A verdade sobre a mentira
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A verdade sobre a mentira - Jacques Alkalai Wainberg
CONSELHO EDITORIAL EDIPUCRS
Chanceler Dom Jaime Spengler
Reitor Evilázio Teixeira | Vice-Reitor Manuir José Mentges
Carlos Eduardo Lobo e Silva (Presidente), Luciano Aronne de Abreu (Editor-Chefe), Adelar Fochezatto, Antonio Carlos Hohlfeldt, Cláudia Musa Fay, Gleny T. Duro Guimarães, Helder Gordim da Silveira, Lívia Haygert Pithan, Lucia Maria Martins Giraffa, Maria Eunice Moreira, Maria Martha Campos, Norman Roland Madarasz, Walter F. de Azevedo Jr.
Conforme a Política Editorial vigente, todos os livros publicados pela editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (EDIPUCRS) passam por avaliação de pares e aprovação do Conselho Editorial.
Imagem da folha de rosto do livro A verdade sobre a mentira. Jacques Wainberg. Edipucrs, Porto Alegre, 2021,
© EDIPUCRS 2021
CAPA Thiara Speth
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Maria Fernanda Fuscaldo
REVISÃO DE TEXTO Traduções do Mercosul
Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
W141v Wainberg, Jacques A.
A verdade sobre a mentira [recurso eletrônico] / Jacques
A. Wainberg. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS,
2021.
1 Recurso on-line (132 p.)
Modo de Acesso:
ISBN 978-65-5623-126-6
1. Comunicação de massa. 2. Fake news. 3. Verdade
(Filosofia). 4. Jornalismo. I. Título.
CDD 23. ed. 302.23
Lucas Martins Kern – CRB-10/2288
Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.
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Site: www.pucrs.br/edipucrs
SUMÁRIO
Capa
Conselho Editorial
Folha de rosto
Créditos
Introdução
Pecar em silêncio
Entretenimento Benigno
Pânico Moral
Propaganda e Factoides
Fake News
Descobrindo a Verdade
O gato e o rato
Pós-Verdade
As tradições e as identidades
As Máquinas Inteligentes
Computação afetiva
A reação neoludita
Corporações e a Delação
Pseudociência
Fingimento
Fala que eu te ouço
Emoções coletivas
Eis a questão
Dissidência
Autenticidade
Considerações finais
Referências
EDIPUCRS
Introdução
A abelha tem sido mal considerada pelos seres humanos. Este inseto trabalha duro para produzir cera. No entanto, a expressão fazer cera maculou sua imagem ao transformar o termo em sinônimo de mentira. Cabe lembrar, a propósito desse tema, uma fábula francesa do século XVII. Ela conta que alguns escultores utilizavam cera para retificar e adulterar suas obras. Assim a referência sans cire (sem cera) teria dada origem à palavra sincera
, a principal qualidade da pessoa honesta.
Aristóteles utilizou uma formulação correlata em sua definição de mentira. É dizer do que é não é e o que não é que é.[ 1 ] Outra definição[ 2 ] explica que a mentira é uma declaração feita por alguém que não acredita no que está dizendo, embora seja sua intenção enganar o interlocutor com a falsidade (Isenberg, 1973, p. 248; Primoratz, 1984, p. 54n2). Ou seja: 1. P é falso; 2. S acredita que P seja falso; e 3. ao dizer P, S pretende enganar A (Coleman & Kay, 1981). O truque é a manipulação da aparência, o que implica em dissimulação. Isso também acontece com hábitos e costumes que sancionam as mentiras sociais. Se o indivíduo acreditar no engodo que ele próprio divulga ele não é mentiroso, mas um iludido. E são muitos os que induziram dessa forma os demais ao equívoco (Wainberg, 2015).
Quem mente conhece a verdade (Halevy et al. 2013). O mentiroso dosa a quantidade das fraudes e oferece justificativas para o desvio. O honesto, ao contrário, se esforça para permanecer impermeável às tentações da enganação. Ele quer parecer correto e se sente mais confortável assim. Este é um raro indicador, o de firmeza moral (Shalvi & Leiser, 2013).
Dizer a verdade é considerado essencial para o diálogo autêntico (Grice, 1975). A mentira, ao contrário, é um atentado contra esta máxima conversacional de qualidade. Quando há omissão de informação o manipulador abala a máxima de quantidade, a que diz que informação suficiente deve ser partilhada na conversação. A máxima de relevância é ferida no caso em que a informação transmitida seja impertinente. Finalmente, a ambiguidade torna o comunicado obscuro. É uma agressão à máxima de modo. Ela sustenta que o transmitido no comunicado deve ser claro, ordenado e sucinto. Conclui-se que a incomunicação resulta da soma dessas quatro violações da linguagem.
Certamente, por necessidade de ofício, a prosa judicial, por ser imperativa e afirmativa, tenta evitar estas armadilhas discursivas, algo nem sempre alcançado no texto legislativo. A preocupação com o abuso das palavras pelos falantes é antiga (Wainberg, 2020). John Locke diz em seu celebrado Ensaio Sobre o Entendimento Humano de 1689 (p. 499) que a função clássica da linguagem, a de aproximar as pessoas e as gerações, estava sendo ameaçada pelos jogos de linguagem. Entre os inúmeros remédios à crise de significado Locke recomendou que não se deve usar uma palavra sem que ela refira uma ideia ou um significado claro.
Ocorre que desde os tempos de Platão os sofistas apresentam em suas falas argumentos falsos que parecem verdadeiros. Observando esse hábito Aristóteles consolidou em sua lista 13 falácias. Hoje os catálogos incluem um número bem maior de enganos.[ 3 ] Um deles é o numérico. A falácia matemática diz que os números não mentem. Muitos se valem da reputação algébrica para dar credibilidade aos argumentos. Ocorre que os números não surgem ao acaso. São as pessoas que os utilizam e manipulam (O’Neill, 2016). Resulta, portanto, que a matemática também presta seu serviço à falsidade (Seife, 2012). Há três tipos de mentiras – as mentiras, as mentiras malditas e a estatística
. Esta famosa citação cujo autor é desconhecido[ 4 ] foi popularizada por Mark Twain e outros escritores que manifestaram sua desconfiança sobre o hábito de sustentar argumentos fracos com números.
O fato é que 40% dos adultos mentem pelo menos uma vez ao dia (Serota et al., 2010; DePaulo et al., 1996), às vezes por boas razões. É o caso da mentira piedosa (Camden & Wilson, 1984), a que o médico faz ao paciente terminal, por exemplo. Muitas são as pessoas que justificam esse tipo de engodo como algo necessário. Autores como Maquiavel (em O Príncipe), Platão (em A República)[ 5 ] e Leo Strauss (em The City and the Man) aceitaram a mentira nobre em nome da paz social. Os casos clássicos da propaganda enganosa e das fake news são exemplos distintos de falsificação, como ver-se-á a seguir. São esses tipos de mentira os preferidos da crítica social.
As pessoas também mentem para esconder uma transgressão pessoal, para obter vantagem econômica, para evitar prejuízo, para causar boa impressão, para ser engraçado, para ajudar ou ferir alguém, por polidez e também por causa de algum distúrbio psicológico. As que vivem em ambientes acossados por um comportamento social contaminado têm dificuldade em reconhecer a verdade. A respeito desse tema Hanna Arendt diz que se todo mundo mente... ninguém acredita em mais nada
.[ 6 ] Conclui-se que a confiança que resulta da verdade compartilhada é um sentimento grave. É ela que fortalece a coesão afetiva das pessoas e permite a atividade econômica, a que está baseada na cooperação espontânea e livre dos atores no mercado (Lizarazo & Sanchez, 2016).
Evidências empíricas mostram que a reação da amigdala torna-se gradativamente mais fraca a cada mentira proferida pelo falante.[ 7 ] Outros inúmeros sinais cerebrais também ocorrem com a divulgação de inverdades (Matias et al., 2015). A tendência observada é que quanto mais o sujeito mente hoje mais ele mentirá amanhã. Essa escalada funciona como uma bola de neve.[ 8 ] Ela cresce das pequenas às maiores falsidades. Como nas situações radicais nas quais o cérebro se acostuma com as barbaridades ele também se adequa à fraude. Köbis et al. (2019) oferecem em seu estudo um exemplo trivial. A pessoa que recebe um troco indevido devolve o valor ao dono do dinheiro? A resposta obtida nesse experimento é que em ambientes anônimos nos quais a vítima da mentira é desconhecida as pessoas mentem mais aproveitando-se do desfavorecido.[ 9 ] Quando a mentira se consolida surge a crença distorcida de que este padrão de comportamento desviante é aconselhável por ser o mais praticado.
Observa-se ainda que a mencionada tolerância ao jogo de cena no convívio social é uma variável cultural (Novaes, 2016). Por exemplo, a figura arquetípica do malandro brasileiro, embora seja cultuada nas rodas de chope e nas cantigas populares, tem sido julgada como responsável por muitas das mazelas do país (DaMata, 1980). A principal delas é o senso comum em favor do pequeno delito, algo que se espalha através dos hábitos cultivados no dia a dia. Eles funcionam como álibi à transgressão (Houser & Winter, 2012). Ou seja, a complacência ao jeitinho subjaz nos atos de quem admite como razoável certo grau de perversão.
Pecar em silêncio
O longo tempo necessário para aprender falsear com competência decorre do fato de que inventar e sustentar uma mentira é bem mais difícil do que simplesmente dizer a verdade (Zuckerman et al., 1981). O estereótipo difundido em vários países diz que o mentiroso fala demais, evita olhar nos olhos do interlocutor e se agita (Atoum et al., 2006). Seu comportamento é melindroso. A pessoa se cuida para parecer honesto. O mentiroso monitora a reação do ouvinte. Quer saber como foi o impacto de sua afirmação (Vrij; Granhag et al., 2010). Quem mente sabe que precisa inventar algo plausível (Sporer & Schwandt, 2006, 2007). Está consciente de que precisa esconder bem sua fabricação. Afinal, como diz Moliére, não há pecado se a pessoa pecar em silêncio
.[ 10 ]
Algumas mentiras marcam época e duram um tempo, às vezes breve e às vezes longo.[ 11 ] O caso Watergate nos Estados Unidos (197), o caso Dreyfus na França (1894) e o Plano Cohen no Brasil (1937) são exemplos disso. As armas de destruição massiva foi outra farsa, essa mais recente (2003). Certas mentiras passam de geração em geração por alguma razão. De tanto ser dita a falsidade torna-se um meme que se eterniza (Hoffer, 2020). Cabe por isso perguntar que tipo de benefício a pessoa desfruta neste tipo de engodo e noutros como o atual, a de que a terra é plana e não como