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Get me outta here!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

ADELAIDE ABREU-DOS-SANTOS - O MEU PRESENTE DE GREGO

O MEU PRESENTE DE GREGO

ADELAIDE ABREU-DOS-SANTOS

                                               

   Minha vida sempre foi alegre e cheia de inesperados. Afinal nasci numa ilha do Oceano Atlântico, lindíssima!
      Uma família alegre, fui a última, os três primeiros foram os meus irmãos e quando nasci, a minha mãe decepcionada, perguntou ao meu tio João, que foi quem fez os partos dela, ele era irmão do meu pai, perguntou-lhe decepcionada: - Outro menino!? E meu tio, segundo o que minha mãe me contou, disse-lhe: - Cala-te que não sabes o que falas.
     Foi uma felicidade só com a chegada da menina, que como vocês já imaginaram era, eu! Minha mãe ficou radiante, enfim uma menina!
     Vocês devem imaginar como foi ser filha única e a mais nova. Laços, fitas, meias, sapatos de verniz, laçarotes nos cabelos, enfim uma boneca humana... e ela aproveitou bastante, graças a Deus o meu irmão que nasceu antes de mim foi quem sofreu, pois eu detestava experimentar roupa e a minha mãe adorava costurar e sempre fazia, vestidos com laços etc. etc., então o manequim era o meu irmão e eu trepava em árvores, jogava futebol, brincava de polícia e ladrão e corria para cá e para lá e só tinha que fazer a última prova, Ufaaaaa!!!
    Isto foi só para vocês terem um perfil, pois vou falar mesmo é do meu Presente de Grego.
    O tempo foi passando, muda daqui, muda dali e vim parar em Coqueiral, para onde trouxe a minha filha mais velha e onde nasceram as outras três.
    Desciam, brincavam, se escondiam, fugiam e foram crescendo. Um dia olhei a minha terceira filha que estava com dezessete anos e disse-lhe, - Você está gravida! Ela jurou que não, confessou que até já fizera exames e não tinha dado em nada. Mantive a minha opinião e levei-a ao atendimento médico da Unidade de Coqueiral, falei com a médica e a médica ficou-me olhando, tanto argumentei, apesar do exame de sangue ter dado errado, que ela resolveu prestar atenção no que eu dizia e sugeriu uma endovaginal.
    Adivinhem lá estava o meu Presente de Grego com onze semanas e cinco dias. Seria o primeiro filho de uma filha, portanto estava-me transformando em avó. Foi um choque, mas não uma decepção, não permiti o aborto e prosseguimos com os cuidados necessários, para mãe e filha. No dia 23 de abril, levei-a para a Promatre de Vitória, deixei-a lá por volta das onze e meia(23h30’), me dispensaram e voltei para casa. Às seis horas da manhã despertou-me o telefone, nesta época não existia celular ainda.
   A pessoa do outro lado da linha, me perguntou se eu era a mãe de uma lourinha, confirmei e me disseram, que eu fosse imediatamente para a Promatre, pois o médico queria falar comigo. Lá fui eu.
Chegando lá informaram-me que ela passou a noite correndo pelos corredores, com o soro e seu suporte, pois não queria ser tocada pelo médico. Imagino a comédia e o estresse do médico.
    Fui conversar com o médico e ele me solicitou, que ficasse com ela, assim o fiz, fiquei acalmando a minha filha e mostrando-lhe a importância de zelar pelo bebê. Lá pelas tantas chega um médico rabugento e manda que me retire da enfermaria, assim o fiz,
    Não fiquei meia hora lá fora e me disseram, que o médico estava me chamando, pensei que seria o que me atendeu logo no início, qual nada era o médico resmungão, exigindo que eu voltasse para a cabeceira da minha filha, pois percebeu que não iria conseguir nada com ela. Que eu a acalmasse para poder ser feito o parto.
     Fiquei com ela conversei e fomos evoluindo, mas fui observando que o médico não vinha e os académicos passavam e nem a olhavam, comecei a me preocupar com o bebê, pois já passava da hora do almoço, ela já estava lá há muito tempo, então falei para os acadêmicos, que íris tomar as minhas providências, pois estava preocupada com a minha filha e com o bebê.
    Fui lá p’ra fora, mas na verdade ia falar com a minha cunhada, pois o Diretor era vizinho dela, só que pensaram que ia chamar a imprensa, chamaram-me, pois iam proceder ao parto e gostariam que eu estivesse junto para acalmá-la. Quando cheguei à Sala de Parto, meu Presente de Grego estava acabando de estrear na vida.
    Depois disso, foi pura babação, a minha neta chegou no dia 24 de abril de 2004. Fiquei radiante e enamorada por aquela coisinha.
     Minha filha resolveu dar-lhe o nome da minha mãe, pois adorava a avó, assim foi que ela recebeu o nome de Joana.
     Claro que vocês devem imaginar a maturidade da minha filha, amamentava e sempre que podia escapar dava uma fugidinha, quando a Joana fez uma semana a mãe a colocou do meu lado na minha cama, foi assim que virei vó-mãe, mas sem nunca assumir, pois tinha consciência que a mãe era a minha filha e não eu.
     Joana foi crescendo e aonde eu ia ela estava, fiz tudo o que pude para que nunca lhe faltasse atenção e carinho. Levava-a a todos os lugares onde eu fosse, desde que fosse um ambiente que não a prejudicasse.
Nessa época já dava aula numa escola e havia várias atividades como: canto; GR; e outras atividades, Joana era a mascote, já que a escola era de Ensino Fundamental II, mas a Diretora sempre me apoiou, não só a mim como à equipe de uma maneira em geral, foi a melhor e mais humana Diretora que conheci. A prioridade dela eram os alunos e sua evolução e ela primava por ter ensino de excelência.
     A Joana era privilegiada, já que envidava todos os esforços, para prodigalizar-lhe uma amostra da minha infância, que foi sensacional.
    Quando estrou na Escola São Judas Tadeu em Santa Mônica, aprendeu a ler rapidamente e foi a oradora de sua turma com orgulho da família inteira de ver aquela bonequinha linda lendo no palco para o público de pais. A Escola São Judas parou de lecionar e então trouxe-a para a frente de casa, para a Escola Cecília Meireles, neste ano já inclui a irmã, que é dois anos mais nova e as duas estudavam juntas, cada uma em sua sala de acordo com a faixa etária e a Joana continuou a se desenvolver. Ao concluir o 5º ano a matriculei na Escola Luterana do IBES, meus sobrinhos haviam estudado lá e eu sabia que era uma escola de excelência.
     Estudou do 6º ao 9º ano, sempre elogiada pelos professores. Sempre foi o meu orgulho, ia às reuniões e só ouvia elogios às atitudes dela, bem-comportada, aplicada, inteligente, participativa, tudo que os responsáveis gostam de ouvir.
      Com tanto orgulho não medi esforços e matriculei-a no UP, pois acreditava plenamente nela, continuava excelente aluna e terminou o 3º ano com média 98, é ou não é para se ter orgulho e investir sem medo.
ela MIRANDO UM FIORDE NA NORUEGA
      Neste meio tempo fui visitar a minha segunda filha que vive com o marido na Noruega, providenciei passaporte e passagens e levei-a comigo, fomos à França, Holanda e por fim Noruega. Quando ela terminou o Ensino Médio paguei a viagem dos sonhos para Porto Seguro com os colegas, recentemente comentou que estava fazendo um ano da melhor viagem da vida dela.
       Voltando aos estudos disse-me que seu sonho era estudar Engenharia Aeroespacial, conversei com ela explicando que não teria como bancar, mesmo porque teria que ser no exterior. Conversei com ela e sugeri que tentasse Engenharia Mecânica que seria uma boa base, para posteriormente fazer um pós-graduação para a área dos seus sonhos.
    Relutou, mas um belo dia após pesquisas realizadas por ela, disse-me que estava entusiasmada e ia fazer vestibular para Engenharia Mecânica, fez o vestibular e passou. Fez o 1º período, foi razoavelmente bem, com apenas uma matéria de recuperação no final do período. Claro que como sempre, paguei todas as parcelas da faculdade e foi depois de todo esse período, que o encanto se desfez e o Presente de Grego se materializou.
     Passei a ser uma bruxa, uma megera para a minha predileta e o encanto se quebrou, até ameaças recebi e ela e o namorado chamaram a polícia, dois policiais muito cordatos e educados, conversei com eles o Sargento Lucas e o Almeida(não lembro a patenete), uma dupla incrivelmente educada e muito bem-preparada.
   O meu encanto se quebrou e todo o meu investimento de amor se perdeu. Estou atônita, pois nunca esperei nada semelhante, mesmo percebendo que ela é egoísta, nunca esperei algo tão atroz, meu mundo ruiu, não culpo ninguém só a imaginação alienada dela, deve estar deslumbrada, achando que os outros têm famílias melhores do que as dela, pois é disso que ela se queixa. Desejo que você seja feliz.
     Você foi apenas um mito que passou na minha vida, não me arrependo de ter me dedicado a você, só lamento não ter me preparado para esse desfecho.
    A ex-avó da Joana desiludida, mas com mais experiência de vida e decepção. A verdade é que poderia ter sido pior, tenho oito netos, apenas perdi uma.

EX-AVÓ E EX-NETA NA NORUEGA

domingo, 30 de maio de 2021

ROBERTO COHEN - BARBEIRO

BARBEIRO

publicado por Roberto Cohen em 20 de Novembro de 1999.
         Diz que um belo dia, um índio bem alegre, chegou numa barbearia juntamente com um menino, os dois para cortar o cabelo.
         O barbeiro, gente mui buena, fez um belo corte no índio, que já aproveitô pra aparar a barba, enfim deu trato geral.Depois de pronto o índio, chegou a vez do guri. Nisso o índio disse pro barbeiro:
         - Tchê, enquanto tu corta as melena do guri, vou dar um pulo até o bolicho da esquina comprar um cigarrito e já tô de volta.
         - Tá bueno! disse o barbeiro.
        Só que o barbeiro terminou de cortar o cabelo do guri e o índio não apareceu.
        - Senta aí e espera que teu pai já vem te buscar.
        - Ele não é meu pai! - disse o moleque.
        - Teu irmão, teu tio, seja lá o que for, senta aí.
        - Ele não é nada meu! falou o guri.
        Ai o barbeiro perguntou intrigado:
       - Mas quem é o animal então?
       - Não sei! Ele me pegou ali na esquina e perguntou se eu queria cortar o cabelo de graça! 

quarta-feira, 14 de abril de 2021

RICARDO AZEVEDO - BOLA DE GUDE

Bola de gude

Ricardo Azevedo
          Ricardo José Duff Azevedo (São Paulo, 1949) é um escritor, ilustrador e pesquisador brasileiro. filho do também autor de obras didáticas e pensador da geografia <Aroldo de Azevedo> e neto de Arnolfo Rodrigues de Azevedo, que foi senador por São Paulo e deputado nacional. Quando deputado, foi Presidente da Câmara dos Deputados por quatro anos e foi quem fez construir o Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, para sede da Câmara.
          Ricardo Azevedo tem três filhos e publicou mais de cem livros infantis. O primeiro foi escrito quando ainda adolescente – tinha 17 anos – que foi batizado de “Um homem no sótão”. Seus livros receberam diversos prêmios e foram publicados em outros países, como a França, Portugal, México, Alemanha e Holanda.
         Formado em comunicação visual pela Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), é mestre em Letras e doutor em Teoria Literária (USP). Até 1983, quando decidiu dedicar-se a escrever livros, trabalhou como publicitário atividade que o ajudou a desenvolver seu texto e, ao mesmo tempo, compreender a linguagem oral.
    O escritor também é desenhista, autor das ilustrações da maioria de seus livros. Uma outra paixão, também presente em seu trabalho, é a cultura popular, da qual é pesquisador. Vários de seus livros abordam formas literárias sobre as raízes dos contos populares, mais especificamente dos contos maravilhosos e de encantamento, quadras, adivinhas: No meio da noite escura tem um pé de maravilha!, Contos de enganar a morte e Armazém do folclore, são alguns exemplos das influências da cultura popular na literatura infantil, todos da editora Ática.
       O interesse por questões relacionadas à cultura popular remete à infância de um menino criado entre os livros do pai, professor universitário, dedicado às questões culturais do Brasil. As histórias do escritor têm como tema central as discussões sobre a existência de diferentes pontos de vista. Em O livro dos pontos de vista (Ática), um cachorro, um gato, um sapo, uma menina e um menino, entre outros personagens, dão suas versões sobre a nada fácil convivência. No mesmo tom, seguem as obras, Uma velhinha de óculos, chinelos e vestido azul de bolinhas brancas (Companhia das Letrinhas) e Nossa rua tem um problema (Ática).
        Ricardo também tem sucesso entre as editoras tendo vários livros publicados em cada uma delas. (como a editora Moderna, editora Ática, etc...)


Bola de gude
 
a maior bola do mundo
é de fogo e chama sol
a bola mais conhecida
é a de jogar futebol
certa bola colorida
jogar bem eu nunca pude
é de vidro essa bandida
e chama bola de gude.

FIM

quarta-feira, 7 de abril de 2021

ELIAS JOSÉ - CAIXA MÁGICA DE SURPRESA

CAIXA MÁGICA DE SURPRESA
                                                                                        ELIAS JOSÉ 


           Elias José nasceu em Santa Cruz da Prata (MG), em 1936. É um escritor e professor brasileiro, começou sua carreira na área literária, em 1968, ao ficar em segundo lugar no Concurso José Lins do Rego da Livraria José Olympio Editora.
               Em 1974, Elias ganhou o Prêmio Jabuti por seu livro Contos.
           O autor só passou a escrever para o público infantojuvenil em 1976, incentivado por sua esposa a escrever para sua filha, Iara.
              Faleceu em 2008, aos 72 anos.
        O poema que destacaremos hoje é o Caixa Mágica de Surpresa, que fala sobre a magia do livro.

Caixa Mágica de Surpresa
Um livro
é uma beleza,
é caixa mágica
só de surpresa.
 
Um livro
parece mudo,
Mas nele a gente
descobre tudo.
 
Um livro
tem asas
longas e leves
que, de repente,
levam a gente
longe, longe.
 
Um livro
é parque de diversões
cheio de sonhos coloridos,
cheio de doces sortidos,
cheio de luzes e balões.
 
Um livro é uma floresta
com folhas e flores
e bichos e cores.
 
É mesmo uma festa,
um baú de feiticeiro,
um navio pirata do mar,
um foguete perdido no ar,
É amigo e companheiro.

FIM

domingo, 7 de março de 2021

AUTOR DESCONHECIDO - SABEDORIA CHINESA: UM TESOURO CRIADO A PARTIR DA TOLERÂNCIA

 SABEDORIA CHINESA: UM TESOURO CRIADO A PARTIR DA TOLERÂNCIA

AUTOR DESCONHECIDO

A estátua de Buddha Shakyamuni perto do Belum cava em Andhra Pradesh, Índia. O Buda foi um príncipe de nascimento, mas decidiu abandonar seu título real e buscar o crescimento espiritual depois de testemunhar os sofrimentos da vida humana

      Há muito tempo, em uma cidade da China, os moradores construíram um grande templo de estilo tradicional. O templo era solene e tranquilo, mas faltava uma estátua de Buda para os crentes adorarem. Então as pessoas convidaram um renomado escultor para esculpir uma estátua de Buda para que pudessem expressar sua reverência.
  O escultor foi movido por sua piedade sincera e pessoalmente foi a uma montanha para procurar uma pedra adequada para a escultura. Depois de muito esforço, ele finalmente encontrou uma pedra de grande qualidade. Era enorme, então ele dividiu em duas partes. Ele selecionou uma peça, pegou seu cinzel e começou a esculpir.
     - “Ai, isso realmente dói! Você pode ser um pouco mais gentil? ”Reclamou a pedra ao sentir as primeiras incisões.
    Pouco capaz de suportar a dor, a pedra perguntou ao escultor: - “Eu enfrentei fortes ventos nas montanhas e chuvas fortes temporada após temporada, mas nunca experimentei esse tipo de dor antes. Sua escultura realmente me transformará em uma estátua de Buda?
       - “A tolerância em si é um processo”, respondeu o escultor. - “Desde que você esteja determinado a suportar a dor, você nascerá de novo quando eu terminar. A dor terminará então. Se você tem fé em mim, por favor, tente suportar a dor.”
       A pedra considerou as palavras do escultor por um longo tempo. - “Eu acredito em você, mas quando você acha que vai terminar?”, Perguntou.
     Colocando seu cinzel de lado, o escultor disse à pedra: “Eu acabei de começar. Você terá que suportar isso por 30 dias. Se as pessoas não estiverem satisfeitas com meu trabalho, precisarei refazer áreas e adicionar retoques. Se as pessoas estiverem satisfeitas com a escultura, então você se tornará uma estátua venerável de Buda”.                                                                      
      A pedra ficou em silêncio. Fantasiar sobre ser adorado por milhares de pessoas fez com que se sentisse feliz e complacente. Mas quanto mais o escultor trabalhava, mais a pedra achava difícil suportar a dor intensa de ser esculpida.
Quatro horas depois, a pedra gritou: - “Estou morrendo de dor! Está me matando! Não use mais o seu cinzel em mim. Eu realmente não aguento mais isso”.
       Ouvindo isso, o escultor parou sua escultura. Ele dividiu a pedra em quatro pedaços de pedra. As lajes foram usadas para pavimentar a passarela em frente ao templo.
       - “Eu não desisto tão facilmente”
     O escultor começou então a esculpir a outra pedra. Depois de esculpir com uma faca afiada e golpeá-lo com um machado, por curiosidade, o escultor perguntou à pedra: - “Você não sente dor intensa?”
      - “A primeira pedra e eu éramos originalmente uma peça, então sinto tanta dor quanto ela”, disse a segunda pedra. - “No entanto, eu não vou desistir tão facilmente.”
   - “Por que você não está me pedindo para ser mais gentil?”, Perguntou-se o escultor.
    A pedra respondeu: - “Se eu pedir para você usar menos força, a estátua do Buda não será detalhada e requintada o suficiente. As pessoas pediriam que você trabalhasse mais um pouco. É melhor se você conseguir terminar de uma vez só para não desperdiçar o tempo de outras pessoas”.
     O escultor ouviu em silêncio e admirou a tenacidade desse segundo pedaço de pedra. Após 30 dias de cinzelamento, a pedra tornou-se uma requintada estátua de Buda.
       Não muito depois, a digna e majestosa estátua de Buda foi colocada num altar sagrado. Sendo ambos impressionantes e solenes, foram recebidos respeitosamente por pessoas de todas as partes. Todos os dias, mais e mais pessoas vinham adorar e queimar incenso para a estátua do Buda.
    Um dia, a primeira pedra, agora laje de pavimento, perguntou à estátua: - “Por que você fica acima de mim e é adorado por todos, enquanto eu sou pisoteado aos pés de milhares a caminho de adorar você?”.
    A segunda pedra gentilmente sorriu e respondeu: - “É simples. Você não teve que suportar muito para se tornar pavimento. Enquanto isso, suportei as dificuldades de incontáveis golpes, cinzeladas e cortes dolorosos para me tornar uma estátua de Buda. ”
    Suportar dificuldades ou optar por conforto depende crucialmente de um só pensamento. Perder uma oportunidade predestinada pode resultar em miséria sem fim. No entanto, se alguém está disposto a suportar teste após teste e permanecer firme, o que o espera será um futuro esplêndido e brilhante.
Traduzido por Dora Li para o inglês, esta história foi reimpressa com a permissão do livro “Treasured Tales of China”, vol. 1, disponível na Amazon.
 

ALGUMAS BELEZAS DA PAISAGEM CHINESA!

terça-feira, 17 de novembro de 2020

IRMÃOS GRIMM - IRMÃOZINHO E IRMÃZINHA (O GAMO ENCANTADO)

 IRMÃOZINHO E IRMÃZINHA
(O GAMO ENCANTADO)

CONTO DOS IRMÃOS GRIMM

           O irmãozinho, pegando a irmãzinha pela mão, disse:
         - Desde que nossa mãe morreu, nunca mais tivemos uma hora feliz: nossa madrasta nos espanca todos os dias e, quando chegamos perto dela, nos enxota a pontapés. Nosso único alimento, são as côdeas duras de pão; trata melhor o cachorrinho debaixo da mesa, pelo menos ela lhe dá, de vez em quando, algum bocado bem bom. Meu Deus, se nossa mãe soubesse! Vem, vamo-nos embora daqui, vamos por esse mundo afora.
       Foram andando e caminharam o dia inteiro, percorrendo prados, campos, caminhos pedregosos. De repente, começou a chover, e a irmãzinha disse:
          - Deus e os nossos corações estão chorando juntos.


Ao anoitecer, chegaram a uma grande floresta; estavam tão cansados de chorar e de andar e com tanta fome que resolveram entrar na cavidade de uma velha árvore oca e aí adormeceram.
Na manhã seguinte, quando despertaram, o sol já estava alto no céu e seus raios ardentes penetravam na cavidade da árvore. Então, o irmãozinho disse:
- Estou com sede, irmãzinha; se descobrisse alguma fonte por aí, iria beber um pouco; aliás, parece-me ouvir um murmúrio de água a correr!
              
          Levantou-se, pegou a irmãzinha pela mão e saíram ambos à procura da fonte. Mas a perversa madrasta, que era uma bruxa ruim, vira os meninos irem-se embora; seguiu-os ocultamente, mesmo como fazem as bruxas, e enfeitiçou os mananciais da floresta. Quando os meninos encontraram o regato de água, que corria cintilante sobre as pedras, o irmãozinho precipitou-se para beber; mas a irmãzinha ouviu o murmúrio da água que dizia:
            - Quem beber desta água transformar-se-á em tigre.
         - Peço-te, querido irmãozinho, que não bebas desta água, - disse ela, - senão te transformarás em fera e me devorarás.

          
O irmãozinho não bebeu, apesar da grande sede que tinha, e disse:
- Esperarei até encontrar outra fonte.
Quando, porém, chegaram à outra fonte, a irmãzinha ouviu-a dizer:
- Quem beber desta água se transformará em lobo; transformar-se-á em lobo.
Não bebas, querido irmãozinho, - suplicou a irmãzinha, - senão te transformarás em lobo e me devorarás.
O irmãozinho não bebeu, mas disse:
- Esperarei até encontrar a terceira fonte: ai então beberei, digas o que disseres, pois não resisto mais de tanta sede.

           Quando chegaram à terceira fonte, a irmãzinha ouviu- a murmurar:
     - Quem beber desta água transformar-se-á num gamozinho.
           A irmãzinha tornou a pedir:
          - Oh, meu irmãozinho, peço-te, não bebas desta água, senão te transformarás num gamozinho e fugirás de mim.
         Mas o irmãozinho já estava ajoelhado junto da água e bebeu, porque sentia grande sede. Mal tinha sorvido os primeiros goles, eis que se transformou num pequeno gamo.

           A irmãzinha, então, chorou muito ao ver o irmãozinho transformado em gamo e este chorou com ela, achegando-se muito acabrunhado ao seu lado. Por fim a menina disse:
          - Tranquiliza-te, meu querido gamozinho, eu jamais te abandonarei.
      Desprendeu da perna sua liga dourada e atou-a ao pescoço do gamo; colheu alguns juncos e com eles trançou um cordel com o qual prendeu o animalzinho; depois internaram-se ambos na floresta.
       Andaram, andaram, andaram e, por fim, descobriram uma casinha; a menina espiou dentro, viu que estava vazia, e resolveu: "Ficaremos morando aqui."
            Juntou folhas e musgo e fez uma caminha macia para o gamozinho e todas as manhãs saía cedo para colher raízes, amoras e nozes pura seu sustento.
               A irmãzinha colhia a erva mais tenra, que ele vinha comer alegremente em suas mãozinhas, saltando e dando mil cabriolas a seu lado. A noite, cansada das labutas diárias, irmãzinha rezava suas orações, depois reclinava a cabeça no dorso de gamozinho e nesse travesseiro adormecia sossegada. Se o irmãozinho voltasse à forma humana, a vida ali seria maravilhosa.
            Bastante tempo viveram ainda sozinhos na floresta, mas deu-se o caso que o rei organizou uma grande caçada; então ressoaram as trompas por entre o arvoredo, o latido dos cães, os gritos alegres dos caçadores, e o gamozinho, ouvindo esse tropel, pensou no prazer que teria em participar daquele divertimento.
            - Ah, - disse ele à irmãzinha, - deixa-me tomar parte na caçada! Não resisto à vontade de ir ter com eles.

             Tanto implorou que ela teve de consentir, mas disse--lhe:
            - Deves voltar, à tarde; eu fecharei a porta por causa dos caçadores; ao bater, para que se reconheça, deves dizer:
"Deixa-me entrar, minha irmãzinha"; se não disseres isso, não abrirei.
          O gamozinho escapuliu bem depressa, satisfeito e feliz por encontrar-se ao ar livre. O rei e os caçadores, vendo o lindo animalzinho, saíram em sua perseguição, mas não conseguiram alcançá-lo, pois quando contavam agarrá-lo, de um salto ele desapareceu por trás das moitas. Assim que anoiteceu, correu para casa, bateu à porta e disse:
           - Deixa-me entrar minha irmãzinha!
        Então, a porta abriu-se; ele pulou para dentro e dormiu, tranquilamente, a noite toda, no seu fofo leito. No dia seguinte, teve prosseguimento a caçada; quando o gamozinho ouviu as trompas de caça e os oh, oh, dos caçadores, não pôde conter-se e disse:
         - Abre-me a porta, irmãzinha, tenho que sair!
        A irmãzinha abriu e tornou a dizer:
        - Tens, porém, que voltar à tarde e pronunciar a senha.
Assim que o rei e os caçadores tornaram a ver o gamozinho com a coleira de ouro, voltaram a persegui-lo, mas ele era muito ágil e esperto. A perseguição durou o dia todo, até que afinal, ao entardecer, os caçadores conseguiram cercá-lo e um deles feriu-o no pé. O pobre gamozinho, mancando muito, conseguiu fugir, embora menos depressa. Um dos caçadores seguiu-o, cautelosamente, e viu-o chegar à casinha e chamar:
- Deixa-me entrar, minha irmãzinha!

           A porta abriu-se e fechou-se rapidamente. O caçador, vendo isso, guardou tudo na memória e foi contar ao rei o que vira e ouvira.
         - Amanhã, - disse o rei, - voltaremos a caçar outra vez.
Entretanto, a irmãzinha assustara-se terrivelmente quando viu o gamozinho ferido. Levou-lhe o ferimento e aplicou-lhe logo algumas ervas, dizendo:
       - Agora vai deitar-te, meu querido gamozinho, para sarar bem depressa.
       O ferimento, porém, era tão insignificante que na manhã seguinte o gamozinho não tinha mais nada. Ouvindo novamente a algazarra dos caçadores, exclamou:
     - Não resisto ficar aqui, tenho de ir logo para lá; desta vez não me pegarão facilmente.
      A irmãzinha, chorando, dizia-lhe:
     - Desta vez te matarão e eu ficarei sozinha nesta floresta, abandonada por todos; não, não te deixarei ir.

           - Se não for morrerei de tristeza, - lamentava-se o gamo, - quando ouço a trompa de caça, não posso conter-me dentro da pele!
            A irmãzinha não teve outro remédio senão abrir-lhe a porta, embora com o coração cheio de angústia. O gamo, alegre e feliz, disparou rumo à floresta. Assim que o rei o viu, ordenou aos caçadores:
          - Podeis segui-lo, o dia todo, mas proíbo que se lhe faça o menor mal.
            Logo que o sol se escondeu, disse o rei ao caçador:
            - Vem, mostra-me a casinha da floresta.
        Quando chegaram diante da porta, o rei bateu, dizendo:
            - Deixa-me entrar, minha irmãzinha!

         Então a porta se abriu e o rei entrou; lá dentro, deparou com uma jovem tão linda como jamais vira. A jovem assustou-se quando viu entrar, não o seu querido gamozinho, mas um homem estranho, com uma coroa de ouro na cabeça. Entretanto, o rei contemplava-a com tanta doçura e meiguice que, quando lhe estendeu a mão disse:
          - Queres vir comigo para meu castelo e ser minha esposa?
             Ela respondeu contente:
       - Oh, sim! Mas quero que o meu gamozinho me acompanhe, pois nunca me separarei dele.
         - Ficará sempre contigo, - prometeu o rei, - e enquanto viveres nada lhe faltará.
          Nisso, chegou o gamo fazendo cabriolas; a irmãzinha prendeu-o com o cordel de junco, segurando-o com as mãos; depois saíram todos da casinha da floresta.

             O rei fê-la montar no cavalo e conduziu-a ao castelo onde, pouco depois, realizaram as bodas, com intenso júbilo e grandes pompas. Assim, ela tornou-se Sua Majestade a Rainha e juntos iam vivendo felizes e tranquilos. O gamo era bem alimentado, bem tratado e passava o tempo dando cabriolas no jardim.
            A perversa madrasta, que havia obrigado as crianças a vagar ao leu, julgava que a irmãzinha tivesse sido devorada pelas feras na floresta e o irmãozinho, transformado em gamo, tivesse caído vítima dos caçadores. Entretanto. quando ouviu contar que viviam felizes e abastados, o coração encheu-se de inveja e de ciúme, não tendo mais sossego. Não pensava em outra coisa senão na maneira de criar-lhes novas desventuras. Sua filha única. que era feia como a escuridão e que tinha um só olho, censurava-a, dizendo:
            - A mim é que devia calhar a sorte de ser rainha!
         - Fica tranquila, - respondeu a velha, acrescentando com satisfação: - no momento oportuno, estarei a postos!

            E o momento oportuno chegou. A rainha deu à luz um belo menino, justamente quando o rei se achava ausente, durante as caçadas. A bruxa, então, tomando o aspecto da camareira, entrou no quarto onde repousava a rainha e disse-lhe:
          - Vinde, senhora, vosso banho está pronto; ele vos fará bem e vos dará novas forças, vinde logo, antes que esfrie.
            Com ela estava também a filha. Ambas carregaram a rainha, ainda muito débil, para o quarto de banho e puseram-na na banheira; depois fecharam a porta e fugiram. Antes, porém, haviam acendido um fogo infernal no quarto de banho e a rainha, fechada lá dentro, em breve sucumbiu sufocada.
          Feito isto, a velha meteu uma touca na cabeça da filha e deitou-a no leito, no lugar da rainha. Deu-lhe também a forma e a semelhança desta; só não pôde restituir-lhe o olho que lhe faltava; e para que o rei não percebesse, ela foi obrigada a deitar-se de lado, tentando assim esconder a falha.

          À noite, quando voltou e soube que lhe nascera um menino, o rei ficou radiante de alegria e quis logo dirigir-se ao quarto de sua querida esposa a fim de saber como estava passando. A velha, porém, interveio rápida, gritando:
         - Pelo amor de Deus, deixai as cortinas fechadas; e rainha ainda não pode ver luz, além disso está muito fraca e precisa descansar.
         O rei, então, retirou-se e não ficou sabendo que no leito havia uma falsa rainha.
          Mas à meia-noite, quando todos dormiam no castelo, a ama velava junto ao berço do recém-nascido e viu abrir-se a porta e entrar a verdadeira rainha. Esta tirou a criança do berço, tomou-a no colo e deu-lhe de mamar; depois ajeitou o travesseirinho e deitou-a, agasalhando-a bem com o cobertorzinho. Não esqueceu, também, o seu gamozinho; dirigiu-se para o canto onde estava deitado e fez-lhe alguns carinhos; em seguida saiu silenciosamente, como havia entrado. Na manhã seguinte, a ama perguntou aos guardas se tinham visto entrar alguém no castelo durante a noite.                   Responderam-lhe:
             - Não, não vimos entrar ninguém.

         Durante muitas noites seguidas, a rainha voltou a aparecer, sempre sem pronunciar palavra; a ama via-a todas as vezes, mas não ousava contar a ninguém.
            Depois de alguns dias, a rainha certa noite começou a falar:
"Que faz o meu filhinho?
Que faz meu gamozinho?
Ainda duas vezes virei,
depois nunca mais voltarei."
           A ama não disse nada, mas, quando ela desapareceu, foi aonde se encontrava o rei e contou-lhe tudo o que vinha se passando.
       - Meu Deus, - exclamou o rei, - que será isso! Na próxima noite, ficarei velando perto de meu filho.
         Assim o fez; chegando à noite, ocultou-se no quarto do menino e, quando deu meia-noite, viu aparecer a rainha, que tornou a falar:
"Que faz o meu filhinho?
Que faz meu gamozinho?
Ainda uma vez virei,
depois nunca mais voltarei."

              O rei então não se conteve mais, correu para ela, dizendo:
- Não podes ser outra senão a minha esposa querida.
- Sim, - respondeu-lhe ela, - sou eu mesma, tua esposa querida.
Pela graça de Deus, voltou à vida; bela, sadia e viçosa como fora antes. Contou ao rei o crime praticado pela bruxa perversa e sua filha e o rei, então mandou que fossem ambas julgadas e condenadas. A filha foi conduzida à floresta, onde acabou estraçalhada pelos animais ferozes; a bruxa foi lançada à fogueira, onde teve morte horrível e assim que se transformou em cinzas, o gamozinho recuperou novamente seu aspecto humano.
A partir de então, a irmãzinha e o irmãozinho viveram juntos com o rei no castelo, alegres e felizes pelo resto da vida.

FIM

terça-feira, 3 de novembro de 2020

CHARLES PERRAULT - O GATO DE BOTAS

 O GATO DE BOTAS

CHARLES PERRAULT

Era uma vez um moleiro que, ao morrer, deixou como herança para os seus três filhos todos os seus bens, que consistiam em um moinho, um burro e um gato. A divisão foi logo feita. Não foram chamados para fazê-la notários ou advogados, que acabariam fazendo desaparecer em pouco tempo o pequeno patrimônio. O filho mais velho ficou com o moinho, o segundo ficou com o burro e o pobre do caçula teve de se contentar com o gato, naturalmente muito aborrecido por ter de se contentar com um quinhão tão pequeno.

       - Os meus irmãos – disse ele – vão poder ganhar a vida honestamente, trabalhando em conjunto. Eu, porém, depois de comer meu gato e fazer um chinelo com a sua pele, vou ter de morrer de fome.
           O gato que ouvira a lamúria do dono, embora sem parecer que estivesse ouvindo, disse-lhe, com ar muito sério, muito compenetrado:
        - Não te preocupes, meu dono. Nada mais precisarás fazer do que me dar um saco e um par de botas, e verás que não foste prejudicado na partilha.
        Embora sem acreditar muito nessa promessa, o jovem herdeiro não a rejeitou de todo, lembrando-se de como aquele gato era esperto em suas manobras para pegar ratos, ora se pendurando com o corpo muito reto, ora estendendo no chão, fingindo-se de morto. Resolveu experimentar.

        Logo que recebeu o que pedira, o Gato calçou as botas, pôs o saco nas costas e foi para uma clareira do bosque onde sempre havia muitos coelhos. Lá chegando, deitou-se, fingindo que estava morto e havendo antes deixado o saco aberto ao seu lado, tendo dentro muito farelo e algumas cenouras. E lá ficou esperando que algum coelhinho mais inocente, pouco familiarizado com as maldades do mundo, se sentisse atraído pelas iguarias e entrasse dentro do saco. E, de fato, não demorou muito que um coelhinho bem gordinho caísse na armadilha, e mais do que depressa o Gato fechou o saco, pegou o coelho, matou-o sem dó nem piedade.
         Muito orgulhoso com o seu feito, Mestre gato foi ao palácio do Rei e pediu uma audiência. Conduzido aos aposentos reais, fez uma profunda reverencia ao Rei.
         - Majestade – disse – aqui está um coelho selvagem que meu senhor, o Marquês de Carabás (um nome que ele inventou na hora) me ordenou que oferecesse, respeitosamente, como homenagem, a Vossa Majestade.

           - Dize ao teu senhor que agradeço e que fiquei muito satisfeito com o presente – disse o rei.
No dia seguinte, o gato escondeu-se em um trigal, onde, usando o mesmo truque da véspera, e convidou o portador a beber à sua saúde.
          Nos dois ou três meses seguintes, o Gato continuou a levar ao rei, como presentes, peças de caça supostamente abatidas pelo suposto Marquês de Carabás. E, certo dia, sabendo que o Rei ia passear na margem do rio, em companhia da filha, a princesa mais bela do mundo, o Gato disse ao seu dono:
           - Se seguires o meu conselho, a fortuna estará feita. Vai tomar banho no rio, no ponto que eu indicar, e deixa o resto por minha conta.
           O Marquês de Carabás seguiu o conselho do Gato de Botas, embora sem saber o que ele realmente pretendia fazer. Enquanto estava se banhando, o Rei passou, e o Gato se pôs a gritas com toda a força de que dispunha:
            - Socorro! Socorro! Meu Senhor, o Marquês de Carabás está se afogando!
            Ouvindo os gritos, o rei olhou pela janela e, reconhecendo o Gato que já tantas vezes lhe oferecera peças de caça, mandou a carruagem parar e ordenou aos homens de sua escolta que fossem imediatamente socorrer o Marquês de Carabás. Enquanto os guardas tiravam do rio o pobre Marquês, o Gato aproximou-se do coche real e contou ao Rei que, enquanto o Marquês de Carabás se encontrava no rio, surgiram alguns ladrões que furtaram as suas roupas, e fugiram sem serem apanhados. (Na verdade, o próprio Gato de Botas escondera a roupa de seu dono do meio de umas pedras).

          O Rei, imediatamente, mandou um de seus homens ao palácio, a fim de buscar as melhores roupas para o Senhor Marquês de Carabás. E quando o Marquês se apresentou, metido nos ricos trajes que haviam sido trazidos, e, sendo ele próprio, um jovem robusto e bonito, estava realmente muito mais parecido com um nobre do que com um simples filho de moleiro. Causou ótima impressão ao Rei, e principalmente, à filha do Rei. E, na verdade, bastou o jovem Marquês dirigir-lhe uns dois ou três olhares muito respeitosos, mas também bastante ternos, para que a princesa ficasse loucamente apaixonada por ele.
         O Rei fez questão que ele entrasse no coche e os acompanhasse no passeio. O gato de Botas, satisfeitíssimo, vendo que os seus planos estavam sendo coroados de pleno êxito, saiu correndo, a toda velocidade, na frente do coche e, vendo mais adiante, um grupo de camponeses ceifando um trigal, gritou-lhes:
      - Se não disserdes ao Rei que todas estas terras pertencem ao Marquês de Carabás, sereis todos despedaçados, transformados em carne picadinha!
       Ao passar por ali, o Rei não deixou de perguntar aos ceifeiros que era o dono daquelas terras.
     - Pertencem ao Senhor Marquês de Carabás! – responderam todos, em uníssono, pois o Gato de Botas os amedrontara.
           E assim foi o Gato sempre correndo à frente do coche, e sempre obrigando os ceifeiros que encontrava a dizer ao Rei que a terra pertencia ao Merques de Carabás. O Rei ficou admiradíssimo diante da grande riqueza do Marquês de Carabás.
            Sempre bem antes do coche, o Gato de Botas afinal chegou a um castelo cujo proprietário era um poderoso feiticeiro, o feiticeiro mais rico que já existira, pois todas as terras que o Rei atravessara antes lhe pertenciam. O Gato teve o cuidado de indagar quem era o feiticeiro e qual eram os seus poderes. Depois, pediu permissão para vê-lo, e, sendo admitido, disse-lhe que não poderia, tendo passado à frente de seu castelo, de apresentar-lhe os seus respeitos. O feiticeiro o recebeu civilmente.
       - Informaram-me – disse o Gato – que sois capaz de vos transformar em qualquer espécie de animal, como, por exemplo, um leão ou um elefante.
          - E sou mesmo! – replicou o feiticeiro, cheio de vaidade. – Quer ver?
        E virou um leão, passando um susto tremendo no Gato que fugiu e escondeu-se num armário, embora as botas o atrapalhassem muito, e só saiu de lá quando o leão tornou a virar o feiticeiro.

         - Realmente, é admirável – elogiou o Gato, ainda trêmulo. – Mas me disseram também que sois capaz de vos transformar em um bicho pequeno, como um camundongo, por exemplo. Nisso, para falar a verdade, não acreditei.
           - Pois vais ver se não é verdade! – exclamou o feiticeiro, ferido em sua vaidade.
     E virou um camundongo que o Gato tratou de devorar imediatamente.
        Logo depois, o Rei, chegando diante do imponente castelo do feiticeiro, quis visitá-lo. O gato, ouvindo o barulho do coche, correu a receber o Rei.
        - Seja Vossa Majestade bem-vindo ao Castelo do meu senhor Marquês de Carabás! – disse, fazendo uma reverência.
                                      
             - O quê, Senhor Marquês! – exclamou o Rei. – Este magnífico castelo também lhe pertence? É esplêndido! Deixa-me ver o seu interior.
      O Marquês ajudou a Princesa a descer da carruagem e acompanhou o Rei que subiu a esplêndida escadaria e chegou ao salão, onde estava sendo servido um magnífico banquete que o feiticeiro iria oferecer a alguns amigos, os quais, vendo que o Rei se encontrava dentro do castelo, desistiram de entrar.
           O Rei ficou entusiasmadíssimo com a magnificência do Castelo e a riqueza do Marquês, e percebendo que o Marquês estava apaixonado pela Princesa e a Princesa por ele, não hesitou em dizer-lhe, durante o banquete, depois de já ter bebido uns cinco ou seis copos bem cheios:
       - Depende inteiramente de vós, Senhor Marquês de Carabás, tornar-vos, ou não, meu genro.
Nem é preciso dizer que o Marquês aceitou, com a devida reverência, e elevada honra que lhe oferecia o soberano. E o casamento logo se realizou.
        O gato de Botas tornou-se um ilustre fidalgo e nunca mais caçou camundongos, a não ser de vez em quando, para se distrair um pouco.
FIM