Moço em estado de sítio
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Sobre este e-book
Concebida por meio de frequentes cortes sequenciais, quase cinematográficos, Moço em estado de sítio sintetiza as dificuldades do engajamento político, as disputas em torno das diferentes correntes estéticas e os dilemas éticos e materiais enfrentados pela esquerda brasileira a partir da ruptura institucional de 1964, com o advento do golpe civil-militar, antecipando elementos de peças posteriores de Oduvaldo Vianna Filho, como Mão na luva e Rasga coração.
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Pré-visualização do livro
Moço em estado de sítio - Oduvaldo Vianna Filho
Capa
Rosto
Apresentação
Maria Sílvia Betti
Moço em estado de sítio
Primeira parte
Segunda parte
Terceira parte
Posfácio
Paulo Bio Toledo
Anexos
Fichas técnicas das apresentações
Sugestões de leitura
Sobre o autor
Sobre a organizadora
Notas
Créditos
Landmarks
Cover
Title Page
Table of Contents
Foreword
Afterword
Copyright Page
Colophon
Rear Notes
Apresentação
Maria Sílvia Betti
Moço em estado de sítio, escrita em 1965, é basicamente uma peça de síntese, um mapeamento crítico inédito das posições da intelectualidade de classe média carioca no contexto imposto pelo golpe militar de 1964. Suas questões centrais abordam, por um lado, os desafios enfrentados pelo teatro de ativismo político, e, por outro, os processos de cooptação inerentes à modernização implantada no período, que caminhava de mãos dadas com a concentração de renda e com o agenciamento dos interesses das multinacionais.
Os embates entre personagens como Lúcio Paulo (o protagonista), Bahia, Estelita, Suzana e Jean-Luc dão elementos para que sejam expostos os contrastes entre as linhas de diversas correntes do debate sobre a relação entre arte e política nesse momento. Delineiam-se, assim, em diálogos incisivos e com uso frequente de cortes de espaço e de ação: o ativismo de Bahia, que dirige o grupo de teatro político e defende a organização coletiva do trabalho; o empenho militante de Suzana, afetivamente dividida entre Bahia e Lúcio; o esteticismo de Estelita, que questiona o sentido político da arte e valoriza as chamadas verdades eternas; a ambiguidade ética e política de Lúcio, revestida de forte senso de oportunidade e carreirismo; e o existencialismo irreverente e anárquico de Jean-Luc.
Focos críticos importantes são dirigidos à imprensa, ao microcosmo da família e à representação de mulheres de diferentes idades e condições sociais. Personagens como Cota (a mãe), Lúcia (a irmã) e a sonhadora e ingênua Noemia, de cujas expectativas amorosas Lúcio Paulo tira proveito, contribuem para lançar luz crítica sobre a dubiedade de pensamento e de conduta do protagonista, bem como sobre aspectos comportamentais e de classe.
No grupo de teatro político, a posição de Suzana é fundamental para que a peça de Lúcio, que disputa seu afeto, bem como a liderança do coletivo, ganhe força mesmo tendo sido desaprovada pelo diretor, levando assim à divisão interna e ao desastroso enfrentamento das tropas policiais no dia da greve geral dos estudantes. Nesse episódio e em outras ocasiões, Lúcio defende posições de maior radicalidade em relação a Bahia, enquanto, paralelamente, busca projetar-se como figura de prestígio também no jornalismo profissional.
No jornal em que passa a trabalhar ao desistir da carreira de advogado, ele se torna amante de Nívea, irmã do dono (Galhardo), e a ajuda na execução de projetos estéticos bastante próximos aos dos poetas e artistas ligados ao concretismo. Como se sabe, os concretistas foram críticos acerbos da arte engajada, o que torna clara a ligação direta do personagem a correntes que se chocam entre si por seus pressupostos de pensamento e criação.
Galhardo, o dono do jornal, vê no esquerdismo
do rapaz um atrativo mercadológico para o suplemento cuja direção lhe oferece, sem deixar de alertá-lo, porém, que lhe dará as notícias de lá de cima
, ou seja, as pautas políticas nacionais e internacionais de grande envergadura. No encadeamento das cenas, ficamos sabendo que Galhardo pretende se tornar acadêmico e que não deseja incorrer no desagrado do governo nesse momento.
No interior da família, um relevo crítico particularmente marcante é dado à condição da mulher submetida aos valores sociais dominantes. Vemos assim a situação angustiante de Lúcia, cuja gravidez indesejada é simplesmente ignorada tanto por Estelita, de quem engravidara, como por seu irmão Lúcio, com quem tentara se abrir e dialogar. A imposição do aborto pelo pai, Cristóvão, com a aprovação tácita de Cota, é recebida por ela sem questionamento ou resistência, expondo de maneira cabal uma atmosfera familiar opressiva e conservadora.
Além disso, como personagem, Cristóvão antecipa alguns traços de caracterização externos e secundários de Manguari Pistolão, protagonista da última peça de Vianna, Rasga coração (1974), e de Souza, de Nossa vida em família (1972). Assim como Manguari, Cristóvão tem 57 anos, é funcionário público e procura valer-se de favores por parte de superiores e conhecidos de prestígio, ainda que não para qualquer finalidade militante. Como Souza, ele se preocupa com a correção da expressão falada e escrita da língua portuguesa. Ao contrário de Manguari, Cristóvão não tem percepção crítica das condições de vida na sociedade em que vive. A valorização do que lhe parece ter sido um ato de arrojo político no passado leva-o a relatar repetidas vezes o fato: um furo de reportagem dado sobre a morte do presidente Rodrigues Alves. Ao mesmo tempo, seu desejo de encorajar o filho na advocacia o expõe a uma situação constrangedora que, sem que ele se dê conta, é casualmente presenciada pelo rapaz.
Cristóvão e Cota representam a mediania conservadora da pequena classe média urbana, cujo valor maior é a estrita observância dos preceitos institucionais que regem suas vidas no microcosmo de relações à sua volta. O olhar hipotético de compaixão e empatia que talvez lhes fosse dirigido pelos leitores e espectadores fica fora de questão pela determinação pusilânime com que ambos induzem Lúcia ao aborto, deixando claro, assim, que a moralidade aparente do cotidiano familiar é para eles o valor maior e a prioridade inquestionável.
Dentre todos, Bahia é o personagem de maior coerência, seja por lidar com a realidade concreta do trabalho do grupo teatral, seja por ter de enfrentar criticamente a radicalidade com que Lúcio disputa a direção e o afeto de Suzana, cooptando parte dos outros membros e ela própria para seu projeto. Ao contrário de Lúcio, que vive com os pais e tira proveito da acolhida e do apoio de amigos e de namoradas, Bahia enfrenta a necessidade da sobrevivência, e se vê obrigado a fazer trabalhos avulsos, como a tradução de X9,¹ histórias em quadrinhos de grande sucesso editorial à época. Esse constitui outro elemento representativo das estratégias de sobrevivência de muitos intelectuais e estudantes no contexto que se seguiu ao golpe.
Como painel crítico de seu período histórico, Moço em estado de sítio se completa com as alusões culturais e comportamentais feitas por meio do personagem Jean-Luc. Seu próprio nome faz remissão direta ao cineasta francês Jean-Luc Godard, representativo da presença forte da nouvelle vague e da cultura existencialista ligada aos Cahiers du Cinéma como referências da época. O afeto que Jean-Luc nutre por