Hélder Ferreira do Vale*
Reinventando governos locais durante
a democratização:
dinâmicas políticas e a criação de novos municípios
no Brasil e na África do Sul
A transição à democracia no Brasil e na África do Sul provocou transformações importantes nos governos municipais em ambos os países. Este
artigo analisa como estas transformações criaram incentivos para a mudança
na relação entre diferentes esferas de governo e, em consequência, como a
mudança na dinâmica intergovernamental favoreceu uma maior autonomia
dos governos locais.
Com a promulgação de constituições democráticas no Brasil e na África
do Sul, as relações intergovernamentais nesses países experimentaram mudanças em consequência da aparição de novos atores políticos que foram
eleitos democraticamente em diferentes esferas de governo. A constituição
brasileira de 1988 e a constituição sul-africana de 1996 contêm provisões
que abriram a possibilidade para a transformação institutional das esferas governamentais locais. Entre 1988 a 2000, o número de municípios
brasileiros aumentou de 4189 a 5560 (IBGE, 2000). Na África do Sul, a
constituição de 1996 precedeu uma série de reformas nos governos locais
que, por sua vez, conduziriam a uma redução dos municípios através de
amalgamações. Entre 1996 e 2000, o número de municípios sul-africanos
foi reduzido de aproximadamente 1000 a 843, e mais tarde, de 843 a 284
(Cameron, 2001).
*
Professor do Departamento de Política e Ciências Sociais do European University Institute (Florença, Itália).
E-mail: Helder.Ferreira@EUI.eu
Revista Brasileira de Ciência Política, nº8. Brasília, maio - agosto de 2012, pp. 265-302.
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O processo de reformas do governo local no Brasil e na África do Sul
produziu uma vasta literatura que aponta as vantagens e as desvantagens
das transformações locais tendo como cenário o processo descentralizador.
Embora esse importante debate tenha sido enfatizado pela literatura que
avalia os resultados das reformas dos governos locais, pouco tem sido dito
sobre os efeitos das mudanças de tamanho dos governos locais desde uma
perspectiva institutional. Contudo, os analistas enfatizam a relevância da
escala do governo e do seu relacionamento com a governança democrática
(p. ex. Newton, 1982; Fox e Gurley, 2006).
Compreender como as transformações no tamanho dos governos locais estão relacionadas com a governança democrática é particularmente
relevante visto que vários especialistas em reformas municipais demostram
que tais reformas ocorrem frequentemente sob prioridades traçadas por
governos nacionais (p. ex. Harrison, 2008). Entretanto, devido à complexidade dos processos reformistas, as reformas apresentam resultados diversos
distanciando-se muitas vezes das metas originalmente traçadas. Tal como
Derksen (1988) sugere, a relação entre o tamanho e o desempenho dos
governos locais não é linear. É possível dizer que este relacionamento é complexo porque os contextos institutionais e políticos jogam um papel crítico
na maneira como as reformas municipais são realizadas. Dessa forma, este
artigo analiza as reformas muncipais desde uma perspectiva institucional,
ou seja, considerando o contexto de democratização.
Apesar dos méritos alcançados pela literatura na tentativa de estabelecer
uma relação entre mudanças territoriais e efeitos políticos, tais esforços são
concentrados principalmente em países com regimes democráticos consolidados. Geralmente os países que experimentaram as transições à democracia mais recentes vêm sendo excluídos, embora, conforme Teune (1995)
sugere, a democratização tenha promovido um novo ímpeto de reformas
nos governos locais. Considerando essa omissão, o Brasil e a África do Sul
são bons estudos de caso principalmente por duas razões. Primeiramente,
as transições à democracia nesses países foram marcadas por negociações
intergovernamentais intensas. Em segundo lugar, a democratização nesses
países está estreitamente vinculada ao processo de reformas municipais.
Baseando-se nessas considerações, o objetivo inal deste artigo é identiicar e
explicar padrões transnacionais de reformas locais baseadas nas experiências
do Brasil e da África do Sul.
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O aumento no número de municípios brasileiros e a redução dos números dos municípios sul-africanos sugerem que tais mudanças são o resultado
direto das decisões tomadas fora da esfera local de governo. No Brasil a
criação de novos municípios foi uma decisão feita no âmbito estadual, e na
África do Sul a almagamação dos municípios foi o resultado de uma plano
nacional e provincial para eliminar os legados do apartheid no âmbito local.
As transformações municipais em ambos os países em grande parte foram
consequência de transferência de competências inanceiras e administrativas
aos governos locais. Com as novas competências transferidas, pelo menos em
princípio, os atores políticos locais no Brasil e na África do Sul começaram
a exercitar um grau mais elevado de autonomia iscal (p. ex., aumentando
receitas) e administrativa (p. ex., exercitando a discrecionalidade sobre a
elaboração de programas sanitários e educacionais). Em ambos os países a
crescente transferência de competências aos governos locais está associada
ao direito de existência dessa esfera de governo, que é garantida constitucionalmente. Como consequência dessas transferências competenciais, criou-se
uma janela de oportunidades para que estes governos pudessem assumir
um papel de maior relevância no desenvolvimento de relações intergovernamentais cada vez menos hierarquizadas.
Apesar das características em comum entre ambos os casos, as reformas municipais no Brasil e na África do Sul apontaram para um aumento numérico dos
municípios brasileiros e uma redução numérica dos municípios sul-africanos.
Considerando essa observação, a principal questão que este artigo tenta solucionar é a seguinte: como a redução e o aumento no número de municípios têm o
mesmo resultado inal, nomeadamente, o aumento do poder de barganha dos
governos municipais vis-à-vis outras esferas do governo? A im de responder
a esta pergunta, este artigo explica as transformações institutionais locais no
Brasil e na África do Sul enfatizando como o aumento gradual do poder de
barganha fortalece atores políticos locais nas relações intergovernamentais.
Tendo como contexto as transformações dos governos locais, este artigo
analisa e identiica mudanças institutionais e suas consequências para a
autonomia dos governos locais. Assim sendo, o artigo avança no conceito da federalização, que é deinido como um processo de construção do
Estado na qual as instituições federais são reformadas e recriadas.1 Mais
1
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Essa definição foi baseada no conceito de federalização proposta por Voigt e Blume (2011), que
concebem a federalização como um processo institutional.
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especiicamente, nos exemplos do Brasil e da África do Sul, a federalização
é entendida como um processo que conduz à criação de novos municípios
e ao desenvolvimento de uma rede de instituições intergovernamentais.
Baseado nos eventos-chaves da federalização no Brasil e na África do Sul,
o artigo examina a hipótese de que quanto maior o número de municípios
e de fóruns intergovernamentais, mais elevada a habilidade dos governos
locais de mudar as relações intergovernamentais. Testando essa hipótese,
pretende-se clariicar a relação entre mudanças na dinâmica federal com as
reformas do governo local.
Observa-se que, enquanto há um aumento de autonomia local, se nota
igualmente um aumento na capacidade da coordenação dos governos centrais. Essa relação se desenvolve da seguinte maneira. Sob uma transição
democrática negociada, o Brasil e a África do Sul iniciaram um processo
de execução de mudanças estruturais em seus respectivos governos locais.
Durante esse processo os governos locais tentaram gradualmente exercitar
sua autonomia ganhando maior discrecionalidade sobre a elaboração de
políticas públicas e resistindo as ingerências do governo central. Quando
a fragmentação e a amalgamação dos municípios ocorreram e os governos
locais tentaram exercitar autonomia, uma dinâmica cooperativa foi introduzida para que o governo central pudesse coordenar processos decisórios
e a execução de políticas públicas. Em contrapartida, com a estratégia de
aumentar seu papel de coordenação, os governos centrais em ambos os países favorecem uma esfera de governo em detrimento da outra e criaram os
fóruns intergovernamentais, que são espaços para a interação entre atores
intergovernamentais e que tentam incentivar a autonomia local.
O artigo pretende contribuir à literatura sobre o federalismo e governo
local de três formas. Primeiro, esclarecendo como metas de reformas locais
centralmente elaboradas produzem diferentes processos de reformas que
tem efeitos similares na distribuição do poder intergovernamental. Segundo,
propondo novas perspectivas sobre como compreender as relações intergovernamentais a luz das reformas de governo local. Teceiro, reposicionando a
noção de autonomia local no centro do debate de governança multinível assim como o processo de mudança institutional em países que se federalizam.
Este artigo está organizado em cinco partes. A primeira parte avança hipóteses em torno das quais o principal argumento do artigo é desenvolvido.
Com a intenção de apresentar o estado das relações intergovernamentais no
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Brasil e na África do Sul, esta seção contextualiza o processo brasileiro e o
sul-africano de federalização. A segunda parte examina os eventos que conduzem à criação de novos municípios no Brasil e na África do Sul. A terceira
parte explica o estabelecimento de fóruns intergovernmentais nestes países.
A seguinte seção propõe uma taxonomia da autonomia dos governos locais
no Brasil e na África do Sul, identiicando indicadores qualitativos sobre
a autonomia local em ambos os países. A seção inal arrola as condições
institucionais necessárias para o exercício da autonomia local e discute as
principais conclusões.
Reformas municipais no Brasil e na África do Sul
A transformação da esfera de governo local no Brasil e na África do Sul
ocorreu sob o processo de federalização. Esse processo é deinido neste artigo
como a sequência de eventos que conduz ao estabelecimento e à mudança de
instituições que integram o arranjo institucional federal. Tal cadeia de eventos
é marcada frequentemente pela necessidade de aumentar a cooperação entre
as diferentes esferas de governo, conduzindo às mudanças organizacionais
nas relações intergovernamentais (p. ex. aumento no número de municípios)
e ao estabelecimento das instituições que promovem a cooperação (p. ex.
fóruns intergovernamentais).
O processo de federalização pode ser dividido em duas estapas. A primeira etapa concerne às reformas de governos locais tendo como resultado
a criação de novas unidades federativas, tais como municípios. Vale a pena
destacar que o estabelecimento de novos municípios é considerado parte do
processo de federalização desde que os governos locais tenham seu direito de
existência protegido constitucionalmente. A segunda etapa da federalização
diz respeito à criação de fóruns intergovernamentais, que são instâncias da
arena intergovernamental onde os atores políticos nacionais e subnacionais
interagem com a inalidade de discutir e decidir matérias de interesse comum. Esses fóruns intergovernamentais poderiam ser interpretados como
mecanismos institutionais de incentivo à governabilidade federativa compartilhada entre as diferentes esferas de governo.
Considerando o processo de federalização como uma ocorrência que pertence à arquitetura do Estado, pode-se encaixá-lo no debate sobre a interação
entre atores e instituições na transformação das federações. Esse debate tem
dominado por muito tempo a literatura interessada em entender mudanças
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institutionais (p. ex. Olsen, 2009), e se expandiu à área de estudos sobre governos locais. Uma parte crescente da literatura sobre federalismo mostra que as
estruturas institutionais que dão forma à interação entre atores em diferentes
esferas de governo afetam a dinâmica federal (p. ex. Pierson, 2005; Scharpf,
2006; Bednar, 2009). Além disso, na literatura existente sobre o federalismo,
há diversas proposições que dão atenção à forma como o número de atores
em distintas esferas governamentais inluencia a dinâmica federal (p. ex. Cox
e McCubbins, 2001; Tsebelis, 2002; Andrews e Montinola, 2004). No exemplo
especíico das reformas municipais, De Ceuninck et al. (2010) chamam atenção às diferentes aproximações a essas reformas e enfatizam o argumento de
que tais reformas podem ser interpretadas como um processo de mudanças
institutional que visa reconhecer o papel dos atores e de seu contexto social.
Baseado nestas observações vale a pena centrar-se nas perguntas sobre como
o número de atores, que está relacionado inevitávelmente à fragmentação e à
almagamação, e sobre como as instituições inluenciam o poder dos governos
locais. Duas hipóteses sobre a federalização podem ajudar a responder a estas
perguntas enquanto analisamos os exemplos do Brasil e da África do Sul.
A primeira hipótese – a hipótese do número de atores – sugere que quanto
mais elevado o número de governos locais em um contexto federal, maior a
habilidade de atores locais de inluenciar as relações intergovernamentais.
O número de atores em um dado país é importante visto que esses atores
executam a função de um agente que pode vetar propostas e iniciativas,
convertendo-se em atores de veto. De acordo com Tsebelis (2002), um
ator de veto é aquele que deriva seu poder das regras institutionais e das
circunstâncias políticas, e pode obstruir iniciativas para impedir mudanças
de políticas públicas e bloquear processos decisórios. Com base nesta ideia
de ator de veto, é importante considerar que durante a democratização os
atores políticos intergovernamentais podem exercitar poderes mútuos de
veto e podem competir para inluenciar o processo decisório (Crepaz, 2004).
Aplicando esta observação à interação entre atores intergovernamentais no
Brasil e na África do Sul, é possível inferir que os atores políticos nacionais
e locais são atores de veto porque podem obstruir toda e cada iniciativa
proposta na tentativa de inluenciar relações intergovernamentais.
A segunda hipótese – a institutional – propõe que quanto mais elevado o
número de fóruns intergovernamentais com a inclusão de atores nacionais e
locais, maior a habilidade desses últimos de inluenciar as relações intergo-
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vernamentais. Em países federalizados, o resultado decisório dos processos
pode afetar mais de uma esfera de governo. De acordo com as análises de
Scharpf (2006), essa participação complexa de distintos atores de mais de uma
esfera governamental é conhecida como a “armadilha da decisão compartida”
(joint-decision trap). Sob esta armadilha, as estruturas intergovernamentais
que ajudam a coordenar o processo de decisão complexa ganha especial
relevância na dinâmica federal. Essas estruturas, que apresentam diversas
variedades institutionais e organizacionais, tais como fóruns intergovernamentais especíicos a um determinado setor, fóruns abrangentes e sem setor
especíico, fóruns formais e informais, podem incrementalmente envolver
os processos de tomada de decisão nesta armadilha, impactando, por conseguinte, o equilíbrio do poder intergovernamental. Heinmiller (2007) mostra
que a eicácia de instituições intergovernamentais na formação de políticas
públicas depende de quão eicazes os atores de veto dessas instituições podem ser. Ou seja, em instituições intergovernamentais não-consultativas
os atores de veto tornam-se eicazes em inluenciar políticas. Entretanto, o
autor também reconhece que os próprios atores de veto não necessitam de
poder legal, mas sim de poder político de veto. Em tal caso, esses atores de
veto podem desestruturar esquemas cooperativos.
Evidências empíricas do Brasil e da África do Sul indicam que os fóruns
intergovernamentais afetaram a relação entre governos centrais e locais.
Estas hipóteses serão testadas sob um conjunto de suposições: que as
reformas municipais durante a democratização são um processo envolvendo
múltiplos atores de diferentes esferas governamentais, que eventualmente a
interação negociada entre múltiplos atores durante e depois das reformas aumentam porque as instituições federais se tornam mais robustas, e que a fonte
de autonomia é institucional enquanto tal autonomia esteja calcada em garantias constitucionais e em incentivos para uma cooperação intergovernamental.
Federalização no Brasil
As mudanças no federalismo brasileiro ocorreram sob uma crescente
robustês das relações intergovernamentais.2 Esse processo de mudança
2
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A robustês é associada neste artigo à crescente institutionalização das relações intergovernamentais
tal como define Bolleyer (2009). Em contextos federais, a noção de robustês, de acordo com a conceitualização de Bednar (2009), denota a criação de instituições complementarias que ajudam sistemas
federais contra possívies transgressões de atores federativos.
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demonstra que o conlito intergovernamental crescente na consolidação
da democracia é seguido pelo aumento da cooperação intergovernamental.
Durante tal processo, alguns atores políticos subnacionais ganharam maior
autonomia institutional enquanto participavam das dinâmicas intergovernamentais cada vez mais robustas.
O processo de federalização no Brasil será analisado tecendo uma distinção entre as duas diferentes etapas da federalização. A primeira etapa
diz respeito à transformação do federalismo com o aumento do número de
municípios no país. Tal aumento é considerado parte do processo de federalização porque a constituição brasileira de 1988 reconhece os municípios como
unidades constitutivas da federação juntamente com os estados e a União. A
segunda etapa da federalização concerne ao potencial uso de mecanismos
intergovernmentais por atores subnacionais na dinâmica intergovernamental.
No Brasil os fóruns intergovernmentais são importantes mecanismos para
a exclusão de atores políticos subnacionais. Esses fóruns aumentaram as
possibilidades institucionais de interação entre diferentes atores federais.
Um dos acontecimentos mais importantes no processo brasileiro de municipalização foi a proliferação, sem o controle da União, de novos municípios.
Este fenômeno é de competência exclusiva dos estados brasileiros. É interessante
observar que isso aconteceu antes mesmo de que todo o sistema de cooperação
intergovernamental fosse estabelecido, indicando assim que o processo de federalização desde seu início evoluiu sob o controle de atores políticos subnacionais.
A sequência da federalização no Brasil mostra que, com a proliferação
dos municípios, os interesses dos governos subnacionais prevaleceram sobre
o interesse da União (Quadro 1). A prevalência de interesses subnacionais
inclinou o equilíbrio do poder intergovernamental a favor dos atores subnacionais. A principal tendência tem sido o aumento incremental de fóruns
intergovernamentais no país. Em meados dos anos 90, a União interferiu no
processo de emancipação dos municípios e propôs com êxito uma emenda
contitucional para limitar a autoridade dos estados e dos municípios de criar
novos municípios emancipados.
Federalização na África do Sul
A evolução da federalização na África do Sul foi particularmente marcada por um crescimento do número de fóruns intergovernamentais e pela
consolidação institucional da esfera de governo local. Talvez um dos proces-
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sos mais complexos na transição à democracia na África do Sul tenha sido
precisamente a criação dessa esfera local. O processo de criar um governo
local posterior ao apartheid foi uma tarefa árdua dada a sensibilidade dos
temas que tal processo implicava: a perspectiva de consolidação de partidos
políticos, a representação política de diferentes grupos étnicos, e a capacidade dos municípios de fornecer serviços públicos. Além destes assuntos,
a tarefa de criar governos locais tornou-se essencial ao desenvolvimento
do Estado democrático sul-africano porque a constituição interina de 1994
reconheceu o governo local como uma esfera de governo com direitos
constitucionais garantidos.
O processo sul-africano de federalização posterior a transição à democracia pode ser dividido em duas diferentes estapas. O estabelecimento da
esfera local na África do Sul corresponde à primeira etapa da federalização
e se traduziu em uma redução do número de municípios em consequência da almagamação da diferentes estruturas locais herdadas do antigo e
fragmentado sistema de governos locais. Esta almagamação criou diversos
tipos de municípios e ampliou a constelação dos atores locais.3 A segunda
etapa consiste na criação dos mecanismos cooperativos intergovernamentais
que têm como objetivo mediar a interação entre atores políticos centrais
e subnacionais.
Diversas medidas de federalização foram adotadas na África do Sul (Quadro 2). O processo de federalização começou em 1993 com a Lei Transitória
do Governo Local (LGTA). Essa legislação concedeu oportunidades para os
atores políticos locais transformarem a estrutura institutional da esfera local
na África do Sul. Tal federalização precoce na África do Sul pode ser interpretada como parte de um processo de almagamação municipal (Wittenberg,
2006, p. 335), que provocaram uma complexa divisão de funções dentro da
esfera local de governo. Com o tempo, entretanto, a federalização sul-africana
foi reforçada pela criação de uma teia de fóruns intergovernamentais que
permitiram às distintas esferas de governo interagir entre si de uma forma
mais cooperativa. Por meio desse processo, os diferentes municípios sul-africanos conquistaram benefícios importantes (Tabela 2).
3
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Os 284 municípios da África do Sul estão divididos em três categorias: 6 municípios-metros (municípios da Categoria A), 231 municípios-locais (municípios da Categoria B) e 47 municípios-distritos
(municípios da Categoria C). Os municípios da Categoria A abrangem as seis áreas metropolitanas
da África do Sul. Os municípios da Categoria B são pequenas e medianas cidades e que, por sua vez,
formam os distritos que compõem a Categoria C.
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O processo de criação de novos municípios no Brasil e na África do Sul
A instituição de novos municípios pode ocorrer de diferentes maneiras:
dividindo municípios já existentes que dão origem a novas entidades, amalgamando municípios já existentes também dando origem a novas entidades,
ou simplesmente criando inteiramente novos municípios onde anteriormente
já existiam. Nos dois primeiros casos, que correspondem às experiências do
Brasil e da África do Sul respectivamente, a criação dos municípios implica
que os atores municipais devem negociar além das fronteiras municipais para
estabelecer sua autonomia. O Brasil e a África do Sul são exemplos oportunos
para entender como a geração de novos municípios envolve negociações entre
atores políticos de diferentes esferas de governo. É evidente, entretanto, que
os incentivos por trás do nascimento de municípios variaram em cada país,
o que explica, por sua vez, as diferentes trajetórias do Brasil e da África do
Sul no processo de reformas municipais.
A seguir, um maior destaque é dado ao processo de reinvenção de novos
municípios no Brasil e na África do Sul.
Criação de novos municípios no Brasil
A rápida expansão dos municípios brasileiros depois da transição à democracia é um fenômeno que aumentou o número de atores políticos municipais, tendo algum impacto no equilíbrio de poder intergovernamental. O
processo de criar novos municípios no Brasil sob uma dinâmica democrática
iniciou-se em 1984.4 Os atores políticos subnacionais, com a conquista de
algum peso político na transição à democracia encontraram oportunidades
institutionais para instituir novos municípios. O número de municípios no
Brasil aumentou signiicativamente no im dos anos 80 e esta tendência foi
reforçada nos anos 90.
Os procedimentos para criar novos municípios no Brasil são de responsabilidade e discrecionalidade dos estados brasileiros, conforme estabelecido
pela constituição de 1988 (Artigo 18, Parágrafo 4). Como tal, o aumento no
número de municípios brasileiros após 1988 ocorreu sob a tutela dos estados,
que passaram a regular como novos municípios seriam estabelecidos. Isso
indica, por sua vez, que as regras para a emancipação municipal variam em
cada estado. De forma geral, no Brasil existem diversos atores subnacionais
4
No Brasil este fenômeno tem sua origem antes mesmo da transição à democracia. Tal fenômeno teve
início em 1930 e intensificou-se nos anos 50, embora fosse reduzido durante os anos 70.
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que participam na municipalização. Entre esses atores se encontram deputados
estaduais, eleitores e o governador estadual. Com frequência, o procedimento
de emancipação para gerar municípios parte do poder legislativo dos estados.
Entretanto, como Tomio (2002) sugere, a emancipação e a eventual criação
de municípios requerem procedimentos que estão sujeitos a diversos pontos
de veto. Por essa razão, a proliferação de novos municípios no Brasil está
concentrada em alguns estados – Tocantins, Amapá, Rodônia, Rio Grande faz
Sul e Piauí –, onde houve uma coalisão partidária favorável a essas iniciativas.
Entre as principais motivações por trás do fenômeno da municipalização
no Brasil encontra-se o aumento das transferências inanceiras da União aos
municípios e a possibilidade de ganhos eleitorais para políticos municipais.
Em outras palavras, a criação de novos municípios abriu novas oportunidades
eleitorais para que os políticos municipais mantivessem, e inclusive aumentassem, seu poder político. Também vale a pena indicar que, com a nova
burocracia municipal, oportunidades de emprego seriam geradas, servindo
como uma motivação adicional para a criação de novos municípios. Além
disso, estes receberiam recursos inanceiros sob transferências constitucionais
provenientes de fundos federais. Essas transferências beneiciaram particularmente os municípios pequenos, que recebem 90% de suas transferências
do Fundo de Participação dos Municípios, FPM (Magalhães, 2007). Essa é
precisamente a categoria a qual pertencem os novos municípios criados no
Brasil durante os anos 80 e 90.5 Em resumo, os incentivos políticos e inanceiros associados a determinadas circunstâncias institutionais favoráveis
conduziram à ampliação da esfera de governo local no Brasil.
O efeito deste fenômeno no equilíbrio de poder intergovernamental
não é tão óbvio. Por um lado, o aumento na constelação de atores políticos
municipais tornam as relações intergovernamentais, por mais hierárquicas
que elas possam ser, mais difíceis de serem coordenadas. Por outro lado, a
multiplicação de muncípios pode criar problemas de ação coletiva no que
diz respeito à articulação de interesses municipais perante outras esferas de
governo. Há algumas indicações de que com a proliferação dos municípios
que se tornam mais dependentes de transferências inanceiras da União,
houve uma crescente diiculdade de exercer as responsabilidades a eles atribuídas. Esse desequilíbrio produziu um efeito nas contas federais, visto que
5
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O FPM é um fundo federal que tem como objetivo redistribuir recursos entre municípios brasileiros
através de transferências constitucionais.
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a União teve de aumentar as transferências inanceiras para os municípios
pequenos (Afonso e Araujo, 2000). Nesse sentido, Afonso (1996) mostra que
entre 1960 e 1996 os rendimentos líquidos dos municípios brasileiros quase
triplicaram, principalmente devido às transferências da União. Isso ocorreu
mesmo com o aumento da base de imposto dos municípios.
Em um contexto de incremento de transferências da União aos municípios em consequência dos incentivos institucionais favoráveis para o estabelecimento de novos municípios, mais tarde a União tentou impor limites
à municipalização. Com essa inalidade, a Emenda Constitucional 15 foi
aprovada em 1996.6 Todos os partidos políticos apoiaram a aprovação da
Emenda já que se havia criado um consenso sobre a viabilidade inanceira
da esfera municipal que deveria ser preservada através da imposição de
regras, diicultando assim a geração de novos municipios inanceiramente
dependentes de tranferências federais.
Essa Emenda altera o Artigo 18 (Parágrafo 4) da constituição de 1988,
que concedeu aos estados plena autonomia para o estabelecimento de novos
municípios. A Emenda 15 determinou que, para um estado federal instituir
novos municípios, estaria condicionado por uma lei complementar federal
estipulando um período em que tais municípios pudessem ser estabelecidos.
A Emenda requeria que qualquer proposta para a criação de um município deveria ser endossada por um referendum municipal. Además, antes
da criação do município uma infraestrutura pré-existente e um plano de
viabilidade inanceira teriam de ser aprovados. Com esses novos requisitos,
em 2001 o número de novos municípios foi reduzido nesse ano, e apenas 54
novos municípios foram criados (Soares, 2006, p.86), uma cifra que representa aproximadamente metade da taxa média de estabelimento de novos
municípios a cada ano no Brasil.
Tendo em vista este resumo sobre o fenômeno da municipalização no
Brasil e seu impacto nas relações intergovernamentais, está claro que os estados federais usaram seu direito constitucional para criar municípios e obter
alguns ganhos inanceiros, que resultaram em rendimentos líquidos mais elevados para a esfera de governo local no Brasil. Além disso, a municipalização
ocorreu sem nenhuma interferência da União até 1996. O ritmo de criação
6
Perante a Emenda 15, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul apresentou em 1996 um recurso
de inconstitucionalidade (p. ex. ADIn 2395) contra a Emenda 15 reivindicando que a autoridade do
Estado sobre o estabelecimento de municípios estaria sendo violado pela União. Em 2007 o Supremo
se posicionou a favor da constitucionalidade da Emenda.
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de municípios no Brasil diminuiu com o novo papel assumido pela União de
determinar o período durante o qual novos municípios poderiam ser criados.
A amalgamação de municípios na África do Sul
A amalgamação de municípios sul-africanos iniciou-se sob um mandato
constitucional, que almejava a reorganização e a consolidação dos governos
locais dotados de poderes políticos, administrativos e iscais. Esse processo
tardou vários anos a ser concluído, requerendo a participação de diversas
esferas de governo.
A transformação do governo local na África do Sul sob a democracia
ocorreu depois de várias tentativas sem sucesso de reformar o sistema
de governo local e ante o iminente colapso das administrações locais das
comunidades negras (Cloete, 1994). Nos anos 80, com a criação dos parlamentos locais tricamerais, houve diversos esforços para expandir os poderes das autoridades locais das comunidades negras.7 Entretanto, com as
crescentes perspectivas de democratização da África do Sul, as negociações
para reformar os governos locais foram iniciadas em 1993 por meio de um
fórum nacional, o Fórum Nacional dos Governos Locais (Local Government National Forum - LGNF).8 O objetivo inal do fórum era promover a
democratização dos governos locais estabelecendo instituições locais sem
nenhuma orientação racial e que fossem inanceira e administrativamente
viáveis. Nessa etapa icou claro que o processo para construir uma esfera
de governo local estava interligado à interação entre os diferentes partidos
políticos que tentam alcançar un acordo democrático.9 Qualquer eventual
7
8
9
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As novas propostas para reformar o sistema de governo local do apartheid reemergiram nos anos 80,
quando o governo do Presidente De Klerk comissionou um estudo ao Conselho para a Coordenação
de Assuntos dos Governos Locais. Tal Conselho propôs modelos alternativos para a reoganização de
governos locais. O relatório final do Conselho, conhecido como Relatório Thornhill, apresentou quatro
modelos para a organização dos governos locais, que, entretanto, jamais seriam postos em prática.
Essas negociações ocorreram paralelamente às conversas multipartidárias durante a Convenção para
uma África do Sul Democrática (Covention for a Democratic South Africa - CODESA), que foi inaugurada
em 1991 como o principal fórum de negociação entre os partidos políticos que debatiam a pauta dos
assuntos relativos à transição à democracia.
Com os avanços das negociações entre os partidos políticos durante a transição, novos assuntos contenciosos no que diz respeito à arquitetura institutional de governos locais surgiram nas negociações.
O Partido Nacional (National Party - NP) advogou por uma maior autonomia dos governos locais do
que o Congresso Nacional Africano (African National Congress - ANC) estava disposto a conceder. Para
o NP o fortalecimento dos governos locais se consolidava como uma estratégia de sobrevivência
política na esfera local, visto que o NP teria maiores possibilidades de exercer oposição ao governo
central, que provavelmente acabaria nas mãos do ANC.
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278 Hélder Ferreira do Vale
falta de legitimidade no arranjo institucional de partilha de poder na esfera
local poderia comprometer em sua totalidade o processo de transição democrática no país (Cameron, 1999, p.85).
Dada a urgência em transformar a estrutura de governo local na África
do Sul, as mudanças começaram a ser feitas antes mesmo da aprovação da
constituição interina. A estratégia a ser seguida consistia em adotar uma
abordagem mais participativa à transformação de governos locais. Segundo
essa estratégia, as negociações seriam incentivadas no âmbito provincial a
im de responder às necessidades locais. Enquanto essa arbordagem contribuiu para superar o impasse entre as lideranças nacionais do Congresso
Nacional Africano (African National Congress - ANC) e o Partido Nacional
(National Party - NP), ela também introduziu maiores obstáculos à criação
dos governos locais. Ao introduzir negociações especíicas a cada localidade
diferente, o processo de reforma ganhou maior complexidade, tornando-se
assim um processo longo (Ottaway, 1993, p. 131).
O primeiro passo para o estabelecimento dos novos municípios na África
do Sul ocorreu com a criação dos fóruns locais em cada cidade. Esses fóruns
assumiriam um papel crítico de estabelecer a estrutura institucional para o
governo local. Dependendo das características da localidade em questão, as
instituições a serem estabelecidas seriam de três tipos: os Conselhos Locais
Transitórios (Transitional Local Councils - TLCs) para áreas não-metropolitanas, os Conselhos Metropolitanos Transitórios (Transitional Metropolitan
Councils - TMCs) para áreas metropolitanas, e Conselhos Rurais Transitórios
(Transitional Rural Councils - TRCs) para as áreas rurais. A criação formal
dos conselhos dependia da aprovação do administrador provincial. É possível
airmar que o estabelecimento das instituições locais esteve caracterizado
mais por interesses políticos do que técnicos.
Na fase da constituição interina, a demarcação dos limites fronteiriços
municipais correspondia a outro tema bastante politizado que marcou
o estabelecimento de novos governos locais na África do Sul. Essa fase é
particularmente importante para o assentamento das negociações sobre os
arranjos institucionais de partilha de poder para a deinição de uma estrutura
organizativa para governos locais. Essa nova estrutura incluiu os conselhos
distritais, que é a instituição local mais próxima às comunidades locais. Apesar
do acordo inicial entre os principais partidos políticos em criar fortes conselhos distritais, essas instituições se tornaram inócuas à medida que elas foram
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privadas de qualquer função exclusiva. Nesta fase, houve episódios recorrentes
de ingerência de poder por parte do governo central em competências locais,
especialmente no que diz rerspeito aos recursos humanos locais.
A fase inal é caracterizada pela consolidação do governo local na África
do Sul. Apesar do reconhecimento do governo local como uma esfera independente, o governo central tentou decretar novas medidas legislativas tentando regular diversos aspectos do exercício da autonomia local. Nessa fase
há uma racionalização do processo de reforma do sistema de governo local,
que consistia em amalgamar distintos municípios entre sí a im de aumentar
sua capacidade administrativa e iscal. Em 2000 a Lei do Sistema Municipal
(Municipal Systems Act - MSYA) foi aprovada para clariicar e especiicar as
competências importantes relevantes à consolidação da esfera local de governo (p. ex. a deinição do termo município). Com a aprovação da MSYA,
que delineava os aspectos gerais para o estabelecimento e funcionamento
dos municípios, a África do Sul consolidou um sistema de governo local.
Baseado nesse resumo sobre a amalgamação de municípios sul-africanos
é possível inferir que este processo arquitetado no início da transição à democracia com a intenção fundamental de reformar a esfera de governo local
produziu mudanças importantes nas relações intergovernamentais. Com
um mandato constitucional, o governo central traçou uma transformação
do governo local motivada inicialmente por apagar qualquer legado do
apartheid no âmbito local, e posteriormente para consolidar a esfera local
como um agente para fornecer serviços públicos básicos.
As relações intergovernamentais no Brasil e na África do Sul
O Brasil e a África do Sul encontraram diiculdades na implementação de
suas constituições após suas respectivas promulgações. Entre os problemas de
implementação nos anos que seguem a transição à democracia, encontra-se a
diiculdade do governo central para superar problemas de coordenação com
os governos subnacionais na sua tentativa de executar iniciativas nacionais
em um contexto de governabilidade federal compartilhada. Além disso, o
exercício da autonomia iscal e administrativa por parte de atores políticos
subnacionais gerou diversos episódios de conlito no que diz respeito às
legislações subnacionais e à conformidade com a legislação nacional. Estas
diiculdades conduziram os governos centrais no Brasil e na África do Sul
a estabelecer fóruns intergovernamentais.
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280 Hélder Ferreira do Vale
Uma característica das relações intergovernamentais no Brasil tem sido
a falta de um mecanismo explícito de cooperação imediatamente depois da
transição à democracia. No Brasil essa falta de fóruns intergovernamentais
formais de coordenação poderia indicar a ausência de conlito entre as diferentes esferas de governo ou a presença de um relacionamento hierárquico entre
os atores intergovernamentais. É importante observar que embora os fóruns
intergovernamentais começassem a emergir nos anos 90 em determinadas
áreas, foi somente em 2003 que o primeiro fórum intergovernamental permanente não restringido a nenhuma área especíica foi estabelecido no Brasil.
A criação de fóruns intergovernamentais na África do Sul representa um
dos eventos-chaves da dinâmica federativa e do avanço do processo de federalização no país. O estabelecimento destes fóruns revela uma fórmula de
interação intergovernamental na África do Sul que se aproxima a deinição
de Ronald Watts (1989, p. 3) sobre o federalismo executivo, o qual é deinido
como o processo de negociação intergovernamental dominado pelo poder
executivo das diferentes esferas governamentais dentro do sistema federal. Essa
deinição encontra aplicabilidade no contexto sul-africano, uma vez que os
líderes do poder executivo em cada esfera governamental estavam envolvidos
em negociações através de fóruns formalmente ou informamente estabelecidos.
De diferentes formas, o aumento do papel de coordenação dos governos
centrais no Brasil e na África do Sul indica que tal incremento de poder de
coordenação pode coexistir com uma maior autonomia local. Picard (1983)
observou a existência do paradoxo da descentralização que é precisamente
caracterizado por aumentar responsabilidades aos governos locais à medida
que também se incrementa o papel coordenativo dos governos centrais. Esse
paradoxo pode ser explicado pela necessidade de implementar política públicas redistributivas (Kjellberg 1995), pelo caráter centralizador de algumas
políticas de planejamento (Picard, 1983) e pelo setor e atividade pública em
questão (Blom-Hansen, 1999).
A seguir encontra-se uma revisão sobre o estabelecimento de fóruns
intergovernamentais no Brasil e na África do Sul.
Os fóruns intergovernamentais no Brasil
No Brasil, nos anos posteriores a transição à democracia, as relações
intergovernamentais se encontravam institucionalmente pouco estabelecidas. Explicação para esta fraca institucionalização pode ser encontrada
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na ausência na constituição de 1988 de qualquer menção ou perspectiva de
criação de estruturas de coordenação da interação entre distintas esferas de
governo (Costa, 2003). Uma evidência reveladora da escassa institucionalização das relações intergovernamentais no Brasil se encontra na emergência
tardia de fóruns intergovernamentais nesse país. Os primeiros fóruns no
período democrático foram estabelecidos nos anos 90 nos setores de saúde
e educação. Esses fóruns especíicos a cada setor foram idealizados para
promover a coordenação de políticas públicas. No setor da saúde a cooperação foi exercitada através de fóruns intergovernamentais, enquanto na área
de educação criou-se um fórum nacional com a participação de diversos
atores intergovernamentais.
A cooperação intergovernamental no setor da saúde no Brasil tem crescido vigorosamente desde a transição à democracia. Em julho de 1991, um ano
após a promulgação da Lei Orgânica da Saúde, um fórum intergovernamental
importante, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) foi estabelecida com
a Portaria 1180 do Ministério da Saúde.10 Um aspecto importante da CIT é
que todas as suas decisões são tomadas consensualmente, resultado de uma
dinâmica cooperativa entre as diferentes esferas de governo.
Em 1993 o Ministério da Saúde elaborou uma portaria ministerial
orientadora conhecida como Norma Operacional Básica (NOB), criada
para promover a cooperação intergovernamental no setor da saúde. A
NOB municiou especiicações sobre o processo decisório que envolve todas as esferas de governo nas políticas de saúde. Uma das inovações mais
importantes da NOB foi a introdução de um método deliberativo de tomar
decisões incluindo a participação de governos subnacionais. Isso é feito em
cada estado na Comissão Intergestores Bipartite (CIB), que foi formada
entre os Estados e municípios. Há evidência de que os fóruns intergovernamentais de saúde têm aumentado a coordenação de políticas públicas no
sistema sanitário (Arretche, 2002). Em 2006 o Ministério da Saúde propôs
um pacto para substituir as portarias ministeriais por acordos. Com esses
pactos os estados e municípios ganharam competências para a provisão de
serviços de saúde baseados na capacidade especíica de cada município de
10
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CIT congrega 15 membros que representam as três esferas de governo. Cada esfera tem cinco representantes; cinco membros do CIT são indicados pelo Ministério da Saúde, cinco pelo Conselho
Nacional dos Secretários de Saúde dos Estados (Conass), e os outros cinco pelo Conselho Nacional
dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems).
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fornecer serviços. Apesar da execução bem sucedida de um sistema intergovernamental de cooperação no setor da saúde, vale a pena recordar que o
CIT foi estabelecido como uma resposta inicial à centralização do processo
decisório no setor sanitário.
Quanto ao setor educacional, a primeira medida de reforma educacional
da democracia ocorreu em 1995 com a criação do Conselho Nacional de
Educação (CNE). A Lei Complementar 9131/95 estabeleceu formalmente
o CNE com a participação das secretarias de educação dos estados como
conselheiras deste fórum. Entretanto, é importante mencionar que o CNE
já havia sido criado na administração precedente com um decreto presidencial que substitui um conselho educacional mais antigo, o Conselho
Federal de Educação (CFE). O CNE tem mandatos importantes incluindo
o de elaboração do currículo nacional e do plano nacional de educação, de
discussão de propostas sobre a nova legislação educacional, e de facilitação
de intercâmbio de informação, entre outras.11 Apesar do caráter deliberativo
do CNE, na sua câmara básica seus membros deliberam somente sobre a
organização e planejamento curricular (Saviani, 2007, p.12). Além disso, as
deliberações somente ocorrem quando os temas são propostos pelo Ministério de Educação.
O primeiro fórum intergovernamental abrangente no Brasil foi o Comitê
de Articulação Federativa (CAF), criado em 2003 por um decreto presidencial.12 O CAF exclui os estados federais e, como tal, é um fórum que tenta
promover a cooperação entre a União e os municípios. Considerando que a
criação do CAF foi uma iniciativa da União e que o comitê está ligado diretamente à presidência através da Secretária de Assuntos Federativos (SAF),
este fórum segue uma dinâmica hierárquica para alcançar a cooperação.
Outro arranjo institucional que os municípios brasileiros estão utilizando
para aumentar a cooperação tem sido os consórcios públicos. Esses arranjos
representam um método voluntário de cooperação entre as esferas de governo para gerir comumente serviços públicos. Os consórcios que envolvem
as três esferas de governo são usados frequentemente para a criação das regiões de desenvolvimento, também conhecidas como regiões integradas de
11
12
O Conselho é composto por duas câmaras, uma câmara dedicada à educação básica e a outra à
educação secudária. Cada câmara tem 12 membros representando diferentes esferas de governo e
associações civis.
Um decreto presidencial foi usado para estabelecer o CAF devido à urgência da presidência brasileira
em estabelecer um mecanismo permanente de negociação com os municípios.
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desenvolvimento. Embora os consórcios públicos tenham sido reconhecidos
na constituição de 1988, eles foram infrautilizados como um instrumento
comum de cooperação devido à falta de uma estrutura legal.13 Com a tentativa de suprir essa necessidade, uma emenda constitucional e uma lei federal
foram aprovadas respectivamente em 1998 e em 2005. Desde uma perspectiva municipal, os consórcios públicos no Brasil são arranjos institucionais
usados principalmente por municípios de forma voluntária e estabelecendo
una dinâmica de baixo para cima (Spink, 2005; Brandão, 2008, p.150).
Com o acompanhamento da evolução dos fóruns intergovernamentais no
Brasil nas últimas décadas, torna-se claro que tais instituições aumentaram
a robustez das relações intergovernamentais no país. Apesar das inovações
tais como a criação de consórcios intergovernamentais, pode-se dizer que
os mecanismos de cooperação ainda são limitados a setores especíicos. Na
área da saúde e educação, os governos subnacionais podem exercitar seus
poderes de veto no processo de tomada de decisão (Arretche, 2002). Contudo,
alguns analistas ponderam que o crescente papel de coordenação da União
vem a limitar os governos subnacionais no Brasil (p. ex. Arretche, 2007).
Os fóruns intergovernamentais na África do Sul
Na África do Sul o estabelecimento dos fóruns intergovernamentais
para dinamizar o diálogo entre as esferas de governo está relacionado à
falta inicial de mecanismos institucionais formais para intermediar as relações intergovernamentais logo em seguida a transição à democracia. Em
um contexto onde as instituições estavam pouco consolidadas em todas as
esferas governamentais, os fóruns informais tornaram-se uma alternativa à
cooperação intergovernamental.
A sustentabilidade da evolução desses mecanismos depende em grande
parte da disposição das esferas governamentais de cooperar. Na África do Sul
a vontade de cooperar no âmbito intergovernamental ica evidenciada pelo
rápido crescimento de fóruns informais nos primeiros anos da democratização. Nos anos que seguem a transição à democracia, a África do Sul estava
empenhada em transformar e em consolidar as distintas esferas de governo.
Os fóruns intergovernamentais na África do Sul têm algumas características
especíicas: os executivos nacionais e provinciais têm um papel importante em
13
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Um outro tipo de consórcio público inclui os consórcios intermunicipais de cooperação que são
criados entre municípios para melhorar o fornecimento de serviço em um determinado setor.
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promover os fóruns intergovernamentais no estágio inicial; o predomínio de
fóruns especíicos a determinados setores, especialmente fóruns dirigidos a
temas iscais; as tensões entre diferentes dinâmicas intergovernamentais; a falta
de uma clara divisão das competências entre as esferas de governo; e o inicial
funcionamento dos fóruns através de mecanismos de cooperação informal.
A primeira tentativa de criar um diálogo intergovernamental através de
fóruns foi conduzida pelo executivo nacional com o estabelecimento do
Conselho de Coordenação do Presidente (President Coordination Council PCC) em 1999.14 Alguns consideram o PCC como o epicentro das relações
intergovernamentais na África do Sul (Layman, 2003, p.21). A inalidade do
PCC eram duas: coordenar a implantação da política nacional nas províncias,
e integrar os governos subnacionais em um processo consultativo. Depois
desta iniciativa dois novos fóruns iscais foram estabelecidos em 1997: o
Conselho Orçamentário (Budget Council) e os Comitês de Despesa a Meio
Prazo (Medium Term Expenditure Committees - MTECs). O Conselho Orçamentário foi criado em 1997 juntamente com a Lei Intergovernamental
de Relações Fiscais (Intergovernmental Fiscal Relations Act - IFRA) com a
inalidade de alinhar as políticas iscais e orçamentárias. O Conselho Orçamentário reúne três vezes ao ano o ministro de inanças e os membros dos
conselhos executivos (MECs) de inanças de cada província. Outros fóruns
iscais, tais como o MTEC 4x4 e os MTEC 10x10, foram estabelecidos com a
inalidade de aumentar consultas para a avaliação e coordenação de políticas
orçamentárias.15 Tais fóruns tornaram-se eicazes em trazer o alinhamento
da política em temas iscais e orçamentários.
Em outros setores tais como moradia, comércio e indústria, água e lorestas, e assuntos provinciais-locais, os fóruns intergovernamentais conhecidos
como MinMECs foram formalizados. Esses fóruns foram usados para conseguir o alinhamento de políticas públicas reunindo um ministro nacional
(Min) de um setor e um membro provincial correspondente do conselho
executivo (MEC) do mesmo sector. A experiência com o MinMECs quanto
aos seus resultado foi diversiicada com alguns ministérios tornando-se mais
14
15
Isso aconteceu após a desaparição do Fórum Intergovernamental (IGF). O IGF foi criado em 1995 com
a intenção de promover o diálogo entre as diferentes esferas de governo reunindo um amplo número
de atores institutionais.
O MTEC (4x4) reúne o Tesouro Nacional, a tesouraria provincial, departamentos nacionais de setores
específicos e os reponsáveis fiscais provinciais. De forma similar, o MTEC (10x10) abrange o Tesouro
Nacional, as nove tesourarias provinciais e um departamento nacional de um setor específico.
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inluentes do que outros (Reddy, 2001, p. 32). Além disso, houve problemas
em alguns MinMECs, ocasionado por uma pobre presença de seus membros
e uma falta de cumprimento de algumas decisões tomadas. Apesar destes
obstáculos, a cooperação promovida pelos MinMECs não somente ofereceram oportunidades para que alguns oiciais ganhassem mais experiência
como também abriu novas perspectivas às interações intergovernamentais
na África do Sul.16
Um momento deinitivo para o sistema intergovernamental na África do
Sul foi a aprovação em 2005 da Lei de Estrutura das Relações Intergovernamentais (Intergovernmental Relations Framework Act - IRFA), que criou um
arcabouço estatutário para tornar mais operativos os fóruns que anteriormente se reuniam com uma regulação informal. O IRFA veio racionalizar o
que já havia sido posto em prática por muitos anos. Essa lei regulou o PCC
e os MinMECs e dotou de uma estrutura legal a fóruns intergovernamentais
dos chefes dos executivos provinciais, fóruns intergovernamentais provinciais, fóruns intergovernamentais de distritos, e fóruns inter-municipais.17
Fessha e Steytler (2006, p. 6) atribuem à inabilidade do governo sul-africano
de promover uma parceria colaborativa à natureza ad hoc dos fóruns intergovernamentais. Institucionalmente, o IFRA em princípio promove a
cooperação intergovernamental enquanto deine as principais normas de
interação intergovernamental na África do Sul, e provê de alguma orientação
os conlitos entre as esferas de governo. Ainda assim, existem evidências que
indicam que a estrutura reguladora promovida pela IRFA por si só não seria
suiciente para aumentar a cooperação (Tapscott, 2000).
Nos termos da dinâmica interna destes fóruns, há sinais apontando que
eles funcionaram de forma cooperativa. Havia uma tendência de fóruns
setor-especíicos (p. ex. Conselho Orçamentário, MinMECs) de favorecer
uma aproximação de baixo para cima. Entretanto, em outros fóruns, tais
como o PCC e o PCF esta aproximação de cima para baixo foi lexibilidade,
especialmente porque a voz subnacional foi ouvida nas deliberações.
Desde uma perspectiva geral, considerando a proliferação de mecanismos
cooperativos intergovernamentais na África do Sul, é possível airmar que
16
17
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As reuniões do MinMECs são acompanhadas por uma reunião técnica, que por sua vez são organizadas sob o Fórum dos Diretores-Gerais (FOSAD). O FOSAD foi estabelecido em 1998 para assegurar a
coordenação de reformas na administração pública (Miller, 2005, p.102).
É importante observar que, entretanto, todos os fóruns provinciais antes do IRFA eram ad hoc, com a
exceção dos fóruns de duas províncias, Cabo Oriental e Cabo Ocidental (Fessha e Steytler, 2006, p. 4).
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o sistema intergovernamental sul-africano tornou-se mais robusto.18 No
entanto, mesmo tendo evoluído sob o princípio de cooperação, com o passar
dos anos o sistema sul-africano enfrentou alguns problemas relacionados
à falta de participação por parte dos governos locais, à pouca eicácia dos
fóruns intergovernamentais províncias-municípios, e à integração bem sucedida de fóruns intergovernamentais (Layman, 2003, p. 22; Hughes, 2005;
Fessha e Steytler, 2006, p. 27). Mesmo assim, desde uma perspectiva geral,
após anos de evolução de um sistema intergovernamental de cooperação, é
possível sugerir que a maior robustez das instituições intergovernamentais
contribuiu à cooperação entre as esferas governamentais.
A autonomia dos governos locais no Brasil e na África do Sul
O aumento da autonomia do governo local em relação ao centro é um
tema crucial no debate sobre a evolução de países federalizados. Certamente,
o debate sobre a autonomia local está ligado inevitavelmente à relação entre
o centro e a periferia (Goldsmith, 1995). As mudanças nas relações intergovernamentais podem criar um novo equilíbrio de poder intergovernamental
que conduza a um grau mais elevado de autonomia iscal, administrativa e
política (Falleti, 2010).
A noção de um equilíbrio de poder intergovernamental em constante
mutação está em grande parte associada à ideia de que nas federações existem
incentivos para que os atores políticos nacionais e subnacionais avancem
seus interesses. No conlito entre interesses diversos existe a possibilidade
de ocorrer disputas pelo aumento de poder intergovernamental. Desde essa
perspectiva, os atores políticos nacionais e subnacionais tentam aumentar seu
poder em detrimento a outra esfera de governo, tentando assim inluenciar
e alterar o equilíbrio das relações intergovernamentais. Nesse contexto, a
autonomia local pode ser deinida como a habilidade dos governos locais de
perseguir seus próprios objetivos tendo como legitimação os seus direitos
constitucionalmente protegidos. O alcance desses objetivos está baseado em
dois princípios: o da discrecionalidade e o da não-ingerência. Sob o princípio
de discrecionalidade, os governos locais têm como direito constitucional de
18
Em relação às iniciativas provinciais, em 2000, diversas províncias, por exemplo, Cabo Ocidental, Gauteng, Mpalanga e Cabo Oriental, já haviam estabelecido os fóruns intergovernamentais liderados pelos
Premiers provinciais. Em 2005, essas iniciativas provinciais foram formalizadas e se tornaram Fóruns
Intergovernamentais do Premier (PIFs).
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exercer poder discrecional para operar, legislar, gerenciar e fornecer serviços.
Sob o princípio da não-interferência, as ações dos governos locais sob seus
direitos estabelecidas não são restringidas pelas ações do governo central.
Do ponto de vista dos governos locais, a discrecionalidade e a não-ingerência
de outras esferas de governo permitem que os municípios sejam mais ativos
no âmbito intergovernamental.19
Ambos os princípios estão relacionados entre si à medida que o exercício do poder discrecional é geralmente reforçado pela falta de ingerência
do governo central. Similarmente, a falta de ingerência pode incentivar o
exercício do poder discrecional dos governos locais. Considerando a inluência mútua entre discrecionalidade e a não-ingerência, quatro cenários
diferentes com distintos graus de autonomia local podem ser criados. No
Cenário I, a discrecionalidade e a não-ingerência coexistem, e os governos
locais gozam de um elevado grau de autonomia. No Cenário II, os governos
locais podem exercitar discrecionalidade, entretanto, esse exercício vê-se
frequentemente limitado pelas interferências do governo central, apresentando assim um grau médio de autonomia. Um grau análogo de autonomia
é observado no Cenário III, onde a autonomia do governo local é limitada
por sua inabilidade de exercitar plenamente a discrecionalidade em matérias
que lhe competem, embora a ingerência não seja observada. Por último, no
Cenário IV, os governos locais experimentam um baixo grau de autonomia
e um alto grau de ingerência. Como resultado inal, a autonomia do governo
local no Brasil e na África do Sul se adequa a uma das seguintes equações:
Cenário I: Discrecionalidade + Não-Ingerência = Alta Autonomia
Cenário II: Discrecionalidade + Ingerência = Média Autonomia
Cenário III: Não-Discrecionalidade + Não-Ingerência = Média Autonomia
Cenário IV: Não-Discrecionalidade + Ingerência = Baixa Autonomia
A im de identiicar o aumento da autonomia municipal no Brasil e na
África do Sul e de encaixar esses países em um dos cenários identiicados
acima, este artigo avança alguns indicadores qualitativos para medir o grau
19
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Essa operacionalização da autonomia local assemelha-se a desenvolvida por Clark (1984), que concebeu uma noção de autonomia local baseada no poder de iniciação e no poder de imunidade. A
principal diferença entre os princípios de discrecionalidade e não-ingerência, avançada neste artigo,
e os princípios de iniciação e imunidade de Clark são que os primeiros estão basados em direitos
constitucionais, enquanto os últimos não.
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de autonomia dos governos locais. No âmbito da discrecionalidade, há três
indicadores: Autonomia de Receitas, Discrecionalidade sob Impostos e Iniciativa Legislativa. A Autonomia de Receita é medida pela existência de um
desequilíbrio iscal baseado na autoridade do governo local de inanciar suas
despesas com rendimentos disponíveis (Shah e hompson, 2004). A Discrecionalidade sob Impostos é um indicador de mediação do livre arbítrio dos
governos locais para determinar a taxa e a base para receitas locais (Sellers
e Lindstrom, 2007). Visto que os dados iscais não reletem necessariamente
a independência reguladora dos governos locais (Stegarescu, 2006, p. 15), é
importante examinar a dinâmica decisória no exercício da autonomia iscal.
A iniciativa legislativa mede a discrição dos governos locais para regular
competências descentralizadas com sua prerrogativa de propor e aprovar
legislação municipal. Esses indicadores abrangem as dimensões iscais e
administrativas da autonomia local.
No âmbito da não-ingerência, os três indicadores para sua medição são:
Proteção Constitucional aos Governos Locais, Capacidade Reguladora do
Emprego Público e a Prerrogativa de Revisão Judicial. A Proteção Constitucional aos Governos Locais é um indicador relacionado ao direito de existência dos governos locais que impede toda e qualquer tentativa de mudança do
status dos governos locais pelo governo central, e consequentemente, é um
indicador essencial contra a ingerência do governo central. A Capacidade
Reguladora do Emprego Público mede a liberdade de decisão para regular,
empregar e despedir funcionários públicos, o qual concede um poder administrativo considerável aos governos locais (Shah e hompson, 2004).
O gerenciamento por parte dos governos locais de sua própria equipe de
funcionários pode evitar a ingerência do governo central já que este controle
sob os recursos humanos reforça a implementação de suas próprias decisões.
Por último, a Prerrogativa de Revisão Judicial é um indicador da habilidade
de governos locais de iniciar um processo da revisão judicial contra decisões
e legislações dos governos centrais. Caso as medidas do governo central
restrinjam ou sobreponham funções dos governos locais, a habilidade dos
governos locais de iniciar um processo de revisão judicial constitui uma
prerrogativa importante contra a ingerência do governo central.
A medição de cada indicador acima mencionado para o Brasil e a África
do Sul mostra que a autonomia local aumentou desde a transformação dos
governos autocráticos até a chegada de governos democráticos (Tabela 1).
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Considerando a dimensão da discrecionalidade, os municípios no Brasil e
na África do Sul ganharam mais poder discrecional com a democratização.
Na dimensão da não-ingerência, durante a democratização os municípios
brasileiros e sul-africanos viveram diferentes experiências partindo de uma
situação de maior interferência a uma situação de não-ingerência.
Com base nestas observações é possível posicionar o Brasil e a África
do Sul em um cenário de autonomia elevada, como proposto pela tipologia
avançada neste artigo (Quadro 3).
A autonomia do governo local no Brasil
O exercício da autonomia iscal no âmbito municipal no Brasil, no que
diz respeito à arrecadação de recursos, reduziu o desequilíbrio iscal dos
municípios brasileiros à medida que estes aumentaram seu rendimento com
a constituição de 1998 (Souza, 1997).20 Desde uma situação caracterizada por
receitas limitadas vigentes até 1984 (Versano et al., 1998), a partir de então
os municípios brasileiros aumentaram gradualmente o seus rendimentos.21
Em relação à discrecionalidade de determinar a taxas dos impostos, durante o regime autocrático a União determinava a taxa e a base dos impostos
(Medeiros, 1986, p. 225). Com a constituição de 1988, os governos locais
ganharam a autoridade de instituir e regular taxas dos impostos locais (p.
ex. o IPTU; o ITBI; e o ISS). Além disso, com a transição à democracia um
atributo importante da autonomia local, nomeadamente a discrecionalidade
sobre iniciativa legislativa, passou a ser exercido com mais frequência.
Quanto a não-ingerência, antes da constituição de 1998 o Brasil apresentava um sistema de governo local que funcionava com pouca proteção contra a
ingerência da União. Por exemplo, os governos locais não eram reconhecidos
formalmente como uma esfera autônoma de governo, a autoridade de regular
o corpo dos funcionários municipais era limitada e os municípios não podiam
iniciar um processo de revisão judicial contra a União. Entretanto, com a
democratização os municípios ganharam o direito de existência e o direito
de contestar judicialmente as leis aprovadas por outras esferas de governo.
Também eles passaram a regular seu próprio corpo de funcionários.
20
21
RBCPed8.indd 289
Em vinte anos, o desequilíbrio fiscal, calculado através da receita local total subtraída pela despesa
total divididas pela receita total dos governos locais brasileiros, saltou de -9% em 1988 a 17% em 2008.
De acordo com Afonso e Araujo (2000, p. 20) as receitas dos municípios brasileiros aumentaram 197
por cento de 1988 a 1998.
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290 Hélder Ferreira do Vale
Apesar dessas mudanças, as evidências demonstram que depois da
transição à democracia houve um aumento da dependência dos municípios pequenos em relação às transferências intergovernamentais e a
maioria delas seria incapaz de cobrir suas despesas caso dependessem de
seus próprios redimentos (Arretche, 2009). Com a transição democrática,
os municípios tornaram-se também mais dependentes das transferências
centrais (Rezende, 2006) ao passo que a União também reduziu gradativamente o volume de transferências constituticionais aos municípios
(Arretche, 2005). É possível dizer que atualmente os municípios têm mais
inluência na dinâmica intergovernamental no Brasil do que antes da
transição do país à democracia. Também é importante mencionar que a
União pôde aumentar seu papel de coordenação ao passo que induzia a
dependência dos municípios em relação às transferencias condicionais (p.
ex. o Fundef e o Fundeb).
A autonomia do governo local na África do Sul
Em relação à discrecionalidade, durante o apartheid os diferentes
governos locais na África do Sul exercitavam assimetricamente o poder
discrecional nas áreas administrativa, iscal e política. As limitações eram
particularmente notórias nos governos locais das comunidades negras.
Dito isso, durante o apartheid a habilidade da maioria das autoridades
locais de inanciar suas despesas com os recursos existentes era limitada.
Adicionalmente, a autoridade para determinar impostos e taxas não existia
e a possibilidade de aprovação de legislação local era também inexistente.
Em contraste, na África do Sul do pós-apartheid, desde uma perspectiva
agregada, os governos locais passaram a arrecadar receitas geradas principalmente através de suas próprias fontes de rendimento.22 Em 2009, as
receitas próprias arrecadadas pelos municípios sul-africanos representavam
aproximadamente 65 por cento do total das receitas municipais (National
Treasurey, 2011). Os governos locais na África do Sul começaram a deinir
a tributação de impostos e taxas municipais. Além disso, a formulação de
políticas públicas passou a ser exercitada principalmente através dos conselhos locais, que ganharam discrecionalidade para legislar em matérias
de sua competência.
22
O desequilíbrio fiscal, medido pela receita local total subtraída pela despesa total divididas pela receita
total dos governos locais sul-africanos, apresentou uma mudança de -11.6% em 1996 a 8% em 2006.
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Reinventando governos locais durante a democratização 291
No que diz respeito à dimensão da não-ingerência, na África do Sul o
direito de existência dos governos locais antes da Constituição de 1996 era regulado pelas províncias, que concediam responsibilidade municipais através
de estatutos. Como unidades administrativas das províncias, os municípios
na África do Sul não podiam empregar ou regular o corpo de funcionários
que trabalhavam na esfera local, nem eram capazes de iniciar um processo
de revisão judicial contra as leis passadas por outras esferas de governo.
Na África do Sul democrática, com o reconhecimento dos governos locais
como pertencendo a uma esfera independente de governo, eles ganharam
novas capacidades tais como a autoridade de regular seu próprio recursos
humanos e de iniciar um processo da revisão judicial.
Apesar destes ganhos, somente seis municípios-metros podem ser considerados ganhadores desse processo de reformas. Esses seis municípios
puderam articular melhor suas demandas do que os demais municípios de
outras categorias. Também ao contrário da situação das outras categorias
municipais, os municípios-metros tinham melhor deinidas a divisão de
suas funções. Apesar dos conlitos que existiam entre as esferas central e
municipal, os governos locais não exerceram o poder de revisão judicial. De
Visser (2004, p.178) chama atenção à falta de ações de inconstitucionalidade
trazidas por entidades locais nas reformas dos governos locais. De fato, nos
primeiros quatro anos a seguir à promulgação da constituição de 1996 não
houve um único caso de ação de inconstitucionalidade levado à corte constitucional pelos municípios sul-africanos contra o governo central, apesar de
várias ingerências por parte desse último. Administrativamente, o governo
central tentou regular o emprego público municipal. Financeiramente,
apesar do maior poder de arrecadação dado aos governos locais, os municípios pequenos enfrentaram diiculdades iscais devido aos problemas de
capacidade de arrecadação e à distribuição assimétrica de recursos na esfera
local (Smoke et al., 2003). Entretanto, recentemente os municípios-distritos
ganharam mais responsabilidades com uma nova legislação do governo
central tentando esclarecer a distribuição de responsabilidades (Schroeder,
2003, p.40). Sem dúvida, as reformas dos governos na África do Sul foram
acompanhadas por ganhos assimétricos e pela tentativa do governo central
de impedir que municípios exerçam sua autonomia. Entretanto, é possível
concluir que em geral as reformas desenvolveram mecanismos institutionais para que os governos locais na África do Sul pudessem evitar até certo
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292 Hélder Ferreira do Vale
ponto ingerências de outras esferas de governo e para exercitar algum grau
de discreção em diversas áreas.
Observações inais
Os diferentes processos de reformas de governo local no Brasil e na
África do Sul conduziram a um resultado comum: o aumento da autonomia
local. Em ambos os países os semelhantes incentivos institucionais originados pela federalização foram responsáveis por esse processo comum.
Inicialmente havia uma variação entre ambos os países na transformação
da esfera local de governo. Essa diferença se deve à prática no Brasil de
criar novos municípios para receber transferências iscais adicionais da
União, e à tendência na África do Sul de amalgamar municípios para apagar
qualquer legado do regime político precedente.
Com a participação de outras esferas de governo no processo de mudanças locais e na progressiva transferência de competências aos municípios,
a federalização no Brasil e na África do Sul avançou sob um mecanismo
comum. O mecanismo: a estratégia do governo central em sobrepassar o
poder dos governos regionais que foi concretizada pela criação de fóruns
intergovernamentais que envolvem governos municipais. Esta estratégia
pode ser interpretada como um mecanismo que culminou no aumento de
poder dos atores locais para alterar o equilíbrio das relações intergovernamentais (Dickovick, 2007).
No Brasil e na África do Sul, a estratégia de contornar a inluência inicial
dos governos regionais inluenciou o processo de mudança intergovernamental da seguinte forma: enquanto as reformas estruturais para acomodar
a criação de novos municípios foram postas em prática, o governo central,
a im enfraquecer os governos regionais, conseguiu o seu isolamento. No
Brasil isso ocorreu com a redução dos recursos iscais disponíveis aos
governos estaduais e a exclusão destes governos na participação de alguns
fóruns intergovernamentais. Na África do Sul essa lista é mais larga apresentando medidas tais como o impedimento por parte do governo central
de promulgar constituições provinciais, a redução do papel do Conselho
Nacional das Províncias a um mero simbolismo institucional, e a prática
de demissão forçosa dos chefes dos executivos provinciais, Premiers, por
parte do comitê central do partido governante. Enquanto isso, os governos
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Reinventando governos locais durante a democratização 293
locais em ambos os países encontraram oportunidades institucionais para
evitar a excessiva interferência do governo central à medida que exerciam
sua autonomia em suas competências iscais e administrativas.
Com o propósito de esclarecer as diferenças e as semelhanças na federalização do Brasil e da África do Sul, as hipóteses apresentadas neste
artigo foram elaboradas à luz da observação de que, apesar do aumento
dos municípios no Brasil e da diminuição dos municípios na África do Sul,
governos locais em ambos os países se tornaram cada vez mais autônomos.
Dito isso, a hipótese que se refere ao número de atores não se aplica ao
processo de transformação do governo local no Brasil e na África do Sul
durante e posteriormente as suas respectivas transições à democracia. Sendo assim, tal hipótese foi rejeitada. No entanto, a hipótese institucional se
aplica aos casos brasileiro e sul-africano visto que se observa que os fóruns
intergovernamentais puderam criar uma arena para que os governos subnacionais exercitassem inluência em processos decisórios e articulassem seus
interesses. Como tal, é possível dizer que as instuições intergovernamentais
são determinantes para o desenvolvimento da autonomia local no Brasil e
na África do Sul, não obstante o número de atores locais e o tamanho das
municipalidades. Ou seja, a fragmentação e a amalgamação dos governos
locais não são necessariamente preponderantes para o exercício da autonomia local, e sim as instituições intergovernamentais.
A hipótese propondo que quanto mais elevado o número de fóruns
intergovernamentais, maior será a habilidade dos atores locais de influenciar as relações intergovernamentais, é sustentável somente sob
determinadas circunstâncias. Baseado na análise da evolução dos fóruns
intergovernamentais no Brasil e na África do Sul é possível identiicar duas
dessas circunstâncias.
A primeira delas está relacionada à existência de uma estrutura constitucional e legal que proteja o direito de existência dos governos locais
assim como a criação de fóruns intergovernamentais. A existência de uma
estrutura legal que imponha as regras do jogo federal para negociar é uma
precondição para a criação de relações intergovernamentais robustas
com limites a possíveis ingerências de poder entre as esferas de governo.
Contudo, tal circunstância por si só não é suiciente para que os atores
políticos locais exerçam inluência sobre as relações intergovernamentais.
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294 Hélder Ferreira do Vale
A segunda circunstância concerne ao compromisso dos atores políticos de
diferentes esferas governamentais para conformar-se com regras e normas
de competências compartilhadas. Os fóruns intergovernamentais podem
ser considerados instituições que protegem o pacto federal desde que
funcionem dentro de uma estrutura legal e encorajem atores políticos a
seguirem as regras do jogo institucional. Sob a existência de uma estrutura
legal, a conformidade com as regras institucionais ajudaria à manutenção
do pacto federativo constitucional mediante transgressões dos sistemas
federais, como Bednar (2009) tem observado.
Com base na análise apresentada neste artigo é possível inferir que os
fóruns intergovernamentais em um contexto de interação intergovernamental robusta possibilitam que atores políticos locais exercitem sua autonomia
inluindo no equilíbrio de poder das relações intergovernamentais.
Quadros e Tabelas
Quadro 1 – Sequência da federalização no Brasil
legislação
primeira
segunda
terceira
criação de novos
municípios
portaria Ministerial
1180 (1991)
Norma Operacional
Básica - NOB1
(1993)
lei Complementar 9.131
(1995)
criação de fóruns
emenda Constituintergovernamentais
cional 15 (1996)
(e.g., CAF) (2003)
efeitos
sob a união
maior capacidade
de coordenação
maior papel de
coordenação
maior papel de
coordenação
mais poder para
limitar a criação
de municípios
maior papel de
coordenação
efeitos
sob os
estados
maior discrecionalidade no processo
de criação de
municípios
maior papel de
coordenação
maior papel de
coordenação
menor habilidade
de criar novos
municípios
menor papel de
coordenação
efeitos
sob os
municípios
RBCPed8.indd 294
possibilidade
maior responsibide receber mais
lidade no desenho
transferências de
no planejamento de
recursos inanceiros
políticas sanitárias
da União
Nenhum
quarta
quinta
menor habilidade
maior capacidade de
de criar novos
articulação
municípios
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Reinventando governos locais durante a democratização 295
Quadro 2 – Sequência da federalização na África do Sul
legislação
efeitos
sob o
governo
central
primeira
segunda
terceira
Lei Transitória
do Governo
Local (1993)
Documento
Branco sobre
Governo Local
(Março 1998)
Lei de
Demarcação
Municipal
(Julio 1998)
quinta
sexta
Lei de Estrutura
Municipal
(Dezembro 1998)
Lei do
Sistema
Municipal
(2000)
Lei de
Estrutura
das Relações
Intergovernamentais
(2005)
maior papel
maior papel no
regulador dos
estabelecimento de
recursos
arranjos instituciohumanos,
nais políticos para crédito e endios municípios
vidamento dos
municípios
nenhum
nenhum
nenhum
maior papel
nas reformas do
governo local
maior papel de maior discrecionainspeção sob
lidade sob o tipo
o processo de de municípios a ser
demarcação
estabelecido
menor discrecionalidade na fortalecimento
Efeitos
criação e desendo poder
sob os
volvomento de
executive
Municípios
instituições de
municipal
governo local
maior inspeção
e coordenação
(municípios-distritos), e mais
responsabilidades
no fornecimento
de serviços
(municípios-local)
efeitos
sob as
províncias
nenhum
quarta
poder para
demarcar
o território
municipal
nenhum
maior
papel de
coordenação
maior
papel de
coordenação
maior
maior papel
estabilidade
na elaboração
institucional
do plano
para participar
integrado de
na cooperação
desenvolviintergovernamento
mental
Quadro 3 – Grau de autonomia local no Brasil e na África do Sul
discrecionalidade
não-discrecionalidade
ALTA AUTONOMIA
não-ingerência
ingerência
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Brasil democrático
África do Sul democrática
MÉDIA AUTONOMIA
MÉDIA AUTONOMIA
BAIXA AUTONOMIA
Brasil autocrático
África do Sul autocrática
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296 Hélder Ferreira do Vale
Tabela 1 – Medição da autonomia local no Brasil e na África do Sul
autono- discrecionainiciativa índice de
mia de -lidade sob
legislativa discrecioreceitas impostos
(c)
-nalidade
(a)
(b)
proteção
prerrocapacidade
constituciogativa de
índice
reguladora
-nal aos
revisão de não-indo emprego
governos
judicial gerência
público (e)
locais (d)
(f)
Brasil
autocrático
0
0
1
0.3
0
0
0
0
Brasil
democrático
2
2
2
2
2
2
2
2
África
do Sul
autocrática
0
0
0
0
0
0
0
0
África
do Sul
democrática
2
2
2
2
2
2
1
1.6
Valores das Variáveis: a. 0=baixo (>0%), 2=alto (0%≤); b. 0= baixo, 2= alto; c. 0=baixo, 2= alto; d. 0= baixo, 2= alto;
e. 0=baixo, 2= alto, f. 0= baixo, 2= alto
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Resumo
Este artigo estabelece uma ligação entre as mudanças institucionais dos governos locais
e a autonomia local sob dinâmicas políticas federativas. Para tal efeito, o artigo examina
como os governos locais no Brasil e na África do Sul ganharam autonomia administrativa e
iscal através da criação de novos municípios. Enfocando nos incentivos institucionais por
trás dessas transformações, o artigo identiica e analisa como o aumento de municípios
no Brasil e a redução de municípios Sul-Africanos afetaram o poder de seus respectivos
governos locais. Os resultados da análise sugerem que, usando distintos processos de
reinvenção de novos governos locais e a criação de instituições intergovernamentais de
cooperação, os atores políticos locais em ambos os países aumentaram o seu poder vis-à-vis outras esferas de governo.
Palavras chave: Governo local; federalismo; coordenação federativa; descentralização;
relações intergovernamentais; mudanças institucionais; reforma administrativa e iscal.
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Abstract
This article establishes a connection between institutional changes at local levels of government and local autonomy under federated political dynamics. To this end, the article
examines how local governments in Brazil and South Africa gained administrative and
iscal autonomy by creating new municipalities. Focusing on the institutional incentives
for those changes, the article identiies and analyses why the increase in the number
of municipalities in Brazil and its reduction in South African afected the power of their
respective local governments. The indings suggest that by using diferent processes to
reinvent new local governments and creating intergovernmental institutions for cooperation, local political actors in both countries increased their power vis-à-vis other levels
of government.
Key words: Local government; federalism; federated co-ordination; decentralization;
intergovernmental relations; institutional changes; administrative and iscal reforms.
Recebido em 10 de julho de 2011.
Aprovado em 3 de fevereiro de 2012.
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