O Pássaro Azul Que Ninguém Conhece
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O Pássaro Azul Que Ninguém Conhece - Joyce Mellody
Parte 1
Os monstros
Capítulo 1
Numa noite, no meu apartamento na Nova Zelândia, parei de respirar e acordei sobressaltada. Com calafrios e dor de cabeça. A noite era minha adversária, pois sofria de transtorno de pesadelo desde o dia que assisti ao meu irmão gêmeo perder a vida e não pude salvá-lo. Após aquele sonho ruim, fui ao banheiro para vomitar. O macarrão ao molho branco com calabresa que comi no jantar regurgitou do meu estômago de forma desembestada.
Depois que me certifiquei de que não queria mais expelir, manuseei a descarga. Lavei a boca e olhei meu rosto no espelho. Não havia beleza nele, estava uma catástrofe como mulher, de rosto sofrido e semblante infeliz.
Em seguida, fui acometida por um ataque de ira; senti vontade de gritar e quebrar tudo. E, mais uma vez, a pequena pia de mármore foi minha vítima. Tinha o ato contínuo de esmurrar a pia repetidas vezes até meus dedos ficarem roxos e com uma forte dor aguda.
Depois disso, sentei-me no vaso sanitário e, fincando os cotovelos nos joelhos, coloquei a cabeça entre as mãos. Como sempre, mais uma noite sem dormir, pensei.
Logo depois de amansar, desloquei-me do banheiro e voltei ao quarto. Olhei para o relógio em cima do móvel auxiliar. Eram 7h.
Em seguida, meu celular tocou, apanhei-o em cima do móvel auxiliar e espiei o nome na tela. Era o meu chefe, o delegado Freddie Madson.
— Investigadora Driana, preciso de você no Auckland Central — falou do outro lado da linha.
— Poderia me adiantar o assunto? — perguntei, sentando-me na beirada da cama.
— Na Queen Street, queda de um homem de 50 anos do 15º andar.
— O agente Jack Spencer não está com o senhor? — perguntei, sorrindo, apenas com um canto da boca.
— Driana, eu quero os seus olhos nessa investigação.
Jack é um fracasso sem mim!, pensei.
— Aguardo você! — afirmou.
— Já estou a caminho — garanti.
Apesar dos bocejos, dos olhos lacrimejantes e do mau humor, me vesti como de costume, com uma blusa social feminina, calça de couro e um sobretudo por cima.
Me chamo Adriana Piper, na época desfrutava dos meus 40 anos e sempre usava um colar com um pingente de um pássaro azul. Cabelos negros na altura dos ombros, olhos castanhos, nariz reto e lábios finos. Era uma investigadora tão eficaz quanto o meu irmão Charlie. Trabalhávamos juntos, e, em nossa última missão, ele faleceu.
Saí do bairro Grey Lynn e dirigi meu carro Corolla da cor cinza para Queen Street. E quando cheguei, estacionei próximo a uma loja de moda tradicional.
A rua encontrava-se superlotada, mas consegui distinguir o agente Jack Spencer e o delegado Freddie Madson da multidão. Os outros policiais impediam as pessoas de ultrapassarem, pois nada poderia atrapalhar a investigação. Alguns repórteres tentavam passar, mas também eram impossibilitados.
Jack era um angolano bem alto, de 38 anos, de cabelo com corte chamado edge up, de olhos cor de âmbar, lábios carnudos e com uma barba no estilo espartano. Ele tinha uma beleza que ia além da considerada normal. Sempre usava blusa social de gola alta, calça jeans e um sobretudo por cima.
Freddie, um homem de 47 anos, careca, de olhos castanho-escuros e com uma barba estilo Garibaldi. Sempre se vestia de terno e gravata.
— Investigadora Driana! — meu chefe cumprimentou assim que cheguei perto deles.
— Senhor! — devolvi o cumprimento. Apertei sua mão bem firme, não muito forte, nem tão amolecido, mas firme o suficiente para demonstrar confiança e segurança.
— A agente Lilly está interrogando a filha do homem, na verdade, a enteada — contou.
— Interessante! — afirmei. Olhei de canto de olho para Jack e saudei: — Jack Spencer.
— Driana Piper — devolveu a saudação.
Essa era nossa inimizade, falar nossos nomes completos para causar discórdia e deixar explícito que a presença um do outro era um desgosto para ambos.
— Noite maldormida? — perguntou, reparando nas minhas olheiras arroxeadas.
— Gostaria de estar na cama — respondi.
— Poderia ter ficado! Precisa descansar — relatou, implicando com as olheiras.
— É, poderia, se as suas duas cabeças funcionassem melhor — rebati em tom de gozação. Ele cruzou os braços e me olhou feio.
— Muito engraçado — disse.
Inclinei-me para o homem caído e analisei sua posição. O perito criminal, Igor Petrov, de 28 anos e de descendência russa, estava ali também examinando o corpo e buscando evidências. O homem morto vestia apenas um calção preto e permanecia de bruços, com o rosto literalmente despedaçado. Braços abertos, pé esquerdo virado e a perna direita com o fêmur para fora.
— Decerto sofrera diversas fraturas ósseas e traumatismo craniano. Mas o corpo será encaminhado para o médico-legista. O que tudo indica é que não foi assassinato, por incrível que pareça — relatou.
— É, eu sei! — afirmei, levantando a minha cabeça e olhando o décimo quinto andar. Fiz um gesto imitando a caída do sujeito. Jack olhou sério e disse, em tom abalado:
— Triste morte.
— Concordo.
— Suicídio? — perguntou.
— Não!
— Lançado por alguém?
— Não! — afirmei novamente. Ele me olhou sem entender. — Não se preocupe! Vou retirar esse embaraço da sua cabeça.
— O que você concluiu, Driana? — perguntou Freddie.
— Caiu sozinho, porque projetou tocar onde não devia.
— O quê? — perguntou Jack com espanto.
O agente Liam Smith, de 25 anos, viera ao nosso encontro. Sua aparência era doce e de corpo magro.
— A agente Lilly está chamando vocês — contou.
Subimos para o décimo quinto andar, apartamento 217.
Lilly Steve, uma loira de olhos castanho-claros e com 27 anos. Sempre usava um conjunto social. Assim que nos vira na porta, se erguera do sofá no qual estava acomodada com uma adolescente de 17 anos, de cabelos negros e com um lençol sobre o corpo.
— Bom, ocorreu um crime aqui — disse, ao se aproximar de nós.
— Obviamente! — afirmei.
— A adolescente Charlotte contou que estava na janela, alimentando alguns pombos — começou a relatar. — Seu padrasto ficou muito irritado e mandou-a sair dali imediatamente. Como não lhe obedeceu, ele veio até ela enfurecido, mas acabou escorregando na água que caiu no chão.
— Água? Que água? — perguntou Jack.
— Ela antes regou as plantas nos jarros e deixou cair um pouco no chão. O padrasto ficou pendurado, ela tentou ajudá-lo, mas, por não aguentar seu peso, ele acabou caindo.
— O que está achando Lilly? — perguntou Freddie.
— Pode ser verdade, mas tem pontas soltas — declarou.
— Sim! Tem pontas soltas — concordei.
Caminhei até a janela aberta e me posicionei na varandinha. Nela havia uma sacada de vidro e três jarros de flores. Um estava tombado, havia rastro de água e uma mancha de pegada.
Olhei para a adolescente e contemplei um semblante nervoso e desconfiado.
— Posso ficar sozinha com a Charlotte? — perguntei, virando-me para o chefe. Lilly revirou os olhos, mas esperou a resposta do chefe.
Jack contraiu os músculos da testa e perguntou:
— Certeza?
— Sim! — afirmei de imediato.
— Senhor… — ouvi Lilly sussurrar: — A Charlotte é uma suspeita, pode ter havido um assassinato, deveríamos levá-la para a delegacia.
— Vamos deixar esse caso com a Driana.
— O senhor sempre diz isso.
— Talvez porque eu seja o chefe — lembrou.
— Driana… — virou-se para mim.
— Senhor? — perguntei.
— Dez minutos?
— Cinco serão o suficiente, senhor — declarei.
Freddie se retirou com os outros, e, quando fecharam a porta, caminhei até Charlotte.
— Sou a investigadora Driana Piper. E você? — indaguei, sentando-me ao seu lado.
— Charlotte Martin — respondeu com voz trêmula.
— Sabia que o nome Martin é derivado de Marte, o deus romano da fertilidade e da guerra? Sim, você me parece uma guerreira, Charlotte.
— O que quer dizer esse pássaro? — perguntou, tocando nele com a ponta dos dedos.
— Pássaro azul de bico grosso, eles são muito bonitos e possuem um canto cadenciado. Eles representam o presságio da sorte. E hoje você está com sorte, Charlotte, basta me contar o que houve aqui.
Ela olhou-me aturdida.
— Mas eu já contei o que houve — disse, assombrada.
— Você falou com a agente Lilly, eu sei, no entanto a nossa conversa vai ser melhor, pois vamos falar a verdade, e o seu problema eu prometo resolver.
— Não sei o que está querendo dizer — disse, estremecida.
— Ficará tudo bem! — afirmei.
Logo, me ergui do sofá e me posicionei na frente dela.
— Vou falar o que aconteceu. — Ela olhou-me surpreendida. — Você estava na sala, como está agora, após ter regado as plantas; seu padrasto, obviamente, deve ter vindo do quarto, sentou-se ao seu lado e quis obter de você algo que achou nojento, então você correu para a varanda na expectativa de se proteger, no entanto ele te seguiu enfurecido, pois queria obrigá-la a ser dele, mas você lançou-se para o lado esbarrando naquele vaso, enquanto ele escorregou na água e caiu. — Ela engoliu em seco e olhou-me apavorada. — Foi isso, Charlotte? Você não teve saída, e a sorte foi que havia água no chão.
Ela abaixou a cabeça e apertou as mãos.
— Sempre tive medo de ficar sozinha com ele, a minha resistência sempre o deixava irado; é, foi isso que aconteceu. Eu matei esse monstro — contou.
— Não! — afirmei. Levei a mão até as suas coxas, afastei o lençol e suspendi um pouco o seu short. Havia manchas vermelhas e algumas escoriações. — Vamos para o hospital, você precisa fazer exame de corpo de delito, estarei com você. Tem alguém para quem possamos ligar?
— Minha mãe, mas, como sempre, ocupada.
— Não se preocupe, eu falarei com ela e tenho certeza de que virá imediatamente. Agora vamos.
— Serei presa? — perguntou, erguendo-se do sofá.
— Não, a sorte está do seu lado — garanti. Ela deu um meio-sorriso e foi para o quarto vestir-se mais adequadamente.
Passei todas as informações para o meu chefe, Lilly foi comigo para o hospital, e levamos a Charlotte para realizar todos os exames necessários. Os resultados pedimos com urgência, no dia seguinte teríamos o apuramento.
A mãe da Charlotte apareceu no hospital para ficar com ela. Seu estado era de mãe preocupada e abalada. Trabalhava fora e deixava a filha com o padrasto, que trabalhava de vigia. Eu dei uma de irmã mais velha ou tia, sei lá, quando falei para a mãe lhe dar mais atenção e escolher bem os parceiros a partir daquele momento.
Foi final de tarde quando levei Lilly para casa, ela ficou de cara amarrada o trajeto todo. Estacionei no portão da sua casa e, por estar de mau humor, sairia do carro sem se despedir, entretanto fui mais rápida e tranquei o carro.
— Ei — chamei a sua atenção. — Lilly, sério! Por que está assim?
— Abre a porta — pediu, irritada.
— Fala comigo — pedi. Ela suspirou e olhou da janela.
— Você me deu um bolo ontem no restaurante, era a noite das amigas, Dri.
— Eu sei, te pedi desculpas, eu briguei feio com o meu ex-marido, é sério, não está sendo fácil esse divórcio. Não tive ânimo para sair.
— Você não pode deixar esse patife aterrorizar sua vida — comunicou, brava.
— Ele foi lá em casa, bom, primeiro mandou mensagem dizendo que passaria lá depois do serviço. Acredita? Me arrumei toda na expectativa que pediria para voltarmos, mas só me disse para não demorar para assinar o papel do divórcio e seguir a minha vida sem ele.
— Acredito que se arrumou, porque está na cara que você é besta! Eu não o deixaria colocar o pé na minha casa, o atenderia do portão para fora.
— Não sou como você, de personalidade forte — falei.
— É, eu sei, você é otária, corre atrás do Jason como se ele fosse o seu único recurso de sobrevivência.
— Eu o amo, sei lá, eu só o amo.
— Mais do que a si própria? Amiga, você está mal. Se coloque em primeiro lugar, pare com isso. Chorar migalhas, chorar por um pouco de atenção, cá pra nós, o Jason não merece seu rebaixamento. Até porque ele não é grande coisa.
Bati palmas e indaguei, chocada:
— Obrigada! O que significa que tenho péssimo gosto? Você é nova, Lilly, tem muito o que aproveitar; eu não, eu já vivi bastante, pensei que o Jason era o que me faltava para terminar de viver.
Ela revirou os olhos.
— Tem quanto? Cem anos? Viveu muito o quê, seu corpo não está com a pele caída, ainda tem muito o que curtir.
— O que quer dizer? Já passei da idade de diversão.
— O que quero dizer é que você precisa sair, se divertir, conhecer novas pessoas. Vamos agora?
— Para onde? — perguntei.
— Vai, dirige, que vou indicando o caminho.
Lilly me fez parar na Praça de Aotea, havia uns rapazes de mochilas na faixa etária de 28 a 35 anos. Conversavam e gargalhavam ao ar livre.
— O que viemos fazer aqui? — perguntei, desconfiada.
— Nos divertirmos — respondeu.
Dei uma risada sem graça.
— Eu não acredito, Lilly. Isso é um crime.
— O quê? — perguntou, rindo. — Eles são maiores de idade.
— Você paga para tê-los, isso é coisa de gente…
— Pare um pouco, Dri, e viva, seja feliz, seu ex-marido foi um pé no saco. Deixou claro que viver com uma mulher de 30 anos era melhor do que com uma que quase surtou quando perdeu o irmão. Quando você mais precisou, ele desapareceu e enviou por mensagem que queria o divórcio.
— Não precisa me lembrar dessa droga