UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
INTERMITÊNCIA E TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS: O RETORNO DO
SALÁRIO POR HORA E POR PEÇA?
Autor: Laura Valle Gontijo
Brasília, 2021
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
INTERMITÊNCIA E TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS: O RETORNO DO
SALÁRIO POR HORA E POR PEÇA?
Autor: Laura Valle Gontijo
Dissertação apresentada ao
Departamento de Sociologia da Universidade
de Brasília/UnB como parte dos requisitos
para a obtenção do título de Mestre.
Brasília, dezembro de 2021
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
INTERMITÊNCIA E TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS: O RETORNO DO
SALÁRIO POR HORA E POR PEÇA?
Autor: Laura Valle Gontijo
Orientador: Doutor Sadi Dal Rosso (UnB)
Banca: Prof. Doutor Sadi Dal Rosso (UnB)
Prof. Doutor Ricardo Colturato Festi (UnB)
Doutor Jonas Chagas Lúcio Valente (EBC)
AGRADECIMENTOS
São muitas pessoas que contribuíram com este trabalho, sem as quais não teria conseguido
realizá-lo.
Gostaria de agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), ao Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília e ao meu orientador,
professor Sadi Dal Rosso, com quem tive a honra de trabalhar, por todo apoio na realização
desse trabalho. Agradeço também aos membros da banca, professor Ricardo Festi e Doutor
Jonas Valente pelas contribuições valorosas, que enriqueceram em muito este trabalho.
Agradeço também à pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho
da Unicamp, Dra. Ludmila Abílio, que se disponibilizou a discutir a análise dos resultados
do questionário com os entregadores em plataformas digitais.
A todos os professores do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, no
qual fiz minha graduação. Em especial à professora Silvia Yannoulas, que me apresentou
pela primeira vez o que viria a ser meu campo de estudos; ao professor Newton Narciso
Gomes Junior, pelo apoio e amizade; e ao meu orientador da graduação e grande incentivador
deste mestrado, professor Cristiano Guedes. Agradeço também ao professor do
Departamento de Economia Luiz Carlos Cavalcanti, com quem aprendi muito nas monitorias
da sua disciplina de economia política.
A Leandro Monerato, com quem iniciei as discussões que deram origem à hipótese desse
trabalho.
A Renê Gontijo e Rodrigo Santos, que me auxiliaram na organização e tratamento dos dados
primários e secundários.
A José Marcos, que me ajudou com a transmissão da qualificação e da banca de defesa e na
organização dos dados do questionário com os entregadores.
À minha mãe, Beatrice, pela disposição em revisar esse trabalho. E, em particular, pelo apoio
na seleção das variáveis e análise dos dados secundários.
Aos meus amigos queridos, que me apoiaram em diferentes momentos e em vários sentidos
ao longo de todo esse trabalho: Álvaro Amorim, Danielle Camargo, Libele Volkmer e
Priscylla Fernandes.
A Erivaldo Fernandes Neto, pelas discussões, dedicação e apoio constante.
Ao meu pai, Reginaldo, a Níria, Saskia e Julieta, pelo carinho de sempre.
Trabalho de Pesquisa apoiado pela CAPES - Processo nº. 88887.465399/2019-00.
Amor, trabalho e conhecimento são as fontes da nossa vida.
Deveriam também governá-la.
(REICH, 1975)
RESUMO
Esta dissertação tem como tema as formas mais recentes de trabalho precário, como o trabalho em
plataformas digitais e o trabalho intermitente. Os objetivos desse trabalho são: contribuir com a
investigação acerca do trabalho em plataforma digital e do trabalho intermitente, a partir do
materialismo dialético, que permite compreender os fenômenos sociais na sua totalidade e no seu
desenvolvimento histórico, e proporcionar elementos teóricos que contribuam para a formulação das
reivindicações dos trabalhadores por melhores condições de vida e trabalho. É feito um resgate da
discussão sobre salário por peça e por hora no volume I de “O Capital”, em Marx, e comparadas as
suas características com o trabalho em plataformas digitais, a partir do resultado de um questionário
aplicado com 87 entregadores, e com o trabalho intermitente, a partir de uma análise de dados da
Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e do Novo Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (Novo Caged). Em um segundo momento, é feita uma discussão sobre as
mudanças nas formas de remuneração ao longo do século XX e início do XXI, identificando
elementos que corroboram com a hipótese da reintrodução do salário por peça e por hora, como
forma de pagamento. Como conclusão, sugere-se que as reformas trabalhistas sinalizam um
momento de transição de uma forma de remuneração para outra. Conclui-se que houve, de forma
inequívoca, uma diminuição do nível de proteção ao emprego, na última década, e piora das
condições de trabalho dos empregados formais. Observa-se um crescimento dos vínculos de
trabalho precários, em detrimento dos vínculos estáveis. Há uma prevalência das longas jornadas,
no caso dos trabalhadores em plataformas digitais, e de jornadas parciais, no caso dos
trabalhadores intermitentes. Foi possível constatar ainda um alto nível de consciência política entre
os trabalhadores em plataformas digitais, reconhecendo esse trabalho como uma escravidão ou
semiescravidão e, prevalece uma divisão de opiniões entre os entregadores em relação à adoção
da Carteira de Trabalho.
Palavras-chave: Trabalho em plataformas digitais. Trabalho intermitente. Salário por peça. Salário
por hora. Reforma trabalhista.
ABSTRACT
This thesis appoaches the most recentlly forms of precarius labour, such as digital labour and
intermittent labour. It´s goals are to contribute for an investigation about digital labour and intermittent
labour from the perspective of dialectical materialism, which allows a comprehensive understanding
about social phenomena in a historical view and provide theoretical elements that contribute for
proposing worker´s demands for improving their living and working conditions. A reflexion about
piece-based and hourly based remuneration was carried out on “The Capital – Vol 1”, by Karl Marx,
comparing its characteristics with digital labour and intermittent labour, based on a survey regarding
87 deliverymen and with an intermittent labour according to government labour statistics (Relação
Anual de Informações Sociais - Rais and Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados Novo Caged).
In a second step the analysis follows a discussion regarding the changes in
remuneration types that took place during the 20th and early´s decades of
21st centuries,
corroborating the hypothesis that piece and hourly remuneration are replacing standard 8-hours work
day. It is argued that labour reforms have been introducing a new form of remuneration representing
a transition phase. Evidence from official labour market statistics data, Rais and Novo Caged, point
out a declining level of labour protection on the last decade, and a worsening working conditions of
formal sector´s employees. Data analysis revealed that precarious employment´s relations have
been increasing instead of formal jobs contracts. It also showed long working hours for digital workers
and few working hours for intermittent ones. The survey with deliverymen on digital labour revealed
that there is a high level of political awareness, with some of them referring to this work as slavery
or semi-slavery and a dissent towards adopting or not formal working agreement.
Keywords: Digital labour. Intermittent work. Piece rate pay. Hourly rate pay. Labour reforms.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Evolução do estoque de empregados contratados pelos vínculos CLT
indeterminado e Estatutário e sua participação em relação ao estoque total de empregos
formais (%) - 2009 a 2019 ................................................................................................... 76
Tabela 2 - Evolução do percentual dos vínculos frágeis...................................................... 77
Tabela 3 – Evolução do percentual dos vínculos precários em relação ao estoque de empregos
formais – 2009 a 2019 ......................................................................................................... 77
Tabela 4 - Evolução dos vínculos CLT indeterminado e Estatutário – 2009 a 2019 ........... 78
Tabela 5 - Evolução dos vínculos precários – 2009 a 2019................................................. 79
Tabela 6 - Crescimento anual do vínculo intermitente e dos demais vínculos de 2017 a 2019
............................................................................................................................................. 88
Tabela 7 - Média salarial, média de horas semanais contratuais e média de tempo no emprego
em meses para demais tipos de vínculo e vínculo intermitente 2017-2019 ........................ 89
Tabela 8 - As 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente entre 2020 e
junho/2021 ........................................................................................................................... 92
Tabela 9 - Ranking das 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente no
segundo trimestre de 2021 ................................................................................................... 93
Tabela 10 - Tipos de salário em 2018 .................................................................................. 93
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Taxa de crescimento anual do PIB em % (2009 a 2020) .................................. 71
Gráfico 2 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019 ................................ 72
Gráfico 3 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019 - tipos de vínculo: CLT
por prazo indeterminado e estatutário ................................................................................. 73
Gráfico 4 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019 - tipos de vínculo:
aprendiz, avulso, CLT por prazo determinado, avulso, intermitente, parcial e temporário . 75
Gráfico 5 - Evolução da quantidade de horas semanais trabalhadas de 2009 a 2019 do vínculo
CLT por prazo indeterminado .............................................................................................. 80
Gráfico 6 - Evolução da remuneração média em salários-mínimos de 2009 a 2019 do vínculo
CLT por prazo indeterminado .............................................................................................. 80
Gráfico 7 - Evolução do tempo no emprego de 2009 a 2019 do vínculo CLT por prazo
indeterminado ...................................................................................................................... 81
Gráfico 8 - Evolução mensal do saldo de admitidos e desligados dos trabalhadores com
vínculo CLT indeterminado, prazo determinado, trabalhador rural e temporário de 2020 a
junho de 2021 ...................................................................................................................... 83
Gráfico 9 - Evolução mensal do saldo de admitidos e desligados dos trabalhados com vínculo
intermitente, aprendiz e parcial de 2020 a junho de 2021 ................................................... 84
Gráfico 10 - Evolução da remuneração média em reais de 2009 a 2019 do vínculo
intermitente em relação aos demais tipos de vínculo (R$ preços de junho de 2021) .......... 90
Gráfico 11 - Horas trabalhadas em 2020 a 2021 dos vínculos CLT por prazo indeterminado
e intermitente ....................................................................................................................... 91
Gráfico 12 - Trabalha para qual (is) dos aplicativos abaixo? ............................................ 101
Gráfico 13 - No iFood, você é ........................................................................................... 102
Gráfico 14 - Em qual estado você mora? .......................................................................... 103
Gráfico 15 - Qual sua idade? ............................................................................................. 104
Gráfico 16 - Qual seu gênero? ........................................................................................... 104
Gráfico 17 - Os critérios que definem a pontuação dos entregadores não são claros ....... 106
Gráfico 18 - Sinto que o aplicativo trapaceia no valor das taxas de remuneração dos
entregadores ....................................................................................................................... 106
Gráfico 19 - Eu recebo por entrega concluída ................................................................... 108
Gráfico 20 - Sinto que tenho liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo eu quiser
........................................................................................................................................... 109
Gráfico 21 - Meu salário, ao final do mês só depende de mim ......................................... 110
Gráfico 22 - Não consigo determinar quanto vou receber ao final do mês ....................... 111
Gráfico 23 - Sinto que quanto mais eu trabalho menos eu recebo .................................... 112
Gráfico 24 - Os demais entregadores são meus concorrentes ........................................... 113
Gráfico 25 - Me sinto vigiado o tempo todo ..................................................................... 116
Gráfico 26 - Se for adotada a Carteira de Trabalho, minha renda irá cair ......................... 117
Gráfico 27 - Se, ao final de um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte
mensagem: “Faça 10 entregas agora e receba R$ 200,00”. O que você faz? – OL........... 120
Gráfico 28 - Se, ao final de um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte
mensagem: “Faça 10 entregas agora e receba R$ 200,00”. O que você faz? – Nuvem .... 120
Gráfico 29 - Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que você
faz? – OL ........................................................................................................................... 121
Gráfico 30 - Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que você
faz? – Nuvem ..................................................................................................................... 122
Gráfico 31 - Você tem uma pontuação no (s) aplicativo (s)? – OL ................................... 124
Gráfico 32 - Você tem uma pontuação no (s) aplicativo (s)? – Nuvem ............................. 124
Gráfico 33 - Sinto que se trabalhar mais horas, minha pontuação aumenta ...................... 125
Gráfico 34 - Sinto que se realizar mais entregas em menos tempo, minha pontuação aumenta
........................................................................................................................................... 126
Gráfico 35 - Fico receoso de tirar uns dias de folga e minha pontuação cair .................... 127
Gráfico 36 - Você tem uma meta a ser atingida no seu trabalho em aplicativos? – OL .... 128
Gráfico 37 - Você tem uma meta a ser atingida no seu trabalho em aplicativos? - Nuvem
........................................................................................................................................... 128
Gráfico 38 - Qual sua meta de remuneração por dia nesse trabalho? – OL ...................... 129
Gráfico 39 - Qual sua meta de remuneração por dia nesse trabalho?................................ 130
Gráfico 40 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada?
– OL ................................................................................................................................... 131
Gráfico 41 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada?
– Nuvem ............................................................................................................................ 132
Gráfico 42 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana passada?
– OL e Nuvem ................................................................................................................... 132
Gráfico 43 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse
trabalho por aplicativo? – OL ............................................................................................ 134
Gráfico 44 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse
trabalho por aplicativo? – Nuvem ..................................................................................... 134
Gráfico 45 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse
trabalho por aplicativo? – OL e Nuvem ............................................................................ 135
Gráfico 46 - Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da semana,
sem nenhum dia de folga? – OL ........................................................................................ 136
Gráfico 47 - Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da semana,
sem nenhum dia de folga? - Nuvem .................................................................................. 136
Gráfico 48 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL ...... 137
Gráfico 49 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – Nuvem 138
Gráfico 50 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL e Nuvem
........................................................................................................................................... 138
Gráfico 51 - Na semana passada, quantas horas você trabalhou nesse trabalho? – OL .... 139
Gráfico 52 - Na semana passada, quantas horas você trabalhou nesse trabalho? – Nuvem
........................................................................................................................................... 140
Gráfico 53 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL e Nuvem
........................................................................................................................................... 141
Gráfico 54 - Há quanto tempo você trabalha em aplicativos? – OL ................................. 142
Gráfico 55 - Há quanto tempo você trabalhou em aplicativos? – Nuvem ......................... 143
Gráfico 56 - Você percebeu alguma mudança na sua remuneração hoje em relação ao começo
do seu trabalho em aplicativos? – OL ............................................................................... 144
Gráfico 57 - Você percebeu alguma mudança na sua remuneração hoje em relação ao começo
do seu trabalho em aplicativos? - Nuvem .......................................................................... 144
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO …………… ............................................................................................ 15
CAPÍTULO 1 - O MÉTODO MATERIALISTA DIALÉTICO E A RELAÇÃO ENTRE
FORMA E ESSÊNCIA...................................................................................................... 19
1.1 Procedimentos de pesquisa ..................................................................................... 31
CAPÍTULO 2 - EVOLUÇÃO DA FORMA DE REMUNERAÇÃO ............................ 35
2.1. O salário por peça e por hora segundo a teoria do valor .................................... 35
2.2 A instituição da jornada de trabalho...................................................................... 40
2.3. A crise do capitalismo e a necessidade de redução dos salários.......................... 41
2.4 Regimes de acumulação versus flexibilidade das horas de trabalho e formas de
remuneração ................................................................................................................... 46
2.5 O salário por peça e por hora sob o Fordismo e o Toyotismo.............................. 50
2.5.1 Autocontrole, concorrência e emulação entre os trabalhadores ............................. 52
2.5.2 Salário mensurado pela produtividade individual .................................................. 53
2.5.3 Banco de horas e prolongamento da jornada .......................................................... 55
2.5.4 Rede de subcontratações ......................................................................................... 55
2.6 A tendência à abolição da jornada de trabalho de oito horas diárias ................. 56
CAPÍTULO 3 - O SALTO DE QUALIDADE: AS REFORMAS TRABALHISTAS.. 59
4.1 A reforma trabalhista brasileira ............................................................................. 63
4.2 Comportamento do emprego formal no Brasil de 2009 a 2019 ........................... 69
4.3 Evolução do emprego formal no Brasil em 2020 e junho de 2021....................... 81
CAPÍTULO 4 - TRABALHO INTERMITENTE E SALÁRIO POR HORA ............. 86
CAPÍTULO 5 - TRABALHO EM PLATAFORMA DIGITAL E O SALÁRIO POR
PEÇA .................................................................................................................................. 95
5.1 O salário por peça permite a introdução de intermediários que subalugam o
trabalho........................................................................................................................... 99
5.2 Perfil dos entregadores que responderam ao questionário ................................ 100
5.3 Instrumento de trapaça capitalista e descontos salariais ................................... 105
5.4 Percepções sobre a forma de remuneração ......................................................... 107
5.5 Sentimento de liberdade, independência e autocontrole .................................... 108
5.6 Sentimento de concorrência e vigilância ............................................................. 112
5.7 Forma de imposição de jornadas longas e de trabalho intenso ......................... 118
5.8 Desocupação relativa ou absoluta, sistema de pontuação e metas .................... 123
5.9 Meta de remuneração ............................................................................................ 129
5.10 Remuneração ....................................................................................................... 131
5.11 Jornada de trabalho............................................................................................. 133
5.12 Gostaria de dizer algo sobre seu trabalho? ....................................................... 145
CONCLUSÃO ................................................................................................................. 151
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 157
ANEXO ............................................................................................................................. 170
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, os estudos da sociologia do trabalho no Brasil (DAL ROSSO,
1996; DAL ROSSO, 2008; DAL ROSSO, 2017; ANTUNES, 2011; ANTUNES, 2002;
ANTUNES, 2018; ALVES, 2011; ALVES, 2008) se dedicaram a entender as profundas
transformações pelas quais passou o mundo do trabalho. Foram analisados vários aspectos,
dentre eles, a automação, o desemprego estrutural, a captura da subjetividade do trabalhador,
o aumento do controle e da vigilância sobre o trabalho, as metas de produção, a terceirização,
o banco de horas, a jornada de trabalho e a flexibilidade das horas de trabalho. Atualmente,
os seus autores procuram interpretar as formas mais recentes de trabalho precário, dentre
elas, o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente.
Esta pesquisa visa contribuir com a investigação acerca dessas novas formas de
trabalho. O referencial metodológico utilizado neste trabalho é o materialismo dialético,
tendo em vista que esse método permite compreender os fenômenos sociais na sua totalidade
e no seu desenvolvimento histórico. O Capítulo 1, portanto, tem como objetivo mostrar o
próprio método materialista dialético como produto de um desenvolvimento das ideias ao
longo da história, ou seja, o materialismo surge em oposição ao espiritualismo ou idealismo
e ao método analítico de Kant. No entanto, Marx inverte a dialética hegeliana e lhe confere
um caráter materialista, mantendo algumas noções principais desse modo de interpretação
da realidade, que tem as suas origens em décadas de desenvolvimento do pensamento
filosófico. Ainda neste capítulo, faz-se um resgate da diferença entre forma e essência
segundo os principais pensadores que adotaram a dialética como método. Por fim, neste
capítulo, são explicitados os procedimentos que foram adotados na realização desta pesquisa
para a coleta e a análise dos dados primários e secundários.
O Capítulo 2 promove um resgate do conceito de salário por peça e por hora
conforme definido por Marx no volume I do livro “O Capital”. A partir desse conceito, foi
feito um comparativo entre o trabalho em plataforma digital e o salário por peça e o trabalho
intermitente e o salário por hora. Nesse capítulo discutimos essas formas de remuneração, a
sua predominância no auge da Revolução Industrial e como elas são ideais ao modo de
produção capitalista, já que promovem um incremento nas três circunstâncias que
determinam as magnitudes relativas do preço da força de trabalho e da mais valia: a duração
15
do trabalho, a intensidade e a produtividade do trabalho. Ambas as formas de remuneração
permitem tanto o prolongamento da jornada e a intensificação do trabalho como uma
desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho, adaptando a força de trabalho à
acumulação do capital. O capítulo faz um resgate da discussão feita por Marx que mostra
que o salário por peça é ainda um sistema hierárquico organizado de exploração e opressão
e que as ilusões de liberdade, autonomia e autocontrole vivenciadas pelos trabalhadores são
evidenciadas por essa forma de remuneração.
O Capítulo 2 ainda busca apresentar o desenvolvimento das formas de remuneração,
com enfoque na transição do salário por tempo para a sua antítese: o salário por peça e por
hora. A luta dos trabalhadores pela instituição da jornada de trabalho levou ao fim do salário
por peça no século XIX, mas com a ofensiva do capital e o retrocesso das lutas sindicais,
essa forma de remuneração voltou a se tornar preponderante para algumas categorias de
trabalhadores. Temos indícios o regime de trabalho sob a jornada de trabalho de oito horas
diárias possa deixar de ser hegemônico, ou seja, uma quantidade ainda maior de
trabalhadores pode vir a ser remunerada por peça e por hora, o que traz implicações
profundas na vida laboral, no mundo do trabalho e na sociedade como um todo. Nesse
sentido, este capítulo trabalha com a tese de que o que impactou os trabalhadores a partir da
reestruturação produtiva ou Toyotismo não foram as mudanças nos processos de gestão do
trabalho, atendendo a um novo regime de acumulação do capital, mas a introdução de
elementos de uma nova forma de remuneração: o salário por peça e por hora. Essa transição
de uma forma a outra de remuneração é ilustrada pelos seguintes elementos: o banco de
horas, as metas individualizadas de produção, a flexibilidade das horas de trabalho, a
terceirização, o pagamento por comissões e por resultados e o bônus por produtividade.
A literatura revista no Capítulo 3 mostrou que as reformas trabalhistas realizadas em
110 países, a partir dos anos 1970, mas sobretudo após a crise de 2008, tiveram como
objetivo a flexibilização da jornada de trabalho e das formas de remuneração, a ampliação
dos contratos de trabalho precários, a redução dos salários e a diminuição dos níveis de
proteção ao emprego. Neste Capítulo ainda
destacamos alguns aspectos da reforma
trabalhista brasileira, instituída pela Lei nº 13.467/2017, no que diz respeito à flexibilização
das horas de trabalho e das formas de remuneração. O objetivo deste Capítulo é mostrar que
vivenciamos um novo e inédito arcabouço legal no Brasil, que respalda e garante o
prosseguimento, com segurança jurídica, das profundas mudanças que estamos vivenciando
16
no mundo do trabalho, em especial no que se refere à mudança na forma de remuneração
pelo trabalho. Esse processo pode ser descrito como o salto de qualidade, pela culminância
da transição de uma forma a outra de remuneração. Segundo o materialismo dialético, isso
concerne à superação, conservação e elevação a um nível superior de uma forma de
remuneração a outra.
As informações da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS e do Novo
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Novo CAGED foram tratadas com a
utilização do software R e, à medida do possível, utilizadas para essa a análise do trabalho
intermitente e da situação do emprego formal no país na última década. Nos Capítulos 3 e 4
é feito um paralelo entre os vínculos de trabalho formal estáveis (celetista por prazo
indeterminado e estatutário) e os vínculos formais precários, como o trabalho avulso,
temporário, aprendiz, intermitente e celetista por prazo determinado, quanto à sua evolução
na última década em termos de estoque de empregos, remuneração e jornada de trabalho. Na
sequência, constam gráficos que ajudam a traçar o perfil do trabalhador intermitente no país,
considerando ocupação, horas trabalhadas, tempo no emprego e remuneração média, bem
como a sua trajetória no período de 2017 a 2019. Por fim, há uma análise do saldo dos
admitidos e desligados do emprego formal no país segundo tipo de vínculo, no período de
2020 e primeiro semestre de 2021.
O Capítulo 5 faz um resgate da literatura produzida sobre o trabalho em plataformas
digitais e as diversas interpretações dos teóricos do assunto sobre o fenômeno. Assim como
parte da literatura identificada e relacionada neste capítulo, propõe-se o conceito de salário
por peça como o que melhor explica o trabalho em plataformas digitais. Nesse sentido, um
questionário aplicado com 87 entregadores, em 19 estados do país, buscou identificar se é
possível estabelecer essa relação entre o trabalho em plataformas digitais e o salário por
peça, traçar um perfil dos entregadores e obter algumas das suas percepções sobre o seu
trabalho. Foi dada ênfase aos aspectos que incidem sobre a subjetividade dos entregadores,
como o sentimento de liberdade, autonomia, autocontrole e concorrência em relação aos
demais trabalhadores. Também foram abordados o sistema de pontuação, as metas
individualizadas, a diferença entre as funções “Operador Logístico” e “Nuvem” na
plataforma iFood, a supervisão e a vigilância exercida pelas plataformas, a jornada, a
intensidade do trabalho e a remuneração.
17
Conclui-se que o conceito de salário por peça e por hora pode ser entendido como a
síntese das múltiplas determinações que explicam as formas mais precárias de trabalho
recente, sendo o trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente duas das suas
expressões. Uma interpretação possível para as profundas transformações vivenciadas pelo
mundo do trabalho está na evolução da forma de remuneração, ou seja, na transição, a partir
sobretudo dos anos 1970, de uma forma de remuneração por tempo para uma forma de
remuneração por peça e por hora, tendência que pode apontar para uma perspectiva histórica
de abolição da jornada de trabalho de 8 horas diárias, com consequências graves no sentido
do aprofundamento da exploração e opressão da classe trabalhadora.
18
CAPÍTULO 1 - O MÉTODO MATERIALISTA DIALÉTICO E A
RELAÇÃO ENTRE FORMA E ESSÊNCIA
Este capítulo tem por objetivo proporcionar elementos para compreensão do método
materialista dialético 1 e, em particular, a importância da forma e da essência para explicação
dos fenômenos sociais. O método materialista dialético parte da superação da epistemologia
dualista, que separara sujeito e objeto na análise dos fenômenos, base da lógica analítica
predominante na ciência do século XIX e defendida, principalmente, pelos teóricos do
espiritualismo e do idealismo alemão.
Marx se baseia nos argumentos de Hegel, mas promove a inversão da dialética
idealista para uma dialética materialista. Hegel, pela primeira vez, concebe todo o mundo da
natureza, da história e do espírito como um processo, isso é, em constante movimento,
mudança, transformação e desenvolvimento, mas vê esse processo como projeções
realizadas na “Ideia”. A mudança substancial promovida por essa inversão do método
hegeliano é o que possibilitou a Marx explicar o desenvolvimento da sociedade até a sua
época, a partir de uma lógica causal não linear que apresenta soluções para problemas
complexos, cuja análise não pode se dar pela lógica formal, considerando que os fenômenos
de ordem relacional não podem ser explicados pela sua regularidade, nem de um ponto de
vista estático ou em si mesmo, mas pela mudança de forma em um movimento histórico. Os
fenômenos, nesse método, são analisados “a partir das suas conexões, na sua concatenação,
na sua dinâmica, no seu processo de nascimento e caducidade” (ENGELS, 1984, p. 48) e
segundo o pressuposto de que “causa e efeito mudam constantemente de lugar e em que o
que agora ou aqui é efeito adquire em seguida, aqui e ali, o caráter de causa, e vice-versa”
(ENGELS, 1984, p. 48).
Optou-se por utilizar o termo materialismo dialético para se referir ao método criado por Marx para explicação
dos fenômenos sociais. Segundo Lênin, o materialismo dialético é a filosofia do marxismo e houve uma
tendência de alguns filósofos russos da sua época em separar o materialismo da dialética. A renúncia ao
materialismo dialético é uma renúncia ao próprio marxismo, afirma o autor (LENIN, 1982) . Segundo
Bottomore (2001), a expressão foi utilizada pela primeira vez por Plekhanov, em 1891, configurando-se como
a filosofia do marxismo. Ainda segundo o autor, nas décadas de 1920 e 1930, surgiu o humanismo marxista,
em oposição ao materialismo dialético, cujos principais teóricos foram Lukács e Korsch. As tendências
hegelianas do materialismo dialético também foram objeto de crítica de Louis Althusser e Galvano Della Volpe
nas duas últimas décadas (BOTTOMORE, 2001).
1
19
Emprestando também a historicidade presente no pensamento hegeliano, Marx
propõe uma concepção materialista da história, cuja essência está no desenvolvimento da
luta de classes. As classes surgem a partir da divisão social do trabalho em um dado momento
histórico e que lutam entre si devido as relações de produção e troca, isso é, às relações
econômicas que os homens estabelecem. Em outras palavras, para Marx, as ideias dos
homens são determinadas pela forma como produzem e trocam os seus produtos em uma
dada época histórica. Já para Hegel, haveria um Espírito absoluto, que seria a síntese da
história humana, o princípio de todas as coisas. A importância de Hegel foi se opor ao
pensamento metafísico, formal e estático.
Sabe-se que o método dialético foi retomado por Hegel na modernidade em oposição
ao método analítico de Kant. Hegel demonstra a impossibilidade de abarcar toda explicação
fenomênica sob um único método analítico 2, como o kantiano. Essa é uma tendência de
muitos pensadores da época, a de analisar os fenômenos em seu dinamismo, em
contraposição a uma explicação estática dos fatos (KONDER, 2008).
Kant (2001) restringe a sua análise à razão pura e prática. A sua teoria avança em
relação ao método de investigação científica de então. Ele se opõe aos empiristas para os
quais o conhecimento era circunstancial e dado pela experiência sensível com os objetos em
si mesmo e não mediados pela razão. O fundamento do conhecimento científico, para Kant,
estaria em revelar como o “juízo sintético a priori”3 é apreendido pela razão, ou seja, como
seria possível chegar a um entendimento objetivo e universal acerca dos fenômenos. Ele
apresenta as formas da intuição do conhecimento, o que se configura nos mecanismos das
categorias do entendimento e da sensibilidade. O a priori4, na sua concepção, deve ser
O método analítico, oposto ao método sintético, é inteiramente diverso de um conjunto de proposições
analíticas: significa apenas que se parte do que se procura, como se fosse dado, e se vai até às condições sob
as quais unicamente é possível. Nesse método de ensino, empregam-se, muitas vezes, apenas proposições
sintéticas; a análise matemática é um exemplo disso, sendo melhor chamá-lo método regressivo, para o
distinguir do método sintético ou progressivo (KANT, 1987). As palavras análise e síntese têm comumente
uma dupla acepção. Na acepção qualitativa, a síntese é uma progressão dentro da série de subordinadas, da
condição ao condicionado; na acepção quantitativa, ela é uma progressão dentro da série de coordenadas, da
parte, para o seu complemento, no todo. Simetricamente, a análise, no primeiro sentido, é uma regressão do
condicionado à condição; no segundo, do todo às suas partes possíveis ou mediatas, isso é, às partes das suas
partes e, assim, ela não é a divisão, mas a subdivisão do composto dado (KANT, 2001).
3
“[...] Kant se pergunta como que é possível chegar a um novo conhecimento e afirmá-lo como verdadeiro.
Ou seja, como é possível, a partir das sensações que nos chegam pelos sentidos, poder afirmar algo novo com
pretensão de validade universal” (SCHÜTZ, 2009, p. 240).
4
“Mas como poderá haver no espírito uma intuição externa que preceda os próprios objetos e que permita
determinar a priori o conceito destes? E evidente que só na medida em que se situa simplesmente no sujeito,
como forma do sentido externo em geral, ou seja, enquanto propriedade formal do sujeito de ser afetado por
objetos e, assim, obter uma representação imediata dos objetos, ou seja, uma intuição. Sendo assim, só a nossa
2
20
entendido como a capacidade interna, que torna possível a produção de informações pela
conexão lógica dos dados sensíveis, dispositivos primários que constituem a razão do
indivíduo.
A característica a priori dos processos racionais assegura a possibilidade da
realização de um experimento racional puro. Segundo ele, por vias de cálculo analítico a
priori, é possível se estabelecer uma relação causal entre os fatos da realidade, que, ao se
repetirem, dentro de condições e limites, podem ser instituídos como uma lei geral, que
explique de maneira universal as suas causas e funcionamento do movimento fenomênico 5.
Dessa forma, estabelece-se seu famoso imperativo categórico para o comportamento
humano em sociedade: “age somente, segundo uma máxima tal, que possas querer ao mesmo
tempo que se torne lei universal” (KANT, 2004) . Kant, no entanto, reduz a vida social a um
mecanismo normativo, que deve então obrigar a todos a agir de determinada maneira, lógica
e racional. O método analítico transcendental kantiano não permite compreender a
complexidade dos fenômenos sociais, pois os reduz a esquemas racionais puros.
Hegel (1988; 1992) interpreta que Kant separa o fenômeno da coisa em si (númeno),
o que se estabelece apenas de um ponto de vista formal e não da experiência. Uma análise
que tem esse pressuposto é sempre parcial e não pode ser considerada como conhecimento.
O a priori não faria mais sentido, na medida em que o conhecimento não depende de uma
interpretação particular dos fenômenos. Não há separação substancial entre sujeito e objeto,
pois o único meio pelo qual o indivíduo pode conhecer a si mesmo é conhecendo os objetos
que formam a sua realidade, compreendendo que a convivência com o meio forma a si
mesmo.
Hegel (1988; 1992) propõe, assim, a superação do dualismo cartesiano (separação
substancial entre sujeito e objeto) e refuta a determinação socrática “conhece-te a ti mesmo”
(PLATÃO, 1999), que direcionava o conhecimento da realidade à própria consciência e
estabelecia uma dicotomia existencial entre o eu e o mundo circundante. A existência não é
explicação permite compreender a possibilidade da geometria como conhecimento sintético a priori. Qualquer
outro modo de explicação que o não permita, embora aparentemente semelhante à nossa, pode distinguir-se
deste, por estas características, com a maior segurança” (KANT, 2001, P. A 26 B 42).
5
“O método que adoptei neste escrito é o que creio mais conveniente, uma vez que se queira percorrer o
caminho analiticamente do conhecimento vulgar para a determinação do princípio supremo desse
conhecimento, e em seguida e, em sentido inverso, sinteticamente, do exame deste princípio e das suas fontes
para o conhecimento vulgar onde se encontra a sua aplicação”(KANT, 2007, p. 20).
21
mais considerada em termos de ser e não ser, mas como coexistência, da qual o sujeito é
resultado do compartilhamento de experiências com os objetos.
Hegel mostra que sujeito e objeto estão essencialmente relacionados, o exterior é
determinado pelo interior e vice-versa, a diferenciação entre um e outro é apenas uma forma
de explicação da realidade, pois o indivíduo em si mesmo não é nada, ao ponto que a
identidade é constituída da relação entre o externo e o interno, a diferença entre o indivíduo
e o mundo que o cerca gera identificação. Essa diferenciação é, então, apenas ideal e não
real, de modo que o sujeito hegeliano é intencional e conhece o que está disposto a realizar,
na relação com o mundo real, não apenas como uma aparência fenomênica. No Prefácio dos
“Princípios da Filosofia do Direito”, ele afirma que “o que é racional é real e o que é real é
racional” (HEGEL, 1997, p. XXXVI).
A crítica de Hegel ao dualismo é resultante da sua preocupação em reestabelecer o
todo, uma vez que as teorias modernas se mostravam insuficientes para explicar
cientificamente o movimento das sociedades; em identificar o que se conserva e o que se
transforma, o que é essencial e o que é circunstancial. Esse é um problema filosófico com
registros na Grécia antiga. Heráclito buscou explicar a realidade a partir da natureza que está
em constante movimento e transformação; nada é estático, tudo se transforma o tempo todo,
por isso o conhecimento de todas as coisas apenas poderia se dar a partir da ideia de vir-aser, já que nada em essência é. Para que algo seja necessariamente deve ser idêntico a si
mesmo e permanecer tal como é. Em oposição a essa compreensão que é a base da dialética,
opõe-se a Parmênides com o seu postulado “o ser é e o não ser não é”.
Para Parmênides, o conhecimento apenas pode se dar pela identificação da essência
do ser, daquilo que permanece, apesar da mudança. A realidade seria constituída de
contrários, um aspecto positivo e outro negativo, por exemplo, onde há luz não há escuridão,
ao ponto que, caso haja uma transição da luz para escuridão, não significa que a luz se
transformou em escuridão, mas que, a luz deixou de existir, conforme a escuridão se tornou
prevalente, assim, a luz continua sendo luz e a escuridão continua sendo escuridão, mas a
escuridão negou a luz até eliminá-la (REALE; ANTISERI, 1990).
Os teóricos da modernidade recorrem a Aristóteles (2002) como referência para se
entender o que é transitório e o que é permanente. Para ele, a questão “o que é o ser?”, na
verdade, deveria ser “o que é a substância?”. O ser em sua filosofia está sempre presente em
tudo na realidade, não podendo ser objeto de investigação em específico, por ser extenso
22
demais, só é possível conhecer o modo como o ser está presente nos entes, que são compostos
basicamente por matéria (hylé) e forma (eidos), cuja união resulta na substância (synolon).
O princípio de todas as coisas é o movimento, que pode ser analisado e perseguido
até determinado ponto, mas não na sua origem, pois ele mesmo é a potência de todas as
coisas. A realidade é constituída de matéria e forma, ato (enteléquia) e potência (δύναμις).
A forma é o que se atualiza, enquanto a matéria já tem em si mesma os elementos necessários
para assumir diferentes formas possíveis conforme as suas características, como a madeira,
que pode se tornar cinzas em contato com o fogo, apenas por que como madeira já possui a
capacidade de se tornar cinzas. A forma é a causa, é ela que caracteriza a matéria,
determinando a particularidade dos seres, que como ato atualiza a potência na matéria, o que
constitui o movimento, a passagem da potência ao ato. Sendo a forma aquilo que possibilita
a existência dos seres particulares, o que se atualiza é a forma, uma vez que a matéria
enquanto potência (possibilidade de vir a ser), permanece o que é (ARISTÓTELES, 2002).
Hegel retoma a tese aristotélica de substância, na tentativa de conciliar a consciência
de si como sendo uma só substância com o meio material. A síntese de sujeito e objeto é a
síntese entre ato e potência, na medida em que o espírito se exterioriza na relação com os
objetos, constitui-se e, nesse movimento, transforma-se, sem que, com isso, deixe de ser o
que é, uma vez que a mudança na forma não muda o seu conteúdo. Na sua dialética, o sujeito
se exterioriza, e, ao fazê-lo, supera a identidade de si mesmo; o objeto nega esta identidade,
uma vez que o sujeito guarda em si o conceito do objeto e não só a sua representação. Assim,
sujeito e objeto são interdependentes e só podem ser explicados coexistindo a partir da
mudança de forma, que é o resultado da própria dialética existencial (HEGEL, 1992).
O a priori kantiano, para Hegel (1988; 1992), é absurdo. Para ele, Kant permaneceu
na análise acerca do entendimento, não se dedicando ou se negando a investigar os objetos
em si mesmo. Hegel propõe que o conhecimento ocorre nas correlações existentes, ou seja,
qualquer reflexão epistemológica deveria se dar a partir do conhecimento das coisas em si
mesma e não de uma consideração anterior acerca do próprio entendimento.
A incapacidade do entendimento em abarcar o conhecimento da coisa em si, para
Hegel, é uma falha da teoria kantiana. Como poderia a razão representar o conhecimento do
fenômeno, sem conhecer a coisa em si? A única forma de representar o fenômeno seria a
partir do conhecimento da coisa em si. A solução dialética afirma que sujeito e objeto fazem
parte de uma mesma racionalidade, o sujeito só tem como reconhecer a si mesmo, a partir
23
do conhecimento que tem dos objetos; a única forma dos objetos serem conhecidos é pelo
sujeito. Essa reciprocidade é o que garante a experiência real (HEGEL, 1988).
Como parte da filosofia dialética, além das ideias de identidade entre sujeito e objeto,
de analisar os fenômenos em seu processo de vir a ser, ou seja, em movimento, a questão
sobre forma e essência é um aspecto fundamental. Hegel também abordou essa questão e
sobre isso afirma:
Se se enuncia a igualdade da forma com a essência, há justamente um engano em
julgar-se que o conhecimento pode contentar-se com o em-si ou a essência mas
poupar a forma, de tal sorte que o princípio absoluto ou a intuição absoluta pudesse
tornar supérflua a explicitação da essência e o desenvolvimento da forma.
Justamente porque a forma é tão essencial à essência quanto esta o é a si mesma,
a essência não deve ser apreendida e expressa puramente como essência, ou seja,
como substância imediata ou como pura intuição de si mesma do divino, mas
igualmente como forma e na riqueza total da forma desenvolvida. Somente assim
é apreendida e expressa como algo efetivo (HEGEL, 1974, p. 19).
Em outras palavras, a forma é tão essencial à essência como essa é em si mesma. A
essência não deve ser apreendida puramente como substância imediata, aquilo que aparece
à primeira vista, mas como uma forma que é fruto de um desenvolvimento. Esse método foi
seguido com afinco por Marx em “O Capital”, no qual o fundamento para compreensão da
lei do valor é a questão da forma e da essência.
Marx (1984), no volume I de “O Capital”, analisa a mercadoria e o dinheiro,
elementos constituintes do modo de produção capitalista, a partir do desenvolvimento da
forma do valor. Ele afirma que a mercadoria possui um duplo caráter, ela é ao mesmo tempo
valor de uso (forma relativa do valor) e valor de troca (forma equivalente do valor): “A
forma relativa do valor e a forma equivalente se pertencem, uma à outra, se determinam,
reciprocamente, inseparáveis, mas, ao mesmo tempo, são extremos, mutuamente se excluem
e se opõem, são polos da mesma expressão do valor” (MARX, 1984, p. 56), expressando
aqui uma das leis da dialética: a interpenetração dos contrários 6.
Afirma Marx (1984) que, ao trocar determinada quantidade de trigo por determinada
quantidade de ferro, tem-se aí a existência de algo em comum, que existe em duas coisas
diferentes, mas que são iguais a uma terceira, expressando outra lei da dialética: a negação
A lei da interpenetração dos contrários compreende que toda a natureza constitui um sistema, um conjunto de
corpos. Como conjunto, esses corpos atuam uns sobre os outros e essa ação de uns sobre os outros é o que
constitui o movimento, já que a matéria é inconcebível sem o movimento. A forma fundamental do movimento
é a aproximação e o afastamento, a contenção e o expansão, em resumo, a atração e a repulsão. O movimento
só é possível quando cada atração é compensada por uma repulsão correlativa, em outro ponto. Não sendo
assim, um predominaria sobre o outro e cessaria o movimento (ENGELS, 1985).
6
24
da negação7. Essa forma comum de valor que as mercadorias possuem, diferente do seu valor
de uso, assume uma terceira forma, a forma de dinheiro, do valor a partir da qual as
mercadorias são trocadas. É a forma na qual se expressa a mercadoria que será determinante
para um aspecto fundamental do sistema capitalista, afirma Marx: sua capacidade de
alienação das pessoas. O produto do seu trabalho aparece como uma relação entre coisas,
como alheio a elas. Assim afirma o autor:
Uma relação social definida, estabelecida entre os homens assume a forma
fantasmagórica de uma relação entre coisas...O caráter misterioso que o produto
do trabalho apresenta ao assumir a forma mercadoria, donde provém? Dessa
própria forma, claro (MARX, 1984, p. 80).
Em seguida, Marx mostra como a “diferenciação das mercadorias em mercadorias e
dinheiro não faz cessar essas contradições, mas gera a forma dentro da qual essas
contradições se podem mover” (MARX, 1984, p. 116) . Ele defende que é preciso observar
todo o circuito da mercadoria do ponto de vista da mudança de forma:
Importa, antes de tudo, conhecer as características que diferenciam as formas dos
circuitos D – M – D (dinheiro – mercadoria – dinheiro) e M – D – M (mercadoria
– dinheiro – mercadoria). Assim descobrir-se-á também a diferença de conteúdo
que se esconde sob essa diferença de forma (MARX, 1984, p. 167).
É assim que Marx analisa também a transição do feudalismo ao capitalismo,
passagem proporcionada por um salto de qualidade, outra lei dialética, a da transformação
da quantidade em qualidade8:
A que se reduz, em última análise, a acumulação primitiva, a origem histórica do
capital? Quando não é mera transformação direta de escravos e servos em
assalariados, mera mudança de forma, significa apenas a expropriação dos
produtores diretos, isto é, a dissolução da propriedade privada baseada no trabalho
pessoal, próprio (MARX, 1984, p. 879).
Mera “mudança de forma” que possuiu impacto enorme da vida de toda a
humanidade. Em resumo, este método se afasta de uma concepção formal da história,
7“Em
dialética, o caráter da negação obedece, em primeiro lugar, à natureza geral do processo, e, em segundo
lugar, à sua natureza específica. Não se trata apenas de negar, mas de anular novamente a negação. Assim, a
primeira negação será de tal natureza que torne impossível ou permita que seja novamente possível a segunda
negação. De que modo? Isso dependerá do caráter especial do caso concreto. [...]. Portanto cada espécie de
coisas tem um modo especial de ser negada, que faz com que a negação engendre um processo de
desenvolvimento, acontecendo o mesmo com as ideias e com os conceitos” (ENGELS, 1976, p. 121).
8 Essa lei da dialética assume a ideia de que, na natureza, as mudanças qualitativas só se podem realizar por
acréscimo ou subtração quantitativa de matéria ou de movimento. Essa lei estabelece que o desenvolvimento
se torna compreensível quando entendemos as mudanças graduais como um processo pelo qual um salto é
preparado (PLEKHANOV, 2004).
25
classificada por datas e acontecimentos, dedicando-se a realizar uma síntese da história
universal.
Marx em “Crítica da Dialética e da Filosofia Hegelianas em geral” conclui que Hegel
inseriu o movimento do conceito na história, mas um movimento especulativo, e não como
um ato que constitui, que forma o próprio ser humano. A história para Hegel é, portanto,
história do pensamento, analisada em separado da história efetiva do ser humano 9, do seu
“vir-a-ser”. Por essa razão, sua análise só poderia concluir que o Estado, a religião, a
sensibilidade e daí em diante seriam produtos da razão e não do humano em si mesmo. Ele
recai em uma análise parcial da realidade, que entende o movimento histórico a partir da
transformação do pensamento e não das condições materiais e da ação dos homens no
mundo.
Apesar da identificação desses equívocos no método hegeliano, Marx reconhece
elementos para uma crítica que supera a tese de Hegel, a começar pela crítica à
fenomenologia do espírito. Marx mostra que o Estado, a vida civil e a religião, por exemplo,
para Hegel, são apenas dimensões do espírito, criticadas por serem não-totais, momentos de
estranhamento de si, que são superados pela consciência absoluta. Nenhum desses conceitos
têm em si a possibilidade de realização absoluta do espírito, são na verdade negações da
realidade absoluta (MARX, 2008a).
A suprassunção (Aufheben) ocorre quando há a interação entre contrários. No caso
hegeliano, na interposição entre tese e antítese, a suprassunção é a síntese, ocorrendo da
junção entre conservar e negar. Em termos aristotélicos, poderíamos definir que na junção
entre ato e potência, a suprassunção, é a substância. No entanto, para Hegel, a suprassunção
é uma evolução. A moral, a família, a sociedade civil, o Estado, a história mundial, são
analisadas como categorias filosóficas, cuja essência é o movimento e a passagem desses
momentos. A única posição fixa que existe essencialmente é a de mobilidade. A dialética
busca apreender o movimento da realidade, do mundo, fora de categorias fixas, pois se baseia
em uma interposição dos contrários que resulta em uma síntese, sendo os casos particulares
apenas meios categóricos para compreensão dos fenômenos.
“Toda a história da exteriorização e toda a retirada da exteriorização não é, assim, nada além da história da
produção do pensar abstrato, do [pensar] absoluto, do pensar lógico especulativo” (MARX, 2008a, p. 120).
9
26
Hegel confirma o objeto como pura abstração, quando aponta para o suprassumir
pensante, deixando o objeto permanecer na efetividade. O método hegeliano assume o modo
científico que ele se põe a criticar.
Em resumo, ele apreende – no interior da abstração – o trabalho como ato de
produção de si mesmo do homem, o comportar-se (das Verhalten) para consigo
como essência estranha e a sua atividade (Betätigen), enquanto uma essência
estranha, como a consciência genérica e vida genérica vindo a ser (MARX, 2008a,
p. 132).
Conforme afirma Konder (2008), o suprassumir ou a ideia de superação dialética
possui três sentidos diferentes, o primeiro é de negar, anular; o segundo, o de erguer alguma
coisa e mantê-la erguida; o terceiro é o de elevar a qualidade, promover a passagem de
alguma coisa para um plano superior, suspender o nível. Hegel emprega essa palavra nos
três sentidos ao mesmo tempo. “Para ele, a superação dialética é simultaneamente a negação
de uma determinada realidade, a conservação da algo de essencial que existe nessa realidade
negada e a elevação dela a um nível superior” (KONDER, 2008, p. 25). Aqui, a ideia de
forma e essência é fundamental. Um exemplo utilizado por Konder para compreender essa
questão é o do trabalho. O trabalho nega a matéria-prima, que é destruída em sua forma
natural e, ao mesmo tempo, conserva alguns aspectos dessa, que assume uma nova forma,
modificada segundo os objetivos humanos, ou seja, é elevada no seu valor.
A grande contribuição de Hegel para dialética, segundo Marx, é o fato de conceber a
exteriorização da essência do ser, a compreensão de que a identidade se constrói da
alteridade. Para Marx, o ser do humano não é subjetivo, mas objetivo, pois é fruto da
exteriorização da sua essência e da interiorização dos objetos, que não são diferentes de si
mesmo. O ser se constitui do trabalho.
O trabalho é a mola mestra que impulsiona o desenvolvimento humano, pela qual o
homem produz a si mesmo. No entanto, o trabalho, para Hegel, é o trabalho abstrato do
espírito, não o trabalho físico, concreto, material, como afirma Marx. A grande diferença
entre as teorias de Hegel e Marx é que Hegel entende que o ato da consciência objetiva é
conhecer, apontando para uma experiência intelectual pura, como ato de abstrair. O ser
estaria inabilitado para agir objetivamente no mundo, pois agiria somente por seus próprios
propósitos e intenções idealmente constituídos. Para Marx, o ser “natural objetivo” não é
especulativo. O ato da história universal não é a constituição da consciência, mas a ação dos
homens no mundo. O primeiro fato histórico dos homens é a produção dos meios que
permitem satisfazer suas necessidades. É a forma de produção da própria vida e as relações
27
sociais que os homens estabelecem entre si que formam sua consciência. Ao transformar a
natureza, os homens formam sua consciência e transformam a si mesmos. Conforme afirma
Octavio Ianni, “Marx encara o homem inserido no processo produtivo ao mesmo tempo que
produzindo-se” (IANNI, 1988, p. 11).
Em resumo, pode-se dizer que o método materialista dialético se contrapõe ao
método de análise kantiano, propõe uma síntese das múltiplas determinações do fenômeno,
busca compreender o fenômeno em seu desenvolvimento histórico e as características que
diferenciam as suas formas para, então, descobrir a diferença de conteúdo (MARX, 1984).
O método dialético admite que a forma é tão importante à essência quando essa é em si
mesma, mas busca apreender a essência não apenas como substância imediata, mas como
uma forma que é fruto de um desenvolvimento (HEGEL, 1974).
Esse método, embasado em uma lógica do movimento, compreende tanto o momento
analítico como o de síntese, tanto a partir da indução quanto da dedução e parte do
pressuposto de que para conhecer a realidade é preciso compreendê-la, investigando os
fenômenos históricos do particular ao geral, do simples ao complexo, do concreto ao
abstrato, e vice-versa, ou seja, na multiplicidade da unicidade dos fenômenos. O método da
síntese busca a identificação de fenômenos e a verificação da relação deles.
Segundo Rosental (1965), diferentemente da análise, que consiste em uma atividade
mental direcionada a decompor um todo em partes, a síntese é definida como a união das
partes em um todo, partindo dos elementos conhecidos desse último. O seu objetivo é
estabelecer a “base geradora” dos fenômenos, a essência da coisa ou do fenômeno descoberta
pela análise. O autor explica que: “Há que se mostrar como a unidade, a conexão interna das
coisas se revela na concreta diversidade dessas últimas” (ROSENTAL, 1965, p. 460).
Segundo Kopnin (1978), a novidade do conhecimento em qualquer dedução surge a
partir da síntese, na qual se unifica o que estava separado antes do processo de dedução. A
indução, por sua vez, era parte componente do método de investigação de Hegel. Partindo
da experiência, ele formulava as teses gerais das quais deduzia novos fatos particulares. A
verificação disso pelas novas observações confirmava as teses anteriormente formuladas. A
teoria hegeliana da dedução teve o intuito de descobrir a interrelação, o movimento das
formas de dedução. “Para Hegel o mais importante era fixar as transições de uma forma de
dedução a outra, da dedução à indução e desta novamente à dedução por meio da analogia”
28
(KOPNIN, 1978, p. 219). Conforme afirma o autor, coube a Hegel o papel de superar o
divórcio entre a indução e a dedução.
Segundo Rosental e Straks (1960), a essência expressa o aspecto interno, profundo
da realidade, enquanto o fenômeno expressa o seu aspecto superficial. O processo de
conhecimento é o processo de reflexo da realidade objetiva na consciência humana, a partir
do qual o homem compreende o aspecto
interno da realidade, inacessível
à percepção imediata. É preciso descobrir o fundamento oculto das coisas, o que está detrás
do aparente. O conhecimento sensível não permite penetrar na essência do fenômeno, apenas
em uma segunda etapa, mediante o pensamento teórico e abstrato é que isso é possível. O
pensamento abstrato consiste na elaboração das impressões sensíveis, a partir da qual se
formam os conceitos, as abstrações científicas, que refletem as características essenciais dos
objetos, fenômenos e processos. A abstração e a síntese são aspectos fundamentais deste
método. Ainda segundo os autores, a unidade existente entre a essência e suas diversas
manifestações nos permite falar do universal na pluralidade dos fenômenos singulares e
descobrir as leis do seu desenvolvimento. O fenômeno e a essência formam uma unidade
(ROSENTAL; STRAKS, 1960).
Segundo Lefebvre (1991), a análise se estabelece do negativo, ela dissocia os
elementos, os separa e os quebra. “Da análise, afirma-se que vai do complexo ao simples,
do todo aos elementos” (LEFEBVRE, 1991, p. 118). A análise deve ser operada e situada no
movimento, no processo criador, observando os elementos a partir das suas fases, captandoos em seus momentos e relacionando-os com a totalidade. “A síntese se define, em geral,
como uma operação experimental (real) ou racional (ideal) mediante a qual se refaz, em
sentido inverso, o caminho percorrido pela análise. A síntese reconstitui o todo”
(LEFEBVRE, 1991, p. 120). A síntese, assim, parte dos objetos mais simples e mais fáceis
de conhecer ao complexo, ao todo, mas não somente parte da análise, guia a análise, situando
o momento no todo, no movimento.
Caio Prado Júnior elabora uma forma de realizar a síntese, descrevendo-a como um
processo de conceituação, cujo método fundamental é a organização da sucessividade:
A sucessividade, resultado da mobilidade do pensamento, é assim o processo
central do relacionamento e do estabelecimento de relações conceituais. É o ponto
de partida de todo processo de conhecimento (PRADO JÚNIOR, 1980, p. 532).
Para se ter o conhecimento de algumas coisas, é preciso organizar a sucessão. É
precisamente como procede o pensamento; e a observação, análise e compreensão
desse processo constitui o primeiro passo para o método dialético, a Lógica
Dialética, que não é mais, em última instância, que a ‘consciência da forma do
29
movimento do pensamento’ [...], isto é, da sua organização, da organização de sua
sucessividade, mobilidade e dinamismo próprio (PRADO JÚNIOR, 1980, p. 533).
Em “Notas Introdutórias à Lógica Dialética”, Caio Prado Júnior (1961) afirma que o
método materialista dialético consiste na elaboração de um critério geral de interpretação
dos fatos, considerando tanto os aspectos da uniformidade e permanência postulados na
identificação, como a multiplicidade e variabilidade. Trata-se de um método de conceituação
que torna possível a representação adequada e sem deformações dos fatos da Natureza no
pensamento humano. O método é fruto de dois milênios de evolução da cultura humana,
desde a filosofia grega e a lógica aristotélica até a ciência moderna, no entanto, subestimado
e relegado a um papel subordinado em favor de uma preferência pela consideração estática
da Natureza, conforme afirma o autor. O marxismo procura a dialética dos fatos e não busca
introduzir neles, de fora, elementos ou forças estranhas aos próprios fatos e escolhidos de
acordo com a as preferencias subjetivas do observador. Procura-se observar as identidades
que se apresentam nos fatos considerados e a relação entre eles:
As relações entre operário e capitalista não se procuram fora desses termos a
relacionar, em ligações exteriores, e sim na própria identidade de cada qual, e
identidade essa vista sempre em função ou na perspectiva da do outro termo da
relação: o operário em função do capitalista, o capitalista em função do operário.
É esse tipo de relação que se trata de revelar, e não a pseudo-relação da Lógica
clássica, concebida como ligação externa e posterior de termos preexistentes que
se ligam ou ‘relacionam’ já depois de constituídos; e sim relação cujas termos
existem unicamente em função dela, e, portanto, somente depois de estabelecida a
relação e como decorrência dela (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 30).
Neste trabalho, procura-se analisar a forma de remuneração por peça e por hora em
relação ao seu oposto, a forma de remuneração por tempo ou por jornada, quando uma
começa a ser constituída pela outra, ou na medida em que interpenetram, como antíteses,
uma existindo em função da outra.
Segundo Lefebvre (1991), “o conceito apreenderia a totalidade íntegra do concreto:
o singular (o individual) em sua relação interna com o universal” (LEFEBVRE, 1991, p.
163). Em resumo, o autor propõe algumas regras práticas do método dialético: dirigir-se à
própria coisa, apreender o conjunto das conexões internas da coisa e seus aspectos; apreender
os aspectos e momentos contraditórios, a coisa como totalidade e unidade dos contrários;
analisar a luta, o conflito interno, o movimento, a tendência; não esquecer que tudo está
ligado a tudo, não esquecer de captar as transições, não esquecer que o processo de
30
aprofundamento do conhecimento é infinito; jamais estar satisfeito com o obtido, dentre
outros.
Conforme afirma Octávio Ianni (1988), a interpretação dialética é uma reflexão
crítica e revolucionária sobre as relações de dependência, alienação e antagonismo de classes
no capitalismo. Nela, o pensamento adquire uma importância essencial, como parte do real
e surge como um movimento de autoconsciência das condições antagônicas em que vive a
classe operária. A interpretação dialética, segundo o autor, constitui e transforma o objeto:
“Adere destrutivamente ao objeto, na medida em que desvenda e desmascara os seus
fetichismos, as suas contradições e os seus movimentos” (IANNI, 1988, p. 22).
A partir deste método se pretende, com este trabalho, apresentar uma síntese das
múltiplas análises existentes sobre o trabalho em plataformas digitais e o trabalho
intermitente e verificar ambos a partir de uma análise histórica do seu surgimento e
desenvolvimento. A partir de dados primários e secundários e da teoria, sugere-se que a
síntese das formas mais recentes de trabalho precário, particularmente, o trabalho em
plataformas digitais e o trabalho intermitente, é o salário por peça e por hora, sem estar
baseado em uma jornada de trabalho. Entende-se que o conteúdo (a essência) salário se
mantém, o que se altera é sua forma, e isto tem implicações profundas sobre o trabalho. Para
citar as implicações mais evidentes, têm-se de um lado, o prolongamento das jornadas de
trabalho, de outro a desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho e uma
intensificação do trabalho.
1.1 Procedimentos de pesquisa
Ambos os fenômenos estudados neste trabalho são recentes. No caso do Brasil, o
trabalho em plataformas digitais ganhou avanço substancial a partir dos anos 2000,
principalmente, após a crise de 2008 (GIG – A Uberização do Trabalho, 2019) e o trabalho
intermitente foi introduzido no quadro institucional-legal do país pela reforma trabalhista,
com a Lei nº 13.467/2017.
Nessa perspectiva, os objetivos desta pesquisa são: analisar o trabalho intermitente e
sua relação com os demais tipos de vínculos formais, a partir da base de dados da Relação
Anual de Informações Sociais
- RAIS e do Novo Cadastro Geral de Empregados e
Desempregado - Novo CAGED; aplicar um questionário com entregadores em plataformas
digitais; averiguar se é possível estabelecer, a partir do materialismo dialético, uma relação
31
entre o trabalho intermitente e o trabalho em plataformas digitais e o salário por hora, sem
estar baseado em uma jornada de trabalho e por peça, além de proporcionar elementos
teóricos que contribuam para a formulação das reivindicações dos trabalhadores por
melhores condições de vida e trabalho.
A obtenção dos dados da Rais e do Novo Caged contou com algumas dificuldades.
A base de dados da Rais disponível para download no Programa de Disseminações das
Estatísticas do Trabalho estava incompleta. Foi necessário realizar contato com servidores
do órgão para obtenção de um link de acesso válido. Também encontramos problemas com
a base de dados do Caged até o ano de 2019. Com relação à base de dados de 2020, utilizada
neste trabalho, encontramos inconsistência na variável de salários, com números muito altos,
na casa de milhões, como um salário de 300 milhões, o que é conhecido como efeito outlier.
Tendo em vista isso, assumimos que se tratava de um erro na base de dados e fizemos uma
remoção de outlier, ou seja, excluímos todos os salários mais altos, que estavam na casa dos
milhões e que representavam 2% da mostra.
A partir dos dados da Rais foi possível traçar o comportamento do emprego formal
no período de 2009 a 2019, pós-crise de 2008, e verificar as tendências dos diferentes tipos
de vínculos de trabalho ao longo desse período. Os dados do Novo Caged permitiram fazer
uma análise do impacto da pandemia da Covid-19 no saldo de empregos formais no país. Os
dados secundários permitiram, ainda, traçar um perfil do trabalho intermitente no país,
quanto à remuneração, horas contratuais, tempo no emprego e o seu percentual em relação
ao estoque total de empregos formais. Utilizou-se o software R para o tratamento dos dados
secundários.
Optou-se por utilizar um questionário para obtenção de informações e dados
relacionados aos entregadores em plataformas digitais. Essa escolha se deu porque, em
primeiro lugar, quando do início dessa pesquisa, não havia nas bases de dados
governamentais existentes a identificação dessa categoria de trabalhadores. Somente em
novembro de 2020 é que foi publicada a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) Covid-19 (IBGE, 2020), com informações sobre os entregadores em plataformas
digitais. Essa pesquisa, no entanto, não continha a variável “trabalho intermitente”,
impossibilitando a utilização de uma mesma base de dados para captar informações sobre o
trabalho em plataformas digitais e o trabalho intermitente e compará-las. Em segundo lugar,
porque tinha-se como objetivo captar percepções e aspectos subjetivos relacionados à
32
compreensão dos trabalhadores em relação ao seu trabalho nas plataformas. A maioria das
perguntas se refere à percepções desses trabalhadores e foram elaboradas a partir das
características descritas por Marx no volume I de “O Capital” acerca do salário por peça.
Por meio de um questionário aplicado com 87 entregadores em plataformas digitais,
coletamos informações selecionadas que pudessem ser úteis para evidenciar a relação desse
trabalho com o salário por peça, bem como analisar questões como jornada de trabalho,
remuneração, intensidade do trabalho e aspectos que incidem na subjetividade dos
trabalhadores. O questionário foi aplicado entre 11 de maio e 13 de julho de 2021, via Google
Forms (ANEXO) e respondido de forma anônima10 por 87 entregadores de 19 estados do
país. Um informante-chave11 permitiu o acesso a grupos de conversas em WhatsApp e
Telegram de entregadores, sobretudo, daqueles que trabalham com motos. Nesses grupos,
foi feito o disparo de mensagem solicitando o preenchimento do questionário como parte
dessa pesquisa. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad
Contínua) de 2019, o universo de entregadores em plataformas digitais atualmente, no Brasil,
é de 1,4 milhão de trabalhadores (IPEA, 2021)12.
Foi encontrada dificuldade quanto à desconfiança dos entregadores com a pesquisa.
Alguns relataram que acreditavam que se tratava de uma pesquisa feita pelas próprias
plataformas e que poderia penalizá-los de alguma forma. Isso levou à minha expulsão de um
dos grupos de WhatsApp nos quais havia sido inserida pelo informante-chave. Solicitei,
então, a aprovação dos administradores para o reingresso ao grupo, além disso, percebi que
obtinha maior retorno quando enviava mensagens individuais ao invés de uma mensagem
padrão no grupo. No entanto, o Telegram, que possuía os grupos com maior número de
trabalhadores, bloqueia o usuário que faz muito uso desse recurso, o que atrasou um pouco
a aplicação do questionário.
Optou-se por não exigir e-mail dos respondentes para preenchimento do formulário. Isso ocorreu porque foi
possível perceber na conversa com alguns entregadores uma extrema desconfiança e medo de que a pesquisa
fosse organizada pelas próprias plataformas e que, portanto, resultasse em algum tipo de retaliação.
11 O informante-chave é uma pessoa que faz parte do grupo que se deseja pesquisar e age como facilitador para
a aproximação do pesquisador aos demais membros do grupo.
12
O número de entregadores em plataformas digitais é um assunto complexo, tendo em vista que as plataformas
não divulgam a quantidade de trabalhadores registrados e ainda que divulgassem outro aspecto complicador é
que um mesmo trabalhador trabalha para mais de uma plataforma ao mesmo tempo.
10
33
Desse modo, a partir da utilização de fontes primárias e secundárias, de bases de
dados estatísticos do governo brasileiro 13 e do emprego da teoria marxista do valor, pretendese compreender o fenômeno do trabalho intermitente e do trabalho em plataformas digitais,
a fim de chegar a um conceito que organize a sucessividade das múltiplas análises existentes
e que aponte para uma síntese teórica. Nesse sentido, buscou-se verificar se é possível
confirmar ou refutar a hipótese deste estudo, qual seja, a de que o trabalho intermitente e o
trabalho em plataformas digitais são formas contemporâneas do salário por hora e por peça.
Como é possível perceber em “O Capital”, Marx faz uso de vários relatórios estatísticos e de dados
qualitativos dos governos da época para subsidiar os seus estudos sobre o capitalismo, como os Relatórios das
Comissões de Emprego de Crianças, da Saúde Pública e relatórios de fábrica elaborados por inspetores do
trabalho, pelas Comissões de Inquérito da Câmara dos Comuns e pelo próprio governo da Inglaterra no final
do século XIX. Marx também elaborou um questionário aplicado com trabalhadores para entender as suas
condições de trabalho, publicado, originalmente, na Revue Socialiste, em 1880, e distribuído entre as
associações operárias e círculos socialistas (ALVES; JACKSON FILHO, 2017). Dessa forma, entende-se que
o uso de fontes primárias e secundárias fundamentam qualquer análise científica dos fenômenos sociais.
13
34
CAPÍTULO 2 - EVOLUÇÃO DA FORMA DE REMUNERAÇÃO
2.1. O salário por peça e por hora segundo a teoria do valor
Em “O Capital”, Marx (1984) demonstra como se desenvolve, sob determinadas
circunstâncias históricas, o modo de produção capitalista e, com ele, a luta entre duas classes
opostas: trabalhadores e capitalistas. Despossuídos dos meios de produção, para garantir sua
própria sobrevivência, o trabalhador livre tem como única mercadoria sua força de trabalho.
Ele se vê obrigado a confrontar-se com outro possuidor: o proprietário do dinheiro e dos
meios de produção, que se empenha em aumentar a sua riqueza, comprando trabalho alheio.
Na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, essa relação assume a forma de
uma luta em torno do tempo de trabalho. Como toda mercadoria, o valor da força de trabalho
é determinado pelo tempo socialmente necessário para produzi-la. O trabalhador precisa
dispender determinadas horas do seu dia trabalhando para manter a sua própria mercadoria
e as demais para aumentar o capital do capitalista 14. Para tanto, o trabalhador, nessa relação,
que é de luta constante e contradição, tentará a todo custo impor limites à exploração da sua
força de trabalho, tentando preservar a única mercadoria que possui, e o capitalista em
consumir ao máximo essa mercadoria pela qual pagou pelo direito de usufruir por
determinado tempo e que lhe confere riqueza.
Em troca da venda da sua força de trabalho, o trabalhador recebe um salário, que
aparece na superfície da sociedade burguesa, como diz Marx (1984), sob a forma de preço
do trabalho ou valor da força de trabalho. A forma de salário esconde a verdadeira relação
existente entre o trabalhador e o capitalista, apagando a divisão da jornada entre trabalho
pago e não pago e fazendo transparecer que todo trabalho realizado é trabalho pago.
14Segundo
Marx (1984), são três os fatores que podem elevar a taxa de mais-valia, mantendo o salário acima
do valor da força de trabalho: a duração do trabalho, a intensidade do trabalho e a produtividade do trabalho.
A duração é o tempo despendido para a produção de determinada mercadoria; a intensidade é a quantidade de
esforço empregado na realização de determinado trabalho e a produtividade é uma modificação no processo de
trabalho, pelo qual se encurta o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma mercadoria,
dependendo inovações tecnológicas. A forma salarial por peça incide, diretamente, nesses três aspectos.
35
O salário é, ainda, parte do capital variável, ou seja, a parte do capital convertida em
força de trabalho e, portanto, está na base do processo de produção de mais-valia. Como
afirma Marx (1984), o salário ou valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos
meios de subsistência necessários ao trabalhador médio. Pressupondo que a mercadoria força
de trabalho é vendida pelo seu valor e que o preço da força de trabalho nunca cai abaixo do
seu valor, são três as circunstâncias que determinam as magnitudes relativas do preço da
força de trabalho e da mais valia:
A duração do trabalho ou a magnitude extensiva do trabalho; a intensidade normal
do trabalho ou sua magnitude intensiva, segundo a qual dada quantidade de
trabalho é despendida em determinado espaço de tempo; e finalmente, a
produtividade do trabalho, segundo a qual a mesma quantidade de trabalho fornece
no mesmo tempo uma quantidade maior ou menor de produto, dependendo do grau
de desenvolvimento das condições de produção (MARX, 1984, p. 596).
Como afirma ainda o autor, o salário assume as mais variadas formas, mas que podem
ser resumidas em duas principais: salário por tempo e salário por peça.
Como a força de trabalho é vendida por determinado espaço de tempo, a forma em
que se apresenta o seu valor diário ou semanal é a de salário por tempo. Ao analisar o salário
por tempo, é preciso distinguir o salário diário, semanal e o preço do trabalho (valor
monetário de determinada quantidade de trabalho). Assim afirma Marx (1984):
Pode-se formular a seguinte lei geral: Dada a quantidade de trabalho por dia, por
semana etc., o salário por dia ou por semana depende do preço do trabalho, o qual
varia por sua vez, seja com o valor da força de trabalho, seja com os desvios do
preço dela em relação ao valor. Mas, dado o preço do trabalho, o valor do salário
por dia ou por semana depende da quantidade do trabalho diário ou semanal
(MARX, 1984, p. 629).
Por isso, o trabalhador precisa realizar uma média de horas por dia para receber um
salário diário que corresponda ao valor da sua força de trabalho ou aos meios de subsistência
necessários para sua reprodução. No entanto, Marx esclarece que há uma forma de
remuneração na qual o salário por tempo é praticado sem considerar uma jornada de trabalho:
Se o salário por hora for fixado de modo que o capitalista não se obrigue a pagar
o salário de um dia ou de uma semana, mas apenas as horas de trabalho em que
lhe apraz ocupar o trabalhador, poderá ele empregá-lo por espaço de tempo inferior
ao que serviu originalmente de base para calcular o salário por hora ou a unidade
de medida do preço do trabalho. Sendo essa unidade de medida determinada pela
proporção valor diário da força de trabalho dividido por jornada de trabalho com
dado número de horas, perde ela naturalmente qualquer sentido quando a jornada
de trabalho deixa de contar determinado número de horas. Rompe-se a conexão
entre trabalho pago e não pago. O capitalista pode então extrair do trabalhador
determinada quantidade de trabalho excedente sem lhe proporcionar o tempo de
trabalho necessário à própria manutenção (MARX, 1984, p. 630).
36
Marx, em seguida, analisa as implicações desse tipo de remuneração:
[...] pode destruir toda regularidade da ocupação e fazer alternarem-se de acordo
com sua comodidade, arbítrio e interesse momentâneo, o mais monstruoso
trabalho excessivo com a desocupação relativa ou absoluta. Pode, sob o pretexto
de pagar o ‘preço normal do trabalho’ prolongar anormalmente a jornada de
trabalho sem qualquer compensação correspondente para o trabalhador [...]. A
limitação legal da jornada de trabalho pôs fim a este abuso (MARX, 1984, p. 630).
Como é possível observar, o salário por hora, sem estar baseado em uma jornada de
trabalho, permite o mesmo que o salário por peça: uma combinação entre trabalho excessivo
e a desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho e uma total insegurança de renda
para o trabalhador. O salário por hora e o salário por peça são expressões de um mesmo
fenômeno e explicam, conforme será visto adiante, o trabalho intermitente e o trabalho em
plataformas digitais.
O salário por peça é, por sua vez, uma forma na qual se converte o salário por tempo,
assim como o salário é uma forma na qual se converte o valor ou preço da força de trabalho,
conforme explica Marx (1984). A diversidade na forma de pagamento não altera sua
natureza, mas uma pode ser mais favorável que a outra ao desenvolvimento da produção
capitalista. Essas formas podem também ser combinadas. Marx demonstra que os capitalistas
combinam as duas formas de remuneração, por tempo e por peça, como forma de rebaixar o
salário. Quando o salário por peça vigora há muito tempo e eleva os salários individuais, os
capitalistas o transformam em salário por tempo.
Marx (1984) esclarece um dos aspectos principais que tornam essa forma de
remuneração tão mistificadora:
O salário por peça dá à primeira vista a impressão de que o valor de uso vendido
pelo trabalhador não é em função de sua força de trabalho, o trabalho vivo, mas o
trabalho já materializado no produto, e de que o preço desse trabalho não é
determinado, como no salário por tempo, pela fração valor diário da força de
trabalho dividido pela jornada de trabalho de determinado número de horas, mas
pela capacidade de produção do trabalhador (MARX, 1984, p. 636).
O salário por peça também permite ao capitalista uma medida precisa da intensidade
do trabalho. “Só se considera, então, tempo de trabalho socialmente necessário, sendo como
tal pago, o tempo de trabalho que se corporifica numa determinada quantidade de
mercadorias previamente determinada e fixada pela experiência” (MARX, 1984, p. 639). A
qualidade do trabalho é controlada pelo próprio resultado, que tem que possuir uma
qualidade média para que o salário seja pago integralmente. Assim afirma Marx (1984):
37
“desse modo, o salário por peça se torna terrível instrumento de descontos salariais e de
trapaça capitalista” (MARX, 1984, p. 639).
Sendo a qualidade e a intensidade controladas pela forma de salário, torna-se
desnecessário o trabalho de inspeção e se permite que se insiram intermediários, entre o
capitalista e o trabalhador, a fim de subalugar o trabalho e auferir ganhos sobre a diferença
entre o preço do trabalho pago e o efetivamente recebido pelo trabalhador. Assim afirma
Marx (1984):
O salário por peça constitui [...] um sistema hierarquicamente organizado de
exploração e opressão. Esse sistema possui duas formas fundamentais. Numa, o
salário por peça facilita que, entre o capitalista e o trabalho se insiram parasitas
que subalugam o trabalho [...]. Chama-se a isto, na Inglaterra, de sistema de
suadouro (sweating system). Noutra o salário por peça permite ao capitalista
contratar o trabalhador principal [...] estabelecendo um tanto por peça, um preço
pelo qual o trabalhador principal se obriga a recrutar e a pagar seus auxiliares. A
exploração dos trabalhadores pelo capital se realiza então por meio da exploração
do trabalhador pelo trabalhador (MARX, 1984, p. 640).
Enquanto no regime de salário por tempo, ele é igual para todos os trabalhadores,
com poucas exceções, no salário por peça, ele é diário ou semanal e pode variar com as
diferenças individuais dos trabalhadores, sua habilidade, força, energia e persistência. Assim
explica Marx (1984):
[...] a maior margem de ação proporcionada pelo salário por peça influi no sentido
de desenvolver, de um lado, a individualidade dos trabalhadores e com ela o
sentimento de liberdade, a independência e o autocontrole, e, do outro, a
concorrência e a emulação entre eles. Por isso o salário por peça tende a baixar o
nível médio dos salários, elevando salários individuais [...]. O salário por peça,
finalmente, é um dos principais arrimos do sistema de pagar o salário por hora
(MARX, 1984, p. 641-642).
Embora não fosse uma novidade, tendo existido já no século XIV, o salário por peça
foi predominante na denominada fase juvenil da grande indústria, período entre 1797 e 1815,
sendo a forma de remuneração de 4/5 de todos os trabalhadores fabris. Como meio ideal de
prolongar a jornada de trabalho e rebaixar o preço do salário, “evidencia-se que o salário por
peça é a forma mais adequada ao modo capitalista de produção” (MARX, 1984, p. 642).
Marx demonstra que os capitalistas combinam as duas formas de remuneração, por peça e
por tempo de trabalho, tornando vantajoso aos que trabalham por peça prolongar o seu
trabalho e obrigando, desse modo, os que trabalham por tempo, a estender sua jornada.
Os trabalhadores, no entanto, se insurgiram tanto contra o salário por hora como
contra o salário por peça, afirma o autor. Com a limitação da jornada de trabalho, os salários
38
por peça e por hora, sem a noção de uma jornada de trabalho, perderam relevância como
forma de remuneração. Quase dois séculos depois, no entanto, essas duas formas de
remuneração voltaram à tona, diante de condições históricas diferentes, tanto para o capital,
como para o trabalho.
Conforme analisado no Capítulo anterior, o método materialista dialético tem como
objetivo analisar a transformação dos fenômenos no seu movimento. Essa mudança só é
possível porque o fenômeno ou matéria já carrega em si os elementos que preparam a
transição para a sua nova forma. O fenômeno analisado neste trabalho são as mudanças
profundas vivenciadas pelo mundo do trabalho nas últimas décadas, principalmente, desde
os anos 1970, nos países ricos, e 1990, nos países pobres, em particular, o Brasil.
Tanto o trabalho intermitente como o trabalho em plataformas digitais são uma
expressão desse fenômeno. No caso das plataformas digitais, não há reconhecimento sequer
da existência de uma relação de assalariamento. No Brasil, o assunto está em discussão. Há
a tentativa de classificar esses trabalhadores como empreendedores individuais. Na
Califórnia, por exemplo, uma lei submetida a referendo popular e posteriormente declarada
inconstitucional, conhecida como “Proposição 22”, afirmava que esses trabalhadores
deveriam ser reconhecidos como autônomos (SAMMON, 2020). A expansão das
plataformas digitais, propiciada pelo desenvolvimento da tecnologia, permite que o
ressurgimento da forma de remuneração por peça e por hora se generalize e se dê em escala
mundial.
A forma de remuneração é a forma como o trabalhador será pago pelo trabalho
despendido numa determinada quantidade de horas, ou seja, está estreitamente vinculada à
noção de jornada de trabalho e à noção de salário. O salário é parte do capital variável, que,
somado ao capital constante, está na base da formação de mais valia. Parte-se da hipótese de
que o conteúdo (a essência) salário se mantém, o que se altera é sua forma, e isso tem
implicações profundas sobre o trabalho. Assim, a forma como os trabalhadores são
remunerados pode incidir na intensidade, produtividade e no prolongamento da sua jornada
de trabalho, permitindo uma maior extração de mais valia. A seguir, pretende-se fornecer
indícios acerca da reintrodução da forma de remuneração por peça e por hora ao longo do
século XX e início do XXI.
39
2.2 A instituição da jornada de trabalho
Apesar da forma de remuneração por tempo de trabalho ser a mais comum empregada
historicamente, existem outras formas de remuneração. Marx (1984) explica que a
instituição de uma jornada de trabalho tal qual se estabeleceu na passagem do século XIX
para o XX foi fruto de uma guerra civil de longa duração entre capitalistas e trabalhadores,
na qual os trabalhadores conseguiram frear a exploração brutal e selvagem a que eram
submetidos. Antes da sua instituição, vigoravam a forma de remuneração por peça e por
hora, pela qual 4/5 dos trabalhadores industriais eram pagos (final do XVIII e início do
século XIX). Em seguida, no auge da Revolução Industrial, vigorou, de forma predominante,
a jornada por tempo, atingindo 67 a 77 horas semanais, atingindo seu pico em toda a história
humana, 4.000 horas anuais por trabalhador conforme demonstra Sadi Dal Rosso (1996) e
chegando ao limite da capacidade humana.
Em seguida, a classe trabalhadora empreendeu diversas lutas no sentido de limitar a
jornada de trabalho, pode-se citar: em 1848, o movimento cartista e a sua campanha pela
jornada de trabalho de dez horas diárias; a Associação Internacional Socialista e a sua
campanha internacional, em 1864, pela limitação da jornada de trabalho para oito horas
diárias 15; em 1866, o Congresso Internacional dos Trabalhadores, em Genebra, que
estabeleceu a jornada de trabalho de oito horas diárias; o 1º de maio de 1886, no qual os
trabalhadores de Chicago, nos EUA, realizaram uma grande manifestação em prol da jornada
de oito horas de trabalho e os líderes do movimento foram enforcados, dando origem ao “Dia
Internacional do Trabalhador”, criado, em 1889, pelo Primeiro Congresso da Segunda
Internacional Socialista, em Paris.
Esse cenário de intensas lutas dos trabalhadores que instituíram, por fim, uma jornada
de trabalho legal de oito horas diárias se contrasta muito com o cenário atual, de retrocesso
do poder sindical e de perdas de direitos por parte dos trabalhadores, em que se verifica,
segundo a hipótese deste estudo, um ressurgimento da forma de remuneração por peça e por
Conforme demonstra Marx (1984), a Inglaterra, principal representante da produção capitalista tinha entre
1850 e 1867 uma lei fabril, que determinava uma jornada de 12 horas (6 às 18 horas) para os cinco dias da
semana e 8 horas aos sábados (6h às 14h), totalizando 68 horas de jornada, incluindo aí o tempo para as
refeições (8 horas semanais). De 1802 a 1833, o parlamento britânico promulga cinco leis sobre trabalho, mas
não vota recursos para a sua aplicação. O mesmo na França. Uma jornada normal de trabalho para a indústria
moderna só aparece com a lei fabril de 1833. Entre 1833 e 1864, a jornada começa às 5 ½ manhã e termina 8
½ da noite, compreendendo 15 horas diárias.
15
40
hora, em outras palavras, uma transição da forma de remuneração por tempo para a forma
de remuneração por peça e por hora. Antes de adentrar nos aspectos que sinalizam para essa
transição, será feita uma recapitulação dos aspectos econômicos que engendram essa
mudança, a partir da teoria do valor.
2.3. A crise do capitalismo e a necessidade de redução dos salários
Marx (1984) afirma que há uma lei do modo de produção capitalista – a lei da
tendência à queda da taxa de lucro –, que estabelece que o desenvolvimento progressivo da
produtividade social do trabalho promove um decréscimo do capital variável (força de
trabalho, salário) e um consumo de capital constante (meios de trabalho, máquinas, capital
fixo e matérias-primas) cada vez maior, levando à queda do preço do produto. Cada produto
individual passa a conter quantidade menor de trabalho, “Daí resultando diretamente que a
taxa de mais valia, sem variar e mesmo elevando-se o grau de exploração do trabalho, se
expresse em taxa geral de lucro em decréscimo contínuo” (MARX, 1984, p. 243). Marx
pontua os fatores contrários à lei e utilizados para tentar conter a queda da taxa de lucro: a)
o aumento do grau de exploração do trabalho, b) a redução dos salários, c) a baixa de preço
dos elementos do capital constante, d) a superpopulação relativa, e) o comércio exterior e f)
o aumento do capital em ações.
Assumindo que essa lei opera determinando o modo como o capital irá agir nos
momentos de crise, diante das crises de superacumulação do capital a partir de 1967 e 1982,
com o objetivo de incidir diretamente nos itens elencados acima, serão adotadas algumas
medidas, como políticas de austeridade, racionalização dos processos de produção,
transferência de indústrias para os países atrasados e reorganização dos sistemas de trabalho
no ocidente industrializado, bem como a manutenção de taxas de desemprego elevadas.
Sendo os custos de produção a soma do capital variável e do capital constante, os capitalistas
transformarão a necessidade de reduzir os salários como um dos objetivos estratégicos a
partir de então (FRANK, 1979). Surgirá, ainda, uma nova ideologia para justificar todas
essas medidas: o neoliberalismo 16.
16 Segundo Saad-Filho e Deborah Johnston (2005), o neoliberalismo “abrange uma ampla gama de fenômenos
sociais, políticos e econômicos em diferentes níveis de complexidade, alguns altamente abstratos, como o
crescente poder das finanças ou a degradação da democracia, enquanto outros relativamente concretos, como
41
Essas medidas e essa ideologia fizeram parte de uma nova postura do imperialismo17
no plano político, saindo da defensiva que caracterizou os anos de 1967-1973 - marcados
por queda das taxas de lucro, direitos sociais conquistados pelos trabalhadores, grandes
mobilizações de contestação ao capitalismo e fim dos impérios coloniais - para a ofensiva
(NETTO; BRAZ, 2006). Será visível, a partir da década de 70, com a recessão, inflação e
altos índices de desemprego, nos países ricos, a diminuição das greves e o enfraquecimento
dos sindicatos (MCILROY, 2002; BEYNON, 2002).
A partir dos anos 1980, o capitalismo entra na sua fase de “financeirização”. A
finança, afirma Husson (2010), é o instrumento que promove um retorno do capital ao seu
funcionamento “puro”, livre de regras e restrições impostas a esse sistema ao longo de
décadas. A virada neoliberal promove uma retomada da taxa de lucro, mas essa não leva a
um aumento durável e generalizado da acumulação capitalista, sendo a característica
principal do capitalismo contemporâneo a intensidade da concorrência (hiperconcorrência)
entre capitais, facilitada pela financeirização. Esse período é caracterizado, portanto, como
de crescimento medíocre, de fraco avanço da produtividade e de uma derrota do trabalho em
relação ao capital, com a desvalorização do salário. Nessa etapa, os trabalhadores se veem
em concorrência em escala mundial, conforme afirma o autor:
A mundialização capitalista é fundamentalmente a colocação dos trabalhadores em
concorrência em escala planetária mediante os movimentos de capitais. Dizer que
o espaço de valorização se estende ao conjunto da economia mundial implica que
as normas de exploração tendem também a se universalizar, por um tipo de
determinação inversa. Esse resultado pode parecer evidente: a busca da taxa de
lucro máximo implica a de uma taxa de exploração a mais elevada possível. O que
mudou é a escala do espaço no interior da qual se encerram esses mecanismos
(HUSSON, 2010, p. 319).
Esse é o contexto histórico e econômico de transição de uma forma de remuneração
a outra. A partir dos anos 1970, nos países ricos, e nos anos 1990, nos países pobres, o
a privatização ou a relação entre estados estrangeiros e organizações não-governamentais locais (ONGs)”
(SAAD-FILHO;JOHNSTON, 2005, p. 1), reunindo ideias de diversas fontes, como Adam Smith, a economia
neoclássica, a crítica austríaca ao keynesianismo, o monetarismo, dentre outras. O neoliberalismo pode ser
explicado também a partir das suas ideias mais difundidas, como a de que o bem-estar da humanidade pode ser
melhor promovido pelo incentivo às liberdades e capacidades empreendedoras do indivíduo e cabe ao Estado
criar e preservar uma estrutura institucional que garanta direitos à propriedade privada, aos livres mercados e
ao livre comércio. Ao Estado cabe, ainda, segundo seus pensadores, estabelecer funções militares, de defesa e
de polícia para garantir os direitos de propriedade individuais e para a assegurar, se necessário pela força, o
funcionamento dos mercados (HARVEY, 2008).
17 Lenin (1979) define o imperialismo como etapa histórica do capitalismo, na qual a livre concorrência dá
lugar à concentração da produção em grandes monopólios e há a fusão ou interpenetração dos bancos com a
indústria. Essa é uma fase de predomínio do capital financeiro (LENIN, 1979).
42
discurso de flexibilidade das horas de trabalho e das formas de remuneração ganha força,
conforme afirma Dal Rosso (2017): “A redução da flexibilidade é um fato esperado em
períodos de forte crescimento e acumulação capitalista, assim como seu retorno e do
desemprego em períodos de crise financeira acentuada, como aconteceu a partir de 20072008” (DAL ROSSO, 2017, p. 38).2.4. Salário por tempo e por peça no século XX
Desde a entrada do século XX, há o início de um debate em torno da forma de
remuneração por peça como mecanismo ideal para aumento da produtividade e intensidade
do trabalho. Segundo Dubal (2000), na passagem do século XIX para o XX houve um
ressurgimento do salário por peça no trabalho em domicílio realizado por mulheres para a
indústria do vestuário, nos Estados Unidos. Essas mulheres, sem acesso ao mercado de
trabalho, eram submetidas à superexploração nos interiores das suas casas, trabalhando por
oito a dez horas por dia por metade do que as operárias nas fábricas ganhavam, para
complementar a renda familiar (DUBAL, 2020).
Como resposta à crise de 1929, o governo norte-americano adotou um programa
econômico baseado na teoria de Keynes, o “New Deal”. A política keynesiana propôs então
restabelecer o equilíbrio econômico, por uma política fiscal, creditícia e de gastos, realizando
investimentos nos períodos de depressão como estímulo à economia. Tal política, aliada ao
fordismo-taylorismo, com consumo de massa e produção de massa, estabeleceu um período
de geração de empregos e de instituição de serviços públicos, dentre eles as políticas sociais
(BEHRING; BOSCHETTI, 2006). Isso fez refluir o salário por peça, que voltou à legislação
trabalhista norte-americana somente na década de 1980 (DUBAL, 2020).
Nos países europeus, sabe-se que, no período entre os anos de 1930 e 1960, como
fruto das lutas dos trabalhadores durante o século XIX, houve a conformação de um Estado
de Bem-Estar Social. Ao lado de trabalhos regulamentados, em tempo integral e elevado
nível de emprego, existia uma ampla gama de políticas sociais que garantiam serviços de
habitação, educação, saúde, seguridade social e assistência social à população (BEHRING;
BOSCHETTI, 2006).
Conforme visto acima, a partir dos anos 1970, nos países ricos, e dos anos 1990, nos
países pobres, o capital entra em um processo de crise econômica e ofensiva contra a classe
trabalhadora. Têm-se, a partir desse período, a introdução do Sistema Toyota de Produção,
baseado na produção sob demanda, com estoque zero e na redução permanente de mão de
obra, conforme será visto adiante.
43
A partir dos anos 1980, surgiu na literatura econômica liberal dos países ricos, a
proposta de retomada da remuneração por peça como forma de aumento da produtividade e
intensidade do trabalho (LAZEAR, 2000; SEILER, 1982). Lazear (2000) e Seiler (1982)
defenderam, nesse período, um retorno ao salário por peça ou por resultados, afirmando os
seus benefícios. Conforme afirmam as suas pesquisas, a introdução dessa forma de
remuneração permite a contratação de trabalhadores mais produtivos, servindo como medida
da produção individual e aumentando a produtividade daqueles que são mais habilidosos ou
ambiciosos, mas produzem menos do que podem no sistema de salário por tempo.
No Brasil, segundo Dal Rosso (2017), a regulação das horas de trabalho teve início
nos anos 1930 em um movimento que culminou na Consolidação da Legislação Trabalhista,
em 1943, enquanto nos países ricos, a jornada padrão se estabeleceu no século XIX. Com a
CLT, estabeleceu-se no Brasil uma jornada de oito horas diárias nos seis dias da semana,
com 48 horas semanais, com a possibilidade de duas horas extras ao dia e a compensação de
dias ou horas de trabalho dentro da mesma semana. Segundo o autor, diferente de outros
países, a legislação brasileira já nasceu com uma certa flexibilidade de horas de trabalho.
Ademais, com o tempo, foram sendo adotados contratos de trabalho flexíveis, como o
contrato temporário, o trabalho eventual, o sistema de diárias, os contratos informais, as
“empreitadas”, dentre outras modalidades que o autor denomina flexibilidade préregulamentada, que anteciparam muito a flexibilidade de horários que se verificou com
maior força nos anos 1990.
Nos anos 1980-1990, houve um avanço grande da flexibilização dos horários e uma
expansão do salário por peça como remuneração de algumas categorias de trabalhadores
(TAVARES; DE LIMA, 2009; BEZERRA; LEITÃO, 2017). Os cortadores de cana são a
categoria por excelência do salário por peça no país. Segundo Tavares e Trindade de Lima
(2009), até meados da década de 1960, os trabalhadores do setor sucroalcooleiro eram
remunerados de forma predominante mediante salário por tempo. A partir da década de 1970,
os cortadores de cana passaram a ser remunerados por produção, seja por metro linear de
cana cortada ou por tonelada, engendrando formas de escamotear e reduzir o valor pago pela
produção (ALVES, 2006)18, situação que se agrava nos anos 1990 e 2000.
“No século XVIII e XIX, os trabalhadores recebiam por produção e tinham o controle da sua produção, hoje
os trabalhadores não controlam nem a medida do seu trabalho nem o valor do seu trabalho [...]. Dessa forma,
fica claro que o pagamento por produção, além de ser uma forma de pagamento arcaica, perversa e desgastante,
no caso da cana, é mais perverso ainda, pois o ganho não depende apenas dos trabalhadores, mas de uma
18
44
Segundo Francisco Alves (2006), o salário por peça com o qual é remunerado o
cortador de cana na atualidade, no Brasil, é pior do que o praticado no auge da Revolução
Industrial, conforme descreve Marx. O autor atesta que a produtividade do trabalho dos
cortadores de cana aumentou exponencialmente na passagem de uma forma de remuneração
para outra, sendo o pagamento por produção ou salário por peça o responsável pela morte
dos trabalhadores por exaustão (ALVES, 2006).
Juliana Marília Colli (1998) demonstra que os trabalhadores da indústria também se
viram afetados pela introdução do salário por peça. Segundo Durand (1985), as indústrias
façonistas (forma de trabalho que antecedeu a produção de tecidos de roupas do século XIX)
se implantaram no Brasil em 1933, mas tiveram um crescimento vertiginoso a partir de 1960
com a conversão do tecelão assalariado em façonista e o emprego da força de trabalho
familiar. O “façonismo” se trata de uma prestação de serviço que envolve empresas de
tecelagem ou intermediários comerciais, que possuem a matéria-prima, e proprietários de
teares que oferecem sua máquina e a sua força de trabalho contratada, sendo o trabalho pago
por metro linear de tecido. Colli (1998) demonstra que, no ramo têxtil de Americana, no
Estado de São Paulo, ocorreu o ressurgimento, na década de 1990, dessa forma de
remuneração.
Nos anos 2000, houve a regulamentação de outros mecanismos de flexibilização,
como o trabalho aos domingos e dias feriados para as “atividades do comércio” (Lei nº
10.101/2000), o trabalho em tempo parcial elevado de 20 para 25 horas semanais (Medida
Provisória nº 2.164/2001 19), os regimes de trabalho em turnos de 12 por 36, dentre outras
medidas.
Mas até 2010, na indústria brasileira, verificava-se que a maioria das pessoas estavam
ocupadas em jornadas-padrão de 40 a 44 horas semanais e reguladas, contendo ainda 15%
de trabalhadores por conta própria, artesãos e autônomos (DAL ROSSO, 2017). Nas
unidades organizadas na base da força de trabalho familiar, as jornadas equivalem,
geralmente, ao período que antecede a Revolução Industrial, afirma o autor, de tão
excessivas. Como é o caso do ramo têxtil, mencionado acima, confirmando um aspecto do
conversão feita pelo departamento técnico das usinas” (ALVES, 2006, p. 93). Como demonstra Francisco Alves
(2006), há mecanismos utilizados pelos usineiros para trapacear o valor pago pela produção, confirmando um
dos aspectos mais perversos do salário por peça.
19
Em vigor por força do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 2001.
45
salário por peça: o de ser um sistema hierárquico de exploração e opressão do trabalhador
sobre outros trabalhadores.
Segundo Dal Rosso (2017), ao verificar os setores de atividade econômica do país, a
construção civil historicamente concentra jornadas excessivas e pouca flexibilidade de
horários. Sendo educação e saúde as áreas com carga horária reduzida e regimes flexíveis,
como salário por hora, no caso dos professores principalmente da rede privada, e turnos
parciais e de 12 horas por 36, no caso dos trabalhadores da saúde. Nessas duas áreas,
aproximadamente apenas 50% dos trabalhadores trabalham em jornadas-padrão, segundo o
autor.
Como é possível verificar, as formas de remuneração diferentes convivem ao longo
do tempo, uma predomina sobre a outra em determinado momento histórico, dependendo
das circunstâncias sociais e econômicas, com a flexibilidade de horários ganhando força em
momentos de crises econômicas e sociais, conforme afirma Dal Rosso (2017).
Dessa forma, segundo o autor, enquanto nos países ricos se opera uma transição do
regime de trabalho de tempo integral para um regime de trabalho com horários flexíveis e
desregulamentados, no Brasil, a transição para as jornadas de tempo integral regulamentadas
sequer se completou, com, em 2010, 66% das pessoas ocupadas em horários flexíveis e 34%
em horários rígidos e 41,2% dos trabalhadores trabalhando durante 45 horas ou mais com
forte presença do trabalho excessivo, exercido em 49 horas ou mais por semana (DAL
ROSSO, 2017).
2.4 Regimes de acumulação versus flexibilidade das horas de trabalho e formas de
remuneração
De acordo com Dal Rosso (2017), a flexibilidade dos tempos de trabalho e das formas
de remuneração visa centralmente oferecer uma solução para um problema econômico e
retirar um entrave que impede o desenvolvimento ou a acumulação de capital nas empresas.
A flexibilidade das horas de trabalho cumpre um papel fundamental para o
capitalismo na atualidade. Permite-se, com a reorganização do processo de trabalho e dos
tempos de trabalho, o questionamento da própria existência de uma jornada de trabalho,
conquista histórica dos trabalhadores em todo o mundo:
A flexibilidade de horário rompe com esse esquema considerado rígido e
inamovível, introduzindo a possibilidade de variação na distribuição desses
horários durante o período laborativo [...]. A flexibilidade salarial corresponde a
46
diminuições das remunerações recebidas. Também pode significar a mudança
qualitativa da forma de pagamento de salários, envolvendo bônus, incentivos e
metas (DAL ROSSO, 2017, p. 63).
Segundo o autor, a flexibilidade das horas de trabalho e de remuneração atua tanto
na extração de mais valia absoluta, quando permite o prolongamento da jornada de trabalho,
quanto na mais valia relativa, quando permite a intensificação do trabalho e a redução dos
custos do capitalista com a reprodução da força de trabalho:
O trabalho flexível está inextrincavelmente vinculado à teoria do valor. A chave
do segredo consiste em que ele propicia, ao mesmo tempo, o aumento dos valores
produzidos pela força de trabalho em horários flexíveis e a redução dos gastos do
empregador com o pagamento da reprodução da força de trabalho [...]. O trabalho
flexível adequa-se também à elevação da composição orgânica do capital,
repercutindo, portanto, sobre o mais-valor relativo. Não opera somente em
condições em que prevalece o mais-valor absoluto (DAL ROSSO, 2017, p. 270).
Autores da chamada “escola da regulação” interpretam esse fenômeno de outra
forma. Segundo eles, o capitalismo desenvolver-se-ia por regimes de acumulação, dos quais
se conhecem dois: fordismo/keynesianismo e acumulação flexível (DAL ROSSO, 2017).
Eles interpretam as mudanças vivenciadas a partir dos anos 1970 como parte de uma crise
estrutural do regime de acumulação fordista-keynesiano, fase particular do desenvolvimento
capitalista (ARRIGHI, 1996).
Para Dal Rosso (2017), esses conceitos não apresentam elementos analíticos para
compreender o processo e o mecanismo de funcionamento do sistema pela ausência da teoria
do valor nas suas formulações (DAL ROSSO, 2017). Segundo o autor, tanto os autores que
definem esse processo segundo a concepção de sistema de produção enxuta ou sistema de
produção Toyota, que se contrapõe à produção em massa representada pelo
fordismo/taylorismo, como aqueles que defendem a concepção de acumulação flexível estão
escrevendo sobre os mesmos processos.
Sob o Toyotismo, a produção em grande escala é substituída pela produção sob
demanda, com estoque zero, e há um movimento do capital no sentido de deslocar unidades
produtivas para países atrasados, onde é possível intensificar a exploração da mão de obra e
pagar salários e matérias-primas a preços mais baixos. Com a incorporação de novas
tecnologias ao processo de trabalho, ocorre uma redução na quantidade de trabalhadores
empregados e um aumento do desemprego (NETTO; BRAZ, 2006). Esse processo é,
comumente, denominado também de reestruturação produtiva.
47
Os autores Antunes (2011); Antunes (2002); Antunes (2018); Alves (2011); Alves
(2008) e José Paulo Netto e Marcelo Braz (2006) enfatizam que os novos métodos de gestão
ou regulação adotados por esse sistema de gestão denominado Just in time - como o kanban,
andon, círculos de controle de qualidade - são responsáveis por incidir de forma peculiar
sobre a subjetividade dos trabalhadores e aumenta a subsunção do trabalho ao capital. “O
capital empenha-se em quebrar a consciência de classe dos trabalhadores: utiliza-se o
discurso de que a empresa é a sua ‘casa’ e que eles devem vincular o seu êxito pessoal ao
êxito da empresa” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 217), referindo-se a eles não mais como
“empregados”, mas como “colaboradores” ou “parceiros” 20. Tal aspecto é analisado por
Giovanni Alves como um dentre tantos outros meios utilizados para promover a “captura da
subjetividade” do trabalhador (ALVES, 2008).
Como resposta à crise do fordismo dos anos 1970, o Toyotismo institui o operário
polivalente, que se integra em uma equipe de trabalho, fabrica um produto para satisfação
do consumidor, que passa por um controle de qualidade, em uma fábrica que opera com
estoque zero. Conforme afirma Ricardo Antunes estaríamos diante de um processo de
“estranhamento do ser social que trabalha”, um “estranhamento pós-fordista” (ANTUNES,
2002, p. 42):
A subsunção do ideário do trabalhador àquele veiculado pelo capital, a sujeição do
ser que trabalha ao ‘espírito’ Toyota, à ‘família’ Toyota, é de muito maior
intensidade, é qualitativamente distinta daquela existente na era do fordismo. Esta
era movida centralmente por uma lógica mais despótica; aquela, a do Toyotismo,
é mais consensual, mais envolvente, mais participativa, em verdade mais
manipulatória (ANTUNES, 2002, p. 43).
Segundo o autor, as transformações vivenciadas pelos trabalhadores industriais em
maior ou menor escala acarretam grandes mudanças:
Essas transformações, presentes ou em curso, em maior ou menor escala,
dependendo de inúmeras condições econômicas, sociais, políticas, culturais etc.,
dos diversos países onde são vivenciadas, afetam diretamente o operariado
industrial tradicional, acarretando metamorfoses no ser do trabalho. A crise atinge
intensamente, como se evidencia, o universo da consciência, da subjetividade do
trabalho, das suas formas de representação (ANTUNES, 2002, p. 43).
Essa mudança de terminologia, muito utilizada no Brasil, parece não ter se difundido nos países ricos. Nos
Estados Unidos, os trabalhadores são denominados “employee”, ou seja, “empregados”. De forma semelhante
é na França, onde se emprega o termo “employé”. Na Alemanha, a designação é “Mitarbeiter”, sendo
“Arbeiten” do verbo trabalhar e “Mit” uma preposição que significa “com”, na tradução literal “cotrabalhador”.
No Reino Unido, utiliza-se o termo “worker”, ou seja, “trabalhador”.
20
48
Giovanni Alves (2007) afirma que o momento predominante da reestruturação
produtiva ou Toyotismo é a captura da subjetividade do trabalho, que possui maior densidade
manipulatória que a organização fordista-taylorista. Assim, o autor ressalta que:
Se no modo de organização fordista do trabalho tínhamos uma integração
‘mecânica’ do corpo produtivo, no Toyotismo temos uma integração ‘orgânica’ do
coletivo de trabalho, o que pressupõe, portanto, um novo perfil do trabalhador
assalariado central. O Toyotismo reconstitui, sob novas condições sociotécnicas (e
culturais), o trabalhador coletivo como força produtiva do capital [...]. Entretanto,
o que é integração ‘orgânica’ para o capital, aparece como ‘fragmentação
sistêmica’ da classe trabalhadora assalariada, isto é, ‘fragmentação’ de consciência
de classe contingente e de seus estatutos salariais com a constituição do precário
mundo do trabalho a partir da proliferação dos contratos de trabalho atípicos
(ALVES, 2007, p. 187).
Segundo Alves (2007), portanto, o Toyotismo produz uma nova subjetividade dos
trabalhadores que incide na sua organização sindical e, portanto, é também responsável pela
difusão de formas precárias de trabalho. No entanto, como interpretar o fenômeno das
plataformas digitais a partir do Toyotismo?
Iuri Tonelo (2020) questiona se não estaríamos vivenciando uma nova reestruturação
produtiva pós-crise de 2008, que estaria superando qualitativamente aquela ocorrida no
período neoliberal, no sentido de aprofundamento dos métodos empregados até então, no
interior de novas condições econômicas. O autor observa que há uma mudança de qualidade
nas relações trabalhistas e identifica como principais eixos desse processo em curso as
mudanças na legislação trabalhista, os impactos laborais do fenômeno da imigração e a
introdução de novas tecnologias no mundo do trabalho, principalmente das plataformas
digitais, que estariam promovendo uma implosão da jornada de trabalho e de todos os
direitos trabalhistas.
Este trabalho assume o ponto de vista de que um aspecto primordial para o
entendimento dessas formas mais recentes de trabalho precário e a sua interpretação como
fenômeno histórico está relacionada às formas de remuneração. Nesse sentido, Tonelo
(2020) propõe uma interpretação desse fenômeno a partir da hipótese de que houve uma
evolução da forma de remuneração. Após mudanças quantitativas graduais, têm-se um salto
de qualidade.
Segundo o materialismo dialético, as mudanças qualitativas só podem se realizar por
acréscimo ou subtração quantitativa de matéria ou de movimento. Essas mudanças
qualitativas ocorrem quando há uma interpenetração de contrários, ou seja, a forma de
remuneração por peça e por hora existia já no século XV e se torna predominante no século
49
XVIII, no entanto, é negada pela forma de remuneração por tempo, o seu contrário. A
instituição da jornada de trabalho no final do século XIX, a partir das lutas dos trabalhadores,
é o salto qualitativo que promove essa transição. No entanto, no século XX e início do XXI,
a luta entre a classe trabalhadora e a burguesia em torno dessas duas formas de remuneração
levou a mudanças quantitativas, nas quais os salários por peça e por hora foram sendo
reintroduzidos até o novo salto de qualidade que foram as reformas trabalhistas. As reformas
permitiram um retorno à remuneração por peça e por hora, em outras condições históricas e
em outra fase do capitalismo, de predomínio das finanças, sendo o trabalho em plataformas
digitais e o trabalho intermitente os casos particulares mais expressivos dessa mudança
qualitativa.
2.5 O salário por peça e por hora sob o Fordismo e o Toyotismo
Apesar de se caracterizar como o regime por excelência do trabalho em tempo
integral e com direitos, o fordismo-taylorismo já carregava em si elementos da forma de
remuneração por peça. Frederick Taylor, o engenheiro norte-americano responsável pela
introdução da administração científica na gestão do trabalho, vê no salário por peça um
importante instrumento de aumento da produtividade do trabalho.
Frederick Taylor (1919) já previa na sua metodologia um sistema de pagamento por
quantidade produzida ou vendida e de acordo com o rendimento individual. O engenheiro
defendia que o salário de cada operário fosse aumentado proporcionalmente ao rendimento
e, ainda, ao perfeito acabamento do serviço. O objetivo era selecionar trabalhadores mais
eficientes, encurtar o tempo de realização de cada trabalho, estudar o tempo exato utilizado
para executar cada trabalho, estabelecer um sistema de recompensas para estimular a
ambição e iniciativa dos trabalhadores, eliminar movimentos falsos, lentos ou inúteis e
estudar os motivos que influenciam os trabalhadores a aumentar sua carga de trabalho
(TAYLOR, 1919).
Taylor (1919) defende também que a recompensa sobre o trabalho executado seja
feita no dia trabalhado, o que no trabalho em plataforma digital - no qual essa forma de
remuneração se apresenta no seu aspecto puro - é feito a cada entrega realizada:
Para que resulte efetiva em estimular as pessoas para que façam o melhor trabalho
que possam, toda recompensa tem que chegar pouco depois de que o trabalho
tenha acabado. São muito poucas as pessoas que contemplam um futuro além de
uma semana ou quiçá de um mês, quanto mais que trabalhem arduamente por uma
recompensa que irão receber ao final desse tempo. Para que faça tudo quanto pode,
50
o trabalhador tem de ser capaz de medir o que fez e de ver claramente sua
recompensa ao final de cada dia (TAYLOR, 1919, p. 86, tradução nossa).
Em um artigo à American Society of Mechanical Engineers denominado “A piece
rate system”, Taylor afirma que o sistema de salário por peça possui as seguintes vantagens:
É de interesse comum tanto da administração quanto dos homens cooperar em
todos os sentidos, de forma a produzir a cada dia a máxima quantidade e melhor
qualidade de trabalho; O sistema é rápido, enquanto outros sistemas são lentos,
para atingir o máximo da produtividade de cada máquina e homem; Ele seleciona
e atrai automaticamente os melhores homens para cada classe de trabalho
(TAYLOR, 1896, p. 2, tradução nossa).
No entanto, prevaleceu, durante o regime taylorista-fordista, a hegemonia da jornada
de trabalho de oito horas semanais. Conforme afirma Dal Rosso (2017):
Durante o regime fordista de organização do trabalho, os tempos foram regulados
por lei na maioria dos casos ou acordados por negociações e contratações, tendo o
trabalhador atingido sua melhor condição com um padrão de trabalho de quarenta
horas semanais distribuídas de forma invariável durante os cinco dias da semana
(DAL ROSSO, 2017, p. 63).
Esse período também foi caracterizado como de importantes lutas dos trabalhadores
que ampliaram direitos e solidificaram conquistas. Nos anos do fordismo-taylorismo
vigorava um relativo crescimento econômico e, talvez por isso o salário por peça não fosse
predominante, não sendo um instrumento interessante para os capitalistas naquele momento,
tendo em vista ainda que os movimentos grevistas mantinham os trabalhadores na ofensiva
na luta de classes, impedindo o rebaixamento dos salários e a perda de direitos. O salário por
peça se torna bastante útil no período em que o toyotismo é introduzido como método de
gestão e organização do trabalho, um momento de crise do sistema capitalista, permitindo
ao capitalista utilizar a mão de obra nos momentos em que lhe convém, rebaixar os salários
e incentivar os trabalhadores a prolongar sua jornada de trabalho de forma a aumentar seu
salário individual, aumentando a extração de mais valia, em um contexto também de
retrocesso do poder sindical. Diversos autores também identificam elementos do salário por
peça de forma evidente no Sistema Toyota de Produção, que passa a vigorar nos anos 1970
em diante.
O regime de produção toyotista é introduzido nos países subdesenvolvidos nos anos
1990. No Brasil, Juliana Colli (1998) defende que os efeitos nefastos da reestruturação
produtiva ou Toyotismo nas condições de vida e trabalho da classe trabalhadora estão
relacionados à reintrodução do que ela denomina “lógica do salário por peça”:
51
A lógica do salário por peça está presente nas indústrias que implantam técnicas
do ‘modelo japonês’ ou do ‘Toyotismo’, forçadas a isso pelas mudanças nos
padrões de competitividade e qualidade, mas também na extensa rede de serviços
e de subcontratações. Podemos então deduzir que, tanto dentro como fora da
indústria, existe algo desta lógica em comum que se baseia na relação salarial
individualizada e mensurada pela produtividade (pelo número de peças
produzidas) (COLLI, 1998, p. 78).
Ademais,
O controle de qualidade feito pelo próprio trabalhador, agregado ao aumento da
produtividade em equipe, à maior autonomia no trabalho, e o aumento do salário
relacionado ao aumento da produtividade, isto é, de acordo com o aumento no
número de peças produzidas em equipe, traduzem em poucas linhas uma
similaridade muito grande entre esta forma de organização com as formas
pretéritas de organização do trabalho (COLLI, 1998, p. 77).
Como é possível perceber, a perspectiva de Colli (1998) corrobora com a hipótese
desse trabalho. O salário por peça foi reintroduzido sob o Toyotismo, de forma mesclada
com o regime salarial por tempo. Há uma evolução da forma de remuneração no sentido do
seu retrocesso à remuneração por peça e por hora, que eram formas de remuneração
existentes já no século XV, período marcado pelo início da organização do trabalho e da
própria transição para o capitalismo como modo de produção.
Portella e Narloch (2013) analisam que, sob essas formas de organização do trabalho,
o pagamento do trabalhador é mensal, mas fica condicionado às metas individualizadas de
produtividade, expressas nas comissões, bônus e na participação nos lucros e resultados. Isso
leva, também, à maior captura da subjetividade dos trabalhadores, à emulação do trabalho e
à concorrência entre eles, assim como no salário por peça. O salário individualizado aparece
como correspondente ao esforço empreendido de cada trabalhador e o não alcance da meta
passa a ser sinônimo de fracasso pessoal.
Podemos listar alguns elementos que tornam visível a mudança de uma forma de
remuneração para outra, a partir do método empregado pelo Toyotismo. Esses aspectos da
subjetividade do trabalhador foram abordados nas perguntas do nosso questionário aplicado
aos trabalhadores de entrega em plataformas digitais.
2.5.1 Autocontrole, concorrência e emulação entre os trabalhadores
52
Conforme analisam as autoras, a ideia do “cliente interno” do Sistema Toyota de
Produção potencializa o autocontrole dos e entre os trabalhadores. De acordo com essa
concepção, cada unidade produtiva é fornecedora da cadeia seguinte de produção, ou seja, a
unidade produtiva sucessora é consumidora do resultado do trabalho da unidade produtiva
fornecedora. Assim, a cobrança por perfeição e pontualidade é constante, tendo em vista que
a produção de uma determinada unidade e, consequentemente, a sua remuneração variável,
depende do trabalho exercido pelas demais. O empregado autoimpõe um ritmo intenso de
trabalho e um determinado patamar de produtividade, “‘somos todos chefes’: eis o lema do
trabalho em equipe sob o Toyotismo” (ALVES, 2011, p. 125).
A coerção se transfigura na meta. De forma cada vez mais sistemática, os empregados
tornam-se responsáveis pelo seu trabalho, pela sua produtividade. Nesse caso, a experiência
subjetiva é de liberdade e de autocontrole (CAMPINHO, 2009). Assim como no salário por
peça, esse sistema torna supérfluo o trabalho de supervisão e fornece a sensação de
autocontrole:
A Toyota trabalha com grupos de oito trabalhadores...Se apenas um deles falha, o
grupo perde o aumento, portanto este último garante a produtividade assumindo o
papel que antes era da chefia. O mesmo tipo de controle é feito sobre o
absenteísmo (WATANABE, 1993 apud ANTUNES, 2002, p. 37).
2.5.2 Salário mensurado pela produtividade individual
Outro aspecto primordial desse modo de produção e que contém elementos muito
característicos do salário por peça é a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) 21. No que
diz respeito ao Brasil, conforme analisam Portella e Narloch (2013), embora os primeiros
projetos referentes à introdução da Participação nos Lucros e Resultados datem de 1919,
esse instrumento só foi regulamentado na Medida Provisória nº 794, de 1994. Essa demora
se deu em virtude de que os capitalistas receavam que a medida estivesse vinculada à
necessidade de divulgação dos seus lucros e à intromissão dos operários no cálculo dos
balanços (CAMPINHO, 2009). No entanto, como se verificou, os acordos firmados entre as
empresas e os trabalhadores privilegiaram a participação nos resultados e não nos lucros.
Em 1988, a Constituição incluiu a Participação nos Lucros e Resultados, associada
ao alcance de metas. Essas metas são associadas a um padrão alto de produção, mensuradas
21Conforme
demonstram Pina e Stotz, a participação nos lucros e o banco de horas promovem aumento da
intensidade do trabalho, prolongamento da jornada e maior desgaste operário (STOTZ; PINA, 2011).
53
com escalas arbitrárias, além da capacidade do trabalhador médio, gerando sentimento de
derrota e fracasso e até a cogitação de suicídio entre aqueles que fracassam. Nesse sistema
de organização do trabalho, conforme analisa Ramos Filho (2012), as metas são montadas
umas em oposição às outras para evitar que sejam atingidas, como, por exemplo, a meta de
atendimento ao cliente em oposição à meta de redução de despesas indiretas (RAMOS
FILHO, 2012).
Nesse sentido, conforme analisa Manzano (2004), a ampla maioria dos acordos
firmados entre as empresas e trabalhadores, a partir de 1996, no Brasil, implantaram a
Participação nos Lucros e Resultados. A esmagadora maioria dos acordos firmados então
vinculam parte do rendimento dos trabalhadores à participação nos resultados, o que gera
insegurança de renda, estimula a concorrência, a vigilância e autoemulação entre os próprios
trabalhadores, porque a PLR está condicionada também à assiduidade e desempenho desses.
Uma vez que o salário está vinculado à produção do grupo, o integrante menos produtivo ou
que se ausente com frequência se torna um problema para os colegas da sua equipe, o que se
transforma em uma forma de vigilância e controle do trabalho, conforme visto acima. O
pagamento é feito, geralmente, em duas parcelas, sendo a segunda vinculada ao
cumprimento das metas, que pode ser em grupo ou individual. Em 1999, 84,1% dos acordos
vinculavam seu pagamento às metas estabelecidas, tais como volume de produção,
qualidade, absenteísmo e satisfação do cliente (MANZANO, 2004). Manzano (2004)
enfatiza que a PLR é uma alternativa à remuneração fixa.
Entre 1996 e 2018, segundo Krein e Oliveira (2019), o salário dos bancários que
exerciam a função de caixa de banco foi sendo cada vez mais composto por remuneração
variável. Se em 1996 a remuneração fixa direta representava 67,7% da remuneração total, a
fixa indireta 26,9% e a remuneração variável 5,4%, esses percentuais se alteram
progressivamente ao longo dos anos chegando em 2018 em 59,0%, 24,5% e 16,4%,
respectivamente. Os autores enfatizam que se considerou apenas a PLR para esses cálculos,
tendo sido excluídas outras formas de remuneração variável, ou seja, o percentual é maior
ainda.
É possível identificar características do salário por peça ainda no pagamento das
comissões ou bônus por produtividade: “parcelas contraprestativas pagas pelo empregador
ao empregado em decorrência de uma produção alcançada pelo obreiro no contexto do
contrato, calculando-se, variavelmente, em contrapartida a essa produção” (DELGADO,
54
2008, p. 744). Esse sistema pode ser puro, quando a comissão é a remuneração exclusiva do
trabalhador, ou pode ser misto, associada a um salário fixo. No caso brasileiro, têm-se na
legislação desde 1957, o pagamento por comissões22, outra forma de remuneração variável
para os empregados vendedores, viajantes ou pracistas. Os comissionados, no entanto, são
amparados pela garantia de pelo menos um salário-mínimo23. Outra modalidade é a
concessão de prêmios vinculados ao alcance de determinados índices de produção, como
ocorre com os entregadores em plataforma digital, que possuem metas e um sistema de
pontuação, conforme será visto a seguir.
2.5.3 Banco de horas e prolongamento da jornada
A introdução do banco de horas como forma de modulação da jornada, outro
mecanismo que caracteriza essa reintrodução do salário por peça, foi negociada antes da
reforma trabalhista de 2017, apesar da lei nº 9.601/98 não prever alteração na extensão da
jornada de trabalho semanal. Com o banco de horas, a jornada de trabalho no Brasil foi
autorizada ao máximo de 56 horas semanais. Com essa medida, conforme afirma Manzano
(2004), “os trabalhadores não têm absoluta segurança com relação a seus horários (de
trabalho e não-trabalho). As empresas adquiriram um poder de convocá-los, mesmo fora do
seu horário normal de trabalho, para uma jornada extra, compensável no banco de horas”
(MANZANO, 2004, p. 102). O mesmo ocorre com os trabalhadores em plataforma digital
estimulados a realizar mais entregas em menos tempo e a prolongar sua jornada de trabalho,
a fim de auferir maior remuneração.
Segundo Dal Rosso (2017), o banco de horas possibilita um grau de adaptação
extraordinário às necessidades das empresas, levando à exploração ainda maior da força de
trabalho. Conforme sinaliza o autor, as horas extras foram introduzidas no Brasil no começo
da legislação trabalhista, entre os anos de 1930 e 1940.
2.5.4 Rede de subcontratações
Outro aspecto apontado pela literatura sobre salário por peça são a introdução de
intermediários que subalugam o trabalho. Esse é o caso da terceirização.
22
23
Previsto no art. 457, § 1º da CLT e na Lei 3.207/57 (BRASIL, 1943; BRASIL, 1957).
Art. 7, VII da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
55
Desde os anos 1990, a terceirização tem sido colocada em prática no Brasil pela
jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (BIONDI, 2020). Estabeleceu-se, pela
súmula nº 33124, uma divisão entre atividade-meio e atividade-fim nas empresas e a
legalização da terceirização das atividades-meio, compreendendo serviços de vigilância,
limpeza e conservação (BIONDI, 2020). Com a Lei nº 13.429/17, que introduziu a reforma
trabalhista de 2017, a terceirização se tornou irrestrita, atingindo até mesmo as atividadesfim (MAIOR, 2017b).
Estudos recentes (FIGUEIRAS; ARAÚJO; CAVALCANTE, 2015; CUT; DIEESE,
2014) demonstram a estreita vinculação desse tipo de contratação com o trabalho análogo
ao escravo, com redução dos salários (em média 30% menor) e com jornadas excessivamente
longas (em média em três horas a mais que os demais trabalhadores). Além disso, muitos
trabalhadores terceirizados são remunerados pelo que se convencionou chamar de “trabalho
por empreitada” - uma forma de salário por peça - e sem registro em carteira (DRUCK;
DUTRA; SILVA, 2019). No trabalho em plataformas digitais, as próprias plataformas são
intermediárias e há, ainda, a introdução da categoria “Operador Logístico”, uma subsidiária
do iFood, configurando uma quarteirização, conforme será visto adiante. Cumpre ressaltar
que as subcontratações têm sido feitas também por federações e centrais sindicais.
2.6 A tendência à abolição da jornada de trabalho de oito horas diárias
Diversos autores (FILGUEIRAS; LIMA; SOUZA, 2019; KREIN; OLIVEIRA,
2019; CARVALHO, 2017; DUBAL, 2020) observam uma tendência à polarização da
jornada de trabalho. Em resumo, há o crescimento do número daqueles que trabalham até 14
horas semanais e dos que trabalham mais de 48 horas semanais e uma diminuição das
jornadas padrão compreendida entre 40 e 44 horas semanais.
Esse fato também foi confirmado pela nossa pesquisa em questionário aplicado com
os entregadores em plataformas digitais, conforme será visto adiante. Há, portanto, os
subocupados por horas insuficientes de trabalho, o que impede o alcance de uma renda
mínima para a sua própria sobrevivência - e isso é particularmente visível no trabalho
A Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho trata da legalidade do contrato de prestação de serviço e
estabelece no seu artigo III: “Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de
vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados
ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta” (TST,
2020).
24
56
intermitente, forma de remuneração por hora - e há aqueles que trabalham mais de 48 horas
semanais, ou seja, realizam um trabalho excessivamente longo, necessário para auferir uma
renda que lhes permita sobreviver. Tal fenômeno é particularmente visível no trabalho em
plataformas digitais.
Como fenômeno histórico, confirma-se o apontado por Marx com relação às formas
de remuneração por peça e por hora que rompem a conexão entre o trabalho pago e não pago
e permitem uma combinação entre trabalho excessivo e uma desocupação relativa ou
absoluta da força de trabalho, de acordo com a conveniência dos capitalistas. Isso sugere a
possibilidade de uma tendência à abolição da jornada de trabalho de 8 horas diárias. Sendo
parte do mesmo fenômeno, a plataforma digital amplia a intermitência, com o uso dos
algoritmos e da tecnologia, que permite gerir a mão de obra em qualquer país do mundo,
tendo surgido com mais força após a crise de 2008 (GIG - A Uberização do Trabalho, 2019).
Assim como a limitação da jornada de trabalho teve como precedente as lutas dos
trabalhadores por melhores condições de vida e trabalho, a tendência à abolição da jornada
de trabalho de 8 horas diárias é acompanhada de um histórico de retrocesso do poder sindical.
Em todos os países do mundo, este período que antecede o ressurgimento dessas formas de
remuneração é caracterizado por um enorme retrocesso do poder sindical. Na Europa
(ESTANQUE, 2003), América Latina (MARCELINO;GALVÃO, 2020), Estados Unidos
(RHOMBERG, 2020) e Japão (RODRIGUES, 1998), essa tendência se apresenta e a sua
característica mais aguda é a “dessindicalização” (RODRIGUES, 1998).
Partindo do método adotado por este trabalho, o materialismo dialético, é preciso
examinar os fenômenos em todas as suas particularidades, estudar a sua forma no processo
de transformação interna, estudá-lo nas suas origens, verificar a direção do movimento que
leva ao seu próprio fim e a sua substituição por outro fenômeno. Se o salário por peça e por
hora passa ser a remuneração de um contingente expressivo da classe trabalhadora mundial,
na atualidade, os seus elementos já existiam nos regimes salariais que o antecederam.
Do ponto de vista histórico e econômico, é possível concluir, a partir dos elementos
deste capítulo, que o ressurgimento do salário por peça e por hora, sem a noção de uma
jornada de trabalho, está vinculado à necessidade do capital de responder às suas próprias
crises e, portanto, à necessidade de redução do custo da força de trabalho, ou seja, de
aumentar ainda mais a extração de mais valia e, assim, a exploração dos trabalhadores, e às
dificuldades deles em resistir a essa ofensiva.
57
As reformas trabalhistas que ocorreram em 110 países em todo o mundo após a crise
de 2008 (ADASCALITEI; MORANO, 2015), conforme será visto no capítulo seguinte,
foram o salto de qualidade, ou seja, o mecanismo legal que possibilitou a generalização dos
contratos de trabalho precários, prevendo, no aparato jurídico desses países, a existência
dessas formas de remuneração por hora, sem estar baseada em uma jornada de trabalho, e
por peça. Essa transição de uma forma de remuneração a outra está impactando o mercado
de trabalho brasileiro, conforme será visto no Capítulo 3.
58
CAPÍTULO 3 - O SALTO DE QUALIDADE: AS REFORMAS
TRABALHISTAS
Conforme afirma Marx (2008), as mudanças na legislação expressam mudanças nas
relações de produção na sociedade, ou seja, refletem alterações econômicas significativas.
Na produção social da própria existência, os homens entram em relações
determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de
produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas
forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção
correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças
produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura
econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura
jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de
consciência (MARX, 2008b, p. 47).
Nesse sentido, entende-se que as reformas trabalhistas sinalizam o aspecto legal, ou
seja, formal, da transição que estamos presenciando no mundo do trabalho. Ao oferecer um
instrumento jurídico que autoriza a sua generalização para amplas camadas da população
economicamente ativa, a reforma é o salto de qualidade, que permite que a transição de uma
forma de remuneração para a outra se amplie. Ao mesmo tempo, por ser parte da
superestrutura política e jurídica, são expressas de um fenômeno que já se processa no
âmbito da estrutura econômica da sociedade. Isso se trata de um salto, porque sinaliza para
uma mudança abrupta, uma mudança de qualidade nas relações de trabalho, fruto de
alterações graduais e quantitativas que foram sendo realizadas ao longo de muitos anos. Essa
é uma mudança de qualidade, porque se trata de uma alteração significativa na forma de
remuneração e nas relações de trabalho, que passa a compor o quadro institucional-legal do
país.
Com a crise de 2008, a flexibilidade das horas de trabalho ganhou ainda maior
impulso (DAL ROSSO, 2017). Os países iniciaram programas duros de austeridade, que
implicaram em cortes drásticos de receitas e ataques aos direitos conquistados pelos
trabalhadores. Do ponto de vista legal, viu-se a adoção de reformas trabalhistas por todo o
mundo, tendo como eixo central a flexibilidade da jornada de trabalho e a ampliação de
formas de trabalho precárias (DRUCK; DUTRA; SILVA, 2019).
Segundo estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), após 2008, 110
países passaram por alterações relacionadas à legislação trabalhista. Do total das reformas,
59
56% delas diminuíram os níveis de proteção ao emprego, 74% alteraram a jornada de
trabalho, 65% dispuseram sobre contratos de trabalho temporário, 62% abordaram
demissões coletivas, 59% reduziram contratos permanentes, 46% incidiram sobre as
negociações coletivas e 28% incluíram formas de emprego atípicas (ADASCALITEI;
MORANO, 2015).
Conforme panorama feito por Maria Ivone Laraia (2018), Itália, Espanha, Alemanha
e Reino Unido realizaram reformas no sentido da adoção de contratos de trabalhos precários,
legalizando essas formas de contratação. Na Itália, em 2015, 38% dos contratos de trabalho
criados foram em tempo parcial e, daqueles em tempo integral, 65% deles foram realizados
com duração determinada. Na Espanha, que passou por oito reformas trabalhistas, o contrato
autônomo e o trabalho em tempo parcial passaram a ser utilizados em larga escala. Na
Alemanha, mais de 60% dos empregos criados entre 2000 e 2015 são de contratos atípicos,
tendo destaque os contratos temporários, de prazo fixo ou em tempo parcial. No Reino
Unido, após a crise de 2008, dos 2,07 milhões de empregos criados, entre 2008 e 2017, quase
50% eram contratos autônomos e 30% contratos “zero hora”. Em outras palavras, 80% dos
empregos criados no período foram de formas de contrato atípicos (LARAIA, 2018).
A autora comenta ainda os casos do Chile e México. A reforma trabalhista chilena
permitiu a flexibilidade da jornada de trabalho, alterando uma jornada que antes era de 45
horas semanais, para a possibilidade de uma escala de trabalho de 4 dias, com 3 dias de folga
na semana, limitado a 12 horas por dia, com intervalo para refeição e descanso de uma hora
quando a jornada ultrapassar 10 horas. Paralelamente, foi flexibilizada também a forma de
remuneração. Permitiu-se a introdução da remuneração por resultados, como número de
peças ou comissões, sendo garantido apenas um salário-mínimo. Ademais, houve o
reconhecimento dos contratos em regime de tempo parcial.
O México alterou, com a reforma trabalhista de 2012, cerca de 38 modalidades e
figuras trabalhistas da sua legislação, adotando novos tipos de contrato e novos critérios para
preenchimento de vagas e progressão no emprego, tais como adequação às tarefas diversas
e à produtividade, a atribuição de tarefas complementares à tarefa principal exercida pelo
trabalhador, a regulamentação da terceirização e da subcontratação. Também foi introduzido
no país, a partir da reforma trabalhista, o salário por hora (LARAIA, 2018).
Cardoso e Azaïs (2019) confirmam que a mesma tendência de flexibilização das
formas de contrato de trabalho ou de uso da força de trabalho se fez presente na reforma
60
trabalhista francesa. Os autores afirmam que, apesar de Brasil e França ocuparem posições
muito diferentes na divisão internacional do trabalho, os motivos alegados pelos
reformadores nos dois países foram muito semelhantes, dentre eles, a suposta modernização
das relações de trabalho, a geração de empregos, o crescimento econômico e a melhoria na
renda dos trabalhadores - o que não se vê na prática. Os meios para atingir esses falsos
benefícios aos trabalhadores, que teriam sido introduzidos com as reformas trabalhistas, são
também parecidos em ambos os países: redução dos custos de demissão, redução de direitos
previstos em lei, individualização das relações contratuais, formas de trabalho precárias e
instáveis e diminuição do poder dos sindicatos nas negociações trabalhistas. Os autores
apontam que, apesar da França ainda estar muito distante do Brasil no que diz respeito ao
contingente de pessoas na informalidade, houve, com a reforma, o crescimento dos contratos
por prazo determinado e por tempo parcial (CARDOSO; AZAÏS, 2019).
Filgueiras, Lima e Souza (2019) também confirmam a tendência de que as reformas
trabalhistas tiveram como resultado, dentre outros, o crescimento de contratos precários e
uma piora nas condições de trabalho dos contatos típicos, uma estagnação ou queda na
remuneração e uma tendência à polarização da jornada de trabalho, particularmente nos
contratos atípicos. Os autores citaram as reformas na Espanha (2010-2012), França (20162017), México (2012), Reino Unido (1980), Brasil, Alemanha e Coreia do Sul pela
representatividade dessas reformas, pois servem de referência para políticas públicas e
possuem destaque internacional. Por serem países com características econômicas e de
regulação do trabalho heterogêneas, a comparação permite verificar divergências e
convergências nos impactos das reformas. Os autores enfatizam que dos países estudados,
apenas a Coreia do Sul seguiu em sentido oposto ampliando a proteção ao trabalho, a partir
de 2017. As reformas, com exceção da Coreia do Sul, têm como norte facilitar a demissão
de trabalhadores em contratos típicos de trabalho e introdução de novas formas de
contratação.
Filgueiras, Lima e Souza (2019) dividem as formas de contratação adotadas nos
distintos países em cinco: a) o trabalho em regime de tempo parcial, b) o trabalho temporário
e o contrato por prazo determinado, c) o contrato intermitente ou “zero hora”, d) a
terceirização e e) o trabalho autônomo.
O trabalho em tempo parcial possui jornada inferior ao contrato típico. Na Alemanha,
os contratos até 15 horas semanais ou até 30 horas semanais ganharam incentivo a partir de
61
2003 e 2005. A França, em 2017, autorizou esse tipo de modalidade para trabalhos com
duração inferior a 24 horas por semana e, no Brasil, esse tipo de contrato permite uma
jornada de até 30 horas semanais (FILGUEIRAS; LIMA; SOUZA, 2019).
O trabalho temporário e o contrato por prazo determinado se caracterizam por possuir
prazo máximo de duração definido. Essa modalidade de contrato foi vista nas reformas
trabalhistas dos países citados, com exceção da Coreia do Sul, variando apenas o prazo de
renovação dos contratos de duração. No Brasil, o trabalho temporário tinha previsão de
duração máxima de 90 dias e, com a reforma trabalhista, foi incentivado, passando a ter
prazo de contratação de até 180 dias prorrogados por mais 90 dias (FILGUEIRAS; LIMA;
SOUZA, 2019).
O contrato intermitente ou “zero hora” é aquele sem jornada mínima nem
remuneração fixa aos trabalhadores, conforme descrevem os autores:
O Reino Unido adotou tal modelo em 1996, sendo proibida a exclusividade na
prestação de serviços apenas em 2015. Na França, tal contrato foi criado em 2000,
mas dependia de negociação coletiva e era restrito a setores com sazonalidades;
com a reforma de 2016-2017, mesmo sem sazonalidade, passou a ser autorizado
por negociação coletiva ou acordos de empresa e, ao final de 2019, dispensará tais
requisitos. Na Alemanha, o contrato de plantão foi criado em 2003. Na Espanha,
o trabalho intermitente surgiu em 2001, autorizando sua utilização em atividades
de cunho eventual e com base em negociação coletiva. No México (2012) o salário
passa a poder ser fixado por unidade de tempo, e os contratos podem ter
remuneração mínima de um dia de trabalho. No Brasil, a nova redação do §3º do
art. 443 da CLT prevê o contrato intermitente, permitindo a prestação de serviço
de forma descontínua e limitando o pagamento às horas efetivamente trabalhadas
(FILGUEIRAS; LIMA; SOUZA, 2019, p. 236).
No que diz respeito à terceirização ou subcontratação, não se verificou alterações
significativas recentes nos países europeus, segundo os autores, sendo já permitida sua
prática, com autorização para utilização nas atividades meio e fins. Apenas o México e o
Brasil tiveram em sua reforma a permissão da terceirização para as atividades fins. Com
relação ao trabalho autônomo, em todos os países europeus pesquisados foi visto o incentivo
a essa forma de trabalho, com a criação de novos conceitos para essa categoria de
trabalhadores. No Brasil, a reforma retirou a continuidade e a exclusividade do vínculo
empregatício do autônomo. Em todos os casos, o trabalhador passou a ter menos ou nenhum
direito trabalhista. No que diz respeito à remuneração, a tendência foi o corte de parcelas
salariais, como o pagamento de horas extras, ou a redução da remuneração. Nos contratos
atípicos, o objetivo foi eliminar o salário-mínimo obrigatório, permitindo o salário ser zero,
como nos contratos intermitentes e autônomos (FILGUEIRAS; LIMA; SOUZA, 2019). A
62
Coreia do Sul, conforme afirmam os autores, segue em sentido contrário a essa tendência,
com o governo tentando eliminar formas de contratação precária.
Após essa breve explanação sobre as reformas trabalhistas adotadas em diferentes
países no mundo, particularmente, após a crise de 2008, é possível verificar, com exceção
da Coreia do Sul, que houve uma tendência à diminuição sensível dos direitos trabalhistas e
da proteção ao trabalho. Houve a permissão, ainda, de um ponto de vista legal, à adoção por
parte dos empregadores de formas de contratação e remuneração que produzem uma
alteração significativa nas relações de trabalho. Em resumo, as reformas trabalhistas tiveram
o intuito de promover essa transição de uma forma de remuneração a outra, processo que
ainda está em desenvolvimento.
4.1 A reforma trabalhista brasileira
Em 22 de dezembro de 2016, o Poder Executivo submeteu à apreciação do Congresso
Nacional o Projeto de Lei nº 6.787/2016, dispondo sobre inúmeras alterações na CLT –
Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei 5.452/1943). Aprovado em curto espaço de
tempo25, o PL foi transformado na Lei nº 13.467/17, em 13 de julho de 2017, passando a
entrar em vigor a partir de 11 de novembro daquele ano, menos de um ano após sua
propositura ao Parlamento.
Na Câmara dos Deputados, dos 473 deputados federais, 296 votaram a favor e 177
votaram contra. Somente oito partidos orientaram seus deputados a votar contra a reforma,
foram eles: PT, PDT, Psol, PCdoB, Rede, PSB, SD e PMB. O PHS não orientou seus
deputados e os demais partidos (DEM, PEN, PMDB, PP, PPS, PR, PRB, PROS, PSD, PRP,
PSC, PSDB, PSL, PTB, PTdoB, PTN e PV) apoiaram a reforma. No Senado Federal, os
senadores, com algumas exceções, acompanharam a orientação dos seus partidos. Foram 50
votos a favor, 25 contra e 1 abstenção.
Com esse novo arcabouço legal, grandes mudanças foram realizadas, tendo sido
alterado significativamente o paradigma constitucional de proteção ao trabalho (MAIOR,
A Comissão Especial para tratar da matéria foi criada em 7 de fevereiro de 2017 e em menos de 3 meses de
discussão, a Câmara dos Deputados conclui a votação, remetendo o texto para a apreciação do Senado Federal
em 28 de abril de 2017. Em 12 de junho de 2017, o Senado encaminhou a matéria para sanção presidencial,
sem promover alterações no texto e, após, pouco mais de um mês de discussão. Em outras palavras, em pouco
mais de quatro meses, o Congresso Nacional aprovou mudanças em mais de 100 artigos da CLT, criada em
1943 (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016; SENADO FEDERAL, 2017).
25
63
2017a). Conforme afirmam Dal Rosso, Azevedo, Fernandes, Reses, Bueno, Valente, Gontijo,
Borges, Câmara e Costa: “São propostas que jogam no chão conquistas feitas pelos
trabalhadores durante séculos de lutas, no Brasil e pelo mundo. São mudanças estruturais e
não apenas passageiras” (DAL ROSSO et al, 2020).
Destacamos a seguir algumas das principais inovações aprovadas na reforma
trabalhista mais relacionadas aos assuntos abordados nesta dissertação, com base na
literatura pesquisada. A reforma trabalhista permitiu a possibilidade da negociação direta
entre empregado e patrão, o chamado acordo individual de trabalho, numa demonstração que
se trata de uma ofensiva do capital contra o trabalho, já que representa um questionamento
à própria essência do direito do trabalho, que entende a relação entre patrão e empregado
como fundamentalmente desigual, residindo a força dele na ação coletiva (DRUCK;
DUTRA; SILVA, 2019).
Além disso, a reforma permitiu que os acordos coletivos tenham prevalência sobre a
lei e sejam voltados a permitir a flexibilização da jornada de trabalho e das formas de
remuneração (CARVALHO, 2017).
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência
sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de
trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III –
intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornada
superior a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que
trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos, salários e
funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como
identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI –
regulamento empresarial; VII – representante dos trabalhadores no local de
trabalho; VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX –
remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado,
e remuneração por desempenho individual; X – modalidade de registro de jornada
de trabalho; XI – troca do dia de feriado; XII – enquadramento do grau de
insalubridade; XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença
prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV – prêmios de
incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de
incentivo; XV – participação nos lucros ou resultados da empresa (BRASIL,
2017).
Destacamos os itens II – banco de horas anual e III – intervalo intrajornada,
respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornada superior a seis horas, que permitem
uso do banco de horas para flexibilização das jornadas e a redução do intervalo em jornadas
de mais de seis horas de uma para meia hora e ainda o item XIII, que admite possibilidade
de prorrogação da jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades do
Ministério do Trabalho. Tudo isso incide na flexibilização das jornadas de trabalho.
64
No que diz respeito à flexibilização das formas de remuneração, vê-se que os itens V
– plano de cargos e salários compatíveis com a condição pessoal do empregado, VIII –
teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente, IX – remuneração por
produtividade e remuneração por desempenho individual e XIV prêmios de incentivo em
bens ou serviços e XV – participação nos lucros ou resultados da empresa buscam promover
elementos que configuram uma transição de uma forma de remuneração para outra. Permitese que sejam amplamente negociados planos de cargos e salários, com o salário mensal sendo
substituído por modalidade de contrato em que o pagamento é por hora, pagamento por
prêmios e bens ou serviços e pagamento individualizado de acordo com desempenho (metas
atingidas ou seja remuneração variável).
Segundo Perossi (2017), em 2016, o componente variável do rendimento anual do
trabalhador brasileiro em 213 empresas médias e grandes estava em torno de 10% e os
benefícios sociais em torno de 20%, ou seja, conclui o autor, 30% da remuneração dos
trabalhadores brasileiros deixou de ser composta por salário fixo e direto (PEROSSI, 2017).
Tal tendência se aprofunda no pós-reforma trabalhista.
Krein e Oliveira (2019) também afirmam que a reforma estimula a remuneração
variável, pela Participação nos Lucros e Resultados e do pagamento de prêmios, com a
finalidade de vincular a remuneração às oscilações da atividade econômica e ao desempenho
dos trabalhadores. Essa tendência de maior participação da remuneração variável no salário
passou a ter maior expressão a partir da segunda metade dos anos 1990, como visto
anteriormente. A remuneração variável apresenta efeitos negativos sobre a saúde dos
trabalhadores, dada a pressão por resultados, e tende a gerar concorrência entre os
trabalhadores e quebra de solidariedade (KREIN, 2013).
Parte fundamental da reforma trabalhista brasileira é voltada a permitir o
prolongamento da jornada de trabalho e a intensificação do trabalho, muito embora a
legislação brasileira já permitisse flutuações no nível de emprego e salário a depender do
ciclo econômico. A reforma intensificou a flexibilidade dos empregadores na gestão da mãode-obra sob o pretexto de promover a criação de empregos. Esses aspectos podem ser
observados no artigo 59-A que, dentre outras coisas: estende o banco de horas para todos os
trabalhadores, sem necessidade da sua previsão em acordo coletivo; legaliza a jornada 1236 (doze horas consecutivas de trabalho seguidas de trinta e seis de repouso) para qualquer
trabalhador; busca reduzir o pagamento de horas extras em jornadas não compensadas e
65
ainda busca evitar que a Justiça do Trabalho interprete o uso recorrente de horas extras em
acordos sobre banco de horas, com vistas a burlar os limites constitucionais da jornada de
trabalho e desconsidera como tempo de jornada o deslocamento para o trabalho quando
fornecido pelo empregador e amplia o regime de tempo parcial (CARVALHO, 2017).
Ainda no que diz respeito à flexibilização da forma de remuneração, o artigo 457
retira os abonos pagos pelo empregador e as diárias de viagens do cálculo do salário do texto
original. Antes da reforma a redação deste parágrafo era: “§ 1º Integram o salário não só a
importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações
ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador” (BRASIL, 2017).
Após a aprovação da reforma, temos a seguinte redação para o dispositivo:
§ 1º Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as
comissões pagas pelo empregador (Brasil, 2017).
§ 2o As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílioalimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e
abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato
de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e
previdenciário (Brasil, 2017).
O artigo 461 ainda modifica as normas sobre a necessidade de salário igual por igual
função, permitindo que a remuneração seja alterada conforme as características ou o
empenho dos trabalhadores.
Cumpre ressaltar que a lei foi aprovada em um contexto de desemprego estrutural no
qual o número de pessoas sem trabalho supera aqueles com carteira assinada (CASTILHO,
2020) e com crescimento exponencial do número de trabalhadores informais 26. Conforme
afirmam alguns autores (KREIN; OLIVEIRA, 2019; CARVALHO, 2017), espera-se, após a
reforma trabalhista brasileira: a) que a regulamentação do tempo de trabalho se torne aspecto
primordial a ser afirmado nas negociações coletivas e disputas entre o capital e o trabalho;
b) uma interrupção da progressiva queda da jornada média e da concentração dos ocupados
em uma jornada padrão, perspectiva que vinha se impondo desde o início dos anos 2000 e
c) uma polarização da jornada de trabalho, com crescimento do número daqueles que
trabalham até 14 horas semanais e dos que trabalham mais de 48 horas semanais. Conforme
26
No ano de 2019, o número de trabalhadores informais chegou a 41,4%, o maior índice se considerada a série
histórica iniciada em 2012 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (NERY, 2020).
66
será visto adiante, os dados da Rais captados neste trabalho confirmam essa tendência, com
as horas semanais dos trabalhadores celetistas por prazo indeterminado tendo decrescido de
42,44 horas semanais em 2009 para 41,24 em 2019. No que diz respeito à polarização da
jornada, essa tendência também foi confirmada no questionário aplicado com entregadores
em plataformas digitais, o que também será visto adiante.
Essa polarização revela, por um lado, um aumento dos subocupados por horas
insuficientes de trabalho e, por outro, a necessidade de as pessoas buscarem mais de um
contrato de trabalho. O aumento da jornada acima de 49 horas semanais afeta aqueles que
possuem menor remuneração e aqueles que estão em ocupações socialmente mais
valorizadas. Esse é um aspecto estimulado pela reforma trabalhista ao permitir maior
liberdade de negociação coletiva e individual da jornada de trabalho (KREIN; OLIVEIRA,
2019).
A reforma permite a terceirização irrestrita e a demissão coletiva sem a participação
dos sindicatos. Nesse sentido, segundo Carvalho (2017), as perspectivas para o mercado de
trabalho brasileiro são de aumento da formalização de trabalhos precários e precarização dos
trabalhos formais. Com o enfraquecimento do poder de barganha dos sindicatos, espera-se
uma ampliação das desigualdades, com apropriação maior do excedente pelos
empregadores, e aumento das desigualdades de rendimentos naqueles setores que possuem
maior número de trabalhadores terceirizados, autônomos e intermitentes e nos quais é mais
difícil a organização sindical.
A tendência com a reforma trabalhista é que o emprego e o salário ficarão ainda mais
suscetíveis a sofrer os impactos das flutuações econômicas e sujeitos a sofrer tais impactos
mais rapidamente (BRANCO; MIEBACH, 2018). Com a reforma, as empresas passaram a
dispor de maior liberdade para ajustar a remuneração dos trabalhadores de acordo com os
ciclos econômicos - algo que já acontecia antes da reforma trabalhista, mas é intensificado
com essa -, o que tende a um forte rebaixamento dos salários em contexto de crise
prolongada, como a atual, conforme afirmam Krein e Oliveira (2019). A reforma trabalhista
favorece uma ampliação dos contratos de trabalho frágeis e a transferência para os
trabalhadores de todo e qualquer ônus da flexibilidade e do risco (LIMA; BRIDI, 2019).
Gimenez e Santos afirmam que a reforma proporciona maior liberdade para as
empresas na gestão da força de trabalho, ampliando os seus poderes para manejar a utilização
do trabalho de acordo apenas com as suas necessidades, nos elementos centrais da relação
67
de emprego: modalidades de contratação, remuneração do trabalho e sua jornada (SANTOS;
GIMMENEZ, 2018).
Krein e Oliveira (2019) afirmam que a introdução da flexibilização da jornada e da
remuneração têm início nos anos 1990 no Brasil e que a reforma trabalhista legalizou uma
série de práticas que já existiam no mercado de trabalho e ampliou a liberdade dos
empregadores em determinarem unilateralmente as condições de contratação, uso e
remuneração do trabalho como o contrato por prazo determinado (Lei 9.601/98), o contrato
parcial e a terceirização na atividade meio no setor privado (Súmula 331/93). Há, também,
a partir da reforma trabalhista, o avanço da terceirização, da subocupação, do trabalho por
conta própria, do trabalho autônomo, da pejotização e da informalidade.
No que diz respeito à amplitude da terceirização, estudo do Dieese/CUT (2014)
estimou, com base nos dados da Rais, a existência de 12,5 milhões de terceirizados com
vínculos formais em 2013, representando 26,8% dos trabalhadores com carteira assinada do
país, naquele ano. Segundo os autores, pesquisa do Centro de Estudos Sindicais e de
Economia do Trabalho (CESIT) mostra também o crescimento expressivo dos trabalhadores
terceirizados entre 1994 e 2014, em que a sua proporção passou de 5,6% para 25% do total
de empregos formais.
A seguir serão analisados os dados da Rais e Novo Caged com relação ao estoque e
saldo de empregos formais no país. É feita uma análise do comportamento do mercado de
trabalho brasileiro a partir dos dados da Rais para o período de 2009 a 2019 27, uma análise
da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para o mesmo período, a partir de
dados do IBGE, e uma análise da evolução dos empregos formais e das variáveis: horas
Utilizamos os dados da RAIS até o ano base de 2019, tendo em vista que os dados do ano base 2020 somente
estarão disponíveis em outubro do corrente ano. A Portaria da Secretaria Especial da Previdência e Trabalho –
SEPRT, nº 1.127, de 14 de outubro de 2019, do Ministério da Economia, definiu as datas e condições nas quais
as obrigações de prestação de informações pelo empregador nos sistemas CAGED e RAIS serão substituídas
pelo eSocial, a partir do ano-base 2019, processo que ainda está em transição. O Sistema de Escrituração Digital
das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) foi instituído pelo Decreto nº 8.373, de 11 de
dezembro de 2014, com o objetivo de unificar e simplificar a prestação de informações relativas a trabalhadores
e empresas, bem como o cumprimento de obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas. Segundo Nota
Técnica da Secretaria do Trabalho, o volume de movimentações no eSocial, na média, tende a ser superior ao
do Caged, pois o primeiro capta melhor vínculos temporários e inclui empresas que antes eram omissas no
Caged. A geração das estatísticas da RAIS 2019 contou, portanto, com duas fontes de captação de dados, o
eSocial e o GDRAIS (programa usual para declaração da RAIS). Desde janeiro de 2020, empresas pertencentes
aos grupos 1, 2 e 3 foram obrigadas a declarar pelo eSocial as movimentações mensais de admitidos e
desligados, segundo a citada Portaria do Ministério da Economia. Assim, o Novo Caged, implantado em janeiro
de 2020, inclui movimentações do eSocial para empresas do grupo 1, 2 e 3 e do Caged para órgãos públicos e
entidades dos grupos 4, 5 e 6 (BRASIL, 2020a).
27
68
trabalhadas, tempo no emprego, remuneração e tipo de vínculo. Com relação ao Novo Caged
foi analisado o saldo de empregos formais no país por tipo de vínculo para o ano de 2020 e
o primeiro semestre de 2021.
4.2 Comportamento do emprego formal no Brasil de 2009 a 2019
Como afirma Sadi Dal Rosso (2017), a flexibilização das horas de trabalho e das
formas de remuneração ganha maior impulso em períodos de crises econômicas. Para Tonelo
(2020), estamos vivenciando uma nova reestruturação produtiva pós-crise de 2008 e,
segundo o demonstra o documentário “GIG – A Uberização do Trabalho”, de 2019, as
plataformas digitais se expandiram no Brasil nesse contexto pós-2008.
Tendo em vista essa questão, fizemos um recorte de tempo de 2009 a 2019 para
análise das mudanças vivenciadas no mercado de trabalho brasileiro pós-crise de 2008.
Nosso objetivo não é nos aprofundarmos em todos os aspectos que envolvem a trajetória do
emprego formal no Brasil nesse período, mas destacar as características que guardam
interface com nossa proposta de estudo.
Como se trata da análise do mercado formal de trabalho, usaremos a fonte de
estatísticas do trabalho mais completa que dispomos, que é a Relação Anual de Informações
Sociais e, para o período mais recente, utilizaremos os dados do Novo Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados. Enquanto os dados da Rais se referem ao estoque de
emprego em 31 de dezembro de cada ano, o Novo Caged nos permite observar mensalmente
o saldo das admissões e desligamentos efetuados no país e o saldo do emprego gerado a cada
mês. Portanto, as variáveis estudadas nesse trabalho são, com os dados da Rais: tipos de
vínculo de trabalho, horas trabalhadas, remuneração média, tempo no emprego, tipo de
salário e ocupações do trabalho intermitente; e com as informações do Novo Caged: saldo
de emprego, tipo de vínculo, horas trabalhadas e remuneração média.
A Rais é um registro administrativo instituído em 1975, de âmbito nacional,
periodicidade anual e de declaração obrigatória para todos os estabelecimentos do setor
público e privado. Ela se caracteriza por ser fonte de dados para acompanhamento e
caracterização do mercado de trabalho formal no país (BRASIL, 2019).
Os vínculos empregatícios que constam na Rais são: Celetista por prazo
indeterminado (discriminado em quatro categorias, conforme o empregador for pessoa física
ou jurídica ou estar localizado em ambiente urbano ou rural); Estatutário (discriminado em
69
regido pelo Regime Geral de Previdência Social -RGPS e não efetivo); Avulso; Temporário;
Aprendiz contratado; Celetista por prazo determinado (discriminado em quatro categorias,
conforme o empregador for pessoa física ou jurídica ou estar localizado em ambiente urbano
ou rural); Diretor; Contrato por prazo determinado; Contrato por tempo determinado;
Contrato por lei estadual; Contrato por lei municipal e Ignorado.
O Novo Caged, instituído pela Lei nº 4.923/65, é uma fonte de informações de âmbito
nacional e periodicidade mensal, criado como instrumento de acompanhamento e
fiscalização do processo de admissão e dispensa de trabalhadores regidos pela CLT. Esse
instrumento permite avaliar a rotatividade e flutuação da mão de obra. Os vínculos definidos
no Novo Caged são semelhantes à Rais, definidos da seguinte forma: trabalhadores celetistas
por prazo indeterminado e determinado, trabalhadores regidos pelo Estatuto do Trabalhador
Rural (Lei nº 5.889/73), aprendiz (maior que 14 e menor que 24 anos), trabalho em tempo
parcial, intermitente e trabalhadores temporários.
Conforme a literatura nos permite afirmar, existe uma correlação estreita entre a
geração de empregos e o crescimento econômico, ou seja, é possível perceber uma relação
direta entre o baixo dinamismo do mercado de trabalho formal verificado na última década
e o desempenho da economia do país, representado pela taxa anual de crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB), conforme o gráfico abaixo.
Vejamos a seguir a evolução do índice do crescimento anual do PIB para o período
2009 a 2020.
70
Gráfico 1 - Taxa de crescimento anual do PIB em % (2009 a 2020)
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IBGE Contas Nacionais (2021)
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tivemos, entre 2009
e 2019, anos de crescimento econômico alternados com anos de recessão econômica. Em
2009, o PIB brasileiro teve taxa de crescimento negativa (-0,1%), tendo iniciado uma
recuperação entre 2010 e 2013. Essa recuperação é interrompida em 2014, ano que indicava
que uma recessão se avizinhava, com crescimento do PIB próximo a zero. Os anos de 2015
e 2016 foram de grave recessão econômica, seguidos de período de fraco crescimento do
PIB, pouco mais de 1%, entre 2017 e 2019. Em 2020, assolado pela pandemia da Covid-19,
o volume de bens e serviços produzidos no país caiu drasticamente, tendo o PIB atingido
taxa de -4,1%.
A última década, que compreende 2010 a 2020, é vista, em termos do PIB brasileiro,
como a pior desde o início da série histórica produzida pelo Ipea, em 1901 (AGÊNCIA
ESTADO, 2020). Em 120 anos, apenas duas vezes a economia brasileira teve uma retração
anual tão forte como em 2020, passando por uma das maiores recessões da sua história
(ROUBICEK, 2021), com um forte impacto sobre o nível de empregos (CACCIAMALI;
TATEI, 2016).
Segundo Santos e Gimmenez (2018), a crise recessiva que deprime a economia
brasileira desde o início de 2015 confirma a dependência do mercado de trabalho em relação
71
às taxas de crescimento do PIB. Além dessa correlação, nota-se, a partir dos dados, que o
mercado de trabalho se ajusta rapidamente aos ciclos econômicos no Brasil, reforçando a
ideia de que, ao contrário da alegada rigidez excessiva, mesmo antes da reforma trabalhista,
as variáveis emprego e salário se ajustaram de forma rápida e intensa às sucessivas quedas
do produto agregado.
Gráfico 2 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
Como resultado do fraco desempenho da economia e da geração de postos de trabalho
formais, uma massa de trabalhadores se deslocou para setores de menor produtividade e
menores salários, especialmente no comércio e serviços em geral (MATTEI; HEINEI, 2020).
O gráfico acima demonstra como houve uma retração no estoque de empregos formais no
país na última década. O grau de formalização do emprego no país vem caindo desde 2014 28
e a recuperação que o gráfico demonstra a partir de 2016 se dá, particularmente, devido ao
crescimento dos tipos de vínculos precários, conforme será visto nos gráficos abaixo.
28
Houve um aumento de 370 mil trabalhadores terceirizados no país entre 2010 e 2019 e a taxa de desemprego
no país saltou de 2014 a 2017 de 7% para 12% (CEPES, 2021). Cerca da metade dos postos de trabalho, no
início de 2020, eram de ocupações informais.
72
Gráfico 3 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019 - tipos de vínculo:
CLT por prazo indeterminado e estatutário
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
Quando se refere aos vínculos mais estáveis, como o celetista por prazo
indeterminado e todos os vínculos estatutários, verifica-se uma queda ainda mais abrupta no
estoque de empregos a partir de 2014. A partir de 2018, ao invés de uma recuperação,
conforme o gráfico acima mostra para o total de empregos formais, há uma queda ainda
maior no estoque de empregos desses vínculos.
O vínculo estatutário tem características próprias e maior estabilidade, atende às
necessidades da administração pública e guarda relação com a situação fiscal do país. As
flutuações no quantitativo de contratações foram bem menores e, no ano de 2019, tínhamos
o mesmo contingente de contratados que o ano de 2012, conforme será visto em uma tabela
a seguir.
Por fim, esse gráfico demonstra que, em 2019, têm-se quase o mesmo número de
estoque de empregos (32,41 milhões) para esses dois tipos de vínculos se comparado ao ano
de 2009 (31,82 milhões), ou seja, o nível de empregos formais estáveis no país volta a ser
praticamente o mesmo de uma década atrás. Essa tendência é oposta quando analisamos os
vínculos precários, como veremos a seguir. O Gráfico 2, acima, demonstrou que houve um
73
ligeiro crescimento dos vínculos formais totais entre 2017 e 2019, o que só pode ser
explicado pelo aumento dos vínculos precários.
Os vínculos precários analisados neste trabalho são os explicitados no Dicionário da
Rais de outubro de 2018 e 2019. É importante ressaltar que os empregadores, muitas vezes,
evitam indicar o número real de empregados, porque isso acarretaria controle por parte do
Estado sobre pagamentos realizados e impostos.
O trabalhador avulso é aquele que presta serviço, sem vínculo empregatício, a
diversas empresas, sendo a alocação ao trabalho administrada pelo sindicato da categoria ou
pelo Órgão Gestor de Mão-de-Obra, no caso do setor portuário. Esse trabalhador é
geralmente remunerado por valor da produção ou diária.
O contrato de trabalho de jovem aprendiz é obrigatório por lei para todas as empresas
e em regime especial com jornada diferenciada, é destinado a jovens maiores de 14 anos e
menores de 24 anos. Já o vínculo celetista por prazo ou tempo determinado se refere a
atividades temporárias ou transitórias e de experiência, podendo também ser adotado no
setor público em caso de necessidade temporária de excepcional interesse público (Lei nº
8745/1993, no caso da União) ou regido por Lei Estadual, Lei Municipal.
O vínculo de trabalho temporário, regido pela Lei nº 6019, de 1974, destina-se à
contratação de trabalhadores por empresa de prestação de serviços a terceiros, para atender
demanda complementar da empresa tomadora de serviços, podendo ser decorrente de fatores
imprevisíveis ou previsíveis, de natureza intermitente, periódica ou sazonal, conforme
redação dada pela reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.429/2017).
O contrato em tempo parcial passou, com a reforma trabalhista, a ser aquele que não
excede 30 horas semanais, sem horas semanais suplementares e aquele que não excede 26
horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até 6 horas suplementares. Há ainda o
vínculo de Diretor sem vínculo empregatício para o qual a empresa/entidade tenha optado
por recolhimento ao FGTS ou Dirigente Sindical. Por serem menos expressivos e muito
específicos, esse último vínculo, bem como os vínculos Contrato por lei municipal ou
estadual não são analisados nesse trabalho.
Vejamos a trajetória dos vínculos precários no período 2009-2019, no Gráfico 4.
74
Gráfico 4 - Evolução do estoque de empregos formais de 2009-2019 - tipos de vínculo:
aprendiz, avulso, CLT por prazo determinado, avulso, intermitente, parcial e temporário
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
Conforme demonstra o Gráfico 4, o estoque de empregos dos vínculos considerados
precários aumentou a partir de 2016 para todos eles, com exceção do trabalho avulso. Essa
tendência é oposta à verificada no Gráfico 3 com relação aos vínculos celetista por prazo
indeterminado e estatutário. No que diz respeito ao vínculo avulso, a sua trajetória declinante
está relacionada à especificidade desse tipo de contrato, voltado especialmente aos
trabalhadores do setor portuário, que carregam e descarregam contêineres 29 e aos
trabalhadores chamados de “chapa de caminhão”, que carregam e descarregam mercadorias
de caminhões. Cada um desses vínculos atende a especificidades para as quais foram
criados, conforme visto acima, podendo ser caracterizados como precários e frágeis, seja
O comportamento do estoque de trabalhadores avulsos portuários tem trajetória decrescente ao longo das
décadas, o que pode ser atribuído à reforma do setor portuário empreendida pela Lei nº 12.815, de 2013.
29
75
pela duração dos contratos, seja pelas proteções e garantias asseguradas em termos de
direitos trabalhistas.
A partir de 2017, observa-se uma curva bastante acentuada do trabalho em tempo
parcial e do trabalho intermitente, quando esses vínculos são introduzidos na legislação pela
reforma trabalhista. Também é possível observar o crescimento dos vínculos aprendiz e CLT
por prazo determinado a partir dessa data.
Outra forma de verificarmos essa tendência, é observarmos a trajetória de evolução da
participação de cada um dos tipos de vínculos em relação ao estoque total de empregos
formais no período 2009-2019, conforme as Tabelas 1, 2 e 3 abaixo.
Tabela 1 - Evolução do estoque de empregados contratados pelos vínculos CLT
indeterminado e Estatutário e sua participação em relação ao estoque total de empregos
formais (%) - 2009 a 2019
Ano
CLT por prazo indeterminado
Estoque
Crescimento
Estatutário
Estoque
Crescimento
2009
31.820
8.310
2010
34.370
8,0%
8.580
3,2%
2011
36.390
5,9%
8.700
1,4%
2012
37.650
3,5%
8.550
-1,7%
2013
38.640
2,6%
8.970
4,9%
2014
39.190
1,4%
9.010
0,4%
2015
37.850
-3,4%
8.870
-1,6%
2016
36.230
-4,3%
8.590
-3,2%
2017
35.950
-0,8%
8.940
4,1%
2018
36.270
0,9%
8.830
-1,2%
2019
32.410
-10,6%
8.550
-3,2%
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
Os empregados pelo regime celetista com prazo indeterminado que representavam
77,74% do total do estoque, em 2009, tiveram a sua participação reduzida para 75,41%. Da
mesma forma, os Estatutários passaram de 20,30% em relação ao total do estoque para
19,89% no mesmo período. Já os empregados com vínculos precários (aprendiz, avulso,
76
celetista por prazo determinado, intermitente, temporário e trabalho em tempo parcial)
aumentaram sua participação no estoque de empregos formais, passando de 1,95% para
4,70%, conforme Tabela 2 abaixo.
Tabela 2 - Evolução do percentual dos vínculos frágeis
2009
Tipo de Vínculo
2019
% em relação
% em relação ao
Estoque
ao total
Estoque
total
Aprendiz
155
0,4%
481
1,1%
Avulso
86
0,2%
49
0,1%
CLT por prazo determinado
332
0,8%
531
1,2%
Intermitente
NA
NA
157
0,4%
Temporário
227
0,6%
184
0,4%
CLT por prazo indeterminado
34.370
77,7%
32.410
75,4%
Estatutário
8.580
20,3%
8.550
19,9%
NA
NA
616
1,4%
Parcial
Percentual dos vínculos frágeis
1,9%
4,7%
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
Tabela 3 – Evolução do percentual dos vínculos precários em relação ao estoque de
empregos formais – 2009 a 2019
Ano
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Aprendiz
Estoque
155
193
251
294
327
361
377
369
386
432
481
Avulso
Percentual
0,2%
0,2%
0,2%
0,2%
0,2%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
CLT por prazo determinado
Estoque
Percentual
332
0,8%
355
0,8%
377
0,8%
369
0,8%
378
0,8%
381
0,8%
355
0,7%
348
0,8%
373
0,8%
422
0,9%
531
1,2%
Intermitente
Estoque
Percentual
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
7
0,0%
62
0,1%
157
0,4%
Temporário
Estoque Percentual
227
0,6%
230
0,5%
192
0,4%
185
0,4%
189
0,4%
157
0,3%
120
0,3%
109
0,2%
143
0,3%
165
0,4%
184
0,4%
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
77
Parcial
Estoque Percentual
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
199
0,4%
245
0,5%
616
1,4%
Conforme demonstra a Tabela 3, todos os vínculos precários, com exceção do vínculo
avulso, aumentaram a sua participação no estoque de empregos formais no país. Outra forma
de visualizar essa tendência é a observação da taxa de crescimento de cada vínculo, conforme
as Tabelas 4 e 5 evidenciam.
Tabela 4 - Evolução dos vínculos CLT indeterminado e Estatutário – 2009 a 2019
Ano
CLT por prazo indeterminado
Estatutário
Estoque
Percentual
Estoque
Percentual
2009
31.820
77,7%
8.310
20,3%
2010
34.370
78,4%
8.580
19,6%
2011
36.390
79,1%
8.700
18,9%
2012
37.650
79,9%
8.550
18,1%
2013
38.640
79,5%
8.970
18,5%
2014
39.190
79,7%
9.010
18,3%
2015
37.850
79,4%
8.870
18,6%
2016
36.230
79,3%
8.590
18,8%
2017
35.950
78,1%
8.940
19,4%
2018
36.270
78,0%
8.830
19,0%
2019
32.410
75,4%
8.550
19,9%
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
Conforme a Tabela 4, nota-se um crescimento até 2014 do vínculo celetista por prazo
indeterminado e do estatutário em alguns anos, mas, em seguida, nota-se uma queda
progressiva, com destaque para os anos de 2015, 2016 e 2019, acompanhando a recessão
econômica, conforme analisado acima. Em 2019, os empregos por vínculo celetista por
prazo indeterminado registram queda de 10,64% em relação ao ano anterior, maior retração
no nível de empregos formais do período.
Nesse período, houve um aumento de 370 mil trabalhadores terceirizados no país entre
2010 e 2019 e a taxa de desemprego no país saltou, entre 2014 e 2017, de 7% para 12%
(CEPES, 2021).
78
Tabela 5 - Evolução dos vínculos precários – 2009 a 2019
Ano
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Aprendiz
Estoque
Crescimento
155
193
24,4%
251
30,0%
294
17,3%
327
11,2%
361
10,5%
377
4,5%
369
-2,3%
386
4,8%
432
11,8%
481
11,5%
Estoque
86
84
79
75
77
71
68
58
58
56
49
Avulso
Crescimento
-2,9%
-6,2%
-4,0%
2,4%
-7,5%
-4,2%
-15,2%
0,2%
-3,0%
-12,7%
CLT por prazo determinado
Estoque
Crescimento
332
355
7,1%
377
6,1%
369
-2,2%
378
2,7%
381
0,7%
355
-6,7%
348
-2,0%
373
7,2%
422
13,0%
531
25,9%
Intermitente
Estoque
Crescimento
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
NA
7,4
NA
61,7
737,6%
156,8
154,0%
Temporário
Estoque
Crescimento
227
230
1,52%
192
-16,71%
185
-3,24%
189
2,08%
157
-17,27%
120
-23,49%
109
-8,63%
143
31,11%
165
14,79%
184
11,65%
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
Com relação ao crescimento dos vínculos precários, verifica-se que, entre 2010 e
2014, esses vínculos acompanhavam a tendência de crescimento dos vínculos estáveis. Entre
2014 e 2016, há uma queda no percentual desses vínculos, voltando a crescer entre 2017 e
2019. Conforme demonstra a Tabela 5, o trabalho temporário tem um aumento de 31,11%
no total de empregos de 2016 para 2017. O vínculo celetista por prazo determinado cresce
25,88% de 2018 para 2019 e o vínculo intermitente, que será objeto do próximo Capítulo,
registra o maior percentual de crescimento em relação aos demais.
Os empregos por vínculo celetista por prazo indeterminado não só retraíram como se
nota, pelos Gráficos 5, 6 e 7, abaixo, uma queda na quantidade de horas trabalhadas e na
remuneração média desse trabalhador e um aumento do tempo no emprego. Isso significa
que aqueles que ficaram empregados nesse tipo de vínculo permanecem por maior período,
evitam pedir demissão e assistem a uma queda nas suas jornadas de trabalho e nos seus
salários entre 2009 e 2019. É importante salientar, no entanto, que as horas trabalhadas
relatadas pelos empregadores em geral são menores do que as efetivamente realizadas, sendo
as horas não pagas comumente objeto de reclamação jurídica e judicial.
79
Gráfico 5 - Evolução da quantidade de horas semanais trabalhadas de 2009 a 2019 do
vínculo CLT por prazo indeterminado
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
Gráfico 6 - Evolução da remuneração média em salários-mínimos de 2009 a 2019 do
vínculo CLT por prazo indeterminado
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
80
O Gráfico 6 demonstra a queda progressiva da remuneração mensal em saláriosmínimos do trabalho celetista por tempo indeterminado entre 2009 e 2019, caindo de 2,63
salários-mínimos para 2,37 salários-mínimos.
Gráfico 7 - Evolução do tempo no emprego de 2009 a 2019 do vínculo CLT por prazo
indeterminado
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
Com relação ao tempo no emprego, verifica-se uma tendência de aumento da
permanência do trabalhador no emprego, tendo esse tempo passado de 33,16 meses em 2009
para 53,29 meses em 2019. Esse é outro dado que sinaliza um cenário de crise do mercado
de trabalho. O desemprego e a desocupação pressionam o trabalhador celetista por prazo
indeterminado a prolongar ao máximo o seu tempo no emprego. Esse dado sinaliza para a
tendência dos empregadores em demitir todos os que possuem pouco tempo no emprego e
manter aqueles que, de certa forma, tendem a se “adequar” às normas das empresas, ou seja,
aceitam determinadas condições de trabalho diante da ameaça do desemprego.
4.3 Evolução do emprego formal no Brasil em 2020 e junho de 2021
Merece destaque a trajetória dos empregos formais nos anos mais recentes, 2020 e
primeiro semestre de 2021. Nesse período, os empregos foram afetados drasticamente pela
pandemia da Covid-19, que impactou duramente o PIB em 2020. Retratamos graficamente
81
o saldo da evolução mensal dos admitidos e desligados com vínculo celetista por prazo
indeterminado, celetista por prazo determinado, trabalhador rural e temporário a partir do
Novo Caged30 para o período de 2020 e primeiro semestre de 2021.
Conforme exposto acima, o mecanismo de coleta das informações tanto para a Rais
quanto para o Novo Caged passou por modificações, a partir de janeiro de 2020, que segundo
especialistas dificultam em muita sua comparação com anos anteriores e que, de certa forma,
lançam suspeitas sobre a fidedignidade desses dados, segundo Carrança (2021), já que os
números parecem altos para uma situação que é de recessão econômica (CARRANÇA,
2021). No entanto, ainda assim é possível verificar o impacto da situação de recessão
econômica sobre o nível dos empregos no país no período. O Caged permitiu realizarmos a
seguinte agrupação dos dados: celetista indeterminado, celetista por prazo determinado,
trabalhador rural e temporário; bem como aprendiz, trabalho em tempo parcial e
intermitente.
Desde janeiro de 2020, as empresas pertencentes aos Grupos 1, 2 e 3 foram desobrigadas a declarar o Caged,
conforme estabelecido pela Portaria SEPRT nº 1.127, de 14/10/2019. Permanecem obrigados a enviar o Caged
somente órgãos públicos, que contratam trabalhadores em regime celetista, organizações internacionais e outras
instituições extraterritoriais. No entanto, verificou-se a falta da prestação da informação de desligamento por
parte das empresas, tendo sido amenizado o problema mediante a imputação de dados de outras fontes
(MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2020).
30
82
Gráfico 8 - Evolução mensal do saldo de admitidos e desligados dos trabalhadores com
vínculo CLT indeterminado, prazo determinado, trabalhador rural e temporário de 2020 a
junho de 2021
Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021)
Conforme pode ser visto no Gráfico 8, os vínculos celetistas por prazo
indeterminado, por prazo determinado, trabalhador rural e temporário tiveram uma perda de
900 mil postos de trabalho em abril de 2020, mostrando o impacto da pandemia da Covid1931 sobre a situação do emprego no país. A situação não melhorou, com o saldo do emprego
ficando em torno de zero durante todo o período. Os melhores meses foram outubro e
novembro de 2020 com o saldo positivo de 380 mil. Vale a pena destacar que, segundo Mattei
e Heini (2020), cerca de metade dos postos de trabalho, no início de 2020, eram de ocupações
informais (MATTEI; HEINEI, 2020).
31O
governo federal ainda editou duas Medidas Provisórias com forte impacto sobre a renda do trabalhador
brasileiro. A MP nº 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda,
transformada na Lei nº 14.020, de 06 de julho de 2020, autorizou a redução de jornadas de trabalho e os salários
em 25, 50 e 75% e vigorou entre abril e dezembro de 2020 (MATTEI; HEINEI, 2020), tendo sido sucedida
ainda pela MP 1.045. de 27 de abril de 2021, que instituiu o novo Programa Emergencial de Manutenção do
Emprego e da Renda.
83
Gráfico 9 - Evolução mensal do saldo de admitidos e desligados dos trabalhados com
vínculo intermitente, aprendiz e parcial de 2020 a junho de 2021
Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021)
No que diz respeito aos vínculos intermitente, aprendiz e parcial, no período entre
janeiro de 2020 e junho de 2021, é possível perceber que todos tiveram queda em abril de
2020, acompanhando a tendência geral de queda abrupta no nível do emprego no país, em
decorrência da pandemia. Nota-se, no entanto, que o saldo dos admitidos e desligados dos
trabalhadores com vínculo intermitente se manteve positivo em todos os meses de 2020 a
junho de 2021, com exceção do mês de abril de 2020. É possível perceber que os dados do
Novo Caged de 2020 a junho de 2021 acompanham os dados da Rais de 2017 a 2019, no
sentido de crescimento da forma de contratação por vínculo intermitente. O trabalho em
tempo parcial ficou negativo entre abril e setembro de 2020, tendo recuperado e depois
voltado a ficar negativo em dezembro de 2020. Como demonstra o Gráfico 9, com exceção
do trabalho intermitente, o saldo dos empregos de vínculos aprendiz e em tempo parcial
84
permaneceram a maior parte dos meses abaixo de zero, com exceção do mês de fevereiro de
2021, no qual o vínculo aprendiz registrou um saldo de 232 mil postos de trabalho.
Conforme foi possível perceber a partir da análise dos dados da Rais e do Novo
Caged feita neste Capítulo, é possível concluir que, ao contrário do que afirmaram aqueles
que propuseram a reforma trabalhista 32, o que se verificou foi a diminuição do nível de
proteção ao emprego no país e a piora nas condições de trabalho dos empregados formais,
com a redução dos salários dos trabalhadores celetistas por tempo indeterminado, tendo
decrescido o número de empregos formais estáveis para o patamar de 2009 e crescido apenas
os vínculos formais precários (celetista com prazo determinado, em tempo parcial,
temporários e intermitente).
Ao contrário também do que alegaram os propositores da reforma trabalhista no que
diz respeito à rigidez das normas trabalhistas de até então, que supostamente trariam receio
ao empregador em contratar mão de obra33, é possível perceber, a partir dos Gráficos 1, 2 e
3 que, mesmo antes da reforma trabalhista, o mercado de trabalho brasileiro já acompanhava
as flutuações da economia, crescendo o estoque de empregos nos momentos de crescimento
do PIB e decrescendo nos momentos de recessão e crise econômica.
A reforma trabalhista aumentou a flutuação no nível de empregos de acordo com as
oscilações da economia, principalmente com a introdução do vínculo intermitente, conforme
será visto adiante. Esse capítulo permitiu concluir que se verifica uma tendência à queda no
estoque de empregos formais estáveis e, em contraposição, um crescimento no estoque de
empregos formais precários e frágeis. Os dados confirmam, portanto, as tendências
apontadas pela literatura e a hipótese desse trabalho, com o crescimento cada vez maior de
tipos de contratos precários. Dentre esses contratos, têm-se uma modalidade, que é o trabalho
intermitente, que introduz a remuneração por hora em contraposição à remuneração por
jornada ou por tempo.
“Escudada no mantra da proteção do emprego, o que vemos, na maioria das vezes, é a legislação trabalhista
como geradora de injustiças, estimulando o desemprego e a informalidade. Temos, assim, plena convicção de
que essa reforma contribuirá para gerar mais empregos formais e para movimentar a economia” (PARECER
DA REFORMA, 2017, p. 20).
33
“Em nosso país, além do excesso de normas trabalhistas, elas são muito rígidas. E essa rigidez, por sua vez,
provoca um alto grau de insegurança jurídica na contratação do trabalhador, fazendo com que, primeiro, o
empregador tenha receio de contratar a mão de obra e, depois, que investimentos importantíssimos para o
crescimento do País sejam direcionados a outros países”(PARECER DA REFORMA, 2017, p. 21).
32
85
CAPÍTULO 4 - TRABALHO INTERMITENTE E SALÁRIO POR
HORA
Intermitente é uma palavra que tem origem no latim e é formada pelo prefixo inter-,
que significa “entre”, e pelo verbo “mitto”, fazendo parte da mesma família de palavras de
“mittis, misi, missium, mittere”, significando “mandar, demitir, emissão, missionário,
remeter, promessa” (LIMA, 2011) . Segundo o Dicionário do Latim Essencial, a palavra
pode
significar: “intermissĭo,
intermissionis,
(f.).
(inter-mitto). Interrupção,
descontinuidade, suspensão, repouso. Eclipse” e, ainda, “intermitto, -is, -ĕre, -misi, -misum.
(inter-mitto). Deixar um intervalo entre, deixar livre, desocupado. Interromper, suspender,
cessar. Interpor” (REZENDE; BIANCHET, 2014).
O sufixo -ência, que forma a palavra intermitência, possui, de acordo com a
gramática de língua portuguesa, o significado de “estado”, “ação” ou “qualidade”.
Intermitência é sinônimo de “descontinuidade, inconstância, infrequência, intercadência,
interrupção, intervalo, suspensão, trêmulo” (HOUAISS, 2011). A intermitência do trabalho
é, portanto, o estado de intervalo, suspensão, descontinuidade e desocupação.
Como questiona Sadi Dal Rosso: “pode existir uma flexibilidade maior que a
remuneração por hora?” (DAL ROSSO, 2017, p. 218). Esse é o caso do trabalho intermitente.
Esse tipo de contrato de trabalho vem crescendo sistematicamente e é expressiva sua
participação no saldo total das contrações ocorridas entre 2017 e 2019, conforme será visto
a seguir.
Esse tipo de vínculo permite que o empregador contrate o trabalhador por
determinado período de horas de forma esporádica com intervalos de inatividade. A
remuneração é por hora e não há limite mínimo de horas a ser cumprido (CALDAS, 2017).
Só é pago trabalho efetivamente realizado (MAIOR, 2016). O trabalhador deve ficar à
disposição para quando houver a convocação de realização do trabalho. Assim diz a Lei nº
13.467, no seu parágrafo 3º, artigo 443:
Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de
serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de
períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias
ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador,
exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria (BRASIL, 2017).
86
Contrariando a regra geral das relações de trabalho, que considera o tempo de
trabalho o período em que o trabalhador fica à disposição do empregador 34, no contrato de
trabalho intermitente, apenas o tempo efetivamente trabalhado é considerado tempo de
trabalho e, portanto, remunerado. Cumpre ressaltar que a lei não limita a aplicação desse tipo
de contrato a algumas categorias, permitindo que se generalize para todo o mercado de
trabalho.
As implicações desse tipo de contrato são o rebaixamento do valor da força de
trabalho, ou seja, do salário. Ainda que a hora seja calculada com base no valor do saláriomínimo35, esse trabalhador só recebe pela quantidade de horas trabalhadas, podendo receber
remuneração inferior ao mínimo ou não receber nada, sendo claramente inconstitucional por
ofensa ao princípio da garantia do salário-mínimo previsto em vários artigos da Constituição
Federal, segundo Laraia (2018), e provocar uma completa insegurança de renda. Esse tipo
de contratação é realizado, justamente, para que os capitalistas usufruam da força de trabalho
apenas nos períodos em que necessita.
Assim como no trabalho em plataformas digitais, o trabalho intermitente não possui
garantia de jornada nem renda mínima e é permitida a utilização descontínua do tempo de
trabalho. Para Paulo Sérgio João, na prática, a legislação está deslocando os trabalhadores
da estatística de desempregados para empregados intermitentes, sem qualquer certeza de
salário ao final do mês (JOÃO, 2018). Conforme visto acima, essa modalidade de contrato
também foi introduzida pelas reformas trabalhistas dos países ricos. Segundo Laraia (2018),
têm-se o lavoro intermitente, na Itália, o trabalho de fijo-discontínuos ou “sob-chamada”, na
Espanha, o arbeit auf abruf, na Alemanha, os zero-hour contracts, na Inglaterra e o just-intime scheduling, nos EUA.
Em resumo, podemos definir o trabalho intermitente como aquele que sofre
descontinuidade. Alguns juristas e autores interpretam que esse tipo de contrato deveria ser
utilizado em empresas que exerçam atividades em descontinuidade ou intensidade variável,
se diferenciando de outras atividades contínuas (LARAIA, 2018).
O art. 4º do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT), alterada pela Lei nº 13.467, ressalta:
“Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador,
aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada” (BRASIL, 1943).
35
O art. 452-4, da Lei nº 13.467 evidencia: “O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito
e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário
mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em
contrato intermitente ou não” (BRASIL, 2017).
34
87
Após a reforma trabalhista, mesmo diante da possibilidade do empregado recusar a
oferta de trabalho, esse contrato é considerado como um contrato subordinado. Como
requisito para esse tipo de contratação, o artigo 452-A estabelece que esse contrato deve ser
celebrado por escrito e conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser
inferior ao valor do salário-mínimo ou pago aos demais empregados do estabelecimento que
exerçam a mesma função em outra modalidade de contrato. Estabelece-se, ainda, que a
remuneração pelo trabalho noturno deve ser superior ao diurno e que é facultado às partes
convencionar os locais, turnos, formas e instrumentos de convocação e de resposta para a
prestação de serviço, devendo ser registrado em Carteira de Trabalho (BRASIL, 2017).
A seguir será feito um detalhamento das informações disponíveis na Rais para o
período 2017-2019 sobre o trabalho intermitente. Iniciamos comparando o vínculo
intermitente vis a vis os demais vínculos celetistas com base nos dados da Rais de 2017 a
2019.
Tabela 6 - Crescimento anual do vínculo intermitente e dos demais vínculos de 2017 a
2019
Demais tipos de Vínculo
Ano
Estoque
Trabalho Intermitente
Crescimento Anual
Estoque
2017 46.274.223
Crescimento Anual
7.367
2018 46.569.410
0,6%
61.705
737,6%
2019 47.397.455
1,8%
156.756
154,0%
Crescimento 2017-2019
2027,8%
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
A Tabela 6, acima, demonstra o crescimento de 2.027,81% no estoque do trabalho
intermitente no período de 2017 a 2019. Trata-se de um crescimento vertiginoso, mesmo
considerando a base inicial bastante reduzida para o cálculo. Os demais tipos de vínculo
tiveram um crescimento de apenas 2,42% no mesmo período.
88
Tabela 7 - Média salarial, média de horas semanais contratuais e média de tempo no
emprego em meses para demais tipos de vínculo e vínculo intermitente 2017-2019
Demais tipos de Vínculo
Ano
2017
2018
2019
Média Salarial
(SM)
2,7
2,7
2,7
Média de horas
semanais
Contratuais
40,8
40,7
40,5
Trabalho Intermitente
Média de Tempo
no Emprego em Média Salarial
Meses
(SM)
55,8
0,7
55,8
1,2
57,7
1,1
Média de horas
semanais
Contratuais
3,6
1,4
8,6
Média de Tempo
no Emprego em
Meses
5,9
4,7
6,3
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
Como é possível perceber pela Tabela 7, acima, nos demais tipos de vínculo, qual
sejam celetista, estatutário e outros, a média salarial, entre 2017 e 2019, ficou em torno de
2,7 salários-mínimos contra 0,9 do trabalho intermitente. Com relação à média de horas
semanais contratuais, temos 40,65 horas contra 4,52 horas contratuais no intermitente e
média de 56,4 meses no emprego contra 5,64 meses no caso do trabalho intermitente.
A média de tempo no emprego em meses para o trabalhador intermitente foi de 6,33
meses em 2019, enquanto para os demais tipos de vínculo foi de 57,68 meses, com as horas
contratuais sendo menor que ¼ das horas contratuais dos demais vínculos e a remuneração
menor que a metade dos demais. Isso demonstra o quão precário é esse tipo de vínculo.
89
Gráfico 10 - Evolução da remuneração média em reais de 2009 a 2019 do vínculo
intermitente em relação aos demais tipos de vínculo (R$ preços de junho de 2021)
(1) Valores em reais corrigidos pelo IPCA de junho de 2021.
Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021)
O Gráfico 10 demonstra como o vínculo intermitente, pela sua própria natureza,
permite uma enorme variação da remuneração dos trabalhadores, na comparação com os
demais tipos de vínculo. Isso confirma a tendência apontada pela literatura de que esse tipo
de vínculo permite que o emprego fique mais suscetível às flutuações econômicas e se
adeque às necessidades dos capitalistas. Ao mesmo tempo que acarreta imprevisibilidade e
instabilidade na remuneração, ela contribui para o sentimento de insegurança dos
trabalhadores contratados por essa modalidade.
A discrepância na remuneração com relação aos demais tipos de vínculo confirma
que esse tipo de contrato e essa forma de remuneração por hora permitiu o rebaixamento dos
salários dos trabalhadores.
90
Gráfico 11 - Horas trabalhadas em 2020 a 2021 dos vínculos CLT por prazo indeterminado
e intermitente
Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021)
Conforme demonstra o Gráfico 11, em relação ao número de horas trabalhadas entre
janeiro de 2020 e junho de 2021, é possível perceber uma variação também grande no
vínculo de trabalho intermitente, variando de 14,14 horas em janeiro de 2020 a 19,48 horas
em abril de 2020, demonstrando a utilização por parte dos empregadores desse vínculo
precário no momento de maior crise econômica no período. Já o trabalho celetista por prazo
indeterminado se manteve em torno das 42 horas semanais, com poucas alterações.
Aqui também é perceptível que, assim como a remuneração e o estoque de empregos,
as horas trabalhadas do trabalhador intermitente tendem a ser mais suscetíveis às flutuações
econômicas, confirmando um aspecto apontado pela literatura, qual seja, de que essa forma
de remuneração permite, como afirma Marx, destruir a regularidade da ocupação e ocupar e
remunerar o trabalhador apenas pelas horas que lhe convém, rompendo a conexão entre
trabalho pago e não pago. Os Gráficos 10 e 11 demonstram como oscilam as horas
trabalhadas e a remuneração do trabalhador intermitente na comparação com os
91
trabalhadores celetistas por prazo indeterminado e demais tipos de vínculos e como a
introdução do vínculo intermitente facilitou a oscilação do emprego de acordo com as
flutuações da economia. Também é perceptível que houve um crescimento do número de
horas trabalhadas na modalidade do contrato intermitente, sinalizando para o crescimento
dessa forma de contratação e remuneração, durante a pandemia da Covid-19.
Tabela 8 - As 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente entre 2020 e
junho/2021
Codigo
514320
521125
354125
717020
421125
784205
517330
911305
784105
521140
As 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente entre 2020 e junho de 2021
cbo
1º tri/2020
2ª tri/2020
3º tri/2020
4º tri/2020
1º tri/2021
2º tri/2021
Faxineiro
4.710
3.481
4.489
5.582
6.599
6.480
Repositor de mercadorias
4.564
4.903
4.127
5.379
4.419
4.189
Assistente de vendas
3.195
471
811
5.213
2.872
3.014
Servente de obras
3.185
2.760
3.841
4.014
4.592
4.446
Operador de caixa
2.305
1.574
1.969
2.764
2.466
2.554
Alimentador de linha de produção
1.947
1.834
3.438
3.309
4.067
3.352
Vigilante
1.877
4.239
2.314
2.528
4.212
3.517
Mecânico de manutenção de máquinas
1.533
1.067
1.650
1.852
2.178
1.877
Embalador
1.220
1.615
2.006
2.326
1.931
2.037
Atendente de Lojas e Mercados
1.214
845
960
2.763
5.285
1.485
Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021)
Como é possível perceber pela Tabela 8, entre 2020 e 2021, as dez maiores ocupações
do trabalho intermitente foram: Assistente de vendas, Operador de caixa, Faxineiro,
Vigilante, Repositor de mercadorias, Atendente de lojas e mercados, Servente de obras,
Embalador, Alimentador de linha de produção e mecânico de manutenção de máquinas.
Nota-se um crescimento gradual na quantidade de trabalhadores ocupados nesse tipo de
vínculo na função de Faxineiro e Servente de obras. Também houve um crescimento da
ocupação de Alimentador de linha de produção, tendo decrescido no 2º trimestre de 2021.
As funções de Assistente de vendas e Repositor de mercadorias estão em declínio. Como é
possível perceber, predominam as ocupações de baixa qualificação e remuneração.
92
Tabela 9 - Ranking das 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente no
segundo trimestre de 2021
Codigo
514320
717020
521125
517330
784205
354125
421125
784105
911305
521140
As 10 maiores ocupações com vínculo de trabalho intermitente 2º tri/2021
CBOS
2º tri/2021 Setor
Faxineiro
6.480 TRABALHADORES DOS SERVIÇOS, VENDEDORES DO COMÉRCIO EM LOJAS E MERCADOS
Servente de obras
4.446 TRABALHADORES DA PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS INDUSTRIAIS
Repositor de mercadorias
4.189 TRABALHADORES DOS SERVIÇOS, VENDEDORES DO COMÉRCIO EM LOJAS E MERCADOS
Vigilante
3.517 TRABALHADORES DOS SERVIÇOS, VENDEDORES DO COMÉRCIO EM LOJAS E MERCADOS
Alimentador de linha de produção
3.352 TRABALHADORES DA PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS INDUSTRIAIS
Assistente de vendas
3.014 TÉCNICOS DE NIVEL MÉDIO
Operador de caixa
2.554 TRABALHADORES DE SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS
Embalador
2.037 TRABALHADORES DA PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS INDUSTRIAIS
Mecânico de manutenção de máquinas
1.877 TRABALHADORES EM SERVIÇOS DE REPARAÇÃO E MANUTENÇÃO
Atendente de Lojas e Mercados
1.485 TRABALHADORES DOS SERVIÇOS, VENDEDORES DO COMÉRCIO EM LOJAS E MERCADOS
Fonte: Elaboração própria a partir do Novo Caged (2021)
A Tabela 9 faz um ranking das dez maiores ocupações do trabalho intermitente no
segundo trimestre de 2021, ocupando o primeiro lugar a função de Faxineiro e, em último,
a de Atendente de Lojas e Mercados.
Tabela 10 - Tipos de salário em 2018
Tipo de salário segundo a Rais (2018)
Tipo de salário
Estoque
Mensal
43.304.583
Quinzenal
20.038
Semanal
68.851
Diário
80.672
Horário
2.727.714
Tarefa
154.711
Outros
274.546
TOTAL
46.631.115
%
92,87
0,04%
0,15%
0,17%
5,85%
0,33%
0,59%
100,00%
(1) Não foi possível obter dados de outro ano com relação ao tipo de salário. A base de dados apenas
disponibiliza o ano de 2018.
Fonte: Elaboração própria a partir da Rais (2021)
A Tabela 10, acima, demonstra os tipos de salário e seu percentual sobre o total de
empregos formais no país em 2018. Não consta na Rais o salário por peça e não foi possível
comparar esses dados por inexistir informações com relação a outros anos, demonstrando
que o tema ainda é pouco explorado por estudiosos e pesquisadores do mundo do trabalho.
93
A forma de remuneração mensal foi a predominante para 43 milhões de
trabalhadores, representando 92,87% em relação ao total. 2,7 milhões de trabalhadores,
representando 5,86% sobre o total de ocupados formais no país, são remunerados por hora e
154.711 remunerados por tarefa, representando 0,33% sobre o total. Destaca-se, conforme
visto no Capítulo 3, que há a incorporação da remuneração variável na remuneração de todos
os trabalhadores, mesmo daqueles que recebem um salário mensal e sugere-se a realização
de novas pesquisas com dados sobre o trabalho informal para verificar essa tendência.
Conclui-se, com este Capítulo, que o trabalho intermitente, segundo dados de 2019,
representa um total de 156.756 postos de trabalho, ainda incipiente comparado com os
demais tipos de vínculos (47,3 milhões). No entanto, nota-se um declínio dos vínculos
estáveis e um crescimento dos vínculos frágeis e precários, entre 2009 e 2019. Ao mesmo
tempo, verificou-se um aumento na média de horas semanais, na remuneração e no tempo
no emprego dos trabalhadores nesse tipo de vínculo, desde 2017, quando foi criado. Em
2019, o trabalhador intermitente recebeu em média 1,06 salários-mínimos, tendo trabalhado
8,61 horas semanais e permanecido no emprego em média 6,33 meses.
Verificou-se que esse tipo de vínculo permite uma grande variação mensal na
remuneração dos trabalhadores e nas horas trabalhadas, uma característica da forma de
remuneração. Entre 2020 e junho de 2021, segundo o Novo Caged, esse trabalhador recebeu
em média R$ 1.162,83 e trabalhou 15,71 horas semanais. As 10 principais ocupações do
trabalho intermitente foram: Faxineiro, Repositor de mercadorias, Assistente de vendas,
Servente de obras, Operador de caixa, Alimentador de linha de produção, Vigilante,
Mecânico de manutenção de máquinas, Embalador e Atendente de lojas e mercados.
Apesar de se referirem apenas aos empregos formais captados pelas bases de dados
estatísticas do governo, não abarcando os empregos informais, os dados confirmam a análise
teórica e a hipótese desse trabalho, sugerindo que há uma tendência ao aumento dos vínculos
baseados em uma remuneração por hora, sem estar baseada em uma jornada de trabalho,
como é o caso do trabalho intermitente. Ademais, esse tipo de vínculo rebaixou os salários e
permitiu que os capitalistas usufruíssem da mão de obra nos momentos mais convenientes
permitindo maior flutuação da remuneração e das horas contratadas, de acordo com as
flutuações da economia, bem como sinalizou o crescimento desse tipo de remuneração em
períodos de crise e recessão econômica.
94
CAPÍTULO 5 - TRABALHO EM PLATAFORMA DIGITAL E O
SALÁRIO POR PEÇA
O trabalho em plataformas digitais surge em meados dos anos 2000. Em 2009, a
empresa de transportes Uber Technologies Inc. abre sede na cidade de São Francisco, no
estado da Califórnia, nos EUA e, 2014, no Brasil. Segundo o IPEA (2020), o total de
trabalhadores no Brasil em plataformas digitais de transporte e entrega de produtos passou
de 1,253 milhão em janeiro de 2015 para 1,988 milhão em abril de 2019, um crescimento de
cerca de 700 mil postos de trabalho em quatro anos, com o universo de trabalhadores por
conta própria, tendo atingido o montante de 24,5 milhões de pessoas (IPEA, 2020).
Os estudos sobre o tema têm início em 2010 com a publicação da coletânea “Digital
Labor” por Trebor Scholz (GROHMANN, 2020). Desde então, diversos autores buscaram
compreender essa forma de trabalho. Dentre eles, se destacaram neste primeiro período de
estudos sobre o tema, a partir de uma perspectiva crítica, Fuchs (2019) e Huws (2017).
Utiliza-se o conceito de plataforma digital definido por Casilli (2019), por ser o que
mais se aproxima da concepção deste trabalho, apesar de haver discordância com relação à
proposta do autor em classificar a utilização das redes sociais pelos seus usuários como uma
forma de trabalho e extração de mais valia. Casilli (2019) classifica o trabalho em
plataformas digitais em três tipos: os serviços por demanda, como o exercido na Uber ou
Delivero; o microtrabalho, como aquele exercido na Amazon Mechanical Turk e
Clickworker; e o exercido nas redes sociais, como o Facebook e Instagram.
As plataformas de serviços por demanda consistem, segundo o autor, num retorno do
trabalho por demanda, no qual o provedor-usuário realiza tarefas manuais em tempo real
para garantir serviços de transporte, alojamento e entrega (CASILLI, 2019). Nesse tipo de
trabalho de plataforma, a forma de contratação varia da subcontratação à remuneração por
hora ou por peça, conforme afirma o autor.
O segundo tipo de trabalho digital é aquele exercido nas plataformas numéricas de
microtrabalho. O termo designa a delegação de tarefas fraccionadas aos usuários de portais
como Amazon Mechanical Turk ou Clickworker, trabalho esse denominado também de
“trabalho em massa”, “trabalho coletivo” ou crowndwork. Esses trabalhadores realizam
atividades padronizadas e pouco qualificadas, que as próprias máquinas não conseguem
realizar, tais como anotar vídeos, ordenar tweet, transcrever documentos digitalizados,
95
responder questionários online ou corrigir valores em um banco de dados, como afirma o
autor. Trata-se de uma divisão do trabalho em tarefas e até mesmo em microtarefas, como
cliques.
Pelas suas atividades, os usuários recebem uma remuneração, sendo pagos por tarefa
executada em nome de um requerente. O trabalho de preparação, aquisição de certificações
e de pesquisa não é contabilizado nessa remuneração. Eles são, geralmente, contratados por
instituições de pesquisa e as plataformas atuam como intermediários, recebendo uma
comissão por transação. Esses intermediários realizam um trabalho de prospecção,
gerenciamento do relacionamento com os candidatos a microtrabalhadores, supervisão
desses trabalhadores e, acima de tudo, de fragmentação de tarefas complexas em
microtarefas que depois serão reintegradas a um produto.
O terceiro tipo de trabalho digital definido por Casilli (2019) é o trabalho em redes
sociais, baseado na participação de usuários e na realização de tarefas assimiladas ao lazer,
à criatividade ou à sociabilidade. A produção de conteúdos e a sua partilha em comunidades
de “amigos” é o que caracteriza esse trabalho, de aspecto lúdico e que se confunde com lazer,
mas essencialmente não pago.
Há uma concordância entre os diversos autores (DOOR, 2017; DRAHOKOUPIL;
PIASNA, 2017; MOORE; JOYCE, 2020; VALENTE, 2019) na classificação dessas
plataformas como intermediárias ou agenciadoras de trabalhadores que realizam a alocação,
monitoramento e controle do trabalho, cobram taxas das transações mediadas por elas e
definem taxas de remuneração desses trabalhadores.
É de comum entendimento por parte dos principais teóricos do assunto que o trabalho
em plataformas digitais é parte de uma ampla tendência de precarização do trabalho, da qual
os contratos de hora zero, de mão de obra de plantão, o trabalho temporário, parcial,
intermitente, autônomo, ocasional e por encomenda também são uma expressão. É a partir
dessa constatação que Stefano (2016) propõe o conceito de “trabalho sob demanda” para
definir todas essas expressões de trabalho precário.
Em trabalho mais recente, Stefano e Aloisi (2018) defendem que a forma de
remuneração do trabalho em plataformas digitais são duas: por hora ou peça (hourly or per
drop) e por produção (output-related). Os autores afirmam que o sistema de pagamento por
peça ou por tarefa é a norma e que, quando o trabalho é remunerado por hora, o
monitoramento é ainda mais rigoroso. Afirmam ainda os autores que, quando o pagamento
96
é por peça, os trabalhadores são pressionados a concluir o maior número possível de entregas
em uma hora, aumentando a competição entre eles, quando é por hora, além da uma
remuneração fixa por hora, podem ser atribuídos bônus relacionados ao número de entregas
concluídas (STEFANO; ALOISI, 2018).
Essa afirmação dos autores confirma o que foi exposto no Capítulo 2, que o salário
por peça e o salário por hora, sem estar baseado em uma jornada de trabalho, são a expressão
de um mesmo fenômeno, de um retorno a uma forma de remuneração específica que era
predominante no início da Revolução Industrial, na Inglaterra, sendo essa ainda mais
favorável aos capitalistas, conforme afirma Marx (1984).
Stefano (2016) observa que as novas tecnologias oferecem uma força de trabalho
extremamente escalável, permitindo um nível de flexibilidade nunca visto para essas
empresas. Os trabalhadores são utilizados apenas quando necessário e remunerados apenas
nos momentos em que realmente trabalham para um cliente. Uma frase de um CEO da
Amazon, citada pelo autor, define muito bem essa realidade:
Antes da Internet, seria muito difícil encontrar alguém, sentar-se com ele por dez
minutos e fazer com que trabalhasse para você e, em seguida, despedi-lo após esses
dez minutos. Mas com a tecnologia, você pode realmente encontrá-los, pagar-lhes
uma pequena quantia em dinheiro e, em seguida, se livrar deles quando não
precisar mais (MARVIT, 2014 apud STEFANO, 2016).
Como é possível perceber, a partir dessas considerações iniciais, estamos diante de
várias características de uma forma específica de remuneração: o salário por peça e o salário
por hora, sem estar baseado em uma jornada de trabalho. No entanto, não há consenso entre
os autores em relação à definição desse tipo de trabalho a partir da forma de remuneração.
Úrsula Huws (2017), uma das primeiras teóricas a estudar o tema, desde o seu surgimento,
afirmou que “apesar de algumas formas de pagamento por resultados (ou por peça) serem
aplicadas quando esses trabalhos são casualizados, geralmente são remunerados por hora,
como é o caso do trabalhador manual” (HUWS, 2017, p. 186). No entanto, a autora não
define esse trabalho a partir da forma de remuneração.
Apesar de não definir o trabalho em plataforma digital como um trabalho por peça
ou por hora, Casilli (2019) observa que um dos seus tipos inequivocamente adota esta forma
de remuneração: o microtrabalho dos Turkers, como se convencionou denominar os seus
trabalhadores. Assim afirma o autor:
O raciocínio em termos de jornada de trabalho é problemático em uma plataforma
que paga por peça. Na verdade, o ganho por hora está sujeito a vários riscos: a
assiduidade do trabalhador (quanto tempo estão dispostos a dedicar a esta
97
atividade?), a sua competência (têm acesso a tarefas mais bem remuneradas?), a
sua rapidez (como conseguem aceitar as tarefas rapidamente e realizá-las?). A
possibilidade de os Turkers acumularem uma quantia equivalente a um salário
mínimo no final do mês é de fato restringida pela limitação drástica do número de
tarefas que podem ser realizadas a cada dia, bem como pelo número de minutos
de microtrabalho autorizado a cada hora (CASILLI, 2019, p. 124).
Casilli (2019) aponta, no entanto, para uma tendência de generalização do salário por
peça como forma ideal de remuneração do trabalho digital: “as ramificações subterrâneas de
seus setores confirmam que o trabalho em plataforma tende à ‘microtarefização’ como forma
ideal” (CASILLI, 2019, p. 147). Tal termo advém das terminologias que eram utilizadas no
século XIX para caracterizar o trabalho por peça. O que se denominava “marchandage” era
um tipo de subempreita e um termo utilizado para designar as tarefas remuneradas por peça,
a partir do qual são derivados os seguintes termos em francês, segundo o autor: piérçardes,
piéceuses, piéçards, piéceurs, tacheronnes, stacherons e tacheurs.
Alguns autores recentes, no entanto, afirmam categoricamente que: “o trabalho sob
demanda não é novo, mas uma aplicação contemporânea do salário por peça. Se a história
realmente se repete, o melhor que podemos fazer é estar preparados” (ALKHATIB;
BERNSTEIN; LEVI, 2017, p. 4616). Dubal (2020) também concorda que os motoristas da
Uber e os microtrabalhadores são remunerados por peça.
Abílio (2019), desmistificando o fato de que esse tipo de trabalho seria apenas
produto das inovações tecnológicas, afirma que, ao contrário dos países europeus e da
América do Norte, para os quais as mais novas formas de trabalho precário aparecem como
novidade, nos países da América Latina e, particularmente, no Brasil, o trabalho informal
sempre foi expressivo. A autora define o trabalhador em plataformas digitais como “um
autogerente-subordinado que já não é contratado, mas que se engaja no trabalho via a adesão
às plataformas” (ABILIO, 2019, p. 2). Antunes e Filgueiras (2020), apesar de não
desenvolverem em profundidade a questão da forma de remuneração, afirmam que os
trabalhadores estão sendo remunerados por tarefa ou lapsos temporais mínimos, como horas,
sem garantia de jornada e remuneração (ANTUNES, 2020).
Guilherme Nunes Pires (2020) é categórico em afirmar que os trabalhos da chamada
Gigs Economy (Economia de bicos), terminologia utilizada nos países europeus e nos EUA
para definir as formas recentes de trabalho precário, como o trabalho digital, são uma forma
de salário por peça. Para o autor, assim como é defendido nesse trabalho, esse tipo de
98
remuneração se generaliza com as novas tecnologias diante da necessidade do capital em
diminuir os custos com a força de trabalho e aumentar a exploração (PIRES, 2021).
Como parte dessa pesquisa, foi aplicado um questionário via Google Forms que foi
respondido de forma anônima por 87 entregadores de 19 estados do país. Um informante
chave permitiu o acesso a grupos de conversas em plataformas digitais de entregadores,
sobretudo, daqueles que trabalham com motos. No corpo do texto da mensagem de disparo
do questionário foi esclarecido que era uma pesquisa voltada aos entregadores de moto em
plataformas digitais de entrega.
5.1 O salário por peça permite a introdução de intermediários que subalugam o
trabalho
Como foi descrito acima, as plataformas de trabalho digital são intermediadoras e
elas mesmas reconhecem essa função. Recentemente a empresa iFood introduziu a categoria
de entregador “Operador Logístico”. Ao que parecer esse é uma categoria introduzida
somente no Brasil. Com a introdução dessa categoria, a organização realiza contratos com
empresas de delivery como subsidiárias e essas agenciam o trabalho de motoboys
cadastrados no iFood. Esses trabalhadores possuem uma jornada de trabalho fixa por
semana, apesar de não possuírem nem salário fixo, nem férias, nem folgas remuneradas ou
13º salário. No entanto, conforme afirmam os próprios trabalhadores, a plataforma passa a
estimular uma ou outra modalidade, repassando mais pedidos ou bloqueando trabalhadores.
Em Campinas, interior de São Paulo, desembargadores da 11ª Câmara do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região reconheceram a existência de vínculo de emprego entre
um motoboy e uma empresa de entrega de refeições que era subcontratada ou subsidiária do
iFood na modalidade Operador Logístico. Na decisão, os desembargados afirmam que se
trata de uma lógica muito parecida a de agenciadores do trabalho da construção civil e do
ramo têxtil:
A empresa de transportes alegava que o motoboy era trabalhador autônomo, que
não existia exclusividade na prestação de serviços e que ele teria realizado por
iniciativa própria o cadastro no aplicativo da empresa. Já a iFood alegou que não
atua na atividade de delivery, serviço que seria objeto social da primeira
reclamada. Para a multinacional, sua atividade econômica consiste
exclusivamente no fornecimento de plataforma digital, que faz a intermediação
entre clientes, restaurantes e entregadores (TRT 15ª REGIÃO, 2020).
Ademais,
99
O motoboy não podia, por exemplo, enviar substituto nos dias em que não fosse
ao trabalho, recebia pagamento quinzenal, não tinha autonomia para alterar o
turno, tinha escala a cumprir, tempo para realizar as entregas, além de prestar o
trabalho de forma contínua (TRT 15ª REGIÃO, 2020).
No seu site, a plataforma afirma que o Operador Logístico é “uma empresa contratada
pelo iFood para administrar grupos de entregadores disponíveis em dias e horários préestabelecidos. Todos os valores de rotas e gorjetas são repassados para o OL e este é
responsável pelos valores devidos aos seus entregadores” (IFOOD, 2020). Isso se trata de
uma subcontratação ou quarteirização, se considerarmos a própria plataforma como um
agenciador ou intermediador. Essas empresas contribuem atendendo regiões específicas e
complementando a frota em determinados dias e horários (MACHADO, 2020).
Os entregadores chamam aqueles que trabalham nessas subsidiárias de “OL”, uma
sigla para “Operadores Logísticos” e os gerentes dessas empresas de “Líderes de Praça” ou
“Chefe OL”. O entregador precisa cumprir um horário fixo todos os dias, com direito a uma
folga por semana, desde que negociada com antecedência e ele não pode desligar o aplicativo
quando quiser nem decidir ficar em casa em determinado dia, mas não tem salário fixo, nem
férias nem folga remunerada, recebendo igualmente ao trabalhador “Nuvem”, como são
denominados os demais entregadores, ou seja, por pedido entregue (MACHADO, 2020).
Dessa forma, a plataforma estimula o ingresso em uma ou outra categoria, adota um
novo regime de trabalho, conforme a conveniência, e essa é, também, uma forma de
estimular controvérsias e concorrência entre os trabalhadores e diminuir, por exemplo, o
efeito das greves, já que passa a ter um estoque de trabalhadores obrigados a trabalhar todos
os dias sem poder desligar o aplicativo.
Tendo em vista a existência da modalidade “Operador Logístico” na plataforma
iFood, o fato de que a maioria dos entregadores que responderam ao questionário trabalham
nessa plataforma e ainda que essa é na atualidade a maior plataforma de entrega de comida
da América Latina (FRANGIONE, 2021), decidiu-se fazer um recorte por categoria para
verificar se haveria diferença nas respostas dos trabalhadores.
5.2 Perfil dos entregadores que responderam ao questionário
Os gráficos abaixo (Gráficos 12 a 16) retratam um pouco o perfil dos entregadores
que responderam ao questionário. Todos trabalham para mais de uma plataforma. A iFood é
a plataforma na qual a maioria dos entregadores trabalham, seguida da Uber Eats, Rappi,
100
Loggi e 99 Food. Há também outras plataformas menores para as quais os entregadores
trabalham, como James, Ame Flash, Ibolt, Bee Delivery, Commis, Box Delivery, Lala Move,
Click Entrega, Delivery Center, Indriver e Americanas.
Gráfico 12 - Trabalha para qual (is) dos aplicativos abaixo?
Trabalha para qual (is) dos aplicativos abaixo ?
0
10
20
30
40
iFood
30
Uber Eats
99 Food
Outros
60
70
80
75
Rappi
Loggi
50
33
14
20
29
Fonte: Elaboração própria (2021)
101
Gráfico 13 - No iFood, você é
Fonte: Elaboração própria (2021)
Conforme demonstra o Gráfico 13, com relação à pergunta “No iFood, você é”, 87
entregadores responderam à pergunta. 60% declararam ser “Nuvem”, 36% “OL” e 4%
responderam a opção “Outros”. Nenhum “Chefe OL” respondeu ao questionário. Entre
aqueles que responderam “Outros”, as respostas variaram entre dois que responderam que
não trabalhavam para o iFood, um que respondeu que estava bloqueado e outros dois que
não responderam à pergunta.
102
Gráfico 14 - Em qual estado você mora?
Fonte: Elaboração própria (2021)
Conforme sinaliza o Gráfico 14, obtivemos resposta de entregadores com moradia
em dezenove estados de quatro regiões do país, com exceção da região norte, prevalecendo
respondentes de Rio de Janeiro (16), São Paulo (15), Rio Grande do Sul (11), Paraná (9) e
Pernambuco (9).
103
Gráfico 15 - Qual sua idade?
Fonte: Elaboração própria (2021)
Com relação à faixa etária, 48% declararam possuir entre 25 e 34 anos, 22% entre 35
anos e 44 anos e 21% até 24 anos.
Gráfico 16 - Qual seu gênero?
Fonte: Elaboração própria (2021)
104
O Gráfico 16 demonstra que 93% (81 respondentes) declararam ser do sexo
masculino e 6% (5 respondentes) feminino, 1% (1 respondente) preferiu não responder a
qual gênero pertencia.
Tendo em vista captar aspectos do trabalho em plataformas digitais e seu impacto
sobre a subjetividade dos trabalhadores e contrastar com a literatura sobre salário por peça e
por hora, o questionário foi dividido da forma apresentada a seguir.
Foram relacionadas algumas frases e, em seguida, pedia-se: “Sobre o trabalho em
aplicativo, numa escala de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo integralmente), dê sua
opinião sobre as frases abaixo”. Ademais, foram feitas algumas perguntas sobre jornada de
trabalho, renda, tempo de trabalho em plataformas digitais, mudanças na remuneração desde
que iniciou neste trabalho e perguntas pessoais.
5.3 Instrumento de trapaça capitalista e descontos salariais
Com relação a esse aspecto apontado pela literatura, os dados confirmam, conforme
os Gráficos 17 e 18 abaixo, que, para os entregadores, os critérios que definem a pontuação
deles não são claros, o que pode apontar para a existência de trapaças e descontos salariais.
Entre os “Nuvem”, 38% e outros 37% responderam que concordam integralmente ou
simplesmente concordam com a afirmação. Entre os “OL”, esse percentual foi de 28% e
34%.
Aqui cabe uma observação, apenas aqueles que responderam possuir uma pontuação
no aplicativo e pertencer a uma das duas categorias (“OL” ou “Nuvem”) foram direcionadas
a essa pergunta. Dessa forma, obtivemos 81 respostas ao questionário nesta questão.
105
Gráfico 17 - Os critérios que definem a pontuação dos entregadores não são claros
Fonte: Elaboração própria (2021)
Gráfico 18 - Sinto que o aplicativo trapaceia no valor das taxas de remuneração dos
entregadores
Fonte: Elaboração própria (2021)
O Gráfico 18 mostra que há uma concordância grande por ambas as categorias em
relação à ideia de que o valor das taxas repassado aos trabalhadores não é justo. 47% entre
os “OL” concordaram e concordaram integralmente com a afirmativa. Entre os “Nuvem”,
106
esse percentual foi de 62%. Entre os trabalhadores “Nuvem”, a desconfiança é maior em
relação à forma como é calculado o valor das entregas.
A possibilidade de as plataformas praticarem descontos salariais é um aspecto
ressaltado na literatura. As próprias plataformas afirmam que suas taxas de entrega variam
de acordo com “o clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e
complexidade do pedido” (FUTEMA, 2020). Além disso, não há qualquer possibilidade do
entregador acompanhar a determinação do valor dessas taxas. Ademais, há o fato de que as
plataformas têm utilizado o argumento de que não podem divulgar quaisquer informações
sobre o trabalho exercido pelos entregadores por questão de sigilo e proteção contra a
concorrência. O sistema de remuneração e cobrança de comissões não é claro, segundo
afirmam autores da área (DE GROEN; MASELLI, 2016, p. 10)
A falta de transparência e de informações a respeito do funcionamento das
plataformas digitais é também um aspecto que confirma que se trata de uma relação de
subordinação. O trabalho é definido pela programação realizada pela plataforma e modulado
a partir de aportes feitos pelos usuários ou consumidores (KALIL, 2019).
5.4 Percepções sobre a forma de remuneração
Segundo Marx (1984), o salário por peça permite ao capitalista uma medida precisa
da intensidade do trabalho: a qualidade do trabalho é controlada pelo próprio resultado, que
tem que possuir uma qualidade média para que o salário seja pago integralmente. Essas
características estão presentes no trabalho em plataformas digitais. Só é pago trabalho que
se corporifica numa mercadoria, ou seja, o trabalhador recebe por entrega ou pedido
concluído.
Conforme Gráfico 19 abaixo, 60% e 27% dos trabalhadores classificados como
Nuvem responderam que concordam integralmente ou simplesmente concordam que
recebem por entrega concluída, enquanto entre os “OL”, esse percentual foi,
respectivamente, de 30% e 40%.
107
Gráfico 19 - Eu recebo por entrega concluída
Fonte: Elaboração própria (2021)
5.5 Sentimento de liberdade, independência e autocontrole
A característica mais importante do salário por peça, no entanto, e que é visível no
trabalho em plataformas digitais, é a ilusão de liberdade e autonomia proporcionadas por
essa forma de remuneração. Isso é o que está por trás da disposição do trabalhador em
prolongar sua jornada de trabalho e intensificar o seu trabalho ao máximo, a fim de aumentar
a sua remuneração, porque ele “toma a sério a aparência do salário por peça, acreditando que
lhe pagam o que produziu e não sua força trabalho” (MARX, 1984, p. 645). “Trabalhe no
seu próprio ritmo”, “não tenha patrão” e “torne-se empresário” são alguns dos clichês mais
ouvidos na atualidade e ressaltados pelas plataformas digitais.
Conforme afirma Marx (1984), enquanto no regime de salário por tempo, o salário é
igual para todos os trabalhadores, com poucas exceções, no salário por peça, o salário diário
ou semanal pode variar com as diferenças individuais dos trabalhadores, sua habilidade,
força, energia e persistência.
Para Dubal (2020b), a remuneração por peça cria uma “subjetividade anti-bem-estar”,
que gera uma sensação de que o trabalho só depende dos trabalhadores e quando falham, a
responsabilidade é somente deles. Nesse sentido, o Gráfico 20, abaixo, teve como objetivo
verificar essa questão da ilusão de liberdade oferecida pela forma de remuneração.
108
Gráfico 20 - Sinto que tenho liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo eu
quiser
Fonte: Elaboração própria (2021)
A sensação de liberdade é maior entre os trabalhadores “Nuvem” e menor entre os
entregadores “OL”. Somando as colunas “discordo totalmente” e “discordo”, 70% dos “OL”
afirmam não sentir liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo quiserem,
enquanto entre os trabalhadores “Nuvem” 44% concordaram e concordaram integralmente,
bem como 23% discordaram e discordaram integralmente com a afirmativa.
Uma possível interpretação se deve ao fato de que o Operador Logístico, conforme
detalhado acima, trabalha em horários e dias fixos por semana e possui um chefe. Apesar da
sua remuneração continuar sendo por peça, esse trabalhador aparenta ter menor autonomia
e liberdade que o “Nuvem”. Como dito acima, essa é uma forma utilizada pelos capitalistas
de combinar diferentes regimes de trabalho na mesma empresa ou plataforma.
109
Gráfico 21 - Meu salário, ao final do mês só depende de mim
Fonte: Elaboração própria (2021)
Com relação à ideia de que o salário depende unicamente do esforço individual de
cada trabalhador, na forma de remuneração por peça, isso se deve ao fato de que o
trabalhador observa com seriedade a aparência do salário e acredita que lhe pagam
efetivamente pelo seu trabalho. Ambas as categorias “OL” e “Nuvem” tiveram uma
tendência maior ao concordar do que ao discordar da afirmação, conforme demonstra o
Gráfico 21.
Entre os trabalhadores “OL”, 47% concordam e concordam integralmente com a
afirmação, enquanto entre os trabalhadores Nuvem 52% concordaram e concordaram
integralmente. Essa diferença pode estar relacionada ao fato de que o trabalhador “Nuvem”
é o que mais se aproxima à forma de remuneração por peça clássica, sem a figura de um
patrão que controle seus horários e faça seu pagamento. O trabalhador “OL”, também
submetido à mesma forma de remuneração por peça, está subordinado ainda a um segundo
intermediário, que é a empresa subcontratada do iFood.
110
Gráfico 22 - Não consigo determinar quanto vou receber ao final do mês
Fonte: Elaboração própria (2021)
O Gráfico 22 revela mais uma característica do salário por peça, a indeterminação da
remuneração mensal. 47% entre os OL concordaram e concordaram totalmente com essa
afirmação, enquanto entre os “Nuvem” esse percentual foi de 62%.
Dubal (2020) demonstra que a situação dos trabalhadores em plataformas digitais é
ainda pior que das trabalhadoras imigrantes por peça nos EUA, no final do Século XIX.
Enquanto essas sabiam o valor que recebiam por cada peça de vestuário concluída, os
trabalhadores em plataformas convivem com a total falta de previsibilidade de renda. Os
trabalhadores não sabem quanto custa a sua hora de trabalho e não conseguem calcular
quanto conseguirão atingir de renda ao final do mês para as suas despesas.
Conforme demonstra Stefano e Aloisi (2018), as tarifas flutuam constantemente e são
alteradas sem que os trabalhadores tenham qualquer controle, tornando sua remuneração
mensal totalmente imprevisível.
111
Gráfico 23 - Sinto que quanto mais eu trabalho menos eu recebo
Fonte: Elaboração própria (2021)
Conforme Gráfico 23, 57% dos “OL” discordaram e discordaram totalmente com a
afirmação enquanto entre os “Nuvem” foram 40%. Essa percepção pode advir da forma de
remuneração uma vez que a cada “entrega” corresponde uma remuneração, quanto maior o
número de entregas maior o retorno financeiro recebido. Apesar da maioria em ambas as
categorias discordar da afirmação, entre os “Nuvem”, outros 36% afirmaram concordar e
concordar integralmente com a afirmativa, o que demonstra que não há uma opinião
predominante acerca dessa questão entre essa categoria.
5.6 Sentimento de concorrência e vigilância
Outro aspecto apontado pela literatura tanto sobre trabalho em plataformas digitais
como sobre salário por peça é que há um sentimento de concorrência entre os trabalhadores.
O salário por peça estimula a concorrência e a emulação entre os trabalhadores.
112
Gráfico 24 - Os demais entregadores são meus concorrentes
Fonte: Elaboração própria (2021)
Com relação à ideia de concorrência entre os trabalhadores, houve uma divergência
grande de opiniões em ambas as categorias. Somando os extremos, percebe-se que
predominou a discordância nas categorias em relação a essa afirmação. Isso pode indicar
que, apesar da forma de remuneração incidir estimulando a concorrência entre os
trabalhadores, há um sentimento, também, de solidariedade de classe, que foi perceptível em
algumas respostas à pergunta aberta do questionário, tais como:
Eles (os entregadores) que fazem o sistema funcionar, ou seja, sem entregador não
tem movimento nenhum (Entregador G).
Pra terminar eu gostaria que o aplicativo pagasse igualmente os motoboys de todo
o país (entregador P).
Não somos respeitados, do cliente ao estabelecimento. (Entregador L).
A maioria tem que correr igual um louco nas ruas para tentar fazer um dinheiro,
mas numa dessa a sorte acaba e lá se vai mais um entregador que deixa sua família
por uma taxa de entrega de 4, 5, 6 reais [...] (Entregador AC).
Nas respostas à pergunta aberta do questionário foi possível perceber que há uma
discrepância nas opiniões dos trabalhadores, alguns se solidarizando aos demais como
indivíduos na mesma situação e vítimas da exploração de um sistema, outros, no entanto,
possuem um discurso mais focado no mérito individual, tais como:
Acredito que deveria ser feito uma entrevista com os entregadores para analisar o
perfil. Pois muitos prejudicam a classe. Por falta de educação ou má fé (Entregador
AD).
113
Não tenho nada contra os apps acho que tudo que se faz na vida tem que ter um
mínimo de dedicação, vejo boys reclamando, eu não concordo, ninguém é
obrigado a ficar, mesmo reclamando, não vejo ninguém procurar outra coisa pra
fazer. Estou vendo muitos boys tentando arrancar dinheiro fácil, nada cai do céu.
Essa é minha opinião (Entregador AE).
Conforme demonstra o Gráfico 24, entre os “OL”, 44% discordaram e discordaram
totalmente com a afirmação, enquanto, entre os Nuvem, o percentual foi de 46%. No polo
oposto, entre os “OL”, 40% concordaram e concordaram integralmente e, entre os Nuvem,
esse percentual foi de 34%.
Uma das características do salário por peça, segundo Marx, é que essa forma de
remuneração torna desnecessário o trabalho de supervisão: “Sendo a qualidade e a
intensidade do trabalho controladas pela forma de salário, torna esta em grande parte
desnecessário o trabalho de inspeção” (MARX, 1984, p. 639).
Segundo Casilli (2019)19), as métricas de desempenho (curtidas, pontuações,
classificações, estrelas, número de seguidores, compartilhamentos, contatos), utilizadas no
trabalho em plataformas digitais, funcionam como métodos muito eficientes de controle e
disciplina do trabalho que podem resultar em sanções, sendo uma forma de monitoramento
e incentivo da produtividade em tempo real:
Esses indicadores são frequentemente associados a mecanismos de gamificação
(ganhar emblemas, guloseimas, eventos desencadeadores em troca de dados
pessoais e contribuições), competição (comparação de pontuações entre diferentes
usuários de uma plataforma permitindo que sejam classificados de acordo com o
desempenho) ou autoavaliação (revisão de atividades, análise dos intervalos de
tempo mais produtivos, etc.) (CASILLI, 2019, p. 260).
A Uber adotou em algumas cidades brasileiras o Programa 6 Estrelas, que diferencia
os motoristas em três categorias: prata, ouro e diamante. A nota mínima do motorista na
plataforma para pertencer a esse programa foi de 4,75 e a menor quantidade de corridas foi
de 240. Essa foi uma forma de incentivar o trabalhador pela pontuação a trabalhar mais e em
trocar receber suporte prioritário e “promoções” exclusivas, ou seja, com a promessa de uma
remuneração um pouco maior. Segundo Renan Kalil (2019), ainda, os trabalhadores relatam
que a constante alteração das regras da plataforma, como o sistema de avaliação, gera
ansiedade e insegurança, porque podem afetar a média das notas dos motoristas e
comprometer a permanência na plataforma e, ainda, porque criam dificuldades na previsão
da renda média possível de obter ao final do mês (KALIL, 2019).
114
Woodcock (2020) demonstra como o processo de mensuração do trabalho é
combinado com o sistema de pagamento por peça, nas plataformas digitais. O autor
identifica que a Deliveroo adotou um modelo de organização em que todo o pagamento é
por peça, promovendo uma transição do pagamento por hora para o pagamento unicamente
por peça, para incentivar os trabalhadores a realizar entregas de forma pontual. Ele
demonstra como isso facilita a supervisão do trabalho:
Para que haja uma ilusão de controle na Deliveroo, o processo de mensuração é
combinado com o sistema de pagamento por peça. Essa ilusão é uma tentativa de
inculcar nos trabalhadores os imperativos de gestão. Diferentemente de uma
fábrica ou call-center, o supervisor não está mais presente, o que remove o aspecto
físico. O controle vai além da supervisão dos trabalhadores para garantir que
estejam trabalhando de forma efetiva. O controle está relacionado à superação da
resistência do trabalhador (WOODCOCK, 2020, p. 42).
Os bloqueios também são uma forma de controle e supervisão do trabalho e uma
forma de punição. São realizados por uma avaliação mal feita por um cliente ou pela
participação em movimentos grevistas.
Stefano e Aloisi (2018) relatam um conjunto de ferramentas utilizadas para controle
dos trabalhadores que envolve um sistema de vigilância estrito, com base nas avaliações do
cliente, recursos de Sistema de Posicionamento Global (GPS), tecnologia de código de
barras, restrições de tempo, métricas constantes, capturas de telas regulares, taxas de
respostas e algoritmos obscuros ou a possibilidade de determinar a localização do
desempenho e a alocação de tempo.
Wagner Oliveira, o primeiro motorista a ser expulso da Uber no Brasil, afirmou sobre
o sistema de vigilância exercido pela plataforma, conforme relatado por jornalista:
O algoritmo substitui o gerente da empresa, que fica no pé do funcionário, e
substitui o capataz da fazenda, que dava chicotadas nos escravos. E ele não dorme.
É uma máquina, uma função do computador, e faz uma vigilância implacável do
motorista 24 horas por dia. [...] A Uber é um negócio de espionagem, no segundo
plano. Eles estavam me espionando. Eles ligam a câmera e o áudio do motorista
dentro do carro, escutam a conversa e filmam tudo, sem o passageiro saber
(GIOVANAZ, 2021).
Nesse sentido, o Gráfico 25 abaixo buscou verificar esse aspecto apontado pela
literatura.
115
Gráfico 25 - Me sinto vigiado o tempo todo
Fonte: Elaboração própria (2021)
É possível concluir que a maioria dos entregadores concorda que se sente vigiado o
tempo todo pela plataforma. 57% entre os “OL” concordaram e concordaram totalmente com
a afirmação, enquanto entre os “Nuvem” esse percentual foi de 50%.
Foi perguntado ainda aos trabalhadores se eles consideravam que a adoção da
Carteira de Trabalho pelas plataformas digitais influenciaria no sentido de uma queda na sua
remuneração. Esse aspecto foi apontado porque é motivo de polêmica entre os próprios
entregadores, como foi possível observar nos grupos de conversa aos quais a pesquisadora
teve acesso e porque, conforme aponta a literatura, variando o salário por peça conforme a
energia, persistência e disposição do trabalhador em prolongar sua jornada ou intensificar
seu trabalho, permite a elevação de salários individuais, o que levaria alguns trabalhadores
a discordar da adoção da Carteira de Trabalho. O regime CLT pressupõe, ainda, uma jornada
fixa de trabalho, ou seja, a pergunta também teve como objetivo auferir o sentimento de
liberdade dos trabalhadores no serviço realizado em plataformas digitais.
116
Gráfico 26 - Se for adotada a Carteira de Trabalho, minha renda irá cair
Fonte: Elaboração própria (2021)
O Gráfico 26 revela uma disparidade muito grande de opiniões entre os trabalhadores
de ambas as categorias em relação à adoção de Carteira de Trabalho. 38% entre os “Nuvem”
concordaram contra 37% que discordaram. E 47% entre os “OL” discordaram da afirmação
contra 36% que concordaram. No total, sem fazer distinção em relação à categoria do
trabalhador na plataforma, somando as duas, têm-se que 83% discordaram da afirmativa,
74% discordaram e 42% se declararam neutros. Em outras palavras, predomina, com ligeira
diferença, a discordância em relação à sentença. Mesmo que a forma de remuneração
proporcione, segundo a literatura, um sentimento de liberdade e autonomia e aumento dos
salários individuais, há uma sinalização por parte da maioria dos entregadores respondentes
no sentido de que a adoção da Carteira de Trabalho seria positiva. Ressalta-se que foi maior
a divergência de opiniões entre os “Nuvem” que entre os “OL”, que já cumprem um sistema
de horários fixos de trabalho, porém não possuem remuneração mensal fixa.
Conforme Stefano e Aloisi (2018), os empregos criados nas plataformas digitais são
precários e extremamente mal remunerados para a maioria dos trabalhadores. Ingressam nas
plataformas os trabalhadores que estavam no mercado informal ou no desemprego, sem
perspectiva de emprego formal (IPEA, 2020).
117
5.7 Forma de imposição de jornadas longas e de trabalho intenso
Conforme afirma Marx (1984), no salário por peça, o trabalho é controlado pelo
próprio resultado, de forma que os trabalhadores se veem obrigados a estender sua jornada
de trabalho ou intensificar seu trabalho para concluir uma tarefa ou entrega.
O relatório da pesquisa realizada pela Remir, no Brasil, concluiu enfaticamente:
“Esses resultados não deixam margem a dúvida sobre um movimento de manutenção de
longos tempos de trabalho, associado à queda da remuneração desses trabalhadores”
(ABILIO et al, 2020). Dubal (2020) relata trechos de entrevistas com microtrabalhadores
que expressa essa disposição do trabalho em impor a si mesmo longas jornadas, graças à
forma de remuneração por peça:
Quando perguntei a Janey como ela decidiu que já havia trabalhado o suficiente
em um dia, ela respondeu que só depois de cumprir suas metas financeiras é que
se permitiu descansar: “Se eu precisar ganhar $ 50 para pagar o aluguel, então vou
trabalhar dezesseis horas seguidas. O que for preciso fazer...Mas então há aqueles
momentos em que você não é pago ou seu trabalho é rejeitado...então você não
pode prever o tempo ou o dinheiro, realmente. Mas você faz o melhor que pode”
(DUBAL, 2020).
Entrevistas realizadas por Dubal (2020) revelam como os microtrabalhadores
impõem para si mesmos longas jornadas, que excedem em muito as oito horas diárias, pelas
quais não recebem horas extras. Eles estipulam metas financeiras e só param de trabalhar
quando conseguem alcançá-las. Muitos deles possuem a urgência em competir e completar
tarefas e vivem um sentimento de crise perpétua, conforme relata a autora.
Pelos algoritmos, as empresas aplicam mecanismos para prolongar a jornada de
trabalho desses trabalhadores. Dubal (2020) apresenta o relato de um motorista na Uber que
possui certeza de que a empresa sabia que ele havia estabelecido uma meta financeira diária
a ser atingida e que procuravam utilizar isso para mantê-lo trabalhando por mais horas. Dubal
(2020) afirma que os algoritmos usam incentivos psicológicos para manipular o preço por
peça e incentivar os trabalhadores a trabalhar mais por salários reduzidos.
Scheiber (2017) relata que a Uber e a Lyft, empregando centenas de cientistas sociais
e de dados, experimentam técnicas de videogame e alavancas psicológicas para prolongar a
jornada dos motoristas. Uma delas é o despacho direto, que efetua uma corrida para um
motorista antes que a atual termine, fazendo com que eles permaneçam trabalhando por
muito mais tempo, sem período de descanso. Outro mecanismo é o envio da seguinte
mensagem de texto, quando o trabalhador sinaliza que vai encerrar sua jornada de trabalho:
118
“Você está a U$ 10 perto de ganhar $ 330 em ganhos líquidos. Tem certeza de que deseja
ficar off-line?” (SCHEIBER, 2017).
Woodcock (2020) aborda também esse mecanismo utilizado pelas empresas de
enviar uma mensagem ao trabalhador afirmando que o tempo que ele levou para realizar
determinada entrega foi abaixo do tempo médio de entrega, no entanto, sem informar qual é
esse tempo médio. Essa é uma forma de intensificar o trabalho, o que só é possível dada essa
forma remuneração por peça (WOODCOCK, 2020).
Engenheiros de software programam o algoritmo da plataforma para manipular a
oferta de bônus ou “promoções” aos motoristas para fazê-los dirigir por mais horas. “Os
trabalhadores são comparados a coelhos, em que se deve manter a cenoura (ou o dinheiro) à
sua vista para que continuem andando (ou dirigindo)” (FOWLER, 2018). A plataforma adota
técnicas de vídeo game, gráficos e recompensas não monetárias de caráter simbólico para
induzir os motoristas a trabalharem mais, inclusive em horários e locais menos rentáveis
para eles (SCHEIBER, 2017).
Outra forma de combinar diferentes regimes de trabalho no interior de uma mesma
plataforma é o “RappiTurbo”, um botão de aceitação automática adotado pela Rappi que
obriga o trabalhador a realizar todas as entregas que são destinadas a ele. Essa é uma maneira
da plataforma direcionar rotas ruins ou distantes ou em locais de difícil acesso. A Rappi
promete aumento de ganhos de 50% com ativação do “RappiTurbo”, afirmando que o
trabalhador será priorizado e receberá mais pedidos em menos tempo (RAPPI, 2021).
Tendo em vista esses aspectos apontados pela literatura, foram elaboradas algumas
perguntas sobre a disposição do trabalhador em ampliar sua jornada de trabalho ou
intensificá-lo. Essas duas tendências foram confirmadas pelos gráficos a seguir.
Cumpre ressaltar que os Gráficos a seguir se referem a 82 respostas não mais a 87,
isto porque cinco entregadores não responderam a qual categoria pertenciam, se “OL” ou
“Nuvem”.
119
Gráfico 27 - Se, ao final de um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte
mensagem: “Faça 10 entregas agora e receba R$ 200,00”. O que você faz? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
Gráfico 28 - Se, ao final de um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte
mensagem: “Faça 10 entregas agora e receba R$ 200,00”. O que você faz? – Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
120
Conforme sinalizam os Gráficos 27 e 28 acima, diante da pergunta: “Se, ao final de
um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte mensagem: “Faça 10 entregas
agora e receba R$ 200,00”. O que você faz?”, a maioria dos entregadores (77% entre os
“OL” e 75% entre os “Nuvem”) declarou que aceitaria prolongar um pouco mais sua jornada.
13% entre os “OL” e 8% entre os “Nuvem” afirmaram, no entanto, que não aceitariam. 10%
entre os “OL” e 17% entre os “Nuvem” optaram por responder “Outros”.
Em “Outros”, obtivemos muitas respostas interessantes que apontam para a tendência
de que a esmagadora maioria dos entregadores aceitaria fazer as entregas, tais como:
“dependendo de outros fatores, como contas a pagar, talvez eu aceite”; “com certeza, se não
tiver compromisso, e a maioria que eu conheço faria”; “depende de quantas horas trabalhei
e do meu nível de cansaço” e “vai depender da minha disposição”.
Alguns apontaram para o fato de que esse valor seria impossível receber em dez
entregas ou que seria difícil realizar essas entregas no final do dia: “Para fazer as dez
entregas, no mínimo, dependendo do aplicativo são cinco horas, então não dá”; “Faria
sorrindo, raramente nos últimos meses, trabalhando de 10:30 às 00:00 tenho conseguido
fazer tal valor”; e “Se fosse na parte da manhã, sim. No final do dia, muito difícil fazer dez
entregas, depois das 22 horas”.
Gráfico 29 - Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que
você faz? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
121
Gráfico 30 - Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que
você faz? – Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
Com relação à disposição em intensificar seu trabalho, foi feita a seguinte pergunta:
“Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que você faz?”. Os
Gráficos 29 e 30 mostram que a disposição é muito maior entre os entregadores “Nuvem”
(90%) que entre os “OL” (77%). Em “Outros”, 10% entre os “OL” e apenas 2% entre os
“Nuvem”, obtivemos muitas respostas interessantes, tais como: “Aceito até onde eu
conseguir fazer”, “Sempre analiso a relação percurso e valor pago”, “depende do aplicativo,
para a maioria deles, não podemos rejeitar, senão somos penalizados”, “ele já faz isso a todo
momento, e não existe isso de escolher as corridas que você quer, nós temos que fazer todas
pois existem penalizações, por não aceitar ou rejeitar corridas, penalizações severas que vão
de ficar sem receber pedidos por horas até bloqueio na plataforma”.
Outro entregador afirmou ainda sobre a intensidade de trabalho na plataforma,
mesmo sendo “OL”: “eu sou entregador “OL”, meu aplicativo até tem a função de pausa,
mas raramente consigo acioná-la quando quero. Dependendo da demanda do dia, aparece a
mensagem:
[...] estamos com alta demanda no momento, deixa a pausa para mais tarde e
aproveite para fazer mais entregas agora’...só falta um termo pejorativo como
escravo ou otário no final da frase, pois, às vezes, mesmo após sete horas
trabalhadas sem pausa, quando tento acionar a pausa, a tal mensagem aparece.
(Entregador AD).
122
5.8 Desocupação relativa ou absoluta, sistema de pontuação e metas
A desocupação relativa ou absoluta é um aspecto bastante visível do trabalho em
plataformas digitais. Os entregadores ficam à espera de uma entrega, que pode variar muito
de acordo com o dia, sem eles saberem ao certo porque isso acontece, conforme relata um
entregador em seu canal no Youtube, que afirma que houve dias em que ele ficou o dia inteiro
esperando por um pedido: “A espera [entre um pedido e outro] fica fatigando a gente”
(FERNANDES, 2020).
Segundo Huws (2016), a jornada de trabalho nessas plataformas inclui períodos de
inatividade, quando os trabalhadores estão com os telefones ligados aguardando pedidos.
Não há qualquer previsibilidade quanto à disponibilidade de trabalho (HUWS, 2016). Como
não há local definido de trabalho, qualquer lugar com conexão à internet é um espaço de
trabalho.
Lucas Pereira Nacre, outro entregador em plataformas digitais com canal no Youtube,
tenta desvendar esses motivos e aponta que o trabalhador não pode ter más avaliações por
parte dos clientes, nem atrasar na entrega e precisa possuir uma pontuação boa na plataforma
para receber mais pedidos (NACRE, 2020).
Uma forma de mensuração do trabalho adotada por essas plataformas é o sistema de
pontuação ou “score”. É preciso ter uma pontuação mínima para receber pedidos ou ter
acesso a todos os locais de entrega. Esse sistema penaliza o trabalhador que decidir, por
exemplo, se desconectar da plataforma e ficar alguns dias de folga, uma vez que, ao retornar,
sua pontuação cai e ele deixa de receber pedidos. Em outras palavras, o sistema de pontuação
é uma forma de gerenciar a desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho e uma
forma de controle. Se o motorista for bloqueado em razão de um atraso na entrega ou
reclamação do cliente, a sua pontuação cai na plataforma. Assim descreveu um entregador
na pergunta aberta feita ao final do questionário: “Eles bloqueiam muito os motoboys.
Sempre a preferência é do cliente. Fui bloqueado ontem pelo aplicativo e não sei se vou ser
desbloqueado, o cliente recebeu pedido e alegou que não recebeu” (Entregador AE).
123
Assim define Alessandro da Conceição, presidente da Associação de Entregadores e
Motofretistas Autônomos do Distrito Federal: “É uma forma de obrigar a pessoa a aceitar
todos os pedidos e a trabalhar todos os dias” (FUTEMA, 2020).
Gráfico 31 - Você tem uma pontuação no (s) aplicativo (s)? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
Gráfico 32 - Você tem uma pontuação no (s) aplicativo (s)? – Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
124
Os Gráficos 31 e 32 acima confirmam o que a literatura apontou. A maioria dos
entregadores relataram possuir uma pontuação na plataforma (77% entre os “OL” e 83%
entre os “Nuvem”), no entanto, é expressivo o percentual daqueles que declararam não saber
responder à pergunta (20% entre os “OL” e 17% entre os “Nuvem”).
Como um trabalhador “OL” apenas declarou não possui uma pontuação na
plataforma, as perguntas seguintes contêm informações de somente 81 entregadores, pois
era um condicionante ter respondido “sim” à pergunta anterior para responder às perguntas
sobre o sistema de pontuação.
Conforme é possível observar, a maioria concordou que o prolongamento da jornada
de trabalho pode incidir positivamente na pontuação recebida, assim como a intensificação
do trabalho. Houve, ainda, concordância entre a maioria dos trabalhadores em relação a um
receio em ficar alguns dias desconectado da plataforma e isso levar a uma queda na sua
pontuação.
Gráfico 33 - Sinto que se trabalhar mais horas, minha pontuação aumenta
Fonte: Elaboração própria (2021)
No Gráfico 33, entre os trabalhadores “OL”, 55% concordaram e concordaram
integralmente com a afirmação contra 21% que afirmaram discordar e discordar totalmente.
Entre os “Nuvem”, foram 56% contra 25% que discordaram e discordaram integralmente.
125
Esses dados revelam que a maioria dos entregadores sente que se prolongar sua jornada de
trabalho obterá uma maior pontuação na plataforma, apontando que o sistema de pontuação
incide no sentido de incentivar o trabalho em quantidade cada vez maior de horas. Essa é
uma forma de obrigar o trabalhador a aceitar todos os pedidos e trabalhar todos os dias da
semana. O sistema de pontuação atua como uma forma a mais de controle e vigilância sobre
o trabalho.
Gráfico 34 - Sinto que se realizar mais entregas em menos tempo, minha pontuação
aumenta
Fonte: Elaboração própria (2021)
O Gráfico 34 mostra que, entre os “OL”, 55% afirmaram concordar e concordar
integralmente com a sentença, enquanto, entre os “Nuvem”, esse percentual foi de 48%.
Discordaram e discordaram totalmente com a afirmação 28%, entre os “OL”, e 23%, entre
os “Nuvem”. Esses dados revelam que, apesar da plataforma não afirmar isso explicitamente,
os entregadores sentem que se intensificarem seu trabalho, ou seja, se realizarem mais
entregas em menor período, obterão uma melhor pontuação, recebendo mais entregas.
126
Gráfico 35 - Fico receoso de tirar uns dias de folga e minha pontuação cair
Fonte: Elaboração própria (2021)
No Gráfico 35, 52% dos trabalhadores “OL” responderam concordando e
concordando integralmente com a sentença, enquanto esse percentual foi de 67% entre os
Nuvem. Aqui fica claro que os trabalhadores compreendem que não podem optar por
desconectar da plataforma por alguns dias de folga, porque serão penalizados por isso com
uma queda na sua pontuação impactando na quantidade de pedidos recebidos e, portanto, na
remuneração. Esse dado sinaliza para o fato de que o sistema de pontuação incide no sentido
de incentivar que o trabalhador permaneça trabalhando ininterruptamente, sem dias de
descanso ou folga. Esse é um outro fator que corrobora aquilo que a literatura acerca do
salário por peça estabelece como característico dessa forma de remuneração.
127
Gráfico 36 - Você tem uma meta a ser atingida no seu trabalho em aplicativos? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
Gráfico 37 - Você tem uma meta a ser atingida no seu trabalho em aplicativos? - Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
Com relação à pergunta sobre se o trabalhador possuía uma meta a ser atingida no
seu trabalho na plataforma digital, representada nos Gráficos 36 e 37, obtivemos 82
respostas. 97% dos entregadores “OL” responderam positivamente e 88% entre os “Nuvem”.
128
5.9 Meta de remuneração
Nas perguntas seguintes, responderam 76 entregadores. 6 entregadores declararam
não possuir uma meta a ser atingida no seu trabalho, na pergunta anterior, e por isso foram
direcionados à outra seção do questionário.
Gráfico 38 - Qual sua meta de remuneração por dia nesse trabalho? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
129
Gráfico 39 - Qual sua meta de remuneração por dia nesse trabalho?
Fonte: Elaboração própria (2021)
Com relação à meta de remuneração, os Gráficos 38 e 39 mostram que, entre os
“OL”, 28% afirmaram possuir uma meta de R$ 150,00 a ser atingida por dia trabalhado,
seguidos por 21% que afirmaram possuir uma meta de R$ 200,00 e R$ 100,00 e, em seguida,
14% que responderam possuir uma meta de R$ 70,00.
Entre os “Nuvem”, 23% afirmaram possuir uma meta de R$ 100,00, 21% uma meta
de R$ 150,00 e de mais de R$ 200,00, seguidos por 13% que afirmaram possuir uma meta
de R$ 70,00. Conforme é possível observar por esses dados, é maior entre os “Nuvem” o
percentual que respondeu ter como meta mais de R$ 200,00.
O estabelecimento de uma meta a ser atingida faz parte do sistema de salário por
peça. O trabalhador se autoimpõe uma meta diária, expressa em reais, a ser atingida. Para
atingir essa meta, ele prolonga ou intensifica seu trabalho. Conforme vistos nos Capítulos
anteriores, as metas individualizadas de produção são uma forma de coerção do trabalhador.
Nesse sistema, cada trabalhador possui um salário que corresponde exatamente ao esforço
empreendido e o não alcance da meta passa a ser sinônimo de fracasso pessoal. Dubal (2020)
relata que as plataformas sabem que o trabalhador possui uma meta diária e evidenciam isso
para mantê-lo trabalhando por mais horas.
130
Isso pode ocorrer pelo fato de que os trabalhadores “Nuvem” se encontram no regime
clássico do salário por peça, diferentemente dos “OL”, que possuem horários fixos de
trabalho.
5.10 Remuneração
Com o objetivo de estimar a remuneração bruta auferida neste trabalho pelos
entregadores, foi feita a seguinte pergunta: “Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em
aplicativos na semana passada?”.
Gráfico 40 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana
passada? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
131
Gráfico 41 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana
passada? – Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
Gráfico 42 - Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana
passada? – OL e Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
132
Como é possível observar nos Gráficos 40 e 41, a maioria declarou ter recebido entre
R$ 101,00 e R$ 600,00 semanais, entre os “Nuvem” (61%), e entre R$ 201,00 e R$ 800,00,
entre os “OL” (60%). Em outras palavras, estamos falando de uma renda mensal,
possivelmente, de R$ 454,50 a R$ 2.700,00 entre os “Nuvem” e R$ 900,00 a R$ 3.600,00
entre os “OL”. Essa é uma remuneração muito baixa, pois, como vimos acima, ela é possível
porque o trabalhador estende ao máximo sua jornada de trabalho e assume todos os seus
custos e riscos.
Há uma certa expressividade daqueles que declararam ter recebido entre R$ 1.001,00
e R$ 1.200,00, entre os “OL” (13%). Isso pode confirmar algumas das especulações dos
próprios trabalhadores com relação à tendência da plataforma a direcionar atualmente mais
entregas aos trabalhadores “OL”.
Quando computamos todos os dados em um único gráfico, sem separar por categoria
no iFood, como expressa o Gráfico 42, chega-se à conclusão de que os respondentes recebem
em média entre R$ 201,00 e R$ 600,00 semanalmente, ou seja, recebem aproximadamente
em torno de R$ 904,50 e R$ 2.700,00 mensais.
5.11 Jornada de trabalho
A jornada de trabalho é, sem dúvida, um aspecto principal da análise. Responderam
a esta pergunta 82 entregadores. As primeiras perguntas dessa etapa tiveram como objetivo
verificar o máximo de horas já trabalhadas em um dia.
133
Gráfico 43 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse
trabalho por aplicativo? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
Gráfico 44 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse
trabalho por aplicativo? – Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
Como é possível observar nos Gráficos 43 e 44 acima, a maioria dos entregadores
relatou já ter realizado uma jornada de trabalhado entre 11 e 13 horas (33%, entre os “OL”
134
e 35% entre os “Nuvem”) e entre 14 e 16 horas (33% entre os “OL” e 33% entre os
“Nuvem”). Houve, ainda, 13% em ambas as categorias que declararam já terem trabalhado
entre 17 e 19 horas em um dia e ainda 3%, entre os “OL”, e 2% entre os “Nuvem”, que
afirmou terem trabalhado entre 20 e 22 horas em um dia.
Gráfico 45 - Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia nesse
trabalho por aplicativo? – OL e Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
Esses dados corroboram com o apontado pela literatura, ou seja, a forma de
remuneração por peça permite o prolongamento da jornada até o limite máximo da
capacidade física de cada trabalhador em um dia de trabalho. O Gráfico 45, que agrupa todas
as respostas, independente da categoria do entregador no iFood, revela que os trabalhadores
declararam já ter trabalhado entre 11 e 13 horas e entre 14 e 16 horas em um dia. Há até
mesmo 13% deles que afirmou ter trabalhado entre 17 e 19 horas e ainda 2% que afirmou
ter trabalhado entre 20 e 22 horas.
135
Gráfico 46 - Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da
semana, sem nenhum dia de folga? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
Gráfico 47 - Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da
semana, sem nenhum dia de folga? - Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
136
Outra pergunta feita no sentido de verificar a jornada de trabalho extenuante dos
entregadores foi esta: “Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias
da semana, sem nenhum dia de folga?”. Obtivemos 82 respondentes nessa questão. 77%
entre os “OL” e 79% entre os “Nuvem” responderam que já trabalharam todos os dias em
um determinado mês. Esse dado é muito grave e, somado aos gráficos anteriores e os
próximos sobre a jornada de trabalho, revela que esses trabalhadores possuem uma jornada
muito longa e não possuem sequer um dia de descanso semanal.
Um trabalhador acrescentou ao responder “sim”: “teve sim, por opção minha, já que
não tinha alcançado minha meta nos dias anteriores e precisava cobrir essa falha”,
confirmando a incidência da forma de remuneração no prolongamento da jornada.
Tendo em vista a dificuldade dos entregadores em calcular a quantidade total de horas
trabalhadas e o valor da sua remuneração em um determinado mês, outra característica da
forma de remuneração, para extrair informações sobre jornada foram feitas duas perguntas:
“Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho?” e “Na semana passada,
quantas horas você trabalhou nesse trabalho?
Gráfico 48 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
137
Gráfico 49 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
Gráfico 50 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL e
Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
138
Com relação à pergunta “Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse
trabalho?”, os Gráficos 48 e 49 mostram que obtivemos 82 respostas e a maioria dos
entregadores (84% entre os OL e 69% entre os Nuvem) declarou que trabalhou de 6 a 7 dias
na semana anterior ao preenchimento do questionário, ou seja, essa é a principal ocupação
deles. 37% entre os OL e 42% entre os Nuvem declararam que trabalharam os 7 dias da
semana, ou seja, não tiveram nenhum dia de folga. Aqui fica evidente que mesmo os OL
tendo horários fixos de trabalho, eles também têm realizado jornadas longas e sem folga. O
Gráfico 50, que agrupa todas as respostas, independente da categoria, revela que 40% dos
trabalhadores trabalharam 7 dias da semana e outros 34% 6 dias da semana.
Gráfico 51 - Na semana passada, quantas horas você trabalhou nesse trabalho? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
139
Gráfico 52 - Na semana passada, quantas horas você trabalhou nesse trabalho? – Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
Com relação à pergunta: “Na semana passada, quantas horas você trabalhou nesse
trabalho?”, conforme demonstram os Gráficos 51 e 52, 33% entre os “OL” e 27% entre os
“Nuvem” responderam ter trabalhado 54 horas ou mais.
É bastante expressivo o número daqueles que não souberam responder a essa
pergunta, 20% entre os “OL” e 25% entre os “Nuvem”. Foi inserida essa opção de resposta,
porque a literatura já havia demonstrado que os trabalhadores não sabiam precisar qual era
sua remuneração ou as horas trabalhadas, tendo em vista que ambas são extremamente
variáveis, variando todos os dias. Conforme é possível mostrar nos Gráficos 51, 52 e 53,
uma porcentagem alta de respondentes não sabe precisar quantos dias trabalhou nesse
trabalho na semana anterior ao questionário. Essa é outra característica do salário por peça,
pois como a remuneração é medida pela quantidade de corridas realizadas ou pelo valor
obtido em cada corrida, perde-se a noção do tempo total trabalhado no dia ou na semana.
140
Gráfico 53 - Na semana passada, quantos dias você trabalhou nesse trabalho? – OL e
Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
No Gráfico 53, que resume todos os dados, independente das categorias “OL” ou
“Nuvem”, a maioria (29%) declarou ter trabalhado 54 horas ou mais na semana anterior ao
preenchimento do questionário e outros 26% simplesmente afirmaram não saber quantas
horas haviam trabalhado. Isso pode sinalizar para o fato de que aqueles que responderam ter
trabalhado 54 horas ou mais é mais expressivo que 29%, tendo em vista que nesse trabalho
em plataformas digitais predominam as longas jornadas, conforme demonstra a literatura.
Também convém ressaltar que, como pode ser visto em ambos os gráficos, há uma
polarização entre os dois extremos da jornada de trabalho. Uma jornada normal de trabalho
no regime celetista hoje é de 40 a 44 horas. Em ambas as categorias, há uma baixa
expressividade em relação a essa jornada. Entre os “OL”, 0% declarou realizar essa jornada,
enquanto, entre os “Nuvem”, o percentual foi de 8%. No entanto, quando se observa, por
exemplo, a jornada de até 14 horas, entre os “OL”, esse percentual foi de 20% e, entre os
Nuvem, de 15%. Essa é uma característica do trabalho em plataformas digitais, conforme
apontou a literatura, a tendência à polarização da jornada de trabalho - ou se trabalha em
tempo parcial ou se trabalha de forma excessiva. Isso é, também, uma característica do
salário por peça e por hora: uma forma de remuneração adequada totalmente às demandas e
141
conveniências dos capitalistas, que combina trabalho excessivo com a desocupação relativa
ou absoluta da força de trabalho.
Gráfico 54 - Há quanto tempo você trabalha em aplicativos? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
142
Gráfico 55 - Há quanto tempo você trabalhou em aplicativos? – Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
Buscando auferir outro aspecto apontado pela literatura, o de que há uma tendência
a longo prazo de diminuição dos salários, foi elaborada uma pergunta para medir há quanto
tempo os entregadores que responderam ao questionário trabalham em plataformas digitais.
A maioria (40% entre os “Nuvem” e 48% entre os “OL”) relatou trabalhar entre 1 e 2 anos
nesse trabalho e 20% entre os “OL” e 27% entre os “Nuvem” afirmaram trabalhar mais de
2 anos.
143
Gráfico 56 - Você percebeu alguma mudança na sua remuneração hoje em relação ao
começo do seu trabalho em aplicativos? – OL
Fonte: Elaboração própria (2021)
Gráfico 57 - Você percebeu alguma mudança na sua remuneração hoje em relação ao
começo do seu trabalho em aplicativos? - Nuvem
Fonte: Elaboração própria (2021)
Quanto à mudança na remuneração em relação ao começo do seu trabalho em
plataformas digitais, 73 entregadores responderam. 77% entre os “OL” e 63% entre os
144
“Nuvem” declararam que, no começo do trabalho em plataformas digitais, sua renda era
maior em relação ao valor atual. Apenas 17% e 14%, respectivamente, afirmaram que hoje
possuem renda maior em relação à renda que tinha no início do seu trabalho como entregador
em plataformas digitais e uma minoria afirmou não ter sentido nenhuma mudança. Na opção
“Outros”, surgiram as seguintes respostas: “hoje ganha-se menos por mais horas trabalhadas
e em mais aplicativos”. Outro entregador afirmou que as plataformas estão “fisgando os
entregadores de seus trabalhos com carteira assinada” e que “antes nem bike tinha, depois
que inundaram o mercado (com motoristas de entregas), a profissão virou lixo”.
5.12 Gostaria de dizer algo sobre seu trabalho?
Ao final do questionário, os entregadores responderam à seguinte pergunta: “Gostaria
de dizer algo sobre seu trabalho de entregador que ainda não foi perguntado?”. Para facilitar
a leitura, atribuímos uma letra para a resposta de cada entregador. Foram obtidas muitas
respostas, entre reclamações, reivindicações e outras observações. Também obtivemos
respostas que confirmam a nossa hipótese de trabalho.
A maioria afirmou que as taxas de remuneração dos entregadores são muito baixas e
há valores muito discrepantes de remuneração a cada corrida:
Somos muito humilhados pelos clientes e pelos aplicativos. Não recebemos
remuneração justa (Entregador A).
As taxas de entrega deveriam ser muito melhores, por exemplo, receber 5,31 para
500 metros e os mesmos 5,31 para 3 km é sacanagem (Entregador B).
Os entregadores nuvem poderiam dizer não às taxas baixas, porque são a maioria
no Brasil (Entregador C).
Somos explorados, as taxas são bem injustas às vezes (Entregador D).
Outro entregador expressou bem o sistema de remuneração por peça demonstrando
a existência de uma enorme consciência entre os trabalhadores sobre o aspecto prejudicial
dessa forma de remuneração: “Odeio aplicativos, era tudo que os patrões queriam, tem
entrega te pago, não tem [...] e eu com isso? Sem vínculo. Estou me preparando para mudar
de profissão para a área da saúde” (Entregador E).
Outro trabalhador expressou uma visão diferente, mas que confirma o aspecto
apontado pela literatura de que essa forma de remuneração permite salários mais altos,
dependendo da energia e persistência do trabalhador para estender sua jornada ou intensificar
145
i seu trabalho: “Aqui é melhor que CLT, duvido que um (emprego) CLT vai pagar o que a
gente do App faz por semana. Quem trabalha certo praticamente ganha por semana um
salário que seria de CLT por mês” (Entregador F).
Muitos relataram as suas opiniões sobre a diferença entre as categorias “OL” e
“Nuvem” na plataforma iFood:
Trabalhar no iFood como OL (Operador Logístico) é como se fosse um trabalho
de carteira assinada, pois o entregador se preocupa em servir o empregador de
forma eficiente, porém o motoboy não é retribuído como espera. São muitas
exigências do iFood a essa categoria OL e pouco compromisso com os
entregadores [...]. Eles (os entregadores) que fazem o sistema funcionar, ou seja,
sem entregador não tem movimento nenhum (Entregador G).
Pra mim só falta ter um reconhecimento a mais para os Operadores Logísticos
(OL’s). Pois tem que cumprir o horário do mesmo jeito ou até mais que deveria.
Já um Nuvem pode trabalhar quando quiser, pode trabalhar fichado em outros
lugares (Entregador I).
Eu sou OL no iFood, eu tenho que cumprir horário, mas eu não ganho benefício
nenhum (Entregador J).
Sofro diversas ameaças do meu operador logístico, caso eu não siga as regras deles
(Entregador K).
Essa última afirmação é uma demonstração do salário por peça como “um sistema
hierarquicamente organizado de exploração e opressão” (MARX, 1984, p. 640).
Os entregadores relataram a completa inexistência de condições de trabalho, como a
ausência de banheiro ou abrigo, o alto grau de exposição a acidentes e assaltos, bem como a
perseguição e o medo de retaliação em caso de greves:
Não somos respeitados, do cliente ao estabelecimento. Muitos estabelecimentos
não tem abrigo para fazer a retirada do pedido onde ficamos de baixo de sol e
chuva. De muitos estabelecimentos não temos o fornecimento de banheiro
(Entregador L).
Está ficando cada vez mais inviável (Entregador M).
Sinto que devo me organizar para demandar o básico, mas ao mesmo tempo todos
que conheço que fizeram isso foram desligados do app sem motivo aparente
(Entregador N).
Um dia pretendo parar, não é vida, muito risco de assalto e acidentes (Entregador
O).
Muita gente não valoriza nosso trabalho, já me negaram água enquanto esperava
pra retirar pedidos, já negaram banheiro (eu trabalho de 10:30 a 00:00, inclusive
sábado e domingo, folgo em dia letivo), não tem banheiro nas ruas, sem contar o
medo de ser assaltado/furtado toda vez que temos de subir até a porta de cliente
preguiçoso ou indisposto por motivo de força maior (Entregador P).
146
Os bloqueios exercidos pela plataforma ocorrem de forma totalmente arbitrária,
como relatou um entregador:
O medo de tomar multa a cada vez que praticamente somos ‘obrigados’ a parar em
algum local obrigatório, seja pra retirar ou entregar algum pedido a tempo, pois se
chegar atrasado pra retirar o pedido você pode ser deslocado de sua tela e pode até
levar bloqueio do app (Entregador P).
Os bloqueios nesses apps acontecem e não temos a chance de nos defendermos!
(Entregador R).
Precisa de mais transparência (com relação aos critérios para exercer os bloqueios)
e não descontar de motoboy (Entregador S).
Outro entregador relatou sobre o sistema de vigilância exercido pela plataforma:
Se chegar atrasado pra entregar ‘aparentemente’ é ruim pra conta, ‘aparentemente’
porque nenhum entregador sabe exatamente como funciona a plataforma, a gente
vai testando na prática e teoria do dia a dia pra descobrir. Essa plataforma devia
valorizar mais o entregador, se o cliente reporta que o entregador não entregou seu
pedido (muito cliente quer lanchar sem pagar e faz isso), a primeira coisa que o
iFood faz é bloquear temporariamente o entregador [...]. São tantas
reinvindicações de melhorias que eu poderia escrever um livro, não se assuste com
meu empenho em teclar tudo isso, sou motoboy, mas não sou ignorante, sempre
fui muito dedicado em tudo que fiz. Pra terminar eu gostaria que o aplicativo
pagasse igualmente os motoboys de todo o país, São Paulo sai em disparada se
comparado com Minas Gerais...literalmente nós estamos comendo poeira, mas
estamos por falta de opção (Entregador P).
Os entregadores também demonstraram que estão trabalhando nas plataformas
devido ao aumento do desemprego no país e sua insatisfação com as plataformas:
Aplicativos estão explorando o desemprego na nossa cidade pois como o
desemprego está altíssimo e agora muita gente virou entregador eles estão tirando
todos os tipos de incentivo e abaixando todas as taxas (Entregador V).
iFood é um lixo de aplicativo (Entregador X).
Somos muito humilhados pelos clientes e pelos aplicativos. Não recebemos
remuneração justa (Entregador AF).
Os entregadores também demonstraram elevada consciência política em relação à
sua condição de semiescravidão nesse trabalho em plataformas digitais, conforme expressam
as frases abaixo:
Os aplicativos estão escravizando os motoboys (Entregador U).
O trabalho apesar de marginalizado, discriminado, menosprezado é responsável
por movimentar bilhões e enriquecer apenas os exploradores donos de aplicativos.
Lamentavelmente o poder público fecha os olhos para barbárie. Ministério do
Trabalho, municípios, governos e a federação é conivente com a semiescravidão
promovida pelos aplicativos num país de milhões de desempregados onde a
desigualdade geral só aumenta. A falácia de que somos empreendedores livres é a
147
maior mentira e pra piorar a categoria é desunida. Não há regulamentação e
qualquer um pega uma motocicleta e sai entregando, correndo risco de acidentes,
morte e precarizando ainda mais a atividade (Entregador Y).
Também houve reclamações sobre a ausência de suporte da plataforma aos
trabalhadores:
Gostaria apenas que houvesse mais contato por parte do App com o entregador.
(Entregador Z).
Gostaria de relatar o total despreparo do suporte iFood, que nunca é coerente, nem
serve para dar o suporte que lhe é ordenado, temos que resolver nossos próprios
problemas por nós mesmos, tanto com o cliente quanto com o estabelecimento
(Entregador AA).
Os entregadores não tem nenhum canal de como falar com o suporte do iFood
diretamente. Sempre que acontecer qualquer problema com o entregador ele nunca
pode contar o lado dele na história e pra eles resolverem o problema eles
encerraram a parceria com o entregador. (Entregador AB).
Esse mesmo entregador afirmou sobre o que lhe mantém neste trabalho, que é a
completa falta de opção:
Isso é triste demais, infelizmente no dia de hoje eu não tenho outra opção de renda,
mas, assim que eu conseguir outra, eu vou sair dessa área, já sofri mais de quatro
acidentes no trânsito. [...] Eles preferem pagar anúncio e artista com milhões para
fazer a propaganda do que pagar um valor de rota justo para o entregador. A
maioria tem que correr igual um louco nas ruas para tentar fazer um dinheiro, mas
numa dessa a sorte acaba e lá se vai mais um entregador que deixa sua família por
uma taxa de entrega de 4, 5, 6 reais e o aplicativo não dá nenhum suporte e amanhã
tem outro no lugar dele (Entregador AC).
Como conclusão deste Capítulo, foi possível perceber que o questionário aplicado
abarcou trabalhadores de 19 estados de quatro regiões, com exceção da região norte. Essa é
uma quantidade muito pequena de trabalhadores, mas representativa em relação às
diferenças regionais do país. A maioria (48%) declarou possuir entre 25 e 34 anos, ou seja,
não estamos falando de uma categoria de trabalhadores jovens, mas já adultos e com
famílias. 93% afirmaram serem do sexo masculino e a maioria afirmou que trabalha entre 1
e 2 anos em plataformas digitais. O iFood é a plataforma na qual a esmagadora maioria
declarou trabalhar, seguido da Uber Eats, Rappi, Loggi, 99 Food de outras de menor
expressividade.
Com relação à remuneração, a maioria dos respondentes relatou receber em média
entre R$ 201,00 e R$ 600,00 semanalmente, ou seja, recebem aproximadamente em torno
de R$ 904,50 e R$ 2.700,00 mensais. 40% dos trabalhadores trabalharam 7 dias e, outros
34%, 6 dias na semana anterior ao preenchimento do questionário. A maioria (29%) declarou
148
ter trabalhado 54 horas ou mais na semana anterior ao preenchimento do questionário e
outros 26% simplesmente afirmaram não saber quantas horas haviam trabalhado. Isso se
deve à própria característica da forma de remuneração, que faz com que o trabalhador perca
a noção do tempo despendido no trabalho e se preocupe sempre em realizar a próxima
entrega e receber o seu valor correspondente ao final.
Ainda com relação à disposição em estender sua jornada de trabalho, 34% dos
trabalhadores declararam já ter trabalhado entre 11 e 13 horas e 33% afirmaram já ter
trabalhado entre 14 e 16 horas em um dia. 13% deles que afirmou ter trabalhado entre 17 e
19 horas e ainda 2% afirmou ter trabalhado entre 20 e 22 horas em um único dia.
Com relação aos aspectos que a forma de remuneração propicia na subjetividade dos
trabalhadores, houve maior concordância entre os trabalhadores nas seguintes sentenças: “Os
critérios que definem a pontuação dos entregadores não são claros”, “Sinto que o aplicativo
trapaceia no valor das taxas de remuneração dos entregadores”, “Eu recebo por entrega
concluída”, “Meu salário, ao final do mês, só depende de mim”, “Não consigo determinar
quanto vou receber ao final do mês” e “Me sinto vigiado o tempo todo”. Isso permite concluir
que vários aspectos subjetivos do salário por peça levantados pela literatura coincidem com
as percepções dos trabalhadores em plataformas digitais.
Houve maior divergência de opiniões com relação às sentenças: “Sinto que tenho
liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo eu quiser”, “Os demais entregadores
são meus concorrentes” e “Se for adotada a Carteira de Trabalho, minha renda irá cair”. Com
relação à primeira, acredita-se que se deve à existência da categoria “OL”, no iFood, que
não altera a forma de remuneração dos trabalhadores, mas estabelece horários fixos e na qual
há uma relação de subordinação mais explícita, existindo muitas vezes o que os
trabalhadores denominam “Chefe OL”, o responsável pela subsidiária. No que diz respeito
à percepção de concorrência, ela existe, mas é contrabalanceada por um sentimento de
solidariedade de classe entre alguns trabalhadores. Com relação à adoção do regime celetista,
vê-se que é motivo de grande discordância ainda entre a categoria. 38% contra 37% entre os
Nuvem concordaram que a adoção da CLT reduziria os salários e 47% contra 36% entre os
OL discordaram.
Houve maior discordância com relação à sentença: “Sinto que quanto mais eu trabalho
menos eu recebo”. Essa discordância não se contrapõem ao estabelecido na literatura sobre
salário por peça. Isso sinaliza para uma disposição dos trabalhadores em se transformarem
149
em celetistas e para a ideia de que seu salário depende unicamente do seu esforço individual.
Marx (1984) aponta para a tendência à queda do salário na permanência desse tipo de
remuneração por algum tempo. Isso foi confirmado pelos trabalhadores que afirmaram que
no início do trabalho em plataformas digitais a sua remuneração era maior.
A maioria se mostrou disposta a intensificar e prolongar seu trabalho ao máximo
possível e que o sistema de pontuação atua no sentido de controle e vigilância sobre o seu
trabalho, concordando com as seguintes afirmações: “Sinto que se trabalhar mais horas,
minha pontuação aumenta”, “Sinto que se realizar mais entregas em menos tempo, minha
pontuação aumenta” e “Fico receoso de tirar uns dias de folga e minha pontuação cair”. A
maioria trabalha com uma meta individual a ser atingida diariamente nesse trabalho.
Conclui-se, portanto, que o conceito que sintetiza o trabalho em plataformas digitais
é o de salário por peça. Essa é uma expressão de uma forma de remuneração que é ideal para
os capitalistas, por incidir sobre a subjetividade dos trabalhadores, de tal forma que a eles
lhes parece vantajoso intensificar e prolongar o próprio trabalho, atuando nas plataformas
digitais como meras intermediárias de mão de obra, subalugando o serviço desses
trabalhadores.
Conclui-se, ainda, que esses trabalhadores possuem longas jornadas e uma
remuneração baixa, mas variável - uma característica do salário por peça -, que oscila de
acordo com a energia, persistência e disposição do trabalhador e com a qual o trabalhador
precisa arcar com todos os custos do trabalho (celular, internet, meio de transporte, bolsa
térmica), sem acesso a condições básicas, como um local que lhe propicie realizar suas
necessidades de higiene e limpeza e de descanso entre uma entrega e outra, além de sofrer
com humilhações e riscos próprios desse serviço, conforme relataram os trabalhadores na
pergunta aberta do questionário. Também foi possível perceber um alto nível de consciência
política dos trabalhadores em relação a esse tipo de trabalho. Alguns sinalizam para o fato
de que as plataformas estão se aproveitando da situação de crise econômica e desemprego
para pagar taxas baixíssimas aos entregadores e outros se referem a este trabalho como uma
escravidão ou semiescravidão.
150
CONCLUSÃO
O materialismo dialético admite uma preocupação com o todo, com o universal para
explicação dos fenômenos sociais, no sentido de identificar aquilo que se conserva e aquilo
que se transforma, partindo da premissa de que a matéria está em constante movimento.
Segundo esse método, a realidade é constituída de matéria e forma, ato e potência, sendo a
forma aquilo que se atualiza, e a matéria, a essência, o que permanece. Em “O Capital”,
Marx analisa vários aspectos do modo de produção capitalista a partir da identificação da
essência ou conteúdo dos fenômenos, que se esconde sob as diferentes formas que estes
assumem. Nesse sentido, o materialismo busca formular uma síntese das múltiplas
determinações do fenômeno, que possa explicar a sua base geradora. Sugere-se que houve
uma mudança na forma de remuneração e que esta mudança permite compreender a
emergência das formas mais recentes de trabalho precário, como o trabalho em plataformas
digitais e o trabalho intermitente. O conteúdo (a essência) salário se mantém, o que se altera
é sua forma, e isso tem implicações profundas sobre o mundo do trabalho.
Realizou-se uma reflexão sobre os tipos de salário em Marx. Sendo o salário parte
do capital variável e base do processo de produção de valor, ele assume as mais variadas
formas, tendo duas principais: salário por tempo e por peça. Há uma forma na qual o salário
por tempo é praticado sem considerar a noção de uma jornada de trabalho, ou seja, o
capitalista emprega o trabalhador por tempo insuficiente ao que serviu de base para calcular
seu salário, rompendo a conexão entre trabalho pago e não pago e ameaçando sua própria
sobrevivência. Essa forma de remuneração foi identificada na atualidade com o trabalho
intermitente. Já o salário por peça, uma forma na qual se converte o salário por tempo, possui
peculiaridades que lhe fazem a forma ideal de remuneração do capital, incidindo de forma
particular sobre a subjetividade dos trabalhadores. A partir da análise de cada um desses
aspectos, propôs-se como investigação a análise do trabalho em plataforma digitais como
uma forma de salário por peça.
Constatou-se como principal fato histórico para o ressurgimento de formas de
remuneração arcaicas as crises do capital e a tentativa dos capitalistas em tentar reverter a
lei da tendência à queda da taxa de lucro, tendo o rebaixamento dos salários se tornado
objetivo estratégico. Verificou-se, a partir de uma revisão bibliográfica da literatura recente,
151
que o modelo de acumulação fordista-taylorista já carregava em si aspectos da forma de
remuneração por peça (como o pagamento por quantidade produzida e de acordo com o
rendimento individual) e que, o modelo Toyotista, como resultado das crises de 1960-70,
intensificou esse processo, sendo os elementos principais que sinalizam a reintrodução do
salário por peça sob esse sistema: o banco de horas, a terceirização, o pagamento por
comissão, o bônus por produtividade e as metas individualizadas. Esse processo se
desenvolve em virtude do retrocesso das lutas sindicais no período, ou seja, em decorrência
da dificuldade dos trabalhadores de se colocarem na ofensiva na luta de classes, como foi
feito durante a instituição da jornada legal de trabalho no final do século XIX.
Sugere-se que o salto de qualidade que marca o processo de transição da forma de
remuneração por tempo para a forma de remuneração por peça e por hora, são as reformas
trabalhistas adotadas em mais de 110 países em todo o mundo, com maior ênfase a partir da
crise de 2008 (ADASCATELI; MORANO, 2015). As reformas às quais tivemos acesso
tiveram como eixo principal a flexibilização das horas de trabalho e da forma de
remuneração. Foi feito um resgate da literatura sobre o tema, dando ênfase às principais
alterações promovidas pela reforma trabalhista brasileira no sentido da hipótese que sustenta
esse trabalho. Além disso, buscou-se realizar uma análise do comportamento do mercado de
trabalho brasileiro e uma evolução do emprego formal no país entre 2009 e 2019, a partir de
dados da Rais e do Novo Caged.
A recessão econômica vivenciada pelo país na última década impactou, gravemente,
o nível de empregos. Verifica-se que houve, nesse período, uma queda vertiginosa no estoque
de empregos formais no país no que diz respeito aos vínculos por prazo indeterminado e
estatutário e, ao contrário, um crescimento dos vínculos precários, como o de aprendiz,
celetista por prazo determinado, intermitente e parcial, com exceção dos vínculos temporário
e avulso que se mantiveram, aproximadamente, no mesmo nível. Os empregos com vínculo
celetista por prazo indeterminado, principal forma de contratação no país, e estatutário
caíram em relação ao estoque total de empregos formais e houve queda, também, na
quantidade de horas trabalhadas e na remuneração média dos trabalhadores nesse primeiro
tipo de vínculo. Os dados analisados confirmam a tendência de aumento das contratações
dos tipos de vínculos precários e frágeis, bem como a introdução de novas formas de
remuneração, como o salário por hora, revelando uma tendência da atualidade: ou se trabalha
por pouco tempo ou se trabalha de forma excessiva. Constata-se que o trabalho intermitente
152
foi o único tipo de vínculo que manteve saldo positivo entre 2020 e o primeiro semestre de
2021, com exceção de abril de 2020, mês mais crítico para o mercado de trabalho brasileiro,
no período, devido ao impacto da pandemia da Covid-19.
Constatou-se ainda que o trabalho intermitente, segundo dados de 2019, representou
um total de 156.756 postos de trabalho, ainda incipiente comparado com os demais tipos de
vínculos (47,3 milhões), mas o mesmo teve um crescimento de 2.027,81%, entre 2017 e
2019, enquanto os demais tiveram um crescimento de apenas 2,42%, puxado pela ascensão
dos vínculos precários. Ao mesmo tempo, verificou-se, no que diz respeito ao vínculo
intermitente, um aumento na média de horas semanais contratuais, na remuneração média
dos trabalhadores e no tempo no emprego, sugerindo que esse tipo de vínculo tem se tornado
cada vez mais uma opção importante de contratação.
Os dados da Rais mostraram ainda que, em 2019, o trabalhador intermitente recebeu
em média 1,06 salários-mínimos, tendo trabalhado 8,61 horas semanais e permanecido no
emprego 6,33 meses. Verificou-se que esse tipo de vínculo permite uma grande variação
mensal na remuneração dos trabalhadores e nas horas trabalhadas. Os dados do Novo Caged
revelaram que, entre 2020 e junho de 2021, esse trabalhador recebeu em média R$ 1.162,83
e trabalhou 15,71 horas semanais.
Os dados da Rais e Novo Caged confirmaram a análise teórica e a hipótese desse
trabalho, demonstrando que há uma tendência ao aumento dos vínculos precários e uma
reintrodução de uma forma de remuneração por hora, como é o caso do trabalho intermitente.
Observa-se que o estoque de empregos no país já oscilava conforme as flutuações da
economia, antes da adoção da reforma trabalhista. Com a introdução desse tipo de vínculo,
permitiu-se um rebaixamento dos salários e o usufruto da mão de obra pelos capitalistas nos
momentos mais convenientes, garantindo maior flutuação da remuneração e das horas
contratadas, de acordo com as oscilações da economia, gerando completa insegurança de
renda aos trabalhadores e rompendo a conexão entre trabalho pago e não pago. Confirmouse o crescimento desse tipo de remuneração em períodos de crise e recessão econômica.
Conforme demonstrou a literatura, a reforma trabalhista brasileira aprovada em tempo
recorde jogou por terra conquistas históricas dos trabalhadores durante séculos de luta no
Brasil e no mundo e, ao contrário do que alegaram seus propositores, diminuiu sensivelmente
o nível de proteção ao emprego e piorou as condições de vida e trabalho dos trabalhadores
brasileiros.
153
Conclui-se que várias das características apontadas por Marx em relação ao salário
por peça, no volume I, de “O Capital”, se aplicam ao trabalho em plataformas digitais. A
maioria dos trabalhadores se mostrou disposta a intensificar e prolongar ao máximo sua
jornada de trabalho, mediante algum incentivo da plataforma, o que também permite
identificar que o controle e a vigilância sobre o trabalho são exercidos a partir do sistema de
pontuação, tendo como base a forma de remuneração, uma vez que o trabalhador se vê
compelido a manter determinada conduta e evita, por exemplo, tirar alguns dias de folga,
para evitar perda na sua remuneração.
Apesar de inexistir um consenso acerca da definição do trabalho em plataformas
digitais, propõe-se o conceito de salário por peça. Sugere-se que essa forma de remuneração
é a responsável pela maior sensação de autonomia, liberdade e independência que o
trabalhador possui nesse trabalho e pela sua disposição em prolongar o tempo dispendido
nesse trabalho. Há poucas diferenças nas percepções dos trabalhadores segundo a categoria
“Nuvem” ou “Operador Logístico” no iFood e sua remuneração varia em média entre R$
904,50 e R$ 2.700,00 mensais. Como foi possível verificar, um terço dos trabalhadores
afirmou já ter trabalhado entre 14 e 16 horas em um único dia e mais de 70% afirmaram já
ter trabalhado um mês inteiro sem um único dia de folga. Quando perguntados quantas horas
haviam trabalhado na semana anterior à aplicação do questionário, um terço afirmou ter feito
uma jornada de 54 horas ou mais. Ou seja, estamos diante de uma categoria com uma jornada
de trabalho que se assemelha em muito àquela do auge da Revolução Industrial, no entanto
em uma outra etapa histórica do capitalismo, marcada por crises mais agudas e pelo
predomínio do capital financeiro e dos oligopólios.
Constata-se, portanto, que diferentemente do final do século XIX e início do século
XXI, quando as lutas dos trabalhadores levaram à instituição de uma jornada de trabalho e à
conquista das oito horas diárias, o retrocesso do poder sindical, dos anos 1970 até os dias
atuais, têm levado ao retorno das longas jornadas e à perda de direitos. É possível identificar
elementos que sugerem que vivenciamos um processo de reintrodução de uma remuneração
por peça e por hora, mais conveniente ao funcionamento do capitalismo, que está levando a
uma queda nos salários dos trabalhadores e a jornadas de trabalho excessivas, combinadas
com uma desocupação relativa ou absoluta da força de trabalho. Tal fato sugere uma
tendência à abolição da jornada de trabalho de 8 horas diárias. A relação entre o trabalho em
plataformas digitais e o trabalho intermitente é que ambos são expressões do mesmo
154
fenômeno, qual seja, a emergência de formas mais recentes de trabalho precário e da
reintrodução de formas arcaicas de remuneração. Para a existência do trabalho em
plataformas digitais é preciso que haja a intermitência ou flexibilidade de horas de trabalho.
Sugere-se que a instituição da intermitência por meio da reforma trabalhista brasileira
permitiu a possibilidade de generalização do trabalho em plataformas digitais para amplas
categorias profissionais, em outras palavras, a expansão dessas formas de remuneração por
peça e por hora. O trabalho em plataformas digitais tem ainda o agravante de sequer ser
reconhecido como vínculo trabalhista.
No caso dos trabalhadores em plataformas digitais, observa-se uma prevalência das
longas jornadas e uma dificuldade em medir o tempo despendido no trabalho, além de uma
combinação entre um trabalho intenso e uma desocupação relativa, com alguns trabalhadores
permanecendo até horas esperando por uma corrida, sem receber por isso. Sugere-se que as
plataformas se configuram como intermediárias, auferindo ganhos sobre a diferença entre o
preço do trabalho pago e o efetivamente recebido pelo trabalhador, como parasitas que
subalugam o trabalho desses trabalhadores, de modo semelhante ao sistema de suadouro
(sweating system), que vigorou na Inglaterra, no auge da Revolução Industrial, no entanto,
agem de forma mais sofisticada, fazendo uso da inteligência artificial e das novas tecnologias
e em uma outra etapa histórica do capitalismo. Por isso, o trabalho nessas plataformas é
caracterizado por muitos trabalhadores como uma escravidão, o que foi revelado pelo
questionário aplicado, permitindo identificar existir um alto nível de consciência política
nesta categoria. Também foi constatado que há grandes discordâncias entre os entregadores
em relação à adoção da Carteira de Trabalho, tendo a maioria, por uma pequena diferença,
afirmado que a medida não reduziria seus salários. Esse trabalho é visto ainda por alguns
entregadores como uma alternativa ao desemprego.
Cumpre ressaltar que os entregadores protagonizaram importantes movimentos
grevistas nos últimos anos. Destacam-se as greves de abril e julho de 2020, denominadas
“breque dos apps”, nas quais, entre as demandas, estavam “maior transparência sobre as
formas de pagamento adotadas pelas plataformas, aumento dos valores mínimos para cada
entrega, mais segurança e fim dos sistemas de pontuação, bloqueios e ‘exclusões indevidas’”
(MACHADO, 2020). Alguns entregadores organizaram também um movimento
denominado “entregadores antifascistas”, com o objetivo de se unir às manifestações das
torcidas organizadas contra o governo Bolsonaro (MACHADO, 2020). Há várias
155
associações que representam esses trabalhadores no país, mas a criação de um sindicato que
represente toda a categoria de um ponto de vista nacional é motivo de polêmica entre os
trabalhadores, conforme pôde ser constatado pela pesquisadora nos grupos de entregadores
em Whatsapp e Telegram aos quais teve acesso para realização desta pesquisa.
A discussão mais atual sobre o tema é o estudo encomendado pelo governo Bolsonaro
para subsidiar uma nova reforma trabalhista que propõe, entre outras medidas, o trabalho
aos domingos, mediante apenas autorização por acordo individual entre patrão e empregado,
e a proibição do reconhecimento de vínculo de emprego entre os entregadores e as
plataformas digitais (SEABRA; CASTANHO, 2021)36, demonstrando ser a questão da
forma de remuneração o aspecto essencial a ser discutido com relação a esse trabalho na
atualidade e a necessidade da adoção da Carteira de Trabalho a essa categoria.
Por fim, verifica-se que, por ser o tema deste estudo bastante atual, há muitos
elementos ainda a serem abordados em pesquisas futuras. Destaca-se a possibilidade de
estudos sobre o papel ou caracterização das plataformas digitais, segundo a teoria do valor 37,
maior aprofundamento sobre a questão do salário por peça sob o Fordismo e Toyotismo, uma
análise dos dados sobre o trabalho informal, a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio Contínua (PNAD-C), do IBGE, relacionando-o à forma de remuneração por peça
e por hora e a tendência à polarização ou abolição da jornada de oito horas diárias de
trabalho.
Destaca-se também o projeto de lei nº 1.665/2020 aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal
que garante seguro contra acidentes e afastamento por Covid-19 a entregadores até o final da pandemia, mas
não reconhece o vínculo empregatício entre entregadores e as plataformas (BRASIL, 2020b). Até o momento,
o que se tem são alguns ganhos de causa por parte de alguns trabalhadores em alguns tribunais do trabalho que
reconheceram o vínculo empregatício dessa categoria (TRT 23ª REGIÃO, 2021; TRT 15ª REGIÃO, 2020).
37
Adotou-se neste trabalho o conceito de intermediários para as plataformas digitais, mas esta é uma questão
que precisa ser ainda melhor explorada. Sabe-se que as plataformas de entrega cobram taxas dos pequenos
estabelecimentos comerciais e têm levado à falência alguns desses pequenos negócios, sendo acusadas de
promover a prática de “dumping”, que é quando um fornecedor põe à venda um produto a preço muito inferior
ao do mercado (MADUREIRA, 2020) e que essas plataformas têm investido em cozinhas próprias, conhecidas
como “dark kitchens”, exclusivas para atendimento ao próprio serviço de entrega realizado por elas
(MADUREIRA, 2019), promovendo uma espécie de centralização de capitais em um contexto de predomínio
dos oligopólios.
36
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169
ANEXO
Questionário com entregadores
1. Sobre o trabalho em aplicativo, numa escala de 1 (discordo totalmente) a 5
(concordo integralmente), dê sua opinião sobre as frases abaixo:
a) Sinto que tenho liberdade para trabalhar quando, onde e quanto tempo eu quiser
b) Meu salário, ao final do mês, só depende de mim
c) Sinto que quanto mais eu trabalho menos eu recebo
d) Os demais entregadores são meus concorrentes
e) Sinto que o aplicativo trapaceia no valor das taxas de remuneração dos entregadores
f) Me sinto vigiado o tempo todo
g) Não consigo determinar quanto vou receber no final do mês
h) Se for adotada Carteira de Trabalho, minha renda irá cair
i) Eu recebo por entrega concluída
2. Se, ao final de um dia cansativo de trabalho, o aplicativo enviar a seguinte
mensagem: “Faça 10 entregas agora e receba R$ 200,00”. O que você faz?
a) Aceito fazer as entregas
b) Não aceito fazer as entregas
c) Não sei responder
3. Se o aplicativo te oferecer uma entrega seguida da outra, sem pausa, o que
você faz?
a) Eu aceito todas e tento fazer a maior quantidade possível de entregas
b) Eu escolho apenas as entregas que quero realizar, não me importo em rejeitar
algumas
4. Você tem uma pontuação no (s) aplicativo (s) ?
a) Sim
b) Não
c) Não sei responder
5. Sobre o sistema de pontuação (score), numa escala de 1 (discordo totalmente) a
5 (concordo totalmente), dê sua opinião sobre as frases abaixo:
a) Sinto que se trabalhar mais horas, minha pontuação aumenta
b) Sinto que se realizar mais entregas em menos tempo, minha pontuação aumenta
c) Fico receoso de tirar uns dias de folga e minha pontuação cair
170
d) Os critérios que definem a pontuação dos entregadores não são claros
6. Você tem uma meta a ser atingida no seu trabalho em aplicativos?
a) Sim
b) Não
c) Não sei responder
7. Qual sua meta de remuneração por dia nesse trabalho?
a)
b)
c)
d)
e)
R$ 70,00
R$ 100,00
R$ 150,00
R$ 200
Mais de R$ 200,00
8. Qual foi a quantidade máxima de horas que você já trabalhou em um dia
nesse trabalho por aplicativo?
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
Até 8 horas de trabalho em um dia
Já trabalhei entre 9 e 10 horas em um dia
Já trabalhei entre 11 e 13 horas em um dia
Já trabalhei entre 14 e 16 horas em um dia
Já trabalhei entre 17 e 19 horas em um dia
Já trabalhei entre 20 e 22 horas em um dia
Já trabalhei mais de 23 horas em um dia
9. Teve algum mês em que você trabalhou nesse trabalho todos os dias da
semana, sem nenhum dia de folga?
a) Sim
b) Não
c) Não sei responder
10. Na semana passada, quantos dias você trabalhou?
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
h)
1 dia
2 dias
3 dias
4 dias
5 dias
6 dias
7 dias
Não sei responder
171
11. Na semana passada, quantas horas você trabalhou ?
a) Até 14 horas
b) 15 a 39 horas
c) 40 a 44 horas
d) 45 a 48 horas
e) 49 a 53 horas
f) 54 horas ou mais
g) Não sei responder
12. Qual foi sua remuneração bruta no trabalho em aplicativos na semana
passada?
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
h)
Até R$ 200,00
Entre R$ 201,00 e R$ 400,00
Entre R$ 401,00 e R$ 600,00
Entre R$ 601,00 e R$ 800,00
Entre R$ 801,00 e R$ 1.000,00
Entre R$ 1.001,00 e R$ 1.200,00
Entre R$ 1.201,00 e R$ 1.400,00
Mais de R$ 1.400,00
13. Há quanto tempo você trabalha em aplicativos?
a) Menos de 6 meses
b) Entre 6 e 12 meses
c) Mais de 3 anos
14. Você percebeu alguma mudança na sua remuneração hoje em relação ao
começo do seu trabalho em aplicativos?
a)
b)
c)
d)
No começo do trabalho com aplicativos minha renda era maior
Hoje eu ganho mais que no começo do meu trabalho com aplicativos
Nada mudou
Não sei responder
15. No iFood, Você é:
(Esta pergunta é destinada apenas a entregadores que trabalham no iFood)
a)
b)
c)
d)
Entregador “nuvem”
Entregador “OL” (Operador Logístico)
Chefe “OL” (Operador Logístico)
Outro
16. Em qual Estado você mora?
17. Qual sua idade?
172
a)
b)
c)
d)
Até 24 anos
Entre 25 anos e 34 anos
Entre 35 anos e 44 anos
Mais de 44 anos
18. Qual seu gênero?
a)
b)
c)
d)
Homem
Mulher
LGBT
Prefiro não responder
19. Trabalha para qual (is) dos aplicativos abaixo?
a)
b)
c)
d)
e)
iFood
Rappi
Uber Eats
Loggi
99 Food
20. Gostaria de dizer algo sobre seu trabalho de entregador que ainda não foi
perguntado?
173