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Estudos Práticos sobre o Direito do Trabalho e Previdenciário: 2ª Edição
Estudos Práticos sobre o Direito do Trabalho e Previdenciário: 2ª Edição
Estudos Práticos sobre o Direito do Trabalho e Previdenciário: 2ª Edição
E-book504 páginas6 horas

Estudos Práticos sobre o Direito do Trabalho e Previdenciário: 2ª Edição

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Sobre este e-book

A publicação é fruto do esforço coletivo de professores e alunos que compõem o corpo docente e discente da instituição, pelo programa de pós-graduação lato sensu desenvolvido. É possível dizer que o momento (histórico), diante da complexidade dos acontecimentos jurídico-sociais, tem levado e clamado todos que "operam" no campo dos direitos sociais-humanos a empreenderem verdadeira "cruzada" pelos temas sensíveis às relações de produção e vida digna em sociedade. Seja pelo cenário devastador das condições de saúde e segurança do trabalho (tanto no âmbito dos aspectos físicos e mentais); pelos trabalhadores precários terceirizados e/ou uberizados, inclusive os primeiros extensivos à Administração Pública; pelos desafios ainda existentes nas pautas de identidade de gênero, classe, raça, orientação; pelas barreiras do autoempreendedorismo e seus rituais de prazer e sofrimento; pelos obstáculos de efetivação previdenciária em suas variadas formas; ou, ainda, diante dos intermináveis desafios na busca pela efetividade das decisões na justiça do trabalho.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de jul. de 2024
ISBN9786527038832
Estudos Práticos sobre o Direito do Trabalho e Previdenciário: 2ª Edição

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    Estudos Práticos sobre o Direito do Trabalho e Previdenciário - Marília Gabriela de Araújo Melo Pereira de Lira

    UMA ANÁLISE SOBRE O TRABALHADOR HIPERSUFICIENTE: VANTAGEM PARA O EMPREGADO OU PARA O EMPREGADOR?

    REBECA DA SILVA CANTINHA

    1. INTRODUÇÃO

    O livre exercício do trabalho, pelo trabalhador que cumpre as qualificações profissionais estabelecidas por lei, é um direito assegurado pela Constituição brasileira, norma maior que rege todas as demais legislações em nosso país. Ainda, a Constituição do Brasil garante ao trabalhador um piso salarial proporcional à complexidade e extensão de seu trabalho; além da irredutibilidade do salário, salvo em acordo ou convenção coletiva.

    Houve um tempo em que o Direito do trabalho era também denominado Direito Social, considerando um objeto mais amplo do que apenas as relações de trabalho; e alcançando contextos de proteção do trabalhador muito além de suas atividades laborais. Entre os doutrinadores que defendiam e utilizavam tal denominação ganha destaque Cesarino Júnior, maior defensor desta alcunha, e para o qual este conceito evocava um complexo de normas voltadas à proteção dos economicamente mais frágeis, por ele denominados hipossuficientes¹.

    Isto posto, cumpre ressaltar que o direito do trabalho é baseado em uma série de princípios fundamentais, dotados de força normativa, voltados para proteger o trabalhador de suas próprias debilidades; com destaque para o princípio da proteção, pelo qual, cumpre ao Estado garantir um equilíbrio de condições contratuais entre empregador e empregado, sendo este último considerado o elo mais fraco na relação contratual trabalhista²,³.

    Ocorre que, o Projeto de Lei 6.787/2016, que se tornou na Lei 13.647/2017, conhecida popularmente como a Reforma Trabalhista, trouxe alterações em diversos pontos específicos da CLT, entre os quais aqueles que ofereciam uma proteção maior ao trabalhador, face à sua vulnerabilidade na relação contratual com o patronado. As novas regras permitem que cada empregador negocie diretamente com seus funcionários, garantindo que os contratos de trabalho se adaptem às necessidades de cada empresa, e fragilizando a segurança jurídica e contratual do trabalhador⁴.

    Proposta pelo ex-presidente da República Michel Temer, a Reforma Trabalhista veio como uma opção para diminuir a taxa de desemprego que vigorou após a crise econômica de 2014. A intenção seria flexibilizar os moldes de contratação, facilitando a geração de empregos. Após reformulação do texto em 2017 por seu relator, o Deputado Federal Rogério Simonetti Marinho (PSDB-RN), e mais de 800 emendas, a reforma foi aprovada em 26 de abril de 2017 pela Câmara e, em 11 de julho do mesmo ano, pelo Senado⁴.

    Segundo declarado pelo governo, a CLT, nos moldes que vigoravam à época, não mais contemplava todas as modalidades de trabalho existentes⁴. Além disso, muitas outras justificativas serviram para legitimar o texto aprovado, tais como o aprimoramento do sistema vigente; a garantia de segurança jurídica; o atendimento às políticas legislativas; e a contenção do ativismo judicial⁵.

    Na prática, o que aconteceu é que diversos direitos trabalhistas foram tolhidos, e abertas muitas brechas para vulnerabilização do empregado, que passou a se sujeitar a, praticamente, todas as exigências e imposições do patrão, a fim de resguardar seu emprego.

    Neste presente texto, objetivou-se enfocar uma categoria especial de trabalhadores, criada pela reforma trabalhista de 2017: os chamados empregados hipersuficientes. Estes, após a Lei 13.647/2017, foram alçados a uma categoria mais independente, capaz de lutar individualmente pelas suas condições de emprego e negociar diretamente com o patrão suas questões contratuais; o que acabou fragilizando a segurança jurídica destes trabalhadores, deixando-os vulneráveis às imposições do empregador.

    2. OS PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO DO TRABALHO

    A Constituição Federal de 1988 estabelece uma série de princípios que fundamentam o Direito do Trabalho, com base na dignidade humana e no valor social do trabalho. Em seu artigo 193º a Constituição brasileira institui a ordem social baseada na primazia do trabalho, e objetivando o bem-estar e a justiça sociais⁶,⁷.

    Além dos princípios estabelecidos na Constituição; o Direito do Trabalho no Brasil segue fundamentos específicos, forjados em fatores econômicos e sociais, cujo objetivo é garantir uma vinculação mais justa entre as partes envolvidas na relação trabalhista. São eles⁶,⁷:

    Princípio da proteção: fundamenta-se na proteção do trabalhador enquanto parte economicamente mais fraca da relação de trabalho, objetivando assegurar uma igualdade jurídica entre os sujeitos da relação, garantindo real isonomia entre eles.

    Consiste, basicamente, em tentar corrigir desigualdades, criando uma superioridade jurídica em favor do empregado, considerando sua condição de hipossuficiência. Este princípio foi bastante relativizado com a Reforma trabalhista, que ampliou a autonomia individual do trabalhador, permitindo e considerando válida a negociação direta entre este e o empregador sobre diversos temas.

    Além disso, o legislador passou a entender, ainda, que os chamados empregados hipersuficientes não podem ser considerados economicamente mais vulneráveis; sobre os quais não se pode pressupor desigualdade em relação ao empregador; e aos quais é autorizada por lei a livre negociação de seus direitos, garantias e vantagens com o patronado.

    Ainda, outra das grandes modificações introduzidas pela reforma trabalhista foi a prevalência do negociado sobre o legislado; considerando o pressuposto de que a lei não consegue contemplar todas as situações, nem atender às necessidades particulares de todas as categorias de trabalhadores. O legislador valorizou a negociação coletiva sobre as normativas jurídicas, considerando-a válida mesmo que esta contrarie preceitos legais.

    Princípio da irrenunciabilildade: é a indisponibilidade de direitos do trabalhador; ou seja, diz respeito à impossibilidade de o trabalhador abrir mão ou transacionar direitos que lhe são garantidos pela legislação trabalhista. Este princípio também foi mitigado com o surgimento da categoria do trabalhador hipersuficiente, pós-reforma trabalhista.

    Princípio da continuidade da relação de emprego: visa atribuir à relação de emprego a mais ampla duração possível, sob todos os aspectos; tendo por fundamento o fato de ser o contrato de trabalho um contrato de trato sucessivo, que perdura no tempo, regulando obrigações que se renovam. A continuidade da relação de emprego como princípio do Direito do Trabalho fundamenta-se no fato de que nela está a fonte de subsistência e de sustento do empregado e de sua família, tendo nítida natureza alimentar.

    Assim, as normas trabalhistas tomam como base a continuidade da relação de emprego, de modo a estabelecer mecanismos eficazes para sua preservação pelo maior tempo possível. Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho adotou o entendimento de que o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.

    Princípio da primazia da realidade: tem por objetivo fazer com que a realidade dos fatos prevaleça sobre meras cláusulas contratuais ou registros documentais, ainda que em sentido contrário. Em caso de discordância entre a realidade emanada dos fatos e a formalidade dos documentos, é dada preferência à primeira, ou seja, a realidade do fato da execução da relação mantida entre as partes prevalece sobre sua concepção jurídica.

    De nada, portanto, adianta mascarar a verdade, uma vez que se dará prevalência ao que efetivamente existiu. Esse princípio aplica-se tanto a favor, como contra o empregado, visto que dá primazia à realidade, e não à versão apresentada pelo trabalhador, em detrimento àquela oferecida pelo empregador.

    Princípio da razoabilidade: consiste na afirmação essencial de que o ser humano, em suas relações trabalhistas, procede e deve proceder conforme a razão; de onde brota que comportamentos precisam ser aferidos segundo um padrão médio de bom-senso. Por exemplo, fere o princípio da razoabilidade um empregado afirmar que trabalhava vinte e quatro horas por dia, sem intervalo; ou um empregador apresentar cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes, sustentando que eles foram registrados exatamente nos minutos ali declarados; ou mesmo, um paraplégico alegar que fora obrigado a exercer a função de carregador, ou um cego que declara ter trabalhado como motorista.

    Nas relações de trabalho as partes e os operadores do Direito devem sempre buscar as respostas e as soluções mais razoáveis, e dentro de padrões mínimos de coerência para os conflitos dela advindos.

    Princípio da boa-fé: A boa-fé é um elemento que deve estar presente não só no momento da celebração do contrato de trabalho, mas, principalmente, na sua execução. Por força dela cada um dos sujeitos de uma relação jurídica deve oferecer informação ampla e irrestrita sobre os detalhes do negócio a ser praticado, ou do ato jurídico que está em desenvolvimento. Alguns desses detalhes podem ser extremamente relevantes a ponto de influenciar a celebração do ajuste ou a continuidade executiva do negócio.

    Os parceiros contratuais, segundo o princípio da boa-fé, devem atuar com confidencialidade, com respeito, com lealdade e com mútua cooperação. A boa-fé estrutura e apoia o consectário princípio da confiança, assim entendido como o mandado orientador que se funda na proteção da legítima expectativa de não ser surpreendido, e ao final prejudicado, com uma atitude contrária à que normalmente se esperaria de quem incutiu confiança sob o fundamento da estabilidade das circunstâncias envolventes.

    Este princípio abrange tanto o empregado como o empregador, e se baseia na premissa que o trabalhador deve cumprir seu contrato com todo o empenho na execução de suas tarefas; e que o empregador, deve cumprir lealmente suas obrigações para com o trabalhador; tendo todos honestidade, sinceridade e veracidade nas atitudes, nas propostas, nas informações repassadas e nas negociações firmadas.

    3. O CONTRATO DE TRABALHO: SUAS CARACTERÍSTICAS E REQUISITOS MÍNIMOS

    O contrato de trabalho é um acordo de vontades, manifesto de forma expressa (verbalmente ou por escrito), ou de forma tácita, por meio do qual uma pessoa física (empregado) se compromete a prestar, pessoalmente, e de forma subordinada, serviços contínuos a uma outra pessoa física, a uma pessoa jurídica ou a um ente sem personalidade jurídica (empregador), mediante remuneração. Tem como características⁸,⁹:

    ser privado (celebrado entre sujeitos de natureza privada);

    ser consensual (ajustado livremente entre as partes pelo simples consentimento destas);

    ser sinalagmático (um pacto de natureza bilateral, que gera obrigações recíprocas entre as partes contratantes);

    ser pessoal (uma obrigação infungível¹⁰, uma vez que a escolha do empregado é feito com base em características personalíssimas que o distinguem dos outros candidatos);

    ser comutativo (cada parte sabe previamente a que vantagens fará jus pelo cumprimento do contrato);

    ser sucessivo (o contrato não acaba com o cumprimento do trabalho; ao contrário, renasce sucessivamente para o recebimento de novas prestações de trabalho, enquanto vigorar o contrato);

    ser oneroso (do contrato decorrem perdas e vantagens econômicas, tanto para o empregado como para o empregador);

    e ser complexo (existe a possibilidade de que sejam celebrados contratos acessórios ao contrato de trabalho, tais como, um contrato de locação, um contrato de mandato, um contrato de comodato, etc. Estes contratos acessórios dependem do contrato principal, e seguem a sorte dele; ou seja, extinto o contrato de trabalho, extinguem-se os contratos acessórios).

    4. OS EMPREGADOS HIPERSUFICIENTES E A VISÃO DO JUDICIÁRIO

    Considerando tudo o que foi explanado até o momento, percebe-se que a relação trabalhista teve como premissa, durante muito tempo, que o empregado é o elo mais fraco na relação contratual de trabalho, tendo que ser protegido com ferramentas jurídicas e legais para garantia de sua igualdade de condições nas negociações com o empregador; e proteção de seus direitos mínimos que estavam, até então, garantidos por lei.

    Este entendimento perdurou até a Reforma trabalhista, que trouxe o afrouxamento e a relativização de muitos direitos dos trabalhadores; inclusive, instituindo uma classe considerada não fragilizada em relação ao empregador; podendo negociar diretamente com ele; ajustando suas condições de trabalho, vantagens e contrapartidas; são os chamados empregados hipersuficientes.

    São definidos como empregados hipersuficientes aqueles trabalhadores com carteira assinada, portadores de diploma de nível superior, e que percebam salário mensal igual, ou superior, a duas vezes o teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Ou seja, como bem definido pela Desembargadora da 9ª Região, Marlene Fuverki Suguimatsu¹¹, aqueles com suficiência econômica e formação educacional superior à grande massa de trabalhadores brasileiros.

    Embora não seja um conceito definido em lei, já está bem disseminado na doutrina jurídica. Esse termo foi criado pelo relator da Câmara dos Deputados do Projeto de Lei que deu origem à Reforma Trabalhista, Deputado Federal Rogério Simonetti Marinho¹², segundo o qual:

    A inclusão de um parágrafo único ao art. 444 visa a permitir que os desiguais sejam tratados desigualmente. De fato, a CLT foi pensada como um instrumento para proteção do empregado hipossuficiente, diante da premissa de que esse se encontra em uma posição de inferioridade ao empregador no momento da contratação e da defesa de seus interesses. Todavia não se pode admitir que um trabalhador com graduação em ensino superior e salário acima da média remuneratória da grande maioria da população seja tratado como alguém vulnerável, que necessite de proteção do Estado ou de tutela sindical para negociar seus direitos trabalhistas. A nossa intenção é a de permitir que o empregado com diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social possa estipular cláusulas contratuais que prevaleçam sobre o legislado, nos mesmos moldes admitidos em relação à negociação coletiva, previstos no art. 611-A deste Substitutivo¹³.

    O artigo 444º da CLT (Decreto Lei Nº 5.452 de 1943, alterado pós-reforma), em seu parágrafo único, versa sobre a permissão para livre negociação de alguns objetos do contrato de trabalho que não se contraponham às disposições de proteção ao trabalhador, aos contratos coletivos de trabalho, e às decisões das autoridades competentes¹⁴,¹⁵; ampliando as possibilidades de negociações entre patrões e empregados hipersuficientes.

    Considerando que a relação de emprego é caracterizada pela necessária cumulação dos elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, alteridade¹⁶; duração contínua ou não eventual; e subordinação¹⁷,¹⁸; como bem colocado por Correia¹⁹, este é um tema bastante polêmico, visto que o empregado é sempre subordinado às ordens do empregador e, sendo este um dos pré-requisitos da caracterização do vínculo trabalhista, como pode o funcionário ser autônomo em suas interações com o seu contratante?

    Para estes empregados, questões como banco de horas²⁰,²¹, teletrabalho²², produtividade²³,²⁴, prêmios de incentivo²⁵, participação nos lucros²⁶; entre outras; podem ser acordadas diretamente com o empregador, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos de trabalho da categoria²⁷. Lembrando que persistem as questões definidas pelo artigo 611º-B não passíveis de negociação, nem mesmo pelo sindicato da categoria; logo, também não assentidas à negociação direta pelo empregado hipersuficiente.

    Segundo Franco Neto²⁸, embora a reforma do artigo 444º da CLT possa ser considerada como uma exceção para beneficiar os empregados hipersuficientes, há quem classifique a exceção trazida por este artigo em seu parágrafo único, em relação à hipersuficiência de determinados grupos de empregados como um retrocesso, visto que, mesmo recebendo salários considerados altos, o funcionário não se encontraria em plano de igualdade com o patrão para negociar suas condições de trabalho. Além de que, equiparar a força de um contrato individual de trabalho com a dos instrumentos normativos viola a própria Constituição.

    Para o próprio Franco Neto²⁹, inclusive, a Reforma Trabalhista não colocou em xeque o valor do contrato, mas sim o papel da vontade na sua formação; tampouco ignorou o papel protecionista do Direito do Trabalho, apenas lhe deu novos contornos. Segundo ele, é questionável a ideia de que a validade do contrato de trabalho depende da intervenção do trabalhador na definição de suas cláusulas; sendo fundamental, apenas, que tenha a liberdade para a elas aderir, ou não.

    Voltando o olhar para a força coletiva sobre a luta individual, no que tange à atuação dos sindicatos e preponderância dos acordos coletivos em relação aos empregados hipersuficientes, Suguimatsu³⁰ faz uma colocação cirúrgica, e que traz profunda reflexão sobre o tema:

    A negociação coletiva é um dos mais relevantes métodos de solução de conflitos, altamente prestigiada pela Constituição de 1988, que lhe atribuiu validade de norma jurídica. Se o Direito é uma produção cultural dos povos, a negociação coletiva, ao lado da lei, cumpre esse papel de produzir normas ditadas pela cultura, pelos usos e costumes de uma área mais restrita, e deve ser prestigiada, e garantida a todos os empregados, independente de suas qualificações, nível educacional ou poder aquisitivo.

    Pensar em legalizar uma desvinculação, mesmo que optativa, do empregado hipersuficiente da tutela dos sindicatos, garantida àqueles considerados hipossuficientes, e por isso, tidos como um elo mais frágil na relação trabalhista, pode ser encarado como uma forma de segregação e distinção entre trabalhadores; o que é vetado na própria CLT.

    Querer deixar o funcionário hipersuficiente alheio à própria sorte na negociação de suas condições trabalhistas, sob a desculpa de estar ampliando sua liberdade e autonomia para discutir seus interesses diretamente com o empregador é, no fim das contas, punir este funcionário por sua condição um pouco melhorada em relação aos demais; além de fornecer ao empregador instrumentos para compensar uma onerosidade maior com este funcionário mais diferenciado.

    A bem da verdade é que não se tem nem como comparar a condição do empregado hipersuficiente que, na realidade, é um cidadão de classe média, com formação de nível superior, exercendo cargos de gerência, coordenação, ou outros de gestão e liderança na linha de produção; com aqueles com status de um grande executivo; participação veemente nos lucros da empresa; poderes contratuais, realmente, ilimitados; tratamento diferenciado quanto às normas da empresa; salários muitíssimas vezes acima do teto da previdência; e diversos bônus consideráveis ao longo do ano. Esse sim, é um funcionário; colaborador, na verdade; com poder de discutir em real condições de igualdade com seu contratante.

    4.1 A cláusula de arbitragem: ferramenta contratual para trabalhadores hipersuficientes

    Um outro aspecto de interesse na discussão das condições negociais do empregado hipersuficiente encontra-se no artigo 507º-A da CLT, que faculta uma pactuação de cláusula compromissória de arbitragem nos contratos individuais de trabalho³¹, o que configura uma outra opção de negociação entre o empregado hipersuficiente e o empregador.

    Arbitragem é o processo decisório entre partes contendoras. A reforma trabalhista trouxe essa possibilidade aos trabalhadores hipersuficientes, desde que por iniciativa do empregado, ou sob concordância expressa dele, celebrado por termo nos autos, assinados pelas partes e duas testemunhas e, posteriormente, homologada³².

    Na prática, como bem colocou Miranda³³, uma dificuldade para a adoção da arbitragem no âmbito do Direito do Trabalho aqui no Brasil é que o trabalhador brasileiro é extremamente litigioso por natureza; prevalecendo, ainda, uma cultura onde o empregado é o elo mais fraco na relação, sempre explorado pelo patrão, e precisando estar em constante estado de alerta e pronto para defender seus direitos. Por outro lado, o patronado vive em estado de suspense, na expectativa de quando receberá a próxima citação para comparecer à justiça do trabalho, em decorrência de ser réu em mais uma demanda trabalhista.

    Ademais, em nosso país, a cultura da arbitragem não está ainda bem estabelecida; nem o brasileiro está pronto para confiar em resoluções fora do judiciário³⁴. Só com o tempo, e uma mudança de paradigmas e das culturas fortemente arraigadas em nossa população, é que o judiciário poderá ser poupado por meio das conciliações não litigiosas; embora, o próprio judiciário ainda necessite estruturar melhor seu arcabouço para as demandas de mediação, conciliação e arbitragem, e para ratificação legal dos pactos e acordos delas resultantes.

    Retornando ao raciocínio inicial deste tópico, observa-se que o artigo 507º-A da CLT flexibiliza ainda mais a caracterização do empregado como hipersuficiente, não mais mencionando a necessidade do curso superior para a liberalidade de acordos entre funcionário e patrão por meio da arbitragem; bastando, tão somente, que o trabalhador cumpra o critério da suficiência econômica; ou seja, receber remuneração superior a duas vezes o teto do Regime Geral de Previdência Social.

    Frente a todo o exposto, a grande questão é: até que ponto essa liberalidade trazida pela reforma trabalhista beneficia o trabalhador que já vem perdendo paulatinamente muitos de seus direitos após a revisão da CLT em 2017? Será que essa possibilidade concedida nos casos do trabalhador hipersuficiente não é uma maneira de burlar os direitos trabalhistas e, de alguma maneira compensar os custos para o patrão nos casos de empregados com salários acima da média? Ou será que é um caminho para que as relações e adequações de vantagens e benefícios sejam simplificadas entre funcionários mais especializados e patrões?

    Inicialmente, há que se trazer o entendimento de que não existe uma compreensão homogênea entre os doutrinadores sobre a arbitragem no direito do trabalho, vez que, em face de sua característica mormente protetiva, o direito do trabalho não ensejaria a arbitragem; contudo, amparada pelo artigo 507º-A da CLT, a arbitragem pode ser considerada legal e válida, desde que cumpridos os requisitos impostos nesta legislação³⁴.

    Para Martinez³⁵, as relações de emprego são caracterizadas pela situação de desigualdade material entre as partes. Assim, uma vez que o empregado, desacompanhado de sua entidade sindical, submete-se a qualquer negócio para conseguir e manter o seu emprego, conforme a legislação (vide Lei n. 9.307/96) torna-se inaplicável a arbitragem na órbita dos chamados direitos indisponíveis, entre os quais se encontra, obviamente, o direito mínimo contido nas relações individuais de emprego.

    Allan³⁶ apresenta argumentos relevantes sobre a incompatibilidade da arbitragem com o direito do trabalho, vez que a própria legislação específica concernente à arbitragem veda sua utilização para fins de transação, ou para debates sobre direitos indisponíveis. Para ele, a existência do trabalhador hipersuficiente não passa de um grande engodo, se fiando na subjetividade deste segmento profissional, e outorgando-lhe uma ideia irreal de poder e autonomia, lesando os princípios basilares históricos do direito trabalhista, já indiscutivelmente consolidados.

    4.2 Uma breve análise do entendimento do Judiciário brasileiro sobre a hipersuficiência dos trabalhadores

    Desde sua publicação em 2017, já se observam diversos afrouxamentos dos entendimentos e garantias ao empregado apresentadas na Lei 13.467/2017, colocando o trabalhador em situação de fragilidade frente ao empregador; e pode-se dizer que o judiciário tem seguido nesse entendimento de que é preciso deixar o empregado mais livre para fazer negociações mais vantajosas, a nível individual, com o seu empregador.

    Vide, por exemplo, a decisão do TRT-3 que entendeu pela desnecessidade de diploma de nível superior para que o funcionário seja considerado hipersuficiente³⁷:

    EMENTA: EMPREGADO HIPERSUFICIENTE. ART. 444, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CLT. ROL EXEMPLIFICATIVO. O art. 444, parágrafo único, da CLT estipula uma categoria de empregado hipersuficiente, mas não exclui outras formas de hipersuficiência, como se interpreta de seu próprio texto. No caso, a parte autora é atleta de relevante influência social, tendo tido plena condição de ser assessorado, por ocasião da celebração do distrato. Assim, mesmo que não seja portador de diploma de nível superior, ele será hipersuficiente quando caracterizada a mitigação significativa da subordinação jurídica. Por consequência, é válida a celebração da cláusula que afasta a aplicação da multa do art. 477, §8º, da CLT. (TRT 3ª R.; ROT 0010636-07.2019.5.03.0113; Segunda Turma; Relª Desª Gisele de Cássia Vieira Dias Macedo; Julg. 13/10/2020; DEJTMG 15/10/2020; Pág. 319).

    Conforme o entendimento da Desembargadora Gisele de Cássia Vieira Dias Macedo, o fato do autor não possuir diploma não descaracteriza sua hipersuficiência, uma vez que se tratava de atleta de grande relevância social, com experiência anterior em diversos times do Brasil; além de possuir patrimônio que possibilitaria a contratação de uma consultoria jurídica para o auxiliar em assuntos que não fossem de sua competência.

    Ora, há que se discutir que o fato de que este trabalhador recebe um salário considerado elevado para os padrões nacionais não é suficiente para configurar que o mesmo possui conhecimento necessário para debater e negociar suas condições de trabalho, vantagens e remunerações; haja vista que nem sempre a diferenciação do trabalhador está ligada à sua formação acadêmica; mas, em sua experiência na área de atuação; muitas vezes sendo relacionada à execução de um serviço específico e diferenciado, necessário à empresa; mas que, nem por isso, torna o funcionário autossuficiente para ter entendimento de seus direitos e das vantagens que lhe são devidas em contrapartida aos seus serviços.

    Assim, a previsão da Lei 13.467/2017 de que um funcionário tenha um mínimo de conhecimento e formação acadêmica para discutir de igual para igual (ou pelo menos com menor diferença de patamar intelectual) com seu empregador está sendo colocada abaixo com esta decisão do TRT-3, abrindo espaço para que o empregado esteja sujeito à desproteção do Estado em seus direitos trabalhistas, uma vez que, nem mesmo a formação de nível superior tem sido mais exigida, desde que esse funcionário receba uma remuneração prevista na lei para permitir que o mesmo esteja vulnerável nos acordos individuais firmados sob sua anuência; muitas vezes, somente para que consiga manter seu emprego.

    Observe-se também a decisão do TRT-10 de 2021, na qual o próprio Desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho admite guardar críticas quanto ao conceito de hipersuficiência criado pela Reforma Trabalhista, reconhecendo que a própria essência do direito do trabalho se funda não em dependência econômica, mas sim em subordinação jurídica. Ressaltando ainda que a Reforma Trabalhista, em muitos pontos, flerta com a inconstitucionalidade ao abrir para livre negociação matérias reservadas pela constituição exclusivamente à negociação coletiva, com necessária participação sindical:

    DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS URBANAS NAS ATIVIDADES DE MEIO AMBIENTE E NOS ENTES DE FISCALIZAÇÃO E REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA, SANEAMENTO, GÁS E MEIO AMBIENTE NO DISTRITO FEDERAL – STIU/DF e OUTRAS contra ato do juiz do trabalho substituto em exercício no Plantão Judiciário que, nos autos da Ação Civil Coletiva n. 0001098-15.2020.5.10.0002, movida pelos impetrantes em face das Centrais Elétricas Brasileiras S. A. – Eletrobras e Outros indeferiu a tutela de urgência, cujo objeto era determinar às empresas do grupo ELETROBRAS que se abstenham de celebrar acordos individuais voltados à pactuação da PLR. (TRT 10ª R.; ROT 0001098-15.2020.5.10.0002; Rel Des. Grijalbo Fernandes Coutinho; Julg. 31/12/2020; DEJTDF/TO 08/01/2021; Pág. 51)

    No entanto, a despeito de sua opinião, o próprio desembargador admitiu não encontrar elementos suficientes para declarar ilegal a negociação direta entre funcionários e empresa, sem intermediação do sindicato, face à possibilidade aberta pela cláusula do artigo 444º, parágrafo único, da CLT reformada³⁸.

    Novamente, vê-se que esta brecha aberta pela Lei 13.467/2017 torna o trabalhador susceptível à vontade do empregador, criando espaço para constrangimentos e ameaças veladas à estabilidade³⁹,⁴⁰ empregatícia do profissional, e manutenção de seu emprego.

    Em um outro caso, julgado pelo TRT-1, o Desembargador José Antônio Piton considerou válida a quitação geral dada pelo funcionário que, por ser hipersuficiente nos moldes da CLT, art. 444º, parágrafo único, não pôde alegar renúncia a direitos futuros; no caso, um bônus de performance; sendo achado capaz de negociar as cláusulas de seu contrato diretamente com o seu empregador; incluindo as questões relativas ao seu distrato com a empresa e aos direitos a que, na ocasião, faria jus⁴¹:

    EMENTA:RECURSO ORDINÁRIO. ACORDO ENTRE AS PARTES. QUITAÇÃO GERAL. Não se verificando qualquer vício de vontade no acordo entabulado entre as partes, considera-se que válida a quitação geral dada pelo Empregado hipersuficiente. (TRT 1ª R.; ROT 0101027-33.2018.5.01.0037; Segunda Turma; Rel Des José Antônio Piton; Julg. 24/07/2019; DEJTRJ 01/08/2019).

    Ao contrário, em situação de demissão de funcionário, portador de deficiência, durante o período de pandemia do COVID-19; o que contrariava o disposto no artigo 17º, inciso V, da Lei nº 14.020/2020, entendeu o TRT-2 que a demissão fora ilegal, e que a justificativa de hipersuficiência do funcionário não se sustentava para justificar a dispensa do mesmo, nem ratificar a quitação de verbas trabalhistas⁴²:

    EMENTA: TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. QUITAÇÃO GERAL E IRRESTRITA DO CONTRATO. NULIDADE. O artigo 444 da CLT, em seu parágrafo único, deve ser analisado e interpretado juntamente com os artigos 477-B e 611-A, bem como o capítulo III-A, do Diploma Celetista, à luz dos princípios que regem o direito material e processual do trabalho. A alteração promovida pela reforma trabalhista (Lei n. 13.467/2017) não estabeleceu a possibilidade de transação extrajudicial individual para os empregados hipersuficientes, sem antes submetê-la à homologação nessa especializada, sobretudo nos casos de quitação ampla e irrestrita do contrato do trabalho, como contemplada nos autos. A exceção fica por conta da existência de PDV prevendo tais efeitos, não sendo essa a hipótese analisada. Não há que se cogitar em desprestígio ou mesmo inobservância da autocomposição dos litígios trabalhistas, pois, no caso ora analisado, não há como validar a transação extrajudicial, prevendo a quitação geral do contrato de trabalho, fora das hipóteses legais. Recurso obreiro a que se dá provimento, no particular. (TRT 2ª R.; ROT 1001329-27.2020.5.02.0720; Décima Primeira Turma; Relª Desª Wilma Gomes da Silva Hernandes; Julg. 28/02/2023; DEJTSP 03/03/2023).

    O tribunal, na pessoa de sua relatora, a Desembargadora Wilma Gomes da Silva Hernandes, entendeu que os artigos 477º-B e 611º-A não contemplam a situação do funcionário à época de sua demissão, e que o fato deste ser hipersuficiente, conforme a legislação, não justifica sua dispensa da empresa em acordo firmado diretamente com o empregado, em condições, notadamente, conflituosas com a Lei 14.020/2020 que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Empego e da Renda durante o estado de calamidade pública decorrente do Coronavírus.

    5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Sabe-se que o direito tem por premissa básica responder aos anseios da sociedade na qual está inserido, e que os movimentos sociais funcionam como uma espécie de pêndulo variando, de tempos em tempos, quantos aos entendimentos, anseios e aspirações dessa sociedade; e isto não seria diferente na seara do direito trabalhista.

    Observa-se que houve tempos na história em que o empregado era extremamente explorado, trabalhando em condições sub-humanas e sendo apenas um instrumento de enriquecimento do patrão, nem mesmo sendo considerado em suas necessidades básicas de sobrevivência. Ao longo do tempo, conquistas trabalhistas foram sendo adquiridas, sobretudo na era de Getúlio Vargas, melhorando as condições de vida do trabalhador, e colocando-o como uma parte importante do processo produtivo.

    Nos últimos anos, contudo; face às mudanças tecnológicas e políticas observadas no país; e ao maior estímulo ao desenvolvimento e manutenção das empresas; o trabalhador tem sido visto como uma peça cara e muito dispendiosa nesse processo produtivo, e se observa que, paulatinamente, alguns direitos estão sendo suprimidos na intenção de diminuir o custo para o empregador.

    Sabia-se que esse pêndulo, uma hora, teria que retornar em direção ao empresário empregador, apertando um pouco o cinto para o lado do empregado; contudo, não podemos esquecer que a mão de obra que sustenta a produção de riqueza no país não é mais a mesma de antigamente; o conhecimento da população se expandiu; as possibilidades estão ampliadas, e hoje o trabalhador resiste a ser explorado para enriquecimento de outros, às custas da manutenção de suas mínimas necessidades para uma sobrevivência digna.

    Segundo o dicionário suficiente é tudo aquilo que basta ou é bastante⁴³. Neste texto foi reiteradamente destacado o termo hipersuficiente, utilizado para designar aqueles empregados que, supostamente, se bastam para defender seus interesses na relação contratual de trabalho; estando, assim, definidos em um parágrafo específico da CLT, que abre a possibilidade para a negociação individual entre empregado e empregador; sem interferência de sindicatos, ou sujeição a cláusulas já definidas em acordos ou convenções coletivas.

    Segundo o parágrafo único do artigo 444° da CLT, o funcionário que recebe salário acima da média de seus pares; neste caso, aqueles com proventos iguais, ou superiores a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social; e que possua diploma de nível superior (embora, como já visto neste capítulo, esse requisito pode ser dispensável) é autossuficiente para a livre estipulação de suas relações contratuais de trabalho, como se o fato de ter um salário maior, ou um diploma, criassem um escudo de proteção deste trabalhador contra as desigualdades jurídicas do sinalagma da relação de trabalho.

    Como bem colocado pelo Desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho⁴⁴, não é o salário que torna o empregado hipossuficiente frente ao empregador; mas sim, a sua subordinação jurídica às ordens e ao poder diretivo do patrão. O critério da hipersuficiência definido

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