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EPISTEMOLOGIAS BRAUDELIANAS:
ESPAÇO, TEMPO E SOCIEDADE NA
CONSTRUÇAO DA GEO-HISTÓRIA
GUILHERME
RIBEIRO*
Universidade Veiga de Almeida - Cabo Frio (RJ)
"Epistemologias", embora trate-se de um único pensamento. "Braudelianas",
embora trate-se de um único autor. No entanto, o que transborda quando da leitura
da obra do historiador francês Femand Braudel (1902-1985) é exatamente a
pluralidade de seus escritos, de suas reflexões, de suas ideias. Multiplicidade que
caminha no sentido de uma profunda coerência interna, tal como aponta um de
seus principais estudiosos, o mexicano Carlos Antonio Aguirre Rojas (ROJAS,
2003a). Dialética entre um pensamento singular e idéias no plural, dialéticatambém
entre a Geografia e a História, tema central destas breves linhas. Passados 2 1 anos
após sua morte, vivemos uma conjuntura fortemente propícia para aqueles que se
interessam pela crítica às fronteiras disciplinares, por uma abordagem focada na
totalidade, pela preocupaçãocom temas de dimensões globaise pela inteligibilidade
do conhecimento em Ciências Humanas, na medida em que uma onda de
irracionalismo, pessimismo e conformismoinsiste em nos cercar.
Entretanto, posições extremadas à parte, o que se tem chamado genericamente
de pós-modernidade nos faz repensar e rever determinados pontos-de-vista acerca
da construção do conhecimento, dos métodos e de seus resultados em Ciências
Humanas, o que certamente só pode ser visto de maneira positiva. Crer que seja
necessário sair "em defesa da História" (WOOD & FOSTER, 1999) ou que a
História-disciplina esteja em vias de destruição (MOURA, 2000) talvez seja o
Doutorando em Geografia pela Universidade Federal Flurninense (UFF) e professor de Teorias da
História do curso de Licenciatura em Histbria da Universidade Veiga de Alrneida, campur Cabo Frio
(RJ). O autor agradece a Manoel Fernandes (UFC) e, sobretudo, a Sergio Nunes (UFF), pelos
sugestivos cornenthrios sobre este texto.
GEOgra$a
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AnoVIII - N. 1 5 - 2006
Ribeiro
caminho mais rápido para perdermos a oportunidade de, efetivamente, promover
um amplo debate entre os campos científicos então existentes.
Este é o contexto que nos envolve e nos impele a escrever sobre a Geografia
em Fernand Braudel que, à sua maneira, desejou ser o arquiteto de uma grande
empreitada. Nesse sentido, a proposta que se apresenta é a de reunir, mediados
pela Epistemologia, procedimentos da Historiografia e da história do Pensamento
Geográfico ou, em outras palavras, averiguar o papel epistemológico da Geografia
na obra de Braudel a partir de suas relações com a h'istoriografia de seu tempo e de
seus diálogos com a ciência geográfica.
Os Annales, a Escola Francesa de Geografia e as Ciências Humanas no
limiar do século XX
O final do século XIX e o início do século XX são, em França, momentos
importantes no processo de institucionalização das Ciências Humanas, que se
apresentam como um dado novo na ordem do saber (FOUCAULT, 1999). Tendo a
Alemanha como modelo, ao creditar a derrota na guerra franco-prussiana (187071) aos avanços científicos do rival, os franceses se dedicam a desenvolver uma
ciência marcadamente nacionalista, tal como atestam os escritos de Langlois,
Seignobos e Lavisse, no campo da História, e os de Vidal de la Blache na Geografia.
A primeira cabia a construção de um passado glorioso e que pudesse ser motivo de
orgulho para um povo ferido (DOSSE, 2001), enquanto A segunda reservou-se o
papel de formar cidadãos e fortificar seu patriotismo, bem como o ensino de mapas
e o conhecimento das regiões francesas (LACOSTE, 1988). Acrescentemos a
este quadro que na França a Faculdade de Letras proporcionava uma dupla
formação, na qual, só com o passar dos anos, o diplomado optava por tornar-se
historiador ou geógrafo. Havia, portanto, um fértil campo de possibilidades 2.
No entanto, tudo indica que seria necessário esperar a crítica formulada a uma
História positivista, tradicional, factual, narrativa, biográfica, militar, centrada no
Estado e em suas guerras, nos grandes acontecimentos, para que a articulação
entre a Geografia e a História sofresse uma modificação significativa. Estamos nos
referindo aos Annales, tidos pelo historiador inglês Peter Burke como a "Revolução
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O que não impediu que a Alemanha continuasse a exercer influencia entre os historiadores e
geógrafos franceses, sendo essencial a presença de Ranke, Ritter e Ratzel em suas respectivas
formaçaes, conforme destaca Berdoulay sobretudo no capítulo 1, intitulado "O desafio alemão"
(BERDOULAY, 1981:17-43).
ZExemplosconhecidos desta situação são os de Paul Vidal de La Blache, formado historiador portm
geógrafo consagrado, e Georges Duby e Pierre Vilar, formados geógrafos mas consagrados enquanto
historiadores
Epistemologias Braudelianas: Espaço, Tempo e Sociedade na Constniçáo da Geo-História
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Francesa" da Historiografia, dado o impacto desta corrente na forma de se escrever
e fazer a ciência histórica. Uma História-problema, comparativa, global
interdisciplinar, aberta a sociedade, à cultura, mentalidades, a economia, utilizandose dos mais variados tipos de fontes 3.
Nestas trocas entre Febvre, Bloch e os demais cientistas sociais da época no
seio do processo de formação dos Annales, certamente a Geografia possui papel
de destaque. De acordo com o historiador brasileiro José Carlos Reis, os Annales
são um projeto "do exterior da História", cujas fontes principais seriam a crítica
histórica de François Simiand e de Henri Berr, a Sociologia Durkheimiana e a
Geografia Humana de Vidal (REIS, 2000:52-63). Bloch retrata as paisagens dos
campos, das aldeias e dos bosques como marcas deixadas pelas comunidades
agrárias francesas e escreve um estudo de caráter monográfico sobre a região da
fle-de- rance (BLOCH, 2001), assim como o faz Febvre quando de sua tese de
doutorado sobre a Franche-Comté (FEBVRE, 1970). Os dois escreveriam vários
artigos de história regional publicados na Revue de Synthèse Historique, onde
' Febvre era o supervisor deste setor. Aliás, ele é explícito ao afirmar que "Na
realidade, poderíamos dizer que em certa medida foi a Geografia que engendrou a
História que adotamos" (FEBVRE, 1954, apud DAIX, 1999:62), merecendo por
isto a reprovação do historiador brasileiro Ciro Cardoso, que considera a assertiva
"sem dúvida um exagero" (CARDOSO, 2005: 144).
Exagero ou não, o amigo pessoal de Braudel publicaria também no ano de 1922
A Terra e a Evolução Humana: introdução geográ$ca à História, livro-chave
no entendimento das relações entre geógrafos e historiadores na França na primeira
metade do século XX e que se apresenta como um verdadeiro manual metodológico
acerca da importância geográfica em História (FEBVRE, 1991), bem como uma
obra sobre o rio Reno, escrita em parceria com o geógrafo Albert Demangeon
(FEBVRE e DEMANGEON, 1935). Dando seqüência ao legado dos fundadores
dos Annales, em 1946, no prólogo da primeira edição francesa de O Mediterrâneo
e o mundo mediterrâneo à época de Felipe II, numa referência explícita a Escola
Metódica, ainda se mostrava descontente com aquelas tradicionais e rápidas
introduções geográficas à História que simplesmente desapareciam no decorrer da
exposição (BRAUDEL, 2002). Não custa lembrar que, durante o período em que
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Não nos deteremos pormenorizadamente acerca do surgimento da revista Annales d'histoire
économique et sociale fundada em 1929 pelos historiadores Lucien Febvre e Marc Bloch, originando
o que conhecemos como "Escola" dos Annales. Já existe uma bibliografia considerável em torno do
assunto (DOSSE, 1992; REIS, 1994,2000; ROJAS, 2000, 2004; BURKE, 1997; GURIÊVITCH,
2003; FONTANA, 1998, 2004), cabendo aqui somente assinalar alguns aspectos desta corrente
dentro dos ob,jetivos do presente texto.
Demangeon também foi um dos co-editores dos Annales d'histoire économique et sociale, traç8
sintomático da aproximação Geografia-História na França do inicio do sCculo XX.
Ribeiro
esteve cativo dos alemães durante a Ii Guerra Mundial, em uma constante troca de
correspondências com Febvre, Braudel recebe um conselho para que invertesse o
título - e, conseqüentemente, o tema - de sua tese, que seria apenas mais uma
obra tradicional sobre a política diplomática de Felipe iI no século XVI (PARIS,
1999), transformando assim um mar em objeto da História, geografizando o
conhecimento e a pesquisa histórica.
Como era a Geografia que atraía tamanha atenção da História nesta virada do
século XIX para o século XX? Um campo de saber marcado pelo empirismo e
objetividade fornecidos por intermédio dos trabalhos de campo e pela linguagem
cartográfica, estudando as relações Iiomem-meio focalizadas, sobretudo, na escala
regional. "A França que se chama diversidade", escreverá Braudel já no final da
vida, repetindo as palavras de seu mestre Febvre e acertando as contas com sua
terra natal. Uma França composta por diferentes regiões que, aos poucos, foram
se unindo política e territorialmentepor este enorme gestor moderno chamado Estado
Nacional (BRAUDEL, 1989). Identidade da França, identidade da Geografia, esta
sendo construída a partir das variadas paisagens lentamente formadas e madificadas
pelas sociedades em sua transformação permanente da natureza. Por trás destes
tópicos, emerge a figura de Paul Vida1 de La Blache, nome maior da Geografia
francesa que ocupa os principais postos institucionais deste país contribuindo na
difusão do conhecimento geográfico em escala nacional -apoiando, neste sentido,
a colonialização, "à qual a nossa época ligou a sua glória" (VIDAL DE LA
BLACHE, 1954). Personagem deveras complexo, em 1891 funda os Annales de
Géographie, que inspirariam os futuros Annales dos historiadores, divulgando um
campo de saber diferente do "ideal de contemplação" que caracterizava os trabalhos
dos alemães Carl Ritter e Alexander von Humboldt no século XIX (GOMES,
1997:14). Entrava em cena uma Geografia de cunho científico que se propunha a
investigar a ação humana sobre a superfície terrestre. Mas, não terá sido, talvez, o
projeto mais difícil de ser realizado dentre a operação de seleção dos objetos levada
adiante pelas Ciências Humanas? Ao integrar o Homem, a Natureza e a Cultura,
não estaria a Geografia dando um passo vanguardista demais precisamente em um
momento de delimitação dos saberes?
Um pouco nesta linha de raciocínio segue (não como uma interrogação, mas
como uma afirmação inequívoca) Lucien Febvre, alinhando-se aos sociólogos
durkheimianos em suas críticas endereçadas ao geógrafo alemão Friedrich Ratzel.
Partidários da moderna divisão do trabalho acadêmico, enquadrando certos temas
a disciplinas específicas e esforçando-se em delimitar "cientificamente" os objetos
de cada campo do conhecimento, Febvre interpreta a tentativa de Ratzel de estudar
todas as influências que o solo pode exercer sobre a vida social em geral como
"quimérica", uma verdadeira "pilhagem audaciosa em domínios reservados",
fazendo com que a Geografia desaparecesse enquanto "ciência distinta". A
aproximação ratzeliana com a Antropologia, Febvre dirá ser "preconceito de
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Episternologias Braudelianas: Espaço, Tempo e Sociedade na Construção da Geo-História
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antropogeógrafo", e ao seu interesse pelas questões relativas ao Estado e o território,
"preocupações de ordem mais política que científica", admitindo ainda que seu livro
Politische Geographie é "uma espécie de manual do imperialismo alemão"
(FEBVRE, 1991:45-46).
Há, certamente, várias ordens de problemas em torno destas questões,
forçosamente resumidas e apresentadas somente de passagem São elas: (i) a
simplificação do pensamento de Ratzel; (ii) a apropriação pelos Annales da Geografia
Humana de Vidal; (iii) o cLimperialismo"da História praticada pelos Annales; (iv) a
fragmentação entre as ciências vigente no âmbito da Modernidade.
Quanto ao primeiro tópico, o geógrafo brasileiro Marcos de Carvalho, empenhado
em resgatar criticamente a herança de Ratzel, ressalta que ele é lembrado apenas
por seu determinismo e por suas idéias acerca da expansão dos Estados, ou seja,
apenas por uma parte de sua reflexão, deslocando a complexidade multidisciplinar
de seu pensamento em benefício da afirmação de identidades corporativas
(CARVALHO, 1997, 1997a). Não devemos esquecer também da lembrança da
guerra franco-prussiana e do ambiente belicoso causado pela I Guerra Mundial,
afetando diretamente a França. No que tange a organização do ambiente acadêmico
neste país, buscou-se construir uma ciência com raizes efetivamente nacionais,
afastada dos modelos alemães hegemônicos até então.
No tocante ao segundo ponto, a leitura feita pelos historiadores dos Annales
(sobretudo por Febvre) da Geografia vidaliana negligencia a dimensão politica da
mesma, focalizando apenas aquilo que os interessava na esfera do projeto
interdisciplinar por eles praticado. SegundoLacoste -ao que tudo indica o pioneiro
nesse debate -, Febvre negligenciou justamente o livro que trata do "pertencimento"
da Alsácia e da Lorena ao corpo nacional francês, intitulado A França do Leste
(VIDAL DE LA BLACHE, 1994).A reflexão geopolítica nele contida aproximaria
Vidal de Ratzel, seria incompatível com o deslocamento da História Política para a
História Econômica e Social operado pelos Annales e não se encaixaria no manual
de Geografia preconizado por Febvre, no qual haveria uma geografia política, mas
desde que estreitamente solidária da geografia humana (FEBVRE, 1991). Os olhos
do historiador estavam voltados especialmente para a relação homem-meio -como
se, inocentemente, a forma pela qual as sociedades lidam com o ambiente pudesse
ser desprovida e desvinculada de uma conotação política (LACOSTE, 1988).
Vislumbrava Febvre uma unidade do conhecimento sem limites rigidamente
estipulados, como desejam alguns? (cf. MOTA, 1994:15). Era muito conveniente
para a História dialogar com a Geografia desta maneira, posto que as posições de
cada uma, o status das mesmas no seio da comunidade acadêmica em nada abalava
O leitor dever8 consultar, especialmente, o capítulo intitulado Morfologia Social ou Geografia
Humana, dentro da parte primeira denominada, sugestivamente, Como formular o problema. A .
Questão do Método (FEBVRE, 199 1 :45-72).
GEOgrajia - AnoVIII - N. 15 - 2006
Ribeiro
aquela, pelo contrário. Já não foram os Annales acusados de academicismo? (REIS,
2000:180).
Articulado diretamente com esta problemática está o "imperialismo" dos Annales,
alçando a ciência histórica ao patamar mais elevado entre as Ciências Humanas.
Mesmo que os Annales tenham avançado sobremaneira no diálogo com as demais
disciplinas sociais, alargando consideravelmente o campo de atuação histórico, em
seus escritos os limites entre os campos do conhecimento continuavam visíveis e
presentes, com a legitimidade e a especificidade da História dadas a partir de sua
diferença em relação às demais ciências. Não é esta a arquitetura dita interdisciplinar
desenhada por Braudel, admitindo na longa duração temporal a linguagem comum
entre as Ciências do Homem? (BRAUDEL, 1969). Lacoste chega a dizer que
Febvre "impossibilitou qualquer reflexão geopolítica aos geógrafos... para reserváIas aos historiadores ávidos de geo-história!" (1988: 123). Neste caso, tratar-se-ia
de uma denúncia apropriada ou de um corporativismo raivoso?
Por fim, estes três aspectos situam-se no bojo de um amplo movimento de
fragmentação do conhecimento em campos científicos, pondo fim aos grandes
esquemas explicativos e sintéticos que marcaram o século XIX, como o Marxismo,
o Positivismo e o Hegelianismo. Em termos Foucaultianos, inaugurava-se a episteme
moderna, onde cada ciência possuiria objeto, vocabulário e metodologia próprios,
afastando-se progressivamente umas das outras e representando um único mundo
de variadas formas. Tal quadro torna-se mais complexo com a crise do paradigma
cartesiano-newtoniano (que visava a unificação das ciências via matemática, leis e
experimentação), tornada patente com o aparecimento do Homem como um dado
novo na ordem do saber pelas Ciências Humanas (FOUCAULT, 1999).O HomemObjeto do Sujeito-cientista, uma novidade que nos remete a um impasse ontoepistemológico: a difícil fratura, mesmo no campo do pensamento científico -ou
seja, mesmo em um ambiente de operações simbólicas e instáveis onde
aparentemente, ou melhor, Racionalmente, tudo é possível -, do Homem enquanto
Ser. O Homem-Ser que vive em sociedade mas que demora a constituir-se enquanto
Sociologia; o Homem-Ser que vive espacialmente e grafa suas marcas na paisagem,
mas que demora a constituir-se enquanto Geografia; o Homem-Ser temporal,
mutável e dinâmico, que carrega consigo as consequências de seus atos e de sua
memória, mas que demora a constituir-se enquanto História; o Homem-Ser que
pratica certos atos e se comporta de maneiras diferentes, mas que demora a
constituir-se enquanto Antropologia.
Enfim, as novas explorações realizadas pelos Annales teriam como um de seus
principais traços a ênfase dada às relações homem-meio, o reconhecimento da
mudança e da permanência dos aspectos que compunham a paisagem de um
determinado lugar, identificando a constituição física da mesma aliada ao
comportamento social e cultural de seus habitantes. Portanto, não apenas adimensão
temporal era posta em destaque, tal como acontecia habitualmente. Neste panorama,
o conjunto das obras de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel levanta e
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problematiza algojá conhecido pelos historiadores, mas com uma abordagem deveras
original. Para eles, as sociedades estão diretamente associadas a um determinado
espaço, grafando seus traços numa paisagem cujas formas correspondem e
representam um dado período histórico, com todo este movimento podendo ser
circunscrito a várias escalas (local, regional e nacional) e apreendido através da
longa duração. Destarte, o espaço, a paisagem, a região e o território passam a
constituir-se em objetos passíveis de serem pesquisados pelos historiadores, posto
que seu conteúdo e sua construção são transformados emodificados pelo Homem
% a "caça" do historiador, aquilo que justifica a intervenção da História dentre os
demais campos do conhecimento (BLOCH, 2001:54). O meio deixa de ser uma
fatalidade e o historiador passa a atentar tanto para a modificação dos traços à
primeira vista imutáveis quanto para a ação humana exercida no meio. Na concepção
dos Annales, a História é, também, geográfica, e aqueles que se dedicam à
compreensão desta corrente historiográfica, independente de estarem filiados h
mesma, são unânimes em afirmar este vinculo.
Entretanto, a influência da Geografia na gênese dos Annales, nos textos
publicados na revista e tambdm em termos individuais, ou seja, nos trabalhos de
Febvre, Bloch e Braudel é, ao nosso ver, um tema pouco estudado. Tudo indica que
os geógrafos não têm tido interesse pelo tema (em virtude de um certo desdém em
relação à sua própria história?); do lado dos historiadores, nota-se um maior interesse
pela influência exercida por Berr, Simiand e Durkheim -embora, quando se trate
de Braudel, as coisas avancem um pouco em ambas direções (LACOSTE, 1989;
HAESBAERT, 1993;ARAÚJO,2004; CLAVAL, 1980; ROJAS, 2000,2003,2003a;
REIS, 1994; LLOYD, 1995). Pierre Daix, p.ex., admite um estranho receio de que
tenha superestimado"os problemas da Geografia na formação e no desenvolvimento
do historiador Braudel", embora admita que, na verdade, ele e Braudel fizeram
parte de uma geração que valorizava a Geografia, enquanto atualmente esta é
relegada na formação dos jovens historiadores (DAIX, 1999:15). Em recente
coletânea publicada em português e dedicada exclusivamente a Braudel, dos doze
artigos disponíveis nenhum se dispôs a desenvolver a questão supracitada(LOPES,
2003).
A Geografia e a escrita histórica braudeliana
Até aqui, estarnos diante de duas questões proeminentes recebidas como herança
por Fernand Braudel: a decisiva influência da Geografia na constituição dos Annales
e a progressiva e evidente diferenciação entre as Ciências Humanas, elementos
estes que, para os objetivos desta investigação, marcam significativamente a primeira
metade do século XX. Entretanto, o que distingue a perspectiva geográfica
braudeliana das abordagens anteriores? No conjunto de sua obra, porque a Geo-
GEOgrajia - AnoVIII - N . 15 - 2006
Ribeiro
História assume tamanho destaque, a ponto de afirmarmos que ela representa um
ponto de convergência epistemológico entre estas duas ciências?Ao que tudo indica,
Braudel leva o compromisso com a Geografia as últimas consequências: desde seu
primeiro grande trabalho - Mediterrâneo e mundo mediterrâneo a época de
Felipe II, cuja primeira edição data de 1949 -até os derradeiros dias de sua vida
- como se observa em um seminário realizado em Chateauvallon em sua
homenagem, em 19856-, ele ratifica a necessidade do aporte geográfico no
entendimento da História e na estruturação de sua reflexão.
Nascido em 1902 numa pequena vila na fronteira franco-alemã, Braudel foi um
homem que fez do mundo seu laboratório de pesquisas e da História sua grande
dedicação. Professor na ArgClia nos anos 20 e 30, um dos fundadores da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP no final da década de 30 no
Brasil, cativo dos alemães durante a Segunda Guerra Mundial, eleito para o
prestigiado Collège de France em 1950, nome maior da historiografia dos Annales
na segunda geração, responsável direto pela fundação da Maison de Sciences de
I'Homme em 1963, inúmeros títulos de doutor honoris causa no currículo ... São
inúmeros os trabalhos publicados e as participações institucionais levadas adiante
por este historiador, considerado pelo mexicanoAguirre Rojas como o mais importante
do século XX (ROJAS, 2000). Enfim, estudá-lo não parece ser tarefa fácil: embora
exista um razoável corpo de trabalhos sobre Braudel e sua obra (AYMARD, 1993;
PARIS, 1999; CLAVAL, 1980; GRATALOUP, 2003; DAIX, 1999; ROJAS, 2000;
LOPES, 2003; GEMELLI, 1995; LAI, 2004), sua biografia intelectual ainda está
por ser escrita (cf. ROJAS, 2003).
Diante da extensão temporal e de conteúdo abarcados pelo nosso investigado,
que abre várias possibilidades de investigação, seguiremos o roteiro de seus três
principais escritos: o já citado Mediterrâneo e mundo mediterrâneo à época de
Felipe 11, que possui a primeira edição original em francês datada de 1949 e que
em 1966 terá uma nova edição alterada pelo próprio autor; a trilogia Civilização
"eminário este que tornou-se um pequeno livro, intitulado Uma lição de História de Fernand
Braudel, onde ele responde e comenta perguntas dos mais variados especialistas em tomo de sua
multiforme obra (BRAUDEL, 1 9 8 9 ~ ) .
Ainda mais dentro de um campo - a Geografia - que não possui uma tradição de trabalhos de
natureza "historiográfica". E aqui as aspas sáo necesshrias para recordar o fato de que náo existe,
entre os geógrafos, um vochbulo preciso que defina os estudos dedicados ao pensamento geográfico,
tal como historiograjia define a história da história - o que, para o geógrafo argentino Marcelo
Escolar, C um traço significativo de um campo do saber essencialmente empirista e distante da teoria
(ESCOLAR, 1995). Esclarecendo: trata-se, pensando em termos da Disciplina Geografia - que
disciplina o discurso onde estou corporativamente inscrito -, de um estudo sobre o pensamento
geográjco (ainda que não queira ser, sob esta alcunha, encerrado) que toma como objeto o discurso
de um historiador.
Epistemologias Braudelianas: Espaço, Tempo e Sociedade na Construção da Geo-Histdria
Material, Economia e Capitalismo: Séculos XV-WII, cuja publicação inicial é
de 1979; e seu derradeiro e inacabado livro, o projeto chamado A Identidade da
França, editado no ano de 1986 em três volumes *.Certamente que privilegiar as
obras acima não significa a exclusão das outras, reveladoras que são das várias
faces que integram o pensamento Braudeliano - onde a Geografia sempre se
manifesta.
A geografia, a longa duração e a originalidade do Mediterrâneo
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Braudel inovava no tratamento conferido não apenas ao espaço, mas também
ao temp0.A escrita da história era focalizada em sua forma narrativa e diplomática,
juntamente com o conceito de tempo que a acompanhava: o tempo dos eventos,
aquele que dá ênfase aos acontecimentos - a histoire événementielle. Esta é
uma História de um tempo breve que sugere uma continuidade e uma seqüência
dos fatos, justifica as ações do presente e projeta as sociedades para um fi~turo
cujo progresso era praticamente irreversível. A este conjunto de aspectos, Braudel
responderá com a dialética da duração: o trinômio presente-passado-futurodá lugar
a uma articulação entre o tempo curto dos eventos, o tempo intermediário das
conjunturas e o tempo longo das estruturas. (REIS, 1994). De acordo com Rojas,
esta idéia revolucionará as formas de percepção da temporalidade histórico-social,
ao afastar-se de uma História vista simplesmente como um acúmulo de
acontecimentos situados dentro de uma única matriz temporal (ROJAS, 2001).
Ao se adotar a longa duração como fundamento, ressaltada a especificidade do
tempo histórico frente ao tempo dos físicos e dos filósofos, o resultado é uma
História cujo tempo torna-se desacelerado, introduzindo "a abordagem da repetição,
da permanência, em um conhecimentoantes limitado a irreversibilidade e a mudança.
(...) Cria-se uma permanência sobre a qual se articulam mudanças mais ou menos
lentas" (REIS, 2000:21). Então, a naturezada mudança histórica, tal como os Annales
a admitiam, não estava no evento, no acontecimento rápido e provocador de rupturas
- tal como a Revolução Francesa, que Braudel minimizava porque revolução
inscreve-se, por excelência, no tempo curto (cf. MORAES & REGO, 2002), mas
sim nas transformações quase imóveis e imperceptíveis ocorridas nas estruturas
de longa duração.
Estaremos nos valendo aqui das seguintes edições: a edição alterada do Mediterrâneo, cujo tomo
primeiro refere-se ti 5' reimpressão da ediçáo em espanhol datada de 2002 e, para o tomo segundo,
a segunda reimpressào de 1987; para Civilização Material, os três volumes da edição em língua
portuguesa publicados no Brasil datam, respectivamente, de 1995, 1996 e 1996; A Identidade da
França aparece em português do Brasil em três volumes no ano de 1989.
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Ribeiro
Assim, o que se entende pela concepção braudeliana de história expressar-seá em algumas das palavras-chave de seu vocabulário, como rotina, cotidiano,
continuidade e permanência, que remetem seus seguidores aquilo que Ihes é mais
caro: as estruturas da História. Consideram que a História possui uma cadência,
um ritmo, uma temporalidade mais durável e resistente à mudança que os obriga a
buscar não no agora e na brevidade dos acontecimentos, mas na longa duração
aquilo que a sustenta e a constitui como uma totalidade.Isto não significa, contudo,
uma negligência para com o evento, mas sim o reconhecimento de que este deve
ser suplantado através de sua estruturação em uma duração mais longa. Em outras
palavras, visam a superação do evento, posto que ele é relevante apenas na medida
em que conduz às estruturas profundas da vida material (LLOYD, 1995).
Este tempo quase imóvel é um tempo geográfico, escreverá o próprio Braudel
no prefácio primeira edição francesa do Mediterrâneo. Nove anos depois, em
seu clássico texto teórico-metodológico intitulado História e Ciências Sociais: a
Longa Duração, ele continuará a articular a Geografia com as realidades lentas e
duradouras, admitindo as sociedades como prisioneiras dos "quadros" e das
"coer~ões'~
dadas pelos climas e pelas vegetações, destacando a fixidez das
civilizações em determinados espaços e a permanência de certas rotas e tráficos
na constituição das cidades (BRAUDEL, 1992:50).
Não é este o caso do Mediterrâneo? Um espaço tomado objeto histórico e,
assim sendo, sujeito à análise temporal em sua plenitude. Dos climas, das paisagens,
das ilhas e do relevo, casados com o homem em suas atividades mais simples
(como a subsistência), passando pelas mais complexas (o mar como meio de ligação
econômica e palco de disputas políticas, p.ex.); com Felipe I1 desalojado do lugar
central consagrado aos "grandes nomes" pela História tradicional, trata-se de uma
completa inovação no campo da História. Com quase quinhentas páginas, a primeira
parte - "a mais forte e a mais original" (POMiAN, 1978) - denomina-se A
InJluência do Meio Ambiente, influência esta que resultará na construção de uma
história lenta e que demora a passar, explicitando assim uma complexa interação
homem-natureza-espaço que visava ir além das recorrentes introduções geográficas
à História. O espaço mediterrâneo deixa de ser um personagem estático e imutável
e passa a ser visto como algo eminentemente histórico, cuja duração Braudel
ensejará captar e sublinhar em sua singularidade 9.
Por acaso estaria Braudel igualando a Geografia ao meio ambiente, atrelando-a
às características físico-naturais do Mar Mediterrâneo para capturar a história de
longa duração? "Como seu título indica, a primeira parte deste livro está centrada
Un livre quigrandit, escreve Febvre em elogiosa resenha na Revue Historique um ano depois de sua
publicação (FEBVRE, 1950). Dentre outros aspectos proeminentes, o Mediterrâneo inspiraria a
realização de trabalhos de natureza semelhante, tais como os de Pierre e Huguette Chaunu sobre o'
Pacifico e o Atlântico e o de FrCderic Mauro tambtm sobre este último (cf. CARDOSO, 1999).
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em tomo da geografia". Mas é interessante perceber que ele sublinha o fato de que
não se trata somente de Geografia ou, pelo menos, trata-se "de uma geografia
muito sui generis, atenta especialmente no que concerne aos fatores humanos". E
vai além, apontando a tentativa de criação de uma "espécie particular de história".
Aperfeiçoando os contornos de um casamento iniciado pelos primeiros Annales,
Braudel vai além daquilo que seus precursores haviam concebido. Com ele, "a
geografia deixa de ser um fim em si para converter-se em um meio, ajudando a
recriar as mais lentas das realidades estruturais, a ver tiido em uma perspectiva
segundo o ponto de vista da duração mais larga" e "a descobrir o movimento quase
imperceptível da história" (BRAUDEL, 2002:27).
Mas, afinal, quais são as intenções de Braudel ao colocar a questão sobre a
influência do meio ambiente na História? Em primeiro lugar, seria incoerente escrever
a história do Mediterrâneo negligenciando a dimensão ambiental, já que ela é
constitutiva do objeto que se queria historicizar. Em segundo, de acordo com a
pretensão de escrever uma História total, tratava-se não somente de analisar a
economia, a política e a sociedade, mas ampliar o campo de atuação da História
sublinhando a indissociabilidade do homem com seu entorno e reconhecendo os
obstáculos intransponíveis colocados pela natureza a ação humana, as diferentes
formas com que as civilizações se adaptavam ao meio e o adaptavam, as mudanças
provocadas na paisagem, etc. Por fun, ao lermos o Mediterrâneo, fica evidente a
questão da natureza ou, para utilizar uma noção importante e precisa da época, o
papel central do meio geogr$co na constituição da história das civilizações. Esta
"dialética" homem-meio conduziu Braudel a perceber a história como algo durável,
estável, sólido, com as atividades humanas engastadas e dependentes de seus
respectivos ambientes. Verdadeiramente, o espaço geográfico é algo hostil, no qual
as sociedades travam suas lutas pela sobrevivência, seja contra o clima, seja contra
a distância. Suas histórias são construídas a partir da relação com o espaço, relação
esta que se desenvolve no domínio da longa duração. Assim, esta nova temporalidade
desenha-se como o resultado de uma via de mão dupla: das condições efetivas
colocadas pelo meio às sociedades e das respostas dadas por estas ao ambiente
que as envolve. Esboçada desta forma, uma concepção singular de História resolvia,
conjugando o espaço e o tempo dialeticamente,o problema de apreensão simultânea
das mudanças e das permanências.
A influência da Escola Francesa de Geografia está presente em todos os
momentos da parte inicial do Mediterrâneo, embora diminua sensivelmente em
"Destinos Coletivos e Movimentos de Conjunto", e praticamente desapareça em
"Os Acontecimentos, a Política e os Homens", terceira e Última parte da obra.
Redigido em suas grandes linhas desde 1939, o diálogo de Braudel não se resume
ao nome de Vida1 de La Blache e engloba também os geógrafos Albert Demangeon
(professor de Braudel na Sorbonne),Andre Siegfried,Jules Sion, Pierre Deffontaines,
Pierre Monbeig, Emmanuel De Martonne, Jean Brunhes, Max. Sorre, Raoul
Blanchard, Pierre Gourou, Pierre George, Maurice Le Lannou e Xavier De Planhol.
GEOgraJia- AnoVIII - N. 15 - 2006
Ribeiro
Diante desta gama de autores, o que está em voga é, em termos gerais, a
concepção de que o meio geográfico admite um conjunto de possibilidades de
realização para a atuação humana, concepção esta que se distancia do que Febvre
denominou como determinismo geográfico, atribuído ao geógrafo Friedrich Ratzel
a fim de, entre outras questões, justificar o expansionismo territorial germânico
(FEBVRE, 1991). Portanto, sendo a Geografia Vidaliana a grande referência a ser
seguida, sobretudo após a "pregação" de Febvre, tudo levaria a crer que todo e
qualquer tipo de determinismo seria inadequado aos historiadores dos Annales.
Não é o que parece a Braudel. Ao interrogar-se acerca das mudanças climáticas
desde o século XVI, deixa bem claro que "ninguém crê hoje em dia na imutabilidade
dos elementos da Geografia Física" (BRAUDEL, 2002:357). Ainda assim, mais
adiante ele irá declarar que "Através das variações do clima, uma vontade alheia
ao homem se afirma e reclama a parte que o corresponde em nossas explicações,
inclusive nas mais cotidianas. Ninguém põe hoje em dúvida a importância destas
variações" (2002:360).
O que significa, então, a influência do meio ambiente sobre a história? Um peso
ora esmagador, ora contornável, mas sempre algo do qual as sociedades não podem
escapar. Elas acabam acompanhando o andamento das estações, os humores do
clima, as dificuldades impostas pelo sítio... A Geografia, tal como concebida por
Braudel, impõe parcialmente um ritmo, um movimento, uma cadência, com os quais
a história humana necessariamente termina por se adaptar. Muito mais do que um
quadro fixo e imóvel, o espaço geográfico representa um personagem histórico e
uma estrutura integrante do cotidiano.
Comentando um documento do século XVI, dirá Braudel que a frota turca atacava
rapidamente em virtude das "tempranas calmas do mar Egeu. Isto era importante
em umaépoca em que o ritmo das estações influía no ritmo da guerra" (2002: 179).
Em uma outra passagem, reconhece as dificuldadesda navegação durante o inverno,
tais como o tempo de viagem, a escassez comercial, os freqüentes naufrágios, etc,
tanto no século XIX quanto no XVI: "Estamos falando do ano 1806, quando as
galeras praticamente haviam desaparecido do Ocidente; sem embargo, para as que
ainda ficavam em Malta ou no Oriente subsiste o mesmo determinismo geográ$co
da época de Soliman, o Magnífico" (2002:33 1, grifo nosso).
O fiancês François Dosse é um dos poucos historiadores críticos da aproximação
com a Geografia efetuada pelos Annales. Segundo ele, a forma como o diálogo foi
orientado trouxe consequências negativas para a ciência geográfica, tais como o
afastamento em relação aos sociólogos, uma condição de subordinação junto à
História e a atribuição de um caráter marcadamente empirista (DOSSE, 2004). No
tocante a Braudel, ele é enfático: a utilização de raciocínios espaciais aparece
muitas vezes como determinismo absoluto, ocorrendo em seus três principais livros
de várias maneiras, ora no tocante ao tamanho do território, ora em termos de
variações climáticas ou mesmo utilizando metáforas organicistas (DOSSE, 1992).
Por sua vez, o mexicano Aguirre Rojas é extremamente favorável a abordagem
r
I
Epistemologias Braudelianas: Espaço, Tempo e Sociedade na Construção da Geo-Histbria
geo-histórica braudeliana, destacando o fato de que a tomada do Mediterrâneo
como objeto de estudos é uma novidade singular que impõe a renovação da operação
historiográfíca (ROJAS, 2003). Além disso, admite em Braudel um determinismo
horizontal das estruturas de longa duração, o que não quer dizer a adoção de
um raciocínio causal, aprioristico ou hierárquico na explicação dos fenômenos
históricos (ROJAS, 2003a: 70-74). Diante deste quadro, o que diria Lucien Febvre?
Por um momento, deixemos de um lado as polêmicas ao redor do determinismo
na concepção braudeliana de História, para nos concentrarmos mais de perto no
que a Escola Francesa de Geografia ofereceu como arsenal conceitual e
metodológico para a escrita do Mediterrâneo. A seguirmos o detalhado trabalho
da geógrafa irlandesa Anne Buttimer, o centro da reflexão Vidaliana está focalizado
na Geografia da Civilização, cujos três conceitos-chave são: genre de vie, milieu
e circulation (gêneros de vida, meiolambiente e circulação), com destaque para o
primeiro, "integrador do lugar, do sustento e da organização social na vida cotidiana
de um determinado grupo" (BUTTMER, 1980:69). Sob a pena do geógrafo brasileiro
Paulo César Gomes, o pensamento Vidaliano se estrutura a partir de quatro idéias:
organismo, meio, ação humana e gêneros de vida, esta última definida:
c..)
como a forma especljfica que cada grupo desenvolve, sua maneira de
ser e de viver Eles compõem um conjunto particular de atitudes que tiram
sua significação do interior do próprio grupo, seja pela maneira de se
vestir, de falar, de habitar, em suma, por sua maneira de ser. Ao mesmo
tempo, os gêneros de vida revelam os meios desenvolvidos por uma
coletividade para sua sobrevivência, superando, em diversos níveis, o
desajo da natureza em um meio concreto e imediato. Eles são fruto de
escolhas humanas pente ao meio ambiente, escolhas das quais a sucessão
conduzirá ou não a uma progressão mais ou menos rápida, a uma conquista
mais ou menos eficaz. Os gêneros de vida atuais são, portanto, resultados
contingentes dos gêneros de vida anteriores, ao longo de uma cadeia
contínua, regida não por uma idéia de necessidade, mas somente de
possibilidade. (GOMES, 1996:205).
Para aqueles que já tiveram a oportunidade de ler "A Influência do Meio
Ambiente", a primeira parte do Mediterrâneo, a definição anterior não estaria
adequada se fosse tomada como sua síntese? Nela estão presentes algumas palavras
fundamentais que integram a redação braudeliana, como meio, sobrevivência,
natureza e possibilidade, bem como as noções de tempo e de História. E acaso
não poderíamos interpretar "A Influência do Meio Ambiente" como a reconstrução
dos processos históricos de adaptação das sociedades e civilizações ao espaço
geográfico característico do Mediterrâneo? Ao abrir o Mediterrâneo, Braudel
historicizava um espaço, deslocando a hegemonia da História Política e dialogando'
com os principais nomes da Geografia francesa. Enfatizava, p.ex., as montanhas
Ribeiro
como refúgios de bruxos e feiticeiras e fonte de recursos e as planícies como meio
propício às populações urbanas; revelava as diferenças nos trajes entre montanheses
e habitantes das vilas e a raridade de matrimônios envolvendo os mesmos
(BRAUDEL, 2002:40-57).A vida montanhesa6 a primeira história do Mediterrâneo,
"uma fábrica de homens para uso alheio; sua vida difusa e pródiga alimenta toda a
história do mar", escreveu Braudel repetindo a fórmula de Deffontaines e Bnmhes.
Para ele, o Mediterrâneo só pode ser compreendido se enquadrado dentro dqantítese
entre montanhas e planícies (2002:63-66).
Ampliando a escala regional consagrada pela Geografia francesa, percorre
inicialmente o Mediterrâneo do século XVI como se quisesse dizer que antes, bem
antes de Felipe íI,da política, da diplomacia e da economia, a história das sociedades
se inicia com suas conexões com o meio (não será por isso que abre seu último livro
se perguntando se a Geografia teria inventado a França?). E descobre assim o
cultivo das oliveiras, o nomadismo e a transumância, a alternância das estações, a
dinâmica dos ventos, as distâncias. Enfim, as imposiçbs da natureza aos movimentos
humanos e seus traços grafados nas paisagens como testemunhos de uma história
assaz complexa, diversa e heterogênea.Aqui, o Iiistoriador loreno parece reproduzir
a afirmação vidaliana de que o homem, como fator geográfico, é ativo e passivo ao
mesmo tempo (VIDAL DE LA RLACHE, 1954:4 1). E apreende sobretudo "ciclos
mais que seculares", a permanência de determinados fenômenos em uma ampla
escala temporal, uma duração específica, morosa, quase imóvel.
Temos observado a extrema' lentidão das oscilações, nômades contra
transumantes, montanheses contra a gente das planícies ou das cidades.
Todos estes movimentos requerem séculos para completar-se. Ainda que
uma planície conduza a uma vida mais ativa, vence suas águas selvagens
e organiza caminhos e canais, podem muito bem transcorrer um par de
séculos. Igualmente podem passar um ou dois séculos desde o momento
em que uma região montanhosa começa a perder suas gentes por emigração
até o ponto em que a economia das planícies tenha absorvido todas as
pessoas que necessitava. São processos mais que seculares, que somente
podem ser abarcados estendendo ao máximo o campo cronológico da
observação (BRAUDEL, 2002: 131).
Enfim, são inúmeros os exemplos e a argumentação geográfica postas em prática
na feitura do Mediterrâneo. Esquematicamente, as ligações de Braudel com a
Geografia talvez possam ser divididas em duas frentes: (a) os conhecimentos
geográficos institucionalizados,repartidos entre a hegemônica influência da Escola
francesa e a não menos importante tradição alemã (da qual falaremos mais adiante);
(b) os conhecimentos geográficos empiricizados, resultado de suas vivências em
lugares diferentes como Lorena, Paris, Argel, São Paulo e mesmo no cativeiro
nazista. A historiadora grega Erato Paris dedicou-se a mapear as referências
1
.
Epistemologias Braudelianas: Espaço, Tempo e Sociedade na Constmçiío da Geo-História
intelectuais mais importantes da época da preparação do livro supracitado,
identificando as idéias, os temas principais e as apropriações nele realizadas (PARIS,
1999). O roteiro por ela desenhado permite acompanhar os passos "geográficos"de
Braudel e suas respectivas experiências intelectuais, experiências estas que hoje
chamaríamos de "des-territorialização" (cf. DELEUZE & GUATTARI, 1992: 111146, que inclusive citam Braudel e sua geo-história).Atrajetória empreendida pelo
autor impactará sensivelmente seu olhar sobre o Mediterrâneo (percebido não
apenas da Europa, mas também a partir da África e da Aniérica) e a formação de
uma concepção de História atenta as demandas geográficas.
Não inteiramente, decerto, mas é a este conjunto de aspectos que podemos
chamar de geo-história braudeliana.
A geografia, a economia e as escalas na confecção de Civilização
Material
No começo da parte segunda do Mediterrâneo, sobretudo em seu capítulo de
abertura "As economias: a medida do século", Braudel declara explicitamenteque
o espaço é o inimigo número um (BRAUDEL, 2002:473). Encontramos certo
parentesco entre esta idéia e o volume I de Civilização Material, Economia e
Capitalismo: Séculos XV-XVIII, publicado trinta anos após a obra anterior, no
também capítulo de abertura "O peso do número". Trata este capítulo de uma
geografia diferencial do globo revelada pelos números, onde a diversidade
transparece no contraste entre densidade e continentes pouco povoados, entre
civilizações de um lado e culturas ainda primitivas do outro (BRAUDEL, 1996:19).
O que parece unir estes momentos das obras em tela é s dimensão geográfica da
Economia, tópico crucial na concepção braudeliana de história e que atravessa do
início ao fim os três volumes de Civilização Material.
Entretanto, antes de nos atermos ao papel da Geografia na constituição da
história do capitalismo, pois é assim que observamos a contribuição daquela para
os objetivos e propósitos de Braudel em CivilizaçãoMaterial, vejamos um pouco
mais do desenho e das originalidades do que Pierre Daix considera a "Obra Magna"
de nosso investigado, assim como algumas diferenças e continuidades em relação
ao Mediterrâneo.
O esquema tripartite mantém-se presente: "As Estruturas do Cotidiano: o
Possível e o Impossível", "Os Jogos das Trocas'' e "O Tempo do Mundo" (partes
constituintes da obra) representam os três andares de uma arquitetura bastante
particular: bem próxima ao chão, uma infra-economia, a informalidadeda atividade
econômica, a auto-suficiência, as atividades corriqueiras e banais, unidas e cunhadas
como vida material ou civilização material. Tal noção expressa parte dos acordos
e desacordos de Braudel com a Antropologia estruturalista francesa, sobretudo
com as conclusões de Claude Lévi-Strauss, colega na missão francesa fundadora
GEOgraja - AnoVIII - N. 15 - 2006
Ribeiro
da USP na década de 30. Esta relação, porém, não impediu Braudel de rechaçar
um Estruturalismo a-histórico e inalterável, que dividia as sociedades em "frias" e
"quentes", sociedades sem e com história, inteiramente diferente da história
estrutural aberta a mudanças preconizada pelo historiador (BRAUDEL, 1992;
ROJAS, 2003:62; REIS, 1994: 62-67, REIS, 2000: 104-107). O que ficou, contudo,
foi uma riquíssima história dos costumes e da cultura das sociedades modernas
através das bebidas, das comidas, dos materiais usados na construção das casas,
dos móveis e das decorações plurais ao redor do mundo, das roupas e estilos impostos
pela moda, etc.
Mas a civilização material sustenta-se e reproduz-se por intermédio da
transformação de seu habitat, organizando-o e reorganizando-o de acordo com a
habilidade e o maior ou menor domínio das técnicas então disponíveis a seu alcance.
Em outras palavras, este conceito complementa o papel da base geo-histórica dos
processos civilizatórios (ROJAS, 2003:94). É assim que o capítulo "O pão de cada
dia", tratando dos cultivos (e da comercialização desigual) de trigo, arroz, milho,
das revoluções alimentares do XVIII e da agricultura de comunidades primitivas
fora da Europa, é sintomaticamente descritivo, paisagístico e focado na relação
homem-meio, assemelhando-se bastante aos trabalhos da Geografia Clássica na
qual Braudel foi educado. Não é por outra razão que são feitas aqui menções a
Pierre Gourou, Max Sorre, Étienne Juillard, Pierre Deffontaines, Max Derruau,
Humboldt e Vidal, aparecendo até mesmo o nome do geógrafo norte-americano
Carl Sauer.
"Claro que a água é o grande problema. Ela pode submergir as plantas: no Sião
e no Camboja foi preciso utilizar a flexibilidade inaudita do arroz flutuante, capaz
de lançar caules com 9 ou 10 metros de comprimento para resistir aos enormes
desníveis dos lençóis de água. A ceifa faz-se de barco, cortando as espigas e
abandonando a palha que por vezes tem um comprimento incrível. Outra dificuldade:
trazer, depois escoar a água. Trazê-la por condutas de bambu que vão buscar a
água às fontes altas; colhê-la, como se faz na planície do Ganges e muitas vezes na
China, em poços; conduzi-la, como no Ceilão, para grandes reservatórios, os tanh,
mas os tanques coletores de água estão quase sempre num nível baixo, por vezes
profundamente cavados no solo. (...) Claro que o sistema escolhido depende das
condições locais. Quando não há método de irrigação possível, o aterro do arrozal
serve para reter a água da chuva que basta para alimentar uma grande parte das
culturas de planície, na Ásia das monções" (BRAUDEL, 1996:130).
O homem, a natureza e a técnica, dispostos em seus liames históricos e
geográficos: acaso a passagem anterior não nos conduz a um vagaroso avanço na
luta cotidiana do homem contra a natureza e contra ele mesmo? Não seria o Braudel
Vidaliano lendo a Geografia como uma herança histórica estrutural? Não
poderíamos decodificar o possivel e o impossível complementares ao título "As
Estruturas do Cotidiano" como a perspectiva da Geografia tanto do ponto de vista
das determinações quanto do ponto de vista das possibilidades?
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I
Epistemologias Braudelianas:Espaço, Tempo e Sociedade na Construção da Geo-História
No volume seguinte, "Os Jogos das Trocas" 'O, estamos no andar do meio do
edifício braudeliano, onde prevalecem a produção e a troca dentro dos mercados
nacionais, nas feiras, bancas, lojas, etc, tornando mais complexa a dinâmica
econômica quando comparada aos esforços diários de subsistência materializado
pelas civilizações. Aqui, o comércio entra em cena e, aos poucos, se assenhora
dela, expandindo os limites dos espaços conhecidos e desconhecidos dentro e fora
da Europa. Outro efeito deste processo é a ampliação das regras de mercado com
a criação de bolsas de valores, letras de câmbio e companhias de comércio, embora
coexistam com mascates, feiras urbanas onde se encontra de tudo um pouco e a
preponderância do feudalismo na Europa. Inevitavelmente, a lenta e desigual
penetração capitalista vai engendrando o que, nos dias atuais, é incrivelmente
comum: a escala mundo dos negócios, dos costumes, do trabalho, da vida banal
enfim. O mundo como o lar, como a casa que habitamos todos os dias e da qual
saímos e entramos, de forma quase inconsciente. E isto bem antes da imponente
Revolução Industrial, minimizada por Braudel em função de seu esquema
metodológico da longa duração, que incorpora o evento no âmbito da estrutura.
O fato é que as trocas e seus jogos pressupõem a vitória - ainda que
momentânea, dadas as lutas pela sua manutenção -sobre os espaços, estratégias
de controle e domínio, confecção de cartas, atuação articulada em diversas escalas,
etc. Escrevendo em pleno século XX, Braudel se dá conta de que o processo de
expansão do capital a uma escala global tem como uma de suas prioridades históricas
a conquista do espaço, "Pois qualquer troca ocupa um espaço e nenhum espaço é
neutro, isto é, não modificado ou não organizado pelo homem". (BRAUDEL,
1996a: 156). Daí seu esforço de desenhar uma Geografia retrospectiva dos
mercados, a fim de avaliar com maior nitidez o desenvolvimento das trocas, do
comércio, da economia como um todo. Mas o tópico sobressalente do livro em
voga que o aproxima da Geografia consiste no conceito de rede, onipresente nos
dias atuais e amplamente empregado por Braudel há décadas atrás. Formando
redes políticas, sociais, econbmicas ou técnicas, a empreitada capitalista e a
preeminência européia difundem-se e deslocam-se com seus tentáculos
cirurgicamente interligados. "Centralizado em Lisboa, estendido às duas margens
do Atlântico, africana e americana, ligado ao Pacífico e ao Extremo-Oriente, o
sistema português é uma imensa rede que se expande pelo Novo Mundo em dez
ou vinte anos. Esta viva expansão é forçosamente um fato de importância
internacional" ( 1996a: 137, grifo nosso).
"' Dedicado a Pierre Gourou, considerado por Braudel em La Dynamique du Capitalisme "o maior
dos geógrafos franceses" (BRAUDEL, 1985:18). Gourou ainda escreverá o artigo "História e Geografia" na coletânea Europa dirigida por Braudel (GOUROU, 1996), e tudo indica que no decorrer da
redação de A Identidade da França (conforme as notas indicadas no final do volume I) eles trocaram
correspondências (BRAUDEL, 1989:347-35 1).
Ribeiro
Aqui, ao mergulhar nos temas próprios da História Econômica, os geógrafos
franceses saem um pouco de cena para dar lugar à tradição alemã. A documentada
pesquisa de Paris desvenda que, enquanto esteve prisioneiro do nazismo, Braudel
teve contanto com obras metodológicas e estudos sobre o Mediterrâneo, a Geografia
e a História escritas pelos alemães, e chegou a ser nomeado em 1941 reitor da
Universidade do Campo, dando seus cursos na Universidade de Oflag de Mayence.
Neste mesmo ano, em carta enviada a Febvre, conta que na França a Geografia
Humana e a Economia Política estavam excessivamente defasadas, e interessa-se
por revistas de História, História Econômica e Social e Geografia contendo reflexões
dos geógrafos Alfred Hettner e, sobretudo, Alfred Philippson, bem como os
historiadores geógrafos Sternberger, Gehler, Fritsche, Carus e Okel (PARIS,
1999:281-295).
Nesse sentido, em um artigo profundamente esclarecedor a respeito de como
Braudel concebe e se apropria dos co~~liecimentos
geográficos institucionalizados,
ele faz questão de demarcar as dessemelhanças entre franceses e alemães: de um
lado, a já aludida relação homem-meio e, de outro, o trinômio espaço, sociedade e
economia (raum, gesellschaft e wirtschaft). Não é demais recordar que, tendo A
Terra e a Evolução Humana como fundamento a ser seguido, a reprovação aos
geopoliticos ratzelianos de "livros e afirmações simples", que "nunca acreditaram
no possibilismo", é indisfarçável.Todavia, a partir do conceito de economia-mundo
(weltwirstchaften), Braudel explorará, como poucos, os férteis vínculos admitidos
pelo trinômio em jogo: "Tenho necessidade de dizer que a economia modela o
social e o espaço, que o espaço comanda a economia e o social, que o social a seu
turno comanda as duas outras realidades". (BRAUDEL, 1997:89). Talvez agora
fique mais visível porque o interesse nas redes, "que se completam, associam-se,
substituem-se, afrontam-se", formando circuitos e desenhando um sistema
(BRAUDEL, 1996a:142). E, como não poderia deixar de ser, as cidades, onde
historiadores e geógrafos sempre hão de se encontrar. Aqui a marca alemã também
se faz notar, em particular a teoria locacional de Von Thünen e seu conteúdo acerca
da centralidade, hinterlândia e hierarquias espaciais em termos de povoamento,
distribuição e funcionamento das redes de atividades econômicas. Cabe acrescentar
que o autor já fora citado também por Braudel no tocante a organização do espaço
rural no Mediterrâneo (BRAUDEL, 1989:203-217; BRAUDEL, 2002:77;
BRAUDEL, 1996a: 161).
O que permanece em "Os Jogos das Trocas" não é uma explicação espacial
inerente as origens do capital e do capitalismo? Em um mundo que vive, passo a
passo, processos de destemtorialização e reterritorialização,a circulação e o espaço
por eles ocupado assumem um lugar fundamental no singular esquema explicativo
braudeliano. A interação entre povos, culturas e produtos passa por uma ligação
entre as escalas locais, regionais, nacionais, criando as condições para o despontar
do mercado mundial. Guardadas as devidas proporções, não haveria uma
1
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EpistemologiasBraudelianas: Espaço, Tempo e Sociedade na ConstniçBo da Geo-História
intersecção na década de setenta entre a exposição braudeliana, a tese lefebvriana
de que a reprodução do capitalismo é dada a partir da produção do espaço e a
reflexão lacosteana do saber pensar o espaço para nele combater? (LACOSTE,
1988; LEFEBVRE, 1974).
Campo de possibilidades aberto, chegamos ao último volume da trilogia, o "Tempo
do Mundo", que também poderia chamar-se "Os espaços do mundo". Tempo do
espaço, tempo de uma escala, história de uma geografia. Mas também espaço do
tempo, escala de um tempo, geografia de uma história, porque o pensamento de
Fernand Braudel está longe de ser uma via de mão única. Das Cidades-Estado
italianas, "antigas economias de dominação urbana" como Gênova e Veneza, ao
surgimento de uma nova e poderosa configuração espacial, o Estado Territorial
Moderno; das alternâncias de hegemonia no decorrer do percurso capitalista, bem
como a formação dos mercados nacionais e suas fronteiras; da construção das
Américas enquanto periferia do sistema-mundo as características políticas e
econômicas da África, Rússia, Império Turco e Extremo-Oriente. O resultado é "a
apreensão global tanto da economia quanto da sociedade; articulações de uma e de
outra com a política; restabelecimento das conexões estruturaisentre a esfera cultural
e seus alicerces sócio-econômicos, não mais fixados apriori mas observados em
suas transformações concretas" (DAIX, 1999:556).
De maneira especial, este volume "gira" como um looping de montanha-russa;
ele é cambiante, vertiginoso, e substancializa o mundo em bases concretas
aproveitando-se de tabelas e gráficos, vasta iconografia e representações
cartográficas em profusão, devidamente discutidos e cuidadosamente situados na
composição da narrativa histórica. É uma imensa e desproporcional viagem
econômica concebida pelo mundo moderno que Braudel intenta resgatar, descrever,
analisar e comparar, mantendo consigo um companheiro inseparável, elemento de
junção entre realidades heterogêneas e superpostas mas que não podem prescindir
de uma condição comum e fundante de suas existências: o espaço.
Incorporando "o mundo inteiro numa história só" (MORINEAU, 1989:5 l),
inspirando argumentos de cunho territorial em torno dos ciclos sistêmicos de
acumulação de capital (ARRIGHI, 1996:IX-XI) e autorizando uma aproximação
com a crítica histórica legada por Marx (ROJAS, 2000:79-135), Braudel lança as
bases para um diálogo Fecundo entre a História e a Geografia. Poucos geógrafos
não se orgulhariam de ter escrito "O Tempo do Mundo". Sobre isto, Clava1é taxativo:
uma das grandes idéias do historiador reside na constatação de que o "lugar e a
organização espacial jogam um papel essencial na vida política e econômica".
Seguindo raciocinio análogo, seria muito proveitoso por parte dos geógrafos a leitura
do texto, pois "mesmo falando sobre as bases materiais - e espaciais - das
civilizações, ou mostrando que o controle das redes de transporte e comunicações
era a origem dos lucros, ele fala sobre relação entre espaços políticos e econômicos"
(CLAVAL, 1980:9-10). Pois por mais que a Geografia queira ser vista como umá
GEOgraja - AnoVI11- N. 15 - 2006
Ribeiro
superciência capaz de realizar a síntese das ciências de análise (MOREIRA, 1984),
tenha eleito como palco de estudos os fenômenos ocorridos na superfície terrestre
e seja herdeira das cosmografias (GOMES, 1997), é a História a lu Braudel que
consegue explorar e materializar uma escala mundial lato sensu.
Leiamos um trecho do volume ora em debate. Como parece ser de praxe, Braudel
inicia com uma idéia geográfica "O espaço, fonte de explicação, põe em causa ao
mesmo tempo todas as realidades da história, todas as p-es envolvidas da extensão:
os Estados, as sociedades, as culturas, as economias... E conforme escolhamos um
ou outro destes conjuntos, modificar-se-ão o significado e o papel do espaço. Mas
não inteiramente" (BRAUDEL, 1996b:12).
Parágrafo sugestivo sobre o poder de sedução exercido pelo espaço, cuja
espessura é revestida de historicidade e cujo domínio amplia o processo histórico
em si mesmo. Seus sentidos e suas representações não se encerram no meio
ambiente, tal como acontece na maior parte do Mediterrâneo. O espaço é,
dependendo da perspectiva adotada, político, social, simbólico e econômico, variando
em seus sentidos e em suas funções. "Mas não inteiramente" pois, de qualquer
forma e em qualquer variável analisada, o espaço sempre constará como uma
problemática a ser levada em conta. Independente do objeto, ele é uma estrutura,
ou seja, um item de resistência às mudanças rápidas, a matéria-prima imprescindível
que ocupa todos os andares de uma história edificada em ritmo secular.
Destarte, na esteira do legado deixado pelos primeiros Annales e acrescido dos
avanços metodológicos perpetrados por Braudel, não há como perder de vista que
a ampliação da escala espacial é fator determinante na ampliação dos próprios
domínios da História. Embora o Mediterrâneo possa situar-se tradicionalmente
nos marcos de um enfoque regional, ele não é a história de uma região conforme
Bloch e Febvre haviam se empenhado em fazê-la, mas sim a história de um mundo
em si, de uma economia-mundo sem fi-onteira e cartografia definidas de maneira
habitual. Civilização Material, por sua vez, encaminha sua argumentação em
direção aos territórios nacionais que se sucedem alternadamente a frente do navio
capitalista, mas isto não significa que ele seja uma história dos Estados-Nação e
sim um painel de como estes viabilizaram ao longo dos séculos a escala-mundo
como cenário priviliegiado de suas operações. É uma das façanhas de Braudel e
um traço "dialético": as escalas devem ser superadas porque a história humana não
possui limites, mas ao mesmo tempo ela não existe sem os limites impostos pelos
espaço.
A identidade da Geo-História em A Identidade da França
A problemática acima referida também está no centro das atenções na obra A
~dintidadeda França. Concentraremo-nos no volume de abertura "Espaço e
Epistemologias Braudelianas: Espaço, Tempo e Sociedade na Construção da Geo-História
História" I ' , valioso estudo da formação territorial francesa atrelada ao continente
europeu sob a égide da longa duração -ultrapassando os vínculos fixados muitas
vezes de maneira naturalizada entre Estado Nacional e território.
Para os geógrafos, o sentimento de privilégio é duplo: primeiro, porque Braudel
se pergunta se a Geografia teria inventado a França, mostrando uma ousadia que
os geógrafos na década de 1980(quando o livro foi redigido) dificilmente revelariam;
segundo, devido ao reiterado diálogo com a Escola Francesa de Geografia: Vidal,
Demangeon, Sorre, Deffontaines, Gallois, De Martonne, Siegfried, Vallaux, mas
também Le Lannou, Gourou, Dulaure, Allix, Rochefort, Bonnaud, Estienne. Ao
conhecimento geográfico, mais uma vez, é conferida vital importância.
É bem conhecido o fato da História Política ter sido deslocada pelos Annales
da posição central que mantinha dentro da Escola Metódica, sendo reabilitada na
França apenas por volta de 1965 (RÉMOND, 1996); no entanto, em um campo de
conhecimento que só adquire autonomia no século XIX a partir de uma estreita
trama com o Estado, dificilmente a preocupação com a nação, com o território e
com a política não seriam evidenciadas em algum instante.
E podemos notar isto claramente mesmo nos primeiros Annales: Bloch
escrevendo a História do tempo presente no bojo da derrota francesa em 1940
(BLOCH, 2000); e Febvre refletindo sobre o caráter europeu do Rio Reno, alvo
de disputas territoriais entre a França e a Alemanha, sobre as Revoluções e o
problema das nacionalidades na Europa nos anos de 1944 e 1945 e, por fim,
acerca da honra e da pátria entre 1945 e 1947, num período diretamente impactado
pela Segunda Guerra Mundial (FEBVRE & DEMANGEON, 1935; FEBVRE,
1998,2004).
Dando continuidade a este legado, desta vez o Braudel dos grandes espaços
recortará a escala nacional com o objetivo de discorrer sobre a identidade francesa,
num acerto histórico de contas com sua terra natal. Este livro aparece ao público
em 1986 quando a Europa vive uma conjuntura marcada por três aspectos
entrecruzados: (i) o neoliberalismo como modelo de política econômica a ser
adotada, tendo como meta principal a diminuição do papel do Estado Nacional; (ii)
o esfacelamento do Socialismo Real e, consequentemente, a incidência de uma
série de conflitos nacionalistas na URSS, nos Bálcãs e no Leste Europeu; e (iii) o
progressivo desenrolar da Globalização, colocando em xeque as identidades
nacionais por todo o mundo. Especificamente, na virada dos nos 80 o debate
girava na França em torno do ensino de História, da diluição da memória nacional
Embora os volumes I1 e 111, "Os Homens e as Coisas", tambtm focalizem questões como a expansão
geográfica atravts das Cruzadas, o papel das ferrovias e estradas interligando o territ6rio da França, a
transição de uma economia camponesa para uma economia urbano-industrial, a imigração estrangeira,,
etc. (BRAUDEL, 1989% 1989b).
GEOgraJa - AnoVIII - N. 15 - 2006
Ribeiro
e da perda dos grandes referenciais, fazendo com que os historiadores se voltassem
aos temas e discursos nacionais (DOSSE, 2001 ;HARTOCi, 2003).
Em outras palavras, Braudel está reproduzindo um dos tópicos centrais da
metodologia annaliste: a articulação passado-presente. E a Geografia viabiliza e
permite a apreensão das múltiplas temporalidades, seja através das permanências
grafadas na paisagem ou do espaço como um dado da realidade presente. Afinal, o
espaço geográfico C uma "mgosidade", onde antigas formas vão assumindo novas
funções no desenrolar do tempo (SANTOS, 1978:138). Porém, para Santos, Braudel
teria colonizado a Geografia, vinculando-a quase que exclusivamente ao tempo
longo. Mesmo sucinto, ele vai além e diz que a oposição tempo longo-tempo curto
perde eficácia em nossos dias, propondo substituí-Ia pelo par tempo rápido-tempo
lento (SANTOS, 2002:266-267).
"Evidentemente, há vários modos de por em questão a geografia. Pode-se utilizála por ela mesma, segundo seus problemas próprios e segundo suas confluências
com as outras ciências do homem e com as ciências da natureza. É o que fazem os
geógrafos, especialmente atentos para o atual. Mas a geografia, para nós, será
sobretudo uma maneira de reler, de ponderar, de reinterpretar o passado da França
(...)As paisagens e espaços não são unicamente realidades presentes, mas também
e amplamente sobrevivências do passado. Horizontes passados se desenham, se
recriam, para nós, por meio dos espetáculos oferecidos: a terra, como nossa pele,
está condenada a conservar as marcas das antigas feridas" (BRAUDEL, 1989:25).
Aqui, mesmo diante de um cenário aparentemente novo, observa-se a presença
de duas companhias inseparáveis: a longa duração e o espaço geográfico. Escrever
a história da França e de sua identidade passa, inequivocamente, pela geografia, ou
seja, pelas paisagens, regiões e o território do pais, "numa tensão permanente entre
o espaço e a história" (AYMARD, 1989:66). Assim sendo, Braudel ratifica um
ponto de vista que o acompanhou desde o Mediterrâneo: o peso jogado pelas
determinações geográficas no desenvolvimentodo processo histórico.
Mesmo diante das objeções suscitadas pelos geógrafos Etienne Juillard e Claude
Raffestin em Chateauvallon, que defendem a possibilidade de escapar as imposições
do espaço, ele se pronuncia dizendo que este se transforma, mas que quase sempre
é o mesmo; o espaço é uma realidade inexorável. E mais: afirma sua paixão por
uma Geografia mais antiga, cuja abordagem o distinguia nitidamente da geração
que o questionava naquele instante, e acusa os geógrafos de desespacializarem a
história (BRAUDEL, 1989c: 166-170). Aqui, as duas tradições que Febvre havia
forjado no início do século XX - para, no mesmo instante, separar -, e que a
história do pensamento geográfico ratificou como dicotômicas, são conjugadas quase
de forma indistinta. Para o Braudel geógrafo, possibilismo e determinismo
caminham lado-a-lado.
Sobre este ponto, para o historiador britânico Perry Anderson a escolha da França
como objeto empírico é um reflexo da primazia teórica conferida A Geografia Ra
causação social (ANDERSON, 1996), cujos impactos podem ser sentidos na
Epistemologias Braudelianas: Espaço, Tempo e Sociedade na Construçáo da Geo-História
economia, na cultura e na sociedade. Já Rojas aponta que Braudel consegue, ao
examinar a base geo-histórica da identidade civilizatória francesa, superar o mito
moderno do domínio irrestrito do Homem sobre a natureza, ultrapassando a si mesmo
na condução da geo-história(ROJAS, 2003a). O historiador francês Bernard Lepetit,
a seu modo, também crê que, tanto em A Identidade da França quanto em
CivilizaçãoMaterial, Braudel supera o determinismo com um possibilismo revisitado,
produzindo uma rica reflexão sobre as escalas e as durações (LEPETIT, 1986).
Este é um debate que, por enquanto, deixaremos em aberto. Embora fundamental,
há outros elementos que compõem o destacado papel dado à Geografia no livro em
tela. Nele, a forma como Braudel recolhe e se apropria da ciência geográfica pode
ser vista como uma fusáo de duas perspectivas: a primeira fixa-se na relação das
sociedades com o meio -majoritária no Mediterrâneo -, ao passo que a segunda
recorre aos papéis do espaço no que tange a dimensão econômica da sociedade majoritária em Civilização Material.
É desta forma que encontramos em A Identidade da França tópicos como o
solo, o meio ambiente, o ecossistema, as fronteiras e distâncias ("naturais" e
"humanas"), o desenho do sítio e a situação das cidades, as desigualdades cidadecampo, a circulação, as redes, as regiões, as escalas...Nesse sentido, podemos ler
algo como "A terra, o meio, o meio ambiente, o ecossistema são palavras que
designam aquilo que ela [a Geografia] nos aporta, as aproximações que ela nos
impõe, e que nos ensinam tanto quanto os mais ricos documentos de arquivos"
(BRAUDEL, 1989:26). Igualmente: "Conclui que a organização do espaço é por si
só criadora de desigualdade e de hierarquia. Marx via, no conflito cidades-campos,
o mais velho exemplo da luta de classes: eisjustamente uma visão genial" (1989: 145).
Não viria esta notória simbiose entre espaço e história de sua principal fonte
geográfica, esta ambígua disciplinaora física, ora humana, moldada por Vidal de Ia
Blache? Tal leitura não seria tributária de questões epistemológicas mal resolvidas
no âmbito da ciência geográfica, tais como a tradição empirista, as indefinições em
torno do objeto, as subdivisões em diversos ramos e a amplitude dos temas de
estudo?
Conclusões seletivas de uma pesquisa em andamento
Talvez tenhamos trilhado o caminho oposto ao de Pierre Daix, que se desculpa
pelo peso excessivo concedido à Geografia na explicação da trajetória intelectual
do historiador Fernand Braudel, admitindo, ainda, que tal ênfase se devia a presença
da disciplina na formação dos historiadores de sua geração (DAIX, 1999:15).
Tentando reunir argumentos que nos permitam responder como o historiador francês
Fernand Braudel apropriou-se do conhecimento geográfico como elemento
explicador do processo histórico e saber constituinte da elaboração de uma nova.
GEOgraPa - AnoVIII - N. 15 - 2006
Ribeiro
prática historiográfica, nos deparamos com algumas questões. No sentido de
compreender o significado epistemológico da Geografia no conjunto da concepção
braudeliana da História, que é o objeto da pesquisa em curso, apontemos a seguir
alguns de seus resultados parciais:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
Braudel fez questão de insistir na relevância dos fatos geográficos para
a pesquisa histórica, caminhando inclusive contra uma trajetória em
França de progressivo arrefecimento do diálogo com a Geografia
(BOUTRY, 1998);
Supera as introduções geográficas descritivas, paisagísticas e "passivas",
fazendo com que a Geografia tenha papel "ativo" e condicionante na
explicação histórica;
Captura a complexidade e a riqueza empírica da história, do movimento
de expansão das sociedades, do contra-golpe das civilizações construindo
paisagens e transformando o meio ambiente;
Dialoga com vários representantes da Escola Francesa de Geografia,
como Demangeon, Sorre, Deffontaines e Brunhes, e não somente com
Vidal.
Também é influenciado pelos geógrafos, historiadores geógrafos e
economistas alemães que exploraram a questão espacial fora do modelo
francês homem-meio, tais como Hettner e Philippson; Sternberger,
Gehler, Fritsche, Carus e Okel; Von Thunen.
Assimila a proposta de Geografia expressa em A Terra e a Evolução
Humana, embora confira peso expressivo ao determinismo geográfico
- em aparente contradição com as conclusões de Febvre;
Redimensiona o sentido do termo "localizar", contextualizando
historicamente o sítio e a situação geográfico para além do esquematismo
cartográfico de base cartesiana.
Acreditamos que a Geografia foi uma das janelas interpretativas para que
Braudel partisse (o meio ambiente no Mediterrdneo), desenvolvesse (as escalas
do mundo capitalista em Civilização Material) e cliegasse mesmo a algumas
conclusões ousadas (a invenção da nação francesa pela Geografia em A Identidade
da França). Com base em tal suposição, sustentamos que a Geografia constitui
um caminho privilegiado de análise da obra braudeliana como um todo.
EPISTEMOLOGIAS BRAUDELIANAS: ESPAÇO, TEMPO E SOCIEDADE NA
CONSTRUÇÃODA GEO-HISTÓRIA
Resumo: O pensamento do historiador francês Fernand Braudel admite várias
interpretações e possui determinadas influências. Uma delas diz respeito à Geografia
Humana Vidaliana, aspecto este que foi pouco explorado até aqui pelos seus estudiosos,
sejam eles historiadores ou geógrafos. Este artigo, concentrado sobretudo nos livros O
I
,
Epistemologias Braudelianas: Espaço, Tempo e Sociedade na Construçáo da Geo-História
Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo a época de Felipe 11 (1966); Civilização Material,
Economia e Capitalismo: Séculos XV-XVIII (1979); e A Identidade da França (1986)
pretende discutir o papel epistemológico da Geografia em sua obra, partindo da hipótese
de que esta foi fundamental para o desenvolvimento das inovações que caracterizam sua
escrita da história. Ao mesmo tempo, deseja repensar as relações entre a Geografia e a
História no decorrer do século XX.
Palavras-Chave: Femand Braudel, Vidal de la Blache,Annales, Pensamento Geográfico,
Historiografia, Geo-histbria
BRAUDELIAN EPISTEMOLOGIES: SPACE, TIME AND SOCIETY IN THE
CONSTRUCTION OF GEO-HISTORY
Abstract: The thought of French Historian Femand Braudel has severa1 interpretations
and different influences. One of them refers to Vidalian Human Geography, neglected by
their researchers - both geographers and historians. This article stresses on his three
major works (The Mediterranean 1966, Civilization and Capitalism 1979 and Identity of
France 1986) and it debates the Geography's epistemological role in his historiography.At
the same time, we intend to rethink the relations between Geography and History in the
20th Century.
Keywords: Fernand Braudel, Vidal de la Blache, Annales, Geographical Thinking,
Historiography, Geo-History
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