Bruno Araújo
INTRODUÇÃO
Universidade Federal de Mato Grosso/Ceis20
brunoaraujo@ufmt.br
Media, populismo e
espaço público:
Desafios contemporâneos
https://orcid.org/0000-0002-8288-2718
Hélder Prior
PPGCOM/UFMS. Labcom/UBI. OBSERVARE/UAL
helder.prior@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-8971-3469
Media, populism and public space:
Contemporary challenges
https://doi.org/10.14195/2183-6019_12_0
A paisagem política das últimas
uma intensa visibilidade mediática.
é marcado por um elevado grau de
décadas tem sido colonizada por
Não raras vezes, o capital político que
contestabilidade e até ambiguidade,
inúmeras figuras políticas que se têm
adquirem nas arenas domésticas da
embora seja possível identificar um
destacado por corporizar o desconten-
disputa política está diretamente rela-
conjunto de características comuns
tamento popular, apelando diretamen-
cionado com o modo como utilizam os
às mais variadas conceptualizações
te ao povo e instigando sentimentos
meios de comunicação para conquis-
sobre o fenómeno. Existem, pelo me-
de indignação frente ao sistema polí-
tar assentimento junto do povo, ou dos
nos, quatro correntes teóricas sobre
tico tradicional. Nos anos anteriores
eleitores. Efetivamente, o debate so-
o populismo, como ideologia (Mud-
à publicação deste número da revista
bre o populismo ressurgiu nas últimas
de, 2017), lógica/discurso (Laclau,
Mediapolis, processos eleitorais nos
décadas a propósito da emergência
2005), estilo de comunicação (Jagers
Estados Unidos da América, América
de figuras políticas antissistema que
& Walgrave, 2007) ou estratégia de
Latina, Europa e Ásia foram marca-
exploram as crises do sistema político
mobilização e ação política (Jansen,
dos por candidaturas de sucesso por
e representativo, o descontentamento
2011; Weyland, 2001), embora todas
parte de lideranças ou movimentos
popular suscitado pelo problema da
estejam de acordo relativamente
populistas. Pensemos, a título de
corrupção política, os desafios da
a um conjunto de “características
exemplo, nas candidaturas de Donald
globalização e do multiculturalismo,
relevantes” que o fenómeno político
Trump, nos Estados Unidos, Jair
ou os sentimentos de insegurança da
apresenta. Assim, apesar de cada
Bolsonaro, no Brasil, Marine Le Pen,
população relacionados com crises
concepção sublinhar distintos aspec-
em França, Boris Johnson, no Reino
económicas, problemas securitários
tos do populismo, as quatro correntes
Unido, Geert Hilders, na Holanda,
ou fenómenos migratórios. O popu-
não são, por conseguinte, mutuamen-
Rodrigo Duterte, nas Filipinas, ou
lismo irrompe, assim, em contextos
te exclusivas.
em partidos políticos como o Vox, em
sociais singulares e onde os respec-
Um dos aspectos centrais do
Espanha, ou o Chega, em Portugal.
tivos sistemas políticos enfrentam
fenómeno populista é a construção
São figuras políticas carismáti-
fenómenos agudos ou disruptivos.
de uma fronteira antagónica entre o
cas, com um discurso messiânico e,
Referimo-nos a um contexto de onde
povo, entendido como uma entidade
muitas vezes, autoritário, que, inde-
emergem “oportunidades discursivas”
“pura” ou “impoluta”, e as elites,
pendentemente da sua ideologia ou do
para a difusão da comunicação po-
compreendidas, fundamentalmente,
espectro político ao qual pertencem,
pulista na esfera pública (Engesser;
como corruptas. O conceito “elites”
conseguem ser consideradas como
Fawzi; Larsson, 2017).
pode ser, todavia, bastante abran-
parte integrante do povo e combinam
Como outros termos do vocabulá-
gente e incluir, de acordo com o es-
um conjunto de características com
rio da Ciência Política, o populismo
pectro político da retórica populista,
5
instituições económicas, meios de
principais referências da abordagem
populismo como lógica política que
comunicação hegemónicos, partidos
ideacional do populismo, definem o
permite a construção da hegemonia,
políticos tradicionais, tribunais e
conceito como:
acrescentam que o populismo resulta
a esfera da justiça ou instituições
do surgimento de uma “fronteira an-
nacionais e supranacionais, como as
uma ideologia de baixa densida-
tagónica” que divide o povo das elites
instituições europeias, por exemplo,
de que considera que a sociedade
políticas ou, nas próprias palavras de
frequentemente alvos de críticas de
está, em última instancia, divi-
Laclau, “nós, o povo, e eles, o poder
movimentos populistas mais radicais
dida em dois campos homogéneos
político” (Laclau, 2005, pp. 98-99).
e eurocépticos. São, regra geral, gru-
e antagónicos, povo puro e elite
Em A Razão Populista, Laclau encon-
pos entendidos como “inimigos do
corrupta, e que defende que a
tra a chave para a compreensão do
povo” e que são responsabilizados por
política deveria de ser a expressão
populismo no conceito de “demanda
defender interesses contrários ao bem
da volunté générale do povo.
social”, salientando que o conceito
de “povo”, longe de constituir uma
comum e ao interesse público. As
elites são, por conseguinte, acusadas
Com efeito, é a construção dis-
entidade homogénea, resulta de uma
pelos dirigentes populistas de serem
cursiva de uma imagem imaculada,
articulação de “demandas heterogé-
arrogantes, de terem um discurso
vir tuosa, próxima do imaginário
neas” que pode originar a formação
politicamente correto e distante da
popular do “homem comum”, que
de uma fronteira social, uma pola-
linguagem das pessoas e de terem
legitima o ator político populista a
rização do espectro político. Laclau
sido corrompidas pelo sistema político
criticar e deslegitimar as elites e
aponta três pré-condições para o sur-
e económico. Já o líder populista, por
as instituições do sistema político
gimento do fenómeno populista: 1) a
outro lado, apresenta-se como um
representativo. Assim, os populistas
articulação de demandas insatisfeitas
ator político impoluto que não per-
de sucesso conseguem apresentar-se
que torna possível o surgimento do
tence ao sistema político tradicional,
como representantes legítimos do
“povo”; 2) a unificação de demandas
ao establishment, com um discurso
povo puro, atores anti-elitistas, por
insatisfeitas mediante uma cadeia de
antissistema e antielitista permeado
contraposição com os políticos tra-
equivalências; 3) a formação de uma
por estratégias enunciativas que o
dicionais que traíram os interesses
fronteira antagónica que divide o povo
aproximam do homem comum, do
do povo e que estão ao serviço de
do poder, ou das elites. O populismo
povo puro da heartland.
interesses corporativos, económicos,
converte-se, por conseguinte, num
Precisamente neste sentido, au-
obscuros ou corruptos. Ernesto La-
fenómeno discursivo anti-statu quo
tores como Cas Mudde & Rovira
clau e Chantal Mouffe, as principais
que polariza e simplifica a paisagem
Kaltwasser (2017, p. 18) , duas das
referências da conceptualização do
política entre “nós” versus “eles”. A
A ideologia de
baixa densidade
considera que
a sociedade
está, em última
instancia, dividida
em dois campos
homogéneos e
antagónicos,
povo puro e elite
corrupta, e defende
que a política
deveria de ser
a expressão da
volunté générale
do povo
conceptualização de Ernesto Laclau
coloquial e, não raras vezes, um es-
teve bastante influência em trabalhos
tilo de comunicação boçal e oposto à
empíricos que emergiram da Escola
linguagem politicamente correta dos
de Essex da Análise do Discurso e
dirigentes políticos tradicionais.
que procuram aplicar empiricamente
A quarta conceptualização que os
o quadro conceptual proposto pelo
editores deste número de Mediapolis
teórico argentino.
consideram relevante é aquela que
Efetivamente, vários pesquisa-
concebe o fenómeno como estraté-
dores têm enfatizado a dimensão
gia de mobilização. Esta concepção
discursiva do populismo, centrando a
entende o populismo em ter mos
sua análise no estilo de comunicação
pragmáticos e instrumentais, isto
dos dirigentes populistas e nas suas
é, em termos de meios e fins. A co-
estratégias linguísticas (Canovan,
municação populista é, deste modo,
1999; Bos, van der Brug & de Vreese
utilizada para alcançar o poder, a
2011; Krämer, 2014). Trata-se de uma
legitimidade e a mobilização popu-
compreensão do populismo que tende
lar (Jansen, 2011; Weyland, 2001).
a evidenciar o modo como as ideias
Significa que os políticos utilizam
são comunicadas e o discurso per-
o populismo como uma estratégia
formatizado por um certo repertório
instrumental de mobilização popular
estilístico que apela à polarização
para a obtenção do poder político,
amigo-inimigo, ao antagonismo nós
apelando à ação dos cidadãos que
versus eles. De entre as estratégias
são, muitas vezes, entendidos como
retóricas utilizadas, destacam-se a
soldados ao serviço do líder. É uma
simplificação dos conflitos políticos,
concepção particularmente visível em
o recurso a apelos moralistas, a nega-
momentos eleitorais, em referendos
tividade discursiva ou a vulgaridade
e em outras formas de ação cívica,
e boçalidade dos procedimentos retó-
sobretudo num tempo onde a Internet
ricos mobilizados. Margaret Canovan
e os canais de comunicação direta
(1999) sublinha, justamente, o “estilo
proporcionados pelas redes sociais
tablóide” dos populistas, um estilo
digitais se convertem em plataformas
que inclui a utilização de linguagem
fundamentais de recrutamento de
7
apoiantes “não-institucionalizados”
estratégia política ou de mobilização,
relação direta com os estudos que
ou “marginalizados” pelo statu quo
os estudos de comunicação possuem
compõem este número da revista Me-
(Engesser; Fawzi; Larsson, 2017).
relevantes contributos para a com-
diapolis. Na primeira, os estudiosos
preensão dos populismos contemporâ-
da comunicação se questionam como
neos. Mazzoleni (2014) recorda, nesse
os media, incluindo os noticiosos e
O lugar da Comunicação na
sentido, que os objetos de interesse da
de entretenimento, poderiam atuar
compreensão do fenómeno
Comunicação Política contemplam os
também como agentes populistas,
populista
“ingredientes clássicos” para uma a
configurando o que autores como
Na entrevista concedida a este
análise da comunicação populista: o
Mazzoleni (2014) e Krämer (2014)
número de Mediapolis, o professor ita-
emissor (líder populista), a sua men-
chamam de “populismo mediático”.
liano Gianpietro Mazzoleni identifica
sagem (discurso populista), o canal
Esse populismo dos/nos media teria
uma certa subvalorização da questão
que lhe confere expressão/visibilida-
lugar a partir da atenção dispensada
comunicacional na literatura sobre
de (os media tradicionais ou os novos
pelos meios a discursos e abordagens
o populismo, ainda muito centrada
media) e as dinâmicas de recepção
de viés populista ou do reforço de
numa leitura estritamente política
do público (potenciais apoiantes do
sentimentos de desencantamento
do fenómeno. Mazzoleni defende,
dirigente populista).
com o sistema político na cobertura
no entanto, que uma das chaves in-
Com efeito, os estudos sobre
terpretativas de maior força para a
populismo e meios de comunicação
compreensão dos populismos contem-
têm apostado, nos últimos anos, em
Numa segunda linha de inves-
porâneos está em considerá-lo como
reflexões que procuram discutir se
tigação, os autores têm estudado
fenómeno comunicacional, estimulado
os media tradicionais e os novos
como a anatomia das redes e dos
pela produção e disseminação de
media atuariam como catalisadores
media sociais criaram a estrutura
sentidos disruptivos sobre a política
ou inibidores de agendas populistas
comunicacional necessária à disse-
por parte dos media, de um lado, e
no espaço público (Engesser, Ernst,
minação, no espaço público, de agen-
estruturado com base em estratégias
Esser & Buchel, 2017; de Vreese, Es-
das populistas levadas a cabo por
facilitadas pela comunicação digital,
ser, Aalberg, Reinemann & Stanyer,
atores, partidos e movimentos que
de outro. Assim, em qualquer das
2018; Mazzoleni, 2008; Bos, Van Der
souberam explorar estrategicamente
quatro abordagens epistemológicas
Brug & De Vreese, 2010). No quadro
as potencialidades da Internet para
anteriormente explicitadas, seja no
desta ampla discussão, encontram-
fins eleitorais. Um pressuposto básico
âmbito de uma leitura do populismo
-se duas linhas de investigação que
desta agenda de investigação é de
como ideologia, estilo discursivo,
destacamos neste espaço por terem
que os populismos contemporâneos
de assuntos da política (Mazzoleni,
2014; Krämer, 2014).
são, em grande medida, devedores
Donald Trump tornou-se uma estrela
entre bons e maus ou na configuração
das transformações sociopolíticas
da televisão, como apresentador de um
de discursos simplificadores sobre
da comunicação digital (Di Maggio,
reality show, onde aprendeu a articu-
o universo da política (Blumler &
2011; Krämer, 2017; Aggio & Castro,
lar, como poucos, a gramática do en-
Kavanagh, 1999; Mazzoleni, 2003,
2019; Ernst, Blassnig, Engesser,
tretenimento, ao serviço da construção
2008, 2014; Krämer, 2014).
Büchel & Esser, 2019; Gerbaudo,
de uma imagem que, anos mais tarde,
Na cobertura dos escândalos, por
2018; Waisbord, 2018; Mazzoleni &
viria a garantir uma vitória eleitoral
exemplo, os media tendem a explorar
Bracciale, 2018; Prior, 2019; Fortu-
impensável até a abertura das urnas.
os casos de forma exaustiva, personi-
nato & Pecoraro, 2020).
O apelo mediático dos líderes popu-
ficada, pressionando as instituições da
Em diferentes partes do globo,
listas é, certamente, um dos aspectos
justiça a agirem segundo a sua própria
assistimos, nas últimas décadas, à
que têm gerado grande interesse entre
cronologia e o seu próprio julgamento,
emergência de líderes populistas que
os estudiosos da comunicação política.
o que, quando não acontece, os leva a
souberam incorporar estilos e estraté-
Por outro lado, o populismo me-
reforçarem uma visão da justiça como
gias de ação política capazes de atrair
diático se configura dentro do próprio
lenta e ineficiente (Prior, 2016; Cunha,
a atenção do campo mediático. Seja
discurso dos media seja na cobertura
2017). Por outro lado, quando existe
pela excentricidade ou pela natureza
noticiosa, seja na criação de progra-
um alinhamento entre a atitude dos
disruptiva de seus discursos, o certo
mas de entretenimento com forte
julgadores e aquela que os media con-
é que muitos desses líderes desper-
apelo emocional e sensacionalista
sideram a correta – quase sempre a da
taram, mesmo antes de se tornarem
que visam atender a uma lógica de
condenação dos acusados – os atores
eleitoralmente competitivos, alguma
mercado pautada na captação das
judiciais surgem, na cobertura ou nos
atenção mediática, o que contribuiu
audiências, cuja atenção, nos dias
palcos dos programas de auditório, não
para ganhos de visibilidade variados.
de hoje, se divide entre os media
raras vezes, como heróis nacionais,
No Brasil de Bolsonaro, programas
tradicionais e o espaço altamente
como no caso do ex-juiz brasileiro
de entretenimento na televisão aberta
atraente das redes sociais digitais.
Sérgio Moro, transformado em ícone
ouviram o então deputado federal,
Com efeito, os meios de comunicação
mediático do combate à corrupção,
pouco conhecido, em diversas oca-
tendem cada vez mais a recorrer ao
glorificado não apenas no Brasil, mas
siões, deixando-o emitir suas posições
infoentretenimento como lógica dis-
em outros países, pelos media e até
extremadas, como a defesa da tortura
cursiva de representação da política,
em determinados círculos académi-
ou o aniquilamento de certos atores
com recurso a procedimentos de
cos (Araújo, 2017). Ora, o recurso à
políticos por defenderem posições
espetacularização, exploração das
novelização para tratar de temas da
opostas às suas. Nos Estados Unidos,
emoções, fabricação de antagonismos
política, a realização de uma cobertura
9
fortemente adversária (Guazina, 2011)
teorias como a do gatekeeper, do
pública. Como argumenta Yascha
ou a manutenção de um clima de
agendamento e do enquadramento
Mounk (2018), a questão não é que
escândalo permanente na agenda
mediáticos, com a popularização da
media sociais tenham ajudado mais
mediática são fatores que colaboram
comunicação digital, especialmente
os líderes populistas que os políticos
para transformar os media, também
das redes sociais, os atores populis-
tradicionais, beneficiado mais os
eles, em agentes do populismo. Além
tas passaram a poder comunicar-se
inimigos da democracia que os seus
disso, o efeito social daí decorrente,
diretamente com os seus apoiantes,
defensores. Segundo o autor de O
a reafirmação de sentimentos de des-
que se transformam em replicadores
povo contra a Democracia: por que
confiança na política, na democracia
da mensagem populista, no próprio
nossa liberdade corre perigo e como
e nas instituições, criam um terreno
espaço da rede, amplificando o seu
salvá-la, o que realmente aconteceu
profícuo à emergência dos populismos.
alcance. Além disso, os populismos
foi que a comunicação digital elimi-
Sem dúvida, a reprodução de sentidos
contemporâneos surgem num contexto
nou um abismo, existente na esfera
negativos em relação à política pelos
em que se discute a emergência de
pública, entre insiders e outsiders da
media tradicionais representam um
uma política da pós-verdade, segundo
política, causando um abalo gigan-
contributo, não necessariamente inten-
a qual a percepção da realidade pe-
tesco na estabilidade dos sistemas
cional, à emergência de líderes como
los indivíduos se dá menos pelos fac-
políticos. Nas palavras do autor:
Bolsonaro e Trump. Assim, os media
tos objetivos do que pelo peso de suas
atuariam como a antessala de uma
crenças (Prior, 2019). Assim, as es-
O que muitos observadores toma-
condição de visibilidade populista que
tratégias de comunicação dos líderes
ram por um paradoxo – que as
se vai configurar, de forma poderosa,
populistas nas redes se aproveitam
mídias sociais pudessem ter efeitos
no terreno das redes sociais digitais.
deste cenário cultural para explorar
tão positivos em alguns contextos
De facto, foram as redes e os me-
ressentimentos e ódios difusos na
e efeitos tão negativos em outros
dia sociais que deram as condições
sociedade, facilitando a propagação
– é resultado da mesma dinâmica
para que políticos e movimentos
da retórica populista. Esta discussão
subjacente: ao empoderar os out-
populistas pudessem ecoar suas men-
leva Waisbord a considerar que existe
siders, a tecnologia digital deses-
sagens, sem os filtros e as condicio-
mesmo uma “afinidade eletiva” entre
tabiliza as elites governantes no
nantes da comunicação social. Se os
o populismo e a política da pós-ver-
mundo inteiro e acelera o ritmo da
media tradicionais detinham, até bem
dade (Waisbord, 2018).
mudança. (Mounk, 2018, p. 182)
pouco tempo, o monopólio da agenda
Certamente, a arquitetura das
pública, atuando como selecionadores
redes modificou as condições de vi-
A recente der rota de Donald
e ordenadores do real, como discutem
sibilidade e de ação política na esfera
Trump, nos Estados Unidos parece
indicar um abalo na onda populista
que se manifesta no mundo, como
se ouviu de muitos comentadores ao
anunciarem a vitória de Joe Biden.
No entanto, ainda que abalados, os
valores e as ideias populistas que
Trump mobilizou provavelmente não
cessarão tão rapidamente como alguns pensam. É provável que Mounk
tenha razão quando arrisca que “os
efeitos do populismo permanecerão
conosco por um longo tempo” (Mounk, 2018, p. 182).
É provável que
casos, com experiências populistas
vivenciadas no passado, nesta quadra
Mounk tenha razão
histórica, eles possuem características específicas, ditadas pela expan-
quando arrisca
são das lógicas mediáticas e pela
comunicação digital. Muitas destas
que “os efeitos
especificidades do populismo contemporâneo – também chamados de
do populismo
neopopulismos – estão refletidas nos
estudos publicados no dossiê que pas-
permanecerão
samos a apresentar sequencialmente.
Composto por nove textos, uma
conosco por um
entrevista e uma recensão crítica,
o dossiê Me d i a , Pop u l i s mo e
longo tempo”
Espaço Público: desafios con-
Estrutura do número 12
temporâneos convida os leitores
Este número 12 da revista Me-
e as leitoras de Mediapolis a uma
diapolis contempla reflexões que
reflexão sobre os populismos do nosso
procuram dar conta de diferentes
tempo, abordando não apenas o viés
aspectos do populismo contemporâ-
puramente político do fenómeno,
neo, pensando a sua relação com os
mas a sua dimensão comunicacional
media tradicionais e os novos media
e mediática. Professor na Universi-
no espaço público mediatizado.
dade Federal Fluminense, Afonso
É certo que a experiência populista
Albuquerque, que gentilmente acei-
não é recente, tendo estado presente,
tou o convite para escrever o texto
com diferentes graus de intensidade,
de abertura do dossiê, propõe uma
em momentos distintos da Histó-
leitura do populismo que desafia um
ria. Todavia, como tentamos deixar
dos poucos consensos existentes sobre
claro até aqui, os populismos a que
o tema. Em “Populismo, Elitismo e
aludimos neste número, apesar de
Democracia: Reflexões a partir da
guardarem semelhanças, nalguns
Operação Lava Jato”, o autor discute
11
o argumento, muito comum entre opi-
manifestando-se sobre a doença com
estão presentes nos novos populismos
nion makers e estudiosos, segundo o
frequência. Olhando para a questão
de direita surgidos em diferentes
qual o populismo poderia ser detido
e conscientes do papel dos media
países ao redor do mundo? Por meio
ou atenuado por meio do fortalecimen-
sociais na comunicação populista,
de que articulações teóricas podemos
to das instituições de controle da po-
os professores Fernando Oliveira
compreender a comunicação populis-
lítica, como o Judiciário, o Ministério
Paulino e Sílvio Waisbord, da Univer-
ta? Esse é o caminho trilhado pela
Público e os media. Com instituições
sidade de Brasília e da Universidade
professora da Universidade de Bra-
de controle fortes, as democracias
George Washington, respetivamen-
sília e colaboradora do Programa de
conseguiriam imunizar-se mais fa-
te, investigaram a performance de
Pós-Graduação em Comunicação da
cilmente de experiências populistas
Bolsonaro na rede social, durante a
Universidade Federal de Mato Grosso,
que ameaçam a sua estabilidade.
pandemia que já matou mais de 278
Liziane Guazina, no artigo “Popu-
Albuquerque argumenta que esse
mil e infectou mais de doze milhões
lismos de direita e autoritarismos:
pode ser um raciocínio simplista, ao
de brasileiros. No texto “Las nar-
apontamentos teóricos para estudos
desconsiderar evidências empíricas
rativas del populismo reaccionario:
sobre a comunicação populista”.
recentes em países como o Brasil,
Bolsonaro en Twitter durante la
A autora desenvolve um copioso
onde a ação das instituições de
pandemia”, Paulino & Waisbord
levantamento bibliog rá f ico para
controle, argumenta o autor, em vez
analisam as postagens do presidente
discutir, a partir da literatura espe-
atenuar a ameaça populista, contri-
para verificar em que medida o seu
cializada mais recente, a conexão
buiu, no contexto da Operação Lava
discurso na rede incorporou núcleos
entre a comunicação populista e os
Jato, para desestabilizar a democracia
semânticos centrais do populismo de
autoritarismos como interface teórica
brasileira, abrindo espaço para a
direita, como a crítica às instituições
para a análise de fenómenos mediáti-
chegada da extrema-direita ao poder.
promotoras de conhecimento.
co-populistas em contextos distintos,
Seguindo o script dos líderes
Não parece haver dúvidas de que
discutindo os casos italiano e brasi-
populistas da atualidade, o espaço
o estilo político de Jair Bolsonaro,
leiro. Guazina oferece ao público um
pr ivilegiado de comunicação do
mesmo durante uma crise sanitária
estado da arte sobre populismos de
atual presidente do Brasil são os
global, o coloca no grupo dos cha-
direita, autoritarismo e comunicação
media sociais. Durante a pandemia
mados populistas iliberais, líderes
que pode auxiliar no desenvolvimento
da Covid-19, que matou milhões de
detentores de uma atitude autoritária
de novos estudos empíricos.
pessoas no mundo até aqui, Bolsona-
em face das instituições e dos valores
Em “A ‘ideia plana’ e a repulsa
ro tem mantido uma atuação engajada
da democracia liberal (Mounk, 2018).
ao Outro: o caso Bolsonaro (as)”, o
nas redes, especialmente no Twitter,
No entanto, que outros elementos
investigador da Universidade Federal
de Mato Grosso, Pedro Pinto de
do artigo de Ana Paula Bronze e
Sinos, Bittencourt & Guerreiro estu-
Oliveira analisa a forma da ideia
Vasco Ribeiro. Os investigadores da
dam as variações discursivas de Lula
que estrutura o pensamento e a ação
Universidade do Porto concentram o
antes e durante a prisão, apontando
política de Jair Bolsonaro e de seus
olhar no estilo político de Bolsonaro.
como o apelo populista nas suas redes
filhos Flávio, Eduardo e Carlos, os
A partir de uma análise discursiva
ajudou a manter viva a imagem do
três com forte inf luência nas de-
do pronunciamento do presidente na
ex-presidente cuja liberdade esteve
cisões do pai-presidente. Oliveira
Assembleia Geral da Organização
cerceada por 580 dias.
propõe uma compreensão do estilo do
das Nações Unidas, Bronze & Ribeiro
De análises acerca da comunica-
presidente brasileiro com base num
traçam uma matriz do comportamento
ção populista de dirigentes políticos
constructo teórico que o autor nomeia
populista, mediante a identificação
de direita e esquerda, o dossiê des-
de “ideia plana”. O autor explica que
de vinte e uma características ou
loca-se para a discussão daquilo que
o vocábulo “ideia” aparece no sin-
elementos retóricos mobilizados no
se entende por populismo mediático.
gular porque remete à unicidade do
discurso que aproximam o estilo do
No texto “A retórica populista do
discurso e à negação do contraditório,
presidente brasileiro à teoria do po-
jornal Extra: um estudo da cobertura
presentes no discurso bolsonarista;
pulismo, o de extrema-direita.
da Copa 2014”, Rodrigo Nascimento
já a palavra “plana” vem na estei-
A passagem para o artigo seguinte
Reis e Marco Roxo da Silva centram
ra do conceito de mito, de Roland
comprova a maleabilidade e porosida-
a análise nos apelos emocionais de
Barthes, para quem o mito funciona
de do populismo já mencionadas na
um jornal popular do Rio de Janeiro,
como “mensagem sem substância”,
primeira parte deste texto. De uma
durante a cobertura do Campeonato
desprovida de complexidade, de fácil
análise centrada no estilo discursivo
do Mundo de Futebol de 2014, orga-
captação. Em diálogo com diferentes
de um político de extrema-direita
nizado pelo Brasil. Os autores, inves-
filósofos políticos, Oliveira mostra
nos textos anteriores, no artigo “O
tigadores na Universidade Federal
como a “ideia plana” manifesta-se
discurso populista nas redes de Lula:
Fluminense, procuram enquadrar o
nas diversas frases de efeito voca-
uma análise das publicações durante
populismo no interior da lógica dos
lizadas por Bolsonaro e como ela se
os 580 dias de cárcere”, Maria Clara
media, descortinando traços da co-
converte numa estratégia de cultivo
Aquino Bittencourt e Anderson dos
municação populista no jornalismo
do ideal totalitário, impossibilitando
Santos Guerreiro versam sobre a
popular, com foco no sensacionalismo
o reconhecimento do Outro.
retórica populista nas redes do ex-
e no infotainment.
“A matriz do comportamento do
-presidente brasileiro, histórico ator
No texto “Impeachment! Em nome
político populista: a ascensão do
político da esquerda. Investigadores
do povo: uma análise discursiva da
bolsonarismo no Brasil” é o tema
na Universidade do Vale do Rio dos
revista Veja nos governos Collor e
13
Rousseff”, as investigadoras da Pon-
iliberal, o artigo discute aspectos
media e da televisão na popularização
tifícia Universidade Católica de São
relevantes da política contempo-
de figuras populistas e autoritárias;
Paulo, Tathiana Chicarino e Rosemary
rânea, como a predominância dos
reflete sobre o estado da produção
Segurado, e o investigador da Univer-
“argumentos emocionais”, a retórica
intelectual sobre os novos populis-
sidade de Essex, Sebastián Ronderos,
popular e a construção social da
mos; e explica, reforçando questões
estudam a performance discursiva do
visibilidade mediática dos atores
estudadas em diversos textos deste
jornalismo de Veja, concretamente, o
políticos, questões prementes na
dossiê, como os meios de comunica-
“apelo ao povo” como estratégia enun-
compreensão da imagem pública do
ção podem, também eles, adotarem
ciativa na cobertura dos processos de
Presidente de Portugal. Com efeito,
uma postura populista, sobretudo na
impeachment de Fernando Collor de
em “Representação Mediática do
construção de lógicas que apelam
Mello (1992) e Dilma Rousseff (2016).
Presidente dos Afetos num tempo de
às emoções e ao entretenimento no
Amparados pela Teoria do Discurso
Pandemia”, o investigador da Univer-
processo de mediatização da política.
da Escola de Essex, que, na esteira
sidade de Coimbra analisa os textos
Annelise Bertuzzi Bezerra e Fer-
do teórico argentino Ernesto Laclau,
jornalísticos publicados durante um
nanda Safira Soares Campos, da
compreende o populismo como uma
mês, por quatro meios de comunica-
Universidade Federal de Mato Grosso
lógica retórica de confrontação entre
ção portugueses – Correio da Manhã,
fecham o número 12 de Mediapolis
dois pólos antagónicos, “nós” versus
Observador, Público e SIC Notícias,
com uma recensão crítica ao livro
“eles”, os autores demonstram como
para compreender a configuração da
Desconstruindo uma queda: a mídia
os media podem tornar-se sujeitos
imagem de Marcelo Rebelo de Sousa
e o impeachment de Dilma Rousseff,
centrais na composição discursiva dos
nos media.
publicado em 2019, pela editora In-
O dossiê se encerra com uma en-
sular, de Florianópolis, no âmbito da
O último artigo deste número
trevista e uma recensão crítica. A en-
coleção Jornalismo e Sociedade, coor-
da revista Mediapolis, da autoria de
trevista “O populismo como fenómeno
denada pelo Programa de Pós-Gra-
Bruno Frutuoso da Costa, estuda a
de comunicação” foi concedida, em
duação em Comunicação da Universi-
representação mediática de Marce-
novembro de 2020, pelo pesquisador
dade de Brasília. Bezerra & Campos
lo Rebelo de Sousa no contexto da
italiano Gianpietro Mazzoleni, uma
consideram que o impedimento da
pandemia da Covid-19. Apesar de
das maiores referências do debate
ex-presidente Dilma Rousseff, em
Rebelo de Sousa não poder ser con-
académico internacional sobre me-
agosto de 2016, em um contexto
siderado um político populista à luz
dia e populismo. Na sua reflexão, o
de forte polarização política, foi um
dos conceitos discutidos aqui, nem
professor da Università degli Studi
dos fatores de desestabilização da
enquadrar-se na categoria de líder
di Milano, discute o lugar dos novos
democracia brasileira que explicam
antagonismos políticos.
a emergência da extrema-direita po-
apresenta, na medida em que visa
pulista de Jair Bolsonaro.
suscitar o bom debate, como forma
munications, 35, 141–163.
de resistência à vaga populista que
Bos, L., van der Brug, W., & de Vreese,
Além de agradecer aos autores
e às autoras que contribuíram com
right-wing populist leaders. Com-
vivenciamos nestes tempos.
C. (2011). How the media shape
este dossiê, fazemos um agradecimento especial a Fernanda Fidélis,
perceptions of rightwing populist
Boa leitura a todos e a todas!
leaders. Political Communication,
estudante do curso de Comunicação
Social – Radialismo, da Universidade
Federal de Mato Grosso, que, amavel-
28(2), 182–206. https://doi.org/1
Entre Cuiabá e Campo Grande,
0.1080/10584609.2011.564605
Brasil, novembro de 2020.
Canovan, M. (19 9 9). Tr ust the peo-
mente, aceitou produzir as ilustrações
ple! Populism and the two fa-
que compõem este número, incluindo
ces of democracy. Political Stu-
a sua capa, numa demonstração de
Referências bibliográficas
dies, 47(1), 2 –16 . https: //doi.
notável sensibilidade estética para
Aggio, C., & Castro, F. (2019). Meu
org/10.1111%2F1467-9248.00184
capturar os sentidos envolvidos nas
partido é o povo? uma proposta
Cunha, I. F. (2017). Democracia e corrupção
discussões aqui contempladas. Tam-
teórico-metodológica para o estu-
política mediatizadas. In A. Moreira,
bém agradecemos aos investigadores
do do populismo como fórmula de
E. Araújo, & H. Sousa. Comunicação
e investigadoras de várias universi-
comunicação política seguida de
e Política: textos, contextos e desafios
dades portuguesas e brasileiras que
estudo de caso do perfil de Jair
(pp. 65-90). Braga: CECS.
aceitaram avaliar os trabalhos, dando
Bolsonaro no Twitter. Comunicação
o seu contributo para a qualidade
& Sociedade.
deste número.
de Vreese, C. H., Esser, F., Aalberg,
T., Reinemann, C., & Stanyer, J.
Araújo, B. (2017). Em busca de um
(2018). Populism as an expression
Desejamos, por fim, que o dossiê
herói: a construção discursiva de
of political communication content
Media, Populismo e Espaço Pú-
Joaquim Barbosa no julgamento do
and style: a new perspective. The
blico: desafios contemporâneos
Mensalão por Veja e Época. Verso
International Journal of Press/
colabore com o debate acerca de
e Reverso, 31(1), 125-137.
Politics, 23(4) 423–438.
uma questão tão complexa quanto
Blumler, J. G., & Kavanagh, D. (1999). The
Di Maggio, A. (2011). The rise of the tea
central para as nossas sociedades.
Third Age of Political Communica-
party: political discontent and cor-
Como editores deste número, estamos
tion: Influences and features. Poli-
porate media in the Age of Obama.
certos de que a massa crítica aqui
tical Communication, 16, 209–230.
New York: Monthly Review Press.
reunida fornece contributos relevantes
Bos, L., Van Der Brug, W., & De Vree-
Engesser, S., Ernst, N., Esser, F. e Buchel,
à área da Comunicação Política e se
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F. (2017). Populism and social media:
15
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