico que vai se debruçar na análise das relações micropolíticas estabelecidas no sistema organização-públicos. A sua função precípua, portanto, é a política, entendendo política como toda intenção humana que
envolve a conquista, a manutenção ou o exercício do poder que, por sua
vez, pode ser entendido como toda e qualquer ação intencional que vise
estabelecer a conduta do outro, sendo o outro, nesse caso, qualquer pessoa, grupo ou instituição que se relacione direta ou indiretamente com
a organização, ou seja, os seus públicos de interesse.
Boa parte das relações de poder estabelecidas nesse contexto,
na atualidade, é interfaceada, muitas vezes com protagonismo, por artefatos e equipamentos digitais, ou seja, por actantes não humanos,
como por exemplo, as simulações holográficas, as teleconferências, as
ações que envolvem realidade aumentada, dentre outras. Nesse sentido, as relações que determinam a autoridade e o status de um ator
humano no âmbito organizacional, hoje é baseada no produto das relações estabelecidas em redes heterogêneas - formadas por actantes
humanos e não humanos.
Aqui é imperativo observar que não está em discussão o que,
quem e nem porque os actantes não humanos foram inseridos no contexto sócio-espacial e/ou econômico das organizações, mas que, uma
vez que esses materiais passam a compor esses espaços de relações e
de interações entre as pessoas nas organizações, passam também a ser
entendidos como parte da construção do espaço simbólico ou concreto
das mesmas, ou seja, da sua ordem socioeconômica, e, por isso mesmo,
já não podem mais ser omitidos de uma análise dessa conjuntura, uma
vez que são determinantes na construção dos sentidos tanto da própria
organização quanto dos seu públicos estratégicos.
As relações de poder aqui são discutidas enquanto produto de
todas as relações sociais estabelecidas em rede (FOUCAULT, 1995).
228
Numa abordagem da TAR, uma organização também pode ser definida
e estudada pelas redes heterogêneas produzidas pelas relações sociais
- que consequentemente são também relações de poder estabelecidas
em rede - que nelas acontecem, envolvendo actantes humanos e não
humanos. Essa perspectiva proporciona a possibilidade de exploração
de um amplo espectro teórico da Comunicação e das Relações Públicas
no contexto das organizações atuais, visto que se insere nas analises os
artefatos e as arquiteturas, hoje tratados como mera “paisagem” ou mediação, sem o entendimento da sua importância e em alguns casos o
seu protagonismo na ordem sócio-espacial e econômica, bem como na
construção da própria noção do sistema organização-públicos.
É importante acrescentar que hoje muitas vezes os artefatos quando digitais e dotados de inteligência artificial, por conta das suas
possibilidades tecnológicas de contribuir com a organização e execução
de tarefas pessoais e profissionais, intervindo de modo significativo no
dia-a-dia das pessoas e das organizações - possuem status de protagonistas da rede sócio-técnica dos seus usuários, determinando muitas
vezes as suas práticas sócio-espaciais e econômicas, pois a depender
do que o dispositivo indique ou determine através dos seus aplicativos
funcionais, as relações estabelecidas pelo usuário com outros actantes
humanos e não humanos podem ser completamente diferentes.
Aqui se faz necessário abrir um parêntese. Quando se fala em não
humanos protagonizando relações sociais juntamente com humanos e
de artefatos estabelecendo a conduta humana, pode surgir, e quase sempre surge, a noção marxiana de “fetichismo da mercadoria”. Contudo, o
que está se tratando do ponto de vista da TAR em relação ao protagonismo de não humanos numa determinada rede sócio-técnica tem outro
sentido completamente diferente, apesar do falso simbólico ser quase
sempre imediatamente acionado com essa abordagem.
Para o velho Marx, o “fetiche da mercadoria” consistia numa ilusão que se opunha à ideia de “valor de uso” e não se referia à utilidade
do produto, mas a uma espécie de invenção, de fantasia ou uma aura de
simbolismo que se atribui ao objeto, projetando nele um valor acima do
que determinaria a sua utilidade. Quando aqui se afirma que na atualidade há actantes não humanos protagonizando redes sociais - ou sócio-técnicas - é exatamente por conta da sua utilidade, do que o artefato
229
acrescenta de legítimo e concreto, seja do ponto de vista material ou
imaterial, com o seu uso e como ele pode transformar de modo significativo, para melhor, a vida dos humanos que compõem a mesma rede
sócio-técnica que ele. Ou seja, trata-se de dar crédito ao seu “valor de
uso”, que seria exatamente o oposto do “fetiche” em Marx.
Além disso, Latour (1987) relativiza de modo contundente a noção de fetiche, quando afirma que toda descoberta científica é também
uma invenção e vice-versa; os fatos também podem ser criações fictícias
e as ficções, por sua vez, podem se converterem ou serem inspiradas em
fatos, uma vez que o simbolismo é constituinte da realidade, e o imaginário, muitas vezes fantasioso, pode ser uma variável precisa para se
chegar ao factual.
As relações entre os actantes humanos e não humanos, aqui discutidas, estão submetidas a um ordenamento micro-político que as
organizações se inserem e pode ser determinante para o seu entendimento. Perceba que Law (2006), ao observar que se tirarem dele os seus
colegas, alunos, seu escritório, seus livros, sua mesa de trabalho e seu
telefone, ele não seria um sociólogo que escreve artigos, ministra aulas e produz “conhecimento”, ele seria uma outra coisa. “E o mesmo é
verdade para todos nós”, adverte. Nesse exemplo, os actantes humanos
e não humanos estão todos eles territorializados, pois fazem parte de
uma construção sócio-política que os identificam como parte daquele
território, lhes conferem poder e protagonismo dentro da rede e proporcionam ao actante humano a sensação de pertencimento ao seu lugar
de referência. Observa-se também que se retirados da rede ou manipulados espacialmente, modificam todo o processo de interação entre os
actantes humanos, podendo inclusive inviabilizar as interações e elas
não acontecerem.
Diante dessa constatação, verifica-se a importância de se identificar, caracterizar e analisar a participação dos actantes não humanos no processo histórico-social para um estudo sobre Comunicação
Organizacional e Relações Públicas, bem como para se pensar estrategicamente as práticas administrativas e comunicacionais da organização
contemporânea, pois esses não só contribuem, mas são determinantes
no entendimento do seu macro e micro ambientes, na análise das suas
forças e debilidades, bem como oportunidades e ameaças, que serão es230
senciais para obtenção da qualidade dos relacionamentos estabelecidos
entre a organização e seus públicos. Portanto, os actantes não humanos
precisam ser pensados como parte não só do espaço físico da organização (como já é notado nos estudos realizados nessa área até o momento)
mas também do âmbito social.
É natural, numa primeira aproximação com a TAR, o estranhamento e o incomodo com a ideia de que “coisas” possam ser pensadas
dentro da mesma rede que as pessoas e que os actantes humanos não
sejam, em alguns casos, mais importantes que os actantes não humanos, visto que ao mundo ainda pesa o paradigma do humanismo ético
e epistemológico3. Entretanto, Law (2006) observa que dizer que não há
diferença fundamental entre pessoas e objetos no momento de estudar
uma rede é uma atitude analítica e não uma posição ética. Fazer isso
não significa dizer que está se tratando pessoas como máquinas ou vice-versa, uma vez que não se está negando aos actantes humanos nenhum
dos seus direitos, deveres e/ou responsabilidades que usualmente lhes
são atribuídos e muito menos atribuindo às “coisas” o caráter humano.
Mas apenas identificando-os dentro de um conceito de rede heterogênea, caracterizando-os e lhes atribuindo níveis de importância do ponto
de vista relacional, independentemente de ser humano ou não humano,
para tentar explicar como, nessa rede, está a construção dos espaços de
poder, de legitimidade, do contexto das decisões administrativas e comunicacionais, e, portanto, do ambiente organizacional que ali se constrói e se mantém.
Para um melhor entendimento do que a TAR propõe e na tentativa de eliminar qualquer equívoco sobre ela, é importante lançar mão de
um exemplo emblemático fora da relação organizacional administrativa
ou comunicacional: num caso de uma análise de uma rede em que a
vida de um actante humano é mantida artificialmente por equipamenNão é a toa que se trata de uma teoria dos anos 1980 que passou décadas
sendo preterida pelos cientistas sociais, pois foi acusada de se manter aquém
das lutas de poder e desigualdades sociais. Só nos anos 2000, já sob a égide do
advento das tecnologias digitais, que vieram para romper com muitos paradigmas vigentes e proporcionar visões mais livres e menos totalitárias, que a TAR
foi retomada por importantes pesquisadores de todo o mundo. No Brasil, as
obras mais significativas são de Lúcia Santaella e André Lemos.
3
231
tos, certamente o papel dos actantes não humanos correspondentes aos
equipamentos que mantém o homem vivo pode possuir um maior nível
de importância naquele contexto que outros humanos que fazem parte
das redes de relacionamentos desse actante humano, que está na posição de paciente mantido pelos equipamentos.
Nesse sentido, é correto afirmar que a atuação e o agenciamento
de um actante não humano pode ter um maior nível de importância que
de um actante humano dentro de uma determinada rede e num determinado contexto, sem, em nenhum momento, “coisificar” ou desmerecer o
ser humano. Por outro lado, é importante advertir que a abordagem da
TAR em nada tem a ver com as tão criticadas abordagens da Teoria da
Administração Científica, que tem em Taylor o seu maior e mais emblemático representante, em que, via de regra, máquinas ganhavam atributos humanos, ao mesmo tempo que pessoas assumiam atributos de
máquinas. Ao contrário disso, o argumento principal da TAR, está fincado, segundo Law (2006), na ideia de que pensar, agir, escrever, amar,
ganhar dinheiro etc. são ações atribuídas exclusivamente aos seres humanos, mas que vão além dele, pois só são possíveis por conta de redes
heterogêneas - formadas por actantes humanos e não humanos - que se
estabelecem para a execução dessas ações. Daí o termo ator-rede: um
ator é também, e sempre, uma rede (LATOUR, 2005).
O CONCEITO DE CAIXA PRETA E SUA IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO
ORGANIZACIONAL
A caixa preta é um conceito complexo que está diretamente relacionado com a redução da noção de ator-rede na unidade ator.
Segundo Law (2006), o aparecimento da unidade e o desaparecimento da rede tem a ver com a simplificação do sujeito
social, pois, apesar de todos os fenômenos sociais serem o
efeito ou o produto de redes heterogêneas, na prática, as pessoas não lidam e sequer detectam as complexidades dessas
redes (apud CHAMUSCA, CARVALHAL, 2014, p. 18).
Um exemplo, dentro do âmbito da Comunicação Organizacional e
Relações Públicas, que pode ser utilizado para um entendimento preciso do conceito: um funcionário da área de comunicação de uma organi232
zação geralmente não conhece o funcionamento de toda a organização.
Mas somente o funcionamento da sua área e do que é essencial conhecer
para dar conta das suas obrigações diárias, inerentes ao cargo e a função
que ocupa dentro da estrutura. Se ela ficar doente, por exemplo, e tiver
a necessidade de se relacionar com as áreas financeira e pessoal, entretanto, ela passa a descobrir a complexa rede que compõe a empresa que
trabalha, pois precisará de muito mais que uma Comunicação Interna
(CI) para resolver o seu problema e dependerá de outra complexa rede
heterogênea, composta de processos e um conjunto de intervenções humanas, técnicas, médicas, documentais, etc.
Nesse sentido, conforme Chamusca e Carvalhal (2014, p.19), “a
caixa-preta é uma rede que permanece fechada, desconhecida, muitas
vezes algo que é tratado como unidade, apesar de ser uma complexa
rede heterogênea que envolvem atores humanos e não-humanos”.
Esse é um conceito essencial para as áreas de Comunicação e
Relações Públicas, que necessitam de visão holística para o desenvolvimento das suas atividades com sucesso. Abrir constantemente as “caixas
pretas”, ou seja, desvelar em redes as unidades simbólicas é primordial
para se pensar a organização, os seus públicos, os ambientes interno
e externo que ela se encontra e todas as variáveis técnico-econômico-sociais que compõem as suas redes multiescalares, que vão do local ao
global, passando pelo regional, nacional e supranacional.
TRADUÇÃO: DANDO TANGIBILIDADE AO INTANGÍVEL
Traduzir é transformar ideias em materiais escritos, desenhados,
formas tridimensionais, etc. ou dar novos usos para antigos materiais.
Segundo Latour (2005), significa uma mediação ou invenção de uma
relação, antes inexistente e que, de algum modo, modifica os actantes
nela envolvidos. É, portanto, um método no qual um ator insere outros
atores numa rede.
O legado das áreas da Comunicação e Relações Públicas para
uma organização é quase sempre intangível, pois envolve a imagem e
a reputação conquistados através do pensar estratégico de processos
administrativos e comunicacionais que por sua vez envolve a criação
de discursos que visam, em última análise, a construção e/ou a manutenção da qualidade das relações entre ela e seus públicos de interesse.
233
Pensamentos e discursos, entretanto, só ganham perenidade e passam a
ter valor quando são materializados em textos, plantas arquitetônicas,
mapas, tabelas, desenhos, projetos, planejamentos, peças gráficas etc.
Nesse sentido, tradução para a área pode ser pensada em diversas
atividades:
Elaboração de projetos, traduzindo ideias em propostas de
ações;
Adaptações de projetos existentes, traduzindo processos antigos e superados em processos adaptados à atual conjuntura;
Criação de campanhas internas ou externas, traduzindo ideias
em relacionamentos;
Realização de eventos aproximativos, traduzindo recursos organizacionais em aproximação e qualidade de relacionamento;
Criação de Memória Organizacional, traduzindo práticas, ações,
esforços e recursos em história e memória;
Estudos sobre seus públicos de interesse, traduzindo informações em inteligência organizacional;
Instituição de canais de diálogo, traduzindo informação em legado para tomada de decisões;
Dentre muitas outras possibilidades...
Todo esse esforço de articulação visa criar uma ambiência adequada para um novo olhar sobre os processos de Comunicação e Relações
Públicas no contexto atual.
UM OLHAR ESTRATÉGICO E CONTEMPORÂNEO
Os processos de comunicação e relacionamentos no momento
atual passam pela observação de elementos paradigmáticos e centrais,
como a hibridez, a presença e a mobilidade digital, que empoderam
cidadãos comuns e lhes permitem um nível de participação e autonomia nunca antes visto. Tudo isso, em tese, concorre a favor da criação
de um coletivo mais crítico, consciente e participativo, que reivindica
cada vez mais protagonismo nos processos comunicacionais estabelecidos pelas organizações.
234
Para se ter um olhar estratégico e contemporâneo nesse contexto deve-se necessariamente buscar através de uma abordagem crítica à
objetividade positivista observada nas organizações da atualidade, que
tende a simplificar os processos complexos e as redes heterogêneas em
indivíduos separados das suas redes de interações e relações contínuas,
ou seja, em caixas pretas, pensando e tratando apenas da ação humana,
como se essa ação pudesse ser realizada sem a imprescindível participação do actante não humano no processo.
Para se lançar um olhar estratégico e contemporâneo sobre a
Comunicação e Relações Públicas, não se pode deixar de pensar em redes sócio-técnicas, em redes heterogêneas, formadas por actantes humanos e não humanos, e não somente em redes sociais, como se apenas
o elemento humano formasse a noção do social. A TAR tem um valor
epistemológico significativo, que pode servir para a superação de dicotomias cognitivas importantes no âmbito das relações e interações organizacionais, pois ao incorporar as interfaces entre actantes humanos
e não-humanos na discussão, pensar as questões sociais e as questões
técnicas, levar em conta o natural e o cultural, não esquecendo o conhecimento científico e o conhecimento do senso comum, se pode então
compreender de forma muito mais clara a complexa teia tecida por esses actantes que atuam em rede e que precisam ser pensados estrategicamente por quem se ocupa de analisar os fluxos informacionais de
uma organização.
Os lugares e as temporalidades também podem fazer parte dessa
análise, pois se constituem em componentes das redes de actantes. E
mais do que isso, se conectam a partir dessas redes com outros lugares e temporalidades, ou seja, o contexto espacial e temporal em que
se encontram os lugares influenciam diretamente na dinâmica da rede,
pois os lugares são o resultado das relações e interações dos actantes no
tempo e no espaço e dos fluxos informacionais que nelas estavam envolvidos, formando os fluxos, os processos de comunicação, as interações,
as relações, dentro das redes heterogêneas aqui pensadas.
Sobre isso, Felinto (2011) observou que:
Para Latour (2005, p. 200, 201), nenhuma relação associativa em um determinado lugar é: “isotopic” (o que age em um
lugar vem de muitos outros lugares), “synchoric” (reúne ac235
tantes gerados em diversas temporalidades), “synoptic” (não
é possível ter uma visão do todo), “homogeneous” (as relações não têm as mesmas qualidades) ou “isobaric” (relações
e pressões diferenciadas em cada lugar onde intermediários
transformam-se em mediadores e vice-versa).
Latour (1987) observou que, o que agia em um lugar vinha de muitos outros lugares. Além disso, as redes reuniam actantes que vinham de
diversas temporalidades, por isso, a noção ou interpretação, imaginada
como total, é sempre parcial, pois não é possível ter uma visão do todo,
visto que a relação tempo-espaço pode ser diferenciada para cada actante da rede, complexificando exponencialmente uma leitura integral
do processo social no ambiente das organizações.
CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES
Apesar da TAR ser considerada radical, por se opor diametralmente aos paradigmas dominantes na sociologia tradicional, é um
ótimo instrumental teórico-metodológico para o aprofundamento da
essência das relações e das interpretações simbólicas, resultantes das
interações entre atores sociais para a construção do sentido da vida. No
contexto das organizações, e do ponto de vista da Comunicação e das
Relações Públicas, pode ser tratada como uma forma vanguardista de
leitura dessa ambiência e contribuir para novos e ricos olhares.
Os processos de comunicação e relacionamento nessa ambiência
precisam ser pensados não mais como fluxos e mídias, mas como redes
heterogêneas que se complexificam cada vez mais pelos novos entornos
tecnológicos, sociais, econômicos, etc.
REFERÊNCIAS
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Marketing Digitais: conceitos, práticas, métricas e inovações. Salvador:
Edições VNI, 2011.
______. Relações Públicas e Comunicação no contexto contemporâneo
- volume 1. Coleção ALARP 2014. Edições VNI / Alarp Internacional.
Salvador, 2014.
236
______. Públicos Híbridos em Relações Públicas: uma abordagem metodológica. In: MOREIRA, Huber. PONS, Mônica. Relações Públicas,
Tecnologias e Públicos. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2013.
CHAMUSCA, Marcello. Os processos infocomunicacionais e as dinâmicas territoriais e sociais na cidade contemporânea. Salvador: Edições
VNI/UCSAL, 2011.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1995.
LATOUR, Bruno. Reassembling the Social. An introduction to ActorNetwork Theory. Oxford: University Press, NY, 2005.
______. Science in Action: How to Follow Scientists and Engineers
through Society. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1987.
LAW, John. Notas sobre a Teoria do Ator-Rede: ordenamento, estratégia, e heteroge- neidade. Tradução de Fernando Manso. Rio de Janeiro:
COMUM, 2006.
LEMOS, André. Espaço, mídia locativa e teoria ator-rede. Galaxia
(Online). São Paulo, n. 25, p. 52-65, jun. 2013.
______. Mídias locativas e territórios informacionais. In SANTAELLA,
Lúcia; ARANTES, Priscila (edit.). Estéticas tecnológicas. novos modos de
sentir. São Paulo: EDUC, 2007. p.48-71.
SANTAELLA, Lúcia; LEMOS, Renata. Redes Sociais Digitais: a cognição
conectiva do Twitter. São Paulo: Paulus, 2010.
SIMÕES, Roberto Porto. Relações Públicas e micropolítica. São Paulo:
Summus, 2001.
______. Relações Públicas: Função Política. São Paulo: Summus, 1995.
237
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COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL: A DIMENSÃO
DA “ORGANIZAÇÃO FALADA” NA INTERNET E
INTERFERÊNCIAS NA GESTÃO HOTELEIRA
Jean Felipe Rossato e Rudimar Baldissera1
RESUMO
Este artigo tem como objetivo compreender como
os sentidos ofertados na dimensão da “organização falada”
(BALDISSERA, 2009), particularmente na internet, interferem nos processos de gestão hoteleira. Para isso, além
de acionar aportes teóricos sobre as tecnologias digitais,
disserta-se também sobre gestão organizacional e comunicação organizacional. Como pesquisa empírica, foram
realizadas quinze entrevistas em profundidade com gestores de três municípios da Microrregião das Hortênsias
(Gramado, Canela e Nova Petropólis). Com a análise
dos dados, pelo procedimento da Análise de Conteúdo
(BARDIN, 2009), foi possível evidenciar que as opiniões
dos hóspedes sobre hotéis, publicadas na internet, provocam uma série de implicações na gestão, desde redimensionamentos na comunicação dessas organizações até alterações em seus processos decisórios.
Palavras-chave: comunicação organizacional; organização falada; gestão hoteleira; internet e organizações.
Mestre em Comunicação e Informação (PPGCOM/UFRGS). Integrante do
GCCOP. E-mail: jeanfelipe793@gmail.com; Doutor em Comunicação Social e
Professor no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da
UFRGS (PPGCOM/UFRGS). Bolsista produtividade CNPq. Coordenador do
Grupo de Pesquisa em Comunicação Organizacional, Cultura e Relações de Poder – GCCOP: site: www.gccop.com.br E-mail: rudimar.baldissera@ufrgs.br.
1
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS2
Com a ampliação do acesso às tecnologias digitais da comunicação e informação (TDCIs), a sociedade passou a experimentar outras
possibilidades de interação, estabelecidas, sobretudo, na internet. O intenso uso das TDCIs alterou as práticas tradicionais de comunicação,
além de redimensionar as lógicas de visibilidade e as relações de poder.
Nos ambientes digitais, os sujeitos passaram a produzir, compartilhar e
disseminar conteúdos sobre o mundo, aumentando consideravelmente
a circulação de informações (em grande parte, antes restrita às gramáticas dos meios de comunicação de massa) e incidindo, por conseguinte,
nos processos de formação da opinião pública.
Nessa direção, pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que as
TDCIs possibilitaram às organizações ampliarem seus níveis de visibilidade, também se configuraram como espaços privilegiados para que outros sujeitos falem, opinem e troquem informações sobre elas, podendo,
inclusive, elevar seus níveis de vulnerabilidade. Portanto, a configuração
organizações–TDCIs–públicos tende a exigir, cada vez mais, que as organizações atentem para essas falas (sentidos em circulação), não apenas sob o prisma de seus processos de comunicação e relacionamento,
mas também para suas decisões de gestão.
Assim, pensar a comunicação organizacional na contemporaneidade exige ultrapassar a ideia de que ela se configura apenas nas
ações oficiais, pois compreende todas as interações estabelecidas entre sujeitos e organização e, também, aquelas que se atualizam entre
os próprios sujeitos e que, de alguma forma e em algum nível, referenciam e atribuem sentidos a ela. É nessa perspectiva que Baldissera
(2009), propõe compreender a comunicação sob três dimensões: a “organização comunicada”, a “organização comunicante” e a “organização falada”, como se verá adiante.
Primeira versão de texto para discussão. Texto elaborado a partir da pesquisa
de mestrado ‘Comunicação organizacional: a dimensão da “organização falada’
e as implicações na gestão hoteleira, de autoria de Jean Felipe Rossato PPGCOM/UFRGS.
2
239
Essa compreensão evidencia a potência que a “organização falada” assume no âmbito da comunicação organizacional, exercendo-se
não apenas no sentido de perturbar os processos formais de comunicação, senão que, também, os demais processos de gestão organizacional.
Nessa direção, este trabalho tem como objetivo compreender como os
sentidos ofertados na dimensão da “organização falada”, particularmente na internet, interferem nos processos de gestão hoteleira. Os dados
de campo foram coletados com entrevistas semi-estruturadas, realizadas com gestores hoteleiros, na Microrregião das Hortênsias, na Serra
Gaúcha/RS. A seguir, destacam-se alguns dos fundamentos do estudo e,
após, apresentam-se resultados da pesquisa.
CARACTERÍSTICAS DO CONTEMPORÂNEO E AS TECNOLOGIAS DIGITAIS DE
COMUNICAÇÃO
As organizações inserem-se, hoje, em contexto caracterizado
pela velocidade (IANNI, 1997) e pela imprevisibilidade, com fluxos de
informação e comunicação ampliados, fluídos e, mesmo, efêmeros
(THOMPSON, 2008); as identidades são múltiplas, os sujeitos contraditórios; os vínculos sociais tendem a ser mais frágeis e provisórios
(HALL, 2004); a vida em conjunto ganha ares arcaicos de comunidade
tribal (MAFFESOLI, 2012) e os ambientes virtuais possibilitam uma ambiência de simulacros e de representações.
Pode-se dizer que essas transformações ocorridas na sociedade
devem-se, em grande parte, ao crescente desenvolvimento das tecnologias da informação, particularmente, das redes digitais, as quais possibilitaram a todos que estão inseridos nessa estrutura, um espaço no qual
as inteligências individuais podem se articular e colaborar, produzindo
outras sociabilidades e relações de força. Isto é, produzir saberes distribuídos pela rede, que são alimentados individualmente, em tempo real,
com base no processamento das informações de cada nó que a compõe
(LÉVY, 1999). Em perspectiva semelhante, Benkler (2006) afirma que as
redes digitais possibilitaram uma esfera mais produtiva de comunicação e debate, pois suas lógicas possuem características mais democráticas e participativas, ao potencializarem a visibilidade das opiniões dos
sujeitos e ao permitirem a construção, o armazenamento e o compartilhamento de conteúdo entre os indivíduos. Para Di Felice (2008, p. 53),
240
“as redes digitais instauram uma forma comunicativa feita de fluxos e
troca de informações ‘de todos para todos’”, tendo um caráter cada vez
mais dialógico e multireferencial entre os sujeitos.
Essa ampliação das formas de produção, compartilhamento e organização das informações online, acontece principalmente a partir da
segunda geração de serviços da rede, conhecida como web 2.0, que potencializou os espaços, as possibilidades e as formas de relacionamento
entre os interagentes nesse ambiente (PRIMO, 2007). Segundo o autor,
ao incorporar recursos de interconexão e compartilhamento, o sistema
informático da web 2.0 intensificou a livre criação e organização dos dados na rede, constituindo o que se conhece hoje como “arquitetura de
participação”. Nessa plataforma, quanto mais os sujeitos interagem, melhores tendem a ser os serviços produzidos, ou seja, quanto mais ação e
colaboração entre os interagentes, maior tenderá a ser a quantidade de
informação ofertada (PRIMO, 2007).
Nas palavras de Thompson (2008, p. 37), o domínio público
transforma-se, então, em “espaço complexo de fluxo de informação
no qual palavras, imagens e conteúdos simbólicos disputam atenção à
medida que indivíduos e organizações procuram ser vistos e ouvidos”.
Nessa perspectiva, a possibilidade de os sujeitos ofertarem sentidos
e estarem visíveis através dos espaços digitais têm se constituído em
perturbações dos processos formais da comunicação organizacional,
uma vez que as manifestações ( falas) materializadas nesses ambientes
tendem a adquirir cada vez mais credibilidade e a influenciar outros
sujeitos na atribuição de sentidos a algo e/ou alguma coisa, orientando a construção de significação.
CONSIDERAÇÕES SOBRE GESTÃO ORGANIZACIONAL
Embora seja referenciada, na maioria das vezes, para tratar do
funcionamento prático das organizações (em princípio, seu objeto
de estudo), a gestão organizacional tende a passar ao lado de seu objeto ao se decompor em campos especializados, tais como a gestão
comercial e financeira. Apesar da multiplicidade de modalidades da
gestão, o que aparenta ser comum em todas elas é o uso de técnicas
para “modelar práticas, definir comportamentos, orientar processos
241
de decisão, estabelecer procedimentos e normas de funcionamento”
(GAULEJAC, 2006, p. 415).
Nessa direção, observa-se que, em sentido lato senso, a gestão é
voltada à prática, pois seus processos são construídos para transformar
a realidade com intenções (declaradas ou não) de lograr eficiência produtiva nas atividades da organização. No entanto, para além dessa visão
simplificadora, que atenta apenas para os parâmetros de mensuração,
o listar fatores, o maximizar as margens de lucro, o ampliar a relação
custos/benefícios, importa “compreender as significações, ajudar cada
um a analisar o sentido de sua experiência, definir as finalidades de suas
ações, a fim de que ele (empregado) contribua para produzir a sociedade na qual vive” (GAULEJAC, 2006, p. 430). Assim, é preciso que o gestor
busque interpretar e analisar a realidade, em perspectiva muito mais
explicativa e compreensiva do que normativa e adaptativa (GAULEJAC,
2006). Entender as organizações como fatos sociais, exige reconhecer
que se está diante de uma “realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, material e cultural, relativamente estável e em movimento permanente” (GAULEJAC, 2006, p. 428), portanto, exige que se abandone
a ideia de modelo de gestão de causalidade linear e unívoco, de total
racionalidade. Em vez disso, a organização constitui-se em composto
de relações e processos de força, de disputas e de contradições, que são
resultados de interações humanas (racionais e subjetivas) e dos tensionamentos socioculturais.
Assim, ainda de acordo com Gaulejac (2206), a gestão organizacional na contemporaneidade exige: a) considerar a organização como
um fato social; b) compreender a gestão como um conjunto de processos de mediação de contradições entre sujeitos; c) reconhecer e tratar a
subjetividade como elemento inerente aos processos organizacionais;
d) conceber que todo indivíduo necessita atribuir/perceber sentido em
suas ações na organização; e, e) admitir que cada sujeito é capaz de produzir conhecimento e intervir em seu ambiente.
Essa perspectiva é particularmente fértil para se pensar a gestão
hoteleira que, segundo Chon e Sparrowe (2003), fundamenta-se em,
ao menos, quatro operações básicas: a recepção, a governança, a manutenção e a segurança. E, conforme Garcia (2003), além de gerir atributos tangíveis como a boa conservação das estruturas e instalações,
242
lida com aspectos intangíveis, muitas vezes centrais na construção da
percepção dos hóspedes sobre os serviços consumidos nessas organizações, como por exemplo, a hospitalidade, que “consiste na ação
voluntária de inserir o recém-chegado em uma comunidade, possibilitando o benefício das prerrogativas relacionadas ao seu novo status,
seja ele provisório ou definitivo” (CASTELLI, 2006, p. 2), e configura-se
como basilar para a geração de valor. Importa observar que a hospitalidade, como conceito base, atualiza-se como diferencial da gestão
hoteleira, isto é, a “sutileza das emoções e atitudes envolvidas” na
prestação dos serviços podem se traduzir em percepções de hospitalidade e acolhimento nos públicos (PIMENTA e DIAS, 2005, p. 172).
Dessa maneira, a gestão hoteleira, para além do viés objetivo, racional
e instrumental, necessita atentar para as subjetividades que se realizam na organização, seja na situação de empregados, de hóspede ou
de prestador de serviços, de modo que a cultura da hospitalidade seja
permanentemente (re)generada. E, para isso, a comunicação organizacional apresenta-se como um dos principais processos.
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL – A “ORGANIZAÇÃO FALADA”
A comunicação é processo basilar da existência e do funcionamento das organizações. Conforme Deetz (2010, p. 85), ela “é constitutiva das organizações” e seu foco não está na transmissão, mas na
formação de significados que são decorrentes das diversas relações estabelecidas entre sujeitos, em referência à organização e/ou deles em
contato direto com ela. Para Scroferneker (2006, p. 47), “a comunicação
implica trocas, atos e ações compartilhadas, pressupõe interação, diálogo e respeito mútuo do falar e de deixar falar”. Isto é, pressupõe relação
e compartilhamento simbólico.
A comunicação organizacional é compreendida, então, como
“processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações
organizacionais” (BALDISSERA, 2008, p. 33). À luz dessa concepção, é
preciso ressaltar alguns pontos: a) comunicação organizacional é relação/interação, o que pressupõe a ideia de ação conjunta de sujeitos
ativos; b) essas relações estabelecidas em processos interativos são relações de poder, pois que, em ação, cada sujeito possui intencionalidades
que se traduzem em disputas de força – o que não significa disputa física
243
ou qualquer outro tipo de dominação, mas sim disputas de sentidos; c)
a significação sobre a organização será permanentemente construída,
atualizada, (re)tecida em todos os processos interativos realizados pelos
sujeitos com ela/sobre ela atribui-se; d) a comunicação não se restringe apenas à fala oficial produzida pela organização, mas envolve, além
dessa fala, todo processo interativo que, direta ou indiretamente, atribui
sentidos a ela; e e) por sua natureza, os processos comunicacionais não
se reduzem/prendem à estrutura física da organização; em fluxos, não
respeitam limites e fronteiras geográficas (BALDISSERA, 2009).
Nessa perspectiva, em sentido complexo, a comunicação organizacional compreende, segundo Baldissera (2009), três dimensões tensionadas, interdependentes e complementares: a da “organização comunicada”, a da “organização comunicante” e a da “organização falada”.
Sucintamente, pode-se dizer que a dimensão da “organização
comunicada”, refere-se às falas autorizadas da organização e, nessa direção, aos processos comunicacionais que, estrategicamente ou não,
tendem a dar visibilidade a elementos de sua identidade que são favoráveis a ela, bem como toda comunicação autorizada contidiana. A
dimensão da “organização comunicante”, abarca, ultrapassa e complexifica a fala autorizada à medida que, além de conter a dimensão da
“organização comunicada”, inclui também toda relação direta que determinado sujeito estabelecer com a organização (BALDISSERA, 2009)
e considerar comunicação.
Por sua vez, a dimensão da “organização falada”, de particular interesse para este estudo, refere-se aos processos de comunicação indiretos, isto é, “aqueles que se realizam fora do âmbito organizacional e
que dizem respeito à organização” (BALDISSERA, 2009, p. 119). Nesses
processos, ela não participa diretamente da interação, mas é sobre ela
que os interlocutores/interagentes falam. São exemplos: os comentários
e opiniões, em referência a ela, manifestados em sites de redes sociais3.
De acordo com Recuero (2014, p. 102), “sites de redes sociais são espaços utilizados para a expressão das redes sociais na internet”. Nesses ambientes, além
de haver mecanismos para individualização (personalização e construção do
eu), também é possível estabelecer interações com outros interagentes, sendo
que as redes sociais de cada ator permanecem visíveis em âmbito público.
3
244
Assim, considerando-se a perspectiva empírica deste estudo, na
dimensão da “organização falada” os hóspedes (reais e potenciais)4 podem interagir entre si, de forma livre e em diferentes ambientes, tendo
as organizações hoteleiras como objeto/assunto central de suas conversações. Nessas falas, apesar de os hotéis não participarem diretamente da ação, é sobre eles que os sujeitos falam, oferecendo, construindo,
transacionando, disputando sentidos.
Pode-se dizer que esses processos de comunicação que acontecem na dimensão da “organização falada” encontram, nos ambientes
digitais, lócus privilegiado para essas trocas simbólicas entre os sujeitos. Sob esse prisma, considera-se que à medida em que assumem
visibilidade, as opiniões/avaliações sobre determinada organização,
expressas na internet, podem, em diferentes níveis e formas, interferir
nos seus processos formais, exigindo adaptações e/ou investimentos
em ações de comunicação e de gestão, como se verá a partir do estudo
que se apresenta a seguir.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Como pesquisa empírica, foram realizadas quinze entrevistas semi-estruturadas, com gestores de organizações hoteleiras dos municípios de Gramado, Canela e Nova Petrópolis, localizados na Microrregião
das Hortênsias5, na Serra Gaúcha/RS. A partir dos dados publicados no
Neste estudo, hóspedes reais são os sujeitos que já se hospedaram em determinado hotel e, hóspedes potenciais, os interessados em comprar os seus
serviços e/ou aqueles que têm o perfil do público do hotel, mas que ainda não
se hospedaram lá.
4
Localizada a cerca de 100 km de Porto Alegre, essa região é um dos principais
destinos turísticos do Brasil. De acordo com dados da Agência de Desenvolvimento da Região das Hortênsias (VISÃO), os munícipios referenciados nesta
pesquisa, juntamente com São Francisco de Paula e Picada Café (que formam
a Microrregião das Hortênsias), recebem, anualmente, em torno de 6 milhões
de turistas, principalmente para o turismo de lazer. Em razão disso, seu parque
hoteleiro é de 17.800 leitos, oferta maior que a de Porto Alegre (capital do Estado do Rio Grande do Sul), que possui cerca de 15.900 leitos, segundo dados da
Secretária Estadual de Turismo/RS.
5
245
portal Cadastur6, mapearam-se os hotéis da referida região que possuíam registro junto ao Ministério do Turismo. A partir desses dados,
foi construída uma amostragem estratificada de modo que abrangesse
hotéis com diferentes números de leitos e traduzisse, em algum nível,
o universo de estudo – os estratos: até 75 leitos, estrato A; de 76 a 150
leitos, estrato B; de 151 a 225 leitos, estrato C; mais de 226 leitos, estrato
D. O intervalo de 75 leitos foi estabelecido considerando-se que, assim,
seria possível ter na amostragem hotéis de todos os portes.
A seleção dos hotéis atendeu os seguintes critérios: a) segmentação (a quantidade de hotéis obedeceu à proporção de cada estrato);
b) manifestação (priorizou-se as organizações que possuíam mais incidência de opiniões e avaliações de hóspedes (reais e potenciais) publicadas em dois sites: Booking e Tripadvisor); c) franquia (quando os
hotéis pertencem à mesma rede hotelaria, apenas uma organização foi
pesquisada); d) localização (realização de, ao menos, uma entrevista por
município em cada estrato); e, e) acessibilidade (contemplados os critérios anteriores, a seleção aconteceu pela possibilidade de acesso ao
gestor da organização).
A interpretação dos relatos foi realizada mediante Análise de
Conteúdo (AC) na perspectiva de Bardin (2009). Os dados decampo foram o ponto de partida para a construção das categorias de análise, isto
é, após a segmentação dos relatos dos gestores em sequências de texto e
a identificação dos núcleos de sentidos7 correspondentes em cada uma
delas, realizamos a análise temática, num processo progressivo de construção das categorias, o que resultou em duas rubricas principais: “ava-
Segundo documento elaborado pela MTUR, o Cadastur serve para comprovar que o empreendimento turístico (neste caso: hotéis) está legalizado e em
funcionamento, e que seus profissionais atendem aos requisitos legais para o
exercício da atividade desenvolvida. Além de gerenciar as informações sobre
o setor turístico, o Cadastur também possibilita o acesso às informações sobre
os prestadores de serviços cadastrados, tais como a quantidade de leitos e de
habitações, no caso dos hotéis (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2011).
6
Neste texto, os núcleos de sentido, presentes nas sequências de texto, estão
destacados em itálicos.
7
246
liação das opiniões pelos gestores” e “implicações práticas das opiniões
na gestão hoteleira”.
A) AVALIAÇÃO DAS OPINIÕES PELOS GESTORES
Esta categoria inclui as sequências de texto (STs) que ilustram as
impressões dos gestores hoteleiros acerca das falas manifestadas sobre
suas organizações em ambientes digitais. Desde essa ótica, a partir dos
relatos analisados, identificaram-se três subcategorias relacionadas a
esta rubrica: 1) opinião como informação para a organização; 2) opinião
irrelevante para a organização; e 3) opinião como informação para hóspedes potenciais.
1) Opinião como informação para a organização – as STs se referem ao fato de os sentidos ofertados pelos públicos se configurarem
como fonte de informações para as organizações, contribuindo, inclusive, para qualificar os processos de gestão, fundamentar os processos
decisórios e capacitar os empregados, como ilustram as próximas STs:
Para nós está sendo muito importante, porque a gente está tirando as informações dos sites e colocando-as em prática (E5).
Então, tudo isso está refletindo diretamente nas nossas decisões aqui dentro [...] Isso passa a ser pauta de reunião e pauta
para definição de planejamento estratégico, por exemplo (E3).
Sempre tento passar para nossos empregados como tem opinário positivo, como as pessoas estão gostando do nosso trabalho (E15).
2) Opinião irrelevante para a organização – contempla as STs que
tratam das percepções dos gestores sobre as opiniões de hóspedes publicadas na internet que, na concepção deles, são irrelevantes para a organização, pois não condizem com a realidade vivenciada pelo hóspede
durante sua estadia, tampouco podem contribuir para a gestão aperfeiçoar seus processos. Além disso, segundo entrevistados, tais falas, embora sejam críticas aos serviços prestados pelo hotel, não são coerentes
com a proposta e o conceito da organização, por isso tendem a ser ignoradas, como se pode inferir das seguintes STs:
247
Óbvio que tem muitas coisas que fogem até ao conceito do
hotel.[...] Então, nessas [opiniões] tu só tens a agradecer a
opinião, mas não tens o que fazer, porque o conceito do teu
produto não é esse (E12).
Têm hóspedes com má índole que fazem comentários totalmente fora do que aconteceu [na hospedagem]. Já aconteceu
conosco de [hóspedes] difamando, [ falando] coisas que não
ocorreram (E1).
3) Opinião como informação para hóspedes potenciais – compreende as STs que evidenciam as avaliações dos gestores sobre como as opiniões sobre os hotéis, publicadas na internet, configuram-se como informações para hóspedes potenciais. Para eles, as conversações online dos
hóspedes (reais e potenciais) tendem a interferir na formação da opinião dos públicos, impactando tanto na decisão de compra quanto na
experiência em determinado meio de hospedagem. Com base na análise
dos relatos dos pesquisados, observou-se dois núcleos de sentido principais: a) publicidade positiva; e, b) publicidade negativa. No primeiro
núcleo, as STs se referem às opiniões dos hóspedes que ofertam sentidos
convergentes com aqueles que a organização, em âmbito formal, deseja
ver associados a si, conforme ilustram as STs a seguir:
Eu já tive vários hóspedes que disseram: ‘Ah, nós viemos aqui
porque eles falam tão bem da senhora’ (E10).
Se você está desempenhando um bom trabalho eu acredito
que traz um retorno muito bom [...] o hóspede sai satisfeito e a
comunicação vai ocorrer naturalmente (E3).
O segundo núcleo de sentidos, publicidade negativa, contempla
as opiniões e avaliações de hóspedes na internet que ressaltam significados prejudiciais à imagem idealizada pelo hotel, e que podem, inclusive, afetar os relacionamentos com públicos. Na ST a seguir, o relato
destaca aspectos que já foram alvo dessas avaliações negativas:
Teve reclamação de não achar boa a limpeza, um não estava
satisfeito com o café da manhã (E8).
248
Após essa análise, apresentada de modo sucinto, apresentam-se
as ações práticas que forem realizadas pelos hotéis devido às conversações online.
B) IMPLICAÇÕES PRÁTICAS DAS OPINIÕES NA GESTÃO HOTELEIRA
Nesta categoria são evidenciadas as implicações práticas que as
conversações online provocam nas organizações, tanto em termos de
comunicação quanto de gestão. Com a interpretação dos relatos que
compõem esta rubrica identificou-se quatro subcategorias: 1) ações de
monitoramento; 2) ações comunicacionais; 3) ações operacionais; e, 4)
ações gerenciais.
1) Ações de monitoramento – as STs referem-se aos processos de
escuta estabelecidos pelos hotéis para monitorar e analisar as opiniões
publicadas sobre eles por hóspedes (reais e potenciais) em sites de redes
sociais. O monitoramento das falas dos hóspedes em ambientes digitais e, consequentemente, a análise dos sentidos postos em circulação
nesses espaços são cada vez mais centrais para os processos hoteleiros,
pois tendem a estruturar e fundamentar as demais ações da organização. Assim, segundo os gestores, cabe à gestão estabelecer processos
para identificar e captar esses dados, processá-los e, se julgar pertinente, traduzi-los para o ambiente organizacional, aperfeiçoando processos
e traçando estratégias de interação com públicos. Embora a análise dos
relatos tenha evidenciado diferentes modos e procedimentos de escuta
das falas dos públicos, observa-se que, em geral, a gestão hoteleira tem
atualizado três procedimentos principais, que são: a) acompanhamento; b) pesquisa; e, c) interpretação. Os próximos excertos de relatos das
entrevistas ilustram essas etapas do monitoramento das conversações
nos ambientes digitais:
Todo o dia eu te garanto a gente olha as avaliações para ver
como está o andamento [das ações realizadas pelo hotel]. É
um termômetro para a gente, na verdade (E5).
Você faz um contato com essa pessoa para complementar a
informação ou para ter maiores detalhes do que ele está querendo dizer (E12).
249
Nós temos que observar e ver o que está acontecendo. O porquê
ele está colocando aquele tipo de opinião e tentar ver para que
um próximo hóspede não tenha esse tipo de situação (E15).
2) ações comunicacionais – contempla as STs que tratam sobre
as ações de comunicação realizadas pelo hotel, em razão das opiniões
manifestadas pelos hóspedes na internet. Ganham revelo aqui os fluxos de sentidos que ocorrem na dimensão da “organização comunicada”
(BALDISSERA, 2009), nos quais os hotéis procuram dar visibilidade a
elementos de sua identidade que tenham potência para que os públicos
se identifiquem com ele. A interpretação dos relatos dos gestores permite identificar três núcleos de sentido principais: a) relacionamento
(refere-se à comunicação efetuada pelo hotel em resposta às manifestações dos públicos no ambiente digital); b) promoção (inclui as STs que
ressaltam as ações de desconto da organização e os usos discursivos realizados por ela, dos sentidos ofertados pelos sujeitos em suas conversações online); e, c) silenciamento (contempla as STs que evidenciam a
posição de alguns gestores hoteleiros de não se manifestarem em razão
das opiniões dos hóspedes materializadas na internet).
As ações de relacionamento, segundo alguns gestores, têm como
intuito esclarecer os sujeitos (pessoas que se hospedaram no hotel e o
avaliaram) sobre os fatos/aspectos negativos mencionados em seus comentários, bem como agradecê-los por suas avaliações, opiniões, sugestões e/ou críticas, conforme se observa na ST a seguir:
Eu acho que a manifestação do hotel deve ser sempre, de agradecimento, dando satisfação, deve ocorrer sempre (E12).
O núcleo de sentido “promoção” compreende as ações de desconto e ações discursivas de promoção. O primeiro caso se refere às ofertas
monetárias em hospedagem e/ou brindes concedidos pela organização
aos hóspedes produtores dos comentários na internet. Em geral, tais
ações são efetivadas com o objetivo de amenizar impressões negativas
dos públicos, além de, em alguns casos, estimulá-los a retirar seus comentários dos sites de redes sociais. A seguir, STs sobre ações de descontos:
Em certos pontos até recompensando com outra hospedagem
ou com desconto na próxima hospedagem (E12).
250
A gente entra em contato com o cliente, oferece alguma coisa,
oferece uma cortesia de hospedagem (E15).
Em relação às ações discursivas de promoção, identificou-se o
uso dessas conversações pela gestão hoteleira em duas situações: a organização reproduz as opiniões positivas e elogiosas dos sujeitos em
suas campanhas e peças publicitárias; e, ações para estimular os hóspedes a se manifestarem na internet sobre os serviços prestados pela
organização, a fim de que ofertem sentidos coerentes com aqueles que
ela deseja ter associados a si. Esse incentivo ao hóspede, em geral, só
acontece quando ele sinaliza, de alguma forma, que está satisfeito com a
hospedagem e que, portanto, os possíveis sentidos que circulará estarão
em conformidade com a imagem desejada pelo hotel. A seguir, STs que
exemplificam os usos discursivos, conforme entrevistados:
Estamos usando isso [ falas positivas] a nosso favor [em peças
publicitárias]. Então, quem está dizendo isso, não é [nome do
hotel], mas sim as outras pessoas que vieram aqui (E3).
O desafio é sempre conseguir uma pontuação alta. Então, [a
gente busca] cativar o hóspede e motivar ele a fazer comentários nas redes sociais (E1).
Diferentemente dos demais núcleos de sentido desta subcategoria, que versam sobre a necessidade de as organizações produzirem comunicação, o núcleo temático “silenciamento”, contempla as unidades
de análise que se referem a não manifestação formal do hotel em relação
às opiniões publicadas sobre ele em ambientes digitais (estratégia e/ou
contradição?), conforme se pode ver na ST que segue:
Você se meter a falar é pior. Eu acho pelo menos do jeito que
o ser humano está hoje, que o melhor é ficar quieto [...] (E10).
3) ações operacionais: contempla as STs que destacam os investimentos realizados em razão das opiniões e avaliações manifestadas
pelos hóspedes (reais e potenciais) na internet. Os investimentos são
realizados tanto em aspectos tangíveis, como a infraestrutura do hotel,
quanto intangíveis, no que se refere à prestação de serviços:
É a questão que eu te falei: troca de piso, secador de cabelo,
251
cofre no quarto, mais espaço [para outros alimentos] no café
da manhã. Todas essas coisas estão sendo feitas baseadas nos
comentários (E5).
Nosso cardápio está sempre alterando. Então: ‘ah, a gente vê
que tal prato está gerando muita reclamação ou não está
saindo 100% da nossa parte na questão do preparo e daí a
gente modifica’ (E4).
4) ações gerenciais – compreende as STs que destacam algumas
mudanças ocorridas nos processos gerenciais dos hotéis, devido às opiniões expressas pelos hóspedes na internet. Foram identificados dois
principais núcleos de sentido que, embora sejam ações já realizadas pelos hotéis, revelam algumas alterações nos processos de gestão dessas
organizações: a) atendimento personalizado; e, b) ações de antecipação.
Nessa direção, é possível afirmar que, se, anteriormente, os serviços do hotel eram padronizados para todos os hóspedes, agora, a gestão tem trabalhado para tornar seus produtos cada vez mais personalizados, a fim de atender às expectativas e necessidades particulares de
cada sujeito:
Então, a gente está tendo que tomar um tipo de atendimento
que é diferente para cada pessoa. [...] Cada nicho busca algo diferente, então a gente tem que tentar agradar esse cliente (E2).
O segundo núcleo temático considera as STs que se referem às
ações realizadas pela gestão para evitar possíveis opiniões negativas
de hóspedes na internet, além de prevenir eventuais situações de crise,
portanto, pode-se dizer que são ações de antecipação:
Eu posso tomar aqui dentro as ações que, de repente [os hóspedes] nem tenham lido aquele comentário, mas eu já tomei
a ação (E3).
A seguir, apresentam-se algumas inferências acerca das percepções dos gestores entrevistados, bem como sobre as implicações dos sentidos ofertados na dimensão da “organização falada” para os processos de comunicação e de gestão dos hotéis.
252
IMPACTOS DAS CONVERSAÇÕES ONLINE PARA A GESTÃO DOS HOTÉIS
Com base no estudo realizado, infere-se que as opiniões e avaliações dos públicos expressas na internet tendem a provocar significativas
implicações para os hotéis, tanto em termos econômicos (impactando
na taxa de ocupação, ao influenciarem outros hóspedes potenciais em
suas decisões de compra de hospedagem, assim como na necessidade
de os gestores investirem em infraestrutura e serviços do hotel), quanto em termos simbólicos (trazendo ganhos ou prejuízos em imagem e
poder simbólico à organização). Observou-se, ainda, que tais opiniões e
avaliações, expressas em sites de redes sociais, tendem a se traduzir em
rankings que hierarquizam os meios de hospedagem pela qualidade dos
serviços prestados e dos produtos oferecidos, segundo percepções de
seus hóspedes. Assim, ao estar nas primeiras colocações desses rankings, o hotel tende a ampliar seus níveis de visibilidade, além de aumentar
a possibilidade de se constituir como distinto (obter destaque) e de ser
reconhecido como organização de excelência, o que poderá, consequentemente, resultar em prestígio, fama e reputação positiva.
No que concerne às percepções dos gestores entrevistados acerca das conversações online, observou-se que, embora algumas concepções sejam convergentes, outras revelam certas divergências. Por
exemplo, se, para alguns gestores, as opiniões dos hóspedes, que ofertam sentidos negativos sobre o hotel na internet, podem se configurar como informações que contribuirão para qualificação dos processos da organização, para outros informantes, tais falas, muitas vezes,
são qualificadas como irrelevantes, o que evidencia a dificuldade ou
mesmo a resistência de alguns gestores de estabelecerem processos
qualificados de escuta em suas organizações, de modo que consigam
entender a significação construída pelo hóspede, a partir de seu lugar
sociocultural. Em perspectiva semelhante, considerando os processos
práticos dessas organizações, constatou-se que, apesar de terem objetivos parecidos, as ações realizadas pelos hotéis apresentam diferentes formatos e níveis de profissionalização.
Assim, devido às características das ações de comunicação realizadas pelos hotéis que foram mencionadas pelos gestores em seus relatos, pode-se dizer que os fluxos de sentido ofertados na dimensão da “organização falada” tendem a redimensionar as formas de comunicação
253
dos hotéis. Tais mudanças podem ser verificadas pela diminuição dos
investimentos em ações de divulgação dessas organizações (campanhas
publicitárias) em mídias tradicionais – como TVs, jornais e revistas – e
pelo crescimento cada vez mais significativo de ações de comunicação
realizadas na internet. Essas ações possuem caráter mais personalizado
e dialógico do que as efetivadas nas mídias de massa, possibilitando o
estabelecimento de relacionamentos próximos e diretos (sem intermediários) com hóspedes. Em direção semelhante, a análise também revelou que os gestores têm procurado qualificar os processos comunicacionais que se realizam nas imediações da organização.
Nessa perspectiva, observam-se diversos investimentos em comunicação com os empregados, com o objetivo de assegurar coerência entre
os serviços prestados por eles e as demais ações da organização, impactando positivamente nas experiências de estadia dos hóspedes. Assim,
à medida que sinalizam que estão satisfeitos com sua hospedagem, a
gestão tende a efetivar ações de comunicação que buscam estimular os
hóspedes a se manifestarem na internet, tornando-os porta-vozes da organização. Isso tende a atenuar, inclusive, o lugar hegemônico do hotel
como produtor de comunicação sobre si, dando relevo ao protagonismo
da fala dos públicos para a comunicação dessas organizações atualmente, principalmente nos ambientes digitais.
Nessa direção, além de impactarem na comunicação dos hotéis,
nota-se que as opiniões dos hóspedes na internet modificam também
alguns aspectos da gestão, a qual aparenta estar mais preocupada em
analisar as interações estabelecidas com a organização para, posteriormente, deliberar sobre as ações que podem ser efetivadas pelo hotel. Em
geral, verifica-se que essas organizações estão mais dispostas – porque
precisam (!?) – a ouvir a alteridade e a gerir os sentidos que são ofertados pelos públicos sobre elas nos diversos ambientes.
Em decorrência disso, observa-se que as ações estratégicas e os
investimentos a serem executados na/pela organização são decididos
cada vez mais com base nos sentidos ofertados pelos públicos na internet e na frequência com que essas falas (com conteúdos semelhantes)
adquirem visibilidade nos ambientes digitais. Desse modo, pode-se dizer que, se anteriormente, os públicos eram considerados pelos gestores como alvos a serem atingidos, sendo tratados, muitas vezes, como
254
externos e distantes a organização, atualmente, devido à influência que
suas opiniões, materializadas na internet, podem ter na construção da
significação de outros sujeitos sobre determinada organização, os públicos necessitam ser reconhecidos, cada vez mais, como constitutivos do
hotel, os quais participam, direta e indiretamente, das diversas deliberações da gestão (BALDISSERA, 2014).
CONSIDERAÇÕES
Com a pesquisa evidenciou-se uma série de implicações das conversações online para os processos das organizações hoteleiras, desde
alterações nos processos decisórios da gestão, modificações nas políticas de reserva, implantação de processos de monitoramento das opiniões na internet, introdução de estratégias voltadas à antecipação de crises e à personalização dos produtos, até alterações no próprio conceito
de negócio do hotel, com mudanças nas propostas de atendimento e
nos demais serviços da organização.
Nessa direção, pode-se dizer que, ao estabelecerem relacionamentos em ambientes digitais é preciso que as organizações privilegiem o
diálogo direto, aberto e permanente com os públicos, primando por informações claras, objetivas e verdadeiras. Entretanto, embora isso seja
evidente nas reflexões teóricas sobre comunicação, o que se observou
em termos práticos, com a análise dos relatos, foi que alguns gestores
sequer estão preocupados em interagir com os públicos na internet. Isso
evidencia o fato de o engajamento de alguns desses hotéis em conversações nas redes digitais ainda ser bastante reduzido. Em geral, as ações
de comunicação que são efetivadas por eles na internet possuem caráter
reativo, isto é, só acontecem quando demandadas pelas opiniões dos
hóspedes.
Desse modo, é possível afirmar que, com o “empoderamento” dos
sujeitos, devido à visibilidade que suas falas (manifestações) podem assumir na contemporaneidade, particularmente através da internet, os
hotéis estão tendo de repensar suas formas de comunicar e de se relacionar com seus públicos, além de terem de readequar seus processos
gerenciais para atender as reivindicações dos hóspedes.
255
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257
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A PRESENÇA DAS EMPRESAS EM PLATAFORMAS DE
MÍDIAS SOCIAIS DIGITAIS: UMA ANÁLISE DA NESTLÉ
BRASIL S/A
Bianca Marder Dreyer1
RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar o resultado
de uma pesquisa realizada com a Nestlé Brasil S/A sobre sua
presença digital em uma sociedade digitalizada. O estudo
verificou se a empresa apresentava a variável interação em
sua presença nas plataformas de mídias sociais digitais e se
existia algum modelo de comunicação integrada digital que
norteava sua estratégia de comunicação. Como método, foi
realizado um levantamento bibliográfico e um estudo de
caso. Como técnicas, foram utilizadas a Netnografia e entrevistas em profundidade. A análise foi feita por meio meio
da observação não participante nas plataformas digitais da
empresa. Concluiu-se que a empresa escolhida apresenta
a variável interação em sua presença nas plataformas digitais, porém, não utiliza um modelo específico de comunicação na sua íntegra para atuar no ambiente digital.
Palavras-chave: Comunicação Digital; Mídias Sociais
Digitais; Modelos; Interação; Relações Públicas.
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação
(PPGCOM-ECA/USP), Mestre em Ciências da Comunicação pelo mesmo Programa, Membro do COM+, grupo de pesquisa em comunicação e mídias digitais da ECA/USP e professora de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero.
1
INTRODUÇÃO
A comunicação vem evoluindo e protagonizando a transformação das relações na sociedade, o que nos faz refletir a respeito das características fundantes de uma sociedade digitalizada. Mais precisamente no final do século XX, a partir das Tecnologias de Informação e
Comunicação – as TICs, as mudanças aconteceram a uma velocidade
jamais imaginada. A própria evolução da Web, que de 1.0 já se fala em
4.0 ou superior, também contribuiu para tais avanços. Dessa forma, viver a contemporaneidade, que, segundo Santaella (2011), tem sido chamada de pós-modernidade, modernidade pós-industrial, modernidade
líquida, hipermodernidade, entre outras, converge no reconhecimento
de que algo muito novo está ocorrendo independentemente da nomenclatura denominada.
Frente às inúmeras formas de classificar o viver contemporâneo,
optamos por falar de uma sociedade digitalizada para caracterizar o
estado da arte de pensar a comunicação entre uma empresa e seus públicos em tempos de plataformas de mídias sociais digitais. Sobre essa
sociedade, não podemos deixar de considerar os estudos de Manuel
Castells (2011), que resume com clareza as características do que ele
chamou de sociedade em rede, além de nos fornecer uma base teórica
para entender o que pensam muitos estudiosos sobre o tema. Portanto,
pensar a comunicação de uma empresa na contemporaneidade pressupõe compreender algumas das características de uma sociedade digitalizada, como a rede, a arquitetura das relações, os fluxos, o espaço, o
tempo, o poder e tudo que, até hoje, vem configurando outras formas
de relações, como aquelas que se dão através das plataformas de mídia
social digital e que são dotadas de interação, simetria, integração, convergência, não linearidade, entre muitas outras características.
As consequências de uma sociedade digitalizada para a gestão da
comunicação nas empresas impulsionam a elaboração de outras estratégias, provocam o repensar de modelos de comunicação e de relações
públicas ou ainda proporcionam o amálgama desses modelos por parte
das empresas em relação a seus públicos. Pois, se, por um lado, as empresas deixam de ter a primazia do discurso, por outro, os indivíduos se
tornam protagonistas da comunicação. E é justamente esse protagonismo que, na maior parte das vezes, é manifestado por meio do uso das
259
plataformas de mídias sociais digitais, ou seja, um protagonismo que,
pela sua forma de acontecer, também configura aquilo que Castells chamou de arquiteturas das relações na sociedade em rede.
Diante desse contexto, este artigo tem como objetivo apresentar
o resultado de uma pesquisa realizada com a Nestlé Brasil S/A sobre sua
presença no ambiente digital. Na parte I, apontaremos as características
de modelos de comunicação e relações públicas, assim como a variável
interação para mostrar se a empresa apresentava essa variável em sua
presença nas plataformas de mídias sociais digitais e se existia algum
modelo de comunicação integrada digital que norteava sua estratégia
de comunicação. Na parte II, mostraremos a análise da presença digital
da Nestlé em todas as plataformas de mídias sociais digitais na qual a
empresa estava presente na época.
Como método, foi realizado um levantamento bibliográfico e um
estudo de caso. Como técnicas, foram utilizadas a Netnografia e entrevistas em profundidade. A análise foi feita por meio da observação não
participante nas plataformas digitais da empresa.
De acordo com informações divulgadas pela própria companhia2,
a Nestlé é considerada a maior empresa do mundo em alimentos e bebidas e também consagrada como a maior autoridade em Nutrição,
Saúde e Bem-Estar. Foi considerada pela Revista Forbes3, em 2014, uma
das empresas com melhor reputação no mundo e pela Revista Época
Negócios4 uma das empresas de maior prestígio no Brasil. Dona de
um portfólio copioso de marcas, a Nestlé, em 2002, comprou a marca
Chocolates Garoto, aumentando ainda mais seu portfólio e sua atuação
no mercado.
Nestlé. Disponível em http://corporativo.nestle.com.br/aboutus. Acesso em
19/06/2014.
2
Forbes Brasil. Disponível em http://forbesbrasil.br.msn.com/listas/as-empresas-com-melhor-reputa%C3%A7%C3%A3o-do-mundo-em-2014-1?page=18.
Acesso em 19/06/2014.
3
Época Negócios. Disponível em http://epocanegocios.globo.com/Epoca-NEGoCIOS-100/noticia/2014/04/100-empresas-de-maior-prestigio-do-brasil.
html. Acesso em 19/06/204.
4
260
Três fatores nos levaram a escolher a Nestlé para este estudo de
caso. O primeiro deles está relacionado ao critério de escolha. A empresa selecionada precisava constar na lista das “Empresas mais Admiradas
no Brasil5” em 2013.
O segundo fator diz respeito a uma inquietação em saber como
uma empresa do porte da Nestlé, ou seja, uma multinacional, multimarcas, líder de mercado no seu segmento e percebida como uma organização tradicional na sua forma de comunicar, entendeu a necessidade de
estar presente nas plataformas de mídias sociais digitais.
Por fim, o terceiro motivo está relacionado a uma percepção do
ponto de vista de consumidora. Após verificar um avanço na atuação da
empresa nas diferentes plataformas de mídias sociais digitais, considerando que a Nestlé não é uma empresa ousada, no que se refere à sua
comunicação, surgiu a vontade de conhecer quais seriam as estratégias
de atuação nas mídias sociais digitais, principalmente aquelas que correspondem às atividades de relações públicas.
MODELOS DE COMUNICAÇÃO E A VARIÁVEL INTERAÇÃO
Dreyer (2014, p. 106) descreveu dez modelos estratégicos de comunicação e relações públicas6 que caracterizam a prática da atividade de
1984 a 2013 e mostrou os aspectos mais representativos em cada um dos
modelos com o objetivo de tentar encontrar elementos que indicassem
ou fizessem parte de uma comunicação contemporânea. Constatamos
que o diálogo, o relacionamento, a integração, a interação e a visibilidade foram os cinco elementos mais citados e, independentemente do
período em que foram elaborados seus respectivos modelos, esses elementos são considerados fundantes de uma comunicação na sociedade
digitalizada. Além desses, encontramos outros elementos que também
contemplavam o conjunto dos modelos, como a simetria, a cooperação,
a integração, a visibilidade, a sincronia, a participação, o compartilhamento, o multiculturalismo, o digital integrado à comunicação tradiCartaCapital. As Mais Admiradas. Edição 2013. “Edição Especial – As Empresas
Mais Admiradas no Brasil 2013”, nº 16, novembro/dezembro de 2013. ISSN 1980- 1688.
5
A descrição detalhada dos modelos pode ser encontrada em: http://www.
teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-13112014-111159/pt-br.php
6
261
cional e ao negócio, a adaptabilidade, a fluidez, a não intermediação, a
circulação, o hibridismo e o storytelling.
Frente às características que foram percebidas nos dez modelos,
optamos por fazer um estudo aprofundado da interação por quatro
razões: (1) ela foi uma das características mais presentes nos modelos
tanto direta quanto indiretamente; (2) na pesquisa realizada, falamos
de modelos de comunicação e relações públicas bem como da atividade de relações públicas na contemporaneidade e isso implica o uso
de plataformas com características específicas disponíveis a partir da
Web 2.0, como, por exemplo, a interação; (3) entendemos a interação
como parte da essência da atividade de relações públicas, visto que
estamos falando de relacionamento entre uma organização e seus públicos nas suas mais diversas formas e, por fim, (4) há estudiosos do
tema que tratam desta variável como intrínseca à comunicação mediada pelas tecnologias de comunicação.
Dessa forma, foi apresentado o conceito de interação7 na visão de
quatro autores: (1) Thompson (2014), que desenvolveu uma estrutura
conceitual para a análise das interações criadas pela mídia distinguindo
três tipos: a interação face a face, a interação mediada e a quase-interação mediada; (2) o conceito para Recuero (2011), onde a interação, assim como as relações e os laços sociais, é um dos elementos de conexão.
A autora considera que estudar a interação social compreende estudar
a comunicação entre os atores. Para ela, há dois tipos de interação: a interação reativa e a interação mútua com seus respectivos laços: associativo e dialógico; (3) o conceito para Stasiak (2014), que relaciona a interação com a visibilidade na rede e que acredita que a visibilidade inicial
promovida pelo consumidor se transforma em interação e, por fim, (4) o
conceito para Barrichello (2008 e 2009), que acredita que a interação interfere no processo de legitimação das instituições na contemporaneidade sendo, portanto, uma estratégia de comunicação da visibilidade.
O estudo detalhado sobre interação pode ser encontrando em: DREYER,
Bianca. Relações Públicas na gestão das estratégias de comunicação organizacional na sociedade digitalizada: um estudo de caso da Nestlé Brasil S/A. 2014.
249 f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2014. P. 168. Disponível em: http://www.teses.usp.br/
teses/disponiveis/27/27152/tde-13112014-111159/pt-br.php
7
262
Os autores mencionados nos levaram ao conhecimento do conceito de interação por outros estudiosos, como Primo (2007), que estabelece uma tipologia para tratar a interação mediada por computador.
Para ele, existe a interação mútua e a interação reativa, como vimos.
Dessa forma, frente ao conjunto de autores pesquisados, podemos inferir que o ponto comum entre todos é que as tecnologias de comunicação que surgiram com a Web 2.0 proporcionaram outros tipos
de interação que, embora distantes fisicamente, apresentam suas peculiaridades e intensidades. Mesmo Thompson, que traz a noção de interação antes das TICs, reconhece que outras formas de interação podem
ser criadas pelo desenvolvimento de tecnologias de comunicação que
permitem um maior grau de receptividade.
ANÁLISE DA PRESENÇA DIGITAL DA NESTLÉ BRASIL S/A NO CONTEXTO DE UMA
SOCIEDADE DIGITALIZADA
Descreveremos oito plataformas digitais usadas pela Nestlé.
Essas plataformas contemplam a marca institucional Nestlé e a marca
Chocolates Garoto. Inicialmente, esclarecemos que a escolha por tais
marcas, frente às inúmeras que fazem parte do portfólio da empresa, é
justificada pela própria atuação da organização em suas plataformas de
mídias sociais digitais com essas duas marcas. A Chocolates Garoto, por
exemplo, por ser uma das patrocinadoras da Copa do Mundo, precisou
de uma estratégia arrojada e, possivelmente, integrada de comunicação.
Além disso, é um caso considerado de sucesso por trabalhar com diferentes frentes digitais e por ter se tornado a maior fanpage de alimentos no País. Esses motivos, portanto, nos levaram a escolher a Garoto
para este estudo. Já a marca institucional foi selecionada por ser a marca
“mãe”, a representação pura da imagem da companhia e por contemplar
todas as outras marcas.
Após esclarecermos a escolha das duas marcas, justificaremos a
seleção das oito mídias. Na marca institucional, analisamos duas mídias:
(1) a fanpage institucional da Nestlé no Facebook e o (2) site corporativo da Nestlé. A fanpage do Facebook foi escolhida por ser a plataforma
digital com maior presença da empresa entre as plataformas de mídias
sociais digitais existentes para o institucional e o site corporativo por ser
uma plataforma considerada básica e pioneira, a qual entendemos que a
263
organização deve usar para também indicar os caminhos para se chegar
às demais plataformas de contato com o público. É importante esclarecer que não analisamos o conteúdo destas mídias, pois nosso objetivo
era identificar a existência da variável interação.
Na marca Chocolates Garoto, analisamos seis mídias: (1) a fanpage da Garoto no Facebook; (2) o perfil da Garoto no Twitter; (3) o perfil
do SAC da Garoto no Twitter; (4) o perfil da Garoto no Instagram; (5)
o canal da Garoto no YouTube e (6) o site corporativo da Garoto. Essas
plataformas foram selecionadas por serem, até o período da observação,
todas as frentes de atuação digital da Garoto e, para que pudéssemos
entender a presença da marca como um todo no ambiente digital, precisávamos observar as seis. Além disso, como falamos anteriormente,
a fanpage da Garoto no Facebook já é considerada um caso de sucesso
e isso nos interessava porque queríamos entender quais as estratégias
utilizadas.
A observação foi realizada de forma aleatória em todas as plataformas. No total, foram doze dias de observação, o que gerou uma
riqueza de informações e imagens inviáveis de serem apresentadas na
sua totalidade neste artigo. Por esse motivo é que selecionamos apenas alguns exemplos.
FANPAGE INSTITUCIONAL DA NESTLÉ NO FACEBOOK8
A imagem e o conteúdo do post que faziam referência à Copa do
Mundo. A frase “#EstarJuntosFazBem. Nossos ganhadores adoraram
curtir juntos o dia na Granja Comary. Clique em nosso álbum e veja
como foi! #EstarJuntosFazBem” representa essa data e ainda demonstra,
por meio das fotos, uma relação de proximidade entre alguns clientes/
consumidores e a empresa. Este post é o resultado de interações anteriores que resultaram na visita à Granja Comary.
Verificamos a interação entre a empresa e os indivíduos que se
manifestaram. Embora os comentários tenham sido negativos e não necessariamente tivessem relação com o conteúdo do post, a Nestlé respondeu individualmente para cada um.
NESTLÉ. Facebook. Disponível em https://www.facebook.com/Nestle.
Brasil?fref=ts. Acesso em 21/04/2014 e 04/06/2014.
8
264
Segundo os tipos de interação, de acordo com Recuero, classificamos a empresa em uma interação mútua com os indivíduos, pois ocorreu retorno e diálogo por parte da organização, inclusive fazendo uso de
outras formas de contato com o público, como o SAC. Além disso, se
formos avaliar o contato presencial que ocorreu por meio da visita à
Granja Comary, poderíamos ainda classificar a interação como face-a-face, segundo Thompson, pois ocorreu o contato físico e o diálogo no
local. Dessa forma, podemos dizer que houve interação em um estágio
mais avançado, segundo a classificação de Thompson e Recuero.
265
SITE CORPORATIVO DA NESTLÉ9
O objetivo aqui era apenas identificar a existência da interação
com os públicos por meio de programas específicos ou links para acesso
a outras plataformas, como o Facebook ou Twitter, por exemplo, onde
a interação pode fluir melhor. Portanto, verificamos a presença do link
para curtir a página institucional da empresa no Facebook e também a
opção de serviço “Fale Conosco”. Esse último direciona para outra página com alternativas de contato. O SAC é organizado por temas e oferece
números de telefones de contato para cada assunto ou produto. Há também o serviço de SMS como mais uma opção de escolha para o cliente.
FANPAGE DA GAROTO NO FACEBOOK10
O primeiro dia em que foi realizada a observação era um domingo
e a empresa postou sete vezes na plataforma. Nos dois dias seguintes
de observação, a empresa postou quatro e onze vezes respectivamente.
A quantidade de postagens, bem como os dias dessas postagens, revela
uma estratégia mais agressiva que a estratégia escolhida para o institucional, por exemplo, e principalmente participativa.
A imagem e o texto da figura que mostramos abaixo se referem à
Copa do Mundo, ou seja, além de combinar com o mês que marcava o
início do campeonato mundial de futebol, também reforçava, de alguma
forma, que a marca é uma das patrocinadoras da Copa. A frase “Conheça
a história do chocolate que nasceu pra torcer pelo Brasil: htt://goo.gl/j4r6Gz ” demonstra que a empresa provoca interação, pois a mensagem
“faz um convite” aos públicos para conhecer a história do chocolate.
Embora a maioria das respostas do público tenha sido em função de
problemas com o produto, também ocorreram mensagens positivas e
a empresa respondeu todos os comentários, o que reforça uma postura
positiva da empresa em retornar ao público independentemente de ser
em um comentário positivo ou negativo.
NESTLÉ. Site Corporativo. Disponível em https://www.nestle.com.br/site/
home.aspx. Acesso em 05/06/2014.
9
https://www.facebook.com/garoto?fref=ts.
09/06/2014 e 10/06/2014.
10
266
Acesso
em
08/06/2014,
Embora não seja nosso foco avaliar o conteúdo das mensagens, é
válido ressaltar a mensagem que aparecia quando clicávamos no link da
mensagem. O projeto de criar um chocolate da Copa do Mundo, desde a
combinação dos ingredientes até o visual da embalagem, com a participação dos brasileiros, é um dos maiores exemplos de interação com os
públicos. Portanto, o post avaliado, além de mostrar a preocupação da
empresa em responder aos comentários do público, também é a demonstração dos resultados de um projeto colaborativo construído por
meio da interação e participação dos públicos.
267
Além disso, verificamos, no universo de publicações, que a empresa sempre responde aos indivíduos independentemente de ser uma pergunta, um comentário positivo ou negativo. O que ela não responde são
reações ou comentários espontâneos das pessoas, até porque, se respondesse, não ficaria uma situação natural. As respostas, quando possível, são realizadas no mesmo dia ou, em alguns casos, no dia seguinte.
Por fim, classificamos a interação na fanpage da Garoto, no
Facebook, como mútua e com laço dialógico, de acordo com Recuero,
pois há o retorno da empresa aos diversos tipos de postagens por parte de seus públicos, como também há conversas que se estendem para
outras plataformas ou canais de atendimento ao cliente. Além disso, a
variável interação parece fazer parte das etapas anteriores às publicações, como, por exemplo, no próprio ato de planejar a comunicação nas
mídias sociais digitais. Este é um fator perceptível no formato das publicações que, como vimos, envolvem os públicos também nos projetos da
marca, como no caso da criação do chocolate da Copa do Mundo.
O PERFIL DA GAROTO NO TWITTER11
No que refere à interação, podemos dizer que, no Twitter, a interação é menor que no Facebook. No entanto, a empresa tem presença assídua nessa plataforma, mesmo que com publicações em dias não consecutivos. Além disso, as mensagens procuram sempre incluir outras
pessoas conectadas ou reconhecidas publicamente, o que acaba sendo
um aspecto de interação.
Segundo a classificação de Recuero, a Garoto, no Twitter, parece
apresentar uma interação reativa com laço associativo, ou seja, é um
tipo de interação que ocorre pelo simples fato de uma pessoa decidir seguir o perfil da empresa no Twitter, trocar um link ou ainda mencionar
alguém. É diferente do retorno a uma pergunta ou extensão do diálogo praticamente em tempo real que ocorre na plataforma do Facebook,
além das inúmeras provocações de interação com os públicos e retornos
de tais interações por meio das mensagens, como vimos na presença da
empresa no Facebook da Garoto.
11
https://twitter.com/Garoto. Acesso em 09/06/2014 e 10/06/2014.
268
PERFIL DO SAC DA GAROTO NO TWITTER12
Diferentemente da observação do Twitter da marca, como vimos
acima, em todas as postagens do SAC, há o ícone “view conversation”, que
significa a existência de um diálogo. É interessante observar que, em algumas situações, a empresa interage sem necessariamente estar tratando de
problemas que dizem respeito ao SAC, assim como também responde em
outra língua, como foi o caso da resposta em Espanhol no exemplo abaixo.
Percebemos também a inclusão de links para as outras plataformas de
mídia social digital no qual a empresa está presente, assim como o link
para o site da marca Garoto. Quanto à interação, acreditamos que a plataforma apresenta uma interação reativa com laço associativo devido às
conversas e interações com os usuários.
TWITTER. SAC Garoto. Disponível em https://twitter.com/sacgaroto. Acesso
em 03/07/2014.
12
269
PERFIL DA GAROTO NO INSTAGRAM13
O período de observação do perfil da Garoto no Instagram foi a semana de 4 a 11 de junho de 2014. Ao longo dessa semana, a empresa postou
uma vez no dia 11, uma vez no dia 6 e uma vez no dia 5 de junho. A cada foto,
é possível perceber a reação das pessoas nos comentários. Embora a empresa não tenha a mesma assiduidade de postagens como em outras plataformas que já vimos acima, há regularidade e comentários por parte dos públicos. Dessa forma, classificamos a interação da empresa no Instagram como
reativa e com laço associativo, segundo a tipologia de Recuero, pois não
identificamos um diálogo como nas demais plataformas analisadas.
INSTAGRAM. Chocolates Garoto. Disponível em http://instagram.com/garotochocolates. Acesso no período de 04 a 11 de junho de 2014.
13
270
CANAL DA GAROTO NO YOUTUBE14
O objetivo aqui era apenas verificar com que frequência acontecia
a presença da Garoto no YouTube, bem como verificar a existência de
links para acesso a outras plataformas, como o Facebook ou Twitter, por
exemplo, onde a interação pode fluir melhor. Sendo assim, constatamos
que a empresa é assídua nessa plataforma, da mesma forma que identificamos os links para acesso às outras mídias sociais.
SITE CORPORATIVO DA GAROTO15
Da mesma forma que no site corporativo da Nestlé, o objetivo desta análise era apenas identificar a existência da interação com os públicos por meio de programas específicos ou links para acesso a outras plataformas. Observamos que, na primeira página do site, constam todos
os links onde a empresa tem presença digital. Além disso, ao clicarmos
no link “Fale Conosco” somos direcionados para outra página onde mais
opções de contato com a empresa são oferecidas, como por meio do pre-
YouTube.Canal da Garoto. Disponível em https://www.youtube.com/user/
GarotoChocolates/videos. Acesso em 12/06/2014.
14
Garoto. Site corporativo. Disponível em http://www.garoto.com.br/. Acesso
em 12/06/2014.
15
271
enchimento de um formulário, telefone do SAC ou ainda as opções das
plataformas de mídias sociais, que aparecem novamente nessa página.
Por fim, foram também realizadas entrevistas em profundidade para verificar, junto aos três gestores de comunicação entrevistados,
como se dava a percepção deles em relação à atuação da empresa no ambiente digital, assim como identificar se existia coerência entre o discurso
e as práticas da organização nesse campo. Além disso, por meio das entrevistas, também foi possível identificar se a Nestlé utiliza algum modelo de
comunicação integrada digital nas práticas digitais observadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo apresentar o resultado de uma pesquisa realizada com a Nestlé Brasil S/A sobre sua presença no ambiente
digital. Inicialmente, apontamos o conjunto de características de dez
modelos de comunicação e relações públicas e optamos por descrever
a variável interação por ser considerada a mais presente em todos os
modelos.
Posteriormente, analisamos a participação da Nestlé em todas as
plataformas de mídias sociais digitais na qual a empresa estava presente
na época da pesquisa. A observação realizada comprovou a existência
da variável interação em todas as plataformas, porém em diferentes tipos ou graus. Foram observadas duas plataformas digitais da marca institucional e seis da marca Chocolates Garoto.
Por fim, para verificar a existência de algum modelo de comunicação integrada digital que norteava sua estratégia de comunicação, foram realizadas entrevistas em profundidade com gestores da área de comunicação da empresa. Com base no conjunto dos relatos, percebeu-se
que a Nestlé utiliza, em suas ações de comunicação, as características
da maior parte dos modelos de comunicação e relações públicas descritos, inclusive, dos modelos mais contemporâneos. No entanto, embora
apresente fortemente interação em suas plataformas digitais, não utiliza um modelo específico de comunicação na sua íntegra para atuar no
ambiente digital.
Para finalizar, o que podemos inferir é que existem inúmeras formas de presença e participação para as empresas em plataformas de
mídias sociais digitais e a Nestlé é uma boa referência inicial.
272
REFERÊNCIAS
BARRICHELLO, Eugênia M. da Rocha. Apontamentos em torno da visibilidade e da lógica de legitimação das instituições na sociedade midiática. In: DUARTE, Elizabeth Bastos; CASTRO, Maria Lília Dias de (orgs.).
Em torno das mídias: práticas e ambiências. Porto Alebre: Sulina, 2008.
BARRICHELLO, Eugênia M. da Rocha. Apontamentos sobre as estratégias de comunicação mediadas por computador nas organizações contemporâneas. In: KUNSCH, M. (org.). Comunicação organizacional.
v.1. Histórico, fundamentos e processos. SP: Saraiva, 2009.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
DREYER, Bianca. Relações Públicas na gestão das estratégias de comunicação organizacional na sociedade digitalizada: um estudo de caso
da Nestlé Brasil S/A. 2014. 249 f. Dissertação (Mestrado) – Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
PRIMO, A. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. Porto Alegre: Sulina, 2007.
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na internet. 2a ed. Porto Alegre:
Sulina, 2011.
SANTAELLA, Lucia. Entrevista concedida ao site da UNISINOS
em
20/11/2011.
Disponível
em
http://www.ihu.unisinos.br/
entrevistas/504504-nao-ha-divorcio-entre-a-evolucao-biologica-humana-e-a-revolucao-tecnologica-entrevista-especial-com-lucia-santaella.
Acesso em 23/06/2013.
STASIAK, Daiana.Visibilidade e interação na era da cibercultura: novas
propostas comunicacionais para as organizações. Anais. Congressso
ABRAPCORP, 2014.
THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da
mídia. 15a ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
273
|6|
A FAN PAGE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS: UMA
ANÁLISE COMPARATIVA
Dra. Daiana Stasiak1
e Rhayssa Fernandes Mendonça2
RESUMO
O artigo apresenta as percepções da análise comparativa das publicações da Universidade Federal de Goiás3
em sua Fan Page entre os anos de 2013 e 2014. O objetivo é
compreender as transformações advindas a partir da adoção de uma nova postura da Instituição em relação à produção de conteúdos específicos para essa rede social on-line.
Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Internet,
Fan Page, Assessoria de Comunicação.
Professora da Comunicação da Faculdade de Comunicação e Informação da
Universidade Federal de Goiás (UFG). Doutora em Comunicação (UnB). Mestre
em Comunicação e Relações Públicas (UFSM). E-mail: daiastasiak@gmail.com
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade
de Comunicação e Informação da Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: rhayssafernandesrp@gmail.com
2
Com 54 anos de existência é a maior Universidade do Estado de Goiás, presente nas cidades de Goiânia, Jataí, Catalão, Cidade de Goiás e Aparecida de
Goiânia. Em 2015, conta com aproximadamente 23.000 estudantes, 2.500 docentes, 2.400 servidores técnico-administrativos, 150 cursos de Graduação e 81
programas de Pós-Graduação.
3
INTRODUÇÃO
É nítido que o advento da internet tem consequências diretas sobre as rotinas de comunicação das organizações. Entre elas destacamos a
autonomia para publicizar informações em plataformas midiáticas como
sites4, blogs e redes sociais, as novas formas de interação mútua com os
sujeitos (PRIMO, 2007), a recomendação da marca entre as pessoas, o monitoramento das opiniões dos indivíduos para avaliar a reputação on-line
(RECUERO, 2009), as novas formas de publicidade, entre outros.
Ao mesmo tempo, a abertura da rede traz a fala dos sujeitos e isso
torna as organizações vulneráveis, pois se ampliam os espaços para críticas e reclamações sobre produtos e serviços, de modo que as informações oficiais da organização passam a conviver e, por vezes, competir
com aquelas feitas pelas pessoas, fator que pode enaltecer ou denegrir a
formação da sua imagem.
Os avanços tecnológicos aumentam substancialmente o número
de informações que circulam. Em todas as áreas que formam a sociedade, os sujeitos assumem o poder de interferir nas mensagens publicadas e isso constrói novos paradigmas. Para Saad (2003), estamos sob um
novo paradigma que influência fortemente a construção das estratégias
das empresas, em que adentrar no campo das novas tecnologias de informação é algo imposto pelo próprio mercado e seus consumidores, e
não por decisões corporativas.
A Universidade Federal de Goiás (UFG) percebeu essas transformações e decidiu aderir às redes sociais on-line no ano de 2012, dentre
os motivos, os conteúdos sobre a instituição criados pelos sujeitos e a
busca pela presença da instituição nas redes sociais estiveram entre os
principais, conforme afirmam as jornalistas responsáveis pela comunicação da Instituição5. Desta forma, a Fan Page6 da UFG é criada em 23 de
Muitos pesquisadores sugerem as expressões site e portal como sinônimos.
Neste trabalho seguimos a denominação de Ferrari (2003) a qual propõe que
para ser chamado de Portal, um site deve apresentar grande quantidade de conteúdos vindos de diferentes origens.
4
5
Conforme entrevista concedida para a tese defendida em 2013, no Poscom da UnB.
6
Disponível em: www.facebook.com/universidadefederaldegoias
275
fevereiro de 2012. Em sua descrição feita no item “Sobre” encontramos
a frase “Página oficial da Universidade Federal de Goiás, atualizada pela
Assessoria de Comunicação da UFG”. Atualmente a página conta com
cerca de 47.6007 curtidas.
Ao estudarmos essas mudanças, encontramos na área da comunicação organizacional alguns pesquisadores que refletem sobre a insuficiência dos modelos lineares e transmissionistas voltados apenas para
a funcionalidade e os resultados da organização. Eles lançam um olhar
crítico sobre os fenômenos que surgem a partir da sociedade complexa e
sugerem as organizações como atores sociais8, que podem agir como sistemas abertos, guiados pelo paradigma dialógico relacional (OLIVEIRA;
PAULA, 2007; CURVELLO; 2009; SCROFERNEKER, 2011). Corroboramos
com os autores supracitados e entendemos que a práxis organizacional
ainda se adapta às transformações advindas com o desenvolvimento
das tecnologias, fato que demanda olhares mais críticos.
Neste artigo, escolhemos comparar as ações de comunicação on-line da Universidade Federal de Goiás (UFG) em sua Fan Page durante
os anos de 2013 e 2014 com o objetivo de compreender as mudanças de
comportamento em relação à presença institucional nas redes sociais,
motivadas pelo planejamento e criação de uma equipe específica para a
comunicação on-line no ano de 2014.
1. A FAN PAGE DA UFG
Em 2013, a Fan Page era composta pelos itens “Fotos” (as imagens publicadas na linha do tempo, no perfil e álbuns específicos),
“Opções Curtir”, “Linha do Tempo” e “Mensagem”. Na figura abaixo podemos visualizar uma imagem do processo seletivo como capa e a mar7
Dados de Março/2015.
A expressão ator social deriva da corrente de estudos denominada Interacionismo Simbólico que faz parte da Escola Norte Americana e tem como principal
expoente o professor George Herbert Mead, da Universidade de Chicago. Para
o Interacionismo, as interações humanas constituem o social e a interatividade
é algo intrínseco à humanidade. Nesse sentido, os modelos de comunicação
lineares são contestados tendo em vista a capacidade humana de interpretar e
construir significados (BLUMER, 1980).
8
276
ca da UFG como foto de perfil, além do número de pessoas que curtiam
a página (22.134), datadas de 14 de setembro de 2013.
FIGURA 1: PÁGINA INICIAL FAN PAGE UFG EM 2013
Em 2014, a página ainda manteve a mesma descrição no item “Sobre”,
mas a sua estrutura está diferente, devido às mudanças na rede social. A
página ainda possui os itens “Mensagem” no qual as pessoas podem enviar
mensagens via inbox para a página e “Fotos” que apresenta todas as imagens postadas. Neste ano foram adicionados “@ufg_oficial” que mostra as
fotos postadas no perfil do Instagram da UFG e “Mais” nos qual foi criado o
item Regras da Página. Este último destacado na imagem a seguir.
277
FIGURA 2: REGRAS DA FAN PAGE UFG, CRIADAS EM 2014
A denota uma preocupação em manter a reputação da página,
enquanto espaço organizado, com regras que conferem credibilidade.
A prática pode ser considerada como uma ação de adaptação, às exigências que nascem das interações e com a realidade do ambiente.
Conforme aponta Oliveira (2008), a organização busca metodologias
que ampliem a capacidade interativa com a sociedade, algo que define a
sua reputação, que é um fator de diferença, visto que proporciona a conquista da credibilidade e da respeitabilidade, algo que virá a estabelecer
sua legitimidade pública.
A “Linha do Tempo” traz todas as publicações realizadas pela instituição desde a sua inserção na rede social. Em 2013, a página apresenta
as publicações denominadas “Publicações de outros usuários”, em que
os sujeitos em geral, mesmo àqueles que não “curtiam” a página, podem
278
publicar mensagens direcionadas à instituição. Essas ficavam visíveis
para todos aqueles que a visitavam.
O que pode ser considerada uma das principais mudanças, foi,
que em 2014, uma decisão institucional optou por fechar a linha do
tempo para publicações de usuários. A medida foi tomada, mediante
a constatação que o espaço possuía muitas propagandas e conteúdos
desvinculados à Instituição.
Em 2013, o item “Opções curtir”, mostra indicações da UFG para
outras Fan Pages, nas quais se tem “TV UFG”, “Cine UFG”, “Música no
Campus”, entre outros. No ano seguinte, o item “opções curtir” passa
a ser denominado como “curtidas desta página”, e ainda apresenta as
Fan Pages já citadas. A seguir estão as figuras do espaço da Fan Page em
que podemos visualizar os elementos centrais da página nos anos de
2013 e 2014.
FIGURA 3: DIFERENÇAS DO CENTRO DA FAN PAGE UFG
EM 2013 (ESQUERDA) E 2014 (DIREITA)
Consideramos que a facilidade em produzir mensagens e interagir por meio das plataformas da internet leva as organizações
a entrar em contato com “um enfoque mais interacional, circular e
sistêmico em oposição ao pensamento simplificador, reducionista e
linear” (SCROFERNEKER; CURVELLO, 2008, p. 15). Essa é uma postura mais coerente com a atualidade, e que pôde ser observada na
Instituição estudada, pois ela investiu em pressupostos não somente
de imagem e representação, mas também de construção conjunta,
em busca da legitimação e construção de sua reputação diante dos
públicos vinculados a ela.
279
1.1 ANÁLISE COMPARATIVA
Para a comunicação organizacional, uma grande transformação relacionada à esfera dos meios foi a migração dos veículos para a
rede, que trouxe o aumento do espaço e consequentemente mais possibilidades para a publicação de informações. Apesar das informações
chegarem aos públicos de diversas formas, as organizações precisaram
repensar as características da audiência, pois, mesmo havendo mais espaço on-line, quem decide se irá acessar as informações, ou não, são os
públicos, por isso a importância do conhecimento e planejamento das
informações relevantes para cada veículo.
A presença na internet torna-se um requisito fundamental para
as organizações, visto que as tecnologias já são intrínsecas a sociedade.
Para Castells (2008, p.10) “As pessoas, as instituições e a sociedade em
geral transformam a tecnologia, apropriando-a, modificando-a, experimentando-a. Essa é a lição fundamental, ainda mais verdadeira no caso
da internet, uma tecnologia da comunicação”.
Assim, a UFG, percebendo a migração dos públicos para as redes sociais passou a se preocupar com a criação de perfis oficiais da
Universidade nestes espaços, ocorre que nos dois anos iniciais, eles foram produzidos e atualizados sem planejamento nem equipe específicas, já em 2014, o diagnóstico da necessidade de maior dedicação às redes fez com que a Assessoria criasse um grupo de trabalho responsável
somente pelos veículos on-line, em especial a Fan Page, que é considerada o carro chefe entre as redes sociais.
Em análise preliminar dos dados administrativos do perfil observou-se uma evolução da Fan Page em seus dois anos iniciais. Em 2013
pode-se considerar que houve um crescimento substancial, pois a página acumulou cerca de 24.000 novas curtidas ao longo do ano. Por sua
vez, em 2014 o crescimento quantitativo foi menor, mas não menos importante pois recebe cerca de 14.000 novos curtidores.
1.2 AS POSTAGENS DA FAN PAGE DA UFG EM 2013 E 2014
Foram eleitas como objeto de estudo do artigo as publicações
que obtiveram maior alcance em cada mês do respectivo ano. O alcance
das publicações é calculado pela Fan Page a partir da união do número
280
de curtidas, comentários, compartilhamentos e visualizações tanto na
postagem original quanto naquelas reverberadas pelos sujeitos em seus
perfis particulares.
A publicação com mais pessoas alcançadas em janeiro de 2013
refere-se a divulgação da segunda chamada do processo seletivo para
ingresso na universidade. Possui um texto de 5 linhas e um link, que encaminha para o site do Centro de Seleção da UFG. Foram 3.810 pessoas
alcançadas, 55 curtidas na publicação da página e 7 em compartilhamentos, 24 comentários e 16 compartilhamentos. Por sua vez, em 2014,
a publicação com mais pessoas alcançadas, no mês de janeiro, também
se refere ao resultado do Processo Seletivo daquele ano, e possui apenas
uma frase e um link. Foram 3 vezes mais pessoas alcançadas, num total
de 12.156. Observa-se que mesmo tratando do mesmo assunto, as publicações possuem formato e conteúdo diferentes. Há uma adaptação do
texto, que reduz a informação para uma forma mais direta.
No mês de fevereiro de 2013 a publicação sobre o calendário acadêmico alcançou 5.236 mil pessoas. O post de três frases e um link é relevante para os alunos, que precisam do calendário para saber de datas
do semestre. Em fevereiro de 2014, a publicação com maior alcance foi
sobre a lista de alunos em exclusão da universidade, com 6.852 mil pessoas, 17 curtidas, 8 comentários e 4 compartilhamentos. Apesar de ter
maior alcance, a publicação tem uma quantidade menor de curtidas, em
relação à publicação do ano anterior. O assunto desta publicação é mais
delicado, pois trata de alunos que estão sendo excluídos da universidade, justificando a curiosidade que se reflete no alcance. Ambos tratam
de assuntos relevantes para os alunos, um dos públicos considerados
prioritários nas redes.
Durante o mês de março de 2013, a publicação sobre o resultado
do processo seletivo alcançou 7.428 mil pessoas, com 113 curtidas, 42
comentários e 18 compartilhamentos. Essa contém apenas uma frase e um link. Em comparação, a publicação que mais obteve pessoas
alcançadas em março de 2014 foi uma nota divulgada pela reitoria explicando a presença de militares no Câmpus, com 9.588 mil pessoas,
136 curtidas, 26 comentários e 18 compartilhamentos. A estrutura é
também uma frase e um link. A postagem do ano de 2014 demonstra
que por meio da internet a UFG não precisou de uma mediação com
281
outros veículos para interagir com os públicos. Mediante uma situação
delicada, o Facebook permitiu que ela se expusesse “com suas próprias
palavras” uma alternativa dos novos tipos de visibilidade que proporciona o acesso direto à organização.
As postagens são muito diferentes, pela primeira vez, nota-se um
número grande de pessoas que recorrem à Fan Page para replicar a postura da Universidade sobre algo que não tem haver com processo seletivo e, mesmo assim se destaca entre as pessoas, a explicação pode ser a
de que a nota refere-se a um tema polêmico.
Em abril de 2013, a publicação com mais alcance, atingiu 12.137
pessoas, 83 curtidas, 58 comentários e 27 compartilhamentos. O assunto é, mais uma vez, o Processo Seletivo, mas agora relativo ao
Preenchimento de Vagas Remanescentes. Em abril de 2014, a publicação
sobre a lista de cursos oferecidos e o edital do Processo Seletivo obteve
83 curtidas, 58 comentários e 27 compartilhamentos, totalizando 16.472
pessoas alcançadas.
Ambas abordaram processos de ingresso na UFG. A primeira
traz um texto de oito linhas e um link. A segunda, conta com apenas
uma frase e um link, que exibe uma imagem do cartaz de divulgação do
Processo. Em comparação, percebe-se claramente a mudança de estratégia nas formas e conteúdos das publicações entre os dois anos. Nos
quatro primeiros meses, houve uma redução na quantidade de texto
nas postagens. Há uma objetividade maior nas informações publicadas,
bem como imagens produzidas especificamente para o assunto.
Em maio de 2013, a publicação relativa ao concurso para técnicos
administrativos, conquista 7.892 mil pessoas, 29 curtidas, 4 comentários
e 29 compartilhamentos. Na publicação há duas frases com a data para
inscrição. Já no mesmo mês de 2014, a publicação com maior alcance
é sobre a adesão da UFG ao Sistema de Seleção Unificada (SiSU) com
22.864 mil pessoas alcançadas, 718 curtidas, 118 comentários e 211 compartilhamentos. Em duas frases, a postagem comenta a decisão e convida os alunos para se inscreverem no Enem. Nos dois anos, as postagens
abordam formas de ingresso diferentes, uma para servidor e outra de
interesse dos alunos. Nota-se mais uma vez que o público de estudantes
que buscam ingressar na UFG é superior, nas curtidas os números de
2013 para 2014 saltam de 29 para 718.
282
Na linha dos assuntos mais chamativos, em junho de 2013, uma
publicação sobre o Edital para Preenchimento de Vagas Disponíveis, obteve um alcance de 8.432 pessoas. A informação possui quatro linhas
e um link sobre o edital. Em junho do ano seguinte, 2014, nota-se uma
transformação profunda no assunto de maior alcance. Uma montagem
de fotos, com vários Ipês que teve em sua legenda o uso de hashtags9
#UFG #campus2 #campusflorido consegue alcançar 20.784 pessoas,
2.049 mil curtidas, 148 comentários e 128 compartilhamentos.
Importante destacar que a postagem de junho de 2014 configura
a maior repercussão da página desde a sua criação. Ela segue uma linha diferente de todos os conteúdos postados, pois possui fotos de uma
paisagem da universidade e faz uso de hashtags, linguagem popular
nas redes sociais da internet. O fato demonstra que as pessoas mudam
seus comportamentos e também podem curtir conteúdos mais lúdicos.
Conforme se observa na figura a seguir:
FIGURA 4: POSTAGEM QUE OBTEVE O MAIOR ALCANCE
DESDE A CRIAÇÃO DA FAN PAGE DA UFG
O hashtag é um protocolo social compartilhado para se “etiquetar” um tweet,
utiliza-se o sinal de sustenido (“hash”, em inglês) antes de uma ou mais palavras
que servirão como tag. (PRIMO, 2008b, p.4)
9
283
Com a análise das publicações dos seis primeiros meses dos anos,
percebe-se que a página mudou suas publicações, tanto em conteúdo
quanto em formato. Com a publicação do mês de junho, é perceptível
que a página deixou de publicar apenas assuntos informativos, para publicar um conteúdo que estabelece uma relação diferente com os seus
públicos. Lima (2008), aponta que concretamente, isso significa que a
organização deixa de ser apenas anunciante, para torna-se produtora
de conteúdo cultural. Tais mudanças sinalizam para a necessidade de
convocação de sujeitos para uma relação, a partir da qual sentidos, discursos e identidades são criados.
No mês de julho, em 2013 a publicação com mais pessoas alcançadas refere-se ao Programa de Isenção do pagamento do Processo
Seletivo com 8.616 mil pessoas alcançadas. A postagem tem quatro linhas e um link que repete o assunto. Já em 2014, a publicação sobre um
curso gratuito de matemática básica obteve 9.132 pessoas alcançadas.
A postagem possui 3 linhas e um link com imagem produzida para o
post. Aqui identificamos também a presença do estudante da UFG e
não apenas os possíveis ingressantes. Em 2014, os estudantes sentem-se
mais inseridos nas redes da UFG e demonstram sua confiança nos materiais produzidos pela Assessoria. Essa afirmação completa-se no mês de
agosto de 2014 quando uma arte em homenagem ao Dia do Estudante
foi a mais popular, alcançando 5.794 mil pessoas, 552 curtidas, 12 comentários e 54 compartilhamentos.
284
FIGURA 5: POSTAGEM DE CALENDARIZAÇÃO MAIS CURTIDA
EM AGOSTO DE 2014 NA FAN PAGE DA UFG
A imagem de um lápis com a frase “A todos aqueles que estão sempre dispostos a aprender. Homenagem da UFG ao Dia do Estudante. 11
de agosto” confirma que a mudança na linha das postagens obteve uma
boa resposta. Com mais de 500 curtidas e 54 compartilhamentos. Pode
ser considerada uma ação positiva, por valorizar um público importante no contexto da Universidade. Por sua vez, em 2013, mais uma vez,
no mês de agosto, a publicação de maior alcance foi sobre o Processo
Seletivo, com 11.308 mil pessoas, 84 curtidas, 6 comentários e 27 compartilhamentos.
No mês de setembro de 2013, a publicação refere-se às inscrições para a comunidade acadêmica fiscalizar concursos do Centro de
Seleção. Foram 10.952 pessoas alcançadas. O assunto é de interesse de
um público amplo, que são os alunos e servidores da UFG, pois a fiscalização é remunerada.
Já em setembro de 2014, a postagem da campanha denominada
‘Estude em Goiás’, desenvolvida pelas instituições de ensino superior
públicas do Estado foi a de maior alcance com 4.864 pessoas. O assunto
é de extrema relevância social, pois esclarece dúvidas frequentes para
aqueles que desejam ingressar no ensino superior gratuito. Pensando
285
na concepção da campanha, que visa divulgar as formas de ingresso e
manutenção dos alunos em instituições de ensino superior públicas, o
Facebook é utilizado, então, para uma ação de comunicação pública.
Conforme Duarte (on-line), isso acontece quando uma instituição viabiliza o direito social coletivo e individual ao diálogo, à informação e
expressão. Fazer comunicação pública é assumir a perspectiva cidadã
na comunicação envolvendo temas de interesse coletivo.
No mês de outubro, as publicações com maior alcance nos dois
anos coincidem seu assunto, o Preenchimento de Vagas Disponíveis nos
cursos de graduação. Com a análise é possível observar melhor as mudanças na página. Em 2013, a postagem trouxe um texto de seis linhas
e um link que direciona para o site da UFG. Esse obtém 11.384 mil pessoas alcançadas, 96 curtidas, 59 comentários e 78 compartilhamentos.
Já em 2014, a postagem sobre o mesmo assunto obtém 23.976 pessoas
alcançadas, 348 curtidas, 172 comentários e 200 compartilhamentos, a
diferença é um texto de apenas três linhas, um link reduzido e uma arte
feita especificamente para a postagem.
Esteticamente pode-se observar que a publicação é mais atrativa,
a imagem encaixa-se com o texto e o uso do link encurtado reduz o tamanho do post. Tratando-se do mesmo tema a de 2014 consegue engajar
mais pessoas. Conforme Saad (2003), na web o conteúdo feito apenas
com palavras não é o mais importante, mas também as associações visuais, que conferem valor à informação. Isso é constatado com o aumento significativo nos dados numéricos da postagem, demonstrando que a
mudança na forma de apresentação do conteúdo foi positiva.
286
FIGURA 6: LADO A LADO, PUBLICAÇÕES DE 2013 E 2014 SOBRE VAGAS
DISPONÍVEIS. RESPECTIVAMENTE CONTABILIZARAM 11.384
E 23.976 PESSOAS ALCANÇADAS.
No mês de novembro de 2013, mais uma vez, o Processo Seletivo
teve a publicação com mais pessoas alcançadas sendo 12.768. Já em
2014, no mesmo mês, a publicação com maior alcance, é sobre o Centro
de Esportes da UFG. A postagem faz parte de uma seção denominada
#descubraUFG, em que um serviço da universidade é destacado com
postagens específicas durante uma semana. O alcance foi de 4.232 pessoas, 226 curtidas, 37 comentários e 12 compartilhamentos. É a primeira vez que os serviços obtém destaque entre os públicos e isso também
denota uma mudança de cultura.
287
FIGURA 7: PROJETO #DESCUBRAUFG MOSTRANDO O
SERVIÇOS NA FAN PAGE DA UFG
No mês de dezembro de 2013, a postagem com 6.960 mil pessoas
alcançadas também foi sobre o Processo Seletivo. Essa obteve 24 curtidas, 11 comentários e 8 compartilhamentos. A informação envolve
vários públicos, pois se refere à interdição dos prédios da UFG para a
realização do Processo Seletivo, algo que atinge os servidores, alunos e
aqueles que realizaram a prova. O texto tem dez linhas e cita o nome de
todos os prédios interditados.
Em mais um contraste sobre as mudanças que ocorreram na Fan
Page, em dezembro de 2014, a publicação que mais alcançou as pessoas
é uma arte anunciando o final do semestre letivo. Com 6.472 pessoas,
obteve 633 curtidas, 11 comentários e 21 compartilhamentos. A publicação contém uma foto, retirada do perfil da UFG no Instagram. A imagem, feita por uma estudante da UFG, recebeu o texto “Outro semestre
termina. A UFG deseja boas férias para seus alunos”. Essa postagem obteve vinte e seis vezes mais curtidas do que a publicação de dezembro
do ano anterior.
288
FIGURA 8: PUBLICAÇÃO DE MAIOR ALCANCE EM DEZEMBRO/2014
A postagem sobre o fim do semestre e a publicação sobre o dia do
estudante, demonstram que a página reformulou suas publicações para
dar atenção aos seus públicos, por meio de postagens que agregam valor
a estes. Conforme Saad (2009), entre as vantagens competitivas do uso
de meios digitais, está a sustentação de relacionamento e de comunidades de interesse. Desta forma, compreende-se que a promoção de campanhas que retratam e valorizam os alunos estreitam o relacionamento
entre os sujeitos e a organização.
Com isso, observa-se que as transformações sinalizam uma construção em que a página deixa de ser estritamente informativa, para tornar-se um espaço estratégico de relacionamento. Conforme Barichello
(2008) é necessário pensar as posições estratégicas e as possibilidades
de estabelecer estes vínculos na sociedade midiatizada.
Comparando as publicações de maior repercussão de cada ano,
percebe-se a importância do planejamento para estratégias digitais e a
mudança na página refletida nos números, com aumento considerável de
289
“curtidas”, o fato demonstra que a página tinha uma função mais informativa e replicadora de conteúdos, algo que era importante e para disseminar informações relevantes. Porém, com o novo posicionamento, as postagens são construídas especificamente para as redes sociais, indo além
do mero aproveitamento de conteúdos de outros veículos, como site.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a análise das publicações com maior alcance mensal durante os anos de 2013 e 2014, observa-se que a Fan Page da UFG passou por
mudanças. Em 2013 identificou-se uma predominância de postagens sobre o Processo Seletivo, com textos e links extensos. Nos doze meses de
2013, em sete deles a publicação de maior alcance referiu-se ao Processo
Seletivo. Os conteúdos replicam notícias dos sites da Instituição e não
são produzidos especificamente para o Facebook.
Já em 2014, as publicações de maior alcance abordaram uma diversidade de assuntos. Ao invés de oferecer apenas informações conforme as demandas do Processo Seletivo, a página fez uso de campanhas
para os estudantes, apresentou serviços como o Centro de Esportes e o
curso de matemática básica. Isso potencializou a página enquanto fonte
de informações institucionais, mas também de conteúdos diversos.
Além disso, em 2014, o formato das publicações fez uso de mais
imagens e links encurtados, tornando-as visualmente mais chamativas.
O investimento em conteúdos diferentes resultou em melhoras quantitativas e também de qualidade. A questão lúdica exposta em posts como
o dos ipês cor de rosa e o de desejo de bom final de semestre demonstram uma mudança no perfil das publicações e, ao mesmo tempo, de
aceitação e engajamento por parte dos públicos.
No momento em que vivemos, já são notáveis outros padrões de
sociabilidade advindos das relações on-line que proporcionaram novos
modos de interação entre os sujeitos e as instituições. Nesse âmbito,
pensamos sobre as instituições que, diante de um novo meio de comunicação e de novos comportamentos sociais, precisaram refletir sobre
as formas de publicizar conteúdos e interagir com os seus públicos.
Neste sentido, o caso da UFG é significativo, pois, a partir do
diagnóstico das formas de publicação inadequadas ao perfil das redes
sociais, recorreu ao planejamento e a elaboração de novas estratégias
290
de comunicação voltadas especificamente para esses novos veículos de
comunicação. A participação dos sujeitos por meio de compartilhamentos, curtidas e comentários em relação ao ano anterior é uma conquista
para a Instituição nas redes sociais on-line.
REFERÊNCIAS
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CURVELLO J. J. A; SCROFERNEKER, C. M. A. A comunicação e as organizações como sistemas complexos: Uma análise a partir das perspectivas de
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Programas de Pós-Graduação em Comunicação, Brasília, v.11, n.3, set/dez, 2008.
DUARTE, Jorge. Comunicação Pública. On-line. Disponível em: http://
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de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, 2. Anais... Belo
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______. A cobertura e o debate público sobre os casos Madeleine e
Isabella: encadeamento midiático de blogs, Twitter e mídia massiva.
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SCROFERNEKER, C. M. A. Contra tendências paradigmáticas da
Comunicação Organizacional Contemporânea no Brasil. Encontro da
Compós, 20. Anais... Porto Alegre, RS, 2011.
291
|7|
O USO DO WHATSAPP NA COMUNICAÇÃO INFORMAL
ENTRE OS EMPREGADOS
Bruno Carramenha1, Thatiana Cappellano2
e Viviane Regina Mansi3
RESUMO
Num mundo cada vez mais conectado e interdependente, assistimos a chegada de novas formas de comunicação, em especial daquelas que permitem acesso, leitura e
comentários ágeis. Este artigo pretende investigar o espaço do WhatsApp na comunicação informal das empresas
brasileiras a partir dos conceitos de midiatização defendidos por Hjarvard (2014) e Martino (2014a; 2014b), dos desafios da comunicação com os empregados debatidos por
Carramenha, Cappellano e Mansi (2013) e Freitas (2009)
e de casos concretos do uso não-oficial do WhatsApp. O
artigo investiga também se é possível afirmar que o aplicativo midiatizou a comunicação informal nas organizações e quais as possíveis oportunidades e desafios num
momento em que há ubiquidade de mídias, diminuição de
fronteiras físicas e maior troca de informação, independentemente de elas, de fato, constituírem um processo de
diálogo e de pertencimento.
1
Bruno Carramenha – Faculdade Cásper Líbero
2
Thatiana Cappellano – FAAP
3
Viviane Regina Mansi – Faculdade Cásper Líbero
Palavras-chave: Comunicação com empregados;
Midiatização; Comunicação Informal; Pertencimento;
Processos midiáticos.
CONTEMPORANEIDADE E A MIDIATIZAÇÃO
Segundo o pesquisador dinamarquês Stig Hjarvard (2014), o sujeito contemporâneo está submetido, direta ou indiretamente, à interferência de mídias em seu cotidiano. As atividades básicas do dia a
dia - como fazer compras ou ouvir música, por exemplo - são, cada vez
mais, realizadas em articulação com algum tipo de mídia, que alteram o
modo tradicional de cumprir essas atividades. Esse fenômeno, estudado
no campo da comunicação há algumas décadas, recebeu de Hjarvard a
definição de “midiatização”, que pressupõe que há uma reorganização
da sociedade a partir da lógica das mídias.
Esta visão não encara os meios como um agente externo que influencia o indivíduo, mas, sim, como parte indissociável da sociedade
contemporânea. A mídia deixa de ser reconhecida como responsável pela
organização de processos interacionais entre campos sociais e passa a ser
estudada e entendida como fenômeno atrelado - e não auxiliar - à constituição e o funcionamento das práticas da sociedade (NETO, 2008).
Hjarvard aprofunda essa questão quando diz que
Hoje experimentamos uma midiatização intensificada da
cultura e da sociedade que não está limitada ao domínio da
formação da opinião pública, mas que atravessa quase toda
instituição social e cultural, como a família, o trabalho, a política e a religião. As mídias são coprodutoras de nossas representações mentais, de nossas ações e relacionamentos com
outras pessoas em uma variedade de contextos privados e
semiprivados, e deveríamos considerar essa revolução significativa também (HJARVARD, 2014, p. 23).
A base do entendimento do conceito de midiatização está em reconhecer que se trata de um processo recíproco, portanto, diz respeito
à interdependência e às transformações estruturais de longa duração
293
na relação entre a mídia e outros campos sociais. A articulação entre
mídia e indivíduos que se estabelece nas relações sociais cotidianas
não acontece de forma mediada por uma imposição de uma instituição específica, mas porque ambos - mídia e indivíduos - fazem parte
da mesma sociedade.
Ao referenciar Hjarvard, Martino afirma que “a midiatização da
sociedade é possível por conta da presença das mídias em todos os lugares, a chamada ubiquidade das mídias” (2014a, p. 273). Essa ubiquidade faz com que, muitas vezes, os indivíduos nem percebam conscientemente a articulação das práticas sociais com as mídias. No ambiente
organizacional, por sua vez, já parece tão natural convidar um colega de
trabalho para uma reunião por meio de emails, que há quem não consiga imaginar como era a vida corporativa antes dos computadores.
Nota-se que a perspectiva que a mídia assume no contexto da midiatização da sociedade é relacional e não causal (MARTINO, 2014b, p.
240), ou seja, em vez de gerar efeitos sobre a sociedade, os meios fazem
parte do contexto social e estão naturalmente integrados a ele. Esse entendimento fica ainda mais claro quando consideramos que os produtores de conteúdo das mídias são também consumidores do que é veiculado nesses mesmos meios.
A mídia é, ao mesmo tempo, parte do tecido da sociedade
e da cultura e uma instituição independente que se interpõe entre outras instituições culturais e sociais e coordena
sua interação mútua. A dualidade desta relação estrutural
estabelece uma série de pré-requisitos de como os meios
de comunicação, em determinadas situações, são usados
e percebidos pelos emissores e receptores, afetando, desta
forma, as relações entre as pessoas. Assim, as questões tradicionais sobre o uso e os efeitos dos meios de comunicação
precisam levar em consideração as circunstâncias nas quais
a cultura e a sociedade passaram a ser midiatizadas (HJARVARD, 2012, p. 55).
Isto posto, pode-se dizer que os meios oferecem um espaço para
o debate e interação, ao mesmo tempo em que, como instituições, influenciam e intervêm na atividade de outras instituições, tais como família ou empresas (HJARVARD, 2012, p. 68).
294
MÍDIAS DIGITAIS
O conceito de midiatização, da forma como abordado neste artigo, emerge no campo da Comunicação a partir dos anos 2000. Está,
portanto, fortemente vinculado - mas não exclusivamente - a um tipo
de mídia que se desenvolveu também neste período: as mídias digitais4,
especialmente as mídias sociais na internet5.
Segundo o historiador Juliano Spyer, o conceito de Web 2.0, difundido como sinônimo de tecnologia colaborativa, foi cunhado para
simbolizar uma nova era da internet pós-estouro da bolha e diferenciar
os novos sites daqueles que foram afetados pela crise. O termo, criado
pela O’Reilly Media, empresa de comunicação, “deveria distinguir sites
ou aplicativos com baixo custo de desenvolvimento, em que o conteúdo
surge de baixo para cima (Bottom-up) a partir do relacionamento entre
participantes (User Generated Content) (SPYER, 2007, p. 28).
Este novo tipo de tecnologia permitiu o surgimento do que Clay
Shirky chamou de cultura da participação, valorizando as contribuições
sociais do uso das novas tecnologias e atribuindo a grande parte disso
ao baixo custo que têm aos usuários. Se antes apenas grandes grupos de
comunicação podiam produzir e distribuir conteúdo de comunicação
com alto alcance, hoje, qualquer um pode criar um blog e se fazer ouvido
no mundo todo. “Novas ferramentas não causaram esses comportamenLuis Mauro Sá Martino em Teoria das Mídias Digitais (2014: p. 10) defende
este termo, apesar de reconhecer, citando Chandler e Munday, que às vezes é
intercambiado com outros vocábulos como “novas mídias” e “novas tecnologias” e expressões derivadas. “De algum modo, essas expressões procuram estabelecer uma diferença entre os chamados “meios de comunicação de massa”
ou “mídias analógicas”, como a televisão, o cinema, o rádio, jornais e revistas
impressos, dos meios eletrônicos” (op. cit).
4
Ferramentas que permitem a formação de discussões entre pessoas e empresas na rede. Elas promovem vida em comunidade e cooperação, possibilidade
de alterar ou misturar criações de terceiros, melhor experiência on-line, diversão, educação, controle e domínio do que queremos buscar ou usar, abrindo
espaço par assuntos muito específicos e colocando o usuário em primeiro lugar
é no centro das atenções (CIPRIANI, 2011, p.5)
5
295
tos, mas o permitiram. Uma mídia flexível, barata e inclusiva nos oferece
agora oportunidades de fazer todo tipo de coisas que não fazíamos antes” (SHIRKY, 2011, p. 61).
A pesquisadora brasileira Elizabeth Saad Corrêa propõe esta abordagem da colaboração a partir de um olhar para o impacto que as mídias
digitais têm na comunicação corporativa. Para a professora, o ciberespaço6 recebe um novo ciclo de reconfiguração do processo comunicacional,
por meio da colaboração, participação, recomendação, expressão:
Passamos a considerar variáveis como simetria comunicacional (o equilíbrio dialógico entre emissores e receptores),
conversações (a mudança narrativa da mensagem) e a integração midiático-informativa (ou uma das possibilidades de
convergência de conteúdos e suportes), como parte desse
processo” (CORRÊA, 2009, p. 171).
De forma complementar, Jue, Marr e Kassotakis afirmam que a
participação pode acontecer de várias maneiras. “Pode ser simplesmente a visualização de informações que estavam escondidas de nossas vistas, mas muitas vezes é uma forma de comunicação, colaboração e contato com qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer hora” (2011, p.
5). Para eles, trata-se da interação entre indivíduos e grupos que desperta um potencial infinito de compartilhar mais e aprender mais do em
qualquer outro período da história.
A mídia da moda, aquela que todo mundo usa e desponta como
fenômeno contemporâneo, depende, essencialmente, de dois fatores
vinculados à sua relevância: tecnológico e humano. Para estar na “crista
da onda”, as mídias digitais precisam combinar adequadamente esses
fatores interdependentes.
Do ponto de vista tecnológico, é necessário, por um lado, que a
tecnologia usada seja simples e intuitiva - as pessoas não estão dispostas a dispender tempo para aprender a usar um novo sistema -, mas, por
outro, tem de apresentar uma inovação suficientemente relevante para
substituir aquela que era utilizada até então.
Segundo Martino, ciberespaço é um “espaço de interação criado no fluxo de
dados digitais em redes de computadores; virtual por não ser localizável no espaço, mas real em suas ações e efeitos (2014, p.11)
6
296
Já do ponto de vista humano, a relevância de uma nova mídia estará vinculada à capacidade que ela tem de reunir pessoas e conteúdos
interessantes em torno dela. A interação faz mais sentido quando acontece entre pessoas que se reconhecem como semelhantes e a partir da
troca de conteúdos que façam sentido para seu contexto.
Neste cenário, os comunicadores instantâneos (SPYER, 2007) encontram um espaço de desenvolvimento, visto que, em geral têm interface fácil e, pela sua natureza, viabilizam o relacionamento de indivíduos por meio da intermediação tecnológica.
O Brasil foi pioneiro na popularização deste tipo de ferramenta,
incialmente por meio do ICQ e, mais recentemente, utilizada em smartphones, para o qual o destaque fica com o WhatsApp, objeto de estudo
deste artigo, que será desenvolvido adiante.
Grande parte das organizações demonstrou algum tipo de resistência na adoção corporativa dessa tecnologia, mas é possível concluir,
a partir da análise prévia realizada acerca do processo de midiatização
da sociedade, que o fenômeno se integrou no ambiente organizacional
e que a adoção deste tipo de tecnologia - mesmo quando à revelia da
gestão - já está incorporado na relação dos indivíduos.
A COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS E SUA
IMPORTÂNCIA NAS ORGANIZAÇÕES
A comunicação interna evoluiu. Cresceu em importância, em
complexidade e em objetivo. Já foi entendida unicamente como um
processo funcional, a partir do desenvolvimento e gestão de diferentes
meios que alcançam os empregados para informá-los. Hoje, é compreendida e praticada a partir das transformações sociais decorrentes do
contexto contemporâneo (CARRAMENHA, CAPPELLANO E MANSI,
2013), numa perspectiva mais dialógica. Não há mais espaço para dizer que existe uma comunicação que seja efetivamente interna: ou seja,
que fique limitada aos muros ( físicos ou imaginários) da própria organização. O empregado é, sempre foi, e mais do que nunca permanecerá
sendo um cidadão do mundo, pertencente a um ambiente muito mais
amplo do que o de sua vivência corporativa.
É notável, porém, que as características digitais nas quais estão
imersas as empresas e seus empregados acentuaram tal realidade. A in297
teração, o relacionamento e a transparência, tão comuns ao ambiente
digital, também são questões essenciais desse posicionamento contemporâneo da comunicação com empregados.
A informação que antes o empregado dividia no almoço de
domingo com a esposa, amigos e familiares hoje é compartilhada em tempo real com todos aqueles que fazem parte
de seus grupos virtuais pessoas que, muitas vezes, nem se
conhecem, porém acreditam no que o outro diz a respeito de
uma marca, produto ou situação. Estão juntos, encontram-se
e compartilham opiniões e vivências porque têm interesses
comuns. E para o empregado não faltam assuntos a serem
partilhados: um feedback às avessas do chefe ou um elogio;
não encontrar o departamento médico que mudou de sala;
saber da crise financeira da companhia através dos jornais;
não ter uma resposta quanto ao seu pacote de benefícios; ver
o projeto ao qual se dedicou ser descontinuado pelos entraves
burocráticos. Tudo comunica. (CARRAMENHA, CAPPELLANO E MANSI, 2013, p. 15).
Além disso, não se pode perder de vista a questão da complexidade, que nos lembra que a comunicação com empregados pode ser vista
a partir de um campo muito mais amplo que o estudo exclusivo da comunicação. O ambiente no qual estão imersas as organizações e seus
empregados é reflexo do contexto social externo, que é múltiplo, diverso
e alastrado em uma necessidade de visão sistêmica. Assim,
É necessária visão multidisciplinar e transparece a correlação
com profissionais oriundos de várias áreas de conhecimento humano: Administração (gestão de pessoas ou recursos
humanos), Psicologia, Sociologia, Linguística, Antropologia
Cultural, Cultura Organizacional, Letras (Semiologia) e outros que colaboram na concepção e na execução de programas. (FREITAS, 2009, p.140).
A partir deste enquadramento é possível definir um novo olhar
para a “antiga” disciplina da comunicação interna: esta passa a ser, agora, uma efetiva forma de gestão baseada primordialmente na construção
do diálogo, a partir do qual é possível estabelecer-se um sentido mais
significativo tanto para a empresa quanto para os empregados. É uma
298
visão que privilegia a conversa, o ouvir, a convivência, menos voltada
para a dimensão do comando-controle que estivemos acostumados no
passado e mais aberta a criar valor a partir da experiência, criatividade
e inovação daqueles que fazem parte da organização.
O diálogo implica conversa. Falar e ouvir. E, então, é possível que
haja o compartilhamento de significados, que permite a criação de sentidos. O diálogo, portanto, é algo que inclui. Como diz Mansi, é um estágio mais maduro do processo de comunicação:
Comunicação é uma via de mão dupla, de troca, de compartilhamento. Diálogo é um espaço de transformação, de criação
de sentido, de reinterpretação de realidade a partir da convivência. Não se trata de ver comunicação e diálogo como princípios opostos, mas com diferentes graus de profundidade. O
caminho do diálogo passa pela comunicação, como uma primeira etapa, em que os indivíduos se conheçam, convivam,
estabeleçam confiança para, num segundo momento, alcançar um estágio mais profundo de interação (MANSI, 2014, p.
155).
Se o diálogo inclui, é possível defender que ele perpassa pelo desejo de pertencimento. Isso é fundamental para que haja o fortalecimento das relações que se constituem entre os membros de um determinado grupo. São essas relações que permitem ao empregado (enquanto
Sujeito de um dado contexto que o precede na organização) efetivar a
vivência deste desejo, principalmente, a partir da lógica da comunicação comumente conhecida como informal. Tal característica é a base
para se entender os motivos que levam a comunicação informal a ser
tão presente, assertiva e envolvente.
A COMUNICAÇÃO INFORMAL
A comunicação informal nasce no seio das relações interpessoais
e interfere na maneira pela qual os indivíduos trocam significações a respeito daquilo que é de interesse comum para um determinado contexto
ou grupo. Essa troca promove o enlaçamento social, ou seja, o posicionamento do Sujeito enquanto parte de um elo de pertencimento e reconhecimento com o Outro. Assim, diz Marques (2011) que a conversação informal é marcada, em um primeiro momento, pelo prazer de estar junto,
299
de compartilhar expectativas vividas com o outro, sem a preocupação de
atingir metas e objetivos a curto ou longo prazo (2011, p. 19).
Dentro das corporações não é diferente. A comunicação informal
(que opõe-se àquilo que se denomina por comunicação formal) ocorre
fora dos canais oficiais da organização. Enquanto a comunicação formal
ocupa-se prioritariamente a disseminar as normas, os objetivos e as metas da organização, a comunicação informal é feita pelos empregados
desprendidos de suas funções profissionais e de seus cargos e funções, o
que incrementa o processo formalmente prescrito.
Os dois processos (o formal e o informal) operam de maneira autônoma, mas interdependente: um se cria na medida em que o outro
deixa espaço para livres, e novas, interpretações. Afinal, o sujeito presente em um processo de comunicação não é passivo. Ele modifica e
é modificado, codifica e decodifica, é emissor e receptor, de tal forma
que expectativas, compreensão e sentidos daquilo que é comunicado se
atualizem constantemente.
Assim, deve-se considerar que a comunicação informal é de natureza dialógica. Devido às suas características, exploradas logo a seguir, a
comunicação informal facilmente ganha seu espaço. Isto se dá porque o
diálogo pode acontecer entre emissor e receptor sem que haja o uso de
uma mídia que o suporte. Isto gera a segunda característica da comunicação informal: uma narrativa prioritariamente centrada na pessoa que
fala e na sua experiência, fato que aproxima o universo de referência
dos interlocutores e, portanto, faz com que a narrativa seja mais atraente. Por fim, como terceira característica, está a “presentificação” da
intenção, da opinião e da verdade do interlocutor, pois os significantes
ditos ganham gestos e expressões. Assim, a efetividade da comunicação
aumenta, uma vez que as chances para instalação do ruído diminuem.
É um espaço onde há confiança. Por isso, pode-se dizer que a comunicação, nesse caso, irá acontecer de maneira mais afetiva, já que está
em um ambiente compreensivo de maior campo semântico e relacional
- sem que se percam de vista os conceitos pressupostos na base de qualquer natureza comunicacional.
Dadas tais características, a comunicação informal, nas organizações, muitas vezes acaba sendo considerada mera especulação, algo de
tom pejorativo e, por isso, desprezada.
300
Este artigo nos convida, no entanto, a rever essa relação que temos com a comunicação informal. Não se pode resumi-la simplesmente
ao campo do ruído: este, apesar de ser inerente a todo e qualquer processo comunicacional, de toda natureza, representa mais do que apenas
desordem. Oliveira e Alencar (2013, p. 206) lembram que “considerar a
existência do ruído com parte dos processos de interação é reconhecer
que todo sistema é autônomo, mas dependente porque precisa do meio
para se reorganizar”. Consequentemente, cabe às organizações capturar os significados compartilhados pela comunicação informal, a fim de
aperfeiçoar o conteúdo disseminado pela comunicação formal, ao invés
de tentar apenas controlá-la e eliminá-la.
É preciso considerar, ainda, que algumas características se sobressaem na comunicação informal, tais como a inclusão, a igualdade, a
sinceridade, a reciprocidade. Assim, não resta espaço para preconceito
já que o objetivo deste processo de comunicação não é converter a opinião de um à do outro, mas sim ampliar o conhecimento prévio a um
determinado tema (ou a muitos). Como nos lembra Provedel,
Trata-se de um fenômeno que se dá a partir de um contexto
de redes de relacionamento, onde há uma ou mais pessoas,
existindo uma interação dialógica, ainda que em nível informal, possuindo potencial para contribuir com a construção
de sentido nas organizações, uma vez que tem em sua essência o propósito de dar sentido e significado ao contexto
no qual o boato surgiu, buscando explicações a respeito dele
(PROVEDEL, 2013, p. 142).
Finalmente, nos propusemos a investigar, nesse artigo, quais interferências – e novos diálogos – a tecnologia e as mídias digitais, especialmente o WhatsApp, trazem para o entendimento dessa realidade.
WHATSAPP E A COMUNICAÇÃO INFORMAL
WhatsApp Messenger (cujo nome é um trocadilho com a expressão inglesa What’s Up, que, em tradução coloquial significa “E aí?”) é
um aplicativo multiplataforma que permite trocar mensagens pelo
celular sem pagar por SMS. Usa o plano de dados de internet previamente adquirido pelo usuário para e-mails e navegação. Assim, não
há custo para enviar mensagens e ficar em contato com sua a rede
301
de relacionamento. Além das mensagens básicas de texto, os usuários
do WhatsApp podem criar grupos, enviar mensagens ilimitadas com
imagens, vídeos e áudio, além de valerem-se do uso de emoticons7 para
a expressão de emoções no ambiente virtual. Dessa forma, é possível
trocar todo tipo de conteúdo de forma rápida, de onde quer que o usuário esteja, bem como é possível criar grupos de contatos para que a
conversa se dê entre vários usuários.
Presente no bolso de 92% dos usuários de smartphones no Brasil,
o WhatsApp é um tipo de mídia ideal para exemplificar a conceituação
de midiatização proposta por este trabalho. Objeto de estudo deste artigo, o WhatsApp se insere e se articula com a comunicação informal das
organizações, tornando-se parte natural dela.
Uma das principais características do processo de midiatização é a adaptação das práticas cotidianas e das instituições à
lógica de cada mídia, isto é, ao modus operandi particular de
cada uma delas. Pensando nas mídias digitais, por exemplo, a
lógica das mensagens via celular exigem textos relativamente
curtos e diretos - quem decidir interagir com outra pessoa a
partir dessa mídia precisa, de alguma maneira, se adaptar a
essa lógica. (MARTINO, 2014a, p. 272)
O WhatsApp surge na sociedade contemporânea como mais um
aplicativo entre os milhares disponibilizados nas lojas virtuais da Apple e
do Google, entre outras. De interface bastante simples e com um conceito
relativamente inovador (a troca de mensagens instantâneas e gratuitas
pelo celular, utilizando apenas a transferência de dados, o que o posiciona
numa alta relevância tecnológica), o WhatsApp galgou rapidamente os
mais altos patamares do fator humano da relevância: usado por 450 milhões de pessoas por mês, tem alto poder de engajamento: 70% que têm o
Forma de comunicação paralinguística, um emoticon, palavra derivada da
junção dos seguintes termos em inglês: emotion (emoção) + icon (ícone) é uma
sequência de caracteres tipográficos, tais como: ^-^, :), :(, :3 e :-); ou, também,
uma imagem (usualmente pequena), que traduz ou quer transmitir o estado
psicológico, emotivo, de quem os emprega, por meio de ícones ilustrativos de
uma expressão facial (WIKIPÉDIA, 2015).
7
302
aplicativo instalado em seus celulares o manuseiam diariamente. Por dia,
registra 1 milhão de novos usuários, segundo o G1 (2014).
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
É possível identificar, na perspectiva deste artigo, algumas características comunicacionais do WhatsApp, especialmente se considerarmos
seu uso dentro das organizações. A seguir, exploramos cada uma delas:
Enlaçamento: O WhatsApp baseia-se essencialmente no uso da
comunicação escrita ou falada. Ambas têm condição de permitir a formação do diálogo. Assim, torna-se factível considerar o caráter formador de laço social desta ferramenta, uma vez que o diálogo produz a
sensação de pertencimento. A própria lógica do contexto digital e em
rede nos coloca diante da criação do laço: elas, as redes, têm por base os
relacionamentos estruturados desta forma, que são em si mais democráticas e flexíveis.
Sincronicidade: Comumente, ambos, emissor e receptor estão online
ao mesmo tempo. Assim, efetivamente, configura-se a ideia de um diálogo,
como se ambos estivessem frente a frente no momento da conversação.
“Perecibilidade”: O conteúdo é importante, válido e relevante (e
deve ser consumido) somente naquele espaço de tempo. Não se pode
confundir o nome deste tópico com a ideia de efemeridade dos laços em
redes – que se caracterizam pela fácil dissolução. Tal característica não
se presentifica no contexto de utilização do WhatsApp. Isto porque, no
contexto organizacional, existe um agrupamento social prévio à criação
de um grupo virtual no aplicativo. Desta forma, não se pode imaginar
que um indivíduo que pertença a um determinado grupo no WhatsApp
poderá, ao “abandoná-lo” a qualquer momento, se desvencilhar também dos laços prévios preexistentes. Dada a existência de uma cultura
organizacional, as regras, normas e comportamentos que precedem o
empregado, de alguma maneira, determinam (ou deveria determinar)
seu comportamento – e não é factível acreditar que o empregado possa
deliberadamente isolar-se do seu entorno.
Descorporificação: Ponto de extrema importância é a questão da
ausência do corpo na comunicação que se estabelece pelo WhatsApp.
Apesar de este estar fortemente centrado na comunicação verbal, oral
e escrita, o corpo em si não se presentifica. Ou seja, todas as caracterís303
ticas complementares da mensagem quando esta é dita face a face, que
colaboram para o aumento do entendimento do conteúdo disseminado,
desaparecem quando o corpo não está presente. Talvez por esse fato seja
possível compreender porque a comunicação no WhatsApp se valha fortemente de outros recursos, tais como o uso de emoticons, fotos, vídeos
e, até mesmo, as mensagens de áudio (que carregam junto consigo o tom
da fala daquele que a emite).
Amplificação: Se a comunicação informal se dá no momento da
troca de conteúdo entre um indivíduo e outro (e por isso limita-se ao
espaço de alcance do corpo – da fala e dos gestos), no caso do uso do
WhatsApp tal característica ganha amplitude. Agora, não é mais necessário que duas pessoas estejam compartilhando o mesmo espaço físico,
simultaneamente, para que a comunicação informal possa ocorrer: basta enviar uma mensagem ao grupo. Desta forma, a comunicação que se
estabelece no WhatsApp amplia o espaço de abrangência do discurso,
tornando a dimensão física da distância irrelevante e a obrigatoriedade
da presença física dispensável.
Segurança: Uma vez que, em sua maioria, o aparelho utilizado
pelo empregado é particular, e o foro de diálogo é privado (constituído
por indivíduos previamente selecionados a formar aquele determinado
agrupamento), a sensação de segurança e conforto, que permite ao indivíduo expressar de forma aberta suas ideias e até mesmo algumas opiniões polêmicas, torna-se maior. Assim, é possível dizer que no WhatsApp
a comunicação que se estabelece é de característica privada (e não pública) e, de certa forma, pessoal (e não profissional).
A partir dessas características, observaremos algumas práticas
de organizações.
EVIDÊNCIAS: OBSERVAÇÕES EMPÍRICAS
A fim de demonstrar evidências relacionadas ao tema objeto de
estudo, faz-se necessário refletir sobre situações que ocorrem no ambiente interno das organizações. Assim, as ocorrências descritas a seguir são resultado da observação empírica, feita pelos autores, do fenômeno que é objeto deste artigo e são índices da reflexão proposta.
O empirismo se caracteriza por fugir dos métodos científicos
tradicionais e fazer uso da sabedoria adquirida pelas percep304
ções que se tem do mundo, ou do objeto de estudo. (...) Podemos dizer que a pesquisa empírica se utiliza da sabedoria e
do conjunto de percepções que o pesquisador tem sobre um
objeto e que pode vir a ser comprovado pelo método científico. CARNEIRO et al, 2011, p.4)
O SOBRENOME DO PRESIDENTE
Numa indústria multinacional com mais de 170 mil empregados
no mundo, localizados na sede da empresa em São Paulo, um grupo de
empregados de cerca de 20 membros, de diferentes gerências de uma
mesma diretoria, mantém um grupo de WhatsApp. Parte do grupo é
composto por terceiros. O nível hierárquico participante é múltiplo,
sendo o cargo mais alto um gerente executivo.
Diariamente, os membros do grupo se comunicam com o intuito de se manter atualizados sobre os acontecimentos da companhia. O
nome do grupo, que carrega o sobrenome do presidente da corporação,
dá vazão à comunicação informal e permite que todos - de qualquer nível hierárquico – relatem suas notícias. Além de conteúdo de caráter
cotidiano (como, por exemplo, a escolha de um local para almoço), parte
do conteúdo versa sobre questões relacionadas à gestão. Algumas merecem destaque: a prática de desligamento, que acontece quando um dos
membros fala ou antecipa casos de demissão, é uma delas. Vale notar,
nesse caso, que os membros desligados permanecem no grupo mesmo
após rompimento do vínculo empregatício – característica importante
a ser considerada pelas estruturas de gestão, uma vez que tais membros
podem vir a fazer parte de empresas concorrentes no futuro. E, também,
característica esta que comprova a existência do enlaçamento preexistente no contexto não virtual.
Amigos (...) tenho uma notícia para dar em primeira mão e
um convite a fazer. Acho que poucos de vcs sabem, mas estou saindo da Companhia na próxima semana. Foram 3 anos
incríveis, mas meu ciclo se encerrou. Pelo menos por ora,
do jeito que está. Em algum momento deve sair um anúncio oficial sobre as mudanças. Quero combinar de fazermos
um almoço de despedida na próxima quarta. Prometo não
irmos ao lugar de sempre, pq quero que o Paulo vá! Rs... E o
305
convite vale, obviamente, também para as egressas Patrícia,
Leda e Alice. (sic)8.
Outra prática observada no grupo de WhatsApp desta organização é a de conversas e referências jocosas à gestão da área, realizada por
um diretor executivo. São frequentes as conversas relacionadas ao comportamento deste gestor ou situações que envolvem sua participação,
conforme ilustra o exemplo abaixo, tirado do mesmo grupo.
Genteeeee! Tava fumando um cigarro agora e apareceu o
Paulo Silveira [Vice-presidente de Recursos Humanos] e ele
ficou me instigando, perguntando o que eu achava de trabalhar com o Palhares [diretor da área]. Me disse que percebe
que ele está tendo problemas de adaptação, mas que é normal. Meuuuu, muito estranho ele vir com esses papos pra
cima de mim. Eu fiz de morto e fingi que estava tudo bem
entre nós kkkkkk (sic. Trecho concedido por um Gerente da
empresa em questão)9.
BOLÃO DA DEMISSÃO
Neste caso, o grupo é formado por diferentes níveis hierárquicos,
sendo o mais alto um membro da gerência executiva e o mais baixo um
analista (entre empregados e ex-empregados que permaneceram no grupo) de uma multinacional de serviços de tecnologia.
Anualmente, após anúncio dos resultados e dos valores referentes
ao programa de participação nos lucros, demissões sistemáticas ocorriam. Assim, esse contexto cíclico que antes era discutido no ambiente
da comunicação informal migrou para a plataforma do Whatsapp. No
final do ano de 2013, formou-se a comunidade virtual “Bolão da demissão”, que passou a especular sobre o nome dos possíveis desligamentos daquele ano. Além dessa pauta inicial, o grupo manteve conversas
a respeito de outros temas da companhia, dando vazão por meio desta
Trecho concedido por um gerente da empresa em questão. Os nomes foram
alterados para preservar a confidencialidade do conteúdo.
8
Trecho concedido por um gerente da empresa em questão. Os nomes foram
alterados para preservar a confidencialidade do conteúdo.
9
306
mídia das angústias relacionadas a líderes específicos, demais colegas e
incoerências da gestão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Amplamente popularizado, o WhatApp passou a fazer parte da
dinâmica das relações sociais e integrou, de fato, a forma pela qual as
pessoas trocam informações. No contexto informal das organizações,
em que a comunicação ganha mais propriedade, por ser criada e desenvolvida à luz do interesse dos empregados, ganhou ainda mais força,
pelas próprias características que apresenta – enlaçamento, sincronicidade, perecibilidade, descorporificação, amplificação e segurança.
O indivíduo, que ao mesmo tempo é produtor e consumidor do
conteúdo que circula pelo WhatsApp, mesmo estando submetido a um
conjunto de normas e cultura que regem o ambiente que lá se estabelece, encontra espaços para falar e ser ouvido, criando e recriando uma
comunicação mais pertinente às suas necessidades e interesses.
Midiatizando as relações empregatícias do ambiente organizacional, o WhatsApp amplia os espaços de comunicação na empresa,
mesmo que não formalizado entre as ferramentas oficiais de informação da organização.
Caracterizado como uma rede social, por se tratar de uma plataforma que permite a “formação de redes de pessoas conectas e pequenas comunidades virtuais” (CIPRIANI, 2011, p. 6), o WhatsApp carrega
as particularidades deste tipo de mídia digital. Ao propiciar a formação
de laços, da mesma forma como acontecia anteriormente nos grupos
presenciais, ou seja, na conversa de corredor, o laço, como já referenciado, gera pertencimento, o que dá identificação ao indivíduo como
membro de um grupo.
Importante reforçar que o ineditismo aqui conferido ao WhatsApp
se dá porque, apesar de outras mídias anteriormente se apresentarem
como ferramentas de mediação da comunicação informal, nenhuma delas, até então, foi capaz de reunir todas as características essenciais para
se inserirem de forma orgânica na dinâmica da comunicação informal.
O telefone, por exemplo, apresar de também prescindir a presença física, não permite com facilidade a transmissão de informações em grupo
com a simultaneidade de interações. O e-mail, assim como o SMS, não
307
pressupõe a sincronicidade, enquanto o WhatsApp permite o (e se vale
do) diálogo instantâneo. Nenhuma outra mídia oferecida pela empresa
como veículo de Comunicação está livre de ser auditada.
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ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
DIGITAL DA EMBRAPA: IMPORTÂNCIA DO
PLANEJAMENTO, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO
Maria Eugênia Ribeiro1
RESUMO
Esse trabalho tem por finalidade analisar o processo
de inserção da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) no ambiente das mídias e redes sociais, quais estratégias adotou ao se preparar para ingressar de maneira
institucional nesse ecossistema e como utiliza-se das estratégias de comunicação organizacional digital para divulgar
suas ações e fortalecer o relacionamento com seus públicos de interesse. Além disso, são apresentados modelos de
estratégias e abordada a importância do planejamento e
do monitoramento quando se pretende atuar no ambiente digital de maneira estratégica. O artigo objetiva também
analisar a atuação da Embrapa na rede social Facebook, por
meio de revisão de literatura, pesquisa documental, análise
de conteúdo e entrevistas semiestruturadas.
Palavras-chave: Comunicação Organizacional;
Comunicação Digital; Estratégia; Mídias sociais; Redes
Sociais.
MestreemComunicaçãoSocialpelaUniversidadeMetodistadeSãoPaulo(Umesp)ejornalistadaEmpresaBrasileiradePesquisaAgropecuária(Embrapa).
1
INTRODUÇÃO
A utilização das tecnologias digitais pela sociedade atual vem
provocando profundas mudanças em todo o processo de comunicação.
No Brasil, assim como na maioria dos países ocidentais, as empresas de
comunicação e as demais instituições públicas e privadas também foram levadas a se inserir nessa nova modalidade.
Desde o surgimento da internet, as empresas começaram a utilizar suas ferramentas para incrementar processos de gestão, vendas,
logística e, principalmente, a comunicação com seus clientes ou com
seus públicos de interesse. Passaram a utilizar o e-mail para a troca de
informações, criaram páginas na internet, blogues e investiram em sistemas cada vez mais modernos visando agilizar os processos, atender
seus clientes com mais rapidez e se relacionar de maneira cada vez mais
próxima com eles. Com a disseminação das redes e mídias sociais estas
também passaram a ser incorporadas pelas organizações como ferramentas de comunicação.
A Embrapa foi uma das primeiras instituições públicas do país
a se preocupar em estabelecer procedimentos para orientar as ações
de comunicação e ainda na década de 90 publicou a sua Política de
Comunicação Empresarial que a consolidou como um processo de gestão da organização. Com o avanço das tecnologias de comunicação e
informação, a empresa teve que promover mudanças também em suas
já consolidadas estratégias de comunicação. A organização promoveu
ações voltadas para o planejamento de sua atuação nas mídias e redes
sociais antes de ingressar de maneira institucional nesse ambiente, estabelecendo normas específicas para esse ecossistema digital.
Esse trabalho tem por objetivo identificar as estratégias de comunicação organizacional digital utilizadas pela Embrapa e verificar
como a atuação nas mídias digitais conectadas e nas redes sociais digitais contribuem para o aprimoramento da divulgação das tecnologias,
processos e serviços da empresa, assim como verificar como ocorre o
diálogo e o relacionamento da Embrapa com seus públicos de interesse
por esses meios de comunicação. Como objetivos específicos pretende-se conhecer o processo de planejamento, implantação e acompanhamento da atuação da Embrapa nas mídias e redes sociais e identificar
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como a Embrapa divulga suas ações e se relaciona com seus públicos de
interesse utilizando a rede social Facebook. Pretende-se ainda, a partir
da análise das informações obtidas na pesquisa propor melhoria no processo de comunicação organizacional digital da Embrapa.
Para desenvolver a pesquisa, foi realizada uma revisão de literatura sobre estratégias de comunicação organizacional digital até se chegar
às estratégias de comunicação organizacional digital na Embrapa, tema
deste trabalho. Buscamos fazer também uma pesquisa documental sobre a empresa e entrevistas semiestruturadas com os gestores e profissionais de comunicação da sede e das Unidades da Embrapa, responsáveis por perfis em redes e mídias sociais. Foi ainda realizada uma análise
do conteúdo publicado na página da Embrapa na rede social Facebook,
intitulada “Agro Sustentável”.
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL DIGITAL ESTRATÉGICA
A criação da Internet e mais tarde da web, permitiu que estas mídias fossem incorporadas às estratégias de comunicação corporativa
ou organizacional no planejamento e execução de ações voltadas para
seus públicos internos e externos. O uso dessas tecnologias digitais pelas organizações ficou conhecido como Comunicação Digital. Elizabeth
Saad Corrêa (2005) conceitua Comunicação Digital “como o uso das
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TIC´s), e de todas
as ferramentas delas decorrentes, para facilitar e dinamizar a construção
de qualquer processo de Comunicação Integrada nas Organizações”.
O uso da comunicação digital pelas organizações requer planejamento e monitoramento constante, mas é um espaço que pode trazer
benefícios às organizações. Outro aspecto importante é que cada empresa deve saber qual o significado da internet para o seu negócio e ao
assumir o uso dessa tecnologia como parte do seu processo de comunicação com seus públicos, deve estar atenta às diferenças existentes
entre o meio digital e os meios de comunicação tradicionais ao elaborar
e distribuir mensagens pela internet. Esse meio requer alterações nos
processos de edição e de linguagem, tendo em vista o aproveitamento
das novas possibilidades de estruturação narrativa por meio do hipertexto, da multimídia e da interatividade.
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A utilização das ferramentas da Internet na Comunicação
Organizacional não pressupõe alterações apenas relacionadas aos equipamentos em si, mas vem alterando o modo de agir dos profissionais da
área de comunicação, tais como jornalistas, relações públicas e publicitários, por exemplo, que têm buscado incorporar ao seu dia a dia novas
formas de trabalho mais focado nos públicos de interesse da instituição
e nos objetivos que a organização pretende alcançar por meio do uso de
estratégias de comunicação. É importante também compreender as relações que se construíram ao longo dos anos entre tecnologia e comunicação, a ruptura e o processo de inovação tecnológica, além da convergência dos meios, suportes e sistemas e a configuração da ambiência digital.
Nesse trabalho abordamos as estratégias de comunicação digital
nas organizações, com destaque para as estratégias que a Embrapa vem
utilizando para divulgar suas ações e se relacionar com seus públicos
de interesse nas mídias e redes sociais. Com isso, torna-se necessário
conhecer conceitos e características do ambiente digital, com foco nas
redes e mídias sociais digitais.
Para Carolina Terra (2012), as mídias sociais digitais podem ser caracterizadas da seguinte maneira: “é aquela utilizada pelas pessoas por
meio de tecnologias e políticas na web com fins de compartilhamento de
opiniões, ideias, experiências e perspectivas” (TERRA, 2012, p. 202).
De maneira geral, as mídias sociais podem ser definidas como ambientes ou ainda plataformas para divulgação dos mais diversos tipos de
informação, tanto em forma de texto, como imagens, áudios (podcasts)
e vídeos e onde também ocorrem diálogos, publicação de comentários
(um blogue, por exemplo) e troca de ideias e informações, não necessitando para seu amplo funcionamento que seja feita uma adesão formal,
uma filiação, visando a formação de laços ou de uma rede de relacionamentos, como ocorre, por exemplo, em sites de redes sociais, como
o Facebook, Orkut ou Linkedin, quando é necessário que os usuários se
inscrevam e passem a ser “amigos” uns dos outros, para que o diálogo e
a troca de informações seja possível de forma completa.
No que diz respeito às redes sociais, Boyd e Ellison (2007) definem
sites de redes sociais como serviços baseados na web que permitem aos
indivíduos construir um perfil público ou semipúblico dentro de um
sistema limitado; articular uma lista de outros usuários com os quais
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compartilha uma conexão e ainda ver e percorrer a sua lista de ligações
e aquelas feitas por outras pessoas dentro do sistema.
Raquel Recuero (2009) define como sites de redes sociais toda a ferramenta que for utilizada de modo a permitir que se expressem as redes
sociais suportadas por ela. Ela acrescenta que os sites de redes sociais
“são uma consequência da apropriação das ferramentas de comunicação
mediada pelo computador pelos atores sociais” (RECUERO, 2009, p. 109).
Ao pensar na elaboração de um trabalho sobre estratégias de comunicação digital em uma organização é necessário revermos alguns
conceitos relacionados ao tema estratégia, estratégia empresarial e
também a comunicação organizacional estratégica.
Henry Mintzberg (2006), professor da Mcgill University em
Montreal, e um dos autores do livro O processo da estratégia, a define não
com um conceito único, mas ao apresentá-la, o faz sob diversas visões,
traçando as inter-relações entre as cinco definições apresentadas: como
plano, pretexto, padrão, posição e perspectiva.
Antes de tratarmos da comunicação digital estratégica, um dos
temas principais desse trabalho, optamos por apresentar conceitos, requisitos e características da comunicação estratégica nas organizações
de maneira geral, não só no âmbito da comunicação digital. De maneira
geral, o professor da Tuck School of Business, nos Estados Unidos, e autor de diversos livros na área de comunicação corporativa, Paul Argenti
(2006), afirma que a primeira parte da estratégia de comunicação empresarial (organizacional) eficiente está relacionada diretamente à empresa e apresenta os três subconjuntos de ações que fazem parte de uma
estratégia organizacional. São eles: determinar os objetivos da comunicação; decidir que recursos estão disponíveis para que se alcance os
objetivos e fazer um diagnóstico da reputação da organização.
No caso da comunicação organizacional, o planejamento é imprescindível, pois é uma atividade que envolve a direção da empresa,
seus públicos internos e externos, o que implica em cuidados para evitar a improvisação e consequentes erros que venham a comprometer a
imagem da organização e a realização de seus objetivos.
As professoras Ivone de Lourdes Oliveira e Maria Aparecida de
Paula (2008) argumentam que para a comunicação organizacional tornar-se de fato estratégica é necessária a ampliação do seu papel e da
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sua função para que se conquiste espaço gerencial. Dessa forma, será
possível auxiliar as organizações a promover e revitalizar seus processos
de interação e interlocução com os atores sociais, articulados com suas
políticas e objetivos estratégicos.
Para Elizabeth Saad Corrêa (2009), é possível a convivência entre
diferentes estratégias de presença no ciberespaço. Ela propõe um modelo
de abordagem a ser utilizado pelas organizações que pretendem planejar
a comunicação organizacional digital incorporando aspectos da estratégia empresarial geral definida pela organização. “Propomos um modelo
adaptável a diferentes ambientes e contextos organizacionais e construído em dois estágios de desenvolvimento: o posicionamento estratégico e
a constituição dos espaços-informação” (CORRÊA, 2009, p. 328).
A seguir, apresentamos um resumo do modelo elaborado pela
autora (2009), como destaque para suas principais características, seus
componentes e requisitos:
a) O modelo possibilita ao comunicador respostas mais bem
sustentadas para os diferentes aspectos com que se depara na
rotina da comunicação digital corporativa;
b) Necessita de atualização constante da equipe sobre as Tecnologias da Comunicação e da Informação (TICs) como forma
de garantir eficiência às ações de comunicação digital;
c) Identificação da necessidade de convergência midiática a
ser implementada e sua relação com as necessidades estratégicas e dos públicos de cada organização;
d) Considerar a necessidade de investimentos, tendo em vista
que as ações de comunicação têm custos, muitas vezes de difícil
mensuração, em decorrência das mudanças contínuas no ambiente tecnológico e das expectativas dos usuários;
e) Requer a integração e ações coordenadas de áreas como
tecnologia da informação, desenvolvimento e treinamento de
pessoas, os diferentes negócios em seus níveis operacionais e a
própria comunicação corporativa;
f) A comunicação digital nas organizações é uma tarefa que
tem uma relação indissolúvel com planejamento, gerenciamento e governança, além de aumentar conforme o tamanho
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e abrangência física da empresa, ou seja, quanto mais a organização for proativa em relação às TICs, mais ela se manterá
estrategicamente;
g) É impraticável propor um modelo único, ideal para todas as
ações de comunicação digital, pois é necessário conhecer as especificidades de cada ambiente e definir ações de acordo com
análise de cada um desses ambientes.
Após a apresentação desse modelo, consideramos importante
destacar outro, desta vez voltado para a comunicação estratégica em
mídias sociais, elaborado pelo professor e consultor, Fábio Cipriani. A
estratégia em mídias sociais propostas por Fábio Cipriani (2011) tem
três elementos principais: os objetivos, as abordagens e as dimensões.
O primeiro elemento a ser pensado são os objetivos, pois estes definem
todos os demais elementos da estratégia. Após a definição dos objetivos,
a empresa deve decidir quais abordagens utilizará para alcançá-los, tendo como base a conectividade das mídias sociais alinhada à sua forma
de fazer negócio. As abordagens que forem escolhidas devem ser mapeadas, assim como os impactos ou mudanças provocados nas operações
da empresa em decorrência do uso das mídias sociais. O objetivo e a
abordagem devem ser escolhidos com base nas dimensões estratégicas
que contém elementos importantes para o alcance do sucesso.
O modelo apresentado recomenda que sejam seguidas três etapas
para desenvolver o conteúdo mais adequado para mídias sociais. São
elas: monitoramento (para perceber o que o mercado está falando sobre a marca e quais suas demandas), conteúdo (desenvolvido e moldado
pelo resultado do monitoramento) e relacionamento (multiplica e energiza o conteúdo nas mídias sociais).
Os dois modelos apresentados defendem que toda e qualquer estratégia de comunicação em uma empresa ou organização deve estar
alinhada ao planejamento estratégico gerencial da instituição. Ambos
se preocupam em conhecer o ambiente em que se pretende atuar, de
dispor de profissionais treinados e capacitados para atuar no ambiente
digital, de identificar quais os públicos com os quais se pretende estabelecer relacionamento, de definir objetivos e monitorar durante todo o
processo os resultados que estão sendo alcançados.
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As principais diferenças nos dois modelos é que Elizabeth Saad
apresenta uma proposta voltada a atuação das empresas na internet
de uma maneira mais geral, envolvendo a criação de portais, salas de
imprensa e outros canais de divulgação e também de relacionamento
com os públicos de interesse, não só com estratégias para atuação nas
mídias e redes sociais. O outro modelo está mais focado no mercado, no
negócio e todo o planejamento e execução, mesmo priorizando o relacionamento com os públicos, visam o negócio e a geração de valor para
a empresa e para tanto, o autor apresenta um detalhamento de cada
etapa a ser seguida, apontando ao final, assim como a outra autora, que
não existe um modelo verdadeiro e absoluto para ser utilizado ao se ingressar no ambiente da internet e das mídias sociais. Deve-se, portanto,
monitorar e avaliar cada passo para identificar quais os caminhos que
devem ser trilhados em busca de se alcançar os objetivos propostos.
PROCEDIMENTOS DE PESQUISA
Para a realização do estudo, foi feita uma revisão de literatura,
a partir de material já publicado (livro, dissertações, teses e artigos), e
pesquisa documental (publicações da Embrapa impressas e disponíveis
na internet, palestras e diagnósticos), visando subsidiar a elaboração do
corpus do trabalho.
Fez-se necessária uma combinação entre a pesquisa quantitativa e qualitativa.
A análise qualitativa teve por
objetivo identificar como a Embrapa realizou o planejamento e execução das estratégias de comunicação em mídias sociais da instituição.
Buscou-se identificar por meio das informações obtidas durante as entrevistas quais as prioridades que a empresa considera ao buscar as mídias e redes sociais para divulgar suas ações e para se relacionar com
seus públicos de interesse.
Nessa fase do trabalho foi essencial a busca por informações sobre métodos de pesquisa voltados para a internet.
A partir dessas
informações, foi possível analisar as estratégias escolhidas e confrontá-las com os modelos de estratégias de comunicação organizacional digital apresentados por Elizabeth Saad Corrêa e Fábio Cipriani para avaliar
se a empresa está utilizando estratégias que possam realmente contribuir para os objetivos que ela estabeleceu como prioritários ao ingressar
no ambiente das mídias e redes sociais.
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Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com gestores da
área de comunicação e mídias sociais da Embrapa e com profissionais que
atuam nas Unidades da empresa e que são responsáveis pelos perfis nas
mídias e redes sociais. As entrevistas aconteceram nos meses de setembro,
outubro e novembro de 2013, com utilização da ferramenta digital, Skype.
Para exemplificar como a Embrapa divulga suas ações nas mídias e redes sociais e ter uma visão ainda que parcial sobre como ela se
relaciona com seus públicos de interesse por meio dessas plataformas
digitais, optou-se por fazer uma análise quantitativa a partir das postagens publicadas na página da instituição no Facebook (https://www.facebook.com/agrosustentavel). Foram também identificadas categorias
de públicos que mantinham algum tipo de diálogo ou relacionamento
com a Embrapa via página Agro Sustentável e verificado o conteúdo dos
diálogos referentes às postagens.
Nessa fase, optamos por analisar os 50 primeiros posts (março a
junho de 2012) publicados no Facebook e os 50 últimos posts publicados
(janeiro e fevereiro de 2014), períodos normais de publicação de posts na
página Agro Sustentável. Foram identificados e quantificados os compartilhamentos e opções “curtir”. Em relação aos comentários, foram analisados os conteúdos e procurou-se identificar a qual público de interesse
(de acordo com a Política de Comunicação da Embrapa) pertenciam os
usuários que faziam comentários. Foi também observada a questão do
diálogo entre a Embrapa e seus públicos a partir das respostas ou comentários feitos pelo gestor da página Agro Sustentável, quando ocorriam críticas ou dúvidas, para analisar, como está a interação entre a Embrapa
e seus públicos por esse canal (lembrando que essa análise dará apenas
uma visão geral, tendo em vista a necessidade de outros recursos metodológicos para realiza-la de maneira aprofundada). Procuramos ainda nessa
fase identificar quais dos temas divulgados atraem mais a atenção dos
públicos que se relacionam com a Embrapa por meio do Facebook.
USO DAS MÍDIAS E REDES SOCIAIS COMO ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO
ORGANIZACIONAL DA EMBRAPA
O primeiro passo dado pela Embrapa para se preparar para atuar no ambiente das mídias e redes sociais foi realizar o planejamento
de suas ações. Ela começou pela formação de um grupo de trabalho
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multidisciplinar e multiregional para definir como seria essa atuação
que realizou as seguintes ações: priorizou a elaboração de documento orientador; realizou encontros presenciais e via internet (Skype,
Hangout); elaborou os esboços dos documentos eram compartilhados
utilizando-se ferramentas de internet (Google Docs; etc); todo processo era sistematizado, desde o início até a conclusão; foi escolhida
uma metodologia para a realização do trabalho; foi realizada pesquisa sobre uso das mídias sociais (menções) pelos órgãos do governo,
disponibilizada pelo Ministério da Agricultura; visita a empresas para
conhecer como atuavam nas mídias e redes sociais; entrevistas com a
diretoria da empresa e com os profissionais de comunicação das unidades; entrevistas e visitas a outras instituições. Todo esse processo
foi feito de maneira colaborativa, com apenas uma reunião presencial
com o apoio de um consultor e as demais via web;
Após essa etapa a empresa definiu que seria criado um perfil
no Twitter e no caso do Facebook, seria dado continuidade ao perfil
criado para o evento Rio +20. Em relação ao conteúdo produzido pela
Embrapa para divulgação por meio das mídias e redes sociais, em especial o Facebook, objeto mais direto desse trabalho, o principal critério
para a escolha dos temas é que este estejam voltados para as soluções
sustentáveis para a agricultura. Com isso, a equipe responsável busca
divulgar de maneira mais efetiva as publicações da Embrapa têm caráter mais simples, mais direto e com uma linguagem mais simples. A
postagem de novos conteúdos, desde abril de 2012, é feita diariamente
e em situações especiais, quando ocorre algum evento ou surge algum
assunto emergencial, pode ocorrer mais de uma geralmente feita entre
11h e meio-dia.
Durante as entrevistas com os gestores de mídias sociais da
Embrapa, a resposta foi a mesma ao perguntarmos sobre a questão do
monitoramento que ocorrei diariamente. Tanto no Facebook (página
Agro Sustentável) como no Twitter (@embrapa), são usadas ferramentas gratuitas para a análise dos dados.
Para o Twitter, a equipe utiliza a ferramenta gratuita que se chama Tweet Reach e nessa ferramenta é feito o monitoramento diário do
termo “Embrapa”.
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No caso do Facebook, é utilizado o sistema de estatísticas dessa
rede social para verificar as interações que acontecem na página.
Para o acompanhamento das redes e mídias sociais é feito um
relatório toda segunda-feira, com as análises das postagens e também
com as menções à palavra Embrapa, utilizando-se de softwares gratuitos. Esse relatório é enviado aos gestores da Embrapa, entre eles a chefe
da Secretaria de Comunicação, assessores da diretoria e outros coordenadores da Secom.
A partir dessa verificação semanal, observou-se
que os estudantes e moradores das zonas urbanas são os principais públicos da Embrapa que se relacionam com a empresa via redes sociais.
Em relação às Unidades da Embrapa, antes mesmo da normatização do uso das mídias sociais pela empresa, diversas Unidades
já dispunham de perfis no Orkut, Facebook e Twitter, por exemplo.
Encaminhamos a quatro profissionais de comunicação das Unidades da
Embrapa, via e-mail 19 questões acerca do trabalho desenvolvido com
a utilização das mídias sociais. Foram entrevistados dois jornalistas e
duas relações públicas, sendo os dois primeiros do Nordeste e CentroOeste e os outros dois, das regiões Norte e Sul.
Como aspectos positivos da utilização das mídias e redes sociais pela Embrapa, os profissionais foram unânimes ao afirmar que
está sendo uma experiência positiva, principalmente por representar
mais possibilidades de aproximação com os públicos da empresa, além
de incrementar, principalmente a divulgação de eventos e ações de
Transferência de Tecnologia promovidas pela Embrapa.
Os quatro participantes informaram que iniciaram os trabalhos
com mídias sociais em suas Unidades antes da adesão institucional da
Embrapa. Iniciaram de maneira intuitiva, sem treinamento específico
sobre o tema, tendo ocorrido apenas uma videoconferência após a a
publicação dos manuais pela Embrapa e da definição das normas para
utilização das redes e mídias sociais. Em suas Unidades também não
aconteceram eventos para orientar tanto os profissionais de comunicação quanto os demais empregados sobre como utilizar as mídias sociais
de maneira institucional. Eles apontaram necessidades de melhoria no
processo de monitoramento da atuação da Embrapa no ambiente digital. Atualmente, as Unidades, assim como a sede da Embrapa, fazem o
acompanhamento do que é publicado nas mídias sociais utilizando-se
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de ferramentas gratuitas e cada uma utiliza o software que deseja ou
consegue utilizar. Não foi definido um padrão de informações que devem ser obtidas e analisadas de forma que a Embrapa possa gerar um
relatório com as mesmas categorias de informações, por exemplo. Um
dos profissionais entrevistados afirmou ter contratado, por conta própria, serviço de monitoramento para fazer o trabalho da Unidade, pois
considera que os softwares gratuitos não lhe fornecem informações suficientes para a realização de um monitoramento eficaz.
ANÁLISE DA PÁGINA AGRO SUSTENTÁVEL NO FACEBOOK
Como um exemplo da atuação da Embrapa nas mídias sociais e
redes sociais, optamos por utilizar os primeiros 50 posts divulgados pela
Embrapa ao criar o perfil https://www.facebook.com/agrosustentavel e
também os últimos 50 posts publicados em janeiro e fevereiro de 2014.
Dos 100 posts divulgados na página Agro Sustentável, observamos que
7.036 pessoas compartilharam o conteúdo; 5.778 “curtiram” e somente 201 pessoas teceram comentários sobre o post. Estabelecemos como
critérios para análise aspectos relativos aos tipos de comentários feitos ao conteúdo divulgado, como críticas, elogios, dúvidas, pessoas que
apenas marcavam amigos e não emitiam opinião e aquelas que faziam
comentários neutros.
Dos 201 comentários feitos constatamos que 36% são sugestões
ou marcações de amigos, 27% são elogios ao conteúdo, 19% são neutros,
8% são respostas do gestor da página a comentários, dúvidas ou críticas,
6% são críticas e 4% são dúvidas. Ao analisar as postagens, procuramos identificar a qual público de interesse (conforme estabelecido pela
Política de Comunicação) da Embrapa pertence a pessoa que estava interagindo com a empresa via rede social. Identificamos que a comunidade acadêmica e os próprios empregados da Embrapa foram aqueles que
mais comentaram, abaixo apenas dos que não indicavam a profissão no
perfil do Facebook. Dos 201 comentários, 46 são da comunidade acadêmica, 44 são empregados e em terceiro lugar estão os profissionais que
fazem parte do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, 14 pessoas.
A maioria das pessoas que interagiram com a Embrapa não discriminavam em seus perfis qual a profissão ou área de atuação profissional.
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Buscamos identificar qual o teor dos comentários e observamos
que a maioria se tratava de algum elogio ou parabenizava a Embrapa
pelo conteúdo da postagem. Identificamos 47 elogios, 13 pedidos de
informação, 07 fizeram algum comentário sobre alimentação saudável, dois comentaram sobre o caráter informativo da postagem, dois
sugeriram realização de eventos, dois incentivaram a realização de
ações contínuas sobre o tema publicado e 30 pessoas fizeram comentários genéricos.
Foi possível identificar os temas de maior e de menor interesse
por aqueles que interagem com a Embrapa pelo Facebook. Observamos
que publicações e vídeos contendo orientações sobre hortaliças ou do
tipo “como fazer”, contendo orientações foram os que mais tiveram
compartilhamentos, comentários e também “curtir”. Já os que menos
despertaram o interesse no que diz respeito a essas três opções acima
(comentar, compartilhar e curtir) foram as postagens relacionadas à
agroenergia, considerado um tema voltado para públicos mais específicos, divulgação de visitas e outros eventos.
Esse resultado demonstra que, entre outros aspectos, que o
Facebook, de maneira geral, tem se mostrado como um espaço para
postagens de materiais que estejam mais sintonizados com o dia a dia
das pessoas e que aqueles temas mais complexos devam ser tratados
ou em outro espaço ou com um tratamento específico para torna-lo
mais acessível aos públicos que utilizam essa plataforma digital para
diálogo e interação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendemos ter alcançado o que foi proposto como objetivo dessa pesquisa. Foi possível identificar quais as estratégias que a Embrapa
utilizou para planejar suas ações, além disso, verificamos como a atuação nas mídias digitais conectadas e nas redes sociais digitais contribui
para o aprimoramento do diálogo e do relacionamento da Embrapa com
seus públicos de interesse. Tanto os gestores de comunicação como os
profissionais das Unidades ressaltam as novas possibilidades de interação e diálogo que se abriram a partir do uso das mídias digitais.
Ao fazer a análise do Facebook, mesmo observando que há um
reduzido número de comentários quando comparados com os com322
partilhamentos e os “curtir”, observamos que sempre que há alguma
dúvida por parte de algum representante dos públicos de interesse o
gestor da página Agro Sustentável fornece as informações solicitadas
via comentário.
Em relação ao processo de planejamento pudemos identificar as
fases priorizadas pela empresa. Na análise da página Agro Sustentável,
observamos que os posts que mais tinham “curtidas”, comentários ou
compartilhamentos eram aqueles voltados para o “como fazer” ou como
“plantar” algo. As pessoas não conversam entre si pela página, mas a
utilizam como um espaço para compartilhamento de conteúdo.
Em relação aos modelos de comunicação organizacional propostos pela professora Elizabeth Saad Corrêa e por Fábio Cipriani, na etapa
de planejamento observamos que a Embrapa não estabeleceu claramente com quais públicos pretendia se relacionar utilizando as estratégias
de mídias sociais e esse é um pressuposto fundamental nos dois modelos. Outro ponto que está em desacordo com a metodologia proposta
pelos autores é a questão do monitoramento das mídias sociais em que
ela está atuando. A falta de investimento em um monitoramento mais
eficiente e eficaz que possibilite a investigação e o acompanhamento do
que é divulgado pelas mídias sociais, pode estar excluindo da análise
informações que poderiam contribuir para a realização de parcerias e
novos projetos pela Embrapa.
A empresa não definiu um procedimento padrão para análise da
sua atuação nas mídias e redes sociais. A partir do momento que a
Sede da empresa utiliza uma ferramenta ou mecanismo para análise
que prioriza alguns critérios ou categorias e que as unidades da empresa utilizam outras ferramentas voltadas para outros aspectos ou
categorias, não se tem um processo uniformizado de monitoramento,
acompanhamento e avaliação do processo de atuação da empresa no
ambiente digital.
Sobre a questão do relacionamento com os públicos, observamos
que a Embrapa não determinou durante seu planejamento os públicos
com os quais ela priorizaria suas ações de comunicação organizacional
via mídias e redes sociais. Os usuários das regiões urbanas, estudantes
das áreas de ciências agrárias e professores foram alguns dos que ela
conseguiu interagir por meio do Facebook, por exemplo, mas não houve
323
de início uma priorização desses públicos. Observamos ainda que não
“surgiram” novos públicos, mas que houve uma maior aproximação com
estudantes e professores da zona urbana.
Como tendências e perspectivas para o uso das mídias e redes sociais, em especial o Facebook, a Embrapa, a partir do exposto durante as
entrevistas, está buscando reavaliar as ações desenvolvidas nos primeiros dois anos de atuação nas mídias e redes sociais, buscando aprimorar
o monitoramento e fortalecer o relacionamento com seus públicos de
interesse.
Como sugestão para que a Embrapa tenha uma estratégia que preze pela eficiência e eficácia, fica como recomendação final
desse trabalho que a empresa busque estratégias de comunicação com
foco na segmentação de públicos, como propõe os autores utilizados
como referencial teórico desse estudo, além de monitorar cada mínimo
passo da sua atuação no ambiente digital e assim conhecer como está
a sua imagem, reputação e a o posicionamento da sua marca no mercado. Outra sugestão seria, além da segmentação de públicos, buscar
alternativas tecnológicas que sejam mais adequadas para alcançar públicos considerados prioritários pela empresa. Além disso, é importante
aprimorar o diálogo e o relacionamento como aqueles apontados como
prioritários para empresa em pesquisa de imagem realizada em 2013
(Técnicos de Assistência Técnica, produtores, crianças e comunidade
científica). Ferramentas como newsletters específicas para a comunidade acadêmica e uso de outras alternativas para a comunicação com
profissionais de Assistência Técnica (ATER) poderiam ser analisadas
possibilidades para incrementar a divulgação, a promoção de ações e
eventos, assim como o diálogo e o relacionamento com esses públicos.
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GRUPO DE PESQUISA III
COMUNICAÇÃO, IDENTIDADE E DISCURSOS
COORDENAÇÃO: PROF. DR. RUDIMAR BALDISSERA (UFRGS)
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DIÁLOGO E VÍNCULO – CONTRIBUIÇÕES PARA A
LUGARIZAÇÃO DE PERSPECTIVAS COMPLEXAS NAS
ORGANIZAÇÕES
Profª. Dra. Cleusa Maria Andrade Scroferneker1,
Dra. Lidiane Ramirez de Amorim2 e
Me. Rosângela Florczak de Oliveira3
RESUMO
Diante das evidentes tensões do ambiente organizacional contemporâneo, marcado pela complexidade
das relações entre sujeitos, mas ainda pensado e vivido a
partir da racionalidade paradigmas mecanicistas, discutimos a inclusão de novas perspectivas comunicacionais.
Questionamo-nos sobre a necessidade do diálogo e do
estabelecimento e fortalecimento de vínculos para a sustentação de relacionamentos que contribuam para a (re)
Doutorado em Ciências da Comunicação – Escola de Comunicação e Artes
da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Professora Titular da Faculdade de
Comunicação Social da Pontifícia. Universidade Católica do Rio Grande do Sul
– FAMECOS/PUCRS. Bolsista PQ/CNPq 2.
1
Doutorado em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do RS
(PUCRS), Mestre pela mesma Universidade. Atua como Gerente de Comunicação Corporativa da Rede Marista, em Porto Alegre/RS, Brasil e como docente da
Faculdade SENAC – Porto Alegre.
2
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Pontifícia
Universidade Católica do RS (PUCRS), Mestre pela mesma Universidade. Professora da ESPM-Sul.
3
construção de sentido e favoreçam a lugarização de novas
compreensões sobre os sujeitos, dimensões tão essenciais
e centrais (no mais das vezes, esquecidas) para a própria
sobrevivência das organizações.
Palavras-chave: Comunicação Organizacional;
Complexidade; Diálogo; Vínculo; Sujeitos.
1 TENSÕES PARADIGMÁTICAS NA COMPREENSÃO DAS ORGANIZAÇÕES
CONTEMPORÂNEAS
O espaço organizacional é por nós compreendido4 como um sistema vivo, (re) tecido por meio de vínculos e relações, permeado pelo
diálogo, essencialmente composto por sujeitos, sobrecarregado de significações e simbolismos, e, com eles, se auto-eco-organiza, num constante movimento recursivo. Este universo comunicante e produtor
de sentidos (VERÓN, 2004, OLIVEIRA e PAULA, 2008) por muito tempo permaneceu encerrado nas redomas de paradigmas mecanicistas,
marcados pela simplificação e pela linearidade. Universo no qual não
cabiam incertezas, uma vez que havia sido concebido para ‘funcionar’
(grifo nosso) como máquinas eficientes, equilibradas, estáveis, confiáveis, previsíveis e precisas. Assim eram entendidas as organizações nas
teorias e escolas clássicas da administração.
Desde o surgimento dos primeiros estudos organizacionais, no
início do século XX, inúmeras metáforas e imagens pretendem dar conta
de classificar, representar e interpretar as organizações. A escola clásDe acordo com Morin (2001, 2012) compreender é captar as significações
existenciais de uma situação ou de um fenômeno, significa intelectualmente
apreender em conjunto, abraçar junto, o texto e seu contexto, as partes e o
todo, o múltiplo e o uno, como sugere sua etimologia, do latim comprehendere.
Compreender significa agarrar com a mão, abarcar com os braços, lembra Sodré (2006a), dela não se separar, como acontece com o puro entendimento, em
que a razão penetra o objeto, mantendo-se à distância para explicá-lo.
4
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sica, que perdurou por mais de 50 anos e deixou, até hoje, resquícios no
modo de entender os ambientes corporativos está baseada no paradigma mecanicista. Como a expressão sugere, esta corrente assume a organização como máquina, composta por partes e processos totalmente
confiáveis e coerentes entre si, onde cada atividade, pessoa, relação, é
parte de uma engrenagem maior, dirigida por um “timoneiro” que deve
guiá-la até a efetividade total e à perfeição (URIBE, 2007).
Posteriormente a esta escola, as organizações passam a ser analisadas a partir de correntes antropológicas e sociológicas como o funcionalismo e estruturalismo, até a emergência da teoria dos sistemas, um
divisor de águas na análise organizacional. Conforme Baldissera e Solio
(2006, p.13), trata-se de um avanço que merece destaque, porém,
deve-se atentar que a noção de sistema aberto implica em relações dialógicas e recursivas, fator que, em princípio, tende
a ser rechaçado pela perspectiva da administração científica.
Assim, é difícil imaginar que uma organização fragmentada
em departamentos cristalizados consiga oxigênio.
A teoria sistêmica avançou, sobretudo, por admitir a relação entre a organização e o ambiente e por admiti-la como um sistema social. Temos ainda, a partir dos anos 70, a Teoria da Contingência, o
Participacionismo e inúmeras outras tendências que têm em comum a
busca por modelos que, em grande parte, permanecem lançando olhares fragmentados e buscando entender partes isoladas de um todo.
O que percebemos é que ainda existem reminiscências cristalizadas no pensamento contemporâneo herdadas da teoria clássica e das
correntes que nasceram na modernidade. É o que, todavia, ocorre em
inúmeras outras áreas do conhecimento nas quais reverberam os princípios de legislar, disjuntar, isolar os objetos, priorizar o isolamento da
objetividade e exclusão da subjetividade e a crença na validade das certezas absolutas. O paradigma da simplificação recorre à fragmentação e
ao ordenamento, e ignora o todo que envolve o objeto, os contextos e as
mediações que o produzem e que agem sobre ele (MORIN, 2003).
Segundo Uribe (2007), passados todos estes anos, ainda não presenciamos uma mudança paradigmática, mas sim, um desenvolvimento
acumulativo dentro de um mesmo paradigma. Para o pesquisador colombiano, tanto na versão inicial tendo a máquina como metáfora, ou
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na atual baseada no desenvolvimento da cibernética, informática e da
globalização, o mecanicismo não adquiriu mudanças profundas, apenas
questionamentos ritualísticos e formais que contribuíram para mascarar e acentuar os efeitos dos seus dois princípios fundantes: a ruptura
entre mão e cérebro e a coisificação do ser humano, ou seja, sua redução
a uma coisa, a um mero recurso de produção, sem respeitar sua igualdade e a possibilidade de exercer a fala e construir sua identidade no
ambiente organizacional.
As teorias organizacionais, ao seu tempo e contexto histórico,
revelam e desvelam especificidades que as (re) dimensionam e (re) colocam o indivíduo, assumindo [ou não] uma pluralidade de papéis/funções. Contudo, apesar da relevância [ou não] dessa relação, esse indivíduo-sujeito organizacional continua sendo discutido, e percebido como
um ‘ente’ (grifo nosso) destituído de sentimentos, afeto, expectativas,
frustrações, emoção. De acordo com Silva (2008, p.7) “Durante muito
tempo, as teorias simplificadoras tentaram reduzir o homem a uma casualidade. Fizeram dele um ser para a produção, para o jogo, para a loucura, para a religião, etc. Faber, ludens, demens...”
Este sujeito fragmentado, visto apenas como máquina física é,
para Morin (2006), um vício da concepção tayloriana do trabalho. Com
o passar do tempo, avançamos na compreensão da multiplicidade desse
sujeito que, mais do que máquina, tem necessidades biológicas, sociais
e psicológicas que necessitam ser levadas em consideração também no
universo do trabalho. “A evolução do trabalho ilustra a passagem da unidimensionalidade para a multidimensionalidade”, explica Morin (2006,
p. 91) e adverte: “estamos apenas no início deste processo” (Ibidem).
Admitimos que, racionalmente, as organizações podem ser percebidas como uma combinação ordenada de produção e cooperatividade,
conforme define Srour (2012, p. 69):
As organizações podem ser definidas como coletividades especializadas na produção de um determinado bem ou serviço. Elas combinam agentes sociais e recursos, e forma a economizar esforços e tornar seu uso eficiente. Potencializam
a força numérica desses agentes e convertem-se em terreno
preferencial das ações cooperativas coordenadas.
330
Contudo, ao adentrarmos neste universo a partir do pensamento complexo, compreendemos que junto à natureza normativa das organizações coabitam inúmeras outras realidades e cenários que não se
restringem aos seus sistemas de produtividade e extrapolam a noção
de ambientes racionalizados, lineares e ordenados. Organizações são
sistemas complexos na medida em que abarcam, dialogicamente, um
viés normativo, funcional, racional que está permeado por dimensões
subjetivas, humanas, simbólicas, relacionais, e tudo que delas emerge.
Reduzir a organização à sua parte ‘matematizada’, previsível, lógica,
é, de certa maneira, fechar os olhos para o que lhe dá vida: a atividade humana que a constitui. Para Morin (2002, p. 106), a organização
configura-se em uma
disposição de relações entre componentes ou indivíduos, que
produz uma unidade complexa ou sistema, dotada de qualidades desconhecidas ao nível dos componentes dos indivíduos. A organização liga, de modo inter-relacional, elementos ou acontecimentos ou indivíduos diversos que, a partir
daí, se tornam os componentes dum todo.
Organizações, sujeitos, comunicação, relacionamentos, dimensões complexas e interdependentes, recursivas, auto-organizadoras5
alimentam-se mutuamente e são, dialogiacamente, autônomas e dependentes (SCROFERNEKER, AMORIM, CASTILHOS, 2013, p.3). Como uma
tapeçaria de fios não dispostos ao acaso, os “fios” da organização são
tecidos [e retecidos] em função de uma unidade sintética, onde cada um
contribui para o conjunto (MORIN, 2005). Uma unidade onde habita a
diversidade, a desordem, a prosa e a poesia (MORIN, 1999, 2001) e, indubitavelmente, a incerteza inerente a todo fenômeno complexo.
Para Silva e Rebelo (2003), as organizações estão diante de um
ambiente em que a imprevisibilidade é o elemento que permeia todos
os contextos macro e micro organizacional. “Esse cenário desencadeou
Recursividade e auto-organização são dois dos sete princípios do Paradigma
da Complexidade. A recursividade diz respeito a um círculo gerador em que os
produtos e efeitos podem ser produtores e causadores do que os produz. O princípio da auto-organização, por sua vez, reflete as relações complexas entre dimensões que são, ao mesmo tempo, autônomas e dependentes (MORIN, 2005).
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331
um novo conceito de organização, na qual a ordem e a desordem caminham juntas em um mundo sem fronteiras” (SILVA E REBELO, 2003, p.
778 - 779). Nessa mesma linha de raciocímio, Scroferneker, Amorim e
Castilhos (2013, p. 3) destacam que “A complexidade das organizações
é inerente a todo e qualquer sistema que está imerso em uma sociedade que é complexa, e é composto por sujeitos que são, essencialmente,
também complexos”.
Mesmo que ainda distante do espaço organizacional, na instância da produção de conhecimento e do pensamento organizacional,
começam a ganhar força as perspectivas que indicam o esgotamento
do paradigma cartesiano-newtoniano como lógica para compreender a
realidade organizacional contemporânea. Silva e Rebelo (2003, p. 779)
evidenciam a necessidade de trocar as lentes de leitura:
Os fundamentos do paradigma cartesiano-newtoniano estão ancorados em relações ordenadas de causa e efeito entre
eventos [...]. A dualidade e separação entre sujeito e objeto
buscam a máxima objetividade, além de apoiar-se numa observação pretensamente neutra e imparcial, procurando uma
maior previsibilidade, regularidade, quantificação e controle.
Nesse cenário, o desafio que se impõe na contemporaneidade é
a inclusão, legitimação e consequente lugarização6, nas organizações,
desses novos saberes e modos de compreender, tanto as organizações,
como os próprios sujeitos organizacionais e suas múltiplas dimensões.
O que implica em um movimento complexo de (re) construção de sentidos sobre tais dimensões no contexto cotidiano, na realidade vivida
diariamente nas organizações.
A expressão lugarização [e lugar] em itálico advém da compreensão de lugar
antropológico proposto por Augé (2010, 2012) e significa o processo de inclusão,
legitimação e reconhecimento (ZIMMERMANN, 2010) de uma determinada dimensão em um dado contexto espacial e social. Uma dimensão, ao estar lugarizada, mesmo que provisoriamente, plenamente inserida, incluída e, sobretudo,
compreendida no contexto em que se insere. Há, portanto, um vínculo constituído entre a dimensão lugarizada e o espaço (lugar).
6
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2 O SUJEITO COMPLEXO E O DIÁLOGO EM MEIO ÀS TRAMAS DA
RACIONALIDADE INSTRUMENTAL
Chanlat (2010) e Gaulejac (2011) propõem uma leitura das organizações, por meio da análise das práticas gerenciais que prevalecem
na rotina organizacional, ou seja, práticas sociais enraizadas no tempo-espaço. Para os autores, a racionalidade instrumental ainda se mantém
soberana nas organizações e sustenta a ideologia gerencial que considera o indivíduo como um recurso ao invés de um sujeito (GAULEJAC,
2011). O indivíduo é instrumentalizado para atender aos objetivos gerenciais podendo perder o sentido de sua ação e até de sua existência
(Idem).
A prevalência do paradigma da racionalidade instrumental busca manter a ordem e a uniformidade dos comportamentos em todas as
relações (SILVA e RABELO, 2003, p.779) “[...] esta lógica preconiza, sobretudo, a fragmentação e a unidimensionalidade do sujeito, visto sob
a ótima mecanicista e biológica”. Uma das consequências deste modo
de entender o mundo e as organizações, é apontada por Sennett (2012):
o isolamento de indivíduos e departamentos em diferentes unidades,
pessoas e grupos que pouco compartilham.
Ao discutir as condições reduzidas de cooperação no espaço laboral, o autor evidencia e exemplifica o dilema contemporâneo ao afirmar
que a estrutura das organizações e as profundas alterações na dimensão
do tempo têm colaborado para a ampliação do isolamento. “Nas organizações, as relações [...] são de curto prazo, e a prática gerencial recomenda que as equipes [...] não sejam mantidas por mais de nove a dez
meses para que os empregados não se vinculem [...]” (SENNETT, 2012,
p.19). Ao refletir sobre a efemeridade/volatilidade das relações sociais,
o autor afirma que:
[...] são um produto dessa tendência para o curto prazo;
quando as pessoas permanecem por longo tempo em uma
instituição, debilitam-se seu conhecimento da organização
e seu comprometimento com ela. As relações superficiais e
os vínculos institucionais breves reforçam o efeito de silo: as
pessoas ficam na reserva, não se envolvem com problemas
que não lhes dizem respeito diretamente, sobretudo no trato
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com aqueles que fazem algo diferente na instituição (SENNETT, 2012, p. 19).
Este efeito ‘silo’ fragiliza as relações e auto-fragiliza os relacionamentos, a construção/fortalecimento de vínculos, instituindo, mesmo
que provisoriamente, um não-lugar7, que sugere a ausência do diálogo.
As dimensões do humano são impactadas pela metamorfose do nosso
tempo. Mesmo conscientes dos grandes problemas da humanidade,
concordamos com Giddens (2007) quando afirma que a dimensão que
mais nos ocupa é a das mudanças que atingem diretamente o cerne de
nossas vidas emocionais.
Entre as muitas perspectivas possíveis de análise acerca do mal
estar do sujeito organizacional contemporâneo, do seu desenraizamento, por tratarmos aqui do espaço da Comunicação, escolhemos problematizar aspectos que envolvem o estabelecimento e a sustentação de
relações entre sujeitos que coabitam em ambientes complexos. Mais do
que vislumbrar um conjunto de técnicas e prescrições, a Comunicação
Organizacional implica em compreender as interações, as trocas simbólicas que se desenvolvem a partir de pensamentos e palavras, atos e sentimentos, em espaços e projetos coletivos, portanto em espaços sociais.
Chanlat (2011) afirma que é fundamental considerar as atividades de fala nas organizações para que seja possível compreender a ação
humana neste contexto. Isso porque, “qualquer vínculo social passa, em
grande parte, pela linguagem” (CHANLAT, 2010, p. 13). Ele exemplifica
com o campo da gestão estratégica, no qual alguns importantes pesquisadores concentram grande valor à natureza do diálogo para favorecer
o êxito da ação estratégica. “O homo socialis, por definição, é sempre um
homo loquens” (CHANLAT, 2010, p. 6). Segundo o autor,
De acordo com Augé (2010, 2012), não-lugares são espaços normalmente de
circulação e de consumo, típicos da supermodernidade, que pressupõem a ausência de vínculos (RIVIÈRE, 1998; ZIMERMAN, 2010; BAITELLO, 2008) e onde,
normalmente, não se inscrevem relações sociais duradouras. Ao contrário dos
lugares antropológicos (idem.), que são identitários, históricos, relacionais, espaços de diálogo e relação, os não-lugares são caracterizados por serem locais
de passagem, transitórios, superpovoados, supermovimentados e ao mesmo
tempo tão vazios de significado e de sentido.
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Na verdade, é graças à linguagem que eu crio vínculo. O fato
de eu falar a mesma linguagem que meu interlocutor ou grupo com o qual convivo possibilita que eu faça parte de um
espaço linguístico e pertença a um grupo. A ação humana no
contexto empresarial exige a cooperação de todos para atingir o objetivo definido e, naturalmente, requer partilha de
uma língua comum (CHANLAT, 2010, p.15).
São as perspectivas antropológicas e de outros conjuntos de
saberes que redefinem as relações entre sujeitos na organização e impactam no campo da Comunicação Organizacional, produzindo inquietações sobre novos lugares para as práticas comunicacionais. O foco
centrado na organização e transmissão de informações que sustentava
um modelo fundamentalmente instrumental vem dando lugar a reflexões de cunho relacional. Ou seja, nos espaços organizacionais é possível, como sugere Wolton (2006, 2010), compreender a comunicação
como mediação entre lógicas e interesses distintos.
Percebemos que os avanços na compreensão do lugar da comunicação organizacional permitem alocar o diálogo como elemento
central dos processos comunicacionais também dentro do [no] universo
de tensão das organizações de naturezas diversas. “[...] comunicação é
contato, pôr em relação, vincular, fazer comungar, partilhar um universo semântico, responder a um apelo, a uma chamada, a uma incitação
ao diálogo, um encontro de diferenças” (SILVA, 2006, p.20).
3 DE QUE DIÁLOGO ESTAMOS FALANDO?
De um simples termo do senso comum, aplicado de forma descomprometida, a um conceito polissêmico que permeia diversos campos do conhecimento ou, até mesmo, fundamenta métodos de construção do saber, o diálogo permite distintas buscas teóricas. Pelo campo
da antropologia, da semiótica, da linguística, da psicanálise, da comunicação, da sociologia e da filosofia, entre outros, é possível encontrar
aplicações da palavra. Etimologicamente, a expressão tem origem grega.
“Diálogo vem do grego dialogos. Logos significa ‘palavra’ ou, em nosso
caso, poderíamos dizer ‘significado da palavra’ e dia significa ‘através’
[...]” (BOHM, 2005, p.34).
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Assumimos que a palavra diálogo quer dizer “palavra que atravessa”, conversa que permeia, “papo” que preenche um espaço entre
pessoas. Ou seja, diálogo é o que acontece entre pessoas, é a atmosfera, a
cena, o clima, a situação em que duas, três, cinco, dez pessoas se relacionam (MARCONDES FILHO, 2008). Entre as pessoas circula algo. Além
das palavras emitidas, circulam sensações, emoções, desejos, interesses, curiosidades, percepções, estados de espírito, intuições, humores,
uma indescritível sensação de “coisa comum”, de ligação (MARCONDES
FILHO, 2008, p. 25-26).
Para Bohm (2005), o diálogo é um processo de vai e vem, com a
emergência contínua de novos conteúdos que passam a ser comuns aos
participantes. Segundo o autor (2005, p.29): “Desse modo, num diálogo cada pessoa não tenta tornar comuns certas ideias [...] por ela já sabidos. Em vez disso, pode-se dizer que os interlocutores estão fazendo
algo em comum, isto é, criando juntos alguma coisa nova”.
No ambiente organizacional, o diálogo ganha um lugar relevante
e estratégico. Sob esta perspectiva as pessoas que estiverem dispostas a
cooperar, trabalhar juntas, precisam ser capazes de criar algo em comum,
ou seja, “[...] alguma coisa que surja de suas discussões e ações mútuas,
em vez de algo que seja transmitido por uma autoridade a outros que se
limitem à condição de instrumentos passivos” (BOHM, 2005, p. 30).
Sennet (2012), situa o diálogo nas relações sociais e laborais,
especialmente na busca de cooperação entre os sujeitos. Para o autor, o tipo exigente de cooperação entre as pessoas pode ser um dos
caminhos para melhorar a condição humana nas organizações, considerando que “[...] Essa cooperação sustenta os grupos sociais nos infortúnios e reviravoltas do tempo [...] O que ganhamos com tipos mais
exigentes de cooperação é a compreensão de nós mesmos” (SENNETT,
2012, p. 16-17). Para que a cooperação exigente ocorra há um conjunto
de habilidades que emerge como fundamental: as habilidades dialógicas. O diálogo no ambiente contemporâneo das organizações, embora
ainda persiga a síntese típica da proposição dialética, passa a assumir
configuração dialógica. “Em uma conversa dialógica os mal-entendidos podem eventualmente contribuir para o entendimento mútuo”
(SENNETT, 2012, p. 32).
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Sennet (2012), ao caracterizar a conversa como dialógica, afirma
que ela faz prosperar através da empatia, o sentimento de curiosidade sobre os outros. “Pelas práticas dos rodeios e vias indiretas, conversando
[...], podemos vivenciar certo tipo de prazer sociável: estar com os outros,
dando-lhes atenção e aprendendo sobre eles, sem nos obrigar a ser como
eles” (SENNET,2012, p.36). Na conversa dialógica, além do conhecimento,
os interlocutores conseguem obter prazer nas trocas, o que favorece o vínculo8 e a cooperação. Para Scroferneker e Amorim (2014, p.9):
São vários os exemplos cotidianos que encontramos sobre
a configuração vincular entre sujeitos e organizações. O que
nos leva a acreditar que as organizações, por serem lugar de
pessoas, relações de comunicação, são também, eminentemente, lugares de vínculos emocionais e sociais, que se (re)
constroem por/e em comunicação.
Kramer e Faria (2007) reiteram que os vínculos organizacionais
denotam, de certa forma, a ligação entre o indivíduo e a organização, o
envolvimento com seus projetos e objetivos, assim como o comprometimento com seus problemas, desafios, desempenho e resultados.
Encontramos, em nosso híbrido tempo presente, organizações com pensamento e atuação pautados por posturas em que o sujeito é mera máquina produtiva, órfão de vínculos, de sentimento, de
lugar, e os processos comunicativos verticalizados e “controlados”,
Concomitantemente, outras organizações adotam comportamentos
contemporâneos de gestão e de relação/comunicação com seus profissionais, com seu entorno, com a sociedade, com o meio ambiente, e nos
mostram que é possível alcançar objetivos organizacionais sem descui-
Entendemos oportuno, recuperar a noção de vínculo que tem sido presente
em nossos artigos (SCROFERNEKER e AMORIM, 2014, 2013). Para Zimmermann (2010), a partir do olhar da psicanálise, a expressão também faz referência a uma forma de ligação relacional-emocional entre duas partes que se encontram unidas e inseparáveis, apesar de suas fronteiras estarem claramente
definidas. Pichon-Rivière (1998), por sua vez, admite o vínculo entre pessoas e
objetos, que podem ser considerados instituições, organizações, com as quais
se estabelece uma relação de maneira particular.
8
337
dar de dimensões tão essenciais e centrais para a própria sobrevivência
das organizações.
Sob a perspectiva de nossos estudos, trazer e reconhecer o diálogo
como centro dos processos comunicacionais amplia a possibilidade de
lugarização de novos paradigmas de compreensão das organizações e
dos novos comportamentos gerenciais. Além disso, o diálogo no contexto organizacional, na perspectiva de aceitação e compreensão da alteridade, de reconhecimento da importância e do lugar do outro, favorece
não apenas a cooperação e o sentido de pertença, mas a lugarização dos
próprios sujeitos, ou seja, transforma o ambiente organizacional da racionalidade instrumental para um espaço relacional de constituição de
vínculos essenciais entre sujeitos e organizações.
Nessa perspectiva, é fundamental repensar a compreensão acerca
da Comunicação Organizacional. O viés puramente técnico que, todavia
persiste em algumas realidades não dá conta dos desafios contemporâneos que emergem nos [dos] diferentes cenários, que se impõem a partir
das novas concepções de sujeitos e de organizações. Para Wolton (2004,
p. 29) “Uma reflexão sobre comunicação requer um esforço considerável de distanciamento, tanto para aquele que tenta compreender como
para aquele a quem se destina a reflexão”, visto que, “Comunicação organizacional, antes de tudo, é comunicação” (BALDISSERA, 2008, p. 31).
Esperamos que o pensamento contemporâneo sobre Comunicação
Organizacional possa contribuir, assim, com o movimento de colocar o
foco no sujeito, favorecendo o estabelecimento de vínculos e os relacionamentos, possibilitando que o contexto organizacional assuma feições
mais cooperativas e apropriadas, sendo compreendido como sistema
vivo em toda a sua complexidade. Para Silva (2008, p.9) “não há comunicação sem organização nem comunicação sem complexidade. Não seria descabido afirmar que a comunicação organizacional é a organização complexa da comunicação na complexidade de uma organização”.
Talvez, a citação de Silva (re) dimensione, mesmo que no momento, as
inquietações [manifestadas em nossos artigos] que nos movem, nos estimulam e nos desafiam cotidianamente. Esse tem sido o nosso lugar.
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PRÁTICAS DISCURSIVAS, CONTORNOS IDENTITÁRIOS E
CONFLITOS MORAIS: TOPOGRAFIAS DO DIÁLOGO NOS
CONTEXTOS ORGANIZACIONAIS
Rennan Lanna Martins Mafra1 e
Angela Cristina Salgueiro Marques2
RESUMO
Esse artigo busca problematizar o aparecimento discursivo da noção de diálogo nos contextos organizacionais
contemporâneos. Para isso, compreende tal aparecimento
ao tomar o diálogo como concepção discursiva de bem, responsável por orientar a emergência de contornos identitários no ambiente relacional das organizações, nos cenários
de sociedades complexas e pluralistas. Em seguida, investiga em que medida tais contornos identitários insinuam
topografias discursivas ( formas, relevos, disposições espaciais) ao diálogo no cenário comunicacional das organizações – topografias essas assumidas enquanto conjuntos
discursivos justapostos, despedaçados e instáveis, ainda
mesmo quando o diálogo seja operado discursivamente
como promessa de harmonização do ambiente organizacional e de resolução de conflitos morais.
Professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Mestre e Doutor em Comunicação pela UFMG. E-mail: rennan.mafra@ufv.br.
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Professora do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Mestre e Doutora em Comunicação pela mesma instituição. E-mail:
angelasalgueiro@gmail.com.
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Palavras-chave: Diálogo; Práticas Discursivas;
Organizações; Identidade; Conflitos Morais.
INTRODUÇÃO
O interesse pelo conjunto de problemas aberto pela noção de
diálogo nos contextos organizacionais não se trata de gesto recente.
Dentre as inúmeras evidências que confirmam tal quadro, pode-se identificar na própria emergência das atividades de relações públicas e de
comunicação organizacional uma forte demanda pelo aprimoramento
de interações mais dialógicas com públicos, nos contextos sociais modernos em crise (Kunsch, 1997). Ainda que o diálogo não possa ser tomado como gesto de harmonia (Marques; Mafra, 2013), muito menos como
sinônimo de comunicação organizacional (Mafra; Marques, 2015), é inegável o quanto as interações entre organizações e públicos, em cenários
democráticos, solicitam o diálogo como gesto capaz de produzir resultados comunicacionais supostamente mais justos e legítimos (Bohman,
2009). Dito por outras palavras, uma vez permitindo a construção de
cenas dialógicas, as organizações, por suposto, buscariam fazer coro às
expectativas contemporâneas pelo aprimoramento democrático nas relações engendradas entre instituições e sujeitos sociais, nos contextos
recentes de sociedades complexas e pluralistas.
Se em outros trabalhos mantivemos forte interesse em a) compreender como o diálogo é operado nos contextos organizacionais
(Marques; Mafra, 2014), ou mesmo em b) indicar quais dimensões poderiam ser atribuídas ao diálogo quando assumido pelos sujeitos nas organizações (Marques; Mafra, 2013), ou ainda em c) demonstrar a potência
política do diálogo na produção de cenas de dissenso, instauradoras de
novas possibilidades de interfaces com públicos (Mafra; Marques, 2015),
o interesse disposto nesse artigo é o de problematizar as possíveis implicações que gravitam em torno da mobilização discursiva do diálogo nos
cenários organizacionais.
De modo mais específico, pretendemos compreender como o emprego discursivo da noção de diálogo aparece como promessa para a
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resolução de inúmeros conflitos morais que emergem nos ambientes
interacionais das organizações. Entendem-se, nesse sentido, os conflitos morais como as diversas situações de desrespeito, desvalorização e
desconsideração às quais sofrem os sujeitos (Honneth, 2003; Rancière,
1995; 2000; Marques, 2013), em meio às interações estabelecidas nos
contextos organizacionais. É inegável a relação que tais conflitos possuem com os contornos identitários assumidos pelos sujeitos (Taylor,
2011a; 2011b), nas mais variadas situações comunicacionais deflagradas nas organizações. Para além, portanto, de uma visão que toma os
sujeitos enquanto tábulas rasas, facilmente adaptáveis às normas e às
regras impostas, ou enquanto entidades fixas, instrumentalizadas pelas
funções prescritas nas relações de trabalho e de especialização, admitimos, nas próximas linhas, um olhar que toma os sujeitos como instâncias instáveis, complexas e incompletas – quadro esse que pode ser evidenciado não apenas em contextos sociais mais amplos, como também
nos ambientes relacionais constitutivos das organizações.
A compreensão dos conflitos morais e dos contornos identitários
nos contextos organizacionais é possível na medida em que se admite
o espaço organizacional como âmbito de contradições, incompletudes,
des-organizações, des-estabilizações; des-controles; des-igualdades
(Mafra; Marques, 2015; Baldissera, 2007; 2009a; 2014). O reforço dessa
compreensão pode ser vislumbrado por uma espécie de visada discursiva às interações nos contextos das organizações: independente das
inúmeras correntes que imputam concepções teóricas à noção de discurso, tal visada é capaz de revelar a instabilidade dos campos interacionais nos ambientes organizacionais – ainda que, inúmeras vezes, os
discursos prescritivos oficiais tentem tomar tal instabilidade como inexistente (Baldissera, 2009a). Nesse sentido, uma análise discursiva dos
cenários organizacionais é capaz de evidenciar o movimento próprio
de inúmeras práticas de sentido em disputa (Baldissera, 2007), frente
aos possíveis e variados contextos organizacionais nos quais acontecem
as interações. Sendo assim, interessa-nos compreender em que medida
a noção de diálogo é mobilizada discursivamente enquanto promessa
orientadora para encaminhamento e resolução dos conflitos morais,
frente a inúmeros e possíveis contornos identitários presentes nos ambientes organizacionais.
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Dessa maneira, partindo de uma metodologia baseada, essencialmente, em pesquisa bibliográfica, colocam-se como objetivos desse artigo a produção de duas principais reflexões. A primeira busca compreender a relação existente entre práticas discursivas, diálogo e concepções
de bem e de moralidade na produção de contornos identitários e de conflitos morais nos contextos organizacionais. A segunda volta-se a investigar em que medida tais contornos insinuam topografias discursivas
( formas, relevos, disposições espaciais) às concepções de diálogo mobilizadas em cenários de conflitos morais – topografias essas assumidas
enquanto conjuntos discursivos justapostos, despedaçados, fragmentados e conflituosos, ainda quando o diálogo é operado discursivamente
como promessa de harmonização e de resolução de tais conflitos.
Para isso, esse trabalho se organiza em três partes. Em primeiro
lugar, serão mobilizadas as noções de identidade e de moralidade como
propostas por Charles Taylor (2011a), uma vez que constituem relevante
matriz teórica para a compreensão do lugar dos conflitos morais nos
contextos organizacionais. Dentre outros feitos, tal matriz permite tomar o diálogo como uma espécie de prática discursiva do bem, voltada à
orientação moral no espaço organizacional, em tempos de multiculturalismo (Taylor, 2011b) e de democracia (Bohman, 2009). Em seguida, o
texto procura evidenciar que a mobilização discursiva da noção do diálogo nos ambientes organizacionais produz-se a partir de topografias
(disposições espaciais) multiformes e fragmentadas, tendo em vistas as
inúmeras disputas de sentido (Baldissera, 2009a) que envolvem as concepções discursivas de diálogo vitalizadas em processos comunicacionais nas organizações. Assim, para demonstrar a qualidade instável e
despedaçada dessas topografias discursivas, assumiremos a compreensão proposta por Baldissera (2009a), ao reconhecer a comunicação nos
contextos organizacionais como um fenômeno composto pela manifestação de três âmbitos comunicacionais interligados: a organização comunicada; a organização comunicante; e a organização falada.
As considerações finais serão responsáveis por insinuar um quadro político de compreensão aos discursos sobre o diálogo – discursos
estes tomados enquanto lugares capazes de revelar a desigualdade na
partilha do sensível (Ranciére, 2000), verificada nos contemporâneos
ambientes interacionais constitutivos das organizações.
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DIÁLOGO COMO CONCEPÇÃO DISCURSIVA DE BEM: IDENTIDADE E CONFLITOS
MORAIS NOS CONTEXTOS ORGANIZACIONAIS CONTEMPORÂNEOS
A compreensão do diálogo como uma espécie de concepção discursiva de bem torna-se possível quando aceitamos o desafio presente
em um dos ambiciosos projetos teóricos empreendidos pelo filósofo canadense Charles Taylor (2011a, p. 63): “examinar o quadro de fundo de
nossas intuições morais” com vistas a descortinar a intrínseca relação
entre identidade e moralidade. Segundo Taylor (2011a, p. 30), não podemos escapar de uma experiência moral real, uma vez que
a maneira mesma como andamos, nos movemos, gesticulamos e falamos é moldada desde os primeiros momentos
por nossa consciência de estar na presença de outros, de
nos encontrarmos num espaço público e de que esse espaço
pode trazer potencialmente o respeito ou o desprezo, o orgulho ou a vergonha.
De tal sorte, quem somos, ou seja, o modo como nossa identidade se apresenta, vincula-se inevitavelmente ao sentido da posição que
ocupamos em relação ao bem3, de modo que a natureza do bem pelo
qual nos orientamos corresponde à maneira como estamos situados em
relação a ele. Assim, a identidade possui uma ligação inevitável como
uma espécie de orientação: “saber quem se é equivale a estar orientado
no espaço moral, um espaço em que surgem questões acerca do que é
bom ou ruim, do que vale e do que não vale a pena fazer, do quem tem
sentido e importância (Taylor, 2011a, p. 44)”. Dessa maneira, a posição
que ocupamos no espaço moral possui relação direta com a orientação
de bem que possuímos. Na empreitada de “rastrear os vínculos existentes entre nosso sentido do bem e nosso sentido do self” (Ibidem, p. 63),
Taylor considera que somos um “self na medida em que nos movemos
num certo espaço de indagações, em que buscamos e encontramos uma
orientação para o bem” (Ibidem, p. 52).
Para Taylor (2011a), o termo bem é utilizado em sua obra “num sentido bastante geral, designando qualquer coisa considerada valiosa, digna, admirável,
de qualquer tipo ou categoria”.
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Nesse raciocínio, o filósofo compreende a identidade como a
emergência de um processo (um vir-a-ser, em referência heideggeriana)
que expressa não apenas onde estamos, mas também para onde vamos;
que insinua qual direção assumimos nas “redes de interlocução” em que
construímos indagações morais para mover nossas vidas (Ibidem, p.
55). Para Taylor (2011a, p. 76), tal processo é essencialmente relacional e
discursivo: a orientação e a direção dos contornos identitários se fazem
pela e na linguagem, requerendo, inevitavelmente, uma compreensão de
nossa vida “em forma narrativa, como uma ‘busca’”. Tomar a palavra,
para o autor, é assumir um poder que torna disponível uma fonte moral,
até então desconhecida ou não totalmente experimentada sem os usos
da linguagem e do discurso.
Entretanto, Taylor (2011a, p. 56) denuncia as concepções de individualismo desenvolvidas pela cultura moderna que retratam o sujeito
como aquele que “encontra suas coordenadas dentro de si mesmo, que
declara independência das redes de interlocução que o formaram originalmente ou, ao menos, as neutraliza”, ainda que potencialmente. A
projeção desse self pontual ou neutro, como chamado pelo canadense,
corresponde a um tipo de sujeito que “acredita na objetificação desprendida, que vê o domínio da razão como uma espécie de controle racional
das emoções conseguido pelo distanciamento do escrutínio científico”,
e que, ao mesmo tempo, sugere alguém que “rompeu com a religião,
com a superstição, resistiu a adulações das visões de mundo agradáveis
e lisonjeiras que ocultam a austera realidade da condição humana num
universo desencantado” (Ibidem, p. 68-69).
Apesar de tais características representarem, para o self pontual,
uma fonte de profunda satisfação e orgulho, o reducionismo das fontes
morais a uma espécie de postura epistemológica não foi capaz de dissolver as preocupações constitutivas da identidade – mesmo porque, a
concepção de bem que orienta o self pontual revela-se escondida por detrás de formas de dominação, percebidas enquanto tais na medida em
que o próprio projeto moderno entra em crise (Taylor, 2011a). Já apontava Castoriadis (1981) que a crise do projeto moderno corresponde à
crise de suas significações sociais imaginárias, algo que perpassa toda a
sorte de contextos, revelando a falibilidade de uma moral universalizante, centrada na instrumentalização, na dominação e numa meritocracia
exclusiva e excludente, promovida pela ciência e pelo capitalismo.
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Na visão de Taylor (2011a, p. 125), “uma concepção de bem torna-se disponível para as pessoas de uma dada cultura quando vem a ser
expressa de alguma maneira”, de modo que os conflitos morais tomam
parte em meio a uma rede de interlocuções quando há evidências de
contornos identitários cuja orientação discursiva não corresponde a determinadas concepções de bem ora tidas como aceitas. Levando-se em
conta a expressão acerca de uma ampla crise do projeto moderno, pode-se considerar que os conflitos morais vinculados a contornos identitários contemporâneos instauram-se, dentre outras razões, mediante
um parâmetro fundamental de orientação em direção ao bem: a mobilização discursiva da noção de diálogo – gesto capaz de, supostamente:
a) romper com uma autenticidade absoluta do self pontual, fundindo-a
com os horizontes de contextos multiculturais (Taylor, 2011b) e b) colaborar para a consolidação da democracia, tomada como horizonte político adequado às demandas por legitimidade e justiça de sociedades
complexas e pluralistas (Bohman, 2009).
Com relação ao primeiro aspecto, Taylor (2011b, p. 73) reconhece aquilo que chama de “autodefinição no diálogo” como gesto capaz
de superar a autenticidade autorreferencial e descolada do mundo,
alegoria típica do self pontual. Para o canadense, o diálogo, enquanto
locus conector dos sujeitos à cultura, restituindo-os às redes de interlocução, seria capaz de evidenciar a formação de contornos identitários abertos às demandas contemporâneas por respeito às diferenças, na medida em que permite ao sujeito uma espécie de abertura
a horizontes múltiplos de significados. Assim, tais contornos lançam
mão do diálogo de modo a admitirem “(i) criação e construção, assim
como descoberta, (ii) originalidade e, frequentemente, (iii) oposição
às regras da sociedade e mesmo potencialmente ao que reconhecemos
como moralidade” (Taylor, 2011b, p. 73).
Com relação ao segundo aspecto, é válido considerar que o diálogo torna-se gesto qualificador de contextos democráticos pluralistas e
complexos, nos quais se apresentam demandas por legitimidade e justiça, pautadas em inúmeras redes de interlocução. Nessa seara, destaca-se a visão do deliberacionista James Bohman (2009, p.42), para quem
a democracia se constitui “mergulhada na ação social do diálogo – da
troca de razões”. Nesse sentido, o diálogo aparece como possibilidade de
conectar sujeitos plurais, afetados por situações problemáticas em con347
textos específicos, funcionando como “um ideal distributivo de acordo
que outorga a cada um sua própria motivação para cooperar em um processo de julgamento público” (Ibidem, p. 64).
Pelas searas do multiculturalismo e da democracia, o diálogo
aparece, portanto, como configuração voltada a imprimir um sentido
de orientação no espaço de indagações sobre o bem. Com enorme força moral, ele se apresenta como ponto de referência para a direção dos
sujeitos, bem como objeto de investidas em articulações discursivas
que dele possam aproximar os contornos identitários ora assumidos.
Por tudo isso, podemos tomar o diálogo como concepção discursiva de
bem, voltado à orientação moral nos cenários organizacionais. Nesses
contextos, não dialogar passa a ser sinônimo de sobrepujar a diferença4, desconsiderando o valor do outro, e de instalar práticas não democráticas de ação.
Entretanto, é válido considerar as peculiaridades das organizações quando tentam formar seus contornos identitários por meio de
uma articulação discursiva com a noção de diálogo. Não podemos nos
esquecer de que os espaços organizacionais se apresentam, por excelência, como âmbitos da materialização em pujança do projeto moderno:
são sedes da nova sociedade que emerge com a modernidade. Orientamse, em última análise, pela racionalidade instrumental que prescreve rotinas estruturantes (e limitantes) da ação dos sujeitos; práticas voltadas
à eficiência, à eficácia e ao controle; construção de espaços de trabalho
racionais. Por si sós, as organizações tendem a instituir padrões em direção a um processo nada dialógico de objetificação dos sujeitos. Todavia,
e ao mesmo tempo, as organizações não podem se afastar do multiculturalismo e da democracia, gesto que as deixaria distantes de concepParte das discussões realizadas pelo pesquisador norte-americano Dennis
Mumby (2010) que tem ganhado considerável espaço na área de comunicação
organizacional no Brasil nos últimos seis anos, fazem coro à perspectiva multicultural encetada por Taylor (2011b). A abordagem dos estudos críticos nos
contextos organizacionais (lugar ao qual Mumby (2010) se filia) e a noção de
comunicação organizacional como humanização se mostram como indícios de
um amplo movimento da teoria social em direção à compreensão das complexas e contraditórias experiências contemporâneas assumidas pelos sujeitos em
cenários de crise do projeto moderno.
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ções contemporâneas de bem. Por tudo isso, o espaço organizacional
instaura-se mediante indigesto paradoxo moral, evidenciado pelas tentativas de reconciliação de orientações para o bem extremamente opostas. É possível combinar os gestos ontológicos, típicos das organizações
modernas, de padronizar, taxar, rotular, avaliar com a presença contemporânea de concepções morais críticas à própria racionalidade instrumental? Não sofreriam as organizações de uma força crônica, voltada
sempre a instrumentalizar o diálogo e a inibir reflexões críticas dirigidas
à própria instrumentalização?
Para não cair em visões totalizantes e nem chegar a conclusões
precipitadas que generalizem os espaços organizacionais como locais
da total instrumentalização das práticas discursivas sobre o diálogo, no
próximo tópico, tentaremos compreender, de um ponto de vista comunicacional, os espaços relacionais nas organizações a partir da proposta
de Baldissera (2009a). Como aponta Taylor (2011a, p.71), se “a orientação no espaço moral mostra-se [...] similar à orientação no espaço físico”
e se o espaço físico apresenta topografias distintas, o espaço moral discursivo relacionado ao diálogo também se constitui por relevos, formas
específicas, disposições espaciais, como veremos a seguir.
TOPOGRAFIAS DISCURSIVAS DO DIÁLOGO NOS CENÁRIOS DAS ORGANIZAÇÕES
Compreender as disposições discursivas multiformes e fragmentadas do diálogo nos cenários organizacionais é gesto possível na medida em que se reconhece os próprios ambientes relacionais das organizações como espaços instáveis, em permanente jogo de forças. Em
profunda consonância com o Paradigma da Complexidade, proposto
por Edgar Morin, Baldissera (2007, p. 231) assim entende a organização
(e suas identidades) não como “algo completo, uníssono e sempre coerente. Também não se sustenta a ideia de a organização/instituição ser
somente ordenação, organização, estabilidade”. Desse modo, Baldissera
(2007, p. 231) lança sua proposta a partir da noção de que “o ordenado,
o organizado e o estável guardam em si o desordenado, o desorganizado
e o instável”, de modo que, desse permanente e tenso jogo de forças, os
sistemas organizacionais ganham possibilidades de se regenerarem e se
atualizarem, em meio a seus ambientes relacionais.
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Por tudo isso, ainda que tendencialmente uma organização busque uma espécie de fechamento estratégico “para construir-se e instituir-se como uma dada coerência/ordenação identitária frente ao outro
(sua alteridade)”, ela, simultânea e intrinsecamente, se abre “para, em
tensões/disputas com sua alteridade (de qualquer qualidade), atualizar-se (regenerar-se) e torna-se mais complexa em relações dialógico-recursivas” (Ibidem, p. 231-232). O próprio princípio dialógico para Morin, nos
termos de Baldissera (2007), reconhece a presença de perturbações e de
pulsões antagônicas, concorrentes e complementares, na expressão de
qualquer fenômeno pretensamente organizado. De tal sorte, Baldissera
(2009a) reconhece a comunicação organizacional como fenômeno que
não se restringe aos âmbitos da fala autorizada, constitutiva dos processos formais organizados e dos discursos tidos como oficiais. Tomar
a comunicação como um processo de construção e disputa de sentidos
(Baldissera, 2009a) demanda também tomar os sujeitos em interação
nos contextos organizacionais como forças em relação, portadores de
inúmeras, incertas e infinitas redes interacionais5 – para muito além de
um olhar que privilegia as manifestações organizadas, aparentemente coerentes (Baldissera, 2009a). É nesse sentido que, em tais redes, os
sujeitos tendencialmente buscam fontes morais diversas (muitas vezes
antagônicas e contraditórias) para se orientarem num espaço moral organizacional plural e complexo, aberto a concepções de bem igualmente múltiplas e, por vezes, paradoxais.
Por isso, Baldissera (2009a) reconhece a comunicação nos contextos organizacionais como um fenômeno composto pela manifestação
de três âmbitos comunicacionais interligados: a organização comunicada; a organização comunicante; e a organização falada. A organização
comunicada constitui processos formais e disciplinadores, e corresponde à fala autorizada da organização – a partir da qual são selecionados
estrategicamente elementos, muitos deles, voltados ao autoelogio, com
vistas à conquista de legitimidade, reconhecimento, vendas, lucro e de
quaisquer outros capitais. A organização comunicante, que se conforma
por um processo de atualização dos sentidos organizacionais, quando
Aqui, localizamos uma importante interface com a noção de redes de interlocução de Taylor (2011a), ainda que tal interface não apareça explicitamente
na obra de Baldissera (2009a).
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qualquer sujeito/instituição estabelece interações com a organização,
inéditas e/ou informais, carrega o potencial de forçar a ordem imposta a
novos movimentos de re(organização). Como aponta Baldissera (2009a,
p.118-119), “essa compreensão permite dar relevo aos processos dialógico-recursivos, pois atenta para a possibilidade e fertilidade de ocorrências de relações comunicacionais que escapam ao planejamento (e
controle)”, com potencial de perturbação do status quo. Já a organização
falada, constitui-se pela evidência de processos informais e indiretos,
realizados fora do âmbito organizacional – nos quais a organização partilha de verdadeira impotência para estabelecer qualquer controle direto (embora possa estabelecer algum tipo de acompanhamento).
Sendo assim, a mobilização discursiva da noção do diálogo nos
contextos organizacionais produz-se por topografias fragmentadas e
múltiplas, em meio às disputas de sentido engendradas no âmbito da comunicação organizacional. A qualidade instável e despedaçada dessas
topografias discursivas, envoltas ao diálogo enquanto concepção de bem
no espaço moral organizacional, pode ser problematizada levando em
conta as categorias propostas por Baldissera (2009a). Tais categorias são
insinuadoras de contextos relacionais em meio aos quais atividades conformadoras das práticas discursivas dos sujeitos ganham expressão e particularidade. Sendo assim, tomar o diálogo enquanto prática discursiva
orientada (e orientadora) ao bem pelo prisma da comunicação organizacional de Baldissera (2009a) é gesto que indica as disposições discursivas
do diálogo quando articulado como fonte moral nos contextos da organização comunicada, da organização comunicante e da organização falada.
Dito por outras palavras, o sentido moral das práticas discursivas sobre o
diálogo pode ser suposto pelos moldes discursivos que, em processo recursivo, são atualizados em e são atualizadores de cada um dos contextos
relacionais constituidores da comunicação organizacional.
Prescrevendo a organização comunicada um contexto relacional
marcado por processos disciplinadores e formais, a mobilização discursiva do diálogo nesse espaço tende, por sua vez, a se apresentar como
algo também disciplinador e formal. Como moeda de troca com vistas
a ganhos imediatos, sobretudo no que se refere a uma articulação formal com as principais fontes morais que orientam as ações sociais na
contemporaneidade, o emprego discursivo do diálogo projeta sentidos
de uma organização que respeita as diferenças e que se mostra demo351
crática em seu modo de agir. Assim, a fala autorizada se volta com força totalizadora e instrumental sobre as práticas discursivas do diálogo:
com visas a confirmar a ordem imposta, o diálogo tende a ser tomado
como promessa de harmonização e como gesto acabado, universalmente orientador de um bem para todos. Obviamente, a organização comunicada é sempre forçada, pelos contextos sociais em que se inscreve, a
se abrir a novos sentidos e fontes morais. Por isso, a chegada do diálogo
ao campo da organização comunicada é parte de um processo histórico de embates, em que o mesmo passa a funcionar como uma espécie
de orientador/materializador de concepções de bem contemporâneas.
Entretanto, as tentativas de organização da fala autorizada tendem a sugerir o diálogo para suprimir os conflitos, uma vez que os processos disciplinadores não pretendem considerar como positivas as perturbações
causadas pelo ineditismo nas interações – a não ser que tal ineditismo
seja apropriado e pasteurizado pelas formas oficiais.
As articulações em torno das fontes morais buscam conferir um
certo poder diante de concepções de bem publicamente compartilhadas, como aponta Taylor (2011a). Sendo assim, o uso de uma concepção
discursiva de diálogo nos contextos da organização comunicada tende,
ironicamente, a instrumentalizar as trocas dialógicas – como evidenciado por Deetz (2010, p. 92), quando aponta que práticas dialógicas e
participativas de tomada de decisão, por exemplo, são prejudicadas por
inúmeras formas ocultas de controle estratégico que violam a reciprocidade (Deetz; McClellan, 2009). Dessa forma, a dinâmica discursiva em
torno do diálogo evoca a noção de prática articulatória (Laclau; Mouffe,
1985): por esses termos, o diálogo funcionaria como uma espécie de
ponto nodal, em meio a necessidades de manutenção e permanência de
uma posição hegemônica, construída mediante processos estratégicos,
totalizantes e relacionais de legitimidade pública. Verifica-se, portanto,
a expressão do diálogo como ideologia6.
No texto O reconhecimento como ideologia, Honneth (2006) aponta as distorções que o discurso do reconhecimento apresenta em determinados contextos,
transformando-se em ideologia. Nesses casos, o reconhecimento apresenta-se
como estratégia de convencimento e de integração dos sujeitos a uma ordem
social dominante. Esse caso se aplica muito bem quando o diálogo aparece (de
modo instrumentalizado), na organização comunicada, como possibilidade de
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352
Já no âmbito da organização comunicante, a mobilização discursiva do diálogo tende a emergir quando necessidades de atualização
dos sentidos organizacionais – novos movimentos de re(organização)
– também emergem. Nesse sentido, é o próprio diálogo que, discursivamente, se projeta como elemento capaz de fazer desaguar o conflito e a
perturbação numa nova ordem desejada pelos sujeitos. Assim, a organização comunicante acolhe o fenômeno do descortinamento de enquadramentos discursivos totalizadores por meio de uma resistência que
se lança contra a opressão, a depender, obviamente, das forças em jogo,
dispostas na organização. A organização comunicante, portanto, insinua
o diálogo como âmbito do dissenso e da polêmica (Marques e Mafra,
2014), gesto de expressão dos falseamentos e das ideologias, das hostilidades e assimetrias, das situações de assédio e de desrespeito, com
vistas à modelagem de novos entendimentos nos contextos organizacionais. O diálogo, por esses termos, aparece, portanto, como possibilidade de reorganização do espaço moral organizacional, revelador da
potência política presente (ou ausente) no estatuto dos sujeitos falantes.
Por fim, no âmbito da organização falada, a ausência ou a presença do diálogo nos contextos organizacionais é revelada pelos sujeitos,
estes que contam com a possibilidade de expressão mais livre acerca dos
conflitos morais que vivenciam nos cotidianos organizacionais. Sendo
assim, a mobilização discursiva do diálogo aparece como gesto voltado à reflexão sobre a aproximação ou o distanciamento dos contextos
organizacionais em direção às concepções de bem compartilhadas publicamente – o respeito às diferenças e à democracia, como apontado
em seções anteriores. A mobilização discursiva do diálogo é projetada,
nesses espaços relacionais, ora como desejo, ora como falta; ora como
falseamento ideológico, ora como conquista organizacional; ora como
mecanismo de escuta e evolução moral, ora como gesto desigual e moralmente conflituoso. Enquanto fenômeno inacabado e descontínuo, a
mobilização discursiva do diálogo evidencia as leituras e as novas autorias (ainda que voláteis e taticamente silenciosas, numa referência a
Certeau (1994)) da organização, a partir de uma modelagem que permite, em determinado grau, uma expressão livre das articulações e das
fontes morais experienciadas pelos sujeitos nas organizações.
reconhecimento das diferenças.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões realizadas nesse artigo buscaram compreender que
o aparecimento discursivo da noção de diálogo nos contextos organizacionais contemporâneos estabelece íntima relação com concepções de
bem que orientam, discursivamente, a emergência de contornos identitários no ambiente relacional das organizações. Para isso, buscamos
investigar em que medida tais contornos sugerem topografias discursivas ( formas, relevos, disposições espaciais) às concepções de diálogo,
sobretudo quando mobilizadas em cenários de conflitos morais. As topografias do diálogo insinuam um conjunto justaposto de lances discursivos, considerando-se ainda que os contextos da organização comunicada, da organização comunicante e da organização falada se misturam
no fluir da experiência organizacional, insinuando formas comunicacionais sempre aos cacos e carregadas de instabilidade e perturbação
– mesmo com as tentativas impositivas de ordem e disciplina.
Nesse sentido, qualquer tentativa de emprego discursivo do diálogo em contextos organizacionais não conseguiria unificar os sujeitos
numa espécie de grande orquestra em harmonia. Ao contrário, o aparecimento discursivo da noção de diálogo é capaz de: a) descortinar as
desigualdades morais em meio às quais vivem os sujeitos nos ambientes organizacionais; b) colaborar para a instauração de um processo
político de disputa pela partilha do sensível nos ambientes das organizações (Marques, 2013; Mafra; Marques, 2015); e c) tornar possível
a emergência de quadros discursivos e interacionais justapostos, não
padronizados, dispostos desigualmente, reveladores de papeis sociais
em conflito e em distribuição assimétrica, conformadores de interações plurais, inusitadas e instáveis.
Sendo assim, cabe investigar em que medida a organização comunicante aparece como potência política na reorganização dos sujeitos,
no (re) tecer da cultura organizacional (Baldissera, 2009b) em direção
a esforços por alteração da partilha do sensível, ou se as formas autoritárias e policiais não são capazes de permitir a instauração de novas
possibilidades, minando as perturbações a ponto de as mesmas sequer
parecerem reais. Por isso, quando o diálogo aparece como uma espécie de posicionamento no espaço moral, ele revela os cenários e os contextos autoritários e/ou democráticos – ainda que os discursos oficiais
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acreditem serem totalizantes. Fato é que a mobilização do diálogo revela o grande paradoxo de uma vivência organizacional instrumental,
e, ao mesmo tempo, favorece a emergência dos conflitos morais diante
das pressões enfrentadas nas rotinas organizacionais. Enfim, se a noção
de diálogo é utilizada pela organização para que ela se posicione supostamente de modo mais correto no espaço moral contemporâneo, é essa
própria noção que abre espaço para que os sujeitos avaliem, no espaço
organizacional, em que medida podem (ou não) expor suas diferenças,
em que medida se situam entre a realização e o sofrimento (Baldissera,
2014), em que medida interferem recursivamente no ou se apartam de
modo opressor do ordenamento institucional. Por tudo isso, uma hermenêutica do espaço social em que se encontram as organizações é capaz
de revelar o diálogo como discurso aos cacos, fazendo coro à incompletude da própria experiência moderna.
REFERÊNCIAS
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BALDISSERA, Rudimar. A comunicação no (re)tecer da cultura organizacional. Revista Latinoamericana de Ciencias de La Comunicacion.
Ano IV, nº 10, enero/junio 2009b, p. 52-62.
BALDISSERA, R. Comunicação organizacional, tecnologias e vigilância:
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357
|3|
CULTURA, COMUNICAÇÃO E IDENTIDADE EM INTERFACE E
SUAS MANIFESTAÇÕES NO DISCURSO ORGANIZACIONAL
Eliane Davila dos Santos1
e Ernani Cesar de Freitas2
RESUMO
O estudo, engendrado como concepções iniciais, estabelece perspectivas teóricas, na investigação da articulação
de conceitos relacionados à cultura, à comunicação e à identidade manifestados no discurso organizacional. Trata-se de
um estudo exploratório, com enfoque bibliográfico. O marco
teórico traz contribuições de Geertz (2008), Schein (2009)
e Martin (2014) para a cultura. Baldissera (2010) contribui
acerca da comunicação. Quanto às representações identitárias, usa-se conceitos de Bourdieu (2012), Chartier (1991,
2002) e Woodward (2000). Hall (2006) elucida a sobre identidade. O discurso é postulado por Maingueneau (2011, 2013).
Os resultados apontam que, para a compreensão do discurso
corporativo, os temas podem ser concatenados, em interface,
por meio de cenografias que constroem o ethos discursivo.
Palavras-chave: cultura; comunicação; identidade; ethos
discursivo.
Mestranda em Processos e Manifestações Culturais, Universidade Feevale; Currículo Lattes; http://lattes.cnpq.br/7340135294368513; E-mail:elianedavila@yahoo.com.
1
Doutor em letras (PUCRS), com Pós-Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP/LAEL); professor permanente do Mestrado em
Processos e Manifestações Culturais, Universidade Feevale; Currículo Lattes;
http://lattes.cnpq.br/9653110286244674; E-mail: ernanic@feevale.br.
2
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O tema da pesquisa compreende um estudo sobre cultura, comunicação e identidade, manifestados no discurso organizacional.
Atualmente percebe-se que há valores e crenças manifestados por
meio da linguagem, o que leva à busca de um entendimento mais profundo do discurso e à sua subsequente análise. Não há como pensar a
cultura sem ser levado à análise da forma como a linguagem produzida
é interpretada em um contexto social ou corporativo. A comunicação
organizacional e a construção da identidade organizacional têm feito
com que pesquisadores de diversas partes do mundo dediquem-se aos
estudos desses temas.
No presente artigo valoriza-se a interdisciplinaridade, evidenciando a importância dos constantes diálogos entre diferentes áreas
acadêmicas, a fim de fornecer ao pesquisador e, consequentemente, ao
leitor, possibilidades diversas de conexões. O estudo é, também, relevante devido ao interesse pessoal dos autores que trazem, em sua bagagem, o desejo de aprofundar suas análises sobre aspectos relativos ao
ambiente organizacional, do qual fizeram parte em uma dada época de
suas vidas profissionais.
Inserido na área de concentração do curso de Mestrado em
Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale, o presente trabalho se inscreve na linha de pesquisa Linguagem e Processos
Comunicacionais e trata-se de um recorte de uma pesquisa em andamento, cuja perspectiva está no estudo do ethos discursivo como imagem de si, em uma organização financeira. Esse percurso de acomodação teórica é de ímpar relevância, pois aproxima conceitos e dá subsídios
para integração posterior, cujas associações iniciais são discutidas neste
estudo, sendo o objetivo do estudo investigar as articulações iniciais entre cultura, comunicação e identidade manifestados no discurso organizacional. A problemática que surge neste estudo estabelece-se: de que
forma a cultura, a comunicação, a identidade podem ser mobilizadas
em interface para que seja possível a compreensão do discurso corporativo por meio da cenografia e do ethos discursivo? Este artigo permite
reflexões iniciais para o entendimento dessa problemática.
359
Quanto aos procedimentos metodológicos, utiliza-se a pesquisa
de natureza básica, com abordagem qualitativa, uma vez que se objetiva
o entendimento sobre as associações iniciais entre os conceitos de cultura, comunicação e identidade, que se manifestam no discurso corporativo, por meio da projeção de cenografias e do ethos discursivo. Nesse
sentido, tem caráter exploratório, pois tende a sinalizar caminhos frente à questão norteadora. Quanto ao procedimento de coleta de dados,
trata-se de uma pesquisa bibliográfica que busca refletir sobre as associações entre a cultura, comunicação, identidade e discurso. O marco
teórico compõe-se das contribuições de Geertz (2008), Schein (2009) e
Martin (2014), que elucidam os conceitos de cultura. Baldissera (2010)
contribui acerca da comunicação. As representações identitárias são
apresentadas por Bourdieu (2012), Chartier (1991, 2002) e Woodward
(2000). Hall (2006) esclarece o que é identidade. Por fim, as proposições
sobre o discurso são postulados por Maingueneau (2011, 2013).
A INFLUÊNCIA DA CULTURA E DA COMUNICAÇÃO NO AMBIENTE CORPORATIVO
Definir o que é cultura, não é uma tarefa fácil. Cultura lembra interesses multidisciplinares, sendo explorada em áreas como sociologia,
antropologia, história, comunicação, administração, entre outras. Cada
esfera trabalha o conceito com distintos enfoques e usos. Tal realidade
se dá devido ao próprio caráter transversal da cultura, que perpassa diferentes campos da vida cotidiana.
Clifford Geertz (2008) define, na antropologia, o conceito de cultura como um sistema simbólico, sendo característica fundamental e
comum da humanidade de atribuir de forma sistemática, racional e
estruturada, os significados e sentidos a todas as coisas do mundo.
Quando se traz a fala ao ambiente organizacional, Freitas (1991) salienta que cultura organizacional compreende um conjunto ou sistema de significados que são compartilhados por uma determinada empresa ou entidade num tempo específico. Ela inclui valores e crenças,
ritos, histórias, formas de relacionamento, tabus, tipos de gestão, de
distribuição da autoridade, de exercício da liderança e uma série de
outros elementos.
Uma das definições mais conhecidas de cultura organizacional é a
de Schein
(2009), que se baseia na ideia de a cultura ser um conjunto
360
de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu, ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e
integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem validados e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber,
pensar e sentir-se em relação aos problemas.
À luz de Hall (2006), a cultura é formada, ao longo do tempo, por
processos, da sociedade, conscientes ou não. Segundo Hall (2006), a interdependência global está levando todas as identidades culturais fortes
a um colapso gerando fragmentação dos códigos culturais e multiplicidade de estilos que resultam no pluralismo cultural. Marchiori (2008)
faz uma reflexão acerca do que reproduz e cria a cultura. Essa estudiosa
enfatiza que, entre os fatores de destaque, pode-se incluir a socialização,
os ritos e outros eventos que a reforçam e, especificamente, a prática
social. Na realidade, a prática social constrói manifestações culturais,
enquanto os ritos e eventos relacionam-se com a reprodução da cultura.
Assim, as pessoas em suas manifestações e discursos, são criadoras de
significados e entendimentos na organização. As pessoas são produtos
culturais. Elas são formadas pela cultura, assim como a reproduzem e a
formam. Esses grupos de pessoas que formam a organização, ao transacionar com o meio ambiente e ao conceberem conexões internas para
responder às demandas externas, criam maneiras próprias de agir e interagir (TAVARES, 1999).
Martin (2014) defende que, para se estudar a organização de forma mais completa, é preciso avaliá-la a partir de três diferentes perspectivas. Os padrões que surgem a partir dos estudos dessas manifestações são disseminados pelos membros da organização, que apresentam
diferentes percepções, crenças e experiências à luz de um fenômeno
idêntico. As perspectivas apresentadas por Martin (2014), com relação à
análise, são apresentadas sob as seguintes formas: a perspectiva da integração, a perspectiva da diferenciação e a perspectiva da fragmentação.
A perspectiva da integração possibilita o consenso, que é a característica principal dessa visão. Fazem parte dessa ideia os procedimentos de tomada de decisão consensual, que consideram as opiniões de todos, na organização. A partir dessa perspectiva, os funcionários sabem
quais são as expectativas em relação a seu trabalho. Na perspectiva da
diferenciação, a ênfase se dá aos conflitos de interesse, e remete à leitura
361
do consenso como um mito. Martin (2014) define essa perspectiva como
aquela que desnuda as manifestações culturais, às vezes, inconsistentes.
O consenso ocorre somente dentro dos limites de subculturas, que frequentemente entram em conflito umas com as outras. As opiniões são
compartilhadas por um grupo e não pela organização como um todo. A
última perspectiva considera a organização como uma rede, um tecido
de tramas que se insere infinitamente em algo que não ela mesma, em
outras tramas diferenciais, conforme esclarece Martin (2014).
Partindo do pressuposto de que a diversidade da cultura existe
em todas as sociedades, não é possível esquecer que cada indivíduo
também traz consigo sua cultura, sua personalidade. Nas organizações, não é diferente.
Os estudos culturais dentro das organizações devem ser feitos
de forma abrangente. Os conceitos apresentados por Schein (2009) e
Martin (2014) possuem cada um seu valor. Embora sejam autores com
visões diferentes, mantêm objetivos idênticos: buscar respostas para o
entendimento da cultura organizacional. Segundo Marchiori, na realidade, a concepção de Martin (2014) está diretamente ligada a questões de
mudança cultural, que possibilitam contribuições para a visão global da
cultura das organizações, enquanto Schein (2009) trabalha mais a fundo identificação da cultura organizacional, seu detalhamento e como
desvendá-la. Além da cultura, a comunicação permeia todos os atos da
vivência humana e, nas organizações, vistas como organismos sociais
vivos e interdependentes, não é diferente. Inserida na base das funções
administrativas de planejamento, organização, direção e controle, a linguagem consiste na alma da organização, pois é ela que estabelece as
relações de entendimento necessárias para que as pessoas possam interagir como grupos organizados para atingir objetivos predeterminados.
Ao lançar um olhar à temática da comunicação organizacional,
recorre-se às questões das manifestações culturais e dos discursos que
emergem nesse contexto para o entendimento da organização, conforme mencionado por Marchiori (2008). A temática situa-se na fronteira
de diversos campos do conhecimento: linguística, fonética, semântica,
teoria da comunicação, sociologia, etc. Para Marchiori (2008) a percepção da comunicação como um processo, garante maior abrangência e
362
significado para a organização, onde se estimula o conhecimento das
pessoas que se sentem desafiadas como seres humanos.
É pertinente um entendimento mais profundo sobre as questões
da comunicação dentro das organizações, o que requer uma atenção
dos administradores empresariais para que consigam, da melhor forma
possível, fazer transitar as informações dentro e fora das organizações.
Ao tratar a comunicação nas organizações, procura-se evidenciar que
ela é um processo que se concretiza por meio das interações que somente se efetuam a partir das linguagens. Portanto, pode-se dizer que, a
partir da elaboração das linguagens, os discursos emergem, produzindo
sentido e significado.
Um dos autores que se dedicam a refletir sobre assuntos relacionados à comunicação nas organizações é Rudimar Baldissera, que aprofunda o conceito de comunicação muito além de caracterizá-la como,
simplesmente, uma transmissão de informações. Para o estudioso, a
organização é comunicação, isto é, são as relações existentes entre os
diversos sujeitos e, essas relações vinculativas, combinam significados
que, dessa forma, constituem e reconstituem a organização. Considerase que a “[...] comunicação, entendida como processo de construção
e disputa de sentidos3, as organizações são permanentemente (re)
construídas como complexos de significação, forças e subjetividade”.
(BALDISSERA, 2010, p.210). Para esse autor, a comunicação é vista
como um processo de construção e é articulada a partir da ideia de que
é preciso, a cada interação entre os sujeitos, organizar ou reorganizar os
signos. A comunicação, dessa forma, é um processo complexo. A relação
comunicacional deve ser transparente e ter vínculos sólidos, para que a
reputação da empresa, tanto interna quanto externamente, seja coerente com o posicionamento e o objetivo da organização.
A REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE E A CONSTRUÇÃO DO ETHOS DISCURSIVO
Conforme Chartier (1991), as representações estão conectadas à
ordem social do indivíduo e são construídas ao longo do tempo. Pode-se
dizer que a representação é uma estratégia de classe, onde cada grupo
elabora a realidade à sua maneira. Segundo Chartier (1991), a represen3
A disputa de forças são ideias originárias de Foucault (1996).
363
tação é o resultado de uma prática. Para o autor, a representação não
se separa da prática. A prática é um ato do indivíduo no mundo que faz
com que o mesmo tenha um lugar social. O mundo da representação
cria as práticas sociais e, portanto, não pode existir sem a prática.
Bourdieu (2012) e Chartier (2002) convergem quando apontam
que as representações estão localizadas no tempo e são elaboradas pelos indivíduos e seus grupos. Esses grupos, de alguma forma, são capazes
de forjar uma realidade social que pode ser construída para obedecer ou
para dominar. Eis o jogo do discurso sendo apresentado à sociedade.
A representação é, de certa maneira, a forma como se interpreta
o mundo. A maneira como se lê uma imagem, um texto e os acontecimentos sociais. Para Hall (2006), os estudos da representação partem de
uma visão da cultura, na criação de um intercâmbio de significados de
um grupo comum, em um determinado período. A ideia de partilhar a
cultura permite encontrar na linguagem um meio para dar sentido, ou
seja, dar significação às coisas. Sendo possível, por meio da linguagem
(verbal ou não verbal), o compartilhamento de significados, pode-se
afirmar que a linguagem produz significado e é fator relevante para a
compreensão das questões sobre representação. A representação, para
Hall (2006), envolve a língua, as imagens, os sinais, os sons que representam o mundo para uma determinada cultura. É a aproximação do sujeito com a linguagem que permite entender melhor a questão da representação. A partir do signo, vão se formando símbolos que conduzem a
um significado e, assim, à representação.
Hall (2006) reforça que existe um processo mental que permite a
tradução do mundo. Essa tradução é o signo. Os signos vão compondo
a estrutura de significação da cultura. Ao utilizar a linguagem, o ser humano é capaz de representar o mundo a alguém. Os significados, para
Hall (2006), são gerados a partir de uma representação do mundo que
é compreendida e reconhecida por cada cultura. A representação corresponde, portanto, às associações de sentido a determinado signo, o
que é viabilizado, principalmente, por meio da linguagem (HALL, 2006).
Sendo a representação um discurso, a identidade eclode a partir das
ideias que são representadas pelos próprios discursos de uma cultura,
pela forma como cada um é interpelado por esses discursos e como se
admite a posição de sujeito frente à cultura. A identidade deve ser pen364
sada a partir da representação, uma vez que ela vem unificada ao posicionamento do sujeito no interior das representações.
Woodward (2000) e Hall (2006) convergem na argumentação de
que as identidades estão entrando em colapso, porque um tipo diferente
de mudança estrutural tem transformado as sociedades desde o final do
século passado. As identidades tornaram-se um problema social e, por
isso, têm sido estudadas tão intensamente.
O estudo de questões sobre a identidade organizacional trata da
“[...] essência da organização; o que faz a organização se distinguir de
outras e o que é percebido como estável ao longo do tempo, ou seja, o
que faz a ligação entre o presente e o passado e provavelmente o futuro”.
(ALMEIDA, 2008, p. 34). A ligação e a interdependência entre a cultura e
a identidade ficam evidentes, pois um necessita do outro como origem
de significados.
Almeida (2008) esclarece que a identidade interfere na imagem e
na reputação e, por fim, a imagem e a reputação influenciam a produção
e a mantença da identidade. É um “processo contínuo e cíclico, em que a
organização deve buscar um alinhamento entre as percepções internas
e externas, de forma a consolidar uma reputação sustentada ao longo
dos anos”. (ALMEIDA, 2008, p. 37). As construções simbólicas que ocorrem nos espaços organizacionais onde a produção e a desconstrução
criam sentido contribuem para elaboração de conceitos, determinam
linguagens em uma teia de leituras e releituras culturais, que revelam os
valores e crenças das empresas. A representação possibilita a compreensão de que o sujeito se constitui na linguagem. O sujeito assume diversas
posições discursivas e esse movimento contribui como desencadeador
da identidade a partir das representações sociais.
O estatuto do enunciador e do destinatário diz que “em termos de
discurso, tanto o enunciador quanto o destinatário dispõem de um lugar e, nesse espaço, o enunciador projeta uma imagem de si no discurso
a partir da qual o legitima.” (FREITAS; FACIN, 2011, p. 5).
O modo de enunciação, conforme Maingueneau (2011), está ancorado na dêixis enunciativa, que é entendida como uma espécie de
localização de pessoas, objetos, processos, eventos e atividades que
criam uma relação espaço-temporal que implica um ato de enuncia-
365
ção. Essas marcas que situam o discurso no tempo e no espaço são
chamadas dêixis enunciativas.
Para melhor entendimento, esclarece-se que a cena de enunciação é composta por três cenas chamadas de cena englobante, genérica
e cenografia. A cena englobante atribui ao discurso um estatuto pragmático. A cena genérica é a do contrato associado a um gênero, como
editorial, o sermão, o guia turístico, a consulta médica, etc., à luz de
Maingueneau (2013). A compreensão de que a cena englobante corresponde ao tipo de discurso, auxilia na interpretação desse texto, assim
como fornece informações sobre em função de qual objetivo ele foi organizado. A cenografia é “[...] um processo de enlaçamento paradoxal
[...] ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la [...]”. (
MAINGUENEAU, 2013, p. 98, grifo do autor).
A construção da imagem de si pelo discurso permite que as instituições e os sujeitos sociais estabeleçam, ou não, suas relações de poder.
O enunciador se esforça para que acreditem na representação que faz de
si e, para tanto, ele constrói uma imagem de si, conforme Maingueneau
(2013). Assim sendo, a representação utilizada pela linguagem contribui para dizer algo que seja revelador para outra pessoa. Hall (2006) comenta que a língua, os sons, as imagens representam dados importantes
para a compreensão de uma determinada cultura.
A construção de uma imagem de si, no discurso, prevê a presença do outro, mesmo que implícita, segundo Maingueneau (2011). Dessa
forma, é possível afirmar que as estratégias discursivas, bem como as
particularidades da cena de enunciação, contribuem para que o outro
acredite na construção dessa imagem de si. Conforme Maingueneau
(2011, p. 17, grifo do autor), “o ethos é uma noção discursiva, ele se constrói através do discurso, não é uma imagem do locutor exterior a sua
fala; o ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência
sobre o outro; o ethos é fundamentalmente híbrido [...]”.
Quando Maingueneau (2011) articula o corpo ao discurso, ele considera o corpo como “fiador” (enunciador) desse discurso. Ao “fiador”
se concede um caráter e uma corporalidade, que se pode vincular a uma
aparência física, um modo de se vestir e movimentar-se, assim como os
traços psicológicos que moldam um comportamento. Desse modo, o destinatário o identifica apoiando-se em um conjunto de representações so366
ciais que são os estereótipos. A maneira como a audiência ou o leitor se
apropria desse ethos, chama-se “incorporação” (MAINGUENEAU, 2011),
que é associada à “cena de enunciação”, pois ela se articula em função dos
gêneros e tipos de discurso. É por meio do ethos que o enunciatário está
convidado a participar da cena de enunciação.
Maingueneau (2011) acrescenta que, nesse espaço subjetivo, encarnado, o “fiador” do discurso é construído a partir do processo de incorporação. O “mundo ético” regula as representações sócio-culturais e a
instância subjetiva não é percebida apenas como um estatuto, mas como
uma “voz”, associada a um “corpo enunciador”. A percepção do tom possibilita ao leitor construir uma representação do corpo do enunciador.
O enunciador aciona os estereótipos, valores, princípios, um imaginário que pode ser coletivo ou social, elevando o percentual de possibilidade de aderência do enunciatário. Pode-se considerar, a partir
disso, que esses valores, princípios e o imaginário estão relacionados à
cultura organizacional, pois “a construção discursiva de uma imagem
de si é suscetível de conferir ao orador sua autoridade, isto é, o poder de
influir nas opiniões e modelar atitudes.” (AMOSSY, 2008, p. 142).
Portanto, a partir dos postulados de Maingueneau (2011, 2013), destaca-se que são as cenas que são validadas em memórias coletivas. Esses
discursos são, em realidade, estereótipos que se apresentam em representações arquetípicas. O ethos permite entrar em contato com a imagem do
fiador, que, por meio de seu dizer, legitima a si próprio uma identidade
equivalente ao mundo que está construindo em seu enunciado.
AS MOBILIZAÇÕES INICIAIS EM INTERFACE
A cultura, a comunicação, a identidade manifestadas no discurso
levam ao entendimento do ethos discursivo como imagem de si, conforme proposto por Maingueneau (2011, 2013). A identidade organizacional, nesse caso, é a essência da empresa e é o que faz com que ela se
diferencie das outras organizações. É o que é percebido como estável
ao longo do tempo. Cultura e identidade são conceitos independentes,
porém, um precisa do outro como fonte de significados. A cultura colabora com a construção da identidade. Compreender a identidade é uma
maneira de construir sentido sobre o que constitui a cultura das organizações. Construir sentido sobre a cultura das organizações permite,
367
por sua vez, a criação de reputação, de imagem positiva e possibilita um
processo de comunicação das organizações e seus públicos, segundo
Marchiori (2008).
A cultura nas instituições é pautada por seus valores, ou seja, engloba a confiança das pessoas, zelo no cumprimento dos pactos, transparência, foco em resultados e visão de longo prazo. Com a premissa
de que toda produção de linguagem é discurso, o jogo de imagens de
si que as empresas revelam, contempla as diversas maneiras com que
cada empresa investe para dizer o que deseja dizer, com o objetivo de
construir sua própria identidade, principalmente no agenciamento das
posições que cada organização assume em seu discurso.
Dessa forma, pensar no discurso como uma forma de representação, permite dizer que a identidade eclode a partir das ideias que são
representadas pelos discursos da cultura, pela forma como cada um é
interpelado pelos discursos e como se admite a posição de sujeito frente
à cultura. A identidade deve ser pensada a partir da representação, uma
vez que ela vem unificada com o posicionamento do sujeito no interior
das representações.
A comunicação vista como um processo de disputa de sentido,
segundo Baldissera (2010), permite vislumbrar a importância das pessoas nesse processo. As pessoas produzem os discursos e os diálogos
nas organizações. A comunicação permeia todos os atos da vivência humana e, nas organizações, não é diferente. Inserida na base das funções
administrativas de planejamento, organização, direção e controle, a comunicação consiste na alma da organização, pois é ela que estabelece as
relações de entendimento necessárias para que as pessoas possam interagir como grupos organizados para atingir objetivos predeterminados.
A compreensão das manifestações da cultura, nas organizações, a
partir das representações identitárias, revela as cenografias que levam à
construção do ethos discursivo como imagem de si, expressos pelos discursos das mesmas, conforme sugerido por Maingueneau (2011, 2013).
Por se tratar de um estudo exploratório, em fase inicial, acredita-se que as mobilizações realizadas em interface sirvam como paradigmas relevantes para a compreensão da cenografia e do ethos discursivo
corporativo. Diante do percurso metodológico percorrido, foi elaborado
um dispositivo epistemológico, detalhado na Figura 1, que poderá nor368
tear o estudo em andamento, cuja perspectiva está no estudo do ethos
discursivo como imagem de si em uma organização financeira.
FIGURA 1 - DISPOSITIVO DE ANÁLISE DO DISCURSO
Fonte: Elaborado pelos autores
Na Figura 1, é possível visualizar que o discurso inicia com a cultura. A cultura está inserida em um contexto organizacional que se integra à comunicação, que resulta em diferentes manifestações culturais
que expressam o discurso da organização por meio das cenografias que
constroem o ethos discursivo. A partir da construção do ethos, verifica-se a imagem que a organização faz dela mesma, promovendo a identificação da identidade corporativa e de suas representações. Assim, a
cenografia e o ethos discursivo são constituídos pelos modos de dizer e
de se revelar no discurso.
369
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após as reflexões iniciais sobre os temas propostos, admite-se que
exista concatenação dos mesmos em interface. O objetivo do trabalho
consistiu em investigar as articulações iniciais de conceitos relacionados
à cultura, à comunicação e à identidade manifestados no discurso organizacional. A cultura está inserida no contexto organizacional e, dessa forma, ela se integra à comunicação que resulta em manifestações culturais.
Essas manifestações culturais expressam o discurso da organização, por
meio das cenografias que constroem o ethos discursivo organizacional.
Esse estudo foi de grande valia para a melhor compreensão de que
a comunicação organizacional é a alma da empresa e de que as pessoas
são essenciais nesse processo, uma vez que todos são seres produtores
de discursos e diálogos na organização. Entendeu-se que as limitações
do estudo estariam na necessidade de aprofundamento dos assuntos
escolhidos, visando fomentar articulações mais detalhadas sobre o
que foi abordado. Acredita-se que é relevante promover estudos sobre
a compreensão da cultura organizacional, tendo como base a análise
do discurso e discutindo sobre o processo de comunicação que há nas
organizações. Nota-se neste estudo uma colaboração para a construção
do ethos discursivo - imagem de si - e das identidades organizacionais.
Em suma, com a premissa de que toda produção de linguagem é discurso, o jogo de imagens de si contempla as diversas maneiras com que cada
empresa investe para dizer o que deseja dizer, com o objetivo de construir
sua própria identidade e, por conseguinte, sua reputação organizacional.
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O CINISMO EM GOFFMAN: UM ESTUDO SOBRE AS
REPRESENTAÇÕES E AS ESTRATÉGIAS DE DISPUTA DE PODER
NAS INTERAÇÕES ENTRE FUNCIONÁRIOS E ORGANIZAÇÕES
Dôuglas Aparecido Ferreira 1
RESUMO
Este artigo busca entender a relação do ator cínico
- conceito apresentado por Erving Goffman em “A representação do eu na vida cotidiana” - e as organizações, vistas
aqui como agentes produtoras e ordenadoras de sentidos.
Para isso, fez-se necessário percorrer algumas correntes
da sociologia, da comunicação e da filosofia da linguagem
para se compreender este processo social (cinismo) em um
contexto privilegiado para este estudo (as organizações).
Partindo do pressuposto de que as organizações são âmbitos complexos, marcados pelas disputas de poder, a busca
pelo controle dos processos e, mais recentemente pela adoção de práticas da lógica midiática.
Palavras-chave: Ator cínico; comunicação no contexto
das organizações; estratégias de recepção; pragmatismo;
acordo tácito
Mestrando em Comunicação Social – Interações Midiáticas pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais
1
INTRODUÇÃO
As relações dos indivíduos já foram objeto de estudo de diversos
campos do conhecimento como a filosofia, a psicologia, a sociologia, a
antropologia e mais recentemente, a comunicação. Das inúmeras discussões que o relacionamento humano já suscitou, uma delas ficou conhecida pela tentativa de compreender o comportamento interacional
através de uma metáfora: a representação teatral. O autor desta abordagem, o sociólogo canadense Erving Goffman, é um dos expoentes de
uma corrente de estudos norte-americana conhecida por interacionismo simbólico. E, na busca por avançar no enfoque dramatúrgico, microssociológico e etnometodológico cunhado por Goffman, pretende-se aqui fazer um pequeno retrospecto bibliográfico das teorias que
influenciaram suas pesquisas, além de trazer à luz outras contribuições
do campo da semiótica, da linguagem e da comunicação, no intuito de
que estes outros olhares possam promover novas reflexões, principalmente quando contextualizadas no âmbito organizacional.
O PRAGMATISMO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O ENTENDIMENTO DA
REPRESENTAÇÃO DO “EU”
De certa forma, pode-se afirmar que os estudos do interacionismo
simbólico foram sustentados pelos pilares epistemológicos do pragmatismo. As heranças conceituais do pragmatismo serviram de alicerces
para os estudos, por exemplo, da Escola de Chicago, e mais precisamente, ao trabalho do filósofo George Herbert Mead (FRANÇA, 2008).
Mead acreditava que a sociedade não é um elemento exterior ao
indivíduo, mas um contexto objetivo de ações. Para ele, a sociedade se
dá através das atividades cooperativas de seus membros, dos atos e das
interações. Sendo assim, a vida social oportuniza e exige dos indivíduos
uma personalidade social, levando Mead a crer que os membros de uma
sociedade são dotados de um self, uma entidade unitária, porém flexível
(FRANÇA, 2008). Mead teve influências sobre o trabalho de Goffman
(NUNES, 2005), principalmente na conceituação de self e seus desdobramentos sociais. “Ao analisar o ‘eu’, então, somos arrastados para longe
de seu possuidor, da pessoa que lucrará ou perderá mais em tê-lo, pois
374
ele e seu corpo simplesmente fornecem o cabide no qual algo de uma
construção será pendurado por algum tempo.” (GOFFMAN, 2013, p.217).
Avançando a partir desta perspectiva de self, pode-se entender
que as interações são processos que tecem e retecem, ao mesmo tempo, o indivíduo e a sociedade. Essas interações recursivas se manifestam
em gestos carregados de significados, verdadeiras trocas que acontecem
em todas as direções do processo de interlocução (BALDISSERA, 2009).
Os estudos de Goffman reforçam essa perspectiva ao destacarem que “o
estar em relação demanda dos sujeitos a consciência da situação, para
seleção do papel a ser desempenhado por cada um frente ao outro, naquela ação específica.” (LIMA, 2008, p. 121). Para Goffman, “a interação
(isto é, interação face a face) pode ser definida, em linhas gerais, como a
influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata” (2013, p. 28). 2
Goffman (2013) também acreditava que durante o desempenho de
um papel, o indivíduo discretamente solicita que sua plateia leve a sério a
impressão representada perante ela. Em outras palavras, o ator social espera que acreditem em seu personagem e nas consequências pretendidas
por ele. Durante uma representação as coisas devem ser como parecem
ser. Portanto, de modo geral, o ator se apresenta para o benefício e a crença de sua plateia. Contudo, existe a possiblidade de um outro olhar sobre
esta questão. Afinal, este mesmo comportamento teatral pode também
ser visto, entendido e estudado a partir da própria crença que o indivíduo
(ator) deposita sobre o papel que está representando.
Posto isso, Goffman (2013) lembra que há dois extremos. Num
deles, se encontra o ator sincero, inteiramente compenetrado em seu
desempenho e convencido de que a impressão da realidade que encena
é verdadeira. Esta percepção também é compartilhada e aceita pela pla-
É importante destacar aqui que embora Mead e Goffman tenham usado a
perspectiva de interação a partir do âmbito face a face, estudos contemporâneos da comunicação ampliaram este entendimento para o contexto das novas
mídias, demostrando que estas mesmas representações também podem ser
observadas em co-presença virtual (LIMA, 2008). Sendo assim, neste artigo, o
termo interação também será tomado na amplitude de sua significação, abrangendo tanto as construções de sentido face a face, quanto as mediadas.
2
375
teia, que convencida pelo espetáculo, não tem dúvidas do que se apresenta a ela. Em contrapartida, em outro extremo, está o ator cínico.
Quando um indivíduo não crê em sua própria atuação e não
se interessa em última análise pelo que seu público acredita,
podemos chamá-lo de cínico, reservando o termo “sincero”
para os que acreditam na impressão criada por sua representação. (GOFFMAN, 2013, p. 30).
É bom que fique claro que nem sempre o ator cínico está interessado somente em enganar sua plateia, ou ter algum privilégio pessoal através da representação. Muitas vezes, ele pode iludir seu público pelo o que
julga ser o bem deste, uma tentativa de evitar os possíveis conflitos.
Os médicos que são levados a receitar medicamentos inócuos para tranquilizar os doentes; os empregados de postos de
gasolina que resignadamente verificam e tornam a verificar a
pressão dos pneus para ansiosas senhoras; os vendedores de
calçados que vendem um sapato de número diferente, mas
que dá no pé da freguesa e dizem a ela que é do tamanho pedido, todos estes são profissionais cínicos, cujo público não
lhes permitirá serem sinceros. (GOFFMAN, 2013, p. 30).
O cinismo também pode ser entendido como o resultado da insegurança de um indivíduo. Os atores podem usar o cinismo como uma estratégia para isolar sua personalidade íntima do contato com a plateia, uma
maneira de se resguardar da exposição sincera e preservar a impressão que
tentam causar nos seus interlocutores. Portanto, o ator não está fixo em
apenas um dos extremos da representação. Ele oscila constantemente entre a sinceridade e o cinismo, à medida que, através da representação, passa
a legitimar atributos que antes eram apenas para iludir a plateia. Tomando
por exemplo, os curandeiros que em alguns casos sabem estar praticando
uma fraude, mas mesmo assim acreditam em seus poderes e até recorrem a
outros feiticeiros quando estão enfermos (GOFFMAN, 2013).
A DRAMATURGIA NAS ORGANIZAÇÕES
Cabe aqui contextualizar as ideias já apresentadas, trazendo para
esta discussão algumas reflexões de estudiosos da comunicação organizacional. Esse diálogo e recorte contextual é possível e viável a par376
tir do viés microssociológico dos estudos de Goffman, caracterizados
pela compreensão da sociedade pela ótica das infinitas interações que
juntas constroem a vida cotidiana. Sabendo disso, a organização, ambiente marcado pela gestão do controle, pela disputa de poder e pelo
aperfeiçoamento dos processos em busca de resultados maximizadores (OLIVEIRA; PAULA, 2012) se torna um contexto privilegiado para se
analisar o comportamento cínico dos indivíduos quando em interação.
A partir de Strauss (1959) a análise das organizações passa a
fazer parte da temática interacionista, sob a hipótese de que
as macroestruturas podem ser compreendidas a partir de
uma base microanalítica. O paradigma de uma “ordem negociada” (Strauss, 1978) admite a coerção das macroestruturas
sobre os significados e também a “incorporação”, pelas instituições, da construção de formas sociais, mesmo que as macroestruturas não determinem completamente o significado
e a interação (Cf. Fine, p. 68). Daí a contribuição específica da
perspectiva interacionista simbólica, reconhecendo a importância de um “nível mesoscópico” (Maines, 1982), que conduziria ao exame da dinâmica social, em que se manifesta a submissão de atores individuais a instituições, organizações, à
ordem econômica e a regimes políticos. (NUNES, 2005, p. 42).
No curso de sua história, o interacionismo simbólico apresentou
uma relação estreita com uso de metáforas e analogias para explicar a
relação entre os sujeitos, a vida social como um drama é um exemplo disso. “A analogia é o método tradicional de geração de teorias de mundo:
toma-se uma área de fato do senso comum e tenta-se compreender outras
áreas por meio dessa.” (NUNES, 2005, p. 10). Os estudos de Goffman foram
marcados por um vocabulário próprio. Em sua obra é recorrente o uso de
termos como: palco, fachada, atores, plateia, bastidores, etc.
Em analogia, o pesquisador parte de observações descompromissadas, avançando progressivamente para quadros
conceituais cada vez mais compreensivos, tentando descrever melhor a base inicial de observação, em nível crescente
de abstração. (NUNES, 2005, p. 100).
O emprego da metáfora do teatro na teorização sociológica se
mostra bastante frutífero à nível microssociológico, mas tem sua vali377
dade diminuída em termos macrossociológicos. Mesmo assim, é importante destacar sua importância heurística em todos os níveis. E, no caso
de sua aplicação teórica, o procedimento transcende a função heurística, que por muito tempo foi associada ao emprego metodológico de
analogias e metáforas (NUNES, 2005).
Isso reforça a ideia de que o modelo dramatúrgico de Goffman
pode contribuir para o entendimento da complexidade das relações
sociais de uma organização, principalmente aquelas interações que se
dão dentro de seu espaço físico, no caso deste artigo, a relação entre o
empregado e a comunicação oficial de uma organização. Cabe ressaltar
que esta perspectiva não isola uma organização em um sistema fechado,
ela apenas busca destacar o palco como um lugar bem definido, acreditando que as outras relações da organização com a sociedade devem ser
objeto de outros estudos, outras análises.
CINISMO: UMA ESTRATÉGIA PARA UM ACORDO TÁCITO NAS ORGANIZAÇÕES
O termo “cinismo”, usado por Goffman, pode ser entendido como
uma estratégia consciente dos atores na tentativa de satisfazer as expectativas de sua plateia. “Um acordo tácito é mantido entre os atores e a plateia,
para agir como se um dado nível de oposição e concordância existisse entre
eles.” (GOFFMAN, 2013, p. 256). O comportamento cínico pode sustentar
uma falsa sensação de harmonia e ordem que, a priori, contribuiria para a
manutenção e a aparente cristalização dos sentidos intencionados pela comunicação planejada, a fala oficial de uma organização, ainda muitas vezes
apoiada no paradigma informacional da comunicação.
Então, entre a oferta de sentidos planejados pela organização e a
sua internalização pelos interlocutores – diferentes sujeitos que
constituem a alteridade quando das relações – há a arena das disputas. Neste lugar dinâmico atualizam-se estratégias, saberes prévios, desejos, expectativas, competências e habilidades diversas,
não apenas para dizer, mas também para descontruir as estratégias cognitivas da outra força em relação e (re)apresentar efeitos
de sentidos para levar o interlocutor a internalizá-las da forma
desejada, mesmo que nem tudo seja da qualidade do consciente
para todas as forças de relação. (BALDISSERA, 2008, p. 171).
378
Uma das hipóteses aqui levantadas é de que o cinismo é usado de
forma estratégica pelos funcionários das organizações no intuito de garantirem a manutenção de seus empregos. Partindo do pressuposto de
que, o comportamento cínico esconde da plateia as verdadeiras crenças
dos atores. “É importante que a organização compreenda que os grupos interlocutores presentes no processo também têm suas estratégias
comunicacionais” (OLIVEIRA; PAULA, 2012, p. 71). A metáfora teatral,
abordada por Goffman, se torna pertinente neste contexto porque direciona para uma situação de tensão entre os agentes envolvidos. Este
ambiente de disputa de sentidos é propício para que os interlocutores
se utilizem de estratégias e táticas para explicitar ou esconder seus reais
posicionamentos de acordo com cada situação.
Jair Oliveira (2013) lembra que as organizações, no seu plano macro, não despertam interesse em encarar a produção de sentidos como
um elemento contextual, dinâmico e construído dialogicamente, enquanto os lucros estiverem em curva ascendente. Todavia, no âmbito
micro, aquele das relações interpessoais, as mudanças se fazem necessárias para alterar o estado atual das coisas.
Humerto Maturana (1999) observou que na dimensão do trabalho a conduta é determinada pelo papel que o indivíduo
representa na estrutura hierárquica e neste domínio, o cumprimento de tarefas é a única coisa que importa. Há um esforço dos gestores para que rituais e normas específicas da esfera empresarial sejam “humanizadas”; ou sejam construídas
relações que se baseiem na aceitação do “outro” (Maturana,
1999, p. 69). Este imperativo às vezes é encarado pelos “donos”
da organização como uma tentativa de eliminar o trabalho e
postular “o direito à preguiça” (Lafargue, 1999). Tais dirigentes
concebem metáforas como “emoção”, “afeto” e “riso” do mesmo
modo que Platão tratou os poetas: com descaso. As considerações que costumam apresentar nas reuniões são quase sempre
de ordem material e a compreensão da linguagem é sempre
determinística: X então Y. Não há espaços para as necessidades emocionais dos indivíduos. (OLIVEIRA, 2013, p. 56).
Essas considerações contribuem para reforçar algumas reflexões
levantadas neste artigo. Principalmente quando se percebe que algumas organizações se utilizam de métodos rasos na tentativa de mensu379
rar os resultados da recepção de suas plataformas de comunicação (se é
que a comunicação possa ser mensurada). Os dados levantados nestas
pesquisas podem estar maquiados pelo comportamento cínico dos funcionários. Portanto, dispositivos de interação planejados pela gestão de
uma organização como, por exemplo, as pesquisas de clima organizacional, os jornais murais ou house organ, os ritos de integração de novos
empregados, os cartões com frases de efeito emocional em datas comemorativas, as celebrações de conquistas, as confraternizações, etc, podem ser oportunidades para que os empregados se utilizem do discurso
cínico para manter a aparente situação de total controle tão buscado
pela gestão. Esses dispositivos comunicacionais também podem ser espaços para que a organização assuma seu papel de ator cínico, através
de uma tentativa não sincera de “dar voz e ouvir o outro”, mesmo sabendo que, sobre os aspectos capitalistas, há outros interesses econômicos
mais relevantes do que criar espaços para diálogos.
Pesquisas internas de clima organizacional com altos índices de
aprovação, jornais murais com falas eufóricas de dedicação ao trabalho,
agradecimentos efusivos aos gestores, comportamentos pouco espontâneos e estrategicamente alinhados a conduta oficial da empresa, entre outras atitudes, podem ser apenas representações não sinceras dos
funcionários para agradar a sua plateia. Afinal, para as organizações,
há outros interesses mais importantes do que aceitar os dissensos da
alteridade e, por ser assim, qualquer desvirtuamento das intencionalidades da gestão deve ser ignorado, coagido ou banido. Talvez, por estar
consciente dessa situação, o funcionário se proteja, como um indivíduo
dependente do empego, através de um comportamento de falso consentimento e cristalização dos sentidos propostos pela organização.
Júlio Pinto (2008) contribui para esta discussão, ao propor a palavra permediatividade, termo derivado da semiótica, para conceituar
a instabilidade dos processos comunicativos, a indeterminação da linguagem e a imprevisibilidade dos signos. Segundo ele,
num ambiente como o das organizações, que vem sendo
dominado cada vez mais pela ideia de gestão – e gestão
talvez seja só outro nome mais açucarado para panóptico
e para vigilância -, existe a ilusão de que se possui a forma
de bem conduzir as coisas, de maneira que atinjam seus ob380
jetivos. Essa gestão está preocupada com os significados: “A
significa B e, se eu disser A, entenderão B.” O mundo seria
bem mais simples, mas bem menos fascinante assim. Essa
tendência rígida, do tipo necessário (se A, então necessariamente B), é uma peça de ficção tendo em vista que A é
opção e, portanto, B também o será. Talvez B nem seja B,
mas C ou D ou Z. (PINTO, 2008, p. 86).
A partir dessa perspectiva, o ruído, algo tão temido e repudiado
pela comunicação oficial da organização, é visto como uma consequência inerente a qualquer processo de interação, devido exatamente as
rupturas causadas pelas ressignificações infinitas que os indivíduos fazem apoiados em seus diferentes interesses e repertórios.
A permediatividade leva em conta que há intenção nas instâncias produtoras de mensagens, mas também há intenção
nas instâncias receptoras de mensagens, na medida em que
somos vítimas de nosso próprio discurso, já que meus signos
fazem parte de um repertório que vou adquirindo ao longo
da vida. (PINTO, 2008, p. 87).
Diante disso, por mais que exista uma intencionalidade planejada
pela instância de produção e até um reconhecimento dos repertórios interpretativos e das competências da instância de recepção, sempre haverá
algo que escapa na comunicação (OLIVEIRA; PAULA, 2008). As organizações, aparentemente pouco interessadas em aceitar o caráter processual,
complexo e multidirecional da comunicação, parecem mais interessadas
em usá-la como um mecanismo corretor, na tentativa de estabilizar as
interações e direcionar a produção de sentido de acordo com seus interesses. Esta lógica instrumentalista da comunicação é um indício da busca
incessante das diretorias das organizações pelo controle de todos os seus
processos. Este posicionamento garante à organização uma impressão de
total autoridade sobre o negócio, inclusive sobre as pessoas.
Ou seja, introduz-se a comunicação como um mecanismo de
regulação, retirando as possiblidades de paradoxos, sem que
se pergunte até que ponto o dissenso interacional não estaria relacionado com a própria comunicação, enquanto uma
interação que não se realiza em termos simétricos. Trata-se
da instalação da lógica da vigilância sistemática e do “sobrea381
viso” flutuante, o que significa a criação no ambiente de uma
lógica de alerta. (FAUSTO NETO, 2008, p. 44).
Por sua vez, o funcionário, ciente deste ambiente de alerta, poderá
se utilizar de recursos dramáticos para não demonstrar suas verdadeiras crenças e, consequentemente, apresentar um discurso mais ameno
e menos opositor ao da organização. Esse comportamento é aceitável
quando se leva em consideração que as regras atuais do capitalismo exigem dos indivíduos atitudes que demonstrem seu apreço e dedicação
ao trabalho, o famoso “vestir a camisa da empresa”, como uma situação
que dignifique a condição humana, através de uma carreira estável e o
acúmulo de riquezas.
Sendo assim, o cinismo se apresenta como um artifício dos funcionários para manterem seus empregos e evitar possíveis atritos durante
as interações com a comunicação oficial da organização. É claro que
esta conformidade é utópica, apesar de extremamente desejada pela
empresa. Numa tentativa de talvez manter o status quo hierárquico, um
ambiente harmônico no qual ele acredita ser o ideal para sua plateia.
Vemos que os atores, a plateia e os estranhos, todos utilizam
técnicas para salvar o espetáculo, quer evitando rupturas possíveis, quer corrigindo as inevitáveis, ou ainda tornando possível
que outros o façam. (GOFFMAN, 2013, p. 257).
O cinismo poder ser um dos elementos determinantes no processo comunicacional no contexto das organizações. Afinal, “a comunicação é o lugar de sujeitos em relação que (re)tecem o ser organizacional,
muitas vezes, independentemente da vontade e dos objetivos da própria
organização” (BALDISSERA, 2008, p. 169). Às vezes, e isso é apenas uma
suposição, já que este artigo não tem dados suficientes para constatar
isso e nem é esta sua proposta, a organização seja consciente do cinismo no discurso de seus funcionários. Mas, não se preocupa com isso, a
partir do momento que é favorável para ela ter esta sensação de domínio
sobre a situação, mesmo que apenas aparente.
Os funcionários, também podem ser conscientes de que seu cinismo é reconhecido por sua plateia, mas, como já apresentado, ao ator
cínico pouco importa o que seu público acredita, e pode até experimentar uma “jubilosa agressão espiritual” pelo fato de brincar com algo que
382
a plateia aparentemente está levando a sério (GOFFMAN, 2013). Enfim,
esses fatores apenas reforçam a ideia de que existe um acordo invisível
e muito satisfatório entre as duas partes. A funcionário finge que está
em conformidade à comunicação oficial da organização e a organização
finge acreditar nele. Portanto, o cinismo pode ser uma estratégia de funcionários e organizações.
Para que esta metáfora teatral em que se tornaram as interações sociais; segundo Goffman, resulte, é necessário um acordo tácito entre todos os intervenientes, o que confere a estes
fenômenos de comunicação a categoria de rituais, cerimônias que permitem confirmar não só a ordem moral, como as
práticas culturais e sociais. (FERIN, 2002, p. 80).
Ao usar da linguagem teatral para explicar as relações sociais,
Goffman deixa clara a sua aproximação de uma máxima linguística:
quando conversamos, estamos também agindo. Outros tratamentos
científicos posteriores ao de Goffman são fundamentais para se entender esse “agir”, que começou a ser desenhado na teoria dos atos de fala
de Grice e Austin e a teoria da ação comunicativa de Habermas.
Na comunicação em situação de co-presença os sujeitos de
fala sempre desempenham alguma ação ao dizer algo. A concepção de linguagem como atividade, com raízes na compreensão pragmática da linguagem defendida por Wittgenstein
e na teoria dos atos performativos de Austin, é fundamental
para uma correta avaliação não só do modelo da ordem social de Goffman, mas de sua obra sociológica como um todo.
Para Wittgenstein, assim como para Goffman, aprender uma
linguagem não é conhecer o significado de palavras, mas é o
mesmo que aprender a se comportar de uma determinada
forma; aprendemos a pedir comida, e não o significado de
“mamá” ou “papinha”. Aprendemos a agradecer, a desculpar,
a solicitar; sabemos livrar as aparências, nossas ou de outros,
às vezes sem compreender exatamente o que dizemos ou
por que o fazemos. Aprendemos a manipular as palavras assim como aprendemos a alterar formas de comportamento,
a adequá-las a situações ou contextos. As regras que regem
o uso cotidiano da linguagem não são reguladoras como as
regras gramaticais para um uso “correto” da linguagem. Não
383
são propriamente regras, mas regularidades, que governam o
sentido das palavras e a forma de falar; o desvio dessas regras
não constitui uma violação, mas um abuso, assim como, por
exemplo pegar uma faca pelo lado da lâmina e usar seu cabo
como um tipo de martelo. (NUNES, 2005, p. 122-123).
Ao aprender a adequar e alterar seu discurso de acordo com o
contexto, o ator cínico evidencia seu tato social, ou seja, sua capacidade
de interpretar e identificar a situação de interação e o perfil de seus interlocutores antes de iniciar seus discursos. Esta análise antecipada da
situação define o caráter promissório da comunicação. Há uma certa expectativa sobre o que vai acontecer. Afinal, “quando um indivíduo chega
à presença de outros, este, geralmente, procura obter informações a seu
respeito ou traz à baila as que já possuem.” (GOFFMAN, 2013, p. 13). A
informação a respeito dos interlocutores e seu espaço de interação levam a definir a situação, tornando possível se saber antecipadamente
o que os atores esperam da plateia e o que a plateia pode esperar dos
atores. Cabe aqui destacar que a figura do ator e da plateia nunca é fixa.
O indivíduo-ator em um momento, pode se tornar plateia no mesmo
instante. O que caracteriza o aspecto interlocutório desta abordagem.
Diante dessas questões, apesar deste artigo deixar mais evidente o uso do cinismo pelos funcionários, ele não rejeita, nem ignora a
existência do cinismo na fala oficial da organização. Essa abordagem é
apenas um recorte intencional para se destacar um grupo social ( funcionários) que frequentemente tem suas estratégias de recepção ignoradas pela bibliografia recorrente. Obviamente, o cinismo é um artifício
recorrido por todas as instâncias de interação, afinal a posição de ator e
plateia está em constante troca durante a interação.
O Princípio da Cooperação, cunhado por Grice (1982), pode contribuir para o entendimento do cinismo como um desvio de uma expectativa de comportamento. Grice (1982) lembra que os diálogos não
são uma sucessão de observações sem conexões. Na verdade, eles são
esforços cooperativos, o que leva os participantes da interação a conhecer um propósito comum ou um conjunto de propósitos, ou ainda, pelo
menos, um direcionamento aceitável entre as partes. Estes propósitos
ou direcionamentos são fixados desde o início do diálogo ou podem
evoluir durante seu acontecimento. Mas, a cada etapa, alguns compor384
tamentos são considerados inadequados. Sobre essas inadequações,
Grice apresenta quatro máximas conversacionais que implicitamente
são responsáveis pelas expectativas de cooperação entre os interlocutores, a saber: a quantidade – a contribuição deve ser tão informativa
quando requerida; a relação – os enunciados precisam ser relevantes;
o modo – a maneira como algo é dito precisa ser clara e, por fim, o que
parecer ser o mais importante para este estudo, a máxima da qualidade
– a contribuição deve ser verdadeira. “Não diga o que você acredita ser
falso” (GRICE, 1982, p. 87). Cabe aqui fazer alguns entrelaçamentos metodológicos entre o que Goffman chamou de acordo tácito entre atores
e plateia e Grice denominou de Princípio de Cooperação. No intuito de
manter o espetáculo, os atores cínicos dificilmente revelarão a violação
da máxima da qualidade, afinal, acreditam que esta descoberta afetaria o bem estar da plateia. Mas então, como seria possível identificar o
cinismo em um discurso, sabendo-se de suas características tão calculistas e nunca explícitas durante a interação? Goffman pode contribuir
para esta questão ao apontar que
Tipicamente, mas nem sempre, o acordo é acentuado e a oposição é representada com truques. O consenso operacional
resultante tende a ser contradito pela atitude que os atores
expressam em relação à plateia na ausência dela e pela comunicação imprópria cuidadosamente controlada, transmitida pelos atores quando a plateia está presente. (GOFFMAN,
2013, p.256)
Parece ficar claro que o cinismo dos atores dificilmente será percebido pela plateia, afinal, há uma expectativa de que as falas proferidas sempre representarão as verdades, aquilo que os atores realmente
acreditam. Contextualizando o proposto ao âmbito das organizações, o
cinismo dos funcionários quando em relação às ações responsivas à fala
oficial de uma organização seria mais facilmente identificado nos bastidores, como o momento do café, o almoço entre colegas de mesmo nível
hierárquico, os cochichos em lugares sem a presença de gestores, enfim,
qualquer ambiente que fuja do contato direto com a plateia. Afinal, caso
a plateia descubra a violação da máxima da qualidade, isso poderia implicar, no caso das organizações, em possíveis demissões ou sanções de
retaliações aos envolvidos. Do mesmo modo que o cinismo por parte da
385
organização pode ser percebido quando se comparado o discurso das
reuniões gerenciais às portas fechadas e as falas oficiais públicas efetivamente direcionadas aos funcionários.
Habermas apud Ferin (2002) também colabora para esta discussão ao afirmar que as expectativas pela verdade emitidas durante uma
interação só poderão ser alcançadas a partir de um acordo intersubjetivo obtido no quadro de uma comunicação ilimitada, constrangida apenas pela troca de argumentos.
Habermas desenvolveu em Teoria do Agir Comunicacional, o
conceito de situação de comunicação ideal ancorada na observância, por parte de todos os falantes, de regras partilhadas e de exigências de validade pautadas pela necessidade de
verdade, correção e sinceridade nos conteúdos transmitidos.
Propõe ainda a distinção entre o agir orientado para a compreensão que se desenvolve mediante a linguagem, na base
de acordos racionalmente motivados acerca de exigências
específicas de validade, e o agir orientado para o sucesso, no
qual estão incluídas as formas do agir instrumental, ou agir
de tipo técnico, não social e as do agir estratégico, de tipo
social. (FERIN, 2002, p. 61).
A etnometodologia de Goffman oportunizou esta observação de
regras internas entre os interlocutores, representadas na relação entre
ator e plateia, permitindo analisar os papéis sociais dos indivíduos em
cenas do dia a dia. O momento do palco e o acordo subentendido entre
seus envolvidos, aproxima Goffman do estudo da ação comunicativa de
Habermas e dos atos de fala de Austin. Afinal, os atores estão fazendo
coisas com as palavras.
Quando reconhecemos, por exemplo, um estado de conversa,
passamos a efetivar os rituais de manutenção de aparências,
a respeitar a estrutura do desenvolvimento da conversa por
turnos, a adotar, conscientemente ou não, os princípios de
interação como pressuposições. (NUNES, 2013, p. 117)
As considerações apresentadas mostram um diálogo possível
entre as teorias da linguagem e a metáfora do teatro desenvolvida por
Goffman, já que são abordagens que se sustentaram sobre um mesmo
pilar epistemológico, as ideias do pragmatismo e do interacionismo
386
simbólico. Na verdade, o uso de metáforas parece ser algo recorrente
em ambas perspectivas: sociedade como teatro, sociedade como linguagem, interação como conversação, linguagem como ato, entre outras.
Goffman se mostra um autor bem próximo das abordagens que
colocam a linguagem como um processo social compartilhado e esta
constatação se torna ainda mais latente quando observa-se suas ligações com a perspectiva performática da linguagem, direcionada ao entendimento do contexto, das condições, das intencionalidades e dos
modos de fala. Contextualizar a linguagem no âmbito organizacional,
como foi tentado neste artigo, reafirma sua prática como ação social e
evidencia as múltiplas direções que os discursos podem tomar, possibilitando até rupturas com a institucionalização dos significados pelas
organizações.
A linguagem, quando vista como uma prática de discursos, mostra como as pessoas disputam e ressignificam os sentidos para se posicionarem durante as interações. É num processo conflituoso de consensos e dissensos, ordem e desordem, concessões e exigências, enfim,
uma constante negociação de um processo comunicacional sempre em
tensão de interesses. E que, por ser assim, a linguagem se mostra imune
a abordagens prescritivas, mas está sempre instigando novos olhares e
interpretações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A principal consequência da prática do cinismo é a sensação de
autocensura que se manifesta em um contexto, impedindo a pluralidade de ideias que, mesmo contrárias às da gestão, poderiam contribuir
para o melhoramento do convívio organizacional ou facilitar o sucesso
do negócio. Este ambiente marcado pelo medo e pelo falso consenso
entre funcionários e organização pode esconder as verdadeiras crenças dos indivíduos.
Seria muita pretensão este artigo se colocar
como uma leitura completa e profunda da relação entre funcionários
e organização. Afinal, há muitos outros fatores, além do cinismo, envolvidos neste processo. Mas, ele aponta para algumas diretrizes que
uma pesquisa, talvez empírica, conseguisse analisar com mais afinco.
Principalmente quando se percebe contradições entre o discurso do
palco e dos bastidores.
387
O percurso histórico do capitalismo deixa evidente que dificilmente existirá uma organização onde haja uma plena abertura para
discursos discordantes a sua fala oficial. E, por ser assim, o cinismo certamente será um recurso muito utilizado nestes contextos por muitos
anos. Mas, é preciso que as organizações estejam cientes de que, nem
tudo o que está sendo dito pelos seus funcionários é verdadeiro e representa suas opiniões, expectativas e desejos. É preciso uma aceitação por
parte das organizações de que os dissensos podem trazer contribuições
críticas valiosas ao negócio e que o fato de tudo parecer estar bem alinhado e harmonioso pode esconder um risco ainda maior para a organização que busca controle, afinal, muitas vezes, as estratégias cínicas,
de ambos os lados ( funcionários e organização) levam essas últimas a
serem espaços menos democráticos, contribuindo para o aumento de
leituras míopes sobre suas complexidades.
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possível a partir do Paradigma da Complexidade. In: Ivone de Lourdes
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389
|5|
CONTRIBUIÇÃO DAS NARRATIVAS PARA AUMENTAR O
SENSO DE PERTENCIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES: O
TEMPO DE OUVIR E O TEMPO DE FALAR
Viviane Regina Mansi1, Paulo Jarbas Jr2.
e Vânia Bueno Cury3
RESUMO
As narrativas sempre estiveram presentes na cena
organizacional, mas ao longo dos estudos da comunicação
organizacional não foram vistas como lugar de conhecimento e por isso ficaram à margem das discussões sobre
senso de pertencimento dos empregados. Apresenta-se
neste documento uma proposta do papel das narrativas
e do seu potencial de criação de vínculos e engajamento.
Entre os tantos olhares possíveis para o assunto, foi dada
ênfase à dimensão do tempo nesta reflexão, pois vivemos
um momento em que falta atenção para ouvir, mas sobram
oportunidades para falar sem, com isso, alcançarmos um
diálogo efetivo. Os estudiosos que embasam o trabalho são
do campo da comunicação, da psicologia e da filosofia, pois
a soma de diferentes saberes contribuem para ampliarmos
o entendimento do assunto e nos lançarmos a diferentes
oportunidades de lidar com ele.
Palavras-chave: comunicação organizacional; comunicação com empregados; diálogo; narrativas; tempo
Viviane Regina Mansi, Faculdade Cásper Líbero e GENN – USP (Grupo de
Estudos de Novas Narrativas)
1
2
Paulo Jarbas Jr., GENN - USP (Grupo de Estudos de Novas Narrativas)
3
Vânia Bueno Cury, GENN - USP (Grupo de Estudos de Novas Narrativas)
Como a organização pode existir? Todos os esforços têm início
num intento, com a convicção de que algo maior é possível uma vez que
um grupo soma suas forças de trabalho. Esse pensamento é reforçado
por Wheatley (2006, p. 43), quem diz que
A organização se forma a partir de uma identidade - uma “individualidade” - que se organiza. Posta em movimento, essa
identidade se torna o processo gerador de sentido da organização. Ao decidir o que fazer, o sistema se reporta ao senso
de identidade. Todos nós interpretamos acontecimentos e
dados de acordo com o que pensamos que somos. Não “conhecemos” simplesmente o mundo: nós criamos mundos com
base no significado que investimos na informação que escolhemos perceber. Então, tudo o que sabemos é determinado
pelo que pensamos que somos.
A fala da autora nos dá oportunidade de pensar na organização e na interação dos empregados de diversas formas. De início, reforça que o sentido é gerado por meio da atuação de um conjunto, que
também preserva suas individualidades. Manter-se ‘eu’ e, ao mesmo
tempo, ‘todo’ não é uma operação trivial. Muito pelo contrário, nos
leva a imaginar que há a necessidade de diálogo, pois somente assim
se conhece o que é comum. Exige também respeito àquilo que o define
o que o indivíduo é – e quer continuar a ser. Estamos diante do que
pode ser um primeiro campo de conflito.
Também podemos observar que a autora traz a ideia de movimento. Nada na organização é estático. Mudanças acontecem em decorrência do amadurecimento dos empregados, das demandas do negócio, das crises às quais as empresas estão expostas. Esse movimento
também exige diálogo constante, pois é da sua natureza estar ‘suspenso’
e em relação a muitas outras variáveis. Estamos diante de um potencial
segundo campo de conflito, pois o indivíduo, quando acuado, tem medo
dessas mudanças que podem afetá-lo sem aviso prévio.
Finalmente, Wheatley também menciona que o nosso olhar
modela o que vemos. Aqui é possível lembrar de um pensamento de
Bakunin, resgatado por Maffesoli, que diz que “em toda realidade há um
quarto de realidade e três quartos de imaginário” e a segunda parte sempre age poderosamente sobre os homens. Aqui cabe-nos pensar se na
391
velocidade dos tempos em que vivemos nós estamos dedicando tempo
suficiente para nos conhecermos, conhecermos a nossa história e o nosso legado nas organizações. Eis o terceiro possível campo de conflito.
Os três campos de conflito – Ser ‘eu’ e ao mesmo tempo ser ‘todo’,
trafegar nas constantes mudanças que vivemos e buscarmos foco num
mundo veloz – são afetados pela lógica do tempo, como veremos adiante.
TEMPO: ENTRE O CHRONOS E O KAIRÓS
Podemos considerar duas dimensões distintas quando nos referimos ao tempo. A primeira está ligada ao conceito de chronos, linear,
finito, algo que, por ser medido da mesma forma – o relógio – é igual
para todos. “É, portanto, um tempo artificial. Não nascemos orientados
para o relógio, mas sim para nossas necessidades de alimentos, cuidado
e afeto” (Cerantola e Mansi, 2014, p. 4). A segunda está ligada ao conceito
de kairós, ou o momento oportuno, que é independente da nossa relação com o relógio.
Em geral, quando nos referimos ao tempo nas organizações, ele
está ligado ao chronos. A tentativa de buscar significado, no entanto,
depende mais da noção de tempo ligada ao kairós - o que também pode
ser entendido como o tempo que tem significado para nós. Tanto faz se
é uma história de três anos na empresa, ou o momento exato de uma
conquista, ou o tempo de uma reunião, ou o tempo de um feedback. Seja
qual for esse momento, ele é traduzido pela relevância e não pelos ponteiros do relógio.
A nossa relação com esse chronos também pode ser entendida
pela maneira como consumimos informação. A urgência associada ao
uso dos meios vem alterando a nossa percepção e concepção mental
sobre o tempo e, consequentemente, sobre o espaço. A instantaneidade
das informações obtidas nesse contexto está construindo uma nova linguagem e uma nova forma de interação, fato este que trará consequências ainda imprevisíveis para a nossa cultura. Nesse contexto, o tempo
é acelerado. Em vez da impressão de “câmera lenta”, de saborearmos o
momento vivido, acabamos acelerando o filme das nossas vidas corporativas. Em vez do sabor, fica somente a confusão. Sucessão de fatos que
perdem a relevância de tão rápido que passam por nós.
392
Falta de tempo? Estamos repletos de atividades: trabalhamos o
dia todo, estudamos, fazemos cursos, navegamos em diversas redes sociais. Tudo acontece ao mesmo tempo, numa tentativa árdua de estarmos
sempre à frente da novidade. Em consequência dessa obsessão, e da falta de conversas mais profundas e de construir algo na memória, ficamos
diante de uma espécie de distanciamento da experiência verdadeira.
O recurso do tempo se tornou uma preciosidade. Cada vez mais a
sociedade impõe atividades ao homem, que mergulhado em tanta coisa,
que vê-se sufocado e “sem tempo”.
O tempo é, e sempre tem sido, um problema filosófico de grande
interesse, principalmente em nossa época. Aliás, não só para filósofos e
cientistas, mas também para o indivíduo comum, que está acostumado
a organizar e realizar suas tarefas e experiências de acordo com a ideia
de tempo concebida como sucessão de instantes traduzida em presente,
passado e futuro. Santo Agostinho (1999, cap. XI) fala da sua incapacidade de expressar o tempo:
É preciso evitar explicações, é preciso dar o tempo para que
se estabeleçam as conexões. O extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor, pelo contrário, as
conexões se estabelecem dialeticamente por conhecimentos
e pensamentos inéditos em relação aos repertórios originais
das pessoas que conversam. Desta forma o discurso é livre e
com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que não
existe na informação. É preciso dar o tempo para que a arte
de narrar tenha êxito.
Nesse contexto, podemos ainda resgatar o pensamento de Thomas
Hobbes, no Leviatã (cap.VI):
A vida nada mais é que movimento. Imobilidade e falta de
tempo são então uma espécie de morte social. Não ter tempo não significa somente qualidade de vida inferior, mas um
massacre de gente morrendo continuamente privado de condições fundamentais de nossa sociedade atual que exige cada
vez mais uma relação de produtividade em todos os sentidos.
De certo modo, o tempo nos envolve e nos transporta em nossa
existência humana. Diversos filósofos tangenciaram o tema do tempo,
393
dentre os quais Paul Ricouer (2012), quando nos lembra que o tempo
se torna tempo humano na medida em que está articulado de maneira
narrativa, e desse modo, a narrativa ganha significado na proporção em
que desenha a experiência humana no tempo.
Outras autoras, como Linda Ellinor e Glena Gerard, também refletiram
sobre a forma como o homem moderno consome o tempo nas organizações:
É raro, hoje em dia, nós darmos tempo e espaço para conversas ponderadas e reflexivas. Em nossa veloz corrida para a
ação, permitir formas mais ponderadas e reflexivas de falar
pode parecer meio estranho ou fora de contexto (ELLINOR,
& GERARD, 1998, p. 66).
São essas as conversas, de caráter mais reflexivo e profundo, que
são guardadas na nossa memória e às quais recorremos quando damos
significado àquilo que nos cerca na organização.
A reflexão sobre a memória é um elemento central na filosofia
agostiniana, principalmente para falar do tempo. Ao falar da memória, Agostinho sempre usa as metáforas do lugar e do espaço como, por
exemplo, “campos e vastos palácios”, “santuários infinitamente amplos”.
A linguagem não é suficiente para tratar da memória, tanto quanto não
é suficiente para tratar do tempo. Ou seja, não conseguimos ir além ao
que diz respeito à memória e ao tempo por sermos limitados pelas categorias espaciais das quais fazemos uso.
Os referenciais de tempo e espaço são de vital importância, especialmente porque regulam a vida organizacional no nível do inconsciente e moldam comportamentos. Localizar os eventos importantes da
organização e torná-los visíveis para o empregado, dando a ele chance
de entender tais eventos em contexto com as demais demandas do mercado e da própria empresa o ajudam a entender sua realidade.
Ellinor e Gerard também abordam essa questão quando dizem:
As pessoas enfrentam muito melhor a incerteza e o estresse quando sabem o que está acontecendo, mesmo que as
informações sejam incompletas ou provisórias. A livre circulação de informação gera confiança e nos permite aprender
com mais rapidez e trabalhar com mais eficácia. Em geral,
não é a situação em si que induz o stress: ficamos estressados
quando não sabemos o que está acontecendo ou quando nos
394
sentimos enganados. Quanto maior a crise, mais temos que
saber. Quanto mais afetados somos pela situação, mais informações precisamos (ELLINOR, & GERARD, 1998, p. 110).
Está aqui a importância da palavra, novamente, no contexto da
empresa. É através da fala que compartilhamos significado. O discurso
também se pode agradar e comover ou agredir e violentar, independentemente de sua estrutura lógica ou dos argumentos que se utilizam.
Walter Benjamin (1994, p. 197) já trazia a questão da importância do narrar e, ao mesmo tempo, sua dificuldade:
É a experiência de que a arte de narrar está em vias de
extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem
narrar devidamente. Quando se pede num grupo que alguém
narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se
estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências.
Os atuais tempos líquidos, definidos por Bauman (2001) como
um período recente da história em que há perda das relações, desapego,
insegurança, em que tudo de desfaz rapidamente, a retomada de práticas de narrativas pode ser um caminho para reconectar e reencantar
as pessoas na medida em que podem trazer a elas o significado de sua
participação, aumentando assim o senso de pertencimento.
No contexto organizacional, não se trata de reencantar o empregado somente à organização, mas aos seus próprios propósitos, à causa
que une a todos em torno de um objetivo comum. Essas questões precisam, necessariamente, de tempo e de presença.
Em meio a diversos e modernos suportes tecnológicos, proliferação
de campanhas internas, continua sendo crítica a reflexão sobre o espaço de
convívio nas organizações. Como lembram Cerantola e Mansi (2014, p.334)
É preciso levar em conta que a grande quantidade de comunicação oferecida gera, também, incomunicação. A quantidade de comunicação disponível não significa, necessariamente, que houve uma clara compreensão e entendimento
entre os interlocutores.
Em meio a tanta informação que os empregados estão expostos
dentro e fora da empresa, não é difícil de imaginar que pouco conteúdo
395
realmente pareça significativo a eles. Porém, os mesmos autores lembram
que “o diálogo, possível quando há o “estar junto”, permite aos empregados elaborar melhores respostas que sejam adequadas às demandas da
empresa, muitas vezes de forma mais criativa e rápida” (2014, p.330).
O DIÁLOGO COMO CAMINHO
Na contemporaneidade, muitos desafios e oportunidades surgem
dentro e fora das organizações. Segundo Lyotard (2004), as metanarrativas científicas, que impunham verdades totalitárias sobre o mundo,
cedem espaço para as micronarrativas, ou narrativas do cotidiano, em
que cada indivíduo exerce poder e influência ao produzir e difundir conteúdo. A conectividade já é realidade. Transparência virou condição. A
gestão dos relacionamentos é estratégica. Neste contexto complexo, um
estudo The Ketchum leadership communication monitor (Ketchum, 2014)
realizado com 6.500 pessoas em treze países, dentre eles o Brasil, indica
a comunicação como atributo muito importante para 74% dos entrevistados. Mostra ainda que apenas 29% da liderança em geral e 35% dos
líderes corporativos demonstram competências para a comunicação. O
gap de 45 pontos entre a comunicação desejada e a efetiva confirma o
amplo campo de desenvolvimento e aprendizado para as lideranças no
que diz respeito à comunicação.
Considerando o fato de que nunca houve tantas ferramentas e
canais de comunicação, cabe refletir sobre as razões para tamanha discrepância. O estudo discorre sobre uma crise de legitimidade e sinaliza
que mais do que palavras é preciso transparência, honestidade e colaboração para superá-la. Liderança pelo exemplo é o aspecto mais citado
(56%) enquanto a retórica inspiradora foi o menos apontado (34%). Esta
constatação remete à teoria da nova comunicação, desenvolvida nos
anos 1940, na Escola de Palo Alto, que defende, com base pragmática, a
comunicação como um fenômeno comportamental e de interação.
Muitas pesquisas e publicações recentes apontam o diálogo como
essencial para o exercício da liderança, processos de inovação, gestão
dos relacionamentos e, em especial, para o engajamento das equipes.
Em um artigo da Harvard Business Review, publicado em 2012, Boris
Grysberg e Michael Slind afirmam, a partir de um estudo focado no estado
da comunicação organizacional no século 21, que liderança é diálogo.
396
Os autores identificaram na pesquisa com mais de 150 profissionais de comunicação e altos executivos que a mudança econômica,
organizacional, geracional, global e tecnológica estão estimulando a
migração da comunicação centralizada para o diálogo organizacional.
Afirmam que o diálogo é a forma mais efetiva de gerir a transição dos
padrões ditados pela visão de curto prazo e pelo comando e controle
do modelo conservador para a gestão mais integrada, horizontal e inclusiva. Dizem também que em conversas mais íntimas e pautadas pela
confiança é possível gerir grandes empresas como se fossem pequenas,
o que estimula a flexibilidade operacional e aumenta o grau de envolvimento e alinhamento estratégico da equipe.
De fato, o diálogo é condição para a aproximação, para a criação de
vínculos e para a reintegração dos saberes fragmentados, mas falar e escrever sobre diálogo é muito mais fácil do que, de fato, praticá-lo. Isto porque, para além do entendimento geral de que saber dialogar é ser capaz de
expressar e defender ideias, a prática do diálogo exige uma forma especial
de ouvir, uma predisposição para considerar e acolher outros pontos de
vista, sem julgamento, e abertura para deixar-se convencer. Em culturas
movidas pela competição, pela pressão e pelo medo, dialogar, mesmo que
defendido nos manuais de melhores práticas, demanda autoconsciência,
vontade, coragem e muito empenho. Estas questões estão muito ligadas
aos campos de possíveis conflitos. É preciso tornar-se um bom narrador,
mas, ao mesmo tempo, tornar-se um excelente ouvinte.
Mas aqui também nos toca a dimensão do tempo, como bem
descreve Bondía:
A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a
obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo
moderno impedem a conexão significativa entre acontecimentos. Impedem também a memória, já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento, mas sem deixar qualquer
vestígio (BONDÍA, 2002, p. 19).
Em um mundo cada vez marcado pela velocidade e pelo excesso
de informação, Bondía nos alerta para o fato de que “a informação não
deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência,
quase uma antiexperiência” (Bondía, 2002, p. 21).
397
O diálogo, que tem sua origem desde as primeiras interações humanas, ainda quando a fala não preponderava, “expande nossa capacidade de nos adaptarmos a condições cada vez mais complexas e em
rápida mutação” (Ellinor, & Gerard, 1998, p. 53).
É por meio do diálogo que a organização constrói sentido e senso de pertencimento. Embora veículos de comunicação ajudem a construir memória e alinhar a comunicação nas empresas, o encantamento
tem muito mais probabilidade de acontecer em meio às conversas verdadeiras e cotidianas do que no ambiente frio da leitura solitária.
Quando pensamos no homem e sua disposição para narrar, fatalmente é preciso estabelecer algumas questões sobre alteridade. A
narrativa é, em si, “um convite” para falar e o “aceite” para ouvir. Está aí
uma oportunidade única de empatia. Como diz Morin:
Se vejo uma criança chorando, vou compreendê-la, não por
medir o grau de salinidade de suas lágrimas, mas por buscar
em mim minhas aflições infantis, identificando-a comigo e
identificando-me com ela. O outro não apenas é percebido
objetivamente, é percebido como outro sujeito com o qual nos
identificamos e que identificamos conosco, o ego alter que se
torna alter ego. Compreender inclui, necessariamente, um
processo de empatia, de identificação e de projeção. Sempre
intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e
generosidade (MORIN, 2003, p. 94- 95).
Para alcançar a abertura, simpatia e generosidade é preciso tempo. Tempo de estar junto, conviver, ‘‘fiar com’. Somente esse movimento é
capaz de abraçar as diferenças e tornar as semelhanças ainda mais significativas. É preciso que a história que alguém conta reverbere para quem
ouve e que esses papeis sejam constantemente trocados, compartilhados.
Tempo (de falar e de ouvir) e narrativa são, portanto, indissociáveis.
Criar espaço para o diálogo é abrir-se para a experiência, para a
partilha de significado que, ainda segundo Bondía:
Requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação,
cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos,
398
falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar
aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (BONDÍA, 2002, p. 24).
AS NARRATIVAS COMO LUGAR DE CONHECIMENTO PERTINENTE
As narrativas apoiam-se nos indivíduos, buscando valorizá-los.
Usadas para melhorar o ambiente social, ao reforçar pertencimento e
afetividade, elas podem se configurar como trabalhos colaborativos e,
especialmente, inventivos.
Ellinor e Gerard (1998, p. 55) colaboram com essa visão ao dizer que:
À medida que aprendemos a dialogar, maneiras mais novas
e consistentes de pensar e operar serão uma decorrência
natural. O diálogo focaliza nossa atenção em como o trabalho
de realiza através do significado compartilhado que se desenvolve por meio da conversação. Aumenta nossa consciência da
importância do relacionamento na realização do trabalho. Ele
desenvolve perspectivas sistêmicas e nos auxilia abordar problemas e dilemas complexos que até então nos confundiam.
Restrepo (2001, p. 17) reforça a ideia de Ellinor e Gerald quando
diz que “O discurso é também um agora que pode encher-se de ternura, sendo possível acariciar com a palavra sem que a solidez argumentar sofra detrimento por fazer-se acompanhar da vitalidade emotiva”.
Estamos diante de um componente caro ao processo de entendimento
das narrativas a partir do exercício do diálogo: os afetos. O autor ainda
diz que é pertinente lembrar
Que o que nos resta depois de muitos anos de formação na
escola ou na universidade, de convivência na rua ou na família, não são tantas cadeias de argumentos ou blocos de informação, mas a lembrança do clima afetivo e interpessoal que
pudemos respirar (Restrepo, 2011, p. 58).
Neste sentido, a narrativa pode ser tratada como a reconstrução
racional de uma emoção, estabelecendo amarrações e conectividade de
conceitos e coisas aparentemente desconectadas. Por meio do tecido de
significados construídos no detalhe expressivo da narrativa é possível estar presente em toda a parte e ao mesmo tempo visível em parte alguma.
399
A retomada do tempo para a narrativa dialógica é uma saída
possível frente ao desafio reconectar as pessoas a elas mesmas, aos seus
propósitos e aos propósitos das organizações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Criar tempo para estar com as pessoas, tecendo e retecendo as
questões que nos cercam, é uma responsabilidade primeira da gestão.
Uma vez estabelecido este espaço de diálogo nas organizações, abre-se
uma porta para uma nova relação entre os interlocutores.
Por meio da narrativa, da construção conjunta de significado, é
possível estabelecer confiança, algo que só se constrói na experiência
do cotidiano, no estar-junto, no tempo e no espaço que se é dado para
encontrar o humano que há em nós.
Como nos lembram Cerantola e Mansi (2014, 336), “as práticas do
diálogo podem inaugurar espaços de interação e convívio organizacional e social, estabelecendo mediações para situações complexas”. Estas,
cada vez mais presentes, são aquelas que realmente contam e para as
quais precisamos estar preparados.
A qualidade dessas interações define e é definida, em um processo
de mútua influência, a cultura organizacional. Interna e externamente,
provoca percepções e reflete-se na identidade corporativa e na reputação.
Uma vez que os comunicadores estejam preparados para lidar
com essa demanda, e consigam articulá-las em torno das questões críticas para o desenvolvimento dos negócios em equilíbrio com o sentido
do trabalho para os empregados, iniciaremos uma nova e próspera fase
no desenvolvimento da comunicação organizacional.
400
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401
|6|
COMUNICAÇÃO E TRABALHO EM EDITORIAIS
DE JORNAL DE EMPRESA: EVIDÊNCIAS PARA A
CONSTRUÇÃO DE NOVAS PRÁTICAS COMUNICATIVAS
Gislene Feiten Haubrich1
e Ernani Cesar de Freitas2
RESUMO
O artigo versa sobre a temática comunicação e trabalho com base na expressão discursiva institucional. Visa
identificar e analisar possíveis interpretativos acerca do
processo comunicacional da Hera, a partir dos discursos
expressos em editoriais do jornal empresa. Trata-se de um
estudo de caso fundamentado na análise teórico-ergo-discursiva. O corpus é composto por oito editoriais publicados
no período de janeiro/2012 a julho/2014. Como principal
evidência, defende-se a urgência da inclusão dos sentidos
emergentes das práticas laborais aos estudos e ao exercício
da comunicação no âmbito das organizações, incluindo a
abordagem interacional que restitui aos sujeitos a autoria
em seus processos.
Palavras-chave: comunicação e trabalho; editoriais; atividade; discurso.
Doutoranda e mestra em Processos e Manifestações Culturais (Feevale). Graduada em Comunicação Social. Bolsista Capes. gisleneh@gmail.com.
1
Doutor em Letras, área de concentração Linguística Aplicada (PUCRS), com
pós-doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP/
LAEL), e-mail: ernanic@feevale.br.
2
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O trabalho é elemento ordenador da sociedade. Prática cultural
marginalizada e vinculada a sentidos contraproducentes como punição, sofrimento e alienação, é fonte das identidades dos sujeitos, que
figuram como coadjuvantes nesse exercício “globalizado”. No entanto,
negligenciar a ação efetiva do sujeito no processo laboral se refere a uma
alternativa inconsistente frente o desafio de manter vinculados às organizações profissionais qualificados, sujeitos criativos e cidadãos engajados aos seus valores e princípios. Nesse sentido, a comunicação assume uma posição fundamental tanto para a manutenção quanto para a
transformação dos sentidos produzidos pelos trabalhadores acerca da
atividade que exercem.
Aceito o desafio de contribuir com a ampliação das investigações
que relacionam comunicação e trabalho, o artigo visa identificar e analisar possíveis interpretativos acerca do processo comunicacional da
Hera, a partir dos discursos expressos em editoriais do jornal empresa.
O objeto de estudo assume, assim, dupla dimensão: empírica, perante
os discursos institucionais, e, teórica, a relação comunicação e trabalho.
O corpus é composto por editoriais do jornal de empresa publicados no
período de janeiro de 2012 a julho de 2014, totalizando oito. A natureza
da pesquisa é aplicada, tem enfoque descritivo e abordagem qualitativa. Os procedimentos analíticos constituem a apreciação denominada
teórico-ergo-discursiva.
O artigo é estruturado a partir de três blocos teóricos e dois empíricos. Inicia-se a construção conceitual com a abordagem das noções de
trabalho e de organizações, evidenciando seus aspectos subjetivos. Na
sequência, amplia-se o diálogo inicial com base na inter-relação entre
as dimensões da comunicação organizacional e as modalidades da linguagem. No terceiro bloco teórico, apresenta-se o entendimento discursivo que fundamenta as concepções interligadas anteriormente, cujas
categorias são centrais na construção da pesquisa. Os blocos empíricos
se constituem do esclarecimento dos procedimentos metodológicos, do
detalhamento do corpus e das indicações dele emergentes ante os conjuntos analíticos.
403
O TRABALHO, O TRABALHADOR E AS ORGANIZAÇÕES
O olhar que a sociedade confere ao trabalho é determinante às
condições que os sujeitos têm para suas relações. “A atividade de trabalho é, de imediato, social. Ela permite a cada um se produzir como ser
social”. (DURAFFOURG; DUC; DURRIVE, 2007, p. 68). Esse aspecto permeia a problemática da representação do trabalho, predominantemente negativa. Em geral, a leitura das práticas laborais se dá com enfoque
na situação em que a atividade se inscreve: as prescrições, o contexto, a
execução. O trabalho é caracterizado como produto disponível na gôndola do mercado e a sociedade é reduzida às relações econômicas. De
outro modo, compreender o trabalho como atividade humana implica a
preocupação com a tensão da dialética entre os usos de si do sujeito. Um
movimento contrário, centrado naquele que faz uso de suas características pessoais para realizar algo solicitado por outro, pelo meio externo
(SCHWARTZ; DURRIVE, 2007).
Schwartz (2014, p. 260) descreve a atividade laboral como “campo
da experiência humana especialmente propício à interrogação sobre a
presença enigmática de uma pessoa, de uma singularidade viva no tratamento de situações a viver”. A noção ergológica3 da atividade, como uso
de si, diante das múltiplas condições que a determinam e da relação com
os outros, introduz uma forma diferenciada de interação sujeito–mundo,
já que é a partir dela, também, que se constitui a identidade e se materializa a socialização dos saberes que cercam as tomadas de decisão.
O trabalho, enquanto atividade, se efetiva através da dialética
entre saberes constituídos, ou prescrições formalizadas em documentos, e saberes investidos, oriundos do desenvolvimento social e intelectual dos indivíduos no âmbito da experiência, do vivido (SCHWARTZ;
DURRIVE, 2007). As prescrições, ou normas, estão ligadas ao uso que o
outro (organização) faz do trabalhador, ao passo que os saberes investidos e as transgressões se referem ao uso que o próprio indivíduo faz
A Ergologia é uma área de estudos que surgiu na França, em meados da década de 1980. Articula, de forma interdisciplinar ( filosofia, em interface com
a sociologia, psicologia, linguística e pedagogia), concepções da linguagem à
compreensão da atividade laboral. Refere-se, ainda, a um método pluridisciplinar de investigação do trabalho.
3
404
de si a partir do que é posto. O olhar ressignificado ao trabalho exige a
transcendência do entendimento ecomicista atrelado às organizações.
É basilar admiti-las como espaço de interações e de construção de sentidos que transformam a vida daqueles que ali coabitam pela atividade
que realizam: pelo investimento de saberes que (re)estruturam ativa e
permanentemente a realidade.
Os saberes são tensionados por meio da linguagem em uso, ou seja,
das práticas comunicativas fundamentadas pelo/no discurso. Nesse sentido, Fairhust e Putnam (2010) proporcionam três diferentes interpretações
que orientam o debate acerca da associação entre as noções de discurso
e de organizações. A primeira interpretação sugere que as organizações
são objetos ou entidades já formadas e assenta-se na ideia de um discurso informacional que obedece a essa formação. Na segunda apreciação,
busca-se compreender como os discursos e as interações transformam a
realidade organizacional, o que defende a permanente constituição dessa
realidade. Por fim, na terceira observação, práticas sociais e formas discursivas são relevantes e as organizações se fundamentam nessa ação.
Apesar dessa distinção, Fairhust e Putnam (2010, p. 135) defendem que
é necessário “manter as três orientações, com seus elementos, em tensão
entre si”. Entende-se, assim, que é na conjunção entre prescrições, transgressões e interações que se apresenta o discurso. A produção de sentidos
diante dele se relaciona com a possibilidade do diálogo entre essas três
propostas como ponto de partida à análise.
Além de considerar a tensão entre essas três interpretações nos
horizontes da relação discurso–organização, Oliveira e Paula (2008, p.
97) chamam a atenção à compreensão dos fluxos informacionais “porém, entendendo-os como parte da interação social, que acontece de
uma forma mais relacional”. Trata-se de perceber que, pela comunicação, a informação adquire mobilidade, transformando-se na transação
entre produção e recepção. A singularidade da ação humana se manifesta pela capacidade de registrar e transformar, com base em registros
anteriores, as ações futuras. Por isso o trabalho é atividade singular e
predominantemente comunicativa, pois as experiências dos sujeitos
são como motores na produção de novos sentidos que propiciam suas
perspectivas de mundo.
405
COMUNICAÇÃO, LINGUAGEM E TRABALHO: DIMENSÕES E MODALIDADES
A inclusão de uma abordagem organizacional baseada na linguagem e nos discursos que circulam no cotidiano é transformadora. O
trabalhador deixa de ser visto como engrenagem que mantém em funcionamento uma máquina na reprodução de produtos. A ele é restituída a capacidade de escolha, de reflexão e de responsabilidade por suas
manifestações. De todo modo, a legitimidade da ação transgressora do
sujeito, que produz uma “ordem” diante do “caos” de sentidos e saberes
no qual está imerso, ainda não é uma realidade na sociedade, tão pouco nas organizações. Ambas as instâncias são fundamentadas em uma
perspectiva genuinamente econômica, na qual a operação simbólica é
velada e considerada figura secundária nas interações. As práticas comunicacionais, nesse âmbito, são ferramentas a favor da manutenção
de significados, que anseiam a liberdade nos enunciados da classe trabalhadora, interpretante e produtora de sentidos. Haveria, pois, modos
de evidenciar esse clamor?
Para tanto, propõe-se a interlocução entre as três dimensões da
comunicação organizacional, idealizadas por Baldissera (2009, 2014),
e as três modalidades da linguagem, desenvolvidas por Nouroudine
(2002). A dimensão da organização comunicada “contempla aquilo
que, de alguma forma, a organização como força em interação com
outros sujeitos, considera relevante sobre si mesma, identifica como
potencialidade para trazer algum tipo de retorno”. (BALDISSERA,
2014, p. 117). Seu enfoque está em legitimar as normalizações organizacionais, atribuindo-lhes valor perante a seleção de algumas informações em detrimento de outras. Aproxima-se dela a modalidade
da linguagem como trabalho, que além de manifestar a intencionalidade dos sujeitos do ato de linguagem, evidencia a complexidade do
trabalho diante de seu caráter multidimensional: econômico, social,
cultural, etc. (NOUROUDINE, 2002). Com base nessa multidimensionalidade, elegem-se as categorias que terão ênfase na enunciação, na
construção dos discursos organizacionais, muitas vezes prescritivos,
disponibilizados nos diversos suportes comunicacionais, dentre eles
os jornais de empresa ou reuniões, por exemplo.
A segunda dimensão, a organização comunicante, reflete como
“os públicos que interagem com a organização podem atribuir sentidos
406
a tudo o que percebem, independentemente de a organização ter a intenção de comunicação ou não”. (BALDISSERA, 2014, p. 119). Aborda-se
aqui a discussão que envolve a interpretação realizada pelos sujeitos na
interação com as prescrições e a singularidade das experiências nesse
processo de construção de sentidos. Nesta dimensão se desenvolvem
as tensões entre os saberes, seja pelo próprio sujeito com um texto, ou
no diálogo com os colegas. As características dessa dimensão permitem
sua vinculação com as ideias da linguagem no trabalho, que se refere à
situação global de trabalho, a partir de elementos como ambiente, condições, objetivos e coerções. Implica a produção de enunciados na interação entre os trabalhadores (NOUROUDINE, 2002).
Por fim, “é possível redimensionar a noção de Comunicação
Organizacional para que contemple outras materializações comunicacionais que dizem respeito às organizações, mas que pouco são pensadas como Comunicação Organizacional” (BALDISSERA, 2009, p. 119).
A dimensão da organização falada tange as conversas, por vezes informais, acerca dos eventos organizacionais, como decisões gerenciais ou
conflitos de interesses entre áreas diferentes, por exemplo. A interpretação manifesta nos discursos dos trabalhadores remete à noção de linguagem sobre o trabalho, quando se realiza uma verbalização segundo
as experiências do cotidiano laboral. É necessário que se reflita sobre a
atividade e se traga no dizer questões simbólicas. Implica interpretar e
descrever a experiência para além das descrições objetivas de um pesquisador ou gestor, por exemplo. É a oportunidade de capturar questões
simbólicas da produção de saberes sobre o trabalho.
Percebe-se que a conexão entre a conceituação de Baldissera
(2009, 2014) e de Nouroudine (2002) permite que se tenha uma base
interessante à análise das organizações perante a atividade laboral,
proeminentemente comunicativa. Da reflexão realizada até o momento, sugere-se que a análise discursiva é profícua aos estudos da comunicação organizacional. Freitas (2011, p. 105) corrobora: “a análise do
discurso permite compreender em profundidade a realidade social e
cultural manifestada pela formação discursiva através de discursos individuais ou coletivos”. Dentre as diversas escolas que estudam o discurso, é necessário optar por aquela que permita a investigação mais
densa diante dos objetivos da pesquisa. No caso deste estudo, selecio407
na-se a proposta teórica do linguista Patrick Charaudeau, brevemente
esclarecida na sequência do artigo.
A COMPLEXIDADE COMUNICACIONAL NA PERSPECTIVA DISCURSIVA
Por tratar especificamente da produção de sentidos a partir dos
discursos, acredita-se que a perspectiva semiolinguística de Charaudeau
(2010, 2012) ofereça reflexões pertinentes para repensar as práticas comunicacionais nas organizações. Importa salientar o que Charaudeau
(2010, p. 63, grifo do autor) resolve acerca do sujeito analisante: “deve,
sim, dar conta dos possíveis interpretativos [...] já que está em uma posição de coletor de pontos de vista interpretativos e, por meio da comparação, deve extrair constantes e variáveis do processo analisado”. Essa
premissa orienta a atuação do pesquisador (e por que não do comunicador?) nesta proposta reflexiva.
O aparato teórico-metodológico elaborado por Charaudeau (2010,
2012) considera que o discurso está sempre em relação: imbricação do
linguístico ao situacional, do macro ao microssocial, do implícito ao explícito. A ênfase está na ação dos sujeitos no ato de linguagem, ou produção discursiva. Estabelece-se um jogo enunciativo em que o objetivo
do EU é envolver o TU por meio de estratégias linguageiras. Essa interação se configura como uma encenação (mise-en-scène) e é denominada
como ato de linguagem.
Quatro são os sujeitos implicados no ato de linguagem: dois seres sociais, o sujeito comunicante (EUc) e o sujeito interpretante (TUi),
e dois seres de fala, o sujeito enunciador (EUe) e o sujeito destinatário
(TUd). A encenação discursiva se dá na relação entre EUe e TUd, sendo
o enunciador, responsável por articular interesses às implicações contextuais e situacionais que envolvem a seleção de quais sentidos serão
postos em ação por meio do discurso. O TUi é assume a posição de destinatário ideal (TUd), aquele que pode ser persuadido à intencionalidade
do EUc, projetada e configurada pelo EUe. A Figura 1 representa o processo comunicativo ancorado nesse olhar.
408
FIGURA 1 – A COMPREENSÃO SEMIOLINGUÍSTICA
DO PROCESSO COMUNICATIVO
Fonte: adaptado de Haubrich (2014)
A circulação de informações e sentidos que compõem o ato de
linguagem, conforme a Figura 1, tem como centro a ação dos atores
num processo de semiotização do mundo, ou seja, de transformação
dos acontecimentos em eventos inteligíveis, passíveis de transação ou
difusão. Ao descrever uma situação, por exemplo, o sujeito busca em seu
repertório signos que possam representá-la. Essa busca não é ingênua,
mas depende diretamente da finalidade do enunciador, que filtra os aspectos a incluir ou excluir de seu discurso. Charaudeau (2012) denomina essas escolhas discursivas como visadas comunicativas e classifica-as ante a relação que o EU visa estabelecer com o TU. As principais
visadas são apresentadas no Quadro 1.
QUADRO 1 – VISADAS COMUNICATIVAS
Visada
Ação do EU
Ação do TU
Prescrição
Fazer-saber
Dever-fazer
Incitação
Mandar-fazer àfazer acreditar (persuasão/sedução)
Dever-acreditar
Informação
Fazer-saber
Dever-saber
Captação
Fazer-sentir
Dever-sentir
Fonte: Haubrich (2014, p. 102)
409
Como se pode perceber no Quadro 1, as visadas estão relacionadas com as ações tomadas pelo EU e pelo TU. O EUc toma a palavra
e propaga a mensagem elaborada pelo EUe e, nesse sentido, a visada
passa a ser uma síntese entre a intencionalidade do EU e a atitude esperada do TUd. Não há, porém, controle algum, por parte do EUc, de que
esse envolvimento ocorra quando o TUi interagir com os enunciados
proferidos. Percebe-se, assim, que a construção de um discurso é um ato
estratégico, que se ancora em quatro diferentes modos de organização
dos enunciados, a fim de que as expectativas do EU persuadam o TU.
Enunciativo, descritivo, narrativo e argumentativo são os quatro modos
delineados por Charaudeau (2010) para compreender a concretização
de enunciados e a produção de sentidos.
O modo de organização enunciativo “aponta a maneira pela qual
o sujeito falante age na encenação”. (CHARAUDEAU, 2010, p. 81). Seja
por meio de uma relação de influência ou de força ( função alocutiva),
da expressão de um ponto de vista ( função elocutiva) ou do uso de uma
terceira pessoa para subsidiar seus argumentos ( função delocutiva), o
EUe define bem qual sua posição em relação ao seu interlocutor. O modo
de organização descritivo se constitui da nomeação, localização e qualificação do objeto de fala, cujo foco está na produção de efeitos de verdade. Já o modo narrativo subsidia o encadeamento de ações, enquanto
o modo argumentativo tem como função “construir explicações sobre
asserções feitas do mundo” (CHARAUDEAU, 2010, p. 207).
Desse modo, a inclusão das variáveis discursivas e das modalidades da linguagem ao olhar investido à comunicação organizacional
promove a reconfiguração das organizações. A fim de identificar como
se dá o processo comunicacional da Hera, a partir dos discursos expressos em editoriais do jornal empresa, prossegue-se a reflexão com a delimitação dos procedimentos metodológicos e de análise, a descrição do
corpus e a indicação de possíveis interpretativos emergentes do ato de
linguagem em específico.
CORPUS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
O objeto de estudo tem uma dupla dimensão: teórica, perante a
relação comunicação e trabalho, e empírica, com base nos discursos
institucionais da empresa Hera. A natureza da pesquisa é aplicada, tem
410
enfoque descritivo e abordagem qualitativa. A seleção da unidade de
análise orienta a realização do estudo de caso. O corpus é composto por
oito editoriais do jornal de empresa, publicados no período de janeiro de
2012 a julho de 2014. A escolha dos editoriais se pauta por dois aspectos:
1) a avaliação do periódico como um todo, composto por matérias de
cunho técnico ao ramo empresarial; 2) a gênese da noção de editoriais
como representação da opinião da empresa, o que evidencia aspectos
culturais e comunicacionais do cotidiano laboral.
A lente para análise é denominada teórico-ergo-discursiva, visto
que pretende a articulação entre noção de comunicação organizacional, as concepções ergológicas relacionadas à atividade e a teoria semiolinguística de análise do discurso. Após a organização dos dados
em estado bruto4, orientada pela técnica Mapa de Associação de Ideias
(VERGARA, 2005), parte-se das evidências discursivas, que compreendem: situação e contrato de comunicação, circunstâncias de discurso e os modos de organização discursiva (CHARAUDEAU, 2010, 2012).
Entrecruzam-se às categorias discursivas, a categoria teórica de comunicação (BALDISSERA, 2009, 2014) e a categoria ergológica da linguagem e trabalho (NOUROUDINE, 2002). As considerações oriundas dessa
proposta metodológica são apresentadas na sequência.
O ATO DE LINGUAGEM DA HERA: EVIDÊNCIAS PARA
NOVAS PRÁTICAS COMUNICATIVAS
A perspectiva semiolinguística (CHARAUDEAU, 2010) considera
que os discursos somente podem ser compreendidos quando contextualizados diante da situação que enquadra a troca linguageira e o contrato que a rege. Desse modo, antes da avaliação central acerca do processo
comunicacional na organização em estudo, promove-se a apresentação
dos elementos que situam os discursos analisados. Quanto aos locais
de fala dos atores do ato de linguagem, elucida-se: EUc = organização
Hera e TUi = classe trabalhadora. Assume-se a perspectiva do sujeito
As tabelas com a qualificação dos enunciados, bem como os editoriais na íntegra, podem ser consultados no estudo de mestrado defendido junto ao PPG
em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale, disponível em:
<http://biblioteca.feevale.br/Dissertacao/DissertacaoGisleneHaubrich.pdf>.
4
411
analisante, cujo enfoque está na produção de possíveis interpretativos,
oriundos da relação EUe e TUd.
A Hera é uma empresa de automação industrial com matriz localizada na região metropolitana de Porto Alegre (RS). Sua classe trabalhadora é composta por 440 funcionários5, 319 homens e 121 mulheres, cuja
alocação é distribuída em seis diferentes estados brasileiros6. Dentre as
múltiplas possibilidades para compreender o processo comunicacional
no trabalho, seleciona-se o jornal da empresa Hera. Exploram-se oito
editoriais, cujas edições circularam no período de janeiro de 2012 a junho de 2014. Trata-se de um periódico com divulgação quadrimestral e
distribuição para funcionários, fornecedores e clientes da Hera. Mesmo
que “a época do house organ “Bombril”, isto é, aquele que tem mil e uma
utilidades, já tenha passado, ainda há empresas ou entidades que, por
falta de percepção, continuem optando por esta alternativa”. (BUENO,
s. a., s. p.). A observação de Bueno auxilia na inferência de um aspecto
importante quanto ao entendimento de comunicação que a organização tem. A opção por manter uma ferramenta genérica de difusão de
informações a públicos diversos manifesta uma perspectiva linear do
processo comunicacional, em que a força das informações é detida por
uma das partes e as demais são coadjuvantes, passivas ao que recebem.
O acesso do jornal pelos funcionários se dá diante do interesse do trabalhador, visto que os jornais são dispostos junto aos acessos principais da
empresa, próximos à recepção.
O contexto acima descrito envolve a situação de comunicação estabelecida pelo jornal da empresa e apoia à análise do ato de linguagem
estabelecido nos editoriais, sob as feições da relação linguagem, comunicação e trabalho, que pretende a inclusão da dimensão da atividade
aos estudos da comunicação organizacional. A proposição do diálogo
entre Baldissera (2009, 2014) e Nouroudine (2002) fundamenta a análise
do corpus em face das inferências resultantes desse embate conceitual. A escolha dos editoriais de jornal da empresa como materialidade
5
Dados de 04 de setembro de 2014.
Sede em São Leopoldo (RS), a fábrica de painéis em Sapucaia do Sul (RS) e
as filiais em São Paulo (SP), Campinas (SP), Macaé (RJ), Belo Horizonte (MG),
Salvador (BA), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS).
6
412
à análise dos possíveis interpretativos acerca da comunicação organizacional pode ter incidência à característica que marca o discurso da
Hera: as prescrições. Refere-se à dimensão da organização comunicada
(BALDISSERA, 2009, p. 119) que congrega os “processos formais e, até,
disciplinares, da fala autorizada; àquilo que a organização seleciona de
sua identidade”. Em associação com a modalidade da linguagem como
trabalho (NOUROUDINE, 2002), essa dimensão da comunicação pode
revelar aspectos referentes à multidimensionalidade da atividade perante os aspectos estratégicos do ato de linguagem.
Diante da análise semiolinguística, assume evidência o uso da visada de informação na construção dos enunciados, cujo intuito é “significar o verdadeiro [...] produzir um valor de verdadeiro”. (CHARAUDEAU,
2012, p. 88). Nesse caso, perante o corpus analisado, destacam-se como
propósitos comunicados pela organização a internacionalização, a nova
era que se instaura após os festejos de 30 anos e as prescrições para
realização da atividade. A Hera organiza seu discurso principalmente
diante dos modos descritivo e argumentativo, para expressar seu ponto
de vista ante o contexto, e no modo argumentativo a fim de apresentar pressupostos que justifiquem suas asserções (CHARAUDEAU, 2010).
Assim, a dimensão da organização comunicada indica que a organização experimenta um período de transição. Seja pela necessidade de
“manter o nível de produtos e serviços, como também aumentá-lo”, pela
listagem da empresa no Bovespa Mais, que “possibilita uma tranquila
adaptação às exigências do mercado de ações”, inferências à atividade
são representadas nessa situação de comunicação.
O segundo ponto de diálogo entre as concepções das modalidades
da linguagem por Nouroudine (2002) e das dimensões da comunicação
em Baldissera (2014) tange o aspecto interacional e se vincula à análise
da comunicação organizacional realizada anteriormente. Ratifica-se a
ideia de que a restrição às interações no ambiente laboral não as eliminam, mas estimulam a transgressão. Consideradas como anomalias
frente ao que consenso proposto pela organização, as interações não
merecem atenção. A organização toma suas decisões e desconsidera
as implicações que tendem a trazer ao cotidiano laboral. “A característica comum a estas decisões é que elas são tomadas na mais perfeita ignorância de suas consequências sobre o trabalho!”. (SCHWARTZ;
DURRIVE, 2007, p. 64). Esse aspecto referencia muitos dos sentidos atri413
buídos à atividade e ao exercício da comunicação perante o discurso da
Hera. Ante o exposto até aqui, percebe-se que a linguagem no trabalho,
refletida a partir da dimensão da organização comunicante, é restritiva,
desconsidera os aspectos simbólicos da gestão que o trabalhador realiza
na atividade, assim como tende a limitar o investimento de saberes aos
profissionais da área de P&D, sendo que as demais áreas são reprodutoras desses saberes.
A atenção à modalidade da linguagem sobre o trabalho
(NOUROUDINE, 2002), que implica interpretações sobre a atividade
perante comentários elaborados sobre a organização em sua dimensão
falada (BALDISSERA, 2009), trata das percepções, dos autores deste trabalho, inferidas ao longo da análise. Como síntese dos apontamentos,
sugere-se que a Hera está distante de aceitar a perspectiva ressignificada do trabalho, mantendo-o como execução de tarefas prescritas pela
gestão. A tomada de decisão organizacional é embasada em dados do
mercado e demonstra certo desinteresse às implicações no cotidiano
organizacional, visto que considera que aqueles que para ela trabalham
devem se adequar aos padrões estabelecidos. A organização percebe
seus trabalhadores como conjuntos de habilidades enquadradas em
perfis considerados adequados, sendo a singularidade elemento irrelevante nesse processo. Desse modo, a comunicação é uma ferramenta
informacional a favor dos interesses da organização, o que opõe a natureza dialógica do processo comunicacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho é a prática que estrutura as sociedades. Do mesmo
modo, as organizações são também constituídas pela atividade laboral e
tem nos sujeitos sua criação, reflexão e evolução. Ao dar fé para esses argumentos, defende-se o desenvolvimento de uma perspectiva ressignificada ao trabalho, restituindo-o de autoria e de envolvimento intelectual.
Trata-se de uma oposição ao olhar que simplifica e reduz o trabalho a
um ato reprodutor de prescrições. Sugere-se, então, que tal compreensão decorre dos estudos e do relevo ao uso da linguagem em situação
de trabalho, ou seja, das práticas comunicativas estabelecidas no âmbito das organizações. Além de manifestar a realidade organizacional
cotidiana, elas também a constroem, por meio da linguagem. Assim, o
414
estudo sustenta que o trabalho é, sobretudo, instituído pela capacidade
de comunicação e de interação entre os trabalhadores.
A articulação entre as modalidades da linguagem e as dimensões
da comunicação organizacional se refere a uma possibilidade para o entendimento de como o trabalho se constrói e se adapta a realidade, que
é construída na/pela comunicação. Nesse caso, a perspectiva ferramental é coadjuvante e a concepção interacional é protagonista, visto que o
movimento permanentemente transformador é evidenciado. Aceita-se,
então, que a linguagem em uso permite à comunicação a produção de
sentidos diante de cada experiência do sujeito, o que implica a visualização do trabalho como situação única, marcada pela intencionalidade
e por jogos de poder expressos pelos dizeres.
O uso de editoriais de jornal de empresa pode ser uma ferramenta interessante para o estudo da comunicação neste contexto, pois as
marcas discursivas, assim como os argumentos utilizados na construção do texto, são delineadas pelos interesses de incorporação que a organização tem para com seus leitores. Como ferramenta em apoio aos
diagnósticos, os editoriais manifestam aspectos acerca da identidade da
organização. A análise do discurso aplicada a esse diagnóstico permite
a autoavaliação da comunicação na organização e apresenta possíveis
construções de sentido implícitas ou explícitas pelo ato de linguagem.
Desse modo, acredita-se que o método de análise discursivo contribua
com a reflexão das práticas comunicativas. Para além do impresso em
normas, pode-se perceber os rumos que os discursos incentivam no
exercício do trabalho.
Quanto ao corpus específico deste estudo, apresentam-se como
principais possíveis interpretativos acerca dos processos comunicacionais da Hera: 1) uma perspectiva linear da comunicação, ancorada em
prescrições, cuja estratégia discursiva é a visada de informação, estruturada por meio de enunciados que transitam entre os modos descritivo
e argumentativo; 2) o discurso desconsidera a capacidade de interação
humana na atividade, bem como seus aspectos simbólicos. A produção
de saberes é limitada a uma área da organização, responsável pela criação de produtos, enquanto as demais são apenas reprodutoras daquilo
que é posto pela gestão; 3) o trabalho é visto como execução e os sujeitos
são passivos às imposições comportamentais e laborais. A singularida415
de, marca do ato comunicativo/interacional, é elemento irrelevante ao
processo comunicacional.
Por fim, defende-se a urgência da transgressão das práticas comunicativas no âmbito organizacional; da busca por alternativas para a
inclusão das interações como meio de construção de saberes e propagação de sentidos entre os sujeitos. Aceita-se, então, que os trabalhadores
são ativos na construção da realidade e que as tentativas de neutralizar
suas ações tendem a desestabilizar a relação sujeito-trabalho e sujeito-organização. Para além das questões financeiras, a capacidade de inovação e de produção de saberes atribui aos sujeitos o papel principal nas
decisões e consequências de suas ações. O trabalhador tem restituída
sua capacidade reflexiva na alteração da conjuntura situacional, sendo
que suas contribuições são reconhecidas e valorizadas pela gestão. Para
os pesquisadores desde estudo, contemplar e agregar as práticas comunicativas dialógicas a partir do trabalho é um dos grandes desafios para
o desenvolvimento dos sujeitos, das organizações e da sociedade.
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417
|7 |
O REGISTRO DA IMPRENSA NA CONSTRUÇÃO
DA HISTÓRIA ORGANIZACIONAL NO MEMORIAL
THEATRO SÃO PEDRO
Diego Pereira da Maia1 e
Karla Maria Müller2
RESUMO
Analisar como recortes de jornais, expostos como registros históricos no Memorial Theatro São Pedro (MTSP),
auxiliam a contar e a valorizar a história organizacional do
Theatro São Pedro é o objetivo deste trabalho. Para tanto,
optou-se pela pesquisa bibliográfica, referencial, análise
documental e análise de conteúdo. Foi elaborado um panorama sobre a Museologia no Brasil, sua aproximação com
as Relações Públicas e a busca de um traçado sobre o estudo de história organizacional. Percebeu-se que a construção do MTSP por uma empresa de comunicação promove
a educação e a informações, bases da Museologia e, como
Relações Públicas; Mestrando do PPGCOM/UFRGS; Membro da equipe coordenadora do Projeto Em dia com a pesquisa FABICO/ PPGCOM/ UFRGS; Chefe
da Assessoria de Comunicação Social da Fundação Theatro São Pedro. E-mail:
diegomaia.rp@gmail.com.
1
Relações Públicas, Jornalista e Publicitária; Dra. em Ciências da Comunicação;
Mestre em Comunicação; Profa. pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Coordenadora da pesquisa “Práticas Socioculturais Fronteiriças na Mídia Online”; Membro dos Grupo de Pesquisa no CNPq “Comunicação e práticas culturais”
e “Mídia, tecnologia e Cultura; Assessora Ad Hoc do CNPq. Coordenadora do Projeto Em dia com a pesquisa FABICO/ PPGCOM/ UFRGS e do Projeto Comunicação e
Atendimento ao Cidadão FABICO/ UFRGS. E-mail: kmmuller@orion.ufrgs.br.
2
qualquer mídia, usa-se desse espaço para unir seu nome ao
patrimônio histórico cultural.
Palavras-chave: Memorial organizacional; Relações
Públicas; Museologia; Theatro São Pedro.
INTRODUÇÃO
O objeto de estudo é formado pelos registros de imprensa expostos no Memorial Theatro São Pedro (MTSP) e seu papel, dentro de um
espaço museológico, como contador da história da instituição. Sendo
uma importante ferramenta que educa e informa a respeito da memória
organizacional, os espaços museais estão cada vez mais populares em
empresas tradicionais e que desejam narrar sua trajetória para o público
por meio da linha do tempo.
De acordo com as duas pesquisas de opinião mais importantes
do empreendedorismo gaúcho, “Marcas de Quem Decide”, do Jornal do
Comércio, e o prêmio “Top Of Mind”, da Revista Amanhã, o Theatro São
Pedro é líder invicto na categoria “teatro” desde a primeira edição, tanto em preferência quanto em lembranças. Além disso, foi tombado pelo
patrimônio histórico nacional, estadual e municipal, consolidando-se
como um importante instrumento político do Estado do RS.
Por ser o teatro mais antigo da cidade, capital do Estado, faz parte
do imaginário da população do Rio Grande do Sul. Interditado em 1973,
devido seu precário estado de conservação, iniciaram em 1975 as obras
de reconstrução da edificação, sendo reinaugurado em 1984.
Em 2008, ano dos 150 anos do TSP, foi criado um espaço museológico com o intuito de informar os principais fatos ao longo da
trajetória desse patrimônio cultural. O Memorial do Theatro São
Pedro (MTSP) foi desenvolvido pela maior empresa de comunicação
do Estado, o Grupo RBS, e a curadoria por Maria Cultura3, uma agênA Maria Cultura é uma agência de comunicação e criação voltada para a
cultura e seus desdobramentos. Ela atua junto a empresas que investem em
3
419
cia de comunicação social voltada para a divulgação de eventos culturais. Com isso, questiona-se como uma empresa de comunicação
pode construir um memorial e utilizar disso para aproximar sua marca à imagem de outra instituição. Outra questão é qual a relação dos
Relações Públicas com a manutenção da memória organizacional, que
é a base para se constituir uma instituição museal.
Além do objetivo geral de analisar como registros da imprensa,
expostos no Memorial Theatro São Pedro, auxiliam a contar a história
da instituição, foram construídos objetivos específicos, como examinar
e relacionar os conceitos de história organizacional, memória e museu
empresarial, valendo-se do espaço museal como uma importante mídia,
que deve ser estudada e entendida pelos profissionais de comunicação
como uma ferramenta de exposição da história de uma organização.
A seguir, uma breve análise sobre os conceitos de museu, o desenvolvimento da Museologia no Brasil e a diferença entre museu e memorial.
MUSEU
Os museus se tornaram populares no mundo todo e servem para
guardar a memória de um povo por meio de objetos, livros, joias, obras
de arte, cadáveres entre outros legados. O Comitê Internacional de
Museus (ICOM), em 1956, considerou museu, segundo Henriques (2010),
um estabelecimento de caráter permanente, administrado para interesse geral, com a finalidade de conservar, estudar, valorizar de diversas
maneiras o conjunto de elementos de valor cultural, como coleções de
objetos artísticos, históricos, científicos e técnicos, jardins botânicos,
zoológicos, aquários e cemitérios. Sendo assim, o museu é uma instituição permanente, que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe a
história de uma sociedade e de seu entorno.
O Estatuto de Museus define e classifica as instituições museológicas brasileiras e expõe no artigo 1° suas disposições gerais:
Consideram-se museus, as instituições sem fins lucrativos
que conservam, investigam, comunicam, interpretam e excultura, agentes culturais e instituições culturais. O foco da empresa é o desenvolvimento de atitudes culturais que interajam com anseios do mundo atual:
inclusão social, sustentabilidade, educação, tecnologia, entretenimento.
420
põem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação,
contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de
seu desenvolvimento. (BRASIL, 2009)
De acordo com o artigo 7°, que introduz o regime aplicável aos
museus, declara: “a criação de museus por qualquer entidade é livre,
independentemente do regime jurídico”. Com isso, um espaço museal
pode ser criado para que empresas e instituições possam contar a sua
história. São os chamados museus ou memoriais empresariais, que segundo AXT (2011), se comunicam, mas são instituições diferentes. O
museu pressupõe necessariamente a existência de um acervo, enquanto
o memorial pode ser formado sem necessariamente ter um acervo documental e material consolidado, pois é construído por meio da estratégia de interpretação e consulta de acervos já existentes.
O memorial é um espaço físico que atende interesses de divulgação, conservação e valorização de uma memória específica de determinada instituição. A função desses locais é prestar uma homenagem e
contar uma história específica de alguma época, personalidade ou instituição. Os memoriais funcionam, em sua grande maioria, como grandes
centros culturais, sendo cenário para as mais diferentes atividades artísticas, como música e artes plásticas.
No Brasil, o estudo de museus ainda é recente e de acordo com busca realizada no banco de teses e dissertações da Capes, percebe-se que
não existem trabalhos na comunicação sobre memoriais organizacionais,
o que reforça a necessidade de um estudo sobre essa importante mídia.
No Rio Grande do Sul, o primeiro curso de Museologia foi criado em 2006 pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Segundo o site
desta a Universidade4, a elaboração do curso ocorreu logo após o reconhecimento da profissão de museólogo em 1984, pela elaboração e aprovação
da Lei n.º 7.287, de 18 de dezembro de 1984. Em 1985 criou-se o Conselho
Federal de Museologia (COFEM) e os Regionais de Museologia (COREM)
com a finalidade de fiscalizar o exercício da profissão e as instituições.
UNIVERSIDADE Federal de Pelotas. Museologia. Encontrado em: http://www.
ufpel.edu.br/prg/graduacao_museologia.php Acesso em: 23 de junho de 2014.
4
421
Em 2008, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
abre suas portas para a primeira turma do curso de Museologia, na
Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico). O curso de
Bacharelado em Museologia tem duração de quatro anos e segundo o
site da Universidade5 propõe formar profissionais para atuar no campo
da Museologia, contribuindo para a construção da cidadania, por meio
da difusão e da preservação da memória, do patrimônio e da cultura
das sociedades. Uma observação interessante é o curso estar na mesma
Unidade do Curso de Comunicação Social. Dessa forma, ambos os profissionais têm a chance de um diálogo estreito, possibilitando estudos
que aproximem essas duas áreas.
Outro avanço foi a criação do Instituto Brasileiro de
Museus (Ibram), em 2009. A nova autarquia, vinculada ao Ministério da
Cultura, sucedeu o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) nos direitos, deveres e obrigações relacionados aos museus federais. O órgão é responsável pela Política Nacional de Museus, por meio
do Estatuto de Museus, visando a melhoria dos serviços do setor, com
aumento de visitação e arrecadação dessas instituições, fomento de políticas de aquisição e preservação de acervos e criação de ações integradas entre os museus brasileiros.
O reconhecimento da Museologia como uma ciência que necessita de constante pesquisa está sendo elaborado, mesmo que de forma atrasada em nosso Estado. Seu estudo é multidisciplinar, permitindo a busca de referenciais teóricos da História, Psicologia, Sociologia,
Antropologia, Arquivologia, Biblioteconomia e principalmente,
Comunicação, como será visto neste trabalho.
2.1 O MUSEU ENQUANTO MÍDIA
Grande parte do curso de Comunicação Social estuda as mídias se
detendo aos seguintes veículos: rádio, televisão, jornal, revista e internet
(sites, blogs e redes sociais). Entretanto, o museu é uma das mais antigas
mídias e, nos últimos tempos, é uma importante ferramenta de comuUNIVERSIDADE Federal do Rio Grande do Sul. Museologia. Encontrado em:
http://www.ufrgs.br/fabico/ensino/graduacao/museologia Acesso em: 23 de
junho de 2014.
5
422
nicação dirigida para organizações públicas e privada apresentar a história organizacional e a importância social ao longo de uma trajetória.
O termo mídia se refere aos meios de informação e de notícias em
geral. Segundo Souza (2010), mídia é o vocábulo transcrito da pronúncia
inglesa para o plural latino de medium, que tanto em latim quanto em
inglês se escreve media, que significa meios. Para o Campo das teorias
da Informação, mídia é a mediação, entre emissor e receptor de uma
mensagem, dada a impossibilidade de comunicação direta, servindo
como suporte para ampliar e atingir uma variedade indefinida de receptores. Para as Ciências da Comunicação, as mídias são entendidas como
diferentes suportes técnicos dos processos comunicativos, como meio
de comunicação que se estende no tempo e no espaço ultrapassando os
contextos da simples interação face a face.
A aproximação entre a Comunicação Social e a Museologia, no presente trabalho, vem pela necessidade de analisar como as Relações Públicas
auxiliam na construção da memória das organizações. Como desafio, construir um espaço museológico e transformá-lo em uma atrativo veículo de
comunicação para que o público tenha identificação com a história do local
e que ensine e o remeta para o passado, como relata Torresini:
Defende-se a ideia de que na visitação a um museu histórico, através do material exposto, o visitante entra em contato
com sua capacidade de construir imagens do passado, ampliando a capacidade de imaginação, habilidade indispensável à compreensão dos movimentos da história e à fixação
dos conteúdos necessários ao aprofundamento do conhecimento sobre o passado humano. Acredita-se que o desenvolvimento da imaginação histórica auxilie na aprendizagem,
na pesquisa e no ensino da História. (2010, p. 39)
A partir da visita no espaço museal, o público entra em contato
com uma memória, mesmo não vivenciando tal fato. É impossível falar
de história sem falar de memória, ambas estão intrinsecamente ligadas
e são usadas, muitas vezes, como sinônimos.
Como qualquer mídia, os museus também exercem poder e sua
identidade é construída de acordo com os interesses do que se quer
mostrar, esse é o discurso de Scheiner (2009) e que é de extrema importância para qualquer análise de um museu organizacional:
423
A identidade de cada museu estará, portanto, estreitamente
vinculada à identidade social e política dos grupos culturais
que o criaram e mantém, bem como à capacidade desses grupos de atuar cada museu – e também o patrimônio – como
instância de significação social. (p. 46)
No âmbito da história empresarial, é relevante perguntarmos o
que é selecionado no campo da memória pelos gestores que formam a
direção da organização. Além disso, em que espaços, momentos e condições são feitas essas seleções de memória. No caso do nosso objeto de
análise, o Memorial Theatro São Pedro (MTSP), veremos o Grupo RBS,
um das maiores empresas de comunicação do Estado, criando esse espaço museal e exercendo influencia ao aproximar a história do teatro
centenário com a cidade e a participação do Jornal Zero Hora na cobertura de acontecimentos históricos.
Sendo assim, observamos que a mídia museu utiliza de outras mídias, como recortes de jornais, no caso do MTSP, para informar a história da instituição. Uma primeira distinção se impõe se quisermos tratar
dessas questões, segundo Charaudeau (2010), que analisa as mídias da
seguinte forma: “’informação’ e ‘comunicação’ são noções que remetem
a fenômenos sociais; as mídias são um suporte organizacional que se
apossa dessas noções para integrá-las em suas diversas lógicas” (p. 15).
A utilização de registros da imprensa em museus é algo muito
comum e confere credibilidade à história que se quer contar. Segundo
Charaudeau (2010), a imprensa é essencialmente uma área escritural,
feita de palavras, gráficos, desenhos e imagens fixas, sobre um suporte
de papel, que convence e se torna referência histórica com muito mais
poder que as palavras: “A escrita desempenha o papel de prova para a
instauração da verdade, o que não é possível para a oralidade, não recuperável e aparentemente mais efêmera”. (p. 113)
Alguns desses espaços são chamados de museus, outros de
memoriais. Ambos pertencem à Museologia, possuem características
semelhantes, mas diferem em sua essência. A partir do que foi refletido neste capítulo, faz-se necessária uma abordagem mais aprofundada sobre o que vem a ser a história organizacional e os reflexos na
construção de um memorial.
424
3 HISTÓRIA ORGANIZACIONAL
Entender a história organizacional promove o entendimento de
suas origens e desvenda o seu legado para a comunidade, encontrando
novos caminhos para mudar, sem perder a consciência de sua verdadeira identidade, mantendo os diferenciais da marca. A memória organizacional é discutida no contexto social por Nassar da seguinte forma:
As organizações são percebidas, lembradas e narradas de
inúmeras formas pela sociedade, pelos mercados, pelos públicos e pelos indivíduos. Uma das formas mais importantes
é definida pela história e pelas diferentes formas de memória
dessa história que os protagonistas sociais têm das organizações como um todo e também em suas expressões individuais. As organizações, como os indivíduos, não existem fora
da sociedade e, assim, são participantes, mesmo na omissão,
dos acontecimentos sociais. (2008, p. 117)
A história de uma organização é a narrativa estruturada a partir
de memórias individual, social ou organizacional. Assim, ela é uma narrativa possível entre tantas outras que podem ser construídas. O importante é entender que essa construção é feita a partir do que foi e do que
é relevante para cada grupo que coleta a história.
Assim como a memória humana, a memória empresarial também é seletiva, pois se escolhem algumas das experiências mais relevantes e os fatos marcantes, positivos e negativos, ou apenas os positivos,
depende da estratégia que se quer adotar. É preciso conservar a memória de uma instituição, para que um dia se possa buscar informações
capazes de contar a história de uma determinada organização.
Um dia é preciso contar a história das organizações. Mas, antes, disso, é necessário conhecê-la e, mais do que isso, entendê-la, para extrair conhecimento, sabedoria e visão relacional
e comunicacional estratégica do rico material que elas oferecem. Existe inteligência e técnica para tanto. Basta apenas
que se tenha disposição e determinação para restabelecer a
substância dos pilares históricos da empresa ou da instituição, resgatar sua história, ressaltar as soluções encontradas
diante dos tantos obstáculos que surgem ao longo do caminho, desenhar um mapa de DNA, identificar as característi425
cas particulares do organismo e preparar-se adequadamente
para o futuro. (NASSAR, 2008. p. 138-139)
Selecionar as etapas para apresentar em uma linha do tempo e
conectá-las tem uma influência direta com o presente da organização,
pois mesmo ao pensar o passado, o curador remete ao presente e o que
a empresa representa para a sociedade. Existem para isso, profissionais
especializados, como museólogos e historiadores, para a curadoria do
acervo documental e os processos de catalogação e armazenamento dos
materiais, de maneira que possam ser disponibilizados e consultados
da melhor forma possível. Contudo, nem sempre essa é a realidade, pois
profissionais de outras áreas acabam sendo os curadores de muitos memoriais organizacionais. Como exemplo, o objeto de estudo do presente
trabalho: o Memorial do Theatro São Pedro. Sua realização foi feita pela
maior empresa de comunicação do Estado, Grupo RBS e a curadoria por
Maria Cultura, uma agência de comunicação social voltada para a divulgação de eventos culturais.
O controverso é que embora haja falta de pesquisas na área, os
profissionais da comunicação são os maiores responsáveis pelo resgate
da memória institucional, como mostra o estudo de Nassar (2008). No
final de sua obra, o autor apresenta os resultados de uma pesquisa feita
com 119 empresas que atuam no Brasil. Uma das principais categorias
tem como levantamento saber a formação do responsável pela memória
e história da empresa. O resultado é o seguinte:
Nas empresas entrevistadas 24,5% dos profissionais responsáveis por projetos de história empresarial eram graduados em
relações públicas, seguidos pelos jornalistas (19,6%) e por profissionais de marketing (11,8%). Essa informação sinaliza que
os programas de história empresarial, por lidarem diretamente com a imagem institucional da organização, contemplam as
funções atribuídas à comunicação, especialmente às relações
públicas. No entanto, esta é uma área que chamamos de “mestiça”, reunindo até mesmo pedagogos, antropólogos, musicólogos, arquitetos, cientistas sociais, advogados, psicólogos e
economistas, que também estão representados na pesquisa,
na categoria “outros”, com 13,9% da amostra. (p. 166)
426
O estudo de Nassar revela os profissionais de Relações Públicas
como os maiores responsáveis pela história organizacional das instituições pesquisadas, demonstra importantes resultados que confirmam
a necessidade da multidisciplinaridade do curso, não só de Relações
Públicas, como de todas as áreas da Comunicação Social. Como podemos observar, os profissionais de relações públicas são os maiores responsáveis pelo resgate histórico e estão envolvidos, na grande maioria
das empresas pesquisadas, na criação de espaços museais – memoriais
- das instituições.
Maricano (2008) classifica os museus e memoriais como veículos
de comunicação dirigida aproximativa, enquanto na obra de Fortes (2003)
eles estão representados como veículos de comunicação dirigida auxiliar.
Segundo o primeiro autor, a comunicação dirigida aproximativa permite
uma relação direta entre a instituição e o público, que estará inserido no
universo interno da organização. Isso permite criar um vínculo afetivo e
emocional entre o público e a empresa por meio do fascínio estabelecido
entre a história da marca atrelada ao meio social no qual atua. Também
são estreitadas as ligações com os públicos já identificados e é capaz de
aproximar aqueles que nem conheciam a marca, por meio de uma comunicação eficiente entre a história e o visitante. Já para o segundo autor,
espaços museológicos estão enquadrados em comunicação dirigida auxiliar, pois abrangem o conjunto dos recursos audiovisuais e sofisticações
tecnológicas. Esta duas formas de classificação não são contraditórias,
mas sim complementares, ou seja, o entendimento do museu ou do memorial como mídia dirigida, é consenso e instrumentos utilizados pelo
profissional de Relações Públicas para trabalhar o relacionamento das organizações com seus diferentes públicos.
4 MEMORIAL THEATRO SÃO PEDRO
Um fenômeno constante nas empresas é a inauguração de acervos e museus institucionais em datas comemorativas, com prazos de
encerramento. No entanto, a grande maioria se transforma em um espaço museal permanente em constante atualização e divulgação da
história da empresa. Foi o que ocorreu com o Memorial Theatro São
Pedro (MTSP).
427
Em 2008, foi o ano que o Theatro São Pedro completou 150 anos, e
para comemorar, várias manifestações artísticas foram destaques da programação de aniversário. Uma delas foi a inauguração do MTSP no subsolo do teatro, dividido em quatro salas para contar a história do teatro
mais antigo da cidade, com a exposição “Nosso Theatro”, realizada pelo
Grupo RBS, como já destacamos, um dos maiores grupos de comunicação
do Estado, com curadoria da agência de comunicação Maria Cultura.
Inaugurado em 7 de outubro de 2008, inicialmente seria apenas uma
mostra que se estenderia até o dia 21 de dezembro de 2008. Contudo, devido à grande aceitação por parte do público visitante e da administração
do teatro, passou a ser considerada uma importante mídia a qual recebe
dezenas de visitantes por dia, muitos deles turistas de outros Estados e de
fora do país. O MTSP tornou-se permanente, após doação do Grupo RBS
do acervo exposto para a AATSP, transformando-se num importante local
de aprendizagem da história de um dos mais respeitados teatros do país.
5 ANÁLISE DOS REGISTROS DE IMPRENSA DO MTSP
O fenômeno a ser analisado é como os registros da imprensa, que
estão expostos no Memorial Theatro São Pedro, contribuem para contar
a história da instituição. Para evidenciar o entendimento de diferentes
pensadores sobre os conceitos-chave da questão de pesquisa, busca-se responder como uma empresa de comunicação pode construir um
memorial e utilizar disso para aproximar sua marca à imagem de outra
instituição. Pode-se perceber, como já foi exposto anteriormente, que as
Relações Públicas são responsáveis pela memória organizacional, assim
como se pode trabalhar uma instituição museal como qualquer mídia,
inclusive na curadoria desses espaços, como foi o caso do Grupo RBS,
que contratou a empresa Maria Cultura para a esse trabalho no MTSP.
Na primeira etapa do levantamento dos recortes de jornais foi feita a
análise documental, entendendo que este método tem como característica
muito mais que localizar, identificar, organizar e avaliar textos, sons e imagens, funciona como expediente eficaz para
contextualizar fatos, situações, momentos. Consegue dessa
maneira introduzir novas perspectivas em outros ambientes,
sem deixar de respeitar a substância original dos documentos. (MOREIRA, 2006, p. 276)
428
O objetivo desta etapa foi mapear como os registros da imprensa
ajudam a contar a história de uma instituição. Todos os recortes expostos
têm ligação com a história do teatro, contudo, podemos classificá-los em
diferentes temáticas para chegar a um número capaz de fazer aproximações com o que é proposto pela análise de conteúdo posteriormente, o
que exige a criação de categorias de análise como veremos na sequência.
Os materiais foram fotografados para leitura e houve a classificação de cada registro a partir do tema central da matéria. A partir
de sete temas encontrados nos registros, podemos separar os recortes
nos grupos: Theatro São Pedro (nosso objeto de análise); Programação
Artística; Publicidade; Multipalco; AATSP; Eva Sopher; e Depoimentos.
O foco foi analisar os recortes que trazem o Theatro São Pedro como
notícia, excluindo os demais.
O resultado foi o seguinte: 21 tinham como assunto o TSP; outros
21 são referentes à Programação Artística do teatro; 13 são Campanhas
Publicitárias de arrecadação para a construção do complexo Multipalco,
outros 13 abordam o Multipalco como pauta; 5 são reportagens e entrevistas com Eva Sopher; 3 recortes expõem a Associação Amigos do
Theatro São Pedro como pauta; e na última categoria, Depoimentos, encontram-se 3 registros de depoimentos de jornalistas e políticos sobre o
teatro e o trabalho de Eva Sopher frente à administração.
Para a análise dos recortes das páginas de jornais, com a categoria “Theatro São Pedro”, optou-se por utilizar aproximações com o
método de Análise de Conteúdo – AC. Junior (2006, p.280) afirma que a
AC é “um método das ciências humanas e sociais destinados à investigação de fenômenos simbólicos por meio de várias técnicas de pesquisa”.
Mesmo sendo considerado um método subjetivo, é amplamente usado
para colaborar na descrição e na valorização das propostas dos métodos de classificação do objeto de estudo.
A AC é igualmente válida para este estudo de caso, porque se
ocupa da análise híbrida, ou seja, permite a busca de resultados tanto quantitativos quanto qualitativos, conforme a ideologia e interesse
do autor, segundo Junior (2006). Bauer (2004) cita diversos autores para
alegar que a AC utiliza técnicas sistêmicas, objetivas, com regras e com
um referencial de codificação que se estrutura teoricamente com base
no objeto da pesquisa.
429
A análise das 21 peças é dividida em três importantes categorias: Período Histórico; Manchete; e Enfoques. A referência para a construção dessas divisões foi de Efrom (2010) e Junior (2006).
O visitante é instigado também pelas manchetes de alguns recortes. Para isso, foi criada esta categoria com a finalidade de pontuar questões peculiares da mostra. O que será analisado serão os títulos, pois
por meio deles é que o visitante se aproxima da notícia, situando-se na
história do TSP pelo período do registro. Por mais que o público não leia
os recortes, pois alguns estão sobrepostos, impossibilitando a leitura
na íntegra, os títulos muitas vezes também narram esses momentos do
passado da instituição e resumem o texto da matéria.
Um destaque importante, que merece reflexão, é a reportagem com
o título “Participação da RBS foi decisiva na reconstrução”. Como comentado em itens anteriores, a realização do MTSP foi do Grupo RBS. Contudo,
afirmar que a participação da empresa de comunicação foi decisiva na reconstrução do teatro é um exagero e um erro histórico. Compreendemos
que a visibilidade e os espaços da imprensa foram fundamentais para que
a diretora da época, Eva Sopher, arrecadasse fundos e mobilizasse o empresariado gaúcho em prol do TSP, mas grande parte do dinheiro para a
reconstrução era público, do Estado, e mesmo que com a falta de comprometimento de prazos também foi decisivo para a conclusão dessa etapa.
Para afirmar o destaque deste recorte na mostra, percebe-se que é um
recorte isolado, assim como um quadro. Isso deixa claro que a intenção
da curadoria era aproximar a imagem do Grupo RBS, por meio do veículo
Zero Hora, com a imagem do Theatro São Pedro.
Ao avaliar os registros da imprensa, expostos no Memorial
Theatro São Pedro e os resultados da análise, comprova-se o quanto é
importante vários aspectos que rondam o cotidiano dos profissionais
de Relações Públicas e Comunicação Social em geral. A começar pelo
trabalho de clipagem feito pela assessoria de imprensa, que resulta no
conhecimento e mapeamento da imagem da instituição e que servem
como registro histórico documental. O fato da maioria dos responsáveis pelo resgate histórico organizacional no país terem a formação de
Relações Públicas, denota o quanto a profissão exige o conhecimento de
outras áreas, como a da Museologia, apresentada no presente trabalho.
430
As diferentes fases da instituição estão presentes na linha do tempo de um memorial organizacional. A responsabilidade e necessidade de
educar e informar a comunidade transcende do espaço físico relacionando o surgimento e desenvolvimento com a história da própria cidade. O
visitante tem a oportunidade de sentir a importância histórica do Theatro
São Pedro por meio das fotos dos inúmeros artistas que ali passaram, pela
imagem da cidade desde a metade do século XIX e que, após décadas, o
TSP foi um dos poucos sobreviventes do desenvolvimento da capital.
7 CONSIDERAÇÕES
O Memorial Theatro São Pedro é composto de exposições de imagens fotográficas do teatro, de artistas e do entorno da praça que abriga
o prédio histórico, e também de registros da imprensa, por meio de cópias fac-similares de páginas do jornal Zero Hora. Além disso, estão presentes objetos que constroem sentido para a história da casa centenária
e em todos os espaços há a presença de murais explicativos nas paredes,
com textos que narram alguma época ou curiosidade da linha do tempo
do Theatro São Pedro.
Para efetuar uma boa avaliação sobre o estudo de caso, fez-se necessário entender com mais detalhes a origem dos espaços museológicos e o contexto que reflete no trabalho dos Relações Públicas diante da
tarefa de responsabilidade na construção de uma memória organizacional. O MTSP é um espaço de educação e informação, situado no subsolo
do Theatro São Pedro, que ao invés de ser temporário, como o planejado
após sua inauguração em 2008, transformou-se em uma exposição permanente, em constante atualização.
Referente ao estudo de caso, constatou-se que a maioria dos recortes de imprensa está no II Ato, sala que abrange o período da obra de
reconstrução do TSP. Nesta época, o teatro não estava em evidência pela
sua programação artística, como de costume, mas o próprio prédio era
o tema de pauta. Isso ocorreu devido à interdição para obra de reconstrução, sendo um assunto de interesse da mídia e da comunidade nos 11
anos. Com isso, o MTSP evidencia essa época importante do teatro, com
recortes que abordam a escassez de recursos do Governo para as obras,
empasses políticos, especulações de datas para a reabertura e novidades da obra à medida que ela avançava, assim como se a vida cultural
431
do Theatro São Pedro voltaria a ser tão ativa e representativa, como em
décadas passadas.
As imagens que são vistas no MTSP relembram episódios memoráveis. No entanto, não contemplam todos os importantes personagens
que dão continuidade à história do Theatro São Pedro. Eles são tantos
que não caberiam nesta sala expositiva. Mas trazem os principais, segundo o criador de cada espaço museal, neste caso, o Grupo RBS.
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que é um memorial. Disponível em: <http://www.youtube.com/
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em http://www.ufrgs.br/fabico/ensino/graduacao/museologia Acesso
em: 23 de abril de 2012.
433
|8|
RIO 450 ANOS: A CELEBRAÇÃO COMO ESTRATÉGIA
DA CAMPANHA COMEMORATIVA EM HOMENAGEM À
CIDADE MARAVILHOSA
Alessandra de Figueredo Porto1 e
Maria Helena Carmo dos Santos2
RESUMO
A efeméride dos 450 anos da cidade do Rio de Janeiro
parece ter assumido uma função estratégica, como os grandes eventos, para potencializar a imagem da marca-cidade.
Portanto, neste artigo, tem-se a intenção de analisar como
o discurso oficial da Prefeitura, principalmente pelo uso de
uma ferramenta online criada para divulgação do calendário de eventos, contribui para a expansão da marca Rio
e o despertar para a celebração dos cariocas por meio da
campanha comemorativa cujo slogan “Viva a Carioquice!”
evoca a essência carioca de ser.
Palavras-chave: Rio 450; Marca; Imagem; Estratégia;
Cidade Maravilhosa.
Mestre em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Pós-Graduada em Marketing Empresarial pela Universidade Estácio
de Sá. Graduada em Comunicação Social (Habilitação: Relações Públicas) pela
UERJ. É professora do curso de Comunicação Social do IBMEC/RJ
1
Doutoranda em Comunicação no PPGCOM/UERJ. Mestre em Comunicação
e Cultura pela ECO/UFRJ. Graduação em Comunicação Social, habilitação: Relações Públicas (UERJ) e em Letras (UFRJ). Coordenadora e professora do curso
de Relações Públicas das Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA).
2
1. INTRODUÇÃO
Fundada em 1º de março de 1565 por Estácio de Sá como estratégia para expulsar definitivamente os franceses que dominavam a região,
a Cidade Maravilhosa completa 450 anos em 2015. Durante esse tempo,
o Rio de Janeiro passou por altos e baixos. Mesmo antes da fundação, o
porto do Rio já era mencionado nos documentos portugueses do início
do século XVI (SANTOS; LENZI, 2005) por ser um lugar estratégico devido as suas características geográficas, o que mais tarde o tornaria um
ponto fundamental de ligação entre o Rio da Prata e os postos negreiros
da África (idem, 2005) e de importante papel para a atividade econômica da cidade e do país por séculos. Em 1815, por exemplo, sete anos
depois da chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, a cidade foi
alçada a sede Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
No início do século XX, a então capital da República, conhecida
por sua insalubridade, era denominada pelos estrangeiros como “cidade
da morte” (Revista de História, 2013). Essa imagem negativa acabou sendo determinante para a primeira grande intervenção do Rio de Janeiro:
as reformas Pereira Passos e Rodrigues Alves, a primeira de remodelação e embelezamento da metrópole emergente, especificamente da sua
região central, a segunda de obras no porto para torná-lo mais competitivo e atraente para os visitantes da cidade. Enfim, as duas reformas
eram complementares3 e tinham como objetivo principal apresentar
uma nova imagem do Rio de Janeiro e abrir “outra perspectiva para movimentação de cargas e passageiros que chegavam e partiam da cidade” (PINHEIRO; RABHA, 2004, p. 13). A capital do país se modernizava,
assim como outras cidades, projetando uma imagem de progresso no
cenário internacional.
Conforme parecer da comissão encarregada de planejar as obras do porto,
havia necessidade de construir a futura Avenida Central (atual Av. Rio Branco),
além de uma larga via paralela ao próprio porto, a avenida do cais, mais tarde
Av. Rodrigues Alves (SANTOS; LENZI, 2005, p 173). De acordo com os autores,
o empréstimo realizado em Londres, 135 mil contos, era para as duas reformas.
A um custo de 90 mil contos, a do porto, elaborada por engenheiros brasileiros,
tendo à frente Francisco Bicalho, teria 3.500 metros de cais, entre Arsenal da
Marinha, aos pés do Morro de São Bento, e embocadura do Mangue.
3
435
Na década de 60, o grande baque: o Rio deixa de ser capital do
Brasil. Duas décadas após, de 80 e 90, o Rio de Janeiro enfrenta um caos na
segurança pública, e a imagem da violência urbana é projetada nacional
e internacionalmente. Foram quase três décadas de repercussão negativa
na mídia até a implantação do programa de segurança pública do Rio de
Janeiro, mais conhecido como UPP (Unidade Política Pacificadora). Aos
poucos, a cobertura midiática se desloca para outras abordagens, como a
preparação da cidade para receber os grandes eventos.
Nos seus 450 anos, o Rio de Janeiro está com obras por toda parte.
Na zona portuária, são cinco milhões de metros quadrados, com grande impacto na transformação paisagem, tendo como principal marco a
demolição da Perimetral4, construções de grandes aparatos de serviços,
lazer e cultura, como AquaRio, o maior aquário marinho da América
Latina, o Museu do Amanhã e o Museu do Rio (MAR, este inaugurado
há dois anos na data de aniversário do Rio) e a promessa de soluções
de mobilidade urbana, como a via expressa, que surgirá no lugar da
Perimetral, e o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). A questão da mobilidade envolve outras áreas da cidade, nas quais o BRT (Bus Rapid Transit ou
Transporte Rápido por Ônibus) está sendo implementado. Todas essas
transformações fazem parte da preparação do Rio de Janeiro para sediar a Olimpíada de 2016 e/ou também constavam do legado da Copa
do Mundo 2014.
Enfim, a cidade aniversariante é praticamente uma “cidade-evento”, ou seja, desde o PAN 2007, o Rio de Janeiro tem recebido grandes
eventos, sem contar os já tradicionais e reconhecidos internacionalmente Carnaval e Réveillon, duas submarcas5 da marca Rio: Rio+20 (2012),
Jornada Mundial da Juventude (2013), Copa do Mundo (2014), além do festival Rock in Rio, já parte do calendário oficial de eventos a cada dois anos.
Entre dois “eventos-mídia” de alcance mundial – Copa 2014 e Olimpíada
2016, estão os 450 anos. Mais uma oportunidade para celebrar. Para isso,
Construída em 1974, foi uma importante via de acesso que ligava a Zona Norte
a região central e Zona Sul. Atualmente, sua demolição é ícone da nova reconfiguração espacial da zona portuária, de acordo com o discurso oficial da Prefeitura.
4
Segundo Ries (2000, 84), a Lei das Submarcas seria uma estratégia de branding “que tenta expandir a marca principal em novas direções”.
5
436
foi criado o Comitê Rio 450, responsável por criar e gerenciar o projeto
para “trabalhar o pertencimento à Cidade e valorizar as manifestações
culturais mais genuínas do Rio” (site oficial Rio 450 anos) por meio de um
calendário oficial com atividades ao longo de catorze meses ao final do
qual a cidade “será mais orgulhosa de si mesma” (idem).
2. O RIO QUE COMEMORA: UMA BREVE ANÁLISE DOS GRANDES EVENTOS.
Refletir sobre grandes eventos (ou megaeventos, como alguns autores preferem) exige relacioná-los às cidades, uma vez que é no espaço
urbano que esses acontecimentos tomam forma, impactando não somente o durante, mas o pré e pós-evento, com a promessa de um legado
tangível (regeneração urbana, investimentos em transportes públicos) e
intangível (orgulho local, legitimação política6, como geração de empregos, desenvolvimento do turismo, melhorias na infra-estrutura, projeção internacional da cidade).
Para Roche (2000); Guala (2007); Burbank et. al (2002), Jogos
Olímpicos e Copa de Mundo de Futebol são planejados para atingir público alvo global, o que demanda cobertura midiática internacional, e
“pode servir como vitrine para a cidade sede ou país” (BURBANK et al,
2002, p.33), ou seja, representam estratégias para a gestão da marca-cidade ou país. Roche7 denomina os megaeventos esportivos de “evento-mídia”, quer dizer, eles promovem valores olímpicos universais, diretamente relacionados à estandardização cultural (consumo da cultura do
esporte) e indiretamente, por meio de estratégias de marketing, marcas
globais e o consumo da cultura, exemplificando uma economia globalizada em que o discurso em relação ao desenvolvimento urbano ( fundamental para a realização dos grandes eventos) traz em si fórmulas
globais, ao mesmo tempo em que se resgatam valores locais.
Na visão de Philippe Bovy, além do número de participantes e da
cobertura midiática, um megaevento demanda uma logística de grande
impacto para a cidade, como transporte, aeroportos, energia, acomoda6
Cf. sugere Molina (2013, p. 146)
Artigo “Olympic and Sport Mega-Events as Media Events”, p. 3. <Disponível em http://library.la84.org/SportsLibrary/ISOR/ISOR2002c.pdf. Acesso em:
13mar. 2015>
7
437
ções, segurança, hospitalidade global, bem como estruturas efêmeras,
executadas para esses eventos temporários, os quais atraem uma grande
cobertura midiática, convertendo as sedes em cidades mundiais (BOVY,
2009, 8-9), produzindo desenvolvimento local ao atrair turistas e contribuindo para que a cidade seja plataforma comunicacional para a publicidade, o marketing e o branding urbano. Pode-se inferir, então, que, mesmo antes da realização de um megaevento, tem início a construção de
uma narrativa oficial sobre a cidade/país com objetivo de gerar vantagem
competitiva e criar vínculos emocionais com o público (no caso de cidades, esse vínculo dar-se-á com o cidadão, com o turista, com eventuais
investidores). Isso se apresenta oficialmente no dossiê de candidatura entregue ao órgão internacional responsável pelo megaevento, como FIFA
ou Comitê Olímpico Internacional (COI), em que o discurso em torno do
legado (tangível e intangível) emerge como potencializador do branding.
Mas o Rio de Janeiro não se transformou em “cidade-evento” em
decorrência de ter sido escolhido sede dos megaeventos esportivos, da
Jornada Mundial da Juventude e do Rio +20, embora esteja vivendo a
“década de ouro” 8 dos grandes eventos. Esses acontecimentos ocasionais parecem reforçar uma natureza para a festa, sinalizada no dossiê
de candidatura Rio 2016, e reforçada por estratégias de divulgação da
marca Rio no país e internacionalmente, graças ao Carnaval e Réveillon,
que fazem parte do imaginário da cidade e atraem milhares de turistas.
Os números da Folia 2015, por exemplo, exemplificam o impacto nas
oportunidades de negócios e visibilidade: 977 mil turistas, com renda de
US$ 782 milhões (cerca de R$ 2,2 bilhões; 4.793.500 pessoas em blocos
de rua; média de ocupação hoteleira de 83,79%. e um grande interesse
de cobertura midiática nacional, com 1.288 profissionais de 228 veículos
de 14 estados do Brasil, e internacional, com 362 profissionais de 142
veículos de 29 países (destaque para EUA, França e Japão)9.
Denominação oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro. <Disponível em: http://
www.rio.rj.gov.br/web/riotur/exibeconteudo?article-id=1127038. Acesso em:
14mar. 2015>
8
Dados da Riotur, empresa do turismo do município do Rio de Janeiro. <Disponível em http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2015/noticia/2015/02/
quase-1-milhao-de-turistas-geram-us-782-milhoes-ao-rio-no-carnaval.html.
9
438
Para Roberto da Matta (1997), o carnaval contrasta com outros
festejos nacionais, sejam religiosas ou cívicas. Enquanto nessas, a celebração decorre de um motivo, de uma lógica, no Carnaval, há celebração em estado puro. Talvez isso explique o porquê essa manifestação
cultural brasileira contribua para formar o imaginário urbano do Rio
de Janeiro. Para o sociólogo Maffesoli (1995, p. 117), essa materialidade,
atravessada por um conjunto de imagens coletivas dá sentido a um lugar, ou seja, esse composto de espacialidade possui um gênio, o genius
loci, “dado por construções imaginárias, sejam eles contos e lendas, memórias escrita ou orais, descrições romanescas ou poéticas” (Maffesoli,
2001, p. 115). Por ultrapassar o indivíduo, o imaginário “é o estado de espírito de um grupo, de um país, de um Estado-nação, de uma comunidade, etc. O imaginário estabelece vínculo. É cimento social” (idem, p. 76).
Legros (2007, p. 54) reforça que a sociedade é um conjunto de idéias e o
que liga os homens, é uma maneira comum de pensar, ou seja, de representar as coisas – isso cria o elo, tornando o lugar o laço (MAFFESOLI,
2010). Esse elo que o genius loci provoca é essencial para desenvolver
uma marca-cidade forte, por meio da identificação de atributos do lugar que a tornariam “singular” e os quais podem ser trabalhados para
diversos públicos estratégicos (DINNIE, 2011, p. 36), como o turista e o
cidadão, ambos consumidores da cidade-mercadoria, essa que deseja
ser competitiva globalmente. No caso do Rio de Janeiro, o carnaval é um
desses atributos distintivos da cidade.
“Multinacionais do século XXI” (Borja; Castells, 1997, p. 123), as
cidades-empresas precisam seguir uma lógica de gestão, em que palavras como eficiência, produtividade, planejamento assumem importância no vocabulário da administração urbana. É a linguagem das organizações, do mercado incorporado à cidade, transformando-a em um
produto competitivo regional, nacional e/ou internacionalmente para
ser consumido por locais e turistas. Por essa nova ótica de ver as cidades, mais do que gerir o seu dia-a-dia das cidades, a questão é: como
atrair mais investimentos e turistas, diferenciando-as de outras já inseridas no mercado de consumo global e outras que estão construindo a
sua inserção. Temos, portanto, de um lado, uma gestão urbana empresarial, que articula interesses públicos e privados, e de outro, mas de
Acesso em: 14mar. 2015>
439
forma articulada e fundamental ao processo, o de planejar estratégias
de comunicação e de marketing que projetem a marca das cidades local
e globalmente. Os eventos, sejam aqueles considerados atributos locais,
como o Carnaval, ou os megaeventos esportivos, por exemplo, podem,
então, ser catalisadores dessa procura por reposicionamento da marca-cidade. Nada parece ser tão autêntico, tão local, nesse planejamento da
cidade-empresa, do que reforçar, no caso do Rio de Janeiro, a carioquice.
3. A “CARIOQUIDADE OU CARIOQUICE”: UM ESTADO DE ESPÍRITO VOLTADO
PARA CELEBRAR A VIDA.
O Rio de Janeiro é umas das metrópoles brasileiras responsável
pela propagação de ideias e valores. Sendo assim, pode-se falar em um
estilo próprio oriundo da cidade: a “carioquice10”. Gontijo (2007) menciona que desde o século XVIII (mesmo antes da transferência da capital colonial de Salvador para o Rio de Janeiro) o que era criado no Rio
acabava se tornando a essência da “brasilidade”. Todavia, o Rio foi deixando aos poucos de ser somente um “produtor e exportador da brasilidade”. A cidade passou a apresentar uma série de características próprias, “particulares, permitindo que falemos, então, de uma espécie de
carioquidade” (GONTIJO in Goldenberg, 2007, p. 42). Segundo o autor
(2007), a “carioquidade” seria maior do que a carioquice - já que a primeira definição evocaria o pensamento de que o espelho do Brasil seria
o Rio de Janeiro. Seja através do carnaval (que trouxe de volta às ruas
a força dos blocos), dos grandes eventos (como o réveillon na orla de
Copacabana), do samba, do funk e demais manifestações intimamente
ligadas ao imaginário carioca, o Rio de Janeiro produz uma identidade
formada por um rico mosaico, composto por diversos mundos culturais.
Gontijo (2007) reitera que a “carioquidade” nunca foi devidamente evocada, conforme se observa a seguir:
Quanto ao Rio de Janeiro, no entanto, nunca se tentou fazer
alusão à existência de uma suposta carioquidade. Ao contráA palavra “carioquice” foi dicionarizada, e segundo o Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa, possui os seguintes significados: 1) Ação ou dito próprio de
carioca; cariocada; carioquismo. 2) Caráter ou qualidade peculiar do que é ou
de quem é carioca. 3) Predisposição favorável às coisas cariocas.
10
440
rio, ainda há uma espécie de ideologia (sutil) da carioquice
permeando os escritos da maioria dos cientistas sociais e intelectuais brasileiros (de todos os tempos), que generaliza os
traços cariocas para o resto do Brasil, transformando-os em
traços culturais nacionais, formadores da própria identidade
nacional brasileira.
Para Bauman (1998), o significado da identidade na contemporaneidade diz respeito tanto às pessoas quanto às coisas, podendo ser adotado (e também descartado) como uma troca de roupa. Visando ilustrar o
raciocínio em questão, cabe mencionar que o bairro de Copacabana seria
então uma síntese da “carioquidade”. Para Lessa (2005), o bairro permite
a exploração da natureza sem abrir mão da civilização, mesclando o bucolismo com a agitação da vida metropolitana. O bairro de Copacabana
retrata o despojamento do carioca e as inúmeras possibilidades de compartilhamento de ideias, valores e crenças. Na atualidade, ao analisar
uma metrópole contemporânea como o Rio de Janeiro, cabe registrar a
importância de entender Copacabana como um lugar onde as pessoas se
unem para comungar com o outro. Em seu sentido etimológico, a palavra
“comungar” deriva do latim communicare, cujo significado é “pôr em comum, dividir, partilhar, ter relações com”. E partilhar (seja um sentimento, ideia, valor ou crença) é algo que traduz a alma de Copacabana.
Copacabana é a síntese de múltiplas interações. Ao ser analisado, o
bairro pode ser representado por uma multiplicidade de pequenos altares
que possuem a mesma função de elaborar os “mistérios da comunicação-comunhão” (MAFFESOLI, 2004). Neste caso, a comunicação é proxêmica, fazendo com que as pessoas estruturem inconscientemente o próprio
espaço. Nos quiosques da orla, bares, restaurantes, praças do bairro e
demais espaços urbanos de Copacabana são erigidos altares, onde a socialidade se constrói. Os ”altares” são lugares e espaços da socialidade,
compostos por afetos e emoções comuns. Desse modo, Copacabana está
inserida na lista dos “lugares altares”, onde as pessoas fazem parte de um
mundo compartilhado com os outros. Para Maffesoli (2004, p.64):
É longa a lista dos ‘altares’ em que podemos investir fisicamente ou na fantasia. E, como um eco, encontramos alguma
coisa parecida em todos os ‘pequenos altares’ que vêm aninhar-se no seio das grandes megalópoles, como tantos outros
441
abrigos matriciais em que posso viver, locomover-me e passar tempo com outros.
Vale a pena registrar que a cidade contemporânea é um emaranhado de comunicações que também acontecem nos prédios e nos corpos que transitam pelos mais diversos espaços metropolitanos (Freitas
in Freitas e Oliveira, 2011). Sendo assim, Copacabana pode ser vista
como um imenso e perpétuo altar, no qual são celebrados diversos cultos de componente estético-ético. Maffesoli faz menção à Copacabana
“de encantos evocadores” (2004, p. 63), como se observa a seguir:
Montparnasse, Pigalle, o Marais, cada um destes é, simultaneamente, um lugar e um espírito. E poderíamos facilmente
acrescentar uma sucessão de nomes a esses encantos evocadores: Quartier Latin, Shinjuku, Copacabana, Manhattan,
Kreusberg, Trastevere, etc.
O lugar seria o responsável pela ligação. Maffesoli frisa que “a ligação, quer dizer o espaço, a natureza e os elementos primordiais que
os compõem, tornam visível a força invisível da ligação que me une aos
outros” (MAFFESOLI, 2010, p. 104).
Nesse contexto, o futebol dominical no Maracanã, as rodas de
samba regadas a feijoada e caipirinha, as idas à praia para o mergulho
no mar representariam mecanismos identitários da cidade do Rio de
Janeiro. Tais itens também suscitam as possíveis representações sociais
do Rio de Janeiro no Brasil e no mundo, que devem ser entendidas como
conceitos que implicam tradições, transmissões e significações ao cotidiano urbano. Partindo dos elementos que dão significado ao universo
do carioca, Gontijo (2007, p. 75) menciona que:
O culto ao corpo bronzeado e à praia, a corporeidade e a preocupação com a saúde física e mental, as invenções de modos
de vida alternativos, a criatividade musical, o ciclo festivo do
verão e seu desfecho representado pelas manifestações carnavalescas (...) o amor pelo futebol e pelas festas esportivas, o
sotaque e as gírias, o apego à cidade, urbanidade, a violência
emotiva e tantos outros elementos escolhidos aleatoriamente compõem o repertório cultural da carioquidade, sem que
sejam integral e exclusivamente elementos cariocas.
442
Nenhum dos elementos citados faria sentido caso o carioca
não fosse capaz de criar um composto particular gerador de sentidos.
Gontijo (2007) menciona que o conjunto dos elementos identitários e
de suas respectivas práticas estrutura e também é estruturado por uma
série de princípios e valores que guiam e orientam as práticas sociais
cariocas, produzindo e reproduzindo o jeito de ser carioca, uma identidade carioca global ou carioquidade. De acordo com matéria intitulada
“Ser carioca vai além de nascer no Rio de Janeiro, é um estado de espírito” (publicada pelo site de notícias G1)11, ser carioca é: “Biscoito, mate,
água... ó ó biscoito! É a cara do Rio. Biscoitinho de polvilho!”
Cabe registrar que o que faz do cidadão um legítimo carioca é a
maneira com que tais elementos são materializados, experimentados
e tangibilizados em seu cotidiano - aliados ao modo de se relacionar
com a cidade e com o outro. Sendo assim, o que faz o carioca ser o
que é parte também da sua capacidade de se relacionar com o outro seja na praia, no “Maraca” ou nos diversos logradouros que compõem
a “Cidade Maravilhosa”.
4. “RIO 450”: ESTRATÉGIAS DE MARKETING PARA DIVULGAR O
“PRODUTO” RIO DE JANEIRO.
No dia 1º de março de 2015, o Rio comemorou 450 anos. Visando
valorizar o aniversário da cidade, a prefeitura lançou a campanha “Rio
450”. Tal projeto reuniu farta programação de caráter artístico e cultural, incluindo eventos e iniciativas âncoras12: 1) Biblioteca Rio 450,
com mais de 80 títulos sobre a história e cultura carioca; 2) Passaporte
dos Museus Cariocas, parceria com o Instituto Brasileiro de Museus,
que oferecerá gratuidades ou descontos em quase 40 lugares; 3) Projeto
Memória Carioca, um convite para que os cariocas compartilhem fotos
artefatos e lugares que traduzam a memória afetiva pelo Rio; e 4) Jogos
Rio 450, eventos-teste dos Jogos Rio 2016.
<Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2015/02/ser-carioca-vai-alem-de-nascer-no-rio-de-janeiro-e-um-estado-de-espirito.html Acesso
em: 16mar. 2015>
11
O calendário de eventos referente ao projeto “Rio 450” se encontra no seguinte link:
<Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/eventos/ Acesso em: 14mar. 2015>
12
443
O texto do “Comitê Rio 450”13 (equipe composta por dezesseis profissionais de diversas áreas que são responsáveis pela elaboração do
projeto) frisa que é fundamental, acima de qualquer coisa, homenagear
o cidadão carioca - e menciona a importância de “reverenciar as pessoas
que fizeram e fazem desta cidade um dos lugares mais adorados do planeta: os cariocas.” 14 Nesse contexto, foi criada a marca “Rio 450”, que
está sendo divulgada por toda a cidade, acompanhada do slogan “Viva a
Carioquice!”
De acordo com informações divulgadas no site referente à campanha, a marca deve ressaltar o ludismo e a “alma carioca”, explicando inclusive que a pessoa pode ser “carioca por nascimento ou por escolha”15.
Complementando a análise, a marca pretende evocar a multiplicidade
de identidades que compõe o carioca, e menciona que ela “foi pensada
para resgatar o orgulho de pertencer, através de uma ideia simples e direta: se o carioca é multicultural, multiétnico e multifacetado, a marca
deve espelhar tudo isso.” 16 A marca está sendo divulgada em vários lo<Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/comite-450/ Acesso em:
14mar. 2015>
13
<Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/comite-450/ Acesso em:
15mar. 2015>
14
<Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/conheca-a-marca/ Acesso
em: 16mar. 2015>
15
16
<Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/conheca-a-marca/ Acesso
444
cais do Rio de Janeiro, como na sinalização do asfalto de algumas ruas da
cidade. Além disso, no carnaval 2015, a marca também foi amplamente
difundida nas peças de mobiliário urbano referentes aos dias de folia,
bem como foi tema da camiseta do Cordão do Bola Preta (idealizada por
Ziraldo) e dos camarotes da Brahma, dos supermercados Guanabara e
no pórtico do camarote Rio, Samba e Carnaval no sambódromo.
A marca pretende também valorizar a malemolência do carioca, e o texto divulgado pelo “Comitê Rio 450” no site da campanha diz:
“Criamos uma marca que identifica o povo do Rio e faz graça com o seu
jeito; uma marca que representa o que o carioca tem de mais essencial,
mostrando o perfil de quem tem orgulho de ser o que é.”17 Essa “alma
carioca” foi oficialmente declarada pela Prefeitura patrimônio imaterial
da cidade, tendo o baile charme, o Mercadão de Madureira, o frescobol e
a bossa nova como alguns dos representantes desse jeito de ser.
O uso da marca apresentada anteriormente em vários pontos da
cidade do Rio de Janeiro evidencia a importância de criar uma identidade visual para o aniversário da cidade. Riel (apud Kunsch, 2003) aponta
que a identidade é a manifestação de uma reunião de características que
forma uma espécie de concha ao redor do que o cerca. Ainda segundo o
autor, a identidade funciona como forma de apresentação, se desenvolvendo por um conjunto que engloba o comportamento, a comunicação,
o simbolismo (atrelado à identidade visual) e a personalidade.
Nesse contexto, foram utilizados os princípios do brand equity na
execução da campanha - e principalmente no que se refere à marca “Rio
450”. Para Aaker (1998), o brand equity significa um conjunto de ativos
e passivos ligados a uma marca, seu nome e seu símbolo, que se somam
ou se subtraem do valor proporcionado por um produto ou serviço para
uma organização e/ou para os consumidores dela. Ainda segundo o autor (1998), o primeiro passo na identificação do brand equity é compreender o que contribui para o valor de uma marca. “Viva a “carioquice!”,
o slogan da campanha, seria esse valor agregado.
em: 15mar. 2015>
<Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/conheca-a-marca/ Acesso
em: 16mar. 2015>
17
445
Contudo, seja classificado “carioquidade” como cita Gontijo (2007),
ou como “carioquice” (conforme abordado na campanha), a essência do carioca reside nas inúmeras facetas que residem na alma do indivíduo que
nasceu e/ou escolheu a cidade para viver. Cabe registrar aqui que o ato de
utilizar e aplicar marcas existe há séculos, sempre associado ao modo de
diferenciar algo: um produto, serviço, pessoa, ideia, etc. Aprofundando a
análise sobre o uso das marcas, a palavra brand (marca, em inglês) possui
origem nórdica, derivando da antiga expressão brandr, que significa queimar. Indo totalmente na contramão dos movimentos protetores dos animais, “isso porque as marcas a fogo eram, e de certa maneira ainda são,
usadas pelos proprietários de gado para marcar e identificar seus animais”
(KELLER; MACHADO, 2006, p. 2). Uma das acepções do conceito de marca diz respeito à combinação de vários elementos que deverá ser capaz de
torná-la singular. Lipovetsky (2005) menciona que a imagem de uma marca
corresponde ao conjunto das associações estocadas na memória do indivíduo. Sendo assim, a marca “Rio 450” pretende oferecer valor à cidade aniversariante e a todos que são cariocas (de nascimento ou porque vivem na
cidade). Cabe frisar que a falta de saneamento básico, de segurança pública
e problemas de mobilidade urbana são apenas algumas das mazelas que
o cidadão carioca enfrenta no seu cotidiano18. Todavia, o “Comitê Rio 450”
frisa que o projeto (e consequentemente a marca desenvolvida para campanha) deve resgatar o “orgulho de pertencer” à cidade. Ou seja: pretende
somar valor ao universo do carioca (seja ele de nascença ou não), no sentido
de torná-lo “orgulhoso” da cidade onde nasceu e/ou reside.
Visando enriquecer a análise, é importante observar que várias
marcas19 também aproveitaram o aniversário de 450 anos da cidade para
divulgar seus produtos ou serviços, como a Nestlé, parceira do “Comitê
<Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/rio-450-anos-veja-cinco-grandes-desafios-para-o-futuro,a93c02ec3eecb410VgnCLD200000
b1bf46d0RCRD.html Acesso em: 15mar. 2015>
18
A Fiat, com o Uno Rio450, da Fiat, a TAM, com um avião adesivado no trajeto
ponte aérea Rio-São Paulo, a Antártica, com a lata de cerveja, Antártica, o vinho
Miolo, as canetas Compactor e chinelos Grendene são parceiros da campanha,
entre outros. <Dispoível em: http://www.rio450anos.com.br/parceiros/. Acesso
em: 16mar. 2015>
19
446
Rio 450”.20 A empresa planejou um calendário de ações e lançamento de
novos produtos, fazendo com que as atividades em comemorações dos
450 anos do Rio de Janeiro se estendam até 2016. Em relação aos produtos, a Nestlé criou uma identidade visual exclusiva para vários itens para
promover a marca Rio 450. Um dos exemplos é o picolé La Frutta+Coco,
que será vendido até setembro de 2016 com uma embalagem comemorativa, estampando a marca “Rio 450” Segundo Rogério Lopes, diretor de
sorvetes Nestlé, “a linha de Sorvete Nestlé tem um importante vínculo
com o Rio de Janeiro como um todo e estamos felizes em participar desta comemoração. Com a fábrica desses produtos em operação no estado
desde 1997, este já é o segundo mercado para a empresa na categoria”.21
Todo esse planejamento da campanha teve início oficialmente
em 5 de dezembro de 2015 e, desde então, várias ações foram executadas com objetivo de expandir as comemorações do aniversário da
Cidade Maravilhosa durante um período de catorze meses, tendo sido o
réveillon 2015 o grande evento para dar visibilidade às comemorações,
época em que a Prefeitura divulgou uma peça instituicional com a mensagem “Réveillon 2015 - Feliz Rio 450 Anos! A festa dos 450 anos do Rio
começa no maior réveillon do mundo” (O Globo, 31.12.2014). É a cidade
que, por meio do planejamento das estratégias oficiais (incluindo parceiros da campanha), projeta a marca Rio, fortalecendo a imagem da
cidade e, portanto, tornando-a mais competitiva no cenário nacional e
internacional e despertando o orgulho dos cariocas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando o Comitê Rio450 foi criado para pensar as celebrações, um dos grandes desafios era encontrar uma marca para
comemorar os 450 anos. Isso porque nas festividades do IV
Centenário, em 1965, o símbolo criado teve um papel funda<Disponível em: http://corporativo.nestle.com.br/media/pressreleases/
nestle-celebra-450-anos-do-rio-com-surpresas-na-linha-la-frutta Acesso em:
16mar. 2015>
20
<Disponível em: http://corporativo.nestle.com.br/media/pressreleases/
nestle-celebra-450-anos-do-rio-com-surpresas-na-linha-la-frutta Acesso em:
16mar. 2015>
21
447
mental no engajamento e mobilização dos cariocas, sendo
reproduzido em diferentes lugares da cidade.22. (site da Prefeitura, 6/6/2014)
Embora em dois momentos históricos bem diversos – em 1965,
a cidade ainda vivia o trauma da transferência da capital federal para
o interior do país; em 2015, o Rio de Janeiro parece viver a efervescência dos grandes eventos. No entanto, nessas duas datas, o discurso pela
mobilização e o engajamento dos cariocas é um objetivo da campanha
de comunicação e marketing que cria narrativas para valorização da cidade, tendo o seu aniversário como o fio condutor. Para isso, a marca
dos 450 anos, “é uma expressão que, além da cara do carioca, é a cara
da comemoração dessa festa”23, ou seja, comemora-se a carioquice ao
ponto da Prefeitura do Rio de Janeiro divulgar, no dia do aniversário da
cidade, o Certificado de Carioca:
Você, ________________________, é um legítimo carioca.
Desde o dia ____________ o mundo convive com sua carioquice. É morador do bairro _________ e tem orgulho de toda
a cidade. Tem ginga para o dia-a-dia, alegria para toda a vida
e a felicidade de participar desse momento histórico, o aniversário de 450 anos do Rio. (O Globo, 1/3/2015, p. 5)
Como atributo identitário da cidade, a carioquice seria o que de
mais autêntico o Rio de Janeiro tem a oferecer. Mas essa carioquice tem
uma ginga, uma felicidade e alegria que vão ao encontro da “cidade-evento”, pronta para uma celebração. Por essa razão, o aniversário da
cidade não poderia se limitar a um “Parabéns para você”. Várias estratégias coordenadas planejadas para multiplicar a data de “nascimento” de
1 de março por 365 dias de 2015. Ou seja, a campanha comemorativa em
homenagem à Cidade Maravilhosa parece ter transformado a data em
um grande evento, de reverberação midiática por mais de um ano, como
se a festa não tivesse fim. A pauta “permanente” nos veículos de comu-
<Disponível
em:
http://www.rio.rj.gov.br/web/sect/
exibeconteudo?id=4764291. Acesso em: 16mar. 2015>
22
<Disponível em: http://www.rio450anos.com.br/conheca-a-marca/. Acesso
em: 16mar. 2015>
23
448
nicação, a divulgação da marca no mobiliário urbano, as estratégias de
empresas parceiras, os mais de 600 eventos até dezembro de 2015, tudo
isso mantém a marca Rio na mente de cariocas, moradores da cidade e
turistas. E, quem sabe, conquista o coração deles também!
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450
|9|
ULTRAJE DO ROSTO: EMBATES DISCURSIVOS E
RECONHECIMENTO DA LIDERANÇA FEMININA NO
ATUAL CONTEXTO ORGANIZACIONAL DA PETROBRAS
Frederico Vieira1
RESUMO
Neste artigo são discutidos aspectos dos discursos
organizacionais e questões do processo de afirmação e reconhecimento das identidades femininas no mundo corporativo. Enfocamos algumas dimensões dos dilemas antifeministas envolvidos nos discursos organizacionais, em
distintos momentos e mediados por diferentes suportes de
comunicação. Valendo-se de aparições da liderança feminina no espaço público (imagens e textualidades), o artigo
tem caráter exploratório e elege como norteadores conceituais as noções de Rosto e de ultraje para embasar uma breve análise comunicacional desses dilemas, sedimentada no
rosto concreto de Graça Foster, primeira mulher a ocupar a
presidência da Petrobras. Tal problematização não pretende oferecer um estudo conclusivo sobre o tema, nem advogar um método de análise de antemão estruturado, seja do
caso em questão ou de outros similares.
Palavras-chave: Discurso; Reconhecimento; Rosto;
Liderança Feminina; Graça Foster.
1
Doutorando em Comunicação Social pela UFMG
“Não conheço homens tão firmes como a vida me fez ser”, afirmou a então presidente da Petróleo Brasileiro S.A., Petrobras2, Maria das
Graças Foster, à revista Você S.A, em abril de 2013. O porvir a desafiaria
com uma crise sem precedentes na história da empresa, sobremaneira
motivada pelas investigações da Operação Lava-Jato da Polícia Federal
e pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito)3 da Petrobras. Os escândalos de corrupção e o declínio de credibilidade da empresa culminaram em sua perda de valor de mercado, levando Graça Foster (GF) e toda
a Diretoria Executiva à renúncia dos cargos em fevereiro de 2015. Nesse
processo, foi necessário mais que uma firmeza masculina por parte de
GF, mas (numa provocação!) resignação feminina perante a impossibilidade de permanência na presidência.
No presente artigo arriscamos uma análise que não enfoca as
causas e os efeitos da ascensão, apogeu e queda de GF como liderança
máxima da Petrobras, nem desenvolvemos juízos morais ou justificações para acusar ou defender a gestão GF. Nosso olhar se volta para a
expressividade do feminino, encarnado na figura pública de Foster, investigando deslocamentos possíveis do olhar que nos façam perceber
os embates entre discursos presentes no contexto organizacional e a
precarização do feminino resultante desse fenômeno comunicacional,
desnaturalizando-se os limites entre territórios de sentido que eivados
por estereótipos, como o são firmeza masculina e a resignação feminina.
Petroleira de capital aberto cujo acionista majoritário é o Governo do Brasil
(União); empresa estatal de economia mista com presença em todo o país e
no exterior. A indicação de nomes para a presidência da Petrobras é feita pelo
Chefe do Poder Executivo.
2
“A CPI da Petrobras foi instalada por iniciativa de parlamentares de oposição
(ao governo Dilma) em decorrência de diversas denúncias envolvendo a Petrobras. Em março de 2014, quando a operação Lava-Jato, da Polícia Federal, revelou relações entre o doleiro Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, ex-diretor
de Abastecimento da Petrobras, a gestão da estatal foi posta à prova já que os
dois foram presos em uma investigação de um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou R$ 10 bilhões.” Fonte: http://exame.abril.com.br/brasil/
noticias/o-que-ja-se-sabe-sobre-o-escandalo-envolvendo-a-petrobras
3
452
DISCURSOS EM COLISÃO: ENTRE O ROSTO E O ULTRAJE
Há muito se fazem presentes no espaço público diferentes discursos construídos pelas organizações sobre as mulheres e suas condições
de vida, especialmente projetados pelas práticas corporativas de comunicação. Esses discursos não se referem estritamente a aspectos do
mundo do trabalho, mas também sobre como a presença do feminino no
ambiente organizacional se desdobra em relações que tais organizações
estabelecem com a sociedade e com os seus diferentes segmentos de
públicos. Por vezes esses discursos divergem gerando, com isso, espaço para abertura e transformação da cena organizacional ou, de modo
inverso, o recrudescimento de aspectos pouco democráticos como preconceitos e crenças totalizantes.
Em que pese as agruras oriundas desses dilemas, seja na iniciativa privada, nas instituições públicas ou nas organizações da sociedade
civil, observa-se um avanço, mesmo que lento e em diferentes níveis, no
atendimento às demandas trazidas à esfera pública pelos movimentos
feministas do século XX4. Tais movimentos são protagonistas da luta por
reconhecimento (HONNETH, 2003) que, no momento político e social
contemporâneo, revela novos matizes tensionados pelas multiplicidades de identidades de gênero e pelas alteridades envolvidas no processo
de construção da autonomia política e social das mulheres, leitmotiv
das atuais políticas pró-equidade, excedendo-se o estreito binômio feNo Brasil, de acordo com estudo realizado e divulgado em março de 2015 pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres, embora sejam maioria da população e apresentem maior nível de escolaridade que os
homens, recebem remunerações inferiores a eles, mesmo quando ocupam os
mesmos cargos. Nas organizações, o público feminino situa-se, com maior frequência, em postos de trabalho inferiores da hierarquia. De acordo com relatório do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero, as mulheres são minoria
nos cargos de maior nível hierárquico no Parlamento, nos governos municipais
e estaduais, nas secretarias do primeiro escalão do Poder Executivo, no Judiciário, nos sindicatos e até nas reitorias. No setor privado, o quadro permanece o
mesmo; várias pesquisas realizadas pelo Observatório confirmam a proporção
de 20% a 30% de mulheres nos postos de chefia. Fonte: http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/noticias
4
453
minino versus masculino. Importante lembrar que a noção de igualdade
é sempre algo a ser problematizado em processos de negociação linguageiros e políticos que envolvam conflitos morais e de gênero. Nas últimas décadas, a própria noção de feminino se deslocou da exclusividade
do substantivo mulher para ocupar, nos discursos que circulam e se enfeixam no espaço público, outras fronteiras.
Nesse cenário de considerável complexidade, desenrolam-se os
discursos organizacionais tanto sobre mulheres quanto sobre o feminino. Cada organização, a seu modo, posiciona-se perante essa luta
pelo reconhecimento empreendida por grupos e coletivos feministas.
Mesmo o silêncio organizacional ou a alienação institucional sobre as
necessidades de se estabelecer novos padrões de relacionamento com o
público feminino já constituem um tipo de posicionamento. O discurso
organizacional delimita sempre territórios de produção de sentido, tanto para os públicos, como para a própria organização. As perspectivas
de M. Bakhtin (1981; 2000) e Norman Fairclough (2001) nos auxiliam a
compreender as possíveis articulações entre e usos dos elementos linguísticos (imagens, palavras e outros signos sensoriais) presentes nas
manifestações publicizadas pelas organizações em diferentes tipos de
mídia, internas ou externas ao sistema organizacional, e na abordagem
das questões afetas ao universo das mulheres.
Os embates discursivos apontam para o surgimento de subjetividades para além do si (organização falando sobre e para ela mesma)
rumo às alteridades marcadas por danos ou pelo reconhecimento das
diferenças de gênero (no âmbito do próprio discurso e na construção
das relações entre sujeitos e a organização). A compreensão dos “tipos
relativamente estáveis de enunciados”, em que diferentes vozes podem
ser percebidas levando à interdiscursividade, pode oferecer mais que
um mapa das trilhas discursivas que por vezes entre si conflitam, mas
sintetizar modos de aparecer e dizer das organizações e de seus públicos sobre dada questão, mesmo que para além do visto e do dito.
Fairclough (2001) avança um pouco nessa direção ao integrar
uma variedade de perspectivas e métodos de análise para estudar as dimensões discursivas da mudança social. Para o autor, a conexão entre
o discurso e as práticas sociais é afetada por uma hegemonia do modo
de ver e pensar presente nas práticas sociais. Há relações de poder que
454
variam do mais tenaz assujeitamento à autonomia, as quais reproduzem, reestruturam ou desafiam as hegemonias existentes. Um exemplo
de pensamento hegemônico concernente à compreensão do feminino
e das mulheres no mundo do trabalho é a de que “lideranças femininas são mais comunicativas, intuitivas e acolhedoras”, estabelecendo as
balizas para o reforço do estereótipo da mulher “auxiliadora e compreensiva”. Esse olhar oculta um modo de ver e pensar que faz contrapor
o masculino “racional, viril e dominador” ao feminino “emocional, dócil e passivo”. Mesmo respeitáveis teóricos da comunicação organizacional como Gareth Morgan (1996) resvalam em estereótipos. Na obra
“Imagens da Organização” o autor apresenta um rol de “estratégias femininas populares”, das quais destacamos: “Rainha Elizabeth I – Reina
com mãos firmes, tendo sempre que possível à sua volta homens dóceis
(…) A mulher invisível – Tem um perfil inexpressivo; tenta misturar-se
com os que estão à sua volta, exercendo a sua influência de todas as
formas possíveis.” (p.187)
O discurso das organizações – e a respeito delas – podem, no entanto, reestruturar ou desafiar ordens hegemônicas. Esse é um dos focos
das organizações que, em suas políticas de gestão, promovem a liderança feminina; procuram valorizar a singularidade da gestora em seu lugar
de poder e operar mudanças que vão além do discurso, amparadas na
efetiva garantia de cotas ou número de assentos femininos nas hierarquias mais elevadas da organização. Nesse contexto, é esperado que a
comunicação corporativa apele não apenas às imagens das mulheres,
mas às vozes e expressões do feminino dentro das organizações e nas
ações externas a elas.
Assim a conhecida comunicação organizacional “feita para mulheres” ou que discursa “sobre as mulheres” ou, ainda, “sobre o feminino” deve ser considerada partícipe de um sistema discursivo do espaço
público, em que as organizações agem e sofrem enunciações discursivas dos outros a seu respeito, sejam as midiáticas tradicionais (jornais, revistas, tv...), sejam aquelas publicizadas pelos múltiplos sujeitos presentes nas redes sociais online. Ao remeterem continuamente
uns aos outros, os discursos conformam uma teia vazada por “entres”.
Acreditamos que é nesse espaço intersticial que se revela o não visto e
o não dito sobre os interlocutores, ou ainda o que está por dizer. E nisso o conceito de Rosto de Lévinas pode muito ajudar, ao nos conduzir
455
a esse além do discurso, que desvela dimensões outras dos processos
de subjetivação feminina imbricados nos meandros da comunicação
corporativa e para além dela.
Nossa breve exploração do conceito de Rosto, busca trazer visões
de autores cujas perspectivas filosóficas ora tensionam, ora dialogam
com a noção de rosto levinasiana, a saber: Deleuze e Guattari, com viés
marcado fortemente pela reificação do humano no mundo pós-moderno; Agamben e Debray que ressaltam do rosto aspectos produtores de
sociabilidade e de intersubjetividade; o rosto como fiel depositário da
noção de comunidade.
Segundo Deleuze e Guattari (2004), o rosto é como a superfície
lisa e moldável por agenciamentos que fazem parte de uma “máquina
abstrata” social que rejeita tanto os rostos não-conformes quanto aqueles que tenham ares suspeitos (p. 44). Um rosto só se produz quando a
cabeça se separa do corpo e esse pode se revelar colônia da rostidade
que descodifica, encapsulando-o como paisagem, por meio do processo
de produção social do rosto. Sob essa perspectiva, o que hoje se vê circular nos discursos é uma hegemônica rostificação.
Já para Debray (1999) o rosto é “a exposição indiscreta de um enigma: (...) aquilo que possuímos de mais comprometedor, de mais secreto, sendo também a parte mais perigosamente exposta de nós mesmos
(...) Por meio de meu rosto eu confesso – sem saber o quê (1999, p. 227,
grifo nosso). Soma-se a isso a perspectiva de Agamben (2000) de que
o rosto expõe e oculta o sujeito. No que é exterioridade para o Outro,
também se faz revelar a interioridade subjetiva, o que convoca o outro,
como um apelo, um enigma. No reconhecimento do rosto é possível partilhar o que se vive e as relações que se constituem nesse viver. Segundo
Agamben (2000), “compreender a verdade do rosto significa tomar não
a semelhança, mas a simultaneidade dos semblantes, a inquieta potência que os mantêm juntos e os reúne em comum” (p.99). Assim, o modo
de interação pragmática instaurada pelo rosto apresenta-se, ao mesmo
tempo, como uma abertura à comunicabilidade e uma forma múltipla
de expressões da comunidade.
Finalmente Lévinas, como Agamben, compartilha de uma dimensão comunal do rosto. O conceito de Rosto na obra de Lévinas parece divergir em absoluto do conceito deleuziano. Todavia, argumentamos que
456
Lévinas toma um “atalho”, situando o Rosto fora do campo de visão, elevando a estética não reduzida à forma, mas ampliada pelo verbo. “Pode-se
dizer que o rosto não é “visto”. Ele é o que não pode se tornar um conteúdo, o que vosso pensamento abarcaria; ele é o que não pode ser contido,
ele vos conduz ao além.” (LÉVINAS apud POIRIÉ, 2007, p. 27) Ao atribuir
voz ao rosto, Lévinas localiza o aquém da imagem: “antes de ser imagem
plástica e percepção sensível, de uma maneira mais essencial, o rosto é
significação, fala; é por isso que a escuta do rosto prima sobre sua visão.”
(POIRIÉ, 2007, p. 27). Esse apontamento evidencia os mecanismos de interlocução e, portanto, discursivos, que perpassam a subjetivação do que
se constitui como rosto. A perspectiva de Lévinas, ao nosso ver, arremata
o “enigma” (Debray) e o “estar-junto” (Agamben) dentro de um horizonte
ético, respondendo criticamente a Deleuze e Guattari.
A partir disso, cabe ressaltar que o Rosto feminino, em sua constituição no seio da cultura eurocêntrica sofreu ao logo dos séculos diversas violações, entre as quais elegemos a modalidade do ultraje. Tal
processo forjou-se alimentado pelos discursos das organizações dominadas por homens; a histórica exposição pública discursiva e estereotipada dos rostos das mulheres tanto rostificaram as identidades de gênero em torno de representações fixas, quanto interditaram o direito à
palavra, dificultando a constituição das mulheres como interlocutoras.
Para Honneth o ultraje situa-se com uma das manifestações públicas do não reconhecimento e da violação do outro. Ao partir das três dimensões hegelianas de reconhecimento intersubjetivo (o amor, o direito
e a estima social), Honneth aborda as formas de desprezo reversas a tais
dimensões, como as práticas de tortura, a supressão ou privação de direitos e a exclusão, além das ofensas sistemáticas e a desvalorização pública; “formas de não-reconhecimento que impedem a autorrealização
completa do indivíduo, por violarem a integridade física, a integridade
social e a moral (dignidade), respectivamente.” (MATTOS, 2006, p. 116).
Como Honneth (1992) destaca, as faces do desprezo apontam danos diretos ou indiretos ao corpo, por exemplo: fala-se em morte psíquica para
designar experiências de abuso sexual ou de tortura; em morte social
quando há privação de direitos, como na situação de escravidão ou de
marginalização; e – o que aqui nos interessa destacar, há ultraje quando
está em jogo a dignidade, a reputação pública. O ultraje designa uma
agressão física, moral, social ou psicológica a alguém, a alguma institui457
ção ou autoridade5. O agressor se serve de terceiros como testemunhas
do ato e que, como tais, venham legitimar o discurso e as práticas de
quem ultraja, assujeitando o ultrajado a um juízo público que o diminui
socialmente e perante si mesmo.
Discursos ultrajantes antifeministas são antigos. Em particular,
na cultura medieval europeia a visão da mulher como animal (bestia)
a vinculava ao signo da serpente ou de outra criatura venenosa. De
acordo com Fonseca (2012), “normalmente retratada como ciumenta e abrasivamente loquaz (virulentis sermonibus), a mulher era ainda
uma consumista egoísta, frívola, dissimulada e de imbecilidade para o
conhecimento e entendimento das coisas superiores6.” (p.169). Para o
autor, a visão androcêntrica que atravessou os discursos misógenos ao
longo dos séculos produziu na cultura ocidental uma ode à virgindade
e ao celibato da mulher para que se garantisse a tranquilidade mental e
espiritual do homem. A manutenção da virgindade era uma espécie de
chancela que “livrava” as donzelas de abusos e das dores do casamento – e particularmente das fogueiras, para as quais eram conduzidas à
força as “ameaçadoras bruxas” que rompiam com a fixidez do modelo
medieval de feminino. Em suma, as mulheres eram “acessórias às disposições dos homens, vítimas dos seus comentários detratores e discriminatórios. Muitas vezes, o próprio elogio que a elas era feito constituía
o fundamento de uma visão oposta, preocupada em conceituá-las más
por natureza” (DELANY apud FONSECA, 2012, p. 183).
À guisa de exemplo, o episódio da história medieval francesa conhecido como
“Ultraje de Anagni”, ocorrido em 1303 na cidade de Anagni, Itália, resume a violenta disputa entre o então rei da França Felipe, o Belo, e o Papa Bonifácio VIII.
Conta-se que o Papa foi esbofeteado por um dos opositores italianos com a mão
coberta pela luva de ferro. Sob a violência do golpe, o papa caiu do trono para
o chão. Mesmo sob ameaça física, Bonifácio respondeu aos que pediam sua renúncia: “Eis a minha cabeça, eis a minha tiara: morrerei, é certo, mas morrerei
papa”. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Atentado_de_Anagni
5
O autor aponta pelo menos três literatos medievais como referências clássicas para o antifeminismo: Theophrastus (c.372-288), de São Jerônimo (Eusebius
Sophronius Hieronimus, c.342-420) e de Walter Map (1140- c.1209).
6
458
Seria possível reconhecer, ainda hoje, discursos antifeministas
entre as imagens e as textualidades trabalhadas pela comunicação organizacional ou por outras mídias que a tomam o discurso da organização como ponto de apoio para desenvolver suas enunciações quase
medievais? Possíveis respostas para isso podem ser pensadas a partir do
exemplo de Graça Foster na Petrobras.
GRAÇA FOSTER: NOTAS ACERCA DE UM ROSTO ULTRAJADO
O que apresentaremos a seguir não constitui uma defesa de Graça
Foster (GF) ou uma reflexão imparcial, que pretenda neutralidade diante
do fenômeno investigado. Melhor seria dizer que o autor, por ser afetado
pelo tema e por se sentir convocado pelo rosto da liderança feminina de
GF procura problematizar as dimensões do que vê e do que haveria a ver
para além do que é exposto. A partir daí nasce uma análise que remete a
aspectos universais do Rosto feminino, ancorada nas singularidades dos
sujeitos de exploração – GF e o próprio autor.
Desde 2005, a Petrobras aderira ao Programa Pró-Equidade de
Gênero7, conquistara por três vezes o Selo Pró-Equidade de Gênero,
concedido anualmente pelo Programa às empresas que se destacam no
cumprimento das metas relacionadas às Políticas para Mulheres. A iniciativa formalizou a política de igualdade de oportunidades na empresa
para homens e mulheres de sua força de trabalho. Em 2012, após mais
de 50 anos desde a criação da petroleira em 1953, uma mulher passa a
ocupar seu mais alto cargo: Graça Foster. Sua posse simbolizava afirmação máxima da presença feminina num espaço historicamente ocupado
por homens. GF, diferentemente de seu antecessor, ingressara como estagiária em 1978, construiu uma sólida carreira. Era esperada uma gestão “mais técnica, menos política”.
A partir de então haveria fortes embates discursivos em torno
da figura feminina da presidente, potencializados pelas denúncias de
atos corrupção envolvendo a empresa, mesmo anteriores à gestão GF.
Paralelamente, outro discurso organizacional procurava se fortalecer
Programa promovido pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da
Presidência da República, e apoiado pelos escritórios do Fundo das Nações Unidas
para as Mulheres (Unifem) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
7
459
na imprensa, mas sem grandes repercussões. A Petrobras divulgava um
balanço do número de mulheres na Companhia; em nove anos a participação feminina cresceu 120%, face menos de 60% de crescimento
dos homens.8 Diante desse contexto, e dos discursos nele envolvidos,
pode-se depreender que GF presentificava o discurso de autonomia
do Rosto feminino no contexto organizacional da Petrobras, do que
ressaltamos três dimensões: (1) sua notável trajetória de vida; (2) o
justo reconhecimento profissional; (3) a consolidação e continuidade
da liderança feminina em altos cargos de decisão.9 Dessas três, parece-nos que a terceira tenha sofrido os mais fortes embates por discursos
antifeministas, os quais contribuíram para a precariedade da posição
política institucional assumida por GF, ameaçando sua sustentação no
poder e, por procuração, o próprio discurso feminista interno. Embora
não se possa atribuir à resistência ou violência de gênero causa direta
da renúncia da presidente, não se pode ignorar que essa tenha sido
uma das variáveis fortemente presentes no processo de desconstrução da voz feminina no campo de decisão máxima da Petrobras.Além
disso, é sabido que o rosto de Graça Foster inscrevia o rosto de outra
mulher no comando da petroleira: o de Dilma Rousseff10. Há uma co-
À época as mulheres ocupavam 1.104 cargos de gerência, dos 6.563 gerentes, o que representava cerca de 17%. A maioria das mulheres, em torno de
65%, possuía o ensino superior completo. Dados publicados em nota na data de
8 de março de 2013. Além disso, a empresa tinha o compromisso de debater e implementar iniciativas pela diversidade, como a produção de material pedagógico
com conteúdos que incentivassem o combate à discriminação de gênero e raça.
8
Importante destacar que, muitas vezes, o rosto transmuta-se em máscara, se
torna paisagem e, embora pareça ocultar, a máscara revela as marcantes contradições do próprio rosto. Isso se aplica a Graça Foster quando suas aparições
reforçam uma imagem de gestão “imbatível” ou “verde-amarela”, quase ufanista,
dois atributos muito presentes no universo simbólico e no imaginário da empresa. Como máscara, GF personificaria um enunciado que circula nos corredores
da empresa há décadas: “Sou Petrobras: petróleo corre nas minhas veias!”
9
Dilma fora Presidente do Conselho de Administração da Petrobras de 2003 a
2010, mantendo sua proximidade com Graça Foster mesmo depois de sua substituição por Guido Mantega, então ministro da Fazenda do Governo Lula.
10
460
nexão claramente identificável entre elas. Ambas mulheres pioneiras
nos cargos, reconhecidas publicamente por suas trajetórias pessoais e
competências técnicas, mas distanciadas, ao menos perante a opinião
pública, de um modus operandi de se “fazer política” movido a negociações escusas e a corrupções de diferentes matizes.
O ultraje seria o resultado da dissociação entre a dimensão deleuziana maquínica (máscara da gestora) e o rosto nu (a mulher, o feminino)? Quando GF, na dimensão em liderança, para além das competências técnicas e da trajetória pessoal, é sumariamente e publicamente
julgada a partir de variáveis entendidas socialmente como próprias do
feminino, vinculadas tradicionalmente ao universo da mulher, abre-se
campo ao ultraje. Cremos que o ultraje moral ataca o feminino por meio
da depreciação do rosto nu que inscreve impossibilidade de GF, como
pioneira na presidência, oferecer uma contribuição coletiva efetiva à sociedade por meio de seu trabalho nesse cargo.
Na primeira imagem do Painel I (ver p. 13), veiculada pela revista
“IstoÉ Dinheiro” em 27 de janeiro de 2012, dias antes de sua posse, GF aparece mirando a lente com um sorriso discreto nos lábios, cabelos alinhados, terno preto e camisa rosa; a vestes e os óculos de armação metálica
equilibram a sobriedade de uma alta executiva com a cor amplamente
explorada como traço de feminilidade na cultura capitalista. Nada muito
avesso às visualidades tradicionalmente expressas na mídia ao se retratar
mulheres ditas poderosas, não fosse a postura pouco formal que Graça.
De pé, porém recostada numa parede de aço escovado, ela lança um olhar
lateral para o espectador que culmina na cabeça ligeiramente inclinada
para trás, num gesto corporal que destaca a linha dos seios, contrastando-se a vestimenta opaca com o fundo luminoso. Por um segundo temos a
impressão de que esse mesmo gesto corporal poderia ser o de uma colegial, apoiada nos muros de uma escola à espera de um belo rapaz que
lhe desvirginasse – uma atualização do tema renascentista da Morte da
Donzela11. O somatório dos elementos visuais discursa sob o arquétipo da
virgem; e curiosamente, o texto da matéria traz a ideia da moça que saiu
A Morte e a Donzela é um motivo comum na Arte da Renascença,
especialmente na pintura, e música. Um proeminente representante é Hans
Baldung Grien. O motivo foi usado novamente durante o Romantismo. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Morte_e_a_Donzela
11
461
do borralho rumo ao trono. Mas felizmente por conta própria, sem direito
à fada madrinha; a nova presidente é, certo modo, heroína12. A legenda
que acompanha a imagem corrobora com a ideia de superação; ela apresenta uma confissão pessoal da mulher que nos olha, mais princesa que
majestade. Uma confissão que poderia ser a de muitas mulheres trabalhadoras da própria Petrobras, e mesmo de outras brasileiras: “A necessidade
de superar a mim mesma me trouxe muita força e coragem”. GF situa-se
dentro do discurso mainstream segundo o qual alguém – especialmente
uma mulher – alça uma poderosa liderança corporativa após enorme esforço e superação pessoais, a partir de uma longa jornada. GF é um exemplo bem sucedido do self-mad man “de saias”.
Ainda nessa primeira aparição de Graça Foster na “IstoÉ
Dinheiro”, há referências ao “Estilo Graça”, desta vez apresentado por
meio de infográfico nos tons verde e rosa, em que – aí sim – a figura estilizada da presidente aparece frontalmente, acompanhada por
qualificativos que evocam elementos presentes nos manuais de “estilo
e boas maneiras”, publicação tradicionalmente direcionada ao público feminino (ver Painel I, p.13). São destacados os seguintes traços de
GF: centralizadora, rápida, trabalha 12h por dia e “ainda leva demanda
para casa”; rigorosa com seus subordinados, “não se intimida em dar
broncas em público”. O adjetivo autoritária aparece ao lado de apenas
exigente. Esse rol de atributos, visualmente desdobrados por setas que
partem dos cabelos e das vestes de Graça reforçam a ambivalência de
seu caráter feminino (autoritária versus exigente), bem como a “mãe
brava” que não se exime de corrigir a prole em público; também a mulher incansável que traz para si as responsabilidades e que “dá conta”
de tudo, mesmo que para isso seja necessária dupla ou tripla jornada.
Ao que parece, o “Estilo Graça” remete à dona de casa que administra uma empresa com a esperada habilidade “doméstica”, exercendo o
controle por meio de uma dedicação exaustiva, ora fálica, ora castradora já que “Graça não tira férias há cinco anos”.
“Ela cresceu no Morro do Adeus, que hoje faz parte do Complexo do Alemão, no
Rio de Janeiro, ocupado pela polícia em 2010. Aos oito anos, começou a trabalhar
como catadora de papel, garrafas e latas para ajudar a família e para comprar
material escolar. Sem descuidar dos estudos, formou-se em engenharia química,
fez mestrado, pós-graduação em engenharia nuclear e MBA em economia”
12
462
Já em 4 fevereiro de 2015, GF aparece nas capas da “Folha de
S. Paulo” e do “Estado de S. Paulo” (ver Painel II, p. 14) em uma imagem constrangedora. Flagrada ao passar pelo detector de metais do
Aeroporto de Brasília, cabeça baixa, descalça, par de sapatos nas
mãos, cabelos em desalinho, GF nada lembra a executiva bem sucedida de 2012. Como se sabe, no caso de violência física contra mulheres,
os agressores ferem preferencialmente a face das companheiras para
garantir marcas publicamente visíveis e GF não passa ilesa. Segundo
Porto (2004), o rosto da mulher que sofre violência “é marcado por
olheiras profundas, o cabelo não é penteado e algumas vezes ajuda
a esconder o rosto. Seu olhar é voltado para baixo e dificilmente olha
nos olhos do interlocutor.” (p. 112, grifo nosso). O que se vê nessa imagem é um rosto feminino nu atingido por um ultraje. Havia muitos
motivos para que a imprensa denunciasse uma possível “má gestão”
da empresa ou mesmo apontasse críticas e falhas da administração
Foster. Mas o que se viu foi uma cascata de chamadas de capa ambíguas valendo-se do nome próprio feminino Graça como matéria-prima para máquina-imprensa de rostificação: “Dilma fica sem Graça”
(Extra, 5/2/15); “Acabou a Graça” (Metro, 4/2/15), “Graça se foi... desgraça continua” (Estado de Minas, 5/2/15); “Bilhete sem volta para
Graça Foster” (Correio Brasiliense, 4/2/15); “Sem Graça” (Zero Hora,
4/2/15). Folha e Estadão também exploram um paralelismo inegável
entre a imagem da presidente GF “deposta” e a execução do piloto jordaniano Moaz al Kasasbeh, prisioneiro do Estado Islâmico, queimado
vivo. Nas capas há uma evidente “proporção visual” entre a imagem
dos dois acontecimentos, conferindo maior violência ao ultraje do discurso da imprensa. Evocando a lição de Anagni, “do trono ao chão”, a
exposição do rosto ultrajado de GF em primeira capa marca a ferro e
fogo seu “triste fim”. Graça já não é mais a donzela, mas “bruxa” que
ameaça a sociedade e deve pagar por seus pecados, presentificados no
corpo do jordaniano. O símbolo da indústria automobilistica ocupa as
margens de ambas as capas, como a lembrar que o mesmo fogo em que
ardem os “criminosos” é aquele que alimenta a indústria mundial do
ódio ao feminino – desde o medievo – e dos combustíveis fósseis, da
qual a Petrobras é uma das maiores representantes. A punição simbólica de GF é a fogueira, talvez por sua inadequada pretensão em fazer-se soberana num cenário majoritariamente masculino e povoado por
463
escândalos explosivos que podem colocar em risco mortal anos de trabalho, reputação positiva e, em última instância, o lugar feminino no
contexto organizacional da Petrobras em situação precária. A mesma
Graça que fora, durante o exercício do cargo, eleita pela revista norte-americana “Fortune” a executiva mais poderosa fora dos EUA e ficou
em 4º lugar no ranking mundial.
Finalmente a virulência do ultraje atinge talvez seu paroxismo e
uma das expressões discursivas mais peçonhentas vistas à época da renúncia, no mesmo nível dos abomináveis discursos medievais, embora
revestida de “bom humor”. A composição do Painel III (p. 14), publicada
nas redes sociais da web, revela a máscara do predador. Sobre tal composição nos negamos tecer comentários, uma vez que a textualidade
acaba por desumanizar completamente o Rosto feminino em favor de
sua toxidez, esvaziando a ética perante outrem em favor do escárnio...
Tal experiência de ultraje aqui relatada nos leva a pensar a
Comunicação nas organizações a partir de um viés mais ético.. Os discursos e práticas organizacionais buscam, não raro, a valorização do
Todo em detrimento do rosto particular. É preciso provocar um tensionamento plural interno ao ambiente organizacional, desnaturalizando
o que nos (a)parece comum, ou melhor, como um. Ela pode estar orientada para o reconhecimento do outro, que rompe com o assujeitamento da alteridade à mesmidade e, ainda, impõe limite ao agenciamento
dos sujeitos ao império das imagens, num caminho comunicativo mais
aberto à escuta, à receptividade que à totalidade presente na produção
maquínica dos rostos. Trata-se de romper com viés totalizante do discurso organizacional interno ou revelado na mídia, suspendendo sem
romantismos o ultraje que estereotipa e enclausura as alteridades em
identidades corporativas (máscara maquínica) pré-determinadas por
preconceitos ou crenças limitantes.
464
PAINEL I: GRAÇA FOSTER E A PETROBRAS: APARIÇÃO DO FEMININO
ENTRE O HERÓICO E O ERÓTICO.
465
PAINEL II: ULTRAJE AO ROSTO FEMININO: RENÚNCIA DE
GRAÇA FOSTER OU CAÇA ÀS BRUXAS?
466
PAINEL III: A BESTIA FOSTER: (DES)HUMANIZAÇÃO DO FEMININO
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468
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COMUNICAÇÃO, CULTURA E CAPITAL SOCIAL EM
COOPERATIVAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO EM
COOPERATIVAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
Maura Padula1
RESUMO
Esse artigo analisa o processo de comunicação das
cooperativas com seus cooperados a partir da análise de
conteúdo proposta por Bardin (1997), buscando identificar
as mensagens-chave transmitidas, relacionado-as (ou não)
com o valor “cooperação” e com a gestão do capital social,
entendendo ser tais características fontes de vantagem
competitiva neste modelo organizacional. Trata-se de estudo exploratório, que tem como objeto quatro cooperativas do interior do estado de São Paulo: uma cooperativa de
trabalho, uma de serviços, uma de crédito e uma agrícola.
Como resultado, aponta uma tendência à comunicação informativa e não à interativa, como se pressupõe como ideal
para a gestão do capital social, e que o valor cooperação não
é prioridade da comunicação, perdendo espaço para questões administrativas e mercadológicas.
Palavras-chave: Cooperativismo, Comunicação,
Cooperação; Capital Social.
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Comunicação da
Universidade de São Paulo. maurapadula@usp.br
1
INTRODUÇÃO
Foi em plena Revolução Industrial, no início do século XIX, que
começou a se falar, efetivamente, de cooperação e a se desenvolver a
filosofia cooperativista, pelos então chamados socialistas utópicos, que
geraram essa doutrina econômica. Formalmente instituída, a primeira
cooperativa surgiu na Inglaterra2 e apresentou-se ao mundo uma nova
maneira de encarar o binômio capital e trabalho. No decorrer do tempo, o cooperativismo vem encontrando nas transformações e exigências
do mundo capitalista, condições de desenvolvimento em áreas diversas,
como a agropecuária, trabalho, crédito, seguro, saúde, habitação e consumo. Hoje, reúne 1 bilhão de pessoas em mais de 100 países, nos cinco
continentes, tendo movimentado, em 2012, USD 2,603.02 bi3.
No Brasil, o cooperativismo destaca-se principalmente no setores
agrícola, seguido pelo financeiro (crédito) e pelo transporte. São 6.600
cooperativas, que reúnem mais de 11 milhões de cooperados (OCB,
2013, apud OCESP, 2015), gerando 304 mil empregos diretos. Em 2012,
o movimento injetou R$ 8 bilhões na economia, apenas com salários
e benefícios ao trabalhador, e cerca de 370 mil brasileiros tornaram-se
cooperativistas (OCB, 2013).
Apesar de sua importância econômica e social, o cooperativismo
enfrenta alguns desafios que, dependendo do caso, colocam em risco
sua sustentabilidade. O modelo cooperativista de gestão define, em suas
premissas, a democracia, a solidariedade e a igualdade como princípios
básicos, com foco no homem e não no capital, a partir de atividades associacionistas de amparo mútuo.
Há relatos de experiências cooperativistas anteriores, mas a Sociedade dos
Probos Pioneiros de Rochdale, criada em 1844, foi a primeira que estruturou
um estatuto, com ideias e regras gerais para o seu funcionamento, princípios
estes que norteiam o cooperativismo até os dias atuais. (SILVA FILHO, 2001;
MARASCHIN, 2004; )
2
Valores que incluem as cooperativas de crédito e os prêmios das cooperativas
de seguros e mutualidades. Dados publicados no World Co-operative Monitor
(2014, p. 15).
3
470
Entretanto, esse modelo organizacional vive um conflito característico de sua estrutura, com dimensões distintas, dependendo do ramo
de atividade em que atua e das características específicas de seus sócios, incluindo, aqui, cultura, hábitos e costumes (PADULA, 2006, p.2).
A renda de cada cooperado está relacionada ao desenvolvimento de seu
próprio produto ou serviço junto à cooperativa, e não à “sobra”4, dando
margem ao surgimento de interesses individuais em detrimento do coletivo. É a “ponta” de um conflito permanente vivido nesse modelo organizacional e que coloca em cheque a essência cooperativista, que é exatamente a cooperação, idealizada pelos socialistas utópicos do século
XIX. O tema tem merecido a atenção dos pesquisadores, particularmente no âmbito da administração, discutindo os modelos de governança e
gestão do capital social.
É nesse cenário que se insere este estudo, que pretende identificar
como a comunicação é trabalhada em cooperativas tendo em vista que
a cultura voltada para a “cooperação” e gestão do capital certamente
fazem a diferença nas estruturas cooperativas enquanto fonte de vantagem competitiva. Independente de sua proposta, que prega a democracia e igualdade social, é em um mundo predominantemente capitalista
que a organização tem que competir. Quando o desafio da gestão passa
a ser maior internamente, em função da falta de união e de ética entre
os sócios - que estão mais preocupados com o seu próprio negócio e não
com o grupo - a cooperativa perde eficácia e competitividade, comprometendo sua sustentabilidade.
METODOLOGIA
Este estudo propõe-se a avaliar o processo de comunicação das
cooperativas com seus cooperados, a partir do método de Análise de
Conteúdo (AC) definido por Bardin (1997), buscando identificar as
mensagens-chave transmitidas, relacionado-as (ou não) com o valor
“cooperação” e o capital social almejado neste modelo organizacional.
“Sobra” é o termo usado pelo sistema cooperativo para identificar os resultados operacionais da organização, que é distribuída aos cooperados, ao final
de cada exercício fiscal. Quanto é negativo é chamado de “perdas”, que também
são rateadas entre os associados.
4
471
Segundo Caregnato e Mutti (2006, p.682), “Na AC o texto é um meio de
expressão do sujeito, onde o analista busca categorizar as unidades de
texto (palavras ou frases) que se repetem, inferindo uma expressão que
as representem”.
Trata-se de uma pesquisa exploratória, tendo como objeto quatro
cooperativas do Estado de São Paulo, mais especificamente, os veículos
de comunicação desenvolvidos por estas cooperativas para seus cooperados. A metodologia de análise foi baseada na proposta de Bardin
(1997, p.42), para quem Análise de Conteúdo (AC) é
“um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”.
Foi feita a análise de conteúdo de edições dos veículos de comunicação dirigidos aos cooperados das quatro cooperativas, sendo uma
cooperativa de trabalho médico, uma de serviços odontológicos, uma
de crédito e uma agrícola, que foram nominadas neste trabalho, respectivamente, de Alfa, Beta, Gama e Delta. A amostra foi composta de
forma intencional, não aleatória, considerando o relacionamento desta
pesquisadora. De cada cooperativa foram selecionadas as edições dos
veículos de comunicação dirigidos aos cooperados do período de abril
de 2013 a abril de 2014. Os jornais das cooperativas Alfa, Gama e Delta
são dirigidos exclusivamente aos cooperados. Já, o da cooperativa Beta
é dirigido a cooperados, funcionários e clientes.
COOPERATIVISMO
Segundo Lezamiz (2005), há divergências de opinião entre os estudiosos quanto ao que seja exatamente o cooperativismo. Existem aqueles que dizem que o cooperativismo não é uma doutrina política porque
não prescreve normas para a função e/ou organização do Estado, nem
para as relações deste com os indivíduos. É simplesmente um plano econômico. Outros, afirmam que é uma doutrina econômico-política, que
propõe a cooperação no campo econômico e social como meio para proporcionar melhores condições de trabalho e renda.
472
Na definição da Aliança Cooperativista Internacional (ACI),
A cooperativa é uma associação autônoma de pessoas unidas
voluntariamente para satisfazer suas necessidades econômicas, sociais e culturais comuns e aspirações através de uma
empresa de propriedade comum e democraticamente gerida.
(ICA, 2015).
A origem histórica do cooperativismo explica a base da filosofia. Em 1844, inspirados nas ideias dos socialistas Charles Fourier e
Robert Owen, um grupo de 28 tecelões criou a Sociedade dos Probos
Pioneiros de Rochdale, formada a partir de um fundo constituído pela
economia mensal de uma libra de cada participante, durante o período
de um ano. Eles buscavam, naquele momento, uma alternativa econômica que lhes permitisse sobreviver naquela nova realidade imposta
pela Revolução Industrial e criaram uma cooperativa de consumo, a
fim de evitar as especulações dos intermediários. Tratando-se de uma
iniciativa ousada e incomum, foi motivo de deboche por muitos comerciantes. Entretanto, ao final de dez anos, a cooperativa já contava com
1.400 cooperados. A ratificação desse processo se deu com a criação da
Aliança Cooperativista Internacional (ACI), em 1895, na Inglaterra, atualmente com sede na cidade de Genebra, na Suíça, uma das primeiras
organizações não governamentais a ter uma cadeira no Conselho da
Organização das Nações Unidas (ONU) e é, hoje, a maior organização
não governamental do mundo.
Apesar de ser um modelo de associação com forte impacto econômico e social, em alguns países ainda há o pensamento duplo e contraditório quanto o seu futuro. Alguns críticos acreditam que as cooperativas não conseguiram e tem pouca chance de desenvolvimento nas
atuais economias de mercado livres. Os oponentes ao cooperativismo
enfatizam, também, o uso indevido das cooperativas de trabalho para
flexibilizar as leis trabalhistas. Em contrapartida, os defensores deste
modelo organizacional destacam o cooperativismo e a economia social
e solidária como uma alternativa para o desenvolvimento empresarial,
que equilibra o capital e o trabalho (MONGREVEJO et al, 2012).
Pautada nos números que ratificam a dimensão do cooperativismo para a economia mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU)
consagrou 2012 como o Ano Internacional das Cooperativas e o tema
473
central, lançado para a comemoração, foi “Empresas cooperativas constroem um mundo melhor”. A partir desta oportunidade, as instituições
cooperativistas se organizaram para divulgar a filosofia e destacar a importância do movimento na promoção da cidadania e da igualdade social, na geração de emprego e renda.
Neste sentido, uma importante contribuição foi dada pelos escritórios de representação para a América Latina da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e da ACI, que desenvolveram uma pesquisa que confirmou o perfil heterogênio do segmento neste continente,
encontrando, inclusive, países com carência de dados estatísticos que
permitam avaliar o setor e seu impacto na economia. A maior contribuição deste estudo é permitir aos governos e ao movimento cooperativista
traçar estratégias de desenvolvimento para o setor e fortalecer a rede de
cooperação na América Latina.
À Aliança Cooperativista Internacional (ACI) coube o papel de organizar um trabalho maior, em nível mundial, do diagnóstico ao plano
de ação. Para isso, reuniu um Comitê Gestor, formado por representantes de cooperativas associadas à ACI de diversos países, que apresentou
um diagnóstico e um “Plano de Ação para uma Década Cooperativa”,
que projeta o futuro para o sistema cooperativo até 2020 (ACI, 2013).
Entre os grandes desafios para a década, segundo o relatório, estão a
necessidade de elevar a relação entre cooperados e governança a um
nível maior de envolvimento e a construção de uma mensagem capaz
de garantir a identidade cooperativa, que muitas vezes é confundida ou
inserida no conjunto de empresas capitalistas.
Essa não é uma questão simples, mas que deve ser trazida à pauta, visando à sustentabilidade do sistema cooperativo. Estudo sobre governança e a gestão do capital social em cooperativas desenvolvido por
Davis e Bialoskorsky Neto (2010) aponta que a participação dos associados na gestão pode ser limitada e complexa, mas que ao não dar atenção
para tal questão as cooperativas comprometem uma importante vantagem competitiva. Mas a forma de fazê-lo ainda é um desafio.
(...) está claro que há a necessidade de novas abordagens
para incentivar o envolvimento dos membros, não se sugere
que sejam abolidas as oportunidades de participação tradicionais e democráticas, em que os cooperados frequentam
474
as reuniões e nas quais os gestores têm a obrigação de apresentar relatórios. Os processos democráticos de responsabilização institucional e de prestação de contas devem ser preservados, mas deve-se reconhecer que, por si só, eles não são
suficientes. (DAVIS; BIALOSKORSKY NETO, 2010, p.4)
Um ponto que chama a atenção é que os conflitos entre gestores e cooperados/associados ganham maior proporção na medida em
que a cooperativa cresce e se profissionaliza. Gestores profissionais
tendem a atuar totalmente focados nas competências e regras de mercado e, muitas vezes, se esquecem de que a maior vantagem competitiva deste modelo organizacional está exatamente na gestão de seu
capital social, no valor cooperação, na união de seus associados. Os
autores complementam seu pensamento afirmando que essa realidade ratifica “a necessidade de engajamento da gestão com os valores
e a cultura administrativa, a fim de garantir uma boa comunicação e
compromisso comum em relação às metas compartilhadas no âmago
da rede e das organizações que compõem a cadeia produtiva” (DAVIS
e BIALOSKORSKI NETO, 2010, p.12).
COMUNICAÇÃO, CULTURA E GESTÃO DO CAPITAL SOCIAL EM COOPERATIVAS
Há consenso que a comunicação nas organizações evoluiu da
simples necessidade de compreensão e otimização de processos operacionais, passou pelas demandas da comunicação de marketing advindas do pós-guerra (produção em massa, aumento da competitividade e
necessidade de conhecimento das preferências de produto), até chegar
no aumento da demanda por informações sobre o negócio como um
todo, na necessidade estrutural de transparência e envolvimento dos
stakeholders. O exercício da comunicação nas organizações deve, ainda, dar conta de sua inserção social responsável e, mais recentemente,
implantar, compartilhar e comunicar seus mecanismos de Governança
Corporativa, entre os quais estão os valores a serem praticados.
A comunicação voltada para a gestão de valores, visando a gestão
do capital social, ainda é uma novidade no meio.
É raro encontrar pesquisas que se dediquem a pesquisar, de
maneira refinada e inovadora, a construção do capital social
como um processo comunicativo de intercompreensão e co475
operação, no qual os interlocutores estabelecem conversações, diálogos e troca de informação acerca de suas experiências, questões e problemas.(MATOS, 2009, P. 23)
Com essa afirmação, a autora enfatiza que a comunicação, enquanto atividade coletiva que envolve o uso da linguagem, é uma condição
necessária para a formação do capital social de uma nação. Pode-se estender o conceito também para as sociedades cooperativas, cujos atores
sociais que formam a comunidade são, prioritariamente, os cooperados.
Coleman destacava a visão interacionista do conceito de capital
social. Para o autor, capital social “não está situado nem nos indivíduos
nem nos meios de produção, mas nas redes sociais densas e fechadas
que garantem a confiança nas estruturas sociais e permitem a geração
de solidariedade” (COLEMAN, 1990, p. 302, apud MATOS, 2009, p. 36).
Apoiando-se em Granovetter (1983), Coleman definiu as distinções entre capital físico, o capital humano e o capital social, sendo esse último
constituído por três características: confiança entre os membros; gerar
e colocar em funcionamento os fluxos de informações; e a normas que
regem o processo.
Assim, a promoção da cooperação e do capital social nas cooperativas
passa necessariamente pela comunicação, que se torna estratégica, porque
estabelece o diálogo da organização, tanto interna como externamente.
Porém, não é qualquer comunicação. Em pesquisa anterior
(Padula, 2006), pudemos verificar que a maioria das cooperativas entende a importância da comunicação nos processos cooperativos, mas
a maior parte o faz de forma assimétrica. Buscam não apenas informar,
mas principalmente convencer, o que acaba por quebrar a confiança tão almejada, conforme mostram os estudos sobre capital social.
Investimentos na área de comunicação não garantem o engajamento,
pois para se construir o capital social não basta informar; tem que interagir, olho no olho, a fim de desenvolver a confiança.
Matos (2009, p. 97) destaca que nas associações, a conversação
cívica5 é fundamental para se manter a confiança, pois por meio dela
Matos (2009) chamou de conversação cívica diferente da conversação social
e da conversação política - uma comunicação que valoriza a interatividade em
busca do entendimento.
5
476
os participantes podem expressar suas experiências, refletir sobre elas
e também entrar em contato com um rol maior de opiniões e entendimentos. E o fato positivo é que ter a própria opinião considerada confere
ao indivíduo um sentimento de eficácia política, ou seja, a percepção de
que seu ponto de vista pode fazer a diferença (Lane e Sears, 1996; Noris,
2000 apud Matos, 2009, p. 97).
Freitas (1997) destaca a comunicação interna, que segundo o autor, deve acontecer em consonância com a cultura organizacional e,
nesse sentido, é apontada com o poder para facilitar a cooperação, a
credibilidade e o comprometimento dos envolvidos em relação aos valores; a base da organização são as pessoas e elas é que se comunicam.
Ratificando esse pensamento, Marchiori (1999) afirma que a experiência tem demonstrado que o papel do profissional de comunicação
não é apenas produzir informação/comunicação por meio de boletins
informativos, murais, intranet e malas-diretas, mas, sim, modificar a organização no sentido de realmente obter o comprometimento dos indivíduos, trabalhando de forma estratégica.
Ferrari (2003) amplia esse pensamento ao ressaltar o cuidado que
se deve ter com as influências da cultura sobre a cultura organizacional.
“ a cultura tem um papel importante no modelamento de valores, atitudes e comportamentos dos indivíduos de diferentes sociedade e que a cultura organizacional não existe separadamente da cultura da sociedade. Assim sendo, a cultura
organizacional, entre outras variáveis, influi diretamente na
escolha de modelos e estratégias” (FERRARI, 2003, p.58).
Portanto, à área de comunicação cabe a responsabilidade que vai além
do simples ato de informar. Nas cooperativas essa questão é ainda mais importante, considerando as particularidades deste modelo organizacional.
ESTUDO EXPLORATÓRIO
O processo de análise de conteúdo seguiu a proposta de três fases, apresentadas por Bardin (1997). Primeiramente, após a seleção das
cooperativas que irão compor o estudo, foi estabelecido um esquema de
trabalho, com os primeiros contatos com os documentos a serem anali-
477
sados, no caso, os jornais dirigidos aos associados das cooperativas Alfa,
Beta, Gama e Delta.
Na segunda fase, após a primeira leitura, foram identificadas as
palavras-chave relacionadas aos conteúdos de cada uma das matérias
divulgadas, chegando a 52 palavras diferentes. Após redução por afinidades, restaram 25 palavras, que foram classificadas em quatro variáveis de análise, a saber:
Mercado(1) – Mercado; Crescimento; Desempenho; Vitória/
Conquista; Meta; Concorrência; Negócio
Institucional(2) – Sucesso; Marca (exposição); Sustentabilidade;
Confraternização/comemoração
Administrativo(3) - Capacitação; Líder/Liderança; Remuneração; Investimento/custo; Parceiro/Parceria; Ajuda; Amparo/
apoio; Motivar/Motivação; Subsídio/benefício; Remuneração
Cooperação (4) -Auxílio/ Facilitar; Cooperação/cooperar; Participação/participar; Contribuição/contribuir; Junto(s)/juntamente/comum.
478
A identificação das palavras relacionadas à cooperação partiu-se
do conceito apresentado pela OCB6 (2014) da palavra cooperar, que define como “unir-se a outras pessoas para conjuntamente enfrentar situações adversas, no sentido de transformá-las em oportunidade e bem-estar econômico e social”.
Institucional
Mercado
VARIÁVEL
PALAVRAS-CHAVE
Nº CITAÇÕES
ALFA
BETA
GAMA
DELTA
TOTAL
Mercado
10
38
20
31
99
Crescimento
14
16
48
28
106
Desempenho
18
4
4
10
36
Vitória/Conquista
14
2
2
6
24
Meta
8
4
2
4
18
Concorrência
4
16
0
0
20
Negócio
6
14
0
3
23
TOTAL POR
VARIÁVEL
74
94
76
82
326
Sucesso;
24
24
2
26
76
Marca (exposição);
12
16
2
12
42
Sustentabilidade;
8
2
0
4
14
Confraternização/
comemoração
8
26
4
10
48
TOTAL POR
VARIÁVEL
52
68
8
52
180
Disponível em http://www.ocb.org.br/site/cooperativismo/identidade.asp .
Acesso em 14/07/2014
6
479
Administrativo
Cooperação
Capacitação (mercado);
6
6
0
6
18
Líder/Liderança;
6
8
0
8
22
Remuneração;
8
6
0
3
17
Investimento/
custo;
10
2
16
12
30
Parceiro/Parceria;
14
2
2
3
21
Ajuda; Amparo/
apoio
2
6
2
4
14
Motivar/
Motivação;
6
0
2
0
8
Subsídio/benefício
14
0
0
4
18
Remuneração
8
6
0
3
17
TOTAL POR
VARIÁVEL
74
36
22
43
175
Cooperação/cooperar;
2
6
12
2
26
Participação/participar;
14
12
30
20
81
Contribuição/contribuir
4
4
12
7
27
Junto(s)/juntamente/comum
2
12
2
15
31
TOTAL POR
VARIÁVEL
22
34
58
46
160
Quadro 1: Palavras-Chave por variável: tabulação
Fonte: desenvolvido pela autora
Na análise do quadro, considerando os números absolutos, é
possível perceber que nas quatro cooperativas a variável Mercado foi
a que mereceu maior ênfase na comunicação para cooperado, seguida pela Institucional e Administrativa. A variável Cooperação ficou
com os números mais baixos, obtendo praticamente a metade das
citações de mercado.
480
Na análise detalhada, é possível perceber que as palavras crescimento e mercado juntas foram mais citadas que a soma de todas as
palavras relacionadas à Cooperação – 205 contra 160. Ficou, também,
bastante acima da variável Institucional, que somou 180 citações, e da
soma de todas as palavras relacionadas à administração.
Considerando o segmento, nota-se da a cooperativa de Gama (de
Crédito) é a que tem o número de citações mais alto da palavra mercado,
porém é preciso considerar que ao ter o foco em mercado financeiro –
um setor regulado que está totalmente relacionado à mercado - é natural que isso aconteça, não significando uma super valorização do capital
financeiro em detrimento do social. A prova disso é que essa mesma
cooperativa é a que mantém os melhores índices relacionados ao valor
cooperação, superando o administrativo e o institucional.
Nota-se que a cooperativa Beta é a que mais trabalha questões relacionadas a mercado e ao institucional, em detrimento da cooperação.
Isso é possível ser explicado a partir do momento em que ela não foca o
boletim informativo exclusivamente para o cooperado, dirigindo-o também aos clientes e colaboradores. Neste cenário, o boletim informativo
torna-se mais um folder institucional, com informações superficiais, não
cumprindo sua missão de contribuir com a formação cooperativista, promovendo a interatividade. A comunicação dirigida é fundamental para o
sucesso da comunicação, especialmente em organizações cooperativas.
A cooperativa Alfa é a que mantém os menores índices de cooperação, voltando-se quase que totalmente para as questões administrativas e mercadológicas, em primeiro lugar, seguida da institucional. Notase a preocupação da comunicação em enfatizar aspectos como sucesso,
desempenho e conquista, destacando aspectos positivos administrativos e seu respectivo impacto nas questões mercadológicas. Há, também,
grande preocupação com a marca, destacando os sucessos da gestão.
A cooperativa Delta, apesar de também dar maior destaque às
questões mercadológicas, mantém um certo equilíbrio entre as demais
variáveis. Trata-se de uma cooperativa que exerce um papel de liderança
nacional no setor, o que deve tirar a preocupação primeira com o mercado, mas também não se destaca pela cooperação.
481
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De forma geral, é possível perceber que os valores e competências característicos das empresas de capital são priorizados pela área
de comunicação das cooperativas. Na análise detalhada, é possível perceber que na comunicação com os cooperados, os chamados “donos”
da cooperativa, a maior preocupação está informar para convencê-los
do sucesso da administração, não existindo, de fato, a interatividade
voltada para conversação cívica, apresentada por Matos (2009), e também descrita na filosofia cooperativista, que prega a participação dos
sócios na cooperativa. É fato, também, que na maioria das vezes não
há interesse do cooperado em participar ativamente, como já destacaram diversos pesquisadores.
Entretanto, fica claro que as áreas de comunicação não priorizam
a interatividade – conversação cívica - e, ao que parece, ainda não perceberam o seu papel fundamental na disseminação do valor cooperação
enquanto fonte de vantagem competitiva neste modelo organizacional.
O espírito de cooperação é a grande mola mestra e o maior diferencial
de uma cooperativa.
Concordamos com Davis e Bialoskorsky, quando afirmam que
(...)em um contexto tão desfavorável aos valores da cooperação, a empresa cooperativista pode apresentar vantagem
competitiva singular, resultados crescentes e sustentáveis,
quando a sua gestão é combinada às melhores práticas de
gestão do capital social, do corpo de membros associados e
de colaboradores. (DAVIS; BIALOSKORSKI NETO, 2010, p.1)
Percebe-se que no ramo “crédito”, o cooperativismo é mais forte.
No ponto de vista desta pesquisadora, isso acontece por tratar-se de
segmento regulado pelo Banco Central e que, portanto, por questões
legais, não há espaço para que os interesses individuais se sobreponham ao coletivo. É também porque, neste caso, é da força do coletivo que os cooperados obterão maiores vantagens, inclusive para seus
negócios individuais. Mas esse caso é exclusivo. Nos demais ramos a
realidade é diferente.
Considerando que, de fato, o valor “cooperação”, quando não colocado em prática nas cooperativas, expõe a organização a riscos, é de
482
vital importância que a comunicação contribua neste processo, não
apenas criando canais que reproduzam informações consideradas de
interesse dos cooperados ou favoráveis à cooperativa, mas que seja planejada, customizada e envolvente em todo o seu processo.
O cooperativismo foi e é bastante estudado por pesquisadores
do campo da administração. A contribuição da comunicação na gestão da cultura cooperativa ainda é um assunto que demanda estudos.
E é essa a proposta deste artigo, que como estudo exploratório, se propõe exclusivamente a levantar uma questão que, estudada com maior
profundidade, certamente contribuirá com esse modelo organizacional que tem feito a diferença em muitas sociedades, com geração de
trabalho e renda.
A oportunidade de desenvolver um projeto de pesquisa no tema
proposto vem ao encontro das expectativas das lideranças do setor, pois
documentos emitidos pelas entidades representativas do segmento nos
últimos anos apontam como desafio prioritário a necessidade de aproximação entre governança e cooperados/associados, sob pena de comprometer a razão de ser instituição: a cooperação entre os sócios.
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SILVA FILHO, C.V.. Cooperativas de Trabalho. São Paulo: Atlas, 2001.
228p.
485
GRUPO DE PESQUISA IV
COMUNICAÇÃO, RESPONSABILIDADE SOCIAL E CIDADANIA
COORDENAÇÃO: PROF. DR. RUDIMAR BALDISSERA (UFRGS)
|1 |
DO PARADIGMA DOMINANTE AO CRÍTICO: EM BUSCA
DE NOVAS ABORDAGENS EM RELAÇÕES PÚBLICAS
Else Lemos Inácio Pereira1
RESUMO
Este artigo discute os conceitos de relações públicas
sob uma perspectiva crítica, abordando as distinções entre
o paradigma dominante e o paradigma crítico. A impossibilidade de exercício ético das relações públicas em contextos
assimétricos e a ideia de uma simetria desejada são analisadas à luz do contexto contemporâneo midiatizado e das
limitações impostas pela promessa da interatividade. Para
esta análise, a visão do relações-públicas como intermediário cultural é um pressuposto-chave.
Palavras-chave: Relações Públicas; paradigma crítico;
assimetria; intermediário cultural; ética
INTRODUÇÃO
Discutir Relações Públicas é uma questão não apenas de
avaliar o progresso das ideias, mas de compreender como
a forma concreta da desigualdade e dominação é colocada
em prática. Ideias não têm existência independente das
condições materiais e lutas da vida. (...) A indústria de
relações públicas não é uma pústula flutuante na superfície
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação
da Universidade de São Paulo. Professora Adjunta no curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero.
1
de um mundo globalizado, mas a ponta do poder corporativo
em sua campanha para sufocar a democracia. (DINAN &
MILLER, 2007, p. 18. Tradução nossa.)
Este artigo é de natureza teórico-conceitual e traz uma revisão de
conceitos ligados ao paradigma dominante e ao paradigma crítico em relações públicas. O objetivo do trabalho é retomar a abordagem de Grunig
(modelos de relações públicas e estudo de excelência) como principal
ideia adotada por pesquisadores e professores do campo acadêmico e
profissional de relações públicas, apresentando conceitos alternativos
que são uma via necessária para o avanço dos estudos neste campo. Com
base nas propostas de L’Etang (2008), L’Etang & Pieczka (1996), Dinan &
Miller (2007), Moloney (2006), Fawkes (2015), Coombs & Holladay (2014)
e Peruzzo (1986), os conceitos de relações públicas, simetria e ética nas
relações públicas são avaliados sob uma perspectiva crítica.
Do ponto de vista contextual, o cenário contemporâneo é marcado
por um ambiente de comunicação fortemente midiatizado, como afirmam Kunsch (2014), Saad Correa (2009), Barichello (2014) e monitorado
por governos, organizações e indivíduos (ANDREJEVIC, 2007, 2013). Nesse
cenário, a promessa de interatividade é um dos maiores desafios para as
relações públicas contemporâneas e socialmente responsáveis.
SOBRE A NECESSIDADE DE UMA DISCUSSÃO SOBRE O PARADIGMA
DOMINANTE EM RELAÇÕES PÚBLICAS
A perspectiva crítica de relações públicas é cada vez mais necessária. Não que já não o fosse, pois sua legitimidade sempre foi questionada.
Em seu artigo Relações Públicas e Pesquisa Crítica em Comunicação,
Francisco Rüdiger faz uma reflexão histórica sobre a prática de relações
públicas e menciona diversos autores e casos que reafirmam essa interpretação. Segundo o autor, “As críticas e objeções à prática das relações
públicas são antigas, numerosas e se originam de vários campos da sociedade, mas, é fato, ainda não atraíram a devida atenção por parte dos
pesquisadores em comunicação.” (RÜDIGER, 2011, p. 43).
Segundo Dominique Wolton, ao refletirmos sobre a comunicação,
... o trabalho a ser empreendido é distinguir entre as múltiplas
situações aquilo que realmente é da ordem da comunicação
488
e aquilo que não é, a fim de que não se faça da comunicação
um bode expiatório para todas as situações de manipulação,
de meia-mentira... Na realidade, três tipos de situações devem
ser distinguidos: aquelas em que desde sempre os homens
mentem e manipulam e onde a comunicação nada muda, ou
talvez onde ela torne mais rapidamente visíveis as manipulações, o que não é forçosamente ruim; as situações em que um
pouco de comunicação e de transparência constituem um
autêntico progresso que, da informação à política, às relações sociais etc. não deve ser negado, mas valorizado; enfim,
as situações em que se observa realmente uma busca de comunicação normativa de intercompreensão. Se fizermos este
trabalho de triagem, vamos nos dar conta de que a comunicação não é realmente responsável pelas perversões que lhe
são imputadas. (WOLTON, 2006, p. 178, grifo do autor).
Os avanços que o próprio meio técnico trouxe às comunicações
deram às relações públicas esse “autêntico progresso” que merece ser
valorizado. Como afirma Kunsch,
Na era digital e das redes e ou mídias sociais, as organizações
não têm mais controle quando os públicos se veem afetados.
Se não houver coerência por parte dos discursos institucionais e se não houver verdade naquele seu certificado de sustentabilidade ou naquele seu balanço social, isso é passível
de ser colocado em xeque e ir parar nas redes sociais. As pressões vêm de fora – da sociedade, da legislação etc. As empresas não mudam porque querem, mas por causa das pressões
sociais e do mercado. (KUNSCH, 2014, p. 46)
No entanto, os desafios para alcançar a dimensão normativa2 de
intercompreensão são cada vez maiores. “Complexa por natureza, a comunicação complicou-se ainda mais nestes últimos trinta anos, devido
Segundo Wolton, a comunicação é resultado “da mistura inextricável de duas
dimensões, uma normativa, a outra funcional. A dimensão normativa remete ao
ideal da comunicação: informar, dialogar, compartilhar, compreender-se. A dimensão funcional, como seu nome indica, ilustra o fato de que, nas sociedades
modernas, muitas informações são simplesmente necessárias para o funcionamento das relações humanas e sociais.” (2006, p. 15, grifo do autor).
2
489
ao progresso técnico. Hoje em dia todo mundo vê tudo ou quase tudo, mas
percebe, ao mesmo tempo, que não compreende melhor o que acontece.” (WOLTON, 2006, p. 18-19). E ele complementa: “As técnicas são
homogêneas, mas o mundo é heterogêneo. A performance das técnicas
torna ainda mais visível a heterogeneidade do mundo.” (p. 19).
Em Rethinking Public Relations, Kevin Moloney (2006) afirma que
é irônico que justamente aqueles que trabalham pela reputação das
organizações e instituições, os relações-públicas, sejam, eles mesmos,
reconhecidos por reputação duvidosa. Mas, por outro lado, para o autor, não é razoável pensar que essa atividade é pura manipulação e um
atentado à democracia. Antes, é necessário avaliar seus efeitos, bons ou
ruins, imaginando que “em uma sociedade igualitária liberal, pronta a
redistribuir recursos de comunicação em uma sociedade civil forte, relações públicas tornam o debate mais igual, mais vigoroso, mais interessante, com mais chance de acabar em alguma verdade.” (MOLONEY,
2006, p. 2. Tradução nossa.).
Cicilia Peruzzo já enfatizava em uma das mais relevantes obras
na produção acadêmica brasileira, o livro Relações Públicas no modo de
produção capitalista (1986):
A suposta neutralidade das Relações Públicas que aparece
nos debates em cursos, congressos e em alguns escritos é
uma manifestação fantasmagórica. Na prática a neutralidade não acontece. Quando se estabelece a comunicação descendente e ascendente entre empresários e trabalhadores,
por exemplo, objetiva-se captar problemas, conflitos e tendências dos trabalhadores para que o capital se antecipe em
respostas que conciliem interesses ou esvaziem, desvirtuem
ou eliminem possível movimento de organização dos trabalhadores. (PERUZZO, 1986, p. 73)
A visão de Peruzzo é ratificada por diversos autores, sobretudo
acadêmicos europeus e australianos, que têm se contraposto ao chamado ‘paradigma dominante’. Segundo Jacquie L’Etang (2008), o paradigma é uma visão de mundo que molda e influencia nossa abordagem
com relação ao que vemos. O paradigma influencia nossa maneira de
atribuir sentido e interpretar informações. Segundo a autora, “Um paradigma abrange valores, suposições e abordagens tidos como certos.”
490
E em um contexto acadêmico, os paradigmas “se tornam legítimos por
referência aos mesmos nomes e conceitos que serão apresentados como
conhecimento básico em um campo de conhecimento” (L’ETANG, 2008,
p. 9. Tradução nossa.). Portanto, o paradigma dominante é, segundo a
autora, aquele que se torna mais popular ou a abordagem majoritária
com relação ao um assunto. Quando há um paradigma dominante, ele
tendo a guiar a maioria dos estudos sobre um assunto. A um paradigma
dominante se contrapõe(m) um ou vários paradigmas alternativos.
L’Etang (2008) afirma que o paradigma dominante em relações
públicas é funcionalista e enfoca questões como eficácia, métodos, avaliação, profissionalismo, papéis profissionais e status. Esse paradigma
tem tentado construir uma teoria coerente, útil e funcional para os profissionais de relações públicas. Embora considere que não há “nada de
errado com isso”, reforça que outros paradigmas podem ser úteis para
explorar novas possibilidades na área. Assim, os estudos de relações públicas devem abrir cada vez mais espaço para perspectivas interpretativas e críticas.
Segundo Moloney (2006, p. 3), o pensamento de Grunig é classificado como “o paradigma contemporâneo” em relações públicas e nos
livros e estudos da área, sendo essa percepção equivalente à de “paradigma dominante”. Este paradigma ‘Grunigiano’ teve início com a publicação de Managing Public Relations em 1984, por J. Grunig e T. Hunt.
Em Thinker, Faker, Spinner, Spy – Corporate PR and the Assault on
Democracy, Dinan & Miller (2007) falam sobre os modelos de relações
públicas propostos por Grunig e Hunt:
James Grunig é o campeão acadêmico líder para a indústria de
relações públicas. Ele, juntamente com outros historiadores
oficiais de relações públicas, gosta de argumentar que as
relações públicas podem ter sido um pouco grosseiras
quando começaram, mas estão bem melhores agora, tanto
que eles não podem conceber uma democracia sem relações
públicas. Grunig desenvolveu um modelo em quatro partes
que é simultaneamente um modelo histórico e normativo.
Ele distingue sucessivamente “agência/assessoria de
imprensa”, que é mais comumente identificado com o
trabalho de promoção na mídia; “informação pública”, que
usa comunicação de mão única para promover uma dada
491
mensagem, talvez no interesse público; o modelo assimétrico
de mão dupla, no qual o feedback e em alguns casos pesquisa
de mercado e de opinião pública são usados para manipular
os públicos mais eficientemente; e um modelo simétrico de
duas mãos, que ajudaria a ‘criar compreensão mútua’ entre a
organização e seus públicos.(...) Os modelos têm a intenção
de ilustrar um progresso histórico do mau para o bom.
(DINAN & MILLER, 2007, p. 16. Tradução nossa.)
O problema desta proposta, na opinião de Dinan & Miller, é que
há ainda muita coisa ruim no mercado de relações públicas, e é uma
visão simplista porque torna qualquer tentativa de refutá-la facilmente
solucionável pelo fato de que qualquer evidência de uma prática ruim ou
duvidosa de relações públicas poderá ser enquadrada em uma das três
primeiras categorias (ou três primeiros modelos). Isso torna o quarto
modelo “onipresente como um ideal” (p. 17), mas sem espaço no mundo
real. E a crítica dos autores é mais contundente: se considerarmos que o
modelo pode ser um guia para a prática, ele pode ser considerado também um manual para manipulação mais eficiente. Para Dinan & Miller,
não há possibilidade de alinhar interesses públicos e privados:
Só pela manipulação, pelo engano e pela ideologia eles podem ser apresentados como iguais. O trabalho de Grunig,
portanto, tem valor apenas para aqueles que estão interessados em tentar perseguir seus próprios interesses dando a
impressão de que tais interesses estão alinhados a interesses
mais amplos. Essa abordagem é a raiz de muitas práticas enganosas operadas sob os nomes de Responsabilidade Social
Corporativa e diálogo multistakeholder, e outros programas
de parceria e engajamento entre as corporações e seus críticos. (DINAN & MILLER, 2007, p. 17. Tradução nosssa.)
Em Public Relations Ethics and Professionalism (2015), Johanna
Fawkes também menciona os quatro modelos de Grunig e Hunt (1984).
E afirma: “Eles [os modelos] foram originalmente apresentados como
um progresso histórico de propaganda agressiva e não ética à simetria
ética...” (FAWKES, 2015, p. 15. Tradução nossa.). A autora avalia: “Em
suma, a teoria de excelência emergiu de teorias de administração de
meados do século XX, com muito pouca consciência de seu viés ideológico e insistência no valor social de relações públicas, uma suposição
492
que é fundamental em sua ética.” (p. 16). Segundo Fawkes, apesar de
suas incongruências, a abordagem de Grunig tem sido o paradigma dominante por diversas décadas, tanto por ser pragmática, orientada cientificamente para a construção de um modelo estruturado, e também por
ter atribuído ao campo das relações públicas um significado mais ‘elevado’, por ter se baseado em extensa coleta de dados e pela proposição de
um modelo idealmente mais ético.
A principal crítica de autores como Fawkes (2015), Moloney (2006),
L’Etang e Pieczka (1996) e L’Etang (2008) está no fato de que o modelo construído com base na teoria científica da administração mostra-se
frágil por ter como enfoque as organizações e seus objetivos, desejos e
estratégias com vistas à eficácia e à eficiência. Tal visão funcionalista da
comunicação, baseada em planejamento, mensuração e mesmo números – a pesquisa quantitativa é a referência dos estudos de Grunig – deixa de lado outros importantes aspectos da história de relações públicas
e suas origens associadas aos conceitos de propaganda, persuasão, manipulação. Fawkes afirma:
Ao longo dos anos, notei que os colegas que são mais entusiastas sobre o paradigma de Grunig são os mais resistentes
a qualquer análise ideológica da sociedade. Os textos norte-americanos, como os escritos sobre o estudo de excelência,
ecoaram essa reivindicação e os dois argumentos pareciam
conectados: 1) persuasão é um assunto periférico; 2) relações
públicas são apolíticas. Não aderi a nenhuma dessas posições. (FAWKES, 2015, p. 17. Tradução nossa.)
Sendo a persuasão um assunto que não pode ser tratado como
periférico, e entendendo que a simetria em comunicação está mais próxima de uma ideia que de um ideal, a própria ideia de uma comunicação
ideal é um conceito que existe para estimular certos pontos de vista e
respaldar determinadas tomadas de decisão.
Para Dinan & Miller (2008, p. 173),
... são os interesses sociais e econômicos incorporados por
instituições criadas e operadas por humanos reais que proveem a ligação entre o econômico e o ideológico. Ideias são
produzidas e lutam sua luta apenas no contexto das circunstâncias materiais nas quais todas – economia, governo, ideo493
logia – operam. Isso também significa que ideias em conflito
nunca estão divorciadas de interesses e que podem ter consequências, no sentido de que organizam, legitimam e tornam
possíveis certas decisões e ações. Ideias têm eficácia, mas
não por si sós, em um vácuo, fora do contexto dos interesses
que as criam. Por outro lado, interesses precisam de ideias
para sobreviver e prosperar. Eles caminham juntos, atados.
(DINAN & MILLER, 2008, p. 173. Tradução nossa.)
Se partirmos do pressuposto de que apenas o quarto modelo – simétrico de duas mãos – é inerentemente ético, e os outros três modelos
são os mais representativos da prática real de relações públicas, tem-se
que a maior parte das práticas de relações públicas são inerentemente
não éticas. Para Grunig, “É difícil, se não impossível, praticar relações
públicas de forma ética e socialmente responsável usando um modelo assimétrico.” (GRUNIG et al, 1992, p. 175 apud FAWKES, 2015, p. 17.
Tradução nossa.).
O CONTROVERSO PAPEL DE INTERMEDIÁRIOS CULTURAIS: RELAÇÕES
PÚBLICAS EM UM AMBIENTE MIDIATIZADO
Em Informar não é comunicar, Dominique Wolton afirma que “A
informação acessível tornou-se uma tirania” (2011, p. 35). Segundo o
autor, “A tolerância em relação ao outro, fundamento de toda comunicação normativa, tem pouca coisa a ver com a velocidade das trocas
de informação.” (p. 42). Para Mark Andrejevic, o excesso é a marca de
nossos tempos. Essa é a tese defendida por ele em sua obra Infoglut How much information is changing the way we think and know (2013).
Para o pesquisador,
... a quantidade de informação mediada – aquela sobre a
qual conscientemente refletimos como informação que nos
é apresentada em formatos construídos e fabricados (shows
de TV, filmes, jornais, Tweets, atualizações de status, blogs,
mensagens de texto, e afins) por meio de vários dispositivos
incluindo televisões, rádios, computadores, entre outros –
certamente aumentou dramaticamente, graças, em grande
parte, à proliferação de dispositivos portáteis, conectados,
interativos. Mesmo antes do advento desses dispositivos,
tudo que precisávamos fazer era ir à biblioteca para nos
494
sentirmos sobrecarregados por mais do que poderíamos
possivelmente absorver. Agora esse excesso nos confronta a
todo momento: nos dispositivos que usamos para trabalhar,
para nos comunicar com os outros, para nos divertir. O
excesso não é mais um fenômeno de “ir ao encontro”, mas
um fenômeno que vem “à força”. Não vamos às coisas, elas
vêm a nós. É a atmosfera mediada na qual estamos imersos.
(ANDREJEVIC, 2013, p. 3. Tradução nossa.)
Para Andrejevic (2013, p. 7), “Não apenas jamais estamos completamente informados, mas, de alguma forma recursivamente, não conseguimos estar plenamente informados sobre o quão desinformados
somos.” (tradução nossa). É inevitável pensar, portanto, no papel dos
comunicadores como intermediários culturais no contexto da enorme
expansão da oferta de bens simbólicos. Maguire e Matthews (2014, p.
1) definem intermediários culturais como taste makers, ou seja, aqueles
que definem o que é ‘bom gosto’ e cultura ‘arrojada’ no mercado. Os intermediários culturais são vetores que influenciam modos de ver e perceber. Os autores mencionam que os intermediários culturais são atores
de mercado que constroem valor pela mediação de como mercadorias
(ou serviços, práticas, pessoas) são percebidas e adotadas por outros
(consumidores finais, e outros atores de mercado, incluindo outros intermediários culturais). Essa construção deve ser exercida em um contexto específico e o intermediário cultural é visto como um especialista.
Para Hodges e Edwards (2014), a ligação entre intermediação cultural e relações públicas é clara: a atividade envolve produção, negociação e gerenciamento de relacionamentos para as organizações. Segundo
os autores, “Profissionais de relações públicas gerenciam a reputação,
bem como uma gama de relacionamentos externos e internos em nome
das organizações por meio da construção e desenvolvimento de discursos aplicáveis a variáveis contextos” (HODGES & EDWARDS, 2014, p. 89.
Tradução nossa.). Entre as características dos profissionais de relações
públicas que os tornam intermediários culturais, estão a atuação como
guardiões da identidade corporativa (por meio de diferentes artefatos
culturais), seu impacto social e sua participação ativa na produção de
sentidos ligados a produtos, serviços, ideias e pessoas.
Hodges & Edwards (2014, p. 92-94) complementam sua proposta reforçando que as práticas dos relações-públicas estão intimamente
495
relacionadas com as de outros intermediários culturais, como profissionais de publicidade e propaganda, marketing, jornalismo, entre outros.
Juntos, eles promovem discursos que visam legitimar produtos, serviços, organizações, marcas, pessoas, ideias e políticas. Segundo eles, os
consumidores de mensagens de relações públicas são eles mesmos produtores de sentido ao se engajar no processo de construção de sentido
sobre o que recebem. Ao atuar como intermediário cultural e exercer
monitoramento e pesquisa, o profissional de relações públicas estaria,
portanto, ajudando as organizações a modelar produtos, serviços e sua
própria comunicação aos anseios de seus públicos. O nível de alcance
mais expressivo alcançado pelos profissionais de relações públicas em
sua atuação como intermediários culturais aconteceria quando eles
têm suas percepções e pontos de vista repercutidos e reinterpretados
por outros intermediários culturais, indivíduos ou grupos (HODGES &
EDWARDS, 2014).
Com base na noção de Media Ecology ou Ecologia da Mídia,
Eugênia Barichello propõe que hoje, “o processo de midiatização da
sociedade e das práticas sociais, incluindo as práticas organizacionais,
atua como matriz de práticas sociais e comunicacionais, dificultando a
separação entre mídia e cultura.” (2014, p. 37).
Assim, segundo Barichello,
A digitalização e a popularização das tecnologias de informação e comunicação de uso personalizado tornaram mais
complexo o ecossistema midiático, trazendo novas possibilidades de interação e fluxos comunicacionais. A tecnologia digital possibilita maior participação dos usuários, que passam
a ter a oportunidade de produzir conteúdo e ocupar espaços
que, no sistema midiático massivo, eram característicos do
polo emissor. A emergência de novos espaços de interação,
especialmente nos suportes digitais, amplia as possibilidades
de resposta e a interação dos interagentes. Mais que isso, as
tecnologias digitais ampliam as possibilidades de proposição, pois não se trata apenas de um sujeito receptor, mas de
um sujeito que tem condições de construir seus próprios espaços de atuação e, dessa forma, pôr em debate questões de
seu interesse. (BARICHELLO, 2014, p. 42)
496
Se o contexto contemporâneo midiatizado traz consigo a promessa da interatividade 3, do ponto de vista das relações públicas, essa
visão traz novos dilemas, dada a ênfase hoje atribuída às práticas de
monitoramento e gestão de conteúdo. Em uma visão bastante crítica,
Mark Andrejevic, professor do Centro para Estudos Críticos e Culturais
da Universidade de Queensland (Austrália), propõe que
... as associações positivas de interatividade como forma de
comunicação de duas mãos, simétrica, e relativamente transparente (no sentido de conhecer para onde a informação que
enviamos vai) foram assimiladas às formas de interação que
equivalem a pouco mais que estratégias de monitoramento e
vigilância. (ANDREJEVIC, 2007, p. 5. Tradução nossa.)
Na guerra de narrativas que desafia a reputação das organizações em
ambientes digitais, é muitas vezes graças ao monitoramento e à vigilância
que a contranarrativa de defesa das marcas acontece. Esse dilema tem suas
ambiguidades. Se, para Andrejevic, estamos cada vez menos conscientes do
que sabem a nosso respeito ou sobre nossas opiniões, Wolton (2006, p. 104),
por outro lado, defende que “Os indivíduos cada vez mais informados, educados, abertos ao mundo, são cada vez menos enganáveis.”
Para Wolton (2006, p. 17), “Não basta mais informar para comunicar. O receptor está se tornando cada vez mais autônomo e crítico,
embora isso não seja percebido imediatamente.”. A questão é: podemos
estar menos enganáveis mesmo estando também menos conscientes do
que sabem a nosso respeito? A participação crítica e reflexiva no ecossistema relacional organizacional midiatizado e digitalizado é possível?
Aparentemente a (in)consciência sobre a troca desbalanceada proporcionada pela tal promessa de interatividade é um embate para o qual
não há respostas simplificadoras ou simplistas – esse é o dilema com
Andrejevic alerta que a interatividade é uma clausura digital (digital enclosure): nela, toda ação e transação gera informação sobre si mesma (2007, p. 2).
Nesse caso, a interatividade funcional é crescentemente assimétrica (p. 8), e a
interatividade normativa é algo desejável, mas, do ponto de vista de compartilhamento do poder, configura-se apenas como uma promessa (the promise of
interactivity) (p. 8).
3
497
o qual os profissionais de comunicação devem lidar em sua busca por
uma comunicação real, em sua dimensão normativa.
Se em termos contextuais, as práticas de relações públicas em ambientes digitais estão se expandindo em função do próprio zeitgeist, crescem também as ações de monitoramento e vigilância. A exposição e a vulnerabilidade dos indivíduos a esse tipo de ação se dá, em sua maioria, pelo
enorme desconhecimento sobre, mas não restrito a: 1) políticas e termos
de uso; 2) maneiras como a rede opera; 3) dados acessíveis e compartilhados por empresas, governos e instituições; 4) monitoramento de conversas e interações em mídias sociais; 5) crescente ênfase das organizações
em planejamento e publicidade baseados em megadados (Big Data).
Em O que fazer com todos esses megadados? (TED@IBM, 2014)4,
Susane Etinger, executiva da Altimeter, situa a questão do big data com a
seguinte assertiva: “Não somos consumidores passivos de dados e tecnologia, nós damos forma ao papel que isso tem em nossas vidas de forma
que faça sentido para nós”. Para Etinger, há muitos dados disponíveis,
mas é salutar ter em mente que dados são criados por pessoas e requerem contexto. Isso significa dizer que antes de entender o quê as pessoas
dizem sobre alguma coisa, é necessário entender, primeiro, o que elas
querem dizer. Nesse sentido, a linguagem é a complexa chave que torna a interpretação de dados uma questão tão relevante em nossos dias.
Como afirma Etinger, “somos confusos, complexos, usamos metáforas,
gírias, jargões, enfim, alteramos a linguagem o tempo todo.” E é assim,
numa realidade em que o homem historicamente tem dificuldades para
interpretar dados – fatos e dados são vulneráveis e suscetíveis a mau
uso e má interpretação – que emerge com toda a força o papel das relações públicas na governança digital nas organizações.
Em sua proposta de Código de Ética e Padrões para social data,
publicada em novembro de 2014, a Big Boulder Initiative (BBI)5 afirma
Disponível em: http://www.ted.com/talks/susan_etlinger_what_do_we_do_
with_all_this_big_data?language=pt-br . Acesso em 03/01/2015.
4
A BBI é uma associação fundada em 2011 nos Estados Unidos por representantes de organizações que fazem parte do ecossistema ligado ao social data com o
objetivo de discutir em conjunto os principais desafios para que se estabeleçam
os fundamentos para as práticas dessa indústria com vistas a seu sucesso em
5
498
que os social media oferecem um conjunto de oportunidades e responsabilidades sem precedentes, tanto para indivíduos como para organizações. E explica:
Para os indivíduos, os social media oferecem novas possibilidades de autoexpressão mescladas com expectativas desiguais e
às vezes desconhecidas com relação à posse e à privacidade
dos dados. Para as organizações, os social data oferecem novas
formas de coletar insights sobre atitudes, emoções e comportamentos de clientes e consumidores em um nível individual, e
portanto também levantam dilemas éticos com respeito a seu
uso. (DRAFT: CODE. s/d. Tradução nossa.)
Nesse sentido, o Código de Ética proposto pela BBI visa estabelecer
um padrão para essa indústria tendo como preocupação aspectos como
usos, propriedade, privacidade e comportamento. Para isso, os temas-chave escolhidos pela entidade são: Responsabilidade/Accountability;
privacidade; transparência; educação; acessibilidade.
Esses temas são, sem dúvidas, os desafios que serão enfrentados
pelos profissionais de relações públicas contemporâneos de forma crescente. A atuação dos relações-públicas deve se voltar cada vez mais para
a educação e conscientização dos indivíduos sobre as questões que envolvem o ambiente midiatizado das organizações e instituições (empresas, organizações da sociedade civil, governos).
Retomando o pressuposto de que, ao atuar como intermediário
cultural e exercer monitoramento e pesquisa, o profissional de relações
públicas estaria, portanto, ajudando as organizações a modelar produtos, serviços e sua própria comunicação aos anseios de seus públicos
(2014, p. 94), cresce no contexto contemporâneo sua responsabilidade
por manter os públicos informados sobre políticas, práticas e ações empreendidas com a finalidade de monitorar, e por criar espaços de diálogo alternativos cuja continuidade seja assegurada não graças à prática
de monitoramento, mas a uma escuta autêntica.
Um das palavras mais evocadas em relações públicas é a noção de
simetria: o modelo simétrico de comunicação remete ao ideal desejável.
Diálogo, negociação, mão dupla e interação são parte do campo semânlongo prazo. Para mais informações, acessar: http://bigboulderinitiative.org/
499
tico que justifica a importância de se buscar uma comunicação cada
vez mais simétrica. Tal premissa, no entanto, nem sempre se concretiza.
A comunicação organizacional e as relações públicas têm sido alvo de
recorrentes críticas por práticas duvidosas, autoritárias e top down, e
não raro suas estratégias suscitam o debate sobre influência, persuasão
e até manipulação.
Para Saad Correa, já superamos o debate sobre “a necessidade e as
aplicações da mediação digitalizada e conectada nos ambientes organizacionais”. Segundo a autora,
Hoje as questões centrais estão na discussão do processo de
comunicação em redes e na construção de relacionamentos
da organização com seus públicos por meio de formatos comunicacionais que propõem uma equalização entre emissores e receptores. E, mais que tudo isso, a discussão de base
está na imposição de mudanças culturais que a digitalização
em rede traz para a rotina comunicacional das empresas.
(SAAD CORREA, 2009, p. 163)
Entre os aspectos mencionados por Saad Correa como pontos
sensíveis da relação organização/tecnologias digitais/comunicação estão a questão da agilidade para incorporar a inovação digital e as “diferenças em sua absorção e implementação por parte da organização (delimitada pela estrutura) e dos públicos (motivados pelo protagonismo
adquirido).” E a autora conclui: “Tal adequação exige das organizações
e dos profissionais de comunicação novos posicionamentos e conhecimentos, muita flexibilidade e criatividade no planejamento e na gestão
dos processos comunicacionais.” (SAAD CORREA, 2009, p. 163).
Os profissionais de comunicação em geral, e, especificamente, os
relações-públicas, precisam não apenas entender os processos de comunicação, mas o contexto social e organizacional em que a comunicação
se dá. A permanente orientação para a gestão de riscos de imagem por
meio de monitoramento e a ‘promessa’ de simetria e interatividade são
desafios para as relações públicas, que têm papel essencial na proposição de espaços de diálogo com os interagentes/atores que compõem o
ecossistema relacional das organizações. Tal pressuposto é o ponto de
partida para a discussão hoje imposta a profissionais, pesquisadores e
professores que trabalham no campo das relações públicas.
500
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501
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502
|2|
COMUNICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL:
PRESSUPOSTOS DA LIDERANÇA PARA A
CONSTRUÇÃO DE PARCERIAS
Flávia Cristina Martins Mendes1
RESUMO
O presente artigo procura apresentar uma abordagem teórica sobre o papel da comunicação organizacional
no contexto atual e sua importância na construção da temática da sustentabilidade com enfoque em desenvolvimento
social e cidadania. Através da discussão sobre os conceitos
propostos foi possível compreender como a liderança em
sustentabilidade é responsável para a construção de parcerias e alianças intersetoriais.
Palavras-chave: comunicação; desenvolvimento social,
liderança; parcerias.
INTRODUÇÃO
Muitas transformações socioeconômicas começaram a nascer a
partir da década de 1970 com os debates sobre os impactos ambientais e
Mestre em Interfaces Sociais da Comunicação pela ECA-USP. Proprietária da FCMMendes para desenvolvimento e treinamento em comunicação e
marketing. Professora e orientadora do Programa de Iniciação Científica da
FAPPES (Faculdade Paulista de Pesquisa e Ensino Superior) onde ministra as
disciplinas Comunicação Empresarial e Sustentabilidade Coautora da Coleção Comunicação em Cena, Volume 1 (2012) e Volume 5 (2014).
1
ainda se encontram em processo de evolução dentro da sociedade e das
organizações nas duas primeiras décadas do século XXI.
Segundo Elkington (2001), houve mudanças de paradigmas, denominadas como as sete revoluções para a sustentabilidade. Estas revoluções impulsionaram e destacaram esta temática na sociedade contemporânea, assim como despertaram a consciência das organizações
sobre como poderiam se adaptar a essas revoluções.
Estamos embarcando em uma revolução cultural global. As
empresas, muito mais que as organizações governamentais
e não governamentais, estarão na posição de comando. No
entanto, isso não tornará a transição mais fácil para os executivos. (ELKINGTON, 2001, p. 2)
As sete revoluções, abordadas por Elkington, são a competição do
mercado, a alteração dos valores, a transparência, a tecnologia do ciclo
de vida dos produtos e serviços, as parcerias, o tempo (longo prazo) e a
governança corporativa.
Muitas organizações continuam resistentes ao encarar essas mudanças de paradigmas, pois acreditam que as mudanças só servem para
atrapalhar o crescimento e o desenvolvimento econômico. Outras organizações perceberam que é inevitável superar os desafios que envolvem
essas mudanças, mas encontram muitos percalços na construção desse
caminho, pois não tem definido a importância da sustentabilidade e da
liderança em sua missão, visão e valores.
Ao analisarmos as sete revoluções para sustentabilidade, podemos dizer que a segunda revolução, denominada alteração dos valores,
e a quinta revolução, denominada parcerias, foram ingredientes base
para a compreensão da importância da liderança e da construção do
social pelas organizações.
O foco deste artigo é apresentar uma abordagem teórica sobre o
papel da comunicação no contexto social recente das organizações e
também a importância do seu papel na temática da sustentabilidade
que tem como enfoque o desenvolvimento social e a cidadania, assim
como, mostrar que as lideranças são responsáveis para a construção de
parcerias e alianças intersetoriais.
504
Para tanto, o artigo procurou tratar no primeiro tópico, o papel da
comunicação organizacional no contexto social. Para o referencial teórico de comunicação organizacional foram utilizados os autores Kunsch
(2003), Nassar (2009) e Yanaze (2011). Para complementar o embasamento teórico foram utilizados os conceitos de mudanças de paradigmas de Elkinton (2001) e o conceito de valor compartilhado de Porter e
Kramer (2011).
O segundo tópico abordou os pressupostos da comunicação para
o desenvolvimento social, assim como a importância da liderança neste
processo. As referências de comunicação para o desenvolvimento social
são de Melkote e Steeves (2001), White, Nair e Ashcroft (1994) e Lee e
Kotler (2011). Nos temas de sustentabilidade e liderança sustentável, os
principais autores são Sachs (2007) e Voltolini (2011).
No terceiro tópico foi abordado o papel da comunicação e da liderança na construção de alianças e parcerias. Neste tópico, os temas
abordados integram-se com os temas apresentados nos outros tópicos.
Cidadania e desenvolvimento social por Peruzzo (2007) e alianças/parcerias por Austin (2000) e Fischer (2002). Para então apresentar as considerações finais.
O PAPEL DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO SOCIAL
A sociedade tem baseado a construção de seus alicerces nas organizações, sejam organizações públicas ou privadas, que tiveram uma
expansão muito rápida a partir da segunda metade do século XX. A própria morfologia da palavra organização demonstra que são organismos
sociais e que interagem com o capital humano, capital social e o capital
natural-físico. Conforme as organizações cresceram, o papel da comunicação também foi ampliado.
A comunicação organizacional permeia os relacionamentos internos e externos das organizações e é um fator determinante para alcançar objetivos essenciais e estratégicos (YANAZE, 2011).
Para a compreensão do papel da comunicação nas organizações é
necessário compreender que existem algumas características básicas a
todas as organizações:
a) São sistemas sociais constituídos por relacionamentos
entre pessoas;
505
b) São complexas e aplicam a divisão de trabalho – para serem
efetivas dividem o trabalho entre pessoas, a partir de critérios
como conhecimentos e habilidades;
c) Têm história e memória – são o produto da ação de seus fundadores, de seus integrantes e da sociedade da qual se inserem;
d) Devem enfrentar o desafio das mudanças – mudam para se
adequar às inúmeras mudanças acontecidas nos âmbitos mercadológico, econômico, social, histórico, ambiental, cultural,
comportamental, entre outros;
e) Têm identidade – cada organização expressa sua cultura em
uma determinada identidade;
f) Querem resultados – se estruturam para serem eficazes.
(NASSAR, 2009, p.62-63)
Por meio dessas características é possível verificar que as organizações estão em constante adaptação e dependem da sociedade
onde estão inseridas para se transformarem nos âmbitos social, econômico e ambiental.
É importante reconhecer que as organizações atuais se encontram em uma perspectiva holística2 que considera o ambiente onde está
vinculada (KUNSCH, 2003) e as mudanças de paradigmas que este ambiente proporciona.
Para cada uma das características pertencentes às organizações,
que foram citadas por Nassar (2009), existe um papel da comunicação.
O primeiro papel da comunicação organizacional é fazer parte de um
sistema social onde indivíduos se relacionam e interagem através do
processo comunicativo (emissor – mensagem – canal – receptor).
O segundo papel está ligado ao primeiro, pois para acontecer a divisão do trabalho e a divisão das tarefas de uma equipe é preciso utilizar
a comunicação para o relacionamento e a interação. O terceiro papel da
comunicação é construir a história da organização, ou seja, por meio da
Perspectiva holística significa que as organizações buscam um entendimento integral dos fenômenos que ocorrem a sua volta.
2
506
comunicação e de suas ferramentas (canais/meios) torna-se possível a
construção da trajetória de uma instituição.
O quarto papel está relacionado às revoluções e mudanças de
paradigmas (ELKINGTON, 2001). A comunicação organizacional atua
na compreensão das mudanças e na disseminação de informações e
de novos padrões para que as organizações consigam se adaptar as
diversas mudanças.
O quinto papel volta-se a construção da cultura organizacional
que assim como o segundo papel depende do aspecto interacional e
relacional dos indivíduos que constroem, interagem e trabalham em
uma organização.
O último papel da comunicação organizacional é estratégico, ligado ao planejamento da comunicação integrada.
Conforme apresentado, a comunicação organizacional está presente nos relacionamentos internos entre pessoas que pertencem à
mesma organização e nos relacionamentos externos com outras organizações ou apenas com outros indivíduos.
Portanto, a comunicação associa-se a estratégia das organizações
e, por fazer parte da estratégia, opera de uma maneira sinérgica em diversas áreas a qual é denominada comunicação integrada, formada pelo
composto da comunicação organizacional – comunicação interna, comunicação administrativa, comunicação mercadológica e comunicação
institucional. (KUNSCH, 2003)
A comunicação organizacional integrada deve expressar uma
visão de mundo e transmitir valores intrínsecos, não se limitando à divulgação dos produtos e serviços da organização.
Deve contribuir, por meio de uma sinergia da comunicação
institucional, mercadológica, interna e administrativa, para
a construção de uma identidade corporativa forte e sintonizada com as novas exigências e necessidades da sociedade
contemporânea. (KUNSCH, 2003, p.180)
Para construir uma identidade corporativa e trabalhar de forma
sinérgica e integrada com as exigências e mudanças da sociedade e dos
públicos com os quais se relaciona, a comunicação organizacional procura auxiliar a administração dos processos organizacionais.
507
Existem diversos modelos de gestão da comunicação. Neste artigo será considerado o modelo dos fatos comunicáveis que tem como
definição “ações ou realizações que sejam merecedoras de menção e
de referência” (YANAZE, 2011, p.460). Entretanto, para a compreensão
de como este modelo é utilizado mostraremos o processo sistêmico de
uma empresa/organização.
A empresa/organização encontra-se dentro de um processo sistêmico onde existem os inputs, os throughputs e os outputs (YANAZE,
2011). Os inputs seriam o que entra na empresa como recursos financeiros, recursos humanos e recursos materiais, ou seja, recursos que
vêm de fora da organização e são necessários para o andamento de seus
processos internos. Os throughputs são os processos de produção, os sistemas administrativos e financeiros e a cultura organizacional, a forma
como a empresa se estrutura para produzir os outputs. Por último, os
outputs, aquilo que resulta dos processos internos (throughputs) e dos
recursos externos (inputs) e é caracterizado por produtos e serviços,
precificação, distribuição e comunicação. Cada item do processo sistêmico empresarial pode ter fatos comunicáveis que procuram meios
para serem disseminados e buscam atingir determinados stakeholders.
Para os fatos comunicáveis serem merecedores de referência e
criarem uma imagem positiva da organização é indispensável a construção de ações baseadas em valores sólidos, em uma cultura organizacional voltada para a sustentabilidade e para o desenvolvimento social.
Sem uma ação institucional que gere fatos não haverá o que
compartilhar, tornar comum, e, portanto, não há razão para
desencadear uma ação de comunicação. Podemos definir a
ação institucional como o esforço, por parte da empresa, de
administrar adequadamente suas relações com seus públicos, minimizando eventuais conflitos gerados por objetivos,
estratégias e políticas divergentes. (YANAZE, 2011, p. 463)
O esforço por parte de empresa, citado pelo autor, nos mostra
que os pilares da sustentabilidade3 transformam-se na base que pode
direcionar a organização para o desenvolvimento social.
Elkington define os três pilares como as áreas ambiental, social e econômica
que compõem a sustentabilidade.
3
508
Este esforço é visualizado quando as organizações demonstram que estão dispostas a tornarem-se parte integrante e integradora da sociedade, e por este motivo começam a modificar seus valores
tradicionais para valores flexíveis a uma nova realidade que estima o
todo e não apenas o único, a qualidade, a responsabilidade e o holístico (ELKINGTON, 2001). Após modificar internamente os seus valores e
princípios, as organizações passam para a segunda etapa que é compartilhar esses novos valores.
O conceito de valor compartilhado pode ser definido como
políticas e práticas operacionais que melhoram a competitividade de uma empresa enquanto simultaneamente avançam as condições econômicas e sociais das comunidades em
que operam. (PORTER; KRAMER, 2011, p. 6, tradução nossa)
As alterações de valores, que impulsionaram as organizações para
a sustentabilidade, fazem parte do conceito de valor compartilhado.
Quando as organizações desejam modificar seus valores, elas procuram
comunicar e compartilhar com seus stakeholders.
Os valores, geralmente, são compartilhados pelos modelos de comunicação, aqui foi citado o modelo dos fatos comunicáveis. Quando as
organizações compreendem as mudanças e seus impactos, elas procuram fazer práticas que beneficiem e melhorem sua atuação, essas práticas são denominadas de ação institucional. Essas ações quando trazem
um benefício ganha-ganha (organização ganha e sociedade ganha) são
comunicadas através de um meio (jornal mural, anúncio institucional,
campanhas de conscientização, entre outros) para um público específico ( funcionários, clientes, fornecedores, comunidade etc.).
Mas o sucesso das empresas dependerá cada vez mais de
um forte senso de seus objetivos internos e dos seus valores
como também da congruência desses valores com os de uma
vasta gama de stakeholders externos. Tais stakeholders acompanharão o desempenho da linha dos três pilares das empresas em que investem, trabalham ou compram. (ELKINGTON,
2001, p.164)
Os stakeholders são os públicos que interagem com as organizações
e recebem os valores compartilhados pela organização através dos fatos
509
comunicáveis. Os stakeholders são um grande desafio para as organizações que tem como direção a sustentabilidade e o desenvolvimento social.
A gestão com stakeholders significa que a empresa busca diferentes grupos da sociedade para participarem de suas decisões estratégicas de melhoria de processos, produtos ou até
mesmo de inserir novos modelos de gestão. A empresa precisa conhecer muito bem seus valores para incorporar de qual
maneira a sustentabilidade pode ser exercida na sua integridade e totalidade. (MENDES, 2014, p. 56-57)
O desafio da gestão com stakeholders e de compartilhar valores
com eles está relacionado à quinta revolução, as parcerias (ELKINGTON,
2001). Para o autor, as parcerias são muito relevantes, pois fazem parte
da agenda da sustentabilidade global e da estratégia das organizações. A
construção de alianças e parcerias, principalmente entre organizações
do segundo setor com organizações do terceiro setor representa um ganho para sociedade, pois nasce um modelo empresarial para uma nova
compreensão e gestão da sociedade (MULLER, 2009).
E só com o reconhecimento da existência de redes complexas
de conexão entre as organizações e pessoas, as comunicações sobre a sustentabilidade poderão caminhar na direção
de uma mudança cultural, pré-condição para afirmarmos
que praticamos e construímos, efetivamente, a sustentabilidade. (SOARES, 2009, p. 31)
A mudança cultural se estabelece quando organizações do segundo setor enxergam as parcerias e alianças como um modo de desenvolver e consolidar sua função social.
Efetivamente, as parcerias de longo prazo serão cruciais
durante a transição para sustentabilidade. Algumas serão
firmadas entre os setores público e privado, algumas entre
empresas e algumas entre empresas e grupos de ativistas que
defendem uma ampla gama de objetivos vinculados aos três
pilares. (ELKINGTON, 2001, p. 237)
Para que o entendimento sobre as parcerias se transforme, as
organizações precisam de lideranças que atuem no sentido de mostrar
caminhos e influenciar os comportamentos dos stakeholders. Uma das
510
funções das lideranças em sustentabilidade está ligada ao papel da comunicação de relacionar-se e interagir, como veremos no próximo tópico.
PRESSUPOSTOS DA COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E DA LIDERANÇA
O processo da comunicação organizacional pode e deve contribuir intrinsecamente para a sustentabilidade e para o desenvolvimento
social, cuja finalidade se traduz como um processo de construção de
parcerias e alianças produtivas por meio de lideranças que objetivem o
bem comum.
O papel da comunicação na mudança social vem da compreensão da comunicação como um significado compartilhado (MELKOTE;
STEEVES, 2001). Para criar um significado é preciso construir valores
baseados na visão abrangente da sustentabilidade.
Uma visão abrangente é mostrada por Sachs (2007). O autor afirma
que a sustentabilidade possui cinco dimensões: social, econômica, ecológica, espacial e cultural. Cada uma dessas dimensões possui particularidades e valores intrínsecos. As dimensões em conjunto e, não separadas,
constroem as práticas sustentáveis tão necessárias à sociedade.
As práticas sustentáveis procuram o desenvolvimento da sociedade. Segundo Melkote (2003), o desenvolvimento é um processo que
oferece acesso às oportunidades sustentáveis que melhorem a vida das
comunidades e dos indivíduos que fazem parte dela.
Na medida em que o desenvolvimento é um construto processual multidimensional e em aberto, para se alcançar o desenvolvimento genuinamente sustentável e sadio os critérios de
sustentabilidade precisam ser satisfeitos em todas as dimensões pertinentes ao desenvolvimento. (SACHS, 2007, p. 296)
O desenvolvimento é parte da função ampla da sustentabilidade.
A área de estudo da comunicação para o desenvolvimento e mudança
social vem para confirmar esta afirmação.
A comunicação para mudança social depende da participação
dos stakeholders. Essa participação é construída quando o conhecimento é compartilhado de forma igualitária entre indivíduos de uma comunidade e especialistas ou, até mesmo, organizações (MELKOTE, 2003).
511
A participação genuína é o primeiro passo para o estabelecimento
de relações genuínas (WHITE; NAIR; ASHCROFT, 1994). Essas relações
são construídas através do processo comunicativo que tem como alicerce o primeiro papel da comunicação organizacional, o papel de relacionamento entre pessoas.
As lideranças no primeiro e segundo setor são responsáveis por
influenciar comportamentos que tragam ganhos benéficos para todos
os componentes da sociedade (LEE; KOTLER, 2011).
As lideranças, ou os líderes, em sustentabilidade são os agentes
de mudança nas organizações. Segundo Voltolini (2011), esses líderes
podem ser especialistas (possuem o poder da solução), facilitadores (desenvolvem as condições internas), catalisadores (são visionários e observadores) e por último, ativistas (valorizam a colaboração).
Independente da maneira como desenvolvem sua atuação, os líderes em sustentabilidade são profissionais que possuem características de liderança muito bem consolidadas e, além disso, procuram ter
como foco as dimensões da sustentabilidade (SACHS, 2007).
Esses líderes [...] creem que suas empresas detêm a criatividade
e os recursos necessários para solucionar desafios sociais e ambientais e que além de gerar valor para seus negócios, devem se
responsabilizar pelo desenvolvimento mais amplo das comunidades nas quais estão instaladas. (VOLTOLINI, 2011, p. 22)
Os pressupostos da liderança sempre foram estudados por diversas áreas das ciências humanas, principalmente da administração e gestão de pessoas. O artigo possui uma abordagem teórica por este motivo
faz-se necessário compreender alguns conceitos sobre liderança e sua
importância no mundo organizacional.
Os conceitos apresentados são abordagens que se vinculam de alguma maneira com o conceito de amplitude da sustentabilidade e com
o papel da comunicação para o desenvolvimento social.
“O líder garante o controle organizacional, por meio da socialização, do compartilhamento das visões e da concordância de um conjunto
de normas, valores e opiniões entre pessoas” (BARRETO et al, 2013, p.38).
Este conceito demonstra o aspecto relacional da liderança, pois
para conseguir o controle, ou podemos denominar direção, é necessá512
rio relacionar-se, compartilhar conhecimento e visões e também ter um
comportamento coerente e integrado à cultura da organização (normas
e valores). Neste mesmo enfoque é possível perceber que as funções da
liderança também estão interligadas com os diversos papéis da comunicação organizacional.
Ao ter este conceito como embasamento pode-se mostrar a ligação entre liderança e cultura organizacional:
Líderes criam mecanismos para o desenvolvimento cultural
e o reforço de normas e comportamentos expressos dentro
da cultura. Normas culturais surgem e mudam em virtude
de onde os líderes focam suas atenções, de como reagem a
crises, de quais sejam seus modelos de comportamento e de
quem eles atraem para suas organizações. (BARRETO et al,
2013, p.39).
A citação mostra que a cultura organizacional é modificada pela
liderança que a conduz, portanto podemos dizer que quando o líder
procura ser um agente de mudança e compreende que a sustentabilidade é seu foco de atenção ele pode conseguir influenciar o comportamento de seus colaboradores, como também de outros stakeholders que
interagem com a organização.
Segundo Voltolini (2011), existem vinte atribuições deste perfil de
líder. Algumas dessas atribuições estão ligadas ao papel da comunicação organizacional e da comunicação para o desenvolvimento social. A
primeira atribuição, que destacaremos neste artigo, é fazer o conceito
de sustentabilidade permear a cultura organizacional até transformá-la
em um valor corporativo relevante. A segunda atribuição é comunicar
os resultados obtidos das práticas sustentáveis, e a última atribuição é
envolver os stakeholders nas políticas da organização.
As três atribuições do líder em sustentabilidade mostradas confirmam os conceitos apresentados de liderança e sua relação com os diversos papéis da comunicação.
[...] o que define os líderes sustentáveis é, a rigor, a paixão por
uma missão, a crença inabalável no poder de transformação
e a presença de um conjunto de princípios e valores consolidados ao longo da vida. (VOLTOLINI, 2011, p.30)
513
A capacidade da liderança de transformar a sociedade é muito extensa. Essa capacidade é essencial para a implementação e disseminação da cultura organizacional voltada ao desenvolvimento social.
A busca pelo desenvolvimento social precisa de práticas sustentáveis das organizações, de suas lideranças e também da construção de
alianças/ parcerias sólidas e produtivas, pois o objetivo são ganhos benéficos para toda sociedade.
O PAPEL DA COMUNICAÇÃO E DA LIDERANÇA NA CONSTRUÇÃO DE
ALIANÇAS/PARCERIAS
A liderança consegue influenciar os comportamentos dos stakeholders quando se relaciona com eles e pode disseminar o desenvolvimento social como um valor a ser compartilhado por todos. Quando todos
participam de forma genuína e constroem relações genuínas (WHITE;
NAIR; ASHCROFT, 1994) é possível identificar sinais de cidadania que
significa “participação, nos seus múltiplos sentidos e dimensões [...]”
(PERUZZO, 2007, p. 52).
As organizações do segundo setor começaram a compreender que
seu papel na sociedade poderia ser expandido além do seu papel principal de produzir e comercializar produtos e serviços.
A compreensão desta questão pelas organizações demonstra o quanto:
[...] representam o movimento de cidadãos e o protagonismo
da sociedade civil em prol da ampliação dos direitos da cidadania, enquanto exercem seus deveres também de cidadania,
de participação ativa do processo de democratização da sociedade. (PERUZZO, 2007, p. 57)
Para essa atuação de protagonista social, as organizações do segundo setor dependem de alianças intersetoriais e do relacionamento
de seus líderes com a sociedade.
Os governos federais se descentralizaram e permitiram que
os governos locais assumissem a responsabilidade por uma
série de serviços criando oportunidades para um número
maior de atividades intersetoriais no âmbito local. Há um
afastamento do modelo de desenvolvimento centrado no
Estado, mas também o reconhecimento crescente de que as
514
forças de mercado, por si sós, não aliviarão a miríade dos problemas sociais. (AUSTIN; REFICCO, 2005, p.7)
A citação afirma que o primeiro e o segundo setor têm uma grande responsabilidade, porém sozinhos, sem o auxílio de outras instituições e uma participação integradora não possuem meios para o desenvolvimento social.
As alianças intersetorias possuem três estágios: estágio filantrópico,
estágio transacional e estágio integrativo (AUSTIN, 200). O estágio filantrópico tem um enfoque paternalista, pois valoriza a relação doador-beneficiário. Quando as organizações começam a ter consciência que apenas filantropia não basta nesta interação, elas deslocam-se para o segundo estágio
cuja relação tem um enfoque no benefício para ambas as partes. O terceiro
e último estágio enfatiza a integração entre as missões, os valores e as atividades de todos os integrantes da parceria (AUSTIN, 2000).
Do lado das organizações de mercado a proposição de participar de alianças intersetorias vem preencher uma necessidade de expandir e concretizar a função social da empresa. [...]
Valores intangíveis, como o capital social, os padrões éticos, a
cultura da qualidade ganharam um significado na avaliação da
performance empresarial e começaram a atuar como diferenciais de competitividade no mercado consumidor e na arena
dos negócios globalizados. (FISCHER, 2002, p. 36)
Para Fischer, a parceria intersetorial possui três características
principais: “(1) os parceiros em relação devem ter sua identidade bem
consolidada; (2) devem estar dispostos a compartilhar seus valores; e (3)
devem respeitar mutuamente a esfera de responsabilidade de cada um”
(FISCHER, 2002, p. 63).
As características das parcerias dependem das atribuições da comunicação organizacional, pois fazem parte de um sistema social onde
organizações e indivíduos se relacionam, constroem e respeitam ambas
as culturas organizacionais, além de utilizarem modelos de gestão da
comunicação (neste artigo foi apresentado os fatos comunicáveis) para
disseminar valores que sejam merecedores de menção.
Para a comunicação organizacional cumprir seus diversos papéis
e entre eles o de construir alianças e parcerias produtivas para o desen515
volvimento social e cidadania, é indispensável a capacidade de atuação
dos líderes em sustentabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo procurou mostrar uma abordagem teórica que contextualiza a comunicação organizacional e a sustentabilidade no âmbito social atual. Para que esse contexto fosse construído de forma articulada
foram apresentados dois importantes fatores para a gestão da sustentabilidade, o primeiro são as lideranças das organizações e o segundo, as
alianças entre as mesmas.
As atribuições dos líderes em sustentabilidade estão interligadas
com o papel da comunicação organizacional de encarar as mudanças de
paradigmas e dessa forma compartilhar novas missões, visões e valores
organizacionais que proporcionem o desenvolvimento social e a cidadania nos múltiplos sentidos (PERUZZO, 2007).
A valorização da gestão com stakeholders e de uma gestão participativa nas organizações proporciona um ambiente e uma cultura organizacional promissora para a construção de parcerias, principalmente
as que ocorrem entre segundo e terceiro setor.
Quando as alianças encontram-se no estágio integrativo (AUSTIN,
2000) significa que os líderes das organizações em aliança conseguiram
permear a cultura organizacional com os conceitos de participação genuína, relações genuínas e de progresso social e, consequentemente,
conseguiram compartilhar os valores organizacionais que envolveram
os stakeholders.
Foi discutido que o papel da liderança em sustentabilidade é influenciar os comportamentos dos stakeholders que interagem com as
organizações para o bem comum, para o ganho social.
É possível afirmar, por meio do embasamento teórico apresentado, que a comunicação organizacional voltada para o desenvolvimento
social é parte estratégica da liderança em sustentabilidade.
516
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518
|3|
COMUNICAÇÃO NO TERCEIRO SETOR A CULTURA
ORGANIZACIONAL COMO INTRUMENTO DE
TRANSFORMAÇÃO CONTEXTUAL
Carlos Augusto Gonçalves Camilotto1
e Boanerges Balbino Lopes Filho2
RESUMO
O aprimoramento da qualidade das práticas de
Comunicação Social no âmbito do Terceiro Setor vem sendo objeto crescente de estudos. Nesse sentido, busca-se descortinar
parte do cenário da atuação do segmento. Dialogando com
paradigmas oriundos da Teoria da Complexidade, o artigo
relaciona as organizações sociais e as relações de poder engendradas na esfera midiática. Essa interface é capaz de influenciar de forma determinante a formação da cultura organizacional, transmitida através das práticas que vem sendo
consolidadas. A reflexão fundamentada acerca do papel das
entidades constitui mecanismo de diálogo entre o campo teórico e os avanços implementados.
Palavras-Chave: Terceiro Setor, esfera pública, poder, mídia, cultura organizacional.
Mestrando da Linha Comunicação e Poder do Programa de Pós-graduação em
Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, com bolsa de estudo da CAPES. Especialista em planejamento e gestão social, bacharel em Comunicação e
Ciências Sociais, licenciado em Ciências Sociais. E-mail: cagcamilotto@gmail.com
1
Orientador do trabalho, Jornalista, professor e pesquisador. Pós-doutorando
pela UEPG (PR). Doutor e mestre em Comunicação, autor de livros, coordenador de pós-graduação e professor do PPGCom na UFJF (MG). Diretor do Fórum
Nacional de Professores de Jornalismo – FNPJ. E-mail: bblopes@globo.com
2
INTRODUÇÃO
Utilizar a questão do exercício de poder, como um dos fios condutores da discussão acerca do papel da Comunicação Organizacional,
e sua adequada inserção em nossa sociedade envolve analisar as peculiaridades dessa articulação. Hannah Arendt “concebe poder como a
faculdade de alcançar um acordo quanto à ação comum, no contexto
da comunicação livre de qualquer tipo de violência” (HABERMAS, 1980,
p.100). Busca-se, portanto, a reflexão acerca das funções a serem desempenhadas pelas organizações sociais na construção de uma realidade
contemplada com maior grau de equidade. Uma vez que o papel desempenhado define uma zona de obrigações e coerções relativas a uma autonomia condicionada e recíproca, convém situar a atuação no espaço
intermediário, entre as obrigações cotidianas e a atração proveniente
dos benefícios advindos, passíveis de compartilhamento.
A conciliação entre os fundamentos institucionais e a imagem
projetada na sociedade como um todo gera subsídios para enfrentamento das contradições inerentes a um contexto perpassado por conflitos e desigualdades.
Paralelamente, vai se produzindo a representação intelectual
sobre um segundo “domínio”: o político e social. Esse novo
domínio (o dos homens, e seu governo e o Estado) é uma
realidade dual: os indivíduos tendem a colocar seu próprio
interesse individual sobre o interesse coletivo, sobre o qual
faz falta um dispositivo de criação de sentido de valores que
os reintegre à sociedade e as formas organizadas de vida e de
governo. (VIZER, 2011, p.44).
Essas representações, ou a falta que elas fazem, reforçam a ideia
da influência recíproca. Trata-se do exercício das forças atuantes entre
demandas agendadas, responsabilidades assumidas e a fidedignidade
em relação a posturas políticas. O objetivo é relatar compromissos com
a sociedade, de forma direta e honesta. Como afirma o professor Wilson
Gomes, “se há complexidade no objeto, não se adota, por isso, complicações no texto” (GOMES, 2004, p. 15).
Portanto, quando um indivíduo se dispõe a gerenciar determinado segmento de uma organização social, em nosso caso específico os
520
encargos relativos aos processos de Comunicação Social, precisa estar
consciente das forças exercidas entre as partes. Nesse sentido, buscar
visibilidade para projetos sociais relaciona-se com os efeitos que esperamos desses projetos. O grau de eficácia das ações será proporcional
ao envolvimento com as partes responsáveis pela atuação junto aos
stakeholders, bem como o estabelecimento de retorno junto aos que se
empenham na articulação da proposta.
O CAMPO DE ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
O crescimento das demandas e a multiplicidade de interesses
passam a integrar a ordem social. Esse cenário, proveniente de fatores arquitetados e aleatórios, impõe articulações mais sofisticadas e
abrangentes, contemplando uma divisão em campos sociais. Segundo
Mantovani: “um ‘campo’ é definido como “um espaço social estruturado”, um ‘campo de forças’, onde existem dominantes e dominados, relações constantes e permanentes de desigualdade, de luta e concorrência
entre os agentes” (MANTOVANI, 2009, p. 29). A delimitação dos campos
em nossa sociedade demarca espaços coletivos, corporativos e individuais. O resultado desse processo é que os indivíduos trazem incrustadas
identidades que delineiam parte de seu fluxo. Características inerentes
ao sentimento de pertencimento a um determinado segmento social.
A árdua tarefa de inserção de nuances capazes de conferir maior
grau de acuidade da sociedade para uma determinada causa, em detrimento de outras, não menos legítimas, exige compreensão acerca
das possibilidades do sistema político. O processo de avaliação envolve mensurar tendências presentes nesse sistema de forças, bem como
empreender reflexão sobre a abrangência e responsabilidades de cada
segmento. A composição desse direcionamento é um caminho necessariamente político, considerando “a política como dimensão fecunda,
porque nela se articulam o social e sua representação, e a política como
matriz simbólica onde a experiência coletiva se enraíza e se reflete ao
mesmo tempo” (REIS FILHO, 2000, p. 12).
Para além da atuação socialmente responsável, faz-se indispensável que as organizações sociais e empresariais divulguem e agendem iniciativas programas e ações implementadas junto às comunidades onde
atuam. A ascensão de ferramentas operacionais, capazes de aprimorar
521
os elos entre o mundo corporativo e a sociedade possibilitam esses objetivos. Os estudos dessa área são fundamentais, tendo em vista que:
A comunicação corporativa é uma função recente da administração e foi concebida para ajudar a empresa a obter e
manter uma reputação favorável no processo de comunicação com seus públicos. Usando o conhecimento sobre a realidade da empresa e seu ambiente externo, em especial sobre
as tendências culturais, sociais, políticas e econômicas, a função busca identificar as oportunidades nas quais a empresa
pode projetar sua voz e captar o interesse das audiências.
(NETO, 2010, p 2).
Conquistar a simpatia da opinião pública é um desafio para as
empresas. Geralmente, elas obtêm bons resultados quando lançam novos produtos, geram emprego, investem e agem com responsabilidade
social. Torna-se negativa mediante a divulgação de notícias, por exemplo, a respeito da má qualidade de produtos, falhas, acidentes graves e
conduta inadequada de seus diretores. Dentro do paradigma da complexidade, as práticas comunicacionais precisam ser articuladas junto ao
bojo da organização a que pertencem, pois:
A comunicação corporativa não deve ser uma função isolada nas organizações modernas. Para ter alto desempenho,
precisa desenvolver e manter um ótimo relacionamento no
contexto organizacional e atuar em parceria com as demais
áreas funcionais, como marketing, finanças, jurídico, produção e recursos humanos. A ideia central da parceria é que
cada área contribua com seus conhecimentos especializados na formulação de mensagens alinhadas com as políticas e a Visão da empresa e adequadas aos públicos a que se
destinam. (NETO, 2010, p 7).
A partir da repercussão da comunicação acerca de uma instituição, ela acaba colhendo problemas ou oportunidades. Daí o fato de que,
a partir de 1990, a comunicação corporativa tem alcançado franca expansão devido aos resultados exitosos que vem oferendo no processo de
articulação entre a imagem agendada junto aos meios de comunicação
social, os públicos alvo e os interesses corporativos, devidamente inseridos em um contexto segmentado.
522
A ESFERA PÚBLICA
Percorrendo historicamente, desde o “outono” da idade média
europeia, o estabelecimento de limites em relação ao uso dos poderes
integram alguns dos conceitos chaves para a compreensão do ambiente
da esfera pública, contextualizada por Jürgen Habermas. Nesse espaço
convivem o “mundo do trabalho e da organização”, portanto, “já revela
algo da tendência à objetivação de um setor outrora considerado sujeito a dispositivos privados” (HABERMAS, 2003, p. 181). Esses espaços
sociais, permeados por interesses, vontades e pretensões constituem
fórum para expressão de opiniões e manifestações diversas. A argumentação habermasiana é marcada pela abertura e a racionalidade.
Com as repaginações da sociedade, sobressai a discussão sobre o
papel do Estado e as lutas pela incorporação de demandas. A influência
das discussões empreendidas envereda pelos trabalhos desenvolvidos
acerca da condição política entre o liberalismo e a social democracia.
Abrindo espaço para ponderações, seja no sentido de concordância ou
divergência, mas contribuindo para embates que com certeza estão
muito longe de serem esgotados.
A sociedade civil burguesa passa a constituir um contrapeso à autoridade governamental constituída através do Estado. Para Hanna Arendt,
a “sociedade é a forma de vida conjunta, fisionomia do espaço público”.
A fisionomia dessa estrutura é integrada pelos meios de comunicação de
massa. Nesse contexto, as notícias se transformam em mercadoria e os
jornais passam a conferir publicidade aos atos governamentais.
Alguns indivíduos nascem com conceitos como o de Estado introjetados. Sob a égide de um governo autoritário ou democratizado,
as noções de enquadramento pessoal apresentam-se arraigadas. Vale
ressaltar que a formação e a decadência da esfera pública encontram-se
intrinsecamente relacionadas ao público que pensa e o que consome a
cultura. Os meios de comunicação de massa são difusores dessa cultura
e palco para as disputas.
É preciso estabelecer uma esfera pública que, antigamente,
era dada com a posição dos representantes e que tinha assegurada a sua continuidade através de um simbolismo garantido por tradição. Hoje, precisam ser arranjados pretextos
523
para a identificação – a esfera pública precisa ser “fabricada”,
ela já não “há” mais. Altmann apelidou isso acertadamente
de ato de “comunicação” (HABERMAS, 2003 p. 235).
A comunicação constitui a ferramenta de expressão dos anseios e
materialização de ideias. O território da esfera pública é o solo comum
das batalhas por interesses diversos. A história é apresentada como teia
de influência na vida, construção da individualidade e diálogo com aspectos subjetivos. A alienação ou concessão de direitos constitui parte importante da consolidação das identidades. A reflexão acerca da aceitação das
premissas da sociedade, através da outorga de poderes, conduz as criaturas a ponderar riscos e benefícios da acomodação ou revolta.
Para melhor compreensão da delimitação dos âmbitos que integram este escopo do artigo é fundamental a definição do que vem a ser a
sociedade civil. Rossy salienta que: “para Gramsci, é o espaço das corporações ou das organizações que expressam interesses coletivos mais ou menos estruturados na sociedade, enquanto a sociedade política é o espaço
onde emergem os interesses individuais do indivíduo” (ROSSY, 2006, p.51).
A sociedade civil figura, dentro desse cenário complexo, como agente de
legitimação da atuação social, sustentando a busca por um conceito artificialmente introjetado pela espécie humana, mas que nos é tão caro e
legitimamente defensável a todo e qualquer custo: a justiça.
A sociedade civil constitui um contrapeso à autoridade governamental constituída através do Estado. Conforme citado por Jürgen
Habermas, na obra “Mudança estrutural da esfera pública”, para Hanna
Arendt, a “sociedade é a forma de vida conjunta, fisionomia do espaço
público” (HABERMAS, 2003 p. 33). A fisionomia dessa estrutura é integrada pelos meios de comunicação de massa. Nesse contexto, as notícias
podem ser transformadas em mercadoria e servir a interesses segmentados. É no interior da esfera púbica que os diversos setores disputam
espaço, recursos e legitimidade. O professor e pesquisador da teoria habermasiana Jorge Adriano Lubenow descreve parte do funcionamento
da esfera pública:
No seu bojo colidem os conflitos em torno do controle dos
fluxos comunicativos que percorrem entre o mundo da vida e
a sociedade civil, e o sistema político administrativo. A esfera
pública constitui a “caixa de ressonância”, dotada de senso524
res sensíveis ao âmbito de toda a sociedade, e tem a função
de filtrar e sintetizar temas, argumentos e contribuições, e
transportá-los para o nível de dos processos institucionalizados de decisão. (LUBENOW, 2007, p. 113).
Esse espaço, permeado por discussões engendradas por atores
públicos e privados, constitui o local adequado para interação na defesa
de anseios. O diálogo entre as visões de mundo e estratégias de atuação
sociais corroboram para a tentativa de formação de consenso, contribuindo para que correntes discrepantes busquem encontrar equilíbrio
O CENÁRIO DE ATUAÇÃO DO TERCEIRO SETOR
Na interseção dos anseios da sociedade civil, no contexto da esfera
pública, temos a ascensão e a consolidação do Terceiro Setor, nicho capaz
de fomentar melhores condições sociais. Considerado como um espaço
privilegiado para o exercício e fomento da cidadania, o segmento emergiu
no Brasil como uma forma de resposta de grupos socialmente engajados
para a alteração de algumas premissas que norteavam a ação governamental. Essas modificações vêm alterando de forma significativa os contornos das políticas relativas às questões sociais. Constituindo oportunidade singular para que as Ciências Sociais aplicadas busquem consolidar
o diálogo entre a teoria postulada e a atuação prática cotidiana.
Um dos desafios em relação à análise profícua das políticas públicas implementadas é ponderar que o capitalismo organizado realiza, no
cenário atual, “um novo movimento do pêndulo, passando pelo acréscimo da informalidade, do estatismo para o civilismo, do coletivismo
para o individualismo, caracteriza o mundo atual” (PIMENTA, 2006, p.
3). Essa crise de representatividade congrega características distintas,
como a fragilização estrutural e a abertura de possibilidade de mudanças oportunas. Ainda conforme (PIMENTA, 2006, p. 88) “não basta examinar o processo de exercício da autoridade e as estruturas. Também é
necessário examinar as motivações subjetivas expressas nos discursos,
o envolvimento dos sujeitos no processo de decisão”. A incorporação
desses aspectos viscerais possibilita pensar a sociedade sob outros prismas, capazes de romper com o viés meramente econômico.
O Terceiro Setor fortaleceu-se no Brasil nos anos 90, mudando o
conceito da atuação social no país. O incremento desta esfera deve-se, en525
tre outros fatores, a ênfase na adoção de políticas neoliberais, momento
em que o Estado passa a fomentar a transferência de parte de suas atribuições para a sociedade civil. O segmento buscou aprimorar a atuação
com base nos movimentos sociais, que precisam ser devidamente compreendidos, “procurando não idealizar demais movimentos sociais e sua
capacidade de ação e mobilização, é preciso compreender sua real importância e amplitude na sociedade brasileira” (MOREIRA, 2012, p.44).
Ganhando, paulatinamente, cada vez mais espaço na sociedade e
nos noticiários, seja por avanços sociais, ou pela utilização inadequada de
seus princípios, diversos enquadramentos legais e denominações vêm se
tornando cada vez mais familiares em nosso cotidiano. Instituições como
as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), institutos
específicos, fundações e entidades que se popularizaram, principalmente
como ONGs (organizações não governamentais), devido ao duplo caráter de negação, não estatal e não lucrativo, vem apresentando expressivo
crescimento, seja em aspectos quantitativos, como qualitativos.
No contexto das entidades do Terceiro Setor, como nos demais
segmentos da sociedade atual, a Comunicação Social constitui ferramenta indispensável, seja no relacionamento com os stakeholders, seja
no centro estratégico das decisões organizacionais. Uma vez que, as
possibilidades da atuação e influência das práticas formam objeto para
pesquisa, implementação e adequação de práticas.
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E AS ESPECIFICIDADES DO
TERCEIRO SETOR
O aprimoramento das práticas de gerenciamento é o caminho
adequado para a evolução dos processos e, consequentemente, das organizações. Conforme Capra (2005), os seres humanos estão ligados à
“teia da vida” que perpassa toda a simetria cósmica. Como a construção
da cultura organizacional busca equacionar conjuntos formados por
pessoas aglutinadas e institucionalizadas em graus variáveis, pode-se
afirmar, indubitavelmente, que as organizações são sistemas repletos de
vida e, especificamente, complexos.
Uma das dificuldades do Terceiro Setor reside em seu menor
tempo de existência e atuação enquanto esfera social. Entretanto, mesmo constituído em um campo com menor trajetória percorrida vem
526
consolidando práticas próprias. Essas posturas necessitam de profissionalização e respaldo, respeitando as contextualizações e alicerçadas por
sólido arcabouço científico.
As especificidades das organizações do Terceiro Setor referem-se,
principalmente, ao fato da pesquisa envolver a interface entre esferas
com lógicas distintas, pois:
Os objetivos a serem alcançados vão além da prestação de
contas para as diferentes partes interessadas na empresa,
como os acionistas, trabalhadores, consumidores, fornecedores, autoridades governamentais, comunidades do entorno,
associações de ativistas. A comunicação que se processa por
meio de diálogo com as partes interessadas constitui uma
etapa importante do processo de planejamento estratégico,
pois identifica ameaças e oportunidades nas dimensões econômicas, sociais e ambientais da sustentabilidade. Para isso,
é necessário desenvolver uma nova sensibilidade para as demandas das partes interessadas. (NETO, 2010, p. 141)
Podemos salientar que, de forma diferente do que ocorre na iniciativa privada, o Estado não é dissolvido por falência. O termo falência pode ser compreendido sob algumas acepções como, por exemplo:
colapso financeiro, falta de legitimidade, dificuldades em se manter a
organização e o poder. A decadência ou ruptura do caráter salutar das
atividades estatais reverberam na qualidade de vida da população, principalmente dos mais vulneráveis.
Peculiaridades em relação à atuação estatal passam pela necessidade de transparência. A partir de práticas de prestação de contas, o
Estado pode tornar-se confiável. Para manter compromissos, essa esfera desvencilhou-se de várias atribuições através da adoção de políticas
neoliberais, deixando a lacuna que vem sendo preenchida por organizações do Terceiro Setor.
As questões sociais influenciam substancialmente na construção
da cidadania, das identidades e na busca pela qualidade de vida dos
públicos atendidos pelas instituições. O enfrentamento promove uma
nova ordem social mais justa. Essa articulação, sofisticada e abrangente, pensada em consonância com a Teoria da Complexidade, é capaz de
transformar a realidade. A legítima responsabilidade social, exercida em
527
prol de um planeta melhor, torna as boas coisas do mundo mais próximas das pessoas e das organizações.
Um dos desafios é compreender essa engrenagem construtora de
laços, ou seja, as conexões que viabilizam os processos e os aprimoramentos. Em nosso contexto organizacional, “também é necessário examinar as motivações subjetivas expressas nos discursos, o envolvimento
dos sujeitos no processo de decisão, desejo de pertença a um projeto de
vida no qual o sujeito pode ser parte de algo cuja finalidade transcende
resultados econômicos”. (PIMENTA, 2006, p. 88).
As organizações necessitam agir de forma sofisticada, abarcando
aspectos tangíveis e não tangíveis de seus integrantes. Indo além das aparências, uma vez que “na medida em que o indivíduo mantém diante dos
outros um espetáculo no qual ele mesmo não acredita, pode vir a experimentar uma forma de alienação de si mesmo e uma forma especial de
cautela em relação aos outros” (GOFFMAN 2008, p.216). Mesmo lutando
pela conciliação de interesses discrepantes, acreditamos ser possível criar
condições para que o ambiente corporativo seja um local mais saldável
e salubre, tanto em relação aspectos materiais, quanto aos psicológicos.
O SER HUMANO INTEGRAL NO CENTRO DAS ESTRATÉGIAS
As estratégias de comunicação e de marketing ganham uma nova
dinâmica sob o olhar de Philip Kotler. O equacionamento das questões
passa, indubitavelmente, pelo envolvimento da sociedade civil com as
causas de interesse público. Indivíduos, empresas e entidades precisam
se posicionar acerca da participação e intervenção para o aprimoramento de nosso tecido social. Ao atingirem esse estágio, passam a cobrar atitudes, contribuindo para a criação de um ciclo virtuoso. Para
Kotler, trata-se de um novo cenário emergente. Segundo Kotler, estamos
testemunhando o surgimento do “Marketing 3.0, ou a era voltada para
os valores. Em vez de tratar as pessoas simplesmente como consumidoras, os profissionais de marketing as tratam como seres humanos plenos: com mente, coração e espírito”. (KOTLER, 2010, p. 4).
Afirma ainda que, em nossa sociedade, as pessoas desejam que
as empresas abordem suas necessidades de justiça social, econômica
e ambiental em sua missão e valores. Organizações cujas metas não se
enquadrem nessas questões tendem a ser estigmatizadas ou até mesmo
528
“proscritas” por consumidores conscientes. Kotler faz alusão às empresas de um futuro cada vez mais próximo, que seriam como a estrela do
mar, uma criatura que não tem cabeça, mas é funcional.
Os mecanismos utilizados na comunicação no Terceiro Setor são
bastante similares aos empreendidos por outras organizações. Contudo,
faz-se indispensável a adequação contextual. (PIMENTA, 2006, p.50)
afirma que: “variáveis como a cultura, o contexto da comunicação, o
meio e o universo simbólico dos indivíduos devem ser levados em consideração ao se traçar estratégias de comunicação, especialmente as de
caráter organizacional”.
Descortinar parte das construções derivadas da crescente importância da Comunicação Social, empoderamento e autonomia desse
campo, no contexto organizacional, envolve uma perspectiva analítica
visceral. Instituições sociais, esses organismos vivos, só podem sobreviver e se perpetuar através da constante evolução. Paradigma traduzido
por Clemente Nobrega através da frase do escritor Alvin Toffler: “nosso
problema não é a mudança, mas sim a mudança da mudança. A rapidez
com que a mudança muda”. (NOBREGA, 1996, p.353). Essa perspectiva
marca, ainda segundo Toffler, um contexto que “arbitra essa mudança
na forma de pensar e organizar das grandes corporações, para caracterizar a passagem da Era de Produção em Massa para a Era da Eficiência”
(MEREGE, 2001, p. 150).
O aprimoramento das esferas sociais interfere na vida das pessoas. Esses novos arranjos precisam ser acompanhados de adequações em
âmbito coletivo, contemplando a satisfação dos diversos públicos alvo.
Há que se pensar formas alternativas de vida e inserção nos processos
sociais, outras formas que possibilitem romper com uma ordem social
onde “não é tanto a perda de valores que marca essa mudança de século
(milênio), e sim a instalação hegemônica de um só domínio de realidade, uma só força de produção das relações transobjetivas: o mercado”
(VISER, 2011, p. 65).
A TEORIA DA COMPLEXIDADE APLICADA AO TERCEIRO SETOR
Os processos de interface constituem uma das chaves para a melhoria qualitativa de nossa sociedade, seja no aprimoramento da qualidade do tecido social ou no gerenciamento adequado das relações entre
529
as esferas de atuação. O intercâmbio de práticas e a consolidação de
ações servem de alicerce para a ordem contemporânea, construída racionalmente através de circunstâncias como a Crise dos Paradigmas. Os
aspectos da cidadania e as identidades derivadas integram este cenário,
no qual correntes ideológicas se realinham e novos interesses afluem
para a esfera política. Emerge daí a necessidade de que discussões setoriais, que perpassam as fronteiras dos segmentos, rompem com posturas insuladas, promovem diálogo e constroem imagem institucional.
Conforme Capra (2005), os seres humanos estão ligados à “teia
da vida”. Essa rede, capaz de conectar processos sociais e sua evolução
ao longo da trajetória histórica, constitui importante mecanismo para o
compartilhamento das responsabilidades e o delineamento de posturas.
A lógica, pautada na Teoria da Complexidade, reforça a ideia da influência recíproca. Trata-se do exercício das forças atuantes entre demandas
agendadas, responsabilidades assumidas e a fidedignidade em relação a
posturas políticas.
A importância do pensamento complexo reside no estabelecimento de diálogo com quaisquer estruturas de poder. Seja o poder fragmentado, seja o poder do Estado com suas problemáticas estruturais,
conjunturais e derivadas de atavismos. As relações entre as instituições
e a esfera política são, necessariamente, permeadas por dilemas. O importante é ressaltar a face promissora dessa crise sistêmica em detrimento de uma simples ruptura passível de conduzir determinada organização para o ostracismo.
Como movimento indica mudança, o objetivo da interface é o
fortalecimento da sinergia presente em função de uma determinada
causa. Em nosso contexto organizacional “não basta examinar o processo de exercício da autoridade e as estruturas. Também é necessário examinar as motivações subjetivas expressas nos discursos, o envolvimento
dos sujeitos no processo de decisão” (PIMENTA, 2006, p. 88). Dentro de
uma perspectiva pautada na complexidade vale ressaltar que “o mundo
não está lá independente do nosso ato de observação; o que está ‘lá’ depende em parte do que a gente decida ver. A realidade é parcialmente
criada por quem está olhando (NOBREGA, 1996, p. 127).
O desafio é utilizar o conhecimento derivado desse entendimento
de forma profícua, para buscar eficiência e progresso coletivo, uma vez
530
que, “a presença da consciência humana no ato da observação faz com
que apenas uma dessas identidades se manifeste. As outras se perdem
para sempre” (NOBREGA, 1996, p. 136). A Comunicação Social constitui
ferramenta para possibilitar a ênfase para parte dessa realidade que interesse do campo organizacional que se deseja aprimorar. Ou seja, capaz
de agir “sepultando os atávicos conceitos de messias e pais da pátria tão
arraigados em nossa cultura colonial” (MEREGE, 1998, p. 53). Buscando
transformar nossa sociedade em um lugar mais justo para parcelas significativas da população, que orbitam ao largo de certas práticas e oportunidades, mas contribuem de forma laboriosa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exercício do poder e as articulações pertinentes realizadas no
interior das organizações sociais são marcados por disputas. Os embates, abertos ou velados, podem ser válidos, no sentido de alinhar esforços
no sentido de buscar alcançar os objetivos delineados no planejamento
estratégico. As principais variações verificadas se dão em função de que:
Todo sistema de ideias é simultaneamente fechado e aberto.
É fechado porque se protege e defende contra as degradações
ou agressões externas. É aberto porque se alimenta de confirmações e verificações vindas do mundo exterior. Contudo,
embora não existe fronteira estável entre uns e outros, podemos distinguir e opor dois tipos ideais: os sistemas de prioridade à abertura, que denominamos teorias, e os sistemas que
priorizam o fechamento, as doutrinas. (MORIN, 2011, p. 158).
Para além dessas tendências salientadas pelo sociólogo Edgar
Morin, durante o planejamento e desenvolvimento das atividades podem emergir interesses individuais, voltados para a promoção pessoal.
Um dos papéis da Comunicação Social dá-se no sentido de equalizar os
interesses pessoais com os objetivos maiores, que figuram como a razão
da existência institucional.
Nesse sentido, a aplicação dos mecanismos da área de comunicação pode ser capaz, se utilizados adequadamente, de promover a conciliação de interesses. Auxiliar a administração dessas questões, indubitavelmente, não é uma tarefa fácil, uma vez que, “se é um desafio para as
corporações empresariais que detêm as mais modernas tecnologias de
531
gestão, essas alianças parecem ainda mais complicadas na ótica dos administradores e líderes das organizações da sociedade civil”. (FISCHER,
2002, p. 22). Dosando de forma minuciosa o destaque dado a cada projeto e segmento da entidade a divulgação interna e externa pode garantir
que o interesse maior ganhe visibilidade, em detrimento da valorização
individual exacerbada e do cultivo de valores personalistas que podem
comprometer a atuação socialmente responsável.
A correta distribuição do espaço e da ênfase concedidos a cada
segmento da organização por parte do setor responsável pela comunicação pode corroborar melhores relações endógenas de liderança, composição de forças e otimização de recursos, pois, “o poder pode ser visto
como uma relação que aparece na análise da interação, ou como um
fenômeno mais complexo que ‘emerge’ da agregação ou da composição
de uma variedade de tipos de interações elementares” (BOUDON, 2001,
p.433). Essas conexões facilitam a viabilidade da execução de projetos,
melhoram a convivência cotidiana e podem contribuir para evitar o afastamento de colaboradores. Dedicar tempo para pensar a conformidade
e a interface de segmentos da organização compara-se, metaforicamente, com a preocupação do trabalhador em afiar as ferramentas que irá
usar, prática capaz de facilitar em muito a execução de seus afazeres.
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534
|4|
DEMOCRACIA VIA PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO
INSTITUCIONAL INTERNACIONAL: COMPARAÇÃO DAS PRÁTICAS
DE ACCOUNTABILITY NO BNDES E NO BANCO MUNDIAL.
Felipe Rodrigues Siston1
RESUMO
Um banco de desenvolvimento nacional (BNDES) e
outro multilateral (Banco Mundial) são analisados em termos de suas práticas de accountability social com o objetivo
de se exercitar um método que combine, em sua fundamentação teórica, visões do campo da Comunicação Social e
das Relações Internacionais. A esse exercício empírico-teórico se soma o cruzamento conceitual entre as etapas da
accountability e as definições que descrevem uma transição
do fazer político no sentido da realpolitik para a noopolitik.
Palavras-chave: Accountability; Relações públicas; noopolitik; BNDES, Banco Mundial;
INTRODUÇÃO
Empréstimos concedidos por Bancos de Desenvolvimento, instituições constituídas majoritariamente após os grandes conflitos do
século XX, têm consequências no longo e no curto prazo. Decisões de-
Este artigo apresenta, de forma resumida, parte da pesquisa amadurecida ao
longo da Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
1
legadas a essas burocracias2 afetam a capacidade de sobrevivência de
nações, culturas ou indivíduos por gerações. Em um mundo midiatizado
e globalizado3, os efeitos dessas decisões são intensos e extensos, em
termos do grau de impacto e da abrangência de territorialidade, dada a
alta interdependência, velocidade e dinamismo de um mundo onde as
distâncias foram – antes tecnologicamente do que solidariamente – encurtadas. (KEOHANE, 2002, p.1, tradução nossa4)
A crescente demanda por transparência e envolvimento do público externo nos processos técnico-burocráticos de financiamento do desenvolvimento se explica, em parte, a partir da proliferação de regimes
democráticos de governos no mundo. Em paralelo à influência de fins
privados e capitalista, exercida por empresas ou conglomerados multinacionais, crescem ou resistem os grupos de pressão autodeclarados sem
fins lucrativos e defensores de direitos. Líderes de governos ou de instituições precisam responder, cada vez mais, a demandas de populações
cujos interesses podem ser contraditórios ao de seus Estados-nações
ainda que visem o seu desenvolvimento. Os profissionais responsáveis,
no interior das burocracias, por dar as respostas a essas demandas externas variam caso a caso, mas o campo da responsabilidade social tem
se afirmado como uma das áreas sob o encargo de especialistas das áreas de comunicações ou de relações públicas.
Com isso, apontam-se ao menos três vertentes de investigação
desta pesquisa considerando-se a comunicação e seus profissionais:
i) o tema da qualidade da democracia em instituições governadas por
Refere-se ao corpo de funcionários de carreira dessas instituições, aos seus
processos administrativos, às regras e princípios da organização.
2
Uma compreensão de midiatização passa pelo entendimento do crescente
uso de aparelhos ou empresas de mídia na vida cotidiana das pessoas. Globalização é entendida aqui como a integração de economias nacionais no comércio
internacional observada ao longo do século XX, com trocas monetárias crescentemente facilitadas, distâncias físicas encurtadas, crescentes trocas tecnológicas, movimentação de pessoas, etc.
3
Texto original: “States and other organizations exert effects over great distances; people’s lives can be fundamentally changed, or ended, as a result of
decisions made only days or moments earlier, thousands of miles away.”
4
536
Estados; ii) identificar e comparar os esforços internacionais de relações
públicas voltados para o público de ONGs em bancos de desenvolvimento; iii) comparar um caso de referência para os países do Norte, Grupo
Banco Mundial, e outro caso que participa da formação de instituições
similares no Sul, o BNDES.
Mais especificamente, espera-se ao final deste trabalho realizar
ao menos dois objetivos específicos: 1) uma breve revisão teórica de
autores das Relações Internacionais e das Relações Públicas relevantes
para o tema; 2) a apresentação de um método de checagem dos esforços
institucionais dos bancos de desenvolvimento em foco; 3) uma aplicação empírica do método proposto.
REFERENCIAL TEÓRICO
O artigo parte do pressuposto de que os esforços e as práticas
de relações públicas, especificamente os de instituições embutidas no
sistema da economia política internacional, podem aprender de uma
combinação de pesquisas no campo da Comunicação e das Relações
Internacionais para aumentar ou alcançar níveis de excelência prática no campo, conforme definido por Grunig (2002). Somam-se, nesse
sentido, os estudos contemporâneos sobre os limites de mecanismos de
autorregulação corporativa, nele incluídos os mecanismos da responsabilidade social; assim como o debate sobre uma provável mudança em
curso no sistema internacional governado por Estados, especialmente
no que diz respeito aos modos de se fazer política. Essa mudança, referida como a passagem da realpolitic para uma noopolitik em função das
novas dinâmicas de comunicação e informação, é melhor compreendida nos seguintes termos:
Nos níveis mais altos da arte de governar, o desenvolvimento de uma estratégia de informação pode favorecer a emergência de um novo paradigma baseado em ideias, valores e
ética, transmitidos através de soft power em oposição à política do poder e sua ênfase sobre os recursos e capacidades
associados ao tradicional e material “hard power”. Assim,
realpolitik (política baseada em fatores práticos e materiais
como ditos por Henry Kissinger) dará algum espaço para
o que chamamos de noopolitik (política baseada na ética e
ideias...) (...) Enquanto a noopolitik emerge, as duas aborda537
gens para a arte de governar vão coexistir por algumas décadas. Algumas vezes irão complementar uma a outra, mas
muitas vezes vão fazer opções contraditórias (ARQUILLA,
RONSFELDT, 1999, pp. 4-5).5
Nesse contexto e partir dos estudos sobre as nações sem Estados,
Xifra (2012) acrescenta que o conceito de uma noopolitikal public relations descreve mais adequadamente um modelo de relações públicas
que opera em um processo comunicativo mais democrático, “não só em
uma forma mais inclusiva de relações internacionais (seja entre Estados
ou entre Estados e nações sem estados), mas na governança corporativa.” O que define esse tipo de relação de governança mais precisamente
são os fluxos e as redes estabelecidas entre organizações e seus públicos
(XIFRA, et al., 2012). O que diferencia uma noopolitikal public relations
de outros modelos tradicionais é a ênfase na função de “gerenciamento
do conhecimento na era da informação” (XIFRA, et al.,2012).
No entanto, não está claro ainda o papel que esses fluxos comunicacionais e o estabelecimento de redes e interações com organizações não governamentais cumprem no cenário político internacional.
Tais interações ocorrem em um cenário onde os Estados ainda seriam
os mais poderosos na política mundial, conforme descrito por vertente
tradicional no debate teórico das Relações Internacionais (KEOHANE,
2002). “Há uma clara tensão entre o conceito de um Banco Mundial
que presta contas às pessoas pobres e o que presta contas perante o
Secretário do Tesouro dos EUA.”6 (GRANT, et al., 2005). Essa tensão se dá
Tradução nossa do seguinte trecho: At the highest levels of statecraft, the
development of information strategy may foster the emergence of a new paradigm, one based on ideas, values, and ethics transmitted through soft power—
as opposed to power politics and its emphasis on the resources and capabilities
associated with traditional, material “hard power.” Thus, realpolitik (politics
based on practical and material factors those of, say, Henry Kissinger) will give
some ground to what we call noopolitik (politics based on ethics and ideas . .
.) (…) As noopolitik emerges, the two approaches to statecraft will coexist for
some decades.Sometimes they will complement each other, but often they will
make for contradictory options.
5
6
Tradução nossa do seguinte trecho: “The language of empowerment suggests
538
pelas dificuldades da sociedade civil, apresentando-se seja como uma
rede transnacional de ONGs, movimentos sociais ou um grupo de indivíduos, em tornarem accountable os Estados de maneira geral.
Quanto aos limites das práticas de responsabilidade social,
Mclnerney (2005) nos lembra que tais práticas são decorrentes de um
processo histórico que valorizou a autorregulamentação em contraposição à regulamentação corporativa externa. De acordo com Mclnerney
(2005), práticas de responsabilidade social seriam ineficazes socialmente em dois tipos de empresas: naquelas que conhecem o sistema
legal que as disciplina e ainda assim o descumpre; e naquelas que desconhecem a lei e mesmo que a conhecessem não buscariam cumpri-la.
Hipoteticamente, portanto, relações públicas de excelência, incluindo-se aí as modalidades noopolitik, só ocorreriam em instituições que se
caracterizem por conhecer a lei e segui-la ou em instituições que, apesar
de desconhecerem a lei, se esforçam para conhece-la e cumpri-la. Ainda
que cumprir ou buscar cumprir uma obrigação não denote uma atitude
ética por excelência, configura-se ainda assim como o mínimo esperado
de tal comportamento.
O problema no caso do sistema internacional é o seu caráter anárquico e a falta de um governo ou um sistema legal constitucional comum. A lei só existe para os Estados que já possuem a disposição em
segui-la. Mais do que isso, o poder7 dos Estados ainda é medido na capacidade de ser ou não influenciado externamente, de resistir a processos
de accountability. Na arena anárquica global, criar e aplicar leis, agendar
a participatory model of accountability, the logic of which could easily be extended to imply more empowerment within the Bank itself for the people who
are affected by its policies, whether they are represented through state leaders
or NGOs. There is a clear tension between the concept of a World Bank that is
accountable to poor people and one that is accountable to the U.S. Secretary of
the Treasury.”
7 Poder definido como capacidade de influência é apresentado em: “(…) influence is a relation among actors in which one actor induces other to act in
some way they would not otherwise act.” (DAHL, 1963 p. 40). Tradução nossa:
“influência é uma relação entre atores na qual um ator induz outro a agir de
forma que ele não faria sem esse ato”.
7
539
sentidos ou valores sociais, assim como tornar mais eficientes modelos
institucionais são, de alguma forma, ações que tangenciam o entendimento realista clássico de poder.
O poder pode abarcar tudo que estabeleça e mantenha o controle do homem sobre o homem (...) engloba todos os relacionamentos sociais a que se prestam a tal fim, desde a violência
física até os mais sutis laços psicológicos mediante os quais
a mente de um ser controla uma outra. (...). (MORGENTHAU,
2003 p. 18)
Assim expresso, poder confunde-se com a capacidade de controle. Ao se abrir espaço à participação de indivíduos e públicos (outsiders)
nos assuntos internos da governança de uma instituição diz-se realizar
o empowerment8 (“empoderamento”) desses indivíduos. Mas ao participar nessas instituições, esse público também legitima politicamente e
fornece informações dificilmente acessíveis sem essa interação, acumulando o poder das instituições ou de parcela de sua burocracia.
(...) sistemas constitucionais podem ser concebidos para limitar os abusos de poder, sem reduzir o grau de influência dos
líderes quando a ação é necessária. Mas podemos esperar que
os detentores do poder evitem a accountability quando podem
fazê-lo sem comprometer outros objetivos. E na ausência de
um sistema constitucional, a capacidade de evitar que sejam
externamente imputáveis pode ser visto como uma dimensão
de poder. Discutir accountability sem focar em questões de poder seria como discutir motivações dos líderes corporativos
sem mencionar o dinheiro.9 (KEOHANE, 2002)
Cf. http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTPOVERTY/
EXTEMPOWERMENT/0,,contentMD K:20 260036~menuPK:543261~pagePK:14
8956~piPK:216618~theSitePK:486411,00.html
8
Tradução nossa do seguinte trecho original: “(…) constitutional systems may
be designed to limit abuses of power without reducing the amount of influence
the leaders have when action is necessary. But we can expect power-holders to
seek to avoid accountability when they can do so without jeopardizing other
goals. And in the absence of a constitutional system, the ability to avoid being
held externally accountable can be viewed as one dimension of power. Discus-
9
540
Dados esses limites, será possível reduzir a assimetria entre insiders e outsiders a partir de processos de comunicação em instituições
com operação internacional? Uma abordagem de poder relacional
pode auxiliar nessa resposta. Derivada da teoria das firmas10, a teoria
Principal-Agente serve aqui como um exemplo para os tipos de relações
de poder sustentadas pela lógica de delegação.
A fundação de nossa teoria é a premissa de que, pelo menos,
três características são comuns a cada elo da cadeia de delegação. Em primeiro lugar (...) cada ato de delegação envolve um principal, a pessoa ou o ator fazendo uma concessão
contingente de autoridade, e um agente, a pessoa ou o ator
a quem essa autoridade foi concedida. Em segundo lugar (...)
cada ato de delegação contém a possibilidade de conflito
de interesses, informação assimétrica (ação oculta ou informações ocultas), ou ambos. Em terceiro lugar (...) diretores
podem ser capaz de adaptar-se a problemas de agência.11
(LAKE, et al., 2006)
Ainda que o sistema internacional seja anárquico, como sugere
uma das correntes internacionalistas, é formado por Estados que mantêm uma relação de delegação: prestam-se a representar uma ou mais
nações, que na maioria dos casos participa politicamente como públising accountability without focusing on issues of power would be like discussing motivations of corporate leaders without mentioning money.”
“A firm, therefore, consists of the system of relationships which comes into
existence when the direction of resources is dependent on an entrepreneur.” (COASE, 1937) Tradução nossa: A empresa, portanto, consiste no sistema de relações
que passa a existir quando a direção dos recursos depende de um empresário.
10
Tradução nossa do seguinte trecho original: The foundation of our theory is
the premise that at least three features are common to each link in the chain of
delegation. First, (…) every act of delegation involves a principal, the person or
actor making a contingent grant of authority, and an agent, the person or actor
to whom that authority has been granted. Second, (…) every act of delegation
contains the possibility of conflicting interests, asymmetric information (hidden action or hidden information), or both. Third, (…) principals may be able to
adapt to agency problems.
11
541
cos outsiders de instituições de Estado. Não se trata de uma relação de
chefia direta, pois há considerável assimetria quanto ao acesso à informação; à capacidade de comunicação; de influenciar outros atores; de
causar dano, sanções ou estímulos; de resistir a mudanças e influenciar
mudanças; etc. Mas ainda assim trata-se de uma relação de delegação. E
nessa lógica, o poder de accountability é exercido por um Principal (P),
ou seja, o ator que delegou o seu poder a um Agente (A).
Regras de contexto, positivadas pelo sistema normativo internacional ou nacional, seja em Constituições ou moralmente assentidas
como a Carta Universal dos Direitos Humanos, entre outras; ou regras que
se aplicam via práticas normativas explícitas ou implícitas aos campos
sociais, como o da comunicação, o da administração ou o da própria política, podem contribuir para aumentar ou diminuir o poder do público externo (SISTON, 2015). Essa estrutura também favorecerá mais ou menos
a agenda a ser considerada pelas partes como dignas de serem abordadas
por alguns atores e não por outros. Questões indígenas, ambientais e sociais, por exemplo são atribuídas a certos atores em oposição a macroeconômicas e hight politics (SISTON, 2015). Com base nesta reflexão teórica,
considera-se que as etapas do conceito aqui usado para accountability social melhor sintetizam um processo de identificação e análise da qualidade da democracia nos processos de relações públicas de instituições
embutidas no sistema da economia política internacional.
METODOLOGIA
Na vasta bibliografia sobre práticas institucionais de democracia,
certos autores parecem concordar que processos de accountability têm
três princípios basilares: “responsibility, answerability and enforceability”
(UNITED NATIONS, 2013). Cumprem as seguintes funções: atendimento a queixas, correção de conduta ou problemas sistêmicos, e prevenção
de falhas. Uma série de mecanismos e práticas atuando de forma eficiente, realizariam, assim, o poder de fiscalização e influência de públicos sobre organizações.
(...) na maioria dos contextos de política pública, accountability se refere à obrigação de aqueles que têm autoridade assumirem a responsabilidade por suas ações, respondendo por
elas, explicando-as e justificando-as para as pessoas afetadas
542
e submetendo-se a algum tipo de sanção, caso sua conduta ou
explicação seja considerada falha.12 (UNITED NATIONS, 2013)
Com base na teoria Principal-Agente e definições de accountability
encontradas em diversos autores, as características basilares mais presentes sistematizadas por (LINDBERG, 2013) compõe o seguinte esquema:
TABELA 1: ESTRUTURA BÁSICA DE UM PROCESSO DE ACCOUNTABILITY
1 – é preciso que haja um Agente (A) que preste contas, isto é, seja objeto da
accountability.
2 – é preciso haver um Domínio (D), área, temas ou assuntos sujeitos à accountability.
3 – é preciso um centro de poder, Principal (P), para quem se espera que (A) preste
contas.
4 – é preciso que seja reconhecido o direito de (P) requisitar (A) a informá-lo,
explicar e justificar decisões no âmbito de (D).
5 – ocorre o direito de (P) sancionar (A) se (A) faltar em informar, explicar ou justificar decisões tomadas no que diz respeito a (D).
Fonte: LINDBERG, 2009, tradução e adaptação nossa.
O viés de accountaility é central na análise das instituições citadas neste estudo. Isto é, a transparência deve contemplar etapas de um
processo completo de accountability, conforme detalhado na Tabela
1. A complexidade dos bancos analisados torna necessário uma série
de recortes. Da Tabela 1 serão pinçados apenas alguns elementos dos
pontos 4 e 5. Outro recorte exclui órgãos de imprensa, focando-se nas
ONGs e movimentos sociais. Além dos sites, outra fonte adotada são os
documentos que sintetizam as políticas de informação pública, quando
existentes. Em ambos os casos – sites e documentos – respeita-se um reTradução nossa do seguinte trecho original: (…) in most public policy contexts, accountability refers to the obligation of those in authority to take responsibility for their actions, to answer for them by explaining and justifying
them to those affected, and to be subject to some form of enforceable sanction
if their conduct or explanation for it is found wanting.
12
543
corte temporal entre dezembro de 2014 e março de 2015. Esta pesquisa
também faz uso de entrevista realizadas com funcionários de organizações não governamentais (ONGs) e dos bancos estudados.
APLICAÇÃO DO MÉTODO DE ANÁLISE NOS CASOS
BANCO MUNDIAL
(4.1) O documento basilar no site do BM que sintetiza o fluxo
de informações do banco com a sociedade civil em geral é chamado “Política de Acesso à informação” (World Bank, 2010). Há
ainda um soucebook, manual que apresenta uma definição de
sociedade civil, de ONGs e de consulta a esses grupos, além de
um detalhamento sobre o perfil ou os tipos existentes desses
públicos, modos de interagir e como avaliar essa interação. A
publicação é utilizada para treinamentos internos da equipe do
banco em Washington e nos países onde o banco atua e se relaciona com a sociedade civil. (World Bank, 2007)
(4.2) Há um departamento responsável por essa interação, chamado NGO/Civil Society Unit, composto por uma equipe de cinco pessoas na sede do BM em Washington e que conta com a
colaboração de cerca de 100 funcionários globalmente, atuando
em meio período de trabalho ou tempo integral. O chefe desse
departamento tem experiência acadêmica como cientista social e experiência profissional como financiador ou funcionário
de ONGs. Sobre as ações desenvolvidas, destacam-se aqui: compartilhamento de informação, voltado para ativamente divulgar
ações do banco, inclusive sobre os projetos financiados e documentos ao longo do ciclo de projetos; diálogo de políticas, em
que são liberados rascunhos das políticas em desenvolvimento para contar com os comentários externos ao banco durante
reuniões face a face ou por uso de tecnologias de informação
e comunicação; e colaboração operacional, em que ONGs podem agir como conselheiros informais, consultores, agências
implementadoras, gerentes de construção ou co-financiadores.
(World Bank, 2010) O banco também dispõe de mecanismos de
divulgação de informação sob demanda dos públicos interessados na instituição.
544
(5.1) O BM possui o Painel de Inspeção Independente, um organismo que há mais de 20 anos se encarrega de realizar o ajuste
de conduta do banco a partir de estímulo oferecido diretamente
pela sociedade civil. Uma vez autorizada, os membros do painel realizam uma visita no projeto, caso necessário, e produzem
um relatório, a Gerência do banco também produz um relatório
contendo recomendações. As duas publicações são encaminhadas para o Conselho de Diretores Executivos que decidem sobre
a aprovação ou não das recomendações de ajuste de conduta
do banco. Por fim, o painel realiza nova visita se necessário e
implementa um plano de ação com a gerência do banco. Em
seu site é possível encontrar 100 casos investigados pelo painel
desde a sua criação, sendo o mais recente de janeiro de 2015.
(World Bank, [sem ano])
BNDES
(4.1) O BNDES não disponibiliza em seu site um documento
que caracterize uma política de informação pública específica
da instituição, que detalhe o fluxo de informações e documentos que são liberados ao público da sociedade civil ao longo do
ciclo de financiamento da instituição. No site é possível encontrar uma declaração que explica em termos gerais a existência
de uma iniciativa específica de transparência. Não há também
uma definição de sociedade civil ou de como se dá o relacionamento com esses grupos. Questionado sobre essa definição,
o encarregado pelo relacionamento com este público informou
que isso vem sendo construído em conjunto com as ONGs que
se relacionam com o banco.
(4.2) Sobre o órgão ou departamento responsável na instituição
brasileira pelo relacionamento com o público de ONGs, apenas
o assessor de comunicação do presidente do banco e uma funcionária são encarregados de responder a essas tarefas. O assessor de comunicação é subordinado ao chefe de gabinete do presidente do BNDES e assumiu para si a tarefa por seu perfil como
acadêmico no campo da ciência política e como assessor de comunicação na presidência da república. A sua rede de contatos
em ONGs, inclusive pessoais, justificaria a sua afinidade com a
área. Quanto às ações de compartilhamento de informações especificamente relacionado aos financiamentos, existe o BNDES
545
Transparente. Existe também um fluxo de informação regulado
pela Lei de acesso à Informação, que segue o regime internacional de liberação de informações públicas passivamente, isto é,
a partir da demanda do público. O banco não informa em seu
site ações realizadas no âmbito do Fórum com a sociedade civil.
Essa informação só foi obtida durante conversa com membro
da sociedade civil e com o encarregado no BNDES desse relacionamento.
(5.1) Quanto aos mecanismos internos da sociedade civil para
ajustar ou sancionar a conduta do banco, pode-se considerar a
ouvidoria, regulada por lei e estabelecida desde 2003 na instituição para atuar “no pós-atendimento e na mediação de conflitos entre o cidadão e a Instituição, prestando esclarecimentos
e procurando estreitar os laços entre o BNDES, seus clientes e o
público em geral” (BNDES, [sem ano]). Em entrevista, o assessor de comunicação confirmou que este instrumento pode ser
utilizado também para denúncias por pessoas impactadas em
decorrência de operações internacionais do BNDES. O site da
instituição não informa, no entanto, dados gerais sobre essas
consultas. Alguns desses dados foram levantados pela ONG Conectas em entrevista com a ouvidoria do banco:
No ano de 2012, a Ouvidoria do BNDES recebeu aproximadamente 2.400 casos, sendo que foi dado seguimento a cerca
de 2.100 deles. Embora as estatísticas exatas não estejam disponíveis, a maior parte dos pedidos de providências e de outros tipos de solicitações teve por objeto o esclarecimento de
dúvidas quanto aos procedimentos prévios para a apresentação de pedido de crédito ao Banco ou produtos destinados
especialmente a pequenos empreendedores, como o Cartão
BNDES. (BORGES, 2014)
A ONG recomenda que a ouvidoria seja reformada para o atendimento de questões relativas ao impacto do banco, especialmente em
questões de direitos humanos.
546
CONCLUSÃO
Ambos os bancos, como visto anteriormente, possuem programas
de relacionamento com seus públicos que considera a liberação ativa
de informações sobre projetos financiados. Ocorre contudo, assimetrias
consideráveis entre o caso multilateral e o nacional. Isso leva a concluir
que a prática de relações públicas com a sociedade civil no caso multilateral se aproxima do modelo noopolitik, enquanto o caso nacional se
aproxima de modelos mais preocupados com a realpolitik. Esse entendimento é reforçado com as preocupações levantadas nos discursos dos
funcionários do BNDES entrevistados, relativas a preservar interesses
nacionais, em dar vantagens materiais às empresas brasileiras internacionalmente. Por outro lado, esses funcionários não consideram que o
BNDES, por ser instituição nacional deva se preocupar em se relacionar
diretamente com o público composto pela sociedade civil internacional
por questões que dizem respeito à soberania de outros estados.
Este artigo reuniu, portanto, uma breve revisão teórica que fundamentasse um método de checagem de práticas de relações públicas com
um viés de accountability social. Essa ferramenta pode contribuir para os
esforços de avaliar a qualidade democrática da comunicação institucional, especialmente a realizada com o público interessado em influenciar
e ajustar atores da economia política internacional. O método proposto
não é suficiente, no entanto, para cobrir uma infinidade de dimensões dos
fluxos de comunicação e informação, nem das conexões entre os atores
aqui selecionados. Também não relativiza diferenças substancias entre as
instituições citadas como casos de estudo. Mas acredita-se que o exercício
deste método tenha cumprido o papel de provocar uma visão de contrastes institucionais com base em modelos de relações públicas que se orientam pela noção de realpolitik e de noopolitik.
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549
|5|
ENGAJAMENTO DE STAKEHOLDERS NA GESTÃO DO GRI-G4
E O MODELO SIMÉTRICO DE RELAÇÕES PÚBLICAS: ANÁLISE
DOCUMENTAL DE QUATRO RELATOS DE SUSTENTABILIDADE
Ágatha Camargo Paraventi1
RESUMO
Este artigo apresenta a relação entre a fundamentação de relações públicas como prática de gestão de vínculos, diálogo e negociação a partir do princípio simétrico,
com a demanda de engajamento de stakeholders estabelecida como prioritária para a gestão do relato de sustentabilidade GRI-G4. Por meio de um estudo documental de
quatro relatos de sustentabilidade descreve a comunicação
dos processos de engajamento com stakeholders sob a ótica
dos critérios de engajamento de stakeholders do GRI e de
simetria de relacionamentos.
Palavras-chave: Engajamento de Stakeholders; Relações
Públicas; Modelo Simétrico; GRI-G4.
Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, com pesquisa sobre Comunicação e Ética Organizacional; Especialista em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas pela ECA/USP e Bacharel em Relações
Públicas pela Faculdade Cásper Líbero. Atuou por 11 anos no mercado corporativo, nas áreas de Relações com Imprensa, Comunicação Interna, Relações com
Consumidor e Relações com Fornecedores. Docente nos cursos de Graduação da
Faculdade Cásper Líbero e do Centro Universitário Belas Artes, nas disciplinas
Ética e Legislação em Relações Públicas, Planejamento, Opinião Pública, Cultura
Organizacional e Relações com Imprensa. Docente nos cursos de Pós-Graduação
MBA ABERJE e GESTCORP - ECA/USP. Está Diretora Administrativa da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (2014-2016). Co-autora do livro “Relações Públicas Estratégicas”.
1
1. INTRODUÇÃO
As organizações vistas como sistemas abertos demandam constante
troca com o ambiente externo para a consecução de sua missão. O desenvolvimento das operações depende da capacidade de ouvir, captar e processar os inputs do meio e devolvê-los em formato de outputs consistentes que
respondam às demandas e expectativas do mercado e sociedade.
A demanda da responsabilidade pública e sustentabilidade das
organizações também fundamentam suas aplicações por meio da qualidade da participação dos stakeholders. Stakeholder é um público estratégico, compreendido como público que tem um stake, um interesse ou
participação em determinada organização (legal ou moral) (FRANÇA,
2008, p. 33) e conceituada como “ampla categoria de pessoas que poderiam ser afetadas por decisões gerenciais ou afetar as decisões organizacionais, como os funcionários de uma empresa ou moradores de uma
comunidade” (GRUNIG, 2009, p. 78).
As relações públicas, como função mediadora (KUNSCH, 2003) e
função gerencial (GRUNIG, 1992) contribui para o cumprimento da função social das organizações. “A essência das relações públicas é tornar a
organização e o seu quadro gerencial mais responsável perante aqueles
públicos que influenciam e, neste sentido, a atividade de relações públicas é o exercício da responsabilidade pública” (GRUNIG, 2009, p. 34).
A observação do papel das relações públicas como agente de relacionamento com os públicos estratégicos será discutida a partir da
demanda de engajamento de stakeholders para a sustentabilidade.
Buscou-se compreender como as organizações buscam descrever seus
processos nos relatos de engajamento no GRI de forma a trazer legitimidade.
551
2. O ESTUDO
O estudo tem como objetivos discutir as relações entre a fundamentação de relacionamentos de relações públicas (GRUNIG, 2009)
com o engajamento de stakeholders para a gestão de temas materiais no
GRI-G4; e descrever a comunicação do processo de definição de temas
materiais e engajamento de stakeholders dos Relatos de Sustentabilidade
GRI-G4 2013 de quatro organizações brasileiras que há mais tempo utilizam as Diretrizes para prestação de contas.
A metodologia contemplou breve recorte teórico para traçar as
guias de análise da fundamentação dos relacionamentos estratégicos
proposta por Grunig (2009) e das Diretrizes GRI-G4. Seguida de análise
documental dos Relatos de Sustentabilidade GRI-G4 de quatro organizações selecionadas em uma amostra intencional. O método de coleta
de dados envolveu a pesquisa do Relato de Sustentabilidade GRI-G4 publicado em 2014, referente ao ano de 2013, no site das organizações, no
período de realização do estudo: fevereiro de 2015.
A amostra inclui organizações brasileiras que há mais tempo utilizam o GRI para prestação de contas em sustentabilidade. A pesquisa
das organizações foi realizada na base de dados do GRI desde 1999, e
resultou nas organizações:
TABELA 1: LISTA DE ORGANIZAÇÕES NACIONAIS QUE PUBLICAM RELATÓRIO
DE SUSTENTABILIDADE DE ACORDO COM AS
DIRETRIZES GRI SELECIONADAS NA AMOSTRA.
ORGANIZAÇÃO
PUBLICA RELATO GRI DESDE:
PUBLICOU GRI-G4 2014 (ANO BASE 2013)?
Natura
2000
Sim
Petrobras
2002
Sim
CPFL Energia
2003
Sim
Itaú Unibanco
2004
Sim
552
No grupo de organizações pioneiras estavam também Usiminas
(relato desde 2002), Alcoa (desde 2004) e Samarco Mineração (desde
2004) mas que não foram selecionadas no por terem apresentado intervalo maior de dois anos sem publicar relatórios. O universo de organizações que utilizam as diretrizes GRI no país é pequeno, conforme
quantidades de relatórios por ano, desde o lançamento do Guia: 2000 - 1;
2001 - 1; 2002 - 3; 2003 - 4; 2004 - 8; 2005 - 13; 2006 - 17; 2007 - 38; 2008
- 61; 2009 - 66; 2010 - 135; 2011 - 117; 2012 - 182; 2013 - 243; 2014 - 206.
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3.1 ÉTICA E SUSTENTABILIDADE: A LEGITIMIDADE DAS ORGANIZAÇÕES
A responsabilidade das organizações permeia os objetos científicos ética e sustentabilidade. Ética é traduzida no ambiente organizacional como transparência, verdade, respeito aos públicos, atuar de forma
correta, não agir com corrupção, ser responsável pela atuação e impactos da organização em todos os ambientes e públicos com os quais se
relaciona, como destaca Thiry-Cherques (2008, p. 205). “Ser moralmente
responsável é cuidar para que o output da organização não repercuta
negativamente sobre os seres humanos, incluindo as pessoas que ali trabalham. Isso compreende cada ser humano e a humanidade como um
todo”. Sustentabilidade relaciona-se com a perenidade – do ambiente
natural, das pessoas, da cultura, da economia, do modo de vida saudável e de desenvolvimento, como foi conceituada pela Organização das
Nações Unidas – ONU: “o atendimento das necessidades das gerações
atuais, sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades das gerações futuras” (ONU, Brundtland Comission, na publicação
“Our Common Future”, Oxford University Press, 1987, p. 43).
As organizações tem compromisso com o desenvolvimento da
sociedade (BENEDICTO, RODRIGUES, et. al, 2014), (ALMEIDA, 2007).
As discussões das teorias stockholder (FRIEDMAN, 1997) e stakeholder (FREEMAN, 1997) sobre a finalidade das organizações não encontra mais espaço equilibrado de defesa. Alinhado ao que está na própria
constituição brasileira, artigo 5, que diz no inciso XXIII que “a propriedade atenderá a sua função social”, a organização não pode e não
consegue mais operar sem envolver-se em questões além de sua fina553
lidade de produção, pagamentos de impostos e atendimento à regulamentações setoriais e legais. Na visão Stakeholder (FREEMAN, 1997),
a sociedade concede uma licença para a operação das empresas privadas, e essa licença prevê a observação, pela empresa, de todos os
stakeholders. Nesta teoria, os gestores tem a obrigação ética de atender
às demandas das contrapartes e minimizar os impactos para todos os
agentes afetados pela empresa, incluindo neste conjunto de agentes
os clientes, fornecedores, funcionários, os acionistas, a comunidade
local, bem como os gestores, que devem ser agentes a serviço desse
grupo ampliado. A organização é um nexo de contratos estabelecidos
com contrapartes, cuja relação de troca é indispensável tendo em vista
que uma não sobrevive sem a outra - “o colapso da sociedade determinaria, automaticamente, a extinção de qualquer modalidade de empresa” (BENEDICTO, et. al, 2014, p. 70)
Essa licença para operar é vista como legitimidade (GARCÍAMARZÁ, 2007), que passa a ser buscada pelas organizações, cada vez
mais em alinhamento próximo com seus stakeholders. Legitimidade é a
necessidade de conseguir uma justificação por parte das organizações. As
empresas requerem e reclamam legitimidade como instituição, nos níveis
econômico, Legal e Moral, onde se situam as bases éticas da confiança.
A legitimidade é buscada e gerida pelas organizações em mecanismos que buscam, eleger critérios de comparabilidade e accountabiliby relevantes para os públicos formadores de opinião estratégicos.
Desde os anos 2000, surgiram diversas certificações, índices, modelos,
selos e acordos da sociedade civil, entre os quais podemos destacar:
o Índice Dow Jones de Sustentabilidade Empresarial (IDJS) criado em
1999, que avalia por setor, as organizações com capital aberto e que são
líderes em sustentabilidade; o Índice de Sustentabilidade Empresarial ISE, modelo similar da bolsa de valores de São Paulo criado em 2005; a
conformidade à lei Sarbanes Oxley, que cria mecanismos para padrão
de transparência e ética organizacional para abertura de capital nos
Estados Unidos; o grupo de normas ISSO 14000 que tem o objetivo de
melhorar o desempenho ambiental nos modos de produção, a participação no Global Compact, a norma AA 1000, os prêmios setoriais como
do Ethisphere, Transparency International, entre outras.
554
Selecionou-se para este estudo o Global Reporting Initiative
(GRI), fundado em 1997, que representa o modelo mais difundido e
respeitado internacionalmente de publicação de relatórios de sustentabilidade, criado pela ONU, por meio do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente – PNUMA e Coalition for Environmentally
Responsible Economies – CERES. O GRI publicou cinco Guidelines
para produção de relatos, sendo G1 em 2000, G2 em 2002, G3 em 2006,
G3.1 em 2011 e G4 em 2013.
3.2 DEMANDA DE ENGAJAMENTO DE STAKEHOLDERS E AS DIRETRIZES GRI-G4
Os critérios de indicadores e avaliação de sustentabilidade foram definidos como prioritários no Relatório de Brudtland de 1987 e
na Agenda 21, resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento de 1992. Os Princípios de Bellagio, conferência realizada na Itália em novembro de 1996 apoiada pela fundação
Rockefeller, servem como um guia para a implementação e avaliação do
processo da sustentabilidade, e definem, entre 10 princípios, quatro ligados ao engajamento de stakeholders, a saber: 6. Abertura/transparência com construção de dados acessíveis ao público, tornando explícitos
todos os julgamentos, suposições e incertezas nos dados e nas interpretações; 7. Comunicação efetiva projetada para atender às necessidades
do público, feita para estimular tomadores de decisão, com simplicidade na estrutura do sistema; 8. Ampla participação com representação de
todos os públicos que garantam o reconhecimento dos valores diversos
e dinâmicos e dos tomadores de decisão para assegurar a adoção de políticas e resultados da ação; 9. Avaliação constante de forma interativa,
adaptativa e responsiva às mudanças promovendo o desenvolvimento
do aprendizado coletivo e o feedback necessário.
De forma geral, os estudos pontuam que os stakeholders estão em
um processo evolutivo de posicionamento, como descrito por Fernando
Almeida (2007). Na década de 1970, os stakeholders confiavam nos discursos organizacionais, mas em função dos acontecimentos sociais,
passaram a pedir que as organizações relatassem seus feitos, depois que
os comprovasse, demonstrando o período de maior baixa na confiança
e credibilidade no início do século XXI, e desde o início dos anos 2000
555
estamos em um processo de demanda crescente de envolvimento e participação nas políticas.
FIGURA 1: EVOLUÇÃO DO ENGAJAMENTO DE STAKEHOLDERS. APRESENTAÇÃO
DA ROYAR DUTCH SHELL, JULHO DE 2004. RIO DE JANEIRO,
CEBDS. (APUD ALMEIDA, 2006, P. 61)
O GRI aborda o Engajamento com stakeholders como processo estratégico na gestão da sustentabilidade: Compõe os quatro princípios
de conteúdo: Materialidade, Completude, Inclusão de stakeholders e
Contexto da sustentabilidade; Integra o conteúdo padrão geral a ser relatado por todas as organizações, independente do setor; Fundamenta
etapas importantes do relato: Conecte-se: identificação e diálogo com
stakeholders; Definição de aspectos materiais: Diálogo com stakeholders
para priorização de temas; Comunicação do relatório e Avaliação do relato junto a stakeholders.
Os temas materiais na diretriz GRI G4 representam a materialidade, ou seja, o que é de fato importante a ser relatado, no contexto importante para os públicos stakeholders. O engajamento com stakeholders já
era o pilar estratégico desde a primeira Diretriz GRI (G1) em 1999, mas
no G4 (2013) assume caráter decisivo.
A definição dos temas materiais é proposta em um processo de
quatro etapas: 1) Identificação: Mapeamento do impacto ambiental,
econômico e social da organização, por meio de ampla leitura do cenário, aspectos das diretrizes, diálogo com stakeholders, considerando
556
a demanda de licença para operar e os limites da origem dos impactos,
dentro ou fora da organização, 2) Priorização: Convergência entre a importância dos impactos para a organização e a percepção dos stakeholders, por meio de engajamento e análise da matriz de materialidade, 3)
Validação: Decisão final executiva sobre temas a serem selecionados
para a gestão, a partir do princípio da completude que envolve escopo,
limite, relevância, impacto e risco. Organização define os limites, pontos de monitoramento, forma de gestão e comunica os stakeholders e 4)
Análise: Após a publicação do relato, a análise do feedback dos públicos
sobre a abordagem dos temas, completude de informações e da transformação do contexto da sustentabilidade. A seleção de stakeholders que
participam do processo deve obedecer aos critérios de Responsabilidade,
Influência, Proximidade, Dependência e Representação.
FIGURA 2: FLUXO VISUAL PROPOSTO PELA AUTORA, DO PROCESSO DE
DEFINIÇÃO DOS TEMAS MATERIAIS E ENGAJAMENTO DE STAKEHOLDERS
DESCRITO NAS DIRETRIZES GRI G4
A matriz de materialidade descrita no processo acima envolve a
análise dos temas em escalas atribuídas pela gestão da organização e
pelos stakeholders, que resultam em um quadrante que colabora para a
definição da priorização.
557
FIGURA 3: REPRESENTAÇÃO VISUAL DA MATRIZ PARA
VISUALIZAÇÃO DE ASPECTOS MATERIAIS GRI-G4 P. 37
Os fatores identificados pela organização como importantes no
eixo inferior, ao convergirem com a percepção dos stakeholders, ganham
escala de priorização nos temas a serem validados pela organização.
Contudo, muitos temas às vezes de não conhecimento por parte dos
stakeholders, mas que tem nível de importância de impacto, precisam
ser selecionados pela organização e comunicados aos stakeholders, em
uma leitura mais analítica do que a simples convergência da matriz.
3.3 RELAÇÕES COM STAKEHOLDERS - A FUNDAMENTAÇÃO
DAS RELAÇÕES PÚBLICAS
As relações públicas fundamentam-se em relacionamentos, como
definem Simões (1987, p. 30) “Relações Públicas referem-se a um processo pluridimensional de interações das organizações com seus públicos”
e Grunig e Hunt (1984, p.6) “a administração da comunicação entre uma
organização e seus públicos”.
Grunig (2009) apresenta, a respeito das duas abordagens correntes das relações públicas, a demanda do paradigma da gestão estratégica
comportamental, em superação ao paradigma simbólico-interpretativo
558
- que assume que as relações públicas empenham-se para influenciar a
forma pela qual os públicos interpretam a organização. Na gestão comportamental estratégica, as relações públicas tem uma função de vinculação (SCOTT, 1987, apud GRUNIG, 2009, p. 24) e não de defesa (BOSCH;
VAN RIEL, 1998, apud GRUNIG, 2009, p. 24). Destaca-se nessa visão, o
papel das relações públicas para a realização de modalidades de mão
dupla para que os públicos tenham voz no processo decisório e para
facilitar o diálogo entre a administração e os públicos.
O processo de negociação e colaboração com os públicos é destacado
na atividade, como mecanismo que assegura o entendimento, mesmo que
não seja possível a concordância entre aspectos, e resulta em benefícios mútuos e tornam as organizações mais responsáveis (GRUNIG, 2009). Esse resultado está fundamentado no modelo simétrico de relações públicas, conforme
estudos desenvolvidos por Grunig e Hunt (1984). Os três primeiros modelos,
de agência de imprensa/divulgação que objetivam publicidade favorável; o
modelo de informação pública que objetiva a disseminação de informações;
o assimétrico de duas mãos, que utiliza a pesquisa como forma de identificar
mecanismos de persuasão, não pressupõem o fator estratégico de pesquisa
e diálogo como meio para administrar conflitos, aperfeiçoar entendimentos,
negociar e fazer concessões. Assim, entende-se que o modelo simétrico de
duas mãos seja o mais ético dos modelos, pois “permite que a questão do que
é correto seja fruto de negociação, uma vez que quase todos os envolvidos
num conflito - sejam eles associados à energia nuclear, ao aborto ou ao controle de armas - acreditam que a sua posição é a correta” (GRUNIG, 2009, p.33).
As relações públicas fornecem mecanismo de identificação de
stakeholders, premissa inicial do GRI, face à complexidade de mudanças
que podem alterar o peso e a influência de um público. Os profissionais
identificam consequências de decisões e a presença de públicos mediante análise de cenários. “Realizam pesquisas e conversam com líderes comunitários, líderes de grupos ativistas ou funcionários do governo
para verificar quais sãos os públicos de interesse e quais são os assuntos
emergentes que esses públicos podem criar” (GRUNIG, 2009, p. 76). A
teoria situacional dos públicos proposta por França, 2008, por exemplo,
fornece guia ao segmenta os públicos em Essenciais, Não Essenciais e os
Públicos de redes de interferência.
559
Na gestão de conflitos e negociações, Grunig (2009) propõe princípios, que podem ampliar a eficácia do processo de engajamento: Princípio
do relacionamento que destaca a qualidade e a continuidade; Princípio da
Responsabilidade que a aborda independente de imprudência ou iniquidade; Princípio da Transparência, Princípio da Comunicação Simétrica,
que visa assegurar o equilíbrio dos interesses organizações e públicos.
A avaliação dos relacionamentos empreendidos pelas relações públicas envolve indicadores específicos de qualidade. Grunig (2009) propõe que um bom relacionamento pode ser avaliado pela Reciprocidade
de Controle, Confiança, Satisfação e Compromisso.
TABELA 2: INDICADORES DE AVALIAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS,
PROPOSTOS POR GRUNIG (2008)
RECIPROCIDADE
DE CONTROLE
Grau em que as
organizações e
públicos estão
satisfeitos ou não
com a capacidade
de influenciar o
outro. O grau de
controle que possui no relacionamento.
CONFIANÇA
SATISFAÇÃO
COMPROMISSO
Boa vontade de
cada uma das
partes em se abrir
para o risco de
participar de um
relacionamento.
Envolve a percepção de integridade, confiabilidade
e competência.
Medida na qual
cada uma das
partes se sente
favorável ou
desfavorável em
relação à outra,
com expectativas positivas no
relacionamento.
Medida na
qual cada uma
das partes
sente ou não
que o relacionamento vale
o dispêndio de
energia para
mantê-lo ou
promovê-lo.
Para a efetivação da comunicação simétrica das organizações
com seus stakeholders, Grunig e Huang (2000), a partir de pesquisa realizada por Canary e Stafford (1991, apud GRUNIG 2009), Plowmann (1995,
apud GRUNIG 2009) e Huang (1997, apud GRUNIG 2009), propõe exemplos de estratégias de relacionamento: 1) Acessibilidade, 2) Abertura,
3) Garantia de legitimidade, 4) Rede de relacionamento, 5) Divisão de
tarefas, 6) Estratégias de solução de conflitos integradas, 7) Ser incondicionalmente construtivo, 8) Negociação ganha/ganha ou sem acordo,
9) Cumprir Promessas. São complementadas pelas estratégias de Rhee
560
(2007, apud GRUNIG, 2009) 10) Liderança visível, 11) Saber ouvir, 12)
Receptividade e 13) Diálogo constante.
A fundamentação de RP, como “função que introduz os valores e
os problemas dos stakeholders nas decisões estratégicas, e que introduz
o elemento moral nessas decisões” (GRUNIG, 2009, p. 105), por meio dos
fundamentos de identificação de públicos, modelos de relacionamento,
princípios, estratégias e mecanismos de avaliação pode contribuir para
a eficácia do processo de Engajamento com Stakeholders no GRI-G4.
4. ANÁLISE DOCUMENTAL E RESULTADOS
A partir do breve recorte teórico realizado, foram selecionados
sete aspectos, das Diretrizes GRI-G4 e da teria de relacionamentos
(GRUNIG, 2009) que poderiam ser investigados em estudo documental
dos relatos de sustentabilidade.
TABELA 3: CATEGORIAS DE ANÁLISE A PARTIR DE RECORTE TEÓRICO.
FATOR
REFERENCIA
ANÁLISE
Lista grupos
GRI-G4 - 24
Lista de grupos engajados pela organização
Base
utilizada
GRI-G4 - 25
Base utilizada para a identificação e seleção
de stakeholders
Abordagem
GRI-G4 - 26
Relate a abordagem adotada pela organização para engajar stakeholders
Frequência
por tipo e
grupo
GRI-G4 - 26
Relate a frequência do seu engajamento
discriminada por tipo e grupo
Tópicos
levantados
GRI-G4 - 27
Relate os principais tópicos e preocupações
levantadas durante o engajamento, para a
definição dos temas materiais
Grupos e
tópicos
GRI-G4 - 27
Relate quais grupos levantaram cada uma
das questões e preocupações
Medidas
para tópicos
GRI-G4 - 27
Relate as medidas adotadas pela organização para abordar esses tópicos e preocupações
561
Modelo
simétrico
GRUNIG, 2008
Se a organização adotou relação simétrica, se
considerou aspectos materiais propostos
por stakeholders, na análise validação de
impactos e importância.
A partir da análise documental dos Relatórios GRI, fez-se o seguinte resumo. Ressalta-se que a avaliação refere-se à divulgação ou
relato feito pelas organizações, e não às atividades desenvolvidas pela
organização, não possíveis de se avaliar neste estudo.
TABELA 4: SÍNTESE DA ANÁLISE DOCUMENTAL DE ENGAJAMENTO DE
STAKEHOLDERS NA DEFINIÇÃO DOS TEMAS MATERIAIS.
FATOR
CPFL
ENERGIA
ITAÚ
UNIBANCO
NATURA
PETROBRAS
Lista grupos
SIM
SIM
SIM
PARCIAL
Base utilizada
SIM
NÃO
SIM
SIM
Abordagem
SIM
SIM
SIM
SIM
Frequência
EM
PARTES
EM
PARTES
EM
PARTES
EM
PARTES
Tópicos
PARCIAL
PARCIAL
PARCIAL
SIM
Grupos e
tópicos
NÃO
NÃO
NÃO
NÃO
Medidas
para tópicos
SIM
PARCIAL
SIM
PARCIAL
PARCIAL
NÃO
DEMONSTRADO
PARCIAL
PARCIAL
Modelo
simétrico
A CPFL Energia destaca a Plataforma da sustentabilidade, mecanismo pelo qual gerencia o tema, iniciada em 2012 com um painel de
consulta a diversos públicos (representantes da sociedade civil, clien562
tes, membros do universo acadêmico, órgãos governamentais, colaboradores, investidores, acionistas, e fornecedores, além de pesquisa online com colaboradores, alinhados à norma AA1000). Lista os seis temas
materiais definidos (Relacionamento com clientes, Gestão da cadeia
de suprimentos, Ecoeficiência, Gestão de impactos socioambientais,
Desenvolvimento comunitário, Saúde e segurança), destacando que
outros temas surgiram, como gestão de riscos, a capacidade de inovação e a divulgação de informações sobre a busca por fontes renováveis
de geração de energia, mas não destaca todos os temas e nem quais
grupos os pontuaram. A organização apresenta que a Plataforma da
Sustentabilidade em 2014 será disseminada e promoverá o engajamento
dos públicos por meio de um roadmap. Informa que realizou um amplo engajamento dos públicos, por meio do projeto “sustentabilidade
como alavanca de valor” mas não destaca quais públicos foram engajados, com que frequência e os temas levantados nos engajamentos. Não
é possível avaliar o relato da simetria do relacionamento, pois não listou
todos os temas propostos por grupos.
No relato do Itaú Unibanco, a apresentação da lista de stakeholders está vinculada à espiral de valor, que inclui Colaboradores, Clientes,
Acionistas, Sociedade e Fornecedores. Apresentam os mecanismos contínuos de diálogo e gestão do relacionamento com os públicos prioritários, como imprensa, clientes, investidores, colaboradores. Para a
definição dos temas materiais, foram levantados tópicos a partir do
relacionamento contínuo com Líderes (diretrizes anunciadas no encontro entre líderes de 2013) e Investidores (estudo prévio que identifica principais informações consideradas por investidores). A visão da
sociedade foi consultada por meio de temas apontados pela mídia em
2013, através da ferramenta de clipping IQEM (Índice de qualidade de
exposição na mídia) e por painéis e grupos de trabalho com especialistas (não descritos os públicos) e o setor financeiro foi observado a partir
da própria diretriz GRI-G4 setorial financeira. Não descreveram engajamento específico para tratar do tema gestão da sustentabilidade, mas
que o tema permeia os relacionamentos contínuos. Os temas materiais
definidos foram: Relação com clientes, Eficiência, Relação com colaboradores, Riscos e oportunidades socioambientais, Educação financeira,
Diálogo e transparência. Pontuaram que no engajamento apareceram
temas como produção de conteúdos isentos, abordagem assertiva e
563
transparência, sem citar os públicos que os propuseram, e que especialistas discutiram o papel do banco na sociedade, definiram objetivos e
iniciativas de curto, médio e longo prazo, mas não descrevem os pontos
no relato. Pontuam que estão revendo as iniciativas e que tem o compromisso de retomar o engajamento em 2014. Em 2013, escolheram o foco
da educação financeira para desenvolver iniciativas.
No relato Natura, estão listados na matriz de públicos de relacionamento revisada em 2012, consultoras e consultores, consultoras natura
orientadoras, consumidores, colaboradores e fornecedores. O engajamento com esses públicos foi realizado em 16 encontros presenciais com 227
participantes e 88 interações virtuais (webcasts, whorkshops virtuais)
com 7.850 interações, com os temas autoconhecimento, gestão da mudança, planejamento estratégico, ética, gestão comercial e comunicação.
Especificamente para a revisão da matriz de materialidade do relato de
2013, foram realizados entre 2010 e 2011, diálogos com os públicos: colaboradores, fornecedores, consultoras, especialistas em temas diversos,
imprensa, órgãos do governo e entidades não governamentais, com o envolvimento da alta gestão. Os temas materiais são destacados na matriz
de materialidade, com o peso dado pelos stakeholders e pela natura para
os temas selecionados: Educação, Resíduos, Água, Mudanças climáticas,
Qualidade das relações, Sociobiodiversidade e Empreendedorismo sustentável. Contudo, os temas não contemplados não foram listados pela
organização. Iniciou em 2013 nova revisão da matriz de materialidade,
que os temas reportados no relatório continuarão a ser geridos e que os
públicos serão engajados para concluir a visão da nova matriz. Os temas
materiais de 2013 são apresentados em figuras da análise de limites dentro e fora da organização, com a indicação de tópicos GRI onde as informações podem ser encontradas no relatório.
No relato Petrobrás a definição dos temas materiais envolveu
análise interna de documentos corporativos, estudos e pesquisas externas. Dos 13 públicos de interesse corporativos (clientes; comunidade científica e acadêmica; comunidades; concorrentes; consumidores;
fornecedores; imprensa; investidores; organizações da sociedade civil;
parceiros; poder público; público interno e revendedores) foram priorizados 10 (não listados), a partir dos critérios de relevância, necessidade de informação, potencial de influencia e formação de opinião e
oportunidade de consolidação de posicionamento. Os 230 represen564
tantes foram consultados em reuniões e entrevistas, que resultaram
em 24 temas, dos quais foram validados 12: Prevenção de acidentes
e vazamentos, uso de recursos naturais e consumo de materiais, gestão de impacto nas comunidades, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, gestão de efluentes e resíduos, viabilização dos negócios em
longo prazo, impactos econômicos, biodiversidade, transparência e
prestação de contas, saúde e segurança dos trabalhadores, gestão de
emissão de gases de efeito estufa, eficiência energética de processos.
Os 12 temas não contemplados na validação da organização foram:
Concorrência e práticas de mercado, desenvolvimento do capital humano, engajamento com públicos de interesse, estratégias de investimento, gestão de fornecedores e desenvolvimento da indústria local,
gestão dos riscos econômicos, gestão, política e viabilização do pré-sal, mecanismos anticorrupção, relações trabalhistas e condições de
trabalho, respeito e atuação para equidade e diversidade e saúde e segurança do consumidor. Entre os mecanismos de engajamento com
stakeholders estão o site, o Programa Petrobras Agenda 21, os comitês
comunitários das refinarias e o Diálogo Social do Comperj, o Espaço
Conhecer e relacionamento com universidades, eventos e relacionamento com fornecedores, Website, telefones, e-mails, jornal Petrobrás
em Ações para investidores, encontros com organizações da sociedade
civil, entendimentos e contatos periódicos com o Governo, canais de
relacionamento com o público interno e Jornal do Revendedor.
A análise demonstra aspectos próximos sobre a divulgação do
processo de relacionamento com stakeholders. A listagem de públicos
engajados foi realizada por todas as organizações, exceto Petrobras, que
não listou quais foram os 10 grupos dentre os 13 da matriz de públicos;
A base ou critério dos quais foram analisados os públicos, bem como
o perfil da abordagem foram apresentadas por todas as organizações,
embora destaca-se que no Itaú a abordagem não teve o tema sustentabilidade como foco dos engajamentos. A frequência de relacionamentos
não foi apresentada de forma completa ou consistente por nenhuma organização. O GRI recomenda que o processo de engajamento seja contínuo e não apenas pontual, mas observa-se a falta de sistematização do
processo. Os tópicos apresentados pelos stakeholders no engajamento
foram listados apenas por uma organização, Petrobras, - as demais listaram apenas alguns temas relevantes que apareceram e que não foram
565
contemplados, e a Natura apresentou os tópicos que eram convergentes
com a visão interna. Nenhuma organização apresentou os temas levantados por grupo de representantes e apenas duas organizações apresentaram as medidas adotadas para abordá-los de forma clara, referenciado
nos temas materiais, Natura e CPFL. Não foi possível avaliar o princípio
da simetria de relacionamentos, pois como nenhuma organização listou
os tópicos por grupo, não é possível analisar o equilíbrio interesses interno e externo. A Natura foi a única organização a apresentar a matriz
da materialidade. Destaca-se que todas as organizações listaram todos
os pontos do GRI-G4 de engajamento (24, 25, 26 e 27) como reportados.
5. CONCLUSÃO
O estudo apresenta pequeno recorte sobre a transparência e processo de relato do engajamento com os públicos que asseguram a legitimidade de temas que serão geridos. Demonstra não cumprimento de
todas as diretrizes, mesmo por organizações mais envolvidas historicamente no país com o Relato GRI.
Visto que a eficácia do processo de gestão da sustentabilidade
está diretamente vinculado ao engajamento com stakeholders, o estudo
demonstra a convergência e benefícios das práticas de relações públicas
como mecanismo estratégico na seleção de stakeholders, com processos
eficazes de realização da comunicação simétrica, bem como na implementação de mecanismos claros de avaliação dos relacionamentos.
Destaca-se, como oportunidade, a vinculação das áreas para benefícios mútuos. O desenvolvimento das relações públicas excelentes,
com maior participação estratégica nas decisões organizacionais, com
resultados mais consistentes de relacionamento e responsabilidade
pública está relacionado, de acordo com estudos desenvolvidos por L.
Grunig (1992), com a pressão de ativistas ou crises. E demonstrou que as
organizações que adotam relações públicas excelentes tiveram sucesso
no desenvolvimento de suas responsabilidades, bem como os ativistas,
em um processo simétrico.
566
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568
|6|
A NORMA REPUTACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE: A
EXPERIÊNCIA DIALÓGICA EM AUDIÊNCIA PÚBLICA, OS
SUJEITOS COLETIVOS E A AÇÃO DOS DIREITOS COMUNS
Autoria: Prof. Dra. Ana Lúcia de Alcântara Oshiro1
e Lara Macedo Pascom2
RESUMO
Nas últimas décadas, o termo reputação se presenta
em discursos institucionais, políticos, do entretenimento e
na vida cotidiana contemporânea. Tornou-se o balizador
entre estar ou não no lugar legitimado, do ser virtuoso, destacado. Referencial colocado como norma a ser procurada
incessantemente e validado por certificações que confirmam os níveis alcançados pelos variados sujeitos contemporâneos - aqui entendidos como indivíduos, organizações,
conjunto de sujeitos que passam a ter sua fala destacada
naquele local reputável.
Este artigo aborda a reputação sob a égide humanista da virtude aristotélica e da perspectiva do sujeito coletivo, integrando os campos do Direito, da Filosofia e da
Comunicação Organizacional. Demonstra a possibilidade
Doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo,
Mestre em Comunicação, Tecnologia e Mercado Pos Graduada em Marketing e
Comunicação pela Faculdade Casper Libero, Jornalista e consultora em comunicação, reputação e marketing e sócio proprietária da Tatica Comunicação,
empresa há 25 no mercado, especializada em projetos e marca, reputação de
empresas de Tecnologia da Informação.
1
Graduanda do 3º ano de Relações Públicas pela Universidade Anhembi Morumbi, pesquisadora de iniciação científica pela PIBIC/UAM e estudante de formação
em Hatha Yoga pela Humaniversidade. Tem sua ética pautada pela Carta da Terra.
2
da construção de uma reputação integradora por meio do
entendimento das normas de cada agrupamento de sujeito coletivizado, a partir da experiência empírica de uma
Audiência Pública que reuniu sujeitos coletivos norteados
pelo direito para dialogar e buscar a efetividade do direito
ao acesso à educação infantil, o qual deve ser garantido pelo
Estado, no caso a Prefeitura de São Paulo.
Palavras-chave: Reputação; Norma Organizacional;
Diálogo Organizacional; Comunicação Organizacional;
Relações Públicas.
CORPO DO TRABALHO
No confronto de perspectivas e papéis assumidos pelo homem no
mundo contemporâneo encontram-se sujeitos coletivos organizados,
articulados, defendendo suas causas, motivadas por paixões nem sempre sintonizadas com os poderes institucionais históricos.
São novos poderes, em parte disponibilizados pelo espaço de articulação e relacionamento, aberto pelas novas experiências articuladas
no universo global de interação da ambiência virtualizada da estrutura
tecnológica das TICs (tecnologia da informação e comunicação integrada) em rede (internet).
O indivíduo que integra o coletivo é, na economia de rede/cognitiva, o trabalho do sujeito cuja atividade mais premente é produzir a si
mesmo (GORZ, 2005, p. 20).
Todo usuário do trabalho em rede virtual sincroniza-se continuamente com os outros, e os dados que manipulam põem em marcha um
processo em que o resultado coletivo excede, de longe, a soma dos dados
manipulados individualmente (Ibidem, 2005, p. 21).
Os saberes produzidos e quando compartilhados faz surgir, sob a
perspectiva de Gorz (2005, p.21), uma externalidade positiva cujos resultados coletivos, surgidos a partir da interação individual, tem uma ação
positiva – sendo coletivamente útil, desde que não imposta ou pressio570
nada pelo poder de uma organização – possibilitando a sua conversão
em positividade, passando a pertencer a um saber universal que gera
valor – por meio de um coro polifônico.
Dessa forma, não é mais o sujeito que adere ao trabalho, mas o
trabalho que adere ao sujeito; [...] é a mobilização total das capacidades e das disposições, aí compreendidas as afetivas; uma nova ordem
balizada pela servidão voluntária [...] (GORZ, 2005, p. 23), pelos saberes
norteados por objetivos além da lógica histórica anterior.
A pessoa está presente, pois “[...] ela deve, para si mesma, tornar-se uma empresa, ela deve tornar-se, como empresa, um capital fixo,
exigindo que continuamente seja reproduzido, modernizado, alargado
e valorizado. E é dessa maneira que a própria vida torna-se um business”
(GORZ, 2005, p. 23-14).
Na realidade contemporânea da sociedade em rede (Castells,
2000), todas as atividades individuais, desenvolvidas fora do tempo de
trabalho e dedicadas à realização pessoal, podem ser consideradas atividades produtivas e tornam-se uma das principais fontes de produtividade e criação de valor econômico nessa nova fase do capitalismo.
Diante dessa imaterialidade do mundo, a auto organização, a auto
coordenação e a livre troca concentram-se na produção social. Elas são
realizadas sem a necessidade de um planejamento central ou intermediação do mercado. Os produtores, que se relacionam entre si em redes,
colocam-se em comum acordo, preventivamente e de maneira pactuada
para produzir em função das necessidades, desenvolvendo sua função
produtiva como um complexo de atividades essencialmente coletivas.
É nessa ambiência conflituosa da contemporaneidade que a sociedade do século XXI age pela ausência da complementaridade da modernidade (nada fica completo) – que gerou o pós moderno e sua sede
insaciável de destruição criativa. Da revelação e condição etéreas, os humanos ficaram por conta de seu próprio risco, passando a não conhecer
mais limites: [...] “ser moderno passou a significar ser incapaz de parar,
movendo-nos não tanto pelo adiamento da satisfação” (WEBER, 1968) [...]
“mas pela capacidade de promover a satisfação” (BAUMAN, 1999, p. 37):61
[...] hoje os padrões e configurações não são mais dados e menos ainda auto evidentes, são muitos, chocando-se entre si, de
forma que todos e cada um foram desprovidos de boa parte de
571
seus poderes de coercitivamente compelir e restringir. Em vez
de proceder a política da vida e emoldurar-se no curso futuro,
devemos seguir (o movimento)21 para que sejam formados e
reformados. Os poderes que liquefazem passaram do sistema
para a sociedade, da política para as políticas da vida desceram
do macro para o nível micro do convívio social. Nossa versão
e individualizada e a trama dos padrões e responsabilidades
caem sobre os ombros dos indivíduos, os padrões de interação
são maleáveis, não mantêm as formas por muito tempo... as
narrativas da condição humana tendem a se desenvolver em
cima dos conceitos (BAUMAN, 1999, p. 14).
No cenário de dissolução e imaterialidade do mundo, cabe retomar às palavras de Giddens (2011, p.12), por meio de seu esforço de
inserção dos clássicos pioneiros do pensamento sociológico (Marx),
(Durkheim), (Weber) na contemporaneidade quando afirma que [...] “a
sociedade tradicional está, por definição, virada para o próprio passado
e o seu presente é o seu passado; [...] as coisas se passam assim, não existe a história propriamente dita, já que a continuidade entre o ontem e o
hoje obscurece a consciência das diferenças entre o que foi e o que é [...]
(GIDDENS, 2011, p.12).
O pensamento de Giddens (2011), na análise da confluência do
pensamento dos filósofos clássicos do capitalismo, serve para entendermos o que temos nesse momento de transição, no qual emoldura-se
um cenário clássico e inerente do sistema capitalista, sustentado exatamente nas suas [...] contradições básicas, derivadas de seu caráter nato,
baseado na produção de valores de troca. Sua necessidade de manter ou
de expandir seu lucro, ao invés de produzir para atender as exigências
humanas existentes, apresenta-se como o principal fator subjacente às
crises que ocorrem, periodicamente, ao longo de sua trajetória histórica
– do passado ao presente‖ (BAUMAN, 1999, p.45).
As transformações econômicas geradas pelas leis do movimento da produção capitalista alteram, por um lado, o sistema e por outro
o preparam para a substituição dialética para uma nova ordem social
(GIDDENS, 2011, p. 319).
Uma nova ordem social que instaura um processo intenso de ressignificação em que o eu e o outro só se tornam seres reais quando interagem e se harmonizam como parte de um sujeito coletivizado em uma
572
ambiência interativa, gerando, juntos, novas significações onde encontramos as variáveis de um coletivo (OSHIRO, 2014, p.65).
Essa ambiência coletiva, colaborativa e interativa (suportada
pelas tecnologias da informação e do conhecimento) dos dias
atuais, fruto de uma evolução que vem se moldando em ondas
na realidade, definem o novo perfil do homem da segunda década do segundo milênio: um homem, contextualizado por Tapscot no final dos anos 1990, caracterizado no seu nascedouro, já
em uma cultura essencialmente cibernética ou, na nossa concepção, tecnoinformacional em rede (Castell, 2010, p.10)
Norteada pela experimentação de novas ideias, encorajada pela
comunicação interativa e universal do novo ambiente de relacionamento social que experimenta no virtual e leva a experiência para o mundo
real para troca e junção das novas significações compartilhadas com
seus iguais (OSHIRO, 2014).
O universo contemporâneo, assim, se transforma em um humano que escreve um grande livro, no qual se encontra um imenso e
universal alfabeto, uma história contada por todos os sujeitos. A realidade física, os fatos da história, o que quer que os homens tenham
criado são, por assim dizer, sílabas de uma mensagem que se perpetua, mas que, nessa nova ambiência, assume uma forma única de falar
(OSHIRO, 2014, p.23), coletivizada.
É uma ambiência de mutação social que necessita de uma transmutação de linguagem e do próprio processo participativo, colocando o
humano, dado pela pós-modernidade, em uma participação, colaboração ― quase mística e que se constitui como parte receptora do cosmos,
do mundo ordenado, de uma natureza não de objeto, jogado lá, mas domável (MAFFESOLI, 2012, p.9), sustentado por discursos como o da sustentabilidade, da reputação e que são, em si, também, uma preocupação
social (Ibidem).
Nessa preocupação nasce o próprio inconsciente coletivo (e até
consciente), que tende a retornar a uma progressividade mais humana,
menos paranoica, capaz de integrar os aportes da sedimentação tradicional e do enraizamento natural da amplificação social (2012, p.10).
É assim que, no coletivo das relações, do sujeito que se constrói no
outro – o homem e seu discurso, extrapolado no grande sistema coletivo
573
universal da contemporaneidade, em oposição ao homogêneo e vazio da
modernidade, redescobre o vivido concreto, em todos os
[...] seus pequenos rituais cotidianos, colocando-se como vetor de religação no concreto, ao mesmo tempo com os outros
e com o espaço, que é, enfim, a matriz comum, Porém, -[...]
na palavra concreto advém o termo do cum crescere, crescer
com (o ponto, com dos endereços na web) onde se pode declinar à vontade nas modalidades desse relacionalismo: o estar
com os outros (mit Sein), com o mundo (mit Welt) (2012, p.12).
O indivíduo, enquanto mestre de si mesmo e do universo da
modernidade, se reconstrói sob a égide da pós-modernidade,
sob um originário comunitário (tribal), fundando o original e
hoje: -[...] cada um, pessoa plural em sua tribo de escolha, vai
ser o que é a partir das ligações que o constituem. Ligações de
afetos, odores, gostos, sentimentos, sensações, tudo fazendo
com que cresçamos significa na visão do autor, a volta da experiência com o outro que é, antes de tudo, coletiva (MAFFESOLI, 2012, p.12-13).
Para além daquele racionalismo esclerosante anterior, Mafessoli
(2012, p.13) alerta que a ênfase, agora, é colocada na vida cotidiana, sedimentada em uma memória coletiva que [...] remete a encarregar-se
dos problemas no seio da tribo (dos diversos agrupamentos sociais),
na qual me reconhecem ou me comprazo (Ibidem, 2012, p.13). É “[...] a
horizontalidade da lei dos irmãos, a nova irmanação que conta com o
suporte do desenvolvimento tecnológico das TICs, nas quais o coração
que bate da cotidianidade é o órgão vitaminado pelo copertencimento,
que estabelece o homem em relação, numa ordem simbólica e em correspondência com o grupo, com a natureza, tudo em referendado pelo
sagrado (2012, p.19).
Mas, o copertencimento, enquanto comunicação, não mais é sustentado nas habituais injunções da hierarquia vertical, que foi progressivamente fundada na razão, e
“[...] monopólio da contestação antes dos partidos políticos,
das classes especialistas inclusive da imprensa do universo
comunicacional do século XX já não se basta por si – são
574
atropelados pelo surgimento das estruturas espontâneas – já
que estas não se utilizam de uma linguagem que só eles compreendem – uma lei cruel de linguagem fazendo com que as
palavras sejam o epitáfio de uma linguagem que só elas compreendem e designam – uma - língua de palácio - e que a
vivaz e efervescente socialidade não pretende deixar-se aprisionar” (MAFFESOLI, 2012, p.20).
Para o autor, representa um novo ser humano que incorpora novas maneiras e dizeres e que apontam para sua própria legitimidade,
já que a geografia da verdade (Foucault, 1998) é aquela onde ela reside e não simplesmente a dos lugares onde nos colocamos para melhor
observá-la. Sua cronologia é a das conjunções que lhe permitem se produzir como um acontecimento, e não a dos momentos que devem ser
aproveitados para percebê-la. (Foucault.1998, p.113)
Nesse novo contexto, norteado pelo pacto emocional, não racionalizável, que está na ordem do dia contemporâneo e do homem dos
anos 2013/15, se reinaugura uma sociologia compreensiva (WEBER
apud MAFFESOLI, 2012, p.23), que leva em conta todos os elementos
da existência, do viver em coletividade - em conjunto. Em tal realidade,
tudo é considerado bom e não há nada que se possa jogar fora.
Nela, o homem aprende a lidar socialmente consigo mesmo e, por
consequência, com aqueles que o rodeiam, conduzindo, assim, as suas
relações sociais de forma equilibrada. E isso só pode ser aprendido através do exercício do convívio, da prática da Retórica e da arte de falar, que
estreitam as distâncias entre os indivíduos, proporcionando oportunidades sociais de aprendizagem, uma vez que a mesma paixão, vivenciada
isoladamente ou em grupo, obtém resultados diferentes (OSHIRO, 2014).
Isso porque, ao vivenciar uma paixão isolada, o indivíduo
conta apenas com a sua própria resposta a ela e de tal modo
não consegue aprender com essa experiência, pois não tem a
resposta do outro. Por isso, faz-se tão importante o convívio
em sociedade (MAFFESOLI, 2012).
575
O SUJEITO COLETIVO DO DIREITO
Nessa ambiência de transformação emerge, no cenário contemporâneo, a figura do sujeito coletivo, um novo elemento considerado já no
campo do Direito, já que ele é fruto das transformações sociais históricas ocorridas desde os anos 90, conforme alertava José Geraldo de Souza
no XII Congresso Mundial de Sociologia realizado em Madri e promovido
pela Associação Sociológica Internacional de Madrid, citando Marilena
Chauí, abordando tema da liberdade autônoma referendando-se aqueles
sujeitos – autônomos - e capazes de dar a si mesmo a lei”
[...] abrindo-se à possibilidade de que no interior da sociedade civil, para além do privado e dos interesses, passam a se
constituir em uma região instaurada pelos direitos, âmbito
da cidadania, sendo está interpretada como a capacidade de
colocar no social um sujeito novo que cria direitos e participa
da direção da sociedade e mesmo do Estado. (CHAUÍ, Marilena apud JUNIOR, 1990, p.11)3.
Fruto de um novo Direito, aquele que, na expressão de Roberto
Lyra Filho (apud JUNIOR, 1990), “busca compreender o processo emergente e refletir sobre a atuação jurídica e política dos novos sujeitos coletivos e que
[...] busca a valorização do pluralismo jurídico, com base
na definição e uma natureza jurídica do novo sujeito capaz
de elaborar um projeto político de transformação social de
forma a obter uma representação teórica do mesmo, enquadrando os dados derivados dessas práticas sociais criadoras
de direitos e estabelecer novas categorias jurídicas de forma
a estruturar as relações solidarias de uma sociedade alternativa em que sejam superadas as condições de espoliação e
opressão do homem pelo homem (Ibidem).
O novo sujeito é fruto das mudanças históricas que tiveram
como centro as movimentações e as práticas em busca de espaços nos
Citação apresentada no texto do autor em referência presente apud prefacio
in Eder Sader. “Quando Novos Personagens entraram em cena”, Paz e Terra, Rio
de Janeiro, 1988.
3
576
quais o sentido político dado pelo Estado e instituições tradicionais já
não dava conta das demandas reivindicatórias existentes, que não refletiam mais as condições objetivas do cotidiano, gerando tensões e conflitos de um mundo de transição capitalista de uma economia material
para outra imaterial cognitiva, processo que vem se dando desde o final
da década dos anos 80 aglutinado com a interação do mundo e da vida
pelas tecnologias da informação e comunicação.
E o autor ressalta ainda:
[...] o relevante na designação das identidades coletivas que
origina a figura desse novo sujeito é a conjugação das identidades coletivas, como forma do exercício de suas autonomias
e a consciência de um projeto coletivo de mudança social a
partir de suas próprias experiências.
O fato das distinções sociais serem construídas pelo direito, como
acontecia até a instauração da igualdade dos cidadãos perante a lei, relaciona-se com sua eficácia social e pelo fato delas ganharem os efeitos
do direito (HESPANHA, 1993).
O Direito, na perspectiva weberiana (1968, p.250) - o Direito racional, calculável – é o principal instrumento do Capital para que a exploração econômica capitalista proceda racionalmente. Nessa perspectiva,
afirmava Weber, o sistema necessita confiar de que a justiça e a administração seguirão determinadas pautas preestabelecidas.
Mas é essa mesma Justiça, àquela “real” (1990, p.250) que concede
direitos advindos das práticas sociais e de um poder também novo, proveniente de um sujeito (coletivizado) com capacidade de criar, também,
novos direitos ( JÚNIOR, 1990), que “[...] traz constantes perturbações
nos cálculos peculiares da vida econômica capitalista” (WEBER, 1968,
p.250). É fato que o próprio direito em pontos de vistas recentes de historiadores, juristas e sociólogos ressaltam justamente o caráter marginal do direito enquanto ordem coercitiva (HESPANHA, 1993, p.23).
O momento de transição do capitalismo ressalta a constante tensão entre sujeitos que, coletivizados, formalizam novas normas que
incorporam pautas de negociações focando a própria legitimidade no
espaço social – todos, nesse momento, tornam-se sujeitos coletivizados
– sejam organizações ou indivíduos.
577
É certo que uma criatividade normativa, ainda que anônima e inconsciente, permeia a vida coletiva em todas as sociedades humanas
(CIARAMELLI, 2009, p.88).
Porém é igualmente certo que nas instituições da democracia moderna ocorrem o entrelaçamento de criatividade - quando a normatividade abandona o âmbito inconsciente e a espontaneidade difusa em
toda a esfera social e transmuta-se para um universo no qual é reconhecido como a origem das leis, onde se converte em uma dimensão já não
unicamente vivida, senão tematizada e objeto de reflexão, sustentada e
submetida por regras que ela mesmo se dá (Ibidem).
É no âmbito desse entrelaçamento que podemos nos situar com
relação aos conflitos que pululam na contemporaneidade, frutos, a
nosso ver, do embate que se trava entre o esforço funcionalista da institucionalização, racionalização liderada pelo capitalismo cognitivo, do
coletivo social e as normas do corpus social, onde estão os variados sujeitos coletivos em relação.
O processo racionalizante que se impõe pelo discurso desse momento de transição de uma ordem para outra pode ser interpretada trazendo à tona a explanação de Ciaramelli (2009, p.97) quando ele advoga
o modelo biológico de autorreferência que utiliza a mesma lógica dos
organismos sobrevivente, dos seres viventes adaptando-a para a lógica
humana. Essa lógica, diz o autor, não pode ser aplicável enquanto tal ao
mundo humano.
Em outras palavras, para transpor ao plano social, torna-se indispensável que a autorreferência biológica esteja vinculada à autorrepresentação coletiva e é igualmente indispensável chegar a conteúdos
históricos sociais determinados, na forma da própria identidade do indivíduo e dos grupos, podendo até alcançar as invariantes cognitivas,
que irão garantir a sobrevivência biológica do indivíduo. Porém, a sobrevivência propriamente humana exige muito mais.
[...] nem o evolucionismo puramente biológico nem sua versão
estrutural-funcional conseguem mostrar de uma vez por todas,
inferindo-lhes da lógica do vivente ou do sistema, as perguntas
constantes universais e necessárias de elaboração cultural, por
uma ruma razão radical: podem alcançar as invariantes cognitivas, que garantem a sobrevivência biológica, porém, exige578
-se a elaboração de um código normativo e este último não se
pode inferir apenas da lógica do vivente senão que deverá ser
instituído socialmente (CIARAMELLI, 2009, p.88).
Para que normas sejam sociais, elas devem ser compartilhadas
e em parte garantidas pela aprovação ou desaprovação de outros. Elas
são também mantidas pelos sentimentos como, por exemplo, embaraço, ansiedade, culpa e vergonha diante da possibilidade de sua violação.
Ao obedecer a uma norma, pode-se também ser movido por emoções
positivas, como a raiva e a indignação. Djilas (1958, p.107 apud ELSTER,
1989, p.34) descreve o sentimento de uma pessoa que obedecia a normas de vingança em Montenegro como sendo o da “mais selvagem e
mais doce embriaguês”. As normas sociais detêm tamanho controle psicológico em virtude das fortes emoções que:
O membro de uma tribo, por exemplo, vê as pessoas de outra
tribo como formando um grupo indiferenciado, em relação
ao qual ele tem um padrão de comportamento também indiferenciado, mas se vê a si mesmo como integrante de um segmento de seu próprio grupo. Diferenciações sutis, gracejos
e pilhérias dentro do grupo são consistentes com uma “solidariedade negativa” para com os estranhos. Essa concepção
me parece mais plausível, mas ainda não indica os benefícios
sociais de seguir as normas. Também não estão claros os benefícios coletivos que essas variedades proporcionam aos
membros de uma dada subcultura (ELSTER, 1989).
Poder-se-ia talvez dizer que as normas servem para limitar os parceiros potenciais de interação a um número pequeno e controlável, contribuindo, dessa maneira, para uma maior clareza e consistência da vida social.
[...] as normas como o interesse próprio compõem explicações da ação. A escolha da norma a que obedecemos também
pode ser, em certa medida, explicada pelo interesse. Mesmo
quando há uma crença sincera na norma, a escolha de uma
dentre muitas igualmente relevantes pode ser uma ação inconsciente, ditada pelo interesse próprio; é possível também
que se siga uma norma por medo das sanções desencadeadas
por sua violação. Mas não é apenas o interesse que fornece a
explicação completa da adesão às normas – ela extrapola e é
579
componha de outros elementos (ELSTER, 1989).
A legitimidade concede um lugar privilegiado, um lugar que estabelece a nobreza de ser reputado e que aparece no próprio discurso
normativo presente nos direitos apresentados.
O termo nobre e nobreza, destacado por Maciel (apud HESPANHA,
1993) já eram termos muito utilizados nas categorias da lei portuguesa,
que destacava um papel menos nobre, comum de “peão” opondo-se a
distintas outras mais privilegiadas.
No repertorio de legislações dos inicios do século XIX, a palavra já
é muito mais comum como elemento de uma classificação fundamental
entre súditos (nobre/não nobre) e o autor cita ainda o próprio direito
romano que os homens ou são nobres ou plebeus e essa classificação,
herdada pelo direito comum remete e são invocados pela perspectiva
das virtudes humanas associadas também à nobreza.
No entanto, para Hespanha (1993), “[...] o sentido das classificações jurídicas (as qualificações) objetivam descrever uma situação de
fato de forma a lhes corresponder uma cosnequência (um privilegio,
uma isenção”.
Como se vê, a justiça torna-se medidora do equilíbrio na validação
do privilégio do assento do nobre no direito julgado, válido e legitimado,
passando, em consequência, a dar um local privilegiado aquele julgado
pelo social como reputável.
Porém, passamos para a segunda categoria do julgar, do lugar nobre,
aquele que concede o titulo ao sujeito (agora coletivizado) como reputável.
REPUTAÇÃO INTEGRADORA
Reputação na contemporaneidade tornou-se o viabilizador do
julgamento, do ser nobre ou “plebeu” - esta última categorização no sentido de não ser ou estar legitimado. Tornou-se, em paralelo, um instrumento de poder e mesmo de valorização de ativos econômicos numa
economia imaterial e cognitivizada, dependente do entendimento dos
significados derivados e geridos nos coletivos.
De encontro à necessidade de entroncamento dos estudos de reputação corporativa para um framework conceitual o mais unificado possível (BARNETT; JERMIER; LAFFRTY, 2006) alocamos o termo reputação
580
no lugar dos aspectos da filosofia da linguagem, na qual as significações
surgem pelo diálogo e encontro com o outro, que impõe sua alteridade
irredutível sobre o eu que se constitui, através da visão Bakhtiniana:
[...] pois nossas palavras são sempre constituídas pela interação com os demais (...) nos constituímos, pois todos os
nossos pensamentos se constituem pelo diálogo de outros: “o
diálogo não é uma proposta, uma concessão, mas uma imposição, uma necessidade, um compromisso que já existe com
o outro...o eu, assim, se constitui como um compromisso dialógico... (BAKHTIN apud PONZIO, 2009, p.23).
É por meio dessa perspectiva que devemos pensar em reputação,
dialógicamente, em meio a um contexto no qual os sujeitos buscam pela
interação com o outro, de forma a compartilhar as mesmas perspectivas e identidades, o mesmo processo de produção de significados, sentimentos e paixões, compartilhando o mesmo entendimento da significação de reputação (OSHIRO, 2014).
Temos que perpassar por um esforço normalizador que considere
a perspectiva da pessoa humana (MAFESSOLI, 2012), na qual a essência seja sustentada no diálogo, na qual vários sujeitos, em seu contexto
quotidiano, se constituam pela interação – no qual as variadas vozes sejam “geridas” não como um fim, mas uma grande possibilidade de construção de uma reputação o menos matematizável, racionalizada, mas
motivo de evolução para novas possibilidades de dar voz aos variados
sujeitos (coletivos).
Conforme Alvarez (2012) 4vivemos, na contemporaneidade, um
“capitalismo reputacional” – acrescido de um processo normativo reputacional, lugar onde se inflamam as paixões humanas: é nesse lugar que
se destacam e se constroem as variadas normas, sustentadas nos valores, nas causas que se inflamam em cada espaço coletivo do cotidiano
social - é lá que estão, também, os signos que poderão garantir o valor
dos ativos (imateriais) do capitalismo contemporâneo.
Curso apresentado pelo Professor Doutor Jesus Timóteo Álvares, sob o título
Communication management- os desafios para a gestão da comunicação nas organizações em tempos de poder diluído no Departamento de Relações Públicas e
Propaganda, da Escola de Comunicações e artes da Universidade de São Paulo.
4
581
Mas é a busca do eu, pelo outro, parte da base dos discursos que transitam na contemporaneidade e que dão voz aos variados sujeitos, onde se
encontram também os conflitos que pululam na contemporaneidade.
SUJEITO COLETIVO, NORMAS E DIÁLOGO - ALTERNATIVA PARA A
REPUTAÇÃO INTEGRADORA
O diálogo social é a chave estratégica das relações entre os setores sociais e o equilíbrio do planeta, das empresas, e dos indivíduos
(PEREIRA apud KUNSCH. 2010, p.294-314).
No campo da Comunicação Organizacional, na qual se insere a
teoria das Relações Públicas encontra-se a prática que pode construir
o diálogo entre organismos vivos (organizações que se constituem – públicas, privadas ou indivíduos agrupados) da ambiência social.
Relações Públicas, uma atividade multidisciplinar, que exige múltiplos olhares para constituir e efetivar sua prática – o campo do entendimento das relações e relacionamentos, da norma e das regulações
organizacionais. É, sob o olhar de Roberto Porto Simões (1979), “[...] um
campo polissêmico que possui vários significados: um processo, um
profissional, uma profissão, uma função, uma técnica e, talvez, como
querem alguns, uma ciência”.
[...] um processo intrínseco entre a organização, pública ou
privada, e os grupos aos quais está direta ou indiretamente
ligada por questões de interesses. Esses grupos em nosso
caso recebem a designação de públicos. Este processo é um
fenômeno que sempre existiu, apenas que somente neste século foi percebida sua importância. Caracteriza-se por ser
multidimensional, dinâmico e histórico, das várias formas de
interação das organizações em um sistema social, segundo
estruturas políticas, econômicas, sociais, éticas, psicológicas
e culturais (SIMÕES.1979, p.4).
Um exemplo de perspectiva nesse sentido, tendo como elemento
aglutinador um direito focado no coletivo social se abre com a experiência da articulação que levou à criação da Audiência Pública sobre Vagas
na Educação Infantil5, em 2013 (29 e 30 de agosto de 2013) no Tribunal
5
A Audiência Pública e a sua análise sob a perspectiva dos sujeitos coletivos
582
de Justiça de São Paulo, que objetivou colocar em pauta a demanda social por creche e o alto déficit existente no município de São Paulo. A
proposta da Audiência Pública, capitaneada pelo Poder Judiciário teve
como característica inédita promover o diálogo entre diversos sujeitos
(Poder Executivo, organizações sociais, representantes da sociedade civil e especialistas) com vista à ampliação da rede de educação infantil e
a efetivação do direito à educação.
Este modelo de Audiência Pública decorreu da iniciativa do
Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Educação Infantil (GTIEI)
em requer um plano de expansão baseado no diálogo, de acesso público
e com padrões de qualidade, um sujeito aglutinador que passou a reunir
outros sujeitos coletivos, a saber:
* as organizações da Sociedade Civil (Ação Educativa e Rede
Nossa São Paulo);
* a Defensoria Pública do Estado de São Paulo;
* o Ministério Público do Estado de São Paulo (Grupo de Atuação Especial de Educação – GEDUC);
* os escritórios Associados de Advocacia (Rubens Naves, Santos Jr. e Hesketh) como membros Voluntários.
Estes sujeitos, considerados nesse paper como grupos com suas
próprias normas, causas e perspectiva se reuniram para, pelo dialogo,
levar à causa integradora no sentido de efetuar o diagnóstico de entraves à efetivação do direito à Educação Infantil; a Judicialização intensa no município; a Preocupação com a qualidade do ensino; levantar
a Ausência de planejamento público e destacar a Falta de informação
para controle social das ações voltadas à Educação Infantil
Na Audiência o GTIEI apresentou 10 diretrizes principais para
ampliação de vagas em creches e melhorias na qualidade do ensino ao
TJSP, o qual condenou o Município de São Paulo a criar 105 mil novas vacom vistas ao dialogo a partir das normas reputacionais que os norteiam, é
parte do estudo empírico do trabalho de iniciação cientifica desenvolvido na
Faculdade de Comunicação e Educação da Universidade Anhembi Morumbi-UAM, orientado pela autora deste paper e pesquisado por Lara Macedo Pascom, cujos resultados deverão estar finalizados no segundo semestre de 2015.
583
gas em creches até 2016, mantendo os parâmetros básicos de qualidade
estabelecidos pelo Ministério da Educação-MEC.
A principal inovação da Audiência tem sido a promoção do diálogo entre poderes e organizações da sociedade civil e a definição de texto
de decisão com caráter amplo e coletivo, incorporando todo o referencial normativo sobre qualidade da educação infantil. Dentre os sujeitos
coletivos envolvidos está o Movimento Creche Para Todos (2008), que
surgiu com a proposta de ampliar a consciência da população sobre o
direito à educação infantil, mobilizando e organizando a demanda popular de vagas na rede municipal de São Paulo e monitorar as políticas
públicas nesse sentido no período de 2008 e 2010 que redundou em duas
Ações Civis Públicas para ampliação das vagas.
A Secretaria Municipal de São Paulo que redundou numa avaliação por parte dos sujeitos envolvidos que nos quatro primeiros meses
de 2013 apenas conseguiram vagas quem entrou com ação judicial.
E o Comitê Interinstitucional de Monitoramento - Modelo de
acompanhamento da execução da decisão – criado após a Audiência
sob responsabilidade da Coordenadoria da Infância e da Juventude do
TJSP, que privilegia a continuidade do diálogo interinstitucional como
complementação ao processo civil tradicional.
REFERÊNCIAS
ÁLVAREZ, Jesús Timoteo. Historia y modelos de la comunicación em el
siglo XX. 25. ed. Madrid: Editorial Universitas. Madrid, ES, 2012.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Tradução de Roneide Venancio
Majer com Klauss Brandini Gerhardt. Atualização por Jussara Simões. 6.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. v. I, 2000.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas.9ª. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
GÖRZ, André. O Imaterial. Tradução de Celso Azzan Junior. São Paulo:
Annablume, 2005.
HESPANHA, António Manuel. A nobreza nos tratados jurídicos dos séculos XVI e XVIII, p.27. Ediciones Campos, Portugal, 1993.
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585
|7|
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO INSTRUMENTO DE
INTEGRAÇÃO ENTRE A RESPONSABILIDADE SOCIAL
EMPRESARIAL E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
Paulo Roberto Rosa Calegaro
e Tânia Maria Diederichs Fischer1
RESUMO
Um dos desafios das empresas em sua atuação socialmente responsável é colaborar com o desenvolvimento
dos territórios nos quais se instalam. Entendendo que as
práticas dos sujeitos são influenciadas pelo modo como as
coletividades se apropriam de um objeto ou acontecimento
e o resignificam, apontamos como um caminho viável para
subsidiar a definição das estratégias de responsabilidade
social empresarial a análise das representações sociais. É
o que aplicamos no presente artigo; partindo dos discursos da sociedade civil e do poder público de um município
sobre o papel de uma empresa no desenvolvimento deste
território, sugere-se a implantação de práticas de responsabilidade social relacionadas à qualificação profissional,
intermediação de mão-de-obra, programas de relacionamento, entre outras ações.
Palavras-chave: Desenvolvimento territorial.
Responsabilidade Social Empresarial. Representações
Sociais.
Paulo Calegaro é bacharel em Relações Públicas pela Universidade Estadual
de Londrina e mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade
Federal da Bahia. Tânia Fischer é Doutora em Administração pela Universidade
de São Paulo.
1
INTRODUÇÃO
Os estudos sobre o desenvolvimento dos territórios estiveram sempre imbricados com o papel das empresas neste processo. Independente
da abordagem, se globalistas ou regionalistas (DALLABRIDA,
FERNANDÉZ E SIEDENBERG, 2004), as teorias hegemônicas do desenvolvimento territorial centram-se na análise de como se estruturam economicamente estes espaços, reservando lugar de destaque às organizações privadas. Reformas neoliberais, a transnacionalização do capital
com a globalização, a re/indefinição dos chamados primeiro, segundo e
terceiro setor, alteram as responsabilidades atribuídas a cada um deles
no processo de desenvolvimento, reforçando ainda mais a importância
e influência das organizações privadas nos territórios.
Em paralelo, crescem as cobranças da sociedade em relação ao
papel das corporações, culminando no movimento da responsabilidade
social empresarial. Nesta interseção entre o desenvolvimento dos territórios e a responsabilidade social empresarial, uma indagação nos parece relevante: Como este ator social (a empresa) pode ou deve contribuir
e, principalmente, como integrar-se ao processo de desenvolvimento do
território em que se encontra?
Levando em conta que o desenvolvimento territorial envolve diferentes atores, atores estes que representam também as partes interessadas na organização privada, faz-se necessário conhecer seus interesses
e expectativas, em quais projetos de desenvolvimento estão engajados e
quais as crenças e paradigmas que orientam suas ações, ou seja, como
enxergam o território e seu desenvolvimento, o que esperam de cada
uma das institucionalidades envolvidas neste processo e que papeis
atribuem a elas. Para realizar esta escuta qualificada buscamos apoio
no campo da psicologia social, na teoria das representações sociais,
por entender que as práticas são influenciadas pelas representações sociais compartilhadas por um determinado grupo, pois este é o modo
como as coletividades se apropriam de um objeto ou acontecimento e
o resignificam, como “partilham o conhecimento e deste modo constituem sua realidade comum, como transformam as ideias em práticas”
(MOSCOVICI, 2012).
587
É neste contexto que se enquadra o presente artigo, buscando
apoio na teoria das representações sociais de modo a subsidiar a definição das práticas de responsabilidade social empresarial com vistas
à promoção do desenvolvimento territorial. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, com abordagem de estudo de caso, partindo da pergunta:
Quais as representações dos atores sociais sobre o papel da empresa X
no desenvolvimento territorial do município Y2.
Iniciamos com o aporte teórico-metodológico utilizado na pesquisa, seguido da apresentação dos resultados do estudo na seção
‘Representações sobre o papel da empresa X no desenvolvimento do território Y’. Nas considerações finais apresentamos, com base nas representações sociais, possíveis caminhos para implantação de práticas de
responsabilidade social da empresa no território.
APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Com base nas teorias de SEN (2010), Dallabrida (2012), Brandão
(2011) e Fischer (2002), definimos aqui o desenvolvimento como um
processo de exercitar escolhas com vistas à eliminação das privações e
à melhoria da qualidade de vida e da consciência cívica. Este processo é
compreendido como um complexo de variadas dimensões e, sobretudo,
como um construto social entremeado por interesses, conflitos e relações assimétricas de poder, localizado em um tempo e espaço.
As formas espaciais são materializações de projetos elaborados por sujeitos históricos e sociais. Por trás dos padrões
espaciais, das formas criadas...estão concepções, valores,
interesses, mentalidades, visões de mundo. Trata-se de ação
dotada de um sentido, atribuído pelo executante. Um movimento que necessariamente se realiza através de sujeitos,
individuais e/ou coletivos, que, ao agirem, desencadeiam
séries causais. Isso coloca o imperativo de se compreender
as motivações envolvidas para dar conta da produção do espaço, pois são elas que impulsionam os sujeitos. Os atores
são movidos por necessidades, interesses, desejos e sonhos
(MORAES, 2002).
Por questões éticas e legais, de modo a preservar o anonimato da empresa e
do território, os nomeamos como ‘empresa X’ e ‘território Y’.
2
588
Aprofundamos desta definição dois aspectos em particular: a diversidade de sujeitos e as motivações e sentidos atribuídos ao processo
de desenvolvimento do território. Para investigar os sentidos atribuídos
ao desenvolvimento do território pelos atores sociais nele presentes,
nos embasamos na teoria das representações sociais, apontada como
um caminho para integração entre a responsabilidade social e o desenvolvimento territorial. A diversidade de sujeitos nos remete à multiatorialidade do desenvolvimento, às interorganizações, à coletividade e
à capacidade associativa. Dentro deste múltiplo de atores, é objeto de
nosso estudo a transformação do papel atribuído a um deles no processo de desenvolvimento, a organização privada.
A reflexão sobre o papel das empresas perante a sociedade, a responsabilidade social empresarial, pode ser vista sob diferentes abordagens, a saber: visão liberal, política ou crítica (SCHOMMER e ROCHA,
2007); ou ainda a partir das teorias dos stakeholders, empírica ou contratualista (BARBIERI E CAJAZEIRA, 2012). Independente da abordagem que se venha a adotar, é inegável o crescente peso das empresas na
arena sociopolítica e econômica, assim como as cobranças e expectativas da sociedade em relação às organizações privadas. Não se trata de
uma defesa de que as empresas devem ser as responsáveis pelas questões sociais e ambientais, mas que não podem estar de fora do debate
público e da renegociação do pacto social.
Consideramos, entretanto, que a empresa não está no centro deste debate, mas é parte dele.
Este engajamento no campo social exige da organização privada uma capacidade de adaptação aos diferentes contextos em que está localizada, exige uma visão sistêmica para
além de seus muros, uma compreensão da empresa como
parte de uma dinâmica que se constrói na interação entre
os atores sociais presentes em um território. (CALEGARO e
CUEVAS, 2014).
Assim, é a partir de uma escuta qualificada dos atores presentes
no território que a empresa poderá compreender seu papel na dinâmica socioterritorial com vistas ao desenvolvimento de cada localidade.
Para estabelecer esta escuta, nos apoiamos na teoria das representações
sociais. A escolha deste itinerário investigativo é para nós relevante na
589
medida em que as práticas que se dão cotidianamente nas relações interorganizações influenciarão e serão influenciadas pelas representações
sociais que estes atores constroem uns sobre os outros e sobre o processo de desenvolvimento do território.
Moscovici (2012) conceitua representação social como uma forma de conhecimento em que o sujeito procura adaptar o conhecimento
cientifico às suas necessidades, por meio dos recursos de que dispõe. As
representações sociais podem ser entendidas como meios de recriar a
realidade, são elas que vêm à nossa mente para dar sentido às coisas ou
explicar a situação de alguém.
Um sistema de valores, ideias e práticas com uma dupla função: primeiro estabelecer uma ordem que possibilitará às
pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação
seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem ambiguidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história
individual e social (MOSCOVICI, 2012).
Representar algo é então explicar, dar sentido à realidade social,
produzir efeito identitário, organizar as comunicações e orientar as
condutas. Neste sentido, entende-se que o conhecimento das representações sociais dos atores presentes em um território se apresenta como
um caminho viável para a definição das práticas de responsabilidade
social empresarial com vistas ao desenvolvimento territorial.
O município Y foi escolhido por tratar-se de um caso que tipifica bem a influência empresarial sobre o desenvolvimento do local, bem
como por ser área de atuação do pesquisador. A dinâmica socioeconômica do município Y transforma-se, saindo de uma base agrícola extrativista para a atividade industrial com a entrada em operação de uma
unidade da empresa X.
Para obtenção dos discursos dos atores sociais foram realizadas
entrevistas individuais em profundidade, partindo do entendimento de
que as representações sociais são um pensamento coletivo que se caracteriza, conforme Lefevre, F. e Lefevre, A. (2005), pela presença, internalizada no pensar de cada um dos membros da coletividade, de esquemas
sociocognitivos ou de pensamento socialmente compartilhado.
590
Para obter o pensamento coletivo é preciso convocar os
indivíduos, um a um, para que cada indivíduo possa expor
seu pensamento social internalizado, livre da pressão psicossocial do grupo, para que o conjunto dessas individualidades possa representar uma coletividade (LEFEVRE, F.;
LEFEVRE, A., 2005).
Estas entrevistas foram realizadas com dez pessoas do poder público municipal e dez representantes da sociedade civil. A segmentação
do público pesquisado levou em conta se o entrevistado representa o
poder público ou sociedade civil e se vive na sede do município ou em
algum distrito, haja vista que o relacionamento da empresa difere entre
estes segmentos de públicos.
Tendo como subsídio as entrevistas semiestruturadas, aplicou-se a metodologia de análise do discurso do sujeito coletivo (DSC), de
Lefévre e Lefévre, possibilitando identificar necessidades, oportunidades e responsabilidades, bem como encontrar possíveis consensos
para o desenvolvimento do território. Foram seguidas as etapas de
construção do DSC indicadas na metodologia de Lefevre, F. e Lefevre,
A. (2005, 2012), desde a seleção das expressões-chave e ideias centrais
até chegar no discurso; durante o processo utilizou-se o sistema qualiquantisoft, software desenvolvido para apoio à metodologia de análise
do Discurso do Sujeito Coletivo. As entrevistas são transcritas e lidas
uma a uma selecionando as expressões-chave, que são trechos destacados de cada material verbal, que melhor descrevam seu conteúdo,
que revelem a essência do seu conteúdo, depurando o discurso do que
é acessório. A partir delas (as expressões-chave) são descritas as ideias
centrais – formulas sintéticas que descrevem o sentido presente nas
expressões-chave; as ideias centrais que apresentem sentidos semelhantes ou complementares são agrupadas e suas respectivas expressões-chave formam um discurso-síntese.
Sendo uma metodologia quali-quantitativa, o discurso do sujeito coletivo traz, além dos discursos-síntese, duas variáveis quantitativas: intensidade e amplitude. O fator intensidade, também chamado
de força, nos mostra quantas pessoas ou qual o percentual dos entrevistados que formou aquele discurso, enquanto a amplitude indica se
ele está concentrado em um público ou disperso - conforme indicado
nos procedimentos metodológicos as variáveis consideradas para seg591
mentação do público pesquisado foram: pertence a qual parte interessada (poder público - PP ou sociedade civil - SC) e bairro em que
vive (sede - S ou distrito - D), uma vez que a unidade da empresa está
localizada em um distrito distante da Sede do município.
Na seção seguinte os discursos são ordenados a partir da combinação entre estes dois fatores, sendo apresentadas as ideias centrais a partir da mais ‘forte’ e ‘ampla’ até aquela com menor grau
de compartilhamento. As ideias centrais sintetizam a essência dos
discursos, enquanto estes são formados pela junção das expressões-chave retiradas das entrevistas realizadas. Após a tabela-síntese de
cada questão são apresentados os discursos, ao que se segue uma
breve análise sobre o mesmo.
REPRESENTAÇÕES SOBRE O PAPEL DA EMPRESA X NO
DESENVOLVIMENTO DO TERRITÓRIO Y
Os discursos apresentados em seguida representam aquilo que os
atores sociais acreditam que a empresa já faz ou deixa de fazer pelo desenvolvimento do município. Depois, a mesma pergunta era feita com
base no que creem ser o papel ideal da empresa, o que deveria fazer pelo
desenvolvimento do território.
TABELA 1 – DISCURSO SOBRE “O QUE A EMPRESA X FAZ HOJE PELO
DESENVOLVIMENTO”, POR IDEIA CENTRAL.
INTENSIDADE
IDEIA CENTRAL
AMPLITUDE
NO DE PESSOAS
%
Empresa X atua no
social, mas ainda é
pouco
9
45%
Empresa X tem
um passivo com o
município
6
Empresa X faz sua
obrigação
3
592
PARTE
INTERESSADA*
BAIRRO**
78% SC
45% S
22% PP
55% D
30%
100% PP
100% S
15%
100% SC
66% S
33% D
Empresa X desmobiliza comunidade
2
10%
100% PP
100% S
Fonte: Elaboração própria. * Legenda: SC representa entrevistados que são
da Sociedade Civil, enquanto PP representa entrevistados que pertencem ao
poder público. ** Legenda: S representa entrevistados que vivem/convivem na
Sede do município, enquanto D representa entrevistados
que vivem/convivem nos distritos.
Discurso Empresa X atua no social, mas ainda é pouco:
A empresa X está buscando essa ação a nível social. Há alguns programas como aquele programa de criança que é muito bom, pena que
não dá pra agraciar todos, se fosse mais abrangente seria melhor. Tem a
Agenda 21 que está também pela empresa, tem algumas iniciativas quanto a relação com os manguezais, com os pescadores, mas ainda é muito
pouco, poderia fazer muito mais coisas para dentro do município. Tem o
Mova Brasil, que é uma outra ação que a empresa vem fazendo, mas ainda
é muito restrito.
Mais concentrada na sociedade civil, tanto dos distritos quanto
da sede, esta ideia central reconhece a atuação da empresa por meio
de projetos sociais e programas de educação, organização comunitária
e conservação ambiental. Ainda assim acham que a empresa X deveria
realizar mais ações e que alcançassem um público maior.
Discurso Empresa X tem um passivo com o município:
A empresa X tem um débito social muito grande, um passivo enorme, não basta só esse repasse, o maior compromisso que a empresa deve
ter é o compromisso social. Precisa colocar mais os programas que ela tem
em outras cidades, em outros estados, que às vezes nem tem unidade da
empresa; o nosso município respira gases que prejudica a saúde, que tudo
isso é provocado pela empresa. Primeiro pagar o que deve, que é muito, é
uma dívida incalculável. E podemos culpar a empresa propriamente? Não.
Depende também do gestor, não só da empresa.
Formulado por representantes do poder público que vivem na
sede, o discurso é baseado na ideia de que é necessária uma atuação
social para compensar impactos e danos causados pela empresa, comparando com outros municípios em que a empresa não tem opera593
ções mas realiza investimentos sociais. A responsabilidade pela falta
de investimentos da empresa X no município é também atribuída ao
poder executivo municipal que, na visão destes entrevistados, deveria
exercer uma cobrança mais forte sobre a empresa, reforçando a visão
de que o poder executivo é o principal responsável pela promoção do
desenvolvimento.
Discurso Empresa X faz sua obrigação:
Olhe, não como um defensor da empresa X, eu vejo que ela cumpre o
seu papel social, cumpre aquilo que a Legislação determina, que é área ambiental, a social, paga os tributos, mas aí não cabe à empresa administrar
esse recurso dos impostos. Então ela vem atendendo de maneira satisfatória,
os empreendimentos que são propostos existe os critérios, não vejo a empresa X com uma certa pendência, porque se uma estrada está ruim, sistema de
educação está ruim, não cabe à empresa. Há que sinalizar também a empresa X como um dos fortes empreendedores nesses avanços da sociedade civil;
tivemos a contemplação de cinco entidades do município porque foi possibilitado isso, no trabalho social da empresa. Esse comitê que nós participamos
mesmo das organizações é um ponto assim, que é fundamental pra que a
gente hoje, tenha essa condição de conhecer e aproveitar no que podemos. A
empresa X é uma das maiores incentivadoras para o crescimento.
A empresa X é vista como uma fomentadora do desenvolvimento
das organizações da sociedade civil, contribuindo com formação de conhecimento e patrocínio à projetos. É salientada a contribuição em impostos pela empresa e sua conduta social e ambientalmente responsável, diferenciando ainda as responsabilidades da empresa e dos demais
atores. Compartilhado por entrevistados da sociedade civil, este discurso é composto apenas por pessoas que mantém um relacionamento
contínuo com a empresa X, uma variável até então não considerada por
não ser relevante em outras temáticas, nas quais este grupo se mescla
aos outros sem que seja possível identificar um discurso específico deste em outras questões. Vale salientar ainda que, de todos os entrevistados, seis mantém relacionamento contínuo com a empresa X, todos da
sociedade civil.
Discurso Empresa X desmobiliza comunidade:
Há uma gestão de influência da empresa X no território, a forma
como a sociedade está totalmente desorganizada é gerenciada pela pró594
pria empresa. Existe uma governança paralela feita pela empresa que desmobiliza todas as ações conjuntas que poderiam ser implementadas pelos
prefeitos da região. Já a ação junto às comunidades é muito mais uma
prestação de contas do que de fato uma intervenção, uma ação que possa
transformar, interferir ou modificar. Não é culpa só da empresa, é porque
o outro lado que está participando não acredita, a sociedade tem como
perspectiva a solução do seu imediato, então vai para uma reunião, chega
lá não se sente contemplado, aquilo para o indivíduo não tem validade
nenhuma. Ele volta para casa e continua a vidinha dele. A empresa X faz
de conta que está resolvendo; é uma ação pontual, o diálogo fica na base
de resolução de demandas, não tem um planejamento.
Representantes do poder público afirmam que a empresa exerce
influência sobre a sociedade civil e sobre o poder público, desarticulando-os para que não façam frente à organização no que diz respeito à concentração de poder, de modo que não exerçam pressão sobre a empresa.
A sociedade civil também é responsabilizada pela falta de consequência
das ações da empresa junto à comunidade, que se dão muito mais como
uma prestação de contas que como uma intervenção transformadora.
Partindo do que a empresa X faz pelo desenvolvimento, os entrevistados passam então para quais seriam os papeis ideais atribuídos à
organização com vistas à promoção do desenvolvimento do território. A
tabela abaixo sintetiza as ideias centrais referentes a esta questão.
TABELA 2 – DISCURSO SOBRE O PAPEL IDEAL DA EMPRESA X,
POR IDEIA CENTRAL.
IDEIA CENTRAL
INTENSIDADE
AMPLITUDE
N DE PESSOAS
%
Empresa X deve
fazer formação
10
50%
Empresa X tem que
empregar
8
40%
Empresa X deve
cuidar do meio
ambiente
3
15%
O
PARTE INTERESSADA
BAIRRO
60% SC
70% S
40% PP
30% D
50%SC
62% S
50% PP
38% D
66% SC
33% S
33% PP
66% D
595
Empresa X deve
fazer projetos duradouros
2
10%
100% SC
Empresa X deve
participar/patrocinar eventos
2
10%
100% PP
50% S
50% D
100% S
Fonte: Elaboração própria
Discurso Empresa X deve fazer formação:
A empresa X pode ter esse papel em termos de formação profissional, porque é bom para o cidadão, para o munícipe, mas para a empresa
também é muito bom ter um quadro bem formado próximo do local onde
ela está instalada. Deveria fazer uma escola profissionalizante, bem direcionada as necessidades do mercado de trabalho para ações de trabalho que ela executa e necessita, bem como para as empresas que realizam
seus serviços terceirizados. Muitos jovens têm vontade, mas não aparecem
oportunidades, um grande número de pessoas que fizeram o curso do petróleo e gás concluíram com muita dificuldade e em momento nenhum tiveram oportunidade. Se a empresa X fizesse uma formação, “oh a gente vai
ajudar aqui o município, vamos dar um curso para vocês aí de comércio”,
o sujeito sabia que ele ia fazer um curso de comércio, mas que ele não iria
trabalhar na empresa X porque não é atividade dela (da empresa). Mas a
empresa X faz a formação exatamente na sua área, na área de demanda
da sua empresa, e aí depois esse retorno é muito pequeno para essa sociedade. Então precisa responder essa questão.
A qualificação profissional é apontada como um dos papeis atribuídos à empresa X; entrevistados da sociedade civil e do poder público ressaltam a carência deste tipo de formação, bem como os possíveis
ganhos tanto em empregabilidade quanto em redução de custos para a
empresa X e seus prestadores de serviço. O discurso traz ainda que mesmo aqueles que têm formação encontram dificuldades de ingressar no
mercado de trabalho, não adiantando a empresa fazer formação na área
em que atua se não haverá oportunidades de ingresso.
Discurso Empresa X tem que empregar:
A empresa X está aqui perto, dentro do município e não emprega
ninguém. Por quê? As pessoas não conseguem entender. Precisava ter um
596
atendimento maior no campo da geração de emprego e de renda, estabelecer e criar políticas em cima disso para atender todo mundo. A empresa X
não é só pro pessoal daqui, mas não é admissível que uma empresa dentro
do município e que emprega várias pessoas não seja a número 1 em ocupação das pessoas da cidade, que não tenha quase ninguém daqui trabalhando. Muitos pais deixam a família para trás e vão trabalhar em outro
Estado, isso é complicado.
Complementando o discurso anterior, esta ideia central questiona o não aproveitamento da mão de obra local pela empresa X e seus
prestadores de serviço.
Discurso Empresa X deve cuidar do meio ambiente:
O cuidado com o meio ambiente deve ter um grande investimento de
trabalho. A empresa X tem um grande débito aí nessa área de meio ambiente. Quando tinha um derrame de produto o que a empresa fazia? - limpava o
que dava e o que não podia ficava lá degradando. Então tem que investigar
essa área de meio ambiente, olhar o pessoal da pesca, ver problema de mau
cheiro que tem, o que deve consertar para não causar problema para comunidade, trabalhar estas tecnologias para melhorar as coisas.
Com maior concentração entre os entrevistados que vivem nos
distritos, são apontados impactos ambientais com consequências para
a saúde e geração de renda dos munícipes. Fala-se em passivos que precisam ser investigados e da necessidade de desenvolvimento de tecnologia para minimizar eventuais impactos.
Discurso Empresa X deve fazer projetos duradouros:
Essa questão de patrocinar festas, eventos, não sei quantos milhões
para fazer uma festa, isso não vale a pena, porque festa é aquilo ali e acabou, não fica nada pra comunidade de verdade. A empresa deve fazer uma
coisa na comunidade, com entidade, todo mundo que tomou aquele curso,
qualquer coisa, uma escola profissionalizante, projetos que ajudem a promover a transformação do indivíduo, do cidadão, isso tudo fica marcado.
Formulada exclusivamente por entrevistados da sociedade civil,
esta ideia central questiona o investimento da empresa X em eventos esporádicos que não promovem a transformação social, reforçando que o
investimento deve ser realizado em projetos de longo prazo que tenham
retorno à sociedade.
Discurso Empresa X deve participar/patrocinar eventos:
597
Era bom que a empresa bancasse aqui o festejo popular, um show
de banda famosa, também feiras de livro, festival de cultura. É muito bom
estar vinculando o nome da empresa X a estes eventos. Às vezes o que precisa não é nem tanto dinheiro, é essa questão de parceria, que onde tem a
marca da empresa fica uma boa impressão, além do retorno que tem para
a própria empresa. Isso serve também para aliviar o poder público a fazer
outros investimentos na cidade.
Contrapondo o discurso anterior e compartilhado somente pelo
poder público, a proposta apresentada é que a empresa X participe também de eventos pontuais, ‘emprestando’ sua credibilidade à organização
do evento ao associar sua marca e aliviando os custos do poder público,
de modo que este possa investir em ações mais estruturantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estabelecido como objetivo proporcionar a integração da responsabilidade social da empresa X ao desenvolvimento do território Y, por
meio da análise das representações sociais de seus atores –, há que se
destacar as possibilidades proporcionadas pela análise do discurso do
sujeito coletivo em nosso caso.
Entre representações e práticas há um processo de codeterminação e, segundo Abric (apud Chamon, 2009), esta ligação têm relação
direta com a natureza da situação e, principalmente, com duas de suas
características: a autonomia do sujeito na situação, ainda que parcial, e
a presença, na situação, de elementos ligados fortemente à afetividade
ou à memória coletiva. Daí derivam duas hipóteses:
a) as representações determinariam as práticas sociais nas
situações nas quais a carga afetiva é forte ou a referência à
memória coletiva é necessária para manter ou justificar a
identidade, a existência ou as práticas de grupo; b) as representações teriam papel determinante sobre as práticas nas
situações nas quais o ator dispusesse de uma autonomia
(mesmo relativa) com respeito às restrições da situação ou
àquelas resultantes das relações de poder (CHAMON, 2009).
De modo prático e simplista, visando a instrumentalidade necessária para sermos propositivos, há então dois extremos (permeados de
nuances entre eles) no modo de lidar com a representação social: o pri598
meiro é entendê-la como uma condição dada à qual se deve aceitar como
limite à atuação, ou seja, aquele paradigma está consolidado e temos de
conviver com ele, ajustando as estratégias dentro desta realidade. O segundo, mais complexo, é estabelecer estratégias, discursivas e práticas,
para transformação da representação social, o que só poderá se dar em
longo prazo, a partir de ações planejadas e conscientes. Dentro deste
amplo espectro, nos propusemos a encontrar os possíveis consensos, sejam presentes ou passiveis de serem construídos (com ações conscientes e planejadas), e a partir deles avaliar as possibilidades de integração
da responsabilidade social empresarial ao desenvolvimento territorial.
Abordando os papeis atribuídos à empresa, nota-se que a sociedade civil tem, em geral, uma imagem mais positiva de sua atuação, o que
pode ser notado em ‘Empresa X faz sua obrigação’ e ‘Empresa X atua no
social, mas ainda é pouco’, que reconhece os esforços ainda que os considere insuficientes. Já o poder público, ator com maior concentração
de poder no território, expõe dois discursos negativos sobre a empresa
X, o que demonstra a necessidade da organização atuar mais próximo
deste ator, tanto com divulgação de suas ações visando reverter esta
percepção, quanto estabelecendo um relacionamento transparente e de
parceria com este público. Uma demonstração de que o relacionamento pode formar uma representação diferenciada sobre a organização foi
encontrada na ideia central ‘Empresa X faz sua obrigação’, formulada
por aqueles que mantém contato frequente com a empresa. Não se trata
de isentar a empresa de sua responsabilidade ou apenas de melhorar a
representação destes públicos sobre a organização, mas de estabelecer
entre os atores presentes no território relações de confiança e parceria,
relações interorganizacionais que são imprescindíveis para o desenvolvimento do território.
Entre os discursos, dois apontam a necessidade de atuação da
empresa sobre a temática do emprego, que foi citada por 90% dos entrevistados. Cabe ainda ressaltar que tanto sociedade civil quanto poder
público, assim como sede e distritos são parte destas ideias centrais citadas, sendo este claramente um consenso possível. Não basta, entretanto, a empresa proporcionar qualificação profissional se isso não for
revertido em maior empregabilidade: “Mas a empresa X faz a formação
exatamente na sua área, na área de demanda da sua empresa, e aí depois
esse retorno é muito pequeno para essa sociedade. Então precisa responder
599
essa questão”. O envolvimento da empresa com a temática significa para
os demais atores um comprometimento com a solução. Não há espaço
para a empresa se omitir neste tema, mas promover somente a qualificação não será suficiente, sendo necessário estabelecer estratégias de
intermediação de mão de obra que aumentem a empregabilidade dos
participantes dos cursos de qualificação.
Neste sentido, uma possibilidade é a articulação de um comitê ou
fórum interorganizacional que envolva empresas prestadoras de serviço, poder público, sociedade civil organizada, instituições tecnológicas
e acadêmicas. A este comitê caberia avaliar as potencialidades econômicas do território de modo a definir as áreas de qualificação profissional a
serem desenvolvidas, bem como implantar um processo transparente e
multiatorial de intermediação de mão-de-obra.
Outro ponto importante na relação da empresa com o território
diz respeito ao que é abordado em toda a literatura sobre responsabilidade social, o tratamento dos impactos causados e/ou atribuídos à ela.
Discurso compartilhado em especial por aqueles que vivem mais próximos às instalações da organização (‘Empresa X deve cuidar do meio
ambiente’), demanda tanto ações de esclarecimento, para os casos de
falta de informação e responsabilização equivocada, como desenvolvimento e/ou aplicação de tecnologias para efetiva minimização de eventuais impactos que realmente estejam ligados à operação da empresa,
mantendo uma relação de transparência com seus vizinhos.
Apresentamos algumas das diversas possibilidades de atuação de
uma empresa para que possa colaborar com a transformação do local.
Todas as sugestões colocadas são especificas para este contexto e só serão efetivas em um espaço e tempo delimitados, são dirigidas ao caso em
questão e são temporárias, pois refletem a dinâmica socioterritorial atual.
Estes são os limites e ao mesmo tempo as possibilidades que a análise
das representações sociais nos apresenta quando aplicadas ao desenvolvimento territorial; é uma metodologia aplicável a outras situações justamente por nos permitir ver o que há de singular em cada uma delas, e
mais, por trazer à tona as crenças e paradigmas que influenciam as práticas. Consideramos desta forma que a análise das representações sociais
deve ser uma das muitas ferramentas utilizadas para pensar processos
de indução do desenvolvimento territorial; é preciso mesclar análises
600
quantitativas, intervenções territoriais baseadas em métodos participativos, análise de representações sociais e tantas outras formas de análise
disponíveis para estabelecer estratégias com vistas ao desenvolvimento
territorial, um grande desafio da sociedade contemporânea ‘glocalizada’.
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602
|8|
RELAÇÕES PÚBLICAS ENQUANTO COMUNICAÇÃO
POLÍTICA DO MOVIMENTO SOCIAL DOS DIREITOS
ANIMAIS
Camila Carbornar de Souza1
e Nicole Kollross2
RESUMO
O artigo tem como tema a atividade de relações públicas como potencializadora do caráter político e, consequentemente, da efetividade comunicacional do movimento social pelos direitos animais. O artigo tem como objetivo
central a discussão sobre a ação política (por meio da comunicação) do movimento no cenário brasileiro, e o problema de pesquisa é como as organizações do movimento
lançam o debate sem a grande mídia. Constituem a metodologia o embasamento teórico é a teoria da mobilização
política e o conhecimento de mobilização da área das relações públicas, (sendo que ambos têm como fio condutor o
conflito político) e análise de enquadramento. Como resultado constata-se que a mobilização do movimento é a atividade de Relações Públicas, sem conhecimento, sem desenvolvimento adequado e sem o devido mérito – um quadro
brasileiro no qual se trabalha para mudar.
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora no Grupo de Pesquisa Comunicação e
Mobilização Política (CNPq).
1
Doutoranda em Comunicação e Linguagens no Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná. Pesquisadora no Grupo de
Pesquisa Interações Comunicacionais, Imagens e Culturas Digitais (CNPq).
2
Palavras-chave: Mobilização; Movimento dos direitos
animais; Comunicação política; Relações públicas.
INTRODUÇÃO
A preocupação com os animais se mostra crescente, pois há uma
maior sensibilidade tanto nos cuidados destinados aos gatos e cães,
quanto ao tratamento destinado aos bois e porcos (mesmo que por causa da sua carne, o seu destino seja invariavelmente a morte); o mesmo
acontece no tratamento destinado aos coelhos e primatas, por causa da
cura do câncer.
Há sensibilidade quanto ao tratamento, ninguém quer infringir
dor desnecessária aos animais e avanços vêm sendo feitos no âmbito
legal para amenizar o sofrimento deles. Num caminho que começa no
século XIX na Inglaterra, passa pelos Estados Unidos e chega posteriormente na América Latina, o movimento pelos direitos animais chega ao
Brasil nos anos 2000.
As preocupações do movimento se diferenciam, contudo, das preocupações acima. Numa pauta única, esse movimento exprime a complexidade de uma questão contra-hegemônica e cheia de por menores:
a abolição da exploração animal e do status de propriedade do animal.
Entendendo que os animais possuem senciência (capacidade de sentir
dor conscientemente) – que é o que, em determinada instância, faz todos os seres humanos terem direitos – há agora a busca pelos interesses
dos animais em bem viver as suas vidas, com liberdade3 (FRANCIONE,
2013). São justamente as organizações que agem com o fim de abolição
animal, que constituem o movimento dos direitos animais, o objeto de
estudo do artigo, sendo o Brasil o universo de pesquisa.
A necessidade intrínseca dos seres humanos os ultrapassa e é
também uma necessidade das organizações, para que elas sobrevivam.
Para agir de modo coerente com a convicção, o veganismo ( filosofia de vida
sem usos de produtos que envolvem animais no seu processo, na sua composição ou tem animais como produto final) é adotado como base necessária.
3
604
É um elemento vital: “é a comunicação que ocorre dentro [da organização] e a comunicação entre ela e seu meio ambiente que [a] definem e
determinam as condições da sua existência e a direção do seu movimento” (THAYER4 apud KUNSCH, 2003, p. 69). Tal vitalidade é evidenciada
no surgimento dos movimentos sociais e em sua caracterização atual,
que só foi possível (em retrospectiva) graças à comunicação impressa,
elemento facilitador da comunicação em maior escala (TARROW, 2009).
Enquanto movimento social, o dos direitos animais tem a intenção de lançar o debate e de mobilizar por meio de ações comunicativas.
Nesse processo de mobilização, a mídia tem um papel importante, relacionado ao de contribuir com a oferta de visibilidade e de influenciar
no rumo de um debate; para Tarrow (2009, p. 150), por exemplo, os movimentos utilizam ou os recursos internos ou a mídia para efetivar o
protesto, e em suas próprias palavras “a mídia é uma fonte difusa de formação de consenso que os movimentos não podem obter facilmente”.
Logo, meios alternativos são apropriados, como sugere Peruzzo
(2011, s/n), num ajuste às condições dadaspor parte dos movimentos
para se comunicar. A internet é um desses meios, usado como meio de
manutenção da rede e meio mobilizador. A sua infraestrutura, mais rápida e mais barata, com potencial de produção e difusão autônomas e
com recursos para ação política em diversas escalas (MAIA, 2011) possibilita o empoderamento de grupos pouco formalizados (BENNET, 2004).
Como afirmou Lévy (1996, p. 203), “o ciberespaço é justamente
uma alternativa para as mídias de massa clássicas”; portanto, são os materiais online das organizações que formarão o corpus para a análise de
enquadramento do artigo, na tentativa de responder como que as organizações do movimento enquadram o debate na intenção de mobilizar.
Dado a dificuldade de obtenção de visibilidade midiática (da grande mídia) por parte do movimento pelos direitos animais, a problemática
de estudo é como organizações que compõem esse movimento lançam
o debate e mobilizam, sem a grande mídia? O referencial teórico da pesquisa é a teoria da mobilização política, principalmente a sua vertente de
enquadramento – atividade comunicacional estratégica – e a área de co-
THAYER, Lee O. Comunicação: fundamentos e sistemas na organização, na
administração, nas relações interpessoais. São Paulo: Atlas, 1976.
4
605
nhecimento das relações públicas, no que tange o caráter social e político
da atividade. O artigo tem como objetivo central a discussão sobre a ação
política (por meio da comunicação) do movimento no cenário brasileiro
e como objetivos específicos discutir a atividade das relações públicas
nessa comunicação política e verificar os repertórios e enquadramentos
dos grupos. Os objetivos constituem os tópicos principais do artigo e a
metodologia empregada é bibliográfica, com análise de enquadramento.
POSICIONAMENTO DO CONCEITO DE RELAÇÕES PÚBLICAS
Devido à polissemia de conceitos que a atividade abrange, faz-se
aqui necessário pontuar o conceito de relações públicas que orienta o
trabalho. Algumas das características gerais que permeiam o termo são:
a busca pela compreensão mútua entre uma organização e seu pessoal,
assim como entre ela e os grupos aos quais está ligada5;ou mesmo o seu
posicionamento estratégico, para agregar valor e facilitar os processos
interativos, as mediações (KUNSCH, 2003) e a sua gestão da função política (SIMÕES6 apud SCROFERNEKER, 2008).
O surgimento da atividade – que se deu com o fortalecimento da
sociedade civil e com a mobilização política nos Estados Unidos – está
afim, para Pinho (2008), com o caráter eminentemente político das relações públicas, através do qual há o entendimento da necessidade de
atingir adeptos, de mobilizar. Foram reconhecidas como importantes as
habilidades voltadas para o mútuo entendimento, dado por meio da negociação das opiniões de diferentes públicos; que, somada às estratégias
comunicativas, acabaram por se profissionalizar através das relações
públicas. O conflito está na raiz e na razão de ser da atividade.
No Brasil a atividade nasce vinculada à administração pública.
Nos aos 1970, com abertura política e redemocratização, ela ganha caráter mais solidário e comunitário e reencontra a sua teoria de gestora de
relações de poder (STEFFEN, 2008). Deixa de ser “conformada” e retoma
à sua raiz de conflito com Peruzzo (2009), que a reintroduz na vertenAssociação Brasileira de Relações Públicas – ABPR. Disponível em: <http://
www.portal-rp.com.br/historia/parte_13.htm>. Acesso em: jul. 2013.
5
SIMÕES, R. P. Relações Públicas e Micropolítica. São Paulo: Summus, 2001.
(Coleção Novas Buscas em Comunicação, v.64)
6
606
te de atividade no âmbito popular, alternativo ou comunitário; ligada
aos movimentos sociais e a outras organizações sem fins lucrativos da
sociedade civil, cumprindo um papel e tendo uma tarefa maior do que
“apenas” mediar: fazer com que as organizações se autorrepresentem.
Mais precisamente, a atividade de relações públicas passa a ser
adotada de acordo com essa revivescência. Para Pinho (2008, p. 41), é a
volta das relações públicas no cerne das grandes questões contemporâneas: “fala-se de uma revivescência da profissão a partir do fortalecimento dos movimentos sociais de demanda especializada, tão bem
representados pelas ONG’s e demais grupos e associações pertencentes
à sociedade civil”. Segundo Peruzzo (2009), nos movimentos sociais as
atividades das relações públicas são as que se referem ao relacionamento dos atores com os seus públicos, com o conjunto da sociedade e ainda
com a opinião pública. Dessa forma, às relações públicas são conferidas
também às atividades comunicativas que influenciam no enquadramento feito pelos movimentos.
O planejamento (participativo) das ações, a preparação de materiais, as pesquisas e as campanhas, a orientação quanto à postura e as
próprias atividades com os diversos públicos, são alguns dos instrumentos da área que, quando aplicados nos movimentos sociais, auxiliam na
efetivação do alcance dos objetivos. Dessa forma, o próprio repertório
do movimento caracteriza um processo de relações públicas, quando
elaborado e aplicado de forma estratégica. De modo que a atividade, que
surgiu com vistas na mobilização social, ainda cumpre essa função (que
é o objetivo de todo e qualquer movimento social).
Em organizações sociais, as relações públicas devem estabelecer
canais de comunicação desobstruídos para que tanto a comunicação
entre a organização com os seus públicos seja estimulada, quanto à comunicação dos seus respectivos públicos entre si. Alguns instrumentos
utilizados pela atividade são: pesquisa e auditoria, que possibilitam
fazer diagnósticos e prognósticos da organização; planejamento, que
orienta as ações futuras a partir das demandas e necessidades atuais e;
comunicação dirigida, segmentada e massiva (utilizadas pela atividade
para o fortalecimento de vínculos).
Para a atuação específica das relações públicas nos movimentos
sociais, Henriques (2007) propõe estratégias comunicativas que esti607
mulam a participação dos públicos, orientadas pelo sentimento de co-responsabilidade. As estratégias são difusão de informações, promoção
da coletivização, registro da memória do movimento e fornecimento de
elementos de identificação com a causa e com o projeto mobilizador.
TEORIA DA MOBILIZAÇÃO POLÍTICA
Um dos objetivos dos movimentos sociais é fazer com que as reivindicações ganhem adesão de mais pessoas e, posteriormente, estimular essas pessoas a agirem em prol das reivindicações dos movimentos.
Esse processo é um dos apontados por Tarrow (2009) como principais
dos movimentos sociais – o de instigar redes sociais, objetivos comuns e quadros culturais – e diz respeito ao consenso e à mobilização.
“Mobiliza-se para estimular uma participação maior na vida coletiva,
nas questões que afligem a sociedade, em causas que são de responsabilidade de todos” (MAFRA, 2006, p. 36).
A mobilização parte de um esforço deliberado para a construção
do consenso (que implica em definições coletivas de uma situação),
que não é planejado e ainda vai além dele, para levar as pessoas à ação.
É o consenso mobilizado que produz a ação coletiva, e a mobilização
consiste em “tentativas deliberadas de difundir as perspectivas de um
ator social entre partes de uma população” (KLANDERMANS7apud
TARROW, 2009, p.147).
Ela ocorre “quando um grupo de pessoas, uma comunidade ou
uma sociedade decide e age com um objetivo comum, buscando, cotidianamente, resultados decididos e desejados por todos” (TORO;
WERNECK8 apud MAFRA, 2006, p. 32). Desse modo, é o resultado de
ações de sujeitos que compartilham sentimentos, conhecimento e realidade e pode ser entendida como objeto da comunicação, já que pressupõe a troca de discursos, visões e informações.
KANDERMANS, A. The formation and mobilization of consensus. In: KLANDERMANS, B.; KRIESI, H.; TARROW, S. From structure to action.International
Social MovementsResearch. V. 1. Greenwich, 1988, p. 173-196.
7
TORO, J. B.; WERNECK, Nísia M. Mobilização social: um modo de construir
a democracia e a participação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
8
608
A mobilização depende dos quadros interpretativos (TARROW,
2009) que levarão à ação, a alianças e à interação. São esses quadros que
o artigo vai explorar através da análise de enquadramento, especialmente na internet, já que a repercussão na mídia tradicional é comparativamente fraca. A noção de enquadramento foi apresentada originalmente
por Gregory Bateson em estudo sobre a psicologia. Logo essa noção foi
apropriada por sociólogos (ganhando ainda noção política e comunicativa) e o sociólogo Erving Goffman elaborou a frame analysis.
Na apropriação da noção de enquadramento por Goffman (19869
apud MENDONÇA; SIMÕES, 2012), foi introduzido o termo frame para
designar as estruturas de sentido delineadas pelos sujeitos nas situações que enfrentam. O conceito dialoga com o pragmatismo, a fenomenologia e a etnometodologia e, nas palavras de Benford e Snow (2000,
p. 614), em tradução livre do inglês para o português10: “para Goffman
frames denotam ‘esquemas de intepretação’ que habilitam aos indivíduos ‘localizar, perceber, identificar e trabalhar’ ocorrências no espaço de
suas vidas e no mundo em geral”.
Segundo a teoria da mobilização política, o enquadramento é uma
atividade estratégica, acionada quando se abrem oportunidades políticas para a mobilização social e que encontra na mídia um papel importante. A frame analysis “possibilita identificar as regras e as instruções
que orientam determinada situação eo envolvimento dos atores nela”
(MENDONÇA; SIMÕES, 2012, p. 189). Ela observa como são construídos os enquadramentos acerca do mundo e quais os recursos e medidas
utilizados para lidar com isso (HANGAI, 2012). Snow e Benford (2000)
se apropriaram do conceito para analisar a comunicação em âmbitos
políticos de ação coletiva, “argumentando que há uma categoria especial de entendimento cognitivo – os quadros interpretativos das ações
coletivas – que se refere a como os movimentos sociais constroem significados para a ação” (TARROW, 2009, p. 143).
GOFFMAN, E. Frame analysis: an essay on the organization of experience.
Boston, Northeastern University Press. 1986.
9
“For Goffman, frames denoted “schemata of interpretation” that enable individuals “to locate, perceive, identify, and label” occurrences within their life space
and the world at large” (BENFORD; SNOW, 2000, p. 614).
10
609
Ele discorre “sobre como os atores coletivos inseridos no processo
de mobilização social empregam quadros interpretativos da realidade,
permitindo-lhes analisar sua situação atual e promover reivindicações
públicas” (HANGAI, 2012, p. 5). Segundo Benford e Snow (2000), os quadros interpretativos de ação coletiva “são dispositivos enfatizadores que
ressaltam e adornam a gravidade e a injustiça de uma condição social ou redefinem como injusto ou imoral o que era visto anteriormente como desastroso, mas talvez tolerável” (BENFORD; SNOW11apud
TARROW, 2009, p.143).
Em Goffman (2009), as interpretações são dirigidas a partir dos
primary frameworks, que é uma atividade da qual se pode atrair um sentido sem a “necessidade de se recorrer a outro enquadramento prévio”.
Daí se dá a interação com agentes que tentam direcionar o assunto em
questão com interpretações de acordo com os seus próprios valores e
objetivos enquadrando o assunto ao seu modo, através do “alinhamento
do quadro interpretativo”.
Nesse alinhamento, os atores “conectam quadros culturais existentes a uma questão ou problema particular, esclarecem e revigoram
um quadro interpretativo que se relaciona a uma questão específica
e expandem os limites do quadro primário de um movimento para
incluir interesses ou pontos de vista mais amplos” (GOFFMAN apud
TARROW, 2009, p.144).
REPERTÓRIO E ANÁLISE DE ENQUADRAMENTO
No mapeamento realizado como passo inicial da pesquisa foram
constatadas 27 organizações do movimento dos direitos animais. O corpus de análise são os materiais online dos 15 grupos que deram retorno à
pesquisa.Os grupos que lutam pelos direitos animais atuam de diversas
maneiras: somadas, formam o repertório da mobilização. Tilly12 (apud
TARROW, 2009, p.51)define “repertório de confronto” como o conjunto
SNOW, David E. & BENFORD, Robert (1992). Master Frames and Cycles of
Protest. In: MORRIS, Aldon& MUELLER, Carol McClurg (orgs.). Frontiers in
Social Moviment Theory. New Haven: Yale University Press, p. 133-155.
11
TILLY, C. How to detect, describe and explain repertoires of contention.
Texto não publicado, 1992.
12
610
de rotinas compartilhadas e realizadas, e como “as maneiras através das
quais as pessoas agem juntas em busca de interesses compartilhados”.
O repertório do movimento dos direitos animais é composto por
manifestações, protestos, atos públicos, intervenções urbanas ou educativas para crianças, oficinas de arte gratuitas, produção de material (gráfico e audiovisual) de livre reprodução, projeções em espaços públicos,
campanhas pelos direitos animais (via rede social e meios impressos), palestras, programa de rádio, cursos educadores humanitários, discussões
teórico-literárias, panfletagem, petição, colagem de cartazes, ação direta
não violenta, denúncias, diálogo com o poder político, diálogo com instituições de ensino, elaboração de projetos de lei, exibição de filmes, biblioteca itinerante, eventos de culinária vegetariana estrita, diálogo com
empreendedores para implantação de opções veganas, ciberativismo,
“terrorismo midiático”13, assessoria aos que estão ingressando no veganismo ou a ONGs de proteção, oficinas de capacitação e vegnics14.
Quanto ao enquadramento, o movimento dos direitos animais já é
estudado por tal perspectiva (DECOUX, 2009; JASPER e POULSEN, 1995;
WRENN, 2014; RUBISTEIN, 2910; FREMANN, 2010). Para mobilizar indivíduos, os grupos usam os já mencionados quadros de ação coletiva, que
se divide em três componentes. O primeiro é o problema do status dos
animais como propriedade, constitui o diagnostic framing. Já o segundo é
o prognostic framing, que sugere alternativas ao público, como fazem os
grupos do movimento nos Estados Unidos, ao concentrar a solução na
dispersão de informações, aumentando o acesso a opções veganas, não
no sentimento de culpa pela exploração animal (RUBINSTEIN, 2010).
O terceiro componente é o motivational framing, que fornece justificativa e motivação para a participação e envolve um vocabulário que indica um sentimento de gravidade, urgência e eficácia (BENFORD; SNOW,
2000). Os quadros motivacionais utilizados pelo movimento exprimem a
gravidade dos matadouros e fazem apelo às crenças e costumes. Outro
estudo dos enquadramentos do movimento abolicionista nos Estados
Descrita pelo grupo que o mencionou em questionário como “várias ações
comunicativas para expor conceitos do movimento”.
13
Vegnics são picnics veganos. São momentos de descontração dos grupos em que os
seus membros e outros convidados têm como fortalecimento do vínculo interno.
14
611
Unidos (FREMANN, 2010) delineia quatro principais enquadramentos
utilizados: crueldade e sofrimento, mercantilização (animal como produto), danos aos seres humanos e ao ambiente, e matança desnecessária.
Numa análise comparativa, foi identificada semelhança de enquadramentos dos grupos brasileiros em relação aos norte-americanos. O
que surge como novidade na comparação é um enquadramento emergente nos grupos brasileiros: o de veganismo como benéfico para a sociedade, como uma cultura de paz e de compaixão, também pelo fato da
exploração animal se renquadrada possuindo relações com a exploração
humana (inclusive em âmbito econômico) e com discriminações (como
a de identidade de gênero). A tabela15 exprime o resultado da análise:
A – Crueldade e sofrimento; B – Mercantilização; C – Danos à saúde e ao ambiente;
D – Matança desnecessária; E – Outros enquadres; F – Uso de choques morais
Org./
Enquadres
A
B
C
AVEG
X
x
X
Camaleão
X
X
x
Libertação animal relacionada
com a libertação humana
X
x
Veganismo como respeito aos
animais
x
Veganismo como respeito aos
animais
X
X
x
Justiça social como uma consequência do veganismo; veganismo como cultura de paz e
compaixão
X
X
x
X
NÃO MATE
X
x
F
X
X
Instituto
Nina Rosa
E
Libertação animal relacionada
com a libertação de gênero
COMPATA
FALA
D
X
A tabela foi originalmente apresentada no GP Políticas e Estratégias de Comunicação, XIV Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento
componente do XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação,
setembro de 2014.
15
612
Onca
X
x
X
x
Justiça social como consequência do veganismo; libertação animal relacionada com a libertação
humana
Princípio
Animal
X
x
X
x
Libertação animal relacionada
com a libertação humana
Libertação animal através da
alimentação; libertação animal
relacionada com a libertação
humana
Revolução da
Colher
X
X
x
Sementes
X
X
x
X
x
Animais são seres equitativos,
que merecem igual consideração
x
Justiça social como uma consequência do veganismo; veganismo como cultura de paz e
compaixão
SVB
ULA
X
x
X
Vanguarda
Abolicionista
X
x
VEDDAS
X
x
X
x
Libertação animal relacionada
com a libertação humana
VIDA
X
x
X
x
Justiça social como uma consequência do veganismo
x
X
X
X
X
X
DEBATE DOS DIREITOS ANIMAIS COMO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO POLÍTICA
DAS RELAÇÕES PÚBLICAS (ANÁLISE)
No contexto popular e dos movimentos sociais, as relações públicas atuam de modo a alcançar a transformação social e na ampliação da
cidadania, possibilitando a participação e o protagonismo. Elas tratam
do relacionamento dos atores entre si, com os seus públicos, com o conjunto da sociedade e, ainda, com a opinião pública (PERUZZO, 2009). De
tal forma, a atividade de relações públicas tem como competência tratar
legitimamente das relações sociais e a sua função é de natureza social.
Ela deve ser dialógica, libertadora e educativa, e não centralizada,
manipulada, autoritária, uniderecional ou paternalista (HENRIQUES,
2007). Uma vez que a estratégia é um fundamento das relações públi613
cas, tal dimensão, na qual elas participam das tomadas de decisões e
analisam cenários (FERRARI, 2011), se faz essencial também no contexto de ações sociais e coletivas. Mesmo que,nesse contexto, as relações
públicas sejam exercidas de forma mais democrática, compartilhando
em maior grau o grupo no qual atua, para que a atuação seja condizente
com a sua proposta ética.
Estratégia não é só um procedimento de organizações empresariais, e, portanto deve estar presente nos debates entre os grupos sociais também. Estratégico não é antônimo de diálogo e não é sinônimo
de manipulação, é uma forma de se alcançar efetividade (HENRIQUES,
2007; MAFRA, 2006).
Mafra (2006, p.43) discorre sobre o aspecto político da atividade:
“a atividade de Relações Públicas pode inserir, a partir da formulação de
estratégias argumentativas, argumentos na cena pública, estimulando
um processo de discussão e de debate”. Há três dimensões de estratégias de comunicação para a mobilização social: a espetacular, a festiva
e a argumentativa (MAFRA, 2006). A dimensão espetacular é uma estratégia de comunicação extraordinária, de modo que recebe atenção de
indivíduos que não a concederiam de outra forma. A festiva usa técnicas
de comunicação aproximativa para fortalecer a rede interna do grupo, o
que fortalece nos integrantes tanto a identificação com o grupo, quanto
à co-responsabilidade em relação à causa levantada pelo mesmo. Já a
dimensão argumentativa justifica a existência de um grupo, mobiliza
com a racionalidade, sustenta as ações e deve estar presente ainda nas
outras duas dimensões.
Pelo repertório do grupo pode-se notar que as três dimensões estão
presentes. Para o desenvolvimento de mais conclusões, assim como a verificação se tais dimensões são feitas de forma estratégica ou não, serão
necessários estudos posteriores complementares. Considera-se, aqui, o
repertório do movimento como ações criadas com o intuito de mobilizar.
Essas atividades também devem ser articuladas e pensadas estrategicamente, o que resultaria em um bom trabalho de relações públicas.
De acordo com Simões (1995) a dimensão política existe na medida em que há conflitos, ou diferentes interesses que tornem as negociações necessárias. Para Tarrow (2009, p. 18), toda ação coletiva é marcada pelo confronto político, que “ocorre quando pessoas comuns, sempre
614
aliadas a cidadãos mais influentes, juntam forças para fazer frente às
elites, autoridades e opositores”. Quanto ao movimento dos direitos
animais, enquadrar a questão (colocada a partir do quadro primário da
defesa animal), direcionando interpretativamente o debate e mobilizar,
constitui, então, uma ação de comunicação política.
Com base em uma postura político-educativa, na qual a organização social é um sujeito ativo no processo de mobilização política, é
possível construir uma concepção diferente de relações públicas. Nessa
concepção, a percepção das relações públicas e dos seus usos dos meios
de comunicação é superada – ela passa a ser uma “atividade meio”, instigadora. Tal caráter político, emergente das relações públicas (inserida
em conflitos), fomenta o debate. Na verdade, reencontra as suas origens,
já que a sua consolidação teve estreita relação com mobilizações, reivindicações e opinião pública.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como as organizações do movimento dos direitos animais estabelecem vínculos com a sociedade de um modo geral e com outros atores, inclusive a mídia, o que as organizações fazem caracteriza por si só
um processo de relações públicas, até mesmo no que se refere ao enquadramento (já que este é construído nas interações). Se as atividades
realizadas são caracterizadas como relações públicas, o desafio que se
coloca é de mão-dupla: às organizações cabe atribuir maior valor e reconhecimento da área, e; às relações públicas, cabe se apropriar do ramo
da atividade que envolve confrontos políticos, assim como foi no seu
surgimento. De tal forma, os processos serão estabelecidos e exercidos
com maior propriedade e legitimidade.
A partir da análise das organizações – que compõem o movimento com diversidade – nota-seque as atividades realizadas de forma mais
estratégica são as dos grupos que pagam por algum trabalho externo, ou
que tem gente especializada (internamente) na área de comunicação,
design ou audiovisual, como Instituto Nina Rosa (SP) e o Movimento
Não Mate (SP). Aqui o caráter de voluntariado dos coletivos sociais coloca esse limite, visto que o tempo livre dedicado ao ativismo é limitado
e, assim, a comunicação estratégica é deixada de lado em detrimento de
atividades tidas como mais importantes ou emergenciais.
615
A posição de contra-cultura do movimento dificulta a sua repercussão e adesão. Isso implica num trabalho minucioso que deve ser feito
por meio da divulgação de informações e maiores esclarecimentos acerca da temática. Cabe aos grupos, então, ao prestarem esses esclarecimentos. Uma hipótese aqui lançada, ainda sem confirmação, é a de que
alguns deles necessitam do reconhecimento da atividade de relações
públicas para agirem com mais estratégia na tentativa da mobilização.
Mesmo as ideias do movimento sendo contra-hegemônicas, o seu
ganho de adeptos provoca pequenas aberturas na mídia. O jornal de
maior circulação de Curitiba, Gazeta do Povo, tem na sua versão online
o blog Verdura sem Frescura16, o que evidencia essa abertura – talvez não
da melhor forma que os ativistas gostariam, mas que já mostra oportunidades (no caso, gastronômicas).
As relações públicas, atuantes dentro de organizações civis e em
movimentos sociais, são entendidas – pelateoria do confronto político–
como atividade mobilizadora e criadora de debate. Elas têm capacidade
de estabelecer relações comunicativas de modo a estimular a mobilização social (sendo que ela é motivadora de deliberação na esfera pública).
Através da comunicação e do conhecimento dos atores envolvidos,
as relações públicas contribuem no sentido de estabelecer e fortalecer
vínculos, através de canais comunicativos, de modo a fortalecer os grupos
e as suas identidades. Possibilita, assim, que mais pessoas se identifiquem
com a causa das organizações e, até mesmo, assumam a co-responsabilidade, que nada mais é que o grau de envolvimento em que o público entende a sua participação como parte essencial do todo, o que é gerado pelos sentimentos de solidariedade e compaixão (HENRIQUES, 2007). Esses
foram trabalhados por Gamson17 (apud TARROW, 2009) nos processos de
enquadramento, que os definiu como emotividade.
Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/verdura-sem-frescura/>. Acesso em: 02 de mar. 2015.
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GAMSON, William (1992a). The social psychology of collective action. In:
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620
|9|
“FALTA TEMPO”: CONFIANÇA NOS ESPAÇOS
INSTITUCIONAIS E PROCESSOS DE ORGANIZAÇÃO
SOCIAL NO VALE DO RIO PARDO/RS
Carlise Schneider Rudnicki1
e Verenice Zanchi2
RESUMO
Este trabalho busca refletir sobre possibilidades e entraves nos processos de organização social de famílias que
cultivam, ou já cultivaram, tabaco no Vale do Rio Pardo/
RS, a partir da implantação do turismo rural. Como principais contribuições teóricas utiliza-se Cicília Peruzzo (2005),
Elinor Ostrom (2008) e William Gamson (2011). Optou-se
pela realização de grupos de discussão, entrevistas em profundidade e análise documental. Conclui-se que a escolha
pelo turismo refere-se a um modo de resistência ao modelo
econômico e social introduzido pelas empresas de tabaco. Além da comunidade apresentar dificuldades para se
organizar e agir coletivamente, destacam-se conflitos nas
relações de gênero e geracional, tendo em vista a estrutura
patriarcal operante nas comunidades em estudo.
Palavras-chave: comunicação; tabaco; organização social;
confiança.
Relações Públicas, Mestre em Doutora em Desenvolvimento Rural/Ciências
Econômicas UFRGS/PGDR. Professora Colaboradora PPGCOM/UFRGS e Pós-doutoranda CAPES/FAPERG, PPGCOM/UFRGS.
1
Administradora de empresas, Mestre e doutoranda em Desenvolvimento Regional/UNISC.
2
COMO OS SUJEITOS E AS ORGANIZAÇÕES TÊM OCUPADO,
OU NÃO, SEUS ESPAÇOS
Este artigo3 busca refletir sobre possibilidades e entraves nos processos de organização social de famílias que cultivam, ou já cultivaram,
tabaco no Vale do Rio Pardo/RS, a partir da implantação do turismo rural. Este tem se apresentado como uma estratégia de resistência frente
aos sistemas de governança das empresas e a possibilidade de alterar os
modos de vida dos atores sociais. Para Kunrath (2010), paradoxalmente
tem-se “uma intensa mobilização de atores sociais e da significativa expansão de espaços institucionais abertos à participação destes atores”
(2010, p.3) e, por outro, ainda conforme o autor, as ciências sociais brasileiras apresentam uma diminuição das reflexões voltadas ao estudo dos
processos de construção e atuação dos atores sociais desta sociedade.
Portanto, este trabalho destaca a necessidade de ampliar esforços
voltados ao tema, no sentido de entender como os sujeitos têm ocupado,
ou não, seus espaços. Como sujeitos da pesquisa tem-se famílias agricultoras que abandonaram, ou tentam abandonar, o cultivo do tabaco a
partir do turismo rural, mais especificamente no “Roteiro Caminhos da
Imigração”, localizado no Vale do Rio Pardo/RS.
O artigo faz parte das discussões estabelecidas no Projeto intitulado “Comunicação, relações de poder e sistema do tabaco: discursos e estratégias de
visibilidade e legitimidade empregados por Ongs, organizações públicas e indústrias do tabaco na mídia do Vale do Rio Pardo – RS”, tem como objetivo
geral compreender, sob a perspectiva da comunicação, como se estruturam as
relações de poder na articulação entre as organizações voltadas à saúde pública e as organizações do setor do tabaco, a partir de seus discursos na mídia do
Vale do Rio Pardo – RS, iniciado em 2012 e com prazo de finalização em 2016.
O estudo tem como fontes financiadoras CAPES e FAPERGS a partir do Edital
DOCFIX/09 sob supervisão do Prof. Dr. Rudimar Baldissera, PPGCOM/UFRGS.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da UFRGS e teve seu parecer final
da Plataforma Brasil sob o Protocolo 16763113.8.0000.5347, emitido em 03 de
março de 2013.Também fazem parte deste trabalho as discussões e dados apresentados na dissertação de mestrado da autora Verenice Zanchi (2013).
3
622
No sul do país, a indústria do tabaco compõe-se de empresas de
porte pequeno, médio e grande, sendo as últimas aquelas que fazem parte de um sistema mundial de produção de tabaco, pois o setor encontra-se inserido na economia de mais de 100 países e conta com a participação crescente de países em desenvolvimento na produção mundial.
No Brasil, a produção está presente em 704 municípios do Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e Paraná e ocupa uma área de 373 mil hectares,
sendo o país o maior exportador mundial de tabaco e o segundo maior
produtor mundial (AFUBRA, 2015).
O Sistema de Produção do Tabaco4 foi criado na década de 1920,
pela Souza Cruz Tabacos, e adotado na cadeia produtiva como um novo
modelo de produção. Considera-se que o sistema tem sido bem sucedido
no que refere ao número de produtores integrados, à inserção dos agricultores no mercado de trabalho e ao aumento da produção de tabaco.
Esse Sistema é composto de contratos formais e informais. Contratos
são acordos de vontade entre pessoas a respeito de um negócio. Sem
adentrar em questões jurídicas, pode-se acrescentar que, em regra, as
pessoas devem ser capazes (maiores de idade, com consciência do que
estão acordando) e que o objeto do negócio deve ser lícito. Nem sempre
será assim, crianças podem por vezes negociar e mesmo o ilícito pode
ser acordado. Para se entender, os contratos devem-se ainda considerar
que eles podem ser formais ou informais5. No âmbito dos contratos informais os processos de comunicação têm se desenvolvido basicamente
a partir da relação estabelecida entre o orientador técnico e as famílias
produtoras, ou seja, observa-se um ciclo fechado de relações e permea-
Através deste sistema de produção as empresas fornecem para os agricultores familiares as sementes, agrotóxicos e insumos, bem como orientação técnica sobre o que e como plantar, bem como garantem a compra da safra.
4
Formais são aqueles que estabelecem normas e desempenham um papel que
assegura algo ou diminui os riscos (WILLIAMSON, 1991), já os contratos informais são acordos e códigos de conduta não escritos que afetam fortemente o comportamento das pessoas nas empresas (BAKER; GIBBONS; MURPHY,
2002). Os formais, em regra, são escritos, ao passo que os informais acontecem
no cotidiano. Também se pode considerar como contrato informal relações estabelecidas além do previsto no contrato formal.
5
623
do pelas ações das empresas na comunidade, como ações de responsabilidade social e projetos educacionais em escolas municipais.
Tais reflexões são importantes para que se entenda os movimentos que compõem a caminhada das famílias que procuram alterar seus
modos de vida e de produção, caso dos agricultores entrevistados nas
proximidades dos roteiros turísticos localizados no município de Santa
Cruz do Sul/RS. A relação entre estes sujeitos e o poder público é fragilizado e as ações/decisões não são tomadas em conjunto.
Destaca-se também que, independentemente das críticas às empresas e ao Sistema Integrado de Produção, a entrada das empresas na
cadeia produtiva possibilitou a inserção desses agricultores no mercado e a garantia de compra do cultivo. Entretanto, o mundo do tabaco
passa a enfrentar novos desafios quando, em 2003, foi criado um tratado internacional de saúde pública, denominado Convenção-Quadro
de Controle do Tabaco6. Após a ratificação do tratado internacional da
Convenção-Quadro, em 2005, pelo governo brasileiro, vêm acontecendo negociações e sendo assinados protocolos que visam à criação e
implantação de políticas que buscam diminuir a plantação e oferecer
alternativas para os agricultores. Tais negociações envolvem as empresas de tabaco, partidos políticos, movimentos sociais, governos municipal, estadual e federal, mídia e entidades representativas (do setor
tabagista e dos agricultores).
Outra dimensão importante nestas análises se refere ao cotidiano expresso na mídia. Há tempos os sujeitos da pesquisa participam
dos meios de comunicação, tendo em vista as disputas de visibilidade
e legitimidade entre a saúde pública e as empresas de tabaco na arena
midiática. Os agricultores têm sido chamados a participar de entrevistas, seja em rádios, jornais ou em revistas corporativas das empresas.
De um lado, a mídia local ressalta o senso comum de que eles praticam
O tratado surge das reivindicações da sociedade civil frente à gama de informações sobre os problemas que o cigarro pode causar à saúde humana. Neste
ano, o tratado foi assinado por 191 países e, em fevereiro de 2004, entrou em vigor, propondo mudanças na oferta e na demanda de cigarro em todo o mundo.
Ele foi ratificado por 57 países – dos 192 integrantes da Organização Mundial
da Saúde (OMS).
6
624
uma atividade altamente rentável e lucrativa e que, apesar de demandar uso intenso de mão-de-obra, pode ser realizada em pequenos lotes
de terra. Ao mesmo tempo, os custos com mão de obra, agrotóxicos e
investimentos em infraestrutura também são altos e não contemplados
nas discussões. Os agricultores afirmam que a renda é o fator principal
de permanência no cultivo do tabaco, apesar de confessarem que estão, permanentemente, endividados junto a empresas e bancos. De todo
modo, o sistema de produção gera uma “zona de conforto”: através do
instrutor técnico os contratos, as informações e os insumos agrícolas,
por exemplo, são levados na propriedade.
Nesta arena, as explicações sobre o comportamento das famílias
produtoras (deixar ou não a produção do tabaco, dentre outras) têm
sido a partir da lógica econômica, desconsiderando, assim, outras questões importantes, como a manutenção dos padrões da unidade familiar,
questões de gênero, de juventude e processos de organização e mobilização social, por exemplo. Diante deste cenário, a atividade turística
tem, cada vez mais, tem recebido destaque nos debates sobre as novas
abordagens de desenvolvimento e presente nos projetos de desenvolvimento regionais, estaduais e federais. Sob a luz do enfoque social, vê-se
que a renda possibilita outras melhorias na vida, as quais podem gerar o
resgate do sentimento de pertencimento destas famílias. O turismo promove, ainda, o encontro de diferentes culturas devido às interações de
pessoas com diferentes culturas e hábitos. No entanto, outras questões
inerentes e conflituosas fazem parte deste cenário, principalmente no
que tange à hierarquia familiar. Os jovens e as mulheres, antes invisíveis
na relação patriarcal estabelecida no trabalho familiar da produção do
tabaco, passam a dividir as cenas com aquele que, antes, era responsável pelas decisões. A ATURVARP (Associação de Turismo do Vale do
Rio Pardo) organiza uma reunião mensal na região, em diferentes municípios. Quem comparece às reuniões é, em regra, o homem da casa
(marido/pai), mesmo que as mulheres e filhos participem ativamente
da divisão de tarefas e estejam à frente do atendimento ao público e
do gerenciamento, é ele quem representa a propriedade. Perguntou-se
porque outros membros não participavam e a resposta foi unânime: “ele
gosta de estar lá, conversar com os amigos, colocar a conversa em dia”,
confessa, sorrindo, a esposa de um proprietário.
625
Em um contexto de valorização do meio rural, das potencialidades do lugar a partir do território, visando o desenvolvimento da região,
que o turismo surge para o agricultor familiar como uma atividade econômica complementar e conflituosa.
As relações instauradas e vividas pelos sujeitos em estudo encontram-se fundadas em contratos formais baseados em relações de
proximidade, ou seja, mediados/conduzidos pelos técnicos agrícolas.
Estes sujeitos, contratados pelas empresas de tabaco, são, em geral,
oriundos das regiões/comunidades em que atuam. Por esse motivo, as
relações informais podem ser pensados, a partir das relações de confiança, como importantes instrumentos de governança para as empresas. Conforme Nooteboom, Woolthuis e Hillebrand, “relações que
implicam investimentos específicos criam dependência e vulnerabilidade que favorecem comportamentos oportunistas” (NOOTEBOOM;
WOOLTHUIS; HILLEBRAND, 2005, p.813). Tal citação ressalta que os
espaços de manobras encontram-se influenciados por outras questões, dentre elas a dependência e a vulnerabilidade dos sujeitos perante um sistema vigente.
Essa “confiança” no sistema de produção, que propiciaria uma
certa “acomodação”, inclusive no momento de se organizar e buscar
informação, certamente interfere nos processos de mobilização e de
organização social. Ao justificarem sua permanência no sistema de
produção do tabaco e confirmarem o descrédito em ações associativas,
utilizam argumentos econômicos. Segundo eles, trabalhar sozinho é
mais fácil e mais rentável, pois não confiam nos parceiros: nunca “deu
certo” uma cooperativa na região, confidencia um entrevistado. Há um
visível descontentamento em relação aos movimentos sindicais do setor (Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA), sindicatos e associações na região. Contrariando as enunciações pautadas em aspectos
econômicos, as falas também exprimem o desejo da mudança, a falta de
liberdade para negociar com as empresas e a individualidade do “outro”
como um problema para o desenvolvimento do roteiro.
No ponto de vista de Ostrom (2008), existe outra forma de explicar
o comportamento humano, que não a partir da maximização de ganhos.
Dessa perspectiva, os sujeitos podem ser múltiplos, ou seja, em alguns
momentos pessoas guiadas por lógicas egoístas racionais que coope626
rariam mediante a possibilidade de reciprocidade (desde que recebam
algo em troca mediante a cooperação do outro).
Conforme destaca Peruzzo (2005), a participação envolve a tomada de decisões políticas e metodologias adequadas. Ademais, prossegue a autora, a estratégia de comunicação focada apenas na prática
das organizações tradicionais de ação comunitária e da grande mídia
propicia pensar “o meio de comunicação apenas como fim (conscientizar, convencer, educar) e não como meio facilitador de um processo de
auto emancipação cidadã (PERUZZO, 2005, p.38). Assim, mobilizar-se é
um processo complexo e que envolve variáveis distintas e em âmbitos
diversos. Nesse sentido, acredita-se na relevância de conectar o contexto socioeconômico e a capacidade e a vontade de mobilização (dos agricultores) às discussões destacadas pela mídia local.
ANÁLISE DAS FALAS E CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS
Este estudo e caráter teórico-empírico vem sendo realizado no
Vale do Rio Pardo/RS. A coleta dos dados primários foram obtidos em
trabalho de campo nos anos de 2012, 2013 e 2014. Em primeiro lugar
foi efetuada revisão de literatura sobre o tema de estudo – sistema produtivo do tabaco –, questões contextuais, sistema político-econômico
e pesquisas online no jornal “A Gazeta do Sul”. A Gazeta faz parte de
um grupo local (rádio e jornal), concorrente do Grupo RBS TV Santa
Cruz do Sul ( filada da Rede Globo). Também foram feitas leituras sobre
temas fundamentais para os objetivos de estudo, tais como: comunicação, comunicação comunitária e turismo rural. Para aprofundamento
da pesquisa, e no intuito de compreender o fenômeno em estudo, foram
empregados os seguintes procedimentos metodológicos para a investigação empírica: entrevistas individuais em profundidade e a realização
de grupos de discussões como unidades de análise. A opção por essa
região deve-se ao fato de ser a mais representativa na produção do tabaco no Brasil. Em primeiro lugar foi feita uma pesquisa bibliográfica e
documental, a partir de dados secundários, reportagens na mídia local
e publicações científicas. Em um segundo momento, foram realizadas
entrevistas em profundidade e organizados grupos de discussão com
a população rural. Destaca-se que as autoras trabalham com pesquisa
na região desde 2006, o que propiciou uma facilidade para realizar as
627
entrevistas. O critério de escolha dos grupos de discussão foi: a) sujeitos produtores de tabaco do Vale do Rio pardo/RS e b) indivíduos com
certo grau de proximidade (parentesco ou amizade). Para definir-se a
quantidade de grupos e indivíduos considerou-se o critério da saturação, quando as respostas começavam a repetir-se, sem acréscimo de
novas informações. As discussões aconteceram conforme o método de
William Gamson (2011), sendo estas realizadas nas casas dos sujeitos
ou, ainda, em espaços naturais e entre pessoas que se conhecem.
Foram analisadas (neste trabalho, pois o artigo é parte dos dados
de pós-doutoramento da autora) três entrevistas realizadas com agricultores que fazem parte do roteiro “Caminhos da Imigração7” e três
grupos de discussão. Localizado no distrito de Boa Vista, encontra-se à
15 km do centro da cidade de Santa Cruz do Sul. O Roteiro teve alterado seu nome algumas vezes: “Caminhos Verdes de Boa Vista”, “Roteiro
Rural”, “Colonial de Boa Vista”, “Roteiro de Boa Vista”, “Roteiro Turístico
Caminhos de Boa Vista” e “Roteiro Caminhos de Boa Vista”). Em 2002,
dois anos após seu primeiro lançamento, foi reconfigurado a partir de
um estudo realizado pela UNISC (Universidade de Santa Cruz do Sul)
em parceria com a Prefeitura Municipal de Santa Cruz do Sul. O roteiro não tem associação representativa dos seus integrantes. Dentre as
principais atividades nas propriedades tem-se: “colhe e pague” (verduras, frutas), venda de carne, organização de almoços, aluguel de casas/
alojamentos e espaço para festas.
Dentre os paradoxos encontrados nestes espaços, tem-se, como
um dos atrativos do roteiro uma antiga cooperativa, criada, inicialmente
Vinte e dois atrativos compõem o roteiro: Família Fritz e Frida, Rua José Germano Frantz, Residência de José Germano Frantz, Café na Colônia, Aeroporto
Luiz Beck da Silva, Escola Estadual Professor Affonso Pedro Rabuske, Cooperativa Agrícola Linha Santa Cruz, Paróquia Santos Mártires das Missões de Linha Santa Cruz, Cruz dos Assmann, Casa Comercial e Salão de Bailes Frantz
– Associação de Damas, Igreja Evangélica de Alto Linha Santa Cruz, Cemitério
Evangélico de Alto Linha Santa Cruz, Casa em estilo enxaimel, Mirante de Boa
Vista, Centro Histórico de Boa Vista, Local da primeira missa, Sítio Sete Águas,
Pousada Camponesa, Centro Esportivo Recreativo Cultural Chácara Bauermann, Pousada Recanto de Linha Nova, Capril Boa Vista e Igreja Evangélica de
Confissão Luterana do Brasil de Linha Andrade Neves.
7
628
para a compra do fumo e desativada desde a década de 70. Na Cooperativa
Agrícola Linha Santa Cruz, nos anos 50, foi construído um salão, local em
que eram realizados bailes e festas da comunidade. A mesma é lembrada
por eles como ‘algo que não deu certo’, porque ‘cooperativa e associação
nunca dá certo’, relata um dos sujeitos durante os debates em grupo. O
local resume-se a ‘uma vista bonita’. Sobre as festas comunitárias, não há
mais tempo para organizá-las ou participar destas.
Os indivíduos relataram inúmeros problemas de relacionamento
com a prefeitura e com a Secretaria de Turismo. Um entrevistado descreveu que, em 2012, durante a maior feira da região (EXPOAGRO), a
Associação de Turismo do Vale do Rio Pardo (ATURVARP) não distribuiu
material de divulgação do roteiro. Segundo eles, apenas algumas rotas/
roteiros recebem apoio do governo local. Prosseguem denunciando que
algumas propriedades foram inseridas em virtude de “jogos políticos”,
pois algumas propriedades não teriam ‘nada a ver’ com turismo rural.
A gestão deste roteiro é efetivada pela prefeitura, visto que não há uma
associação. A dificuldade de exercer práticas coletivas foi o maior entrave declarado pelos integrantes, ou seja, a falta de interesse de participar
de ações e resolver problemas coletivos. Ao mesmo tempo, se sentem
subtraídos das decisões. A escassez de tempo, segundo eles, não permite
‘pensar na vida’ e se organizar.
Todos reivindicam informação com qualidade, citam como problema o descaso da comunidade em participar das reuniões gerenciadas pela Secretaria de Turismo e a negligencia em relação a criação de
uma associação de turismo para o roteiro. Também apontam a necessidade de mais atrativos e resolução de deficiências em termos de agências receptivas, infraestrutura (estrada, acesso às propriedades) e falta
de sinalização. Além disso, sublinham a falta conhecimento a respeito
do que é turismo rural, tanto entre os empreendedores quanto os órgãos
governamentais e entidades. Adiciona-se a este cenário a escassez de
organização, os conflitos familiares.
Também há problemas quanto ao acesso à internet na região.
Apesar do acesso à internet ter sido ampliado, o custo é alto e a qualidade dos serviços é baixa. Observou-se que a capacidade de uso das ferramentas, principalmente no que tange à busca de informações e de divulgação de seus produtos turísticos, também merece atenção. Aqueles
629
que já acessam a rede mundial a utilizam não para busca de informações, mas, geralmente, apenas para lazer, “passar o tempo” em redes
sociais digitais, como o facebook. Retoma-se, aqui, a partir de Peruzzo,
a necessidade de compreender que há uma “[...] exclusão do acesso à
comunicação no sentido da capacidade de abstração e de expressão de
pessoas” (PERUZZO, 2005, p. 39-40).
De forma isolada, as famílias confessam estar sempre em contato
com a Secretaria de Turismo. Também afirmam ter participado de um
curso do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR/RS) voltado
ao planejamento da atividade turística. Segundo eles, outra forma de
obter informações sobre o ramo e pensar sobre o gerenciamento tem
sido viagens/passeios em regiões como a serra gaúcha, por exemplo.
Ao serem questionados sobre a participam em projetos governamentais, a resposta, além de negativa, apresentou um tom irônico,
de descrédito nos governos. A maior parte dos entrevistados disseram
não saber de projetos do governo federal. Destaca-se que, em 2012, o
Ministério do Desenvolvimento Agrário selecionou entidades na região de tabaco, no intuito de fornecer ajuda técnica aos agricultores
com interesse em diversificar a propriedade. Denominado Projeto de
Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), as ações, não divulgadas
na mídia local, foram realizadas em parceria com a Cooperativa Mista
dos Fumicultores do Brasil e atendeu 1600 famílias na região8.
É pertinente apontar a “confiança” como um tema a ser contemplado em estudos posteriores, pois a confiança, seja entre os pares (comunidade), seja nas instituições que permeiam o cotidiano dos sujeitos
( famílias, empresas, igrejas, associações, governos), permeia as relações
e permite solidariedade. Elinor Ostrom tem focado na confiança que se
opõe à perspectiva encontrada na “Tragédia dos Comuns”, artigo do biólogo norte-americano Hardin, publicado em 1968. Ele argumenta que a
competição, e não a colaboração, frente a um produto natural escasso,
oferece um final em que as escolhas baseiam-se nas necessidades individuais. Preocupado com o crescimento da população humana, a solução
As famílias contempladas vivem nos municípios de Estrela Velha, Passa Sete,
Lagoa Bonita do Sul, Segredo, Ibarama, Santa Cruz do Sul, Herveiras, Vale do
Sol, Venâncio Aires, Sinimbu, Sobradinho, Arroio do Tigre e Vera Cruz.
8
630
viria de um controle severo e de incentivos via punições. A descoberta
no trabalho de campo de sua pesquisa foi que os sujeitos buscam conversar e conquistar a confiança um dos outros, de uma forma recíproca.
Ao perguntar-lhes se estivessem famintos e com pouca comida e outra
pessoa precisasse dela “Você daria metade a ela? Em muitas regiões, sim.
Mas é uma decisão difícil se não houver confiança e trabalho em conjunto” (CANAL FUTURA, 2010). Percebe-se que é possível pensar em outras
formas de comportamento humano, sendo este o grande desafio, ou seja,
A partir do referencial teórico intitulado por ela Institutional
Analysis and Development (IAD), Ostrom analisa como as instituições
são formadas, como elas operam, seu dinamismo e como influenciam o
comportamento da sociedade. Se o comportamento dos indivíduos perante os dilemas sociais, segundo Ostrom e Walker (2005), pode ser mais
bem compreendido quando a racionalidade limitada dos indivíduos
passa a ser vista a partir da reciprocidade, baseada em relações anteriores, pretende-se mostrar contribuições teóricas que se opõem ao comportamento estreitamente conectado ao auto interesse. A autora (2008)
ao referir-se às relações entre os indivíduos e as instituições, estabelece
como base a confiança, ao observar a “arena” em que as interações ocorrem, recupera as regras empregadas pelos participantes que ordenam
os relacionamentos, os atributos que estruturam e que são estruturados
nessas interações e os atributos das comunidades na qual a arena particular está colocada. Em termos gerais, as instituições são as receitas
que os humanos usam para organizar todas as formas de interação repetitivas e estruturadas, incluindo as famílias, bairros, mercados, empresas, ligas esportivas, igrejas, associações privadas e os governos em
todas as escalas. Indivíduos que interagem em situações estruturadas
enfrentam escolhas sobre as ações e estratégias que irão aderir, tendo
em vista as consequências para si e para os outros. Conforme se verifica
nos argumentos de Ostrom, Gardner e Walker (1994), a análise institucional refere-se ao entendimento de diversas variáveis, ou seja, regras,
padrões de interação, atributos da comunidade em estudo, condições
materiais, dentre outros. Portanto, ao analisar a relação entre instituições e atores sociais, ressaltam a falta de confiança, de comunicação, de
informação e da construção de um plano comum.
Neste estudo, evidencia-se a falta de confiança no ambiente, nas comunidades e no governo. A prefeitura e a Secretaria de Turismo do muni631
cípio, conforme relatado, pouco colaboram com a divulgação do roteiro, a
começar pela falta de sinalização. O roteiro trazido ao debate neste artigo
relata que eles estão em desvantagem na região, pois não estão organizados em associação. Para eles, os moradores de outra comunidade, Boa
Vista, por exemplo, pelo fato de estarem associados apresentam aspectos
positivos, principalmente a capacidade de reunir todos os moradores, ter
rede de telefonia, asfalto e iluminação na vila. Os entrevistados, ao serem
questionados sobre o motivo de não se organizarem em associação, declararam que as pessoas da rota são individualistas, incapazes de discutir
e pedir ajuda, em grupo, ao poder público local. Da mesma forma, quando o pesquisador insiste e pergunta porque eles não tomam a iniciativa,
dizem que é um trabalho familiar, demanda alta dedicação e que não há
tempo para tratar de questões “fora da propriedade”. Ao mesmo tempo,
nas falas, atentou-se que as famílias realizam visitas individuais à prefeitura, ora para solicitar melhoramentos na infraestrutura da propriedade,
do roteiro ou pedir ajuda na divulgação.
Entende-se que, nestes espaços, assim como em outros, há uma
crise de confiança nas instituições. Tal questão, também é contemplada
no pensamento de Ostrom, considera a confiança um importante fator
para os indivíduos manterem suas reputações como membros confiáveis da comunidade (OSTROM; WALKER, 2005). Tal observação evoca
a importância da imagem (percepção) que as pessoas têm no ambiente
em que interagem com as demais. A situação difere-se quando os sujeitos se relacionam não com desconhecidos, mas com pessoas com quem
se tenha desenvolvido uma relação de confiança. A autora considera
que as “[...] normas de reciprocidade e confiança são necessárias para a
sustentação de longo prazo de regimes de auto governança” (OSTROM;
WALKER, 2005, p. 287). Nesse sentido, pode-se refletir sobre as condições
de governança perante um processo constante de adaptação que apresenta uma expressiva vigência ao longo do tempo. Por isso, um elemento
indispensável refere-se à confiança que se estabelece entre as redes de
relações sociais, seja em um nível mais imediato (confiança interpessoal), seja baseada em encontros anteriores, ao longo do tempo, as quais
incentivam os sujeitos a permanecerem confiando. Entretanto, para os
entrevistados os modelos associativos e cooperativos pressupõem um
ideário socioeconômico e representam um grupo de indivíduos que juntos buscam promover melhores condições de venda de seus produtos. A
632
racionalidade, nesses grupos estudados, indica a associação como um
espaço que não se solidifica na solidariedade, mas na maximização dos
lucros. A antiga cooperativa da linha Santa Cruz, patrimônio histórico
do roteiro, ilustra a falta de tempo destinado a ações e negociações coletivas. Assim se tem a evocação da cultura e das informações disponíveis
(ou da qualidade da informação) como fatores relevantes para entender
as relações que se estabelecem entre sujeitos e instituições. Assim, resgatando as ideias de Ostrom, os fatores relevantes para o sucesso ou
fracasso de um acordo de cooperação referem-se à construção de um
plano em comum, ao tipo das lideranças, ao entendimento das consequências das ações dos envolvidos, enfim, se as informações e o conhecimento forem suficientes, já que “Há um número de fatores relacionados
ao grupo, à liderança, ao desenvolvimento, à confiança que têm entre
eles” (CANAL FUTURA, 2010).
Acredita-se que o debate importa, e muito, para a discussão
sobre políticas públicas federais na região (Programa Nacional de
Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco, conduzidas pelo
Ministério do Desenvolvimento Agrário9. A partir da assinatura do tratado internacional de saúde pública, constitui-se um confronto político
e econômico, em busca da legitimidade das diferentes vozes e verdades
(saúde versus iniciativa privada). O governo local tem se posicionado a
favor das empresas de tabaco não havendo, assim, um diálogo com o
governo federal, no que diz respeito à diversificação das propriedades.
Para as mulheres que trabalham no roteiro, o turismo significa
a possibilidade de lidar com o público, servir, oferecer, receber pessoas “diferentes” em suas casas e conhecer outras realidades. Ao mesmo
tempo, reconhecem que a distribuição das tarefas é “meio complicada”, pois não há uma divisão de tarefas, todos fazem tudo, herança de
padrões de trabalho da agricultura familiar. Aqueles que já abandonaram produção destruíram a estrutura (galpões e fornos) para não
voltar a plantar: “sou capaz de não depender do fumo, fazer algo diferente para não depender mais”, desabafa a entrevistada. E retoma:
Para mais ver: Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas
com Tabaco. Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/saf-projetosespeciais/programa-nacional-de-diversifica%C3%A7%C3%A3o-em-%C3%A1reas-cultivadas-com-tabaco#sthash.ypvIEAtB.dpuf
9
633
“O bem-estar mudou, quando não se tem turismo e só plantar, colher,
estar de sol a sol no mesmo lugar, sem contato com as pessoas, sem conhecimento da vida de outras pessoas, antes era apenas de casa para a
lavoura, da lavoura para a casa”, finaliza.
REFLEXÕES FINAIS
O cotidiano do agricultor encontra-se permeado não apenas pela
incerteza (que pode ser visualizada no caso das intempéries do clima e
no interesse das pessoas em visitar os locais), e pelo risco, dado que esse,
diferente daquela, não pode ser previsto, encontrando-se em cenários
complexos. Mas pela falta do tempo. Tempo para organizar festas comunitárias, conversar com os vizinhos e trocar experiências, participar das
reuniões e organizar uma associação. A falta de organização verificada
no gerenciamento dos empreendimentos, tanto no que concerne à falta
de controle financeiro (custos de produção, dívidas com bancos e empresas) soma-se à baixa confiança em cooperativas e associações.
Percebe-se que a informação desempenha um relevante papel
para entender as relações de confiança e a falta desta na comunidade.
Tendo em vista a importância dos discursos econômicos na região, na
economia a confiança é ressaltada a partir da limitação encontrada na
assimetria de informações entre os atores. A confiança estudada em algumas correntes teóricas econômicas, ressalta a frequência de transações como fonte desta. Neste estudo, ressaltam-se outras possibilidades
de pensar o assunto. A assimetria de informações se refere, aqui, não a
um pressuposto, conforme preconiza grande parte do pensamento econômico. Minimizar esta assimetria demanda uma alteração nos modos
de vida do grupo, exige debates e a composição de planos comuns. Os
sujeitos localizaram a individualidade como entrave para a organização
dos mesmos. E confessaram a relevância do turismo e a oportunidade e
o desejo do encontro com o outro, de conviver com a alteridade.
Isto posto, parece evidente a necessidade de pesquisas que atendam essa carência investigativa de modo a ampliar e complexificar a
compreensão sobre essa realidade e, como desdobramento, estimulem
outros estudos e avancem na construção do conhecimento, no sentido
de subsidiar a sociedade civil para que melhor compreenda sua realidade e decida pelas ações mais adequadas. A pesquisa também atenta – no
634
sentido de desvelar e compreender – para as relações de poder que se
materializam entre o setor público, a comunidade e a iniciativa privada,
bem como para os possíveis efeitos que se exercem sobre a comunidade
(população local). Importa observar que a compreensão dessas relações
estratégicas e de poder, bem como suas conexões e inscrições nas relações socioculturais, é relevante caso se deseje uma intervenção orientada por princípios verdadeiramente democráticos. A socialização desse
tipo de informação poderá permitir que se questionem tais fazeres para
que, no “jogo” de relações não prevaleçam apenas os interesses de “alguns” em detrimento dos da maioria. Ganha-se, em algum grau, efetividade na crítica ao sistema. E mais, permite identificar a necessidade que
determinados grupos apresentam.
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636
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O CONTROLE DA OBESIDADE E
AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Devani Salomão de Moura Reis1
RESUMO
A obesidade é apresentada na área da saúde como
uma epidemia mundial (RELATÓRIO DA ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DE SAÚDE, 2014). São várias as causas, já que os
aspectos socioeconômicos, escolaridade, hábitos e valores
culturais têm impacto sobre a incidência desta enfermidade, que é um fator de risco para outras doenças crônicas
não transmissíveis. Ações para contê-la estão vinculadas a
várias áreas: políticas públicas, comunicação pública, custo
Pós doutoranda pela Escola de Comunicações de Artes da Universidade de
São Paulo, início em 2015. Pós-doutora pela Escola de Comunicações de Artes da
Universidade de São Paulo, com pesquisa financiada pelo CNPq, cujo tema foi a
averiguação da existência da gestão sustentável nas indústrias farmacêuticas, analisando os discursos e práticas gerenciais em multinacionais desse setor (2014).
Pós-doutora pela Universidade Metodista de São Paulo, Cátedra UNESCO de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, Cátedra Prefeito Celso Daniel, Gestão de Cidades oportunidade em que foi analisado a funcionalidade do Manual de
Prevenção de quedas da Pessoa Idosa, um veículo de comunicação do Instituto de
Assistência Médica ao Servidor Público do Estado de São Paulo (2011). Doutora em
Relações Públicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (2005) e mestre em Relações Públicas pela Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo (1999). Ambos projetos foram financiados pela CAPES. Possui graduação em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pelo
Instituto Unificado Paulista (1977). Membro do Grupo de Pesquisa Comunicação
Pública & Comunicação Política, CNPq, PPGCOM - USP – CRP.
1
da saúde, fármacos, educação relacionada à alimentação,
atividade física e qualidade de vida. O nosso propósito é
verificar se as políticas públicas e, consequentemente, a
comunicação pública, determinadas pelas instituições brasileiras envolvidas na prevenção e contenção da obesidade são factíveis, acessíveis e eficientes à população obesa,
considerando-se os aspectos socioeconômicos, culturais,
hábitos alimentares, qualidade de vida.
Palavras-chave: custo da saúde, obesidade, hábitos alimentares, políticas públicas, comunicação pública.
INTRODUÇÃO E PROBLEMÁTICA
Para Medici (2014), três fatores continuarão interferindo na dinâmica das políticas públicas na área da saúde nos próximos anos. O
primeiro deles é o envelhecimento da população mundial, com o crescimento da incidência de doenças crônicas e o decorrente aumento
dos gastos governamentais. O segundo é a pressão crescente internacional, liderada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em universalizar a atenção à saúde ao nível mundial – uma versão modificada
do que saiu ao final dos anos 1970 na Conferência Alma Ata, com a
proposta de Saúde para todos no ano 2000 (DECLARAÇÃO DA ALMA,
1978). A saúde faz parte também dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM), da Organização das Nações Unidas (ONU) para 2015. O
terceiro é o avanço nas pesquisas e na inovação tecnológica, dado que
o setor continua sendo a incubadora da ponta tecnológica em áreas
como medicamentos, imunobiológicos, equipamentos e sistemas médicos de informação.
Entretanto, alguns prognósticos mostram que, apesar destas tendências, determinados problemas para a área da saúde tendem a crescer. Há preocupação governamental, em nível mundial, com a tendência
do aumento dos gastos na área, em consequência dos fatores decorren-
638
tes do envelhecimento mundial da população e sobretudo com a endemia da obesidade.
A obesidade evidencia-se como epidemia global, e os esforços
para sua prevenção são incipientes. As previsões, na área da saúde, sugerem que as altas taxas de obesidade serão calamitosas para o bem-estar e gastos da população, assim como da saúde pública. Os governos,
sejam eles federal, estaduais ou municipais, deveriam se preocupar com
a sua prevenção, mas até agora poucos têm mostrado boa administração nesse sentido. A base de evidências sobre como precaver a obesidade é limitada e precisa ser ampliada para além de estudos randomizados
controlados e incluir as avaliações de experiências, mudanças de políticas públicas e análises de custos (GORTMAKER, 2011). Esse quadro não
será revertido sem a liderança dos governos, regulação e investimento
em programas, monitoramento dos mesmos e pesquisa. Faz-se necessário a parceria das universidades, sejam elas das ciências biológicas,
assim como as das ciências humanas, com os governos para conter e
reduzir esse problema.
CAUSAS DA OBESIDADE
Para muitas pessoas, a obesidade e o sobrepeso são causados por
um desequilíbrio no metabolismo energético (TEICHMANN, OLINTO,
COSTA, & ZIEGLER, 2006). O peso corporal é determinado pelo balanço
entre a quantidade de energia ou calorias que são ingeridas (vindas de
alimentos ou bebidas) e a quantidade de energia ou calorias que são gastas (atividades físicas, por exemplo). Em suma, quando se ingere mais
calorias do que se gasta, há ganho de peso. Quando se ingere menos calorias do que se gasta, há perda de peso. Quando quantidades iguais de
calorias são ingeridas e gastas, o peso se mantém.
Vários fatores contribuem para a obesidade, além do desequilíbrio
do balanço energético. Dentre eles, podemos citar os seguintes: sedentarismo (ou falta de atividades físicas); fatores ambientais ( falta de espaço
para lazer, falta de tempo para praticar atividades físicas para pessoas que
trabalham muito, grande quantidade de “fast foods” e lanchonetes de lanches rápidos, dificuldade de encontrar alimentos saudáveis em determinados locais); fatores genéticos e história familiar: as chances de um filho
se tornar obeso são grandes quando os pais também são obesos.
639
Algumas vezes, problemas hormonais podem causar sobrepeso
e obesidade, como o hipotireoidismo (redução ou falta do hormônio
tireoidiano), síndrome de Cushing (excesso de produção do hormônio cortisol pela glândula adrenal) e síndrome dos ovários policísticos
(além da obesidade, esta doença pode causar também excesso de pelo,
problemas de infertilidade, e outros problemas de saúde por conta da
produção de excesso de hormônios androgênicos); medicamentos: alguns medicamentos podem levar a ganho de peso, como os corticosteróides, alguns tipos de antidepressivos e algumas medicações utilizadas
para tratamento da epilepsia; fatores emocionais: algumas pessoas comem mais quando estão chateadas, estressadas ou nervosas; idade: ao
envelhecer, a massa muscular corporal tende diminuir, reduzindo também o gasto energético, favorecendo o ganho de peso; gravidez: durante
a gestação há uma maior tendência em ganho de peso em determinadas
mulheres. Após o parto, às vezes fica difícil perder peso, podendo levar
ao sobrepeso ou obesidade e insônia.
PLANO GOVERNAMENTAL PARA COMBATER A OBESIDADE
O “Plano Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade: promovendo modos de vida e alimentação adequada e saudável para a população brasileira”, foi elaborado no âmbito da Câmara Interministerial
de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) e contou com a participação oficial dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social
e outros 17 ministérios, além do Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (CONSEA) e da Organização Pan Americana de
Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS) tem como objetivos
principais reverter a curva de crescimento da obesidade reduzindo os
índices entre crianças de 5 a 9 anos e estacionar a evolução do problema
entre adultos.
OBJETIVO DA PESQUISA EM ANDAMENTO
O Plano Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade será
dissecado para a verificação e análise das políticas públicas e, consequentemente da comunicação pública, determinadas pelas instituições brasileiras envolvidas na prevenção e contenção da obesidade.
Averiguaremos se são factíveis, acessíveis e eficientes para a população
640
obesa, considerando-se os aspectos socioeconômicos e culturais, hábitos alimentares e qualidade de vida.
BRASIL & OBESIDADE
O Brasil manteve o índice da população acima do peso em 2013
em relação a 2012, segundo a pesquisa feita pela Vigilância de Fatores
de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico Vigitel, do Ministério da Saúde. Os dados foram coletados em 26 capitais
brasileiras e no Distrito Federal.
O estudo, divulgado em 30 de abril de 2014, indica que 50,8%
dos brasileiros estão acima do peso ideal e 17,5% são obesos. O índice é praticamente o mesmo da pesquisa anterior, que apontou que 51%
da população tem excesso de peso, sendo que 17,4% eram obesos. Essa
pesquisa, baseada em dados de 2011, apontava que 48,5% da população
tinha excesso de peso. Em 2006, primeiro ano avaliado pela pesquisa,
esse índice era de 43%.
INFLUÊNCIA DO AMBIENTE
De modo recente, características do ambiente no qual as pessoas
convivem, como nível socioeconômico da vizinhança, disponibilidade e
acesso para a aquisição de gêneros alimentícios saudáveis, oportunidades para a prática de atividade física e deslocamento a pé ou de bicicleta, têm sido propostas como fatores associados à epidemia de obesidade
em diversos países (HANDY et al., 2002; JANSSEN et al., 2006; POPKIN;
DUFFEY; GORDON-LARSEN, 2005). Quando tais ambientes incentivam
a inatividade física e as escolhas alimentares não saudáveis, eles são caracterizados como obesogênicos e, por isso, responsáveis por promoverem a obesidade (SWINBURN; EGGER; RAZA, 1999).
O termo ambiente obesogênico surgiu na década de 1990 como
mais uma hipótese para explicar a epidemia mundial de obesidade. Foi
definido por Swinburn, Egger e Raza (1999, p. 564) como “an environment which is defined as the sum of the influences that the surroundings,
opportunities or conditions of life have on promoting obesity in individuals and population”. Desta forma, o ambiente obesogênico diz respeito
às influências que o ambiente e as oportunidades ou condições de vida
têm nas escolhas por parte dos indivíduos e populações de hábitos de
641
vida que promovam o desenvolvimento de obesidade. O termo abarca toda a gama de condições sociais, culturais e infraestruturais que
têm impacto na capacidade do indivíduo para seguir um estilo de vida
saudável em relação tanto à alimentação quanto à prática de atividade
física. Os mesmos autores ainda citam o ambiente leptogênico, que se
opõe ao ambiente obesogênico, uma vez que promove escolhas saudáveis de estilo de vida em relação tanto à alimentação quanto à prática
de atividades físicas.
Diante desse contexto, acredita-se que a atual epidemia de obesidade seja resultante da combinação de fatores genéticos complexos e
de um ambiente obesogênico. Ou seja, a susceptibilidade à obesidade é
em parte determinada pela genética, mas para sua expressão fenotípica é necessário um ambiente obesogênico (EGGER; SWINBURN, 1997;
LOOS; BOUCHARD, 2003).
No que diz respeito à relação entre fatores genéticos e ambientes obesogênicos, Loos e Bouchard (2003) sugerem que para as formas
mais comuns da obesidade é possível dividir as pessoas em quatro grupos: a) com obesidade genética; b) com forte predisposição genética;
c) com predisposição leve para a obesidade; d) geneticamente resistentes à obesidade. De acordo com os autores, em relação ao primeiro
grupo (obesidade genética), aqueles com forte predisposição em um
ambiente que não seja obesogênico provavelmente seriam pessoas
com excesso de peso, porém, tornam-se obesos e potencialmente obesos severos (mórbidos) em um ambiente obesogênico. O terceiro grupo em um ambiente que não promova a obesidade pode ter peso normal ou estar levemente acima do peso, mas em ambiente obesogênico
também podem ser obesos.
Bouchard (2007) explica que a atual epidemia de obesidade está
relacionada a quatro fatores principais: ambiente construído; ambiente
social; comportamento; e fatores biológicos de cada indivíduo. Assim, um
ambiente obesogênico favorece a adoção de comportamentos obesogênicos, por exemplo, consumo de refeições com alta densidade energética e
aumento do tempo em atividades sedentárias, os quais irão influenciar,
em maior ou menor escala, o balanço energético e o ganho de peso de um
indivíduo, dependendo de sua predisposição genética/biológica.
642
Assim, o desafio é a promoção de escolhas mais saudáveis por
meio de mudança ambiental, já que essa medida possui efeito mais duradouro na transformação comportamental dos indivíduos, uma vez
que essas escolhas se incorporam nas estruturas, nos sistemas, nas políticas e em normas socioculturais (SWINBURG et al., 1999).
O desenvolvimento econômico e a urbanização determinaram as
modificações no estilo de vida da população, traduzidos por padrões
alimentares discutíveis e por modelos de ocupação predominantemente sedentários, favorecendo o aumento de peso e, portanto, a obesidade
(OLIVEIRA et al., 2003). Isso tem ocorrido predominantemente em países desenvolvidos e urbanizados. Entretanto, a formação dos hábitos
alimentares transcende as questões geográficas e econômicas.
Fischer (1990), citado por Oliveira e Thébaud-Mony (1996), afirma que alguns alimentos e hábitos de consumo remetem a uma hierarquização, indicando o fenômeno de ascensão e de distinção sociais. De
acordo com o autor, os grupos em ascensão imitariam o consumo das
classes dominantes. Por outro lado, Oliveira e Thébaud-Mony (1996)
afirmam que as mudanças nos hábitos alimentares, próximos do modelo agroindustrial, e a manutenção de modelos alimentares nacionais
mostram que não se trata de um simples processo de mimetismo ou ocidentalização. Argumentam que, mesmo com a transferência do modelo
e dos processos de produção, em função do contexto socioeconômico,
histórico e cultural do país, fizeram-se necessárias adaptações, que levaram a uma maior diversificação dos hábitos e das práticas alimentares.
Nesse contexto, o crescente aumento de ambientes obesogênicos
representa o maior desafio para a manutenção do peso (SWINBURG,
EGGER, 2004). Nesse sentido, torna-se imprescindível dissecar o papel e
a interação desses ambientes, a fim de que seja possível reunir informações suficientes para combater as crescentes proporções de indivíduos acometidos pela obesidade, responsáveis por impactos negativos na
saúde da população e na economia dos países.
OBESIDADE E FATORES ENVOLVIDOS
Embora seja classificada como uma doença, o enfrentamento da
obesidade impõe uma série de desafios no campo das políticas públicas,
pois se trata de um problema que envolve vários tipos de fatores: como
643
nível sócio econômico, escolaridade, além de hábitos alimentares, valores culturais e qualidade de vida que têm impacto sobre a incidência do
sobrepeso e da obesidade.
No campo da medicina, as drogas tradicionalmente adotadas para
tratamento da obesidade têm demonstrado efeitos colaterais importantes e acabaram sendo retiradas do mercado em várias partes do mundo. Em outras palavras, os malefícios são maiores do que os benefícios.
As drogas modernas são caras e ainda estão em estado experimental.
A única estratégia continua sendo a cirurgia bariátrica (de redução do
estômago) que, no entanto, é tática de risco e mutiladora, já que mais de
80% da área do estômago é inutilizada. Além disso, não é incomum que
os pacientes submetidos à cirurgia apresentem um quadro psicótico e
muitos, inclusive, voltam a ganhar peso após a intervenção.
POLÍTICA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO
O Ministério da Saúde, através da Secretaria de Políticas Públicas
de Saúde, criou a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN),
aprovada em 1999, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, que
considera como objetivos a formulação de políticas no campo social e
econômico, que possam garantir o acesso à saúde; a execução de ações
de promoção, proteção e recuperação da saúde e a identificação de seus
condicionantes e determinantes, dentre eles a alimentação. Encontramse no seu campo de atuação a vigilância alimentar e nutricional, a promoção da alimentação saudável, prevenção e controle de carências
nutricionais e outras doenças associadas à alimentação, o controle de
qualidade nutricional dos alimentos, a vigilância sanitária de alimentos,
a vigilância ambiental e a responsabilidade de formular e apoiar políticas de alimentação e nutrição.
Ao completarem-se dez anos da publicação PNAN, o Programa
apresenta singular trajetória de avanços e tem à sua frente importantes
desafios nos âmbitos intra e intersetorial. No que se refere aos avanços,
cabe destacar o fortalecimento da rede de alimentação e nutrição, o financiamento das ações nos Estados e Municípios brasileiros, a implementação do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN)
em todo o território nacional, a publicação de diretrizes oficiais para a
promoção da alimentação saudável por meio do Guia Alimentar para a
644
população brasileira, a efetivação dos programas de suplementação de
micronutrientes ferro e vitamina.
O conjunto de desafios configura-se principalmente pela qualificação da gestão das ações de alimentação e nutrição, fortalecimento
das estratégias de implantação da nutrição na atenção básica e nos demais níveis de atenção à saúde, delineamento de ações destinadas a populações específicas (indígenas e outros povos e comunidades tradicionais), reconhecimento e valorização da cultura alimentar, ampliação da
discussão relativa à temática de nutrição, ambiente e desenvolvimento
e aproximação com as instâncias de controle social da saúde e da nutrição. Têm atuado em parceria com o Ministério da Educação em ações
voltadas para a melhoria da qualidade da merenda escolar e realizado
ações junto à indústria alimentícia destinada a modificar a composição
de alimentos processados, reduzindo a quantidade de sódio e outros
componentes nocivos à saúde.
Essa estratégia, no entanto, apresenta limites, na opinião da coordenadora do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e
Nutrição/UnB. “Tratar a obesidade somente como um fator de risco para
doenças crônicas é uma limitação”, afirma Elisabetta Recine. A nutricionista defende que obesidade é uma doença em si, cujo tratamento depende de ações multissetoriais, já que é multideterminada - ou seja, ela
é causada por um conjunto de fatores. “No Brasil e no mundo, não existe
um setor que, sozinho, dê conta do problema”. É por isso que ela defende a implementação do Plano Intersetorial de Prevenção e Controle da
Obesidade, elaborado pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar
e Nutrição (CONSEA), lançado em outubro de 2012. O plano abrange um
conjunto de ações, diretrizes e objetivos visando ao aumento da produção de alimentos saudáveis, ao acesso da população a eles, além de
iniciativas no campo da legislação, como a regulação de publicidade de
alimentos. “Mas sua implementação depende de compromissos políticos, o que ainda não ocorreu”, conclui Elisabetta.
COMO SÃO FORMULADAS AS POLÍTICAS PÚBLICAS?
As políticas públicas podem ser formuladas principalmente por iniciativa dos poderes executivo, ou legislativo, separada ou conjuntamente, a
partir de demandas e propostas da sociedade, em seus diversos seguimentos.
645
A participação da sociedade na formulação, acompanhamento e
avaliação das políticas públicas em alguns casos é assegurada na própria lei que as institui. Assim, no caso da Educação e da Saúde, a sociedade participa ativamente mediante os Conselhos em nível municipal, estadual e nacional. Audiências públicas, encontros e conferências
setoriais são também instrumentos que vem se afirmando nos últimos
anos como forma de envolver os diversos seguimentos da sociedade em
processo de participação e controle social.
A Lei Complementar n.º 131 (Lei da Transparência), de 27 de maio
de 2009, quanto à participação da sociedade, assim determina:
“I – incentivo à participação popular e realização de audiências
públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos
planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos;”
“II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da
sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos
de acesso público;”
Assim, de acordo com esta Lei, todos os poderes públicos em todas as esferas e níveis da administração pública, estão obrigados a assegurar a participação popular. Está, portanto, não é mais uma preferência política do gestor, mas uma obrigação do Estado e um direito da
população.
QUAIS OS INSTRUMENTOS QUE COMPÕEM AS POLÍTICAS PÚBLICAS?
As políticas públicas normalmente estão constituídas por instrumentos de planejamento, execução, monitoramento e avaliação, encadeados de forma integrada e lógica, da seguinte forma:
1. Planos;
2. Programas;
3. Ações;
4. Atividades.
Os planos estabelecem diretrizes, prioridades e objetivos gerais
a serem alcançados em períodos relativamente longos. Por exemplo, os
646
planos decenais de educação têm o sentido de estabelecer objetivos e
metas estratégicas a serem alcançados pelos governos e pela sociedade
ao longo de dez anos.
Os programas constituem, por sua vez, objetivos gerais e específicos focados em determinado tema, público, conjunto institucional
ou área geográfica. O Programa Nacional de Capacitação de Gestores
Ambientais (PNC) é um exemplo temático e de público.
Ações visam o alcance de determinado objetivo estabelecido pelo
Programa, e a atividade, por sua vez, visa dar concretude à ação.
Políticas públicas são passíveis de ser compreendidas, portanto,
como ações governamentais idealizadas, formuladas e desenhadas em
atenção aos propósitos de agenda dos governos, permeados e intercambiados com os anseios e demandas de grupos da sociedade, resultando
em programas, ações, estratégias, planos, que terão efeitos e buscarão
transformações e resultados positivos e benéficos para pessoas numa
dada realidade. (DIAS, R.; MATOS, F., 2012)
Isso permite dizer que as políticas públicas, de modo geral (dentre elas, iniciativas nas áreas da Saúde e da Educação, por exemplo) são
campos multidisciplinares de estudos e interesses, já que, diante da vontade e inclinação para estudá-las, torna-se necessária a compreensão de
que teorias e instrumentais construídos nos campos da Sociologia, da
Ciência Política e da Economia, para citar os mais evidentes, são fundamentais para a realização de análises e estudos.
Nunca perdendo de vista o caráter intersetorial e multidisciplinar
dos processos das políticas, a sua formulação, implementação e execução são caracterizadas por situações e desafios que demandam práticas de acompanhamento, monitoramento e avaliação, não apenas para
eventuais correções de rumo na condução das ações por parte dos especialistas, políticos e técnicos responsáveis, mas também para atender
às modificações constantes e estruturais que o dinamismo do processo inerentemente apresenta e para servir de base e lições aprendidas
para aplicação em outras ações do mesmo gênero (MAGALHÃES R.;
BODSTEIN R., 2009).
Tendo sido feitas reflexões para se pensar o que é, como se faz e
quais as questões envolvendo avaliação de políticas, especialmente no
âmbito da gestão pública no setor saúde, um bom ponto de partida é
647
estabelecer uma definição objetiva: avaliar significaria emitir um juízo
de valor, atribuir valor a algo, conferir a algo um aval.
Só que, por ser a avaliação de políticas um processo complexo, avaliar também é comparar parâmetros estabelecidos e resultados alcançados de uma dada intervenção ou sobre qualquer dos seus componentes,
com vistas à facilitação da consecução de determinados objetivos.
Utilizando-se de critérios ou padrões traçados para uma investigação sistemática, a atividade avaliativa insere-se tanto no campo da ciência
- por meio da produção de evidências - quanto no da prática cotidiana da
política - por meio dos processos analisados, e vincula-se a uma dimensão
instrumental, com o intuito de auxiliar na tomada de decisões.
Se a ação avaliativa compreende a emissão de um juízo de valor,
torna-se, portanto, necessário refletir sobre como; quando; onde; para
quem; com quem; quanto - ou seja, despendendo quais fontes e quais
quantidades de recursos; em que medida; atendendo a quais interesses;
significando quais conceitos; representando quais influências e interesses; resultando em quais consequências; uma prática caracterizada
como avaliação pode - e deve - gerar transformações positivas na realidade e bem-estar coletivo. Nesse contexto e com essas preocupações,
procura-se contribuir para o debate sobre a avaliação de políticas públicas, especificamente no que concerne ao setor saúde.
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DA SAÚDE
O QUE É SAÚDE PÚBLICA
A saúde pública/saúde coletiva é definida genericamente como o
campo de conhecimento e de práticas organizadas institucionalmente e
orientadas à promoção da saúde das populações (SABROZA, 1994). O conhecimento e a institucionalização das práticas em saúde pública configuraram-se articulados à medicina. Apesar de efetivamente superarem a
mera aplicação de conhecimentos científicos, as práticas em saúde representaram-se como técnica fundamentalmente científica. Essa representação não pode ser entendida como simples engano, mas aspecto essencial
da conformação dessas práticas, as quais encontram suas raízes na efetiva utilização do conhecimento científico. A medicina estruturou-se com
648
base em ciências positivas e considerou científica a apreensão de seu objeto (MENDES GONÇALVES, 1994). O discurso científico, a especialidade
e a organização institucional das práticas em saúde circunscreveram-se a
partir de conceitos objetivos não de saúde, mas de doença.
A DOENÇA
O conceito de doença constituiu-se a partir de uma redução do
corpo humano, pensado a partir de constantes morfológicas e funcionais, as quais se definem por intermédio de ciências como a anatomia
e a fisiologia. A ‘doença’ é concebida como dotada de realidade própria,
externa e anterior às alterações concretas do corpo dos doentes. O corpo
é, assim, desconectado de todo o conjunto de relações que constituem
os significados da vida (Mendes Gonçalves, 1994), desconsiderando-se
que a prática médica entra em contato com homens e não apenas com
seus órgãos e funções (CANGUILHEM, 1978).
A PREVENÇÃO E A PROMOÇÃO DE SAÚDE
O termo prevenir tem o significado de “preparar, chegar antes de, dispor de maneira que evite (dano, mal); impedir que se realize” (FERREIRA,
1986). A prevenção em saúde “exige uma ação antecipada, baseada no conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso
posterior da doença” (LEAVELL; CLARCK, 1976:17). As ações preventivas
definem-se como intervenções orientadas a evitar o surgimento de doenças específicas, reduzindo sua incidência e prevalência nas populações. A
base do discurso preventivo é o conhecimento epidemiológico moderno;
seu objetivo é o controle da transmissão de doenças infecciosas e a redução do risco de doenças degenerativas ou outros agravos específicos. Os
projetos de prevenção e de educação em saúde estruturam-se mediante a
divulgação de informação científica e de recomendações normativas de
mudanças de hábitos. ‘Promover’ tem o significado de dar impulso a; fomentar; originar; gerar (FERREIRA, 1986).
A Promoção da saúde da saúde define-se, tradicionalmente, de
maneira bem mais ampla que prevenção, pois refere-se a medidas que
“não se dirigem a uma determinada doença ou desordem, mas servem para aumentar a saúde e o bem-estar gerais” (LEAVELL; CLARCK,
649
1976: 19). As estratégias de promoção enfatizam a transformação das
condições de vida e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de saúde, demandando uma abordagem intersetorial
(TERRIS, 1990).
A constatação de que os principais determinantes da saúde são
exteriores ao de tratamento não é novidade. Oficialmente, contudo, é
bem recente a formulação de um discurso sanitário que afirme a saúde em sua positividade. A Conferência Internacional sobre Promoção
de Saúde, realizada em Ottawa (1986), postula a ideia da saúde como
qualidade de vida resultante de complexo processo condicionado por
diversos fatores, tais como, entre outros, alimentação, justiça social,
ecossistema, renda e educação.
No Brasil, a conceituação ampla de saúde assume destaque
nesse mesmo ano, tendo sido incorporada ao Relatório Final da VIII
Conferência Nacional de Saúde:
Direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida E acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, em todos os seus níveis, a todos
os habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno
do ser humano em sua individualidade (BRASIL. MS, 1966).
COMUNICAÇÃO EM SAÚDE
No campo da saúde, a comunicação exerce uma força educativa
pela qual vem sendo cada vez mais observada. O fenômeno da educação
em saúde se apresenta como um jogo de vários saberes, que “constituem
as práticas e as reflexões envolvidas nas relações entre educação e comunicação na área da saúde” (DONATO, GOMES, 2010, p. 42).
O ministério da Saúde relaciona uma lista de competências que
os profissionais de devem reunir, das quais fazem parte não apenas o
conjunto de tarefas que lhes cabem, mas também aspectos relacionados
a formas de conscientização, de formação de opinião e de incorporação de hábitos, comportamentos e atitudes. Por exemplo, faz parte do
conjunto de competências que integram as Unidades Básicas de Saúde
conhecer a realidade das famílias que atendem, no que se refere aos aspectos sociais, econômicos, culturais, demográficos e epidemiológicos.
650
O desenvolvimento profissional, na visão da comunicação, atende
às necessidades permanentes de definição, identificação, mapeamento
e utilização de novas competências. Carvalho comenta (2003, p. 16):
O conceito de competência nos diz ser ela fator primordial
para a conduta humana quando da realização de procedimentos e tarefas. Não apenas pelo fato de realizar coisas
corretamente e de forma válida, mas por conferir ao homem
o sentido humano de suas capacidades. Ser competente significa, de modo amplo, estar no mundo de forma útil e participativa. Dessa forma, no que fazem e no modo que realizam
coisas, as pessoas precisam se sentir integradas ao mundo,
sendo isso o que as capacita a interagir sobre eles.
COMUNICAÇÃO PÚBLICA E INTERESSE PÚBLICO
A informação é uma obrigação do Estado. No artigo 37 da
Constituição Federal resguarda que a administração pública direta e
indireta tem por dever obedecer, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade eficiência e publicidade – preceito central para a
transparência dos atos e fatos administrativos.
O artigo 5º inciso XXXIII da Constituição Federal estabelece que
todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo geral, que serão prestadas
no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (LENZA,
2009: 689). Fazer cumprir estes mandamentos da Constituição é, acima
de tudo, exercer um direito fundamental e cidadão.
O direito à informação está dentro das garantias constitucionais
modernas, pois se encontra dentro dos direitos fundamentais. Sendo assim, é um constituinte sine qua non para a efetivação da cidadania.
Percebe-se que uns direitos precedem aos outros - os direitos à
vida e à liberdade, da mesma maneira que os direitos à informação e à
democracia são primordiais para a constituição de outros direitos.
A ideia de que comunicar seja um direito de todo cidadão a se manifestar e ser ouvido, não se limita a questão de liberdade de acesso aos meios
de comunicação. O direito à comunicação passa necessariamente pela par651
ticipação do cidadão como sujeito ativo em todas as fases do processo de
comunicação, tornando-o também emissor (DUARTE, 2009: 106).
A comunicação pública é protagonizada por diversos setores da
sociedade: Estado, Terceiro Setor, partidos políticos, empresas privadas
e públicas, órgãos de imprensa, social civil organizada. Ela não é determinada pelos promotores/emissores da ação comunicativa, mas sim
pelo objeto que a mobiliza – o interesse público – afastando-se, ainda,
de uma finalidade de cunho mercadológico.
A comunicação do Estado e/ou governamental é exercida por órgãos governamentais, como secretarias, conselhos e agências reguladoras; por organizações do terceiro setor (ONG) e associações comunitárias;
e por empresas privadas que prestam serviço público. Este tipo de comunicação deve ser entendido como o principal canal de interação com os
cidadãos e de prestação de contas à sociedade. É um instrumento fundamental para a construção da agenda pública (BRANDÃO, 2009, p.5).
O repasse de informações à sociedade sobre as atividades exercidas
pelo Estado, como realização de obras ou criação de projetos sociais; as
ações promovidas, como campanhas de vacinação e chamamento para
participação de eleições; têm como objetivo, além de praticar responsabilidade e transparência, despertar o sentimento cívico do cidadão, que é a
base de uma sociedade bem informada e educada (socializada).
A comunicação política aborda, substancialmente, o uso de técnicas e estratégias de comunicação para divulgar e transmitir ideologias
e posicionamentos políticos, seja por parte de governos ou partidos políticos. Neste ambiente, a mídia e os seus veículos de comunicação são
fundamentais para a propagação das ideias e dos ideais políticos.
Podemos inferir que mesmo que as políticas públicas das instituições envolvidas no combate e prevenção da obesidade sejam as corretas, se houver falha na comunicação que deve chegar aos protagonistas
de todo o processo, elas não serão eficazes.
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656
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COMUNICAÇÃO PÚBLICA E EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA: A
ESCOLA COMO ESPAÇO DE INTERLOCUÇÃO E DE DELIBERAÇÃO
NA FORMAÇÃO E EMPODERAMENTO DO CIDADÃO.
Maria José da Costa Oliveira1
RESUMO
Este artigo apresenta a proposta inicial de desenvolvimento de uma pesquisa que pretende identificar e analisar as práticas de comunicação utilizadas pelas escolas de
ensino médio, que promovam e estimulem o diálogo, o debate, as interações que evidenciam espaços democráticos
de manifestação e exercício de cidadania, com o empoderamento de adolescentes para que se transformem em protagonistas dentro da sociedade. No artigo são apresentados
e correlacionados conceitos teóricos que fundamentam
a aplicação de pesquisa empírica, a ser desenvolvida em
etapa posterior, junto aos atores sociais de escolas, com o
propósito de confirmar se e como a comunicação, no papel
aqui destacado, tem contribuído com a articulação entre o
saber e o poder para a formação cidadã crítica e emancipatória, com vistas ao interesse público.
Palavras-chave: Comunicação Pública; Educação;
Cidadania; Democracia; Deliberação.
Pós-Doutora, Doutora e Mestre em Ciências da Comunicação. Coordenadora e Docente da Metrocamp-Grupo IBMEC. Integrante e vice-coordenadora do
Grupo de Pesquisa em Comunicação Pública e Comunicação Política – COMPOL, da ECA/USP sob coordenação da Profa. Dra. Heloiza Matos
1
INTRODUÇÃO
A partir da matriz de Craig (2007) e com base na teoria crítica,
esta pesquisa parte de suposições sobre o conhecimento considerando
a comunicação teorizada como reflexão discursiva. Como pressupostos
praxeológicos está fundamentada em suposições sobre a prática da teoria identificada na ideologia presente, na dialética utilizada, na opressão percebida, na conscientização, nas ações de resistência e nas formas
de emancipação que ocorrem no ambiente escolar.
Assim, esta pesquisa parte da análise de valores que são determinantes numa percepção da formação do cidadão no contexto democrático, tais como liberdade, igualdade e razão, enfatizados na discussão
que produz consciência, visão.
Esta pesquisa, em fase inicial, tem como objetivo identificar as
práticas de comunicação que têm sido adotadas pelas escolas de ensino
médio que estejam contribuindo para a formação do cidadão crítico,
atuante e responsável, e que sejam capazes de promover, entre os estudantes, o diálogo e a participação continua, e não apenas episódica, nas
questões de interesse público.
Nesse sentido, este artigo analisa, sob o ponto de vista teórico,
os eixos que alicerçam as etapas a serem postetiormente construídas,
partindo dos conceitos de comunicação pública, deliberação, educação
e capital social.
COMUNICAÇÃO PÚBLICA PARA A CIDADANIA
O conceito de comunicação pública representa uma percepção de
política de comunicação em contextos democráticos, dado seu compromisso com a cidadania e por promover a interlocução com a sociedade
visando o interesse público.
Brandão (2007), enfatiza que esta comunicação deve ser realizada
por todos que integram a área pública. Ocorre que dentro de contexto
democrático todos os setores, instituições e indivíduos se integram com
seus diferentes papéis formando diversas esferas públicas na sociedade.
Matos (2007) analisa que comunicação pública evoca pluralidade
de estilos, gêneros, pontos de vista, opiniões, visões de mundo. E, essa
pluralidade evidencia a importância do diálogo, dos debates, das dis658
cussões e das deliberações que provocam a tomada de decisão em situações que impactam a sociedade.
Matos (2007) também nos indica que a comunicação pública supõe acolhimento das demandas por canais e mensagens de vários pólos,
seja do Estado para a sociedade, do mercado para o Estado, como da
sociedade para o mercado.
Para Duarte (2007, p. 59), comunicação pública centraliza o processo no cidadão, já que, conforme endossa Matos (2007, p. 47), comunicação pública pode ser entendida como espaço plural para a intervenção do cidadão no debate das questões de interesse público.
Interessante incluir para a presente análise a contribuição de
Haswani (2011, p. 82) ao destacar que a comunicação pública compreende processos diversos e faz interagir os atores públicos e também os
privados, na perspectiva de ativar a relação entre o Estado e os cidadãos,
com o intuito de promover um processo de crescimento civil e social.
Rosso e Silvestrin (2013) concluem que a comunicação pública é a
esperança para se ampliar a democracia, tornando o cidadão corresponsável nas questões de interesse público e que afetam a vida em sociedade.
Assim, no contexto democrático, não há como limitar comunicação pública às ações do Estado, pois envolve, preferencialmente, ação
conjunta, integrada e por iniciativa de diferentes setores da sociedade,
sempre que privilegiem o interesse público.
Diante disso, surge a necessidade de analisar o papel que a comunicação desempenha em contextos de educação formal, a partir da instituição de espaços de participação, de diálogo, de debate e de deliberação nas
escolas, que levem à experiência prática de exercício de cidadania.
Para tanto, cabe aqui considerações sobre esfera pública, democracia e deliberação, para se identificar se a escola tem atuado para promover uma educação ajustada ao cenário democrático.
Inúmeras abordagens acerca de esfera pública e democracia já
foram realizadas. Todavia, aqui torna-se imprescindível resgatar a contribuição de alguns autores, que oferecem a base para se compreender
questões e consequências das novas esferas públicas, que passaram a se
constituir na sociedade, marcada por profundas mudanças.
659
Habermas analisa que a esfera pública se localiza entre o Estado e
a sociedade, o que nos permite entender a origem do impacto que a comunicação organizacional provoca na comunicação pública e vice- versa.
Marques (2008) indica que, para garantir que todos participem
igualmente dos debates e discursos em contextos formais e informais,
é necessário que os atores sigam procedimentos que zelem pelas condições de igual participação e consideração de todos.
Levando em conta tais considerações e analisando o papel das escolas, pode-se pressupor que o espaço escolar deveria realizar sistematicamente atividades que valorizem a igualdade de participação, educando os jovens para se tornarem cidadãos preparados para uma atuação
efetiva nas diferentes esferas públicas.
Porém, ainda há grandes desafios a serem superados, já que, mesmo no espaço escolar, a educação parece seguir modelos tradicionais
que pouco estimulam a participação. Claro que essa dificuldade não se
restringe ao âmbito escolar e se estende para todos que integram a esfera pública, pois, conforme Esteves (2003) isso decorre da constituição
histórica do espaço público e sua dificuldade em se tornar verdadeiramente democrático para a participação da sociedade civil.
Já na abordagem de Gomes (2008, p. 40) o papel da comunicação
ganha destaque, em especial quando o autor sugere que um público é
uma reunião de sujeitos capazes de opinião e interlocução. Como é proposta desta pesquisa, é importante saber se as escolas têm contribuído
para a realização desse tipo de reunião.
Gomes deixa claro que esfera pública é o âmbito da negociação
argumentativa dos cidadãos, o domínio do seu debate racional-crítico,
a dimensão social das práticas e dos procedimentos mediante os quais
os cidadãos reunidos podem elaborar, estipular, rejeitar ou adotar posições sobre qualquer questão de interesse comum.
Para tanto, a educação exerce um papel imprescindível para formar cidadãos, desde que comprometida com essa perspectiva transformadora e democrática.
O PAPEL DA DELIBERAÇÃO NO CONTEXTO DEMOCRÁTICO
Para atender aos objetivos propostos neste trabalho, uma abordagem sobre o conceito de deliberação se faz necessária, justamente por
660
representar o elo que entrelaça democracia e comunicação, já que se
refere a ação de emitir opinião de forma a influenciar decisões.
Marques (2008, p. 13) considera que a deliberação pode ser compreendida como uma atividade discursiva capaz de conectar esferas comunicativas formais e informais, nas quais diferentes atores e discursos
estabelecem um diálogo, que tem por objetivo a avaliação e a compreensão de um problema coletivo ou de uma questão de interesse geral.
Kim, Wyatt e Katz (2008) definem democracia deliberativa como
um processo em que os cidadãos voluntariamente e livremente participam dos debates sobre as questões públicas. Destacam, também, que
democracia deliberativa é um sistema discursivo onde os cidadãos dividem informações sobre assuntos públicos, conversações políticas, formação de opiniões e participação nos processos políticos.
Para Gomes (2008), a democracia precisa que as instâncias deliberativas funcionem como esfera pública para proteger o bem comum
do arbítrio do domínio que não precisa dar razões das suas decisões.
A política deliberativa cumpre um papel crucial no processo democrático, pois, segundo Habermas (1997, p. 28), obtém sua força legitimadora da estrutura discursiva de uma formação da opinião e da
vontade, a qual preenche sua função social e integradora graças à expectativa de uma qualidade racional de seus resultados. Por isso, o nível
discursivo do debate público constitui a variável mais importante.
Habermas, cita Cohen, para caracterizar o processo democrático
por meio dos seguintes postulados:
a) As deliberações realizam-se de forma argumentativa, portanto, através da troca regulada de informações e argumentos
entre as partes, que recolhem e examinam criticamente propostas;
b) As deliberações são inclusivas e públicas;
c) As deliberações são livres de coerções externas;
d) As deliberações também são livres de coerções internas que
poderiam colocar em risco a situação de igualdade dos participantes. (p. 29)
O agir comunicativo é o responsável por estabelecer relações,
estimulando os vínculos sociais, ou, de acordo com Habermas, “o que
661
associa os parceiros do direito é, em última instância, o laço linguístico que mantém a coesão de qualquer comunidade comunicacional”.
(Habermas, 1997, p. 31)
A comunicação ganha força no contexto democrático, pois, conforme Habermas (1997) “se quisermos enfrentar questões que tratam da
regulação de conflitos ou da persecução de fins coletivos sem empregar
a alternativa dos conflitos violentos, temos que adotar uma prática de
entendimento, cujos processos e pressupostos comunicativos, no entanto, não se encontram simplesmente à nossa disposição”. (1997, p. 36)
Para Benhabib (1996, p. 69, apud Maia, p, 165) as concepções deliberativas da democracia baseiam-se no princípio de que “as decisões
que afetam o bem-estar de uma coletividade devem ser o resultado de
um procedimento de deliberação livre e razoável entre cidadãos considerados iguais moral e politicamente”. Afirma, também, que deliberação deve ser entendida como processo argumentativo (p. 166), que
precisa ser estimulada em fóruns de discussão.
Assim, tanto Habermas, como Cohen e Benhabib tratam de destacar o quanto a comunicação, como processo argumentativo, tem papel crucial na deliberação, sendo capaz de estabelecer vínculos entre os
membros que dela participam.
Nesse sentido, as escolas podem cumprir um papel público importante, ao educarem seus alunos para que participem de fóruns que
elas também promovam, envolvendo questões de interesse público.
Esse papel tem sido desenvolvido por algumas escolas, mas ainda não
se tornou prática corrente.
Fora isso, considerando a defesa de que democracia não se restringe ao âmbito político, esta deve permear a sociedade como um todo,
envolvendo todos os setores da sociedade. Assim, ao incentivar a que
criação de espaços de discussão dentro das escolas, a educação passa a
ser coerente com a política democrática.
Nessa perspectiva, vale a afirmação de Maia (p. 180) de que a esfera pública não é entendida de forma única e global, mas, sim, constituída por diversos públicos que se organizam em torno de temas ou causas
de interesse comum.
662
Maia considera que a deliberação pública ajuda a distinguir pragmaticamente entre as reivindicações particularistas, egoístas, e aquelas
com maior apelo coletivo (p. 192).
Para minha proposta de analisar como a comunicação pública é
estimulada nas escolas visando a educação para a cidadania, a abordagem de Maia é muito útil, em especial porque a autora enfatiza uma
concepção ampliada de política, atenta aos contextos práticos da vida
cotidiana e às configurações da sociedade civil, bem como às complexas
interações que se estabelecem entre os domínios privados e públicos.
Mansbridge (1999, p. 211), por exemplo, concebe a deliberação não
só entre públicos organizados – isto é, “entre representantes formais e informais em fóruns públicos designados, da conversação entre constituintes e representantes eleitos ou grupos representantes de organizações
orientadas politicamente”, mas também entre públicos não organizados
– isto é, “ da conversação na mídia, da conversação entre ativistas políticos e da conversação cotidiana em espaços privados. (apud Maia, p. 196)
Marques (2008) elucida as interseções entre o processo comunicativo e a deliberação pública, destacando que o tema da deliberação
pública apresenta-se como referência fundamental na formação de uma
esfera pública de discussão ampliada que pode contribuir não só para
a construção de um sistema democrático marcado pela aproximação
entre instâncias formais do governo e espaços informais de discussão
entre os cidadãos, mas também para melhor atendimento e abordagem
apropriada dos conflitos políticos e sociais travados nas sociedades
contemporâneas. (Marques, p. 11)
A deliberação pode ser compreendida como uma atividade discursiva capaz de conectar esferas comunicativas formais e informais,
nas quais diferentes atores e discursos estabelecem um diálogo, que tem
por objetivo a avaliação e a compreensão de um problema coletivo ou de
uma questão de interesse geral. (Marques, p. 13)
Uma sociedade que incorpora a cultura democrática tende a adotar a deliberação como um processo natural em todas as instâncias públicas e privadas, mas, conforme Marques (p. 184) cidadãos que possuem oportunidades efetivas de deliberar tratam uns aos outros não
meramente como objetos, mas também como sujeitos que podem aceitar ou rejeitar as razões dadas para as leis que os vinculam mutuamente.
663
Assim, o conceito de comunicação pública tem por base esse novo
sujeito da sociedade plural, democrática, que tem o direito e o dever de
usufruir de espaços para debate, com diversidades de opinião, em que
se pese o respeito como um valor que se torna fundamental para que os
sujeitos se expressem.
RESPEITO NA DELIBERAÇÃO
Sem respeito de todos os lados envolvidos em debates, não há
como estreitar relacionamentos, nem como incentivar o processo de deliberação, pois, como afirma Mansbridge (apud Steiner), os participantes devem tratar uns aos outros com respeito mútuo e igual interesse.
Sennett (2004, p. 67) afirma que o respeito parece tão fundamental para a nossa experiência das relações sociais e do self que devemos
defini-lo com mais clareza. Trata-se assim de analisar seu significado,
a partir de alguns sinônimos que lhe são atribuídos. São eles “status”,
“prestígio”, “reconhecimento”, “honra” e “dignidade”.
A começar por “status”, Sennett (2004, p. 71) considera que este se
refere à posição de uma pessoa na hierarquia social, enquanto “prestígio” é entendido como emoções que o status suscita nos outros. Mesmo
parecendo evidente a relação entre status e prestígio, Sennett alerta
para sua complexidade e lembra que na estrutura do caráter do respeito
às necessidades dos outros, status dificilmente é conveniente e o prestígio simplesmente não convém de modo algum.
Ao se referir ao reconhecimento, Sennett (2004, p. 73) cita Rawls,
para quem seu significado é respeitar as necessidades daqueles que são
heterogêneos, além de Habermas, que o defende como respeito às opiniões daqueles cujos interesses os levam a discordar. Assim, o reconhecimento pode contribuir para gerar consciência social.
Para designar honra, Sennett (2004, p. 73) sugere, primeiro, seu
emprego como códigos de conduta e segundo como um tipo de eliminação de fronteiras e distâncias sociais. O autor utiliza como referência
Bourdieu, que considera que honra supõe um indivíduo que sempre se vê
através dos olhos dos outros, que tem necessidade dos outros para sua
existência, porque a imagem que ele tem de si é indistinguível daquela
apresentada a ele por outras pessoas. Nesse sentido, a honra também
gera consciência social, ainda que à custa de agressão contra estranhos.
664
Por fim, dignidade tanto é aplicada para a dignidade humana,
como para dignidade do trabalho. Ambas vertentes são vistas como
valores universais: a dignidade do corpo é um valor que todos podem
compartilhar, enquanto a dignidade do trabalho somente pode ser alcançada por uns poucos. (Sennett, 2004, p. 77)
Assim, das considerações de Sennett (2004) se depreende que o
respeito é com frequência escasso, revelando-se complexo em uma sociedade de desigualdades, pois está ligado aos atos de reconhecimento
pelos outros.
Mesmo diante dessa complexidade, o respeito é o aspecto central das
ações que podem ser promovidas pelas escolas voltadas ao diálogo, ao debate e à deliberação. Para tanto, é necessário que exista respeito de todos
os lados, porque sua ausência pode provocar a inibição do processo deliberativo, da participação, do engajamento. Afinal, conforme Gutmann e
Thompson (apud Steiner) respeito mútuo exige um esforço para apreciar a
força moral da posição com a qual possamos estar em desacordo.
Com respeito, a participação, o debate e a deliberação passam
a ser estimulados, fortalecendo o capital social, conceito que passo a
analisar, a seguir.
EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA
É evidente que, para tratar do objetivo aqui proposto, é preciso
ter em vista de qual perspectiva de educação será realizada essa análise.
Barbero (2014, p. 10), ao tratar de comunicação na educação, defende que a educação já não é pensável a partir de um modelo escolar
(sic). O autor reforça que o lugar para se aprender pode ser qualquer um
e evidencia a importância de se formar o cidadão como pessoa capaz
de pensar com sua cabeça e de participar ativamente na construção de
uma sociedade justa e democrática (p.11).
Todavia, é em Freire, que encontramos a principal referência sobre a educação numa perspectiva transformadora, pois na concepção
do autor a educação deve ser libertadora, humanista e ao mesmo tempo
conscientizadora. O autor, assim como Barbero, defende uma proposta
não escolar que pretende alfabetizar e, ao mesmo tempo, conscientizar/
politizar os homens pelo diálogo, levando à necessidade de se superar as
mais diversas situações de opressão que vive o oprimido.
665
Para Freire, a libertação do oprimido, tão necessária, será possível
pela educação. Não a educação “bancária”, em que o saber é uma doação
dos que se julgam sábios aos que eles julgam nada saber, que visa defender os interesses do opressor, que trata os homens como seres vazios,
desfigurados, dependentes; mas a educação problematizadora.
A educação problematizadora, libertadora, promovida nos
Círculos de Cultura por meio de perguntas e respostas (diálogo), se afirma na relação dialógica entre educador-educando. Para Paulo Freire, o
Círculo de Cultura constitui-se numa estratégia da educação libertadora. Nele não haveria lugar para o professor bancário, que tudo sabe, nem
para um aluno passivo, que nada sabe.
Linhares (2008) analisa que o Círculo de Cultura proposto por Freire
é um lugar onde todos têm a palavra, onde todos lêem e escrevem o mundo. É um espaço de trabalho, pesquisa, exposição de práticas, dinâmicas,
vivências que possibilitam a construção coletiva do conhecimento.
Nos chamados Círculos de Cultura, os analfabetos aprendiam e ensinavam a interpretar o mundo e a descodificá-lo,
a partir da palavra e temas geradores de significância para
a sua realidade, idéias estas presentes, principalmente, nas
obras “Pedagogia do Oprimido” e “Educação como prática da
Liberdade”.
Todavia, ainda que o lugar da educação possa ser qualquer um,
a escola tem potencial para ser o espaço privilegiado da educação.
Durkheim (apud Hauschild, 2011), por exemplo, defende a postura social que a escola e a educação em si, devem ter. Na perspectiva do autor,
a educação escolar deixa de ser vista de forma individualista e sim através de uma perspectiva coletiva.
Conforme indica Hauschild (2011), a escola representa um espaço
de desenvolvimento e aprendizagem que envolve todas as experiências
contempladas nesse processo, considerando tudo como significativo,
como os padrões relacionais, aspectos culturais, cognitivos, afetivos,
sociais e históricos, os quais estão inseridos nas interações e relações
entre os diferentes segmentos.
Nesse contexto, a escola tem papel importante, pois é um espaço potencial para reflexão sobre as transformações que se processam
na atualidade e seus resultados. Afinal, a escola não pode ficar alheia
666
às transformações sociais e culturais advindas da sociedade. Mas, pelo
contrário, a escola pertence ao meio social e, por isso, sofre as influências
do meio. “A escola é uma comunidade. Como parte da sociedade, ela
está normalmente estruturada de forma a reproduzir a estrutura social.”
(GALLO, 2010, p. 145).
Bauman (2001) destaca que, muitas transformações estão permeando a sociedade contemporânea e essas acabam por invadir todos os
contextos, inclusive a escola.
A ESCOLA NA CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL SOCIAL
A relação do conceito de capital social com a presente abordagem
ocorre porque, para que sejam estabelecidas relações nas diferentes esferas públicas e privadas, torna-se condição essencial o estabelecimento
de vínculos entre membros que compõem as organizações. São esses
vínculos que contribuem para garantir o engajamento, seja em relação
aos objetivos intra-organizativos, seja em relação aos objetivos voltados
ao interesse público.
Reis (2003, p. 43), analisando a obra de Putnam, Making Democracy
Work, de 1993, considera capital social como variável-chave para identificar as potencialidades de implementação bem sucedida de políticas e
programas públicos em contextos variados.
Essa consideração ajuda a justificar a relevância do capital social
como conceito dentro da análise sobre a escola como espaço de interlocução e de deliberação na formação e empoderamento do cidadão.
Dessa forma, cabe lembrar que capital social está intimamente
ligado às redes sociais e de comunicação disponíveis para as interações
dos agentes sociais (Matos, 2009, p. 101). Matos destaca, também, que
“a rede social pode ser dimensionada pela confiança que os membros
atribuem aos participantes e às consequências associadas a esse sentimento”. (Matos, apud Duarte, 2007, p. 55)
Matos (2009, p. 37) cita Coleman, para quem o capital social pode
ser encontrado em dois tipos de estrutura: nas redes sociais que funcionam num espaço fechado (um clube, associação ou sindicato, com suas
próprias normas e sanções) ou numa organização social ou instituição
com um objetivo específico (empresa, governo, associação cultural, partido politico, ONG).
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Matos (2009, p. 38) analisa que Coleman no campo da educação
e Putnam com foco na participação cívica e no comportamento das
instituições são fontes de inspiração para a maior parte dos estudos
sobre o capital social.
Tais estudos mais recentes concentram-se, de acordo com Matos
(2009, p. 38) em nove campos: família; comportamento juvenil, escolarização e educação; vida comunitária virtual e cívica; trabalho e organização; democracia e qualidade do governo; ação coletiva; saúde pública e
meio ambiente; delinquência e violência; desenvolvimento econômico.
Considerando esses campos, é possível perceber que os estudos sobre capital social já têm enfatizado o universo escolar e de educação como
dos mais propensos a alimentar laços comunitários de reciprocidade.
Vale et al (2006, p. 46) consideram que o capital social se manifesta por meio das redes sociais que tornam possíveis a cooperação e a
ação coletiva para benefício mútuo, no interior das organizações, grupos e comunidades.
Isso provoca a necessidade de se estabelecer estratégias coletivas,
voltadas a promover, de acordo com Vale et al (2006, p. 46), relações de
confiança mútua, senso de propósito e capacidade de trabalho coletivo,
elementos subjacentes ao conceito de capital social.
Para completar minha abordagem, torna-se necessário não apenas evidenciar a importância do capital social no âmbito escolar, mas
também levar em conta o contexto democrático, de participação e engajamento cívico. Assim, Matos (2209, p. 44) trata de enfatizar e aprofundar justamente o conceito de capital social na estruturação de laços sociais e engajamento cívico. Para tanto, a autora destaca a obra de
Sennet – que analisa a corrosão do caráter e o declínio do capital social.
Conforme Sennet (1999, apud Matos, 2009, p. 45) caráter designa
sobretudo os traços permanentes de nossa experiência emocional que
se exprime pela confiança e o engajamento recíproco, na tentativa de
atingir os objetivos de longo prazo, ou ainda, para retardar a satisfação,
visando a um objetivo futuro.
Matos (2009, p. 45) constata que a obra de Sennet ajuda a elucidar
que as causas prováveis da corrosão são as mesmas que afetam o capital social, trazendo, entre outras questões, porque devem-se articular os
interesses pessoais e públicos.
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Um sistema político que não fornece aos seres humanos as
razões profundas para que se interessem uns pelos outros
não pode conservar sua legitimidade por longo tempo (Sennet, 1999, p. 66)
Segundo Putnam (2006, apud Matos, 2009, p. 47) os indivíduos têm
mais chance de mudar sua vida quando fazem parte de uma comunidade
cívica fortemente engajada. Dessa forma, os laços sociais e o engajamento
cívico teriam influência preponderante sobre a vida privada e pública.
“As redes de interação alargariam enormemente a consciência dos membros, permitindo que eles desenvolvessem um
“eu” e um “nós”, ou, retomando os termos teóricos da escolha
racional, pode-se dizer que a presença dessas redes reforçaria o gosto dos indivíduos pelos benefícios coletivos (Bevort e
Lallement, 2006, pp 37-8, apud Matos, 2009, p. 47)
Se até aqui tratei de considerar o conceito de capital social, seus
campos de aplicação e evidenciar sua utilidade para a sociedade, resta
analisar qual seria o papel da comunicação na sua constituição.
Matos (2009, p. 82), ao tratar das perspectivas atuais da abordagem da conversação, lembra que as noções de opinião pública e esfera
pública fizeram com que o conceito de conversação fosse reconhecido
como relevante dimensão da constituição da democracia.
Matos (2009, p. 82) faz um questionamento sobre o porquê das
conversações serem tão importantes para a formação de espaços públicos democráticos se, geralmente, elas se estabelecem em contextos
privados (pouco propícios ao embate de ideias) e entre pessoas que pensam de forma semelhante.
A autora resgata diferentes autores (Mansbridge, 1999; Kim e Kim,
2008; Moy e Gastil, 2006), que já destacaram que as conversações tendem a ocorrer com maior frequência em ambientes nos quais as pessoas
se sentem protegidas ao expressarem seus argumentos e conclui que:
Assumir opiniões divergentes em contextos controversos
não só impõe um desafio aos indivíduos como também
um preço: transformar uma conversação fluida, amistosa
e agradável em um embate de ideias voltado para a produção de um acordo ou para a solução de um determinado
669
acordo ou para a solução de determinada questão. (Matos,
2009, p. 82)
Essa abordagem alinha-se em especial com o conceito de respeito
na deliberação, aspecto que tratei na sessão anterior. Todavia, Matos
complementa sua análise sobre o papel da conversação no capital social, lembrando que há uma outra forma de conversação apontada por
Schudson como aquela voltada para a solução de problemas, a qual focaliza as trocas de argumentos em público entre pessoas com backgrounds
distintos, exigindo que os participantes formulem os próprios pontos
de vista e respondam aos questionamentos alheios. (Matos, 2009, p. 84)
A evidencia da comunicação para o capital social é apontada por
Matos (2009, p. 214) quando cita Hartman e Lenk (2001) que acreditam
que a comunicação pode potencializar o capital social e o cumprimento
de metas negociais, sendo um ativo intangível capaz de contribuir para
o capital social, ativo da mesma natureza.
Para Matos (2009, p. 218) é justamente o movimento de aproximação entre a noção de capital social e a de comunicação que oferece a
possibilidade de pensar na constituição dos indivíduos como cidadãos
e atores cívicos com base nas interações que estabelecem nas redes sociais, sejam elas organizacionais e/ou cívicas.
Por fim, considero que a constituição de capital social facilita o
engajamento dos cidadãos nos assuntos que afetam a coletividade, por
vínculos de confiança que são estabelecidos, e, se as escolas têm um papel importante na formação do cidadão, é preciso que a educação seja
praticada numa perspectiva de empoderamento que leva à transformação, já que, segundo Romano (2002, p. 17) empoderar significa colocar
as pessoas e o poder no centro dos processos de desenvolvimento; um
processo pelo qual as pessoas, as organizações, as comunidades assumem o controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida e tomam
consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É interessante observar se, num espaço público como a escola,
tem sido estimulada a participação, o diálogo, o debate e a deliberação,
como aprendizagem para o exercício da cidadania.
670
Com essa proposta, a pesquisa em desenvolvimento procura identificar se essa visão de utilização do espaço da escola como espaço de
aprendizagem para o debate e a participação seria considerado coerente para a formação de uma sociedade democrática, que reconhece a necessidade de integração entre todos os setores da sociedade na definição e execução de políticas públicas que atendam ao interesse público.
Entretanto, é preciso reconhecer que obstáculos históricos e culturais precisam ser transpostos para que a escola se torne um espaço de
aprendizagem para a cidadania.
É óbvio que é preciso também levar em conta que a educação passou por alterações que levaram à quebra de paradigmas, em função de
um cenário social que exigia abertura para a ação conjunta entre diferentes setores sociais, comprometidos com o desenvolvimento e a auto-sustentação das futuras gerações.
A escola, com espaços de interlocução, de participação e de deliberação, estimula a interface entre educação e comunicação, já que
essa interligação faz com que, na sua formação, o cidadão desenvolva a
habilidade e competência para se utilizar dos instrumentais da comunicação para interferir nas questões de interesse público.
No âmbito da educação, formal ou informal, as ações educativas
combinam elementos de reprodução da cultura de seus agentes, bem como
de transformação. Da mesma forma ações de comunicação pública constituem-se recursos indispensáveis ao envolvimento da sociedade para o estabelecimento de potenciais de transformação, presentes e futuros.
Independentemente do tipo e da abrangência das ações integradas entre comunicação e educação a serem empreendidas, deve-se ter
em mente que a apreensão dos conhecimentos envolve, além da capacidade intelectual, o convívio em espaços de troca, de diálogo, de debate,
que estimulem os sentidos, os desejos e a motivação.
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GRUPO DE PESQUISA V
COMUNICAÇÃO, POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS
COORDENAÇÃO: PROF. DR. JOÃO JOSÉ CURVELLO (UNB)
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ESTRATÉGIAS E POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO EM
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: A COMUNICAÇÃO
ORGANIZACIONAL EM UMA UNIDADE DE PESQUISA
Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade1
RESUMO
Neste trabalho abordam-se as estratégias utilizadas
em uma unidade de pesquisa para o favorecimento da comunicação em Ciência, Tecnologia e Inovação (C, T & I).
Objetivou-se investigar os fenômenos comunicacionais relativos à divulgação científica e ao trabalho da assessoria de
comunicação, a partir de políticas públicas e dos documentos derivados dessas políticas. As ações executadas pela
instituição são analisadas por meio de pesquisa-ação, tendo como referência seu atual plano diretor. Foram descritas
as metas e ações, o que levou a perceber na instituição duas
frentes de comunicação social: a assessoria de comunicação e a divulgação científica. Mesmo assim, a comunicação
com os públicos de interesse não está entre as principais
atividades desenvolvidas. Conclui-se que o plano diretor é
tímido em relação ao estabelecimento dessas atividades e
ao aproveitamento de seus resultados.
Palavras-chave: Comunicação organizacional; Políticas e
Estratégias; Ciência e Tecnologia.
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo e analista em Ciência e Tecnologia no Laboratório Nacional de Astrofísic, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI). E-mail: gcapistrano@lna.br
1
INTRODUÇÃO
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) coordena o trabalho de execução dos programas e ações que consolidam a
Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I). Essa política tem como objetivo transformar esse setor em componente estratégico do desenvolvimento econômico e social do Brasil com o intuito
de contribuir para que os benefícios sejam distribuídos de forma justa
a toda a sociedade.
A divulgação da ciência é produto da interface entre ciência e
sociedade e é dever dos órgãos públicos prestar contas à sociedade de
todos os atos administrativos. Além disso, o acesso às informações de
C,T&I é fundamental para o exercício pleno da cidadania e, consequentemente, para o estabelecimento de uma democracia participativa.
O estudo, amparado em teorias da informação e da comunicação,
foi desenvolvido em uma unidade de pesquisa do MCTI, o Laboratório
Nacional de Astrofísica (LNA), com o objetivo principal de analisar as
ações de comunicação organizacional do instituto para a divulgação do
conhecimento científico e tecnológico.
Usou-se como metodologia a pesquisa-ação, amparada em pesquisa documental, iniciada pela análise situacional das estratégias estabelecidas pelo MCTI para C,T&I de 2012 a 2015. Essa análise permitiu o
delineamento das diretrizes que orientam as ações nacionais e regionais
para a divulgação científica e, consequentemente, a compreensão do que
o MCTI entende como comunicação organizacional. As ações de popularização da C,T&I executadas pelo LNA foram analisadas a partir do proposto em seu plano diretor, documento em que se descrevem as ações
previstas para 2011 a 2015 e das atividades desenvolvidas de acordo com
a demanda e exigências dos vários públicos de interesse do instituto.
O desenvolvimento do artigo está dividido em três seções. Na primeira, apresentam-se as ações de C,T&I voltadas para a comunicação
contidas na Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação
(ENCTI), documento que estabelece o planejamento da área entre 2012
e 2015. Na segunda, fala-se sobre os Planos Anuais de Comunicação
(PAC) e o papel da assessoria de comunicação do MCTI e do LNA, ressaltando o entendimento da pasta sobre comunicação organizacional. Na
677
terceira, faz-se a análise das ações realizadas pelo LNA a partir do que
foi estabelecido em seu plano diretor e da demanda espontânea gerada
pela necessidade social de compreender a ciência. Finaliza-se com as
conclusões alcançadas pelo estudo.
ESTRATÉGIA NACIONAL PARA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
“Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação” (ENCTI)
é um documento elaborado pelo MCTI, em 2011, com o objetivo de estabelecer diretrizes para consolidar um sistema nacional de C,T&I “capaz
de conjugar esforços em todos os âmbitos – federal, estadual, municipal,
público e privado – e promover o aperfeiçoamento do marco legal e a
integração dos diferentes instrumentos de apoio a C,T&I disponíveis no
País” (MCTI, 2012, p. 24).
O ENCTI estabelece as estratégias e linhas de atuação para expandir e fortalecer a infraestrutura da pesquisa e do desenvolvimento
científico e tecnológico. Tem como eixos de sustentação a promoção da
inovação das empresas, o financiamento público para o desenvolvimento científico e tecnológico e a formação e capacitação de recursos humanos. Os nove programas do documento foram eleitos por envolverem
“as cadeias mais importantes para impulsionar a economia brasileira”
(MCTI, 2012, p. 54), revelando a preocupação econômica do documento.
São eles: tecnologias da informação e comunicação, fármacos e complexo industrial da saúde, petróleo e gás, complexo industrial da defesa,
aeroespacial, e áreas relacionadas com a economia verde, como energia
limpa e o desenvolvimento social e produtivo. Por fim, destaca-se a contribuição da C,T&I para o desenvolvimento social.
Dentre as ações de desenvolvimento social, o ENCTI preocupa-se com a apropriação do conhecimento científico e tecnológico pela
sociedade. A popularização da C,T&I e as ações que visam à apropriação social do conhecimento “são relevantes na formação permanente
para a cidadania e no aumento da qualificação científico-tecnológica.”
(MCTI, 2012, p. 83). Como visão de futuro, o documento propõe o avanço da política de difusão de C,T&I, “de modo a motivar a juventude a
se interessar por carreiras científicas e tecnológicas e a propiciar mais
conhecimento à população para o exercício da cidadania em tempos de
imersão tecnológica.”(MCTI, 2012, p. 25)
678
Como explica Cardoso (2006, p.1132):
A comunicação é um fato nas organizações, ou seja, não existe nenhuma organização sem uma prática comunicativa,
ainda que os processos comunicativos não sejam institucionalizados. Eles são essenciais para a operação da entidade e
estão intimamente vinculados às formas de significar, valorar e expressar uma organização, isto é, ao processo comunicacional e constitutivo da cultura da organização, e de sua
identidade, configurando imagens reconhecidas por seus diversos públicos internos e externos. A comunicação pode ser
entendida, então, como um alicerce que dá forma à organização, fazendo-a ser aquilo que ela é.
Desse modo, a divulgação científica tem, portanto, papel norteador relevante para as ações de comunicação a serem desenvolvidas
pelo MCTI e pelas unidades de pesquisa a ele vinculadas. Entende-se
por unidade de pesquisa toda organização cuja finalidade é desenvolver
pesquisas práticas e objetivas e promover o conhecimento produzido
para a sociedade. Assim, amparado no ENCTI, o MCTI estabeleceu, nos
anos de 2011 a 2014, o Plano Anual de Comunicação (PAC), documento
interno que contém as iniciativas de popularização de C,T&I.
A ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO MCTI E DO LNA
A assessoria de comunicação (ASCOM) do MCTI é uma unidade
subordinada ao Gabinete do Ministro2. As ações de comunicação social
são orientadas pelo Plano Anual de Comunicação (PAC), que estabelece
as políticas e diretrizes de comunicação social de cada integrante do
Sistema de Comunicação dos Órgãos do Governo Federal (SICOM) e define suas ações, metas, segmentos de público, cronogramas de execução, meios a serem utilizados e recursos financeiros.
As atividades desenvolvidas pela ASCOM e presentes nos PAC de
2012 a 2015 são apresentadas no Quadro 1.
Dentro da estrutura organizacional do MCTI , o Gabinete do Ministro é um
órgão de assistência direta e imediata ao Ministro de Estado.
2
679
QUADRO 1 – ATIVIDADES DA ASCOM
PLANEJADAS NOS PAC DE 2012 A 2015
2012
2013
2014
Semana Nacional
de Ciência e
Tecnologia (SNCT)
Cada ano realizada em uma cidade do país,
tem como objetivo despertar o interesse da sociedade brasileira para o tema da ciência, tecnologia e inovação com vistas ao desenvolvimento sustentável do Brasil. O evento pretende
chamar atenção para a importância da ciência
na vida das pessoas por meio de atividades de
difusão e popularização da ciência (palestras,
filmes, exposições interativas e oficinas, dentre
outras atividades).
Ciência sem
Fronteira
O programa “Ciência sem fronteira” é o maior
programa de expansão e internacionalização
da ciência brasileira. Criado pelo governo
federal, tem como objetivo propiciar aos estudantes brasileiros a experiência de formação acadêmica nas principais universidades
do mundo. O programa também atrai para
o Brasil cientistas de renome internacional
que vão ajudar a melhorar os indicadores
da produção científica nacional. A ASCOM é
responsável por informar à sociedade em geral
sobre os benefícios do programa.
TI-maior
Criado pelo governo federal para estimular a
cadeia produtiva de software. O programa visa
a ampliação da base tecnológica nacional e o
aumento dos atuais indicadores de competitividade do país, tendo em vista os mercados
globais e a qualificação da mão-de-obra brasileira em tecnologia da informação.
Start-up Brasil
O Programa Start-Up Brasil tem por objetivo
fortalecer os setores científico, tecnológico e
econômico do país, ligados às tecnologias de
comunicações e informação (TICs), e estimular
o empreendedorismo visando a ampliação da
base tecnológica nacional, a consolidação de
ecossistemas digitais e o surgimento de um
ambiente favorável à inovação tecnológica e à
pesquisa e desenvolvimento em TICs.
2015
2012
2013
2014
2012
2013
2014
2013
2014
2015
680
2013
2014
2014
2015
2014
2015
2014
2015
Pluviômetros nas
comunidades
O projeto visa introduzir a cultura da percepção de riscos de desastres naturais no
Brasil por meio da instalação de pluviômetros
semiautomáticos operados por equipes da
comunidade local, especialmente treinadas.
A ASCOM deve comunicar à sociedade, em
especial os moradores das áreas de risco de
desastres naturais (deslizamento de terra em
morros), sobre o projeto, o início das suas
atividades e como eles podem se envolver e
participar.
Tecnologias
Assistivas
O programa visa estimular a elaboração de
projetos de pesquisa e o desenvolvimento de
produtos inovadores voltados para às melhorias da qualidade de vida de pessoas com deficiência ou com a mobilidade. À ASCOM cabe
informar sobre a criação de novos produtos, a
disponibilização de recursos para pesquisas e
demais eventos o programa.
Iniciativa Brasileira
de Nanotecnologia
Comunicar às universidades, centros de pesquisa, instituições científicas, empresas, setor
público, entre outros, sobre a os benefícios da
Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia (IBN),
bem como a realização de eventos, publicação
de editais, resultados e outras ações que interessem à cadeia produtiva.
Plano Inova
Empresa
O Plano Inova Empresa prevê investimentos
para impulsionar, por meio da inovação tecnológica, a produtividade e a competitividade
em diversos setores da economia. Comunicar
à sociedade em geral, em especial empresas
e centros de pesquisa, sobre o Plano Inova
Empresa, seus editais, progressos, eventos,
iniciativas de cooperação e seus resultados
obtidos das suas atividades, entre outros fatos,
tanto no mercado de impacto direto, quanto
no desenvolvimento da economia nacional.
681
2014
Olimpíada
Brasileira de
Matemática das
Escolas Públicas
(OBMEP)
Promovida pelo MCTI e MEC e realizada
pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e
Aplicada (IMPA), a OBMEP tem como objetivo
estimular o estudo da matemática e revelar talentos na área. A comunicação busca
despertar o interesse da sociedade brasileira
pela matemática por meio da olimpíada, além
de informar sobre eventos, ações, editais e
resultados.
2014
Estratégia Nacional
de Ciência,
Tecnologia e
Inovação - 20122015
Comunicar sobre ações realizadas no âmbito
da ENCTI, bem como a realização de eventos,
publicação de editais, resultados e outras
ações que interessam o público-alvo. Tal comunicação tem o objetivo de tornar públicas as
informações vitais para tomadas de decisões
empresariais, de pesquisa e de política pública,
além de instruir e informar a população em
geral.
Todas as ações são orientadas e impulsionadas pelas diretrizes
do ENCTI. Algumas são voltadas para a divulgação da ciência, como a
SNCT, mas a maioria destina-se a comunicar outros programas prioritários do documento, especialmente os capazes de impulsionar a economia do Brasil. A missão da ASCOM3 (ASSESSORIA, 2015) esclarece
que seu papel é divulgar conteúdo e não é, portanto, responsável pela
divulgação científica, ainda que por vezes os papeis se confundam e a
assessoria desenvolva essa atividade.
Divulgar ciência é colocar ao alcance da população os conhecimentos científicos e tecnológicos para que possam ser usados nas suas
atividades cotidianas e nas tomadas de decisão (BUENO, 2010). As formas de divulgação e popularização da ciência variam de eventos cientíAtender ao princípio constitucional da publicidade, por meio de ações que visam
informar, esclarecer, orientar, mobilizar, prevenir ou alertar à população em geral
e/ou segmentos de públicos-alvo sobre as políticas deste Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação sobretudo em temas que tragam benefícios sociais direto à
população e que e que melhoraram a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros.
3
682
ficos, como congressos, conferências, a publicações como livros, revistas,
jornais, a criação de museus, jardins botânicos, planetários, a produção
de filmes, vídeos, programas de rádio e TV, internet, centros de ciência, parques temáticos, incluindo escolas, faculdades e universidades. O
MCTI possui o Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e
Tecnologia (DEPDI) cuja finalidade é “subsidiar a formulação e a implementação de políticas, programas e a definição de estratégias para a popularização e para a difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos,
nas diversas instâncias sociais e nas instituições de ensino.” (MCTI, 2011)
Já, divulgar conteúdo é informar à sociedade sobre as atividades
desenvolvidas pelo Ministério, mediante divulgação das políticas públicas, programas, ações e projetos de interesse público. Os atos são realizados mediante a produção de conteúdos em formato de noticiários,
documentários, entrevistas e reportagens para veiculação em televisão,
rádio, internet e outras plataformas digitais.
O LNA4 foi criado no início da década de 1980 para impulsionar os
estudos científicos em astronomia e tem como prioridade a pesquisa e o
desenvolvimento em instrumentação. A instituição tem sede na cidade de
Itajubá, Minas Gerais e gerencia o maior telescópio brasileiro em terra, instalado no Observatório do Pico dos Dias (OPD)5, em Brazópolis, Minas Gerais.
Gerencia também a participação do Brasil em dois consórcios internacionais:
o Observatório Gemini e o Telescópio SOAR, instalados no Chile e no Havaí.
A história do OPD entrelaça-se à história da astronomia brasileira. Foi ele o grande propulsor do salto em qualidade que essa ciência
experimentou após 1980. Em 1989, o LNA foi efetivado como unidade de
pesquisa do CNPq do então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT),
atualmente MCTI, e, em 1992, estabeleceu sede própria em Itajubá. Em
2000, o LNA tornou-se oficialmente uma unidade de pesquisa do MCTI.
Desde então, o LNA seguiu sua vocação para a promoção da astronomia
As informações necessárias à construção desse histórico foram retiradas da
página oficial da instituição (< http://www.lna.br/>).
4
O OPD, inicialmente Observatório Astrofísico Brasileiro (OAB), foi criado há 30 anos
e é a pedra fundamental do LNA. Em 1985, o OAB transformou-se no primeiro laboratório nacional do país e recebeu o nome de Laboratório Nacional de Astrofísica.
5
683
brasileira e, mais do que administrar o OPD, tornou-se gerente da participação brasileira em observatórios internacionais.
Em 1993, o Brasil tornou-se parceiro do Observatório Gemini, que
compreende dois telescópios idênticos, com espelhos de 8,1m de diâmetro,
respectivamente localizados nos Andes chilenos (Gemini Sul) e em Mauna
Kea, Havaí (Gemini Norte). O LNA assumiu o papel de escritório nacional
do Gemini. A participação brasileira no consórcio aumentou de 2,5% iniciais para 6% com a saída de alguns parceiros. O Brasil é o país com a maior
produção proporcional de artigos com dados do Gemini, o que evidencia a
importância do observatório para a comunidade científica.
Em 1999, o MCTI firmou acordo com os Estados Unidos para a
construção e operação de telescópio de última geração, com abertura de
4,1m, situado em Cerro Pachón, a algumas centenas de metros do Gemini
Sul - o Telescópio SOAR. Além de ser responsável pela comissão que distribui o tempo de telescópio e de dar suporte aos usuários, o LNA foi responsável por projetar e construir, em suas oficinas, dois instrumentos
para o telescópio. O LNA passou a desenvolver, portanto, sua mais nova
vocação: a instrumentação astronômica. Nas últimas décadas, ampliou
sua capacidade tecnológica ao conceber e construir instrumentos para os
observatórios consorciados e para observatórios de outros países. Hoje, o
LNA é referência internacional em instrumentação astronômica.
A história do LNA, portanto, pode ser organizada em três frentes de
ação: a primeira envolve a criação, o desenvolvimento e a manutenção do
OPD; a segunda tem início com a entrada do Brasil nos consórcios para a
construção de grandes telescópios internacionais; a terceira, o desenvolvimento de instrumentos para pesquisa em astronomia, área que concentra grande esforço da instituição e delineia sua visão de futuro.
Embora relevante, a comunicação com seus públicos de interesse
nunca esteve entre as principais atividades desenvolvidas pela instituição. A comunicação do LNA com seus públicos de interesse deu-se de
formas variadas. A comunidade astronômica, que faz uso dos telescópios gerenciados pela instituição para desenvolver suas pesquisas, sempre foi o público prioritário. Conhecidos como “usuários”, os cientistas
espalhados por institutos de pesquisa e universidades do país atribuem
ao LNA uma reputação devido ao trabalho de excelência que executa.
Bueno (2012, p.24) ensina que a reputação é “uma representação mais
684
consolidada, mais amadurecida, de uma organização.” O público leigo,
ainda que fascinado esteticamente pelo espaço e pela busca da origem
da vida, vê as atividades desenvolvidas no LNA com distância e obscuridade. O LNA, não obstante a divulgação institucional e científica que
realiza, ainda é desconhecido desse público e da mídia especializada.
Destaca-se, como estratégia de comunicação organizacional o
modo de lidar com essa variação de público. Cardoso (2006, p.1132), ao
citar Genelot (2001) afirma que é evidente
a presença de processos e ações de comunicação que não
devem ser entendidos como complementos da estratégia
organizacional, mas como componentes essenciais na construção de uma estratégia comum. Além disso, tais processos
e ações são formadores da identidade cultural de qualquer
organização e, por fim, da projeção de sua imagem.
Kunsch (2007, p.44-45) diz que
muitos autores já escreveram sobre públicos em relações
públicas. Numa visão contemporânea, temos que considerar
as tipologias dos públicos dentro da dinâmica da história,
levando em conta as forças sociais do macro-ambiente e os
comportamentos dos grupos de interesses que podem vir
a formar um novo público. Um público que praticamente
nunca foi pensado como prioritário ou que não tem nenhum
vínculo com a organização, dependendo dos acontecimentos,
isto é, de como o comportamento institucional o afeta, pode
vir a ser um público estratégico.
Assim como o MCTI, o LNA também apresenta duas frentes de
comunicação social: a assessoria de comunicação e a divulgação científica. A divulgação científica é responsável por disseminar o conhecimento científico e tecnológico por meio de visitas às instalações do OPD
e do LNA, palestras, exposições, participações em feiras, realização de
concursos de astronomia para estudantes e coordenação da Semana
Nacional de Ciência e Tecnologia em Itajubá. A equipe da divulgação
científica é formada por uma pesquisadora, um técnico e três estagiários, todos estudantes de Física e aspirantes a seguir a carreira em
Astronomia. A pesquisadora dá o suporte e treinamento científico para
que os membros do grupo possam receber as visitas escolares e do pú685
blico em geral, esclarecer as dúvidas e participar dos eventos e planejar
as ações de disseminação de C,T&I.
A assessoria de comunicação, por sua vez, tem como papel, grosso
modo, trabalhar a notícia gerada pela instituição. Esse trabalho subdivide-se em múltiplas atividades, que envolvem desde o contato e divulgação das pesquisas do instituto para a mídia até ações de comunicação integrada com os públicos de interesse, passando pela construção
da imagem junto à opinião pública. O trabalho de assessoria no LNA
deve levar a informação a dois níveis de público: o interno e o externo.
O público externo subdivide-se em três segmentos: a comunidade astronômica brasileira, conhecida como “usuários”, a mídia e o público em
geral. A assessoria é formada por uma única servidora.
Muitas atividades desenvolvidas pela assessoria de comunicação
são impulsionadas pelo interesse público e não estão previstas como
metas do plano diretor. Essa demanda espontânea revela o crescente
envolvimento da sociedade com a ciência e a curiosidade em relação
aos atos administrativos para o suporte à pesquisa.
AS AÇÕES DE COMUNICAÇÃO DO LNA: METAS DO PLANO DIRETOR E DEMANDA
ESPONTÂNEA GERADA PELO INTERESSE SOCIAL
O plano diretor em vigência (LNA, 2010) foi elaborado para abranger
ações a serem desenvolvidas de 2011 a 2015. É constituído por eixos estratégicos, diretrizes de ação e projetos estruturantes que definem e delineiam
claramente a finalidade estratégica de fortalecer a área de desenvolvimento
tecnológico e aprimorar o gerenciamento da infraestrutura existente para
a astronomia observacional. Com a missão de “planejar, desenvolver, prover, operar e coordenar os meios e a infraestrutura para fomentar, de forma
cooperada, a astronomia observacional brasileira” (LNA, 2010, p. 13), fica
evidente a identificação do LNA como instituto vocacionado para o desenvolvimento de pesquisa, seja observacional ou na área da instrumentação.
A visão de futuro institucional permanece a mesma formulada no
plano diretor anterior, que abrange ações a serem desenvolvidas entre
2006 e 2010, que é
ser reconhecido nacional e internacionalmente como referência brasileira em desenvolvimento instrumental para a as686
tronomia terrestre, e como contato principal em assuntos de
abrangência nacional na área de astronomia observacional,
com o intuito de otimizar as condições de pesquisa da comunidade científica e de socialização de conhecimento, e desenvolver pesquisa científica e tecnológica de ponta (LNA, 2010, p.14)
Percebe-se que não há referência específica sobre a necessidade
de divulgação da ciência, mas pode ser incluída na menção ao “intuito
de otimizar as condições de pesquisa da comunidade científica e de socialização de conhecimento”. A preocupação ainda modesta de inserção
social dos frutos das pesquisas desenvolvidas é perceptível já na visão
de futuro explicada no plano diretor de 2006-2010:
a visão do futuro formulada acima não visa a “glória maior”
para o LNA, mas é o meio para uma finalidade maior que
deve beneficiar toda a comunidade astronômica, e, além
disso, deve, diretamente (através de divulgação pública) e
indiretamente (p.ex. através de benefícios provindos do desenvolvimento tecnológico), beneficiar a comunidade como
um todo, contribuindo, desta forma, para a socialização do
conhecimento. (LNA, 2006, p.18)
Embora o plano diretor atual apresente eixos estratégicos, diretrizes de ação e projetos estruturantes, somente faz menção direta à divulgação científica no primeiro desses tópicos. A instituição deve responder a três eixos estratégicos estabelecidos pelo MCTI – os eixos I, II e V
–, apresentados e detalhados no documento. O eixo estratégico V, denominado “C,T & I para o Desenvolvimento Social” , tem uma única linha
de ação: “fortalecimento da área de divulgação pública da astronomia”.
O programa que compõe essa linha de ação é assim descrito:
Divulgação pública e popularização da astronomia, e alfabetização científica com atenção especial à Inclusão Social,
tanto regionalmente, por meio de produtos e serviços dirigidos à população local, como nacionalmente, por meio de
medidas junto a agentes multiplicadores (LNA, 2010, p. 22).
As quatro metas do programa somadas a outras ações já anteriormente desenvolvidas no LNA com foco em divulgação da ciência são
apresentadas no Quadro 2.
687
QUADRO 2 – METAS E AÇÕES DO LNA PARA A DIVULGAÇÃO DA CIÊNCIA
Metas
Descritas
na coluna
conforme o
plano diretor
(LNA, 2010,
p.22-23)
688
18: Operacionalizar, até o
final de 2011, o Observatório
no Telhado e implementar,
até o final de 2012, um
programa para seu uso na
divulgação pública.
O LNA já possui um sistema regular de
visitas diurnas ao OPD, sem possibilidade de observação do céu. A construção de um observatório no telhado da
sede, com observação noturna, atende
a uma solicitação antiga da sociedade.
O Observatório no Telhado foi criado
e implementou-se um programa para
seu uso efetivo e para a divulgação da
astronomia. A observação é aberta ao
público em geral e sempre precedida
de palestras.
19: Realizar, até o final de
2012, um minicurso para
jornalistas, com eventual
colaboração com outras
instituições nacionais, com
perspectiva de repetições
periódicas.
A motivação da meta era aumentar
a visibilidade da instituição junto
à mídia nacional. Os jornalistas,
além de aprender noções básicas de
astronomia, conheceriam a infraestrutura de laboratórios e oficinas do
LNA e dos observatórios aos quais os
astrônomos brasileiros têm acesso. O
LNA passaria a ser uma das fontes de
notícias e contatos. A meta não foi realizada devido ao corte orçamentário
com despesas de diárias e passagens.
20: Realizar, até o final de
2012, um estudo sobre o
desenvolvimento do LNA
desde os primórdios do OPD
até o presente momento e
publicar um livro sobre sua
história para o público geral
O livro foi escrito em parceria com o
Museu de Astronomia e Ciências Afins
(MAST). Já foi revisado, a empresa
que vai publicar já foi contratada e
está, portanto, em fase de editoração e
publicação. Será feita uma cerimônia
de divulgação do livro junto com a
comemoração dos 30 anos do LNA, no
primeiro semestre de 2015.
21: Criar, até o final de 2015,
em colaboração com o
MAST, o museu virtual do
OPD.
O objetivo é preservar a memória do
desenvolvimento técnico por meio da
impressionante evolução das técnicas
de observação e registro dos dados astronômicos, testemunhada durante a
criação e o desenvolvimento do OPD.
As ações para a criação do museu
virtual estão em andamento.
Ações
Visitas ao OPD
As visitas ao OPD, ação de divulgação científica mais antiga do LNA,
são marcadas e acompanhadas por
um estagiário treinado para orientar
alunos e professores. Consistem em
apresentar as instalações do OPD e o
que envolve a pesquisa em astronomia. Geralmente a visita é precedida
de palestra e finalizada com a apreciação do campus, instalado a 1.864m
de altitude.
Tarde e Noite de Portas
Abertas
Criado em 2005, o evento consiste em
abrir os portões do OPD ao público, 1
vez ao ano, das 14h às 22h, para que
se possa conhecer o campus e realizar
observações diurnas e noturnas,
com filtros especiais para ver o Sol. A
programação inclui sessões de vídeos
sobre astronomia e explicações sobre
o que está sendo observado. O evento
tornou-se tradição na região e, nos
últimos anos, chegou a receber em
torno de 1.700 pessoas, o que obrigou
o LNA a restringir o acesso. Para isso,
estabeleceu-se a entrada gratuita
somente mediante convite, que deve
ser retirado em datas e horários
específicos, informados pelo site da
instituição.
689
Concurso de Astronomia
para Estudantes
690
O concurso teve a 1ª edição realizada
em setembro/2013. Com a ajuda da
equipe que organiza a Olimpíada
Brasileira de Astronomia (OBA),
foi divulgado no Brasil todo. Teve a
participação de 267 estudantes e 92
professores de 72 cidades distribuídas
em 18 estados. Os alunos deveriam
escolher um objeto astronômico e
justificar a escolha. O prêmio para a
melhor proposta apresentada seria a
imagem do objeto astronômico escolhido, feita por astrônomos profissionais com o Telescópio SOAR, uma
viagem às instalações do SOAR no
Chile, e a visita de um astrônomo do
LNA à escola vencedora para entregar
a imagem impressa e enquadrada. A
edição de 2014 foi dividida em duas
categorias: Ensino Fundamental II
e Ensino Médio. Foram aceitas 409
propostas, submetidas por um total
de 561 estudantes. Aos vencedores,
será entregue a imagem impressa e
enquadrada e a escola vencedora receberá a visita de um astrônomo para
proferir uma palestra. Os vencedores
do Ensino Fundamental II irão visitar
o Observatório do Pico dos Dias e os
alunos do Ensino Médio irão ao Chile
para visitar o SOAR.
Exposições em parceria com
o Museu de Astronomia e
Ciências Afins (MAST), unidade de pesquisa do MCTI
O Museu de Astronomia e Ciências
Afins (MAST), em parceria com o
LNA, Universidade Federal de Itajubá
(UNIFEI) e Prefeitura de Itajubá, traz
para a cidade, desde 2012, exposições
itinerantes de seu acervo. A primeira foi a exposição “Luiz Cruls, um
cientista a serviço do Brasil”, em 2012,
seguida, no mesmo ano, da mostra
“Passo a passo, salto a salto, voo a voo:
o cientista Santos-Dumont”. Em 2013
foi a exposição “Leonardo da Vinci –
Maravilhas Mecânicas”. Em 2014, a
mostra “O eclipse e o presidente”, que
conta a história da vinda da comitiva
presidencial ao Sul de Minas para
ver o eclipse de 1912. As exposições,
abertas e gratuitas, são montadas na
Biblioteca da UNIFEI, recebem a visita
de escolas de Itajubá e região e do
público interessado.
Com o quadro, pode-se notar que as ações de divulgação científica
não ficam restritas às metas estabelecidas no plano diretor. No entanto,
todas essas ações, mesmo registradas e documentadas, não receberam
até o momento nenhuma análise qualitativa mais aprofundada de seu
alcance. Pode-se citar, por exemplo, que os registros acerca das visitas
escolares ao OPD e ao Observatório no Telhado (OnT) abarcam sua natureza (se escola pública – municipal, estadual, federal – ou privada),
mas não se pode precisar a penetração da divulgação científica em cada
uma dessas instâncias bem como seu efeito sobre a população da região.
A ausência dessa análise é reflexo do fato de a divulgação científica não
ser prioridade institucional. Assim como o plano diretor prevê timidamente ações de divulgação científica, ainda menos estabelece atividades mais específicas de estudos e relatos dos resultados obtidos.
Por meio da pesquisa-ação desenvolvida percebe-se ainda que as
ações de divulgação científica realizadas pelo LNA estão concentradas
na difusão da ciência ligada à Astronomia em geral, e não na pesquisa
particularmente desenvolvida pela instituição. Os astrônomos usuários
e/ou os astrônomos que compõem o quadro de servidores da instituição
691
raramente promovem as pesquisas que desenvolvem utilizando a infraestrutura do LNA.
Observa-se, ainda, que os papeis de divulgação científica e assessoria comunicacional, embora distintos em sua concepção e em seu arranjo organizacional, mesclam-se nas ações desenvolvidas.
CONCLUSÃO
Informação e comunicação devem ser fortemente consideradas
nas estratégias organizacionais de uma instituição, seja ela pública
ou privada. Os públicos a que ela está ligada interna ou externamente são de grande relevância paqra a construção das estratégias comunicacionais e para a constituição de sua identidade e imagem. Como
se observou na unidade de pesquisa analisada, é preciso que os papéis
da assessoria de comunicação e da divulgação científica, estejam bem
delineados para melhor desenvolver as ações competentes a cada um.
Ressalta-se a importância de aproveitar os registros dos resultados das
ações, atividade ainda de pouco destaque. A definição da atuação de
cada segmento favorece a comunicação mais eficiente com os públicos
de interesse e fortalece tanto a divulgação científica quanto à assessoria
comunicacional, que passariam a ter mais relevo nas ações descritas no
plano diretor.
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Tecnologia e Inovação (MCTI), 2015. (documento interno)
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MCTI. Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação – ENCTI.
Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), 2012.
693
|2|
RELACIONAMENTO COM PÚBLICOS ESTRATÉGICOS:
UM OLHAR SOBRE OS PORTAIS INSTITUCIONAIS DAS
PRINCIPAIS UNIVERSIDADES LATINOAMERICANAS
Ana Claudia Braun Endo1
e Silvia Regina Machado Campos2
RESUMO
O presente artigo objetiva identificar o relacionamento das universidades com seus públicos, a partir dos portais
institucionais, uma vez que estes são fundamentais nas estratégias das organizações. Foram analisados os portais
institucionais das 10 principais universidades listadas pelo
ranking QS Latin America 2014, com o propósito de avaliar se
estas estabelecem relacionamento com seus públicos e, em
caso afirmativo, de que forma. Concluiu-se que, embora os
Jornalista, especialista em Marketing e mestre em Comunicação Integrada
pela Universidade Metodista de São Paulo. Doutoranda em Gestão da Informação pela Universidade Nova de Lisboa e em Ciências da Comunicação pela
Universidade de São Paulo. Atuou como gestora de Comunicação, Marketing e
Relacionamento na Rede Metodista de Educação e no Instituto Presbiteriano
Mackenzie nos últimos 15 anos. Docente e consultora de marketing educacional (http://marketingeducacional.strikingly.com).
1
Tradutora e educadora. Mestre em Administração pela Universidade Paulista.
Doutoranda em Gestão da Informação pela Information Management School da
Universidade Nova de Lisboa e em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Docente da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, onde também coordena o Departamento de
Planejamento e Organização (DPLAN) e a Coordenadoria de Apoio aos Projetos Institucionais (CAPI). Desde 2004, atua na gestão de instituições de ensino
superior (IES), com foco nas áreas de estratégia e alinhamento organizacional.
2
portais institucionais preocupem-se com a segmentação de
seus públicos, focam suas ações prioritariamente nos alunos
e nos docentes. Poucas universidades dedicam-se a estabelecer um canal de comunicação que de fato promova o relacionamento com os demais públicos de seu core business.
Palavras-chaves: Relacionamento; públicos estratégicos;
universidade(s); portal institucional; imagem.
Em tempos de comunicação digital, os portais institucionais exercem importante papel no relacionamento, na medida em que se tornaram o primeiro ponto referência no conhecimento de qualquer organização. Considerando-se os avanços comunicacionais oportunizados
pelo ambiente digital, pode-se afirmar que os portais institucionais ganharam maior responsabilidade nos dias de hoje, na medida em que têm
como finalidade permitir “a eficiência e a busca pela vantagem competitiva nos espaços organizacionais, intensificando a relançar entre as organizações e seus públicos” (SOARES, 2007, p. 95)
A partir da avaliação dos portais institucionais das dez principais
da América Latina listadas pelo QS Latin America 2014, o presente artigo
tem como objetivo avaliar “se” as universidades em questão estabelecem
algum tipo de relacionamento com os seus diversos públicos, com quais
públicos e de que forma. A fim de se alcançar o objetivo proposto, tem-se como objetivos secundários:
1. Identificar, por meio dos portais das universidades em estudo, se as mesmas estabelecem alguma forma de relacionamento
com diferentes públicos estratégicos.
2. Mapear com quais públicos as universidades em estudo estabelecem relacionamentos estratégicos ou desenvolvem algum
tipo de comunicação.
3. Analisar comparativamente as universidades estudadas e
recomendar ações no sentido de se fortalecer e estreitar os relacionamentos estratégicos a partir da comunicação.
695
Como referencial teórico, foram revistos conceitos de relacionamento e de públicos estratégicos, a partir de teóricos da Administração
e das Relações Públicas.
O RELACIONAMENTO COMO PONTO DE PARTIDA
O termo relacionamento tem sido utilizado, num sentido bastante amplo, para identificar diversas situações de interação entre indivíduos dentro e fora das organizações. Relacionamentos com fornecedores,
clientes ou outras empresas são práticas rotineiras dentro das empresas
e podem ser estendidas, também, às universidades enquanto organizações privilegiadas pela multiplicidade de públicos.
Segundo Holmlund & Tornroos (1997, p. 305 apud Campos, 2006,
p. 34), para se entender a dinâmica dos relacionamentos é preciso, primeiramente, estudar a sua natureza, pois esses definem-se como um
“processo interdependente de interação e trocas contínuas entre, pelo
menos, dois atores”, envolvendo recursos e atividades. Além disso, um
relacionamento baseia-se na ideia de que existem “laços”33 que conectam os atores (HOLMLUND & TORNROOS, 1997, p. 305 apud CAMPOS,
2006, p. 34).
O relacionamento começa a ser visto sob novo enfoque à medida
que se questiona sua operacionalização, ou seja, a partir da incorporação dos elementos acima, de modo que os mesmos passam a fazer parte
integrante da estratégia organizacional.
A diferença desta abordagem está em se questionar a “forma” de
se gerenciar os relacionamentos para se abstrair o melhor que ele possa
oferecer. Sem interação entre pessoas ou públicos distintos não há como
Estes “laços” devem atender a algumas condições: 1. Reciprocidade: partindo-se do pressuposto de que entre as partes deve haver confiança e compromisso; bem como simetria na habilidade de se influenciar o relacionamento; 2.
Longa duração: as partes devem permanecer no relacionamento por um longo
período de tempo e resistir à sua dissolução; 3. Natureza do processo: para que
o relacionamento subsista e seja de natureza dinâmica e mutável, deve haver
uma variedade de trocas e adaptações entre seus integrantes e 4. Dependência
do contexto: os relacionamentos estão sustentados em uma intrincada rede e
conectados a outros relacionamentos.
3 3
696
se estabelecer vínculos entre as organizações, de forma que possam desenvolver capacidades ou habilidades que lhes permitam criar uma vantagem competitiva.
Por meio das interações com diversos públicos e organizações e/
ou instituições, as empresas ou universidades acessam recursos similares ou complementares aos seus (Lavie, 2002), agregando novas capacitações e competências (Ireland; Hoskisson & Hitt 2015), constituindo,
assim, a singularidade de sua rede de relacionamentos e estabelecendo
vínculos com seus públicos diversos.
Sabe-se que todo relacionamento se constitui com o decorrer do
tempo (Ford et al., 2003. p.38 apud Campos, 2006, p. 35). Assim, o relacionamento entre empresas ou universidades, entre si, e com os seus
diversos públicos, só se estabelecerá com o decorrer deste. Ou seja, à
medida que os indivíduos desenvolvem confiança mútua para partilhar
suas necessidades em uma relação de reciprocidade, identificam oportunidades conjuntas e, conseqüentemente, buscam novas formas de
competir e de colaborar entre si.
OS MÚLTIPLOS PÚBLICOS DE UMA UNIVERSIDADE
Nas relações públicas, James Grunig afirma a importância dos diferentes públicos estratégicos como elementos que podem influenciar as decisões e os objetivos da organização. Segundo Grunig, os gestores devem:
planejar programas contínuos de comunicação com os mais
importantes, ou seja, com os stakeholders mais estratégicos,
trabalhando com todos que foram classificados até serem
utilizados todos os recursos disponíveis (2009, p. 85).
Dado o poder de influência que estes públicos podem exercer junto às organizações, recomenda-se conhecê-los bem para se estabelecer
uma comunicação e um relacionamento adequados com estes, uma vez
que, segundo França (2004, p.18):
O conhecimento das características do público, como suas
crenças, suas atitudes, suas preocupações e seu estilo de
vida é parte essencial da persuasão. Permite ao comunicador
particularizar as mensagens, responder a uma necessidade
percebida e oferecer uma argumentação de ação lógica. (...)
697
permite estabelecer as diretrizes para a seleção de estratégias
e táticas adequadas para se alcançar os públicos definidos.
Ao mesmo tempo, estudos de marketing que privilegiam as instituições de ensino, KOTLER e FOX (1994, p. 43) conceituam público como
“um grupo distinto de pessoas e/ou organizações que têm interesse real
ou potencial em afetar uma instituição”.
No caso de uma universidade, em que existe uma multiplicidade de
públicos, recomendam às instituições administrarem os relacionamentos
com a maioria deles: “Cabe ao gestor selecionar quais são seus públicos
prioritários, para efetivamente realizar uma comunicação eficiente”.
Por isso, é fato extremamente comum que alunos e professores
sejam os públicos mais lembrados em uma universidade – e, por sua vez,
priorizados nas comunicações oficiais – passando longe da extensa lista
de públicos existentes em uma universidade, possíveis e passíveis de um
relacionamento que potencialize o estabelecimento de uma comunicação estratégica.
Alguns dos públicos que interagem direta ou indiretamente com
as universidades são: alunos; potenciais alunos (candidatos aos processos seletivos); ex-alunos, também denominados egressos ou alumni;
docentes; corpo técnico-administrativo ou funcional; imprensa; outras
universidades; gestores; outros stakeholders que podem ser parceiros no
desenvolvimento de projetos, órgãos ou associações de classe, órgãos
reguladores, bancos e financiadoras, mantenedoras, ONGs e entidades,
dentre outros.
A este respeito, ENDO (2003, p. 118) propôs como cada um destes
públicos pode ser importante para a construção da imagem da organização, uma vez que “Cada momento de interação com os diversos públicos de uma organização transmite uma imagem, que pode ou não estar
de acordo com a identidade pretendida”. (…).
Entendemos, portanto, que o olhar acurado sobre estes portais
institucionais seja um instrumento eficiente e efetivo para demonstrar
um aspecto importante na construção da imagem institucional, uma
vez que estes têm como finalidade permitir “a eficiência e a busca pela
vantagem competitiva nos espaços organizacionais, intensificando a relançar entre as organizações e seus públicos” (SOARES, 2007, p. 95)
698
Mas será que, na prática, os gestores se preocupam com estas
questões ou realizam estas ações de relacionamento sem muita reflexão
e acabam sendo ineficientes?
RELACIONANDO-SE COM PÚBLICOS DISTINTOS
Todo relacionamento surge a partir de uma situação pré-existente: identificação de uma necessidade, incertezas de mercado, contatos
pré-existentes ou uma outra condição inerente à própria atividade da
organização.
Partindo-se dessa premissa, FORD et al (2003, p.91) apud CAMPOS
(2006, p. 38) preveem a existência de quatro estágios para o seu desenvolvimento, a saber: 1) a fase de pré-relacionamento; 2) a fase exploratória; 3) a fase de desenvolvimento e 4) a fase de maturidade.
Para os autores, o relacionamento inicia-se pela fase do pré-relacionamento, que pressupõe a existência de um canal de comunicação
entre ambos para que se desenvolva o comprometimento e a confiança. A
fase exploratória é considerada a fase de negociação: quando se define
o que cada parte pode esperar da outra ou o que cada uma poderá obter
com o relacionamento. Nesta fase, o comprometimento de ambos é vital
para o relacionamento se desenvolver e se estruturar em bases sólidas.
A fase de desenvolvimento é a etapa em que os laços de relacionamentos entre os atores, as conexões entre atividades e as relações de
dependências de recursos estão se consolidando. Esta fase é baseada na
estabilidade do aprendizado entre os atores, bem como no comprometimento com o relacionamento.
A fase da maturidade pode conduzir-se ao estabelecimento de
procedimentos padrão, normas de conduta e confiança, bem como incitar a institucionalização do relacionamento, dando a impressão de que
os atores envolvidos não estão mais comprometidos com o relacionamento. Por outro lado, a manutenção do relacionamento só é possível
a partir do momento em que a interação entre as empresas e os diversos públicos exista e que os atores sejam dinâmicos o bastante para se
adaptar constantemente às novas condições, criando assim, vantagens
competitivas temporárias, voltadas às necessidades também efêmeras
dos dias atuais.
699
O QS LATIN AMERICA
Publicado anualmente desde 2011, o ranking universitário QS Latin
America destaca as 300 universidades top no continente latino-americano, com base em sete indicadores: reputação acadêmica, reputação dos
empregados, media de alunos/faculdade, citações por paper, papers por
faculdade, proporção do staff com PhD e impacto da web. As universidades de destaque neste ranking são as seguintes (em ordem): 1. Pontificia
Universidad Católica de Chile (UC); 2. Universidade de São Paulo (USP);
3. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); 4. Universidade
Federal do Rio de Janeiro; 5. Universidad de Los Andes Colombia; 6.
Universidad de Chile; 7. Instituto Tecnológico de Monterrey (ITESM); 8.
Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM); 9. Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”; 10= Universidade Federal de
Minas Gerais e 10= Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A proposta de pesquisa é identificar quais públicos ganham atenção específica nos portais das 10 universidades de destaque, segundo o
ranking QS Latin America 2014.
Quanto à sua natureza, trata-se de pesquisa aplicada, buscando a
solução de um problema específico, ou seja, responder à questão do relacionamento entre universidades e seus públicos. Quanto à forma de abordagem do problema, trata-se de pesquisa qualitativa, não requerendo o
uso de técnicas e métodos estatísticos. Quanto aos seus objetivos, trata-se
de pesquisa exploratória, visando proporcionar maior familiaridade com
o problema em estudo de modo a torná-lo explícito, construindo hipóteses que permitam traçar estratégias mais eficientes e eficazes para as
universidades em estudo. Quanto aos procedimentos técnicos, faz uso de
pesquisa bibliográfica e levantamentos por meio da observação.
A amostra é não-probabilística e intencional, composta pelas 10
principais universidades listadas pelo QS Latin America, compondo, assim, as universidades em estudo. O instrumento de coleta respaldou-se
na observação sistemática, pelas pesquisadoras, dos portais das universidades acima mencionadas, de modo a se coletar os dados de interesse, registrando-os em uma matriz previamente elaborada, propiciando,
700
posteriormente, a sua tabulação e análise. O instrumento foi composto
por questões no formato de perguntas abertas e fechadas, de múltipla
escolha e escalas de avaliação.
O objetivo principal foi identificar a preocupação destes portais
institucionais em relação aos seus mais diversos públicos, tomando
como referência principal a 1a página de cada site. Em seguida, localizou-se quais públicos eram privilegiados nesta comunicação: alunos,
potenciais alunos (candidatos), egressos (antigos alunos), funcionários,
docentes, imprensa, como públicos prioritários.
Posteriormente, aprofundou-se a investigação, buscando identificar
o que diziam os canais específicos para cada um dos públicos mencionados.
Em seguida, retornou-se à 1a página, com o objetivo de identificar
os elementos que mais se destacam neste privilegiado espaço, buscando ordená-los por ordem de prioridade (Notícias, Eventos, Premiações
da própria instituição, Pesquisa, Informações sobre os cursos, Livros,
Banners web, outros).
Finalmente, buscou-se identificar outros elementos que compunham o portal em estudo, tais como: Banners, sistemas de buscas,
Perguntas mais frequentes (FAQs), telefone principal da universidade, galeria de fotos, tradução do site para outras línguas e uso das redes sociais.
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
A primeira pergunta do questionário foi: “Existe a preocupação de
segmentar os diferentes públicos na primeira página do Portal?”. Da
avaliação e consulta feita, observou-se que 9 das 11 universidades pesquisadas se preocupam com a segmentação de seus públicos já na primeira página do seu Portal.
701
A segmentação se dá da seguinte forma e nas seguintes proporções para os seguintes públicos-alvo da pesquisa, conforme ilustra o
Gráfico 1, a seguir:
*
Alunos: 9 de 11
*
Futuros alunos: 5 de 11
*
Egressos: 7 de 11
*
Docentes: 8 de 11
*
Imprensa: 3 de 11
*
Corpo técnico-administrativo: 6 de 11
*
Outros stakeholders: apenas 2 de 11
GRÁFICO 1 – SEGMENTAÇÃO DOS DIFERENTES
PÚBLICOS DAS UNIVERSIDADES
GRÁFICO 1 – Segmentação dos diferentes públicos
das universidades
Oito (73%) das onze universidades possuem um canal específico
para os egressos ou alumni. Seis possuem um canal específico para o fu702
turo aluno, correspondendo a 54,5% das universidades, conforme ilustra
o Gráfico 2, a seguir:
GRÁFICO 2 – UNIVERSIDADES COM CANAIS
PARA PÚBLICOS ESPECÍFICOS
GRÁFICO 2 – Universidades com canais
para públicos específicos
Os principais elementos que surgem na primeira página do portal
das universidades são ilustrados pelo Gráfico 3, a seguir:
*
Notícias em primeiro lugar: em 9 das 11 universidades
*
Eventos em segundo lugar: em 8 das 11 universidades
703
GRÁFICO 3 – ITENS PREDOMINANTES NOS
PORTAIS INSTITUCIONAIS
GRÁFICO 3 – Itens predominantes nos
Portais Institucionais
Todas as universidades possuem site de busca, mas apenas 4
das 11 (36,4%) universidades possuem FAQs, o que representa uma
oportunidade de melhoria para aquelas que não a possuem. Das 11
universidades pesquisadas, 8 (73%) dispõem do telefone na primeira
página e 10 (91%) utilizam ferramentas de interação em redes sociais
na primeira página.
Todas as universidades fazem uso de recursos fotográficos e visuais como ilustração no portal e na primeira página.
No que se refere à tradução do portal para outras línguas, 9 de
11 universidades o traduzem, mesmo que parcialmente. Entretanto, há
grande variedade na disponibilidade de conteúdo e das línguas utilizadas, variando-se consideravelmente de uma universidade para outra.
Esses outros recursos disponibilizados nos portais das
Universidades, tais como: FAQs, telefone, recursos visuais e tradução estão indicados no Gráfico 4, a seguir.
O público docente tem acesso a grande variedade de informações, de forma bem segmentada, em 9 das 11 universidades (82%).
Observa-se, entretanto, que poucas universidades - 6 de 11 (54,5%) ape704
nas - lembram-se de seu corpo técnico-administrativo ou funcional, o
que representa nova oportunidade de estabelecimento de comunicação
e relacionamento, uma vez que esses são os responsáveis pelo apoio à
comunidade acadêmica (alunos e docentes). Obviamente, não consideramos aqui a existência ou não de uma intranet específica para atender
a este público.
GRÁFICO 4 – OUTROS RECURSOS DISPONIBILIZADOS
NOS PORTAIS INSTITUCIONAIS
GRÁFICO 4 – Outros recursos disponibilizados
nos Portais Institucionais
A maioria das universidades - 9 de 11 (82%) – preocupa-se em oferecer espaços segmentados para o alunado. Mas, duas delas deixam essa
informação dispersa no Portal, dificultando o acesso por parte deles.
Neste caso, identifica-se nova oportunidade, já que para essas universidades, uma melhoria no portal representaria uma melhora concomitante no nível da informação.
Cabe valorizar o trabalho das universidades públicas brasileiras
Unicamp, Unesp e USP, que conseguem transpor aos portais institucionais muitos de seus avanços e discussões no campo da ciência e da comunicação científica.
705
Das universidades avaliadas, públicas e privadas, constantes do
QS Latin America, as universidades públicas (UFRJ, UNESP e UFMG) devem rever a arquitetura de informação do site de modo a aprimorar a
sua usabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no que foi previamente apresentado, conclui-se que as
universidades em geral não exploram suficientemente ou não utilizam
adequadamente os portais institucionais, deixando escapar a oportunidade de um relacionamento efetivo com diversos públicos, dada a importância da comunicação digital nos dias atuais.
Embora a maioria das universidades de referência no QS Latin
America 2014 tenha a preocupação em segmentar seus públicos, boa
parte foca sua atenção prioritariamente nos alunos existentes e nos seus
docentes. Estas universidades, quase de forma unânime, negligenciam
total ou parcialmente os demais públicos de seu core business. Poucas
ações são direcionadas aos futuros alunos ou ao corpo técnico-administrativo ( funcional) e raras são as ações no âmbito do estabelecimento de
um relacionamento com a imprensa e com outros stakeholders.
Esta condição aponta para um vasto campo de oportunidades de
desenvolvimento de ações que potencializem esses relacionamentos subestimados, criando e constituindo laços sólidos, duradouros, respaldados na confiança e na reciprocidade, conforme sugerem HOLMLUND &
TORNROOS (1997), para que perdurem ao longo do tempo, respaldados
por processos de comunicação eficientes e eficazes.
O estudo e a aplicação do modelo proposto por FORD (2003) no
contexto desta pesquisa permitiu identificar que muitas universidades
encontram-se ainda na fase do pré-relacionamento ou na fase exploratória, demonstrando que ainda há um caminho a ser percorrido com
vistas ao estabelecimento de relacionamento com seus públicos diversos. Assim, há um enorme potencial a ser desenvolvido pelas universidades, de modo a se potencializar as estratégias organizacionais das
mesmas.
Resumidamente, em relação ao quê seria possível avançar, pontuamos: ampliar a divulgação de informações para além de notícias referentes a eventos, premiações, publicações, de forma a incluir conteúdo
706
de comunicação científica; efetivamente estabelecer um canal de comunicação eficiente que propicie o estabelecimento de um vínculo com os
seus diversos públicos, em especial, os seus futuros alunos ou os egressos, importantes para seu core business; melhorar o design e a arquitetura da informação, para facilitar o contato com os públicos; favorecer a
tradução de conteúdos bilíngues, sempre que possível, considerando-se
a oportunidade de internacionalização das universidades.
Essas condições (aqui pontuadas) geram oportunidades de desenvolvimento e melhoria que poderiam refletir na qualidade da informação disponibilizada e do processo de comunicação; além da definição de
um procedimento para estabelecimento de um relacionamento estratégico com vistas a um melhor posicionamento das próprias universidades. Afinal, somente existindo a interação entre organizações e públicos
distintos será possível estabelecer vínculos.
Ressalte-se, ainda, que essa conclusão não pode ser generalizável para as demais universidades que compõem a América Latina, restringindo-se às dez universidades avaliadas pelo ranking em questão.
Pressupõe-se, entretanto, que um modelo da mesma natureza poderia
ser aplicado a qualquer universidade, refletindo, positivamente, no estabelecimento de sua comunicação e relacionamento com seus diversos
públicos e ampliando a sua visibilidade e posicionamento estratégicos.
Embora não tenhamos informações sobre os números de acesso
atuais destes portais institucionais ou sobre o desempenho em relação
às mídias sociais, está claro que as universidades podem e devem buscar
melhorar a performance destes portais institucionais pela valorização
de estratégias digitais44.
Sendo assim, é de nosso entendimento que os gestores de
Comunicação e Marketing destas universidades – bem como seus principais gestores acadêmicos e administrativos – deveriam liderar a discussão a respeito destas oportunidades e assumir seu papel fundamental
para “redimensionar o seu perfil comunicacional” (BUENO, 2006, p. 51):
Recentemente, o prestigiado NYTimes reinventou-se ao lançar o Relatório
de Inovação, que propôs a implantação de uma série de medidas para ampliar e
melhorar seu relacionamento com seus públicos, dentre as quais estão: ampliar
sua atuação nas mídias sociais e dar “novo formato” aos seus conteúdos.
4 4
707
“Isso implica atribuir nova escala de valores ao trabalho de interação
com seus distintos públicos de interesse e priorizar relacionamentos”.
Deve-se fomentar a interação universidade-públicos com maior
eficiência e eficácia da estratégia organizacional, a partir de laços e vínculos de dependência mútua, que permitam inclusive a melhor interação e a criação de novas oportunidades colaborativas para a construção
da imagem institucional. E as estratégias digitais podem auxiliar na mudança deste cenário.
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leitura crítica. São Paulo: ALL PRINT, 2006.
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Paulo, 2006.
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709
|3|
O ASTROTURFING E A COMUNICAÇÃO
CORPORATIVA: A SIMULAÇÃO DE PÚBLICOS COMO
ESTRATÉGIA CONTEMPORÂNEA DE DIVULGAÇÃO1
Ewerton França Pinheiro2,
Flávia Roberta de Queiroz Dias3
e Helaine Ferreira Cavalcante4
RESUMO
Este trabalho propõe-se a observar práticas de astroturfing na sociedade contemporânea que evidenciam
a vulnerabilidade dos públicos. Pretende refletir sobre o
processo de simulação de públicos, analisando quais as
possíveis interpretações que essa prática pode ter do ponto de vista ético, legal e comunicacional. Para isso, analisa
a relação entre casos em que a prática do astroturfing foi
Trabalho de conclusão do curso de Especialização (pós-graduação latu sensu) em Comunicação Corporativa do Centro de Pós-graduação da Escola Superior da Amazônia (Cpós-Esamaz), campus Belém, Pará.
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Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade Estácio-Seama e concluinte ao curso de Especialização (pós-graduação
latu sensu) em Comunicação Corporativa do Centro de Pós-graduação da Escola Superior da Amazônia (Cpós-Esamaz), campus Belém, Pará.
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Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Faculdade Estácio-Seama e concluinte ao curso de Especialização (pós-graduação
latu sensu) em Comunicação Corporativa do Centro de Pós-graduação da Escola Superior da Amazônia (Cpós-Esamaz), campus Belém, Pará.
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Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e concluinte ao curso de Especialização (pós-graduação latu sensu) em Comunicação Corporativa do Centro de Pós-graduação da Escola Superior da Amazônia (Cpós-Esamaz), campus Belém, Pará.
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constatada e os Códigos de Ética Profissionais e o Código
de Defesa do Consumidor da legislação brasileira. Além
disso, faz uma análise teórica acerca do astroturfing enquanto prática comunicacional utilizando autores como
Dominique Wolton, Adriano Duarte Rodrigues, Margarida
Kunsch e Rudimar Baldissera.
Palavras-chave: Comunicação; comunicação organizacional; astroturfing; públicos.
INTRODUÇÃO
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas - SEBRAE, o Brasil tem aproximadamente sete milhões de empresas privadas atuantes, entre nacionais e multinacionais5. Além disso,
uma pesquisa desenvolvida pela Serasa Experian - e divulgada pela emissora TV Globo em 20146 - revelou que 32% dos brasileiros são empreendedores. O estudo mostrou ainda que de janeiro a dezembro de 2013, foram
abertas mais de 900 mil empresas só na Região Sudeste do país.
O crescimento do número de empreendimentos particulares no
Brasil é diretamente proporcional ao crescimento de usuários no ciberespaço. Divulgada em junho de 2014, a pesquisa TIC Domicílios, realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da
Comunicação (Cetic.br), revela que o número de usuários da internet
passou da metade da população brasileira pela primeira na vez na história. De acordo com o estudo, os internautas representam hoje 51% dos
cidadãos brasileiros com mais de dez anos de idade, ou seja, 85,9 miDisponível em: <http://www.rh.com.br/Portal/Geral/Pesquisa/9429/estudo-inedito-revela-numero-recorde-de-empresas-inadimplentes.html>.
Acesso
em: 13 de out. de 2014.
5
Disponível em: <http://globotv.globo.com/tv-tem-interior-sp/tem-noticias-2a-edicao-itapetiningaregiao/v/pesquisa-revela-que-cresce-o-numero-de-abertura-de-empresas-na-regiao/3509534/>. Acesso em: 13 de out. de 2014.
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lhões de pessoas. Para o Cetic.br, vários fatores contribuíram para isso,
em especial o aumento exponencial do uso de celulares do tipo smartphones7. Tudo isso faz com que as empresas privadas vejam no ciberespaço um ambiente favorável para divulgação de suas marcas, produtos
e/ou serviços. Para isso, várias estratégias comunicacionais são utilizadas pelas empresas e suas assessorias de comunicação para a expansão
de seus mercados.
Nesse contexto, o uso do ambiente virtual em escala exponencial
para fins de publicidade traz consigo diversos fatores que precisam ser
considerados. Para Dominique Wolton, quanto mais o homem entra no
universo globalizado, mais sente a necessidade de afirmar quais são
suas raízes e de se fazer atuante, manifestar sua opinião. Algo que o autor identifica como “aspiração à liberdade individual” e que ele considera um sentimento contraditório:
Certamente o modelo individualista não é universal, há outros valores além daqueles do Ocidente, menos centrados no
indivíduo e mais voltados para a comunidade ou para a família; mas por toda a parte existe mesmo assim esta aspiração à
liberdade individual encontrada no centro da comunicação.
[...] Lutamos durante séculos para sermos livres, e a primeira
coisa que fazemos é restabelecer um vínculo pelo telefone ou
pelo correio eletrônico. Porque ser livre se é para estar sempre conectado? (WOLTON, 2006, p.28).
Wolton afirma ainda que se conectar é também falar livremente de tudo e pressupor que esse tudo é discutível, negociável, incluindo
os conceitos de autoridade e legitimidade. Um exemplo disso é a não
obrigatoriedade de confirmação de identidade no ambiente virtual, que
favorece a criação de perfis falsos nas redes sociais. As empresas privadas, por sua vez, têm feito uso desses fakes para simular apoios a uma
causa, um produto ou uma marca. Essa prática de marketing é conhecida como astroturfing.
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/numero-de-internautas-no-brasil-alcanca-percentual-inedito-mas-acesso-ainda-concentrado-13027120>. Acesso em: 13 de out. de 2014.
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Neste trabalho, pretendemos analisar como a prática de astroturfing se configura no cenário da Comunicação Organizacional e qual o
papel dos públicos envolvidos nesse processo, fazendo uma reflexão teórica sobre o assunto.
O ASTROTURFING COMO ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
Apesar do astroturfing ter tomado grandes proporções no ciberespaço nos últimos anos, sua origem pode ser reconhecida muito antes
disso. No século XVII, o escritor inglês William Shakespeare narrou na
trama Júlio César um caso de astroturfing. Na peça, Cássio escreve diversas cartas simulando autoria de cidadãos romanos para convencer
Brutus de que César, seu amigo, queria dar um golpe de Estado e instaurar a monarquia na então República Romana (SILVA, 2013, p. 5).
O termo astroturfing foi utilizado pela primeira vez para dar nome
à prática de simulação de públicos em 1985, pelo então senador do Texas
(EUA) Lloyd Bentsen, durante um debate público sobre seguros de vida.
Após receber inúmeras cartas de supostos cidadãos americanos que
defendiam os interesses das empresas de seguros, Bentsen suspeitou
tratarem-se de correspondências criadas pelos próprios empresários.
O termo grassroots é uma denominação para manifestações públicas
espontâneas naquele país, mas também significa “raízes de grama”. A
partir disso, o senador fez uma analogia entre a autenticidade da prática
de grassroots e a artificialidade do AstroTurf, marca de grama sintética.
As cartas escritas por cidadãos seriam, portanto, grassroots, e o envio
de cartas falsas, astroturfing. (SILVA E SIMEONE, 2014, p. 6).
Mais de 20 anos depois, com o crescimento do número de usuários da internet e do consequente uso das redes sociais, a prática do
astroturfing encontrou um ambiente favorável para a disseminação entre as estratégias de divulgação para fins publicitários. Porém, o seu uso
ainda causa discussões em todo o mundo sobre a sua legalidade.
Em outubro de 2013, por exemplo, a empresa sul-coreana Samsung
foi multada em 340 mil dólares em Taiwan por práticas de astroturfing.
Isso porque a multinacional contratou duas agências de marketing para
criar usuários que criticavam na internet os produtos da concorrente
HTC. Além disso, também em 2013, o Promotor-Chefe do Estado de
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Nova York concluiu uma investigação que multou 19 empresas locais
que realizavam ações de astroturfing virtual (SELTZER, 2013).
No Brasil, o episódio Eu sou da Lapa, que aconteceu em 2005, no
Rio de Janeiro, também merece destaque quando falamos de astroturfing. Uma construtora prestes a lançar um novo condomínio, intitulado
Cores da Lapa, contratou uma agência de publicidade que elaborou um
suposto movimento popular para revalorização do bairro carioca: uma
maneira de aumentar o interesse pela compra de imóveis na região.
Outro caso é a campanha Bloqueio não, criada pela empresa de telefonia Oi, em 2007. Consistia em uma mobilização, aparentemente de origem civil, contra a venda de aparelhos celulares bloqueados. Até então, a
Oi era a única empresa de telefonia que comercializava aparelhos desbloqueados. A campanha pedia aos usuários da internet que participassem de
um abaixo-assinado virtual disponibilizado no site oficial da campanha e
que seria enviado à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Além
disso, alguns blogs foram remunerados para divulgar a campanha que tinha
como objetivo atacar as empresas concorrentes (VIANA, 2010).
FIGURA 1 - A CAMPANHA BLOQUEIO NÃO TAMBÉM TEVE A PARTICIPAÇÃO DE
FAMOSOS COMO O JOGADOR DE FUTEBOL RONALDINHO GAÚCHO, O
APRESENTADOR BRUNO DE LUCCA E A ATRIZ GISELLE ITIÊ.8.
Disponível em: <http://possoserutil.blogspot.com.br/2007_06_01_archive.
html> Acesso em: 22 de nov. 2014.
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714
Segundo a jornalista Márion Strecker (2013), no Brasil e no mundo é possível contratar agências de comunicação especializadas em fazer marketing de detração (para prejudicar a imagem de um concorrente) e/ou o marketing de evangelização (para beneficiar a imagem de
uma marca, produto ou serviço). As opiniões geradas por esse tipos de
marketing são publicadas por supostos usuários não só nas redes sociais, mas também em sites de notícias e de opiniões de consumidores9.
Ainda de acordo com Streker (2013), Bing Liu, professor de Ciência da
Computação da Universidade de Illinois, em Chicago (EUA), estima que
um terço das resenhas de consumidores na internet seja falsa10.
O elevado número de casos nos quais a indústria de RP emprega o astroturfing chama a atenção inclusive dos próprios
praticantes da área, gerando críticos que, de posse de conhecimentos especializados, passam a também denunciar
abusos e deslizes éticos - se juntando à rede de vigilância
civil sobre o tema. Um desses é o canadense James Hoggan,
presidente da agência Hoggan and Associates. Em sua obra
“Climate Cover-up” (2009), sobre os elos de organizações da
indústria de energia com grupos que negam a existência do
aquecimento global, Hoggan analisa uma série de casos de
astroturfing praticados por agências de RP, afirmando que
vivemos, mesmo sem consciência disso, na “Era do Astroturfing”. (HENRIQUES e SILVA, 2014, p. 8).
A frequência com a qual o astroturfing vem sendo utilizado pelas
organizações como estratégia contemporânea de publicidade nos chama a atenção. Contudo, não são apenas os interesses de mercado que
fortalecem essa prática. Não é somente a simulação dos públicos a responsável pela efetividade do astroturfing enquanto ação publicitária. É
o que veremos mais adiante.
Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_
ed772_astroturfing>. Acesso em: 13 de out. de 2014
9
10
Idem (sem acento).
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OS PÚBLICOS NO ASTROTURFING: SIMULADO PRA QUEM?
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013,
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
identificou que a proporção de internautas no país passou de 49,2%, em
2012, para 50,1%, em 2013, do total da população brasileira. Além disso,
o estudo mostra que pessoas entre 15 e 19 anos representam o maior
número de internautas em 2013, ou seja, mais de 70% do total de brasileiros com essa idade tem acesso à internet. Já na faixa etária entre 40
e 49 anos, 44,4% do total acessa a internet. Apenas 21,6% de quem tem
mais de 50 anos se conecta à Web11.
Esse alcance massivo, a rapidez no fluxo de informações e, como
falado anteriormente, a não obrigatoriedade de comprovação de identidade dos usuários, firmam a internet como um ambiente favorável
para a execução de práticas de astroturfing por parte das organizações.
Assim, consideramos o astroturfing como uma prática de Comunicação
Organizacional que visa o interesse privado e que, apesar de possuir registros mais remotos, encontrou na contemporaneidade o cenário ideal
para sua expansão a partir do crescimento do número de usuários na
internet e o consequente aumento do uso de redes sociais. Trata-se de
uma tentativa de influenciar a tomada de decisão individual do sujeito,
para que este manifeste um sentimento, talvez até então desconhecido
por ele mesmo. Essa influência é exercida a partir do momento em que
as corporações criam uma causa – sob o objetivo de atender seus interesses privados e estimulem o envolvimento do público para que ela
ganhe visibilidade. O pesquisador Rudimar Baldissera (2001) observa
essa tendência como uma estratégia da Comunicação Organizacional
na contemporaneidade para expandir sua área de influência e abrangência a partir do direcionamento da individualização dos sentidos dos
interlocutores no processo comunicacional.
No entanto, deve-se atentar para o fato de que os sentidos,
disponíveis na cadeia de comunicação, sempre serão consDisponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/09/mais-de-50-dos-brasileiros-estao-conectados-internet-diz-pnad.html>. Acesso em:
16 de nov. de 2014.
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truídos e disputados por sujeitos interlocutores, a partir do
seu saber prévio. (BALDISSERA, 2001, p. 3)
Em contrapartida, é importante que não se assuma o direcionamento da individualização dos sentidos na cadeia de comunicação
como sinônimo de manipulação dos públicos. As interpretações do
receptor podem ser diferentes das almejadas pelo emissor, principalmente ao se considerar, no cenário atual das campanhas publicitárias, a
possibilidade de verificar na internet a veracidade das informações e o
histórico dos envolvidos. O público é ativo e capaz de não corresponder
aos objetivos mercadológicos das corporações. A prática do astroturfing, por isso, pode ser construída pelo público ao qual ela se direciona.
É uma das principais aquisições de setenta anos de pesquisa em comunicação: o receptor não é facilmente manipulado pela mensagem. Endereçada a todo o mundo, a mesma
mensagem não é recebida da mesma maneira por todos. Certo, a comunicação é uma atividade social como as outras, é
marcada pelas desigualdades e pelas questões de poder, mas
não é totalitária. Os indivíduos aprendem a resistir. Mantém
seu livre arbítrio, o que temos muita tendência a esquecer.
[...] Sim, o receptor é sempre ativo, esteja ele lendo, escutando, assistindo ou usando seu computador. Sim, o receptor é o
grande enigma da comunicação, um enigma cujo interesse é
crescente com a globalização da informação e da comunicação (WOLTON, 2006, p. 33).
Nesse sentido, é fundamental refletir acerca da complexidade que
é falar de públicos simulados. Se considerarmos que, junto aos usuários criados pela agência da Samsung para criticar os aparelhos da HTC,
existiam muitos consumidores realmente insatisfeitos com os produtos
dessa marca e que foram estimulados a participar dessas manifestações
virtuais a partir das reações de um público simulado, percebemos que o
astroturfing incentivou a manifestação de um público que já existia. Por
isso, Henriques e Silva (2014) afirmam que a prática do astroturfing é
um processo mais complexo do que se imagina:
A principal peculiaridade do astroturfing reside justamente
na possibilidade de formação do público que antes era simulado. Diferentemente de, por exemplo, um vazamento de
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uma substância tóxica em uma fábrica, que afetaria diversos
indivíduos ao redor do acontecimento e daria origem a públicos que se movimentariam em relação ao fato, a essência do
astroturfing está na existência de um público que já é apresentado, mesmo que de maneira simulada. (HENRIQUES e
SILVA, 2014, p.12).
Chega-se então a um ponto central desta análise: o astroturfing
simula manifestações públicas, mas faz isso a partir de condições pré-existentes na sociedade. Ou seja, em algum momento a simulação pode
se dissolver em um público autêntico.
Finalmente, quando o astroturfing consegue fazer com que
os sujeitos se mobilizem e passem a atuar de forma semelhante ao público inicialmente simulado, quem busca monitorar a prática é colocado diante de um enorme desafio.
Nesse momento, o limiar entre o simulado e o autêntico se
torna mais confuso, e a denúncia sobre o caráter enganoso e
artificial da prática pode acabar sendo um fator que aumenta
a mobilização daqueles que estão genuinamente engajados
e manifestando sua opinião [...] (HENRIQUES e SILVA, 2014).
Vimos até aqui a perspectiva comunicacional do astroturfing,
onde a compreensão das disputas de sentido na configuração de um cenário simulado/real é fundamental para a utilização dessa estratégia.
A seguir, refletiremos como tal prática suscita alguns questionamentos
sob o ponto de vista legal e ético.
A ÉTICA PROFISSIONAL E O DIREITO DO CONSUMIDOR
EM TEMPOS DE ASTROTURFING
Em um mundo cada vez mais globalizado e integrado, onde as
tecnologias têm papel fundamental na hora de informar e de comunicar,
práticas como o astroturfing suscitam debates constantes sobre o papel
da ética profissional e a importância do direito do consumidor.
Nos Estados Unidos, o astroturfing não possui uma conduta aprovada pelo Código de Ética da Public Relations Society of America12, que
Disponível em <http://www.prsa.org/AboutPRSA/Ethics/EthicalStandardsAdvisories/Documents/PSA-07.pdf> Acesso em: 16 de out. de 2014
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define a prática como uma representação de patrocínios não revelada
ou de descrições enganosas.
Já no Brasil, nenhuma regulamentação cita a prática do astroturfing de maneira direta. O Código de Ética da Publicidade e Propaganda13
afirma que “o profissional da propaganda, para atingir aqueles fins,
jamais induzirá o povo ao erro; jamais lançará mão da inverdade; jamais disseminará a desonestidade e o vício”. O Código de Ética de
Profissionais de Relações Públicas14 proíbe “disseminar informações falsas ou enganosas ou permitir a difusão de notícias que não possam ser
comprovadas por meio de fatos conhecidos e demonstráveis”. A regulamentação profissional que menciona de forma mais evidente, mesmo
que de maneira indireta, a não aprovação de práticas de astrutorfing é
o código do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária15,
na seção de Honestidade, artigo 23, ao defender que “os anúncios devem
ser realizados de forma a não abusar da confiança do consumidor, não
explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credulidade”.
A ausência de uma regulamentação que defina explicitamente a
proibição ou permissão do astroturfing pode ser melhor compreendida
se considerarmos alguns traços da sociedade atual. Tal processo dialoga com a afirmação do pesquisador Adriano Duarte Rodrigues (1999)
quando ele afirma que o ideal progressivo da pós-modernidade confronta a prática dos valores éticos e, consequentemente, vem a construir o
que ele chama de “ética relativista”, cuja subordinação está ligada a interesses particulares. O pesquisador português afirma que hoje a ética
possui diversas dimensões, entre elas a dimensão da tecnicidade, onde
a ética da verdade – no astroturfing representada pelos códigos de condutas profissionais – se contrapõe à ética da eficácia – o desejo de se
conquistar um determinado público consumidor.
Disponível em <http://www.cenp.com.br/PDF/Legislacao/Codigo_de_etica_dos_proffisionais_da_propaganda.pdf> Acesso em: 16 de out. de 2014.
13
Disponível em < http://www.sinprorp.org.br/Codigo_de_etica/001.htm>
Acesso em: 16 de out. de 2014
14
Disponível em <http://www.conar.org.br/codigo/codigo.php>. Acesso em 16
out de 2014.
15
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É por isso que sempre que ocorre uma nova intervenção técnica surge inevitavelmente uma nova intervenção ética acerca do seu valor e discussões acerca das normas que deverão
reger a sua aplicação. (RODRIGUES, 1999, p. 76).
É importante também observar as relações do astroturfing com
o Código de Defesa do Consumidor (CDC) vigente hoje no Brasil (Lei
nº 8.078/90). Sob consulta da advogada especialista em Direito do
Consumidor e Responsabilidade Civil Marlúcia do Socorro Magno
Ferreira (OAB nº 145008), percebemos que o astroturfing é um crime
publicitário pela lógica consumerista, e pode ser enquadrado no ordenamento jurídico do CDC, nos artigos 67, 68 e 69, que se referem às penalidades para as práticas de propaganda enganosa:
Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria
saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de três meses
a um ano e multa.
Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria
saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de
forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança: Pena
- Detenção de seis meses a dois anos e multa.
Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade: Pena - Detenção de um a seis
meses ou multa.
(CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR [CDC], 1990, p; 13-14).
Apesar da legislação brasileira não permitir o astroturfing, não
há registros de casos que tenham sido julgados pelo Ministério Público
no país, pois a dificuldade está em reconhecer quando uma campanha
publicitária está, de fato, utilizando um público simulado. A dificuldade de reconhecimento da infração aos direitos do consumidor dá espaço à impunidade. A agência que desenvolveu a campanha Eu sou da
Lapa inscreveu o trabalho no prêmio Aberje (Associação Brasileira de
Comunicação Empresarial) de 2006 e, mesmo afirmando que se tratava
de uma estratégia publicitária baseada no astroturfing, foi finalista regional do prêmio.
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Por se tratar de um direito coletivo, a advogada Marlúcia afirma
que uma forma da prática não ficar impune seria a sua submissão a um
juízo público. Assim “terá como consequências para a empresa que a
pratica, o repúdio da sociedade e o consequente dano a sua própria imagem, o que por si só representa punição significativa”. De novo, enfatizamos que o público – não o simulado e sim o estimulado - é também
responsável por reconhecer na prática do astroturfing algo que fere ou
não os seus próprios direitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: COMUNICAÇÃO ABUSIVA PRA QUEM?
Observar as práticas de astroturfing nos traz diversas reflexões
importantes, uma delas é questionar o que poderia ser considerado
como comunicação abusiva do ponto de vista da metapesquisa, ou seja,
o que é para os estudos da comunicação uma prática abusiva se o receptor não é considerado passivo? Como falar de uma prática manipuladora de comunicação se a publicidade por si só já prevê a indução de um
público para o consumo de um determinado produto ou serviço?
O astroturfing empregado enquanto estratégia de Comunicação
Organizacional nos faz refletir também acerca das dimensões técnicas e
instrumentais defendidas pela pesquisadora Margarida Kunsch (2012).
Para ela, as ações de dimensão técnica – campanhas publicitárias, por
exemplo – devem estar em concordância com o âmbito da dimensão instrumental – a comunicação entre os indivíduos. As estratégias de comunicação organizacional precisam considerar os públicos interno e externo,
sem bombardeá-los pelo “excesso de comunicação” técnica e instrumental. Assim, até que ponto as empresas que praticam o astroturfing estão
considerando essas duas dimensões de Comunicação Organizacional?
Ainda segundo Margarida Kunsch (1997), o avanço tecnológico e as
recentes mudanças da sociedade contemporânea fez com que os públicos se tornassem mais ativos e é papel da Comunicação Organizacional
mapear suas ações a partir da identificação desse novo público que se
forma e se transforma tão rapidamente:
Hoje, sabemos, os públicos são muito mais exigentes e estão
muito mais atentos. A sociedade está mais articulada e o cidadão mais reivindicativo. E a área das Relações Públicas tem
o papel de fazer a leitura dessa sociedade tão complexa que
721
aqui procuramos apresentar em pinceladas rápidas. Relações
Públicas devem ter como bússola a dimensão futura, espelhada na crítica em relação ao presente e no estudo do que se
deve desejar de melhor para o futuro da atuação profissional,
buscando o equilíbrio entre a modernidade técnica e a modernidade ética. (KUNSCH, 199716).
Entretanto, torna-se confuso distinguir, dentro das práticas publicitárias, o direcionamento individual dos sentidos do interlocutor, descrito por Baldissera (2001), da prática de indução ao consumo indevido,
proibida pela legislação brasileira. Como um Código de Ética ou qualquer
outro tipo de regulamentação pode controlar exatamente as ações de divulgação indevidas se essas correspondem à disputa de sentidos e interpretações que fazem parte do processo comunicacional da publicidade?
Analisar o astroturfing significa ainda refletir sobre a Comunicação
Organizacional como um todo e tentar compreender se é possível haver
algum equilíbrio entre as ações de divulgação das corporações e os públicos envolvidos no processo. Contudo, o planejamento estratégico das
organizações deve sim considerar as dimensões técnicas e instrumentais
de Kunsch, conhecer os públicos que se pretende atingir e tentar compreender as formas de assimilação do conteúdo que será disseminado.
O astroturfing nos faz atentar à legitimidade dos discursos dos
quais as publicidades se apropriam. Como exposto anteriormente, a
manifestação simulada confere legitimação à manifestação autêntica
de um público existente. Nesse ponto, destacamos o que Wolton (2006)
define como um “conflito de legitimidades”, ou seja, a tentativa de se
distinguir informação, conhecimento e ação. Isso porque, para o autor,
entender o papel complementar e indispensável desses três fatores é reconhecer a legitimidade e a irredutibilidade dos discursos na sociedade
democrática. Então, como o público estimulado pela prática de astroturfing ou por qualquer outra prática publicitária reconhece o seu papel
a ponto de interpretar a informação, adquirir conhecimento e, então,
agir? Em contrapartida, Wolton afirma ainda que “os indivíduos são
cada vez menos enganáveis” e que, por isso, “as profissões de comunica-
Disponível em: <http://www.aberje.com.br/antigo/margarid.htm>. Acesso
em: 15 de out. 2014.
16
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ção serão na hierarquia das empresas, amanhã, tão importantes quanto
as funções financeiras e comerciais” (WOLTON, 2006, p. 104).
Por tudo o que já foi exposto, concluímos ainda que as práticas
de astroturfing são cada vez mais comuns não só pelo advento das novas tecnologias e da virtualização da Comunicação. É uma prática que
chama cada vez mais atenção enquanto estratégia de Comunicação
Organizacional pela sua capacidade de dialogar com a individualidade
do público e, assim, provocar nele o desejo de participação e visibilidade
social. Dessa forma, a indução do público ocorre não por uma suposta
passividade no processo comunicacional, mas pela oportunidade de expressar um sentimento latente por meio de uma ação publicitária que
prevê a sua atividade como receptor e, simultaneamente, canal e emissor da mensagem pretendida.
Tudo ocorre como se a comunicação se tornasse a condição
normativa de funcionamento, ou ainda de coabitação, das sociedades. Menos como múltiplas conexões do que como uma
espécie de apetência e de aceitação do risco. Menos uma lógica de manipulação do que um jogo… Porque a comunicação é
menos manipuladora do que se diz. Seria antes uma espécie de
jogo de tolos em que ninguém é tolo. (WOLTON, 2006, p. 32).
Em resumo, para compreender a possibilidade de se alcançar na
contemporaneidade o equilíbrio entre a técnica e a ética, acreditamos
ser necessário prosseguir com os estudos sobre o astroturfing. Contudo,
destacamos que a discussão sobre o caráter moral dessa prática não foi
o objetivo central desta investigação, mas sim contrapor as práticas de
mercado com os valores éticos e legais a fim de iniciar as reflexões sobre
o tema considerando a sua complexidade. Aqui tentamos observar o astroturfing enquanto estratégia de comunicação organizacional que prevê comportamentos se apropriando das características de aspiração à
liberdade individual” (WOLTON, 2006) e de não passividade do receptor.
Entretanto, por mais que a indução e as disputas simbólicas façam parte
da comunicação publicitária, respeitar os direitos do consumidor é um
princípio soberano na legislação da atividade. Assim, a complexidade
desse processo comunicacional e o seu diálogo entre a ética profissional
e a legislação vigente devem ser ainda mais investigados.
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726
|4|
UM OLHAR DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL SOBRE AS
POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE O NOTICIÁRIO DE NEGÓCIOS E
A PRÁTICA DA ESTRATÉGIA NAS ORGANIZAÇÕES
Victor Marcio Laus Reis Gomes1 e
Robson Dias2
RESUMO
Este trabalho traz uma reflexão teórica sobre as possíveis relações entre o noticiário de negócios e a prática da
estratégia nas organizações. Em uma abordagem comunicacional, fundamentada na teoria sistêmica de Niklas
Luhmann e na teoria discursiva de Eliseo Véron, discutimos
como os sentidos sobre termos e práticas estratégicas circulam entre as organizações e as publicações de negócios e
são (re)apropriados em processos de comunicação organizacional, configurando as estratégias organizacionais. A hipótese do agendamento amplia a reflexão, indicando que as
notícias sobre negócios podem contribuir para a saliência e
a legitimação de conteúdos sobre a estratégia que circulam
nos ambientes organizacionais. Ao final, são delineadas
propostas para investigações futuras.
Palavras-chave: Comunicação Organizacional;
Estratégia Organizacional; Perspectiva SistêmicoDiscursiva; Agenda-setting.
Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade Católica de Brasília (UCB), linha Processos Comunicacionais nas
Organizações. E-mail: victor.gomes@ucb.br.
1
Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade Católica de Brasília (UCB), linha Processos Comunicacionais nas
Organizações. E-mail: robson.dias@ucb.br.
2
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como precedente a tese de doutorado de Gomes
(2014)3, em que é proposto um modelo teórico para a compreensão da
estratégia organizacional a partir de um conjunto de elementos comunicacionais. Com esse modelo, buscamos “desentranhar” (BRAGA, 2004)
o que há de propriamente comunicacional nesse objeto que, tradicionalmente, é pesquisado nos campos da administração e da economia.
A noção central do modelo proposto é a rede decisória comunicacional, que é compreendida como um espaço de construção de sentidos, configurado em processos de comunicação organizacional, em
que as decisões4, como efeitos de sentidos, se interconectam e se autorreforçam. Como uma condição estrutural para a existência dos sistemas organizacionais, a rede se constitui tanto no interior quanto no
exterior desses sistemas. No interior, é formada pelas comunicações/
decisões que definem as fronteiras sistêmicas, e, no exterior, pelas comunicações/decisões que estruturam os sistemas sociais e organizacionais com os quais as organizações interagem ou, em outras palavras, aos
quais elas se acoplam.
Reconhecendo que estratégias são formadas em e por decisões
(CHANDLER, 1998; ANSOFF; McDONNEL, 1993; MINTZBERG; WATERS,
1985; PÉREZ, 2008), e que decisões são uma forma de comunicação responsável pela constituição e manutenção dos sistemas organizacionais,
consideramos que as estratégias organizacionais podem ser compreenDoutorado realizado com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
3
A noção da decisão não é compreendida no contexto da racionalidade e da
previsibilidade. Sob uma perspectiva sistêmica (LUHMANN, 2005b; 2011), ela
revela, justamente, as limitações da racionalidade e a imprevisibilidade, além
de abrir espaço para a multirracionalidade envolvida nos processos decisórios,
que considera, além dos aspectos cognitivos, os elementos afetivos e também
instintivos do comportamento humano (LEITÃO, 1997). Em nossa perspectiva, consideramos a decisão em sua dimensão social. Em uma rede dinâmica
e complexa, as decisões parecem ser geradas a partir de efeitos de sentidos e
representam a inter-relação de fatores de ordem cognitiva, emotiva e social.
4
728
didas como decisões voltadas para a (re)produção da diferença entre
organização e ambiente.
Notícias e reportagens, publicidade e entretenimento constituem,
na perspectiva de Luhmann (2005a), áreas de programação do sistema
dos meios de difusão. Conforme o autor, a função social desses meios
não é a atualização das informações, mas a memória produzida através
de sua operação. Assim, no presente trabalho, partimos do pressuposto
de que as organizações interagem com o sistema dos meios de difusão
e de que suas comunicações/decisões são, de alguma forma, por ele influenciadas. Nesse contexto, nosso objetivo é discutir, através de uma
abordagem comunicacional, possíveis relações entre a prática da estratégia nas organizações e as notícias de negócios veiculadas em revistas
de negócios de grande circulação.
Partimos da perspectiva sistêmico-discursiva originalmente proposta por Seidl (2007), baseada na teoria de Luhmann (1997a;
1997b; 2005a; 2005b; 2006; 2011), na filosofia da linguagem de Ludwig
Wittgenstein (1979) e na concepção social da linguagem de JeanFrançois Lyotard (1999; 2002). À proposta de Seidl (2007), agregamos
a teoria discursiva de Eliseo Véron (1980; 1996; 2004), possibilitando
uma abordagem comunicacional complexa e interpretativa sobre nosso foco de estudo.
À perspectiva sistêmico-discursiva, aproximamos a hipótese do
agenda-setting5, de forma a possibilitar a reflexão específica sobre as
possíveis relações entre as notícias de negócios e a prática da estratégia. Alguns trabalhos, como os de Soares (2007) e de Soares e Miranda
A evolução da Agenda Setting, cronologicamente, segundo Formiga (2006),
passa por McCombs e Shaw (1972), Funkhouser (1973), Tipton, Haney e Baseheart (1975), Benton e Frazier (1976), Erbring, Goldenberg e Miller (1980), Winter
e Eyal (1981), Cook, Tyler, Goetz, Gordon, Protess e Leff Emolotch (1983), Behr
e Iyengar (1985), Iyengar e Kinder (1987), Saperas (1987), Brosius e Kepplinger
(1990), Zhu (1992), Rogers, Dearing e Bregman (1993), Mccombs e Shaw (1993),
Iyengar e Simon (1993), Kosicki (1993), Ader (1995), Barros Filho (1995), Scheufele (2000), Mccombs (2004). No Brasil e em Portugal, esse conceito está sistematizado no que se convencionou chamar de Teoria da Notícia, principalmente, nos registros de Traquina (1993; 2000; 2003; 2004) e Sousa (1999; 2002).
5
729
(2012), tratam do agendamento em veículos e materiais de comunicação dirigidos aos funcionários das organizações. No entanto, são raros
os estudos que estabelecem alguma relação entre o conteúdo noticioso das revistas de negócios e a comunicação organizacional. Entre eles,
destacamos as abordagens de Gomes (2009) e de Viana e Freitas (2014),
que, embora não tratem da agenda-setting, discutem narrativas e discursos das revistas de negócios, como elas constroem representações
e imagens das organizações. Há, ainda, a proposta de Mazza e Alvarez
(2000), que defende o papel central das publicações de negócios para a
construção social das realidades organizacionais e das práticas de gestão. Com isso, temos um quadro que nos indica uma oportunidade para
a investigação que estamos propondo neste artigo.
A seguir, delineamos, de forma sucinta, a perspectiva sistêmico-discursiva e a hipótese do agenda-setting. Em seguida, discutimos possíveis caminhos para a compreensão da relação entre o noticiário de
negócios e a prática da estratégia nas organizações, em uma abordagem
desenvolvida a partir da comunicação organizacional.
A PERSPECTIVA SISTÊMICO-DISCURSIVA
Um dos principais fundamentos da perspectiva sistêmico-discursiva é a compreensão dos sistemas sociais como unidades operacionalmente fechadas e interativamente abertas, que têm a comunicação
como sua operação essencial. É através dela que a diferença entre sistema e ambiente é (re)produzida continuamente. Seguindo um movimento reflexivo e recursivo, o sentido é construído em uma rede de comunicações, que opera de forma circular, autopoiética6 e operacionalmente
fechada. O sistema observa o entorno e constrói sentido tendo por referência esse tecido autorreferenciado de comunicações7.
O adjetivo “autopoiética” é utilizado para designar uma estrutura (sistema)
em que ocorre a autopoiese, ou seja, a capacidade de autorreproduzir-se exclusivamente através de seus próprios elementos e operações internas. No caso
dos sistemas sociais, a comunicação e a rede de comunicações formada no interior do sistema constituem o elemento fundamental para a autorreprodução
e são por ele responsáveis (LUHMANN, 2011).
6
7
Ilustrando essa visão, pela Teoria da Notícia, temos o seguinte: a partir da
730
O fechamento operacional dos sistemas sociais tem, para
Luhmann (1997b), a mesma natureza que o fechamento do sistema cognitivo. Conforme o autor (1997b, p. 52), “nós conhecemos o mundo externo apenas porque o acesso a ele é bloqueado”. O conhecimento é uma
construção própria do sistema cognitivo, que não pode ser estruturada
ou determinada pelo ambiente, apenas perturbada. Assim, a compreensão é de que informações não são obtidas do entorno, são construtos
internos gerados a partir de acontecimentos observados no lado externo. Para o autor, os sistemas sociais constroem o ambiente do qual se
diferenciam. As notícias sobre negócios produzidas no âmbito do sistema dos meios de difusão podem, nesse contexto, ser compreendidas
como elementos a serem observados pelos sistemas organizacionais e
que, quando selecionados por esses, venham a deflagrar apropriações
ou construções de sentido próprias desses sistemas.
No momento em que realizam processos de comunicação, é construída uma diferença entre comunicação e meio (sistema e ambiente).
A comunicação é responsável pelo desenvolvimento de uma lógica própria de conexão com a comunicação seguinte, formando uma rede que
inventa sua própria memória e diferencia os sistemas sociais. A rede de
sentidos dos sistemas organizacionais, no entanto, está acoplada ou em
interação com redes externas. Os sentidos, dessa forma, circulam nas
redes, e constituem o horizonte operativo dos sistemas sociais, os quais,
apesar de operacionalmente fechados, não estão isolados. A linguagem
cultura profissional dos jornalistas e da cultura da organização noticiosa (Fábrica de Notícias, Newsmaking), o Jornalismo tem uma cultura transorganizacional, transnacional e local, ao mesmo tempo, segundo Soloski (1993) citado
por Sousa (1999) “a natureza organizacional das notícias é determinada pela
interação entre o mecanismo de controle transorganizacional representado
pelo profissionalismo jornalístico e os mecanismos de controle representados
pela política editorial. Em conjunto, estes mecanismos de controle ajudam a
estabelecer as fronteiras do comportamento profissional dos jornalistas. Seria
errado supor que essas fronteiras ditam ações específicas da parte dos jornalistas; melhor, estas fronteiras fornecem uma estrutura para a ação. As fronteiras
são suficientemente amplas para permitir aos jornalistas alguma criatividade. Por outro lado, as fronteiras são suficientemente estreitas para se poder
confiar que os jornalistas agem no interesse da organização jornalística”.
731
possibilita acoplamentos estruturais8 com indivíduos e outros sistemas,
permitindo que elementos externos sejam incorporados, mantendo, no
entanto, a autorreferencialidade na construção dos sentidos. Ou seja,
o sistema tem contato com o mundo externo, mas constrói o sentido
segundo suas referências internas. Isso garante a identidade, mantendo
a diferenciação sistema/ambiente.
Nesse contexto, os discursos são compreendidos como efeitos de
sentidos construídos nos sistemas sociais. Podem ser entendidos também como lances de linguagem ou enunciados que, em jogos de linguagem, materializam os sentidos que circulam nos sistemas. Esses lances
parecem estar submetidos a regras e acordos, explícitos ou tácitos, que
são intrínsecos à condição de fechamento dos sistemas sociais. Além
disso, os lances configuram um contexto social e, com isso, assumem
posições, expectativas e disputas.
A teoria do discurso de Verón (1980; 1996; 2004) é construída
sobre uma hipótese de defasagem entre as noções de “produção” e de
“reconhecimento”, guardando semelhanças com as noções de emissão
e de recepção da teoria da comunicação. A problemática da comunicação, para o autor, está justamente nessa defasagem. Há uma não liO sistema, segundo Luhmann (2011), se relaciona com o meio circundante
através do acoplamento estrutural. Em abordagens anteriores, a relação com o
ambiente era pensada a partir de entradas e saídas. O acoplamento, por sua vez,
considera o fechamento operacional e a relação com o ambiente a partir dos mecanismos internos de operação do sistema. Assim como a diferença entre ele e o
ambiente é produzida pelo próprio sistema, as relações que este estabelece com o
ambiente também são resultados dessas operações internas. A linguagem é considerada por Luhmann (1997c) como o elemento responsável pelo acoplamento
estrutural entre comunicação e consciência, ou seja, entre sociedade e indivíduo,
mantendo esses sistemas separados. A linguagem pode perturbar a consciência
através da comunicação ou perturbar a sociedade através da consciência. Já,
na Teoria da Notícia, Scheufele (2000) discute em Agenda-setting, Priming, and
Framing Revisited: Another Look at Cognitive Effects of Political Communication os
efeitos cognitivos em torno do conceito de Agenda-setting e processos comunicacionais complementares, como: Agenda-building (1), Framing (2), Priming (3),
Newsmaking (4) e Gatekeeper (5), que circundam a discussão. Voltando a Luhmann, podemos pensar esses 5 pontos como constituintes do sistema.
8
732
nearidade entre produção e reconhecimento, implicando que um discurso nunca produz um efeito único, mas um campo de efeitos. A não
linearidade expressa uma circulação de sentidos em um sistema em
desequilíbrio. A defasagem entre produção e reconhecimento se manifesta quando, do lado da produção, é possível descrever ou reconstruir
as regras que compõem a classe de textos analisada; no entanto, do
lado do reconhecimento, há uma variedade de leituras possíveis. Um
mesmo discurso pode ter múltiplos efeitos, graças a não linearidade
da relação entre produção e recepção.
Os discursos circulam entre condições de produção e condições
de reconhecimento, formando uma rede de semiose (VÉRON, 1980;
1996; 2004) em que um discurso é condição produtiva de outro. Assim, a
análise não pode considerar o objeto em si mesmo. Ela precisa considerar a relação do objeto com aspectos determinados das condições, buscando as pistas ou marcas dessas nos textos analisados. Os “objetos” que
interessam à análise de discursos sociais são “sistemas de relações que
todo produto significante mantém com suas condições de produção, de
um lado, e com seus efeitos, de outro.” (VERÓN, 1996, p. 128).
A perspectiva sistêmico-discursiva contribui para direcionar a
atenção da investigação para a dimensão social do discurso, não ignorando o sujeito, mas deslocando a atenção para a diferença sistema/ambiente e para a dinâmica social da construção de sentidos. É sob essa
perspectiva que discutimos a relação entre as notícias sobre negócios e
a prática da estratégia.
A HIPÓTESE DO AGENDAMENTO
A hipótese do agenda-setting foi configurada, a partir do final dos
anos 1960, incialmente por Maxwell McCombs e, posteriormente, pelo
mesmo autor, em parceria com Donald L. Shaw, com base em pesquisas que investigavam a relação entre a agenda da mídia e a agenda do
público, durante campanhas eleitorais nos Estados Unidos. Os resultados das pesquisas mostravam uma forte influência da mídia sobre os
eleitores e também sobre os próprios candidatos, que incluíam em suas
campanhas assuntos agendados pela mídia. Outras questões relevantes
também foram esclarecidas por esses estudos. Dentre elas, destacamos:
uma grande parte das informações, além de ser transmitida pela mídia,
733
também é mediada por líderes de opinião, caracterizando o duplo fluxo
informacional; a agenda do receptor muitas vezes influencia a agenda
da mídia; há um interagendamento entre as diferentes mídias, sendo
que a mídia impressa apresenta maior influência sobre as demais mídias e sobre o receptor; a influência da agenda da mídia sobre a agenda
do receptor depende da relevância ou importância do tema para o receptor e também de sua necessidade de orientação ou falta de informação em relação ao assunto agendado (HOHLFELDT, 2010).
Hohlfeldt (2010) destaca os pressupostos da hipótese do agendamento ou agenda-setting: o fluxo contínuo informacional ao qual está
submetido o receptor; a influência a médio e longo prazos dos meios
de comunicação sobre o receptor; a capacidade de os meios de comunicação, a médio e longo prazos, influenciarem o receptor sobre o que
pensar e falar.
Em um artigo mais recente, McCombs (2005, p. 553) chama a
atenção para pesquisadores que têm aplicado a ideia central da hipótese do agendamento em uma ampla variedade de contextos: “em anos
recentes, pesquisadores inovadores têm aplicado a ideia central da teoria de agenda-setting, à transferência da saliência de uma agenda para
outra, em uma ampla variedade de novas arenas ”9.
Um desses contextos mencionados por McCombs (2005) é o organizacional. O autor faz referência à aplicação da hipótese em estudos
que buscam investigar a influência tanto da imprensa especializada em
negócios quanto da imprensa em geral sobre a reputação das organizações. Uma das observações do autor, reproduzida na citação abaixo,
interessa particularmente ao nosso estudo, pois a partir da mesma é
possível estabelecer uma relação entre os trabalhos de McCombs (2005)
e de Mazza e Alvarez (2000):
Esta pesquisa identificou tanto efeitos de primeiro nível de
agenda-setting – a influência da cobertura de mídia sobre a
lembrança e a proeminência de uma empresa ou de seu CEO
– e efeitos de atributo de agenda-setting – a influência de
representações veiculadas em notícias sobre as imagens de
empresas e de seus CEOs. [...] Na arena da reputação corpo-
9
Tradução nossa.
734
rativa, a teoria do agenda-setting relaciona um aspecto especializado da agenda da mídia, o jornalismo de negócios, com
as agendas de primeiro e segundo nível do público e com posturas e comportamentos subsequentes (McCOMBS, 2005, p.
553)10.
Entendemos que os aspectos destacados por McCombs (2005), relativos à cobertura da mídia e à sua influência sobre a lembrança e sobre as
imagens das empresas e de seus principais executivos, podem ser relacionados com a constatação de Mazza e Alvarez (2000) sobre o papel da mídia
como legitimadora de enunciados com forte conteúdo ideológico.
Com base na hipótese do agenda-setting, podemos considerar
que as notícias sobre negócios podem influenciar o que comentam e
pensam seus leitores a respeito de temas relacionados ao mundo dos
negócios. A forma como esses temas, entre eles a estratégia, são selecionados e enquadrados pela publicação, pode contribuir para a agenda de
seu público leitor, formado prioritariamente por pessoas envolvidas ou
interessadas em negócios, economia e gestão.
A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL, O NOTICIÁRIO DE NEGÓCIOS
E A PRÁTICA DA ESTRATÉGIA
Sob a perspectiva sistêmico-discursiva, assumimos que a organização existe enquanto houver comunicação. Esta, por sua vez, é compreendida como um processo social de circulação, multiplicação e disputa
de sentidos, configurada nos desvios entre produção e reconhecimento,
formando uma rede complexa de sentidos, em que uma comunicação
é condição para existência da outra. Essa rede de sentidos, continuamente (re)produzida no âmbito dos sistemas organizacionais e nas suas
relações com o ambiente ( formado por outros sistemas e por indivíduos), é configurada em desvios, dissensos e indeterminações. Além disso,
como sistemas constituídos por comunicação, as organizações parecem
ser constantemente observadas na/pela sociedade, o que pode deflagrar processos de construção de sentidos, que fogem ao seu controle,
mas que contribuem, assim como os processos intencionais, para a configuração da organização nos âmbitos interno e externo (GOMES, 2014).
10
Tradução nossa.
735
Baldissera (2009) defende que a comunicação organizacional envolve, além dos processos formais e das falas autorizadas, uma dinâmica informal associada a incertezas, tensões, disputas, perturbações,
interdependência ecossistêmica e processos recursivos. Nessa perspectiva, além de uma dimensão formal, autorizada e planejada, que o autor
denomina organização comunicada, há outras duas dimensões, que fogem ao controle de eventuais mecanismos de gestão.
A organização comunicante envolve os processos comunicacionais deflagrados nas relações estabelecidas com pessoas, públicos ou
outras organizações. Nesses casos, ganham destaque os processos informais que, muitas vezes, ocorrem sem que a organização tenha conhecimento. Nessa dimensão, atribuem-se sentidos à organização que não
necessariamente correspondem aos esforços formais de planejamento
e independem da intencionalidade. Assim, a organização pode ver sua
ordem ameaçada ou perturbada e ser pressionada a investir em movimentos que procurem reverter os desvios de sentidos que eventualmente tenham sido criados nessas relações. No âmbito da informalidade, há
ainda um conjunto de materializações da comunicação organizacional,
a dimensão da organização falada, envolvendo processos aparentemente distantes e sem relevância. São as conversas e manifestações sobre a
organização em situações fora do ambiente organizacional, como momentos de lazer e encontros casuais, em que participam funcionários,
amigos e familiares.
A comunicação organizacional pode ser relacionada à prática da
estratégia, conforme já discutiram autores como Bulgacov e Marchiori
(2010; 2011) e Reis, Marchiori e Casali (2010), que chamam a atenção
para aspectos como a multidimensionalidade e a imprevisibilidade das
interações comunicativas e dos processos de construção de sentidos
envolvidos no fazer estratégia. Bulgacov e Marchiori (2010), com base
no trabalho desenvolvido por Jarzabkowski, Balogun e Seidl, analisam
as três dimensões da estratégia como prática: a práxis, as práticas e os
praticantes. A práxis envolve o trabalho realizado durante o fazer estratégia, o fluxo de atividades e as interconexões entre os praticantes. As
práticas reúnem tanto questões tácitas e informais, quanto explícitas
e formais. Elas “podem ser consideradas como um conjunto de metodologias, tecnologias, rotinas, ferramentas, conceitos e procedimentos
para pensar e agir estrategicamente” (BULGACOV; MARCHIORI, 2010,
736
p. 157). Os praticantes são os atores que moldam a construção das práticas através de suas características, das habilidades e dos recursos que
eles empregam. O fazer estratégia, portanto, envolve as conexões entre
práxis, práticas e praticantes.
Nesse contexto, os discursos veiculados nas publicações de negócios parecem ter um papel central para a construção social das realidades organizacionais e para a prática da estratégia. Em um trabalho em
que investigam a influência da mídia na produção e legitimação de teorias e práticas de gestão, Mazza e Alvarez (2000) concluem que jornais
e revistas participam da definição de temas que circulam nas organizações e em instituições de ensino e pesquisa. Para os autores, o papel da
imprensa de negócio vai além da mera difusão de ideias pré-fabricadas e
envolve a coprodução e legitimação de práticas e teorias de gestão.
Assim, vislumbramos as possíveis relações entre o conteúdo de
publicações de negócios e a prática da estratégia nas organizações. Os
sentidos parecem circular entre os noticiários e as organizações, sendo
apropriados e (re)construídos nas interações entre esses sistemas. Uma
notícia sobre uma nova prática estratégica, veiculada em uma revista de
negócios, pode, por exemplo, refletir na adoção de termos técnicos e até
mesmo de rotinas, tecnologias e ferramentas pelos praticantes da estratégia. Essa apropriação, no entanto, na perspectiva sistêmico-discursiva,
não garante a reprodução dos sentidos. Cada sistema irá (re)construir os
sentidos de forma autorreferenciada, de acordo com seu próprio contexto. Um mesmo termo ou prática pode assumir sentidos diferentes em uma
publicação e em cada organização que tiver contato com ela.
A hipótese do agenda-setting indica que as notícias veiculadas
contribuem para a saliência (primeiro nível do agendamento) e a imputação de atributos (segundo nível do agendamento) (McCOMBS, 2005;
2009). No caso do noticiário sobre negócios, entendemos que a saliência ocorre através da valorização de determinados termos e práticas,
que podem se tornar proeminentes e predominar em um determinado
período nas publicações, e a imputação de atributos, através da caracterização e da legitimação desses termos e práticas em reportagens
sobre o desempenho de organizações e executivos em suas iniciativas
estratégicas. Importa reforçar, no entanto, que, aproximando essa hipótese à perspectiva sistêmico-discursiva, entendemos que os sentidos
737
não são transferidos e sim (re)apropriados pelas organizações em suas
práticas estratégicas11. Ou seja, frente ao agendamento e ao enquadramento, parece haver uma autorreferencialidade que precisa ser considerada quando procuramos compreender essa relação. Outros aspectos
a serem considerados, tendo a agenda-setting como referência, são as
possíveis mediações de consultores e de suas empresas de consultoria,
que podem caracterizar o duplo fluxo informacional, e a influência das
agendas das organizações sobre a agenda das publicações de negócios.
Com base nesses pressupostos, desenhamos um contexto de interações entre sistemas organizacionais e meios de difusão, em que parecer haver uma intensa circulação de temas e uma (re)apropriação de
sentidos de acordo com as particularidades de cada realidade sistêmica. Um tema como a governança corporativa, por exemplo, pode estar
presente na pauta das publicações de negócios e ser apropriado como
prática estratégica de uma organização, com um sentido não necessariamente equivalente ao construído nas notícias de negócios. Por um
lado, determinados temas são salientados e legitimados pelas publicações. Por outro, as organizações parecem ávidas por inserir, de alguma
forma, essas pautas em suas práticas. Essa necessidade de “estar em dia”
com o que circula no mundo dos negócios parece motivar as organizações à adoção de determinados termos e práticas, que passam a povoar
seus discursos em seus universos autorreferenciados de sentidos, em
processos de comunicação organizacional.
Frente a esse quadro, indicamos possíveis caminhos de investigação a serem aprofundados em estudos posteriores:
a. quais os termos e práticas estratégicas, em um determinado
período, apresentam maior saliência nas publicações de negócio?
Scheufele (2000) trata de forma distinta a Agenda-setting e o processo de
Agenda-building: o primeiro, ocorre no âmbito macroscópico (com base na
agenda dos meios de comunicação, ou seja, na importância dada aos temas
pelos meios) e; o segundo, no âmbito microscópico (com base na agenda do público, ou seja, na importância que determinados temas possuem na memória
das pessoas). Nesse contexto, cita-se também o Priming (influência que a pauta
agendada pode ter na forma como o indivíduo entende dado tema) e o Framing
(recorte de atributos de pautas que circulem nos meios de comunicação).
11
738
b. quais os sentidos construídos pelas publicações de negócios
sobre esses termos e práticas?
c. quais os sentidos construídos pelas organizações sobre os
termos e práticas estratégicas que circulam nas publicações de
negócio?
d. como esses termos e práticas são apropriados em decisões
que configuram as estratégias das organizações?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perspectiva-sistêmico discursiva revela novas possibilidades de
compreensão da estratégia organizacional em um viés comunicacional.
Entre elas, a reflexão sobre as interações entre os sistemas organizacionais
e o sistema de difusão, desvendando novos caminhos para pensar a relação
entre as estratégias das organizações e o conteúdo veiculado em publicações de negócios. Acreditamos que essa abordagem pode contribuir para
a aproximação entre a comunicação e a prática da estratégia, atendendo,
em parte, o chamado de autores como Bueno (2009) e Kunsch (2009), que
defendem uma maior inserção da comunicação nos processos estratégicos.
Com este trabalho, procuramos delinear uma nova proposta de investigação, propondo questões a serem exploradas em estudos futuros. Sob
a perspectiva adotada, com o aporte da hipótese do agendamento, chegamos a um quadro que fundamenta teoricamente e indica possíveis relações
entre o conteúdo das publicações de negócios e a prática da estratégia.
Podemos dizer que, em seus universos autorreferenciados de sentidos, os
sistemas organizacionais interagem com essas publicações e se apropriam
de termos e práticas que passam a fazer parte de seus processos comunicacionais e, com isso, configuram suas estratégias organizacionais.
Fazemos circular essas primeiras considerações no IX Congresso
da Abrapcorp, com o intuito de promover a discussão em torno do tema
em apreço. Esta iniciativa tem como objetivo dar início às investigações
sobre este fenômeno, sob a perspectiva sistêmico-discursiva, visando
multiplicar e ampliar os resultados encontrados e percebidos na pesquisa inicial, em Gomes (2014).
739
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743
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COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA E O MÉTODO GIV:
REFLEXÕES, POSSIBILIDADES, RESULTADOS E
ANÁLISES1
Tassiara Baldissera Camatti2,
Julio César de Bem3 e Márcia Almeida4
RESUMO
Este artigo visa apresentar uma abordagem reflexiva sobre a gestão estratégica e a comunicação nas organizações, expondo o método GIV – Gaps Informativos e
Valorativos, proposto por Pérez (2012), enquanto uma nova
maneira de formular estratégias. Essa incorpora os proTrabalho apresentado no GP 5: Comunicação, Políticas e Estratégias, no IX Congresso ABRAPCORP, realizado de 13 a 15 de maio de 2015, UNICAMP, Campinas/SP.
1
Relações Públicas (UNIJUÍ), Especialista em Gestão da Informação Estratégica (UCS, Université de Poitiers e Universidade de Monterrey), Mestre em Administração (UCS) e Doutora em Comunicação (PUCRS). É Diretora de Projetos
da INTERCOM, membro da Célula Brasil da CISC (Comunidade Ibero-americana de Sistemas do Conhecimento) e dos GP - CNPq: Teoria Social nas Organizações (UCS), Gestão dos Processos de Informação, Comunicação e Inovação
para o Desenvolvimento das Organizações (UCS) e Grupo de Estudos Avançados em Comunicação Organizacional (PUCRS).
2
Bacharel em Administração de Empresas (FEEVALE), Mestre em Comunicação (PUCRS). Atualmente é Gerente de Recursos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.
3
Bacharel em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda (UNIJUÍ), Especialista em Gestão de Processos em Comunicação (UNIJUÍ) e Mestre em Desenvolvimento (UNIJUÍ), na linha de pesquisa Gestão das Organizações para o
Desenvolvimento. Participa do Núcleo de Estudos de Marketing – NEM/CNPq.
Atualmente é professora do curso de Comunicação Social da UNIJUÍ.
4
cessos criativos e perceptivos, para tornar o fazer estratégico parte do dia a dia organizacional, desvinculando-o de
modelos programados, deliberados e inflexíveis, mas propondo a interação com os mesmos. Para isso, resgatamos
o planejamento de comunicação da Unijuí – Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e, por
meio da pesquisa exploratória, avaliamos as contribuições
possíveis a partir do método GIV.
Palavras-chave: Ambiente; Comunicação; Estratégia; GIV;
Organização.
1. INTRODUÇÃO
Não é de hoje que as organizações investem recursos e tempo
para preverem ou anteciparem o futuro. Essa é uma prática antiga, que
advém da arte da guerra (SUN TZU, IV a.C.) e ganha força, enquanto
prática de gestão, com estudos de Ansoff, na década de 60. Para tanto,
precisamos levar em conta os fatores internos e externos das organizações, sua relação com o ambiente e os diversos públicos, para propormos formas de repensar seu fazer com vistas a um objetivo norteador.
No entanto, hoje as novas e inúmeras formas de se comunicar,
seja presencial, telefônica ou virtualmente, instigam novos modos de
relacionamento num ambiente digital/virtual, ao qual Lévy (1999) denominou “ciberespaço”. Este, segundo o autor, amplifica, exterioriza e
modifica as funções cognitivas humanas, como o raciocínio, a memória
e a imaginação, criando “espaços de conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não lineares, se reorganizando de acordo com
os objetivos ou os contextos, nos quais cada um ocupa posição singular
e evolutiva” (LÉVY, 1999, p. 158). Assim, o ciberespaço traz novas possibilidades aos indivíduos sociais.
Apesar disso, quando analisamos o planejamento e a ação estratégica de muitas organizações, normalmente percebemos que partem de
cenários estáticos, onde as pessoas são todas iguais e os fatos marcada745
mente rotineiros. Para isso, costumam adotar processos de formulação
e construção de planos estratégicos com técnicas tradicionais, partindo
do pressuposto de que a estratégia implica em um processo racional e
instrumental, o que, a nosso ver, remete à estratégias de comunicação
ortodoxas e convencionais frente a situações de descontinuidade e de
imprevisibilidade, fragilizando e expondo as organizações.
Mas então, há outro caminho a seguir? Como podemos nos desvincular do modelo padrão existente para repensar o fazer estratégico da
comunicação? No intuito de refletir a esse respeito e buscar novos modos de pensar a comunicação estratégica nas organizações, redigimos
este artigo. Queremos, por meio da análise proposta, olhar de maneira
crítica e curiosa para a formulação estratégica com base nos estudos de
Pérez (2012), que propõe o método GIV como uma alternativa possível
para a geração de estratégias, principalmente no campo da comunicação.
Para isso, desenvolvemos um estudo exploratório na Unijuí - Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, a fim de considerarmos o quanto o método é viável e quais seus diferenciais ao incorporar
os gaps informativos e valorativos à formulação estratégica.
2. AMBIENTE E GESTÃO ESTRATÉGICA
O ambiente organizacional sofreu importantes mudanças nas
últimas décadas, principalmente de ordem econômica e tecnológica.
Segundo Mintzberg (2003), o ambiente compreende virtualmente tudo
que está fora da organização: sua “tecnologia” (a base de conhecimento
que deve seguir); a natureza de seus produtos, clientes e concorrentes;
sua posição geográfica; o clima econômico, político e até meteorológico
em que deve operar e assim por diante. Tradicionalmente, cada organização define métodos próprios de gestão, preocupa-se com a redução de seus custos operacionais e com a rentabilidade de seu negócio
e gerencia suas atividades em função de diretrizes próprias para alcançar objetivos estratégicos no mercado. Em paralelo, cada organização
desempenha uma atividade econômica específica que se insere em um
contexto maior na visão da cadeia produtiva, que pode ser conceituada,
segundo Kupfer e Hasenclever (2002) como um conjunto de etapas consecutivas pelas quais passam e vão sendo transformados e transferidos
os diversos insumos.
746
Nesse contexto, compreendemos a gestão estratégica, ou administração estratégica como também é denominada, como um processo contínuo e interativo, que visa manter a organização integrada ao
ambiente; participando, se relacionando, interferindo e sendo afetada
por ele. No entanto, é importante ressaltarmos que os estudos de gestão
estratégica unem duas ondas de consenso. A primeira inicia em 1960
com a contribuição de autores como Ken Andrews (1980) e Igor Ansoff
(1981), propondo que há distinção entre a formulação e a implementação da estratégia, visto que a primeira se refere ao pensamento estratégico e a segunda à ação estratégica. Ansoff (1981) também expõe, em
seus estudos, que a empresa se relaciona com o ambiente de duas maneiras distintas: por um comportamento competitivo (ou operacional)
ou por um comportamento empreendedor (ou estratégico). E, explica:
Como o modelo competitivo é gerador de lucro e o modelo empreendido é absorvedor de lucro, espera-se que a empresa gravite em torno do primeiro enquanto for adequado
o potencial de seus mercados atuais e enquanto tais mercados satisfizerem os objetivos de lucro e de crescimento.
(ANSOFF, 1981, p. 54).
Outra contribuição que pontuamos, é que a estratégia emana da
liderança formal da organização, pois, na visão dos autores, é responsabilidade do líder conduzir a estrutura organizacional a fim de que se desenvolva de acordo com a estratégia pretendida. Ou seja, a estratégia é
um conjunto de decisões que determina os padrões que definem o caráter central e a imagem da empresa, a individualidade que tem com seus
membros e os diversos públicos, além da posição que ocupará nos mercados e cenários. Portanto, a estratégia deve ser o mais explícita possível, a fim de que possa ser compreendida pelo todo. (ANDREWS, 1980).
A segunda onda dos estudos de gestão estratégica inicia na década de 1980 e tem entre seus teóricos Michael Porter (1989) e Henry
Mintzberg (1998, 2003). Para os autores, é fundamental conhecer o
mapeamento do espaço da formação estratégica, para que possamos
identificar as várias abordagens possíveis tanto na dimensão interna,
compreendida como a própria organização, quanto na dimensão externa, o macro e microambientes. Essa abordagem possibilita visualizar
a empresa agindo em múltiplas direções e criando redes exuberantes
747
de contatos, parcerias e reconfigurações. Ou seja, “as organizações devem compreender o passado se pretendem gerenciar o futuro. Somente
através do conhecimento dos padrões que fazem parte de seus comportamentos serão capazes de conhecer suas capacidades e potenciais”
(MINTZBERG, 1998, p. 432).
Uma forma de realizar tal façanha é a construção de mapas estratégicos. Estes, segundo Kaplan e Norton (2000, p. 83-84) “[...] ajudam
as organizações a ver suas estratégias de maneira coesiva, integrada e
sistemática. [...] ‘nossa melhor compreensão da estratégia em todos os
tempos’”. Portanto, a estratégia não é um processo gerencial isolado,
mas sim, “parte de um contínuo que começa, no sentido mais amplo,
com a missão da organização, que deve ser traduzida para que as ações
individuais com ela se alinhem e lhe proporcionem apoio.” (KAPLAN;
NORTON, 2000, p. 83-84).
Por outro lado, Thompson Jr. e Strickland (2000) afirmam que a
estratégia é mais do que os gerentes planejam cuidadosamente e pretendem realizar como parte de um grande projeto estratégico, pois o
futuro contém tantas incertezas que não é possível planejar cada ação
com antecedência ou perseguir uma estratégia pretendida sem necessidade de alteração. Novas circunstâncias estão sempre emergindo, sejam
elas importantes desenvolvimentos tecnológicos, introdução de novos
produtos pelos concorrentes, novos regulamentos e políticas governamentais ou aumento do interesse do consumidor. Assim, para se efetivar
o monitoramento do ambiente é necessária a aplicação das práticas de
gerenciamento da informação e conhecimento. Essas, segundo os autores, apresentam formas de busca, aquisição e tratamento de dados e
informações que facilitam a tomada de decisão. Algumas práticas, como
o sistema de gestão da qualidade e os softwares de gerenciamento de
informação interna, podem ser aplicadas à organização, possibilitando
a gestão das informações já existentes como forma de criar um conhecimento útil à empresa. As orientadas ao ambiente externo, por sua vez,
buscam propor tendências e novas informações que podem servir de
subsídio para reforçar ou mudar a vantagem competitiva da organização. Assim, considerando que os acontecimentos no ambiente externo
da organização podem influenciar de maneira relevante sua competitividade e afetar seu desenvolvimento, por ser instável, complexo, dinâmico e hostil (MINTZBERG, 2003), percebemos que uma gestão estra748
tégica que vise o melhor ajustamento entre organização e ambiente é o
mais apropriado, na maioria dos casos.
Cabe-nos ressaltar ainda que cada organização enfrenta ambientes
múltiplos e nesse sentido a habilidade para prever, compreender e lidar
com a diversidade de desafios propostos, respondendo rapidamente a
eles, é fator de diferencial competitivo. Segundo Mintzberg (1998, p. 424),
“estratégias podem se formar assim como ser formuladas. Uma estratégia
realizada pode emergir como resposta a uma situação em evolução ou
pode ser introduzida deliberadamente, através de um processo de formulação seguido de implementação”. Portanto, compreendemos que a estratégia envolve tudo e requer comprometimento e dedicação por parte de
toda a organização. Mais que isso. Estimula que os competidores estejam
atentos às ações e às reações da concorrência, a ponto de reorganizar e
realocar seus próprios recursos de modo rápido e competente.
Com base nas reflexões teóricas expostas, acreditamos que a
grande diferença entre competição natural e estratégia é que a primeira é evolutiva enquanto que a segunda é revolucionária. A competição
natural opera por um processo incremental de ensaios e erros de baixo risco. Pequenas mudanças são tentadas e experimentadas. As que
se mostram favoráveis são gradualmente incorporadas e mantidas. Não
há necessidade de previsões ou de envolvimento, pois o que importa é a
adaptação a situação atual. A estratégia, ao contrário, procura fazer mudanças rápidas em relacionamentos competitivos, investindo recursos
para que longos períodos de equilíbrio sejam rompidos por mudanças
abruptas. Nesse sentido, o comprometimento dos atores envolvidos é
fundamental. Para tanto, valorizar os indivíduos, seu potencial criativo
e cognitivo, é ponto crucial às organizações. Junto à isso, está a comunicação e suas possibilidades estratégicas.
3. COMUNICAÇÃO, ESTRATÉGIA E O MÉTODO GIV
O processo de comunicação pressupõe dinâmica: interagir a informação e a experiência, para criar e ampliar o conhecimento. Nesse
sentido, agrega diferenciais estratégicos ao fazer organizacional, à medida que coloca em comum múltiplas compreensões para compor cenários criativos e inovadores. Esses possibilitam alçar novos desafios,
749
propostos pelo ambiente, considerando diferenciais estratégicos que
pressupõem interação, via comunicação.
Em sua pesquisa, Pérez (2012) confirma que o fenômeno das estratégias de comunicação é real e está cada vez mais explícito nas múltiplas formas dos indivíduos se relacionarem, entre si e com o ambiente,
dentro e fora das organizações. No entanto, o autor destaca que muitas
estratégias constroem-se na, e com a, comunicação, sendo, portanto
chamadas de ações comunicativas estratégicas. E reforça:
Esta incursión en el mundo real nos confirma que el fenómeno de las estrategias de comunicación existe y es cada vez más
explícito. Y que muchas de esas estrategias se concretan en
su ejecución en un sinnúmero de comunicaciones que, al formar parte de una estrategia, merecen llamarse estratégicas.
Encontramos una relación entre la parte y el todo. [...] La buena noticia es que sí hemos encontrado “actos comunicativos
estratégicos” (PÉREZ, 2012, p. 128).
Quanto a denominarmos a comunicação de estratégica, o autor contrapõem-se a medida que entende que seria um modo de categorizar o tipo
de comunicação, o que, a seu ver, não existe. O que há, segundo o autor, é
a comunicação enquanto fenômeno social, que pode fomentar estratégias,
mas não uma comunicação especificamente estratégica. E esclarece:
Pero lo que no hemos podido encontrar es la “comunicación
estratégica” en singular, y no la hemos encontrado sencillamente porque no existe, es una categoría y las categorías solo
habitan en la mente de las personas. No son fenómenos sociales. Como ya apuntó Wittgesteing: “no existe el habla, lo
que existe es el lenguaje de la vida cotidiana que se concreta
en actos de habla” (PÉREZ, 2012, p. 128).
Com base em seus estudos sobre estratégia, Pérez (2012) propõe
o método GIV, que incorpora os gaps informativos e valorativos na formulação estratégica. Para tanto, o autor sugere que a conceituação do
mesmo, parte de uma metodologia composta por sete fases, além de
uma fase zero que compreende estabelecer o objetivo e as perguntas de
investigação. A proposta inicial é identificar a brecha existente entre a
percepção que há entre o que queremos: nossas metas, e o que consegui750
mos perceber do ambiente e dos públicos, espécies de sinais, para que
possamos concretizá-las ou não.
Cabe ressaltar que as primeiras cinco fases pressupõem a revisão
teórica sobre o tema e as demais propõem um método para olhar a realidade e repensar o futuro dos estudos de comunicação estratégica. No
Quadro 1 expomos as fases propostas pelo autor.
QUADRO 1 – FASES DO MÉTODO GIV
Fase 1
Novos olhares: assumir novas perspectivas para enxergar a questão
com diversos olhares - sistêmicos, complexos, pragmáticos, construtivistas e evolucionistas.
Fase 2
Identificar as características do sistema interativo pré-existente,
tanto entre os indivíduos como destes com o ambiente. Essa é a
perspectiva da comunicação estratégica.
Fase 3
Compreender que a comunicação estratégica é um fenômeno multifacetado, que exige abordagem transdisciplinar.
Fase 4
Simplificar sem renunciar a diversidade. Para isso é preciso
distanciar-se a fim de alcançar uma visão global, panorâmica, que
nos permita enxergar os cenários que compõem a trama da comunicação.
Fase 5
Identificar os diferentes subsistemas que compõem a trama de interações humanas: estudos sobre estratégia, estudos sobre a comunicação e estudos específicos sobre comunicação estratégica. A esses
deve-se agregar um quarto subsistema: a perspectiva biológica/
evolutiva que estuda as ciências da vida.
Fase 6
Reconhecer os subsistemas no objeto investigado e observar as trajetórias da comunicação estratégica, identificando fontes, resumindo teorias explicativas e marcando pontos relevantes da pesquisa.
Fase 7
Analisar as investigações existentes e as possibilidades futuras para
ampliar o debate sobre a comunicação estratégica.
Fonte: Elaboração própria a partir de Pérez (2012, p. 128-129).
A diferença, segundo o teórico, é que o método GIV parte de princípios diferentes dos modelos tradicionais de análise estratégica. Tem
sua base na forma com que os indivíduos criam e fazem suas estratégias
na vida cotidiana, considerando assim os processos naturais existentes,
751
a partir dos modelos mentais humanos, bio-antropológicos, e não artificiais. Assim, a formulação estratégica deixa de ser um processo somente racional, derivado de análise de cenários, mas inclui a emoção e
a percepção humanas, tornando-se diferenciado devido seu novo DNA,
intangível e criativo. Assim, segundo o método, possui uma formação
não linear, mas em espiral, algorítmica, considerando que uma etapa
posterior pode alimentar uma etapa anterior de maneira criativa e inovadora. Além disso, compreende a comunicação enquanto um processo
mental e fluído, que não segue etapas rigorosamente prescritas, mas é
formado por um contínuo de processos mentais que cremos existir.
Com base nos conceitos apresentados acreditamos ser possível
estabelecer uma linha mestra conceitual para analisar o desenvolvimento da comunicação estratégica nas organizações. Nessa visão, as estratégias criam-se e crescem em todo ambiente em que existam pessoas
com capacidade de aprender e que disponham de recursos necessários
para sustentar essa capacidade. Tornam-se organizacionais quando adquirem uma abrangência coletiva, ou seja, quando proliferam de forma
a guiar o comportamento da organização em geral.
Nessa visão, buscamos aplicar o Método GIV a uma experiência
real, buscando identificar se é possível agregar diferenciais a formação estratégica da comunicação. Nossa pesquisa, norteada pelo método exploratório, tem como objeto de estudo a Unijuí, Universidade
Comunitária do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
4. O MÉTODO GIV NA UNIJUÍ
Para iniciarmos nossa pesquisa exploratória, também caracterizada como Fase 1 do Método GIV (PÉREZ, 2012), buscamos assumir novas perspectivas para conhecer a fundo os pressupostos norteadores e o
ambiente das universidades comunitárias, uma vez que nosso objeto de
estudo, a Unijuí, pertence a esse segmento e classificação no contexto
do ensino superior brasileiro.
As IES Comunitárias são pautadas pela democracia de suas decisões e participações. Não estão organizadas a partir da autocracia,
ou seja, não têm um dono e também não visam lucro. Derivadas desta
orientação do vínculo comunitário, essas organizações desenvolveram
ao longo de sua história uma gestão baseada em colegiados. Assim, o
752
cerne das comunitárias tomou forma a partir de ideais de liberdade e
participação coletiva. Portanto, sua cultura organizacional é dotada de
formas diferenciadas de relação democrática, onde instituem-se fóruns
coletivos para que todas as decisões institucionais sejam definidas.
Percebemos que devido a orientação democrática e descentralização das relações de poder, as IES Comunitárias lidam com um ambiente onde as orientações são construídas pelos diferentes grupos e
atores participantes, sendo possível sua adequação. Isso permite que se
estabeleça uma conduta customizada conforme a ocasião, com orientações que tornam-se hábito, costume e, posteriormente, regras. Estas,
normalmente, não estão prescritas em manuais, mas são percebidas,
obedecidas e fazem parte da cultura organizacional.
Vanucchi (2004) alerta-nos que em primeiro lugar, parece necessário dissipar logo a ilusão romântica de identificar as instituições comunitárias como uma família perfeita, visto que, por mais harmonioso
que seja o seu clima organizacional, sempre há tensões e até agressividades, como acontece, aliás, em qualquer família. Prova disso são as
mudanças no contexto onde se encontram as IES, que agregaram, nos
últimos anos, maior competitividade entre as instituições.
Novas orientações como sustentabilidade e concorrência acirrada foram incorporadas à organizações educacionais de ensino superior, desestabilizando a visão romântica da forma de administrar estas
instituições. O que se entendia como uma grande família passou a ser
percebido como uma empresa com foco no resultado e nos diferenciais
competitivos, suscitando a formação de subgrupos divergentes que defendem a manutenção das raízes comunitárias.
Outro fator relevante é que o aumento expressivo de instituições
de ensino e os programas governamentais de incentivo à educação possibilitaram a ampliação da oferta de cursos e modalidades de ensino,
sendo preciso a revisão das estratégias e até mesmo de conceitos já
arraigados. Em muitos casos, o foco no negócio tornou-se prioritário,
renegando os princípios norteadores das IES, como a ampliação do conhecimento e a formação do cidadão, a segundo plano.
Portanto, nossa escolha pela Unijuí como objeto de investigação,
deve-se ao fato de ser uma universidade comunitária, de médio porte
(10 mil alunos), situada em uma região de rica diversidade cultural e
753
racial, o noroeste do Rio Grande do Sul. Destacamos que nosso foco é
identificar a aplicabilidade do Método GIV (PÉREZ, 2012) na Unijuí, precisamente na área de comunicação e marketing, que possibilitou-nos
acessar os dados necessários para que pudéssemos realizar este estudo.
A segunda fase do Método GIV (PÉREZ, 2012), leva-nos a identificar como os indivíduos interagem com a organização via comunicação.
No Quadro 2, expomos de modo resumido uma parte da pesquisa a que
tivemos acesso e na qual os agentes internos de endomarketing pontuam seu sentimento em relação a comunicação existente.
QUADRO 2 - FASE 2: INTERAÇÃO DOS INDIVÍDUOS COM A UNIJUÍ
Participantes: Representantes dos setores/unidades e departamentos institucionais: oito dos 32 Agentes Internos de Endomarketing (25%)
Questão: Como se sentem enquanto colaboradores e fontes de informação da
Unijuí?
- a participação dos agentes deixa a desejar, justificada pela correria diária e pela
falta de tempo;
- a informação ainda é muito centralizada nas chefias;
- falta informação formal, a maioria é repassada de maneira informal;
- é mais fácil ser agente nas reuniões do comitê do que nos departamentos;
- os professores não percebem a importância do projeto;
- deveria ser feito um trabalho com as chefias para mostrar a importância de ter um
fluxo de informações que funcione;
- muitos ruídos na comunicação interna, muito fragmentada e sem um padrão institucional.
Fonte: Relatório da Pesquisa Focus Group com Agentes de
Endomarketing da Unijuí (2011)
Ao analisarmos o exposto, percebemos que a comunicação interna da instituição é percebida de modo centralizado, fragmentado, informal e sem padrão institucional, o que agrega um caráter duvidoso a veracidade do que é comunicado. Destacamos que essa é a percepção dos
agentes de endomarketing, ou seja, não são funcionários de um modo
geral, mas sim um público especialista na função de promover a comunicação interna da instituição nos diversos departamentos e setores, o
que torna a constatação de grande valia.
754
A Unijuí tem como missão “Formar e qualificar profissionais com
excelência técnica e consciência social crítica, capazes de contribuir
para a integração e o desenvolvimento da região” (UNIJUÍ, 2015). Nesse
propósito, atua com o objetivo de proporcionar ensino de qualidade
para a comunidade regional numa estrutura multicampi. A universidade está presente nos municípios de Ijuí, Panambi, Santa Rosa e Três
Passos, além de contar com um núcleo universitário em Tenente Portela
e seis parceiros para os cursos de modalidade EaD. Oferece 33 cursos de
graduação, cinco de mestrado e dois de doutorado, além da educação
continuada, projetos de pesquisa e extensão universitária. Ao analisarmos este contexto, adentramos na Fase 3 do Método GIV (PÉREZ, 2012),
compreendendo que mesmo centralizando a tomada de decisões institucionais na Reitoria, não há um posicionamento uníssono da universidade no mercado, o que, consequentemente, reflete na falta de unidade
das ações e estratégias de comunicação. Acreditamos que isso se deve
a pluralidade do meio e das relações com as quais a instituição precisa
lidar. No entanto, é justamente isso que torna a comunicação um ponto
chave para estabelecer conexões estratégicas que contribuam na evolução organizacional embasada na abordagem transdisciplinar.
Para tanto, a Fase 4 nos leva a simplificar sem renunciar a diversidade, ou seja, buscamos uma análise estruturada que nos leve a conhecer
sinteticamente a realidade organizacional, ao mesmo tempo que compreendemos a amplitude de cada ponto elencado. Para isso, extraímos
a Matriz SWOT da Unijuí do Plano de Desenvolvimento Institucional
(PDI) da Fidene, sua mantenedora (QUADRO 3).
755
QUADRO 3 - ANÁLISE SWOT UNIJUÍ (FASE 4)
OPORTUNIDADES
AMEAÇAS
- Ações em novos mercados;
- Entrada de novos concorrentes;
- Capacidade de diferenciação da
concorrência local;
- Aumento potencial e comercial de
produtos substitutos;
- Aposta maior da sociedade no
Ensino Superior;
- Empobrecimento regional em função
das crises na agricultura e no setor
agroindustrial;
- Problemas econômico/financeiros
das instituições concorrentes;
- Facilidade de acesso dos estudantes
ao ensino superior.
- Diminuição do número de clientes
“Potenciais”, a partir diminuição do
número de pessoas nas famílias;
- Crescente pressão competitiva do
setor das IES;
- Crescente poder de barganha dos
clientes em função do maior número de
concorrentes do segmento da educação.
PONTOS FORTES
- Competências distintas enquanto
Universidade;
- Liderança no mercado onde atua;
- A partir das pesquisas dos cursos,
potencial capacidade de inovação
para a região;
- Instituição democrática com
conselhos eleitos pela comunidade
acadêmica.
PONTOS FRACOS
- É necessária a implementação de mais
ferramentas de controle e avaliação das
estratégias;
-Atividades centralizadas em algumas
pessoas;
- Ainda falta visão sistêmica devido à
fragmentação das áreas;
- Elaboração de planejamento financeiro eficaz;
- Evidenciar para toda a instituição o
foco de negócio da Unijuí.
Fonte: Elaborado pelo autor com base no PDI da Fidene (2008).
Ao analisarmos a matriz, percebemos que a Unijuí é uma instituição líder na área geográfica e no mercado onde atua, o noroeste do
RS, reconhecendo seu potencial enquanto universidade democrática e
próxima da comunidade acadêmica. No entanto, demonstra que precisa profissionalizar sua gestão acadêmica, descentralizando atividades, avaliando seu desempenho, realizando planejamento e atuando de
modo sistêmico. A Unijuí enxerga as oportunidades do mercado educa756
cional brasileiro, do investimento no acesso a educação e na possibilidade de expansão de sua estrutura. No entanto, reconhece a concorrência
e os novos formatos educacionais que podem interferir no desempenho
do crescimento de seu número de estudantes, assim como as limitações
econômicas da região onde se encontra. Com isso, é possível identificarmos os cenários que compõem a trama da comunicação e como a
instituição pode agir frente aos mesmos.
Para identificarmos os diferentes subsistemas que compõem a
trama de interações humanas, nas abordagens estratégicas, comunicacionais e biológica/evolutiva, definidas por Pérez (2012), analisamos,
na Fase 5, como se contrapõem ou se somam os elementos da matriz
SWOT. Nesse sentido, desenvolvemos a chamada SWOT Sistêmica, que
leva-nos a identificar os pontos principais que devem ser abordados na
comunicação da Unijuí.
QUADRO 4 - SWOT SISTÊMICA (FASE 5)
Desafios: Pontos Fortes => Oportunidades
A comunicação precisa agir nos diversos meios para além das fronteiras regionais,
destacando os diferenciais competitivos e os aspectos inovadores da Unijuí.
Constrangimentos: Pontos Fracos => Oportunidades
A comunicação é fator chave para a divulgação das melhorias, qualificação dos
processos internos e profissionalização da gestão universitária.
Alertas: Pontos Fortes => Ameaças
A comunicação deve posicionar a Unijuí no segmento educacional brasileiro,
reforçando suas vantagens competitivas.
Perigos: Pontos Fracos => Ameaças
A comunicação necessita ter foco no foco do cliente, para ampliar a confiança na
instituição, reforçar o relacionamento com a comunidade acadêmica e minimizar
o impacto da entrada de novos concorrentes.
Fonte: Elaboração própria (2015)
A partir das análises realizadas em seu processo de planejamento,
a instituição reorganizou a área de marketing em sete grandes programas (QUADRO 5), compostos de subprogramas, projetos, ações, atividades integradas e novos projetos, tendo a comunicação como processo
757
primordial. Ao reconhecer os subsistemas no objeto investigado ( fase
6), foi possível analisar as possibilidades futuras para ampliar o debate
sobre a comunicação estratégica ( fase 7).
QUADRO 5 – PROGRAMAS DE MARKETING DA UNIJUÍ
NOME DO PROGRAMA
BREVE DESCRIÇÃO TÉCNICA
1. Sinergia
Endomarketing focado em técnicos administrativos e de apoio e docentes.
2. Presença Unijuí
Composto de distribuição/praça/meeting
point, em eventos, instituições, campi, Polos
EaD, diversos públicos da instituição.
3. Egresso Unijuí
Relacionamento, satisfação e fidelização com
egressos, diplomados e certificados.
4. Relações estudantis
Relacionamento, satisfação e manutenção
dos atuais estudantes.
5. Relações institucionais
Relacionamento com imprensa, formadores
de opinião e comunidade.
6. Promoção Unijuí
Composto promocional – propaganda, publicidade, merchandising, relações públicas,
vendas - campanhas de atração dos públicos.
7. Branding Unijuí
Gestão de marca – agregação de valor à marca institucional, às extensões de marcas e aos
diferentes produtos da instituição.
Fonte: FIDENE (2011).
Percebemos que os programas escolhidos, abordam os aspectos
comunicacionais pontuados no Quadro 4. Isso demonstra que além de
serem permanentes e executados através de diversas atividades, projetos, ações, subprogramas, deverão evoluir com o passar do tempo,
ampliando a percepção do ambiente e sua influência para a estratégia
de comunicação nas organizações. Para tanto, as atividades, projetos e
subprogramas da Unijuí, terão seu acompanhamento monitorado por
índices, que no conjunto irão compor seus indicadores de desempenho,
podendo ser extintos, substituídos ou aprimorados.
758
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao findarmos este artigo, percebemos que partimos de uma base
sólida para realizarmos o estudo proposto, o que nos possibilitou compreender o contexto teórico e como o ambiente e as organizações interagem e se influenciam. Souza e Prado (2009) propõe que organizações
bem sucedidas são aquelas em que predomina uma cultura forte entre
seus membros, que compartilham identidade, valores e aspirações. As
tarefas da liderança estariam pautadas nos aspectos simbólicos da organização com o fortalecimento de valores convergentes e a redução da
discrepância entre aquela oficial e a dos subgrupos. Portanto, a articulação e a capacidade de se comunicar com a grande diversidade de atores
é um desafio permanente para as universidades brasileiras.
Para atingirmos nosso objetivo inicial, analisarmos a utilização do
método GIV (PÉREZ, 2012) em uma organização do segmento da educação de ensino superior e elaborarmos uma proposta viável de análise
de cenário para a realização de estratégias de comunicação, realizamos
a pesquisa exploratória. Para tanto, descrevemos o contexto da organização, desenvolvemos a análise interna e externa, compreendemos os
limites e as possibilidades da universidade em questão e propusemos
novas formas de pensar e agir.
Portanto, a adoção da metodologia GIV para geração de estratégias de comunicação no caso da Unijuí considerou as relações humanas
e seus efeitos sociais, onde a situação problema a ser resolvida, neste
caso, envolvia uma instituição comunitária de ensino superior e a sociedade. Assim, a análise estratégica envolveu duas etapas: a identificação dos públicos relevantes, responsáveis pelo sucesso ou fracasso no
atingimento do objetivo principal, tais como empregados, diplomados,
egressos, estudantes, imprensa, formadores de opinião e comunidade;
e o enfoque sistêmico, onde destacamos as interações comunicativas
para atingir o objetivo via endomarketing (público interno) e marketing
(públicos externos).
Na aplicação do método GIV destacamos três pontos relevantes.
O primeiro foi a análise do ambiente, onde analisamos as situações de
descontinuidade e/ou mudanças nos processos dinâmicos de atuação
da Instituição. O segundo foi a análise estratégica do plano de marke759
ting da Unijuí, que apresentou subprogramas que confirmaram a análise da SWOT Sistêmica e expuseram várias estratégias de comunicação
para posicionar a instituição de forma uníssona no mercado. O terceiro
foi a análise das percepções internas e externas, considerando a matriz
SWOT e a identificação dos gaps informativos e valorativos advindos da
pesquisa focus group.
Concluímos, deste modo, que é possível chegarmos a construir um
plano de comunicação institucional baseado no comportamento humano e nas relações dos indivíduos com as instituições de ensino superior,
a partir da aplicação do método GIV. Com isto, identificamos, que os
públicos, os conflitos, as oportunidades e as ameaças, assim como os
pontos fortes e fracos, instigam nossa opção por estratégias que incrementem o fazer da comunicação na organização.
Avaliamos, também, que o método GIV proporcionou o conhecimento mais profícuo de informações e da cultura da Instituição para a
geração de estratégias, englobando a análise de cenários e a pesquisa
com os funcionários, para aplicar e propor, com segurança e liberdade
criativa, a ampliação dos modelos pré-existentes, buscando qualificar
a gestão da comunicação estratégica. Assim, podemos afirmar que as
técnicas aplicadas foram responsáveis pelo enriquecimento do conhecimento acerca do modelo construído, que buscou identificar a interação entre os indivíduos, a organização e o ambiente, numa proposta
de ação estratégica.
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761
| 6 |I
NTERFACES DA CULTURA ORGANIZACIONAL NO
CONTEXTO FRONTEIRIÇO: POSSIBILIDADES,
ESTRATÉGIAS E GOVERNANÇA CORPORATIVA1
Karla M. Muller2, Camila C. Barths3 e
Stefânia O. Costa4
RESUMO
O paper traz à discussão elementos da identidade cultural fronteiriça e movimentos de inserção da Universidade
Federal do Pampa (UNIPAMPA) neste contexto. A reflexão constitui-se num recorte do estudo sobre comunicação organizacional de instituições de ensino superior nas
fronteiras nacionais e as possíveis relações com as práticas
Trabalho apresentado no IX Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação Organizacional e Relações Públicas (ABRAPCORP): Comunicação, governança e organizações. GT 5 – Comunicação, políticas e estratégias.
PUC/Campinas e Faculdade Metrocamp - Campinas/ SP – 13 a 15 de maio de 2015.
1
Relações Públicas, Jornalista e Publicitária; Dra. em Ciências da Comunicação;
Mestre em Comunicação; Profa. pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS);
Coordenadora da pesquisa “Práticas Socioculturais Fronteiriças na Mídia Online”;
Membro dos Grupo de Pesquisa no CNPq “Comunicação e práticas culturais” e “Mídia, tecnologia e Cultura; Assessora Ad Hoc do CNPq. E-mail: kmmuller@ufrgs.br
2
Relações Públicas; Mestre em Comunicação e Informação/UFRGS; Doutoranda em Comunicação e Informação/UFRGS; Relações Públicas do Hospital
de Clínicas de Porto Alegre. Email: camilabarths@gmail.com
3
Relações Públicas, Publicitária; Especialista em Comunicação Integrada de
Marketing; Mestre em Comunicação no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Técnica Administrativa da UFPel. E-mail: facosta4@hotmail.com
4
de governança corporativa existentes. A análise recai sobre dados colocados no portal da Universidade e nos sites
institucionais dos campi de Santana do Livramento e de
Jaguarão, localizados nas linhas da divisa do sul do Brasil
com o Uruguai. O intuito é verificar se a instituição aciona o
potencial estratégico de comunicar traços de sua identidade que a aproximem dos grupos locais, e se utiliza das falas
intencionais para melhor interagir com o contexto, promovendo a integração cultural da região fronteiriça.
Palavras-chave: comunicação organizacional; identidade
fronteiriça; universidade; integração cultural; governança
corporativa.
APRESENTAÇÃO
As teorias e paradigmas que hoje dão suporte à comunicação organizacional visam responder positivamente às demandas propostas
pelo novo entorno social: o da diversidade, da interdependência, do
hibridismo, das línguas em contato, do pluralismo, das rápidas mudanças, do acúmulo de informação, enfim, das trocas culturais intensificadas pelos processos globalizantes. Nesse cenário, as organizações
são compreendidas como agentes sociais, afetando e sendo afetadas
pela história, pelo contexto, pelas práticas socioculturais existentes
nos espaços onde atuam.
Atenta-se, assim, para a importância de as organizações refletirem
o local, valorizando as marcas do lugar e elevando, em suas ações, projetos e propostas, a autoestima dos grupos a ele pertencentes. Isso demonstra um efetivo trabalho de aceitação e aproximação entre as organizações,
os sujeitos aos quais estão vinculadas e os contextos socioculturais em
que se inserem, o que resulta em boas práticas de governança corporativa,
alinhando objetivos da organização e seus públicos de interesse5.
5
Nesses mais de quinze anos de pesquisa no espaço fronteiriço, considerando o
763
A partir destas reflexões e de outros trabalhos que vêm sendo desenvolvidos6 (MULLER ET AL, 2012), estamos realizando uma pesquisa
empírica a fim de verificar se as organizações, em suas práticas discursivas, procuram intencionalmente promover interações com o entorno, enxergando potencial estratégico nesses movimentos, bem como
(re)elaborando a cultura e o imaginário sobre os/dos grupos locais. O
foco do estudo está direcionado para a Universidade Federal do Pampa
(UNIPAMPA)7 por se tratar da primeira universidade pública totalmente
localizada na faixa de fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai e
a Argentina. Seus campi estão distribuídos entre dez cidades gaúchas8,
cinco delas consideradas cidades-gêmeas9, conurbadas ou semi-conurbadas com município desses países, isto é, ligadas por uma ponte, uma
praça, um marco oficial, muitas vezes mais imaginário do que visível.
Por um lado, considera-se importante verificar se uma universidade que no próprio nome se diz “pampiana” e que afirma ter como principal objetivo o desenvolvimento regional (lembrando que o conceito de
contexto, a mídia e as organizações, foi possível avaliar procedimentos de instituições como as empresas midiáticas (como o Jornal A Plateia, Jornal de Uruguaiana,
Rádio RCC FM), ONGs (como a ACM/ACJ Fronteira/Frontera), entre outras, relativos às relações que estabelecem com o lugar e os sujeitos que ali habitam.
MÜLLER, K. M.; RADDATZ, V. L. S.; BOMFIM, I.; MARTINS, T. C. Mídia local no
espaço fronteiriço: a integração a partir das ‘leituras’ do contexto. Paper apresentado no IV Seminário Internacional América Platina: UNASUR: Naciones,
etnicidades y fronteras en redefinición - Eixo temático: Procesos de integración
transfronterizos: posibilidades y limitaciones. Buenos Aires: UBA, nov/ 2012.
6
O enfoque na questão lingüística da UNIPAMPA tem recebido especial atenção de Stefânia Costa, no desenvolvimento de sua dissertação de mestrado junto ao PPGCOM/ UFRGS.
7
Alegrete, Bagé, Caçapava do Sul, Dom Pedrito, Itaqui, Jaguarão, Santana do
Livramento, São Borja, São Gabriel e Uruguaiana.
8
O território do município faz limite com o país vizinho e as duas sedes se localizam
no limite internacional. As cidades-gêmeas são conurbadas quando não há acidente
geográfico que as separem, como Santana do Livramento (BR) – Rivera (UY), e semi-conurbadas quando há divisão geográfica, como em Jaguarão (BR) – Rio Branco
(UY), divididas pelo Rio Jaguarão e ligadas pela Ponte Internacional Mauá.
9
764
região extrapola limites territoriais), percebe o potencial estratégico de
comunicar traços de sua identidade que a aproximem dos grupos locais,
posicionando-se de fato como “da fronteira”. Por outro, torna-se relevante
analisar se e como a instituição utiliza suas falas intencionais para melhor
interagir com esse contexto, reconhecendo as peculiaridades do lugar,
promovendo a integração a partir de suas práticas e utilizando estratégias
de governança corporativa no alinhamento de critérios de gestão.
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL, CONTEXTO SOCIOCULTURAL E
ESTRATÉGIAS DE GOVERNANÇA
Os estudos sobre a comunicação organizacional surgem com aportes teóricos de outros campos do conhecimento, como Administração,
Linguística, Psicologia e Retórica, de modo que se constituem efetivamente com caráter multidisciplinar. De início, esses estudos adotaram o
paradigma clássico ou informacional, cuja principal referência é a Teoria
Matemática da Comunicação. Com o avanço nos estudos no Campo das
Ciências da Comunicação, muda esta perspectiva e a comunicação passa a
ser vista como agente da construção mútua do lugar comum onde os sujeitos se relacionam entre si e com o mundo, elaborando reciprocamente suas
ações. Ou seja, o espaço público é visto como o resultado de uma atividade
conjugada, advindo da interação e da efetiva estrutura das relações sociais.
Oliveira e Paula destacam que o espaço comum, ao entender
o receptor como sujeito ativo, considera as diferenças daí resultantes
e favorece a construção de sentidos nos ambientes interno e externo
das organizações:
No processo social de construção de sentido, as organizações podem ser entendidas como agentes de práticas discursivas que buscam significação de sentidos na recepção,
construídos pelos grupos que compõem o espectro do relacionamento organizacional, sendo esses grupos também
entendidos como agentes de práticas discursivas e responsáveis pelos sentidos atribuídos às ações comunicativas das
organizações (OLIVEIRA; PAULA, 2008, p. 100).
No entanto, o sentido tem uma abertura para a significação que
foge à previsibilidade e intencionalidade da instância produtora. A função da comunicação organizacional seria, portanto, criar mecanismos
765
que facilitem as interações entre organização e atores sociais, contribuindo para a construção de sentido não apenas sobre a organização,
mas, paralelamente, a respeito do ambiente.
Os fluxos informacionais, relacionais e comunicacionais das organizações, salientam Oliveira e Paula (2008, p. 102), “materializam-se
por práticas discursivas escritas, verbais ou visuais produzidas no próprio contexto organizacional e se constituem de forma espontânea ou
planejada pela instância de produção, no caso as organizações”. Nesse
processo há intencionalidades, pois se busca dar visibilidade ao que é
conveniente.
De acordo com as práticas de governança corporativa, Silveira
(2010, p. 8), exemplifica que é importante que “as decisões corporativas
sejam sempre tomadas com a finalidade de maximizar a perspectiva de
geração de valor de longo prazo para o negócio, e nesse caso, também
utilizam a comunicação para transparecer esse valor”. O autor ainda
afirma que a governança corporativa “lida com o processo decisório na
alta gestão e com os relacionamentos entre os principais personagens
das organizações empresariais, notadamente executivos, conselheiros
e acionistas”. Essa relação com os públicos revela a proximidade das estratégias de governança com as práticas comunicacionais e as possibilidades de integração entre os processos organizacionais.
Entretanto, não se pode reduzir a comunicação das organizações
apenas às falas planejadas e oficiais, devendo-se também atentar para
a dinamicidade dos processos organizacionais, os desequilíbrios, incertezas, entre outros fatores os quais desestabilizam o sistema. Baldissera
(2009, p.119), ao refletir a esse respeito, propõe pensar a comunicação
organizacional como “processo de construção e disputa de sentidos no
âmbito das relações organizacionais”, contemplando três dimensões: organização comunicada, organização comunicante, organização falada.
Neste momento, para atender à reflexão que estamos propondo, iremos
nos deter na primeira dimensão, ou seja, nas falas autorizadas, intencionais, as quais objetivam dar visibilidade (estratégica ou não) a alguns traços da identidade organizacional por meio de processos comunicacionais
disseminados pela UNIPAMPA em seu portal e sites de dois de seus campi.
Portanto, com a integração da comunicação às expectativas e
propósitos das práticas de governança, é possível definir quem são
766
os públicos que serão atendidos pela organização, envolvendo a ética
empresarial, tendo em vista os propósitos organizacionais (missão, visão, valores), e ainda considerando o contexto cultural da organização
( JOHNSON; SCHOLES; WHITTINGTON, 2007). Dessa forma, percebemos que as práticas de governança corporativa precisam estar em sintonia com a cultura local, buscando aceitação e confluência de compreensão sobre a organização.
Enquanto agentes sociais, as organizações apresentam-se como
resultados provisórios da cultura do grupo onde estão inseridas e, ao
mesmo tempo, influenciam a (re)elaboração da cultura e do imaginário
desse grupo. Assim, a comunicação pode ser entendida como produtora
de sentido nas organizações, e estas, como construções sociais e discursivas. Nesse mesmo sentido, Baldissera (2007) propõe que se considerem principalmente dois movimentos: no primeiro, as organizações
apreendem os principais códigos culturais, responsáveis pela sensação
de pertencimento a um grupo, e elaboram um sistema de representações de modo a interagir com esse grupo; no segundo, usam estrategicamente as informações obtidas com o intuito de se tornar uma referência, institucionalizando-se. Como resultado possível desse jogo tem-se o
reconhecimento da organização como uma referência para seus públicos e com uma identidade coesa com o entorno.
Assim, é possível compreender o relato de Johnson, Scholes e
Whittington, a respeito da integração de governança em relação aos públicos:
A estrutura de governança corporativa fornece exigências formais e fronteiras dentro das quais a estratégia é desenvolvida.
Ela está ligada às relações e responsabilidades dentro da cadeia de governança. Mas junto com isso é importante entender
suas expectativas de outros grupos que não estão na cadeia de
governança corporativa – como fornecedores, clientes ou comunidades locais. Para todos esses grupos (dentro e fora da
cadeia de governança), é importante entender suas expectativas em detalhes, como elas podem diferir uma das outras e
até que ponto elas exercem influência sobre os propósitos e as
estratégias de uma organização (2007, p. 215).
Essas colocações permitem visualizar claramente as relações de
interdependência entre organizações e contextos socioculturais, de
767
modo que investigar a comunicação organizacional da Universidade
Federal do Pampa exige que nos dediquemos também a melhor compreender identidade cultural, em especial, a fronteiriça.
IDENTIDADE E CULTURA
A identidade comporta as semelhanças e as diferenças com o outro. Ela é formada numa relação dialética que pressupõe um processo
de identificação, pelo qual o sujeito se torna semelhante ao outro, e um
processo de diferenciação, que distancia o indivíduo dos que são distintos dele. No caso do enfoque deste estudo, ao dizer “sou brasileiro”,
pode-se entender “não sou uruguaio” ou “não sou argentino”. Da mesma
forma, quando se afirma “ele é uruguaio”, está sendo estabelecida a diferença, pois fica subentendido que o referido sujeito não é brasileiro, ou
seja, “a mesmidade (ou a identidade) porta sempre o traço da outridade
(ou da diferença)” (SILVA, 2013, p.79).
Cabe destacar que cultura e identidade, por conseguinte, são
conceitos inter-relacionados e interdependentes na medida em que
uma necessita da outra como fonte de significados, até porque cultura
pode ser pensada como teias de significados tecidas pelo próprio homem: “como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis [...], a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente
os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os
processos” (GEERTZ, 1989, p.24). Podemos dizer que as análises culturais devem ter como objetivo a lógica informal da vida real, em que os
sujeitos e suas teias de significados estão em relação e o encontro com
outras culturas nos permite refletir nossas ações sob a perspectiva de
diferentes padrões culturais, facilitando a compreensão dos nossos próprios sistemas simbólicos de significação.
Logo, é a cultura que distingue os grupos humanos e faz com que
construam uma identidade própria. Esta, por sua vez, também vinculada à língua, à religião e ao território, é sempre dinâmica e inacabada, principalmente devido ao fenômeno da globalização que, aliado às
tecnologias da comunicação e da informação, facilitou contatos com
os mais diversos grupos, os quais possuem suas próprias características étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e, principalmente, nacio-
768
nais. Ou seja, trouxe consigo a possibilidade de os sujeitos estabelecerem múltiplas identificações.
A identidade cultural seria a identificação a um ou a vários grupos culturais. Seria um fenômeno coletivo que toma sentido sempre em
relação ao outro, consistindo em uma maneira de distinguir-se e de traçar fronteiras (NIETO e PEREZ-CARABALLO, 2012); ela não é estática,
podendo transformar-se em função dos indivíduos e especialmente em
função do tempo e do espaço. Tais esclarecimentos nos levam ao próximo passo: a identidade cultural fronteiriça, presente nas práticas dos
sujeitos do lugar.
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS FRONTEIRIÇAS
Cercado por dez países, o Brasil é o país da América Latina com
a maior extensão em fronteiras territoriais. De acordo com o Ministério
da Integração, 27% de nosso território está distribuído na faixa de fronteira, o que corresponde a 15.719 km.
Apesar de representarem limites territoriais, as fronteiras nacionais são aqui compreendidas como estruturas sociais, espaços abertos
e contínuos, com possibilidades de intercâmbios diversos (de informações, de produtos, de relações etc.). São historicamente marcadas pelo
“entre-dois”: entre dois países, entre duas línguas, entre dois Estados,
entre duas culturas.
Segundo Hall (2011, p.90), os sujeitos que partilham esses espaços
“devem aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a falar duas
linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas”. Na mesma linha,
Canclini (2008, p.29) afirma que “as fronteiras rígidas estabelecidas pelos Estados modernos se tornaram porosas. Poucas culturas podem ser
agora descritas como unidades estáveis, com limites precisos baseados
na ocupação de um território delimitado”.
No caso dos espaços pampianos focados neste trabalho, isto é, dos
binômios Santana do Livramento (BR) – Rivera (UY) e Jaguarão (BR) –
Rio Branco (UY), eles foram povoados no final do século XIX e começo
do século XX, quando também nasceram as demais cidades fronteiriças,
justamente umas em frente às outras, com o intuito de frear a expansão
territorial, principalmente portuguesa. Esses terrenos podem hoje ser
compreendidos como “o resultado de lutas fronteiriças, de demarcação de
769
limites e de acampamentos militares” (PÉREZ-CARABALLO, 2011, p.54,
tradução nossa). A miscigenação local deriva, portanto, do encontro entre guaranis, jesuítas, portugueses e espanhóis, sendo intensificada pela
posterior chegada de outras populações, como a palestina, por exemplo.
Tanto o lado brasileiro quanto o uruguaio estão distantes dos centros decisórios, ou seja, dos respectivos poderes executivo e legislativo,
de forma que os habitantes desses espaços, em suas práticas cotidianas,
superam divisões geopolíticas e normas provenientes da criação dos
Estados-Nacionais. Isso não apenas facilita e viabiliza a vida em sociedade, como resulta em uma identidade própria, em elementos que destacam a especificidade do ser fronteiriço.
Assim, uma das principais colocações a serem feitas sobre a região
fronteiriça aqui tratada se refere às práticas linguísticas. Conforme Müller
e Raddatz (2009, p.108), “na região da fronteira, presencia-se uma mescla
linguística muito grande, uma aceitação da língua do outro e a convivência rotineira sem predominância de um ou de outro idioma”. Nesses espaços, é muito comum que uma pessoa fale em espanhol e a outra responda
em português, por exemplo, e vice-versa, bem como nos dialetos próprios
da fronteira, entre eles o Português do Uruguai (PU) e o Português Gaúcho
da Fronteira (PGF), usualmente apelidados de portunhol/portuñol.
As diferentes gerações demonstram que seus usos e falares
independem de uma mecânica padronizada. A tradução do
espanhol e do português não é literal, mas consequência da
sociabilidade entre os povos e da tradição oral que se desenvolve nesse espaço” (MÜLLER e RADDATZ, 2009, p.108).
Essa mescla no linguajar pode ser percebida na própria mídia local e na literatura. Pérez-Cabarallo (2011) explica que muitos artistas
continuam a escrever e a cantar em portunhol com o argumento de que
não conseguem expressar suas emoções a não ser em sua língua materna. Existem ainda gírias ou expressões idiomáticas fronteiriças que
não podem ser traduzidas sob o risco de terem seus significados reduzidos. São entendidas, assim, somente por quem conhece o contexto, por
quem é do pampa ou já estabeleceu relações com ele.
Outro fruto da permanente interação são as famílias binacionais,
os casamentos mistos, que por sua vez também apresentam características próprias (BENTANCOR, 2009). Ao querer dar a dupla nacionalida770
de para os filhos, por exemplo, precisa-se reconhecer o matrimônio em
ambos os lados da fronteira. Assim como é comum famílias com integrantes das duas nacionalidades, é frequente que pessoas que moram
num lado da linha divisória trabalhem ou estudem do outro.
As trocas comerciais são também constantes, dando-se não apenas em nível de comércio internacional. Acompanhando as flutuações
monetárias, os moradores dos dois lados cruzam a linha da divisa territorial em busca de produtos com preços reduzidos ou inexistentes. Esta
prática é reconhecida como de subsistência na região e também denominada de “comércio formiga” (RECEITA FEDERAL). Outra dinâmica
comum no pampa gaúcho é o contrabando, fonte de renda de muitos
habitantes das fronteiras. Normalmente em pequenas e médias escalas,
é percebido, sobretudo, como um “ganha-pão”, não necessariamente ilegal. Neste aspecto, Dorfman (2012, p.109) observa que o contrabando representado nas obras literárias um movimento naturalizado “estratégia
de sobrevivência da população diante de uma dinâmica histórica desterritorializante, e não como crime ou contravenção”. Sendo assim, as
trocas comerciais estariam sobrepostas à cultura da fronteira, pois se
constituem numa prática conectada com a condição fronteiriça.
É também curioso o fato de atualmente as cidades fronteiriças,
principalmente do lado brasileiro, possuírem suas economias fortalecidas por atividades com características predominantemente urbanas,
como o comércio, as universidades, as redes hoteleira e imobiliária, mas
ainda persistirem as práticas e o imaginário acerca de atividades como
andar a cavalo, tomar chimarrão, comer muita carne e ouvir músicas
folclóricas ou tradicionalistas. A vida campeira é mais um elo entre as
distintas nações que habitam a região, bem como mais uma referência
para ser batizada de identidade cultural fronteiriça.
O sujeito habitante dessas cidades mantém dentro de si permanente ambiguidade. Por isso a importância de as administrações locais e
as instituições ali sediadas pensarem a fronteira e o fronteiriço de modo
particular, favorecendo um ambiente inovador e contribuindo com a difusão de uma cultural local desenvolvimentista e integracionista. Essa difusão, bem como a renovação das diversas imagens que uma cultura tem de
si mesma, dá-se pela comunicação, vista aqui como principal articuladora
das interações culturais e identitárias entre sujeitos e organizações: “Ao
771
promover intercâmbios e ações cooperativas entre as culturas organizacionais e a cultura local, a comunicação mostra que as fronteiras vivem,
pulsam e são produtivas” (MÜLLER ET AL, 2007, p. 188). Neste sentido, as
instituições de ensino têm importante papel, não apenas como educadoras e formadoras, mas também como sujeitos ativos.
INSERÇÃO DA UNIPAMPA NO CONTEXTO REGIONAL
O estudo que vimos desenvolvendo possui cunho qualitativo e
contempla revisão bibliográfica, pesquisa documental e análise de conteúdo, abrangendo postagens da Universidade Federal do Pampa em
seus sites10. Esta instituição federal de ensino superior, criada em 2008,
tem seus campi distribuídos em dez cidades gaúchas, todas na região do
pampa, ao lado dos vizinhos Uruguai e Argentina. Logo, sendo o tema
desta pesquisa a comunicação organizacional das instituições de ensino superior atuantes nas fronteiras nacionais, considerou-se coerente
optar pela UNIPAMPA em virtude de sua localização, o que facilita o
contato pessoal com o objeto.
Para a pesquisa documental, foram selecionados documentos oficiais, fontes primárias, cujos conteúdos ajudam a entender melhor a instituição, sua missão, valores e objetivos, além de servirem de apoio durante
toda a pesquisa. Dentre estes documentos estão a Lei n° 11.640, de 11 de
janeiro de 2008, na qual o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da
Silva, institui a Universidade; o Projeto Institucional da UNIPAMPA, de 16
de agosto de 2009; o Estatuto e o Regimento da UNIPAMPA; os Editais
UNIPAMPA n° 145/2011, 73/2013 e 204/2013, referentes a processos seletivos específicos para uruguaios fronteiriços; e, por fim, o Decreto n° 5105,
de junho de 2004, que dá suporte aos respectivos editais.
A leitura de tais documentos permite estabelecer critérios para a
seleção das fontes secundárias as quais compõem o corpus para a análise de conteúdo que, segundo Bardin (2011, p. 31), “é um conjunto de
técnicas de análise das comunicações”, consistindo em realizar a préO material aqui apresentado representa um recorte na pesquisa que está sendo desenvolvida desde 2013 junto ao PPGCOM/ UFRGS que discute o elemento
linguístico e as práticas socioculturais fronteiriças da UNIPAMPA na divulgação de seu material institucional.
10
772
-análise, a exploração do material, o tratamento, a inferência e a interpretação dos resultados.
Assim, uma vez identificado, através dos editais acima citados,
que a instituição oferece, no campus de Jaguarão e no de Santana do
Livramento, vagas específicas para uruguaios que possuam o documento especial de fronteiriços (o que se interpreta neste estudo como uma
forma de reconhecimento dos sujeitos que habitam no entorno), e que
as notícias e informações sobre a universidade são postadas em sites específicos de cada campus, opta-se por observar as postagens realizadas
pela própria instituição nos sites dos campi de Jaguarão e de Santana do
Livramento, no período que abrange o lançamento do Edital 145/2011 e
o encerramento do Edital 204/2013, acrescidas do texto de apresentação
institucional. Essa observação permite selecionar, dentre essas “falas
institucionais”, textos que de alguma forma fazem referência às práticas
socioculturais inerentes à região da fronteira, comparando-os.
Cabe ressaltar os impactos que as tecnologias sociais trouxeram à
gestão corporativa, permitindo às organizações inovar no modo de produção e da comunicação. Através da tecnologia em rede, as empresas
estão se tornando mais acessíveis e transparentes, aproximando os públicos de interesse (MAIA, 2014). Uma vez que a pesquisa ainda está em
andamento, neste artigo sintetizamos algumas observações realizadas.
Abrindo os sites da UNIPAMPA, dos campi de Jaguarão e Santana
do Livramento, não visualizamos elementos que a posicione como um
agente local, no sentido de ser percebida como fronteiriça. Seu caráter
diferenciado, de uma instituição situada na linha divisória do país, não
recebe destaque. Não há links que remetam para a possibilidade de ler
as informações em outras línguas, como o inglês ou o espanhol, neste
caso, língua oficial do país vizinho, mais precisamente, da cidade vizinha e de seus habitantes.
O site de Jaguarão não remete para informações institucionais da
organização. Encontramos apenas o link para o Centro de Interpretação
do Pampa, que, ao ser acessado, nada diz sobre o espaço fronteiriço; e o
link para o blog “Español Para Niños”, projeto vinculado ao curso de Letras,
buscando estimular em crianças o aprendizado da língua espanhola.
No material colocado pelo campus de Livramento existe um link
para a “Gestão Unificação de Recursos Institucionais”, cuja sigla é GURI.
773
Mesmo não sendo possível ao internauta acessar informações neste espaço que é restrito para quem possui uma senha, o que chama a atenção
é que a sigla recebe um acréscimo ilustrativo: um chapéu de gaúcho. Há
também o direcionamento no link Universidade para a proposta maior
da UNIPAMPA como instituição de ensino.
Dessa forma, na busca de avançar na compreensão da proposta
da Universidade, em especial de seus campi localizados na linha de fronteira, dedicamos a abordagem desta análise ao texto de apresentação da
Universidade Federal do Pampa presente no portal desta Universidade:
A Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) faz parte do
programa de expansão das universidades federais no Brasil.
Um Acordo de Cooperação Técnica financiado entre o Ministério da Educação, a Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), prevê a
ampliação do Ensino Superior na metade sul do estado do
Rio Grande do Sul.
A Universidade Federal do Pampa foi criada pelo governo federal para minimizar o processo de estagnação econômica onde
está inserida, pois a educação viabiliza o desenvolvimento regional, buscando ser um agente da definitiva incorporação da
região ao mapa do desenvolvimento do Rio Grande do Sul.
A expansão da educação pública superior, com a criação da
Universidade Federal do Pampa, além de concretizar um antigo sonho da população, permitirá que a juventude, ávida de
conhecimentos, permaneça em sua região de origem e adquira as informações necessárias para impulsionar o progresso
de sua região, no momento em que se forma mão de obra
qualificada, e aumenta-se a autoestima de seus habitantes,
tendo, como consequência, o surgimento de novas famílias,
cujos filhos vislumbrarão opções para que se desenvolvam
sociedades cultural e economicamente independentes. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA, 2013.)
Existem alguns fatores indiscutíveis que permeiam a identidade organizacional da UNIPAMPA e a de todas as instituições de ensino
superior vinculadas ao governo federal: ser brasileira, federal (pública),
774
gratuita. A leitura do texto permite realmente assim identificá-la, acrescentando-se a isso o fato de estar localizada na metade sul do estado do
Rio Grande do Sul e de ter por intuito a promoção do desenvolvimento
regional e o estímulo aos jovens estudantes para que ali permaneçam
após graduados. Em nenhum momento, contudo, há informações sobre ser essa uma região pampiana e/ou fronteiriça. O próprio mapa que
acompanha o texto não traz a fronteira representada, pois mostra apenas cidades do lado brasileiro e não faz nenhuma referência aos países
vizinhos, Uruguai e Argentina.
Logo, ao se falar em desenvolvimento regional nas cidades de
fronteira, as quais apresentam práticas semelhantes em ambos os lados
da linha divisória e que tornam esses espaços compartilhados e com
uma identidade própria, considera-se incoerente não citar os países vizinhos, pois que o conceito de região extrapola limites territoriais.
Uma vez que, como visto anteriormente, é possível estabelecer
identificações múltiplas, entende-se ser também viável a UNIPAMPA
apresentar-se como uma universidade localizada na região da fronteira,
com todas as peculiaridades simbólicas e culturais que esse espaço possui, e, mesmo assim, ser reconhecida como mais uma instituição federal
de ensino superior brasileira. Segundo Müller et al (2008, p.188), “priorizar
respostas próprias, considerando a identidade das populações em questão [...], parecem ser os desafios para as organizações e populações das
fronteiras, em especial das fronteiras nacionais”. As autoras lembram ainda que “possíveis conflitos podem ser problematizados através da comunicação e de organizações comprometidas com as situações locais”.
Os sites da UNIPAMPA, bem como o texto ao qual nos referimos,
disponibiliza seu conteúdo somente em português, língua oficial do país
de origem. Todavia, sabe-se que na região onde estão distribuídos seus
campi, o português convive harmoniosamente com o espanhol, sendo
comuns diálogos em que determinado sujeito fala em sua língua e obtém a resposta em outra. Ademais, há a presença dos dialetos locais e
de expressões próprias do lugar. Também se sabe que existem muitas
famílias binacionais, de forma que um indivíduo pode ser brasileiro e
uruguaio ao mesmo tempo e ter como língua materna o espanhol, o português e/ou um dos dialetos regionais.
775
A mídia como organização, segundo pesquisas desenvolvidas anteriormente (MÜLLER e RADATTZ, 2009), legitima essas práticas linguísticas. As emissoras de rádio e os jornais locais já compreenderam a importância de valorizar as marcas do lugar, e, em seus produtos, verifica-se que
através da língua fortalecem suas funções como meios de comunicação,
como organizações e como partícipes do processo integracionista.
É importante ressaltar que, segundo Johnson, Scholes e
Whittington (2007), há, nas práticas de governança em empresas públicas, a restrição de escolhas estratégicas, como a incapacidade de se
especializar em alguns serviços e clientes devido à falta de recursos ou
determinação política. Ainda assim, compreendemos que esta é a razão
pela qual se acredita que as organizações devem dar importância a políticas específicas, como a linguística, contemplando estrategicamente
as peculiaridades do contexto local ao definirem os idiomas regionais
como fatores de relevância nas suas práticas.
CONSIDERAÇÕES
Acreditamos que deve fazer parte da política das instituições
aceitar e reforçar marcas identitárias específicas dos grupos com os
quais estão envolvidas – colaboradores, consumidores, fornecedores
etc. - localmente. Nas práticas colocadas em curso, as organizações demonstram e reconhecem a importância do lugar e as características dos
sujeitos e especificidades do contexto.
Entendemos que no caso do site oficial de uma instituição de ensino (superior), em seu texto institucional de apresentação, fica difícil
dar ênfase a marcas culturais e identitárias que indiquem fortemente
a região, como o chimarrão, o gado e os cavalos, a músicas folclóricas/
tradicionalistas, a planícies de vegetação rasteira e à figura do gaúcho,
do trabalhador rural, o que é possível perceber nesse primeiro material
analisado. Entretanto, na medida em que vira as costas para o país vizinho, no caso o Uruguai, nega a relação que se estabelece geográfica e
historicamente entre os sujeitos do lugar, sejam eles indivíduos ou organizações. Logo, pode-se dizer que, com exceção de algumas referências à metade sul do Rio Grande do Sul, também representada no mapa,
não há menções ao espaço fronteiriço, à identidade cultural fronteiriça
e suas riquezas, dentre elas a presença de mais de uma língua. Assim, a
776
UNIPAMPA coloca-se como uma organização desvinculada dos lugares
nos quais está localizada.
Cremos que a tarefa de identificação com diferentes culturas e públicos, como é o caso de uma instituição de ensino cujas unidades estão distribuídas em cidades diferentes, não é simples nem fácil. No entanto, há marcas que podem relacioná-la de modo mais efetivo com o contexto social,
do qual se presume, pretende fazer parte. Certamente, como universidade,
a UNIPAMPA tem uma forte responsabilidade no que tange à integração e
ao reconhecimento do outro. Portanto, se tomarmos por base o portal da
instituição e os sites dos campi de Livramento e Jaguarão, e considerarmos
que a instituição ainda é “jovem”, os movimentos, ali expostos, de inclusão
da UNIPAMPA no contexto regional, ainda são acanhados e pouco refletem a interação existente no espaço fronteiriço e pampiano. Assim, identificamos oportunidade de aprimoramento na integração entre os processos
organizacionais e as práticas de governança que colaboram para o efetivo
relacionamento com os públicos de interesse.
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779
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O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO NA CONSTRUÇÃO
DA SUSTENTABILIDADE EM UMA AMOSTRA DE
MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS
Valdete Cecato1
RESUMO
Este artigo é uma primeira análise dos resultados de
uma pesquisa de mestrado em desenvolvimento. O estudo
tem como principal objetivo verificar qual a importância
do processo de comunicação para a construção do conceito
de sustentabilidade de uma amostra de micro, pequenas e
médias empresas (MPMEs). As organizações consideradas
pela pesquisa estão localizadas em todas as regiões do país
e têm em comum a oferta de produtos ou serviços com posicionamento associado aos princípios da sustentabilidade. Entender como essas empresas se relacionam com seus
stakeholders e de que forma acreditam que a comunicação
pode ajudá-las na divulgação dos atributos sustentáveis de
seus produtos e serviços são duas das principais questões
abordadas pela pesquisa, que serão tratadas nesse artigo.
Palavras-chave: Comunicação; educação; sustentabilidade; desenvolvimento.
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação na
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
1
INTRODUÇÃO
A pesquisa em andamento tem como uma de suas bases teóricas
o entendimento de que as organizações, independente de seu porte, devem ser entendidas como um “fenômeno de comunicação sem o qual inexistiriam” (Freitas, 1991, p.34). A comunicação está presente em todas
as atividades e relacionamentos das empresas mesmo que não existam
processos formalizados, planejados, estruturados e alinhados à sua estratégia de negócios ou posicionamento. De acordo com Taylor e Cooren
(1997, apud Casali, 2009) as organizações, não apenas se constituem
pela comunicação como também se expressam em comunicação, o que
se torna possível por intermédio de ideias, conceitos e outras formas de
expressão corporal e oral.
Os conceitos de Freitas (1991), bem como o pensamento de Taylor
e Cooren (1997, apud Casali, 2009) são muito oportunos para a pesquisa
que está sendo desenvolvida. O objeto de estudo – empresas de micro,
pequeno e médio portes – não tem grande familiaridade com o investimento em processos estruturados de comunicação, o que é consequência da sua reduzida disponibilidade de recursos, de sua escala de prioridades ou, até mesmo, desconhecimento. No entanto, essa ausência
parcial de formalização nos processos comunicativos, evidenciada na
pesquisa em questão, não significa que as organizações que compõem
a amostra pesquisada estejam isoladas ou desenvolvam suas atividades
sem que haja a preocupação de buscar uma interação com os seus entornos interno e externo, por meio de ações de comunicação.
Os primeiros resultados do estudo revelam que há muita riqueza
nas trocas que essas empresas estabelecem com as suas redes de relacionamento sendo que a maioria dos respondentes disseram que o fazem de forma estratégica. Os participantes da pesquisa acreditam que
a comunicação pode ajudá-los a disseminar os atributos sustentáveis
dos produtos e serviços de suas organizações aumentando, assim, a sua
valorização pelo mercado. Para alguns, a comunicação para a sustentabilidade apresenta um vínculo muito forte com a educação e aprendizagem. Outros, entendem a comunicação para a sustentabilidade como
fator de mobilização de uma cultura organizacional movida por valores
inspirados na cidadania, bem estar das gerações futuras e proteção ao
meio ambiente. A maioria considera a gestão da política econômica pelo
781
governo como uma ameaça ao seu negócio. Fatores como, por exemplo,
as regulações da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) são vistas como geradoras de oportunidades, assim como a maior autonomia
dos públicos emitirem suas opiniões e percepções a respeito de marcas
e produtos e os negócios e parcerias com empresas de grande porte. A
principal ameaça é a concorrência com produtos e serviços importados.
Nesse artigo, complementaremos os pontos de vista sobre comunicação, que embasaram a pesquisa, bem como alguns conceitos sobre
sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. Abordaremos também
os critérios adotados para classificar as MPMEs, alguns números que
mostram a relevância desse setor, além dos princípios metodológicos,
resultados da pesquisa e considerações finais.
O DIÁLOGO COMO FATOR ESSENCIAL DA SUSTENTABILIDADE
Um dos pressupostos da pesquisa em questão é que a construção
de contextos organizacionais movidos pela sustentabilidade depende
da qualidade dos relacionamentos que a organização estabelece com
os seus públicos. Entre os condicionantes para que essa interação seja
construtiva e perene está a transparência que, de acordo com Rawlins
(2006; 2008 apud Bortree, 2011), apresenta quatro dimensões. A primeira delas é a participação, possível por meio da implementação de um
clima de diálogo e trocas com os seus entornos interno e externo; a segunda é a disponibilidade de informações suficientes para que as pessoas possam fazer seu próprio julgamento sobre a organização; a terceira
dimensão é a atitude pró-ativa da empresa em assumir publicamente
a responsabilidade pelos seus atos e decisões, por último, o fomento à
uma comunicação aberta com todos os seus públicos.
Além disso, na promoção da sustentabilidade organizacional, o
processo de comunicação tende a tornar-se educativo porque, além de
informar, precisa mobilizar, conscientizar as pessoas para que mudem
seus hábitos e comportamentos. Dessa forma, a empresa torna-se uma
difusora dessas práticas para toda a sua rede de relacionamentos assim
como recebe inputs dos públicos com os quais se relaciona criando um
clima de permanente aprendizado. Para Sodré (2012), comunicação e
educação andam juntas sendo que, na sustentabilidade, a aprendizagem se sobrepõe à mera distribuição de informações:
782
[...] a sustentabilidade requer uma ampla partilha do conhecimento, que não pode ser entendida como mera vulgarização de informações técnicas, ainda que caracterizada pelo gigantesco volume de dados e pela velocidade das tecnologias
digitais. (SODRÉ, 2012, P. 36).
Martín-Barbero (2014) defende a ideia do compartilhamento de
significados como essência da comunicação, processo que se dá por
meio da troca de informações (Castells, 2013). Mas, ao relacionar comunicação e educação, Martín-Barbero vai além e insere a participação,
como um pressuposto da própria ação de compartilhar, o que nos sugere a ideia de engajamento, essencial para que os projetos empresariais
que visam à sustentabilidade sejam bem sucedidos:
Se comunicar é compartilhar significação, participar é compartilhar a ação. A educação seria, então, o lugar decisivo de
seu entrecruzamento. Mas, para isso, deverá se converter em
espaço de conversação de saberes e narrativas[...]. (MARTÍN-BARBERO, 2014, P. 78).
As organizações que dialogam com seus públicos sobre sustentabilidade são capazes de criar engajamento, contribuindo também para
o bem estar da sociedade como um todo, segundo Sigtnizer & Prexl
(2008, apud Bortree, 2011). Dessa forma, o resultado da interação de
uma empresa com a sua rede de relacionamentos vai muito além da mudança de percepção ou melhoria de imagem em seus produtos, serviços
ou marcas, tanto no nível mercadológico, como institucional, estimulando o envolvimento dos públicos em torno das mensagens que são
transmitidas. Esse movimento insere-se em um processo de permanente mudança de atitudes com vistas a atender às demandas da sociedade
contemporânea, como explica Ferrari (2011):
Ao longo do século XX, as organizações cresceram baseadas
na lógica econômica, fórmula que tem de ser mudada por
força dos novos desafios decorrentes das grandes transformações sociais e tecnológicas e das lições que essa mesma
lógica vem lhes impondo. A mudança dessa fórmula deve
começar pela adoção, por parte das organizações, de uma
nova postura que as leve a assumir o seu papel de atores sociais, o que é cada vez mais importante para a boa condução
783
das questões públicas e para transformar o modo como os
indivíduos deliberam na sociedade. E, diante desse cenário, a
comunicação passa a assumir um papel mais importante do
que em décadas anteriores (FERRARI, 2011, P. 140-141).
A partir desse contexto, que exige das organizações mais atenção às demandas de seus públicos, a tipologia dos modelos de práticas
de relações públicas (Grunig e Hunt, 1984, apud Grunig, 2011) torna-se
uma ferramenta importante para a caracterização dos relacionamentos
que as empresas mantêm com seus stakeholders. Os autores dividem
os dividem em assimétricos e simétricos. Os assimétricos constituem
as práticas nas quais o processo de comunicação é utilizado somente
como ferramenta para a obtenção de imagem favorável ao seu negócio
e divulgação de informações. Já os relacionamentos simétricos pressupõem planejamento, interação e construção de alianças (Grunig, 2011),
o que é essencial em organizações que desejam ser sustentáveis, como é
o caso da amostragem da pesquisa em questão.
A SUSTENTABILIDADE COMO UM CAMINHO SEM VOLTA
Sustentabilidade é uma palavra que inspira múltiplos entendimentos e definições. Nos últimos anos, tem sido utilizada nas mais diferentes situações e, muitas vezes, sem que a profundidade de seu significado fosse corretamente transmitida. As práticas de greenwashing2
contribuíram muito para que isso acontecesse e continuam representando um risco de banalização do seu sentido (Engelman, 2013). Mas,
para Kunsch (2009), resta como única alternativa às organizações a
conscientização sobre o real significado da palavra sustentabilidade.
Elas precisam entender que a sustentabilidade não se constitui apenas
em um conjunto de ações que resultarão em ganhos financeiros ou de
O termo pode ser traduzido como ‘maquiagem verde’, ou seja, propaganda enganosa que confere atributos ‘verdes’ que não existem ou não estão comprovados
nos produtos, serviços ou marcas. Em 2011, o Conselho de Autorregulamentação
Publicitária (Conar) estabeleceu alguns princípios para evitar que a publicidade
enalteça características de sustentabilidade sem comprovação. Disponível em
http://www.akatu.org.br/Temas/Sustentabilidade/Posts/Conar-define-normas-para-combater-greenwashing-na-propaganda-. Acesso em 21/02/2015.
2
784
imagem, mas embute um modelo de gestão e compromissos efetivos
com a sociedade.
No ponto de vista de Pereira, Costa e Murad et al (2009) a sustentabilidade organizacional deve orientar-se na direção da obtenção,
pelas organizações, de sua licença social para operar3. Eles atribuem
ao conceito uma amplitude capaz de abranger todo o elenco de ações
desenvolvidas pelas organizações, com potencial de apoiá-las na conquista do aval da sociedade, conforme sua explicação:
A sustentabilidade organizacional é o resultado do somatório da responsabilidade social, dos investimentos sociais,
da gestão dos impactos sociais e ambientais, dos resultados
mercadológicos, da construção de valor para o acionista e da
transparência na relação com os investidores e normas de
mercado (PEREIRA, COSTA, MURAD et al, 2009, P. 300).
No contexto das empresas, os conceitos mais reconhecidos são o
triple botton line (Elkington, 1998), que define a sustentabilidade como
o resultado sistêmico das dimensões ambiental, social e econômica, e
o Relatório Brundtland que conceitua desenvolvimento sustentável
como aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer
a capacidade das gerações futuras suprir as suas próprias necessidades
(Kruglianskas & Pinsky, 2013). Porém, na avaliação de Amato Neto
(2011), o adjetivo sustentável apenas faz sentido quando integrado à
empresa como um todo:
A empresa sustentável é aquela na qual o foco das atividades
de pesquisa, desenvolvimento e inovação, da política de recursos humanos, do trabalho produtivo, das estratégias de marketing e mesmo do departamento financeiro encontram-se no
horizonte da sustentabilidade (AMATO NETO. 2011, p. 10).
É definida pelo IBGC como “um contrato social não formalizado, onde é
mantido o voto de confiança dos stakeholders com relação às operações da
empresa. É obtida a partir do entendimento de como suas ações afetam os
stakeholders. [...]Nesse contrato, a sociedade legitima a existência da empresa,
reconhecendo suas atividades e obrigações, bem como estabelecendo limites
legais para sua atuação”. Disponível em: http://www.ibgc/userfiles/4.pdf. Acesso em 18/06/2014.
3
785
Veiga (2010) segue uma linha completamente diferente e atribui à
sustentabilidade o sentido de valor o que impossibilita que seja definida
com clareza e objetividade. Cada pessoa tende a ter o seu próprio parecer e confere à sustentabilidade um significado que esteja alinhado ao
seu conhecimento e bagagem cultural:
A sustentabilidade não é, e nunca será, uma noção de natureza precisa, discreta, analítica ou aritmética, como qualquer
positivista gostaria que fosse. Tanto quanto a ideia de democracia – entre muitas outras ideias tão fundamentais para
a evolução da humanidade -, ela sempre será contraditória,
pois nunca poderá ser encontrada em estado puro (VEIGA,
2010, P. 165).
Diante dos múltiplos significados e entendimentos sobre sustentabilidade, tanto no nível teórico-filosófico como no processo de sua
implantação e gestão pelas organizações, buscou-se, para a pesquisa
em questão, uma definição que fosse mais abrangente e inserisse, tanto
mudanças nas operações e inovação das empresas, como também itens
relacionados à ética dos negócios. Com este objetivo, optou-se pelos
conceitos adotados pela Fundação Dom Cabral (FDC) para os estudos
que desenvolve para apurar o estágio da sustentabilidade das empresas
brasileiras (2012; 2014). Na sua pesquisa, a FDC utiliza uma metodologia
desenvolvida pelo Boston Center of Corporate Citizenship, que considera
a sustentabilidade como sinônimo de cidadania corporativa:
A ideia da cidadania corporativa é a de que as empresas
devem possuir uma conduta ética, levando em consideração os interesses das pessoas, sejam elas funcionários, fornecedores, comunidade etc. Em uma perspectiva ampla, a
cidadania corporativa pode ser definida como sinônimo de
sustentabilidade, isto é, a busca por atividades e processos
corporativos com resultados ambientais, econômicos e sociais equilibrados para todas as partes interessadas da organização. (MIRVIS, GOOGINS, 2006 apud LAURIANO, BUENO, SPITZECK, FDC,2014)4
Disponível em http://pt.slideshare.net/FundacaoDomCabral/relatrio-egsb-estado-da-gesto-para-sustentabilidade-nas-empresas-brasileiras-2014. Acesso
em 20/02/2015.
4
786
A pesquisa feita pela FDC é composta por um questionário com
113 questões, que avaliam sete dimensões da gestão empresarial para a
sustentabilidade: a) conceito de sustentabilidade adotado pela empresa; b) intenção estratégica, que visa avaliar como a sustentabilidade é
vista dentro das empresas; c) liderança; d) estrutura; e) gestão das questões que surgem no dia a dia e que são relacionadas à sustentabilidade/cidadania; f) relacionamento com stakeholders; g) transparência. A
forma como essas dimensões são tratadas dentro das organizações vai
determinar em que estágio de sustentabilidade elas se encontram. Na
elaboração do questionário da pesquisa, tratada nesse artigo, buscou-se também informações sobre os níveis de sustentabilidade das empresas brasileiras elaborados pelo Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa (IBGC), que foram estabelecidos com base em na categorização de Willard (2005). O quadro do IBGC é composto por cinco estágios: a) pré-cumprimento legal; b) cumprimento legal; c) além do cumprimento legal; d) estratégia integrada; e) propósito e paixão.5 O estágio
de pré-cumprimento legal é o mais rudimentar de todos e o de propósito
e paixão, o mais avançado.
A partir dessas visões sobre comunicação e sustentabilidade, que
formaram a base conceitual da pesquisa, no item seguinte abordaremos
as principais informações sobre o contexto das MPMEs no Brasil.
PARÂMETROS DAS MPMES E JUSTIFICATIVAS DO ESTUDO
As empresas podem ser classificadas como MPMEs por meio de
dois critérios. O primeiro deles leva em conta a receita operacional bruta anual, que deve situar-se entre R$ 360 mil (microempresa) e R$ 90
milhões anuais (média empresa) ao ano. Esse modelo serve, principalmente, para determinar as políticas de concessão de crédito pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e sistema
financeiro em geral. Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) determina o porte das empresas por meio do número de empregados formais. Esse critério é, também, o mais usado pelos pesquisadores brasileiros, da União Europeia e Estados Unidos, segundo análise
do Programa de Capacitação da Empresa em Desenvolvimento (Proced)
5
Disponível em http://www.ibgc.org.br/userfiles/4.pdf. Acesso em 20/02/2015.
787
da Fundação Instituto de Administração (FIA). Por esse parâmetro, são
MPMEs organizações que possuem entre um e 499 empregados (indústria) ou até 99 empregos formais (comércio e serviços)6. Esse foi o preceito utilizado na pesquisa que é o tema desse artigo.
A escolha do segmento das MPMEs, para ser o objeto do estudo
em questão, deve-se a sua enorme relevância para a economia, geração
de emprego, renda, inovação e potencial de difusão e sedimentação de
práticas sustentáveis pela sociedade. Vários estudos reforçam essa linha
de pensamento. O Proced estima que o conjunto das MPMEs corresponda a 99,7% do total de estabelecimentos com mais de um empregado e
a 64,9% dos empregos formais7. Já o IBGE, em parceria com o Instituto
Empreender Endeavor, divulgou em 2014 a pesquisa Estatísticas do
Empreendedorismo, cujos resultados baseiam-se nos indicadores do
triênio 2010-2012. Para o estudo, as duas instituições elegeram como
tema central as empresas de alto crescimento e gazelas8. Os empreendimentos com esse perfil são considerados por vários autores citados
pela publicação essenciais para a dinâmica do crescimento de países
em desenvolvimento, bem como para a geração de empregos9. A análise
Análise feita pela Fundação Instituto de Administração (FIA), disponível em
http://www2.fia.com.br/PortalFIA/Default.aspx?idPagina=27012. Acesso em
06/02/2014.
6
O cálculo utiliza como base o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas
(CNPJ). Íntegra disponível em http://www2.fia.com.br/PortalFIA/Default.
aspx?idPagina=27012. Acesso em 06/02/2014.
7
Empresas de alto crescimento são aquelas que, por três anos ininterruptos, registram aumento médio do pessoal ocupado assalariado de 20% ao ano e que, ao final
da observação, possuem 10 ou mais trabalhadores assalariados. Empresas gazela são
um subconjunto das empresas de alto crescimento, com até três anos de idade, no ano
inicial da observação. Essas definições, utilizadas pelo IBGE, estão de acordo com a
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE.
8
O estudo Estatísticas de Empreendedorismo 2012 utiliza como base as informações do Cadastro Central de Empresas – Cempre – e pesquisas estruturais do
IBGE dos anos de referência de 2009 a 2012. A Íntegra está disponível em http://
www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/empreendedorismo/2012/.
Acesso em 13/01/2015.
9
788
mostrou que, ao final de 2012 (considerando o triênio 2010-2012), havia
35.206 empresas que se enquadravam na definição de alto crescimento e
gazelas. Desse total, mais da metade possuía até 49 pessoas ocupadas o
que as caracterizava como pequenas.
No entanto, os atributos de competitividade e inovação, que caracterizam as empresas de alto crescimento e gazelas, destacadas pelo estudo
do IBGE e do Instituto Empreender Endeavor, estão muito distantes da realidade do conjunto das micro e pequenas empresas (MPEs)10. Segundo o
Global Enterpreneurship Monitor (GEM, 2013)11 mais da metade das MPEs,
um percentual de 74%, não têm qualquer formalização e o seu índice de
mortalidade, mesmo apresentando tendência de queda, ainda é elevado.
Alguns indicadores sinalizam mudanças qualitativas relevantes
e que já estão transformando o setor de pequenos negócios. A primeira
delas refere-se aos motivos que induzem um número cada vez maior de
brasileiros a empreender. A maioria dos empreendedores pesquisados
pelo GEM (71,3%, em 2013), cujos negócios encontravam-se em estágio
inicial,12 disseram ter optado por constituir sua própria empresa, porque
vislumbraram oportunidades de crescimento, mesmo tendo a possibilidade de emprego e carreira em outras organizações. Esse movimento é o
oposto daquele que prevalecia até o ano 2000, época em que as pessoas
decidiam empreender por necessidade e para sobreviver. O empreendedorismo por oportunidade é uma decisão tomada principalmente por
pessoas com nível superior completo ou incompleto, seguido de indivíduos com segundo grau completo de escolaridade, o que sinaliza que se trata de uma opção de vida. (Global Entrepreneurship Monitor - GEM, 2013).
Essas informações atestam a relevância do segmento das MPMEs e
justificam a realização de estudos que as ajudem a tornar o processo de comunicação um fator fundamental para a construção de sua sustentabilidade.
São micro e pequenas empresas organizações que possuem até 99 empregados (indústria) ou até 49 empregados (comércio e serviços).
10
Disponível em http://www.ibqp.org.br/upload/tiny_mce/GEM_2013_-_Livro_Empreendedorismo_no_Brasil.pdf. Acesso em 12/02/2015.
11
Negócios classificados como em estágio inicial têm entre três meses e 42 meses de idade, segundo o GEM (2013).
12
789
METODOLOGIA DA PESQUISA
A pesquisa em desenvolvimento tem caráter exploratório, com a
busca de dados quantitativos e qualitativos por meio da aplicação de
um questionário e entrevistas em profundidade. O caráter exploratório deve-se à pouca disponibilidade de conhecimento acumulado sobre o tema proposto. Segundo Sampieri, Collado e Lucio (2006, apud
Caridade, 2012, p. 81), realizam-se estudos exploratórios quando o objetivo é “examinar um tema ou problema de pesquisa pouco estudado, do
qual se tem dúvidas ou não foi abordado antes”.
Os dois instrumentos da pesquisa – questionário e entrevista em
profundidade - são complementares. O questionário enviado à amostra
contava com 21 questões estruturadas fechadas e uma aberta. No total,
foram avaliados 97 pontos referentes à organização, perfil do empreendedor, comunicação e sustentabilidade. O questionário foi dividido em
três partes sendo que a primeira delas visava à busca de dados gerais sobre o negócio e o empresário. Na sequência, foram abordadas as visões
de sustentabilidade e comunicação para, finalmente, obter dos entrevistados a resposta para a questão essencial da pesquisa: eles consideram o
processo de comunicação importante para a construção do conceito de
sustentabilidade de seus empreendimentos?
A segunda etapa da pesquisa prevê a realização de entrevistas
em profundidade com o objetivo aprofundar tópicos que foram levantados no questionário, bem como explorar aspectos aparentemente contraditórios ou polêmicos identificados nas respostas. Serão abordados
empresários que representem todas as regiões do país respeitando a
proporcionalidade das respostas obtidas por meio do questionário online. Ou seja, enquanto a primeira fase da pesquisa viabilizou a coleta
de um número elevado de informações em todo país, que podem ser trabalhadas estatisticamente, a entrevista em profundidade ajudará a qualificar as respostas enriquecendo os resultados da pesquisa (BARROS,
NOVELLI, 2012).
A amostra de empresários é não probabilística e foi selecionada
de acordo com critérios de intencionalidade e conveniência (Novelli,
2012). A opção por esse caminho deve-se, principalmente, ao cenário
que caracteriza as MPMEs no Brasil. O segmento é formado por cerca
790
de 3,6 milhões de organizações, conforme dados do Proced/FIA (2012),
obtidos por meio de dados da Relação Anual de Informações (RAIS) do
Ministério do Trabalho e Emprego. Essas empresas apresentam enormes disparidades em relação a sua cultura, objetivos de negócio, motivações e formalização. Para viabilizar a pesquisa e encontrar respostas
a dois temas ainda muito pouco explorados pela grande parte desse
segmento – comunicação e sustentabilidade – foram definidos alguns
critérios visando à constituição de uma amostra que possibilitasse a
realização do estudo.
O primeiro desses parâmetros foi identificar MPMEs que associassem os seus produtos ou serviços com a sustentabilidade. A partir de algumas bases de dados13 foram selecionadas as organizações que atendiam à
especificação inicial a respeito do porte – ser uma MPME – e ao desenvolvimento de produtos ou serviços relacionados à sustentabilidade. O segundo passo foi a checagem dos atributos sustentáveis dessas empresas,
por meio de informações disponíveis no site das próprias organizações,
entidades ou associações, além de publicações na mídia. Assim, foi possível chegar a uma amostra de 103 destinatários em 79 MPMEs, que constituíram o grupo de receptores do questionário. O índice de retorno dos
questionários foi de 53,2% sendo que, dois participantes não entraram nos
cálculos finais por estarem em desacordo com os critérios da pesquisa.
As bases de dados utilizadas para identificar MPMEs para a pesquisa foram: Finep - Prêmio Nacional de Inovação – Categoria Micro e Pequenas Empresas – Edições 2006-2013 –Disponível em http://www.premiodeinovacao.
com.br/. Acesso em 10/09/2014; Centro Sebrae de Sustentabilidade. Disponível em http://sustentabilidade.sebrae.com.br/Sustentabilidade/. Acesso em
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Empreender Endeavor. Disponível em https://endeavor.org.br/empreendedores-endeavor/. Acesso em 10/10/2014; Prêmio Isto É Empresas Mais Conscientes. Categorias Pequena e Média Empresa. Disponível http://www.istoe.com.
br/reportagens/389075_ISTOE+PREMIA+AS+EMPRESAS+MAIS+CONSCIENT
ES+DO+BRASIL. Acesso em 23/10.2014.
13
791
A segunda etapa do estudo – entrevistas em profundidade – prevê a
abordagem de empreendedores de todas as regiões do Brasil considerando a proporcionalidade da sua participação na pesquisa.
RESULTADOS PRELIMINARES
Sobre as características gerais das empresas que responderam o
questionário, a maioria pertence à indústria (55%), seguidas de serviços (30%), comércio (10%) e agronegócio (5%) sendo que mais da metade dos respondentes (55,26%) são o seu presidente e/ou fundador enquanto os sócios ou executivos correspondem a 21,05% e os diretores
a 7,81%. Esses números mostram que um dos objetivos da pesquisa, a
obtenção de respostas do alto comando das organizações, foi alcançada.
Contribuíram para esse resultado o porte das empresas pesquisadas, o
interesse pelo tema apresentado e também o fato de serem procurados
para a realização de uma pesquisa acadêmica dedicada a estudar o seu
negócio. A grande maioria – 52,63% - possui pós-graduação e outros
26,32% curso superior completo.
Em relação ao entendimento de sustentabilidade, pelos empresários, o questionário apresentou cinco opções aos receptores da pesquisa. A grande maioria (68,42%) optou pela alternativa que a relaciona com
uma cultura transformadora e colaborativa, cuja finalidade é mobilizar
a empresa para o desenvolvimento de produtos e serviços sustentáveis,
contribuindo para a proteção do meio ambiente, melhoria contínua da
qualidade de vida das pessoas e garantia dos direitos das gerações futuras.
Outro grupo de empreendedores (21,05%) escolheu a opção que alinha a
sustentabilidade a uma estratégia de negócios que considera os pilares
social, econômico e ambiental. Apenas dois empresários escolheram a
questão que exprime uma visão de sustentabilidade alinhada ao posicionamento de marketing da empresa, seus produtos ou serviços.
Ao serem questionados sobre como relacionam o seu entendimento de sustentabilidade com outros aspectos, a grande maioria cita como
muito relevante a comunicação transparente, diálogo com os stakeholders, inovação e desenvolvimento de produtos e serviços sustentáveis,
ética nos negócios e proteção ao meio ambiente. A geração de lucros aos
acionistas, a realização de convênios ou parcerias com universidades ou
outros centros de pesquisa além da disseminação de informações sobre
792
sustentabilidade para a comunidade, clientes ou fornecedores são itens
que, para os entrevistados, têm média relevância. Aparentemente, essa
menor importância atribuída à comunicação para a sustentabilidade
para clientes, fornecedores e comunidade indica uma contradição com
a resposta dada pela maioria dos empreendedores, ao serem perguntados sobre o conceito de sustentabilidade adotado em suas organizações.
Esse é um dos aspectos a ser checado nas entrevistas em profundidade.
Uma outra questão refere-se à visão de comunicação das empresas. A grande maioria (83,33%) respondeu que é estratégica e alinhada aos objetivos do empreendimento. Apenas uma pequena parte
(16,67%) admite que, em sua organização, a comunicação é esporádica
e ocorre sem um planejamento prévio. E esse é mais um aspecto que
merece ser avaliado nas entrevistas em profundidade. A maioria das
empresas que participaram da pesquisa são pequenas (média de 57
empregos) e esse é um grupo que não costuma manter uma estrutura formal de comunicação devido à própria escassez de recursos financeiros. Uma das suposições, a ser conferida, é se a alta direção,
fundadores e sócios enxergam a comunicação como uma atribuição
já integrada ao seu papel de líder e não como o resultado do trabalho
de uma equipe dedicada ao processo. Contribui para essa suposição a
opinião da maioria em relação à comunicação ser um fator essencial
para tornar a sua empresa sustentável. Nesse caso, o item considerado mais relevante foi a informação a clientes e consumidores sobre os
atributos sustentáveis de seus produtos e serviços, seguido do engajamento de funcionários e outros colaboradores, fidelização de clientes
e consumidores, atração de profissionais alinhados à cultura da empresa, identificação de parcerias adequadas aos seus objetivos estratégicos, apoio ao fortalecimento da cultura da empresa e conscientização de clientes sobre a destinação adequada de resíduos, atendendo
à legislação. Outros aspectos vinculados diretamente ao processo de
comunicação têm menos relevância. É o caso, por exemplo, da busca
de espaços qualificados na mídia por meio de sugestões de pauta para
a divulgação de seus produtos e serviços e, até mesmo, da definição de
uma política de comunicação e relacionamento e de mensagens-chave
que auxiliem a sua empresa a ser percebida corretamente pela sociedade, além da prevenção e gestão de crises de imagem e relacionamento com os seus públicos.
793
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As informações captadas pela pesquisa em andamento indicam
que há desafios importantes para um melhor entendimento sobre as
expectativas que empresários de MPMEs têm do processo de comunicação para a sustentabilidade de seu negócio. Essas indicações sinalizam
para uma comunicação mais vinculada à educação, ao engajamento
dos públicos e ao fortalecimento de uma cultura voltada aos princípios
da sustentabilidade. A relevância é menor para ações de divulgação
convencional de produtos e serviços. Há uma forte preocupação das
MPMEs pesquisadas em encontrar formas de comunicar os diferenciais
sustentáveis dos produtos e serviços que desenvolvem, de forma a induzir o consumidor a valorizá-los. Para a maioria dos respondentes, que
apontaram para essa necessidade, esse é um processo educativo.
Todos esses aspectos representam desafios à comunicação. As
informações capturadas até o momento pela pesquisa indicam que a
prática do dia a dia, nas organizações com o perfil pesquisado, exige
dos comunicadores uma boa dose de reinvenção e de mais inserção nos
processos das MPMEs como um todo. Para a academia, as MPMEs são
um campo fértil às pesquisas que relacionam a comunicação com a educação e a cultura com vistas ao seu desenvolvimento sustentável.
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796
|8|
A INFLUÊNCIA DE FATORES CULTURAIS NO PROCESSO
DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE MULTINACIONAIS
BRASILEIRAS: ESTUDO DE CASO VOTORANTIM.
Leila Gasparindo1 e Denise Pragana2
RESUMO
Este artigo traz uma reflexão inicial sobre os desafios
da cultura na internacionalização de empresas brasileiras
e como os elementos da cultura impactaram no processo
de internacionalização da Votorantim Cimentos. Trata de
apontar as dimensões de cultura organizacional, segundo
Hofstede (1992). A metodologia usada faz uma correlação
entre a primeira e a segunda fases de internacionalização da
Votorantim Cimentos ao comparar as dimensões Distância
de Poder e Aversão à Incerteza. Finalmente, para alargar as
Mestranda do Programa Ciência da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM/ECA/USP). Especialista
em Gestão de Comunicação Organizacional e Relações Públicas pela ECA/USP
e graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela PUC-SP. Sócia-fundadora
da Trama Comunicação e co-autora das obras Marketing para Incubadoras: o
que de bom está acontecendo, Anprotec: Sebrae, 2006 e Faces do Empreendorismo Inovador, Coleção Inova, Vol. III, do Sistema FIEP – Federação da Indústria do Paraná, 2008. E-mail: leilag@usp.br
1
Mestranda do Programa Ciência da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM/ECA/USP). Pós-graduada
em Administração de Marketing pela Fundação Armando Álvares Penteado
(FAAP - SP) e graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO – UFRJ). Experiência de mais de 25 anos como executiva na área de Comunicação, tendo
atuado na gestão de Comunicação Organizacional de empresas multinacionais
brasileiras. Email: denisepragana@usp.br
2
fronteiras existentes, aponta para o fato de como a cultura
impactou os negócios e quais foram as lições aprendidas
pela empresa.
Palavras-chave: Internacionalização; cultura organizacional; multinacionais brasileiras; comunicação.
1 . INTRODUÇÃO
Motivado pela relevância do tema internacionalização e pelo movimento das multinacionais de países emergentes das duas últimas décadas, este estudo objetiva identificar o impacto dos aspectos culturais e
comunicacionais, as razões e as lições aprendidas pelas empresas brasileiras que optaram pela internacionalização como estratégia de ampliação de seus negócios. O artigo aborda o estudo de caso da Votorantim
Cimentos, uma das primeiras empresas nacionais a enfrentar os desafios e os impactos da cultura e da comunicação no processo de internacionalização e propõe uma reflexão sobre o aprendizado gerado. Analisa
os impactos das diferenças culturais, baseando-se nos pressupostos teóricos das dimensões de cultura (HOFSTEDE, 1991) para analisar a influência da cultura nacional na cultura organizacional.
A pergunta central é de que forma e quais diferenças culturais entre o país de origem e o país hospedeiro ocupam papel preponderante na
estratégia corporativa de internacionalização das empresas. E no caso
da Votorantim Cimentos, como as dimensões culturais impactaram o
início da internacionalização, como tem sido a adaptação e as mudanças em seu modelo de gestão para se tornar empresa global.
Assim, o estudo caso de caso da Votorantim Cimentos é utilizado
para ilustrar os principais desafios culturais da primeira fase de internacionalização e as adaptações implantadas na segunda fase em relação à cultura dos países hospedeiros. O texto encerra-se com as considerações finais, apontando correlações entre a cultura Votorantim
Cimentos e a teoria de Hofstede (1991) e indicando as dimensões que
mais impactaram o processo.
798
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 ONDAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO
O mundo viveu três ondas de internacionalização. A primeira
intensificou-se entre os anos 1950 e 1960 com a hegemonia americana
e o poder oligopolístico. A segunda onda deu-se entre os anos 70 e 80,
com a entrada das empresas japonesas e asiáticas e os países de terceiro mundo, com a ascensão do modelo produtivo japonês. E a terceira
teve início na década de 1990, com mudanças que colocaram em cheque a eficácia dos modelos de gestão dos países desenvolvidos e abriram espaço para novas multinacionais emergentes (FLEURY e FLEURY,
2012). Nesse contexto, as empresas brasileiras passaram a competir com
subsidiárias de empresas estrangeiras primeiramente em seus próprios
países de origem e depois foram impulsionadas a se tornarem multinacionais em busca de novos mercados que lhe garantissem maior competitividade, inclusive perante seus competidores locais e globais.
2.2 REVISITANDO A CONCEPÇÃO DE CULTURA ORGANIZACIONAL
É durante a segunda onda de internacionalização, a partir da década de 60, que o conceito de cultura é introduzido na ciência da gestão
(FLEURY et al, 2009) e ganha força a partir das experiências de multinacionais que tentam reproduzir suas práticas de gestão em outros países,
além do seu país de origem. Na definição de Hofstede (1991), reconhecido autor de estudos na área de cultura organizacional, cultura é uma
programação mental, que diferencia um grupo de outros e é partilhada
coletivamente. “É resultado de processos de aprendizagem adquiridos
desde a infância e em diversos ambientes sociais que encontramos no
decurso da vida” (HOFSTEDE, 1991, p. 18). Para o autor, esses diferentes
níveis de programação correspondem a diferentes dimensões de cultura, advindas de diferentes origens: da nacionalidade, da regionalidade
e/ou do nível étnico e/ou religioso e/ou linguístico; da geração à qual
pertence, da origem social, da profissão, da organização ou empresa,
entre outras.
799
Hofstede (1991) mostra que as diferenças culturais são manifestadas por quatro camadas: símbolos, heróis, rituais e, no centro, estão os
valores. Para Hofstede, os valores são aprendidos por volta dos 10 anos
de idade e mudam pouco durante a vida. Segundo Fleury (2009), para o
autor, nas organizações, pessoas com diferentes valores podem aprender
práticas similares. Para Hofstede a cultura organizacional está enraizada
em práticas aprendidas e compartilhadas no ambiente de trabalho.
Segundo Fleury (2009), outro importante autor contemporâneo,
Edgar Schein traz uma visão que difere da de Hofstede, pois considera cultura um modelo dinâmico que é aprendido, transmitido e modificado. “Considera que as empresas desenvolvem culturas próprias tão
fortes que superam os contextos locais em que estão inseridas” (Fleury,
2009, p. 67). Schein (1992) preconiza a cultura organizacional dividida
em três camadas: a) premissas básicas, composta por valores fundamentais, pensamentos e sentimentos; b) normas e valores, compostos pelas
aspirações e a visão de certo e errado de um grupo: c) artefatos e produtos, que são os comportamentos visíveis construídos por histórias, mitos, heróis, lendas, símbolos, ritos e rituais. É nessa terceira camada que
estão os elementos mais perceptíveis da cultura organizacional. Fleury
(2009) ressalta que, para o autor, os estudos sobre cultura não devem se
limitar à observação do que é visível, mas incluir a interação entre os
membros da organização.
Na perspectiva analítica intercultural, o conceito de cultura não
está associado exclusivamente a referências étnicas, nacionais ou linguísticas. Estudos recentes (Mato, 2012, p. 46) mostram “categoriais
institucionais, culturas corporativas, culturas profissionais, de classe,
culturas territoriais, culturas de gênero, culturas geracionais e culturas
políticas”, que se inter-relacionam, como preconiza:
A comunicação intercultural entre atores sociais coletivos e/
ou institucionais envolve o intercâmbio entre atores sociais
heterogêneos que produzem, competem e negociam formulações de significado não só entre si, mas também em seu interior, ou seja, dentro de si. (MATO, 2012, p. 46)
Segundo Tanure, a mudança cultural na organização acontece do
ponto de vista do negócio ou da gestão. “A cultura brasileira, com suas
características e especificidades, impacta o modelo de gestão das em800
presas” (TANURE, 2010, p. 15) e, consequentemente, traz desafios para
as multinacionais brasileiras.
Em busca de competitividade, muitas empresas, influenciadas
pela cultura de seu país de origem, instauraram seu modo de gestão em
outros países. Entretanto, os modelos de gestão são impactados pela cultura organizacional, que é construída ao longo do tempo. Fleury (2009)
conclui que o estilo de gestão é influenciado por fatores culturais locais,
ligados ao país de origem, e também por padrões culturais próprios da
organização, “tecidos no interior da organização por seus membros, que
partilharam, ao longo da sua história, valores e visões comuns de como
conduzir os negócios da empresa” (FLEURY, 2009, p. 68).
2.3. AS DIMENSÕES DE HOFSTEDE
Para analisar a influência da cultura nacional em relação à cultura
organizacional, Hofstede realizou uma investigação empírica da presença da IBM em mais de 60 países (1980, 1991, 2001), com base em análise
estatística realizada com trabalhadores ocupando postos de trabalhos
idênticos nos diferentes países. Segundo o estudo, as culturas nacionais
diferem em seis dimensões: a) Distância de poder, que é o modo de enfrentar a desigualdade e a relação com a autoridade e poder, ou seja, a
distância hierárquica; b) o Individualismo/coletivismo, ou seja, a relação
do indivíduo e o grupo; c) a Masculinidade/Feminilidade, ou seja, diferenças entre os papéis sociais masculino/feminino; d) Aversão a incerteza,
ou seja, o grau de tolerância ao desconhecido na forma de gerir a incerteza; e) o Pragmatismo, ou seja, a orientação de curto versus longo prazo; e
por fim, uma última dimensão foi acrescentada, a Indulgência/Restrição,
que analisa, na sociedade, o grau de permissão ou restrição na satisfação
de necessidades, como aproveitar a vida e se divertir, regulada por regras
e normas rígidas em sociedades restritivas e de forma mais permissiva,
como uma gratificação, em sociedades mais indulgentes.
Três décadas depois, Tanure (2010) usou como base a pesquisa
de Hofstede e realizou uma comparação da gestão brasileira com Am.
Latina, Estados Unidos, Europa e Ásia. No novo estudo, o índice de distância de poder ficou inalterado, migrando de 69 pontos para 75, demonstrando que “a hierarquia e a concentração de poder continuam
como fortes dimensões na sociedade brasileira” (TANURE, 2010, p. 42).
801
Essa característica da gestão brasileira confronta com alguns
valores centrais de outras culturas, principalmente das culturas anglo-saxônicas, entre elas a canadense e norte-americana, que aprovam o
encorajamento da autonomia do indivíduo com a consequente descentralização de processos decisórios. Como outros países da América
Latina, o Brasil apresenta alto índice de distância hierárquica e, consequentemente, maior aceitação da distribuição desigual de poder e da
desigualdade social (TANURE, 2010, p. 33). A relação do indivíduo com
o grupo é baseada em afeição, demonstração de emoções e sentimentos,
mas, em função da grande importância dada às relações pessoais, o brasileiro apresenta dificuldade para administrar conflitos abertamente e
prefere não se indispor com os superiores e iguais.
3. METODOLOGIA
Para responder a pergunta central desse artigo, que é de que forma
e quais diferenças culturais entre o país de origem e o país hospedeiro
ocupam papel preponderante na estratégia corporativa de internacionalização das empresas, o caso da Votorantim Cimentos será analisado
com base nas dimensões culturais de Hosftede que impactaram o início
da internacionalização e como essa adaptação tem ocorrido até os dias
atuais. Foram entrevistados, por meio de pesquisa semi-estruturada,
dois ex-executivos da empresa da área de Recursos Humanos que participaram da primeira fase de internacionalização (entrada nos mercados canadense e norte-americano) e preparação para a segunda; e um
terceiro executivo, que ocupa papel chave na área de Operações desde a
primeira fase até o atual momento. Além das entrevistas, utilizamos dados secundários, colhidos de reportagens publicadas pela imprensa e do
Relatório Integrado Votorantim Industrial de 2013, disponível na internet. Nosso estudo baseou-se no quadro 1, gerado no site Hofstede Centre3
que permite construir um comparativo dos traços culturais mais marcantes entre os países estudados com base nas seis Dimensões Culturais
de Hofstede, ou seja, entre o Brasil e os países nos quais a Votorantim
O website http://geert-hofstede.com usa informação com direitos autorais do
livro Professor Greert Hofstede e disponibiliza uma ferramenta de comparação
entre países com base na teoria do autor: Cultural Tools Country Comparison.
3
802
Cimentos possui subsidiárias. Foram elaboradas perguntas referentes
a cada uma das dimensões sobre a entrada da empresa no Canadá e
Estados Unidos, na primeira fase de internacionalização. Sobre a segunda fase foram feitas perguntas específicas para a dimensão Distância do
Poder, por representar o maior grau de diversidade de comportamento nos países pesquisados (Canadá/Estados Unidos, Espanha, Índia,
Marrocos, China e Turquia), relativamente ao Brasil. Também pesquisou-se à luz das demais dimensões de cultura de Hofstede.
QUADRO 1 - COMPARATIVO ENTRE PAÍSES COM BASE
NAS SEIS DIMENSÕES CULTURAIS HOSFTEDE
INDIVIDUALISMO
DISTÂNCIA DE PODER
BRASIL
38
- Forte integração em grupos
coesos
- Família
extensiva
Relações de
negócios
de longa-duração e
confiáveis
CHINA
MARROCOS
ÍNDIA
ESPANHA
39
Independência
entre seus habitantes
- Valor colocado
no igualitarismo
CANADÁ
80
- Desigualdade
entre as pessoas
é aceitável
- Poder do
superior, sem
defesa contra o
abuso de poder
- Sem aspiração
de ir além da
classificação
70
- Sociedade
hierárquica
- Aceitação
da ordem
hierárquica, sem
justificativa
- Nenhuma
expectativa de
auto iniciativa
77
- Hierarquia
e estrutura
top-down na
sociedade e nas
organizações
- Dependência
do chefe
- Aceitação
de direitos
desiguais
- Líderes paternalistas
- Centralização
do poder real
57
- Sociedade
hierárquica
- Aceitação
da ordem hierárquica, sem
justificativa
- Nenhuma
expectativa
de auto
iniciativa
80
- Cultura individualista
- Os funcionários
devem ser
auto-suficientes e
mostrar iniciativa
- Promoção com
base no mérito
20
- Cultura
altamente
coletivista
- Pertencem a
grupos
- Baixo comprometimento com
a organização
- Relações
pessoais
46
- Sociedade
coletivista
- Relacionamentos fortes
- Responsabilidade por
colegas
- Relação
empregado /
empregador
como um elo
familiar
- Promoção
com base no
empregado em
grupo
48
- Ambos os traços coletivistas
e individualistas
- Ações influenciadas pela
opinião de seus
pares
- Lealdade do
colaborador /
proteção patronal e familiar
- Hinduísmo:
as pessoas
individualmente responsáveis
pela vida e pelo
renascimento
51
- Coletivista
vs. outros
países europeus, mas
individualista
vs. outros
países
- Trabalho
em equipe
visto como
natural, sem
necessidade
de motivação
da Administração
803
52
- Sociedade
moderadamente
masculina
- Equilíbrio entre
vida profissional
e pessoal
- Elevados
padrões de
desempenho
76
- Forte
necessidade
de estrutura de
vida para ser
segura (por regras e sistema
legal)
- Pessoas passionais e demonstrativas
de afetividade
(linguagem
corporal)
48
- Aceitação da
Incerteza
- Fácil aceitação
de novas idéias,
produtos inovadores e práticas
de negócios
- Tolerância à
liberdade de
expressão
- Não há regras
orientadas-
30
- Confortável
com a ambiguidade
- Chineses são
adaptáveis e
empreendedores
- Pequenas
e médias
empresas e de
propriedade
familiar
67
- Preferência para
evitar a insegurança
- Rígidos códigos
de crença e comportamento
- Intolerantes ao
comportamento
pouco ortodoxo
- A segurança
é um elemento
importante na motivação individual
40
- Baixa preferência
- Aceitação da
imperfeição
- País paciente
- Alta tolerância
para o inesperado
- Nada impossível se você sabe
como ajustar
86
- O segundo
país mais
barulhento
do mundo
- Regras /
evitando
regras
- Grande
preocupação para a
mudança,
situações
ambíguas e
indefinidas
44
Intermediário
36
- Sociedade
Normativa
Estabelecimento
da verdade
absoluta
- Um grande
respeito por
tradições
- Foco na
obtenção de
resultados
rápidos
87
- Cultura muito
pragmática
- Verdade
depende da situação, contexto e
tempo
- Adaptar tradições às novas
condições
- Perseverança
14
- Cultura muito
normativa
- Estabelecer a
verdade absoluta
- Grande respeito
pela tradição
- Foco na obtenção
rápida
51
- Aceitação de
muitas verdades e religiões
48
País normativo
- Resultados
rápidos em
atraso
- Precisa de
estrutura
clara e
regras bem
definidas
58
- Sociedade
indulgente
- Positivas
atitudes e
tendência ao
otimismo
- Importância
de tempo para
o lazer
68
- Indulgente
- atitude positiva
e tendência para
o otimismo
- Importância
do tempo de
lazer
24
- -Sociedade
contida/restrição
- Tendência de
cinismo e de
pessimismo
- Percepção de
que as ações
são seguras por
normas sociais
25
- Sociedade contida/restrição
- Tendência de
cinismo e de
pessimismo
- Percepção de que
as ações são seguras por normas
sociais
26
- Sociedade
contida/restrição
- Tendência de
cinismo e de
pessimismo
- Percepção de
que as ações
são seguras por
normas sociais
44
- Cultura de
restrição
- Tendência
de cinismo
e de pessimismo
- Percepção
de que as
ações são
seguras por
normas
sociais
INDULGÊNCIA
PRAGMATISMO
AVERSÃO A INCERTEZA
MASCULINIDADE
49
- Intermediária
804
66
- Sociedade
masculina
- Sacrifício da
Família e lazer,
Prioridade para
o trabalho
53
- Inconclusivo
56
- Muito masculina em termos
de mostrar
visualmente
o sucesso e
poder
42
- Consenso:
Gestores
gostam de
ter a opinião
de outros colaboradores
para tomar
decisões
4. ESTUDO DE CASO – VOTORANTIM CIMENTOS
4.1 – PERFIL DA EMPRESA4
A Votorantim Cimentos pertence ao Grupo Votorantim, que se
estabeleceu no Brasil em 1918, e é um dos maiores grupos empresariais
nos setores de cimento, celulose, papel, alumínio, zinco, níquel, suco
de laranja, atividades financeiras, biotecnológicas e de TI, com receita líquida de R$ 26,3 bilhões. Criada em 1936, a empresa é responsável
por 46% da receita líquida do Grupo. Em 2013 posicionou-se como a 8.a
maior produtora global de cimento, presente em 14 países e capacidade de produção de 53,9 milhões de toneladas. Seus valores são: saúde
e segurança no trabalho; pessoas motivadas e comprometidas, desenvolvimento sustentável dos negócios, qualidade de vida; melhoria e sinergia nos processos, racionalidade e otimização inteligente dos custos;
desempenho das instalações e dos equipamentos; ambiente aberto a
novas ideias.
No Brasil, a Votorantim Cimentos opera 61 unidades de fabricação entre cimento, agregados, argamassa e cal, e 119 centrais de concreto, presente em praticamente todos os estados do país. Possui também participação nas empresas Mizu e Itambé. Na América do Norte,
é representada pela subsidiária Votorantim Cimentos North America
(VCNA), com operações nos EUA e Canadá, com 7 unidades de produção de cimento, 141 centrais de concreto e 37 unidades de agregados.
Na América do Sul atua por meio de participações na Argentina, Bolívia,
Chile, Peru e Uruguai. Na Europa, Ásia e África opera na China, Espanha,
Índia, Marrocos, Tunísia e Turquia, por meio da subsidiária VCEAA,
contabilizando 30 unidades de produção e 52 centrais de concreto.
As atividades internacionais começaram em 2001 com a aquisição
do controle da empresa St. Marys Cement Inc., na região dos Grandes
Lagos (Canadá), seguida da aquisição de 50% do capital da Suwanee
American Cement, na Flórida (EUA). Nos dois anos seguintes adquiriu
nos EUA plantas em Jacksonville, Michigan, Illinois. Em 2012 incorporou
Dados do Relatório Integrado Votorantim Cimentos, disponível em http://
votorantim.mzweb.com.br.
4
805
as operações, na área de cimentos, da Cimpor (Cimentos Portugal), na
Espanha, Marrocos, Turquia, Tunísia, Índia e China, adicionando 16,5
milhões de toneladas à sua capacidade produtiva mundial, passando a
50,5 milhões de ton/ano. ano.
GRÁFICO 1 – LINHA DE TEMPO DA VOTORANTIM CIMENTOS
4.2 - COMO A EMPRESA SE ENCAIXA NA TEORIA DA INTERNACIONALIZAÇÃO
A trajetória da Votorantim na indústria do cimento pode ser dividida em diferentes fases como mostra o Gráfico 1. Em 1991 formou-se a
holding Votorantim Cimentos, concentrando as atividades do grupo; a
partir de 2001 iniciou a internacionalização, na busca pela elevação do
market share nas regiões dos Grandes Lagos e na Flórida.
A empresa optou por um modo de entrada acelerado com aquisições de plantas para produzir diretamente no exterior, permitindo seu
acesso rápido ao mercado local, aos canais de distribuição e às tecnologias. A aquisição, embora possa representar uma série de vantagens em
relação a outras formas de entrada, apresenta obstáculos importantes
como problemas de comunicação e conflitos de culturas resultante da
necessidade de integração entre a empresa compradora e adquirida.
806
4.3 - 1º FASE DE INTERNACIONALIZAÇÃO: EXPERIÊNCIA DA ST. MARYS
Com a aquisição do controle da St Marys, o aumento da eficiência
das fábricas tornou-se prioridade. As unidades não recebiam investimentos há anos e os sistemas de gestão eram obsoletos. O plano agressivo da empresa consistia em transferir rapidamente a sua cultura de
excelência operacional e de operação de baixo custo que inclui instrumentos que formam o Votorantim Cimentos Production System (TPM, Six
Sigma, Project Management). “A meta era passar uma borracha na velharia e conseguir recuperar o investimento em três anos. Faltou, porém,
combinar com os canadenses” (Revista Exame, 2005). A reação violenta
dos funcionários da St Marys levou à revisão do plano inicial, adiando as
metas por mais dois anos.
A declaração do diretor corporativo do Grupo Votorantim,
Gilberto Lara, resumiu o que já parecia evidente, ou seja, que a empresa negligenciou a questão das diferenças culturais: “Tínhamos uma expectativa além do razoável, pois fizemos nossos planos com o perfil do
trabalhador brasileiro em mente. Talvez tenhamos subestimado uma
questão fundamental – a realidade cultural” (Revista Exame, 2005). O
quadro 2 reúne alguns aspectos culturais que diferenciam os brasileiros
dos canadenses/americanos:
QUADRO 2 – ASPECTOS CULTURAIS NAS RELAÇÕES ENTRE BRASILEIROS E
CANADENSES/AMERICANOS
PRINCIPAIS PROBLEMAS CULTURAIS QUE EXECUTIVOS BRASILEIROS ENFRENTARAM NAS
SUBSIDIÁRIAS CANADENSES E AMERICANAS
BRASILEIROS
FALTA DE SENSO DE
URGÊNCIA
APEGO AO
CORPORATIVISMO
AMERICANOS
Priorizam o cumprimento
de tarefas, podendo esticar
expediente para terminar
um trabalho atrasado
Seguem o que foi estipulado
no contrato, vão embora no
final do expediente e continuam no dia seguinte
Mesmo os funcionários sindicalizados apresentam um
grau razoável de abertura às
transformações
A maioria é sindicalizada,
e os dirigentes sindicais resistem a tudo e a qualquer
tipo de mudança
807
RIGIDEZ
COMPORTAMENTAL
Tem mais jogo de cintura
e se adaptam melhor a
mudanças
Fazem o que foi acordado
com os chefes. Se os superiores mudam de opinião,
são logo vistos com desconfiança.
Fonte: Revista Exame – O mal-estar da internacionalização, 13/12/2005
Existem diferenças em relação à distância do poder entre o Brasil
e o Canadá (Quadro 1). A Votorantim é uma empresa familiar, líder no
mercado doméstico. Sua gestão era hierárquica, com decisões top-down
e relacionamento paternalista. Até então, a empresa não havia investido em desenvolver um mindset global para seus executivos (BORINI,
FLEURY e URBAN, 2009).
Os canadenses também tiveram dificuldade para aceitar a viabilidade do projeto e a qualidade dos produtos brasileiros. As principais
causas dessa reação foram desconfiança dos funcionários locais; forte
relutância à mudança na empresa; e resistência para serem dirigidos
por brasileiros. Para convencê-los, a Votorantim convidou lideranças
da St Marys conhecerem o Sistema Operacional da empresa (VCPS) e
visitarem plantas no Brasil. Um dos entrevistados relatou:
Convidamos todos os executivos e mais 100 funcionários
(da St. Marys, de Baumanville e de Detroit) e os membros do
sindicato para conhecer as operações da Votorantim aqui no
Brasil. Para eles foi chocante perceber a diferença em termos
de qualidade de operação industrial em comparação com a
América do Norte. Ao visitarem a fábrica da Rio Branco, no
PR, viram um processo altamente sofisticado, limpo, não poluente, com um equipamento de computação que controlava
todo o processo industrial, ligado diretamente com a Secretaria do Meio Ambiente que monitorava a fábrica em tempo
real. A fábrica era limpa, sem poeira. Já na St, Marys, havia
tanta poeira que eles não podiam nem sentar na cadeira. Eles
tiraram fotografia, ficaram maravilhados e passaram a ser
nossos embaixadores lá. (ENTREVISTADO)
A reação dos funcionários locais trouxe valiosas lições. Talvez a
mais crucial seja a importância do diálogo. Em 2004, a Votorantim com808
prou duas fábricas nos Estados Unidos e sua atitude foi outra. Antes de
qualquer mudança, reuniu-se com os sindicatos, fornecedores e autoridades para apresentar a empresa e seus objetivos.
4.4 - 2º FASE – EXPANSÃO PARA A EUROPA, ÁSIA E ÁFRICA
A atuação global da Votorantim Cimentos se deu de fato com a
aquisição dos ativos da Cimpor na Turquia, Marrocos, Tunísia, Índia,
China e Espanha. Mais uma vez, segundo reportagem publicada na
Revista Época Negócios 360º de 2014, a integração passou a ser vista
pela empresa como seu principal desafio cultural. Para lidar com as nuances culturais, a empresa criou o projeto “One team, one company”, de
governança corporativa. O presidente da empresa, Walter Dissinger, explicou que o projeto visa “(...) integrar novos sotaques, aprendendo com
eles, mas também levando gestão, criando estruturas de governança
globais e regionais (...)”.
Ao contrário da experiência anterior, em que a empresa confiou
que sua competência operacional era suficiente para obter resultados
em qualquer cultura, dessa vez o diálogo tornou-se estratégia para absorver as competências positivas de suas subsidiárias. O entrevistado
que continua atuando na expansão internacional da empresa relatou
que foi definido um modelo claro de governança com direitos decisórios/papeis e responsabilidades: “Valorizamos mais a liderança local,
aliado a um sistema de gestão das áreas chaves, com claro mandato,
fóruns e rituais de gestão bem definidos”.
5- ANÁLISE DOS DADOS
Neste artigo, desenvolvemos um pressuposto que trata de mostrar
de que forma e quais diferenças culturais entre o país de origem e o país
hospedeiro ocupam papel preponderante na estratégia corporativa de
internacionalização das empresas. E no caso da Votorantim Cimentos,
como as dimensões culturais (HOFSTEDE, 1991) impactaram o início
da internacionalização e como essa adaptação tem ocorrido até os dias
atuais. Nosso estudo baseou-se no quadro 1, gerado no site Hofstede
Centre5 que permite construir um comparativo dos traços culturais
5
O website http://geert-hofstede.com usa informação com direitos autorais
809
mais marcantes entre os países estudados com base nas seis Dimensões
Culturais de Hofstede, ou seja, entre o Brasil e os países nos quais a
Votorantim Cimentos possui subsidiárias. Foram levados em consideração a pontuação atribuída por Hosftsde, em uma escala até 100 pontos,
na qual quanto maior o valor, maior é a presença da dimensão analisada. Comparando os valores atribuídos por Hosftede para cada uma das
dimensões e com base nas respostas obtidas em nossa pesquisa identificamos os seguintes impactos, apresentados no quadro 3:
QUADRO 3 – IMPACTO DAS DIMENSÕES CULTURAIS
ESTUDADAS NO CASO VOTORANTIM
DIMENSÕES
IMPACTO PARCIAL OU
POSITIVO
IMPACTO NEUTRO
IMPACTO PARCIAL OU
NEGATIVO
DISTÂNCIA DE
Índia, Marrocos, China
Canadá –
Canadá e Espanha – pos-
PODER
– centralização de poder e
Personalismo e
turas como centralização
Brasil (70)
respeito a hierarquia são bem
Respeito à Hierarquia
de poder e autoritarismo
aceitos nesses países
foi considerado neutro
e paternalismo não foram
Canadá (39)
China (80)
Canadá – provocou estra-
Marroco (70)
brasileiras no primeiro
Indía (77)
momento, mas foi bem aceito
Espanha (57)
bem aceitos nesses países
nhamento nas lideranças
a demonstração de autonomia
por parte dos colaboradores
canadenses
Espanha – aceita parcialmente bem hierarquia
do livro Professor Greert Hofstede e disponibiliza uma ferramenta de comparação entre países com base na teoria do autor: Cultural Tools Country Comparison.
810
INDIVIDUALISMO
Canadá – foi bem aceita pelos
China – as boas condi-
Brasil (38)
brasileiros as características
ções de infraestrutura
independência, auto-
e valorização do tempo
-suficiência e iniciativa dos
com família e lazer
colaboradores canadenses,
tiverem impacto neutro
e a disponibilidade deles em
na China
Canadá (80)
China (20)
aprender e se aperfeiçoar e
buscar trabalhos desafiantes.
E os canadenses recebem bem
as boas condições de trabalho
e infraestrutura oferecidas
pelos brasileiros
AVERSÃO A
Índia - o lado mais relacional
Índia – a necessi-
Canadá – aversão ao
INCERTEZA
e a aversão ao conflito dos
dade emocional de
conflito, numerosas regras,
Brasil (76)
brasileiros geraram um impac-
regras dos brasileiros,
aversão ao risco, burocracia
to positivo na relação com os
e a burocracia tiveram
e dificuldade de seguir re-
indianos.
impacto neutro
gras são características que
Canadá (48)
Índia (40)
tiveram impacto negativo
na relação entre brasileiros
e canadenses
MASCULINIDADE
Canadá – importância do
China – a busca por
Brasil (49)
reconhecimento, as boas
qualidade de vida, as
relações com a chefia, clima
boas relações com a
Canadá (52)
China (66)
de cooperação foram pontos
chefia, clima de coope-
importantes que os brasileiros
ração, e competitivi-
perceberam no relacionamen-
dade foram avaliados
to com os canadenses
como pontos neutros
China – com os chineses os
no relacionamento com
entrevistados destacaram a
os chineses
importância do reconhecimento e remuneração.
PRAGMATISMO
Brasil – otimismo dos
Índia e Espanha – tra-
Canadá - Sociedade
Brasil (44)
brasileiros nos negócios está
ços culturais próximos
Normativa.
relacionada ao pouco valor
ao do Brasil no aspecto
Dificuldade de relaciona-
dado no planejamento em de-
pragmatismo.
Espanha (48)
mento com o sindicato
corrência do foco no alcance
China – bastante prag-
canadense. Resistência à
China (87)
de resultados rápidos. Na opi-
mática e perseverante.
instalação da fábrica da
Marrocos – cultura
Swannee na Flórida por par-
muito normativa e
te da sociedade, imprensa e
focada no alcance de
órgãos ambientais
Índia (51)
Canadá (36)
Marrocos (14)
nião dos entrevistados, é um
diferencial competitivo junto
as culturas mais contidas.
rápidos resultados.
811
INDULGÊNCIAS
Brasil – traço cultural do
Canadá, considerado
China, Marrocos e Índia
Brasil (58)
otimismo foi relacionado
um país indulgente
possuem culturas bem
pelos entrevistados como
com o nível próximo
contidas, com tendência
resultante das características
do Brasil.
ao pessimismo e normas
Canadá (68)
China (24),
nacionais de pouco valor dado
Marrocos (25)
ao planejamento.
sociais mais restritivas.
India (26)
Fonte: as autoras
Em resumo, apontamos no quadro 4 os principais aprendizados
da empresa em sua trajetória de internalização do ponto de vista das
dimensões de cultura de Hofstede.
QUADRO 4 – RESUMO DOS PRINCIPAIS PONTOS
LEVANTADOS NA PESQUISA
MODELOS
DIMENSÃO
INICIAIS DA 1ª
CULTURAL
FASE
(HOFSTEDE)
IMPACTOS
SOLUÇÕES
IMEDIATAS
APRENDIZADOS
NOVOS MODELOS
PARA A 2ª FASE
Critério de
Distância do
- Choque
Implantação
Necessidade
Implantação do
escolha dos
Poder
cultural no
de programa
de valorização
projeto de gover-
primeiros
Individualismo
estilo de
fast track de
da liderança
nança corporativa
expatriados
liderança entre
desenvolvi-
local alinhada
“One team, one
brasileiros
brasileiros e
mento, para
à estratégia
company”
baseou-se
canadenses
dotar as
de gestão
apenas em
- Brasileiros
lideranças
sinérgica
aspectos
mal prepa-
brasileiras,
entre diversas
técnicos
rados e com
canadenses e
áreas chave da
problemas de
americanas de
empresa
comunicação
competências
em outras
necessárias
línguas
ao desafio da
internacionalização
812
Crença de
Indulgência
Reação inicial
Comitiva de
- Importância
Estabelecimento
que possuir
(no sentido de
dos canaden-
executivos,
da abertura ao
de um sistema de
um Sistema
pouco valor
ses de não
funcionários
diálogo
gestão como um
de Gestão
dado ao plane-
cooperarem e
chave da
Operacional
jamento e foco
não confiarem
St.Marys e re-
robusto era
excessivo na
na competên-
presentantes
suficiente para
ação imediata)
cia do sistema
do sindicato
de gestão
canadense
o sucesso da
visitaram
aquisição
as plantas
benchmark da
VC no Brasil
todo (integrando
- Importância
da de promover
a integração
entre as equipes de forma
não só a parte
operacional) com
mandatos definidos entre a sede e
as subsidiárias
participativa e
experiencial
para conhecer
o processo de
fabricação de
cimento
- Problemas no
Contratação
- Importância
Presença de
às questões
relaciona-
de um executi-
da abertura ao
equipes que
culturais e po-
mento com
vo com grande
diálogo
mesclam profis-
líticas locais
o sindicato
experiência e
- Importância
sionais oriundos
canadense.
competência
de montar
do Grupo
- Resistência
no relacio-
equipes
Votorantim com
à instalação
namento
mesclando pro-
pessoas trazidas
da fábrica da
internacional
fissionais com
do mercado com
Swannee na
para lidar com
competência
global mind set
Flórida por
essas questões
em operações
desenvolvido
Pouca atenção
Pragmatismo
parte da socie-
com pessoas
dade, impren-
experientes
sa e órgãos
em gestão de
ambientais
negócios internacionais
Centralização
Distância do
Negócios
Na St.Marys, a
Importância do
Liderança
das decisões
Poder
internacio-
reponsabi-
envolvimento
executiva hoje é
estratégicas
nais sendo
lidade pela
das subsidiá-
formada por um
no Brasil
administrados
operação era
rias no plano
presidente global,
com visão
brasileira e a
estratégico
ao qual se repor-
do mercado
comercial foi
global da com-
tam presidentes
brasileiro
delegada a
panhia
de três regiões:
um executivo
Brasil; Canadá/
canadense.
USA; Europa, Ásia
e África.
Fonte: as autoras
813
7- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das questões da pesquisa foi sobre “como Votorantim Cimentos
orienta seus negócios”. O executivo que atua na empresa há 32 anos a define como “apegada às tradições e que não se aventura em negócios onde
o risco é grande”. Resposta semelhante deu o entrevistado que atuou no
final da primeira fase da internacionalização, argumentando que a empresa “vê mudanças societárias com cautela”. O terceiro entrevistado, que
participou do início da primeira fase, trouxe a face de abertura ao novo:
“empresa que prepara seus profissionais para os desafios futuros”.
Ao decidir pela aquisição da St. Marys em sua estratégia inicial de
internacionalização, apoiada em sua vantagem de ownership (DUNNING,
1988), percebe-se semelhança com a pontuação do Brasil (76) na dimensão Aversão à Incerteza. A terceira resposta está ligada à dimensão
Pragmatismo (HOFSTEDE, 2010), onde o Brasil tem uma pontuação intermediária (44), situando-se como uma cultura que mantém o vínculo
com o passado enquanto lida com os desafios do presente e do futuro.
Percebemos assim que a pergunta central do artigo encontra respaldo no estudo de caso realizado, ou seja, que o fator cultural do país de
origem ocupa papel preponderante na estratégia de internacionalização
das empresas. A Votorantim Cimentos foi uma das pioneiras no Brasil a
se internacionalizar nos anos 2000, iniciando sua trajetória de forma diferente da maioria das empresas nacionais. Ao contrário das primeiras
multinacionais brasileiras, que optaram por países da América Latina
de menor distância geográfica e menores diferenças culturais e institucionais (FLEURY e FLEURY, 2012), a empresa alçou voo rumo ao hemisfério norte, longe de casa, aproveitando a oportunidade que surgiu
no mercado e, com isso, defender-se dos ataques das multinacionais ao
Brasil e ganhar experiência internacional.
Usou sua principal competência, o VCPS, e traçou planos ousados
de entrada no Canadá e EUA para recuperar rapidamente o capital investido na modernização das fábricas obsoletas que compunham a St.
Marys Cement Inc. e, assim, ampliar a capacidade produtiva para aproveitar a alta demanda de mercado dos Grandes Lagos.
Só que, no início, a realidade não se mostrou tão favorável. Faltou
empregar a lente das diferenças culturais que existem entre um país e
814
outro, ou seja, faltou aos saber usar as características da cultura brasileira a favor dos objetivos traçados, evitando impactos negativos e fortalecendo os diferenciais positivos da cultura brasileira.
A dimensão cultural Distância do Poder (HOFSTEDE, 1991) apresenta diferença considerável entre Brasil (69) e Canadá (39). Nossa pesquisa mostra que essa diferença foi a responsável pela maioria dos problemas
enfrentados, gerando impacto negativo junto aos funcionários e sindicato
local. Percebe-se, por outro lado, que a exigência de maior autonomia por
parte das equipes teve impacto positivo, uma vez que para a dimensão
Individualismo (HOFSTEDE, 1991), o Canadá pontua alto (80).
Na atual fase de internacionalização, a Votorantim Cimentos
mostra-se aberta para a integração de competências das subsidiárias, de
acordo com a declaração do presidente da companhia, Walter Dissinger,
à revista Época Negócios 360º de 2014, quando afirma que a empresa
pretende absorver conhecimento das fábricas de melhor performance,
como a de Niebla, na Espanha. Em sentido contrário, ainda segundo a
mesma reportagem, atuará de forma mais assertiva em países como a
Índia, na implantação de normas de segurança do trabalho e padrões
de gestão. Na Índia a pontuação Distância do Poder é ainda mais alta
do que no Brasil (77). Pelo levantamento, a hierarquia e a centralização
causam impactos positivos nas equipes.
Características positivas da cultura nacional (TANURE, 2010),
como facilidade de relacionamento e flexibilidade, foram reconhecidas
pelos entrevistados como responsáveis pelos impactos positivos, propiciando a posterior integração e confiança.
Não há informações sobre possíveis prejuízos em sua primeira
fase de internacionalização. Ao contrário, sabe-se que a produtividade
das fábricas da St Marys aumentou em 8%. Importante ressaltar a rápida reação da empresa para minimizar os problemas e as lições aprendidas levando a novos modelos de gestão. O Relatório Integrado 2013 do
Grupo Votorantim destaca a reestruturação organizacional realizada,
responsável pela definição mais clara de funções e papeis internos e a
criação de uma nova estrutura global, alinhando as necessidades dos
negócios no Brasil e no exterior.
815
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816
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REVISTA EXAME: O mal estar da internacionalização. Edição de 13 de
dezembro de 2005
REVISTA ÉPOCA NEGÓCIOS 360º: Materiais de Construção e Decoração
– Votorantim Cimentos. Edição de 2014.
TANURE DE BARROS, B.; PRATES, M. A. S. O estilo brasileiro de administrar. São Paulo, Atlas, 1996.
TANURE DE BARROS, B; Gestão à brasileira. São Paulo, Atlas, 2010.
817
|9|
PROCESSOS DE FUSÕES EM ORGANIZAÇÕES
BRASILEIRAS DE DESTAQUE REPUTACIONAL
Patricia Carla Gonçalves Salvatori 1
RESUMO
Este estudo apresenta a busca por um modelo metodológico para mapear os processos de fusões de grandes
corporações com renomado destaque reputacional no cenário brasileiro, como parte de uma pesquisa de mestrado
que abordará o papel das relações públicas como diferencial em processos de fusões. Aponta a análise das fusões e
aquisições e a dicotomia entre a real importância das pessoas nos processos e o que as organizações pensam sobre as
pessoas envolvidas.
Palavras-chave: Reputação; Fusões e Aquisições;
Organizações, Comunicação.
TEXTO
Para dar início ao estudo das fusões e aquisições, se faz necessário o olhar conceitual para os diferentes formatos de transações que
existem no cenário empresarial. De acordo com os pesquisadores Marks
e Mirvis (2010), existe um leque de possibilidades de transações entre
empresas que buscam operações conjuntas, que evoluem proporcionalmente ao aumento do nível de investimento, controle, impacto e dificulMestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e
Professora do curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero.
1
dade. As combinações fluem gradativamente de uma relação superficial
como o licenciamento ao extremo processo integrativo entre duas corporações: as fusões e aquisições. A partir do entendimento que os processos de licenciamento, parcerias e joint ventures abordam vínculos
menos profundos e, portanto, demandantes de estratégias comunicacionais diferentes das que serão analisadas neste estudo, o enfoque será
dado somente para as operações classificadas como fusões e aquisições.
A aquisição é definida como um processo na qual a adquirente
assume o controle acionário da adquirida, ou seja, uma empresa compra outra, que deixa legalmente de existir e todo seu capital humano,
material e social é incorporado pela compradora. Já a fusão representa
a combinação de duas empresas que deixam de existir para a formação
de uma terceira, com nova identidade (BARROS, 2003). Em que pese o
aspecto de equilíbrio entre as partes nas fusões, o que tradicionalmente
ocorre é que um dos lados predomina sobre o outro, seja por ter havido um maior aporte de recursos financeiros, humanos ou materiais na
associação ou mesmo por um histórico mais acentuado de transações
deste porte. Já para Marks e Mirvis (2010), o que pode ser anunciada
como fusão raramente é percebida como uma combinação de iguais pelos membros de pelo menos uma das organizações parceiras. Pessoas de
um lado sentem-se propensas a um sentimento de superioridade e mais
direitos no processo, enquanto que aqueles que estão do outro lado ficam em uma posição relativamente fraca e de maior ameaça para si e o
modo de executar seu trabalho. Percebe-se portanto que a linha entre
fusões e aquisições é bastante tênue e mesmo quando a combinação é
assumidamente uma fusão, pode haver um ruído entre as partes, o que
dificulta o processo comunicacional como um todo.
O início da prática das combinações empresariais remonta ao
final do século XIX, em processos definidos como ondas de fusões e
aquisições, que oscilavam à mercê de variações na bolsa de valores norte-americana (BREALEY e MYERS, 1998). No decorrer do século XX, o
ritmo das combinações empresariais aumentou à medida que o mundo
passava por transformações e evoluções dos pontos de vista econômico
e tecnológico. Com o fortalecimento da globalização na década de 90,
houve um salto considerável nos processos de alianças corporativas, em
busca de competitividade que possibilitasse crescimento e continuidade de seus negócios.
819
De acordo com Galpin e Herndon (2007), as fusões e aquisições,
que em décadas passadas visavam basicamente o ganho de controle de
ativos sub-valorizados, migraram para objetivos mais estratégicos como
aquisição de base de clientes, canais de distribuição e novos mercados.
Segundo os autores, hoje compra-se as competências de uma determinada organização e sua gama de talentos que alavancam e ampliam oportunidades estratégicas, visando sobressair-se frente aos produtos e serviços
de seus concorrentes. Com pressões cada vez maiores por resultados de
curto prazo e margens de erros cada vez menores, os atuais processos de
combinações buscam o enxugamento de custos, sem que isso interfira na
capacidade de gerar sinergias geradoras de novas receitas. Com isso, os
processos integrativos se transformam, cada vez mais, em enormes desafios, pois buscam novos e urgentes patamares de performance enquanto,
pela configuração das mudanças geradas, impactam negativamente os
resultados de ambos os lados. Em uma analogia simplificada, é como se
um avião recebesse incrementos de carga, combustível e passageiros em
pleno ar, para que alcançasse novos destinos, sem que isso pudesse interferir negativamente em sua velocidade e altitude.
Outro aspecto importante na análise de fusões e aquisições é a
dicotomia entre a real importância das pessoas nos processos e a importância que as organizações dão às pessoas envolvidas no processo.
Na visão de Cartwright e Cooper (1999), as fusões e aquisições têm sido
historicamente objeto de estudo e trabalho quase exclusivo de economistas, estrategistas de mercado e consultores financeiros, portanto os
aspectos financeiros e estratégicos se destacam e são amplamente debatidos na literatura de gestão empresarial. Porém, apesar de fusões e
aquisições serem algo que acontece com as pessoas nas organizações,
em vez das organizações em seu sentido abstrato, os autores afirmam
que os aspectos humanos têm recebido relativamente pouca atenção
e as pessoas, por muitas vezes, são ignoradas por serem consideradas
uma questão menos importante pelos tomadores de decisões.
Em um contra-senso ainda maior, estudos apontam que os fatores humanos são cada vez mais responsáveis pelos resultados dos processos, seja pela compatibilidade cultural entre as empresas ou pela forma que a integração é conduzida, não por acaso, por pessoas envolvidas
no processo. A pouca atenção dada às pessoas torna-se um dos fatores
de impacto para um eventual fracasso, que atrela-se, entre outros aspec820
tos, à incompreensão das necessidades especificas de atuação em cada
etapa do processo: pré-combinação, combinação e pós-combinação.
(MARKS e MIRVIS, 2010)
Para Appelbaum et al. (2000), qualquer processo de mudança é
intrinsecamente difícil de se submeter; no entanto, o aumento estratégico na quantidade e no modo como as informações são fornecidas aos
funcionários pode aumentar significativamente as chances de sucesso.
Os processos de mudanças, em especial as fusões e aquisições, costumam ser muito estressantes para os indivíduos envolvidos. Ao passo que
a empresa demonstra empatia com estas pessoas e proporciona-lhes todas as informações necessárias e válidas, pode, com isso, reduzir seu nível de estresse e consequentemente aumentar sua eficácia no trabalho.
Em um olhar mais abrangente sobre o fator humano, as pessoas
impactadas pelas mudanças geradas em uma combinação não se restringem ao público interno das organizações envolvidas. Cada empresa
possui diversos públicos de interesse que afetam, são afetados e se interessam por ela e por suas decisões. Relações com fornecedores e clientes, por exemplo, podem ser abaladas em função das mudanças ou não.
A diferença pode estar nas competências da empresa em lidar com o
ponto de vista da outra parte, que não precisa reagir negativamente se o
negócio não for afetado.
Na visão de Anderson, Havila e Nilsson (2012), o diferencial se
dá por meio de uma abordagem multi-stakeholder, que deve envolver
vários grupos de interesses de ambas as empresas oriundas, que precisam ter acesso aos prós e contras das mudanças ocorridas, para com
isso, elaborar suas próprias ações e reações. Segundo os autores, existem dúzias de objetivos diferenciados nos processos combinatórios, que
impactam seus públicos de interesse de maneiras variadas, portanto a
abordagem deveria ser customizada caso a caso. Entretanto, pesquisas
apontam majoritariamente para o olhar das empresas envolvidas, e raramente para as necessidades de seus públicos. A lógica dos estudos
realizados neste caminho aponta os benefícios de maior envolvimento dos stakeholders nos processos de fusões e aquisições: ampliação da
rede de negócios, visibilidade aos conflitos ocultos e aprimoramento do
entendimento do processo de maneira holística.
821
REALIDADE E CENÁRIOS NO MERCADO BRASILEIRO
O movimento de combinações no Brasil segue a lógica empresarial mundial, porém alguns fatores específicos da realidade brasileira
interferiram no processo: na década de 1990, a abertura econômica, a
privatização de empresas públicas, principalmente dos setores de infra-estrutura e fabricação de matérias-primas e a estabilidade monetária
adquirida após implantação do Plano Real acentuaram ainda mais o volume de fusões e aquisições no Brasil (BARROS, 2001). A partir deste período, houve um intenso crescimento de grupos estrangeiros que entrou
ou fortaleceu sua presença na economia brasileira, por meio de fusões e
aquisições de companhias nacionais estabelecidas.
Outro aspecto relevante para o novo ciclo de fusões e aquisições
foi a questão de mudança de geração. A década de 90 representou a chegada de novas gerações ao comando de grandes empresas familiares e
conforme os fundadores passavam seus negócios aos herdeiros, por falecimento ou aposentadoria, muitos optaram por vender ou se associar a
outros grupos, por possuírem propósitos profissionais distintos dos negócios da família (ROSSETTI in BARROS, 2001). Na perspectiva dos adquirentes, as principais razões para os negócios recaiam sobre ganhos de
mercado, de escala e ampliação de atuação geográfica, motivações embasadas pelo acirramento da competitividade em escala mundial.
Em uma pesquisa realizada por Barros (2003) com as quinhentas
maiores empresas brasileiras para mapear as operações combinatórias
no país desde 1995, os executivos apontaram a comunicação com os diferentes stakeholders, a aceitação das gerências e equipes envolvidas, bem
como a gestão cultural como os principais fatores de sucesso. Entretanto
os mesmos executivos confirmam que a prática ainda está distante da realidade, pois grande parte das empresas ainda não planeja sua estratégia
de integração com foco nas pessoas e na cultura. Segundo a autora,
na grande maioria das vezes a empresa compradora impõe
sua cultura e, em alguns casos, busca capturar alguns traços da empresa comprada, na tentativa de inseri-los em seu
“modo de ser” ou “jeito de agir”. Importam-se artefatos, traduzem-se discursos, adaptam-se comportamentos. Ao longo
do tempo uma nova cultura será construída. As prioridades
do top management, a decisão pela estratégia de comunica822
ção, o conteúdo e a forma de distribuição das mensagens, o
respeito demonstrado na efetivação da mudança e o modo
de gerenciar desligamentos exprimem os valores da empresa.
(BARROS, 2003)
Nota-se, com isso, uma validação prática das percepções dos pesquisadores Appelbaum et al. (2000), Cartwright e Cooper (1999) e Marks
e Mirvis (2010), sobre a importância e urgência de processos comunicacionais centrados em todos os atores sociais, que permitam atender ao
interesses estratégicos e econômicos dos acionistas sem passar por cima
das necessidades dos demais públicos envolvidos e interessados.
ORGANIZAÇÕES, OPINIÃO PÚBLICA E REPUTAÇÃO
Uma das principais características da sociedade no século XXI
é a descentralização do poder de fala, antes restrito às grandes instituições, e agora passível de compartilhamento por todo e qualquer cidadão inserido no contexto social e tecnológico. Qualquer um de nós, seres humanos contemporâneos, pode criar um manifesto, traduzir para
meia dúzia de idiomas e pulverizar na mídia online e offline, por meio de
estratégias de relações públicas. Entretanto, os antigos quinze minutos
de fama que tantos almejam agora podem se resumir apenas em pouco
mais de quinze segundos, em função da liquidez social dos tempos atuais, descrita por Bauman (2001).
Neste cenário, as organizações, como reflexo da sociedade em
que estão inseridas, se antes focavam sua visão de mundo em si próprias, agora se permitem (ou são exigidas para) uma atuação participativa e compartilhadora de ideias, perante os demais atores sociais.
A procura das organizações é pelo diálogo constante e ponderado, que
como alertam Marques e Mafra (2013), não deve buscar apenas a neutralização das divergências, mas “um espaço efetivo de trocas, de tratamento de problemas coletivos e de verificação conflitiva de uma pretensa igualdade entre os interlocutores.” Segundo as autoras, há muito o
que caminhar antes de se afirmar um equilíbrio nesta relação dialógica,
ainda permeada por relações ocultas de controle, poder e persuasão por
parte das corporações.
O desafio atual das organizações é equilibrar percepções, para
que seus interesses sejam considerados, ao mesmo tempo que as demais
823
opiniões não sejam descartadas e com isso, volte para si a imagem de autoritarismo do modelo de gestão tradicional. Às organizações contemporâneas, não é dado mais o direito de agirem com seriedade somente
de seus portões para dentro. É preciso ir além e fazer com que todos os
públicos que componham sua teia de relacionamento, conheçam, acreditem e participem da construção de seus valores, sejam morais, como
honestidade e integridade; ou técnicos, como sua competência.
Para Farias (2009), o planejamento comunicacional se reflete
na necessidade de obter melhores resultados com menos esforços, na
potencialização de resultados e principalmente na transformação de
imagem em reputação, construída em longo prazo e por meio de relacionamentos estáveis. Ou seja, as relações publicas, quando utilizadas em
seu papel estratégico e coordenado, tornam-se diretamente responsável
pela geração de reputação corporativa.
Segundo Barnett (2006), reputação pode ser analisada como
um estado de consciência, como avaliação e como um ativo. O primeiro olhar, de reputação como consciência, refere-se ao termo utilizado para indicar que os stakeholders tem uma consciência geral sobre
determinada empresa, mas sem fazer julgamentos sobre tal. O termo
mais adequado para definição de reputação corporativa neste enfoque
seria ‘percepção’. Para o segundo grupo, de reputação como avaliação,
os stakeholders são envolvidos em uma avaliação do status da entidade
e incluem referências à reputação corporativa como julgamento, estimativa, avaliação ou medição. Este grupo também inclui referências a
respeito, estima pela empresa e quão atrativa a empresa é. Os termos
‘opiniões’ e ‘crenças’ se encaixam nesse grupo. O terceiro grupo, rotulado
como ativo, incorpora as definições de reputação como algo de valor e
significado para a empresa, incluindo referências como um recurso ou
como um ativo intangível, financeiro ou econômico.
Tanto na visão de reputação como um ativo de Barnett ou como
bem econômico para Fombrun (2007), a reputação deve ser tratada
como um recurso estratégico da organização, que deve ser gerenciado por meio de ações estruturadas de comunicação. De acordo com
Fombrun, um sistema efetivo de gestão da reputação deve estar apoiado
em dois alicerces: minimização dos riscos de danos e maximização dos
ganhos com as oportunidades. Este processo de antecipação de poten824
ciais riscos, aliado a uma equilibrada e relativizada determinação de
peso reputacional de influência, proporciona às organizações um colchão de proteção reputacional, que amortece e as prepara para os inevitáveis e nem sempre previsíveis impactos negativos.
A reputação corporativa, construída lenta e gradualmente por
décadas, torna-se a cada dia mais vulnerável e sujeita a variáveis externas que podem destruí-la em questão de dias ou horas com o auxílio
das novas tecnologias digitais de informação e comunicação. Conforme
apresenta Almeida (2009), a gestão eficaz da reputação corporativa deve
contemplar: a percepção dos stakeholders externos, o alinhamento dos
funcionários à estratégia organizacional, a cobertura da mídia e as mensagens corporativas produzidas e veiculadas em seu processo comunicacional. Os quatro aspectos organizacionais perpassam as estratégias
comunicacionais das relações públicas, seja no relacionamento com
stakeholders externos, internos ou imprensa.
A gestão da reputação vai além do cumprimento das exigências
legais da organização em sua atuação na sociedade, bem como não se
limita à capacidade produtiva ou de geração de lucro. Faz-se necessário
um comportamento permanente de diálogo, transparência e construção compartilhada de valores com seus stakeholders, capaz de cultivar
e fortalecer o relacionamento entre empresa e sociedade. É neste ponto
que entram as relações públicas, como parte fundamental do composto
da comunicação integrada.
PROTOCOLO DE SELEÇÃO PARA ESTUDO DE CASOS DE PROCESSOS DE FUSÕES
O ponto de partida para o protocolo de seleção surgiu da compilação das organizações listadas no Relatório de Fusões e Aquisições
no Brasil da consultoria PWC no período de 2008 a 2012 e no Boletim de
Fusões e Aquisições da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados
Financeiro e de Capitais (ANBIMA), no mesmo período e apontou 380
processos de fusões, aquisições e parcerias, dentre os diversos formatos
de combinações empresariais possíveis. A escolha do período recortado
(de 2008 a 2012) para o estudo foi proposta para que os casos analisados
tivessem, no mínimo, dois anos de existência, tempo médio para a conclusão dos processos de integração, segundo Barros (2003).
825
De acordo com Marks e Mirvis (2010), as combinações empresariais evoluem proporcionalmente ao aumento do nível de investimento,
controle, impacto e dificuldade. Em que pese a colocação dos autores
sobre a aquisição como o extremo de complexidade nos processos de integração, para fins da pesquisa houve uma seleção intencional exclusiva
das combinações que se encaixam na classificação de fusões.
Do ponto de vista comunicacional, a construção de uma identidade organizacional inédita, fruto da combinação de duas ou mais empresas que deixam de existir diante da formação de uma terceira empresa nova, como Barros (2003) define fusão, representa um cenário mais
fértil para a análise de reconstrução de relacionamentos, reputação e
cultura, objetos de estudo desta pesquisa. Ainda segundo a autora, a
aquisição representa o desaparecimento legal de uma empresa que entrega seu controle acionário para outra.
Outro aspecto a ser considerado foi a amplitude de contextos e
variações de níveis de transações dentre as classificadas como aquisições, desde a concepção total deste conceito, até transações que já vinham se desdobrando para este cenário por aquisições de participações
recorrentes e finalmente uma transação final. Principalmente por meio
da crescente participação dos fundos de pensão no patrimônio empresarial brasileiro (ROSSETTI in BARROS, 2001), que representa uma
intensa intervenção econômica, mas não necessariamente cultural ou
reputacional. Com isso, os níveis de impacto e integração seriam demasiado amplos para assegurar uma análise estatística.
Com isso, os 380 processos de fusões e aquisições listados inicialmente deram lugar a quinze casos de fusões. Na sequência, foi
efetuada a análise cruzada das organizações resultantes de fusões no
período de 2008 a 2012 com os principais rankings nacionais e internacionais de destaque reputacional (“Empresas mais admiradas do Brasil”
da revista Carta Capital; Dow Jones Sustainability Índex; Melhores empresas para se trabalhar” das revistas Exame e Você SA; Guia Exame
de Sustentabilidade, da Editora Abril; Prêmio ABERJE e Índice de
Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BMF&Bovespa).
Das quinze novas empresas, duas deixaram de existir e das treze
restantes, seis não obtiveram citação em nenhum dos rankings reputacionais, conforme tabelas abaixo.
826
Empresas compradas posteriormente à fusão ou que deixaram
de existir:
EMPRESAS
ORGANIZAÇÕES DE ORIGEM
OBS
Agre Empreendimentos
Imobiliários
Abyara, Agra e Klabin
Segall
Comprada pela PDG
Realty em maio/2010
Virtus
Biosalc, Intelekto, Trellis,
Visionnaire, Volans,
Automatos e Dedalus
Empresa se desfez em
2009
Empresas não citadas nos rankings reputacionais:
EMPRESA
ORGANIZAÇÕES DE ORIGEM
Cromex Resinet
Cromex e Resinet
Drogaria DPSP
Drogaria SP e Drogaria Pacheco
Ernst&Young
Ernst&Young e Terço
IOB Folhamatic
IOB e Folhamatic
LBR Lácteos Brasil
Bom Gosto e Leite Bom
Maquina de Vendas
Ricardo Eletro, Insinuante e City Lar
Portanto, a amostra condensou-se em sete organizações resultantes de processos de fusões no cenário brasileiro entre os anos de 2008 e
2012. São elas:
EMPRESA
BM&F Bovespa
ORGANIZAÇÕES DE ORIGEM
Bovespa Holding e a
BM&F
RANKINGS
NA*
827
BRF
Sadia e Perdigão
GE: 2009
PA: 2010, 2012
ISE: 2009, 2010, 2011, 2012,
2013
Fibria
Aracruz e VCP
EA: 2009, 2010
DJ: 2009, 2010, 2011, 2013
GE: 2009, 2010, 2011, 2012,
2013
PA: 2009, 2010
ISE: 2009, 2010, 2011, 2012,
2013
Itaú Unibanco
Itaú e Unibanco
EA: 2010, 2011, 2012, 2013
DJ: 2009, 2010, 2011, 2012,
2013
ME: 2009, 2011, 2012, 2013
GE: 2009, 2010, 2011, 2012,
2013
PA: 2010, 2011, 2012, 2013
ISE: 2009, 2010, 2011, 2012,
2013
LATAM
TAM e LAN
EA: 2010, 2011, 2012, 2013
Raia Drograsil
Drogasil e Raia
EA: 2013
Via Varejo
Grupo Pão de Açúcar e
Casas Bahia
EA: 2009, 2010, 2011, 2012,
2013
PA: 2009
* BMF&Bovespa é organizadora do ISE
Legenda de Rankings: EA: Empresas mais Admiradas do Brasil – Carta Capital
DJ: Dow Jones Sustainability Índex ME: Melhores empresas para se trabalhar” Exame e Você SA GE: Guia Exame de Sustentabilidade PA: Prêmio ABERJE ISE:
Índice de Sustentabilidade Empresarial
828
CONCLUSÃO
De acordo com Nassar (2009), as organizações são um sistema
social e histórico que se comunicam e se relacionam de forma endógena
e exógena e têm como característica comum o enfrentamento do desafio das mudanças, dentre outros aspectos. Mudanças estas que visam
melhor adequação às transformações mercadológicas, econômicas, sociais, históricas, ambientais, culturais e comportamentais.
No decorrer das últimas décadas, as organizações vêm passando por marcantes transformações estruturais em busca de crescimento
acelerado, ganhos de escala, redução de custos operacionais e adaptação às mudanças econômicas e tecnológicas contemporâneas. Dentre
as práticas mais frequentes neste sentido encontram-se os processos de
fusões. Em que pesem as vantagens competitivas decorrentes da unificação de duas corporações que se extinguem para a formação de uma
nova entidade jurídica, os impactos negativos destes processos podem
causar danos reputacionais e financeiros relevantes à nova instituição.
A perda, mesmo que temporária, das referências, da memória empresarial e consequentemente do espírito de grupo derivam para a deterioração do clima organizacional e comprometem a percepção dos stakeholders sobre a reputação da instituição. Neste contexto, o gerenciamento do
fator humano, por meio de um cuidadoso planejamento de comunicação
pode proporcionar a linha tênue entre o sucesso e insucesso do processo
de integração e construção de uma nova reputação corporativa. A comunicação pode exercer um papel de maior amplitude, oferecendo sentido às
mudanças que impactam os stakeholders da nova empresa.
O objetivo central deste trabalho foi estabelecer os parâmetros
iniciais para o entendimento da correlação entre o trabalho estratégico
de relações públicas nos processos de fusões de grandes organizações e o
sucesso destes processos, uma vez que a temática das fusões e aquisições,
amplamente pesquisada, analisada e teorizada pela campo da administração, ainda não possui estudos estruturados pelo olhar da comunicação
organizacional, em que pese o volume crescente de novas combinações.
A continuidade do estudo se dará com uma pesquisa qualitativa
com estudo de casos múltiplos, a partir de evidências de duas fontes:
entrevistas, meio pelo qual foram exploradas as percepções dos execu829
tivos da área de comunicação institucional e interna das organizações
pré-estabelecidas, e análise de documentação. Por meio de entrevistas
individuais com os executivos responsáveis pelo desenvolvimento e
condução dos planos de comunicação institucional e interna das organizações, bem como o levantamento de dados secundários, por meio de
documentação da empresa (canais de comunicação interna e institucional, relatórios anuais e de sustentabilidade, manuais, entre outros),
matérias noticiadas pela imprensa sobre as organizações e citações em
estudos acadêmicos, a pesquisadora pretende contribuir com a teoria
ainda não consolidada sobre um tema recorrente na sociedade atual,
porém pouco analisado do ponto de vista acadêmico e científico, por
meio da análise de fatos e detalhes dos casos existentes..
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831
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PROCESSO DE COMUNICAÇÃO DAS EMPRESAS
PÚBLICAS BRASILEIRAS EM REDES SOCIAIS
DIGITAIS
Lebna Landgraf do Nascimento1
RESUMO
Este artigo é resultado de pesquisa realizada para investigar os processos e as práticas de comunicação de empresas públicas brasileiras em redes sociais digitais. A análise
dos dados obtidos junto a cinco empresas públicas foi sustentada metodologicamente, por meio de uma matriz balizadora de dados. A partir da análise realizada, constatou-se
que as empresas da amostra utilizam as redes digitais para
disponibilizar informações de interesse público, mas que os
processos de escuta sobre as demandas públicas e a prática
de deliberação para reconhecer os argumentos dos clientes/
cidadãos são praticados por apenas quatro das cinco empresas públicas analisadas. Também observou-se que ainda precisa ser incrementando pelo setor público a disposição para
entender e negociar os interesses dos cidadãos, assim como
permitir que sua opinião, de fato, impacte em processos de
comunicação e de gestão institucional.
Palavras-chave: Comunicação organizacional;
Comunicação pública digital; Redes sociais digitais;
Deliberação e Corresponsabilidade.
Graduada em jornalismo na Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Agronegócios pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre
em Ciências da Comunicação, pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Desde 1999, atua como analista de comunicação
na Embrapa Soja, em Londrina (PR).
1
APRESENTAÇÃO
No Brasil, há aproximadamente 86 milhões de brasileiros usando a internet e, desse total, 77% participam das redes sociais digitais, a
exemplo do Facebook e Twitter (PESQUISA..., 2014). A crescente utilização das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TICs) pela
sociedade contemporânea vem interferindo nos processos de comunicação sociais. Diante dessa configuração social, o setor público brasileiro procura ampliar sua presença digital para se comunicar de forma
mais efetiva com os cidadãos.
Na sociedade brasileira, o impacto proporcionado pela comunicação digital foi evidenciado a partir de junho de 2013, quando mais de 1
milhão de brasileiros se organizaram pelas redes sociais digitais e partiram para as ruas para reivindicar inúmeras temáticas de interesse público. Este desejo por participação entre os brasileiros é um indicativo de
mudança no comportamento da população, que tradicionalmente tende a ter uma postura de espectadora com tendência ao protecionismo
e dependência (TANURE, 2009). Atento a estas alterações de comportamento do brasileiro, o governo reformulou, em 2013, o Portal Brasil,
que congrega as informações sobre as estratégias digitais de governo
(BRASIL, 2013) e busca estimular os relacionamentos com a sociedade.
A ideia com a reformulação era também melhorar a interação do governo com o cidadão.
De acordo com 50 gestores da área de comunicação de órgãos
públicos entrevistados, em 2013 pelo Mapa da Comunicação Brasileira,
pesquisa realizada pelo Instituto FSB Pesquisa2, 78% dos órgãos públicos
têm participação no Facebook e 76% no Twitter (INSTITUTO, 2013). Em
reportagem publicada no The Wall Street Journal, o Facebook, em 2013,
tinha cerca de 65 milhões de usuários no Brasil, o que tornava o país o
segundo maior mercado da empresa em número de usuários, depois dos
EUA (CHAO, 2013).
Conforme apresentado, tanto o setor público quanto a sociedade
brasileira têm ampla presença nas redes sociais digitais, o que é um desa-
Mais informações disponíveis em <http://www.institutofsbpesquisa.com.br/
publicacoes/mapa-da-comunicacao-brasileira/>
2
833
fio para a comunicação pública em ambiente digital. A partir deste cenário, esta pesquisa tinha por objetivo investigar os processos e as práticas
de comunicação de empresas públicas brasileiras em redes sociais digitais. A complexidade desta temática instigou a formulação das seguintes
questões de pesquisa: quais são os processos e as práticas de comunicação do setor público brasileiro nas redes sociais digitais? Será que as instituições públicas vêm explorando o potencial dos recursos tecnológicos
para realizar prestação de serviços, dar transparência às suas ações e ainda abrir canais de comunicação bidirecional com a sociedade?
Em atenção aos questionamentos de pesquisa foi realizada uma
pesquisa qualitativa que contou com duas etapas: 1) pesquisa bibliográfica sobre a temática em discussão e construção metodológica de
uma matriz para análise dos dados obtidos, 2) análise das mensagens
institucionais e dos usuários nos perfis institucionais no Facebook e entrevistas com coordenadores de comunicação e das redes digitais das
empresas selecionadas. A partir da realização da pesquisa foi possível
identificar pontos convergentes e também diferenças no processo e nas
práticas de comunicação institucional e de participação dos públicos
nas redes sociais digitais. O levantamento bibliográfico que forneceu as
bases para a realização dessa pesquisa, assim como os resultados obtidos serão explicitados ao longo do texto.
SOCIEDADE EM REDE E SEU IMPACTO NA COMUNICAÇÃO DO SETOR PÚBLICO
Desde o final do século XX, os processos de comunicação vêm sendo
influenciados pelas alterações sociais e culturais provocadas pelo avanço
das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TICs), que somado a outros fatores culminaram com a formação da sociedade em rede
(CASTELLS, 2003). Um ponto central no debate sobre as TICs é que, principalmente a partir da segunda fase da internet ou Web 2.0 (O´REILLY,
2005) e do surgimento das redes sociais digitais (Facebook, Twitter, entre
outras) a arquitetura do processo informativo foi alterada de uma dinâmica de repasse de informação para uma comunicação em rede, que envolve
questões como interatividade, coletividade e colaboração.
Na visão de Castells (2009), o poder na atualidade está relacionado à conexão ou desligamento das redes, cuja decisão está nas mãos
de diferentes atores sociais, tanto individuais quanto coletivos, como
834
os grupos organizados, a iniciativa privada ou instituições públicas. A
capacidade relacional dos diversos atores sociais significa que o poder
não é só um atributo, mas também uma relação entre os sujeitos de poder e Castells (2009, p. 85) completa dizendo que “o poder na sociedade
em rede é o poder da comunicação.” E, por isso, a disputa pelo poder
relaciona-se à batalha para a construção de significado na mente das
pessoas. Os indivíduos criam significado interagindo com seu ambiente e se conectando com as redes sociais, cuja operacionalização ocorre
pelo processo de comunicação, ou seja, “compartilhar significado pela
troca de informação” (CASTELLS, 2013, p.11).
Ao se trazer esta reflexão para a comunicação das instituições
públicas, ganha evidência e amplitude o papel do Estado de tornar conhecidas as informações que são de interesse público. Tanto que para
Zémor (2009, p.220), “o direito à informação estabelece um dever de
comunicação”. A boa comunicação das instituições públicas, sob esta
ótica, requer mais que facilidade no acesso à informação, porque exige
também transparência, manutenção da qualidade dos serviços oferecidos, exercício da escuta individual ou coletiva e precisa levar em consideração as demandas da sociedade e a disponibilidade para o diálogo.
No caso das instituições brasileiras, seu papel de administrar as questões públicas parece ter sido reposicionado na contemporaneidade,
quando estas instituições são demandadas a fornecer mecanismos para
facilitar a deliberação dos cidadãos, assim como incrementar as formas
de participação da sociedade (Moisés, 2005).
Partindo desta visão, a comunicação praticada pelas instituições públicas será mais efetiva ao se utilizar de abordagens que entendam a comunicação como um processo transversal na instituição e interativo em vários
níveis. Ferrari (2011, p. 154) reforça a ideia ao dizer que “a ênfase está na comunicação como um processo cujos significados são criados e trocados, ou
mesmo compartilhados pelas partes envolvidas”. Esta construção partilhada dos processos de comunicação está em consonância com as exigências
por participação e colaboração coletiva da sociedade em rede.
O cenário apresentado sobre a comunicação pública e sua interface com as disponibilidades da comunicação digital instigaram o interesse desta pesquisadora por investigar essa temática. Para entender como
é o processo e quais são as práticas de comunicação do setor público
835
nas redes sociais digitais e sua relação com a sociedade decidiu-se pela
construção de uma matriz balizadora de dados, cujos eixos teóricos serão apresentados no próximo item.
PARÂMETROS METODOLÓGICOS PARA ANÁLISE DO PROCESSO E DAS
PRÁTICAS DE COMUNICAÇÃO DO SETOR PÚBLICO EM REDES SOCIAIS DIGITAIS
A matriz de comunicação e participação dos públicos nas redes sociais digitais, apresentada no Quadro 1, foi desenvolvida a partir de dois
eixos fundamentais: o primeiro foi constituído adotando os Modelos de
Práticas de Relações Públicas, de Grunig e Hunt (1984) e os paradigmas
de comunicação - simbólico e comportamental -, explicitados por Grunig
(2009), e o segundo eixo foi estruturado com base no Modelo de Participação
Crescente, de autoria de Jaramillo López (2011). As bases conceituais que
dão forma e consistência à matriz serão apresentados a seguir.
QUADRO 1. MATRIZ DE COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO DOS PÚBLICOS
Fonte: a própria autora
836
As controvérsias que envolvem as práticas da comunicação nas
organizações são explicitadas por Grunig (2009), a partir da Teoria da
Excelência, em duas dimensões: o paradigma simbólico-interpretativo
e o paradigma da gestão estratégica comportamental. No primeiro, a
comunicação nas organizações se esforça para influenciar os públicos
a interpretarem os comportamentos da organização como ela assim o
deseja. Essas interpretações são incorporadas aos conceitos de reputação, imagem, marca, impressões e identidade. Ao seguir este paradigma,
a organização enfatiza o processo de comunicação na difusão das suas
mensagens, nas campanhas publicitárias, nas relações e efeitos da mídia sobre suas ações.
No paradigma comportamental os executivos de comunicação
participam das tomadas de decisões estratégicas, o que auxilia no gerenciamento da percepção dos públicos a respeito do comportamento
das organizações e, consequentemente nos seus relacionamentos. O paradigma comportamental enfatiza o aprimoramento da comunicação
simétrica para permitir aos públicos a oportunidade de ter voz nas decisões gerenciais.
As duas formas de praticar a comunicação nas organizações, que
se encontram dispostas no paradigma simbólico e no comportamental
ficam, melhor evidenciadas a partir da identificação dos quatro Modelos
de Práticas de Relações Públicas descritos por Grunig e Hunt, 1984: 1)
Agência de Imprensa: objetiva obter a divulgação de produtos/serviços
mediante o uso excessivo da Publicidade; 2) Informação Pública: orientado para disseminação de informações por meio do uso praticamente
exclusivo dos meios de comunicação massiva; 3) Assimétrico de Duas
Mãos: procura, mediante a aplicação de pesquisas, identificar as percepções dos públicos a respeito da organização; 4) Simétrico de Duas
Mãos: preza pelo diálogo e negociação para que organização e os públicos cheguem a se influenciar reciprocamente.
É necessário enfatizar que a prática destes modelos de comunicação pelas organizações é determinada por um conjunto de aspectos
que envolvem o modelo de gestão empresarial, a cultura organizacional
e as vulnerabilidades do ambiente externo. Consequentemente, as estratégias de relacionamento que as organizações estabelecem com os
públicos estão vinculadas aos elementos citados.
837
Como as tipologias e os modelos usados na matriz do Quadro 1
são anteriores às atividades proporcionadas pela comunicação digital,
esta pesquisadora fez ajustes na maneira como os autores referenciados
definiram o continuum de comportamento dos públicos para uma nova
configuração espaço-temporal. Atualmente se pode dizer que os usuários que optam espontaneamente por seguir as empresas da amostra no
Twitter ou tornaram-se seus fãs no Facebook são, de certa forma, uma
audiência. Mas não uma audiência passiva no sentido tradicional de
serem simples receptáculos de informação (WOLF, 2005). As redes sociais digitais possibilitam que as audiências se midiatizem ou se tornem
usuários-mídia como prefere Terra (2011), ou seja, utilizam as mídias
sociais como instrumento para obter informação, produzir seu conteúdo, distribui-lo com suas opiniões e expressões pessoais.
Ao trazer reflexões sobre o relacionamento digital entre empresas
públicas/usuários, pode-se dizer que os usuários que fizeram a opção
espontaneamente de se relacionar via perfis institucionais nas redes
digitais são, a princípio, simples observadores ou interessados no conteúdo institucional. Estes usuários estão interessados em acompanhar
as mensagens postadas pela instituição ou por conhecer seus posicionamentos na rede, mas dependendo das relações estabelecidas também
poderão tornar-se engajados (ao compartilharem conteúdos) ou mesmo
participativos (ao exprimirem opinião, crítica ou elogio).
Também compõe a matriz de pesquisa, conforme exposto no
Quadro1, o Modelo de Participação Crescente, de Jaramillo López (2011),
que relaciona os diferentes processos de comunicação com o nível de
participação dos cidadãos. O referido modelo parte de um processo
contínuo segmentado em cinco níveis, sendo que o nível básico de participação é o acesso à informação, seguido pelos níveis de expressão de
opiniões (por meio de consulta), do intercâmbio de argumentos (na deliberação) e da negociação de interesses (harmonização), até chegar ao
nível de comprometimento com a decisão (corresponsabilidade). Estas
etapas do processo de comunicação pública foram reunidas em três níveis: Informação, Consulta+Deliberação e Harmonização+Corresponsa
bilidade para serem agrupadas nos quadrantes da matriz de pesquisa
que reúnem os Modelos de Práticas de Relações Públicas, de Grunig e
Hunt (1984): Informação Pública, Assimétrico de Duas Mãos e Simétrico
de Duas Mãos, conforme exposto no Quadro 1.
838
A partir das bases conceituais dos autores mencionados foram
criados quatro quadrantes referentes tanto às práticas de comunicação
nas organizações quanto à participação dos públicos-cidadãos em questões que afetam mutuamente públicos e organizações, conforme disposto
no Quadro 1. A seta pontilhada tem início no quadrante 1 e, conforme o
nível de informação e comunicação institucional é ampliado ao longo dos
quadrantes, os públicos também se tornam mais interessado, engajados
ou participativos nas questões institucionais. A seta perpassa os eixos teóricos num movimento crescente e ascendente até atingir o quadrante 4,
estágio no qual há maior participação dos públicos.
CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA
Das cinco empresas públicas brasileiras selecionadas na amostra,
três pertencem ao setor produtivo da esfera pública federal brasileira e
duas são instituições financeiras. Devido às diferenças originadas pelo
setor de atuação e definição de orçamento, a amostra foi dividida em
três agrupamentos. Esta segmentação foi relevante para respeitar as similaridades dos agrupamentos e também para que as diferenças entre
elas não inviabilizassem a análise comparativa dos dados coletados.
No primeiro grupo, encontram-se o Banco do Brasil e a Caixa
Econômica Federal, instituições financeiras que estão presentes no mercado concorrencial financeiro brasileiro, uma vez que disputam clientes
com os bancos privados. Portanto, a comunicação com seus públicos
tem interface direta com a comercialização de produtos e com a prestação de serviços, assim como a conquista de credibilidade e de confiança
dos clientes-cidadãos.
No segundo grupo estão reunidas a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e a Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (ECT), conhecida como Correios, cujas atividades, produtos e
serviços são marcados pelo monopólio parcial ou total do Estado. Neste
caso, a comunicação tem tanto uma vertente mercadológica como a de
prestação de serviços e de atendimento direto ao cliente-cidadão.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) forma
o terceiro grupo que apesar de desenvolver pesquisas e comercializar
produtos para um mercado especializado, sua missão está relacionada
à prestação de soluções para o desenvolvimento da agropecuária brasi839
leira. Neste caso, a comunicação prima pelo favorecimento e acesso ao
conhecimento científico gerado pela empresa.
RESULTADOS OBTIDOS
Nesta pesquisa, realizada em 2013, constatou-se que as empresas
públicas da amostra usavam as redes sociais digitais para disponibilizar informação, revelando interesse por utilizar as estratégias de comunicação massiva nas redes sociais digitais. Tal fato está relacionado ao nível básico do Modelo de Participação Crescente, de Jaramillo
Lopéz (2004,2011) que prevê a disseminação de informação e também
se relaciona ao segundo modelo (Informação Pública), de Grunig e Hunt
(1984). Observou-se que uma empresa da amostra, a Caixa Econômica,
ainda estava centrada apenas na disponibilização de informação pelas
redes sociais digitais, porque não avançava nos demais níveis da matriz
de pesquisa, que prevê uma comunicação multidirecional.
Evidenciou-se que as outras quatro empresas da amostra ultrapassavam o nível básico do processo de comunicação preconizado pelos
autores citados, de apenas disponibilizar informações. Isto porque estas
empresas incorporaram aos processos de comunicação as práticas de
deliberação e de consulta, principalmente por meio de monitoramento das falas dos clientes/cidadãos pelas redes digitais. Esta etapa do
processo de comunicação é considerada relevante, conforme enfatiza
Jaramillo Lopéz (2004, 2011), porque é uma forma de reconhecer e compreender a opinião dos públicos no ambiente digital. Para Grunig e Hunt
(1984) a comunicação de duas mãos deve estar presente nos processos
de comunicação que buscam relacionamentos efetivos com os públicos.
Durante a pesquisa, quatro das cinco empresas da amostra revelaram também disponibilidade para estabelecer diálogos pautados pelo
atendimento de demandas e para a resolução de problemas. Mesmo
assim, o que ainda merece atenção nos processos de comunicação das
empresas públicas são as práticas de harmonização, ou seja, o investimento na negociação de questões de interesses comuns, conforme
prevê Jaramillo Lopéz (2011, 2004). Além disso, a pesquisa mostrou que
nem sempre as empresas conseguem assumir o compromisso de considerar a opinião dos cidadãos como referência para a ação institucional.
Neste sentido, as premissas da comunicação simétrica, preconizada por
840
Grunig e Hunt (1984), também não são plenamente colocadas em prática. Desta forma, as empresas da amostra ficaram posicionadas entre o
quadrante 1 e o 3 da matriz de pesquisa, disposta no Quadro 2.
QUADRO 2. POSICIONAMENTO DAS EMPRESAS DA AMOSTRA
NA MATRIZ DE PESQUISA
Fonte: a própria autora
Verificou-se, durante a análise, que as empresas privilegiam conteúdos com informações institucionais, os lançamentos ou inovações
em produtos e serviços, a prestação de serviços e os conhecimentos gerados pela empresa. No entanto, o diferencial estava entre as empresas
que apresentarem conteúdo de interesse público, que utilizem imagens
e vídeos de qualidade, linguagem adaptada às redes sociais digitais, agilidade e transparência.
No que diz respeito ao relacionamento entre os cidadãos/clientes e as empresas da amostra, concluiu-se que, no caso dos Correios, da
841
Caixa e do Banco do Brasil, os clientes são interessados, engajados e participativos, buscando interação prioritariamente para resolver problemas
pessoais em situações que demandavam das empresas o estabelecimento
de confiança e credibilidade. Na Infraero, alguns usuários buscavam informação sobre o setor aéreo, mas o interesse maior era para atendimento de demandas. Somente a interação dos públicos com a Embrapa, cuja
atividade está relacionada à geração de resultados científicos em agropecuária, é mais direcionada para a busca informação e conhecimento
institucional do que para resolver problemas de ordem pessoal.
Também se observou a necessidade das empresas da amostra de
organizarem equipes para gerenciar a comunicação digital. Nas cinco
empresas analisadas existem profissionais de comunicação que se dedicam exclusiva ou parcialmente para atender à administração das redes
digitais. Tal realidade encontra respaldo nos princípios preconizados no
Estudo da Excelência, de Grunig (2011), que entende que os departamentos de comunicação devem ser estruturados para atingir sua melhor performance. Em consonância com a teoria referida, também se observou
que o trabalho integrado entre profissionais com experiência em comunicação e visão institucional e comunicadores jovens - os nativos digitais conhecedores de tecnologias e acostumados às interações digitais resulta
em melhores resultados para os processos de comunicação digital.
Além de incrementar as estruturas internas das áreas de comunicação, a complexidade da comunicação pública digital também tem
forçado os departamentos de comunicação a buscarem o suporte e a
adesão de outras áreas internas da empresa para os processos de comunicação. Tal comportamento tem sido marcado pela criação de comitês
multisetoriais e pelo incentivo ao trabalho cooperativo entre funcionários de diferentes áreas. A realidade observada harmoniza-se com o
pensamento de Grunig (2011), quando defende que os departamentos
de comunicação trabalhem em conjunto com outras funções gerenciais,
tais como marketing, recursos humanos ou finanças.
O trabalho integrado entre departamento de comunicação e setor
de atendimento ao cliente foi perceptível entre as empresas que, pela característica do seu negócio (Banco do Brasil e os Correios), necessitam
ter uma interface diária com os clientes para resolver problemas corriqueiros e cotidianos que, em tempos pré-internet, eram direcionados
842
para os serviços de atendimento ao cliente. No caso destas empresas, o
envolvimento da área de atendimento aos clientes tem se mostrado bastante eficaz, porque as demandas surgidas nas redes sociais são complexas ou muito específicas para ficarem sob a responsabilidade única
da área de comunicação. No período de realização da pesquisa, a Caixa
Econômica ainda não respondia aos clientes/usuários pelas redes sociais digitais, prática que passou a adotar no segundo semestre de 2014.
A seguir estão reunidos alguns resultados da pesquisa:
a) O setor de atuação das empresas públicas analisadas
atua como fator de influência nos processos de gestão e de
comunicação com os públicos/cliente/cidadãos. Nas empresas que oferecem serviços utilizados por grande parcela da
população, como é caso dos Correios e dos bancos, os clientes/
cidadãos buscam diariamente uma resposta da empresa para
questões de interesse pessoal. Por isso, observou-se a necessidade do serviço de atendimento ao cliente estar integrado ao
processo de comunicação pelas redes digitais, por exemplo.
b) As empresas públicas estão sendo gradativamente levadas a adotar posturas mais simétricas nas redes sociais
digitais, diante da presença e da participação dos clientes/
cidadãos nestes ambientes. As redes sociais digitais têm sido
entendidas pelos brasileiros como um relevante canal de relacionamento, tal comportamento tem induzido as empresas públicas a planejarem seus processos de comunicação para atuar
estrategicamente no ambiente digital, inclusive com posturas
mais dialógicas e simétricas.
c) Quando questões relacionadas à inovação estão presentes no cotidiano institucional, a cultura organizacional
tende a privilegiar os processos participativos dos diversos públicos. A Embrapa, empresa que desenvolve tecnologias
para a agropecuária, por exemplo, mostrou-se mais disposta a
incorporar as demandas dos públicos em discussões que mobilizam a condução de processos de mudança em benefício dos
envolvidos. Por outro lado, as empresas públicas que têm forte
controle de agências reguladoras e estão submetidas a normas
e processos hierárquicos mais rigorosos tendem a ter processos
de gestão mais fechados e menos participativos.
d) A comunicação pública digital deve ultrapassar as abor843
dagens puramente informativas com os clientes/cidadãos
para que prevaleça o diálogo e a influência recíproca. A
utilização das redes sociais digitais pelas empresas públicas
permite mais que a divulgação de produtos e serviços de interesse público, com agilidade e baixo custo. Esses canais digitais
possibilitam práticas de comunicação direta com os cidadãos,
facilitando os processos de transparência institucional e de
prestação de contas sobre suas ações; também auxiliam no monitoramento das conversações nas redes digitais para compreender as demandas da sociedade e promovem a interação com
os cidadãos e consequentemente a comunicação simétrica.
e) Os relacionamentos entre empresas públicas e cidadãos
pelas redes sociais devem ser conduzidos mediante a criação de interesse e engajamento, a partir de conteúdo atraente e relevante, além de incentivo à participação em questões
institucionais. Além de ampliar o número de usuários pelas redes digitais, o processo de comunicação digital precisa incentivar relacionamentos de qualidade, por meio de engajamento dos
usuários com o conteúdo institucional e estímulo a sua participação. Os Correios, por exemplo, demostraram durante a crise ocorrida em virtude da falta de cuidados no manuseio de encomendas
que, mesmo em situações de vulnerabilidade, é preciso investir
na interação com os públicos e ter ação transparente.
f) O comportamento do brasileiro por meio das redes digitais revela que é urgente que o setor público desenvolva
processos de comunicação que considerem os pontos de
vista da sociedade. De maneira geral, ficou evidenciado ao longo do estudo que os brasileiros presentes na internet - aproximadamente 50% da população - têm afinidade com o ambiente
2.0 e se sentem à vontade para utilizar as redes sociais digitais
para se comunicar. Apesar da ampliação na capacidade de autoexpressão da sociedade pelos meios digitais, não se pode negar
traços culturais arraigados no comportamento dos brasileiros,
como a concentração de poder e a expectativa de que os problemas sociais sejam solucionados de forma paternalista (TANURE, 2009). Mesmo assim, percebe-se uma mudança cultural em
relação ao desejo de participação social em processos políticos
que é facilitada pelas potencialidades interativas da comunicação digital e até mesmo por certo amadurecimento democrático em uma parcela da sociedade brasileira.
844
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme observado na análise individual e conjunta das empresas
da amostra, as práticas de comunicação variam em diferentes aspectos
entre as empresas públicas pesquisadas. No entanto, de um lado, é possível dizer que a disponibilização de informação pelas redes sociais, premissa disposta no quadrante 1 da matriz de pesquisa, era realizada por todas
elas. Por outro lado, os processos de escuta sobre as demandas públicas
e a prática da deliberação para reconhecer os argumentos dos clientes/
cidadãos, relativos ao quadrante 2, eram realizados por quatro das cinco
empresas públicas analisadas, com exceção da Caixa Econômica.
O que ainda precisa ser incrementando nos processos de comunicação entre as empresas públicas e os cidadãos pelas redes digitais
é a disposição do setor público para entender e negociar os interesses
dos cidadãos, assim como permitir que sua opinião, de fato, impacte em
processos de comunicação e de gestão institucional (quadrante 4).
A partir dos resultados obtidos na análise dos dados, pode-se
afirmar que as redes sociais digitais são relevantes canais de relacionamento entre as empresas públicas e os cidadãos brasileiros, porque
facilitam o acesso às informações de interesse coletivo, com agilidade e
baixo custo; incrementam a prestação de contas sobre as ações institucionais; possibilitam que as empresas públicas entendam as demandas
que são explicitadas livremente pelos cidadãos e ainda incentivam os
processos dialógicos e participativos.
Uma vez que os processos de comunicação pública digital não
são estáticos, pois estão submetidos a mudanças tecnológicas e sociais
contínuas, esta pesquisa apresenta diferentes elementos à discussão sobre a participação do setor público nas redes sociais digitais, por meio
da identificação de práticas comunicacionais em 2013. A expectativa é
que os resultados apresentados possam contribuir para que as empresas públicas avancem em processos de comunicação simétricos em que
os públicos sejam estimulados a participar das questões institucionais.
845
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847
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GESTÃO DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO: DESAFIOS E NOVAS
COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS EM PROL DO
ENGAJAMENTO E DA PROPAGAÇÃO DE VALORES E
SIGNIFICADOS
Boanerges Balbino Lopes Filho1
e Cibele Maria Ferraz
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo promover ponderações em torno da comunicação organizacional em um
cenário de transição provocado pelas tecnologias da informação, onde o engajamento das audiências se fortalece,
com ênfase no gerenciamento da imagem corporativa e nos
desafios enfrentados pelos profissionais da área diante das
opiniões e participações de interlocutores presentes nas
mais diferentes modalidades de mídia. O texto é fruto de
algumas das reflexões iniciais oriundas da pesquisa em andamento no Programa de Pós-Graduação em Comunicação
(Mestrado) da Universidade Federal de Juiz de Fora –MG.
Orientador do trabalho, Jornalista, professor e pesquisador. Pós-doutorando em Jornalismo pelo Programa PNPD/Capes no PPG da UEPG (PR). Doutor
(UFJF) e mestre (Umesp) em Comunicação, autor de livros, coordenador de
pós-graduação e professor do PPGCom na UFJF (MG). Diretor do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo – FNPJ. E-mail: bblopes@globo.com. Mestranda da Linha Comunicação e Poder do PPGCOM da Universidade Federal
de Juiz de Fora (UFJF). Especialista em Comunicação Empresarial, com MBA
em Marketing. Gerente de Comunicação e Marketing da Medquímica Indústria
Farmacêutica S/A. – E-mail: cibeleferraz@gmail.com
1
Palavras-chave: Comunicação organizacional; mídias
digitais; imagem corporativa; gestão da comunicação.
INTRODUÇÃO
O mundo atravessa um momento de transformações tecnológicas
e sociais que impulsionam novos comportamentos. Os valores profissionais e espirituais acompanham as tendências contemporâneas, fazendo
com que sejam projetados novos cenários nos ambientes organizacionais. Kotler (2010) afirma que com a tecnologia, a globalização cria uma
economia interligada e torna-se uma força que estimula o equilíbrio
e, muitas vezes, estabelece paradoxos. “Graças à tecnologia, esses paradoxos da globalização, em especial o sociocultural, influenciam não
apenas os países e as empresas, mas também as pessoas. Os indivíduos
começaram a sentir pressão para se tornarem cidadãos globais, além de
cidadãos locais” (KOTLER, 2010, p. 15).
Assim como a sociedade, é fundamental lembrarmos também que
as organizações passam permanentemente por mudanças, especialmente em um ambiente em que a tecnologia vem se modificando significativamente, alterando não apenas as noções de tempo e de espaço,
mas, também, os modos de produzir, de comercializar, de organizar e de
se comunicar. Para Wolton (2010, p. 15)
A revolução do século XXI não é a da informação, mas a da
comunicação. Não é a da mensagem, mas a da relação. Não é
a da produção e da distribuição da informação por meio de
tecnologias sofisticadas, mas a das condições de sua aceitação ou de sua recusa pelos milhões de receptores, todos sempre diferentes e raramente em sintonia com os emissores.
O excesso de informação sempre disponível através de diversos
canais desafia as práticas tradicionais da comunicação organizacional,
cabendo aos setores e a seus profissionais, reverem sua atuação e definirem novas estratégias para atingirem seus interlocutores. Os novos
meios de se comunicar com os stakeholders – surgidos com a ampliação da utilização de diversas ferramentas virtuais – eliminam as fron849
teiras físicas tradicionais das empresas. E, paralelamente, temos uma
maior valorização de ativos intangíveis, como a imagem, as marcas,
os recursos humanos e as práticas sociais. Além disso, de acordo com
Bueno (2000), cada vez mais, funcionários, fornecedores, clientes e a
comunidade estão sendo vistos como “sócios” do negócio, pois discutem, reagem, espalham seus interesses e críticas, contribuindo para o
crescimento das corporações e compartilhando seus resultados. O que
na dinâmica empresarial significa, segundo o pesquisador, que não há
espaço mais para uma distinção nítida entre “eu” (a empresa) e “os outros” (clientes, colaboradores, fornecedores, acionistas, imprensa etc).
Consequentemente, os vínculos tornam-se cada vez mais estreitos.
Podemos dizer, assim, que no passado as organizações tomavam suas decisões com base não apenas na percepção do que
o consumidor/cidadão deveria querer, mas também – e principalmente – no interesse do que as organizações desejavam
oferecer. Criaram um mito, a fantasia do que o consumidor
gostaria de ter, e, pela força do controle das ideias, bem ou
mal, conseguiram impor suas diretrizes à sociedade (NEPOMUCENO, 2013, p. 93).
Diante desse cenário, a proposta neste artigo parte de um breve
resgate dos conceitos de comunicação, inclusive os relacionados à realidade da comunicação organizacional e suas atribuições. Além disso,
abordaremos as possíveis mudanças nos relacionamentos das organizações com seus públicos, mediados, de forma mais intensa e permanente, pelas tecnologias. A importância cada vez maior da opinião pública
na construção da imagem e da reputação das organizações será tratada
na sequência, levantando, por fim, algumas questões centrais do estudo
dentre as quais a que se segue: a comunicação passou a exercer um novo
papel (estratégico) dentro das organizações, diante do advento da era da
informação mediada pela tecnologia e pela participação mais ativa e intensa dos steakholders, acarretando em mudanças no perfil dos gestores
e profissionais da área?
COMUNICAÇÃO É A BASE DO RELACIONAMENTO
Segundo Wolton (2010), a comunicação é inerente à condição humana, uma vez que não há vida pessoal e coletiva sem trocas. Ainda de
850
acordo com o autor, os seres humanos desejam se comunicar para compartilhar, convencer e seduzir. Para Ferrari (2009, p. 78), pensar a comunicação é tentar entender toda a sua complexidade e pluralidade, uma
vez que sua presença está estreitamente relacionada com a existência
da sociedade. “A comunicação como campo de conhecimento é um processo contínuo e permanente que permeia as interações humanas, atuando como um sistema dialógico com o objetivo de informar, persuadir,
motivar e alcançar a compreensão mútua”. Entendemos, dessa forma,
que o ato comunicacional só se consuma quando existe o relacionamento entre pessoas ou entre uma corporação e seus diversos públicos.
Pode-se, então, dizer que os horizontes da comunicação são
o compartilhamento, a convicção, a sedução, a influência, a
convivência e a incomunicação. Se os sistemas técnicos estão
em sintonia, os homens e as sociedades só raramente o estão
(WOLTON, 2010, p. 23).
Em uma sociedade necessariamente globalizada, a comunicação
assumiu um papel definidor que ora permite e valoriza o engajamento
das audiências superando aos poucos as limitações impostas pelo controle que até bem pouco tempo predominava. Por isso, um grande desafio é reanalisar seus processos, princípios e modelos, principalmente no
âmbito organizacional. Para Nassar (2009), todas as instituições têm na
comunicação um processo complexo, integrante de suas políticas, seus
planejamentos e suas ações. Morgan (1996) enxerga as organizações
como lugares onde residem ideias, valores, normas, rituais e crenças que
sustentam as empresas como realidades socialmente construídas.
Capra (2002) entende que a vida no campo social pode ser compreendida em termos de redes de comunicações, que são “redes vivas em
comunidades humanas”. “Cada comunicação cria pensamentos e significados, os quais por sua vez dão lugar a comunicações posteriores, e
assim uma rede inteira gera a si própria” (CAPRA, 2002, p. 04). Segundo o
autor, as redes de comunicação são como as redes biológicas, por serem
também autogeradoras, mas o que geram é especialmente o impalpável.
Vivemos em um mundo unido pela tecnologia, porém, com incontáveis
diferenças políticas, religiosas, filosóficas e culturais. “A comunicação é
protagonista nessas mudanças que temos vivido. Mas é, também, consequência de todas elas”, afirmou Nassar (2011).
851
A criação de conteúdo se democratizou e a voz e a opinião de pessoas comuns tornam-se cada vez mais poderosas perante as empresas.
Com a conscientização e a mobilização crescentes da sociedade pela defesa de seus direitos de cidadania, em várias partes do mundo, aumenta a cobrança sobre as empresas. Exatamente nesse momento, aumenta também a responsabilidade
de uma comunicação empresarial excelente e moderna (MIGUEL JORGE, 2000).
No passado, com a limitada disponibilidade de tecnologias, as
mensagens eram direcionadas a públicos mais homogêneos. Além disso, comunicar significava transmitir, uma vez que as relações humanas
eram basicamente hierárquicas. Atualmente, as mensagens são abundantes e os receptores mais numerosos, heterogêneos e reticentes. Por
isso, são estabelecidas negociações, pois os indivíduos se encontram
cada vez mais em situação de igualdade e ao mesmo tempo mantêm
suas singularidades.
Informar continua a ser uma negociação implícita entre os
fatos, o acontecimento, o contexto e as representações. O
que dizer dos receptores? Impossível ignorá-los, impossível
satisfazê-los. A margem de manobra é restrita, pois a informação não é mais sagrada, é superabundante e mastigada. O
receptor é, ao mesmo tempo, o melhor aliado da liberdade de
informação e seu maior inimigo (WOLTON, 2010, p. 57).
Hoje, as informações que uma empresa precisa podem estar em
qualquer lugar, inclusive do lado de fora das organizações. “Os líderes
que terão sucesso e cujas organizações prosperarão nesta era de fofocas eletrônicas generalizadas são os que se esforçarem para tornar
suas empresas o mais transparentes possível” (BENNIS, GOLEMAN,
BIEDERMAN, 2008, p. 24). Com essa mudança na dinâmica da comunicação e, consequentemente, do relacionamento com os públicos das
empresas, as imagens corporativas, que antes eram construídas com
base em uma comunicação unidirecional imposta pelas empresas verticalmente aos seus grupos de interesse, passam a ser posicionadas e fundamentadas em princípios como conversação, interação, envolvimento
e personalização. “O modelo de comunicação, antes em forma de funil,
852
acabará tomando a forma de um tubo, onde a entrada tem a mesma
conformação da saída” (TORQUATO, 2012, p. 267).
Novos canais de comunicação se fazem presentes e ganham cada
vez mais adeptos. “Trata-se, em todo caso, de um contrapoder que permite a expressão e a tomada da palavra sem regulamentos nem hierarquias” (WOLTON, 2010, p. 37). As organizações tentam manter a
imagem e/ou a reputação pública e se esforçam para manter privada a
informação que afete a imagem.
IMAGEM, REPUTAÇÃO E IDENTIDADE
A reputação - e/ou a imagem - das organizações sofre influência
direta da avaliação feita pelos públicos de interesse da empresa – tanto no ambiente off line, mas, especialmente, nas plataformas online. O
comportamento e os valores das empresas estão cada vez mais acessíveis ao público. Os relacionamentos evoluíram e hoje, princípios como
o diálogo e as vias de mão dupla são reforçados. A democratização da
Internet e o crescimento das redes sociais permitiram um acesso mais
intenso das pessoas às empresas, seus produtos e marcas. As empresas
estão sendo reinventadas e realizam transições dos limites (antes seguros) para novos modelos de relacionamento.
O receptor, que nunca foi passivo, está cada vez mais ativo
para resistir ao fluxo de informações. Seria mais adequado
falar em receptor-ator para destacar o aspecto dinâmico dessa função. Revalorizar o estatuto do receptor passa também
pela revalorização da própria problemática da comunicação
(WOLTON, 2010, p. 18).
Apesar de serem tratados como sinônimos em diversos momentos, os conceitos de imagem, reputação e identidade são complementares e estão intimamente interligados. Para Bueno (2007), a imagem
corporativa pode ser definida como a representação mental de uma organização, construída por um indivíduo ou grupo a partir de percepções
e experiências concretas e expressa a “leitura” – mesmo que muitas vezes superficial, incompleta ou equivocada -, da identidade corporativa
de uma organização. Já Argenti (2014) afirma que a imagem de qualquer
corporação é uma função de como os diferentes públicos a percebem
853
com base em todas as mensagens que ela envia em nomes e logomarcas
e através de auto apresentações.
Teixeira (2013) complementa as inferições ao destacar que a imagem é resultado também do “crédito” acumulado a partir de um processo de comunicação bem-sucedido ao longo do tempo. Por isso, é comum
que os consumidores das organizações façam distinções sobre produtos
ou serviços homogêneos, baseados muito mais na imagem de uma empresa do que no produto ou serviço em si.
Enquanto a imagem é a construção mental sobre determinada
empresa após um contato superficial com a marca e está ligada às opiniões mais recentes do público, a reputação é uma representação mais
consolidada e reflete uma avaliação e um julgamento do conjunto de
valores e percepções transmitido ao longo do tempo. “Pode-se construir
uma imagem de uma organização com alguma facilidade (mesmo quando eu não tenho relação direta com ela), mas a reputação resulta de uma
interação maior, vivenciada por um tempo mais longo e com mais intensidade” (BUENO, 2007, p. 131).
Diferentemente da imagem e da reputação, a identidade de uma
empresa é construída por elementos internos da própria corporação.
Com a crescente globalização e, consequentemente, com a tendência à
comoditização dos produtos, a identidade e a imagem de uma organização podem se tornar o principal ponto de distinção entre duas empresas.
Uma identidade bem construída discursivamente, assentada, na prática,
sobre princípios e valores positivos e bem aceitos publicamente, tende a
produzir uma boa imagem e, por consequência, em longo prazo, uma boa
reputação. “Somente quando a imagem e a identidade estiverem alinhadas é que uma reputação forte será produzida” (ARGENTI, 2014, p. 110).
A identidade se desenvolve interativamente na relação com o outro. No mundo contemporâneo, o outro pode ser a mídia tradicional, os
blogs, as redes sociais ou qualquer indivíduo que estabeleça um relacionamento com as marcas. Para Wood (2001), se no plano individual
a identidade está sob ameaça, no plano organizacional a situação não é
diferente. Diante da tendência de virtualização e da quebra de fronteiras
– que envolve tanto alianças entre corporações quanto entre empresas e
públicos – o conceito de identidade organizacional deve ser repensado.
854
A ONIPRESENÇA DA OPINIÃO PÚBLICA
Comunicação organizacional – funcionando como base institucional da administração – tem por objetivo o ato de servir ao interesse
público. Vieira (2003) afirma que a comunicação organizacional compreende um conjunto complexo de atividades, ações, estratégias, produtos e processos desenvolvidos para reforçar as ideias e a imagem organizacional junto aos seus públicos de interesse e junto à opinião pública.
Entendemos, assim, que a prática comunicacional é importante para a
formação da opinião pública – tanto presencial quanto virtual. A comunicação, integrando-se à velocidade da informação, influencia o modo
como as pessoas se comunicam, trocam experiências, realizam debates
e, principalmente, constroem a opinião pública.
Nas últimas décadas, os estudos de opinião pública ficaram
concentrados na força e mobilização da imprensa, mas, em
anos mais recentes, este retrato mudou, e percebeu-se que a
internet é um espaço livre e infinito para a troca de informações, argumentos e debates em tempo real, que conta, ainda,
com a contribuição dos dispositivos móveis para validar a velocidade dos fatos (TEIXEIRA, 2013, p. 02).
A tecnologia favoreceu a opinião pública no sentido de dar voz e
importância a cada manifestação emitida por qualquer indivíduo. Com
isso, o poder e a habilidade de controlar a mensagem - prerrogativa que
anteriormente estava sob controle das empresas – são reduzidos. “Os “replicantes”, muitas vezes, nem sabem onde começou, o que também representa um séria ameaça à credibilidade de notícias que circulam na web.
Em muitos casos, precisam ser desmentidas ou explicadas rapidamente.
Acabou o filtro dos revisores, dos diretores” (FORNI, 2013, p. 228).
Hoje, as empresas sabem que mais do que informar aos seus públicos, elas devem estabelecer comunicações e relacionamentos, não
apenas como um dever, mas como um fator estratégico para o sucesso
de seus negócios e para a conquista da opinião pública. “A informação
é a mensagem. A comunicação é a relação, que é muito mais complexa”
(WOLTON, 2010, p. 12).
Torquato (2012, p. 266) alerta que esse “novo” ambiente de comunicação e de uma nova opinião pública interfere diretamente nos atos
855
e nas atitudes empresariais, uma vez que as organizações estão passando pelos filtros da opinião pública a partir da lupa mais acesa da mídia
e destaca: “A demagogia está sendo identificada. Irresponsabilidades,
idem. Postura responsável significa assumir posições públicas consoantes com o novo dicionário do meio ambiente”.
A sociedade mais participativa coloca na arena da visibilidade lideranças informais, conjuntos mais densos de formadores de opinião.
Torquato (2012) afirma que aqueles que apresentarem discurso mais
forte, mais original, mais qualificado, estarão no alto da “tuba de ressonância”. Esse pano de fundo requer mais espaços de visibilidade, melhor
qualificação, maior aperfeiçoamento e participação estratégica das áreas de comunicação das empresas. As estruturas de relações corporativas e institucionais, por sua vez, precisarão estar mais bem equipadas.
O avanço sem igual, impactante, por que passam todos esses
meios impele a sociedade a um novo tipo de comportamento
e, consequentemente, a um novo processo social, base para o
perfil da empresa de comunicação do futuro, que exigirá novas posturas dos agentes envolvidos (KUNSCH, 1997, p. 140).
Considerando as organizações como entes políticos e como matizes ideológicas, as estruturas das relações institucionais, relações governamentais, relações corporativas devem ser construídas com base na
ideologia da transparência, da responsabilidade, da ética e do compromisso. “A capacidade de articular informações de diferentes fontes em
um todo coerente é vital hoje em dia. (...) As fontes de informação são
vastas e distintas, e os indivíduos têm fome de coerência e integração”
(GARDNER, 2007, p. 46).
Questões que se apresentam neste ponto: Como a comunicação poderá ajudar nesse processo de mudanças culturais, de novas formas de
relações, contribuindo para a promoção de um diálogo construtivo? Qual
o papel da comunicação na administração dos conflitos e nas oportunidades geradas entre as instituições e seus públicos interno e externo?
A COMUNICAÇÃO ENQUANTO FERRAMENTA DE GESTÃO
As organizações precisam estar atentas ao fato de que as tecnologias de informação devem ser desenvolvidas para aprimorar o fluxo de
856
ligações e colaboração entre os públicos organizacionais, adaptando estruturas e sistemas de apoio que deverão estar voltados para obtenção e
manutenção tanto do comprometimento com o público interno e externo, quanto da vantagem competitiva. Elas devem tornar-se instrumentos de integração, compartilhamento de conhecimento e experiências.
O incentivo a estes aspectos poderá agregar valor ao processo de comunicação existente dentro das organizações e facilitar a consolidação dos
relacionamentos, dando a ela, um tratamento estratégico que vise uma
moderna gestão de conhecimento e consequentemente de desenvolvimento organizacional, afirma Bueno (2003).
Embora a comunicação empresarial também seja vista como
poderoso instrumento de marketing – e o é, de fato -, sua função maior é construir uma imagem positiva das corporações
e marcas, capitalizando as qualidades intrínsecas dos produtos e serviços e, principalmente, os valores e os relacionamentos com os diversos públicos (MIGUEL JORGE, 2000).
Uma das grandes funções da comunicação organizacional atualmente é a de manter a construção e a manutenção da imagem da organização perante seus públicos. A imagem organizacional forma, atualmente, um importante patrimônio, tratando-se de um dos ativos intangíveis
mais valorizados pelas organizações. A preocupação com a análise dos
bens intangíveis surgiu desde o momento em que se observou que existem empresas cujo valor da marca é superior ao seu valor contábil.
A necessidade de manter a transparência elevou a comunicação empresarial nas empresas a um novo nível estratégico.
(...) E a proliferação de veículos de comunicação on-line, incluindo portais Web, sistemas de mensagens instantâneas e
blogs, acelerou o fluxo de informações e o acesso do público
em velocidades recordes (ARGENTI, 2014, p. 61).
O papel dos gestores organizacionais consiste, então, em reconhecer, entender, criar, implementar e modificar as estratégias comunicacionais de acordo com as necessidades e as expectativas dos indivíduos
que delas fazem parte. Uma vez que liderar é impor confiança, a nova
e involuntária transparência exige um novo código de comportamento
por parte de todos os gestores e líderes, determinado pela comunicação
857
e pela realidade de que nunca podemos presumir que estamos sozinhos
ou sem vigilância.
Em primeiro lugar, os gerentes precisam reconhecer que o
ambiente de negócios está em constante evolução. O treinamento de curto prazo que é dado atualmente aos gerentes
raras vezes lhes oferece uma visão geral da influência desse
ambiente em constante mudança sobre a imagem da empresa perante os diferentes públicos. (ARGENTI, 2014, p. 15)
Bueno (2000) afirma que a introdução acelerada de novas tecnologias, dominadas quase sempre pelas novas gerações, rejuvenesce o staff
gerencial e administrativo das organizações, fazendo surgir novos líderes, legitimados pela sua competência técnica ou empreendedora. Para
Kunsch (1997), o profissional de relações públicas “moderno” tem que
ser um “revolucionário”, saindo da passividade para a administração ativa do processo comunicacional, posicionando-se como um estrategista
e não apenas “como um mero reprodutor de recados da organização”.
Já Argenti (2014) considera que os profissionais de comunicação empresarial devem estar dispostos a desempenhar uma ampla variedade
de subfunções, e seus papeis continuarão a se ampliar e diversificar à
medida que a globalização e os fluxos de informação de uma variedade
de fontes exigirem uma comunicação estratégica e significativa
Bueno (2005) defende ainda que o conceito de Comunicação
Empresarial não vem sendo definido de maneira abrangente e, na quase
totalidade das organizações, ele se resume a ações e produtos que não se
articulam, necessariamente, com o processo de gestão. “A Comunicação
Empresarial continua sendo tática, operacional, gerando, no máximo,
alguns resultados pontuais”. Para o autor, a comunicação organizacional estratégica deve assumir a importância crescente na construção e
na manutenção dos chamados ativos intangíveis (marca, reputação ou
imagem, redes de relacionamentos).
As estratégias não são instrumentos e nem objetivos. São os
caminhos que o profissional vai escolher para desenvolver seu
programa e suas ações, levando em consideração os cenários
interno e externo, assim como os elementos constitutivos da
organização: a visão, a missão, as normas e a filosofia que norteiam seu presente e seu futuro. As estratégias são altamen858
te relacionadas com a visão de mundo da organização, isto é,
com sua cultura, com sua maneira de ser (internamente) e de
enxergar o mundo (externamente) (FERRARI, 2009, p. 87-88).
Por esta ótica, passamos, atualmente, por um momento em que
as atenções passam a se voltar para a procura da efetividade dos processos de comunicação organizacional, entendidos como a capacidade de gerar uma comunicação de mão dupla e potencializadora da gestão do conhecimento.
Possuir uma visão ampla e abrangente da complexidade da
comunicação nas organizações é uma primeira premissa. A
comunicação organizacional vai muito além de um setor ou
departamento que produz e transmite informações. Temos
que ver a comunicação como um fenômeno inerente à natureza das organizações e que acontece em diferentes dimensões,
como a humana, instrumental e estratégica, e sob fortes influências conjunturais e dos contextos econômicos, sociais, políticos, culturais e tecnológicos (KUNSCH, 2009, p. 112).
Uma comunicação estratégica requer, obrigatoriamente, a construção de cenários, fundamentais para um planejamento adequado e
que, efetivamente, leve em conta as mudanças drásticas que vêm ocorrendo no mundo dos negócios e da própria comunicação.
Alguns autores, como Argenti (2014), defendem uma melhor posição dos executivos de comunicação no organograma das empresas,
sendo vinculados, hierarquicamente, de modo direto ao CEO. A vantagem desse tipo de relacionamento seria a possibilidade do profissional
de comunicação ter acesso aos planejamentos da empresa diretamente através dos que estão no mais alto nível hierárquico da organização,
permitindo que todas as comunicações da instituição fossem mais estratégicas e direcionadas. Bueno (2005) corrobora desse posicionamento, afirmando que, quase sempre, a comunicação nas empresas é vista
apenas como uma instância operacional do processo amplo de gestão
(embora o discurso a reconheça como estratégica), ficando à margem
do planejamento estratégico. Isso se deve, talvez, porque na maioria das
organizações, a comunicação ocupe um lugar menos destacado em sua
estrutura organizacional.
859
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma comunicação estratégica pressupõe uma autêntica cultura
de comunicação na organização, ou seja, a comunicação não pode ser
estratégica apenas pela intenção de sua equipe profissional.
A expressão comunicação estratégica, há que se considerar
que a palavra estratégica é mais do que um mero adjetivo:
trata-se de um conceito. Se ela fosse percebida com essa intensidade e esse comprometimento, talvez o discurso da área
não se apropriasse dela com tanta freqüência ou leviandade
(BUENO, 2006, p. 16).
Se a comunicação faz parte da estratégia, ela deve estar diretamente associada ao dia-a-dia da organização, incluindo todas as pessoas que fazem parte dela. Comunicação estratégica pode ser definida
como aquela “alinhada à estratégia geral da empresa para aprimorar seu
posicionamento estratégico”, resumiu Argenti (2014). No entendimento
de Kunsch (2009), a comunicação organizacional é uma atividade complexa e precisa deixar de ter uma função meramente tática. Ela precisa
incorporar valores às organizações, auxiliando-as no cumprimento de
sua missão, na consecução dos objetivos globais, na fixação pública dos
seus valores e nas ações para atingir seu ideário de visão no contexto de
uma visão de mundo, sob a base de princípios éticos e verdadeiros.
A comunicação organizacional, na visão de Bueno (2005) deve
partir de uma leitura ampla do macroambiente (econômico, político,
sociocultural e legal), incorporando o diagnóstico ou auditoria interna,
tendo em vista a realidade do mercado (explicitando os pontos fortes,
fracos, os desafios e as oportunidades da organização) e estabelecer
procedimentos (ou métodos) sistemáticos de avaliação. Isso significa
que o gerenciamento estratégico da comunicação pressupõe análise
permanente dos resultados e admite reajustes de modo a garantir que
os objetivos sejam cumpridos.
A administração estratégica infere um processo e não se reduz a uma ação específica. Quando nos referimos à comunicação estratégica, temos, portanto, que verificar se esses pressupostos estão
efetivamente presentes e se estão vinculados – desde sua formulação até sua implementação - ao processo de gestão organizacional.
860
Na opinião de Bueno (2005), as equipes de comunicação, na maioria das
instituições brasileiras, estão cada vez mais enxutas, com profissionais
desempenhando múltiplos papeis e sobrecarregados com as instâncias
de execução e controle. Pouco tempo lhes restaria para a tarefa de planejar, e reduzidas seriam as possibilidades de comandar, após a execução das suas atividades, processos sistemáticos de avaliação.
Não podemos considerar apenas a informação e as novas tecnologias como condutores das mudanças organizacionais. A maioria das
mudanças é possibilitada pela combinação do uso das tecnologias da
informação, a informação em si e as mudanças de recursos organizacionais e humanos. “A comunicação empresarial funciona como um espelho, que reflete culturas e tendências” (BUENO, 2000, p. 50).
A concorrência acirrada e os desafios de um mundo em constante
mudança exigem uma nova postura diante dessa realidade. Ou as estruturas (e posturas) de comunicação das organizações assumem definitivamente um perfil estratégico, respaldado por sistemas de informação,
metodologias fundamentadas, visão abrangente e compromisso com o
bom relacionamento com os públicos de interesse ou estarão correndo
sério risco de desvalorização da função. Por isso, é importante analisar
se atualmente ou num futuro próximo, a “comunicação estratégica nas
organizações” não será apenas mais um discurso dos executivos da área.
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863
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O PAPEL DOS GESTORES NA COMUNICAÇÃO
ORGANIZACIONAL: TENSIONAMENTOS NA
ORGANIZAÇÃO COMUNICANTE
Cássia Aparecida Lopes da Silva1
RESUMO
Contextualizamos as relações de trabalho no pano
de fundo da sociedade pós-industrial (CORSANI, 2003;
LAZZARATO; NEGRI, 2001) e sob a concepção de cultura organizacional que é fruto da diversa teia de significações composta pelos sujeitos envolvidos na organização
(BALDISSERA, 2009a). Neste cenário projetamos a constituição de um novo trabalhador, com ampliadas possibilidades de acesso a informação e de desenvolvimento de
senso crítico. Fechamos o foco nos gestores de equipes das
organizações, os quais impactam a cultura organizacional
(SCHEIN, 2009) por meio de suas relações, e tendem a atuar como mediadores nos processos comunicacionais entre
organizações e empregados. Buscamos analisar possíveis
papeis (GOFFMAN, 1996) que estes líderes podem assumir
nesta interação.
Palavras-chave: Gestor, Liderança; Representações;
Comunicação Organizacional, Cultura Organizacional.
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação,
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do Grupo de Pesquisa
em Comunicação Organizacional, Cultura e Relações de Poder gccop.com.br.
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. E-mail: lopes.cassia.a@gmail.com
1
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento socioeconômico das últimas décadas e as novas possibilidades de comunicação, de compartilhamento de informações, de produção de bens e de prestação de serviços proporcionadas
pelas NTIC (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação), entre
outros aspectos, transformaram o mundo capitalista e consequentemente as relações de trabalho. A nova lógica produtiva da dita sociedade do conhecimento - caracterizada por uma nova concepção de mercadoria, em que o valor transporta-se do produto em si ( físico) para o
conhecimento embutido neste produto (CORSANI, 2003) - traz consigo
uma nova realidade que tende a transformar a força de trabalho em sujeitos mais conscientes sobre o que ocorre ao seu redor e sobre seus direitos. Essa nova lógica aponta uma dependência maior do intelecto do
que da força física do trabalhador (ibidem), fundamentando a natureza
do que Hardt e Negri (2005) definem como trabalho imaterial2, ou seja,
uma perspectiva em que a atividade produtiva se dá cada vez mais a
partir das intersubjetividades do sujeito trabalhador, das informações
e conhecimentos que ele traz de suas vivências e, portanto de um locus
que é externo à organização.
Para Lazzarato e Negri (2001) o trabalho imaterial se concretiza especialmente em atividades como as da publicidade, da moda e da Tecnologia da Informação, no entanto, afirmam que a definição do trabalho operário como uma
atividade ligada à subjetividade permeia toda a sociedade. “Esta forma de atividade produtiva não pertence somente aos operários mais qualificados: trata-se
também do valor de uso da força de trabalho e mais genericamente da forma de
atividade de cada sujeito produtivo na sociedade pós industrial.” (p. 26) e acrescentam que este modelo ainda é virtual, mas presente, no jovem operário ou no
desocupado e no trabalhador precário. Para Hardt e Negri o trabalho imaterial
concentra-se em algumas regiões do planeta e é minoria do trabalho no mundo
atual, mas assim como já foi o trabalho industrial outrora, “o trabalho imaterial
tornou-se hegemônico em termos qualitativos, tendo imposto uma tendência a
outras formas de trabalho e à própria sociedade. (2005, p. 151)
2
865
Então, mesmo sensível ao poder simbólico3 que as organizações
exercem com seus públicos, este novo trabalhador especialmente em
países em desenvolvimento como o Brasil, é exposto a informações e
tecnologias disponíveis (como computadores e smartphones que tornaram-se acessíveis a praticamente toda população), e, desta forma, depende cada vez menos da organização em que atua para entender a lógica produtiva da qual faz parte, bem como para perceber o contexto do
ambiente laboral. Diante disso, as tradicionais formas de comunicação
utilizadas pelas organizações para comunicar-se com seus empregados
tornam-se apenas mais um veículo, um dos meios de acesso à informação, e por isso mesmo questionáveis, não apenas em seu conteúdo, mas
também no formato, na atratividade, na periodicidade, na atualidade.
Essa realidade reflete, conforme Curvello “a necessidade de integração entre organizações e trabalhadores...” (2010, p.78), fundamentando a importância da comunicação organizacional, especialmente a
focada nas relações com empregados. Nesse sentido, inúmeras são as
iniciativas tomadas pelas organizações para promover – ou pelo menos
para transparecer junto a suas equipes – a participação, a transparência
e a valorização do empregado como indivíduo em suas práticas organizacionais e de comunicação. Iniciativas que podem ser concretizadas4
em ferramentas como os portais corporativos, os blogs, as redes sociais
(abertas, ou corporativas fechadas) e também em estratégias como as
pesquisas de clima, o compartilhamento de informações, o convite ao
empregado para que participe (em níveis controlados) do planejamento
estratégico da organização, etc.
Neste panorama propício à participação mais ativa dos empregados nos processos comunicacionais, parece não haver espaço para ou-
Segundo Bourdieu (2010, p.7-8), poder simbólico é o poder invisível que “pode
ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão
sujeitos ou mesmo que o exercem.”
3
Entendemos que as ferramentas ou plataformas em si não nos permitem caracterizar ou qualificar as relações estabelecidas como participativas. Nas particularidades das estratégias da organização reside a natureza mais ou menos
democrática dos processos comunicacionais.
4
866
tra concepção de cultura organizacional5 que não seja aquela oriunda
das interações que ocorrem na organização, tecida em conjunto pelos
indivíduos que a compõem e, portanto, a partir da vivência que cada
um dos indivíduos da organização traz de seus convívios sociais. Como
também indivíduos da organização, os gestores influenciam fortemente
a cultura organizacional, uma vez que formal ou informalmente atuam
na mediação da comunicação que se dá entre a organização e os empregados. Neste ponto, portanto, reside nossa inquietação: que papeis
eles assumem nesta intermediação? Estariam os gestores preparados
para atuar na comunicação com empregados? Esses questionamentos
nos conduzem à reflexão sobre a atuação dos gestores nas organizações
por meio de revisão bibliográfica e de exemplos.
CULTURA ORGANIZACIONAL E COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
NO CONTEXTO DO TRABALHO
O trabalho, fonte necessária para o sustento das necessidades básicas individuais e da família nas sociedades capitalistas (do ponto de
vista material), tem como locus as organizações. E, sendo esta (a organização) uma “associação de sujeitos de modo coordenado que combinam
esforços individuais (...) para a realização de objetivos organizacionais”
(BALDISSERA, 2010a, p. 62), ela subentende a comunicação como condição necessária para sua existência, posto que, através da comunicação, os atores sociais interagem para constitui-la (BALDISSERA, 2014).
Inerente, portanto, a todo o processo produtivo nas organizações,
a comunicação - nesta configuração do trabalho pautada pela velocidade - não é mais tão simples quanto aquela que se propõe a ensinar o empregado a ligar uma máquina ou a preencher um questionário de atendimento do SAC (serviço de atendimento ao consumidor), por exemplo.
Os produtos, os serviços, as demandas, as estratégias, as rotinas de produção mudam constantemente, e com eles modificam-se muitas atividades e fluxos de informação, evidenciando uma necessidade de que as
Carrieri e Silva definem a essência da diferenciação entre as diversas abordagens sobre cultura organizacional como a busca pelo controle, ou seja a organização como produtora de sua cultura, versus a compreensão do contexto cultural,
ou seja, a organização como produto de um ambiente macrossocial (2014).
5
867
descrições destas atividades e fluxos estejam em constante atualização
e, por isso mesmo, permanentemente desatualizadas. Antes do período
pós-fordista, as rotinas de trabalho eram facilmente descritas: bastava
apertar firme um parafuso, retirar as fagulhas de uma peça que passava
pela esteira na linha montagem, preencher uma planilha, por exemplo.
Hoje, a dissociação entre hardware e software permite a realização de
diversas atividades na mesma máquina e exige conhecimentos diferentes, tornando a atividade do sujeito trabalhador interdependente e dependente da informação:
“... cada indivíduo inserido na produção capitalista não passa
de um elo informacional que recebe, processa a transmite
algum subconjunto de informações necessário às atividades
de outros indivíduos, ou do conjunto do subsistema social no
qual interage.” (DANTAS,1996, p. 59)
Neste sentido, tanto nas organizações que entregam um produto
mais complexo e contam com trabalho de natureza intelectualizada
em diversos níveis, quanto as que dispõem de um corpo funcional menos especializado, são propensas a encontrar dificuldades para manter seus empregados atualizados acerca das mudanças constantes no
processo produtivo. Mais ainda, precisam garantir que a adaptação
necessária em relação a essas mudanças ocorra em sintonia com o ‘jeito de fazer as coisas na organização’ que resume a cultura organizacional. No entanto, mais do que uma busca por controle, numa visão
funcionalista que a compreende como o conjunto de verdades, valores
e crenças que a alta administração da organização institui como regras apropriadas de conduta e impõe junto a suas equipes (CARRIERI;
SILVA, 2014), a cultura organizacional, para nós, é “o reflexo da essência de uma organização, ou seja, sua personalidade” (MARCHIORI,
2008, p. 94) e, como essência da organização, só pode ser moldada a
partir da interação. Por isso, com base na definição de cultura proposta por Geertz (1989) como teia de significados tecida pelo próprio
homem, compreendemos cultura organizacional como uma rede de
significados atribuídos pelos membros de uma organização às práticas sociais (como os ritos, crenças, valores) no âmbito da organização
(BALDISSERA, 2009a), fortemente impactada pela liderança:
868
“...pode-se argumentar que a única coisa de real importância que
os líderes fazem é criar e gerenciar a cultura; que o talento único
dos líderes é a sua capacidade de entender e trabalhar com a cultura; e que é um ato final de liderança destruir a cultura, quando
ela é vista como disfuncional.” (SCHEIN, 2009, p. 10).
No entanto, entendemos que a influência dos gestores sobre a cultura organizacional não se opera (unicamente) na defesa das vontades/
visões da organização, mas também numa equação tácita que equilibra
forças tensionadas, uma vez que, conforme Baldissera, os objetivos da
organização muito provavelmente não são os mesmos objetivos pessoais dos indivíduos que ela emprega (2010a).
Face a esta constatação, o trabalho tende a ser não apenas uma
fonte de prazer para o empregado (quando possibilita a realização de
seus objetivos pessoais: como a realização profissional, a satisfação das
necessidades financeiras, a reputação, o reconhecimento, entre outros),
mas também pode ser uma causa de sofrimento (ibidem, 2010a), devido
à falta de reconhecimento, ansiedade, clima organizacional desfavorável, condições inadequadas de trabalho (tais como temperatura muito
alta ou muito baixa, pouca luminosidade, materiais e instrumentos de
trabalho insuficientes ou danificados, riscos para segurança do empregado), entre outros fatores. Desta forma, as organizações podem empreender uma comunicação que esclareça seus objetivos aos empregados,
e que busque tangibilizar a realização dos objetivos pessoais dos empregados por meio do trabalho, a exemplo de ações como matérias em
seus veículos de comunicação, campanhas, prêmios de reconhecimento, comemorações por metas atingidas, participação de resultados, etc.
No entanto, a comunicação planejada pela organização (com o intuito
de instituir sobre os empregados seus valores e sua interpretação do
mundo) é apenas uma das dimensões da comunicação organizacional,
pois consideramos que esta última pode ocorrer, ‘pela’, ‘na’ e/ou ‘sobre
a’ organização, uma vez que “a partir de seus lugares de fala, articulados em relações de comunicação, os sujeitos atualizam-se como forças
e percebem-se construindo e disputando sentidos...” (BALDISSERA,
2010b, p. 69). Como frutos destes tensionamentos, o mesmo autor (ibidem, 2009b) propõe três dimensões da comunicação organizacional,
sendo elas: a organização comunicada (ou seja, a fala autorizada, e a
oficial, da organização), a organização comunicante (presente nos flu869
xos da comunicação e na atribuição de sentido a partir de falas e demais
interações não formais), e a organização falada (o que se fala sobre a
organização, à revelia de relação direta com ela).
Importante ressaltar que a dimensão da organização comunicante não é tensionada apenas quando um porta-voz autorizado interage
com o público. “Toda vez que alguém/algo/alguma coisa tornar a organização presente em uma relação haverá produção e disputa de sentidos, e isso não se restringe aos processos autorizados.” (BALDISSERA,
2010b). No entanto, ainda que não exclusivamente assim acionada, a organização comunicante é também tensionada por meio dos gestores da
organização. Seguimos, portanto, nossa abordagem sobre a atuação dos
gestores nos processos de comunicação organizacional.
O PAPEL DOS GESTORES NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
As lideranças formais das organizações são denominadas grosso
modo como “gestores”. Os gestores também são empregados, e muitas
vezes somam a suas rotinas atividades operacionais, no entanto se diferem dos demais empregados por terem a responsabilidade de coordenar
uma equipe, independentemente da área em que atuam dentro da organização. Seus cargos podem receber diferentes nomenclaturas: gerente,
coordenador, supervisor, chefe, líder, e são escolhidos pela alta administração das organizações para assumir a gestão de uma equipe não
necessariamente porque exercem liderança naturalmente ou por serem
reconhecidos como representantes pelo grupo. O perfil dessas lideranças também tem se modificado substancialmente diante das transformações sociais que reconfiguram o mundo do trabalho. Do ponto de
vista das organizações e de suas estratégias para obtenção dos resultados planejados, se antes os gestores basicamente fiscalizavam e comandavam as atividades de trabalho, quase que como os antigos capatazes
das fazendas coloniais, e para desempenhar sua função de liderança
bastava que fossem bons técnicos na atividade que comandavam e que
soubessem mandar; hoje, numa perspectiva que compreende a relação
de forças nos processos comunicacionais, na qual o trabalhador não é
mais um ente passivo (uma simples etapa da linha de montagem), mas
um sujeito intelectualizado e criador do seu próprio trabalho, cada vez
mais, as organizações esperam que seus líderes intermedeiem a relação
870
entre elas e os empregados. Por isso, muitas organizações desenvolvem
canais de comunicação exclusivos para os gestores6, os quais visam a
apoiar os líderes em habilidades de comunicação, assim como informá-los antes, ou de maneira mais completa, sobre questões abordadas nos
canais de comunicação que atingem todos os empregados. Assim os gestores teriam subsídios para atuar como incentivadores ou esclarecedores destes assuntos perante suas equipes. Com propósito semelhante,
diversos treinamentos7 são oferecidos por consultorias e associações de
comunicação e recursos humanos focados em formar e/ou preparar lideranças das organizações, os quais inserem em suas súmulas o papel
do líder na comunicação.
Entedemos que os gestores representam papeis em suas interações com a equipe, considerando como representação “toda atividade
de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que
tem sobre estes alguma influência” (GOFFMAN, 1996, p.29). Portanto,
nos cabe refletir sobre estes papeis no que tangem os processos de
comunicação, e, para tanto, numa visão geral, sem intenção de esgotar a variedade e a análise, descrevemos algumas possibilidades destes
papeis que os gestores podem desempenhar, as quais se relacionam
com a temática que abordamos neste trabalho. Primeiro, no que tange
os interesses da organização, é o gestor quem deve assumir o papel de
transmitir/reforçar boa parte das informações estratégicas da organização a sua respectiva equipe. Uma vez que os trabalhadores têm mais
condições de avaliar criticamente o que organização divulga em seus
canais formais escritos e audiovisuais, caberá aos líderes, por exemplo, argumentar sobre os motivos de um não aumento de salário ou
A Pesquisa comunicação interna 2012, divulgada pela Aberje, relaciona a
evolução dos canais de comunicação organizacional que são desenvolvidos exclusivamente para os executivos, aqui considerados como gestores de níveis
médio e alto na hierarquia organizacional.
6
Como exemplos, elencamos informações sobre cursos que serão realizados
nos próximos meses pela Associação Brasileira das Agências de Comunicação,
pela Associação Brasileira de Recursos Humanos e pelo Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial Nacional.
7
871
de demissões, explicar porque a reforma do showroom é mais urgente
do que a do refeitório da fábrica, exemplificar como cada um poderá
ajudar a reduzir despesas, decodificar as regras do PPR8 de modo a
motivar a equipe a aumentar a produção, entre outros. Por outro lado,
mais do que uma transmissão de informações empenhada apenas na
instituição das ideias da organização, o segundo papel do gestor que
mapeamos pode ser o de tradutor das estratégias, das demandas e dos
objetivos da empresa aos empregados, pois ainda que a organização se
preocupe com a transmissão de informações por meio de seus canais
formais de comunicação com empregados (jornal, newsletter, mural,
etc), e que se ocupe com a objetividade das informações transmitidas,
muitas vezes é necessário - para que ocorra a compreensão das informações pelos empregados - re-significar o que está expresso nos
canais de comunicação, de acordo com as diferentes realidades e atividades de cada setor da empresa:
“As relações de comunicação no mundo do trabalho pressupõem a circulação de discursos, enunciados por vozes de diferentes sujeitos e instituições que o compõem. Enunciam-se
e circulam diversos discursos, sobretudo, de vários pontos
de vista sobre o trabalho e sobre a regulação dele.” (FIGARO,
2014, p. 108)
Neste sentido, o gestor pode também facilitar os fluxos de informação que são inerentes ao processo produtivo e que se transformam
diariamente para atender a demandas de mercado. Percebendo o empregado como também criador do próprio trabalho, o gestor poderá angariar programas de capacitação junto à alta administração, reuniões
e atividades de integração, ou mesmo adaptações na rotina produtiva,
de modo que as alterações necessárias à produção sejam também positivas para os trabalhadores. Acrescenta-se ainda que na interação com
sua equipe o gestor tem contato com os questionamentos, as críticas,
as angústias e insatisfações dos empregados, evidenciando uma conSigla comumente utilizada pelas organizações para definir Programa de Participação de Resultados, expresso geralmente por meio de regras e condições
para distribuição dos lucros da organização com os empregados, de acordo
com as metas anuais atingidas.
8
872
dição para que exercite o terceiro papel que pontuamos, o de escuta9.
Desta forma, o gestor atua também na conquista de espaço para valores e pressupostos considerados importantes pelos empregados, muitas
vezes parecendo, para a equipe, ser mais confiável10 do que os canais
formais de comunicação da organização.
Pode ser que o gestor que não saiba e/ou não seja orientado
quanto a seu papel na comunicação da organização. É o que acontece,
comumente, em organizações que parecem se ocupar pouco com a comunicação corporativa a este nível, em cujas a rádio corredor é o mais
consistente (se não o único) meio de informação para as equipes. Não
raro, nestas organizações, os gestores tomam conhecimento de informações a cerca de questões importantes da empresa, por meio de seus
funcionários. Retomamos, porém, que mesmo em casos como estes, em
que o gestor não atua como mediador (seja por decisão própria ou por
ausência de orientação da alta administração) há produção de sentido
por parte dos empregados a partir da interação (ou da não interação)
com o gestor. Fundamentamos assim, que a relação intermediada pelos gestores é uma das formas assumidas por uma das dimensões mais
complexas da comunicação organizacional, a organização comunicante. Complexa, primeiro, porque a fala do gestor, mesmo que planejada e
orientada não se compara a peças de comunicação estáticas: quando informando algo sobre a organização e/ou sobre o trabalho para sua equipe, por exemplo, se o fizer de maneira decorada e artificial, o gestor não
terá credibilidade perante a equipe. Ele terá sempre de adaptar sua fala
a sua própria linguagem caraterística e às particularidades do grupo
com o qual interage. Para tanto, se expressa por meio de equipamentos
Entendemos como escuta a habilidade que as organizações podem desenvolver no sentido de ouvir ativamente seus públicos. Segundo Sólio as organizações que efetivam a escuta “fazem uma leitura em profundidade de formas de
comunicação como a troca de informações convencional (diálogo), o silêncio, a
formalidade, informalidade e espontaneidade no relacionamento interpessoal/
intergrupal, o ato falho, o chiste.” (2008, p. 34)
9
Como apontado em pesquisa da Internacional Association of Business Communication (IABC) realizada em empresas norte-americanas, britânicas e canadenses (Prado, 2009).
10
873
de fachada11 intencionais ou mesmo inconscientemente (GOFFMAN,
1996). Segundo, porque como seres constituidores de sua própria cultura, os públicos com os quais interage (ou seja, os empregados de sua
equipe) podem atribuir sentidos a tudo o que percebem nessa relação.
Portanto, muito mais do que necessária para a obtenção dos resultados
das organizações, a interação com empregados por meio dos gestores: a)
é inerente aos processos de comunicação organizacional e b) em pouco
pode ser controlada, planejada, idealizada pela organização.
OS GESTORES E A ORGANIZAÇÃO COMUNICANTE
Um exemplo de atuação do gestor na comunicação entre organização e empregados está no artigo integrante de publicação editada
pela Aberje em 2013 que aborda a estratégia de uma grande mineradora
brasileira para reduzir o número de acidentes fatais no seu quadro de
empregados. Tradicionalmente, para resolver tal problema, poder-se-ia
pensar na inclusão ‘pesada’ de matérias informativas sobre segurança
no trabalho nos prováveis canais de comunicação que esta organização
disponibiliza a seus funcionários (mural, jornal interno, por exemplo).
No entanto, ainda que isto tenha ocorrido (o artigo em questão não
aborda o uso de canais de comunicação pela empresa), a mineradora
optou pela realização periódica de um evento chamado “dia de reflexão
sobre saúde” (GIACOMO; SCHRECK, 2013, p. 67). Também atualmente,
muitas empresas, especialmente as do segmento industrial, realizam todos os dias eventos semelhantes, de curta duração, no início de seus turnos, comumente designados como “DDS” (diálogo diário de segurança)
ou siglas semelhantes. A estrutura básica deste tipo de evento, conforme
Giacomo e Shcrek, consiste em orientar os líderes (chefes, supervisores,
gestores) a parar as atividades de toda a sua equipe e promover uma
rodada de conversa sobre a importância da segurança no trabalho e sobre como cada um pode reduzir os riscos de acidentes. E para orientar
os líderes nestas situações, a mineradora desenvolveu uma ferramenta
própria para os gestores: “vimos que era preciso auxiliar o líder com um
Fachada é “parte do desempenho do indivíduo que funciona regularmente de
forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que observam da representação” (GOFFMAN, 1996, p.29), podendo conter elementos conscientes ou não.
11
874
roteiro para a conversa...” (GIACOMO; SCHREK, 2013, p. 66). Desta forma, a organização utiliza mais uma ferramenta na tentativa de assegurar que a conscientização acerca de seus temas importantes chegará a
todos os níveis de pessoal por meio da interação. E isso se dá sem sobrecarregar o gestor com tarefas que ele provavelmente não desempenharia bem sem orientação, como o levantamento dos dados que a empresa
dispõe e questões específicas sobre segurança, por exemplo.
O relato do texto nos leva a crer que o papel do gestor neste exemplo seja o de traduzir a informação, e talvez de realizar uma escuta ativa
capaz de entender possíveis dificuldades dos empregados na manutenção de sua própria segurança. Porém, não temos informação suficiente,
no texto referido, que nos permita avaliar se – de fato – o evento proporciona o diálogo e participação. Cabe lembrar, a simples realização do
processo de comunicação que permita, por sua natureza original, interação presencial (e ativa) não é condição bastante para concluirmos que
esta comunicação se dê de forma participativa. Na postura dos gestores,
na condução do evento, na valorização dos assuntos e dos pontos levantados pelos empregados em equiparidade aos que são trazidos pela
organização, a real natureza do processo comunicacional se revela.
Outro exemplo que trazemos é um episódio que ganhou notoriedade nas redes sociais e na mídia de massa no Brasil12 em janeiro de
2015: um ‘pronunciamento da enfermeira-chefe do Hospital de Base de
Brasília, seguido de um juramento para o qual a gestora convoca os empregados a repetirem frase por frase. O vídeo13 que registra esse fato te-
Matéria publicada no site www.g1.globo.com com link para a reportagem
exibida no telejornal Jornal Hoje está disponível em <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/01/no-df-chefe-faz-enfermeiros-jurarem-preservar-aparelho-em-hospital-video.html>. Além disso, outros telejornais de outras
emissoras de televisão também veicularam reportagem sobre o fato.
12
Ressaltamos que, como exemplo ilustrativo deste artigo, o episódio é considerado somente a partir de edição do vídeo disponível na Internet no site Youtube e nas matérias que foram ao ar em telejornais de audiência expressiva.
Entendemos, contudo, que uma correta análise sobre o fato, bem como sobre as
interrelações deste fato com a cultura naquela organização dependem de uma
pesquisa aprofundada e contextual junto aos representantes da organização e
13
875
ria sido gravado pela própria enfermeira-chefe, a partir de um aparelho
de celular, e postado em uma rede social. O conteúdo de tal pronunciamento e juramento está pautado, ao que se pode inferir, como uma tentativa de obter colaboração daquela equipe em relação à preservação
de um novo material – de valor financeiro considerável – que o hospital
recebera recentemente. No entanto, o uso de expressões imperativas; o
tratamento dispensado pela chefe à equipe (visto que apenas ela se pronuncia e os empregados têm de se submeter as suas ordens e repetir as
frases do juramento); a ausência de uma informação concreta que dê
conta de que equipamento está se tratando e para que este serve; o tom
lúdico, quase infantilizado, com que solicita a todos que ponham a mão
no coração para fazer o juramento e com o qual convoca a aceitação da
equipe; acreditamos ser suficientes para questionarmos se tal ação surtiu (ou surtirá) o efeito esperado.
Uma análise simples14, como a que nos propusemos nesta livre interpretação, é capaz de identificar inconsistências, como, por exemplo,
a chefe informar que se trata de um momento histórico para o hospital,
mas não fundamentar a importância do equipamento em questão (sua
relevância reside somente na alta cifra que custa), além disso, a gestora
aos seus empregados de diversos níveis. Enfatizamos: como exemplo para ilustrar a temática que abordamos neste trabalho, não consideramos o vídeo na
condição de mídia veiculada na televisão, até porque, nas matérias jornalísticas disponíveis sobre o fato, este encontra-se cortado em algumas partes, e ainda contextualizado com o script do âncora do programa, com a fala do repórter
e de pessoas entrevistadas que são envolvidas com o fato. Consideramos esta
postagem do vídeo, portanto, como registro de um momento não privado (já
que se tratava de uma reunião em grupo que foi filmada pela pessoa que a conduziu). Entendemos que esta postagem é uma versão mais completa do vídeo,
sem cortes entre as partes já veiculadas na mídia, uma vez que ângulo, local,
sujeitos, sons, tom de voz, tema e trechos são idênticos aos pedaços exibidos
nos telejornais como notícia.
Entendemos que, como exemplo ilustrativo, não cabe para o objetivo proposto
a este estudo uma análise aprofundada do discurso. Apenas a descrição de alguns
aspectos bastam para refletirmos sobre este fato na perspectiva de nosso objeto
que é o papel dos gestores na comunicação entre organização e empregados.
14
876
não esclarece como deve ser o cuidado com o equipamento, o que não
pode ser feito, se ele tem ou não funcionamento semelhante a outros
materiais já existentes no hospital. É possível ainda identificar um contexto de acusação para com os empregados, já que o juramento deixa
margem para o entendimento de que os enfermeiros são os culpados de
possíveis danos já existentes em equipamentos do hospital: “Eu juro que
nunca mais...” Além disso, parece ameaça aos empregados a declaração
em que a chefe afirma, caso ocorra dano ao equipamento, que “não será
nada boazinha”, fazendo parecer que a motivação para o funcionário
preservar os bens do hospital seja o medo de sofrer uma represália da
chefe e não a consciência sobre sua responsabilidade com o bem público. Diante destes aspectos, a definição mais aproximada – entre as
que descrevemos anteriormente – para o papel representado por esta
gestora neste ato comunicacional é a de transmitir unilateralmente a
vontade e o objetivo (que seria) da organização. Há poucos elementos
que exemplifiquem um papel de tradução, como na parte final do juramento, citando uma ação que não deve ser realizada pelos empregados
com o novo equipamento. Muito menos o papel de escuta pode ser percebido neste fato, já que os empregados não parecem ter espaço ou não
se sentem à vontade para se manifestar.
Importa ressaltar que não categorizamos esta iniciativa como
ruim. Pelo contrário, especialmente num momento em que casos sérios
de corrupção e lavagem de dinheiro estão em pauta no país, a ação de
conscientizar (ou de reforçar junto a) funcionários públicos sobre sua
responsabilidade com o patrimônio público é - no mínimo - louvável.
Mas, ainda que realizada com boas intenções, seus aspectos aqui relatados podem provocar questionamentos ou interpretações negativas sobre a consideração e o respeito da organização para com seus empregados; instauram a dúvida se ameaças, imposição, e a realização de ritual
em tom de brincadeira são suficientes para que a organização (ou a gestora) atinja o objetivo de preservar o equipamento. Segundo as matérias
veiculadas nos telejornais e nos sites de notícias, a Secretaria de Saúde
do Distrito Federal informou que o o ritual coordenado pela gestora foi
uma ação isolada (voluntária) da enfermeira. No entanto, mesmo que
esta não tenha sido uma estratégia planejada pela alta gestão do hospital ou pelos órgãos públicos de saúde, como representante da organi877
zação perante os empregados, a fala da gestora tende a ser interpretada
pelos seus interlocutores como a fala da organização.
CAMPO FÉRTIL PARA INQUIETAÇÕES
Ainda que os esforços de muitas organizações sejam voltados para
que a influência do gestor nos processos de comunicação resulte unilateralmente na obtenção dos resultados ( financeiros, de produção, estratégicos) da organização, a realidade socioeconômica, especialmente
no mundo capitalista, configura um novo perfil do trabalhador. Mesmo
que sujeitado ao poder simbólico e econômico da organização empregadora, este novo trabalhador tem condições intelectuais e políticas de
questionar muitas das normas e das ações realizadas pela organização
para a qual trabalha, o que tende a tornar a relação entre empregados
e organização mais participativa, mais coerente com posições e visões
que são antogônicas e interdepentes, cavando espaço para a compreensão mútua acerca das informações que permeiam o processo produtivo.
Como mediadores nessa relação, os gestores desempenham papel importante nos processos comunicacionais que se estabelecem,
disseminando e reforçando valores, normas, informações e atuando
na relação de forças que se dá entre estes sujeitos. Neste sentido, há
evidências de que algumas organizações já estão ocupando orçamento e tempo para munir os gestores de informações, bem como para
prepará-los em sua competência de comunicação. Mas, como num dos
exemplos citados, em alguns casos, os gestores ainda não parecem ser/
estar orientados sobre a responsabilidade e os desafios deste papel.
Além disso, ainda que orientada pela organização, a interação entre
gestores e empregados não pode ser totalmente planejada e controlada pela organização. Como uma manifestação da dimensão da organização comunicante (BALDISSERA, 2009b) ela compreende as subjetividades do gestor e de seus interlocutores, e a partir das diferentes
interpretações de acordo com a teia de significados e valores de cada
indivíduo. Nessa intermediação, o gestor pode assumir distintos papéis, os quais acolhem implícita ou explicitamente objetivos, funções,
lugares de fala. Como proposta de iniciar um levantamento sobre estes
possíveis papeis representados pelos gestores, nossa reflexão evidencia ainda espaço para outros estudos que visem investigar questões
878
como: os gestores das organizações têm noção de que devem/podem
desempenhar um papel na comunicação com empregados? Em caso
afirmativo, consideram-se preparados para esta responsabilidade?
Como se percebem desempenhando esse papel? Os gestores acreditam que a empresa lhes proporciona o acesso a ferramentas suficientes para o exercício dessa responsabilidade? Além disso, o aparente
investimento realizado por organizações para a capacitação dos gestores pode ser traduzido em desenvolvimento do gestor como sujeito
e como mediador de interesses e visões de mundo interdependentes,
ou como simples treinamento que aborda técnicas de convencimento
e persuasão? E finalmente, em que medida a atuação dos gestores nos
processos de comunicação entre a organização e empregados pode influenciar uma cultura organizacional que privilegie o diálogo, o senso
crítico e a participação?
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882
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A GESTÃO DA COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE RACIONALIZAÇÃO
DO TRABALHO: PRESCRIÇÕES DE RELAÇÕES PÚBLICAS NO BRASIL E
NA FRANÇA (ANOS 1930-1960)
Claudia Nociolini Rebechi1
RESUMO
Este artigo objetiva tratar sobre os ditames que nortearam a gestão da comunicação nas relações de trabalho
em organizações na primeira metade do século XX. Naquele
período, as formas de gerir o trabalho nas sociedades capitalistas foram orientadas pelos princípios do ideário taylorista/fordista e da Escola das Relações Humanas. Dentro
desse cenário de racionalização do trabalho, os ditames da
gestão da comunicação em organizações foram influenciados por esses mesmos princípios, produzindo prescrições
que procuravam mediar as relações entre trabalhadores e
empresas e entre chefias e subordinados no ambiente interno organizacional. Trata-se de parte dos resultados de
nossa tese de doutorado, que realizou uma ampla pesquisa
em arquivos brasileiros e franceses para identificar e analisar as prescrições de relações públicas em diálogo com o
discurso da racionalização do trabalho.
Palavras-chave: gestão da comunicação; racionalização do trabalho; prescrições de relações públicas; Brasil;
França.
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da
ECA-USP. Pesquisadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da
ECA-USP. Professora do Departamento de Comunicação - Centro de Educação,
Comunicação e Artes (CECA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: nociolini@hotmail.com.
1
INTRODUÇÃO
Na primeira metade do século XX, os princípios da racionalização do trabalho - representados pelas filosofias taylorista/fordista e da
Escola das Relações Humanas - mostraram-se fundamentais na constituição das formas de gestão do trabalho em organizações. Conhecidos
como parte integrante do ideário da «Organização Científica do
Trabalho», esses princípios foram difundidos amplamente em sociedades capitalistas com processos mais avançados de industrialização
e também em outras que ainda estavam em fase inicial de desenvolvimento urbano-industrial, a exemplo do Brasil à época.
Em ambos os casos, a doutrina da racionalização do trabalho foi
admitida pela classe dirigente - formada por empresários, intelectuais
e políticos - como a mais adequada para controlar a realização e a eficiência do trabalho nos ambientes produtivos e apaziguar os conflitos
existentes nas relações de trabalho. Tendo isso em vista, entidades promotoras da racionalização do trabalho foram criadas em vários países
com o propósito de difundir os preceitos da «Organização Científica do
Trabalho» e de tentar convencer a opinião pública a aceitar os princípios da «administração científica» como os mais adequados para a administração de organizações.
Para desempenhar esse papel no Brasil, foi criado o Instituto de
Organização Racional do Trabalho (IDORT), que, entre as décadas de
1930 e 1960, mostrou-se bastante atuante. Dirigida e apoiada por membros da burguesia industrial, essa entidade procurou organizar e difundir um amplo conjunto de informações sobre a “Organização Científica
do Trabalho”, além de possibilitar o compartilhamento de conhecimento entre os interessados na questão. Dentro dessa perspectiva, o IDORT
promoveu várias campanhas nacionais e organizou jornadas e congressos internacionais, bem como realizou diversas consultorias para empresas privadas e órgãos governamentais.
O IDORT, no entanto, não era uma entidade isolada no Brasil. Ao
longo de sua trajetória, o Instituto manteve uma relação estreita com
entidades congêneres no exterior, por meio de sua integração ao movimento internacional de organização racional do trabalho, coordenado
pelo Comité International de l´Organisation Scientifique (CIOS), criado
884
na década de 1930, em Paris. Não por acaso, na primeira metade do século XX, estabeleceu-se um intercâmbio de informações entre organismos nacionais semelhantes ao IDORT, de diversos países, em torno da
corrente de pensamento centrada no delineamento e na difusão da combinatória de métodos e princípios baseada nos ditames da “Organização
Científica do Trabalho”, que, por sua vez, focalizava a criação de parâmetros “científicos” e “racionais” para a organização e a gestão do trabalho.
Tais parâmetros, propagados pelas entidades ligadas ao CIOS, impuseram uma nova lógica às relações de trabalho nas empresas. Nessa
direção, um arsenal de dispositivos foi instaurado a favor da racionalização dos processos produtivos, em especial, aquele direcionado às relações entre indivíduos, grupos e classes no ambiente de trabalho. Uma
nova conformação dos relacionamentos entre os diversos níveis hierárquicos mostrou-se essencial para o “bom” funcionamento das organizações, conforme a ótica do patronato. As relações entre chefias e subordinados, trabalhadores e o comando da empresa e entre os próprios
trabalhadores ganharam uma nova dimensão.
Dentro desse contexto, as entidades promotoras da racionalização do trabalho, como o IDORT, contribuíram para a produção e disseminação de novos modos de regulação social nas empresas, dentre os
quais aparece o uso da comunicação.
Por meio de um levantamento exaustivo de material produzido
pelo IDORT - textos de sua revista institucional e apostilas dos cursos de
relações públicas promovidos pelo Instituto -, foi possível identificar um
conjunto de prescrições que orientaram a gestão da comunicação nas
relações de trabalhos em organizações da época.
Ademais, a análise desse material revelou que as prescrições de
comunicação em organizações difundidas pelo Instituto brasileiro poderiam estar integradas a um discurso de racionalização compartilhado
por outras entidades estrangeiras que atuavam de forma correlata a ele.
A partir disso, optamos por concentrar nossos esforços, durante certo
momento de nossa pesquisa, em identificar e analisar as prescrições
de relações públicas e, consequentemente, de comunicação em empresas, disseminadas por duas entidades congêneres do IDORT na França:
o Comité National de l´Organisation Française (CNOF) e a Commission
Générale d´Organisation Scientifique (CEGOS). Durante nosso estágio
885
doutoral (doutorado-sanduíche) na cidade de Paris, realizamos um
aprofundado levantamento de textos sobre relações públicas publicados
por ambas as entidades francesas. Coletado sobretudo na Bibliothèque
nationale de France (BnF), esse material revelou muitos pontos de contato entre os ditames presentes no discurso do IDORT e das entidades
francesas CNOF e CEGOS.
Desse modo, os resultados de nossa pesquisa mostram que há
convergências importantes entre as abordagens brasileira e francesa sobre a gestão da comunicação no trabalho, evidenciadas sobretudo no
material analisado da década de 1950.
Dentro desse contexto, este artigo procura trazer informações
fundamentais para o conhecimento e a compreensão dos ditames que
nortearam a gestão da comunicação nas relações de trabalho em organizações, em especial no Brasil, na primeira metade do século XX.
Trata-se de reflexões integrantes de nossa tese de doutorado, que
se propôs a estudar as prescrições de comunicação em relação aos princípios da racionalização do trabalho, orientadores da principal lógica
de organização e gestão do trabalho em empresas no Brasil, no período
de 1930 a 1960, tendo por base o discurso do Instituto de Organização
Racional do Trabalho (IDORT).
As análises dispostas no estudo demonstram a plausibilidade de
duas hipóteses que guiaram a tese: o desenvolvimento da atividade de
relações públicas no Brasil recebeu influência dos princípios da racionalização do trabalho admitidos pelo IDORT e a gênese das prescrições
de comunicação nas relações de trabalho em organizações apresenta
relação direta com os mesmos princípios. A tese referida intitula-se
“Prescrições de comunicação e racionalização do trabalho: os ditames
de relações públicas em diálogo com o discurso do IDORT (anos 19301960) e foi defendida recentemente, em abril de 2014, no Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São
Paulo (PPGCOM da ECA-USP). Esse estudo foi financiado pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio de
concessão de bolsa de doutorado.
Para este artigo, optamos por apresentar e discutir, mesmo que
de modo sucinto, sobre os ditames que orientaram as prescrições de relações públicas identificados no material levantado, considerando que
886
essas prescrições são representativas do modelo de gestão da comunicação nas relações de trabalho em organizações admitido na primeira
metade do século XX.
Diante disso, a composição deste artigo apresenta três momentos. Inicialmente, mostraremos o percurso de investigação da pesquisa
em arquivos brasileiros e franceses. Em seguida, trataremos das filosofias de trabalho constituintes do processo de racionalização, que nortearam a gestão da comunicação nas relações de trabalho à época. E,
por fim, discutiremos sobre parte das prescrições de relações públicas
identificadas e analisadas na tese.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA EM ARQUIVOS BRASILEIROS E FRANCESES
Nosso estudo guiou-se, em grande medida, pela investigação em
arquivos que oferecessem material suficiente para criarmos o corpus da
pesquisa sobre as prescrições de comunicação em organizações no contexto da racionalização do trabalho.
Tendo isso em vista, tomamos conhecimento do «fundo IDORT»,
conservado pelo Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). Constituído por um extenso conjunto de documentos, doado pelo próprio IDORT à UNICAMP na década de 1980, o
acervo foi disponibilizado para consulta pública no início dos anos 1990,
após ter sido inventariado sob a coordenação do professor, sociólogo
e estudioso do mundo do trabalho Ricardo Antunes. A documentação
contempla relatórios e correspondências da entidade com data entre
1931 e 1961, apostilas produzidas a partir dos cursos oferecidos pelo
IDORT (de temas variados) e sua participação em diversos eventos no
período de 1934 e 1974. O AEL também guarda grande parte dos números da revista institucional publicada pelo IDORT, desde 1932 até final
da década de 1950.
Dentre todo esse material produzido pelo IDORT, dois documentos mostraram-se fundamentais para a composição do corpus de nossa
pesquisa: os textos sobre relações públicas publicados na revista institucional do Instituto e as apostilas produzidas com base nos cursos de
relações públicas promovidos pela entidade.
887
Quanto à revista institucional do IDORT, consultamos todos os
números publicados entre 1932 e 1959. O AEL da UNICAMP foi a principal fonte de levantamento do material no Brasil, mas não a única. Apesar
desse Arquivo contemplar boa parte da coleção da revista do IDORT, ele
dispõe dos números publicados até o ano 1957. Com base nessa realidade, foi preciso consultar acervos de outras instituições para continuar a
investigação, haja vista que o objetivo era realizar um levantamento de
textos que contemplasse todos os número do periódico até final da década de 1960. Desse modo, essa etapa continuou na Biblioteca da FEAUSP, onde pudemos acessar os números da revista publicados entre
1958 e 1969, com exceção dos anos 1963 e 1966. Especificamente quanto
a esses dois anos, ainda foi preciso consultar o acervo da Biblioteca do
Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP.
Já no que se refere às apostilas de relações públicas, identificamos
doze delas, produzidas e difundidas nos anos 1950 e 1960, cujas referências são: (a) curso de iniciação às relações públicas (autoria: Mario Sassi);
(b) curso de relações públicas (autoria: Celso Lobo da Costa Carvalho);
(c) curso de relações públicas - nível I (autoria: Candido Teobaldo de
Souza Andrade); (d) curso de relações públicas - nível II, duas versões
com datas distintas, provavelmente porque o curso foi ministrado mais
de uma vez (autoria: Candido Teobaldo de Souza Andrade); (e) curso de
relações públicas - nível III, duas versões com datas distintas (autoria:
Candido Teobaldo de Souza Andrade); ( f) curso de relações públicas
e comunicação com o pessoal (autoria: Candido Teobaldo de Souza
Andrade e Joel Barbosa); (g) Curso de relações públicas na Força pública
de São Paulo (autoria: Amaury Morais de Maria); (h) Curso de relações
públicas, sendo que são duas apostilas com datas distintas, mas do mesmo autor (autoria: Amaury Morais de Maria); (i) curso de relações públicas (autoria: Rubens José de Castro Albuquerque).
Todo esse material levantado em acervos brasileiros, de fato, pode
ser considerado o principal corpus da pesquisa, pois é por meio dele que
conseguimos criar um percurso de análise e de interpretação coerente
com os objetivos e as hipóteses da tese.
A leitura desse material, no entanto, nos instigou a continuar mais um pouco esse trabalho de identificação e de coleta de documentos que poderiam contribuir para a discussão central da pesquisa.
888
Enquanto tomávamos conhecimento da trajetória do IDORT, soubemos
que o Instituto brasileiro participava ativamente do movimento mundial de racionalização do trabalho liderado inicialmente pelo Institut
International d’Organisation Scientifique du Travail (IIOST) (até 1934)
e posteriormente pelo Comité International d´Organisation Scientifique
(CIOS). Tratava-se de um movimento que congregava várias entidades
congêneres do IDORT, de nacionalidades distintas, com o propósito
principal de criar um discurso hegemônico sobre a racionalização por
meio do intercâmbio de informações entre elas. Dentre as entidades estrangeiras, duas despertaram nossa atenção por demonstrarem interesse na atividade de relações públicas: o Comité National de l’Organisation
Française (CNOF) e a Commission Générale d’Organisation Scientifique
(CEGOS). Ambas, entidades francesas, assim como o IDORT e no mesmo período - anos 1950 e 1960 - desenvolveram ações para divulgar as
relações públicas dentro do propósito da racionalização do trabalho,
aliando o uso da comunicação que essa atividade propunha aos princípios da «Organização Científica do Trabalho».
Diante disso, fizemos um estágio de pesquisa na cidade de Paris,
França, para realizar um levantamento de documentos produzidos pelo
CNOF e pela CEGOS no que diz respeito às relações públicas. Nosso estágio
de pesquisa doutoral na França foi financiado pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio de concessão de bolsa
de doze meses (proc. 2012/ 04335-4), de julho/2012 a agosto/2013.
Ainda no Brasil, investigamos as bases digitais de acervos franceses e descobrimos a existência de material produzido pelas entidades
disponível para consulta na Bibliothèque nationale de France (BnF). Após
conseguirmos superar os procedimentos burocráticos de acesso ao material na BnF, pudemos utilizar seu espaço reservado aos pesquisadores
e iniciar a identificação dos textos. Consultamos uma série de documentos produzidos pelo CNOF e pela CEGOS e identificamos aqueles que
tratam sobre relações públicas. O resultado dessa investigação inicial
revelou-se positivamente acima da expectativa prevista no plano inicial.
No caso do CNOF, seu periódico Revue mensuelle de l’organisation
mostrou integrar textos diretamente relacionados ao assunto. Diante
disso, realizamos a leitura de todos os números dessa revista mensal do
período de 1950 a 1969 e separamos os textos que, à primeira vista, inte889
ressavam à pesquisa. A lista completa dos textos levantados nos acervos
brasileiros e franceses está disponível em nossa tese, que pode ser acessada no site “Teses USP”.
Quanto à CEGOS, descobrimos duas valiosas publicações de sua
autoria, oriundas de jornadas de relações públicas que promoveu nos
anos 1950. Trata-se de publicações que reúnem um conjunto de textos
dos conferencistas que participaram desses eventos:
1) Les journées d´études de la Cégos: 20, 21, 22 avril 1953. Pratiques des relations publiques: experiénces. Paris: Éditions Hommes et Techiniques, 1953.
2) Les journées d´études de la Cégos: 6 et 7 avril 1959. Techniques
actuelles de relations publiques. Neuilly - sur-Seine: Éditions
Hommes et Techiniques, 1959.
O levantamento documental, tanto no Brasil como na França, foi
fundamental no desenvolvimento da íntegra da pesquisa. Optou-se por
explorar o corpus de modo que ele aparecesse como motriz das análises
realizadas e como elemento imprescindível para a mobilização dos objetivos e das hipóteses do estudo ao longo do desenvolvimento da tese.
Decidiu-se pelo modo de tratamento desse material - parte do
corpus da pesquisa integral - que não se limitasse ao ponto de vista já estabelecido por seu conteúdo. Tratar o corpus como um conjunto de textos que transmitem ideias pré-concebidas e procurar descrevê-los para
ilustrar seus dizeres não seria suficiente aos objetivos e às hipóteses da
pesquisa. Dentro dessa abordagem, é possível dizer que a forma escolhida para a mobilização do corpus, de certo modo, filia-se aos princípios
gerais da Análise do Discurso de linha francesa (AD), embora não seja
uma pesquisa de AD stricto sensu.
A Análise do Discurso é admitida no desenvolvimento do percurso teórico-metodológico da pesquisa em questão devido ao olhar específico que ela coloca nos textos, mostrando a relevância de tentar compreendê-los dentro do contexto sócio-político e ideológico que produz
sua discursividade.
Pode-se afirmar que os princípios da Análise do Discurso apresentam-se significativos na medida em que contribuem para a constituição de uma prática de leitura do material levantado coerente com os
propósitos da pesquisa. Concordamos, por exemplo, com a linguista Eni
890
Orlandi, uma das principais difusoras dos conceitos da AD no Brasil,
quando ela afirma que «a natureza dos materiais analisados, a questão
colocada, as diferentes teorias dos distintos campos disciplinares - tudo
isso constitui o dispositivo analítico» (ORLANDI, 1999, p. 28).
A leitura dos textos levantados e uma análise inicial, dispostas a
compreender esse material na sua integralidade, revelou uma convivência bastante curiosa entre a noção de relações públicas e os princípios
da racionalização do trabalho. Verificou-se a presença de um ponto de
vista sobre essa questão já articulado pelo próprio material. Dito de outro
modo, havia um determinado entendimento sobre essa inter-relação já
posto pelos dizeres dos textos. Por outro lado, procurou-se não admitir
tal ponto de vista como o único possível de se analisar, de modo que não
fossem ignoradas outras possibilidades de entendimento das prescrições
de relações públicas dentro do contexto da racionalização do trabalho, os
quais não são sempre colocados em evidência pelo material.
A GESTÃO DO TRABALHO SOB A FILOSOFIA DA «ORGANIZAÇÃO
CIENTÍFICA DO TRABALHO»
As entidades promotoras da racionalização do trabalho propagavam a ideia de determinação «científica» das formas de organização e
gestão do trabalho, pois consideravam que somente o planejamento e a
realização do trabalho baseados em técnicas e princípios estabelecidos
pela gerência e pelos controladores do capital seriam os mais eficientes
para o aumento da produtividade dentro das empresas.
Conforme essa abordagem, a lógica de administração do trabalho aceita e difundida pelo IDORT e pelas entidades francesas CNOF e
CEGOS esteve baseada em ditames estabelecidos por uma certa racionalidade considerada a mais adequada aos objetivos de modernização
das relações de produção. O ideário taylorista, nesse sentido, mostrou-se
como a opção mais favorável aos interesses da classe industrial, numa
ajustada compatibilidade com o projeto de expansão do capitalismo naquele momento.
Entretanto, outras doutrinas desenvolvidas e disseminadas, sobretudo na primeira metade do século XX, também foram reconhecidas pelas entidades promotoras da racionalização do trabalho como aliadas a
uma ordem social, considerada necessária para o acúmulo de capital e
891
para a industrialização do país. Duas delas mostraram-se importantes: o
fordismo e a Escola das Relações Humanas. Trata-se de doutrinas que,
juntamente com o taylorismo, mobilizaram ditames e técnicas motrizes
desse intenso processo de racionalização do trabalho. No cruzamento de
fundamentos e intenções em comum de tais formas de gestão e organização do trabalho, padrões e normas são estabelecidos pela sociedade.
É sabido que a doutrina da «administração científica» ou
«Organização Científica do Trabalho», muito propagada pela expressão
«taylorismo», devido ao seu criador, o norte-americano Frederick Winslow
Taylor (1856-1915), estabeleceu, no final do século XIX, um ideário seguido
e ratificado, em muitos de seus aspectos, por outras tendências.
Tendo em vista o propósito de aumentar o rendimento dos trabalhadores em prol do aumento da produtividade na empresa norte-americana em que atuava como contramestre - a Midvale Steel -, Taylor estabeleceu parâmetros para a organização e gestão do trabalho que seriam
conhecidos e aplicados em outros organismos e em outros países, além
dos Estados Unidos, tempos depois. Trata-se de princípios e métodos
(técnicas) que fazem da «administração científica» um sistema racionalizador do trabalho com algumas distinções significativas dos sistemas
de administração precedentes a ele.
Em sua obra mais célebre, intitulada «Princípios da administração científica», Taylor esforça-se por sistematizar seu pensamento e
apresenta ao leitor os fundamentos de sua filosofia. Filosofia, esta, centrada especialmente na relação de «cordialidade» entre aqueles que
«planejam» e os que «executam» o trabalho (TAYLOR, 2013).
Recomenda-se, dentro da ótica taylorista, que cada tarefa a ser
desempenhada pelo trabalhador seja inteiramente pensada pela gerência. Deve-se detalhar a tarefa ao especificar o que fazer, como fazer e em
quanto tempo realizar. À direção é atribuída toda a responsabilidade
de pensar, de antecipar a realização do trabalho de seus subordinados:
«quase todos os atos dos trabalhadores devem ser precedidos de atividades preparatórias da direção, que habilitam os operários a fazerem
seu trabalho mais rápido e melhor do que em qualquer outro caso»
(TAYLOR, 1987, p. 43).
Taylor compreendia o princípio da separação entre concepção e
execução do trabalho como uma forma de «cooperação» entre a dire892
ção e o trabalhador, essencial à «administração científica». Enquanto
a direção ficasse responsável por planejar o trabalho, os trabalhadores
contribuiriam com a sua execução mais fiel possível ao que lhe foi instruído, pois: «um tipo de homem é necessário para planejar e outro tipo
diferente para executar o trabalho» (TAYLOR, 1987, p. 52). Nessa perspectiva, simplifica-se o trabalho em instruções consideradas possíveis
de serem compreendidas e assimiladas pelo trabalhador. O indivíduo,
em última instância, é considerado um ser incapaz intelectualmente de
pensar o processo de trabalho e de realizá-lo sem o auxílio da gerência.
Frederick W. Taylor insiste que a «administração científica» exige
«cooperação íntima e cordial» na nova divisão de responsabilidades entre
aqueles que planejam e os que devem executar o trabalho. Esse sistema
compreenderia uma combinação complexa de elementos que demanda
«harmonia, em vez de discórdia», «cooperação, não individualismo», enfim, «ciência, em lugar de empirismo» (TAYLOR, 1987, p. 128).
No caso do Brasil, quando se toma conhecimento do percurso do
IDORT, é de se supor que o taylorismo difundiu-se por meio da atuação
de industriais paulistas, a partir do começo dos anos 1930. Mas, conforme indica Nilton Vargas (1985), é a partir dos anos 1950 que os princípios tayloristas são apropriados, de modo mais evidente, pela classe
dirigente nacional. Os aspectos do ideário taylorista eram considerados
úteis para a elaboração de uma ideologia adequada à proposta de uma
sociedade industrial, urbana, calcada no modelo capitalista e em suas
exigências de produção e acúmulo de capital. A formação e a reprodução de mão de obra nacional era, dentro desse contexto, um dos elementos de maior interesse à classe dirigente.
Outro engenheiro norte-americano e contemporâneo de Frederick
W. Taylor também esteve interessado em criar fundamentos e métodos
para submeter o trabalhador a modos de trabalhar extremamente racionalizados de maneira «consensual». Trata-se de Henry Ford (18621947), que, assim como Taylor, procurou criar parâmetros para planejar
e controlar o processo de trabalho.
Significativo aspecto do ideário de Ford dizia respeito a como
«educar» a mão de obra a fim de adaptá-la ao seu método de produção,
que exigia grande disciplina e engajamento físico e psíquico do trabalhador para um melhor desempenho em termos de produtividade. As
893
«iniciativas educativas» propagadas pelo Fordismo, conforme expressão cunhada por Gramsci (2008), referem-se às maneiras pensadas pela
classe empresarial para aumentar o dito «bem-estar» social da classe
trabalhadora como uma maneira de conseguir mais engajamento de sua
parte no rendimento do trabalho. Serviços sociais e atividades de recreação e lazer começaram a ser oferecidos aos trabalhadores na tentativa
de impor a eles valores considerados adequados pela classe dirigente.
Conforme lembra José Roberto Heloani (1994), o modelo fordista não se
preocupava somente em disciplinar a força de trabalho dentro do espaço fabril, mas, inclusive, estendia-se fora dele.
Assim como Taylor, Ford procurou aumentar a especialização das
tarefas no trabalho, simplificando-as a tal ponto que qualquer pessoa
poderia executá-las a partir de instruções, das normas emitidas, pelos
empregadores. Ambos mostraram-se pouco valorizadores da especificidade humana na realização do trabalho e ignoravam o ponto de vista do
trabalhador no processo de trabalho.
O processo de racionalização do trabalho do sistema taylorista/
fordista apresenta características de cunho essencialmente mecanicistas. Sob essa ótica, o ser humano é compreendido, sobremaneira, por
meio de aspectos fisiológicos, econômicos e técnicos.
No período entre as Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, entretanto, as condições de trabalho e o trabalhador foram investigados
em outra perspectiva. Para um grupo de pesquisadores norte-americanos interessava estudar o que chamaram de «fator humano» dentro do
processo produtivo.
Uma série de experiências com o propósito de analisar o indivíduo
no trabalho foram realizadas na usina de Hawthorne da Western Eletric
Company, entre 1924 e 1932. Algumas dessas experiências foram dirigidas por engenheiros do Massachussett Institute of Technology. As mais
conhecidas dessas são as investigações coordenadas por Elton Mayo,
que, posteriormente, tornariam referência para inúmeros estudos de
sociologia do trabalho, da sociologia industrial e da psicossociologia.
Em especial, os experimentos de Mayo originaram a Escola das
Relações Humanas, cujos fundamentos configuraram as diretrizes
de gestão de pessoal associada às políticas do management, a partir
dos anos 1940. Essa tendência buscava agir sobre o comportamento
894
e a motivação dos trabalhadores a fim de explorar a dimensão social
das relações entre os indivíduos e o sistema produtivo nas empresas
(DESMAREZ, 1986).
O trabalhador, na perspectiva das «relações humanas», deveria
ser compreendido como um ser humano constituído de «sentimentos»
e com necessidades «psicológicas» e «sociais» que ultrapassam necessidades econômicas e materiais, tais como o recebimento de um salário
ou de gratificações financeiras relacionadas ao rendimento de seu trabalho (PILLON; VATIN, 2003). Tendo isso em vista, questões subjetivas
como o comportamento e a motivação dos trabalhadores tornaram-se
centrais no contexto da racionalização do trabalho.
Aparentemente, pode-se supor que o movimento das «relações
humanas» é considerado uma reação ou uma oposição aos princípios e métodos tayloristas. No entanto, Desmarez (1986), assim como
Braverman (1987), questionam esse posicionamento. Ambos compreendem que tal perspectiva complementa a doutrina da «administração
científica». Pois ela não critica os fundamentos desse tipo de organização do trabalho, mas, sim, os meios de submeter os trabalhadores a
essa lógica. O processo de organização e gestão do trabalho trazido pelo
taylorismo é considerado algo inelutável. A preocupação de Elton Mayo
e sua equipe seria, portanto, de oferecer instrumentos para a «gestão
social» dos trabalhadores face ao modo de realizar o trabalho, num contexto já estabelecido pela «administração científica».
Pode-se dizer que, de modo adaptado aos contextos sociopolítico
e econômico do Brasil e da França, todas essas filosofias de gestão do
trabalho foram assimiladas e propagadas pelo IDORT e pelas entidades
francesas CNOF e CEGOS, cujos princípios influenciavam as formas de
gestão e organização do trabalho e de controle social das relações entre
trabalhadores e a direção de empresas praticadas por parcela significativa do empresariado. Nesse sentido, o encontro do IDORT, do CNOF e
da CEGOS com a atividade de relações públicas, sobretudo a partir dos
anos 1950, mostrou-se representativo dentro desse cenário.
PRESCRIÇÕES DE RELAÇÕES PÚBLICAS NA GESTÃO DO TRABALHO
Conforme indicado antes, a atuação similar, e, sobretudo, dentro
de um mesmo período histórico, do IDORT e das entidades francesas
895
CNOF e CEGOS na difusão dos princípios de relações públicas não se
trata de uma mera coincidência.
Pode-se dizer que o interesse comum dessas entidades promotoras
da racionalização pelas relações públicas deu-se, principalmente, devido
ao teor da natureza «conciliadora» dessa atividade que se formulava naquela época. A incorporação de princípios e métodos, alinhados às doutrinas da «Organização Científica do Trabalho», por organizações privadas e
governamentais acirravam os conflitos no contexto da gestão do trabalho.
Não surpreendentemente, os trabalhadores resistiram a certos modos de
realização do trabalho e de comportamentos impostos a eles. Tendo isso
em vista, a filosofia de «harmonização» admitida pelas relações públicas
mostrava-se conveniente à necessidade do processo de racionalização de
amenizar os embates nas relações internas aos espaços produtivos.
Seja no Brasil ou na França, o discurso sobre a relevância das relações públicas à conformação de determinadas formas de gestão do trabalho, filiadas às doutrinas taylorista, fordista e da Escola das Relações
Humanas, foi constituído com base em aspectos basilares da atividade difundidos em ambos os países. Mais especificamente na década de
1950, influentes propagadores das relações públicas justificavam a coerência da filosofia das relações públicas aos princípios da racionalização do trabalho.
No caso do Brasil, por exemplo, o norte-americano Eric Carlson,
consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) e especialista em
relações públicas, esteve no país, no ano de 1953, para ministrar cursos
e conferências sobre o tema. Em conformidade com a configuração do
entendimento sobre gestão do trabalho que se formou após o final da
Segunda Guerra Mundial, atualizada com base em orientações de gestão de pessoas menos autoritárias e mais integradas aos aspectos “psicológicos” do trabalhador, isto é, às orientações constituídas em acordo
à filosofia das “relações humanas”, Carlson apresenta as relações públicas aos membros do IDORT como a atividade que poderia ajudar a administrar o “fator humano” nas relações de trabalho.
Foram três as conferências concedidas pelo norte-americano aos
membros do Instituto na ocasião de sua vinda ao Brasil. Carlson havia
sido convidado para ministrar um curso específico de relações públicas na Escola Brasileira de Administração Pública (Ebap) da Fundação
896
Getúlio Vargas, localizada na cidade do Rio de Janeiro, estendendo sua
estadia a convite de membros do Instituto, para visita à cidade de São
Paulo. Com o apoio da empresa São Paulo Trainway, Light and Power
Companhia Ltda. ( futura Eletropaulo), o IDORT promoveu as seguintes
palestras de Eric Carlson nos dias 6, 7 e 10 de julho de 1953, no auditório
do Banco Nacional Interamericano: (1) O papel das relações públicas na
racionalização do trabalho; (2) Relações públicas e suas responsabilidades na administração e organização administrativa; e (3) Criação de
um clima de opinião pública favorável à produtividade e ao trabalho de
cooperação entre a administração e os trabalhadores.
Já na França, em 1951, Lucien Matrat, em parceria com Alec Carin,
publicou uma obra considerada pioneira no contexto dos estudos sobre
as relações públicas. Intitulado Les public-relations: moteur de productivité, esse livro procurou mostrar argumentos que, segundo seus autores,
poderiam demonstrar a relação direta entre a atividade de relações públicas e o aumento de produtividade nas empresas. Convém notar que,
dentro desse propósito, tal publicação traz questões que revelam, de certa
forma, o entendimento que se demonstrava à época sobre as orientações
de relações públicas no tocante à administração das relações de trabalho.
Pode-se dizer que as recomendações de relações públicas difundidas por Eric Carlson, no Brasil, e por Lucien Matrat, na França, fazem
parte de um contexto mais abrangente de orientações de comunicação
nas relações de trabalho em organizações, que foram produzidas e postas em circulação por um conjunto de indivíduos e instituições num momento decisivo de (re)configuração da racionalização do trabalho em
ambos os países.
O material produzido pelo IDORT, pelo CNOF e pela CEGOS - levantado em nossa pesquisa - indica uma série desses ditames de relações públicas adequados aos princípios da racionalização do trabalho.
Trata-se de preceitos que procuram conceber um conjunto de valores
sociais e de regras de comportamento aos trabalhadores, dentre os mais
diversificados níveis hierárquicos. Estamos falando de “prescrições” que
compõem o discurso de comunicação nas relações de trabalho em organizações, produzidas no embate de relações de produção e de força
engendrado em condições sócio-econômicas e políticas determinadas
pelo curso da história. Isto é, são enunciados compostos, dispostos e di897
fundidos em campos de trocas simbólicas, materializados em discursos
que, no caso de nosso estudo, são representativos de um tipo de compreensão sobre a gestão da comunicação atrelada aos princípios da racionalização do trabalho em empresas.
Tendo isso em vista, tratar de prescrições de relações públicas é
falar de recomendações e orientações consideradas obrigatórias para a
conformação de um determinado modo de pensar e ordenar as relações
sociais em situações de trabalho.
Yves Schwartz e Louis Durrive (2010) explicam que a realização
do trabalho demanda sempre “um prescrito, um conjunto de objetivos,
de procedimentos, de regras - relativos aos resultados esperados e às
maneiras de obtê-los. Quem prescreve? Em termos gerais, é a sociedade
quem prescreve” (SCHWARTZ, DURRIVE, 2010, p. 68).
Admitir que é a sociedade quem prescreve o trabalho é levar
em conta que o trabalhador está sempre suscetível às várias pressões
e injunções, de origens variadas, que influenciam os objetivos a serem alcançados e as formas de consegui-los na realização do trabalho
(DANIELLOU, 2002).
As prescrições de relações públicas, alinhadas à essa abordagem,
podem ser consideradas prescrições sob o “modo de pensar”, conforme
ideia pensada originalmente por François Daniellou (2002).
Sob essa perspectiva, apresentaremos, de modo sucinto, algumas
dessas prescrições identificadas no corpus de nossa pesquisa.
No que diz respeito aos textos publicados pelo CNOF e pela
CEGOS, observa-se uma série de posicionamentos políticos compartilhados entre seus produtores. Seus modos de conceber a vida em sociedade denunciam uma ideologia integrada à tentativa de escamotear os
conflitos presentes nas relações entre capital e trabalho. Percebe-se um
cenário construído em torno de ditames progressistas e civilizatórios
que conduzem a pontos de vista defendidos como positivos ao bem-estar do homem na sociedade. Porém, o confronto entre os indivíduos
é reprovado e contesta-se, num cunho plenamente moralista, qualquer
comportamento ou atitude que possa lançar discórdia na sociedade e
nas empresas. Existe uma tentativa contínua de evitar situações de tensão. Ao mesmo tempo, reivindica-se mais atenção às condições dos indivíduos nas organizações; àqueles que propiciam sua existência e o seu
898
funcionamento. As recomendações quanto ao tratamento que deve ser
dado aos trabalhadores são formuladas em torno de ditames, tais como:
mais atenção às suas necessidades psicológicas, mais respeito e dignidade, menos atitudes autoritárias e coercitivas. É como se houvesse um
desejo generalizado por criar um contexto nas organizações, livre de
agitações e de perturbações. Seria a formulação de um ambiente de harmonia, em que os indivíduos possam concentrar todos os seus esforços
na realização de seu trabalho de modo a serem os mais eficazes possível.
A atividade de relações públicas e o uso da comunicação nas organizações são apropriados como uma maneira eficiente de acomodar e
fazer valer todas essas condições em favor de uma conjuntura pensada a
partir dos princípios da racionalização do trabalho.
Dentre as prescrições identificadas no material francês são recorrentes as seguintes: (1) apelo à «verdade», ou seja, as relações entre os
homens na sociedade, entre o Estado e os cidadãos, entre empresas e
trabalhadores deveriam estar pautadas por uma espécie de honestidade
e de transparência; (2) objetividade da informação; (3) funcionário permanentemente informado sobre o funcionamento da empresa; (4) diálogo entre trabalhadores e o comando das organizações e entre chefias
e subordinados; (5) a atividade de relações públicas e a comunicação
consideradas um novo meio de administração da empresa.
No que se refere ao material brasileiro, em especial às apostilas
oriundas dos cursos de relações públicas promovidos pelo IDORT, pensamos em seis categorias de análise das prescrições de relações públicas
oriundas da análise do corpus em questão que, a nosso ver, são capazes
de potencializar reflexões fundamentais quanto à constituição dessas
prescrições em relação ao discurso de racionalização do trabalho difundido e legitimado pelo IDORT no Brasil.
As categorias de análise propostas foram as seguintes: 1) relação
entre as organizações e seus empregados por meio de interesses mútuos;
2) «boas relações» entre chefias e subordinados; 3) identificação dos interesses dos trabalhadores; 4) garantia de compreensão das informações
transmitidas pela empresa aos trabalhadores; 5) integração do trabalhador ao ambiente das organizações; 6) fases do planejamento da atividade
de relações públicas no contexto da organização e gestão do trabalho.
899
Em linhas gerais, o desenvolvimento dessas categorias demonstram determinados pontos em comum no que diz respeito ao uso prescrito da comunicação na administração das relações entre trabalhadores e o comando das organizações, sendo que a apologia à doutrina das
«relações humanas» ganhou destaque dentro desse contexto.
É sabido que os princípios das “relações humanas” foram retomados pelo discurso da racionalização do trabalho, a partir da segunda metade dos anos 1940, de modo a conduzir, em grande medida, o próprio
discurso do IDORT nas duas décadas seguintes. A filosofia propagadora
do “fator humano” no trabalho trouxe novos elementos para a argumentação dos agentes da racionalização, em benefício de um maior controle
social dos trabalhadores nas organizações. E como é discutido em nossa
pesquisa de doutorado, a filosofia das relações públicas encontrou-se
com os ditames das “relações humanas” no próprio discurso da racionalização difundido pelo IDORT. Nossa análise procurou mostrar que os
princípios das “relações humanas” estariam bem conectados à noção de
relações públicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o que indicamos no início deste artigo, nosso principal propósito foi tratar sobre os ditames que orientaram a constituição das prescrições de relações públicas identificadas no material brasileiro e francês levantado e analisado em nossa pesquisa de doutorado.
Diante disso, mesmo que de maneira sintética, falamos e procuramos refletir sobre as filosofias de trabalho constituintes do processo de
racionalização do trabalho que guiaram a gestão da comunicação nas
relações de trabalho em organizações, na primeira metade do século XX.
No caso, tratamos dos preceitos tayloristas, fordistas e da Escola das
Relações Humanas. Ademais, abordamos algumas das prescrições de
relações públicas identificadas e analisadas em nossa tese.
Certamente, um entendimento mais amplo e aprofundado sobre
a pesquisa pode ser alcançado com a leitura da tese em sua íntegra. De
qualquer forma, entende-se que a apresentação - mesmo que introdutória - sobre o objeto de estudo e sobre o corpus da pesquisa realizada
pode contribuir para dois pontos considerados por nós fundamentais
para o avanço das pesquisas científicas sobre a gestão da comunicação
900
no trabalho em organizações: (1) investigações de cunho histórico, por
meio de identificação e análise de documentos primários, são valiosas
para melhor compreendermos as bases constitutivas dos discursos do
tempo presente e (2) tratar de gestão da comunicação nas relações de
trabalho em organizações demanda uma relação mais próxima com os
temas do mundo do trabalho, ainda ignorados por significativa parte
dos estudiosos do campo da Comunicação interessados na questão.
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Zahar, 1987.
CARIN, Alec; MATRAT, Lucien. Les public-relations : moteur de productivité. Paris: Éd. Elzevier, 1951.
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Congrès de la SELF, “Les évolutions de la prescription” (Conférence
inaugural), Aixen-Provence, 2002. Disponível em: < http://www.ergonomie-self.org/self2002/daniellou.pdf >. Acesso em: jan. 2011.
DESMAREZ, Pierre. La sociologie industrielle aux États-Unis. Paris:
Armand Colin, 1986.
GRAMSCI, Antonio. Americanismo e fordismo. São Paulo: Hedra, 2008.
HELOANI, José Roberto. Organização do trabalho e administração:
uma visão multidisciplinar. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso. Princípios e métodos.
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Comunicação]. Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São
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SCHWARTZ, Yves; DURRIVE, Louis. Trabalho e Ergologia. 2. ed. Rio de
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PILLON, Thierry; VATIN, François. Traité de Sociologie du Travail.
Toulouse: Octares, 2007.
901
TAYLOR, Frederick W. Princípios da administração científica. São
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TAYLOR, Frederick W. Comment réconcilier patrons et travailleurs.
Extraits de The Principles of Scientific Management, traduits, présentés
et annotés par Igor Martinache. Paris: Alternatives Économiques, 2013.
VARGAS, Nilton. Gênese e difusão do taylorismo no Brasil. In: ANPOCS.
Ciências Sociais Hoje. Anuário de antropologia, política e sociologia.
São Paulo: Cortez, 1985. p.155-190.
902
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ESPIRAIS DO SILÊNCIO E GOVERNANÇA NA
COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS
Rozália Del Gáudio
e Paulo Henrique Leal Soares1
RESUMO
Neste artigo discutimos do ponto de vista teórico aspectos de governança para a Comunicação com
Empregados, compreendida como um dos processos mais
nevrálgicos e complexos para o sucesso organizacional. Em
um mundo de múltiplas vozes e no qual o nível de influência
dos empregados na reputação das organizações ganha mais
importância, as ações voltadas para o compartilhamento
de informações e criação de ambiente de alta performance
encontram-se desafiadas a se reinventar. Assim, buscamos
compreender modelos mais efetivos para ampliar as condições de diálogo no interior das companhias e driblar as
Rozália Del Gáudio, Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Paris 1
– Panthéon Sorbonne, onde também obteve o Master em Antropologia e Sociologia, Mestra em Administração de Empresas e Bacharel em Comunicação Social/
Jornalismo pela UFMG; Professora do MBA Aberje ESEG de Gestão da Comunicação Empresarial e Gerente Sênior de Comunicação da C&A no Brasil – rozalia.
delgaudio@uol.com.br . Paulo Henrique Leal Soares, Mestre em Comunicação
pela PUC Minas, Graduado em Comunicação Social / Publicidade e Propaganda
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, Especialista
em Comunicação Organizacional pela Universidade Federal do Maranhão e em
Comunicação Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Diretor de Comunicação da Vale S.A. e do Capítulo Regional Rio de Janeiro da
ABERJE - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, Membro da IABC
(Associação Internacional de Comunicadores Empresariais) e do Instituto de Reputação Brasil - paulohenriquelealsoares@gmail.com
1
possíveis espirais de silêncio que processos ancorados no
paradigma informacional podem gerar.
Palavras-chave: Comunicação com Empregados;
Governança; Espiral do Silêncio.
DO MODELO INFORMACIONAL AO DIÁLOGO – DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA
COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS
A comunicação é inerente ao ser humano e às organizações. Dentro
do ambiente empresarial, estruturas formais buscam suportar essa atividade, que se desenvolve em um contexto de complexidade extrema. Isso
porque, como explica Baldissera (2008) a comunicação é o espaço onde as
relações se materializam em constante transformação. “Isso exige reconhecer que a comunicação constitui-se em lugar e fluxo privilegiados para
a materialização das inter-relações/interações culturais e identitárias, de
modo que, dialógica e recursivamente, construam-se/transformem-se
mutuamente” (BALDISSERA, 2008, p. 36). A existência de uma estrutura
ou área de comunicação, com profissionais dedicados ao processo não
garante a existência de um ambiente propício ao diálogo ou até mesmo
uma relação de troca de informações e experiências.
Durante muito tempo, a prática da Comunicação nas organizações
esteve orientada dentro do que podemos chamar de paradigma informacional. Uma das marcas desse paradigma é a forma de tratar as necessidades de comunicação, vista como algo que pertence às organizações
e na qual os demais interlocutores deveriam se portar como receptores
passivos, em alguns casos, de informativos obsoletos e irrelevantes, sem
contexto, sem conteúdo e sem significado. Nesse modelo a troca, a inter-relação e a construção conjunta não são parte constituinte.
Com a evolução dos estudos neste campo teórico, pesquisadores
como Maia e França (2003) afirmam que a comunicação é formada por
elementos múltiplos e dinâmicos, e que para uma correta abordagem de
estudo (e, na nossa visão, de práxis), será necessária a escolha de uma
metodologia plural, que consiga apreender diferentes movimentos e
904
considere a interseção dos elementos contidos no processo. O contexto
é complexo, bem como todos os sujeitos envolvidos: empregados, liderança, proprietários e acionistas.
Assim, ganha importância o contexto sócio-histórico das organizações e dos interlocutores, pois se amplia a consciência de que a
comunicação se dá na interação, compartilhando sentidos, em uma
perspectiva relacional.
Dessa maneira, atualmente não é mais possível considerar as relações das organizações com seus interlocutores suportadas por uma
comunicação baseada no paradigma informacional. “... As interfaces
devem ser tomadas como uma possibilidade de diálogo, visto que permitem melhor entendimento do objeto comunicacional em si e da sua
relação com a complexidade das organizações e da sociedade contemporânea” (OLIVEIRA, 2008, p. 95). Ou seja, somente a partir desta abordagem será possível compreender como se dão estas relações, em que
contexto, quais as influências sofridas e seus desdobramentos. A reputação das organizações é constituída a partir das percepções dos interlocutores, fruto de interfaces e relações múltiplas e intrincadas.
Mesmo diante dessa compreensão, não é tarefa simples estabelecer modelos de comunicação, e especialmente a orientada aos empregados, que levem em consideração um contexto de mais diálogo e partilha,
e menos informação unidirecional. Isso acontece, na nossa visão, porque a própria gestão nas organizações ainda é permeada por princípios
de controle, previsibilidade e coerção. A relação de poder do capital versus o trabalho também contribui para uma visão distorcida de processo,
criando assimetrias importantes.
Esses modelos de gestão convivem em um mundo que experimenta a explosão de redes sociais online. Isso cria pressões adicionais aos
imperativos de lucratividade e perenidade das empresas, afinal, as organizações estão sofrendo uma transformação no processo de interação
com seus interlocutores. O controle sempre foi uma centralidade das
organizações, um desejo comum, uma expectativa da alta liderança e
um dispositivo “natural”. Os líderes das organizações sempre criaram
procedimentos e estruturas para garantir controle da atuação no mercado, junto aos fornecedores, clientes e público interno, aqui denominado de empregados. Mas frente ao mundo virtual e em especial às redes
905
sociais, as organizações enfrentam desafios de compreensão do funcionamento, uma vez que, por exemplo, essas redes virtuais são pautadas
pela total ausência de controle. Ou seja, o mundo da gestão contrapõe-se cotidianamente ao mundo sem limites, sem barreiras e com baixíssima previsibilidade e chances de coerção – inclusive dos empregados.
Do ponto de vista das pessoas, percebe-se uma busca de cada vez
realização e satisfação no trabalho, que normalmente é acompanhada
pela necessidade de pertencimento e participação no ambiente das organizações. Esse desejo se coloca como uma resposta à necessidade do
ser humano de afiliação, de identificação e relacionamento social. No
interior das organizações, essa aspiração acontece a partir de relações
de poder e simbólicas, que media o quotidiano no trabalho. As simetrias, ou assimetrias, nessa relação, vão impactar de maneira profunda a
forma como os indivíduos vão viver o seu exercer laboral.
Essas reflexões iniciais colocam elementos do contexto em que
a comunicação com empregados se realiza atualmente. Se de um lado
a gestão encontra-se diante da necessidade de mudança, pela perda da
centralidade e controle, do ponto de vista das pessoas, a busca de mais
troca, diálogo e participação dentro das organizações convive com estruturas formais e disputas de poder e sentido. Nessa encruzilhada de
transformações, os modelos e práticas de comunicação precisam urgentemente se colocar também em movimento de reelaboração.
A GOVERNANÇA NA COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS –
É A COMUNICAÇÃO DE QUEM?
Se a comunicação é um fenômeno humano, que acontece nas interações e trocas simbólicas, seria possível estabelecer a quem pertence
a Comunicação com Empregados?
Na prática profissional, aprendemos muito cedo que uma boa comunicação é reflexo direto de uma boa gestão. Assim, empresas mais
maduras do ponto de vista de relacionamento interno, investem no desenvolvimento de lideranças capazes de conduzir esse processo e usam
atividades clássicas de Comunicação, como veículos internos, campanhas e eventos, como suporte para o sucesso.
Por outro lado, os empregados precisam de tempo para desenvolver relações e narrativas coerentes nas suas experiências internas com
906
as organizações, ainda que o contexto atual apresente um movimento
contrário (SENNETT, 2009). Ou seja, num mundo volátil e de rápidas
transformações, não necessariamente a profissionalização dos processos comunicacionais e uma boa liderança são suficientes para se criar
um ambiente de mais troca e diálogo.
Na busca pelo contexto de interações, as realizações pessoais e
profissionais são balanceadas de acordo com as características dos indivíduos, seus anseios, expectativas e desejos. Cultura, religião, nível
educacional e experiências laborais anteriores também são fatores que
impactam as relações dos empregados com as organizações, dos empregados com suas lideranças e entre os empregados e, por consequência,
também influenciam a forma de percepção, circulação e formação de
sentido a partir da comunicação direcionada a eles.
Com isso, a comunicação com empregados ganha rotas e vínculos
que escapam a uma visão tradicionalista e funcional do processo, e se
estabelece em uma rede de interações e trocas simbólicas que podem
ser indecifráveis à organização. De todos os interlocutores de uma organização, talvez o que esteja em uma posição mais complexa de compreensão das realidades, de relativização e conhecimento do contexto
interno (dificuldades e oportunidades) sejam os empregados. Por isso,
dialogar com esse público se torna ao mesmo tempo um processo vital
e emaranhado. Para os empregados qualquer mensagem pode ser facilmente reapurada tendo em vista o conhecimento das realidades internas e o acesso a fontes externas de informação
Desconsiderar essa circularidade nova, a multiplicidade de pontos de contato e a existência de redes indecifráveis, pode levar à desgovernança na Comunicação com Empregados. Assim, entendemos que
cabe aos profissionais de comunicação pautar sua atuação no interior
das organizações pelo profundo entendimento de como circulam informações e símbolos, como o poder é mediado (e compreendido), e
como as mensagens são construídas e percebidas pelo conjunto de
interlocutores internos. São múltiplas vozes em constante ressignificação e conexão.
Nesse sentido, mais do que garantir a governança sobre processos
comunicacionais de forma profissional e condizente com os valores humanos e organizacionais, cabe ao comunicador garantir que os fluxos
907
de comunicação sejam convergentes e compartilhados entre empregados e líderes, grupo esse responsável por representar a organização frente as suas equipes.
ESPIRAIS DO SILÊNCIO – O INCÔMODO DE SE FALAR SOZINHO
NUM MUNDO DE MÚLTIPLAS VOZES
Ao pensar o diálogo organizacional num contexto de redes sociais online, podemos ter uma abordagem otimista, imaginando que o
uso de plataformas tecnológicas vão conectar pessoas e assim os fluxos
comunicacionais e a governança ficam mais claros. Por outro lado, ao
observar algumas práticas organizacionais, notamos que interações das
organizações nas redes sociais são muito mais um “falar” do que “ouvir”,
e, onde não se ouve, não podemos afirmar que exista algum tipo de diálogo e interação.
Diálogo pressupõe o ouvir e a consideração do outro, a abertura para a troca e para o aprendizado mútuo. Talvez por um medo das
repercussões nas redes sociais, as organizações ainda são tímidas nas
suas interações, e acabam utilizando o ambiente das redes sociais como
mais um canal, mais um ambiente para veiculação das suas mensagens
de forma tradicional, unilateral e com pouco espaço para troca e a construção coletiva, características estruturais das redes sociais virtuais.
A teoria da Espiral do Silêncio, formulada por Elisabeth NoelleNeumann pode trazer uma nova luz para o comportamento dos indivíduos nas redes sociais virtuais.
Noelle-Neumann formula a teoria da espiral do silêncio nos
seguintes termos: se uma opinião é percebida como pertencendo à maioria, as pessoas que não partilham tal opinião tenderiam a esconder sua própria opinião por medo
de rejeição social, por exemplo. Além disso, se ao fim de
um dado período as pessoas percebem que suas opiniões
continuam sendo minoritárias, elas acabariam por mudar
sua própria opinião para seguir a maioria. A espiral do silêncio indica um deslocamento da opinião nascida do fato
de que a opinião de um grupo distinto pode parecer mais
fraca do que efetivamente é. ´Há um vínculo estreito entre
os conceitos de opinião pública, sanção e castigo` (Idem,
1998: 200). (GOMES, 2004, p. 85).
908
Espaço de amplas possibilidades e ainda em construção, talvez o
comportamento dos indivíduos nas redes sociais virtuais seja comum
ao descrito por Noelle-Neumann na Espiral do Silêncio. A opinião pública exerce uma pressão na busca de uma conformidade com o indivíduo,
onde estes acabam seguindo a posição de uma maioria. Curtidas no
mundo virtual levam a mais curtidas, mesmo que não haja uma concordância e/ou compreensão do conteúdo, criando uma percepção de
aderência que pode ser inexata. Quanto mais visibilidade um acontecimento tem na internet, maior a sua atratividade para obter mais visualizações e interação. E o mesmo se aplica a opiniões expressas no mundo
virtual, onde a força da maioria acaba por influenciar os demais e em
alguns casos gerando o silêncio.
Na tentativa de encontrar uma imagem para explicar a relação entre a discussão pública e da opinião pública como
controle social, a discussão pública poderia ser vista como
incorporada na dinâmica do psicossocial, que orienta e articula-o em alguns ocasiões, mas muitas vezes continua a ser
um nível puramente intelectual e não tem nenhum efeito,
portanto, nas emoções morais, que é onde se origina a pressão da opinião pública. (NOELLE-NEUMANN, 2005, p. 292,
tradução nossa).
A força das redes sociais sempre este na relação indivíduo versus coletivo. Os indivíduos são agrupados segundo suas características,
interesses e preferências. Grupos são formados em torno de temas comuns e a mobilidade entre grupos, entre temas é amplamente praticada
pelos internautas. Bretas (2012) reforça a possibilidade de utilização
destes atributos no contexto das organizações, em especial para potencializar o diálogo e o que ele denominou construção de estruturas horizontalizadas favoráveis à colaboração.
Neste mundo virtual, em rede, as organizações não podem considerar os seus públicos como passivos, são interlocutores, são públicos
de interesse e reforçam a existência de um ambiente público. Que não
pode ser considerado como uma troca se as organizações apenas emitem mensagens, em sua maioria meramente mercadológicas e/ou promocionais, com um nível muito baixo de interação, nada muito além de
um simples “curtir”.
909
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreender transformações em curso sempre é uma tarefa de
alta complexidade. Sabemos que as organizações estão mudando, diante de um contexto social, econômico e político que, especialmente no
Brasil, ganha contornos inesperados. Vemos as pessoas e as suas relações no trabalho também serem alteradas, por um jeito novo de viver e
se relacionar, baseado em grande parte em plataformas de conexão online. E temos a Comunicação, especialmente a orientada aos empregados,
buscando modelos e formas de apoiar a construção de redes de relacionamento e compartilhamento que sirvam aos objetivos estratégicos das
organizações e também correspondam às expectativas das pessoas.
Nossa reflexão nesse artigo visou sinalizar a necessidade de evolução não apenas nas práticas e processos comunicacionais, mas também no entendimento da governança do processo de comunicação com
empregados. Como algo absolutamente humano, mas que se desenvolve
no interior de uma rede de relações de poder e símbolos, a quem cabe
mediar a comunicação com empregados? A quem pertence a comunicação com empregados?
Na nossa visão, a comunicação pertence às pessoas, e somente
pessoas em diálogo e troca permanente, podem realiza-la em sua plenitude. Às marcas, cabe estabelecer uma busca de clareza, confiança e
senso de comunidade, em estrito alinhamento aos valores e cultura organizacional, e serem humildemente apenas mais um interlocutor na
rede. Caso contrário, serão apenas mais um elemento em obscuras espirais de silêncio.
REFERÊNCIAS
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Comunicação Organizacional e Paradigma da Complexidade. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 31-50.
BRETAS, Beatriz. Remixagens cotidianas: o valor das pessoas comuns
nas redes sociais. In: OLIVEIRA, Ivone; Marchiori, Marlene (Org.). Redes
sociais, comunicação, organização. São Caetano do Sul: Difusão Editora,
2012. p. 49-66.
910
GOMES, Itânia Maria Mota. Efeito e Recepção – a interpretação do processo receptivo em duas tradições. Rio de Janeiro: E-papers Serviços
Editoriais, 2004.
MAIA, Rousiley C. M.; FRANÇA, Vera V. A comunidade e a conformação
de uma abordagem comunicacional dos fenômenos. In: Immacolata V.
Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003. p. 187-2003.
NOELLE-NEUMANN, Elisabeth. La espiral del silencio. Opinión pública:
nuestra piel social. Buenos Aires: Ediciones Paidós Ibérica, 1995.
OLIVEIRA, Ivone de L. Constituição do campo da comunicação das organizações: interfaces e construção de sentido. In: JESUS, Eduardo de.
SALOMÃO, Mozahir (Orgs.). Interações Plurais. A comunicação e o contemporâneo. São Paulo: Annblume, 2008, p. 85-108.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do
trabalho no novo capitalismo. Tradução: Marcos Santarrita. 14ª ed. Rio
de Janeiro: Record, 2009. 205 p.
911
GRUPO DE PESQUISA VI
COMUNICAÇÃO PÚBLICA, POLÍTICA E GOVERNAMENTAL
COORDENAÇÃO: PROFA. DRA. HELOIZA MATOS (USP)
|1 |
ASSESSORIA DE IMPRENSA COMO FERRAMENTA
ESTRATÉGICA DE MARKETING NAS INSTITUIÇÕES
PÚBLICAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
Dulcelene Jatobá1
RESUMO
Este trabalho buscou verificar se as instituições públicas enxergam e utilizam a assessoria de imprensa como
uma ferramenta estratégica de marketing. Para buscar respostas, o estudo foi composto por uma pesquisa exploratória, com abordagem quantitativa. Um questionário foi
enviado às instituições públicas do Estado de São Paulo
que possuem serviço de assessoria de imprensa. Os resultados sinalizam que as áreas, dentro das instituições, estão
profissionalizadas e bem estruturadas. Além disso, a assessoria de imprensa tem se mostrado versátil nas atividades
realizadas e participado de tudo o que acontece dentro da
instituição, não apenas para noticiar, mas também para conhecer e colaborar com as outras áreas.
Palavras-chave: Assessoria de imprensa; marketing; instituições públicas.
Jornalista formada pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Especialista em Gestão de Marketing pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
Atua como assessora de imprensa na OPA Assessoria em Comunicação, empresa que presta serviços para a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP). Antes,
trabalhou como repórter para o Jornal A Cidade de Ribeirão Preto, onde fez
parte das editorias de Economia e Cidades, além de produzir os cadernos especiais Agrishow, Imóveis e Fenasucro. E-mail: duljatoba@gmail.com.
1
INTRODUÇÃO
Noticiar se tornou a forma mais eficaz de agir e interagir com o
mundo. Com isso, as relações com a imprensa tornaram-se preocupação
prioritária na estratégia das instituições, sejam elas privadas ou governamentais (CHAPARRO, 2011).
Responsável pela construção de um relacionamento sólido com a
imprensa, o profissional da área tem o objetivo de fornecer informações
confiáveis, facilitando o acesso de veículos de comunicação (BELLA, 2011).
De acordo com a autora, o jornalista que atua como assessor de imprensa
precisa aplicar as técnicas e conhecimento sobre a mídia para difundir as
informações, além de mediar o relacionamento em todos os vieses, como
atender a crescente necessidade de transparência das organizações, exigida pela sociedade, principalmente nas instituições públicas.
No setor público “é tradicional a divulgação de informações com
base na ideia de que, já que o público paga as contas, tem o direito de
saber o que o governo faz” (CORRADO, 1994 apud MONTEIRO, 2011, p.
122). Portanto, tornar público o trabalho feito pela instituição, por meio
da imprensa, tem o objetivo de prestar contas à sociedade, para que possa ser avaliado o que está sendo feito e verificar se está de acordo com
seus interesses e necessidades (MONTEIRO, 2011).
Citado por Kotler, Keller (2013) dentro da atividade de relações
públicas de marketing, a assessoria de imprensa assume o papel de
“alardear” um bem, serviço, ideia, lugar, pessoa ou organização. É a maneira de assegurar espaço editorial na imprensa e na mídia eletrônica,
sem precisar pagar para isso.
O desafio das assessorias de imprensa na administração pública
é aproximar os serviços da sociedade. Para isso, as estruturas de comunicação dos governos, tanto em nível federal como estadual e municipal,
devem ser profissionalizadas (TORQUATO, 2011). Ainda segundo o autor, um dos erros da comunicação na administração pública é privilegiar
a pessoa e não o fato. A mensagem aparece de maneira mais crível e
a fonte ganha em credibilidade e respeitabilidade quando o fato se superpõe ao agente. Torquato (2011) diz que notícia é o fato e o elemento
reforçador é o agente.
914
A partir dos fatores expostos acima, este trabalho pretendeu responder ao seguinte problema de pesquisa: as instituições públicas enxergam e utilizam a assessoria de imprensa como ferramenta estratégica de marketing?
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Kotler, Keller (2013) afirmam que o marketing está em toda parte.
Seja formal ou informalmente, as pessoas e organizações estão envolvidas em diversas atividades que podem ser chamadas de marketing.
Os autores explicam que, atualmente, um bom marketing é de extrema
importância para qualquer tipo de ação.
Produto, preço, promoção e praça (ou ponto de venda) são denominados os “4Ps” e compõem o mix de marketing. A comunicação, inserida dentro do “P” de promoção, é “o meio pelo qual as empresas buscam
informar, persuadir e lembrar os consumidores – direta ou indiretamente – sobre os produtos e as marcas que comercializam” (KOTLER;
KELLER, 2013, p. 512). Os autores dizem ainda que a comunicação de
marketing representa a voz da empresa. Por meio da comunicação, é
estabelecido um diálogo com os consumidores e construído o relacionamento com eles.
Pasquale, Lammardo Neto, Gomes (2012) definem que o mix de
comunicação nas organizações é composto por três grandes grupos:
Relações Públicas – Comunicação institucional; Comunicação Interna –
Comunicação administrativa; e Marketing – Comunicação mercadológica.
Ainda segundo Pasquale, Lammardo Neto, Gomes (2012), a comunicação dentro de uma organização articula estreita relação entre diversas áreas. Sendo assim, a comunicação se transforma em área estratégica, devendo então estar articulada com todas as áreas da organização.
Kotler, Keller (2013) definem que o mix de comunicação de marketing consiste em sete principais formas de comunicação: propaganda, promoção de vendas, eventos e experiências, relações públicas e publicidade,
marketing direto e interativo, marketing boca a boca e vendas pessoais.
Definida como conjunto de ações que visam divulgar informações
aos públicos de interesse sobre objetivos, práticas, políticas e ações institucionais da organização, a comunicação institucional tem, como objetivo principal, “construir, manter ou melhorar a imagem da empresa
915
no mercado perante seus públicos” (PASQUALE; LAMMARDO NETO;
GOMES, 2012. p. 11). Ainda de acordo com os autores, a comunicação
institucional combate o desconhecimento a respeito da organização e
promove a integração entre os públicos que estão ligados a ela.
Kotler, Keller (2013) afirmam que as relações públicas envolvem
diversos programas desenvolvidos para promover ou proteger a imagem
da organização. Os autores elencam cinco funções principais da área:
relações com a imprensa, publicidade de produto, comunicação corporativa, lobby e aconselhamento. A seguir, este trabalho abordará os conceitos e funções da assessoria de imprensa.
1.1 ASSESSORIA DE IMPRENSA – CONCEITOS E FUNÇÕES
O Manual de Assessoria de Comunicação da Federação Nacional
dos Jornalistas – FNAJ (2014) define a assessoria de imprensa como um
serviço prestado a instituições privadas e públicas, que se concentra no
envio frequente de informações jornalísticas, dessas organizações, para
veículos de comunicação como revistas, jornais, emissoras de rádio, sites, agências de notícias, emissoras de TV, entre outros.
“A função do assessor de imprensa é facilitar a relação entre seu
cliente – empresa, pessoa física, entidades e instituições – e os formadores de opinião” (FNAJ 2007 apud FERRARETTO; FERRARETTO, 2009,
p. 13). Cabe ao profissional de assessoria de imprensa orientar o assessorado quanto aos assuntos que podem ou não interessar os veículos de
comunicação e virar notícia. A intermediação das relações entre o assessorado e a imprensa é uma das principais funções do assessor, tendo
como matéria-prima a informação e como processo sua abordagem na
forma de notícia. (FERRARETTO; FERRARETTO, 2009).
De acordo com o Manual da FNAJ (2014), as funções que estão
sob a responsabilidade da assessoria de imprensa são: elaboração de
press-releases, sugestões de pauta e press-kits; relacionamento formal e
informal com os pauteiros, repórteres e editores da mídia; acompanhamento de entrevistas de suas fontes; organização de coletivas; edição
de jornais, revistas, sites de notícia e material jornalístico para vídeos;
preparação de textos de apoio, sinopses, súmulas e artigos; organização
do mailling de jornalistas; clipping de notícias (impressos, Internet e
916
eletrônicos); arquivo do material jornalístico; participação na definição
de estratégias de comunicação.
Duarte (2011) afirma que ainda é possível identificar outras contribuições para o profissional de assessoria de imprensa. De acordo com
o autor, o assessor utiliza conhecimento técnico para agregar valor, criar
e administrar produtos de uma organização. Para o autor, o trabalho do
assessor de imprensa pode, além de aumentar a presença das fontes nos
veículos de comunicação, também democratizar o acesso da sociedade à
informação, mostrar o contexto em que a organização está inserida para
os dirigentes e estimular o envolvimento dos funcionários com questões
diretamente ligadas a eles. A assessoria de imprensa pode também desempenhar funções que envolvam o apoio a outras áreas da organização.
1.2 ASSESSORIA DE IMPRENSA COMO FERRAMENTA
ESTRATÉGICA DE MARKETING
Torquato (2011) caracteriza a assessoria de imprensa como a área
nobre do sistema de comunicação das organizações. O autor coloca ainda a área como conceito, atividade e suporte estratégico consolidados.
A área de assessoria de imprensa deve ser percebida como estratégica dentro de uma organização e os assessores de imprensa devem
participar ativamente do estabelecimento de políticas e estratégias de
comunicação (FERRARETTO; FERRARETTO, 2009).
Pasquale, Lammardo Neto, Gomes (2012, p.33) colocam a assessoria de imprensa como parte integrante da comunicação institucional,
que “transmite, propaga, divulga a organização de forma integral, isto
é, fixa a imagem da empresa em sua totalidade sem se preocupar em
vender produtos ou serviços.” Os autores também explicam que a comunicação institucional pode ser utilizada pelos três setores: governo,
empresas e organizações não governamentais com atuação em âmbito
social. Ainda de acordo com os autores, com o papel de divulgadora da
organização, a comunicação institucional e, consequentemente a assessoria de imprensa, assume cada vez maior importância no marketing.
Dutra (2014) explica que uma assessoria de imprensa bem trabalhada consegue inserir na mídia, seja geral ou especializada, os trabalhos desenvolvidos pela empresa, além de seus eventos, pesquisas realizadas, declarações de especialistas, entre outros. Ainda segundo ele,
917
o objetivo é transformar a empresa “em um opinion leader do mercado,
no primeiro nome que vem na cabeça quando se fala no seu segmento”.
Para conseguir a preferência de clientes, fazer crescer a renda e
os lucros, despertar a confiança de investidores, dentre tantos outros
objetivos almejados pela organização, o prestígio proporcionado pela
presença adequada na mídia é uma das estratégias (DUARTE, 2011).
1.3 MARKETING NO SETOR PÚBLICO
Apesar de ter características próprias, Haenlein, Kaplan (2009)
afirmam que a administração pública é, até certo ponto, governada pelos mesmos princípios das organizações privadas. Isso mostra que o marketing pode e deve ser aplicado na administração pública.
Porém, atualmente no setor público, o marketing ainda tem sido
omitido e mal compreendido. Kotler, Lee (2008) comentam que normalmente o marketing é visto por funcionários públicos apenas como propaganda e venda. Mas identificar o marketing através de um único dos
quatro “Ps” faz com que todo o potencial e os benefícios do marketing
não sejam aproveitados.
Haenlein, Kaplan (2009) dizem que, partindo do pressuposto de
que o marketing já entrou no domínio da administração pública, é surpreendente constatar que agentes que trabalham no setor e estudiosos
da área ainda se perguntam se o marketing deve ser utilizado na gestão
pública, ao invés de se perguntarem como o marketing poderia ser utilizado de forma mais eficiente.
No Brasil, Oliveira, Ribeiro (2013) afirmam que a história política brasileira explica o fato de o marketing no setor público ser incipiente.
Corrupções, descaso com a população, má qualidade de serviços e má administração dos recursos públicos eram recorrentes e o governo não se preocupava com a satisfação dos cidadãos. Porém, com o passar dos anos e
diante de uma transformação mundial, o setor público inicia uma nova era
e passou a se preocupar com seu desempenho e a satisfação da população.
A nova gestão pública (NPM), citada por Haenlein, Kaplan (2009)
ajudou a trazer um novo olhar para a administração pública, já que lida
com a aplicação de conceitos conhecidos a partir da gestão de empresas. Sendo assim, a NPM define uma perspectiva nova para a administração pública, em que os agentes desempenham um papel empreendedor
918
(HAENLEIN; KAPLAN, 2009). Como empreendedor, o agente deve olhar
o marketing como uma de suas principais ferramentas. E a preocupação
central do marketing é produzir resultados que o mercado-alvo valorize.
Kotler, Lee (2008) afirmam que, no setor público, o mantra do marketing
é a valorização e satisfação do cidadão. Ainda segundo os autores, o marketing é a melhor plataforma de planejamento para o setor público que
queira atender as necessidades do cidadão.
Mas há características específicas da administração pública que
precisam ser consideradas e cabe ao marketing adaptar conceitos e
ferramentas para impor essas especificidades ao invés de mudar ou
destruí-las (HAENLEIN; KAPLAN, 2009). De acordo com os autores, a
gestão pública é influenciada por fatores como política, eleições e lobby,
o que pode tornar um planejamento de longo prazo e o cumprimento de
realizações estratégicas um objetivo difícil. Apesar das dificuldades, há
muito espaço e potencial para a aplicação de conceitos de marketing e
ferramentas para a administração pública.
1.4 ASSESSORIA DE IMPRENSA NO SETOR PÚBLICO
Eid (2003) afirma que para ser verdadeiramente democrático, o
Estado deve prestar contas à sociedade e interagir com todos os seus
segmentos. Para isso, o canal mais eficaz é a mídia jornalística, considerando desde a grande imprensa com o rádio, TV e internet, até jornais e
publicações especializadas. Para o autor, a principal missão da assessoria de imprensa no setor público é contribuir para que a sociedade tenha
acesso às informações de seu interesse, por meio da mídia jornalística.
Ele comenta que realizar um trabalho de assessoria de imprensa próxima ao ideal é tarefa difícil nas instituições públicas.
O autor afirma que muitas vezes os assessores de imprensa enfrentam o personalismo dos gestores das instituições públicas, o que
prejudica o trabalho com a distribuição de releases insólitos, criando
desinteresse dos jornalistas dos veículos de comunicação. Para evitar
esse tipo de situação, é recomendável que os assessores de imprensa
tenham, com os gestores, um diálogo franco, baseado em parâmetros
éticos, nas tendências reais do jornalismo atual, nas experiências bem
sucedidas dos profissionais atuantes na área (EID, 2003).
919
A assessoria de imprensa é de extrema importância na esfera
pública. Considerada um órgão de primeira necessidade, deve estar ligada diretamente ao comando político-administrativo, sem deixar de atuar e estar presente em todos os níveis organizacionais (SALLES, 2004).
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este estudo foi composto por uma pesquisa exploratória, com
abordagem quantitativa. Como método, foi utilizado o levantamento
(survey), com corte transversal, por meio da aplicação de um questionário estruturado (apêndice) desenvolvido com base na teoria estudada. O
questionário foi enviado (via e-mail) às instituições públicas do Estado
de São Paulo, que possuem serviço de assessoria de imprensa, em julho
de 2014. Este trabalho considerou como instituições públicas prefeituras municipais, universidades/faculdades e secretarias estaduais.
Para se chegar aos contatos de e-mail das assessorias de imprensa das referidas instituições, a pesquisadora acessou o website de cada
uma, onde havia os contatos. No caso das prefeituras, primeiramente
deu-se prioridade o acesso ao site daquelas cujas cidades são mais populosas, já que, geralmente, essas prefeituras possuem assessoria de imprensa estruturada. Para as cidades menores, a pesquisadora utilizou
uma lista disponível na web com o nome e quantidade da população,
sendo então descartado o acesso ao website das prefeituras de cidades
com menos de dez mil habitantes, por já se saber da dificuldade dessas
prefeituras em terem uma assessoria de imprensa. Mas, mesmo em algumas cidades com maior população, não foi possível encontrar o contato
de e-mail da assessoria de imprensa ou área de comunicação no website.
Sendo assim, foram ouvidas assessorias de imprensa de 25 instituições públicas do Estado de São Paulo, dentre elas prefeituras municipais e universidades/faculdades. Para se chegar a esse número, foram
enviados, por e-mail, questionários a 83 assessorias de instituições, sendo elas secretarias do governo estadual, prefeituras municipais e universidades/faculdades.
É importante ressaltar que, no caso desse estudo, a amostra foi
definida pelo método de conveniência e, por esse motivo, e também por
ter caráter apenas exploratório, os resultados não podem ser generalizados para todo universo.
920
3 RESULTADOS
Do total de respondentes, 12 são assessorias de imprensa de prefeituras municipais e 13 de universidades/faculdades. É importante
ressaltar que neste último grupo constam as respostas das assessorias
de imprensa das reitorias das três universidades públicas do Estado de
São Paulo. Em uma dessas universidades, a assessoria de imprensa não
é centralizada na reitoria, tendo sido necessário então enviar os questionários também às unidades, que possuem autonomia para estruturarem
as áreas. Não foram obtidas respostas de nenhuma das assessorias de
imprensa das secretarias do governo estadual.
A estrutura de recursos humanos de uma assessoria de imprensa
diz muito sobre como ela é encarada em uma instituição pública. De
acordo com Eid (2003, p.10), uma estrutura ideal de assessoria de imprensa na gestão pública deve ser de agência de notícias, “possibilitando
excelência e eficácia na missão de prestar serviços eficientes aos jornalistas, aos veículos de comunicação, aos cidadãos e ao cliente governamental.” Ainda segundo o autor, as instituições públicas devem pensar
em uma equipe capaz de cobrir as atividades em tempo integral.
Do total dos respondentes da pesquisa levantada por este trabalho, onze disseram que as respectivas instituições possuem de 2 a 4 profissionais trabalhando na área de assessoria de imprensa. A maior parte
dos respondentes é de universidades/faculdades, sendo que oito delas
possuem essa quantidade de profissionais. Enquanto isso, oito instituições, dentre elas seis prefeituras municipais, responderam que mais do
que 10 profissionais atuam na área de assessoria de imprensa.
A quantidade de profissionais trabalhando na área de assessoria
de imprensa demonstra se ela é bem estruturada ou não. Neste item, é
importante levar em conta o tamanho da instituição e o custo-benefício
para a mesma possuir a referida área. Neste trabalho, não houve a delimitação do tamanho das instituições respondentes, mas sabe-se que há
instituições como prefeituras de cidades com grande população e reitorias de universidades dentre os respondentes e que são essas instituições, por exemplo, que possuem uma área estruturada com mais do que
dez profissionais trabalhando.
921
Os jornalistas são a maioria dentre os profissionais que compõem
a equipe de assessoria de imprensa das instituições públicas. Vinte e três
delas responderam que possuem esse profissional na equipe. O fotógrafo é
a segunda profissão com mais representação nas assessorias de imprensa
da administração pública: 15 instituições afirmaram possuir o profissional na equipe. Outras instituições ainda responderam que possuem diagramadores, publicitários, estagiários e funcionários da área da tecnologia da informação nas áreas de assessoria de imprensa.
Eid (2003) afirma que a assessoria de imprensa de uma instituição
pública deve possuir os seguintes profissionais: chefe/editor de redação,
editores de texto para mídia impressa e mídia eletrônica, ghost writer,
pauteiro, repórteres, profissional de relações públicas, fotógrafos, secretária de redação, operador de ilha de edição de rádio e pessoal auxiliar
para fluxo interno e distribuição de material à imprensa. “Essa estrutura
básica, obviamente, varia de acordo com a demanda. Deve-se procurar,
sempre, a melhor relação custo-benefício na composição da equipe.”
(EID, 2003, p.11)
Apesar do autor afirmar que a prestação de serviços às instituições
públicas representa um novo e promissor mercado para as agências de
assessorias de imprensa, por meio de terceirização, 21 das instituições
ouvidas neste trabalho possuem profissionais concursados atuando na
área. Apenas oito das assessorias de imprensa das instituições que responderam ao questionário possuem assessores terceirizados.
Os profissionais com cargos de confiança também estão presentes na assessoria de imprensa da administração pública. Ao todo, doze
instituições, sendo 11 delas prefeituras, apontaram ter essa relação de
trabalho com os assessores.
922
GRÁFICO 01: TIPO DE CONTRATO DE TRABALHO
DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA
Fonte: Elaborado pela autora
Todas as instituições que responderam ao questionário deste trabalho afirmaram que as áreas de assessoria de imprensa realizam atendimento a jornalistas de veículos de comunicação diversos (jornais, TV,
rádio) e produção de imagens ( fotografia, filmagem etc), além de notícias para o website da instituição. Vinte e quatro disseram que produzem release e 23 produzem conteúdo para as redes sociais. A atividade
menos realizada pelas assessorias de imprensa das instituições ouvidas
foi a diagramação.
923
GRÁFICO 02: TIPO DE TRABALHO REALIZADO
PELAS ASSESSORIAS DE IMPRENSA
Fonte: Elaborado pela autora
Grande parte das atividades relacionadas acima são funções que,
de acordo com o Manual da FNAJ (2014), estão sob a responsabilidade
da assessoria de imprensa. Porém, nota-se que as áreas vêm desenvolvendo atividades como a produção de conteúdo para as mídias sociais
como Facebook e Twitter. Isso mostra uma versatilidade de trabalho das
áreas de assessoria de imprensa nas instituições públicas.
Quando questionadas sobre quais áreas a assessoria de imprensa nas instituições públicas estão ligadas, sete delas responderam
ao Gabinete e sete à Direção. Seis delas estão ligadas à Comunicação
– Marketing e quatro delas disseram estar ligadas a outras áreas,
como Secretaria de Comunicação, Secretaria da Casa Civil, Governo e
Relações Institucionais. Apenas uma respondeu estar ligada à área de
Planejamento.
924
No dia a dia, 15 instituições responderam que é a área de
Comunicação – Marketing que define o que será divulgado pela assessoria de imprensa.
Para Martinez (2011), normalmente as assessorias de imprensa nas instituições públicas estão ligadas a uma Coordenação de
Comunicação Social, que possui recursos orçamentários previstos em
lei e que são reavaliados anualmente. Ainda segundo a autora, essas assessorias reportam-se ao coordenador de comunicação.
Quinze das assessorias de imprensa das instituições públicas ouvidas neste trabalho responderam que sempre ou frequentemente participam de reuniões de outras áreas. Enquanto isso, quatro responderam
“às vezes” e cinco responderam “raramente”. Somente uma respondeu
que nunca participa. Os resultados mostram como a maioria das assessorias de imprensa está conectada com as outras áreas das instituições.
Como já disse Duarte (2011), o assessor de imprensa deve também ter
conhecimento das ações de todas as áreas e envolver-se com elas.
Sobre as reuniões de planejamento estratégico da instituição, oito
assessorias de imprensa informaram que sempre participam. Porém,
cinco delas responderam que “raramente” participam e quatro delas
nunca participaram.
Ferraretto, Ferraretto (2009) dizem que a assessoria de imprensa
deve ser percebida como estratégica dentro de uma instituição. Sendo
assim, a área deveria participar sempre das reuniões de planejamento
estratégico da instituição pública. Porém, ressalta-se aqui que no questionário não foi dada a oportunidade de resposta para que o respondente pudesse informar se a instituição possuía planejamento estratégico.
Portanto, é possível que os respondentes que disseram não participar
das reuniões sejam assessorias de imprensa onde as instituições não
possuam o referido planejamento, situação recorrente em instituições
públicas, principalmente nas menores como em algumas prefeituras
municipais e unidades de ensino de uma universidade.
As reuniões entre a assessoria de imprensa e superiores para tratar sobre as atividades realizadas como a produção de textos, releases,
clipagem etc, são realizadas semanalmente por quinze das instituições
que responderam ao questionário, sendo nove delas prefeituras municipais e seis universidades/faculdades.
925
Doze das instituições ouvidas afirmaram que possuem metas a
serem seguidas a longo prazo. Desse total, oito são prefeituras municipais. Dentre as metas citadas por uma dessas instituições estão: criação
de um programa de TV, criação de uma rádio web, criação de identidade
visual do governo, melhoria na relação com os veículos de comunicação
e criação de um jornal interno. Outras instituições citaram: melhorias
no website, aumento no índice de mídia espontânea positiva e aumento
no índice de interação nas mídias sociais.
Na última pergunta, foi questionado às assessorias de imprensa se
as instituições públicas em que atuam possuem um plano de comunicação. Quatorze delas, sendo nove prefeituras municipais e cinco universidades/faculdades, responderam que sim. Isso demonstra que a maioria
das instituições considera a comunicação, e consequentemente a assessoria de imprensa, parte estratégica.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com Martinez (2011), a assessoria de imprensa no Brasil
é um movimento relativamente novo no mercado. Segundo a autora, os
diversos segmentos do mercado descobriram que a imagem é fator de
vantagem competitiva e que é construída com inteligência, informação,
pesquisa, uso de técnicas de comunicação, além de ações coordenadas
e profissionalismo. Empresas, Organizações Não Governamentais, profissionais, governos etc, precisam de assessoria de imprensa.
Este trabalho buscou descobrir como as instituições públicas enxergam a assessoria de imprensa: de forma estratégica ou não. Por meio
da análise das respostas ao questionário enviado por e-mail às assessorias de imprensa das instituições, é possível constatar que a área de
assessoria de imprensa tem conquistado espaço na gestão pública. É
possível observar que as áreas estão profissionalizadas, com a presença
de jornalistas, e bem estruturadas, levando-se em conta o tamanho da
instituição. Além disso, a assessoria de imprensa tem se mostrado versátil nas atividades realizadas e participado de tudo o que acontece dentro
da instituição, não apenas para noticiar, mas também para conhecer e
colaborar com as outras áreas.
Apesar de muitas não estarem ligadas diretamente à área de comunicação dentro da instituição, as assessorias de imprensa estão atre926
ladas a ela, que define quais assuntos serão divulgados no dia a dia.
Isso mostra a integração entre as áreas, lembrando que Martinez (2011)
aponta que a comunicação dentro das instituições públicas deve ser vista como política pública, fundamental e necessária.
O que ainda falta às assessorias de imprensa das instituições públicas é estarem mais diretamente ligadas ao planejamento estratégico.
Ribeiro, Lorenzetti (2011) dizem que o uso tático da assessoria de imprensa, ou seja, o uso para apenas aparecer na mídia, sempre vai existir,
seja na iniciativa privada ou na pública. Mas a assessoria de imprensa
deixou de ser apenas essa ferramenta isolada, tática e passou a ser uma
ferramenta poderosa e estratégica da comunicação corporativa, sendo
integrada aos esforços gerais e planejados de comunicação das organizações. Ainda segundo os autores, quanto mais a assessoria tem avançado para o board das organizações, tanto públicas quanto privadas, mais
estratégica ela irá ficar e mais atribuições lhe serão dadas.
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928
|2|
COMUNICAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO
COMPARTILHADA: UMA INTERLOCUÇÃO ENTRE
PODER PÚBLICO E CIDADÃOS
Laura Nayara Pimenta1
RESUMO
O presente artigo analisa a interlocução estabelecida entre a Prefeitura de Belo Horizonte e seus cidadãos no
desenho institucional participativo da Secretaria Municipal
Adjunta de Gestão Compartilhada. A noção de desenho institucional é importante para compreender o potencial e os
limites das formas de participação, principalmente por remeter a três aspectos cruciais: quem participa; como são
formadas e tomadas as decisões e como estas se vinculam
às políticas públicas. Além disso, devemos considerar que,
atualmente, as instâncias participativas apresentam desenhos institucionais que constituem uma modalidade de comunicação pública e dão um contorno às interações entre o
poder público e os cidadãos e, especialmente, às interações
com as diversas formações de base comunitária organizadas na cidade. Assim pretendemos examinar diversos dilemas relativos à institucionalização dessas relações.
Palavras-chave: Comunicação Pública; Desenho
Institucional; Gestão Compartilhada; Influência.
Laura Nayara Pimenta é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Sociabilidade da Universidade Federal de Minas Gerais e mestra
pela mesma instituição. E-mail: lanapi05@gmail.com.
1
INTRODUÇÃO
O princípio da construção de um Brasil democrático teve seu
marco formal na Constituição Federal de 1988, que consagrou o princípio de participação da sociedade civil e a crescente criação de espaços
públicos de interlocução. A promulgação desta Constituição ratificou a
aposta na possibilidade de ação conjunta entre Estado e sociedade civil,
visando a um aprofundamento democrático que tem como característica distintiva o princípio de participação da sociedade, subjacente ao
próprio esforço de criação de espaços públicos onde o poder do Estado
pudesse ser compartilhado com a sociedade.
Contudo, essas transformações demandam modelos de gestão
pública que sejam inovadores e que atendam ao que está preconizado nas legislações ambientais e urbanas (Lei das Águas e Estatuto da
Cidade, por exemplo). É nesse contexto que surge a ideia de gestão compartilhada, que propõe um sistema que abrange cooperação, compartilhamento, transparência e protagonismo social como forma de promover o exercício democrático. Esta noção nos chamou a atenção pelo
fato da Prefeitura de Belo Horizonte criar uma secretaria para tratar especificamente das questões relacionadas a esta proposta de gestão – a
Secretaria Municipal Adjunta de Gestão Compartilhada, o que nos leva
a questionar quais são as intenções da PBH com esse modelo e que mudanças ele implica nos processos comunicacionais, ou seja, nas formas
de interlocução entre Estado e sociedade civil.
Essa nova forma de gestão pública culmina, principalmente, em
arranjos institucionais que devam possibilitar a participação social nos
negócios públicos, colocando novas demandas para a comunicação
do poder público. A implantação de canais participativos onde se possa dialogar sobre políticas públicas faz com que o poder público tenha
que se moldar a um novo tipo de relação com os cidadãos, buscando
estabelecer com a sociedade civil um relacionamento de interlocução
e cooperação. Desse modo, entendemos que o processo de comunicação pública não se restringe a ser simplesmente informativo, a fim de
o poder público prestar contas aos cidadãos das atividades que realiza
ou informar sobre o uso de seus diversos serviços. Todavia, o desafio da
comunicação não está apenas no relacionamento com os cidadãos. Os
arranjos institucionais dos canais participativos interferem fortemente
930
no potencial de interlocução no processo de comunicação pública. A
normatividade desses canais conforma os processos comunicacionais,
podendo, inclusive, impor barreiras que dificultem a relação entre o poder público e a sociedade civil ou, ao invés disso, possibilitar uma maior
interação entre as partes.
Considerando esse contexto, o presente artigo pretende abordar o
significado e as implicações do sistema de gestão compartilhada, compreendendo a relação entre sua arquitetura institucional e os processos
comunicativos que nela ocorrem. Para isso, traremos para a discussão o
caso da Secretaria Municipal Adjunta de Gestão Compartilhada de Belo
Horizonte. Utilizamos para este estudo, além da pesquisa bibliográfica, a análise de documentos obtidos diretamente da SMAGC – como o
Boletim Gestão Compartilhada –, bem como das informações disponibilizadas no Portal Gestão Compartilhada2, onde encontramos mapas,
gráficos e tabelas com dados sobre a capital. Além disso, realizamos entrevistas em profundidade com representantes da SMAGC.
GESTÃO COMPARTILHADA, INSTÂNCIAS PARTICIPATIVAS
E DESENHO INSTITUCIONAL
Nos últimos anos, o termo gestão compartilhada tem sido bastante utilizado, principalmente em sentidos que convergem no fato de
considerarem a participação dos interessados – clientes, usuários, cidadãos – na gestão de iniciativas públicas ou privadas. Segundo Costa
(2009), o termo é recorrente nos textos que se referem aos modelos de
gestão adotados em programas de desenvolvimento regional, em bacias
hidrográficas, escolas e projetos de Ciência e Tecnologia que valorizam
o protagonismo local.
Registros pioneiros do uso do termo encontram-se na Política
Nacional de Recursos Hídricos – PNRH, também conhecida como “Lei
das Águas” e no Programa Escola Autônoma de Gestão Compartilhada
(hoje Escola Comunitária de Gestão Compartilhada), da Secretaria da
Educação e Cultura do Estado do Tocantins (NÔLETO, 2009). Em ambos
os documentos o termo apareceu no ano de 1997 e inaugurou a ideia
Portal Gestão Compartilhada. Disponível em: <http://gestaocompartilhada.
pbh.gov.br/>. Acesso em: 2 fev. 2014.
2
931
de descentralização da gestão e de participação da comunidade nos
processos de gestão e tomada de decisão das políticas públicas citadas.
Ainda que estes tenham sido os primeiros registros do termo no Brasil,
a noção de gestão compartilhada – baseada em princípios de intersetorialidade, descentralização da gestão e participação da comunidade – já
estava presente nas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) desde a
Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).
Além disso, o Estatuto da Cidade – Lei no 10.257/2001 – dedica
alguns artigos à chamada Gestão Democrática da Cidade, cujas disposições remetem a um conceito de gestão pública compromissada com
o processo de participação social. Para Torrecilha (2013), estas noções
do SUS e do Estatuto da Cidade se aproximam, guardadas as devidas
proporções, do que é entendido atualmente por gestão compartilhada,
uma vez que esta, para a autora, é a possibilidade de se criar um espaço
de participação para obter os melhores objetivos, para tomar decisões
sobre políticas públicas, demandar serviços públicos, financiamentos,
execução financeira e gestão de pessoas, bem como a transparência nas
atividades realizadas no território.
Já Costa (2009), argumenta que a noção de gestão compartilhada
refere-se a novos desenhos institucionais que “compartilham” algumas
dimensões da gestão ou da realização de uma iniciativa de interesse
comum. Para o autor, esses desenhos devem ser novos, pois precisam
superar o tradicional modelo burocrático tendo em vista os princípios
da legalidade, da isonomia, da participação e da cidadania. Diante disso, ele afirma que tais arranjos institucionais têm que solicitar maior
cooperação intergovernamental, parcerias público-privadas, mobilização de organizações não-governamentais e controle social difuso,
conformando um intrincado processo de comunicação que qualifique
a tomada de decisão.
Ainda que as concepções dos diversos autores e da legislação confluam ao considerar a gestão compartilhada como um modelo capaz de
estabelecer o controle social e criar canais de participação que possibilitem uma ação conjunta entre Estado e sociedade civil, devemos considerar que existem pelo menos duas perspectivas que pensam de formas
diferentes esse compartilhamento. A concepção de Costa (2009), por
exemplo, tem uma preocupação neoliberal, ou seja, assume que é neces932
sária uma intervenção da sociedade civil nas políticas públicas, pois o
Estado não consegue empreender sozinho suas obrigações. Já a perspectiva trabalhada pelo SUS e seus teóricos tem um viés progressista ligado
aos movimentos sociais e defende que é necessário o controle social dos
assuntos públicos para que a democracia seja efetivamente realizada.
Diferenças à parte, o fato é que nas duas vertentes muito se fala
de protagonismo social e em instâncias que permitam essa autoridade.
Contudo, os canais que foram criados com esse pretexto, tais como os
conhecemos hoje, apresentam desenhos institucionais que interferem
substancialmente no potencial participativo dos mesmos. As variações
nesses desenhos podem favorecer ou colocar obstáculos à qualidade
dos processos participativos e deliberativos, assim como afetar a capacidade decisória e o funcionamento desses espaços.
Para Fung (2006), essas condições múltiplas da governança pública
moderna formatam instituições participativas que são igualmente complexas em pelo menos três maneiras. Primeiro, os modos de participação
contemporâneos são diversos, com arranjos institucionais diferentes, não
existindo uma forma canônica de participação direta. Em segundo lugar,
a participação pública avança segundo múltiplos propósitos e valores,
não se prendendo a um único objetivo. Por último, os mecanismos participativos não são uma alternativa rígida à representação política ou à
administração especializada, mas as complementam. Nesse sentido, Fung
(2006) defende que a participação pública funciona em sinergia com a representação e a administração, a fim de produzir práticas mais desejáveis
e melhores resultados na tomada de decisão coletiva.
Considerando essa diversidade dos canais participativos Fung
(2006) argumenta que três questões de desenho institucional são importantes para a compreensão do potencial e dos limites das formas participativas: quem participa; como são formadas e tomadas as decisões e
como estas decisões se vinculam às políticas públicas. Cada uma dessas
dimensões traz uma série de espectros de valores que não detalharemos
neste artigo, mas cabe ressaltar que a argumentação do autor considera que o potencial de interlocução de uma instância participativa está
diretamente relacionado às possibilidades de influência ou intervenção
dos atores nos processos decisórios, bem como os alcances e objetivos
que esta pretende. Outro ponto a ser analisado é a forma de acesso dos
933
participantes a esses canais – se o processo é aberto ou ocorre por meio
de representação, ou se contempla ambas as dimensões. O terceiro ponto a ser observado é o processo de tomada de decisão: se este ocorre por
meio de um mecanismo agregativo ou se é de natureza deliberativa, ou
ambas as dimensões (FUNG, 2006).
O POTENCIAL DE INFLUÊNCIA PRESENTE NO PROCESSO COMUNICATIVO
Nos processos participativos, um problema importante em relação aos desenhos institucionais é perceber como as decisões que os
participantes tomam tornam-se políticas, bem como o potencial que
eles têm para influenciar as autoridades institucionalizadas. Diante disso, Fung (2006) elenca cinco categorias de influência e autoridade que
emergem nesse contexto. Em muitos espaços participativos, o participante apenas busca obter benefícios pessoais ou cumprir um senso de
obrigação cívica, sendo esta a primeira categoria defendida pelo autor.
No entanto, outras instâncias participativas exercem uma influência
indireta sobre o Estado e seus agentes, alterando ou mobilizando a opinião pública, exercendo uma influência comunicativa por meio de testemunho ou pela probidade do processo em si. Esta categoria de influência comunicativa pode nos dizer sobre a tentativa do autor considerar
as estratégias que os públicos têm de contornar a institucionalidade das
instâncias participativas e partir para uma ação mais direta, o que evidencia um dilema gerado pela institucionalização da participação.
Um terceiro mecanismo através do qual os fóruns participativos
exercem influência sobre a autoridade pública é a dita “assessoria e consulta”. Neste modo, os funcionários preservam sua autoridade e poder,
mas comprometem-se a receber a opinião dos participantes (FUNG,
2006). Não obstante, alguns poucos mecanismos de participação exercem o poder direto. De acordo com o autor, tal poder pode ser exercido
em dois níveis: em uma situação de co-governança ou em contextos de
autoridade participativa direta. No caso da co-governança, os cidadãos
que participam se juntam com os funcionários em uma espécie de parceria para fazerem planos e políticas ou desenvolverem estratégias para
a ação pública. Em um nível mais elevado, as instâncias participativas
ocasionalmente exercem autoridade direta sobre as decisões ou recursos públicos, controlando, planejando ou implementando projetos de
934
desenvolvimento local. Contudo, cabe ressaltar que ocasionalmente é
possível que ocorra uma co-governação ou uma autoridade direta por
parte dos cidadãos, pois as relações de poder que permeiam a máquina estatal raramente permitem que se delegue a tomada de decisão ao
público considerado leigo. Esta é uma questão problemática, principalmente quando se assume que é um “Estado democrático”. Se não é dado
o devido poder aos cidadãos, como pode se falar em democracia?
Mesmo com esses entraves, podemos considerar que a categoria
de co-governança de Fung está intrinsecamente relacionada ao discurso da proposta de gestão compartilhada de Belo Horizonte que, para
seus gestores, trata-se de uma maneira de ampliar o diálogo, a parceria
com a sociedade na hora de governar a cidade (PBH, 2011). Entretanto,
Avritzer (2008) observa que o êxito desse sistema participativo não está
somente ligado ao desenho institucional, mas sim à maneira como se
articulam desenho institucional, organização da sociedade civil e vontade política de implantar arranjos participativos. Diante disso, cabe
ressaltar que os desenhos institucionais são objetos da ação humana, e
não apenas incidem sobre esta ação. Eles são construções sociais, isto é,
não se autorrealizam, mas são objetos de intervenções humanas, deliberadas ou não, que influem sobre a própria instituição criada. Portanto,
podemos considerar que essas instituições resultam de processos de escolhas, decorrem da decisão e da ação humanas e correspondem a valores que são difundidos socialmente, o que as tornam sensíveis aos atores
que interagem no seu interior, no seu entorno e com elas. Nesse sentido,
tanto podem incidir sobre a ação humana, quanto são objeto desta ação.
Por serem produtos humanos, essas instituições não se constituem por acaso. Cada dimensão do desenho institucional dos canais
participativos é pensada pelos gestores e políticos com a intenção de
conformarem uma especificidade de participação para aquele canal,
seja para dizer que permitem o controle social ou para efetivamente deixá-lo acontecer. Não obstante, a sociedade civil também tem condições
de realizar mudanças, de influenciar aspectos do desenho. Tal influência só se torna possível quando os cidadãos, os membros da sociedade
civil, fortalecem seus laços de cooperação e solidariedade através das
interações comunicativas, o que pode aumentar a potência cívica da
sociedade, possibilitando uma participação qualificada nas instâncias
935
disponibilizadas pelo poder público, o que permite maiores chances de
respostas às suas reivindicações.
Poderíamos adicionalmente afirmar que outro fator importante para essa capacidade de influência é uma comunicação pública que
atue no sentido de favorecer não só a participação em si, mas o fluxo de
informações e o conjunto de relações entre os atores envolvidos, bem
como garantir a ampla publicidade de todo o processo e a mobilização dos públicos envolvidos (ZÉMOR, 1995; HENRIQUES, 2010). Assim,
cada desenho institucional orienta e configura modos de interação entre poder público e cidadãos que definem possibilidades e limites para
o exercício da influência por meio das instâncias participativas. Porém,
essas influências não estão totalmente circunscritas às instâncias e aos
canais formais de participação, pois os públicos buscam também outras
formas de ação – de expressão – que extrapolam esses limites, mas podem incidir sobre a tomada de decisão segundo a permeabilidade das
instituições às diversas demandas e em função de sua necessidade de
accountability. É, portanto, essa complexa rede de influências que constitui o processo de comunicação pública, inclusive com o sentido de por
em questão o próprio modelo de participação que se adota.
COMUNICAÇÃO PÚBLICA EM PROCESSOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
O conceito de comunicação pública implica várias vertentes e significações, indo desde premissas mais simplistas ligadas às técnicas comunicativas governamentais até as relações mais subjetivas e abstratas
entre os cidadãos e o poder público. Não pretendemos detalhar todas as
vertentes teóricas sobre a comunicação pública nesta pesquisa, mas nos
interessamos por aquelas que nos esclarecem as formas como os cidadãos se articulam para permear um contexto comunicativo cercado de
normatividade, construindo uma possível interlocução entre as partes.
Dentre as múltiplas dimensões da comunicação pública que podem ser encontradas na literatura, destacamos três que nos permitem
elucidar como que esse processo comunicacional se dá em um cenário de
gestão compartilhada: (a) comunicação do poder público “para” e “com”
os cidadãos (KOÇOUSKI, 2012; KUNSCH, 2012; BRANDÃO, 2009; ZEMÓR,
1995); (b) comunicação pública como espaço de circulação estratégica de
temas de interesse público (WEBER, 2007; DUARTE, 2011); (c) comuni936
cação constituída no espaço público e veiculada pela (ou para) a opinião
pública (ESTEVES, 2011). Cada uma dessas dimensões apresenta limites e
possibilidades peculiares que dizem um pouco sobre cada faceta do processo de comunicação pública. Isso nos leva a acreditar que tal processo
se constitui como um complexo de interações específicas e amplas que
não se excluem mutuamente, pelo contrário, se permeiam.
Desse modo, não podemos nos ater apenas a uma ou outra dessas
dimensões para compreender como o processo de comunicação pública
se dá no sistema de gestão compartilhada, pois, ao mesmo tempo em
que as interlocuções que ocorrem nesse sistema demandam condições
de abertura, de visibilidade e publicidade dos debates, constituindo uma
dinâmica ampla, elas também se conformam ao desenho dos espaços de
participação, revestindo-se de institucionalidade.
Não obstante, a comunicação pública também tem uma interface
institucional que dá forma à interação das partes envolvidas na interlocução. Segundo uma lógica de especialização administrativa, a comunicação se constitui dentro de uma estrutura burocrática, mas não se
reduz à mera intervenção profissional. Além de dar forma aos processos comunicacionais, a institucionalidade dos canais participativos e
fóruns de interação que o poder público adota também conformam a
ação da população, interferindo na organização e articulação de grupos e de comunidades que pretendem se inserir neste contexto e ganhar
condições de interlocução.
Como ressaltamos na seção anterior, a arquitetura institucional de
uma instância participativa é fruto da ação humana e está intrinsecamente relacionada aos valores que são difundidos socialmente no momento
de sua concepção. Contudo, tais instâncias são desenhadas por especialistas e técnicos que pouco se baseiam nas expectativas e preferências dos
cidadãos, mas sim naquilo que eles concebem, baseados em pesquisas
técnicas e percepções do social, como sendo o melhor. A possibilidade
que os cidadãos têm de modificar o desenho desses canais é mínima.
Diante disso, podemos elencar pelo menos três ações cabíveis
para que os cidadãos se insiram nesse contexto e tentem alguma chance de interlocução. Uma dessas atitudes é a adequação dos cidadãos às
normativas impostas pela instância, conhecendo seu funcionamento,
as possibilidades que ela oferece, capacitando-se para a participação.
937
Outra atitude, segundo Dryzek (2000), é a utilização de agentes “extraconstitucionais”, tais como manifestações, boicotes, eventos midiáticos,
entre outros, para promover uma influência direta no poder público,
contornar os bloqueios gerados pelos desenhos institucionais, ou reivindicar a modificação desses desenhos. Além disso, os cidadãos podem
utilizar parcerias com autoridades políticas do poder Legislativo ou do
próprio Executivo para tentar influenciar a modificação desses canais
ou até mesmo alcançar seus objetivos mais rapidamente.
Isto posto, ratificamos que o processo amplo e aberto da comunicação pública se orienta e formata conforme os limites impostos por
este desenho. Esses limites podem demandar uma comunicação que
seja meramente informativa ou possibilitar melhores meios para estimular a participação, mantendo as condições essenciais de publicidade das instâncias participativas. Contudo, essa formatação da comunicação não é algo construído ingenuamente, o que o torna difícil de ser
apreendido. Para tentarmos compreender essa conformação, a próxima
seção procura abordar a dita “gestão compartilhada” da Prefeitura de
Belo Horizonte, de modo que possamos encontrar pistas sobre as suas
implicações em termos comunicacionais.
A PROPOSTA DE GESTÃO COMPARTILHADA DE BELO HORIZONTE
Apresentada por seus gestores como a capital com maior histórico de participação cidadã na gestão pública, Belo Horizonte utiliza canais como o Orçamento Participativo, conferências, fóruns, audiências
públicas, assembleias, Planejamento Participativo Regionalizado, entre
outros, na tentativa de melhorar a vida das pessoas. Tentando dar continuidade a esse histórico, a Prefeitura de Belo Horizonte criou, em 2011, a
Secretaria Municipal Adjunta de Gestão Compartilhada – SMAGC, cujo
objetivo é dinamizar, organizar, expandir e integrar todas as atuais formas de participação da cidade. Deste modo, a Prefeitura acredita estar
estimulando a mobilização social, a capacitação dos representantes da
sociedade e a criação de novos espaços dialógicos, ampliando a cooperação institucional e proporcionando maior transparência nas atividades governamentais (GESTÃO COMPARTILHADA, 2014).
Mas, afinal, como a PBH compreende a gestão compartilhada? De
acordo com as informações obtidas no boletim Gestão Compartilhada
938
da Prefeitura de Belo Horizonte, esta “deve ser uma forma de radicalizar
a democracia, ampliando as possibilidades de participação e controle
social na gestão daquilo que é de interesse público” (PBH, 2011, p.1).
Para alcançar esses objetivos, a SMAGC apresenta uma localização estratégica no organograma da Prefeitura, bem como possui uma
organização interna tão complexa quanto o que ela deseja realizar. Ao
analisarmos a estrutura organizacional da PBH, percebemos que a secretaria está vinculada à Secretaria Municipal de Governo. Tal Secretaria é
responsável pela integração dos múltiplos interesses que transitam pelo
município. Ela planeja e coordena, com a participação dos órgãos e entidades da Administração Pública, as políticas de mobilização social.
Além de gerenciar as atividades de apoio às ações políticas da administração municipal, cabe à Secretaria de Governo assessorar o município nas atividades de representação política e em assuntos de natureza
técnico-legislativa. O fato da SMAGC estar vinculada a esta Secretaria a
confere uma posição estratégica dentro da estrutura da PBH, pois suas
ações podem auxiliar e interferir no planejamento municipal, conferindo maior legitimidade às suas ações políticas.
Todavia, para que a atuação da SMAGC seja realmente estratégica, ela deve apresentar uma estrutura organizacional que lhe confira tal capacidade. Considerando o atual organograma institucional da
Secretaria, observamos que ela é composta por 4 unidades administrativas gerenciais de 1º nível e classe A, 9 gerências de 1º nível e classe C3, 16
gerências de 2º nível e quatro gerências de 3º nível. Não entraremos aqui
nas competências de cada gerência, mas, ao analisarmos as entrevistas
que realizamos e os diversos decretos que regem a Secretaria algumas
atribuições nos instigaram, principalmente por serem elementos em comum entre várias gerências e evidenciarem normativas da SMAGC que
dizem sobre a interlocução que ela pretende instituir. Estas atribuições
As gerências de 1o nível são segmentadas nas classes A, B e C, de acordo com
os níveis de competências e responsabilidades, as áreas de atuação, a relevância estratégica, a quantidade e a qualidade do atendimento a demandas internas e externas, bem como os projetos e programas desenvolvidos, o número
de gerências que lhe forem subordinadas, o volume orçamentário alocado e o
número de servidores lotados em suas respectivas unidades, sendo que a classe
A é a mais abrangente e a C a mais específica.
3
939
são: (a) realização de diagnóstico sobre a situação da gestão participativa na cidade; (b) capacitação e fortalecimento da representatividade
comunitária; (c) mobilização da sociedade para a participação.
A partir dessas atribuições, podemos concluir que, ao menos em
princípio a PBH se mostra preocupada em qualificar e mobilizar os representantes da sociedade civil, de modo a fortalecer a cidadania e aprimorar a qualidade dos fóruns participativos e das discussões neles ocorridas. Por outro lado, fica evidente uma preocupação em construir um
diagnóstico sobre as formas de participação existentes no Município,
para que se possa elaborar, posteriormente, um embasamento que paute a formatação de todos esses canais. Assim, fica claro que o próprio
desenho fica sujeito a uma intervenção técnica especializada.
Outro ponto que devemos ressaltar é que na era da gestão compartilhada os canais participativos da PBH requerem uma ação transparente e que estabeleça uma interlocução entre a administração municipal
e as organizações da sociedade civil. Além disso, para que a população
saiba da existência desses canais, é preciso que a Prefeitura desenvolva
um processo de comunicação pública que não fique preso apenas ao caráter informativo. É preciso utilizar também estratégias de mobilização
que sensibilizem a população.
Ao retomarmos as dimensões da comunicação pública abordadas na seção anterior e avaliarmos os meios que a Prefeitura de Belo
Horizonte utiliza para divulgar suas instâncias participativas, bem como
para tentar mobilizar a sociedade civil e estabelecer com ela uma interlocução, percebemos que esses meios dizem de uma comunicação pública
que se restringe às duas primeiras dimensões trabalhadas. Ou seja, trata-se de estruturas e práticas de comunicação do setor público que dizem
respeito à responsabilidade que este tem de disponibilizar informações
de interesse público para a sociedade civil. Mesmo estando relacionados
apenas às estratégias de comunicação governamental, podemos dividir
os meios utilizados pela SMAGC conforme seus objetivos específicos, dos
quais ressaltamos três: (a) disponibilidade de informação; (b) chamado à
participação; (c) recursos e ações de mobilização social.
940
DILEMAS NA COMUNICAÇÃO ENTRE PODER PÚBLICO E CIDADÃOS
A proposta da PBH de congregar todas as formas de participação existentes na cidade sob a égide de um órgão único forneceu boa
oportunidade para um exame em caráter exploratório sobre as questões de desenho institucional, naquilo que respeita à formação comunicacional das influências. O Orçamento Participativo, os colegiados – 24 Conselhos de Políticas Públicas e 9 Conselhos Tutelares – o
Planejamento Participativo Regionalizado, as Conferências de Políticas
Públicas e a mobilização social para a participação nessas instâncias
estão a cargo dessa secretaria para a qual Belo Horizonte foi dividida em
40 territórios de gestão compartilhada, a fim de envolver os cidadãos
no planejamento urbano da cidade. Essa divisão teve como referência
interna os bairros da capital, agrupando-os segundo uma lógica socioeconômica, de infraestrutura e de características do espaço urbano,
desconsiderando-se os aspectos associativos e o relacionamento entre
as comunidades. Assim, foram criados comitês gestores em cada território, que ficaram responsáveis pelo encaminhamento de propostas ao
Planejamento Participativo Regionalizado.
Entretanto, a PBH não pretende envolver apenas as formas institucionalizadas mais tradicionais no sistema de gestão compartilhada. O
seu objetivo declarado é
incorporar, na gestão compartilhada, não apenas quem formalmente ocupa funções de direção ou coordenação em organizações, conselhos municipais, mas também aqueles que coordenam grupos e movimentos religiosos, culturais ou esportivos,
representantes do setor econômico e empresarial, da juventude,
de referências populares, entre outros (PBH, 2011, p.1).
A própria Gerente de Mobilização da SMAGC evidencia essa preocupação ao descrever o mapa de relacionamento em construção pela
equipe. Devido ao fato do Orçamento Participativo ser o expoente de
participação no Município, quando se falava em controle social e em envolvimento da comunidade a Prefeitura recorria somente às gerências
do OP para convocar a população para suas conferências e assembleias.
Contudo, a Gerente afirma que existem muitos outros fóruns e canais de
participação que não eram considerados para compor a lista de pessoas
941
que seriam contatadas, convocadas para a participação. Foi daí que a
ideia de criar um mapa das diversas formas de participação, dos múltiplos elos de relacionamento entre a Prefeitura e a comunidade – que não
seja só o OP – surgiu. Esse mapa deve permitir que a SMAGC identifique
os diversos canais de participação para que possa congregá-los sobre
sua responsabilidade.
Todavia, essa iniciativa de congregação das instâncias traz uma
série de dilemas em relação à interlocução com os públicos e suas possibilidades de influência, mas, para este artigo, destacamos três aspectos:
(a) a multiplicidade de desenhos institucionais; (b) diferentes formas de
influência sobre as decisões circunscritas aos desenhos institucionais e
para além deles.
(a) Multiplicidade de desenhos institucionais - Observamos que
existe um paradoxo entre as pretensões e a formatação da Gestão Compartilhada da PBH. Ao mesmo tempo em que a Secretaria diz que pretende fomentar uma maior participação social
nas suas mais diversas instâncias participativas, capacitando
os cidadãos para isso e propiciando um maior controle social,
a multiplicidade de arranjos institucionais que seus diferentes
canais participativos apresentam podem inibir ou até mesmo
confundir os cidadãos que desejam participar. Essa dificuldade
de conciliar aspectos institucionais muito diferentes exige que
se tenha um exaustivo processo mobilizador com os participantes, motivo pelo qual a proposta da SMAGC enfatiza as ações
pedagógicas. A própria Secretaria assume a necessidade de
ensinar, capacitar para que os cidadãos e grupos tenham condições de participar segundo suas regras, como é evidenciado
nos terceiros incisos dos artigos 56B, 56C e 56E do Decreto no
14.281: “III - apoiar as atividades destinadas a ampliar e qualificar a representatividade da participação social nos processos
de gestão compartilhada do Município”, e no inciso segundo do
artigo 56F do mesmo decreto: “II - implementar estratégias educativas relacionadas aos processos de gestão compartilhada”.
(b) Diferentes formas de influência sobre as decisões circunscritas aos desenhos institucionais e para além deles – Percebemos,
através das entrevistas e análise dos documentos, que a institucionalização da participação pode gerar três ações/reações na
comunidade: (a) organização para se adequar às regras e se in942
serir no ambiente participativo; (b) utilização de estratégias que
extrapolam a institucionalidade dos desenhos para influenciar
a tomada de decisão; (c) realização de negociações com autoridades do Poder Legislativo para conseguir agilizar a tomada
de decisão. Todas essas ações demonstram as tentativas da comunidade em tentar influenciar o poder público e, assim, obter
resultados em suas causas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A constituição de espaços públicos de discussão representa o saldo
positivo das décadas de luta pela democratização, expresso especialmente pela Constituição de 1988, que foi crucial para a implementação destes
espaços de participação dos cidadãos na gestão da sociedade. No entanto,
essas transformações exigem modelos de gestão pública que sejam inovadores e que atendam ao que está preconizado nas legislações ambientais
e urbanas, o que faz surgir, daí, a ideia de gestão compartilhada. Tal noção, como vimos, propõe um sistema que abrange cooperação, compartilhamento, transparência e protagonismo social como forma de promover
o exercício democrático, culminando, principalmente, em arranjos institucionais que possibilitem esse protagonismo.
Os desenhos institucionais das instâncias participativas que
surgem desse processo são compostos de muitas variáveis, podendo
ser combinados de muitos modos diferentes. Cada modalidade coloca
possibilidades e limites distintos à interação e à interlocução com os
cidadãos, o que reflete no potencial de influência das políticas públicas que os cidadãos podem ter. As regras desses desenhos podem criar
oportunidades e constranger certas ações, conformando, assim, o processo amplo e aberto de comunicação pública. Além de incidirem sobre
a comunicação, os arranjos institucionais também interferem na organização da sociedade civil. Nesse cenário, os cidadãos buscam confrontar esses arranjos, ora se organizando e buscando estratégias de ação
dentro dos limites de influência possíveis neste desenho, ora desafiando
esses próprios limites ou agindo fora deles para conseguir manifestar
publicamente opiniões e preferências. Em ambos os casos, recorrem a
estratégias de mobilização social.
943
Nossa análise permite observar que a dificuldade de lidar com
múltiplos arranjos institucionais - que variam desde formas mais inclusivas até as mais limitadoras – e a rigidez das formas institucionalizadas
implicam em dilemas e desafios à comunicação pública, como a necessidade de encontrar modelos institucionais que sejam sensíveis a outras formas de manifestação de preferências e demandas dos cidadãos
e a necessidade dos públicos se adaptarem aos formatos das instâncias
participativas e de aumentarem sua capacidade de influenciar as decisões do poder público. Fica evidente que a tentativa da SMAGC de abarcar diferentes instâncias participativas, com desenhos múltiplos, acaba
gerando a necessidade de criar um processo pedagógico/mobilizador
para “ensinar” a comunidade a participar. Essa necessidade de capacitar
cidadãos cria um entrave: como defender uma proposta de compartilhamento e controle social sem que aqueles que a legitimarão, ou seja,
os cidadãos, não conseguem compreender “sozinhos” como participar
de seus processos?
Esses e outros dilemas nos aparecem quando pensamos em um
processo de gestão compartilhada, principalmente pelo que é trabalhado pela Prefeitura de Belo Horizonte. Longe de esgotar a discussão, não
cremos num ideal participativo canônico, mas sim diferentes institucionalidades que devem se adaptar da forma mais democrática às demandas dos diferentes públicos, buscando o justo meio entre a burocracia e
o controle social.
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945
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DO PONTO DE VISTA DA RELAÇÃO DIALÓGICA ENTRE
ENUNCIADOS: COMO PODEMOS PENSAR O DIÁLOGO ENTRE
GOVERNO E CIDADÃOS NA CONSULTA PÚBLICA ON-LINE
Luciana Saraiva de Oliveira Jerônimo1
RESUMO
Este trabalho desenvolve uma reflexão teórica sobre
as relações dialógicas entre enunciados individuais e sua trama conceitual, orientando a observação e a compreensão
de como elas acontecem em uma consulta pública on-line,
para, depois, desvelar o tipo de diálogo entre governo e cidadãos constituído e seu enunciado concreto final, produto
da interação entre sujeitos distintos e socialmente organizados. Para esta reflexão, assumimos a perspectiva filosófico-linguística de Mikhail Bakhtin que se concentra no agir
concreto dos sujeitos.
Palavras-chave: Comunicação Política; Enunciados
Individuais; Relação Dialógica entre Enunciados; Diálogo;
Consulta Pública On-line.
Professora Adjunta IV do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão (desde 1998), Mestre em Comunicação pelo Instituto Metodista de Ensino Superior (1995), São Bernardo do Campo e, atualmente, doutoranda do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS.
E-mail: l-jeronimo@hotmail.com.
1
1. QUESTÃO INICIAL
Diálogo entre governo e cidadãos está, hoje, no centro da relação
entre comunicação política e democracia digital, a partir do momento
que se começa institucionalizar a participação on-line da sociedade na
gestão pública brasileira e construir espaços de participação social e diálogo nos quais podem ocorrer confrontos de ideias e efetivas negociações entre sujeitos sociais distintos, como apontam Oliveira (2006) e o
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Secretaria Geral da
Presidência da República (BRASIL/MPOG, 2012).
O objeto deste trabalho teórico-reflexivo está no centro da relação
discursiva entre governo e cidadãos (debate político) sobre temas que se
pretendem de interesse geral da população, quando estes são colocados
em pauta pelo governo, através de consulta pública on-line, em contexto
empírico institucionalizado2, como é o caso do “Gabinete Digital”3.
Partimos do nosso Relatório de Qualificação de Tese ( JERÔNIMO,
2014), em que propomos analisar o diálogo entre o Governo do Rio
Grande do Sul e seus cidadãos. Nesse processo de conhecimento, deparamo-nos com outra relação que constitui o debate entre governo e cidadãos, no sentido bakhtiniano: a relação entre a forma e o estilo de cada
enunciado individual, as relações dialógicas entre enunciados individuais
e o conjunto dessas relações dialógicas em uma consulta pública on-line.
Essa relação poderá ser problematizada, a posteriori, se pudermos comBaseamo-nos na ideia de que os fatos estão como a essência da realidade, e
que os fatos se dão em uma realidade social e histórica dada. Eles são a materialização da experiência (HABERMAS, [1968]2014). Desta maneira, o contexto
empírico é o lugar situacional em que se objetiva e materializa uma experiência, podendo-se, através dele, percebê-la. Nesse sentido, chamaremos aqui de
contexto empírico institucionalizado o lugar ou unidade ou espaço concreto
constituído legalmente que possibilita, neste caso, a materialização da comunicação discursiva.
2
“Gabinete Digital” é um website governamental criado pelo governo do Estado do
Rio Grande do Sul, que funcionou no período de maio de 2011 até dezembro de 2014
como espaço de participação social on-line na Administração Pública. Seu acesso
continua sendo www.gabinetedigital.rs.gov.br até a finalização deste trabalho.
3
947
preender as relações dialógicas entre enunciados individuais, observando-as em uma realidade social e histórica específica dada. A tarefa aqui
é, então, pensar uma orientação teórica capaz de organizar a prática da
metodologia necessária à análise das relações dialógicas entre enunciados individuais para, depois, desvelar que tipo de diálogo entre governo
e cidadãos foi constituído e qual a natureza do enunciado concreto final
produzido. Por isso recorremos a Mikhail Bakhtin e seu Círculo4.
Na primeira metade do século XX, Mikhail Bakhtin, contemporâneo dos formalistas russos5, debruçara-se sobre o caráter dinâmico, mutável e dialógico da linguagem, entendendo o diálogo como fenômeno
central na vida social e na vida pessoal. Mudando as categorias básicas
dos estudos da linguagem anteriores, seu pensamento filosófico-linguístico, buscara compreender o exercício da linguagem, e não o seu código6. Concentrando-se no agir concreto do sujeito, ele trouxera à tona a
categoria “polifonia” – “multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis” (ver nota de rodapé 8) representantes de um contexto empírico particular e, simultaneamente, formada e marcada por esse
“Círculo de Bakhtin” é a designação do grupo de pensadores russos que se
reuniam para refletir e criticar concepções filosóficas e que constituíram uma
concepção própria de Filosofia da Linguagem, produzindo conceitos basilares
para o estudo da linguagem, como: dialogismo, signo ideológico, interação verbal e enunciado concreto. Esse grupo era composto por Mikhail M. Bakhtin, Lev
V. Pumpiánski, Matvei I. Kagan, Valentin N. Volochinov, Ivan I. Solertínski, Pável
N. Medviédev, Maria V. Iudina, Ivan I Kasaiev, Konstantim Vaguinov e Bóris Zubákin (CLARK; HOLQUIST, 2004; BAKHTIN; DUVAKIN, 2012).
4
Viktor Chklovsky, Vladimir Propp, Yuri Tynianov, Boris Eichenbaum, Roman
Jakobson e Grigory Vinokur (CLARK; HOLQUIST, 2004; BAKHTIN; DUVAKIN,
2012). No Brasil, temos na obra Teoria da Literatura: formalistas russos (TOLEDO,1976) o contato com suas ideias e, através delas, uma noção da razão do
distanciamento de Mikhail Bakhtin dos formalistas.
5
Na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem ([1929]2010), Mikhail Bakhtin recolhe as ideias de duas linhas que orientam o pensamento filosófico-linguístico
que estão em oposição: as orientações do subjetivismo idealista e do objetivismo
abstrato. Ele as critica e as contrapõem, construindo sua própria orientação
filosófica-linguística.
6
948
mesmo contexto, apresentando uma “fala” aparentemente homogênea
(BEZERRA, 2012. p.194). Confrontando-se com o modelo ocidental positivista – a partir do qual “só é real e material aquilo que pode ser medido, pesado, tocado, manipulado, quantificado” -, Bakhtin e seu Círculo
afastam-se das filosofias da forma ( formas imutáveis) que remonta a
Platão (com seu mundo das ideias, fora do tempo e do espaço). Bakhtin
trabalha, em suas obras, com a filosofia do movimento, cujo objeto é o
exercício da linguagem (movimento; sempre por se construir); está sempre em processo; não se submete a uma forma fixa e imutável (RIBEIRO,
2006, p. 5). O exercício da linguagem é ação no diálogo.
Se ambicionamos compreender como acontece o diálogo entre
governo e cidadãos, de onde partiremos? Partiremos do princípio dialógico que orienta a ideia que para nós perpassa e orienta a formação das
relações dialógicas entre enunciados individuais e a natureza do diálogo
concreto, como veremos a seguir.
2. O PRINCÍPIO DIALÓGICO BAKHTINIANO: A BASE DAS RELAÇÕES DIALÓGICAS
ENTRE ENUNCIADOS INDIVIDUAIS.
O princípio dialógico7 é um dos pilares da arquitetura teórica que
Mikhail Bakhtin constrói sobre enunciação dialógica. Este princípio articula três posicionamentos maiores, conforme Patrick Dahlet (2005,
p.55), como veremos a seguir: a natureza social do diálogo (que é de
essência intersubjetiva8), a natureza do signo (o signo é um “mecanismo”
Adail Sobral (2009, p.123) nos lembra que as obras do Círculo de Bakhtin indicam que o “dialogismo” não é uma questão estritamente discursiva, pois “seus
aspectos discursivos são derivados de sua definição filosófica como princípio
geral do agir”. Que só a posteriori o “dialogismo” é compreendido como princípio de produção de enunciados/discurso. Neste trabalho, assumimos a segunda
concepção.
7
Para Bakhtin, o sujeito não é fonte primeira de sentido (DAHLET, 2005). Para
Bakhtin ([1929]2010, p.47), “o psiquismo subjetivo é o objeto de uma análise ideológica, de onde se depreende uma interpretação socioideológica. O fenômeno
psíquico, uma vez compreendido e interpretado, é explicável exclusivamente por
fatores sociais, que determinam a vida concreta de um dado indivíduo, nas condições do meio social”. Assim, a fonte primeira de sentido na produção de diálogo
8
949
de ação sobre uma determinada realidade9) e a natureza do sujeito10 (o
sujeito falante é constituído de várias vozes, ou seja, ele existe através
do outro, por uma alteridade, e não por um discurso interno, fechado).
Mas, qual a implicação do princípio dialógico à compreensão de
como se constitui o diálogo? Para nós, é o fato de Bakhtin conceber o discurso dito (enunciado concreto final), enquanto produto das relações dialógicas
entre enunciados individuais, como “uma construção híbrida, (in)acabada
por vozes em concorrência e sentidos em conflito” (DAHLET, 2005, p. 56),
quer dizer, como produto de intercâmbio verbal fundado, como todo processo de produção de sentido, na diferença. E isso pode ser energizador do
processo social e constituir-se em força centrífuga11 da participação social,
neste caso, na Administração Pública, em um governo.
O princípio dialógico (dialogismo) nos orienta sobre o uso da linguagem quando o diálogo vai se constituindo. Para este princípio, a iné o meio social onde os sujeitos estão inseridos. Isso é perceptível no processo de
intersubjetividade, que nas obras de Bakhtin vem para o primeiro plano.
Em Marxismo e Filosofia da Linguagem ([1929]2010), Mikhail Bakhtin pensa
sobre isso ao trabalhar a relação entre o estudo das ideologias e a filosofia da
linguagem. Para ele, “a palavra é o fenômeno ideológico por excelência” (p. 36).
A palavra penetra nas relações entre indivíduos na vida cotidiana; ela é indicador de transformações sociais.
9
Para Adail Sobral (2009, p. 123), “a noção de sujeito, que sempre remete ao
agir, a um agente, implica pensar o contexto da ação, que envolve tanto o princípio dialógico (que segue a direção do interdiscurso, da interação, constitutivos do discurso, dos atos), como os elementos sócio-históricos que formam
o contexto mais amplo, sempre interativo (na direção da polifonia, isto é, da
presença de vários pontos de vista nos atos e discursos humanos”. Sua fala representa bem o que já expressamos.
10
Para Bakhtin (CLARK; HOLQUIST, 2004), os participantes do diálogo travam
uma luta discursiva. Ou seja, uma luta com forças centrífuga e centrípeta. “As
forças centrífugas compelem ao movimento, ao devir e à história; elas aspiram
à mudança e à vida nova. As forças centrípetas exigem estase, resistem ao devir; abominam a história e desejam a quieta mesmice da morte” (CLARK; HOLQUIST, 2004, p. 35). Em Habermas (2012, v.1), essa luta é visível nas formulações
de pretensões de validade criticáveis.
11
950
tersubjetividade é anterior à subjetividade, pois o saber partilhado entre
os distintos sujeitos sociais é a base da consciência individual; a percepção da forma e da dinâmica do uso da linguagem se dá pelo signo
mutável; e seus sujeitos são dialógicos. Entender o “dialogismo” nos dá
uma certa aptidão para observar radicalmente as relações dialógicas entre enunciados individuais.
3. AS RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE ENUNCIADOS (INDIVIDUAIS)
Para Bakhtin, o enunciado é uma unidade da comunicação discursiva que está no centro da relação entre linguagem e sociedade, enquanto
materialização do efeito de estruturas sociais. Nesse sentido, o enunciado reflete uma determinada realidade em uma dimensão espacial e temporal. Em uma mesma dimensão espacial, a interação entre enunciados
produz a passagem de uma realidade temporal para outra realidade temporal. É o que Bakhtin ([1929] 2010, p. 42) chama de “refração”. Ou seja, o
enunciado final concretiza um signo criado valorativamente na relação
entre enunciados individuais que revela a realidade (reflete) e modifica
a direção (refrata) da realidade em transformação. Diferentes realidades
temporais (ou espaciais) se apropriam, por exemplo, do enunciado sobre
“saúde pública” de diferentes formas e o transformam em outros enunciados, produzindo uma polissemia sobre esse objeto.
Quando um enunciado individual começa a ser constituído na
mente humana, pelo processo de conscientização e de reflexão, esse
ciclo de reflexão e refração começa a se construir. Entretanto, o que
se torna visível é o que Bakhtin denominou “enunciado concreto” (o já
dito/escrito). Sua constituição é dada pelo exercício da linguagem se
pensarmos no que chamamos de enunciado concreto individual, e pelo
movimento entre enunciados individuais se pensarmos no enunciado concreto final. É pela percepção da relação entre esses dois tipos de
“enunciados concretos” que compreendemos o diálogo, enquanto forma
específica de composição do discurso. E se nele há uma realidade refletida ou refratada em um debate.
Para observar e compreender como o diálogo se compõe, a categoria relações dialógicas entre enunciados precisa ser analisada através
de seus elementos conceituais: “alteridade e respondibilidade”, “conclusibilidade” e “valoração”. Estes elementos revelam a natureza das séries
951
de enunciações. As diversas enunciações desvelam o tipo de diálogo e a
característica do enunciado concreto final produzido na consulta pública on-line (ver Figura 1). Então, vejamos o processo resultante da apreensão teórica que possibilita teoria e experiência se fundirem.
FIGURA 1 – PROCESSO DA PRÁTICA DE PESQUISA
Fonte: (A autora, 2015)
3.1 ALTERIDADE E RESPONDIBILIDADE NAS RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE
ENUNCIADOS INDIVIDUAIS
A “alteridade” consiste na ideia de que “somente do outro eu posso obter o meu self”(CLARK; HOLQUIST, 2004, p. 91), reafirmando nosso
entendimento de que o sujeito em si pressupõe a relação entre sujeitos.
Sua importância é percebida na construção dos enunciados e no processo de respondibilidade que veremos mais tarde.
Segundo Clark e Holquist (2004, p. 93), Bakhtin entende que há
uma interdependência entre a mente e o mundo no sentido de que “ninguém pode existir sem modificações efetuadas por outrem”. Isso gera a
ideia de “vivenciamento empático” (BAKHTIN, [1979], 2011). Nesse sentido, o “dialogismo” torna-se um procedimento em que o sujeito se vê e
se reconhece através do outro, na imagem que o outro faz dele. Essa é
condição para entender que, quando um sujeito pensa e se exterioriza
para um “auditório social” bem definido, ele se reconhece e é reconhecido pelo “auditório” (BAKHTIN [1929]2010, p. 16). Ou seja, a necessária
complementariedade do outro/tu.
952
A “alteridade” para Bakhtin explica a alternância de vozes e consciências independentes e imiscíveis; alternância de vozes “plenivalentes” e consciências “equipolentes”12; é o constante deslizamento entre
o “eu” e o “outro”; alternância entre dois enunciados; significa relações
semânticas tensionadas13. Ela gera a categoria de “heteroglossia” (ocorrência de vozes diferentes) no interior do texto produzido no diálogo.
Nessa perspectiva, “alteridade” torna-se princípio para o movimento
entre o enunciado do governo e os enunciados dos cidadãos (relação
dialógica dos enunciados).
Bakhtin, em Estética da Criação Verbal ([1979]2011, p. 294 e 295),
recupera o princípio “alteridade” para falar de relação entre enunciados
compondo um discurso.
Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive
as obras criadas) é pleno de palavra dos outros, de um grau
vário de alteridade ou de assimilidade, de um grau vário de
aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros
trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos.
A interação dos enunciados se dá pela alteridade dos sujeitos
que participam de um diálogo, e é essa mesma alteridade que estabelece
os limites dos enunciados (começo e fim de cada um nesse processo) e
que possibilita perceber outro elemento teórico: a “respondibilidade”14.
“Plenivalente” e “equipolente” são traduções de criações vocabulares de
Bakhtin em russo que significam respectivamente: livre e preservando sua característica individual; e com a mesma possibilidade de convivência e de diálogo (em pé de igualdade).
12
Na obra Linguagem e diálogo (2003, p. 66), Carlos Alberto Faraco lembra que
o dialogismo bakhtiniano é tanto convergência, quanto divergência e que “o
Círculo de Bakhtin entende as relações dialógicas como espaços de tensão entre enunciados”, e não simplesmente como promoção de entendimento, como
alerta também Fiorin (2012, p. 170).
13
Empregamos o termo “respondibilidade” para designar ação de “responder a
alguém ou alguma coisa” sem abdicar do caráter de “responder pelos próprios
atos”. Cada autor de enunciado individual é responsável ou “respondível” por
si mesmo e pelo conteúdo de sua fala, conforme expresso em Clark; Holquist
14
953
Para Bakhtin ([1979]2011, p. 297), existem formas de alternância
de enunciados que precisam ser reveladas e que indicam uma “recepção
ativa do discurso de outrem” (cf. BAKHTIN, [1929]2010, pp. 150-160):
a) a dos enunciados dos outros que podem ser introduzidos diretamente no contexto dos enunciados (por exemplo, uma postagem de opinião quando outras opiniões já foram postadas);
b) a dos enunciados em que podem ser introduzidas somente
palavras isoladas ou orações de outros que, neste caso, figurem
como representantes de enunciados plenos, mas não podem ser
reacentuadas (por exemplo, citações diretas como as usadas
neste trabalho); e
c) a dos enunciados dos outros que podem ser recontados com
um variado grau de reassimilação (por exemplo, uma opinião
postada acrescida com informações que alteram o sentido do
que se discute).
Sobre “alteridade e respondibilidade”, considerando esses contextos, Bakhtin ([1979]2011, p. 297) nos lembra:
Os enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam
cada um a si mesmos; uns conhecem os outros e se refletem
mutuamente uns nos outros. Esses reflexos mútuos lhes determinam o caráter. Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela
identidade da esfera da comunicação discursiva. Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos
enunciados precedentes de um determinado campo (aqui
concebemos a palavra “resposta” no sentido mais amplo): ela
os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta.
Precisamos então identificar, no diálogo entre governo e cidadão via consulta pública on-line, as marcas de alternância de enunciados; como os contextos imediato e histórico estão presentes em cada
enunciado concreto individual; e como na alternância de enunciados há
“respondibilidade”.
(2004, pp.89-116) e em Adail Sobral no texto “Ato/atividade e evento” (BRAIT,
2012, p. 20).
954
Para Bakhtin, ainda em Estética da Criação Verbal ([1979]2011,
p. 271), quando um sujeito percebe e compreende o significado (linguístico) do discurso do outro sujeito, ele ocupa uma ativa posição responsiva. Ou seja,
[...] concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc; uma posição
responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de audição e compreensão desde o seu início, às vezes
literalmente a partir da primeira palavra do falante. Toda
compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza
ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja
bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e
nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte
se torna falante.
Assim, “respondibilidade” é um elemento teórico que compõe,
também, a relação dialógica entre enunciados. Ele materializa “uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução” (BAKHTIN, [1979]2011, p. 272). Enquanto propriedade da enunciação, ela permite e exige uma resposta de um enunciado para o outro.
Para Menegassi (2009, p.158), ela é motivada pelo encontro e choque das
“palavras-signos” com o mundo interior do outro, a partir de coerções
do contexto social da enunciação. Só há relações dialógicas entre enunciados se há “alteridade e respondibilidade”.
O princípio alteridade orienta e solicita a ideia da respondibilidade nessas relações. Para que um enunciado individual interaja com
outro,
[...] é preciso que aquilo que foi dito/escrito encontre eco nas
vivências anteriores do outro, que ele seja envolvido pela relevância do conteúdo em questão em relação ao contexto em
que ele e o locutor encontram-se imersos. Somente assim essas palavras merecerão, de fato, uma resposta” (MENEGASSI,
2009, p.158).
Esses princípios e conceito perpassam os conceitos de interação verbal, de discurso, de enunciado concreto e de gêneros do discurso.
Mas só o conceito de “respondibilidade” figura no diálogo a necessidade humana “de provocar no seu par uma reação, uma resposta às suas
955
ações, sejam elas de natureza atitudinal ou linguística” (Op. Cit., p. 149).
Ou seja, uma ação ou uma fala responsável que responda às palavras
ditas por outrem.
Todavia, a resposta responsável de uma pessoa em um diálogo
não se dá sempre de forma direta e imediata, mas também de forma
subsequente não imediata. A temporalidade não é um aspecto essencial
à “respondibilidade”, pelo contrário, às vezes ela exige distanciamento temporal. Considerando isso, Bakhtin ([1979]2011, p. 272), pensou
dois tipos de surgimento de “respondibilidade”: a) a ativa15 (ou imediata, como denomina Menegassi) – que “pode realizar-se imediatamente
na ação”; nela “o outro, ao compreender o enunciado, apresenta, imediatamente, ao locutor, a sua devolutiva” (MENEGASSI, 2009, p. 160).
Como exemplo, podemos citar: o cumprimento de ordem ou comando
entendidos e aceitos para execução, a réplica no diálogo cotidiano, a
interação face-a-face, a comunicação mediada por computador, etc.; e
b) a silenciosa16 ou de efeito retardado – em que “cedo ou tarde, o que
foi ouvido e ativamente entendido responde nos discursos subsequentes ou no comportamento do ouvinte” (BAKHTIN, [1979]2011, p. 272).
Como exemplo, podemos citar os discursos escritos e lidos nos gêneros
líricos. De qualquer forma, a manifestação de respondibilidade marca a
passagem de um enunciado a outro, gerando um “fluxo de fala”, que tem
um aspecto interno: a “conclusibilidade”.
3.2 CONCLUSIBILIDADE DO ENUNCIADO
Em Estética da Criação Verbal ([1979]2011), Bakhtin entende que
a “conclusibilidade” é um aspecto interno da alternância dos sujeitos
do discurso. Quer dizer que, a alternância ocorrereu porque um dos sujeitos “disse (ou escreveu) tudo o que quis dizer em dado momento ou
sob dadas condições” (p. 280). Dizer “tudo” significa produzir o “indí“Respondibilidade ativa” representa a prontidão da resposta após a compreensão do enunciado dito/escrito, sendo responsável por este ato. Essa resposta
pode ser um enunciado, uma ação ou o silêncio.
15
Na “respondibilidade silenciosa”, o sujeito que responde, requisita para si um
tempo maior para elaborar sua resposta linguística ou atitudinal, sendo, a posteriori, responsável por sua fala ou por seu comportamento.
16
956
cio de inteireza acabada do enunciado”17, que é determinado por três
fatores. Primeiro pela “exauribilidade do objeto e do sentido”, ou seja,
pela relação entre o falante e o objeto de sua fala. Uma relação de cognição (compreensão do objeto da discussão) e uma relação valorativa (a
importância do objeto da discussão para o falante naquele momento).
Segundo, pelo “projeto do discurso” ou vontade do falante, isto é, o objetivo do falante ao decidir participar da consulta pública on-line, neste
caso. E, terceiro, pelas “formas típicas composicionais e de gênero do
acabamento”, ou seja, o tipo de texto e a forma como este deve produzir sentido conforme o projeto enunciativo. Sobre isso ver Adail Sobral
(BRAIT; MAGALHÃES, 2014, pp.19-36).
A partir daqui, destacamos do primeiro fator de “conclusibilidade”: a relação do falante com seu objeto de fala. Esta relação influi na
produção de sentido sobre o objeto da consulta pública on-line e que
põe a descoberto a natureza ideológica dos atos de fala individuais.
Estamos falando do processo de “valoração”.
3.3 VALORAÇÃO NO ENUNCIADO
Que sentido se forma sobre o objeto de uma consulta pública on-line? Esta questão só é respondida a partir das relações dialógicas entre
enunciados individuais em que se decifra como cada sujeito atribui valor
ao objeto de sua fala e disputa poder simbólico para fazer validar e preponderar seu enunciado. É nesse sentido que o elemento teórico “valoração” surge como componente que marca a criação de um “signo”, conforme entendimento bakhtiniano, nas relações dialógicas entre enunciados.
Mikhail Bakhtin ([1979]2011, p. 280) entende “Indício de Inteireza Acabada
do Enunciado” as marcas de “compreensão responsiva dos interlocutores” determinada por três fatores “intimamente ligados no todo orgânico do enunciado”, aí citados. Para ele existem as seguintes formas da ativa “compreensão responsiva”: a) a influência educativa sobre os leitores, sobre suas convicções; b) as
respostas críticas; e c) a influência sobre seguidores e contaminadores (cf. Op.
Cit., p. 279). Para Bakhtin, “o ouvinte, ao compreender o significado (linguístico)
do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.” (Op. Cit., p. 271). É a compreensão da fala viva.
17
957
A cada etapa do desenvolvimento da sociedade, encontram-se grupos de objetos particulares e limitados que se tornam
objeto da atenção do corpo social e que, por causa disso, tomam um valor particular. Só este grupo de objetos dará origem a signos, tornar-se-á um elemento da comunicação por
signos (BAKHTIN, [1929]2010, p. 46).
Para Bakhtin, um objeto se torna tema de discussão social quando este adquire valor social, ou seja, quando ele afeta a existência material do ser humano. A partir daí, o tema atinge a consciência individual
para possuir um índice individual de valor (BAKHTIN, [1929]2010, p.
46). Na interação entre consciências individuais, produzimos um índice
interindividual de valor sobre o tema, tornando-o socialmente pertinente para discussão18.
O autor explica como o elemento teórico “valoração” é marcado
por gêneros (valorativos) do discurso. Quando atribuímos valor a um
tema, podemos reacentuá-lo, pondo-o em destaque de uma outra maneira, diferente da antecedente. Para Bakhtin ([1979]2011, p. 293), “os
gêneros do discurso, no geral, se prestam de modo bastante fácil a uma
reacentuação: o triste pode ser transformado em jocoso-alegre, mas daí
resulta em alguma coisa nova”.
Ao produzirmos um enunciado, reacentuando um tema (ou reassimilando-o; compreendendo de outra forma), estamos alterando um
elemento semântico-objetal desse tema e do enunciado. Produzimos
então um novo “tom” na resposta, que ao nosso ver é um indício de quão
seriamente algo é discutido. Um único enunciado é pleno de “tons” para
Bakhtin ([1979]2011, p. 298), mas na relação entre enunciados individuais há uma pluralidade deles. Essa pluralidade de “tons” pode potencializar ainda mais um diálogo qualificado, com força centrífuga maior,
que compele a um movimento mais intenso na discussão do tema almejando uma mudança, uma transformação da realidade. Ou, ao contrário,
gerar uma força centrípeta no (e pelo) diálogo, produzindo uma imobilização, uma resistência ao devir, desejando o desinteresse na sociedade
e a quieta mesmice da morte de um debate.
Bakhtin discute essa relação quando apresenta suas considerações sobre a
natureza sociológica da estrutura de expressão e da atividade mental, na obra
Marxismo e Filosofia da Linguagem ([1929]2010, pp. 118 a 122).
18
958
Cada enunciado publicado, em uma consulta pública on-line,
pode ter uma forma de valorar seu objeto ou tema. Essa “valoração”
pode atribuir ou retirar a força de uma ideia. Ênfases/silêncios, elogios/
depreciações, aprovações/desaprovações, êxtase/desencantos são “entonações expressivas” que, para Bakhtin, dão um peso específico à produção de sentido nos enunciados. “Em certa situação a palavra pode
adquirir um sentido profundamente expressivo na forma do enunciado
exclamativo [...]”(BAKHTIN[1979]2011, p. 291). Qualquer “valoração”
pode dar espaço a uma distinção ideológica de caráter apreciativo (cf.
BAKHTIN [1929] 2010, p. 81), o que ultrapassa a concepção de estar certo ou errado em uma “embate” discursivo, recepcionando a apreciação
do que é pior, melhor, belo ou repugnante, etc.
Fazendo parte das relações dialógicas entre enunciados individuais, a “valoração” interfere no resultado de uma consulta pública on-line. Ela participa da constituição do diálogo entre governo e cidadãos,
podendo alterar o sentido do tema da consulta pública, assim como seu
objetivo primeiro. Ela pode alterar a produção simbólica no diálogo entre governo e cidadãos, pois nela podem estar contidos juízos de valor
que, por sua vez, são subjetivos, podendo ou não ser bastante arbitrários. A “valoração” nem sempre se fundamenta, mas produz um processo de movimento ou de estagnação nas relações dialógicos entre enunciados. Bakhtin acredita no processo de movimento quando os indivíduos
expressam seus juízos de valor e se responsabilizam por eles.
4. RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE ENUNCIADOS: PONDO A DESCOBERTO O
CONTEXTO EMPÍRICO
Para que serve uma trama conceitual na prática da pesquisa?
Orientar um olhar para compreender algo; por a descoberto e apreender sobre um contexto empírico sob um determinado ponto de vista
teórico. A trama que aqui é apresentada - um conjunto de conceitos entrelaçados - ajuda a pensar a categoria teórica relações dialógicas entre
enunciados individuais e, por conseguinte, a compreender sobre um processo: o diálogo; um objeto presente em uma realidade (social) específica. Neste trabalho, “alteridade e respondibilidade”, “conclusibilidade” e
“valoração” revelam juntas a natureza das relações enunciativas, o tipo
959
de diálogo e o enunciado concreto final. É o encontro da teoria com a
realidade, tentando interpretá-la.
Por exemplo em uma consulta pública on-line sobre “Atendimento
na saúde pública”, o interesse e o desejo do governo e dos cidadãos podem
ser diversamente orientados ou se alinhar completamente. Então, como é
possível o diálogo entre eles? Como acontecem as relações dialógicas entre enunciados individuais quando os sujeitos distintos estão alinhados e
quando estão diversamente (ou conflituosamente) orientados?
O tema “saúde pública”, a título de exemplo, pode produzir e revelar sentidos diferentes para governo e para cada cidadão. Portanto,
precisamos reconhecer a ausência de unicidade da palavra e numa perspectiva semântica, entender o que diz Bakhtin: “os contextos não estão
simplesmente justapostos, como se fossem indiferentes uns aos outros;
encontram-se numa situação de interação e de conflito tenso e ininterrupto” (BAKHTIN, [1929]2010, p. 46). Ou seja, interesses e desejos nem
sempre estão aproximados, unidos, encaixados. Suas vozes, como já
explicamos, são “plenivalentes” e “equipolentes” no debate de um tema
que se pretende de interesse geral.
Sabendo que essa pode ser a natureza do processo de diálogo, e
sabendo que pode haver uma mudança de “acento avaliativo da palavra”
em função do contexto (do governo e do cidadão), partimos para observar e compreender como as relações dialógicas entre enunciados individuais acontecem, apesar das orientações diversas dos sujeitos enunciadores. Tal observação pretende desvelar o diálogo em construção e seu
produto: o enunciado concreto final, produto da consulta pública on-line
sobre um tema específico.
Na prática da metodologia, escolhemos uma consulta pública on-line, identificando, em cada extrato19 de enunciação dialógica, as marcas de alteridade e respondibilidade, de valoração em cada enunciado
individual e de conclusividade da enunciação dialógica do extrato. Para
cada extrato, podemos: a) construir a ilustração do esquema de alteridade e respondibilidade, possibilitando sua comparação; b) identificar
Entendemos extrato como um fragmento que representa uma relação dialógica entre enunciados (pergunta-resposta-réplica-tréplica) dentre tantas, contida em uma consulta pública on-line estudada.
19
960
as marcas de valoração nos enunciados individuais, possibilitando a
percepção do signo ideológico preponderante; c) identificar o “indício
de inteireza acabada do enunciado”, evidenciando a conclusibilidade da
consulta pública on-line; e d) revelar a característica do enunciado concreto final produzido no diálogo.
A partir daí, é possível tecer críticas sobre o tipo de diálogo entre
governo e cidadãos. Se ele é capaz, por exemplo, de produzir força centrífuga na sociedade, energizando a participação social na gestão pública do país, através da consulta pública on-line. Mas esse será um outro
momento de pesquisa.
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Prefácio de: Roman Jakobson. Apresentação de: Marina Yaguello.14.ed.
São Paulo; Editora Hucitec, 2010.
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Tradução: Paulo Azevedo Bezerra. 6.ed. São Paulo: Editora WMF Martins
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Conversas de 1973 com Viktor Duvalin. 2.ed. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2012.
BEZERRA, Paulo. Polifonia. In: Brait, Beth (Org.). Bakhtin: Conceitoschaves. 5.ed. São Paulo: Contexto, 2012, pp. 191-200.
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Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2004.
DAHLET, Patrick. “Dialogização Enunciativa e Paisagem do sujeito”.
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2.ed.rev. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2005. pp. 55-84.
HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e interesse. São Paulo: Editora
Unesp, 2014.
961
JERÔNIMO, Luciana Saraiva de Oliveira. Diálogo Temático Online: um
estudo sobre relações entre enunciados do governo e dos cidadãos.
O caso das consultas públicas no “Gabinete Digital” do RS. 2014.
168f. Relatório de Qualificação de Tese (Doutorado em Comunicação
Social). Faculdade de Comunicação Social, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul.
MENEGASSI, Renilson José. “Aspectos da responsividade na interação
verbal”. IN: Revista Línguas e Letras. Cascavel, vol. 10, nº 18, 2009, pp.
147-170.
PIRES, Vera Lúcia. “Da intersubjetividade na linguagem” In: TEIXEIRA,
Marlene; FLORES, Valdir do Nascimento (orgs.). O sentido da linguagem: uma homenagem à professora Leci Borges Barbisan. Porto
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RIBEIRO, Luís Filipe. “O conceito de linguagem em Bakhtin”. Palestra
proferida na Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, RJ: 2006.
Disponível em: www.revistabrasil.org/revista/artigos/crise.htm. Acesso
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SOBRAL, Adail. “O conceito de ato ético de Bakhtin e a responsabilidade
moral do sujeito”. In: Revista Bioethikos. São Paulo, vol. 3, nº 1, Janeiro/
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SOBRAL, Adail. “Ato/atividade e evento”. In: Brait, Beth (Org.). Bakhtin:
Conceitos-chaves. São Paulo: Contexto, 2012, pp. 11-36.
SOBRAL, Adail. “Uma proposta bakhtiniana de estudo dos gêneros
discursivos”. In: Brait, Beth; Magalhães, Anderson Salvaterra (Orgs.).
Dialogismo: teoria e(m) prática. São Paulo: Terracota Editora, 2014,
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TOLEDO, Dionísio de Oliveira (Org.). Teoria da Literatura: formalistas russos. Porto Alegre, RS: Editora Globo, 1976.
962
|4|
TV PÚBLICA, ESPAÇO PÚBLICO E
PARTICIPAÇÃO CIDADÃ
Jorge José Pereira Filho1
RESUMO
Este ensaio propõe algumas reflexões sobre a participação da sociedade nas empresas de radiodifusão pública.
Apesar das distintas trajetórias históricas e da pluralidade
das experiências, as redes públicas de TV e rádio na Europa
e na América Latina procuram, neste início de século, se legitimar em suas sociedades, inseridas agora um contexto de
velozes inovações no setor das comunicações. Analisamos
esse questionamento sobre o papel da radiodifusão pública
no século XXI à luz das transformações do espaço público
em nossas sociedades, conceito considerado aqui criticamente. A proposta, assim, é fomentar um debate sobre os
novos desafios das empresas de radiodifusão pública, destacando o papel que a participação da sociedade pode ter
em seu aprimoramento.
Possui graduação em Comunicação Social pela Faculdade Cásper Líbero
(2004), com habilitação em Jornalismo. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo (PPG-COM / ECA / USP) e pesquisador do Grupo
de Pesquisa Comunicação Pública e Comunicação Política. Pesquisa temas relacionados à comunicação popular, democracia deliberativa e controle social.
Atua como editor-assistente da Editora Unesp.
1
Palavras-chave: Radiodifusão pública; comunicação
pública; participação social; espaço público; convergência
tecnológica.
“Os sentidos intermediários [de comunicação] –
tornar comum a muitos e partilhar
– podem ser lidos em qualquer uma das direções,
e a escolha da direção é frequentemente crucial.”
Raymond Williams (2007:103)
Em 11 de junho de 2013, o primeiro-ministro grego, Antónis
Samarás, surpreendeu o país anunciando o encerramento das atividades da TV pública nacional, a Hellenic Broadcasting Corporation.
Subitamente, determinou a demissão de cerca de dois mil funcionários
e o fim das atividades da empresa que era mantida pelos cidadãos gregos há 75 anos. Em meio à crise financeira que assolara o caos ao país,
a medida respondia aos acordos negociados com a União Europeia e os
representantes dos credores da dívida grega, que clamavam por mais
austeridade fiscal e corte dos gastos públicos. A justificativa apresentada pelo porta-voz do governo Simos Kedikoglou, foi inequívoca: “A ERT
é um caso de extraordinária falta de transparência e esbanjamento. Isso
acaba agora”. E acrescentou que a empresa apenas queria “controlar a
informação sem nenhum tipo de accountability”.
É revelador que o berço da democracia ocidental, de cuja experiência emanaram princípios que, de uma maneira ou de outra, a maior parte
dos governos – ao menos, discursivamente – advogam compartilhar, tenha explicitado de maneira dramática a crise pela qual passam atualmente as empresas de radiodifusão pública (PBS, Public Service Broadcasting).
Nosso objetivo não é discutir esse caso em particular, o fechamento da Hellenic Broadcasting Corporation. Mas sim refletir sobre um dos
argumentos usados neste caso – mas também em outros contextos –
para a crítica do projeto das PBS: a falta de transparência na gestão, o
que comprometeria a legitimidade da empresa em prestar seu serviço
de modo adequado. Até mesmo porque o governo grego não questionou
964
a validade da existência de um serviço público de comunicação, mas
sim sua ineficiência. O fechamento da HBC foi anunciado como temporário, até o surgimento de uma nova companhia, remodelada, que tivesse missão semelhante – o que ainda não ocorreu.2
Estruturamos nosso artigo da seguinte maneira: primeiro, fazemos algumas considerações sobre as transformações do conceito de
esfera pública que, de uma maneira ou de outra, formam o substrato
teórico das experiências das PBS. Fortalecer valores democráticos,
manter independência em relação ao governo e estimular o engajamento cidadão são algumas das autojustificativas de um serviço público de
radiodifusão. A seguir, apresentamos uma reflexão sobre o papel que a
participação cidadã poderia ter nesse momento de redefinição do pacto
que essas experiências firmam com seu público. Em um contexto em
que os regimes democráticos sentem-se cada vez mais provocados por
uma cidadania ativa, e que ao mesmo tempo nem sempre respondem às
novas possibilidades abertas pelas novas ferramentas de comunicação,
ampliar o horizonte democrático das instituições públicas é uma questão colocada para o tempo futuro.
O ESPAÇO PÚBLICO EM REVISÃO
Em uma entrevista publicada pelo jornal alemão Die Zeit em 2008
sobre a crise financeira internacional, o filósofo Jürgen Habermas criticou os processos de privatização nos Estados Unidos, que englobaram
serviços como previdência e saúde, assinalando que tal política não
combina com os princípios igualitários próprios de um Estado democrático de direito. O jornalista fez um contraponto: “Burocracias estatais podem simplesmente não ser rentáveis do ponto de vista econômico”.
Habermas redarguiu:
Mas há domínios vitais vulneráveis que nós não podemos
expor aos riscos da especulação financeira. [...] No Estado
constitucional democrático, há também bens públicos, como
Uma das prioridades anunciadas pelo Syriza, partido de esquerda crítico
da maneira como se gerenciou a crise na Grécia e que chegou ao governo em
2015, foi o relançamento da empresa pública de comunicação, medida que
ainda não foi efetivada.
2
965
a comunicação política não distorcida, que não podem ser
talhados conforme as expectativas de rendimento de investidores financeiros. A necessidade de informação dos cidadãos
não pode ser satisfeita pela cultura de canapés promovida por
uma televisão privada disseminada por todos os cantos. (HABERMAS, 2012:112)3
É possível extrair desse comentário do filósofo alemão duas provocações atuais que se relacionam com o estudo da comunicação pública: a
insuficiência da informação direcionada pela racionalidade financeira no
que se refere ao atendimento da necessidade dos cidadãos; a ênfase dada
ao entretenimento por parte dos grupos privados de comunicação.4
Evidentemente, essas questões não contemplam respostas simplistas; em sociedades democráticas, os meios de comunicação compõem um ecossistema complexo, de variadas matizes. O próprio comentário de Habermas, por exemplo, foi publicado em um semanário
alemão, de um grupo privado, cuja linha editorial se caracteriza por fomentar um debate plural e qualificado sobre os acontecimentos locais
e internacionais.
A rejeição das respostas maniqueístas nos parece tão necessária quanto a cuidadosa apreciação da crítica às limitações do interesse
econômico na veiculação de informações por grupos privados, como a
que por exemplo Noam Chomsk e Edward Herman apresentaram em
Manufacturing Consent: The Political Economy of The Mass Media.
Esta temática em particular, porém, não é a ênfase deste texto,
que procura refletir sobre alguns traços contemporâneos da teorização
sobre o espaço público, relacionando-os com as PBS. Não se pretende
apresentar uma exaustiva discussão bibliográfica a respeito, mas sim
esboçar um debate exploratório, a partir da revisão feita pelo próprio
Habermas, complementando-a com uma bibliografia selecionada.
3
A entrevista foi publicada no livro Sobre a constituição da Europa.
Não nos parece que a comunicação política não distorcida seja um horizonte
factível, dada a subjetividade inerente de todo processo comunicacional. Sem
aprofundar essa questão, talvez a comunicação política ancorada na cidadania
seja uma premissa mais efetiva.
4
966
Compartilhamos da premissa levantada por Angela Marques (2008)
de que Habermas reviu sua teoria, calcada inicialmente em um olhar eminentemente crítico dos meios de comunicação, para considerar que se
tornaram “estruturas indispensáveis à articulação entre as diferentes arenas e atores dos processos deliberativos nas sociedades contemporâneas”, mediante, porém, algumas ressalvas. Entendemos que esse referencial
– ao lado de outros estudos não citados aqui – pode contribuir com o
aprimoramento de um sistema público de comunicação.
Não há dúvida de que as decisivas transformações da sociedade
contemporânea, ocorridas a partir da segunda metade do século XX, alteraram qualitativamente o espaço público. Como registra o diagnóstico
feito pelo sociólogo Zygmunt Bauman.
Se o indivíduo é hoje o pior inimigo do cidadão, e se a individualização significa problema para a cidadania e para as políticas baseadas na cidadania, é porque são as preocupações
e os interesses dos indivíduos qua indivíduos preenchem o
espaço público, pretendendo ser seus únicos ocupantes legítimos e expulsando todo o resto do discurso público. O «público» é colonizado pelo «privado»; «o interesse público» é
reduzido à curiosidade a respeito das vidas privadas das figuras públicas, limitando a arte da vida pública à exposição
pública dos casos privados e das confissões públicas de sentimentos privados (quanto mais íntimos melhor). As «questões públicas» que resistem a tal redução se tornam incompreensíveis. (BAUMAN, 2001:68)
Se a origem do espaço público, em Habermas, está na passagem
das questões privadas, próprias do ambiente particular da família burguesa, para uma arena mais ampla, pública, Bauman assinala o inverso;
hoje o interesse público se desvanece na vida privada, restringe-se a uma
espécie de voyeurismo coletivo, ignorando questões verdadeiramente
(ou supostamente) públicas. Procuraremos ao longo do texto assinalar
aspectos dessa transformação na visão de quem primeiro desenvolveu o
conceito de espaço público.
967
O ESPAÇO PÚBLICO BURGUÊS
Em Mudança estrutural da esfera pública, livro publicado originalmente em 1961, Jürgen Habermas analisa a vida pública e política
dos séculos XVII e XVIII até meados do século XX na Inglaterra, França e
Alemanha, com destaque para as novas relações entre economia, sociedade e Estado. Em linhas gerais, a investigação interdisciplinar habermasiana elege a dinâmica do espaço público como categoria central para
compreender o surgimento das sociedades modernas; a obra discorre
sobre a transformação da intimidade e da sociabilidade promovida no
âmbito interno da família burguesa, relacionando-a ao florescimento de
um ideal de humanidade. Isso ocorre na esteira do desenvolvimento da
economia mercantil capitalista, com a troca de mercadorias em larga
escala e com um sistema de comunicação de longa distância.
Restrito a questões literárias no início, o espaço público é a extrapolação dos assuntos relacionados à família burguesa, por meio de
pessoas privadas, primeiramente para ambientes de convivência como
os salões, os clubes, as casas de chá ou café. Esses sujeitos burgueses
(proprietários), reunidos coletivamente em um espaço comum, passam
a compartilhar informações e a formar opiniões; e suas necessidades
individuais ganham novo relevo.
A esfera pública nasce, enfim, como projeção das relações de
mercado, que ganham ressonâncias públicas no interior do
Estado, transformando as razões dos sujeitos de mercado em
contrapartes das razões de Estado. (Bucci, 2011)
Wilson Gomes (1997) propõe uma definição sintética de esfera pública:
é um âmbito da vida social protegido de influências não-comunicativas e não-racionais, tais como o poder, o dinheiro e
as hierarquias sociais. A pública argumentação que nela se realiza constringe por princípio os parceiros do debate a aceitar
como única autoridade aquela que emerge do melhor argumento. A esfera pública como que impõe uma paridade inicial
entre os sujeitos de pretensões até que a sua própria posição
se torne discurso; depois disso, há de se submeter apenas às
regras internas ao processo de conversação ou debate público.
968
Como explica Denilson Werle, o espaço público é formado por
um público de pessoas privadas que se reuniam para debater racionalmente questões da vida privada, da administração pública e da regulação das atividades civil. Mas não se pode atribuir a ele uma ambição de
se tornar o próprio poder estatal.
A esfera pública burguesa não visava a conquista direta do poder do Estado; antes, buscava a racionalização do poder político, procurando estabelecer novas bases de legitimação para
sua origem e seu exercício: o consentimento racional entre
pessoas autônomas, livres e iguais. Um certo público de pessoas privadas passa a se compreender não mais como o mero
objeto passivo da autoridade pública, mas como sujeitos autônomos que se opõem criticamente a ela. (Werle, 2014)
Em Mudança estrutural..., o filósofo alemão constata que o espaço
público florescente na ordem burguesa entra em franca decadência sob o
Estado de bem-estar social e as democracias de massa do capitalismo tardio.
Habermas assinala a contradição crucial da esfera pública
moderna: paradoxalmente, quanto mais ela se expande, mais
o seu princípio, a discussão critica mediante razões de um
público de pessoas privadas autônomas, parece perder sua
força porque justamente vão desaparecendo seus fundamentos no âmbito privado. É essa mudança estrutural Habermas
deu o nome de “refeudalizacão” da sociedade. (WERLE, 2014)
Habermas entende que, se no período concomitante à esfera pública burguesa, os meios de comunicação estimulavam a emancipação,
o caráter dialógico comunicacional, no período posterior passam a atuar estrategicamente, fabricando uma opinião não pública que tem origem na imposição de vontades particulares, e não no processo de troca
pública de razões. A mídia seria, assim, um dos fatores responsáveis pela
perda da capacidade crítica do público e pelo declínio da esfera pública.
Para Habermas, os problemas impostos pelos meios de
comunicação à constituição e ao fortalecimento de uma
esfera pública voltada para o esclarecimento recíproco e
para a troca de opiniões entre um público letrado estavam localizados não no período inicial de criação da imprensa, mas sim em sua fase posterior de mercantilização
969
e abertura do espaço interno dos jornais aos anunciantes. (MARQUES, 2008)
AUTOCRÍTICA E REFORMULAÇÕES
Três décadas depois da publicação da obra, Habermas revisitou
Mudança estrutural para uma nova edição. Como ele próprio admitiu,
foi a primeira vez que releu o livro e ficou tentado a modificar passagens,
alterando ou suprimindo trechos. Ao perceber que seria obrigado a reescrever a obra novamente, optou por apresentar, em um texto à parte,
os comentários que, antes de mais nada, assinalariam a passagem do
tempo.
Uma das primeiras revisões é a da existência de não “apenas
uma” esfera pública burguesa, mas também de outras “esferas públicas”
concorrentes, subculturais ou específicas de uma classe, com premissas
próprias e não negociáveis.
O que me abriu os olhos para a dinâmica interna de uma
cultura popular foi o monumental trabalho de M. Bakhtin,
Rabelais und Seine Welt [Rabelais e seu mundo]. É evidente
que essa cultura popular não era de maneira alguma apenas
um pano de fundo, isto é, uma moldura passiva da cultura
dominante; era também a revolta violenta ou moderada, retomada periodicamente, de um contraprojeto para o mundo
hierárquico da dominação, com suas festividades oficiais e
suas disciplinas cotidianas. (HABERMAS, 2014b)
Outra ponderação de Habermas é com relação à participação das
mulheres no espaço público, aspecto ignorado na escrita da obra. Três
décadas depois, ele confere contornos mais dramáticos para essa lacuna,
frisando que a exclusão das mulheres da se deu de maneiras distintas da
que ocorreu em relação aos trabalhadores, camponeses e à plebe.
Torna-se patente nisso que a exclusão das mulheres foi também constitutiva para a esfera pública política, no sentido de
que esta foi dominada pelos homens não apenas de modo
contingente, mas foi determinada também em termos de
gênero em sua estrutura e sua relação com a esfera privada.
(Habermas, 2014b)
970
Habermas questiona a ênfase que atribuiu ao poder dos meios de
comunicação de massa na sociedade moderna, quando escreveu que a mídia propicia a passagem de “um público que discute a cultura para um público que consome a cultura”. Citando os estudos de Stuart Hall, ele afirma
julguei de forma muito pessimista a capacidade de resistência e, sobretudo, o potencial crítico de um público de massa
pluralista, muito diversificado internamente, que em seus
hábitos culturais começava a superar as barreiras de classe.
(HABERMAS, 2014b)
Por fim, o autor reflete sobre o uso que fez a respeito do conceito
de opinião pública, considerando que se trata de uma ficção do Estado
de direito e que, embora possua uma unidade de grandeza contrafactual na teoria normativa da democracia, “nas investigações empíricas da
pesquisa dos meios de comunicação e da sociologia da comunicação,
essa unidade já se dissolveu há muito tempo”.
Essas revisões, porém, não o fazem abandonar o projeto de efetivar os pressupostos normativos da aspiração iluminista.
Não obstante, ainda mantenho a intenção que orientou a investigação como um todo. Segundo a autocompreensão normativa das democracias de massa do Estado de bem-estar
social, estas somente podem se ver como uma continuidade
dos princípios do Estado de direito liberal se assumirem seriamente o imperativo de uma esfera pública politicamente
ativa. (HABERMAS, 2014b)
Habermas acrescenta que, pouco a pouco, se afastou de referenciais clássicos das concepções de alienação e apropriação das forças objetivas essenciais, quando rejeita a possibilidade de autotransformação
do Estado. “O novo equilíbrio de poder não deve ser produzido entre os
poderes do Estado, mas entre diferentes recursos da integração social.”
Para ele, o objetivo da democratização radical é definido muito mais
pelo deslocamento de forças no interior de uma “separação de podres”
mantida em princípio.
O objetivo não é mais simplesmente a “superação” de um
sistema econômico capitalista autônomo e um sistema de
dominação burocrática autônomo, mas a contenção demo971
crática da interferência colonizadora dos imperativos sistêmicos nos domínios do mundo da vida. (HABERMAS, 2014b)
PRODUÇÕES POSTERIORES
É bem verdade que o tema específico dos meios de comunicação
de massa não ocupa lugar central na obra de Habermas, mais centrada
na problematização dos aspectos normativos dos sistemas democráticos modernos, com ênfase nas questões de deliberação. Ainda assim,
Mudança estrutural... lançou bases conceituais que influenciaram uma
geração de investigações na área de comunicação. Na obra Direito e democracia (1992), Habermas volta a tratar da temática da esfera pública,
em meio a um aprimoramento de suas teorias, quando reformula a relação sistema-mundo da vida e altera as características da esfera pública.
Ressalte-se que mantém profundamente crítico com relação ao
papel dos meios de comunicação de massa para a esfera pública.
Em geral, é possível dizer que a imagem política construída
pela televisão compõe-se de temas e contribuições que já foram produzidos para a publicidade e lançados nela através
de conferências, esclarecimentos, campanhas etc. Os produtores de informação impõem-se na esfera pública através
de seu profissionalismo, qualidade técnica e apresentação
pessoal. Ao passo que os atores coletivos, que operam fora
do sistema político ou fora das organizações sociais e associações, têm normalmente menos chances de influenciar
conteúdos e tomadas de posição dos grandes meios. Isso vale
especialmente para opiniões que extrapolam o leque de opiniões da grande mídia eletrônica, “equilibrada”, pouco flexível e limitada centristicamente. Antes de serem postas no ar,
tais mensagens são submetidas a estratégias de elaboração
da informação, as quais se orientam pelas condições de recepção ditadas pelos técnicos em publicidade. E dado que a
disposição de recepção, capacidade cognitiva e atenção do
público constituem uma fonte extremamente escassa [...] a
apresentação de notícias e comentários segue conselhos e
receitas dos especialistas em propaganda. A personalização
de questões objetivas, a mistura entre informação e entretenimento, a elaboração episódica e a fragmentação de contex972
tos formam uma síndrome que promove a despolitização da
comunicação pública. (HABERMAS apud LUBENOW, 2013)
Habermas, no entanto, faz uma inflexão em sua construção teórica, abdica de algumas pressuposições próprias da Escola de Frankfurt
e entende os meios de comunicação como um espaço limítrofe poroso
entre os diferentes espaços que compõem o centro (elite política) e a
periferia (sociedade civil) do sistema político.
Em Comunicação política na sociedade midiática, propõe duas condições para que a mídia exerça efetivamente uma dinâmica de mediação
entre diferentes arenas e atores cívicos e políticos: a) independência do
poder econômico e político; b) instauração de mecanismos adequados de
feedback entre esses diferentes atores e as arenas comunicativas.
Em primeiro lugar, um sistema mediático autorregulador
deve manter sua independência frente aos sistemas que o
rodeiam, ao mesmo tempo que estabeleça conexões entre a
comunicação política desenvolvida na esfera pública, a sociedade civil e o centro do sistema político. Em segundo lugar, uma sociedade civil inclusiva precisa conferir poder aos
cidadãos, de modo que eles possam participar de discursos
públicos e responder-lhes. Em contrapartida, esses discursos
não podem se degenerar em um modo colonizador da comunicação.
Sob o segundo aspecto, ressalte-se que Habermas também considera que a representação da sociedade civil na realidade retratada
pela mídia é insuficiente, comparativamente.
Dado o alto nível da organização e dos recursos materiais,
os representantes de sistemas funcionais e de grupos de interesse especiais usufruem também de um certo acesso privilegiado aos media. Eles se encontram em uma posição na
qual podem utilizar técnicas profissionais para transformar o
poder social em potência política. Grupos de interesse público e advogados tendem também a empregar métodos gerenciais de comunicação coorporativa. Nesse sentido, os atores
da sociedade civil, se comparados aos políticos e aos lobistas,
ocupam a posição mais fraca.
973
TVS PÚBLICAS
Se houve, na visão de Habermas, uma transformação da esfera
pública na passagem do período burguês para as democracias de massa,
é representativo que em sua própria teoria percebam-se constantes tentativas de atualizações dessa conceituação conforme as próprias mudanças da sociedade.
No decorrer desse período, o projeto das televisões públicas surge, encampado sobretudo pela socialdemocracia europeia, em uma tentativa de lançar iniciativas reguladoras que garantissem a qualidade do
espaço público ou de um debate plural que não se submetesse ao jugo
do poder econômico.
Não nos cabe aqui discorrer sobre a complexidade dessa experiência – que, segundo Eugenio Bucci (2011), consistiu em “uma política
pública de eficácia verificável, mas limitada” – implementada não apenas em países do mundo ocidental, como também no então chamado
campo socialista, com peculiaridades e leituras específicas.
A questão é que hoje esses projetos de alguma maneira se encontram em revisão.
Podemos decir que en todo el mundo, pero con especial énfasis en América Latina, donde desde hace algún tiempo se ha
reavivado el debate en torno a cuál debería ser su función y su
misión, se está reflexionando sobre qué lugar deberían ocupar
en el ecosistema plural de medios que toda sociedad democrática debe construir y alimentar. Un debate que se produce en el
marco general de la reflexión – más amplia – sobre el espacio
público que se está llevando a cabo en Latinoamérica en los
últimos años y que se articula en diferentes y nuevas fórmulas
de convivencia entre Estado, mercado y sociedad. (ARROYO;
BECERRA; CASTILLEJO; SANTAMARÍA, 2012)
A concentração econômica em curso entre os grupos privados
que atuam no setor e o impacto das transformações tecnológicas, sobretudo a disseminação dos serviços de informação pela internet, estão reconfigurando o negócio midiático sem que se visualize um ponto de chegada. Ao mesmo tempo, o projeto de uma televisão pública,
isoladamente, se tornou anacrônico. Há um processo de convergên974
cia, que aponta para um setor público de comunicação, incorporando
também rádio e internet.
Nesse contexto de reflexões e disputas, na Inglaterra os grupos
privados questionam a atuação da icônica BBC na internet – que nasceu
como empresa privada em 1922 e se tornou pública e independente a
partir de 1927 (ARROYO; BECERRA; CASTILLEJO; SANTAMARÍA, 2012)
–, a ponto de conseguirem a anuência do Estado de que agirá para reduzir a presença da empresa pública na web. Na França, em uma operação
controversa, o presidente Nicolas Sarkozy proíbe a Télévision France de
veicular publicidade comercial no horário nobre, sob a acusação feita
por seus críticos – reunindo até mesmo integrantes da Liga Comunista
Revolucionária, em tese favoráveis ao veto comercial – de que a medida
beneficiava justamente grandes apoiadores de sua campanha presidencial, as emissoras privadas (a TF1, entre elas), que herdariam a receita
privada da televisão
A questão é dramática, a ponto de o chairman da BBC Trust (que
administra a empresa inglesa), Lord Patten of Barnes, considerar um
caso de “renascimento” ou de uma “batida em retirada”:
The 21st century has seen the rise of new technologies and new
competitors. The comfortable monopolies and duopolies on
which public service reputations were founded are a fading memory. And as a new era of austerity bites, politicians and competitors look on publicly funded broadcasters with occasionally
greedy eyes. Yes, times are very different now. We who believe in
broadcasting as a public service stand at a cross roads in which
we have a choice - renaissance or retreat?5
Em paralelo, a América Latina vive justamente um período de
renascimento do sistema público de comunicação, com novas empresas
sendo criadas no Equador, na Venezuela, no Brasil, entre outros, e com
projetos já existentes revigorados com aportes significativos de verbas.
A esse respeito, as reflexões críticas de Eugenio Bucci (2011) nos
servem de balizas para repensar, em um contexto de reconfiguração da
esfera pública, as possibilidades de crítica da utopia da televisão pública.
Disponível em http://www.bbc.co.uk/bbctrust/news/speeches/2013/prix_
italia.html. Acesso em mar. 2014.
5
975
ENTRE MITOS E REALIZAÇÕES
Em O telespaço público, Bucci analisa que um horizonte irreal
permeou a tentativa de tornar a televisão pública ordenadora da esfera
pública. Deus ex-machina, a comunicação pública seria a solução para
os dilemas da sociedade no que se refere a liberá-la dos constrangimentos do mercado e do interesse governamental.
Nascida contra o absolutismo e a desumanização da sociedade, a esfera pública moderna iria atingir, pelas redes públicas
de comunicação, a condição de arena permanente capaz de
barrar tanto os vícios absolutistas quanto os excessos selvagens do capitalismo: eis a síntese do caráter utópico dos projetos de televisão pública da social-democracia. (BUCCI, 2011)
É de se ressaltar que, nesse texto, o autor ressalva que considera
possível contribuir institucionalmente para a esfera pública, no sentido
de garantir sua pluralidade e sua efetividade com vistas a um sistema
democrático. Exemplos de medidas nesse sentido seriam tanto as garantias e os direitos constitucionais relativos à informação, à liberdade
de opinião, de expressão e de organização, quanto o limite para o monopólio e o oligopólio dos meios de comunicação social. A ênfase do questionamento, no entanto, recai na exclusividade de atribuir aos serviços
públicos de televisão o papel de garantir a qualidade da esfera pública.
Um dos argumentos apresentados é que, com todos os seus vícios
inerentes, os grupos privados realizam tarefas que os serviços públicos
de comunicação não realizaram.
Em momentos extremos, a interação do público com a mídia comercial pode ser tão “politizada” quanto aquela que a social-democracia
esperava que o telespectador mantivesse com a televisão pública. E, muitas vezes, a televisão comercial pode ser mais sensível às demandas do
público que a televisão estatal ou mesmo pública, que se encontram em
crise de identidade, de modelo e de gestão na Europa e também no Brasil.
Bucci afirma que as experiências históricas mostram que os variados projetos oscilaram entre justamente os dois pólos a que estavam
predestinados a combater: a influência do poder e a do dinheiro.
em nenhum momento, e em lugar nenhum, as redes públicas
976
escaparam à condenação de promover um equilíbrio tortuoso entre o Estado e o mercado. Antes de abrir um “terceiro
termo”, consistiram-se num campo que era disputado tanto
pelo poder quanto pelo dinheiro. Diante do telespectador,
propunham (e propõem) uma interlocução que oscilava (e
oscila) entre dois discursos: o estatal e o comercial. Nos bastidores, a TV pública, no mundo inteiro, com raras exceções,
debate-se entre fórmulas de financiamento mais ou menos
estatais e outras mais ou menos comerciais.
Uma leitura apressada, ou enviesada, poderia indicar o abandono
de qualquer possibilidade de efetivação do serviço público de comunicação, uma vez que na prática a mídia privada se mostrara mais eficiente. Não nos parece o caso. O que Bucci propõe é um ajuste das expectativas dos projetos de uma televisão pública, em termos factíveis, com
vistas à sua viabilização.
O que resta para o projeto das emissoras públicas é justamente o de proporcionar espaços públicos protegidos da lógica
posta pelo sistema de anunciantes da comunicação comercial, o que pode ser garantido por ordenamentos públicos.
Parece uma pretensão menor, mas, em termos objetivos, teria sido no passado e ainda é no presente a mais ambiciosa
possível, desde que sem salvacionismos. O projeto requer
emissoras públicas que se ocupem mais da qualidade da comunicação e menos de suas consequências, ou de suas conclusões.
Retomando a provocação feita por Habermas sobre a condições de
circularidade, ou do feedback, da mídia, consideramos que refletir sobre os
contornos em que ocorre a participação da sociedade em um projeto público sinaliza não reviver a utópica caminhada rumo a mundo fantasioso, mas
sim atualizar as possibilidades que tal iniciativa poderia se realizar.
977
QUE PARTICIPAÇÃO?
Um dos enquadramentos que adotamos para estudar essa participação cidadã está nos conceitos de democracia participativa. Em
“Para ampliar o cânone democrático”, Boaventura Sousa Santos e
Leonardo Avritzer fazem uma breve análise da constituição dos sistemas democráticos modernos, contrapondo discursos hegemônicos e
contra-hegemônicos a respeito de suas problemáticas. Os autores concluem que a democracia participativa constitui uma nova “gramática
histórica”, afirmando que a preocupação das contra-hegemônicas é “a
ênfase na criação de uma nova gramática social e cultural e o entendimento da inovação social articulada com a inovação institucional,
isto é, com a procura de uma nova institucionalidade da democracia”
(BOAVENTURA; AVRITZER, 2003:25).
Boaventura e Avritzer destacam que Jürgen Habermas abriu espaço
para que o procedimentalismo passasse a ser pensado como prática social, e não como método de constituição de governos, considerando que a
“esfera pública é um espaço no qual indivíduos – mulheres, negros, trabalhadores, minoriais raciais – podem problematizar em público uma condição de desigualdade na esfera privada” (Boaventura; Avritzer, 2003:26).
Tal procedimentalismo social e participativo, cuja origem está na
diversidade das formas de vida existentes nas sociedades contemporâneas, precisa contar, para ser plural, com o assentimento dos atores
envolvidos a partir de processos racionais de discussão e deliberação.
Consistiria, assim, em uma modalidade de exercício coletivo do poder
político, cuja base estaria assentada em um processo de livre apresentação de razões entre iguais.
Entendemos que pressupostos próximos balizam a caracterização de serviço público de radiodifusão feita pelo Conselho Mundial de
Rádio-Televisão (CMRTV), organização não governamental (ONG) criada para promover a radiodifusão pública
a radiotelevisão pública se destina a cada um dos cidadãos.
Encoraja o acesso e a participação na vida pública. Desenvolve os conhecimentos, amplia os horizontes e permite a
cada um compreender melhor o mundo e os outros. A radiotelevisão pública se define como um lugar de encontro
978
onde todos os cidadãos são convidados e considerados sobre uma base igualitária.6
Em nosso estudo, entendemos que a incorporação de instâncias
de interlocução efetivas com a sociedade podem contribuir consideravelmente para um projeto dialógico de televisão pública. Não desconsideramos aqui a crucial importância de outros aspectos para a efetivação de um projeto de comunicação deste tipo – com destaque para a
independência editorial-administrativa e para o financiamento. Porém,
vemos que a vigorosa apropriação da sociedade civil é vital para a efetivação de um projeto de verdadeiramente plural e democrático.
REFERÊNCIAS
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Madrid: Tecnos, 2012.
BAUMAN, Z. A sociedade individualizada. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BUCCI, Eugênio. Em torno de um conceito preliminar de telespaço público. In: BENEVIDES, M. V. de M.; BERCOVICI, G.; MELO, C. de (Orgs).
Direitos humanos, democracia e República: Homenagem a Fábio Konder
Comparato. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2008. p.399-428.
CHOMSKY, N.; HERMAN, E. Manufacturing Consent: a Propaganda
Model. New York: Pantheon, 2002.
HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Trad. Denilson
Werle. São Paulo: Editora Unesp, 2014a.
_____. Prefácio à nova edição. In: _____. Mudança estrutural da esfera
pública. Trad. Denilson Werle. São Paulo: Editora Unesp, 2014b.
“C’est la radiotélévision du public; elle s’adresse à chacun en tant que citoyen.
Elle encourage l’accès et la participation à la vie publique. Elle développe les
connaissances, élargit les horizons et permet à chacun de mieux se comprendre en comprenant le monde et les autres. A radiotélévision publique se définit
comme un lieu de rencontre où tous les citoyens sont invités et considérés sur
une base égalitaire.” Disponível em: <http://www.cmrtv.org/radio-publique/
radio-publique-historique-fr.htm>, acesso em 10 ago. 2012.
6
979
_____. Comunicação política na sociedade mediática: o impacto da teoria normativa na pesquisa empírica. Líbero, São Paulo, v.11, n.21, 2008.
_____. Sobre a constituição da Europa. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
GOMES, Wilson. Esfera pública política e media. Com Habermas, contra
Habermas. Anais do VI Encontro anual da COMPÓS, Unisinos, 1997.
LUBENOW, J. L. A esfera pública 50 anos depois: esfera pública e meios
de comunicação em Jürgen Habermas. Trans/Form/Ação, Marília, v. 35,
n. 3, p. 189-220, Set./Dez., 2012
MARQUES, A. Os meios de comunicação na esfera pública: novas perspectivas para as articulações entre diferentes arenas e atores. Líbero,
São Paulo, v.11, n.21, 2008.
SANTOS, B. S.; AVRITZER, L. “Para ampliar o cânone democrático”. In:
_____. (org.). Democratizar a democracia. Porto: Afrontamento, 2003.
WERLE, D. Introdução à edição brasileira. In: HABERMAS, J. Mudança
estrutural da esfera pública. Trad. Denilson Werle. São Paulo: Editora
Unesp, 2014.
WILLIAMS, R. Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade.
São Paulo: Boitempo, 2007.
980
|5|
A RELEVÂNCIA DA COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA EM
GESTÃO AUTORITÁRIA DE INSTITUIÇÃO PÚBLICA COM
BASE NA PRÁTICA DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
E RELAÇÕES PÚBLICAS DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
Danielly Augusto de Abreu
RESUMO
O artigo objetiva estudar a relevância de uma comunicação estratégica em instituições com gestão autoritária,
tendo por base uma análise da comunicação organizacional e relações públicas do Centro de Comunicação Social da
Polícia Militar do Estado de São Paulo. A partir de pesquisa
bibliográfica e entrevista em profundidade qualitativa aberta com seleção de fonte, segundo Duarte (2011), o artigo
pretende verificar como as instituições públicas podem realizar trabalhos de comunicação estratégica, com a postura
de um gestor estrategista, que tenham por foco prestar um
serviço satisfatório à sociedade e compreender a importância do bom relacionamento com o público, tendo por base
a importância do princípio da publicidade e o empenho, a
longo prazo, na construção da reputação.
Palavras-chave: Comunicação Pública; Gestão
Estratégica; Administração Pública; Polícia Militar do
Estado de São Paulo.
DO ATO DE COMUNICAR À COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA
O ato de comunicar é uma das práticas mais antigas da humanidade; independente da forma como é realizado, todo ser humano precisa
se comunicar para se fazer entendido, permeando as interações humanas, que têm por objetivo informar, persuadir, motivar e alcançar a compreensão mútua, de acordo com Ferrari (2009). Com uma organização/
instituição não é diferente, a comunicação é essencial para ligar os elos
de contato com seus públicos. Para que ande alinhada é necessário falar
a mesma língua, ou seja, independente do nível hierárquico ou como é
atingido pela organização, a sua identidade, os valores e objetivos devem
ser compreendidos. Todo o conceito de comunicação e seu planejamento
devem estar juntamente a todo o pensamento da organização/instituição. Diante dessa ideia, “é impossível imaginar uma organização sem um
processo de comunicação que não esteja alinhado com seus objetivos estratégicos”. (FERRARI; FRANÇA; GRUNIG, 2011, p.155).
Uma organização/instituição somente conseguirá construir uma
imagem positiva diante de seu público se tiver uma identidade fortalecida. Se antes a Assessoria de Imprensa era o principal canal para atender
aos públicos e manter a imagem e a reputação da organização, hoje, há
que se pensar em uma comunicação extremamente planejada, integrada e proativa para atender às necessidades e expectativas dos stakeholders, saber trabalhar um relacionamento amigável, capaz de amenizar
futuros conflitos e crises. É plausível que não haja unanimidade de aceitação, mas o trabalho de um bom comunicador e, nesse caso, o relações
públicas, está em ser responsável perante os seus públicos, de acordo
com Ferrari; França; Grunig (2011, p.39), relações públicas consistem no
exercício de responsabilidade pública.
Um modelo apresentado por Ferrari (2009) é importante para a
análise de comunicação estratégica, no que se refere à vulnerabilidade da
organização diante de seu ambiente. O estudo aponta para as duas dimensões que podem aumentar ou diminuir a vulnerabilidade da organização: a externa, que são riscos, ameaças e impactos externos; e a interna,
que pode ser ocasionada por falta de um planejamento de comunicação
alinhado e pela falta de harmonia nos relacionamentos. O estudo apresentado pela autora demonstra que organizações “mais vulneráveis” tendem
a ter o profissional estrategista desenvolvendo um trabalho de negociação
982
com seu público estratégico e alinhado com um ambiente de mudanças
constantes. Nesse caso, o modelo geralmente adotado é o misto ou simétrico de duas mãos. Ao contrário, as organizações “menos vulneráveis”
tendem a ser mais conservadoras, tradicionais, com cultura autoritária e
com modelo de prática assimétrico de duas mãos, tornando o profissional
técnico ou operacional. Conforme o fluxograma:
Fonte: Ferrari; França; Grunig (2011)
Kunsch (2009) defende que o trabalho de relações públicas deve
ser integrado com as demais áreas de comunicação, fato que pode ser
entendido como uma interdependência das áreas de comunicação para
que, harmoniosamente, possam ter excelência nos relacionamentos
e nos fluxos de comunicação. De acordo com Ferrari; França; Grunig
(2011), enquanto o marketing trabalha com o ambiente econômico, a
área de relações públicas trabalha com o institucional das organizações.
O principal objetivo da “comunicação integrada”, em consonância com
a autora, é promover uma comunicação alinhada e eficaz. Ademais,
Kunsch (2009) mostra que o relações públicas possui função mediadora,
pois faz a ponte entre as organizações e seus públicos. Pensando em instituição pública, temos o entendimento de que público é a sociedade em
983
geral, a população como um todo. A visão de comunicação estratégica
pode ser estabelecida também em um ambiente público?
COMUNICAÇÃO PÚBLICA
Compreender a importância de uma comunicação pública capaz
de atender às necessidades do cidadão tende a refletir sobre os conceitos e relevâncias da área estatal e sua representatividade na sociedade.
Pensar em instituição pública faz uma ponte direta ao termo “público”.
Público é aquilo que é relativo ou pertencente a um povo, a uma coletividade, aquilo que pertence a todos, um bem comum. E cabe ao governo de um país, estado ou cidade administrar esse bem capaz de atingir
a todos que estão naquele território. Haswani (2009, p.33) coloca que
o termo “público” refere-se ao “comum a todos os humanos, esse diferencia do lugar privado que cada pessoa ocupa nele” Ou seja, o lugar
público é aquele que representa a coletividade, no qual os interesses em
comum são debatidos, separa-se a vida privada do indivíduo e se coloca
na necessidade do coletivo. Nessa concepção, pode-se chegar à ideia da
esfera pública, constituída após a Revolução Burguesa, fato que definiu
claramente aquilo que era público e privado, passando a responsabilidade de tudo que era público ao Estado. A esfera pública por sua vez era
essencial para a participação política dos cidadãos, um ambiente em
que se estabelece o relacionamento entre Estado e sociedade.
A comunicação em uma organização privada é fundamental para
que ela consiga sobreviver. Sem comunicação não há qualquer forma de
interação com o seu público, que desconhecerá o produto, seus benefícios, os valores e a missão da organização. Nas instituições públicas,
a presença do diálogo com o público é muito mais do que estabelecer
um relacionamento; pois uma das responsabilidades do Estado é um
atendimento ao direito do cidadão, “assim, fazer comunicação pública
é assumir a perspectiva cidadã na comunicação envolvendo temas de
interesse coletivo” (DUARTE, 2007, p. 6).
O direito à informação também é sustentado pela Declaração
Universal dos Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas.
Dessa forma, é obrigação dos governantes informarem os seus governados. É necessário estabelecer a diferença entre os diversos níveis de interação, a princípio comunicar não é, simplesmente, informar. Comunicar
984
é manter diálogo, é estabelecer conexão, abrir os canais de interação
com os públicos, saber ouvir a opinião dos mesmos, debater, estimular
a cidadania. De acordo com Salgado (2011, p. 257), comunicar é mais
do que informar, é obter a compreensão e o apoio dos públicos. A informação rasa pode, muitas vezes, ser inútil ou até mesmo manipuladora,
por isso, a necessidade de que diversos assuntos sejam levados a debate,
sejam realizadas pesquisas de opinião para que se possa estabelecer um
relacionamento contínuo entre Administração Pública e sociedade.
Em uma instituição pública, a comunicação organizacional, por
sua vez, difere um pouco do conceito de comunicação integrada estabelecido por Kunsch, pois de acordo com Haswani (2013, p. 96), mesmo
com algumas adaptações não se ajusta aos intentos estatais, contudo levantada a ideia da convergência dos vários instrumentos de comunicação, é possível propor um novo mix de comunicação no âmbito estatal,
dividido em: Relações Públicas; Propaganda e Publicidade; Jornalismo e
o marketing que, apesar de ser um conceito mercadológico, tem se mostrado presente, principalmente em períodos eleitorais, as instituições
estatais têm utilizado as armas e estratégias do marketing.
Não há como imaginar uma comunicação com resultados positivos, em que os setores trabalhem isoladamente. Pesquisas e estudos
têm demonstrado que “a plenitude dos resultados de planejamento em
comunicação depende da conjunção das três especialidades (relações
públicas, publicidade e jornalismo) de modo a atingir divulgação (sempre), persuasão e sintonia (quando necessário)” (HASWANI, 2013, p. 97).
É importante destacar, no entanto, que a comunicação não é uma ferramenta de salvação, não faz milagres e tampouco mágica. Se o serviço
público realizado é ruim ou não atende à expectativa da sociedade, a
comunicação não conseguirá consertar a imagem da administração, ela
poderá eliminar equívocos ou ajustar aquilo que está sendo mal compreendido pelo público, mas não poderá melhorar um serviço que não
está sendo realizado com qualidade ao cidadão. Thomas Jefferson disse
que o “modo de evitar rebelião consiste em dar ao povo plena informação de seus negócios, mediante canais da imprensa, e imaginar meios
que permitam a esse escrito penetrar toda a massa do povo” (SALGADO,
2011, p. 248). Essa declaração faz refletir o quanto é importante manter
o relacionamento, reduzir a área de ignorância da sociedade e o conhecimento superficial.
985
Ainda é muito complexo para os profissionais de comunicação
realizarem um trabalho gerencial ou até mesmo estratégico. Uma das
primeiras dificuldades ainda é a estrutura organizacional e dos valores
presentes na instituição. A forte tradição burocrática, a hierarquização
e o longo caminho que a comunicação tem que percorrer dificultam “a
promoção de uma comunicação que visa à instituição como um todo”
(NOGUEIRA, 2013, p. 123). A realidade das áreas de comunicação organizacional em instituições públicas é de uma visão diminuta da real responsabilidade do setor. Os departamentos ainda se contentam apenas
com uma Assessoria de Imprensa e um contrato com uma agência de
publicidade, falta uma comunicação integrada, ou seja, a integração de
diversas áreas de comunicação atuantes.
A gestão burocrática impede que os profissionais desenvolvam um
planejamento de relacionamentos e ações institucionais com a finalidade
de ser contínuo e duradouro. Retomando o gráfico Ferrari; França; Grunig
(2011), contata-se que o modelo de gestão autoritário, com a centralização, o sistema fechado, a tradição e a hierarquia muito presentes em suas
raízes, torna o papel do profissional de comunicação como sendo instrumental, midiático e reativo, transformando o desempenho apenas como
técnico executor. O setor de comunicação acaba se tornando apenas um
distribuidor de informações, que, muitas vezes, torna-se superficial para
o cidadão que as receberá. É necessário sair do sistema burocrático e alcançar um nível de percepção do ambiente, é função do profissional de
relações públicas estabelecer o contato com os públicos, no caso a população, e manter o diálogo. As instituições públicas governamentais precisam descobrir o valor do diálogo como um fator decisivo para o seu desenvolvimento; muito mais do que alavancar o seu capital, a comunicação
é importante para desenvolver o capital de ideias.
Pode-se dizer que a atividade de relações públicas consiste na
execução de uma política e um programa de ação que objetivam conseguir a confiança, de modo a harmonizar os interesses em conflito. Para
isto, não se deve tentar estabelecer meras falácias (imagens), mas por
meio de conceitos e ideias, alcançar, honestamente, atitudes e opiniões
favoráveis, para as organizações em geral. (ANDRADE, 1982, p. 91). Se o
foco principal de uma área pública é o seu público, ou os interesses de
assuntos públicos, que são as ações que envolvem a coletividade, a sociedade, não há motivo de a comunicação ser colocada como uma ativi986
dade operacional, deve ser estabelecida uma comunicação capaz manter um relacionamento com o público e capaz de prever possíveis riscos.
Os quatro eixos centrais para uma Comunicação Pública, de acordo com
Duarte (2007) são: transparência, acesso, interação e ouvidoria social.
Apenas informar ou transmitir a informação não caracteriza em
si um relacionamento com o seu público, abrir canais de comunicação
efetivos, em que se pode verificar uma comunicação de duas vias, pode
ser o início de um processo favorável para uma gestão estratégica, capaz de realizar uma comunicação eficaz. O profissional de comunicação não realiza um trabalho propagandista, mas, de acordo com Stefano
Rolando (1992, apud Haswani, 2013, p.121):
Trata-se de um sistema, inserido em um contexto de modernização do Estado, para o qual a cooperação, de fato, dos recursos profissionais disponíveis é importante no acolhimento dos direitos dos cidadãos, dentro de um plano estratégico
de neutralidade e maturidade por parte dos funcionários,
que apresentam uma nova visão de trabalho, a qual se faz
adequada aos interesses coletivos.
POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
Antes de entender o funcionamento do Centro de Comunicação
Social da Polícia Militar do Estado de São Paulo, é importante compreender as principais características que envolvem a administração, um
breve levantamento histórico e as fortes características de uma gestão
autoritária. Em 1970, ocorreu a fusão da Força Pública e da Guarda Civil
do Estado de São Paulo originando uma única instituição, a atual Polícia
Militar do Estado de São Paulo. Nesse mesmo ano, foi criado um grupo
de trabalho para disciplinar as atividades desenvolvidas pela instituição
e foi estabelecido que a 5ª Seção do Estado-Maior-Geral seria responsável pela divulgação de noticiário. Em 1973, foram estabelecidas novas diretrizes quanto à relação com a imprensa, e jornalistas credenciados começaram a trabalhar permanentemente na Sala de Imprensa. Somente
em abril de 2010, houve uma reestruturação da corporação e foi criado o
Centro de Comunicação Social da Polícia Militar do Estado de São Paulo
(CComSoc), que tem por objetivo assessorar o comandante-geral, manter estreita ligação com os órgãos da imprensa, com a missão de aper987
feiçoar a interação positiva com a sociedade, e estimular a valorização
pessoal e profissional dos integrantes da corporação, em todos os níveis
e escalões de comando.
O Centro de Comunicação Social trabalha com várias frentes de
trabalho, mas com duas divisões básicas: a Divisão de Imprensa e a de
Marketing e Relações Institucionais, além da Divisão Administrativa,
que é uma seção comum a todos os departamentos da instituição pública e serve como apoio à seção e dá suporte administrativo e técnico.
A Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) tem como visão ser
reconhecida como referência nacional e internacional em serviços de
segurança pública. Como missão, proteger as pessoas, fazer cumprir as
leis, combater o crime e preservar a ordem pública. E, por fim, como
valores, o patriotismo, civismo, hierarquia, disciplina, profissionalismo,
lealdade, constância, verdade real, honra, dignidade, honestidade e coragem. A valorização da história da PMESP, de seus heróis, é um traço
muito marcante na cultura. Os fatos e as conquistas históricas são lembrados, por causa do patriotismo que está no valor da instituição. Os
ritos são fundamentais e muito fortes na cultura organizacional da instituição, tanto que o Cerimonial Público é imprescindível e responsável
pelas solenidades e diversas premiações de funcionários, que caracterizam a valorização do profissional.
MODELO DE GESTÃO E PRÁTICAS DO CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
A PMESP defende o Pensamento Sistêmico, que de acordo com a
Fundação Nacional da Qualidade-FNQ, trata do entendimento das relações de interdependência entre os diversos componentes da instituição,
bem como entre a instituição e o ambiente externo. A instituição ainda
afirma que esse pensamento será compreendido com excelência quando
adotado um sistema de gestão que possibilite a disseminação de informação e conceitos de forma transparente, com monitoramento de autoavaliações. A partir disso, a PMESP trabalha com o Sistema de Gestão da
Polícia Militar do Estado de São Paulo (GESPOL), que tem por objetivo
que cada parte de gestão interdependente busque um todo unificado. A
instituição possui uma visão holística da administração, que diz que uma
parte impactada gera alterações no todo, modificando o resultado.
988
Na gestão, pode-se perceber inter-relacionamento das diversas ações de sua estrutura gerencial, suportadas pelos princípios da
Administração Pública e todo o processo dentro de sua base, que está
ligada aos três pilares: Direitos Humanos, Polícia Comunitária e Gestão
de Excelência pela Qualidade. A PMESP possui uma preocupação muito
grande com a comunicação, a responsabilidade desse departamento é
muito forte para a construção da imagem e reputação da instituição.
Apenas a partir dos valores, pode-se perceber o modelo de gestão
adotado pela instituição, entre eles estão a hierarquia e a disciplina, é
uma gestão autoritária. O poder é totalmente centralizado, sendo que
há uma hierarquia a ser cumprida, pode-se, claramente, ver uma pirâmide invertida em toda a corporação e em cada departamento. A PMESP
possui uma tradição que precisa ser respeitada, há um histórico e um
dever a ser lembrado e cumprido. Além da própria estrutura, a Polícia
Militar deve subordinação à Secretaria de Segurança Pública e, por sua
vez, ao Governo do Estado de São Paulo. Ou seja, todo o plano estratégico traçado pela Instituição tem que estar em concordância com a
Secretaria de Segurança Pública e com o Plano Plurianual do Governo
do Estado de São Paulo, que tem uma estratégia a longo prazo.
Apesar da forte estrutura centralizada e dos níveis hierárquicos,
percebe-se que a comunicação é muito proativa, uma característica que
é fundamental para os momentos de crise. A comunicação é extremamente dinâmica, realiza diversos atendimentos diariamente e a maioria
deles são casos de crise, no entanto, há uma pré-preparação de porta-vozes e de coleta de dados que sempre demonstram a transparência da
instituição respondendo aos pedidos e muitas vezes elaborando notas
antes de ser questionada.
A PMESP desenvolve seu planejamento, por meio da 6ª Seção (dedicada a desenvolver projetos, planejamentos e cuidar das finanças), a partir do plano Plurianual do Governo do Estado de São Paulo. As medidas
adotadas são voltadas para um plano de longo prazo, em torno de cinco
anos. No entanto, também desenvolvem planejamentos de médio e curto
prazos, por exemplo, no Centro de Comunicação Social dentro daquilo
que a instituição quer atingir daqui a cinco anos. Todo o planejamento
que se faz anualmente é desenvolvido a partir da meta que se quer alcançar, que foi prevista pelo Estado-Maior, pelo programa de ação da Polícia
989
Militar, que tem que estar, por sua vez, alinhado com o Plano Plurianual
do Governo. É importante ressaltar que os planejamentos não são alterados caso haja mudança de Comandante Geral, o CEO da instituição, as
medidas são mantidas, pois a importância institucional é maior.
A comunicação está inserida no plano estratégico, o planejamento potencializa as atividades de comunicação social para inserir uma
imagem positiva da PMESP junto à imprensa e ao cidadão, trabalhando
sempre com a comunicação de crise, com planejamento prévio e adequado, uma atitude que contribui para anular ou minimizar os efeitos
negativos e danosos para a sua imagem, além de corresponder positivamente ao cidadão, dando publicidade às suas ações. Um plano que
a PMESP desenvolveu nesse sentido foi o “Plano de Administração de
Comunicação de Crise”, formado por policiais das áreas de comunicação, inteligência e operacional, que são planos para cada situação repetitiva, que pode causar algum impacto negativo para a imagem da instituição. A análise de cenário, o mapeamento e o estudo dos ambientes
interno e externo são primordiais para estabelecer um planejamento
estratégico, não só da área de comunicação, mas de toda a instituição.
Idealizar uma tabela SWOT também é fundamental para verificar os
pontos importantes que a Polícia Militar precisa trabalhar.
Os estudiosos Glen M. Broom e David M. Dozier, mencionados por
Ferrari, França; Grunig (2011), em sua tese, identificaram quatro tipos
de papéis que podem ser desempenhados pelo profissional de relações
públicas. Um deles, classificado como “administrador da comunicação”, é considerado como profissional de relações públicas que integra
a equipe da alta administração da empresa e, junto dela, elabora planos
e compartilha políticas de comunicação, sendo considerado um importante executivo nos processos decisórios da empresa. Na análise do papel do relações públicas atuante na PMESP, é possível dizer que “administrador da comunicação” é o que melhor define o papel do profissional
na instituição em questão. A área de comunicação não só tem acesso
aos processos decisórios como também participa da cúpula. O TenenteCoronel Soffner, chefe da Divisão de Imprensa da PMESP, afirma a importância da participação dos comunicadores da PMESP no processo de
tomada de decisões em entrevista cedida a autora. Presente nas reuniões da cúpula e sempre é ouvido no Estado Maior, por meio da 5ª Seção
(seção de assessoramento para propositura de tomada de decisão), além
990
de opinar e aconselhar os altos executivos, pois é considerado um órgão
de suporte técnico em todos os níveis. Soffner afirma que a PMESP é
um sistema de comunicação social, que permeia o estratégico, tático
e operacional. Em todo batalhão e grandes comandos há um oficial de
comunicação social que trabalha juntamente com a sede.
Na área de Relações Institucionais, quando uma campanha é feita, por exemplo, existe um acompanhamento da área de comunicação
para checar as peças de publicidade e de distribuição, os aspectos da
comunicação da campanha e detalhes das regiões onde será aplicada.
O assessor de imprensa é encarregado de assessorar, dentro de todos os
níveis, e aconselhar qual a melhor forma de atendimento de imprensa,
por exemplo. De acordo com Soffner, ele faz parte da tomada de decisão,
sendo a decisão final tomada pelo comandante.
A gestão de Comunicação Social é fundamentada em não ser apenas o intérprete do Comando em relação ao seu público, mas também, ser
intérprete desses públicos perante o Comando. Utiliza de diversos canais
disponíveis para conscientizar o seu público interno sobre seu papel social e o público externo de seu papel como agente de segurança local.
Não há competição de mercado ou concorrência, mas a PMESP
tem por objetivo atrair a confiança e consequentemente trazer reputação à marca. E esse processo se inicia no primeiro contato que o cidadão
tem com a instituição. É importante ressaltar também que tudo comunica, desde materiais impressos, sites, fachadas, quartéis e até o tempo de
espera de uma viatura ou o tratamento de um policial, independente de
o cidadão estar certo ou errado. O serviço envolve o comprometimento
de todas as áreas para que se possa proporcionar uma experiência válida
para o cidadão e assim superar as expectativas. Por isso a preocupação
da instituição em desenvolver projetos e programas que façam com que o
funcionário se sinta parte da instituição, eles lidam com segurança, com a
vida de cidadãos, desta forma, eles têm que estar preparados a todo momento para que a imagem da instituição seja favorável.
O esforço do Centro de Comunicação está justamente em firmar
essa identidade em cada membro da corporação, seja através de campanhas motivacionais ou por meio de boletins informativos, “online”,
com acesso a todas as Unidades da PMESP, por meio da rede Intranet
PM ou de folders fixados nos murais dos batalhões. A valorização do
991
funcionário também é fundamental, por exemplo, com o Café com o
Comandante, que é um rito primordial, torna o contato de um servidor
com o seu comandante, um militar de baixo escalão com o seu comandante, o que constitui uma ferramenta de interação de alta valorização
do corpo de funcionários.
O público externo da instituição está dividido em: sociedade,
imprensa e governo. Em relação à sociedade em si, os profissionais de
comunicação da PMESP desenvolve pesquisas para conseguir verificar
alguns pontos em relação ao seu público externo. O relacionamento
com ele não é unilateral, ou seja, eles ouvem o seu público, eles possuem
interação, seja por meios formais ou informais. Eles utilizam como ferramentas internet, redes sociais, fale conosco, fones 190, 181, canais
institucionais de relacionamento com a comunidade, por meio de bases comunitárias e reunião de segurança. São importantes canais para
traçar um projeto estratégico maior e melhor para atender aos objetivos dos cidadãos, sempre com o ciclo PDCAL, pois há o aprendizado. A
imprensa é um forte público externo e a demanda é diária, sendo que
o estreitamento de relacionamento com esse público é constante, por
meio de notas e diversas possibilidades de contato, como o Open House.
O Governo também é um público estratégico da PMESP, pois ele espera
que atenda às expectativas traçadas em seu plano plurianual.
Analisando a instituição nos modelos de relações públicas propostos por Grunig e Hunt (1984, apud FERRARI; FRANÇA; GRUNIG,
2011), é possível “classificar” a PMESP como uma instituição simétrica
de duas mãos, pois ela desenvolve e proporciona um espaço destinado
ao diálogo com seus públicos. As opiniões, reações da população e pesquisas de opinião são levadas em consideração e impactam diretamente
o gerenciamento e desenvolvimento das atividades de relações públicas,
de imprensa, campanhas e demais ferramentas de comunicação.
A Polícia Militar do Estado de São Paulo vem evoluindo e se modernizando, ainda que sua essência seja de uma instituição com modelo de gestão autoritário, com centralização, sistema fechado, tradição
e com hierarquia. A área de comunicação funciona de forma diferente
e, ainda que siga um processo hierárquico de aprovações, as atividades
desenvolvidas não ficam “emperradas” na burocracia.
992
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Toda instituição é complexa, possui sua identidade e suas interações, atentando ao fato de que também é composta por indivíduos
que possuem suas particularidades e individualidades e se reúnem em
um mesmo espaço, compartilhando valores, missão e objetivos comuns.
Possuindo uma imagem, uma marca e defendendo a sua reputação,
compreende-se que uma instituição/organização é “como um sistema
social e histórico, formal, que obrigatoriamente se comunica e se relaciona, de forma endógena, com seus integrantes e, de forma exógena,
com outros sistemas sociais e com a sociedade” (NASSAR, 2009. p.62).
Pensar em uma comunicação no âmbito de Administração
Pública é pensar uma comunicação para todos que estão na sociedade,
independente de ser cidadão ou não. A realidade enfrentada hoje por
uma Administração Pública é a de quebrar as barreiras, que há anos são
impostas pela burocracia, e conseguir realizar uma comunicação eficaz
para a população, capaz de atender às necessidades e fazer valer o princípio básico da publicidade. A importância de uma comunicação estratégica em meio à Administração
Pública é essencial para que se possa ter uma Comunicação Pública
de excelência. O valor do cidadão talvez possa ser considerado acima do
de um cliente de uma organização privada, o relacionamento com o mesmo é primordial para estabelecer a dinâmica de interação, verificar suas
prioridades e trabalhar de forma que a Administração Pública possa ter,
além de uma imagem e reputação positiva diante da população, um diálogo com o seu público, ação que não beneficia apenas a instituição, mas
acima de tudo, faz cumprir o seu dever com o cidadão.
Mesmo que algumas instituições estejam moldadas apenas em
uma Assessoria de Imprensa, é possível verificar, a partir da análise do
Centro de Comunicação Social da Polícia Militar do Estado de São Paulo,
que é possível realizar uma comunicação estratégica em uma instituição
burocrática, regida por hierarquia e centralização de poder. Ademais,
pode-se ver que são desenvolvidas diversas ações internas e externas
com base em planejamentos estratégicos, que visam a estabelecer a interação da Administração Pública com os seus diversos públicos. Uma
análise do sistema de relações públicas e da área de marketing leva à
993
conclusão de que os processos comunicativos são bem elaborados e alinhados com o discurso da instituição.
Ainda que a PMESP seja rígida e hierárquica, o processo de comunicação é considerado importante e os responsáveis por sua elaboração
participam da cúpula, na qual as principais decisões da instituição são
tomadas. Mais além, são considerados conselheiros estratégicos. O fato
de ter uma base de comunicação bem definida já torna a Polícia Militar
do Estado de São Paulo uma instituição diferenciada das demais instituições públicas. Estar aberta para receber críticas, fazer pesquisas de
opinião e mudar as estratégias de comunicação de acordo com o resultado de algumas ações é exemplo de uma boa gestão da comunicação.
É possível dizer que a atual percepção de alguns públicos da PMESP é
negativa em relação à instituição, mas não se pode negar os esforços da
área de comunicação em tentar mudar esse cenário. Ainda que os resultados sejam pouco visíveis, existe mais que a intenção de transparência,
existe uma estrutura de comunicação que entende as dificuldades do
processo de formação de imagem, e que lida com uma instituição que
dificilmente não passará por momentos de crise, pois se trata de uma
instituição dependente das decisões do Estado.
Percebe-se que há possibilidade de uma instituição pública realizar uma comunicação estratégica, tendo um planejamento capaz de desenvolver metas a longo prazo e prever riscos ou crises; um gestor conselheiro, que possui a responsabilidade de mediar o público com a alta
cúpula da administração; realizar uma comunicação de “duas mãos”,
que possibilite um equilíbrio no diálogo entre instituição e público; além
da valorização e do incentivo do servidor em fazer parte da instituição,
perceber a sua responsabilidade perante o público. O Estado não pode
se colocar como superior e defensor do poder absoluto. Quando se trata de democracia, o poder emana do povo, desta forma, o equilíbrio na
troca de mensagens e informação é primordial para estabelecer um governo eficaz e satisfatório a ambos.
Quando se trata de serviço público, lida-se com valores e não com
um produto tangível, a reputação da instituição depende do ato de satisfazer desejos, necessidades e expectativas de uma pessoa ou de um grupo. Muito além de ter uma área de comunicação, em que a única função
é transmitir releases para a imprensa, o setor público deve considerar o
994
fato de possuir representantes que tenham a preocupação de pensar no
cidadão como parte inerente da instituição. O bom relacionamento traz
consigo benefício tanto ao Estado quanto ao cidadão, que não terá suas
expectativas frustradas.
REFERÊNCIAS
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DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: BARROS, Antônio;
DUARTE, Jorge (Org). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação.
São Paulo: Atlas, 2011.
DUARTE, Jorge. Instrumentos de comunicação pública. In: DUARTE,
Jorge(Org.). Comunicação Pública: Estado, Mercado, Sociedade e
Interesse Público. São Paulo: Atlas, 2007.
FERRARI, Maria Aparecida. Teorias e estratégias de relações públicas.
In: KUNSCH, Margarida Krohling. Gestão estratégica em comunicação
organizacional e relações públicas. São Paulo: Difusão, 2009.
FERRARI, Maria Aparecida, FRANÇA, Fábio e GRUNIG, James E.
Relações Públicas: teoria, contexto e relacionamentos.2 ed. São Paulo:
Difusão, 2011.
HASWANI, Mariângela. Comunicação Pública e Política. In: KUNSCH,
Margarida Krohling. Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas. São Paulo: Difusão, 2009.
HASWANI, Mariângela. Comunicação Pública: bases e abrangências.
São Paulo: Saraiva, 2013.
KUNSCH, Margarida M. Krohling. Planejamento estratégico de comunicação. In: KUNSCH, Margarida Krohling. Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas. São Paulo: Difusão, 2009.
NASSAR, Paulo. Conceitos e processos de comunicação organizacional.
In: KUNSCH, Margarida Krohling. Gestão estratégica em comunicação
organizacional e relações públicas. São Paulo: Difusão, 2009.
NOGUEIRA, Maria Francisca Magalhães. Gestão da comunicação interna das instituiçõespúblicas: um recurso esquecido. Disponível em
<http://www.portalrp.com.br/bibliotecavirtual/relacoespublicas/funcoesetecnicas/0138.html> Acesso em Out/14.
995
SALGADO, Paulo Régis. Comunicação organizacional: a ótica das relações públicas governamentais. In: FARIAS, Luiz Alberto de (Org).
Relações Públicas Estratégicas: técnicas, conceitos e instrumentos. São
Paulo: Summus, 2011.
996
|6|
PROGRAMA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E DE POPULARIZAÇÃO
DA CIÊNCIA NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: UMA
POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO PÚBLICA CIENTÍFICA
Cristiane Benevides Pinto Komiyama1
RESUMO
Este artigo analisa o Programa de Jornalismo
Científico e de Popularização da Ciência no Estado de Mato
Grosso do Sul – Mídia Ciência – criado desde 2011 pela
Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência
e Tecnologia do Estado de Mato Grosso (Fundect). São analisadas as ações de comunicação desenvolvidas e contempladas nos Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) da
Assessoria de Comunicação Científica. A pesquisa inclui
uma análise das atividades propostas para a divulgação e
difusão da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) de Mato
Grosso do Sul, além da estruturação da equipe de comunicação, os impactos e os desafios com a crescente demanda
do Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia.
Palavras-chave: Assessoria de Comunicação;
Comunicação Pública; Comunicação Científica;
Publicação Institucional.
Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional pela Universidade
Anhanguera-Uniderp, especialista em Assessoria de Comunicação, graduada
em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), assessora de comunicação da Fundação
de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso
do Sul (Fundect). Filiação: Deise Benevides Pinto e Júlio César Komiyama.
1
INTRODUÇÃO
A popularização da ciência é uma iniciativa necessária que envolve diretamente as assessorias de comunicação organizacional das
Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) e das agências financiadoras
nacionais. Os projetos em desenvolvimento e financiados por essas
instituições promovem o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e
Inovação (CT&I) no país por meio de ações de pesquisa relevantes para
a sociedade. Por outro lado, muitas informações científicas ainda são
pouco difundidas, e necessitam de suporte das assessorias de comunicação para que os conteúdos das pesquisas sejam difundidos de forma
clara e objetiva por meio de uma linguagem acessível a todos.
A Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e
Tecnologia do Estado de Mato Grosso (Fundect) é uma das FAPs do país
cuja missão é promover o desenvolvimento da CT&I por meio de fomento e aporte financeiro junto às instituições que compõem o Sistema
Estadual de Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul2.
A Fundect está estruturada na Secretaria de Cultura, Turismo
Empreendedorismo e Inovação (SECTEI) do Governo do Estado de Mato
Grosso do Sul. Possui uma Diretoria-Executiva formada por DiretorPresidente, Diretor Científico e Diretor Administrativo. As decisões deliberativas são tomadas pelo Conselho Superior da Fundect, constituído
por quatorze membros, representantes das instituições de pesquisa, ensino e extensão, do setor produtivo e do governo.
Em 2011, a Fundect criou o Programa de Jornalismo Científico e
de Popularização da Ciência no Estado de Mato Grosso do Sul – Mídia
Ciência – com o objetivo de desenvolver diferentes atividades de comunicação científica.
Despertar e desenvolver vocações na área da difusão científica
a partir do envolvimento de pesquisadores, profissionais e
estudantes na geração de produtos de comunicação científica
O Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul é composto por 15 instituições de pesquisa, ensino e extensão do Estado. Com base nos
dados do SIGFAP ( ferramenta de gestão das fundações), estão vinculados ao
Sistema 19.872 pesquisadores e 1.547 de projetos de pesquisa.
2
998
de diferentes naturezas, veiculados em diferentes mídias de
comunicação. Os produtos obtidos serão resultados de um
programa definido de estudos voltados à formação profissional
no âmbito da comunicação científica e a difusão de pesquisa
teórica, aplicada ou de inovação referentes às ações e aos
temas previstos nesta Chamada (FUNDECT, 2011, p.18).
Integram a atual equipe dois jornalistas profissionais com formação em nível de mestrado, e dois publicitários, sendo um jornalista coordenador do Programa. Os profissionais foram selecionados por meio de
duas Chamadas Públicas n° 12/2011 e n° 21/2013, e contratados por bolsa
individual, não caracterizando vínculo empregatício junto à instituição.
Para a execução do Programa, foi apresentada e aprovada a Proposta
de Plano de Trabalho do Programa do coordenador. São contemplados
o monitoramento, acompanhamento e veiculação de notícias nas Redes
Sociais, cobertura de eventos institucionais, produção de reportagens de
pesquisa científica no portal institucional, produção de materiais gráficos
(agendas, calendários, cartazes, fôlderes) e publicações impressas.
Este artigo trata das atividades propostas pela última edição do
Programa, Chamada Pública n° 21/2013, para a divulgação e difusão da
CT&I de Mato Grosso do Sul, os impactos e os desafios com a crescente
demanda do Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia.
COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL DO PROGRAMA MÍDIA CIÊNCIA
A comunicação empresarial, organizacional e corporativa são alguns dos termos utilizados para determinar a presença da comunicação
em uma empresa. Para explicá-los há diversas teorias, aqui se apresentam as principais ideias e estudos de dois autores, Kunsch e Rego.
Para Kunsch (2003, p.149), a comunicação organizacional “analisa
o sistema, o funcionamento e processo de comunicação entre a organização e seus diversos públicos”.
As diferentes modalidades comunicacionais que permeiam
sua atividade, compreendendo assim, a comunicação institucional, a comunicação mercadológica, a comunicação interna
e a comunicação administrativa (KUNSCH, 2003, p.149-150).
999
A comunicação administrativa, segundo Kunsch (2003, p.152), é
“aquela que se processa dentro da organização, no âmbito das funções
administrativas; é a que permite viabilizar todo o sistema organizacional, por meio de uma confluência de fluxos e redes”. A comunicação
interna seria a trabalhada com o público interno da organização que
vai dos funcionários ou colaboradores, passando pelos distribuidores e
terceirizados, até os acionistas e a alta cúpula da empresa. Já com o foco
voltado para os produtos ou serviços da empresa está a comunicação
mercadológica, isto é, “diretamente ligada ao marketing de negócios”
(KUNSCH, 2003, p.162).
Na comunicação institucional estão os chamados instrumentos
ou subáreas, as atividades ligadas ao jornalismo dentro da organização,
como o jornalismo empresarial e a assessoria de imprensa, que são, respectivamente, responsáveis pelas publicações institucionais de boletins
às revistas, e pelo contato com a imprensa.
Em “Tratado de Comunicação Organizacional e Política”, Rego
(2002, p. 34-45) divide em três áreas as formas de comunicação nas organizações: a comunicação gerencial, que trabalha com foco no gerente
das empresas; a administrativa, que abrange todos os conteúdos relativos
ao cotidiano da administração e dá suporte informacional-normativo da
organização; e, por último, a comunicação social, que reúne “as áreas de
jornalismo, relações públicas, publicidade, editoração e marketing”.
A comunicação social, por sua vez, é divida em dois focos de trabalho, a comunicação interna e externa. Sendo que na primeira há as
publicações internas, e, na segunda, o que Rego (1987) chama de modalidades de programas de comunicação, o jornalismo empresarial, que
integra os jornais, revistas e boletins, rádio e TV.
Então, tanto na comunicação interna quanto externa, Rego apresenta as publicações jornalísticas como uma das maneiras de se trabalhar com o objetivo de atingir os públicos de interesse da organização.
Neste ponto chegamos à interseção das ideias dos dois autores
citados: as publicações institucionais. Mesmo utilizando diferentes teorias para explicar a comunicação e suas várias formas, ambos destacam
os veículos criados para informar aos públicos da organização e o papel
estratégico das publicações dentro da empresa. Por exemplo, quando diz
que veículos de comunicação empresarial permitem que “ocorra dentro
1000
da empresa fluxo de informação (tanto vertical quanto horizontal), possibilita condições para que a alta diretoria da empresa tome decisões a
partir da avaliação a capacidade e atitude da comunidade e aproxima os
empregados e a empresa através da reciprocidade de relacionamento.”
(Rego, 1987, p. 84).
Neste aspecto, as publicações institucionais ganham destaque na
comunicação organizacional, pois cumprem o papel estratégico de levar
a informação da empresa aos diversos públicos de interesse, apoiando-se
nas ferramentas jornalísticas de tratamento da informação.
A mídia está presente no cotidiano da sociedade. Roger Silverstone
(2002, p. 13) diz que não é possível escapar à mídia, pois ela está presente
em todos os aspectos da vida cotidiana. Portanto, é importante estudá-la
como componente da dimensão social e cultural, política e econômica,
entender a sua onipresença e a complexidade de seu processo. É necessário estudar a mídia “como algo que contribui para nossa variável capacidade de compreender o mundo, de produzir e partilhar seus significados”.
“A mídia nos oferece estruturas para o dia, pontos de referência,
pontos de parada, pontos para o olhar de relance e para a contemplação,
pontos de engajamento e oportunidades de desengajamento” (Silverstone,
2002, p. 24). Dessa forma, é essencial que as instituições possuam um relacionamento concreto e saudável com a mídia, pois a imagem das organizações é também construída com base no que se conhece delas por meio
do que é veiculado nos Meios de Comunicação de Massa (MCM).
Bernard Cohen (apud Wolf, 2008) afirma que a imprensa pode, na
maior parte das vezes, não conseguir dizer às pessoas como pensar, mas
tem a capacidade espantosa de dizer sobre o que pensar. Assim ressalta-se a importância da Assessoria de Comunicação Científica com o objetivo de divulgar as ações desenvolvidas em CT&I em Mato Grosso do Sul.
Kotler (2000, p. 33) afirma que as organizações “lutam para estabelecer uma marca sólida – ou seja, uma imagem de marca forte e favorável”. Assim, por meio do planejamento e execução das ações da Assessoria
de Comunicação Científica, pretende-se estabelecer essa solidez à marca Fundect e, consequentemente, ao conhecimento e à CT&I em Mato
Grosso do Sul.
O Programa de Jornalismo Científico e de Popularização da
Ciência no Estado de Mato Grosso do Sul – Mídia Ciência – é um ins1001
trumento de planejamento, como explica Kunsch. “Por programas entendemos a colocação sistemática das ações necessárias, no que se refere tanto ao planejamento como à execução das atividades propostas”
(Kunsch, 2003, p.371).
As ações são estabelecidas por meio de Proposta de Plano de
Trabalho envolvendo as atividades diárias da Assessoria de Comunicação
Científica guiadas por Procedimentos Operacionais Padrão (POPs). Os
POPs são roteiros para execução de ações rotineiras. Um POP define
exatamente como uma atividade deve ser realizada, com Objetivo, Meta
e Ações a serem realizadas.
QUADRO1. POPS E SUAS DEFINIÇÕES QUANTO AO OBJETIVO, META E AÇÕES
POP
OBJETIVO
POP 001 –
Planejamento
de mídia/comunicação
Realizar planejamento de mídia /
comunicação.
1002
META
Gerar relatório
das ações da
Assessoria de
Comunicação
Científica.
AÇÕES
Realizar análise e
planejamento das
ações da Assessoria
de Comunicação
Científica. Verificar
os impactos que as
ações tiveram na mídia local e planejar
ações futuras. Deve
ser feita análise no
início da gestão
para planejamento
de ações e ao final
como forma de
avaliação.
POP 002 –
Website
Ser referência
no tema Ciência,
Tecnologia e
Inovação (CT&I)
para consulta por outras
instituições de
comunicação.
Mínimo de 100
textos reproduzidos/publicados por mês
(cinco textos
por dia).
a) Notícias externas/gerais
Monitorar notícias referentes
à educação e à
Ciência, Tecnologia
e Inovação (CT&I)
que tenham sido
divulgadas na mídia
(local/regional,
nacional e internacional).
b) Reprodução de
notícias
Selecionar e reproduzir no website da
Fundect as notícias referentes à
Ciência Tecnologia
e Inovação que tenham sido divulgadas na mídia (local/
regional, nacional e
internacional), sempre citando a fonte
do texto.
c) Produção de
material para
divulgação
Abastecimento do
website com produção de material
jornalístico pela
equipe da Assessoria
de Comunicação
Científica da
Fundect (notícias,
notas, avisos, cadastro de eventos, entrevistas e outros).
1003
POP 003 –
Produção de
texto jornalístico
1004
Ser referência
no tema Ciência,
Tecnologia e
Inovação (CT&I)
para consulta por outras
instituições de
comunicação.
Vinte textos
produzidos /
publicados por
mês (um texto
por dia).
A produção de
notícias deve seguir
as especificações do
jornalismo científico. O jornalismo
científico apresenta
características
específicas dessa
modalidade e que
devem ser seguidas
para todos os produtos da Assessoria
de Comunicação
Científica da
Fundect. A equipe
trabalhará com
metas mensais de
produção. As metas
serão cadastradas
em arquivo elaborado e compartilhado em formato
padrão para todos
os integrantes da
equipe. A proposta é que todos os
projetos em andamento cadastrados
no SIGFUNDECT
sejam tema de, pelo
menos, um formato
de texto jornalístico (notícia, nota,
cobertura de evento,
entrevista, etc.) ao
final dos 12 meses
de projeto
POP 004 –
Release
Divulgar e popularizar a Ciência,
Tecnologia e
Inovação (CT&I).
Divulgação
das ações da
Fundect e das
propostas
aprovadas e em
andamento financiadas pela
fundação.
Produção de release
e envio à mídia por
meio do mailing list.
A meta de produção
e envio de release à
mídia corresponde
à meta mensal de
textos elaborados
pelos jornalistas e
demanda diária.
POP 005 –
Produção de
vídeos
Divulgar e popularizar a Ciência,
Tecnologia e
Inovação (CT&I).
Divulgação
das ações da
Fundect e das
propostas
aprovadas e em
andamento financiadas pela
fundação.
Produção de programa de TV em
formato de entrevista de periodicidade
mensal;
cobertura de eventos;
vídeo institucional.
1005
POP 006 –
Produção
de material
impresso
Divulgar e popularizar a Ciência,
Tecnologia e
Inovação (CT&I).
Divulgação
das ações da
Fundect e das
propostas
aprovadas e
em andamento
financiadas
pela fundação.
Desenvolver
logística para
entrega dos
materiais.
Boletim: produção
bimestral de Boletim
Impresso, contendo
a divulgação das
ações da Fundect e
das propostas aprovadas e em andamento financiadas
pela fundação e
assuntos referentes à educação e à
Ciência, Tecnologia
e Inovação (CT&I).
Revista: produção
semestral de Revista
Impressa, contendo
a divulgação das
ações da Fundect e
das propostas aprovadas e em andamento financiadas
pela fundação e
assuntos referentes à educação e à
Ciência, Tecnologia
e Inovação (CT&I).
Folder: produção de
folder institucional.
Encarte infantil:
produção de encarte
com material direcionado ao público
infantil (parte do
Boletim Impresso).
Demanda esporádica: produção para
atender a demandas
especiais. Sempre
com base em briefing.
1006
POP 007 –
Formatos
eletrônicos
Divulgar e popularizar a Ciência,
Tecnologia e
Inovação (CT&I).
Divulgação
das ações da
Fundect e das
propostas
aprovadas e em
andamento financiadas pela
fundação.
O Boletim
Informativo e a
Revista Impressa,
assim como todos os
materiais impressos
com conteúdo de
divulgação científica
devem ser disponibilizados em formato eletrônico no
website da Fundect.
POP 008 –
Redes Sociais
Divulgar e popularizar a Ciência,
Tecnologia e
Inovação (CT&I).
Atualização
diária das redes
sociais.
Facebook e Twitter:
Acessar as páginas
oficiais da Fundect
diariamente, de
forma contínua.
Manter o login on-line durante todo o
período de trabalho
para que as dúvidas
enviadas sejam
prontamente respondidas. Divulgar,
pelo menos, uma
notícia por período.
Linkedin: Divulgar
editais que contemplem bolsas.
POP 009 –
Produção
de material
gráfico
Divulgar e popularizar a Ciência,
Tecnologia e
Inovação (CT&I).
Divulgação
das ações da
Fundect e das
propostas
aprovadas e em
andamento financiadas pela
fundação.
A produção de
material gráfico
deve ser solicitada
por meio de briefing
enviado/entregue
ao responsável pela
área, profissional
de Comunicação
Social/Publicidade e
Propaganda.
1007
POP 010
– Registro
fotográfico
Realizar o registro fotográfico
das ações presentes na agenda
da Assessoria de
Comunicação
Científica.
Registrar 100%
da agenda da
Assessoria de
Comunicação
Científica.
O registro fotográfico deve acompanhar
todas as coberturas de eventos e
reuniões internas e
externas. A divulgação do registro
fotográfico deve
ser autorizada, em
casos de reuniões
internas o registro
deve ser arquivado.
POP 011 –
Revisão de
textos
Oferecer ao
público textos de
qualidade e de
acordo com as
normas oficiais da Língua
Portuguesa.
Revisar 100%
dos textos
produzidos pela
Assessoria de
Comunicação
Científica.
Todo material
produzido pela
Assessoria de
Comunicação
Científica da
Fundect deve ser
revisado. A revisão
de textos será de
responsabilidade
de seu produtor e
da coordenação da
equipe.
POP 012 –
Reuniões de
equipe
Avaliar e planejar ações da
Assessoria de
Comunicação
Científica.
Realizar reuniões quinzenais.
Avaliação e planejamento de ações.
Periodicidade quinzenal ou quando a
equipe demonstrar
necessidade.
1008
POP 013 –
Reunião de
pauta
Definir pautas
das publicações.
Realizar reuniões de pauta
para todas as
publicações.
Todos os produtos
a serem produzidos pela equipe
de Assessoria de
Comunicação
Científica devem ser
precedidos de uma
reunião de pauta
para definição dos
temas abordados na
publicação.
POP 014 –
Brainstorm
Gerar novas
ideias, conceitos
e soluções para
temas que envolvam a Assessoria
de Comunicação
Científica.
Reuniões a
serem definidas
de acordo com
a demanda da
Assessoria de
Comunicação
Científica.
Brainstorming é uma
conhecida técnica
de geração de ideias,
que significa “tempestade cerebral” e
é desenvolvida em
grupo, envolvendo a contribuição
espontânea de todos
os participantes. O
envolvimento e a
motivação do grupo
promove comprometimento com a
ação e um sentimento de responsabilidade compartilhada
(SEBRAE, 2005).
POP 015 –
Agenda da
DiretoriaExecutiva
Acompanhar as
ações da diretoria.
Fazer a cobertura de 100%
das ações da
diretoria, desde
que públicas e
autorizadas.
Consultar a agenda
da DiretoriaExecutiva da
Fundect diariamente. Elaborar a agenda da Assessoria
de Comunicação
Científica com base
na agenda oficial da
fundação.
1009
POP 016 –
Agenda compartilhada
Compartilhar
com a equipe
a agenda da
Assessoria de
Comunicação
Científica.
Manter a equipe
atualizada acerca das ações a
serem realizadas.
A agenda deve ser
montada e compartilhada por meio de
software específico.
POP 017 –
E-mail oficial
Enviar, receber e
responder mensagens eletrônicas.
Responder ou
encaminhar ao
setor responsável 100% das
mensagens
enviadas à
Assessoria de
Comunicação
Científica.
Acessar o e-mail
oficial da Assessoria
de Comunicação
Científica diariamente, de forma
contínua. As mensagens oficiais devem
ser enviadas pelo
e-mail oficial da
fundação.
POP 018 –
Mailing list
Possuir uma
agenda com
os contatos da
mídia.
Manter os contatos atualizados.
Atualização mensal
do mailing list para
envio de releases.
POP 019 –
Clipping de
mídia
Identificar a
presença da
marca Fundect
na mídia.
100% dos textos
que fazem referência à marca.
Monitoramento de
notícias que façam
referência à Fundect
e que tenham sido
divulgadas na mídia
(local/regional,
nacional e internacional) por meio do
acesso a websites de
notícias e demais
veículos de comunicação que tratam
de assuntos gerais,
assim como os
especializados ou de
instituições de pesquisa e de ensino superior. Clipping deve
ser enviado para a
Diretoria-Executiva
da Fundect e para a
equipe de Assessoria
de Comunicação
Científica.
1010
POP 020 –
Comunicação
interna
Manter os
colaboradores
da Fundect informados sobre as
ações internas.
Divulgar as
informações
internas para os
colaboradores.
Produção de
material destinado
à comunicação
interna. Proposta 1:
Produção de informativo eletrônico
quinzenal com as
principais notícias
relevantes para
os colaboradores.
Proposta 2: Enviar
por e-mail as informações diariamente
Fonte: Motta (2013)
Juran (1992) explica que um processo é uma série sistemática de
ações direcionadas para a consecução de uma meta. Oliveira (2006) diz
que um processo é o conjunto estruturado de atividades sequenciais
que apresentam relação lógica entre si, com a finalidade de atender e
superar as necessidades e as expectativas dos clientes externos e internos da instituição.
CONSIDERAÇÕES
De acordo com o relatório parcial de atividades, foram estimados
resultados satisfatórios quanto à divulgação e difusão da CT&I de Mato
Grosso do Sul, assim como impacto positivo junto ao Sistema Estadual
de Ciência e Tecnologia, tendo em vista a execução dos POPs em relação
aos números de profissionais envolvidos.
No período que compreende janeiro a dezembro de 2014, o
portal institucional da Fundect, recebeu 135.520 visualizações. Foram
publicados no total 432 textos jornalísticos, entre produzidos e reproduzidos, sendo 230 produzidos pela equipe de jornalismo do Programa
Mídia Ciência.
Quanto aos materiais impressos, foram produzidas quatro edições do Boletim Informativo MS Faz Ciência, totalizando 29 textos jornalísticos inéditos, e uma edição da Revista Corumbella. Saliente-se
1011
que, em 2014, por impedimentos estabelecidos pela Legislação Eleitoral,
deixaram de ser produzidas duas edições do Boletim Informativo.
A coordenação do programa também foi responsável pela execução da primeira edição do Prêmio Fundect de Jornalismo Científico, premiação que reconheceu o trabalho de 14 profissionais de comunicação,
divididos em seis categorias. O Prêmio tem como objetivo incentivar a
prática do jornalismo científico no Estado do Mato Grosso do Sul, premiando trabalhos jornalísticos que tenham contribuído para a divulgação
da ciência nos meios de comunicação do Estado, estimulando, assim, a
cultura de popularização da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).
Outras demandas consideradas esporádicas foram requisitadas pela Diretoria da Fundect como: folder e cartaz para divulgação do
Prêmio Fundect de Jornalismo Científico; Folder/relatório do Programa
ALI – Agente Local de Inovação; folder 21 dicas para Prestação de
Contas; dois folders para o Geopark Bodoquena-Pantanal; reestruturação do website (layout); Pesquisa de Satisfação; Material/folder Tecnova;
folder Casa do Pantanal; agenda e calendário; adesivo para porta da
recepção; adesivo para parede da sala de reunião; Newsletter semanal;
atualização Capesweb.
O Programa tem-se mostrado estratégico para a divulgação de
conteúdo científico em Mato Grosso do Sul, assim como tem aproximado a comunidade científica, formada por pesquisadores, bolsistas, professores e profissionais que atuam nas instituições do Estado.
REFERÊNCIAS
JURAN, J. M. Planejando para a Qualidade. 2. ed. São Paulo: Livraria
Pioneira Editora, 1992.
MOTTA, K. B. I. M. Plano de Trabalho do Coordenador Programa de
Jornalismo Científico e de Popularização da Ciência no Estado de
Mato Grosso do Sul: Mídia Ciência. Campo Grande: Novembro, 2013.
p. 05.
OLIVEIRA, D. P. R. de. Administração de Processos: conceitos, metodologia e práticas. São Paulo: Atlas, 2006.
KOTLER, P. Administração de Marketing. 10. ed. Tradução de Bazán
Tecnologia e Lingüística. São Paulo: Prentice Hall, 2000.
1012
KUNSCH, M. M. K. Planejamento de Relações Públicas na
Comunicação Integrada. 4. ed. São Paulo: Summus, 2003.
________. Relações Públicas e Modernidade: novos paradigmas na
comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997.
REGO, Francisco G. Torquato. Jornalismo Empresarial: teoria e prática. São Paulo: Summus, 1984.
________. Tratado de Comunicação Organizacional e Política. São
Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
SILVERSTONE, R. Por que estudar a mídia. São Paulo: Loyola, 2002.
WOLF, M. Teorias da comunicação. 2. ed. São Paulo: WMF MARTINS
FONTES, 2008.
1013
|7 |
IMPLICAÇÕES ESTRATÉGICAS DO PROGRAMA
FEDERAL “MAIS MÉDICOS” SOB A ÉGIDE DA
COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL E POLÍTICA
Alessandra Castilho 1
e Roberto Gondo Macedo 2
RESUMO
Em uma sociedade complexa demograficamente e
com intensos indicadores de desigualdade social, o Brasil
convive com um sistema deficitário de saúde pública. O
desenvolvimento de projetos desta ordem temática pelos
mais diversos tipos de governo pode ser utilizado estratégicamente nas ações de comunicação governamental e política, visando o fortalecimento da imagem da gestão, corroborando para positivos resultados eleitorais nos momentos de
sufrágio democrático. O presente artigo objetiva explanar
acerca do projeto federal destinado à saúde denominado
Doutoranda em Humanidades pela Universidade Federal do ABC, Mestre em
Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Especialista
em Comunicação Empresarial pela mesma instituição. Chefe de Comunicação
e Assessoria da Universidade Federal do ABC, no estado de São Paulo. Diretora
de Relações Internacionais da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político – POLITICOM. Email.: ale_castilho@hotmail.com.
1
Doutor em Comunicação Social, com Pós-doutorado em Comunicação Política pela Universidade de São Paulo. Preside a Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político – POLITICOM.
Docente e Pesquisador do Centro de Comunicação e Letras da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Diretor de Estratégias e Marketing do Instituto Gestão do Conhecimento – IGC, Brasi. Email.: r.gondomacedo@gmail.com.
2
“Mais Médicos”, na qual existe um intento em direcionar
médicos participantes do programa em regiões com limitações de atendimento clínico, seja no interior dos estados,
como na periferia das capitais brasileiras. Sob a égide da
comunicação governamental, é apresentado o programa e
como que tem sido utilizado nas ações de comunicação do
governo da presidente Dilma Rousseff como um dos pilares
de ua gestão e como um escudo popular para inibir demais
problemas gerenciais presentes em sua gestão federal.
Palavras-Chave: Mais Médicos; Comunicação Política;
Governo; Estratégia e Eleições.
INTRODUÇÃO
Este artigo versa sobre a comunicação política, governamental e
eleitoral no contexto atual brasileiro. Amparado em um sistema democrático presidencialista desde o final do período ditatorial no final da
década de 70, o país vive um contexto de consolidação do seu processo
eleitoral e político.
Essa necessidade de aprimoramento do sistema e da competitividade cada vez mais acentuada entre os partidos, que é estruturado em
uma organização pluripartidária, permite contemplar múltiplas ações
desenvolvidas pelas agremiações pertencentes na situação de governo,
bem como os partidos opositores, que se posicionam em apontar falhas
no sistema gerencial, visando enfraquecer os atores situacionistas e potencializar um novo cenário na disputa eleitoral.
A escolha do Programa “Mais Médicos”, desenvolvido pelo
Governo Federal brasileiro desde 2013 se tornou representativo para estudo do artigo e cerne do simulacro de pesquisa pelo fato de ter sido lançado logo após o período acentuado de manifestações sociais3 ocorridas
em todo o território nacional no primeiro semestre de 2013.
3
As manifestações sociais ocorridas no primeiro semestre de 2013 no Brasil,
1015
Outro ponto relevante para a escolha é decorrente ao perfil do
Partido dos Trabalhadores e sua relação instrínseca com o processo de
assistencialismo nas camadas mais baixas da sociedade e alocadas em
comunidades e regiões distantes dos centros urbanos. Desde o ínicio
do período de gestão presidencial petista, originário em 2002 por Luiz
Inácio Lula da Silva, os projetos sociais foram o grande eixo de fortalecimento governamental, que contribuiu para a reeleição do presidente em
2006 e conseguir a vitória da sucessora na presidência, Dilma Rousseff.
O Programa faz parte de um projeto de melhorias do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde, denominado no Brasil pelas siglas SUS, que prevê investimento em infraestrutura dos hospitais
e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde há
escassez ou não existem profissionais.
Segundo dados do Portal da Saúde (2013), atualmente o país possui 1,8 médicos por mil habitantes. Esse índice é menor do que em outros
países, como a Argentina (3,2), Uruguai (3,7), Portugal (3,9) e Espanha
(4). Além da carência dos profissionais, o Brasil sofre com uma distribuição desigual de médicos nas regiões, dos 27 estados da federação, 22
deles possuem número de médicos abaixo da média nacional.
A proposta norteadora desse trabalho é apresentar proposituras
de como o Programa do atual Governo pode refletir na comunicação
eleitoral de 2014 no Brasil. O artigo também faz um comparação sobre o
peso do Programa nas eleições presidenciais e nas eleições municipais,
uma vez que nos pleitos regionais os médicos bolsistas poderão tornar-se atores políticos representativos.
Um dos pontos demais discussão entre governantes e a classe médica está no reclutamento de médicos estrangeiros para atuar em regiões onde há escassez, ou simplemente não existem profissionais. Além
tiveram como ponto de partida a reinvindicação contrária ao aumento da tarifa
de ônibus na Prefeitura de São Paulo. De modo integrado, milhares de brasileiros foram às ruas exigindo inúmeras melhorias no sistema político e políticas
públicas, principalmente no campo da saúde, segurança e mobilidade urbana.
Depois da cidade de São Paulo, as mobilizações ocorreram em praticamente
todas as capitas de estados e cidades interioranas do país, levando a quedas de
credibilidade dos governos das esferas, federal, estadual e municipal.
1016
do recrutamento externo, o Programa estabelece que o Governo abrirá
11,5 mil vagas nos cursos de medicina no país até 2017 e 12 mil vagas
para formação de especialistas até 2020.
Desse total, 2.415 novas vagas de graduação já foram criadas e serão implantadas até o fim de 2014 com foco nas áreas que mais precisam
de profissionais e que possuem a estrutura adequada para a formação
médica. Se de um lado o polêmico Programa tende a ter um efeito positivo indireto, a exemplo do Programa “Luz para Todos” de Lula, na campanha presidencial de 2006, por outro lado, entidades médicas já prometem mobilização em campanha contrária a reeleição da presidente.
Vale refletir sobre o verdadeiro impacto dessas propostas sociais
no real campo eleitoral e até que ponto que projetos de foro popular
e assistencialista destinados à população mais pobre do país, fortalecem no processo eleitoral, no caso proposto, influência na reeleição de
Dilma Rousseff.
O pleito de 2014 foi um processo eleitoral dos mais conturbados
e intensos desde o período da redemocratização brasileira. Liderando
até final de julho do mesmo ano de modo estável e confortável para a
caminhada para a reeleição presidencial, Dilma e dirigentes do Partido
dos Trabalhadores vivenciaram um árduo período de instabilidade estatística das intenções de voto, bem como o dinâmico papel dos demais
presidenciaveis no processo.
A eleitoral para presidente foi iniciada com três postulantes ao
posto majoritário do Planalto devidamente amparados por suas alianças
eleitorais e bases de apoio. Além de Dilma para o PT, Aécio Neves (PSDB)
e Eduardo Campos (PSB) seguiam disputando preferência do eleitorado
descontente com o governo petista e buscando novos rumos para o país.
Todavia, o acidente aéreo ocorrido na primeira quinzena de agosto, logo após começo da disputa eleitoral, retira Eduardo Campos da
disputa por ocasião de seu falecimento, bem como alguns integrantes
da sua equipe de campanha. Diante de trágica realidade, uma comoção generalizada conduziu os humores nacionais por semanas. Marina
Silva, até então vice na chapa homologada pelo TSE, assume o lugar de
Eduardo Campos e conduz uma disputa direta com a primeira colocada
nas pesquisas, Dilma Rouseff.
1017
Marina Silva somente de aliou com as forças de Eduardo Campos
após o seu projeto de formação partidária não tem obtido êxito no mês
de outubro de 2013, exatamente um ano antes do pleito eleitoral e, de
acordo com as datas estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, prazo regimentar para a homologação de novos partidos no país.
São duas principais condições que são solicitadas para grupos
que desejam iniciar novos partidos: a primeira é com relação ao número de eleitores ativos e regularmente validados na base de dados do
Tribunal Superior Eleitoral – TSE. O total de assinaturas validadas deve
ser superior ao número de 492 mil assinaturas e em segundo momento,
distribuidas em ao menos nove estados da federação.
A maioria dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
votou contra a concessão de registro ao partido Rede Sustentabilidade, fundado pela ex-senadora Marina Silva. Os ministros entenderam que a legenda não conseguiu o número
mínimo de 492 mil assinaturas de apoiadores exigido pela
Justiça Eleitoral. Com a decisão, o partido não poderá participar das eleições do ano que vem. (RICHTER, 2013, online).
O Projeto denominado “Rede Sustentabilidade” não obteve êxito no número de assinaturas validadas e não pode cumprir o prazo regimental pré-estabelecido, culminando na ida de Marina para o Partido
Social Brasileiro – PSB de Eduardo Campos. A retomada do processo de
coleta e validação de assinaturas para a solicitação do novo partido foi
anunciado por dirigentes da Rede Sustentabilidade depois das eleições,
o que conduz quer o interesse por senso de independência partidária de
Marina para as próximas disputas eleitorais.
O segundo turno das eleições presidenciais, bem como o seu
resultado demonstraram grande representatividade e aceitação do
Partido dos Trabalhadores e Dilma Rousseff nas regiões: norte, nordeste
e centro-oeste do país, tendo concentração favorável ao candidato social democrata Aécio Neves peso maior nas regiões sudeste e sul, equilibrando a disputa, que foi finalizada com uma pequena diferença de
votos favorável à reeleição petista.
1018
FIGURA 1 – MAPA FINAL DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2014
FONTE – Portal UOL (2014, online)
Um dos pontos que pode ser considerado e factualmente comprovado é a identificação do Partido dos Trabalhadores e seus representantes políticos em regiões mais limitadas economicamente em âmbito
nacional, como também que apresentam maior desigualdade social de
classes e necessitam de maior apoio de políticas públicas para sobrevivência, dentre elas no campo da saúde, direcionamento da pesquisa
com o enquadramento do Projeto “Mais Médicos”.
Torne-se pertinente considerar de modo concomitante as manifestações que se iniciaram no ano de 2015, fomentando a ideia de alguns
grupos políticos e sociais descontentes com o governo petista, o processo de impeachment da presidente, principalmente pelo alto número de
denúncias de corrupção presentes em seu governo, tanto em estatais
como a Petrobrás, como em demais órgãos públicos, distribuídos em
território nacional.
1019
COMUNICAÇÃO NO ÂMBITO POLÍTICO E ELEITORAL: ESTRATÉGIAS PARA
FORTALECIMENTO DA IMAGEM GOVERNAMENTAL
A comunicação possui um papel fundamental no poder público, principalmente porque o desenvolvimento de uma imagem governamental está diretamente relacionado com a capacidade de fomentar
políticas públicas exitosas para a população, e também de modo concomitante, deve ser explorada e difundida sob a égide da propaganda
como um feito positivo e bem aceito pela sociedade.
A comunicação pública deve ser pensada como um processo
político de interação no qual prevalecem a expressão, a interpretação e o diálogo. É preciso salientar que o entendimento
da comunicação pública como dinâmica voltada para as trocas comunicativas entre instituições e a sociedade é relativamente recente (MATOS, 2011, p.45).
De acordo com o sistema político brasileiro, pela sua estrutura,
regulamentação eleitoral e periodicidade de mandatos, é natural que
fosse desenvolvida uma dinâmica de busca por uma constante forma de
fazer política visando os resultados das próprias eleições, prejudicando
em muitos casos o próprio período de gestão pública, dada a preocupação em trabalhar para a reeleição de um ator político ou até mesmo para
manter o sucessor no poder após sua saída de dois mandatos majoritários consecutivos.
O fato da comunicação estar presente no cotidiano público não
é especificidade brasileira, mas sim está presente em muitos outros países de foro democrático, cuja preocupação eleitoral é latente e a busca
por alianças e apoios governamentais constante. O governo federal do
governo do Partido dos Trabalhadores é um exemplo factual dessa dinâmica. De acordo com Torquato (2002, p.121) “as estruturas de comunicação na administração pública federal hão de se reorganizar em função
da evolução dos conceitos e das novas demandas sociais”.
O apelo ideológico do PT, desde sua fundação no início da década de 80, foi relacionado aos movimentos populares e cidadãos pertencentes as classes mais baixas de renda e acesso político e cultural.
Todavia, suas políticas públicas são mais direcionadas ao público predominante no país, com classse de renda menos e que ações públicas são
1020
muito mais relevantes e necessárias, visto a ausência de recursos para
suprir tal necessidade pelos caminhos do setor privado, como educação,
saúde e lazer, por exemplo.
Em seu movimento mais ousado e dirigido, nas eleições de 2002,
o grande ponto de campanha eleitoral do PT, com Lula como candidato,
foi a promessa de implantação do Programa denominado “Fome Zero”,
que difundia o conceito de erradicar nos anos posteriores indicadores
de baixa qualidade de vida, como analfabetismo, baixo investimento na
prevenção de doenças e limitado poder de consumo da população mais
carente, decorrente da limitação de crédito no mercado e baixa taxa de
crescimento de novos empregos no mercado.
Com o passar dos anos, as ações petistas com direcionamento
para as classes mais baixas foram permitindo um aumento sustentável
nos indicadores de popularidade do governo de Lula e nos dois primeiros anos de Dilma Rousseff. Fator que prova empiricamente o senso exitoso de controle e dominio de um grande e representativo percentual
popular, dependente de um governo que mantenha os subsídios e demais assistências para os membros da família e do próprio cidadão.
FIGURA 2 – LOGOTIPO DO PROGRAMA FOME ZERO (2002)
FONTE – Portal IG (2014, online)
A ação “Mais Médicos” foi iniciada como uma das séries de políticas para atingir cidades brasileiras cuja distância e características
1021
estruturais e econômicas não permitiam a manutenção de profissionais
da saúde nesses municípios. Vale considerar que o perfil de formação
dos profissionais da saúde no país por décadas passadas foi direcionado
aos membros de classes mais abastadas financeiramente e culturalmente da sociedade.
Esse fator é um dos grande entraves no que tange permitir a contratação de médicos para cidades mais afastadas e com pouca estrutura. São dois fatores principais: 1) grande parte dos médicos formados no
país não se interessam em desenvolver e fixar carreira médica em cuidades pequenas do interior, mas sim nas capitais dos estados da federação,
principalmente São Paulo. 2) os salários trabalhados pelo poder público
não são atrativos aos formados em medicina no Brasil, que já conta com
número não suficiente de graduados por ano, que poderiam suprir o representativo déficit de profissionais no país.
O desenvolvimento dos meios de comunicação foi fator altamente corroborativo para promover maior capacidade informacional
da população com os feitos do governo, sejam eles positivos, derivados
de boas ações políticas, como também os feitos negativos, que são responsáveis pela queda de popularidade e derrocada de muitos atores políticos, distribuídos em todas as esferas do poder nacional.
A convergência tecnológica, com a funcionalidade dos multimeios, exigem do poder público e seus representante capacidade de
resposta rápida para as demandas da sociedade, como também na prestação de contas de escandalos e demais denúncias oriundas do contexto
político e partidário. Na visão de Castells (1999), a sociedade informacional está amparada na capacidade do individuo comprender como lidar com a informação de modo útil e produtivo para os seus interesses.
As eleições de 2014 no Brasil para Presidente da República,
Senadores, Governadores e Deputados (Federais e Estaduais) foi um representativo desafio para os candidatos e seus partidos, principalmente
porque será a primeira eleição que ocorrerá posterior ao período de manifestações sociais de 2013, cuja força e intensidade foi responsável por
grande redução dos índices de credibilidade dos governos e da imagem
dos políticos e da instituição política.
Nesse sentido, em âmbito federal, que representa o recorte do
presente artigo, a disputa foi pautada em feitos ocorridos na gestão de
1022
Dilma Rousseff, que buscou mais um mandato de quatro anos, contra
os demais adversários políticos provenientes de diversar alianças estratégicas partidárias. Para Fausto (2014, online) “No Brasil, os candidatos
em geral buscam se associar a ideias-imagens de compreensão instantânea e se refugiar em generalidades que não desagradem a nenhuma
parcela significativa do eleitorado”.
O poder de controlar Projetos populares nas cidades pequenas
no interior dos estados brasileiros pode oferecer para o Partido dos
Trabalhadores uma representativa vantagem no que tange conquistar
votos de eleitores que não estarão, na maioria dos casos, envoltos informacionalmente com inúmeras ações ocorridas nos dezesseis anos de
governo petista, por ocasião de ausência informacional e formação política para tal fim.
O caso do mensalão4, ocorrido no ano de 2004 e com desfecho
depois e uma década marcou o governo de Lula da Silva, todavia, diante
de intensos projetos sociais, não podem ser considerados como um argumento com força suficiente para alterar um cenário político eleitoral,
elegendo a oposição em uma queda de governo.
PROGRAMA “MAIS MÉDICOS” E SEU IMPACTO NO PAÍS
Um dos temas mais discutidos no país, unido com segurança
pública e mobilidade urbana é a situação da saúde. Segundo dados do
IBGE em 2013, explanados pelo periódico Estadão (2013, online), o país
atingiu a marca de 200 milhões de habitantes. Desse número, uma estimativa descrita pelo TSE (2013, online), aponta que nas eleições de 2014,
o pleito contará com aproximadamente 135 milhões de eleitores.
O caso do Mensalão realizado por membros do governo de Lula no seu primeiro mandato, estava relacionado com um complexo esquema que foi desenvolvido
para distribuir propinas à parlamentares de demais partidos e outros níveis políticos, com o objetivo de conseguir aprovações em projetos direcionados para votação na Câmara e Senado da República. Com mais de vinte indiciados, os processos
tramitaram por dez anos até iniciarem as primeiras condenações e devoluções de
parte dos recursos públicos desviados durante o esquema de corrupção.
4
1023
FIGURA 3 – LOGOTIPO DO PROGRAMA MAIS
MÉDICOS LANÇADO EM 2013
FONTE – Portal Mais Saude (2014, online)
Esses apontamentos representam um alto e representativo contingente de brasileiros que estão envolvidos com as políticas públicas
estabelecidos pelos estados e municípios, aliados com o governo federal. O país já passou dos 200 milhões de habitantes e desse percentual,
ao menos 1/3 do contingente está relacionado com ao menos um dos
principais projetos da esfera federal.
Formado predominantemente de brasileiros pertencentes na
classe C de riqueza, com no máximo cinco salários mínimos de Renda
Familiar, o uso dos recursos públicos ainda é muito intenso e influencia
no processo de identificação com um governo ou determinado gestor
público, aumentando sua credibilidade ou possibilitando sua queda e
derrota política nas urnas.
Isto posto, é possível afirmar que o desenvolvimento de um
Programa de foro popular, envolvendo médicos em comunidades e cidades carentes de atendimento hospitalar é necessário e contribuirá
explicitamente para a melhoria da relação do governo com o cidadão,
que agora poderá observar atendimentos médicos para seus familiares
e demais amigos.
Um dos pontos que fomentou grande repercussão na mídia e nos
demais atores envolvidos no cenário médico foi o fato da possibilidade
de contratação de médicos estrangeiros, caso as vagas para os lugares
1024
mais afastados não fosse cumprida e aceitas por médicos brasileiros.
Diversas manifestações foram realizadas, inclusive com alguns atos de
violência por parte dos manifestantes.
O programa foi alvo de críticas das principais entidades médicas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Federação Nacional dos Médicos. Uma delas é que o contrato de
trabalho era ilegal, já que os profissionais recebem uma bolsa
de ensino para trabalhar, e a vinda de médicos estrangeiros
sem precisarem passar pelo Exame Nacional de Revalidação
de Diplomas (Revalida). As entidades recorreram à Justiça,
promoveram protestos e adiaram a emissão do registro provisório. (ULTIMOSEGUNDO, 2013, online).
De acordo com diretrizes estabelecidas pelo Ministério da
Saúde, descritas no Portal da Saúde, o Programa contará com o auxílio
de dois Ministérios para gerenciar os procedimentos burocráticos e formativos da proposta. O primeiro é o Ministério da Saúde, responsável
pela contratação dos médicos e acompanhamento com as cidades inscritas no programa. De modo concomitante, o Ministério da Educação
irá colaborar com o acompanhamento formativo dos médicos participantes do programa, incluindo médicos brasileiros e estrangeiros.
O Programa conta com uma série de benefícios para o médico que
aderir ao Programa, que terá duração de três anos. Alguns dos benefícios
são: 1) salário de 10 mil reais; 2) auxílio moradia na cidade que o médico
ficar alocado (nesse caso ocorrerá parceria da União com o município e
3) subsídios para que o médico possa conseguir visitar os familiares de
acordo com períodos pré-estabelecidos entre os pares contratados.
Como não se faz saúde apenas com profissionais, o Ministério está investindo R$ 15 bilhões até 2014 em infraestrutura
dos hospitais e unidades de saúde. Desses, R$ 2,8 bilhões foram destinados a obras em 16 mil Unidades Básicas de Saúde
e para a compra de equipamentos para 5 mil unidades; R$
3,2 bilhões para obras em 818 hospitais e aquisição de equipamentos para 2,5 mil hospitais; além de R$ 1,4 bilhão para
obras em 877 Unidades de Pronto Atendimento. (PORTALDASAUDE, 2014, online).
1025
Outro ponto polêmico foi o acordo realizado entre o Brasil com
Cuba, para que médicos cubanos pudessem concorrer as vagas disponíveis e participar do programa. Nesse ponto, o que mais diferencia é que
os valores que serão repassados para os médicos não serão os mesmos
estabelecidos para outros médicos, já que uma parte ficará para o governo de Cuba e a relação de trabalho da equipe cubana, assistida de modo
distinto do que qualquer outra nacionalidade envolvida.
FIGURA 4 – MÉDICOS CUBANOS NO BRASIL PARA O
PROGRAMA MAIS MÉDICOS
FONTE – Portal Isto é (2014, online)
Para Sias (2013, online) No acordo, temos um gritante
exemplo de mais-valia: o médico recebe 30% do valor de seu
trabalho, enquanto o governo cubano embolsa os outros 70%.
A precarização da mão de obra e a coerção são exemplificadas
pelo regime de trabalho ao qual serão submetidos, vigiados dia
e noite, com passaportes confiscados e o pagamento efetuado
diretamente às autoridades cubanas, que virtualmente são
seus donos. Aliás, o que poderia significar maior precarização
que praticamente ignorar a Lei Áurea de 1888?
1026
Além da própria infra técnica de políticas públicas utilizada,
o Projeto “Mais Médicos” está sendo trabalhado pelo Governo Federal
como uma ação de intervenção ao maior problema sofrido pela população, que é o caso da saúde. O impacto emocional conduzido pela mensagem da campanha busca claramente traçar um divisor de águas, no que
tange o tratamento federal para com os problemas da sociedade mais
carente e desprezada por outros governos.
O Slogan principal da campanha “Mais médicos para o Brasil, Mais
saúde para você” está sendo veiculado em rede nacional, por intermédio
de mídias eletrônicas, mas também via material impresso. Entretanto, o
grande interesse da proposta pela égide da comunicação de governo que
caminha para um olhar eleitoral é o processo sinestésico que ocorrerá
nessas cidades envolvidas e amparadas por esse atendimento.
O Portal Eletrônico também é utilizado para servir de canal de
comunicação para médicos que queiram participar do programa, bem
como sanar potenciais dúvidas da população de demais interlocutores
sociais. Além de apresentar dados do programa, também oferece ferramentas que são ágeis para receber denúncias provenientes de atendimentos e maior controle da população acerca das atividades pré-dispostas pelas regras do programa federal.
De acordo com dados estabelecidos pelo Ministério da Saúde
(2014) o programa aumentou em 35% o número geral de consultas na
atenção básica – foram 5.972.908 em janeiro de 2014 ante 4.428.112
em janeiro de 2013. O atendimento a pessoas com diabetes aumentou
45%, passando de 587.535 em janeiro de 2013 para 849.751 em janeiro
de 2014. No mesmo período, os atendimentos de pacientes com hipertensão arterial aumentaram 5% e as consultas de pré-natal, 11%. O encaminhamento de pacientes para hospitais diminuiu 20%, passando de
20.170 para 15.969.
Os números do ministério indicam que o programa contratou
14,4 mil profissionais (11,4 mil deles cubanos) distribuídos
em 3,7 mil municípios e em 34 distritos indígenas. Cerca de
75% dos médicos estão em regiões de grande vulnerabilidade
social, como o semiárido nordestino, a periferia de grandes
centros e regiões com população quilombola. (PORTAL EXAME, 2014, online).
1027
Sendo mais que 2000 mil cidades no Brasil, a possibilidade de
persuasão eleitoral de modo institucional é muito alta, visto que a presença de um médico entre pares antes totalmente desamparados nesse
quesito, causará um impacto positivo na credibilidade de governo, independente de denúncias e demais informações fora do senso comum da
maior parte dos brasileiros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos pontos mais estratégicos e representativos em uma comunicação de governo visando pleitos eleitorais futuros é a capacidade
de unir gestão de políticas públicas com abordagens corretas em camadas da população mais aderentes com a identificação das propostas estabelecidas.
A comunicação no poder público, assim como no poder privado é
de extrema relevância para o alinhamento de ações políticas com potencialização e construção de imagem governamental positiva. Essas estratégias podem ser desenvolvidas em múltiplos segmentos e cenários.
O Programa “Mais Médicos” desenvolvido pelo Governo Federal
de Dilma Rousseff foi lançado nacionalmente logo depois do período de
maifestações sociais que percorreram todo o país, no primeiro semestre de 2013. Sendo um dos pontos mais críticos presentes nas pesquisas
populares, o Programa visa direcionar médico brasileiros e estrangeiros
para cidades e regiões carentes desses profissionais, permitindo atendimento para a população.
Esse projeto estará diretamente relacionado na estratégia de
fortalecimento de Dilma no seu fortalecimento como uma interlocutora
política, visto que é uma forma pragmática de buscar envolver eleitores
que observam nesse programa e vários outros de foro assistencialista,
aprovação de governo e plausível continuidade.
A campanha publicitária desenvolvida para o Programa explicita
um cenário de solução de problemas, onde o médico será um interlocutor
da comunicação, terminando tempos de ausência de médicos e atendimentos. Por ser um programa com claras características para construção
da imagem pública do PT, está sendo alvo de inúmeros brasileiros, mas
um ponto que deve ser lembrado é o impacto que a ações de um novo mé-
1028
dico pode causar em uma comunidade carente, podendo ser persuadida
com mais facilidade, no que tange uma potencial escolha eleitoral.
A identificação de programas sociais é muito mais aderente
com a prática midiática adotada pelo PT nos últimos 12 anos de gerenciamento federal. Esse reflexos são demonstrados nos resultados eleitorais do pleito do segundo turno, de acordo com o mapa de votação
que foi estabelecido, não necessariamente com uma divisão entre ricos
e pobres, mas sim de regiões mais e menos desenvolvidas.
Todavia, vale ressaltar a grande quantidade de denúncias que
envolveram membros do governo federal, Partido dos Trabalhadores
e demais lideranças de partidos da base de governo nos últimos dois
anos, culminando em atos representativos contrário ao governo federal, iniciados simbolicamente no dia 15 de março de 2015, instaurando
um novo processo de desgaste de imagem de governo, sendo necessária
estratégias de comunicação e uso de programas como “Mais Médicos”
como um dos alicerces de fomento pré-eleições de 2018.
REFERÊNCIAS
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Acesso em 18.fev.2014.
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www.estadao.com.br/noticias/impresso,eleicoes-2014,1129795,0.htm>.
Acesso em 18.fev.2014.
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Disponível em <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/
acoes-e-programas/mais-medicos/mais-sobre-mais-medicos/5953-como-funciona-o-programa>. Acesso em 18.fev.2014.
PORTAL IG. O que não deu certo no Fome Zero? Disponível em <www.
ig.com.br/ultimominuto/politica/oquenaodeucertodepoisdeumadecada>. Acesso em 18.fev.2014.
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<www.portalistoe.com.br/mundo/saude/maismedicoseapolemicadomaismedicos>. Acesso 10.mar.2014.
1029
RICHTER, André. Maioria do TSE nega registro para a Rede
Sustentabilidade. Disponível em <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-10-03/maioria-do-tse-nega-registro-ao-partido-rede-sustentabilidade>. Acesso em 18.fev.2014.
SIAS, Rodrigo. O Programa Mais Médicos e a Mais Valia Cubana.
Portal Brasil Econômico. Disponível em <http://brasileconomico.
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TORQUATO, Gaudêncio. Tratado da Comunicação Organizacional e
Política. Thomson: São Paulo, 2002.
TSE. Tribunal Superior Eleitoral. Eleitores previstos para 2014.
Disponível em <www.tse.gov.br/estatisticas/eleicoes/previsao2014>.
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ULTIMOSEGUNDO. Mais médicos termina o ano com mais de 6 mil
profissionais. Disponível em <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-12-28/mais-medicos-termina-o-ano-com-mais-de-6-mil-profissionais.html>. Acesso em 02.fev.2014.
1030
ESPAÇO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - EIC
COORDENAÇÃO: PROFA. DRA. CELSI BRÖNSTRUP SILVESTRIN (UFPR)
|1|
A COMUNICAÇÃO COM A COMUNIDADE COMO ESTRATÉGIA
DE RESPONSABILIDADE SOCIAL: A EXPERIÊNCIA DA USINA
HIDRELÉTRICA BARRA GRANDE
Luisa Arvani Marques1,
Rafaela Defreyn Fernandes2
e Cristiane Maria Riffel3
RESUMO
O relacionamento com as comunidades é fundamental para as empresas. Por meio da comunicação com esse público é possível evitar crises e construir boa imagem. O objetivo geral do estudo foi analisar como a Usina Hidrelétrica
Barra Grande utilizou a comunicação como uma estratégia
com as comunidades do entorno. Os objetivos específicos
foram verificar a contribuição da comunicação nas estratégias de relacionamento com a comunidade; entender como
a empresa utiliza a comunicação com a comunidade como
política de responsabilidade social. Os dados sobre o tema
foram levantados por meio de pesquisa bibliográfica, e os
da empresa por pesquisa documental e entrevista. A partir
da pesquisa constatou-se que a organização utilizou estratégias de informação e diálogo com a comunidade na fase
Estudante de Graduação do 6º período do Curso de Comunicação Social –
Relações Públicas da Univali, e-mail: lu_marques93@hotmail.com
1
Estudante de Graduação do 6º período do Curso de Comunicação Social –
Relações Públicas da Univali, e-mail: rafa.defreyn@hotmail.com
2
Mestre em Extensão Rural (UFSM-RS), Bacharel em Comunicação Social –
Hab. em Relações Públicas (UFSM-RS). Atua como docente nos cursos de Relações Públicas e Pós Graduação em Comunicação Empresarial da Univali, e-mail: crisriffel@univali.br
3
de implantação. Para manter o relacionamento, permaneceu com algumas estratégias e acrescentou outras após o
início da operação.
Palavras-chave: Comunicação; comunidade; relacionamento; Relações Públicas; usinas hidrelétricas.
1 INTRODUÇÃO
A implantação e atuação de organizações em comunidades modifica a rotina do ambiente em aspectos econômicos, sociais e ambientais.
É necessário que haja diálogo e interação entre a empresa e os moradores. Dessa forma é possível minimizar conflitos, criar relacionamentos e
fortalecer a imagem institucional.
A relação entre organizações e a comunidade é uma preocupação da atividade de Relações Públicas. Por sua vez, a comunicação
com esse público deve ser vista pela empresa como uma estratégia de
Responsabilidade Social. De acordo com o Instituto Ethos (2001) é necessário que as empresas se vejam como agentes transformadoras das
sociedades em que estão inseridas. Não se baseando apenas em ações
pontuais, mas sim em estratégias contínuas objetivando a troca de informações e diálogo.
A construção de usinas hidrelétricas gera impactos e muitas vezes
implica no deslocamento da população. O processo de reassentamento
pode ser tenso e as vezes conflituoso. Para evitar embates e seguir a legislação imposta pelo Plano Básico Ambiental (PBA), as usinas hidrelétricas utilizam estratégias de comunicação com a comunidade.
Em razão do crescimento do setor elétrico brasileiro, se definiu
o tema da comunicação com a comunidade no âmbito das usinas hidrelétricas. A Usina Hidrelétrica Barra Grande é uma das maiores usinas em operação em Santa Catarina. Os impactos sociais, econômicos
e ambientais que gera na localidade em que está instalada despertaram
o interesse das acadêmicas. Neste sentido, a pergunta de pesquisa que
orientou o estudo foi: a Baesa Energética Barra Grande S.A utilizou a
1033
comunicação como uma estratégia no seu processo de relacionamento
com as comunidades do entorno da Usina Hidrelétrica Barra Grande?
O estudo teve como objetivo geral analisar de que forma a Baesa
utilizou a comunicação com uma estratégia de relacionamento com as
comunidades do entorno da usina. Buscou verificar por meio de pesquisa bibliográfica a importância da comunicação nas estratégias de
relacionamento com a comunidade. Procurou também mapear as estratégias de comunicação utilizadas pela Baesa na sua relação com a
comunidade nas fases de implantação e operação da usina. Além de entender de que forma a empresa utiliza a comunicação com a comunidade como uma política de responsabilidade social.
Caracterizou-se como pesquisa aplicada, de caráter exploratório e abordagem qualitativa. O método de coleta de dados para reunir
informações sobre o tema foi a pesquisa bibliográfica. Para coletar informações sobre a Baesa foi feita pesquisa documental com relatórios,
flyers, o site e outros documentos disponibilizados pela empresa. Além
disso, foram feitas duas entrevistas pessoalmente com o Coordenador
de Comunicação Social da Baesa, Sr. Rafael Masseli e a Coordenadora de
Projetos Sociais da Baesa, Sra. Aline Serafini.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A preocupação com o estudo das Relações Públicas com a comunidade4 no Brasil se fortaleceu a partir da década de 80. Até então, as relações das empresas com as comunidades não eram consolidadas, se resumiam a reivindicações frente aos problemas ambientais decorrentes
dos processos industriais. A competitividade do mercado e a preocupação com a reputação elevou a necessidade de se ter bons relacionamentos na comunidade em que a empresa está instalada (Peruzzo, 1999).
Com os impactos gerados pelas organizações, se intensifica nos
anos 80 uma preocupação com assuntos referentes aos indicadores éticos das empresas e à responsabilidade social empresarial. Na visão de
Para Peruzzo (2002) “o termo “comunidade” pode ser usado como sinônimo
de sociedade, organização social, grupos sociais ou sistema social. Para designar segmentos sociais, grupos de interesse afins e caracterizar agrupamentos
sociais situados em espaços geográficos”.
4
1034
Nogueira e Schoemmer (2009, p. 16), a prática de responsabilidade social remete ao comportamento ético da organização com seus públicos
de interesse, em uma perspectiva de longo prazo, em processo contínuo.
No processo de relacionamento com a comunidade, a comunicação
é fundamental. De acordo com Brito (2009, p.1), “a comunicação entre empresa e comunidade pode ser um instrumento instituinte de cidadania e
de fortalecimento da responsabilidade social de uma organização econômica”. Para estabelecer uma comunicação eficaz é necessário o uso de conhecimento científico. Segundo França (2004, p. 3-9) as Relações Públicas
“atuam como técnica (...) para perceber as realidades da sociedade/organização, criando canais adequados para viabilizar trocas”.
Para a atividade das Relações Públicas, de acordo com Peruzzo
(1999, p.4) “a comunidade é considerada um dos públicos das organizações, ao lado de vários outros tais como empregados, imprensa, fornecedores, consumidores e etc”. A importância do bom relacionamento
com a comunidade é destacada de forma a colocá-la junto dos consumidores. Por isto, a concepção de comunicação com a comunidade está
ligada à definição de uma política de responsabilidade social. Segundo o
Instituto Ethos5 (Ethos, 2013, p. 78)
Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se
define pela relação ética e transparente da empresa com todos
os públicos com os quais se relaciona e pelo estabelecimento
de metas empresarias compatíveis com o desenvolvimento
sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais
e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e
promovendo a redução das desigualdades sociais.
Essas preocupações com a ética, transparência e sustentabilidade não ocorrem apenas por uma visão de que é necessário amparo aos
públicos e ao meio ambiente. Estão diretamente ligadas aos objetivos e
estratégias de marketing da empresa (Peruzzo, 1999). Elas auxiliam na
O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social é uma Oscip cuja
missão é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de
forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma
sociedade justa e sustentável.
5
1035
construção da imagem e reputação da mesma perante seus públicos de
interesse, além de minimizar os conflitos e evitar crises.
Tradicionalmente, as estratégias de relacionamento com a comunidade têm sido em apoio às causas comunitárias, considerando problemas eminentes e relevantes para o funcionamento das empresas. De
acordo com Lima (2002, p.116) existem duas formas para uma organização apoiar a comunidade. De forma assistencialista ou paternalista,
com a doação independente sem necessidade de periodicidade; ou de
forma cidadã ou pró-ativa, quando a empresa se envolve com a comunidade e busca atender seus objetivos. Neste caso, a empresa atua como
agente social na transformação da comunidade em que está inserida.
A forma cidadã e pró-ativa é considerada a mais efetiva e deve ser
buscada pelas empresas. Ela irá possibilitar o estreitamento da relação
entre as organizações e a comunidade em que está inserida. De acordo
com Rossetti (2007, p.251)
Somente aquelas que têm o relacionamento com a comunidade como um de seus valores e como parte de sua cultura
é que efetivamente conseguem um diálogo enriquecedor e
permanente com a sociedade. A atuação social deve ser elevada definitivamente ao status de componente estratégico
das empresas, como uma filosofia administrativa aplicada e
praticada por todos os níveis que as constituem.
Para firmar um relacionamento contínuo com a comunidade, a
empresa deve fazer uma análise de território e mapear de que forma
sua atuação irá impactar a região. Com a pesquisa, um diagnóstico será
obtido e virá a possibilidade de avaliar os danos e estrategicamente,
desenvolver ferramentas para solucioná-los. Deve-se levar em
consideração que mesmo dentro do público “comunidade”, as vezes é
necessário fazer segmentações.
2.1 A COMUNICAÇÃO COM A COMUNIDADE
De acordo com Peruzzo (1999, p.9) existem três diferentes grupos
de público no nível comunitário, são eles “aqueles constituídos pelos setores organizados da população, universo formado pelos indivíduos dispersos e outras instituições sediadas na região”. Dessa forma é possível
1036
perceber características específicas de cada segmento, que agem de acordo com sua situação habitacional, vínculos, instalação em determinada
região por motivos adversos ou organização da comunidade entre si.
Em casos de obras ou reformas, de acordo com Almeida e Paula
(2006, p. 266) os públicos que necessitam de atenção são “a comunidade envolvida diretamente; lideranças comunitárias formais, informais
e não-governamentais; entidades ambientalistas; setores governamentais; imprensa; dirigentes e equipes técnicas e operacionais da empresa
responsável pelo projeto”. Isso difere a maneira de relacionamento com
esses determinados públicos e requerem um tratamento específico.
Classificado por França (2008, p. 64) como “tipo de relacionamento social”, a comunidade necessita de uma estratégia comunicacional
eficiente. Ainda de acordo com França (2008, p. 66) o “apoio das forças
da comunidade, convivência harmônica, colaboração, confiança e satisfação”, é possível por meio da comunicação.
Para se manter um bom relacionamento entre empresa e a comunidade é fundamental o diálogo entre ambos. A partir desse contexto,
ruídos são gerados e complicações funcionam como barreiras para o relacionamento entre esses públicos. Em razão desse julgamento, é estritamente necessário a implantação de comunicação estratégica que vise
minimizar embates com a população (Locatelli, 2012).
Na construção da relacionamento com a comunidade, a empresa
pode utilizar meios de comunicação massivos e dirigidos. De acordo com
Cesca (2006, p. 38) os veículos de comunicação de massa – rádio, tv, jornal
- “são aqueles capazes de levar a um grande número de pessoas, rapidamente, uma mensagem, atingindo diferentes públicos de forma indistinta
e simultânea”. Ainda de acordo com Cesca (2006, p. 38), os veículos dirigidos - orais, escritos, aproximativos e auxiliares - contribuem para “conduzir informações e estabelecer comunicação limitada, orientada e frequente com um número selecionado de pessoas homogêneas e conhecidas”.
Neste sentido, Almeida e Paula (2006) indicam que as estratégias de
comunicação que podem auxiliar nesse processo são: placas de sinalização; estande de informações; circulares com informações ágeis; cartazes
informativos; palestras; visitas e encontros com lideranças; folheto; vídeo
e pasta informativa; catálogos e fichas para informações complementares; cartilhas e/quadrinhos para serem utilizadas em atividades didáticas
1037
com crianças; apoio a iniciativas da comunidade e campanha institucional. Esses meios são eficientes como facilitadores para divulgação de
informações e fortalecimento do relacionamento com a comunidade, de
forma a firmar laços de confiança e credibilidade para ambos.
Desta forma o relacionamento se efetivará por meio de comunicação eficiente e também por investimentos em projetos sociais6. Pode-se
relatar que a organização desses processos estratégicos envolve a essência da atividade das Relações Públicas. Facilitar o relacionamento entre
públicos, minimizar ruídos e fortalecer a reputação da empresa são atribuições da atividade. Esse trabalho é essencial para que a empresa atinja seus objetivos e mantenha a imagem positiva na comunidade (Grunig;
Ferrari;França, 2009).
2.2 A EXPANSÃO DAS USINAS HIDRELÉTRICAS
A construção de meios geradores de energia elétrica veio com a
necessidade das sociedades em ter energia. Várias fontes para a geração foram adotadas ao longo dos anos: a força dos ventos, radiação solar, queima de materiais, energia nuclear e proveniente da força d’água.
O Brasil começou a produzir energia a partir da lenha e do carvão.
Em 1883, passou a explorar seus rios devido à riqueza natural do país
(Locatelli, 2011).
No início do século XX, a construção de usinas hidrelétricas teve
um forte impulso. Isto porque, segundo Castro (2004) “em 2001, o setor
enfrentou uma crise de oferta que impôs, a todo o país, racionamento
com corte compulsório de 20% na demanda de eletricidade”. A partir de
então foi observada a necessidade da construção de novas usinas geradoras e um salto na produção de energia (Locatelli, 2011).
A preocupação com o relacionamento com a comunidade é um dos fatores
que integra os Indicadores Ethos (2013). Algumas questões levantadas são: a
elaboração de comitês com a participação de líderes locais, reconhecer a comunidade como parte importante em seus processos decisórios, participar da
discussão de problemas comunitários, contribuir com melhorias na infraestrutura que possam ser usufruídas pela comunidade, possuir indicadores para monitorar os impactos causados por suas atividades na comunidade.
6
1038
Hoje, de acordo a Aneel (2014), existem 1.140 empreendimentos
de fonte hidrelétrica em funcionamento no Brasil, o que corresponde a
87.968.987 KW. São ainda mais 43 em construção com potência de geração de 14.466.003 KW e 193 outorgados. Desta forma, de toda a capacidade de energia elétrica no Brasil, 67,02% são provenientes de hidrelétricas.
Em Santa Catarina, ainda conforme a Aneel (2014), existem atualmente 189 usinas hidrelétricas de diferentes portes em funcionamento
o que corresponde a 82,54% da energia gerada. Além de sete em construção com potência total de geração de 173.045 KW, e mais 31 outorgadas
com potência total de 506.042 KW.
A construção de usinas de qualquer porte e fonte implica em
grande impacto ambiental e social. Isto porque a implantação requer
um desvio do rio ou construção de grandes reservatórios. Por necessitarem de um alagamento de grandes áreas para a estocagem de água, a
construção de Usinas Hidrelétricas de Energia implica geralmente na
remoção de comunidades e alterações na fauna e flora (CERPCH, 2011).
Uma das legislações que devem ser seguidas pelas empresas concessionárias para a construção de usinas hidrelétricas é o Plano Básico
Ambiental. Ele determina como obrigação a criação e execução de estratégias de comunicação com as comunidades atingidas pela construção
de usinas. As empresas que não cumprem o plano podem ter suas obras
paralisadas ou inviabilizadas (Locatelli, 2011).
2.3 A BAESA
A Baesa Energética Barra Grande S.A é um consórcio formado pelas empresas Alcoa, CPFL Geração, Companhia Brasileira de Alumínio
(Votorantim), InterCement (Camargo Corrêa Cimentos) e pela DME
Energética. Esse consórcio foi autorizado a construir e operar a Usina
Hidrelétrica de Barra Grande (Masseli, 2014).
A usina de Barra Grande é localizada no rio Pelotas entre os municípios de Anita Garibaldi em Santa Catarina, e Pinhal da Serra no Rio
Grande do Sul. As obras de construção da usina iniciaram em junho de
2001 e a operação em novembro de 2005. A construção envolveu o trabalho de 3.000 empregados diretos e 2.000 indiretos.
Segundo informações do site, a usina possui um reservatório com
área total de 94 km² que ocupa parcialmente os municípios de Anita
1039
Garibaldi, Cerro Negro, Campo Belo do Sul, Capão Alto e Lages em
Santa Catarina e Pinhal da Serra, Esmeralda, Vacaria e Bom Jesus no
Rio Grande do Sul. De forma geral, essas comunidades de acordo com
Masseli (2014) são formadas por famílias de agricultores. A produção
agrícola é baseada na produção de leite, na fruticultura, no artesanato,
na apicultura e na criação de galinhas caipiras.
A potência instalada da Usina Hidrelétrica Barra Grande é de 690
MW, o que de acordo com dados da Baesa (2014), é suficiente “para atender ao equivalente a 30% da demanda catarinense ou a 20% do total de
energia consumida no Rio Grande do Sul”. Isso mostra a importância da
instalação da usina para os dois estados.
3 METODOLOGIA
A metodologia da pesquisa tem como fim classificá-la quanto à
sua natureza, abordagem, objetivos e procedimento de coleta de dados.
A referida pesquisa se enquadra no âmbito de pesquisa aplicada.
Quanto ao seu objetivo, o estudo em questão baseia-se na pesquisa exploratória, que segundo Dias (2000), tem como fim “estimular o
próprio pensamento científico, por meio da concepção mais aprofundada de um problema e da geração de novas ideias ou hipóteses”. Quanto
a abordagem a pesquisa é qualitativa que, segundo Luz (2001, p. 104)
“envolve uma abordagem interpretativa, naturalista de seu objeto, (...)
tentando dar-lhes sentido ou interpretá-los em termos dos significados
que as pessoas atribuem a eles”. Buscou-se compreender a realidade
da comunicação da Baesa com os atingidos pelas barragens durante a
construção da hidrelétrica até os dias atuais.
Quanto aos métodos de coleta de dados foram utilizadas a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e entrevistas estruturadas.
Para adquirir informações sobre o tema foi feita uma pesquisa bibliográfica. Para reunir dados da empresa realizou-se uma pesquisa documental, foram utilizadoscomo fonte: documentos, relatórios, o site, flyers e
outros materiais disponibilizados pela mesma.
Com o intuito de conhecer os trabalhos da empresa realizados
com a comunidade, utilizou-se a técnica de entrevista estruturada,
com perguntas referentes às estratégias de comunicação da empresa nos períodos de implantação e operação e como ocorrem as ações
1040
de Responsabilidade Social. A entrevista estruturada, para Lakatos;
Marconi (1991, p.196) “trata-se de uma conversação efetuada face a
face”. Ela foi realizada pessoalmente com o Sr. Rafael Masseli, jornalista
e Coordenador de Comunicação Social da Baesa no dia 30 de setembro
de 2014, na Sede Administrativa da Baesa, em Florianópolis e teve a duração de 3 horas. Uma segunda entrevista foi realizada com a Sra. Aline
Serafini, turismóloga e Coordenadora de Projetos Sociais da Baesa, realizada no mesmo local no dia 14 de outubro de 2014 e teve a duração de
50 minutos.
4.1 ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO COM A COMUNIDADE
Uma política de relacionamento com a comunidade7 é fundamental no processo de instalação de uma usina hidrelétrica, além de ser uma
obrigação de acordo com o Plano Básico Ambiental. Isto porque muitos
são os impactos gerados, em especial a realocação das pessoas, pois é
necessária a evacuação dos locais onde o lago será formado.
Neste processo, a empresa construtora tem como dever legal dar
respaldo para essas pessoas, as reassentando. São oferecidas duas possibilidades: a carta de crédito e o reassentamento rural. Na carta de crédito, a empresa avalia o terreno e a casa do morador e oferece um valor de
mercado. No reassentamento rural é construída uma nova comunidade,
uma espécie de vila em um novo local. No caso da Baesa foram construídos sete reassentamentos rurais, que incluíam igrejas, ginásios, casas,
lavouras e demais estruturas necessárias para os moradores remanejados (Masseli, 2014).
A fase dos reassentamentos foi um processo delicado, que gerou
tensões e conflitos entre a empresa e a comunidade. De acordo com
Masseli (2014), os moradores da área que seria ocupada pelo lago, moravam lá há anos e as casas e terrenos passaram de geração para geração.
De acordo com o site, a Baesa entende que a comunidade são os 9 municípios
do entorno da usina: Anita Garibaldi, Cerro Negro, Campo Belo do Sul, Capão
Alto e Lages, no estado de Santa Catarina, e Pinhal da Serra, Esmeralda, Vacaria
e Bom Jesus, no estado do Rio Grande do Sul. Não apenas as famílias reassentadas, mas a população das cidades como um todo. É considerado um stakeholder
estratégico para a empresa.
7
1041
Eram terras que tinham um grande valor sentimental. Alguns não receberam bem a notícia de que teriam que se mudar. A insegurança e incerteza por parte dos moradores colocou o trabalho da empresa em xeque.
Para garantir os direitos dos que são deslocadas para a construção de usinas, existe uma organização denominada Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB). O MAB (2014) é um “movimento popular, reivindicatório e político (...) em defesa dos direitos dos atingidos e
atingidas (...)”. De acordo com Masseli (2014), por ser formado por pessoas da comunidade e líderes de opinião regional, o MAB possui uma
força de comunicação maior que a empresa. Por ser um público que age
diretamente na relação comunidade versus empresa, foi fundamental
manter diálogo com o MAB para negociar e evitar crises.
4.1.1 Fase da implantação
Para comunicar a comunidade do entorno da usina acerca dos
procedimentos necessários para sua implantação, as consequências da
obra e os benefícios que ela iria trazer para a região, foram utilizadas
estratégias de comunicação. Com o objetivo informar e aproximar a
empresa dos atingidos. Para ter acesso à comunidade, uma equipe de
profissionais foi estabelecida, com engenheiros, biólogos e assistentes
sociais, liderada pelo Coordenador de Comunicação, Rafael Masseli.
O veículo de comunicação massivo utilizado pela Baesa para se
comunicar com a comunidade na fase da implantação foi:
• Programetes em rádios locais: Foi elaborado, junto a dez
emissoras de rádio da região da usina, um boletim de duas
inserções diárias com informações sobre a obra escritas pela
empresa. Masseli (2014) destaca que uma pesquisa feita pela
empresado revelou que os programetes foram a estratégia mais
eficaz para o relacionamento com a comunidade.
Os veículos de comunicação dirigidos utilizados pela empresa
foram:
• Placas indicativas: No perímetro da obra haviam placas indicativas, que informavam os horários de explosões, locais que
seriam inundados e outras informações pertinentes.
• Centrais de Atendimento Permanente (CAP): Foram im1042
plantadas no período das obras duas centrais de atendimento
ao público. Uma em Pinhal da Serra - RS e outra em Anita Garibaldi - SC. O departamento de comunicação recrutou duas
moradoras de cada município que tinham conhecimento das
regições como responsáveis de cada central. As funcionárias auxiliavam na apresentação da empresa, exibindo a maquete da
usina, fotos e flyers, antes das visitas.
• Programa de visita às instalações: Possibilitava que a comunidade visitasse a usina durante as obras. O público conhecia
as instalações, sistema de segurança e equipamentos. Segundo
Masseli (2014), eram realizadas cerca de 20 visitas por mês, o
que foi essencial para estreitar o relacionamento com a comunidade.
• Cartazes de banners informativos: Eram produzidos cartazes para os CAPs e banners para os eventos que a empresa participava.
• Folders: Foram elaborados folders com informações diversas
sobre a usina e ilustravam os processos da obra. Eram entregues
nas visitas e reuniões.
• Visitas e encontros com lideranças: Eram levados materiais
como imagens e vídeos sobre o funcionamento da estrutura da
obra. As reuniões aconteciam em galpões ou salões paroquiais,
para um grande número de pessoas. Masseli (2014) relata que
era necessário fazer mais de uma visita em cada comunidade,
para sanar dúvidas e firmar o relacionamento.
• Assessoria de imprensa: Eram produzidos e enviados releases aos jornais de maior abrangência da região. A maioria dos
acontecimentos eram relatados à imprensa, com intuito de
gerar credibilidade para a empresa, torná-la conhecida e bem
vista.
• Eventos: Na época de festas nos municípios, a empresa montava um estande com vídeo e folders para distribuição.
• Caixa de sugestões: Foi implantada uma caixa de sugestões
para a comunidade. Porém, segundo Masseli (2014), apenas pequena parcela da comunidade participava.
1043
Pôde-se observar que no período da implantação, a Baesa usou
também como estratégia de aproximação com a comunidade a compensação dos impactos e investimento em obras para as cidades. Agindo
como transformador no local, concordando com o Instituto Ethos
(2001). Foram construídos postos de saúde e policiais, feitas reformas de
ambulâncias, adquiridos computadores e veículos para a Polícia Civil,
ampliadas de creches, entre outros.
Analisando as estratégias na fase da implantação é notável o envolvimento da empresa com a comunidade nesse período. A Baesa se
preocupou em cumprir o papel social e a obrigação legal com os atingidos de diferentes maneiras, utilizando ações que alcançassem o maior
número de envolvidos, relacionando à ideia de Brito (2009), como a
empresa instituindo práticas cidadãs. Porém, deve ser ponderado que a
situação é extremamente delicada para a empresa e a comunidade afetada, ocasionando tensão entre ambas.
4.2 FASE DA OPERAÇÃO
A Usina Barra Grande entrou em operação no dia 1 de novembro
de 2005. De acordo com Masseli (2014) há uma crença em regiões de
construção de usinas, de que quando o lago começa a se formar,
a empresa deixa de investir na comunidade. Segundo ele, a Baesa
continuou com os investimentos em comunicação e projetos sociais
como posicionamento.
Os veículos de comunicação massivos utilizados pela Baesa na
fase de operação são:
• Programetes em rádios locais: A empresa continuou com os
programetes de rádio até o ano de 2011. Após pesquisa de opinião realizada na comunidade, foram suspensos.
• Site: Produzido em 2008 o site possui o maior número possível
de informações sobre a empresa. De acordo com Serafini (2014),
tudo o que a empresa produz é disponibilizado no site. É visto
como uma estratégia para os acionistas e visitantes já que a comunidade do entorno tem acesso limitado à internet.
Os veículos de comunicação dirigida utilizados pela empresa na
fase de operação são:
1044
• Placas indicativas: As placas de sinalização ainda são utilizadas pela empresa. Guiam os visitantes da usina e passam informações de segurança.
• Centrais de Atendimento Permanente (CAP): Ainda estão
em funcionamento, prestando atendimento para a comunidade
e os visitantes.
• Programa de visita às instalações: A empresa continua com
seu programa de visitas às instalações da usina. Recebe cerca de
quatro grupos por mês - geralmente compostos por acadêmicos
e professores. Os agendamentos das visitas são feitos por e-mail.
• Informativo: A empresa produz um informativo mensal desde 2006. A publicação possui quatro páginas e é postada no site
da empresa e entregue aos moradores do entorno. Contém informações sobre eventos e ações sociais apoiados pela empresa,
visitas realizadas à usina, prêmios, cursos oferecidos e outras
informações relevantes.
• Cartazes e banners informativos: A empresa deu continuidade aos cartazes em eventos como forma de registrar presença
e aos banners nos CAPs.
• Folders: São produzidos folders explicando as instalações da
usina e outro com as ações sociais desenvolvidas. O primeiro
mostra a estrutura da usina, o segundo aborda temas como a
sustentabilidade, a memória do local e o desenvolvimento regional.
• Vídeo: A empresa possui um vídeo institucional que já foi atualizado três vezes e um vídeo briefing que é passado para os visitantes da usina.
• Cartilhas e quadrinhos: Foi produzida uma história em quadrinhos para ser usada em atividades didáticas com as crianças.
Possui informações e orientações básicas sobre o Plano de Conservação Ambiental e de Usos do Reservatório da Usina Hidrelétrica de Barra Grande.
• Palestras: São organizadas palestras, especialmente de capacitação das entidades na elaboração de projetos de Responsabilidade Social a serem enviados para a empresa.
1045
• Visitas e encontros com lideranças: As visitas às comunidades permaneceram. São marcadas com as comunidades para
discutir assuntos relacionados à atuação da empresa.
• Assessoria de imprensa: Continua sendo uma estratégia utilizada pela empresa.
• Apoio a iniciativas da comunidade: Além dos projetos enviados pela comunidade para os programas de Responsabilidade Social, a empresa apoia financeiramente eventos de datas
comemorativas nas cidades.
• Relatórios: São produzidos e disponibilizados no site os Relatórios de Sustentabilidade ( feito no modelo GRI) e Relatórios de
Administração. Segundo Serafini (2014), para a empresa produzir o Relatório de Sustentabilidade é feita uma consulta pública
para as pessoas dizerem o que acham interessante constar no
relatório. De acordo com Masseli (2014), a empresa foi a primeira do setor elétrico a produzir os Relatórios de Sustentabilidade.
• Eventos: A empresa apoia financeiramente eventos como os
aniversários dos municípios, festa do Divino Espírito Santo, Festa do Pinhão e outras.
• Publicações: São produzidas publicações como o edital do
Programa de Conservação da APP, informativo do Programa
Economize o Planeta,Catálogo de Produtos Artesanais da região, cartilha de Capacitação para Projetos Sociais 2014, Código de Ética e Conduta Empresarial, o Plano de Conservação
Ambiental e Usos da Água e do Entorno do reservatório; o Case
Barra Grande que registra a relação dos moradores do entorno
com a hidrelétrica; cartilha do Programa de Responsabilidade
Socioambiental.
• Projetos sociais: A empresa possui seis linhas de atuação com
os projetos sociais - geração de renda, crianças e jovens, cultura
(através da Lei de Incentivo à Cultura – Lei Rouanet), esporte,
meio ambiente e terceira idade. De acordo com Serafini (2014),
os projetos sociais chegam até a empresa como sugestão da
comunidade do entorno e também de outros estados do país e
passam por um processo de avaliação. Os que beneficiem a comunidade do entorno da usina possuem prioridade. De acordo
com Serafini (2014), a continuidade dos projetos é determinada
1046
pela demanda, sendo que alguns existem desde 2009 e outros
são pontuais.
O que se pode verificar é que as estratégias de comunicação
com a comunidade, de acordo com Masseli (2014), fizeram a Baesa se
tornar uma referência no setor elétrico brasileiro. Segundo Serefini
(2014), a empresa optou por fornecer as informações aos seus públicos de maneira acessível e transparente. Enfatiza que sem a comunicação com a comunidade não seria possível desenvolver os projetos de
Responsabilidade Social. A comunicação é realmente uma preocupação e estratégia da empresa.
A Baesa possui muitos veículos de comunicação dirigida com a
comunidade acerca da usina. Entretanto, em sua maioria, são estratégias informativas, e não de diálogo. Apesar de não ser uma obrigação
legal a continuidade com os programas de comunicação, a prestação
de contas é uma obrigação moral para com os que estão ao redor. É o
papel social básico das empresas que geram grandes impactos, como
as usinas hidrelétricas. A continuidade das ações mostra que a comunicação com a comunidade é um valor da empresa. E que de acordo com
Rossetti, é uma estratégia utilizada para conquistar um diálogo enriquecedor e permanente com a sociedade impactada.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o estudo foi possível concluir que as empresas geradoras
de impactos nas comunidades em que estão inseridas devem estruturar ações de relacionamento com esse público. A comunicação deve ser
planejada de forma que a comunidade seja vista como um público estratégico para as organizações. É necessário construir e manter um bom
relacionamento, gerar imagem positiva e evitar crises com esse stakeholder. Além disso, informar e manter diálogo com a população é um papel
social e, às vezes, legal das empresas.
Com análise da experiência da Baesa, foi possível observar o investimento realizado na comunidade como estratégia de responsabilidade social. Foram realizadas obras e aquisições de equipamentos para
a cidade, mas houve também preocupação com a comunicação. Além
de cumprir seu papel legal, de acordo com o Plano Básico Ambiental, de
informar os reassentados e a comunidade do entorno na fase da implan1047
tação, a empresa continuou com alguns de seus projetos e criou novos
após o início das operações da usina.
A usina utilizou algumas das estratégias recomendadas por
Almeida e Paula (2006). Na fase da implantação, foram utilizadas estratégias de comunicação para informar e dialogar com os moradores. De
acordo com o pensamento de Cesca (2006), a empresa utilizou muitos
veículos de comunicação dirigida para se relacionar com a comunidade. Mesmo utilizando alguns veículos de massa, enfocou a comunicação
direta. Tal fato ressalta a importância dada pela Baesa para o relacionamento direcionado com este público.
Foi possível fazer um parâmetro entre as atitudes da empresa e os
Indicadores Ethos de Responsabilidade. A Baesa organizou comitês na
fase de implantação, fez melhorias na infraestrutura, utiliza os incentivos fiscais para apoiar projetos, e convida a comunidade a participar de
alguns processos, como o Relatório de Sustentabilidade.
Um aspecto que chamou a atenção durante a pesquisa foi a estrutura de comunicação da Baesa. Formada por apenas um profissional
que coordena o setor e produz diversos materiais, acaba por concentrar
muitas atribuições. Pelo porte da empresa, um departamento tão enxuto é um fator a ser considerado.
A execução do estudo não obteve limitações, pois a empresa se
mostrou disposta a colaborar com informações sobre sua experiência.
Para futuros estudos, sugere-se uma pesquisa sobre o ponto de vista da
comunidade atingida em relação à empresa nos dias atuais.
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1051
|2|
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E BARRAGENS: A
COMUNICAÇÃO DO CONCESSIONÁRIO NA IMPLANTAÇÃO
NA USINA HIDRELÉTRICA DE MACHADINHO (BRASIL)
João Paulo Fernandes Silva
RESUMO
Apresenta resultados de pesquisa monográfica e de
projeto de iniciação científica sobre o papel da comunicação organizacional da empresa Machadinho Energética S.A.
(Maesa) no processo de implantação da Usina Hidrelétrica
de Machadinho, localizada no rio Pelotas, entre os municípios de Piratuba (SC) e Maximiliano de Almeida (RS),
Brasil. Foram analisados quatro dos principais produtos
de comunicação organizacional elaborados pela Maesa
durante o período de construção, entre 1998 e 2002 – o
programa de rádio, as reunião com as comunidades atingidas e os releases – com o objetivo de identificar a matriz
cognitiva e as condições de visibilidade, discutibilidade e
accountability presentes na comunicação do concessionário. O estudo insere-se no projeto de pesquisa “Jornalismo,
Comunicação Organizacional e Barragens”, do Programa de
Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC.
Palavras-chave: Comunicação Organizacional; Barragens;
Maesa; Usina Hidrelétrica de Machadinho.
INTRODUÇÃO
É fato notório de que a idealização da corrida pelo desenvolvimento econômico permeia de forma hegemônica os discursos em torno
das políticas do setor energético brasileiro. Inegavelmente, a energia é
insumo determinante na conquista dos avanços econômicos e sociais.
Todavia, na linha apontada por Locatelli (2011), é a partir do momento em que o sonho do desenvolvimento toma forma no mundo da vida
que se tem a aporia: de um lado, o ideal de prosperidade generalizada e
de progresso de construção coletiva e, de outro, as severas cicatrizes de
cunho social e ambiental decorrentes da construção de grandes obras
de engenharia como as usinas hidrelétricas.
Marcadamente, a implantação de grandes hidrelétricas implica
em intensos conflitos, consequência de reassentamentos compulsórios
de milhares de famílias em nome do denominado interesse nacional,
frequentemente divergente do interesse local. Apesar disso, a tendência
é de que a contestação da implantação deste tipo de empreendimento seja rotulada como retrocesso. “A discussão sobre barragens ganhou
certo feitio de coisa velha, tanto no campo científico quanto em outros
espaços, especialmente diante dos argumentos de que questioná-las
significa questionar o próprio desenvolvimento (que seria inquestionável)” (LOCATELLI, 2011, p.21). Todavia, o tema conquistou, recentemente, maior relevância e visibilidade, em especial a partir da controvérsia
em torno da construção da Usina de Belo Monte, na bacia amazônica. O
fato desta usina vir a se tornar, quando inaugurada, a terceira maior do
mundo, centralizou a maior parte da visibilidade midiática da polêmica
em torno da implantação de hidrelétricas.
Contudo, pouco se debate sobre os outros 161 projetos de geração
de energia em construção no Brasil, e tampouco dos 432 que serão iniciados até 2015. Estudo da Empresa Nacional de Empresa de Pesquisa
Energética (EPE) e avalizado pelo Conselho Nacional de Política
Energética (CNPE) aponta que, para a economia brasileira crescer numa
média de 3,7% até 2020 e 4,1% até 2030, deverá ser ampliado em 50%
(53.700 MW) o parque gerador existente em 2009. Nessa estimativa, seria necessária a remoção de 100 mil famílias atingidas (EPE, 2007).
1053
Neste tabuleiro de interesses, a comunicação estabelecida entre
as empresas executoras dos projetos e seus públicos configura como
determinante no transcorrer da implantação de barragens. O caráter
público das usinas, alienadas às empresas na forma de concessão de
serviços públicos, traz a tona uma série de responsabilidades jurídicas
no âmbito da comunicação a nível supraconstitucional, constitucional,
regulatório e licenciatório (LOCATELLI, 2011, FARIA 2004).
Diante de intensas disputas na esfera pública, acrescida de um
panorama de ambiguidade entre os conceitos de público e privado, a
comunicação organizacional estabelece influência determinante no
transcorrer dos acontecimentos. Por esta razão, e frente à importância
adquirida pela estratégia na dinâmica conflito-consenso que marca a
construção de barragem e seus conflitos sociais decorrentes, são as estratégias comunicativas do órgão concessionário quando da construção
destes investimentos, bem como sua natureza e as modalidades utilizadas, fundamentalmente, o fio condutor da investigação aqui proposta.
Para tanto, será analisado o caso da construção de uma destas barragens, a Usina Hidrelétrica de Machadinho, implantada entre os anos de
1998 e 2002 na divisa entre as cidades de Piratuba, em Santa Catarina, e
Maximiliano de Almeida, no Rio Grande do Sul.
CAMINHOS DA PESQUISA
Optou-se como moldura teórica para construção desta pesquisa
o conceito de esfera pública de Jürgen Habermas, a partir da análise de
Gomes (2008), percorrendo a evolução de sua obra, destacadamente a
partir dos textos Mudança Estrutural da Esfera Pública, Teoria do Agir
Comunicativo e Direito e Democracia, até a gênese do campo da democracia deliberativa.
A comunicação organizacional é pensada na linha de autores que
privilegiam seus aspectos cognitivos, semiológicos, discursivos e sociopolíticos. Considera-se enquanto definição de comunicação um “processo de construção e disputa de sentidos” (BALDISSERA, 2004 p.128),
transpondo-o para o contexto das organizações, buscando assim protagonizar o papel dos sujeitos na ressignificação cotidiana e permanente
dos elementos semióticos correntes. A partir dessa visão subjetiva e discursiva, busca-se trabalhar com autores que reivindicam um papel mais
1054
democrático da comunicação nas organizações (DEETZ, 2010; WEBER,
2001; LOPEZ, 2011).
Partindo-se deste entendimento, traça-se uma diferenciação de
dois papeis distintos adotados pela comunicação organizacional. Um
deles está inclinado a um comportamento de proteção de interesses privados, ordenando o discurso de acordo com uma intencionalidade mais
persuasiva e menos dialógica, o qual nomeia-se “comunicação estratégica”. O segundo prioriza um entendimento da comunicação enquanto
cooperação, na linha do que Maia (2006) denomina “interação transformativa”, buscando ser “responsivo às objeções do outro, de promover
respostas às suas demandas e considerar suas preocupações” (MAIA,
2006, p.161), ao qual referimo-nos como “comunicação pública”.
O conceito e a evolução histórica da ideia de desenvolvimento foram observados a partir da reflexão de Pase (2012) e sua transposição para
o campo ambiental, com os conflitos sociais daí decorrentes, e a partir da
análise de Zhouri e Laschefski (2010). As definições de espaço e território são consideradas a partir da leitura de autores como Milton Santos e
Claude Raffestin realizada por Rocha (2012) e Locatelli (2011), cujo resgate do conceito de “ideologia das barragens” também foi utilizado.
A revisão bibliográfica de estudos atuais sobre comunicação e
barragens mostrou-se restrita, e considerou trabalhos que analisam a
comunicação realizada nestes processos em seu sentido mais amplo e
partindo de todos os atores envolvidos.
A metodologia utilizada é o estudo de caso (Yin, 2001), com análise
crítica de discurso (Fairclough, 2008), que propõe um modelo socioteórico na análise e interpretação de discursos orientados linguisticamente
sob um modelo de análise tridimensional, no qual um evento discursivo
é tratado enquanto texto, prática discursiva e prática social. Neste sentido, utiliza-se um quadro analítico proposto por Locatelli (2011), no qual
busca-se localizar, a partir dos argumentos dos textos, os enquadramentos e a matriz cognitiva subjacentes (MAIA, 2009) e, a partir disso, as
condições de visibilidade, discutibilidade e accountability.
Integra o material empírico da pesquisa uma vasta amostra de
documentos do arquivo da Maesa, referentes ao Programa 9 do Plano
Básico Ambiental (PBA), destinado à comunicação social. Ela é composta de um total de 27 documentos, totalizando mais de 2.000 páginas,
1055
entre relatórios, arquivo de produtos de comunicação, documentos internos, faxes, e-mails, contratos, projetos, planos, propostas comerciais
e outros. Este material foi utilizado para fazer a análise geral do contexto do empreendimento, e específica dos produtos de comunicação
mais relevantes no período de construção da usina, cujos resultados
apresentam-se a seguir.
A USINA HIDRELÉTRICA DE MACHADINHO
A Usina Hidrelétrica de Machadinho é um aproveitamento hidrelétrico do Rio Pelotas e está localizada na divisa entre os municípios de
Piratuba (SC) e Maximiliano de Almeida (RS). Ao custo de R$1,5 bilhão,
a barragem começou a ser construída entre 2 de março de 1998, com
o início do enchimento do reservatório em 28 de agosto de 2001 e início da geração em 16 de fevereiro de 2002. A área de abrangência do
reservatório compreende ao todo dez municípios. Além dos já mencionados Piratuba e Maximiliano de Almeida, foram atingidos os municípios catarinenses de Capinzal, Zortéa, Celso Ramos, Campos Novos e
Anita Garibaldi, e os gaúchos Machadinho, Barracão e Pinhal da Serra
(NÉSPOLI; PIZZATO, 2007).
O potencial total de geração em Machadinho é de 1.140 MW (três
unidades geradoras de 380 MW), equivalentes a 15% da demanda energética de Rio Grande do Sul e Santa Catarina somados. No processo de
implantação, 2.076 famílias de 1.272 propriedades rurais atingidas foram reassentadas, aproximadamente 7.000 trabalhadores atuaram na
sua implantação, sendo 2.600 diretamente no canteiro de obras no pico
das obras, entre agosto e outubro de 2000 (NÉSPOLI; PIZZATO, 2007).
A COMUNICAÇÃO DA MAESA
Ao que indicam o conjunto de documentos a que a pesquisa teve
acesso, a comunicação realizada no período da construção da usina
não obedeceu a um único projeto pré-determinado, tendo sido revisado e remodelado periodicamente, com a geração de vários “Planos de
Comunicação” em diferentes tempos da obra, adequado aos diferentes
diagnósticos realizados ao longo do período.
Em cada plano de comunicação realizado pela Del Mondo, era feito um diagnóstico, uma análise do cenário no qual aquela comunicação
1056
seria inserida. Estes diagnósticos apontam para uma opção da empresa
por uma comunicação mais comedida e menos intensa, voltada a cumprir compromissos assumidos no EIA/Rima e no Programa 09 do PBA,
ante o qual a agência costumava propor condutas mais abertas e pró-ativas no âmbito da comunicação.
Os documentos apontam para uma posição de centralidade, no
conjunto das ações de comunicação da Maesa, do programa de rádio
Usina de Notícias e da assessoria de imprensa com produção de releases
e realização de encontros e visitas com jornalistas locais. Esses produtos
serão analisados a seguir. Além destes, por conta do caráter estratégico,
também integrarão a análise as dinâmicas das reuniões com os atingidos feitas pela empresa.
O PROGRAMA DE RÁDIO USINA DE NOTÍCIAS
O programa de rádio da Maesa era veiculado em espaços comprados pela empresa em inicialmente 10 rádios da região1, às segundas e
quintas-feiras às 7 horas, com edições inéditas apresentadas a cada dia
de veiculação. O primeiro dos 193 programas produzidos foi ao ar no dia
26 de abril de 1999. O documento a que esta pesquisa teve acesso compila a transcrição dos roteiros das 100 primeiras edições do programa,
equivalentes a um ano de veiculação, aproximadamente.
Quanto ao formato, os programas tinham duração média de 5 minutos, iniciando sempre com uma mensagem de saudação aos ouvintes,
seguida da vinheta do programa, abrindo assim com o “assunto do dia”.
A locução era feita pelo engenheiro agrônomo Ainor Lotário, em linguagem coloquial. Eventualmente a locução é dividida entre Ainor e outra
locutora do sexo feminino. É recorrente a utilização de metalinguagem e
apelo emocional nas aberturas para descrever o próprio programa com
aquele feito “com muito carinho”, “para você que trabalha duro e quer
ver a vida melhorar”, “de coração para coração”, “com muita energia” ou
“na alegria de viver”. Em algumas edições também defende-se o caráter
informativo do programa, enquanto aquele que quer “deixar você semA memória técnica da usina fala em 13 emissoras, dando a entender que o
número foi ampliado durante o período de veiculação, mas sem especificar
quais seriam estas rádios (NPE-UFSC, 2007).
1
1057
pre bem informado” ou que está “cheio de informações que interessam
a você”. Concluída a mensagem principal do programa, segue-se a “dica
de energia”, quadro fixo que apresenta orientações voltadas principalmente à economia de energia e prevenções de acidentes com a rede elétrica. Em seguida, o locutor frequentemente convoca os ouvintes para
que mandem cartas com dúvidas para Maesa, repassando o endereço
da sede da ETS em Piratuba. A deixa final característica do programa é
“até o próximo programa se Deus quiser, e ele quer”, reforçando o apelo
emocional e religioso.
O tema mais recorrente é o reassentamento de famílias atingidas. São apresentadas descrições e informações práticas sobre as modalidades, condições e requisitos para reassentamento e informações sobre o estágio do programa de reassentamento de atingidos na voz do(s)
locutor(es) na forma de entrevistas com os técnicos da Measa e da ETS.
Outra linha geral dos programas eram as entrevistas com técnicos
e autoridades da Maesa e ETS para falar sobre a condução da obra e do
PBA, políticos (prefeitos, vice-prefeitos e secretários municipais dos municípios atingidos, secretários de estado, vice-governador, etc.) para falar
sobre o impacto da barragem na região, especialistas e pesquisadores
contratados para execução dos subitens do PBA. A característica universal destas entrevistas é a matriz discursiva positiva, sempre em tom de reafirmação de aspectos positivos da obra, como se evidencia na entrevista
com o Diretor Superintendente da Maesa, Luis Fernando Achá Mercado.
Loc: Existe uma preocupação muito grande com relação ao
Ser Humano, os cuidados com a segurança do operário no
empreendimento e também os afetados pelo reservatório. A
empresa quer o bem-estar das pessoas em geral. Como é que
funciona essa questão?
Achá: Olha, nossa preocupação aqui em Machadinho com o
ser humano não é somente na obra, é também no reservatório. Nós colocamos o Ser Humano como a nossa prioridade
de atendimento, não adianta a gente querer produzir, construir, se a gente não estiver olhando pelo bem-estar e a satisfação do ser humano, que é nosso grande colaborador e a
mola mestra de tudo aquilo que a gente faz. [...] (STUDIO 156,
2000. Usina de Notícias nº81)
1058
Temas potencialmente controversos tendem a ser abordados com
superficialidade, ignorando suas interpretações negativas, como no caso
da entrevista com o Comandante do 4º Pelotão da 2º Companhia do 2º
Batalhão da Polícia Militar de Piratura, Tenente Robson Xavier Nunes,
que revela que a Maesa equipou a PM do município.
Loc: A Maesa foi parceira nesta obra, para que um novo quartel fosse construído na cidade. Qual a sua opinião sobre essa
parceria?
Tenente: A Maesa foi fundamental neste processo, pois ela
contribuiu com 50% dos recursos para que fosse feito esse
pelotão novo, além do que a Maesa sempre está e sempre foi
uma grande colaboradora da Polícia Militar local, pois fomos
prontamente atendidos quando solicitamos o seu serviço.[...]
(STUDIO 156, 2000. Usina de Notícias, nº88)
Alguns programas dedicaram-se exclusivamente à defesa da necessidade de implantação do empreendimento na região. Nestes casos,
nota-se uma explícita vertente desenvolvimentista e nacionalista, enfatizando o fato de que os transtornos decorrentes da instalação da UHE
Machadinho são condição necessária para o crescimento econômico e
fortalecimento do Brasil.
Loc: Ninguém quer correr o risco de ficar no escuro, não é?
Pois bem, recentemente vocês acompanharam aquele apagão que ocorreu na região Sudeste e prejudicou inúmeras famílias. O Brasil é um país rico em energia mas também corre
o risco de, dentro de alguns anos, ficar numa situação crítica,
pois o consumo crescer a cada dia porque a população cresce, as cidades crescem, novas indústrias são instaladas, enfim... E nós precisamos estar prevenidos para esse aumento
de consumo. É como na história da cigarra e da formiga: se
ficarmos cantando no verão quando chegar o inverno estaremos passando mal! Vamos trabalhar como as formigas para
termos fartura no futuro. [...]
(STUDIO 156, 2000. Usina de Notícias, nº16)
1059
Apesar de o programa se declarar interativo, e seguidamente solicitar o envio de perguntas dos ouvintes para a sede Maesa, não há registro de nenhuma resposta de perguntas de ouvintes no programa. A
única interação com a comunidade existente na amostra é a reprodução
de depoimentos de atingidos satisfeitos com a nova propriedade ou com
as ações desenvolvidas pela Maesa. Estes depoimentos são feitos com
claro apelo emocional, em tom de convocação aos atingidos para que
realizem os acordos com a Maesa.
Vinheta emocional (sic)
Loc: E agora a participação do coração. Nossa equipe esteve
na região e conversou com o senhor Pedrinho Gomes de Oliveira, que é da linha Barro Amarelo e futuro reassentado de
Barracão.
Pedrinho: Tamo trabalhando todo unido aqui por enquanto,
tamo seguindo nosso trabalho, mas prá mim, eu tô contente, tá beleza. Se seguir assim prá frente, melhor ainda. Espero
que a gente possa produzir bastante aqui nesse terreno. Eu
acho que a gente tem que acreditar e enfrentar. É isso aí que
eu tenho prá dizer.
Loc: É isso aí seu Pedrinho, tem que acreditar. (STUDIO 156,
2000. Usina de Notícias, nº03)
AS REUNIÕES
O “Relatório de Reuniões no Reservatório da UHMA” consiste em
um documento no qual a ETS (Energia, Transporte e Saneamento S/C
Ltda.), consultoria com sede em Florianópolis contratada para execução
de itens do PBA (incluindo o Programa 9, de Comunicação Social) , reporta à Maesa os resultados de uma série de 19 reuniões realizadas com
comunidades localizadas na área de abrangência do reservatório da usina
em nove municípios. Com o objetivo de “restabelecer o canal direto de
comunicação com a população atingida pela implantação do empreendimento da UHMA”, o relatório registra a participação de 373 pessoas, com
uma média de público estimado em 20 pessoas por reunião.
1060
As reuniões foram realizadas pelos técnicos da ETS José Carlos
Michalowski e Ana Clarice Granzotto Oliveira, tinham entre 1hora 30
minutos e 3 horas de duração e ocorreram entre 24 de junho e 13 de
julho de 1999 em espaços comunitários nos Municípios de Machadinho,
Capinzal, Zortéa, Barracão, Esmeralda, Campos Novos, Celso Ramos e
Anita Garibaldi.
O relatório é dividido em quatro partes. A primeira apresenta considerações gerais sobre as reuniões, a lista de perguntas mais frequentes
feitas pelos participantes com as respostas fornecidas e as conclusões
dos autores. A segunda exibe o roteiro da apresentação realizada com
as transparências apresentadas. A terceira apresenta as atas e listas de
presença e a última traz uma compilação de fotografias das reuniões.
As atas das reuniões apresentam-se na forma de um esquema
resumido, registrando os horários de início e término da reunião, a
quantidade aproximada de pessoas, a presença ou não de autoridades,
o roteiro ou “itemização da palestra” (sempre reproduzindo a mesma
estrutura de cinco pontos gerais) e, por fim, os questionamentos realizados. Chama a atenção a falta de detalhamento do documento, especialmente no que se refere às perguntas realizadas pela comunidade,
que aparecem na forma de tópicos gerais. Tampouco há indícios, seja
nas atas ou no restante do relatório, de coleta de contatos dos participantes para que as perguntas não respondidas fossem posteriormente
elucidadas pela Maesa. Outra peculiaridade é o fato de a ata não conter
assinaturas, sendo todas elas coletadas em um documento à parte, no
qual constam os dizeres “ATA DE REUNIÃO – LISTA DE PRESENÇA”, o
que leva a crer que os atingidos assinavam a ata, que posteriormente
seria entregada à Maesa, sem ter acesso aos seus termos.
As respostas às perguntas não aparecem nas atas, mas sim em uma
tabela juntada à primeira parte do documento. A tabela abaixo apresenta
o comparativo do registro de algumas perguntas feitas nas atas, o mesmo
questionamento conforme conta no diagrama elaborado para a Maesa, as
respectivas respostas (todos ipsis literis) e uma análise nossa.
1061
TABELA 1 - TRATAMENTO DAS PERGUNTAS REALIZADAS
POR ATINGIDOS NAS REUNIÕES
ATA DE REUNIÃO
QUESTIONAMENTO
RELATÓRIO DA ETS À MAESA
OBSERVAÇÕES
QUESTIONAMENTO
RESPOSTA
Pessoas não cadastradas como
ficam?
As famílias que
não foram cadastradas têm direito
aos programas de
remanejamento?
Não. Somente
aquelas que através de comprovação documental
for constatado
o vínculo com
a propriedade
atingida na época do cadastro
socioeconômico
(ago/out/96),
através de estudo
de caso específico
Sutileza semântica entre as perguntas da ata e
do relatório revela que a pergunta
não foi respondida. Ou seja, não
existe solução
da empresa para
a situação dos
atingidos não
cadastrados em
1996.
Indenizações;
Querem nova avaliação dos preços
das terras
Desatualização da
tabela de preços
aplicados para
a indenização,
visto que a última
pesquisa de preços
foi realizada em
1997.
Foi explicado
que os preços
praticados são
suficientes para
a recomposição
daquilo que o
proprietário
possuía, tanto
em termos de
benfeitorias,
como de terra.
Constantemente
são aferidos
valores, e o
praticado pela
empresa condiz
com o mercado.
Caso seja observada alguma
defasagem, será
realizada uma
nova pesquisa.
Resposta demonstra que é
conhecido que o
que proprietário
“possuía” difere
daquilo que hoje
possui; “Caso seja
observada alguma defasagem”
por quem? A pergunta dos atingidos revela que
uma defasagem
foi observada por
eles; Como são
aferidos valores
constantemente
se a última aferição data de 1997?
Que critérios são
utilizados para
definir o valor de
mercado?
1062
(AUTOR)
Reivindicação de
uma única classe
p/ a classificação
de terras e não A,
B, C, D.
Contestaram a
classificação de
aptidão agrícola
do solo em classes
A, B, C e D, para
compor o valor
de indenizações.
Reivindicam um
único valor por ha
Método de
classificação
atualmente
utilizado é resultado de acordo
firmado em 87,
entre CRAB e
ELETROSUL e
ratificado em
97, em reunião
na cidade de
Capinzal com o
F.A., GERASUL e
MAESA.
Resposta aponta
para a “documentalização” dos argumentos e baixa
discutibilidade,
visto que a decisão foi deliberada
por alguma razão
específica entre
os órgãos citados.
Questão da cerca
que irá fechar a
área dos 30m.
Quem irá pôr a
cerca? A empresa
ou o proprietário?
Quando houver
pastagem na área
remanescente, o limite da faixa ciliar
(30m) deverá ser
cercado? De quem
será a responsabilidade?
Sobre este
assunto não foi
respondido, pois
não encontramos informações
a respeito no
RIMA/PBA
Tampouco foram
providenciados
canais para
encaminhamento
da resposta após
a reunião
Faixa dos 70m
(várias ocorrências)
A faixa de uso de
70m será indenizada?
Explicamos
sobre a jurisprudência para a
UHITA, definida
em audiência
de conciliação
(27/05/97)
Resposta aponta
para jurisdização
dos argumentos
A grande maioria
dos presentes não
concorda com a
alienação de 10
anos. Assunto foi
muito discutido.
Redução do período de alienação
do imóvel, para
os proprietários
que entregam a
propriedade como
parte do pagamento da Carta de
Crédito.
Foi explicado
que atualmente
isso é norma da
Empresa, visto
que o objetivo
do programa de
remanejamento
é fixar o homem
à terra, caso o
proprietário não
concorde, terá
direito à indenização
Não foi abordada a questão
da segurança
jurídica, ou seja,
a segurança para
a empresa de que
não teria problemas judiciais
decorrentes de
venda das terras.
Fonte: ETS e autor
1063
Outra característica relevante das reuniões evidenciada pelo relatório é a maciça presença masculina entre os participantes. A proporção
em algumas reuniões chega a 100% de homens em alguns encontros,
conforme pode-se perceber a partir das listas de presença e do registro
fotográfico que integram o relatório.
OS RELEASES
A produção e o envio de releases eram realizados pela empresa
Del Mondo Estratégias de Comunicação e assinados pelos jornalistas
Rogério Luiz Tallini, Silvia Zamboni e Kalyta Camargo. Segundo os relatórios mensais de análise de mídia emitidos pela Del Mondo, os releases eram encaminhados aos jornais impressos e emissoras de TV de
cobertura estaduais e regionais do norte e noroeste do Rio Grande do
Sul e meio-oeste e oeste de Santa Catarina, e rádios que cobrem a região
de abrangência da UHE Machadinho e aquelas regiões. Nada consta em
relação a envio para veículos de abrangência nacional.
As pautas estavam relacionadas principalmente a ações desenvolvidas pela Maesa isoladamente ou em parceria com outras organizações, à evolução do projeto no canteiro de obra (cronograma) e na
área do reservatório (ações previstas no PBA) e à realização de eventos, exposições e palestras (geralmente nas instalações do Centro de
Atendimento ao Visitante) ou participação da Maesa em solenidades
públicas, conforme demonstra a Tabela 2, que quantifica os releases do
ano de 2000 a que a pesquisa teve acesso.
TABELA 2 - TEMÁTICAS DOS RELEASES PRODUZIDOS PELA
MAESA ENTRE JUNHO E NOVEMBRO DE 2000
TEMÁTICAS
QUANTIDADE
Projetos e convênios com outras organizações
7
Participação ou promoção de(em) eventos
6
Reuniões com a comunidade
5
Preservação da fauna e flora
4
Cronograma de obra
3
1064
Liberação/limpeza do reservatório
3
Recursos para agricultores
3
Acidentes de trabalho na obra
2
Patrimônio Histórico-cultural
1
Reassentamento rural
1
Desenvolvimento regional
1
Geração de emprego e renda e capacitação
1
Total
37
Fonte: autor
Em apenas um dos releases analisados (“Colmeias serão resgatadas
durante limpeza do lago da usina”) há menção a envio de material de apoio
anexado – uma entrevista com o coordenador da Maesa, sem especificar a
mídia (áudio ou vídeo). Todos os releases contêm no rodapé nomes e telefones dos jornalistas e e-mail da Assessoria de Imprensa da Maesa, mas não
exibem número de registro profissional do jornalista responsável.
As ações escolhidas pela empresa para publicação têm conotação positiva, relacionada a algum tipo de ganho social ou ambiental, conforme indicam
os verbos de ação mais frequentes: receber (crédito, sementes), firmar (convênio, parceria), executar (obras, atividades, projetos), concluir (etapa, projeto).
Os releases apresentam poucas fontes. Quando ocorrem, as fontes
são técnicos ou autoridades da Maesa. Em matérias que tratam de parcerias, o protagonismo recai sobre a Maesa, estando a empresa sempre
anteriormente citada (convênio/parceria da Maesa com organização X).
Em apenas um release apresentam-se fontes externas a Maesa: o
coordenador do MAB Aldir Reginatto.
[...] A Maesa e o MAB decidiram que o projeto de apoio à safra
2000/2001 está com prazo de conclusão previsto para dezembro. (...)“Agora todos os projetos passarão por uma análise mais profunda”, informa o coordenador do MAB, Aldir Reginatto. (...) (STUDIO 156. Agricultores descumprem
acordo e obrigam Maesa e MAB a revisar crédito para safra
2000/2001. Grifo nosso).
1065
O trecho revela que, neste caso, a Measa proporcionou um canal
de debate ao apresentar posicionamentos de outras organizações em seu
contato com a imprensa. Entretanto, o episódio refere-se a uma ação na
qual o MAB atua como parceiro da Maesa, estando o conflito relacionado
com a relação entre ambas as organizações e os agricultores participantes do programa de crédito subsidiado. Visto ser esta a única aparição de
fonte externa à empresa, denota-se ser o alinhamento de posições uma
condicionante para a apresentação de fontes externas à empresa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta desta pesquisa foi analisar a natureza da comunicação
desenvolvida para a implantação da UHE Machadinho. Como resultado
geral, observou-se uma comunicação abrangente do ponto de vista do
seu alcance, com matriz cognitiva predominantemente desenvolvimentista e instrucional, visando principalmente orientar os públicos na direção da obediência a seu projeto de atuação.
Na perspectiva jurídica, nota-se a intenção de atender de maneira
autocentrada os dispostos legislativos que exigem a publicitação das informações referentes ao empreendimento. A comunicação volta-se para
o atendimento dos pressupostos do Plano Básico Ambiental (PBA), elaborado como pré-requisito para a obtenção da Licença de Instalação (LI).
Sob a ótica da comunicação estratégica, pode-se considerar que
o empreendedor foi eficaz na persecução de seus objetivos. A Maesa
controlou cuidadosamente o debate em todas as modalidades de comunicação realizada, prevalecendo como fonte prioritária para fornecimento de informações acerca do empreendimento na mídia e ausentando-se de manifestar-se sobre questões que pudessem oferecer risco a
sua imagem perante a opinião pública. Em alguns momentos, a empresa
construiu inclusive alianças estratégicas com o Movimento de Atingidos
por Barragens (MAB), principal movimento social atuante na região.2
Há de se reconhecer, porém, as limitações enfrentadas por esta pesquisa, que
não localizou nenhum produto de comunicação da Maesa referente a períodos
de grandes conflitos. Os maiores conflitos existentes deram-se a partir de março de 2001, e intensificaram-se nos meses subsequentes com a aproximação
da data do enchimento do reservatório, realizado em agosto daquele ano. Os
2
1066
Da perspectiva da comunicação pública, entretanto, sua comunicação apresentou algumas deficiências. Observou-se um elevado grau de
unilateralismo na realização do debate público em todos os produtos analisados, com a restrita viabilização de meios de esclarecimento bilateral. Os
produtos claramente vetam a presença de argumentos contrários aos objetivos dos empreendedores da obra, fazendo do concessionário um poderoso controlador dos discursos correntes acerca do empreendimento.
Comparando-se os resultados obtidos por este estudo e os encontrados por Locatelli (2011) na análise do caso da implantação da
Usina de Foz do Chapecó, implantada no Rio Uruguai, entre 2006 e 2010,
podem-se alcançar algumas conclusões importantes. Do ponto de vista
das semelhanças, as duas experiências se aproximam no que se refere
aos resultados obtidos pelo empreendedor. A maioria dos proprietários
atingidos retirou-se de suas terras voluntariamente, aceitando a indenização oferecida pelo empreendedor. A comunicação realizada pelo
empreendedor assumiu matriz cognitiva desenvolvimentista, com baixo
nível de debate e accountability e alto grau de assimetria. Sob a ótica das
diferenças, destaca-se a disparidade entre o número de produtos de comunicação produzidos pelo empreendedor nos dois casos. Nota-se que
Foz do Chapecó teve não apenas uma comunicação mais intensa como
mais variada, incluindo novas modalidades de produtos como colunas
pagas em jornais impressos, newsletter, mecanismos de perguntas e respostas por meio da internet, house-organs, entre outros. É provável que
esta tendência não decorra apenas de uma demanda tecnológica, visto a
usina de Foz de Chapecó ter sido implantada em um contexto de emergência de ferramentas digitais, mas de uma abertura e amadurecimento
democrático no debate em torno da questão das barragens.
Nesse sentido, este trabalho reforça a necessidade de meios para
democratização dos processos comunicativos que envolvem a implantação de barragens conforme apresenta Locatelli (2011), que propõe a
implementação de um ambiente virtual de natureza independente que
proporcione trocas informativas transparentes e multilaterais entre todos
protestos motivam-se principalmente pelas reivindicações dos atingidos que
não viram-se incluídos no programa de remanejamento por não terem sido
contabilizados em 1996, quando o cadastro foi realizado. Infelizmente, não há
qualquer produto, nos arquivos da empresa, datado do período em questão.
1067
os atores envolvidos. Um portal que proporcione a disponibilização dos
documentos normatizadores do processo (EIA, Rima, PBA, avaliações do
PBA pelo Ibama, etc.) para consulta pública, repositório de informação,
chat, observatório, centro de pesquisa, entre outras ferramentas. Apesar
das dificuldades e da grandiosidade desta solução, considera-se que existe predisposição da sociedade civil para arcar com os esforços necessários, afora a necessidade premente explicitada por essa e diversas outras
pesquisas acadêmicas por processos mais democráticos e dialógicos.
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1070
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RELAÇÕES PÚBLICAS E CULTURA: COMO PROMOVER
MOBILIZAÇÃO SOCIAL PARA MUDANÇAS NA SOCIEDADE
Ana Carolina Mendes Marinho Valentim Candido1
e Mariângela Furlan Haswani2
RESUMO
Nossa sociedade é marcada por contradições, contrastes e desigualdades. É necessário refletir sobre o nosso
papel, não apenas como cidadão, mas também como profissional, para contribuir com a melhora deste cenário. Este
artigo procura discutir o papel do profissional de relações
públicas na sociedade a fim de gerar mudanças sociais e
promover a cidadania. Com base em pesquisas bibliográficas, foi possível compreender a importância dos contextos
social e cultural para a efetividade das ações do movimento
ou projeto que visa mudança social. Neste cenário, a comunicação, quando planejada, profissional e estratégica,
exerce papel vital nesse processo. O uso das ferramentas de
relações públicas neste contexto contribui para a efetividade e eficácia das ações do projeto com a gestão dos relacionamentos e promoção da participação dos públicos.
Palavras-chave: comunicação; relações públicas; mobilização social.
Estudante de Graduação 10º. Semestre do Curso de Relações Públicas da da
ECA/USP e-mail: ammvcandido@gmail.com.
1
Orientadora do trabalho. Professora Doutora do Curso de Relações Públicas
da ECA/USP e-mail: haswani@usp.br.
2
INTRODUÇÃO
Vivemos em uma sociedade marcada por contradições, contrastes e desigualdades. Na cidade de São Paulo, por exemplo, há muitos
bairros ricos que são vizinhos de comunidades, também chamadas de
favelas, onde as pessoas vivem em péssimas condições e, muitas vezes,
sem acesso aos serviços básicos de saneamento básico, transporte público e educação. Essas comunidades são lugares onde a presença do
Estado é, muitas vezes, deficiente, o que gera ainda mais um desconforto dos cidadãos. Neste contexto, a comunicação comunitária surge
com as mobilizações pela mudança social das condições que privam os
cidadãos que são marginalizados dos processos sociais. Ela é responsável por auxiliar na promoção da cidadania.
A comunicação desempenha papel fundamental para a construção da cidadania devido ao fato de utilizar canais de expressão assim
como a troca de informações e saberes e mecanismos de relacionamento entre os cidadãos e as instituições. Caune (2014) diz que os meios de
comunicação não são apenas para informar, eles são o local de participação e de ação no mundo, nos levando a assumir nosso posicionamento social. Em outras palavras, temos consciência social quando nos
comunicamos, exercendo uma influência recíproca.
Para que haja cidadania, é necessária, sobretudo, a participação
dos cidadãos em todos os níveis. Peruzzo (2009, p. 424) afirma que estes
devem ser ativos no processo de articulação social, saindo de mero receptor para emissor e difusor de conteúdos, o que altera completamente
a sua relação com os meios e ambiente nos quais vivem. Essa participação, como é possível perceber, está intimamente relacionada à comunicação, neste caso, chamada comunitária ou alternativa.
A partir da década de 1980, quando as relações públicas ganhou
uma nova perspectiva, na qual se percebeu a sua importância também
nas organizações a serviço de interesses populares e comunitários. Esta
nova perspectiva foi denominada de relações públicas comunitárias.
Relações públicas comunitárias são aquelas realizadas no
âmbito de “comunidades”, associações, movimentos populares e outras organizações sem finalidade de lucro e, por extensão, até aquelas do mundo do trabalho, como os sindicatos,
1072
desde que se achem configuradas na contramão de mecanismos reprodutores dos interesses do capital e das condições
alienadoras da pessoa humana. (PERUZZO, 2009, p. 426)
Os autores Margarida Kunsch (2007), Roque (2007) e Peruzzo
(2009) consideram as relações públicas comunitárias como uma atividade na qual a interação é entre as organizações e a “comunidade”,
sejam elas do primeiro, segundo ou terceiro setor. Assim as relações
públicas comunitárias têm três abordagens: comunicação de empresas
com “comunidades” de seu entorno; comunicação de órgãos públicos
com “comunidades” de se entorno; e comunicação das associações comunitárias, ONGs e movimentos populares com a sociedade e demais
públicos com os quais se relacionam (também pode-se chamar de “opinião pública”). (PERUZZO, 2009, p. 426) Neste trabalho será explorada a
terceira abordagem, na qual a atividade não está relacionada a lucros
de uma organização ou benefícios pessoais de políticos e sim tem como
visão o bem da sociedade, da “comunidade”.
Algumas instituições, como as Organizações Não Governamentais
(ONGs), realizam trabalhos sociais nessas regiões para suprir de alguma
maneira o papel do Estado nas garantias dos direitos dos cidadãos que
ali residem. Realizam desde oficinas de língua, teatro, dança, cursos de
capacitação profissional entre outros. Há um leque amplo de atuação
das ONGs nas comunidades brasileiras. Como resultado deste trabalho,
prevê-se o desenvolvimento da região com maior acesso à educação e
informação além da diminuição de jovens em atividades violentas e relacionadas ao tráfico de drogas, por exemplo.
Para garantir a efetividade neste tipo mudança social, é preciso planejar ações e estabelecer estratégias. O profissional de Relações Públicas
possui as habilidades requeridas para exercer este papel de coordenador
de projetos de desenvolvimento social em comunidades e regiões onde
há um alto índice de desigualdade social e violência. Sua expertise em
mediação das relações, gerenciamento de conflitos, planejamento e visão
macro, além da habilidade de entender os contextos nos quais estão inseridos os públicos, são essenciais para a qualidade do projeto.
É necessário refletir sobre o nosso papel, não apenas como cidadão, mas também como profissional, para contribuir com a melhora deste cenário. Este artigo procura discutir o papel do profissional de rela1073
ções públicas na sociedade a fim de gerar mudanças sociais e promover
a cidadania. Assim, foi realizada uma pesquisa bibliográfica (STUMPF,
2005) com autores em sua maioria brasileiros, como Caune, Margarida
Kusnch, Cecília Peruzzo, Marcio Simeone Henriques e Rennan Mafra entre muitos outros, a fim de entender o contexto dos movimentos sociais,
o papel da comunicação e a importância da cultura neste contexto.
MOBILIZAÇÃO SOCIAL: POR DENTRO DO CONCEITO
O conceito de mobilização social apresentado neste trabalho diz
respeito à união de indivíduos para realizar ações a fim de mudar algum aspecto no meio onde vivem e melhorar suas vidas. Segundo Toro
& Wernec (apud MAFRA, 2008, p.34), “a mobilização ocorre quando um
grupo de pessoas, uma comunidade, ou uma sociedade decide e age com
um objetivo comum, buscando, quotidianamente, resultados decididos
e desejados por todos”.
Henriques, Braga & Mafra (2007, pp. 35-36), acreditam que a mudança é necessária quando há problemas que impedem o bom funcionamento daquela sociedade. Para eles, “mobilizar [...] é mostrar o problema, compartilhá-lo, distribuí-lo, para que assim as pessoas se sintam
corresponsáveis por ele e passem a agir na tentativa de solucioná-lo”.
Assim, é possível dizer que o processo de mobilização exige, antes de
tudo, que as pessoas sejam informadas a respeito do que se passa à sua
volta. Os autores também apontam a necessidade de compartilhar,
além de informações, conhecimento, imaginário e emoções para que
haja reflexão e debate para a mudança.
As pessoas envolvidas no processo de mobilização devem possuir necessidades e problemas em comum, além de compartilhar valores e visões
de mundo semelhantes. (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2007, p. 37) Em
outras palavras, a realidade compartilhada somada aos objetivos, crenças
e valores faz com que essas pessoas tenham algo que as una e gere afinidade, levando ao engajamento para a transformação da sua realidade. “Para
que o interesse coletivo seja definido, é necessário que entendimentos sejam negociados e trocados a partir de um processo comunicativo”, sendo a
comunicação no sentido relacional, de produção e compartilhamento de
sentidos entre os interlocutores. (MAFRA, 2008, p. 34)
1074
Mafra (2008, p. 36) reflete sobre a importância da mobilização social para estimular a participação na esfera pública. Essa participação
envolve também o processo de deliberação em relação às questões que
afligem a sociedade e causas que são de responsabilidades de todos.
Diversas áreas do conhecimento permeiam os processos de mobilização e de programas sociais de maneira holística. A integração dessas
áreas inclui também a comunicação que envolve diferentes formas de
expressão, como face a face, grupal, meios tecnológicos, etc., por meio
de suas atividades (PERUZZO, 2009, p. 427), sendo estas fundamentais
na permanência e solidificação dos projetos de mobilização social.
(HENRIQUES et al., 2007, p. 18) Nesse contexto, destaca-se a importância das relações públicas nos processos mencionados acima:
Podemos entender o processo mobilizador como um processo de relações públicas. [...] em uma visão mais ampla, podemos compreender que a atividade se aplica em seus fundamentos a qualquer demanda de relacionamento que se
apresente entre instituições e seus públicos. É uma atividade que deve ser compreendida como parte de um complexo
sistema especializado – que emerge na sociedade de massas
– de administração dos mecanismos de visibilidade pública
e, por conseguinte, de mediação e administração das controvérsias públicas. (HENRIQUES, 2007, P.101)
O PAPEL DA COMUNICAÇÃO PARA A MOBILIZAÇÃO SOCIAL
A comunicação exerce um papel de extrema importância no processo de mobilização social, não apenas no sentido de visibilidade do
projeto em questão, mas também quando o assunto é a geração e manutenção de vínculos e a participação.
Os movimentos sociais visam um reconhecimento público de
suas causas e tal reconhecimento é resultante da luta por visibilidade,
gerando uma mobilização daqueles que não estão no mesmo contexto
espaço/temporal do que os indivíduos que fazem parte dos movimentos. (HENRIQUES et al., 2007, p. 18) Gerar visibilidade para as suas causas atinge outros indivíduos que podem dar força ao movimento e contribuir para a transformação social.
1075
Para que a área de comunicação possa contribuir para a efetividade do movimento ou do projeto de mobilização social, é necessária
uma intervenção especializada e profissional, principalmente no cenário social atual onde a atenção dos indivíduos é disputada entre várias
redes de interação. Planejar estratégias de comunicação é fundamental
para garantir o alcance dos objetivos da área, que devem estar alinhados ao do projeto, visando a mudança social e promoção da cidadania.
(HENRIQUES et al., 2007)
O objetivo da comunicação nesse contexto é, segundo Henriques
et al., estimular a participação dos públicos do projeto de mobilização
social a fim de que sintam a corresponsabilidade nas ações. Além disso,
sendo a participação uma condição intrínseca e essencial
para a mobilização, a principal função da comunicação em
um projeto de mobilização é gerar e manter vínculos entre os
movimentos e seus públicos, por meio do reconhecimento da
existência e importância de cada um e do compartilhamento
de sentidos e valores. (2007, p. 19)
Os autores apontam em sua obra outras quatro funções que devem estar integradas e articuladas com a função básica de gerar e manter vínculos. Tais funções são fundamentais para que a primeira seja
bem sucedida. Entre elas, estão: difundir informações; promover a coletivização; registrar as memórias; fornecer elementos de identificação
com a causa e o projeto. (HENRIQUES et al., 2007)
Com a difusão das informações, as ações são legitimadas e as
pessoas envolvidas passam a ser reconhecidas e conectar-se umas às
outras “pelo sentimento de pertencimento a um grupo com interesses
comuns”. Sobre a função de fornecer elementos de identificação com a
causa e o projeto, os autores acrescentam:
articulação entre valores e símbolos no processo de construção da identidade de um movimento, estabelecendo de uma
maneira estruturada a produção de elementos que orientem
e gerem referências para a interação dos indivíduos, possibilitando, assim, um sentimento de reconhecimento e pertencimento capaz de torna-los corresponsáveis. (HENRIQUES et
al., 2007, p. 23)
1076
Tais sentimentos são importantes para o movimento social, pois
influenciam no processo de apreensão das informações coletivizadas,
podendo resultar na reformulação de valores pelo ator social e isso “refletirá diretamente em suas atitudes e juízos sobre a realidade que vive”.
(HENRIQUES et al., 2007, p. 24)
A comunicação no processo de mobilização deve ter algumas características específicas para promover a participação, gerar e manter
vínculos. Segundo Henriques et al. (2007, p. 25), ela deve ser descentralizada, encarada como uma coordenação de ações, dialógica, libertadora e educativa. “Dialógica na medida em que não é a transferência do
saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores”. Braga (2001 apud
HENRIQUES et al., 2007, p. 28) reforça que esta comunicação deve ser
“diversificada, personalizada, necessariamente local e de inserção cultural e etno-orientada”, apontando novamente a importância dos contextos e da comunicação não somente para, mas com a comunidade.
É importante ressaltar também o caráter estratégico que a comunicação neste contexto deve ter. Segundo Peruzzo (2009, p. 421), é fundamental que haja sintonia entre a atividade de relações públicas com
a visão e valores da organização popular. O profissional deve construir
em conjunto com a organização e ajudá-la a se autorrepresentar. Toda a
atividade deve visar a transformação social e a ampliação da cidadania.
ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO PARA A MOBILIZAÇÃO SOCIAL
Conforme falamos anteriormente, é imprescindível que a comunicação do movimento social ou projeto de mobilização social seja planejada para garantir a efetividade das ações. Usar uma comunicação
dirigida e gerar visibilidade da causa, promovendo a participação dos
sujeitos ao projeto de mobilização social, são exemplos de estratégias
que podem ser utilizadas nesse setor.
Segundo Henriques, Braga & Mafra, a escolha da comunicação dirigida – ou seja, segmentada de acordo com os públicos – é estratégica
para garantir maior efetividade às ações do projeto, pois essa trabalha
com interações face a face, proximidade entre os interlocutores e resultam em ações mais coesas, gerando mais impacto. Para os autores,
a mobilização social “não depende, para ser bem sucedida, apenas da
simples difusão de informações, como muitos são levados a acreditar,
1077
muito embora a visibilidade, a divulgação e a presença na mídia sejam
elementos decisivos”.
Mafra (2008, p. 46) destaca a importância dos recursos de mídia
e de comunicação estratégia para gerar visibilidade aos temas levantados pelo pelos processos de mobilização, além de promover um debate
público e promover o engajamento coletivo dos indivíduos. Os projetos de mobilização social não devem apenas construir uma causa, mas
também gerar visibilidade a ela para que ocorra uma ampliação da controvérsia e do debate público, aumentando os blocos dos públicos legitimadores e geradores.
Assim, para gerar visibilidade para a causa defendida e ampliar o
engajamento dos públicos do processo de mobilização, recomenda-se o
uso de recursos como o agendamento midiático, realização de eventos,
materiais audiovisuais, premiações, espetáculos, peças publicitárias etc.
(MAFRA, 2008) Como alternativa eficaz nesta era digital, também é possível realizar um trabalho na Internet, principalmente nas redes sociais.
Para realizar ações estratégicas de visibilidade para os movimentos sociais, Mafra (2008, p. 49) identifica cinco tipos de espaços de visibilidade pública - espaços físicos ou mediados onde um assunto fica
disponível para um grupo de pessoas - que podem ser trabalhados nas
ações estratégicas dos projetos de mobilização social. Tais espaços não
são rígidos, influenciando uns aos outros, gerados por meios de comunicação de massa ou que sejam direcionados a determinado público, além
dos espaços onde as informações são compartilhadas presencialmente
ou por meio da Internet, cujo alcance é ilimitado.
Mafra (2008) também propõe uma análise da comunicação estratégica em movimentos sociais em três dimensões, que na prática se
sobrepõem, com o objetivo de entender, caracterizar e diagnosticar as
estratégias comunicativas: a dimensão “espetacular” – visa chamar a
atenção e o interesse do sujeito à causa -, a dimensão “festiva” – visa
promover o engajamento físico dos indivíduos - e a dimensão “argumentativa” – visa disponibilizar ao público argumentos que justifiquem a
existência da causa.
1078
A DIMENSÃO ARGUMENTATIVA
Somente as dimensões espetacular e festiva não são suficientes
para que “os projetos de mobilização consigam um engajamento coletivo capaz de transformar a realidade, tendo como base as possibilidades
democráticas contemporâneas”. (MAFRA, 2008, p. 73) É de extrema importância que os projetos também forneçam argumentos que sustentem suas propostas de mobilização social à medida que estimulam o
debate público e a mudança. Segundo Breton (1999 apud MAFRA, 2008),
a argumentação é um meio de convencimento.
Argumentar, em linhas gerais, é acionar um raciocínio em
uma situação de comunicação. Não é convencer a qualquer
preço, mas é raciocinar, propor aos outros uma opinião com
boas razões para aderirem a ela. Neste sentido, o objetivo da
argumentação é transmitir ou partilhar não uma informação,
mas uma opinião, um ponto de vista que sempre supõe um
outro ponto de vista possível. (MAFRA, 2008, p. 73)
Mafra (2008, p. 78) aponta os três principais elementos da dimensão argumentativa da comunicação estratégica para a mobilização social, que são: os relacionados à constatação e denúncia, os relacionados
à possibilidade de modificação do quadro denunciado e os relacionados
à proposição de soluções para que a realidade seja transformada.
Nessa dimensão o público é considerado como igual, como um
interlocutor, não somente como audiência, pois participam e são corresponsáveis pelas mudanças. Ou seja, ele deve se posicionar a respeito
do tema abordado. Mafra (2008, pp. 80-81) acredita que apenas disponibilizar os argumentos não é suficiente para que ocorra a mudança social, mas que é necessário “estimular uma negociação de entendimentos
num processo de debate, a partir das realidades e dos quadros significativos dos sujeitos” para que se sintam capazes de propor mudanças
e utilizar as informações recebidas em situações reais, de acordo com
seus contextos. “Neste sentido, a existência de propostas é fundamental
para que o projeto possa ganhar adesão dos cidadãos, e suas soluções
sejam debatidas, comunicadas e implementadas”.
1079
A DIMENSÃO FESTIVA
Durkhein (1996 apud MAFRA, 2008, p.65) afirma que os indivíduos passam a ser dominados pelo coletivo no divertimento festivo. Ou
seja, quando há um ritual, como nas religiões, os indivíduos passam a
atuar como seres sociais, vivenciando crenças grupais e reanimando o
sentimento de pertencimento do grupo.
A dimensão festiva das ações de comunicação é importante para
reforçar os laços entre os membros do grupo. O que realmente fica não é o
significado da festa em si, mas sim da relação com o momento, da ligação
afetiva. “A festa estabelece um outro mundo, uma outra forma de experienciar a vida social, marcada pelo lúdico, pela exaltação dos sentidos e
das emoções” (PEREZ, 2002 apud MAFRA, 2008, p.66). A dimensão festiva
mais do que capturar a atenção dos sujeitos, busca envolvê-los afetivamente/sentimentalmente; entende o público
como participante das festas realizadas, e tem, baseada em
laços mais espontâneos de sociabilidade, a convivialidade
como modalidade de participação nas relações comunicativas instauradas pelas festas (MAFRA, 2008, p. 71)
Mafra (2008) aponta que os elementos festivos mais relevantes
que caracterizam esta dimensão da comunicação estratégica para mobilização social são os relacionados à construção de cerimônias e os relacionados à construção de momentos de divertimento.
A festa “exige a participação ativa, marcada por esse aniquilamento, por esse abandono de si e na con-fusão com o outro. É impossível ser
apenas espectador de uma festa. Ela impõe participação, leia-se relação,
o estar junto”. (PEREZ, 2002 apud MAFRA, 2008, p. 71) É fundamental
que se crie condições de igualdade moral e política entre os sujeitos ao
reforçar esses vínculos, pois somente assim é possível participar de fato
de uma arena política. (MAFRA, 2008, p. 72)
A DIMENSÃO ESPETACULAR
O emprego da palavra “espetáculo” para caracterizar uma das
dimensões da comunicação estratégica para a mobilização social proposta por Mafra (2008) se dá pelo fato de estar relacionada à esfera do
1080
sensacional, do surpreendente e do extraordinário – em oposição ao ordinário, ao dia a dia - além da relação à esfera da encenação, da constituição de personagens e narrativas, da dramaturgia.
Ao utilizar a dimensão espetacular nas ações de comunicação do
projeto de mobilização social, faz-se uso de
elementos que tentam mostrar suas causas como questões que
merecem ser vistas e notadas, e que buscam encher “os olhos”
dos sujeitos. Assim, elementos “espetaculares” são utilizados,
em última análise, para despertar na sociedade o interesse público pelas tematizações, com a função de capturar a atenção
dos sujeitos para essas questões. (MAFRA, 2008, p. 60)
O caráter dramaturgo dessas ações tem o desafio de tirar o sujeito
do papel de assistente para “assumir outro papéis, por exemplo, o de
participantes de momentos festivos ou de interlocutores de um debate
público”. (MAFRA, 2008, p. 64)
Essa dimensão é caracterizada pelo uso de estrutura narrativa,
imagens, criação de personagens e papéis para poder reter a atenção de
sua audiência, “que deve se interessar pela causa para que, num segundo
momento, possa participar do processo de forma ativa”. (MAFRA, 2008,
p. 63) Esses elementos fazem parte do contexto cultural no qual estão
inseridos os indivíduos organizados para a mobilização social. Desta
maneira, entender a cultura local é fundamental para propor ações que
estejam de acordo com a realidade daquela comunidade, assim como é
essencial para gerar o sentimento de pertencimento e corresponsabilidade naquele projeto de mudança social.
A CULTURA NA DIMENSÃO ESPETACULAR DA COMUNICAÇÃO
Para falar de cultura, é importante que se deixe clara a definição
que se está usando. Isso porque este termo é definido de diversas maneiras por autores de diferentes campos do conhecimento. Uma das definições mais recorrentes e abrangentes é de cultura como “tudo aquilo que
caracteriza uma população humana”. (SANTOS, 2006, p. 12) Segundo o
autor (2006, p. 13), nesse caso, existem duas possibilidades de diferentes
culturas se relacionarem entre si: quando são hierarquizadas de acordo
com algum critério ou quando se considera que não é possível hierar1081
quizá-las, pois cada uma tem o seu próprio critério de avaliação e não
devem ser subjugadas aos de outras.
Para o autor, existem várias maneiras de entender o que é cultura
e essas são derivadas de duas concepções básicas. “A primeira concepção de cultura remete a todos os aspectos de uma realidade social; a
segunda refere-se mais especificamente ao conhecimento, às ideias e
crenças de um povo”. (SANTOS, 2006, p.23) Para Neto,
a cultura, como substrato fundamental da própria concepção
do homem perante a si mesmo, os demais e as instituições da
sociedade, é esfera responsável pela percepção e pelo exercício
da cidadania e, consequentemente, de tudo aquilo que dela advém, tanto em termos de direitos como de deveres. (2007, p. 283)
Todavia estas definições ainda são demasiado amplas, abordamos aqui o conceito de cultura como “configuração de elementos aprendidos e de seus resultados, cujos componentes são compartilhados e
transmitidos pelos membros de uma determinada sociedade”, conceito
desenvolvido por Ralph Linton (1986 apud CAUNE, 2014, p. 46). Em outras palavras, é possível dizer que cultura seria tudo aquilo produzido e
aprendido por um grupo de pessoas e compartilhado entre elas. Neste
caso, não está em questão o tipo de elemento compartilhado nem há hierarquização de acordo com classes sociais, ou seja, todos os membros
da sociedade fazem parte de um grupo e, consequentemente, está inserido em uma cultura, na qual compartilha e transmite elementos aprendidos e produzidos entre eles. Nesta concepção, tanto o funk quanto a
ópera, por exemplo, são elementos culturais, assim como tudo aquilo
que é transmitido pelos meios de comunicação da sociedade. Segundo
Caune (2014, p. 39), a cultura é um ato de comunicação e a linguagem
seria uma maneira de transmitir e interpretar os elementos culturais.
Desta maneira, para que haja essa transmissão de conhecimento cultural, é preciso o uso da comunicação e a viabilidade do entendimento
está a cargo da linguagem.
A cultura é apreendida como um conjunto muito complexo
e diversificado de representações e objetos, organizados por
relações de valores: traduções, normas, religiões, artes etc. A
transmissão de conhecimentos de geração em geração, assim
como a difusão de valores e, também, dos padrões de com1082
portamento se efetivam segundo os encadeamentos dos atos
de comunicação. (CAUNE, 2014, p.39)
Segundo a sociologia psicológica (CAUNE, 2014, p. 41), a cultura
é interiorizada e transmitida por meio da aprendizagem, aculturação e
integração social. Desta maneira, o indivíduo apenas será inserido em
uma determinada cultura, aprendendo e produzindo elementos culturais, quando estiver inserido em um grupo, uma sociedade. Assim, pode-se afirmar que para gerar o sentimento de pertencimento ao grupo, é
necessário o compartilhamento de elementos da cultura. Ao trabalhar
com a dimensão espetacular da comunicação, o relações públicas promove tal compartilhamento contribuindo também para a construção
da identidade cultural do grupo.
Dinah Guimaraens (apud NETO, 2007, p. 282) define a identidade
cultural como a necessidade de se poder reconhecer a si mesmo ou de
construir a própria realidade com base na tradição de seus antecessores. Para a autora, cidadania seria “o direito individual à liberdade de
expressão e também o direito da coletividade de partilhar de distintas
opiniões e posturas culturais”. A construção da identidade no processo
de mobilização social é fundamental para que o grupo consiga atingir os
seus objetivos, tendo apoio e participação de mais indivíduos e despertando a corresponsabilidade.
Castells (1999 apud BRAGA; SILVA; MAFRA, 2007, p. 82), ao analisar o processo de construção de identidades, “distingue atores sociais
que utilizam o material cultural acessível para criar uma identidade,
a identidade de projeto, capaz de redefinir sua posição na sociedade,
buscando a transformação de toda a estrutura social”. A identidade é
responsável por criar sujeitos que visam atribuir significado às suas experiências individuais. Criar identidades, nesse sentido para o autor, é
expandir os seus projetos de vida individuais para a transformação da
sociedade. Em outras palavras, ao trabalhar com identidades em um
grupo, criam-se sujeitos mais coletivos.
Com o modelo ternário de interpretação da cultura, proposto por
Caune (2014), cujo objetivo é identificar elementos para interpretar e compreender determinada cultura, é possível trabalhar de maneira mais eficaz
com a cultura no processo de construção de identidades culturais. Este mo-
1083
delo estabelece uma troca circular entre os três termos: a enunciação, o indivíduo e o quadro cultural no qual a enunciação ganha sentido.
Para entender como se dá esta troca, os termos se relacionam
“dois a dois a partir de duas propostas: em sua relação com a cultura,
o indivíduo não existe fora das manifestações expressivas que o exprimem; e o indivíduo singular, caracterizado por sua enunciação, é relativo a um contexto cultural”. (CAUNE, 2014, p. 89) Segundo o autor, o indivíduo constrói sua identidade no campo cultural por meio da expressão
– também chamada de enunciação - e que tudo aquilo que é vivenciado
por ele é também uma expressão da sociedade, ou seja, ele se apropria
das manifestações culturais do grupo no qual está inserido.
O interesse por essa proposta de análise se deu pelo fato da possibilidade de análise e atuação na sociedade, considerando os três aspectos da cultura, sem desconsiderar nenhuma das partes. Isso porque tanto a enunciação, como o indivíduo, quanto o contexto cultural no qual
estão inseridos, elementos trabalhados na dimensão espetacular, são de
extrema importância para o entendimento daquela cultura. Quando um
dos termos desta relação não é levado em conta, ocorre uma redução
ideológica da cultura. Assim é possível identificar as suas particularidades e atuar de maneira mais efetiva e eficaz para a promoção cultural e
mobilização daquele grupo para melhoras em seu contexto.
Pode-se dizer que a escolha deste modelo facilita o trabalho do comunicador com as dimensões da comunicação estratégica nos movimentos sociais, principalmente com a dimensão espetacular, que visa sair do
chamar a atenção e o interesse do sujeito, sair do comum e promover a
existência pública às causas sociais por meio das estruturas narrativas,
imagens, criação de personagens, ou seja, por meio do espetáculo.
Estes símbolos fazem parte da cultura de um grupo. Sendo a construção simbólica um fator imprescindível para a construção da identidade para a mobilização social - pois esta é capaz de desenvolver afetos
e paixões -, a proposta apresentada aqui é de atuar com cultura na dimensão espetacular da comunicação estratégia para essa esfera. A dimensão espetacular, como mencionado no item anterior, é responsável
por dar visibilidade e chamar a atenção do público para a mensagem e
a causa que está sendo defendida. Para isso, podem ser utilizados elementos culturais - como os símbolos compartilhados e costumes, por
1084
exemplo - daqueles indivíduos e, quando utilizados também na dimensão festiva, contribuem para o fortalecimento dos vínculos e sentimento
de pertencimento ao grupo. Assim, utilizando elementos culturais para
criação de uma identidade no projeto de mobilização social, é possível
gerar coesão e corresponsabilidade no grupo a fim de lutar pela causa
apresentada e efetuar de fato a mudança em sua realidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo apresentamos as contribuições da comunicação e relações públicas para o processo de mobilização social. Ferramentas de
planejamento, mapeamento dos públicos e relacionamento com a mídia,
por exemplo, são essenciais para o sucesso do projeto. Também são apresentadas algumas estratégias de comunicação para a mobilização social
em cada uma das três dimensões dos projetos: a espetacular, a festiva e a
argumentativa. Toda a atuação do profissional de relações públicas neste
contexto visa gerar e manter vínculos entre o projeto e seus públicos, assim como promover a participação, estando sempre alinhada aos objetivos gerais do projeto, ou seja, a promoção da mobilização social.
Além do fato de os movimentos e projetos ser formados essencialmente por pessoas e as causas que as unem, os vínculos são importantes
na medida em que, quanto mais próximos os públicos estão do projeto,
suas causas possuem mais visibilidade, agregando um maior número de
adeptos, exercendo mais pressão e contribuindo para a mudança social.
A questão da corresponsabilidade é de extrema importância, pois a partir
dela, quando os vínculos estão mais fortes, é que se consegue maior engajamento e participação dos indivíduos para promover a mobilização.
Em um movimento ou projeto social são identificadas três dimensões: a espetacular, a festiva e a argumentativa. O relações públicas deve
estabelecer estratégias comunicativas para cada uma dessas dimensões,
considerando as especificidades não apenas do projeto, mas também de
seus públicos. Conhecer a cultura neste contexto é essencial para estabelecer estratégias de ações mais assertivas. Isto se dá não apenas pelo
fato de se saber as características daquele público específico, mas também por poder utilizar elementos simbólicos daquela cultura para gerar
sentimento de pertencimento, promovendo a corresponsabilidade, a
participação e fortalecendo os vínculos. Além disso, é possível enten1085
der a realidade e as necessidades daquela “comunidade”, podendo então
auxiliá-los a lutar por suas reais causas.
O campo de estudo da cultura como elemento importante para
promover mobilização social é amplo e ainda há muito que ser explorado. O relações públicas, ao conhecer os públicos estratégicos, é capaz
e elaborar estratégias de comunicação que trabalhem para a identificação com elementos culturais. Ainda que apresentamos os principais
conceitos, esta temática pode ser explorada por futuros pesquisadores
da área. As relações públicas sociais no Brasil ainda estão no começo,
com pouca literatura especializada, é necessário explorar e desenvolver
essa dimensão da atividade.
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1087
|4|
OS CONFLITOS ENTRE AS ORGANIZAÇÕES E O
PÚBLICO LGBT: PERSPECTIVAS DE ATUAÇÃO DO
RELAÇÕES- PÚBLICAS
Felipe Franklin Anacleto da Costa1 e Júlio Afonso Sá de Pinho Neto2
RESUMO
O público LGBT conquistou diversos direitos no
Brasil. Porém, a ocorrência da homofobia institucional revela a necessidade de mais avanços. Considerando que as
Relações Públicas podem melhorar este cenário, o artigo
analisa como o profissional da área pode contribuir na gestão do relacionamento com este público nas organizações.
Realizou-se uma pesquisa bibliográfica e, em seguida, uma
pesquisa documental no Espaço LGBT3 para conferir os casos de homofobia institucional ocorridos em João Pessoa/
PB, entre 2011 e 2013. Por fim, foi empreendida uma pesquisa de campo nas ONG’s que defendem este público na
cidade, a fim de conhecer as suas atuações contra este tipo
de crime. Verificou-se um número expressivo de denúncias
no período, bem como uma atuação incipiente das ONG’s
para garantir a inclusão dos LGBT’s nas ações das organizações locais, além de possibilidades de atuação do relações-públicas neste contexto.
Graduado em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas
pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: feanacletorp@gmail.com.
1
Orientador do trabalho. Professor do Curso de Graduação em Relações Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da
Universidade Federal da Paraíba. E-mail: sadepinho@uol.com.br.
2
Centro de Referência de Direitos de LGBT e Enfrentamento à Homofobia no
Estado da Paraíba.
3
Palavras-chave: Público LGBT; Movimento LGBT;
Homofobia institucional; ONG’s; Relações Públicas.
INTRODUÇÃO
Após séculos de lutas, são notáveis as conquistas de negros, mulheres
e homossexuais, as chamadas “minorias”. Tais conquistas se refletiram em
diversas esferas, como o Trabalho, a Educação e a Justiça. Anteriormente
reféns de diversos procedimentos que os aprisionavam e invisibilizavam, a
exemplo do trabalho escravo, da restrição ao lar e aos filhos, e da reclusão
para evitar a discriminação e o preconceito, estes personagens mostram
empoderamento e ocupam papéis de destaque na sociedade.
Refletir sobre lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
significa pensar em públicos que conquistaram direitos fundamentais
e que possuem instituições que atuam em suas proteções. Alguns desses direitos são a possibilidade de união civil e a adoção de crianças, o
tratamento para mudança de sexo oferecido gratuitamente no Sistema
Único de Saúde (SUS) e a vigência da Lei nº 9.029/95, que coíbe condutas
discriminatórias nas relações de trabalho.
Os protestos de Stonewall nos Estados Unidos são considerados
como os atos catalisadores para a gênese do movimento LGBT em vários países. No dia 28 de junho de 1969, uma blitz policial ocorreu no bar
Stonewall In, localizado numa região conhecida como Village, na cidade
de Nova York. Os policiais realizaram algumas detenções e um deles teria agredido uma lésbica com uma pancada na cabeça. Tal atitude foi
o estopim para que a mesma incitasse uma rebelião, que contou com a
adesão dos presentes no local. Após o fato, outras manifestações ocorreram até o dia 02 de julho do mesmo ano, assinalando um marco para
o público homossexual, pois representava o fim da passividade a que
se submetiam. De acordo com Silva (2011, p.40): “os acontecimentos de
Stonewall deram início a uma nova fase do movimento lesbigay marcada por uma transformação política tanto no que se refere às estratégias
e pautas do movimento quanto em relação ao seu conteúdo ideológico”.
1089
No Brasil, existe um acordo entre alguns pesquisadores que o pontapé inicial para a consolidação do movimento organizado de gays, lésbicas,
bissexuais, travestis e transexuais ocorreu no país a partir do surgimento
do Grupo Somos e do Jornal Lampião, primeira publicação destinada ao
público homossexual a ser comercializada em bancas de jornais e revistas, na década de 70 (COTTA, 2009; FACCHINI e FRANÇA, 2009).
Atualmente, observa-se uma ampla repercussão midiática em relação à temática LGBT, seja pela discussão acerca de direitos, por propostas
de candidatos na campanha eleitoral brasileira do ano de 2014 ou pela
grande ocorrência de crimes contra gays, lésbicas, travestis e transexuais.
Uma parte significativa destes crimes ocorre no âmbito das instituições e
recebem a denominação de homofobia institucional, que pode ser definida mais detalhadamente como: “formas pelas quais instituições discriminam pessoas em função de sua orientação sexual ou identidade de gênero
presumida” (BRASIL, 2011, p.9). Portanto, aos desrespeitá-los, estas organizações não têm consciência da importância destes públicos.
Por outro lado, percebendo o crescente potencial de consumo dos
LGBTs, algumas organizações têm trabalhado no desenvolvimento de
ações específicas para estes, estejam eles compondo o público interno
(colaboradores) ou o público externo (consumidores). Segundo Nucci
(2014), esta parcela populacional movimenta cerca de R$ 150 bilhões
por ano no Brasil e corresponde a 10% da população nacional, conforme
o último senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Como sistemas abertos, que influenciam e recebem influências
do ambiente externo, as organizações não podem se privar de dialogar
com as questões sociais do seu entorno. O contexto atual é marcado
pela imprevisibilidade e por ameaças, o que torna as organizações cada
vez mais vulneráveis aos fatores externos. Em meio a essas incertezas,
pensando em sobreviver, elas devem passar a adotar um pensamento
menos linear e mais estratégico (FERRARI, 2011). A lógica econômica
que domina a visão do mercado deve ser gradativamente substituída
por uma nova postura que vá além dos lucros e considere relevantes as
questões sociais. Fatores como qualidade de produtos e serviços, preço
competitivo, atendimento ágil e cordial e divulgação consistente não se
constituem mais como grandes diferenciais, é preciso considerar outras
possibilidades para a construção de uma boa reputação.
1090
Ferrari (2011) ainda acrescenta que questões como responsabilidade social, desenvolvimento sustentável, direito do consumidor e exercício pleno da cidadania devem estar presentes nos objetivos estratégicos das organizações. Logo, o ideal é que não se restrinjam a algumas
ações isoladas e sim estejam na filosofia de atuação, ou seja, no que elas
são, em como atuam e nos discursos que adotam.
Neste sentido, a quantidade de iniciativas organizacionais voltadas ao público homossexual foi se ampliando a partir dos anos
2000 e despertou a atenção de entidades como o Instituto Ethos de
Responsabilidade Social (2013) que lançou um manual intitulado “O
compromisso das empresas com os direitos humanos LGBT” com diretrizes para o desenvolvimento de ações do tipo, assim como alguns cases
de sucesso. Em meio a multinacionais do porte da Google, da Walmart
e da P&G, instituições brasileiras, como o Banco do Brasil e a Caixa
Econômica Federal também se destacam neste sentido.
O Banco do Brasil menciona em sua carta de princípios o empenho no combate a atitudes segregatícias de diversas ordens: “Repelir
preconceitos e discriminações de gênero, orientação sexual, etnia, raça,
credo ou de qualquer espécie” (BANCO DO BRASIL, 2014). Além disso,
a instituição realizou em 2013 a campanha “Financiamento Imobiliário
para casais do mesmo sexo: no Banco do Brasil você pode”, em que defendia a igualdade de direitos para este público ao conceder a ele um
benefício já oferecido aos casais heterossexuais.
Já a Caixa Econômica Federal foi além e implementou diversas ações
para o público LGBT interno e externo, a exemplo da criação da licença-adoção para casais em união homoafetiva e o patrocínio à Parada do
Orgulho LGBT de São Paulo. A instituição também contempla os casais homoafetivos em sua política de benefícios trabalhistas desde 2006: “A medida
permitiu que funcionários incluíssem seus companheiros homossexuais e
os filhos dessa união no plano de saúde corporativo e plano de previdência
privada, entre outras coisas” (INSTITUTO ETHOS, 2013, p. 69).
Diante desse panorama, esse estudo aborda o papel do profissional de relações públicas na gestão do relacionamento com o público LGBT nas organizações. Segundo Murade (2007, p. 151), as Relações
Públicas “[...] por meio da comunicação, possibilitam a persuasão dos
grupos e a viabilização do consenso para as práticas organizacionais,
1091
sob o argumento da harmonia social e da compreensão mútua”. Fortes
(2003) ratifica a opinião de Murade ao afirmar que essa atividade corrobora para a melhoria da compreensão e da colaboração entre as instituições e os grupos sociais vinculados a elas, promovendo a harmonização
dos interesses. Integram as funções das Relações Públicas: pesquisa,
planejamento, assessoria, consultoria, execução e avaliação.
Na pesquisa levantam-se as primeiras informações sobre a organização-cliente e percepções dos públicos sobre ela. Constitui-se como
uma etapa primordial, pois é nela em que são verificados os problemas
de relacionamento que podem comprometer o pleno funcionamento
e os objetivos da instituição. Além disso, tem como objetivos, segundo
Kunsch (2003, p. 278):
[...] construir diagnósticos da área ou do setor de comunicação organizacional/institucional; conhecer em profundidade
a organização, sua comunicação e seus públicos para a elaboração de planos, projetos e programas especiais de comunicação; fazer análise ambiental interna e externa, verificando
quais implicações que possam afetar os relacionamentos.
O processo das Relações Públicas, na sua fase de planejamento
estabelece que devam ser elaborados programas, projetos e ações, observando a especificidade de cada caso, com a finalidade de auxiliar na
superação das deficiências apontadas na pesquisa. Em suma, é um trabalho que visa facilitar a realização de ações futuras, arquitetando-as de
acordo com o que se almeja. É algo impossível de se conceber de forma
isolada, uma vez que deverá sempre estar ligado a algum contexto, permeando situações cotidianas da vida de pessoas, grupos e instituições,
sejam públicas, privadas ou da sociedade civil (KUNSCH, 2003).
Já o exercício da assessoria e da consultoria corresponde ao suporte à administração com o fornecimento de informações e conselhos,
é primordial na interpretação de cenários e tendências do mercado e
do ambiente social como um todo. A função de execução, por sua vez,
se ocupa da realização plena dos programas, projetos e ações de comunicação estabelecidos no planejamento. Por fim, a função de avaliação,
com base em técnicas e instrumentos de pesquisa e mensuração, identifica possíveis falhas e aponta se os objetivos foram alcançados.
1092
O PERCURSO METODOLÓGICO
Para a viabilização do trabalho, realizou-se uma pesquisa bibliográfica junto a obras de autores que versam sobre a constituição do
movimento LGBT no Brasil, os direitos desta população, assim como as
teorias e fundamentos das Relações Públicas. Neste último tema, deu-se
prioridade a estudos que tratassem das Relações Públicas Comunitárias,
vertente que aborda a contribuição da área para o fortalecimento da cidadania dos grupos populares e da atuação das organizações da sociedade civil e do terceiro setor.
Inicialmente foram levantados a partir de uma pesquisa documental, os casos de homofobia institucional ocorridos no período compreendido entre os anos de 2011 a 2013, na cidade de João Pessoa/PB.
Os documentos analisados foram os relatórios do Disque 100 (Disque
Direitos Humanos), serviço do governo federal para a realização de denúncias acerca da violação dos direitos humanos. A coleta de dados
aconteceu em dois períodos distintos, entre o final do mês de maio
e o começo do mês de junho de 2014 e foi empreendida no Espaço
LGBT (Centro de Referência dos Direitos de LGBT e Enfrentamento à
Homofobia na Paraíba), órgão mais antigo mantido pelo Governo do
Estado para o atendimento jurídico de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Por fim, no mês de outubro de 2014, uma pesquisa de campo foi
desenvolvida junto a duas das três organizações do terceiro setor que
atuam na defesa dos direitos do público LGBT no Estado da Paraíba,
localizadas na capital João Pessoa. Foram elas: Movimento do Espírito
Lilás (entidade representativa dos gays) e Grupo Maria Quitéria (entidade representativa das lésbicas). A pesquisa não foi desenvolvida na
Associação dos Travestis e Transexuais do Estado da Paraíba (Astrapa)
devido a dificuldade, após sucessivas tentativas, de obter junto aos seus
membros as informações necessárias à pesquisa. Buscaram-se depoimentos acerca dos casos de homofobia institucional, e também opiniões referentes às instituições que têm como objetivo prestar assessoria
jurídica e psicológica ao público LGBT. Durante esta etapa foram realizadas entrevistas semiabertas com um membro de cada ONG, totalizando dois entrevistados. Este tipo de entrevista segue um roteiro de
1093
questões que pode ser alterado no momento de sua aplicação, pois a
argumentação do entrevistado pode suscitar outros questionamentos.
Os dados foram tratados posteriormente mediante o método da
análise de conteúdo. Considerado um método quanti-quali por possuir
natureza quantitativa e qualitativa, a análise de conteúdo pode se aproximar mais de uma abordagem ou de outra, dependendo dos anseios do
pesquisador. Em meio a variadas propostas de utilização, optou-se por
utilizar a proposição da autora francesa Laurence Bardin (1988), em que
divide o método em três etapas: pré-análise (planejamento do trabalho
e escolha dos documentos), exploração do material (análise dos dados
e codificação) e tratamento dos resultados e interpretações (divisão dos
dados codificados em categorias e inferências sobre tais). Sendo assim,
estabeleceram-se quatro categorias.
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Este tópico contém a apresentação e a interpretação dos dados
coletados através da pesquisa documental realizada no Espaço LGBT e
da pesquisa de campo desenvolvida junto às organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos e da cidadania da população
LGBT na Paraíba.
Nas ONG’s, os entrevistados foram a coordenadora administrativa
do Grupo Maria Quitéria e o coordenador de projetos e ex-vice-presidente do Movimento do Espírito Lilás (MEL), ambos com bastante tempo de atuação e descritos aqui, por uma questão de garantia da privacidade dos sujeitos da pesquisa, pelos códigos E1 e E2, respectivamente.
Conflitos entre as organizações e o público LGBT em João Pessoa
Os relatórios pesquisados não apresentam uma definição comum
para os tipos de violência registrados, cada caso é descrito conforme as suas
especificidades. Percebeu-se, no entanto, que a maioria das ocorrências de
negligência diz respeito à recusa de atendimento por parte de funcionários
ou servidores ou mesmo a conivência de superiores que, tendo conhecimento do desrespeito à população LGBT, não tomam medidas para combatê-lo nas instituições. Já os casos de discriminação e agressão psicológica
são apresentados como sinônimos e indicam a emissão de xingamentos e
termos homofóbicos, como “viado”, “sapatão”, entre outros.
1094
As ocorrências envolvendo travestis e transexuais representaram
um total de 17 denúncias, constituindo-se como a maioria dos 31 casos registrados em tais relatórios, o que pode ser compreendido pelo
fato dessas pessoas externarem de forma mais clara as suas orientações sexuais e identidades de gênero, diferentemente de gays e lésbicas,
que possuem mais facilidade para ocultar tais condições. Cinco dessas
denúncias feitas por travestis e transexuais diz respeito a condutas negligentes no reconhecimento dos seus nomes sociais, isto é, no direito
à utilização dos nomes pelos quais se intitulam no dia a dia em documentos como cadernetas escolares, crachás, etc. A Portaria n° 3844 da
Prefeitura Municipal autoriza o reconhecimento do nome social em
serviços públicos do município de João Pessoa, o que torna ainda mais
grave a postura da Universidade Federal da Paraíba (3)5, do Instituto
Federal da Paraíba (1) e do Hospital Clementino Fraga (1), instituições
sobre as quais incidem as referidas denúncias.
Aliás, observou-se que 24 casos de preconceito, portanto a grande maioria, ocorrem em órgãos públicos, havendo também algumas
denúncias ocorridas em empresas. Contudo, estas se apresentam em
número bastante reduzido, apenas sete. Tal fato revela o já conhecido
descaso destas instituições públicas no atendimento à população e o
despreparo de seus servidores para lidar com a diversidade humana.
Ainda mais alarmante é o fato de grande parte dessas instituições, mais
especificamente sete delas, serem da área da saúde, revelando que num
serviço público básico do qual se espera um atendimento humanizado
e uma assistência igualitária para todos que o requisitarem, ocorrem
flagrantes desrespeitosos a direitos tão essenciais. Todavia, é sobre as
instituições públicas da área de educação que recaem a maior parte das
denúncias encontradas, num total de nove.
As organizações públicas, assim como as demais, possuem a obrigação de tratar com dignidade e respeito todos os públicos para os quais
oferecem os seus serviços. Uma denúncia de agressão ou negligência a
Disponível em: <http://www.abglt.org.br/docs/Portaria_384_2010_Joao_
Pessoa.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2014.
4
Quantidade de denúncias relacionadas ao não reconhecimento do nome social por instituição.
5
1095
uma pessoa LGBT pode, caso venha a ser comprovada, ocasionar severas
punições aos envolvidos. Tais ocorrências podem reverberar para toda a
sociedade, tornando-se de domínio dos movimentos sociais, que se articulam para realizar diferentes formas de manifestações que via de regra
acabam repercutindo na mídia, provocando efeitos danosos à reputação
das instituições envolvidas, sobretudo numa cidade como João Pessoa,
que possui organizações da sociedade civil que atuam já há diversos anos
pela defesa dos direitos da população homossexual, o que pode ser constatado a seguir na análise dos dados da pesquisa de campo.
ANÁLISE DAS CATEGORIAS
A partir da proposta metodológica de Bardin (1988), estabeleceram-se quatro categorias de análise. São elas a consolidação do movimento
LGBT em João Pessoa, a atuação do movimento LGBT em João Pessoa contra
a homofobia institucional, as medidas adotadas pelas organizações de João
Pessoa para evitar o preconceito contra o público LGBT e por fim, as contribuições possíveis para o enfrentamento da homofobia institucional.
CONSOLIDAÇÃO DO MOVIMENTO LGBT EM JOÃO PESSOA
Na categoria 1 foram analisadas as declarações sobre o surgimento e a estabilização das ONG’s que lutam pela causa LGBT em João
Pessoa, que segundo E2 caracterizam-se como “mongas”, uma mistura
de movimentos sociais com ONG’s, que além de cumprir ações pontuais,
tem o papel de “atuar como sociedade civil organizada, cobrando direitos, cobrando leis, cobrando coisas dos governos”.
Foi constatado que a organização pioneira que defende o público LGBT na cidade de João Pessoa, o Movimento do Espírito Lilás,
teve origem na década de 90, num período marcado pela extinção de
diversos grupos de ativistas no Sudeste e constituição de novos grupos
no Nordeste, representados principalmente pelo Grupo Gay da Bahia,
organização até hoje reconhecida como uma das mais atuantes neste
sentido. O Grupo Maria Quitéria, por sua vez, surgiu uma década depois
com o objetivo de mobilizar-se diante de pautas mais específicas relacionadas às mulheres lésbicas. Segundo E1: “nós enquanto mulheres tínhamos o nosso empoderamento, os nossos problemas e não tinha mais
1096
como dialogar entre os problemas dos outros segmentos. Os problemas
são muito distintos”.
A existência dessas ONG’s e o fato de que sempre estiveram unidas sinalizam a forte representação que o público LGBT possui na capital paraibana. De acordo com E2, em 23 anos de atuação do movimento
LGBT no Estado da Paraíba, as conquistas ainda são incipientes, porém
significativas: “cela no presídio [...] Espaço LGBT, Conselho Estadual, Lei
Municipal, Secretaria...”. Isso evidencia a organização política e o potencial de mobilização destas organizações que conforme E2, levam as demandas desse público para os governos e permanecem fazendo pressão
até que suas reivindicações sejam atendidas.
A articulação política destes movimentos pode ser notada ainda
na participação estratégica das ONG’s na campanha eleitoral do ano de
2014, apoiando os candidatos que têm priorizado o atendimento às suas
reivindicações numa tentativa de garantir a continuidade dos avanços
já conquistados historicamente. De acordo com E2, o público LGBT já
não é mais uma minoria e mesmo aquelas pessoas que não assumem a
sua orientação sexual, tendem a apoiar candidaturas que contemplem
a questão LGBT em suas propostas. Logo, “isso pesa para os outros candidatos, com certeza, e talvez numa próxima eleição eles pensem duas
vezes antes de desfavorecer o segmento LGBT”.
Outro sinal da articulação entre os movimentos da cidade é a realização de ações em conjunto, a exemplo do Dia do Orgulho LGBT e do
Dia do Combate à Homofobia, que têm dado visibilidade à causa por
meio da exposição na mídia local, como também auxiliado no reconhecimento de direitos desse público específico.
ATUAÇÃO DO MOVIMENTO LGBT EM JOÃO PESSOA
CONTRA A HOMOFOBIA INSTITUCIONAL
Na categoria 2 foram avaliadas as ações desenvolvidas pelas organizações da sociedade civil que compõem o movimento LGBT de João
Pessoa no tocante ao problema da homofobia institucional. De acordo
com E1, existe uma demanda por uma atuação no combate a este tipo
de preconceito, logo esta categoria se destina a discutir se o que vem
sendo feito está atendendo a esta demanda ou não.
1097
De acordo com as declarações de E1 e E2, as ONG’s encaminham os
casos para os órgãos protetivos dos governos estadual e municipal, principalmente o Espaço LGBT, por ser o órgão mais antigo do Estado que trabalha na assistência jurídica à população homossexual. E2 ainda revelou
o empenho de sua instituição na divulgação destas políticas públicas, a
exemplo da Lei Estadual nº 73096, que protege a população LGBT contra
preconceitos no âmbito das instituições e do Disque 100 (Disque Direitos
Humanos). O registro das denúncias pelo Disque 100 torna-se ainda mais
importante, pois segundo E2: “É uma forma de a gente fazer desses casos,
estatísticas e transformar essas estatísticas em provas para conseguir obter políticas”. Com a posse dos relatórios deste serviço, estas organizações
da sociedade civil têm argumentos contundentes para pressionar o poder
público, que responde as reivindicações com a elaboração de políticas públicas direcionadas ao público homossexual.
Outra ação importante, abordada por E1 é a realização de cursos
de capacitação para os profissionais do serviço público no que se refere ao atendimento da população LGBT. Ao mencionar um curso que
ocorreu no Centro de Referência de Mulheres do Estado da Paraíba,
instituição que presta assistência jurídica e psicológica à população feminina, E1 comenta: “O atendimento da mulher lésbica e bissexual é
diferente do atendimento de uma mulher heterossexual porque ela já
vem acompanhada da lesbofobia e bifobia também”. Devido ao caráter
da instituição, pressupõe-se que ela já tenha em seus valores e princípios
operacionais a sensibilização para atuar junto a esse perfil de pessoas,
porém E1 enfatiza a relevância dessas ações para a construção de um
atendimento mais especializado e humanizado.
Segundo o artigo 2, inciso 1 da referida lei, constitui ato de discriminação
em razão da orientação sexual: “impedir ou dificultar acesso, recusar o atendimento ao usuário, cliente ou comprador, em estabelecimentos públicos ou
particulares”. De acordo com o inciso 10 do mesmo artigo, também se constitui
como discriminação por orientação sexual: “negar emprego, demitir sem justa causa, impedir ou dificultar a ascensão profissional na iniciativa pública ou
privada”. A Lei ainda prevê em seu artigo 4 sanções como multa, suspensão ou
cassação do alvará ou autorização do funcionamento para as instituições que
a infringirem. Disponível em: <http://www.abglt.org.br/docs/Lei7309Paraiba.
pdf>. Acesso em: 25 nov. 2014.
6
1098
Entretanto, a essência e a atuação das organizações da sociedade civil “cujos programas objetivam atender direitos sociais básicos e
combater a exclusão social...” (SZAZI apud ROQUE, 2007, p. 238) implica
além de uma atuação preventiva com base na capacitação e conscientização, na necessidade de uma atuação mais firme e combativa, vista principalmente na atuação do MEL num caso ocorrido em um dos
shoppings centers da capital paraibana. Em parceria com a Comissão
de Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo da OAB/PB7, a ONG organizou um ato intitulado por “Beijaço” no referido shopping. Conforme
matéria do site Paraíba Urgente8, o Movimento protestou devido a um
comentário homofóbico proferido pela proprietária de um dos estabelecimentos comerciais e também esposa de um dos donos do shopping
que teria dito que beijos entre homossexuais deveriam ser proibidos no
interior daquele recinto. Ainda segundo a matéria, a acusada negou ter
feito os comentários, mas admitiu que os seguranças eram orientados a
pedir para que os homossexuais parassem de se beijar, devido a presença de crianças naquele local.
MEDIDAS ADOTADAS PELAS ORGANIZAÇÕES DE JOÃO PESSOA PARA EVITAR O
PRECONCEITO CONTRA O PÚBLICO LGBT
A categoria 3, por sua vez, analisou as ações direcionadas ao público LGBT que são desenvolvidas pelas empresas locais. E1 e E2 concordam que não existem empresas que desenvolvam ações específicas
voltadas ao público LGBT na cidade de João Pessoa. Algumas ações pontuais foram mencionadas, como a realização de campanhas de combate
ao preconceito e de reconhecimento do relacionamento homoafetivo
pela empresa de call center AeC e pela Floricultura Paraíso das Flores,
respectivamente. Porém, nenhuma dessas empresas possui um projeto consistente nesse sentido, se limitando a desenvolver apenas ações
e/ou campanhas pontuais para este tipo de público. A contratação de
travestis e transexuais pela empresa AeC ainda foi mencionada pelos en7
Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Paraíba.
Disponível em: <http://www.paraibaurgente.com.br/s/destaque/movimento-lgbt-realiza-beijaco-em-protesto-neste-domingo-no-shopping-tambia>.
Acesso em: 25 nov. 2014.
8
1099
trevistados, mas esta postura não se constitui como uma ação pujante
nesse sentido, pois é mais que justo que tais indivíduos sejam contratados caso possuam as competências necessárias para o preenchimento
de determinadas vagas de emprego. No entanto, é importante notar que
diante das dificuldades encontradas por esse público para conseguir
empregos formais, as empresas que absorvem a sua mão de obra acabam sendo reconhecidas.
AS CONTRIBUIÇÕES POSSÍVEIS PARA O ENFRENTAMENTO DA HOMOFOBIA
INSTITUCIONAL
Para finalizar, a categoria 4 diz respeito às declarações sobre possíveis contribuições para o combate à homofobia institucional. A pouca
quantidade de sugestões assinala que esta problemática é algo ainda novo
para os integrantes das ONG’s pesquisadas. A denúncia, a divulgação e
o aconselhamento pela procura dos serviços públicos foram indicados,
porém são iniciativas básicas e que se aplicam a qualquer caso de homofobia, não só aos problemas ocorridos em instituições. Já a capacitação
está diretamente ligada à busca pelo aperfeiçoamento no relacionamento
entre profissionais e usuários dos serviços. Contudo, tal esforço só ocorre,
segundo E1, em organizações públicas. Em nenhum momento E1 e E2
mencionaram atuar, estando à frente de movimentos de defesa dos direitos da população LGBT, junto às empresas locais com o intuito de conscientizá-las sobre as dificuldades encontradas por travestis e transexuais
para ingressar no mercado de trabalho ou mesmo para alertá-las sobre os
benefícios que estas poderiam obter desenvolvendo projetos e ações voltadas ao público LGBT. Isto denota que faltam às ONG’s um conhecimento mais específico sobre o tema que em face da sua enorme importância
não pode ser ignorado ou negligenciado pelas organizações.
A CONTRIBUIÇÃO DAS RELAÇÕES PÚBLICAS NESTE CENÁRIO
Como pode ser constatado, os movimentos sociais que defendem o segmento LGBT na cidade de João Pessoa são bastante articulados, representando um risco para as organizações locais que desrespeitarem os direitos deste público ou que não o contemplem em suas
decisões. Além disso, a ocorrência significativa de denúncias sobre homofobia institucional na cidade de João Pessoa nos últimos três anos
1100
torna evidente a necessidade do estabelecimento de ações de relações
públicas especialmente voltadas para o público LGBT nas organizações
locais. Tal estado de coisas diz respeito não somente ao setor privado,
mas também está relacionado às instituições públicas, sobre as quais se
espera um comprometimento ainda maior com a prestação de serviços
para a população sem qualquer tipo de distinção de raça, cor, orientação
sexual ou identidade de gênero. Tomando-se como princípio os pressupostos das Relações Públicas Comunitárias, elas deveriam se posicionar
claramente pela diminuição das desigualdades sociais e promoção de
uma cultura de respeito e valorização das minorias.
O coordenador de projetos da ONG Movimento do Espírito Lilás
mencionou, durante a entrevista, que a educação das pessoas no que
diz respeito a questões voltadas para a orientação sexual e a identidade de gênero é um quesito que precisa avançar. É exatamente aí que as
Relações Públicas podem contribuir muito com projetos e ações para
transformar esta realidade. Oliveira (2007) ressalta a possibilidade de
atuação do profissional dessa área elaborando projetos educativos, que
podem ser capazes de resgatar a valorização do público LGBT tanto no
âmbito interno como externo às organizações. Segundo a autora, estas
iniciativas podem ser realizadas no âmbito de instituições de ensino ou
até mesmo nas próprias organizações. A elaboração de cartilhas, boletins informativos, materiais audiovisuais, cursos, entre outros instrumentos, são alguns exemplos de ações que, dentro de estratégias de distribuição e comunicação, podem ser empregados por este profissional.
Ainda segundo a autora:
a elaboração de projetos sociais, seja por parte das entidades
sociais, seja por parte das empresas, como também dos órgãos governamentais, pode contar com a assessoria do profissional de relações públicas, apto a planejar e desenvolver a
parceria entre os diversos setores da sociedade (OLIVEIRA,
2007, p. 188).
A atividade de Relações Públicas também pode ser especialmente desenvolvida nas organizações do terceiro setor, a exemplo do
Movimento do Espírito Lilás e do Grupo Maria Quitéria. O profissional
pode utilizar do seu conhecimento para pressionar o poder público com
a finalidade de conquistar políticas públicas, divulgando notícias e ma1101
teriais informativos sobre as estatísticas dos crimes ocorridos contra
a população LGBT, gerenciando páginas na internet e elaborando materiais em outros meios como ferramenta para mobilização de atos e
protestos. A atuação pode se estender também aos empresários da cidade, alertando-os sobre os problemas para a inserção no mercado de trabalho de alguns segmentos da população LGBT; sugerindo políticas de
recursos humanos como reserva de cotas, benefícios familiares estendidos a funcionários que tenham parceiros do mesmo sexo; realizando
campanhas contra a homofobia institucional, etc. Há ainda a possibilidade de contribuir com ações para a captação de recursos, mostrando
para possíveis doadores o valor e a importância das causas ou como os
próprios membros das ONG’s chamam, as suas “bandeiras de luta”.
Mais do que satisfazer apenas as aspirações de determinados
segmentos de públicos, essa vertente das Relações Públicas está particularmente preocupada com as questões sociais de uma forma geral,
assumindo um compromisso com os direitos humanos e trabalhando
pela igualdade de oportunidade para todos. Ela enxerga no homem a
possibilidade de contribuir para a construção de uma sociedade justa e
livre, observa as desigualdades sociais e os contrastes entre as classes e
acredita nas oportunidades de mudança e na sociedade civil como propulsora destas, auxiliando dessa maneira a construir uma nova hegemonia (PERUZZO apud MURADE, 2007).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As décadas de lutas e pressões exercidas por ativistas impulsionaram a formação de um movimento LGBT consistente e atuante e, por
consequência, a conquista de vários direitos nos campos do Trabalho,
Educação, Justiça, entre outros. Entretanto, as violações a esses direitos
são constantes, a exemplo da ocorrência de inúmeros casos de homofobia institucional.
Nesse sentido, a pesquisa constatou a ocorrência de uma quantidade significativa de casos de homofobia institucional na cidade de
João Pessoa/PB, revelando o despreparo das organizações locais para
lidar com a diversidade de crenças e condições sexuais. Tais ocorrências
estão ligadas, na maioria dos casos a instituições públicas da área de
Saúde e da Educação, algo que se revela ainda mais alarmante.
1102
Em algumas oportunidades, os movimentos sociais de João
Pessoa se posicionaram e realizaram atos em protesto a posturas discriminatórias de empresas locais, provocando grande repercussão negativa para estas organizações na mídia, seja ela impressa, televisiva ou
digital. Apesar da articulação do movimento LGBT da cidade e da ação
combativa nestes casos, observou-se que a atuação ainda é incipiente
no sentido de ir ao local da ocorrência, dialogar com os empresários e
gestores locais e conscientizá-los da importância deste público.
Neste contexto, a atuação do profissional de relações públicas é
de fundamental importância, pois este é o responsável por gerenciar o
relacionamento de uma organização com seus diversos públicos de interesse. Na elaboração do planejamento estratégico de relações públicas, ele pode sugerir uma política de comunicação direcionada à promoção da diversidade, com projetos e ações voltados para os funcionários,
tornando o ambiente de trabalho mais flexível e aberto a mudanças. Tal
esforço pode também ser direcionado para os consumidores, impulsionando uma maior identificação destes com os produtos e/ou serviços
oferecidos pelas empresas. Há possibilidades de atuação também junto
aos movimentos sociais e à sociedade civil organizada que lutam pela
causa LGBT, onde há espaço para desenvolver ações e estratégias com a
finalidade de pressionar o poder público para atender as reivindicações
dessas entidades, assim como também para auxiliar na captação de recursos, algo fundamental para a sobrevivência destas ONG’s. Em todas
essas situações, a atuação das Relações Públicas estará contribuindo
para o despertar de uma consciência social nas organizações, fazendo
com que estas passem a combater um problema cada vez mais atual e
preocupante: a discriminação.
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1105
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A GESTÃO DA ÉTICA ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO DO
RELACIONAMENTO ENTRE A EMPRESAS DA CONSTRUÇÃO
CIVIL DE LONDRINA-PARANÁ E SUAS COMUNIDADES.
Débora Maria Facci Cardoso1
e Zilda Aparecida Freitas de Andrade2
RESUMO
A gestão do relacionamento entre organização e comunidade ganha cada vez mais destaque no contexto empresarial. Em vista deste crescimento, o projeto de Pesquisa
de Iniciação Científica foi desenvolvido com o propósito de
identificar e analisar de que forma se dá a gestão da ética
organizacional, sob a perspectiva da comunicação – e aplicação das relações públicas – no contexto da relação empresa e comunidade. O estudo teve como principal objeto
de análise a atuação das empresas de engenharia civil de
Londrina/PR, no que se refere a aplicação do código de ética organizacional e ações desenvolvidas no contexto do relacionamento com as suas comunidades. Constatou-se que
as empresas mencionadas preocupam-se com práticas corretas e benéficas a todos.
Palavras-chave: Código de ética; Relacionamento com a
comunidade; Relações Públicas.
Discente do curso de Comunicação Social – Relações Públicas - da Universidade Estadual de Londrina-UEL. Autora do Projeto de Iniciação Científica “A gestão
da ética organizacional no relacionamento entre as empresas da construção civil
de Londrina – PR e suas comunidades”. E-mail: deborafacci@hotmail.com
1
Docente do curso de Comunicação Social – Relações Públicas - Universidade
Estadual de Londrina - UEL. Orientadora do Projeto de Iniciação Científica. E-mail: zilda@uel.br
2
INTRODUÇÃO
A globalização das informações e comunicação, as contínuas
mudanças sociais e inúmeros efeitos que com estes florescem, encaminharam as organizações a repensarem e reestruturarem diversas
de suas ações e políticas. A gestão do relacionamento com os públicos, com base em uma comunicação eficaz, se torna essencial para
o sucesso e bom desenvolvimento das atividades, formação de imagem e relações empresariais. Com isso, as organizações percebem,
cada vez mais, a relevância de um programa de Relações Públicas
com seus públicos, especialmente com a comunidade, público este
que merece destaque.
O bom relacionamento com a comunidade gera grandes benefícios às partes envolvidas, mesmo quando estas possuem objetivos distintos – como muitas vezes ocorre entre empresa e comunidade. Para a
organização, ao primeiro olhar, o objetivo principal é se fazer conhecer
perante a comunidade. Mostrar sua missão, valores e metas, atividades,
como opera, enfim, o que ela é. Podendo a partir deste conhecimento,
corrigir conceitos errôneos sobre si, e assim, consequentemente, se
aproximar da comunidade e obter apoio à sua atuação. Entretanto, antes mesmo de almejar tais objetivos – a aceitação e a colaboração da
comunidade – é fundamental que a organização construa um relacionamento com base em um verdadeiro comprometimento e interesse no
desenvolvimento da comunidade.
É necessário conhecer as reais necessidades, os costumes, cultura, valores, anseios e atuar junto a este público de maneira ética e responsável, com a consciência do papel social das organizações na sociedade. As organizações devem atuar não de forma paternalista ou de
mera assistência financeira, mas sim, atentas e dedicada à promoção e
formação cultural, política, educacional, à melhoria da saúde e segurança da comunidade.
Como reflete Elizete Passos (2013, p. 62):
Inicialmente é preciso reconhecer que as empresas são sistemas sociais e, portanto, além de possuírem e seguirem teorias e técnicas, também se constituem em um sistema de
valores e crenças. Elas devem pôr em funcionamento o pa1107
trimônio cultural de um país e de um povo, sob pena de não
concretizarem o que a priori é sua principal funcionalidade:
o desenvolvimento social e econômico.
Para isto são necessárias políticas e princípios que pautem e direcionem as ações e relacionamentos organizacionais. Neste sentido, encontramos no Código de ética uma ferramenta importante para tal fim.
O Código de ética é uma ferramenta que formaliza e reúne as diretrizes
e orientações que regem a filosofia, as ações e a forma como se dão os
relacionamentos entre uma organização e os seus públicos.
O código de ética é um meio de informar os valores, a missão e os princípios da organização para todos os públicos. A
filosofia organizacional expressa no código orienta as ações
dos colaboradores, auxilia a alta administração na tomada
de decisão e dá as diretrizes aos relacionamentos. Para os
públicos, o código de ética pode ser utilizado para analisar
as intenções da organização com todos os seus públicos [...].
(ANDRADE, 2010, p. 83)
Faz se necessário salientar que, a ética não pode ser tratada como
uma estratégia competitiva ou de formação da boa reputação, mas sim
como um posicionamento que permeie todos os indivíduos e ações da organização. Portanto, a relação com a comunidade deve ser fundamentada
em uma conduta ética, com base no código de ética organizacional e na
sua aplicação, e que objetive o real desenvolvimento e valorização de toda
a comunidade. E que fique claro às organizações que não se trata apenas
de possui papéis e quadros nas paredes que defendam uma posição ou
qualificação ética, mas sim, que seus posicionamentos sejam expressos
na prática, por meio de ações socialmente responsáveis e verdadeiras.
Nota-se, portanto, a relevância da gestão do relacionamento com
a comunidade. Neste sentido, como proposta do projeto de Iniciação
Científica “A gestão da ética organizacional no relacionamento entre as
empresas da construção civil de Londrina-PR e suas comunidades” foi
aplicada a pesquisa visando compreender de que forma tem se desenvolvido a gestão do relacionamento entre empresas e comunidade, na
região de Londrina – PR. Como também, identificar qual a utilização
e importância do Código de ética e como se dá a atuação das Relações
Públicas neste contexto.
1108
O estudo foi realizado junto às três principais organizações do
setor de construção civil da região metropolitana de Londrina/PR, atuantes há mais de 40 anos na região. Tal seleção se deu com objetivo de
desenvolver a pesquisa apenas com organizações consolidadas no mercado da cidade e que, consequentemente, devido ao tempo de atuação,
devem (ou deveriam) possuir um relacionamento já estabelecido e fortalecido com seus públicos, especialmente com a comunidade.
A pesquisa foi realizada a partir de uma abordagem dialética,
portanto, qualitativa, tendo como técnicas a aplicação da entrevista em
profundidade (semi aberta) com representantes de cada organização.
Justifica-se a utilização da entrevista em profundidade por ser:
[...] uma técnica dinâmica e flexível, útil para a apreensão de
uma realidade tanto para tratar de questões relacionadas ao
íntimo do entrevistado, como para descrição de processos
complexos nos quais está ou esteve envolvido. É uma pseudoconversa realizada a partir de um quadro conceitual previamente caracterizado [...]. (DUARTE, 2006, p. 64).
A aplicação da entrevista em profundidade ocorreu no período de
julho a setembro de 2014, e obteve a colaboração e abertura de todas as
empresas contatadas. Porém, é preciso destacar, que das três organizações selecionadas para a entrevista, com apenas uma delas foi possível
a realização da entrevista pessoalmente, com as demais, o roteiro foi enviado e respondido por e-mail. A entrevista pessoal se torna mais rica em
detalhes devido a condução que o entrevistador pode realizar, contudo, as
duas entrevistas feitas por e-mail não se desqualificam em sua utilidade e
confiabilidade por atenderem as necessidades básicas da pesquisa.
Anteriormente a aplicação da entrevista, foi realizada uma pesquisa bibliográfica a fim de levantar e revisar alguns conceitos e pressupostos teóricos acerca dos temas tratados. Esta revisão bibliográfica foi
a base para a construção do roteiro da entrevista, como também compôs os fundamentos da perspectiva adotada na composição de todo o
estudo. Portanto, apresenta-se a seguir, resumidamente, os principais
eixos teóricos empregados, e em seguida, relata-se os resultados obtidos
na pesquisa de campo.
1109
REVISÃO TEÓRICA E RESULTADOS
As organizações são unidades intencionalmente construídas e
administradas a fim de atingir objetivos específicos e pré-determinados,
de maneira contínua, constituídas de diversos elementos, físicos, pessoais e subjetivos, que se relacionam em diversos níveis e de maneira
complexa. Entretanto, além de seus objetivos finais, é necessário que as
organizações, públicas ou privadas, sejam reconhecidas – e se reconheçam – como uma importante célula no desenvolvimento social e econômico de toda a sociedade a qual pertencem. Neste sentido, a atuação
empresarial junto a todos os públicos a ela envolvidos é essencial e precisa de atenção e cuidados em todos os momentos.
O público, de acordo com um dos principais autores de Relações
Públicas, é:
O agrupamento espontâneo de pessoas adultas e/ou de grupos sociais organizados, com ou sem contiguidade física com
abundância de informações, analisando uma controvérsia,
com atitudes e opiniões múltiplas quanto à solução ou medidas a ser tomadas frente a ela; [...] à procura de uma atitude
comum, expressa em uma decisão ou opinião coletiva, que
permitirá a ação conjugada. (ANDRADE, 1994, p. 32-34).
Dentre estes grupos, destaca-se, principalmente no que se refere à
atuação das organizações em sociedade – a comunidade. Comunidade é
um conceito complexo e de múltiplos entendimentos, dado a sua grande
abrangência e diferentes perspectivas pela qual pode ser analisada. Este
termo é frequentemente utilizado em diversas áreas, aplicando lhe significados que vão desde grupos sociais organizados, sociedade em geral,
ou determinados segmentos como “comunidade cristã”, “comunidade
universitária”, “comunidade imigrante”, entre outros.
Em Relações Públicas, a concepção dada ao termo, está relacionada não apenas com uma característica que distingue o grupo, mas sim
com aspectos mais subjetivos e abrangentes. Segundo Fortes (1998, p. 63),
a comunidade é: “Aglomerado de pessoas, que vivendo numa região, têm
essencialmente uma coesão consistente, baseada no consenso espontâneo de seus integrantes e traduzida por atitudes de cooperação, em face
de vantagens e ambições comuns”. Já Canfield (1970, p.197) afirma que,
1110
Comunidade é um grupo de pessoas que, por motivos de
trabalho, entretenimento, culto religioso, estudo ou satisfações sociais, vive numa mesma área. A fim de satisfazer suas
necessidades básicas de vida material, espiritual e social, as
pessoas estabelecem, em cooperação com os seus conterrâneos, instituições de serviço social.
Com base nestas referências, pode-se compreender que a comunidade constitui-se por indivíduos que possuem algum vínculo, seja ele
físico, de trabalho, lazer, cultural, religioso, entre outros, e que encontram controvérsias e necessidades comuns, que precisam do diálogo,
cooperação e ações conjugadas, discutidas coletivamente. A comunidade é um espaço de debate e satisfação das questões e objetivos comuns aos indivíduos envolvidos, por meio de decisões e ações tomadas
e realizadas de maneira coletiva, que não depende exclusivamente da
proximidade física.
Além de organizações, relacionamento e comunidade, os conceitos sobre ética também são fundamentais. Desde a Grécia, a Ética vem
sido estudada e definida por diversos autores. Com seu caráter subjetivo
e abrangência de significados, é alvo de muitas reflexões até os dias atuais. Para Arruda, Whitaker e Ramos (2001, p.30):
A Ética é a parte da filosofia que estuda a moralidade dos
atos humanos, enquanto livres e ordenados a seu fim último.
De modo natural, a inteligência adverte a bondade ou malícia dos atos livres, haja visto o remorso ou satisfação que se
experimenta por ações livremente realizadas. Cabe sempre a
dúvida, no entanto, sobre o que é o bem e o mal, ou porque
tal ação é boa ou má. A resposta a tais questões conduz a um
estudo científico dos atos humanos enquanto bons ou maus.
É a Ética, o estudo científico e filosófico sobre o agir humano: é
a ciência das ações humanas. Ao passo que as ações são praticadas em
um contexto social (a sociedade) e que possuem, inevitavelmente, consequências, a Ética se estabelece como a reflexão acerca das práticas
humanas, sob a perspectiva de compreender e buscar as respostas de se,
e porque, uma ação é boa ou não. Reflexão esta, tanto em nível individual como coletivo.
1111
Assim como em sociedade, no ambiente organizacional a ética
deve ser fundamentada e exercida. Existem inúmeras ferramentas gerenciais e estratégias de administração pessoal no que tange a ética das
organizações. entre elas, o Código de ética. O Código de ética é, segundo
Andrade (2010, p. 84),
[...] um meio para informar os valores, a missão e os princípios da organização para todos os públicos. A filosofia organizacional expressa no código orienta as ações dos colaboradores, auxilia a alta administração na tomada de decisão
e dá as diretrizes aos relacionamentos. Para os públicos, o
código de ética pode ser utilizado para analisar as intenções
da organização com todos os seus públicos. Internamente, o
código de ética não pode simplesmente ser um instrumento
de controle porque perde o seu valor, no sentido de dar condições aos indivíduos de escolher e se responsabilizar pelas
suas ações.
O código de ética é também denominado código de conduta por
algumas organizações, mas objetiva essencialmente formalizar e agrupar as diretrizes e orientação que regem a filosofia, as ações e os relacionamentos de uma organização. Não deve se tratar, portanto, de regras e
princípios definidos e impostos pela alta administração, mas sim uma
união dos pensamentos e cultura de todos os membros, como que um patrimônio construído pela consciência ética de todos os níveis e públicos
envolvidos à organização. Vale ressaltar, que em nenhum momento, o código de ética visa o controle e imposição sobre o agir dos indivíduos, mas
sim, apresentar guias e critérios que colaborem para o agir de forma ética.
Neste sentido, o papel do profissional de relações públicas se apresenta como de grande importância, haja visto que ele é capaz de unir
seus conhecimentos sobre a gestão dos relacionamentos organizacionais com as diretrizes da organização (missão, visão, valores). E assim,
juntamente da alta administração, em sintonia com todos os membros
da empresa, auxiliar na elaboração do código de ética empresarial de
maneira consoante com o que é e pensa a organização.
Como afirma Passos (2013, p. 73),
As organizações devem dedicar à ética o mesmo cuidado dispensado às questões ditas organizacionais, não só porque ela é
1112
condição de sobrevivência das mesmas, mas porque o ser humano deve ser seu valor maior, seja ele parte da estrutura interna da organização – gerente, funcionários e demais pessoas
relacionadas à equipe de trabalho –, ou sua clientela externa
– parceiros e clientes em geral, assim como toda a sociedade.
É necessário que as organizações reconheçam o seu papel no desenvolvimento social, e atuem para tal. Haja vista que são sistemas sociais, e, portanto, constituídos dos valores e crenças de cada membro,
as empresas devem trabalhar por meio de ações éticas e que elevem o
ser humano, sua peça fundamental. Não podemos dizer que se trata de
um caminho fácil, visto que envolve diferentes pensamentos e objetivos,
no que tange os relacionamentos organizacionais, contudo, é possível e
fundamental que a ética tenha cada vez mais espaço e significado nas
organizações.
ÉTICA ORGANIZACIONAL NO RELACIONAMENTO DAS
CONSTRUTORAS E SUAS COMUNIDADES
Após apresentarmos sobre os diversos conceitos e reflexões –
ética, comunidade, código de ética e a importância da ética nas organizações – podemos compreender a necessidade e relevância, dentre todos os outros públicos, do relacionamento com a comunidade.
Como abordado, as organizações devem, em seu código de ética e, assim, em todas as suas ações, atuar como um sistema social e célula
fundamental no desenvolvimento social e econômico da sociedade.
Esta atuação se torna ainda mais exposta quando tratamos da relação
entre a organização e comunidade.
O relacionamento com a comunidade pode se dar por meio de
inúmeras ações e diversos objetivos, mas todas devem visar, como fim
último e exclusivamente, a promoção humana e social de todo o grupo
(e cada indivíduo). Deve ser uma relação que permita à organização ser
reconhecida e compreendida, para que ganhe espaço e a cooperação da
comunidade na busca por seus objetivos, ao mesmo tempo, em que a comunidade possa ser beneficiada e potencializada em todas as áreas possíveis, como também, tendo os seus objetivos e necessidades atendidos.
Com a compreensão na teoria da relevância do relacionamento
com a comunidade e a postura ética neste contexto, a segunda fase da
1113
pesquisa consistiu na análise (por meio dos métodos já explicitados) de
como se dá a gestão da ética organizacional no contexto do relacionamento das construtoras civis de Londrina/PR e as suas comunidades.
Foram realizadas as entrevistas com representantes das três empresas
pesquisas, das quais não terão os nomes divulgados, sendo aqui nomeadas como “empresa A, empresa B e empresa C”. Das três representantes,
duas atuam como coordenadoras no setor de Marketing e Comunicação
e possuem formação acadêmica em Administração de Empresas, e apenas uma possui formação em Relações Públicas, e atua como supervisora no Instituto da organização.
Quanto às empresas pesquisadas, todas possuem mais de 40 anos
de atuação, sendo desde microempresa (com 380 funcionários efetivos)
a grande porte (com 2.000 efetivos), e com sede na cidade de Londrina.
Das três organizações pesquisadas, duas possuem o Código de ética formalizado, destas, apenas uma disponibilizou o acesso ao documento.
Da interpretação das respostas obtidas por meio das entrevistas
(lembrando que todas as questões eram abertas, e que apenas em uma
empresa a aplicação foi pessoalmente, nas restantes as entrevistas foram
respondidas através de roteiro estruturado por e-mail) foi possível inferir
diversas conclusões e posicionamentos, que serão apresentados a seguir:
A primeira questão abordava qual o entendimento sobre o conceito de Ética e Ética organizacional: as três representantes entrevistadas
definem ética com algo que acontece na relação do homem com o outro, e também com a sociedade, e que deve ser coerente com a conduta social aceita. Além disso, os entrevistados abordam que o respeito e
empatia são bases para a ética. Já na definição de Ética organizacional,
as empresas entrevistadas apontaram como se tratando do respeito às
leis, à transparência, ao compromisso e à honestidade nas ações. O entendimento e respeito às leis, tanto da empresa como dos públicos, e a
assertividade entre o que se divulga e o que se pratica, também foram
características citadas.
Todas as entrevistadas, quando questionadas sobre a importância
da ética para a sua empresa (segunda questão), afirmaram ser a ética
uma das grandes preocupações e compromissos que possuem. O respeito ao próximo, e também às leis e o compromisso com o cliente são
destacados como objetivos de todas elas, o que faz com que a ética seja
1114
fundamental para atingir estes. Isto é demonstrado pela representante
da empresa C ao afirmar que esta foi a primeira construtora a editar um
Código de ética no setor de construção civil em Londrina.
Na terceira e quarta questão, discutiu-se de que forma se dá o
processo de implantação e gestão da ética organizacional, os benefícios
e dificuldades existentes e quais seriam os responsáveis e públicos envolvidos nesta gestão. A implantação da ética organizacional junto aos
colaboradores se dá através da disseminação do Código de ética ou de
manuais internos constando os valores e políticas éticas, sempre entregues no momento de integração dos membros em todas as organizações. Assim, a disseminação da ética organizacional acontece, nas três
empresas, por meio de reuniões, treinamentos e pelo uso de materiais
audiovisuais. O uso dos meios de comunicação, principalmente escrito
(impressos ou digitais) foi percebido como sendo a principal forma utilizada a fim de reforçar a conduta ética, além de detectarmos que o exemplo nas ações e imagem dos líderes e gestores é essencial neste processo.
Quanto aos responsáveis e públicos envolvidos na gestão da ética,
em duas empresas, atuam os chamados “Conselho de ética” ou “Grupos
de Comunicação Interna”, que são formados por colaboradores dos diferentes departamentos e níveis hierárquicos, e presididos pelo setor de
RH. Estes grupos, além de determinarem os melhores meios para o compartilhamento dos valores éticos, são os responsáveis pelo tratamento
das questões discordantes aos valores éticos das organizações. A terceira empresa pesquisada não apontou a existência de responsável pela
gestão da ética, pois a empresa acredita ser responsabilidade de todos
os membros, e que, no caso dos líderes há uma exigência maior e que a
conduta seja exemplar.
A próxima questão da entrevista interrogou sobre os meios utilizados na implantação/disseminação da ética na organização e qual o
papel da área de comunicação nesse processo. A representante da empresa A afirmou que é utilizado o Código de ética disponível no site da
empresa e na intranet, como também o Programa de Integração para
a disseminação do Código de Ética. Nas outras duas organizações, as
entrevistadas apontaram diversos meios de comunicação: intranet, e-mail marketing, mural (wallpaper), jornal interno e externo, quadro
institucional nas salas internas, o código de ética e o manual de integra1115
ção do colaborador. Outro meio interessante utilizado por uma destas
empresas é o denominado “Fala do Presidente”, que consiste em um e-mail escrito pela presidente da empresa e enviado a todos os colaboradores para reforçar os valores e visão empresarial, além de fortalecer o
relacionamento interno. No entanto, esta mesma empresa, não possui o
Código de Ética formalizado.
A sexta questão abordou sobre as políticas adotadas para a gestão da ética nos relacionamentos com os públicos. Percebeu-se nas duas
empresas que possuem o Código de ética formalizado uma facilidade
maior para apresentar e definir as políticas que são adotadas. Nestas organizações o Código de ética possui as diretrizes e conselhos referentes
à relação com todos os públicos a ela envolvidos, constando as razões
e exemplos de tais definições. Com a empresa que não possui o Código
de Ética formalizado, a empresa A, (o que não representa que ela não
possua valores e condutas éticas) notou-se uma dificuldade maior em
definir as políticas éticas empresariais. A representante utilizou exemplos de ocorrências para buscar apresentar quais as políticas adotadas,
tendo sido possível, compreender que a empresa preza, principalmente, por uma política de transparência e conduta justa em negociações
(compras e vendas da empresa).
Às duas empresas que possuem o Código de ética formalizado, foi
questionado também (questão 7) qual a importância deste instrumento
para a gestão da ética nos relacionamentos organizacionais. Ambas as
representantes entrevistadas afirmaram ser um documento fundamental, pois orienta e oferece os principais norteadores para as decisões de
toda a empresa.
A oitava questão refere-se aos conceitos de comunidade, em que a
primeira representante descreveu como “Um conjunto de pessoas que vivem em um lugar comum e com princípios comuns”. Outra representante
afirmou que “A comunidade é o público em torno da empresa e que recebe o
impacto de suas ações.”. A terceira definição, mais destoante das anteriores, apontou a comunidade como sendo “não só os que estão próximos a
“empresa A”, mas um geral. Por exemplo, mesmo que não seja o nosso público
alvo, todo mundo que a marca está em contato [...]. Uma comunidade é até
onde a marca atingir: é numa rede social, é no site, em todos os meios onde
1116
tiver o alcance da marca. Todo esse público que tiver o contato conosco, a
gente considera como sendo nossa comunidade, é esse olhar que temos.”.
Em seguida, foram questionadas sobre a relevância do relacionamento com a comunidade para a gestão da empresa, da ética organizacional, e quais os princípios para esta relação. Uma das representantes
afirmou: “é extremamente relevante o relacionamento com a comunidade,
pois é preciso ouvir este público no sentido de como a organização impacta
na sua realidade. As políticas que pautam são as mesmas do relacionamento com todos os públicos: transparência e respeito.” A representante
de outra empresa não deixa claro qual a relevância dada ao relacionamento com a comunidade. Afirma apenas que todos os públicos são
uma preocupação à organização e que “como empresa, que é um organismo vivo, o relacionamento é algo intrínseco ao seu funcionamento”. A representante da empresa A afirmou ser relevante e percebe uma grande
correlação entre o desenvolvimento do relacionamento ético, não apenas com a comunidade, mas também, para o fortalecimento da ética
organizacional junto aos colaboradores.
As três últimas questões da entrevista abordavam sobre quais as
ações eram desenvolvidos para com a comunidade, como eram definidas, como também qual a ligação com o Código de ética, quem eram os
responsáveis pelas ações e se neste processo há a participação do profissional de Relações Públicas (RP). A empresa A realiza ações voltadas
a comunidade geral da cidade de Londrina (junto à hospitais e ONGs), e
todas são desenvolvidas pelo departamento de Marketing, e com base,
segundo a entrevistada, nas orientações do Código de ética. Nesta empresa há a presença de profissionais de Relações Públicas atuando na
gestão do relacionamento com a comunidade, e também na gestão da
ética organizacional.
A empresa B realiza suas ações com a comunidade por meio de
um Instituto fundado unicamente com o objetivo de colaborar no pleno
desenvolvimento da sociedade, especialmente da comunidade relacionada à organização. O Instituto, assim, desenvolve diversos programas e
projetos nas áreas da educação, cultura, lazer e cidadania, As ações estão sob a responsabilidade, como já dito, do Instituto, em conjunto com
o departamento de Marketing da empresa, e tanto no Instituto como no
departamento de marketing, as equipes são formadas com a presença
1117
de profissionais de Relações Públicas. Por fim, a representante afirmou
sobre o relacionamento com a comunidade “[...] procura-se seguir o que
está escrito no código de ética a fim de que o discurso seja coerente com
as práticas realizadas.”.
A terceira organização entrevistada, não desenvolve ações realmente voltadas à comunidade, contudo, a empresa realiza, através do
Projeto de Voluntariado com os colaboradores, ações junto a outras instituições e empresas, mas de maneira esporádica. A responsabilidade
sob as ações são divididas entre o departamento de marketing – responsável pela parceria com o Hospital do Câncer, e o Grupo de Comunicação
Interna – responsável por todas as ações de Voluntariado da empresa.
Como esta empresa não possui o código de ética formalizado, a representante não respondeu as últimas questões.
CONSIDERAÇÕES
De acordo com o levantamento teórico realizado percebe-se a relevância da ética organizacional para a sobrevivência e fortalecimento
das empresas, assim como, nota-se o valor do relacionamento com a comunidade, dentre todos os públicos ligados a uma organização. A partir
do referencial teórico obtido, desenvolveu-se a pesquisa em campo por
meio de aplicação de entrevista em profundidade com as três maiores
construtoras civis de Londrina/PR. Checou-se a verificação dos pressupostos definidos no Projeto de pesquisa elaborado para a realização
prática deste estudo. Estes pressupostos foram formulados a partir da
primeira fase da pesquisa (referencial teórico), e a partir das entrevistas
e análises pode ser realizada a validação dos mesmos.
O primeiro pressuposto, “a aplicação do Código de ética está coerente com as práticas no relacionamento com a comunidade”, não pode
ser avaliado, pois encontramos o seguinte contexto frente às organizações pesquisadas: uma não possui o Código de ética formalizado e entre as duas que possuem o Código de ética, uma não especifica em seu
Código sobre o relacionamento com a comunidade e a outra não veicula
o documento em seus meios de comunicação externo, como também
não permitiu o acesso ao mesmo para a realização desta pesquisa.
Já o segundo pressuposto, “a gestão da ética organizacional é o
que direciona a forma como o relacionamento com a comunidade acon1118
tece, principalmente por meio do uso do Código de ética como diretriz
para este relacionamento”, pode ser validado ao constatarmos que as
organizações pesquisadas, seja por meio de Código de ética ( formalizado ou não), consideram o relacionamento com a comunidade de maneira comprometida e continuamente, aspecto tal que é primordial para a
existência do bom relacionamento. As representantes afirmaram haver
uma relação entre o discurso do Código de ética e as ações realizadas
com a comunidade, porém, em duas das empresas entrevistadas, tal
afirmação se mostra inadequada, haja vista que não possuem expressos
em seus Códigos de ética as diretrizes para o relacionamento com a comunidade, ou seja, apenas a gestão da ética aplicada à organização que
participa ativamente da forma como o relacionamento com a comunidade se desenvolve, e não o expresso pelo Código de ética.
O terceiro pressuposto, “os instrumentos de comunicação disponíveis não são utilizados da maneira mais eficaz na gestão da ética organizacional (ambiente interno e externo da organização)” foi refutado.
Foi possível constatar que as organizações entrevistadas utilizam-se diversos meios de comunicação para a promoção dos valores e gestão da
ética organizacional. São usados tanto instrumentos aplicados no cotidiano da empresa (quadro institucional, intranet, mural, outros) como
meios esporádicos para a promoção ou restauração da cultura ética
como exemplo, eventos, “Fala do presidente”, outros.
O quarto pressuposto, “no relacionamento com a comunidade os
meios de comunicação são bem utilizados, tanto para o desenvolvimento das ações como na divulgação destas”, não pode ser avaliado. As respostas obtidas com as entrevistas não permitiram que se identificassem
os meios de comunicação utilizados para a divulgação e execução das
ações com a comunidade.
O quinto pressuposto, “o profissional de Relações Públicas tem papel relevante na implantação e gestão da ética organizacional”, também
foi invalidado. O profissional de Relações Públicas não possui um papel
relevante na implantação e gestão da ética organizacional nas empresas
pesquisadas. Constatou-se que os departamentos de Recursos Humanos
são os principais responsáveis pela gestão da ética organizacional. Por
mais que o departamento de comunicação (onde se aloca o profissional
de Relações Públicas) participe do processo de implantação e gestão da
1119
ética organizacional, a sua atuação não se mostra como fundamental,
mas limitadando-se a um papel de apoio neste processo.
Por fim, o sexto pressuposto, “o profissional de Relações Públicas
tem papel relevante na gestão do relacionamento com a comunidade”,
foi validado. Ainda que o quinto pressuposto tenha sido invalidado, verificou-se que o profissional de Relações Públicas participa de maneira
ativa no desenvolvimento do relacionamento com a comunidade, diferentemente da atuação no que tange a gestão da ética organizacional.
O desenvolvimento desta pesquisa deixou evidente a relevância
que a gestão da ética possui nas empresas contemporâneas, e como tal
reflete em todas as suas decisões, ações e relacionamentos. Entretanto,
foi possível perceber que o relacionamento com a comunidade ainda
não é tão valorizado ou desenvolvido da forma correta como destacado
no referencial teórico, apesar das organizações afirmarem que o mesmo
é de extrema relevância.
A atuação das Relações Públicas deveria ser cada vez mais estratégica no campo da gestão da ética organizacional com vista ao desenvolvimento dos relacionamentos da organização, em especial com a comunidade, de forma dirigida e baseada nos valores éticos e princípios empresariais.
Podemos considerar que as construtoras civis de Londrina/PR,
aqui pesquisadas, estão trilhando o caminho para que o contexto do relacionamento com a comunidade alcance práticas corretas e benéficas
a todos. Contudo, é notável que se faz necessário que o Código de Ética
seja visto como uma ferramenta de gestão eficaz e apropriada a todas as
organizações. Além disso, que seja um documento acessível aos públicos e que atenda a variedade de atividades que a empresa realiza. Além
disso, é reforçada a necessidade da utilização dos canais de comunicação para a disseminação de uma cultura ética organizacional que contemple todos os relacionamentos com os públicos, e não somente aos
que normalmente são encontrados nos programas de relacionamento.
1120
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Candido Teobaldo de Souza. Curso de relações públicas:
relações com os diferentes públicos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1994, p.
32-34.
ANDRADE, Zilda Aparecida Freitas de. Gestão da ética nas organizações: possibilidade aos profissionais de relações públicas e comunicação organizacional. 2010. Tese (Doutorado em Ciência da Comunicação).
Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.
ARRUDA, Maria Cecilia Coutinho de; WHITAKER, Maria do Carmo;
RAMOS, José Maria Rodriguez. Fundamentos de ética empresarial e
econômica. São Paulo: Atlas, 2001.
CANFIELD, Bertrand R. Relações públicas - princípios, casos e problemas. São Paulo: Pioneira, 1970.
DUARTE, Jorge & BARROS, Antonio (orgs.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2006.
FORTES, Waldyr Gutierrez. Relações Públicas: processo, funções,
tecnologia e estratégias. Londrina: Ed. UEL, 1998.
PASSOS, Elizete. Ética nas organizações. São Paulo: Atlas, 2013
1121
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COMUNICAÇÃO E AS RELAÇÕES PÚBLICAS NO PROCESSO DE
DESENVOLVIMENTO DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO: UM
ESTUDO SOBRE ORGANIZAÇÕES PRIVADAS BAURUENSES
Verônica Ferreira Gonçalves1
e Maria Eugênia Porém2
RESUMO
Trata-se do resultado de pesquisa desenvolvida em
Iniciação Científica – PIBIC/UNESP. Este artigo propõe
uma análise acerca do planejamento estratégico em organizações privadas, considerando a comunicação como elemento indutor desse processo e as relações públicas para
melhor relação entre organização-públicos. Busca-se conceituar o que é planejamento estratégico e o papel da comunicação e das relações públicas neste contexto.
Palavras-chave: Planejamento estratégico; comunicação;
Relações Públicas; organizações privadas; Pesquisa;
Aluna de Graduação em Relações Públicas na Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Social. Bolsista em iniciação científica PIBIC/UNESP.
1
Docente do curso de Relações públicas, da Faculdade de Arquitetura, Artes
e Comunicação (FAAC), da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (UNESP). E-mail: meporem@faac.unesp.br.
2
INTRODUÇÃO
Mais do que em qualquer outra época da história o momento
requer das organizações maior capacidade de inovação, inventividade
e criatividade. Estas são algumas competências, dentre outras, que as
organizações desejam desenvolver para fazerem frente a um mundo
marcado por mudanças, pela globalização e novas tecnologias. Um cenário, muitas vezes turbulento e mais competitivo, que requer das organizações adequação “[...] às novas formas de inserção nos mercados,
bem como buscarem novos sistemas de gestão” (FERRARI, 2000 apud
FERRARI, 2009, p. 132). Nesta esfera, o planejamento estratégico como
um instrumento de gestão estratégica (REZENDE, 2011), pode ser considerado uma atividade relevante para melhorar a performance das organizações contemporâneas, na medida em que apresenta uma análise
aprofundada dos ambientes internos e externos, oferece subsídios para
a tomada de decisões estratégicas e estabelece as providências que deverão ser tomadas no futuro (OLIVEIRA, 2011).
Entretanto, um ponto inquietante em relação à gestão e planejamento estratégico é a quase inexistência da área de comunicação
(KUNSCH, 2003) como parte intrínseca desse processo, fato que motivou a proposição e realização desta pesquisa.
Essa particularidade pode refletir em duas situações importantes:
a primeira é que, uma vez que se considera a comunicação uma função
estratégica de resultados, a inexistência de articulação entre o planejamento estratégico e o planejamento de comunicação pode gerar grandes obstáculos para a eficácia e eficiência do processo e seus resultados;
a segunda, é que na construção e execução do planejamento estratégico
a gestão da comunicação é uma ferramenta da administração estratégica e, sem ela, é impossível assegurar que as informações cheguem até
os stakeholders3 envolvidos a ponto de desenvolver relacionamentos
cooperativos e colaborativos. Essa situação pode criar barreiras para
Segundo Pfeiffer (2000) “[...] o termo inglês stakeholder compreende todas as
pessoas, grupos ou organizações que fazem parte (stake) dos temas tratados,
seja como participantes ativos no processo, seja como afetados das medidas
a serem tomadas [...]”. Neste texto é possível utilizar-se do termo “públicos de
interesse” como sinônimo ao stakeholder.
3
1123
as organizações que as impedem de obter resultados mais positivos em
relação às decisões tomadas, ações e estratégias selecionadas em seus
planejamentos estratégicos e, até mesmo, de alcançarem plenamente os
resultados futuros planejados.
Assim, conhecer como as organizações implementam o planejamento estratégico e como usam a comunicação corporativa para interagir com o ambiente e seus stakeholders é a questão central deste estudo.
Isso significa refletir sobre a institucionalização das Relações Públicas
como função no gerenciamento estratégico. Dito de outro modo, pretende-se analisar o papel do Relações Públicas na gestão estratégica, em
especial determinando quais públicos influem ou orientam de forma
consequente as decisões organizacionais.
Entretanto, as discussões sobre as Relações Públicas estratégicas, as quais se referem à ideia de uma atividade planejada, avaliada,
gerenciada e vinculada aos objetivos estratégicos da comunicação corporativa (KUNSCH, 2006), criando e desenvolvendo interfaces entre as
áreas diretivas, gerenciais e operacionais, ligando pessoas, analisando
cenários e construindo relacionamento com seus públicos de interesse,
ainda é uma utopia nas organizações interioranas, como as bauruenses.
Apesar do entendimento de que a comunicação é condição indispensável e inexorável para o êxito do planejamento estratégico, reconhece-se que esse aspecto precisa avançar para uma perspectiva estratégica, ou seja, para uma gestão da comunicação integrada ao ambiente
e, ao mesmo tempo, para o uso eficiente e excelente das competências
das Relações Públicas.
REVISÃO DOS PRINCIPAIS CONCEITOS
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
Antes de se iniciar um projeto de planejamento estratégico é preciso que a organização como um todo tome ciência de sua existência e
importância. Para seu início é preciso antes de qualquer coisa estudar a
organização, discutir e disseminar a ideia de planejamento e pesquisar,
para só assim, com a visão geral da organização, começar a elaboração e
a definir metodologias utilizadas.
1124
Entende-se, portanto, que para que o planejamento atinja seus
objetivos, deve ser amplamente compreendido, estudado e verificado de
acordo com referenciais teóricos e práticos e não feito de maneira improvisada. Ele também requer dedicação, engajamento, compromisso e
diálogo para que atinja seu êxito.
Um dos maiores desafios enfrentados pelas organizações é gerenciá-las de modo a oferecer vantagens competitivas e utilizar a grande
quantidade de informações como insumo estratégico para gestão do conhecimento.
O projeto de planejamento deve ser dinâmico, adaptando continuamente sua estratégia, sua capacitação e sua estrutura, fornecendo
insumos para a articulação de forças internas para as oportunidades
que aparecem no mercado assegurando o crescimento, continuidade e
sobrevivência da organização. Sendo assim, deve-se repensar a gestão
estratégica adotada como propulsão para as mudanças organizacionais,
além disso, a gestão estratégica incorporada pela organização poderá
gerar um conhecimento crítico e aprofundado sobre seus processos e
características internas, portanto, será capaz de direcioná-las de maneira mais assertiva e estratégica.
Para Oliveira (1992) o planejamento estratégico deve ser visto
como um processo sistemático, onde as decisões são constantemente
tomadas, contudo isso não diz respeito às decisões futuras, e sim às implicações futuras nas decisões presentes. Também defende que o planejamento estratégico não deve ser considerado como um ato isolado,
pois ele é um processo de encadeamento de ações inter-relacionadas e
interdependentes e para tanto a organização deverá ter uma visão integrada sobre todas as variáveis que interferem neste processo.
De acordo com o mesmo autor, o processo de desenvolvimento do
planejamento estratégico é mais valorizado que seu resultado final, pois
é um processo de aprendizagem organizacional, de geração e disseminação de conhecimento. E sendo assim, uma organização que valoriza
o seu autoconhecimento, estará sempre pronta para resolver os conflitos, terá capacidade de capacitar seus gestores e as pessoas que tomam
as decisões e imprevisibilidades característicos do contexto econômico
contemporâneo (OLIVEIRA, 1992)
1125
Sendo assim, o autoconhecimento da organização realimenta o
processo de planejamento estratégico, gerando assim um ciclo, onde
com inteligência as empresas podem visualizar, aperfeiçoar, adaptar e
utilizar oportunidades, possibilidades com as oscilações do mercado.
Alguns aspectos básicos estão presentes em qualquer tipo de planejamento, como: o próprio processo de planejamento dever ser planejado, o processo é interativo, ou seja, sua ação exerce mutuamente, entre
duas ou mais partes do todo; e o processo é iterativo, ou seja, repete-se
ao longo do tempo. (OLIVEIRA, 1992, p. 15).
Há diversas formas para se implementar o planejamento estratégico, porém todas têm em comum a visão dos níveis organizacionais,
na qual cada tipo específico de planejamento participa em uma organização. Outro ponto a ser considerado é que embora existam diversos
modelos e metodologias para o planejamento estratégico, sua aplicabilidade estará sempre sujeita às características intrínsecas de cada organização social.
A metodologia sugerida por Rezende (2011) é dividida em quatro
fases. Na primeira fase analisa-se as organizações identificando a real situação, coletando e levando em consideração aspectos internos e externos, problemas e desafios. Já na segunda faze, faz-se o levantamento das
diretrizes organizacionais, estabelecendo produtos e serviços com foco
nos objetivos da empresa. Já na terceira fase, é estabelecido as ações e
a visibilidade para atender os objetivos, tendo em vista as estratégias
organizacionais. Na última fase é analisado os controles organizacionais
e gestão do planejamento, ou seja, definição dos controles estratégicos,
táticos e operacionais, através de padrões ou medições de desempenho,
acompanhamento e correção de desvios.
O modelo proposto por Oliveira (1992, p.57) também é dividido
em fases básicas: Fase I. Diagnóstico estratégico: Determina o “como se
está” da organização; Fase II. Missão da empresa: Razão de ser da empresa e seu posicionamento estratégico; Fase III. Instrumentos prescritivos
e quantitativos: A análise básica do “como se chegar na situação que se
deseja”, e; Fase IV. Controle e avaliação: Verifica-se o “como a empresa
está indo” para a situação desejada.
É essencial que a organização conheça os princípios básicos do
planejamento e envolva e engaje todos os níveis hierárquicos na sua im1126
plantação. E assim fortaleça e dê credibilidade a este processo. Por fim,
a gestão estratégica e o planejamento estratégico podem promover melhorias contínuas na organização como um todo, e assim se tornando
mais criativa e inovadora em suas atividades e ações.
As organizações que adotam esse modelo de gestão devem buscar
formas para catalisar suas atividades, estruturas e suas estratégias coletivamente. E esse alinhamento é constituído pela comunicação como
base para este propósito. Portanto a comunicação é vista sob o ponto de
vista estratégico, que facilitará que os aspectos sobre o planejamento
estratégico sejam socializados e cristalizados nas organizações.
COMUNICAÇÃO E RELAÇÕES PÚBLICAS
Segundo Drucker (1999, p.189) nenhum outro século na história da humanidade passou por tantas transformações sociais radicais
como no século XX. As novas tecnologias estão definitivamente revolucionando as comunicações. Kunsch (2006) ressalta que é nesse cenário
novo, complexo e que está em constante mutação que as empresas operam, lutam para se manter e para cumprir sua missão, visão e cultivar
seus valores. Logo,
A comunicação adquiriu notoriedade no campo da gestão organizacional, graças a seu caráter estratégico que vem sendo
reconhecido especialmente pelas empresas que se propõem
a acompanhar as transformações e abrir suas portas para os
diferentes públicos com os quais se relaciona (MARCHIORI,
2006, p. 23)
Além disso, a autora ainda afirma que as organizações devem
preocupar-se cada vez mais com o monitoramento das informações e
a abertura de diálogo com seus stakeholders, entendendo que seu comportamento deve ir além do repasse de informações.
Portanto, entendo que a comunicação deve produzir conhecimento, definindo caminhos que levem a organização a
um processo de modernização, na busca de sua percepção
e consequente consciência comportamental. Sendo assim, a
comunicação deve agir no sentido de construir e consolidar o
futuro da organização. (MARCHIORI, 2006, p.27)
1127
A comunicação envolve necessariamente um emissor, mensagem,
canal, receptor e feedback, sem isso o processo de comunicação não seria possível. Além disso, ela envolve a troca de ideias, de opiniões, emoções, ou seja, é a capacidade de passar informação e compreensão de
uma pessoa para a outra criando assim compreensão mútua e confiança
uma vez que a compreensão leva a uma aceitação ou não da mensagem.
Segundo Kunsch (2006), o novo ambiente social global exigirá
das organizações novas posturas, necessitando elas de um planejamento mais apurado da sua comunicação para se relacionar com os seus
stakeholders, a opinião pública e a sociedade em geral. O segundo ponto
levantado pela autora é que no cenário contemporâneo a convergência
das mídias promove a interação dos diversos meios de comunicação e
isso também ocorre nos processos comunicativos de âmbito organizacional. Com maior acesso a informação graças a tecnologias, os públicos
têm mais acesso a elas e estas devem ser transmitidas com veracidade
e transparência.
Kunsch (2006,p.129) complementa afirmando que,
A transparência, portanto, vai muito além da obrigação de
fornecer informações financeiras em balanços contábeis.
Tudo isto implicará a necessidade de se planejar, pensar e
administrar estrategicamente a comunicação organizacional
com todos os públicos e a opinião pública.
A mesma autora defende que, acima de tudo o reconhecimento da importância do planejamento estratégico é o primeiro
passo para que este seja efetuado. Albuquerque (1981) diz que independentemente da filosofia da organização perante a comunicação, a elaboração de estratégias é indispensável para a solução
de problemas ou para a exploração de oportunidades de comunicação. Dessa forma,
Um ponto básico e se, questionamentos na condução da comunicação é de que ela precisa ser entendida, estimulada,
observada, acompanhada e avaliada por profissionais que
saibam conduzir os processos. Não basta apenas que os administradores afirmem a sua importância. É necessário que
eles sejam conscientes da sua função, o que exige das empresas uma postura abrangente quanto à comunicação. Para
1128
tanto, é preciso que essa área seja conduzida de forma profissional, pois somente dessa forma a comunicação passará
a ser valorizada e entendida, exercendo todo o seu poder.
(MARCHIORI, 2006, p.134)
Marchiori (2006) afirma que o trabalho de Relações Públicas está
na criação de um processo de gestão de relacionamento que estimula
a organização a evoluir quanto a sua cultura organizacional, ou seja,
as organizações são constituídas por relações internas e externas em
interatividade de sentidos e intercâmbio de significados. E como esta
trata dessa comunicação é um fator que determina o seu sucesso ou fracasso perante ao mercado. Tendo isso em vista, a atividade de Relações
Públicas é fundamental, pois é vista como uma atividade de gerenciamento nas organizações, atuando diretamente com os relacionamentos
que esta tem com seus stakeholders.
Portanto, para o desenvolvimento de sua função, o profissional de comunicação deve levar sempre em consideração – e
com cuidado – a área de relacionamento humano, e aspectos
(da natureza) da harmonia dos relacionamentos entre os indivíduos de todas as funções, bem como a análise do ambiente externo. (MARCHIORI, 2006, p.66)
Cabe às relações públicas um relevante papel perante a gestão de
comunicação.
Na era da informação, organizações viverão ou morrerão, dependendo das habilidades que tiverem para processar dados,
transformá-los em informações, distribuí-los adequadamente e usá-los com rapidez para tomar decisões hoje e mudá-las
amanhã quando chegarem novas informações (MARCHIORI,
2006, p. 127).
O planejamento estratégico é o ponto de partida para o desenvolvimento do planejamento de relações públicas que visa atingir à eficácia
e excelência da comunicação nas empresas. Kunsch (1997) afirma que
o planejamento das relações públicas deve estar alinhado com o planejamento estratégico empresarial corroborando a visão, missão, valores,
objetivos, metas e políticas organizacionais definidas, ou seja, este não
deve ser feito isoladamente.
1129
A partir disso é possível fazer uma análise da organização como
um todo e reavaliar algumas questões que se relacionam a identidade da
mesma. Igor Ansoff (1981 e 1993) e Henry Mintzberg (2000 e 2004) destacam a importância em se envolver e incentivar todos os membros a
participarem do processo de implantação do planejamento estratégico
A vantagem de se obter um planejamento das relações públicas
como estratégia é fazer com que o plano resultante seja um auxílio importante na busca do objetivo organizacional, por meio de caminhos
que permitam a interação de todos os públicos estratégicos, motivação
que ajuda a atingir as metas desejadas por cada indivíduo do processo e
pela organização como um todo. Portanto, ele “desenvolve o espírito crítico nas pessoas, visando novas soluções estratégicas, administrativas
ou operacionais, voltadas para melhor adaptação ao ambiente, e objetivando uma postura empreendedora” (KUNSH, 2006, p.130).
Ao refletirmos sobre o papel das relações públicas neste contexto
de administração e planejamento estratégico, temos que o profissional
deverá atuar de maneira estratégica para que a comunicação atinja o se
êxito no processo. Portanto,
[...] as relações públicas devem desenvolver nas organizações
sua função estratégica. O exercício dessa função só é possível
por meio do planejamento. O profissional tem que se valer
dos ensinamentos das teorias de gerenciamento ou administração. Suas aplicações são claras em todo o processo de planejamento, pois lidam com as incertezas, com tarefas e responsabilidades para tomada de decisões e para implantação
dos planos de ação. (KUNSH, 2006, p.130)
Além disso, o papel das relações públicas na função estratégica
está relacionado em posicionar a organização perante seus públicos de
interesse, demonstrando sua missão, valores, identidade e como querem ser vistas no futuro. Canais de comunicação entre organização e
públicos são abertos buscando a confiança mútua, construindo e fortalecendo a credibilidade e a dimensão institucional da organização.
Dessa forma, a função das relações públicas passa de uma função
tática e técnica para a estratégica. E,
1130
[...] como função estratégica, as relações públicas devem,
com base na pesquisa e no planejamento, encontrar as melhores estratégias comunicacionais para prever e enfrentar as
reações dos públicos e da opinião pública em relação às organizações, dentro da dinâmica social (KUNSH, 2006, p.131).
Contudo o desempenho desta função estratégica dependerá do posicionamento desta área no organograma da organização e também da capacitação do profissional da comunicação para atuar de forma estratégica.
Englobando a definição anterior, Kunsch (1997) complementa a
ideia de que a comunicação apenas será vista como estratégica, quando
a primeira etapa de seu planejamento for sensibilizar a alta administração das empresas.
A autora também apresenta quatro princípios básicos que devem
ser levados em conta na hora da elaboração de um bom planejamento em
comunicação, sendo eles: cultura e valorização do planejamento estratégico, área de comunicação subordinada à cúpula diretiva e participante
da gestão estratégica, capacitação do profissional responsável pela comunicação e valorização de uma cultura organizacional corporativa.
A função estratégica das relações públicas está intimamente ligada ao planejamento e à gestão estratégica da comunicação organizacional. O setor deverá atuar em conjunto às demais áreas da comunicação
a fim de reunir os objetivos e esforços globais da organização para uma
comunicação assertiva com todos os públicos.
Neste contexto, o planejamento de relações públicas deixa de ser
meramente tático e operacional e passa a ser muito mais estratégico.
Este planejamento deve ajudar as organizações a cumprirem sua missão, atingirem seus objetivos e se posicionarem institucionalmente perante a sociedade.
Para que a organização atinja a comunicação excelente não basta
realizar ações isoladas, mas sim um plano integrado a partir dos levantamentos e considerações do planejamento estratégico. Sendo assim,
Como parte integrante da gestão estratégica, as relações públicas deverão auxiliar a alta direção a fazer a leitura de cenários
e das ameaças e das oportunidades presentes na dinâmica do
ambiente global, avaliando a cultura organizacional, e pensar
estrategicamente as ações comunicativas. (KUNSH, 2006, p.133)
1131
As relações públicas estratégicas irão se valer do PE realizado pela
organização para traçarem planos e programas de ação. Dessa forma, o
PE e o planejamento de relações públicas devem estar aliados, corroborando para que a missão, valores e metas traçadas sejam alcançadas.
Grunig (1992) em seus estudos sobre as relações públicas excelentes e como elas podem contribuir para a efetividade organizacional,
identificou três esferas de excelência da comunicação. A esfera do conhecimento, capacidades da administração estratégica e dos dois modelos de mão-dupla, comunicação assimétrica (baseada na persuasão) e
simétrica (entendimento). A esfera intermediária, interações do departamento de comunicação/relações públicas com a alta administração
da organização, que por sua vez, compreende a importância da comunicação. E a esfera da cultura participativa, o trabalho em equipe e participação dos integrantes nas tomadas de decisão.
Dessa forma, concluiu que as relações públicas excelentes e o valor de um programa de comunicação excelente estão em conciliar os
objetivos organizacionais às expectativas do público-alvo.
CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
A pesquisa foi desenvolvida a partir das seguintes etapas:
1. Pesquisa Teórica de caráter exploratório teve a pesquisa bibliográfica como principal método para desenvolver o referencial teórico que subsidiará a pesquisa aplicada;
2. Pesquisa exploratório-descritiva apoiada em um estudo de
caso, junto a uma organização privada de Bauru – SP, a qual foi
selecionamento levando em consideração os seguintes critérios: a.Ser uma empresa legitimamente Bauruense; b. Ser uma
organização privada e com relevância ao mercado Bauruense; c.
Ter planejamento estratégico; d. Seleção da organização privada: Mezzani, localizada na cidade de Bauru.
3. Análise qualitativa: Estudo de caso
4. Elaboração de uma entrevista semiestruturada, junto ao diretor executivo da Mezzani há cinco anos, Carlos Sette.
5. Interpretação dos resultados da entrevista optou-se pela
Análise de Conteúdo.
1132
A entrevista foi dividida em três eixos de análise, quais sejam:
1. Gestão e Gestão Estratégica: identificar a organização privada de acordo com suas especificidades e averiguar a percepção
da organização a respeito do tema.
2. Planejamento Estratégico (PE): Perceber a percepção da
empresa privada em relação ao PE; Verificar a prática do PE
identificando barreiras que interferem ou/e impedem sua concretização na organização privada pesquisada.
3. Comunicação e Relações Públicas: Verificar a percepção da
organização privada sobre comunicação e relações públicas;
Identificar que tipo de profissional é responsável pela gestão estratégica da comunicação; Verificar o tipo de modelo de comunicação adotado pela organização pesquisada.
DADOS DA EMPRESA
A empresa Massas Mezzani, tem 65 anos de história e está localizada em Bauru desde sua inauguração. Empresa fundada pela família Nagasawa e que possui resquícios de uma gestão de cunho familiar.
Inicialmente fabricava apenas massas de macarrão oriental, hoje possuí
vasta cartela de massas tradicionais, como pastéis, pizzas, entre outros.
Possui apenas 276 funcionários, pois seus processos são em sua grande
maioria automatizados.
RESULTADOS
Eixo de Análise: Gestão e Gestão Estratégica
Por ser uma empresa que possui resquícios de uma gestão de cunho
familiar a empresa em questão ainda está em fase de transição e em constante modificação para conseguir acompanhar as dinâmicas do mercado.
Carlos Sette explica que foi o primeiro funcionário a ser contratado há
cinco anos no período de sessenta anos de existência da empresa.
Segundo Vidigal (1996), as empresas familiares representam 99%
das empresas não estatais brasileiras. São elas que representam a possibilidade de uma maior absorção de mão-de-obra e geração de empregos,
1133
são responsáveis pela sustentação da economia e aquecimento do mercado e consequentemente são também as mais afetadas pela globalização.
A estrutura organizacional da empresa é compreendida por todos
e possui um organograma tradicional. Com este tipo de organograma é
possível identificar com rapidez quem é quem na estrutura, o fluxo de
autoridade e relacionamentos. A alta gestão da empresa ainda é composta por familiares, porém todos eles têm o conhecimento que devem
se capacitar para as funções que irão exercer, o seu modelo de gestão
está em transição, passando de um cunho paternal, para a profissionalização do restante das áreas da empresa.
Segundo Carlos Sette, a empresa atualmente tem a gestão mais
participativa, do que antigamente. Pontos estratégicos da empresa são
discutidos quinzenalmente, por uma espécie de “conselho”, formado
pelos principais diretores administrativos: diretor comercial, diretor de
produção, diretor de compras, diretor financeiro e diretor executivo.
Eixo de Análise: Planejamento Estratégico
Grande avanço apontado pelo entrevistado foi, a implementação
de um planejamento estratégico. Implementado em 2011 após a crise
econômica de 2008, e sofreu algumas revisões, devido às necessidades
de política econômica da empresa.
Foi realizada a Análise Swot, analisando as ameaças e oportunidades, de seus pontos fortes e fracos. Foram criados planos de ação, para
retirar ou zerar os pontos fracos, fortalecer os pontos fortes e aproveitar
as oportunidades. Segundo o entrevistado para cada foco, foram definidas estratégias específicas, no primeiro ano.
Segundo o entrevistado, a organização em questão não faz uma
pesquisa formalizada. Ou seja, os diagnósticos de mercado foram feitos
através de: literaturas especializadas no assunto, como revistas; Acesso
a pesquisas feitas pela Fundação Getúlio Vargas; A própria equipe de
vendas; Seus clientes.
Expondo ainda que o maior obstáculo para o processo de planejamento estratégico é a resistência da alta direção e depois, de recursos.
O que segundo Oliveira (1992), são pontos a serem considerados como
causas e falhas do planejamento estratégico. Em relação à resistência da
1134
alta direção da empresa, o autor expõe a importância de se “preparar o
terreno” adequadamente.
Apesar disso, o diretor executivo expõe que é o responsável pelo
planejamento estratégico na empresa, assim como, agente norteador
das reuniões que existem para a manutenção e elaboração desse planejamento. O planejamento é elaborado e discutido entre a alta direção e
os gerentes existentes de cada área. Sem excluir, caso sintam necessidade, a presença de funcionários de áreas específicas, principalmente da
área de produção.
As mudanças são feitas com rapidez, pois o entrevistado nos conta que, por trabalhar diretamente com seus líderes consegue notificar e
ser notificado pela gerencia, com certa facilidade. Ao notificar a gerencia, esta multiplica para baixo, ou seja, notifica o restante dos funcionários para que estes tomem conhecimento.
Apesar de haver certa resistência perante a alta gestão, é realizada
anualmente uma reunião para a discussão das metas operacionais advindas do planejamento pré-estabelecido. A Mezzani vê o planejamento
como um processo educativo.
Eixo de Análise: Comunicação e Relações Públicas
Retomando um ponto inquietante em relação à gestão e planejamento estratégico, que é a quase inexistência da área de comunicação
(KUNSCH, 2003) como parte intrínseca desse processo; foi possível perceber que não é apenas na gestão do planejamento estratégico que a
comunicação enfrenta desafios. Na Mezzani, fatores que prejudicam a
comunicação é o desconhecimento da importância da comunicação e a
disputa de poder.
Não há um setor que organize a comunicação interna da empresa,
há um projeto para a criação de um departamento de marketing para
suprir as falhas de comunicação existentes. Atualmente a comunicação
interna concentra-se na área de gestão de pessoas, porém o entrevistado
relata sério problema de comunicação entre linha de produção e o atendimento ao cliente.
A comunicação interna é feita através de encontro dos setores
onde são feitas notificações curtas, através de comunicação direta. Os
canais utilizados para que a comunicação interna caminhe são: jornal
1135
mural e um boletim bimestral onde são expostos, por exemplo, a missão
da empresa, política de qualidade, entre outros.
Já a comunicação externa é feira pela área Comercial, a cargo do
supervisor de vendas. Hoje, esse atendimento é feito através do 0800, onde
o consumidor entra em contato e após 10 dias obtém uma resposta oficial da empresa, como previsto no código do consumidor. Para a empresa, existem dois tipos de clientes: o cliente intermediário, que é o varejo,
e o consumidor final. A Mezzani só tem acesso a informações de níveis
intermediários, pois não há nenhum tipo de pesquisa estruturada para
recolher informações a respeito do consumidor final. Uns dos únicos feedbacks existentes com o consumidor final são os pré-testes de produtos.
Os instrumentos dessa comunicação são os pontos de vendas e
os tabloides, além de participação em campanhas anuais e ser patrocinador de organizações fortes na região, como o Bauru Basquete. Não
utilizam grandes mídias como, rádio, televisão e as redes sociais, esse é
um projeto para os próximos anos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da análise da pesquisa aplicada junto à Mezzani, constatou-se que a gestão da empresa está diretamente ligada com as necessidades da empresa e há realização do planejamento estratégico. É possível constatar que este planejamento apesar de sofrer certa resistência é
amplamente discutido.
O entrevistado diz que o modelo de gestão adotada pela Mezzani
está em processo de transformação, profissionalizando suas áreas, fazendo com que a empresa passe de um cunho familiar para profissional.
Ainda sobre o Planejamento Estratégico, percebe-se que por ser um planejamento recente, ainda encontram-se algumas falhas em sua execução, pois a mentalidade da empresa também está em mutação.
Em relação à Comunicação e das Relações Públicas no processo
de implementação do planejamento estratégico de uma organização
privadas, na empresa em questão algumas áreas poderiam ser aprimoradas. Uma vez que, há grandes falhas na comunicação interna e principalmente a quase inexistência de comunicação com consumidores
finais. Além da falta de uma área específica de comunicação interna e
externa. Foi possível perceber que não é apenas na gestão do planeja1136
mento estratégico que a comunicação é defasada, mas também na gestão da organização, considerando que através desta análise constatou-se que não existe um planejamento de comunicação e relações públicas
que abrange a empresa e seus stakeholders como um todo.
Em suma, foi possível perceber que as organizações privadas derivam suas metodologias de planejamento a partir do modo de gestão e
de clima organizacional no qual está inserida.
Não há pesquisas que indiquem se a comunicação está sendo efetiva ou não, a comunicação na empresa é uma comunicação tradicional
e não há grandes mudanças por resistência e não por gastos.
Sendo assim, através da análise do eixo de Comunicação e
Relações Públicas, foi possível compreender de acordo com o referencial teórico e a análise da entrevista que embora a comunicação seja
imprescindível ao processamento das funções administrativas nas organizações, ainda não é destinada a devida atenção a esta área, uma vez
que as ferramentas de comunicação não estão muito presentes, muito
menos são devidamente desenvolvidas.
Quando questionado sobre a existência de um relações públicas
na empresa, o diretor executivo expõe que apesar de conhecer a importância e as melhorias que o profissional poderia proporcionar a empresa, esta não tem um profissional nesta área
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1138
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O PAPEL ESTRATÉGICO DO PROFISSIONAL DE RELAÇÕES
PÚBLICAS NA ASSESSORIA DE IMAGEM PARA
PERSONALIDADES PÚBLICAS
Raquel Campos da Cruz1,
Emanuelle Andrade Déa2
e Marta Terezinha Motta Campos Martins3
RESUMO
O trabalho tem o objetivo de apresentar o papel do
profissional de relações públicas, atuando no planejamento estratégico da assessoria de imagem de personalidades
públicas. O estudo empírico deu-se por meio da aplicação
de um plano de Comunicação com a banda Cluster Sisters,
da região de Londrina, Paraná. Ele foi criado com o intuito
de ser utilizado como um alicerce para o aprimoramento
da atividade de relações públicas para personalidades públicas. As práticas de relações públicas para personalidade
públicas encontradas no Brasil preocupam-se, majoritariamente, em gerenciar situações imediatas. Assim, a principal
contribuição desta pesquisa é incluir o planejamento estratégico de ações voltadas para públicos de interesse da per-
Graduada pelo curso de Comunicação Social – Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina e pós graduanda do curso de Gestão Estratégica
em Comunicação Organizacional e Relações Públicas (GESTCORP) da Universidade de São Paulo.
1
Graduada pelo curso de Comunicação Social – Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina.
2
Orientadora do trabalho. Docente do curso de Comunicação Social – Relações Públicas da Universidade Estadual de Londrina.
3
sonalidade pública, incluindo não só a mídia, mas também
os fãs, os clientes, os investidores, entre outros.
Palavras-chave: relações públicas para personalidades
públicas; personalidades públicas; assessoria de imagem;
planejamento de relações públicas.
INTRODUÇÃO
O gerenciamento da imagem de personalidades públicas surge
como uma nova perspectiva de atuação para o profissional de relações
públicas em uma época, na qual a divulgação de informação torna-se
relevante. Forni (2013), observa a “paranoia” que a Internet tem causado
devido sua velocidade e seu potencial em destruir carreiras.
Dessa maneira, Howard Bragman (2008) afirma que a reputação
dessas personalidades públicas adquire maior vulnerabilidade e, portanto, necessita de cuidados específicos e estratégicos, que o relações-públicas pode oferecer.
Este profissional será capaz de determinar os aspectos norteadores da existência do trabalho da personalidade pública e o devido
interesse advindo da massa, como observam Campbell (1197), Turner
(2004), Pena (2002) e outros autores, ao classificar as celebridades.
É necessário perceber que estas características culminam no alcance de objetivos para satisfazer uma necessidade humana. A personalidade
pública irá, então, relacionar-se com diversos públicos e passará a depender deles, semelhantemente ao processo relacional das organizações.
Dentre esses relacionamentos, a imprensa torna-se um público
capaz de proporcionar a exposição necessária para que estas figuras públicas passem a ter tamanha importância para a sociedade, a ponto de
deixarem o anonimato e construírem uma reputação tão positiva que
possam ser perpetuadas na memória midiática.
Neste trabalho, pretende-se evidenciar o papel estratégico do profissional de relações públicas na assessoria de carreiras de personalidades públicas, por meio de conceitos fundamentais para a execução da atividade.
1140
A fim de alcançar este objetivo, escolheu-se o grupo musical
Cluster Sisters da região de Londrina (PR), por meio do qual fosse possível aplicar um plano de comunicação adequado. Além disso, a escolha
por um grupo musical levou em consideração a produção artística bastante presente na região.
O plano de comunicação elaborado utilizou como metodologia as
ideias propostas por Margarida Kunsch (2003), adicionando-se às contribuições de planejamento estratégico de Djalma de Oliveira (2013).
PERSONALIDADES PÚBLICAS
A literatura acadêmica tem a tendência de explicar o fenômeno das personalidades públicas por meio, primordialmente, da mídia
(TURNER, 2004). Além disso, as definições acerca do termo celebridade
são muito abundantes, de forma que cada autor determina um conceito
para cada realidade estudada.
Campbell (1997) observa a figura dos heróis, seres dotados de poderes extraordinários, cujas aventuras dependiam do público para serem fixadas na memória.
Com o foco nos heróis modernos, os olimpianos, Morin (1981)
comenta a idealização, originária da convergência entre o mundo real
e imaginário, que a massa cultuava diante a astros do cinema, atletas
campeões, reis, príncipes e exploradores. Os olimpianos teriam, então,
o poder de ditar estilos de vida, por meio de atitudes, pela beleza, pela
sedução, pelo bem estar.
Outra classificação é a de Torres (2011), que as separa em estrelas, celebridades ou famosos e conhecidos. Segundo ele, o termo estrela foi utilizado pela primeira vez em 1909, pelo New York Times e está
vinculado ao trabalho desempenhado pelos atores do início do cinema
hollywoodiano, no qual os estúdios organizavam suas vidas.
Dessa maneira, percebe-se que as celebridades são menos consolidadas que as personalidades públicas. Elas estão no mercado tempo suficiente para serem interessantes ao público. Entretanto, as personalidades
públicas são quase perpetuadas, provavelmente voltando ao significado
primordial dos heróis; além disso, elas podem ser advindas de diversos segmentos como entretenimento, política, ação social, ciência, entre outros.
1141
Ao comparar as ideias de Kunsch (2003) e Morgan (2207) sobre a
constituição das organizações, com as de Aristóteles (1997) e Vigotsky
(1991), sobre a existência do homem, pode-se concluir que as personalidades públicas são organizações. Ao mesmo tempo em que se relacionam com o meio em que vivem e seus atores sociais, também pretendem
alcançar objetivos.
No entanto, delimitar seu trabalho e sua vida pessoal são tarefas
muito árduas, como defende Bragman (2008). Assim, o profissional de
relações públicas depara-se com a abordagem de estratégias de relacionamento em três diferentes momentos da vida da personalidade pública: em sua vida profissional, quando a personalidade pública realiza a
atividade pela qual é conhecida; em sua vida pessoal, quando ela realiza
atividades quotidianas e acaba por ter essas atividades incluídas no interesse público; em sua vida privada, isto é, na essência de sua identidade, em todos aqueles momentos que não interessam para o público e
que nem são captados por eles.
RELAÇÕES PÚBLICAS PARA PERSONALIDADES PÚBLICAS
Pode-se depreender que a prática das Relações Públicas em um
cenário construído por personalidades públicas necessita de adequações que promovam a excelência da atividade. Assim, alguns autores
como Vieira, Salles e Lima (2010) e Moura, Fustinoni e Hatamura (2007),
denominam essa área como Relações Públicas Pessoais.
Entretanto, é interessante ressaltar que o termo relações públicas
pessoais, pode também ser compreendido do ponto de vista do relacionamento interpessoal, ou seja, relacionamentos entre pais e filhos, entre
colegas de trabalho, entre outros.
Relações públicas pessoais é a utilização das ferramentas de relações públicas para organizar e planejar os relacionamentos cotidianos,
além de incorporar preceitos do marketing pessoal e da visão micropolítica pregada por Simões (2001), prevendo as relações de poder empregada nos relacionamentos.
Portanto, as Relações Públicas para Personalidades Públicas
abrangem o complexo processo de gestão de relacionamento com os públicos no contexto das figuras que produzem entretenimento, esporte,
religião e política. Estas devem ser tratadas como organizações, uma vez
1142
que são formadas por um conjunto de profissionais com o objetivo comum de fazê-las alcançarem lucro e visibilidade da mídia, promovendo
seu trabalho e relacionando-se com seus públicos estratégicos.
Neste contexto, assim como no contexto organizacional, deve ser
levada em conta, a função de planejamento, que segundo Farias (2011)
deve estar presente em toda atividade de relações públicas, sendo indispensável para o exercício da profissão.
Para Oliveira (2013), planejamento é um processo desenvolvido
para alcançar objetivos e desejos da organização, de maneira eficiente,
eficaz e efetiva, concentrando os esforços e recursos necessários para
que isso aconteça. Assim, ele é um processo contínuo e composto por
ações interligadas e interdependentes, necessitando de processo decisório antes, durante e depois da sua implantação.
A função de assessoria também deve ser observada, sobretudo
quanto à assessoria de imagem, ou seja, a gestão da identidade, imagem
e reputação da personalidade. Segundo Riel (2013), o engajamento total
dos stakeholders pode levar uma organização ao sucesso, pois proporciona o que ele chama de alinhamento, que acontece tanto com o público interno quanto com o externo, e planeja alinhar as diretrizes e ações
da organização com esses públicos.
Riel (2013) ressalta que a reputação baseia-se na avaliação do
comportamento da organização ao longo do tempo, o que inclui seu
passado e as expectativas para o futuro.
ASSESSORIA DE IMAGEM PARA PERSONALIDADES PÚBLICAS
Assessorar a imagem de uma personalidade pública é utilizar de
seus relacionamentos para atingir seus objetivos, utilizando-se de diversos profissionais que cuidem de áreas específicas para que esses relacionamentos fluam de modo positivo para a personalidade.
A atividade de relações públicas é a maior responsável pela gestão
da carreira de uma personalidade. Segundo Marcondes Neto (2008) o
profissional pode assumir as funções de representante, porta-voz e administrador de carreira para o artista, além de poder ser responsável
pela função de assessoria de imagem, o que significa atuar no planejamento estratégico do processo de identidade, imagem e reputação.
1143
Identidade é o ser, aquilo que é interiorizado à personalidade pública. Por sua vez, imagem é produto da percepção de uma identidade, a
qual pode ser gerenciada. Para Riel (2013), a identidade pode ser percebida em três perspectivas: desejada, características que a personalidade
deseja alcançar, projetada, a apresentação das características, e percebida, em um estágio final, quase chegando à imagem.
Assim, percebe-se a importância do gerenciamento da imagem,
uma vez que a interpretação para transformar identidade em imagem
resulta na reputação da personalidade para o público. É fundamental
que as ações determinadas para consolidar a imagem da personalidade
pública estejam intimamente ligadas à identidade real.
O planejamento estratégico de relações públicas para personalidades públicas segue a mesma metodologia do qual para organizações,
proposto por Kunsch (2003). Entretanto, alguns pontos devem ser adequados pelo fato de alguns públicos serem exclusivos da personalidade
ou então por terem o relacionamento diferenciado com a personalidade,
como nos casos dos fãs e da mídia.
Como Bragman (2008) afirma, deve-se identificar a personalidade
pública, o cenário em que está inserida e como a opinião pública a reconhece, monitorando e mantendo, sob controle, a relação entre percepção
do público e a realidade da personalidade. Além disso, devem-se traçar
objetivas e metas realistas com a situação e identidade da celebridade.
Outro cuidado que o profissional de relações públicas deve ter é
com a mídia. A celebridade, na maioria dos casos, passa a ser reconhecida através da mídia. Por isso é necessário construir um relacionamento
que seja benéfico para ambos os lados, com o profissional de relações
públicas buscando trazer credibilidade e coerência com a imprensa. Além disso, o networking deve ser explorado pela personalidade,
Bragman (2008) comenta que os eventos são as melhores oportunidades
que a personalidade pública terá para se reunir, conhecer e homenagear
outras personalidades.
Post, Preston e Sachs (apud GRUNIG; FERRARI; FRANÇA, 2009) o
relacionamento com os stakeholders é fundamental para a prosperidade da organização. As personalidades públicas mantêm relacionamento
com diversos públicos, cabe ao relações públicas identifica-los e gerir
estes relacionamentos com públicos tão distintos.
1144
Todos os públicos têm sua determinada importância para a personalidade, pode-se dizer que dentre os que mais se destacam estão os
investidores, patrocinadores, clientes, consumidores, fãs, mídia, e um
segmento que tem tido bastante destaque que são os estilistas de moda,
uma vez que as personalidades possuem bastante visibilidade e influência sobre a massa, e os estilistas também podem conferir prestígio à
imagem da personalidade por esta usar uma criação sua.
A mídia, como diz Forni (2013), é um dos públicos mais importantes por estar aliada à opinião pública e à prestação de contas à sociedade. Ela acaba por influenciar todos os outros públicos ao qual a
personalidade está ligada.
Por serem pessoas públicas e terem muita visibilidade, as personalidades públicas se expõem, muitas vezes desnecessariamente, o que
as torna vulneráveis a toda e qualquer tipo de informação vazada. É
baseando-se nisso que Farias (2013) recomenda passar a assessoria de
imprensa para o status de relacionamento com a mídia, sendo guiado
por políticas de relacionamento, assim como qualquer outro público decisivo para uma organização.
O relações públicas, por sua vez, trabalha de forma estratégica na
construção e manutenção de todos os relacionamentos com os públicos
da personalidade pública, a fim de garantir um equilíbrio entre o seu
assessorado e todo o ambiente em que está inserido, atuando com cada
público. Com relação à mídia, o relacionamento deve ser direto e constante, uma vez que ela é a linha de veiculação da personalidade pública.
PROJETO EXPERIMENTAL DE RELAÇÕES PÚBLICAS PARA A
BANDA CLUSTER SISTERS
O grupo musical Cluster Sisters foi fundado em 2008 pelas integrantes Gabriela Catai e Maitê Motta, sendo inspiradas pela banda
Puppini Sisters. Assim, escolheram o estilo musical swing jazz como
principal da banda. Tendo se conhecido inicialmente em um grupo de
corais de Londrina (PR), Giovanna Correia também foi convidada para
participar do grupo.
As Cluster Sisters ficaram nacionalmente conhecidas após fazerem parte do reality show musical da Rede Globo, Superstar, no começo
de 2014. Hoje, além das três vocalistas, a banda ainda conta com um
1145
produtor executivo, Davi di Pietro, e mais músicos: Emílio Mizão (guitarra), Filipe Barthem (contrabaixo), Bruno Cotrim (bateria), Wesley
César (saxofone), André Siqueira ( flauta e trompete – contratado por
show) e Mateus Gonsales (piano – contratado por show).
Atualmente, os eventos corporativos são o principal tipo de show
para o qual a banda é contratada, sendo performados, aproximadamente, todos os finais de semana, na região de Londrina e em outros estados
do País. O grupo também finaliza a produção de seu primeiro álbum
pela produtora S de Samba, localizada na cidade de São Paulo.
Analisando as respostas obtidas por meio de um questionário
aplicado para identificar o cenário da banda, foi possível elaborar um
diagnóstico de Relações Públicas para as Cluster Sisters. Por meio da
análise SWOT (pontos fortes, pontos fracos, oportunidade e ameaças),
assim como indicado por Oliveira (2013), a seguir estão listados os principais tópicos observados:
a) Pontos fortes: os integrantes possuem comunicação eficaz e
democrática entre si; apresentam identidade bastante forte; dispõem-se à execução de programas de responsabilidade social;
estão presentes nas redes sociais (Facebook, Twitter e Instagram)
e possuem website.
b) Pontos fracos: a maior parte das fraquezas da banda dá-se devido à falta de uma estrutura administrativa que organize e crie
uma estrutura organizacional, dentre elas a falta de formalização do grupo enquanto uma empresa e a má gestão de horários
e reuniões. Ainda estão presentes algumas falhas de relacionamento principalmente com a imprensa.
c) Oportunidades: acesso ao SEBRAE pode suprir algumas necessidades administrativas; estímulo à criação de leis de incentivo
à cultura; observação cuidadosa da sociedade perante ações de
responsabilidade social.
d) Ameaças: registro da marca por terceiros; pouco acesso à cultura no Brasil, o que causa o desconhecimento de estilos musicais como o swing jazz; interesse excessivo da mídia por personalidades públicas.
Neste cenário, foram estabelecidos alguns objetivos para o plano
de comunicação proposto ao grupo: potencializar as ações já executa1146
das pela banda; sistematizar os processos comunicativos não identificados pelo grupo; manter relacionamentos estratégicos. A identificação
de públicos foi elaborada de acordo com a classificação lógica de França
(2008), sendo os stakeholders principais a imprensa, contratantes de
shows, fãs, investidores e patrocinadores.
Os programas e projetos elaborados foram baseados no esforço
integrado das áreas de relações públicas, Administração e Jornalismo.
Tendo em vista os pontos diagnosticados, ficou clara a necessidade que
a banda possui em manter a organização e padronização de suas atividades rotineiras, reunindo essas áreas de atuação.
Portanto, foram propostos programas ideais executados parcialmente. Assim, foram constituídos por um conjunto de projetos. Dois
projetos foram apenas propostos, um para o aprimoramento do website,
criando um espaço restrito de troca de arquivos entre a banda e, principalmente, contratantes, e um para a gestão das redes sociais.
Os projetos executados concentraram-se na assessoria de imprensa, com o envio de newsletters para o mailing reunido e com o atendimento direto aos veículos de mídia. Durante a execução desses projetos, foi
observado o pouco interesse da imprensa com a banda, somente dois contatos foram feitos no período de aplicação, de 18/08/2014 a 26/09/2014.
Como forma de avaliação, primeiramente, os projetos deveriam
ser avaliados de acordo com os objetivos estimulados para eles. Após,
os programas receberiam uma nota por seu desempenho e, por último,
a média aritmética dessas notas, resultaria na avaliação do plano como
um todo. Vale ressaltar que o plano não teve custos orçamentários devido às plataformas gratuitas utilizadas.
CONCLUSÃO
O trabalho de relações públicas para personalidades públicas vai
muito além de meramente relacionar-se com os públicos destas figuras.
Envolve estratégia, observação, organização e conhecimento do cenário
em que a personalidade está inserida.
A relevância de se estabelecer diretrizes para que a personalidade consiga uma projeção positiva no mercado mostra a necessidade de
trabalhar estrategicamente a comunicação da celebridade, tanto no relacionamento dos públicos, que possuem papéis fundamentais na con1147
solidação da carreira, quanto na administração da vida pessoal e profissional. O profissional de relações públicas, juntamente com outros
profissionais capacitados, pode administrar a comunicação da personalidade pública, traçando estratégias e ações.
Nesse cenário, foi possível observar a necessidade em estabelecer ações estratégicas de relacionamento que consolidem a personalidade pública em seu meio de trabalho, levando em consideração suas
ambições pessoais.
O relacionamento com a imprensa, além dos fãs e investidores,
também é fundamental para que a exposição dessas figuras cresça e que
elas passem de celebridades para personalidades públicas, construindo
reputação favorável. A presença online é outro ponto que deve ser explorado neste planejamento.
Em suma, reafirma-se a necessidade em discutir o planejamento
estratégico da assessoria de imagem para personalidades públicas por
relações-públicas. A amplitude de conhecimentos da área pode subsidiá-los com ideias cruciais para a perpetuação dessas figuras na memória da humanidade.
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AS MÍDIAS SOCIAIS E A (RE) SIGNIFICAÇÃO
DAS ‘OUVIDORIAS VIRTUAIS’ NOS HOSPITAIS
UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS
Cleusa Maria Andrade Scroferneker1, Francielle Benett Falavigna2
e Thaís Gonçalves da Silva3
RESUMO
As mídias sociais [digitais] no contexto das Ouvidorias
Virtuais dos Hospitais Universitários Brasileiros (re) significaram as modalidades tradicionais de Fale Conosco,
Ouvidoria e Contato/Contatos. O artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa4 sobre a (re) significação das
mídias sociais [digitais] como mediadoras nas relações
entre os Hospitais Universitários Brasileiros e seus diferentes públicos. Os procedimentos metodológicos envolvem a
pesquisa exploratória (GIL, 1999), desenvolvida mediante
técnicas de levantamento bibliográfico, estratégia de estudo de caso (YIN, 2001), envio de questionários por e-mail
(DUARTE, 2006) e análise das plataformas disponibilizadas
nos sites/portais dos Hospitais.
Professora Titular/Faculdade de Comunicação Social/Programa de Pós-Graduação em Comunicação – FAMECOS/PPGCOM/PUCRS. Bolsista de Produtividade – PQ/CNPq 2.
1
Bolsista de Iniciação Científica – BPA/PUCRS/2014-2015 e estudante do Curso
de Relações Públicas da Faculdade de Comunicação Social – FAMECOS/PUCRS.
2
Bolsista de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/2014-2015 e estudante do Curso
de Relações Públicas da Faculdade de Comunicação Social – FAMECOS/PUCRS.
3
A pesquisa está sendo desenvolvida com o apoio do CNPq e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Bolsa PQ/CNPq [renovada até 2018],
Bolsas de Iniciação Científica PIBC/CNPq 2014-2015 e BPA/PUCRS [2014/2015].
4
Palavras-chave: Ouvidoria Virtual; Mídias Sociais;
Comunicação Digital; Hospitais Universitários Brasileiros.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA: UMA BREVE INTRODUÇÃO
O presente artigo destaca os resultados parciais da pesquisa
desenvolvida no projeto - As mídias sociais e a (re) significação das
ouvidorias virtuais nos Hospitais Universitários Brasileiros. A expressão
‘Ouvidoria Virtual’5, compreende as modalidades virtuais que os
Hospitais disponibilizam para [tentar] interagir com seus segmentos
de públicos, geralmente identificadas como Fale Conosco, Ouvidoria e
Contato/Contatos. De acordo com Scroferneker (2006, p.12):
as tentativas de ‘enxergar e visualizar’ as ‘ouvidorias’ virtuais
[...] evidenciam a necessidade de ampliar o espaço de discussão sobre um tema emergente, complexo e cada vez mais presente nas organizações no que se refere à virtualização dos
relacionamentos pessoa-pessoa.
É importante destacar que as mídias sociais6 digitais, sob a perspectiva do projeto, se constituem em modalidades de ouvidorias virtuais
(re) significadas. A apropriação de diferentes plataformas que compõem
as mídias sociais digitais pelas organizações, e específicamente pelos
Hospitais Universitários, buscam/pretendem (re) estabelecer/consolidar
o relacionamento com os seus segmentos de públicos, semelhantemente
ao pretendido/esperado pelas modalidades tradicionais.
De acordo com Nassar ([2009]) “[...] como organizações da área
da saúde, os hospitais são reconhecidamente organizações complexas.
5
Expressão criada pela coordenadora do Projeto em 2005.
Telles (2011) ao chamar a atenção para o uso - como sinônimo- das expressões
redes sociais e mídias sociais afirma que “ [,..] rede social é uma categoria de
mídias sociais, que é um conceito mais abrangente: “são sites na internet construídos para permitir a criação colaborativa de conteúdo, a interação social e o
compartilhamento de informações em diversos formatos” (TELLES, 2011, p.19).
6
1155
Portanto, dada a complexidade, é importante analisar os procedimentos
comunicacionais que ocorrem nas plataformas de mídias sociais dessas
organizações, pois neste contexto, a comunicação se estabelece como
variável contribuinte no processo de padronização. Levando em conta
tais considerações, interessa-nos, investigar sobre como os Hospitais
Universitários Brasileiros estão ‘utilizando’ as mídias sociais digitais,
especialmente as plataformas do Twitter e do Facebook para [tentar]
interagir com seus públicos e discutir sobre as especificidades desse
‘diálogo virtual’, proposto pelos Hospitais em relação a essas plataformas.
Para a definição da amostra de Hospitais foram adotados critérios
em relação à nomenclatura, ou seja, possuir a terminologia de Hospital
Universitário (HU) ou algum tipo de dependência financeira com IES
(Instituição de Educação Superior); constar na relação de Hospitais
Universitários reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC);
pertencer à Associação Brasileira de Hospitais Universitários e de
Educação e disponibilizar alguma modalidade de ‘Ouvidoria’ virtual nos
sites/portais7, tradicionais e/ou (re)significada.
Com a aplicação dos critérios, foi definida uma amostra de 36
Hospitais Universitários. Dessa relação de Hospitais foram relacionados,
para apresentação nesse artigo, apenas aqueles que disponibilizavam
plataformas oficiais em seus sites/portais (QUADRO 1). São eles: Walter
Cantídio, Júlio Müller, João de Barros Barreto, Clementino Fraga Filho,
Betina Ferro de Souza e Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
O termo site designa um ‘local virtual’, ou seja, um conjunto de páginas virtualmente localizado em algum ponto da Web ([DICTIONARY.COM, 2010]). Os
portais, por sua vez, podem ser entendidos como sites da Internet que funcionam como centros aglomeradores de outros sites e de seus conteúdos.
7
1156
QUADRO 1 – OS HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS E SUAS
PLATAFORMAS OFICIAIS
Fonte: Elaborado por FALAVIGNA, Francielle Benett (Bolsista BPA/
PUCRS/2014-2015) e SILVA, Thais Gonçalves (PIBIC/CNPq/ 2014-2015).
Os sites/portais desses hospitais foram acompanhados mensalmente, assim como as plataformas que disponibilizavam.
SOBRE OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E RESULTADOS PARCIAIS
Para que nossas discussões pudessem ser fundamentadas, os
procedimentos metodológicos envolveram pesquisa exploratória (GIL,
1999), desenvolvida mediante técnicas de levantamento bibliográfico,
estratégia de estudo de caso (YIN, 2001), envio de questionários por e-mail (DUARTE, 2006) e exploração e análise das plataformas disponibilizadas nos sites/portais dos Hospitais que compõem a amostra. Para o
1157
detalhamento dos procedimentos metodológicos optamos por apresentá-los em quatro momentos:
1º momento: Levantamento bibliográfico para a fundamentação
teórica da pesquisa.
Autores como Primo (2011), Recuero (2012), Scroferneker,
Ramires e Silva (2011), dentre outros, nos auxiliaram no embasamento
das análises realizadas no segundo momento de nossas investigações.
Para Recuero (2012, p.16) “As redes sociais são as estruturas dos agrupamentos humanos, constituídas pelas interações, que constroem os grupos sociais” Sob essa abordagem, as redes sociais, ou os sites de redes
sociais, são espaços que permitem a virtualização de agrupamentos sociais, de ordem pessoal e/ou profissional, a partir do compartilhamento/
proximidade de interesses e valores (RECUERO, 2009). Em plataformas
como o Twitter e o Facebook, é importante ressaltar a necessidade do
diálogo, “[...] porque é na comunicação e nos seus relacionamentos sociais que as organizações têm os principais processos que as legitimam
e consolidam na sociedade e mercado onde atuam” (NASSAR, 2008, p.
193). E, no contexto atual, a internet passou a ser cenário desses processos de legitimação, relacionamento e visibilidade (SCROFERNEKER;
SILVA E AMORIM, 2011).
2º Momento: Acompanhamento e análise mensal dos sites/portais dos Hospitais Universitários da amostra8.
Compõem a amostra analisada os seguintes Hospitais: Hospital Universitário
Getúlio Vargas (UFMA), Hospital Universitário Betina Ferro de Souza (UFPA),
Hospital Universitário João de Barros Barreto (UFPA), Hospital das Clínicas
(UFGO), Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (UFMS), Hospital
Universitário Júlio Müller (UFMT), Hospital Universitário de Brasília (UNB), Hospital Universitário da Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD), Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Hospital Universitário
Prof. Alberto Antunes (UFAL), Hospital Universitário Prof. Edgard Santos (UFBA),
Hospital Universitário Walter Cantídio (UFCE), Hospital Universitário Alcides
Carneiro (UFCG), Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), Hospital Universitário Lauro Wanderley (UFPB), Hospital das Clínicas
UFPE (UFPE), Hospital Universitário Ana Bazerra (UFRN), Hospital Universitário
Onofre Lopes (UFRN), Hospital Universitário UFS (UFS), Hospital Universitário
8
1158
O acompanhamento e a análise mensal dos sites/portais dos
Hospitais buscou, evidenciar se as plataformas se constituem [ou não]
em redes de relacionamento e de diálogo. A conversação como apropriação na comunicação mediada pelo computador (RECUERO, 2012)
apresenta especificidades relacionadas à estrutura de rede no ambiente virtual. Esse acompanhamento revelou que dentre as plataformas
de mídias sociais oficiais, redirecionadas através dos sites/portais do
Hospitais, o Twitter e o Facebook se constituem nas mais ‘utilizadas’.
O Twitter, é a alternativa de mídia oficial que os Hospitais mais se
apropriam, apresentando replicações de postagens do site/portal dessas
Instituições. Os tweets, normalmente são relacionados à área da saúde e a
conteúdos de interesse público. A ausência de interação, no entanto, nos
permite afirmar que a gestão da plataforma está pautada na emissão.
No caso do Facebook, também são predominantes as postagens de
links de conteúdos disponíveis em seus sites/portais, o que caracteriza,
ao mesmo tempo, uma postura com foco na emissão.
Recuero destaca que (2012, p.16) “O Facebook, o Orkut e o Twitter
são ferramentas que [...] que pertencem à categoria cada vez mais popular dos ‘sites de rede social’ [grifo da autora], ou ferramentas que proporcionam a publicação e a construção de redes sociais”. Segundo Santaella
e Lemos (2010, p. 55) “O Twitter [...] é um ambiente digital que possui
uma dinâmica singular de interação social”, ou seja, “[...] é uma mídia
social particular que apresenta características únicas em relação a outras plataformas de rede social, como o Facebook [...]” (SANTAELLA e
LEMOS, 2010, p. 63).
Dr. Miguel Riet Correa Junior (FURG), Hospital de Clínicas de Porto Alegre (UFRGS), Hospital de Clínicas da UFPR (UFPR), Hospital Escola de Pelotas (UFPEL),
Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (UFSC), Hospital Universitário de Santa Maria (UFSM), Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (UFRGS e UFCSSPA), Hospital São Lucas da PUCRS (PUC-RS), Hospital Universitário
Antônio de Moraes (UFES), Hospital Universitário Antonio Pedro (UFF), Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), Hospital Escola São Francisco de
Assis (UFRJ), Hospital Universitário UFJF (UFJF), Hospital das Clínicas da UFMG
(UFMG), Hospital Escola (UFTM), Hospital de Clínicas de Uberlândia (UFU) e
Hospital Universitário da (UNIFESP).
1159
Ainda de acordo com as referidas autoras, diferentemente das demais plataformas, o foco do Twitter “[...] encontra-se na qualidade e no
tipo de conteúdo veiculado por um usuário específico”, apresentando
“[...] uma ecologia relacional completamente diversa das outras RSIs9
(SANTAELLA e LEMOS, 2010, p.67).
Segundo nossas análises em relação aos seis hospitais, no que diz
respeito à apropriação do Facebook, apenas dois - Hospital de Clínicas
de Porto Alegre (UFGRS) e o Hospital Universitário Clementino Fraga
Filho (UFRJ) - revelam, mesmo que parcialmente, certa clareza sobre o
conceito de cada uma dessas plataformas, sob a perspectiva do diálogo
‘virtual’ (FIGURA 1).
FIGURA 1 - DIÁLOGOS ENTRE OS INTERAGENTES - HOSPITAL DE CLÍNICAS DE
PORTO ALEGRE E HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO
FRAGA FILHO NO FACEBOOK.
Fonte: Elaborado por FALAVIGNA, Francielle Benett (Bolsista BPA/
PUCRS/2014-2015) e SILVA, Thais Gonçalves (PIBIC/CNPq/ 2014-2015) com
base em Facebook (2015).
Já no que se refere ao Twitter, observamos uma postura informacional por parte dos Hospitais Universitários. Tal modalidade de interatividade é entendida por Primo (2011, p.149-150) como reativa (FIGURA
Redes Sociais na Internet/RSIs. Para Santaella e Lemos (2010, p. 32) “Redes são
fluxos, circulações, movimentos, alianças que nada têm a ver com entidades fixas”.
9
1160
2), visto que “[...] dependem de previsibilidade e da automatização nas
trocas, sendo [...] marcada pelo disparar de potenciais”.
FIGURA 2 - DIÁLOGOS ENTRE OS INTERAGENTES - HOSPITAL CLEMENTINO
FRAGA FILHO NO TWITTER.
Fonte: Elaborado por FALAVIGNA, Francielle Benett (Bolsista BPA/
PUCRS/2014-2015) e SILVA, Thais Gonçalves (PIBIC/CNPq/ 2014-2015) com
base em Twitter (2015).
É importante destacar que apesar dos Hospitais recorrerem e
pretenderem que as plataformas se constituam em alternativas de comunicação institucional, de relacionamento com os públicos, nossas
observações identificaram um ‘uso’ das mídias sociais com viés predominantemente informacional.
3º Momento: Realização de pré-teste, com envio de questionário,
no corpo do e-mail.
Nesse terceiro momento, elaboramos dois modelos de questionários, com base no critério de segmentação dos Hospitais Universitários
que disponibilizavam Ouvidoria em sua modalidade presencial e aqueles que, além dessa, também a disponibilizavam em modalidade virtual. Posterior à elaboração dos questionários, iniciamos o período de
pré-teste [entre 16 de setembro e 2 de outubro de 2014], em que foram
1161
selecionados seis Hospitais para amostra, três que disponibilizavam
plataformas de mídias sociais e três que, não as disponibilizavam. O
pré-teste teve como objetivo validar as questões propostas visando atingir os objetivos do projeto. Nessa etapa retornaram apenas dois questionários, destes, apenas um Hospital disponibilizava plataformas em
seus sites/portais, no entanto, não respondeu as questões direcionadas
à Ouvidoria em sua modalidade Virtual.
4º Momento: Envio dos questionários validados após o pré-teste.
Considerando que apenas dois Hospitais responderam o questionário enviado, optamos por reenviá-lo, após a revisão das questões,
aos 30 Hospitais Universitários, no período entre 24 de setembro e 4 de
novembro de 2014. Cabe aqui uma citação de Wolton, que em nossa opinião traduz essa ausência de resposta. Para esse autor “as técnicas não
bastam para criar a comunicação”, dado que “o mais simples tem a ver
com as tecnologias e mensagens, enquanto o mais complicado tem a ver
com os homens [...]” (WOLTON, 2010, p.13).
Com o envio desse questionário, pretendíamos ‘ouvir’ ouvidores
e/ou responsáveis de Ouvidoria sobre a apropriação das modalidades
tradicionais de ouvidoria, bem como entender os motivos que levaram
esses Hospitais a disponibilizarem as plataformas em seus sites/portais
e como estavam sendo ‘utilizadas’ (grifo nosso).
Dos 30 questionários enviados, inclusive endereçados nominalmente, recebemos seis questionários preenchidos10. Destacamos como
pontos importantes:
a) as Ouvidorias dos Hospitais que responderam apresentam
um quadro de funcionários reduzido (de até três pessoas);
b) dispõem de salas próprias;
c) estão vinculadas à superintendência;
d) possuem banco de dados para armazenamento de informaHospital Universitário Júlio Müller (UFMT), Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Hospital Universitário da Universidade
Federal de Grande Dourados (UFGD), Hospital Universitário Polydoro Ernani
de São Thiago (UFSC), Hospital Universitário Lauro Wanderley (UFPB) e Hospital Universitário Antonio Pedro (UFF).
10
1162
ções referentes à Ouvidoria em suas modalidades tradicionais;
e) e os Ouvidores relatam que desempenham a função até no
máximo dois anos.
Em virtude das dificuldades de pesquisa, entramos em contato telefônico com os Hospitais, no período entre 03 e 6 de novembro de 2014,
buscando ressaltar a importância de responder o questionário para o
desenvolvimento da pesquisa. Para Recuero (2013, p.53) “É pela conversação, [...], que conseguimos conhecer melhor o Outro, estabelecer
relações e construir laços sociais que vão estruturar os grupos sociais e
a sociedade como um todo”. Ainda assim, após contato e algumas tentativas telefônicas sem sucesso aos vinte e quatro Hospitais, treze questionários foram reenviados conforme solicitação dos ouvidores. Destes,
seis questionários retornaram preenchidos11.
Nossas investigações permitiram que fossem observadas algumas
especificidades em relação àqueles que responderam somente após as
ligações. Entre elas podemos destacar o tempo que a função de ouvidor
é desempenhada – entre dois e dezessete anos –, período significativamente maior em relação àqueles que responderam via e-mail, sem a necessidade de ligação. Ainda que sejam observadas disparidades, algumas semelhanças são constatadas. As equipes também são reduzidas,
com no máximo três pessoas no setor e, no que se refere às demandas,
as reclamações são as mais frequentes, principalmente por parte de familiares e pacientes.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A intenção deste artigo, como já destacado, era investigar sobre como se dá a apropriação das mídias sociais digitais por parte dos
Hospitais Universitários Brasileiros e como estão sendo ‘utilizadas’ essas
mídias, especialmente as plataformas do Twitter e do Facebook, enquanto
mediadoras nas relações entre os Hospitais e os seus diferentes públicos.
Hospital Universitário Antônio de Moraes (UFES), Hospital Universitário Dr.
Miguel Riet Correa Junior (FURG), Hospital Universitário Prof. Edgard Santos
(UFBA), Hospital São Lucas da PUCRS (PUC-RS), Hospital Escola de Pelotas
(UFPEL) e Hospital de Clínicas de Uberlândia (UFU).
11
1163
Com base nas respostas obtidas e nas observações realizadas, algumas considerações devem ser destacadas. Dentre os seis Hospitais
com plataformas de Mídias Sociais oficiais, por exemplo, todos possuem
conta no Twitter e quatro possuem conta no Facebook, ou seja, essas
plataformas são as mais ‘utilizadas’ pelos Hospitais Universitários, que
compõem a amostra.
Em relação ao Facebook, apenas dois Hospitais revelaram, parcialmente, maior clareza na apropriação da plataforma, se considerarmos
uma perspectiva de diálogo virtual. Já no que se refere ao Twitter, predomina a interatividade reativa (PRIMO, 2011, p. p.149-150), o que dificulta o diálogo e o relacionamento dos Hospitais com seus públicos, bem
como dos públicos com essas Instituições.
Os Hospitais Universitários pesquisados evidenciaram, no que
se refere ao modo como ‘utilizam’ e/ou se apropriam das plataformas
de mídias sociais digitais enquanto modalidades de Ouvidoria Virtual,
uma postura fortemente pautada na cultura da informação.
Como já destacado por Scroferneker, Amorim, Florczak, Castilhos
e Falavigna (2014), acreditamos que “[...] a falta de clareza conceitual
sobre Ouvidoria e principalmente da ‘Ouvidoria’ virtual, [...] expõe o desconhecimento sobre a relevância que essas novas possibilidades de comunicação oferecem aos Hospitais Universitários”. A presença de uma
organização no ambiente virtual, pressupõe a disponibilidade para dialogar com os diferentes públicos com que se relaciona.
Concordamos com Marcondes Filho (2008, p.25-26) quando afirma que,
O diálogo, na realidade, é um espaço comum [...].Além das palavras emitidas, circulam sensações, emoções, desejos, interesses,
curiosidades, percepções, estados de espírito, intuições, humores, uma indescritível sensação de ‘coisa comum’ [grifo do autor].
Avaliar e (re) avaliar a relação organização-públicos a partir de
plataformas como o Twitter e o Facebook, implica considerar uma visão
crítica sobre o modo como estão sendo gerenciados estes espaços.
Esperamos que nossas observações e análises [em andamento]
contribuam para uma reflexão aprofundada sobre o modo como estão
sendo geridas e (re) significadas estas plataformas, especialmente, a de
Hospitais Universitários Brasileiros.
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1166
|9|
O USO DO CROWDFUNDING NO FINANCIAMENTO
DE PROJETOS SOCIAIS E CULTURIAS: UM ESTUDO
SOBRE A CATARSE.
Caroline Dias MILANI1
e Cristiane Maria RIFFEL2
RESUMO
O estudo buscou analisar o uso do crowdfunding
como forma de financiamento para projetos sociais e culturais no Brasil, por meio da análise da plataforma Catarse,
sendo ela a primeira plataforma do Brasil. O crowdfunding,
também conhecido como financiamento coletivo, compreende em uma estratégia de captação de recursos para
projetos que aliam o desenvolvimento tecnológico da internet com práticas relacionadas à cultura participativa.
O estudo caracteriza-se como exploratório de abordagem
qualitativa. Primeiro realizou-se a coleta de dados por meio
de pesquisa bibliográfica. Em segundo momento realizou-se a pesquisa documental, análise de conteúdo do site e
do blog e entrevista com o coordenador de comunicação da
Catarse. Os resultados indicaram que o sucesso do financiamento coletivo só é possível graças às facilidades e às possibilidades que a internet proporciona, entre elas estão à visibilidade e o engajamento do público no ambiente virtual.
O estudo mostrou ainda que a comunicação é um elemento
Estudante de Graduação do 5º período do Curso de Comunicação Social - Relações Públicas da Univali, email: caroliinemilani@hotmail.com
1
Mestre em Extensão Rural (UFSM-RS), Bacharel em Comunicação Social –
Hab. em Relações Públicas (UFSM-RS). Atua como docente nos cursos de Relações Públicas e Pós Graduação em Comunicação Empresarial da Univali.
2
essencial para a prática do crowdfunding e do sucesso no
financiamento de projetos.
Palavras-chave: Crowdfunding; financiamento coletivo;
cultura participativa; Catarse.
INTRODUÇÃO
Este estudo investiga o crowdfunding, também conhecido como
financiamento coletivo. Na prática, o crowdfunding consiste em doações
feitas pela internet a fim de viabilizar financeiramente projetos de interesse comum. Seu principal objetivo é que várias pessoas contribuam
com pequenas quantias de dinheiro até atingir o montante necessário
para viabilizar um projeto em questão. Na concepção de Howe (2008) o
financiamento coletivo mobiliza o bolso coletivo, por meio da internet,
permitindo que as pessoas financiem projetos em que acreditam.
O crowdfunding surgiu na Europa no ano de 2006 e desde então
vem se expandindo ao redor do mundo. No Brasil, o crowdfunding chegou no ano de 2011, por meio da plataforma Catarse. De acordo com um
estudo publicado no site crowdsourcin.org, em 2012, identificou-se que,
na época, já haviam 452 plataformas de crowdfunding no mundo, sendo
21 delas brasileiras.
O sucesso e a disseminação da prática do financiamento coletivo
não se resume apenas na viabilização financeira dos projetos, mas também na visibilidade e no impacto que a prática proporciona para os projetos financiados. O financiamento coletivo é uma forma de captação de
recursos inovadora que visa aliar a cultura participativa com o desenvolvimento tecnológico, por meio da internet. Isto por que os métodos
de captação de recursos tradicionais3, na maioria das vezes, são muito
burocráticos e não oferecem a visibilidade e a divulgação para os projetos na mesma proporção que o financiamento coletivo. Diferente das
Alguns dos tipos de captação de recursos tradicionais são: incentivo governamental, incentivo privado e editais públicos.
3
1168
formas tradicionais de captação, o crowdfunding permite o engajamento
do público, divulgação do projeto e impacto na mídia e na sociedade,
por meio da internet.
Neste contexto o estudo buscou analisar o uso do crowdfunding
para o financiamento de projetos sociais e culturais, por meio da experiência da Catarse. Como objetivos específicos a pesquisa buscou mapear
a trajetória do financiamento coletivo no Brasil, compreender o uso do
financiamento coletivo e identificar as estratégias de comunicação que
a Catarse utiliza para captar financiadores.
A pesquisa realizada caracteriza-se como exploratória de abordagem qualitativa. Na primeira fase fez-se o levantamento de dados bibliográficos, por meio de artigos científicos, monografias, livros e pesquisas
já realizadas na área. Na segunda fase realizou-se uma pesquisa documental por meio de reportagens jornalísticas, documentários disponíveis no Youtube e no canal Multishow. Posteriormente foi feita uma análise de conteúdo do site e do blog da Catarse, e por fim uma entrevista
com o coordenador de comunicação da Catarse, Felipe Caruso.
INTERNET E CULTURA PARTICIPATIVA: UM OLHAR SOBRE OS
PROCESSOS COLABORATIVOS
Para entender os processos que permeiam a prática do crowdfunding é preciso compreender os impactos sociais e culturais que a internet vem ocasionando na sociedade contemporânea.
A grande transformação da internet aconteceu por volta dos
anos 2000, com o advento da chamada web 2.0. Na concepção de Ferrari
(2008) a web 2.0 permitiu a participação dos usuários, bem como a geração de conteúdo e a democratização do fluxo de informações, que antes
ficavam apenas nas mãos das grandes mídias como rádio e televisão.
Do ponto de vista de Gabriel (2010) a web 2.0 é considerada a web
da participação, em que as pessoas utilizam a web como plataforma
para todo o tipo de interação: blogs, vídeos, fotos, redes sociais, etc. A
interatividade, o rápido acesso e a facilidade na postagem de conteúdos
que as mídias sociais proporcionaram, resultou em novas maneiras de
se utilizar a internet. Telles (2011, p.19) propõe que as mídias sociais
são sites na internet construídos para permitir a criação colaborativa de
1169
conteúdo, a interação social e o compartilhamento de informações em
diversos formatos.
O fácil acesso à internet democratizou os meios de produção e
distribuição dos recursos midiáticos. Jenkins (2009, p.28) afirma que os
usuários estão criando aquilo que desejam consumir como mídia. Ele
utiliza a expressão “cultura participativa” para contextualizar o processo de mudanças midiáticas entre os usuários na internet.
A expressão cultura participativa contrasta com noções mais
antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de
comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos
agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras.
A mudança de comportamento dos usuários em relação ao uso
da internet proposta por Jenkins (2009) só foi possível graças a interatividade promovida pelas mídias sociais. O autor afirma que a circulação
de conteúdo nas mídias sociais depende fortemente da participação
dos usuários. Shirky (2010, p.109) esclarece que a tecnologia possibilita
essas mudanças de comportamento, mas não pode causá-los. O caráter humano é o expoente essencial do comportamento sociável, mesmo
quando coordenado por ferramentas tecnológicas.
Essas mudanças de comportamento deram origem a processos
colaborativos desenvolvidos por meio da interação da internet. Trata-se
de práticas relacionadas ao crowdsourcing e ao crowdfunding. Na concepção de Howe (2008, p.23) o crowdsourcing é o conjunto de contribuições (trabalho) voluntárias ou de baixo custo de diversos indivíduos e
grupos, predominantemente conectados por meio da internet, a fim de
compartilhar conhecimento, talento, tempo e recursos, para resolver
problemas ou criar novos conteúdos, em funções anteriormente designadas a especialistas.
Para os autores Tapscott e Williams (2007, p.23), a produção de conhecimento, conteúdo, bens e serviços estão se tornando uma atividade
colaborativa na qual cada vez mais um maior número de pessoas pode
participar. Embora o crowdsourcing esteja ligado à internet e as suas possibilidades, sua essência não é a tecnologia, mas sim o comportamento
humano e as habilidades de compartilhar conhecimento (HOWE, 2008).
1170
O que torna o crowdsourcing um sucesso é a união de diferentes intelectos, com um objetivo em comum, mediado pelo uso da internet.
Alguns especialistas da área como Howe (2008), Tapscott e
Wiliians (2007), fazem referência a Pierre Lévy, quando se trata da união
de diferentes intelectos. Lévy (1999), já abordava essa reflexão em seu
livro Inteligência Coletiva. Antes mesmo do surgimento das mídias sociais e da interatividade na internet, o autor já propunha que a inteligência coletiva estava relacionada à capacidade das comunidades virtuais
de alavancar expertise combinada de seus membros. A união de diferentes intelectos é uma prática antiga, mas que com o surgimento das
mídias sociais ganhou força.
O crowdsourcing é o resultado da mudança de comportamento
dos usuários aliada ao desenvolvimento da internet. Sua essência não
consiste na tecnologia em si, mas na cultura participativa que se fortalece no ambiente virtual. Dentro deste contexto surge assim o crowdfunding, que utiliza o capital excedente da multidão para o financiamento
de projetos de interesse comum.
CROWDFUNDING: UMA ALTERNATIVA INOVADORA PARA O
FINANCIAMENTO DE PROJETOS
O crowdfunding4 é um desdobramento do crowdsourcing, na medida em que ele busca na multidão uma solução para um problema e
tem a internet como seu grande agente facilitador. Sbeghen (2012, p.37)
explica que, neste caso o problema é o financiamento de algum projeto,
ideia, negócio ou outro tipo de necessidade, e o que a multidão oferece
é a sua renda excedente.
Na verdade o financiamento coletivo nada mais é do que a boa e
velha “vaquinha”, em que um grupo de pessoas arrecada dinheiro a fim
de viabilizar algo de interesse comum. Na concepção de Howe (2008,
p.219) o crowdfunding mobiliza o bolso coletivo, por meio da internet,
permitindo que as pessoas financiem projetos em que acreditam, com
“pequenas doações aqui e ali”.
O termo crowdfunding vem do inglês, “crowd” significa multidão ou público e “funding” significa financiamento. Traduzido para o português: financiamento coletivo
4
1171
Steinberg (2012, p.7) compreende o financiamento coletivo como um
processo de pedir ao público em geral doações que forneçam capital inicial
para novos empreendimentos. O autor também compreende que utilizando a internet como meio de comunicação, o projeto ou produto em questão
ganha visibilidade a partir do sucesso ou insucesso do financiamento.
O primeiro registro de uso do crowdfunding foi no ano de 2006, na
Europa. O site “Sellaband” foi o primeiro da categoria a usar o espaço na
web para promover o financiamento coletivo. Mas foi em 2008, após o
financiamento da campanha do então candidato a presidência dos EUA,
Brack Obama, que o financiamento coletivo ganhou força e visibilidade
mundial. A campanha utilizou o site de rede social Facebook, como plataforma online para a realização do financiamento. No total a campanha arrecadou cerca $272 milhões de dólares de mais de dois milhões de
pessoas (HOWE, 2008). Posteriormente diversos sites de financiamento
coletivo foram surgindo ao redor mundo, mas o que se destacou na época foi o site norte americano “Kickstarter”. O site já movimentou cerca
de $1bilhão de dólares até março de 2014.Atualmente o site é referência
mundial na prática do crowdfunding.
De acordo com Valiati (2012) a prática do financiamento coletivo consiste em criar um projeto, estipular o valor necessário para a
viabilização, determinar prazos e se cadastrar em uma plataforma de
crowdfunding. As plataformas de financiamento coletivo, neste caso os
sites, funcionam como intermediários entre os produtores e os consumidores dos projetos em financiamento. Eles são responsáveis por divulgar os projetos na web, por meio do site, e captar financiadores para
os mesmos. Zanotelli (2013) explica que a maioria das plataformas de financiamento coletivo costuma cobrar uma taxa de comissão. Essa taxa
pode chegar até 15% do valor total arrecadado pelo projeto.
Os grandes diferenciais do crowdfunding são as recompensas, a
visibilidade do projeto e o engajamento do público. As recompensas, por
exemplo, não são uma regra, mas a maioria dos projetos oferece recompensas aos seus doadores. Essas podem ser desde um CD até um ingresso para shows. Na maioria das vezes as recompensas estão ligadas ao
projeto que está em processo de financiamento.
Além das recompensas, o principal fator que promove o engajamento do público com os projetos é a interatividade proporcionada
1172
pela internet. O crowdfunding não possibilita apenas que projetos sejam viabilizados financeiramente, mas possibilita também que através
do sucesso (ou insucesso) do financiamento, se mensure o impacto do
mesmo. No caso de projetos sociais e culturais Howe (2008) defende que
os artistas, por exemplo, podem atrair diretamente seus consumidores.
O autor explica que quando pedem para as pessoas investirem pequenas
quantias nas carreiras de músicos e cineastas, os artistas conseguem
atrair diretamente o público que acabará consumindo suas produções.
Ao mesmo tempo em que os financiadores são colaboradores do
projeto eles são consumidores do mesmo. É o coletivo financiado o próprio coletivo. Valiati (2012) explica que a realização de projetos não está
mais nas mãos do capital privado (ou estatal), está nas mãos daqueles
que querem tirar ideais do papel e para isso utilizam a internet como
ferramenta para promover o engajamento do público e captar recursos.
Ainda sobre os diferenciais do crowdfunding, pode-se citar a visibilidade que os projetos ganham enquanto estão sendo financiados. O
advento da web 2.0, permitiu que usuários do mundo inteiro compartilhassem ideias, informações e até mesmo utilizassem esse recurso midiático para divulgação de determinado produto ou projeto. Isso tudo sem
custo algum, já que a falta de dinheiro é o que leva as pessoas a recorrerem ao financiamento coletivo. Entende-se que não há verba disponível
para uma campanha de divulgação, por exemplo (COCATE, 2011).
A fim de compreender a aplicação do crowdfunding no Brasil, o próximo item abordará a trajetória brasileira das plataformas de financiamento coletivo bem como sua aplicação para projetos sociais e culturais.
O USO DO CROWDFUNDING NO BRASIL
De acordo com o levantamento bibliográfico feito pela autora
identificou-se que existem poucas referências disponíveis que abordem
o uso do crowdfunding no cenário brasileiro.
As práticas colaborativas no cenário brasileiro só foram possíveis
devido ao forte crescimento de usuários na internet. De acordo com
uma pesquisa realizada pelo IBOPE (Instituto de Pesquisa de Opinião
Pública e Estatística), em 2013, já havia 102,3 milhões de pessoas com
acesso a internet.
1173
O crowdfunding, especificamente, chegou ao Brasil no ano de
2011, com a Catarse, que foi a primeira plataforma de financiamento coletivo a utilizar o espaço online para financiar projetos culturais, sociais,
ambientais, tecnológicos e etc. Posteriormente, outras plataformas foram sendo criadas, entre elas estão: Vakinha, Queremos, Juntos com
você, Benfeitoria e etc (VALIATI, 2012).Dentro do cenário brasileiro, a
Catarse é a plataforma de crowdfunding que mais se destaca. Com mais
de 1.500 projetos financiados, a Catarse vem fomentando a prática do
financiamento coletivo no Brasil.
Embora o crowdfunding seja recente no país, alguns fatores como
perfil dos financiadores brasileiros, bem como a abrangência do crowdfunding no país já foram identificados por meio de uma pesquisa realizada pela Catarse em parceria com a empresa de pesquisa Chorus.A
fim de sintetizar os principais resultados da pesquisa “Retrato do financiamento coletivo no Brasil”5, elaborou-se um quadro.
QUADRO 1: DADOS DA PESQUISA: RETRATO DO FINANCIAMENTO COLETIVO
NO BRASIL – CATARSE E CHORUS
PERFIL DOS FINANCIADORES
59% são homens e 41% são mulheres, considerando ambos os sexos 74% ganham acima
de 6mil por mês.
ÁREA DE ATUAÇÃO DOS FINANCIADORES
Comunicação Social, administração e negócios, web e tecnologia. Seguido por publicidade, marketing e produção cultural.
PERFIL DOS REALIZADORES DO
FINANCIAMENTO COLETIVO NO BRASIL
ÁREA DE ATUAÇÃO DOS REALIZADORES
37% têm entre 25 e 30 anos; 28% têm entre
31 e 40 anos e 17% entre 18 e 24 anos.
Artes 22%, Produção Cultural 11%,
Comunicação e Jornalismo 9%, seguidos por
web e tecnologia, publicidade e marketing.
Pesquisa realizada pela Catarse em parceria com a empresa de pesquisa Chorus, realizada no período de 29 de agosto de 2013 a 17 de setembro de 2013. Sendo 3336 pessoas entrevistadas, com uma margem de erro de 1,7%. A pesquisa
está disponível em: http://pesquisa.catarse.me/.Acesso em 01 de jun de 2014.
5
1174
CARÁTER DOS PROJETOS QUE AS PESSOAS
TÊM MAIS INTERESSE EM APOIAR
FATORES IMPORTANTES EM UM PROJETO
52% têm interesse em apoiar projetos de
fomento à produção artística e cultural. 41%
têm interesse em apoiar projetos com viés
social e/ou ambiental.
Os três fatores mais importantes na hora
de financiar um projeto são: Transparência,
qualidade e recompensas.
Os dados da pesquisa realizada pela Catarse e a empresa de pesquisa Chorus mostram que 90% dos projetos financiados no Brasil são
de caráter cultural ou de viés social e ambiental. É possível identificar
também que os apoiadores dos projetos não são pessoas de baixa renda,
considerando que 74% deles ganham acima de 6mil reais por mês.
A pesquisa também identificou que o crowdfunding está presente
em todas as regiões do país. Sendo as regiões Sul e Sudeste que mais
apresentam atuação no financiamento coletivo no Brasil. De acordo
com a pesquisa a cidade que mais apoia projetos no país é a cidade de
Florianópolis, representando 79% dos apoiadores de crowdfunding no
Brasil. Em contra partida as regiões Norte e Centro-Oeste são as que
menos apresentam atuação na prática do financiamento coletivo.
METODOLOGIA
O estudo caracteriza-se como uma pesquisa de tipo exploratória, que busca maior domínio sobre o tema em questão. Aeker (2004),
explica que o uso da pesquisa do tipo exploratória é empregado quando
o pesquisador busca compreender um problema, levantar hipóteses e
alternativas sobre ele. Neste caso, o problema levantado é a dificuldade
da captação de recursos para projetos sociais e culturais no Brasil, aliado ao advento do financiamento coletivo.
A abordagem da pesquisa é de caráter qualitativo, Aeker (2004) propõem que a pesquisa de tipo exploratória adote esta abordagem, pois o
pesquisador busca compreender determinada problemática e não quantificá-la. Já a técnica de amostragem caracteriza-se como não probabilística intencional. A seleção da amostra se deu pelo fato de o objeto de
estudo, neste caso a Catarse, ser a primeira plataforma de financiamento
coletivo do Brasil, além de ser uma das mais atuantes no brasileiro.
1175
O levantamento de dados secundários aconteceu no período de
27 de março a 30 de abril de 2014. A coleta dos dados foi por meio de
pesquisa bibliográfica, com a utilização de livros, artigos científicos e
monografias. Tendo em vista que o tema trata-se de um assunto novo e
pouco explorado na área acadêmica, fez-se necessário o levantamento
de dados secundários também por meio de publicações em língua estrangeira, neste caso língua inglesa.
Para analisar a plataforma de crowdfunding Catarse, realizou-se uma
pesquisa documental por meio de reportagens jornalísticas, documentários disponíveis no Youtube e uma reportagem do programa Reclame
do canal Multishow. Posteriormente realizou-se a análise de conteúdo
do site e do blog da Catarse. Por último foi realizada uma entrevista com
Felipe Caruso, coordenador de comunicação da Catarse. A entrevista foi
realizada via email no dia 06 de maio de 2014, e permitiu uma análise mais
profunda sobre o funcionamento da plataforma de crowdfunding. A análise das informações foi definida em três categorias são estas: A Entidade,
Projetos e Comunicação, que serão abordadas no próximo item.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
a) A Entidade
QUADRO 2: A ENTIDADE
A ENTIDADE
PERSONALIDADEJURÍDICA
Grupo Comum Consultoria e Intermediação de
Negócios Ltda– Me. Denominada Catarse.
DATA DE FUNDAÇÃO
17, janeiro de 2011.
HISTÓRICO
A Catarse foi criada por um grupo de amigos que se
conheceram pela internet. A história começou no
final de 2010, quando os cinco amigos estavam criando plataformas de crowdfunding separadamente. Foi
então que surgiu a ideia de unir os conhecimentos
e criar uma única plataforma, mais forte e atuante
para viabilizar projetos que ficavam engavetados.
EQUIPE
A Catarse dispõe de uma equipe formada por 16
pessoas.
1176
A plataforma de crowdfunding Catarse foi a primeira da categoria a
atuar no Brasil. De acordo com Felipe Caruso, coordenador de comunicação da plataforma, a Catarse iniciou suas atividades em janeiro de 2011. E
desde então vem fomentando a prática do financiamento coletivo no país.
A Catarse identifica-se como uma comunidade de financiamento coletivo. Entretanto, juridicamente a instituição caracteriza-se
como uma microempresa de consultoria e intermediação de negócios.
Efetivamente, a Catarse atua como uma plataforma de crowdfunding
para viabilizar projetos de interesse comum. Embora a Catarse seja uma
empresa privada, a proposta da plataforma não está vinculada a empréstimos financeiros para qualquer finalidade. O site possui diretrizes
que regem o uso da plataforma para o financiamento dos projetos.
Na prática, a Catarse é responsável por receber projetos, avaliá-los
e se caso forem aprovados, eles serão disponibilizados na plataforma
para captar os recursos necessários para sua viabilização. O custo do
trabalho realizado pela Catarse consiste na cobrança de 13% em cima
do valor total do projeto financiado. Caso o projeto não atinja a meta
estabelecida, o dinheiro já arrecadado é devolvido aos doadores.
De acordo com uma publicação feita no blog da Catarse esses 13%
são divididos em duas partes, 4% está destinado ao pagamento de parceiros que processam as transações (Moip e Paypal), e 9% ficam com a
Catarse. A aplicação desses 9% se divide em: Comunicação e Marketing,
Caixa, Custos para manter a plataforma, Impostos e Salários.Identificase que a instituição preocupa-se com a comunicação, uma vez que parte
do seu lucro é para investimentos no setor.
De acordo com uma publicação no Blog da Catarse, a plataforma já movimentou cerca de R$ 13.363.842 na economia do país como
financiamento de mais de 1.500 projetos criativos, culturais, sociais, etc.
Estes dados indicam fortemente o crescimento e o fortalecimento da
Catarse no Brasil. De acordo com Felipe Caruso, uma das consequências
deste crescimento foi a triplicação da equipe, inicialmente composta
por cinco sócios, e que hoje conta com 16 pessoas para gerenciar todos
os processos da plataforma.
Embora a Catarse esteja apenas a três anos no cenário do financiamento coletivo no Brasil, identificou-se que a organização está em
constante crescimento e há uma preocupação com a transparência das
1177
informações, sendo este um fator muito importante para a credibilidade
da plataforma, considerando que de acordo com a pesquisa6 realizada
pela Catarse, 72% dos financiadores de projetos levam em conta este
fator na hora de financiar ou não um projeto.
b) Projetos
A fim de compreender como funcionam os processos dentro de
uma plataforma de crowdfunding, buscou-se uma abordagem mais ampla sobre os projetos viabilizados pela Catarse.
QUADRO 3: PROJETOS
PROJETOS
ENVIO DE PROJETOS
O envio do projeto deve ser feito no próprio site
da Catarse. Existe um link disponível no cabeçalho do site que redireciona o idealizador para
uma página específica de envio de projetos.
SELEÇÃO DE PROJETOS
A seleção de projetos é realizada pela própria
Catarse, o idealizador envia seu projeto pelo site,
se caso for aprovado ele entra em processo de
financiamento por meio da plataforma.
QUEM PODE ENVIAR PROJETOS?
Pessoas físicas e jurídicas.
TEMPO DE APROVAÇÃO DOS
PROJETOS
Após o envio do projeto a Catarse tem até quatro
dias úteis para entrar em contato com o idealizador do projeto. Mesmo que não tenho sido
aprovado os responsáveis pela Catarse entram
em contato para justificar a decisão.
Retrato do financiamento coletivo no Brasil – Pesquisa realizada pela Catarse
e pela empresa de pesquisa Chorus.
6
1178
RECOMPENSAS
Na Catarse, é de total responsabilidade do idealizador do projeto defini-las. As recompensas variam de acordo com o valor doado, quanto maior
o valor, melhor será a recompensa. Na maioria
das vezes as recompensas estão relacionadas
ao projeto em financiamento, por exemplo: Se o
projeto tem como objetivo financiar um espetáculo de teatro, a recompensa pode ser desde uma
camiseta exclusiva do espetáculo até um ingresso
para o mesmo, isso varia de acordo com o valor
doado pelo apoiador.
TAXA DE COMISSÃO
13% do valor total arrecadado pelos projetos
financiados.
SISTEMA DE PAGAMENTO
As doações podem ser feitas via cartão de crédito
ou boleto bancário.
TEMPO DE FINANCIAMENTO
Definido de acordo com o caráter do projeto e o
valor necessário para viabilizá-lo.
CARÁTER DOS PROJETOS EM
ANDAMENTO
NÚMERO DE PROJETOS
FINANCIADOS
O caráter dos projetos em financiamento apresentam-se em: Literatura, Cinema e
Vídeo, Música, Teatro, Eventos, Comunidade e
Campanhas de conscientização.
Até janeiro de 2014, 1.582 projetos foram financiados por meio da plataforma de crowdfunding
Catarse.
De acordo com a análise da plataforma identificou-se que há um
espaço reservado para o envio de projetos. Felipe Caruso, explicou que ao
enviar um projeto para a plataforma o idealizador deve estabelecer começo, meio, fim, e alguns itens como: vídeo campanha, meta financeira realista, recompensas7 para os apoiadores (definidas pelos idealizadores) e
descrição transparente do projeto, são obrigatórios ao inscrever o mesmo.
O projeto só será aceito e lançado para captação de recursos se o
idealizador seguir as diretrizes8 propostas pela plataforma. Essas diretrizes
Recompensas – O projeto que tiver como recompensas: armas de fogo, drogas ilícitas e remédios são automaticamente desclassificados.
7
8
Diretrizes para a criação de projetos – Catarse. Disponível em: http://
1179
consistem em um regulamento com os itens necessários para que o projeto vá para avaliação. Caso o projeto não cumpra com as diretrizes, ele é
automaticamente desclassificado. Felipe Caruso explicou que não cabe à
Catarse julgar a qualidade artística dos projetos, por exemplo. Ele enfatiza
que a Catarse não é capacitada para isso e que sua proposta não é essa.
Ainda de acordo com Felipe Caruso, apenas 30% dos projetos
enviados a Catarse são aprovados. Diante da análise feita no site e da
entrevista realizada com o coordenador de comunicação, identificou-se que os critérios para aceitação de um projeto por meio da Catarse
não ficam claros. Embora as diretrizes norteiem o que um projeto deve,
ou não, ter para ser aprovado, os critérios estabelecidos pela Catarse
não ficam em evidencia. Isso deve justificar o baixo índice de aceitação
dos projetos. A falta de clareza e exposição dos critérios de avaliação
apresentam-se de forma confusa na plataforma.
Segundo a análise feita no site, identificou-se que tanto pessoa
física quanto jurídica pode enviar um projeto. Embora seja permitido
que pessoas jurídicas inscrevam seus projetos, aqueles que forem de
cunho político, venda de produtos, angariação de fundos para viagens,
pagamentos de contas atrasadas e etc, não são aceitos pela Catarse. A
organização tem como prioridade projetos que sejam de cunho social,
cultural e que de alguma forma causem impacto na sociedade.
Ao analisar o cárter dos projetos na plataforma identificou-se que
eles estão divididos em: Arquitetura e Urbanismo, Arte, Artes Plásticas,
Carnaval, Ciência e Tecnologia, Cinema e Vídeo, Circo, Comunidade,
Dança, Design, Educação, Esporte, Eventos, Fotografia, Gastronomia,
Humor, Jogos, Jornalismo, Literatura, Meio Ambiente, Mobilidade e
Transporte, Moda, Música, Negócios Sociais, Quadrinhos, Teatro, e Web.
Percebe-se que a prática do crowdfunding tem tirado ideias do papel das
mais diversas áreas.
Na plataforma de financiamento coletivo Catarse, existe um espaço
reservado para os projetos em financiamento. Cada projeto ganha uma
página exclusiva dentro da plataforma, em que é possível visualizar o vídeo campanha, a proposta do projeto, o número de pessoas que já apoia-
suporte.catarse.me/hc/pt-br/articles/202387638-Diretrizes-para-a-cria%C3%A7%C3%A3o-de-projetos Acesso em 3 de jun de2014.
1180
ram, o valor arrecadado até o momento e o tempo restante para finalizar
o financiamento. De acordo com Felipe Caruso, essa página também está
destinada a prestação de contas pós-financiamento. Ele explicou que é de
responsabilidade do idealizador utilizar a página para declarar quanto do
dinheiro arrecadado foi destinado para cada etapa do projeto.
A dinâmica da plataforma de crowdfunding é de fácil acesso e permite que o usuário navegue sem ter muitas dificuldades, principalmente
para aqueles que têm interesse em apoiar um projeto por meio do financiamento coletivo e escolhem a Catarse como intermediário. Além da
facilidade de navegação, identificou-se que os sistemas de pagamento
para as doações são ágeis e seguros.
Foi possível verificar que a Catarse, uma plataforma de crowdfunding recente no Brasil, já possui forte atuação no cenário do financiamento coletivo. A plataforma em si é o meio de comunicação responsável por disponibilizar o espaço na web, para financiar os projetos, dando
visibilidade a baixo custo e promovendo o engajamento entre o público.
c) Comunicação
Nesta categoria analisou-se as estratégias de comunicação que a
Catarse utiliza para se relacionar com os idealizadores e apoiadores dos
projetos. Também buscou-se analisar as estratégias de divulgação que a
organização utiliza para captar financiadores.
QUADRO 4: COMUNICAÇÃO
COMUNICAÇÃO
DIVULGAÇÃO DE PROJETOS
FEEDBACK DOS PROJETOS
FINANCIADOS
PRESENÇA NAS REDES SOCIAIS
A Catarse não se responsabiliza pela divulgação dos projetos em financiamento na
plataforma.
O site possui um espaço reservado para a realização do feedback dos projetos. Esse espaço
é composto por um fórum que está separado
por seções, entre elas estão: transparência,
processos de pagamento, apoio a projetos,
pós-projeto, etc.
- Twitter; Facebook; Instagram; Github e Blog.
1181
RELACIONAMENTO COM A IMPRENSA
A Catarse possui um setor de Comunicação e
Marketing que é responsável por atender toda
a demanda da imprensa.
De acordo com Felipe Caruso, a Catarse possui um setor de
Comunicação e Marketing, que é responsável por atender todas as demandas da área. Felipe explicou que a plataforma de crowdfunding em
si é a maior ferramenta de comunicação e divulgação da organização.
Todos os processos que envolvem os projetos, a captação de recursos e
o relacionamento com os apoiadores estão diretamente ligados à plataforma. De acordo com a entrevista, a estrutura da plataforma no ambiente virtual é o que torna possível a interação entre os idealizadores e
apoiadores dos projetos.
A pesquisa mostrou que a Catarse é responsável por disponibilizar o espaço online da plataforma para que o projeto seja financiado,
mas ela não se responsabiliza pela divulgação do mesmo em outras mídias. Felipe Caruso explicou que a execução das campanhas de financiamento e a realização do projeto são de responsabilidade exclusiva do
idealizador, tanto que para inscrever um projeto na plataforma o idealizador deve ter, no mínimo, um vídeo campanha. Compreende-se que,
embora a Catarse não se responsabilize pela divulgação dos projetos, a
organização faz exigências de comunicação para que os projetos sejam
disponibilizados na plataforma.
De acordo com Felipe Caruso, além da plataforma a Catarse possui outras estratégias de comunicação, entre elas estão: presença nas redes sociais, relacionamento com a imprensa, eventos e ações realizadas
com a comunidade. De acordo com o entrevistado essas estratégias são
utilizadas para produzir conteúdo que gere aprendizado sobre o modelo
do financiamento coletivo e sirva de inspiração para futuros projetos.
Atualmente a Catarse está presente nas seguintes redes sociais:
Facebook, Twitter, Instagram, Github e Blog. Essas ferramentas de comunicação são utilizadas para o fomento de conteúdo relacionado ao
uso do crowdfunding no Brasil e no mundo. Ao consultar as redes sociais
utilizadas pela Catarse, observou-se que são feitas postagens diárias so1182
bre a organização e sobre práticas relacionadas ao financiamento coletivo e processos colaborativos online.
Além dessas ferramentas a Catarse possui um fórum de feedback,
que pode ser acessado por meio da plataforma. O fórum tem como objetivo promover o debate sobre questões que envolvam o financiamento coletivo em geral, ele está subdividido por seções, entre elas estão:
transparência, processo de pagamento, apoio a projetos, pós-projeto,
etc. Essa é uma das principais ferramentas de comunicação da Catarse,
utilizada para promover o relacionamento, a interação e o engajamento
entre idealizadores e apoiadores de projetos.
De acordo com a pesquisa realizada identificou-se que o blog
também é uma das ferramentas mais utilizadas pela Catarse. Da mesma
maneira que o fórum, ele está subdividido por seções. Neste espaço o
usuário pode encontrar informações sobre a Catarse, comentar postagens e interagir com os demais usuários que acessam o blog.
O uso dessas ferramentas de comunicação complementam a
abordagem feita por Howe (2008).O autor propõe que, no caso do crowdfunding, a internet é o meio de comunicação que permite promover o
engajamento do público, atraindo diretamente aqueles que vão consumir o projeto em financiamento. Ao mesmo tempo em que os financiadores são colaboradores do projeto, eles são consumidores do mesmo.
Diante da analisados dados é possível perceber que a comunicação é uma das prioridades da organização, tanto que 4% do seu lucro é
destinado a investimentos na área. Identificou-se também que embora
algumas informações relacionadas à seleção de projetos não fiquem claras na plataforma, a Catarse utiliza o fórum e o blog como principais canais de comunicação e relacionamento com os idealizadores e apoiadores dos projetos. No que diz respeito ao relacionamento com a imprensa
não foi possível identificar um espaço reservado para tal na plataforma. Felipe Caruso explicou que o setor de Comunicação e Marketing da
Catarse é responsável por atender todas as demandas dessa área.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da pesquisa realizada identificou-se que o crowdfunding
é um processo colaborativo que vem modificando o cenário de financiamento de projetos. O financiamento coletivo surgiu como uma alterna1183
tiva inovadora e democrática para a captação de recursos de projetos,
que antes dependiam de incentivos privados ou estatais.
Os grandes diferenciais do crowdfunding são o engajamento do
público e a visibilidade que os projetos ganham. Enquanto processo colaborativo no ambiente virtual, o financiamento coletivo tem como mecanismo facilitador a internet, que por sua vez permite conectar milhares de pessoas e mobilizá-las com uma determinada causa, neste caso o
financiamento de projetos. É através dessa mobilização que os projetos
ganham visibilidade a baixo custo, compreende-se que ao buscar uma
plataforma de crowdfunding para financiar um projeto, não se tem dinheiro para investir em campanhas de divulgação, sendo a internet o
grande facilitador e principal meio de comunicação e divulgação dos
projetos em questão.
No cenário brasileiro percebe-se que o financiamento coletivo
está em expansão. De acordo com a pesquisa, foi possível identificar que
cerca de 90% dos projetos financiados no país são de cunho social ou
viés cultural. Embora seja uma prática recente, menos de quatro anos, o
Brasil já possui um número expressivo de plataformas de crowdfunding.
Isto porque os modelos de captação de recursos tradicionais não possuem a facilidade, a visibilidade e o engajamento que o financiamento
coletivo possibilita aos projetos. A pesquisa também identificou que as
regiões Sul e Sudeste do país são as regiões mais atuantes na prática
do crowdfunding, sendo a cidade de Florianópolis (SC) a cidade com o
maior índice de apoiadores.
A Catarse foi a primeira plataforma de crowdfunding a atuar no
Brasil, com apenas três anos de atuação a organização já mobilizou milhares de pessoas e movimentou cerca de R$13 milhões de reais com práticas colaborativas na internet. Compreende-se que a Catarse é um empreendimento social que busca viabilizar financeiramente projetos que,
sem o crowdfunding, talvez levassem anos ou nem fossem realizados.
Diante da análise da pesquisa, identificou-se que a Catarse, enquanto empresa, compreende a importância da comunicação para o gerenciamento dos processos na plataforma. A instituição possui um setor
específico para a área e faz investimentos de cerca de 4% do seu lucro
total para comunicação e marketing.
1184
A comunicação torna-se elemento essencial também na hora de
enviar, apoiar e viabilizar os projetos na Catarse. Através da pesquisa
identificou-se que 74% dos apoiadores de crowdfunding no Brasil consideram o fator “transparência” como um dos mais importantes na hora
de apoiar, ou não, um projeto. Entende-se que para o sucesso do crowdfunding é preciso que haja clareza nas informações relacionadas ao
projeto, bem como a prestação de contas do mesmo.
As limitações do presente estudo compreendem na falta de
bibliografias disponíveis em língua portuguesa que abordem o tema.
Devido ao domínio da língua inglesa, foi possível consultar documentos
publicados em outros países, principalmente nos EUA. Como sugestão
para outros estudos, recomenda-se a escolha de outras plataformas de
crowdfunding brasileiras que contribuam com o financiamento de projetos sociais e culturais no Brasil.
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1185
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VALIATI, Leandro. Economia da Cultura e Cinema: notas empíricas
sobre o Rio Grande do Sul. Terceiro Nome. São Paulo, 2010.
1186
| 10 |
A INSERÇÃO DO PROSUMER NO PERFIL DO
INSTAGRAM DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
Fernanda Lica Aires da Costa1,
Júllia Robertha Rosa Machado2,
Thays Lanusse Gomes Lopes3
e Dra. Daiana Stasiak4
RESUMO
O artigo apresenta a análise de publicações da
Universidade Federal de Goiás5 em seu perfil da rede social
Instagram, ao longo dos seus primeiros meses de existência.
Neste período, a instituição demonstra um movimento de
busca pela participação dos públicos ao apresentar em seu
Acadêmica do 3º período do curso de Comunicação Social, habilitação em Relações Públicas, da Universidade Federal de Goiás. Integrante do Grupo de Pesquisa
WEBRP - Práticas de Relações Públicas em Suportes Midiáticos Digitais (CNPq).
1
Acadêmica do 3º período do curso de Comunicação Social, habilitação em Relações Públicas, da Universidade Federal de Goiás. Integrante do Grupo de Pesquisa
WEBRP - Práticas de Relações Públicas em Suportes Midiáticos Digitais (CNPq).
2
Acadêmica do 3º período do curso de Comunicação Social, habilitação em Relações Públicas, da Universidade Federal de Goiás. Integrante do Grupo de Pesquisa
WEBRP - Práticas de Relações Públicas em Suportes Midiáticos Digitais (CNPq).
3
Professora do curso de Relações Públicas da UFG. Orientadora do trabalho.
Líder do Grupo de Pesquisa WEBRP - Práticas de Relações Públicas em Suportes Midiáticos Digitais (CNPq).
4
Com 54 anos de existência é a maior Universidade do Estado de Goiás, presente nas cidades de Goiânia, Jataí, Catalão, Cidade de Goiás e Aparecida de
Goiânia. Em 2015, conta com aproximadamente 23.000 estudantes, 2.500 docentes, 2.400 servidores técnico-administrativos, 150 cursos de Graduação e 81
programas de Pós-Graduação.
5
perfil, imagens produzidas por pessoas que fazem parte da
rotina da Universidade. Essa ação pode ser entendida como
uma estratégia de uso de “prosumers” (TOFFLER,1980) expressão feita na união das palavras inglesas consumer (consumidor) e producer (produtor) que designa um consumidor com aptidões de produtor.
Palavras-chave: Internet; redes sociais on-line; prosumer;
Instagram; Assessoria de Comunicação;
1. INTRODUÇÃO
Em uma era de rapidez e dinamicidade, as organizações se encontram diante do que pode ser considerado como um novo patrão: os
públicos. A internet permite o transporte do convívio social para o meio
on-line, onde velhas redes se legitimam e novas surgem. A reorganização
da estrutura social, proposta do pesquisador espanhol Manuel Castells
(1999) como uma “sociedade em rede” traz uma nova característica para
as organizações: a segmentação de vários nichos ou agrupamentos de
públicos com interesses específicos. De forma que, o meio torna-se então, mais inclusivo e receptivo às diversas mensagens, conforme se percebe nas palavras do autor mencionado:
Nessa rede, nenhum lugar existe por si mesmo, já que as posições são definidas por fluxos. Consequentemente, a rede de
comunicação é a configuração espacial fundamental: os lugares não desaparecem, mas sua lógica e seu significado são
absorvidos na própria rede (CASTELLS, 1999, p.437).
Com uma nova estrutura, nasce também um novo perfil de usuários. Eles são mais ativos e conscientes do meio em sua volta e estão
dispostos a engajar-se em tópicos que sejam de seu interesse. Além de se
relacionarem mais e melhor uns com os outros. Manuel Castells (2005,
p.23) descreve isso como o hipersocial:
As pessoas, na sua maioria, não disfarçam a sua identidade
1188
na Internet, exceto alguns adolescentes a fazer experiências
de vida. As pessoas integraram as tecnologias nas suas vidas,
ligando a realidade virtual com a virtualidade real, vivendo
em várias formas tecnológicas de comunicação, articulando-as conforme as suas necessidades. Então, a sociedade em
rede é a sociedade de indivíduos em rede.
Os sites de redes sociais são apenas resultado de um mundo dominado pela facilidade de posse do instrumento comunicacional e seus
dispositivos. Recuero (2009, p. 102) afirma que eles são “uma consequência da apropriação das ferramentas de comunicação mediada pelo
computador pelos atores sociais”. Esses sites tornam públicas as redes
sociais dos atores, que transformam seus grupos sociais em redes, nas
quais os laços são as conexões e os atores, os nós. Sites como Facebook,
Twitter e o objeto de estudo deste artigo, o Instagram, são classificados
como sites de redes sociais.
Para Recuero (2009), as categorias dos sites de redes sociais incluem fotologs, weblogs e ferramentas de microblogging. O Instagram se
encaixa na categoria de fotologs, pois é um diário de fotos, que, recentemente permite também a publicação de vídeos curtos. A autora afirma que esses sites dão a oportunidade de individualidade dos sujeitos,
que podem construir-se no meio virtual e gerar visibilidade para toda a
comunidade de usuários. Na mesma linha de raciocínio, para uma organização, a utilização desse meio é de grande valor. Com a migração
dos sujeitos para o ambiente on-line, as organizações seguem o mesmo
caminho e buscam seus públicos de interesse nas redes.
O objetivo da organização não pode ser apenas a aglomeração de
seguidores, no caso do Instagram, mas sim o engajamento deles. Brian
Haven (2007), em seu estudo sobre a importância do engajamento para
a realização do marketing na empresa, conceituou o termo. Para o autor
mencionado, “Engajamento é o nível de envolvimento, interação, intimidade e influência que um indivíduo tem com uma marca ao longo do
tempo” (HAVEN, 2007, p.4).
Dessa forma, entende-se que a interação é fundamental, pois é
uma ação na qual o público participa. É uma resposta da abertura que
a organização deixa para seus consumidores. Nela há contribuição de
conteúdo, conversas entre a organização e seus públicos e também en1189
tre esses usuários. Isso melhora a condição da organização na medida
em que pode lhe aproximar dos sujeitos.
Ao buscar esse contato com seus públicos, a Assessoria de
Comunicação da Universidade Federal de Goiás criou um perfil oficial
na rede Instagram, no dia 14 de julho de 2014. Nesse contexto, o trabalho
realiza a análise das postagens da instituição nos primeiros 7 meses de
existência, bem como avalia-se a opinião da equipe produtora da rede
social a respeito de suas características e objetivos.
2. O PERFIL @UFG_OFICIAL: AS FORMAS DE ANÁLISE
Entre 14 de julho de 2014, data da sua criação, até 25 de fevereiro
de 2015 o perfil denominado @ufg_oficial realizou 175 publicações. As
postagens englobam imagens fotográficas e audiovisuais. Nesta mesma
data o perfil contabilizava 2.458 seguidores e seguia 172 pessoas.
As primeiras observações para a análise foram realizadas durante
o ano de 2014, ao longo do período de julho a dezembro, o grupo de pesquisa observou os formatos e conteúdos das publicações da instituição
no Instagram e foram realizadas leituras e reflexões sobre teorias da área
da comunicação organizacional voltadas para a internet.
O processo de análise envolve as etapas de escolha do período
( Julho-2014 a Fevereiro-2015), o estabelecimento do quantitativo de
publicações (175). A primeira observação refere-se ao formato do conteúdo: imagem fotográfica ou audiovisual. Segue com o entendimento
sobre a aceitação de cada publicação a partir do seu número de curtidas. Assim como as formas de interação são observadas na quantidade
e teor de comentários em cada imagem.
O movimento de análise leva a categorização das postagens de acordo com seu conteúdo, sendo estabelecidas: “pessoas”, “eventos”, “espaço físico”, “natureza” ou “data comemorativa” e aquelas que não se encaixaram
em nenhumas das categorias acima foram agrupadas em “outros”.
Em relação ao conteúdo avalia-se ainda presença da figura do prosumer na origem do conteúdo. Momento no qual se observa se a postagem derivou de fotos ou vídeos produzidos pelo público da Universidade
ou pelos gerenciadores da conta do Instagram.
1190
Por fim, são definidas e aplicadas questões para a equipe da
Assessoria de Comunicação da Universidade responsável pela criação e
administração do seu perfil no Instagram.
2.1 AS CATEGORIAS
A categorização foi estabelecida a partir da observação das 175
publicações. Os tipos de imagens ou vídeos que mais apareceram foram
divididos em cinco categorias explicitadas anteriormente (“natureza”,
“pessoas”, “espaço físico”, “evento” e “data comemorativa”), sendo que a
última surgiu ao longo do movimento de análise das postagens. Aquelas
publicações que não se encaixaram em quaisquer categorias ou apresentaram uma mistura delas foram nomeadas como “outros”.
Na categoria “natureza” estão presentes imagens ou vídeos que
retratam paisagens naturais - como árvores de flamboyant e ipê e
animais como o macaco-prego, que estão presentes no Campus II da
Universidade, entre outros elementos naturais. Nela há o maior número
de imagens e vídeos do Instagram oficial da UFG, um total de 68 fotografias. A imagem a seguir demonstra os tipos de publicação que caracterizam a categoria mencionada.
1191
FIGURA 1: EXEMPLOS DE PUBLICAÇÕES DA
CATEGORIA “NATUREZA”
Fonte: Instagram.com6
Em “pessoas” há um agrupamento de publicações nas quais indivíduos interagem no âmbito da UFG, interação essa que ocorre em imagens que retratam o momento de matrícula na Universidade, as salas de
aula, alunos em rodas de debate, entre outros. Essa categoria totaliza 11
publicações. Por sua vez, em “espaço físico”, são contempladas fotografias/vídeos de unidades acadêmicas, espaços de convivência, centros de
eventos e outras construções civis que integram todas as regionais da
UFG, com 33 postagens.
Já na categoria “evento”, que contempla 53 imagens ou vídeos, estão presentes os eventos promovidos pela instituição: colações de grau,
shows culturais, congressos, entre outros. A categoria “data comemorativa” é um agrupamento de apenas 4 postagens que memoram datas especiais. Aparecem nessa categoria: a Campanha Outubro Rosa7, Dia do
Professor, Natal e Réveillon. A figura a seguir demonstra uma postagem
da categoria mencionada.
Disponível em: https://instagram.com/ufg_oficial/. Acesso em 20 de dezembro de 2014.
6
7
Movimento internacional de conscientização do câncer de mama
1192
FIGURA 2: EXEMPLO DE PUBLICAÇÃO DA CATEGORIA
“DATA COMEMORATIVA”
Fonte: Instagram.com
Por fim, em “outros”, existem 4 postagens. Dentre essas postagens
estão: uma montagem de fotos que, por apresentar um misto de pessoas, espaços físicos e animais, não pôde ser inclusa em apenas uma categoria citada; uma foto de um grafite tirada no âmbito da UFG, porém
sem registro do lugar específico, não podendo ser categorizada como
“espaço físico”. Uma imagem abstrata que não se encaixa em nenhum
dos critérios usados para cada uma das categoria anteriormente explicadas e uma publicação elaborada pela ASCOM, felicitando o sucesso
das hashtags8 #orgulhodeserUFG e #UFG e a conquista dos dois mil seguidores. Uma vez que essas postagens não se encaixaram nas especificações de nenhuma das cinco categorias, foram agrupadas em “outros”.
Ao longo da análise observa-se que muitas imagens publicadas no
perfil da Universidade foram produzidas por outras pessoas, a maioria
delas feitas por estudantes. Esta pode ser considerada como uma estratégia da instituição para se aproximar de seus públicos. E, para entender como os públicos da UFG estão inseridos na rede social Instagram e
O hashtag é um protocolo social compartilhado para se “etiquetar” um tweet,
utiliza-se o sinal de sustenido (“hash”, em inglês) antes de uma ou mais palavras
que servirão como tag. (PRIMO, 2008b, p.4)
8
1193
qual a relevância dessa inserção para a Universidade, surge o conceito
de “prosumer”, descrito no subtítulo a seguir.
3. PROSUMERS
Antes mesmo da popularização da internet, já na década de 1980,
no livro A Terceira Onda do escritor futurista Alvin Toffler, a palavra estrangeira prosumer já apareceu para designar um consumidor com aptidões de produtor. Ou seja, prosumer provém da união das palavras inglesas consumer e producer (consumidor e produtor respectivamente) que, a
principio, podem parecer antagônicas, mas que no contexto da web 2.09
formam um todo capaz de interferir no processo organizacional por meio
das novas tecnologias da informação e comunicação – as chamadas TICs.
O Instagram é uma rede social onde os públicos de uma organização têm o livre poder de marcá-la em fotos ou vídeos por meio das
hashtags, manifestando-se sem a necessidade de mediadores para isso.
No caso da UFG, a instituição visualiza as publicações que receberam
marcações que a referenciam, tornando públicas aquelas que lhe são de
interesse. Logo, é uma rede na qual existe um empoderamento desses
públicos, pois esses são responsáveis diretamente por parte da produção de conteúdo do perfil da instituição. É o que pode ser visto claramente com a criação das hashtags #orgulhodeserUFG, ou ainda #UFG.
A constituição dessas hashtags por parte do perfil oficial, @ufg_
oficial, trouxe ao ambiente virtual a inserção de novos sujeitos interessados na instituição. Fato esse que é evidenciado em números. Das 175
postagens analisadas, 92 foram identificadas como sendo feitas com a
colaboração de sujeitos. Ou seja, 52,5% das imagens foram provenientes de postagens do próprio público. É o que pode ser exemplificado na
imagem a seguir.
Web 2.0 é “a segunda geração de serviços on-line e caracteriza-se por potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização de informações, além de ampliar os espaços para a interação entre os participantes do
processo” (PRIMO, 2007).
9
1194
FIGURA 3: POSTAGEM DE PROSUMER NO PERFIL UFG_OFICIAL
Fonte: Instagram.com
A fotografia acima, tirada no bosque da Universidade, foi marcada
com a hashtag #UFG pelo usuário em seu perfil pessoal (@cmonaretta).
Em consequência dessa marcação a foto foi encontrada pelos gerenciadores do Instagram da UFG e publicada no perfil oficial da Instituição.
A relevância dos prosumers no perfil oficial da UFG é grande e
pode ser observada tanto na produção de conteúdo em si, quanto nos
comentários. As postagens com mais de um usuário marcado no perfil oficial da UFG, apresentam maior quantidade de comentários, como
pode ser constatado na imagem a seguir.
1195
FIGURA 4: FOTO DA CATEGORIA “PESSOAS”
COM PRESENÇA DE PROSUMERS
Fonte: Instagram.com
A imagem acima se enquadra na categoria “pessoas”. Ela é um
mosaico feito no perfil oficial da UFG, na qual foram utilizadas fotos de
usuários do Instagram que marcaram em suas fotos as hashtags #orgulhodeserUFG e #UFG. Além dos prosumers serem os maiores responsáveis pela produção do material visual dessa postagem, são eles também
que suscitam comentários e uma maior interação neles. Essa postagem
está entre as mais comentadas no perfil, com um total de 19 interações.
A análise do movimento de curtidas e comentários pode ser observada nos conteúdos com a participação dos prosumers, mas vai além
e por isso é analisada no item que segue.
4. CURTIDAS E COMENTÁRIOS
Por meio da observação das postagens, foi possível detectar um
aumento significativo no número de curtidas e comentários no período
examinado. As curtidas possuem um número maior, totalizando 21.863.
As postagens mais curtidas estão nas categorias “natureza” e “evento”. Por
sua vez, os comentários nas 175 publicações, totalizaram 465. Devido aos
1196
seus conteúdos esses foram categorizados da seguinte forma: “marcação”,
“contemplação” e “interação”. Os comentários na categoria de “marcação” apresentam indicações de perfil de outros usuários para que esses
possam visualizar aquela postagem. Em “contemplação” os comentários
estão relacionados à admiração das postagens. Em “interação” é possível
constatar que há um diálogo entre dois ou mais usuários.
No processo de análise foi possível perceber que nas postagens
com o tema “natureza” o número de comentários de “admiração” foi
maior, demonstrando que as pessoas admiram o campo, as árvores, o
céu e entre outros. Já nas postagens que envolvem “pessoas”, a estratégia
da UFG de marcação de vários perfis gera um número grande de comentários entre aqueles que foram marcados. Conforme mostra a postagem 42, na qual foi criado um mosaico com as fotos dos usuários do
Instagram, com o intuito de gerar mais diálogo.
FIGURA 5: EXEMPLO DE PUBLICAÇÃO COM GRANDE
NÚMERO DE MARCAÇÕES
Fonte: Instagram.com
1197
Na categoria “eventos” os comentários de “interação” também foram maiores. Como demonstra a postagem abaixo, na qual os próprios
estudantes que estavam na imagem de sua colação de grau, marcaram
outros perfis para interagir e fazer com que a pessoa visualize a imagem.
FIGURA 6: POSTAGEM DA CATEGORIA “EVENTO” COM
COMENTÁRIOS DO TIPO “INTERAÇÃO”
Fonte: Instagram.com
Nas duas últimas categorias “pessoas” e “eventos”, conclui-se que,
quanto maior o número de pessoas envolvidas, maior é a quantidade de
comentários, e não necessariamente o número de curtidas. Movimento
que pode ser visto a partir da estratégia de utilizar os usuários como
produtores, os prosumers, pois entre os objetivos da criação de uma rede
social está a busca pela interação com seus públicos.
Para complementar a análise das postagens foi aplicado um questionário à equipe de gerenciadores do perfil da Universidade Federal de
Goiás no Instagram.
1198
5. A ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA UFG: CRIAÇÃO E
ADMINISTRAÇÃO DO PERFIL
Com o objetivo de entender o posicionamento e o planejamento
da UFG no Instagram, foi realizada uma sondagem de opinião com as responsáveis pela criação e administração do perfil oficial da Universidade
na página, por meio de um questionário on-line. Foram feitas seis perguntas que abordavam desde o planejamento até os reflexos observados
com a criação e consolidação do perfil.
A Assessoria de Comunicação (ASCOM) funciona com uma perspectiva de Comunicação Integrada, na qual coexistem profissionais
das três áreas da Comunicação Social. Atualmente, a equipe responsável pelas redes sociais é composta por três profissionais, uma Relações
Públicas, uma publicitária e uma jornalista.
A pergunta inicial buscou compreender como surgiu a ideia de
criar um perfil para a Universidade e qual o objetivo. As três disseram que
a criação surgiu em uma reunião na qual foi decidido que o Instagram
seria a rede social mais adequada, por ser mais recente e popular entre
o público de interesse que a UFG queria atingir especificamente, os alunos. Para entender como a inserção da Universidade ocorreu, questionou-se qual a estratégia de comunicação10 para a divulgação do perfil.
De acordo com as profissionais, o perfil do Instagram foi divulgado,
por meio de um banner, no Twitter e na Fan Page da UFG. Houve depois,
uma adaptação da arte do banner para a produção de cartazes, que foram
fixados nos dois câmpus da Universidade nos meses de julho e agosto.
Recentemente, outro material de divulgação foi produzido e distribuído
para os calouros durante a matrícula. Esse material será também entregue nas unidades acadêmicas, após os eventos da semana do calouro.
No período de sete meses desde a criação do perfil, percebe-se
uma mudança no conteúdo publicado. O motivo dessa mudança aparece em respostas diversas. Das três profissionais, apenas uma reconhece
uma mudança clara nas publicações. Ela afirmou que, no começo, as
Adotamos estratégia de comunicação como escolha racional feita a partir do
ajuste da solicitação inicial às possibilidades midiáticas e exposta pelas organizações em seus veiculos de comunicação tradicionais e on-line.
10
1199
imagens eram provenientes do banco de dados da UFG e que, os eventos
e campanhas da Universidade passaram a ser publicados, como colações de grau e a campanha criada para o Facebook #DescubraUFG. Com
isso, surgiram conexões entre os conteúdos para os diversos veículos.
A medida que os números de seguidores do perfil da UFG
aumentavam, a Ascom foi percebendo quais imagens obtinham um maior retorno do público (quantidade de curtidas, compartilhamentos e comentários). Assim, a Assessoria foi conhecendo o potencial da rede social e as melhores
formas de divulgar e trabalhar a imagem institucional
(JORNALISTA, 2015).
Já para as outras duas, não houve mudança porque a administração da página seguiu seu planejamento inicial, que previa a interação
com os públicos. Para elas, essa mudança aconteceu de acordo com planejamento decidido em sua reunião inicial.
Acredito que não houve mudança. Desde que elaboramos
o planejamento para o Instagram, a ideia seria postarmos
fotos da UFG e, principalmente, fotos publicadas ou enviadas pelos próprios alunos (que estariam marcadas com
as hashtags: #UFG e #OrgulhodeserUFG). Publicaríamos
também fotos de eventos importantes como o Conpeex, as
Colações de Grau, as Matrículas, entre outros. Continuamos adotando esse modelo (PUBLICITÁRIA, 2015).
A pergunta seguinte questiona as estratégias aplicadas para a
mudança nas postagens. Como apenas a jornalista respondeu de forma
positiva a questão, sua resposta é a única analisada. Ela indica que a
conexão entre conteúdos de outras redes sociais e as postagens abriram espaço para o engajamento entre esses diversos públicos. Isso proporcionou mais visibilidade para o perfil do Instagram. Outra estratégia
foi a postagem de fotos que os alunos enviavam por meio do Instagram
Direct11 e, também, a cobertura de eventos da UFG.
O Instagram Direct permite que você envie uma foto ou um vídeo a um grupo
seleto de pessoas. As publicações não aparecerão no Feed, na pesquisa ou em
seu perfil (INSTAGRAM, 2015).
11
1200
A quinta pergunta indagou acerca das formas de interação com o
público de interesse e as respostas foram unânimes. O uso das hashtags
#OrgulhodeserUFG e #UFG deram a oportunidade delas rastrearem fotos dos alunos e postarem na página da Instituição. As fotos provenientes de alunos são as mais curtidas e comentadas. Para entender como
a aplicação dessas estratégias afetaram as relações entre instituição e
seus públicos, foi feita a pergunta sobre o efeito da inserção dos sujeitos
na rotina da instituição por meio do uso das imagens.
De acordo com elas, o efeito foi extremamente positivo já que, ao
ver sua foto no perfil oficial, o sujeito experimenta um sentimento de
pertença e importância para sua Universidade.
Um impacto bastante positivo. Notamos um número cada
vez maior de fotos com #UFG e #OrgulhodeserUFG. Existe
uma espécie de orgulho mesmo ao ver a própria foto no perfil
da Universidade ou ao se ver em uma foto (nas montagens
com fotos de alunos que produzimos, por exemplo). Eles costumam fazer comentários positivos, agradecem ou marcam
os amigos para que eles vejam também. Muitos também nos
encaminham diretamente as fotos, por mensagens, para podermos publicá-las. Publicar as imagens dos usuários foi uma
ideia que funcionou muito bem. Estamos tendo um resultado
satisfatório e positivo devido ao interesse que o público tem
demonstrado (PUBLICITÁRIA, 2015).
Segundo a Relações Públicas, “quando publicamos as imagens
deles e damos os créditos, eles têm uma visibilidade enquanto alunos
da UFG. Se sentem valorizados por participar de uma rede que carrega
o peso da instituição”. E, isso, gera uma espécie de efeito dominó porque, quando esse sujeito se vê no Instagram da UFG, ele curte, comenta,
compartilha e marca amigos, o que traz maior visibilidade para a UFG.
Assim, o perfil da Universidade cumpre o papel que se propôs.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Instagram conta com um grande número de usuários pelo mundo e ultrapassa a marca de duzentos milhões de usuários ativos por
mês, segundo dados do próprio aplicativo, referentes ao mês de março
de 2014. Assim, configura-se como uma rede social de grande alcance.
1201
Mais importante que a quantidade alçada, é a qualidade. Ou seja, sua
relevância está muito mais ligada à construção de um relacionamento
mais direto entre uma instituição e seus públicos de interesse.
Essa rede social pode ser um meio extremamente eficiente no que
diz respeito à divulgação espontânea da instituição, pois ela cria um ambiente de interação único, no qual os sujeitos interessados engajam-se
de forma voluntária, sem mediadores para isso. Fato esse que faz com
que a presença da UFG no Instagram seja importante para aproximação
da Universidade com os seus públicos.
Na atual “sociedade em rede” (CASTELLS, 1999) a instituição que
não aposta nas redes sociais, deixa de se posicionar no mundo virtual,
mas não deixa de existir nele. Desse modo, abre espaço para que outros
sujeitos falem sobre ela deliberadamente, sem poder defender-se, caso
necessário. Dessa forma, perde voz em um meio que poderia ser fundamental na construção de sua reputação e imagem.
Ao adentrar no Instagram e criar um perfil oficial, a Universidade
demanda seu espaço e se posiciona nesse meio. Tal inserção na rede social, se bem administrada, gera visibilidade. Porém não basta apenas criar
um perfil, mas também alimentá-lo com frequência e qualidade, com conteúdos adaptados aos tipos de público e rede utilizados. A UFG está presente em diversos meios de comunicação, que vão dos mais tradicionais
- como o jornal impresso e o rádio - aos novos espaços em mídias atuais,
como o Instagram. E cada mídia requer um planejamento diferente.
No caso do Instagram, pode-se perceber, a partir das falas das profissionais de comunicação da Ascom, que a estratégia de criação das
hashtags #orgulhodeserUFG e #UFG foi desenvolvida especialmente
para tal rede social como forma de atrair seus públicos. Com a oportunidade de ver suas fotos postadas no perfil oficial da Universidade, os
públicos, transformam-se em prosumers e sentem-se mais próximos à
UFG, construindo um sentimento de pertença.
A sociedade hoje é marcada por uma nova dinâmica, na qual as redes sociais se transferiram para o meio on-line. Recuero (2009) acredita
que os sites de redes sociais são apenas um efeito da presença da tecnologia nas mãos dos atores sociais. Em um ambiente propício para a interatividade e compartilhamento, esses atores constroem o processo de relacionamento entre instituições e seus públicos, baseados no engajamento.
1202
De nada adianta acumular seguidores que não estão verdadeiramente interessados na instituição, é importante que eles se enxerguem
como parte constituinte dela e se engajem no processo produtivo. Nessa
nova lógica, as organizações passam a escutar seus consumidores e dar
espaço para eles. O artigo demonstra que, diante da postura de muitas
instituições tradicionais, a UFG destaca-se por demonstrar uma preocupação em ocupar novos espaços nas redes sociais on-line. O reconhecimento de sua presença no espaço virtual é evidenciado no crescimento
da participação dos prosumers, no aumento no número de seguidores,
bem como nas curtidas e comentários nas imagens do perfil oficial da
Universidade no Instagram.
REFERÊNCIAS
CASTELLS, M. A sociedade em rede: A era da informação, economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
______. A Sociedade em rede: do conhecimento à política. In: CASTELLS,
M.; CARDOSO, G (Orgs). A sociedade em rede do conhecimento à Ação
Política. Lisboa, Portugal: Imprensa Nacional, 2005.
HAVEN, B. Marketing’s New Key Metric: Engagement. IN: Forrester, for
Marketing Leadership Professionals, 2007, Cambridge, Massachussets.
INSTAGRAM. Central de ajuda. O que é Instagram Direct? Disponível
em <https://help.instagram.com/400205900081854/> Acesso em 5 mar.
2015.
PRIMO, Alex. O aspecto relacional das interações na Web 2.0. In: Compós,
v. 9, p. 1-21, 2007, Brasília.
______. A cobertura e o debate público sobre os casos Madeleine e
Isabella: encadeamento midiático de blogs, Twitter e mídia massiva.
Revista Galáxia, v.16, 2008.
RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
1203
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HUMANIZAÇÃO E RELAÇÕES PÚBLICAS: A
CONTRIBUIÇÃO DO STORYTELLING PARA A PROMOÇÃO
DE AMBIENTES DE TRABALHO HUMANIZADOS
Vânia Penafieri de Farias1
e Bárbara Miano2
RESUMO
O artigo apresenta uma análise sobre a humanização
nas organizações e a sua promoção pelas relações públicas
utilizando o storytelling como estratégia central. O estudo
se vale de três metodologias, sendo a primeira uma revisão
bibliográfica seguida por pesquisas de dados secundários
e coleta de dados primários. Com isso, a principal conclusão obtida por meio desse artigo indica que os principais
apoios prestados pelos profissionais da comunicação para
o resgate da humanização nas organizações é de ativar o
sentimento de pertencimento, contextualizar a participação do funcionário e garantir voz a ele.
Palavras-chave: Storytelling; Humanização; Organizações;
Narrativas; Relações Públicas.
Doutoranda e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, especialista
em Comunicação e Marketing e bacharel em Relações Públicas pela Faculdade
Cásper Líbero, vaniapenafieri@ig.com.br
1
Mestranda em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e
bacharel em Relações Públicas pelo Centro Universitário Belas Artes, barbara.
miano11@gmail.com .
2
INTRODUÇÃO
Esse artigo tem como objetivo estudar a contribuição das relações-públicas para a humanização das organizações, utilizando o
storytelling como estratégia central. Assim, disseca pensamentos de autores como Émile Durkheim, Margarida Kroling Kunsch, Adenil Alfeu
Domingos, Paulo Nassar, entre outros autores, inclusive da literatura estrangeira que oferecem suporte a uma estruturação disposta entre quatro blocos temáticos, sendo o último deles uma entrevista em profundidade sobre o tema com líderes de comunicação de agências e empresas
de médio a grande porte.
A HUMANIZAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES
De acordo com o dicionário online Michaelis, “humanização” é
um substantivo feminino que significa ato ou efeito de humanizar, uma
palavra sinônimo de humanar, ou seja, tornar humano, dar a condição
de homem, civilizar (MICHAELIS.UOL.COM.BR, 2014, s/p). Já na história da evolução do homem, a palavra “humanização” designa o processo em que o ser humano coloca a natureza a seu favor. Tal processo de
humanização do mundo acontece pela transformação da natureza, ou
seja, pelo trabalho.
Entretanto, sabe-se que tal conceito de trabalho sofreu algumas
modificações ao longo dos anos e essas mudanças, em grande parte,
foram fomentadas pelo capitalismo, posto que, com a revolução industrial, iniciada na Inglaterra, durante o século XVIII, o novo modelo
econômico cria raízes e as fábricas ganham novos braços, não mais humanos, mas sim metalizados o que deu origem a um cenário catastrófico, composto por desemprego e péssimas condições de trabalho.
Paradoxalmente a essas terríveis condições, os trabalhadores se
depararam com o lema “liberdade, igualdade e fraternidade” para sedimentar as bases capitalistas, durante a revolução francesa. Além do
cunho ideológico do capitalismo, as práticas de troca entre capitalistas
e trabalhadores colaboraram com a carga negativa agregada ao trabalho. Isso aconteceu por causa do que denominou Marx como mais-valia, um fenômeno causado pela divisão injusta do valor pago pela força
1205
real de trabalho e o lucro, distribuída entre capitalistas e trabalhadores
(ANTUNES, 2013, p. 75).
Todo esse cenário também é reforçado pela intensa divisão do trabalho e especialização que se reproduzem em uma progressão geométrica, alcançando o século XIX. “Os matemáticos e os naturalistas eram,
por vezes, eruditos ou poetas. No século XIX, [...] não apenas o cientista
já não cultiva simultaneamente ciências diferentes, como sequer abarca
o conjunto de uma ciência inteira” (DURKHEIM, 1999, p.2).
Com isso, aquele ato de humanizar ou transformar o mundo que
caracterizava nossos ancestrais é atrofiado e cede lugar a um trabalho
embrionário. Conforme explica Marilena Chauí (2008, p.65), “[...] os homens não se percebem como produtores da sociedade, transformadores
da natureza e inventores da religião, mas julgam que há um alienus [...]
que decidiu suas vidas e a forma social em que vivem”.
Paradoxalmente a esse cenário, alguns especialistas são positivos
em relação às tendências para a humanização. Segundo José Pastore (2014,
s/p), “[...] as atividades de rotina e repetitivas, assim como as perigosas e
insalubres, passarão a ser executadas por robôs e computadores pensantes
que dispensam chefes, supervisores e controladores de qualidade”.
Entretanto, não devemos ignorar o fato de que, se, por um lado,
esses dados demonstram uma tendência pendente para um mercado de
trabalho focado no uso de capacidades estratégicas, por outro, as tecnologias impõem abolições de postos e até departamentos inteiros o que
aumenta o poder de barganha e até “chantagem” das empresas para com
os funcionários, posto que o emprego sai da condição de direito humano
e adquire caráter similar a de um “bilhete premiado”, significando um
solo arenoso para a humanização nas organizações.
Além do mais, o surgimento das TICs não apenas delimita novos
horizontes para o mundo do trabalho, como também remodela a maneira com a qual os países se relacionam entre si, dando origem a uma
economia informacional, global e em rede (CASTELLS, 1999, p.119). E é
nesse cenário, de uma economia desenvolvida pelo conhecimento científico que nasce a geração Y, composta por pessoas nascidas entre 1980
e 1995 (EDELMAN, 2012, s/p).
Correspondendo a 47% da mão de obra brasileira, atualmente, a
geração Y é marcada pelo conceito multimídia e são resistentes aos tra1206
balhos alienadores, o que significa um grande ganho para a humanização nas organizações. Segundo Krueger (2014, s/p, tradução nossa), “os
milennials não são tão motivados por dinheiro. Foram os dias em que os
empregados apenas se preocupavam com o salário. Agora, eles priorizam [...] fazer a diferença no mundo”.
Além dar luz à geração Y, a era da informação também impõe a necessidade de um capital intelectual que saiba corresponder às drásticas
mudanças causadas pelo advento das tecnologias da informação. “[...]
Nesta nova concepção, as pessoas deixam de ser simples recursos (humanos) organizacionais para serem abordadas como seres dotados de
inteligência [...]. São os novos parceiros da organização” (CHIAVENATO,
1999, p.31). Com isso, a valorização do capital humano significa uma
tendência extremamente positiva para a humanização nas organizações, posto que impõe uma abandono das velhas práticas de controle e
abraça novos caminhos que permitem que o indivíduo dê início ao seu
processo de humanização do mundo.
AS RELAÇÕES PÚBLICAS NA CONSTRUÇÃO DE AMBIENTES HUMANIZADOS
É sabido que o habitat das relações públicas são as organizações
que também são consideradas o objeto de estudo da profissão junto com
seus públicos. É dentro delas que a profissão atua na gestão do relacionamento e na mediação de conflitos público/organização. Conforme explica
Kunsch (2003, p.90), “as relações públicas, como disciplina acadêmica e
atividade profissional, têm como objeto as organizações e seus públicos,
instâncias distintas que, no entanto, se relacionam dialeticamente”.
A autora e James Grunig (in GRUNIG; FERRARI; FRANÇA, 2011,
p.34) convergem em seus estudos quanto à importância da administração
para a profissão de Relações Públicas. Segundo ele, comunicação e administração são duas palavras que estão no “DNA” da profissão e por esse
motivo, define Relações Públicas como “a administração da comunicação
entre uma organização e seus públicos” (GRUNIG; HUNT, 1984, p.6).
Dialogando com Kunsch, Freitas (in KUNSCH, 1997, 42) explica
que a comunicação é um fator predeterminante para a existência de
qualquer organização, pois, mais do que promover negócios por meio
dos relacionamentos, ela só existe por causa de nós, seres humanos.
Somos nós que damos graça e cor a sons, os transformamos em palavras
1207
repletas de sentidos, criamos a comunicação e estabelecemos vínculos
ou relacionamentos. Assim, é junto com comunicação, que o trabalho,
como vimos anteriormente, é capaz de transformar o mundo, o que
consiste no verdadeiro caráter humanizador das relações públicas. “A
comunicação é apontada como poder para facilitar a cooperação com
valores, pois são as pessoas – a base da organização [...]” (FREITAS; in
KUNSCH, 1997, 42).
Por outro lado, com a crescente entrada da geração Y no mercado
de trabalho, mais do que inovar em seus produtos ou serviços, as organizações estão sendo instigadas a empreender em seus processos internos,
reinventando-se e criando desafios cada vez mais envolventes, visando à
retenção de talentos. E nesse contexto, surge a palavra “engajamento” que,
nos diversos estudos de gerenciamento de pessoas, aparece como uma
grande estratégia na manutenção de baixas taxas de rotatividade, conforme explica Negrão et. al. (2013, p.8) “a empresa que tem a pretensão de
manter em seu quadro de colaboradores os profissionais Y deverá, principalmente, preocupar-se em obter motivação e engajamento”.
Com isso, é evidente que, se as organizações desejarem seguir a
sua jornada no alcance de objetivos, deverão abrir não apenas os “olhos”,
mas também os “ouvidos” para insatisfações como as apresentadas no
início desse item. Logo, relacionando as informações acima descritas,
“engajamento” e “diálogo” são duas palavras que cada vez mais devem
aparecer nos guias de boas práticas das empresas.
Ou seja, no atual cenário, o engajamento dos funcionários ou employee engagement, termo original em inglês, apresenta-se, mais do que
como um caminho para a retenção de talentos, mas sim como uma estratégia que visa garantir diferencial competitivo e sucesso nos negócios
das organizações. Ademais, “pesquisas mostram que a conexão entre o
trabalho dos funcionários e as estratégias da organização [...] significa o
fator mais importante no engajamento de funcionários” (LOCKWOOD,
2007, v. 52, n. 3, p. 1-12, tradução nossa).
Por outro lado, a comunicação também é definida como um fator essencial na garantia de sucesso das estratégias de engajamento de
funcionários, pois é capaz de incentivar o foco nos objetivos das organizações para diferentes tipos de audiência. “Uma comunicação consistente, honesta e clara é uma importante ferramenta de gerenciamento
1208
de employee engagement. Além do mais, uma comunicação estratégica e contínua garante credibilidade para a liderança organizacional”
(LOCKWOOD, 2007, v. 52, n. 3, p. 4).
STORYTELLING, UMA ESTRATÉGIA DE HUMANIZAÇÃO
É sabido que interação é palavra de ordem para a existência humana. Polegar oponível, inteligência e capacidade de interação com o
meio foram alguns dos grandes fatores para a sobrevivência da nossa
espécie tão sensível e delicada frente aos grandes animais pré-históricos. “As narrativas nascem pelo poder do homem combinar os símbolos,
produzindo um signo maior. Foi o surgimento do homem cultural que
deu luz à narrativa”, demonstram Arab, Domingos e Dias (2011, s/p).E é
nesse ponto que se encaixa a função experimental das narrativas, posto que “as narrativas surgem na tentativa mítica de explicar a origem e
as suposições sobre algum assunto de difícil compreensão [...].” (ARAB;
DOMINGOS; DIAS, 2011, s/p).
Ademais, é a partir delas que nós damos sentido ao mundo, o conhecemos de forma lógica e cronológica e estabelecemos noções de ordem simbólica como o direito e a economia ou o passado, o presente
e o futuro. “A narrativa traduz o conhecimento objetivo e subjetivo do
mundo [...] em relatos. A partir dos enunciados narrativos somos capazes de colocar as coisas em relação umas com as outras em uma ordem
e perspectiva [...]” (MOTTA, 2007, p. 143-167).
Com isso, ocorre uma inversão de papéis e não mais a realidade dá
origem ao imaginário, mas sim o imaginário que passa a atribuir sentido
ao mundo. Elas, as narrativas, também são a forma mais legítima e inata
aos seres humanos de experimentação do mundo. São elas que atribuem
cor, cheiro, textura e gosto a tudo. “Mais que representar, as narrativas
constituem a textura da experiência, permitem instituir o mundo [...].
Sobrepõem-se umas às outras, interatuam, são continuamente postas à
prova, refeitas e substituídas por novas narrativas” (MOTTA, 2009, s/p).
Por outro lado, é sabido que as organizações são constituídas pela
produção de sentidos. Assim, os indivíduos que nelas trabalham e as
fazem existir estão, a todo o momento, construindo e interpretando sentidos. “O sentido é o que as organizações elaboram como experiência a
1209
partir desses sinais do presente e nos ambientes sempre porosos em que
estão mergulhadas” (ANDRADE, 1988, p. 602-636).
Nesse contexto, sabendo que as narrativas, conforme apresentado, constituem o modo como experimentamos e/ou damos sentido ao
mundo, é possível inferir que as organizações estão a todo o momento produzindo narrativas. De um modo mais abrangente, esse conceito
foge à criação de histórias e faz-se presente nas rotinas mínimas de uma
organização, que seguem desde o entendimento das regras da empresa
às decisões mais estratégicas.
Entretanto, as narrativas não nascem do mero acaso, elas possuem
uma função ímpar dentro das organizações – a institucionalização. São
elas que sedimentam as redes de poder, atribuem sistemas de valoração
positivos ou negativos e agregam valores institucionais e monetários às empresas. “[...] É pela institucionalização ou micro-institucionalização de um
sentido, e das respectivas narrativas que o transportam, que as organizações [...] criam um campo de influência [...]” (ANDRADE, 1988, p. 602-636 ).
E é nesse contexto, de institucionalização, que reside a verdadeira importância da história e memória para as organizações. A história
de uma empresa é capaz de estabelecer vínculos, é ela que norteia boa
parte da percepção dos públicos. “O consumidor e o funcionário tem
na cabeça uma imagem que é histórica. Recuperar [...] é usá-la a favor
do futuro da organização e de seus objetivos presentes” (NASSAR; in
NASSAR, 2004, p. 21).
Entretanto, a revolução industrial e os novos modelos de administração transformaram os cenários organizacionais e, obviamente, tal
contexto empobreceu as narrativas ou o modo de experimentação do
mundo dentro das organizações. As novas técnicas de controle e divisão
do trabalho retiraram a fórceps todo o encantamento, fantasia e afetividade das narrativas e deram lugar a uma linguagem dura e numérica,
quase que robótica. Nesse contexto, salta aos olhos dos profissionais da
comunicação, o resgate da memória e da história como princípio para o
estabelecimento de vínculos e laços de pertencimento.
Mais do que institucionalizar as organizações, os comunicólogos
buscaram rotas que posicionassem as empresas como “lugares antropológicos” que criassem raízes no imaginário coletivo e que seriam capazes de
transformar atitudes, por meio do riso, da lágrima, da curiosidade ou da
1210
compaixão. Surge então o storytelling, “uma história criada ou reutilizada, quando já existente, com o fim de persuadir e criarnovos hábitos. [...]
São narrativas que trazem uma ideologia [...]” (DOMINGOS, 2009, s/p).
O storytelling apresenta-se como uma poderosa estratégia para as
relações públicas na transmissão e assimilação de mensagens e, assim,
pode também ser incluso nas práticas de gestão e administrativas das
organizações. Mais do que sedimentar as bases institucionais da organização, as narrativas são extremamente estratégicas para as relações
públicas à medida que fixam uma imagem e uma reputação favorável
na mente dos públicos de uma organização. Recuperar a memória da
empresa e transformá-la em uma narrativa passível de experimentação
é também estabelecer vínculos e relações sólidas com cidadãos, consumidores, acionistas e etc.
As narrativas tornam aspectos como a cultura organizacional ativos “vivenciáveis” e, com isso, as relações públicas têm no storytelling
um grande aliado para tornar o que é intangível em uma organização
passível de experimentação. “As relações públicas devem criar meios
para que a cultura seja criada e vivenciada. O storytelling empresarial
[...] favorece a reconstrução simbólica e o compartilhamento de emoções” (ARAB; DOMINGOS; DIAS, 2011, s/p).
Ademais, o storytelling está intrinsecamente ligado à prática de
comunicação interna à medida que se mostra como estratégia de valorização de pessoas, posto que um dos objetivos da profissão é o estímulo
do orgulho de pertencimento por parte dos funcionários. “[...] Nosso trabalho tem, também, o objetivo de neles motivar o orgulho de pertencer
a uma empresa, quando ela realmente pratica os seus valores corporativos” (CREMONINE; In. NASSAR 2006, p.30).
Além do mais, cada história enunciada a cada indivíduo possui
capacidade ímpar de reformulação e de configuração infinita de inúmeras narrativas. Logo, o ouvinte não se apresenta como parte passiva,
mas sim extremamente ativa que ao receber a narrativa a interpreta e a
transforma de acordo com a sua interioridade. Com isso, é a partir dessa
coletividade e democracia intrínseca às narrativas que ocorre a construção do conhecimento. Sabendo que a valorização do capital intelectual
tem se tornado uma realidade cada vez mais presente nas organizações,
1211
o storytelling tem se tornado uma estratégia ímpar e muito utilizada por
empresas na educação corporativa e na gestão do conhecimento.
Sob outra perspectiva, paralelamente às correntes teóricas que
discorrem a respeito do uso estratégico do storytelling e do resgate da
memória nas organizações, há uma linha de estudo talvez não muito
valorizada pela literatura “vendável” que retrata os abusos aos quais
a narrativa se presta. Ora, é evidente que tanto as histórias resgatadas
quanto as silenciadas obedecem a um certo enquadramento ideológico
e passam por uma minuciosa seleção. O que, de fato, essas correntes
discutem talvez não seja tanto o uso estratégico das narrativas, mas sim
a sua utilização abusiva e muitas das vezes manipuladora.
Muito associado a “era da liquidez” proposta por Zygmunt
Bauman (2004), a qual discorre sobre os contratos temporários e ficcionais que demarcam a nossa moderna sociedade, o storytelling povoa
os domínios digitais com narrativas cada vez mais “fakes”, presentes na
virtualidade e efemeridade dos relacionamentos e encontros virtuais.
“Alastra-se, assim, o interesse pela vida particular do outro e de expor a
sua própria vida; os livros investigativos, sobre a vida de personalidades,
como jogadores de futebol, por exemplo” (DOMINGOS, 2009, p.100).
Assim, com uma boa história a tiracolo, empresários, profissionais da comunicação e políticos legitimam suas ações no meio público e
projetam atitudes em parte manipuladoras. “O Storytelling gradualmente invade disciplinas tão diversas como a sociologia, economia, direito,
psicologia, educação, neurociências, inteligência artificial” (SALMON,
2006, s/p, tradução nossa).
A CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS POR MEIO DA LIDERANÇA
Dotado da rica habilidade de transformar conhecimentos tácitos
em explícitos, o storytelling chega ao mundo corporativo com a função
ímpar de gerir e perpetuar os aprendizados adquiridos com o passar dos
anos, assim como visões de mundo, conceitos subjetivos como “ética” e
“sucesso” ou até mesmo a configuração de “heróis” e “vilões”.
Desse modo, associando emoções às mensagens emitidas, o
storytelling inspira decisões e ações futuras por parte dos funcionários de acordo com os valores das organizações da qual fazem parte.
Ademais, o storytelling também tem sido utilizado pelas grandes em1212
presas como recurso de gestão da inovação, pois assim como mudanças
comportamentais, as narrativas inspiram a imaginação. “De um lado,
histórias servem para refletir o passado, por outro, elas incitam a imaginação, a pensar em contextos amplos e ao desenvolvimento de diálogos
multidisciplinares” (TERRA, 2010, s/p).
Com isso, o storytelling adquire grande valor estratégico para as
organizações, pois não apenas é capaz de influenciar e, de certa forma,
“delimitar” os futuros caminhos tomados pela organização como também gerencia e faz fluir todo aquele conhecimento antes enferrujado
e retido na mente da alta liderança. E é nesse contexto que a liderança
entra como peça chave na narração de histórias. Além de garantir “cara”,
entonação e voz às histórias, os líderes das organizações são, na realidade, personificações de todo aquele conhecimento produzido por essas
ao longo dos anos. Assim, a habilidade da oratória tem sido cada vez
mais procurada pelos recrutadores. “Não há mais dúvidas sobre a necessidade de formação de líderes na competência narrativa para desenvolver sua capacidade de comunicar. [...] O líder como o bom contador de
histórias, tem que [...] saber contar-se” (MATOS, G, 2010, p. 107).
PESQUISA QUALITATIVA COM LÍDERES DE COMUNICAÇÃO
Baseado no compromisso de trazer ao mundo acadêmico diversas
visões contidas na atual realidade organizacional sobre o contexto da
humanização e o seu resgate por meio da utilização do storytelling, foi
realizada uma pesquisa qualitativa com dez líderes da área de comunicação. Nota-se que a amostra elaborada foi composta por gerentes e
diretores de empresas e agências de médio a grande porte, nacionais e
multinacionais a fim de agregar também ao estudo uma visão estratégica do setor.
Sobre o problema a ser investigado, basicamente, as entrevistas
abordaram a comprovação de se, na visão dos líderes de comunicação
entrevistados, o strorytelling é ou não uma estratégia de humanização e
quais seriam os seus limites, caso existam.
Detalhes sobre os entrevistados podem ser observados no quadro n. 1.:
1213
QUADRO 1 – RELAÇÃO DE FONTES PARA A
PESQUISA QUALITATIVA
NOME
Claudia Reis
CARGO / EMPRESA
Diretora Geral da agência de comunicação
Press à Porter Gestão de Imagem
Daniela Ferreira
Gerente Senior de Employee Engagement da agência
de Relações Públicas Edelman Significa
Marta Dourado
Sócia Diretora da agência de comunicação
Fundamento Comunicação Corporativa Ltda
Mauro Lopes
Sócio-fundador da MVL Comunicação
Meire Fidelis
Diretora de Relações Corporativas do Grupo Abril
Neivia Justa
Diretora de comunicação e Relações Públicas para
a América Latina da The Goodyear Tire & Rubber
Company
Phydia de Athayde
Editora do Projeto Draft, da empresa de comunicação
The Factory.
Rodrigo Cândido
Diretor de Marketing e Relacionamento
Bestway Group Brasil e Diretor de Marketing da
ABRH
Sergio Giacomo
Diretor de comunicação e Public Affairs para a
América Latina da GE
Valeria Perito
Fundadora da agência de relações públicas Ketchum
ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Após a análise das entrevistas realizadas com as fontes, nota-se
que o objetivo não apenas foi alcançado como também outras importantes informações foram agregadas pelos especialistas. Logo, a grande
resposta para tal questão é que sim, de acordo com a visão dos líderes,
o storytelling é uma estratégia de humanização. Assim, nota-se que as
narrativas são essenciais na promoção da humanização à medida que
contextualizam e dão sentido à colaboração do funcionário para o al1214
cance dos objetivos organizacionais, o posicionando como peça chave
para o bom funcionamento de uma organização.
De acordo com a análise proposta, demonstrar o funcionário
como parte essencial e integrante do processo de produção, dando voz a
ele e contextualizando a sua participação tanto no produto final quanto
no bom funcionamento da organização seria a grande função humanizadora das narrativas, posto que, de acordo com a revisão bibliográfica elaborada antes da realização da pesquisa qualitativa, humanização
pressupõe o ato de o ser humano modificar o mundo que o cerca, utilizando suas diversas capacidades e se reconhecendo no produto final
por ele produzido.
Entretanto, conforme proposto pelo próprio objetivo, as fontes
entrevistadas admitem que há limitações quanto à dimensão humanizadora do storytelling. Assim, de acordo com as fontes ouvidas, retirar
o funcionário de uma posição alienadora e colocá-lo em funções mais
instigantes e motivadoras nas quais ele possa de fato exercer sua humanização sobre o mundo, utilizando suas diversas capacidades, seria uma
questão administrativa e gerencial na qual a comunicação pode colaborar com sugestões e identificação de possíveis problemas, mas não seria
a área responsável por mudanças efetivas, devendo agir em conjunto
com as demais, como recursos humanos e até finanças.
Desta forma, a análise indica que o engajamento da liderança pode
ser o grande segredo para a promoção da humanização no ambiente organizacional. De acordo com as fontes entrevistadas, a liderança salta
como a grande narradora das histórias e valores organizacionais, sendo
dela a responsabilidade de engajar e motivar pessoas por meio de narrativas. Entretanto, deve-se notar que tanto quanto saber contar a história
organizacional, é essencial que a liderança domine também a arte de
saber ouvir e promover o diálogo com os diversos níveis da organização.
Ademais, opiniões admitem que, embora tenha havido um grande
avanço da humanização no ambiente organizacional, nos últimos anos,
ainda há um longo caminho a ser percorrido para o alcance ideal de
relações mais humanizadas no ambiente de trabalho. Tecnologias e geração y certamente são dois fatores que, na opinião das fontes ouvidas,
pedem humanização, à medida que tem suas máximas tangibilizações
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nas redes sociais e na sensibilização das empresas para questões como
responsabilidade social, motivação, diálogo e declínio das hierarquias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo nos proporcionou delimitar alguns muros para o mote
humanizador das narrativas. A partir das entrevistas realizadas com líderes da área de comunicação, talvez, um dos ensinamentos mais representativos que se obteve ao longo desse estudo, é que o storytelling é
sim uma estratégia de humanização, entretanto, há algumas fronteiras
as quais dificilmente será capaz de ultrapassar. Dada afirmação se faz a
partir do momento em que as narrativas podem ser estratégicas para a
humanização quando, conforme mencionado, dão sentido à participação do funcionário no ambiente organizacional, no entanto, garantir espaço onde o funcionário sinta-se motivado e livre para produzir, inovar,
utilizando suas diversas capacidades, seria uma questão administrativa e gerencial na qual a comunicação pode colaborar com sugestões e
identificação de possíveis problemas, mas deverá agir em conjunto com
outras áreas da organização.
Com isso, tanto quanto uma contribuição para o mundo acadêmico com o desenvolvimento de pesquisa acerca da utilização estratégica das
narrativas pela comunicação como um caminho plausível de alcance da humanização, espera-se também que esse estudo seja, de algum modo, força
motriz de conscientização das organizações a respeito de medidas e estratégias ardilosas e covardes em busca do acúmulo do capital e conscientizem-se sobre a importância de voltarem seus olhares e esforços para aqueles aos quais as suas existências são destinadas – nós, os seres humanos.
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