Reunião de poemas
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Reunião de poemas - Gregorio de Matos
EDIÇÕES BESTBOLSO
Reunião de poemas
Gregório de Matos e Guerra nasceu em 1636, em Salvador, Bahia, onde começou a estudar humanidades no Colégio dos Jesuítas por volta de 1642. Em 1650 transferiu residência para Portugal, onde se formou em Direito pela Universidade de Coimbra em 1661, mesmo ano em que se casou com Micaela de Andrade, em Lisboa. A partir de 1663, sucederam-se nomeações para Juiz de Fora de Alcácer do Sal, representante da Bahia nas Cortes em 1668, Juiz do Cível em 1671, Procurador da Cidade de Salvador em 1672, e novamente Representante da Bahia nas Cortes em 1674. Viúvo em 1678, no ano seguinte foi nomeado Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia, em 1681, Clérigo Tonsurado e em 1682 retornou ao Brasil. Nomeado Desembargador da Relação Eclesiástica e Tesoureiro-mor da Sé pelo arcebispo D. Gaspar Barata, foi em seguida destituído por seu sucessor e passou a levar vida boêmia e itinerante. Por essa época, casou-se com Maria dos Povos. Tanto no Brasil quanto em Portugal, sua veia satírica, que lhe valeu a alcunha de Boca do Inferno, atiçou a ira dos membros do clero e demais exploradores da colônia, o que em 1694 resultou no seu exílio em Angola, África. Ao retornar ao Brasil em 1695, fixou-se em Recife, Pernambuco, onde faleceu ao final desse mesmo ano.
1ª edição
RIO DE JANEIRO – 2014
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Matos, Gregório de, 19633?-1696
M832r
Reunião de poemas [recurso eletrônico] / Gregório de Matos; organização e prefácio André Seffrin. - 1. ed. - Rio de Janeiro: BestBolso, 2014.
recurso digital
Formato: ePub
Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-85-7799-439-7 (recurso eletrônico)
1. Poesia brasileira. 2. Livros eletrônicos. I. Seffrin, André, 1965-. II. Título.
14-11203
CDD: 869.91
CDU: 821.134.3(81)-1
Reunião de poemas, de autoria de Gregório de Matos.
Título número 355 das Edições BestBolso.
Primeira edição impressa em janeiro de 2014.
Texto revisado conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Copyright da seleção e do prefácio © André do Carmo Seffrin, 2011.
www.edicoesbestbolso.com.br
Capa: Luciana Gobbo.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, sem autorização prévia por escrito da editora, sejam quais forem os meios empregados.
Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil em formato bolso adquiridos pelas Edições BestBolso um selo da Editora Best Seller Ltda.
Rua Argentina 171 – 20921-380 – Rio de Janeiro, RJ – Tel.: 2585-2000.
Produzido no Brasil
ISBN 978-85-7799-439-7
Prefácio do organizador
Assim como o conceito de barroco em literatura, em termos de história literária, a poesia de Gregório de Matos só passou a ser considerada no século XIX, ou seja, a partir dos alvores do nosso romantismo. Inicialmente de maneira muito esparsa, como no Parnaso brasileiro de Januário da Cunha Barbosa, publicado de 1829 a 1832, no Parnaso brasileiro de João Manuel Pereira da Silva, em 1843, com mais ênfase no Florilégio da poesia brasileira de Francisco Adolfo de Varnhagen, em 1850, e principalmente na antologia organizada por Valle Cabral, em 1882. Toda reunião do que se presume ser o conjunto de sua obra é mais ou menos recente, e sua fortuna crítica de fato só se intensificou a partir das primeiras décadas do século XX. Fortuna que não escapou, e até hoje não escapa, aos erros e acertos que a condicionaram desde o início, sobretudo no que diz respeito ao perfil biográfico moldado pelas exigências do nacionalismo idealizante do romantismo e que pouco avançou nas últimas décadas. Porque as idealizações crítico-biográficas persistem, ora animadas pela ausência de comprovação documental, ora por interesses de pequenos grupos com inesperado poder de mistificação.
Obra não coligida em vida pelo autor, volante em seu tempo, extraviada em códices manuscritos, nenhum autógrafo e em maior parte do século XVIII, permanece à espera de edições que lhe contornem melhor as margens e eliminem apócrifos, alguns já identificados. São problemas de ecdótica apenas aflorados, uma vez que pouco se avançou no terreno do que é e do que não é de sua autoria. O minucioso levantamento de grande parte dos códices, realizado por Francisco Topa em O mapa do labirinto: inventário testemunhal da poesia atribuída a Gregório de Matos, bem como a primeira tentativa de edição crítica da obra poética, em andamento e organizada pelo mesmo estudioso, são indispensáveis para futuros exegetas. Contudo, falar da poesia de Gregório de Matos é sempre falar, como sugeriu Wilson Martins, da obra que corre em nome de Gregório de Matos, sem esquecer que o próprio Francisco Topa considerou tarefa utópica qualquer pretensão de fixação definitiva.
A situação vislumbrada pelo mesmo Wilson Martins em 1970 é a de que, sob o nome de Gregório de Matos poderemos compreender, sem maiores prejuízos nem excessivas hesitações, qualquer coisa como um poeta coletivo, uma espécie de constelação de poetas, em que os anônimos se dissolvam na figura do epônimo e nele se transubstanciem para formar esse grande e imaginário poeta brasileiro do século XVII
. Parecer semelhante foi mais tarde reforçado por Fábio Lucas: ...a crítica, a ensaística e a historiografia brasileira devem adotar Gregório de Matos como um nome englobante, de forma análoga ao que ocorre com Homero e Camões, entidades imprescindíveis aos estudos literários, não obstante não seja possível estabelecer todas as fronteiras de suas obras.
Ainda para Wilson Martins, por um paradoxo quase previsível e ironicamente bem-vindo, a desordem do texto gregoriano reflete a desordem da obra e da vida, a sua fantasia descabelada, a sua imortal irreverência, o seu desprezo da literatura e dos eruditos
.
O dualismo que resulta do desconforto da crítica social, de quem não aceita o desconcerto do mundo, e uma veia lírica de redenção espiritual para além dos desajustes individuais é o que talvez molde a face mais conhecida de Gregório de Matos. Apesar da notória – e falível – disposição de sua obra, em geral dividida em lírica, graciosa, sacra e satírica, seus poemas se intercambiam incessantemente, e até de maneira brincalhona, num exuberante jogo lúdico de poeta-jogador
, ou melhor, poeta-jogral
, mas de jogo franco, direto, sem meias medidas, como sugeriu Affonso Ávila. Porque a aludida desordem do texto
indica um poeta que percorreu irregular ou simultaneamente quase todos os temas e processos compositivos correntes em seu tempo, da lírica amorosa aos poemas sacros, dos poemas satíricos aos burlescos, da erótica à escatologia e à picaresca, da apologia moral à encomiástica e assim por diante. Sem deixar de ser, também, sem qualquer intenção ou programa, a primeira voz com conotação política da poesia brasileira, que paradoxalmente também pertenceria a Portugal, como grande parte de nossa literatura sob domínios coloniais. Essa conotação política por certo fortaleceu a valorização da vertente satírica em Gregório de Matos, demasiado amarga e limitada a problemas cotidianos, longe, é verdade, de uma pretensa visão global dos nossos problemas sociais. Valorização que acabou por deprimir a análise e a divulgação da lírica religiosa e amorosa, em geral consideradas mais convencionais, no entanto com evidente projeção em língua portuguesa ao longo do último século e não raro de fatura superior a muitas de suas sátiras mais famosas.
Outra vez com Fábio Lucas, podemos dizer que Gregório de Matos criou um barroco brasileiro, naturalmente tardio, folclórico, patético, teatral
. E nunca se ignorou que seu barroco é tributário de Portugal (em que se encontram reminiscências do soneto de Petrarca via Camões e Sá de Miranda, nos conhecidos paralelismos e antíteses) como também da Espanha, moldado pelo fatal e inevitável eco do didatismo mordaz dos poetas do Século de Ouro, isto é, de Góngora, Lope de Vega, Calderón e, na sátira, pela via popular e por vezes no vocabulário, de Quevedo – entre todas, a influência mais forte. O que não é incomum na literatura pré-romântica, ao contrário, e Gregório de Matos não terá sido o primeiro tradutor criativo
de outros poetas – detalhe que, em oposição ao que se supunha, no vai e vem das escolas e das modas, conta cada vez mais a seu favor, como ocorre com Camões.
Ora, poeta culto, mesmo nas águas do improviso, Gregório de Matos alcançou a mais alta poesia do período, seja na utilização da paródia, da paráfrase, da tradução livre (e mesmo da cópia ou plágio), seja pela absorção e subversão das técnicas versificatórias vigentes. Mais do que isso, porém, nesse âmbito conseguiu expressar com plenitude o espírito ambivalente e contraditório do mundo barroco, alçado à figura paradigmática de um mundo oscilante entre fé e pecado, virtude e vício, luz e sombra. Paradoxos que tensionaram e de certa forma estruturaram o cosmos do poeta – na vida, na obra, nas ardentes imprecações em que se viu queimar como homem e como artista, nos seus percalços e incertezas existenciais. Porque a maior parte dos poetas do tempo é demasiado cortês frente à língua solta de Gregório de Matos, infinitamente distante da comportada literatura de salão que dominou nossos primeiros séculos.
Sim, o barroco de matriz clássica ganhou com ele novos contornos, mais quentes nos temperos e açúcares tropicais, nessa forma nova que Araripe Júnior chamou de lirismo crioulo
de um "Petrarca