Economia e política: tudo o que você precisa saber para discutir em uma conversa de bar
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Economia e política - Igor Barenboim
1. Economia mundial
2. Tecnologia: o motor do crescimento
3. Mudanças climáticas
4. A geopolítica do Oriente Médio
1. Economia mundial
Globalização
O fim de mais um ciclo de globalização
O fim do século XIX e o início do século XX foram marcados pela Pax Britannica, em que a Grã-Bretanha foi a potência hegemônica global calcada no comércio mundial. Foi uma era de globalização e prosperidade intensa. Em Londres, por volta de 1900, tinha-se acesso aos principais artigos produzidos em todo o mundo. A afluência econômica na Europa nesse período ficou conhecida como Belle Époque. Hoje, sabemos que esse período terminou com tragédias e duas guerras mundiais; o comércio global despencou e as economias diminuíram seu ritmo de crescimento, que foi retomado somente no pós-guerra com o Plano Marshall e o início da Pax Americana.
A hegemonia dos Estados Unidos foi reforçada com o fim da Cortina de Ferro, quando o modelo norte-americano de liberalismo econômico combinado com democracia sagrou-se vencedor e foi replicado mundo afora. As antigas repúblicas soviéticas aderiram ao modelo e, com o fim da ordem bipolar (capitalismo versus socialismo), vários países abriram suas economias e se integraram às cadeias globais, em busca de um espaço no mundo globalizado.
A China resistiu à abertura política, mas implantou a abertura econômica. Os Estados Unidos apoiaram a abertura econômica chinesa, permitindo a entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, com a esperança de que o liberalismo implicasse o crescimento de uma classe média que se organizaria para exigir a abertura política. O problema é que a abertura política não aconteceu. A China fortaleceu-se economicamente, multiplicou seu PIB sessenta vezes em quarenta anos, mas seguiu liderada pelo Partido Comunista único e tem agora um ditador aparentemente vitalício, que controla os cidadãos de maneiras que surpreenderiam até George Orwell.
A eleição de líderes como Donald Trump (presidente dos Estados Unidos de 2016 a 2020) e Boris Johnson (primeiro-ministro do Reino Unido) é um sintoma de que a adoção do liberalismo econômico e da democracia não trouxe a prometida prosperidade de forma igualitária ao mundo. Os ressentidos desse processo escolheram líderes capazes de confrontar as potências que mais se beneficiaram nos últimos anos, com vistas a tentar recuperar suas posições de riqueza relativa no mundo. O problema é que isso tem custos para a renda mundial agregada. As principais políticas internacionais de Trump foram a imposição de tarifas comerciais à China, a criação de obstáculos às empresas chinesas na corrida tecnológica das telecomunicações globais e o desafio ao acordo que prevenia o desenvolvimento nuclear do Irã. Todas as três políticas representam choques de oferta capazes de frear o crescimento global.
Em outras palavras, o aumento de tarifas pode até reindustrializar o Cinturão da Ferrugem, nos Estados Unidos, mas desmonta cadeias globais de produção e eleva preços de bens para os consumidores, reduzindo a renda real disponível das pessoas e, portanto, o seu bem-estar econômico de maneira agregada. O bloqueio ao avanço das empresas chinesas nas telecomunicações pode impedir que o governo chinês tenha acesso a dados privados de países, empresas e indivíduos, mas retarda o avanço da revolução tecnológica. Finalmente, uma ofensiva ao Irã pode gerar desorganização na produção de um insumo ainda crucial para as cadeias produtivas globais.
Diante de um choque de oferta, a prescrição da política econômica deixa de ser expansionista e passa a ser de ajuste à nova realidade. Nesse caso, não há espaço para a ajuda de bancos centrais. Esse é o ambiente global em que navegaremos nos próximos anos, um ambiente de menor crescimento, inicialmente, e depois de maior inflação, que poderá se transformar em inercial ou não, a depender de como o choque será enfrentado pelas nações. É claro que, depois do desemprego maciço e da recessão gerados pela pandemia da covid-19, estamos ainda algum tempo distante de um repique inflacionário global. Mas, à medida que nos aproximarmos de economias em pleno emprego, vejo, sim, a inflação reemergindo.
Estamos muito provavelmente diante de um novo período de reversão da globalização econômica. Dani Rodrik, um economista turco, desenvolveu uma teoria que nos ajuda a entender as ascensões de Trump e de Johnson e a perpetuação de líderes fortes na Rússia e na Turquia. Rodrik explica a impossibilidade de alcançar simultaneamente estes três objetivos: globalização, soberania nacional e democracia. Nos últimos quarenta anos, tivemos uma crescente globalização e democratização no mundo à custa de soberanias nacionais – a União Europeia é um exemplo perfeito desse processo. O resultado disso foi a insatisfação das classes médias dos países ricos, que votaram em líderes fortes para reverter a globalização.
Lições da crise financeira de 2008
As origens da crise: do banco de Signore Peruzzi ao ativo CDO
Tudo começou com a descoberta de que os bancos dos países desenvolvidos teriam emprestado dinheiro em demasia para pessoas que não tinham como pagar seus empréstimos. Excesso de crédito desse tipo não é novidade. Nos anos 1980, os bancos descobriram que tinham dado dinheiro demais aos países em desenvolvimento – sem saber como receberiam. Quando bancos surgiram nas cidades-Estado italianas, na época do Renascimento, não havia nada mais recorrente que banqueiros que financiavam guerras com o dinheiro dos depósitos da população e, depois, não tinham como receber esses empréstimos de seus príncipes derrotados.
No século XIV, todos sabiam que o banco de Signore Peruzzi, de Florença, havia emprestado uma grande soma de dinheiro ao rei da Inglaterra, Eduardo III, e que se o monarca perdesse uma guerra haveria desconfiança de que o dinheiro depositado nos bancos não estaria disponível para saques. As inovações financeiras, no entanto, tornaram muito árdua a tarefa de avaliar a saúde financeira de uma instituição bancária: em vez de terem como ativos direitos a receber do rei da Inglaterra, por exemplo, ou da Coca-Cola, os bancos passaram a ter ativos, como CDO
(Collateralized Debt Obligations) mezzanine tranche number 5896-37004. Se você não entendeu o que é isso, esse é justamente o ponto. Será que isso vale alguma coisa?
Na verdade, esse ativo de nome complicado tem muitas vantagens em relação aos pagamentos do governo da Inglaterra da época. Esse instrumento novo simplesmente condensa em um único ativo uma coleção de dívidas de diversos indivíduos. Portanto, o valor do CDO depende de que centenas de pessoas façam o pagamento de suas dívidas todo mês. É possível que algumas dessas pessoas tenham problemas, mas dificilmente todas terão. Em contrapartida, se a guerra fosse perdida pela Inglaterra, não haveria pagamento algum. A vantagem da pulverização de risco é muito clara; porém, não se imaginava o custo que a falta de transparência dessas inovações financeiras traria.
Em todo e a qualquer momento, para que bancos quebrem, basta que haja desconfiança. Bancos emprestam o dinheiro do depositante em longo prazo; caso todos resolvam sacar o dinheiro simultaneamente, não haverá quantia suficiente.
A crise financeira mundial de 2008 foi consequência da junção dos empréstimos feitos aos mais desfavorecidos nos Estados Unidos e das perdas sofridas com essa classe de ativos com a falta de transparência dos novos instrumentos financeiros. Como não se sabe quem detém grande parte desses ativos, todos os bancos são suspeitos.
Quando há desconfiança bancária, o dinheiro desaparece da economia, porque, com receio de não atenderem à eventual demanda dos depositantes, os bancos deixam de produzir dinheiro. Se uma pessoa deposita R$ 100,00 em um banco, e os bancos emprestam 50% dos seus depósitos, haverá, então, R$ 200,00 circulando na economia. Caso os bancos decidam emprestar apenas 30% dos depósitos, haverá R$ 143,00 em circulação[1]. Uma vez que há na praça menos dinheiro ofertado pelos bancos, as empresas não têm como comprar mercadorias e colocá-las à disposição do público. O remédio que você precisa comprar pode faltar porque a indústria está sem dinheiro para comprar a matéria-prima ou porque a farmácia está sem capital de giro para manter o estoque. Em um momento em que o sistema bancário decide não liberar os depósitos e não emprestá-los, é preciso que o governo atue para que a loja da esquina não deixe de ter produtos.
Uma vez entendida a origem da crise, vamos às suas principais lições.
Três lições da crise econômica de 2008
O desmonte do mercado mundial de 2008 trouxe à tona os erros e os acertos do atual arranjo financeiro global. A perda de valor das empresas, o congelamento da economia e a mudança brusca de preços relativos podem ser entendidos como uma mensalidade que tivemos de pagar para ter a chance de aprender. Agora nos resta fazer o dever de casa e retirar desses eventos as principais lições, a fim de mitigar a possibilidade de crises futuras.
Primeira lição – Bancos cumprem as funções públicas de armazenagem de reserva de valor, de manutenção do sistema de pagamentos e de canalização da poupança da população para os projetos que criam valor para ela. Ou seja, o sistema bancário é como se fosse o sistema cardiovascular do corpo humano – mesmo que todos os órgãos (empresas) estejam saudáveis, se uma artéria entupir (banco quebrado), isso pode gerar graves problemas ao organismo (quebradeira de empresas). A quebra do banco de investimento americano Lehman Brothers ilustra essa lição.
Segunda lição – Os bancos sabem que não é do interesse público que eles quebrem – ou seja, suas perdas são limitadas. Também sabem que podem gerar mais lucro quanto mais risco tomarem para si, isto é, quanto mais empréstimos concederem – ou seja, seu ganho é ilimitado. Logo, é do interesse dos controladores de banco assumir mais risco que o ideal para a sociedade. Aprendemos com a crise de 2008 que, mesmo que sejam regulados (como o são), os bancos são incentivados a criar ou a estimular a criação de instrumentos alternativos, como fundos de investimento não sujeitos à regulação, que adquiram os ativos que os próprios bancos produzem, como foi o caso dos bancos de investimentos Goldman Sachs e Bear Stearns. Os fundos dessas instituições, que sofreram perdas bilionárias durante meses, não eram entidades formalmente ligadas a esses bancos; no entanto, operavam como fundos intermediários para essas grandes instituições financeiras. Afinal, no momento em que as perdas foram notadas, os grandes bancos as assumiram. A conclusão é que bancos e todas as entidades com as quais essas instituições tenham acordos, contratos ou conchavos para desempenhar concessão de crédito devem estar sujeitos ao mesmo tipo de regulação.
Terceira lição – O sistema de remuneração por meio de bônus é como uma dinamite. Esse artefato foi desenvolvido por Alfred Nobel em 1867 e permitiu a criação do espaço urbano tal como o conhecemos hoje (isso porque é muito difícil abrir túneis e realizar grandes construções sem o uso de explosivos). No entanto, se a dinamite estiver mal colocada, quem pode ir pelos ares é você! O sistema de remuneração variável, que paga aos colaboradores de uma empresa de acordo com seu desempenho, pode fazer maravilhas e prover incentivos aos trabalhadores para que se esforcem e consigam resultados. Contudo, no caso de incentivos mal desenhados, o colaborador pode ser muito eficiente em trazer prejuízos. O lucro não depende apenas do volume de crédito, mas de uma série de variáveis, como taxa de juros, taxa de inadimplência e risco do crédito. Quando se trata dos bancos norte-americanos, os bancários tinham a remuneração atrelada ao volume de crédito concedido, quando a solução mais adequada seria que ela acompanhasse o resultado gerado por esse crédito. O incentivo contribuiu para que um volume de crédito muito maior que o ideal fosse concedido. É preciso ter cuidado com remuneração variável. A recomendação é válida para qualquer força de vendas de empresa; afinal, de que adianta o seu vendedor (gerente de banco) fornecer mercadoria (dar crédito) a quem não lhe pagará?