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Sempre à mulher, pela mulher: a coluna Feminismo no jornal O Paiz (1927-1930)

2021, História em Revista

O objetivo deste artigo é apresentar e analisar as pautas tratadas na coluna intitulada Feminismo, publicada no jornal O Paiz (RJ), nos anos finais da década de 1920. A coluna, assinada por representantes da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), associação fundada em 1922 no Rio de Janeiro, dedicava-se tanto a divulgar a associação quanto as conquistas e reivindicações das mulheres para um público mais amplo. Através dessa análise procuramos contribuir para a história das mulheres e dos estudos de gênero, mostrando a participação e o protagonismo delas frente à luta pela ampliação dos direitos femininos no início do século XX e, para alcançar tal intento, nos baseamos na metodologia da Análise de Conteúdo, proposta por Laurence Bardin.

Obra publicada pela Universidade Federal de Pelotas Reitora Isabela Fernandes Andrade Vice-Reitora Ursula Rosa da Silva Chefe do Gabinete da Reitoria Aline Ribeiro Paliga Pró-Reitora de Ensino Maria de Fátima Cóssio Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e Inovação Flávio Fernando Demarco Pró-Reitora de Extensão e Cultura Eraldo dos Santos Pinheiro Pró-Reitor de Assuntos Estudantis Fabiane Tejada da Silveira Pró-Reitor Administrativo Ricardo Hartlebem Peter Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Paulo Roberto Ferreira Júnior Pró-Reitor de Gestão de Pessoas Taís Ulrich Fonseca Editora e Gráfica Universitária - Conselho Editorial Presidente do Conselho Editorial: Ana da Rosa Bandeira Representantes das Ciências Agrárias: Victor Fernando Büttow Roll (TITULAR) e Sandra Mara da Encarnação Fiala Rechsteiner Representantes da Área das Ciências Exatas e da Terra: Eder João Lenardão (TITULAR) Representantes da Área das Ciências Biológicas: Rosangela Ferreira Rodrigues (TITULAR) e Francieli Moro Stefanello Representantes da Área das Engenharias: Reginaldo da Nóbrega Tavares (TITULAR) Representantes da Área das Ciências da Saúde: Fernanda Capella Rugno (TITULAR) e Anelise Levay Murari Representantes da Área das Ciências Sociais Aplicadas: Daniel Lena Marchiori Neto (TITULAR), Eduardo Grala da Cunha e Maria da Graças Pinto de Britto Representante da Área das Ciências Humanas: Charles Pereira Pennaforte (TITULAR), Lucia Maria Vaz Peres e Pedro Gilberto da Silva Leite Junior Representantes da Área das Linguagens e Artes: Lúcia Bergamaschi Costa Weymar (TITULAR), Chris de Azevedo Ramil e João Fernando Igansi Nunes Instituto de Ciências Humanas Diretor: Prof. Dr. Sebastião Peres Vice-Diretora: Profa. Dra. Andréa Lacerda Bachettini Núcleo de Documentação História da UFPel – Profa. Beatriz Ana Loner Coordenadora: Profª Dra. Lorena Almeida Gill Membros do NDH: Profª Dra. Lorena Almeida Gill Prof. Dr. Aristeu Elisandro Machado Lopes Prof. Dr. Jonas Moreira Vargas Técnico Administrativo: Paulo Luiz Crizel Koschier História em Revista – Publicação do Núcleo de UFPel | Lisiana Lawson – FURG | Lorena Documentação Histórica Almeida Gill – UFPel | Márcia Chico – UFPel | Maria Clara Hallal – UFPel | Comissão Editorial: Marislei Ribeiro – UFPel | Milena Ogawa – Profª Dra. Lorena Almeida Gill Paulo Luiz Crizel Koschier UFPel | Rita de Araujo Neves – FURG | Silvana Moreira – UFPel | Taiane Mendes Conselho Editorial: Profª Dra. Helga I. Landgraf Piccolo UFPel (UFRGS) Prof. Dr. René Gertz (UFRGS) (PUCRS) Prof. Dr. Temístocles A. C. Cezar (UFRGS) Profª. Dra. Beatriz Teixeira Weber (UFSM) Profª. Dra. Maria Cecília V. e Cruz (UFBA) Prof. Dr. Marcelo Badaró Mattos (UFF) Profª. Dra. Joan Bak (Univ. Richmond – USA) Prof. PhD Pablo Alejandro Pozzi (Universidad de Buenos Aires). Prof. Tommaso Detti (Università Degli Studi di Siena) Editora: Lorena Almeida Gill Editora e Gráfica Universitária R Lobo da Costa, 447 – Pelotas, RS – CEP 96010-150 | Fone/fax: (53)3227 8411 e-mail: editora@ufpel.edu.br Edição: 2021/1* ISSN – 2596-2876 Indexada pelas bases de dados: Worldcat Online Computer Library Center | Latindex | Livre: Revistas de Livre Acesso | International Standard Serial Number | Worldcat | Wizdom.ai | Zeitschriften Datenbank UFPel/NDH/Instituto de Ciências Editoração e Capa: Ariane Regina Bueno da Humanas Cunha, Gabrielle Nogueira Oliveira e Paulo Rua Cel. Alberto Rosa, 154 - Pelotas/RS Luiz Crizel Koschier CEP: 96010-770 Fone: (53) 3284 3208 Imagem da capa: Companhia Fiação e Tecidos http://wp.ufpel.edu.br/ndh/ de Pelotas – RS . e-mail: ndh.ufpel@gmail.com Pareceristas ad hoc: * obra publicada em agosto de 2021. Ana Maria Sosa González – UFPel | Aristeu Lopes – UFPel | Carolina Bonilha – UFPel | Carolina Kesser – UFPel | Daniele Gallindo – UFPel | Elisiane Chaves – UFPel | Fernanda Fonseca Pereira – FURG | Hudson Carvalho – UFPel | Igor Simões – UERGS | Jonas Vargas – UFPel |Lennyse Bandeira – UFRJ | Lidiane Friderichs – Dados de catalogação na fonte: Aydê Andrade de Oliveira - CRB - 10/864 História em revista / publicação do Núcleo de Documentação Histórica. Instituto de Ciências Humanas. Universidade Federal de Pelotas. v.26/2, (jul. 2021). – Pelotas: Editora da UFPel, 2021. 1v. Semestral ISSN 2596-2876 1. História - Periódicos. I. Núcleo de Documentação Histórica. Instituto de Ciências Humanas. Universidade Federal de Pelotas. CDD 930.005 Os textos contidos neste volume são de responsabilidade exclusiva de seus respectivos autores. Salvo informação explícita em contrário, o(a)(s) autor(a) (es) respondem pelas informações textuais e imagéticas contidas no presente volume. O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada artigo é de inteira e exclusiva responsabilidade dos mesmos. SUMÁRIO DOSSIÊ: HISTÓRIA DAS MULHERES E GÊNERO EM SUAS DIVERSAS ABORDAGENS APRESENTAÇÃO INTRODUCTION 7 DANIELE GALLINDO, ELISIANE CHAVES, SILVANA MOREIRA, TAIANE MENDES DISCUSSÕES SOBRE HISTÓRIA DAS MULHERES E GÊNERO SEMPRE À MULHER, PELA MULHER: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930 10 BEATRIZ BERR ELIAS, MÔNICA KARAWEJCZYK O JULGAMENTO DA FAMÍLIA VANDEPUT: UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM DA MÍDIA IMPRESSA BRASILEIRA SOBRE O INFANTICÍDIO DE CORINNE (1962) 27 BRUNA ALVES LOPES, FRANCIELI LUNELLI SANTOS MULHERES E A MIGRAÇÃO: TRAJETÓRIAS E MOTIVAÇÕES DE MIGRANTES NORDESTINAS NA CIDADE DAS AVENIDAS BRUNO CÉZAR PEREIRA, ALEXANDRA LOURENÇO 43 PERCEPÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA A PARTIR DA ÓTICA DE AGRESSORES DE MULHERES ELISIANE MEDEIROS CHAVES 62 COMPREENDAMOS, PARTILHEMOS DOS SOFRIMENTOS DA MULHER ESCRAVA: DUAS IRMÃS E O ABOLICIONISMO EM PELOTAS E RIO GRANDE (1880-1888) 80 ETIANE CARVALHO NUNES CORPO(S) E SEXUALIDADE(S) NO CINEMA PORNOGRÁFICO NO CONTEXTO DA DITADURA CIVIL MILITAR: PERCEPÇÕES A PARTIR DAS PORNOCHANCHADAS (1969-1986) GABBIANA CLAMER FONSECA FALAVIGNA DOS REIS 97 O RISO DA INFÂMIA: ESTUPRO NO DRAMA SATÍRICO CICLOPE DE EURÍPEDES MATEUS DAGIOS 114 “ELA DIZ QUE OS HOMENS É QUEM SÃO ESCRAVIZADOS”: ESTHER VILAR E AS ORIGENS DO ANTIFEMINISMO COMO “GUERRA CULTURAL” 130 SILVIANA FERNANDES MARIZ GÊNERO, TRABALHO, GUERRA E PAZ NO REINO UNIDO: O IMPACTO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E DO IMEDIATO PÓS-GUERRA NA VIDA DAS TRABALHADORAS BRITÂNICAS (1939-1951) 153 THIAGO ROMÃO DE ALENCAR ARTIGOS LIVRES O PALHAÇO DE REIS FLUMINENSE E SUA MÁSCARA: PERFORMANCE, RITUAL E RELIGIOSIDADE CAROLINA DA SILVA RODRIGUES 175 SANTUÁRIO DO CARAÇA: MEMÓRIAS E ESQUECIMENTOS LUSO-BRASILEIROS NA HISTÓRIA DE MINAS GERAIS 188 RUDINEY AVELINO DE CASTRO SILVA, JÚLIA CALVO “SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930 “ALWAYS TO WOMEN, FOR WOMEN”: THE FEMINISM IN THE NEWSPAPER O PAIZ (RJ) – 1927-1930 Beatriz Berr Elias1 Mônica Karawejczyk2 Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar e analisar as pautas tratadas na coluna intitulada Feminismo, publicada no jornal O Paiz (RJ), nos anos finais da década de 1920. A coluna, assinada por representantes da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), associação fundada em 1922 no Rio de Janeiro, dedicava-se tanto a divulgar a associação quanto as conquistas e reivindicações das mulheres para um público mais amplo. Através dessa análise procuramos contribuir para a história das mulheres e dos estudos de gênero, mostrando a participação e o protagonismo delas frente à luta pela ampliação dos direitos femininos no início do século XX e, para alcançar tal intento, nos baseamos na metodologia da Análise de Conteúdo, proposta por Laurence Bardin. Palavras-chave: Feminismo. Imprensa. Associação feminina. FBPF. Abstract: The purpose of this article is to present and analyze the guidelines discussed in the column Feminism, published in the newspaper O Paiz (RJ), in the late 1920s. The column, signed by representatives of the Brazilian Federation for Female Progress (FBPF), was dedicated to publicizing the association, the achievements and demands of women to a wider audience. Through this analysis we seek to contribute to the history of women and gender studies, showing their participation and protagonism in the fight for the expansion of women's rights at the beginning of the 20th century and, in order to achieve this intent, we are based on the methodology of Content Analysis, proposed by Laurence Bardin. Keywords: Feminism. Press. Women’s association. FBPF. Introdução A história das mulheres foi por muito tempo relegada a um lugar de obscuridade na historiografia mundial bem como a atuação delas, no processo histórico, esteve relegado ao silenciamento, uma vez que a narrativa prevalecente levava em conta, quase que de forma exclusiva, os feitos ditos heroicos e políticos de uma minoria masculina. Tal como aponta Sandra Palestra Contreras: “a participação das mulheres, individual e coletivamente, ocorre em todos os tempos e circunstâncias, no entanto [elas] estão ausentes da história oficial e por isso sua visibilidade é um desafio contínuo” (Contreras, 2017, p. 219). Pesquisar e escrever sobre o protagonismo feminino, em qualquer época histórica, é sempre um desafio, mas um daqueles que nos dão satisfação em vencer os obstáculos. Desde antes do século XIX as mulheres reivindicavam direitos e, entre tais reivindicações, destacavam-se pedidos de um ensino de maior qualidade, trabalho digno e o Graduanda em História – Escola de Humanidades – PUCRS. E-mail: beatrizberr@gmail.com Pós-doutoranda em História no PPG-PUCRS, bolsista PNPD-CAPES. E-mail: karawejczyk@gmail.com. O texto é um dos resultados da pesquisa desenvolvida pelas autoras entre os anos de 2018 e 2020 como participantes do grupo de estudos e pesquisas História e Imprensa: Leituras do Brasil Contemporâneo da Escola de Humanidades PUCRS, bem como é um dos resultados da pesquisa desenvolvida no meu pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 1 2 História em Revista, Pelotas, 10-26, v. 26/2, jul./2021 Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk 11 direito de participar da arena política.3 Alguns dos argumentos mais recorrentes proferidos contra essas demandas podem ser assim resumidos: “as mulheres eram pessoas incapazes, não inteligentes, infantis, dependentes – qualitativos para impedir que votassem, estudassem, fossem profissionais liberais ou tivessem participação política” (Blay, 2019, p. 11). Michelle Perrot (2007) nos alerta, contudo, que, mais do que um silêncio das fontes, no que diz respeito ao silenciamento da história das mulheres, o que merece destaque é que, quando a presença feminina no espaço público era apresentada na historiografia era narrada do ponto de vista masculino. Motivo pelo qual ao descobrirmos uma coluna denominada Feminismo escrita por mulheres em um jornal voltado para o grande público no final da década de 1920 nos pareceu tão instigante e importante a analisar. Assim, investigar a presença feminina no espaço público – pelas páginas da imprensa - tem nos proporcionado uma nova perspectiva acerca da participação feminina no processo histórico e no espaço público, ainda mais tendo em vista ter sido narrado pelas próprias protagonistas, as mulheres. Mas que feminismo era esse professado no início do século XX e estampado em uma coluna de jornal? bell hooks, no seu já clássico livro Teoria feminista: da margem ao centro, nos alerta da dificuldade de se ter “um consenso sobre o que vem a ser o feminismo ou aceitar uma definição (ou mais de uma) que possa constituir um denominador comum” (hooks, 2019, p. 47). Luciana Ballestrin por sua vez explicita que “o desenvolvimento do movimento feminista ao longo do século XX com frequência é pensado em termos de ‘ondas’ 4 que sintetizam suas conquistas quanto aos direitos civis, políticos e sociais” (Ballestrin, 2020, p.97). Nesse sentido explicitamos que: [...] a chamada “primeira onda” do Feminismo, que se desenrolou entre os séculos XIX até a primeira metade do século XX, dizia respeito a um amplo movimento que ocorreu de forma geral em todo o Ocidente (e também em alguns países ditos do Oriente), que buscou estabelecer direitos para as mulheres por meio de mudanças na legislação e nos costumes. Suas principais bandeiras foram centradas em direitos sociais, políticos e econômicos, tal como o direito a exercer certas profissões que eram vetadas às mulheres, questões referentes ao trabalho remunerado, educação feminina, questões de propriedade e herança e, também, na reivindicação de votar e serem votadas (Karawejczyk; Witter, 2020, p. 50-51). Eurídice Figueiredo é outra autora que nos traz uma contribuição importante para compreendermos o conceito de feminismo aplicado no início do século XX ao apontar: “se, num primeiro momento, houve um feminismo que parecia entrar em guerra com os homens, em outro, feministas pontuaram a necessidade de ganhar a colaboração dos homens na luta contra o sexismo e a misoginia” (Figueiredo, 2020, p. 23). Por sua vez Maria Lygia Ver, por exemplo, os escritos de Mary Wollstonecraft (2016) publicados originalmente em 1792. Tal descrição do movimento feminista periodizada em ondas é uma estratégia discursiva aplicada para fins didáticos nos quais se destaca as principais demandas de cada período. No entanto concordamos com Lená Medeiros de Menezes quando ela enfatiza: “A utilização da metáfora da onda, nesse caso, acaba por implicar a ideia de que cada onda avança mais do que as precedentes, dando um sentido ‘evolucionista’ ao processo e sedimentando a ideia de vitórias advindas através de ‘saltos’ rumo a ideais a serem alcançados (Menezes, 2017, p. 25). Jill Lepore, por sua vez, ressalta: “a luta pelo direito das mulheres não veio em ondas. [...] A luta pelos direitos das mulheres tem sido um rio, que avança sem parar” (Lepore, 2017, p. 361). 3 4 12 “SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930 Quartim de Moraes, ao escrever uma introdução para a obra de Mary Wollstonecraft, destaca como é espantoso que, tanto no século XVIII como hoje, em pleno século XXI, “a desqualificação das reivindicações das mulheres [...] passa pela acusação de que são ‘malamadas’, ‘machonas’, etc. E muitas mulheres renegam as feministas com medo de, dessa forma, serem rotuladas” (Moraes, 2016, p. 16). E nos alerta: o feminismo professado por contingentes femininos dessa primeira onda era um “feminismo que defendia a República laica e cidadania plena para todos. Um feminismo como movimento de radicalização da democracia. E, para além dos discursos, um feminismo de sujeitos do próprio desejo, de superação da dependência financeira” (Moraes, 2016, p. 15). E parece ser nessa vertente que podemos compreender o feminismo professado na coluna do jornal O Paiz no qual mulheres escreviam e defendiam suas pautas. Elas também davam relevo nos seus escritos para a necessidade da colaboração entre os homens e as mulheres para que as demandas femininas pudessem ser levadas adiante e ganhar o espaço público, como destacaremos a seguir. O rico manancial de abordagens propiciado pelo uso dos periódicos como fonte tem constituído um meio pelo qual as pesquisadoras e os pesquisadores podem encontrar os anseios femininos, suas demandas e, por que não, sua própria voz. Afinal a participação feminina no espaço público ganhou um local para se expressar na medida que elas conquistaram o direito de escrever em colunas, revistas e até em jornais inteiros que, finalmente, lhes garantiram um certo protagonismo. Constância Lima Duarte destaca: “foram os jornais e as revistas os primeiros e principais veículos de produção feminina, que desde o início se configuraram em espaços de aglutinação, divulgação e resistência" (Duarte, 2016, p. 14). Salientamos que esta é a abordagem que propomos nesse artigo, ao focarmos nossa atenção na fonte imprensa e, de forma mais específica, em uma coluna publicada no jornal O Paiz (RJ) no final dos anos de 1920, denominada Feminismo, escrita por mulheres. Através dessa análise procuramos contribuir para a história das mulheres e dos estudos de gênero ao tratarmos da participação e o protagonismo de um grupo específico de mulheres frente à luta pela ampliação de direitos no Brasil no início do século XX. A Federeção Brasileira pelo Progresso Feminimo – as protagonistas da história e a questão do voto feminino O mundo político e público, por excelência, principalmente no século XIX, era considerado como sendo exclusivamente masculino e as mulheres não eram ali bem-vistas, o lugar destinado a elas era o âmbito doméstico, o lar e o cuidado da casa e dos filhos. June Hahner destaca: “as primeiras defensoras dos direitos da mulher no Brasil viam a educação como uma chave para a emancipação feminina e a melhoria de status” (Hahner, 2003, p. 115). No final do século XIX outra demanda começa a ganhar cada vez mais espaço, o direito ao voto. Ellen DuBois, salienta: “tanto as feministas quanto os antifeministas do século XIX percebiam as reivindicações pelo voto como o mais radical elemento nas demandas femininas contra a opressão” (DuBois, 1975, p. 63, original em inglês). Para a autora a radicalidade do movimento sufragista estava confinada, contudo, no que era possível Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk 13 de ser alcançado no período, pois o núcleo familiar continuava a ser uma das mais importantes estruturas que sustentavam a sociedade. De fato, a mera possibilidade de mulheres invadindo o espaço público e principalmente se imiscuindo nos assuntos políticos, masculinos por “natureza”, era percebida por muitos como que um passo que levaria ao caos, colocando em risco a própria sociedade e trazendo uma consequência nefasta - a dissolução da família. Tais argumentos podem ser mais bem compreendidos se levarmos em consideração o fato de que, tal como salienta DuBois, a segmentação e a separação das esferas pública e privada era tão arraigada no século XIX que mesmo as sufragistas não eram capazes de contestar certos aspectos dela. Este também é o motivo pelo qual, por exemplo, não fazia parte do projeto de emancipação proposto por elas uma reorganização da divisão do trabalho doméstico com os homens. Segundo a autora esta pode ser uma forma de se compreender a defesa que elas faziam das atividades domésticas para as mulheres e a santidade da maternidade e da vida familiar (DuBois, 1975, p. 64-66). Tais argumentos passaram a ser os mais contestados por aquelas que lutavam pela emancipação política das mulheres ao longo do século XX. Uma das mulheres que contestaram tais restrições no Brasil foi a professora Leolinda de Figueiredo Daltro que em um tom provocador fundou, em 1910, o Partido Republicano Feminino, reacendendo o debate acerca do voto feminino no Congresso Nacional. Mas foi com a aparição de Bertha Maria Júlia Lutz no espaço público, no final da década de 1910, que a luta sufragista no Brasil sofreu uma transformação. Bertha apostou em uma tática que fazia elegia a expansão das capacidades femininas para além das barreiras do lar, na busca pela inserção feminina no cenário político. Ela apostou em uma tática de não confronto com os ideais arraigados no período, deixando “entrever uma tática nova mais comedida que ela acreditava mais adequada à consecução dos objetivos visados” (Soihet, 2006, p. 39). Tal tática apostava em um discurso que fazia a elegia da colaboração da mulher com os homens e não com a competição em qualquer ramo de atividade. 5 Sobre a questão do voto feminino é válido esclarecer que, no Brasil, desde as discussões ocorridas durante a Assembleia Constituinte de 1891 até a aprovação do voto estadual no estado do Rio Grande do Norte, no ano de 1927, estavam em discussão no Congresso Nacional projetos que visavam ampliar a cidadania política para as mulheres. No período de 1917 a 1930 em torno de sete projetos ou emendas parlamentares estavam circulando no Congresso, visando a ampliação do alistamento eleitoral para as brasileiras, em suas mais variadas etapas de apreciação. Na constituinte de 1891 as propostas apresentadas, em prol da inserção feminina nos pleitos eleitorais, elencavam uma série de restrições para a participação das mulheres, mas, desde então, com exceção da proposta apresentada em 1924, pelo deputado Basílio de Magalhães, todas as outras solicitavam o alistamento feminino nas mesmas condições que o masculino no Brasil. Em 1927, alguns desses projetos haviam sido rejeitados, outros estavam à espera de maiores deliberações para serem ou aprovados ou 5 Para saber sobre essa história consultar Rachel Soihet (2006) e Mônica Karawejczyk (2018). 14 “SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930 rejeitados. 6 Na primeira Constituição republicana (aprovada em 1891) apesar do voto não ter sido estendido para as brasileiras, também não o foi negado de forma explícita. Na ocasião foi aprovado o artigo 70 que definiu serem eleitores da República os cidadãos brasileiros, maiores de 21 anos alistados na forma da lei, a grande questão que passou a ser discutida era se as mulheres deveriam ou não ser consideradas cidadãs. É certo de que, tal como alerta Eva Blay, os feminismos vieram atuar em espaços historicamente construídos e tiveram de desconstruir ideologias que desumanizam, em geral, as mulheres [...]. Múltiplos movimentos feministas, grupos de mulheres de todas as classes sociais, se conscientizaram e organizaram pelo Brasil (Blay, 2017, p. 96). As associações femininas organizadas no início do século XX seguiam tal lógica. Entre os vários grupos organizados no período um deles se destacou, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), fundada em 1922, na capital federal, que logo se espraiou por quase todos os estados brasileiros. O início de suas atividades remete a figura de Bertha Lutz, sua primeira presidente e uma das principais lideranças do movimento feminista no período. Destacamos que a FBPF é a associação “mais reconhecida na atuação em prol da emancipação feminina do início do século XX” (Karawejczyk, 2018, p. 1). Desde a sua fundação a associação aparece de forma contundente no espaço público da capital federal e suas associadas conseguiram se articular – em um espaço majoritariamente masculino - e inserir as pautas das mulheres bem como reivindicar a necessidade de reconhecimento de seus direitos. 7 De forma que a FBPF foi decisiva tanto na propaganda em torno da aprovação do voto [feminino] no Brasil, quanto na sua estratégia de fazer pressão direta junto aos deputados e senadores, participando das sessões do Congresso, enviando telegramas para eles, bem como solicitando reuniões com os principais políticos da época, tudo para avaliarem positivamente os projetos de interesse para a mulher brasileira (KARAWEJCZYK, 2019, p. 102). Uma das principais ferramentas de divulgação dos atos da FBPF foram os periódicos, jornais e revistas, no qual suas demandas, seus argumentos a favor do voto feminino foram apresentados como uma forma de expandir sua atuação e aumentar suas alianças políticas. Lembramos o fato que, a partir de 1850, a questão da participação feminina no espaço público passou a ser uma pauta constante das publicações dos jornais femininos do período, com matérias que explanavam sobre educação, trabalho e voto.8 Nesse sentido percebemos que o fato da FBPF ter conseguido um espaço fixo em um jornal da chamada Para mais informações sobre os projetos consultar Mônica Karawejczyk (2020). Para mais dados sobre a FBPF e a atuação de Bertha Lutz consultar, por exemplo, Teresa Marques (2016), Rachel Soihet (2006; 2013), June Hahner (2003) e Yolanda Lobo (2010). 8 Ver o estudo de Maria Crescenti Bernardes (1988) sobre a imprensa feminina/feminista no Brasil do século XIX bem como o rico levantamento apresentado por Constância Lima Duarte (2016) sobre os periódicos do período. 6 7 Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk 15 grande imprensa9 deve ser considerado uma conquista por representar um novo espaço de divulgação. Tal feito também foi considerado como uma conquista pelas mulheres que escreviam para o jornal, e percebido, por elas, como uma oportunidade de desmistificar o feminismo que, na época, já angariava um certo antagonismo, como se percebe na matéria publicada na estreia da coluna, na qual lemos: Em relação ao grande público, urge também um trabalho de propaganda, agitar ideias, por-lhe diante dos olhos os exemplos repetidos, em todos os países e a cada momento, da capacidade feminina. Faze-lo, por assim dizer, perder o medo ao feminismo, que para a grande maioria dos nossos pacatos e respeitáveis senhores, solteirões ou pais de família é alguma coisa de subversivo e escandaloso, que não compreendem (Pequena Explicação, 21.out.1927, p. 7, grifo nosso).10 De 1922 a 1930 a atuação da FBPF no espaço público foi bem intensa – com a feitura de um Congresso Internacional, o envio de petições com veementes solicitações em prol do voto feminino, a feitura de palestras e cursos na sede da entidade bem como o envio de correspondências para as sócias e para a imprensa, entre outros atos. Em 1927, poucos dias depois da publicação da primeira coluna no jornal, o movimento sufragista brasileiro alcançou sua primeira vitória com a aprovação do voto feminino no estado do Rio Grande do Norte (RN) no dia 25 de outubro. O senador Juvenal Lamartine foi um dos artífices de tal lei, que contou com ajuda da FBPF para garantir tal vitória (Karawejczyk, 2019, p.100-101). É uma de nossas hipóteses que, aproveitando o renovado interesse na questão dos direitos políticos femininos, o jornal O Paiz tenha cedido espaço nas suas edições para que a FBPF divulgasse, para um público mais amplo, suas metas e a busca pela aprovação do sufrágio feminino à nível nacional. Os passos iniciais da pesquisa – breves considerações A primeira menção que encontramos sobre a coluna que despertou nossa curiosidade e instigou a pesquisa que ora apresentamos os resultados, foi em uma correspondência encontrada no Arquivo Nacional, escrita por Bertha Lutz para as associadas da Federação Brasileira pelo Progresso Feminina, que informava: todo o movimento feminino e da Federação será publicado na seção ‘FEMINISMO’ do Paiz, onde aprecerá [sic] também a carta mensal as sócias [...]. A diretoria [...] pede as prezadas consocias que: [...] leiam a seção ‘FEMINISMO’ d’o Paiz e acompanhem o movimento feminino neste jornal que dá poderoso apoio à causa feminista no Brasil [...] (LUTZ, [192?]). A partir dessa missiva buscamos elaborar um projeto para acompanhar o A expressão “grande imprensa” é aqui empregada e deve ser compreendida tal como a definição de Tania Regina de Luca (2013, p.149): “a expressão grande imprensa, apesar de consagrada, é bastante vaga e imprecisa [...]. De forma genérica designa o conjunto de títulos que, num dado contexto, compõe a porção mais significativa dos periódicos em termos de circulação, perenidade, aparelhamento técnico, organizacional e financeiro”. 10 Todas as citações das fontes utilizadas ao longo desse artigo tiveram sua grafia atualizada. 9 16 “SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930 movimento feminino na década de 1920 e, em especial, o representado pela FBPF, em um jornal que dava “poderoso apoio” a causa feminista, tal como apontou a carta. Nossa primeira ação foi no sentido de encontrar o acervo do jornal carioca O Paiz e percorrer suas páginas para determinar a relevância da pesquisa e se a seção/coluna11 mencionada foi de fato publicada em suas páginas.12 Encontramos no site da Hemeroteca Digital Brasileira13 o acervo completo do jornal e, a partir daí, procuramos determinar a periodicidade da coluna e até quando ela foi veiculada no jornal. Fazendo uma busca minuciosa nas edições do jornal, iniciando no ano de 1920 conseguimos mapear tais dados e assim formar nosso corpus documental, tal como apresentamos na tabela 1. A partir daí buscamos conhecer um pouco mais sobre a fonte que a veiculou bem como determinar as pautas apresentadas na coluna. Nos baseamos na metodologia da análise de conteúdo, apresentada por Laurence Bardin (2011), para analisar os dados de forma qualitativa. Bardin apresenta o método dividido em três partes, a saber, a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados e são estes que expomos a seguir. A pré-análise é composta da escolha do material, sua descrição, exploração e definição do corpus documental, que passamos a descrever para o leitor. O Paiz foi um jornal diário de grande circulação na capital federal (a cidade do Rio de Janeiro), lançado em 1º de outubro de 1884 por João José dos Reis Júnior, o conde de São Salvador de Matozinhos. Carlos Leal neste sentido informa: Com a Proclamação da República, O País atingiu sua fase de maior influência na vida política brasileira, tornando-se um dos periódicos mais vendidos na capital federal. Nesse momento, ocorreu também a primeira mudança de proprietários: em decorrência da crise desencadeada pela prisão de seu filho José Elísio dos Reis Júnior, o fundador do jornal vendeu a folha ao conselheiro Francisco de Paula Mayrink. [...] (Leal, s.d; s.p.) O jornal manteve uma trajetória ora de conflitos ora de apoio com o poder instituído, motivo pelo qual sofria constantes intervenções e acabou perdendo um pouco do seu prestígio junto ao público leitor. Ainda segundo a descrição de Carlos Leal a identificação de O País com toda a estrutura política da República Velha fez com que sua sede fosse saqueada e empastelada após a vitória da Revolução de 1930. Três anos depois, ainda sob o Governo Provisório, o jornal reapareceu sob a direção de Alfredo Neves, mas não chegou a durar um ano [...]. Teve sua 11 Para fins dessa análise utilizamos os termos coluna e seção como sinônimos, pois tal como indica o Dicionário de Comunicação – coluna é uma “seção especializada de jornal ou revista, publicada com regularidade e geralmente assinada, redigida em estilo mais livre e pessoal do que o noticiário comum. Compõese de notas, sueltos, crônicas, artigos ou textos-legendas, podendo adotar, lado a lado, várias dessas formas. As colunas mantêm um título ou cabeçalho constante e são diagramadas costumeiramente em posição fixa e sempre na mesma página, o que facilita sua localização imediata pelos leitores habituais” (RABAÇA, GUIMARÃES, 2001, s.p). 12 Seguimos os passos metodológicos descritos por Tania de Luca no seu já clássico texto “História dos, nos e por meio dos periódicos” (2005, p. 141-142). 13 A Biblioteca Nacional através do site Hemeroteca Digital Brasileira disponibiliza uma parte expressiva de seu acervo de periódicos para consulta, entre eles está o acervo completo do jornal carioca O Paiz (1894-1934) disponível em:< http://memoria.bn.br> Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk 17 circulação interrompida entre 24 de outubro de 1930 e 22 de novembro de 1933, e encerrou definitivamente suas atividades em 18 de novembro de 1934 (LEAL, s/d, s/p.). A primeira menção à coluna Feminismo foi encontrada no ano de 1927, no mês de outubro, e a última no mês de setembro de 1930, totalizando 82 edições nas quais ela foi publicada pelo jornal.14 Na maior parte do tempo sua periodicidade era semanal, sendo que, da sua estreia no dia 21 de outubro de 1927 até a edição do dia 23 de maio de 1928, era veiculada nas sextas-feiras. No final do mês de maio de 1938 passou a ser publicada aos domingos até o dia 22 de dezembro de 1929, quando perdeu espaço no jornal e era publicada de forma aleatória sem um dia específico até sua última aparição em 18 de setembro de 1930. A tabela 1 apresenta a periodicidade mensal da coluna no período em que foi publicada no jornal. Entre os anos de 1927 e 1930 o periódico foi comercializado por 200 réis o exemplar avulso e estampava no seu cabeçalho o seguinte lema: “Jornal independente, político, literário e noticioso” sendo o diretor Alves de Souza e, Romeu Ribeiro, o gerente. Tabela 1 Publicação da coluna por mês – 1927-1930 Ano 1927 1928 1929 1930 jan 3 3 2 fev 3 3 1 mar 4 3 3 abr 3 1 2 Ocorrências por mês maio jun jul ago 3 2 4 3 1 1 1 2 1 Fonte: elaborado pelas autoras set 4 1 1 out 2 4 1 - nov 3 4 3 - dez 5 4 1 - Levando em conta as ponderações de Tania de Luca (2005) buscamos compreender o motivo pelo qual o periódico teria cedido espaço para uma associação feminina escrever nas suas páginas. E nos deparamos com uma matéria que explicita a questão ao dar destaque ao fato de Alves de Souza, o diretor do periódico, ter feito o convite para que a FBPF publicasse uma coluna no jornal, tal como se pode observar no trecho destacado: [...] o dr. Alves de Souza houve por bem abrir às convenções feministas no Brasil uma tribuna livre, de onde pudessem observar, discutir e doutrinar, concedendolhes esta meia página às sextas-feiras, num dos mais acatados e brilhantes jornais brasileiros, que é inegavelmente O PAIZ. Honra lhe seja feita. O simples fato de aqui estarmos, publicando estas linhas, é um atestado palpitante de que o feminismo não constitui mais, no conceito das nossas elites intelectuais, atentado à ordem pública [...] (Pequena Explicação, O Paiz, Feminismo, 21.out.1927, p. 7). Todas as colunas publicadas foram assinadas pela FBPF, estampando como responsáveis pelo conteúdo os nomes de Orminda Bastos e Bertha Lutz, assim apresentadas pelo jornal: 14 Encontramos mais 4 menções a seção nas páginas do jornal informando ao leitor sobre os motivos pelos quais ela não seria publicada em uma data específica, deixando entrever que a seção havia angariado certa regularidade e era esperada pelo leitor do jornal. 18 “SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930 O Paiz [...] vai inaugurar amanhã uma nova seção – FEMINISMO. Confiada à brilhante capacidade mental das senhoritas Bertha Lutz e Orminda Bastos, presidente aquela, consultora jurídica esta, da Federação Brasileiras pelo Progresso Feminino, e destinando-se a versar questões cuja magnitude e oportunidade são extremamente palpitantes no momento que atravessa a evolução da sociedade humana, à nova seção do PAIZ está reservado êxito indiscutível (O Paiz, 20.out.1927, p. 2, grifos no original). A partir da edição publicada em 12 de agosto de 1928 passou a constar também o nome de Carmem Portinho como responsável pela coluna. Em 29 de setembro de 1929, mais uma mudança, Orminda Bastos é substituída por Maria Amalia de Faria. 15 Outra correspondência encontrada no fundo da FBPF, datada de 10 de dezembro de 1928, nos dá uma dimensão de como o material era preparado para a publicação no jornal. A referida carta enviada para Alves de Souza (manuscrita e em papel timbrado do jornal) destacava alguns problemas no trato dos originais e alertava para os prazos de entrega do material, que, na ocasião estava sendo publicada nas edições dominicais. O autor da missiva destaca que a coluna estaria sofrendo atrasos devido ao não cumprimento dos prazos pelas “senhoritas colaboradoras da seção Feminismo”, por isso ele solicitava que os originais procurassem ser entregues, sem falta, até terça-feira à noite e qualquer pedido de modificação ou alteração (depois da entrega dos originais) só poderiam ser feitos até quintafeira à noite e que depois desse prazo, nada mais (expressão grifada duas vezes na carta enviada) poderia ser modificado. Tal pedido era assim justificado: proponho isto porque como o amigo sabe, perdemos, domingo último, com o adiamento da seção Feminismo, composição e estereotipagem de toda a página e, além do mais, com o sacrifico de outra seção (Saúde e Bem Estar), que nada tinha aliás com o ocorrido. No outro domingo, o anterior, ia sucedendo outro tanto e com a mesma seção: Feminismo. ([?], Julio, 10.dez.1928, grifos no original).16 A leitura da carta nos sugere que problemas relativos à publicação da coluna e o não cumprimento dos prazos, pela FBPF, acabaram levando ao fato da realocação da coluna de sexta-feira para as edições dominicais bem como poderia servir como uma justificativa para a não regularidade da coluna, a partir de 1929. Outra conclusão que podemos aferir de tais dados é que a coluna, publicada há pouco mais de um ano, já havia angariado leitores no jornal, que cedeu um espaço considerável nas suas edições para que uma associação feminina publicizasse seus atos e explanasse sobre a situação da mulher no período. Finda a parte inicial da pré-análise passamos para o tratamento dos dados e a exposição dos resultados encontrados. 15 Carmen Portinho formou-se em engenharia civil na Escola Politécnica da Universidade do Brasil, em 1926, atuou na FBPF desde a sua fundação e, em 1930, era tesoureira da associação enquanto Maria Amalia de Faria aparece como primeira secretária da associação no mesmo período. 16 No mês de dezembro de 1928 a coluna Feminismo somente não foi publicada no dia 9, tal como justificado pelo autor da carta. Agradecemos a Viviane Gouvea – da coordenação de pesquisa e difusão de acervo do Arquivo Nacional - pelo envio da referida carta. Não foi possível determinar, até a escrita desse artigo, o sobrenome do autor da carta, que se encontra escrita de forma não legível no original analisado. Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk 19 Analisando/enquadrando a fonte A coluna Feminismo apresentava uma média de quatro a cinco matérias bem como fotografias e desenhos na página a ela reservada. Para analisar as pautas tratadas na coluna, procuramos aplicar os preceitos elencados na análise de conteúdo (Bardin, 2011), assim lemos e relemos as colunas para definirmos as temáticas principais apresentadas e identificamos três grandes categorias, sendo elas assim definidas: Voto feminino (nacional e internacional); Argumentos acerca da constitucionalidade do voto feminino; Atuação feminina na sociedade e sua capacidade tal como se pode observar na tabela 2 que destaca o número de ocorrências de cada uma das categorias17. Tabela 2 Categorias temáticas - coluna Feminismo (1927-1930) Categorias x número de matérias Ano Voto feminino Constitucionalidade do Voto Feminino Capacidades/ Atuação Feminina 1927 6 1 3 1928 25 7 12 1929 3 2 14 1930 3 - 10 ∑ 37 10 39 Fonte: elaboração das autoras A categoria definida como voto feminino agregou matérias nacionais e internacionais que destacavam o referido mote e que tanto faziam uma elegia a tal conquista em outros países como o solicitavam para as brasileiras. O apelo principal das matérias que compuseram essa categoria, escritas por essas mulheres representantes da FBPF, no que dizia respeito a questão do voto feminino, foi baseado em uma argumentação que se caracterizou, na época, como um "bom feminismo", ou, como o descreverem a posteriori Céli Pinto (2003) e Rachel Soihet (2006) como um “feminismo bem-comportado” ou um “feminismo tático”. Tal recurso argumentativo é o predominante na seção Feminismo e perceptível na maneira como a temática é apresentada na coluna - ao se fazer referências acerca do voto feminino – cujas palavras destacam o papel moralmente construído, aceito e naturalizado da mulher como uma forma de legitimar os pedidos de uma maior inserção feminina no espaço público. Apresentamos um exemplo de tal assertiva para os leitores na entrevista que a secretária geral da FBPF, Celina Vianna, concedeu para a coluna, grifamos as palavras que mais destacam o tema: Tenho que o bom feminismo não é uma imiscuição ofensiva ou ameaçadora as instituições ou ofícios dos homens. É antes de mais uma colaboração eficaz a 17 Cabe um esclarecimento, tal como pode ser aferido na tabela 2 uma matéria pode tratar de mais de uma temática ao mesmo tempo, motivo pelo qual o número total de ocorrências é maior do que o número de matérias que compõem o corpus documental da pesquisa. 20 “SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930 obra comum da sociedade. Não ouso confundir o feminismo com o sufragismo. Quero o primeiro proporcionando à mulher uma educação necessária ao desenvolvimento de sua inteligência, uma cultura profissional que a torne apta na luta pela vida, sem desmatutar-lhe a beleza do sexo, a suavidade e a graça que a ela pertencem [...]. Ademais bem o sabe que no exercício de tais direitos a mulher não declina de sua majestade na vida doméstica; ela ali tomando parte na administração pública completa sua educação, serve a sua Pátria. (Entrevistando a sua secretária geral, d. Celina Vianna, 23.set.1928, p. 10, grifos nossos). Nesse sentido, os argumentos que eram contrários a inserção feminina no mundo público eram revertidos para a causa do sufrágio ao apontar que seriam tais “qualidades” que tornariam as mulheres mais aptas para exercer tal direito, ou seja, o papel feminino delimitado como dona de casa, mãe e esposa lhe possibilitaria exercer, com mais capacidade, um papel no mundo público e político, tal como apontamos anteriormente. A seção Feminismo vai concentrar uma série de matérias acerca da pauta do voto feminino, impulsionadas pela conquista do voto estadual no Rio Grande do Norte. No ano de 1927, a coluna dá destaque para temas que discorrem sobre o atraso do Brasil em relação a outras nações referente a temática do alistamento feminino para as eleições, até a exaltação da conquista de tal direito no Rio Grande do Norte a fim de impulsionar, expor e até mesmo convencer o público da capital federal que tal direito deveria ser estendido a todas as brasileiras. Na estreia da coluna, em 21 de outubro de 1927, uma matéria dá destaque a tal fato ao inquirir: As mulheres já votam em 36 países – Por que não há de votar no Brasil? Outra matéria, assinada por Orminda Bastos reforça tal questão: Ao progresso que o movimento feminino tem tido e continua a ter em todos os países como o demonstram as duas vitórias quase que diariamente anunciadas dos pontos mais diversos do globo e nos ramos mais variados da atividade humana, não pode permanecer estranho ao Brasil. Nas grandes cidades europeias e norte americanas não constituem mais novidade mulheres médicas, advogadas, engenheiras, cientistas, que trabalham e lutam pela vida. No Brasil o feminismo progride também, mas lentamente. [...] Mais adiante, na mesma matéria, Orminda salienta que o feminismo brasileiro ainda deveria desempenhar um papel de suma importância, sendo ele “em relação ao grande público, urge também um trabalho de propaganda, agitar ideias, por-lhe [sic] diante dos olhos os exemplos repetidos em todos os países e a cada momento, da capacidade feminina” (Pequena Explicação, 21.out.1927, p. 7). A categoria por nós denominada constitucionalidade do voto feminino, agregou menos matérias, contudo nela podemos perceber que a FBPF buscou destacar o argumento da ambiguidade constitucional para reivindicar a participação legítima das mulheres no alistamento eleitoral e na conquista do sufrágio. Após a publicação da Constituição Brasileira, em 24 de fevereiro de 1891, tal como já destacamos, aqueles e aquelas que lutavam pelo sufrágio feminino passaram a apostar na legitimidade da concessão de tal direito na letra da lei, apontando a injustiça de não se considerar as mulheres cidadãs. Alinhando-se a essa frente encontramos publicados na coluna uma série de depoimentos de Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk 21 políticos que exaltavam tal argumento, como, por exemplo, o que destacamos no trecho abaixo: [...] A questão da constitucionalidade do projeto é capital; é eixo de todo o debate que vai ser traçado, porque - ou a Constituição Política da República nega à mulher direitos políticos, e nesse caso o Senado não poderá aprovar o projeto, por ser inconstitucional, mas deverá provocar uma reforma constitucional para o fim de serem eliminadas de nossa lei fundamental disposições que não se justificam perante a nossa atual cultura jurídica e perante a civilização moderna, ou não lhe nega tais direitos e então cumpre ao Senado aprovar o projeto, sem que considerações de oportunidade ou de qualquer outra natureza possam embaraçar a sua ação, e impedir o cumprimento do seu dever, porque ninguém deu aos homens o poder de usurpar ou de desconhecer direitos fundamentais da mulher em uma sociedade juridicamente organizada sobre o regime democrático e representativo. [...] (O reconhecimento dos direitos políticos da mulher e o senador Adolpho Gordo, 16.dez.1927, p. 5, grifos nossos). Nessa vertente também destacamos que um dos objetivos apresentados nos textos favoráveis ao voto feminino no jornal era o de igualar o Brasil frente a outros países que já haviam reconhecido o Sufrágio Universal. Além disso, nota-se que tais políticos, que foram apresentados como os porta-vozes da defesa do voto feminino, traziam argumentos que salientavam o lado legal, a justeza da causa, com o intuito de que se cumprisse a lei, pois, na medida que se negava a cidadania política para as mulheres, se estaria atentando contra o estado democrático de direito. Evocamos mais um exemplo, agora nas palavras do jurisconsulto Dr. Levy Carneiro, trazido pela coluna: a adoção do voto feminino tem constituído em todos os países mais adiantados do mundo uma expressão do movimento democrático [...]. A mulher já exerce certos direitos de feição política - desempenha funções públicas; assumiu na atividade comercial industrial e encargos onerosos (O exercício de direitos políticos pela mulher é constitucional, 25.maio.1928, p. 5, grifos nossos) Também encontramos uma exaltação da figura da justiça em vários momentos na escrita da coluna tal como apresentado em 17 de fevereiro de 1929, na matéria intitulada O voto feminino tem a sua base na mais nobre manifestação do direito: A Justiça, para ficarmos nesses exemplos. A próxima categoria a ser apresentada é a que dá destaque para as capacidades femininas e sua atuação na sociedade, tal como pode ser verificada na tabela 2. Na tabela podemos observar que esta é a categoria que abarca a maior parte das pautas da coluna e, nela, observamos o emprego de argumentos que salientam a atuação feminina no mundo público, mas sem lhe retirar as suas particularidades, o que lhes caracteriza como um ser feminino, sua feminilidade. Tal viés argumentativo é abordado por todo o período em que a coluna foi publicada, trazemos como exemplo a matéria publicada no dia 25 de novembro de 1927, quando a coluna ocupa toda a página sete da edição e transcreve, na íntegra, um discurso do então governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, no qual fica evidente tal argumento: 22 “SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930 [...] a vida moderna, que atrai a mulher para as carreiras cientificas, para a indústria, para o comércio e para a política, não lhe diminui o encanto, nem a destrona de rainha do lar. Só os espíritos emperrados e retardados pelo peso de uma espessa camada de preconceitos ineptos tenta cerrar as portas das carreiras liberais e do campo da política ao sexo feminino, [...]. A mulher culta torna o seu lar agradável pela disposição artística dos objetos, confortável pelo conhecimento da higiene moderna, atraente pelo ambiente intelectual que ela sabe criar, sendo, ao mesmo tempo, uma colaboradora preciosa do marido e a educadora insubstituível dos filhos. Praticando a ciência, criando, dirigindo ou desenvolvendo indústrias, desempenhando funções públicas ou exercendo direitos políticos, nivelando-se com o homem em todos os departamentos da atividade social, a mulher ganha em prestígio, eleva-se em dignidade, afirma-se como fator de progresso sem perder a graça e a sedução do seu sexo [...] (As mães e eleitoras de amanhã, 25.nov.1927, p. 7, grifos nossos). No trecho destacado se faz um apelo às capacidades ditas como femininas, ou seja, ser mãe, esposa, gestora e administradora do lar e da educação dos filhos, talvez como uma tentativa de se provar que se as mulheres eram capazes de administrar o lar, educar os filhos mostrariam a mesma capacidade em qualquer outro lugar. Tal escolha de palavras para sedimentar os pedidos de uma maior inserção feminina no mundo público parece reforçar a ideia, defendida por Ellen DuBois, de que as demandas sufragistas eram percebidas como radicais, afinal o período, fortemente marcado e dominado por uma sociedade patriarcal, fazia com que tais questões, para serem percebidas como válidas e necessárias, passassem a evidenciar as ditas já conhecidas “capacidades femininas” a fim de legitimar a ação das mulheres no espaço público e, sobretudo, no espaço político majoritariamente dominado por homens. A conquista desse espaço foi permeada por campanhas de convencimento feitas por mulheres que queriam que suas pautas fossem reconhecidas como legítimas. Bom salientar que as mulheres desse período apostaram em uma campanha de convencimento para que os homens do poder reconhecessem a legitimidade das demandas femininas afinal eram eles, os homens, que legislavam e eram os que podiam modificar as leis. Percebemos que as mulheres dessa assim chamada “primeira onda do feminismo” e da FBPF, de forma específica, adotaram uma posição que pode ser denominada de estratégica ao procurar não confrontar e contestar de forma direta o papel das mulheres na sociedade do período. Para alcançar sucesso nas suas demandas elas aliaram-se a políticos homens - que tinham suas vozes validadas e reconhecidas no espaço público - e assim, procuravam algumas fissuras naquelas barreiras já cristalizadas que barravam o acesso de todas as mulheres ao cenário político. Como bem salientou Rachel Soihet, as associadas da FBPF, fazem pronunciamentos públicos, utilizando-se fartamente da imprensa, buscam o apoio de lideranças nos diversos campos, constituindo grupos de pressão visando garantir apoio de parlamentares e de outras autoridades, da imprensa, da opinião pública. Apesar disso, em sua maioria, buscam revestir o seu discurso de um tom moderado. Não apenas porque talvez considerassem que esta seria a forma adequada de expressão feminina, mas, especialmente por razões táticas (Soihet, 2006, p. 27-28). Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk 23 Nessa lógica, a fim de legitimarem suas pautas e expressarem suas demandas, as mulheres que escreviam para a coluna também elencavam uma série de argumentos e exemplos que ilustravam as capacidades femininas no âmbito público e privado, tal como em uma matéria assinada por Maria Esther Correia Ramalho, secretária geral da FBPF, para a coluna, na qual podemos acompanhar a posição adotada por elas quando atacadas pelos “antifeministas”: Um dos argumentos apresentados pelos antifeministas contra a equiparação de direitos pela qual vimos propugnando nós - as feministas - é o da deficiência da capacidade de trabalho da mulher. Acusam-nos de imperfeição na execução de pequeno rendimento relativo e ainda: - de inconsciência das responsabilidades. Para desmentir estas asserções bastaria a crescente aceitação da mulher naqueles ramos de atividade, como a indústria e o comércio [...]. O ideal de emancipação política da mulher está felizmente muito mais difundido do que em geral se presume. Ele existe, latente, na quase totalidade das brasileiras, e se não vemos mais comumente as suas manifestações favoráveis, é porque como característico da raça, talvez, aparece a inércia sempre tolhendo essas campanhas, cuja atividade não proporciona uma recompensa imediata. [...] E embora não seja tão numeroso quanto se desejaria o grupo das combatentes que se sacrificam mesmo, e de boa vontade, pela vitória deste ideal, a mulher da atualidade caminha com desassombro, firmando sempre terreno na conquista de seus legítimos direitos, quaisquer que sejam as competições em que se lança (Será o “gichet” do correio o limite máximo da capacidade profissional da mulher? ,03.nov.1929, p. 6). A maior parte dos argumentos apresentados na coluna para defender o acesso feminino ao mundo político e público, masculino por excelência, elencava as capacidades femininas que perpassavam o espaço privado e doméstico as associando e incentivando para as utilizarem também em outros ramos de atividades. Dessa forma, a coluna procurava elencar exemplos de trabalhadoras, intelectuais, estudantes, ativistas, religiosas e uma série de outras mulheres que já haviam conquistado o espaço público para demonstrar - através do exemplo delas - que as capacidades femininas estavam ajudando o país a se desenvolver. Assim exaltavam suas figuras como uma foram de incentivo pelo exemplo. Considerações finais As capacidades da mulher foram questionadas e deslegitimadas no decorrer da História, tal como apresentamos ao longo desse artigo. Assim, encontrar registros e páginas escritas por mulheres nos jornais do início do século XX, tal qual a coluna Feminismo aqui analisada, tornaram-se uma possibilidade de registrar e conhecer as vozes femininas que clamavam por mudanças naquele período. Na segunda década do século XX uma associação feminina conseguiu angariar simpatizantes e aliados suficientes que acabaram cedendo espaço em um jornal diário para que suas pautas fossem apresentadas. Tais formas de acesso ao pensamento feminino e feminista do período são ainda pouco exploradas e reconhecidas, assinalando a importância de pesquisas como esta que propomos e expusemos, em parte, no nosso texto. 24 “SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930 A coluna assinada pela FBPF, no período entre 1927 e 1930, procurou destacar em suas pautas a capacidade feminina para o exercício dos direitos políticos, elencando exemplos de mulheres no exterior e no Brasil bem como as mulheres profissionais e sua contribuição para o crescimento do país. Aproveitando a conquista do voto feminino estadual no RN, a coluna lançou uma campanha de convencimento para que ele fosse reconhecido a nível nacional, o que só ocorreria em 1932 com a feitura de um novo Código Eleitoral e a remodelação da lei. As mulheres que escreviam na coluna eram associadas da FBPF e ali professavam as suas crenças e seus desejos de uma maior participação feminina no mundo público e político. Nas páginas do jornal, professaram e reforçaram certos estereótipos bem arraigados no período, que definiam que o lugar da mulher era na condução do lar, ao lado dos homens, mas também procuravam expandir o domínio feminino para o mundo público, passando a ser reconhecidas como aquelas que professavam um “bom feminismo” que podia ser seguido por outras mulheres e que não seria prejudicial para a sociedade. Nosso intuito com esta pesquisa foi dar visibilidade para uma das associações femininas que fizeram parte da história republicana brasileira nas primeiras décadas do século XX, a FBPF, através das pautas que foram publicadas na coluna Feminismo, divulgadas por um jornal voltado para o grande público e distribuído na capital federal. Percebemos que o intuito da FBPF foi tanto o de ampliar a visibilidade da associação quando a esclarecer o público leitor sobre as questões do feminismo e, de modo mais específico, da legitimidade das demandas pela ampliação do voto para as mulheres bem como, nos parece que essa foi uma tentativa de atingir um público maior pelas páginas do jornal. O que nos faz concluir que a FBPF percebia a importância de tais agremiações para elevar o nível de conscientização e participação política de grandes contingentes femininos e também nos leva a destacar a importância dessas publicações como agregadoras e propagadoras de ideias femininas, incluindo as pretensões feministas da época. Tais demandas no caso desse artigo foram mediadas por um veículo voltado para o grande público como o jornal O Paiz, procurando levar para um público mais amplo as demandas do feminismo proferido pela FBPF. O título do artigo “Sempre à mulher, pela mulher” nos foi inspirado pelo lema professado pela FBPF, estampado em um dos seus panfletos de divulgação, indicando outra característica da associação, o de falar em nome de todas as brasileiras. Referências Bibliográficas [?] Julio, Carta manuscrita em papel timbrado do jornal O Paiz (RJ), Arquivo Nacional, Documentos Privados, Fundo FBPF Seção Administração, correspondências, BR RJANRIO Q0.ADM, COR.A928.159, 10.dez.1928. BALLESTRIN, Luciana. Feminismo subalternos latino-americanos e a descolonização como utopia política contemporânea. In: MIGUEL, Luis Felipe; BALLESTRIN, Luciana (orgs.). Teoria e Política Feminista: contribuições ao debate sobre gênero no Brasil. Porto Alegre: Zouk, Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk 25 2020. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BERNARDES, Maria Thereza C. Crescenti. Mulheres de Ontem? Rio de Janeiro – Século XIX. São Paulo: T.A. Queiroz, 1988. BLAY, Eva Alterman. 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