Etnográfica
Revista do Centro em Rede de Investigação em
Antropologia
vol. 12 (1) | 2008
Dossiê: "Outros nomes, histórias cruzadas: os nomes
de pessoa em português"
Língua, nome e identidade numa situação de
plurilinguismo concorrencial: o caso de TimorLeste
Language, name and identity in competitive plurilingualism: the case of EastTimor
Rui Graça Feijó
Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/etnografica/1641
DOI: 10.4000/etnografica.1641
ISSN: 2182-2891
Editora
Centro em Rede de Investigação em Antropologia
Edição impressa
Data de publição: 1 Maio 2008
Paginação: 143-172
ISSN: 0873-6561
Refêrencia eletrónica
Rui Graça Feijó, « Língua, nome e identidade numa situação de plurilinguismo concorrencial: o caso
de Timor-Leste », Etnográfica [Online], vol. 12 (1) | 2008, Online desde 20 junho 2012, consultado em
01 maio 2019. URL : http://journals.openedition.org/etnografica/1641 ; DOI : 10.4000/
etnografica.1641
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License.
etnográfica
maio de 2008
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Língua, nome e identidade
numa situação de plurilinguismo
concorrencial: o caso
de Timor-Leste1
Rui Graça Feijó
Este ensaio debate as relações entre língua, nome e identidade no contexto plurilinguístico de Timor-Leste. Mais concretamente, aborda a questão da relação
entre o nome próprio e o nome de família como uma das singularidades do
sistema linguístico timorense. Através dos nomes e das práticas de nomeação
em Timor-Leste e da forma como se constroem e se articulam com outros fenómenos coevos, pretendo chegar à discussão dos níveis de identidade cultural e
das bases sobre as quais assenta o próprio sentimento de identidade nacional
timorense.
PALAvrAs-chAvE:
Timor-Leste,
nomeação,
plurilinguismo
concorrencial,
identidade.
Para
Aida
reka
Ana
rosa
Anita
Tina
Anona
Beba
que em Dili me encheram
Guio
de mimos, iguarias e conversas.
1
Texto preparado para o simpósio internacional Nomes e Pessoas: Género, Classe e Etnicidade na Complexidade Identitária” realizado no Ics (2006). Agradeço à comissão Organizadora, e sobretudo a João
de Pina cabral, o convite para participar. A investigação corporizada neste artigo foi integralmente
suportada pelo autor, sem recurso a entidades públicas ou privadas.
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Meu nome é a minha voz
dirigida ao pensamento
ruy cinatti
O fio de Ariadne que conduz o investigador no labirinto
é aquilo que distingue um indivíduo de outro
em todas as sociedades conhecidas:
o nome.
As linhas que convergem para o nome e que dele partem,
compondo uma espécie de teia de malha fina,
dão ao observador a imagem gráfica
do tecido social em que o indivíduo está inserido
carlo Ginzburg
As EPíGrAfEs EscOLhIDAs PArA EsTE EnsAIO BALIzAM O TEMA DEsTE
colóquio entre a evocação poética e a análise sociológica e revelam, pela amplitude da diferença entres estes dois registos, a vastidão dos campos em que
os nomes de pessoas ganham sentido e significado. se a convocação de ruy
cinatti poderia ser justificada pela sua profunda ligação a Timor, que bem
conheceu e onde residiu vários anos, mais sentido tem verificar o alcance da
sua referência, nesse contexto, à questão do nome.
A prática de nomeação assume, como fortemente sublinha carlo Ginzburg,
uma feição de mecanismo universal de referência social, no qual convergem
duas funções diferenciadas: a identificação através da individuação de cada elemento no conjunto do grupo alargado (entre nós, através daquilo que designamos “nome próprio”); e a vinculação desse mesmo elemento a um grupo social
mais restrito, que identificamos com os seus parentes (através da partilha de
“nomes de família”).
Estes pressupostos mais não fazem do que sublinhar a pertinência de convocar as práticas de nomeação pessoal, como práticas universais e portanto
eminentemente comparáveis, para através delas – e sobretudo das modulações
e das variações que apresentam – aceder a elementos fundamentais das estruturas socioculturais dos ambientes em que são produzidas. usemos, pois, os
nomes para ver Timor para além deles.
Este jovem país satisfaz a condição empírica básica que preside a este
volume em que se foca “em especial os nomes de pessoa tal como usados
em contexto social onde o português é a língua de referência” (Pina cabral e
LínGuA , nOME E IDEnTIDADE...
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viegas, 2007: 13). neste universo linguístico-geográfico, prestaremos particular atenção à forma como se convoca o guarda-chuva da língua portuguesa
para abrigar um mundo particularmente rico e aberto de vocábulos, ou seja,
os nomes que os timorenses usam “como se fossem nomes portugueses” (idem:
15), evidenciando uma criatividade no emprego da língua que desafia as definições administrativo-burocráticas das instituições formais de controle dos
nomes portugueses. Esta criatividade é interpretada no contexto de isolamento
cultural e da vontade política de opor a língua portuguesa, oficialmente banida
no território, à predominância da nova língua indonésia que acompanhava a
ocupação do território após 1975.
Este ensaio remete para uma discussão sobre a existência de acervos abertos
ou fechados de nomes como um dos pilares possíveis do nosso debate – como
referiu Manuela carneiro da cunha durante o nosso simpósio. Mais ainda,
a questão da relação entre o nome próprio e o nome de família (as regras de
composição do nome completo) merecerá especial atenção, já que com toda a
evidência se trata de uma das singularidades do sistema timorense tal como se
configurou no período estudado. Através dos nomes e das práticas de nomeação em Timor-Leste e da forma como se constroem e se articulam com outros
fenómenos coevos, pretendo chegar à discussão dos níveis de identidade cultural e das bases sobre as quais assenta o próprio sentimento de identidade
nacional timorense.
TIMOr-LEsTE : uM cAsO DE PLurILInGuIsMO cOncOrrEncIAL
1. (traços da relação entre Timor e Portugal)
Timor Lorosa’e – a republica Democrática de Timor-Leste – é o mais jovem
Estado do Mundo. A proclamação da sua independência ocorreu em 20 de
Maio de 2002, após um período de dois anos e meio em que o território foi
administrado pelas nações unidas. A opção pela independência fora assumida
no referendo de 30 de Agosto de 1999, quando quase quatro em cada cinco
eleitores recenseados recusaram uma proposta que previa a concessão de autonomia administrativa no quadro da república Indonésia.2 Oficialmente, porém,
trata-se da restauração da Independência proclamada em 1975. A Indonésia
reagira a essa declaração e ocupara militarmente Díli e o então Timor Português – território não-autónomo sob administração portuguesa, como o considerava a Onu – a 7 de Dezembro de 1975, e incorporara pela via das armas esse
território nas suas fronteiras, vindo a consagrar mais tarde essa anexação com
a criação da sua 27.ª Província – Timor Timur (TimTim). Essa incorporação
2
Por curiosidade histórica, o resultado oficial foi de 94388 (21,5%) votos a favor da opção pela
autonomia, e de 344580 (78,5%) contra.
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nunca foi plenamente sancionada pela comunidade internacional, sendo o seu
reconhecimento recusado pelas nações unidas.
A relação de Timor com Portugal remonta ao início do século XvI. Gama
entra no índico em 1498 e logo chega a cochim, no sul da índia, com a preciosa ajuda dos pilotos postos ao seu dispor pelo rei de Melinde, conforme nos
conta camões (Lusíadas, canto vI). na verdade, o Oceano índico era, pelo
menos desde o século XII, um espaço profusamente navegado, e não espanta
que Afonso de Albuquerque tenha chegado em 1511 à conquista de Malaca
– importante entreposto na zona oriental desse oceano –, donde os portugueses seguiriam poucos anos mais tarde nas rotas conhecidas até uma ilha
afamada pelo seu sândalo.3 se de ceuta (1415) ao cabo (1488) pelo Atlântico
“nunca dantes navegado” decorreram mais de setenta anos, dobrado o cabo e
atingido, por sul, o extremo das rotas comerciais e de navegação regulares, os
europeus chegariam ao outro extremo do índico em menos de vinte anos.
são conhecidas as vicissitudes do Império Português no Oriente (subramahnyam 1995), em que Timor ocupava um remoto e distante lugar apenas
de comércio. nos séculos iniciais da sua presença, os interesses portugueses
“ainda além da Taprobana” (ceilão) concentravam-se em Malaca, na rota das
Molucas e, para norte, em Macau, donde atingiam o Japão. A procura do sândalo – produto que singularizava Timor – e a oferta de bens de troca para
este afamado produto situavam-se ambas no contexto das rotas comerciais do
Extremo-Oriente, e pouco contribuíam directamente para a articulação Ásia-Europa em que os portugueses maioritariamente se especializavam.
Até ao dealbar do século XvIII, a “administração” de Timor foi efectuada a
partir de outros pontos. Os governadores portugueses não exerciam sobre esta
ilha um controle territorial directo nem autónomo, antes incluindo Timor no
conjunto das possessões das sundas Menores (solor e flores). só em 1702
passou Timor a ser administrado por um governador residente em Lifau – onde
ainda em finais de seiscentos Dampier encontrara apenas três portugueses,
dois dos quais religiosos.4 A saga do estabelecimento da administração política
directa haveria de marcar o século XvIII, pelo menos até à transferência da sede
para Díli em 1769 (Gunn 1999: 78-81).
Em meados do século XIX, em plena segunda vaga de colonização europeia
do sudeste Asiático, Portugal assina com a holanda, potência colonizadora da
grande Batavia e das índias Orientais, um tratado de delimitação de fronteiras
na ilha de Timor (1859) – fronteiras essas que correspondiam, grosso modo, a
uma divisão interna da ilha em dois “reinos”, um dos quais (o dos Belos) estabelecera relações com Portugal, e que este geria através do fomento de jogos
de alianças e rivalidades envolvendo as autoridades locais tradicionais. Essas
3
4
Durand (2002).
Dampier citado in Gunn (1999: 79).
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fronteiras viriam a ser ligeiramente alteradas até 1915, ano em que uma sentença arbitral as consolidou,5 perdendo Portugal os enclaves na zona ocidental
da ilha, com excepção de Oecussi (que correspondia a um reino que resistia ao
calvinismo), e acabam de ser recuperadas, em termos gerais, pelo novo Estado
independente.6
A divisão da ilha em dois “reinos”, porém, carece de um adequado enquadramento. A natureza de um (política) e de outro (espiritual ou moral) não
seria idêntica, e a complementaridade entre eles parece ter sido mais importante que a oposição mais frequentemente mencionada. A territorialidade de
um e de outro também deve ser entendida em sentidos distintos, pelo que é da
mais prudente cautela não assumir uma simetria entre ambos os reinos e nela
basear a força de uma explicação.7
Por alturas desse tratado, o saboroso comentário de Eça de Queirós a propósito das possessões portuguesas do Oriente (“Elas não nos dão rendimento
algum: nós não lhes damos um único melhoramento; é uma sublime luta – de
abstenção» – Eça de Queirós, s. d. [1890]: 1028) poderia certamente aplicar-se com propriedade a Timor. Mas, na viragem do século, a colonização
portuguesa assume uma nova forma com as campanhas levadas a cabo pelo
governador celestino da silva (1894-1908), abandonando-se a forma de “protectorado” de diferentes reinos para impor uma presença militar portuguesa,
bem como fomentar o estabelecimento de colonos europeus. A famosa revolta
de Manufahi (1912) parece ter marcado um ponto de viragem na história
deste território. só então a presença de portugueses – de falantes de língua
portuguesa – começou a fazer sentido mais que residual no território. Ainda
em finais de oitocentos Leite de vasconcellos inclui o falar português de Timor
entre os muitos que se espalhavam pela Ásia, sem lhe dar especial relevo.8
Mesmo em face desse novo impulso, um administrador colonial na década de
1930 distingue Timor das outras possessões coloniais portuguesas (que conheceria em primeira mão) por ser “uma colónia sem colonos” (correia 1944: 15).
A acção desenvolvimentista do novo colonialismo foi, nestas terras longínquas,
5
Vide de roever (1998) para uma interpretação distinta do quadro em que ocorreu a partilha de
Timor.
6
como muito bem nota Mattoso (2005b: 11), a delimitação colonial de fronteiras seguiu frequentemente critérios que “nem sempre correspondiam a fronteiras étnicas”. O caso da ilha de Timor pode
ser dado como exemplo, uma vez que as fronteiras políticas não têm correspondência na realidade
sociolinguística. formas de tétum são comuns aos dois territórios, ocidental e oriental.
7
no século XvII, os governantes do vietname e do Laos resolveram um conflito fronteiriço no
vale do Mekong, concordando em que os habitantes dessa região cujas casas assentavam em estacas
ficavam sujeitos à soberania da monarquia laociana, enquanto aqueles cujas casas tinham chão térreo
obedeceriam aos governantes vietnamitas (Owen 2005: 10). Este exemplo evidencia com clareza que,
no sudeste Asiático, a noção de Estado-nação vigente na Europa estava muito longe de constituir um
modelo de organização política territorial.
8
Leite de vasconcellos citado em Buescu (1983: 88).
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pouco mais que simbólica: em 1915, criam-se as primeiras escolas primárias e,
em 1938, um liceu em Díli. nos anos 30, em toda a circunscrição dependente
de Baucau (quase metade do Timor português) havia seis escolas primárias…
As ordens religiosas, instaladas no território desde 1633, parece terem feito
um pouco mais. como sublinha Kohen, a Igreja católica tinha uma presença
muito mais alargada e com maior credibilidade junto das populações de Timor-Leste do que a administração colonial (2001: 46), embora não seja seguro se
a sua presença seja equivalente a uma presença forte da língua portuguesa, que
é o aspecto particular que aqui nos importa. Em 1898, os jesuítas fundaram
um seminário em soibada (distrito de Manatuto) e, mais tarde, um colégio em
Dare (arredores de Díli). Esses terão constituído o berço de formação da elite
timorense até 1975.9
Os três primeiros quartéis do século XX terão sido o momento em que a
língua portuguesa assumiu o carácter de questão relevante na sociedade
timorense, muito mais pela sua articulação com a elite local do que pela força
da sua expressão numérica, que todos os autores consideram ter sido fraca.
As estatísticas oficiais comentadas por Thomaz (1994: 672-673) apontam,
nas vésperas do 25 de Abril de 1974, para um total de 1200 europeus, dos
quais três quartos pelo menos seriam militares (em comissão de serviço de
curta duração) ou elementos das forças policiais, e apenas três centenas seriam
colonos – distribuídos entre a administração, a prestação de serviços e uma
rudimentar presença no sector primário – efectivamente radicados no território. Parcos recursos para que a língua portuguesa pudesse ter uma importância
além de círculos restritos da elite local.
2. (panorama linguístico de Timor)
Babel Loro Sa’e – este é o sugestivo nome de uma colecção de ensaios de um
dos mais credenciados conhecedores da história e da cultura timorenses, Luís
filipe Thomaz (2002). De facto, o mapa linguístico de Timor-Leste compreende dezasseis línguas autóctones, inseridas em duas grandes phyla – quatro de
origem papua, e doze de origem austronésia.10 Esta extrema fragmentação linguística favoreceu o aparecimento de línguas de contacto (língua franca), capazes de facilitar contactos e proporcionar inteligibilidade nas relações entre os
9
no domínio da ficção literária, mas num registo próximo do memorialismo, Crónica de uma Travessia, do romancista timorense Luís cardoso, apresenta um retrato dessa última geração da elite portuguesa, em parte a elite da independência. nele se evidencia a importância de soibada e de Dare. Vide
também Kohen (2001: 46).
10 seguem-se aqui os ensinamentos de Geoffrey hull, que classifica como sendo de origem austronésia as seguintes línguas: tétum, habun, kawaimina, galoli, wetar, bekais, dawan, mambai, kemak, tokodede, lovain – sendo que o wetar de Ataúro, a pequena ilha situada defronte a Díli tem, nesse território
de 140 quilómetros quadrados, menos de oito mil habitantes e seis povoações, mas diferencia-se em
três dialectos distintos. As quatro línguas papuas são o makasai, makalero, bunak e fataluku.
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diversos grupos de falantes. Em Timor-Leste, essa função foi desempenhada,
ao longo do último século, pelo tétum-Praça (ou tétum-Díli), uma forma específica do tétum, crioulizado pelo português.
É necessário considerar que, além deste mosaico linguístico autóctone,
outras línguas se falam igualmente no território. A língua inglesa acompanhou
a deslocação da Onu e da comunidade de “internacionais” estacionados no
território após o referendo de 1999, e tem um estatuto particular. uma outra
está praticamente confinada à minoria chinesa. Outras duas, porém, assumem
uma importância fulcral no panorama linguístico e cultural da jovem nação: o
português e o bahasa indonésio.11
Até finais do século XIX, formas crioulas de malaio – antepassados da língua
padronizada que hoje se designa por bahasa indonésio12 – falavam-se ao longo
de toda a costa desta ilha, sobretudo como forma de facilitar os contactos com
visitantes de fora. O seu uso na parte leste da ilha foi decaindo com o aumento
da presença da administração portuguesa, sendo o seu uso praticamente residual em 1975 (Thomaz 1994: 616). Após a invasão militar indonésia, porém,
o bahasa indonésio tornou-se língua oficial do território – a língua da administração pública e do ensino, da polícia e do exército. As gerações que foram
à escola no período entre 1975 e 1999 – e mesmo depois… – fizeram a sua
aprendizagem básica nessa língua, assim como os estudantes que contestaram
o regime de suharto, os timorenses que procuraram emprego na administração
pública ou que se quiseram dirigir ao hospital para consultar um médico. Em
termos gerais, pode-se afirmar que, à medida que os níveis de instrução da
população iam crescendo e os serviços sociais públicos iam estendendo os seus
ramos (que, por muito débeis que fossem, representavam uma modificação
positiva relativamente ao “tempo dos portugueses”), o bahasa indonésio ia-se
espalhando e assumindo um papel cada vez mais importante na intercomunicação entre os timorenses.
Quando, em 1975, a língua portuguesa foi proibida era falada pela pequena
comunidade de mil e duzentos europeus e por alguns timorenses, sobretudo a
elite local que frequentava as escolas primárias e secundárias,13 ocupava alguns
cargos administrativos, ou que havia sido recrutada pelas forças armadas portuguesas.14
A Igreja católica era uma das instituições que mais se apoiava na língua
portuguesa. As reformas que aboliram o latim como língua de culto, primeiro,
11 O termo “bahasa” designa, num significativo número de línguas do sudeste Asiático, “língua”; pelo
que se deve sempre acompanhar da língua específica a que nos queremos referir.
12 sobre a história desta língua, vide Owen (2005).
13 Os muito raros timorenses que frequentaram escolas de ensino pós-secundário fizeram-no em
Macau, nas colónias portuguesas de África ou mesmo no “continente”.
14 É ainda elevado o número de timorenses com mais de 50 anos que fala um português aprendido
na tropa...
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e a proibição do português pelos indonésios, depois de 1975, porém, levaram-na nos anos 80 a voltar-se para o tétum-praça como língua litúrgica.15 Deste
modo pôde escapar, em grande medida, ao fenómeno da imposição do bahasa
indonésio como “nova” língua do território. Apenas em Díli, e numa só igreja
– santo António de Lisboa de Motael – a nova administração tolerava uma
missa semanal em língua portuguesa, de resto proibida pelos indonésios em
todo o culto católico público. são de realçar os esforços do actual bispo de
Díli, D. Alberto ricardo da silva, na produção de versões em tétum de textos religiosos.16 Tive ocasião de ouvir algumas pessoas referir o contraste existente entre o clero católico de 1940, que se exprimia em português, e o clero
pós-1975, que se exprimia nas línguas autóctones e praticava uma liturgia em
tétum, como um factor explicativo do contraste entre o sucesso deste último e
a relativa irrelevância do primeiro, com uma geração de intervalo.
não admira, pois, que a jovem república tenha optado por inscrever na sua
constituição política duas línguas com o estatuto de língua oficial do país17
– o tétum-praça, língua efectivamente falada por um significativo número de
pessoas, mas que nenhuma fonte considera ter um efectivo poder de operar em
todo o território timorense;18 e o português, língua com ampla expressão junto
das elites políticas que sustentam o processo de independência e com objectivos estratégicos de afirmação cultural própria19. – a par de duas que, mercê de
circunstâncias históricas, foram consideradas como “línguas de trabalho” – o
inglês20 e o bahasa indonésio.
15 O Ordinário da Missa foi traduzido em 1980. “A Igreja tornou-se a muralha da integridade cultural,
que, com a tradução de vários textos sagrados beneficiou o estatuto do tétum-Díli, impregnando-o das
variedades terik e belu, o que resultou numa variedade literária daquela língua crioulizada” (carvalho
2002a: 69).
16 veja-se o testemunho do padre Leão da costa quanto à determinação das autoridades indonésias
de “varrer do ensino tudo o que tivesse sabor a português” e à responsabilidade do clero na divulgação
do tétum como língua de culto (com “superior aprovação da santa sé”) – cf. costa (2003: 16-17).
17 Constituição da República Democrática de Timor-Leste, artigos n.º 13 (Línguas Oficiais) e n.º 159 (Línguas de Trabalho).
18 O tétum-praça tem sido alvo de atenção por parte das autoridades políticas da rDTL que, em
2004, adoptaram legislação com o intuito de fixar as regras básicas desta língua. Deve-se salientar
que é falsa a ideia de que o tétum-praça é falado em todo o território da jovem nação. na ponta leste,
por exemplo, onde domina o fataluku, dificilmente se ouve falar tétum-praça, sendo a segunda língua
(sobretudo na geração mais velha) muitas vezes o português. As opções políticas em torno da língua
não se esgotam neste apontamento, mas trata-se de uma polémica que não cabe aqui desenvolver.
19 segundo a unTAET (citada em carvalho 2001) a percentagem de timorenses que falavam português em 1999 seria da ordem dos 11%.
20 O convívio directo com a “comunidade internacional de Díli leva-me a considerar que o o caracter de língua franca atribuído ao inglês se revela com muito maior facilidade e poder comunicacional
na palavra escrita que na palavra falada – onde o problema da pronúncia (imagine-se um colombiano
a falar inglês com um marfinense, ou um indiano com um francês...) é efectivamentre muito elevado. Opinião contrária parece ter vaclav havel, antigo Presidente da república checa, que terá afirmado o seguinte: de uma conversa em inglês entre um checo e um brasileiro, ou entre um [continua]
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De uma forma muito vincada, as línguas de cultura oriundas do exterior
do território associaram-se no século XX a projectos políticos, nenhum dos
quais de cariz democrático, e assumiram uma feição coerciva – certamente
mais o bahasa indonésio que o português. De facto, o programa de integração e
desenvolvimento desenhado pelo governo de suharto baseava-se na ideologia
designada “Panca sila” que se revelava tolerante do ponto de vista da religião
– permitindo que os indivíduos escolhessem uma de entre as religiões aprovadas pelo Estado (Owen 2005: 445) – mas particularmente intolerante no que
concerne à língua.
O modo como as línguas foram apropriadas, manipuladas e usadas pela
população local para prosseguir fins próprios, porém, ultrapassa em muito uma
história que se centra nas relações verticais, de cima para baixo, entre colonizadores e ocupantes, por um lado, e a população timorense, por outro. A história
do século XXI começa – com toda a força da evidência que não passa desapercebida a quem contacta com o território – de uma forma significativamente
diversa
3. (sobre língua e identidade)
Timor-Leste é um país onde a maioria da população é bilingue ou mesmo
plurilingue;21 e onde a escolha da(s) língua(s) que cada um fala e em que se
exprime socialmente assume uma importância capital no processo de identidade colectiva. na verdade, a relação que se estabelece entre as várias línguas
é, ela própria, plurifacetada: se o tétum-praça tende a ser uma língua veicular
complementar das demais línguas autóctones (e é geralmente entendido como
uma segunda língua usada para contactar falantes de outras línguas, não suscitando formas de concorrência, de rivalidade, de antagonismo),22 o mesmo não
se poderá afirmar das outras línguas em jogo. A opção pelo bahasa indonésio
ou pelo português tende a ser mutuamente exclusiva, ou seja: quem opta por se
exprimir em bahasa indonésio neste contexto plurilinguístico fá-lo em oposição, em contraponto, a uma opção alternativa que seria a expressão em língua
portuguesa.23
não espanta que as novas autoridades timorenses se tenham apressado a fixar
um quadro legal que, reconhecendo a necessidade de estabelecer um período
de transição para uma nova paisagem linguística e de integrar a totalidade da
espanhol e um húngaro, perceberia 100%; de uma conversa entre norte-americanos, compreenderia
50%; e de uma conversa entre dois ingleses, perceberia nada (citado em Garton Ash, 2004).
21 Thomaz (2002: 167).
22 Esta generalização poderá ser excessiva no caso de zonas como a Ponta Leste dos fatalukus, onde
o tétum suscita reacções por vezes mais negativas que o português.
23 Muito embora se encontrem pessoas capazes de se exprimirem simultaneamente em português e
em bahasa indonésio, é frequente que escolham uma destas línguas e ocultem (socialmente) o domínio
que têm da outra.
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comunidade timorense na nova nação, acarinha a reemergência do português
como um factor de diferenciação no contexto geopolítico local – tanto em relação ao passado recente de anexação pela Indonésia, como no plano mais vasto
da predominância do inglês nesta zona do globo. Importa, no entanto, dar um
passo atrás, indagando até que ponto esta conflitualidade estava já presente na
sociedade timorense antes do referendo de 1999, e que significado lhe poderemos atribuir. na busca de uma resposta a estas preocupações, vamos centrar
a nossa atenção sobre nomes.
na situação de plurilinguismo concorrencial que acabamos de descrever, a
atribuição de um nome a uma criança, ou a busca de um nome por um adulto,
implica a utilização de uma das línguas referidas.24 Essa escolha remete-nos
para além da função que o nome desempenha na designação social do indivíduo e no processo de individualização comunicacional – quer se trate do nome
próprio, quer estejamos a considerar o nome de família ou mesmo o sistema de
constituição dos nomes pessoais a partir da sua inserção familiar. O processo
de atribuição dos nomes é um sinal de uma forte opção de pertença, de identificação com o grupo de falantes da língua eleita, ou pelo menos de demarcação / oposição ao grupo de falantes da língua preterida. Esta concepção está na
base do exercício de análise empírica que se segue. O carácter pouco sistematizado do exercício remete para a forma como, à medida que a minha presença
em Timor-Leste foi avançando, ao longo de um período de cerca de ano e meio,
me fui apercebendo de diversas possibilidades de explorar empiricamente as
hipóteses que esse convívio quotidiano com timorenses ia gerando. O carácter
exploratório dessas várias vias de acesso a informação sistemática está, pois,
patente na secção que se segue. Entendam-se as suas peças como as pedrinhas
de um mosaico ou as manchas de tinta numa pintura impressionista.
LínGuA, nOME E IDEnTIDADE: EsTuDO DE cAsOs
1. A liderança da guerrilha
Taur Matan ruak, actualmente brigadeiro-general responsável pelas forças
armadas timorenses, foi o quarto e último comandante da guerrilha que
actuou no território até 1999. sucedeu no posto a nicolau Lobato (morto
em 1978), Xanana Gusmão (capturado pelas forças indonésias em 1992) e
24 Em termos estritos, a questão é um pouco mais complicada, uma vez que é corrente encontrarem-se indivíduos que possuem dois nomes: um nome em língua autóctone atribuído à nascença, e outro
em “língua de cultura” adoptado no baptismo ou no registo oficial. O primeiro pode subsistir no seio
da família mais próxima, mas o segundo é claramente o nome de socialização do indivíduo. É sobre
este último que incidiremos. veja-se que, por exemplo, as crianças que morrem antes de ter podido ser
baptizadas, são identificadas nas suas campas como “anjos” – e nenhum nome cristão lhes é dado.
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Konis santana25 (falecido prematuramente em 1998). num recente artigo,
Taur explica a relação entre a organização da resistência à invasão indonésia e
a língua portuguesa, sustentando que três factores terão pesado na decisão da
liderança do movimento de resistência de manter o uso da língua portuguesa:
(a) a presença de intelectuais falantes dessa língua, cujo contributo para a formação da estrutura militar da guerrilha terá sido considerável; (b) a existência
entre os timorenses conhecedores da língua escrita de um elevado número de
indivíduos que se exprimiam em português; e ainda (c) o facto de ser uma
língua ortograficamente estabilizada e desenvolvida (ruak 2001). A chamada
“frente Armada” manteve o uso do português, acrescentando Taur que essa
seria “uma arma para contrapor à língua malaia no âmbito da luta cultural”.
Poderemos sugerir que o uso da língua portuguesa acrescentava dificuldades de
entendimento dos documentos que pudessem cair em mãos indonésias.
A verdade, porém, é que ao longo dos anos de resistência as dificuldades
cresceram “porque aquela classe detentora da língua portuguesa minguou
fatalmente, e esta quase desapareceu da circulação, à excepção de certas correspondências entre os poucos dirigentes de topo ainda sobreviventes”. Aliás,
o Museu e Arquivo da resistência26 testemunhará a persistência da língua
portuguesa como língua preferencial de comunicação escrita entre a liderança
política durante todo o tempo da luta armada.
Também outros sectores da resistência utilizaram a língua portuguesa. recordemos que, tanto por ocasião da visita de João Paulo II, quer depois do massacre
de santa cruz, os meios de comunicação internacionais imprimiram ou emitiram várias imagens de manifestações em Timor-Leste nas quais a língua portuguesa era sistematicamente utilizada: Pátria ou Morte! Resistir é Vencer! etc.
Em claro contraste com esta defesa política e pragmática do uso da língua
portuguesa, vejamos o que ocorreu no seio da guerrilha relativamente ao nome
pelo qual os guerrilheiros se quiseram tornar conhecidos. com a colaboração
de alunos da unTL e ainda com a ajuda preciosa de Álvaro de castro (elemento
activo na frente armada entre 1975 e 1981, profundo conhecedor das peripécias dessa luta), foi possível elaborar o quadro seguinte em que se sistematizam
dados referentes aos nomes “cristãos”, aos nomes “gentios” e aos “nomes de
guerra” de um punhado significativo de comandantes da guerrilha timorense
(quadro 1). A publicação recente de um guia do Museu e Arquivo da resistência, com referência a fundos documentais e aos seus instituidores, permitiu
prolongar um pouco a recolha de dados (quadro 2). É sobre eles que nos vamos
debruçar de seguida.
25 sobre este, cf. Mattoso (2005).
26 Em organização à época de elaboração deste ensaio e da minha estadia mais prolongada no território. cabe aqui uma palavra de agradecimento ao professor José Mattoso, que cuidou da organização
deste precioso arquivo, a quem se deve a gentileza desta comunicação.
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Quadro 1
Nomes cristãos, gentios e de guerra de alguns guerrilheiros e seus líderes
Nome “cristão”
Nome “gentio”
José Alexandre Gusmão
Kay rala
José Maria vasconcelos
francisco Guterres
Nome “de guerra”
Taur Matan ruak
Lu Olo
Antonio carvarino
Mau Lear
hélio Pina
Mau Kruma
Manuel soares
Asu coli
Lucas da costa
coli Mau
Tito dos santos
Lere Anan Timor
Jaime dos santos
samba sembidan
Inácio dos santos
naroman
filomeno Paixão
susar Blehitu
António de carvalho
fera Lafaek
Domingos da costa
ular
Domingos da costa
falur Latelaek
Alberto nunes
Plin Plan
Álvaro da costa
Letribus na’i Buti
fonte: Álvaro da costa e estudantes da unTL
como é claramente visível, o traço saliente é o desaparecimento completo
da língua portuguesa e a adopção de “nomes de guerra” ou o retorno aos nomes
“gentios” formados por vocábulos originários das diversas línguas autóctones
– mambai, makasai, fataluku, etc. Poderemos compreender que assim tivesse
sido quando recordamos que as estimativas do número de falantes de língua
portuguesa aponta para números muito baixos e para a sua grande concentração em Díli (e em menor medida nos postos administrativos espalhados pelo
território), e quando um desígnio estratégico da liderança política consistia
no estabelecimento de laços fortes entre todas comunidades – com particular
relevo nas comunidades excluídas do uso da língua portuguesa – e os elementos da guerrilha. Devemos incluir entre estes laços aqueles que se prendem com
a afectividade: o uso de nomes familiares às comunidade seria um elemento
com peso nessa estratégia.
A força deste argumento poderia ser maior se a língua escolhida tivesse
sido sistematicamente o tétum-praça, o que não é manifestamente o caso. Isto
porque, conforme sustenta Leão da costa, também a difusão da língua tétum
(nomeadamente pela Igreja católica) pode ser entendida como uma forma de
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Quadro 2
Quadro de nomes de elementos da Resistência Timorense cujos fundos
documentais se encontram no Museu e Arquivo da Resistência
Nome “cristão”
“Nome de guerra”
Leandro Lobato
Grei harana
Alberto da costa freitas
14-12
João dos santos
sina Makassar
Jacinto viegas
roke
Jaime romão dos santos
Dotim
Ernestina Maia Gouveia Leite
Angrek
Anastácio de Jesus
russa fuik
Danielda cruz
Kameli
cirilo de Jesus Amaral
n’a Amau
Gaspar Gonçalves
Piti Lisidi
Álvaro do nascimento
sesurai
francisco Doutel sarmento
La Mesaik
simão Augusto
sito
Eduardo Belo soares
Gattot
João Lay da silva
Besi Mean
António soares
Tata Mailau
Piti Lakon Mosu
Tiak Leman
cohen
sabalae
Fonte: Resistência Timorense – Arquivo & Museu.
resistência activa à imposição do bahasa indonésio por parte do invasor (costa
2003: 16). Pelo contrário, encontramos no rol dos nomes de guerra vocábulos
oriundos de várias línguas com expressão geográfica concentrada e muito localizada, como as línguas galoli ou fataluku. Porém, os meus informadores são
peremptórios em afirmar que, apesar do mosaico linguístico que emana do quadro apresentado, a vinculação dos guerrilheiros às comunidades locais passava
pelo reconhecimento dos seus nomes como nomes genuinamente “timorenses”.
Tal aspecto poderia ser reforçado se os nomes de guerra assumissem um carácter descritivo ou evocativo de uma realidade natural ou fantástica, que parecem
coadunar-se com formas de pensamento mágico. Alguns nomes comportam essa
dimensão (Taur Matan ruak = gibóia de dois olhos; falur Latalaek = pomba sem
sepultura), mas estamos longe de ter encontrado uma regularidade suficientemente forte para a admitirmos como factor explicativo global.
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A sugestão que parece poder colher maior aceitação consiste em reportar a
escolha destes nomes à tradição bélica da ilha. segundo se diz – o que constitui
uma razão suficientemente forte – seria costume em tempos idos que os chefes
políticos locais, os liurai, adoptassem “nomes de guerra” simplesmente distintos dos que normalmente utilizavam. Ou seja, estaríamos perante uma espécie
de pseudónimo guerreiro. A escolha reporta-se, pois, a um contexto em que
se deseja vincar uma ligação simbólica com a tradição mais profunda da ilha
– ligação que alguns dos comandantes da guerrilha efectivamente possuíam em
termos de origem familiar, mas que, mais uma vez, não pode ser generalizada.
como um poeta timorense exprimiu:
O braço armado do Povo
As Falintil,
Intimamente preocupadas,
A Deus pedem protecção
E dos defuntos a companhia.27
Aqui se revela o sincretismo de um corpo de guerrilha que recebe contributos das mais variadas origens: desde a elite urbana (versada na literatura de
guerrilha maoísta ou de vo nguyen Giap tão presente nas bancas portuguesas
em 1974 / 75)28 à religião institucional e às formas de culto ancestrais.
A língua portuguesa era o meio de expressão da condição de elite política
no contexto de Timor-Leste em 1975. nesses termos, a língua portuguesa
unia dois sectores fundamentais dessa elite:29 filhos de chefes locais tradicionais (de que se pode citar o exemplo de francisco Xavier do Amaral, fundador
da frETILIn e filho de um liurai de Turiscai, same) e os filhos da classe média
urbana que se estava a constituir em Díli após a II Guerra Mundial, alguns
dos quais com origem portuguesa.30 Para que essa elite pudesse manter o seu
estatuto no contexto da invasão e da opção pela luta armada (em que apenas
uma fracção dela se integrou), a prioridade não consistia em afirmar os traços
marcantes da sua diferença, mas antes em sublinhar, com todos os meios ao
seu alcance, a sua imersão na água primordial da cultura dos antepassados
comuns – a cultura que poderia justificar a oposição à invasão “javanesa”,
como então se dizia. não era a proximidade do falar português que merecia destaque, mas sim a capacidade de interpretar as tradições bélicas que se
exprimiam em línguas autóctones.
27 Álvaro de castro, excerto do poema inédito “reminiscência”, por gentileza do autor. Trata-se de
um poema escrito em ttétum e traduzido pelo próprio autor.
28 Terá sido pela via dos estudantes do território sediados em Lisboa que terá chegado a Timor.
29 Agradeço a Ágio Pereira, elemento importante na vida política timorense desde o 25 de Abril de
1974, pelos esclarecimentos prestados e pela formulação da hipótese esboçada.
30 Para uma avaliação da evolução de Díli antes de 1974, veja-se Thomaz (1994: 682-689).
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curiosamente, é um elemento marginal em relação a essa elite de 1975
quem emerge nos anos de 1980 como líder incontestado da resistência e protagoniza esse fundamental projecto de recomposição política e social até ao
sucesso do cnrT (conselho nacional da resistência Timorense): José Alexandre / Kay rala / Xanana Gusmão.
2. Os formandos do Centro Nacional de Emprego
e Formação Profissional (CNEFP)31
Em Tibar, nos arredores de Díli, funciona há anos um centro de formação
profissional. neste centro, timorenses provenientes dos quatro cantos do território, seguem cursos de formação profissional como electricista, canalizador,
pedreiro e carpinteiro. são, geralmente, jovens adultos com formação académica básica que não podem ser considerados como membros das elites do país.
Olhar para os indivíduos que passaram nos últimos anos por esta instituição
poderá permitir uma aproximação a um retrato das práticas culturais – e especialmente práticas de nomeação – com raízes espalhadas pelo território
A base de sondagem de que parto para esta secção é constituída por uma
listagem de alunos que frequentaram os cursos do cnEfP entre 2002 e 2005.
no total, comporta 305 nomes completos de alunos provenientes de todo o
país. Desses 305, 178 permitem saber o ano de nascimento do estudante – o
que, como procurarei evidenciar, se torna relevante para os propósitos deste
exercício. Assim, procedeu-se a uma selecção daqueles sobre os quais havia a
certeza de terem nascido depois de 1979 (considerando essa a data da afirmação do domínio efectivo do invasor indonésio sobre todo o território). Obtivemos um conjunto de 105 indivíduos, aos quais retirámos as mulheres por
serem apenas 9 e, portanto, sem suficiente representatividade. Os restantes 96
constituem o núcleo sobre o qual assentam as observações que se seguem.
recordemos que, em Timor-Leste, é costume atribuir a uma criança um
nome logo após o seu nascimento. Geralmente, este nome é um nome gentio,
ou seja, um nome que usa as línguas autóctones do território. É igualmente
frequente que este nome perdure: muitos dos meus informantes revelaram,
quando interrogados, os seus nomes gentios e admitiram que o uso desses
nomes se mantém no seio da família próxima – com regularidade nos primeiros
anos de vida, com crescente irregularidade à medida que as crianças se transformam em adolescentes e em jovens adultos. Quer dizer: à medida que o seu
círculo de sociabilidade se alarga, o nome “familiar” perde peso como elemento
de identificação.
Em tempos idos, a conversão religiosa – nomeadamente a adesão à religião católica com o consequente baptismo – oferecia uma oportunidade para
31 Esta secção foi tornada possível pela colaboração do director do cnEfP, Pedro fraga, a quem muito
agradeço a gentileza.
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“mudar de nome”: era esse o momento de adoptar um nome cristão. Ao contrário de alguns territórios do Pacífico, onde a presença colonial não provocou
uma opção generalizada por nomes novos, Timor-Leste parece ter seguido uma
via de desvalorização dos nomes gentios no processo de formalização administrativa, pelo menos até a um passado muito recente.
Durante o período de ocupação indonésia, assistiu-se a um reforço significativo das práticas administrativas modernas. Os indivíduos passaram a necessitar de um instrumento de identificação para poderem frequentar as escolas, os
centros de saúde, as repartições públicas. A questão do nome (da sua definição
e da sua fixação) assumiu, então, mais que uma função de identificação comunitária, uma função de interacção com uma sociedade mais vasta.
A nível constitucional, a república da Indonésia permite que os seus cidadãos optem entre várias denominações religiosas – incorporando, portanto,
elementos de um estado laico e de liberdade de culto. Este quadro normativo
vigorou em Timor-Leste as partir dos finais dos anos 70. na década seguinte,
parece ter sido reforçado por um recenseamento geral da população, que era
“convidada” a indicar a sua filiação religiosa. seja como for, o que parece razoável afirmar é que, na década de 1980, se assistiu a uma pressão no sentido
de registar oficialmente o nome pelo qual os indivíduos optavam por se fazer
conhecer no meio social abrangente. Por esta razão, observar o nome daqueles
que nasceram nessa década pode permitir entrever a teia social em que as práticas de nomeação se inserem.
Antes, porém, deveremos procurar esclarecer o que entendemos por “nomes
portugueses” ou, de uma forma mais específica, nomes “em língua portuguesa”.
Desde logo, devemos descartar uma perspectiva estritamente ortodoxa que nos
remetesse para as práticas de nomeação vigentes em Portugal, por grosseiro
pecado etnocêntrico. Ainda mais, devemos fugir da listagem normativa que
as autoridades portuguesas utilizam nos tempos que correm para ajuizar da
“portugalidade” de um qualquer nome que os pais queiram atribuir aos seus
filhos.32 Interessa-nos, obviamente, circunscrever a nossa discussão à língua
portuguesa tal como ela se fala em Timor-Leste.
uma hipótese de trabalho, que foi desenvolvida por Maria José Albarran de
carvalho, consiste em estudar nomes de origem histórica portuguesa e analisar
a evolução a que estiveram sujeitos numa perspectiva etno-linguística (carvalho
s / d). Os resultados deste estudo, se bem que importantes para a história da
presença dos portugueses na zona e das redes comunicativas por eles estabelecidas, apresenta uma limitação para a perspectiva que aqui desejo defender que
merece ser discutida. na base desse projecto está a identificação de uma matriz
portuguesa documentada (caligraficamente, epigraficamente) e a aplicação de
32 Essa listagem e a sua fundamentação (que pode ser resumidamente encontrada no site www.dgrn.
mj.pt) mereceria bem uma investigação de fôlego.
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uma ferramenta linguística que dê conta do trajecto até à forma actual – por
vezes já distante do original. Ora, a questão que se coloca é que, ao ouvido
de um timorense, pode pertencer à “língua portuguesa” um vocábulo ou uma
expressão que não se enquadre nem no português canónico, nem na derivação
linguística a partir de uma origem portuguesa. Quero com isto dizer que o conceito de “língua portuguesa” presente na sociedade timorense dos nossos dias
– e presumivelmente no passado recente – é uma construção cultural que, sendo
genericamente edificada sobre uma base objectiva de articulação com a língua
portuguesa canónica, pode conter alguns elementos de desvio, de reinterpretação, ou mesmo de inovação. conforme a própria autora reconhece, “trata-se de
uma variável do Português que se demarca do Português Europeu contemporâneo, numa identidade lexical, fonológica, etc., muito própria” (2001: 72).
Mas esta constatação talvez não baste: perante uma expressão que eu próprio não compreendo, e que me é apresentada como sendo “uma expressão
em língua portuguesa”, não posso deixar de considerar que o dilema deve ser
ultrapassado pela consideração positiva de ambas as afirmações. É que, no
âmbito da presente discussão das práticas de nomeação, o conceito de “língua
portuguesa” não é linguístico – é cultural. neste sentido, portanto, a afirmação
da autora segundo a qual a língua portuguesa “é a língua dos nomes próprios e
sobrenomes de, respectivamente, 98% e 70% dos timorenses” (2001: 71) deve
ser tomada cum grano salis – apesar de, em termos gerais, indicar e dar expressão
a um fenómeno fundamental no complexo identitário timorense.
voltemo-nos, então, para os dados empíricos recolhidos em Timor-Leste,
começando pelos “nomes próprios”. Da listagem de 96 formandos do cnEfP,
apenas um ostenta um nome próprio que imediatamente excluiríamos da
categoria local de “nome português”: Mardojony henry – apesar de o seu
sobrenome ser Madeira. Outro caso oferece dúvidas: firman nelson Amaral
– sendo que “firman” não é um nome “indonésio” nem “gentio”. O caso de
Joni Martins também apresenta uma ambiguidade: se pode ser visto como um
diminutivo do inglês John / Johnny, ele grafa-se “à portuguesa”.
contudo, olhando para os restantes, somos confrontados com aspectos não-correntes no português canónico, como:
a) a utilização de sobrenomes como nomes próprios (evidente no caso de
nunes, mas também possível de verificar em nomes como Baptista que,
em Portugal, correm sobretudo como sobrenome);
b) nomes que evidenciam um contacto débil com o português escrito e uma
prevalência da língua falada, como no caso de zaquiel carvalho (por
Ezequiel);
c) a consagração como nomes próprios de formas usadas no continente
europeu na linguagem coloquial ou como hipocorísticos, tais como
carlito (de carlos), Manecas e nelito (de Manuel), a que talvez se possa
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acrescentar um Juninho – nome derivado de uma raiz desconhecida por
sufixação tipicamente portuguesa.
Todas estes casos ilustram o português de Timor-Leste como um “português
desviante” da norma europeia. Trata-se de formas possíveis de adaptar às realidades locais um instrumento linguisticamente identificável.
A primeira tentação é de afirmar que os nomes próprios não identificados na escolha acima são “portugueses”, sem para tal ser preciso fazer quaisquer ressalvas sobre o significado atribuído a “portugueses”. não está a lista
repleta de nomes próprios como Ângelo, António, Armando, Augusto e tantos outros que conhecemos do dia-a-dia lusófono, tais como Bernardino,
cristóvão, Domingos, Estanislau, feliciano, Guilhermino, henrique, Inácio,
Júlio, Laurentino, Marcelino, nelson, Olívio, Pascoal, raimundo, simplício,
Tomás, vicente, Xavier ou zacarias?33 A variedade de nomes próprios é tão
extensa que, nestes 96 indivíduos, detectamos como primeiros nomes (em
nomes simples ou complexos) 74 ocorrências distintas, mais 12 ocorrências
como segundos nomes: um total de 86 nomes individuais distintos para 96
casos! Os nomes que mais vezes aparecem repetidos – António, João e José
– ocorrem apenas quatro vezes como primeiro nome. Pode-se dizer que encontramos quase tantos nomes (isolados) como indivíduos, o que demonstra uma
enorme capacidade para manipular adequadamente uma pool de nomes com o
fim de proporcionar uma identificação inequívoca.
A surpresa estava para chegar: no confronto da lista de nomes recolhidos
com a dos “vocábulos admitidos e não admitidos como nomes próprios” no
banco de dados da Direcção nacional de registos e notariado da república
Portuguesa.34 Esperava encontrar resistência à consagração de diminutivos, por
exemplo. Mas o espectro de rejeição foi muito maior. não são admitidos como
nomes próprios em Portugal os vocábulos nero ou Agapito – mas a razão desta
decisão não é certamente linguística, uma vez que é reconhecido que ambos
são vocábulos perfeitamente identificados com a língua portuguesa e mesmo
como nomes próprios (os nomes dos imperadores romanos passaram quase na
totalidade à língua portuguesa, e Agapito é nome histórico!). não podem as
crianças portuguesas ser baptizadas como Milton – mas ninguém ignora que
no Brasil este é um nome muito comum.
A verdade, porém, é que em Timor-Leste foi (e é) possível atribuir a um
menino o nome de Adeomar (próximo do português canónico Ademar) ou
Benvindo (masculino de Benvinda, nome de mulher em português, que não
aceita o masculino), Averio, Azitio ou Atanásio, crisanto ou Elígio, Evério,
33 Para construir esta listagem de A a z (sem Q nem u) foi necessário recorrer ao lote completo de
305 nomes, e incluir alguns (Xavier) que aparecem como sobrenome.
34 www.dgrn.mj.pt.
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florindo ou Juvêncio ou Juviano, railando, Trifónio e até Estrósio. Todos eles
se encontram fora da lista dos “vocábulos admitidos como nome próprio” em
Portugal. Todos eles evocam uma sonoridade portuguesa. Todos eles são entendidos pelos timorenses como “nomes portugueses”.
se adoptarmos como critério de identificação de “nomes portugueses” o
conceito dos timorenses que os usam e não o das autoridades civis portuguesas, ou ainda a matriz puramente histórico-linguística (qual a origem de
Estrósio?), então temos de concluir que os “nomes portugueses” constituem
a esmagadora maioria dos nomes próprios usados no território – e dos nomes
próprios dados a crianças no auge da dominação indonésia.
vejamos agora o que se passa no domínio dos sobrenomes (ou nomes de
família). na nossa amostra de 96 indivíduos, metade (uma proporção altíssima se comparado com Portugal ou o Brasil) tem apenas um sobrenome;
outra metade forma o seu sobrenome a partir de mais que um nome. A lista
de nomes revela 59 sobrenomes diferentes. combinando as duas situações, o
nome que mais vezes surge é Ximenes (com 8 ocorrências), seguido de Martins
e silva (7 ocorrências), soares (6) e Assis, costa, freitas e santos (5 cada).
nomes que identificamos como não-portugueses, todos de ocorrência singela,
são apenas 6: Bere, Galosu, Lim, Obe, Poto e Yilman.
A sugestão que parece decorrer destes dados é que não há uma preocupação conservadora na atribuição de nomes, já que vigora uma extensa pool de
nomes – tanto de nomes próprios como de sobrenomes (sendo que alguns,
como Afonso ou Xavier, são usados das duas formas) onde a língua portuguesa
corresponde a mais de 90% de ambos os casos. O entendimento que aqui se
dá da “língua portuguesa” abarca o que poderíamos considerar “neologismos”
como Estrósio (nome próprio) ou Eco (sobrenome).
Ao olharmos para o panorama dos nomes tal como nos aparece aqui revelado
verificamos que, na década de 1980, um indivíduo ou uma família timorense que
tomava um nome “português” podia escolher quase livremente o nome próprio
e o sobrenome. Este exercício sugere que, nessa época, os nomes “portugueses”
se tinham tornado absolutamente dominantes entre a população timorense,
apesar da proibição oficial do uso da língua, mas beneficiando da cobertura que
as autoridades religiosas davam a esta forma de revelação de uma cultura de
oposição à assimilação na grande nação indonésia – o que se verificaria tanto
entre as autoridades católicas, de longe as mais representativas, como de outras
denominações, tal como me foi possível verificar num breve exercício realizado
em Beloi, Ataúro, junto de uma comunidade dominantemente protestante.
3. Uma sondagem em registos paroquiais (Dare)
A paróquia de Dare situa-se na montanha sobranceira a Díli, distando a sua
igreja pouco mais de dez quilómetros da cidade. foi nesta paróquia que, graças
à anuência do Padre Lúcio norberto de Deus, pude aceder ao rico espólio
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documental pertencente à Igreja católica local. A sondagem que pude realizar nesse espólio dirigiu-se em dois sentidos: por um lado, utilizando os índices dos livros de registo de baptismo, procedi ao levantamento completo dos
nomes próprios atribuídos aos indivíduos baptizados no decurso do ano de
1995 – um ano que poderá ser visto como representativo da situação geral
vivida nas vésperas do desencadeamento do processo que haveria de conduzir
à restauração da independência nacional; por outro lado, utilizando os próprios registos de baptismo, procurei recolher para cada indivíduo baptizado o
maior volume de informação possível. A presente secção baseia-se, pois, nos
dados obtidos desta forma na paróquia de Dare.
O levantamento dos antropónimos usados como nome próprio incidiu
sobre um universo de 886 indivíduos, que partilhavam um total de 431 nomes
singulares. Tal representa em média a partilha de um mesmo nome por dois
indivíduos; média baixa, indicadora da facilidade de identificação positiva a
partir deste elemento, que é corroborada pelo facto de 264 desses nomes – ou
seja, 61,25% dos casos – surgirem apenas uma vez. Desde logo, observamos
uma predominância absoluta de nomes “em língua portuguesa” (cf. Anexo I).
se procurarmos testar a frequência com que os nomes mais utilizados se
manifestam, verificaremos o seguinte: apenas sete casos surgem dez ou mais
vezes – Maria (28), José (16), Domingos (13), António (12), João (11), Isabel
(10) e Domingas (10). Todos estes nomes são, indubitavelmente, nomes “em
língua portuguesa”, língua proibida no território na data em que os baptismos
ocorreram.
O segundo exercício consistiu no levantamento de todos os dados familiares
contidos nos registos de baptismo desta paróquia. Dado o volume de registos houve que proceder a uma sondagem arbitrária. Escolheram-se, pois, os
registos referentes ao mês de Agosto dos seguintes anos: 1970 (administração
portuguesa) – 17 registos; 1980 (pouco tempo decorrido sobre a invasão indonésia) – 62 registos; 1990 (situação de integração consolidada) – 84 registos;
2003 (após a independência) – 14 registos.
Os dados referentes a 1970 revelam que os indivíduos baptizados eram
jovens, podendo ser divididos em três categorias: bebés com menos de 1 ano
(8 casos = 47%); crianças com idades entre 1 e 10 anos (apenas 2 casos = 12%);
e adolescentes com idades entre os 10 e os 14 anos (7 casos = 41%). não
ocorrem baptismos de adultos. Partindo desta amostra, chegamos a 14 casais
(uma vez que há três casos de irmãos, um dos quais de gémeos) de pais, e 28
casais de avós. Ora, se a totalidade dos nomes das crianças baptizadas revela a
utilização da língua portuguesa, o mesmo não se passa com as gerações anteriores. no caso da geração de pais, 19 dos 28 indivíduos possuem nomes em
língua portuguesa e 9 em línguas autóctones – sendo que todos estes são pais
de adolescentes. na geração dos avós, apenas 12 dos 56 indivíduos têm nomes
portugueses, enquanto 44 têm nomes gentílicos.
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A formação do nome completo dos indivíduos baptizados (isto é, nome próprio mais sobrenome) revela duas situações praticamente equilibradas: nove
crianças recebem, na tradição portuguesa, sobrenomes pertencentes ao nome
dos seus pais; seis recebem os sobrenomes dos padrinhos; e duas crianças recebem nomes que não identificam nem os pais nem os padrinhos. um exemplo
é o de João rego da silva, no gentilismo Mau Perça, nascido a 5 de Março de
1958, filho de Lelo Bere e de soi Mau, neto paterno de Mau Mali e de Bui rai,
e materno de Lelo Bere e de Oleça, e que teve por madrinha Matilde Pereira de
Jesus e por padrinho a devoção a um santo.
A adopção de um modelo tão aberto dificulta a compreensão das relações
de consanguinidade. veja-se como o casal constituído por Miguel Mesquita do
rego (filho de Paulino de Deus Maia e de Paulina Barreto Maia) e sua mulher
Teresa (filha de Peti Mau e de Bi hode) baptizaram a 14 de Agosto de 1970
dois filhos: Marcos de Jesus (afilhado de Pedro de Jesus) e Emília do rego (afilhada de Alberto Lemos do rego e de Maria Isabel do rego).
saltando para 2003, novo panorama nos aparece. Tal como no tempo da
administração portuguesa, o baptismo é um acontecimento reservado a crianças – neste caso 10 delas têm menos de um ano e quatro entre um e cinco anos.
Agora, porém, todos os pais foram registados como portadores de nomes em
língua portuguesa e os nomes completos das crianças formam-se a partir dos
nomes dos progenitores – embora em modalidades diferentes. E nos 26 casais
de avós identificados (mais uma vez ocorre um caso de baptismo de irmãos),
35 indivíduos possuem nomes “portugueses” enquanto 17 mantêm nomes tradicionais timorenses.
Em relação a estes dois anos extremos, tanto em 1980 como em 1990,
a situação observada é substancialmente distinta. Desde logo, os baptismos
não eram reservados a crianças e jovens. Encontram-se baptismos de indivíduos entre as poucas semanas de idade e os 64 anos – simbolizando de modo
expressivo a emergência de um papel social novo por parte das autoridades
eclesiásticas católicas e uma nova relação entre elas e o conjunto da população
timorense. Em 1980, 20 dos 62 indivíduos baptizados (32%) tinham idades
superiores a 20 anos, enquanto 18 (29%) teriam menos de um ano. nos registos de 1990 os números são, respectivamente, de 18 (21%) e de 17 (20%)
num total de 84. Estes números evidenciam que, nessa época, se assistia a uma
profunda mudança em curso na sociedade timorense, que aqui tem um dos
seus afloramentos.
A formação dos nomes completos segue também um modelo muito mais
definido nestes anos: o da adopção de sobrenomes derivados dos padrinhos
– o que sucede em 43 casos sobre 62 possíveis (69%) em 1980, e em 70 em
84 (83%) em 1990. A adopção de nomes derivados dos pais apenas ocorre
oito vezes (13%) em 1980 e quatro (5%) em 1990, havendo modelos mistos
e mesmo recurso a outros nomes sem qualquer vínculo conhecido. Dado o
164
ruI GrAçA fEIJó
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movimento de baptismos tocar o conjunto da sociedade e não apenas o seu
estrato etário mais jovem, a proporção de indivíduos cujos pais e avós possuíam
nomes tradicionais é extremamente elevada.
surpreendem-se, nestes registos, fenómenos curiosos, cuja discussão nos
poderia levar muito longe: por um lado, baptismos de famílias inteiras; por
outro, a intervenção de indivíduos em diversas situações – pais num caso,
padrinhos noutro, ou ainda baptismos que precedem outros actos. Por exemplo, no dia 8 de Agosto de 1990 foi baptizado Domingos sarmento Pereira,
nascido a 25 de Janeiro de 1935, filho de Manuel e de sineta, neto paterno
de vinte e de saraman e materno de Mau Duau e de colelo; foram padrinhos
António sarmento Pereira (que lhe deu o sobrenome) e Elisa nascimento.
no mesmo dia baptizou-se Domingas carvalho santos, nascida a 13 de Maio
de 1940, filha de Mau Liqui e de silequi, neta paterna de Lacanó e de Bilequi
e materna de Lequi Mau e de Lequi Mali; foram padrinhos Paulo de carvalho
e Maria Pereira dos santos (que forneceram elementos para o sobrenome).
no dia seguinte, Domingos e Domingas haveriam de contrair matrimónio na
mesma paróquia. Entretanto, fizeram baptizar três filhos que tinham: Augusto
sarmento soares (afilhado de José rebelo e de Domingas sarmento soares);
Ana costa sarmento (afilhada de carlos e de Guilhermina costa sarmento); e
Lúcia ribeiro da silva (afilhada de João ribeiro soares e de Alda da silva).
Em 5 de Agosto de 1980, Manuel Marques rego e sua mulher Balbina
sarmento Lobo baptizaram o filho nascido em 7 de Março, que ficou registado
como constâncio Marques. Logo de seguida, Balbina serviu de madrinha a
uma menina de seis anos, filha de Mau huno e de sara Bau, que se chamou
cristiana de Jesus sarmento Lobo, e a outro menino, filho de Mau cana e de
sara Mau, a que puseram o nome de clementino Marques Lobo.
regressando ao nosso problema central, o que este conjunto de fontes nos
revela é a súbita transformação ocorrida na sociedade timorense após a invasão
indonésia, que levou ao baptismo sectores amplos da população de qualquer
escalão etário. Este fenómeno foi observado por Durand (2004: 159), que
afirma que a população baptizada terá passado de cerca de um quarto a mais
de três quartos num espaço de tempo relativamente curto. Ora esta transformação foi acompanhada, por via de regra, pela adopção de nomes “em língua
portuguesa”, tanto a nível do nome próprio como dos sobrenomes. As regras
de atribuição destes últimos parece começarem por admitir, em alternativa,
nomes dos pais e nomes dos padrinhos (caso de 1970), para depois se fixarem
claramente na adopção de nomes dados pelos padrinhos (1980, 1990). Mais
recentemente, passaram a seguir o modelo português de transmissão dos sobrenomes dos pais. Mas, no cômputo geral, e dada a velocidade a que as mudanças operavam, o que é necessário sublinhar é a volatilidade e a plasticidade das
regras e a sua articulação com o momento histórico e os desígnios especiais que
este motivava.
LínGuA , nOME E IDEnTIDADE...
165
cOncLuInDO: uMA nOvA DIMEnsãO DO cOMPLEXO IDEnTITÁrIO
retiremos desta discussão, por um lado, que os nomes “portugueses” adoptados em Timor-Leste, sobretudo durante o período de ocupação indonésia,
integram uma extensa lista, muito aberta a situações de inovação e de invenção e, por outro lado, foram em grande parte escolhidos em bloco; quer dizer,
incluindo conjuntamente o que, em Portugal, seria um nome próprio e um
sobrenome. Este último fica, assim, separado da função de constituição de
espessura geracional que lhe é atribuída na maior parte dos contextos lusófonos. As circunstâncias históricas em que se deu a adopção generalizada deste
tipo de nomes distinguem a situação de Timor de qualquer outra no mundo
lusófono e implicam que o quadro comparativista que preside a este colóquio
seja alargado para incluir esta situação.
O convite que me foi dirigido para participar neste simpósio sugeria que
me dedicasse a uma articulação entre, por um lado, “nomes e pessoas”, e por
outro, “género, classe e etnicidade”. cabe-me reconhecer que os três elementos
referidos em segundo lugar estão praticamente ausentes das minhas palavras
– outra investigação terá de ser futuramente realizada nessa direcção, já que o
exemplo timorense sem dúvida será rico nessa matéria.35 O aspecto da proposta
inicial que guiou a minha exploração deste material foi a questão da complexidade identitária. no caso de Timor-Leste, a componente política, no sentido de
actividade da polis (i.e., as interacções públicas e as relações de poder dos vários
estratos sociais que constituem uma nação) assumiu num passado recente e de
que ainda nos chegam ecos, um peso significativo na estruturação dessa identidade, e projectou-se sobre o processo de nomeação dos indivíduos.
A sociedade timorense enfrentou problemas de magnitude incalculável:
uma invasão militar que, nos primeiros quatro anos, terá sido responsável pelo
desaparecimento de cerca de duzentos mil cidadãos (numa população de cerca
de setecentos mil); uma invasão administrativa que, ao mesmo tempo que
estendia os ramos de oliveira de estradas, escolas e hospitais (com que nos
entretemos a medir e a cartografar as rotas de um progresso por vezes juncado de cadáveres), trazia consigo uma religião – muçulmana – que apenas
conseguia uma fraquíssima adesão no território; uma língua nova – o bahasa
indonésio – imposta como língua de cultura; um governo que pretendia, pelas
forças combinadas do extermínio, da conversão e da imposição de quadros de
referência comuns às restantes partes da constelação indonésia, promover a
assimilação e apagar as marcas distintivas deste povo.
Enfrentaram os timorenses este problema com uma estratégia de resistência
– aproveitando todas as pequenas liberdades para recusar a assimilação que
35 A título de mera indicação, veja-se o Dicionário Tétum-Português, de Luís costa, onde o autor apresenta um conjunto de nomes timorenses, distinguindo entre nomes masculinos, femininos e comuns
aos dois géneros.
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lhes era imposta e para continuar a afirmar a sua autonomia. As formas que
usaram para esse objectivo foram, seguramente, muito variadas. Entre elas, as
práticas de nomeação – com uma capacidade plástica de responder a situações
diversificadas – aparecem em lugar cimeiro. Que maior afronta ao invasor se
poderia imaginar do que a recusa obstinada em adoptar os seus nomes, em
jogar, ao nível de uma norma de sociabilidade básica mas dotada de elevado
poder simbólico, com as ferramentas oferecidas pelo invasor, mas antes criar
ou aprofundar uma tradição ostensivamente confrontacional, de repescar (ou
até inventar) nomes portugueses? note-se que o plurilinguismo que se verifica
no território é de tipo concorrencial. O facto de as autoridades indonésias usarem dos meios mais diversificados para tentar limitar a expressão do português
(como, de resto, no resto do país, fizeram com sucesso no caso do holandês)
mais realça o alcance da escolha clara por parte dos timorenses do leste de
nomes na língua portuguesa. A adesão a uma religião cristã, por si só, não é
bastante para explicar.
num caso, foram elementos de uma elite, socializada na língua portuguesa
e com nomes de baptismo portugueses anteriores a 1975, quem se viu na contingência de adoptar nomes de guerra gentios para, desse modo, selar uma relação mais profunda com as comunidades para as quais essa prática representava
um reatar de laços de identificação com correntes historicamente enraizadas e
uma espessura cultural que se queria, politicamente, manter viva como razão
última da resistência. A adopção por parte de muitos elementos da guerrilha e
da resistência de nomes de guerra em línguas autóctones, para além da componente conspirativa e de segurança que essa prática evidencia e que é naturalmente comum a situações idênticas, reflecte igualmente o peso que a escolha
da língua em que se processa a nomeação tem na configuração da identidade
que se deseja construir.
nos outros casos que passámos em revista, e que dizem respeito ao povo
indistinto, o que parece ter-se verificado foi o aproveitamento da oportunidade
oferecida pela possibilidade de se registarem como cristãos para escolherem
um novo nome em língua portuguesa. urge tomar em conta duas particularidades deste processo. Em primeiro lugar, os nomes “portugueses” usados pelos
timorenses revelam uma dose significativa de invenção e de inovação, não se
limitando a reproduzir nomes de origem europeia – desse modo ultrapassando
as limitações que o isolamento cultural imposto pelas circunstâncias da integração indonésia poderia acarretar em termos de adequação dos meios aos fins
desejados. Em segundo lugar, a distinção entre nome próprio e sobrenome nem
sempre pode ser aplicada com rigor; pelo contrário, como vimos no caso de
irmãos com sobrenomes diferentes, ou em casos de padrinhos que davam o seu
“sobrenome” a afilhados distintos, a formação do nome completo respondia a
conjunturas variáveis – sobretudo no período de grande afluxo de timorenses
ao baptismo, durante a dominação indonésia.
LínGuA , nOME E IDEnTIDADE...
167
De qualquer forma, o uso de nomes “em língua portuguesa” pode ser considerado como esmagadoramente dominante em Timor-Leste a partir da década
de 1980, pelo menos até à data da independência, e é um elemento que se
situa bem para lá da capacidade dos indivíduos se exprimirem, mesmo que
modestamente, em língua portuguesa. A prática quotidiana da vida em Timor
ensina-nos rapidamente que não é por um indivíduo se chamar João ou Maria,
Afonso ou susana, que saberá entender uma única frase de português corrente
ou exprimir uma ideia básica nessa língua.
Em comum, todos os casos que puderam ser analisados parecem revelar
uma sensibilidade muito grande das práticas de nomeação às contingências
do processo histórico. na verdade, somos levados a reconhecer a presença de
um forte elemento de contingência histórica. sem recuperarmos a contingência dos acontecimentos (o que efectivamente sucedeu num lugar onde outros
cenários eram possíveis ou mesmo viáveis), sem recuperarmos esta dimensão
de experimentum mundi que é o cerne da história, nunca poderemos compreender, na sua totalidade, a complexidade identitária.
como nos recorda carlo Ginzburg, todas as sociedades conhecidas do presente e do passado projectam as suas teias de sentido numa prática comum: a
de dar a cada pessoa um nome. se o fim da ilusão etnocêntrica tornou insustentável a ideia de uma “história universal”, apesar do universalismo das práticas de nomeação, só uma antropologia impregnada de história, ou seja, uma
antropologia que entenda as estruturas sociais como um sistema onde o olho
de cronos vigia incessantemente o dia-a-dia dos homens, onde se combinam
sincronia e diacronia, poderá fazer jus ao desafio que enfrenta.36
Eis o que Timor-Leste tão vividamente nos recorda. E como que querendo
afirmar que é uma sociedade viva, começa a dar sinais de mudança. hoje em
dia Timor-Leste vive, com euforia, os primeiros anos da sua independência
política. há sugestões no ar de que se desenha uma tendência para recuperar
os nomes tradicionais e autóctones, juntamente com nomes “portugueses”,
para afirmar a característica própria desta nova geração – e de um modo de
entender a decisão oficial quanto à consagração do tétum e do português como
línguas oficiais da jovem nação (mas esta é uma história que necessita de outra
ocasião para poder ser desenvolvida...).
36 Ginzburg (1989: 174-178).
168
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Anexo 1
Nomes próprios nos registos de baptismo de Dare, 1995
Abel
1
António
casimiro
1
Epifânio
1
Abelita
1
Apilunário
1
celélia
1
Ermelinda
2
Abrão
1
Apolónia
1
celestino
3
Ersilia
1
Abril
2
Arcanjo
3
celma
2
Esmeralda
1
Adão
6
Armanda
1
cesaltina
2
Esperansa
5
Adelaide
1
Armando
1
césar
1
Estanislau
1
Adelina
1
Armindo
2
cidália
1
Estélio
1
Adelino
1
Arnaldo
1
cipriano
1
Estelita
1
Adélio
1
Arsénio
1
clementino
3
Ester
1
Adriano
3
Asnin
1
cleofas
1
Eufrásia
1
Adrianus
1
Atanásia
1
constâncio
1
Eugénia
4
Agapito
1
Atanásio
1
constantino
2
Eugénio
3
Agostinha
3
Augusta
5
cornélio
2
Eulália
1
Agostinho
8
Augusto
3
crispim
1
Eva
1
Agripina
1
Aurélia
2
Damaceno
1
Evalina
1
Alberto
4
Áureo
1
Daniel
4
Evaristo
1
Alcino
2
Aurora
1
Delfina
2
Ezequiel
1
Alda
2
Auxiliadora
1
Deócia
1
fabriana
1
Aldikar
1
Baptista
1
Deolinda
2
fátima
8
Aleixo
1
Basílio
1
Didimos
1
faustina
1
Alfian
1
Beatriz
1
Diliana
1
faustino
1
Alfonsos
1
Bebiana
1
Dionísia
2
feliciana
2
Aliansa
2
Bendita
3
Dionísio
2
feliciano
1
Álvaro
1
Benjamim
1
Dirce
1
felicidade
1
Alzira
2
Benvindo
1
Dirson
1
felisberta
1
Amélia
1
Berkinta
1
Domingas
10
felismina
3
Amelita
2
Bernard
1
Domingos
13
félix
1
Amos
1
Bernardete
1
Dovêncio
1
felizarda
2
Ana
6
Bernardo
3
Duarte
1
felizito
1
Anabela
1
Berta
1
Dulce
3
fenícia
1
Anacleto
2
Bertalina
1
Ediana
2
fernanda
4
Anastásia
1
Bonfácio
1
Elfina
1
fernando
4
Andias
1
Bosco
2
Elias
4
fidélio
1
André
1
calisto
1
Elisa
4
filomena
5
Ângela
2
carla
2
Elisabete
2
filomeno
1
Angélica
2
carlito
1
Elsa
2
finantje
1
Angelina
7
carlos
2
Elvina
1
flaviana
1
Angelita
2
carmelita
4
Elvira
3
flaviano
2
Angelito
1
cármen
1
Elvis
1
florêncio
1
Aníbal
1
carmenesa
1
Emília
1
floriana
1
Anita
2
carolina
3
Emiliana
1
floriano
1
Antonino
1
carrascalão
1
Emilita
1
florida
1
12
LínGuA , nOME E IDEnTIDADE...
169
florindo
1
Jacinta
3
Leoneto
3
Mecias
1
francelina
1
Jacinto
2
Leovigildo
1
Melano
1
francelino
1
Jacob
2
Letícia
1
Melina
1
francisca
2
Jaime
2
Lídia
4
Mércia
1
francisco
7
Jaimito
3
Lisinha
1
Metiliana
1
frederico
1
Januar
6
Lourença
1
Miguel
5
frediana
1
Jelito
1
Lourenço
3
Miguela
1
fulgêncio
1
Jeremias
3
Lucas
2
Miranda
1
Gabriel
6
Jerónimo
3
Lúcia
4
Moisés
1
Gabriela
4
Joana
4
Luciana
2
Mónica
1
Gaspar
1
Joaninha
8
Luciano
3
natália
6
Geralda
1
Joanita
1
Lucília
1
natalina
3
Geraldo
1
João
Lucinda
1
natalino
2
Germano
2
Joaquina
3
Luís
4
natércia
2
Gerson
1
Joel
3
Luísa
2
nazario
1
Gertrudes
1
Johannes
1
Lurdes
6
nélia
3
3
Jonas
1
Lusitânia
1
nelita
1
Graciele
1
Jónia
4
Luzia
1
nelito
1
Guido
1
Jonito
1
Madalena
9
nelson
6
Guilherme
3
Jórdio
1
Mamilita
1
nely
1
José
16
Manecas
1
nicodemos
1
Josef
1
Manuel
4
nicolau
1
Josefa
3
Manuela
1
nineti
1
Joséfias
1
Marcelina
4
noé
1
Josefina
4
Marcelino
2
noélia
1
Jovâncio
1
Marcelo
1
noémia
1
Jovita
1
Márcia
1
nolasco
1
Judite
1
Marciana
1
norberto
2
Júlia
1
Marciano
1
nova
1
Juliana
5
Marcos
3
Octaviano
1
2
Octávio
2
Ofélia
1
Gil
Guilhermina
1
Gustária
1
hélder
1
helena
2
hendra
1
henrique
2
herculano
1
11
hermenegildo
1
Julião
1
Margarida
hermínia
1
Júlio
9
Maria
horácio
1
Julnavia
1
Mariana
5
Olandina
3
Imaculada
6
Júnior
1
Mariano
2
Olaris
1
Imelda
3
Juvenal
1
Marianus
1
Oldrico
1
Inácio
4
Lamberto
1
Mariazinha
3
Olga
2
Inês
2
Laura
2
Mário
4
Olinda
1
Irevino
1
Laurentina
1
Marsal
1
Onémia
1
Irineu
1
Laurentino
1
Marta
3
Orlando
1
Isaac
4
Lauriana
1
Martinha
1
óscar
1
Isabel
10
Laurinda
1
Martinho
6
Osto
1
Isaura
1
Leão
1
Martins
1
Oswaldo
1
Ismael
1
Leonardo
2
Martinus
1
Otofina
1
Iva
1
Leôncia
1
Mateus
2
Pascoela
4
Ivone
1
Leôncio
1
Matias
1
Paulina
4
28
170
ruI GrAçA fEIJó
etnográfica
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Paulino
1
romiro
1
sebastião
2
vasco
3
Paulo
5
romualdo
1
sejónia
1
venâncio
1
Pedro
5
rosa
4
selviana
1
verónica
4
Poitnawuno
1
rosália
1
sérgio
2
vicário
1
Ponciano
2
rosalina
1
serurzinha
1
vicarte
3
Quintão
2
rosalino
4
sezanino
1
viegas
1
Quintina
1
rosário
1
sílvia
1
violante
1
rafael
1
rosélia
1
silviano
1
virgília
2
raimundo
2
rosiana
1
simão
1
virgílio
1
raquela
1
rosita
1
simião
2
virgínia
4
reinaldo
2
rotário
1
sisnan
1
visentius
1
remington
1
ruben
1
sofia
2
vítor
1
rianto
1
rui
2
solãngio
1
vitorino
1
ricardina
1
rulisónia
1
susana
1
viviana
1
ricardo
2
salomão
1
Teófilo
1
zacarias
4
ricki
1
salvador
1
Terêncio
1
zeca
2
rita
2
samuel
3
Teresa
3
zeferino
3
robi
1
sandra
2
Teresinha
5
zélia
4
rofina
1
santiago
2
Tiago
1
zelita
1
rogério
1
sara
2
Tobias
1
zulmira
3
rohadi
1
saturnina
1
Tomé
3
zuqueu
1
romário
1
sebastiana
1
valéria
1
fonte: registos Paroquiais da freguesia de Dare.
LínGuA , nOME E IDEnTIDADE...
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maio de 2008
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language, name and identity in competitive plurilingualism: the case of East-Timor
Graça feijó ruifeijo@gmail.com
rui
This essay discusses the interplay between language, name and identity in the plurilingual context of
East-Timor. namely, I will approach the relationships between given and family name as one of the
distinctive characters of the Timorese linguistic system. Through names and naming practices in East-Timor, and the way they are construed and articulated with other contemporary phenomena, I will
discuss the different levels of cultural identity and the bases that support the configuration and sense
of Timorese national identity.
KEYWOrDs:
East-Timor, naming, plurilingualism, identity.