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Intermitência e trabalho em plataformas digitais: o retorno do salário por hora e por peça?

2021, Dissertação de mestrado

Esta dissertação tem como tema as formas mais recentes de trabalho precário, como o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente. Os objetivos desse trabalho são: contribuir com a investigação acerca do trabalho em plataforma digital e do trabalho intermitente, a partir do materialismo dialético, que permite compreender os fenômenos sociais na sua totalidade e no seu desenvolvimento histórico, e proporcionar elementos teóricos que contribuam para a formulação das reivindicações dos trabalhadores por melhores condições de vida e trabalho. É feito um resgate da discussão sobre salário por peça e por hora no volume I de “O Capital”, em Marx, e comparadas as suas características com o trabalho em plataformas digitais, a partir do resultado de um questionário aplicado com 87 entregadores, e com o trabalho intermitente, a partir de uma análise de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged). Em um segundo momento, é feita uma discussão sobre as mudanças nas formas de remuneração ao longo do século XX e início do XXI, identificando elementos que corroboram com a hipótese da reintrodução do salário por peça e por hora, como forma de pagamento. Como conclusão, sugere-se que as reformas trabalhistas sinalizam um momento de transição de uma forma de remuneração para outra. Conclui-se que houve, de forma inequívoca, uma diminuição do nível de proteção ao emprego, na última década, e piora das condições de trabalho dos empregados formais. Observa-se um crescimento dos vínculos de trabalho precários, em detrimento dos vínculos estáveis. Há uma prevalência das longas jornadas, no caso dos trabalhadores em plataformas digitais, e de jornadas parciais, no caso dos trabalhadores intermitentes. Foi possível constatar ainda um alto nível de consciência política entre os trabalhadores em plataformas digitais, reconhecendo esse trabalho como uma escravidão ou semiescravidão e, prevalece uma divisão de opiniões entre os entregadores em relação à adoção da Carteira de Trabalho.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA INTERMITÊNCIA E TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS: O RETORNO DO SALÁRIO POR HORA E POR PEÇA? Autor: Laura Valle Gontijo Brasília, 2021 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA INTERMITÊNCIA E TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS: O RETORNO DO SALÁRIO POR HORA E POR PEÇA? Autor: Laura Valle Gontijo Dissertação apresentada ao Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília/UnB como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre. Brasília, dezembro de 2021 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO INTERMITÊNCIA E TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS: O RETORNO DO SALÁRIO POR HORA E POR PEÇA? Autor: Laura Valle Gontijo Orientador: Doutor Sadi Dal Rosso (UnB) Banca: Prof. Doutor Sadi Dal Rosso (UnB) Prof. Doutor Ricardo Colturato Festi (UnB) Doutor Jonas Chagas Lúcio Valente (EBC) AGRADECIMENTOS São muitas pessoas que contribuíram com este trabalho, sem as quais não teria conseguido realizá-lo. Gostaria de agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ao Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília e ao meu orientador, professor Sadi Dal Rosso, com quem tive a honra de trabalhar, por todo apoio na realização desse trabalho. Agradeço também aos membros da banca, professor Ricardo Festi e Doutor Jonas Valente pelas contribuições valorosas, que enriqueceram em muito este trabalho. Agradeço também à pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Unicamp, Dra. Ludmila Abílio, que se disponibilizou a discutir a análise dos resultados do questionário com os entregadores em plataformas digitais. A todos os professores do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, no qual fiz minha graduação. Em especial à professora Silvia Yannoulas, que me apresentou pela primeira vez o que viria a ser meu campo de estudos; ao professor Newton Narciso Gomes Junior, pelo apoio e amizade; e ao meu orientador da graduação e grande incentivador deste mestrado, professor Cristiano Guedes. Agradeço também ao professor do Departamento de Economia Luiz Carlos Cavalcanti, com quem aprendi muito nas monitorias da sua disciplina de economia política. A Leandro Monerato, com quem iniciei as discussões que deram origem à hipótese desse trabalho. A Renê Gontijo e Rodrigo Santos, que me auxiliaram na organização e tratamento dos dados primários e secundários. A José Marcos, que me ajudou com a transmissão da qualificação e da banca de defesa e na organização dos dados do questionário com os entregadores. À minha mãe, Beatrice, pela disposição em revisar esse trabalho. E, em particular, pelo apoio na seleção das variáveis e análise dos dados secundários. Aos meus amigos queridos, que me apoiaram em diferentes momentos e em vários sentidos ao longo de todo esse trabalho: Álvaro Amorim, Danielle Camargo, Libele Volkmer e Priscylla Fernandes. A Erivaldo Fernandes Neto, pelas discussões, dedicação e apoio constante. Ao meu pai, Reginaldo, a Níria, Saskia e Julieta, pelo carinho de sempre. Trabalho de Pesquisa apoiado pela CAPES - Processo nº. 88887.465399/2019-00. Amor, trabalho e conhecimento são as fontes da nossa vida. Deveriam também governá-la. (REICH, 1975) RESUMO Esta dissertação tem como tema as formas mais recentes de trabalho precário, como o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente. Os objetivos desse trabalho são: contribuir com a investigação acerca do trabalho em plataforma digital e do trabalho intermitente, a partir do materialismo dialético, que permite compreender os fenômenos sociais na sua totalidade e no seu desenvolvimento histórico, e proporcionar elementos teóricos que contribuam para a formulação das reivindicações dos trabalhadores por melhores condições de vida e trabalho. É feito um resgate da discussão sobre salário por peça e por hora no volume I de “O Capital”, em Marx, e comparadas as suas características com o trabalho em plataformas digitais, a partir do resultado de um questionário aplicado com 87 entregadores, e com o trabalho intermitente, a partir de uma análise de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged). Em um segundo momento, é feita uma discussão sobre as mudanças nas formas de remuneração ao longo do século XX e início do XXI, identificando elementos que corroboram com a hipótese da reintrodução do salário por peça e por hora, como forma de pagamento. Como conclusão, sugere-se que as reformas trabalhistas sinalizam um momento de transição de uma forma de remuneração para outra. Conclui-se que houve, de forma inequívoca, uma diminuição do nível de proteção ao emprego, na última década, e piora das condições de trabalho dos empregados formais. Observa-se um crescimento dos vínculos de trabalho precários, em detrimento dos vínculos estáveis. Há uma prevalência das longas jornadas, no caso dos trabalhadores em plataformas digitais, e de jornadas parciais, no caso dos trabalhadores intermitentes. Foi possível constatar ainda um alto nível de consciência política entre os trabalhadores em plataformas digitais, reconhecendo esse trabalho como uma escravidão ou semiescravidão e, prevalece uma divisão de opiniões entre os entregadores em relação à adoção da Carteira de Trabalho. Palavras-chave: Trabalho em plataformas digitais. Trabalho intermitente. Salário por peça. Salário por hora. Reforma trabalhista. ABSTRACT This thesis appoaches the most recentlly forms of precarius labour, such as digital labour and intermittent labour. It´s goals are to contribute for an investigation about digital labour and intermittent labour from the perspective of dialectical materialism, which allows a comprehensive understanding about social phenomena in a historical view and provide theoretical elements that contribute for proposing worker´s demands for improving their living and working conditions. A reflexion about piece-based and hourly based remuneration was carried out on “The Capital – Vol 1”, by Karl Marx, comparing its characteristics with digital labour and intermittent labour, based on a survey regarding 87 deliverymen and with an intermittent labour according to government labour statistics (Relação Anual de Informações Sociais - Rais and Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados Novo Caged). In a second step the analysis follows a discussion regarding the changes in remuneration types that took place during the 20th and early´s decades of 21st centuries, corroborating the hypothesis that piece and hourly remuneration are replacing standard 8-hours work day. It is argued that labour reforms have been introducing a new form of remuneration representing a transition phase. Evidence from official labour market statistics data, Rais and Novo Caged, point out a declining level of labour protection on the last decade, and a worsening working conditions of formal sector´s employees. Data analysis revealed that precarious employment´s relations have been increasing instead of formal jobs contracts. It also showed long working hours for digital workers and few working hours for intermittent ones. The survey with deliverymen on digital labour revealed that there is a high level of political awareness, with some of them referring to this work as slavery or semi-slavery and a dissent towards adopting or not formal working agreement. Keywords: Digital labour. Intermittent work. Piece rate pay. Hourly rate pay. Labour reforms. LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Evolução do estoque de empregados contratados pelos vínculos CLT indeterminado e Estatutário e sua participação em relação ao estoque total de empregos formais (%) - 2009 a 2019 ................................................................................................... 76 Tabela 2 - Evolução do percentual dos vínculos frágeis...................................................... 77 Tabela 3 – Evolução do percentual dos vínculos precários em relação ao estoque de empregos formais – 2009 a 2019 ......................................................................................................... 77 Tabela 4 - Evolução dos vínculos CLT indeterminado e Estatutário – 2009 a 2019 ........... 78 Tabela 5 - Evolução dos vínculos precários – 2009 a 2019................................................. 79 Tabela 6 - Crescimento anual do vínculo intermitente e dos demais vínculos de 2017 a 2019 ............................................................................................................................................. 88 Tabela 7 - Média salarial, média de horas semanais contratuais e média de tempo no emprego em meses para demais tipos de vínculo e vínculo intermitente 2017-2019 ........................ 89 Tabela 8 - As 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente entre 2020 e junho/2021 ........................................................................................................................... 92 Tabela 9 - Ranking das 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente no segundo trimestre de 2021 ................................................................................................... 93 Tabela 10 - Tipos de salário em 2018 .................................................................................. 93 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Taxa de crescimento anual do PIB em % (2009 a 2020) .................................. 71 Gráfico 2 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019 ................................ 72 Gráfico 3 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019 - tipos de vínculo: CLT por prazo indeterminado e estatutário ................................................................................. 73 Gráfico 4 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019 - tipos de vínculo: aprendiz, avulso, CLT por prazo determinado, avulso, intermitente, parcial e temporário . 75 Gráfico 5 - Evolução da quantidade de horas semanais trabalhadas de 2009 a 2019 do vínculo CLT por prazo indeterminado .............................................................................................. 80 Gráfico 6 - Evolução da remuneração média em salários-mínimos de 2009 a 2019 do vínculo CLT por prazo indeterminado .............................................................................................. 80 Gráfico 7 - Evolução do tempo no emprego de 2009 a 2019 do vínculo CLT por prazo indeterminado ...................................................................................................................... 81 Gráfico 8 - Evolução mensal do saldo de admitidos e desligados dos trabalhadores com vínculo CLT indeterminado, prazo determinado, trabalhador rural e temporário de 2020 a junho de 2021 ...................................................................................................................... 83 Gráfico 9 - Evolução mensal do saldo de admitidos e desligados dos trabalhados com vínculo intermitente, aprendiz e parcial de 2020 a junho de 2021 ................................................... 84 Gráfico 10 - Evolução da remuneração média em reais de 2009 a 2019 do vínculo intermitente em relação aos demais tipos de vínculo (R$ preços de junho de 2021) .......... 90 Gráfico 11 - Horas trabalhadas em 2020 a 2021 dos vínculos CLT por prazo indeterminado e intermitente ....................................................................................................................... 91 Gráfico 12 - Trabalha para qual (is) dos aplicativos abaixo? ............................................ 101 Gráfico 13 - No iFood, você é ........................................................................................... 102 Gráfico 14 - Em qual estado você mora? .......................................................................... 103 Gráfico 15 - Qual sua idade? ............................................................................................. 104 Gráfico 16 - Qual seu gênero? ........................................................................................... 104 Gráfico 17 - Os critérios que definem a pontuação dos entregadores não são claros ....... 106 Gráfico 18 - Sinto que o aplicativo trapaceia no valor das taxas de remuneração dos entregadores ....................................................................................................................... 106 Gráfico 19 - Eu recebo por entrega concluída ................................................................... 108 Gráfico 20 - Sinto que tenho liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo eu quiser ........................................................................................................................................... 109 Gráfico 21 - Meu salário, ao final do mês só depende de mim ......................................... 110 Gráfico 22 - Não consigo determinar quanto vou receber ao final do mês ....................... 111 Gráfico 23 - Sinto que quanto mais eu trabalho menos eu recebo .................................... 112 Gráfico 24 - Os demais entregadores são meus concorrentes ........................................... 113 Gráfico 25 - Me sinto vigiado o tempo todo ..................................................................... 116 Gráfico 26 - Se for adotada a Carteira de Trabalho, minha renda irá cair ......................... 117 Gráfico 27 - Se, ao final de um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte mensagem: “Faça 10 entregas agora e receba R$ 200,00”. O que você faz? – OL........... 120 Gráfico 28 - Se, ao final de um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte mensagem: “Faça 10 entregas agora e receba R$ 200,00”. O que você faz? – Nuvem .... 120 Gráfico 29 - Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que você faz? – OL ........................................................................................................................... 121 Gráfico 30 - Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que você faz? – Nuvem ..................................................................................................................... 122 Gráfico 31 - Você tem uma pontuação no (s) aplicativo (s)? – OL ................................... 124 Gráfico 32 - Você tem uma pontuação no (s) aplicativo (s)? – Nuvem ............................. 124 Gráfico 33 - Sinto que se trabalhar mais horas, minha pontuação aumenta ...................... 125 Gráfico 34 - Sinto que se realizar mais entregas em menos tempo, minha pontuação aumenta ........................................................................................................................................... 126 Gráfico 35 - Fico receoso de tirar uns dias de folga e minha pontuação cair .................... 127 Gráfico 36 - Você tem uma meta a ser atingida no seu trabalho em aplicativos? – OL .... 128 Gráfico 37 - Você tem uma meta a ser atingida no seu trabalho em aplicativos? - Nuvem ........................................................................................................................................... 128 Gráfico 38 - Qual sua meta de remuneração por dia nesse trabalho? – OL ...................... 129 Gráfico 39 - Qual sua meta de remuneração por dia nesse trabalho?................................ 130 Gráfico 40 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada? – OL ................................................................................................................................... 131 Gráfico 41 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada? – Nuvem ............................................................................................................................ 132 Gráfico 42 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada? – OL e Nuvem ................................................................................................................... 132 Gráfico 43 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse trabalho por aplicativo? – OL ............................................................................................ 134 Gráfico 44 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse trabalho por aplicativo? – Nuvem ..................................................................................... 134 Gráfico 45 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse trabalho por aplicativo? – OL e Nuvem ............................................................................ 135 Gráfico 46 - Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da semana, sem nenhum dia de folga? – OL ........................................................................................ 136 Gráfico 47 - Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da semana, sem nenhum dia de folga? - Nuvem .................................................................................. 136 Gráfico 48 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL ...... 137 Gráfico 49 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – Nuvem 138 Gráfico 50 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL e Nuvem ........................................................................................................................................... 138 Gráfico 51 - Na semana passada, quantas horas você trabalhou nesse trabalho? – OL .... 139 Gráfico 52 - Na semana passada, quantas horas você trabalhou nesse trabalho? – Nuvem ........................................................................................................................................... 140 Gráfico 53 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL e Nuvem ........................................................................................................................................... 141 Gráfico 54 - Há quanto tempo você trabalha em aplicativos? – OL ................................. 142 Gráfico 55 - Há quanto tempo você trabalhou em aplicativos? – Nuvem ......................... 143 Gráfico 56 - Você percebeu alguma mudança na sua remuneração hoje em relação ao começo do seu trabalho em aplicativos? – OL ............................................................................... 144 Gráfico 57 - Você percebeu alguma mudança na sua remuneração hoje em relação ao começo do seu trabalho em aplicativos? - Nuvem .......................................................................... 144 SUMÁRIO INTRODUÇÃO …………… ............................................................................................ 15 CAPÍTULO 1 - O MÉTODO MATERIALISTA DIALÉTICO E A RELAÇÃO ENTRE FORMA E ESSÊNCIA...................................................................................................... 19 1.1 Procedimentos de pesquisa ..................................................................................... 31 CAPÍTULO 2 - EVOLUÇÃO DA FORMA DE REMUNERAÇÃO ............................ 35 2.1. O salário por peça e por hora segundo a teoria do valor .................................... 35 2.2 A instituição da jornada de trabalho...................................................................... 40 2.3. A crise do capitalismo e a necessidade de redução dos salários.......................... 41 2.4 Regimes de acumulação versus flexibilidade das horas de trabalho e formas de remuneração ................................................................................................................... 46 2.5 O salário por peça e por hora sob o Fordismo e o Toyotismo.............................. 50 2.5.1 Autocontrole, concorrência e emulação entre os trabalhadores ............................. 52 2.5.2 Salário mensurado pela produtividade individual .................................................. 53 2.5.3 Banco de horas e prolongamento da jornada .......................................................... 55 2.5.4 Rede de subcontratações ......................................................................................... 55 2.6 A tendência à abolição da jornada de trabalho de oito horas diárias ................. 56 CAPÍTULO 3 - O SALTO DE QUALIDADE: AS REFORMAS TRABALHISTAS.. 59 4.1 A reforma trabalhista brasileira ............................................................................. 63 4.2 Comportamento do emprego formal no Brasil de 2009 a 2019 ........................... 69 4.3 Evolução do emprego formal no Brasil em 2020 e junho de 2021....................... 81 CAPÍTULO 4 - TRABALHO INTERMITENTE E SALÁRIO POR HORA ............. 86 CAPÍTULO 5 - TRABALHO EM PLATAFORMA DIGITAL E O SALÁRIO POR PEÇA .................................................................................................................................. 95 5.1 O salário por peça permite a introdução de intermediários que subalugam o trabalho........................................................................................................................... 99 5.2 Perfil dos entregadores que responderam ao questionário ................................ 100 5.3 Instrumento de trapaça capitalista e descontos salariais ................................... 105 5.4 Percepções sobre a forma de remuneração ......................................................... 107 5.5 Sentimento de liberdade, independência e autocontrole .................................... 108 5.6 Sentimento de concorrência e vigilância ............................................................. 112 5.7 Forma de imposição de jornadas longas e de trabalho intenso ......................... 118 5.8 Desocupação relativa ou absoluta, sistema de pontuação e metas .................... 123 5.9 Meta de remuneração ............................................................................................ 129 5.10 Remuneração ....................................................................................................... 131 5.11 Jornada de trabalho............................................................................................. 133 5.12 Gostaria de dizer algo sobre seu trabalho? ....................................................... 145 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 151 REFERÊNCIAS............................................................................................................... 157 ANEXO ............................................................................................................................. 170 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, os estudos da sociologia do trabalho no Brasil (DAL ROSSO, 1996; DAL ROSSO, 2008; DAL ROSSO, 2017; ANTUNES, 2011; ANTUNES, 2002; ANTUNES, 2018; ALVES, 2011; ALVES, 2008) se dedicaram a entender as profundas transformações pelas quais passou o mundo do trabalho. Foram analisados vários aspectos, dentre eles, a automação, o desemprego estrutural, a captura da subjetividade do trabalhador, o aumento do controle e da vigilância sobre o trabalho, as metas de produção, a terceirização, o banco de horas, a jornada de trabalho e a flexibilidade das horas de trabalho. Atualmente, os seus autores procuram interpretar as formas mais recentes de trabalho precário, dentre elas, o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente. Esta pesquisa visa contribuir com a investigação acerca dessas novas formas de trabalho. O referencial metodológico utilizado neste trabalho é o materialismo dialético, tendo em vista que esse método permite compreender os fenômenos sociais na sua totalidade e no seu desenvolvimento histórico. O Capítulo 1, portanto, tem como objetivo mostrar o próprio método materialista dialético como produto de um desenvolvimento das ideias ao longo da história, ou seja, o materialismo surge em oposição ao espiritualismo ou idealismo e ao método analítico de Kant. No entanto, Marx inverte a dialética hegeliana e lhe confere um caráter materialista, mantendo algumas noções principais desse modo de interpretação da realidade, que tem as suas origens em décadas de desenvolvimento do pensamento filosófico. Ainda neste capítulo, faz-se um resgate da diferença entre forma e essência segundo os principais pensadores que adotaram a dialética como método. Por fim, neste capítulo, são explicitados os procedimentos que foram adotados na realização desta pesquisa para a coleta e a análise dos dados primários e secundários. O Capítulo 2 promove um resgate do conceito de salário por peça e por hora conforme definido por Marx no volume I do livro “O Capital”. A partir desse conceito, foi feito um comparativo entre o trabalho em plataforma digital e o salário por peça e o trabalho intermitente e o salário por hora. Nesse capítulo discutimos essas formas de remuneração, a sua predominância no auge da Revolução Industrial e como elas são ideais ao modo de produção capitalista, já que promovem um incremento nas três circunstâncias que determinam as magnitudes relativas do preço da força de trabalho e da mais valia: a duração 15 do trabalho, a intensidade e a produtividade do trabalho. Ambas as formas de remuneração permitem tanto o prolongamento da jornada e a intensificação do trabalho como uma desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho, adaptando a força de trabalho à acumulação do capital. O capítulo faz um resgate da discussão feita por Marx que mostra que o salário por peça é ainda um sistema hierárquico organizado de exploração e opressão e que as ilusões de liberdade, autonomia e autocontrole vivenciadas pelos trabalhadores são evidenciadas por essa forma de remuneração. O Capítulo 2 ainda busca apresentar o desenvolvimento das formas de remuneração, com enfoque na transição do salário por tempo para a sua antítese: o salário por peça e por hora. A luta dos trabalhadores pela instituição da jornada de trabalho levou ao fim do salário por peça no século XIX, mas com a ofensiva do capital e o retrocesso das lutas sindicais, essa forma de remuneração voltou a se tornar preponderante para algumas categorias de trabalhadores. Temos indícios o regime de trabalho sob a jornada de trabalho de oito horas diárias possa deixar de ser hegemônico, ou seja, uma quantidade ainda maior de trabalhadores pode vir a ser remunerada por peça e por hora, o que traz implicações profundas na vida laboral, no mundo do trabalho e na sociedade como um todo. Nesse sentido, este capítulo trabalha com a tese de que o que impactou os trabalhadores a partir da reestruturação produtiva ou Toyotismo não foram as mudanças nos processos de gestão do trabalho, atendendo a um novo regime de acumulação do capital, mas a introdução de elementos de uma nova forma de remuneração: o salário por peça e por hora. Essa transição de uma forma a outra de remuneração é ilustrada pelos seguintes elementos: o banco de horas, as metas individualizadas de produção, a flexibilidade das horas de trabalho, a terceirização, o pagamento por comissões e por resultados e o bônus por produtividade. A literatura revista no Capítulo 3 mostrou que as reformas trabalhistas realizadas em 110 países, a partir dos anos 1970, mas sobretudo após a crise de 2008, tiveram como objetivo a flexibilização da jornada de trabalho e das formas de remuneração, a ampliação dos contratos de trabalho precários, a redução dos salários e a diminuição dos níveis de proteção ao emprego. Neste Capítulo ainda destacamos alguns aspectos da reforma trabalhista brasileira, instituída pela Lei nº 13.467/2017, no que diz respeito à flexibilização das horas de trabalho e das formas de remuneração. O objetivo deste Capítulo é mostrar que vivenciamos um novo e inédito arcabouço legal no Brasil, que respalda e garante o prosseguimento, com segurança jurídica, das profundas mudanças que estamos vivenciando 16 no mundo do trabalho, em especial no que se refere à mudança na forma de remuneração pelo trabalho. Esse processo pode ser descrito como o salto de qualidade, pela culminância da transição de uma forma a outra de remuneração. Segundo o materialismo dialético, isso concerne à superação, conservação e elevação a um nível superior de uma forma de remuneração a outra. As informações da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS e do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Novo CAGED foram tratadas com a utilização do software R e, à medida do possível, utilizadas para essa a análise do trabalho intermitente e da situação do emprego formal no país na última década. Nos Capítulos 3 e 4 é feito um paralelo entre os vínculos de trabalho formal estáveis (celetista por prazo indeterminado e estatutário) e os vínculos formais precários, como o trabalho avulso, temporário, aprendiz, intermitente e celetista por prazo determinado, quanto à sua evolução na última década em termos de estoque de empregos, remuneração e jornada de trabalho. Na sequência, constam gráficos que ajudam a traçar o perfil do trabalhador intermitente no país, considerando ocupação, horas trabalhadas, tempo no emprego e remuneração média, bem como a sua trajetória no período de 2017 a 2019. Por fim, há uma análise do saldo dos admitidos e desligados do emprego formal no país segundo tipo de vínculo, no período de 2020 e primeiro semestre de 2021. O Capítulo 5 faz um resgate da literatura produzida sobre o trabalho em plataformas digitais e as diversas interpretações dos teóricos do assunto sobre o fenômeno. Assim como parte da literatura identificada e relacionada neste capítulo, propõe-se o conceito de salário por peça como o que melhor explica o trabalho em plataformas digitais. Nesse sentido, um questionário aplicado com 87 entregadores, em 19 estados do país, buscou identificar se é possível estabelecer essa relação entre o trabalho em plataformas digitais e o salário por peça, traçar um perfil dos entregadores e obter algumas das suas percepções sobre o seu trabalho. Foi dada ênfase aos aspectos que incidem sobre a subjetividade dos entregadores, como o sentimento de liberdade, autonomia, autocontrole e concorrência em relação aos demais trabalhadores. Também foram abordados o sistema de pontuação, as metas individualizadas, a diferença entre as funções “Operador Logístico” e “Nuvem” na plataforma iFood, a supervisão e a vigilância exercida pelas plataformas, a jornada, a intensidade do trabalho e a remuneração. 17 Conclui-se que o conceito de salário por peça e por hora pode ser entendido como a síntese das múltiplas determinações que explicam as formas mais precárias de trabalho recente, sendo o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente duas das suas expressões. Uma interpretação possível para as profundas transformações vivenciadas pelo mundo do trabalho está na evolução da forma de remuneração, ou seja, na transição, a partir sobretudo dos anos 1970, de uma forma de remuneração por tempo para uma forma de remuneração por peça e por hora, tendência que pode apontar para uma perspectiva histórica de abolição da jornada de trabalho de 8 horas diárias, com consequências graves no sentido do aprofundamento da exploração e opressão da classe trabalhadora. 18 CAPÍTULO 1 - O MÉTODO MATERIALISTA DIALÉTICO E A RELAÇÃO ENTRE FORMA E ESSÊNCIA Este capítulo tem por objetivo proporcionar elementos para compreensão do método materialista dialético 1 e, em particular, a importância da forma e da essência para explicação dos fenômenos sociais. O método materialista dialético parte da superação da epistemologia dualista, que separara sujeito e objeto na análise dos fenômenos, base da lógica analítica predominante na ciência do século XIX e defendida, principalmente, pelos teóricos do espiritualismo e do idealismo alemão. Marx se baseia nos argumentos de Hegel, mas promove a inversão da dialética idealista para uma dialética materialista. Hegel, pela primeira vez, concebe todo o mundo da natureza, da história e do espírito como um processo, isso é, em constante movimento, mudança, transformação e desenvolvimento, mas vê esse processo como projeções realizadas na “Ideia”. A mudança substancial promovida por essa inversão do método hegeliano é o que possibilitou a Marx explicar o desenvolvimento da sociedade até a sua época, a partir de uma lógica causal não linear que apresenta soluções para problemas complexos, cuja análise não pode se dar pela lógica formal, considerando que os fenômenos de ordem relacional não podem ser explicados pela sua regularidade, nem de um ponto de vista estático ou em si mesmo, mas pela mudança de forma em um movimento histórico. Os fenômenos, nesse método, são analisados “a partir das suas conexões, na sua concatenação, na sua dinâmica, no seu processo de nascimento e caducidade” (ENGELS, 1984, p. 48) e segundo o pressuposto de que “causa e efeito mudam constantemente de lugar e em que o que agora ou aqui é efeito adquire em seguida, aqui e ali, o caráter de causa, e vice-versa” (ENGELS, 1984, p. 48). Optou-se por utilizar o termo materialismo dialético para se referir ao método criado por Marx para explicação dos fenômenos sociais. Segundo Lênin, o materialismo dialético é a filosofia do marxismo e houve uma tendência de alguns filósofos russos da sua época em separar o materialismo da dialética. A renúncia ao materialismo dialético é uma renúncia ao próprio marxismo, afirma o autor (LENIN, 1982) . Segundo Bottomore (2001), a expressão foi utilizada pela primeira vez por Plekhanov, em 1891, configurando-se como a filosofia do marxismo. Ainda segundo o autor, nas décadas de 1920 e 1930, surgiu o humanismo marxista, em oposição ao materialismo dialético, cujos principais teóricos foram Lukács e Korsch. As tendências hegelianas do materialismo dialético também foram objeto de crítica de Louis Althusser e Galvano Della Volpe nas duas últimas décadas (BOTTOMORE, 2001). 1 19 Emprestando também a historicidade presente no pensamento hegeliano, Marx propõe uma concepção materialista da história, cuja essência está no desenvolvimento da luta de classes. As classes surgem a partir da divisão social do trabalho em um dado momento histórico e que lutam entre si devido as relações de produção e troca, isso é, às relações econômicas que os homens estabelecem. Em outras palavras, para Marx, as ideias dos homens são determinadas pela forma como produzem e trocam os seus produtos em uma dada época histórica. Já para Hegel, haveria um Espírito absoluto, que seria a síntese da história humana, o princípio de todas as coisas. A importância de Hegel foi se opor ao pensamento metafísico, formal e estático. Sabe-se que o método dialético foi retomado por Hegel na modernidade em oposição ao método analítico de Kant. Hegel demonstra a impossibilidade de abarcar toda explicação fenomênica sob um único método analítico 2, como o kantiano. Essa é uma tendência de muitos pensadores da época, a de analisar os fenômenos em seu dinamismo, em contraposição a uma explicação estática dos fatos (KONDER, 2008). Kant (2001) restringe a sua análise à razão pura e prática. A sua teoria avança em relação ao método de investigação científica de então. Ele se opõe aos empiristas para os quais o conhecimento era circunstancial e dado pela experiência sensível com os objetos em si mesmo e não mediados pela razão. O fundamento do conhecimento científico, para Kant, estaria em revelar como o “juízo sintético a priori”3 é apreendido pela razão, ou seja, como seria possível chegar a um entendimento objetivo e universal acerca dos fenômenos. Ele apresenta as formas da intuição do conhecimento, o que se configura nos mecanismos das categorias do entendimento e da sensibilidade. O a priori4, na sua concepção, deve ser O método analítico, oposto ao método sintético, é inteiramente diverso de um conjunto de proposições analíticas: significa apenas que se parte do que se procura, como se fosse dado, e se vai até às condições sob as quais unicamente é possível. Nesse método de ensino, empregam-se, muitas vezes, apenas proposições sintéticas; a análise matemática é um exemplo disso, sendo melhor chamá-lo método regressivo, para o distinguir do método sintético ou progressivo (KANT, 1987). As palavras análise e síntese têm comumente uma dupla acepção. Na acepção qualitativa, a síntese é uma progressão dentro da série de subordinadas, da condição ao condicionado; na acepção quantitativa, ela é uma progressão dentro da série de coordenadas, da parte, para o seu complemento, no todo. Simetricamente, a análise, no primeiro sentido, é uma regressão do condicionado à condição; no segundo, do todo às suas partes possíveis ou mediatas, isso é, às partes das suas partes e, assim, ela não é a divisão, mas a subdivisão do composto dado (KANT, 2001). 3 “[...] Kant se pergunta como que é possível chegar a um novo conhecimento e afirmá-lo como verdadeiro. Ou seja, como é possível, a partir das sensações que nos chegam pelos sentidos, poder afirmar algo novo com pretensão de validade universal” (SCHÜTZ, 2009, p. 240). 4 “Mas como poderá haver no espírito uma intuição externa que preceda os próprios objetos e que permita determinar a priori o conceito destes? E evidente que só na medida em que se situa simplesmente no sujeito, como forma do sentido externo em geral, ou seja, enquanto propriedade formal do sujeito de ser afetado por objetos e, assim, obter uma representação imediata dos objetos, ou seja, uma intuição. Sendo assim, só a nossa 2 20 entendido como a capacidade interna, que torna possível a produção de informações pela conexão lógica dos dados sensíveis, dispositivos primários que constituem a razão do indivíduo. A característica a priori dos processos racionais assegura a possibilidade da realização de um experimento racional puro. Segundo ele, por vias de cálculo analítico a priori, é possível se estabelecer uma relação causal entre os fatos da realidade, que, ao se repetirem, dentro de condições e limites, podem ser instituídos como uma lei geral, que explique de maneira universal as suas causas e funcionamento do movimento fenomênico 5. Dessa forma, estabelece-se seu famoso imperativo categórico para o comportamento humano em sociedade: “age somente, segundo uma máxima tal, que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal” (KANT, 2004) . Kant, no entanto, reduz a vida social a um mecanismo normativo, que deve então obrigar a todos a agir de determinada maneira, lógica e racional. O método analítico transcendental kantiano não permite compreender a complexidade dos fenômenos sociais, pois os reduz a esquemas racionais puros. Hegel (1988; 1992) interpreta que Kant separa o fenômeno da coisa em si (númeno), o que se estabelece apenas de um ponto de vista formal e não da experiência. Uma análise que tem esse pressuposto é sempre parcial e não pode ser considerada como conhecimento. O a priori não faria mais sentido, na medida em que o conhecimento não depende de uma interpretação particular dos fenômenos. Não há separação substancial entre sujeito e objeto, pois o único meio pelo qual o indivíduo pode conhecer a si mesmo é conhecendo os objetos que formam a sua realidade, compreendendo que a convivência com o meio forma a si mesmo. Hegel (1988; 1992) propõe, assim, a superação do dualismo cartesiano (separação substancial entre sujeito e objeto) e refuta a determinação socrática “conhece-te a ti mesmo” (PLATÃO, 1999), que direcionava o conhecimento da realidade à própria consciência e estabelecia uma dicotomia existencial entre o eu e o mundo circundante. A existência não é explicação permite compreender a possibilidade da geometria como conhecimento sintético a priori. Qualquer outro modo de explicação que o não permita, embora aparentemente semelhante à nossa, pode distinguir-se deste, por estas características, com a maior segurança” (KANT, 2001, P. A 26 B 42). 5 “O método que adoptei neste escrito é o que creio mais conveniente, uma vez que se queira percorrer o caminho analiticamente do conhecimento vulgar para a determinação do princípio supremo desse conhecimento, e em seguida e, em sentido inverso, sinteticamente, do exame deste princípio e das suas fontes para o conhecimento vulgar onde se encontra a sua aplicação”(KANT, 2007, p. 20). 21 mais considerada em termos de ser e não ser, mas como coexistência, da qual o sujeito é resultado do compartilhamento de experiências com os objetos. Hegel mostra que sujeito e objeto estão essencialmente relacionados, o exterior é determinado pelo interior e vice-versa, a diferenciação entre um e outro é apenas uma forma de explicação da realidade, pois o indivíduo em si mesmo não é nada, ao ponto que a identidade é constituída da relação entre o externo e o interno, a diferença entre o indivíduo e o mundo que o cerca gera identificação. Essa diferenciação é, então, apenas ideal e não real, de modo que o sujeito hegeliano é intencional e conhece o que está disposto a realizar, na relação com o mundo real, não apenas como uma aparência fenomênica. No Prefácio dos “Princípios da Filosofia do Direito”, ele afirma que “o que é racional é real e o que é real é racional” (HEGEL, 1997, p. XXXVI). A crítica de Hegel ao dualismo é resultante da sua preocupação em reestabelecer o todo, uma vez que as teorias modernas se mostravam insuficientes para explicar cientificamente o movimento das sociedades; em identificar o que se conserva e o que se transforma, o que é essencial e o que é circunstancial. Esse é um problema filosófico com registros na Grécia antiga. Heráclito buscou explicar a realidade a partir da natureza que está em constante movimento e transformação; nada é estático, tudo se transforma o tempo todo, por isso o conhecimento de todas as coisas apenas poderia se dar a partir da ideia de vir-aser, já que nada em essência é. Para que algo seja necessariamente deve ser idêntico a si mesmo e permanecer tal como é. Em oposição a essa compreensão que é a base da dialética, opõe-se a Parmênides com o seu postulado “o ser é e o não ser não é”. Para Parmênides, o conhecimento apenas pode se dar pela identificação da essência do ser, daquilo que permanece, apesar da mudança. A realidade seria constituída de contrários, um aspecto positivo e outro negativo, por exemplo, onde há luz não há escuridão, ao ponto que, caso haja uma transição da luz para escuridão, não significa que a luz se transformou em escuridão, mas que, a luz deixou de existir, conforme a escuridão se tornou prevalente, assim, a luz continua sendo luz e a escuridão continua sendo escuridão, mas a escuridão negou a luz até eliminá-la (REALE; ANTISERI, 1990). Os teóricos da modernidade recorrem a Aristóteles (2002) como referência para se entender o que é transitório e o que é permanente. Para ele, a questão “o que é o ser?”, na verdade, deveria ser “o que é a substância?”. O ser em sua filosofia está sempre presente em tudo na realidade, não podendo ser objeto de investigação em específico, por ser extenso 22 demais, só é possível conhecer o modo como o ser está presente nos entes, que são compostos basicamente por matéria (hylé) e forma (eidos), cuja união resulta na substância (synolon). O princípio de todas as coisas é o movimento, que pode ser analisado e perseguido até determinado ponto, mas não na sua origem, pois ele mesmo é a potência de todas as coisas. A realidade é constituída de matéria e forma, ato (enteléquia) e potência (δύναμις). A forma é o que se atualiza, enquanto a matéria já tem em si mesma os elementos necessários para assumir diferentes formas possíveis conforme as suas características, como a madeira, que pode se tornar cinzas em contato com o fogo, apenas por que como madeira já possui a capacidade de se tornar cinzas. A forma é a causa, é ela que caracteriza a matéria, determinando a particularidade dos seres, que como ato atualiza a potência na matéria, o que constitui o movimento, a passagem da potência ao ato. Sendo a forma aquilo que possibilita a existência dos seres particulares, o que se atualiza é a forma, uma vez que a matéria enquanto potência (possibilidade de vir a ser), permanece o que é (ARISTÓTELES, 2002). Hegel retoma a tese aristotélica de substância, na tentativa de conciliar a consciência de si como sendo uma só substância com o meio material. A síntese de sujeito e objeto é a síntese entre ato e potência, na medida em que o espírito se exterioriza na relação com os objetos, constitui-se e, nesse movimento, transforma-se, sem que, com isso, deixe de ser o que é, uma vez que a mudança na forma não muda o seu conteúdo. Na sua dialética, o sujeito se exterioriza, e, ao fazê-lo, supera a identidade de si mesmo; o objeto nega esta identidade, uma vez que o sujeito guarda em si o conceito do objeto e não só a sua representação. Assim, sujeito e objeto são interdependentes e só podem ser explicados coexistindo a partir da mudança de forma, que é o resultado da própria dialética existencial (HEGEL, 1992). O a priori kantiano, para Hegel (1988; 1992), é absurdo. Para ele, Kant permaneceu na análise acerca do entendimento, não se dedicando ou se negando a investigar os objetos em si mesmo. Hegel propõe que o conhecimento ocorre nas correlações existentes, ou seja, qualquer reflexão epistemológica deveria se dar a partir do conhecimento das coisas em si mesma e não de uma consideração anterior acerca do próprio entendimento. A incapacidade do entendimento em abarcar o conhecimento da coisa em si, para Hegel, é uma falha da teoria kantiana. Como poderia a razão representar o conhecimento do fenômeno, sem conhecer a coisa em si? A única forma de representar o fenômeno seria a partir do conhecimento da coisa em si. A solução dialética afirma que sujeito e objeto fazem parte de uma mesma racionalidade, o sujeito só tem como reconhecer a si mesmo, a partir 23 do conhecimento que tem dos objetos; a única forma dos objetos serem conhecidos é pelo sujeito. Essa reciprocidade é o que garante a experiência real (HEGEL, 1988). Como parte da filosofia dialética, além das ideias de identidade entre sujeito e objeto, de analisar os fenômenos em seu processo de vir a ser, ou seja, em movimento, a questão sobre forma e essência é um aspecto fundamental. Hegel também abordou essa questão e sobre isso afirma: Se se enuncia a igualdade da forma com a essência, há justamente um engano em julgar-se que o conhecimento pode contentar-se com o em-si ou a essência mas poupar a forma, de tal sorte que o princípio absoluto ou a intuição absoluta pudesse tornar supérflua a explicitação da essência e o desenvolvimento da forma. Justamente porque a forma é tão essencial à essência quanto esta o é a si mesma, a essência não deve ser apreendida e expressa puramente como essência, ou seja, como substância imediata ou como pura intuição de si mesma do divino, mas igualmente como forma e na riqueza total da forma desenvolvida. Somente assim é apreendida e expressa como algo efetivo (HEGEL, 1974, p. 19). Em outras palavras, a forma é tão essencial à essência como essa é em si mesma. A essência não deve ser apreendida puramente como substância imediata, aquilo que aparece à primeira vista, mas como uma forma que é fruto de um desenvolvimento. Esse método foi seguido com afinco por Marx em “O Capital”, no qual o fundamento para compreensão da lei do valor é a questão da forma e da essência. Marx (1984), no volume I de “O Capital”, analisa a mercadoria e o dinheiro, elementos constituintes do modo de produção capitalista, a partir do desenvolvimento da forma do valor. Ele afirma que a mercadoria possui um duplo caráter, ela é ao mesmo tempo valor de uso (forma relativa do valor) e valor de troca (forma equivalente do valor): “A forma relativa do valor e a forma equivalente se pertencem, uma à outra, se determinam, reciprocamente, inseparáveis, mas, ao mesmo tempo, são extremos, mutuamente se excluem e se opõem, são polos da mesma expressão do valor” (MARX, 1984, p. 56), expressando aqui uma das leis da dialética: a interpenetração dos contrários 6. Afirma Marx (1984) que, ao trocar determinada quantidade de trigo por determinada quantidade de ferro, tem-se aí a existência de algo em comum, que existe em duas coisas diferentes, mas que são iguais a uma terceira, expressando outra lei da dialética: a negação A lei da interpenetração dos contrários compreende que toda a natureza constitui um sistema, um conjunto de corpos. Como conjunto, esses corpos atuam uns sobre os outros e essa ação de uns sobre os outros é o que constitui o movimento, já que a matéria é inconcebível sem o movimento. A forma fundamental do movimento é a aproximação e o afastamento, a contenção e o expansão, em resumo, a atração e a repulsão. O movimento só é possível quando cada atração é compensada por uma repulsão correlativa, em outro ponto. Não sendo assim, um predominaria sobre o outro e cessaria o movimento (ENGELS, 1985). 6 24 da negação7. Essa forma comum de valor que as mercadorias possuem, diferente do seu valor de uso, assume uma terceira forma, a forma de dinheiro, do valor a partir da qual as mercadorias são trocadas. É a forma na qual se expressa a mercadoria que será determinante para um aspecto fundamental do sistema capitalista, afirma Marx: sua capacidade de alienação das pessoas. O produto do seu trabalho aparece como uma relação entre coisas, como alheio a elas. Assim afirma o autor: Uma relação social definida, estabelecida entre os homens assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas...O caráter misterioso que o produto do trabalho apresenta ao assumir a forma mercadoria, donde provém? Dessa própria forma, claro (MARX, 1984, p. 80). Em seguida, Marx mostra como a “diferenciação das mercadorias em mercadorias e dinheiro não faz cessar essas contradições, mas gera a forma dentro da qual essas contradições se podem mover” (MARX, 1984, p. 116) . Ele defende que é preciso observar todo o circuito da mercadoria do ponto de vista da mudança de forma: Importa, antes de tudo, conhecer as características que diferenciam as formas dos circuitos D – M – D (dinheiro – mercadoria – dinheiro) e M – D – M (mercadoria – dinheiro – mercadoria). Assim descobrir-se-á também a diferença de conteúdo que se esconde sob essa diferença de forma (MARX, 1984, p. 167). É assim que Marx analisa também a transição do feudalismo ao capitalismo, passagem proporcionada por um salto de qualidade, outra lei dialética, a da transformação da quantidade em qualidade8: A que se reduz, em última análise, a acumulação primitiva, a origem histórica do capital? Quando não é mera transformação direta de escravos e servos em assalariados, mera mudança de forma, significa apenas a expropriação dos produtores diretos, isto é, a dissolução da propriedade privada baseada no trabalho pessoal, próprio (MARX, 1984, p. 879). Mera “mudança de forma” que possuiu impacto enorme da vida de toda a humanidade. Em resumo, este método se afasta de uma concepção formal da história, 7“Em dialética, o caráter da negação obedece, em primeiro lugar, à natureza geral do processo, e, em segundo lugar, à sua natureza específica. Não se trata apenas de negar, mas de anular novamente a negação. Assim, a primeira negação será de tal natureza que torne impossível ou permita que seja novamente possível a segunda negação. De que modo? Isso dependerá do caráter especial do caso concreto. [...]. Portanto cada espécie de coisas tem um modo especial de ser negada, que faz com que a negação engendre um processo de desenvolvimento, acontecendo o mesmo com as ideias e com os conceitos” (ENGELS, 1976, p. 121). 8 Essa lei da dialética assume a ideia de que, na natureza, as mudanças qualitativas só se podem realizar por acréscimo ou subtração quantitativa de matéria ou de movimento. Essa lei estabelece que o desenvolvimento se torna compreensível quando entendemos as mudanças graduais como um processo pelo qual um salto é preparado (PLEKHANOV, 2004). 25 classificada por datas e acontecimentos, dedicando-se a realizar uma síntese da história universal. Marx em “Crítica da Dialética e da Filosofia Hegelianas em geral” conclui que Hegel inseriu o movimento do conceito na história, mas um movimento especulativo, e não como um ato que constitui, que forma o próprio ser humano. A história para Hegel é, portanto, história do pensamento, analisada em separado da história efetiva do ser humano 9, do seu “vir-a-ser”. Por essa razão, sua análise só poderia concluir que o Estado, a religião, a sensibilidade e daí em diante seriam produtos da razão e não do humano em si mesmo. Ele recai em uma análise parcial da realidade, que entende o movimento histórico a partir da transformação do pensamento e não das condições materiais e da ação dos homens no mundo. Apesar da identificação desses equívocos no método hegeliano, Marx reconhece elementos para uma crítica que supera a tese de Hegel, a começar pela crítica à fenomenologia do espírito. Marx mostra que o Estado, a vida civil e a religião, por exemplo, para Hegel, são apenas dimensões do espírito, criticadas por serem não-totais, momentos de estranhamento de si, que são superados pela consciência absoluta. Nenhum desses conceitos têm em si a possibilidade de realização absoluta do espírito, são na verdade negações da realidade absoluta (MARX, 2008a). A suprassunção (Aufheben) ocorre quando há a interação entre contrários. No caso hegeliano, na interposição entre tese e antítese, a suprassunção é a síntese, ocorrendo da junção entre conservar e negar. Em termos aristotélicos, poderíamos definir que na junção entre ato e potência, a suprassunção, é a substância. No entanto, para Hegel, a suprassunção é uma evolução. A moral, a família, a sociedade civil, o Estado, a história mundial, são analisadas como categorias filosóficas, cuja essência é o movimento e a passagem desses momentos. A única posição fixa que existe essencialmente é a de mobilidade. A dialética busca apreender o movimento da realidade, do mundo, fora de categorias fixas, pois se baseia em uma interposição dos contrários que resulta em uma síntese, sendo os casos particulares apenas meios categóricos para compreensão dos fenômenos. “Toda a história da exteriorização e toda a retirada da exteriorização não é, assim, nada além da história da produção do pensar abstrato, do [pensar] absoluto, do pensar lógico especulativo” (MARX, 2008a, p. 120). 9 26 Hegel confirma o objeto como pura abstração, quando aponta para o suprassumir pensante, deixando o objeto permanecer na efetividade. O método hegeliano assume o modo científico que ele se põe a criticar. Em resumo, ele apreende – no interior da abstração – o trabalho como ato de produção de si mesmo do homem, o comportar-se (das Verhalten) para consigo como essência estranha e a sua atividade (Betätigen), enquanto uma essência estranha, como a consciência genérica e vida genérica vindo a ser (MARX, 2008a, p. 132). Conforme afirma Konder (2008), o suprassumir ou a ideia de superação dialética possui três sentidos diferentes, o primeiro é de negar, anular; o segundo, o de erguer alguma coisa e mantê-la erguida; o terceiro é o de elevar a qualidade, promover a passagem de alguma coisa para um plano superior, suspender o nível. Hegel emprega essa palavra nos três sentidos ao mesmo tempo. “Para ele, a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada realidade, a conservação da algo de essencial que existe nessa realidade negada e a elevação dela a um nível superior” (KONDER, 2008, p. 25). Aqui, a ideia de forma e essência é fundamental. Um exemplo utilizado por Konder para compreender essa questão é o do trabalho. O trabalho nega a matéria-prima, que é destruída em sua forma natural e, ao mesmo tempo, conserva alguns aspectos dessa, que assume uma nova forma, modificada segundo os objetivos humanos, ou seja, é elevada no seu valor. A grande contribuição de Hegel para dialética, segundo Marx, é o fato de conceber a exteriorização da essência do ser, a compreensão de que a identidade se constrói da alteridade. Para Marx, o ser do humano não é subjetivo, mas objetivo, pois é fruto da exteriorização da sua essência e da interiorização dos objetos, que não são diferentes de si mesmo. O ser se constitui do trabalho. O trabalho é a mola mestra que impulsiona o desenvolvimento humano, pela qual o homem produz a si mesmo. No entanto, o trabalho, para Hegel, é o trabalho abstrato do espírito, não o trabalho físico, concreto, material, como afirma Marx. A grande diferença entre as teorias de Hegel e Marx é que Hegel entende que o ato da consciência objetiva é conhecer, apontando para uma experiência intelectual pura, como ato de abstrair. O ser estaria inabilitado para agir objetivamente no mundo, pois agiria somente por seus próprios propósitos e intenções idealmente constituídos. Para Marx, o ser “natural objetivo” não é especulativo. O ato da história universal não é a constituição da consciência, mas a ação dos homens no mundo. O primeiro fato histórico dos homens é a produção dos meios que permitem satisfazer suas necessidades. É a forma de produção da própria vida e as relações 27 sociais que os homens estabelecem entre si que formam sua consciência. Ao transformar a natureza, os homens formam sua consciência e transformam a si mesmos. Conforme afirma Octavio Ianni, “Marx encara o homem inserido no processo produtivo ao mesmo tempo que produzindo-se” (IANNI, 1988, p. 11). Em resumo, pode-se dizer que o método materialista dialético se contrapõe ao método de análise kantiano, propõe uma síntese das múltiplas determinações do fenômeno, busca compreender o fenômeno em seu desenvolvimento histórico e as características que diferenciam as suas formas para, então, descobrir a diferença de conteúdo (MARX, 1984). O método dialético admite que a forma é tão importante à essência quando essa é em si mesma, mas busca apreender a essência não apenas como substância imediata, mas como uma forma que é fruto de um desenvolvimento (HEGEL, 1974). Esse método, embasado em uma lógica do movimento, compreende tanto o momento analítico como o de síntese, tanto a partir da indução quanto da dedução e parte do pressuposto de que para conhecer a realidade é preciso compreendê-la, investigando os fenômenos históricos do particular ao geral, do simples ao complexo, do concreto ao abstrato, e vice-versa, ou seja, na multiplicidade da unicidade dos fenômenos. O método da síntese busca a identificação de fenômenos e a verificação da relação deles. Segundo Rosental (1965), diferentemente da análise, que consiste em uma atividade mental direcionada a decompor um todo em partes, a síntese é definida como a união das partes em um todo, partindo dos elementos conhecidos desse último. O seu objetivo é estabelecer a “base geradora” dos fenômenos, a essência da coisa ou do fenômeno descoberta pela análise. O autor explica que: “Há que se mostrar como a unidade, a conexão interna das coisas se revela na concreta diversidade dessas últimas” (ROSENTAL, 1965, p. 460). Segundo Kopnin (1978), a novidade do conhecimento em qualquer dedução surge a partir da síntese, na qual se unifica o que estava separado antes do processo de dedução. A indução, por sua vez, era parte componente do método de investigação de Hegel. Partindo da experiência, ele formulava as teses gerais das quais deduzia novos fatos particulares. A verificação disso pelas novas observações confirmava as teses anteriormente formuladas. A teoria hegeliana da dedução teve o intuito de descobrir a interrelação, o movimento das formas de dedução. “Para Hegel o mais importante era fixar as transições de uma forma de dedução a outra, da dedução à indução e desta novamente à dedução por meio da analogia” 28 (KOPNIN, 1978, p. 219). Conforme afirma o autor, coube a Hegel o papel de superar o divórcio entre a indução e a dedução. Segundo Rosental e Straks (1960), a essência expressa o aspecto interno, profundo da realidade, enquanto o fenômeno expressa o seu aspecto superficial. O processo de conhecimento é o processo de reflexo da realidade objetiva na consciência humana, a partir do qual o homem compreende o aspecto interno da realidade, inacessível à percepção imediata. É preciso descobrir o fundamento oculto das coisas, o que está detrás do aparente. O conhecimento sensível não permite penetrar na essência do fenômeno, apenas em uma segunda etapa, mediante o pensamento teórico e abstrato é que isso é possível. O pensamento abstrato consiste na elaboração das impressões sensíveis, a partir da qual se formam os conceitos, as abstrações científicas, que refletem as características essenciais dos objetos, fenômenos e processos. A abstração e a síntese são aspectos fundamentais deste método. Ainda segundo os autores, a unidade existente entre a essência e suas diversas manifestações nos permite falar do universal na pluralidade dos fenômenos singulares e descobrir as leis do seu desenvolvimento. O fenômeno e a essência formam uma unidade (ROSENTAL; STRAKS, 1960). Segundo Lefebvre (1991), a análise se estabelece do negativo, ela dissocia os elementos, os separa e os quebra. “Da análise, afirma-se que vai do complexo ao simples, do todo aos elementos” (LEFEBVRE, 1991, p. 118). A análise deve ser operada e situada no movimento, no processo criador, observando os elementos a partir das suas fases, captandoos em seus momentos e relacionando-os com a totalidade. “A síntese se define, em geral, como uma operação experimental (real) ou racional (ideal) mediante a qual se refaz, em sentido inverso, o caminho percorrido pela análise. A síntese reconstitui o todo” (LEFEBVRE, 1991, p. 120). A síntese, assim, parte dos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer ao complexo, ao todo, mas não somente parte da análise, guia a análise, situando o momento no todo, no movimento. Caio Prado Júnior elabora uma forma de realizar a síntese, descrevendo-a como um processo de conceituação, cujo método fundamental é a organização da sucessividade: A sucessividade, resultado da mobilidade do pensamento, é assim o processo central do relacionamento e do estabelecimento de relações conceituais. É o ponto de partida de todo processo de conhecimento (PRADO JÚNIOR, 1980, p. 532). Para se ter o conhecimento de algumas coisas, é preciso organizar a sucessão. É precisamente como procede o pensamento; e a observação, análise e compreensão desse processo constitui o primeiro passo para o método dialético, a Lógica Dialética, que não é mais, em última instância, que a ‘consciência da forma do 29 movimento do pensamento’ [...], isto é, da sua organização, da organização de sua sucessividade, mobilidade e dinamismo próprio (PRADO JÚNIOR, 1980, p. 533). Em “Notas Introdutórias à Lógica Dialética”, Caio Prado Júnior (1961) afirma que o método materialista dialético consiste na elaboração de um critério geral de interpretação dos fatos, considerando tanto os aspectos da uniformidade e permanência postulados na identificação, como a multiplicidade e variabilidade. Trata-se de um método de conceituação que torna possível a representação adequada e sem deformações dos fatos da Natureza no pensamento humano. O método é fruto de dois milênios de evolução da cultura humana, desde a filosofia grega e a lógica aristotélica até a ciência moderna, no entanto, subestimado e relegado a um papel subordinado em favor de uma preferência pela consideração estática da Natureza, conforme afirma o autor. O marxismo procura a dialética dos fatos e não busca introduzir neles, de fora, elementos ou forças estranhas aos próprios fatos e escolhidos de acordo com a as preferencias subjetivas do observador. Procura-se observar as identidades que se apresentam nos fatos considerados e a relação entre eles: As relações entre operário e capitalista não se procuram fora desses termos a relacionar, em ligações exteriores, e sim na própria identidade de cada qual, e identidade essa vista sempre em função ou na perspectiva da do outro termo da relação: o operário em função do capitalista, o capitalista em função do operário. É esse tipo de relação que se trata de revelar, e não a pseudo-relação da Lógica clássica, concebida como ligação externa e posterior de termos preexistentes que se ligam ou ‘relacionam’ já depois de constituídos; e sim relação cujas termos existem unicamente em função dela, e, portanto, somente depois de estabelecida a relação e como decorrência dela (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 30). Neste trabalho, procura-se analisar a forma de remuneração por peça e por hora em relação ao seu oposto, a forma de remuneração por tempo ou por jornada, quando uma começa a ser constituída pela outra, ou na medida em que interpenetram, como antíteses, uma existindo em função da outra. Segundo Lefebvre (1991), “o conceito apreenderia a totalidade íntegra do concreto: o singular (o individual) em sua relação interna com o universal” (LEFEBVRE, 1991, p. 163). Em resumo, o autor propõe algumas regras práticas do método dialético: dirigir-se à própria coisa, apreender o conjunto das conexões internas da coisa e seus aspectos; apreender os aspectos e momentos contraditórios, a coisa como totalidade e unidade dos contrários; analisar a luta, o conflito interno, o movimento, a tendência; não esquecer que tudo está ligado a tudo, não esquecer de captar as transições, não esquecer que o processo de 30 aprofundamento do conhecimento é infinito; jamais estar satisfeito com o obtido, dentre outros. Conforme afirma Octávio Ianni (1988), a interpretação dialética é uma reflexão crítica e revolucionária sobre as relações de dependência, alienação e antagonismo de classes no capitalismo. Nela, o pensamento adquire uma importância essencial, como parte do real e surge como um movimento de autoconsciência das condições antagônicas em que vive a classe operária. A interpretação dialética, segundo o autor, constitui e transforma o objeto: “Adere destrutivamente ao objeto, na medida em que desvenda e desmascara os seus fetichismos, as suas contradições e os seus movimentos” (IANNI, 1988, p. 22). A partir deste método se pretende, com este trabalho, apresentar uma síntese das múltiplas análises existentes sobre o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente e verificar ambos a partir de uma análise histórica do seu surgimento e desenvolvimento. A partir de dados primários e secundários e da teoria, sugere-se que a síntese das formas mais recentes de trabalho precário, particularmente, o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente, é o salário por peça e por hora, sem estar baseado em uma jornada de trabalho. Entende-se que o conteúdo (a essência) salário se mantém, o que se altera é sua forma, e isto tem implicações profundas sobre o trabalho. Para citar as implicações mais evidentes, têm-se de um lado, o prolongamento das jornadas de trabalho, de outro a desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho e uma intensificação do trabalho. 1.1 Procedimentos de pesquisa Ambos os fenômenos estudados neste trabalho são recentes. No caso do Brasil, o trabalho em plataformas digitais ganhou avanço substancial a partir dos anos 2000, principalmente, após a crise de 2008 (GIG – A Uberização do Trabalho, 2019) e o trabalho intermitente foi introduzido no quadro institucional-legal do país pela reforma trabalhista, com a Lei nº 13.467/2017. Nessa perspectiva, os objetivos desta pesquisa são: analisar o trabalho intermitente e sua relação com os demais tipos de vínculos formais, a partir da base de dados da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS e do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregado - Novo CAGED; aplicar um questionário com entregadores em plataformas digitais; averiguar se é possível estabelecer, a partir do materialismo dialético, uma relação 31 entre o trabalho intermitente e o trabalho em plataformas digitais e o salário por hora, sem estar baseado em uma jornada de trabalho e por peça, além de proporcionar elementos teóricos que contribuam para a formulação das reivindicações dos trabalhadores por melhores condições de vida e trabalho. A obtenção dos dados da Rais e do Novo Caged contou com algumas dificuldades. A base de dados da Rais disponível para download no Programa de Disseminações das Estatísticas do Trabalho estava incompleta. Foi necessário realizar contato com servidores do órgão para obtenção de um link de acesso válido. Também encontramos problemas com a base de dados do Caged até o ano de 2019. Com relação à base de dados de 2020, utilizada neste trabalho, encontramos inconsistência na variável de salários, com números muito altos, na casa de milhões, como um salário de 300 milhões, o que é conhecido como efeito outlier. Tendo em vista isso, assumimos que se tratava de um erro na base de dados e fizemos uma remoção de outlier, ou seja, excluímos todos os salários mais altos, que estavam na casa dos milhões e que representavam 2% da mostra. A partir dos dados da Rais foi possível traçar o comportamento do emprego formal no período de 2009 a 2019, pós-crise de 2008, e verificar as tendências dos diferentes tipos de vínculos de trabalho ao longo desse período. Os dados do Novo Caged permitiram fazer uma análise do impacto da pandemia da Covid-19 no saldo de empregos formais no país. Os dados secundários permitiram, ainda, traçar um perfil do trabalho intermitente no país, quanto à remuneração, horas contratuais, tempo no emprego e o seu percentual em relação ao estoque total de empregos formais. Utilizou-se o software R para o tratamento dos dados secundários. Optou-se por utilizar um questionário para obtenção de informações e dados relacionados aos entregadores em plataformas digitais. Essa escolha se deu porque, em primeiro lugar, quando do início dessa pesquisa, não havia nas bases de dados governamentais existentes a identificação dessa categoria de trabalhadores. Somente em novembro de 2020 é que foi publicada a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Covid-19 (IBGE, 2020), com informações sobre os entregadores em plataformas digitais. Essa pesquisa, no entanto, não continha a variável “trabalho intermitente”, impossibilitando a utilização de uma mesma base de dados para captar informações sobre o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente e compará-las. Em segundo lugar, porque tinha-se como objetivo captar percepções e aspectos subjetivos relacionados à 32 compreensão dos trabalhadores em relação ao seu trabalho nas plataformas. A maioria das perguntas se refere à percepções desses trabalhadores e foram elaboradas a partir das características descritas por Marx no volume I de “O Capital” acerca do salário por peça. Por meio de um questionário aplicado com 87 entregadores em plataformas digitais, coletamos informações selecionadas que pudessem ser úteis para evidenciar a relação desse trabalho com o salário por peça, bem como analisar questões como jornada de trabalho, remuneração, intensidade do trabalho e aspectos que incidem na subjetividade dos trabalhadores. O questionário foi aplicado entre 11 de maio e 13 de julho de 2021, via Google Forms (ANEXO) e respondido de forma anônima10 por 87 entregadores de 19 estados do país. Um informante-chave11 permitiu o acesso a grupos de conversas em WhatsApp e Telegram de entregadores, sobretudo, daqueles que trabalham com motos. Nesses grupos, foi feito o disparo de mensagem solicitando o preenchimento do questionário como parte dessa pesquisa. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2019, o universo de entregadores em plataformas digitais atualmente, no Brasil, é de 1,4 milhão de trabalhadores (IPEA, 2021)12. Foi encontrada dificuldade quanto à desconfiança dos entregadores com a pesquisa. Alguns relataram que acreditavam que se tratava de uma pesquisa feita pelas próprias plataformas e que poderia penalizá-los de alguma forma. Isso levou à minha expulsão de um dos grupos de WhatsApp nos quais havia sido inserida pelo informante-chave. Solicitei, então, a aprovação dos administradores para o reingresso ao grupo, além disso, percebi que obtinha maior retorno quando enviava mensagens individuais ao invés de uma mensagem padrão no grupo. No entanto, o Telegram, que possuía os grupos com maior número de trabalhadores, bloqueia o usuário que faz muito uso desse recurso, o que atrasou um pouco a aplicação do questionário. Optou-se por não exigir e-mail dos respondentes para preenchimento do formulário. Isso ocorreu porque foi possível perceber na conversa com alguns entregadores uma extrema desconfiança e medo de que a pesquisa fosse organizada pelas próprias plataformas e que, portanto, resultasse em algum tipo de retaliação. 11 O informante-chave é uma pessoa que faz parte do grupo que se deseja pesquisar e age como facilitador para a aproximação do pesquisador aos demais membros do grupo. 12 O número de entregadores em plataformas digitais é um assunto complexo, tendo em vista que as plataformas não divulgam a quantidade de trabalhadores registrados e ainda que divulgassem outro aspecto complicador é que um mesmo trabalhador trabalha para mais de uma plataforma ao mesmo tempo. 10 33 Desse modo, a partir da utilização de fontes primárias e secundárias, de bases de dados estatísticos do governo brasileiro 13 e do emprego da teoria marxista do valor, pretendese compreender o fenômeno do trabalho intermitente e do trabalho em plataformas digitais, a fim de chegar a um conceito que organize a sucessividade das múltiplas análises existentes e que aponte para uma síntese teórica. Nesse sentido, buscou-se verificar se é possível confirmar ou refutar a hipótese deste estudo, qual seja, a de que o trabalho intermitente e o trabalho em plataformas digitais são formas contemporâneas do salário por hora e por peça. Como é possível perceber em “O Capital”, Marx faz uso de vários relatórios estatísticos e de dados qualitativos dos governos da época para subsidiar os seus estudos sobre o capitalismo, como os Relatórios das Comissões de Emprego de Crianças, da Saúde Pública e relatórios de fábrica elaborados por inspetores do trabalho, pelas Comissões de Inquérito da Câmara dos Comuns e pelo próprio governo da Inglaterra no final do século XIX. Marx também elaborou um questionário aplicado com trabalhadores para entender as suas condições de trabalho, publicado, originalmente, na Revue Socialiste, em 1880, e distribuído entre as associações operárias e círculos socialistas (ALVES; JACKSON FILHO, 2017). Dessa forma, entende-se que o uso de fontes primárias e secundárias fundamentam qualquer análise científica dos fenômenos sociais. 13 34 CAPÍTULO 2 - EVOLUÇÃO DA FORMA DE REMUNERAÇÃO 2.1. O salário por peça e por hora segundo a teoria do valor Em “O Capital”, Marx (1984) demonstra como se desenvolve, sob determinadas circunstâncias históricas, o modo de produção capitalista e, com ele, a luta entre duas classes opostas: trabalhadores e capitalistas. Despossuídos dos meios de produção, para garantir sua própria sobrevivência, o trabalhador livre tem como única mercadoria sua força de trabalho. Ele se vê obrigado a confrontar-se com outro possuidor: o proprietário do dinheiro e dos meios de produção, que se empenha em aumentar a sua riqueza, comprando trabalho alheio. Na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, essa relação assume a forma de uma luta em torno do tempo de trabalho. Como toda mercadoria, o valor da força de trabalho é determinado pelo tempo socialmente necessário para produzi-la. O trabalhador precisa dispender determinadas horas do seu dia trabalhando para manter a sua própria mercadoria e as demais para aumentar o capital do capitalista 14. Para tanto, o trabalhador, nessa relação, que é de luta constante e contradição, tentará a todo custo impor limites à exploração da sua força de trabalho, tentando preservar a única mercadoria que possui, e o capitalista em consumir ao máximo essa mercadoria pela qual pagou pelo direito de usufruir por determinado tempo e que lhe confere riqueza. Em troca da venda da sua força de trabalho, o trabalhador recebe um salário, que aparece na superfície da sociedade burguesa, como diz Marx (1984), sob a forma de preço do trabalho ou valor da força de trabalho. A forma de salário esconde a verdadeira relação existente entre o trabalhador e o capitalista, apagando a divisão da jornada entre trabalho pago e não pago e fazendo transparecer que todo trabalho realizado é trabalho pago. 14Segundo Marx (1984), são três os fatores que podem elevar a taxa de mais-valia, mantendo o salário acima do valor da força de trabalho: a duração do trabalho, a intensidade do trabalho e a produtividade do trabalho. A duração é o tempo despendido para a produção de determinada mercadoria; a intensidade é a quantidade de esforço empregado na realização de determinado trabalho e a produtividade é uma modificação no processo de trabalho, pelo qual se encurta o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma mercadoria, dependendo inovações tecnológicas. A forma salarial por peça incide, diretamente, nesses três aspectos. 35 O salário é, ainda, parte do capital variável, ou seja, a parte do capital convertida em força de trabalho e, portanto, está na base do processo de produção de mais-valia. Como afirma Marx (1984), o salário ou valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos meios de subsistência necessários ao trabalhador médio. Pressupondo que a mercadoria força de trabalho é vendida pelo seu valor e que o preço da força de trabalho nunca cai abaixo do seu valor, são três as circunstâncias que determinam as magnitudes relativas do preço da força de trabalho e da mais valia: A duração do trabalho ou a magnitude extensiva do trabalho; a intensidade normal do trabalho ou sua magnitude intensiva, segundo a qual dada quantidade de trabalho é despendida em determinado espaço de tempo; e finalmente, a produtividade do trabalho, segundo a qual a mesma quantidade de trabalho fornece no mesmo tempo uma quantidade maior ou menor de produto, dependendo do grau de desenvolvimento das condições de produção (MARX, 1984, p. 596). Como afirma ainda o autor, o salário assume as mais variadas formas, mas que podem ser resumidas em duas principais: salário por tempo e salário por peça. Como a força de trabalho é vendida por determinado espaço de tempo, a forma em que se apresenta o seu valor diário ou semanal é a de salário por tempo. Ao analisar o salário por tempo, é preciso distinguir o salário diário, semanal e o preço do trabalho (valor monetário de determinada quantidade de trabalho). Assim afirma Marx (1984): Pode-se formular a seguinte lei geral: Dada a quantidade de trabalho por dia, por semana etc., o salário por dia ou por semana depende do preço do trabalho, o qual varia por sua vez, seja com o valor da força de trabalho, seja com os desvios do preço dela em relação ao valor. Mas, dado o preço do trabalho, o valor do salário por dia ou por semana depende da quantidade do trabalho diário ou semanal (MARX, 1984, p. 629). Por isso, o trabalhador precisa realizar uma média de horas por dia para receber um salário diário que corresponda ao valor da sua força de trabalho ou aos meios de subsistência necessários para sua reprodução. No entanto, Marx esclarece que há uma forma de remuneração na qual o salário por tempo é praticado sem considerar uma jornada de trabalho: Se o salário por hora for fixado de modo que o capitalista não se obrigue a pagar o salário de um dia ou de uma semana, mas apenas as horas de trabalho em que lhe apraz ocupar o trabalhador, poderá ele empregá-lo por espaço de tempo inferior ao que serviu originalmente de base para calcular o salário por hora ou a unidade de medida do preço do trabalho. Sendo essa unidade de medida determinada pela proporção valor diário da força de trabalho dividido por jornada de trabalho com dado número de horas, perde ela naturalmente qualquer sentido quando a jornada de trabalho deixa de contar determinado número de horas. Rompe-se a conexão entre trabalho pago e não pago. O capitalista pode então extrair do trabalhador determinada quantidade de trabalho excedente sem lhe proporcionar o tempo de trabalho necessário à própria manutenção (MARX, 1984, p. 630). 36 Marx, em seguida, analisa as implicações desse tipo de remuneração: [...] pode destruir toda regularidade da ocupação e fazer alternarem-se de acordo com sua comodidade, arbítrio e interesse momentâneo, o mais monstruoso trabalho excessivo com a desocupação relativa ou absoluta. Pode, sob o pretexto de pagar o ‘preço normal do trabalho’ prolongar anormalmente a jornada de trabalho sem qualquer compensação correspondente para o trabalhador [...]. A limitação legal da jornada de trabalho pôs fim a este abuso (MARX, 1984, p. 630). Como é possível observar, o salário por hora, sem estar baseado em uma jornada de trabalho, permite o mesmo que o salário por peça: uma combinação entre trabalho excessivo e a desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho e uma total insegurança de renda para o trabalhador. O salário por hora e o salário por peça são expressões de um mesmo fenômeno e explicam, conforme será visto adiante, o trabalho intermitente e o trabalho em plataformas digitais. O salário por peça é, por sua vez, uma forma na qual se converte o salário por tempo, assim como o salário é uma forma na qual se converte o valor ou preço da força de trabalho, conforme explica Marx (1984). A diversidade na forma de pagamento não altera sua natureza, mas uma pode ser mais favorável que a outra ao desenvolvimento da produção capitalista. Essas formas podem também ser combinadas. Marx demonstra que os capitalistas combinam as duas formas de remuneração, por tempo e por peça, como forma de rebaixar o salário. Quando o salário por peça vigora há muito tempo e eleva os salários individuais, os capitalistas o transformam em salário por tempo. Marx (1984) esclarece um dos aspectos principais que tornam essa forma de remuneração tão mistificadora: O salário por peça dá à primeira vista a impressão de que o valor de uso vendido pelo trabalhador não é em função de sua força de trabalho, o trabalho vivo, mas o trabalho já materializado no produto, e de que o preço desse trabalho não é determinado, como no salário por tempo, pela fração valor diário da força de trabalho dividido pela jornada de trabalho de determinado número de horas, mas pela capacidade de produção do trabalhador (MARX, 1984, p. 636). O salário por peça também permite ao capitalista uma medida precisa da intensidade do trabalho. “Só se considera, então, tempo de trabalho socialmente necessário, sendo como tal pago, o tempo de trabalho que se corporifica numa determinada quantidade de mercadorias previamente determinada e fixada pela experiência” (MARX, 1984, p. 639). A qualidade do trabalho é controlada pelo próprio resultado, que tem que possuir uma qualidade média para que o salário seja pago integralmente. Assim afirma Marx (1984): 37 “desse modo, o salário por peça se torna terrível instrumento de descontos salariais e de trapaça capitalista” (MARX, 1984, p. 639). Sendo a qualidade e a intensidade controladas pela forma de salário, torna-se desnecessário o trabalho de inspeção e se permite que se insiram intermediários, entre o capitalista e o trabalhador, a fim de subalugar o trabalho e auferir ganhos sobre a diferença entre o preço do trabalho pago e o efetivamente recebido pelo trabalhador. Assim afirma Marx (1984): O salário por peça constitui [...] um sistema hierarquicamente organizado de exploração e opressão. Esse sistema possui duas formas fundamentais. Numa, o salário por peça facilita que, entre o capitalista e o trabalho se insiram parasitas que subalugam o trabalho [...]. Chama-se a isto, na Inglaterra, de sistema de suadouro (sweating system). Noutra o salário por peça permite ao capitalista contratar o trabalhador principal [...] estabelecendo um tanto por peça, um preço pelo qual o trabalhador principal se obriga a recrutar e a pagar seus auxiliares. A exploração dos trabalhadores pelo capital se realiza então por meio da exploração do trabalhador pelo trabalhador (MARX, 1984, p. 640). Enquanto no regime de salário por tempo, ele é igual para todos os trabalhadores, com poucas exceções, no salário por peça, ele é diário ou semanal e pode variar com as diferenças individuais dos trabalhadores, sua habilidade, força, energia e persistência. Assim explica Marx (1984): [...] a maior margem de ação proporcionada pelo salário por peça influi no sentido de desenvolver, de um lado, a individualidade dos trabalhadores e com ela o sentimento de liberdade, a independência e o autocontrole, e, do outro, a concorrência e a emulação entre eles. Por isso o salário por peça tende a baixar o nível médio dos salários, elevando salários individuais [...]. O salário por peça, finalmente, é um dos principais arrimos do sistema de pagar o salário por hora (MARX, 1984, p. 641-642). Embora não fosse uma novidade, tendo existido já no século XIV, o salário por peça foi predominante na denominada fase juvenil da grande indústria, período entre 1797 e 1815, sendo a forma de remuneração de 4/5 de todos os trabalhadores fabris. Como meio ideal de prolongar a jornada de trabalho e rebaixar o preço do salário, “evidencia-se que o salário por peça é a forma mais adequada ao modo capitalista de produção” (MARX, 1984, p. 642). Marx demonstra que os capitalistas combinam as duas formas de remuneração, por peça e por tempo de trabalho, tornando vantajoso aos que trabalham por peça prolongar o seu trabalho e obrigando, desse modo, os que trabalham por tempo, a estender sua jornada. Os trabalhadores, no entanto, se insurgiram tanto contra o salário por hora como contra o salário por peça, afirma o autor. Com a limitação da jornada de trabalho, os salários 38 por peça e por hora, sem a noção de uma jornada de trabalho, perderam relevância como forma de remuneração. Quase dois séculos depois, no entanto, essas duas formas de remuneração voltaram à tona, diante de condições históricas diferentes, tanto para o capital, como para o trabalho. Conforme analisado no Capítulo anterior, o método materialista dialético tem como objetivo analisar a transformação dos fenômenos no seu movimento. Essa mudança só é possível porque o fenômeno ou matéria já carrega em si os elementos que preparam a transição para a sua nova forma. O fenômeno analisado neste trabalho são as mudanças profundas vivenciadas pelo mundo do trabalho nas últimas décadas, principalmente, desde os anos 1970, nos países ricos, e 1990, nos países pobres, em particular, o Brasil. Tanto o trabalho intermitente como o trabalho em plataformas digitais são uma expressão desse fenômeno. No caso das plataformas digitais, não há reconhecimento sequer da existência de uma relação de assalariamento. No Brasil, o assunto está em discussão. Há a tentativa de classificar esses trabalhadores como empreendedores individuais. Na Califórnia, por exemplo, uma lei submetida a referendo popular e posteriormente declarada inconstitucional, conhecida como “Proposição 22”, afirmava que esses trabalhadores deveriam ser reconhecidos como autônomos (SAMMON, 2020). A expansão das plataformas digitais, propiciada pelo desenvolvimento da tecnologia, permite que o ressurgimento da forma de remuneração por peça e por hora se generalize e se dê em escala mundial. A forma de remuneração é a forma como o trabalhador será pago pelo trabalho despendido numa determinada quantidade de horas, ou seja, está estreitamente vinculada à noção de jornada de trabalho e à noção de salário. O salário é parte do capital variável, que, somado ao capital constante, está na base da formação de mais valia. Parte-se da hipótese de que o conteúdo (a essência) salário se mantém, o que se altera é sua forma, e isso tem implicações profundas sobre o trabalho. Assim, a forma como os trabalhadores são remunerados pode incidir na intensidade, produtividade e no prolongamento da sua jornada de trabalho, permitindo uma maior extração de mais valia. A seguir, pretende-se fornecer indícios acerca da reintrodução da forma de remuneração por peça e por hora ao longo do século XX e início do XXI. 39 2.2 A instituição da jornada de trabalho Apesar da forma de remuneração por tempo de trabalho ser a mais comum empregada historicamente, existem outras formas de remuneração. Marx (1984) explica que a instituição de uma jornada de trabalho tal qual se estabeleceu na passagem do século XIX para o XX foi fruto de uma guerra civil de longa duração entre capitalistas e trabalhadores, na qual os trabalhadores conseguiram frear a exploração brutal e selvagem a que eram submetidos. Antes da sua instituição, vigoravam a forma de remuneração por peça e por hora, pela qual 4/5 dos trabalhadores industriais eram pagos (final do XVIII e início do século XIX). Em seguida, no auge da Revolução Industrial, vigorou, de forma predominante, a jornada por tempo, atingindo 67 a 77 horas semanais, atingindo seu pico em toda a história humana, 4.000 horas anuais por trabalhador conforme demonstra Sadi Dal Rosso (1996) e chegando ao limite da capacidade humana. Em seguida, a classe trabalhadora empreendeu diversas lutas no sentido de limitar a jornada de trabalho, pode-se citar: em 1848, o movimento cartista e a sua campanha pela jornada de trabalho de dez horas diárias; a Associação Internacional Socialista e a sua campanha internacional, em 1864, pela limitação da jornada de trabalho para oito horas diárias 15; em 1866, o Congresso Internacional dos Trabalhadores, em Genebra, que estabeleceu a jornada de trabalho de oito horas diárias; o 1º de maio de 1886, no qual os trabalhadores de Chicago, nos EUA, realizaram uma grande manifestação em prol da jornada de oito horas de trabalho e os líderes do movimento foram enforcados, dando origem ao “Dia Internacional do Trabalhador”, criado, em 1889, pelo Primeiro Congresso da Segunda Internacional Socialista, em Paris. Esse cenário de intensas lutas dos trabalhadores que instituíram, por fim, uma jornada de trabalho legal de oito horas diárias se contrasta muito com o cenário atual, de retrocesso do poder sindical e de perdas de direitos por parte dos trabalhadores, em que se verifica, segundo a hipótese deste estudo, um ressurgimento da forma de remuneração por peça e por Conforme demonstra Marx (1984), a Inglaterra, principal representante da produção capitalista tinha entre 1850 e 1867 uma lei fabril, que determinava uma jornada de 12 horas (6 às 18 horas) para os cinco dias da semana e 8 horas aos sábados (6h às 14h), totalizando 68 horas de jornada, incluindo aí o tempo para as refeições (8 horas semanais). De 1802 a 1833, o parlamento britânico promulga cinco leis sobre trabalho, mas não vota recursos para a sua aplicação. O mesmo na França. Uma jornada normal de trabalho para a indústria moderna só aparece com a lei fabril de 1833. Entre 1833 e 1864, a jornada começa às 5 ½ manhã e termina 8 ½ da noite, compreendendo 15 horas diárias. 15 40 hora, em outras palavras, uma transição da forma de remuneração por tempo para a forma de remuneração por peça e por hora. Antes de adentrar nos aspectos que sinalizam para essa transição, será feita uma recapitulação dos aspectos econômicos que engendram essa mudança, a partir da teoria do valor. 2.3. A crise do capitalismo e a necessidade de redução dos salários Marx (1984) afirma que há uma lei do modo de produção capitalista – a lei da tendência à queda da taxa de lucro –, que estabelece que o desenvolvimento progressivo da produtividade social do trabalho promove um decréscimo do capital variável (força de trabalho, salário) e um consumo de capital constante (meios de trabalho, máquinas, capital fixo e matérias-primas) cada vez maior, levando à queda do preço do produto. Cada produto individual passa a conter quantidade menor de trabalho, “Daí resultando diretamente que a taxa de mais valia, sem variar e mesmo elevando-se o grau de exploração do trabalho, se expresse em taxa geral de lucro em decréscimo contínuo” (MARX, 1984, p. 243). Marx pontua os fatores contrários à lei e utilizados para tentar conter a queda da taxa de lucro: a) o aumento do grau de exploração do trabalho, b) a redução dos salários, c) a baixa de preço dos elementos do capital constante, d) a superpopulação relativa, e) o comércio exterior e f) o aumento do capital em ações. Assumindo que essa lei opera determinando o modo como o capital irá agir nos momentos de crise, diante das crises de superacumulação do capital a partir de 1967 e 1982, com o objetivo de incidir diretamente nos itens elencados acima, serão adotadas algumas medidas, como políticas de austeridade, racionalização dos processos de produção, transferência de indústrias para os países atrasados e reorganização dos sistemas de trabalho no ocidente industrializado, bem como a manutenção de taxas de desemprego elevadas. Sendo os custos de produção a soma do capital variável e do capital constante, os capitalistas transformarão a necessidade de reduzir os salários como um dos objetivos estratégicos a partir de então (FRANK, 1979). Surgirá, ainda, uma nova ideologia para justificar todas essas medidas: o neoliberalismo 16. 16 Segundo Saad-Filho e Deborah Johnston (2005), o neoliberalismo “abrange uma ampla gama de fenômenos sociais, políticos e econômicos em diferentes níveis de complexidade, alguns altamente abstratos, como o crescente poder das finanças ou a degradação da democracia, enquanto outros relativamente concretos, como 41 Essas medidas e essa ideologia fizeram parte de uma nova postura do imperialismo17 no plano político, saindo da defensiva que caracterizou os anos de 1967-1973 - marcados por queda das taxas de lucro, direitos sociais conquistados pelos trabalhadores, grandes mobilizações de contestação ao capitalismo e fim dos impérios coloniais - para a ofensiva (NETTO; BRAZ, 2006). Será visível, a partir da década de 70, com a recessão, inflação e altos índices de desemprego, nos países ricos, a diminuição das greves e o enfraquecimento dos sindicatos (MCILROY, 2002; BEYNON, 2002). A partir dos anos 1980, o capitalismo entra na sua fase de “financeirização”. A finança, afirma Husson (2010), é o instrumento que promove um retorno do capital ao seu funcionamento “puro”, livre de regras e restrições impostas a esse sistema ao longo de décadas. A virada neoliberal promove uma retomada da taxa de lucro, mas essa não leva a um aumento durável e generalizado da acumulação capitalista, sendo a característica principal do capitalismo contemporâneo a intensidade da concorrência (hiperconcorrência) entre capitais, facilitada pela financeirização. Esse período é caracterizado, portanto, como de crescimento medíocre, de fraco avanço da produtividade e de uma derrota do trabalho em relação ao capital, com a desvalorização do salário. Nessa etapa, os trabalhadores se veem em concorrência em escala mundial, conforme afirma o autor: A mundialização capitalista é fundamentalmente a colocação dos trabalhadores em concorrência em escala planetária mediante os movimentos de capitais. Dizer que o espaço de valorização se estende ao conjunto da economia mundial implica que as normas de exploração tendem também a se universalizar, por um tipo de determinação inversa. Esse resultado pode parecer evidente: a busca da taxa de lucro máximo implica a de uma taxa de exploração a mais elevada possível. O que mudou é a escala do espaço no interior da qual se encerram esses mecanismos (HUSSON, 2010, p. 319). Esse é o contexto histórico e econômico de transição de uma forma de remuneração a outra. A partir dos anos 1970, nos países ricos, e nos anos 1990, nos países pobres, o a privatização ou a relação entre estados estrangeiros e organizações não-governamentais locais (ONGs)” (SAAD-FILHO;JOHNSTON, 2005, p. 1), reunindo ideias de diversas fontes, como Adam Smith, a economia neoclássica, a crítica austríaca ao keynesianismo, o monetarismo, dentre outras. O neoliberalismo pode ser explicado também a partir das suas ideias mais difundidas, como a de que o bem-estar da humanidade pode ser melhor promovido pelo incentivo às liberdades e capacidades empreendedoras do indivíduo e cabe ao Estado criar e preservar uma estrutura institucional que garanta direitos à propriedade privada, aos livres mercados e ao livre comércio. Ao Estado cabe, ainda, segundo seus pensadores, estabelecer funções militares, de defesa e de polícia para garantir os direitos de propriedade individuais e para a assegurar, se necessário pela força, o funcionamento dos mercados (HARVEY, 2008). 17 Lenin (1979) define o imperialismo como etapa histórica do capitalismo, na qual a livre concorrência dá lugar à concentração da produção em grandes monopólios e há a fusão ou interpenetração dos bancos com a indústria. Essa é uma fase de predomínio do capital financeiro (LENIN, 1979). 42 discurso de flexibilidade das horas de trabalho e das formas de remuneração ganha força, conforme afirma Dal Rosso (2017): “A redução da flexibilidade é um fato esperado em períodos de forte crescimento e acumulação capitalista, assim como seu retorno e do desemprego em períodos de crise financeira acentuada, como aconteceu a partir de 20072008” (DAL ROSSO, 2017, p. 38).2.4. Salário por tempo e por peça no século XX Desde a entrada do século XX, há o início de um debate em torno da forma de remuneração por peça como mecanismo ideal para aumento da produtividade e intensidade do trabalho. Segundo Dubal (2000), na passagem do século XIX para o XX houve um ressurgimento do salário por peça no trabalho em domicílio realizado por mulheres para a indústria do vestuário, nos Estados Unidos. Essas mulheres, sem acesso ao mercado de trabalho, eram submetidas à superexploração nos interiores das suas casas, trabalhando por oito a dez horas por dia por metade do que as operárias nas fábricas ganhavam, para complementar a renda familiar (DUBAL, 2020). Como resposta à crise de 1929, o governo norte-americano adotou um programa econômico baseado na teoria de Keynes, o “New Deal”. A política keynesiana propôs então restabelecer o equilíbrio econômico, por uma política fiscal, creditícia e de gastos, realizando investimentos nos períodos de depressão como estímulo à economia. Tal política, aliada ao fordismo-taylorismo, com consumo de massa e produção de massa, estabeleceu um período de geração de empregos e de instituição de serviços públicos, dentre eles as políticas sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). Isso fez refluir o salário por peça, que voltou à legislação trabalhista norte-americana somente na década de 1980 (DUBAL, 2020). Nos países europeus, sabe-se que, no período entre os anos de 1930 e 1960, como fruto das lutas dos trabalhadores durante o século XIX, houve a conformação de um Estado de Bem-Estar Social. Ao lado de trabalhos regulamentados, em tempo integral e elevado nível de emprego, existia uma ampla gama de políticas sociais que garantiam serviços de habitação, educação, saúde, seguridade social e assistência social à população (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). Conforme visto acima, a partir dos anos 1970, nos países ricos, e dos anos 1990, nos países pobres, o capital entra em um processo de crise econômica e ofensiva contra a classe trabalhadora. Têm-se, a partir desse período, a introdução do Sistema Toyota de Produção, baseado na produção sob demanda, com estoque zero e na redução permanente de mão de obra, conforme será visto adiante. 43 A partir dos anos 1980, surgiu na literatura econômica liberal dos países ricos, a proposta de retomada da remuneração por peça como forma de aumento da produtividade e intensidade do trabalho (LAZEAR, 2000; SEILER, 1982). Lazear (2000) e Seiler (1982) defenderam, nesse período, um retorno ao salário por peça ou por resultados, afirmando os seus benefícios. Conforme afirmam as suas pesquisas, a introdução dessa forma de remuneração permite a contratação de trabalhadores mais produtivos, servindo como medida da produção individual e aumentando a produtividade daqueles que são mais habilidosos ou ambiciosos, mas produzem menos do que podem no sistema de salário por tempo. No Brasil, segundo Dal Rosso (2017), a regulação das horas de trabalho teve início nos anos 1930 em um movimento que culminou na Consolidação da Legislação Trabalhista, em 1943, enquanto nos países ricos, a jornada padrão se estabeleceu no século XIX. Com a CLT, estabeleceu-se no Brasil uma jornada de oito horas diárias nos seis dias da semana, com 48 horas semanais, com a possibilidade de duas horas extras ao dia e a compensação de dias ou horas de trabalho dentro da mesma semana. Segundo o autor, diferente de outros países, a legislação brasileira já nasceu com uma certa flexibilidade de horas de trabalho. Ademais, com o tempo, foram sendo adotados contratos de trabalho flexíveis, como o contrato temporário, o trabalho eventual, o sistema de diárias, os contratos informais, as “empreitadas”, dentre outras modalidades que o autor denomina flexibilidade préregulamentada, que anteciparam muito a flexibilidade de horários que se verificou com maior força nos anos 1990. Nos anos 1980-1990, houve um avanço grande da flexibilização dos horários e uma expansão do salário por peça como remuneração de algumas categorias de trabalhadores (TAVARES; DE LIMA, 2009; BEZERRA; LEITÃO, 2017). Os cortadores de cana são a categoria por excelência do salário por peça no país. Segundo Tavares e Trindade de Lima (2009), até meados da década de 1960, os trabalhadores do setor sucroalcooleiro eram remunerados de forma predominante mediante salário por tempo. A partir da década de 1970, os cortadores de cana passaram a ser remunerados por produção, seja por metro linear de cana cortada ou por tonelada, engendrando formas de escamotear e reduzir o valor pago pela produção (ALVES, 2006)18, situação que se agrava nos anos 1990 e 2000. “No século XVIII e XIX, os trabalhadores recebiam por produção e tinham o controle da sua produção, hoje os trabalhadores não controlam nem a medida do seu trabalho nem o valor do seu trabalho [...]. Dessa forma, fica claro que o pagamento por produção, além de ser uma forma de pagamento arcaica, perversa e desgastante, no caso da cana, é mais perverso ainda, pois o ganho não depende apenas dos trabalhadores, mas de uma 18 44 Segundo Francisco Alves (2006), o salário por peça com o qual é remunerado o cortador de cana na atualidade, no Brasil, é pior do que o praticado no auge da Revolução Industrial, conforme descreve Marx. O autor atesta que a produtividade do trabalho dos cortadores de cana aumentou exponencialmente na passagem de uma forma de remuneração para outra, sendo o pagamento por produção ou salário por peça o responsável pela morte dos trabalhadores por exaustão (ALVES, 2006). Juliana Marília Colli (1998) demonstra que os trabalhadores da indústria também se viram afetados pela introdução do salário por peça. Segundo Durand (1985), as indústrias façonistas (forma de trabalho que antecedeu a produção de tecidos de roupas do século XIX) se implantaram no Brasil em 1933, mas tiveram um crescimento vertiginoso a partir de 1960 com a conversão do tecelão assalariado em façonista e o emprego da força de trabalho familiar. O “façonismo” se trata de uma prestação de serviço que envolve empresas de tecelagem ou intermediários comerciais, que possuem a matéria-prima, e proprietários de teares que oferecem sua máquina e a sua força de trabalho contratada, sendo o trabalho pago por metro linear de tecido. Colli (1998) demonstra que, no ramo têxtil de Americana, no Estado de São Paulo, ocorreu o ressurgimento, na década de 1990, dessa forma de remuneração. Nos anos 2000, houve a regulamentação de outros mecanismos de flexibilização, como o trabalho aos domingos e dias feriados para as “atividades do comércio” (Lei nº 10.101/2000), o trabalho em tempo parcial elevado de 20 para 25 horas semanais (Medida Provisória nº 2.164/2001 19), os regimes de trabalho em turnos de 12 por 36, dentre outras medidas. Mas até 2010, na indústria brasileira, verificava-se que a maioria das pessoas estavam ocupadas em jornadas-padrão de 40 a 44 horas semanais e reguladas, contendo ainda 15% de trabalhadores por conta própria, artesãos e autônomos (DAL ROSSO, 2017). Nas unidades organizadas na base da força de trabalho familiar, as jornadas equivalem, geralmente, ao período que antecede a Revolução Industrial, afirma o autor, de tão excessivas. Como é o caso do ramo têxtil, mencionado acima, confirmando um aspecto do conversão feita pelo departamento técnico das usinas” (ALVES, 2006, p. 93). Como demonstra Francisco Alves (2006), há mecanismos utilizados pelos usineiros para trapacear o valor pago pela produção, confirmando um dos aspectos mais perversos do salário por peça. 19 Em vigor por força do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 2001. 45 salário por peça: o de ser um sistema hierárquico de exploração e opressão do trabalhador sobre outros trabalhadores. Segundo Dal Rosso (2017), ao verificar os setores de atividade econômica do país, a construção civil historicamente concentra jornadas excessivas e pouca flexibilidade de horários. Sendo educação e saúde as áreas com carga horária reduzida e regimes flexíveis, como salário por hora, no caso dos professores principalmente da rede privada, e turnos parciais e de 12 horas por 36, no caso dos trabalhadores da saúde. Nessas duas áreas, aproximadamente apenas 50% dos trabalhadores trabalham em jornadas-padrão, segundo o autor. Como é possível verificar, as formas de remuneração diferentes convivem ao longo do tempo, uma predomina sobre a outra em determinado momento histórico, dependendo das circunstâncias sociais e econômicas, com a flexibilidade de horários ganhando força em momentos de crises econômicas e sociais, conforme afirma Dal Rosso (2017). Dessa forma, segundo o autor, enquanto nos países ricos se opera uma transição do regime de trabalho de tempo integral para um regime de trabalho com horários flexíveis e desregulamentados, no Brasil, a transição para as jornadas de tempo integral regulamentadas sequer se completou, com, em 2010, 66% das pessoas ocupadas em horários flexíveis e 34% em horários rígidos e 41,2% dos trabalhadores trabalhando durante 45 horas ou mais com forte presença do trabalho excessivo, exercido em 49 horas ou mais por semana (DAL ROSSO, 2017). 2.4 Regimes de acumulação versus flexibilidade das horas de trabalho e formas de remuneração De acordo com Dal Rosso (2017), a flexibilidade dos tempos de trabalho e das formas de remuneração visa centralmente oferecer uma solução para um problema econômico e retirar um entrave que impede o desenvolvimento ou a acumulação de capital nas empresas. A flexibilidade das horas de trabalho cumpre um papel fundamental para o capitalismo na atualidade. Permite-se, com a reorganização do processo de trabalho e dos tempos de trabalho, o questionamento da própria existência de uma jornada de trabalho, conquista histórica dos trabalhadores em todo o mundo: A flexibilidade de horário rompe com esse esquema considerado rígido e inamovível, introduzindo a possibilidade de variação na distribuição desses horários durante o período laborativo [...]. A flexibilidade salarial corresponde a 46 diminuições das remunerações recebidas. Também pode significar a mudança qualitativa da forma de pagamento de salários, envolvendo bônus, incentivos e metas (DAL ROSSO, 2017, p. 63). Segundo o autor, a flexibilidade das horas de trabalho e de remuneração atua tanto na extração de mais valia absoluta, quando permite o prolongamento da jornada de trabalho, quanto na mais valia relativa, quando permite a intensificação do trabalho e a redução dos custos do capitalista com a reprodução da força de trabalho: O trabalho flexível está inextrincavelmente vinculado à teoria do valor. A chave do segredo consiste em que ele propicia, ao mesmo tempo, o aumento dos valores produzidos pela força de trabalho em horários flexíveis e a redução dos gastos do empregador com o pagamento da reprodução da força de trabalho [...]. O trabalho flexível adequa-se também à elevação da composição orgânica do capital, repercutindo, portanto, sobre o mais-valor relativo. Não opera somente em condições em que prevalece o mais-valor absoluto (DAL ROSSO, 2017, p. 270). Autores da chamada “escola da regulação” interpretam esse fenômeno de outra forma. Segundo eles, o capitalismo desenvolver-se-ia por regimes de acumulação, dos quais se conhecem dois: fordismo/keynesianismo e acumulação flexível (DAL ROSSO, 2017). Eles interpretam as mudanças vivenciadas a partir dos anos 1970 como parte de uma crise estrutural do regime de acumulação fordista-keynesiano, fase particular do desenvolvimento capitalista (ARRIGHI, 1996). Para Dal Rosso (2017), esses conceitos não apresentam elementos analíticos para compreender o processo e o mecanismo de funcionamento do sistema pela ausência da teoria do valor nas suas formulações (DAL ROSSO, 2017). Segundo o autor, tanto os autores que definem esse processo segundo a concepção de sistema de produção enxuta ou sistema de produção Toyota, que se contrapõe à produção em massa representada pelo fordismo/taylorismo, como aqueles que defendem a concepção de acumulação flexível estão escrevendo sobre os mesmos processos. Sob o Toyotismo, a produção em grande escala é substituída pela produção sob demanda, com estoque zero, e há um movimento do capital no sentido de deslocar unidades produtivas para países atrasados, onde é possível intensificar a exploração da mão de obra e pagar salários e matérias-primas a preços mais baixos. Com a incorporação de novas tecnologias ao processo de trabalho, ocorre uma redução na quantidade de trabalhadores empregados e um aumento do desemprego (NETTO; BRAZ, 2006). Esse processo é, comumente, denominado também de reestruturação produtiva. 47 Os autores Antunes (2011); Antunes (2002); Antunes (2018); Alves (2011); Alves (2008) e José Paulo Netto e Marcelo Braz (2006) enfatizam que os novos métodos de gestão ou regulação adotados por esse sistema de gestão denominado Just in time - como o kanban, andon, círculos de controle de qualidade - são responsáveis por incidir de forma peculiar sobre a subjetividade dos trabalhadores e aumenta a subsunção do trabalho ao capital. “O capital empenha-se em quebrar a consciência de classe dos trabalhadores: utiliza-se o discurso de que a empresa é a sua ‘casa’ e que eles devem vincular o seu êxito pessoal ao êxito da empresa” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 217), referindo-se a eles não mais como “empregados”, mas como “colaboradores” ou “parceiros” 20. Tal aspecto é analisado por Giovanni Alves como um dentre tantos outros meios utilizados para promover a “captura da subjetividade” do trabalhador (ALVES, 2008). Como resposta à crise do fordismo dos anos 1970, o Toyotismo institui o operário polivalente, que se integra em uma equipe de trabalho, fabrica um produto para satisfação do consumidor, que passa por um controle de qualidade, em uma fábrica que opera com estoque zero. Conforme afirma Ricardo Antunes estaríamos diante de um processo de “estranhamento do ser social que trabalha”, um “estranhamento pós-fordista” (ANTUNES, 2002, p. 42): A subsunção do ideário do trabalhador àquele veiculado pelo capital, a sujeição do ser que trabalha ao ‘espírito’ Toyota, à ‘família’ Toyota, é de muito maior intensidade, é qualitativamente distinta daquela existente na era do fordismo. Esta era movida centralmente por uma lógica mais despótica; aquela, a do Toyotismo, é mais consensual, mais envolvente, mais participativa, em verdade mais manipulatória (ANTUNES, 2002, p. 43). Segundo o autor, as transformações vivenciadas pelos trabalhadores industriais em maior ou menor escala acarretam grandes mudanças: Essas transformações, presentes ou em curso, em maior ou menor escala, dependendo de inúmeras condições econômicas, sociais, políticas, culturais etc., dos diversos países onde são vivenciadas, afetam diretamente o operariado industrial tradicional, acarretando metamorfoses no ser do trabalho. A crise atinge intensamente, como se evidencia, o universo da consciência, da subjetividade do trabalho, das suas formas de representação (ANTUNES, 2002, p. 43). Essa mudança de terminologia, muito utilizada no Brasil, parece não ter se difundido nos países ricos. Nos Estados Unidos, os trabalhadores são denominados “employee”, ou seja, “empregados”. De forma semelhante é na França, onde se emprega o termo “employé”. Na Alemanha, a designação é “Mitarbeiter”, sendo “Arbeiten” do verbo trabalhar e “Mit” uma preposição que significa “com”, na tradução literal “cotrabalhador”. No Reino Unido, utiliza-se o termo “worker”, ou seja, “trabalhador”. 20 48 Giovanni Alves (2007) afirma que o momento predominante da reestruturação produtiva ou Toyotismo é a captura da subjetividade do trabalho, que possui maior densidade manipulatória que a organização fordista-taylorista. Assim, o autor ressalta que: Se no modo de organização fordista do trabalho tínhamos uma integração ‘mecânica’ do corpo produtivo, no Toyotismo temos uma integração ‘orgânica’ do coletivo de trabalho, o que pressupõe, portanto, um novo perfil do trabalhador assalariado central. O Toyotismo reconstitui, sob novas condições sociotécnicas (e culturais), o trabalhador coletivo como força produtiva do capital [...]. Entretanto, o que é integração ‘orgânica’ para o capital, aparece como ‘fragmentação sistêmica’ da classe trabalhadora assalariada, isto é, ‘fragmentação’ de consciência de classe contingente e de seus estatutos salariais com a constituição do precário mundo do trabalho a partir da proliferação dos contratos de trabalho atípicos (ALVES, 2007, p. 187). Segundo Alves (2007), portanto, o Toyotismo produz uma nova subjetividade dos trabalhadores que incide na sua organização sindical e, portanto, é também responsável pela difusão de formas precárias de trabalho. No entanto, como interpretar o fenômeno das plataformas digitais a partir do Toyotismo? Iuri Tonelo (2020) questiona se não estaríamos vivenciando uma nova reestruturação produtiva pós-crise de 2008, que estaria superando qualitativamente aquela ocorrida no período neoliberal, no sentido de aprofundamento dos métodos empregados até então, no interior de novas condições econômicas. O autor observa que há uma mudança de qualidade nas relações trabalhistas e identifica como principais eixos desse processo em curso as mudanças na legislação trabalhista, os impactos laborais do fenômeno da imigração e a introdução de novas tecnologias no mundo do trabalho, principalmente das plataformas digitais, que estariam promovendo uma implosão da jornada de trabalho e de todos os direitos trabalhistas. Este trabalho assume o ponto de vista de que um aspecto primordial para o entendimento dessas formas mais recentes de trabalho precário e a sua interpretação como fenômeno histórico está relacionada às formas de remuneração. Nesse sentido, Tonelo (2020) propõe uma interpretação desse fenômeno a partir da hipótese de que houve uma evolução da forma de remuneração. Após mudanças quantitativas graduais, têm-se um salto de qualidade. Segundo o materialismo dialético, as mudanças qualitativas só podem se realizar por acréscimo ou subtração quantitativa de matéria ou de movimento. Essas mudanças qualitativas ocorrem quando há uma interpenetração de contrários, ou seja, a forma de remuneração por peça e por hora existia já no século XV e se torna predominante no século 49 XVIII, no entanto, é negada pela forma de remuneração por tempo, o seu contrário. A instituição da jornada de trabalho no final do século XIX, a partir das lutas dos trabalhadores, é o salto qualitativo que promove essa transição. No entanto, no século XX e início do XXI, a luta entre a classe trabalhadora e a burguesia em torno dessas duas formas de remuneração levou a mudanças quantitativas, nas quais os salários por peça e por hora foram sendo reintroduzidos até o novo salto de qualidade que foram as reformas trabalhistas. As reformas permitiram um retorno à remuneração por peça e por hora, em outras condições históricas e em outra fase do capitalismo, de predomínio das finanças, sendo o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente os casos particulares mais expressivos dessa mudança qualitativa. 2.5 O salário por peça e por hora sob o Fordismo e o Toyotismo Apesar de se caracterizar como o regime por excelência do trabalho em tempo integral e com direitos, o fordismo-taylorismo já carregava em si elementos da forma de remuneração por peça. Frederick Taylor, o engenheiro norte-americano responsável pela introdução da administração científica na gestão do trabalho, vê no salário por peça um importante instrumento de aumento da produtividade do trabalho. Frederick Taylor (1919) já previa na sua metodologia um sistema de pagamento por quantidade produzida ou vendida e de acordo com o rendimento individual. O engenheiro defendia que o salário de cada operário fosse aumentado proporcionalmente ao rendimento e, ainda, ao perfeito acabamento do serviço. O objetivo era selecionar trabalhadores mais eficientes, encurtar o tempo de realização de cada trabalho, estudar o tempo exato utilizado para executar cada trabalho, estabelecer um sistema de recompensas para estimular a ambição e iniciativa dos trabalhadores, eliminar movimentos falsos, lentos ou inúteis e estudar os motivos que influenciam os trabalhadores a aumentar sua carga de trabalho (TAYLOR, 1919). Taylor (1919) defende também que a recompensa sobre o trabalho executado seja feita no dia trabalhado, o que no trabalho em plataforma digital - no qual essa forma de remuneração se apresenta no seu aspecto puro - é feito a cada entrega realizada: Para que resulte efetiva em estimular as pessoas para que façam o melhor trabalho que possam, toda recompensa tem que chegar pouco depois de que o trabalho tenha acabado. São muito poucas as pessoas que contemplam um futuro além de uma semana ou quiçá de um mês, quanto mais que trabalhem arduamente por uma recompensa que irão receber ao final desse tempo. Para que faça tudo quanto pode, 50 o trabalhador tem de ser capaz de medir o que fez e de ver claramente sua recompensa ao final de cada dia (TAYLOR, 1919, p. 86, tradução nossa). Em um artigo à American Society of Mechanical Engineers denominado “A piece rate system”, Taylor afirma que o sistema de salário por peça possui as seguintes vantagens: É de interesse comum tanto da administração quanto dos homens cooperar em todos os sentidos, de forma a produzir a cada dia a máxima quantidade e melhor qualidade de trabalho; O sistema é rápido, enquanto outros sistemas são lentos, para atingir o máximo da produtividade de cada máquina e homem; Ele seleciona e atrai automaticamente os melhores homens para cada classe de trabalho (TAYLOR, 1896, p. 2, tradução nossa). No entanto, prevaleceu, durante o regime taylorista-fordista, a hegemonia da jornada de trabalho de oito horas semanais. Conforme afirma Dal Rosso (2017): Durante o regime fordista de organização do trabalho, os tempos foram regulados por lei na maioria dos casos ou acordados por negociações e contratações, tendo o trabalhador atingido sua melhor condição com um padrão de trabalho de quarenta horas semanais distribuídas de forma invariável durante os cinco dias da semana (DAL ROSSO, 2017, p. 63). Esse período também foi caracterizado como de importantes lutas dos trabalhadores que ampliaram direitos e solidificaram conquistas. Nos anos do fordismo-taylorismo vigorava um relativo crescimento econômico e, talvez por isso o salário por peça não fosse predominante, não sendo um instrumento interessante para os capitalistas naquele momento, tendo em vista ainda que os movimentos grevistas mantinham os trabalhadores na ofensiva na luta de classes, impedindo o rebaixamento dos salários e a perda de direitos. O salário por peça se torna bastante útil no período em que o toyotismo é introduzido como método de gestão e organização do trabalho, um momento de crise do sistema capitalista, permitindo ao capitalista utilizar a mão de obra nos momentos em que lhe convém, rebaixar os salários e incentivar os trabalhadores a prolongar sua jornada de trabalho de forma a aumentar seu salário individual, aumentando a extração de mais valia, em um contexto também de retrocesso do poder sindical. Diversos autores também identificam elementos do salário por peça de forma evidente no Sistema Toyota de Produção, que passa a vigorar nos anos 1970 em diante. O regime de produção toyotista é introduzido nos países subdesenvolvidos nos anos 1990. No Brasil, Juliana Colli (1998) defende que os efeitos nefastos da reestruturação produtiva ou Toyotismo nas condições de vida e trabalho da classe trabalhadora estão relacionados à reintrodução do que ela denomina “lógica do salário por peça”: 51 A lógica do salário por peça está presente nas indústrias que implantam técnicas do ‘modelo japonês’ ou do ‘Toyotismo’, forçadas a isso pelas mudanças nos padrões de competitividade e qualidade, mas também na extensa rede de serviços e de subcontratações. Podemos então deduzir que, tanto dentro como fora da indústria, existe algo desta lógica em comum que se baseia na relação salarial individualizada e mensurada pela produtividade (pelo número de peças produzidas) (COLLI, 1998, p. 78). Ademais, O controle de qualidade feito pelo próprio trabalhador, agregado ao aumento da produtividade em equipe, à maior autonomia no trabalho, e o aumento do salário relacionado ao aumento da produtividade, isto é, de acordo com o aumento no número de peças produzidas em equipe, traduzem em poucas linhas uma similaridade muito grande entre esta forma de organização com as formas pretéritas de organização do trabalho (COLLI, 1998, p. 77). Como é possível perceber, a perspectiva de Colli (1998) corrobora com a hipótese desse trabalho. O salário por peça foi reintroduzido sob o Toyotismo, de forma mesclada com o regime salarial por tempo. Há uma evolução da forma de remuneração no sentido do seu retrocesso à remuneração por peça e por hora, que eram formas de remuneração existentes já no século XV, período marcado pelo início da organização do trabalho e da própria transição para o capitalismo como modo de produção. Portella e Narloch (2013) analisam que, sob essas formas de organização do trabalho, o pagamento do trabalhador é mensal, mas fica condicionado às metas individualizadas de produtividade, expressas nas comissões, bônus e na participação nos lucros e resultados. Isso leva, também, à maior captura da subjetividade dos trabalhadores, à emulação do trabalho e à concorrência entre eles, assim como no salário por peça. O salário individualizado aparece como correspondente ao esforço empreendido de cada trabalhador e o não alcance da meta passa a ser sinônimo de fracasso pessoal. Podemos listar alguns elementos que tornam visível a mudança de uma forma de remuneração para outra, a partir do método empregado pelo Toyotismo. Esses aspectos da subjetividade do trabalhador foram abordados nas perguntas do nosso questionário aplicado aos trabalhadores de entrega em plataformas digitais. 2.5.1 Autocontrole, concorrência e emulação entre os trabalhadores 52 Conforme analisam as autoras, a ideia do “cliente interno” do Sistema Toyota de Produção potencializa o autocontrole dos e entre os trabalhadores. De acordo com essa concepção, cada unidade produtiva é fornecedora da cadeia seguinte de produção, ou seja, a unidade produtiva sucessora é consumidora do resultado do trabalho da unidade produtiva fornecedora. Assim, a cobrança por perfeição e pontualidade é constante, tendo em vista que a produção de uma determinada unidade e, consequentemente, a sua remuneração variável, depende do trabalho exercido pelas demais. O empregado autoimpõe um ritmo intenso de trabalho e um determinado patamar de produtividade, “‘somos todos chefes’: eis o lema do trabalho em equipe sob o Toyotismo” (ALVES, 2011, p. 125). A coerção se transfigura na meta. De forma cada vez mais sistemática, os empregados tornam-se responsáveis pelo seu trabalho, pela sua produtividade. Nesse caso, a experiência subjetiva é de liberdade e de autocontrole (CAMPINHO, 2009). Assim como no salário por peça, esse sistema torna supérfluo o trabalho de supervisão e fornece a sensação de autocontrole: A Toyota trabalha com grupos de oito trabalhadores...Se apenas um deles falha, o grupo perde o aumento, portanto este último garante a produtividade assumindo o papel que antes era da chefia. O mesmo tipo de controle é feito sobre o absenteísmo (WATANABE, 1993 apud ANTUNES, 2002, p. 37). 2.5.2 Salário mensurado pela produtividade individual Outro aspecto primordial desse modo de produção e que contém elementos muito característicos do salário por peça é a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) 21. No que diz respeito ao Brasil, conforme analisam Portella e Narloch (2013), embora os primeiros projetos referentes à introdução da Participação nos Lucros e Resultados datem de 1919, esse instrumento só foi regulamentado na Medida Provisória nº 794, de 1994. Essa demora se deu em virtude de que os capitalistas receavam que a medida estivesse vinculada à necessidade de divulgação dos seus lucros e à intromissão dos operários no cálculo dos balanços (CAMPINHO, 2009). No entanto, como se verificou, os acordos firmados entre as empresas e os trabalhadores privilegiaram a participação nos resultados e não nos lucros. Em 1988, a Constituição incluiu a Participação nos Lucros e Resultados, associada ao alcance de metas. Essas metas são associadas a um padrão alto de produção, mensuradas 21Conforme demonstram Pina e Stotz, a participação nos lucros e o banco de horas promovem aumento da intensidade do trabalho, prolongamento da jornada e maior desgaste operário (STOTZ; PINA, 2011). 53 com escalas arbitrárias, além da capacidade do trabalhador médio, gerando sentimento de derrota e fracasso e até a cogitação de suicídio entre aqueles que fracassam. Nesse sistema de organização do trabalho, conforme analisa Ramos Filho (2012), as metas são montadas umas em oposição às outras para evitar que sejam atingidas, como, por exemplo, a meta de atendimento ao cliente em oposição à meta de redução de despesas indiretas (RAMOS FILHO, 2012). Nesse sentido, conforme analisa Manzano (2004), a ampla maioria dos acordos firmados entre as empresas e trabalhadores, a partir de 1996, no Brasil, implantaram a Participação nos Lucros e Resultados. A esmagadora maioria dos acordos firmados então vinculam parte do rendimento dos trabalhadores à participação nos resultados, o que gera insegurança de renda, estimula a concorrência, a vigilância e autoemulação entre os próprios trabalhadores, porque a PLR está condicionada também à assiduidade e desempenho desses. Uma vez que o salário está vinculado à produção do grupo, o integrante menos produtivo ou que se ausente com frequência se torna um problema para os colegas da sua equipe, o que se transforma em uma forma de vigilância e controle do trabalho, conforme visto acima. O pagamento é feito, geralmente, em duas parcelas, sendo a segunda vinculada ao cumprimento das metas, que pode ser em grupo ou individual. Em 1999, 84,1% dos acordos vinculavam seu pagamento às metas estabelecidas, tais como volume de produção, qualidade, absenteísmo e satisfação do cliente (MANZANO, 2004). Manzano (2004) enfatiza que a PLR é uma alternativa à remuneração fixa. Entre 1996 e 2018, segundo Krein e Oliveira (2019), o salário dos bancários que exerciam a função de caixa de banco foi sendo cada vez mais composto por remuneração variável. Se em 1996 a remuneração fixa direta representava 67,7% da remuneração total, a fixa indireta 26,9% e a remuneração variável 5,4%, esses percentuais se alteram progressivamente ao longo dos anos chegando em 2018 em 59,0%, 24,5% e 16,4%, respectivamente. Os autores enfatizam que se considerou apenas a PLR para esses cálculos, tendo sido excluídas outras formas de remuneração variável, ou seja, o percentual é maior ainda. É possível identificar características do salário por peça ainda no pagamento das comissões ou bônus por produtividade: “parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em decorrência de uma produção alcançada pelo obreiro no contexto do contrato, calculando-se, variavelmente, em contrapartida a essa produção” (DELGADO, 54 2008, p. 744). Esse sistema pode ser puro, quando a comissão é a remuneração exclusiva do trabalhador, ou pode ser misto, associada a um salário fixo. No caso brasileiro, têm-se na legislação desde 1957, o pagamento por comissões22, outra forma de remuneração variável para os empregados vendedores, viajantes ou pracistas. Os comissionados, no entanto, são amparados pela garantia de pelo menos um salário-mínimo23. Outra modalidade é a concessão de prêmios vinculados ao alcance de determinados índices de produção, como ocorre com os entregadores em plataforma digital, que possuem metas e um sistema de pontuação, conforme será visto a seguir. 2.5.3 Banco de horas e prolongamento da jornada A introdução do banco de horas como forma de modulação da jornada, outro mecanismo que caracteriza essa reintrodução do salário por peça, foi negociada antes da reforma trabalhista de 2017, apesar da lei nº 9.601/98 não prever alteração na extensão da jornada de trabalho semanal. Com o banco de horas, a jornada de trabalho no Brasil foi autorizada ao máximo de 56 horas semanais. Com essa medida, conforme afirma Manzano (2004), “os trabalhadores não têm absoluta segurança com relação a seus horários (de trabalho e não-trabalho). As empresas adquiriram um poder de convocá-los, mesmo fora do seu horário normal de trabalho, para uma jornada extra, compensável no banco de horas” (MANZANO, 2004, p. 102). O mesmo ocorre com os trabalhadores em plataforma digital estimulados a realizar mais entregas em menos tempo e a prolongar sua jornada de trabalho, a fim de auferir maior remuneração. Segundo Dal Rosso (2017), o banco de horas possibilita um grau de adaptação extraordinário às necessidades das empresas, levando à exploração ainda maior da força de trabalho. Conforme sinaliza o autor, as horas extras foram introduzidas no Brasil no começo da legislação trabalhista, entre os anos de 1930 e 1940. 2.5.4 Rede de subcontratações Outro aspecto apontado pela literatura sobre salário por peça são a introdução de intermediários que subalugam o trabalho. Esse é o caso da terceirização. 22 23 Previsto no art. 457, § 1º da CLT e na Lei 3.207/57 (BRASIL, 1943; BRASIL, 1957). Art. 7, VII da Constituição Federal (BRASIL, 1988). 55 Desde os anos 1990, a terceirização tem sido colocada em prática no Brasil pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (BIONDI, 2020). Estabeleceu-se, pela súmula nº 33124, uma divisão entre atividade-meio e atividade-fim nas empresas e a legalização da terceirização das atividades-meio, compreendendo serviços de vigilância, limpeza e conservação (BIONDI, 2020). Com a Lei nº 13.429/17, que introduziu a reforma trabalhista de 2017, a terceirização se tornou irrestrita, atingindo até mesmo as atividadesfim (MAIOR, 2017b). Estudos recentes (FIGUEIRAS; ARAÚJO; CAVALCANTE, 2015; CUT; DIEESE, 2014) demonstram a estreita vinculação desse tipo de contratação com o trabalho análogo ao escravo, com redução dos salários (em média 30% menor) e com jornadas excessivamente longas (em média em três horas a mais que os demais trabalhadores). Além disso, muitos trabalhadores terceirizados são remunerados pelo que se convencionou chamar de “trabalho por empreitada” - uma forma de salário por peça - e sem registro em carteira (DRUCK; DUTRA; SILVA, 2019). No trabalho em plataformas digitais, as próprias plataformas são intermediárias e há, ainda, a introdução da categoria “Operador Logístico”, uma subsidiária do iFood, configurando uma quarteirização, conforme será visto adiante. Cumpre ressaltar que as subcontratações têm sido feitas também por federações e centrais sindicais. 2.6 A tendência à abolição da jornada de trabalho de oito horas diárias Diversos autores (FILGUEIRAS; LIMA; SOUZA, 2019; KREIN; OLIVEIRA, 2019; CARVALHO, 2017; DUBAL, 2020) observam uma tendência à polarização da jornada de trabalho. Em resumo, há o crescimento do número daqueles que trabalham até 14 horas semanais e dos que trabalham mais de 48 horas semanais e uma diminuição das jornadas padrão compreendida entre 40 e 44 horas semanais. Esse fato também foi confirmado pela nossa pesquisa em questionário aplicado com os entregadores em plataformas digitais, conforme será visto adiante. Há, portanto, os subocupados por horas insuficientes de trabalho, o que impede o alcance de uma renda mínima para a sua própria sobrevivência - e isso é particularmente visível no trabalho A Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho trata da legalidade do contrato de prestação de serviço e estabelece no seu artigo III: “Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta” (TST, 2020). 24 56 intermitente, forma de remuneração por hora - e há aqueles que trabalham mais de 48 horas semanais, ou seja, realizam um trabalho excessivamente longo, necessário para auferir uma renda que lhes permita sobreviver. Tal fenômeno é particularmente visível no trabalho em plataformas digitais. Como fenômeno histórico, confirma-se o apontado por Marx com relação às formas de remuneração por peça e por hora que rompem a conexão entre o trabalho pago e não pago e permitem uma combinação entre trabalho excessivo e uma desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho, de acordo com a conveniência dos capitalistas. Isso sugere a possibilidade de uma tendência à abolição da jornada de trabalho de 8 horas diárias. Sendo parte do mesmo fenômeno, a plataforma digital amplia a intermitência, com o uso dos algoritmos e da tecnologia, que permite gerir a mão de obra em qualquer país do mundo, tendo surgido com mais força após a crise de 2008 (GIG - A Uberização do Trabalho, 2019). Assim como a limitação da jornada de trabalho teve como precedente as lutas dos trabalhadores por melhores condições de vida e trabalho, a tendência à abolição da jornada de trabalho de 8 horas diárias é acompanhada de um histórico de retrocesso do poder sindical. Em todos os países do mundo, este período que antecede o ressurgimento dessas formas de remuneração é caracterizado por um enorme retrocesso do poder sindical. Na Europa (ESTANQUE, 2003), América Latina (MARCELINO;GALVÃO, 2020), Estados Unidos (RHOMBERG, 2020) e Japão (RODRIGUES, 1998), essa tendência se apresenta e a sua característica mais aguda é a “dessindicalização” (RODRIGUES, 1998). Partindo do método adotado por este trabalho, o materialismo dialético, é preciso examinar os fenômenos em todas as suas particularidades, estudar a sua forma no processo de transformação interna, estudá-lo nas suas origens, verificar a direção do movimento que leva ao seu próprio fim e a sua substituição por outro fenômeno. Se o salário por peça e por hora passa ser a remuneração de um contingente expressivo da classe trabalhadora mundial, na atualidade, os seus elementos já existiam nos regimes salariais que o antecederam. Do ponto de vista histórico e econômico, é possível concluir, a partir dos elementos deste capítulo, que o ressurgimento do salário por peça e por hora, sem a noção de uma jornada de trabalho, está vinculado à necessidade do capital de responder às suas próprias crises e, portanto, à necessidade de redução do custo da força de trabalho, ou seja, de aumentar ainda mais a extração de mais valia e, assim, a exploração dos trabalhadores, e às dificuldades deles em resistir a essa ofensiva. 57 As reformas trabalhistas que ocorreram em 110 países em todo o mundo após a crise de 2008 (ADASCALITEI; MORANO, 2015), conforme será visto no capítulo seguinte, foram o salto de qualidade, ou seja, o mecanismo legal que possibilitou a generalização dos contratos de trabalho precários, prevendo, no aparato jurídico desses países, a existência dessas formas de remuneração por hora, sem estar baseada em uma jornada de trabalho, e por peça. Essa transição de uma forma de remuneração a outra está impactando o mercado de trabalho brasileiro, conforme será visto no Capítulo 3. 58 CAPÍTULO 3 - O SALTO DE QUALIDADE: AS REFORMAS TRABALHISTAS Conforme afirma Marx (2008), as mudanças na legislação expressam mudanças nas relações de produção na sociedade, ou seja, refletem alterações econômicas significativas. Na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência (MARX, 2008b, p. 47). Nesse sentido, entende-se que as reformas trabalhistas sinalizam o aspecto legal, ou seja, formal, da transição que estamos presenciando no mundo do trabalho. Ao oferecer um instrumento jurídico que autoriza a sua generalização para amplas camadas da população economicamente ativa, a reforma é o salto de qualidade, que permite que a transição de uma forma de remuneração para a outra se amplie. Ao mesmo tempo, por ser parte da superestrutura política e jurídica, são expressas de um fenômeno que já se processa no âmbito da estrutura econômica da sociedade. Isso se trata de um salto, porque sinaliza para uma mudança abrupta, uma mudança de qualidade nas relações de trabalho, fruto de alterações graduais e quantitativas que foram sendo realizadas ao longo de muitos anos. Essa é uma mudança de qualidade, porque se trata de uma alteração significativa na forma de remuneração e nas relações de trabalho, que passa a compor o quadro institucional-legal do país. Com a crise de 2008, a flexibilidade das horas de trabalho ganhou ainda maior impulso (DAL ROSSO, 2017). Os países iniciaram programas duros de austeridade, que implicaram em cortes drásticos de receitas e ataques aos direitos conquistados pelos trabalhadores. Do ponto de vista legal, viu-se a adoção de reformas trabalhistas por todo o mundo, tendo como eixo central a flexibilidade da jornada de trabalho e a ampliação de formas de trabalho precárias (DRUCK; DUTRA; SILVA, 2019). Segundo estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), após 2008, 110 países passaram por alterações relacionadas à legislação trabalhista. Do total das reformas, 59 56% delas diminuíram os níveis de proteção ao emprego, 74% alteraram a jornada de trabalho, 65% dispuseram sobre contratos de trabalho temporário, 62% abordaram demissões coletivas, 59% reduziram contratos permanentes, 46% incidiram sobre as negociações coletivas e 28% incluíram formas de emprego atípicas (ADASCALITEI; MORANO, 2015). Conforme panorama feito por Maria Ivone Laraia (2018), Itália, Espanha, Alemanha e Reino Unido realizaram reformas no sentido da adoção de contratos de trabalhos precários, legalizando essas formas de contratação. Na Itália, em 2015, 38% dos contratos de trabalho criados foram em tempo parcial e, daqueles em tempo integral, 65% deles foram realizados com duração determinada. Na Espanha, que passou por oito reformas trabalhistas, o contrato autônomo e o trabalho em tempo parcial passaram a ser utilizados em larga escala. Na Alemanha, mais de 60% dos empregos criados entre 2000 e 2015 são de contratos atípicos, tendo destaque os contratos temporários, de prazo fixo ou em tempo parcial. No Reino Unido, após a crise de 2008, dos 2,07 milhões de empregos criados, entre 2008 e 2017, quase 50% eram contratos autônomos e 30% contratos “zero hora”. Em outras palavras, 80% dos empregos criados no período foram de formas de contrato atípicos (LARAIA, 2018). A autora comenta ainda os casos do Chile e México. A reforma trabalhista chilena permitiu a flexibilidade da jornada de trabalho, alterando uma jornada que antes era de 45 horas semanais, para a possibilidade de uma escala de trabalho de 4 dias, com 3 dias de folga na semana, limitado a 12 horas por dia, com intervalo para refeição e descanso de uma hora quando a jornada ultrapassar 10 horas. Paralelamente, foi flexibilizada também a forma de remuneração. Permitiu-se a introdução da remuneração por resultados, como número de peças ou comissões, sendo garantido apenas um salário-mínimo. Ademais, houve o reconhecimento dos contratos em regime de tempo parcial. O México alterou, com a reforma trabalhista de 2012, cerca de 38 modalidades e figuras trabalhistas da sua legislação, adotando novos tipos de contrato e novos critérios para preenchimento de vagas e progressão no emprego, tais como adequação às tarefas diversas e à produtividade, a atribuição de tarefas complementares à tarefa principal exercida pelo trabalhador, a regulamentação da terceirização e da subcontratação. Também foi introduzido no país, a partir da reforma trabalhista, o salário por hora (LARAIA, 2018). Cardoso e Azaïs (2019) confirmam que a mesma tendência de flexibilização das formas de contrato de trabalho ou de uso da força de trabalho se fez presente na reforma 60 trabalhista francesa. Os autores afirmam que, apesar de Brasil e França ocuparem posições muito diferentes na divisão internacional do trabalho, os motivos alegados pelos reformadores nos dois países foram muito semelhantes, dentre eles, a suposta modernização das relações de trabalho, a geração de empregos, o crescimento econômico e a melhoria na renda dos trabalhadores - o que não se vê na prática. Os meios para atingir esses falsos benefícios aos trabalhadores, que teriam sido introduzidos com as reformas trabalhistas, são também parecidos em ambos os países: redução dos custos de demissão, redução de direitos previstos em lei, individualização das relações contratuais, formas de trabalho precárias e instáveis e diminuição do poder dos sindicatos nas negociações trabalhistas. Os autores apontam que, apesar da França ainda estar muito distante do Brasil no que diz respeito ao contingente de pessoas na informalidade, houve, com a reforma, o crescimento dos contratos por prazo determinado e por tempo parcial (CARDOSO; AZAÏS, 2019). Filgueiras, Lima e Souza (2019) também confirmam a tendência de que as reformas trabalhistas tiveram como resultado, dentre outros, o crescimento de contratos precários e uma piora nas condições de trabalho dos contatos típicos, uma estagnação ou queda na remuneração e uma tendência à polarização da jornada de trabalho, particularmente nos contratos atípicos. Os autores citaram as reformas na Espanha (2010-2012), França (20162017), México (2012), Reino Unido (1980), Brasil, Alemanha e Coreia do Sul pela representatividade dessas reformas, pois servem de referência para políticas públicas e possuem destaque internacional. Por serem países com características econômicas e de regulação do trabalho heterogêneas, a comparação permite verificar divergências e convergências nos impactos das reformas. Os autores enfatizam que dos países estudados, apenas a Coreia do Sul seguiu em sentido oposto ampliando a proteção ao trabalho, a partir de 2017. As reformas, com exceção da Coreia do Sul, têm como norte facilitar a demissão de trabalhadores em contratos típicos de trabalho e introdução de novas formas de contratação. Filgueiras, Lima e Souza (2019) dividem as formas de contratação adotadas nos distintos países em cinco: a) o trabalho em regime de tempo parcial, b) o trabalho temporário e o contrato por prazo determinado, c) o contrato intermitente ou “zero hora”, d) a terceirização e e) o trabalho autônomo. O trabalho em tempo parcial possui jornada inferior ao contrato típico. Na Alemanha, os contratos até 15 horas semanais ou até 30 horas semanais ganharam incentivo a partir de 61 2003 e 2005. A França, em 2017, autorizou esse tipo de modalidade para trabalhos com duração inferior a 24 horas por semana e, no Brasil, esse tipo de contrato permite uma jornada de até 30 horas semanais (FILGUEIRAS; LIMA; SOUZA, 2019). O trabalho temporário e o contrato por prazo determinado se caracterizam por possuir prazo máximo de duração definido. Essa modalidade de contrato foi vista nas reformas trabalhistas dos países citados, com exceção da Coreia do Sul, variando apenas o prazo de renovação dos contratos de duração. No Brasil, o trabalho temporário tinha previsão de duração máxima de 90 dias e, com a reforma trabalhista, foi incentivado, passando a ter prazo de contratação de até 180 dias prorrogados por mais 90 dias (FILGUEIRAS; LIMA; SOUZA, 2019). O contrato intermitente ou “zero hora” é aquele sem jornada mínima nem remuneração fixa aos trabalhadores, conforme descrevem os autores: O Reino Unido adotou tal modelo em 1996, sendo proibida a exclusividade na prestação de serviços apenas em 2015. Na França, tal contrato foi criado em 2000, mas dependia de negociação coletiva e era restrito a setores com sazonalidades; com a reforma de 2016-2017, mesmo sem sazonalidade, passou a ser autorizado por negociação coletiva ou acordos de empresa e, ao final de 2019, dispensará tais requisitos. Na Alemanha, o contrato de plantão foi criado em 2003. Na Espanha, o trabalho intermitente surgiu em 2001, autorizando sua utilização em atividades de cunho eventual e com base em negociação coletiva. No México (2012) o salário passa a poder ser fixado por unidade de tempo, e os contratos podem ter remuneração mínima de um dia de trabalho. No Brasil, a nova redação do §3º do art. 443 da CLT prevê o contrato intermitente, permitindo a prestação de serviço de forma descontínua e limitando o pagamento às horas efetivamente trabalhadas (FILGUEIRAS; LIMA; SOUZA, 2019, p. 236). No que diz respeito à terceirização ou subcontratação, não se verificou alterações significativas recentes nos países europeus, segundo os autores, sendo já permitida sua prática, com autorização para utilização nas atividades meio e fins. Apenas o México e o Brasil tiveram em sua reforma a permissão da terceirização para as atividades fins. Com relação ao trabalho autônomo, em todos os países europeus pesquisados foi visto o incentivo a essa forma de trabalho, com a criação de novos conceitos para essa categoria de trabalhadores. No Brasil, a reforma retirou a continuidade e a exclusividade do vínculo empregatício do autônomo. Em todos os casos, o trabalhador passou a ter menos ou nenhum direito trabalhista. No que diz respeito à remuneração, a tendência foi o corte de parcelas salariais, como o pagamento de horas extras, ou a redução da remuneração. Nos contratos atípicos, o objetivo foi eliminar o salário-mínimo obrigatório, permitindo o salário ser zero, como nos contratos intermitentes e autônomos (FILGUEIRAS; LIMA; SOUZA, 2019). A 62 Coreia do Sul, conforme afirmam os autores, segue em sentido contrário a essa tendência, com o governo tentando eliminar formas de contratação precária. Após essa breve explanação sobre as reformas trabalhistas adotadas em diferentes países no mundo, particularmente, após a crise de 2008, é possível verificar, com exceção da Coreia do Sul, que houve uma tendência à diminuição sensível dos direitos trabalhistas e da proteção ao trabalho. Houve a permissão, ainda, de um ponto de vista legal, à adoção por parte dos empregadores de formas de contratação e remuneração que produzem uma alteração significativa nas relações de trabalho. Em resumo, as reformas trabalhistas tiveram o intuito de promover essa transição de uma forma de remuneração a outra, processo que ainda está em desenvolvimento. 4.1 A reforma trabalhista brasileira Em 22 de dezembro de 2016, o Poder Executivo submeteu à apreciação do Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 6.787/2016, dispondo sobre inúmeras alterações na CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei 5.452/1943). Aprovado em curto espaço de tempo25, o PL foi transformado na Lei nº 13.467/17, em 13 de julho de 2017, passando a entrar em vigor a partir de 11 de novembro daquele ano, menos de um ano após sua propositura ao Parlamento. Na Câmara dos Deputados, dos 473 deputados federais, 296 votaram a favor e 177 votaram contra. Somente oito partidos orientaram seus deputados a votar contra a reforma, foram eles: PT, PDT, Psol, PCdoB, Rede, PSB, SD e PMB. O PHS não orientou seus deputados e os demais partidos (DEM, PEN, PMDB, PP, PPS, PR, PRB, PROS, PSD, PRP, PSC, PSDB, PSL, PTB, PTdoB, PTN e PV) apoiaram a reforma. No Senado Federal, os senadores, com algumas exceções, acompanharam a orientação dos seus partidos. Foram 50 votos a favor, 25 contra e 1 abstenção. Com esse novo arcabouço legal, grandes mudanças foram realizadas, tendo sido alterado significativamente o paradigma constitucional de proteção ao trabalho (MAIOR, A Comissão Especial para tratar da matéria foi criada em 7 de fevereiro de 2017 e em menos de 3 meses de discussão, a Câmara dos Deputados conclui a votação, remetendo o texto para a apreciação do Senado Federal em 28 de abril de 2017. Em 12 de junho de 2017, o Senado encaminhou a matéria para sanção presidencial, sem promover alterações no texto e, após, pouco mais de um mês de discussão. Em outras palavras, em pouco mais de quatro meses, o Congresso Nacional aprovou mudanças em mais de 100 artigos da CLT, criada em 1943 (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016; SENADO FEDERAL, 2017). 25 63 2017a). Conforme afirmam Dal Rosso, Azevedo, Fernandes, Reses, Bueno, Valente, Gontijo, Borges, Câmara e Costa: “São propostas que jogam no chão conquistas feitas pelos trabalhadores durante séculos de lutas, no Brasil e pelo mundo. São mudanças estruturais e não apenas passageiras” (DAL ROSSO et al, 2020). Destacamos a seguir algumas das principais inovações aprovadas na reforma trabalhista mais relacionadas aos assuntos abordados nesta dissertação, com base na literatura pesquisada. A reforma trabalhista permitiu a possibilidade da negociação direta entre empregado e patrão, o chamado acordo individual de trabalho, numa demonstração que se trata de uma ofensiva do capital contra o trabalho, já que representa um questionamento à própria essência do direito do trabalho, que entende a relação entre patrão e empregado como fundamentalmente desigual, residindo a força dele na ação coletiva (DRUCK; DUTRA; SILVA, 2019). Além disso, a reforma permitiu que os acordos coletivos tenham prevalência sobre a lei e sejam voltados a permitir a flexibilização da jornada de trabalho e das formas de remuneração (CARVALHO, 2017). Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornada superior a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI – regulamento empresarial; VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X – modalidade de registro de jornada de trabalho; XI – troca do dia de feriado; XII – enquadramento do grau de insalubridade; XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV – participação nos lucros ou resultados da empresa (BRASIL, 2017). Destacamos os itens II – banco de horas anual e III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornada superior a seis horas, que permitem uso do banco de horas para flexibilização das jornadas e a redução do intervalo em jornadas de mais de seis horas de uma para meia hora e ainda o item XIII, que admite possibilidade de prorrogação da jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades do Ministério do Trabalho. Tudo isso incide na flexibilização das jornadas de trabalho. 64 No que diz respeito à flexibilização das formas de remuneração, vê-se que os itens V – plano de cargos e salários compatíveis com a condição pessoal do empregado, VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente, IX – remuneração por produtividade e remuneração por desempenho individual e XIV prêmios de incentivo em bens ou serviços e XV – participação nos lucros ou resultados da empresa buscam promover elementos que configuram uma transição de uma forma de remuneração para outra. Permitese que sejam amplamente negociados planos de cargos e salários, com o salário mensal sendo substituído por modalidade de contrato em que o pagamento é por hora, pagamento por prêmios e bens ou serviços e pagamento individualizado de acordo com desempenho (metas atingidas ou seja remuneração variável). Segundo Perossi (2017), em 2016, o componente variável do rendimento anual do trabalhador brasileiro em 213 empresas médias e grandes estava em torno de 10% e os benefícios sociais em torno de 20%, ou seja, conclui o autor, 30% da remuneração dos trabalhadores brasileiros deixou de ser composta por salário fixo e direto (PEROSSI, 2017). Tal tendência se aprofunda no pós-reforma trabalhista. Krein e Oliveira (2019) também afirmam que a reforma estimula a remuneração variável, pela Participação nos Lucros e Resultados e do pagamento de prêmios, com a finalidade de vincular a remuneração às oscilações da atividade econômica e ao desempenho dos trabalhadores. Essa tendência de maior participação da remuneração variável no salário passou a ter maior expressão a partir da segunda metade dos anos 1990, como visto anteriormente. A remuneração variável apresenta efeitos negativos sobre a saúde dos trabalhadores, dada a pressão por resultados, e tende a gerar concorrência entre os trabalhadores e quebra de solidariedade (KREIN, 2013). Parte fundamental da reforma trabalhista brasileira é voltada a permitir o prolongamento da jornada de trabalho e a intensificação do trabalho, muito embora a legislação brasileira já permitisse flutuações no nível de emprego e salário a depender do ciclo econômico. A reforma intensificou a flexibilidade dos empregadores na gestão da mãode-obra sob o pretexto de promover a criação de empregos. Esses aspectos podem ser observados no artigo 59-A que, dentre outras coisas: estende o banco de horas para todos os trabalhadores, sem necessidade da sua previsão em acordo coletivo; legaliza a jornada 1236 (doze horas consecutivas de trabalho seguidas de trinta e seis de repouso) para qualquer trabalhador; busca reduzir o pagamento de horas extras em jornadas não compensadas e 65 ainda busca evitar que a Justiça do Trabalho interprete o uso recorrente de horas extras em acordos sobre banco de horas, com vistas a burlar os limites constitucionais da jornada de trabalho e desconsidera como tempo de jornada o deslocamento para o trabalho quando fornecido pelo empregador e amplia o regime de tempo parcial (CARVALHO, 2017). Ainda no que diz respeito à flexibilização da forma de remuneração, o artigo 457 retira os abonos pagos pelo empregador e as diárias de viagens do cálculo do salário do texto original. Antes da reforma a redação deste parágrafo era: “§ 1º Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador” (BRASIL, 2017). Após a aprovação da reforma, temos a seguinte redação para o dispositivo: § 1º Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador (Brasil, 2017). § 2o As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílioalimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário (Brasil, 2017). O artigo 461 ainda modifica as normas sobre a necessidade de salário igual por igual função, permitindo que a remuneração seja alterada conforme as características ou o empenho dos trabalhadores. Cumpre ressaltar que a lei foi aprovada em um contexto de desemprego estrutural no qual o número de pessoas sem trabalho supera aqueles com carteira assinada (CASTILHO, 2020) e com crescimento exponencial do número de trabalhadores informais 26. Conforme afirmam alguns autores (KREIN; OLIVEIRA, 2019; CARVALHO, 2017), espera-se, após a reforma trabalhista brasileira: a) que a regulamentação do tempo de trabalho se torne aspecto primordial a ser afirmado nas negociações coletivas e disputas entre o capital e o trabalho; b) uma interrupção da progressiva queda da jornada média e da concentração dos ocupados em uma jornada padrão, perspectiva que vinha se impondo desde o início dos anos 2000 e c) uma polarização da jornada de trabalho, com crescimento do número daqueles que trabalham até 14 horas semanais e dos que trabalham mais de 48 horas semanais. Conforme 26 No ano de 2019, o número de trabalhadores informais chegou a 41,4%, o maior índice se considerada a série histórica iniciada em 2012 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (NERY, 2020). 66 será visto adiante, os dados da Rais captados neste trabalho confirmam essa tendência, com as horas semanais dos trabalhadores celetistas por prazo indeterminado tendo decrescido de 42,44 horas semanais em 2009 para 41,24 em 2019. No que diz respeito à polarização da jornada, essa tendência também foi confirmada no questionário aplicado com entregadores em plataformas digitais, o que também será visto adiante. Essa polarização revela, por um lado, um aumento dos subocupados por horas insuficientes de trabalho e, por outro, a necessidade de as pessoas buscarem mais de um contrato de trabalho. O aumento da jornada acima de 49 horas semanais afeta aqueles que possuem menor remuneração e aqueles que estão em ocupações socialmente mais valorizadas. Esse é um aspecto estimulado pela reforma trabalhista ao permitir maior liberdade de negociação coletiva e individual da jornada de trabalho (KREIN; OLIVEIRA, 2019). A reforma permite a terceirização irrestrita e a demissão coletiva sem a participação dos sindicatos. Nesse sentido, segundo Carvalho (2017), as perspectivas para o mercado de trabalho brasileiro são de aumento da formalização de trabalhos precários e precarização dos trabalhos formais. Com o enfraquecimento do poder de barganha dos sindicatos, espera-se uma ampliação das desigualdades, com apropriação maior do excedente pelos empregadores, e aumento das desigualdades de rendimentos naqueles setores que possuem maior número de trabalhadores terceirizados, autônomos e intermitentes e nos quais é mais difícil a organização sindical. A tendência com a reforma trabalhista é que o emprego e o salário ficarão ainda mais suscetíveis a sofrer os impactos das flutuações econômicas e sujeitos a sofrer tais impactos mais rapidamente (BRANCO; MIEBACH, 2018). Com a reforma, as empresas passaram a dispor de maior liberdade para ajustar a remuneração dos trabalhadores de acordo com os ciclos econômicos - algo que já acontecia antes da reforma trabalhista, mas é intensificado com essa -, o que tende a um forte rebaixamento dos salários em contexto de crise prolongada, como a atual, conforme afirmam Krein e Oliveira (2019). A reforma trabalhista favorece uma ampliação dos contratos de trabalho frágeis e a transferência para os trabalhadores de todo e qualquer ônus da flexibilidade e do risco (LIMA; BRIDI, 2019). Gimenez e Santos afirmam que a reforma proporciona maior liberdade para as empresas na gestão da força de trabalho, ampliando os seus poderes para manejar a utilização do trabalho de acordo apenas com as suas necessidades, nos elementos centrais da relação 67 de emprego: modalidades de contratação, remuneração do trabalho e sua jornada (SANTOS; GIMMENEZ, 2018). Krein e Oliveira (2019) afirmam que a introdução da flexibilização da jornada e da remuneração têm início nos anos 1990 no Brasil e que a reforma trabalhista legalizou uma série de práticas que já existiam no mercado de trabalho e ampliou a liberdade dos empregadores em determinarem unilateralmente as condições de contratação, uso e remuneração do trabalho como o contrato por prazo determinado (Lei 9.601/98), o contrato parcial e a terceirização na atividade meio no setor privado (Súmula 331/93). Há, também, a partir da reforma trabalhista, o avanço da terceirização, da subocupação, do trabalho por conta própria, do trabalho autônomo, da pejotização e da informalidade. No que diz respeito à amplitude da terceirização, estudo do Dieese/CUT (2014) estimou, com base nos dados da Rais, a existência de 12,5 milhões de terceirizados com vínculos formais em 2013, representando 26,8% dos trabalhadores com carteira assinada do país, naquele ano. Segundo os autores, pesquisa do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) mostra também o crescimento expressivo dos trabalhadores terceirizados entre 1994 e 2014, em que a sua proporção passou de 5,6% para 25% do total de empregos formais. A seguir serão analisados os dados da Rais e Novo Caged com relação ao estoque e saldo de empregos formais no país. É feita uma análise do comportamento do mercado de trabalho brasileiro a partir dos dados da Rais para o período de 2009 a 2019 27, uma análise da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para o mesmo período, a partir de dados do IBGE, e uma análise da evolução dos empregos formais e das variáveis: horas Utilizamos os dados da RAIS até o ano base de 2019, tendo em vista que os dados do ano base 2020 somente estarão disponíveis em outubro do corrente ano. A Portaria da Secretaria Especial da Previdência e Trabalho – SEPRT, nº 1.127, de 14 de outubro de 2019, do Ministério da Economia, definiu as datas e condições nas quais as obrigações de prestação de informações pelo empregador nos sistemas CAGED e RAIS serão substituídas pelo eSocial, a partir do ano-base 2019, processo que ainda está em transição. O Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) foi instituído pelo Decreto nº 8.373, de 11 de dezembro de 2014, com o objetivo de unificar e simplificar a prestação de informações relativas a trabalhadores e empresas, bem como o cumprimento de obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas. Segundo Nota Técnica da Secretaria do Trabalho, o volume de movimentações no eSocial, na média, tende a ser superior ao do Caged, pois o primeiro capta melhor vínculos temporários e inclui empresas que antes eram omissas no Caged. A geração das estatísticas da RAIS 2019 contou, portanto, com duas fontes de captação de dados, o eSocial e o GDRAIS (programa usual para declaração da RAIS). Desde janeiro de 2020, empresas pertencentes aos grupos 1, 2 e 3 foram obrigadas a declarar pelo eSocial as movimentações mensais de admitidos e desligados, segundo a citada Portaria do Ministério da Economia. Assim, o Novo Caged, implantado em janeiro de 2020, inclui movimentações do eSocial para empresas do grupo 1, 2 e 3 e do Caged para órgãos públicos e entidades dos grupos 4, 5 e 6 (BRASIL, 2020a). 27 68 trabalhadas, tempo no emprego, remuneração e tipo de vínculo. Com relação ao Novo Caged foi analisado o saldo de empregos formais no país por tipo de vínculo para o ano de 2020 e o primeiro semestre de 2021. 4.2 Comportamento do emprego formal no Brasil de 2009 a 2019 Como afirma Sadi Dal Rosso (2017), a flexibilização das horas de trabalho e das formas de remuneração ganha maior impulso em períodos de crises econômicas. Para Tonelo (2020), estamos vivenciando uma nova reestruturação produtiva pós-crise de 2008 e, segundo o demonstra o documentário “GIG – A Uberização do Trabalho”, de 2019, as plataformas digitais se expandiram no Brasil nesse contexto pós-2008. Tendo em vista essa questão, fizemos um recorte de tempo de 2009 a 2019 para análise das mudanças vivenciadas no mercado de trabalho brasileiro pós-crise de 2008. Nosso objetivo não é nos aprofundarmos em todos os aspectos que envolvem a trajetória do emprego formal no Brasil nesse período, mas destacar as características que guardam interface com nossa proposta de estudo. Como se trata da análise do mercado formal de trabalho, usaremos a fonte de estatísticas do trabalho mais completa que dispomos, que é a Relação Anual de Informações Sociais e, para o período mais recente, utilizaremos os dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Enquanto os dados da Rais se referem ao estoque de emprego em 31 de dezembro de cada ano, o Novo Caged nos permite observar mensalmente o saldo das admissões e desligamentos efetuados no país e o saldo do emprego gerado a cada mês. Portanto, as variáveis estudadas nesse trabalho são, com os dados da Rais: tipos de vínculo de trabalho, horas trabalhadas, remuneração média, tempo no emprego, tipo de salário e ocupações do trabalho intermitente; e com as informações do Novo Caged: saldo de emprego, tipo de vínculo, horas trabalhadas e remuneração média. A Rais é um registro administrativo instituído em 1975, de âmbito nacional, periodicidade anual e de declaração obrigatória para todos os estabelecimentos do setor público e privado. Ela se caracteriza por ser fonte de dados para acompanhamento e caracterização do mercado de trabalho formal no país (BRASIL, 2019). Os vínculos empregatícios que constam na Rais são: Celetista por prazo indeterminado (discriminado em quatro categorias, conforme o empregador for pessoa física ou jurídica ou estar localizado em ambiente urbano ou rural); Estatutário (discriminado em 69 regido pelo Regime Geral de Previdência Social -RGPS e não efetivo); Avulso; Temporário; Aprendiz contratado; Celetista por prazo determinado (discriminado em quatro categorias, conforme o empregador for pessoa física ou jurídica ou estar localizado em ambiente urbano ou rural); Diretor; Contrato por prazo determinado; Contrato por tempo determinado; Contrato por lei estadual; Contrato por lei municipal e Ignorado. O Novo Caged, instituído pela Lei nº 4.923/65, é uma fonte de informações de âmbito nacional e periodicidade mensal, criado como instrumento de acompanhamento e fiscalização do processo de admissão e dispensa de trabalhadores regidos pela CLT. Esse instrumento permite avaliar a rotatividade e flutuação da mão de obra. Os vínculos definidos no Novo Caged são semelhantes à Rais, definidos da seguinte forma: trabalhadores celetistas por prazo indeterminado e determinado, trabalhadores regidos pelo Estatuto do Trabalhador Rural (Lei nº 5.889/73), aprendiz (maior que 14 e menor que 24 anos), trabalho em tempo parcial, intermitente e trabalhadores temporários. Conforme a literatura nos permite afirmar, existe uma correlação estreita entre a geração de empregos e o crescimento econômico, ou seja, é possível perceber uma relação direta entre o baixo dinamismo do mercado de trabalho formal verificado na última década e o desempenho da economia do país, representado pela taxa anual de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), conforme o gráfico abaixo. Vejamos a seguir a evolução do índice do crescimento anual do PIB para o período 2009 a 2020. 70 Gráfico 1 - Taxa de crescimento anual do PIB em % (2009 a 2020) Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IBGE Contas Nacionais (2021) Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tivemos, entre 2009 e 2019, anos de crescimento econômico alternados com anos de recessão econômica. Em 2009, o PIB brasileiro teve taxa de crescimento negativa (-0,1%), tendo iniciado uma recuperação entre 2010 e 2013. Essa recuperação é interrompida em 2014, ano que indicava que uma recessão se avizinhava, com crescimento do PIB próximo a zero. Os anos de 2015 e 2016 foram de grave recessão econômica, seguidos de período de fraco crescimento do PIB, pouco mais de 1%, entre 2017 e 2019. Em 2020, assolado pela pandemia da Covid-19, o volume de bens e serviços produzidos no país caiu drasticamente, tendo o PIB atingido taxa de -4,1%. A última década, que compreende 2010 a 2020, é vista, em termos do PIB brasileiro, como a pior desde o início da série histórica produzida pelo Ipea, em 1901 (AGÊNCIA ESTADO, 2020). Em 120 anos, apenas duas vezes a economia brasileira teve uma retração anual tão forte como em 2020, passando por uma das maiores recessões da sua história (ROUBICEK, 2021), com um forte impacto sobre o nível de empregos (CACCIAMALI; TATEI, 2016). Segundo Santos e Gimmenez (2018), a crise recessiva que deprime a economia brasileira desde o início de 2015 confirma a dependência do mercado de trabalho em relação 71 às taxas de crescimento do PIB. Além dessa correlação, nota-se, a partir dos dados, que o mercado de trabalho se ajusta rapidamente aos ciclos econômicos no Brasil, reforçando a ideia de que, ao contrário da alegada rigidez excessiva, mesmo antes da reforma trabalhista, as variáveis emprego e salário se ajustaram de forma rápida e intensa às sucessivas quedas do produto agregado. Gráfico 2 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019 Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) Como resultado do fraco desempenho da economia e da geração de postos de trabalho formais, uma massa de trabalhadores se deslocou para setores de menor produtividade e menores salários, especialmente no comércio e serviços em geral (MATTEI; HEINEI, 2020). O gráfico acima demonstra como houve uma retração no estoque de empregos formais no país na última década. O grau de formalização do emprego no país vem caindo desde 2014 28 e a recuperação que o gráfico demonstra a partir de 2016 se dá, particularmente, devido ao crescimento dos tipos de vínculos precários, conforme será visto nos gráficos abaixo. 28 Houve um aumento de 370 mil trabalhadores terceirizados no país entre 2010 e 2019 e a taxa de desemprego no país saltou de 2014 a 2017 de 7% para 12% (CEPES, 2021). Cerca da metade dos postos de trabalho, no início de 2020, eram de ocupações informais. 72 Gráfico 3 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019 - tipos de vínculo: CLT por prazo indeterminado e estatutário Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) Quando se refere aos vínculos mais estáveis, como o celetista por prazo indeterminado e todos os vínculos estatutários, verifica-se uma queda ainda mais abrupta no estoque de empregos a partir de 2014. A partir de 2018, ao invés de uma recuperação, conforme o gráfico acima mostra para o total de empregos formais, há uma queda ainda maior no estoque de empregos desses vínculos. O vínculo estatutário tem características próprias e maior estabilidade, atende às necessidades da administração pública e guarda relação com a situação fiscal do país. As flutuações no quantitativo de contratações foram bem menores e, no ano de 2019, tínhamos o mesmo contingente de contratados que o ano de 2012, conforme será visto em uma tabela a seguir. Por fim, esse gráfico demonstra que, em 2019, têm-se quase o mesmo número de estoque de empregos (32,41 milhões) para esses dois tipos de vínculos se comparado ao ano de 2009 (31,82 milhões), ou seja, o nível de empregos formais estáveis no país volta a ser praticamente o mesmo de uma década atrás. Essa tendência é oposta quando analisamos os vínculos precários, como veremos a seguir. O Gráfico 2, acima, demonstrou que houve um 73 ligeiro crescimento dos vínculos formais totais entre 2017 e 2019, o que só pode ser explicado pelo aumento dos vínculos precários. Os vínculos precários analisados neste trabalho são os explicitados no Dicionário da Rais de outubro de 2018 e 2019. É importante ressaltar que os empregadores, muitas vezes, evitam indicar o número real de empregados, porque isso acarretaria controle por parte do Estado sobre pagamentos realizados e impostos. O trabalhador avulso é aquele que presta serviço, sem vínculo empregatício, a diversas empresas, sendo a alocação ao trabalho administrada pelo sindicato da categoria ou pelo Órgão Gestor de Mão-de-Obra, no caso do setor portuário. Esse trabalhador é geralmente remunerado por valor da produção ou diária. O contrato de trabalho de jovem aprendiz é obrigatório por lei para todas as empresas e em regime especial com jornada diferenciada, é destinado a jovens maiores de 14 anos e menores de 24 anos. Já o vínculo celetista por prazo ou tempo determinado se refere a atividades temporárias ou transitórias e de experiência, podendo também ser adotado no setor público em caso de necessidade temporária de excepcional interesse público (Lei nº 8745/1993, no caso da União) ou regido por Lei Estadual, Lei Municipal. O vínculo de trabalho temporário, regido pela Lei nº 6019, de 1974, destina-se à contratação de trabalhadores por empresa de prestação de serviços a terceiros, para atender demanda complementar da empresa tomadora de serviços, podendo ser decorrente de fatores imprevisíveis ou previsíveis, de natureza intermitente, periódica ou sazonal, conforme redação dada pela reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.429/2017). O contrato em tempo parcial passou, com a reforma trabalhista, a ser aquele que não excede 30 horas semanais, sem horas semanais suplementares e aquele que não excede 26 horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até 6 horas suplementares. Há ainda o vínculo de Diretor sem vínculo empregatício para o qual a empresa/entidade tenha optado por recolhimento ao FGTS ou Dirigente Sindical. Por serem menos expressivos e muito específicos, esse último vínculo, bem como os vínculos Contrato por lei municipal ou estadual não são analisados nesse trabalho. Vejamos a trajetória dos vínculos precários no período 2009-2019, no Gráfico 4. 74 Gráfico 4 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019 - tipos de vínculo: aprendiz, avulso, CLT por prazo determinado, avulso, intermitente, parcial e temporário Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) Conforme demonstra o Gráfico 4, o estoque de empregos dos vínculos considerados precários aumentou a partir de 2016 para todos eles, com exceção do trabalho avulso. Essa tendência é oposta à verificada no Gráfico 3 com relação aos vínculos celetista por prazo indeterminado e estatutário. No que diz respeito ao vínculo avulso, a sua trajetória declinante está relacionada à especificidade desse tipo de contrato, voltado especialmente aos trabalhadores do setor portuário, que carregam e descarregam contêineres 29 e aos trabalhadores chamados de “chapa de caminhão”, que carregam e descarregam mercadorias de caminhões. Cada um desses vínculos atende a especificidades para as quais foram criados, conforme visto acima, podendo ser caracterizados como precários e frágeis, seja O comportamento do estoque de trabalhadores avulsos portuários tem trajetória decrescente ao longo das décadas, o que pode ser atribuído à reforma do setor portuário empreendida pela Lei nº 12.815, de 2013. 29 75 pela duração dos contratos, seja pelas proteções e garantias asseguradas em termos de direitos trabalhistas. A partir de 2017, observa-se uma curva bastante acentuada do trabalho em tempo parcial e do trabalho intermitente, quando esses vínculos são introduzidos na legislação pela reforma trabalhista. Também é possível observar o crescimento dos vínculos aprendiz e CLT por prazo determinado a partir dessa data. Outra forma de verificarmos essa tendência, é observarmos a trajetória de evolução da participação de cada um dos tipos de vínculos em relação ao estoque total de empregos formais no período 2009-2019, conforme as Tabelas 1, 2 e 3 abaixo. Tabela 1 - Evolução do estoque de empregados contratados pelos vínculos CLT indeterminado e Estatutário e sua participação em relação ao estoque total de empregos formais (%) - 2009 a 2019 Ano CLT por prazo indeterminado Estoque Crescimento Estatutário Estoque Crescimento 2009 31.820 8.310 2010 34.370 8,0% 8.580 3,2% 2011 36.390 5,9% 8.700 1,4% 2012 37.650 3,5% 8.550 -1,7% 2013 38.640 2,6% 8.970 4,9% 2014 39.190 1,4% 9.010 0,4% 2015 37.850 -3,4% 8.870 -1,6% 2016 36.230 -4,3% 8.590 -3,2% 2017 35.950 -0,8% 8.940 4,1% 2018 36.270 0,9% 8.830 -1,2% 2019 32.410 -10,6% 8.550 -3,2% Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) Os empregados pelo regime celetista com prazo indeterminado que representavam 77,74% do total do estoque, em 2009, tiveram a sua participação reduzida para 75,41%. Da mesma forma, os Estatutários passaram de 20,30% em relação ao total do estoque para 19,89% no mesmo período. Já os empregados com vínculos precários (aprendiz, avulso, 76 celetista por prazo determinado, intermitente, temporário e trabalho em tempo parcial) aumentaram sua participação no estoque de empregos formais, passando de 1,95% para 4,70%, conforme Tabela 2 abaixo. Tabela 2 - Evolução do percentual dos vínculos frágeis 2009 Tipo de Vínculo 2019 % em relação % em relação ao Estoque ao total Estoque total Aprendiz 155 0,4% 481 1,1% Avulso 86 0,2% 49 0,1% CLT por prazo determinado 332 0,8% 531 1,2% Intermitente NA NA 157 0,4% Temporário 227 0,6% 184 0,4% CLT por prazo indeterminado 34.370 77,7% 32.410 75,4% Estatutário 8.580 20,3% 8.550 19,9% NA NA 616 1,4% Parcial Percentual dos vínculos frágeis 1,9% 4,7% Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) Tabela 3 – Evolução do percentual dos vínculos precários em relação ao estoque de empregos formais – 2009 a 2019 Ano 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Aprendiz Estoque 155 193 251 294 327 361 377 369 386 432 481 Avulso Percentual 0,2% 0,2% 0,2% 0,2% 0,2% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% CLT por prazo determinado Estoque Percentual 332 0,8% 355 0,8% 377 0,8% 369 0,8% 378 0,8% 381 0,8% 355 0,7% 348 0,8% 373 0,8% 422 0,9% 531 1,2% Intermitente Estoque Percentual NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA 7 0,0% 62 0,1% 157 0,4% Temporário Estoque Percentual 227 0,6% 230 0,5% 192 0,4% 185 0,4% 189 0,4% 157 0,3% 120 0,3% 109 0,2% 143 0,3% 165 0,4% 184 0,4% Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) 77 Parcial Estoque Percentual NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA 199 0,4% 245 0,5% 616 1,4% Conforme demonstra a Tabela 3, todos os vínculos precários, com exceção do vínculo avulso, aumentaram a sua participação no estoque de empregos formais no país. Outra forma de visualizar essa tendência é a observação da taxa de crescimento de cada vínculo, conforme as Tabelas 4 e 5 evidenciam. Tabela 4 - Evolução dos vínculos CLT indeterminado e Estatutário – 2009 a 2019 Ano CLT por prazo indeterminado Estatutário Estoque Percentual Estoque Percentual 2009 31.820 77,7% 8.310 20,3% 2010 34.370 78,4% 8.580 19,6% 2011 36.390 79,1% 8.700 18,9% 2012 37.650 79,9% 8.550 18,1% 2013 38.640 79,5% 8.970 18,5% 2014 39.190 79,7% 9.010 18,3% 2015 37.850 79,4% 8.870 18,6% 2016 36.230 79,3% 8.590 18,8% 2017 35.950 78,1% 8.940 19,4% 2018 36.270 78,0% 8.830 19,0% 2019 32.410 75,4% 8.550 19,9% Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) Conforme a Tabela 4, nota-se um crescimento até 2014 do vínculo celetista por prazo indeterminado e do estatutário em alguns anos, mas, em seguida, nota-se uma queda progressiva, com destaque para os anos de 2015, 2016 e 2019, acompanhando a recessão econômica, conforme analisado acima. Em 2019, os empregos por vínculo celetista por prazo indeterminado registram queda de 10,64% em relação ao ano anterior, maior retração no nível de empregos formais do período. Nesse período, houve um aumento de 370 mil trabalhadores terceirizados no país entre 2010 e 2019 e a taxa de desemprego no país saltou, entre 2014 e 2017, de 7% para 12% (CEPES, 2021). 78 Tabela 5 - Evolução dos vínculos precários – 2009 a 2019 Ano 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Aprendiz Estoque Crescimento 155 193 24,4% 251 30,0% 294 17,3% 327 11,2% 361 10,5% 377 4,5% 369 -2,3% 386 4,8% 432 11,8% 481 11,5% Estoque 86 84 79 75 77 71 68 58 58 56 49 Avulso Crescimento -2,9% -6,2% -4,0% 2,4% -7,5% -4,2% -15,2% 0,2% -3,0% -12,7% CLT por prazo determinado Estoque Crescimento 332 355 7,1% 377 6,1% 369 -2,2% 378 2,7% 381 0,7% 355 -6,7% 348 -2,0% 373 7,2% 422 13,0% 531 25,9% Intermitente Estoque Crescimento NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA NA 7,4 NA 61,7 737,6% 156,8 154,0% Temporário Estoque Crescimento 227 230 1,52% 192 -16,71% 185 -3,24% 189 2,08% 157 -17,27% 120 -23,49% 109 -8,63% 143 31,11% 165 14,79% 184 11,65% Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) Com relação ao crescimento dos vínculos precários, verifica-se que, entre 2010 e 2014, esses vínculos acompanhavam a tendência de crescimento dos vínculos estáveis. Entre 2014 e 2016, há uma queda no percentual desses vínculos, voltando a crescer entre 2017 e 2019. Conforme demonstra a Tabela 5, o trabalho temporário tem um aumento de 31,11% no total de empregos de 2016 para 2017. O vínculo celetista por prazo determinado cresce 25,88% de 2018 para 2019 e o vínculo intermitente, que será objeto do próximo Capítulo, registra o maior percentual de crescimento em relação aos demais. Os empregos por vínculo celetista por prazo indeterminado não só retraíram como se nota, pelos Gráficos 5, 6 e 7, abaixo, uma queda na quantidade de horas trabalhadas e na remuneração média desse trabalhador e um aumento do tempo no emprego. Isso significa que aqueles que ficaram empregados nesse tipo de vínculo permanecem por maior período, evitam pedir demissão e assistem a uma queda nas suas jornadas de trabalho e nos seus salários entre 2009 e 2019. É importante salientar, no entanto, que as horas trabalhadas relatadas pelos empregadores em geral são menores do que as efetivamente realizadas, sendo as horas não pagas comumente objeto de reclamação jurídica e judicial. 79 Gráfico 5 - Evolução da quantidade de horas semanais trabalhadas de 2009 a 2019 do vínculo CLT por prazo indeterminado Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) Gráfico 6 - Evolução da remuneração média em salários-mínimos de 2009 a 2019 do vínculo CLT por prazo indeterminado Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) 80 O Gráfico 6 demonstra a queda progressiva da remuneração mensal em saláriosmínimos do trabalho celetista por tempo indeterminado entre 2009 e 2019, caindo de 2,63 salários-mínimos para 2,37 salários-mínimos. Gráfico 7 - Evolução do tempo no emprego de 2009 a 2019 do vínculo CLT por prazo indeterminado Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) Com relação ao tempo no emprego, verifica-se uma tendência de aumento da permanência do trabalhador no emprego, tendo esse tempo passado de 33,16 meses em 2009 para 53,29 meses em 2019. Esse é outro dado que sinaliza um cenário de crise do mercado de trabalho. O desemprego e a desocupação pressionam o trabalhador celetista por prazo indeterminado a prolongar ao máximo o seu tempo no emprego. Esse dado sinaliza para a tendência dos empregadores em demitir todos os que possuem pouco tempo no emprego e manter aqueles que, de certa forma, tendem a se “adequar” às normas das empresas, ou seja, aceitam determinadas condições de trabalho diante da ameaça do desemprego. 4.3 Evolução do emprego formal no Brasil em 2020 e junho de 2021 Merece destaque a trajetória dos empregos formais nos anos mais recentes, 2020 e primeiro semestre de 2021. Nesse período, os empregos foram afetados drasticamente pela pandemia da Covid-19, que impactou duramente o PIB em 2020. Retratamos graficamente 81 o saldo da evolução mensal dos admitidos e desligados com vínculo celetista por prazo indeterminado, celetista por prazo determinado, trabalhador rural e temporário a partir do Novo Caged30 para o período de 2020 e primeiro semestre de 2021. Conforme exposto acima, o mecanismo de coleta das informações tanto para a Rais quanto para o Novo Caged passou por modificações, a partir de janeiro de 2020, que segundo especialistas dificultam em muita sua comparação com anos anteriores e que, de certa forma, lançam suspeitas sobre a fidedignidade desses dados, segundo Carrança (2021), já que os números parecem altos para uma situação que é de recessão econômica (CARRANÇA, 2021). No entanto, ainda assim é possível verificar o impacto da situação de recessão econômica sobre o nível dos empregos no país no período. O Caged permitiu realizarmos a seguinte agrupação dos dados: celetista indeterminado, celetista por prazo determinado, trabalhador rural e temporário; bem como aprendiz, trabalho em tempo parcial e intermitente. Desde janeiro de 2020, as empresas pertencentes aos Grupos 1, 2 e 3 foram desobrigadas a declarar o Caged, conforme estabelecido pela Portaria SEPRT nº 1.127, de 14/10/2019. Permanecem obrigados a enviar o Caged somente órgãos públicos, que contratam trabalhadores em regime celetista, organizações internacionais e outras instituições extraterritoriais. No entanto, verificou-se a falta da prestação da informação de desligamento por parte das empresas, tendo sido amenizado o problema mediante a imputação de dados de outras fontes (MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2020). 30 82 Gráfico 8 - Evolução mensal do saldo de admitidos e desligados dos trabalhadores com vínculo CLT indeterminado, prazo determinado, trabalhador rural e temporário de 2020 a junho de 2021 Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021) Conforme pode ser visto no Gráfico 8, os vínculos celetistas por prazo indeterminado, por prazo determinado, trabalhador rural e temporário tiveram uma perda de 900 mil postos de trabalho em abril de 2020, mostrando o impacto da pandemia da Covid1931 sobre a situação do emprego no país. A situação não melhorou, com o saldo do emprego ficando em torno de zero durante todo o período. Os melhores meses foram outubro e novembro de 2020 com o saldo positivo de 380 mil. Vale a pena destacar que, segundo Mattei e Heini (2020), cerca de metade dos postos de trabalho, no início de 2020, eram de ocupações informais (MATTEI; HEINEI, 2020). 31O governo federal ainda editou duas Medidas Provisórias com forte impacto sobre a renda do trabalhador brasileiro. A MP nº 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, transformada na Lei nº 14.020, de 06 de julho de 2020, autorizou a redução de jornadas de trabalho e os salários em 25, 50 e 75% e vigorou entre abril e dezembro de 2020 (MATTEI; HEINEI, 2020), tendo sido sucedida ainda pela MP 1.045. de 27 de abril de 2021, que instituiu o novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. 83 Gráfico 9 - Evolução mensal do saldo de admitidos e desligados dos trabalhados com vínculo intermitente, aprendiz e parcial de 2020 a junho de 2021 Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021) No que diz respeito aos vínculos intermitente, aprendiz e parcial, no período entre janeiro de 2020 e junho de 2021, é possível perceber que todos tiveram queda em abril de 2020, acompanhando a tendência geral de queda abrupta no nível do emprego no país, em decorrência da pandemia. Nota-se, no entanto, que o saldo dos admitidos e desligados dos trabalhadores com vínculo intermitente se manteve positivo em todos os meses de 2020 a junho de 2021, com exceção do mês de abril de 2020. É possível perceber que os dados do Novo Caged de 2020 a junho de 2021 acompanham os dados da Rais de 2017 a 2019, no sentido de crescimento da forma de contratação por vínculo intermitente. O trabalho em tempo parcial ficou negativo entre abril e setembro de 2020, tendo recuperado e depois voltado a ficar negativo em dezembro de 2020. Como demonstra o Gráfico 9, com exceção do trabalho intermitente, o saldo dos empregos de vínculos aprendiz e em tempo parcial 84 permaneceram a maior parte dos meses abaixo de zero, com exceção do mês de fevereiro de 2021, no qual o vínculo aprendiz registrou um saldo de 232 mil postos de trabalho. Conforme foi possível perceber a partir da análise dos dados da Rais e do Novo Caged feita neste Capítulo, é possível concluir que, ao contrário do que afirmaram aqueles que propuseram a reforma trabalhista 32, o que se verificou foi a diminuição do nível de proteção ao emprego no país e a piora nas condições de trabalho dos empregados formais, com a redução dos salários dos trabalhadores celetistas por tempo indeterminado, tendo decrescido o número de empregos formais estáveis para o patamar de 2009 e crescido apenas os vínculos formais precários (celetista com prazo determinado, em tempo parcial, temporários e intermitente). Ao contrário também do que alegaram os propositores da reforma trabalhista no que diz respeito à rigidez das normas trabalhistas de até então, que supostamente trariam receio ao empregador em contratar mão de obra33, é possível perceber, a partir dos Gráficos 1, 2 e 3 que, mesmo antes da reforma trabalhista, o mercado de trabalho brasileiro já acompanhava as flutuações da economia, crescendo o estoque de empregos nos momentos de crescimento do PIB e decrescendo nos momentos de recessão e crise econômica. A reforma trabalhista aumentou a flutuação no nível de empregos de acordo com as oscilações da economia, principalmente com a introdução do vínculo intermitente, conforme será visto adiante. Esse capítulo permitiu concluir que se verifica uma tendência à queda no estoque de empregos formais estáveis e, em contraposição, um crescimento no estoque de empregos formais precários e frágeis. Os dados confirmam, portanto, as tendências apontadas pela literatura e a hipótese desse trabalho, com o crescimento cada vez maior de tipos de contratos precários. Dentre esses contratos, têm-se uma modalidade, que é o trabalho intermitente, que introduz a remuneração por hora em contraposição à remuneração por jornada ou por tempo. “Escudada no mantra da proteção do emprego, o que vemos, na maioria das vezes, é a legislação trabalhista como geradora de injustiças, estimulando o desemprego e a informalidade. Temos, assim, plena convicção de que essa reforma contribuirá para gerar mais empregos formais e para movimentar a economia” (PARECER DA REFORMA, 2017, p. 20). 33 “Em nosso país, além do excesso de normas trabalhistas, elas são muito rígidas. E essa rigidez, por sua vez, provoca um alto grau de insegurança jurídica na contratação do trabalhador, fazendo com que, primeiro, o empregador tenha receio de contratar a mão de obra e, depois, que investimentos importantíssimos para o crescimento do País sejam direcionados a outros países”(PARECER DA REFORMA, 2017, p. 21). 32 85 CAPÍTULO 4 - TRABALHO INTERMITENTE E SALÁRIO POR HORA Intermitente é uma palavra que tem origem no latim e é formada pelo prefixo inter-, que significa “entre”, e pelo verbo “mitto”, fazendo parte da mesma família de palavras de “mittis, misi, missium, mittere”, significando “mandar, demitir, emissão, missionário, remeter, promessa” (LIMA, 2011) . Segundo o Dicionário do Latim Essencial, a palavra pode significar: “intermissĭo, intermissionis, (f.). (inter-mitto). Interrupção, descontinuidade, suspensão, repouso. Eclipse” e, ainda, “intermitto, -is, -ĕre, -misi, -misum. (inter-mitto). Deixar um intervalo entre, deixar livre, desocupado. Interromper, suspender, cessar. Interpor” (REZENDE; BIANCHET, 2014). O sufixo -ência, que forma a palavra intermitência, possui, de acordo com a gramática de língua portuguesa, o significado de “estado”, “ação” ou “qualidade”. Intermitência é sinônimo de “descontinuidade, inconstância, infrequência, intercadência, interrupção, intervalo, suspensão, trêmulo” (HOUAISS, 2011). A intermitência do trabalho é, portanto, o estado de intervalo, suspensão, descontinuidade e desocupação. Como questiona Sadi Dal Rosso: “pode existir uma flexibilidade maior que a remuneração por hora?” (DAL ROSSO, 2017, p. 218). Esse é o caso do trabalho intermitente. Esse tipo de contrato de trabalho vem crescendo sistematicamente e é expressiva sua participação no saldo total das contrações ocorridas entre 2017 e 2019, conforme será visto a seguir. Esse tipo de vínculo permite que o empregador contrate o trabalhador por determinado período de horas de forma esporádica com intervalos de inatividade. A remuneração é por hora e não há limite mínimo de horas a ser cumprido (CALDAS, 2017). Só é pago trabalho efetivamente realizado (MAIOR, 2016). O trabalhador deve ficar à disposição para quando houver a convocação de realização do trabalho. Assim diz a Lei nº 13.467, no seu parágrafo 3º, artigo 443: Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria (BRASIL, 2017). 86 Contrariando a regra geral das relações de trabalho, que considera o tempo de trabalho o período em que o trabalhador fica à disposição do empregador 34, no contrato de trabalho intermitente, apenas o tempo efetivamente trabalhado é considerado tempo de trabalho e, portanto, remunerado. Cumpre ressaltar que a lei não limita a aplicação desse tipo de contrato a algumas categorias, permitindo que se generalize para todo o mercado de trabalho. As implicações desse tipo de contrato são o rebaixamento do valor da força de trabalho, ou seja, do salário. Ainda que a hora seja calculada com base no valor do saláriomínimo35, esse trabalhador só recebe pela quantidade de horas trabalhadas, podendo receber remuneração inferior ao mínimo ou não receber nada, sendo claramente inconstitucional por ofensa ao princípio da garantia do salário-mínimo previsto em vários artigos da Constituição Federal, segundo Laraia (2018), e provocar uma completa insegurança de renda. Esse tipo de contratação é realizado, justamente, para que os capitalistas usufruam da força de trabalho apenas nos períodos em que necessita. Assim como no trabalho em plataformas digitais, o trabalho intermitente não possui garantia de jornada nem renda mínima e é permitida a utilização descontínua do tempo de trabalho. Para Paulo Sérgio João, na prática, a legislação está deslocando os trabalhadores da estatística de desempregados para empregados intermitentes, sem qualquer certeza de salário ao final do mês (JOÃO, 2018). Conforme visto acima, essa modalidade de contrato também foi introduzida pelas reformas trabalhistas dos países ricos. Segundo Laraia (2018), têm-se o lavoro intermitente, na Itália, o trabalho de fijo-discontínuos ou “sob-chamada”, na Espanha, o arbeit auf abruf, na Alemanha, os zero-hour contracts, na Inglaterra e o just-intime scheduling, nos EUA. Em resumo, podemos definir o trabalho intermitente como aquele que sofre descontinuidade. Alguns juristas e autores interpretam que esse tipo de contrato deveria ser utilizado em empresas que exerçam atividades em descontinuidade ou intensidade variável, se diferenciando de outras atividades contínuas (LARAIA, 2018). O art. 4º do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT), alterada pela Lei nº 13.467, ressalta: “Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada” (BRASIL, 1943). 35 O art. 452-4, da Lei nº 13.467 evidencia: “O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não” (BRASIL, 2017). 34 87 Após a reforma trabalhista, mesmo diante da possibilidade do empregado recusar a oferta de trabalho, esse contrato é considerado como um contrato subordinado. Como requisito para esse tipo de contratação, o artigo 452-A estabelece que esse contrato deve ser celebrado por escrito e conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor do salário-mínimo ou pago aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em outra modalidade de contrato. Estabelece-se, ainda, que a remuneração pelo trabalho noturno deve ser superior ao diurno e que é facultado às partes convencionar os locais, turnos, formas e instrumentos de convocação e de resposta para a prestação de serviço, devendo ser registrado em Carteira de Trabalho (BRASIL, 2017). A seguir será feito um detalhamento das informações disponíveis na Rais para o período 2017-2019 sobre o trabalho intermitente. Iniciamos comparando o vínculo intermitente vis a vis os demais vínculos celetistas com base nos dados da Rais de 2017 a 2019. Tabela 6 - Crescimento anual do vínculo intermitente e dos demais vínculos de 2017 a 2019 Demais tipos de Vínculo Ano Estoque Trabalho Intermitente Crescimento Anual Estoque 2017 46.274.223 Crescimento Anual 7.367 2018 46.569.410 0,6% 61.705 737,6% 2019 47.397.455 1,8% 156.756 154,0% Crescimento 2017-2019 2027,8% Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) A Tabela 6, acima, demonstra o crescimento de 2.027,81% no estoque do trabalho intermitente no período de 2017 a 2019. Trata-se de um crescimento vertiginoso, mesmo considerando a base inicial bastante reduzida para o cálculo. Os demais tipos de vínculo tiveram um crescimento de apenas 2,42% no mesmo período. 88 Tabela 7 - Média salarial, média de horas semanais contratuais e média de tempo no emprego em meses para demais tipos de vínculo e vínculo intermitente 2017-2019 Demais tipos de Vínculo Ano 2017 2018 2019 Média Salarial (SM) 2,7 2,7 2,7 Média de horas semanais Contratuais 40,8 40,7 40,5 Trabalho Intermitente Média de Tempo no Emprego em Média Salarial Meses (SM) 55,8 0,7 55,8 1,2 57,7 1,1 Média de horas semanais Contratuais 3,6 1,4 8,6 Média de Tempo no Emprego em Meses 5,9 4,7 6,3 Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) Como é possível perceber pela Tabela 7, acima, nos demais tipos de vínculo, qual sejam celetista, estatutário e outros, a média salarial, entre 2017 e 2019, ficou em torno de 2,7 salários-mínimos contra 0,9 do trabalho intermitente. Com relação à média de horas semanais contratuais, temos 40,65 horas contra 4,52 horas contratuais no intermitente e média de 56,4 meses no emprego contra 5,64 meses no caso do trabalho intermitente. A média de tempo no emprego em meses para o trabalhador intermitente foi de 6,33 meses em 2019, enquanto para os demais tipos de vínculo foi de 57,68 meses, com as horas contratuais sendo menor que ¼ das horas contratuais dos demais vínculos e a remuneração menor que a metade dos demais. Isso demonstra o quão precário é esse tipo de vínculo. 89 Gráfico 10 - Evolução da remuneração média em reais de 2009 a 2019 do vínculo intermitente em relação aos demais tipos de vínculo (R$ preços de junho de 2021) (1) Valores em reais corrigidos pelo IPCA de junho de 2021. Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021) O Gráfico 10 demonstra como o vínculo intermitente, pela sua própria natureza, permite uma enorme variação da remuneração dos trabalhadores, na comparação com os demais tipos de vínculo. Isso confirma a tendência apontada pela literatura de que esse tipo de vínculo permite que o emprego fique mais suscetível às flutuações econômicas e se adeque às necessidades dos capitalistas. Ao mesmo tempo que acarreta imprevisibilidade e instabilidade na remuneração, ela contribui para o sentimento de insegurança dos trabalhadores contratados por essa modalidade. A discrepância na remuneração com relação aos demais tipos de vínculo confirma que esse tipo de contrato e essa forma de remuneração por hora permitiu o rebaixamento dos salários dos trabalhadores. 90 Gráfico 11 - Horas trabalhadas em 2020 a 2021 dos vínculos CLT por prazo indeterminado e intermitente Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021) Conforme demonstra o Gráfico 11, em relação ao número de horas trabalhadas entre janeiro de 2020 e junho de 2021, é possível perceber uma variação também grande no vínculo de trabalho intermitente, variando de 14,14 horas em janeiro de 2020 a 19,48 horas em abril de 2020, demonstrando a utilização por parte dos empregadores desse vínculo precário no momento de maior crise econômica no período. Já o trabalho celetista por prazo indeterminado se manteve em torno das 42 horas semanais, com poucas alterações. Aqui também é perceptível que, assim como a remuneração e o estoque de empregos, as horas trabalhadas do trabalhador intermitente tendem a ser mais suscetíveis às flutuações econômicas, confirmando um aspecto apontado pela literatura, qual seja, de que essa forma de remuneração permite, como afirma Marx, destruir a regularidade da ocupação e ocupar e remunerar o trabalhador apenas pelas horas que lhe convém, rompendo a conexão entre trabalho pago e não pago. Os Gráficos 10 e 11 demonstram como oscilam as horas trabalhadas e a remuneração do trabalhador intermitente na comparação com os 91 trabalhadores celetistas por prazo indeterminado e demais tipos de vínculos e como a introdução do vínculo intermitente facilitou a oscilação do emprego de acordo com as flutuações da economia. Também é perceptível que houve um crescimento do número de horas trabalhadas na modalidade do contrato intermitente, sinalizando para o crescimento dessa forma de contratação e remuneração, durante a pandemia da Covid-19. Tabela 8 - As 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente entre 2020 e junho/2021 Codigo 514320 521125 354125 717020 421125 784205 517330 911305 784105 521140 As 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente entre 2020 e junho de 2021 cbo 1º tri/2020 2ª tri/2020 3º tri/2020 4º tri/2020 1º tri/2021 2º tri/2021 Faxineiro 4.710 3.481 4.489 5.582 6.599 6.480 Repositor de mercadorias 4.564 4.903 4.127 5.379 4.419 4.189 Assistente de vendas 3.195 471 811 5.213 2.872 3.014 Servente de obras 3.185 2.760 3.841 4.014 4.592 4.446 Operador de caixa 2.305 1.574 1.969 2.764 2.466 2.554 Alimentador de linha de produção 1.947 1.834 3.438 3.309 4.067 3.352 Vigilante 1.877 4.239 2.314 2.528 4.212 3.517 Mecânico de manutenção de máquinas 1.533 1.067 1.650 1.852 2.178 1.877 Embalador 1.220 1.615 2.006 2.326 1.931 2.037 Atendente de Lojas e Mercados 1.214 845 960 2.763 5.285 1.485 Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021) Como é possível perceber pela Tabela 8, entre 2020 e 2021, as dez maiores ocupações do trabalho intermitente foram: Assistente de vendas, Operador de caixa, Faxineiro, Vigilante, Repositor de mercadorias, Atendente de lojas e mercados, Servente de obras, Embalador, Alimentador de linha de produção e mecânico de manutenção de máquinas. Nota-se um crescimento gradual na quantidade de trabalhadores ocupados nesse tipo de vínculo na função de Faxineiro e Servente de obras. Também houve um crescimento da ocupação de Alimentador de linha de produção, tendo decrescido no 2º trimestre de 2021. As funções de Assistente de vendas e Repositor de mercadorias estão em declínio. Como é possível perceber, predominam as ocupações de baixa qualificação e remuneração. 92 Tabela 9 - Ranking das 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente no segundo trimestre de 2021 Codigo 514320 717020 521125 517330 784205 354125 421125 784105 911305 521140 As 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente 2º tri/2021 CBOS 2º tri/2021 Setor Faxineiro 6.480 TRABALHADORES DOS SERVIÇOS, VENDEDORES DO COMÉRCIO EM LOJAS E MERCADOS Servente de obras 4.446 TRABALHADORES DA PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS INDUSTRIAIS Repositor de mercadorias 4.189 TRABALHADORES DOS SERVIÇOS, VENDEDORES DO COMÉRCIO EM LOJAS E MERCADOS Vigilante 3.517 TRABALHADORES DOS SERVIÇOS, VENDEDORES DO COMÉRCIO EM LOJAS E MERCADOS Alimentador de linha de produção 3.352 TRABALHADORES DA PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS INDUSTRIAIS Assistente de vendas 3.014 TÉCNICOS DE NIVEL MÉDIO Operador de caixa 2.554 TRABALHADORES DE SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS Embalador 2.037 TRABALHADORES DA PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS INDUSTRIAIS Mecânico de manutenção de máquinas 1.877 TRABALHADORES EM SERVIÇOS DE REPARAÇÃO E MANUTENÇÃO Atendente de Lojas e Mercados 1.485 TRABALHADORES DOS SERVIÇOS, VENDEDORES DO COMÉRCIO EM LOJAS E MERCADOS Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021) A Tabela 9 faz um ranking das dez maiores ocupações do trabalho intermitente no segundo trimestre de 2021, ocupando o primeiro lugar a função de Faxineiro e, em último, a de Atendente de Lojas e Mercados. Tabela 10 - Tipos de salário em 2018 Tipo de salário segundo a Rais (2018) Tipo de salário Estoque Mensal 43.304.583 Quinzenal 20.038 Semanal 68.851 Diário 80.672 Horário 2.727.714 Tarefa 154.711 Outros 274.546 TOTAL 46.631.115 % 92,87 0,04% 0,15% 0,17% 5,85% 0,33% 0,59% 100,00% (1) Não foi possível obter dados de outro ano com relação ao tipo de salário. A base de dados apenas disponibiliza o ano de 2018. Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021) A Tabela 10, acima, demonstra os tipos de salário e seu percentual sobre o total de empregos formais no país em 2018. Não consta na Rais o salário por peça e não foi possível comparar esses dados por inexistir informações com relação a outros anos, demonstrando que o tema ainda é pouco explorado por estudiosos e pesquisadores do mundo do trabalho. 93 A forma de remuneração mensal foi a predominante para 43 milhões de trabalhadores, representando 92,87% em relação ao total. 2,7 milhões de trabalhadores, representando 5,86% sobre o total de ocupados formais no país, são remunerados por hora e 154.711 remunerados por tarefa, representando 0,33% sobre o total. Destaca-se, conforme visto no Capítulo 3, que há a incorporação da remuneração variável na remuneração de todos os trabalhadores, mesmo daqueles que recebem um salário mensal e sugere-se a realização de novas pesquisas com dados sobre o trabalho informal para verificar essa tendência. Conclui-se, com este Capítulo, que o trabalho intermitente, segundo dados de 2019, representa um total de 156.756 postos de trabalho, ainda incipiente comparado com os demais tipos de vínculos (47,3 milhões). No entanto, nota-se um declínio dos vínculos estáveis e um crescimento dos vínculos frágeis e precários, entre 2009 e 2019. Ao mesmo tempo, verificou-se um aumento na média de horas semanais, na remuneração e no tempo no emprego dos trabalhadores nesse tipo de vínculo, desde 2017, quando foi criado. Em 2019, o trabalhador intermitente recebeu em média 1,06 salários-mínimos, tendo trabalhado 8,61 horas semanais e permanecido no emprego em média 6,33 meses. Verificou-se que esse tipo de vínculo permite uma grande variação mensal na remuneração dos trabalhadores e nas horas trabalhadas, uma característica da forma de remuneração. Entre 2020 e junho de 2021, segundo o Novo Caged, esse trabalhador recebeu em média R$ 1.162,83 e trabalhou 15,71 horas semanais. As 10 principais ocupações do trabalho intermitente foram: Faxineiro, Repositor de mercadorias, Assistente de vendas, Servente de obras, Operador de caixa, Alimentador de linha de produção, Vigilante, Mecânico de manutenção de máquinas, Embalador e Atendente de lojas e mercados. Apesar de se referirem apenas aos empregos formais captados pelas bases de dados estatísticas do governo, não abarcando os empregos informais, os dados confirmam a análise teórica e a hipótese desse trabalho, sugerindo que há uma tendência ao aumento dos vínculos baseados em uma remuneração por hora, sem estar baseada em uma jornada de trabalho, como é o caso do trabalho intermitente. Ademais, esse tipo de vínculo rebaixou os salários e permitiu que os capitalistas usufruíssem da mão de obra nos momentos mais convenientes permitindo maior flutuação da remuneração e das horas contratadas, de acordo com as flutuações da economia, bem como sinalizou o crescimento desse tipo de remuneração em períodos de crise e recessão econômica. 94 CAPÍTULO 5 - TRABALHO EM PLATAFORMA DIGITAL E O SALÁRIO POR PEÇA O trabalho em plataformas digitais surge em meados dos anos 2000. Em 2009, a empresa de transportes Uber Technologies Inc. abre sede na cidade de São Francisco, no estado da Califórnia, nos EUA e, 2014, no Brasil. Segundo o IPEA (2020), o total de trabalhadores no Brasil em plataformas digitais de transporte e entrega de produtos passou de 1,253 milhão em janeiro de 2015 para 1,988 milhão em abril de 2019, um crescimento de cerca de 700 mil postos de trabalho em quatro anos, com o universo de trabalhadores por conta própria, tendo atingido o montante de 24,5 milhões de pessoas (IPEA, 2020). Os estudos sobre o tema têm início em 2010 com a publicação da coletânea “Digital Labor” por Trebor Scholz (GROHMANN, 2020). Desde então, diversos autores buscaram compreender essa forma de trabalho. Dentre eles, se destacaram neste primeiro período de estudos sobre o tema, a partir de uma perspectiva crítica, Fuchs (2019) e Huws (2017). Utiliza-se o conceito de plataforma digital definido por Casilli (2019), por ser o que mais se aproxima da concepção deste trabalho, apesar de haver discordância com relação à proposta do autor em classificar a utilização das redes sociais pelos seus usuários como uma forma de trabalho e extração de mais valia. Casilli (2019) classifica o trabalho em plataformas digitais em três tipos: os serviços por demanda, como o exercido na Uber ou Delivero; o microtrabalho, como aquele exercido na Amazon Mechanical Turk e Clickworker; e o exercido nas redes sociais, como o Facebook e Instagram. As plataformas de serviços por demanda consistem, segundo o autor, num retorno do trabalho por demanda, no qual o provedor-usuário realiza tarefas manuais em tempo real para garantir serviços de transporte, alojamento e entrega (CASILLI, 2019). Nesse tipo de trabalho de plataforma, a forma de contratação varia da subcontratação à remuneração por hora ou por peça, conforme afirma o autor. O segundo tipo de trabalho digital é aquele exercido nas plataformas numéricas de microtrabalho. O termo designa a delegação de tarefas fraccionadas aos usuários de portais como Amazon Mechanical Turk ou Clickworker, trabalho esse denominado também de “trabalho em massa”, “trabalho coletivo” ou crowndwork. Esses trabalhadores realizam atividades padronizadas e pouco qualificadas, que as próprias máquinas não conseguem realizar, tais como anotar vídeos, ordenar tweet, transcrever documentos digitalizados, 95 responder questionários online ou corrigir valores em um banco de dados, como afirma o autor. Trata-se de uma divisão do trabalho em tarefas e até mesmo em microtarefas, como cliques. Pelas suas atividades, os usuários recebem uma remuneração, sendo pagos por tarefa executada em nome de um requerente. O trabalho de preparação, aquisição de certificações e de pesquisa não é contabilizado nessa remuneração. Eles são, geralmente, contratados por instituições de pesquisa e as plataformas atuam como intermediários, recebendo uma comissão por transação. Esses intermediários realizam um trabalho de prospecção, gerenciamento do relacionamento com os candidatos a microtrabalhadores, supervisão desses trabalhadores e, acima de tudo, de fragmentação de tarefas complexas em microtarefas que depois serão reintegradas a um produto. O terceiro tipo de trabalho digital definido por Casilli (2019) é o trabalho em redes sociais, baseado na participação de usuários e na realização de tarefas assimiladas ao lazer, à criatividade ou à sociabilidade. A produção de conteúdos e a sua partilha em comunidades de “amigos” é o que caracteriza esse trabalho, de aspecto lúdico e que se confunde com lazer, mas essencialmente não pago. Há uma concordância entre os diversos autores (DOOR, 2017; DRAHOKOUPIL; PIASNA, 2017; MOORE; JOYCE, 2020; VALENTE, 2019) na classificação dessas plataformas como intermediárias ou agenciadoras de trabalhadores que realizam a alocação, monitoramento e controle do trabalho, cobram taxas das transações mediadas por elas e definem taxas de remuneração desses trabalhadores. É de comum entendimento por parte dos principais teóricos do assunto que o trabalho em plataformas digitais é parte de uma ampla tendência de precarização do trabalho, da qual os contratos de hora zero, de mão de obra de plantão, o trabalho temporário, parcial, intermitente, autônomo, ocasional e por encomenda também são uma expressão. É a partir dessa constatação que Stefano (2016) propõe o conceito de “trabalho sob demanda” para definir todas essas expressões de trabalho precário. Em trabalho mais recente, Stefano e Aloisi (2018) defendem que a forma de remuneração do trabalho em plataformas digitais são duas: por hora ou peça (hourly or per drop) e por produção (output-related). Os autores afirmam que o sistema de pagamento por peça ou por tarefa é a norma e que, quando o trabalho é remunerado por hora, o monitoramento é ainda mais rigoroso. Afirmam ainda os autores que, quando o pagamento 96 é por peça, os trabalhadores são pressionados a concluir o maior número possível de entregas em uma hora, aumentando a competição entre eles, quando é por hora, além da uma remuneração fixa por hora, podem ser atribuídos bônus relacionados ao número de entregas concluídas (STEFANO; ALOISI, 2018). Essa afirmação dos autores confirma o que foi exposto no Capítulo 2, que o salário por peça e o salário por hora, sem estar baseado em uma jornada de trabalho, são a expressão de um mesmo fenômeno, de um retorno a uma forma de remuneração específica que era predominante no início da Revolução Industrial, na Inglaterra, sendo essa ainda mais favorável aos capitalistas, conforme afirma Marx (1984). Stefano (2016) observa que as novas tecnologias oferecem uma força de trabalho extremamente escalável, permitindo um nível de flexibilidade nunca visto para essas empresas. Os trabalhadores são utilizados apenas quando necessário e remunerados apenas nos momentos em que realmente trabalham para um cliente. Uma frase de um CEO da Amazon, citada pelo autor, define muito bem essa realidade: Antes da Internet, seria muito difícil encontrar alguém, sentar-se com ele por dez minutos e fazer com que trabalhasse para você e, em seguida, despedi-lo após esses dez minutos. Mas com a tecnologia, você pode realmente encontrá-los, pagar-lhes uma pequena quantia em dinheiro e, em seguida, se livrar deles quando não precisar mais (MARVIT, 2014 apud STEFANO, 2016). Como é possível perceber, a partir dessas considerações iniciais, estamos diante de várias características de uma forma específica de remuneração: o salário por peça e o salário por hora, sem estar baseado em uma jornada de trabalho. No entanto, não há consenso entre os autores em relação à definição desse tipo de trabalho a partir da forma de remuneração. Úrsula Huws (2017), uma das primeiras teóricas a estudar o tema, desde o seu surgimento, afirmou que “apesar de algumas formas de pagamento por resultados (ou por peça) serem aplicadas quando esses trabalhos são casualizados, geralmente são remunerados por hora, como é o caso do trabalhador manual” (HUWS, 2017, p. 186). No entanto, a autora não define esse trabalho a partir da forma de remuneração. Apesar de não definir o trabalho em plataforma digital como um trabalho por peça ou por hora, Casilli (2019) observa que um dos seus tipos inequivocamente adota esta forma de remuneração: o microtrabalho dos Turkers, como se convencionou denominar os seus trabalhadores. Assim afirma o autor: O raciocínio em termos de jornada de trabalho é problemático em uma plataforma que paga por peça. Na verdade, o ganho por hora está sujeito a vários riscos: a assiduidade do trabalhador (quanto tempo estão dispostos a dedicar a esta 97 atividade?), a sua competência (têm acesso a tarefas mais bem remuneradas?), a sua rapidez (como conseguem aceitar as tarefas rapidamente e realizá-las?). A possibilidade de os Turkers acumularem uma quantia equivalente a um salário mínimo no final do mês é de fato restringida pela limitação drástica do número de tarefas que podem ser realizadas a cada dia, bem como pelo número de minutos de microtrabalho autorizado a cada hora (CASILLI, 2019, p. 124). Casilli (2019) aponta, no entanto, para uma tendência de generalização do salário por peça como forma ideal de remuneração do trabalho digital: “as ramificações subterrâneas de seus setores confirmam que o trabalho em plataforma tende à ‘microtarefização’ como forma ideal” (CASILLI, 2019, p. 147). Tal termo advém das terminologias que eram utilizadas no século XIX para caracterizar o trabalho por peça. O que se denominava “marchandage” era um tipo de subempreita e um termo utilizado para designar as tarefas remuneradas por peça, a partir do qual são derivados os seguintes termos em francês, segundo o autor: piérçardes, piéceuses, piéçards, piéceurs, tacheronnes, stacherons e tacheurs. Alguns autores recentes, no entanto, afirmam categoricamente que: “o trabalho sob demanda não é novo, mas uma aplicação contemporânea do salário por peça. Se a história realmente se repete, o melhor que podemos fazer é estar preparados” (ALKHATIB; BERNSTEIN; LEVI, 2017, p. 4616). Dubal (2020) também concorda que os motoristas da Uber e os microtrabalhadores são remunerados por peça. Abílio (2019), desmistificando o fato de que esse tipo de trabalho seria apenas produto das inovações tecnológicas, afirma que, ao contrário dos países europeus e da América do Norte, para os quais as mais novas formas de trabalho precário aparecem como novidade, nos países da América Latina e, particularmente, no Brasil, o trabalho informal sempre foi expressivo. A autora define o trabalhador em plataformas digitais como “um autogerente-subordinado que já não é contratado, mas que se engaja no trabalho via a adesão às plataformas” (ABILIO, 2019, p. 2). Antunes e Filgueiras (2020), apesar de não desenvolverem em profundidade a questão da forma de remuneração, afirmam que os trabalhadores estão sendo remunerados por tarefa ou lapsos temporais mínimos, como horas, sem garantia de jornada e remuneração (ANTUNES, 2020). Guilherme Nunes Pires (2020) é categórico em afirmar que os trabalhos da chamada Gigs Economy (Economia de bicos), terminologia utilizada nos países europeus e nos EUA para definir as formas recentes de trabalho precário, como o trabalho digital, são uma forma de salário por peça. Para o autor, assim como é defendido nesse trabalho, esse tipo de 98 remuneração se generaliza com as novas tecnologias diante da necessidade do capital em diminuir os custos com a força de trabalho e aumentar a exploração (PIRES, 2021). Como parte dessa pesquisa, foi aplicado um questionário via Google Forms que foi respondido de forma anônima por 87 entregadores de 19 estados do país. Um informante chave permitiu o acesso a grupos de conversas em plataformas digitais de entregadores, sobretudo, daqueles que trabalham com motos. No corpo do texto da mensagem de disparo do questionário foi esclarecido que era uma pesquisa voltada aos entregadores de moto em plataformas digitais de entrega. 5.1 O salário por peça permite a introdução de intermediários que subalugam o trabalho Como foi descrito acima, as plataformas de trabalho digital são intermediadoras e elas mesmas reconhecem essa função. Recentemente a empresa iFood introduziu a categoria de entregador “Operador Logístico”. Ao que parecer esse é uma categoria introduzida somente no Brasil. Com a introdução dessa categoria, a organização realiza contratos com empresas de delivery como subsidiárias e essas agenciam o trabalho de motoboys cadastrados no iFood. Esses trabalhadores possuem uma jornada de trabalho fixa por semana, apesar de não possuírem nem salário fixo, nem férias, nem folgas remuneradas ou 13º salário. No entanto, conforme afirmam os próprios trabalhadores, a plataforma passa a estimular uma ou outra modalidade, repassando mais pedidos ou bloqueando trabalhadores. Em Campinas, interior de São Paulo, desembargadores da 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região reconheceram a existência de vínculo de emprego entre um motoboy e uma empresa de entrega de refeições que era subcontratada ou subsidiária do iFood na modalidade Operador Logístico. Na decisão, os desembargados afirmam que se trata de uma lógica muito parecida a de agenciadores do trabalho da construção civil e do ramo têxtil: A empresa de transportes alegava que o motoboy era trabalhador autônomo, que não existia exclusividade na prestação de serviços e que ele teria realizado por iniciativa própria o cadastro no aplicativo da empresa. Já a iFood alegou que não atua na atividade de delivery, serviço que seria objeto social da primeira reclamada. Para a multinacional, sua atividade econômica consiste exclusivamente no fornecimento de plataforma digital, que faz a intermediação entre clientes, restaurantes e entregadores (TRT 15ª REGIÃO, 2020). Ademais, 99 O motoboy não podia, por exemplo, enviar substituto nos dias em que não fosse ao trabalho, recebia pagamento quinzenal, não tinha autonomia para alterar o turno, tinha escala a cumprir, tempo para realizar as entregas, além de prestar o trabalho de forma contínua (TRT 15ª REGIÃO, 2020). No seu site, a plataforma afirma que o Operador Logístico é “uma empresa contratada pelo iFood para administrar grupos de entregadores disponíveis em dias e horários préestabelecidos. Todos os valores de rotas e gorjetas são repassados para o OL e este é responsável pelos valores devidos aos seus entregadores” (IFOOD, 2020). Isso se trata de uma subcontratação ou quarteirização, se considerarmos a própria plataforma como um agenciador ou intermediador. Essas empresas contribuem atendendo regiões específicas e complementando a frota em determinados dias e horários (MACHADO, 2020). Os entregadores chamam aqueles que trabalham nessas subsidiárias de “OL”, uma sigla para “Operadores Logísticos” e os gerentes dessas empresas de “Líderes de Praça” ou “Chefe OL”. O entregador precisa cumprir um horário fixo todos os dias, com direito a uma folga por semana, desde que negociada com antecedência e ele não pode desligar o aplicativo quando quiser nem decidir ficar em casa em determinado dia, mas não tem salário fixo, nem férias nem folga remunerada, recebendo igualmente ao trabalhador “Nuvem”, como são denominados os demais entregadores, ou seja, por pedido entregue (MACHADO, 2020). Dessa forma, a plataforma estimula o ingresso em uma ou outra categoria, adota um novo regime de trabalho, conforme a conveniência, e essa é, também, uma forma de estimular controvérsias e concorrência entre os trabalhadores e diminuir, por exemplo, o efeito das greves, já que passa a ter um estoque de trabalhadores obrigados a trabalhar todos os dias sem poder desligar o aplicativo. Tendo em vista a existência da modalidade “Operador Logístico” na plataforma iFood, o fato de que a maioria dos entregadores que responderam ao questionário trabalham nessa plataforma e ainda que essa é na atualidade a maior plataforma de entrega de comida da América Latina (FRANGIONE, 2021), decidiu-se fazer um recorte por categoria para verificar se haveria diferença nas respostas dos trabalhadores. 5.2 Perfil dos entregadores que responderam ao questionário Os gráficos abaixo (Gráficos 12 a 16) retratam um pouco o perfil dos entregadores que responderam ao questionário. Todos trabalham para mais de uma plataforma. A iFood é a plataforma na qual a maioria dos entregadores trabalham, seguida da Uber Eats, Rappi, 100 Loggi e 99 Food. Há também outras plataformas menores para as quais os entregadores trabalham, como James, Ame Flash, Ibolt, Bee Delivery, Commis, Box Delivery, Lala Move, Click Entrega, Delivery Center, Indriver e Americanas. Gráfico 12 - Trabalha para qual (is) dos aplicativos abaixo? Trabalha para qual (is) dos aplicativos abaixo ? 0 10 20 30 40 iFood 30 Uber Eats 99 Food Outros 60 70 80 75 Rappi Loggi 50 33 14 20 29 Fonte: Elaboração própria (2021) 101 Gráfico 13 - No iFood, você é Fonte: Elaboração própria (2021) Conforme demonstra o Gráfico 13, com relação à pergunta “No iFood, você é”, 87 entregadores responderam à pergunta. 60% declararam ser “Nuvem”, 36% “OL” e 4% responderam a opção “Outros”. Nenhum “Chefe OL” respondeu ao questionário. Entre aqueles que responderam “Outros”, as respostas variaram entre dois que responderam que não trabalhavam para o iFood, um que respondeu que estava bloqueado e outros dois que não responderam à pergunta. 102 Gráfico 14 - Em qual estado você mora? Fonte: Elaboração própria (2021) Conforme sinaliza o Gráfico 14, obtivemos resposta de entregadores com moradia em dezenove estados de quatro regiões do país, com exceção da região norte, prevalecendo respondentes de Rio de Janeiro (16), São Paulo (15), Rio Grande do Sul (11), Paraná (9) e Pernambuco (9). 103 Gráfico 15 - Qual sua idade? Fonte: Elaboração própria (2021) Com relação à faixa etária, 48% declararam possuir entre 25 e 34 anos, 22% entre 35 anos e 44 anos e 21% até 24 anos. Gráfico 16 - Qual seu gênero? Fonte: Elaboração própria (2021) 104 O Gráfico 16 demonstra que 93% (81 respondentes) declararam ser do sexo masculino e 6% (5 respondentes) feminino, 1% (1 respondente) preferiu não responder a qual gênero pertencia. Tendo em vista captar aspectos do trabalho em plataformas digitais e seu impacto sobre a subjetividade dos trabalhadores e contrastar com a literatura sobre salário por peça e por hora, o questionário foi dividido da forma apresentada a seguir. Foram relacionadas algumas frases e, em seguida, pedia-se: “Sobre o trabalho em aplicativo, numa escala de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo integralmente), dê sua opinião sobre as frases abaixo”. Ademais, foram feitas algumas perguntas sobre jornada de trabalho, renda, tempo de trabalho em plataformas digitais, mudanças na remuneração desde que iniciou neste trabalho e perguntas pessoais. 5.3 Instrumento de trapaça capitalista e descontos salariais Com relação a esse aspecto apontado pela literatura, os dados confirmam, conforme os Gráficos 17 e 18 abaixo, que, para os entregadores, os critérios que definem a pontuação deles não são claros, o que pode apontar para a existência de trapaças e descontos salariais. Entre os “Nuvem”, 38% e outros 37% responderam que concordam integralmente ou simplesmente concordam com a afirmação. Entre os “OL”, esse percentual foi de 28% e 34%. Aqui cabe uma observação, apenas aqueles que responderam possuir uma pontuação no aplicativo e pertencer a uma das duas categorias (“OL” ou “Nuvem”) foram direcionadas a essa pergunta. Dessa forma, obtivemos 81 respostas ao questionário nesta questão. 105 Gráfico 17 - Os critérios que definem a pontuação dos entregadores não são claros Fonte: Elaboração própria (2021) Gráfico 18 - Sinto que o aplicativo trapaceia no valor das taxas de remuneração dos entregadores Fonte: Elaboração própria (2021) O Gráfico 18 mostra que há uma concordância grande por ambas as categorias em relação à ideia de que o valor das taxas repassado aos trabalhadores não é justo. 47% entre os “OL” concordaram e concordaram integralmente com a afirmativa. Entre os “Nuvem”, 106 esse percentual foi de 62%. Entre os trabalhadores “Nuvem”, a desconfiança é maior em relação à forma como é calculado o valor das entregas. A possibilidade de as plataformas praticarem descontos salariais é um aspecto ressaltado na literatura. As próprias plataformas afirmam que suas taxas de entrega variam de acordo com “o clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e complexidade do pedido” (FUTEMA, 2020). Além disso, não há qualquer possibilidade do entregador acompanhar a determinação do valor dessas taxas. Ademais, há o fato de que as plataformas têm utilizado o argumento de que não podem divulgar quaisquer informações sobre o trabalho exercido pelos entregadores por questão de sigilo e proteção contra a concorrência. O sistema de remuneração e cobrança de comissões não é claro, segundo afirmam autores da área (DE GROEN; MASELLI, 2016, p. 10) A falta de transparência e de informações a respeito do funcionamento das plataformas digitais é também um aspecto que confirma que se trata de uma relação de subordinação. O trabalho é definido pela programação realizada pela plataforma e modulado a partir de aportes feitos pelos usuários ou consumidores (KALIL, 2019). 5.4 Percepções sobre a forma de remuneração Segundo Marx (1984), o salário por peça permite ao capitalista uma medida precisa da intensidade do trabalho: a qualidade do trabalho é controlada pelo próprio resultado, que tem que possuir uma qualidade média para que o salário seja pago integralmente. Essas características estão presentes no trabalho em plataformas digitais. Só é pago trabalho que se corporifica numa mercadoria, ou seja, o trabalhador recebe por entrega ou pedido concluído. Conforme Gráfico 19 abaixo, 60% e 27% dos trabalhadores classificados como Nuvem responderam que concordam integralmente ou simplesmente concordam que recebem por entrega concluída, enquanto entre os “OL”, esse percentual foi, respectivamente, de 30% e 40%. 107 Gráfico 19 - Eu recebo por entrega concluída Fonte: Elaboração própria (2021) 5.5 Sentimento de liberdade, independência e autocontrole A característica mais importante do salário por peça, no entanto, e que é visível no trabalho em plataformas digitais, é a ilusão de liberdade e autonomia proporcionadas por essa forma de remuneração. Isso é o que está por trás da disposição do trabalhador em prolongar sua jornada de trabalho e intensificar o seu trabalho ao máximo, a fim de aumentar a sua remuneração, porque ele “toma a sério a aparência do salário por peça, acreditando que lhe pagam o que produziu e não sua força trabalho” (MARX, 1984, p. 645). “Trabalhe no seu próprio ritmo”, “não tenha patrão” e “torne-se empresário” são alguns dos clichês mais ouvidos na atualidade e ressaltados pelas plataformas digitais. Conforme afirma Marx (1984), enquanto no regime de salário por tempo, o salário é igual para todos os trabalhadores, com poucas exceções, no salário por peça, o salário diário ou semanal pode variar com as diferenças individuais dos trabalhadores, sua habilidade, força, energia e persistência. Para Dubal (2020b), a remuneração por peça cria uma “subjetividade anti-bem-estar”, que gera uma sensação de que o trabalho só depende dos trabalhadores e quando falham, a responsabilidade é somente deles. Nesse sentido, o Gráfico 20, abaixo, teve como objetivo verificar essa questão da ilusão de liberdade oferecida pela forma de remuneração. 108 Gráfico 20 - Sinto que tenho liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo eu quiser Fonte: Elaboração própria (2021) A sensação de liberdade é maior entre os trabalhadores “Nuvem” e menor entre os entregadores “OL”. Somando as colunas “discordo totalmente” e “discordo”, 70% dos “OL” afirmam não sentir liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo quiserem, enquanto entre os trabalhadores “Nuvem” 44% concordaram e concordaram integralmente, bem como 23% discordaram e discordaram integralmente com a afirmativa. Uma possível interpretação se deve ao fato de que o Operador Logístico, conforme detalhado acima, trabalha em horários e dias fixos por semana e possui um chefe. Apesar da sua remuneração continuar sendo por peça, esse trabalhador aparenta ter menor autonomia e liberdade que o “Nuvem”. Como dito acima, essa é uma forma utilizada pelos capitalistas de combinar diferentes regimes de trabalho na mesma empresa ou plataforma. 109 Gráfico 21 - Meu salário, ao final do mês só depende de mim Fonte: Elaboração própria (2021) Com relação à ideia de que o salário depende unicamente do esforço individual de cada trabalhador, na forma de remuneração por peça, isso se deve ao fato de que o trabalhador observa com seriedade a aparência do salário e acredita que lhe pagam efetivamente pelo seu trabalho. Ambas as categorias “OL” e “Nuvem” tiveram uma tendência maior ao concordar do que ao discordar da afirmação, conforme demonstra o Gráfico 21. Entre os trabalhadores “OL”, 47% concordam e concordam integralmente com a afirmação, enquanto entre os trabalhadores Nuvem 52% concordaram e concordaram integralmente. Essa diferença pode estar relacionada ao fato de que o trabalhador “Nuvem” é o que mais se aproxima à forma de remuneração por peça clássica, sem a figura de um patrão que controle seus horários e faça seu pagamento. O trabalhador “OL”, também submetido à mesma forma de remuneração por peça, está subordinado ainda a um segundo intermediário, que é a empresa subcontratada do iFood. 110 Gráfico 22 - Não consigo determinar quanto vou receber ao final do mês Fonte: Elaboração própria (2021) O Gráfico 22 revela mais uma característica do salário por peça, a indeterminação da remuneração mensal. 47% entre os OL concordaram e concordaram totalmente com essa afirmação, enquanto entre os “Nuvem” esse percentual foi de 62%. Dubal (2020) demonstra que a situação dos trabalhadores em plataformas digitais é ainda pior que das trabalhadoras imigrantes por peça nos EUA, no final do Século XIX. Enquanto essas sabiam o valor que recebiam por cada peça de vestuário concluída, os trabalhadores em plataformas convivem com a total falta de previsibilidade de renda. Os trabalhadores não sabem quanto custa a sua hora de trabalho e não conseguem calcular quanto conseguirão atingir de renda ao final do mês para as suas despesas. Conforme demonstra Stefano e Aloisi (2018), as tarifas flutuam constantemente e são alteradas sem que os trabalhadores tenham qualquer controle, tornando sua remuneração mensal totalmente imprevisível. 111 Gráfico 23 - Sinto que quanto mais eu trabalho menos eu recebo Fonte: Elaboração própria (2021) Conforme Gráfico 23, 57% dos “OL” discordaram e discordaram totalmente com a afirmação enquanto entre os “Nuvem” foram 40%. Essa percepção pode advir da forma de remuneração uma vez que a cada “entrega” corresponde uma remuneração, quanto maior o número de entregas maior o retorno financeiro recebido. Apesar da maioria em ambas as categorias discordar da afirmação, entre os “Nuvem”, outros 36% afirmaram concordar e concordar integralmente com a afirmativa, o que demonstra que não há uma opinião predominante acerca dessa questão entre essa categoria. 5.6 Sentimento de concorrência e vigilância Outro aspecto apontado pela literatura tanto sobre trabalho em plataformas digitais como sobre salário por peça é que há um sentimento de concorrência entre os trabalhadores. O salário por peça estimula a concorrência e a emulação entre os trabalhadores. 112 Gráfico 24 - Os demais entregadores são meus concorrentes Fonte: Elaboração própria (2021) Com relação à ideia de concorrência entre os trabalhadores, houve uma divergência grande de opiniões em ambas as categorias. Somando os extremos, percebe-se que predominou a discordância nas categorias em relação a essa afirmação. Isso pode indicar que, apesar da forma de remuneração incidir estimulando a concorrência entre os trabalhadores, há um sentimento, também, de solidariedade de classe, que foi perceptível em algumas respostas à pergunta aberta do questionário, tais como: Eles (os entregadores) que fazem o sistema funcionar, ou seja, sem entregador não tem movimento nenhum (Entregador G). Pra terminar eu gostaria que o aplicativo pagasse igualmente os motoboys de todo o país (entregador P). Não somos respeitados, do cliente ao estabelecimento. (Entregador L). A maioria tem que correr igual um louco nas ruas para tentar fazer um dinheiro, mas numa dessa a sorte acaba e lá se vai mais um entregador que deixa sua família por uma taxa de entrega de 4, 5, 6 reais [...] (Entregador AC). Nas respostas à pergunta aberta do questionário foi possível perceber que há uma discrepância nas opiniões dos trabalhadores, alguns se solidarizando aos demais como indivíduos na mesma situação e vítimas da exploração de um sistema, outros, no entanto, possuem um discurso mais focado no mérito individual, tais como: Acredito que deveria ser feito uma entrevista com os entregadores para analisar o perfil. Pois muitos prejudicam a classe. Por falta de educação ou má fé (Entregador AD). 113 Não tenho nada contra os apps acho que tudo que se faz na vida tem que ter um mínimo de dedicação, vejo boys reclamando, eu não concordo, ninguém é obrigado a ficar, mesmo reclamando, não vejo ninguém procurar outra coisa pra fazer. Estou vendo muitos boys tentando arrancar dinheiro fácil, nada cai do céu. Essa é minha opinião (Entregador AE). Conforme demonstra o Gráfico 24, entre os “OL”, 44% discordaram e discordaram totalmente com a afirmação, enquanto, entre os Nuvem, o percentual foi de 46%. No polo oposto, entre os “OL”, 40% concordaram e concordaram integralmente e, entre os Nuvem, esse percentual foi de 34%. Uma das características do salário por peça, segundo Marx, é que essa forma de remuneração torna desnecessário o trabalho de supervisão: “Sendo a qualidade e a intensidade do trabalho controladas pela forma de salário, torna esta em grande parte desnecessário o trabalho de inspeção” (MARX, 1984, p. 639). Segundo Casilli (2019)19), as métricas de desempenho (curtidas, pontuações, classificações, estrelas, número de seguidores, compartilhamentos, contatos), utilizadas no trabalho em plataformas digitais, funcionam como métodos muito eficientes de controle e disciplina do trabalho que podem resultar em sanções, sendo uma forma de monitoramento e incentivo da produtividade em tempo real: Esses indicadores são frequentemente associados a mecanismos de gamificação (ganhar emblemas, guloseimas, eventos desencadeadores em troca de dados pessoais e contribuições), competição (comparação de pontuações entre diferentes usuários de uma plataforma permitindo que sejam classificados de acordo com o desempenho) ou autoavaliação (revisão de atividades, análise dos intervalos de tempo mais produtivos, etc.) (CASILLI, 2019, p. 260). A Uber adotou em algumas cidades brasileiras o Programa 6 Estrelas, que diferencia os motoristas em três categorias: prata, ouro e diamante. A nota mínima do motorista na plataforma para pertencer a esse programa foi de 4,75 e a menor quantidade de corridas foi de 240. Essa foi uma forma de incentivar o trabalhador pela pontuação a trabalhar mais e em trocar receber suporte prioritário e “promoções” exclusivas, ou seja, com a promessa de uma remuneração um pouco maior. Segundo Renan Kalil (2019), ainda, os trabalhadores relatam que a constante alteração das regras da plataforma, como o sistema de avaliação, gera ansiedade e insegurança, porque podem afetar a média das notas dos motoristas e comprometer a permanência na plataforma e, ainda, porque criam dificuldades na previsão da renda média possível de obter ao final do mês (KALIL, 2019). 114 Woodcock (2020) demonstra como o processo de mensuração do trabalho é combinado com o sistema de pagamento por peça, nas plataformas digitais. O autor identifica que a Deliveroo adotou um modelo de organização em que todo o pagamento é por peça, promovendo uma transição do pagamento por hora para o pagamento unicamente por peça, para incentivar os trabalhadores a realizar entregas de forma pontual. Ele demonstra como isso facilita a supervisão do trabalho: Para que haja uma ilusão de controle na Deliveroo, o processo de mensuração é combinado com o sistema de pagamento por peça. Essa ilusão é uma tentativa de inculcar nos trabalhadores os imperativos de gestão. Diferentemente de uma fábrica ou call-center, o supervisor não está mais presente, o que remove o aspecto físico. O controle vai além da supervisão dos trabalhadores para garantir que estejam trabalhando de forma efetiva. O controle está relacionado à superação da resistência do trabalhador (WOODCOCK, 2020, p. 42). Os bloqueios também são uma forma de controle e supervisão do trabalho e uma forma de punição. São realizados por uma avaliação mal feita por um cliente ou pela participação em movimentos grevistas. Stefano e Aloisi (2018) relatam um conjunto de ferramentas utilizadas para controle dos trabalhadores que envolve um sistema de vigilância estrito, com base nas avaliações do cliente, recursos de Sistema de Posicionamento Global (GPS), tecnologia de código de barras, restrições de tempo, métricas constantes, capturas de telas regulares, taxas de respostas e algoritmos obscuros ou a possibilidade de determinar a localização do desempenho e a alocação de tempo. Wagner Oliveira, o primeiro motorista a ser expulso da Uber no Brasil, afirmou sobre o sistema de vigilância exercido pela plataforma, conforme relatado por jornalista: O algoritmo substitui o gerente da empresa, que fica no pé do funcionário, e substitui o capataz da fazenda, que dava chicotadas nos escravos. E ele não dorme. É uma máquina, uma função do computador, e faz uma vigilância implacável do motorista 24 horas por dia. [...] A Uber é um negócio de espionagem, no segundo plano. Eles estavam me espionando. Eles ligam a câmera e o áudio do motorista dentro do carro, escutam a conversa e filmam tudo, sem o passageiro saber (GIOVANAZ, 2021). Nesse sentido, o Gráfico 25 abaixo buscou verificar esse aspecto apontado pela literatura. 115 Gráfico 25 - Me sinto vigiado o tempo todo Fonte: Elaboração própria (2021) É possível concluir que a maioria dos entregadores concorda que se sente vigiado o tempo todo pela plataforma. 57% entre os “OL” concordaram e concordaram totalmente com a afirmação, enquanto entre os “Nuvem” esse percentual foi de 50%. Foi perguntado ainda aos trabalhadores se eles consideravam que a adoção da Carteira de Trabalho pelas plataformas digitais influenciaria no sentido de uma queda na sua remuneração. Esse aspecto foi apontado porque é motivo de polêmica entre os próprios entregadores, como foi possível observar nos grupos de conversa aos quais a pesquisadora teve acesso e porque, conforme aponta a literatura, variando o salário por peça conforme a energia, persistência e disposição do trabalhador em prolongar sua jornada ou intensificar seu trabalho, permite a elevação de salários individuais, o que levaria alguns trabalhadores a discordar da adoção da Carteira de Trabalho. O regime CLT pressupõe, ainda, uma jornada fixa de trabalho, ou seja, a pergunta também teve como objetivo auferir o sentimento de liberdade dos trabalhadores no serviço realizado em plataformas digitais. 116 Gráfico 26 - Se for adotada a Carteira de Trabalho, minha renda irá cair Fonte: Elaboração própria (2021) O Gráfico 26 revela uma disparidade muito grande de opiniões entre os trabalhadores de ambas as categorias em relação à adoção de Carteira de Trabalho. 38% entre os “Nuvem” concordaram contra 37% que discordaram. E 47% entre os “OL” discordaram da afirmação contra 36% que concordaram. No total, sem fazer distinção em relação à categoria do trabalhador na plataforma, somando as duas, têm-se que 83% discordaram da afirmativa, 74% discordaram e 42% se declararam neutros. Em outras palavras, predomina, com ligeira diferença, a discordância em relação à sentença. Mesmo que a forma de remuneração proporcione, segundo a literatura, um sentimento de liberdade e autonomia e aumento dos salários individuais, há uma sinalização por parte da maioria dos entregadores respondentes no sentido de que a adoção da Carteira de Trabalho seria positiva. Ressalta-se que foi maior a divergência de opiniões entre os “Nuvem” que entre os “OL”, que já cumprem um sistema de horários fixos de trabalho, porém não possuem remuneração mensal fixa. Conforme Stefano e Aloisi (2018), os empregos criados nas plataformas digitais são precários e extremamente mal remunerados para a maioria dos trabalhadores. Ingressam nas plataformas os trabalhadores que estavam no mercado informal ou no desemprego, sem perspectiva de emprego formal (IPEA, 2020). 117 5.7 Forma de imposição de jornadas longas e de trabalho intenso Conforme afirma Marx (1984), no salário por peça, o trabalho é controlado pelo próprio resultado, de forma que os trabalhadores se veem obrigados a estender sua jornada de trabalho ou intensificar seu trabalho para concluir uma tarefa ou entrega. O relatório da pesquisa realizada pela Remir, no Brasil, concluiu enfaticamente: “Esses resultados não deixam margem a dúvida sobre um movimento de manutenção de longos tempos de trabalho, associado à queda da remuneração desses trabalhadores” (ABILIO et al, 2020). Dubal (2020) relata trechos de entrevistas com microtrabalhadores que expressa essa disposição do trabalho em impor a si mesmo longas jornadas, graças à forma de remuneração por peça: Quando perguntei a Janey como ela decidiu que já havia trabalhado o suficiente em um dia, ela respondeu que só depois de cumprir suas metas financeiras é que se permitiu descansar: “Se eu precisar ganhar $ 50 para pagar o aluguel, então vou trabalhar dezesseis horas seguidas. O que for preciso fazer...Mas então há aqueles momentos em que você não é pago ou seu trabalho é rejeitado...então você não pode prever o tempo ou o dinheiro, realmente. Mas você faz o melhor que pode” (DUBAL, 2020). Entrevistas realizadas por Dubal (2020) revelam como os microtrabalhadores impõem para si mesmos longas jornadas, que excedem em muito as oito horas diárias, pelas quais não recebem horas extras. Eles estipulam metas financeiras e só param de trabalhar quando conseguem alcançá-las. Muitos deles possuem a urgência em competir e completar tarefas e vivem um sentimento de crise perpétua, conforme relata a autora. Pelos algoritmos, as empresas aplicam mecanismos para prolongar a jornada de trabalho desses trabalhadores. Dubal (2020) apresenta o relato de um motorista na Uber que possui certeza de que a empresa sabia que ele havia estabelecido uma meta financeira diária a ser atingida e que procuravam utilizar isso para mantê-lo trabalhando por mais horas. Dubal (2020) afirma que os algoritmos usam incentivos psicológicos para manipular o preço por peça e incentivar os trabalhadores a trabalhar mais por salários reduzidos. Scheiber (2017) relata que a Uber e a Lyft, empregando centenas de cientistas sociais e de dados, experimentam técnicas de videogame e alavancas psicológicas para prolongar a jornada dos motoristas. Uma delas é o despacho direto, que efetua uma corrida para um motorista antes que a atual termine, fazendo com que eles permaneçam trabalhando por muito mais tempo, sem período de descanso. Outro mecanismo é o envio da seguinte mensagem de texto, quando o trabalhador sinaliza que vai encerrar sua jornada de trabalho: 118 “Você está a U$ 10 perto de ganhar $ 330 em ganhos líquidos. Tem certeza de que deseja ficar off-line?” (SCHEIBER, 2017). Woodcock (2020) aborda também esse mecanismo utilizado pelas empresas de enviar uma mensagem ao trabalhador afirmando que o tempo que ele levou para realizar determinada entrega foi abaixo do tempo médio de entrega, no entanto, sem informar qual é esse tempo médio. Essa é uma forma de intensificar o trabalho, o que só é possível dada essa forma remuneração por peça (WOODCOCK, 2020). Engenheiros de software programam o algoritmo da plataforma para manipular a oferta de bônus ou “promoções” aos motoristas para fazê-los dirigir por mais horas. “Os trabalhadores são comparados a coelhos, em que se deve manter a cenoura (ou o dinheiro) à sua vista para que continuem andando (ou dirigindo)” (FOWLER, 2018). A plataforma adota técnicas de vídeo game, gráficos e recompensas não monetárias de caráter simbólico para induzir os motoristas a trabalharem mais, inclusive em horários e locais menos rentáveis para eles (SCHEIBER, 2017). Outra forma de combinar diferentes regimes de trabalho no interior de uma mesma plataforma é o “RappiTurbo”, um botão de aceitação automática adotado pela Rappi que obriga o trabalhador a realizar todas as entregas que são destinadas a ele. Essa é uma maneira da plataforma direcionar rotas ruins ou distantes ou em locais de difícil acesso. A Rappi promete aumento de ganhos de 50% com ativação do “RappiTurbo”, afirmando que o trabalhador será priorizado e receberá mais pedidos em menos tempo (RAPPI, 2021). Tendo em vista esses aspectos apontados pela literatura, foram elaboradas algumas perguntas sobre a disposição do trabalhador em ampliar sua jornada de trabalho ou intensificá-lo. Essas duas tendências foram confirmadas pelos gráficos a seguir. Cumpre ressaltar que os Gráficos a seguir se referem a 82 respostas não mais a 87, isto porque cinco entregadores não responderam a qual categoria pertenciam, se “OL” ou “Nuvem”. 119 Gráfico 27 - Se, ao final de um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte mensagem: “Faça 10 entregas agora e receba R$ 200,00”. O que você faz? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) Gráfico 28 - Se, ao final de um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte mensagem: “Faça 10 entregas agora e receba R$ 200,00”. O que você faz? – Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) 120 Conforme sinalizam os Gráficos 27 e 28 acima, diante da pergunta: “Se, ao final de um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte mensagem: “Faça 10 entregas agora e receba R$ 200,00”. O que você faz?”, a maioria dos entregadores (77% entre os “OL” e 75% entre os “Nuvem”) declarou que aceitaria prolongar um pouco mais sua jornada. 13% entre os “OL” e 8% entre os “Nuvem” afirmaram, no entanto, que não aceitariam. 10% entre os “OL” e 17% entre os “Nuvem” optaram por responder “Outros”. Em “Outros”, obtivemos muitas respostas interessantes que apontam para a tendência de que a esmagadora maioria dos entregadores aceitaria fazer as entregas, tais como: “dependendo de outros fatores, como contas a pagar, talvez eu aceite”; “com certeza, se não tiver compromisso, e a maioria que eu conheço faria”; “depende de quantas horas trabalhei e do meu nível de cansaço” e “vai depender da minha disposição”. Alguns apontaram para o fato de que esse valor seria impossível receber em dez entregas ou que seria difícil realizar essas entregas no final do dia: “Para fazer as dez entregas, no mínimo, dependendo do aplicativo são cinco horas, então não dá”; “Faria sorrindo, raramente nos últimos meses, trabalhando de 10:30 às 00:00 tenho conseguido fazer tal valor”; e “Se fosse na parte da manhã, sim. No final do dia, muito difícil fazer dez entregas, depois das 22 horas”. Gráfico 29 - Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que você faz? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) 121 Gráfico 30 - Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que você faz? – Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) Com relação à disposição em intensificar seu trabalho, foi feita a seguinte pergunta: “Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que você faz?”. Os Gráficos 29 e 30 mostram que a disposição é muito maior entre os entregadores “Nuvem” (90%) que entre os “OL” (77%). Em “Outros”, 10% entre os “OL” e apenas 2% entre os “Nuvem”, obtivemos muitas respostas interessantes, tais como: “Aceito até onde eu conseguir fazer”, “Sempre analiso a relação percurso e valor pago”, “depende do aplicativo, para a maioria deles, não podemos rejeitar, senão somos penalizados”, “ele já faz isso a todo momento, e não existe isso de escolher as corridas que você quer, nós temos que fazer todas pois existem penalizações, por não aceitar ou rejeitar corridas, penalizações severas que vão de ficar sem receber pedidos por horas até bloqueio na plataforma”. Outro entregador afirmou ainda sobre a intensidade de trabalho na plataforma, mesmo sendo “OL”: “eu sou entregador “OL”, meu aplicativo até tem a função de pausa, mas raramente consigo acioná-la quando quero. Dependendo da demanda do dia, aparece a mensagem: [...] estamos com alta demanda no momento, deixa a pausa para mais tarde e aproveite para fazer mais entregas agora’...só falta um termo pejorativo como escravo ou otário no final da frase, pois, às vezes, mesmo após sete horas trabalhadas sem pausa, quando tento acionar a pausa, a tal mensagem aparece. (Entregador AD). 122 5.8 Desocupação relativa ou absoluta, sistema de pontuação e metas A desocupação relativa ou absoluta é um aspecto bastante visível do trabalho em plataformas digitais. Os entregadores ficam à espera de uma entrega, que pode variar muito de acordo com o dia, sem eles saberem ao certo porque isso acontece, conforme relata um entregador em seu canal no Youtube, que afirma que houve dias em que ele ficou o dia inteiro esperando por um pedido: “A espera [entre um pedido e outro] fica fatigando a gente” (FERNANDES, 2020). Segundo Huws (2016), a jornada de trabalho nessas plataformas inclui períodos de inatividade, quando os trabalhadores estão com os telefones ligados aguardando pedidos. Não há qualquer previsibilidade quanto à disponibilidade de trabalho (HUWS, 2016). Como não há local definido de trabalho, qualquer lugar com conexão à internet é um espaço de trabalho. Lucas Pereira Nacre, outro entregador em plataformas digitais com canal no Youtube, tenta desvendar esses motivos e aponta que o trabalhador não pode ter más avaliações por parte dos clientes, nem atrasar na entrega e precisa possuir uma pontuação boa na plataforma para receber mais pedidos (NACRE, 2020). Uma forma de mensuração do trabalho adotada por essas plataformas é o sistema de pontuação ou “score”. É preciso ter uma pontuação mínima para receber pedidos ou ter acesso a todos os locais de entrega. Esse sistema penaliza o trabalhador que decidir, por exemplo, se desconectar da plataforma e ficar alguns dias de folga, uma vez que, ao retornar, sua pontuação cai e ele deixa de receber pedidos. Em outras palavras, o sistema de pontuação é uma forma de gerenciar a desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho e uma forma de controle. Se o motorista for bloqueado em razão de um atraso na entrega ou reclamação do cliente, a sua pontuação cai na plataforma. Assim descreveu um entregador na pergunta aberta feita ao final do questionário: “Eles bloqueiam muito os motoboys. Sempre a preferência é do cliente. Fui bloqueado ontem pelo aplicativo e não sei se vou ser desbloqueado, o cliente recebeu pedido e alegou que não recebeu” (Entregador AE). 123 Assim define Alessandro da Conceição, presidente da Associação de Entregadores e Motofretistas Autônomos do Distrito Federal: “É uma forma de obrigar a pessoa a aceitar todos os pedidos e a trabalhar todos os dias” (FUTEMA, 2020). Gráfico 31 - Você tem uma pontuação no (s) aplicativo (s)? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) Gráfico 32 - Você tem uma pontuação no (s) aplicativo (s)? – Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) 124 Os Gráficos 31 e 32 acima confirmam o que a literatura apontou. A maioria dos entregadores relataram possuir uma pontuação na plataforma (77% entre os “OL” e 83% entre os “Nuvem”), no entanto, é expressivo o percentual daqueles que declararam não saber responder à pergunta (20% entre os “OL” e 17% entre os “Nuvem”). Como um trabalhador “OL” apenas declarou não possui uma pontuação na plataforma, as perguntas seguintes contêm informações de somente 81 entregadores, pois era um condicionante ter respondido “sim” à pergunta anterior para responder às perguntas sobre o sistema de pontuação. Conforme é possível observar, a maioria concordou que o prolongamento da jornada de trabalho pode incidir positivamente na pontuação recebida, assim como a intensificação do trabalho. Houve, ainda, concordância entre a maioria dos trabalhadores em relação a um receio em ficar alguns dias desconectado da plataforma e isso levar a uma queda na sua pontuação. Gráfico 33 - Sinto que se trabalhar mais horas, minha pontuação aumenta Fonte: Elaboração própria (2021) No Gráfico 33, entre os trabalhadores “OL”, 55% concordaram e concordaram integralmente com a afirmação contra 21% que afirmaram discordar e discordar totalmente. Entre os “Nuvem”, foram 56% contra 25% que discordaram e discordaram integralmente. 125 Esses dados revelam que a maioria dos entregadores sente que se prolongar sua jornada de trabalho obterá uma maior pontuação na plataforma, apontando que o sistema de pontuação incide no sentido de incentivar o trabalho em quantidade cada vez maior de horas. Essa é uma forma de obrigar o trabalhador a aceitar todos os pedidos e trabalhar todos os dias da semana. O sistema de pontuação atua como uma forma a mais de controle e vigilância sobre o trabalho. Gráfico 34 - Sinto que se realizar mais entregas em menos tempo, minha pontuação aumenta Fonte: Elaboração própria (2021) O Gráfico 34 mostra que, entre os “OL”, 55% afirmaram concordar e concordar integralmente com a sentença, enquanto, entre os “Nuvem”, esse percentual foi de 48%. Discordaram e discordaram totalmente com a afirmação 28%, entre os “OL”, e 23%, entre os “Nuvem”. Esses dados revelam que, apesar da plataforma não afirmar isso explicitamente, os entregadores sentem que se intensificarem seu trabalho, ou seja, se realizarem mais entregas em menor período, obterão uma melhor pontuação, recebendo mais entregas. 126 Gráfico 35 - Fico receoso de tirar uns dias de folga e minha pontuação cair Fonte: Elaboração própria (2021) No Gráfico 35, 52% dos trabalhadores “OL” responderam concordando e concordando integralmente com a sentença, enquanto esse percentual foi de 67% entre os Nuvem. Aqui fica claro que os trabalhadores compreendem que não podem optar por desconectar da plataforma por alguns dias de folga, porque serão penalizados por isso com uma queda na sua pontuação impactando na quantidade de pedidos recebidos e, portanto, na remuneração. Esse dado sinaliza para o fato de que o sistema de pontuação incide no sentido de incentivar que o trabalhador permaneça trabalhando ininterruptamente, sem dias de descanso ou folga. Esse é um outro fator que corrobora aquilo que a literatura acerca do salário por peça estabelece como característico dessa forma de remuneração. 127 Gráfico 36 - Você tem uma meta a ser atingida no seu trabalho em aplicativos? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) Gráfico 37 - Você tem uma meta a ser atingida no seu trabalho em aplicativos? - Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) Com relação à pergunta sobre se o trabalhador possuía uma meta a ser atingida no seu trabalho na plataforma digital, representada nos Gráficos 36 e 37, obtivemos 82 respostas. 97% dos entregadores “OL” responderam positivamente e 88% entre os “Nuvem”. 128 5.9 Meta de remuneração Nas perguntas seguintes, responderam 76 entregadores. 6 entregadores declararam não possuir uma meta a ser atingida no seu trabalho, na pergunta anterior, e por isso foram direcionados à outra seção do questionário. Gráfico 38 - Qual sua meta de remuneração por dia nesse trabalho? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) 129 Gráfico 39 - Qual sua meta de remuneração por dia nesse trabalho? Fonte: Elaboração própria (2021) Com relação à meta de remuneração, os Gráficos 38 e 39 mostram que, entre os “OL”, 28% afirmaram possuir uma meta de R$ 150,00 a ser atingida por dia trabalhado, seguidos por 21% que afirmaram possuir uma meta de R$ 200,00 e R$ 100,00 e, em seguida, 14% que responderam possuir uma meta de R$ 70,00. Entre os “Nuvem”, 23% afirmaram possuir uma meta de R$ 100,00, 21% uma meta de R$ 150,00 e de mais de R$ 200,00, seguidos por 13% que afirmaram possuir uma meta de R$ 70,00. Conforme é possível observar por esses dados, é maior entre os “Nuvem” o percentual que respondeu ter como meta mais de R$ 200,00. O estabelecimento de uma meta a ser atingida faz parte do sistema de salário por peça. O trabalhador se autoimpõe uma meta diária, expressa em reais, a ser atingida. Para atingir essa meta, ele prolonga ou intensifica seu trabalho. Conforme vistos nos Capítulos anteriores, as metas individualizadas de produção são uma forma de coerção do trabalhador. Nesse sistema, cada trabalhador possui um salário que corresponde exatamente ao esforço empreendido e o não alcance da meta passa a ser sinônimo de fracasso pessoal. Dubal (2020) relata que as plataformas sabem que o trabalhador possui uma meta diária e evidenciam isso para mantê-lo trabalhando por mais horas. 130 Isso pode ocorrer pelo fato de que os trabalhadores “Nuvem” se encontram no regime clássico do salário por peça, diferentemente dos “OL”, que possuem horários fixos de trabalho. 5.10 Remuneração Com o objetivo de estimar a remuneração bruta auferida neste trabalho pelos entregadores, foi feita a seguinte pergunta: “Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada?”. Gráfico 40 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) 131 Gráfico 41 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada? – Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) Gráfico 42 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada? – OL e Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) 132 Como é possível observar nos Gráficos 40 e 41, a maioria declarou ter recebido entre R$ 101,00 e R$ 600,00 semanais, entre os “Nuvem” (61%), e entre R$ 201,00 e R$ 800,00, entre os “OL” (60%). Em outras palavras, estamos falando de uma renda mensal, possivelmente, de R$ 454,50 a R$ 2.700,00 entre os “Nuvem” e R$ 900,00 a R$ 3.600,00 entre os “OL”. Essa é uma remuneração muito baixa, pois, como vimos acima, ela é possível porque o trabalhador estende ao máximo sua jornada de trabalho e assume todos os seus custos e riscos. Há uma certa expressividade daqueles que declararam ter recebido entre R$ 1.001,00 e R$ 1.200,00, entre os “OL” (13%). Isso pode confirmar algumas das especulações dos próprios trabalhadores com relação à tendência da plataforma a direcionar atualmente mais entregas aos trabalhadores “OL”. Quando computamos todos os dados em um único gráfico, sem separar por categoria no iFood, como expressa o Gráfico 42, chega-se à conclusão de que os respondentes recebem em média entre R$ 201,00 e R$ 600,00 semanalmente, ou seja, recebem aproximadamente em torno de R$ 904,50 e R$ 2.700,00 mensais. 5.11 Jornada de trabalho A jornada de trabalho é, sem dúvida, um aspecto principal da análise. Responderam a esta pergunta 82 entregadores. As primeiras perguntas dessa etapa tiveram como objetivo verificar o máximo de horas já trabalhadas em um dia. 133 Gráfico 43 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse trabalho por aplicativo? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) Gráfico 44 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse trabalho por aplicativo? – Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) Como é possível observar nos Gráficos 43 e 44 acima, a maioria dos entregadores relatou já ter realizado uma jornada de trabalhado entre 11 e 13 horas (33%, entre os “OL” 134 e 35% entre os “Nuvem”) e entre 14 e 16 horas (33% entre os “OL” e 33% entre os “Nuvem”). Houve, ainda, 13% em ambas as categorias que declararam já terem trabalhado entre 17 e 19 horas em um dia e ainda 3%, entre os “OL”, e 2% entre os “Nuvem”, que afirmou terem trabalhado entre 20 e 22 horas em um dia. Gráfico 45 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse trabalho por aplicativo? – OL e Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) Esses dados corroboram com o apontado pela literatura, ou seja, a forma de remuneração por peça permite o prolongamento da jornada até o limite máximo da capacidade física de cada trabalhador em um dia de trabalho. O Gráfico 45, que agrupa todas as respostas, independente da categoria do entregador no iFood, revela que os trabalhadores declararam já ter trabalhado entre 11 e 13 horas e entre 14 e 16 horas em um dia. Há até mesmo 13% deles que afirmou ter trabalhado entre 17 e 19 horas e ainda 2% que afirmou ter trabalhado entre 20 e 22 horas. 135 Gráfico 46 - Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da semana, sem nenhum dia de folga? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) Gráfico 47 - Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da semana, sem nenhum dia de folga? - Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) 136 Outra pergunta feita no sentido de verificar a jornada de trabalho extenuante dos entregadores foi esta: “Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da semana, sem nenhum dia de folga?”. Obtivemos 82 respondentes nessa questão. 77% entre os “OL” e 79% entre os “Nuvem” responderam que já trabalharam todos os dias em um determinado mês. Esse dado é muito grave e, somado aos gráficos anteriores e os próximos sobre a jornada de trabalho, revela que esses trabalhadores possuem uma jornada muito longa e não possuem sequer um dia de descanso semanal. Um trabalhador acrescentou ao responder “sim”: “teve sim, por opção minha, já que não tinha alcançado minha meta nos dias anteriores e precisava cobrir essa falha”, confirmando a incidência da forma de remuneração no prolongamento da jornada. Tendo em vista a dificuldade dos entregadores em calcular a quantidade total de horas trabalhadas e o valor da sua remuneração em um determinado mês, outra característica da forma de remuneração, para extrair informações sobre jornada foram feitas duas perguntas: “Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho?” e “Na semana passada, quantas horas você trabalhou nesse trabalho? Gráfico 48 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) 137 Gráfico 49 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) Gráfico 50 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL e Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) 138 Com relação à pergunta “Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho?”, os Gráficos 48 e 49 mostram que obtivemos 82 respostas e a maioria dos entregadores (84% entre os OL e 69% entre os Nuvem) declarou que trabalhou de 6 a 7 dias na semana anterior ao preenchimento do questionário, ou seja, essa é a principal ocupação deles. 37% entre os OL e 42% entre os Nuvem declararam que trabalharam os 7 dias da semana, ou seja, não tiveram nenhum dia de folga. Aqui fica evidente que mesmo os OL tendo horários fixos de trabalho, eles também têm realizado jornadas longas e sem folga. O Gráfico 50, que agrupa todas as respostas, independente da categoria, revela que 40% dos trabalhadores trabalharam 7 dias da semana e outros 34% 6 dias da semana. Gráfico 51 - Na semana passada, quantas horas você trabalhou nesse trabalho? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) 139 Gráfico 52 - Na semana passada, quantas horas você trabalhou nesse trabalho? – Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) Com relação à pergunta: “Na semana passada, quantas horas você trabalhou nesse trabalho?”, conforme demonstram os Gráficos 51 e 52, 33% entre os “OL” e 27% entre os “Nuvem” responderam ter trabalhado 54 horas ou mais. É bastante expressivo o número daqueles que não souberam responder a essa pergunta, 20% entre os “OL” e 25% entre os “Nuvem”. Foi inserida essa opção de resposta, porque a literatura já havia demonstrado que os trabalhadores não sabiam precisar qual era sua remuneração ou as horas trabalhadas, tendo em vista que ambas são extremamente variáveis, variando todos os dias. Conforme é possível mostrar nos Gráficos 51, 52 e 53, uma porcentagem alta de respondentes não sabe precisar quantos dias trabalhou nesse trabalho na semana anterior ao questionário. Essa é outra característica do salário por peça, pois como a remuneração é medida pela quantidade de corridas realizadas ou pelo valor obtido em cada corrida, perde-se a noção do tempo total trabalhado no dia ou na semana. 140 Gráfico 53 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL e Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) No Gráfico 53, que resume todos os dados, independente das categorias “OL” ou “Nuvem”, a maioria (29%) declarou ter trabalhado 54 horas ou mais na semana anterior ao preenchimento do questionário e outros 26% simplesmente afirmaram não saber quantas horas haviam trabalhado. Isso pode sinalizar para o fato de que aqueles que responderam ter trabalhado 54 horas ou mais é mais expressivo que 29%, tendo em vista que nesse trabalho em plataformas digitais predominam as longas jornadas, conforme demonstra a literatura. Também convém ressaltar que, como pode ser visto em ambos os gráficos, há uma polarização entre os dois extremos da jornada de trabalho. Uma jornada normal de trabalho no regime celetista hoje é de 40 a 44 horas. Em ambas as categorias, há uma baixa expressividade em relação a essa jornada. Entre os “OL”, 0% declarou realizar essa jornada, enquanto, entre os “Nuvem”, o percentual foi de 8%. No entanto, quando se observa, por exemplo, a jornada de até 14 horas, entre os “OL”, esse percentual foi de 20% e, entre os Nuvem, de 15%. Essa é uma característica do trabalho em plataformas digitais, conforme apontou a literatura, a tendência à polarização da jornada de trabalho - ou se trabalha em tempo parcial ou se trabalha de forma excessiva. Isso é, também, uma característica do salário por peça e por hora: uma forma de remuneração adequada totalmente às demandas e 141 conveniências dos capitalistas, que combina trabalho excessivo com a desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho. Gráfico 54 - Há quanto tempo você trabalha em aplicativos? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) 142 Gráfico 55 - Há quanto tempo você trabalhou em aplicativos? – Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) Buscando auferir outro aspecto apontado pela literatura, o de que há uma tendência a longo prazo de diminuição dos salários, foi elaborada uma pergunta para medir há quanto tempo os entregadores que responderam ao questionário trabalham em plataformas digitais. A maioria (40% entre os “Nuvem” e 48% entre os “OL”) relatou trabalhar entre 1 e 2 anos nesse trabalho e 20% entre os “OL” e 27% entre os “Nuvem” afirmaram trabalhar mais de 2 anos. 143 Gráfico 56 - Você percebeu alguma mudança na sua remuneração hoje em relação ao começo do seu trabalho em aplicativos? – OL Fonte: Elaboração própria (2021) Gráfico 57 - Você percebeu alguma mudança na sua remuneração hoje em relação ao começo do seu trabalho em aplicativos? - Nuvem Fonte: Elaboração própria (2021) Quanto à mudança na remuneração em relação ao começo do seu trabalho em plataformas digitais, 73 entregadores responderam. 77% entre os “OL” e 63% entre os 144 “Nuvem” declararam que, no começo do trabalho em plataformas digitais, sua renda era maior em relação ao valor atual. Apenas 17% e 14%, respectivamente, afirmaram que hoje possuem renda maior em relação à renda que tinha no início do seu trabalho como entregador em plataformas digitais e uma minoria afirmou não ter sentido nenhuma mudança. Na opção “Outros”, surgiram as seguintes respostas: “hoje ganha-se menos por mais horas trabalhadas e em mais aplicativos”. Outro entregador afirmou que as plataformas estão “fisgando os entregadores de seus trabalhos com carteira assinada” e que “antes nem bike tinha, depois que inundaram o mercado (com motoristas de entregas), a profissão virou lixo”. 5.12 Gostaria de dizer algo sobre seu trabalho? Ao final do questionário, os entregadores responderam à seguinte pergunta: “Gostaria de dizer algo sobre seu trabalho de entregador que ainda não foi perguntado?”. Para facilitar a leitura, atribuímos uma letra para a resposta de cada entregador. Foram obtidas muitas respostas, entre reclamações, reivindicações e outras observações. Também obtivemos respostas que confirmam a nossa hipótese de trabalho. A maioria afirmou que as taxas de remuneração dos entregadores são muito baixas e há valores muito discrepantes de remuneração a cada corrida: Somos muito humilhados pelos clientes e pelos aplicativos. Não recebemos remuneração justa (Entregador A). As taxas de entrega deveriam ser muito melhores, por exemplo, receber 5,31 para 500 metros e os mesmos 5,31 para 3 km é sacanagem (Entregador B). Os entregadores nuvem poderiam dizer não às taxas baixas, porque são a maioria no Brasil (Entregador C). Somos explorados, as taxas são bem injustas às vezes (Entregador D). Outro entregador expressou bem o sistema de remuneração por peça demonstrando a existência de uma enorme consciência entre os trabalhadores sobre o aspecto prejudicial dessa forma de remuneração: “Odeio aplicativos, era tudo que os patrões queriam, tem entrega te pago, não tem [...] e eu com isso? Sem vínculo. Estou me preparando para mudar de profissão para a área da saúde” (Entregador E). Outro trabalhador expressou uma visão diferente, mas que confirma o aspecto apontado pela literatura de que essa forma de remuneração permite salários mais altos, dependendo da energia e persistência do trabalhador para estender sua jornada ou intensificar 145 i seu trabalho: “Aqui é melhor que CLT, duvido que um (emprego) CLT vai pagar o que a gente do App faz por semana. Quem trabalha certo praticamente ganha por semana um salário que seria de CLT por mês” (Entregador F). Muitos relataram as suas opiniões sobre a diferença entre as categorias “OL” e “Nuvem” na plataforma iFood: Trabalhar no iFood como OL (Operador Logístico) é como se fosse um trabalho de carteira assinada, pois o entregador se preocupa em servir o empregador de forma eficiente, porém o motoboy não é retribuído como espera. São muitas exigências do iFood a essa categoria OL e pouco compromisso com os entregadores [...]. Eles (os entregadores) que fazem o sistema funcionar, ou seja, sem entregador não tem movimento nenhum (Entregador G). Pra mim só falta ter um reconhecimento a mais para os Operadores Logísticos (OL’s). Pois tem que cumprir o horário do mesmo jeito ou até mais que deveria. Já um Nuvem pode trabalhar quando quiser, pode trabalhar fichado em outros lugares (Entregador I). Eu sou OL no iFood, eu tenho que cumprir horário, mas eu não ganho benefício nenhum (Entregador J). Sofro diversas ameaças do meu operador logístico, caso eu não siga as regras deles (Entregador K). Essa última afirmação é uma demonstração do salário por peça como “um sistema hierarquicamente organizado de exploração e opressão” (MARX, 1984, p. 640). Os entregadores relataram a completa inexistência de condições de trabalho, como a ausência de banheiro ou abrigo, o alto grau de exposição a acidentes e assaltos, bem como a perseguição e o medo de retaliação em caso de greves: Não somos respeitados, do cliente ao estabelecimento. Muitos estabelecimentos não tem abrigo para fazer a retirada do pedido onde ficamos de baixo de sol e chuva. De muitos estabelecimentos não temos o fornecimento de banheiro (Entregador L). Está ficando cada vez mais inviável (Entregador M). Sinto que devo me organizar para demandar o básico, mas ao mesmo tempo todos que conheço que fizeram isso foram desligados do app sem motivo aparente (Entregador N). Um dia pretendo parar, não é vida, muito risco de assalto e acidentes (Entregador O). Muita gente não valoriza nosso trabalho, já me negaram água enquanto esperava pra retirar pedidos, já negaram banheiro (eu trabalho de 10:30 a 00:00, inclusive sábado e domingo, folgo em dia letivo), não tem banheiro nas ruas, sem contar o medo de ser assaltado/furtado toda vez que temos de subir até a porta de cliente preguiçoso ou indisposto por motivo de força maior (Entregador P). 146 Os bloqueios exercidos pela plataforma ocorrem de forma totalmente arbitrária, como relatou um entregador: O medo de tomar multa a cada vez que praticamente somos ‘obrigados’ a parar em algum local obrigatório, seja pra retirar ou entregar algum pedido a tempo, pois se chegar atrasado pra retirar o pedido você pode ser deslocado de sua tela e pode até levar bloqueio do app (Entregador P). Os bloqueios nesses apps acontecem e não temos a chance de nos defendermos! (Entregador R). Precisa de mais transparência (com relação aos critérios para exercer os bloqueios) e não descontar de motoboy (Entregador S). Outro entregador relatou sobre o sistema de vigilância exercido pela plataforma: Se chegar atrasado pra entregar ‘aparentemente’ é ruim pra conta, ‘aparentemente’ porque nenhum entregador sabe exatamente como funciona a plataforma, a gente vai testando na prática e teoria do dia a dia pra descobrir. Essa plataforma devia valorizar mais o entregador, se o cliente reporta que o entregador não entregou seu pedido (muito cliente quer lanchar sem pagar e faz isso), a primeira coisa que o iFood faz é bloquear temporariamente o entregador [...]. São tantas reinvindicações de melhorias que eu poderia escrever um livro, não se assuste com meu empenho em teclar tudo isso, sou motoboy, mas não sou ignorante, sempre fui muito dedicado em tudo que fiz. Pra terminar eu gostaria que o aplicativo pagasse igualmente os motoboys de todo o país, São Paulo sai em disparada se comparado com Minas Gerais...literalmente nós estamos comendo poeira, mas estamos por falta de opção (Entregador P). Os entregadores também demonstraram que estão trabalhando nas plataformas devido ao aumento do desemprego no país e sua insatisfação com as plataformas: Aplicativos estão explorando o desemprego na nossa cidade pois como o desemprego está altíssimo e agora muita gente virou entregador eles estão tirando todos os tipos de incentivo e abaixando todas as taxas (Entregador V). iFood é um lixo de aplicativo (Entregador X). Somos muito humilhados pelos clientes e pelos aplicativos. Não recebemos remuneração justa (Entregador AF). Os entregadores também demonstraram elevada consciência política em relação à sua condição de semiescravidão nesse trabalho em plataformas digitais, conforme expressam as frases abaixo: Os aplicativos estão escravizando os motoboys (Entregador U). O trabalho apesar de marginalizado, discriminado, menosprezado é responsável por movimentar bilhões e enriquecer apenas os exploradores donos de aplicativos. Lamentavelmente o poder público fecha os olhos para barbárie. Ministério do Trabalho, municípios, governos e a federação é conivente com a semiescravidão promovida pelos aplicativos num país de milhões de desempregados onde a desigualdade geral só aumenta. A falácia de que somos empreendedores livres é a 147 maior mentira e pra piorar a categoria é desunida. Não há regulamentação e qualquer um pega uma motocicleta e sai entregando, correndo risco de acidentes, morte e precarizando ainda mais a atividade (Entregador Y). Também houve reclamações sobre a ausência de suporte da plataforma aos trabalhadores: Gostaria apenas que houvesse mais contato por parte do App com o entregador. (Entregador Z). Gostaria de relatar o total despreparo do suporte iFood, que nunca é coerente, nem serve para dar o suporte que lhe é ordenado, temos que resolver nossos próprios problemas por nós mesmos, tanto com o cliente quanto com o estabelecimento (Entregador AA). Os entregadores não tem nenhum canal de como falar com o suporte do iFood diretamente. Sempre que acontecer qualquer problema com o entregador ele nunca pode contar o lado dele na história e pra eles resolverem o problema eles encerraram a parceria com o entregador. (Entregador AB). Esse mesmo entregador afirmou sobre o que lhe mantém neste trabalho, que é a completa falta de opção: Isso é triste demais, infelizmente no dia de hoje eu não tenho outra opção de renda, mas, assim que eu conseguir outra, eu vou sair dessa área, já sofri mais de quatro acidentes no trânsito. [...] Eles preferem pagar anúncio e artista com milhões para fazer a propaganda do que pagar um valor de rota justo para o entregador. A maioria tem que correr igual um louco nas ruas para tentar fazer um dinheiro, mas numa dessa a sorte acaba e lá se vai mais um entregador que deixa sua família por uma taxa de entrega de 4, 5, 6 reais e o aplicativo não dá nenhum suporte e amanhã tem outro no lugar dele (Entregador AC). Como conclusão deste Capítulo, foi possível perceber que o questionário aplicado abarcou trabalhadores de 19 estados de quatro regiões, com exceção da região norte. Essa é uma quantidade muito pequena de trabalhadores, mas representativa em relação às diferenças regionais do país. A maioria (48%) declarou possuir entre 25 e 34 anos, ou seja, não estamos falando de uma categoria de trabalhadores jovens, mas já adultos e com famílias. 93% afirmaram serem do sexo masculino e a maioria afirmou que trabalha entre 1 e 2 anos em plataformas digitais. O iFood é a plataforma na qual a esmagadora maioria declarou trabalhar, seguido da Uber Eats, Rappi, Loggi, 99 Food de outras de menor expressividade. Com relação à remuneração, a maioria dos respondentes relatou receber em média entre R$ 201,00 e R$ 600,00 semanalmente, ou seja, recebem aproximadamente em torno de R$ 904,50 e R$ 2.700,00 mensais. 40% dos trabalhadores trabalharam 7 dias e, outros 34%, 6 dias na semana anterior ao preenchimento do questionário. A maioria (29%) declarou 148 ter trabalhado 54 horas ou mais na semana anterior ao preenchimento do questionário e outros 26% simplesmente afirmaram não saber quantas horas haviam trabalhado. Isso se deve à própria característica da forma de remuneração, que faz com que o trabalhador perca a noção do tempo despendido no trabalho e se preocupe sempre em realizar a próxima entrega e receber o seu valor correspondente ao final. Ainda com relação à disposição em estender sua jornada de trabalho, 34% dos trabalhadores declararam já ter trabalhado entre 11 e 13 horas e 33% afirmaram já ter trabalhado entre 14 e 16 horas em um dia. 13% deles que afirmou ter trabalhado entre 17 e 19 horas e ainda 2% afirmou ter trabalhado entre 20 e 22 horas em um único dia. Com relação aos aspectos que a forma de remuneração propicia na subjetividade dos trabalhadores, houve maior concordância entre os trabalhadores nas seguintes sentenças: “Os critérios que definem a pontuação dos entregadores não são claros”, “Sinto que o aplicativo trapaceia no valor das taxas de remuneração dos entregadores”, “Eu recebo por entrega concluída”, “Meu salário, ao final do mês, só depende de mim”, “Não consigo determinar quanto vou receber ao final do mês” e “Me sinto vigiado o tempo todo”. Isso permite concluir que vários aspectos subjetivos do salário por peça levantados pela literatura coincidem com as percepções dos trabalhadores em plataformas digitais. Houve maior divergência de opiniões com relação às sentenças: “Sinto que tenho liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo eu quiser”, “Os demais entregadores são meus concorrentes” e “Se for adotada a Carteira de Trabalho, minha renda irá cair”. Com relação à primeira, acredita-se que se deve à existência da categoria “OL”, no iFood, que não altera a forma de remuneração dos trabalhadores, mas estabelece horários fixos e na qual há uma relação de subordinação mais explícita, existindo muitas vezes o que os trabalhadores denominam “Chefe OL”, o responsável pela subsidiária. No que diz respeito à percepção de concorrência, ela existe, mas é contrabalanceada por um sentimento de solidariedade de classe entre alguns trabalhadores. Com relação à adoção do regime celetista, vê-se que é motivo de grande discordância ainda entre a categoria. 38% contra 37% entre os Nuvem concordaram que a adoção da CLT reduziria os salários e 47% contra 36% entre os OL discordaram. Houve maior discordância com relação à sentença: “Sinto que quanto mais eu trabalho menos eu recebo”. Essa discordância não se contrapõem ao estabelecido na literatura sobre salário por peça. Isso sinaliza para uma disposição dos trabalhadores em se transformarem 149 em celetistas e para a ideia de que seu salário depende unicamente do seu esforço individual. Marx (1984) aponta para a tendência à queda do salário na permanência desse tipo de remuneração por algum tempo. Isso foi confirmado pelos trabalhadores que afirmaram que no início do trabalho em plataformas digitais a sua remuneração era maior. A maioria se mostrou disposta a intensificar e prolongar seu trabalho ao máximo possível e que o sistema de pontuação atua no sentido de controle e vigilância sobre o seu trabalho, concordando com as seguintes afirmações: “Sinto que se trabalhar mais horas, minha pontuação aumenta”, “Sinto que se realizar mais entregas em menos tempo, minha pontuação aumenta” e “Fico receoso de tirar uns dias de folga e minha pontuação cair”. A maioria trabalha com uma meta individual a ser atingida diariamente nesse trabalho. Conclui-se, portanto, que o conceito que sintetiza o trabalho em plataformas digitais é o de salário por peça. Essa é uma expressão de uma forma de remuneração que é ideal para os capitalistas, por incidir sobre a subjetividade dos trabalhadores, de tal forma que a eles lhes parece vantajoso intensificar e prolongar o próprio trabalho, atuando nas plataformas digitais como meras intermediárias de mão de obra, subalugando o serviço desses trabalhadores. Conclui-se, ainda, que esses trabalhadores possuem longas jornadas e uma remuneração baixa, mas variável - uma característica do salário por peça -, que oscila de acordo com a energia, persistência e disposição do trabalhador e com a qual o trabalhador precisa arcar com todos os custos do trabalho (celular, internet, meio de transporte, bolsa térmica), sem acesso a condições básicas, como um local que lhe propicie realizar suas necessidades de higiene e limpeza e de descanso entre uma entrega e outra, além de sofrer com humilhações e riscos próprios desse serviço, conforme relataram os trabalhadores na pergunta aberta do questionário. Também foi possível perceber um alto nível de consciência política dos trabalhadores em relação a esse tipo de trabalho. Alguns sinalizam para o fato de que as plataformas estão se aproveitando da situação de crise econômica e desemprego para pagar taxas baixíssimas aos entregadores e outros se referem a este trabalho como uma escravidão ou semiescravidão. 150 CONCLUSÃO O materialismo dialético admite uma preocupação com o todo, com o universal para explicação dos fenômenos sociais, no sentido de identificar aquilo que se conserva e aquilo que se transforma, partindo da premissa de que a matéria está em constante movimento. Segundo esse método, a realidade é constituída de matéria e forma, ato e potência, sendo a forma aquilo que se atualiza, e a matéria, a essência, o que permanece. Em “O Capital”, Marx analisa vários aspectos do modo de produção capitalista a partir da identificação da essência ou conteúdo dos fenômenos, que se esconde sob as diferentes formas que estes assumem. Nesse sentido, o materialismo busca formular uma síntese das múltiplas determinações do fenômeno, que possa explicar a sua base geradora. Sugere-se que houve uma mudança na forma de remuneração e que esta mudança permite compreender a emergência das formas mais recentes de trabalho precário, como o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente. O conteúdo (a essência) salário se mantém, o que se altera é sua forma, e isso tem implicações profundas sobre o mundo do trabalho. Realizou-se uma reflexão sobre os tipos de salário em Marx. Sendo o salário parte do capital variável e base do processo de produção de valor, ele assume as mais variadas formas, tendo duas principais: salário por tempo e por peça. Há uma forma na qual o salário por tempo é praticado sem considerar a noção de uma jornada de trabalho, ou seja, o capitalista emprega o trabalhador por tempo insuficiente ao que serviu de base para calcular seu salário, rompendo a conexão entre trabalho pago e não pago e ameaçando sua própria sobrevivência. Essa forma de remuneração foi identificada na atualidade com o trabalho intermitente. Já o salário por peça, uma forma na qual se converte o salário por tempo, possui peculiaridades que lhe fazem a forma ideal de remuneração do capital, incidindo de forma particular sobre a subjetividade dos trabalhadores. A partir da análise de cada um desses aspectos, propôs-se como investigação a análise do trabalho em plataforma digitais como uma forma de salário por peça. Constatou-se como principal fato histórico para o ressurgimento de formas de remuneração arcaicas as crises do capital e a tentativa dos capitalistas em tentar reverter a lei da tendência à queda da taxa de lucro, tendo o rebaixamento dos salários se tornado objetivo estratégico. Verificou-se, a partir de uma revisão bibliográfica da literatura recente, 151 que o modelo de acumulação fordista-taylorista já carregava em si aspectos da forma de remuneração por peça (como o pagamento por quantidade produzida e de acordo com o rendimento individual) e que, o modelo Toyotista, como resultado das crises de 1960-70, intensificou esse processo, sendo os elementos principais que sinalizam a reintrodução do salário por peça sob esse sistema: o banco de horas, a terceirização, o pagamento por comissão, o bônus por produtividade e as metas individualizadas. Esse processo se desenvolve em virtude do retrocesso das lutas sindicais no período, ou seja, em decorrência da dificuldade dos trabalhadores de se colocarem na ofensiva na luta de classes, como foi feito durante a instituição da jornada legal de trabalho no final do século XIX. Sugere-se que o salto de qualidade que marca o processo de transição da forma de remuneração por tempo para a forma de remuneração por peça e por hora, são as reformas trabalhistas adotadas em mais de 110 países em todo o mundo, com maior ênfase a partir da crise de 2008 (ADASCATELI; MORANO, 2015). As reformas às quais tivemos acesso tiveram como eixo principal a flexibilização das horas de trabalho e da forma de remuneração. Foi feito um resgate da literatura sobre o tema, dando ênfase às principais alterações promovidas pela reforma trabalhista brasileira no sentido da hipótese que sustenta esse trabalho. Além disso, buscou-se realizar uma análise do comportamento do mercado de trabalho brasileiro e uma evolução do emprego formal no país entre 2009 e 2019, a partir de dados da Rais e do Novo Caged. A recessão econômica vivenciada pelo país na última década impactou, gravemente, o nível de empregos. Verifica-se que houve, nesse período, uma queda vertiginosa no estoque de empregos formais no país no que diz respeito aos vínculos por prazo indeterminado e estatutário e, ao contrário, um crescimento dos vínculos precários, como o de aprendiz, celetista por prazo determinado, intermitente e parcial, com exceção dos vínculos temporário e avulso que se mantiveram, aproximadamente, no mesmo nível. Os empregos com vínculo celetista por prazo indeterminado, principal forma de contratação no país, e estatutário caíram em relação ao estoque total de empregos formais e houve queda, também, na quantidade de horas trabalhadas e na remuneração média dos trabalhadores nesse primeiro tipo de vínculo. Os dados analisados confirmam a tendência de aumento das contratações dos tipos de vínculos precários e frágeis, bem como a introdução de novas formas de remuneração, como o salário por hora, revelando uma tendência da atualidade: ou se trabalha por pouco tempo ou se trabalha de forma excessiva. Constata-se que o trabalho intermitente 152 foi o único tipo de vínculo que manteve saldo positivo entre 2020 e o primeiro semestre de 2021, com exceção de abril de 2020, mês mais crítico para o mercado de trabalho brasileiro, no período, devido ao impacto da pandemia da Covid-19. Constatou-se ainda que o trabalho intermitente, segundo dados de 2019, representou um total de 156.756 postos de trabalho, ainda incipiente comparado com os demais tipos de vínculos (47,3 milhões), mas o mesmo teve um crescimento de 2.027,81%, entre 2017 e 2019, enquanto os demais tiveram um crescimento de apenas 2,42%, puxado pela ascensão dos vínculos precários. Ao mesmo tempo, verificou-se, no que diz respeito ao vínculo intermitente, um aumento na média de horas semanais contratuais, na remuneração média dos trabalhadores e no tempo no emprego, sugerindo que esse tipo de vínculo tem se tornado cada vez mais uma opção importante de contratação. Os dados da Rais mostraram ainda que, em 2019, o trabalhador intermitente recebeu em média 1,06 salários-mínimos, tendo trabalhado 8,61 horas semanais e permanecido no emprego 6,33 meses. Verificou-se que esse tipo de vínculo permite uma grande variação mensal na remuneração dos trabalhadores e nas horas trabalhadas. Os dados do Novo Caged revelaram que, entre 2020 e junho de 2021, esse trabalhador recebeu em média R$ 1.162,83 e trabalhou 15,71 horas semanais. Os dados da Rais e Novo Caged confirmaram a análise teórica e a hipótese desse trabalho, demonstrando que há uma tendência ao aumento dos vínculos precários e uma reintrodução de uma forma de remuneração por hora, como é o caso do trabalho intermitente. Observa-se que o estoque de empregos no país já oscilava conforme as flutuações da economia, antes da adoção da reforma trabalhista. Com a introdução desse tipo de vínculo, permitiu-se um rebaixamento dos salários e o usufruto da mão de obra pelos capitalistas nos momentos mais convenientes, garantindo maior flutuação da remuneração e das horas contratadas, de acordo com as oscilações da economia, gerando completa insegurança de renda aos trabalhadores e rompendo a conexão entre trabalho pago e não pago. Confirmouse o crescimento desse tipo de remuneração em períodos de crise e recessão econômica. Conforme demonstrou a literatura, a reforma trabalhista brasileira aprovada em tempo recorde jogou por terra conquistas históricas dos trabalhadores durante séculos de luta no Brasil e no mundo e, ao contrário do que alegaram seus propositores, diminuiu sensivelmente o nível de proteção ao emprego e piorou as condições de vida e trabalho dos trabalhadores brasileiros. 153 Conclui-se que várias das características apontadas por Marx em relação ao salário por peça, no volume I, de “O Capital”, se aplicam ao trabalho em plataformas digitais. A maioria dos trabalhadores se mostrou disposta a intensificar e prolongar ao máximo sua jornada de trabalho, mediante algum incentivo da plataforma, o que também permite identificar que o controle e a vigilância sobre o trabalho são exercidos a partir do sistema de pontuação, tendo como base a forma de remuneração, uma vez que o trabalhador se vê compelido a manter determinada conduta e evita, por exemplo, tirar alguns dias de folga, para evitar perda na sua remuneração. Apesar de inexistir um consenso acerca da definição do trabalho em plataformas digitais, propõe-se o conceito de salário por peça. Sugere-se que essa forma de remuneração é a responsável pela maior sensação de autonomia, liberdade e independência que o trabalhador possui nesse trabalho e pela sua disposição em prolongar o tempo dispendido nesse trabalho. Há poucas diferenças nas percepções dos trabalhadores segundo a categoria “Nuvem” ou “Operador Logístico” no iFood e sua remuneração varia em média entre R$ 904,50 e R$ 2.700,00 mensais. Como foi possível verificar, um terço dos trabalhadores afirmou já ter trabalhado entre 14 e 16 horas em um único dia e mais de 70% afirmaram já ter trabalhado um mês inteiro sem um único dia de folga. Quando perguntados quantas horas haviam trabalhado na semana anterior à aplicação do questionário, um terço afirmou ter feito uma jornada de 54 horas ou mais. Ou seja, estamos diante de uma categoria com uma jornada de trabalho que se assemelha em muito àquela do auge da Revolução Industrial, no entanto em uma outra etapa histórica do capitalismo, marcada por crises mais agudas e pelo predomínio do capital financeiro e dos oligopólios. Constata-se, portanto, que diferentemente do final do século XIX e início do século XXI, quando as lutas dos trabalhadores levaram à instituição de uma jornada de trabalho e à conquista das oito horas diárias, o retrocesso do poder sindical, dos anos 1970 até os dias atuais, têm levado ao retorno das longas jornadas e à perda de direitos. É possível identificar elementos que sugerem que vivenciamos um processo de reintrodução de uma remuneração por peça e por hora, mais conveniente ao funcionamento do capitalismo, que está levando a uma queda nos salários dos trabalhadores e a jornadas de trabalho excessivas, combinadas com uma desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho. Tal fato sugere uma tendência à abolição da jornada de trabalho de 8 horas diárias. A relação entre o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente é que ambos são expressões do mesmo 154 fenômeno, qual seja, a emergência de formas mais recentes de trabalho precário e da reintrodução de formas arcaicas de remuneração. Para a existência do trabalho em plataformas digitais é preciso que haja a intermitência ou flexibilidade de horas de trabalho. Sugere-se que a instituição da intermitência por meio da reforma trabalhista brasileira permitiu a possibilidade de generalização do trabalho em plataformas digitais para amplas categorias profissionais, em outras palavras, a expansão dessas formas de remuneração por peça e por hora. O trabalho em plataformas digitais tem ainda o agravante de sequer ser reconhecido como vínculo trabalhista. No caso dos trabalhadores em plataformas digitais, observa-se uma prevalência das longas jornadas e uma dificuldade em medir o tempo despendido no trabalho, além de uma combinação entre um trabalho intenso e uma desocupação relativa, com alguns trabalhadores permanecendo até horas esperando por uma corrida, sem receber por isso. Sugere-se que as plataformas se configuram como intermediárias, auferindo ganhos sobre a diferença entre o preço do trabalho pago e o efetivamente recebido pelo trabalhador, como parasitas que subalugam o trabalho desses trabalhadores, de modo semelhante ao sistema de suadouro (sweating system), que vigorou na Inglaterra, no auge da Revolução Industrial, no entanto, agem de forma mais sofisticada, fazendo uso da inteligência artificial e das novas tecnologias e em uma outra etapa histórica do capitalismo. Por isso, o trabalho nessas plataformas é caracterizado por muitos trabalhadores como uma escravidão, o que foi revelado pelo questionário aplicado, permitindo identificar existir um alto nível de consciência política nesta categoria. Também foi constatado que há grandes discordâncias entre os entregadores em relação à adoção da Carteira de Trabalho, tendo a maioria, por uma pequena diferença, afirmado que a medida não reduziria seus salários. Esse trabalho é visto ainda por alguns entregadores como uma alternativa ao desemprego. Cumpre ressaltar que os entregadores protagonizaram importantes movimentos grevistas nos últimos anos. Destacam-se as greves de abril e julho de 2020, denominadas “breque dos apps”, nas quais, entre as demandas, estavam “maior transparência sobre as formas de pagamento adotadas pelas plataformas, aumento dos valores mínimos para cada entrega, mais segurança e fim dos sistemas de pontuação, bloqueios e ‘exclusões indevidas’” (MACHADO, 2020). Alguns entregadores organizaram também um movimento denominado “entregadores antifascistas”, com o objetivo de se unir às manifestações das torcidas organizadas contra o governo Bolsonaro (MACHADO, 2020). Há várias 155 associações que representam esses trabalhadores no país, mas a criação de um sindicato que represente toda a categoria de um ponto de vista nacional é motivo de polêmica entre os trabalhadores, conforme pôde ser constatado pela pesquisadora nos grupos de entregadores em Whatsapp e Telegram aos quais teve acesso para realização desta pesquisa. A discussão mais atual sobre o tema é o estudo encomendado pelo governo Bolsonaro para subsidiar uma nova reforma trabalhista que propõe, entre outras medidas, o trabalho aos domingos, mediante apenas autorização por acordo individual entre patrão e empregado, e a proibição do reconhecimento de vínculo de emprego entre os entregadores e as plataformas digitais (SEABRA; CASTANHO, 2021)36, demonstrando ser a questão da forma de remuneração o aspecto essencial a ser discutido com relação a esse trabalho na atualidade e a necessidade da adoção da Carteira de Trabalho a essa categoria. Por fim, verifica-se que, por ser o tema deste estudo bastante atual, há muitos elementos ainda a serem abordados em pesquisas futuras. Destaca-se a possibilidade de estudos sobre o papel ou caracterização das plataformas digitais, segundo a teoria do valor 37, maior aprofundamento sobre a questão do salário por peça sob o Fordismo e Toyotismo, uma análise dos dados sobre o trabalho informal, a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD-C), do IBGE, relacionando-o à forma de remuneração por peça e por hora e a tendência à polarização ou abolição da jornada de oito horas diárias de trabalho. Destaca-se também o projeto de lei nº 1.665/2020 aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que garante seguro contra acidentes e afastamento por Covid-19 a entregadores até o final da pandemia, mas não reconhece o vínculo empregatício entre entregadores e as plataformas (BRASIL, 2020b). Até o momento, o que se tem são alguns ganhos de causa por parte de alguns trabalhadores em alguns tribunais do trabalho que reconheceram o vínculo empregatício dessa categoria (TRT 23ª REGIÃO, 2021; TRT 15ª REGIÃO, 2020). 37 Adotou-se neste trabalho o conceito de intermediários para as plataformas digitais, mas esta é uma questão que precisa ser ainda melhor explorada. Sabe-se que as plataformas de entrega cobram taxas dos pequenos estabelecimentos comerciais e têm levado à falência alguns desses pequenos negócios, sendo acusadas de promover a prática de “dumping”, que é quando um fornecedor põe à venda um produto a preço muito inferior ao do mercado (MADUREIRA, 2020) e que essas plataformas têm investido em cozinhas próprias, conhecidas como “dark kitchens”, exclusivas para atendimento ao próprio serviço de entrega realizado por elas (MADUREIRA, 2019), promovendo uma espécie de centralização de capitais em um contexto de predomínio dos oligopólios. 36 156 REFERÊNCIAS ABILIO, L. C. 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Sobre o trabalho em aplicativo, numa escala de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo integralmente), dê sua opinião sobre as frases abaixo: a) Sinto que tenho liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo eu quiser b) Meu salário, ao final do mês, só depende de mim c) Sinto que quanto mais eu trabalho menos eu recebo d) Os demais entregadores são meus concorrentes e) Sinto que o aplicativo trapaceia no valor das taxas de remuneração dos entregadores f) Me sinto vigiado o tempo todo g) Não consigo determinar quanto vou receber no final do mês h) Se for adotada Carteira de Trabalho, minha renda irá cair i) Eu recebo por entrega concluída 2. Se, ao final de um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte mensagem: “Faça 10 entregas agora e receba R$ 200,00”. O que você faz? a) Aceito fazer as entregas b) Não aceito fazer as entregas c) Não sei responder 3. Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que você faz? a) Eu aceito todas e tento fazer a maior quantidade possível de entregas b) Eu escolho apenas as entregas que quero realizar, não me importo em rejeitar algumas 4. Você tem uma pontuação no (s) aplicativo (s) ? a) Sim b) Não c) Não sei responder 5. Sobre o sistema de pontuação (score), numa escala de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente), dê sua opinião sobre as frases abaixo: a) Sinto que se trabalhar mais horas, minha pontuação aumenta b) Sinto que se realizar mais entregas em menos tempo, minha pontuação aumenta c) Fico receoso de tirar uns dias de folga e minha pontuação cair 170 d) Os critérios que definem a pontuação dos entregadores não são claros 6. Você tem uma meta a ser atingida no seu trabalho em aplicativos? a) Sim b) Não c) Não sei responder 7. Qual sua meta de remuneração por dia nesse trabalho? a) b) c) d) e) R$ 70,00 R$ 100,00 R$ 150,00 R$ 200 Mais de R$ 200,00 8. Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse trabalho por aplicativo? a) b) c) d) e) f) g) Até 8 horas de trabalho em um dia Já trabalhei entre 9 e 10 horas em um dia Já trabalhei entre 11 e 13 horas em um dia Já trabalhei entre 14 e 16 horas em um dia Já trabalhei entre 17 e 19 horas em um dia Já trabalhei entre 20 e 22 horas em um dia Já trabalhei mais de 23 horas em um dia 9. Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da semana, sem nenhum dia de folga? a) Sim b) Não c) Não sei responder 10. Na semana passada, quantos dias você trabalhou? a) b) c) d) e) f) g) h) 1 dia 2 dias 3 dias 4 dias 5 dias 6 dias 7 dias Não sei responder 171 11. Na semana passada, quantas horas você trabalhou ? a) Até 14 horas b) 15 a 39 horas c) 40 a 44 horas d) 45 a 48 horas e) 49 a 53 horas f) 54 horas ou mais g) Não sei responder 12. Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada? a) b) c) d) e) f) g) h) Até R$ 200,00 Entre R$ 201,00 e R$ 400,00 Entre R$ 401,00 e R$ 600,00 Entre R$ 601,00 e R$ 800,00 Entre R$ 801,00 e R$ 1.000,00 Entre R$ 1.001,00 e R$ 1.200,00 Entre R$ 1.201,00 e R$ 1.400,00 Mais de R$ 1.400,00 13. Há quanto tempo você trabalha em aplicativos? a) Menos de 6 meses b) Entre 6 e 12 meses c) Mais de 3 anos 14. Você percebeu alguma mudança na sua remuneração hoje em relação ao começo do seu trabalho em aplicativos? a) b) c) d) No começo do trabalho com aplicativos minha renda era maior Hoje eu ganho mais que no começo do meu trabalho com aplicativos Nada mudou Não sei responder 15. No iFood, Você é: (Esta pergunta é destinada apenas a entregadores que trabalham no iFood) a) b) c) d) Entregador “nuvem” Entregador “OL” (Operador Logístico) Chefe “OL” (Operador Logístico) Outro 16. Em qual Estado você mora? 17. Qual sua idade? 172 a) b) c) d) Até 24 anos Entre 25 anos e 34 anos Entre 35 anos e 44 anos Mais de 44 anos 18. Qual seu gênero? a) b) c) d) Homem Mulher LGBT Prefiro não responder 19. Trabalha para qual (is) dos aplicativos abaixo? a) b) c) d) e) iFood Rappi Uber Eats Loggi 99 Food 20. Gostaria de dizer algo sobre seu trabalho de entregador que ainda não foi perguntado? 173