Reencontro
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Reencontro - Denise Kusminsky
eternidade.
1
Naquele dia inesquecível, só me lembro de mim num avental verde, estendida na maca e prestes a ser anestesiada para não ver nem sentir nada do que ia se passar.
Procurei um olhar, uma mão amiga, mas não havia ninguém para me apoiar. Então abracei carinhosamente minha barriga, como que me despedindo. Depois rezei profundamente e fui sendo desligada da realidade.
Daí para a frente a sensação era de que eu estava no fundo do mar, envolvida por uma névoa estranha, numa escuridão crescente.
Foi quando um choro de criança me despertou. Era um choro alto, forte, mais forte do que todas as anestesias que me injetaram. Consegui ouvir um bebê chorando, mas não percebia exatamente o que estava se passando.
Desesperada, acabei gritando, perguntando de quem era aquele choro, mas ninguém me respondeu. Eu tentava vir à tona da névoa em que mergulhara, entrar em contato com aquele som, mas ele me parecia vir de longe, muito longe.
Eu tentava dar braçadas na névoa, nadar na direção daquela criança, alcançá-la, quando me anestesiaram outra vez e outra vez voltei para o fundo do meu mar inconsciente, onde os sons da terra mal chegam.
Acordei tremendo de frio e tristeza, nem sabendo por onde recomeçar.
Meu pai já estava ao meu lado e minha mãe à minha frente, tristes, sem palavras.
Naquele momento percebi que nunca mais seríamos totalmente felizes.
Por toda minha vida eu haveria de levar a lembrança daquele dia, 7 de setembro de 1975, o primeiro dia do ano-novo judaico. Por anos e anos, era só fechar os olhos para ouvir de novo aquele choro e de novo reviver o desespero daquele instante. Quantas noites acordei em prantos, ouvindo aquele choro de recém-nascido?
Um choro forte mostrando ao mundo que havia chegado… E a partir de então não haveria um dia em que eu não pensaria nela, ou nele…
Foi uma marca que passei a carregar. Ficou tão impregnada em mim que não há vento que apague, remédio que cure. Era, eu sabia, uma cicatriz eterna. Quem pode esquecer o momento em que está dando à luz uma criança? Na ocasião, fiz o que pude para que ela pudesse pelo menos viver e ver a luz do sol.
A época é que não ajudava. A verdade, a triste verdade, é que, no contexto social e familiar do século passado, eu não poderia, com 18 anos, criar sozinha aquele filho. Tê-lo e renunciar a ele se apresentou, nas circunstâncias, minha única opção. Quem já se sentiu pequeno diante do destino entende isso.
E tudo foi feito da melhor forma possível, clinicamente. Só que, (in)felizmente, para as feridas do coração ainda não inventaram anestesia geral.
Hoje é tudo bem diferente – do contexto atual até eu mesma.
Época da repressão, da ditadura, não tínhamos liberdade de expressão nem de pensamento.
Sexo era tabu.
Agora estamos em outro mundo, outro século, outra forma de vida.
Mesmo assim, deixo aqui meu testemunho, pois o que há nele sobre a força da fé e o poder da oração pode servir para todas as situações, em todas as épocas.
2
Nasci no bairro de Santana, Zona Norte de São Paulo. Da minha infância guardo a lembrança de um pequeno quintal onde gostava de deitar numa rede e