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Temas de anestesiologia - 2ª edição: Para o curso de graduação em medicina
Temas de anestesiologia - 2ª edição: Para o curso de graduação em medicina
Temas de anestesiologia - 2ª edição: Para o curso de graduação em medicina
E-book1.019 páginas10 horas

Temas de anestesiologia - 2ª edição: Para o curso de graduação em medicina

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Sobre este e-book

A partir do conceito de Pitágoras, no século VI a.C., que concebe a mousiké como uma manifestação artística que envolve muito mais do que uma reprodução técnica de sons e se relaciona com conceitos filosóficos de harmonia, cosmos e logos, a autora mergulha no século XX. Estuda então os compositores Alexander Scriabin e John Cage, verificando como eles apresentam vários pontos em comum com o pensamento pitagórico. A música é então valorizada no seu aspecto técnico e, principalmente, no filosófico.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de nov. de 2022
ISBN9788595461376
Temas de anestesiologia - 2ª edição: Para o curso de graduação em medicina

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    Temas de anestesiologia - 2ª edição - José Reinaldo Cerqueira Braz

    1

    AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA

    Yara Marcondes Machado Castiglia

    A avaliação pré-anestésica (APA) consiste de revisão sistemática de fatores fisiológicos do paciente que aumentem o risco intraoperatório. Além da determinação clínica da fisiologia desse paciente, são verificados, também, os efeitos de doenças por ele apresentadas em sua capacidade tanto de tolerar os procedimentos anestésicos a que será submetido quanto de cooperar com medidas de reabilitação pós-operatória. História, exame físico, entrevista de familiares e/ou amigos, dados laboratoriais e de propedêutica armada fornecem informações que ajudarão a planejar os procedimentos anestésicos, aumentando as probabilidades de se obterem bons resultados.

    Deste modo, a APA engloba os passos que seguem.

    1 Definição do estado fisiológico atual.

    2 Determinação de todos os processos patológicos e seus graus de atividade.

    3 Avaliação do estado nutricional.

    4 Delineamento do nível atual de função física, cognitiva e emocional.

    5 Identificação de fatores de risco cirúrgico específicos e de fatores que aumentem o risco de complicações intra e pós-operatórias.

    6 Desenvolvimento de plano de ação que diminua ao máximo os riscos e aumente as possibilidades de bom resultado.

    O desenvolvimento da APA envolve, assim, acúmulo metódico de informações que serão usadas para o perfeito conhecimento do estado do doente.

    O MOMENTO DA APA

    Em grande parte dos hospitais, os pacientes internados para cirurgia são vistos pelo anestesiologista na tarde ou na noite anterior à cirurgia, quando se estabelece, então, o relacionamento médico-paciente e/ou o relacionamento entre o anestesiologista e os familiares do doente. Se houver necessidade, entretanto, de exames laboratoriais mais completos e de consultas a outros profissionais, nem sempre, nesse exíguo tempo, serão executados esses complementos da APA em doentes em situação mais complicada. Portanto, hoje já se sabe da necessidade de avaliar os doentes cirúrgicos com alguns dias de antecedência, quando haverá tempo maior para investigações adicionais que se fizerem necessárias e para discussão subsequente com algum outro colega ou com o próprio cirurgião envolvido. Assim, resolve-se, também, a APA dos doentes ambulatoriais, uma vez que é inaceitável não os avaliar. Ter o primeiro contato com os pacientes quando eles já estão na mesa cirúrgica é seriamente questionado, já que muito pouco de uma APA pode ser genuinamente desenvolvido nessa etapa. Nessas circunstâncias, mesmo que os exames rotineiros tenham sido realizados, não há possibilidade de realizar exames adicionais, ou mesmo consultas, sem que se criem inconvenientes para o paciente, seus familiares, o cirurgião e o pessoal da sala cirúrgica. Além do mais, essa situação já estabelecida constitui pressão para se ir em frente com determinada cirurgia, em ocasiões em que o anestesiologista está com reservas a respeito da segurança do doente. Se algum acidente acontecer durante o ato anestésico-cirúrgico, poderá haver implicações de ordem médico-legal e, portanto, também por esse motivo, a melhor prevenção é nunca permitir que qualquer paciente inicie os rituais intraoperatórios sem que tenha a APA completa.

    PADRÕES BÁSICOS PARA CUIDADOS PRÉ-ANESTÉSICOS

    Os padrões de condutas para APA publicados pela Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA) são muito pertinentes e aplicam-se a todos os pacientes que recebem anestesia ou cuidados de monitorização anestésica, motivo pelo qual serão aqui identificados. Sob circunstâncias inusitadas, isto é, emergências, estes padrões podem ser modificados. Quando for esse o caso, as circunstâncias deverão ser obrigatoriamente documentadas no prontuário do paciente. Desse modo, um anestesiologista deverá ser responsável pela determinação do estado físico do paciente, desenvolvendo plano de cuidados anestésicos e informando ao doente ou ao adulto responsável por ele. O desenvolvimento de plano apropriado de cuidados anestésicos baseia-se em:

    1 revisão de prontuário médico;

    2 entrevista e exame do paciente para

    2.1 discutir história médica, experiências anestésicas prévias e terapia de drogas;

    2.2 avaliar aqueles aspectos da condição física que afetarão decisões relacionadas com os cuidados e riscos intraoperatórios;

    3 obtenção e/ou revisão de exames e consultas necessários para a execução da anestesia;

    4 Determinação de prescrição apropriada de medicações pré-operatórias, necessárias para a execução da anestesia.

    O anestesiologista responsável pelo doente verificará se aquilo que foi anteriormente exposto foi corretamente realizado e documentado em seu prontuário.

    ESTADO FÍSICO E RISCO ANESTÉSICO-CIRÚRGICO

    Uma vez avaliado o doente, seu estado físico é escalonado para determinação do risco anestésico-cirúrgico. O mais conhecido dos sistemas com essa finalidade é o da ASA, que é subjetivo e apresenta cinco classes.

    • ASA I – Nenhuma evidência de distúrbio fisiológico, bioquímico ou psiquiátrico; o processo patológico que necessita de cirurgia não é sistêmico.

    • ASA II – Presença de distúrbio sistêmico de grau leve a moderado, resultante ou do problema que requer a cirurgia ou de outros processos.

    • ASA III – Presença de doenças sistêmicas graves.

    • ASA IV – Presença de doenças sistêmicas graves com padrões já instalados de insuficiência e que constituem ameaça à vida, não sendo, necessariamente, corrigidas com cirurgia.

    • ASA V – Classificação para pacientes moribundos com probabilidade mínima de sobrevivência.

    Após a determinação do risco anestésico-cirúrgico, estabelece-se a relação entre este e o benefício que advirá, ao doente, da cirurgia. Essa relação, quando tende mais para o risco, deve direcionar o anestesiologista no sentido de prestar esclarecimentos ao cirurgião e ao doente, ou à família deste. Dependendo do caso, ele pode tanto se furtar de executar o ato anestésico quanto mudar todo o planejamento anestésico-cirúrgico, ou parte dele, sempre visando à diminuição do risco para o paciente. Afinal, deve ser axiomático que, para ser submetido à cirurgia eletiva, qualquer doente deva estar no melhor de seu estado físico e mental.

    Nesse ponto, faz-se diferenciação entre as cirurgias não eletivas, isto é, as de urgência e as de emergência, para ficar caracterizada a possibilidade da APA. A cirurgia de urgência tem de ser realizada dentro de curto período de tempo, porém não imediatamente, uma vez que não há perigo iminente de perda de função orgânica ou da própria vida. A cirurgia de emergência, pelo contrário, tem de ser efetuada de imediato quando se configuram os perigos já descritos. Muitas vezes, entretanto, mesmo em situações de emergência pode-se e, portanto, deve-se pelo menos iniciar o equilíbrio das condições orgânicas do doente, diminuindo-lhe os riscos.

    A experiência em APA mostra que o contato inicial do anestesiologista com o paciente é ponto fundamental. Quantidade inesgotável de informações é obtida nesse momento, quantidade diretamente proporcional ao interesse do profissional por sua especialidade e, como consequência, por seu doente, aos conhecimentos clínicos desenvolvidos durante o exercício dessa especialidade e, evidentemente, à capacidade de observação do anestesiologista adquirida e/ou aprimorada à custa de muito executar a APA. Dentre essas informações conseguidas por observação simples, porém obtidas como um todo, podem-se citar:

    • idade biológica, tão ou mais importante que a idade cronológica;

    • estado geral, de consciência, nutricional e emocional;

    • raça, a qual, quando negra ou mestiça de negra e qualquer outra raça, deve sempre direcionar para a pesquisa de anemia falciforme, principalmente para a forma heterozigota, que pode ser assintomática se condições adversas não ocorrerem; a substituição da valina pelo ácido glutâmico na posição 6 da cadeia β da hemoglobina (hemoglobina S) determina a condição conhecida como anemia falciforme – o sangue dos indivíduos falcêmicos tem menor afinidade pelo oxigênio como resultado da polimerização intracelular da hemoglobina S e de altos níveis de 2,3 DPG; o efeito Bohr (redução da afinidade da hemoglobina pelo oxigênio quando se adicionam íon hidrogênio e dióxido de carbono ao sangue) está aumentado nesses indivíduos e uma dada redução no pH tecidual também determina maior decréscimo na afinidade da hemoglobina pelo oxigênio; a P50 (tensão de oxigênio sanguínea na qual 50% dos sítios de ligação da hemoglobina estão saturados) mais alta, então, facilita a saída de oxigênio, explicando porque esses indivíduos podem tolerar muito bem a anemia crônica grave; por outro lado, P50 mais alta igualmente favorece a formação de deoxihemoglobina, responsável pelo aumento da polimerização da hemoglobina S, que provocará crise falcêmica se o pH periférico diminuir;

    • deformidades físicas que dificultem técnicas anestésicas;

    • tipo respiratório;

    • edemas etc.

    Dando continuidade à APA, o anestesiologista apresenta-se ao doente como aquele médico que ficará ao seu lado durante todo o tempo da cirurgia, sendo o responsável pelo seu conforto e pela manutenção de suas condições orgânicas, bem como pela execução da técnica anestésica mais adequada. Dependendo do tipo de cirurgia, várias técnicas poderão ser empregadas e a escolha poderá ficar a cargo do próprio doente, de sua família (no caso de criança) ou do cirurgião sempre que as condições gerais do paciente forem satisfatórias. Caso contrário, embora um dos objetivos da anestesia seja proporcionar bom campo cirúrgico, a escolha da técnica anestésica ficará subordinada ao que for melhor para o doente, diante de suas más condições, e será de responsabilidade do anestesiologista, responsabilidade, aliás, intransferível.

    À medida que o médico e o paciente vão travando conhecimento recíproco, estabelece-se, entre os dois, um relacionamento que desempenha papel muito importante na quebra da ansiedade natural desenvolvida pelo paciente.

    Durante a obtenção das informações gerais, além do confronto das idades cronológica e biológica, a profissão exercida pelo doente também pode direcionar a APA. Observam-se, diariamente, exemplos marcantes da importância desses conhecimentos pelo anestesiologista, quando se constata que, para o mesmo tipo de cirurgia, é mais tranquilizador o ato anestésico no idoso com idade biológica visivelmente menor que a cronológica do que na situação inversa. Quanto à profissão, para melhor conhecimento do organismo que se vai anestesiar, que se leve sempre em conta o antigo e sábio ditado popular que diz: O ferreiro malha o ferro e o ferro malha o ferreiro. Nesse contexto, o indivíduo que é aposentado e leva vida sedentária passa a ser quase uma incógnita, para o profissional, quanto às respostas que poderá apresentar ao estresse anestésico-cirúrgico.

    Existem algumas situações gerais durante a APA cuja influência sobre o ato anestésico é de suma importância, necessitando esclarecimentos. É o caso das anestesias e cirurgias anteriores a que o doente já se submeteu, que trazem informações sobre a história pregressa de doenças, ajudando a conhecer melhor as respostas do doente às drogas e às técnicas anestésicas e aquelas a que mais se adaptou. Devem ser formuladas, também, questões sobre anestesia em familiares para se verificar a ocorrência de doenças como a hipertermia maligna (HM), grave e hereditária (autossômica dominante, associada provavelmente a mais de um gene, nem todos os suscetíveis compartilhando do mesmo padrão genético). Trata-se de afecção primária do músculo esquelético caracterizada por resposta hipermetabólica a anestésicos voláteis (halotano, enflurano, isoflurano, sevoflurano e desflurano) e succinilcolina. A incidência da HM varia nas diferentes populações estudadas, em virtude da exposição aos agentes desencadeantes e da natureza genética da síndrome. Em geral, ela incide a cada 50.000 anestesias, ocorrendo nos indivíduos das raças branca e amarela de ambos os sexos. Entretanto, as crises são mais comuns em homens e crianças (nestas, a incidência é de uma em cada 15.000 anestesias) e raras em idosos. Os episódios de HM podem ocorrer a qualquer momento durante a anestesia e até 3 horas após a interrupção da exposição ao agente desencadeante. O hipermetabolismo é expresso por rigidez muscular, aumento do consumo de oxigênio e da produção de dióxido de carbono, acidemia (respiratória e metabólica), cianose, taquicardia, taquipneia, hiperpotassemia, rabdomiólise e mioglobinúria. Nem sempre a febre é manifestação inicial ou proeminente da HM. A crise de HM deve-se primariamente à elevação do teor de cálcio intracelular, que é liberado excessiva e continuamente do retículo sarcoplasmático para o citosol da fibra muscular esquelética, iniciando cascata de eventos bioquímicos que incluem desacoplamento da fosforilação oxidativa (gerando produção excessiva de calor), glicólise anaeróbica (com subsequente acidose lática), interação actina-miosina (causa da contração muscular mantida), falência dos estoques de ATP e lesão da membrana celular (extravasamento de substâncias intracelulares como K+, Ca²+, creatinoquinase e mioglobina), ativação de pró-coagulantes etc. Nas crises, o diagnóstico de HM é fundamentado no quadro clínico. A maior utilidade dos exames complementares é a avaliação das complicações e da resposta ao tratamento. A capnografia tem grande valor no diagnóstico precoce da HM e na avaliação da resposta ao tratamento. Elevações acentuadas no CO2 do gás expirado (ETCO2), do sangue venoso (PvCO2) e do sangue arterial (PaCO2) e na diferença venosa-arterial de CO2 são observadas precocemente nos casos fulminantes, mas podem ser atenuadas por hiperventilação nas crises moderadas. Destacam-se, ainda, aumentos sanguíneos do potássio, da creatino-fosfoquinase (CPK, 12 a 24 horas após o início da crise) e da creatinina e distúrbios da hemostasia. Fora da crise, a suscetibilidade do indivíduo é confirmada pela resposta do músculo isolado (espécime de biópsia) a concentrações crescentes de halotano e cafeína. O diagnóstico da HM tem de ser suspeitado porque as manifestações clínicas e laboratoriais são inespecíficas e ocorrem em incidência variável. Taquicardia, taquipneia, hipercarbia, acidose respiratória, acidose metabólica, cianose, rigidez de masséter, rigidez muscular generalizada, rabdomiólise, mioglobinúria, disritmias, má perfusão cutânea, hiperpotassemia, diaforese, elevação da temperatura, instabilidade hemodinâmica e alterações da coagulação determinam confusão com diversas situações clínicas. Situações comuns que devem ser diferenciadas da HM incluem anestesia superficial, hipoventilação, bloqueio neuromuscular esvaecendo, infecção (bacteremia), reações transfusionais, abstinência alcoólica e hiperaquecimento iatrogênico. Situações mais raras seriam lesões hipotalâmicas, feocromocitoma e tireotoxicose. Por outro lado, diversas drogas podem desencadear manifestações semelhantes às da HM: neurolépticos e lítio (Síndrome Neuroléptica Maligna), inibidores da monoaminoxidase, anfetamina, cocaína, antidepressivos tricíclicos, atropina, glicopirrolato, metoclopramida, cetamina etc. As principais complicações da HM são a hipertensão arterial (fase inicial), o colapso circulatório (choque), as disritmias cardíacas, os distúrbios da hemostasia (coagulação intravascular disseminada), a insuficiência renal aguda. Frequentes e, eventualmente, fulminantes, tais complicações contribuem para a gravidade da HM. O tratamento da crise de HM consiste de:

    1 interrupção da exposição aos agentes desencadeantes;

    2 hiperventilação com O2 a 100%;

    3 administração de dantrolene – até 10 mg.kg-1 fracionados em doses de 2 mg.kg-1;

    4 controle das complicações, que são:

    a acidemia – com bicarbonato de sódio (2 a 4 mEq.kg-1 por via intravenosa) e hiperventilação;

    b hipertermia – utilizando resfriamento com solução salina intravenosa (IV), lavagem gástrica, vesical, intraperitoneal e colchão térmico;

    c hiperpotassemia – com cloreto de cálcio a 10% (10 ml IV), glicose a 50% (50 ml), insulina (5 a 10 U IV), bicarbonato de sódio e hiperventilação;

    d insuficiência renal aguda – com hidratação e diuréticos;

    e disritmias cardíacas – com antiarrítmicos e correção da hiperpotassemia;

    f choque – com melhora da volemia e drogas cardiotônicas e vasoativas;

    5 prevenção de recrudescência das crises por:

    a observação em unidade de terapia intensiva durante 48 horas;

    b administração de dantrolene 1 mg.kg-1 IV a cada 6 horas, durante 48 horas.

    Se o paciente encaminhado para cirurgia é suscetível confirmado ou potencial:

    • quando possível, considerar confirmação diagnóstica (biópsia muscular);

    • evitar exposição a agentes desencadeantes;

    • monitorizar com capnografia e temperatura central;

    • garantir disponibilidade imediata de dantrolene sódico;

    • observá-lo no pós-anestésico durante pelo menos 3 horas.

    A administração profilática de dantrolene sódico, que inibe a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático, restringe-se a situações excepcionais:

    história pessoal pregressa de HM desencadeada por estresse;

    disfunção cardiocirculatória ou renal que torne o paciente incapaz de tolerar a fase inicial de episódio de HM.

    Existem formas clínicas frustras com resolução espontânea e episódios nos quais a hipertermia pode estar ausente ou aparecer tardiamente. Desse modo, face à rigidez de masséter, recomenda-se interromper intervenções eletivas e proceder oportunamente à biópsia muscular. A hipertonia de masséter durante o ato anestésico associa-se, em 50% a 60% dos pacientes, à suscetibilidade, comprovada em laboratório, à HM. Caso não seja possível interromper o procedimento operatório, substituem-se anestésicos desencadeantes por outros considerados seguros, acompanhando a evolução. O dantrolene é utilizado quando estiverem presentes manifestações de HM.

    O diagnóstico precoce e o tratamento específico fazem a mortalidade devida à HM reduzir-se a menos de 10%.

    Outra situação importante é saber da possibilidade de mulheres em idade fértil estarem grávidas, porque drogas utilizadas durante o ato anestésico-cirúrgico podem ser teratogênicas se administradas durante a embriogênese. Deve ser, ainda, investigada a tendência ao sangramento que o paciente apresenta, para se diagnosticarem alterações da coagulação sanguínea. É preciso levar em conta, também, a presença de anormalidades visíveis ou características anatômicas que possam comprometer a intubação traqueal, como tumores de pescoço que estejam comprimindo ou desviando a traqueia; dificuldade em estender o pescoço ou abrir a boca; presença de língua grande, micrognatia e dentes protrusos; falha ou má conservação da dentição – este pormenor deve ser posto em evidência porque, durante a intubação, focos de infecção podem ser enviados ao pulmão, contribuindo para a morbidade do órgão no pós-operatório.

    O peso do paciente, por ocasião da APA, é outra condição que pode interferir em todo o organismo, como veremos a seguir, e envolve, necessariamente, o conceito de peso ideal. O peso pode ser estimado segundo vários padrões e de várias maneiras. Uma delas é considerar, para homens, o peso ideal em quilos igual à altura em centímetros menos 100 (cem); e, para mulheres, menos 105 (cento e cinco). Para saber se o peso do paciente está aquém ou além do ideal, utiliza-se um índice clínico, o Índice de Massa Corpórea (IMC). Assim:

    IMC = Peso (kg) / (Altura)2 (m)

    O valor normal para IMC seria em torno de 25.

    Obesidade

    Pacientes com IMC entre 26 e 29 estariam com excesso de peso; com IMC maior que 30, seriam obesos; e acima de 35, apresentariam obesidade mórbida. Os cuidados para com aqueles que exibem obesidade mórbida devem ser rigorosos, porque eles apresentam alterações fisiológicas que os fazem mais frágeis, determinando maior facilidade de descompensação.

    Os riscos de morte súbita de causa inexplicável, doenças ventilatórias e insuficiência cardíaca são maiores para aqueles que têm pelo menos 60% além do peso ideal.

    O doente morbidamente obeso quando jovem, mesmo não apresentando ainda qualquer evidência de insuficiência funcional, deve ser classificado como ASA II. Em pacientes mais idosos, a obesidade mórbida associa-se a problemas crônicos, como doença cardiovascular e cerebral, doença hepática, coledocolitíase e diabetes mellitus. Além disso, ocorrem distúrbios fisiológicos importantes nos sistemas cardiovascular, pulmonar e gastrintestinal, que são de interesse do anestesiologista.

    No sistema cardiovascular deve ser esperado aumento do débito cardíaco, porque o ganho de peso aumenta a demanda metabólica (o tecido adiposo é metabolicamente ativo) e o volume sanguíneo total. Portanto, pode ocorrer hipertrofia cardíaca.

    Podem ser encontradas, também, hipertensão pulmonar e policitemia, decorrentes, respectivamente, da resposta de vasoconstrição pulmonar à hipóxia alveolar e hipoxemia crônica. Em pacientes mais velhos não é incomum a ocorrência de consequente insuficiência cardíaca direita.

    A hipertensão arterial é muito frequente no paciente obeso e, portanto, ele terá aumento não só da précomo também da pós-carga. O maior trabalho cardíaco favorecerá a dilatação do coração, refletida por aumento de 20% a 50% do diâmetro cardíaco visto ao raio X. Como já foi salientado, pode ser encontrada, também, hipertrofia da parede cardíaca, e supõe-se que aqueles que não a apresentam respondem mal ao estresse cardiovascular, chegando a ser suscetíveis à descompensação cardíaca.

    Portanto, o paciente morbidamente obeso, com o passar dos anos, exibirá insuficiência biventricular.

    No sistema respiratório desse doente, o que se encontra é menor eficiência da musculatura respiratória e maior trabalho para respirar. O tórax e o abdômen, onerados por tecido adiposo, reduzem a complacência torácica. A capacidade residual funcional é menor graças à diminuição do volume de reserva expiratória – o volume residual pouco se altera. Altera-se, entretanto, a relação entre capacidade residual funcional e capacidade de oclusão e, durante o volume corrente, deverá acontecer fechamento prematuro de pequenas vias aéreas. Haverá, portanto, perfusão de áreas não ventiladas e alteração na relação entre ventilação e perfusão. Na posição supina, acentuam-se essas transformações. O resultado deverá ser hipoxemia arterial sem, contudo, mudanças nos valores normais da PaCO2 e na resposta ao aumento do CO2 e à diminuição do O2.

    Como visto, há deterioração na função respiratória; entretanto, quando comparados aos normais, os valores de consumo de O2 e de produção de CO2 são elevados, como resultado da maior demanda metabólica pelo tecido adicional e do aumento na energia despendida para carregar a massa corporal em excesso.

    Se, com o passar do tempo, há aumento da obesidade e do hábito de fumar, alguns pacientes progridem para perda da resposta ao CO2, passando a responder ao estímulo hipóxico para modular a respiração. Este grupo é conhecido como portador da Síndrome da Hipoventilação da Obesidade, que se associa com apneia do sono, hipersonolência diurna e anormalidades potenciais ou manifestas das vias aéreas superiores. Hipoxemia persistente, resultando em hipertensão pulmonar e policitemia, leva à piora final do já alterado espectro respiratório, a Síndrome de Pickwickian – obesidade, hipersonolência, hipercapnia, insuficiência ventricular direita e policitemia.

    A análise da função respiratória do obeso segue as mesmas regras daquela para os não obesos. Entretanto, para os mais velhos, as provas de função pulmonar ajudam na melhor avaliação respiratória. Gasometrias arteriais também são de algum valor, se realizadas nas posições sentada e supina. As alterações respiratórias, quando importantes, devem ser motivo para postergar o ato anestésico-cirúrgico, a fim de se melhorar o estado do sistema.

    A APA cuidadosa das vias aéreas superiores é imperativa para o doente morbidamente obeso, em razão das anormalidades que podem ser encontradas e que dificultarão sua manipulação e manutenção em estado pérvio durante a anestesia, bem como a própria intubação traqueal.

    Em decorrência do acúmulo de tecido adiposo na região, estão limitadas a flexão e extensão da espinha cervical e da articulação atlantoaxial, bem como a abertura da boca. Também bochechas gordas, língua grande, tecido abundante ao redor da faringe e da região supralaríngea podem estreitar a via aérea e impedir visão satisfatória durante a laringoscopia. Além do mais, muitas vezes, a própria laringe pode ocupar posição mais anterior e alta.

    Finalizando, deve-se sempre pesquisar história de dificuldades com as vias aéreas em anestesias anteriores, bem como sintomas sugestivos de apneia durante o sono e hipersonolência diurna, porque é muito comum a ocorrência de obstrução alta nesses pacientes, quando o nível de consciência diminui.

    Com relação ao sistema gastrintestinal, os pacientes morbidamente obesos apresentam maior incidência de refluxo gastroesofágico e hérnia de hiato. Conforme aumenta seu peso, aumenta linearmente a pressão intra-abdominal. Após jejum de rotina, mais de 75% desses pacientes estarão com volume gástrico maior que 25 ml e com pH menor que 2,5.

    Quanto ao fígado, existe disparidade entre sua morfologia, que mostra tecido adiposo aumentado, e sua sorologia bioquímica para determinação de função hepática. Entretanto, a capacidade do fígado de resistir ao estresse é menor nos morbidamente obesos, mesmo quando há normalidade dos testes de função hepática.

    SISTEMA CARDIOVASCULAR

    As doenças cardiovasculares, relativamente comuns, beneficiam-se muito com a APA, que é o momento em que se podem diagnosticar as doenças insuspeitas e melhorar o desempenho orgânico dos doentes com aquelas já conhecidas, porém tratadas inadequadamente. Como os pacientes com doença cardiovascular suportam menos as alterações hemodinâmicas, e em outras funções orgânicas, que ocorrem no intraoperatório, o objetivo, durante a APA, também deve ser o estabelecimento da gravidade desse tipo de doença para se apurar a suficiência do sistema. Se este doente não estiver no melhor de sua forma física e no melhor da forma de seu sistema cardiovascular, é fundamental assegurar-se de que com a APA podem-se adquirir algumas vantagens e tomar providências neste sentido, para que se diminua o risco de complicações intraoperatórias. Ressalte-se que isso é muito importante para a insuficiência congestiva, angina instável e disritmias, condições graves que não são de controle de véspera de cirurgia e que muito contribuem, quando não tratadas ou tratadas inadequadamente, para o aumento da morbidade e mortalidade anestésico-cirúrgicas.

    A angina do peito é condição bastante encontrada no indivíduo de meia-idade e do sexo masculino, porém observada também em mulheres e em jovens do sexo masculino, em número significativo. É relatada pelo paciente como dor retroesternal, em opressão, queimação ou peso ou, ainda, como angústia ou mal-estar torácico de causa indefinida que se irradia para o membro superior esquerdo. Contudo, existem outras localizações também citadas, como a região precordial, o membro superior direito, os ombros, a mandíbula, a região epigástrica. A angina pode ser desencadeada por esforços ou emoções, melhorando com repouso ou com o uso de vasodilatadores coronarianos. Costuma aparecer, também, no repouso, ou somente quando o paciente está em repouso, e sua duração é variável, às vezes não cedendo com a medicação. Uma vez que a doença coronariana não se manifesta apenas com angina e infarto do miocárdio, há que se ter em mente outras condições do paciente que se comportam como fatores de risco: a hipertensão arterial sistêmica, o diabetes mellitus e a história de tabagismo, de dislipidemia ou de infartos em familiares, de disritmias e de insuficiência cardíaca congestiva. A presença de vasculopatia periférica também se associa a doença coronariana.

    Aqueles pacientes com infarto do miocárdio (IM) prévio não devem ser submetidos à cirurgia eletiva antes que se completem seis meses deste IM, senão o risco de outro infarto é grande (cerca de seis vezes maior que o da população geral) e o índice de mortalidade, neste caso, é alto no intra e no pós-operatórios. Assim, se o IM aconteceu em período anterior ao ato anestésico-cirúrgico compreendido entre um e três meses, os riscos de ocorrência de outro IM no perioperatório são de 30%, ou de 15% se houver monitorização agressiva; se o IM aconteceu em período compreendido entre três e seis meses, os riscos caem para 15%, ou 2% com monitorização agressiva; finalmente, se o IM aconteceu há mais de seis meses, os riscos são de 5%, e de 1% se houver monitorização agressiva.

    A hipertensão arterial é definida como pressão arterial sistólica > 160 mm Hg ou pressão arterial diastólica > 95 mm Hg. Ela é considerada de intensidade moderada para grave quando os níveis sistólicos >195 mm Hg ou os diastólicos > 115 mm Hg. De um modo geral, as etiologias incluem a primária (idiopática) ou secundária (renal, endócrina [feocromocitoma, síndrome de Cushing], neurogênica [pressão intracraniana aumentada], toxêmica da gestação ou mecânica [coarctação da aorta]). O ponto de vista que tem prevalecido é o de que se a hipertensão for branda, a cirurgia pode ser realizada, porém se apresentar intensidade de moderada a grave, a avaliação médica completa com instituição de tratamento se faz necessária antes da cirurgia. Se a hipertensão não estiver controlada, durante a anestesia aumentam as possibilidades de flutuações significativas da pressão arterial e da frequência cardíaca, com risco de isquemia miocárdica ou acidente vascular cerebral. A terapia pré-operatória bem conduzida, portanto, e anestesia adequada deverão reduzir os riscos intraoperatórios.

    Por ser a hipertensão arterial condição muito encontrada em pacientes que se submetem à cirurgia de rotina, é válido lembrar que a APA deste paciente deve valorizar: 1. a gravidade da hipertensão, visto que os níveis pressóricos estão diretamente relacionados com a morbidade e mortalidade do intraoperatório; 2. a causa primária da hipertensão; 3. a extensão do envolvimento do coração (como órgão-alvo da hipertensão) por meio de sinais de hipertrofia em eletrocardiograma, raio X de tórax, ecocardiograma; 4. os sinais e sintomas de coronariopatia associada; 5. a suficiência da circulação cerebral e história pregressa de insuficiência; 6. a suficiência da circulação periférica e renal e a função renal; 7. o tratamento pré-operatório anti-hipertensivo com avaliação de possíveis efeitos colaterais e interação com agentes anestésicos; 8. o perfil hemodinâmico da hipertensão e sua relevância para a anestesia.

    Outra situação muito comum em nosso meio, o consumo habitual de grandes quantidades de álcool, tem variedade de efeitos deletérios sobre o sistema cardiovascular. Existe, assim, a cardiomiopatia alcoólica, entidade com características clínicas de dilatação de câmaras cardíacas, hipocontratilidade ventricular, taquicardia, diminuição do débito cardíaco, pressão venosa elevada e edema periférico, sendo que as anormalidades estruturais muitas vezes precedem as manifestações clínicas.

    Disritmias atriais, como fibrilação – a mais comum –, taquicardia e flutter, taquicardia juncional e múltiplos batimentos prematuros são observados. Disritmias ventriculares, desde extrassístoles até taquicardias, foram documentadas após intensa ingestão alcoólica por indivíduos com e sem doença cardíaca aparente.

    Ocorre ainda relação entre álcool e hipertensão arterial, sem que se saiba de que resulta essa associação. O álcool também pode causar angina do peito, ou mesmo infarto do miocárdio, na ausência ou presença de doença coronariana, muito provavelmente por seus efeitos diretos nos vasos coronarianos.

    Goldman et al. (1977) determinaram que fatores pré-operatórios poderiam estimar o desenvolvimento de complicações cardíacas após grandes cirurgias não cardíacas, tendo sido dados pontos a cada uma dessas características: 3ª bulha ou distensão jugular (11); infarto do miocárdio nos seis meses precedentes (10); mais que cinco contrações ventriculares prematuras por minuto (7); outro ritmo que não o sinusal ou contrações atriais prematuras (7); idade acima de 70 anos (5); cirurgia de emergência (4); cirurgia intraperitoneal, intratorácica ou aórtica (3); estenose valvular aórtica importante (3) e má condição geral (3). A soma dos pontos (o total possível é de 53) classificaria os doentes em quatro grupos de risco crescente – classe I, 0 a 5 pontos; classe II, 6 a 12 pontos; classe III, 13 a 25 pontos e classe IV, acima de 25 pontos. Entretanto, angina estável e hipertensão, por exemplo, embora muito comumente encontradas durante a APA, não estão presentes entre esses fatores. O risco para o aparecimento de complicações cardíacas nos períodos intra e pós-operatórios varia de menos que 1% na classe I para aproximadamente 78% na classe IV. Visto que algumas condições que constam da lista de fatores publicada por Goldman et al. podem ser modificadas, o cálculo do índice de risco cardíaco desses autores é útil, no sentido de se ter à mão justificativa quantificada para adiamento de cirurgia quando há possibilidade de melhora nas condições clínicas do paciente.

    Detsky e colaboradores, em 1986, modificaram o índice multifatorial de Goldman adicionando mais variáveis a ele, tendo assim ficado seu índice: idade maior que 70 anos (5); infarto do miocárdio há menos de seis meses (10); infarto do miocárdio há mais de seis meses (5); angina instável há menos de seis meses (10); edema alveolar pulmonar há menos de uma semana (10); edema pulmonar no passado (5); ritmo sinusal e contrações atriais prematuras (5); ritmo não sinusal ou contrações ventriculares prematuras (5); classe III (10) e classe IV (20) da classificação funcional de angina pectoris da Sociedade Cardiovascular Canadense; estenose aórtica grave (20); cirurgia de emergência (10); e mau estado geral (5). O total de pontos seria de 120. Número alto de pontos em ambos os índices seriam previsão de mau prognóstico no pós-operatório. Entretanto, eles não são índices acurados na previsão de morbidade cardíaca de pacientes de baixo risco (Goldman classes I e II).

    Com a finalidade de avaliar a função ventricular esquerda, a New York Heart Association divide funcionalmente pacientes com doenças cardíacas em quatro classes.

    • Classe I – Pacientes sem limitações da atividade física. Não há sintomas cardíacos com as atividades comuns.

    • Classe II – Leve limitação da atividade física. As atividades comuns produzem sintomas cardíacos. Confortável ao repouso.

    • Classe III – Limitação importante da atividade física. Com menos que as atividades comuns já há sintomas cardíacos. Confortável ao repouso.

    • Classe IV – Desconforto com qualquer atividade física. Sintomático ao repouso.

    A porcentagem de mortalidade pós-operatória duplica das classes I (4,3%) para II (10,6%) e da II para a III (25%) e quase triplica da III para a IV (67%).

    SISTEMA RESPIRATÓRIO

    Um bom preparo do paciente que vai para cirurgia eletiva – do ponto de vista respiratório – deve ser imperativo e executado com a maior seriedade, porque as más condições pulmonares pré-operatórias predispõem ao aumento do risco de morbidade e mortalidade no pós-operatório, principalmente por acúmulo de secreções (com consequentes atelectasias e pneumonias) e por espasmo brônquico e bronquite, levando à insuficiência respiratória. A anestesia e a cirurgia vão diminuir os mecanismos de defesa orgânica e alterar a dinâmica pulmonar. Nesse contexto, as cirurgias torácicas e as do andar superior do abdômen são as que induzem mais alterações, e a posição supina e a anestesia geral reduzem a capacidade residual funcional e contribuem para o fechamento das vias aéreas nas áreas dependentes do pulmão, ocorrendo mudanças na relação normal entre ventilação e perfusão pulmonares. Estão mais predispostos os pacientes idosos, com idade igual ou > 70 anos, e aqueles que são submetidos a anestesias para cirurgias de emergência e/ou cirurgias com duração > 180 minutos. Dentre as situações que trazem alterações do sistema respiratório, implicando maior risco para o doente, despontam a obesidade mórbida, o tabagismo, a asma e a doença obstrutiva crônica (muito mais que a restritiva), que são bastante comuns e devem ser pesquisadas exaustivamente durante a APA. A presença de infecção do trato respiratório alto também pressupõe maior risco de morbidade e mortalidade no pós-operatório. O mesmo acontece para as infecções das pequenas vias aéreas em crianças, que podem comprometer a realização da cirurgia, se esta for eletiva. Se a infecção for do trato respiratório alto, há probabilidade de duas a sete vezes maior que a habitual de a criança apresentar efeitos adversos relacionados à respiração no período perioperatório. A probabilidade de ocorrência de efeitos adversos aumenta para onze vezes se houver intubação traqueal.

    Os grandes tabagistas apresentam efeitos da nicotina no sangue, no sistema cardiovascular, nas vias aéreas, no sistema imune e na hemostasia. A abstinência por período de vinte horas pode melhorar a capacidade de transporte de O2 pela hemoglobina e diminuir os efeitos diretos da nicotina sobre o coração, porém aqueles sobre as vias aéreas levam mais tempo para ceder e algumas alterações são irreversíveis. O fumo aumenta a reatividade brônquica e diminui o clearance de muco pelos cílios da árvore respiratória. Com um mês de abstinência, melhoram a tosse e o sibilo; com três meses, o clearance de muco traqueobrônquico. Entretanto, a diminuição da função e da reserva pulmonar, que ocorre com a idade, acelera-se entre os fumantes, sendo muitas vezes de caráter permanente. Acompanhando essas alterações fisiológicas, aumentam as possibilidades de atelectasia, hipoxemia e pneumonia no pós-operatório.

    A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), a grande sequela do tabagismo, pode ser detectada por meio de avaliação mais grosseira durante a APA. Testes simples, realizados à beira do leito, podem dar estimativa do grau de obstrução de vias aéreas de um doente. O teste do tempo expiratório forçado (TEF), por exemplo, mede a duração total da fase expiratória de uma capacidade vital forçada, isto é, capacidade vital (CV) executada no menor tempo possível. O indivíduo normal consegue expirar sua CV em três segundos. Valores do TEF acima de cinco segundos sugerem resistência das vias aéreas aumentada em 40% ou mais. Valores acima de sete segundos sugerem 60% ou mais de comprometimento.

    Outro teste bastante simples, o da chama da vela ou do fósforo, verifica a maior distância na qual o paciente é capaz de apagar a chama. Um indivíduo normal, com a boca bem aberta e sem movimentar as bochechas, apaga à distância maior que 15 cm. Quanto menor for esta, maior a resistência das vias aéreas.

    Pacientes com DPOC e que ainda fumam devem parar de fumar no pré-operatório. Se estiverem apresentando infecção associada, como bronquite, devem ser tratados com os antibióticos adequados; se houver broncoespasmo, tão comum nesses doentes, também com agentes β2-adrenérgicos e anticolinérgicos e com corticosteroides. A fadiga da musculatura respiratória é comum nos doentes crônicos e mais complicados, sendo que as condições que contribuem para a fraqueza muscular necessitam de correção, como, principalmente, a má nutrição, o desequilíbrio eletrolítico e as doenças endócrinas ou metabólicas.

    O asmático – que exige controle anestésico mais delicado e difícil – é doente que deve ter sua doença diagnosticada na APA, obrigatoriamente. A asma caracteriza-se mais como síndrome e a dificuldade em defini-la de forma precisa reflete a limitação do conhecimento sobre os mecanismos fundamentais envolvidos em sua etiopatogenia. Já existe base científica para indicar que ela resulta de interações complexas entre células inflamatórias, mediadores e células e tecidos das vias aéreas. Em 1995, o Instituto Nacional do Coração, dos Pulmões e do Sangue (NHLBI) dos Estados Unidos forneceu a definição que segue: A asma é doença inflamatória crônica das vias aéreas na qual desempenham importante papel mastócitos, eosinófilos, linfócitos T, macrófagos, neutrófilos e células epiteliais. Em pessoas suscetíveis, essa inflamação determina episódios recorrentes de sibilo, dispneia, aperto no peito e tosse, particularmente à noite ou pela manhã. Esses episódios associam-se, normalmente, à obstrução difusa, porém variável, ao fluxo de ar, que frequentemente é reversível de forma espontânea ou com tratamento. A inflamação também desencadeia maior resposta broncoconstritora a uma variedade de estímulos específicos e não específicos. Há, ainda, tendência para doença alérgica e atópica. O paciente asmático nem sempre tem todas essas características presentes.

    As características da asma sobrepõem-se às de outras doenças pulmonares crônicas, obstrutivas ao fluxo de ar, como a bronquite crônica e o enfisema, sendo, às vezes, difícil distinguir uma das outras.

    Durante a APA, obtém-se informação do doente sobre a duração e gravidade da doença e os fatores que precipitam ataques, que devem ser investigados quanto à frequência de aparecimento e à terapia que requerem. Os fatores de risco para aumento da morbidade respiratória no asmático no período pós-operatório incluem idade avançada ( 70 anos), doença pulmonar crônica de base, tempo de anestesia prolongado (> 180 minutos), grandes operações abdominais (região superior do abdômen > região inferior), cirurgia torácica e cirurgia de emergência.

    O preparo pré-operatório do asmático com maior risco de desenvolvimento de complicações pós-operatórias pode incluir a terapêutica com corticosteroides por via oral ou endovenosa, assim como o do asmático que está apresentando sibilos pode incluir, também, emprego de 2-adrenérgicos por inalação. Deve-se lembrar o paciente que o fato de ter melhorado de seus sintomas no pré-operatório não o livra da possibilidade de desenvolvimento de broncoespasmo por vários estímulos no período perioperatório e que a hiperreatividade de suas vias aéreas pode persistir durante várias semanas após episódio de asma. É sempre prudente adiar anestesia e cirurgia do paciente que apresentou recente exacerbação de seus sintomas de asma.

    Na determinação do grau de função das forças elásticas do pulmão, a capacidade vital, facilmente detectada com ventilômetro e máscara, é fundamental. No indivíduo normal, ela é igual a 70 ml.kg-1, podendo apresentar ligeiras variações que dependem da idade, da altura e do sexo. Quanto menor ela tiver se tornado em determinado paciente, maior a restrição que o pulmão apresentará. Sem o ventilômetro à beira do leito, a CV pode ser estimada, pela percussão dígito-digital da sonoridade pulmonar, durante inspiração e expiração máximas. Os limites, em centímetros, da excursão diafragmática – normal de 6 cm – direcionam para comprometimento da elasticidade pulmonar quando estiverem alterados para valores muito menores que o normal.

    Quando a história do doente sugerir alteração pulmonar, tanto para a restrição quanto para a obstrução, e os testes que estimam a mecânica respiratória, descritos até aqui, sugerirem essa alteração, devem ser solicitadas provas específicas de função pulmonar. Essas provas também serão solicitadas para a avaliação daqueles pacientes que apresentam dispneia aos grandes e aos moderados esforços, diagnosticando broncoespasmo e quantificando a resposta à terapêutica com broncodilatador. A dispneia aos esforços leves e ao repouso podem constituir contraindicação de anestesia, salvo nos casos em que a condição cirúrgica está influenciando este sintoma, o que deverá ser atenuado no pós-operatório. O paciente deve ter diagnosticada a condição clínica que o está levando a tal estado, para possível correção. As deformidades da parede ou da coluna torácicas também tornam um paciente candidato à realização de provas de função pulmonar, assim como a cirurgia para ressecção pulmonar.

    SISTEMA URINÁRIO

    Um doente apresenta algum sintoma ou sinal – mesmo bioquímico – de doença renal quando já houve perda de pelo menos 60% da massa de néfrons. Até então, a reserva renal é atuante (não esquecer que a partir da quarta década de vida o indivíduo perde aproximadamente 1% ao ano de função renal). Com a deterioração progressiva da função, ocorre azotemia leve, uma vez que os néfrons remanescentes não conseguem manter a homeostase orgânica. Haverá diminuição na capacidade de concentração urinária e a nictúria é dos primeiros sintomas relatados, já que a poliúria diurna pode não ser percebida como algo anormal. Neste estágio, também começam a aparecer manifestações iniciais de hipertensão arterial e anemia. Com perda posterior de massa de néfrons e com a filtração glomerular caindo para menos de 20% do normal, o paciente está em franca insuficiência renal. Intensifica-se a gravidade da hipertensão e anemia, aparecendo acidose metabólica, sobrecarga fluídica e desarranjos de outros sintomas orgânicos. Mais tarde, advirão a hipercalemia e a hiperfosfatemia. Quando o paciente estiver desenvolvendo uremia, estará no estágio de diálise. Nestes casos, a diálise pré-operatória deve sempre ser considerada no sentido de otimizar e normalizar as condições do doente para o ato anestésico-cirúrgico.

    O papel do anestesiologista na APA do sistema renal é identificar os pacientes de alto risco, aqueles com função renal diminuída ou insuficiente. A doença nos rins, além de implicar maior risco por interferir com a excreção de drogas, torna os doentes ainda mais suscetíveis à insuficiência renal no período intraoperatório, determinando alta taxa de mortalidade no pós-operatório. Entretanto, a função renal não pode ser medida por simples valor de creatinina sérica, assim como o volume urinário de um doente é determinado por variedade de fatores que independem do ritmo de filtração glomerular e/ou, quando normal, não exclui insuficiência do sistema.

    A melhor avaliação da progressão de doença renal crônica é a medida sequencial do ritmo de filtração glomerular (RFG) pelos marcadores exógenos, que, no entanto, não são práticos para o uso clínico. Desse modo, para essa finalidade, tem-se realizado o clearance de creatinina (Ccr) endógena. A creatinina não é o marcador ideal do RFG, porque é excretada não só por filtração glomerular como também por secreção tubular. Portanto, o RFG está supervalorizado em indivíduos normais. Conforme progride a insuficiência renal, há maior secreção tubular de creatinina pelo aumento dessa substância no soro. Assim, a relação entre o RFG e a creatinina sérica não é constante. A creatinina sérica também é influenciada pela ingestão proteica. Entretanto, sua concentração continua a ser a medida mais utilizada para se avaliar a progressão de doença renal. Embora seja provável que valores do Ccr excedam os do RFG de 1,5 a 2 vezes em pacientes com insuficiência renal avançada, o Ccr reflete a função renal, contanto que o RFG tenha valores maiores que 20 ml.min-1.

    Existe maneira rápida de estimar o Ccr de determinado doente, por meio da equação de Cockcroft & Gault, tendo-se em mãos a idade, o peso e a creatinina plasmática:

    Ativo 1

    Essa equação tem coeficiente de correlação de 0,83 entre o seu valor e o valor real de Ccr. Para mulheres, o resultado deve ser multiplicado por 0,85, e ele não é verdadeiro para idosos debilitados e para obesos.

    Considerando o RFG normal como sendo de 120 ml.min-1, diz-se que a reserva renal está diminuída quando há alteração de 50% na filtração glomerular. Nesse caso, o objetivo da anestesia é manter boa perfusão do rim para minimizar o risco de maior deterioração do órgão no pós-operatório.

    A insuficiência renal existe quando o RFG está entre 25 e 50 ml.min-1. Esperam-se hipertensão arterial e anemia, porém ainda não a uremia. Cuidados com o balanço hidreletrolítico prevenirão aumento da morbidade intra e pós-operatórias.

    Com RFG entre 10 e 25 ml.min-1, já se fala em insuficiência renal franca, e com RFG menor que 10 ml.min-1, a uremia está presente. Esses dois grupos de pacientes já estão em programa de diálise.

    Durante a APA de paciente com insuficiência renal grave, devem ser pesquisados aqueles fatores que aumentam o risco intraoperatório, bem como aqueles que respondem a tratamento e que podem ser melhorados no pré-operatório.

    Assim, o balanço hídrico torna-se muito importante nesse tipo de doente, em que a margem de segurança entre administração excessiva e insuficiente está diminuída. Facilmente, pode-se levar a congestão e edema pulmonares com administração um pouco maior de líquidos, embora a insuficiência cardíaca possa contribuir para esses eventos. A doença cardíaca seria secundária à hipertensão, ou isquemia, ou ainda exacerbada pela presença de fístula arteriovenosa utilizada para hemodiálise.

    Dentre as anormalidades eletrolíticas – hiponatremia, hiperpotassemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia, hipermagnesemia –, a hiperpotassemia é a mais séria, porque pode ocasionar alterações na condução cardíaca e disritmias ventriculares, incluindo taquicardia e fibrilação ventriculares que eventualmente evoluem para parada cardíaca. Desse modo, potássio plasmático com valores maiores que os normais deve ser motivo para o adiamento de cirurgia eletiva. Se a cirurgia for de emergência, não se puder realizar antes a diálise e existirem valores de potássio plasmático muito altos, esse íon deve ser desviado do extracelular para o intracelular com infusão de solução polarizada. O cálcio também pode ser administrado para proteger o coração dos efeitos disrítmicos da hiperpotassemia.

    As complicações do sistema cardiovascular em pacientes com insuficiência renal crônica, que podem ser encontradas durante a APA, são:

    • hipertensão arterial consequente à sobrecarga fluídica ou doença renal;

    • pericardite urêmica;

    • aterosclerose consequente à doença sistêmica ou à própria insuficiência renal;

    • anemia, principalmente por diminuição da síntese de eritropoetina;

    • coagulopatia frequentemente secundária à diminuição na agregação plaquetária, para a qual vários fatores contribuem;

    • encefalopatia urêmica que melhora com a diálise;

    • neuropatias periféricas e autonômicas;

    • gastroenterite urêmica.

    Com relação aos fatores pré-operatórios que aumentam o risco de desenvolvimento de insuficiência renal no pós-operatório, temos as concentrações aumentadas de creatinina e ureia séricas, a idade avançada e a disfunção renal já existente, bem como as disfunções cardíacas, como a do ventrículo Quadro 1.1 – Drogas associadas à insuficiência renal aguda esquerdo.

    As maiores causas de insuficiência renal aguda são divididas em três categorias: pré-renal, renal e pós-renal.

    A etiologia pré-renal inclui: a) decréscimo absoluto no volume sanguíneo efetivo devido a hemorragia, perda de fluido gastrintestinal (por diarreia, vômito ou sucção nasogástrica) ou sequestro de fluido também gastrintestinal (pancreatite ou doença intestinal), perda renal (por diurético ou glicosúria), trauma, cirurgia ou queimadura; b) decréscimo relativo no volume sanguíneo efetivo devido a sepse, insuficiência hepática, anafilaxia, drogas vasodilatadoras, síndrome nefrótica ou agentes anestésicos; c) insuficiência miocárdica em decorrência de infarto do miocárdio, embolia pulmonar, insuficiência cardíaca congestiva, tamponamento cardíaco ou ventilação mecânica; d) interrupção da autorregulação renal por administração de inibidores da enzima conversora de angiotensina; e) oclusão da artéria ou veia renais por trombose, tromboembolismo, estenose grave determinada por aterosclerose ou aneurisma dissecante.

    As causas renais de insuficiência desse órgão incluem: a) vasculite de pequenos vasos ou glomerulonefrite por doença do tecido conjuntivo (como o lupus eritematoso sistêmico), esclerodermia, hipertensão arterial maligna, toxemia gravídica, poliarterite microscópica, glomerulonefrite pós-estreptococcia, glomerulonefrite rapidamente progressiva; b) nefrite intersticial relacionada a drogas (meticilina), infecção, câncer (linfoma, leucemia) ou sarcoidose; c) necrose tubular aguda por isquemia (principalmente como consequência de eventos pré-renais, mais prevalentes em cirurgia, por exemplo, em hemorragia, com a perfusão renal tornando-se inadequada e resultando em isquemia do néfron, redistribuição do fluxo sanguíneo dos néfrons do córtex para os néfrons justamedulares, edema e morte celular), antibióticos nefrotóxicos (gentamicina, kanamicina), metais pesados (mercúrio ou cisplatina), solventes (tetracloreto de carbono ou etileno glicol), meios de contrastes radiográficos, eventos endógenos, cristais intratubulares (ácido úrico ou oxalato) ou pigmentos intratubulares (hemoglobina, mioglobina, bilirrubina).

    A maior causa de insuficiência renal aguda pós-renal é a nefropatia obstrutiva, que determina aumento na pressão intratubular e lesão do órgão.

    O início de insuficiência renal no período perioperatório prediz mau prognóstico. Os rins recebem aproximadamente 20% do débito cardíaco, porém consomem apenas cerca de 10% do total do oxigênio absorvido pelo organismo, o que representa a diferença artério-venosa mais baixa do corpo humano (1,5 a 2,0 ml/dl). Apesar disso, o rim é um dos órgãos mais suscetíveis às lesões isquêmicas. A explicação fisiopatológica para esse fenômeno ainda não foi encontrada. Enquanto se estuda mais a respeito do mecanismo de lesão, a manutenção de liberação adequada de oxigênio é o objetivo mais importante da administração perioperatória da anestesia do paciente com alto risco para lesão renal.

    Quadro 1.1 – Drogas associadas à insuficiência renal aguda

    Segundo Thadhani et al., 1996.

    Quadro 1.2 – Achados urinários típicos em condições que causam insuficiência renal aguda

    Segundo Thadhani et al., 1996.

    Os modelos animais de insuficiência renal aguda demonstram que ocorre intensa vasoconstrição. Contudo, eles se valem de infusão de noradrenalina ou de oclusão da artéria renal para obtenção da falência do órgão. Nessas condições, o tono constritor estará em máximo efeito e não haverá subsequente vasoconstrição se, por exemplo, for administrada dopamina, substância que há alguns anos vem sendo utilizada como protetora renal, aproveitando-se de seu efeito de dilatação da vasculatura renal, que provocará aumento secundário no ritmo de filtração glomerular, natriurese e diurese. A dopamina tem tanto atividade vasoconstritora (ação em receptor DA-2), como vasodilatadora (ação em DA-1). Portanto, diante de aumento da tonicidade vascular renal, a principal ação da dopamina seria de dilatação dos vasos devida à atividade agonista em DA-1.

    Quadro 1.3 – Efeitos fisiológicos da ativação dos receptores da dopamina

    Segundo Garwood & Hines, 1998.

    Em estudos postmortem, mostrou-se que as alterações fisiopatológicas que caracterizam a insuficiência renal aguda no homem são mais sutis que aquelas observadas em animais, havendo menor grau de lesão celular isquêmica e necrose. Em muitas situações clínicas, o rim não experimenta vasoconstrição acentuada. Desse modo, a administração de dopamina determina, tanto constrição da vasculatura mediada pelos receptores DA-2, como dilatação mediada pelos receptores DA-1, combinação que pode realmente piorar o resultado isquêmico. As doses utilizadas de dopamina para esse fim variam de 1 a 3 μ.kg-1.min-1, e com elas ocorrem estimulação de DA-1 e de DA-2. Atualmente, outros análogos da dopamina com perfis seletivos e não seletivos estão sendo avaliados para emprego clínico, podendo ser citados o fenoldopam e a dopexamina.

    O fenoldopam, um benzodiazepínico desenvolvido no final dos anos sessenta, foi originalmente formulado na apresentação oral como fármaco para ser administrado em insuficiência cardíaca congestiva. Entretanto, sua biodisponibilidade que varia de 10% a 30%, quando administrado por essa via, limitou sua efetividade. Foi então reformulado para a apresentação intravenosa com a finalidade de tratar hipertensão arterial e crises hipertensivas e, recentemente, teve seu uso aprovado em indicação renal. Em doses pequenas, ele exerce sua ação como agente renal – 0,03 g.kg-1.min-1 – e, em doses maiores, como agente anti-hipertensivo – 0,1 a 0,3 μ.kg-1.min-1 – embora ainda permaneça atividade renal com essa quantidade de fenoldopam.

    O hidrocloreto de dopexamina é uma catecolamina relacionada à dopamina. Como o fenoldopam, trata-se de fármaco descoberto durante a procura por compostos que apresentassem apenas as propriedades benéficas de alguns dos mais tradicionais tratamentos de insuficiência cardíaca, com eliminação dos efeitos colaterais indesejáveis. A dopexamina retém a atividade em DA-1 (porém em apenas um terço daquela da dopamina), tem mínima atividade em DA-2, principalmente em 2 (60 vezes maior que a da dopamina) e nenhuma nos receptores . Portanto, a dopexamina tem potente efeito vasodilatador periférico e respeitável perfil renal.

    Quadro 1.4 – Potências relativas do fenoldopam e dopexamina em relação à dopamina

    Segundo Garwood & Hines, 1998. Segundo Garwood & Hines, 1998.

    Quadro 1.5 – Efeitos da dopamina, dopexamina e dobutamina na função renal

    Segundo Olsen et al., 1993.

    Os avanços consideráveis que têm sido alcançados para que se compreendam os mecanismos fisiopatológicos, celulares e moleculares básicos da insuficiência renal aguda e oligúria resultaram em novos agentes de tratamento, que estão sendo estudados e poderão estar disponíveis em futuro próximo: fator natriurético atrial (anaritide), antagonistas do receptor da adenosina e inibidores da fosfodiesterase, atacando a vasorreatividade imprópria do rim; lazaroides, antioxidantes (vitamina E, quelantes do ferro, superóxido dismutase, inibidores do óxido nítrico), diminuindo a geração ou a ação de radicais livres; peptídeos ácidos de arginina – glicina – aspartato, melhorando a obstrução tubular e interferindo com os mecanismos de adesão célula-célula; fator de crescimento 1 semelhante à insulina, fator de crescimento epidérmico e fator de crescimento hepático, facilitando a regeneração das células tubulares; molécula 1 de adesão intercelular, auxiliando na melhora da resposta imunológica à lesão.

    SISTEMA NERVOSO

    No pré-operatório, a identificação de doenças neurológicas é de importância vital, pois podem ser afetadas pela anestesia, pela cirurgia e/ou pelo posicionamento do paciente, aumentando o risco para o mesmo e havendo a possibilidade de se acentuarem após o ato anestésico-cirúrgico. Quando o doente for se submeter à neurocirurgia, a APA deve envolver, adicionalmente, pesquisa e documentação da função neurológica de estruturas que estarão sob maior risco durante a cirurgia.

    O exame físico pode trazer muitas informações, porém pode também não revelar alterações, embora o doente tenha história pregressa de algum significado neurológico. Portanto, é imperativa a pesquisa de desmaios anteriores, convulsões, paralisias, tremores, cefaleias, alterações na sensibilidade e motricidade dos membros, assim como da medicação que o doente está recebendo.

    Na atualidade, o trauma craniano representa porcentagem muito grande dentro das situações neuropatológicas que o profissional da área de Anestesiologia enfrenta. Sendo assim, a determinação e o entendimento do grau de consciência do paciente é ponto fundamental.

    Para que haja consciência – integração das funções vigília e cognição –, há necessidade de interação entre os hemisférios cerebrais e o sistema reticular ativador ascendente.

    Vigília é função do tronco cerebral mediada pelo sistema reticular ativador ascendente, enquanto cognição é atividade do córtex cerebral, responsável pelas funções mais específicas, como memória, razão, emoção e linguagem. A perda da consciência implica alteração do sistema reticular ativador ascendente, disfunção bilateral do córtex cerebral ou ambas.

    Obnubilação é o estado no qual o paciente está desperto, porém não alerta. Está sonolento, distraído, com lentidão de pensamento e, muitas vezes, desorientado. É necessária estimulação constante para manter sua atenção.

    Torpor é estado de inconsciência do qual o paciente pode ser desperto com estímulo vigoroso,

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