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Estudo comparativo das trajetórias de cooperação bilateral estruturante em saúde entre o Brasil e os membros da CPLP e da Unasul: lições dos acordos internacionais

2022, Conjuntura Austral: Journal of the Global South

Este artigo busca verificar e comparar a catalisação de cooperação estruturante em saúde (CES) bilateral entre o Brasil e, por um lado, os Estados membros da CPLP e, por outro, da Unasul, a partir da constituição dessas organizações e suas estruturas dedicadas à CES. A literatura especializada e os documentos oficiais sugerem que esta catalisação ocorre, e o presente estudo busca testar esta hipótese. Isso é feito através de um estudo de caso comparativo, baseado na análise das trajetórias de CES bilateral nos dois casos citados, construídas a partir de dados sobre acordos bilaterais firmados entre o Brasil e os membros da CPLP e da Unasul. Além de testar a hipótese, este artigo também discute o que os dados sugerem sobre as possibilidades de delimitação da CES pela política externa brasileira (PEB) de cada período ou pelas organizações multilaterais. Os dados sugerem que, no caso da CPLP, ocorre catalisação a partir do PECS 2009-2012, mas ela não se mostra sustentável, pois finda em 2012. No caso da Unasul, há catalisação de CES bilateral a partir da constituição da instituição e do Conselho de Saúde, e essa se mantém pelo menos até 2021, apesar da inércia da Unasul e das mudanças na PEB em saúde no período.

Artigo Rev. Conj. Aust. | v.13, n.63 | jul./set. 2022 Estudo comparativo das trajetórias de cooperação bilateral estruturante em saúde entre o Brasil e os membros da CPLP e da Unasul: lições dos acordos internacionais Comparative study of the trajectories of structuring bilateral cooperation in health between Brazil and the members of the CPLP and Unasur: lessons from international agreements DOI: https://doi.org/10.22456/2178-8839.123251 Ademar Pozzatti Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Brasil ademar.pozzatti@ufsm.br Luiza Witzel Farias Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Brasil luiza.farias@acad.ufsm.br Resumo Este artigo busca verificar e comparar a catalisação de cooperação estruturante em saúde (CES) bilateral entre o Brasil e, por um lado, os Estadosmembros da CPLP e, por outro, da Unasul, a partir da constituição dessas organizações e suas estruturas dedicadas à CES. A literatura especializada e os documentos oficiais sugerem que esta catalisação ocorre, e o presente estudo busca testar esta hipótese. Isso é feito através de um estudo de caso comparativo, baseado na análise das trajetórias de CES bilateral nos dois casos citados, construídas a partir de dados sobre acordos bilaterais firmados entre o Brasil e os membros da CPLP e da Unasul. Além de testar a hipótese, este artigo também discute o que os dados sugerem sobre as possibilidades de delimitação da CES pela política externa brasileira (PEB) de cada período ou pelas organizações multilaterais. Os dados sugerem que, no caso da CPLP, ocorre catalisação a partir do PECS 2009-2012, mas ela não se mostra sustentável, pois finda em 2012. No caso da Unasul, há catalisação de CES bilateral a partir da constituição da instituição e do Conselho de Saúde, e essa se mantém pelo menos até 2021, apesar da inércia da Unasul e das mudanças na PEB em saúde no período. Palavras-chave: Cooperação estruturante em saúde; CPLP; Unasul; Política externa brasileira. Abstract This article seeks to verify and compare the catalysis of bilateral structuring cooperation in health (CES) between Brazil and, on the one hand, the member states of the CPLP and, on the other hand, of UNASUR, based on the constitution of these organizations and their structures dedicated to the CES. The specialized literature and official documents suggest that this catalysis occurs, and the present study seeks to test this hypothesis. The research is carried out through a comparative case study, based on the analysis of the trajectories of bilateral CES in the two cases mentioned, built from data on bilateral agreements signed between Brazil and the members of the CPLP and Unasur. In addition to testing the hypothesis, this article also discusses what the data suggest about the possibilities of delimiting the CES by the Brazilian foreign policy (PEB) of each period or by multilateral organizations. The data suggest that, in the case of the CPLP, there is a catalysis starting from the PECS 2009-2012, but it is not sustainable, as it ends in 2012. In the case of Unasur, there is a catalysis of bilateral CES from the establishment of the institution and the Health Council, and this remains at least until 2021, despite the inertia of Unasur and the changes in the PEB in health in the period. Keywords: Structuring cooperation in health; CPLP; Unasur; Brazilian foreign policy. Recebido: 30 Março 2022 Aceito: 01 Junho 2022 Pesquisa apoiada com recursos da Chamada Universal CNPQ, processo número 423592/2016-5 e da Chamada PqG FAPERGS, processo número 19/2551-00016352. Conflitos de interesse: Os autores não reportaram potenciais conflitos de interesse Este é um artigo publicado em acesso aberto e distribuição sob os termos da Licença Creative Commons de Atribuição Não-Comercial Compartilha-Igual 4.0 Internacional (CC BY-NC-SA 4.0), que permite seu uso, distribuição e reprodução em qualquer meio bem como sua transformação e criações a partir dele, desde que o autor e a fonte originais sejam creditados. Ainda, o material não pode ser usado para fins comerciais, e no caso de ser transformado, ou servir de base para outras criações, estas devem ser distribuídas sob a mesma licença que o original. 29 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias Introdução A cooperação estruturante em saúde (CES) é um modelo de cooperação sul-sul, desenvolvido pelo Brasil a partir dos anos 2000 e teorizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2009 (ALMEIDA et al., 2010; BUSS, 2018), que visa superar as assimetrias em saúde entre os países através de uma metodologia horizontal e baseada na determinação social da saúde (FONSECA; BUSS, 2017). As duas regiões prioritárias para a CES brasileira são a América do Sul e a África (ALMEIDA et al., 2010), nas quais a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) desenvolveram estruturas institucionais dedicadas a promover essa forma de cooperação (ALMEIDA et al., 2010; BUSS; FONSECA, 2010b). Perez (2018) argumenta que a CES foi orientadora da política externa brasileira (PEB) em saúde de 2003 a 2014, tendo sido criada e avançado durante os governos Lula da Silva e se tornado escassa a partir do primeiro governo Dilma Rousseff. Nesse contexto, este artigo questiona em que medida a formação da CPLP e da Unasul, e das suas estruturas institucionais dedicadas à CES, catalisaram novos acordos de CES bilateral entre o Brasil e os Estados-membros desses grupos. A opção por questionar o desenvolvimento da CES de forma bilateral se dá não apenas porque a proeminência dos acordos bilaterais na efetivação da CES na América do Sul foi verificada por estudos anteriores (AGOSTINIS, 2019; POZZATTI; FARIAS, 2019), mas também porque a análise das trajetórias de CES bilateral, no caso sul-americano e da CPLP, fornece dados para começar a formular hipóteses sobre a delimitação dessas trajetórias pela PEB de cada período ou pelas organizações multilaterais. Essa análise abre espaço para refletir, ainda que de forma incipiente, sobre a sobrevivência da CES além do período da PEB em que foi criada e em um cenário onde a nova PEB, instituída desde 2019 pelo governo Bolsonaro, é marcada pela retirada ou inércia em fóruns multilaterais que discutem saúde (VENTURA; MARTINS, 2020). A literatura especializada e os documentos oficiais sugerem que as organizações estudadas se comprometem com a CES também de forma bilateral e que a catalisação dessa cooperação ocorre. A presente pesquisa assume essa perspectiva como uma hipótese, e para verificá-la e iniciar a discussão sobre o impacto da PEB nas trajetórias de CES, compara as trajetórias – volume e características – de CES bilateral entre o Brasil e os Estados-membros da CPLP e da Unasul. A primeira seção expõe a relação entre a CES, a CPLP e a Unasul, apresentando a literatura e os documentos que sustentam a hipótese e o marco conceitual da CES, além de definir os momentos históricos que favoreceriam a catalisação de CES bilateral com a qual as instituições se comprometeram. A segunda seção apresenta os dados coletados a partir de levantamento documental no Portal Concórdia – Divisão de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, e realiza a comparação entre as duas trajetórias, discutindo-as com base nos momentos históricos definidos anteriormente, e na literatura especializada sobre as organizações estudadas e sobre a PEB. Por fim, as considerações finais retomam os resultados do artigo e refletem sobre caminhos futuros de pesquisa. A CES no âmbito da CPLP e da Unasul A CES teve seus conceitos estabelecidos a partir da criação do Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS), que é o órgão responsável por coordenar iniciativas de cooperação internacional da Fiocruz (BUSS, 2018), e foi definida por seus pesquisadores como uma forma de cooperação centrada no fortalecimento institucional dos sistemas de saúde dos países parceiros, combinando intervenções concretas com a construção de capacidades locais e a geração de conhecimento, e ainda promovendo o diálogo entre atores, de forma a possibilitar que eles assumam o protagonismo na liderança dos processos no setor saúde e promovam a formulação autônoma de uma agenda para o desenvolvimento futuro na saúde (ALMEIDA et al., 2010, p. 28). A CES é fundamentada em três pilares principais: a determinação social da saúde, a cooperação internacional em perspectiva colaborativa e o planejamento estratégico em saúde (FONSECA; BUSS, 2017). Os determinantes sociais da Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 30 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias saúde “são entendidos como fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população” (BUSS; PELLEGRINI, 2006, p. 22), e essa ideia serviu como pilar da abordagem da Saúde Coletiva que orientou o Movimento pela Reforma Sanitária no Brasil a partir dos anos 1960 (NUNES, 1996 apud FONSECA; BUSS, 2017) e também foi defendida regionalmente no âmbito da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) desde os anos 1970 (ESTEVES; ASSUNÇÃO, 2017). A Saúde Coletiva é crítica da inefetividade da abordagem principalmente individualizada e curativa no âmbito da saúde pública, notadamente em países em desenvolvimento (COSTA, 2014; FONSECA; BUSS, 2017). A partir dessa perspectiva crítica sobre saúde pública, a CES se desenvolveu a partir dos anos 2000 no Brasil como um modelo de cooperação sul-sul crítico das iniciativas sanitárias de cooperação norte-sul, notadamente o enfoque destas na contenção de doenças específicas e a ausência de abordagem sobre as causas das desigualdades em saúde, bem como a ausência de soluções sustentáveis para lidar com essas desigualdades (ALMEIDA et al., 2010; BUSS; FERREIRA, 2010a; FERREIRA; FONSECA, 2017). O planejamento estratégico, por sua vez, se refere ao foco sobre a realidade do país parceiro e a apropriação local da capacidade construída a partir da CES (BUSS; FERREIRA, 2010a), enquanto a perspectiva colaborativa se refere principalmente à substituição de formas verticais de cooperação por interações horizontais (BUSS; FERREIRA, 2010a). Para Buss e Ferreira (2010a, p. 96), essas formas verticais de cooperação “não contribuem para o fortalecimento do sistema como um todo; ao contrário, levam à fragmentação e à debilidade do mesmo, seja pelo recrutamento do melhor pessoal disponível no país, seja por se concentrarem em certas áreas, abandonando outras áreas prioritárias”. Ao contrário dessas formas verticais de cooperação, a CES a) integra o desenvolvimento de recursos humanos com o organizacional e institucional e b) parte da exploração dos recursos e capacidades endógenas de cada país para que os próprios atores locais possam assumir a liderança necessária para a formulação de uma futura agenda de desenvolvimento da saúde e sua implementação sustentável (FERREIRA; FONSECA, 2017, p. 2131). A CES se desenvolveu no Brasil no mesmo período em que a preocupação com os determinantes sociais da saúde ganhava destaque globalmente, através de discussões na Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2008, bem como, domesticamente no Brasil, a partir do trabalho da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), no mesmo ano (BUSS; FERREIRA, 2010b; BUSS, 2018). Segundo Perez (2018), a CES orientou a PEB em saúde desenvolvida pelos governos Lula desde 2003 e foi se tornando escassa a partir do fim desses governos, mantendo-se por inércia institucional durante o primeiro governo Dilma (2011-2014). A PEB em saúde de 2003 a 2014 esteve permeada por princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), como solidariedade e acesso universal à saúde, foi orientada principalmente pela ideia de CES e teve como principais atores envolvidos em sua confecção o Itamaraty, o Ministério da Saúde e suas instituições (PEREZ, 2018). Quanto à relação entre a CES e a PEB, a análise das trajetórias de CES entre o Brasil e os membros da CPLP e da Unasul poderá fornecer dados para refletir em que medida essas trajetórias estiveram circunscritas ao período de vigência da PEB em saúde 2003-2014, ou puderam ser catalisadas pelas organizações multilaterais. Um estudo semelhante foi conduzido por Pozzatti e Farias (2020) sobre a Rede Laços Sul-Sul que, apesar de também se comprometer com a CES, não conseguiu catalisar mais acordos de CES bilateral em matéria de HIV/AIDS e questões relacionadas entre o Brasil e os Estados membros da Rede que estão na América Central e na Ásia, que não estão entre as regiões prioritárias na origem da CES (ALMEIDA et al., 2010). Este estudo, por sua vez, questiona a catalisação de acordos de cooperação bilateral nas próprias áreas prioritárias da CES e a partir de instituições que se comprometeram com ela. Esta é uma pesquisa inspirada nos compromissos propostos pelas abordagens terceiro-mundistas do direito internacional (TWAIL), e essas abordagens se caracterizam por estarem engajadas com a desconstrução da lógica de hierarquia racializada entre instituições e normas de direito internacional e com a construção de narrativas e normativas alternativas, e com a melhoria das condições de vida das pessoas no Terceiro Mundo (MUTUA, 2000). Além disso, recentemente essas abordagens também se engajaram com o mapeamento de novos espaços que produzem direito Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 31 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias internacional alternativo e/ou resistem a um direito internacional que se autointitula global e que é danoso às pessoas no Terceiro Mundo (ESLAVA; PAHUJA, 2011). Ao se engajar com essas abordagens, este trabalho se afasta do teste de hipóteses vinculadas a teorias e se aproxima do teste de uma hipótese nascida de análises empíricas e documentos oficiais anteriores. O objetivo mais amplo aqui é verificar em que medida organizações multilaterais conseguem gerar mais cooperação para a efetivação do direito humano à saúde em diferentes regiões do Terceiro Mundo. Para tanto, as seções seguintes argumentam quais eventos vinculados às organizações estudadas poderiam catalisar CES bilateral. Eventos que poderiam catalisar CES bilateral a partir da CPLP A CPLP foi constituída em Lisboa em 17 de julho de 1996, e seus membros fundadores são Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe (CPLP, 1996), enquanto o Timor Leste tornou-se membro após sua independência, em 2002, e a Guiné Equatorial tornou-se membro em 2014 (CPLP, 2019). Inicialmente a CPLP era composta pela Conferência de Chefes de Estado e Governo, Conselho de Ministros, Comitê de Concertação Permanente e Secretariado Executivo (CPLP, 2022). Em 2002 foram somadas as Reuniões Ministeriais Setoriais e a Reunião de Pontos Focais de Cooperação, em 2005 foi somado o Instituto Internacional de Língua Portuguesa e, em 2007, a Assembleia Parlamentar (CPLP, 2022). A Declaração Constitutiva da CPLP não menciona entre os seus objetivos a cooperação em matéria de saúde (CPLP, 1996), mas isso foi feito através de seus Estatutos, revistos pela última vez em 2007 (CPLP, 2007). Em abril de 2008 ocorreu a primeira reunião de Ministros da Saúde e o estabelecimento de pontos focais nacionais responsáveis por identificar a oferta e as demandas de cooperação dos Estados-membros (BUSS; FERREIRA, 2010b), com a intenção de realizar a elaboração do Plano Estratégico de Cooperação em Saúde da CPLP (PECS), que foi aprovada nesta reunião (CPLP, 2008). Na segunda reunião de Ministros da Saúde ocorreu a aprovação do PECS 2009-2012 (CPLP, 2009), que na terceira reunião, em fevereiro de 2014, foi estendido até 2016, e passou a se chamar PECS 2009-2016 (CPLP, 2014). O PECS 20092016 tem como objetivo “contribuir para o reforço dos sistemas de saúde dos Estados membros da CPLP, de forma a garantir o acesso universal a cuidados de saúde de qualidade” (CPLP, 2009, p. 4), o que inclui “o enfrentamento dos determinantes sociais da saúde, através de políticas e ações intersetoriais” (CPLP, 2009, p. 4, tradução nossa). Para tanto, o PECS conta com quatro estruturas de operacionalização: uma unidade de gestão vinculada ao Secretariado Executivo da CPLP, o Grupo Técnico da Saúde da CPLP, redes temáticas de investigação e redes de instituições estruturantes (CPLP, 2009). As redes temáticas também são conhecidas como Redes de Investigação e Desenvolvimento em Saúde da CPLP (RIDES-CPLP) e existem nas temáticas de DSTs/HIV/AIDS, Malária e Tuberculose (CPLP, c2011). As redes de instituições estruturantes de saúde promovidas pelo PECS 2009-2016, por sua vez, foram baseadas em Institutos Nacionais de Saúde Pública (RINS-CPLP), Escolas Nacionais de Saúde Pública (RENSP-CPLP), Escolas Técnicas em Saúde (RETS-CPLP) e Centros Técnicos de Instalação e Manutenção de Equipamentos (CTIME) (CPLP, 2009). Ainda, o PECS 2018-2021 menciona a criação de outras redes como a Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde, a Rede de Instituições Públicas de Regulação e Inspeção do Setor da Saúde, a Rede de Planeamento em Saúde, a Rede de Assessorias Internacionais dos Ministérios da Saúde, e a Rede de Bancos de Leite Humano da CPLP (CPLP, 2018). As redes de instituições estruturantes de saúde foram criadas para “atuarem e desenvolverem atividades de cooperação internacional, cujo objetivo fosse fortalecer as instituições estruturantes do sistema de saúde e seu desenvolvimento organizacional, a fim de cultivar as capacidades e os recursos endógenos potenciais de cada país” (ROSENBERG et al., 2016, p. 23), e funcionam como estratégias de potencialização da CES (ALMEIDA et al., 2010; BUSS; FERREIRA, 2011; FONSECA; BUSS, 2017), “tendo em vista sua aplicação concomitante em situações nas quais projetos ou ações do mesmo gênero ocorram em países diferentes” (FONSECA; BUSS, 2017, p. 241). Nesse sentido, a proliferação de Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 32 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias redes de instituições estruturantes de saúde através dos PECS 2009-2016 e 2018-2021 significa a proliferação dos interesses em CES. Segundo Carrillo Roa e Silva (2015), o primeiro PECS foi construído principalmente pela Fiocruz e pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical de Portugal (IHMT), e foi nutrido principalmente por experiências anteriores da Fiocruz, que coordena a realização dos PECS (ESTEVES; ASSUNÇÃO, 2017). Essa origem explica a importância conferida aos determinantes sociais da saúde no objetivo do Plano e a proliferação de redes de instituições estruturantes a partir dele, visto que estas estão entre as principais iniciativas de cooperação internacional da Fiocruz (BUSS, 2018). Ainda, o PECS 2009-2016 contava com sete eixos estratégicos: formação e desenvolvimento da força de trabalho em saúde; informação e comunicação em saúde; investigação em saúde; desenvolvimento do complexo produtivo da saúde; vigilância epidemiológica e monitorização da situação de saúde; emergências e desastres naturais e promoção e proteção da saúde (CPLP, 2009). O PECS 2018-2021(CPLP, 2018), por sua vez, conta com seis eixos estratégicos: formação e desenvolvimento da força de trabalho em saúde; sistemas de saúde; informação e comunicação em saúde; investigação em saúde; monitoramento e análise da situação de saúde e do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e emergências e desastres naturais. Assim, apenas o complexo produtivo da saúde é deixado de fora do primeiro para o segundo Plano. O primeiro PECS argumentava principalmente sobre projetos multilaterais e sobre seu possível financiamento pelo Fundo de Saúde, mas também mencionava que a unidade de gestão vinculada ao Secretariado deveria promover a cooperação bilateral para realizar os objetivos do PECS (CPLP, 2009). No PECS 2018-2021, a cooperação bilateral é mencionada como uma estratégia de efetivação das atividades vinculadas a pelo menos três eixos estratégicos: formação e desenvolvimento da força de trabalho em saúde (primeiro eixo), sistemas nacionais de saúde (segundo eixo) e emergências em saúde pública (sexto eixo) (CPLP, 2018). Nesse sentido, há tanto um compromisso com a promoção de CES, demonstrado através da criação contínua de redes de instituições estruturantes, quanto com a cooperação bilateral, e ambos os compromissos voltam e se multiplicam ao longo dos Planos. Nesse sentido, a formação da CPLP em julho de 1996, a aprovação do PECS 2009-2012 em maio de 2009, que promoveu as redes de instituições estruturantes, sua renovação e transformação em PECS 2009-2016 em fevereiro de 2014, e a aprovação do PECS 2018-2021 em abril de 2018 (CPLP, 2018), serão considerados possíveis momentos de catalisação de CES bilateral entre o Brasil e os demais membros da CPLP. Eventos que poderiam catalisar CES bilateral a partir da Unasul A Unasul foi criada em 23 de maio de 2008, pelos doze Estados independentes da América do Sul: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela, e sua estrutura inicial era composta do Conselho de Chefes de Estado e Governo, Conselho de Ministros das Relações Exteriores, Conselho de Delegados, Secretário Geral, Reuniões Ministeriais setoriais e Presidência pro tempore (BUSS; FERREIRA, 2011). A Unasul mencionava o diálogo sobre saúde como parte dos seus objetivos desde o seu tratado constitutivo (BUSS; FERREIRA, 2011), e em 17 de dezembro de 2008 foi criado o Conselho de Saúde Sul-Americano (UNASUR, 2008). O Conselho de Saúde tem objetivos semelhantes ao PECS 2009-2016 da CPLP, como “identificar determinantes sociais críticos para a Saúde e propiciar políticas e ações intersetoriais” (UNASUR, 2008, p. 2, tradução nossa) e o “fortalecimento das instituições de Saúde dos Estados-Membros” (UNASUR, 2008, p. 2, tradução nossa). O Conselho de Saúde é composto por Ministros e Ministras de Saúde dos Estados-membros, e foi inicialmente formado por um Comitê Coordenador, uma Secretaria Técnica e Grupos Técnicos (UNASUR, 2008). Em 24 de novembro de 2009, através da Resolução 07/2009 do Conselho de Saúde, foram somadas à sua estrutura as redes de instituições estruturantes, que são definidas como instituições Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 33 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias capazes de operacionalizar, de forma eficaz e sustentável, os sistemas e serviços de saúde, principalmente pela capacidade de autoridade sanitária e o desenvolvimento de recursos humanos, através de atividades de P&D e treinamento de pessoal, incluindo Institutos Nacionais de Saúde, Escolas Profissionais (medicina, enfermagem e odontologia), Escolas de Saúde Pública, Escolas Técnicas em Saúde e outras instituições congêneres (UNASUR, 2009, tradução nossa). No âmbito da Unasul foram estruturadas seis redes: Rede de Assessorias de Relações Internacionais e de Cooperação Internacional em Saúde (REDSSUR-ORIS), Rede de Gestão de Riscos e Mitigação de Desastres, Rede de Escolas de Saúde Pública (RESP), Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (RETS), Rede dos Institutos Nacionais de Saúde (RINS), e Rede de Instituições Nacionais de Câncer (RINC) (ISAGS, 2019). Ainda, em 2009, o Conselho de Saúde elaborou a Agenda Sul-Americana de Saúde, composta por cinco eixos principais: 1) elaborar a Política Sul-americana de Vigilância e Controle de Eventos em Saúde, antes ‘escudo epidemiológico sul-americano’; 2) desenvolver sistemas universais de saúde; 3) promover o acesso universal a medicamentos e outros insumos para a saúde e desenvolver o complexo produtivo da saúde na América do Sul; 4) promover a saúde e enfrentar de forma conjunta seus determinantes sociais; 5) desenvolver recursos humanos em saúde (BUSS; FERREIRA, 2010b, p. 114). A Agenda se desdobrou posteriormente no Plano Quinquenal 2010-2015 (BUSS; FERREIRA, 2011), aprovado em abril de 2010, que teve como áreas de trabalho o desenvolvimento de uma rede sul-americana de vigilância e resposta em saúde, o desenvolvimento de sistemas de saúde universais, o acesso universal a medicamentos, a promoção da saúde e a ação sobre os determinantes sociais da saúde, e o desenvolvimento e gestão de recursos humanos em saúde (UNASUR, 2010). Apesar da Agenda Sul-Americana e das áreas de trabalho do Plano Quinquenal irem ao encontro dos eixos dos PECSCPLP, e dos pressupostos e objetivos da CES e da Fiocruz, como a determinação social da saúde e o desenvolvimento de sistemas de saúde universais (ALMEIDA et al., 2010; BUSS; FERREIRA, 2010a), o Plano Quinquenal não menciona a cooperação bilateral como uma das suas estratégias de efetivação. Dessa forma, como eventos capazes de catalisar CES bilateral entre o Brasil e os membros da Unasul, serão considerados a constituição da Unasul, em maio de 2008, do Conselho de Saúde, em dezembro de 2008, e das redes de instituições estruturantes, em novembro de 2009. Trajetórias de CES bilateral entre o Brasil e os membros da CPLP e da Unasul O levantamento documental conduzido neste estudo foi realizado no âmbito do Portal Concórdia – Divisão de Atos Internacionais do MRE do Brasil, e os filtros de busca selecionados foram os de “Parte do Acordo”, em que foram selecionados cada um dos Estados-membros da CPLP e os da Unasul, e o de “Tipo de Acordo”, em que foram selecionados os bilaterais. Os dados utilizados aqui estavam disponíveis até o dia 14 de fevereiro de 2022. Ainda, como a CES é um modelo de cooperação sul-sul, o levantamento não considera os acordos bilaterais firmados entre o Brasil e Portugal, que não é um país do Sul global. Contudo, cabe mencionar que os acordos Brasil-Portugal disponíveis e que se referem a matérias de saúde são cinco, quatro referentes à seguridade social e um referente à saúde na juventude, nenhum deles com caráter estruturante. A partir desse levantamento, a avaliação de quais acordos tem objetivos estruturantes foi feita com base no marco conceitual da CES exposto na seção anterior e se refere à presença de uma capacidade a ser construída/transferida e de uma instituição estruturante envolvida. Ainda, é importante ressaltar que essa forma de avaliação constituiu uma heurística para avaliar quais acordos internacionais positivam ações estruturantes, mas ela não garante a avaliação daquilo que seria a metodologia estruturante, que se compromete a exacerbar valores de cooperação sul-sul, como horizontalidade e autonomia (ALMEIDA et al., 2010; BUSS; FERREIRA, 2010a). Este tipo de avaliação, que questiona se um acordo internacional realmente foi implementado de acordo com uma metodologia estruturante, através do diálogo, promovendo sustentabilidade do projeto, e autonomia do país parceiro (FERREIRA; FONSECA, 2017), dependeria de outras Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 34 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias fontes de pesquisa e extrapola os objetivos deste trabalho. Por esse motivo, em estudo anterior sobre o perfil dos acordos de cooperação em saúde entre o Brasil e os demais Estados independentes da América do Sul, Pozzatti e Farias (2019) consideraram que seus resultados demonstravam apenas possibilidades de efetivação estruturante. No âmbito da cooperação em saúde entre o Brasil e membros da Unasul, o estudo de Pozzatti e Farias (2019) verificou a existência de acordos bilaterais e vigentes de CES, e também que há mais acordos bilaterais de CES (51 acordos) que multilaterais (8 acordos) entre o Brasil e os membros dessa instituição. O estudo de Agostinis (2019), por sua vez, verificou a catalisação de dois casos de cooperação bilateral entre o Brasil e membros da Unasul, a partir das redes de instituições estruturantes de saúde. Os casos verificados foram a criação do Banco Nacional de Tumores Terry Fox, na Colômbia, e a organização de um programa de mestrado em saúde pública, no Peru, que nasceram da interação entre esses países e o Brasil no âmbito da RINC e da RINS da Unasul, respectivamente. No âmbito da cooperação em saúde entre o Brasil e membros da CPLP, Torronteguy (2010) verificou a existência, as temáticas e os padrões de cooperação bilateral entre o Brasil e os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOPS) desde os primeiros acordos até 2009. Torronteguy (2010) também argumentou que houve aumento na produção de acordos bilaterais entre esses Estados devido à criação da CPLP e à PEB dos governos Lula, especialmente nos primeiros anos dos mandatos. O estudo de Pasqualin e Garcia (2011), por sua vez, também analisou os acordos bilaterais em matéria de saúde entre o Brasil e os PALOPS, no período de 2000 a 2010, identificando suas principais temáticas. Torronteguy (2010) e Pasqualin e Garcia (2011) realizaram levantamentos na Divisão de Atos Internacionais (DAI) do MRE do Brasil. O levantamento realizado por Pozzatti e Farias (2019), por sua vez, foi realizado no Portal Concórdia, versão atualizada da DAI, assim como o levantamento deste estudo também foi. Ainda, cabe ressaltar que este estudo também se difere dos mencionados anteriormente por realizar um levantamento de todos os acordos bilaterais firmados até 2021 entre o Brasil e os membros da CPLP, não apenas aqueles que são PALOPS, mas também o Timor Leste, sem filtro de vigência ou temporal, bem como enfoca apenas as trajetórias de CES bilateral, o que é feito através de uma lógica comparativa, pautada pela formação de estruturas institucionais dedicadas à CES. Segundo Hewitt, Burges e Gomes (2017), os estudos existentes sobre a CPLP costumam enfocar posições de um país, iniciativas específicas de cooperação ou o sucesso de intervenções para a resolução de conflitos nos Estadosmembros. Para contrapor esse padrão, Hewitt, Burges e Gomes (2017) mediram a realização dos objetivos mais gerais da CPLP: coordenação política em organismos multilaterais, cooperação econômica e educacional. No caso da coordenação política, os autores concluíram que não houve aumento a partir da formação da CPLP. No caso da cooperação econômica, os principais beneficiários foram Portugal e Brasil, e no caso da cooperação educacional, o Brasil estaria substituindo Portugal como principal beneficiário no setor. Para Rizzi e Silva (2017), apesar da oscilação na concorrência com Portugal pela influência na CPLP, o Brasil tem se consagrado como liderança na Comunidade. Hewitt, Burges e Gomes (2017) também identificaram que a coordenação política na CPLP é dependente da liderança presidencial do Brasil, tornando-se mais frágil após o fim dos governos Lula. Ainda, para Durán e Chichava (2017) e Burity (2018), a cooperação do Brasil com os membros da CPLP também esteve circunscrita pela PEB dos governos Lula, e decaiu a partir do governo Dilma. Outro padrão identificado por Hewitt, Burges e Gomes (2017) é que há uma proeminência de relações bilaterais na CPLP, que, segundo os autores, apenas se tornam multilaterais quando beneficiam Portugal ou Brasil, “como foi o caso quando Brasília fez lobby para que Roberto Azevedo fosse nomeado chefe da OMC [Organização Mundial do Comércio] em 2013” (HEWITT; BURGES; GOMES, 2017, p. 299). Burity (2018) também identificou a preferência do Brasil pela cooperação bilateral em matéria de ciência e tecnologia e de ensino superior no âmbito da CPLP, enquanto Neves (2019) identificou essa mesma preferência brasileira no setor de infraestrutura regional no âmbito da Unasul. Essa preferência pode estar assentada em interesses particulares do país, como sugerem os autores citados anteriormente, mas também é mediada, no setor de saúde, pela avaliação da primeira missão da Fiocruz aos PALOPS, em 1997, que indicou que os problemas locais eram diversos demais para serem tratados em conjunto (CARRILLO ROA; SILVA, 2015). Essa preferência importa aqui não Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 35 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias por ser positiva ou negativa, mas porque indica que existem mais acordos bilaterais que multilaterais, e então é possível identificar trajetórias a partir destes dados, bem como interpretá-los posteriormente com base nos eventos multilaterais e na PEB. Nesse sentido, o presente estudo busca verificar em que medida eventos envolvendo compromissos com a realização bilateral da CES no âmbito da CPLP e da Unasul também podem funcionar como catalisadores de mais acordos bilaterais de CES, diminuindo o peso conferido pela literatura especializada à PEB dos governos Lula e refletindo sobre a resiliência deste modelo de cooperação em suas regiões prioritárias. No levantamento dos acordos entre o Brasil e os sete demais membros da CPLP, excluídos os acordos com Portugal, o total de acordos foi de 393, enquanto os acordos que mencionam alguma ação de cooperação em saúde representam 13,49% deste total (53 acordos). Ainda, a cooperação em saúde representa uma porcentagem maior que essa na cooperação bilateral total com pelo menos quatro Estados (São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique), enquanto em outros dois (Angola e Timor Leste) é mais baixa, e com Guiné Equatorial é inexistente. A CES, por sua vez, representa 86,79% desses acordos de cooperação em saúde (46 acordos). Dessa forma, pode-se afirmar que a maior parte da cooperação em saúde entre esses países é estruturante. Essas dimensões gerais, que revelam o volume de CES bilateral, estão sintetizadas na Tabela 1, abaixo. Tabela 1 – Dimensões da cooperação bilateral Brasil-CPLP País Angola Cabo Verde Guiné-Bissau GuinéEquatorial Moçambique São Tomé e Príncipe Timor Leste Acordos bilaterais (393) Acordos bilaterais em saúde (53) 84 65 41 6 10 7 Porcentagem do total de acordos bilaterais (13,49%) 7,14% 15,38% 17,07% 10 0 103 4 8 6 Porcentagem do total de acordos bilaterais em saúde (86,79%) 66,67% 80% 85,71% 0 0 0 21 20,39% 20 95,24% 49 7 14,29% 6 85,71% 41 2 4,88% 2 100% Acordos bilaterais estruturantes em saúde (46) Fonte: Elaborado pelos autores com base nos acordos levantados no Portal Concórdia e disponíveis até 14 fev. (2022) A partir da Tabela 1 é possível inferir que, como no caso da Rede Laços Sul-Sul e da cooperação em matéria de HIV/AIDS e questões relacionadas (POZZATTI; FARIAS, 2019), a CPLP também não conseguiu catalisar números expressivos de acordos de CES bilateral entre o Brasil e o Timor Leste, que está fora das regiões prioritárias da PEB. Também é possível inferir que Moçambique é o principal parceiro do Brasil em cooperação em saúde e em CES no âmbito da CPLP, o que era de se esperar tendo em vista que também recebeu as empreitadas mais inovadoras de cooperação técnica do Brasil – a fábrica de antirretrovirais e o ProSavana (DURÁN; CHICHAVA, 2017). As motivações para essa primazia ainda carecem de estudos explicativos. Quanto ao levantamento dos acordos entre o Brasil e os onze demais membros da Unasul, havia um total de 2219 acordos bilaterais, dos quais 164 se referem à cooperação em matéria de saúde, o equivalente a 7,39% do total de acordos de cooperação bilateral. A CES, por sua vez, representa mais da metade desses acordos em saúde (52,44%), com 86 acordos no total. O volume de cooperação em saúde dentro do total de cooperação com cada Estado sul-americano é difícil de comparar, pois o total da cooperação bilateral entre eles tem uma oscilação grande (de 73 a 410 acordos). A porcentagem de cooperação em saúde que é CES em cada um deles também oscila, sendo igual ou maior que 50% em cinco deles (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Suriname). Dessa forma, é possível afirmar que a CES bilateral nesse caso é maior que aquela que ocorre entre o Brasil e os membros da CPLP, mas é menos expressiva dentro do montante de cooperação bilateral e cooperação bilateral em saúde com os Estados sul-americanos, do que com os Estados de língua portuguesa. Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 36 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias Tabela 2 – Dimensões da cooperação bilateral Brasil-Unasul País Argentina Bolívia Chile Colômbia Equador Guiana Paraguai Peru Suriname Uruguai Venezuela Acordos bilaterais (2219) Acordos bilaterais em saúde (164) 410 281 152 160 120 79 241 239 73 318 146 11 14 5 13 18 9 16 20 17 27 14 Porcentagem do total de acordos bilaterais (7,39%) 2,68% 4,98% 3,29% 8,13% 15% 11,3 9% 6,64% 8,37% 23,29% 8,49% 9,59% Porcentagem do total de acordos bilaterais em saúde (52,44%) 27,27% 57,14% 20% 76,92% 83,33% 22,22% 43,75% 50% 82,35% 37,04% 42,86% Acordos bilaterais estruturantes em saúde (86) 3 8 1 10 15 2 7 10 14 10 6 Fonte: Elaborado pelos autores com base nos acordos levantados no Portal Concórdia e disponíveis até 14 fev. (2022) Outro elemento dos acordos bilaterais levantados que parece relevante aqui, tanto para fins comparativos, pois demonstra em que medida há intenção e possibilidades reais de efetivação estruturante, quanto para informar em que medida a CES pode ser mobilizada no contexto da pandemia de Covid-19, por exemplo, é a informação sobre vigência. Dos 46 acordos de CES entre o Brasil e os membros da CPLP, 36 estão em vigor, 9 estão expirados e 1 está em processo de ratificação pelas Partes, enquanto, no caso dos acordos com os membros da Unasul, entre os 86 acordos de CES, esses números são 73, 6 e 7 respectivamente, ou seja, a maior parte dos acordos de CES nos dois casos estão vigentes. Além dos status de vigência, as temáticas abordadas pelos acordos de CES nos dois casos também convergem, da mesma forma que as agendas dos PECS, Agenda Sul-Americana e Plano Quinquenal também convergiam. Apesar disso, mais temáticas são cobertas pela cooperação entre o Brasil e os membros da Unasul, que também é mais antiga que a cooperação com a CPLP. As temáticas e suas dimensões no montante total da CES em cada caso estão sintetizadas nos dois gráficos abaixo. Gráfico 1 – Temáticas abordadas pela CES bilateral Brasil-CPLP (46 acordos) Doença Falciforme Terapia comunitária Câncer Tuberculose Diversos Saúde oral Saúde da mulher, criança e adolescente Bancos de leite humano Vigilância sanitária Atenção primária à saúde Formação em Saúde Pública Malária Medicamentos Segurança alimentar e nutricional DSTs/HIV/AIDS 1 1 1 1 1 0 2 2 2 2 2 2 3 4 4 5 9 6 8 10 10 12 Fonte: Elaborado pelos autores com base nos acordos levantados no Portal Concórdia e disponíveis até 14 fev. (2022) Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 37 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias Gráfico 2 – Temáticas abordadas pela CES bilateral Brasil-Unasul (86 acordos) Controle de gastos em saúde Laboratórios toxicológicos Soro Antiofídico Biotecnologia Formação em Saúde Pública Promoção da Saúde Sangue e Hemoderivados Saúde Reprodutiva Tabaco Influenza Dengue Malária Leishmaniose Doença de Chagas Medicamentos Saúde Indígena Saúde Ambiental Sistemas de saúde Assessorias Internacionais Diversos Vigilância Sanitária Bancos de Leite Humano Segurança alimentar e nutricional DSTs/HIV/AIDS 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 2 2 2 2 2 3 4 4 5 6 6 9 8 10 12 13 12 14 14 16 Fonte: Elaborado pelos autores com base nos acordos levantados no Portal Concórdia e disponíveis até 14 fev. (2022) Quanto às trajetórias de CES bilateral nos dois casos, elas foram construídas com base na data de assinatura dos acordos, e estão sintetizadas nos dois gráficos abaixo, onde também são comparadas com as trajetórias de cooperação em saúde não estruturante nos dois casos. Essa comparação interna aos casos, busca refletir sobre a consolidação da CES como modelo de cooperação em saúde entre o Brasil e os membros da CPLP e da Unasul, ou não. Gráfico 3 – Trajetória de cooperação bilateral em saúde Brasil-CPLP (53 acordos) 14 12 10 8 6 4 2 0 Estruturantes Não estruturantes Fonte: Elaborado pelos autores com base nos acordos levantados no Portal Concórdia e disponíveis até 14 fev. (2022) Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 38 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias Gráfico 4 – Trajetória de cooperação bilateral em saúde Brasil-Unasul (164 acordos) 14 12 10 8 6 4 0 1928 1941 1946 1969 1971 1972 1974 1975 1976 1977 1978 1980 1981 1982 1984 1985 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1995 1997 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2016 2017 2018 2020 2021 2 Estruturantes Não estruturantes Fonte: Elaborado pelos autores com base nos acordos levantados no Portal Concórdia e disponíveis até 14 fev. (2022) No caso da cooperação bilateral em saúde Brasil-CPLP, há poucos acordos que não são de CES, alguns acordos desse tipo foram firmados após a constituição da CPLP, que foi em 1996, mas apenas um desses acordos foi firmado após a constituição do PECS 2009-2012, em 2012. Nesse sentido, a CES parece ter se tornado o principal modelo de cooperação bilateral em saúde implementado entre esses Estados após o primeiro PECS. Contudo, não há catalisação logo após a formação da CPLP em 1996. Segundo Carrillo Roa e Silva (2015), houve demora na implementação de cooperação bilateral em saúde pelo Brasil nesse período devido às crises locais nos membros da CPLP, o que se alterou apenas nos anos 2000. O PECS 2009-2012, por sua vez, catalisou mais CES bilateral no ano posterior, quando há um pico de acordos em 2010. Após decair em 2011 e 2012, não há assinatura de novos acordos bilaterais que positivam a CES Brasil-CPLP. Isso quer dizer que a menção da saúde como um objetivo nos Estatutos da CPLP (CPLP, 2007) não funcionou como um catalisador de CES, apenas o quadro mais amplo de promoção da CES através das redes de instituições estruturantes no PECS 2009-2012 pode ter promovido catalisação, mas essa catalisação não é sustentável, findando em 2012. A transformação do PECS 2009-2012 em PECS 2009-2016, em 2014, e a aprovação do PECS 2018-2021, não promoveram catalisação de novos acordos de CES bilateral entre o Brasil e os membros da CPLP. A cooperação bilateral em saúde entre o Brasil e os membros da Unasul, por sua vez, é mais antiga que a cooperação bilateral em saúde Brasil-CPLP, tendo acordos assinados desde 1928. Ela também apresenta um acordo com características semelhantes às da CES antes dos anos 2000, o caso de um Programa Executivo que propunha ações estruturantes em 1989 com a Guiana. A CES, nesse caso, começou a se proliferar em 2002, antes da constituição da Unasul, em 2008. Há um pico no ano posterior à constituição da Unasul e do Conselho de Saúde, em 2009, e os acordos que compõem esse pico são anteriores à resolução que conforma as redes de instituições estruturantes em saúde sulamericanas, em 24 de novembro de 2009 (UNASUR, 2009). Como a constituição da Unasul e do Conselho de Saúde foram eventos próximos, não é possível identificar uma correlação maior entre algum desses eventos, parecendo mais adequado tratá-los juntos. Os picos de 2003 e 2007 endossam a ideia de Torronteguy (2010) de que ocorre aumento de acordos nos primeiros anos dos governos Lula, enquanto o pico de 2011 estende esse argumento ao primeiro ano do governo Dilma. Contudo, o pico de 2009 desafia essa lógica, estando no meio do segundo governo Lula, bem como, a proliferação da CES em 2002 também desafia, pois é anterior a este. No caso da CES bilateral Brasil-CPLP, o pico de acordos assinados em 2010, no último ano do governo Lula, desafia a ideia de que picos de acordos ocorrem nos – e devido aos – primeiros anos de mandatos presidenciais. O crescimento em 2003, primeiro ano do governo Lula, a continuidade em 2011, primeiro ano do governo Dilma, e o fim da assinatura de Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 39 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias novos acordos em 2012, no meio do governo Dilma, endossam a ideia de Perez (2018), que argumenta que a manutenção da PEB em saúde iniciada no primeiro governo Lula (2003) e baseada na CES se estende pelo primeiro governo Dilma mais por inércia institucional do que por vontade política, visto que não há assinatura de novos acordos de CES bilateral BrasilCPLP após este governo. Há números pouco expressivos nos dois primeiros anos do governo Dilma, 2 acordos em 2011 e 2 acordos em 2012, e não há mais acordos de CES bilaterais assinados após esse período. Quanto ao pico de 2008, esse é o ano em que a cooperação internacional vira um eixo do plano institucional do Ministério da Saúde do Brasil para o período 2008-2011, e também é o ano em que a Fiocruz é convidada a participar da confecção do PECS 2009-2012 e instala um escritório regional em Moçambique (CARRILLO ROA; SILVA, 2015), o que sugere que novas hipóteses sobre o pico de acordos nesse período possam refletir sobre o papel de instituições domésticas na proliferação de acordos de cooperação. O fim da assinatura de novos acordos bilaterais de CES Brasil-CPLP em 2012 também ocorre no mesmo ano do fim da construção da infraestrutura da fábrica de antirretrovirais em Moçambique, que era o principal parceiro do Brasil em matéria de saúde na CPLP, e Esteves e Assunção (2017) verificaram que não houve apropriação local da fábrica, de forma que esta não pode ser considerada uma empreitada de sucesso. Ao mesmo tempo, em 2012 já figurava a resistência da sociedade civil moçambicana ao ProSavana, outro projeto “vitrine do Brasil na África” (DURÁN; CHICHAVA, 2017, p. 276, tradução nossa). Essa resistência culminou na Campanha Nacional Não ao ProSavana que ocorreu em Moçambique em 2014 e foi apoiada por Organizações da Sociedade Civil (OSCs) moçambicanas, brasileiras e japonesas (DURÁN; CHICHAVA, 2017), e ainda carece de estudos que expliquem seus impactos, inclusive na manutenção da CES bilateral do Brasil. Uma outra evidência que indica a manutenção da CES por inércia institucional após os governos Lula (PEREZ, 2018), é que a continuidade da CES bilateral Brasil-Unasul não se limitou ao primeiro governo Dilma, mas, ainda que sem novos picos tão expressivos, também se desenvolveu nos anos dos governos dos presidentes Michel Temer (com acordos em 2016, 2017 e 2018) e Jair Bolsonaro (com acordos em 2020 e 2021). Ainda, a continuidade nestes dois governos também está inserida em um contexto de inércia da Unasul após a suspensão das atividades na instituição por seis dos seus doze membros (DINIZ, 2018), incluindo o Brasil, que denunciou o seu tratado constitutivo durante o governo Bolsonaro (DENÚNCIA... 2019). Além disso, a manutenção da CES bilateral durante o Governo Bolsonaro é especialmente surpreendente, pois a literatura especializada indica que a PEB durante este período está substituindo padrões consolidados de comportamento internacional do país (SARAIVA; SILVA, 2019). Essa substituição parece ainda mais notável no setor de saúde, onde o Brasil tem sido inerte multilateralmente, abandonando a posição de “líder de uma visão crítica da governança global da saúde, com uma política externa neste campo qualificada pelos princípios e pela experiência do SUS” (VENTURA et al., 2020, p. 3), além da falta de legislação interna para conter a pandemia de Covid-19 somada à obstrução das tentativas de contenção vindas de entes federados (VENTURA; MARTINS, 2020). Logo, se a CES se mantém neste governo, parece pouco provável que seja por vontade política do Executivo Federal, e a hipótese da inércia institucional é mais plausível, ainda que necessite de novos estudos para ser comprovada. Nesse contexto, a manutenção da CES bilateral entre o Brasil e os membros da Unasul até 2021 poderia ser tanto uma evidência de inércia institucional, quanto de consolidação da CES como modelo de atuação bilateral em saúde do Brasil, ainda que sua face multilateral esteja sendo abandonada. Além disso, as redes de instituições estruturantes de saúde da Unasul podem não ter gerado um pico de acordos bilaterais, mas podem estar mantendo a CES ocorrendo fora dos acordos bilaterais nos governos Temer e Bolsonaro, pois há relatos da continuidade das atividades dessas redes além da Unasul e no contexto da pandemia de Covid-19, como no caso da RESP e da RINS que antes eram redes da Unasul e se tornaram redes latino-americanas (TOBAR et al., 2020; TOBAR et al., 2021). No caso da CPLP, por sua vez, apesar de haver também redes de instituições estruturantes em saúde e sua promoção ter gerado um pico na produção de acordos, não houve sustentabilidade nessa produção, visto que a assinatura de acordos de CES cessa em 2012. Nesse caso, uma possibilidade é que, como argumentaram Esteves e Assunção (2017), as redes possam trabalhar em prol da construção de Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 40 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias um vocabulário compartilhado em saúde que seja capaz de viabilizar melhores resultados nos esquemas de cooperação bilateral no futuro, o que parece crucial tendo em vista os casos da fábrica de antirretrovirais e do ProSavana em Moçambique. Verificar questões como essas extrapola a metodologia e os objetivos deste trabalho. Mesmo assim, ficam registradas essas questões como possibilidades futuras de pesquisa. Conclusões Esta pesquisa questionou sobre a catalisação de novos acordos de CES bilateral entre o Brasil e os Estadosmembros da CPLP e da Unasul, a partir da formação dessas organizações e de suas estruturas institucionais dedicadas à CES. Os dados expostos demonstram que a CES se tornou o principal modelo de cooperação em saúde das relações bilaterais entre o Brasil e os membros da CPLP, especialmente após o PECS 2009-2012, que parece ter sido o principal catalisador de acordos de CES bilateral nesse caso. Contudo, essa disseminação não é sustentável, pois não há assinatura de novos acordos bilaterais de CES após 2012. Essas são as principais conclusões deste trabalho sobre a trajetória de CES bilateral Brasil-CPLP, contudo, a literatura especializada sugere que apesar das correlações possíveis entre a constituição de órgãos multilaterais de saúde e a cooperação bilateral, como no caso da catalisação a partir do PECS 2009-2012 em 2010, esse potencial pode ter sido delimitado pela PEB em saúde 2003-2014, não resistindo ao seu fim (PEREZ, 2018). Além disso, o pico de acordos bilaterais em 2008 poderia ser ligado a eventos envolvendo instituições domésticas setoriais, como a maior atuação do Ministério da Saúde do Brasil na cooperação internacional e a maior atuação da Fiocruz na África, sugerindo que novos estudos sobre porque e como a CES se desenvolve nesta região devam investir em hipóteses que considerem também a atuação dessas instituições setoriais e seus técnicos na confecção da PEB. A CES bilateral Brasil-Unasul teve um pico maior de acordos com a constituição da Unasul e do Conselho de Saúde, em 2009, e um pico também ocorreu em 2007, primeiro ano do segundo governo Lula. A CES bilateral na América do Sul também coexistiu, pelo menos até 2011, com formas não estruturantes de cooperação em saúde, mas vem se mantendo exclusiva desde então. A manutenção da CES bilateral numa conjuntura de abandono da PEB multilateral em saúde desde 2019 (VENTURA et al., 2020) desafia o peso da sua delimitação pela PEB em saúde dos governos Lula (PEREZ, 2018) e sugere que novas pesquisas sobre o tema devam verificar a questão da inércia institucional mencionada por Perez (2018) também nos casos dos governos Temer e Bolsonaro. A proliferação da CES em 2002, antes dos governos Lula e antes da Unasul, permanece sem explicação, mas talvez também possa se beneficiar de estudos que enfoquem a atuação de instituições domésticas do setor de saúde nesse contexto, visto que Esteves e Assunção (2017) verificam a interação dos especialistas em saúde brasileiros na América Latina desde 1960. Ainda, apesar do fim da assinatura de acordos bilaterais de CES no caso Brasil-CPLP, e diminuição no caso BrasilUnasul, as redes de instituições estruturantes de saúde envolvendo membros dos dois grupos tem trabalhado e, inclusive, foram expandidas no contexto da pandemia de Covid-19 (TOBAR et al., 2020; TOBAR et al., 2021). Esteves e Assunção (2017) sugerem que essas redes podem atuar como construtoras de vocabulário compartilhado em saúde e embasar o sucesso de iniciativas de cooperação. Rosenberg et al. (2016) entendem que o trabalho em rede cria condições para novos planos de ação bilaterais e multilaterais. A literatura sobre CES, por sua vez, entende que os atores das instituições domésticas são fatores-chave para a sustentabilidade das capacidades construídas via CES (FERREIRA; FONSECA, 2017). Nesse sentido, ainda que o presente trabalho contribua com a reflexão sobre a resiliência da CES através dos acordos bilaterais, essa forma de cooperação não se restringe a esses instrumentos e há a necessidade de exceder o estudo dos acordos internacionais e privilegiar outras fontes, como o conhecimento dos especialistas em saúde na pesquisa futura sobre CES. Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 41 Rev. Conj. Aust. | Porto Alegre | v.13, n.63 | p.29-44 | jul./set. 2022 | ISSN: 2178-8839 Pozzatti, Farias Referências AGOSTINIS, Giovanni. Regional Intergovernmental Organizations as Catalysts for Transnational Policy Diffusion: The Case of UNASUR Health. 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Informações fornecidas pelos autores de acordo com a Taxonomia de Funções de Colaborador (CRediT) Estudo comparativo das trajetórias cooperação bilateral estruturante em saúde entre Brasil e os membros da CPLP e da Unasul:... 44