CONTOS DE MÃE ÁFRICA
De Diversos
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Sobre este e-book
Em Contos de Mãe África, o leitor terá oportunidade de conhecer e apreciar o texto de uma parte desses escritores. Trata-se de uma seleta coletânea de contos de diversos autores Africanos, oriundos de países como Cabo Verde, Angola, África do Sul, Guiné, entre outros. Contos de Mãe África faz parte da coleção Raízes e juntamente com Lendas da Mãe África e Poemas de Mãe África compõe uma trilogia que resgata uma pequena parte da enorme herança cultural que nos foi legada pelo continente Áfricano.
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CONTOS DE MÃE ÁFRICA - Diversos
贍
Edições LeBooks
CONTOS DE
MÃE ÁFRICA
1a edição
Trilogia Mãe África
img1.jpgIsbn: 9786586079869
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Prefácio
Prezado Leitor
A África é um continente repleto de lendas, mitos, histórias. É também o berço de talentosos escritores antigos e contemporâneos.
Como brasileiros, herdamos muitas coisas da cultura africana, ritmos, hábitos, comidas típicas, porém, muitas vezes, deixamos de lado um riquíssimo acervo de histórias narradas por grandes escritores do continente africano.
Em Contos de Mãe África, o leitor terá oportunidade de conhecer uma parte desses autores. Trata-se de uma seleta coletânea de contos oriundos de países como: Cabo Verde, Angola, Moçambique, Guiné, entre outros.
Contos de Mãe África, juntamente com Lendas da Mãe África e Poemas de Mãe África compõe uma trilogia que resgata uma pequena parte da enorme herança cultural que nos foi legada pela Mãe África.
Uma excelente e enriquecedora leitura
LeBooks Editora
Sumário
AS MÃOS DOS PRETOS
O PEHL E O BOZÓ
AS MAMAS
O PRETEXTO
A VOZ DA ESTEPE
O MOLEQUE DO VIOLÃO
GANDANA
HISTÓRIA DE SABÃO
O MAR CHAMA POR MIM
A PESSOA NÃO TEM CORAÇÃO
COMPANHEIROS
A REVELAÇÃO
A CADERNETA
NO TERREIRO DO BRUXO BAXENXE
O RAPAZ DOENTE
AS MÃOS DOS PRETOS
Luís Bernardo Honwana
Uma história sobre a igualdade dos homens, para além das suas cores.
Já não sei a que propósito é que isto vinha, mas o senhor Professor disse um dia que as palmas das mãos dos pretos são mais claras do que o resto do corpo porque ainda há poucos séculos os avós deles andavam com elas apoiadas ao chão, como os bichos do mato, sem as exporem ao sol, que lhes ia escurecendo o resto do corpo. Lembrei-me disso quando o Senhor padre, depois de dizer na catequese que nós não prestávamos mesmo para nada e que até os pretos eram melhores que nós, voltou a falar nisso de as mãos serem mais claras, dizendo que isso era assim porque eles andavam com elas às escondidas, andavam sempre de mãos postas, a rezar.
Eu achei uma piada tão grande essa tal coisa de as mãos dos pretos serem mais claras que agora é ver-me não largar seja quem for enquanto não me disser por que é que eles têm as mãos assim tão claras.
A Dona Dores, por exemplo, disse-me que Deus fez-lhes as mãos assim mais claras para não sujarem a comida que fazem para os seus patrões ou qualquer outra coisa que lhes mandem fazer e que não deve ficar senão limpa.
O Antunes da Coca-Cola, que só aparece na vila de vez em quando, quando as Coca-Colas das cantinas já tenham sido vendidas, disse que o que me tinham contado era aldrabice. Claro que não sei se realmente era, mas ele garantiu-me que era. Depois de lhe dizer que sim, que era aldrabice, ele contou então o que sabia desta coisa das mãos dos pretos. Assim:
— Antigamente, há muitos anos, Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, Virgem Maria, São Pedro, muitos outros santos, todos os anjos que nessa altura estavam no céu e algumas pessoas que tinham morrido e ido para o céu fizeram uma reunião e resolveram fazer pretos. Sabes como? Pegaram em barro, enfiaram em moldes usados de cozer o barro das criaturas, levaram-nas para os fornos celestes; como tinham pressa e não houvesse lugar nenhum ao pé do brasido, penduraram-nas nas chaminés. Fumo, fumo, fumo e aí os tens escurinhos como carvões. E tu agora queres saber por que é que as mãos deles ficaram brancas? Pois então se eles tiveram de se agarrar enquanto o barro deles cozia?!
Depois de contar isto o Senhor Antunes e os outros Senhores que estavam à minha volta desataram a rir, todos satisfeitos.
Nesse mesmo dia, o Senhor Frias chamou-me, depois de o Senhor Antunes se ter ido embora, e disse-me que tudo o que eu tinha estado para ali a ouvir de boca aberta era uma grandessíssima besteira. Coisa certa e certinha sobre isso das mãos dos pretos era o que ele sabia: que Deus acabava de fazer os homens e mandava-os tomar banhai num lago do céu. Depois do banho as pessoas estavam branquinhas. Os pretos, como foram feitos de madrugada e a essa hora a água do lago estivesse muito fria, só tinham molhado as palmas das mãos e dos pés, antes de se vestirem e virem para o mundo.
Mas eu li num livro que por acaso falava nisso, que os pretos têm as mãos assim mais claras por viverem encurvados, sempre a apanhar o algodão branco da Virgínia e de mais não sei onde. Já se vê que Dona Estefânia não concordou quando eu lhe disse isso. Para ela é só pôr as mãos deles desbotarem à força de tão lavadas.
Bem, eu não sei o que vá pensar disso tudo, mas a verdade é que, ainda que calosas e gretadas, as mãos dum preto são mais claras que todo o resto dele. Essa é que é a questão!
A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão das mãos dos pretos serem mais claras do que o resto do corpo. No outro dia em que falávamos nisso, eu e ela, estava-lhe eu ainda a contar o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de rir. O que achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava disso tudo, quando eu quis saber, e só tivesse respondido depois de se fartar de ver que eu não me cansava de insistir sobre a coisa, e esmo até chorar, agarrada à barriga como quem não pode mais de tanto rir. O que ela disse foi mais sou menos isto:
— Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver…. Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para casa deles para os pôr a servir de escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos, porque os que já se tinham habituados a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exatamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes por que é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem é apenas obra dos homens…Que o que os homens fazem é efeito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tivessem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos.
Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.
Quando fui para o quintal, para jogar bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido.
Luís Bernardo Honwana nasceu na cidade de Maputo em 1942. Cresceu em Moamba, no interior tendo estudado jornalismo. Em 1964, tornou-se militante da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), tendo sido preso em 1964 e permanecido encarcerado por três anos pelas autoridades coloniais. Após a independência, Honwana foi alto funcionário do governo e presidente da Organização Nacional dos Jornalistas de Moçambique.
Desempenhou também funções de diretor do gabinete do Presidente Samora Machel e Secretário de Estado da Cultura. Publicou Nós Matámos o Cão-Tinhoso em 1964. Em 1969, ainda em pleno colonialismo e com a guerra colonial no auge, a obra é publicada em língua inglesa (com o título de We Killed Mangy-Dog and Other Stories) e obtém grande divulgação e reconhecimento internacional, vindo a ser traduzida para vários outros idiomas.
O PEHL E O BOZÓ
Amadou Hampaté Ba
Soripoullo vai-se casar-se. É a primeira vez que lhe acontece tal aventura. Nessa ocasião, ele precisará gastar muito, para honrar os seus.
Gastar...? Mas como, quando não tem nada? Que fazer?
Confiemos nossas preocupações ao meu velho escravo Allahokki (Deus-dado): — Deixa o país — responde este — e trabalha em qualquer lugar para ganhar o dinheiro necessário.
Soripoullo se expatria. Mas nem todos os dias são sexta--feira, nem todas as pescarias são milagrosas e, depois de um ano laborioso de doze luas cheias sem uma doença, é a falência.
Não resta senão consultar Boukari Tondou, o célebre adivinho. Este interroga seu livro de magia. Ainda uma segunda vez. Mais uma terceira vez, ainda, como se o formulário estivesse confuso.
Impaciente, Soripoullo apressa o vidente: — O que vem de Deus é irrevogável. Dá-me, qualquer que ela seja, a resposta do espírito. Eu sou corajoso.
Encorajado por esta firmeza, Boukari Tondou responde: — Não vejo nada de bom para ti neste país. Uma doença perniciosa, aliada a um desgraçado azar ocupam a casa da tua sorte. É preciso que te retires daqui, ou serás perseguido por dívidas.
Soripoullo refletiu: Eu não sou dessas pessoas das quais se pode zombar. Irei para junto de minha família. Tanto pior se eu não conseguir casar-me...
E, andrajoso, retoma o caminho de seu país, mas, depois de dois dias de viagem, muda de ideia: "Como — disse para si mesmo — me poderei eu apresentar diante dos meus, assim como estou, andrajoso, esquelético, os bolsos vazios? Que pensarão de mim meus pais, meus avós e, principalmente, a noiva que me preferiu a todos os meus rivais? Antes me deitaria a afogar no rio, do que levar para os meus uma miséria que os cobriria de vergonha.
E Soripoullo abandona a estrada na intenção de se ir lançar ao Níger e caminha abrindo passagem, maquinalmente, por entre as altas ervas bruscamente ele desemboca em