Chapter Text
Correr todos os dias, antes mesmo do nascer do sol, era rotina para Lia Fletcher desde que se tornou líder de torcida, em sua antiga escola. Enquanto se aquecia para mais uma sessão de seu exercício matinal, a garota colocou os fones de ouvido e selecionou uma playlist com as melhores músicas de pop rock dos anos 2000.
— Bom dia, estou indo correr! — disse para a mãe que acabara de acordar e acenava com a cabeça de forma sonolenta.
— Cuidado para não se perder, querida, você ainda não conhece a cidade direito — advertiu a senhora Fletcher, afinal era o primeiro dia após a mudança para a pacata cidade de Saint Clair e a filha de fato não estava muito familiarizada com o lugar.
A casa ainda estava uma bagunça. Após desviar de todas aquelas caixas de papelão amontoadas do corredor até a porta, ela partiu sem saber exatamente que rota faria, apenas imaginou que pudesse sair e explorar um pouco. Enquanto dobrava a primeira esquina, deu de cara com um estabelecimento que julgou ser uma padaria, a fachada era bonita, com as paredes de tijolinhos a mostra, duas grandes vitrines de vidro e uma placa de madeira escrito "Doces Magnólias" — talvez na volta já esteja aberto e eu consiga provar algo — pensou. Uns metros mais à frente, ela percebeu como as coisas por lá pareciam já ter voltado ao normal, na verdade, nem parecia que um “quase fim do mundo” havia abalado todo o planeta no último ano. O bairro onde a garota morava, por exemplo, foi totalmente destruído depois de uma das centenas de batalhas entre os Rangers e as criaturas do Lord Zedd, por isso que seus pais resolveram mudar para Saint Clair.
A pequena cidade tinha pouco mais de 15 mil habitantes, era o típico lugar onde todos se conheciam e por isso o senso de comunidade era grande. Quando as batalhas do ano passado se intensificaram, algumas casas foram destruídas, muitas crateras apareceram, e pessoas morreram. Todos os habitantes tiveram algum tipo de perda, mas uniram forças e conseguiram recuperar boa parte das casas e prédios danificados. Um desses locais que se reergueram com ajuda dos vizinhos foi a padaria Doces Magnólias, que teve toda sua fachada reconstruída em pouco mais de uma semana. Depois de correr mais 30 minutos, a garota parou para descansar em frente a um grande edifício de dois andares com um letreiro escrito “Joey’s - Centro Poliesportivo”, ao lado, algumas crateras no chão com placas de isolamento ao redor e um aviso de que em breve seriam transformadas em pistas de skate. Lia respirava fundo, com as mãos apoiadas nos joelhos e o tronco inclinado para frente, quando olhou para o seu relógio e percebeu que já estava na hora de voltar para casa.
°°°
Enquanto fazia o caminho de volta, as ruas já não eram mais tão solitárias, aparentemente muitas senhorinhas tinham o mesmo hábito matinal que ela, e como previsto a padaria estava aberta. Lia atravessou a rua e ficou admirando os doces pela vitrine até que não demorou muito para que entrasse no estabelecimento, que ainda estava um pouco vazio pelo horário.
— Olá, bom dia! O que você vai… — uma mulher de cabelos castanhos, usando um avental muito fofo dos ursinhos carinhosos e que aparentava não ter mais do que 40 anos interrompeu a própria fala. — Você é nova por aqui? Claro que é, nunca te vi antes. — respondeu a própria pergunta como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Sim, hoje é meu primeiro dia na cidade. Prazer, sou Lia Fletcher — falou sorrindo e esticando o braço para um breve aperto de mão.
— Seja bem vinda a Saint Clair, eu sou Maggie e espero que goste tanto desta cidade quanto eu.
— A cidade é bem acolhedora e bonita, nem parece que passamos por todo aquele caos causado pelo Lord Zedd.
— Verdade, todos nós trabalhamos dias e noites para colocar essa cidade nos eixos novamente. E então o que vai querer?
— Eu definitivamente gostaria de levar todos, mas acho que vou ficar apenas três muffins, um chá de morango e dois descafeinados.
— Ótimo, então fica por conta da casa já que hoje é seu primeiro dia aqui — a mulher falou enquanto colocava o último copo de café na caixinha de papelão — espero te ver aqui amanhã de novo, jovem.
— Obrigada, pode ter certeza que esse lugar será minha parada obrigatória de todas as manhãs. Até mais, Maggie! — disse já saindo da padaria e caminhando até sua casa.
°°°
Quando deu a primeira mordida no pequeno bolinho que acabara de ganhar como presente de boas vindas, Lia sentiu-se nas nuvens, era tão bom que poderia comer apenas aquilo pelo resto de sua vida. Já em casa, a jovem entrou na cozinha e avistou seu pai comentando sobre a inauguração de uma pista de skate que aconteceria já naquela semana e que seria uma ótima oportunidade de conhecer a nova vizinhança.
— Verdade, pai, eu passei por essa pista mais cedo enquanto corria e ela parecia promissora. E a propósito, ganhei isso aqui como presente de boas vindas da mulher da padaria, os bolinhos estão divinos. — falou rápido antes de subir para o seu quarto. Hoje, além de ser o seu primeiro dia na cidade, também seria o seu primeiro dia de aula no Saint Clair College, e a garota queria deixar uma boa impressão em seus novos colegas de turma.
Após tomar banho e lavar os seus longos cabelos ruivos, Lia já estava quase pronta, faltava apenas finalizar seus cachos com o difusor. Ela usava uma camisa amarela com listras brancas na horizontal, uma saia jeans clara e o seu converse de sempre, quando bateu o olho no relógio e se deu conta do horário percebeu que já iria se atrasar no seu primeiro dia na escola nova largou o aparelho na sua penteadeira, pegou sua mochila e desceu as escadas com pressa.
— Mãe, estou indo, te amo! — a garota deu um beijo na bochecha da mãe, ela estava com tanta pressa que não esperou nem por uma resposta, apenas correu em direção a garagem onde pegou sua Vespa branca 1965 e seguiu rumo a Saint Clair College.
°°°
Adam Scofield desferiu mais um chute em seu saco de pancadas, o garoto era faixa vermelha com preta em taekwondo e tinha as artes marciais como sua grande paixão além do futebol. O filho mais velho dos Scofield era um garoto de ouro, responsável, educado, inteligente e muito bonito, definitivamente boa parte das garotas gostariam de ter um encontro com ele, mas Adam estava muito ocupado treinando para conseguir sua faixa preta e sendo o capitão do time da escola.
— Precisa levantar mais a sua perna esquerda se quiser a faixa preta — de repente um homem com cabelos castanhos, vestindo um dobok e uma bolsa lateral falou enquanto se acomodava na sala onde o garoto treinava.
— Ah! Bom dia, Joey! — falou enquanto arrumava sua postura e ficava de pé, com os braços esticados nas laterais de seu corpo, Adam se curvou em direção ao homem que era seu mestre.
— Por que está tão cedo por aqui? achei que você tinha aula.
— Sou veterano, só preciso estar em Saint Clair no segundo horário, ou seja, ainda tenho… — olhou para o relógio e se deu conta de que tinha perdido totalmente a noção do tempo — 30 minutos antes das aulas voltarem oficialmente.
— Verdade, esqueci que já estava em seu último ano — fez uma pequena pausa como se estivesse ponderando e voltou a falar — Adam, você ainda vai continuar dando aulas de taekwondo aqui no centro? sabe, as crianças te amam e não existem muitos faixas pretas nesta cidade.
Desde de quando conquistou a faixa azul, o garoto dava aula para crianças entre 5 e 8 anos, três dias por semana. Ele era bom com os pequenos e amava ver como eles pareciam estar cada dia mais se divertindo durante os treinos.
— Relaxa, Joey, eu amo dar aulas aqui e já estou acostumado a conciliar os estudos e os treinos.
— Tem certeza que não vai atrapalhar os seus estudos? sua mãe me mataria se eu atrapalhasse sua entrada na faculdade.
— Joey, você sabe que além de muito bonito e simpático, eu sou um gênio.
— E é muito modesto, devo acrescentar. — disse rindo do nível de convencimento do garoto. Desde os 11 anos quando seu pai se divorciou e foi morar em outro país com sua nova esposa, Joey Kwan era o mais próximo que o Adam tinha de figura paterna, o homem de 43 anos era dono do centro poliesportivo e o solteirão mais bem quisto da cidade, mas mesmo que todas as senhoras mantivessem seus olhos nele, o homem nutria sentimentos por Maggie Scofield, a mãe do Adam, a mulher que fora a primeira amiga que fez quando chegou na cidade.
— Estou indo tomar uma ducha, volto para as aulas depois do treino. Até mais tarde, cara. — o garoto se despediu e partiu em direção ao vestiário masculico.
°°°
Depois de um banho não muito demorado, Adam vestiu um moletom vermelho, calça jeans preta, um par de vans, guardou sua bolsa esportiva no armário e substituiu por uma mochila preta com os materiais para as aulas do dia. Não gostava de admitir, mas ele estava ansioso pelo seu último primeiro dia de aula como um estudante de ensino médio e ele podia sentir que esse ano coisas incríveis aconteceriam. Jogou sua mochila no banco de trás e seguiu em direção a escola, mas enquanto dobrava a esquina do cartório lembrou da promessa que fizera a sua irmã mais nova de que agora que estudariam na mesma escola a levaria todos os dias de carro. Quando chegou em frente a sua casa, Cassie já estava esperando na pequena varanda por seu irmão.
— Eu sei, eu sei que estou atrasado, mas se serve de consolo, essa apresentação de boas vindas que fazem para os calouros é muito chata. — o Scofield mais velho disse assim que a irmã entrou no carro com uma mini carranca e jogou a sua mochila também no banco de trás.
— É meu primeiro dia na escola nova, Adam. Eu só não queria chegar atrasada.
— Desculpa, Cassie, eu fui treinar hoje cedo no Joey’s e perdi a noção do tempo, mas prometo que na volta deixo você escolher a playlist.
— Mamãe pediu pra passar no Mags antes de ir, acha que vai dar tempo? — a garota perguntou enquanto lia no celular a mensagem que acabara de receber.
— Claro que vai dar tempo, e mesmo se a gente chegar atrasado vai valer já que todas as vezes que a mamãe chama no Mags ela nos enche de bolinhos, doces e de tudo o que há de mais gostoso no mundo.
°°°
Não demorou muito para que chegassem na padaria, afinal a cidade era minúscula e tudo ficava perto. Quando entraram pela porta, a padaria já estava bastante movimentada, um senhor lia um jornal enquanto levava uma rosquinha com cobertura de chocolate até a boca para mais uma mordida, na mesa localizada do lado de dentro da vitrine, uma mulher estava aparentemente trabalhando em seu notebook, e mais três pessoas estavam na fila para serem atendidas.
— Oi, queridos, achei que chegariam mais cedo. Não gosto que se atrasem para a escola, certo? — Recebeu um aceno silencioso dos filhos em resposta e continuou falando — Não consegui fazer o café da manhã, por isso separei esses muffins de aveia e mel e dois sucos, um de melancia para a Cassie e um de Limão para você — disse entregando uma garrafinha de suco para o filho mais velho — Agora vão e tentem não chegar mais atrasados que já estão. Amo vocês!
— Valeu, mãe, você é a melhor! — Adam falou com a boca já cheia de bolo enquanto abria a porta para sua irmã que segurava a caixa de muffins e sua garrafinha de suco.
— Tchau, mãe, eu te amo! — Cassie disse atravessando a porta e parando em frente a porta do carro como se esperasse por algo.
— O que foi? Por que tá parada aí?— O Scofield mais velho disse sem entender o motivo pelo qual sua irmã permanecia parada como uma estátua.
— Você acha que eu vou abrir a porta do carro como, queridão? Com a força do meu pensamento?
— As vezes eu esqueço como os adolescentes podem ser chatos — disse finalmente abrindo a porta. Quando já estavam acomodados, os dois irmãos seguiram rumo à escola, na esperança de chegar o menos atrasado possível.
°°°
— 3,14159265358979323846264338 e 3 — disse Jaden, de olhos fechados, enquanto ainda estava deitado em sua cama. Desde pequeno, repetir os primeiros 28 dígitos do PI era seu ritual matinal. — Tudo bem, agora é hora de levantar.
O filho único da senhorita McGee sempre foi um gênio. Aos sete anos, venceu um concurso de soletração onde as outras crianças tinham quase o dobro de sua idade. Aos nove, começou a aprender programação sozinho e usou sua nova habilidade para hackear todas as máquinas do Joey’s, conseguindo jogar sem precisar gastar suas moedas. No entanto, quando foi descoberto, ouviu um sermão de 15 minutos sobre honestidade do próprio senhor Kwan, que logo após a bronca disse estar orgulhoso de sua inteligência e que ela o levaria muito longe, se a usasse com sabedoria. Quando completou 13 anos, começou a fazer parte da equipe do decatlo acadêmico, e foi aí que Jaden McGee ficou conhecido como “O Pequeno Gênio de Saint Clair”.
— Filho, você vai querer torradas com geleia ou com mel? — perguntou a mãe, dando duas batidinhas na porta do banheiro onde Jaden tomava banho.
— Com mel! — gritou o garoto, para que a mãe pudesse ouvi-lo, mesmo com o barulho forte da água do chuveiro.
Não demorou muito para que ele aparecesse na sala de jantar, arrumado para o primeiro dia de aula. Não podia negar, estava ansioso pelo início do novo semestre, afinal, isso significava novas matérias complementares em sua grade curricular.
— Linda gravata, querido — disse a mãe, dando um beijo na bochecha do filho e colocando as torradas na mesa. — Vai mesmo tentar entrar na equipe de T.I.? — O garoto apenas balançou a cabeça em confirmação, já que estava com a boca cheia de torrada. — Certo, então vai lá e mostra para aqueles nerds quem é que manda — falou, guardando um sorriso sutil, sabendo que o filho reclamaria do termo usado para se referir aos membros do clube, mas não se importou. Achava fofo quando conseguia tirar o filho de sua habitual calmaria.
— Mãe, eu já te expliquei que... — foi imediatamente interrompido pela mãe, que completou a frase do filho enquanto revirava os olhos.
— “Nerd” não é uma palavra legal, eu sei, eu sei. Só estou te provocando, querido. Olha, estou indo para o hospital e devo chegar umas 22h. Por que não aproveita a noite com seus amigos no Joey’s? Você passou tanto tempo em casa trabalhando naquele seu projeto, deveria se divertir um pouco — sempre foi um desejo da senhorita McGee que o filho aproveitasse mais a juventude, afinal, tinha 16 anos e vivia recluso em seu porão testando novos códigos e circuitos para suas máquinas. — Pensa nisso, ok? Estou indo. Até mais tarde, filho. Eu te amo.
Pouco tempo depois de sua mãe se despedir, Jaden saiu de casa com seu skate, rumo ao colégio. Para ele, era um alívio ver as ruas novamente asfaltadas. Depois da guerra contra as forças malignas do Lord Zedd, a destruição tomou conta. As ruas estavam repletas de destroços e crateras, mas, graças ao trabalho duro de todos os moradores das redondezas, a cidade finalmente estava voltando aos eixos, e ele poderia novamente contar com a companhia de seu maior parceiro de quatro rodas.