Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Dez princípios antes do fim: (enunciado para uma vida possível)
Dez princípios antes do fim: (enunciado para uma vida possível)
Dez princípios antes do fim: (enunciado para uma vida possível)
E-book363 páginas8 horas

Dez princípios antes do fim: (enunciado para uma vida possível)

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Este livro é a tentativa de colocar em palavras uma descoberta que mudou a minha vida.

Ao contrário do que eu supunha até alguns anos atrás, as nossas emoções e os nossos sentimentos – nomes e organizações conceituais que damos a eles – não são consequência apenas de um desequilíbrio químico nem resultado de um excesso de planetas de água no seu mapa astral. As nossas emoções e afetos têm uma razão para existir assim como tudo mais o que existe. E essa razão de existir é o que trataremos aqui neste livro.

Por que as emoções, os sentimentos e os afetos existem? E para que eles servem?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de ago. de 2024
ISBN9788594484383
Dez princípios antes do fim: (enunciado para uma vida possível)

Relacionado a Dez princípios antes do fim

Ebooks relacionados

Psicologia para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Dez princípios antes do fim

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Dez princípios antes do fim - Emanuel Aragão

    Dez príncipios antes do fim, Emanuel Aragão

    Sumário

    Antes dos princípios, um prólogo

    Capítuo 1 - Erros de previsão

    Capítuo 2 - Resistir à entropia

    Capítuo 3 - Necessidades emocionais

    Capítuo 4 - A vida é conflito

    Capítuo 5 - Condenado a repetir

    Capítuo 6 - Antes do amor, o cuidado

    Capítuo 7 - Estamos todos em déficit de amor

    Capítuo 8 - Quem busca dominância encontra solidão

    Capítuo 9 - Amor e morte

    Capítuo 10 - O segundo amor

    Derivações teóricas

    Notas de fundo

    Agradecimentos

    Pontos de referência

    Cover

    Página de título

    Página de Título

    Corpo Principal da Obra

    Sumário

    Página de Direitos Autorais.

    Página de Direitos Autorais.

    Folha de falso rosto.

    Copyright © 2024 por Emanuel Aragão

    Todos os direitos desta publicação reservados à Maquinaria Sankto Editora e Distribuidora LTDA. Este livro segue o Novo Acordo Ortográfico de 1990.

    É vedada a reprodução total ou parcial desta obra sem a prévia autorização, salvo como referência de pesquisa ou citação acompanhada da respectiva indicação. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n.9.610/98 e punido pelo artigo 194 do Código Penal.

    Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião da Maquinaria Sankto Editora e Distribuidora LTDA.

    editora

    dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)

    angélica ilacqua — crb-8/7057

    ARAGÃO, Emanuel

    Dez princípios antes do fim : (enunciado para uma vida possível) / Emanuel Aragão. São Paulo : Maquinaria Sankto Editora e Distribuidora Ltda, 2024.

    EPUB

    ISBN 978-85-94484-38-3

    Bibliografia

    1. Autoajuda 2. Aragão, Emanuel – Memórias 3. Luto I. Título

    índice para catálogo sistemático:

    1. Autoajuda

    24-2723 | CDD 158.1

    logo-editora

    Endereço

    Rua Pedro de Toledo, 129 - Sala 104 - Vila Clementino - São Paulo – SP, CEP: 04039-030

    www.mqnr.com.br

    Folha de rosto.

    Sumário

    Antes dos princípios, um prólogo

    Capítuo 1 - Erros de previsão

    Capítuo 2 - Resistir à entropia

    Capítuo 3 - Necessidades emocionais

    Capítuo 4 - A vida é conflito

    Capítuo 5 - Condenado a repetir

    Capítuo 6 - Antes do amor, o cuidado

    Capítuo 7 - Estamos todos em déficit de amor

    Capítuo 8 - Quem busca dominância encontra solidão

    Capítuo 9 - Amor e morte

    Capítuo 10 - O segundo amor

    Derivações teóricas

    Notas de fundo

    Agradecimentos

    Para Martim.

    A vida é uma obra de (auto)ficção encerrada na materialidade da morte.

    Antes dos princípios,

    um prólogo

    Este livro é a tentativa de colocar em palavras uma descoberta que mudou a minha vida. Ao contrário do que eu supunha até alguns anos atrás, as nossas emoções e os nossos sentimentos – nomes e organizações conceituais que damos a elas – não são consequência apenas de um desequilíbrio químico nem resultado de um excesso de planetas de água no seu mapa astral. As nossas emoções e afetos têm uma razão para existir assim como tudo mais o que existe. E essa razão de existir é o que trataremos aqui neste livro.

    Por que as emoções, os sentimentos e os afetos existem? E para que eles servem?

    Ao longo de muitos anos, eu lutei contra as minhas próprias experiências emocionais como se elas fossem minhas inimigas, como se fossem algo de que eu deveria me livrar para poder seguir a vida. Isso me custou tempo e muito sofrimento.

    Foi só há alguns anos que me deparei com o conceito das necessidades emocionais e compreendi que estava fazendo tudo ao contrário. É justamente esse conceito das necessidades emocionais que eu pretendo partilhar com qualquer pessoa que escolha seguir este livro, assim como a mudança que pode ocorrer na vida de cada um de nós a partir do momento em que compreendemos a existência dessas necessidades, a sua função e como lidar com elas.

    O que eu entendi foi que uma vida satisfatória depende da compreensão dessas necessidades e do aprendizado de como lidar com elas.

    Ilustração circular para marcar a divisória de parágrafos

    Assim como precisamos de comida, água e oxigênio, precisamos também de amor. Digo isso não de maneira metafórica, digo isso de maneira literal. Mas, para compreender essa necessidade de amor, assim como as nossas outras necessidades emocionais e suas funções, eu preciso que você atravesse um percurso comigo.

    Esse percurso está contido no livro que você acabou de começar a ler.

    E ele é o percurso de um luto.

    Ilustração circular para marcar a divisória de parágrafos

    Cada um de nós atravessa o luto que atravessa. Ou vários deles. Mas, certamente, devemos atravessar ao menos um: o luto da realidade em si. A vida não é a vida imaginada. A vida é uma vida possível. Ou a vida é aquilo que podemos fazer com a vida que nos é apresentada. A compreensão das nossas necessidades emocionais é também a compreensão de como navegar uma vida possível. E, assim, encontrar uma satisfação possível através da vida. Afinal, só é possível a satisfação possível.

    Ilustração circular para marcar a divisória de parágrafos

    Mas, de qualquer forma, isto é um luto: a aceitação da realidade em vias da possibilidade de transformá-la. Isso porque parte desse processo implica reconhecer a vida que temos, e não todas as vidas que não temos. Só assim podemos percorrê-la com a intenção de que ela possa se tornar uma vida mais satisfatória. E o processo de reconhecer a nossa vida é, em si, um processo de luto. O luto narcísico pelo qual todos devemos passar: não somos o centro do mundo, e a realidade não nos deve coisa alguma. E, no fim, o que se segue necessariamente é a morte.

    No fundo, o reconhecimento da realidade é também o reconhecimento da própria morte. Só há uma vida possível a partir do momento no qual reconhecemos que ela é encerrada na morte. Não há outra maneira. Mais uma vez, de maneira literal.

    Não há uma travessia a ser feita para um outro lugar, uma outra margem, melhor do que a nossa atual. Há apenas o entendimento de que é preciso uma melhor compreensão para seguir o fluxo pelo tempo que for possível. E apenas pelo tempo que for possível.

    Ilustração circular para marcar a divisória de parágrafos

    A compreensão desse processo só me parecia possível através, é claro, de um percurso emocional. Ou seja, seria preciso que você partilhasse comigo esse percurso emocional. Eu decidi que o percurso desse livro seria guiado pelo meu próprio luto. Nada me pareceu mais justo do que isso. Ou mais adequado, pelo menos.

    Assim, o livro é composto de dois movimentos paralelos.

    De um lado, a elaboração narrativa do meu próprio processo de luto, que tem seu início em uma morte.

    E, de outro lado, a elaboração teórica de dez princípios a respeito do funcionamento da realidade em si. Ou melhor, da nossa relação com a realidade na busca pela satisfação das nossas necessidades emocionais.

    A cada capítulo, um desses princípios é desenvolvido e, ao final, ele aparece enunciado de maneira sintética. A cada um desses princípios se soma o próximo, originando uma proposta mais geral a respeito de uma felicidade possível. Essa proposta geral, a somatória dos dez princípios, pode ser compreendida tal qual uma tese sobre como criar para si uma vida mais satisfatória. E ela é enunciada de maneira integral ao final do livro.

    Ilustração circular para marcar a divisória de parágrafos

    No fundo, é possível ler apenas a página final com a tese já enunciada de maneira completa, mas isso não surtirá efeito algum. Afinal, fazendo isso, não teríamos atravessado um luto. Infelizmente, é assim que a realidade funciona: é preciso passar pelas coisas para que elas possam passar por nós. De forma que é melhor seguirmos logo com o nosso trabalho enquanto é tempo.

    Boa leitura.

    Capítulo 1

    Erros de previsão

    Não há nada que diferencie um dia qualquer daqueles que alteram de forma permanente a ordem das coisas. No princípio, eles são todos mais ou menos idênticos: entre um instante e o próximo, os seus olhos se abrem. É só depois que a coisa acontece.

    O HÁBITO

    O sol alcançava a minha perna direita na altura do joelho. A luminosidade passava direto através de um pedaço que faltava da persiana vertical da janela do quarto. Meu quarto. A persiana era de cor salmão. Alguns anos antes, eu havia tido uma verdadeira fixação por aquela cor e tinha comprado vários itens de vestuário e de uso pessoal naquela espécie de tom rosa-alaranjado. Inclusive, tinha convencido meu pai a comprar um sofá de veludo, salmão. Depois, a fixação pela cor passou e eu tive de lidar com o que sobrou dela. Como a persiana com o pedaço faltando.

    Era manhã do dia 4 de agosto de 2004.

    Eu estava espalhado na cama e o telefone tocava no andar de baixo insistentemente.

    Da maneira que a casa havia sido construída, o escritório da minha mãe, onde estava o telefone, ficava exatamente embaixo do meu quarto. E o piso de ripas de madeira, sem forro, fazia parecer que ele tocava dentro da minha cabeça.

    Estava quente no quarto, abafado. Era inverno em Brasília, o que quer dizer que não chovia há mais de 2 meses. Nessa época do ano, as noites são frias, os dias são quentes, e a umidade do ar é assustadoramente baixa. Em função disto – da baixa umidade do ar – não existem tantos aparelhos de ar-condicionado em Brasília como em cidades litorâneas do Brasil, já que o ar-condicionado precisa retirar água do ambiente para reduzir a temperatura, ao mesmo tempo que consome energia elétrica para levar adiante esse processo que nunca aconteceria de forma espontânea na natureza. Isso é um trabalho, feito por aquela máquina. O natural é que o calor do lado de fora tome conta do interior do quarto, até que o sistema entre em equilíbrio. Eu havia aprendido isso ainda no segundo grau, uma derivação da segunda lei da termodinâmica, e aquela ideia retornava à minha cabeça, ou ao meu corpo, melhor dizendo, todas as manhãs: quando dois corpos com diferentes temperaturas entram em contato um com o outro, a tendência natural é que o corpo com maior temperatura transfira calor para o corpo com menor temperatura até que os dois corpos entrem em equilíbrio. Essa formulação nunca deixou meus pensamentos. Por mais simples e óbvia que ela parecesse, carregava algo de inexorável que havia se fixado em mim. Eu me lembrava daquelas palavras escritas em giz branco com a letra cursiva do professor no enorme quadro verde-escuro, que àquela altura chamávamos de quadro negro. O corpo mais quente vai sempre ceder calor para o mais frio. Nunca o contrário. Não é possível ceder frio, eu pensava. E isso vai acontecer até que a diferença de calor entre os dois simplesmente desapareça. É inevitável que seja assim. Enquanto eu ouvia a explicação do professor, pensava no amor e na morte. Ou melhor, no sexo e na morte. Dois corpos que se encontram e se aquecem mutuamente até encontrarem o equilíbrio, era o que eu imaginava a respeito do sexo. E um corpo que necessariamente esfria depois que o coração para de bater, era a morte. A diferença entre os dois casos estava, para mim, na impressão de que o sexo parecia ser uma promessa impossível ao passo que a morte estava presente e me acompanhava a todo instante. Eu lutava contra isso, mas eu a via em tudo que ainda estava vivo. A vida era isso, como confirmava o professor de física com as palavras escritas ali, algo provisório que lutava para retardar o inevitável: mais cedo ou mais tarde, o corpo mais quente vai ceder calor para o corpo mais frio até que o sistema entre em equilíbrio. A vida era assim: um trabalho contra algo muito maior e muito mais forte. Um trabalho contra uma lei da natureza, que mais dia, menos dia, por exaustão e desgaste da máquina, chegaria ao fim. Aquela ideia me dava náusea, e eu lutava para que ele saísse da minha cabeça, mas aquilo era mais forte do que eu.

    Naquele momento, provavelmente o meu quarto era mais quente do que o lado de fora. O sol atravessava a janela de vidro, o que faz a temperatura aumentar, e eu cedia parte do meu calor e das minhas calorias consumidas na véspera para o ambiente fechado, simplesmente por existir ali. Eu havia bebido muito na noite anterior, como era de praxe naquela época: eu tinha 22 anos e estava prestes a entrar no semestre de conclusão do curso de filosofia na Universidade de Brasília. Mas, naquele momento da minha vida, aquilo que menos me interessava era a filosofia. Eu havia terminado a primeira parte da monografia de conclusão de curso, a dissertação 1 – nessa época, a conclusão do curso de filosofia era composta de duas dissertações, uma primeira introdutória e uma segunda mais longa. Nesse primeiro trabalho, eu tentava demonstrar que a filosofia não era a nossa melhor ferramenta para compreender o sentido da vida. E, depois de cinco argumentos teóricos, eu chegava à conclusão óbvia de que o melhor instrumento de medição do sentido da vida era o frio na barriga. E que isso, o frio na barriga, não era assunto da filosofia, mas da vida em si. Ou seja, para compreender a vida, o melhor caminho seria a própria vida, e não algo separado dela. Nessa época, eu era tomado por paixões arrebatadoras a cada esbarrão nos corredores da faculdade ou nos bares da cidade. Aquilo que eu sentia parecia obviamente ser o sentido da vida. E o que realmente a filosofia poderia me revelar a esse respeito? A dissertação 1 havia sido festejada pelo meu orientador, que carregava, assim como eu, uma posição infantil de questionamento em relação à filosofia – exatamente por isso eu o havia escolhido –, era a melhor monografia que ele já tinha recebido na vida. Eu, é claro, em consequência da expectativa que havia sido colocada em mim, não tinha a menor ideia de que caminho poderia seguir na dissertação 2. Eu tinha sido capaz de construir argumentos interessantes. Mas, logo depois, tudo aquilo pareceu vazio e sem sentido. Apenas um exercício retórico. Mais um.

    Enquanto eu apertava os olhos com força a fim de conseguir abri-los, pensava que estava sozinho em casa e que, se o telefone não parasse de soar, eu teria mesmo de atendê-lo. Àquela altura, eu morava praticamente sozinho. Era uma casa de cinco níveis, dispostos em uma espécie de diagonal, de modo que o quarto dos meus pais ficava em cima da sala, o quarto do meu irmão, em cima da cozinha, o meu, em cima do escritório da minha mãe e, o sótão, no topo da casa. Mas, nessa manhã, como em tantas outras desse período, não havia mais ninguém ali além de mim.

    Meu pai foi embora de casa quando eu tinha em torno de 12 anos. Meu irmão mais velho se mudou para o Rio de Janeiro quando eu tinha 17. E minha mãe, nos últimos tempos, estava mais em São Paulo do que em Brasília, porque tinha decidido fazer mestrado e análise por lá.

    Estar só na casa era bom e ruim. Eu me sentia livre e potente. Dono da minha própria existência. Sem ninguém para regular ou julgar absolutamente nada. Mas me sentia ao mesmo tempo muito sozinho e, miseravelmente, tinha muito medo do escuro e do ranger da madeira durante a noite – o medo sempre me acompanhou e me acompanha até hoje. Por essa ou por outra razão, só conseguia me deitar já estando completamente bêbado.

    Ao me sentar na cama, tive a impressão de que o quarto rodava ao meu redor. Senti o peso dos meus pés no chão. E, se o telefone não insistisse de maneira tão intrusiva, eu não teria conseguido me levantar.

    Caminhei pelo quarto, rodei as duas voltas da chave da fechadura da porta do quarto e a abri.

    Apoiei a mão esquerda no corrimão de madeira enquanto a direita fazia um contrapeso deslizando pela parede.

    Desci os oito degraus do primeiro nível e pisei no hall que ficava em frente ao quarto dos meus pais, agora vazio.

    Segui o mesmo procedimento para descer o próximo lance de escada, mais oito degraus.

    O telefone tocava e pouco se passava pela minha cabeça. Eu não sentia raiva. Apenas enjoo e uma sensação leve de apreensão, talvez causada pelo toque agudo e estridente do telefone.

    Quando pisei no hall que dividia o espaço entre a cozinha e o escritório da minha mãe, uma forte náusea tomou conta de mim. Pensei que precisava ir ao banheiro e imaginei que seria isso que eu faria logo depois de atender ao telefone. Mais alguns passos até o escritório e finalmente puxei o telefone do gancho. Colei-o ao meu ouvido e disse alô?.

    Entre a minha pergunta e o que viria logo depois, a resposta, ouvi uma respiração do outro lado. Uma respiração entrecortada.

    Nada além disso.

    Ilustração circular para marcar a divisória de parágrafos

    Hoje, tentando recuperar os detalhes, percebo que já havia ali algo de errado. Nesse período da minha vida, meu pai costumava me ligar todos os dias pela manhã. Em torno de 7h. Ele havia acabado de se mudar para uma pequena casa em Paraty, no Rio de Janeiro, e morava lá sozinho. Não era a primeira vez que ele morava sozinho. Era assim desde que tinha saído de casa. Mas, nesse período, parecia sempre muito solitário. Na época, eu não entendia muito bem a sensação de solidão. Hoje a compreendo um pouco melhor, mas, naquele momento da minha vida, eu simplesmente lutava para não estar sozinho. Nunca. E isso tinha a ver com o medo que eu sentia, e não com a solidão propriamente dita. Em razão disso, eu não compreendia muito bem a necessidade que ele tinha de falar comigo todos os dias mesmo que não tivéssemos na prática nenhum assunto. A conversa seguia mais ou menos do mesmo jeito a cada dia que passava: eu atendia, de modo geral enfrentando uma ressaca atroz, ele dizia do outro lado: Bom dia, filhinho. Eu respondia: Bom dia, pai. E ele completava com um: Novidades?. Ao passo que eu retrucava: Nada, pai.

    A PRIMEIRA CENA DO AEROPORTO

    Estávamos só nós dois em casa e passamos a tarde arrumando a sua mala. Ele iria viajar naquele dia para Paris, onde ia dar início ao pós-doutorado. Ele era professor de antropologia na Universidade de Brasília. A minha mãe estava no trabalho e meu irmão havia saído. Provavelmente estava na faculdade. Eu fiz uma lista das coisas que queria que meu pai trouxesse para mim da viagem. Escrevi os itens em uma folha do meu caderno, destaquei e entreguei para ele. Eu disse: Essas são as encomendas, mas se você quiser me trazer algum presente, não tem problema. Ele sorriu e me deu um abraço. Nós éramos muito próximos nessa época, era a impressão mais sincera que eu tinha. Eu confiava muito nele e achava incrível tudo que ele me propunha. E me parecia que ele sentia o mesmo em relação a mim. Ele disse, dobrando a lista e colocando-a no bolso, que queria que eu o levasse ao aeroporto, mas que antes tinha de passar na universidade para pegar alguns papéis de que precisaria na viagem. Eu aceitei o convite, muito animado. Hoje percebo que não me perguntei como eu retornaria do aeroporto sozinho depois que ele embarcasse. Mas, como eu confiava cegamente no meu pai, imagino que devo ter pensado que ele daria um jeito nisso, como sempre dava. E, ademais, me senti muito orgulhoso de levá-lo sozinho ao aeroporto. 

    Entramos no carro e seguimos até a universidade em silêncio. Não era comum o silêncio entre nós, sempre parecíamos ter algum assunto, mas também não era incômodo não falarmos nada. 

    Descemos do carro e caminhamos em direção ao departamento de antropologia.

    Eu conhecia muito bem aquele caminho. Meu pai costumava me levar para assistir às suas aulas desde que eu tinha em torno de 8 anos.

    Mais tarde, aquele seria o mesmo estacionamento que eu usaria para ir ao departamento de filosofia durante os 4 anos do curso.

    Entramos no prédio do Instituto Central de Ciências, viramos à direita e seguimos para o departamento de antropologia, que ficava no primeiro andar. Meu pai cumprimentou a secretária do departamento e mais algumas pessoas pelo caminho até que chegamos à sua sala. Eu sempre achei incrível que ele tivesse ali uma sala com o seu nome na porta.

    Pensando agora, eu não tenho certeza de que o seu nome estava de fato na porta, mas tenho uma memória muito vívida de que era esse o caso.

    Ele abriu a porta, foi até a sua mesa, organizou alguns papéis e os colocou na sua pasta de couro marrom, que eu adorava. Foi até a estante e pegou alguns livros. Colocou-os também dentro da pasta.

    — Pronto — ele disse. — Vamos?

    Fiz que sim com a cabeça, ele abriu a porta e nós saímos.

    Nos despedimos mais uma vez da secretária e seguimos de volta na direção do estacionamento onde o carro havia ficado. Logo que descemos as escadas, o meu pai disse que tínhamos agora de ir à pós-graduação da antropologia, que ficava em um outro lugar dentro do mesmo prédio. Eu nunca havia ido lá, mas segui ao seu lado.

    Enquanto caminhávamos em silêncio, meu pai disse, sem aviso prévio:

    — Sabe, filhinho, eu estou apaixonado por uma pessoa.

    Eu olhei para ele literalmente sem entender o que aquilo queria dizer. Ele e minha mãe eram casados há mais de 25 anos. Eles já haviam brigado algumas vezes durante esse tempo. Brigas que eu preferia esquecer em função do seu conteúdo violento. Mas eu não poderia imaginar algo daquele tipo. Especialmente porque a maneira como o meu pai disse aquela frase simplesmente desconsiderava a existência da minha mãe. Ele sequer se deu o trabalho de dizer "estou apaixonado por outra pessoa".

    A minha reação de espanto foi tão grande, e acho que ele não esperava por isso, que ele tentou se corrigir da pior maneira – ou pelo menos eu fantasiei que aquilo era uma tentativa de correção:

    — Mas é uma coisa platônica. Não precisa se preocupar. Eu vou continuar com a sua mãe.

    Eu fiquei tão confuso ouvindo aquela sequência de frases que não consegui responder nada. Pensei sobre o significado da palavra platônico. Platônico queria dizer, para mim, àquela altura, algo que não se concretiza. E eu considerava que todos os meus amores eram platônicos, no sentido de que eu nunca tinha tido coragem de me declarar para ninguém, mas não no sentido de que eu não queria que aquilo acontecesse. Assim, o que ele estava me dizendo naquele momento era que ele queria que aquilo acontecesse, mas que não era possível. E só não era possível em função da minha mãe. O que o impedia era a minha mãe. Essa ideia, que parecia ter o intuito de me tranquilizar, àquela altura da vida, parecia simplesmente errada. Na minha cabeça, ou melhor, na cabeça daquele menino que caminhava com o pai antes de ouvir essa sequência de frases, um relacionamento e o desejo de estar em um relacionamento deveriam ser a mesma coisa. É o amor que vale. E o fato de dizer que o desejo dele estava em outro lugar que não na nossa casa, não com a minha mãe, já destituía o valor de verdade absoluta que a minha família tinha para mim. Tudo agora parecia um tipo de farsa que ele levava adiante em razão de uma imagem. Não por amor, por um acordo. Ou pior, por hábito.

    Seguimos andando pelo longo corredor do Instituto Central de Ciências – até que ele virou à esquerda para descer um lance de escada. A pós-graduação da antropologia ficava no subsolo, bem perto de onde fica o departamento de filosofia.

    Quando chegamos à porta do departamento, uma moça estava lá à nossa espera. Ou pelo menos parecia estar à nossa espera. Eu estranhei aquilo, nunca a havia visto. Ela sorriu e disse num tom jocoso:

    — Oi, professor.

    Eles se abraçaram, e ele disse:

    — Esse aqui é o meu mais novo, o Emanuel.

    Ela sorriu para mim e disse:

    — Oi, Emanuel. Prazer. Eu já ouvi muito falar de você.

    Eu não respondi nada, e meu pai emendou:

    — Essa é a Isadora, filho.

    Eu detestei aquilo com todas as minhas forças. Permaneci em silêncio. Tive vontade de gritar e de sair correndo dali. As lágrimas começaram a brotar dos meus olhos, mas segurei o choro com um nó na altura da garganta, como eu fazia muitas vezes. Por sorte, o subsolo era escuro e eu tive a impressão de que eles não notaram o que se passava no meu rosto.

    — Vamos? — disse o meu pai para Isadora.

    — Sim — ela respondeu.

    E seguimos de volta na direção da escada por onde havíamos acabado de descer. Naquele momento, eu entendi que tínhamos ido até ali só para encontrá-la. Quando chegamos de volta ao térreo e encontramos a luz do dia, estacamos na saída da escada. Isadora disse:

    — Meu carro está pra cá — apontando para a esquerda.

    O nosso carro, a camionete branca do meu pai, estava do outro lado, mas ele respondeu:

    — Tá bom, vamos por aqui, então, eu só tenho que pegar a mala na camionete.

    E seguimos para a esquerda, na direção do carro de Isadora.

    Eu me senti como uma coisa que eles poderiam levar para um lado ou para o outro e tanto fazia. Era como se eu simplesmente não estivesse ali. E me pergunto por que estava, afinal?

    Caminhamos pelo estacionamento até que Isadora apontou para um Uno Mille preto e disse:

    — O meu é aquele ali.

    Ironicamente, aquele carro era quase idêntico ao Uno Mille que a minha mãe tinha naquela época. Eu adorava carros àquela altura da minha vida, de modo que esse não era um detalhe qualquer.

    Ela abriu a porta do motorista com a chave, entrou no carro e se esticou para a abrir a porta do carona. Meu pai jogou a pasta marrom em cima do banco do carona enquanto ela abria a porta detrás para que eu entrasse.

    — Vou buscar a mala e volto — disse o meu pai logo antes de bater a porta.

    Eu entrei no carro e me sentei em silêncio. Isadora fechou a porta e ficamos os dois ali em silêncio. Não existiam celulares nessa época, então não havia como se esconder.

    Ela virou o pescoço para trás e sorriu para mim, num misto de ternura e constrangimento. Eu me esforcei pouco para sorrir de volta e imagino que a expressão no meu rosto não deveria ser das melhores. O carro estava abafado, mas nenhum de nós dois abriu os vidros. Eu me lembro de ter olhado para o reflexo de Isadora pelo retrovisor e de ter pensado que ela era bonita e jovem. Muito mais jovem do que a minha mãe. E me odiei por ter pensado isso. Permanecemos em silêncio até que o porta-malas se abriu atrás de mim. Meu pai despejou a sua mala ali, fechou com força, como era de costume para ele, abriu a porta do banco do carona, jogou sua pasta marrom no banco de trás, ao meu lado, sentou-se, bateu a porta e disse:

    — Vamos?

    Isadora sorriu e deu a partida.

    Eu não me lembro do que eles conversaram enquanto Isadora dirigia a caminho do aeroporto. É certo que não ficaram em silêncio, mas eu estava envolto em uma espécie de atmosfera de sonho. Eu não ouvia nada. De alguma forma, a distância entre a realidade que eu experimentava agora e aquela que eu havia experimentado meia hora atrás – quando estava sozinho com meu pai a caminho do aeroporto no papel de filho preferido, de única pessoa que importa no mundo para ele – era grande demais para que eu conseguisse continuar a ouvir a conversa.

    Lembro de olhar pela janela e observar a monotonia tão comum das avenidas de Brasília. Talvez eu simplesmente estivesse buscando uma paisagem familiar para me afastar de onde eu estava.

    Mas era inevitável que alguns pensamentos estúpidos atravessassem a minha cabeça. Como uma comparação entre a textura do banco daquele Uno Mille com o Uno Mille da minha mãe. Aquele era mais macio, eu pensava. Ou, ainda, uma ideia mais esdrúxula, hoje me parece, de por que o meu pai deixava que ela dirigisse o carro, o contrário do que acontecia com a minha mãe. Como se eles já fossem um casal. Como se aquilo fosse a minha realidade de fato. E era! É claro. Mas não fazia sentido normalizar aquilo.

    Eu não disse uma palavra no caminho inteiro. E, até onde consigo me lembrar, nenhum dos dois disse nada dirigido a mim. O que é provável que não seja verdade. Pensando em retrospecto, é provável que o meu pai tenha tentado puxar algum assunto para quebrar o gelo. Ou será que ele nem mesmo percebia que existia gelo ali? Será que ele simplesmente não se dava conta do meu mal-estar?

    Chegamos finalmente ao

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1