Obra publicada pela
Universidade Federal
de Pelotas
Reitora
Isabela Fernandes Andrade
Vice-Reitora
Ursula Rosa da Silva
Chefe do Gabinete da Reitoria
Aline Ribeiro Paliga
Pró-Reitora de Ensino
Maria de Fátima Cóssio
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e Inovação
Flávio Fernando Demarco
Pró-Reitora de Extensão e Cultura
Eraldo dos Santos Pinheiro
Pró-Reitor de Assuntos Estudantis
Fabiane Tejada da Silveira
Pró-Reitor Administrativo
Ricardo Hartlebem Peter
Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento
Paulo Roberto Ferreira Júnior
Pró-Reitor de Gestão de Pessoas
Taís Ulrich Fonseca
Editora e Gráfica Universitária - Conselho Editorial
Presidente do Conselho Editorial: Ana da Rosa
Bandeira
Representantes das Ciências Agrárias: Victor
Fernando Büttow Roll (TITULAR) e Sandra
Mara da Encarnação Fiala Rechsteiner
Representantes da Área das Ciências Exatas e da
Terra: Eder João Lenardão (TITULAR)
Representantes da Área das Ciências Biológicas:
Rosangela Ferreira Rodrigues (TITULAR) e
Francieli Moro Stefanello
Representantes da Área das Engenharias:
Reginaldo da Nóbrega Tavares (TITULAR)
Representantes da Área das Ciências da Saúde:
Fernanda Capella Rugno (TITULAR) e
Anelise Levay Murari
Representantes da Área das Ciências Sociais
Aplicadas: Daniel Lena Marchiori Neto
(TITULAR), Eduardo Grala da Cunha e
Maria da Graças Pinto de Britto
Representante da Área das Ciências Humanas:
Charles Pereira Pennaforte (TITULAR),
Lucia Maria Vaz Peres e Pedro Gilberto da
Silva Leite Junior
Representantes da Área das Linguagens e Artes:
Lúcia
Bergamaschi
Costa
Weymar
(TITULAR), Chris de Azevedo Ramil e João
Fernando Igansi Nunes
Instituto de Ciências Humanas
Diretor: Prof. Dr. Sebastião Peres
Vice-Diretora: Profa. Dra. Andréa Lacerda
Bachettini
Núcleo de Documentação História da UFPel –
Profa. Beatriz Ana Loner
Coordenadora:
Profª Dra. Lorena Almeida Gill
Membros do NDH:
Profª Dra. Lorena Almeida Gill
Prof. Dr. Aristeu Elisandro Machado Lopes
Prof. Dr. Jonas Moreira Vargas
Técnico Administrativo:
Paulo Luiz Crizel Koschier
História em Revista – Publicação do Núcleo de UFPel | Lisiana Lawson – FURG | Lorena
Documentação Histórica
Almeida Gill – UFPel | Márcia Chico –
UFPel | Maria Clara Hallal – UFPel |
Comissão Editorial:
Marislei Ribeiro – UFPel | Milena Ogawa –
Profª Dra. Lorena Almeida Gill
Paulo Luiz Crizel Koschier
UFPel | Rita de Araujo Neves – FURG |
Silvana Moreira – UFPel | Taiane Mendes Conselho Editorial:
Profª Dra. Helga I. Landgraf
Piccolo UFPel
(UFRGS)
Prof. Dr. René Gertz (UFRGS) (PUCRS)
Prof. Dr. Temístocles A. C. Cezar (UFRGS)
Profª. Dra. Beatriz Teixeira Weber (UFSM)
Profª. Dra. Maria Cecília V. e Cruz (UFBA)
Prof. Dr. Marcelo Badaró Mattos (UFF)
Profª. Dra. Joan Bak (Univ. Richmond –
USA)
Prof. PhD Pablo Alejandro Pozzi
(Universidad de Buenos Aires).
Prof. Tommaso Detti (Università Degli Studi
di Siena)
Editora: Lorena Almeida Gill
Editora e Gráfica Universitária
R Lobo da Costa, 447 – Pelotas, RS – CEP
96010-150 | Fone/fax: (53)3227 8411
e-mail: editora@ufpel.edu.br
Edição: 2021/1*
ISSN – 2596-2876
Indexada pelas bases de dados: Worldcat Online
Computer Library Center | Latindex | Livre:
Revistas de Livre Acesso | International
Standard Serial Number | Worldcat |
Wizdom.ai | Zeitschriften Datenbank
UFPel/NDH/Instituto
de
Ciências
Editoração e Capa: Ariane Regina Bueno da
Humanas
Cunha, Gabrielle Nogueira Oliveira e Paulo
Rua Cel. Alberto Rosa, 154 - Pelotas/RS Luiz Crizel Koschier
CEP: 96010-770
Fone:
(53)
3284 3208
Imagem da capa: Companhia Fiação e Tecidos
http://wp.ufpel.edu.br/ndh/
de Pelotas – RS .
e-mail: ndh.ufpel@gmail.com
Pareceristas ad hoc:
* obra publicada em agosto de 2021.
Ana Maria Sosa González – UFPel | Aristeu
Lopes – UFPel | Carolina Bonilha – UFPel |
Carolina Kesser – UFPel | Daniele Gallindo
– UFPel | Elisiane Chaves – UFPel |
Fernanda Fonseca Pereira – FURG |
Hudson Carvalho – UFPel | Igor Simões –
UERGS | Jonas Vargas – UFPel |Lennyse
Bandeira – UFRJ | Lidiane Friderichs –
Dados de catalogação na fonte:
Aydê Andrade de Oliveira - CRB - 10/864
História em revista / publicação do Núcleo de Documentação Histórica.
Instituto de Ciências Humanas. Universidade Federal de Pelotas.
v.26/2, (jul. 2021). – Pelotas: Editora da UFPel, 2021.
1v.
Semestral
ISSN 2596-2876
1. História - Periódicos. I. Núcleo de Documentação Histórica.
Instituto de Ciências Humanas. Universidade Federal de Pelotas.
CDD 930.005
Os textos contidos neste volume são de responsabilidade exclusiva de seus
respectivos autores. Salvo informação explícita em contrário, o(a)(s) autor(a) (es)
respondem pelas informações textuais e imagéticas contidas no presente volume. O
padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são
prerrogativas de cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada artigo é de inteira
e exclusiva responsabilidade dos mesmos.
SUMÁRIO
DOSSIÊ: HISTÓRIA DAS MULHERES E GÊNERO EM SUAS DIVERSAS
ABORDAGENS
APRESENTAÇÃO
INTRODUCTION 7
DANIELE GALLINDO, ELISIANE CHAVES, SILVANA MOREIRA, TAIANE MENDES
DISCUSSÕES SOBRE HISTÓRIA DAS MULHERES E GÊNERO
SEMPRE À MULHER, PELA MULHER: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ
(RJ) – 1927-1930 10
BEATRIZ BERR ELIAS, MÔNICA KARAWEJCZYK
O JULGAMENTO DA FAMÍLIA VANDEPUT: UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM DA
MÍDIA IMPRESSA BRASILEIRA SOBRE O INFANTICÍDIO DE CORINNE (1962)
27
BRUNA ALVES LOPES, FRANCIELI LUNELLI SANTOS
MULHERES E A MIGRAÇÃO: TRAJETÓRIAS E MOTIVAÇÕES DE MIGRANTES
NORDESTINAS NA CIDADE DAS AVENIDAS
BRUNO CÉZAR PEREIRA, ALEXANDRA LOURENÇO
43
PERCEPÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA A PARTIR DA ÓTICA DE
AGRESSORES DE MULHERES
ELISIANE MEDEIROS CHAVES
62
COMPREENDAMOS, PARTILHEMOS DOS SOFRIMENTOS DA MULHER ESCRAVA:
DUAS IRMÃS E O ABOLICIONISMO EM PELOTAS E RIO GRANDE (1880-1888)
80
ETIANE CARVALHO NUNES
CORPO(S) E SEXUALIDADE(S) NO CINEMA PORNOGRÁFICO NO CONTEXTO DA
DITADURA CIVIL MILITAR: PERCEPÇÕES A PARTIR DAS PORNOCHANCHADAS
(1969-1986)
GABBIANA CLAMER FONSECA FALAVIGNA DOS REIS
97
O RISO DA INFÂMIA: ESTUPRO NO DRAMA SATÍRICO CICLOPE DE EURÍPEDES
MATEUS DAGIOS 114
“ELA DIZ QUE OS HOMENS É QUEM SÃO ESCRAVIZADOS”: ESTHER VILAR E AS
ORIGENS DO ANTIFEMINISMO COMO “GUERRA CULTURAL”
130
SILVIANA FERNANDES MARIZ
GÊNERO, TRABALHO, GUERRA E PAZ NO REINO UNIDO: O IMPACTO DA
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E DO IMEDIATO PÓS-GUERRA NA VIDA DAS
TRABALHADORAS BRITÂNICAS (1939-1951) 153
THIAGO ROMÃO DE ALENCAR
ARTIGOS LIVRES
O PALHAÇO DE REIS FLUMINENSE E SUA MÁSCARA: PERFORMANCE, RITUAL E
RELIGIOSIDADE
CAROLINA DA SILVA RODRIGUES
175
SANTUÁRIO DO CARAÇA: MEMÓRIAS E ESQUECIMENTOS LUSO-BRASILEIROS NA
HISTÓRIA DE MINAS GERAIS 188
RUDINEY AVELINO DE CASTRO SILVA, JÚLIA CALVO
“SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) –
1927-1930
“ALWAYS TO WOMEN, FOR WOMEN”: THE FEMINISM IN THE NEWSPAPER O PAIZ (RJ) – 1927-1930
Beatriz Berr Elias1
Mônica Karawejczyk2
Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar e analisar as pautas tratadas na coluna intitulada Feminismo,
publicada no jornal O Paiz (RJ), nos anos finais da década de 1920. A coluna, assinada por representantes da
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), associação fundada em 1922 no Rio de Janeiro,
dedicava-se tanto a divulgar a associação quanto as conquistas e reivindicações das mulheres para um público
mais amplo. Através dessa análise procuramos contribuir para a história das mulheres e dos estudos de gênero,
mostrando a participação e o protagonismo delas frente à luta pela ampliação dos direitos femininos no início
do século XX e, para alcançar tal intento, nos baseamos na metodologia da Análise de Conteúdo, proposta por
Laurence Bardin.
Palavras-chave: Feminismo. Imprensa. Associação feminina. FBPF.
Abstract: The purpose of this article is to present and analyze the guidelines discussed in the column Feminism,
published in the newspaper O Paiz (RJ), in the late 1920s. The column, signed by representatives of the
Brazilian Federation for Female Progress (FBPF), was dedicated to publicizing the association, the
achievements and demands of women to a wider audience. Through this analysis we seek to contribute to the
history of women and gender studies, showing their participation and protagonism in the fight for the
expansion of women's rights at the beginning of the 20th century and, in order to achieve this intent, we are
based on the methodology of Content Analysis, proposed by Laurence Bardin.
Keywords: Feminism. Press. Women’s association. FBPF.
Introdução
A história das mulheres foi por muito tempo relegada a um lugar de obscuridade
na historiografia mundial bem como a atuação delas, no processo histórico, esteve relegado
ao silenciamento, uma vez que a narrativa prevalecente levava em conta, quase que de forma
exclusiva, os feitos ditos heroicos e políticos de uma minoria masculina. Tal como aponta
Sandra Palestra Contreras: “a participação das mulheres, individual e coletivamente, ocorre
em todos os tempos e circunstâncias, no entanto [elas] estão ausentes da história oficial e por
isso sua visibilidade é um desafio contínuo” (Contreras, 2017, p. 219). Pesquisar e escrever
sobre o protagonismo feminino, em qualquer época histórica, é sempre um desafio, mas um
daqueles que nos dão satisfação em vencer os obstáculos.
Desde antes do século XIX as mulheres reivindicavam direitos e, entre tais
reivindicações, destacavam-se pedidos de um ensino de maior qualidade, trabalho digno e o
Graduanda em História – Escola de Humanidades – PUCRS. E-mail: beatrizberr@gmail.com
Pós-doutoranda em História no PPG-PUCRS, bolsista PNPD-CAPES. E-mail: karawejczyk@gmail.com. O
texto é um dos resultados da pesquisa desenvolvida pelas autoras entre os anos de 2018 e 2020 como
participantes do grupo de estudos e pesquisas História e Imprensa: Leituras do Brasil Contemporâneo da Escola de
Humanidades PUCRS, bem como é um dos resultados da pesquisa desenvolvida no meu pós-doutoramento no
Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
1
2
História em Revista, Pelotas, 10-26, v. 26/2, jul./2021
Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk
11
direito de participar da arena política.3 Alguns dos argumentos mais recorrentes proferidos
contra essas demandas podem ser assim resumidos: “as mulheres eram pessoas incapazes,
não inteligentes, infantis, dependentes – qualitativos para impedir que votassem, estudassem,
fossem profissionais liberais ou tivessem participação política” (Blay, 2019, p. 11).
Michelle Perrot (2007) nos alerta, contudo, que, mais do que um silêncio das
fontes, no que diz respeito ao silenciamento da história das mulheres, o que merece destaque
é que, quando a presença feminina no espaço público era apresentada na historiografia era
narrada do ponto de vista masculino. Motivo pelo qual ao descobrirmos uma coluna
denominada Feminismo escrita por mulheres em um jornal voltado para o grande público no
final da década de 1920 nos pareceu tão instigante e importante a analisar. Assim, investigar a
presença feminina no espaço público – pelas páginas da imprensa - tem nos proporcionado
uma nova perspectiva acerca da participação feminina no processo histórico e no espaço
público, ainda mais tendo em vista ter sido narrado pelas próprias protagonistas, as mulheres.
Mas que feminismo era esse professado no início do século XX e estampado em
uma coluna de jornal? bell hooks, no seu já clássico livro Teoria feminista: da margem ao centro,
nos alerta da dificuldade de se ter “um consenso sobre o que vem a ser o feminismo ou
aceitar uma definição (ou mais de uma) que possa constituir um denominador comum”
(hooks, 2019, p. 47). Luciana Ballestrin por sua vez explicita que “o desenvolvimento do
movimento feminista ao longo do século XX com frequência é pensado em termos de
‘ondas’ 4 que sintetizam suas conquistas quanto aos direitos civis, políticos e sociais”
(Ballestrin, 2020, p.97). Nesse sentido explicitamos que:
[...] a chamada “primeira onda” do Feminismo, que se desenrolou entre os séculos
XIX até a primeira metade do século XX, dizia respeito a um amplo movimento
que ocorreu de forma geral em todo o Ocidente (e também em alguns países ditos
do Oriente), que buscou estabelecer direitos para as mulheres por meio de
mudanças na legislação e nos costumes. Suas principais bandeiras foram centradas
em direitos sociais, políticos e econômicos, tal como o direito a exercer certas
profissões que eram vetadas às mulheres, questões referentes ao trabalho
remunerado, educação feminina, questões de propriedade e herança e, também, na
reivindicação de votar e serem votadas (Karawejczyk; Witter, 2020, p. 50-51).
Eurídice Figueiredo é outra autora que nos traz uma contribuição importante
para compreendermos o conceito de feminismo aplicado no início do século XX ao apontar:
“se, num primeiro momento, houve um feminismo que parecia entrar em guerra com os
homens, em outro, feministas pontuaram a necessidade de ganhar a colaboração dos homens
na luta contra o sexismo e a misoginia” (Figueiredo, 2020, p. 23). Por sua vez Maria Lygia
Ver, por exemplo, os escritos de Mary Wollstonecraft (2016) publicados originalmente em 1792.
Tal descrição do movimento feminista periodizada em ondas é uma estratégia discursiva aplicada para fins
didáticos nos quais se destaca as principais demandas de cada período. No entanto concordamos com Lená
Medeiros de Menezes quando ela enfatiza: “A utilização da metáfora da onda, nesse caso, acaba por implicar a
ideia de que cada onda avança mais do que as precedentes, dando um sentido ‘evolucionista’ ao processo e
sedimentando a ideia de vitórias advindas através de ‘saltos’ rumo a ideais a serem alcançados (Menezes, 2017,
p. 25). Jill Lepore, por sua vez, ressalta: “a luta pelo direito das mulheres não veio em ondas. [...] A luta pelos
direitos das mulheres tem sido um rio, que avança sem parar” (Lepore, 2017, p. 361).
3
4
12
“SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930
Quartim de Moraes, ao escrever uma introdução para a obra de Mary Wollstonecraft, destaca
como é espantoso que, tanto no século XVIII como hoje, em pleno século XXI, “a
desqualificação das reivindicações das mulheres [...] passa pela acusação de que são ‘malamadas’, ‘machonas’, etc. E muitas mulheres renegam as feministas com medo de, dessa
forma, serem rotuladas” (Moraes, 2016, p. 16). E nos alerta: o feminismo professado por
contingentes femininos dessa primeira onda era um “feminismo que defendia a República laica
e cidadania plena para todos. Um feminismo como movimento de radicalização da
democracia. E, para além dos discursos, um feminismo de sujeitos do próprio desejo, de
superação da dependência financeira” (Moraes, 2016, p. 15). E parece ser nessa vertente que
podemos compreender o feminismo professado na coluna do jornal O Paiz no qual mulheres
escreviam e defendiam suas pautas. Elas também davam relevo nos seus escritos para a
necessidade da colaboração entre os homens e as mulheres para que as demandas femininas
pudessem ser levadas adiante e ganhar o espaço público, como destacaremos a seguir.
O rico manancial de abordagens propiciado pelo uso dos periódicos como fonte
tem constituído um meio pelo qual as pesquisadoras e os pesquisadores podem encontrar os
anseios femininos, suas demandas e, por que não, sua própria voz. Afinal a participação
feminina no espaço público ganhou um local para se expressar na medida que elas
conquistaram o direito de escrever em colunas, revistas e até em jornais inteiros que,
finalmente, lhes garantiram um certo protagonismo. Constância Lima Duarte destaca: “foram
os jornais e as revistas os primeiros e principais veículos de produção feminina, que desde o
início se configuraram em espaços de aglutinação, divulgação e resistência" (Duarte, 2016, p.
14). Salientamos que esta é a abordagem que propomos nesse artigo, ao focarmos nossa
atenção na fonte imprensa e, de forma mais específica, em uma coluna publicada no jornal O
Paiz (RJ) no final dos anos de 1920, denominada Feminismo, escrita por mulheres. Através
dessa análise procuramos contribuir para a história das mulheres e dos estudos de gênero ao
tratarmos da participação e o protagonismo de um grupo específico de mulheres frente à luta
pela ampliação de direitos no Brasil no início do século XX.
A Federeção Brasileira pelo Progresso Feminimo – as protagonistas da história e a
questão do voto feminino
O mundo político e público, por excelência, principalmente no século XIX, era
considerado como sendo exclusivamente masculino e as mulheres não eram ali bem-vistas, o
lugar destinado a elas era o âmbito doméstico, o lar e o cuidado da casa e dos filhos. June
Hahner destaca: “as primeiras defensoras dos direitos da mulher no Brasil viam a educação
como uma chave para a emancipação feminina e a melhoria de status” (Hahner, 2003, p.
115). No final do século XIX outra demanda começa a ganhar cada vez mais espaço, o
direito ao voto. Ellen DuBois, salienta: “tanto as feministas quanto os antifeministas do
século XIX percebiam as reivindicações pelo voto como o mais radical elemento nas
demandas femininas contra a opressão” (DuBois, 1975, p. 63, original em inglês). Para a
autora a radicalidade do movimento sufragista estava confinada, contudo, no que era possível
Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk
13
de ser alcançado no período, pois o núcleo familiar continuava a ser uma das mais
importantes estruturas que sustentavam a sociedade. De fato, a mera possibilidade de
mulheres invadindo o espaço público e principalmente se imiscuindo nos assuntos políticos,
masculinos por “natureza”, era percebida por muitos como que um passo que levaria ao
caos, colocando em risco a própria sociedade e trazendo uma consequência nefasta - a
dissolução da família. Tais argumentos podem ser mais bem compreendidos se levarmos em
consideração o fato de que, tal como salienta DuBois, a segmentação e a separação das
esferas pública e privada era tão arraigada no século XIX que mesmo as sufragistas não eram
capazes de contestar certos aspectos dela. Este também é o motivo pelo qual, por exemplo,
não fazia parte do projeto de emancipação proposto por elas uma reorganização da divisão
do trabalho doméstico com os homens. Segundo a autora esta pode ser uma forma de se
compreender a defesa que elas faziam das atividades domésticas para as mulheres e a
santidade da maternidade e da vida familiar (DuBois, 1975, p. 64-66).
Tais argumentos passaram a ser os mais contestados por aquelas que lutavam
pela emancipação política das mulheres ao longo do século XX. Uma das mulheres que
contestaram tais restrições no Brasil foi a professora Leolinda de Figueiredo Daltro que em
um tom provocador fundou, em 1910, o Partido Republicano Feminino, reacendendo o debate
acerca do voto feminino no Congresso Nacional. Mas foi com a aparição de Bertha Maria
Júlia Lutz no espaço público, no final da década de 1910, que a luta sufragista no Brasil
sofreu uma transformação. Bertha apostou em uma tática que fazia elegia a expansão das
capacidades femininas para além das barreiras do lar, na busca pela inserção feminina no
cenário político. Ela apostou em uma tática de não confronto com os ideais arraigados no
período, deixando “entrever uma tática nova mais comedida que ela acreditava mais
adequada à consecução dos objetivos visados” (Soihet, 2006, p. 39). Tal tática apostava em
um discurso que fazia a elegia da colaboração da mulher com os homens e não com a
competição em qualquer ramo de atividade. 5
Sobre a questão do voto feminino é válido esclarecer que, no Brasil, desde as
discussões ocorridas durante a Assembleia Constituinte de 1891 até a aprovação do voto
estadual no estado do Rio Grande do Norte, no ano de 1927, estavam em discussão no
Congresso Nacional projetos que visavam ampliar a cidadania política para as mulheres. No
período de 1917 a 1930 em torno de sete projetos ou emendas parlamentares estavam
circulando no Congresso, visando a ampliação do alistamento eleitoral para as brasileiras, em
suas mais variadas etapas de apreciação. Na constituinte de 1891 as propostas apresentadas,
em prol da inserção feminina nos pleitos eleitorais, elencavam uma série de restrições para a
participação das mulheres, mas, desde então, com exceção da proposta apresentada em 1924,
pelo deputado Basílio de Magalhães, todas as outras solicitavam o alistamento feminino nas
mesmas condições que o masculino no Brasil. Em 1927, alguns desses projetos haviam sido
rejeitados, outros estavam à espera de maiores deliberações para serem ou aprovados ou
5
Para saber sobre essa história consultar Rachel Soihet (2006) e Mônica Karawejczyk (2018).
14
“SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930
rejeitados. 6
Na primeira Constituição republicana (aprovada em 1891) apesar do voto não ter
sido estendido para as brasileiras, também não o foi negado de forma explícita. Na ocasião
foi aprovado o artigo 70 que definiu serem eleitores da República os cidadãos brasileiros, maiores
de 21 anos alistados na forma da lei, a grande questão que passou a ser discutida era se as
mulheres deveriam ou não ser consideradas cidadãs.
É certo de que, tal como alerta Eva Blay,
os feminismos vieram atuar em espaços historicamente construídos e tiveram de
desconstruir ideologias que desumanizam, em geral, as mulheres [...]. Múltiplos
movimentos feministas, grupos de mulheres de todas as classes sociais, se
conscientizaram e organizaram pelo Brasil (Blay, 2017, p. 96).
As associações femininas organizadas no início do século XX seguiam tal lógica.
Entre os vários grupos organizados no período um deles se destacou, a Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino (FBPF), fundada em 1922, na capital federal, que logo se espraiou por quase
todos os estados brasileiros. O início de suas atividades remete a figura de Bertha Lutz, sua
primeira presidente e uma das principais lideranças do movimento feminista no período.
Destacamos que a FBPF é a associação “mais reconhecida na atuação em prol da
emancipação feminina do início do século XX” (Karawejczyk, 2018, p. 1). Desde a sua
fundação a associação aparece de forma contundente no espaço público da capital federal e
suas associadas conseguiram se articular – em um espaço majoritariamente masculino - e
inserir as pautas das mulheres bem como reivindicar a necessidade de reconhecimento de
seus direitos. 7 De forma que
a FBPF foi decisiva tanto na propaganda em torno da aprovação do voto
[feminino] no Brasil, quanto na sua estratégia de fazer pressão direta junto aos
deputados e senadores, participando das sessões do Congresso, enviando
telegramas para eles, bem como solicitando reuniões com os principais políticos da
época, tudo para avaliarem positivamente os projetos de interesse para a mulher
brasileira (KARAWEJCZYK, 2019, p. 102).
Uma das principais ferramentas de divulgação dos atos da FBPF foram os
periódicos, jornais e revistas, no qual suas demandas, seus argumentos a favor do voto
feminino foram apresentados como uma forma de expandir sua atuação e aumentar suas
alianças políticas. Lembramos o fato que, a partir de 1850, a questão da participação feminina
no espaço público passou a ser uma pauta constante das publicações dos jornais femininos
do período, com matérias que explanavam sobre educação, trabalho e voto.8 Nesse sentido
percebemos que o fato da FBPF ter conseguido um espaço fixo em um jornal da chamada
Para mais informações sobre os projetos consultar Mônica Karawejczyk (2020).
Para mais dados sobre a FBPF e a atuação de Bertha Lutz consultar, por exemplo, Teresa Marques (2016),
Rachel Soihet (2006; 2013), June Hahner (2003) e Yolanda Lobo (2010).
8 Ver o estudo de Maria Crescenti Bernardes (1988) sobre a imprensa feminina/feminista no Brasil do século
XIX bem como o rico levantamento apresentado por Constância Lima Duarte (2016) sobre os periódicos do
período.
6
7
Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk
15
grande imprensa9 deve ser considerado uma conquista por representar um novo espaço de
divulgação. Tal feito também foi considerado como uma conquista pelas mulheres que
escreviam para o jornal, e percebido, por elas, como uma oportunidade de desmistificar o
feminismo que, na época, já angariava um certo antagonismo, como se percebe na matéria
publicada na estreia da coluna, na qual lemos:
Em relação ao grande público, urge também um trabalho de propaganda, agitar
ideias, por-lhe diante dos olhos os exemplos repetidos, em todos os países e a cada
momento, da capacidade feminina. Faze-lo, por assim dizer, perder o medo ao
feminismo, que para a grande maioria dos nossos pacatos e respeitáveis senhores,
solteirões ou pais de família é alguma coisa de subversivo e escandaloso, que não
compreendem (Pequena Explicação, 21.out.1927, p. 7, grifo nosso).10
De 1922 a 1930 a atuação da FBPF no espaço público foi bem intensa – com a
feitura de um Congresso Internacional, o envio de petições com veementes solicitações em
prol do voto feminino, a feitura de palestras e cursos na sede da entidade bem como o envio
de correspondências para as sócias e para a imprensa, entre outros atos.
Em 1927, poucos dias depois da publicação da primeira coluna no jornal, o
movimento sufragista brasileiro alcançou sua primeira vitória com a aprovação do voto
feminino no estado do Rio Grande do Norte (RN) no dia 25 de outubro. O senador Juvenal
Lamartine foi um dos artífices de tal lei, que contou com ajuda da FBPF para garantir tal
vitória (Karawejczyk, 2019, p.100-101). É uma de nossas hipóteses que, aproveitando o
renovado interesse na questão dos direitos políticos femininos, o jornal O Paiz tenha cedido
espaço nas suas edições para que a FBPF divulgasse, para um público mais amplo, suas metas
e a busca pela aprovação do sufrágio feminino à nível nacional.
Os passos iniciais da pesquisa – breves considerações
A primeira menção que encontramos sobre a coluna que despertou nossa
curiosidade e instigou a pesquisa que ora apresentamos os resultados, foi em uma
correspondência encontrada no Arquivo Nacional, escrita por Bertha Lutz para as associadas
da Federação Brasileira pelo Progresso Feminina, que informava:
todo o movimento feminino e da Federação será publicado na seção
‘FEMINISMO’ do Paiz, onde aprecerá [sic] também a carta mensal as sócias [...].
A diretoria [...] pede as prezadas consocias que: [...] leiam a seção ‘FEMINISMO’
d’o Paiz e acompanhem o movimento feminino neste jornal que dá poderoso
apoio à causa feminista no Brasil [...] (LUTZ, [192?]).
A partir dessa missiva buscamos elaborar um projeto para acompanhar o
A expressão “grande imprensa” é aqui empregada e deve ser compreendida tal como a definição de Tania
Regina de Luca (2013, p.149): “a expressão grande imprensa, apesar de consagrada, é bastante vaga e imprecisa
[...]. De forma genérica designa o conjunto de títulos que, num dado contexto, compõe a porção mais
significativa dos periódicos em termos de circulação, perenidade, aparelhamento técnico, organizacional e
financeiro”.
10 Todas as citações das fontes utilizadas ao longo desse artigo tiveram sua grafia atualizada.
9
16
“SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930
movimento feminino na década de 1920 e, em especial, o representado pela FBPF, em um
jornal que dava “poderoso apoio” a causa feminista, tal como apontou a carta. Nossa
primeira ação foi no sentido de encontrar o acervo do jornal carioca O Paiz e percorrer suas
páginas para determinar a relevância da pesquisa e se a seção/coluna11 mencionada foi de fato
publicada em suas páginas.12 Encontramos no site da Hemeroteca Digital Brasileira13 o acervo
completo do jornal e, a partir daí, procuramos determinar a periodicidade da coluna e até
quando ela foi veiculada no jornal. Fazendo uma busca minuciosa nas edições do jornal,
iniciando no ano de 1920 conseguimos mapear tais dados e assim formar nosso corpus
documental, tal como apresentamos na tabela 1. A partir daí buscamos conhecer um pouco
mais sobre a fonte que a veiculou bem como determinar as pautas apresentadas na coluna.
Nos baseamos na metodologia da análise de conteúdo, apresentada por Laurence Bardin
(2011), para analisar os dados de forma qualitativa. Bardin apresenta o método dividido em
três partes, a saber, a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados e
são estes que expomos a seguir. A pré-análise é composta da escolha do material, sua
descrição, exploração e definição do corpus documental, que passamos a descrever para o leitor.
O Paiz foi um jornal diário de grande circulação na capital federal (a cidade do
Rio de Janeiro), lançado em 1º de outubro de 1884 por João José dos Reis Júnior, o conde de
São Salvador de Matozinhos. Carlos Leal neste sentido informa:
Com a Proclamação da República, O País atingiu sua fase de maior influência na
vida política brasileira, tornando-se um dos periódicos mais vendidos na capital
federal. Nesse momento, ocorreu também a primeira mudança de proprietários:
em decorrência da crise desencadeada pela prisão de seu filho José Elísio dos Reis
Júnior, o fundador do jornal vendeu a folha ao conselheiro Francisco de Paula
Mayrink. [...] (Leal, s.d; s.p.)
O jornal manteve uma trajetória ora de conflitos ora de apoio com o poder
instituído, motivo pelo qual sofria constantes intervenções e acabou perdendo um pouco do
seu prestígio junto ao público leitor. Ainda segundo a descrição de Carlos Leal
a identificação de O País com toda a estrutura política da República Velha fez com
que sua sede fosse saqueada e empastelada após a vitória da Revolução de 1930.
Três anos depois, ainda sob o Governo Provisório, o jornal reapareceu sob a
direção de Alfredo Neves, mas não chegou a durar um ano [...]. Teve sua
11 Para fins dessa análise utilizamos os termos coluna e seção como sinônimos, pois tal como indica o
Dicionário de Comunicação – coluna é uma “seção especializada de jornal ou revista, publicada com
regularidade e geralmente assinada, redigida em estilo mais livre e pessoal do que o noticiário comum. Compõese de notas, sueltos, crônicas, artigos ou textos-legendas, podendo adotar, lado a lado, várias dessas formas. As
colunas mantêm um título ou cabeçalho constante e são diagramadas costumeiramente em posição fixa e
sempre na mesma página, o que facilita sua localização imediata pelos leitores habituais” (RABAÇA,
GUIMARÃES, 2001, s.p).
12 Seguimos os passos metodológicos descritos por Tania de Luca no seu já clássico texto “História dos, nos e
por meio dos periódicos” (2005, p. 141-142).
13 A Biblioteca Nacional através do site Hemeroteca Digital Brasileira disponibiliza uma parte expressiva de seu
acervo de periódicos para consulta, entre eles está o acervo completo do jornal carioca O Paiz (1894-1934)
disponível em:< http://memoria.bn.br>
Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk
17
circulação interrompida entre 24 de outubro de 1930 e 22 de novembro de 1933, e
encerrou definitivamente suas atividades em 18 de novembro de 1934 (LEAL, s/d,
s/p.).
A primeira menção à coluna Feminismo foi encontrada no ano de 1927, no mês de
outubro, e a última no mês de setembro de 1930, totalizando 82 edições nas quais ela foi
publicada pelo jornal.14 Na maior parte do tempo sua periodicidade era semanal, sendo que,
da sua estreia no dia 21 de outubro de 1927 até a edição do dia 23 de maio de 1928, era
veiculada nas sextas-feiras. No final do mês de maio de 1938 passou a ser publicada aos
domingos até o dia 22 de dezembro de 1929, quando perdeu espaço no jornal e era publicada
de forma aleatória sem um dia específico até sua última aparição em 18 de setembro de 1930.
A tabela 1 apresenta a periodicidade mensal da coluna no período em que foi publicada no
jornal. Entre os anos de 1927 e 1930 o periódico foi comercializado por 200 réis o exemplar
avulso e estampava no seu cabeçalho o seguinte lema: “Jornal independente, político, literário
e noticioso” sendo o diretor Alves de Souza e, Romeu Ribeiro, o gerente.
Tabela 1
Publicação da coluna por mês – 1927-1930
Ano
1927
1928
1929
1930
jan
3
3
2
fev
3
3
1
mar
4
3
3
abr
3
1
2
Ocorrências por mês
maio
jun
jul
ago
3
2
4
3
1
1
1
2
1
Fonte: elaborado pelas autoras
set
4
1
1
out
2
4
1
-
nov
3
4
3
-
dez
5
4
1
-
Levando em conta as ponderações de Tania de Luca (2005) buscamos
compreender o motivo pelo qual o periódico teria cedido espaço para uma associação
feminina escrever nas suas páginas. E nos deparamos com uma matéria que explicita a
questão ao dar destaque ao fato de Alves de Souza, o diretor do periódico, ter feito o convite
para que a FBPF publicasse uma coluna no jornal, tal como se pode observar no trecho
destacado:
[...] o dr. Alves de Souza houve por bem abrir às convenções feministas no Brasil
uma tribuna livre, de onde pudessem observar, discutir e doutrinar, concedendolhes esta meia página às sextas-feiras, num dos mais acatados e brilhantes jornais
brasileiros, que é inegavelmente O PAIZ. Honra lhe seja feita. O simples fato de
aqui estarmos, publicando estas linhas, é um atestado palpitante de que o
feminismo não constitui mais, no conceito das nossas elites intelectuais, atentado à
ordem pública [...] (Pequena Explicação, O Paiz, Feminismo, 21.out.1927, p. 7).
Todas as colunas publicadas foram assinadas pela FBPF, estampando como responsáveis
pelo conteúdo os nomes de Orminda Bastos e Bertha Lutz, assim apresentadas pelo jornal:
14 Encontramos mais 4 menções a seção nas páginas do jornal informando ao leitor sobre os motivos pelos
quais ela não seria publicada em uma data específica, deixando entrever que a seção havia angariado certa
regularidade e era esperada pelo leitor do jornal.
18
“SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930
O Paiz [...] vai inaugurar amanhã uma nova seção – FEMINISMO. Confiada à
brilhante capacidade mental das senhoritas Bertha Lutz e Orminda Bastos,
presidente aquela, consultora jurídica esta, da Federação Brasileiras pelo Progresso
Feminino, e destinando-se a versar questões cuja magnitude e oportunidade são
extremamente palpitantes no momento que atravessa a evolução da sociedade
humana, à nova seção do PAIZ está reservado êxito indiscutível (O Paiz,
20.out.1927, p. 2, grifos no original).
A partir da edição publicada em 12 de agosto de 1928 passou a constar também
o nome de Carmem Portinho como responsável pela coluna. Em 29 de setembro de 1929,
mais uma mudança, Orminda Bastos é substituída por Maria Amalia de Faria. 15
Outra correspondência encontrada no fundo da FBPF, datada de 10 de
dezembro de 1928, nos dá uma dimensão de como o material era preparado para a
publicação no jornal. A referida carta enviada para Alves de Souza (manuscrita e em papel
timbrado do jornal) destacava alguns problemas no trato dos originais e alertava para os
prazos de entrega do material, que, na ocasião estava sendo publicada nas edições dominicais.
O autor da missiva destaca que a coluna estaria sofrendo atrasos devido ao não cumprimento
dos prazos pelas “senhoritas colaboradoras da seção Feminismo”, por isso ele solicitava que
os originais procurassem ser entregues, sem falta, até terça-feira à noite e qualquer pedido de
modificação ou alteração (depois da entrega dos originais) só poderiam ser feitos até quintafeira à noite e que depois desse prazo, nada mais (expressão grifada duas vezes na carta
enviada) poderia ser modificado. Tal pedido era assim justificado:
proponho isto porque como o amigo sabe, perdemos, domingo último, com o
adiamento da seção Feminismo, composição e estereotipagem de toda a página e,
além do mais, com o sacrifico de outra seção (Saúde e Bem Estar), que nada tinha
aliás com o ocorrido. No outro domingo, o anterior, ia sucedendo outro tanto e
com a mesma seção: Feminismo. ([?], Julio, 10.dez.1928, grifos no original).16
A leitura da carta nos sugere que problemas relativos à publicação da coluna e o
não cumprimento dos prazos, pela FBPF, acabaram levando ao fato da realocação da coluna
de sexta-feira para as edições dominicais bem como poderia servir como uma justificativa
para a não regularidade da coluna, a partir de 1929. Outra conclusão que podemos aferir de
tais dados é que a coluna, publicada há pouco mais de um ano, já havia angariado leitores no
jornal, que cedeu um espaço considerável nas suas edições para que uma associação feminina
publicizasse seus atos e explanasse sobre a situação da mulher no período.
Finda a parte inicial da pré-análise passamos para o tratamento dos dados e a
exposição dos resultados encontrados.
15 Carmen Portinho formou-se em engenharia civil na Escola Politécnica da Universidade do Brasil, em 1926,
atuou na FBPF desde a sua fundação e, em 1930, era tesoureira da associação enquanto Maria Amalia de Faria
aparece como primeira secretária da associação no mesmo período.
16 No mês de dezembro de 1928 a coluna Feminismo somente não foi publicada no dia 9, tal como justificado
pelo autor da carta. Agradecemos a Viviane Gouvea – da coordenação de pesquisa e difusão de acervo do
Arquivo Nacional - pelo envio da referida carta. Não foi possível determinar, até a escrita desse artigo, o
sobrenome do autor da carta, que se encontra escrita de forma não legível no original analisado.
Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk
19
Analisando/enquadrando a fonte
A coluna Feminismo apresentava uma média de quatro a cinco matérias bem como
fotografias e desenhos na página a ela reservada. Para analisar as pautas tratadas na coluna,
procuramos aplicar os preceitos elencados na análise de conteúdo (Bardin, 2011), assim
lemos e relemos as colunas para definirmos as temáticas principais apresentadas e
identificamos três grandes categorias, sendo elas assim definidas: Voto feminino (nacional e
internacional); Argumentos acerca da constitucionalidade do voto feminino; Atuação feminina na sociedade
e sua capacidade tal como se pode observar na tabela 2 que destaca o número de ocorrências de
cada uma das categorias17.
Tabela 2
Categorias temáticas - coluna Feminismo (1927-1930)
Categorias x número de matérias
Ano
Voto feminino
Constitucionalidade
do Voto Feminino
Capacidades/
Atuação Feminina
1927
6
1
3
1928
25
7
12
1929
3
2
14
1930
3
-
10
∑
37
10
39
Fonte: elaboração das autoras
A categoria definida como voto feminino agregou matérias nacionais e
internacionais que destacavam o referido mote e que tanto faziam uma elegia a tal conquista
em outros países como o solicitavam para as brasileiras. O apelo principal das matérias que
compuseram essa categoria, escritas por essas mulheres representantes da FBPF, no que dizia
respeito a questão do voto feminino, foi baseado em uma argumentação que se caracterizou,
na época, como um "bom feminismo", ou, como o descreverem a posteriori Céli Pinto
(2003) e Rachel Soihet (2006) como um “feminismo bem-comportado” ou um “feminismo
tático”. Tal recurso argumentativo é o predominante na seção Feminismo e perceptível na
maneira como a temática é apresentada na coluna - ao se fazer referências acerca do voto
feminino – cujas palavras destacam o papel moralmente construído, aceito e naturalizado da
mulher como uma forma de legitimar os pedidos de uma maior inserção feminina no espaço
público. Apresentamos um exemplo de tal assertiva para os leitores na entrevista que a
secretária geral da FBPF, Celina Vianna, concedeu para a coluna, grifamos as palavras que
mais destacam o tema:
Tenho que o bom feminismo não é uma imiscuição ofensiva ou ameaçadora as
instituições ou ofícios dos homens. É antes de mais uma colaboração eficaz a
17 Cabe um esclarecimento, tal como pode ser aferido na tabela 2 uma matéria pode tratar de mais de uma
temática ao mesmo tempo, motivo pelo qual o número total de ocorrências é maior do que o número de
matérias que compõem o corpus documental da pesquisa.
20
“SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930
obra comum da sociedade. Não ouso confundir o feminismo com o sufragismo.
Quero o primeiro proporcionando à mulher uma educação necessária ao
desenvolvimento de sua inteligência, uma cultura profissional que a torne
apta na luta pela vida, sem desmatutar-lhe a beleza do sexo, a suavidade e a graça
que a ela pertencem [...]. Ademais bem o sabe que no exercício de tais direitos a
mulher não declina de sua majestade na vida doméstica; ela ali tomando
parte na administração pública completa sua educação, serve a sua Pátria.
(Entrevistando a sua secretária geral, d. Celina Vianna, 23.set.1928, p. 10, grifos
nossos).
Nesse sentido, os argumentos que eram contrários a inserção feminina no
mundo público eram revertidos para a causa do sufrágio ao apontar que seriam tais
“qualidades” que tornariam as mulheres mais aptas para exercer tal direito, ou seja, o papel
feminino delimitado como dona de casa, mãe e esposa lhe possibilitaria exercer, com mais
capacidade, um papel no mundo público e político, tal como apontamos anteriormente.
A seção Feminismo vai concentrar uma série de matérias acerca da pauta do voto
feminino, impulsionadas pela conquista do voto estadual no Rio Grande do Norte. No ano
de 1927, a coluna dá destaque para temas que discorrem sobre o atraso do Brasil em relação a
outras nações referente a temática do alistamento feminino para as eleições, até a exaltação da
conquista de tal direito no Rio Grande do Norte a fim de impulsionar, expor e até mesmo
convencer o público da capital federal que tal direito deveria ser estendido a todas as
brasileiras. Na estreia da coluna, em 21 de outubro de 1927, uma matéria dá destaque a tal
fato ao inquirir: As mulheres já votam em 36 países – Por que não há de votar no Brasil? Outra
matéria, assinada por Orminda Bastos reforça tal questão:
Ao progresso que o movimento feminino tem tido e continua a ter em todos os
países como o demonstram as duas vitórias quase que diariamente anunciadas dos
pontos mais diversos do globo e nos ramos mais variados da atividade humana,
não pode permanecer estranho ao Brasil. Nas grandes cidades europeias e norte
americanas não constituem mais novidade mulheres médicas, advogadas,
engenheiras, cientistas, que trabalham e lutam pela vida. No Brasil o feminismo
progride também, mas lentamente. [...]
Mais adiante, na mesma matéria, Orminda salienta que o feminismo brasileiro
ainda deveria desempenhar um papel de suma importância, sendo ele “em relação ao grande
público, urge também um trabalho de propaganda, agitar ideias, por-lhe [sic] diante dos olhos
os exemplos repetidos em todos os países e a cada momento, da capacidade feminina”
(Pequena Explicação, 21.out.1927, p. 7).
A categoria por nós denominada constitucionalidade do voto feminino,
agregou menos matérias, contudo nela podemos perceber que a FBPF buscou destacar o
argumento da ambiguidade constitucional para reivindicar a participação legítima das
mulheres no alistamento eleitoral e na conquista do sufrágio. Após a publicação da
Constituição Brasileira, em 24 de fevereiro de 1891, tal como já destacamos, aqueles e aquelas
que lutavam pelo sufrágio feminino passaram a apostar na legitimidade da concessão de tal
direito na letra da lei, apontando a injustiça de não se considerar as mulheres cidadãs.
Alinhando-se a essa frente encontramos publicados na coluna uma série de depoimentos de
Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk
21
políticos que exaltavam tal argumento, como, por exemplo, o que destacamos no trecho
abaixo:
[...] A questão da constitucionalidade do projeto é capital; é eixo de todo o
debate que vai ser traçado, porque - ou a Constituição Política da República nega à
mulher direitos políticos, e nesse caso o Senado não poderá aprovar o projeto, por
ser inconstitucional, mas deverá provocar uma reforma constitucional para o fim
de serem eliminadas de nossa lei fundamental disposições que não se justificam
perante a nossa atual cultura jurídica e perante a civilização moderna, ou não lhe
nega tais direitos e então cumpre ao Senado aprovar o projeto, sem que
considerações de oportunidade ou de qualquer outra natureza possam embaraçar a
sua ação, e impedir o cumprimento do seu dever, porque ninguém deu aos
homens o poder de usurpar ou de desconhecer direitos fundamentais da
mulher em uma sociedade juridicamente organizada sobre o regime democrático e
representativo. [...] (O reconhecimento dos direitos políticos da mulher e o
senador Adolpho Gordo, 16.dez.1927, p. 5, grifos nossos).
Nessa vertente também destacamos que um dos objetivos apresentados nos
textos favoráveis ao voto feminino no jornal era o de igualar o Brasil frente a outros países
que já haviam reconhecido o Sufrágio Universal. Além disso, nota-se que tais políticos, que
foram apresentados como os porta-vozes da defesa do voto feminino, traziam argumentos
que salientavam o lado legal, a justeza da causa, com o intuito de que se cumprisse a lei, pois,
na medida que se negava a cidadania política para as mulheres, se estaria atentando contra o
estado democrático de direito. Evocamos mais um exemplo, agora nas palavras do
jurisconsulto Dr. Levy Carneiro, trazido pela coluna:
a adoção do voto feminino tem constituído em todos os países mais adiantados do
mundo uma expressão do movimento democrático [...]. A mulher já exerce
certos direitos de feição política - desempenha funções públicas; assumiu na
atividade comercial industrial e encargos onerosos (O exercício de direitos
políticos pela mulher é constitucional, 25.maio.1928, p. 5, grifos nossos)
Também encontramos uma exaltação da figura da justiça em vários momentos
na escrita da coluna tal como apresentado em 17 de fevereiro de 1929, na matéria intitulada O
voto feminino tem a sua base na mais nobre manifestação do direito: A Justiça, para ficarmos nesses
exemplos.
A próxima categoria a ser apresentada é a que dá destaque para as capacidades
femininas e sua atuação na sociedade, tal como pode ser verificada na tabela 2. Na tabela
podemos observar que esta é a categoria que abarca a maior parte das pautas da coluna e,
nela, observamos o emprego de argumentos que salientam a atuação feminina no mundo
público, mas sem lhe retirar as suas particularidades, o que lhes caracteriza como um ser
feminino, sua feminilidade. Tal viés argumentativo é abordado por todo o período em que a
coluna foi publicada, trazemos como exemplo a matéria publicada no dia 25 de novembro de
1927, quando a coluna ocupa toda a página sete da edição e transcreve, na íntegra, um
discurso do então governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, no qual fica
evidente tal argumento:
22
“SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930
[...] a vida moderna, que atrai a mulher para as carreiras cientificas, para a indústria,
para o comércio e para a política, não lhe diminui o encanto, nem a destrona
de rainha do lar. Só os espíritos emperrados e retardados pelo peso de uma
espessa camada de preconceitos ineptos tenta cerrar as portas das carreiras liberais
e do campo da política ao sexo feminino, [...]. A mulher culta torna o seu lar
agradável pela disposição artística dos objetos, confortável pelo
conhecimento da higiene moderna, atraente pelo ambiente intelectual que
ela sabe criar, sendo, ao mesmo tempo, uma colaboradora preciosa do
marido e a educadora insubstituível dos filhos. Praticando a ciência, criando,
dirigindo ou desenvolvendo indústrias, desempenhando funções públicas ou
exercendo direitos políticos, nivelando-se com o homem em todos os
departamentos da atividade social, a mulher ganha em prestígio, eleva-se em
dignidade, afirma-se como fator de progresso sem perder a graça e a sedução
do seu sexo [...] (As mães e eleitoras de amanhã, 25.nov.1927, p. 7, grifos nossos).
No trecho destacado se faz um apelo às capacidades ditas como femininas, ou
seja, ser mãe, esposa, gestora e administradora do lar e da educação dos filhos, talvez como
uma tentativa de se provar que se as mulheres eram capazes de administrar o lar, educar os
filhos mostrariam a mesma capacidade em qualquer outro lugar. Tal escolha de palavras para
sedimentar os pedidos de uma maior inserção feminina no mundo público parece reforçar a
ideia, defendida por Ellen DuBois, de que as demandas sufragistas eram percebidas como
radicais, afinal o período, fortemente marcado e dominado por uma sociedade patriarcal,
fazia com que tais questões, para serem percebidas como válidas e necessárias, passassem a
evidenciar as ditas já conhecidas “capacidades femininas” a fim de legitimar a ação das
mulheres no espaço público e, sobretudo, no espaço político majoritariamente dominado por
homens.
A conquista desse espaço foi permeada por campanhas de convencimento feitas
por mulheres que queriam que suas pautas fossem reconhecidas como legítimas. Bom
salientar que as mulheres desse período apostaram em uma campanha de convencimento
para que os homens do poder reconhecessem a legitimidade das demandas femininas afinal
eram eles, os homens, que legislavam e eram os que podiam modificar as leis. Percebemos
que as mulheres dessa assim chamada “primeira onda do feminismo” e da FBPF, de forma
específica, adotaram uma posição que pode ser denominada de estratégica ao procurar não
confrontar e contestar de forma direta o papel das mulheres na sociedade do período. Para
alcançar sucesso nas suas demandas elas aliaram-se a políticos homens - que tinham suas
vozes validadas e reconhecidas no espaço público - e assim, procuravam algumas fissuras
naquelas barreiras já cristalizadas que barravam o acesso de todas as mulheres ao cenário
político. Como bem salientou Rachel Soihet, as associadas da FBPF,
fazem pronunciamentos públicos, utilizando-se fartamente da imprensa, buscam o
apoio de lideranças nos diversos campos, constituindo grupos de pressão visando
garantir apoio de parlamentares e de outras autoridades, da imprensa, da opinião
pública. Apesar disso, em sua maioria, buscam revestir o seu discurso de um tom
moderado. Não apenas porque talvez considerassem que esta seria a forma
adequada de expressão feminina, mas, especialmente por razões táticas (Soihet,
2006, p. 27-28).
Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk
23
Nessa lógica, a fim de legitimarem suas pautas e expressarem suas demandas, as
mulheres que escreviam para a coluna também elencavam uma série de argumentos e
exemplos que ilustravam as capacidades femininas no âmbito público e privado, tal como em
uma matéria assinada por Maria Esther Correia Ramalho, secretária geral da FBPF, para a
coluna, na qual podemos acompanhar a posição adotada por elas quando atacadas pelos
“antifeministas”:
Um dos argumentos apresentados pelos antifeministas contra a equiparação de
direitos pela qual vimos propugnando nós - as feministas - é o da deficiência da
capacidade de trabalho da mulher. Acusam-nos de imperfeição na execução de
pequeno rendimento relativo e ainda: - de inconsciência das responsabilidades.
Para desmentir estas asserções bastaria a crescente aceitação da mulher naqueles
ramos de atividade, como a indústria e o comércio [...]. O ideal de emancipação
política da mulher está felizmente muito mais difundido do que em geral se
presume. Ele existe, latente, na quase totalidade das brasileiras, e se não vemos
mais comumente as suas manifestações favoráveis, é porque como característico
da raça, talvez, aparece a inércia sempre tolhendo essas campanhas, cuja atividade
não proporciona uma recompensa imediata. [...] E embora não seja tão numeroso
quanto se desejaria o grupo das combatentes que se sacrificam mesmo, e de boa
vontade, pela vitória deste ideal, a mulher da atualidade caminha com
desassombro, firmando sempre terreno na conquista de seus legítimos direitos,
quaisquer que sejam as competições em que se lança (Será o “gichet” do correio o
limite máximo da capacidade profissional da mulher? ,03.nov.1929, p. 6).
A maior parte dos argumentos apresentados na coluna para defender o acesso
feminino ao mundo político e público, masculino por excelência, elencava as capacidades
femininas que perpassavam o espaço privado e doméstico as associando e incentivando para
as utilizarem também em outros ramos de atividades. Dessa forma, a coluna procurava
elencar exemplos de trabalhadoras, intelectuais, estudantes, ativistas, religiosas e uma série de
outras mulheres que já haviam conquistado o espaço público para demonstrar - através do
exemplo delas - que as capacidades femininas estavam ajudando o país a se desenvolver.
Assim exaltavam suas figuras como uma foram de incentivo pelo exemplo.
Considerações finais
As capacidades da mulher foram questionadas e deslegitimadas no decorrer da
História, tal como apresentamos ao longo desse artigo. Assim, encontrar registros e páginas
escritas por mulheres nos jornais do início do século XX, tal qual a coluna Feminismo aqui
analisada, tornaram-se uma possibilidade de registrar e conhecer as vozes femininas que
clamavam por mudanças naquele período. Na segunda década do século XX uma associação
feminina conseguiu angariar simpatizantes e aliados suficientes que acabaram cedendo espaço
em um jornal diário para que suas pautas fossem apresentadas. Tais formas de acesso ao
pensamento feminino e feminista do período são ainda pouco exploradas e reconhecidas,
assinalando a importância de pesquisas como esta que propomos e expusemos, em parte, no
nosso texto.
24
“SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930
A coluna assinada pela FBPF, no período entre 1927 e 1930, procurou destacar
em suas pautas a capacidade feminina para o exercício dos direitos políticos, elencando
exemplos de mulheres no exterior e no Brasil bem como as mulheres profissionais e sua
contribuição para o crescimento do país. Aproveitando a conquista do voto feminino
estadual no RN, a coluna lançou uma campanha de convencimento para que ele fosse
reconhecido a nível nacional, o que só ocorreria em 1932 com a feitura de um novo Código
Eleitoral e a remodelação da lei. As mulheres que escreviam na coluna eram associadas da
FBPF e ali professavam as suas crenças e seus desejos de uma maior participação feminina
no mundo público e político. Nas páginas do jornal, professaram e reforçaram certos
estereótipos bem arraigados no período, que definiam que o lugar da mulher era na condução
do lar, ao lado dos homens, mas também procuravam expandir o domínio feminino para o
mundo público, passando a ser reconhecidas como aquelas que professavam um “bom
feminismo” que podia ser seguido por outras mulheres e que não seria prejudicial para a
sociedade.
Nosso intuito com esta pesquisa foi dar visibilidade para uma das associações
femininas que fizeram parte da história republicana brasileira nas primeiras décadas do século
XX, a FBPF, através das pautas que foram publicadas na coluna Feminismo, divulgadas por
um jornal voltado para o grande público e distribuído na capital federal. Percebemos que o
intuito da FBPF foi tanto o de ampliar a visibilidade da associação quando a esclarecer o
público leitor sobre as questões do feminismo e, de modo mais específico, da legitimidade
das demandas pela ampliação do voto para as mulheres bem como, nos parece que essa foi
uma tentativa de atingir um público maior pelas páginas do jornal. O que nos faz concluir
que a FBPF percebia a importância de tais agremiações para elevar o nível de conscientização
e participação política de grandes contingentes femininos e também nos leva a destacar a
importância dessas publicações como agregadoras e propagadoras de ideias femininas,
incluindo as pretensões feministas da época. Tais demandas no caso desse artigo foram
mediadas por um veículo voltado para o grande público como o jornal O Paiz, procurando
levar para um público mais amplo as demandas do feminismo proferido pela FBPF. O título
do artigo “Sempre à mulher, pela mulher” nos foi inspirado pelo lema professado pela FBPF,
estampado em um dos seus panfletos de divulgação, indicando outra característica da
associação, o de falar em nome de todas as brasileiras.
Referências Bibliográficas
[?] Julio, Carta manuscrita em papel timbrado do jornal O Paiz (RJ), Arquivo Nacional,
Documentos Privados, Fundo FBPF Seção Administração, correspondências, BR RJANRIO
Q0.ADM, COR.A928.159, 10.dez.1928.
BALLESTRIN, Luciana. Feminismo subalternos latino-americanos e a descolonização como
utopia política contemporânea. In: MIGUEL, Luis Felipe; BALLESTRIN, Luciana (orgs.).
Teoria e Política Feminista: contribuições ao debate sobre gênero no Brasil. Porto Alegre: Zouk,
Beatriz Berr Elias | Mônica Karawejczyk
25
2020.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
BERNARDES, Maria Thereza C. Crescenti. Mulheres de Ontem? Rio de Janeiro – Século XIX.
São Paulo: T.A. Queiroz, 1988.
BLAY, Eva Alterman. Como as mulheres se construíram como agentes políticas e
democráticas: o caso brasileiro. In: BLAY, Eva Alterman; AVELAR, Lúcia (orgs.). 50 Anos de
Feminismo. Argentina, Brasil e Chile. São Paulo: Edusp, 2017.
BLAY, Eva Alterman. Meio Século de feminismo – um balanço da luta contra a
desumanização das mulheres. In: BLAY, Eva Alterman; AVELAR, Lúcia; Rangel, Patrícia
(orgs.). Gênero e Feminismos. Argentina, Brasil e Chile em transformação. São Paulo: Edusp:
2019.
CONTRERAS, Sandra Palestro. Feminismo no Chile: traços de ontem e de hoje. In: BLAY,
Eva Alterman; AVELAR, Lúcia (orgs.). 50 Anos de Feminismo. Argentina, Brasil e Chile. São
Paulo: Edusp, 2017.
DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi. (ORG). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
DE LUCA, Tania Regina. A grande imprensa na primeira metade do século XX. In:
MARTINS, Ana Luiza; DE LUCA, Tania Regina. História da Imprensa no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2013.
DUBOIS, Ellen. The Radicalism of the Woman Suffrage Movement: Notes toward the
Reconstruction of Nineteenth-Century Feminism. Feminist Studies, Vol. 3, No. 1/2, Autumn,
1975, pp. 63-71.
DUARTE, Constância Lima. Imprensa Feminina e Feminista no Brasil, século XIX. Dicionário
Ilustrado. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
HAHNER, June. Emancipação do sexo feminino – 1850-1940. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2003.
HOOKS, Bell. Teoria feminista: da margem ao centro. São Paulo: Perspectiva, 2019.
FIGUEIREDO, Eurídice. Por uma crítica feminista. Porto Alegre: Zouk, 2020.
KARAWEJCZYK, Mônica. As filhas de Eva querem votar: uma história da conquista do sufrágio
feminino no Brasil. Porto Alegre: Edipucrs, 2020.
KARAWEJCZYK, Mônica; WITTER, Nikelen. Unidas somos fortes! O(s) movimento(s)
feminista(s) no sul do Brasil. In: PEREIRA, Elenita Malta; DEBIASI, Rose Elke (orgs).
Movimentos sociais e resistência no Sul do Brasil. Curitiba: Appris, 2020.
KARAWEJCZYK, Mônica. Mulher deve votar? O código eleitoral de 1932 e a conquista do
sufrágio feminino nas páginas dos jornais Correio da Manhã e A Noite. Jundiaí [SP]: Paco,
2019.
26
“SEMPRE À MULHER, PELA MULHER”: A COLUNA FEMINISMO NO JORNAL O PAIZ (RJ) – 1927-1930
KARAWEJCZYK, Mônica. O Feminismo em Boa Marcha no Brasil! Bertha Lutz e a
Conferência pelo Progresso Feminino. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 26, n.
2, e49845,
2018.
Disponível
em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104026X2018000200222&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 05 abr. 2020.
LEAL, Carlos Eduardo. Verbete O País. In: Dicionário Histórico Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/pais-o>. Acesso em 20
março 2021.
LEPORE, Jill. A história secreta da mulher-maravilha. Rio de Janeiro: Best Seller, 2017.
LOBO, Yolanda. Bertha Lutz. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Massangana, 2010.
LUTZ, Bertha. Carta datilografada para sócias da FBPF, Arquivo Nacional, Documentos
Privados, Fundo FBPF Seção Administração, correspondências, Cx. 43, Pac.1, Vol. 2, s/d
[192?].
MORAES, Maria Lygia Quartim de. Prefácio. In: WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação
dos direitos da mulher. São Paulo: Boitempo, 2016.
MARQUES, Teresa. Bertha Lutz - Perfis Parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados, 2016.
MENEZES, Léna Medeiros de. Feminismo(s): reflexões sobre silêncios, resistências e
descontinuidades. In: MAGALHÃES, Lívia (org.). Lugar de Mulher: Feminismo e política no
Brasil. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2017.
PANFLETO de divulgação da FBPF. Arquivo Nacional, Documentos Privados, Fundo
FBPF Seção Administração, série voto feminino, Cx. 82, Pac.1, s/d.
PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2003.
RABAÇA, Carlos; GUIMARÃES, Gustavo. Dicionário de Comunicação. Rio de Janeiro:
Campus, 2001 [VERSÃO sem paginação]
SOIHET, Rachel. O feminismo tático de Bertha Lutz. Florianópolis: Mulheres; Santa Cruz do
Sul: EDUNISC, 2006.
SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismos. Mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2013.
WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos da mulher. São Paulo: Boitempo, 2016.