Vitamina K
Esta página ou se(c)ção precisa ser formatada para o padrão wiki. (Julho de 2022) |
Vitamina K é um grupo de vitaminas lipossolúveis, encontradas em diversos alimentos, cuja principal propriedade é atuar na coagulação sanguínea, sendo também conhecidas como vitamina anti-hemorrágica. É um grupo de compostos derivados do isopreno. Foi descoberta em 1935 pelo bioquímico dinamarquês Henrik Dam, que a nomeou como "K" por causa da palavra dinamarquesa para coagulação (koagulation). Sua descoberta rendeu a Dam o Prêmio Nobel de Medicina de 1943[1][2][3].
Em 1929 Dam verificou o desenvolvimento de hemorragia subcutânea e anemia em galinhas submetidas à alimentação livre de lipídios. Posteriormente, constatou-se que a condição destes animais poderia ser revertida pela oferta de extratos de fígado e vários tecidos de plantas, nos quais identificou-se uma substância anti-hemorrágica solúvel presente em lipídeos[4]. Em 1939 as formas de ocorrência natural da vitamina foram isoladas da alfafa e da farinha de peixe. As formas naturais de vitamina K são a filoquinona ou vitamina K1 (2-metil-3-fitil-1,4-naftoquinona), encontrada em hortaliças (principalmente vegetais verde-escuros, como agrião, couve, espinafre e brócolis) e óleos vegetais, e as menaquinonas ou vitamina K2, encontrada no fígado de animais ou em alimentos fermentados, como queijos e o nattó[5].
Função
editarO papel mais conhecido da vitamina K está relacionado com a sua ação no processo de coagulação sanguínea. Ela é fundamental para síntese hepática de proteínas envolvidas neste processo, como os fatores II (pró-trombina), VII, IX e X (fatores de coagulação) e as proteínas C, S e Z (inibidoras da coagulação). A hidroquinona, forma reduzida e ativa da vitamina, atua como cofator para uma enzima carboxilase, responsável pela reação de carboxilação de resíduos de ácido glutâmico (Glu) presentes em proteínas dependentes de vitamina K. A carboxilação do Glu, por sua vez, leva à formação do ácido γ-carboxiglutâmico (Gla), tornando as proteínas biologicamente ativas. Uma parte importante do metabolismo de vitamina K está relacionada a sua via de recuperação, denominada de ciclo da vitamina K. Quando um resíduo de glutamato é carboxilado, a vitamina K sofre oxidação, gerando 2,3-epoxi vitamina K. Esse metabólito é convertido novamente à sua forma ativa, pela ação da enzima microssomal, epoxi redutase de vitamina K e uma ou mais quinona redutases de vitamina K. Alguns anticoagulantes, como a warfarina e o dicumarol atuam bloqueando a redução do epóxido de vitamina K, impedindo o processo de reutilização da vitamina. Outra função da vitamina k está relacionada com a regulação do íon cálcio na matriz óssea como parte da osteocalcina (proteína do osso), uma vez que aminoácido Gla também se apresenta ligado ao mineral. Portanto, a vitamina é importante no desenvolvimento precoce do esqueleto e na manutenção do osso maduro sadio. Além dessas funções, a vitamina k também é importante para o crescimento celular, pois está envolvida na síntese de proteínas presentes no plasma, rins e outros tecidos [6].
Absorção, Transporte e Metabolismo
editarA vitamina K fornecida pela alimentação é absorvida predominantemente na borda em escova do íleo e integrada aos quilomicrons circulantes para exocitose no sistema linfático. Por sua característica lipossolúvel, a eficiência deste processo depende da presença de bile e suco pancreático (excluindo a menadiona), cabe ressaltar que distúrbios gastrointestinais também podem influenciar a absorção desta vitamina [4-6]. Este processo de absorção segue um padrão bem estabelecido. As filoquinona e menaquinona (especialmente a MK7) são incorporadas em micelas mistas contendo sais biliares e outros lipídios dietéticos. Posteriormente, estas micelas mistas são absorvidas por enterócitos, principalmente no íleo, e incorporadas em novos quilomicrons, que possuem apoA e apoB-48 em suas superfícies. Os quilomicrons são secretados de dentro das microvilosidades para os capilares linfáticos, que alcançam a corrente sanguínea via ducto torácico. No sangue, os quilomícrons adquirem apoC e apoE a partir de HDL e, ao chegar nos tecidos periféricos, perdem uma quantidade significativa de triglicerídeos através da ação de LDL, além de apoA e apo C. Assim, os quilomicrons remanescentes que reentram na circulação são menores e possuem um núcleo lipídico central com superfície de apoB-48 e apoE [7]. As principais lipoproteínas transportadoras de vitamina K possuem em sua composição maior teor de triglicerídeos, quando comparadas com o percentual presente nas lipoproteínas HDL (7,1%) e LDL (6,6%). Este transporte engloba aproximadamente 83% da filoquinona plasmática. O fígado é o principal órgão de estoque de vitamina K e é o local onde são sintetizados os fatores de coagulação dependentes dessa vitamina. As filoquinonas são armazenadas em menor quantidade (10 %), enquanto que as menaquinonas, principalmente as de cadeia longa (MK-10 a MK-12), correspondem cerca de 90 % da vitamina armazenada. A existência da ampla distribuição de proteínas Gla extrahepáticas, no organismo, gerou investigações sobre a distribuição de vitamina k. Através de estudos em tecidos humanos foi possível verificar que os tecidos pancreáticos e cardíacos possuiam quantidades de filoquinona iguais e até superiores das encontras no fígado. Também foram detectados valores mais baixos de filoquinona no cérebro, rim e pulmão. Foi constatada a presença de MK-4 em maior quantidade que as filoquinonas, no cérebro, rins e pâncreas e quantidades inferiores, no coração e pulmão. Também foi detectada a presença de filoquinonas e menaquinonas no ossos [8]. A reserva corporal total de vitamina K é muito pequena. No caso de suplementação, a fração da vitamina excretada não é dependente da dose administrada. Em quantidades farmacológicas, a menadiona é rapidamente metabolizada, sendo 20 % excretada na urina, dentro de três dias, e 40 a 50 % nas fezes, via sais biliares. Em quantidades fisiológicas, a concentração plasmática pós-prandial de filoquinona atinge pico em 6 horas, retornando à linha de base em 24 horas, enquanto que as menaquinonas de cadeia longa permanecem na circulação por até 72 horas [4].
Biodisponibilidade
editarA biodisponibilidade pode ser definida de acordo com a taxa e extensão na qual um nutriente é absorvido e se torna disponível para uso no seu sítio de atividade. A forma pela qual a vitamina K é consumida possui relação direta com sua biodisponibilidade. A absorção da filoquinona presente nos vegetais é um processo lento, sendo influenciado por fatores digestivos. Contudo, a presença de gorduras na dieta possibilita um aumento na absorção (podendo conter de 30 a 60 µg de dihidrofiloquinonas em 100g de alimento), possivelmente pelo estímulo da secreção biliar e da formação de micelas [6]. Neste sentido, foi verificado que a biodisponibilidade de 1 mg de filoquinona, no espinafre, em seres humanos foi menor (4 %) quando comparada à absorção do alimento adicionado com manteiga (13 %). Quando ingerida na forma de suplemento (tablete com 500 µg/filoquinona), a absorção de filoquinona é seis vezes maior do que quando presente em algum alimento (ex: espinafre), atingindo pico de concentração sérica em 2 ou 3 horas [4]. Existe uma vasta discussão quanto ao aproveitamento da menaquinona pelo organismo humano. A importância da menaquinona obtida pela microflora intestinal foi evidenciada, a partir de observações clínicas de pacientes que ingeriam quantidade nulas de vitamina K e que só desenvolviam sangramentos severos com a administração de altas doses de antibióticos. No entanto, ainda não foi confirmada a ocorrência absorção direta da vitamina no cólon [12].
Fontes Alimentares
editarA filoquinona é a forma predominante de vitamina K em alimentos. Óleos, gorduras, frutas e hortaliças são as principais fontes desta vitamina. Através da utilização de Cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE), muitos estudos identificaram quantidades relevantes de filoquinona em vegetais verdes folhosos e óleos vegetais (tabela 1)[4,9-10].
Faixas de concentração (μg de filoquinona por 100 g de alimentos) [4]:
0,1-1,0 | 1-10 | 10-100 | 100-1000 |
Abacate (1,0) | Farelo de trigo (10) | Mostarda (88) | Salsa (548) |
Batatas (0,9) | Aveia (10) | Óleo de oliva (80) | Espinafre (380) |
Carne/bife (0,80) | Uvas verdes (9) | Ervilhas (34) | Repolho (339) |
Farinha branca (0,8) | Trigo (8) | Couve-flor (31) | Agrião (315) |
Iogurte (0,8) | Ameixa (8) | Pepino (21) | Brócolis (179) |
Leite de vaca (0,6) | Manteiga (7) | Repolho roxo (19) | Óleo de soja (173) |
Existem inúmeros estudos sobre a concentração de filoquinona em alimentos na literatura, enquanto que trabalhos sobre a identificação de menaquinonas em fontes dietéticas são escassos. Os achados científicos demonstram presença de menaquinonas de cadeia longa (MKs 7,-11,-12 e -13) em maior concentração no fígado de alguns animais, especialmente em ruminantes. Também são encontradas baixas quantidades de menaquinonas em outros órgãos como rins, coração e músculo [4,9].
Deficiência
editarAlgumas desordens gastrointestinais, como a obstrução do duto biliar, doença inflamatória intestinal, pancreatite crônica que estão relacionadas a uma absorção de gordura deficiente, promovem também baixa absorção da vitamina K. Doenças no fígado também podem interferir no metabolismo da vitamina K. Além disso, a baixa ingestão de alimentos em conjunto com tratamentos a base de antibióticos que promovem a destruição da microbiota, reduzem a obtenção dessa vitamina e podem levar à carência da mesma [5,6;10]. Em adultos, a hipovitaminose de vitamina K não é comum, pois está amplamente distribuída nos alimentos de origem vegetal. Adicionalmente, ocorre a síntese da vitamina K pela microflora intestinal normal dos animais que sintetizam menaquinona [5].
A deficiência clínica da vitamina tem sido classicamente descrita como hipoprotrombinemia e está associada ao aumento no tempo de protrombina. Em casos graves, pode haver quadros hemorrágicos ameaçadores à vida como um resultado de uma atividade inadequada dos fatores dependentes de vitamina K. A falta da vitamina, promove a secreção de protrombina sub-carboxilada no plasma, chamada Proteína Induzida pela Ausência de Vitamina K [5,10]. O quadro de deficiência é corrigido pela reposição de vitamina k. Em recém-nascidos, a deficiência pode ocorrer devido ao transporte placentário de vitamina K pouco eficiente em conjunto com baixa oferta da vitamina, no caso de má alimentação materna. Em casos graves, pode ocorrer a doença hemorrágica do recém-nascido, que se manifesta por sangramentos anormais, justificando a conduta de administrar dose profilática de vitamina K após o nascimento [5].
Para a profilaxia da doença hemorrágica do recém-nascido é preconizado a dose de 1 mg de vitamina K intramuscular ao nascimento. Como alternativa, pode ser feita a administração da vitamina por via oral, na dose de 2 mg ao nascimento, seguido de doses subsequentes [11]. Uma outra forma importante da deficiência de vitamina K está relacionada a superdosagens de vitamina A e vitamina E como fatores antinutricionais específicos. Com relação a vitamina A a hipoprotrombinemia pode ser revertida, através do aumento da administração de vitamina K. No caso da vitamina E existem referências a potencialização da atividade de anticoagulantes, como a varfarina [6].
Diabetes
editarPesquisa espanhola de 2012, realizada por cientistas da Universitat Rovira i Virgili [13], concluiu que o consumo de alimentos ricos em vitamina K1, como brócolis, espinafre e couve-flor, pode reduzir pela metade a incidência do diabetes tipo 2. Em termos quantitativos, a pesquisa demonstrou que, para cada 100μg de vitamina K1 ingeridos por dia, diminuíam-se em 17% as chances de desenvolver o diabetes.
Ver também
editarLigações externas
editarReferências
editar- ↑ «The Role of Vitamin K Status in Cardiovascular Health: Evidence from Observational and Clinical Studies»
- ↑ «Concepts and Controversies in Evaluating Vitamin K Status in Population-Based Studies»
- ↑ «The Nobel Prize in Physiology or Medicine 1943». NobelPrize.org (em inglês). Consultado em 27 de novembro de 2023
- ↑ «The Nobel Prize in Physiology or Medicine 1943». NobelPrize.org (em inglês). Consultado em 27 de novembro de 2023
- ↑ «Devemos orientar a redução do consumo de alimentos ricos em vitamina K para pacientes anticoagulados em uso de varfarina? – BVS Atenção Primária em Saúde». Consultado em 27 de novembro de 2023
- Dowd P, Ham SW, Naganathan S, Hershline R. The mechanism of action of vitamin K. Annu Rev Nutr. 1995;15:419-40.
- Vermeer C, Jie S, Knapen MH. Role of vitamin K in bone metabolism. Annu Rev Nutr. 1995;15:1-22.
- Suttie JW. The importance of menaquinones in human nutrition. Annu Rev Nutr. 1995;15:399-417.
- Dôres SMC, Paiva SAR, Campana AO. Vitamina K: Metabolismo e Nutrição. Ver. Nutr., Campinas, 14(3): 207-218, set/dez, 2001.
- Rezende JRR, Alves AP, Oliveira FC, Motta MS, Martins CH, Neto CPW, Diagnóstico da deficiência de Vitamina K. Revista Científica do ITPAC, Araguaína, v.5, n.1, Pub.4, Janeiro 2012
- Klack K, Carvalho JF. Vitamina K: Metabolismo, Fontes e Interação com o Anticoagulante Varfarina. Rev Bras Reumatol, v. 46, n.6, p. 398-406, nov/dez, 2006.
- Shearer MJ, Fu X, Booth SL. Vitamin K nutrition, metabolism, and requirements: current concepts and future research. Adv Nutr. 2012 Mar 1;3(2):182-95.
- Shearer MJ, Newman P. Metabolism and cell biology of vitamin K. Thromb Haemost. 2008 Oct; 100(4):530-47.
- Shearer MJ, Bach A, Kohlmeier M. Chemistry, nutritional sources, tissue distribution and metabolism of vitamin K with special reference to bone health. J Nutr. 1996 Apr; 126(4 Suppl):1181S-6S.
- Booth SL, Suttie JW. Dietary intake and adequacy of vitamin K. J Nutr. 1998 May; 128(5):785-8.
- Figueiredo RCP, Norton RC, Lamounier JA, Leão E. Doença hemorrágica do recém-nascido na forma tardia: descrição de casos. J Pediatr. 1998; 74(1):67-70.
- Mourão DM, Sales NS, Coelho SB, Pinheiro-Santana HM. Biodisponibilidade de vitaminas lipossolúveis. Rev. Nutr. 2005; 18(4):529-539.
- Ibarrola-Jurado N, Salas-Salvadó J, Martínez-González MA, Bulló M. Dietary phylloquinone intake and risk of type 2 diabetes in elderly subjects at high risk of cardiovascular disease. Am J Clin Nutr. 2012 Nov;96(5):1113-8. doi: 10.3945/ajcn.111.033498.