Viés inconsciente: como identificar nossos vieses inconscientes e abrir caminho para a diversidade e a inclusão nas empresas
De Cris Kerr
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Sobre este e-book
Com prefácio de Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, a obra mostra como transformar a teoria em ações que resultam em empresas mais inclusivas e diversas. A autora compartilha tudo o que aprendeu sobre como descobrir nossos vieses inconscientes, como aprofundar conhecimento sobre diversidade, inclusão, cérebro inconsciente, segurança psicológica e outros temas importantes, como transformar a cultura e a liderança para termos pessoas mais diversas e inclusivas e, por fim, como podemos agir.
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Viés inconsciente - Cris Kerr
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À minha filha, Beatriz, por quem tenho
o maior amor do mundo e é a principal razão por eu trilhar
este caminho mais justo e igualitário para as mulheres
e todas as pessoas de grupos minorizados.
"Preferimos acreditar que somos pessoas sem preconceitos,
mas as pesquisas mostram o contrário. Essa é uma constatação
desconfortável para a maioria de nós.
O primeiro passo para derrotar nossos preconceitos inconscientes é sermos honestos e honestas conosco sobre como realmente nos sentimos em relação às pessoas de outros grupos.
Ter um viés não é o fim do mundo, a única vergonha é se você não fizer nenhum esforço para melhorar."
Mahzarin Banaji,
psicóloga e professora na Universidade de Harvard
Abrir a mente para a diversidade
Prefácio
Sempre me preocupei com a diversidade em todos os seus aspectos, mesmo quando o assunto ainda não era uma preocupação da maioria das empresas. Entendíamos que, quanto mais diverso fosse o Magazine Luiza, mais inovador e criativo ele seria.
Muito tempo atrás, minha amiga Cris Kerr também percebeu a necessidade de incluirmos a diversidade no mundo corporativo. Ela foi pioneira e empreendedora ao fundar uma consultoria especializada no assunto e compartilhar conhecimento por meio de fóruns e eventos de alto nível. Tive a oportunidade de participar de painéis incríveis, que geraram conteúdo de altíssima qualidade.
Nada mais natural que o lançamento deste livro fosse o próximo passo da Cris. Em primeira mão, li reflexões importantes sobre a inclusão de mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, entre outras. O livro, porém, vai muito além e nos faz entender por que nossos vieses inconscientes nos impediram de prestarmos atenção a esse tema há mais tempo.
A própria Cris conta o quanto foi impactada quando entrou para o Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil, bem no início da nossa atividade. Ao ser confrontada com exemplos práticos, ela entendeu que não adianta ser racista — precisamos ser antirracistas. Eu também aprendi grandes lições com essas mulheres, que transformaram atitudes até então inconscientes.
Sugiro que você leia este livro com a mente totalmente aberta ao novo. Precisamos nos desarmar de justificativas como eu não faço isso
, ou nunca tive a intenção de machucar
, e tantos outros argumentos que nos servem de escudo. Só assim poderemos analisar, em nosso íntimo, como podemos nos tornar pessoas melhores e lideranças mais inclusivas.
Luiza Helena Trajano
PARTE 1:
DESCOBRIR
O Convite
Capítulo 1
O que acontece quando questionamos as nossas certezas
Todas as pessoas têm vieses inconscientes. Inclusive eu1. Sei que é estranho admitir isso logo no início do livro, mas ainda posso descobrir crenças, estereótipos e preconceitos escondidos dentro de mim.
Afinal, como o nome diz, os vieses são... inconscientes. Se tivéssemos fácil acesso a essas informações e pensamentos no cérebro, seria mais simples começarmos uma transformação dentro de nós e das empresas rumo a ambientes mais diversos e inclusivos.
Os vieses inconscientes não são intencionais, mas formam uma barreira invisível e poderosa que dificulta a diversidade e a inclusão nas corporações². O mais impressionante é que esses vieses nos influenciam mesmo quando acreditamos nessa causa³. Não sabemos o que está escondido em nossa mente, tampouco a forma como os vieses guiam nosso comportamento.
Estamos todos e todas no mesmo barco. Até hoje nunca conheci uma pessoa que não tenha descoberto ao menos um viés inconsciente após se abrir para o assunto. Apesar de muitas das nossas associações e padrões serem inconscientes, podemos ser conscientes na decisão de mudar a situação a partir de agora.
Lembro quando comecei a estudar o tema, cerca de oito anos atrás, e fiz o Teste de Associação Implícita de Harvard. As perguntas medem a cognição social implícita, acessando de forma automática os sentimentos, crenças e atitudes guardadas no nosso inconsciente.
Mesmo trabalhando com diversidade, meu resultado para o teste de Cor da Pele
demonstrou que eu tinha uma leve preferência por pessoas brancas. Eu tinha, sim, uma série de preconceitos guardados no meu inconsciente. Era um reflexo da minha criação, das crenças e dos estereótipos que formaram as minhas associações mentais.
Por isso, te convido a ler as próximas páginas com a mente aberta. Quero te convidar a estar disponível para desaprender e, em seguida, reaprender. Sei que é fácil fazer esses pedidos. Mas como realizar isso na prática?
Compartilharei caminhos e respostas — em troca, peço apenas que você siga em frente caso leia alguma afirmação que aparentemente não faça sentido. Ou que seja desconfortável. Ou que você não concorde. Ou que pareça não ter nada a ver com a sua vida ou com o que você acredita.
Percebo que muitas pessoas entram no modo de defesa ao ouvirem alguém falando sobre diversidade e inclusão. Não gostamos de ouvir palavras como privilégio, preconceito, racismo, homofobia, feminismo, machismo, sexismo, discriminação, domínio, patriarcado⁴... A lista é longa. A sensação de não nos reconhecermos nesses termos é comum.
Como diz Mahzarin Banaji, psicóloga e professora na Universidade de Harvard que citei na abertura do livro, ter um viés não é o fim do mundo, a única vergonha é se você não fizer nenhum esforço para melhorar⁵
.
Fico feliz em compartilhar tudo o que aprendi desde que fundei a CKZ Diversidade, consultoria especializada em diversidade e inclusão. Espero que você, assim como eu, também esteja disponível para descobrir os seus vieses inconscientes.
O primeiro passo, como você deve imaginar, é trazer os vieses para a consciência⁶. Para começarmos a ver uma mudança profunda em nós e nas empresas, precisamos entender a motivação desses vieses e como controlá-los — só assim conseguiremos atenuá-los e desconstruí-los.
Antecipo o que você encontrará pela frente. Dividi o livro em quatro partes, nomeadas com quatro verbos que nos convidam para a ação: descobrir, aprofundar, transformar e agir.
Na primeira, falo sobre a minha jornada e o momento em que descobri que pessoas recebem tratamentos diferentes nas empresas. Trago pesquisas que embasam a importância de investirmos em ambientes mais diversos e inclusivos. Mostro como somos moldados desde a infância e como nossas crenças e estereótipos levam a diferentes preconceitos com alguns dos grupos minorizados, entre os quais mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência.
Na segunda parte, vamos explorar o cérebro inconsciente e oito tipos diferentes de vieses inconscientes. Mostrarei também o papel de grupos que não costumam perceber que são agentes importantes de transformação. Para termos resultados efetivos, a jornada de diversidade e inclusão deve ser protagonizada por todos e todas.
Na terceira parte, vamos entender como o sentimento da exclusão provoca o mesmo tipo de reação da dor física⁷ e o que podemos fazer para ter uma cultura mais inclusiva e trabalharmos em ambientes com segurança psicológica⁸. Aproveito para levantar um questionamento: deveríamos incluir a letra D de diversidade na sigla ESG, que se refere às práticas ambientais, sociais e de governança de um negócio?
Por último, vamos à prática. Compartilho o estudo de caso que desenvolvi durante o mestrado e me levou a ganhar o prêmio de melhor dissertação da linha de Mestrado Profissional do ano de 2020 da FGV⁹. O material didático está pronto para ser aplicado em dinâmicas com as equipes das empresas e ajuda a trazer os vieses inconscientes para a consciência.
Além disso, trago o depoimento de quatro pessoas diferentes de mim: um homem branco heterossexual, uma mulher negra e trans, um homem negro e uma mulher com deficiência.
O convite está feito. Espero que eu consiga compartilhar minha paixão por transformar e fazer você compreender mais sobre o impacto dos seus vieses inconscientes. Alguns de nós têm mais facilidade em trazer esses vieses para a consciência, outros demoram um pouco mais. Algumas pessoas já ouviram falar sobre viés inconsciente, outras não sabem nem por que abriram este livro. Seja qual for o seu caso, fico feliz em ter você junto comigo. Vamos em frente!
Com carinho,
Cris Kerr
11 de janeiro de 2021
SUGESTÕES PARA IR ALÉM:
Teste de Associação Implícita de Harvard: https://implicit.harvard.edu/implicit/brazil/takeatest.html
TEDx: Você é uma pessoa preconceituosa? Eu sou
, de Kristen Pressner, líder global de Recursos Humanos da Roche Diagnósticos. https://www.youtube.com/watch?v=Bq_xYSOZrgU
Referências:
1. BANAJI, M.; GREENWALD, A. BLINDSPOT: Hidden Biases of Good People. NY: Bantam Books, 2013.
2. PAYNE, K.; VULETICH, H. Policy Insights From Advances in Implicit Bias Research, SAGE Journal, 2017.
3. FIARMAN, S. Unconscious Bias: When Good Intentions Aren’t Enough. Educational Leadership, 2016.
4. ROSS, H., Exploring unconscious bias. Diversity Best Practices, 2008.
5. BANAJI, M.; GREENWALD, A. BLINDSPOT: Hidden Biases of Good People. NY: Bantam Books, 2013.
6. SMITH, D., ROSENSTEIN, J., NIKOLOV, M., CHANEY, D. The Power of Language: Gender, Status, and Agency in Performance Evaluations. Springer Science Business Media, part of Springer Nature, 2019.
7. ZAK, P. The physiology of moral sentiments. Journal of Economic Behavior & Organization, 2011.
8. EDMONDSON, A. A Organização sem medo - Criando Segurança Psicológica no Local de Trabalho para Aprendizado, Inovação e Crescimento, Alta Books Editora, 2020.
9. PEREIRA, CRISTINA KERR, Construtora Meireles & Silva: impacto do viés inconsciente na carreira das mulheres, Revista Brasileira de casos de ensino em administração da FGV, 2021.
A Descoberta
capítulo 2
Quando entendi que era diferente ser uma líder mulher¹⁰
Certa tarde, o diretor de marketing recém-contratado na empresa em que eu trabalhava há alguns anos como gerente de marketing me chamou: Preciso conversar com você. Não entendi por que me contrataram
. Fiquei alguns segundos sem reação. Como assim ele não entendeu por que foi contratado?
Na verdade, eu também não tinha entendido por que ninguém havia me considerado para ocupar aquela vaga. Apesar de ser bem avaliada e ter as competências necessárias, preferiram abrir um processo seletivo externo e chamaram o Roberto, que não era do setor da empresa e não tinha experiência com grandes feiras e eventos, mas tinha grande expertise em outras áreas.
Nessa mesma conversa, ele propôs que eu o substituísse em um evento global para a liderança de marketing que aconteceria em breve em Santa Ana, na Califórnia. Foi uma decisão inusitada. Quando retornei da viagem, ele me avisou que havia conversado com o CEO e a CFO da empresa, dizendo que não fazia sentido ocupar aquela posição. A Cris está totalmente preparada para essa cadeira
, ele disse. E pediu demissão.
Logo foi a vez de o CEO e a CFO me chamarem para conversar. Olha, o Roberto falou conosco
, eles começaram a dizer. Chamamos as três diretoras para quem você reportaria e perguntamos se elas achavam que você está preparada.
Preciso fazer uma pausa aqui. O Roberto afirmar que eu estava preparada não era suficiente — mesmo ele sendo meu chefe direto, para quem eu reportava há três meses e repassava todo o conhecimento para que ele assumisse a nova posição da maneira mais tranquila possível.
Duas diretoras validaram a sua promoção; uma não
, complementaram o CEO e a CFO. Então decidimos te dar uma oportunidade. Daqui a um ano, se desempenhar bem a função, vamos te promover.
A proposta era clara: provar que eu tinha competência para chegar ao cargo de diretora e acumular os dois cargos durante 12 meses, mas mantendo o salário de gerente.
O que eu fiz? Levantei a cabeça, aceitei e comecei a fazer as aulas de inglês patrocinadas pela empresa — um benefício que ganhei por ser a única competência que eles julgavam faltar para que eu fosse diretora. Na época com menos de 30 anos, não pensei que poderia existir outro final para essa história.
Apenas muitos anos depois descobri que esse episódio era a manifestação de um dos vieses inconscientes, chamado de viés de desempenho¹¹. Homens brancos e amarelos são contratados com base no seu potencial talento futuro, pois já é assumido que eles têm as habilidades necessárias para o cargo. Já as mulheres e pessoas de grupos minorizados precisam provar que têm competência por meio de conquistas e resultados passados¹².
Até hoje digo para o Roberto que ele foi um anjo. Mantivemos contato, um torcendo pela carreira do outro. Sei que é raro encontrar alguém no ambiente corporativo que tenha uma postura como a dele.
Sempre trabalhei em setores muito masculinos. O que vivi naquele momento validou o que eu via desde o início da minha carreira como estagiária, em 1990. Eu olhava para a liderança e só via homens. O meu cérebro começou a acreditar, inconscientemente, que cargos altos não eram para mim. Esse pensamento também ocorre em outros grupos de pessoas minorizadas que não se veem representadas em determinados lugares e posições¹³.
A decisão de abandonar o mundo corporativo aconteceu quando entrei, de novo, em um ambiente extremamente masculino. Mais uma vez, eu era responsável pelo marketing e pela organização de grandes eventos.
Você vai ao evento de Brasília apresentar nosso novo projeto para o presidente daquela empresa que é um potencial patrocinador
, meu chefe pediu. Mas o projeto não é meu, é de outra área
, repliquei. Sim, mas o executivo pediu que fosse você quem explicasse o projeto, durante um jantar
. Pedi para que ele fosse mais explícito no pedido. Faça qualquer coisa que você tiver que fazer para fechar o projeto
, foi o que ouvi como resposta.
A história seguiu o enredo decepcionante. Fui ao jantar e, como previsto, a cantada inconveniente do presidente chegou junto com a sobremesa. Eu disse vários nãos, furiosa, e ainda assim ele insistiu com mensagens madrugada adentro. Eu me perguntava como era possível que eles imaginassem que eu aceitaria algo parecido. Só porque era recém-divorciada? Será que isso acontecia com outras mulheres?
Antes de ir ao jantar, parte de mim ainda preferia acreditar que eu havia entendido errado. Não era possível que o meu chefe realmente estava me mandando para uma emboscada. Mas não era a primeira vez que eu vivia algo parecido. Assim como eu, muitas amigas e executivas que conheci ao longo da carreira sofreram casos de assédio moral ou sexual. Eu poderia escrever um livro apenas com esses episódios, mas o meu objetivo aqui é falar sobre vieses inconscientes.
Comecei a pensar que desde a infância meninas são elogiadas pela beleza. Ela é linda, é uma princesa!
, dizem. Já os meninos recebem incentivos por seus comportamentos: forte, inteligente e corajoso. As crianças viram adultos e começam a trabalhar em empresas, mas não aprenderam a elogiar as mulheres por suas competências¹⁴. Seria uma questão cultural?
Passei a evitar sorrir ou ser gentil demais. Só cumprimentava as pessoas de longe. Eu me tornei mais dura, brava e rígida. A minha forma de dizer basta!
foi abrir a minha empresa — quem sabe assim eu conseguiria dar mais voz às mulheres?
A decisão partiu das