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Potenciais gargalos e prováveis caminhos de ajustes no mundo do trabalho no Brasil nos próximos anos 7 POTENCIAIS GARGALOS E PROVÁVEIS CAMINHOS DE AJUSTES NO MUNDO DO TRABALHO NO BRASIL NOS PRÓXIMOS ANOS* Fabiano Mezadre Pompermayer** Paulo A. Meyer M. Nascimento** Aguinaldo Nogueira Maciente** Divonzir Arthur Gusso*** Rafael Henrique Moraes Pereira**** 2 3 4 1 INTRODUÇÃO Com o recente crescimento econômico pelo qual passa o Brasil, surgiram receios quanto à disponibilidade de mão de obra para sustentar tal crescimento, em especial a oferta de mão de obra especializada. Como ponto de partida para se avaliar uma possível escassez de empregados qualificados, vale destacar as cinco diferentes circunstâncias que Butz et al. (2003) apontam como reveladoras de que a produção de um bem ou serviço, inclusive trabalhadores especializados, poderia ser considerada “baixa”: 1. se a produção for menor do que a verificada em anos recentes; 2. se a participação de competidores na produção total for paulatinamente crescente – isto é, se a oferta estiver se tornando cada vez mais concentrada; 3. se a produção for menor do que os produtores desejariam produzir; 4. se for produzido menos do que em tese a sociedade precisaria; e 5. se a produção não for suficiente para atender à demanda, com consequentes preços ascendentes do bem ou serviço. Sem deixar de reconhecer que cada uma dessas cinco circunstâncias merece atenção específica, Butz et al. (2003) dão destaque especial à quinta delas. Isto porque ela traria consigo o próprio mecanismo de ajuste ao problema. De fato, a teoria econômica pressupõe que eventuais desníveis momentâneos entre demanda e oferta de um dado bem ou serviço tendem a ser resolvidos, a médio prazo, pelo próprio mecanismo de preços: se o desequilíbrio vier a ser causado pelo excesso de oferta, os preços tendem a entrar em uma espiral de baixa até que o mercado em questão volte a se equalizar. Se o desequilíbrio decorrer de um excesso de demanda, uma pressão para cima sobre os preços do bem ou serviço será verificada até que este gap desapareça. No caso específico da força de trabalho que Araújo et al. (2009) chamam de pessoal técnico-científico (PoTec),1 tal ajuste ocorreria por intermédio de salários maiores e desemprego menor, o que levaria a um maior interesse dos jovens por estas profissões, aumentando a oferta de profissionais e reduzindo sua escassez (BUTZ et al., 2003). Não é tarefa trivial, porém, precisar o quão competitivo é o mercado para um determinado 5 * Os autores agradecem a João Maria de Oliveira e a Rodrigo Abdalla Filgueiras de Souza, da Diset do Ipea, por compartilharem algumas de suas percepções acerca da conjuntura atual de alguns setores específicos da economia citados ao longo do texto. Agradecimentos também aos colegas do Ipea que participaram de seminário interno de discussão dos textos que compõem esta edição do Radar. Os erros e omissões porventura remanescentes são de responsabilidade exclusiva dos autores. ** Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais, de Inovação, Regulação e Infraestrutura (Diset) do Ipea. *** Diretor Adjunto da Diset do Ipea. **** Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur) do Ipea. 1. Em verdade, Butz et al. (2003) referem-se a Science & Engineering workforce (força de trabalho em ciências e engenharia), que, no contexto brasileiro, englobaria, aproximadamente, os conjuntos de profissionais que Araújo et al. (2009) chamam de pessoal técnico-científico, quais sejam: pesquisadores, engenheiros, diretores e gerentes de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e profissionais ‘científicos’ – ou, seguindo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), as ocupações de código 1237, 1426, 201 a 203, 211 a 214, 221 e 222. 8 Radar tipo de mão de obra especializada como os engenheiros. Nesses mercados, a potencial substituição entre profissionais com diferentes habilitações é, em certa medida, limitada, em especial quando são necessárias especialidades de oferta mais restrita, como engenharia naval, telecomunicações e geologia. No entanto, na prática, os ajustes em mercados de trabalho ocorrem apenas parcialmente por meio do mecanismo de preços: uma eventual escassez de mão de obra pode vir a ensejar, por exemplo, contratos de trabalho mais duradouros e aumentos de jornadas, bem como busca por profissionais cuja formação seja adjacente àquela em que há escassez (CÖRVERS e HIJKE, 2004; WIELING e BORGHANS, 2001). De todo modo, é razoável supor que um eventual “apagão” seria sinalizado por ao menos dois indicadores de mercado, destacados por Teitelbaum (2004): i) forte pressão para cima nos salários reais; e ii) baixas taxas de desemprego – consideradas em i) e ii) as ocupações que exijam nível de escolaridade semelhante. Tal como expõem Freeman (2007) e Teitelbaum (2004), receios de potenciais apagões de mão de obra costumam decorrer de projeções futuras de demanda.2 Nascimento et al. (2010) tentam dimensionar possíveis carências de profissionais de engenharia, produção e construção para diferentes cenários de crescimento do Brasil, contrastando projeções de demanda com projeções de oferta. Contudo, não observam a evolução dos salários relativos, tampouco do desemprego relativo destes profissionais. A presente edição do Radar retoma o debate sobre um possível cenário de escassez de mão de obra qualificada no Brasil, já abordado inicialmente por Nascimento et al. (2010). Este ensaio, em particular, busca avançar nesta discussão, levantando algumas questões a serem ponderadas quanto a este cenário. As considerações contidas nas próximas seções são fruto de reflexão interna dos autores. Muitas não se constituem em fatos evidenciados empiricamente, mas em hipóteses entendidas como parte indispensável do debate e que merecerão a atenção em futuras investigações. 2 FOME DE QUÊ? EM QUE CIRCUNSTÂNCIAS PODE-SE FALAR EM ESCASSEZ DE FORÇA DE TRABALHO? Quando se trata da disponibilidade de mão de obra especializada, alguns tipos de escassez podem ser avaliados. Uma primeira avaliação diz respeito ao quantitativo geral de pessoas com uma determinada qualificação, como, por exemplo, engenheiros, e em que medida este quantitativo mostra-se suficiente para atender à demanda de mercado. Ao abordar o tema, Nascimento et al. (2010) indicam que a demanda por engenheiros devido ao crescimento da economia deveria ser atendida pelo estoque atual e pela entrada de novos engenheiros no mercado. Tal análise tratou da categoria de engenheiros de uma forma geral, para a qual não vislumbrou uma escassez generalizada. Não foram abordadas, contudo, a demanda por e a oferta de profissionais com qualificações específicas, como engenharia naval, engenharia de minas, entre outras. Se, nestes casos particulares, os resultados já mostrarem existência de poucos profissionais e as projeções apontarem para sua escassez, algumas ações poderiam ser promovidas, como o aumento da quantidade de cursos ou, mesmo, como solução mais imediata, a “importação” de engenheiros de outros países. A par disso, o estudo ressaltou um fato um tanto inquietante, que de certa forma está na base das preocupações veiculadas na mídia quanto à escassez de mão de obra: há diversos engenheiros atuando em funções que não são de engenharia, principalmente ligadas à administração e à economia. Isto ocorreu em virtude do baixo crescimento econômico verificado nos anos 1980 e 1990. Porém, vale ainda destacar dois conjuntos de fatores complementares entre si e que, catalisados pelo cenário econômico adverso, decerto contribuíram substancialmente para a elevada incidência de engenheiros desempenhando outras funções que não aquelas que 2. Embora também existam estudos, feitos para áreas específicas, que apontam carências presentes. No Brasil, estimativas nesse sentido seriam já realidade na área de tecnologia da informação (TI) (Villela, 2009) e para projetos de engenharia para produtos de transporte marítimo (TM) (Barros, 2004). Potenciais gargalos e prováveis caminhos de ajustes no mundo do trabalho no Brasil nos próximos anos 9 lhes seriam típicas. Em primeiro lugar, as condições de trabalho e os salários mais atraentes nas outras funções. E, em segundo, é possível que esteja a ocorrer uma insuficiência na formação de profissionais com as competências e habilidades que o mercado esperaria encontrar mais facilmente em engenheiros. Há diversos engenheiros atuando como analistas financeiros, gestores, analistas empresariais. Costumam ser demandados nestas funções pelo fato de o mercado entender que eles dispõem, em geral, de boa capacidade de abstração e de sólida formação matemática. O diploma de engenharia, visto como de difícil obtenção por exigir maior domínio matemático que a maioria dos cursos e ainda dispor de relativo prestígio social, estaria a funcionar, nas situações aqui descritas, como um sinalizador para as firmas acerca da qualidade do capital humano, a despeito de haver grande heterogeneidade na qualidade de formação dos próprios engenheiros – como é apresentado em Gusso e Nascimento (2011), nesta edição do Radar. Isso remete, em última instância, à qualidade da educação básica. Quando esta é de qualidade, empodera o indivíduo tanto para adaptar-se mais facilmente a novas funções e desafios quanto para galgar graus de especialidade cada vez mais específicos. Do contrário, torna-se outro possível tipo de escassez, de caráter mais geral que o de uma qualificação como engenheiro. A escassez de competências e habilidades básicas na força de trabalho disponível provoca um aumento nos custos de produção, principalmente por transferir para as firmas parcelas cada vez maiores da formação de seus potenciais colaboradores que deveriam ter sido já supridas a contento durante a educação básica. Não se trata aqui de defender que o sistema educacional coloque, no mercado de trabalho, profissionais “prontos e acabados”. Sempre haverá, afinal, escopo para a atuação das próprias firmas como agentes formadores, à medida que se vejam compelidas a, diretamente ou por meio de entidades a elas associadas,3 prover formação continuada, inclusive em serviço, a seus colaboradores – em especial quando naturalmente a exigirem a cultura organizacional e/ou a própria natureza da atividade. Não obstante, a escassez ora tratada gera custos extras ao tornar mais complexos os processos de seleção, alargar os prazos de treinamento e, ademais, acirrar a disputa pelos poucos profissionais reconhecidamente bem qualificados. No caso específico dos engenheiros, a solução mais plausível para lidar com esse potencial tipo de escassez pode não se limitar simplesmente a aumentar a oferta destes profissionais, cujo custo de formação por aluno é dos mais elevados. Parte da solução talvez resida na melhora da qualidade da formação profissional de nível superior em geral, inclusive a dos profissionais com os quais os engenheiros acabam por concorrer. Além disso, o esforço para melhorar a qualidade da educação básica deve estar no centro das atenções, a fim de viabilizar um progressivo aumento do número de jovens com potencial para ingressar em cursos superiores que formarão tais profissionais. Do geral para o particular, e assumindo que um problema quantitativo não esteja ocorrendo para uma formação geral, há problemas específicos que podem acontecer. O primeiro a ser abordado aqui é a possibilidade de escassez em determinadas regiões ou cidades. Em não havendo escassez generalizada, e sim localizada, existiria sobra de força de trabalho em algumas regiões e falta em outras. O problema, nesta hipótese, não estaria na escassez de mão de obra, mas sim no aumento do custo de contratação, por ser necessário trazer profissionais de outras regiões, nas quais, inclusive, o padrão de vida possa ser mais elevado. Em paralelo, questões subjetivas, como estar longe da família e dos amigos, fazem com que os profissionais que se disponham a se deslocar para regiões com escassez de mão de obra exijam salários mais elevados. Casos assim acontecem, por exemplo, quando um engenheiro é realocado de uma grande capital, onde sempre viveu, constituiu família e dispõe de acesso a farta infraestrutura, para outra região. Mesmo que não passe a estar longe de um grande centro, é possível que tal mudança o deixe afastado de todos os fatores mencionados e que o atraem à cidade de origem. Obviamente, para se submeter a estas condições, tal profissional tenderia a exigir um bom retorno financeiro – tanto maior quanto mais promissoras e diversificadas forem as alternativas que o mercado de trabalho em sua própria região de origem lhe oferece. 3. A exemplo das entidades que compõem o chamado Sistema S, particularmente o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio – SENAC, e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai. 10 Radar Devido a esse aumento de custo, e se o volume de mão de obra potencial justificar, a solução de longo prazo deve ser o aumento da oferta local de cursos nas qualificações necessárias. Quando a então estatal Companhia Vale do Rio Doce iniciou suas operações em Carajás, no Pará, e em São Luís, no Maranhão, a oferta local de engenheiros e de técnicos não era suficiente, fazendo com que a empresa transferisse diversos funcionários da região Sudeste, onde já atuava. Com o passar do tempo, entretanto, as instituições de ensino médio e superior no Pará e no Maranhão passaram a fornecer grande parte da mão de obra especializada necessária. Outro tipo específico de escassez de mão de obra pode se relacionar a algumas especialidades de formação. Este parece ser o caso, atualmente, da engenharia naval, como também havia sido o caso, de meados a final da década de 1990, da engenharia de telecomunicações. Ambos dizem respeito a especialidades que exigem cursos de graduação, em vez de apenas uma especialização ou pós-graduação na área, tal como, em contraposição, são os exemplos de engenheiro de petróleo ou de engenheiro ferroviário. Por isso a escassez de mão de obra nestas especialidades pode ocorrer mesmo que exista sobra de engenheiros com outra formação. Por exigir formação específica já no curso de graduação, a demanda por tais profissionais ocorre em indústrias igualmente específicas, que em geral exibem comportamento cíclico. A falta de engenheiros de telecomunicações no final da década de 1990, logo após a privatização das empresas de telefonia, foi sucedida por uma elevada sobra destes profissionais, que acabaram migrando para outras funções, após a conclusão das principais atividades de expansão da rede de telefonia do país. Atualmente, com a expansão da internet de banda larga, é possível que eles voltem a ser mais fortemente demandados. A indústria naval também tem comportamento cíclico, em nível mundial. Mesmo no Brasil, a atual grande demanda por construção de navios é motivada pelas encomendas da Petrobras para iniciar a exploração do pré-sal. Após esta fase, as necessidades de novas embarcações da Petrobras serão reduzidas, conforme seu Plano Estratégico 2020, reduzindo também a necessidade de engenheiros navais, a não ser que exista demanda para outros tipos de embarcações. Este comportamento cíclico da demanda por formações tão específicas acaba reduzindo a atratividade dos cursos de formação na área. Os ingressantes nos cursos de engenharia acabam preferindo cursos mais versáteis, como as tradicionais engenharias civil e mecânica, e, mais recentemente, as engenharias de produção e elétrica. Pode-se falar, ainda, em escassez de mão de obra quando, além de uma boa formação, seja indispensável exigir do profissional experiência de trabalho – e esta seja escassa. O caso mais comentado é a necessidade de mão de obra qualificada com experiência na construção civil. Isto vai desde o engenheiro de projeto, o engenheiro supervisor de obra e o mestre de obra. Com a retomada dos investimentos em infraestrutura e em construção civil, a demanda por estes profissionais se elevou, com impactos nos respectivos salários. O problema é maior quando se consideram obras de infraestrutura em regiões remotas. Boa parte do problema é oriunda da estagnação ocorrida desde a década de 1980 para obras de grande porte. Por exemplo, desde a construção da Estrada de Ferro de Carajás, inaugurada em 1985, não se construíam ferrovias de carga no país. Este tipo de escassez pode afetar os custos e prazos para concluir as obras necessárias aos grandes eventos esportivos previstos para o país. A situação só não é pior pelo fato de os investimentos em infraestrutura urbana não terem sofrido tão forte paralisação quanto os de infraestrutura de transporte regional. 3 O AJUSTE VIA SALÁRIOS E MOBILIDADE ESPACIAL Conforme mencionado anteriormente, Butz et al. (2003) argumentam que, num cenário de escassez de uma força de trabalho específica, os salários pagos a tais profissionais tendem a se elevar, fazendo com que alguns dos demandantes optem por não mais contratá-los, reduzindo um pouco a demanda total. Além disso, com salários mais altos, profissionais de áreas correlatas são atraídos para as ocupações aquecidas, e jovens passam a demandar, em maior escala, as vagas disponíveis em cursos que os habilitem àquelas ocupações. Isto repercute, em um segundo momento, em expansão do número de vagas e de concluintes nestes cursos. Com mais profissionais disponíveis, os salários tendem a cair, e este nicho específico de mercado de trabalho vai se equilibrando. O grande problema deste processo de ajuste para o equilíbrio é o prazo necessário para se Potenciais gargalos e prováveis caminhos de ajustes no mundo do trabalho no Brasil nos próximos anos 11 formarem novos profissionais, de três a seis anos, ou de se treinarem profissionais oriundos de áreas afins, o que pode levar de seis meses a dois anos. Mesmo no segundo caso, por se tratar de profissionais que já estão no mercado, pressupõe-se um aumento de salário para compensar a mudança de função. E enquanto a oferta não é ampliada, o que fazer para se atender a demanda por tais profissionais? Quando o problema é regional, é possível buscar profissionais em outros estados e regiões – solução que vem, conforme já visto, ao preço de remunerações mais atraentes. O aumento do custo de contratação só não seria significativo se existisse grande oferta de profissionais em algumas regiões específicas do país, devido, por exemplo, a uma estagnação econômica na região. Este, porém, não parece ser o caso de nenhuma região do Brasil. Neste caso, pode-se pensar em importar profissionais de outros países, mas, obviamente, esta opção também traz mais custos associados, relacionados a diferenças de língua e cultura. E há ainda o risco de se importarem profissionais de baixa qualificação, na tentativa de se pagarem salários pouco competitivos em comparação com aqueles vigentes nos países em que viviam anteriormente. A mobilidade espacial permitiria resolver boa parte das ocorrências de escassez regional e, ainda, promover melhor equalização dos salários pagos nas diversas regiões do país – bem como entre setores. Por exemplo, quando a Petrobras efetua concursos para contratação de engenheiros em todo o país, os profissionais aprovados que deixam suas cidades de origem para trabalhar para a Petrobras por salários maiores acabam promovendo o aumento dos salários em suas cidades. Para conseguir manter alguns destes engenheiros, as empresas e instituições que os demandam acabam aproximando seus salários dos da Petrobras. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir de uma visão assentada na teoria econômica, duas seriam as variáveis que melhor serviriam de termômetro da eventual escassez de uma determinada categoria da força de trabalho: os salários relativos e a taxa de desemprego entre os profissionais tidos como “escassos”.4 É possível que, para o caso específico de engenheiros, o indicador “salários relativos” mostre uma tendência ascendente em muitos setores, o que apontaria, em princípio, para cenários de escassez. Mesmo que assim seja, é arriscado, contudo, fazer tal assertiva de maneira categórica. Isto porque uma eventual evolução salarial crescente pode estar a indicar, na verdade, uma recuperação da remuneração relativa dos engenheiros após a estagnação econômica dos anos 1980 e as baixas taxas de crescimento econômico dos anos 1990. O indicador “taxa de desemprego entre os engenheiros”, entretanto, não pôde ser observado. Não obstante, Nascimento et al. (2010) e o estudo de Maciente e Araújo (2011), este publicado neste número do Radar, trabalham com uma proxy bastante útil: a proporção de engenheiros formados empregados nas ocupações típicas de sua área de formação. Este indicador, construído a partir dos dados de emprego e de conclusão dos cursos de graduação, enuncia que, em 2009, 38% da força de trabalho brasileira com diploma de nível superior na área de engenharia, construção e produção estavam empregadas nas ocupações próprias da área. Não se trata, é verdade, de um dado relacionado ao desemprego, mas tem o potencial de antecipar a persistência ou não de pressões salariais sobre as ocupações típicas de engenheiros, na medida em que dimensiona o tamanho do “exército de reserva” de engenheiros distribuídos por diversas outras ocupações. Tendências de queda na proporção de engenheiros que atuam em suas áreas de formação sugeririam perspectivas de desvalorização destas carreiras. Em assumindo uma espiral crescente, este indicador sinalizaria que, em cenários de crescimento econômico mais robusto, as firmas estariam passíveis de incorrer em custos crescentes de contratação e de retenção de sua força de trabalho especializada – seja nas carreiras típicas de engenheiros e profissionais afins, seja nas carreiras em que estes profissionais competem com outros advindos de outras áreas de formação. 4. O texto de Maciente e Araújo (2011), que fecha esta edição do Radar, trabalha com a evolução desses indicadores. 12 Radar É esse aumento de custo que aparentemente tem levado a alertas sobre um possível “apagão” de mão de obra, em especial de engenheiros. A situação até então experimentada pelos contratantes era confortável, com certo excedente disponível no mercado, o que permitia contratações a salários relativamente baixos. O deslocamento, no passado, de um grande número de engenheiros para ocupações não específicas de engenharia é uma evidência deste excedente. O que se ressalta aqui é que a solução para essa possível falta de engenheiros não reside simplesmente (ou necessariamente) no aumento do número de vagas em cursos de engenharia.5 Questões de qualidade (do ensino superior e da educação básica que forma os que nele ingressam),6 políticas de incentivo ao ingresso e à conclusão em cursos de caráter técnico-científico, bem como de formação continuada nas próprias firmas, devem ser pensadas em paralelo. Ademais, como boa parte dos engenheiros formados não tem atuado na área, é indispensável atentar também para a qualificação dos profissionais com os quais eles competem em funções não específicas da engenharia. De todo modo, em termos gerais, os problemas de escassez de mão de obra especializada podem ser resolvidos via ajuste salarial e mobilidade espacial da força de trabalho. Quando o problema extrapola regiões e setores econômicos específicos do país e se torna generalizado, é necessário pensar em dois conjuntos de iniciativa, cada um deles para diferentes horizontes de tempo. No curto e no médio prazos, a solução passa por: i) maior investimento das firmas em qualificação e em especialização da força de trabalho entrante no mercado; ii) retenção de profissionais com maior experiência; iii) atração e requalificação de profissionais que tenham saído do mercado ou se deslocado para outras funções; e iv) redução das barreiras do mercado à entrada de profissionais estrangeiros. Quaisquer destas abordagens, entretanto, deverão trazer custos adicionais aos contratantes. Em paralelo a tudo isso e com vistas ao longo prazo, contínuos investimentos na educação, tanto básica quanto profissional e superior (mais na qualidade do que na quantidade), caminham para se firmar, em uma espécie de consenso difuso, como soluções para que eventuais cenários de escassez não sejam prolongados. Nunca é demais sublinhar que tal investimento tende a se refletir em uma força de trabalho mais qualificada somente em um horizonte de tempo mais largo, quiçá além daquele vislumbrado nas projeções publicadas nesta edição do Radar. Isto reforça a necessidade de se pensar em políticas apropriadas para os contextos e cenários específicos nos quais algum grau de escassez se mostre mais evidente. REFERÊNCIAS ARAÚJO, B. C.; CAVALCANTE, L. R.; ALVES, P. Variáveis proxy para os gastos empresariais em inovação com base no pessoal ocupado técnico-científico disponível na Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Radar, Brasília: Ipea, n. 5, dez. 2009. BARROS, M. A. Relatório sobre o trabalho de identificação de lacunas de recursos de engenharia de projeto para a área de TM. Rio de Janeiro: Petrobras, 2004. BUTZ, W.; BLOOM, G.; GROSS, M.; KELLY, K.; KOFNER, A.; RIPPEN, H. Is there a shortage of scientists and enineers? How would we know? Rand Science & Technology issue paper. Santa Monica-CA: Rand Corporation, 2003. CÖRVERS, F.; HEIJKE, H. Forecasting the labour market by occupation and education: some key issues. Maastricht: Universiteit Maastricht, dez. 2004. ROA-W-2004/4. Texto para Discussão. FREEMAN, R. B. Is a great labor shortage coming? Replacement demand in the global economy. In: HOLZER, H. J.; NIGHTINGALE, D. S. (Eds.). Reshaping the American workforce in a changing economy. Washington-DC: The Urban Institute, 2007. 5. A expansão da disponibilidade de força de trabalho formada em engenharia é o tema do ensaio de Pereira e Araújo (2011), também integrante desta edição do Radar. 6. Ver discussão de algumas das questões concernentes à qualidade do ensino no texto de Soares e Nascimento (2011), assim como no de Gusso e Nascimento (2011), também nesta edição do Radar. Potenciais gargalos e prováveis caminhos de ajustes no mundo do trabalho no Brasil nos próximos anos 13 GUSSO, D. A.; NASCIMENTO, P. A. M. M.. Contexto e dimensionamento da formação de pessoal técnico científico e de engenheiros. Radar, Brasília: Ipea, n. 12, fev. 2011. MACIENTE, A. N.; ARAÚJO, T. C.. A demanda por engenheiros e profissionais afins no mercado de trabalho formal. Radar, Brasília: Ipea, n. 12, fev. 2011. NASCIMENTO, P. A. M. M.; MACIENTE, A. N.; GUSSO, D. A; ARAÚJO.; T. C.; SILVA, A. P. T. Escassez de engenheiros: realmente um risco? Radar, Brasília: Ipea, n. 6, fev. 2010. SOARES, S. S. D.; NASCIMENTO, P. A. M. M.. Evolução do desempenho cognitivo do Brasil de 2000 a 2009 face aos demais países. Radar, Brasília: Ipea, n. 12, fev. 2011. TEITELBAUM, M. S. Do we need more scientists? In: KELLY, T. K. et al. (Eds.). Anais da conferência “The US scientific and technical workforce: improving data for decision making”. Santa Monica-CA: Rand Corporation, jun. 2004. VILLELA, P. R. C. Escassez de mão de obra. In: Software e serviços de TI: a Indústria brasileira em perspectiva. Campinas: Observatório Softex, cap. 10, 2009. WIELING, M.; BORGHANS, L. Descrepancies between supply and demand and adjustment processes in the labour market. Labour, vol. 15, n. 1, p. 33-56, 2001.