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LETRAMENTOS DIGITAIS E FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES: ENTRE SER DISCENTE E TORNAR-SE DOCENTE1 Ana Karina de Oliveira Nascimento2 Giulia Pereira Santos3 Thalia dos Santos Silveira4 Resumo: As tecnologias, especialmente as digitais, têm modificado os cotidianos, transformando os contextos sociais, daí advindo novas práticas de letramentos, entendidos numa perspectiva sociocultural. Os estudos dos novos letramentos buscam entender essas mudanças. Nessa perspectiva, este artigo objetiva discutir o conhecimento que graduandos em Letras Inglês de uma universidade pública federal possuem sobre e as relações que estabelecem com os letramentos digitais em suas atuais e futuras práticas de ensino. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho interpretativista, desenvolvida por meio de pesquisa bibliográfica e de campo, tendo como instrumentos de coleta de dados diários de campo, questionários e entrevistas. Neste texto, o enfoque estará na análise dos dados coletados por meio de questionários aplicados a 30 estudantes de licenciatura em Letras Inglês. Os resultados preliminares indicam que a maioria dos participantes aprendeu inglês fora do ambiente escolar e contando com práticas de letramentos digitais. Apesar dessas vivências e da afirmação de que há a necessidade de aulas que acolham as novas formas de aprender inglês, as quais se conectam com letramentos digitais, essas práticas são vistas como alheias à sala de aula. Portanto, não pertencentes aos seus repertórios de práticas pedagógicas. Palavras-chave: Formação inicial de professores. Letramentos digitais. Inglês. Abstract: Technologies, especially digital ones, have changed everyday life, transforming social contexts, resulting in new literacy practices, understood from a sociocultural perspective. Studies of new literacies seek to understand these changes. From this perspective, this article aims to discuss the knowledge that undergraduates in English Language from a federal public university have about and the relationships they establish with digital literacies in their current and future teaching practices. This is a qualitative research, interpretative in nature, developed through bibliographic and field research, having as instruments of data collection field diaries, questionnaires and interviews. In this text, the focus will be on the analysis of data collected through questionnaires applied to 30 undergraduate students in English. Preliminary results indicate that most participants learned English outside the school environment and relied on digital literacies practices. Despite these experiences and the assertion that there is a need for classes that embrace the new ways of learning English, which connect with digital literacies, these practices are seen as alien to the classroom. Therefore, not belonging to their repertoire of pedagogical practices. Keywords: Pre-service teacher education. Digital literacies. English. 1 Artigo resultante de pesquisa de iniciação científica realizada na Universidade Federal de Sergipe, com bolsa FAPITEC/UFS (SANTOS) e PICVOL/UFS (SILVEIRA). 2 Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, Brasil. akcoliveira@gmail.com 3 Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, Brasil. giuliaflorps@gmail.com 4 Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, Brasil. thaliasilveira22@gmail.com 51 Introdução São vários os desafios que se colocam na formação de professores atualmente. Muitos deles relacionam-se às várias formas de acesso à informação e ao conhecimento hoje viabilizadas mais facilmente, especialmente por meio das tecnologias digitais. Levando essa realidade em consideração, pesquisadores da área de letramentos (KNOBEL; LANKSHEAR, 2014; NASCIMENTO; KNOBEL, 2017; MONTE MÓR, 2013) defendem o que chamam de novos letramentos, em contraposição aos letramentos convencionais. Esses novos letramentos seriam caracterizados por um novo paradigma técnico/tecnológico (do analógico ao digital) e um novo “ethos”: mais participativo, distribuído, social; portanto, menos individual e mais coletivo (KNOBEL; LANKSHEAR, 2014). As duas características das práticas de novos letramentos — nova dimensão técnica (do analógico ao digital) e novo “ethos” (citado acima) — evidenciam-se de forma mais clara quando consideramos as tecnologias digitais no seio da vida cotidiana. A pergunta que daí decorre é o quanto essas novas práticas cotidianas de fora do ambiente escolar têm (ou não) adentrado as escolas. E, no que concerne à formação de professores para atuarem nesse contexto, como estes visualizam essas práticas de novos letramentos em suas atuais (nos seus contextos de formação) ou futuras práticas docentes. Parte-se aqui do contexto estudado em países de língua inglesa, por meio de pesquisa em bases de dados, a qual revelou que, embora participantes de práticas de novos letramentos nos seus cotidianos de fora do ambiente formal de educação, professores em formação inicial mostraram-se resistentes a pensarem nos novos letramentos adentrando o espaço escolar (NASCIMENTO; KNOBEL, 2017). Pesquisas e projetos no Brasil na área de letramentos também expandem-se e buscam compreender como essa perspectiva teórica adentra a área de formação de professores, inicial ou continuada (NASCIMENTO, 2017; MONTE MÓR, 2013, 2015; ZACCHI; STELLA, 2014; FERRAZ; NASCIMENTO, 2019). Em especial aqui interessa, embora entenda-se que os fenômenos não se restringem a estes professores, os docentes de línguas estrangeiras, principalmente inglês, tendo em vista o lugar que a língua inglesa ocupa hoje no mundo, e, mais especificamente, na sociedade brasileira, do ponto de vista de relações comerciais, políticas e de trocas culturais e acadêmicas que se colocam na atualidade. Nesse contexto, expandem-se as pesquisas que se conectam aos letramentos digitais (KNOBEL; LANKSHEAR, 2017), foco de maior interesse dessa pesquisa sobre novos letramentos, uma vez que é inegável a expansão dos aparatos digitais nas formas de construção de sentido. 52 Diante dessa realidade posta, entende-se ser relevante conhecer mais contextos, em especial, nesta pesquisa, o foco está nos professores de inglês em formação inicial da Universidade Federal de Sergipe (UFS), na maneira como eles enxergam suas práticas de novos letramentos (em especial de letramentos digitais) e a forma como (e se) vislumbram desenvolver seu trabalho docente levando os novos letramentos em conta, inicialmente por meio das atividades pedagógicas fomentadas pela universidade, e, posteriormente na sua atuação docente. Assim, este artigo tem como objetivo apresentar a análise acerca da maneira como professores de inglês em formação inicial entendem e visualizam práticas de novos letramentos, especialmente letramentos digitais, como parte do processo educativo. Trata-se de uma pesquisa de base qualitativa e interpretativista que conta com discussão teórica sobre a perspectiva dos novos letramentos (com foco nos letramentos digitais) e coleta de dados junto a alunos da graduação em Letras Inglês da UFS, participantes da pesquisa, os quais foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: ser aluno do curso de Letras Inglês, cursando a partir do 2º semestre do curso, tendo em vista o entendimento de que no 1º semestre os licenciandos ainda se veem essencialmente como discentes, não tendo experimentado ainda a transição entre ser discente e compreender-se docente. Participaram da primeira fase da pesquisa, tendo respondido aos questionários semiabertos, 30 graduandos, sendo 15 cursando até o 4º semestre da licenciatura e 15 a partir do 6º semestre do curso de Letras Inglês. Assim, foi possível ter uma amostra representativa dos dois momentos do curso, o inicial e o final, tendo em vista que são cursos de graduação que contam com 8 ou 9 semestres. Dentre os participantes da primeira fase da pesquisa, 6 foram convidados a participar da entrevista. Nesta etapa, dentre os 6 participantes, 3 faziam parte dos períodos inicias e 3 dos períodos finais. Ainda, dentre os selecionados, buscamos uma amostra composta por alunos participantes de programas de formação além das disciplinas ofertadas pela UFS — tais como Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), Residência Pedagógica, estágio, monitoria ou cursos de extensão com foco na docência ofertados pelo Departamento de Letras Estrangeiras — e aqueles que apenas tiveram acesso às disciplinas do currículo. Além do questionário semiaberto e da entrevista, o diário de campo das pesquisadoras participantes também foi instrumento de coleta de dados. Os dados levantados foram analisados de forma qualitativa, seguindo o que Saldaña (2009) propõe: por meio da emergência de categorias a partir do que os dados pareciam revelar em termos de recorrência. É sobre a análise dos dados coletados nos questionários, que é a primeira parte da pesquisa, que versa o presente artigo, o qual busca compreender de que forma 53 professores de inglês em formação entendem e visualizam práticas de novos letramentos, especialmente letramentos digitais, como parte do processo educativo. A escrita desse artigo divide-se em dois momentos após esta introdução. No primeiro, apresentamos nosso referencial teórico. No segundo, analisamos os letramentos digitais no ensino de inglês por meio das vozes dos estudantes de Letras, professores em formação inicial. Por fim, apresentamos algumas conclusões do estudo. Referencial Teórico “A globalização define a nossa era. É ‘o que acontece quando o movimento de pessoas, bens, ou ideias entre países e regiões acelera’” (COATSWORTH, 2004 apud QUINHILLIARD; SUARÉZ-OROZCO, 2004, p.1)5. A sociedade tem mudado consideravelmente com esse fenômeno que nos impele a agir, pensar e comunicar de formas diferentes. Essas mudanças têm sido impulsionadas pelas tecnologias digitais, as quais passaram a ser evidência em diversas realidades sociais. É nesse contexto que os estudos sobre os novos letramentos se aprofundam. Conforme comentam Lankshear; Knobel e Curran (2013, p. 1): “Referências aos ‘novos letramentos’ têm se tornado cada vez mais comuns já que o uso de tecnologias digitais têm crescido com as rotinas diárias, refletindo o crescimento da visão de que ‘letramento’ não mais será presumido por se referir simplesmente a interações com textos convencionais”. Seguindo essa perspectiva, alguns autores brasileiros (MONTE MÓR, 2013; FERRAZ; NASCIMENTO, 2019; ZACCHI; WIELEWICK, 2015) têm optado por utilizar o termo “letramentos” no plural, englobando as teorias de letramento crítico, mulitiletramentos e novos letramentos, incluindo, dessa forma, o contato com diferentes tipos de textos e mídias. Afinal, entendidos numa perspectiva sociocultural os novos letramentos relacionam-se a diferentes formas de construção de sentido as quais vão: [...] muito além da palavra escrita para abranger diferentes propósitos para: comunicar; mídias novas e diferentes para criação de sentido; e diversos contextos e práticas sociais em que os significados são construídos e compartilhados. Consequentemente, o uso deliberado da palavra “letramentos” no plural, juntamente com o modificador “novo”, é usado para sinalizar uma mudança teórica e pragmática das concepções e práticas anteriores de “letramento” em contextos educacionais que se concentravam exclusivamente na leitura e escrita alfabética. (NASCIMENTO; KNOBEL, 2017, p. 69) 5 Todas as traduções apresentadas neste texto são de responsabilidade das autoras. 54 Seguindo essa perspectiva, a forma de enxergar a sala de aula pode deixar de se apegar somente aos textos convencionais (com foco na escrita alfabética), visto que as relações na sociedade e suas formas de comunicação e aprendizado estão sendo modificadas por um “novo ethos” (KNOBEL; LANKSHEAR, 2014) que seria um novo comportamento social que tem se apresentado devido à expansão das práticas que envolvem mecanismos digitais, caracterizado por diferenciadas formas de fazer, ser, sentir, relacionar-se. A questão da autoria é um exemplo desse novo ethos: no passado, escrever uma crítica de um filme, por exemplo, era algo restrito a um grupo de especialistas, que para publicá-la, passava por olhares de diferentes indivíduos da área. Hoje, tendo um blog ou mesmo um perfil numa rede social, qualquer indivíduo que tenha assistido a um determinado filme, pode escrever sua crítica, a qual será lida pelos seus seguidores. Estes, por sua vez, podem inserir seus comentários acerca da leitura realizada. Dessa forma, amplia-se o número de autores. É nesse sentido que Knobel e Lankshear (2014) tratam do novo ethos que caracteriza as práticas de novos letramentos, as quais se mostram mais participativas e colaborativas; portanto, menos individuais e mais socialmente construídas. É no bojo dos novos letramentos que discutimos os letramentos digitais, levando em conta o que Knobel e Lankshear (2014) mencionam quanto à sua forma mais participativa, colaborativa e dispersa; assim, mais sociais e menos individuais em termos de autoria e publicação se comparados com os letramentos tradicionais. Dessa forma, indo além de um conjunto de habilidades técnicas e da compreensão de letramentos como uma habilidade psicolinguística que envolveria um indivíduo e sua capacidade de decifrar e produzir linguagem. Nessa perspectiva, conforme pontua Nascimento (2017), os letramentos digitais vão muito além de um conjunto de habilidades técnicas, constituindo-se como um conjunto de práticas digitais socioculturalmente construídas. Com o ciberespaço se tornando um lugar, não só para se utilizar de mecanismos e ferramentas, mas também para criar conteúdo, possibilitando a fácil disseminação de novas leituras de mundo, os estudos na área de letramentos digitais têm propiciado o conhecimento das relações sociais que têm sido estabelecidas nas diferentes sociedades e gerado maneiras diversificadas de relacionar-se, sentir, agir, viver, conhecer, aprender. Uma das diferenças entre os letramentos digitais e outras práticas de letramentos consideradas convencionais, é que estudos de letramentos digitais não consideram uma pessoa letrada se esta apenas utiliza a tecnologia. Ou seja, apenas o uso de mídias digitais é diferente do desenvolvimento de letramentos digitais, uma vez que estes implicam, além do conhecimento técnico, a habilidade de avaliação crítica. Deste modo, envolve também reflexões sobre as escolhas pertinentes às tecnologias digitais (NASCIMENTO, 2014; LANKSHEAR, 55 KNOBEL, 2008). Por exemplo, uma aula com datashow e outra com um quadro de giz podem ser iguais, a depender do uso que será feito. Segundo essa perspectiva, o uso da tecnologia não envolve necessariamente o desenvolvimento de novas formas de construir o conhecimento, podendo reproduzir as mesmas práticas da sala de aula tradicional, tais como o uso de memorização, repetição, cópia, tradução desenvolvida de forma descontextualizada, dentre outros aspectos. Knobel e Lankshear (2014), após discussão e definição acerca do que entendem por novos letramentos e essa área em expansão, exemplificam algumas práticas sociais que já são realizadas nos contextos culturais de alunos e que podem e devem ser agregadas às realidades de sala de aula: Exemplos dos novos letramentos incluem criação de fanfictions, blogging e microblogging, remixagem de artefatos culturais, curadoria e compartilhamento de fotos, vídeo game, programação de vídeo game, interações sociais na internet, edição de wikis, criação de machinima, edição de vídeos de música de anime, compartilhamento e distribuição de memes, desenvolvimento de aplicativos, criação de animações e participação em fóruns online. (KNOBEL; LANKSHEAR, 2014, p. 98) Com parte de suas exemplificações, os autores utilizam-se de um caso em que os novos letramentos são utilizados como prática social para exemplificar suas ideias. Cassie, uma aluna de 16 anos, inserida no mundo das comunidades online de fãs da série Jogos Vorazes, escrevia e postava histórias e resenhas, no twitter. Seu trabalho era compartilhado para um público considerável e que tinha interesses similares aos seus. Com isso suas habilidades de escritas iam muito além da expectativa de desempenho de uma estudante comum. Com o propósito de compartilhar e se engajar na comunidade online, Cassie desenvolveu habilidades e técnicas (atualizando seu site regularmente, utilizando hashtags relacionadas à série de livros “Jogos Vorazes” etc.) que se tornaram material de pesquisa para os novos letramentos. Pensando naqueles docentes que irão ajudar a construir conhecimento dentro das salas de aula ensinando inglês e naqueles que já atuam como professores, é válido refletir sobre os letramentos digitais fazendo parte da educação, uma vez que são práticas sociais de um número cada vez maior de alunos. Afinal, “essa visão mais expandida de letramento também demanda dos professores continuamente redefinir o que significa ser letrado, por exemplo, ao passo que novas tecnologias e práticas sociais estão sendo introduzidas” (CERVETTI; DAMICO; PEARSON, 2006, p. 380). 56 Letramentos Digitais e Formação Inicial de Professores: análise de dados Como mencionado anteriormente, o objetivo da pesquisa da qual este artigo é resultante foi investigar como os professores de inglês em formação inicial visualizam os letramentos na educação e se pretendem considerar práticas de letramentos digitais em suas futuras aulas quando docentes graduados. Por práticas de letramentos digitais na aula de língua inglesa entendemos o desenvolvimento de atividades no contexto da educação formal que se utiliza de tecnologias digitais de forma contextualizada e crítica objetivando a construção de sentidos. Assim, o conceito de letramentos digitais afasta-se daquele de verificação de uma lista de proficiências quando o estudante tem acesso ao mundo digital. Ou seja, separa-se de uma perspectiva que foca na técnica para conectar-se ao mundo de fora da escola com o objetivo de questioná-lo, refletir sobre ele, podendo ressignificá-lo (KNOBEL; LANKSHEAR, 2017; LANSHEAR; KNOBEL, 2008; NASCIMENTO; KNOBEL, 2017). Para atingir o objetivo da pesquisa foi aplicado um questionário a 30 licenciandos, o qual buscou investigar a relação dos letramentos digitais com o processo de aprendizagem de inglês do participante na educação básica (quando estudante) e ao longo da sua graduação; e, a visão do participante quanto aos letramentos digitais fazerem parte de suas práticas pedagógicas quando tornarem-se professores graduados. Ao todo o questionário apresentava 5 perguntas abertas, sendo 3 delas relacionadas à sua formação enquanto discente, as 2 primeiras com foco na educação básica e 1 no ensino superior: 1. Como você aprendeu inglês? (considerando o que acontece dentro e fora da escola); 2. De que forma (incluindo os recursos) seus professores de inglês ministravam suas aulas?; 3. E seus professores universitários, que práticas eles têm utilizado para ensinar inglês? Vocês discutem em sala de aula sobre a aplicação delas? As últimas 2 perguntas, por sua vez, focavam na prática de sala de aula, levando os professores em formação inicial a refletirem sobre suas práticas docentes quando assumindo sua sala de aula enquanto professores. As 2 perguntas foram: 1. Como você imagina as suas aulas de inglês após a conclusão da graduação?; 2. Após formado(a), que práticas você pretende adotar (incluindo recursos) em suas aulas de inglês? As primeiras três perguntas do questionário, portanto, estiveram focadas em verificar junto aos professores em formação inicial as relações que conseguiam estabelecer com os letramentos digitais ao longo do seu processo de aprendizagem da língua inglesa. Notou-se com as respostas dos participantes que muitos aprenderam o idioma por meio de recursos disponibilizados mais facilmente no mundo global atual, marcado pela disseminação de tecnologias digitais. Houve um menor número de casos de participantes que comentaram ter vivenciado o aprendizado de inglês na escola. Para alguns, parece que as instituições de 57 educação básica foram consideradas como auxílio para o desenvolvimento do conhecimento da língua. Na primeira pergunta, buscou-se saber de que forma, considerando o ambiente dentro e fora da escola, os graduandos haviam aprendido inglês. Destacamos algumas das respostas6 abaixo, as quais exemplificam o quanto práticas de letramentos digitais do mundo de fora da escola contribuíram para o aprendizado de inglês dos participantes, professores em formação inicial: Augusto: Através de canais no YouTube e com livros da área. James: Com jogos e na escola. Carla: Através de um cursinho governamental, séries, músicas, filmes e no Ensino Médio em escola pública. Dante: Com músicas, jogos e lendo. Lívia: De início aprendi sozinha, através de séries, músicas, apps. Atualmente faço cursinho há 2 anos. Ruan: Aprendi com séries, filmes e músicas. Yara: Sozinha. Cecília: Uma parte eu aprendi sozinha vendo traduções e letras de músicas; no cursinho de inglês; vendo vídeo-aulas e algumas coisas na escola. (Fonte: Pesquisa de campo. Questionários.) Pensando que teríamos respostas que mencionariam a escola, lócus da educação formal, a pergunta seguinte (questão 2 trazida anteriormente) objetivava obter mais dados sobre esse aprendizado que se desenvolvia na instituição escolar. Dessa forma, buscava compreender de que maneira os professores de língua inglesa dos participantes ministravam suas aulas. O intuito era averiguar se o mundo digital fazia parte das suas experiências escolares. As seguintes respostas foram dadas pelos mesmos participantes mencionados anteriormente: Augusto: Com livros didáticos e, às vezes, utilizando recursos tecnológicos como datashow ou caixa de som. James: Usando slides e também gramática. Carla: Livros e aparelhos eletrônicos. Dante: Através de livros e repetições. Lívia: Apenas aulas teóricas, [os professores] não faziam uso de recursos. Ruan: Eles [os professores] faziam uso de muitos recursos como, por exemplo: datashow, caixas de som, uso de filmes e músicas. Yara: Por livro e apostila, exercícios fáceis e repetitivos. Cecília: Da forma mais tradicional, com o uso da lousa. Não me lembro da vez que a professora usou projetor para aulas com slides, nem vídeos. Poucas vezes o livro foi usado e havia algumas atividades no caderno. (Fonte: Pesquisa de campo. Questionários.) 6 Ressaltamos que todos os nomes usados ao longo deste artigo são fictícios de forma a preservar as identidades dos participantes. 58 É notável nas respostas iniciais dos participantes a presença das tecnologias digitais nas suas experiências como aprendizes de língua inglesa. Essas oportunidades proporcionadas pela internet podem ser consideradas como parte dos seus repertórios de letramentos digitais e possibilidades de aprendizado que os ambientes virtuais proporcionaram e continuam proporcionando. É possível ainda perceber em suas falas que a internet serve como lazer e também como forma de construção de conhecimento e isso se contrapõe à ideia de que a proposta da escola para o ensino de inglês precisa ser algo relacionado a formas tradicionais de ensino. As falas das experiências dos alunos de aprendizado de inglês na escola, por sua vez, mostram que as práticas pedagógicas dos seus professores, apesar de alguns destes já estarem utilizando recursos tecnológicos, ainda não têm acompanhado as práticas de letramentos digitais dos estudantes. Quando Lívia comenta que seus professores não faziam uso de recursos, entende-se que seus professores faziam uso de meios de ensino considerados convencionais (livros didáticos, quadro, possivelmente aulas centradas no professor) e não digitais. É possível inferir ainda, com base nas respostas, que a não presença das tecnologias digitais faz os alunos pensarem que recursos não estão sendo utilizados em sala, o que nos leva a entender que as práticas digitais fazem parte do cotidiano dos alunos entrevistados, sendo, portanto, vistas por eles como formas de letramentos já naturalizadas. Os dados levantados parecem reforçar a questão de que as gerações contemporâneas tendem a tornarem-se cada vez mais proficientes em tecnologia (GREEN; BIGUM, 1993; ROBERTSON, 2012), tendo em vista os usos que eles mencionam ter feito para seus aprendizados de língua inglesa. São citados: canais de YouTube, jogos (que nos leva a entender que digitais), séries, aplicativos, vídeo-aulas. Entretanto, essas práticas de aprendizado de fora do ambiente escolar não parecem adentrar a educação formal. Por isso buscamos questionar os participantes também acerca das práticas pedagógicas utilizadas pelos seus professores universitários (pergunta 3 do questionário trazida anteriormente), incluindo os recursos utilizados para ensinar inglês. Em relação a essa pergunta, destacamos as seguintes respostas: Carla: A oralidade, aparelhos eletrônicos, livros e atividades online, sim. Ygor: Eles [os professores da universidade] usam todos os recursos audiovisuais e todos têm um ótimo desempenho. Lívia: Bastante trabalho em grupo que incentiva a conversação, listening, recursos visuais: vídeos, memes etc. (Fonte: Pesquisa de campo. Questionários.) 59 Quando focamos na aprendizagem de inglês dos professores em formação inicial no ensino superior, as visões passam a ser mais homogêneas; assim, a maioria dos alunos fornecem respostas semelhantes, por isso há um menor número de respostas trazidas aqui, as quais passam a mencionar tecnologias digitais também de maneira mais uniforme. Entretanto, os participantes da pesquisa não aprofundam suas respostas sobre como são as práticas de sala de aula para o ensino de inglês. Em virtude do que se observou nas respostas aos questionários, decidimos que, na fase seguinte da pesquisa, durante as entrevistas, buscaríamos aprofundar a questão de forma mais detida. Dando continuidade, em relação aos dados levantados, as duas perguntas finais do questionário, conforme apresentadas anteriormente, envolviam as futuras práticas pedagógicas dos participantes como docentes graduados. A primeira relacionava-se a como os participantes imaginavam suas aulas futuramente, quando formados, e, a segunda versava acerca das práticas e dos recursos que eles pretendiam adotar como professores de língua inglesa. Sobre como previam ser suas aulas, destacamos as seguintes respostas da nossa amostra de licenciados participantes: Augusto: Abordar temáticas que possam divertir os alunos para um aprendizado mais satisfatório. Carla: De maneira mais clara com um fácil entendimento da língua inglesa. Dante: O máximo dinâmico possível, para não se tornar algo chato e cansativo. (Fonte: Pesquisa de campo. Questionários.) Quando indagados acerca das práticas e dos recursos que eles pretendiam adotar como professores de língua inglesa, destacamos as seguintes respostas dadas: Augusto: Aproveitar a facilidade e globalização da internet, datashow, músicas, caixas de som, gincanas, vídeos. Carla: Utilizar tecnologia para atrair o interesse dos alunos e trabalhar de maneira mais dinâmica. Dante: Treino de conversas, pronúncia e gramática. Também levar vídeo e músicas para melhorar a interação. (Fonte: Pesquisa de campo. Questionários.) Algo que se repetiu ao longo dessas e outras respostas dos questionários foi a palavra “dinâmica”. Os licenciados parecem entender que as práticas atuais convencionais não têm mais funcionado e suprido as necessidades e interesses dos discentes; portanto, a ideia de movimentação e inovação aparece nas respostas, e, em muitas delas, envolvendo recursos digitais. Porém, cabe destacar que muitas das respostas focam em recursos e não práticas pedagógicas a serem adotadas e os professores de inglês em formação inicial não aprofundam 60 a ideia acerca de maneiras como proceder em relação a práticas conjugadas a recursos. Por sua vez, é válido pontuar que a interação e colaboração trazidas na palavra “dinâmica” pode relacionar-se a práticas de aprendizagem significativa, muitas delas ocorridas no mundo digital, conforme pontuam as seguintes autoras: Aprender a ser ou fazer algo fora da escola muitas vezes envolve interatividade profunda, abertura para feedback, compartilhamento de recursos e conhecimento, vontade de tentar e abertura para colaborar e providenciar suporte para os outros e isto observa-se grandemente na miríade contemporânea das práticas rotineiras. (KALMAN, KNOBEL, 2016, p. 10) Quando os participantes mencionam em suas respostas o uso de “gincanas”, “tecnologia para dinâmica”, é possível inferir que eles acreditam que as relações em grupos facilitam os processos de construção de conhecimento, perspectiva presente nos estudos dos novos letramentos que envolvem a “cultura participativa” (JENKINS, 2010 apud KNOBEL; LANKSHEAR, 2014). Assim, a introdução de práticas de fora da escola dentro da instituição educacional pode colaborar para mudanças significativas na educação. Um dos impedimentos para a consideração e o trabalho com letramentos digitais em sala de aula parece apontar para a questão da não formação dos professores para o trabalho com esses novos letramentos. Segundo Cervetti, Damico e Pearson (2006, p.380): Programas de formação de professores deveriam ajudar os professores a desenvolver um entendimento mais amplo sobre os letramentos que se movimenta além de uma singular, psicológica, fixa, habilidade focada em um visão dos letramentos como inerentemente situados em contextos pessoais, históricos, culturais e sociais, e aprender a nortear seus alunos em posições similarmente situadas nos letramentos. Múltiplos letramentos envolvem o reconhecimento de que há várias formas de letramento que variam de acordo com o tempo e as comunidades em questão – Letramento é uma prática social, ao invés de um aglomerado de habilidades de leitura e escrita a serem adquiridos. Os autores buscam nos fazer entender que os estudantes em formação inicial, e, no caso específico, de licenciatura em Letras Inglês, devem procurar desde sua graduação compreender que os alunos de ensino básico possuem bagagens culturais próprias e pertencem a contextos específicos. Suas experiências e situações de vida influenciam em muito as suas expectativas sobre as aulas e suas formas de se comunicar com o mundo. Embora os participantes da pesquisa demonstrem uma tendência ao interesse de levar em conta as práticas digitais que também são suas de fora do ambiente educacional formal, eles não conseguem expressar com clareza como pretendem desenvolver suas práticas pedagógicas profissionais levando-as em consideração. 61 Algumas Considerações Finais São inegáveis as alterações que a convivência com as tecnologias digitais tem proporcionado à vida dos indivíduos. Muitos deles estão inseridos em ambientes educacionais, no papel de discentes ou de docentes. Foi levando em conta essa realidade, que buscamos entender, ancoradas na perspectiva teórica dos novos letramentos, o conhecimento que graduandos em Letras Inglês de uma universidade pública federal possuem sobre e as relações que estabelecem com os letramentos digitais em suas atuais e futuras práticas de ensino. Para análise e discussão da temática, tomamos os 30 questionários aplicados a licenciandos. Os primeiros resultados demonstraram que a maioria dos participantes aprendeu inglês fora do ambiente escolar por meio de práticas de letramentos digitais. Por sua vez, embora haja vivências e o reconhecimento de que há a necessidade de aulas que abriguem novas formas de aprender inglês, que se conectam com letramentos digitais, essas práticas ainda não são pensadas como parte integrante do trabalho docente. Não são, portanto, parte dos repertórios de práticas pedagógicas. É possível, por meio dos conteúdos e análises expostos, concluir que estudos sobre letramentos digitais são relevantes no atual cenário da educação brasileira. Os professores de inglês em formação inicial da Universidade Federal de Sergipe parecem conhecer questões relacionadas aos letramentos digitais por já estarem inseridos em um cenário no qual discussões e práticas sobre a questão, em especial, conectando-se ao ensino e aprendizagem de inglês são uma realidade. Eles também parecem almejar e visualizar as práticas de letramentos digitais em suas futuras aulas, ainda que não tenham sido capazes de expressar de que maneira, mesmo os que estão próximos à conclusão da licenciatura em Letras Inglês. Portanto, é relevante que esses estudos estejam próximos aos alunos da graduação de forma que as possibilidades de pesquisa e discussão sobre a temática possam ser expandidas. Referências CERVETTI, G.; DAMICO, D.; PEARSON, P. D. Multiple Literacies, New Literacies, and Teacher Education. Theory Into Practice, v. 45, n.4, pp. 378-386, 2006. FERRAZ, D. de M.; NASCIMENTO, A. K. de O. Language education and digital/new/multi literacies: do we teachers consider what happens outside the school walls? In: AMORIM, S. S.; SANTOS, V. M. dos. Sujeitos e práticas educativas: experiências, saberes e perspectivas. Aracaju: EDUNIT, 2019. p. 43-65. GREEN, B.; BIGUM, C. Aliens in the classroom. 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