Xintoísmo: diferenças entre revisões
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[[Ficheiro:Itsukushima Gate.jpg|thumb|upright=1.5|[[Santuário de Itsukushima]], um [[Patrimônio da Humanidade]] pela [[UNESCO]].]]▼
| nome = Xintoísmo
'''Xintoísmo''' (em [[Língua japonesa|japonês]]: 神道, [[Transliteração|transl.]] ''Shintō'') é o nome dado à [[espiritualidade]] tradicional do [[Japão]] e dos [[japoneses]], considerado também uma [[religião]] pelos estudiosos [[Mundo ocidental|ocidentais]]. A palavra ''Shinto'' ("Caminho dos deuses") foi adotada do [[Língua chinesa|chinês]] escrito (神道),<ref name="Sokyo1962">{{citar livro|título=Shinto: The Kami Way |publicado=Charles E Tuttle Co |local=Rutland, VT |primeiro =Ono |último =Sokyo |edição=1st |ano=1962 |páginas=2 |isbn=0-8048-1960-2 |oclc=40672426}}</ref> através da combinação de dois ''[[kanji]]'': {{Japonês|"''shin''"|神}}, que significa "deuses" ou "espíritos" (originalmente da palavra chinesa ''[[shen]]''); e {{Japonês|"''tō''"|道}}, ou "do", que significa "estudo" ou "caminho filosófico" (originalmente da palavra chinesa ''[[tao]]''). Os termos ''yamato-kotoba'' ([[:ja:大和言葉|大和言葉]]) e ''Kami no michi'' costumam ser usados de maneira semelhante, e apresentam significados similares.<ref name="Sokyo1962"/><ref name="JapaneseReligion1985">{{citar livro|título=Japanese Religion |publicado=Prentice Hall Inc |local=Englewood Cliffs, New Jersey |primeiro =Robert Ellwood |último =Richard Pilgrim |edição=1st |ano=1985 | paginas=18-19 |isbn=0-13-5092282-5}}</ref>▼
| símbolo = Torii.svg
| símbolo_tamanho = 100px
| símbolo_legenda = O [[torii]] (鳥居) geralmente é encontrado na entrada dos templos xintoístas. Simboliza a passagem do mundano para o sagrado.
| imagem = Itsukushima Gate.jpg
| imagem_tamanho = 280px
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| divindade = [[Kami]]
| fundador =
| origem = [[Período Yayoi]], [[Japão]]
| ramificações =
| tipo = [[Politeísta]], [[animista]]
| religiões_relacionadas = [[Religiões da Ásia Oriental|Taoica]]
| adeptos = {{c.}} 100 milhões<ref name=state>{{citar web|url=http://www.adherents.com/Religions_By_Adherents.html#Shinto |título=Major Religions Ranked by Size |publicado=Adherents.com |acessodata=24 de junho de 2010 |arquivodata=15 de junho de 2008 |arquivourl=https://web.archive.org/web/20080615140203/http://www.adherents.com/Religions_By_Adherents.html#Shinto }}</ref><ref>{{citar web|url=https://2001-2009.state.gov/g/drl/rls/irf/2006/71342.htm |título=Japan: International Religious Freedom Report 2006 |publicado=Bureau of Democracy, Human Rights, and Labor; U.S. Department of State |data=15 de setembro de 2006 |acessodata=24 de junho de 2010 |arquivodata=12 de maio de 2021 |arquivourl=https://web.archive.org/web/20210512183410/https://2001-2009.state.gov/g/drl/rls/irf/2006/71342.htm |urlmorta=não }}</ref>
| membros = [[Xintoísta]]s
| escrituras = [[Shoku Nihongi]], [[Kojiki]]
| lugares_sagrados =
| língua_litúrgica = [[Língua japonesa|Japonês]]
| templos = [[Templo xintoísta|Jinja]]
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}}
{{Xintoísmo}}
▲'''Xintoísmo''' (em [[Língua japonesa|japonês]]: 神道, [[Transliteração|transl.]] ''Shintō'') é
O xintoísmo incorpora práticas espirituais derivadas de diversas tradições [[História do Japão#Pré-história|pré-históricas japonesas]], locais e regionais, porém não surgiu como instituição religiosa formalmente centralizada até a chegada do [[budismo]], [[confucionismo]] e [[taoismo]] no país, a partir do século VI.<ref>"{{citar livro|título=A Popular Dictionary of Shinto |publicado=NTC Contemporary Publishing Company |local=Lincolnwood, Illinois |primeiro =Brian |último =Bocking |edição=1st |ano=1997 |páginas=vii |isbn=0-8442-0425-0}}</ref> O budismo gradualmente se adaptou, no Japão, à espiritualidade nativa, como por exemplo na inclusão do ''[[kami]]'', componente da crença xintoísta, entre os [[bodisatva]]s (''bosatsu''). As práticas xintoístas foram registradas e codificadas pela primeira vez nos registros escritos históricos do [[Kojiki]] e [[Nihon Shoki]], nos séculos VII e VIII. Ainda assim, estes primeiros escritos japoneses não se referem a uma "religião xintoísta" unificada, mas a práticas associadas com as [[colheita]]s e outros eventos dos [[clã]]s relacionados às [[Estação do ano|estações do ano]], aliadas a uma [[cosmogonia]] e [[Mitologia japonesa|mitologia]] unicamente japonesas, que combina tradições espirituais dos clãs ascendentes do Japão arcaico, principalmente das culturas [[Yamato (povo)|Yamato]] e [[Izumo (província)|Izumo]].<ref name="JapaneseReligion1985"
O xintoísmo caracteriza-se pelo culto à [[natureza]], aos [[antepassado]]s, e pelo seu [[politeísmo]], com uma forte ênfase na pureza espiritual, e que tem como uma de suas práticas honrar e celebrar a existência de {{Japonês|''[[Kami]]''|神}}, que pode ser definido como "espírito", "essência" ou "divindades", e é associado com múltiplos formatos compreendidos pelos
▲O xintoísmo incorpora práticas espirituais derivadas de diversas tradições [[História do Japão#Pré-história|pré-históricas japonesas]], locais e regionais, porém não surgiu como instituição religiosa formalmente centralizada até a chegada do [[budismo]], [[confucionismo]] e [[taoismo]] no país, a partir do século VI.<ref>"{{citar livro|título=A Popular Dictionary of Shinto |publicado=NTC Contemporary Publishing Company |local=Lincolnwood, Illinois |primeiro =Brian |último =Bocking |edição=1st |ano=1997 |páginas=vii |isbn=0-8442-0425-0}}</ref> O budismo gradualmente se adaptou, no Japão, à espiritualidade nativa, como por exemplo na inclusão do ''[[kami]]'', componente da crença xintoísta, entre os [[bodisatva]]s (''bosatsu''). As práticas xintoístas foram registradas e codificadas pela primeira vez nos registros escritos históricos do [[Kojiki]] e [[Nihon Shoki]], nos séculos VII e VIII. Ainda assim, estes primeiros escritos japoneses não se referem a uma "religião xintoísta" unificada, mas a práticas associadas com as [[colheita]]s e outros eventos dos [[clã]]s relacionados às [[Estação do ano|estações do ano]], aliadas a uma [[cosmogonia]] e [[Mitologia japonesa|mitologia]] unicamente japonesas, que combina tradições espirituais dos clãs ascendentes do Japão arcaico, principalmente das culturas [[Yamato (povo)|Yamato]] e [[Izumo (província)|Izumo]].<ref name="JapaneseReligion1985" />
▲O xintoísmo caracteriza-se pelo culto à [[natureza]], aos [[antepassado]]s, e pelo seu [[politeísmo]], com uma forte ênfase na pureza espiritual, e que tem como uma de suas práticas honrar e celebrar a existência de {{Japonês|''[[Kami]]''|神}}, que pode ser definido como "espírito", "essência" ou "divindades", e é associado com múltiplos formatos compreendidos pelos fieis; em alguns casos apresentam uma forma humana, em outros animística, e em outros é associado com forças mais abstratas, "naturais", do mundo ([[montanha]]s, [[rio]]s, [[relâmpago]], [[vento]], [[onda]]s, [[árvore]]s, [[rocha]]s). Considerado como consistindo de energias e elementos "sagrados", o ''kami'' e as pessoas não são separados, mas existem num mesmo mundo e partilham de sua complexidade inter-relacionada.<ref name="JapaneseReligion1985"/> O xintoísmo moderno apresenta uma autoridade [[Teologia|teológica]] central, porém não tem uma [[teocracia]] única. Consiste, atualmente, de uma associação inclusiva de [[santuário]]s locais, regionais e nacionais de variada significância, em importância e história, que exprimem suas diversas crenças através de práticas e idiomas semelhantes, que datam dos períodos [[Período Nara|Nara]] e [[Período Heian|Heian]].<ref name="JapaneseReligion1985"/>
O xintoísmo tem atualmente cerca de 119 milhões de seguidores no Japão,<ref>Centro de Estudos de Países da [[Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos]]</ref> embora qualquer pessoa que pratique algum tipo de ritual xintoísta seja contado como tal. Geralmente aceita-se que a ampla maioria do povo japonês participe de algum tipo de ritual xintoísta, ao mesmo tempo em que a maior parte também pratica o culto budista aos ancestrais. No entanto, ao contrário de muitas das práticas religiosas [[Monoteísmo|monoteístas]], o xintoísmo e o budismo tipicamente não exigem daqueles que os professam que sejam crentes ou praticantes, o que torna difícil contabilizar cifras exatas com base na autoidentificação com alguma crença, entre os habitantes do país. Devido à natureza [[Sincretismo|sincrética]] das duas religiões, a maior parte dos eventos relacionadas à "vida" ficam a cargo dos rituais xintoístas, enquanto os eventos relacionados à "morte" ou à "vida após a morte" ficam a cargo dos rituais budistas (embora isto não seja uma regra); assim, é costumeiro, por exemplo, no Japão, registrar uma criança ou celebrar seu nascimento num [[templo xintoísta]], enquanto os preparativos para um funeral costumam ser ditados pela tradição budista. Existem santuários xintoístas em diversos outros países, incluindo os [[Estados Unidos]], [[Brasil]], [[Canadá]], [[Nova Zelândia]], [[Austrália]] e [[Países Baixos]], entre outros, e está em vias de expansão para se tornar uma religião global, especialmente com o surgimento de ramos internacionais dos santuários ''shinto''.
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=== Xintoísmo e budismo ===
O [[budismo]] foi introduzido no século VI e trouxe graves consequências para o xintoísmo.
A partir do século VIII, a adoração de ''kami'' e o budismo estavam completamente interligados na sociedade japonesa.{{Sfn|Cali|Dougill|2013|p=8}} Enquanto o imperador e a corte realizavam ritos budistas, eles também realizavam outros para homenagear os ''kami''.{{Sfn|Hardacre|2017|p=72}} [[Tenmu]], por exemplo, nomeou uma princesa imperial virginal para servir como {{Lang|ja-Latn|[[saiō]]}}, uma forma de sacerdotisa, no Santuário de Ise em seu nome, uma tradição continuada pelos imperadores subsequentes.{{Sfn|Hardacre|2017|pp=82-83}} A partir do século VIII até a [[era Meiji]], os ''[[kami]]'' foram incorporados em uma cosmologia budista de várias maneiras.{{Sfn|Kuroda|1981|p=9}} Uma visão é que os ''kami'' perceberam que, como todas as outras formas de vida, eles também estavam presos no ciclo do [[Sansara|samsara]] (renascimento) e que, para escapar disso, deveriam seguir os ensinamentos budistas.{{Sfn|Kuroda|1981|p=9}} Abordagens alternativas viram os ''kami'' como entidades benevolentes que protegiam o budismo, ou que os ''kami'' eram eles próprios [[Buda]]s, ou seres que alcançaram a iluminação. Nisso, eles podiam ser ''[[hongaku]]'', os espíritos puros dos Budas, ou ''[[honji suijaku]]'', transformações dos Budas em sua tentativa de ajudar todos os seres sencientes.{{Sfn|Kuroda|1981|p=9}}
Nos séculos XVI e XVII, viveu-se um momento de renascimento da cultura japonesa, com o consequente afastamento de influências estrangeiras. Apesar de o [[budismo]] não perder substancialmente o seu terreno, ficou agora relegado para segundo plano, a favor de uma tendência [[Nacionalismo|nacionalista]] que se afirmava, e que atingiria o seu ponto culminante no período seguinte.
No âmbito da ideologia profundamente nacionalista da [[era Meiji]], a escolha
Criou-se então o chamado [[xintoísmo de Estado]], uma espécie de sacralização do Estado, ou melhor, [[laicização]] do xintoísmo. De facto, o xintoísmo foi despido do seu carácter religioso para se tornar um dever cívico de reverência ao Estado e ao imperador.
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* '''[[Kojiki]]''' (古事記) ("Anais das coisas antigas"): datado de 712, é o texto sagrado mais antigo, sendo composto por três volumes.
* '''[[Nihonshoki]]''' (日本書紀) ("Crônicas do Japão"): foi redigido em 720 em chinês em 30 volumes. Também conhecido como ''Nihongi''.
* '''Kogo-shui''' (古語拾遺): compilação das tradições do clã dos Imbe, uma família que junto com a família dos Nakatomi era responsável pelos ritos. A sua redação foi concluída em 807.
Estes livros apresentam as narrativas míticas da tradição xintoísta. Os mitos descritos referem-se a um caos primordial em que os elementos se mesclam em massa amorfa e indistinta, "como num ovo". Os deuses surgiram desse caos.
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=== Kami ===
{{artigo principal|[[Kami]]}}
[[Ficheiro:Origin_of_Iwato_Kagura_Dance_Amaterasu_by_Toyokuni_III_(Kunisada)_1856.png|miniaturadaimagem|390x390px|[[Amaterasu]], deusa do sol, emerge da [[Ama-no-Iwato|Caverna da Rocha Celestial]], tríptico de [[Utagawa Kunisada]] (1856)]]
O xintoísmo baseia-se no culto aos ''[[kami]]'' (神). Esta palavra é frequentemente traduzida por "deus" ou "divindade", o que não traduz completamente o conceito, dado que os ''kami'' pode ser também forças vitais ou espíritos da natureza. Ao contrário dos deuses das outras religiões, os ''kami'' não são onipotentes ou oniscientes, possuindo poderes limitados. Nem todos ''kami'' são bons. Alguns ''kami'' são locais ou conhecidos como espíritos de um local em particular ou a lugares ([[montanha]]s, ervas, [[árvore]]s, [[vale]]s, [[rio]]s, [[mar]]es, encruzilhadas). Outros representam elementos ou processos da natureza, como por exemplo, [[Amaterasu]], a deusa do [[Sol]], [[Tsukiyomi]], deus da [[lua]], [[Susanoo]], deus dos [[oceano]]s e das [[tempestade]]s.
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=== Cosmologia xintoísta ===
[[Ficheiro:Kobayashi_Izanami_and_Izanagi.jpg|miniaturadaimagem|[[Izanami]]-no-Mikoto e [[Izanagi]]-no-Mikoto, de Kobayashi Eitaku, final do século XIX]]
Em relação à estrutura do mundo, existem duas concepções diferentes, que se cruzam e se tomam muitas vezes em paralelo, sem se contradizerem, pois representam duas perspectivas diferentes e complementares.
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=== A natureza ===
Há que reconhecer que o homem vive graças à natureza, a tudo quanto ela lhe fornece, pelo que a sua atitude deve ser de profunda gratidão e reverência. Mesmo quando a natureza se desenfreia, o ser humano é forçado a reconhecer que muito maiores são os benefícios que dela recebe. O homem, apesar de todo o seu avanço [[Tecnologia|tecnológico]], não possui poder pleno, e deve reconhecer a sua humildade, num espírito de coexistência pacífica.<ref>Oda Makoto, “Sekai he Hiraku Undō wo”, in Beheiren ed. Shiryō Beheiren Undō, vol.1, Tokyo, Kawade Shobo Shinsha, 1974 (the original text was written in 1965), pp. 12-14, p.14.</ref><ref>Gavan McCormack and Satoko Oka Norimatsu, Resistant Islands: Okinawa Confronts Japan and the United States, Rowman and Littlefield, 2012.</ref>
Há numerosas divindades ligadas a elementos naturais, o que atesta que tudo é governado pelos ''kami''. Logo, a natureza reveste um carácter sagrado, regendo-se por uma vontade e sensibilidade próprias, por uma espiritualidade misteriosa, mais do que propriamente por leis naturais.
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Como já foi dito na introdução, o Xintô e a própria cultura japonesa pregam que sendo a natureza sagrada, sua destruição é indesejável, e não existe o sentimento de hostilidade inerente recíproca imperante no ocidente.
Outra prática bastante disseminada é a deificação de determinados elementos naturais em especial. Como por exemplo a árvore que representa
O comportamento xintoísta é tão avesso a interferência no cenário natural, para ele é sagrado e perfeito, que qualquer atividade que implique em utilização ostensiva dos recursos naturais deve ser recompensada no mínimo com a construção de um templo dedicado
=== As montanhas ===
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== Moral ==
Como vimos, o homem é considerado como naturalmente bom e puro, participante da natureza dos ''[[kami]]'', e que o [[pecado]] e a [[impureza]] se devem a influências malignas dos [[espíritos]] habitantes do mundo inferior. Por isso, o homem recebe diretamente dos ''kami'' uma componente natural, um ideal celeste a ser realizado nesta vida, modelo de vivência dado e aceite como meta, e que representa a ligação da vida humana à vida divina. Este é o maior conceito [[moral]] do xintoísmo, o chamado ''michi'', termo que significa “caminho”. Trata-se de um ideal de justiça e de carácter, de que ninguém se deve afastar, elemento básico da vida xintoísta e do próprio culto. O ''michi'', obediência ao curso da [[natureza]], reveste-se
Para o xintoísmo, a vida só alcança o seu sentido e a sua finalidade se for vivida na [[pureza]], que é o seu estado natural. A vida que não leva isto em conta é radicalmente antixintoísta e não agrada aos ''kami'' que, desgostosos, podem mandar vários tipos de desgraças para avisar o pecador, e até mesmo castigá-lo. Procura-se esse ideal de pureza, tanto corporal como mental e espiritual, que leva o homem à sua plenitude. Embora o homem não possa controlar tudo o que acontece e pode danificar a sua pureza, tem a responsabilidade de procurar viver uma vida autenticamente xintoísta, reta, clara e honesta, segundo a vontade dos ''kami''.
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Vítima de forças que lhe escapam, o homem corrompido é alguém que deixou de pertencer, durante algum tempo, ao mundo da [[bondade]] e da [[felicidade]], possuindo, porém, o direito de voltar a ele. Por isso, o [[pecado]] e a falta moral, embora reconhecidos, revestem um carácter diferente do que têm para os ocidentais.
Aquilo que pode danificar a pureza pode ser de carácter voluntário ou involuntário. As faltas voluntárias são verdadeiros pecados, da responsabilidade daquele que os pratica, e denominam-se ''tsumi''. As faltas involuntárias não fazem, obviamente, a pessoa incorrer em igual responsabilidade, embora ela possa ter contribuído para a situação, devido à sua má conduta ou imprudência. Incluem-se neste grupo as calamidades ou desgraças (''wazawai'') e as manchas, impurezas (''[[Kegare|kegari]]''), adquiridas por contactos com elementos como a [[cadáver]], o [[sangue]], as relações carnais, etc. Estes males, como vimos, têm origem no mundo inferior, que envia as calamidades e impurezas e incita aos crimes. Para afastar a sua nefasta influência, realizam-se vários tipos de [[exorcismo]]s.
Isto, que parece uma confusão entre mal moral e acontecimentos fortuitos, tem a sua justificação no preceito fundamental da pureza que, para muitos pensadores xintoístas, se sobrepõe aos [[rito]]s e ao [[culto]].
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=== Organização sacerdotal ===
Os santuários têm ao seu serviço um número variável de sacerdotes, que neles oficiam de vários modos. São designados pelo termo ''kannushi'' (神主), que significa “mestre do ''kami''”, ou então pelo termo chinês ''shinshoku'' (神職), “pessoa cuja profissão é servir a divindade”.
A sua principal função é a de servir e adorar os ''kami'' e servir como um elo entre eles e os crentes através da execução dos ritos nos santuários, visando assegurar a proteção do povo japonês e do imperador.
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Os templos xintoístas podem assumir as mais diversas formas e tamanhos, mas apresentam certos aspetos em comum. Todos eles são constituídos por um edifício, ou um conjunto deles, inseridos num espaço envolvente, rodeados pela natureza. Têm particular importância as árvores, principalmente a árvore sagrada, sakaki (榊), utilizada em muitos dos rituais.
O espaço em volta do edifício principal é por vezes muito extenso, e apresenta-se dividido em várias partes. Ao longo do caminho, que nunca é em linha reta, encontra-se uma série de diferentes elementos separadores, que marcam também etapas
* os ''[[torii]]'' (鳥居), muito característicos dos templos japoneses, que são uma espécie de portais sem porta, constituídos por dois postes verticais e duas traves horizontais. Aparece um de imediato no início do caminho e depois geralmente mais dois, ou mesmo uma grande fila deles. A série de ''[[torii]]'' repete-se para cada via de acesso ao santuário;
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* barreiras e paliçadas, com portas, que simbolizam a entrada no local sagrado, reservado ao homem puro.
Encontram-se também jardins, lagos, lanternas. Ainda antes de se chegar ao edifício principal, depara-se um tanque de água limpa, geralmente abrigado por um alpendre, no qual os fiéis se lavam, purificando-se de todas as impurezas e pecados, servindo-se, para isso,
É costume também, em ocasiões solenes, libertar aves, peixes e outros animais.
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A purificação é uma prática fundamental em toda a prática xintoísta. É por ela que o homem se liberta, regressando ao seu estado inicial de pureza, a que tem direito. Para a purificação, que antecede qualquer acto religioso, particular ou comunitário, utilizam-se diversos ritos, que assumem formas diferentes.
Os ''kami'' não suportam a impureza, pelo que se exerce sempre um conjunto de práticas purificativas antes do culto propriamente dito, que tornam puros os participantes, os objectos e as oferendas. Os ritos de purificação assumem três formas distintas:
* o ''misogi'' (禊), que consiste na purificação por meio da água. A água é tida como poderoso elemento purificador, crença já muito antiga, pois é referida na mitologia: o deus Izanagi, depois de fugir dos infernos, banhou-se na água dum rio, para se purificar das imundícies contraídas naquele lugar. Ao banhar-se ou lavar-se na água, o fiel xintoísta obtém a purificação das impurezas, tanto das voluntárias como das involuntárias. Pela água, purifica-se o corpo e a alma. O misogi é depois estendido a níveis sucessivamente superiores: o coração, o meio envolvente, a alma;
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Na sua vida diária, todo o fiel xintoísta tem a obrigação de prestar homenagem aos ''kami'', o que pode ser feito nos mais variados lugares e ocasiões, desde a casa até ao templo passando pelo campo ou pela rua.
Revestem uma importância particular as visitas aos santuários, que podem ser realizadas com diferentes objectivos: prestar contas, louvar, agradecer ou rogar. Todos os fiéis têm como dever ir visitar periodicamente o ''kami'' e relatar-lhe o que lhe tem acontecido na vida diária, não no intuito de pedir perdão, mas para simples informação. É comum também agradecer graças recebidas ou louvar simplesmente o ''kami''. O pedido de graças faz-se geralmente em favor de outra pessoa ou da sociedade, pois considera-se de mau tom pedir para si próprio. As orações também não devem ser muito longas, complexas, para não aborrecer o ''kami''. Muitas vezes, são os sacerdotes os encarregados de transmitir as preces às divindades, devendo saber interpretar, por sinais diversos, se a oração foi ou não bem recebida. A adivinhação é um rito que também acompanha frequentemente o rito individual: faz-se através de varetas numeradas, dentro
Põem-se em prática também uma série de rituais específicos, entre os quais o mais característico é o bater das palmas. Depois de reverências solenes, diante do templo do ''kami'', o devoto bate várias vezes as palmas, finalizando de novo com reverências. Este gesto parece destinar-se a atrair a atenção da divindade, mas o seu sentido não se esgota simplesmente aí.
Linha 251 ⟶ 272:
=== Shichigosan ===
No dia 15 de novembro as famílias deslocam-se aos santuários com os filhos para agradecer aos ''kami'' o fato destes gozarem de saúde e para orar pelo seu crescimento. As crianças que acompanham os pais são os meninos de três e cinco anos e as meninas de três e sete anos. O nome do festival deriva precisamente da idade das crianças: [[shichi]] (sete), [[go]] (cinco) e [[san]] (três).
=== Celebração da maturidade ===
Linha 262 ⟶ 283:
* o casamento, que é celebrado numa cerimónia muito solene, na presença de um sacerdote, que inclui oferendas, orações e promessas aos ''kami'', seguindo-se um banquete;
* a expulsão das maldições. Certas idades são consideradas nefastas, sujeitas a desgraças: 35, 42 e 61 anos para os homens e 19, 33 e 37 anos para as mulheres. Nessas alturas, um sacerdote realiza um exorcismo próprio e recomenda bastante prudência, pois as dificuldades ameaçam acumular-se;
* as festas de longevidade: certos aniversários são comemorados com uma festa familiar e uma visita ao santuário. É o que se faz no 60.º, 70.º, 77.º, 80.º, 88.º, 90.º e 99.º aniversários.
== Influências ==
A tradição religiosa do xintoísmo é anterior ao budismo, que posteriormente foi introduzido no Japão no século VI. O contato entre as duas religiões modificou ambas. Os budistas adotaram divindades xintoístas, e estes, que consideravam seus deuses espíritos invisíveis e sem formas precisas, aprenderam com o budismo a erigir imagens e templos votivos. Proclamou-se inclusive que as duas religiões eram manifestações diferentes da mesma verdade, o que originou uma tendência sincretista. Ambas as religiões representam a religiosidade japonesa e os japoneses chegam a praticar os ritos de ambas as tradições de acordo com a natureza da ocasião (por exemplo, preferem rituais xintoístas para rituais de nascimento e casamento e rituais budistas em eventos fúnebres).
Algumas das [[novas religiões japonesas]]
Ao contrário de religiões ocidentais, como o [[cristianismo]], o xintoísmo não pretende expandir-se através da conversão. Por isso sua expansão fora das ilhas japonesas limita-se, geralmente, a descendentes de japoneses.
== Ver também ==
{{portal|
* [[Santuário de Itsukushima]]
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{{referências}}
== Bibliografia ==
{{Refbegin|30em|indent=yes}}
* {{citar periódico|título=Local Shrines and the Creation of 'State Shinto' |periódico=Religion |número=1 |último =Azegami |primeiro =Naoki |ano=2012 |páginas=63–85 |doi=10.1080/0048721X.2012.641806 |volume=42 |translator=Mark Teeuwen |s2cid=219597745}}
* {{citar livro|título=A Popular Dictionary of Shinto|último =Bocking|primeiro =Brian|publicado=Curzon|isbn=978-0-7007-1051-5|edição=revised|local=Richmond|ano=1997}}
* {{citar periódico|título=Japanese Shinto: An Interpretation of a Priestly Perspective |periódico=Philosophy East and West |número=1 |último2 =Williams |primeiro2 =Ron G. |ano=2005 |páginas=33–63 |doi=10.1353/pew.2004.0039 |volume=55 |último1 =Boyd |primeiro1 =James W. |s2cid=144550475}}
* {{citar periódico|url=https://digitalcommons.unomaha.edu/jrf/vol8/iss3/4 |título=Shinto Perspectives in Miyazaki's Anime Film ''Spirited Away'' |periódico=Journal of Religion and Film |número=33 |último2 =Nishimura |primeiro2 =Tetsuya |ano=2016 |páginas=1–14 |arquivourl=https://web.archive.org/web/20200101165317/https://digitalcommons.unomaha.edu/jrf/vol8/iss3/4/ |arquivodata=1 de janeiro de 2020 |volume=8 |último1 =Boyd |primeiro1 =James W. |urlmorta= não}}
* {{citar periódico|título='Conventional Wisdom' and the Politics of Shinto in Postwar Japan |periódico=Politics and Religion Journal |número=1 |último =Breen |primeiro =John |ano=2010 |páginas=68–82 |doi=10.54561/prj0401068b |volume=4 |doi-access=free}}
* {{citar livro|título=A New History of Shinto|último1 =Breen|primeiro1 =John|último2 =Teeuwen|primeiro2 =Mark|publicado=Wiley-Blackwell|isbn=978-1-4051-5515-1|local=Chichester|ano=2010}}
* {{citar livro|título=Shinto Shrines: A Guide to the Sacred Sites of Japan's Ancient Religion|último1 =Cali|primeiro1 =Joseph|último2 =Dougill|primeiro2 =John|publicado=University of Hawai'i Press|isbn=978-0-8248-3713-6|local=Honolulu|ano=2013}}
* {{citar periódico|título=Comparative Analysis of Life after Death in Folk Shinto and Christianity |periódico=Japanese Journal of Religious Studies |número=2 |último =Doerner |primeiro =David L. |ano=1977 |páginas=151–182 |doi=10.18874/jjrs.4.2-3.1977.151-182 |volume=4 |doi-access=free}}
* {{citar livro|título=Japanese Religion: Unity and Diversity|último =Earhart|primeiro =H. Byron|publicado=Wadsworth|isbn=978-0-534-17694-5|ano=2004|edição=fourth|local=Belmont, CA}}
* {{citar livro|título=Shinto: A History|último =Hardacre|primeiro =Helen|publicado=Oxford University Press|isbn=978-0-19-062171-1|local=Oxford|ano=2017}}
* {{citar periódico|título=Shinto Funerals in the Edo Period |periódico=Japanese Journal of Religious Studies |número=3/4 |último =Kenney |primeiro =Elizabeth |ano=2000 |páginas=239–271 |jstor=30233666 |volume=27}}
* {{citar livro|url=https://archive.org/details/onunderstandingj0000kita|título=On Understanding Japanese Religion|último =Kitagawa|primeiro =Joseph M.|publicado=Princeton University Press|isbn=978-0-691-10229-0|autorlink =Joseph Kitagawa|ano=1987|local=Princeton, New Jersey|url-access=registration}}
* {{citar periódico|título=On the Meaning of Masked Dances in Kagura |periódico=Asian Folklore Studies |número=1 |último =Kobayashi |primeiro =Kazushige |ano=1981 |páginas=1–22 |doi=10.2307/1178138 |jstor=1178138 |volume=40 |translator=Peter Knecht}}
* {{citar periódico|título=Shinto in the History of Japanese Religion |periódico=Journal of Japanese Studies |último =Kuroda |primeiro =Toshio |ano=1981 |páginas=1–21 |doi=10.2307/132163 |jstor=132163 |volume=7 |translator=James C. Dobbins and Suzanne Gay |número=1}}
* {{citar livro|título=Shinto: A Short History|último =Inoue|primeiro =Nobutaka|publicado=Routledge|editor=Nobutaka Inoue|capítulo=Introduction: What is Shinto?|isbn=978-0-415-31913-3|ano=2003|translator=Mark Teeuwan and John Breen|local=London and New York|páginas=1–10}}
* {{citar livro|título=Shinto: Origins, Rituals, Festivals, Spirits, Sacred Places|último =Littleton|primeiro =C. Scott|publicado=Oxford University Press|isbn=978-0-19-521886-2|oclc=49664424|local=Oxford, NY|autorlink =C. Scott Littleton|ano=2002}}
* {{citar livro|url=https://archive.org/details/yearinlifeofs00nels|título=A Year in the Life of a Shinto Shrine|último =Nelson|primeiro =John K.|publicado=University of Washington Press|isbn=978-0-295-97500-9|url-access=registration|local=Seattle and London|ano=1996}}
* {{citar livro|título=Enduring Identities: The Guise of Shinto in Contemporary Japan|último =Nelson|primeiro =John K.|publicado=University of Hawai'i Press|isbn=978-0-8248-2259-0|ano=2000|local=Honolulu}}
* {{citar livro|título=The World's Religions|último =Offner|primeiro =Clark B.|publicado=Inter-Varsity Press|editor=Norman Anderson|capítulo=Shinto|edição=fourth|ano=1979|páginas=191–218|local=Leicester}}
* {{citar livro|título=Essentials of Shinto: An Analytical Guide to Principal Teachings|último =Picken|primeiro =Stuart D. B.|publicado=Greenwood|isbn=978-0-313-26431-3|autorlink =Stuart D. B. Picken|ano=1994|local=Westport and London}}
* {{citar livro|título=Historical Dictionary of Shinto|último =Picken|primeiro =Stuart D. B.|publicado=Scarecrow Press|isbn=978-0-8108-7172-4|autorlink =Stuart D. B. Picken|edição=second|local=Lanham|ano=2011}}
* {{citar periódico|título=Sacred Forests, Sacred Nation: The Shinto Environmentalist Paradigm and the Rediscovery of Chinju no Mori |periódico=Japanese Journal of Religious Studies |número=2 |último =Rots |primeiro =Aike P. |ano=2015 |páginas=205–233 |doi=10.18874/jjrs.42.2.2015.205-233 |volume=42 |doi-access=free}}
* {{citar livro|url=https://archive.org/details/worldsreligions00smar_0|título=The World's Religions|último =Smart|primeiro =Ninian|publicado=Cambridge University Press|isbn=978-0-521-63748-0|url-access=registration|edição=second|ano=1998|local=Cambridge}}
* {{citar periódico|título=A Concept of "Overseas Shinto Shrines": A Pantheistic Attempt by Ogasawara Shōzō and Its Limitations |periódico=Japanese Journal of Religious Studies |número=1 |último =Suga |primeiro =Kōji |ano=2010 |páginas=47–74 |volume=37}}
* {{citar periódico|título=From Jindō to Shintō. A Concept Takes Shape |periódico=Japanese Journal of Religious Studies |número=3–4 |último =Teeuwen |primeiro =Mark |ano=2002 |páginas=233–263 |volume=29}}
* {{citar periódico|título=Contemporary Social Change and Shinto Tradition |periódico=Japanese Journal of Religious Studies |número=1–2 |último =Ueda |primeiro =Kenji |ano=1979 |páginas=303–327 |doi=10.18874/jjrs.6.1-2.1979.303-327 |volume=6 |doi-access=free}}
* {{citar livro|url=https://archive.org/details/shinto0000will|título=Shinto (Religions of the World)|último1 =Williams|primeiro1 =George|último2 =Bhar|primeiro2 =Ann Marie B.|último3 =Marty|primeiro3 =Martin E.|data=2004|publicado=Chelsea House|isbn=978-0-7910-8097-9|author-link3=Martin E. Marty|url-access=registration}}
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== Ligações externas ==
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