Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 11 Nº25 v.2– 2015 ISSN 1809-3264
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
REVISTA QUERUBIM
Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais
Ano 11 Número 25 Volume 2
ISSN – 1809-3264
2015
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REVISTA QUERUBIM
NITERÓI – RIO DE JANEIRO
2015
NITERÓI RJ
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Ciências Sociais – Ano 11 Nº25 v.2– 2015 ISSN 1809-3264
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Revista Querubim 2015 – Ano 11 nº 25 – vol .2 – 172 p. (fevereiro – 2015)
Rio de Janeiro: Querubim, 2015 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais
Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital
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Venício da Cunha Fernandes
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Sumário
Aspectos da descolonização na obra de Amílcar Cabral – Alfeu Sparemberger
Turismo de eventos: um estudo acerca das estrátegias de marketing da festa de Santa‘ana,
Caicó/RN – Aline Mayara Marinho Xavier, Aline Louise de Araújo Silva, Maria
Aparecida Simões da Costa e Clébia Bezerra da Silva
O impacto da construção da identidade brasileira na educação – Ana Isabel Cartaxo
Guimarães Brasil
Os discursos estigmatizados no livro didatico de Língua Portuguesa: a questão da diversidade
linguística – Ana Paula Domingos Baladeli e Clarice Nadir von Borstel
As contribuições para a formação profissional dos acadêmicos que emergiram do professorcolaborador do estágio curricular supervisionado em Educação Física – Ana Paula Facco
Mazzocato e Hugo Norberto Krug
Investigando a interdisciplinaridade dos livros didáticos de geografia e matemática utilizados
no Colégio Estadual Hugo Lobo no Município de Formosa, Estado de Goiás – Cássia
Betânia Rodrigues dos Santos e Marcelo Lopes Pereira Júnior
O discurso do planejamento familiar no espaço urbano – Cleunice Vaz
O uso das marcações não-manuais na língua brasileira de sinais: um estudo pragmático –
Dayane Veras dos Santos
Currículo e formação de professores: uma análise reflexiva sobre a inserção da educação
ambiental em três escolas estaduias de Araguaína e nos cursos de licenciatura da
Universidade Federal do Tocantins - Diôgo Januário da Costa Neto e
LilyanRosmeryLuizaga de Monteiro
Estigma e preconceito: expressões que marcam a trajetória pessoal e social de adolescentes
que cometeram ato de natureza infracional - Eliane Moreira da Silva e Marlene Almeida
de Ataíde
A categoria gestão e seus efeitos de sentidos em um projeto pedagógico institucional –
Gabriel dos Santos Kehler
Estágio curricular supervisionado em Educação Física: os saberes experenciais dos
estagiários – Hugo Norberto Krug, Cassiano Telles, Rodrigo de Rosso Krug e Victor
Julierme Santos da Conceição
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Discurso publicitário e representações da mulher na sociedade contemporânea – 85
Ivandilson Costa
14
A viabilidade da proposta de implementação de uma turma ou escola bilíngue na cidade de
Altamira-Pará – João Kleber Silva da Silva e Roseane Rabelo Souza
Apontamentos para uma reflexão sobre a atualidade: Michel Foucault e o poder –
Karina Luiza de Freitas Assunção
Um estudo acerca da violência nas escolas: o caso do Colégio Bento Gonçalves da Silva, em
Cristal/RS – Leandro Barcelos de Lima
Nomenclatura gramatical brasileira: a materialização de uma política linguística – Marcia
Ione Surdi
Educação estética e formação docente em artes visuais –desenho e experiência – Maristani
Polidori Zamperetti
Considerações sobre a construção da Usina Hidrelétrica de Estreito e a inundação do bairro
Palmatuba em Babaçulândia/TO – Mayza Jardim Holanda e Marivaldo Cavalcante da
Silva
A experiência cinematográfica na ficção de Caio Fernando Abreu – Rodrigo da Costa
Araujo
Letramento em mídia: o ensino-aprendizagem de produção textual com o auxílio dos
recursos audiovisuais – Silvio Nunes da Silva Júnior
Cantigas de roda na creche: a construção do repertório de conhecimentos das crianças –
Silvio Profirio da Silva
Redes sociais, novas mídias e novos desafios à sala de aula – Tania Regina Martins
Machado
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ASPECTOS DA DESCOLONIZAÇÃO NA OBRA DE AMÍLCAR CABRAL
Alfeu Sparemberger
UFPel – Universidade Federal de Pelotas
Resumo
Este artigo analisa o valor da cultura atribuído por Amílcar Cabral como marco nuclear da
resistência ao colonialismo português e dado constituinte de uma episteme descolonial. A primazia
atribuída ao fator local na constituição heterogênea, plural e não essencialista da cultura está em
plena consonância com as formas de um saber descolonial.
Palavras-chave: Amílcar Cabral. Cultura. Descolonização.
Resúmen
Este artículo analiza el valor de la cultura atribuído por Amílcar Cabral como marco nuclear de la
resistência al colonislismo português y dato constituyente de uma episteme descolonial. La
primazia del factor local en la constitución heterogénea, plural y no esencialista de la cultura está em
plena consosancia com las formas de um saber descolonial.
Palabras-clave: Amílcar Cabral. Cultura. Descolonización.
Introdução
Este texto realiza uma sucinta incursão pelo pensamento político de Amílcar Cabral (19241973) como modalidade de intervenção descolonizadora. Para tanto, nesta fase inicial da
investigação, são considerados dois textos do líder da independência de Cabo Verde e GuinéBissau: ―O papel da cultura na luta pela independência‖ e ―Resistência cultural‖. Amílcar Cabral,
cuja contribuição ultrapassa os limites do continente africano, estava convencido de que o valor da
cultura representava vigorosa manifestação ideológica ou idealista da realidade física e histórica de
uma sociedade dominada. Nenhum povo, na visão de Cabral, consegue a afirmação de uma
nacionalidade autônoma sem se livrar da presença física do colonizador e de seus referenciais
teóricos, de seus paradigmas. Ao propor o reengate cultural de manifestações estigmatizadas pelo
colonialismo ao processo de libertação armada o pensador africano aproxima-se do processo
descolonizador, pois aciona a premente ―necessidade da libertação cognitiva, da superação da
racionalidade imbricada pela colonialidade‖ (Romão; Gadotti, 2012. p. 15). Não há, portanto,
libertação sem que ocorra a ―libertação das mentes‖, como defendia Amílcar Cabral.
Permanência e valor do pensamento de Amílcar Cabral
A importância histórica de Amílcar Cabral permanece viva até hoje, passados mais de 38
anos de seu assassinato na Guiné-Conakry. Militante intelectual e homem de ação, liderou o Partido
Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), sendo um ―destacado líder da
descolonização africana‖, um pensador político de estatura inconteste e um estrategista de ―mérito
invulgar‖. O impacto de sua obra, alcançados os propósitos mais concretos na Guiné-Bissau e em
Cabo Verde, com as respectivas independências políticas, ―transcendeu de longe os limites
geográficos destes dois países‖. Cabral foi ―de facto único na sua capacidade de integrar a prática
política e a teoria política num todo coerente, ao combinar elementos do marxismo clássico com a
teoria neomarxista da dependência na sua análise da realidade social, e ao aplicá-los habilmente à
tarefa concreta de descolonizar a sua terra (Rudebeck, 1995, p. 6).
O ensaísmo libertário de Amílcar Cabral, expresso manifestamente no campo da teoria
política, não ultrapassou os marcos da independência, exceto em alguns poucos fragmentos,
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aspecto destacado por Rudebeck: ―Em nenhuma parte de seus escritos encontramos, seriamente
conceptualizada, qualquer maneira realista de concretizar a alternativa revolucionária-democrática
na situação pós-colonial‖ (1995, p. 13-14). A saída apresentada por Cabral, notabilizada na tese do
suicídio da pequena burguesia como classe, é considerada irrealista e de difícil execução concreta.
Este postulado, no entanto, a despeito da inerente ambigüidade, mirava a situação neocolonial: a
pequena burguesa, conquistada a independência, poderia transformar-se numa pseudoburguesia
nacional, que se associaria ao capital imperialista. Toda a força revolucionária do movimento de
libertação, em tal caso, teria sido inútil. Para Rudebeck, Cabral, certamente, desenvolveria sua obra
teórica em situação pós-colonial no ―domínio da economia política‖. ―Existe na sua obra, tal como
se apresenta, um vazio evidente quanto à ligação entre a transformação da economia e a
democratização da estrutura política. Esta é também a área em que os fracassos da Guiné-Bissau
independente são mais visíveis‖ (1995, p. 16).
Mesmo não tendo formulado teorias para além do dado concreto da independência, a obra
teórica de Cabral permanece impactante e transcende os limites geográficos do continente africano,
bem como a temporalidade a que remete. Seus textos são conquistas históricas importantes,
incluindo-se os valores metodológicos, político e cultural enquanto modalidades de pensamento
sobre as diferentes formas de organização societária. Reler a obra de Cabral pela ótica da
descolonização (política e epistêmica) significa resgatar a força de um momento de alta voltagem
política: ―Repensar quiere decir, desprender a lógica de las independencias descolonizadores de las
revoluciones burguesas y socialistas (Mignolo, 2006, p. 99).
A força do pensamento descolonial está naquilo que foi negado pelo pensamento
imperial/colonial. Este pensamento está inscrito no espaço planetário da expansão colonial, com as
marcas impressas pela diferença colonial num arco de pluridiversidade. Entre outros fatores,
Amílcar Cabral atribui à cultura um papel nuclear na organização da resistência ao colonialismo. É o
aspecto da cultura, como processo, algo dinâmico e aberto, contrário a um modelo monolítico, que
destacaremos neste escrito. ―Neste sentido, a sua postura foi de enorme originalidade, quanto à
participação e à necessidade de, qualquer cultura, ter relações, não baseadas na dominação, com
outras‖ (Garcia, 1999, p. 21). De fato, numa luta por valores, Cabral foi árduo defensor da
―afirmação das identidades culturais‖. De certo modo, ―o discurso atual sobre a multiculturalidade
já era feito por Cabral nos anos 50. As suas teses sobre o caráter civilizatório da luta de libertação
nacional têm a ver com a sua defesa como um ato de cultura‖ (Lopes, 2012, p. 189). No
entendimento de Cabral, a resistência cultural era uma forma efetiva de resistência, no mesmo nível
da resistência armada: ―Por isso, e porque toda sociedade que se liberta realmente do domínio
estrangeiro retoma os caminhos ascendentes de sua própria cultura, a luta de libertação é,
sobretudo, um ato cultural‖ (1974, p. 16).
O giro descolonial
O discurso da colonialidade, forma ampliada do colonialismo, opera em três dimensões,
segundo Walter Mignolo: ―colonialidad del poder‖ (político e econômico); ―colonialidad del saber‖
(epistêmico, científico e filosófico, entranhado na língua ) e ―colonialidad del ser‖ (2006, p. 13). O
chamado ―giro descolonial‖ consiste ―em desprenderse del chaleco de fuerza de las categorias de
pensamiento que naturalizan la colonialidad del saber y del ser y la justifican en la retórica de la
Modernidad, el progreso y la gestión ‗democrática‘ imperial‖ (Mignolo, 2006, p. 13). O atual
controle do conhecimento opera em dois campos: na economia e na teoria política. A orientação
neoliberal prioriza o mercado e vincula a ele os conceitos de democracia e de liberdade individual.
A esfera da sociedade política assenta-se em dois grandes domínios: os movimentos sociais
e o trabalho intelectual. Os primeiros devem a sua organização a um vínculo com identidades
desqualificadas pelo racismo e pelo patriarcalismo do saber imperial, organizado no mesmo
movimento da ―colonialidad del saber‖. Os impérios ocidentais formados nos últimos cinco séculos
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e projetados sobre o mundo são coextensivos da idéia de modernidade. Inclusa neste projeto
expansionista, a noção de colonialidade constitui o lado ―osbcuro‖ da Modernidade. A esfera
política da sociedade também se organiza no âmbito do saber, tanto nas universidades quanto nos
meios de comunicação independentes. Os saberes produzidos pelo feminismo, pelas minorias
étnicas, religiosas e pelos indígenas são orientados para a descolonização do ser e do saber. O
pensamento descolonial opera nas fronteiras do liberalismo economicista imperial, do cristianismo
salvacionista e do marxismo revolucionário.
A genealogia do ―giro descolonial‖ tem como marco o momento da gestação das matrizes
coloniais do saber e do poder. Para Walter Mignolo, três são os momentos básicos deste percurso:
os movimentos anticoloniais na América hispânica, as rebeliões na índia britânica contra o
imperialismo inglês e as rebeliões do Caribe. Neste terceiro movimento do giro descolonial estão
os movimentos e lutas de descolonização na África e na Ásia. Exemplifica este quadro a luta na
Argélia, que inspirou o giro descolonial desenvolvido por Frantz Fanon. De fato, Cabral, na linha
de Fanon, defendia que o colonizador seria libertado pelo colonizado, ―numa interpretação baseada
no entendimento que a contradição revolucionária principal era a que opunha os povos dominados
aos dominadores, mais do que a do proletariado contra a burguesia dos países colonizadores‖
(Lopes, 2012, p. 189). Rever a obra de Cabral e o valor atribuído à cultura implica realizar uma
análise da descolonização em duas bases: a matriz colonial do poder político e a matriz colonial do
saber. A cultura, na ótica de Cabral, está longe de ser vista como essência, fechada em si mesma.
Sua obra inscreve-se numa orientação pluriversal, associando, como poucos, teoria e prática.
Este paradigma procura instituir a pluridiversidade como projeto universal, sem descartar
noções liberais ou marxistas e sem a pretensão de se instituir como ―um nuevo universal abstracto‖.
A pluridiversidade emerge do domínio exercido pela Europa ocidental sobre as diferentes histórias
locais, a partir do século 16. Esta expansão entranhou-se na língua, na memória, na economia de
outros povos. Entendemos que a obra de Cabral, para além do componente político, mas por ele
despoletado, representa um momento de resgate de culturas marginalizadas. A revisitação de sua
obra obriga-nos a ver um tipo de corte, de interrupção no processo dominador (colonialista)
efetivado pela revolução e o arranque de forças culturais e sociais até então minorizadas e
desprezadas. A revolução ―paralisou o processo colonial na Guiné-Bissau e Cabo Verde e
determinou, por fases, a destruição dessa maquinaria repressiva utilizada pelo colonialismo
português (...) (Garcia, 1999, p. 11).
A cultura e a luta pela independência
Amílcar Cabral concebia a cultura como o fundamento nuclear do movimento de
libertação. Na análise que desenvolveu sobre o ―papel da cultura na luta pela independência‖
concluiu que a luta era um fato cultural, mas também um fator de cultura. Ao considerar o
imperialismo como fenômeno histórico constata, de imediato, a dissemetria entre colonizadores e
colonizados. O domínio imperialista, radicado fundamentalmente no Hemisfério Norte, implicou,
para seus países, um acúmulo de capital (material e simbólico) capaz de melhorar o nível de vida de
muitos setores da população. A mesma realidade, no entanto, não pode ser encontrada nos países
colonizados, pois neles ―a colonização geralmente deteve o desenvolvimento histórico dos povos,
quando não o eliminou total ou progressivamente‖ (Cabral, 1974, p. 12).
No quadro dos movimentos de libertação, a ―cultura adquire importância singular‖. Os
movimentos de libertação são precedidos por uma ―atividade cultural mais intensa‖, configurando a
chamada ―renascença cultural‖. Esta visão do papel da cultura no desenvolvimento da luta armada
é, para Cabral, errônea, quando não limitada, pois ocorre no âmbito das diásporas ou das elites
coloniais. Segundo Cabral, ―essa generalização ignora ou desdenha o dado essencial do problema: a
indestrutibilidade da resistência cultural das massas populares diante do domínio estrangeiro‖ (p.
13). A colonização, por uma série de fatores, não destruiu as culturas autóctones. Diante da
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resistência do colonizado, a solução encontrada pelas potências para esta oposição foi a assimilação.
O fracasso da chamada ―assimilação progressiva das populações nativas é uma prova evidente‖,
segundo Cabral, ―tanto da falsidade dessa teoria quanto da capacidade de resistência dos povos
dominados‖ (p.13). A influência cultural da potência colonizadora foi reduzida: deixou à margem as
massas rurais, importante parcela da população urbana e alcançou, de fato, somente uma ―pequena
burguesia autóctone‖, produto do próprio colonialismo. Assim, não ocorreu a destruição da cultura
e das tradições das populações colonizadas. A luta pela libertação só faz potencializar a cultura, daí
que não se põe para às massas o ―problema do retorno à fontes‖, posto que elas são ―portadoras‖
e ―fonte‖ de cultura.
A compreensão do papel da cultura na luta pela independência exige a consideração de dois
aspectos: a situação das massas populares e das ―categorias sociais mais ou menos assimiladas,
desenraizadas e culturalmente alienadas‖. Este segundo segmento vive a cultura do estrangeiro, com
a qual tenta se identificar, mas esta camada social – a pequena burguesia autóctone – situa-se entre
as populações autóctones e a minoria de representantes da ―classe dominante estrangeira‖. Ela
almeja uma integração ao grupo minoritário, mas, a rigor, nunca atravessa as barreiras impostas pelo
sistema e resulta prisioneira das contradições da realidade social e cultural do país(e das
contradições do colonizador). Longe de atingir o status do grupo minoritário estrangeiro, a
tendência é a marginalização da pequena burguesia autóctone. Quanto maior o isolamento, maior a
urgência em recorrer às ―fontes culturais‖, urgência acelerada agora igualmente pelas ações do
movimento armado de libertação. O ―retorno às fontes‖ só faz sentido, só é historicamente
conseqüente, segundo Cabral, ―quando implica, além de um compromisso real na luta pela
independência, identificação total e definitiva com as aspirações das massas populares, as quais não
só contestam a cultura dos estrangeiros mas também, globalmente, a sua dominação‖ (p. 15).
A cultura é a base do movimento de libertação, o ―fator essencial do processo histórico‖,
uma vez que nela estão as forças que garantem a ―continuidade da história‖, e o reposicionamento
da sociedade. A cultura recoloca em andamento o processo histórico negado pelo domínio
imperialista. A luta pela libertação é, assim, e como defendeu Cabral, um ―ato cultural‖. O aspecto
político da luta não é descurado, mas todos os métodos de ação resultam do conhecimento da
realidade cultural e da sociedade. Este conhecimento leva a perceber os diferentes níveis de cultura
no interior das variadas categorias sociais. Neste plano, ―a cultura adquire todo o seu significado
para cada indivíduo: integração em seu meio social, identificação com os problemas fundamentais e
as aspirações da sociedade, e aceitação ou negação de possibilidade de uma transformação no
sentido do progresso‖ (Cabral, 1974, p. 16).
O movimento de libertação, todavia, também opera transformações na sociedade
dominadora, negando o seu processo cultural. O avanço da luta e a necessidade de repressão por
parte da sociedade colonizadora provocam ―uma cisão na opinião metropolitana, que se traduz
pela cristalização de atitudes diferentes, quando não divergentes e no surgimento de novas
contradições políticas e sociais‖ (Cabral, 1974, p. 16). A luta armada muda qualitativamente a
opinião metropolitana, significando o reconhecimento de que o povo colonizado ―possui
identidade e cultura próprias‖. A sociedade colonizadora pode tentar ainda a manutenção de seu
domínio, mas a postura neocolonialista só confirma, entende Cabral, que o povo dominado possui
―sua própria identidade‖.
A resistência cultural
A resistência cultural é uma das formas para fazer frente, como força contrária, à força
colonialista. A resistência assenta-se no movimento de libertação nacional e pode tomar a forma de
luta armada. Cabral definiu quatro formas de resistência nas suas alocuções nos Seminários
realizados pelo PAIGC, em novembro de 1969: política, econômica, armada e cultural. Nesta
última, ele admite o contato entre as culturas como dado histórico incontornável. O contato
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proporciona não apenas reconhecer os valores da cultura estrangeira como também redimensionar
a própria cultura no ponto em que ela implica um modo de afirmação identitária. Distante está,
portanto, da defesa da cultura como essência imutável de um povo (ou raça). No contexto da luta
armada, a resistência cultural é, por si só, um fato cultural e um fator capaz de produzir – e
dinamizar – a cultura. Segundo Cabral: ―A nossa resistência cultural consiste no seguinte: enquanto
liquidamos a cultura colonial e os aspectos negativos da nossa própria cultura no nosso espírito, no
nosso meio, temos que criar uma cultura nova, baseada nas nossas tradições também, mas
respeitando tudo quanto o mundo, tem hoje de conquista para servir o homem (1975, p. 74).
Paralelamente à percepção da cultura como construto dinâmico, Cabral investia contra as
crenças vistas como exclusivas da África. Num longo trecho da alocução, defende que amuletos,
feiticeiros e cerimônias fazem parte da cultura de todos os povos ao longo dos séculos. Partindo de
dados conhecidos do povo e dos guerrilheiros, a finalidade de Cabral é a de fixar o tópico da
resistência cultural contra a presença do colonizador e, assim, destruir ―a influência nociva da
cultura colonial‖. Com isso, Cabral tencionava desmontar o monopólio de um único saber tido
como válido. O conjunto de crenças, magia, idolatria, intuição, subjetividade, etc, é compartilhado
pela humanidade, e está presente em todas as culturas. A ação colonizadora, no entanto, impinge ao
outro, ao território colonial, estes atributos como conhecimentos alheios ao da Ciência, da Filosofia
e da Teologia. Ora, ao albergar práticas incompreensíveis, mágicas e idólatras, o colonialismo – leiase, como temos lido, o conhecimento ocidental -, ruma para a negação da própria natureza humana.
Vale dizer: O ―selvagem‖ é sub-humano. Isso porque a zona colonial é o ―universo das
crenças e dos comportamentos incompreensíveis que de forma alguma podem considerar-se
conhecimento, estando por isso, para além do verdadeiro e do falso‖ (Santos; Meneses, 2010, p.
37).
O reengate cultural proposto por Amílcar Cabral baseia-se na tese de tornar visível os
valores culturais, as formas de conhecimento estigmatizados (sem jamais abdicar de reconhecer ―os
aspectos negativos da nossa própria cultura no nosso espírito‖) pelo colonialismo, as práticas postas
do outro lado da linha demarcatória entre o civilizado e o selvagem. A resistência cultural deve
ocorrer, segundo ele, por meio de atos de cultura: o patriotismo, expresso no amor pela terra, e o
heroísmo, presente na capacidade de cumprir ―as palavras do Partido‖ e na união entre as diferentes
etnias do país. A resistência, como um ato de cultura, deve reconhecer o valor da educação, da
literatura, da poesia de combate, da arte, etc: ―A nossa cultura deve-se desenvolver numa base de
ciência, deve ser científica, quer dizer, não acreditar em coisas imaginárias‖ (1975, p. 84).
O domínio da Ciência, no entanto, não é entendido por Cabral como caminho para a
elitização do saber. O acesso aos bens culturais é direito de todos. Este processo, com implicações
inclusive na organização dos combates, significa a presença de novos elementos na cultura,
dinamizando-a pela incorporação de valores culturais exógenos. Neste caso particular, significa o
combate à ―interpretação mágica da realidade‖, ainda dominante nas classes populares. E significa
atribuir um sentido prático a toda forma de ação, com disciplina e organização, como ato
pedagógico, visando a eliminação em todos os setores da ―mentalidade colonialista‖. Liberto das
amarras da mentalidade colonialista, o pensamento consegue desenvolver-se na confluência e
admissão da existência de outras formas de saber. Os aspectos negativos, em contrapartida, não
devem ser rejeitados na sua totalidade, pois resultaria na anulação da relatividade e da fluidez do
fenômeno identitário. A recusa aos aspectos prejudiciais da cultura está na base da ―problemática
fundamental de Cabral‖, associado à tomada de ―decisão por alguns em nome de todos‖, isto
porque
é preciso fazer de tudo para facilitar a fluidez entre a direção e a sua base social,
permitir o diálogo constante e alargar o poder de decisão. É assim que Cabral aconselha
a ‗combater sem violência‘ a dimensão prejudicial (que atinge a dignidade humana) das
crenças e tradições do povo. Por meio dessa articulação quase contraditória, sugere uma
prática de direção que seria determinada com toda a modéstia e condicionada pela sua
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recepção local. As modalidades de funcionamento dessa palavra de ordem dependem,
pois, da participação consensual e comprometida da população. Cabral repete aqui a sua
fé na democracia participativa, em vez da imposição de uma política ditada pela
hierarquia. O dogmatismo elitista da rejeição dos sentimentos identitários locais é assim
condicionado, e, de acordo com o pensamento de Cabral, pela sua insistência no
realismo político e seu corolário, a democracia participativa (Wick, 2012, p. 92).
Em síntese, Cabral defendia uma ―assimilação crítica‖ da cultura estrangeira e uma elevação
no ―nível cultural‖ da população, reconhecendo o valor da cultura popular, das tradições, da
experiência, a existência e a necessidade de superação da dicotomia entre campo e cidade, a
implantação da educação formal, técnica e científica, a começar pelas escolas de base. No momento
de acionar a resistência cultural, todos precisam atuar como educadores: ―Não é só professor das
escolas que tem obrigação de ensinar; qualquer um, comandante, membro da direcção do Partido,
comissário político, de segurança, enfermeiro, qualquer um, tem obrigação de ensinar, ensinar
sempre...‖ (Cabral, 1975, p. 99). E assim, em conclusão, e na linhagem de um pensamento
pedagógico libertador:
Temos que acabar com toda a indiferença da nossa gente em matéria de cultura, com
constância nas nossas decisões, na nossa determinação de fazer as coisas. Já
conseguimos combater isso. E devemos evitar que, porque uma coisa é do estrangeiro,
já é boa e temos que a aceitar imediatamente. Ou então porque é estrangeiro, não vale
nada, vamos recusar. Isso não é cultura, isso é uma mania, é um complexo, seja de
inferioridade ou de estupidez. Devemos saber, diante das coisas do estrangeiro, aceitar
aquilo que é aceitável e recusar o que não presta. Devemos ser capazes de fazer crítica.
E a nossa luta, se repararem bem, tem sido, uma parte da nossa acção, a aplicação
constante do princípio da assimilação crítica, quer dizer, aproveitar dos outros, mas
criticando aquilo que pode servir para a nossa terra e aquilo que não pode servir.
Acumular experiência e criar (Cabral, 1975, p. 105).
A assimilação crítica das conquistas da humanidade constitui o terceiro nível de apreciação
da atividade cultural. Ele completa a tese que defende a prática de uma política cultural de ―unidade
plural‖ nos objetivos de progressão da resistência cultural. Cabral ―sugere o desenvolvimento, em
primeiro lugar, ‗de uma cultura popular, e de todos os valores culturais positivos autóctones‘ e, em
segundo lugar, ‗de uma cultura nacional na base da história e das conquistas próprias da luta‘‖
(Wick, 2012, p. 89). A cultura nacional, como já mencionado, não é concebida como a ―síntese
dirigida e homogênea de uma entidade preestabelecida, mas um percurso dinâmico na base da
‗história e das conquistas da própria luta‘ que se produz mais em sincronia com as diferentes
culturas locais do que com ela própria‖ (idem, p. 89). A assimilação crítica dos conhecimentos
artísticos, científicos ―de uma cultura universal‖ tinha como objetivo a integração dos países
africanos, no caso específico a Guiné-Bissau e Cabo Verde, no mundo atual e na sua evolução.
Aqui está a matriz de uma parcela do realismo político de Amílcar Cabral: a necessidade de
aceitação e compreensão da cultura do outro. Sem desenvolver tal postulado, Amílcar Cabral, em
outra esfera de sua ação, dificilmente teria reunido em nome da resistência ao colonizador tantos e
diversificados grupos étnicos da Guiné-Bissau.
Considerações finais
O conceito de nação nos escritos de Amílcar Cabral pode seguir (e segue) os vetores de um
paradigma ocidental na construção da nacionalidade, que associa a noção de cidadania à de
nacionalidade e que, em última instância, pressupõe a homogeneização identitária. O raciocínio de
Cabral, todavia, flexibiliza o ―rigor‖ destes conceitos, pontuando a dominação colonial como base
comum aos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Reconhece que as duas entidades não são
constitutivamente homogêneas, mas unificadas pelo mesmo modelo de exploração e marcadas pela
africanidade. A independência mostraria que o Estado, como em muitos outros casos de
multiplicidade étnica, precede a nação. A violência e o racismo da administração colonial foram
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brilhantemente utilizados por Amílcar Cabral como instrumentos capazes de articular parâmetros
sólidos na construção de uma consciência de pertencimento que elevou a noção de africano acima
das identidades locais (étnicas), ao menos no momento de travar uma guerra anticolonial. A
contradição no território africano sempre foi, com suas estratégias de demarcação cartográfica, o
colonialismo (muito mais que a ―luta de classes‖). A percepção deste amplo e complexo conjunto
de elementos está presente na obra de Cabral, entendida aqui como descolonial, pois ele percebeu
que o colonialismo usurpou manifestações da história ―autóctone‖ e ao fazê-lo interrompeu um
curso de produção de saberes, de organização societária e de produção cultural. O aspecto
descolonizador presente no pensamento político de Amílcar Cabral investe no ―resgate‖ ou
reengate destes saberes, na retomada de uma história brutalmente interrompida, na História da
Humanidade, não como essência, mas como saberes dinâmicos e em relação com o que o ―mundo
(...) tem hoje de conquista para servir o homem.‖
Referências
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Paris: UNESCO, jan., 1974. pp. 12-16-20.
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contemporâneos da África: o legado de Amílcar Cabral. Trad. Roberto/Fundação Amílcar
Cabral. São Paulo: Ed. UNESP, 2012. pp. 69-105.
Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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TURISMO DE EVENTOS: UM ESTUDO ACERCA DAS ESTRÁTEGIAS DE
MARKETING DA FESTA DE SANTA’ANA, CAICÓ/RN.
Aline Mayara Marinho Xavier
Graduanda do curso de Turismo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN
Aline Louise de Araújo Silva
Graduanda do curso de Turismo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN
Maria Aparecida Simões da Costa
Graduanda do curso de Turismo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN
Clébia Bezerra da Silva
Professora da – UFRN
Resumo
O presente artigo vai relatar como município de Caicó trabalha com o segmento turismo religioso
dando ênfase principalmente a Festa de Nossa Senhora de Sant‘ Ana que é um dos principais
eventos realizados na região, inclusive considerado patrimônio imaterial pela Iphan. Esse apresentase como um produto turístico,e atrai uma demanda significativa para a cidade. Diante disso,
pensou-se na realização desse estudo que tem por objetivo analisar as estratégias de divulgação que
são implantadas para o reconhecimento da Festa de Sant‘Anna, e propor possíveis melhorias nas
estratégias de marketing direcionadas para o segmento.
Palavras chaves: Turismo de eventos, estratégias de marketing, festa de Sant‘Ana.
Resumen
Este artículo le dirá cómo funciona municipio Caicó con el segmento de turismo religioso
destacando especialmente la fiesta de Nuestra Señora de Sant 'Ana es uno de los principales eventos
que se celebran en la región, incluido el patrimonio inmaterial por el IPHAN. Esto se presenta
como un producto turístico, y atrae a una importante demanda de cidade. Además, se pensó en la
realización de este estudio es analizar las estrategias de difusión que se implementan en el
reconocimiento de Sant'Anna Partido, y proponer posibles mejoras en las estrategias de marketing
dirigidas al segmento.
Palabras clave: eventos turismo, estrategias de marketing, la fiesta de Santa Ana.
Introdução
A atividade turística possui atributos socioeconômicos e comtemplam um caráter
multidisciplinar que favorece o seu desenvolvimento no mercado.O turismo é considerado uma
atividade econômica recente no mercado moderno, prova disso é que ainda não há definições claras
do que seria essa economia turística, ainda existem muitas dúvidas quando se remete ao turismo
como um meio que possa fomentar o poder econômico de um país, sendo que a atividade turística
para se destacar é preciso implantação e adaptação da região, por isso deve-se melhorar diversos
fatores para que o turismo contribua com economia local, sendo eles infraestrutura básica,
equipamentos e serviços, recursos e atrativos esses são os principais pontos para que possa iniciar o
desenvolvimento do turismo em um determinado local.
Ainda que existam esses entraves, alguns lugares já trabalham com o turismo e estão se
destacando no mercado, o Brasil tem uma riqueza em atrativos naturais e já desenvolve diversos
segmentos, turismo religioso, sol e praia, ecoturismo e outros, e também vai ser comtemplado em
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realizar os maiores eventos turísticos à Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 que irá
atribuir mais destaque ao país.
Então se pode perceber a importância do turismo como atividade econômica, sendo assim
existe vários conceitos que se remetem a turismo e um deles é mencionado por (OMT apud
SANCHO, 2001 p 3). O turismo compreende as atividades realizadas pelas pessoas durante suas
viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por período consecutivo inferior a
um ano, por lazer, negócios e outros. Ou seja, essas viagens proporcionam ao turista, lazer,
entretenimento e faz com eles possam conhecer novos lugares e culturas diversas, que chamam a
atenção do visitante e faz com que ele volte a procurar o local novamente.
O estado do Rio Grande do Norte também utiliza o turismo eincrementa sua economia,
pois o turismo de sol e praia é considerado o mais procurado, devido as belezas cênicas.Dentro de
uma política de interiorização do turismo a região do Seridó apresenta-se em potencial para
desenvolvimento do turismo, devido seu potencial imensurável.
Pode-se destacar na região do Seridó o município de Caicó, pois de forma incipientejá se
percebe a atividade turística, pois a cidade realiza muitos eventos que caracterizam a identidade
local, e atraem muitas pessoas para conhecerem esses acontecimentos, o Carnaval, a Festa de Nossa
Senhora do Rosário e dentre eles a Festa de Nossa Senhora de Sant‘ Ana que é realizada no mês de
julho e foi reconhecida como patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan), é um evento que atribui um grande valor ao município e concentra uma
demanda de turistas no local durante o período da festa, observa-se a importância de um estudo
que enfatize este evento cultural da região no qual o objetivo é analisar as estratégias de divulgação
que são inseridas na promoção da Festa de Nossa Senhora Sant‘ Ana.
Eventos e turismo
Os eventos são atividades sociais desenvolvidas com o objetivo de proporcionar
entretenimento, lazer, negócios e outros. Pode-se mencionar o evento como algo que é usado para
atrair as pessoas, possibilitando a elas distração e a novidade, um exemplo claro é Copa do Mundo é
um mega evento esportivo que pessoas de todo o mundo desejam participar desse acontecimento,
pois é um meio de lazer e diversão que gera emoções a todos os países que participam do mesmo,
eles são conceituados como.
Eventos são todos os acontecimentos previamente planejados, organizados e
coordenados de forma a comtemplar o maior número de pessoas em um mesmo
espaço físico e temporal, com informações, medidas e projetos sobre uma ideia, ação
ou produto, apresentando os diagnostico de resultados e os meios mais eficazes para se
atingir determinado objetivo. (BRITO apud MARTINS 2007 p 37)
A presença dos eventos é uma forma de desenvolver setores econômicos, ele caracteriza os
lugares, divulga sua marca e seus atrativos, porque é usado como um meio promocional que pode
dar destaque a uma determinada região. São importantes para o mercado turístico porque os
grandes eventos proporcionam ao turista o interesse de viajar e conhecer novos lugares, pode-se
citar a Jornada Mundial da Juventude é um acontecimento religioso que foi realizado no Brasil e
possivelmente serviu para mostra não só o potencial religioso, mas também as outras belezas
existentes no país, e devido a isso o destino torna-se mais conhecido e estimula o visitante a voltar
ao lugar para se divertir com outras formas de lazer.
Zanella 2006 p 11, mencionar que, estima-se que cerca de 60% do fluxo turístico mundial
correspondam a viagens de lazer e 40% são deslocamentos de caráter comercial ou viagens de
negócios. Percebemos que muitas dessas viagens estão relacionadas a procuras de congressos,
convenções e eventos de negócios. Sendo assim notamos como fluxo turístico está crescendo
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devido ao aumento de pessoas que busca participar de eventos,se percebe que o evento é um ponto
forte que está inserido dentro da atividade turística e que tem um caráter promocional para um
destino, porque é por meio da realização deles, que muitas pessoas se sentem atraídas para conhecer
o lugar que o promoveu é o caso de Salvador a cidade já é agradável e desenvolve um dos melhores
carnavais isso enfatiza ainda mais a região e aumenta sua demanda de visitantes.
A religião como atrativo turístico
O turismo religioso é um segmento que é considerado um atrativo turístico para muitas
pessoas, a fé faz parte da vida humana, ou seja, o indivíduo é atraído por doutrinas religiosas que se
remetem ao divino, por esse fator a religião tornou-se uma atividade turística que estabelece um
aspecto de conforto e segurança, onde se acredita que é possível encontrar solução para problemas
pessoais, por meio da intercessão de Deus. Percebe-se que a religião faz parte da cultura de um
povo sendo ela uma base que constitui o desenvolvimento de uma sociedade e influencia o
comportamento humano. Oliveira (2006, p.16) remete que o turismo religioso é aquele turismo
considerado que não perdeu sua raiz peregrina e continua motivado pelo exercício místico da
celebração. Muitas pessoas buscam esse segmento, pois se sentem bem quando está indo a procura
de seus interesses religiosos, e suas devoções porque é por meio delas que se conseguem conquistas
espirituais.
O turismo religioso movimenta muitas pessoas através da fé e de preces fazendo com que
haja uma peregrinação. Todas as cidades brasileiras têm sua padroeira e cada uma delas, tem um dia
especifico para festejar, esses eventos movimentam os locais e durante esses períodos há uma maior
divulgação das programações e dos destinos realizadores e receptores dos festejos.
A religião é fundamentada na fé quando um devoto faz uma peregrinação ele está indo
agradecer por um milagre alcançado, muitos peregrinos visitam Jerusalém o lugar onde Jesus Cristo
viveu, pois querem se sentir mais próximo de Deus e essa é a forma que eles usam pra demostrar o
seu compromisso com a fé, ou seja, essas viagens representam a busca de um lugar santo, promove
o destino como um atrativo turístico, e atrai uma demanda que vive em constante caminhada
espiritual por isso menciona-se que.
Pessoas, famílias e povos peregrinam por motivos transcendentes a sua vontade. A
peregrinação, portanto, não é uma escolha individual do sujeito peregrino, mas uma
retribuição manifesta deste sujeito peregrino, mas uma retribuição manifesta deste
sujeito divino que o agraciou. (OLIVEIRA, 2006 p.121).
Então nota-se que a maioria dessas peregrinações são atos de retribuição do devoto ao
Deus que realizou seu pedido, é a única forma que ele usa para expressar gratidão pelo seu milagre
alcançado e fortificar ainda mais sua fé e sua caminhada cristão.
Produto turístico
O produto turístico é composto por diversos serviços, ele tem carácter imaterial porque é
algo que após o uso, torna-se uma experiência vivida pelo consumidor, por isso é mais difícil de ser
comercializado, pois as pessoas não se sentem seguras ao comprar um produto intangível, ele não
pode ser selecionado por peso ou aparência tem que está em contato com o cliente para saber se é
de qualidade. Ruschmann, 2006 p 26. O produto turístico difere, fundamentalmente, dos produtos
industrializados e de comercio. Compõe-se de elementos e percepções intangíveis e é sentido pelo
consumidor como uma experiência.
Por isso a necessidade da elaboração de plano de marketing que dê mais ênfase ao produto
e trabalhe sua qualidade com mais eficiência, pois o cliente só está satisfeito quando sua necessidade
e atendida. Para ter mais atenção do turista é preciso à criação de produto ampliado que ofereça
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serviços diferenciados das outras empresas de turismo, pacotes que sejam completos e tenham
atrativos para que o cliente seja atraído por ele, então se pode enfatizar que.
Ampliar um produto significa anexar serviços não esperados, que incluem
facilidades de acesso para os passageiros chegarem ao aeroporto, fazerem
check-in, aguardarem o embarque com conforto e requinte, dentro de uma
atmosfera que inspire confiança e bem-estar. (COBRA, 2005.p 85).
Então nota-se a importância do produto ampliado e como ele pode chamar a atenção do
turista que irá comprá-lo, por isso a necessidade de desenvolver um produto mais qualificado e que
possua elementos complementares que proporcione mais confiança no consumidor no momento
de escolher o serviço.
Deve-se lembrar também da propaganda um fator muito importante para manter o
produto no mercado, pois será por ela que o elemento irá criar sua política mercadológica e se
constituir em destaque, pois não adianta ter o produto turístico e não lança-lo para que as pessoas
possam conhecer e o consumir. Ruschmann, 2006 p63, diz que. A propaganda turística divulga um
produto de consumo imaterial. A realização de uma viagem turística constitui uma experiência,
realização de sonho, aspectos subjetivos, cuja intensidade varia de acordo com as motivações do
comportamento turístico. Portanto o produto turístico tem que ser bem planejado porque sua
posição no mercado vai depender de como é trabalho o seu composto de marketing para melhor
atender os seus clientes e provavelmente fideliza lós.
Município de Caicó
O sertão seridoense do Rio Grande do Norte, composto por 25 municípios, é conhecido
pelas suas peculiaridades e belezas. Dentre esses se encontra a capital do Seridó, Caicó é o maior e
mais antigo município da região. É conhecido pela arquitetura colonial, pelos bordados, pela
produção de bonés e também por sua gastronomia, representada pela carne de sol e os queijos de
manteiga e coalho, chouriço e manteiga da terra e outros. Outro fator importante de destaque em
Caicó são as festas religiosas que fortalece a identidade da região.
A cidade de Caicó, localizada na Região do Seridó, está a 221,60km da capital do Rio
Grande do Norte, Natal. Ela surgiu em meio a fé e devoção a Sant‘Ana. Diz à lenda que um
vaqueiro, prestesa ser atacado por um toro, em plena seca, fez uma prece a Sant‘Ana que se o
salvasse fazia uma capela em homenagem a Ela.
Caicó surgiu em torno da capela construída pelo vaqueiro. Hoje a cidade tem mais de
66.000 mil habitantes, segundo o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), fazendo da mesma a maior, além em território, a cidade com maior número de pessoas da
Região do Seridó.
O título de Rainha do Seridó, de um dos maiores e melhores carnavais do Estado, dos
melhores bordados, da terra do sol e do queijo, famas essas que seus filhos e visitantes disseminam
e criam uma curiosidade, fazendo com que os visitantes venham até a cidade e levem as criações e
guardem boas lembranças do Município.
A Festa de Sant‘Ana, da qual a santa é a padroeira da cidade, acontece nos últimos 10 dias
do mês de julho. Atrai milhares de pessoas para o lugar, seja para participar da famosa feirinha que
acontece na segunda quinta feira de festa, e a FAMUSE que dá mais valor e destaque aos bordados
da cidade.
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Metodologia
Para realização do artigo foram utilizados métodos de pesquisas bibliográficas, aplicação de
questionários nos dias 13 e 14 de novembro, auxiliou na busca das informações, sendo eles
aplicados com os responsáveis pela divulgação, Prefeitura Municipal, Igreja Matriz, e o site kurtição,
todas as informações obtidas proporcionaram uma visão mais ampla a respeito de como é
trabalhado o marketing na cidade de Caicó, é um estudo de caso no qual foi explorado o potencial
do evento por meio de uma entrevista que abordava questões relacionadas ao marketing turístico da
festa Nossa Senhora de Sant‘Ana, sendo avaliadas principalmente as formas de publicação utilizadas
para o segmento, esses dados quantificados estabeleceu uma visão mais ampla de como é feita a
divulgação da festa religiosa e pode-se observar o não planejamento do marketing. O estudo foi
efetivado na cidade de Caicó porque percebeu-se a importância da Festa de Sant‘ Ana como um
atrativo para a localidade.
Resultados
A festa de Sant‘Ana é uma festa religiosa que acontece a 265 anos comemorando nos
últimos dez dias de julho o dia da Santa. No ano de 2011 a festividade recebeu o título de
Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, dado pelo Iphan. Nos dias da festa, Caicó recebe pessoas de toda
a região, e de vários lugares do país. A festa movimenta a economia da cidade, e tem uma programação
religiosa que inclui missas, novena e procissão, cavalgada, passeata dos caminhoneiros, festa da juventude
e a famosa festa dos coroas. O evento atrai pessoas de todas faixas etárias, desde os senhores nas novenas,
aos jovens que vão ao Complexo Turístico da Ilha de Sant‘Ana que foi criado para supri a necessidade de
um maior espaço para a realização dos festejos no período da festa que acontecia até o ano de 2009 nas
ruas da cidade.
Caicó dispõe do sitekurtição, que trabalha com a divulgação online e com redes sociais que
promovem a festa de Sant‘ Ana como um atrativo, e enfatiza também outras comemorações
religiosas existentes. O site, segundo Anderson Nogueira, fotografo comercial, nos relatou que as
estratégias de divulgação da festa de Sant‘Ana são feitas em parceria com a Diocese e a prefeitura de
Caicó durante todo o ano, sendo que os responsáveis da paroquia só priorizam a festa quando está
mais próxima de acontecer, já o site relata que disponibiliza sempre informações sobre possíveis
mudanças que ocorram na festividade, ou seja sempre cria novos métodos quem dão destaque ao
segmento. No início do ano, a divulgação começa com uma ênfase maior na festa religiosa
deSant‘Ana,com a participação de feiras de negócios, fazendo a cobertura e divulgando a festa,
participam de evento regional como a FAMUSE que acontece na Ilha de Sant‘Ana. A equipe que
faz o site kurtição é uma das que mais divulgam as festividades do mês de julho assim como a
Rádio Rural AM de Caicó, patrimônio da Diocese do município.
Segundo Lucas Medeiros secretário da paróquia de Sant‘Ana, menciona que durante os
programas realizados na rádio local os padre fazem colocações e divulgam possíveis mudanças que
possam ocorrer na festa da padroeira. A Paróquia de Sant‘Ana convoca os sites, rádios e a prefeitura
para apresentar a programação religiosa. O papel da prefeitura é dar infraestrutura para que a mesma
aconteça. Seja a limpeza das ruas, ao cadastro dos vendedores aos arredores da Catedral de Sant‘Ana ou
Complexo Turístico.
A festa de Sant‘Ana serve de plano de fundo para as outras festas que acontecem nos clubes da
cidade no mês de julho. O evento deixa de ser apenas religioso passando a englobar outros eventos não
ligados ao segmento religioso. Essa utilização, como plano de fundo, faz com que os festejos da padroeira
da cidadetenha mais um meio de divulgação para o evento que atrai milhares de pessoas não apenas pela
religião mais também pelo lazer.
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No município de Caicó, a uma forte peregrinação no mês de julho dos devotos de
Sant‘Ana, ajudada também pelo período de férias escolares. No entanto, apesar do fluxo turístico
aumentar consideravelmente em comparação aos outros períodos do ano, a cidade indispõe de uma
infraestrutura para atender ao turista de modo satisfatório. Essa estrutura esta relacionada aos
quesitos básicos como estradas adequadas, calçadas com acessibilidade para cadeirantes e
deficientes visual, sinalização turística e de acesso, fazendo com que, apesar das experiências vividas
na cidade e da hospitalidade do seu povo, o visitante se frustre por não ter o básico de qualidade
habitacional.
Com base na aplicação de questionários percebeu-se a importância da confecção de um
Plano de Marketing para o município, a falta deste plano faz com que as diretrizes para divulgação e
aproveitamento dos recursos se percam e passem despercebidos, principalmente em eventos de
grande relevância como é realizado na cidade.
Considerações finais
Portanto, o artigo mostrou o quanto a atividade turística é importante para um local, pois com
ela há a movimentação da economia, e o desenvolvimento das cidades. A visitação turística proporciona
as pessoas, a vontade de conhecer novos lugares, fazendo com que haja o sentimento de satisfação, e
uma possível volta ao local visitado. Por isso os eventos são caracterizados, por atrair muitos turistas ao
destino no qual o realiza, pode-se mencionar a festa de Sant‘Ana, pois a mesma atrai um fluxo turístico
em que desperta interesse pelo fato de ter um diferencial, por ser um patrimônio imaterial e cultural do
Rio Grande do Norte, despertando ao visitante o desejo de voltar na região.
O turismo religioso movimenta muitas pessoas através da fé, havendo a peregrinação, tendo em
vista que todas as cidades têm sua padroeira e cada uma delas, tem um dia especifico para celebrar, esses
eventos agitam os locais e durante esses períodos há uma maior divulgação das programações. Esses
acontecimentos, têm maior repercussão pelo fato de ter um bom marketing, em que toma conta de toda
região, informando o que a localidade está oferecendo ou vai proporcionar, deixando as pessoas ansiosas
para a visitação.
Essas divulgações acontecem de formas distintas, através de rádios, tvs, internet e outros. A
atividade turística e os eventos não teriam tanto sucesso se não houvesse um bom marketing, pois ele é
o que atrai o turista para os lugares, deixando-os com experiências incríveis e idealizando-os para que
gostem e retornem.
Sendo assim, o turismo só tende a desenvolver, tendo em vista que ele auxilia na economia e no
desenvolvimento das regiões, especialmente por causa da atividade turística que leva a população a
querer praticar mais o turismo, ressaltando ainda mais o turismo religioso em que muitas pessoas
praticam, pelo fato de fortalecer a fé. Mas, percebemos a necessidade de uma maior divulgação, para que
exista ainda mais público e um maior retorno para as cidades, buscando sempre uma melhoria para os
visitantes.
Referências
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IBGE.Disponivel m: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=240200&search=riogrande-do-norte|caico> . Acesso 19 de nov. 2013.
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SANCHO, Amparo. Introdução ao Turismo: organização mundial do turismo. São Paulo: Roca, 2001.
RUSCHMANN, Doris van de Meene. Marketing turístico: um enfoque promocional. 10 ed. São Paulo:
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ZANELLA, Luiz Carlos. Manual de organização de eventos: planejamento e operacionalização. 3 ed. São
Paulo: Atlas, 2006
Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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O IMPACTO DA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE BRASILEIRA
NA EDUCAÇÃO
Ana Isabel Cartaxo Guimarães Brasil1
Graduação em Música/Piano
Universidade de Évora – Portugal
Mestre em Educação – UCB
Resumo
Existe ainda necessidade de falar de identidade de uma nação nos dias de hoje? De que forma a
identidade Brasileira carrega traços da sua colonização, no olhar do ―Outro‖ sobre si mesmo, ou na
idealização do ―Outro‖? Que impacto terá a formação dessa identidade na forma de pensar a sua
nação e consequentemente a sua educação? Não estará o Brasil de hoje, ainda a reproduzir padrões
coloniais, que desfiguram o olhar de si mesmo, que o impele de procurar/construir uma nação com
autoestima própria, com soluções focadas na sua realidade, na sua história mesmo num mundo
globalizado?
Palavras-chave: identidade, Brasil, educação
Abstract
Do we still need to talk about the identity of a nation nowadays? How the Brazilian identity carries
traces of his own colonization, the other's look on himself, or the idealization of the "Other"? What
impact will have the formation of this identity in thinking their nation and therefore their
education? Is the Brazil of today, still playing colonial patterns, which disfigure the look of your self
that discard a seek/build of a nation with self-esteem, with solutions focused on its reality, with its
own history even in a globalized world?
Keywords: identity, Brazil, education
Introdução
De acordo com Backes (2000), a necessidade de descrever e definir o que é ser brasileiro,
fez-se presente em diferentes áreas, normalmente através do destaque de alguma característica
psicológica ou caracterológica, tais como ―… alegre, cordial, preguiçoso, malandro, pouco sério,
contra a moral civilizada, em função de características de raça, sexualidade, entre outras‖
(BACKES, 2000, p 13.).Fischer (citado por BACKES 2000), salienta que não é comum que haja
gerações e gerações preocupadas com a identidade do seu país, contudo esse é um tema
particularmente debatido nos países colonizados e o Brasil não é exceção.
Segundo Queiroz (1989), inicialmente os cientistas sociais do sec. XIX, acreditavam que
não poderia existir identidade nacional sem uma certa homogeneidade de traços culturais, e tinham
portanto preferência por uma identidade cultural ocidental, branca, em detrimento de outros
costumes e tradições brasileiras de origem negra e indígena. Essas ideias preconceituosas e negativas
vingaram até ao inicio do séc. XX. Porém, durante a segunda década do séc. XX, tendo a Semana
de Arte Moderna de São Paulo de 1922, como pano de fundo, surgiram pensadores interessados em
conceber uma identidade nacional , cultural e própria, longe das amarras psíquicas coloniais.
Backes (2000) distingue três gerações de escritores que tentaram moldar uma identidade
nacional: A geração pós-independência com José de Alencar e Gonçalves Dias entre outros, com
1 1 Trabalho
apresentado na disciplina Educação Brasileira do Mestrado em Educação da Universidade
Católica de Brasília ministrada pelo Prof. Dr. Carlos Ângelo de Meneses Sousa no primeiro semestre de 2013.
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uma preocupação ufanista e descritiva; a segunda geração com um só autor: Machado de Assis e
finalmente a geração modernista, inicialmente com Mário de Andrade e Oswald de Andrade, e na
década de 1930, nasce o grupo liderado por António Candido, seguido por Caio Prado Júnior,
Celso Furtado, Raymundo Faoro, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, entre outros.
E nos dias de hoje? Haverá sentido ainda em falar de em identidade cultural ou nacional?
Na visão de Mercer (1990), a necessidade de falar sobre identidade toma destaque quando esta está
em crise, quando reside dúvida ou incerteza relativamente ao que somos e como nos
representamos. Ao analisar historicamente as posições do sujeito em relação à sua identidade, Hall
(1992) distingue três concepções diferentes, sendo estas: a do sujeito do Iluminismo, o sujeito
sociológico e o sujeito pós-moderno. No que diz respeito ao último, na pós-modernidade o sujeito
vê-se fragmentado, composto de várias identidades que por vezes se contradizem, sendo a sua
identidade uma celebração móvel (HALL, 1987). Essa crise de identidade, de acordo com Hall
(1990; 1997) acontece devido à perda de um sentido de si e por vezes de uma descentração, ou um
deslocamento (LACLAU, 1990) dos indivíduos, quer no seu mundo social como em relação a si
mesmos, de algo que era considerado fixo e estável e passa a ser questionado. Esse deslocamento
não se trata da transferência de um centro para o outro, mas precisamente da passagem para uma
pluralidade de centros de poder, que dão um caráter fragmentário ao sujeito.
Esta questão fica particularmente evidente nos países Ocidentais pelo oposto entre o
tradicional e o moderno, o antigo e o novo. Nos países colonizados a questão da identidade é mais
problemática uma vez que nunca esteve verdadeiramente estável ou enraizada. Além do caráter
fragmentário da pós-modernidade, o evento da globalização, poderia trazer uma homogeneização
das identidades nacionais. Sobre esse assunto, Hall (1992) considera três tendências principais: A
primeira, de que juntamente com o impacto do ―global‖ um interesse pelo ―local‖ onde poderia
surgir uma fascinação pela etnia e pela diferença. Assim, fala de uma articulação entre o local e o
global, produzindo novas identificações "globais" e novas identificações "locais", desenvolvendo
culturas ―hibridas‖ (HALL, 1992), o que Featherstone (1990) denominou por terceira cultura e que
poderia ser desenvolvida independentemente do seu local de origem. Em segundo lugar, que a
globalização é distribuída de forma desigual ao redor do globo, acentuando o que Massey (2007)
chama de ―geometria do poder‖. Segundo a autora, a modernidade assim como a globalização são
discursos produzidos que fornecem uma legitimização das coisas. É uma geografia imaginativa, que
―… ignora a estruturação de desigualdades, rupturas e divisões sobre a qual ela é construída‖
(MASSEY, 2007, p.152). Também Rolnik (1997) ressalta que esse processo podia fragilizar as
identidades já existentes, que serviriam para serem ―consumidas‖ de acordo com os mercados. No
terceiro ponto abordado por Hall (1992), essa homogeneização cultural se daria de forma desigual,
uma vez que predominaria o binômio ―Ocidente‖ e o ―Resto‖, tornando esse encontro mais
próximo em termos de distância, mas que ocultaria a verdadeira exclusão. É também de salientar
que a ideia de exótico está aliada a uma ideia de ―pureza‖, ou seja, trata-se de uma ―fantasia
colonial‖ (HALL, 1992) e portanto uma fantasia da alteridade. Sobre esse aspecto, Backes (2000)
destaca que a identidade nacional foi muitas vezes vista como uma cópia à imagem do Europeu, ou
seja do original. E como imitar não é bem visto, existe uma demanda do exotismo, e uma demanda
de pureza, o que é contraditório uma vez que a pureza não pode ser uma copia. Trata-se então de
uma questão de alteridade, e de uma ―identidade‖ formada a partir do olhar do ―Outro‖. Hall
(1992), evoca Lacan (1977), ao trazer a ideia da formação do eu no ―olhar‖ do ―Outro‖, que esse
processo está em permanente construção. Assim a identidade nasce do preenchimento dessa ―falta
de inteireza‖, e isso também acontece com a formação de uma nação. Assim, Hall (1992) aborda a
nação como uma ―comunidade imaginada‖, que conta com alguns aspectos, destacados pelo autor:
produto de uma narração, com uma tradição e sua intemporalidade, um mito fundacional e muitas
vezes baseada na ideia de um povo ―puro‖.
Entendemos que a visão de Hall, direciona-se sobretudo a desmistificar o conceito de
nação, que é construída a partir dos aspectos supracitados e que aconteceu, segundo a sua visão
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com os povos Ocidentais. Mas não será importante considerar as suas raízes, contar e recriar a sua
própria historia, para saber seguir em frente? A narração, as raízes, o mito fundacional não serão os
alicerces da identidade de uma nação? Como caminhar sem essa história? Se Hall desconstrói o
conceito de identidade nacional referindo-se que essa identidade é construída, no caso do Brasil,
essa identificação não pode ocorrer, foi e é, desfeita e fragmentada à partida. Ela é ambígua e cheia
de recalques. No caso do Brasil não predominará o olhar sobre si mesmo com os olhos do Outro
colonizado? Não terá o Brasil um olhar ―fetichizado‖, exótico, sobre si mesmo? De acordo com
Mattos (2007), o invasor (neste caso o ―Outro‖ a quem se identifica) destrói quaisquer possibilidade
de maturação psíquica e dai a enorme dificuldade da construção de uma identidade ou de uma
nação fortalecida. De acordo com o autor:
O pathos (caminho) do sofrimento do povo latino-americano está navulnerabilidade
psíquica diante do poder absoluto do invasor opressor e da submissão à sua ideologia
avassaladora que o força a desvalorizar sua origem, sua terra, sua cultura, sua história.
Mestiço, é induzido a alcançar um ideal que não lhe pertence senão à fantasia do
opressor, como se lhe arreasse a cabeça, ainda dotado de alguns sentidos e fosse
direcionado a mirar somente os padrões de pureza do opressor, que, em contrapartida,
jamais estariam disponíveis para que fossem conquistados, como se lhe dissessem,
―olha o que somos e temos e que jamais será ou terá, mas tente alcançá-lo. Assim
queremos que permaneça vivendo‖. E mesmo que conseguisse afrouxar este arreio e
dele se desatrelasse a fim de observar a beleza de sua origem, dificilmente a consideraria
como tal, pois a beleza de seu povo não consegue vir à tona (MATTOS, 2007, p. 32)
No que diz respeito às suas raízes, segundo Queiroz (1989) existem documentos históricos
que apontam para uma mistura de três culturas etnicamente bem diferenciadas estáveis desde o
inicio do século XVIII. Apesar da mistura de traços culturais, essa miscelânea cultural não era
reconhecida como válida, nem como foco de identidade cultural, e assim negada a sua existência.
Em relação a esse encontro cultural, Cerqueira Filho (2006) considera que pode ocorrer uma
miscigenação por mistura ou por justaposição. No caso da mistura, destaca a miscigenação
européia, onde as culturas se misturavam sem anular nenhuma, utilizando a metáfora da mistura do
café com leite. No caso da justaposição, acontece nos países que sofreram a colonização européia,
onde não acontece o encontro entre as duas. Segundo o autor:
―… prevalece o convívio entre as etnias, com rara mistura entre elas. Cria-se, pois,
uma fantasia ideológica da ―mistura melhorada‖, o que vem a ser uma bizarrice quando
se trata de uma miscigenação que determina uma purificação pela mistura, mas se
permanecem isoladas em suas identidades. (CERQUEIRA FILHO, 2006)
Desta forma a cultura Afro ou indígena não foi integrada no processo de construção de
identidade, e que fazem desse processo uma violência cultural. Além disso essa existência não teve
que ser reivindicada uma vez que o Brasil não teve que lutar pela sua independência e por isso não
―voltou a sua arma ideológica contra outras sociedades‖ (QUEIROZ, 1989). Ela não teve que
construir a sua identidade.
Para Chauí (2000), o Brasil vive na presença difusa de uma narrativa de origem, que apesar
de ter sido elaborada no período de conquista, ela tornou-se no mito fundador do Brasil. Esse mito
funciona como um ―vinculo interno‖ com o passado de origem, que não cessa de encontrar novos
meios para se exprimir, que seja em novas idéias, valores ou linguagem. Destaca quatro
constituintes que se articulam entre si: O Brasil nascido sob o signo do Jardim do Éden (como
exemplos criação da Bandeira nacional como símbolo da natureza, o hino nacional, poemas de
exaltação); com uma historia profética (onde a terra é abençoada por Deus); que aguarda os ―sinais
dos tempos‖ à espera do ―Anticristo‖ (figura assumida por governantes) e finalmente a elaboração
jurídico-teocrática da figura do governante como ―rei pela graça de Deus‖.
A autora defende que o mito fundador do Brasil é elaborado segundo uma matriz
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teológico-politica e que determinam não só a forma como se vê o país mas a própria relação com a
história e política (CHAUÍ, 2000). Ora, o mito fundacional está moldado pelos povos colonizadores
ao ―olhar‖ o Brasil, certamente não seria esse o mito fundacional brasileiro se considerássemos
outras matizes brasileiras.
Mignolo (2010) salienta que poder e colonialidade escondem-se em discursos
hegemonicamente produzidos, e aparentemente neutros, como a ―Falácia Desenvolvimentista‖
(DUSSEL, 1993). Assim existe uma dominação pela cultura uma vez que segundo Hall (1992),
quanto mais importante se torna a cultura, mais significantes as forças que a regulam. Mignolo
(2010) acredita que a colonialidade do poder tem agido para criar diferenças e utilizá-las como
justificativa para a colonização e subalternização de povos e culturas. Para os estudos
descolonialistas, não existe modernidade sem colonização e não se pode falar de uma sem a outra,
uma vez que a modernidade é uma construção do mundo sob um ponto de vista Ocidental. Na sua
visão de Mignolo (2010), devem ser criadas alternativas descoloniais, que considerem outras
histórias múltiplas e narrativas variadas, ao contrário dos ―pensamentos únicos‖ ou a ―monocultura
do pensamento‖ que tanto é instigada no Ocidente. Numa tentativa de contar a história da
humanidade de outro ponto de vista, Galeano (2008) conta-nos um conto sobre a cidade da
Babilônia, que ao invés de pensar como os Hebreus em que a diversidade das línguas humanas foi
um castigo divino e impediu a construção da torre magnífica da Babilônia, poderemos pensar que
talvez, ‖... Deus nos tenha feito o favor de salvar-nos da chatice da língua única‖ (GALEANO,
2008).
Além desse tipo de cosmovisão que essas histórias nos propiciam, no que diz respeito aos
fatos históricos contados, e portanto a incorporação da cultura, é sempre feita a partir dos
vencedores. Faz-se então necessária uma contra-história que recupere os outros discursos ―... dos
vencidos, dos excluídos, dos dominados, dos minoritários, dos esquecidos‖ (LOPES, 2012). Temos
como exemplo, uma posição de destaque para a revolução francesa e a de independência dos EUA
e um esquecimento da rebelião de TupacAmaru, a revolução haitiana de 1804, o período pós revolucionári o, em São Domi ngo com os Jacobinos negros, e os movimentos
anticoloniais dos anos 1960 (BHABHA, 1994; ESCOBAR, 2003). Desta forma, a história contada a
partir do Ocidente, enfatiza e exalta os seus feitos e ignora, despreza as realizações de outras
sociedades, tornando-as inferior a seus olhos ao que Goody (2008) chama o ―roubo da história‖.
Depelchin ( 2005) salienta a necessidade de reaprender a aprender a história da Humanidade em
particular a história de África, sem exclusão ou racismo e o mesmo deverá ser aplicado em países
como o Brasil.
Nestes processos de construção do conhecimento é necessário colocar em cheque o poder
epistemológico, tendo a educação um papel de relevo (MIGNOLO, 2010). De acordo com
Nascimento (no prelo) muitos discursos educacionais evocam uma educação para o futuro,
contudo esse futuro não estará moldado a uma ―Falácia Desenvolvimentista‖ ,como colocada por
Dussel (1993)? Esse futuro apresenta-se como desenvolvido ou colonizado? Nascimento aponta
para uma imagem globalizada da educação, onde esta é vinculada ao mundo do trabalho numa
sociedade capitalista, apoiada nos princípios de exclusão e competitividade, onde se moderniza a
experiência da infância, da negritude, da indigenidade, das sexualidades não-hegemônicas, das
culturas não-eurocentradas.
Destarte, a visão multicultural parece ter um impacto muito importante na identidade
brasileira uma vez que estas constituem a sua matriz, esquecida, ignorada ou apagada, como vimos
anteriormente. Segundo Carneiro Knechtele Morales (2012), há necessidade de revisar os currículos
universitários e escolares que foquem a dimensão multicultural através de um trabalho cooperativo
interdisciplinar, uma vez que apesar da pluralidade cultural nos PCNs ser um tema inserido em
todas as áreas do conhecimento no Ensino Fundamental a forma como esta é feita deixa muito a
desejar. Para os autores o multiculturalismo tal como existe nas escolas é ainda conservador, uma
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vez que elogia a diversidade étnica mas não aborda as questões reais de desigualdade social e
histórica bem como os processos de construção e valorização da própria cultura. A esse respeito
podemos pensar na prática pedagógica de aspectos exóticos, folclóricos e pontuais (como o dia do
Índio, por exemplo) que são reduzidos como meras estratégias de trabalho e não como reflexões
acerca das relações de desigualdade, poder, entre outras (CANEN, 2007).
Da mesma forma, Fernandes (2005) indica que apesar da renovação teórico-metodológica
da História nos últimos anos, o seu conteúdo programático na escola fundamental tem primado por
uma visão monocultural e eurocêntrica, que ignora a presença indígena antes da chegada dos
Portugueses, bem como a sua história e as suas conquistas, da mesma forma que não se integra o
negro na construção da história e da cultura brasileira. Para Reis, ―Enquanto o negro brasileiro não
tiver acesso ao conhecimento da história de si próprio, a escravidão cultural se manterá no País
―(REIS, 1993, p. 189) e a educação contribui para essa construção.
Faz-se necessária uma educação que acolha a alteridade. Essa construção é feita através da
liberdade que o outro tem de construir os seus próprios sentidos e a sua objetividade sem a
imposição do ―eu‖ (LÉVINAS; 2007).
Em suma, as repercussões da falta de identidade de um país, tanto pela exclusão da sua
história e da sua visão pelos olhos do colonizador desde a matiz fundadora do seu mito, até às
formas de incorporação de uma ―modernidade/ colonialidade‖ criam uma vulnerabilidade tanto
psíquica, como aventurei dizer, quanto constitucional. A falta de investimento na educação é um
tema que se repete no Brasil (BROCK e SCHWARTZMAN, 2005) e revela uma ausência de
cuidado e responsabilidade uma vez que não se reconhece como ―sujeito nação‖, que afirma com
frequência que ―o povo brasileiro é burro‖, a ―falta de cultura brasileira é uma vergonha‖,
justificando a falta de cuidado (ou investimento), atribuindo conotações negativas aos próprios
sujeitos violentados. Para Souza (2009), é a "legitimação da desigualdade" no Brasil que valida a sua
reprodução diária, associada com o processo de modernização apoiado no força do liberalismo
economicista que:
―… constitui também uma classe inteira de indivíduos, não só sem capital cultural
nem econômico em qualquer medida significativa, mas desprovida, esse é o aspecto
fundamental, das precondições sociais, morais e culturais que permitem essa
apropriação‖ (SOUZA, 2009).
Numa abordagem à história da educação Brasileira, torna-se presente o caráter colonial,
sendo a educação concebida e ministrada inicialmente por Jesuítas que idealizavam a formação de
base Européia e intelectualista (ROMANELLI , 2009). Da mesma forma que as reformas
pedagógicas sucessivas e os modelos instaurados ao longo do ultimo século, tiveram como base um
pensamento vindo do exterior. Num texto que trata sobre os desafios da Educação, Brock e
Schwartzman (2005) descrevem os intelectuais da década de 20, divididos em suas ideologias sendo
apontados como: ―fascistas autoritários (Francisco Campos) e os católicos ultramontanos (Alceu
Amoroso Lima) até os pragmatistas do tipo americano (Anísio Teixeira) e os que acreditavam nos
poderes científicos da nova pedagogia (Lourenço Filho e Fernando de Azevedo), chegando aos
marxistas (Paschoal Lemme)‖ (BROCK e SCHWARTZMAN, 2005), ou ainda mais tarde um novo
marco para as Universidades,
… em 1931, determinando uma combinação das escolas profissionais ao estilo
francês com uma nova ―Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras‖, copiada da Itália,
que deveria ser lugar de pesquisa, do estudo das ciências puras, e também de formação
de professores para as escolas medias (BROCK e SCHWARTZMAN, 2005, p. 18)
Como se pode observar todos esses educadores tentaram, de uma forma ou outra,
implantar modelos trazidos do exterior.
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O Brasil como país diversificado e plural que é hoje, não se reconhece, não se aceita e
perpétua uma educação para as elites, que nada são senão uma extensão do colonizado, ao que
Santos e Meneses (2009, p. 12-13) chamam de ―pequenas Europas‖. Estas são pequenas elites locais
que se beneficiam desta dominação capitalista colonial e que continuam a exercer ainda hoje a
dominação das restantes classes num processo auto-reprodutor.
As elites voltam-se ansiosas para os olhos do mundo ―modernizado‖ e comparam-se
constantemente baseado nessa idealização. Assim, no mundo da educação é frequente o
bombardeamento de comparações entre o Brasil e outros países. Quantas vezes ouvimos, ―A
Finlândia tem o salário mais alto, ―Os professores no Canadá...‖ O sistema educacional na China é
um dos melhores.‖. Claro que é importante saber como funcionam outros modelos que têm
―sucesso‖, mas esse tipo de comparação tem dois problemas fundamentais. Primeiro, que muitas
vezes se desconhece o que de fato acontece no estrangeiro e o que é real. Essa ausência de saber é
preenchida com o imaginado ou o recriado do que se passa no exterior o que contribui com o
processo de idealização já instaurado, ou seja, como existe a tendência de pensar que tudo o que
vem de fora é melhor, a cada vez que se fala sobre o exterior exaltam-se e idealizam-se certas
qualidades. Segundo é necessário refletir que ―sucesso‖ é esse, como sugerem os estudos
descolonialistas. Claro que não há mais sentido em cultivar um nacionalismo cego, nem de inverter
as posições de poder Norte-Sul que dominaram a geografia econômica nos últimos séculos, mas
sim da consciência dos processos de dominação sociais, culturais, econômicos que nos impedem de
construir ―espaços‖ para o próprio desenvolvimento enquanto nação/ nações.
Para tal é necessário que tais comparações entre Brasil e outros países, não aconteçam
como uma ―história única‖ e tal justaposição só poderá ser feita, se não for anulada ou esquecida
nenhuma parte da equação. Ninguém se fecha à globalização, da mesma forma que não se pretende
ignorar a tradição, nem mesmo a Européia. E não participar de uma educação autoritária não
significa cair nas pedagogias liberais e antiautoriárias que segundo Schwartzman (1991), levaram ao
completo abandono da atividade docente ou pedagógica, mas sim na construção de novos modelos
que devem consistir numa troca e numa reapropriação inteligente, uma educação que visa a
criatividade, dando liberdade epistemológica de se pensar em outras possibilidades, de soluções
centradas na integridade do sujeito e do sujeito- nação que não visem apenas um olhar punitivo,
degradante ou mesmo ―fetichizado‖ sobre o que se é como nação.
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Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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OS DISCURSOS ESTIGMATIZADOS NO LIVRO DIDATICO DE LÍNGUA
PORTUGUESA: A QUESTÃO DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA
Ana Paula Domingos Baladeli
Mestre em Educação – Universidade Estadual de Maringá –UEM
Mestre e Doutoranda em Letras (Linguagem e Sociedade)
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE
Professora Assistente – Letras
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, campus de Realeza, PR.
Clarice Nadir von Borstel
Doutora em Linguística – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Professora Associada do Colegiado de Letras
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE
Campus de Marechal Cândido Rondon, PR
Resumo
A sociolinguística como método de pesquisa considera a diversidade linguística em função da
relação linguagem e sociedade. Diante disso, propomos problematizar a questão da diversidade
linguística a partir da análise de textos e atividades de leitura de livros didáticos de Língua
Portuguesa. Tal análise foi orientada conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais tendo em
vista que se trata de coleções didáticas distribuídas nacionalmente. Os dados indicam que a temática
da diversidade linguística está incluída em alguns textos dos livros didáticos, mas que ainda observase a presença de discursos estigmatizados sobre as variedades linguísticas.
Palavras-chave: livro didático, Língua Portuguesa, diversidade linguística.
Abstract
The sociolinguistics as a research method considers linguistics diversity and in the language and
society relation. Therefore, we propose in this paper to discuss the subject of linguistics diversity
based on texts and reading activities of Portuguese textbooks. Such analyzes was guided by
National Curriculum as it the textbooks are distributed throughout the national territory. The data
indicate that the issue of linguistics diversity is included in the textbook but that is still observed
some stigmatized discourses about linguistics variety.
Keywords: textbook, Portuguese language, linguistics diversity.
Introdução
O livro didático, doravante LD, como material para o ensino de línguas continua sendo
objeto de pesquisa nas diferentes perspectivas teóricas, uma vez que, de modo geral, acaba sendo a
principal fonte disponível para leitura de alunos e professores (FREITAG, MOTTA, COSTA,
1997; BALADELI, 2014). As produções científicas sobre o livro didático revelam que o poder e o
status deste no ambiente escolar tem sido legitimado entre outros fatores pela falta de uma formação
adequada do professor que possibilite problematizar seus conteúdos. Além disso, cumpre
compreendê-lo como um artefato cultural, produzido sob determinadas.
No Brasil, o livro didático é selecionado, comprado e distribuído pelo Programa Nacional
do Livro Didático – PNLD, programa do MEC. Cumpre salientarmos que todo o LD reflete
pretensões editoriais e mercadológicas estas que nem sempre estão alinhadas aos pressupostos dos
Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, sobretudo no que se refere à questão do respeito à
diversidade linguística.
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No referido documento entre os objetivos da disciplina na educação básica consta em
destaque a ―[...] valorização das variedades linguísticas que caracterizam a comunidade dos falantes
da Língua Portuguesa nas diferentes regiões do país‖ (BRASIL, 1997, p. 64).
A discriminação de algumas variedades linguísticas, tratadas de modo preconceituoso e
anticientífico, expressa os próprios conflitos existentes no interior da sociedade. [...] é
importante que o aluno, ao aprender novas formas linguísticas, particularmente a escrita
e o padrão de oralidade mais formal orientado pela tradição gramatical, entenda que
todas as variedades linguísticas são legítimas e próprias da história e da cultura humana
(BRASIL, 1997, p. 82).
Em se tratando do ensino de línguas, a concepção de língua como produção sociohistórica
influenciada pelas convenções dos usos dos diferentes grupos sociais implica na consideração de
que a fala e na escrita refletem modalidades com especificidades. Conforme von Borstel (2003)
heterogeneidade linguística ou diversidade linguística refere-se às variações que ocorrem no interior
das comunidades de fala, assim, para estudá-la a Sociolinguística analisa quanti e qualitativamente as
ocorrências na fala de determinados grupos considerando fatores como sexo, faixa etária e
escolaridade bem como a relação entre língua e sociedade.
Feita esta breve introdução ao tema, a partir da próxima seção propomo-nos analisar o
tratamento dado à questão da variação linguística em livros didáticos para o ensino de Língua
Portuguesa para o (6º ano). Devido ao fato de as coleções didáticas serem distribuídas em todo o
território nacional, a referida análise partiu dos pressupostos apresentados no documento oficial
para a disciplina no âmbito nacional, ou seja, com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais –
PCNs (3º e 4º ciclos).
As contribuições da sociolinguística ao ensino de línguas
Conforme Alkmim (2005); Mollica (2010); Von Borstel (2012) e Tagliamonte (2012), a
sociolinguística valoriza a diversidade da linguagem e os usos diferenciados dos grupos sociais
tendo como objeto de estudo a língua falada e observada in locu.
Sociolinguística tem suas raízes na dialetologia, linguística histórica, linguagem e contato
com considerável influência da sociologia e da psicologia. É por isso que evoluiu para
um campo extremamente amplo. Uma definição abrangente seria a de que o domínio
de investigação da sociolinguística é a interação entre linguagem, cultura e sociedade
(TAGLIAMONTE, 2012, p.01)
O princípio da sociolinguística é a heterogeneidade e, por isso, busca catalogar as
ocorrências das variantes linguísticas considerando o perfil dos sujeitos entrevistados, as
características geográficas e os fatores socioculturais que incidem direta ou indiretamente na
manutenção e/ou extinção de variantes (TARALLO, 2002; MOLLICA, 2010).
Para a sociolinguística, a língua é entendida como real, dinâmica, híbrida, variável e as
escolhas feitas pelos informantes por uma ou outra variante é norteada pelo (re) conhecimento de
questões extralinguísticas como a crença no status de um grupo social sobre o outro. Dessa forma,
adotar a sociolinguística como referencial teórico ou metodológico, também implica na exploração
de outras temáticas além da diversidade, como por exemplo, a questão identitária e/ou
sociocultural.
LD de Português e a questão da diversidade linguística
O ensino de Língua Portuguesa conforme os PCNs (BRASIL, 1997) deve contemplar a
função social da língua, requisito básico para o ingresso do aluno no mundo letrado. Assim, o
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ensino de língua precisar favorecer na aprendizagem do aluno e possibilitar-lhe o domínio de
habilidades linguístico-discursivas que o capacitem a interagir pela língua de maneira adequada nas
diversas situações sociais de interlocução.
Segundo Bortoni-Ricardo (2008) há a necessidade de uma pedagogia sensível às diferenças
socioculturais manifestadas pelos alunos em sala de aula, dado que requer cautelosa intervenção do
professor no sentido de promover uma atitude reflexiva sobre as convenções e usos da língua em
diferentes situações de interlocução.
Diante da complexidade da questão e na tentativa de ilustrar que os livros didáticos podem
ser fontes de discursos estigmatizados, na sequência selecionamos os exemplares de livros didáticos
(manual do professor) para a Língua Portuguesa do 6º ano e, a partir delas focamos nossa análise na
dedicação dada pelas coleções ao tema variação linguística.
Coleção Diálogo: língua portuguesa
Unidade – Histórias do esporte
Texto – Tirinha de Xaxado personagem criado por Cedraz
Coleção Português: ideias e linguagens
Unidade – Uma língua, tantas variedades
Texto – História em Quadrinhos de Chico Bento personagem criado por Maurício de
Souza
Coleção Português: linguagens
Unidade – As variedades linguísticas
Texto - Tirinha de Chico Bento
Coleção Português: para viver
Unidade – Conto popular
Texto Canção folclórica Cuitelinho de autoria anônima
Os critérios adotados para a seleção das coleções e dos textos foram; ser LD para o 6º ano;
conter 1 (uma) unidade dedicada ao tema variação linguística e abordar a temática a partir da leitura
do texto multimodal. Assim, selecionamos 4 (quatro) coleções com 1 (um) texto cada para
refletirmos sua adequação aos princípios constante no documento nacional para o ensino de Língua
Portuguesa – os PCNs (BRASIL, 1997).
O texto faz parte da coleção Diálogo: língua portuguesa de autoria de Beltrão e Gordilho
(2009) desta análise trata-se de uma Tirinha, subgênero das HQ. A coleção didática em que consta
esta Tirinha Figura 01 é Diálogo: língua portuguesa, organizado por Eliana Beltrão e Tereza Gordilho,
livro este destinado ao 6º ano. O autor da Tirinha é Cedraz e apresenta na caracterização da
personagem Xaxado a figura de um nordestino. A Tirinha em 2 quadros ilustra um diálogo entre
uma personagem falante de uma variante linguística do campo e Xaxado, protagonista das tirinhas
de Cedraz. As perguntas que se seguem requerem do aluno a retomada da leitura da Tirinha para
relacionar o tema desta com o módulo 5 do LD destinado ao estudo do tema esporte. A tirinha
apresenta dois personagens conversando, Xaxado, menino com chapéu de cangaceiro e seu colega
Zé pequeno.
Quadro 01 –
Zé pequeno-Eu pidi um poquim de coro de vaca pra fazê uma bola, mas aquele
açoguero casquinha só me deu o coro da cabeça!
Xaxado-E deu pra fazer a bola?
Quadro 02Zé pequeno- De dá, deu...Mas tem qui chutá com cuidado!
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Fonte: BELTRÃO, E.S.; GORDILHO, T. (orgs). Diálogo: língua portuguesa. 6ºano.
São Paulo: FTD, 2009, p.216.
Essa Tirinha está presente na seção Trabalhando a gramática em que se propõe o estudo do
artigo definido e indefinido. A única questão de leitura relacionada ao tema variação linguística é a
atividade 1b. A história se passa num ambiente rural, no campo. Que elementos visuais e linguísticas comprovam
isso?
No manual do professor a resposta sugerida é que no manual do professor a resposta
sugerida é que ―o jeito como os personagens estão caracterizados fisicamente, com roupas e
chapéus típicos e descalços. Na fala linguística usada pelos falantes em algumas regiões do país‖
(BELTRÃO e GORDILHO, 2009, p. 216).
Excetuando a questão acima que requer do aluno a leitura inferencial do texto verbal,
explorando as características físicas dos personagens que remetem aos falantes da área rural de oura
variedade que não da norma-padrão. O tema diversidade linguística não é retomado ao longo a
coleção, tal fato parece indicar que as Tirinhas são inseridas em livros didáticos como chamariz para
o trabalho com a norma. Por essa razão, a atividade de leitura proposta para este texto parece
distanciar-se dos pressupostos da Sociolinguística e dos PCNs para o ensino de Língua Portuguesa.
A unidade 2 em que a HQ acima é apresentada é dedicada ao tema variação linguística e é
intitulada Uma língua, tantas variedades... encontra-se na coleção Português: ideias e linguagens de
autoria de Delmanto e Castro (2009). A unidade introduz o tema da diversidade linguística e, para
isso, começa conceituando a variedade padrão e não padrão exemplificando com textos de
diferentes gêneros; fragmento da crônica de Carlos Drummond de Andrade - Antigamente;
fragmento de Contos Gauchescos de Simões Lopes Neto; fragmento de A língua de Eulália de Marcos
Bagno; canção Asa-Branca de Luiza Gonzaga; HQ de Chico Bento de Maurício de Souza e também
anedota de Carlos Brickmann. No manual do professor ao final do livro didático os objetivos
apresentados para a unidade 2 – Uma língua, tantas variedades... são assim apresentados;
Refletir sobre a variação intrínseca ao processo linguístico no que diz respeito.
. fatores geográficos, históricos, sociológicos;
. às diferenças entre padrões da linguagem oral e da linguagem escrita;
. à seleção de registros em função da situação interlocutiva (formal ou informal);
. aos diferentes componentes do sistema linguístico em que a variação se manifesta; na
fonética (diferentes pronúncias), no léxico, na morfologia (DELMANTO e CASTRO,
2009, p. 20).
A HQ de Chico Bento está assim apresentada.
No 1º quadro. Na sala de aula a professora sentada em sua mesa pergunta.
Profa. Joãozinho foi à venda, comprou dois quilos de arroz a seiscentos cruzeiros, um
de feijão a quinhentos e um de toucinho a mil e duzentos! Quanto ele gastou?
Fora de enquadramento
Chico- Fessora! Será qui posso i lá fora um poquinho?
Profa. Claro!
No 2º quadro. Chico sai da escola
No 3º quadro. Chico vai até uma venda/mercado e pergunta ao vendedor.
Chico- Si eu comprá dois quilo di arroiz a seiscentos cruzero, um di fejão a
quinhentos, i um di toicinho a mir i duzentos, im quanto fica?
Fonte: DELMANTO, D.; CASTRO, M. C. Português: ideias e linguagens. 6º ano. 13
ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 47.
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As atividades de leitura seguidas da apresentação da HQ de Chico Bento são assim
apresentadas;
Compare as falas da professora e as de Chico Bento, um garoto que mora na zona
rural.
a) Quem usa a variedade padrão? Por quê?
b) Quem usa uma variedade não padrão?
c) Que marcas dessa variedade você encontra na fala de Chico Bento?
d) Depois do que conversamos nesta Unidade, você diria que a professora ‗fala certo‘
e o garoto ‗fala errado‘? Justifique. (DELMANTO e CASTRO, 2009, p. 47).
Alguns conceitos são apresentados na unidade antes da apresentação desta HQ do Chico
Bento, dado que evidencia uma maior preocupação dos autores em subsidiar a compreensão sobre
a diversidade linguística. Destaca-se ainda o fato de as perguntas serem problematizadoras do
dialeto usado por Chico Bento e a fala da professora, na tentativa de evitar juízos de valor e
situações preconceituosas em sala de aula.
Na unidade 2 da coleção Português: linguagens de autoria de Cereja e Magalhães (2009) há
uma tirinha de Chico Bento na seção variação linguística e novamente, observamos a personagem
de Maurício de Souza como representante do falar da área rural.
A Tirinha é composta de 2 quadros. Rosinha e Chico Bento conversando.
Quadro 01 - Rosinha- Meu sonho é entrá na igreja di branco com um buquê di fror di
laranjera!
Fora de enquadramento
Rosinha – I sabe o qui ocê vai dizê quando mi vê?
Chico-Sei
Quadro 02- Tá vendo aquela minina ali? Já foi minha namorada!
Fonte: CEREJA, W.R.; MAGALHÃES, T.C. Português: linguagens. 6º ano. 5 ed. São
Paulo: Atual, 2009, p. 44.
Na sequência a atividade de leitura requer a identificação de aspectos pontuais da narrativa
a fim de que o aluno seja capaz de responder; o tipo de sonho que Rosinha teve; que pergunta
Rosinha fez no 2º quadrinho, sendo as atividades subsequentes baseadas em perguntas abertas
(respostas pessoais). A partir da 3ª atividade as perguntas relacionam-se ao tema variação linguística
e está assim apresentada no livro didático;
3. A língua portuguesa que falamos no Brasil não é igual em todo lugar. Nessa tira, por
exemplo, Chico Bento e Rosinha, por viverem no campo, falam o ―dialeto caipira‖,
isto é, um português diferente daquele que é usado em outros lugares. Se você fala de
modo diferente do deles, então que palavras utilizariam no lugar de:
a) ‗frô‘
b) ‗laranjera‘
c) ‗ocê‘
4. A língua usada por Chico Bento e Rosinha é diferente daquela utilizada por jornais,
revistas e livros. Apesar disso, é possível compreender o que eles dizem?
5. Se você e sua família vieram de uma região do país diferente daquela em que você
mora atualmente, comente com os colegas: Que diferenças há entre o português
falado naquela região e o falado na cidade em que você vive hoje? Cite alguns casos
(CEREJA e MAGALHÃES, 2009, p. 44).
No manual do professor resposta sugerida para a pergunta 5 é Sim, perfeitamente, sem
qualquer outra informação que subsidie a problematização do porquê ou que contextualize os
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fatores extralinguísticos que podem influenciar a fala de Chico Bento e de Rosinha. Um aspecto a
ser destacado refere-se à assertiva da homogeneização da fala do morador da área rural como se
todos praticassem a variante caipira de Chico Bento. O último texto selecionado trata-se de uma
canção folclórica apresentada na coleção Português: para viver juntos é de autoria de Costa; Marchetti;
Soares (2009).
Cuitelinho
Cheguei na beira do porto
onde as ondas se espaia.
As garça dá meia volta
e senta na beira da praia.
E o cuitelinho não gosta
que o bota de rosa caia, ai, ai.
Ai quando eu vim
da minha terra
despedi da parentaia.
Eu entrei no Mato Grosso
dei em terras paraguaia.
Lá tinha revolução,
enfrentei fortes bataia, ai, ai.
A sua saudade corta,
como aço de navaia.
O coração fica aflito,
bate uma, a outra faia.
E os óio se enche d‘água
Que até a vista se atrapaia, ai.
Fonte: COSTA, L.C.; MARCHETTI, G.; SOARES, J.J.B (orgs). Português: para viver
juntos. 6º ano, São Paulo: Ed. SM, 2009, p. 60.
A unidade 2 intitulada Conto popular apresenta na seção reflexão linguística o tema
Variação linguística: variedades regionais. Antes de qualquer definição do que seja diversidade linguística,
são apresentadas as seguintes questões.
a) Identifique as palavras do texto escrito de um modo diferente do dicionário. Por
que você supõe terem sido registradas dessa forma?
b) O verso ―As garça dá meia volta‖ reproduz um modo de falar com em seu
cotidiano? Como você o escreveria em uma redação escolar? (COSTA,
MARCHETTI, SOARES, 2009, p. 60).
Seguem-se às questões a apresentações de definições de variação linguística; variedade
linguística; variedade regional e de norma padrão. Ressalta-se que as respostas sugeridas para as
questões anteriores atuam como problematizadoras da fala regional evidenciada por termos como;
espaia, parentaia, bataia, navaia, faia, atrapaia caracterizando o processo do recurso prosódico de
monotongação.
Retomando os pressupostos apresentados nos PCNs (BRASIL, 1997), esta unidade parece
considerar a relação linguagem e sociedade sendo o tratamento dado ao tema apontado como
positivo para o (re)conhecimento por parte do aluno das diferenças linguísticas e do caráter
dinâmico e histórico de toda e qualquer língua.
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Considerações finais
Propomo-nos visitar alguns exemplares de coleções didáticas destinadas ao ensino de Língua
Portuguesa do 6º ano buscando identificar o tratamento dado pelo tema da diversidade linguística. Vale
destacar que todas as 4 (quatros) unidades analisadas apresentaram como exemplares do dialeto caipira
como exemplar da fala não padrão do Português o que se tornou evidente quando do uso de Tirinha ou
HQ da personagem Chico Bento em 3(três) dos 4(quatro) textos selecionados.
A análise ilustrou que embora a diversidade linguística encontre espaço nos livros didáticos,
estando presente ao longo de unidades inteiras, a elaboração das atividades de leitura que seguem aos
textos nem sempre estão alinhadas a um ensino crítico de línguas que favoreça a reflexão do aluno sobre
as diferenças da fala e da escrita e das situações em que as mesmas são empregadas. Soma-se ainda o
fato de ênfase no dialeto ‗caipira‘ como o único fenômeno que destoa da norma-padrão acaba por
estigmatizar ainda mais os falantes desta variedade, podendo até cristalizar visões distorcidas do aluno
sobre o que os usos da linguagem como se a referência fosse o ‗certo‘ e o ‗errado‘.
Em linhas gerais, algumas das unidades trazidas neste artigo indicam uma maior preocupação
com a abordagem dada ao tema dado que acaba refletindo na elaboração das atividades e nos
encaminhamentos sugeridos no manual do professor. Destacamos também que a sala de aula representa
um lugar privilegiado para desconstrução de preconceitos sejam linguísticos ou de outra espécie e, que
uma abordagem menos atenta a forma como os discursos são apresentados no livro didático pode
resulta na manutenção da estigmatização de certas variantes linguísticas, por isso a necessidade de que o
tema continue sendo pesquisado.
Referências
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domínios e fronteiras. v. 1, São Paulo: Cortez, 2005.
BALADELI, Ana P.D. Identidades socioculturais no livro didático: em busca do ensino crítico de
Língua Inglesa. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2014.
BELTRÃO, Eliana; GORDILHO, Tereza. (orgs). Diálogo: língua portuguesa. 6º ano. São Paulo: FTD,
2009.
BORTONI-RICARDO, Stella M. A diversidade linguística do Brasil e a escola. In: BRASIL. Salto para o
futuro – TV Escola. Português: um nome dado, muitas línguas. Ano XXIII, Boletim 08, maio de 2008.
Disponível em: <http://tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/182411Port_ling.pdf#page=55> Acesso em 12
abr. 2014.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – 1º e 2º ciclos. Brasília: MEC,
1997.
CEREJA, William R.; MAGALHÃES, Thereza C. (orgs). Português: linguagens. 5. ed. Manual do
professor 6º ano. São Paulo: Ed. Atual, 2009.
COSTA, Cibele L.; MARCHETTI, Greta; SOARES, Jairo J. B. Português: para viver juntos. Manual do
professor 6º ano. São Paulo: Ed. SM, 2009.
DELMANTO, Dileta; CASTRO, Maria C. (orgs). Português: ideias e linguagens. 13 ed. Manual do
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FREITAG, Bárbara; MOTTA, Valéria R.; COSTA, Wanderley F. (orgs). O livro didático em questão. 3 ed.
São Paulo: Cortez, 1997.
MOLLICA, Maria C.; BRAGA, Maria L. (orgs). Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação.
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TAGLIAMONTE, Sali A. Variacionist sociolinguistics: change, observation, interpretation. UK,
Wiley-Blackwell Publishers, 2012.
TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. 7. ed. São Paulo: Ed. Ática, 2002.
Von BORSTEL, Clarice N. Sociolinguística: abordagens quantitativa e qualitativa. Revista Línguas &
Letras, v.2, n.1, 2003. p. 165-172.
Von BORSTEL, Clarice N. A diversidade linguística e cultural em contextos escolares diversos. Muitas
vozes,
Ponta
Grossa,
v.
1,
n.
1,
2012.
p.
109-125.
Disponível
em:
<http://www.revistas2.uepg.br/index.php/muitasvozes/> Acesso em: 13 nov. 2014.
Enviado em 30/12/2014/Avaliado em 25/01/2015
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AS CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS ACADÊMICOS
QUE EMERGIRAM DO PROFESSOR-COLABORADOR DO ESTÁGIO
CURRICULAR SUPERVISIONADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Ana Paula Facco Mazzocato2
Hugo Norberto Krug3
Resumo
O estudo objetivou analisar as contribuições para a formação profissional dos acadêmicos que
emergiram dos professores-colaboradores (PC) no contexto do Estágio Curricular Supervisionado
III da Licenciatura em Educação Física do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade
Federal de Santa Maria. Caracterizamos a metodologia como qualitativa descritiva do tipo estudo de
caso. As informações foram obtidas por um questionário e as interpretações das respostas
realizadas pela análise de conteúdo. Participaram 22 professores da educação básica que se
prontificaram a ser PC. Concluímos que foi possível identificar várias contribuições dos PC para a
formação profissional dos acadêmicos.
Palavras-chave: Formação de Professores. Estágio Curricular Supervisionado. Professorcolaborador.
Abstract
The study aimed to analyze the contributions from the formation professional of academics that
emerged from the teachers-employees (TC) in the context of Supervised III of Degree in Physical
Education at Center of Physical Education and Sports of University Federal of Santa Maria. We
characterize the methodology with descriptive qualitative of case study type. The information was
obtained by a questionnaire and the interpretations of the answers realized by content analysis.
Participants 22 teachers of basic education that were volunteered the to be TC. We concluded that
it was possible to identify several contributions from TC from the formation professional of
academics.
Keywords: Formation Teacher. Supervised. Teacher-employee.
Considerações introdutórias
Para Marques; Ilha e Krug (2009) o contexto da formação de professores e as diversas
peculiaridades que compõem os cursos de Licenciaturas permitem e instigam a desenvolver
inúmeros estudos e pesquisas que possam contribuir com essa formação, assim como fomentar
vários questionamentos e trocas entre os profissionais da educação. Os autores ainda salientam que
nesse quadro amplo de possibilidades de estudos e pesquisas, aparece a disciplina de Estágio
Curricular Supervisionado (ECS), pois essa, conforme Bernardi et al. (2008), deve ser o eixo
norteador dos cursos de formação de professores, orientando o trabalho pedagógico das diferentes
disciplinas.
Considerando estas colocações, deslocamos o nosso interesse investigativo do ECS em
geral, para o ECS da Licenciatura em Educação Física, entretanto, mais particularmente para a
Licenciatura do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da Universidade Federal de Santa
Mestre em Educação (UFSM); Universidade Federal de Santa Maria; Integrante do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação Física (UFSM); E-mail: apfmazzocato@terra.com.br.
3 Doutor em Educação (UNICAMP/UFSM); Doutor em Ciência do Movimento Humano (UFSM);
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação
Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); E-mail: hnkrug@bol.com.br.
2
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Maria (UFSM), pois essa realizou uma reforma curricular em 2005, fundamentada nas Resoluções
do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno n.01 e n.02 (BRASIL, 2002a; 2002b). Além
disso, Ivo e Krug (2008) afirmam que estudar o quê e quem envolve essa disciplina é tarefa
daqueles que se preocupam com uma formação de qualidade para os futuros docentes.
Convém salientar que, com a reforma curricular supracitada, o referido curso proporciona
o ECS I, II e III nos 5º, 6º e 7º semestres do mesmo, realizados respectivamente no Ensino Médio,
nas Séries/Anos Finais do Ensino Fundamental e nas Séries/Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
com carga horária de 120 horas destinadas a cada estágio, somando-se a essas 360 horas, mais 45
horas de Seminário em ECS, no 8º semestre do curso, totalizando então 405 horas.
De acordo com Ivo e Krug (2008), neste contexto do desenvolvimento do ECS, vários
aspectos podem ser focalizados e, nesse sentido, voltamos nossos olhares, nesta investigação, para
o ECS III (Séries/Anos Iniciais do Ensino Fundamental) da Licenciatura em Educação Física do
CEFD/UFSM.
Assim, no desenvolvimento do ECS III, entre tantas questões, uma delas chama à atenção
que é a ‗figura do professor-colaborador (PC)‘ e sua constituição enquanto agente formador e um
sujeito que participa do campo da formação de novos professores.
Para Benites et al. (2012) o PC é o professor da escola de educação básica que recebe
estagiários em condição oficial de ECS, dá aos futuros professores elementos da sua experiência,
possibilita que os mesmos descubram os macetes da profissão e oferece condições e espaço para os
licenciandos colocarem em prática seus conhecimentos.
Vale lembrar que no contexto do ECS III da Licenciatura em Educação Física do
CEFD/UFSM o PC da educação básica não é o professor formado em Educação Física e sim o
professor ‗unidocente‘. Segundo Piccoli (2007), no Rio Grande do Sul, frequentemente,
encontramos a utilização de professores ‗pedagogos‘ ou ‗polivalentes‘, conhecidos no estado como
‗unidocentes‘, encarregados de ministrarem aulas de Educação Física para as Séries/Anos Iniciais
do Ensino Fundamental.
Assim, o recorte deste estudo incide no PC, pois, segundo Benites (2012, p.21) na relação
universidade-escola, no que tange ao ECS, ―a figura desse professor, que recebe e orienta os
estagiários, é essencial e importante para ser discutida e debatida e, mais do que isso, evidenciada e
valorizada‖.
Desta forma, o problema deste estudo foi: quais foram as contribuições para a formação
profissional dos acadêmicos que emergiram dos PC no contexto do ECS III da Licenciatura em
Educação Física do CEFD/UFSM? Consequentemente o objetivo geral foi analisar as
contribuições para a formação profissional dos acadêmicos que emergiram dos PC no contexto do
ECS III da Licenciatura em Educação Física do CEFD/UFSM.
Justificamos a realização deste estudo pela importância de dar voz e destacar as
contribuições do PC da educação básica no ECS III para a formação de futuros docentes de
Educação Física, em especial no CEFD/UFSM.
Procedimentos metodológicos
Caracterizamos a metodologia deste estudo como uma abordagem qualitativa descritiva sob
a forma de estudo de caso. Segundo Triviños (1987) a pesquisa qualitativa surge como forte reação
contrária ao enfoque positivista nas ciências sociais entendendo a realidade social como uma
construção humana. Para Gil (1999) a pesquisa do tipo descritiva objetiva a descrição das
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características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre
variáveis. Ainda esse autor afirma que o estudo de caso é caracterizado pelo estudo profundo de um
ou de poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e detalhado.
Neste estudo, o caso, referiu-se ao ECS III (Séries/Anos Iniciais do Ensino Fundamental)
do curso de Licenciatura em Educação Física, do CEFD/UFSM e, mais particularmente, no PC da
rede de ensino pública de Santa Maria-RS. Nesse sentido, os participantes do estudo foram os PC.
Assim sendo, o número de participantes, isto é, de professores da educação básica que recebem
estagiários na sua turma na escola (PC) estava relacionado ao número de acadêmicos matriculados
na disciplina de ECS III. Dessa forma, como estavam matriculados vinte e dois acadêmicos,
portanto, vinte e dois PC foram convidados e aceitaram participar do estudo.
O instrumento utilizado para coletar as informações foi um questionário. Triviños (1987,
p.137) afirma que, ―sem dúvida alguma, o questionário [...], de emprego usual no trabalho
positivista, também o podemos utilizar na pesquisa qualitativa‖.
A interpretação das informações coletadas pelo questionário foi realizada por meio da
análise de conteúdo, que, para Bardin (1977), prevê três etapas: 1ª) A pré-análise – que envolve os
primeiros contatos com os documentos de análise, a formulação de objetivos, a definição dos
procedimentos a serem seguidos e a preparação formal do material; 2ª) A exploração do material –
que corresponde ao cumprimento das decisões anteriormente tomadas; e, 3ª) O tratamentos dos
resultados – onde os dados são lapidados, tornando-os significativos, sendo que essa etapa de
interpretação deve ir além dos depoimentos manifestados.
Quanto aos aspectos éticos vinculados às pesquisas científicas destacamos que todos os
participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e suas identidades foram
preservadas, pois estes receberam uma numeração (1 a 22).
Resultados e discussões
Para melhor compreensão dos resultados do estudo entendemos ser necessário conhecer
um pouco sobre cada PC participante. E, nesse sentido, a seguir, apresentamos algumas
características pessoais e profissionais dos PC estudados.
Em relação às características pessoais constatamos que ‗o conjunto de PC foi formado pela
totalidade (vinte e duas) de mulheres‘. Esse fato comprova o dito por Maciel (2012) de que existe a
tendência de feminização dos cursos de Licenciatura em Pedagogia no Brasil, acentuada no final do
século XIX.
Também constatamos que ‗as idades dos PC variaram de 32 a 65 anos‘, sendo que nove
tem ‗de 32 a 42 anos‘, onze ‗de 42,1 a 60 anos‘ e dois ‗mais de 60 anos‘. A respeito desse
agrupamento etário citamos Luizari (2006) que diz que a vida é composta de ciclos e esses estão
relacionados, geralmente, às mudanças pelas quais às pessoas passam. Assim, cada ciclo de vida tem
suas próprias características, mas é necessário ressaltar que nenhum é mais importante que outro,
pois cada período do ciclo de vida é influenciado pelo que ocorreu antes e irá afetar o que virá
depois.
Já sobre as características profissionais dos PC estudados observamos que:
a) Quanto à formação inicial a maioria (dezessete) dos PC ‗são graduados em Pedagogia‘ e cinco em
‗Letras‘. Vale lembrar que, segundo Piccoli (2007), para lecionar nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental é exigida a formação mínima de Magistério em nível médio ou curso superior de
Pedagogia ou equivalente. Assim, esses profissionais são habilitados a ministrar todos os
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componentes curriculares, sendo chamados por isso professores polivalentes, multidisciplinares ou
‗unidocentes‘;
b) Quanto ao ano de conclusão do curso (obtenção do título) é possível destacar que, ‗dentre os
vinte e dois PC, aquele que apresentou formação há um tempo mais distante, obteve a sua titulação
no ano de 1980, ao passo que o professor mais recentemente formado, obteve a sua titulação no
ano de 2008‘, existindo uma diferença de 28 anos entre os dois limites. Ainda a respeito do ano de
formatura no curso de graduação dos PC verificamos que sete a ‗concluíram entre 1980 e 1989‘,
também sete ‗entre 1990 e 1999' e outros oito ‗entre 2000 e 2008‘. Assim, a quase totalidade (vinte)
dos PC realizou a sua graduação durante a antiga legislação curricular, a qual previa uma carga
horária de estágio bem inferior a atual e realizado somente no último ano do curso;
c) Quanto ao tempo de docência percebemos que ‗o conjunto de PC possui de 02 a 48 anos de
serviço‘, existindo uma diferença de 46 anos entre os dois limites. A respeito desse agrupamento de
tempo de serviço citamos Hüberman (1992) que ao estudar a carreira de professores, a classifica em
ciclos de vida profissional, denominando-os como fases, onde cada fase apresenta características
próprias. Dessa maneira, constatamos que somente um PC está na fase de ‗Entrada na Carreira‘,
nenhum na fase de ‗Estabilização‘, oito estão na fase de ‗Diversificação‘, quatro na fase de
‗Serenidade e/ou Conservantismo‘ e dois estão na fase de ‗Desinvestimento‘. Também notamos a
existência de sete já ‗aposentados, mas exercendo a docência em outra carreira‘; e,
d) Quanto à experiência anterior com estágio a quase totalidade (dezenove) dos PC declarou que
‗sim, já recebeu estagiário em suas turmas anteriormente‘ e somente três disseram que ‗não, isto é
nunca receberam estagiário‘. A cerca da experiência do PC, citamos García (1999) que diz que há
uma cultura no estágio, que perpassa saberes e práticas, na qual a maneira de pensar e agir está
baseada em filosofias pessoais, na observação e reprodução, e na compreensão daquilo que se
ensina e como se ensina.
Após esta breve apresentação de nossos colaboradores, damos continuidade ao estudo,
destacando os resultados e as discussões relativos ao objetivo geral.
Neste sentido, citamos Benites; Cyrino e Souza Neto (2012, p.5) que dizem que a
contribuição dos PC ―é de extrema importância para a formação dos futuros professores, bem
como para o desenvolvimento do estágio e para que se tenha experiências significativas de
aprendizagem sobre a docência e sobre o meio escolar‖.
Sobre a docência Ozelame (2010) diz que essa é uma construção. Ninguém nasce
professor, mas torna-se professor por meio de um processo de aprendizagens. Essas aprendizagens
acontecem tanto na formação inicial quanto no decorrer da carreira do magistério, um caminho que
envolve aspectos pessoais e profissionais do sujeito que optou pela docência. Já Isaia e Bolzan
(2007) colocam que a aprendizagem da docência se consolida em um processo de
compartilhamento de saberes, de interação sócio-histórica e cultural do sujeito com seus espaços
formativos.
Ainda é pertinente mencionar Luft (2000) que coloca que contribuição é o ato ou efeito de
contribuir. Contribuir é concorrer com outrem para determinado fim. Assim, nesse estudo
consideramos contribuições do ECS as aprendizagens dos PC originadas das interações desses com
os acadêmicos/estagiários.
Assim sendo, pela análise das informações coletadas identificamos as seguintes
contribuições para a formação profissional dos acadêmicos que emergiram dos PC no contexto do
ECS III da Licenciatura em Educação Física do CEFD/UFSM:
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1) ‗No aprendizado do controle da turma‘ (onze citações: PC6; PC7; PC8; PC11; PC12; PC13;
PC15; PC16; PC19; PC21 e PC22). A respeito dessa contribuição mencionamos Siedentop (1983)
que diz que a atividade do professor é o objeto do desenvolvimento da competência pedagógica,
portanto ela se desenvolve com o exercício da profissão;
2) ‗Conhecer o cotidiano do dia-a-dia da escola‘ (oito citações: PC2; PC3; PC9; PC10; PC13; PC14;
PC18 e PC20). Relativamente a essa contribuição citamos Jaeger (1996) que diz que o ser humano
(nesse caso o aluno), embora seja particular, é componente de uma família (organização humana–
nesse caso a escola) que possui papéis determinados e que por sua vez está inserida em um
contexto social concreto que também possui suas normas, valores e costumes, que correspondem à
realidade vivida. Assim, para Bernardi et al. (2008), a vida da escola precisa ser conhecida pelo
professor;
3) ‗Conhecer o cotidiano da realidade dos alunos‘ (oito citações: PC2; PC3; PC9; PC10; PC13;
PC14; PC18 e PC20). Quanto a essa contribuição reportamo-nos a Jaeger (1996) que salienta que
precisamos refletir sobre a Educação Física Escolar a partir do cotidiano dos alunos, os quais
chegam à escola com uma experiência de vida, em diversas dimensões, que não deve ser desprezada
pelos professores;
4) ‗Do trato diferenciado com os alunos‘ (três citações: PC4; PC5 e PC11). Sobre essa contribuição
citamos Darido e Rangel (2005) que dizem que o sucesso e o insucesso do processo ensinoaprendizagem depende da interação professor-aluno na aula; e,
5) ‗Do conhecimento sobre planejamento de ensino‘ (duas citações: PC7; e PC11). Em relação a
essa contribuição mencionamos Libâneo (1994) que diz que o planejamento é uma tarefa docente
que inclui tanto a previsão das atividades didáticas em termos de sua organização e coordenação em
face aos objetivos propostos, quanto a sua revisão e adequação no decorrer do processo de ensino,
sendo um momento de pesquisa e reflexão intimamente ligado à avaliação.
Acerca das contribuições que o PC pode trazer para o estagiário em sua formação, é
importante citar Benites (2012) para quem o PC é alguém que foi forjado pela sua constituição
profissional e que possui saberes, competência e experiências relacionadas a um universo
profissional e pessoal.
Neste sentido, de acordo com Sacristán (1998, p.266-267), ser professor,
consiste em desenvolver um trabalho sempre interpretável, pelo desempenho de
funções não-reguladas e porque qualquer dos papéis profissionais pode ser executado
de muitas maneiras. Esta condição faz com que sejam possíveis formas diferenciadas de
ser professor, realizar atividades distintas e servir funções educativas em parte idênticas,
mas com matizes diferenciais, segundo a idiossincrasia pessoal, o comportamento e a
ética profissional. Portanto, se é professor executando funções tão variadas como: dar
aulas, desenvolver atividades para vários grupos, preparando unidades didáticas,
confeccionando materiais, gestionando os recursos bibliográficos de consulta,
especializando-se numa oficina de teatro, atendendo aos problemas do aluno,
relacionando-se com os pais, buscando recursos para os alunos, aperfeiçoando-se,
investigando com os companheiros, avaliando a própria docência, etc.
Assim, o PC em atuação no ECS, é um profissional que deve trazer essas contribuições,
sendo capaz de dialogar com seu objeto de trabalho, isto é, os alunos e o ensino. E, nesse sentido,
de acordo com Tsangaridon (2008 apud BENITES, 2012) o futuro professor em situação de ECS
deve ser influenciado pelo PC.
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Segundo Benites; Cyrino e Souza Neto (2012), no cotidiano do ECS muitos elementos se
mesclam, como por exemplo, a aproximação do PC com o estagiário, que carregam nuances de
formações diferenciadas em momentos históricos distintos e que partilharão de uma experiência
conjunta, mas com olhares e interpretações pessoais.
Outrossim, pela análise das informações coletadas identificamos que a quase totalidade dos
PC estudados (vinte e um) declarou ‗sim‘, isto é, que, na realização dos ECS, deixaram
contribuições para a aprendizagem docente dos acadêmicos/estagiários. Somente o PC (17)
declarou que ‗não‘ deixou nenhuma contribuição.
Considerações transitórias
Pela análise das informações obtidas concluímos que ‗foi possível identificar várias
contribuições (cinco) dos PC da educação básica para a formação profissional dos acadêmicos do
ECS III da Licenciatura em Educação Física do CEFD/UFSM. Foram elas: 1) ‗No aprendizado do
controle da turma‘; 2) ‗Conhecer o cotidiano do dia-a-dia da escola‘; 3) ‗Conhecer o cotidiano da
realidade dos alunos‘; 4) ‗Do trato diferenciado com os alunos‘; e, 5) ‗Do conhecimento sobre
planejamento de ensino‘.
A partir deste rol inferimos que as contribuições dos PC da educação básica para a
formação profissional dos acadêmicos/estagiários estão todas (cinco) em uma dimensão de
‗organização pedagógica‘ desenvolvida no cotidiano da docência que, para Ozelame (2010), está
marcada pelas necessidades contextuais enfrentadas pelo sujeito professor e o modo como lida com
elas. Pertencem a essa dimensão de aprendizagem da docência a concepção acerca da função do
professor, o contexto em que a docência ocorre, a metodologia despendida, o tratamento dos
conteúdos e o papel da interação.
Entretanto, o que mais chamou à atenção neste estudo foi que enquanto a quase totalidade
(vinte e um) dos PC da educação básica apontou contribuições para a formação profissional dos
acadêmicos/estagiários, somente um PC não o fez. Tal informação é no mínimo preocupante, uma
vez que a qualidade da experiência durante o ECS, via supervisão, diálogos e o tipo de relação
travada entre o PC e o estagiário são de suma importância para este último vir a ser um professor.
Assim, ao não acontecer nenhuma contribuição, por parte do PC, inferimos que o
acadêmico/estagiário sob sua supervisão teve o seu aprendizado docente prejudicado. Nesse
sentido, citamos Benites (2012) que destaca que em várias situações o estagiário praticamente é
‗abandonado‘ pelo PC, isto é, quando esse não acompanha o ECS.
Para finalizar, destacamos que os achados deste estudo, mesmo que superficiais,
evidenciam a necessidade de mais estudos sobre o ECS e os PC da educação básica.
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Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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INVESTIGANDO A INTERDISCIPLINARIDADE DOS LIVROS DIDÁTICOS DE
GEOGRAFIA E MATEMÁTICA UTILIZADOS NO COLÉGIO ESTADUAL
HUGO LOBO NO MUNICÍPIO DE FORMOSA, ESTADO DE GOIÁS
Cássia Betânia Rodrigues dos Santos
Graduando em Geografia – Universidade Estadual de Goiás (UEG)
Marcelo Lopes Pereira Júnior
Graduando em Matemática – Universidade Estadual de Goiás (UEG)
Resumo
O objetivo do trabalho é avaliar os livros didáticos do ensino médio de matemática e geografia que
têm sido utilizados no mais popular colégio do município de Formosa, dentro de um contexto
interdisciplinar estabelecido entre essas duas áreas já supracitadas. Foi necessário para realização do
trabalho o embasamento teórico de autores importantes da educação, além do livro didático das
disciplinas trabalhadas. Esse trabalho partiu do programa bolsa permanência da Universidade
Estadual de Goiás, Unidade Formosa, edital nº 005/2013. É uma investigação curiosa e ao mesmo
tempo importante ao perceber se esses livros didáticos são interdisciplinares.
Palavras – chave: Geografia, Matemática, Interdisciplinaridade.
Abstract
The objective is to evaluate the textbooks of high school math and geography that have been used
in the most popular school in the city of Formosa, within an interdisciplinary context established
between these two areas already mentioned above . It was necessary to perform the work the
theoretical basis of important authors of education, beyond the textbook of disciplines worked.
This work started of on bag program at the State University of Goiás , Taiwan Unit , notice No.
005/2013 . It is a curious investigation and at the same time important to realize that these
textbooks are interdisciplinary.
Key - words : Geography, Mathematics , Interdisciplinary
Introdução
Desde quando nascemos nosso primeiro são nossos pais. Esse contato torna-se um dos
principais até a criança alcançar à idade de poder frequentar a escola. No momento que inicia sua
vida como estudante a criança começa a ampliar seus contatos, a conhecer mais o mundo.
Fundamental ainda ressaltar que tanto a família como a escola são responsáveis pela formação da
criança. São esses dois os responsáveis por fornecer a criança uma educação. Lembrando que é na
escola que aprendemos o conhecimento científico, e em casa aprendemos desde ao senso comum
até o modo de se comportar perante a sociedade, inclusive a escolar.
Este trabalho vai dar enfoque respectivamente a educação escolar, mas dentro de uma
perspectiva da interdisciplinaridade dos livros didáticos da escola pública mais conhecida do
município de Formosa-GO, o Colégio Estadual Hugo Lobo.
A interdisciplinaridade é fundamental no ensino que precisamos atualmente, um ensino
crítico-reflexivo, pois as matérias fragmentadas fazem com que o aluno abstenha do conhecimento,
ele somente terá teorias, assuntos que serão organizados em ―gavetas‖ por área.
Dado o caráter interdisciplinar do mundo em que vivemos, onde as áreas do
conhecimento estão estritamente relacionadas, e a rapidez com a qual ele se modifica,
faz-se necessário que o cidadão seja articulado, tendo agilidade na tomada de decisões e
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na execução de ações relacionadas às mais diversas situações (MARQUES, et al, 2013,
p. 02).
Sabemos que a interdisciplinaridade pouco ocorre, tanto por parte dos professores como
propriamente do livro didático, respectivamente nas escolas públicas brasileiras, livro este que deve
ser suporte para o professor acrescer suas ideias dentro de sala de aula. Infelizmente alunos são
vitimados com esse processo de ―gavetas organizadas separadamente‖, são as disciplinas que em
sua grande maioria são tidas como chatas, difíceis de entender pelos alunos. Uma das disciplinas
que os alunos mais têm afinidade, em geral, é Educação Física, por exemplo, isso porque existem
aulas com a prática de esportes, que torna a aula mais divertida. Contudo em relação à geografia e
matemática, por exemplo, nem sempre é bem vista pelos alunos, e isso já se expressa no livro
didático que estes têm acesso para seu respectivo estudo.
Nós professores não podemos ver nossa disciplina como única, o processo ensinoaprendizagem não pode nem deve ser fragmentado como se cada disciplina fosse uma
caixinha isolada, o processo é um todo e precisamos cada vez mais abrir nossa mente
para esse fato, pois assim teremos alunos motivados em sala de aula (BENETTI, 2011,
s/p, apud, MARQUES, p. 04).
Entender a interdisciplinaridade não é algo difícil, até porque vivemos um mundo que
exige isso constantemente de cada um de nós, não existe afinal nada que seja desvinculado da
totalidade. ―Portanto a interdisciplinaridade corresponde à produção ou processo de relações entre
saberes, a partir de uma disciplina ou de um tema sem as limitações de domínios ou objetos
impostos pela especialização das ciências‖ (CORDIOLLI, 2002, p. 19). Dessa forma podemos
afirmar afinal que tanto livro como o professor devem se ancorar em demais disciplinas para
explicar o conteúdo previsto. O livro didático, ferramenta do professor e aluno, deve deixar isso
bem explicito, não somente no assunto que está sendo trabalhado, mas propriamente nos
exercícios, é importante até mesmo chamar a disciplina que ajuda a explicar o fenômeno estudado.
O professor claramente que pode fazer isso, mas com certeza a ênfase que pode ser dado ainda nos
livros é de suma importância para que os alunos realmente possam se lembrar que no momento em
que estão estudando sozinha, a importância de compreender e articular com as outras disciplinas
curriculares.
Como aborda o próprio Paulo Freire (1987) apud Thiesen (2008) a interdisciplinaridade é
vincular o conhecimento aprendido com a realidade, a fim de descobrir que o que aprendemos em
uma dada aula na verdade são um pequeno ponto que está integrado às demais aulas, e isso é bem
notório entre a geografia e matemática como já foi afirmado no trabalho anterior a este.
As disciplinas escolares não são herméticas, fechadas em si, mas, a partir de suas
especialidades, chamam umas às outras e, em conjunto, ampliam a abordagem dos
conteúdos de modo que se busque, cada vez mais, a totalidade, numa prática
pedagógica que leve em conta as dimensões científica, filosófica e artística do
conhecimento (DIRETRIZES CURRICULARES, 2008, p.27)
Portanto o respectivo trabalho tem a meta de verificar um dos pontos mais debatidos
dentro da educação, que é a interdisciplinaridade, ou seja, ver como se encontra realmente a
situação dos livros didáticos de geografia e matemática que estão sendo utilizados na referida
instituição, a fim de detectar pontos positivos e negativos das mesmas, com o objetivo de
finalmente afirmar se pode vir a satisfazer as necessidades que os alunos podem ter no seu dia a dia
a partir desse conhecimento interdisciplinar que as disciplinas vigoram. Nessa perspectiva o
trabalho parte da iniciativa entre dois acadêmicos, sendo um do curso de Geografia e outro do
curso de Matemática, a fim de avaliar um assunto muito abordado, a interdisciplinaridade, na qual
também é importante se fazer presente nos livros didáticos. Será realmente que o governo está se
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preocupando em trazer uma educação voltada a interdisciplinaridade? Será que os autores destes
livros didáticos também têm essa preocupação? É o que descobriremos a partir da investigação
travada neste trabalho.
Para tanto, antes de dar continuidade no assunto é interessante conhecermos um pouco da
referida instituição escolhida como objeto de estudo.
De acordo com os dados obtidos no PPP – Projeto Político Pedagógico (2014) o colégio
Estadual Hugo Lobo foi criado pelo decreto-lei nº 3.243, de 11 de novembro de 1960, denominado
por Ginásio Estadual, o Colégio Hugo Lobo foi inaugurado em março do ano de 1964.
Em 2001, o colégio foi reformado, sendo criados laboratórios de ciências, de línguas e de
informática. Das salas de aula, duas foram transformadas em biblioteca, duas em laboratório de
informática, uma em arquivo morto e outra em laboratório de línguas. No ano subsequente, deixa
de atuar com o Ensino Fundamental II, permanecendo o Ensino Médio nos três turnos. O Colégio
Estadual ―Hugo Lobo‖ é um monumento vivo da História de Formosa, tendo suas instalações
erigidas há cerca de 40 anos.
Atualmente, o colégio conta com 12 salas de aula, 26 banheiros, 01 sala de direção, 01 sala
para a secretaria, 01 biblioteca, 01 laboratório de informática, 01 laboratório de línguas, 01
laboratório de ciências, 02 salas para a cantina, 01 depósito para móveis, 02 almoxarifados, 01 sala
para os professores e 02 quadras poliesportivas descobertas.
O colégio possui materiais pedagógicos, tais como: quadro-negro; televisão; filmes;
notebooks; murais didáticos; retroprojetores; filmadora; mapas históricos e globos; jogos
pedagógicos; livros informativos e literários e outros.
Funcionando nos três turnos pelo que consta no PPP, o colégio possui um universo de
1322 alunos matriculados e 69 funcionários (sendo que 01 diretor, 01 vice-diretor, 01 secretário, 01
coordenador do Projeto Jovem do Futuro, 03 coordenadores pedagógicos, 40 professores
(graduados, pós-graduados e a minoria ainda cursando faculdade) 03 professores dinamizadores de
biblioteca, 04 auxiliar administrativo e 08 de serviços gerais, 02 guardas e 05 merendeiras).
Atualmente estão em curso os seguintes programas e projetos: o PDE, o Projeto Jovem de
Futuro programa com o objetivo de aumentar o desempenho escolar dos alunos e diminuir os
índices de evasão. Outro projeto é o Interclasse que busca incentivar e promover a interação e o
respeito mútuo através do esporte, como fator de socialização e resgate da autoestima de
professores e alunos.
A avaliação dos alunos é em relação ao seu desempenho escolar. No início do ano letivo é
realizado um diagnóstico de aprendizagem, cujo resultado serve para verificar a bagagem de
conhecimento já adquirido para dar continuidade neste. Os critérios de avaliação estão na efetiva
presença e a participação dos alunos nas atividades escolares, sua comunicação com os colegas, com
os professores e com os agentes educativos, sua sociabilidade, sua capacidade de tomar iniciativa, de
criar e de apropriar-se dos conteúdos disciplinares inerentes a sua idade e série.
A faixa etária atendida pela escola é diversificada, prevalecendo jovens nos períodos
matutino e vespertino e adultos no período noturno. O ensino médio é oferecido, tendo como
referência, as idades de 15, 16 e 17 anos para o 1º, 2º e 3º anos, respectivamente. Porém, segundo a
coordenação, há uma acentuada distorção idade-série. Outra problemática apontada pela
coordenadora pedagógica é a superlotação, o que, segundo ela, prejudica o processo de ensinoaprendizagem. A clientela atendida são alunos principalmente da zona central de Formosa e alguns
outros de bairros mais distantes, a escola ainda recebe alunos provenientes do meio rural.
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O colégio possui em seu espaço físico arborização o que torna o ambiente bem
hospitaleiro, estando parcialmente em boas condições, toda calçada, e quando não, é composta por
brita. As salas de aula são superlotadas como já foi mencionado, contendo cerca de 50 alunos, todas
estão com problema de ventilação. Embora tendo o ventilador, infelizmente o ar é quente, o que
causa geralmente a inquietação dos estudantes. As carteiras dessas salas têm uma ou outra que está
bastante desgastada, mas ainda assim é possível de ser utilizada.
Segundo entrevista com a vice-diretora, o colégio possui formação continuada sendo
efetuado trabalhos e encontros coletivos, onde ela diz que é importante para qualificar ainda mais o
corpo docente. No geral, foi passado que o colégio possui assistência pedagógica em forma de
tutoria, são três tutores, um geral, um da área da Matemática e outro da Língua Portuguesa
lembrando que este serviço não ocorre efetivamente, pois nas palavras da vice-diretora serve mais
para ―ficar no pé dos coordenadores‖.
Em relação ao critério de seleção a administração dá preferência aos alunos que já estudam
na referida instituição. É também aleatório a distribuição dos alunos por classe e por turno,
somente os alunos com algum tipo de deficiência que possuem uma sala especial.
De acordo com o FUNDEB, em 2012 o colégio possuía 1151 alunos, no ano de 2013
passou a ter 1162 e em 2014 conta com 1055, ou seja, houve um aumento progressivo e
posteriormente uma diminuição. Infelizmente os dados atuais da escola no PPP não batem com os
dados obtidos no FUNDEB, pois um diz que a escola possui 1322 e outro diz que possui 1055.
A escolha do respectivo colégio é pelo fato deste atender os principais bairros de Formosa,
e claramente pelo seu conceito em relação à comunidade formosense. A partir daí o objetivo base é
perceber se realmente é trabalhado com a interdisciplinaridade, numa avaliação primeira aos livros
adotados pelo corpo docente da escola.
Procedimentos Metodológicos
Para realização do trabalho foi necessário embasamento teórico sobre o contexto da
interdisciplinaridade na educação básica e pesquisas de campo na escola escolhida. Além disso,
foram de suma importância as discussões até mesmo iniciais dos bolsistas que tiveram a iniciativa
de dar continuidade na temática: geografia e matemática na escola, num contexto interdisciplinar. O
trabalho parte do programa bolsa permanência, pois com o auxílio recebido foi possível elaborar
CDs para conhecimento, divulgação do trabalho na escola, afim de que os professores
respectivamente da Geografia e Matemática buscassem sempre mais a articulação da sua disciplina
com as demais.
Resultados e discussões
O livro de geografia que o professor utiliza atualmente no Colégio Estadual Hugo Lobo é
basicamente: Geografia geral e do Brasil, da autora Lucia Marina e Tércio, tipo brochura, cor
marrom, entre os anos 2009 a 2011 sendo em volume único. Os livros de matemática são
intitulados de Matemática Paiva do autor Manoel Paiva, tipo brochura, sendo dividido em três
volumes de acordo com as séries do ensino médio. O livro da 1ª série do ensino médio é de cor
vermelha, o da 2ª série é verde, enquanto que o livro da 3ª série é de cor azul, sendo todos entre os
anos de 2012 e 2014.
O livro de Geografia está dividido em sete unidades e pode ser constatado que no decorrer
das sete temos exercícios e questões de vestibulares que já ocorreram inclusive o ENEM. O livro
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também valoriza fundamentalmente a interdisciplinaridade, não somente dessas duas disciplinas em
foco, Geografia e Matemática, mas também as demais.
Embora seja um livro desatualizado, com a avaliação que foi efetuada, percebe se que o
mesmo possui todos os atributos básicos necessários para o trabalho dinâmico em sala de aula. É
claro que muito depende do professor que mesmo tendo um livro bom em mãos pode realizar um
ensino conteudista, sem fundamentação com o mundo vivido do aluno, trabalhando com uma
proposta que visa apenas à memorização e não o entendimento. Na maioria das vezes a geografia é
tachada como ―decoreba‖, ou seja, apenas memorização, e matemática como sendo ―a impossível‖
de se aprender/entender.
A cartografia abrange uma série de elementos e cálculos matemáticos dentre eles estão no
uso da escala e fuso-horário. Portanto, percebe-se que a geografia e matemática são ciências que
andam de mãos dadas, ao se falar principalmente de um dos sub-campos da Geografia, a
Cartografia. No respectivo livro didático, temos assunto e questões que envolvem a Estatística, a
utilização de tabelas e gráficos.
Já os livros de matemática estão divididos em capítulos, de modo que o primeiro contém
onze, o segundo contém nove, e o terceiro são compostos por quinze. Todos os livros contêm
muitos exercícios que envolvem os tópicos expostos em cada capítulo de modo que ao final deste
sempre existe uma quantidade maior de questões que envolvem todo o capítulo, e dentre todos os
exercícios pode-se encontrar vários que foram questões de vestibulares passados, porém em
quantidade inferior ao livro de Geografia.
Em todos os livros se pode observar grande quantidade de mapas, completos, com escala e
orientação, porém em nenhum momento são explicados os conceitos cartográficos nem de modo
simples, ou para relembrar os alunos. Pode-se concluir pelo que é pedido nas questões, que tais
mapas aparecem a caráter meramente ilustrativo.
Ao final de vários capítulos (não todos, porém grande maioria) pode se encontrar um texto
com o título ―Matemática sem fronteiras‖ que trata de aplicações do capítulo em questão, e em
alguns se podem constatar assuntos relacionados à geografia.
O primeiro livro conta com bastante enfoque no assunto acerca do aquecimento global em
geral, que num ponto de vista interdisciplinar poderia ser abordado pelos professores com maior
eficácia se houvesse tal entrelaçamento da geografia e a matemática, e claro, na conscientização dos
alunos para que preservem o planeta.
O segundo livro é o que contém a maior quantidade de tópicos que envolvem a geografia,
porém do mesmo modo, sempre ao fim de alguns capítulos, aparecendo no segundo livro duas
vezes, com títulos ―Uma técnica da Cartografia‖ e ―Os fusos horários‖.
A parte que trata ―Uma técnica da cartografia‖ mostra como utilizar os recursos do
capítulo para calcular a área (com uma boa aproximação) de partes de um mapa qualquer, utilizando
sua escala, e obtendo assim sua verdadeira área. Enquanto que a outra busca considerar o planeta
terra como uma esfera e trabalhar as ideias discutidas no capítulo que trata sobre os corpos
redondos, e também, explicando o que são meridianos e paralelos, e os conceitos básicos de fusos
horários, onde dentre todos os três livros analisados, essa parte em especial se mostra como a mais
eficiente num contexto interdisciplinar.
O terceiro livro é o único que não se encontrou nenhum tema relacionado à Geografia no
decorrer do livro e, também, nos textos ―Matemática sem fronteiras‖, somente os mapas em
diversas questões, e que não mostram nenhum vestígio de interdisciplinaridade.
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Após a avaliação feita nestes três volumes do livro de matemática utilizado do Colégio
Estadual Hugo Lobo, se pôde perceber que o autor do livro não se preocupou com a
interdisciplinaridade, mas sim com a aplicação dos conteúdos em diversos assuntos, pois o livro
trata de diversas aplicações, em diversas ciências, porém, ainda assim, deixou a desejar
principalmente se comparado com o dinamismo do livro de Geografia apresentado anteriormente.
Contudo, o professor que deseje trabalhar com a matemática de modo interdisciplinar,
podem fazê-lo com êxito utilizando os tópicos do livro: ―Matemática sem fronteiro‖, apesar de que
para o enfoque deste trabalho, a interdisciplinaridade entre geografia e matemática, o professor de
matemática teria de estar pesquisando através de outros meios, pois a quantidade encontrada de
conteúdos no livro didático, apesar de eficiente, aparece em poucos momentos.
Considerações finais
A realização do presente trabalho foi de grande valia, pois sendo componentes da futura
geração de professores, esperamos nós, autores deste, trabalhar cada um em sua área, porém de
modo interdisciplinar, entrelaçando sempre que possíveis essas duas ciências, acreditando que tal
modo de abordagem possa vir a acarretar em um amplo aprendizado para o alunado em geral, e
ainda trazendo a aqueles alunos que tem mais afinidade com uma das disciplinas o interesse em
entender a outra através da que este tem maior facilidade/afinidade.
Pôde-se perceber na realização deste que o caminho que vem sendo seguido pelos
professores e administradores da escola em questão, e também, dos autores dos livros didáticos,
que o caminho vem sendo percorrido aos poucos, apesar de ainda se faltar muito para termos um
ensino de grande qualidade e interdisciplinar, muitos já foram os avanços, e essa compreensão é
muito motivadora, pois se muito já foi desenvolvido, os que ―a nova geração de professores‖
podem se sentir mais à vontade, para continuar no ensino de modo interdisciplinar, para que na
vida cotidiana de cada aluno, este saiba o ―porquê‖ e o ―pra quê‖ de cada disciplina, não somente
de modo isolado, mas como um todo, O CONHECIMENTO.
Referências
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do Brasil. Volume único, Editora Ática, São Paulo, 2005.
CORDIOLLI, Marcos. A relação entre disciplinas em sala de aula: a interdisciplinaridade, a
transdisciplinaridade e a Multidisciplinaridade. – Curitiba: A Casa de Astérion, 2002.
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MARQUES, Camila Figueredo et al. Da teoria para a prática: um trabalho interdisciplinar
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http://w3.ufsm.br/coordmat/erematsul/anais/arquivos/MC/MC_Marques_Camila.pdf. 2013
PAIVA, Manoel. Matemática. 1º edição, São Paulo: Moderna, 2009.
.__________. Matemática. 2º edição, São Paulo: Moderna, 2009.
.__________. Matemática. 3º edição, São Paulo: Moderna, 2009.
PPP - PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO. Colégio Estadual Hugo Lôbo. Organização
Equipe administrativa. 2014.
THIESEN, Juares da Silva. A interdisciplinaridade como um movimento articulador no
processo ensino-aprendizagem. Revista Brasileira de Educação. Set/Dez. 2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782008000300010&script=sci_arttext. (Acesso em
24 de julho. 2013)
Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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O DISCURSO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR NO ESPAÇO URBANO
Cleunice Vaz
Mestranda em Letras e Literatura e suas interfaces
UNICENTRO- Universidade Estadual do Centro-oeste.
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar um cartaz do governo federal sobre planejamento
familiar, pelo viés da Análise de Discurso de linha francesa, com os pressupostos teóricometodológicos de Michel Pêcheux e Eni Orlandi, buscando compreender os efeitos de sentidos que
surgem no entrecruzamento do texto verbal e não verbal (imagem) com o interdiscurso (memória),
percebendo como o discurso público invade o campo privado no que diz respeito à constituição
familiar, pois mesmo sendo a família uma instituição privada, ela não está dissociada da ordem e da
organização pública e política que regula as ações dos sujeitos.
Palavras-chave: Análise do Discurso. Planejamento familiar. Efeitos de sentidos.
Abstract
The current article this paper analyzes a poster from the federal government on family planning, by
the French Analysis Discourse line, with the theoretical and methodological assumptions of
Michel Pêcheux and Eni Orlandi, it seeks to understand the effects of meanings that arise in the
intersection of verbal and non-verbal text (image) to inter (memory), realizing how public discourse
invades the private field with respect to the family constitution , because even though been the
family a private institution, it is not unrelated to the order and to the public and policy organization
that governs the actions of individuals.
Keywords: Discourse Analysis. Family planning. Senses effects.
Introdução
Pela perspectiva discursiva, a cidade é o espaço da constituição dos sentidos, que reclama
por gestos de interpretação particulares, tendo em vista que é um espaço simbólico trabalhado
na/pela história. Para Orlandi (2004, p. 12), a cidade é o lugar onde estão concentradas instituições
administrativas e políticas, dentre elas, a família, aqui entendida como o conjunto de sujeitos ligados
por laços de sangue e/ou afetivos, que con-(vivem) no espaço urbano. Assim, nesse espaço
significante, ―[...] o corpo dos sujeitos e o corpo da cidade formam um, estando o corpo do sujeito
atado ao corpo da cidade, de tal modo que o destino de um não se separa do destino do outro‖
(ORLANDI, 2004, p. 11).
Historicamente, as decisões tomadas no interior da família eram discutidas dentro de casa e
na presença exclusiva dos seus membros. Nessa instituição, o sujeito masculino exercia plena
autoridade sobre os demais, exigindo-lhe seriedade, honra e respeito. Já ao sujeito-feminino,
marcado pela fragilidade emocional e financeira, restava acatar as decisões do marido, submeter-se a
ele, cuidar da organização da casa, da saúde e da educação dos filhos, inclusive, da educação sexual,
assunto pouco debatido até então, por representar o que havia de mais privado no interior da
família patriarcal, tradicional e conservadora, marcada por ideologias religiosas e moralistas.
A família, tal como se constitui hoje, passou por profundas mudanças estruturais e
culturais. Na Idade Média e no início dos tempos modernos, principalmente nas classes populares,
as famílias não passavam de aglomerados de pessoas vivendo juntas, contribuindo para o trabalho
coletivo, sem preocupações com laços sanguíneos ou afetivos.
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O discurso religioso ―crescei e multiplicai-vos‖ imperava sobre as classes sociais existentes
no Brasil, até por que, durante muito tempo, o país precisava de mão de obra para as lavouras de
café e, mais tarde, para dar conta das vagas abertas no mercado de trabalho na época do
desenvolvimento industrial do país.
Com o passar do tempo, surgiram novas tecnologias que facilitavam o trabalho e
melhoravam a qualidade de vida das pessoas, então o poder público passou a ter preocupações com
as altas taxas de natalidade em relação aos índices de mortalidade e passou a divulgar métodos
anticonceptivos, na tentativa de orientar os casais quanto aos cuidados com os filhos e com a
família. Com isso, a família deixou de ser apenas uma instituição do direito privado para a
transmissão dos bens e do nome e assumiu uma função moral e espiritual, passando a formar os
corpos e as almas daqueles que tomavam como dependentes (ARIÈS, 1994, p.193).
A dicotomia público/privado nasceu pela necessidade de regular as relações entre Estado,
economia e população (sociedade civil, família). Segundo Damatta (1997), o privado restringe-se ao
universo doméstico, a casa, à família, lugar dos laços de solidariedade e emoções. Enquanto que o
público engloba o político, a rua, mas como espaço de sociabilidade.
A vida privada, aqui conotada como a família, lugar privado por excelência, foi moldada
pelas mudanças operadas na vida pública. A sociedade tradicional era essencialmente masculina,
com espaços e funções sociais claramente demarcadas. Na passagem para a sociedade industrial, as
mulheres foram afastadas das atividades produtivas e limitadas ao ambiente doméstico. Com isso,
as funções atribuídas ao privado permaneceram associadas ao domínio feminino e às suas
propriedades maternais e afetivas. A esfera pública, tomada pela produção industrial e pela
cidadania política, ficou destinada ao homem, lugar do chefe de família, favorecendo a supremacia
masculina.
Assim, ao associarmos o privado à família e o público à ordem política e econômica
facilitamos o entendimento das fronteiras entre esses espaços coletivos de cidadania e observamos
que, mesmo sendo a família uma instituição privada, ela não está dissociada da ordem e da
organização pública e política que regula as ações dos sujeitos.
O planejamento familiar ou as preocupações com o tamanho da família surge basicamente
na Era Moderna, na década de 1980. Tendo em vista o aumento do índice de natalidade comparado
com o índice de mortalidade infantil, havia, por parte de algumas instituições públicas, de modo
especial as entidades governamentais, a necessidade de conter o aumento da população em nome
do desenvolvimento econômico do país.
Principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o caso do
Brasil, o grande número de pessoas abaixo da linha da pobreza, o analfabetismo e o aumento da
taxa de natalidade fez com que surgissem políticas públicas que incentivavam o planejamento
familiar.
Para a BEMFAM 4 (Bem Estar Familiar no Brasil), esse é o exercício da "paternidade
responsável", ou seja, a utilização voluntária e consciente, por parte do casal, do instrumento
necessário à planificação do número de filhos e do espaçamento entre uma gestação e outra. Para
¹ Organização não-governamental de ação social e sem fins lucrativos, em âmbito nacional desenvolve
atividades voltadas à promoção da assistência social básica e especial para a defesa e promoção dos direitos
sociais, socioambientais, sexuais e reprodutivos, individuais e coletivos, contribuindo para o desenvolvimento
social e para a melhoria da saúde. (Disponível em: www.filantropia.org/melhores/colliers/bemfam.htm.
Acesso em 21/09/2014).
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dar conta disso, os contraceptivos foram tornados acessíveis às famílias brasileiras mais carentes,
pois as mulheres da classe média e alta já dispunham de recursos e informações para evitar uma
gravidez não desejada.
Com as medidas tomadas pelo poder público, o acesso às informações e o surgimento da
pílula anticoncepcional, houve mudanças significativas na vida social das mulheres. Elas deixaram
de ser meras reprodutoras e passaram e ter o direito de expor e dispor do seu próprio corpo como
bem lhes aprouvesse. Desse modo, houve a dissociação entre a procriação e a sexualidade, e com
isso, a necessidade de planejar a família, em especial, o número de filhos, uma vez que, agora, as
mulheres passam a ter novos interesses e oportunidades.
Em 1996, é aprovada a lei do Planejamento Familiar, com base no parágrafo 7º, do art.
226, da Constituição Federal, fundamentada sob os princípios da dignidade humana, defende o
direito à saúde de todos os cidadãos brasileiros e, de modo específico, os cuidados da saúde da
mulher.
O Planejamento Familiar é considerado um direito humano básico, declarado e
reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1968. Entretanto, no Brasil, a
primeira lei, sobre Planejamento Familiar – Lei nº 9.263 – é aprovada somente em 12 de janeiro de
1996 e no capítulo 1º, Art. 2º, declara "entende-se Planejamento Familiar como o conjunto de ações
de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da
prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal".
Em seu art. 9º, a mesma Lei assegura que "para o exercício do direito ao Planejamento
Familiar, serão oferecidos todos os métodos de concepção e contracepção aceitos e que não
coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção". Contudo, essa Lei
não comtempla os casos de gravidez na adolescência.
Nesse sentido, o discurso sobre o planejamento familiar, pode ser confundido com o
discurso do controle da natalidade, entendido como a interferência do Estado sobre a vida da
mulher ou da família, de modo a induzi-las a controlar a sua capacidade reprodutiva pela
diminuição da prole, por razões de ordem política, social, econômica ou demográfica.
Com base nessas considerações, propomo-nos estudar o Planejamento Familiar pelos
pressupostos teórico-metodológicos de Análise de Discurso de linha francesa, observando a forma
como ele foi discursivizado na campanha do Ministério da saúde no ano de 2008; Pretendemos
ainda, investigar como o público (político) invade o domínio do privado (família), bem como
analisar os elementos linguísticos requisitados para configurar o Planejamento Familiar, bem como
a relevância desses elementos para a construção dos sentidos.
Pois, sendo a família uma instituição privada, ela funciona como um aparelho ideológico
dentro da sociedade, nos termos de Althusser (1999).
Sobre a Análise do Discurso
A Análise de Discurso de linha francesa, herdada de Michel Pêcheux (doravante AD), foi
divulgada no Brasil por Eni Orlandi e outros pesquisadores a ela ligados. A teoria propõe olhar o
texto (discurso) em diversas direções, sem perder o foco da historicidade (memória), articulando o
sujeito, o sentido e a ideologia, a partir da qual, se pode detectar a relação entre o político e o
histórico, que é a base da interpretação, tornando consistente o encadeamento da teoria pela
metodologia de análise do objeto.
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Segundo Orlandi (2010, p.15), ―a palavra discurso, tem em si a ideia de curso, de percurso,
de correr por, de movimento‖. Os dizeres se movem em direção a outros sentidos, pois estão
atravessados por outros dizeres que os antecederam e que também os sucederão. Na porosidade do
que é dito, ou seja, no interdiscurso, onde reside a incompletude do dizer, os sentidos vão se
construindo.
O texto, lugar da materialização da ideologia, é também ―unidade complexa de significação,
nem abstrata nem empírica, com começo, meio e fim‖. Nele podemos compreender como a ―língua
produz sentidos por/ para sujeitos‖ (ORLANDI, 2010, p.17). A noção de texto implica a
mobilização do conceito de memória que sustenta cada dizer.
Para Pêcheux, a memória é
um espaço móvel de deslocamentos, disjunções, divisões, retomadas, conflitos e
regulações, um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contradiscursos: ―sob
o ‗mesmo‘ da materialidade da palavra abre-se o jogo de metáfora, como outra
possibilidade de articulação discursiva [...] uma espécie de repetição vertical, em que a
própria memória esburaca-se, perfura-se antes de desdobrar-se em paráfrase‖
(PÊCHEUX, 1999, p.53- grifos do autor).
O discurso, materializado na língua, não pode ser pensado senão por uma dupla
materialidade: linguística e histórica, já que ―é na estrutura que se fixa o dizer e o acontecimento,
que irrompe como um elemento que, ao mesmo tempo, desestrutura e reorganiza esse universo
discursivo‖ (DE NARDI, 2009, p. 67 apud SCHONS, 2012). Assim, tomaremos os cartazes de
divulgação do planejamento familiar, propostos pelo Ministério da Saúde no ano de 2008, como
textos de onde irrompem os sentidos pela formulação intradiscursiva atravessada pela memória e
pela atualidade.
Análise
A materialidade analisada funciona pela ideologia, pois tem como objetivo a formação da
opinião dos indivíduos, tanto para manter ou para operar modificações na estrutura familiar. No
âmbito da AD, podemos considerar a imagem como texto. Então, da mesma forma que podemos
recortar sequências discursivas (SD) de um texto verbal, também podemos recortar sequências
imagéticas de um texto não verbal e estas sequências podem migrar de um discurso para outro.
Figura 1 - Ministério da Saúde- Campanha de 2008
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A materialidade em análise fez parte do Programa Pacto Nacional pela Redução da
Mortalidade Materna e Neonatal, realizada pelo Governo Federal, em comemoração aos 20 anos de
implantação do SUS (Sistema Único de Saúde) e foi legitimada pela Política Nacional de
Planejamento Familiar e pela Política Nacional de Direitos Sociais e Direitos Reprodutivos.
No texto-imagem, podemos observar a figura de um bebê do sexo masculino,
aparentemente saudável e feliz, usando apenas uma fralda descartável. Sentado em uma superfície
de cor verde, da qual surgem raios de luz, numa referência ao nascimento do menino Jesus. O
discurso religioso também irrompe na SD1:
SD1: Este é o fruto da decisão mais importante da vida de um casal. Mas, pode chamar de coisinha
fofa da mamãe e do papai.
O primeiro enunciado que compõe essa SD: ―Este é o fruto da decisão mais importante da
vida de um casal, ecoa, pelo trabalho da memória discursiva, o discurso bíblico, segundo o qual:
―[...] os filhos são herança do SENHOR e o fruto do ventre, o seu galardão; Como flechas na mão
do valente, assim são os filhos da mocidade; Bem-aventurado o homem que enche deles a sua
aljava; não serão confundidos, quando falarem com os seus inimigos à porta‖ (Salmo 127:3-5). Os
filhos, de acordo com esse discurso, não seriam apenas o resultado do amor do casal, mas uma
graça divina, já que é Deus que realiza o milagre da vida. A decisão de tê-los ou não seria um
consenso entre o casal, e não depende somente da vontade de um dos sujeitos que ocupam o lugar
de pai/mãe.
Sinaliza também, para sentidos relacionados à criação de um filho, como, por exemplo, as
despesas com alimentação, educação e saúde e, também outros problemas que atingem as famílias
modernas, tais como, a miséria, a violência e o desemprego, além da falta de tempo, própria da
sociedade capitalista, em que os sujeitos buscam, a todo custo, uma melhor posição social. Nesse
sentido, ter ou não filhos seria um dilema, tal qual o vivido por Hamlet.
As designações ―papai‖ e ―mamãe‖ e a expressão ―coisinha fofa‖ apontam para o domínio
do familiar, pois produzem o efeito de sentido de carinho e de afeição que envolve os sujeitos que
ocupam os lugares de pai/mãe e filhos, mas silenciam outros, pois remetem para o casal
heterossexual, para a família tradicional ou patriarcal, silenciando assim, a possibilidade da existência
de famílias em que sujeitos do mesmo sexo ocupam essas posições. É interessante notar também,
que a designação ―mamãe‖ vem antes, ressoando que a responsabilidade maior em cuidar, educar,
proteger e conservar a vida da criança é do sujeito feminino. Inscrevendo o discurso em uma
formação discursiva machista, segundo a qual, o lugar desse sujeito é dentro de casa (espaço
privado), cuidando dos filhos e dos trabalhos domésticos, enquanto que ao sujeito masculino cabe
provê-la de bens materiais e recursos financeiros, ou seja, o domínio do público é da ordem do
masculino.
Também seria possível pensar em um deslocamento de sentido, inscrito na FD religiosa,
pois a mãe é aquela que está sempre ao lado do (a) filho (a), da mesma forma que a Mãe de Cristo
esteve ao lado Dele nos momentos difíceis.
SD 2: ―Ter ou não ter filhos? Quantos filhos ter? Quando ter?
Essa SD convoca os sujeitos a refletir acerca da possibilidade de ter ou não filhos,
―quantos‖ e ―quando‖ tê-los. Trata-se de uma difícil decisão a ser tomada. Irrompe, pelo trabalho
da memória discursiva, no eixo da constituição, o dilema existencial vivido por Hamlet: ―Ser ou não
Ser, eis a questão‖, na peça teatral de Shakespeare. Há, portanto, o entrecruzamento de formações
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discursivas diferentes, isto é, o discurso do domínio da literatura desliza para o discurso publicitário,
produzindo novos efeitos de sentido.
SD 3: Essas são as decisões que só você pode tomar. E para que elas aconteçam com segurança, o
Governo Federal está tomando medidas importantes. Entre elas uma ampla distribuição de meios
contraceptivos como camisinhas, anticoncepcionais, tabelinhas e a inclusão de anticoncepcionais
mais baratos na farmácia popular, em quase 4.000 pontos de venda por todo o Brasil. Agora você
pode planejar melhor a chegada da coisa mais importante da sua vida, o seu filho.
Essa SD aponta para a suposta liberdade do sujeito de decidir qual método contraceptivo
quer utilizar, mas contraditoriamente, são enumeradas várias medidas tomadas pelo poder público
para ―auxiliá-lo‖ nessa escolha. O sujeito é, pois, assujeitado ao discurso do Estado, uma vez que
concorda com o discurso da contracepção e não oferece resistência, ou seja, ele se submete ao
modo como o Estado o individua(-liza), mesmo acreditando ser livre para dizer/fazer, o que quiser.
C. Haroche (1987) apud Orlandi (2010, p.51) salienta que com as transformações sociais, o
sujeito teve de tornar-se seu próprio proprietário, dando surgimento ao sujeito-de-direito com sua
vontade e responsabilidade.
A subordinação explícita do homem ao discurso religioso dá lugar à subordinação,
menos explícita do homem às leis: com seus direitos e deveres. Daí a ideia de sujeito
livre em suas escolhas, o sujeito do capitalismo. [...] essa é uma submissão, menos
visível por que preserva a ideia de autonomia, de liberdade individual, de nãodeterminação do sujeito. [...] submetendo o sujeito, mas ao mesmo tempo
apresentando-o como livre e responsável, o assujeitamento se faz de modo a que o
discurso apareça como instrumento (límpido) do pensamento e um reflexo (justo) da
realidade. (ORLANDI, 2010, p.51).
O enunciado ―Agora você pode planejar melhor a chegada da coisa mais importante da sua vida, o seu
filho‖, apela para o ―bom senso‖ do sujeito e produz o efeito de sentido de poder, pois o sujeito
―pode‖ escolher o momento da chegada dos filhos. Além disso, o advérbio de tempo ―agora‖
inscreve o discurso no presente, enfatizando a ideia de que isso não era possível antes.
Ressoam discursos sobre o cumprimento do papel do Estado, que ―distribui‖ diferentes
métodos contraceptivos e disponibiliza medicamentos mais baratos em várias partes do Brasil, para
aqueles que se submetem aos ditames do Estado, independentemente de classe social. Segundo o
Portal da Saúde, o Programa Farmácia Popular foi criado pelo Governo Federal com o ―objetivo de
ampliar o acesso de toda população aos medicamentos cumprindo uma das principais diretrizes da
Política Nacional de Assistência Farmacêutica5‖
Por fim, na parte inferior da materialidade analisada podem ser vistos os órgãos que
assinam e legitimam o cartaz, conferindo-lhe um efeito de sentido de autoridade para dizer o que
diz: o SUS (Sistema Único de saúde), a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres e o Ministério
da Saúde, ao lado do slogan oficial do governo Lula: ―Brasil, um país de todos‖, e aqui nos
reportamos à uma análise elaborada por Orlandi (2008) onde a autora trabalhou teóricamente a
relação entre o efeito de pré-construído e efeito de sustentação e concluiu que no caso de Brasil um
país de todos ―funciona pelo aposto e tem como efeito de sustentação que ‗ser um país de todos‘
faz parte do sentido de ‗Brasil‘. (grifos da autora). Produz-se assim o que Pêcheux (1975) chama de
retorno do saber no pensamento‖(ORLANDI, 2008, p.124) e que esbarra no pré-construído na
memória da esquerda brasileira de que o Brasil não é um país de todos.
Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/oministerio/principal/secretarias/sctie/farmacia-popular. Acesso em 09/11/2014.
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Os efeitos de sentido que irrompem dessa materialidade sinalizam para o fato de que o
bem-estar da família estaria condicionado ao planejamento familiar, e o possível não planejamento
poderia comprometer a qualidade de vida do casal, e, em especial da criança, remetendo para o
Estatuto da Criança e do Adolescente, que reza que é direito da criança permanecer no contexto
familiar, sendo responsabilidade da família os cuidados, a proteção e o bem estar dos menores, pois
―toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família, assegurando
a convivência familiar e comunitária.‖ (ECA,1990, art.19). Ao poder público, caberia então,
assegurar as condições necessárias para que isso seja possível, e o planejamento familiar constitui
uma dessas ações.
Considerações Finais
Como relatamos no objetivo específico deste artigo, pretendíamos analisar as relações entre
o público e o privado no que se refere à família, sua constituição e seu planejamento. Nas últimas
décadas ocorreram mudanças significativas no âmbito familiar, devido às transformações políticas,
econômicas e sociais presenciadas no Brasil. Tais mudanças podem ser constatadas com facilidade
por intermédio dos meios de comunicação.
Na materialidade analisada o verbal está associado ao não verbal e ambos constituem o
texto, lugar da materialização do discurso. Neste trabalho buscamos a sistematização de
conhecimentos discursivos e linguísticos por meio da análise discursiva elaboramos um gesto de
interpretação. Não se pretendia defender ideologias a favor ou contra o planejamento familiar,
apesar de nossas considerações não serem neutras, uma vez que se torna impossível a existência do
sujeito sem ideologia.
Referências Bibliográficas
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Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
______. História da Vida Privada: Da Revolução Francesa à Primeira Guerra. Vol. 4. São Paulo:
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DEL PRIORE, Mary. História da Criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991.
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moderna. In: Revista Eletrônica INTERFACES. Vol. 3, nº 2, 2012, p. 66 – 74.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: Princípios e Procedimentos. 10º edição,
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_______. Cidade dos sentidos. Campinas, SP: Pontes, 2004.
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Nunes. 2. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2007 [1999]. p. 49-58.
Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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O USO DAS MARCAÇÕES NÃO-MANUAIS NA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
UM ESTUDO PRAGMÁTICO
Dayane Veras dos Santos
Graduanda do curso de licenciatura em Letras/Libras/Língua estrangeira
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Amargosa - BA
Resumo
O presente trabalho faz uma revisão bibliográfica sobre a linguística da Língua Brasileira de Sinais,
através do estudo referente ao uso das Expressões não-manuais (ENM), discutindoo papel que tal
parâmetro desempenha durante o evento comunicativo. Para tanto, recorreu-se a uma análise de
cunho funcionalista abordada por Borges (2004), Neves (1997); a Pragmática discutida por
Armengaud (2006) e a linguística da Libras apresentada por Quadros (2004) e Ferreira (2010). A
análise mostrou que o uso inadequado das marcações não-manuais podem interferir no fluxo da
conversação, tornar o enunciado agramatical ou até mesmo não ser decodificável, causando
ambiguidade na interação verbal.
Palavras-chave: Expressões não-manuais; Pragmática; interação verbal.
Abstract
This paper is a review on the language of Brazilian Sign Language, through the study concerning
the use of non-manual Expressions (ENMs), discussing the role that this parameter plays during
the communication event. Therefore, we used a functionalist nature of analysis addressed by Borges
(2004), Snow (1997); Pragmatic discussed by Armengaud (2006) and linguistic Pounds by Tables
(2004) and Ferreira (2010). The analysis showed that the improper use of non-manual markings
may interfere with the flow of conversation, make the ungrammatical utterance or even not be
decodable, causing ambiguity in verbal interaction.
Keywords: Expressions non-manual; pragmatic; verbal interaction.
Introdução
Opresente estudotem como enfoque as marcações não-manuais (ENM), como as
expressões faciais e o movimento do corpo, da Língua Brasileira de Sinais (Libras), uma língua
utilizada pela comunidade surda brasileira de modalidade visuoespacial, pois é produzida por meio
do espaço e sua percepção se dá pela visão.
As marcações não-manuais apesar de serem um parâmetro fonológico da Libras são
também um parâmetro que apresenta uma interface, em várias situações de uso, entre a morfologia,
a sintaxe e a semântica.
Antes de entendermos com mais precisão como esse parâmetro se articula,é necessário
visualizarmos que tal estudo está ancorado por uma concepção funcionalista da língua que prioriza
o uso das expressões linguísticas na interação verbal – neste caso, as marcações-não manuais na
interação entre a comunidade surda brasileira.
A linguística moderna é marcada por duas correntes de pensamento: o funcionalismo e o
formalismo, que se fundaram ao longo do século XX e se concretizam neste início do século XXI.
Conforme Neves (1997), o formalismoexamina a língua como objeto autônomo e
descontextualizado, importando-se apenas com suas características internas. O funcionalismo –
corrente com a qual se vincula este estudo – busca, no contexto discursivo, motivação para
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compreender o funcionamento da língua, frisando o papel do contexto social, na compreensão da
natureza das línguas.
Para Neves (1997) o conceito de funcionalismo em linguística está interligado a Escola
Linguística de Praga – nome que se dá a um grupo de estudiosos que começou a atuar antes de
1930 – os quais consideram que a linguagem concede ao homem reação e referências à realidade
extralinguística.
As frases são vistas como unidades comunicativas que veiculam informações,
ao mesmo tempo em que estabelecem ligação com a situação de fala e com o
próprio texto linguístico. Neste sentido o que se analisa são as frases
efetivamente realizadas, para cuja interpretação se atribui especial importância
ao contexto, tanto verbal como não verbal. (NEVES, 1997, p. 17).
Assim, considera-se que a língua é um sistema funcional que não se desassocia do
estrutural (sistêmico).
Conforme citado anteriormente, este artigo propõe abordar sobre o uso dos componentes
não-manuais da Libras, que desempenham um papel fundamental na interação entre os sujeitos
falantes desta língua. Desse modo, nossa proposta é fazer uma análise de cunho funcionalista,
observando a relação sistemática entre as formas e as funções cujas marcações não-manuais exibem.
Tencionando ampliar o debate em torno dos estudos sobre a linguística da Libras, através
da especificação dos aspectos referentes ao uso das marcações não-manuais é que nos propusemos
a verificar o papel que as marcações-não manuais desempenham durante o evento comunicativo.
Para isso, nos apoiaremos na Pragmática,a ciência do uso linguístico, que, de acordo com Fiorin
(2003) é a área que estuda as condições que governam a utilização da linguagem, a prática linguística
potencializando, sobretudo, a língua em contexto.
Considerações breves sobre a Pragmática
O estudo funcionalista da língua(gem), analisa a relação entre as formas e as funções
desempenhadas no processo comunicativo. ―A hipótese fundamental dessa proposta [funcionalista]
é que do uso da língua – a comunicação na situação social – origina-se a forma da língua, com as
características que lhe são peculiares‖ (VOTRE; NARO, 1989, p. 169 apud BORGES, 2004, p. 86).
Assim, tal corrente compreende que a língua tem função social e deve estudar a relação
entre as formas da língua no contexto discursivo. Com base na maneira de pesquisar a língua como
atividade social é que se abriga a Pragmática: a disciplina que leva em conta o contexto de produção
da língua e seus produtores.
De acordo com Tavares (2007), o termo Pragmática foi reconhecido oficialmente pelo
filósofo Charles Morris, em 1938, ao apresentar os três ramos de estudo da Semiótica: a sintaxe,
semântica e pragmática. Nessa visão, a Sintaxe pesquisava a ―relação formal dos signos entre si‖, a
Semântica era o estudo das ―relações entre signos e objetos aos quais os signos se aplicavam‖, e a
Pragmática era vista como relações entre os signos e seus usuários. Essas definições, no entanto,
não são suficientes para delimitar o objeto de estudo da Pragmática.
Essa incerteza dos limites da Pragmática se dá pelo fato de ela ter interesse nas
relações entre a estrutura da língua e seus princípios do uso da língua. Ela tem
como foco de estudo questões como, dêixis, implicatura, pressuposição, atos de
fala e aspectos da estrutura do discurso. Dados os tópicos centrais do estudo da
Pragmática, podemos dizer que ela tem como ponto de interesse o processo de
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produção da língua e seus produtores (não apenas no produto final).
(TAVARES, 2007, p. 12).
Essa fronteira da Pragmática, considerada como fluida por Armengaud (2006), apresenta
um conjunto de definições: a) o conceito mais antigo é o de Morris, de 1938 em que a pragmática é
a parte da semiótica que trata a relação entre os signos e os usuários dos signos; b) a definição dada
por Anne Marie Diller e François Récanati determina a pragmática como o estudo da utilização da
linguagem no discurso e as marcas específicas que, na língua, atestam sua vocação discursiva; c)
Francis Jacques considera a pragmática como o campo que aborda a linguagem como fenômeno
simultaneamente discursivo, comunicativo e social, dito de outra forma, ela diz respeito ao conjunto
das condições envolvidas no discurso.
Tomando como referência a língua em contexto,o presenteestudo se propõe a fazer uma
revisão de trabalhos que tratam das formas da Língua Brasileira de Sinais e das funções que
apresentam a marcação não-manual da Libras no contexto discursivo.
O papel funcional das marcações não-manuais na Língua Brasileira de Sinais
Os componentes não-manuais da Língua Brasileira de Sinais (Libras), são as expressões
faciais e os movimentos do corpo, os quais são obrigatórios em determinados contextos pelo fato
de terem duas funcionalidades: marcações de construções sintáticas e diferenciações de itens
gramaticais. Para além desses dois papéis Quadros; Pizzio; Resende (2008), sinalizam que as
marcações não-manuais também podem ser utilizadas como marcas do discurso, indicando as
trocas entre os interlocutores e o fluxo da conversação.
Ferrreira-Brito e Langevin (1995) listam as principais expressões não-manuais, citadas por
Quadros e Karnopp (2004):
Expressões não-manuais da Língua Brasileira de Sinais (Ferreira-Brito e Langevin, 1995)
Rosto
Parte superior
sobrancelhas franzidas
olhos arregalados
lance de olhos
sobrancelhas levantadas
Parte inferior
bochechas infladas
bochechas contraídas
lábios contraídos e projetados e sobrancelhas franzidas
correr da língua contra a parte inferior interna da bochecha
apenas bochecha direita inflada
contração do lábio superior
franzir do nariz
Cabeça
balanceamento para frente e para trás (sim)
balanceamento para os lados (não)
inclinação para frente
inclinação para o lado
inclinação para trás
Rosto e cabeça
cabeça projetada para a frente, olhos levemente cerrados, sobrancelhas franzidas
cabeça projetada para trás e olhos arregalados
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Tronco
para frente
para trás
balanceamento alternado dos ombros
balanceamento simultâneo dos ombros
balanceamento de um único ombro
Quadro 1: Expressões não-manuais da Língua Brasileira de Sinais
Fonte: QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 61
É importante destacar que há possibilidade de duas expressões não-manuais ocorrerem
simultaneamente como, por exemplo, nas marcações de interrogação e negação. Pelo fato de as
marcações não-manuais, mais especificamente as faciais, serem obrigatórios em determinados
contextos os quais serão estudas com mais detalhes a seguir.
No nível morfológico Quadros; Pizzio; Resende (2008) explicam que as marcações nãomanuais estão relacionadas ao grau e apresentam escopo sobre o sinal que está sendo executado. As
expressões faciais exercem uma função adjetiva, entretanto podem estar incorporadas ao
substantivo. Neste caso, os adjetivos estão associados ao grau de intensidade e os substantivos
incorporam o grau de tamanho.No Quadro 2, veremosque para marcar o grau, Quadros; Pizzio;
Resende (2008) apresentam um padrão de expressão facial:
Grau de intensidade:
Pouca intensidade
Normal
Mais intensidade do que o normal
Mais intenso
Quadro 2: expressões faciais para marcar grau de intensidade
Fonte: QUADROS; PIZZIO; RESENDE, 2008, p. 4
Grau de tamanho:
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Muito menor que o normal Menor do que o normal
Normal
Maior do que o normal
Muito maior do que o normal
Quadro 2: expressões faciais para marcar grau de tamanho
Fonte: QUADROS; PIZZIO; RESENDE, 2008, p. 4
Essas expressões são padronizadas, por isso a sua não execução no discurso podem
dificultar na compreensão do que está sendo dito pelo interlocutor. A seguir será detalhado o uso
da expressão gramatical no nível sintático.
No nível da sintaxe, as marcações não-manuais são responsáveis por sinalizar determinados
tipos de construções nas quais existem a possibilidade de incorporar mais de uma marcação nãomanual e a sua ausência pode deixar uma sentença agramatical. Esses tipos de estruturas
serãoabordados a seguir com base nas observações de Quadros; Pizzio; Resende (2008):
Sentenças negativas - São aquelas em que a sentença está sendo negada. Na língua de
sinais, podem estar incorporadas aos sinais ou expressas apenas por meio da marcação não manual.
Sentenças interrogativas – São aquelas formuladas com a intenção de obter alguma
informação desconhecida.
Sentenças afirmativas – São sentenças que expressam ideias ou ações afirmativas.
Sentenças condicionais – São sentenças que estabelecem uma condição para realizar
outra coisa.
Sentenças relativas – São aquelas em que há uma inserção dentro da sentença para
explicar, para acrescentar informações, para encaixar outra questão relativa ao que está sendo dito.
Na língua de sinais há uma quebra na expressão facial para anunciar a sentença relativa que é
produzida com a elevação das sobrancelhas.
Construções com tópico – É uma forma diferente de organizar o discurso. O tópico
retoma o assunto sobre o qual se desenvolverá o discurso.
Construções com foco – São aquelas que introduzem no discurso uma informação nova
que pode estabelecer contraste, informar algo adicional ou enfatizar alguma coisa.
Essa relação dos tipos de sentenças só é possível com a produção da marcação nãomanual. Desse modo, podemos verificar que a não execução desse parâmetro impede a evolução do
evento comunicativo.
A seguir, faremos um breve exercício para entendermos que a descrição que fizemos, até o
momento, precisa incluir referência ao locutor, ao interlocutor e a seus papéis e seu estatuto dentro
da situação de interação.
O uso da marcação não-manual:perspectiva pragmática
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As expressões não-manuaissão componentes do sistema linguístico da Libras que tem
função de comunicar algo. Tal parâmetro, se executado de forma inadequada, pode modificar o
significado do que estar sendo dito ou interferir no desenvolvimento da comunicação.
Dessa forma, o uso eficiente da Libras exige de qualquer falante a adequação das
marcações não-manuais ao ambiente e à mensagem transmitida, pois ―caso elas não sejam
expressas, o sinal ou enunciado pode se tornar agramatical ou pode não ser decodificável, causando
ambiguidade‖ (FELIPE, 2013, p. 77).
Na arquitetura de um enunciado, o falante utiliza de dois tipos de expressões visuais: Os
signos gramático-discursivos visuais eas expressões visuais afetivas. O primeiro diz respeito aos
níveis morfológicos, que também podem ser utilizadas como marcas do discurso, apresentando as
trocas entre os interlocutores e o fluxo de conversação. A segundaextrapola os níveis gramaticais e
envolve elementos comportamentais do indivíduo.
As expressões visuais afetivas são comunicações paralinguísticas complementares que
expressam os sentimentos do locutor e interlocutor, através de gestos e postura
corporal, das expressões faciais e do olhar, sendo possível apreender estados e
sensações como, por exemplo: alegria, tristeza, angústia, insegurança, dúvida, ironia,
surpresa, confronto, rejeição, entre outros, que são atitudes comportamentais (FELIPE,
2013, p. 74).
Quando um falante quer demostrar tristeza, por exemplo, é indispensável o uso adequado
da expressão para que o interlocutor entenda o seu nível de tristeza. A mesma situação serve para
quando a intenção é demostrar uma dúvida com relação ao que foi dito ou sobre um ocorrido, se
não houver o uso da expressãocorrespondente à dúvida, corre-se o risco do locutor continuar seu
discurso e não esclarecer o que não ficou entendido pelo interlocutor. No enunciado ―João, você
me entregou o documento na segunda?‖ há uma situação duvidosa em que o locutor não tem a
certeza da entrega do documento por João, se não houver a marcação não-manual de dúvida ficará
entendido que o locutor não tem dúvida sobre a entregada do documento.
Até o momento, deixou-se explícito que as expressões não-manuaisdesempenham um
papel fundamental para a comunicação, ou seja, o uso de tal parâmetro é primordial para
estabelecer a interação verbal com o outro, seja ele ouvinte ou surdo. Assim, entende-se por
interação verbal a interação social (seja com Surdo-Surdo ou Surdo-ouvinte) constituída por meio
da linguagem.
A interação social constitui uma forma de atividade cooperativa estruturada:
―estruturada‖, porque é governada por regras, normas e convenções, e ―cooperativa‖,
porque necessita de, pelo menos, dois participantes para atingir seus objetivos. Na
interação verbal, os participantes se utilizam de certos instrumentos, as ―expressões
linguísticas‖. Desse modo, [...] a linguística tem de ocupar-se de dois tipos de sistemas
de regras, as regras semânticas, sintáticas, morfológicas, e fonológicas (que governam a
constituição das expressões linguísticas) e as regras pragmáticas (que governam os
padrões de interação verbal em que essas expressões linguísticas são usadas) (DIK,
1989, p. 3 apud NEVES, 1997, p. 21).
Nessa perspectiva, considera-se que deve haver uma tomada de consciência, pelos usuários
da Libras, sobre a função que a marcação não-manual exerce na interação verbal. Geralmente, os
Surdos não apresentam dificuldades na execução da expressão não-manual, pois este sujeito produz
o sistema de regras na língua desde a infância – período da aquisição da linguagem.
Quanto aos ouvintes usuários da Libraso cuidado no uso da expressão não-manual deve
ser bem maior, pois o sujeito ouvinte precisa dominar fluentemente os sistema de regras e o
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sistemas pragmáticos da Libras, uma vez que na língua oral as marcações não-manuais não
desempenham o mesmo grau de funcionalidade que a língua de sinais apresenta.
Portanto, considera-se que o uso do corpo e das expressões faciais são elementos
preponderantes para que não haja uma confusão entre os participantes da conversa e
consequentemente prejudique a interação verbal.
Considerações finais
A presente pesquisa teve como base a abordagem funcional da língua a qual tentou-se
refletir os meios pelos quais as marcações não-manuais são dispostos para o intenção da
comunicação.
A revisão mostrou, indiscutivelmente, que o uso das expressões não-manuais são de
fundamental importância para o entendimento real do sinal na situação de comunicação. Desse
modo, estudar o uso das marcações não-manuais da Libras requer um olhar pragmático que se
define como o estudo da ―língua em contexto‖.
Referências
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Enviado em 30/12/2014
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CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA ANÁLISE REFLEXIVA
SOBRE A INSERÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM TRÊS ESCOLAS
ESTADUIAS DE ARAGUAÍNA E NOS CURSOS DE LICENCIATURA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS
Diôgo Januário da Costa Neto
Graduação em Biologia (licenciatura)
Universidade Federal do Tocantins, campus Araguaína
LilyanRosmeryLuizaga de Monteiro
Profª Drª em Ciência Animal
Resumo
A pesquisa objetivou analisar a inserção da Educação Ambiental (EA) no currículo de três escolas
estaduais de Araguaína, Tocantins e de 22 cursos de licenciatura da Universidade Federal do
Tocantins (UFT). Após análise do Projeto Político Pedagógico das escolas e do Projeto Pedagógico
dos Cursos de licenciatura, foram identificados seis projetos em EA implantados nas escolas, sendo
83,3% programas do governo Federal, e que em apenas 27% dos cursos de licenciatura da UFT
ofertam a EA como disciplina específica. Para atender às diretrizes Curriculares Nacionais para EA,
é importante que seja ofertada uma disciplina específica nos cursos de licenciatura.
Palavras-chave: Cidadania, Educação, Meio Ambiente.
Abstract
The objective of this research was to analyze the integration of Environmental Education (EE) in
curriculum of three state schools from Araguaína-Tocantins and 22 undergraduate programs of the
Federal University of Tocantins (UFT). After analysis of the Political Pedagogical Project of schools
and the Pedagogical Project of the Courses, six projects were identified in EE deployed in schools
and 83.3% of Federal government programs, and only 27% of the undergraduate courses of UFT
offer EE as a specific discipline. To meet the National Curriculum Guidelines for EE, it is
necessary to offer EE as a specific discipline established in all undergraduate programs.
Keywords: Citizenship, Education, Environment.
Introdução
As preocupações com as questões ambientais ganharam proporções mundiais com a
publicação do Livro ‗Primavera Silenciosa‘ da escritora Americana Rachel Carson em 1962, nele a
autora denuncia os impactos ambientais negativos provocados pelo uso de pesticidas na agricultura.
Desde então, grandes encontros e conferências ocorreram em diversas partes do mundo que
decidiram novos rumos para a sociedade.
Dentre as grandes realizações, destacam-se a criação do Clube de Roma em 1968, em que
especialistas do mundo todo discutem sobre os problemas ambientais; a Conferência de Estocolmo
realizada em 1972, na ocasião foi publicado o relatório ―Limites do crescimento‖, elaborado pelo
clube de Roma; o Encontro de Belgrado ocorrido em 1975, que considerou a Educação Ambiental
(EA) como mecanismo para a defesa do Meio Ambiente; a Conferência de Tbilisi dada em 1977,
que definiu os objetivos, princípios e as finalidades da EA; e a Conferência do Rio de Janeiro
realizada em 1992, que considerou o desenvolvimento sustentável como novo modelo e elaborou a
agenda 21.
―Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais os
indivíduos e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
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habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e
sua sustentabilidade‖ (Brasil, 1999).
A EA passou a ser regulamentada no Brasil em 1999, com a implantação da Política
Nacional de Educação Ambiental (PNEA), regulamentada pela Lei Federal n°9.795/1999 (Brasil,
1999) e decreto n°4.281/2002 (Brasil, 2002), que recomenda a inclusão da EA em todos os níveis e
modalidades de ensino da Educação, devendo para sua inserção serem observadas as
recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, sendo inserida em todas as disciplinas de
modo transversal, contínua e permanente.
No Estado do Tocantins, a EA passou a ser regulamentada em 2003, com a Política
Estadual de Educação Ambiental (PEEA), pela lei Estadual n°1.374 (Tocantins, 2003). A
responsabilidade pela PEEA no âmbito formal compete à Secretaria de Educação e Cultura
(SEDUC) do Estado.
Em 2012 foram estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Ambiental, através da resolução do CNE/CP n° 2/2012. A partir de então, torna-se uma
―obrigação‖ das instituições de ensino incluir a EA em suas práticas educativas. Dentre as diretrizes
é definido que ―Os cursos de licenciatura, que qualificam para a docência na Educação Básica, e os cursos e
programas de pós-graduação, qualificadores para a docência na Educação Superior, devem incluir formação com essa
dimensão, com foco na metodologia integrada e interdisciplinar‖ (Brasil, 2012).
Para atender a essas recomendações e diretrizes, os futuros professores precisam receber
subsídios durante a graduação para atuarem nessa perspectiva nas escolas. Diante disso, surgiram
algumas inquietações reflexivas: como as escolas Estaduais de Araguaína estão tratando a temática
ambiental em seus projetos políticos pedagógicos? Quais ações e projetos em EA estão sendo
desenvolvidos nas unidades escolares? Em que circunstâncias os cursos de licenciatura da
Universidade Federal do Tocantins (UFT) oferecem subsídios para os futuros professores
exercerem a educação ambiental na educação básica? Os professores atuantes na Educação básica
recebem capacitação para realizarem ações em EA? Existem recursos para tais finalidades?
A presente pesquisa teve por objetivo analisar a inserção da Educação Ambiental no
currículo de três escolas Estaduais de Araguaína, Tocantins e dos cursos de licenciatura da UFT.
Material e Métodos
O trabalho constituiu-se de uma pesquisa qualitativa dividida em dois estudos
desenvolvidos no período de maio a setembro de 2014.
O primeiro estudo foi realizado em três escolas Estaduais de ensino fundamental e médio
localizadas no município de Araguaína, Estado do Tocantins. Sendo desenvolvidas as seguintes
atividades:
Análise do Projeto Politico Pedagógico, para identificar projetos em Educação
Ambiental (EA) desenvolvidos;
Entrevistas com professoras atuantes na educação básica;
Entrevista com Supervisora Educacional da Diretoria Regional de Ensino de
Araguaína.
O segundo estudo foi realizado na Universidade Federal do Tocantins (UFT), sendo
analisado o Projeto Pedagógico de Curso dos 22 cursos de Licenciaturas relacionados no quadro1.
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Campus
Tocantinópolis
Araguaína
Cursos presenciais oferecidos
Pedagogia, Ciências Sociais.
Matemática, Geografia, História, Letras Português, Letras
Inglês, Química, Física e Biologia.
Miracema
Pedagogia
Palmas
Pedagogia, filosofia, Artes/Teatro.
Porto Nacional
Letras Português, Letras Inglês, História, Geografia,
Ciências Biológicas.
Arraias
Matemática, Pedagogia, Educação do Campo.
Quadro1: Relação de cursos de licenciaturas presenciais da UFT ofertados por campus. Fonte:
Universidade Federal do Tocantins
Resultados e Discussão
A educação ambiental no currículo de três Escolas Estaduais de Araguaína,TO
Nas três escolas, constatou-se que a Educação Ambiental (EA) está inserida através de
projetos (Quadro2). Ao todo seis projetos foram identificados no Projeto Político pedagógico das
três escolas, sendo 83,3% deles Programas do Governo Federal, dentre eles o programa ―Mais
educação‖ que consta como projeto desenvolvido nas três escolas e a Comissão de Meio Ambiente e
qualidade de vida na Escola (COM-VIDA), sendo desenvolvido em duas.
Escola
1
Projetos desenvolvidos
Agenda 21 (COM-VIDA)
Programa Mais Educação
2
Projeto interdisciplinar: O homem e o impacto ambiental
Projeto COM-VIDA
Programa Mais Educação
3
Programa Mais Educação
Quadro2. Projetos em Educação Ambiental desenvolvidos em três escolas Estaduais de
Araguaína,TO
O Projeto Agenda 21, desenvolvido na Escola 1, tem por objetivos desenvolver a educação
Ambiental na escola e despertar os alunos para a questão de preservação do ambiente em que
vivem. Dentre as ações do projeto estão: Avaliar o espaço físico da escola; Sensibilizar professores;
Plantio de Mudas; Palestras; Oficinas; Evento dia da Água; Exposição de trabalhos; Caminhada de
conscientização Ambiental e arrecadação de Alimento; Concurso Garota e Garoto Ecologia para os
alunos que apresentarem ações; Disponibilizar garrafinha de água para os professores; Concurso de
Paródias e Poesias sobre Meio Ambiente e Noite Ecológica.
O Projeto O homem e o impacto ambiental da Escola 2 tem por objetivo desenvolver de
forma interdisciplinar ações de sensibilização ambiental com os alunos. Os alunos desenvolvem
pesquisas e apresentam os resultados no dia de culminância de projetos da escola.
O Projeto COM-VIDA da Escola 2, tem por objetivo sensibilizar alunos a preservar o
patrimônio público e o meio em que convive. Além de atividades socioambientais na escola, os
alunos realizam trabalhos na comunidade, tais como passeatas ecológicas, plantio de arvores, entre
outras ações.
O Programas Mais Educação na Escola 2, desenvolve atividades apenas na ambiente
escolar, sendo realizadas ações na horta da escola. Os programas Mais Educação na Escola 1 e na
Escola 3 não realizam atividades socioambientais.
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Perfil de professores atuantes
O quadro 3 mostra o perfil de três professoras atuantes em escolas de Araguaína.
Escola
Formação
Formação Continuada
Disciplina
ministra
que
1
Geografia
Não possui
Geografia
Religião
e
Desenvolve
Projetos em EA na
Escola
Não
Especialização
em
Formação
Geografia
Sim
Socioeconômica
3
Letras
Não Possui
Língua Portuguesa Não
Quadro3: Perfil de três professoras atuantes na educação básica em três escolas de Araguaína,TO
2
Geografia
Constatou-se que apenas uma das entrevistadas declarou ter recebido preparação durante a
graduação para atuar com a EA, além disso, a mesma possui especialização na área e desenvolve um
projeto na escola, o COM-VIDA. As demais professoras declararam não receber preparação e não
desenvolvem projetos. Nenhuma das entrevistadas têm conhecimento sobre a existência de
recursos para custear despesas com projetos nas escolas.
―Para um professor de educação fundamental estar preparado para trabalhar
com a Educação Ambiental é preciso que em sua formação sejam
contemplados conteúdos importantes e básicos sobre a diversidade de relações
que implicam e condicionam o ambiente‖ (Rosalem&Barolli, 2013).
A Lei n° 9.975 de 1999 recomenda ―Os professores em atividade devem receber formação
complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente ao cumprimento dos princípios e
objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental‖ (Brasil, 1999).
Programas do Governo Federal que contemplam a Educação Ambiental
A Diretoria Regional de Ensino de Araguaína (DREA) é uma unidade regional da
Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Tocantins, dentre as atribuições orienta as escolas
estaduais sobre os programas em EA disponíveis, através de ofícios, notícias no site oficial ou
através de visitas nas unidades escolares. Com relação à adesão das escolas aos programas, os
professores devem enviar propostas de projetos à DREA. Os Programas do Governo Federal
informados pela DREA estão relacionados a seguir.
O Programa Mais Educação É uma estratégia do governo para aumentar a permanência
dos alunos na escola. Os alunos participantes recebem bolsa e há disponibilidade de recursos
financeiros.
O Programa Escolas Sustentáveis é dirigido a escolas públicas e particulares. Oferece
recursos financeiros para a escola de acordo com a quantidade de alunos matriculados. Para adesão,
as escolas devem formar a Comissão do Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola.
A Comissão do Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola (COM-VIDA) É uma
comissão composta por professores, alunos e toda a comunidade escolar para construir a Agenda
21 nas escolas. Para criar essa comissão, é preciso que as escolas participem da Conferência do
Meio Ambiente organizada pela Diretoria Regional de Ensino. A COM-VIDA é uma extensão do
Programa ―Vamos Cuidar do Brasil com as Escolas‖.
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A Educação ambiental no currículo dos cursos de licenciaturas da UFT
Atualmente a Universidade Federal do Tocantins possui 48 cursos de graduação presenciais
distribuídos em sete campi no Estado do Tocantins (Figura 1), sendo 46% cursos de licenciatura.
Figura 1. Distribuição geográfica dos sete campi da UFT no Estado do Tocantins. Fonte:
Universidade Federal do Tocantins (2010).
Analisando os ementários de 22 cursos de licenciatura da UFT, constatou-se que a
Educação Ambiental está inserida na estrutura curricular obrigatória como disciplina específica em
27% dos cursos. A relação de cursos de licenciatura da UFT que ofertam disciplinas que
contemplam a dimensão ambiental está detalhado no quadro 4.
Disciplina
Educação Ambiental
Carga horária
60h
Conhecimento e Realidade
45h
Socioambiental
Curso
Matemática
Biologia
Física
Campus
Araguaína
Química
Química ambiental
45h
Recursos Naturais e Meio
60h
Geografia
Ambiente
Porto Nacional
Filosofia
Conhecimento e Realidade
30h
Socioambiental
Artes/Teatro
Palmas
60h
Pedagogia
60h
Miracema
Educação Ambiental
60h
Pedagogia
Tocantinópolis
60h
Arraias
60h
Serviço social
Tocantinópolis
Educação e Meio Ambiente
60h
Educação para o campo Arraias
Quadro 4: Disciplinas obrigatórias que contemplam a dimensão ambiental nos cursos de
licenciatura da UFT na modalidade Presencial. Fonte: Universidade Federal do Tocantins (2014)
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É importante que durante a graduação os futuros professores recebam capacitação para
identificar os problemas ambientais e, dentro de suas possibilidades, promover ações para tentar
resolve-los. Além disso, que sejam oportunizadas práticas investigativas na educação básica, tais
como o observatório em educação, para que os acadêmicos tenham conhecimento das necessidades
pedagógicas existentes e se aprimorem.
―[...] uma disciplina específica seria importante especialmente nos cursos de
licenciatura, de modo que futuras/os mestres possam aprender, da melhor
maneira, as práticas de EA e, a partir disso, consigam adotá-las nos demais
níveis de ensino [...]‖ (Brasil, 2009).
Considerações Finais
A Educação Ambiental (EA) está inserida no Projeto Político Pedagógico das três escolas
Estaduais visitadas, sendo obedecidas as recomendações da Política Nacional e Estadual de
Educação Ambiental, seja por meio de projetos criados por iniciativa de professores ou por adesão
a programas do governo. No entanto, observa-se que não são oferecidos cursos de formação
complementar na área ambiental para os professores atuantes, contrariando o que é estabelecido
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental.
A EA não está inserida no currículo de todos os cursos de licenciatura da Universidade
Federal do Tocantins. Provavelmente os professores formados nesses cursos tenham dificuldades
em desenvolver ações e projetos em EA durante a atuação docente.
Nesse sentido, as escolas precisam oferecer cursos de formação continuada para os
professores atuantes desenvolverem ações de forma interdisciplinar, o currículo dos cursos de
licenciaturas precisam inserir as questões socioambientais, para atender as recomendações das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. É sugerível a criação de uma
disciplina específica nos cursos de licenciaturas com carga horária suficiente para capacitar
educadores ambientais, além disso, que a Universidade ofereça cursos de extensão que envolva
professores da educação básica a fim de capacita-los para elaborar e aplicarprojetos e obter recursos
para financia-los.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei n°9.795 – Institui a Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília, 1999. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm> Acesso em 28 de agosto de 2014.
BRASIL. Decreto n°4.281 Regulamenta Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília, 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4281.htm> Acesso em 28 de agosto
de 2014.
BRASIL. Os diferentes Matizes da Educação Ambiental No Brasil 1997-2007. 2°ed. Brasília. 2009.
Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/educamb/_arquivos/dif_matizes.pdf > Acesso em 13
de setembro de 2014.
BRASIL. Resolução CNE/CP n°2/2012 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Ambiental.
Brasília,
2012.
Disponível
em:
<http://conferenciainfanto.mec.gov.br/images/pdf/diretrizes.pdf> Acesso em 30 de setembro de 2014.
ROSALEM, B.M; BAROLLI, E. Ambientação curricular na formação inicial de professores: O curso
de pedagogia da fe-Unicamp. Revista Brasileira de Educação ambiental.
TOCANTINS. Política Estadual de Educação Ambiental, Lei n°1.374. Palmas, TO, 2003. Disponível
em: <central2.to.gov.br/arquivo/31/155> Acesso em 25 de setembro de 2014.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS (UFT). Catalogo das condições de oferta dos cursos
de graduação. 2010.
Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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ESTIGMA E PRECONCEITO: EXPRESSÕES QUE MARCAM A TRAJETÓRIA
PESSOAL E SOCIAL DE ADOLESCENTES QUE COMETERAM ATO DE
NATUREZA INFRACIONAL1
Eliane Moreira da Silva2
Marlene Almeida de Ataíde3
Resumo
O presente trabalho se propôs a realizar uma pesquisa que teve como sujeitos, seis adolescentes que
por determinadas circunstâncias cometeram ato de natureza infracional e cumpria a medida
socioeducativa de Liberdade Assistida numa instituição situada no Município de Itapecerica da
Serra – SP. A referida pesquisa adotou procedimentos metodológicos qualitativos, para verificar em
quais espaços sociais os mencionados adolescentes se sentem mais estigmatizados ou vistos de
forma preconceituosa.
Palavras chave: Adolescente. Ato infracional. Estigma. Preconceito.
Abstract
The present work if it considered to carry through a research that had as citizens, six adolescents
that for determined circumstances had committed act of infrational nature and fulfilled to the
corretional measure of Attended Freedom -, in a situated institution in the City of Itapecerica of the
Mountain range - SP. The related research adopted qualitative methodological procedures, to verify
in which social spaces the adolescent mentioned ones if they feel more or visas of prejudiced form
stigmatized.
Keywords: Adolescent. Infrational act. Stigma. Preconception.
Adolescência: algumas definições
A palavra adolescente traduzida do latim significa neste caso: ad, para + olescere, crescer:
Crescer para. Desta forma questiona-se: para onde os adolescentes estão crescendo? De que forma
estão crescendo? Esta tradução do latim se aplica na vida da maioria dos adolescentes brasileiros?
Segundo Becker (1999) o adolescente está em processo de desenvolvimento e conflito, isso
é trazido por mudanças no seu próprio corpo, por questões pessoais e por conflitos encontrados no
seio familiar e este adolescente, por sua vez encontra-se em uma sociedade onde só o enxerga como
―maduro‖ ou ―adulto‖, quando este reproduz aquilo que é colocado para ele, quando se encontra
submergidos nas estruturas do sistema, sendo assim se torna mais uma ―engrenagem de máquina‖.
Desta forma, não se pode falar de adolescente sem olhá-lo em uma perspectiva totalizada e
globalizada, pois,
Não existe uma adolescência, e sim várias. O próprio conceito de que ela é um
fenômeno universal é muito duvidoso. Existem sociedades nas quais a passagem da
vida infantil para a adulta se faz gradativamente; a criança vai recebendo funções e
direitos até que atinja plenamente a condição de adulto, o que faz desaparecer
características do que chamamos de crise da adolescência. (BECKER, 1999, p. 9)
1 Trabalho apresentado como requisito para a conclusão do Curso de Bacharel em Serviço Social na
Faculdade de Serviço Social da Universidade de Santo Amaro – UNISA-SP.
2 Assistente Social pela Universidade de Santo Amaro – UNISA-SP.
3 Orientadora do Trabalho de Conclusão do Curso
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É interessante observar, que a adolescência deve ser olhada na sua pluralidade,
considerando que esta fase da vida não é estagnada, parada, fria e sem emoções.
Nesta perspectiva é fácil perceber esta pluralidade, até mesmo porque, há adolescentes que
percorrem por essa etapa de sua história, sem encontrar crises pelo caminho, todavia outros já se
deparam em diferente contexto.
Ainda conforme Becker (1999) é difícil entender o significado do ser adulto, pois este
termo encontra-se muito fragmentado, devido à existência de muitas contradições. Sendo assim, os
adultos passam a exigir dos jovens posturas, que estes não podem tomar, não porque não querem,
mais porque sua idade não o permite. Podemos ter como exemplo, a cobrança aos 16 anos de uma
profissão, sendo que esta decisão mal tomada ditará toda a sua carreira profissional.
Calligaris (2000) traz a tona que muitas vezes o adulto quer que o adolescente seja
autônomo, mas em contrapartida recusa o exercício desta autonomia.
Isso acaba se tornando muito contraditório na vida deste que está em processo de
amadurecimento, pois ao mesmo tempo lhes cobram responsabilidades são negados direitos e
liberdade que este adolescente anseia e que deveria ter pela sua idade.
Enquanto lida com seus conflitos interiores e mudanças corporais, o adolescente se
encontra em uma sociedade contraditória e cuja a complexidade gera muita confusão
em sua cabeça. Ele se defronta hoje com uma cultura em intensa mutação, valores
velhos e decadentes se contrapondo a novas idéias e conceito, sem que haja sequer
tempo para sua assimilação. (BECKER, 1999, p. 13)
Importante frisar que muitas vezes esse adolescente necessita crescer precocemente, pois
na sua casa falta o mínimo para a sobrevivência, pois vivencia um contexto que diverge daquele que
soma apenas as necessidades básicas na sua trajetória que se inicia na idade infantil.
Existe ainda um outro tipo de diversidade no ‗adolescer‘: Num contexto em que atuam
fatores sociais, culturais, familiares, e pessoais, os jovens assumem idéias e
comportamentos diferentes. Há os que querem reproduzir a vida e os valores da família
e da sociedade, há os que contestam, rejeitam e querem mudar; os que fogem os que
lutam os que assistem os que atuam... Enfim, existem inúmeras escolhas. (BECKER,
1999, p. 13)
É sabido que não da para enquadrar esses jovens meninos, em um ―único pacote‖. Cada
um possui suas subjetividades, sonhos, desejos, realidades, contextos sociais diferentes e por sua
vez se manifestarão de formas diversas.
Pinsky e Bessa (2006) relatam que nesta fase os adolescentes querem ser diferente dos
adultos, e ao mesmo tempo sentem a necessidade de pertencer a um grupo, por sua vez, acabam
expressando todas essas manifestações e estilos, nas roupas, gírias, procurando nada mais que um
bem estar.
Calligaris (2000) discute esta questão ao abordar que os adolescentes encontrando-se com
seus grupos ou pares, são muitas vezes fechados, mas revelando a sociedade uma característica
própria, pois muitas vezes este grupo tem um look, preferências culturais, e condutas em comum.
Isso pode gerar um consumismo, e desta forma o adolescente poderá ser visto como alguém que se
torna um dispositivo para o comércio. No atual momento em que vivemos infelizmente se liga
muito a imagem do jovem e ou adolescente ao consumismo desenfreado.
Gonçalves (2003) relata que a adolescência muitas vezes é vista como mercado
consumidor. As roupas, gírias, hábitos, são universais. Os jovens dentro das comunidades recebem
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quase que imediato às referências Americanas, Européias, se valorizando dessa forma as culturas
locais, seguindo um mesmo padrão influente.
Cabe ressaltar que tudo isso gera, as expressões da questão social, a injustiça social, pois os
adolescentes de condições financeiras inferiores, chegam nessa etapa da vida, bem mais
desprotegidos, enxergando esse consumismo desenfreado e desejando participar do mesmo, porém
suas condições financeiras não o permitem e esse processo gera um conflito no respectivo
adolescente.
Adolescência e ato infracional: do que se fala?
Segundo Simões (2011, p. 247),
O ato infracional é a conduta descrita em lei como crime ou contravenção penal (art.
103 ECA), quando praticado por adolescente. A conceituação legal dessa conduta,
excluindo-a de sua configuração como crime ou contravenção, decorre do
reconhecimento do ECA de que o adolescente é imputável, isto é, sua conduta, mesmo
quando corresponda a tipificação do Código Penal ou das Leis das Contravenções
penais, não se caracteriza como tal. (art. 27 CP).
É importante compreender que além das ―condutas‖ objetivas neles descrita, o agente tem
que ter pleno discernimento sobre os seus atos, ou seja, o ECA ressalta que uma pessoa com menos
de dezoito anos não tem essa consciência, essa intuição totalizada, pois segundo o ECA ainda não
foram-lhe atribuído direitos de adultos então, não se pode cobrá-lo como tal.
Para tentar explicitar essa questão usa-se de um exemplo, ou seja, quando a conduta de um
adolescente corresponde à tipificação legal descrita como crime ou contravenção, o ECA entende
que não pode exigir dele, como exigiria de um adulto, devido ao seu grau de discernimento, assim
ele não será conceituado como crime ou contravenção, mas como ato infracional (SIMÕES, 2011)
Quando falamos de ato infracional, falamos também em questões de vulnerabilidade social,
sejam elas no âmbito familiar, falta de acesso a benefícios e programas, acesso a saúde, educação e
tantas outras que poderíamos elencar. Por isso, o adolescente não será penalizado da mesma forma
que uma pessoa adulta, todavia, será inserido mesmo que de forma compulsória em medidas
socioeducativas, com a finalidade de uma ressocialização.
Anterior ao ECA, tivemos o Código de Menores de 1979, que obtinha uma visão muito
conservadora e punitiva, permitindo até mesmo a prisão do adolescente. Com o advento do ECA
ocorre o contrario. Limita-se ao Juiz, lhe assegurar direitos e defesa, algo que não acontecia no
Código de Menores de 1979, pois o seu curador era o promotor público, sendo que este, era o
mesmo que representava contra o adolescente. (CARVALHO, 2008 apud SIMÕES, 2011, p. 248)
Quando um adolescente comete um ato infracional, e se tem comprovação dos fatos,
sendo eles considerados graves ou não, o Juiz pode determinar internação provisória do
adolescente. A sua liberdade decorre também, se foi atuado em flagrante ou não.
O Estatuto da Criança e do Adolescente rompe com os demais códigos, em que a criança e
o adolescente eram objeto do Estado. O adolescente autor de ato infracional, era visto como um
desajustado, como um portador de alguma patologia social. Já o ECA por sua vez tem em sua
teoria, a defesa da criança e do adolescente, ou seja, sujeitos de direitos cuja família, sociedade e
Estado são responsáveis. Sem dúvidas ainda encontramos muitas contradições no ECA, no
entanto, as políticas públicas que deveriam alcançar este publico infanto - juvenil, é muito ineficaz
ou inexistente. Sem dúvidas, já obtivemos um avanço, todavia ainda ocorrem falhas, pois muitas
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questões só mudaram de nome, mas continuam atuando com o mesmo regimento, e da mesma
forma punitiva e repressiva, a exemplo da Fundação Casa, antiga FEBEM-SP.
Segundo Volpi (2001), o adolescente que comete ato infracional, não encontra defesa dos
seus direitos, pois pelo fato da prática de algum ato infracional, são vistos de forma desqualificada
como adolescente e rotulados para sempre como infratores, delinqüentes, marginais e outros
adjetivos.
Estigma e preconceito: faces da mesma moeda
Segundo Allport (1971 apud Souza 2008, p. 128) ―o preconceito é o pensar mal de outras
pessoas sem motivos, ou ainda estar seguro de algo que não se sabe‖. Tudo isso sem dúvidas passa
pela identidade social, onde o individuo se reconhece ou não, pois há vários grupos sociais, gerando
assim uma divisão, entre o ―nós‖ e o ―eles‖.
Preconceito e estigma são faces da mesma moeda, sendo que um pode levar ao outro. O
preconceito acontece de tantas formas, de tantos modos, desrespeitando o outro; seja no
restaurante, escola, hospital, mercado, espaços públicos, trabalho e etc.
No que se refere ao estigma, Goffman (1963. p. 12) relata ―[...] que é a situação do
individuo que está inabilitado para a aceitação social plena‖. Tudo isso é pertinente, profundo, pois
se trata de uma exclusão do humano na sua plenitude.
Conforme Goffman (1963) foram os gregos que criaram o termo estigma com intuito de se
referir aos sinais corporais, com o qual desejavam evidenciar algo de extraordinário ou mau sobre o
status de quem os apresentava. Esses sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo e isso falavam
que o portador era um escravo, um criminoso, um traidor. Esse que era marcado tinha que ser
evitado, especialmente em lugares públicos.
Já para Schilling e Myyashiro (2008), o estigma representa aquele que é considerado
indigno, desonroso, falta de lustre, brilho ou polimento, moral, descrédito, infâmia, perdição, raiva
vergonha.
Neste sentido, ―atualmente, o termo estigma é amplamente usado de maneira um tanto
semelhante ao sentido literal original, porém é mais aplicado à própria desgraça do que à sua
evidencia corporal‖. (GOFFMAN, 1963, p. 11)
A marca mais profunda trazida pelo estigma não é a do corpo, mas da alma, do mais
profundo, esta toca a essência humana, a essência do adolescente, que por sua vez está em um
processo de transformação, de construção.
Pois,
A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos
considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias.
Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que tem possibilidade de
serem neles encontradas. As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos
permitem um relacionamento com ―outras pessoas‖ previstas sem atenção ou reflexão
particular. (GOFFMAN, 1963, p. 12)
Sendo assim, Goffman (1963, p. 13) relata que, ―[...] estigma é, então na realidade, um tipo
especial de relação entre atributo e estereótipo‖.
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É nessa conjuntura, em que podemos entender melhor o estigma, pois o ser humano
estigmatizado pode por sua vez cair em tantas contradições, sendo elas: no papel de vitima; em
alguém que deseja mudar; pode usar o estigma para ganhos secundários; pode ver as privações que
passou como uma benção, como um ensinamento; entre outros. A sociedade vê uma pessoa
estigmatizado como um ser não completamente humano. Sem dúvidas, o estigma desumaniza o
humano.
A pesquisa e o método
A pesquisa foi ancorada pela modalidade de abordagem qualitativa, que coletou os dados a
partir do procedimento metodológico da história oral, pois,
Como metodologia de pesquisa, a história oral se ocupa em conhecer e aprofundar
aspectos sobre determinada realidade, como os padrões culturais, as estruturas sociais,
os processos históricos ou os laços do cotidiano. Os dados para o encadeamento são
obtidos através de conversas com pessoas (relatos orais) que, ao focalizarem suas
lembranças pessoais, constroem também uma visão mais concreta da dinâmica de
funcionamento e das varias etapas da trajetória do grupo social ao qual pertencem,
ponderando esses fatos pela sua importância na vida desses indivíduos. (CASSAB;
RUSCHEINSKY, 2004, p. 8).
Essa metodologia prima por captar a memória viva, as emoções, as paixões, o olhar, a
perspectiva peculiar e os sentimentos de indivíduos das mais diversas origens socioculturais
(CASSAB; RUSCHEINSKY, 2004).
Do aspecto qualitativo este estudo se evidencia no direcionamento de um estudo que
consiste na apreensão do ―[...] universo dos significados, motivações, crenças, valores e atitudes, o
que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos [...] que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis‖ (MINAYO, 2004, p. 21-22).
A ambiência da pesquisa foi o Centro de Referência Especializado de Assistência Social –
CREAS, localizado no Município de Itapecerica da Serra em cujo lócus é desenvolvido um trabalho
voltado para o atendimento a adolescentes/jovens, que num determinado momento se envolveu
em atos de natureza infracional e se encontram cumprindo a medida socioeducativa de Liberdade
Assistida conforme prescreve o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
As vozes dos adolescentes: trajetórias que falam
Os sujeitos da pesquisa foram seis jovens/adolescentes, sendo que três deles possuem 17
anos e os outros três tinham a idade de 18 anos, e, na época da entrevista estavam em cumprimento
da medida socioeducativa de Liberdade Assistida-LA.
Para não expor as identidades dos sujeitos da pesquisa, denominamo-los cada um com o
codinome de um pássaro, na tentativa de verificar qual pássaro, mais se assemelhava às
características dos adolescentes. Vale lembrar que o pássaro nos lembra a liberdade, e afinal será
que não é essa a busca desses adolescentes?
Cacatua – O pássaro mais barulhento e ativo do viveiro
Sabiá Laranjeira – Dono de um canto nostálgico e saudoso
Papagaio Cinzento Africano – A ave artista do viveiro
Patativa – De canto triste, porém já citada em poesias.
Lóris – a ave colorida que não gosta de se misturar.
Mandarim – O passarinho sociável
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Para tanto, alguns fragmentos das narrativas colhidas de algumas categorias que foram
eleitas ilustram brevemente a trajetória pessoal e social destes sujeitos principalmente ao
lembrarem-se da fase da infância, em que grande parte deles cresceu sem a figura paterna, ou seja,
não teve um referencial presente, ativo em suas vidas, vejamos,
[...] a minha infância não foi muito boa não. Quando eu lembro da minha infância,
lembro das agressões do meu pai com a minha mãe, e das necessidades que passamos.
(CACATUA).
A minha infância, depois que meu pai morreu, foi difícil, foi de bastante
sofrimento... (SÁBIA LARANJEIRA).
Minha infância, minha infância foi boa... Eu tinha tudo o que eu queria, tinha
bicicleta, skate, vídeo game. (PAPAGAIO CINZENTO AFRICANO).
Minha história foi muito difícil. Eu cresci sem pai, só minha mãe cuidando da gente.
(PATATIVA).
A minha história no passado foi meio difícil, porque minha mãe sempre me avisava, e
eu não acreditava, mais ao passar do tempo eu fui escutando mais não adiantou.
(MANDARIM).
Dos fatos que marcaram a infância trazem nas suas narrativas as lembranças de a dor, os
sentimentos de raiva e tristeza ou nenhum sentimento, e ainda as perdas, a entrada precoce no
mundo do crime para ostentar o poder de compras e, sustentar uma família, como é o caso do
adolescente Sabiá Laranjeira que aos 9 anos de idade se relacionou com uma garota de 15 anos e
mantinha segundo ele um comportamento que era de homem.
Quando eu lembro na verdade da minha infância, não vem sentimento nenhum, nem
raiva, nem tristeza e nem alegria, nada... (CACATUA).
Às vezes a policia me via com 9 anos dirigindo carro, e pedia dinheiro para mim,
assim eles continuariam me deixando com o carro. (SABIÁ LARANJEIRA)
Foi o aniversário meu e da minha irmã, eu ia fazer dez anos, e meu pai deu pra
“nós” o passeio no mundo da Xuxa...
(PAPAGAIO CINZENTO
AFRICANO).
Não tive, eu perdi meus tios nas drogas, no tráfico, no crime... . (PATATIVA).
[...] eu não tive infância, e sinto que meu extinto é matar, roubar e destruir... Não
tem jeito, tá no instinto. (LÓRIS)
Quando falo de infância eu me lembro de escola, por que... Eu repeti dois anos, eu era
muito infantil, bagunçava muito, fazia tudo errado... (MANDARIM).
Ao relatarem a experiência na vida infracional três adolescentes tinham as idades que
variavam de 9 e 10 anos respectivamente e os outros 3 já se encontravam na fase da adolescência,
contudo, nem por isso deixa de ser precoce para adentrar num mundo de tantas incertezas e riscos
como é o mundo da criminalidade.
Eu comecei com 14 anos, traficando e “robando” e com 16 anos eu tava na gerência
da biqueira. (CACATUA).
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Quando eu tinha 10 anos de idade eu já tinha moto, carro... Comecei com 9 anos, e
com um ano depois eu já tinha moto, carro e uma “casona” imensa... (SABIÁ
LARANJEIRA).
Com 14 anos, eu tava trabalhando no 12 (tráfico). Foi meu primeiro crime, depois
disso eu fui pego por 157. (PAPAGAIO CINZENTO).
Comecei traficando aos 10 anos, já fui pego pelos policiais varias vezes.
(PATATIVA).
Eu tive contato com ato infracional, foi aos 15 anos, onde eu fui pra Fundação Casa
e sai, foi o meu primeiro... (MANDARIM).
No quesito em que diz respeito ao estigma e ao preconceito, ou seja, as marcas que
permanecem nas suas trajetórias pessoais e sociais torna-se importante observar o quão nas
narrativas que seguem estas categorias impregnadas no imaginário social, a exemplo da narrativa do
adolescente Cacatua, que sofre de preconceito no próprio ambiente familiar, bem como no bairro
onde reside aliado ainda às tatuagens que deixam marcas, pois tatuagens eram vistas no passado
como sinais da marginalidade, e isso reproduzia o preconceito nas pessoas que se utilizavam de tais
sinais.
Sinto esse negócio do preconceito, com a minha família que nem olha na minha cara.
Sei que se eu for procurar emprego, não vai ser fácil devido as minhas tatuagens e as
minhas passagens, acho isso muito errado, mais eu procurei... (CACATUA).
A versão do professor foi que nós tava na frente da escola e quando ele saiu já fui
agredindo ele... , porque todo pessoal da escola sabia que eu assinava L.A, e para não
dar problema para ele jogaram para cima de mim. (SABIÁ LARANJEIRA).
Todo mundo me vê feio, principalmente pelas drogas que uso... Na escola todo mundo
me falava, e ai vai rouba aqui hoje? Todo mundo pensa que eu não tenho mais jeito,
se você roubou uma vez e é preso, eles acredita que você não pode mudar e trabalhar,
estudar... (PAPAGAIO CINZENTO AFRICANO).
Na escola mesmo, nem me deram vaga, pois disseram que eu já passei pela FEBEM,
todos me olham de cara fechada, não é normal... Não consigo nem emprego se for
procurar, e isso já aconteceu aqui no bairro... (PATATIVA).
Ninguém acredita que eu posso ser uma boa pessoa pra sociedade. Ninguém dá voto
de confiança como a senhora, todo mundo já olha com um olhar de criminoso. “Pra
que dar „trabaio” pra ele, pra ele passar a “perna em nós”. Ele vai roubar os
“malucos” aqui dentro esse é o pensamento. Eu já tentei várias vezes, e não dá não...
Não me deixam mudar. (LÓRIS).
[...] tem gente que aponta, tem gente que fala, olha lá o L.A... Quero dar volta por
cima. To vendo um emprego no comércio e nem falei do L.A e da Fundação, certeza
que se falasse não me contratariam... Pra construí a nova vida que desejo, muitas
vezes eu não posso falar a verdade, senão não vou “conseguir” nada...
(MANDARIM).
Considerações finais
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O presente estudo comprovou que os adolescentes que cometeram algum ato de natureza
infracional, encontram-se inseridos na sociedade de forma excludente, seja pela escola, mercado de
trabalho, família, etc., dificultando desta forma uma (res) socialização, pois estes são estigmatizados
pela mesma sociedade que os geram.
Devido às marcas que carregam em suas vidas do estigma e do preconceito, estes
adolescentes terão uma maior possibilidade de voltar a reincidir, pois a sociedade não lhes oferece
as oportunidades no sentido de uma inclusão social pela via do direito, mas a inclusão ―precária‖
nos dizeres de José de Souza Martins (1997).
Embora estes adolescentes no momento da pesquisa estivessem em cumprimento da
medida socioeducativa de Liberdade Assistida avalia-se que esta por si só, torna-se ineficiente se
pensarmos a (res)socialização enquanto um processo que se inicia na socialização primária, ou seja
no lócus familiar. Se considerarmos a atual conjuntura no ambiente familiar, muitos dos jovens da
pesquisa, sequer tiveram a oportunidade dessa convivência, e por outro lado percebe-se que as
transformações ocorridas na sociedade mudaram também a concepção de família e em
conseqüência crianças e adolescentes se tornaram alvos destas transformações. Avalia-se que o
fenômeno denominado ato infracional, que vem estigmatizando milhares de adolescentes necessita
ser revisto com um novo posicionamento jurídico e social, para além da mera aplicação de uma
medida socioeducativa, mas que esteja amparada de fato e de direito por políticas públicas,
principalmente para aqueles adolescentes que cumprem a medida em meio aberto possam encerrar
a sua trajetória infracional mediada por ações que permitam a sua (res)socialização plena e não
necessite retornar para o mundo delinquencial.
Considera-se assim, que pássaro sujeito da pesquisa, soube relatar com lucidez o significado
da fase adolescência, seus sofrimentos, sabores e dissabores, conforme o grande poeta Caetano
Veloso ―a dor e a delicia de ser o que é‖...
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Enviado em 30/12/2014/Avaliado em 25/01/2015
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A CATEGORIA GESTÃO E SEUS EFEITOS DE SENTIDOS EM UM PROJETO
PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL
Gabriel dos Santos Kehler6
Resumo
Recorte investigativo de estudo realizado (2012) se propôs, a inferir, a parir de análise de um
Projeto Pedagógico de um Instituto Federal do Estado Gaúcho, a categoria gestão e seus efeitos de
sentidos. Nessa perspectiva, a pesquisa teve como aporte teórico-metodológico a abordagem
dialética e o materialismo histórico. Em sua operacionalização efetivou-se uma análise documental,
utilizando-se a técnica de Análise de Conteúdo em Bardin (2011). Constataram-se sete variáveis
semicategóricas sobre gestão, com efeitos de sentidos diversos. No entanto, emergiram três
evidenciações categóricas, concretamente significativas, sendo o tripé: ―gestão administrativa gestão participativo-democrática e gestão da educação‖.
Palavras-chave: Gestão. Projeto Pedagógico Institucional. Trabalho.
Abstract
Investigative study conducted Cut (2012) proposed, to infer, to give birth analysis of a pedagogical
project of a Federal State Institute of Gaucho, category management and its effects directions. In
this perspective, the research was theoretical and methodological support the dialectic approach
and historical materialism. In its operation was realized documentary analysis, using the content
analysis technique in Bardin (2011). It was discovered that seven semicategóricas variables on
management, with effect from several directions. However revealed three categorical, particularly
significant disclosures, with the tripod: "administrative management - participatory-democratic
management and management education".
Keywords: Management. Institutional Education Programme. Work.
Projeções Iniciais
As elaborações suscitadas no decorrer desse estudo, são primordialmente, efeitos de
produtivas indagações desenvolvidas sobre as relações entre trabalho e educação, não obstante a
transversalidade dos sentidos atribuídos à organização da gestão do trabalho e institucional.
Nesse sentido, a problemática aqui desenvolvida,
veio discutindo o processo
correlacionado na movimentação de forças entre âmbitos macro (mundo do trabalho) e o local
(gestão institucional) a partir da expansão da Educação Profissional e Tecnológica, legitimada pela
Lei Nº. 11.892/2008, e seus desdobramentos sobre a categoria gestão. Para tal, o recorte
investigativo, foi exclusivamente, documental. Realizou-se a análise do Projeto Pedagógico (PPI),
previsto no Plano de Desenvolvimentos Institucional (PDI), de um Instituto Federal do Estado do
Rio Grande do Sul.
A gestão do trabalho na contemporaneidade: deslocamento(s) de sentidos
Inegavelmente, vivenciamos uma profunda crise em relação ao imaginário moderno e suas
formas de representação, seja em relação às formas tradicionais de apreensão do real, da
representação de signos e significados, das identidades sociais e seus referentes, assim como em
Estudante de Pós-Graduação em Educação (PPGE) na Universidade Federal de Pelotas – UFPel. Nível:
Doutorado. E-mail: gabkehler@gmail.com
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suas estratégias de lutas/resistências: partidos políticos, sindicatos, família, escolas e tantas outras
formas estruturais de conceber a política, o social e a cultura. Igualmente, imersos em uma ―cultura
de novo tipo‖, consolida-se os valores da sociedade de consumo7. Seria dada a vitória incontestável
do capitalismo, justificada pela liberdade privada dos meios produtivos da existência humana, seja
pelo trabalho e/ou produção-fabricação de novas subjetividades. Conjunturas, aparentemente
prósperas e seguras a um projeto societário unilateralmente capitalista, ―feliz e democraticamente
liberto‖. Se não fossem, pela fragilidade de sua própria aparência, não haveria nem porque contestála. Contudo, em sua outra face, estampa-se cotidianamente, a exploração da força de trabalho
humana, que por sua vez, é permeada por contradições cada vez mais acirradas.
O controle do trabalho já não é dado por fatores externos, mas constitui-se como uma
introjeção realizada pelo próprio trabalhador, uma fabricação subjetiva. Do mesmo modo, parte-se,
nesse contexto, da compreensão sobre a polissemia de sentidos que se estabelecem entre a gestão
do trabalho, a gestão do trabalho institucional no contexto do mundo do trabalho. Ademais, a
educação historicamente submetida a acompanhar os processos de modernização do país, veio
adaptando-se e aperfeiçoando-se as ―técnicas de gestão‖ do próprio trabalho, conforme os
interesses do capital. Mais enfaticamente, por meio das teorias produtivas da Administração
Científica - moldes de produção em série e controle em Fayol e Taylor, que se inspiram os
processos de gestão escolar.
No entanto, desde o início da década de 1970, marca-se no contexto produtivo um
preocupante diagnóstico, como aponta Antunes (2009), que se dará após um longo período de
acumulação de capitais, que ocorreu durante o apogeu do fordismo e da fase Keynesiana, o
capitalismo, começa a dar sinais de um quadro crítico, como: queda da taxa de lucros; o
esgotamento no padrão de acumulação taylorista/fordista de produção; hipertrofia da esfera
financeira; fusão de empresas monopolista e oligopolistas; o que estimulou a concentração de
capitais; a crise do Welfare State ou do ―Estado do bem-estar-social‖; incremento acentuado das
privatizações. Em contrapartida à sua própria crise, a alternativa proposta pelo capitalismo foi
reestruturar o capital, através de seu sistema ideológico político dominante, que basicamente
consistiu:
[...] no advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação
dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal [...] seguiu também
um intenso processo de reestruturação produtiva da produção e do trabalho, com vistas
a adotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de
expressões anteriores. (ANTUNES, 2009, p. 33)
O pesquisador brasileiro do campo da história da educação, Dermeval Saviani (2002)
destaca que as influências desse advento para o âmbito educacional demarcam um conjunto de
medidas e reformas, que ainda em andamento, vão (re) adaptando a educação às necessidades de
produção mercadológica, assim:
―[...] entram em cena as reformas educativas ditas neoliberais que se encontram em
andamento. Sob a inspiração do toytismo, busca-se flexibilizar e diversificar a
organização das escolas e o trabalho pedagógico, assim como as formas de
investimento. Neste último caso, o papel do Estado torna-se secundário e apela-se para
a benemerência e voluntariado. Em ambos os períodos, prevalece a busca pela
Em uma sociedade de consumo, praticamente tudo é compreendido como mercadoria. Conforme Antunes
há ―uma necessidade imperiosa de reduzir o tempo de vida útil dos produtos, visando aumentar a velocidade
do circuito produtivo e desse modo ampliar a velocidade da produção de valores de troca, faz com que a
―qualidade total‖ seja, na maior parte das vezes, o invólucro, a aparência ou o aprimoramento do supérfluo,
uma vez que os produtos devem durar pouco e ter uma reposição ágil ao mercado‖ (ANTUNES, 2009, p.
52).
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produtividade guiada pelo princípio de racionalidade, que se traduz no empenho em se
atingir o máximo de resultados com o mínimo de dispêndio. Para esse fim, o Estado,
agindo em consonância com os interesses dominantes, transfere responsabilidades,
sobretudo no que se refere ao financiamento dos serviços educativos, mas concentra
em suas mãos as formas de avaliação institucional. Assim, também na educação
aperfeiçoam-se os mecanismos de controle inserindo-se no processo mais geral de
gerenciamento das crises no interesse da manutenção da ordem vigente‖.
(SAVIANI,2002, p.23)
Nessa perspectiva, as políticas públicas educacionais no âmbito da gestão, nesse período de
reestruturação produtiva, foram as mais performativas possíveis. Confluídas em discursos que, em
um primeiro momento, primam por princípios de ―democracia, descentralização dos processos de
gestão e autonomia‖, acabam deslocando-se para formas mais ―sofisticadas‖ de controle e
regulação sobre o trabalho.
A “estratégica” Educação Profissional e Tecnológica: disputas de sentidos
O atual contexto(s) de expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica,
legitimado a partir de sua criação - Lei Nº. 11.892, de 29 de dezembro de 2008 - reconfigura no
cenário nacional, sentidos diferenciados para a educação brasileira, permitindo indagações do tipo:
Que campo em disputa é esse? Que contexto(s) se reelaboram quando o Estado, de certa forma,
―volta em cena‖, depois de anos de privatizações (―Era‖ dos anos 1990) e de reforçado processo
dual da escolarização?
Eliezer Moreira Pacheco (2011), que na época de criação e expansão dos Institutos, estava
Secretário da Educação Profissional e Tecnológica, em estudo sobre o caráter dessa expansão,
―ufanistamente‖ afirma:
[...] Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia são a síntese daquilo que
de melhor a Rede Federal construiu ao longo de sua história e das políticas de educação
profissional e tecnológica do governo federal. São caracterizados pela ousadia e
inovação necessárias a uma política e a um conceito que pretendem antecipar aqui e
agora as bases de uma escola contemporânea do futuro e comprometida com uma
sociedade radicalmente democrática e socialmente justa. (PACHECO, 2011, p.14)
Pode-se inferir pelo teor de seu discurso, que os desafios assumidos na esfera Federal, por
se tratar de uma política de Estado, vêm a articular as reivindicações educacionais às demais
demandas das esferas sociais. Assim, não reduzida ao atendimento exclusivo do reposicionamento
econômico na divisão internacional do trabalho, intervém, pelo menos no teor do discurso, em
preceitos de democratização social.
De tal modo, também é pertinente destacar que se trata de um projeto e uma propositiva
progressista, que atribuiu o ―maior sentido e alcance no conjunto da experiência humana, proposta
incompatível com uma visão conservadora de sociedade. Trata-se, portanto, de uma estratégia de
ação política e de transformação social‖ (PACHECO, 2011, p. 17). Nessa articulação, a organização
da gestão institucional é fundamental, e aqui, passa-se a discutir, a categoria em questão.
Em análise: a categoria gestão
Mediante a inferência da categoria gestão, já elencada à priori, verificou-se de imediato no
documento PPI previsto no PPDI, ao tratá-la no item 2.6 Políticas de Gestão, emergem dois
subitens: 2.6.1 Mecanismos de monitoramento da Gestão; e 2.6.2 Objetivos da Gestão. Sem
discriminar essa separação, tendo em vista a busca pelos sentidos de gestão, foi possível encontrar
sete (07) evidenciações de efeitos de sentidos, enumeradas alfabeticamente (A-G): A) Gestão
Administrativa; B) Gestão na Educação; C) Gestão de processos operacionais; D) Gestão Participativo-
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Democrática; E) Gestão de uma Cultura Organizacional; F) Gestão como efetividade do trabalho; G) Gestão
transparente.
Na evidenciação categórica, a ―Gestão Participativo-Democrática‖, com obteve uma média
de três aparições em momentos distintos no discurso do texto oficial. Provavelmente, movida pela
influência de regulação dos textos legais, como a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes
e Bases - LDB 9394/96. Contudo, o que chama a atenção é a sua utilização em termos de sentidos,
discussão que será enfatizada na sequência, em análise específica. Paralelamente nessa disputa em
termos de evidenciações, está a ―Gestão Administrativa‖, com média de duas (02) aparições. Outra
categoria, em aspecto discursivo mais amplo, foi a ―gestão na educação‖. As demais emergências,
constituíram-se como efeitos de sentidos diversos, como pode-se observar, abaixo:
(Efeito de sentido - C). Gestão de processos operacionais – formação
―[...] a gestão e os processos operacionais da instituição também são elementos
formativos 8 e devem primar pela formação pessoal e profissional dos sujeitos,
atendendo aos princípios básicos para a sobrevivência e desenvolvimento do planeta
sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades das gerações futuras‖.
Aqui, surge o fator ―formação‖ imbricado com um discurso de sustentabilidade, que em
meio a uma preocupação que embora pareça pertinente, não ganha autonomia argumentativa, pois,
no máximo, estes fatores podem constituir uma noção de gestão democrática, no sentido mais
filosófico de princípios, em um bem comum, com uma preocupação de desenvolvimento, em uma
consciência cidadã e ambiental.
Abaixo, o termo suscitado sobre cultura organizacional, ao mesmo tempo em que remete a
pensar sobre aspectos da gestão administrativa, apresenta uma variável interessante que se volta
para a organização cultural para a aprendizagem. Esta, como foco de gestão, remete diretamente
para uma qualificação do termo, que é o pedagógico. Porém, nem a diz, nem a assume como
proposição argumentativa, não passando de um aspecto secundário ao aspecto historicamente
dominante, que é o administrativo, claramente exposto. Observa-se o trecho:
(Efeito de sentido - E). Gestão de uma Cultura Organizacional
―[...] o fundamento da gestão está também no desenvolvimento de uma cultura
organizacional voltada ao aprendizado, e até mais que ele, uma cultura voltada ao
apoio mútuo entre todos os sujeitos imbuídos ou não de cargos de gestão, por meio da
socialização do conhecimento em suas indistintas áreas, tanto relacionadas aos meios
quanto aos fins da instituição‖.
No próximo ponto, é nítida a presença de variáveis da gestão administrativa, contudo,
ambiguamente, se define como princípio da gestão democrática, conforme o exposto:
(Efeito de sentido - F). Gestão como efetividade do trabalho
―[...] deve administrar tendo em vista indicadores de desempenho para todas as
atividades, definidos em conjunto com a comunidade acadêmica e pautados nos
princípios da gestão democrática‖.
E no último aspecto denominado de ―gestão transparente‖, o curioso e pertinente à
indagação é: será que nas demais evidenciações categoriais já expostas aqui, não estão imbricadas,
8 Grifos no decorrer do texto, de autoria do autor do estudo, para enfatizar mais precisamente os aspectos
discutidos.
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ou até mesmo, subentendidas a necessidade de transparência, ao ponto de se fazer necessário levar
aspectos específicos para tal? Esta, que parece uma questão desnecessária, pode evidenciar outros
sentidos não revelados, como por exemplo, da gestão democrática, que à priori, demonstra-se por
excelência e caráter, a evidenciação categórica, quando se trata de gestão, mais completa em
princípios, não necessitaria operar necessariamente com o aspecto de ―transparência‖, confluindose. Observa-se o (Efeito de sentido – G). Gestão transparente: ―[...] promover uma gestão
transparente em todas as instâncias‖.
De imediato, destacam-se as evidenciações categóricas, que constituíram certa autonomia
relativa, em termos de significação discursiva, que se posicionam como categorias estruturantes aos
efeitos discursivos, já destacados.
Categorias evidenciadas: (A. Gestão Administrativa; B. Gestão na Educação; D. Gestão
Participativo-Democrática). Categorias estas, que agora, passarão a ser discutidas.
(Categorização – A). Gestão Administrativa:
Esta evidenciação categorial pode ser considerada a segunda mais acentuada no documento
analisado, pois não fugindo das determinações da relação entre gestão educacional e os moldes
tecnicista, que historicamente a educação foi (de certa forma ainda ‗é‘) compilada às teorizações do
campo da administração, ainda vêm organizando o(s) discurso(s) sobre os processos de gestão,
como pode ser observado nos seguintes trechos:
―[...] Condução, direção e governança. Significa pensar e dirigir de forma abrangente
o conjunto complexo de uma instituição por intermédio da prática efetiva da
administração‖.
Ênfase nítida sobre a ―necessidade‖ de cunho administrativo em sobrepor-se a organização
institucional. Que no trecho seguinte se atribui ao controle da divisão do trabalho realizado pelos
sujeitos:
―[...] Sua prática representa a fluência do trabalho de planejamento, da organização da
estrutura e infra-estrutura, da direção e liderança dos sujeitos e do controle de todas as
atividades, diferenciadas pela divisão do trabalho que ocorre em todas as
organizações‖.
Contudo, quando o documento enfatiza especificamente a esfera da gestão da educação, se
dilui os sentidos, que à priori é compreendida fundamental à organização de uma instituição, se vê
contemplando uma discussão, discursivamente mais ampla.
(Categorização – B). Gestão na Educação:
Como evidenciação ampliada da problematização sobre as esferas de organização da gestão
para a educação, define-se:
―[...] foco principal o bem comum, o que exige responsabilidade e transparência no
trato do bem público. A complexidade aumenta quando se considera a gestão na
educação‖.
Mesmo, alicerçado sob princípios administrativos, percebe-se um esforço em compreender,
por parte da Instituição em questão, a gestão no campo educacional não como algo dado,
meramente controlado e regulado, mas que compreende uma gama de fenômenos complexos, que,
por ora, necessitam de mecanismos potencializadores à efetiva participação coletiva, orientados sob
o viés democrático. Discussão que entra no próximo e último tópico categorial.
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(Categorização – D). Gestão Participativo-Democrática:
É interessante destacar aqui que nesse enfoque, a gestão compreendida sob as
denominações Participativo-Democrática como ―sinônimas‖, demonstrando a fusão em suas
constituições semânticas e políticas. Enfatiza-se esse aspecto, muitas vezes banalizados nos textos
legais e nos discursos pedagógicos, pois apesar de ambas estarem atreladas e se complementarem,
em alguns sentidos, é ambíguo apresentá-las em condições de igualdade e equivalência. A gestão
democrática prevista, na LDB 9394/96, é clara quanto a sua natureza representativa, até pelo seu
caráter institucional, ou seja, uma lei de regulamentação, que define sobre os processos de
democracia na gestão escolar.
Deste modo, a especificidade da participação não pode ser considerada um discurso
naturalizado, como, muitas vezes, é o da democracia, constituído em uma confluência perversa9.
Acredita-se ser essencial perguntar-se: quem tem o poder em participar da gestão? E,
principalmente, como se articula o processo que possibilita a participação de toda uma comunidade
institucional na gestão, que geralmente já é aceita na ―retórica‖ sob o papel, o qual se escreve o
Projeto Pedagógico?
Para demonstrar as distinções de sentidos, atribuídas à utilização de sinônimos, abaixo
alguns trechos, deste, que foi o eixo categorial mais evidenciado:
―[...] o trabalho responsável e sustentável não ocorrerá se não forem praticados os
pressupostos da “gestão participativa” (gestão democrática). Esta se caracteriza
como um processo político por meio do qual as pessoas discutem, deliberam e
planejam, solucionam problemas e os encaminham, acompanham, controlam e avaliam
o conjunto de ações voltadas ao desenvolvimento das instituições. Todo esse processo é
sustentado pelo diálogo, considerando os preceitos da alteridade, responsabilidade,
empoderamento e autonomia das pessoas‖.
Aqui, a gestão participativo-democrática promovida pelas ―pessoas‖, definição no mínimo
ampla, emerge no vazio, pois não se define quem são os sujeitos que fazem acontecer esse processo
de gestão, pois um conceito para pessoas, também se acredita não ser um consenso, conforme a
perspectiva de análise. Todavia, abaixo, contraditoriamente a ausência e amplitude da representação
sobre o termo ―pessoas‖, se define precisamente quem ―conduz‖ o processo de gestão
democrática:
―[...] a gestão democrática é educadora na sua prática e como instituição educadora
deve-se ter o cuidado com modos de gestão que alienam e submetem os sujeitos,
reproduzindo a relação de dominantes e dominados, tão comum na sociedade e nas
organizações tradicionais. Ela não acontece sem a intencionalidade dos gestores e
para isso alguns elementos são importantes: a escolha direta dos representantes e a
garantia da efetiva representatividade por meio do diálogo permanente com os
representados onde as decisões não são pessoais, mas do coletivo; assegurar a efetiva
representação nos Conselhos do Instituto, tanto em nível de Reitoria como nos campi
garantido sua participação na implementação do Plano Pedagógico Institucional – PPI,
e no Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI‖.
Dagnino ao tratar sobre o aspecto democracia enfatiza, a sua perversidade em termos de confluências, que
―[...] ao assumir então o caráter de uma disputa de significados para referencias aparentemente comuns:
participação, sociedade civil, cidadania, democracia. A utilização dessas referências, que são comuns nos
abrigam significados muito distintos, instala o que pode chamar de crise discursiva: linguagem corrente, na
homogeneidade de seu vocabulário, obscurece diferenças, dilui nuances e reduz antagonismos‖ (2004, p. 142).
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No trecho ora citado, se não pela sua ambiguidade em relação à citação anterior, pelo
menos se assume claramente, que não se abandona a figura do gestor como condutor e que a gestão
democrática se constitui no âmbito representativo.
Considerações, por ora, finais
A criação dos Institutos Federais pode se considerada como uma reconfiguração estrutural
no contexto educacional brasileiro, não só no âmbito das políticas públicas, mas na disputa por
sentidos e significações em âmbito local. Evidenciações que emergiram a partir do recorte do
estudo, PPI/PDI de um Instituto Federal do Estado Gaúcho, e na rearticulação organizativa da
gestão do trabalho no contexto do mundo do trabalho contemporâneo. Destarte, apresentaram-se
algumas variáveis que, ora ampliam a noção de responsabilidade de gestão compartilhada,
democrático - participativa, ora se fazem por um cumprimento centralizado na ―condução, direção
e governança‖, entendida como prática a uma ―administração efetiva‖. Assim, em vastos
deslocamentos de efeitos de sentidos, elucida-se em alguns aspectos e momentos, que o tripé
administração - gestão participativo-democrática e educação, na compreensão de gestão, são
estruturantes na proposta institucional, mesmo que outros aspectos venham à tona.
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Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA:
OS SABERES EXPERENCIAIS DOS ESTAGIÁRIOS
Hugo Norberto Krug10
Cassiano Telles11
Rodrigo de Rosso Krug12
Victor Julierme Santos da Conceição13
Resumo
Este estudo objetivou analisar os saberes experenciais construídos durante o Estágio Curricular
Supervisionado (ECS) na percepção dos acadêmicos da Licenciatura em Educação Física do Centro
de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Santa Maria. Caracterizamos a
metodologia como qualitativa descritiva do tipo estudo de caso. As informações foram obtidas por
um questionário e as interpretações das respostas realizadas pela análise de conteúdo. Os
participantes foram 23 acadêmicos do 7º semestre do referido curso. Concluímos que foi possível
identificar coletivamente uma boa quantidade e diversidade de saberes experenciais construídos
durante o ECS pelos acadêmicos estudados.
Palavras-chave: Formação de Professores. Estágio Curricular Supervisionado. Saberes Docente.
Abstract
This study aimed to analyze the knowledge experiential built during the Supervised (ECS) in the
perception of the academic of Degree in Physical Education at Centre of Physical Fitness and
Sports of Federal University of Santa Maria. Characterized the methodology with descriptive
qualitative of type case study. The information was obtained by a questionnaire and interpretations
of answers made realized by content analysis. The participants were 23 academics from the 7th
semester of refer course. Concluded that it was possible to identify collectively a good quantity and
diversity of knowledge experiential built during the ECS by academics studied.
Keywords: Formation Teacher. Supervised. Teacher Knowledge.
Introdução
Atualmente, na área educacional, têm-se verificado um aumento significativo de estudos
que procuram investigar as especificidades, a natureza e os processos de construção de
conhecimentos ou de saberes de professores. Esses estudos aconteceram e ainda acontecem
porque, conforme Tardif (2005), a formalização dos saberes necessários à execução das tarefas que
lhe são próprias é uma das condições essenciais a toda profissão. Afirma que o ensino é a
mobilização de vários saberes que formam uma espécie de repertório no qual o professor se
abastece para responder às exigências específicas da situação concreta de ensino.
Montalvão e Mizukami (2002) afirmam que os saberes docentes são construídos ao longo
da vida, começando, portanto, antes mesmo da formação inicial, passando por ela e acompanhando
toda a formação continuada.
Doutor em Educação; Doutor em Ciência do Movimento Humano; Universidade Federal de Santa Maria;
hnkrug@bol.com.br.
2 Mestrando em Educação Física; Universidade Federal de Santa Maria; telleshz@yahoo.com.br .
3 Doutorando em Ciências Médicas; Universidade Federal de Santa Catarina; rodkrug@bol.com.br.
4 Doutor em Ciências do Movimento Humano; Universidade do Extremo Sul Catarinense;
victorjulierme@yahoo.com.br.
10
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Tardif (2005) define saber docente como um saber plural. Assim, os saberes docentes são:
a) Os saberes da formação profissional - são o conjunto de saberes transmitidos pelas
universidades. Esses saberes parecem ser transmitidos pelas Ciências da Educação, contudo as
relações desse saber com o conhecimento oriundo da prática educacional, constituem o saber
pedagógico, através da reflexão sobre as práticas educativas; b) Os saberes disciplinares – são
adquiridos na formação inicial e continuada, produzidos nas universidades. Emergem da tradição
cultural e dos grupos sociais produtores de saberes; c) Os saberes curriculares – são os discursos,
objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os
saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação
para a cultura erudita; e, d) Os saberes experenciais ou práticos – são os saberes próprios do
professor e de sua vida educacional, incorporando a experiência individual e coletiva.
Assim, considerando essas colocações, deslocamos o nosso interesse investigativo do
professorado em geral e suas práticas pedagógicas para especificamente o Estágio Curricular
Supervisionado (ECS) na formação inicial de professores de Educação Física, com o intuito de
estudar em particular os acadêmicos em formação, pois o ECS também é lugar de produção de
saberes.
Portanto, a partir destas premissas originou-se a seguinte questão problemática norteadora
desta investigação: quais são os saberes experenciais construídos durante o ECS III na percepção
dos acadêmicos da Licenciatura em Educação Física do CEFD/UFSM? Dessa forma, esta
investigação objetivou analisar os saberes experenciais construídos durante o ECS III na percepção
dos acadêmicos da Licenciatura em Educação Física do CEFD/UFSM.
Justificamos a realização dessa investigação, acreditando que estudos dessa natureza podem
oferecer subsídios para modificações na formação de professores de Educação Física,
particularmente, na compreensão do ECS, auxiliando na melhoria da qualidade da formação inicial.
Procedimentos metodológicos
Caracterizamos esta investigação como uma pesquisa qualitativa descritiva na forma de
estudo de caso. Conforme Triviños (1987) a pesquisa qualitativa envolve a obtenção de
informações descritivas sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto dos
pesquisadores com a situação estudada procurando compreender os fenômenos segundo a
perspectiva dos participantes da situação de estudo. De acordo com Goode e Hatt (1968) o estudo
de caso se destaca por se constituir numa unidade dentro de um sistema mais amplo. O interesse
incide naquilo que ele tem de único, de particular, mesmo que posteriormente fiquem evidentes
estas semelhanças com outros casos ou situações.
O instrumento utilizado para coletar as informações foi um questionário que foi
respondido por vinte e três acadêmicos do 7º semestre da Licenciatura em Educação Física do
CEFD/UFSM, matriculados na disciplina de ECS III, no 2º semestre letivo de 2014. Optamos pelo
ECS III por esse ser o último estágio dos acadêmicos na grade curricular do referido curso. Os
participantes foram voluntários e numerados (1 a 23) para preservar as suas identidades. A cerca do
questionário Triviños (1987) afirma que, sem dúvida alguma, o questionário, de emprego usual no
trabalho positivista, também pode ser utilizado na pesquisa qualitativa. A questão do questionário
foi: 1) Quais foram os saberes experenciais construídos durante o ECS III na sua percepção?
A interpretação das informações coletadas pelo questionário foi realizada através da análise
de conteúdo, definida por Bardin (1977) como um conjunto de técnicas de análise das
comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. Destaca que a
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análise de conteúdo prevê três etapas: 1ª) A pré-análise; 2ª) A exploração do material; e, 3ª) O
tratamento dos resultados.
Resultados e discussões
Da percepção dos acadêmicos estudados a respeito dos ‗saberes construídos durante o ECS III‘,
após a análise das informações obtidas e analisadas, ‗emergiram onze categorias de análises‘ e que, a
seguir, as abordamos uma a uma.
‗Saber elaborar um planejamento de ensino‘ (vinte e uma citações - Acadêmicos: 1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8;
9; 10; 11; 12; 13; 14; 16; 18; 19; 20; 21; 22 e 23) foi o primeiro saber destacado. Sobre esse saber
citamos Libâneo (1994) que diz que o planejamento é uma tarefa docente que inclui tanto a
previsão das atividades didáticas em termos de sua organização e coordenação em face aos
objetivos propostos, quanto a sua revisão e adequação no decorrer do processo de ensino, sendo
um momento de pesquisa e reflexão intimamente ligado à avaliação. Já Canfield (1996) ressalta que
o planejamento é a pedra fundamental, a razão de ser de todo o trabalho pedagógico consciente, é o
que orienta o professor em sua caminhada pedagógica em busca da aprendizagem de seus alunos.
‗Saber o trato pedagógico do conteúdo‘ (quinze citações - Acadêmicos: 1; 2; 3; 4; 6; 7; 8; 9; 10; 14;
16; 17; 18; 19 e 21) foi o segundo saber destacado. Em relação a esse saber mencionamos Matos
(1994) que salienta que o professor deve possuir conhecimento pedagógico do conteúdo para poder
realizar um trabalho docente eficaz. Já Krug (1996) diz o professor deve possuir conhecimento
pedagógico do conteúdo, ou seja, além dele saber o conteúdo a ser desenvolvido, torna-se
necessário também saber como transmitir o conhecimento aos alunos.
O terceiro saber destacado foi ‗saber lidar com os comportamentos indisciplinados dos alunos‘
(quatorze citações - Acadêmicos: 2; 3; 4; 5; 7; 8; 11; 12; 13; 15; 16; 18; 20 e 22). Quanto a esse saber
citamos Mattos e Mattos (2001) que afirmam que os alunos não são mais dóceis e cooperativos
como antes. Aquino (1996) diz que, há muito tempo, os distúrbios disciplinares deixaram de ser um
evento esporádico e particular no cotidiano das escolas brasileiras para se tornarem, talvez, um dos
maiores obstáculos pedagógicos dos dias mais recentes. Ressalta que a maioria dos educadores não
sabe como interpretar e administrar o ato indisciplinado. Para Jesus (1999) a indisciplina dos alunos
integra todos os comportamentos e atitudes perturbadoras, inviabilizando o trabalho do professor.
Outro saber destacado, o quarto, foi ‗saber gestão de aula‘ (onze citações - Acadêmicos: 2; 4; 5;
6; 8; 9; 10; 11; 12; 13 e 21). Esse saber pode ser embasado em Claro Jr e Figueiras (2009) que dizem
que a gestão de aula caracteriza-se como a capacidade de manter um ambiente favorável às
aprendizagens. Envolve competências de comunicação, organização, regras e atitudes. Arends
(2005) define gestão de aula como ―os modos pelos quais os professores organizam e estruturam
suas salas de aula, com o propósito de maximizar a cooperação e o envolvimento dos alunos e
diminuir o comportamento disruptivo‖ (p.555).
‗Saber ter o domínio/controle de turma‘ foi o quinto saber destacado (nove citações - Acadêmicos:
2; 4; 13; 14; 15; 17; 18; 21 e 23). Relativamente a esse saber nos reportamos à Garcia (1999) que
salienta que esse tipo de conhecimento não se adquire senão em contato com os alunos e as escolas
reais, e assim, as práticas de ensino constituem-se na oportunidade mais adequada para promover
essa articulação. Já Pierón (1988) ressalta que o professor deve definir as expectativas e traçar os
limites da turma, e o mais importante, conseguir que eles sejam aceitos, sendo essa a principal fonte
de tensões na relação pedagógica.
‗Saber se relacionar bem com os alunos‘ (sete citações - Acadêmicos: 2; 14; 15; 16; 18; 20 e 21) foi
o sexto saber destacado. Sobre esse saber Darido e Rangel (2005) dizem que o sucesso e o
insucesso do processo ensino-aprendizagem depende da interação professor-aluno na aula. Assim, a
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boa relação está ligada ao sucesso e a má relação ao insucesso. Já Cunha (1996) destaca que a aula é
um lugar de interação entre as pessoas e, portanto, um momento único de troca de influências. A
autora destaca que a relação professor-aluno passa pelo trato do conteúdo de ensino. A forma
como o professor se relaciona com a própria área de conhecimento é fundamental, assim como sua
percepção de ciência e de produção do conhecimento. E isto interfere na relação professor-aluno, é
parte desta relação. Outro aspecto que se entrelaça é a metodologia do professor. Um professor que
acredita nas potencialidades do aluno, que está preocupado com sua aprendizagem e com o seu
nível de satisfação, exerce práticas de aula de acordo com esta posição. E isto é também relação
professor-aluno. Parece consequência natural que o professor que tem boa relação com os alunos
preocupe-se com os métodos de aprendizagem e procure formas dialógicas de interação.
Ainda outro saber destacado, o sétimo, foi ‗saber enfrentar e solucionar/amenizar os
problemas/dificuldades surgidos‘ (sete citações - Acadêmicos: 3; 5; 8; 12; 14; 19 e 23). A respeito desse
saber citamos Perrenoud (1997) que afirma que ser professor significa saber exercer a profissão em
condições muito adversas. Já Pérez Gómez (1992) diz que o êxito do professor depende da sua
capacidade para manejar a complexidade do ato pedagógico e resolver problemas práticos, através
da integração inteligente e criativa do conhecimento e da técnica.
‗Saber compreender a realidade dos alunos‘ (sete citações - Acadêmicos: 2; 14; 15; 16; 18; 20 e 21)
foi o oitavo saber destacado. Em relação a esse saber mencionamos Freire (1996) que salienta que
―ensinar exige apreensão da realidade‖ (p.76). Também Krug e Krug (2010) dizem que
compreender a realidade é um dos saberes necessários à prática docente.
‗Saber manter uma postura de professor‘ (cinco citações - Acadêmicos: 1; 8; 11; 20 e 21) foi outro
saber destacado, o nono. Sobre esse saber citamos Torres et al. (2007) que diz que a postura do
professor perante a turma serve de ‗espelho‘ para a formação do caráter dos alunos, pois esses
tentam se espelhar nas pessoas que estão a sua volta, e, principalmente, nas pessoas com quem eles
se sintam bem. E, por isso o exemplo tem de ser ‗bom‘.
O décimo saber destacado foi ‗saber refletir‘ (três citações - Acadêmicos: 8; 9 e 13). Esse saber
pode ser embasado em Furter (1985) que coloca que a reflexão é uma qualidade muito necessária ao
professor, sobretudo, quando adota uma atitude de busca, sempre mais rigorosa, de pesquisa e de
avaliação, de aperfeiçoamento permanente, pois a reflexão é, ao mesmo tempo, crítica, dialética e
renovadora. Já Pérez Gómez (1992) ressalta que o professor competente atua refletindo ‗na e sobre
a ação‘, criando uma nova realidade, experimentando, corrigindo e inventando, através do diálogo
que estabelece com essa mesma realidade.
O décimo primeiro e último saber destacado foi ‗saber relacionar teoria e prática‘ (duas citações
- Acadêmicos: 5 e 6). A respeito desse saber citamos Shigunov; Dornelles e Nascimento (2002) que
dizem que o relacionamento entre teoria e prática constitui-se em um problema básico no campo
educacional. Já Infante; Silva e Alarcão (1996) apontam que a ação prática do professor não é
desligada de conhecimentos teóricos. Também Sousa (1992) afirma que não é possível uma ação
pedagógica sem condução e explicações teóricas, sem pensamentos, sem ideias. Se não há direção,
uma que possa servir como guia desta ação, as respostas são dadas pela influência do ambiente
social, e esse ambiente social é influenciado pela ideologia dominante que é a ideologia da classe
dominante.
Assim, estes foram os saberes experenciais construídos durante o ECS III na percepção
dos acadêmicos da Licenciatura em Educação Física do CEFD/UFSM.
Conclusão
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Concluímos que foi possível identificar ‗coletivamente‘ uma ‗boa quantidade e diversidade‘ (onze)
de saberes experenciais construídos durante o ECS III da Licenciatura em Educação Física do
CEFD/UFSM percebidos pelos acadêmicos estudados. O rol de saberes ressalta o que colocam
Montalvão e Mizukami (2002) de que são muitos os saberes inerentes à profissão docente, e que são
oriundos de diversas fontes, espaços, tempos e experiências que conjuntamente, configuram a base
do trabalho do professor. Nesse sentido, Ozelame (2010) diz que a docência é uma construção.
Ninguém nasce professor, mas torna-se professor por meio de um processo de aprendizagens.
Essas aprendizagens acontecem tanto na formação inicial quanto no decorrer da carreira do
magistério, um caminho que envolve aspectos pessoais e profissionais do sujeito que optou pela
docência.
Entretanto, o que mais chamou à atenção foi a ‗quantidade‘ de saberes experenciais
percebidos ‗individualmente‘ pelos acadêmicos estudados, que foi a seguinte: a) Sete saberes
(acadêmicos: 2 e 8); b) Seis saberes (acadêmicos: 4; 13; 18 e 21); c) Cinco saberes (acadêmicos: 5; 11
e 14); d) Quatro saberes (acadêmicos: 3; 6; 7; 9; 12; 16 e 20); e) Três saberes (acadêmicos: 1; 10; 15;
19; 22 e 23); e, f) Dois saberes (acadêmico: 17). A partir dessa listagem inferimos que a ‗maioria‘ dos
acadêmicos perceberam uma ‗pequena quantidade de saberes experenciais‘. Essa inferência pode ser
fundamentada em Conceição; Souza e Krug (2010) que dizem que a falta de interesse pela busca do
conhecimento durante a formação inicial, faz com que os saberes docentes tornem-se reducionistas
sobre determinado(s) fato(s). Talvez, isso tenha sido o que de fato tenha ocorrido com os
acadêmicos estudados.
Para finalizar, destacamos que é preciso considerar que este estudo fundamentou-se nas
especificidades e nos contextos de um curso de formação inicial de professores em específico, que
foi a Licenciatura em Educação Física do CEFD/UFSM e o seu Estágio Curricular Supervisionado.
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DISCURSO PUBLICITÁRIO E REPRESENTAÇÕES DA MULHER
NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Ivandilson Costa
Doutorando em Letras/Linguística – UFPE
Professor assistente do departamento de Letras
Universidade do Estado do Rio Grande doNorte – UERN
Membro da Associação de Linguística e Filologia da América Latina – ALFAL
Membro da Associação Brasileira de Linguística – ABRALIN
Resumo
O presente trabalho faz um balanço de como a mulher é representada na sociedade atual, a partir da
análise do discurso da publicidade. Para tanto, toma os pressupostos da Análise do Discurso e da
Lexicologia, pondo em paralelo resultados de dois recentes trabalhos. Estes revelam o quanto a
publicidade pode ser tomada como parâmetro de como relações sociais complexas, como questões
de representação e identidade feminina são estabelecidas em nosso contexto. Os estudos apontam,
pois, para um enquadre da mulher em grupo e papéis tradicionais e estereotipados, representativos
de um status social inferior, marcado por traços como dependência, vulnerabilidade, futilidade.
Palavras-Chave: Análise do Discurso. Discurso Publicitário. Gênero.
Abstract
This paper takes stock of how women are represented in today's society, from the analysis of the
discourse of advertising. Therefore, its assumptions of discourse analysis and Lexicology, putting in
parallel results from two recent studies. These reveal how advertising may be taken as a parameter
to complex social relationships, as female representation and identity issues are set out in our
context. Studies indicate therefore fit into a group of women in traditional and stereotyped roles
representative of a lower social status, marked by traits such as dependency, vulnerability, futility.
Key-words: Discourse Analysis. Discourse of advertising. Gender.
Introdução
Caracterizada por certa onipresença nas instâncias societárias na atualidade, a publicidade
não desarrazoadamente acaba funcionando como um pêndulo de como relações sociais complexas
estão estabelecidas. Pelo presente trabalho, pretendemos traçar um balanço de como a mulher vem
ser representada pelo discurso mercadológico da publicidade na sociedade atual, para o que nos
amparamos nos pressupostos da Análise do Discurso.
Para tanto, procuramos pôr em paralelo dois trabalhos de pesquisa no âmbito dos estudos
linguísticos, um mais ancorado no arcabouço da Lexicologia (COSTA, 2004; 2006) e outro
alicerçado nos estudos da Análise do Discurso de vertente pêcheutiana (PIVETTA, 2009;
GRIGOLETTO; PIVETTA, 2011).
Como forma de tecer um desenho do aparato teórico, apresentaremos um elenco dos
principais conceitos operacionais que servem de apoio a um exame tal, para o que se destacam
temas como aspectos históricos e característicos da Disciplina, o conceito de Formação Discursiva,
bem como a noção de sujeito do discurso.
A Análise do Discurso de todos os nós: delimitações e conceitos básicos
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A Análise do Discurso (AD) nasce em um momento em que, diante de um cenário dos
estudos da linguagem marcado pelo formalismo, se fazia necessária uma ação intervencionista e
transformadora em favor de uma revolução, principalmente quanto a conceitos renegados pela
linguística de então, como historicidade e sujeito. Nessa perspectiva, tem-se que é precisamente no
discurso ―que se concentram, se intrincam e se confundem, como um verdadeiro nó, as questões
relativas à língua, à história e ao sujeito‖ (FERREIRA, 2005, p. 13). Nessa conjuntura, é convocada
uma articulação a áreas diversas das ciências humanas como a linguística, o materialismo histórico, a
psicanálise.
Sob a condução de seu fundador, Michel Pêcheux, a AD procura, com efeito, trabalhar
seus objetos discursivos sob uma tríplice tensão, entre (1) a historicidade, (2) a interdiscursividade e
(3) a sistematicidade da língua. Nos estudos discursivos, ressalta Orlandi (2005, p.19), ―não se
separam forma e conteúdo e procura-se compreender a língua não só como uma estrutura, mas
sobretudo como acontecimento.‖ Ao que acrescenta:
Para a Análise de Discurso: a. a língua tem sua ordem própria mas só é relativamente
autônoma; b. a história tem seu real afetado pelo simbólico; c. o sujeito de linguagem é
descentrado pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo
o controle sobre o modo como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito
discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia. (ORLANDI, 2005, p. 20)
Encontramos nesse ponto um traço distintivo do tratamento da AD: o enfoque que faz da
ideologia:
O inconsciente, como diz Lacan, está constituído pela linguagem. Mas o sujeito da
análise do discurso não é só o do inconsciente; é também, como vimos, o da ideologia,
ambos são revestidos pela linguagem e nela se materializam. Essa é uma particularidade
que assegura ao campo discursivo tratar de uma dupla determinação do sujeito – de
ordem da interioridade (o inconsciente) e da exterioridade (a ideologia) (FERREIRA,
2005, p.19)
Pêcheux (1975 [1997]), a esse respeito, já postulava que não há discurso sem sujeito, nem
tampouco sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a
língua faz sentido. ―Partindo da ideia de que a materialidade específica da ideologia é o discurso e a
materialidade específica do discurso é a língua, [a AD] trabalha a relação língua-discurso-ideologia‖
(ORLANDI, 2005, p. 17).
Chega-se, por conseguinte, à consideração de um outro conceito-chave para o postulado da
AD, qual seja, o de Formação Discursiva (FD), a qual vem corresponder a um domínio de saber,
constituído de enunciados discursivos, que não deixam de ser, de certo modo, uma forma de
relacionar-se com a ideologia vigente, regulando ―o que pode e deve ser dito‖ (Pêcheux, 1975
[1997]). O termo, como se sabe, surgiu com Foucault, que punha em xeque as condições históricas
e discursivas em que se constituem os sistemas de saber. Assim, temos que os indivíduos são
interpelados em sujeitos de seu discurso, pelas formações discursivas que representam na linguagem
as formações ideológicas que lhes são correspondentes:
A interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso se efetua pela identificação (do
sujeito) com a formação discursiva que o domina (isto é, na qual ele é constituído como
sujeito)... tal identificação ocorre pelo viés da forma-sujeito (INDURSKY, 2008, p. 11)
Courtine (2009), a esse respeito, remonta ao conceito matriz de Formação Ideológica (FI)
para pontuar que em uma dada conjuntura, as relações antagônicas de classes determinam o
afrontamento, no interior desses aparelhos, de posições políticas e ideológicas que não se devem
aos indivíduos, mas que se organizam em formações mantendo entre si relações de antagonismo, de
aliança ou de dominação:
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Falar-se-á de formação ideológica para caracterizar um elemento suscetível de intervir,
como uma força confrontada a outras forças na conjuntura ideológica característica de
uma formação social num dado momento (COURTINE, 2009, p. 71).
E segue argumentando o autor que ―uma FD é o que, em uma dada FI e em uma
conjuntura, determina ‗o que pode e deve ser dito‘ (o que equivale a dizer que as palavras,
expressões, proposições recebem seu sentido da FD na qual são produzidas)‖ (COURTINE, 2009,
p. 73). Ora, o próprio Pêcheux (1975) já asseverava que ―o próprio de toda FD é dissimular, na
transparência do sentido que nela se forma, o fato de que ‗isso fala‘ sempre antes, em outro lugar,
ou independentemente‖ , donde advém outra noção, igualmente cara à AD, a do interdiscurso.
A caracterização do interdiscurso de uma FD é, por conseguinte, central na perspectiva
desenvolvida por Pêcheux. O interdiscurso é o lugar no qual se constituem os objetos de que esse
sujeito enunciador se apropria para deles fazer objetos de seu discurso, assim como as articulações
entre esses objetos, pelos quais o sujeito enunciador vai dar uma coerência à sua declaração:
É, então, na relação entre o interdiscurso de uma FD e o intradiscurso de uma
sequência discursiva produzida por um sujeito enunciador a partir de um lugar inscrito
em uma relação de lugares no interior dessa FD que se deve situar os processos pelos
quais o sujeito falante é interpelado-assujeitado como sujeito de seu discurso
(COURTINE, 2009, p. 73-4)
Paralelamente, temos como relevante a questão do sujeito. A evolução da teoria da AD
parece estar estritamente vinculada à evolução mesma da noção de sujeito. Pêcheux (1969 [1997])
pareceu desde o início querer conceber o sujeito como ―um lugar determinado na estrutura social‖.
Mais posteriormente, postula uma ―teoria da subjetividade de natureza psicanalítica‖ (Pêcheux;
Fuchs, 1975). Em seguida, Pêcheux (1975 [1995]) vem propor uma teoria não subjetiva da
subjetividade, para o que trabalha em função da articulação de duas noções fundamentais: o
inconsciente e ideologia.
Assim, o sujeito pecheutiano é aquele que não está na origem do dizer, pois é duplamente
afetado. De um lado é dotado de inconsciente. E, de outro, ele é interpelado pela ideologia. O
sujeito é interpelado ideologicamente, mas não sabe disso e suas práticas discursivas se instauram
sob a ilusão de que ele é a origem de seu dizer. Tal interpelação se dá pela identificação sujeito com
a FD que o domina e, por conseguinte, tal identificação ocorre pelo viés daquilo a que se chamou
de forma-sujeito.
Como se pôde deduzir deste breve esboço, trata-se a AD de uma teoria bastante dinâmica,
constantemente retroalimentada pelo construto mesmo das análises realizadas a partir de seu
postulado. Como já tratou de ressaltar Indursky (2008, p. 9), ―em Análise do Discurso, ocorre uma
inquieta relação que vai, em um constante movimento pendular, da teoria para a análise e, desta, de
volta para a teoria‖.
Os tentáculos do discurso publicitário
São as condições sociais que tornam a publicidade um construto possível e nelas se efetua
seu elemento motriz, o consumo. Assim, são condições imprescindíveis à matraca publicitária,
primeiramente o supérfluo e, em segundo lugar, a existência de um mercado de massa. A esse
respeito Vestergaard e Schrøder (1988, p. 3-4) lembram que ―a superprodução e subdemanda
tornam necessário estimular o mercado, de modo que a técnica publicitária mudou da proclamação
para a persuasão.‖
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A publicidade, nesse sentido, reflete muito de perto as tendências do momento e os
sistemas de valores da sociedade. Como já acentuam Vestergaard e Schrøder (1988):
Os anúncios [publicitários] devem preencher a carência de identidade de cada leitor, a
necessidade que cada pessoa tem de aderir a valores e estilos de vida que confirmem
seus valores e estilos de vida e lhe permitam compreender o mundo e seu lugar nele; há
um processo de significação, no qual um certo produto se torna a expressão de
determinado conteúdo (estilo de vida e valores) (VESTERGAARD; SCHRØDER,
1988, p. 74).
A rigor, podem ser apontadas como cinco as tarefas básicas do publicitário (Vestergaard e
Schrøder, 1988, p. 47): ―chamar a atenção; despertar o interesse; estimular o desejo; criar convicção;
induzir a ação.‖ Tais metas funcionam em coadunação com os elementos constitutivos do anúncio,
segundo a concepção de Vestergaard e Schrøder (1988, p. 49): ― título; texto; assinatura; slogan‖.
Assim, funções como a da atenção e do interesse têm como elementos responsáveis um consórcio
entre título, ilustração e slogan.
Sells e Gonzalez (2003) concebem uma divisão da publicidade em três componentes
básicos: o texto, a imagem e a organização desses elementos. O texto figura como o elemento que
fornece informação acerca do produto e, mais propriamente, fornece ancoragem para a imagem.
Sob a categoria geral de texto, podemos encontrar uma informação descritiva acerca do produto,
enunciados para cativar a atenção do leitor, bem como, tipicamente, frases curtas que encerram a
função de slogan e finalmente o nome da empresa e/ou produto anunciado. São, quanto a esse
aspecto, dignas de nota propriedades físicas do texto como fonte (forma, tamanho), cor, formato
etc.
Imagem e texto estão dispostos articuladamente sob determinada organização que passa a
ser um importante componente para o conjunto da peça publicitária. A organização pode sugerir
coerência, algum modo de ordem em que as partes são interpretadas e a relevância que determina o
modo particular de sentido que a publicidade possui. Trata-se do aspecto ao qual Pivetta (2009),
mencionando Orlandi, chama de construção: a integração dos elementos na organização textual,
determinante deste(s) ou daquele(s) sentido.
A par disso, a atividade consumidora promovida pelo movimento do discurso publicitário,
como enfatiza Campos (1987), passa da consideração dos objetos em seu valor-de-uso
(determinado pelas propriedades materialmente inerentes a mercadoria) a agregação de um valorde-troca simbólico. Se o primeiro se pode definir em termos individuais, este último é estritamente
social, por promover o relacionamento entre diversos produtores.
Valor-de-uso e valor-de-troca não mantêm, dessa forma, mais vínculo algum em nosso
sistema de consumo: enquanto um perde sua funcionalidade prática, o outro transforma os objetos
em conotadores de posição social, em portadores de significação social. O valor do objeto, nesse
sentido, não mais é definido pelo trabalho nele corporificado, mas pelo sistema social que faz dele
signo de seus valores básicos – status, felicidade, amor, segurança. E, com efeito, por meio
primordialmente de objetos que os homens se relacionam uns com os outros.
A publicidade, assim vista como um fenômeno da pós-modernidade, acarreta uma
constatação, tal como observa Trindade (2005):
Para os que continuam inseridos na dinâmica produtiva do sistema existe um discurso,
do qual a publicidade é difusora, que representa um importante valor das sociedades na
modernidade-mundo. Esse discurso fundamenta-se, em termos do indivíduo na sua
dinâmica social, no princípio da individuação, ou seja, o indivíduo sozinho pode
realizar-se, tendo uma boa formação intelectual e profissional, o que leva, por
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consequência, ao êxito profissional, financeiro e, por fim, ao sucesso no campo afetivo
(TRINDADE, 2005, p . 84).
A par disso, o discurso publicitário, segundo Carvalho (1998, p. 59), ―tem as características
específicas da sociedade na qual se insere e é o testemunho autorizado dos imaginários sociais do
contexto envolvente, revelando o funcionamento cultural‖, ajudando a configurar a publicidade
enquanto um grande instrumento da sociedade de consumo no sentido de tornar imóveis os
códigos sociais existentes, colocando cada um dos indivíduos em seu devido lugar.
Estudo de caso: a mulher na/pela publicidade
Em Costa (2004; 2006), temos o relato de uma pesquisa desenvolvida no âmbito da
Lexicologia que teve como objetivo proceder a um estudo sobre os mecanismos linguísticos
significativos quanto à representação de um mito do novo na publicidade impressa para o públicoalvo feminino. A hipótese básica que norteou a investigação foi a de que, como responsáveis pela
tessitura de uma atmosfera favorável à manutenção de tal mito, quando tomada a publicidade
impressa endereçada ao público feminino, foram considerados os seguintes mecanismos
linguísticos: emprego de itens lexicais, como novo/a, chegou, renovar, e o operador situativo agora;
processos de formação de palavra (especialmente prefixação e composição); uso de terminologia
técnico-científica; manutenção de formas fixas (provérbios, frases feitas, adágios, expressões cristalizadas). O
exemplo que segue pode ser tomado como representativo da investigação realizada.
CUIDADO COM OS TUBARÕES NA AREIA.
Chegou Seda Verão Intenso, com Complexo Hidroprotetor e filtro UV, que hidrata seus
cabelos profundamente e os protege das agressões típicas do verão.
Novo Seda Verão Intenso. Você vai curtir o verão intensamente e seus cabelos também.]
Revista Cláudia (fev. 2002, p. 11).
A pesquisa revelou que foi urgente a recorrência, nos textos analisados, dos recursos
linguísticos com expressão de novidade. A tessitura de uma atmosfera propícia ao novo na
publicidade para a mulher se demonstra peculiar, pela insistência e multiplicidade de recursos
linguísticos empregados, cabendo com perfeição na representação da imagem da mulher em nossa
sociedade.
A mulher, por conseguinte, conforme se pôde analisar, se vê compelida a adquirir não um
produto em si, mas tudo aquilo que ele lhe pode proporcionar e que faz por certo parte do
imaginário da comunidade a que pertence. Ao valor-de-uso, objetivo, e o que menos tem tido
importância, agrega-se um valor simbólico que transforma o produto em portador de posição e
significação social. O valor do objeto passa a ser definido pelo sistema social que faz dele signo de
seus valores básicos – status, amor, segurança – e, em nosso caso específico, da conotação de
juventude e recursivo remoçamento, marcado pelo ideal do mito do novo.
Para que a mulher, portanto, se ―enquadre‖ nesse contexto abonador daquilo que é
marcado pelos ideais de beleza, juventude, novidade, tem como aliado primordial o produto que
foge de seu papel de mero objeto de uso para auxiliar de um ato de conquista, por possibilitar a ela
um fácil acesso àquilo que mais deseja, vale dizer, de que mais precisa.
Em nosso caso, foi marcante atentarmos para o fato de que a publicidade reflete o olhar
masculino: exige-se que a mulher esteja engajada na atmosfera da novidade, renovada e renovandose, a despeito do fato de que seu papel na sociedade esteja mudando porquanto esteja lutando cada
vez mais pela superação de imagens pré-construídas, inerentes a uma sociedade patriarcal
construídas sobre os valores tradicionais masculinos.
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De certo modo, o conjunto dos dados, bem como os resultados alcançados em Costa
(2004; 2006), vão ao encontro dos achados de Pivetta (2009), dos quais o caso explicitado em
Grigoletto e Pivetta (2011), pode ser tomado como exemplar:
Campanha Campari
CAMPARI
SÓ ele É ASSIM
(GRIGOLETTO; PIVETTA, 2011)
Apoiando-se nos postulados da AD, este estudo constata primeiramente que a FD
mercadológica é reconhecidamente a que domina os saberes/dizeres do discurso publicitário,
porquanto represente a relação do modo capitalista atual. Por conseguinte, a tomada de posição do
sujeito-leitor(a) reproduz os saberes que essa FD dominante mantém, apagando/silenciando os
efeitos provenientes de outras FDs, que também poderiam ser mobilizadas para tratar da questão
da constituição da identidade feminina.
Assim, ―ao interpretar o Discurso Publicitário, identificando-se com os sentidos da FD
mercadológica, o sujeito-leitor(a) reproduz o sentido cristalizado e materializa esse sentido
(im)posto pela FD dominante, através da aquisição do que é divulgado‖. A publicidade, deste
modo, ao procurar vender um produto, trabalha em função de vender também ―a imagem de/da
mulher atual, juntamente com ideias e sugestões sobre estilos de vida, modo de (com)portar-se e
como (ob)ter o corpo ideal‖. A pesquisa, portanto, se encaminha para constatar que:
Entre a materialidade verbal e a não-verbal, atravessada pelos dizeres da FD feminina,
da publicidade e da mídia, a FD mercadológica regula o que pode e deve ser dito sobre
a imagem da mulher no discurso publicitário, projetando, através dos processos
identitários, uma representação da mulher cujo corpo é produto de desejo, de consumo
da sociedade atual e, como tal, torna-se um instrumento eficaz na venda de
determinadas mercadorias (GRIGOLETTO; PIVETTA, 2011, p. 56).
Considerações finais
No que tange ao aporte teórico, temos que o manancial da AD é complexo e mantém uma
tensa relação com a noções próprias que o compõem. Isto porque, como já frisou Ferreira (2005), a
AD não trabalha com a língua da transparência, autonomia, imanência. Esta língua pasteurizada não
é a língua do analista do discurso. Sua língua é outra: é ―a língua da ordem material, da opacidade,
da possibilidade do equívoco como fato estruturante, da marca da historicidade inscrita na língua. É
a língua da indefinição do direito e avesso, do dentro e fora, da presença e ausência‖ (FERREIRA,
2005, p. 17). Isto leva a um aspecto peculiar, segundo a autora:
As fronteiras da Análise do Discurso não apontam para o fechamento, abrindo sempre
um espaço para a alteridade, para a diferença, para o novo. As análises não têm a
pretensão de esgotar as possibilidades de interpretação, da mesma forma que os
conceitos-chave da teoria estão sempre se movimentando, reordenando,
reconfigurando a cada análise (FERREIRA, 2005, p.18)
Ou, como aponta Indursky (2008), a AD:
Trata-se de um quadro teórico que gera reflexão,, que se interroga constantemente e
para o qual a análise não implica a aplicação mecânica de conceitos, noções e modelos
já formulados anteriormente. Esta é uma das características mais marcantes deste
quadro teórico: questionar as diferentes teorias e questionar-se a si própria, sem
acomodação. Esta é uma teoria bastante dinâmica para a qual as análises servem para
realimentar a teoria. Dizendo de outra forma: a teoria está na base das análises que, por
sua vez, retroalimentam a teoria (INDURSKY, 2008, p. 9).
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Sob esse prisma, constatamos que, embora distanciadas temporal e mesmo teoricamente, as
pesquisas apresentadas no presente trabalho chegam a conclusões bastante semelhantes, pelo
menos no que tange ao modo como o discurso publicitário traça uma representação da mulher em
nossa sociedade atual: em que pese o fato de muito se falar em temas como independência e
emancipação foi revelador o fato de a mulher ainda estar enquadrada em grupo e papéis tradicionais
e estereotipados, representativos de um status social inferior, marcado por traços como
dependência, vulnerabilidade, futilidade.
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Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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A VIABILIDADE DA PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO DE UMA TURMA OU
ESCOLA BILÍNGUE NA CIDADE DE ALTAMIRA-PARÁ.
João Kleber Silva da Silva14
Roseane Rabelo Souza15
Resumo
Essa pesquisa tem como objetivo analisar as percepções de sujeitos surdos sobre a implementação
de uma turma ou escola bilíngue na cidade de Altamira. Trata-se de uma pesquisa de campo de
abordagem qualitativa e bibliográfica. O lócus foi uma escola da rede de ensino médio do
município. Os sujeitos da pesquisa foram 02 (dois) surdos da escola que estudam no 3º ano do
Ensino Médio. Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevista e gravação em vídeo
com auxílio de intérprete convidada que trabalha na instituição. Os resultados apontam o incentivo
na criação de escolas bilíngues na cidade de Altamira articulado aos parâmetros legais (legislação)
em relação à proposta bilíngue (Libras - Português).
Palavras-chave: Educação, Escola Bilíngue, Surdos.
Abstract:
This research aims to analyze the perceptions of deaf people on the implementation of a class or
bilingual school in the city of Altamira. This is a field research of qualitative and bibliographic
approach. The locus was a school high school network in the city. The study subjects were 02 (two)
school deaf studying in 3rd year of high school. To collect the data we used an interview and
recording video with script interpreter aid invited who works in the institution. The results indicate
encouraging the creation of bilingual schools in the city of Altamira articulated the legal parameters
(legislation) in relation to bilingual proposal (Pounds - Portuguese).
Keywords: Education, Bilingual School, Deaf.
Introdução
A aproximação com as discussões acerca da educação voltada para as pessoas com surdez
surgiu na graduação em Ciências Naturais com habilitação em Biologia cursada na Universidade do
Estado do Pará no ano de 2012.
Durante a graduação observei que não existiam trabalhos na área da educação inclusiva
envolvendo a percepção dos professores de biologia sobre a inclusão das pessoas com surdez na
escola regular. Isso me motivou a desenvolver uma pesquisa intitulada ―A Educação de Surdos e as
necessidades dos professores de Biologia para o desenvolvimento de Práticas Inclusivas‖ como
requisito para a conclusão do curso.
Entre os resultados da pesquisa foi possível observar que a escola não apresentava
indicativos para ser considerada inclusiva, pois faltava o apoio de um intérprete, profissionais
habilitados em Libras, material didático adaptado e professores de biologia com conhecimentos
acerca da língua de Sinais e das especificidades de aprendizagem do aluno surdo em sala de aula.
Aluno do curso de Especialização Educação, Diversidade e Sociedade da Universidade Federal do Pará
Campus Altamira.
15 Pedagoga, Especialista e Mestre em Educação Especial pela Universidade do Estado do Pará- UEPA.
Professora da Faculdade de Educação. Disciplina Fundamentos da Educação Especial- UFPA. Campus de
Altamira.
14
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Esses resultados me levaram a compreender que a educação de surdos no município de
Altamira, enfrenta uma série de desafios relacionados à sua aprendizagem, metodologias de
trabalho, formação de professores, entre outros. Isso me permitiu refletir acerca da inclusão do
aluno surdo na escola regular.
As discussões atuais da educação de surdos revelam a necessidade de uma educação que
reconheça a diferença linguística do aluno surdo. Nesse sentido, os estudos apontam para a
implementação de escolas ou classes bilíngues que propiciam ao aluno surdo o aprendizado da
Libras, como primeira língua, o aprendizado do português, na modalidade escrita, como segunda
língua, bem como, os conteúdos curriculares em Libras.
Nessa escola, alunos surdos e ouvintes poderão ser matriculados. No Brasil já existem
algumas escolas nesse perfil, a citar Escola Municipal de Educação bilíngue para surdos Neusa
Basseto e Instituto Santa Teresinha - Escola bilíngue para surdos, ambas em São Paulo; Escola
Municipal de Ensino Fundamental de Surdos Bilíngue Salomão Watnick em Salvador.
Alguns estudos apontam, a saber, o de Margonari (2013), as dificuldades pedagógicas
vivenciadas pelos surdos, no município de Altamira, no contexto do discurso da inclusão na escola
comum. Muito desses surdos, participam do Centro de Apoio e Promoção de Acessibilidade e
Inclusão Social - CAPAIS, e entre as discussões desenvolvidas entre eles é a criação da escola
bilíngue (Libras- Língua Portuguesa) no município de Altamira. Importante frisar que essa
discussão no Brasil faz parte de uma demanda válida, sustentada legalmente pela lei nº 10.436/02
(Brasil, 2002), que reconhece a Libras, como uma língua e orienta os sistemas de ensino a
organizarem escolas bilíngues (Libras- Língua Portuguesa).
Partindo dessas inquietações, ao ingressar na especialização Educação, Diversidade e
Sociedade na Universidade Federal do Pará- UFPA, me sentir motivado a ampliar meus
conhecimentos sobre a área da educação de surdos, bem como, contribuir com as discussões acerca
da inclusão do aluno surdo em uma perspectiva bilíngüe. Nesse sentido, sinto-me instigado a
investigar: Quais as percepções dos sujeitos surdos acerca da proposta de implementação da
escola ou turma bilíngue (Libras – Língua Portuguesa) na cidade de Altamira?
O objetivo geral dessa pesquisa é analisar as percepções dos sujeitos surdos acerca da
proposta de implementação de uma turma ou escola bilíngüe na cidade de Altamira e de forma
específica: Verificar os parâmetros legais (legislação) em relação à proposta bilíngüe (Libras Português); Compreender a visão dos sujeitos surdos sobre a possibilidade de uma escola bilíngue
no município; e elucidar os prováveis desafios para implementar a escola ou turma bilíngue no
Município de Altamira.
Pesquisa de campo
Nesse estudo elegemos a pesquisa de campo16 de abordagem qualitativa. Nesse tipo de
pesquisa a investigação é empírica partindo da experiência do entrevistado na perspectiva de sua
realidade. O lócus da pesquisa foi uma escola da rede de ensino médio do município de AltamiraPará, que possuí aproximadamente 20 surdos. A Escola foi escolhida pelo número significativo de
alunos surdos que estão matriculados na instituição.
Os participantes da pesquisa foram dois alunos surdos do 3º ano do ensino médio que
terão nomes fictícios para preservar suas identidades. Para a escolha desses alunos consideramos a
A pesquisa de campo procede à observação de fatos e fenômenos exatamente como ocorrem no real, à
coleta dos dados recentes aos mesmos e, finalmente, à analise e interpretação desses dados, com base numa
fundamentação teórica consistente, objetivando compreender e explicar o problema pesquisado. Disponível
em: <http://www.profludzzimetodologia.blogspot.com/>. Acesso em 26 de junho de 2014.
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idade (maior de 18 anos) e o ano de escolaridade, preferencialmente ensino médio, pois se
compreende que esses critérios de seleção poderiam propiciar respostas mais sistematizadas.
Para a construção dos dados foram realizadas entrevistas, do tipo estruturada. As
entrevistas aconteceram no espaço de Atendimento Educacional Especializado (AEE) da escola, no
dia 24 de abril de 2014 no intervalo da aula no período da noite, onde os participantes respondiam
cada pergunta eram traduzidas em libras pela intérprete. Após as entrevistas o material foi
traduzido17 e sistematizado. As entrevistas foram filmadas e tiveram o auxilio de uma intérprete
voluntária que possui certificação na área, por meio de um curso de especialização. Todos os
entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido- TCLE (Apêndice 1).
Análise dos dados
Para análise dos dados elegemos categorias iniciais, a saber, escola bilíngue, dificuldades e
experiências pedagógicas. Essas categorias demarcadas no roteiro de entrevistas foram abordadas
recorrendo a uma analise com base nos teóricos do campo dos estudos culturais surdos, da inclusão
e das políticas afirmativas na educação de surdos.
Parâmetros legais (legislação) em relação ao ensino bilíngüe para alunos surdos
A Educação abre muitas portas para as pessoas, um grande passaporte para o
conhecimento, porém, as sociedades durante décadas negaram o direito de acesso a determinadas
pessoas, em virtude de um discurso de normalidade que determinava quem poderia ou não ser
escolarizado, entre essas pessoas, destaca-se, os surdos.
Na luta por uma mudança nesta perspectiva ocorreram diversas lutas, entre elas, as
empreendidas pela Federação Nacional de Integração de Educação de Surdos (FENEIS) e demais
instituições como o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) pelo reconhecimento da
Língua Brasileira de Sinais (Libras).
O reconhecimento legal veio com a Lei nº 10.436, de 24 de Abril de 2002 que trata da
legitimação da Língua de sinais como língua e o Decreto 5.626/2005 que enfatiza a garantia de toda
criança surda ser matriculada nas instituições públicas e privadas.
Este mesmo decreto incentiva a criação de escolas ou turmas bilíngues, no artigo 22, que
destaca que as escolas e classes de educação bilíngue serão abertas a alunos surdos e ouvintes com
presença de professores bilíngues (SÁ, 2011, p.37). Dessa forma sugere, ou melhor, assegura uma
possibilidade de implantação da escola ou turma bilíngue para contemplar a comunidade surda.
Nestes termos os Estados e Municípios, conjuntamente com a União, devem propiciar a
criação de escolas bilíngues valorizando a especificidade linguística do surdo. Iniciativas já foram
feitas, neste sentido. Exemplificamos dois casos de São Paulo e Distrito Federal.
Em São Paulo a educação bilíngue foi instituída pela portaria nº 5.707/2011 de
12/12/2011 que regulamenta o decreto 52.785 de 10/10/11 que criou as escolas de
educação bilíngue para surdos. No município de Campinas, por exemplo, a secretaria municipal de
educação criou um projeto de inclusão bilíngue- Libras e Língua Portuguesa. Este projeto foi
realizado em varias escolas, entre elas, a escola CEMEFEJA Prof. Sérgio Rossini (SOFIATO,
2013).
As entrevistas foram traduzidas aproximando a Libras à língua portuguesa regida pelos paramentos
semânticos e ortografia.
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Outra experiência das escolas bilíngues no Brasil é no Distrito Federal que instalou
através da Lei 5.016 de 11 de janeiro de 2013, a Lei específica que orienta a criação da escola
pública integral bilíngue. A lei prevê também a inclusão no quadro de profissionais administrativos
e pedagógicos, professores ou instrutores de Libras que sejam surdos; professores bilíngues de
Libras e português, tradutores e intérpretes de Libras e português, guias- intérpretes e profissionais
bilíngues em Libras e português.
A construção desta nova proposta de criação de escolas públicas bilíngues surgiu das
conquistas realizadas pela comunidade indígena nos apontamentos do Plano Nacional de Educação
(2011 a 2020), o qual, é analisado por Sá (2011, p. 34) tratando da educação infantil:
(...) manter programas de formação de pessoal especializado, de produção de material
didático e de desenvolvimento de currículos e programas específicos para educação
escolar nas comunidades indígenas, incluindo os conteúdos culturais correspondentes
às respectivas comunidades e considerando o fortalecimento das praticas socioculturais
e da língua materna de cada comunidade indígena.
O Plano Nacional de Educação (lei 8.035/2014) não apresenta de forma afirmativa
propostas para a educação bilíngue. A única menção feita é observada na meta 4 onde demarca a
oferta da educação bilíngue em língua portuguesa e Língua Brasileira de Sinais – Libras. O próprio
fato de aparecer em primeiro plano a língua portuguesa pode expressar uma maneira velada de
considera-la como a primeira língua do surdo contrariando todo o movimento de reconhecimento
da Libras como primeira língua do surdo.
No plano não há referência à comunidade surda, somente contempla a comunidade
indígena. As comunidades indígenas historicamente18, por exemplo, foram tratadas como povos
antigos e representavam o passado da cultura do país sendo civilizações sem direito ao acesso aos
benefícios dos povos da cidade o que provocou e ainda causa a invisibilidade dos povos como
observado por Neto (2007, p.34) ―(...) destituindo-os de quaisquer elementos que possam qualificálos, o que leva à perda de suas especificidades enquanto tal, como parte de determinado povo e
comunidade tradicional.‖.
A partir da construção do direito constitucional e social levantadas pelos movimentos
indígenas evidenciaram a necessidade de uma educação diferenciada na sua especificidade a ponto
de criar as políticas afirmativas que asseguraram a língua natural do povo indígena correlacionada
com a língua portuguesa. O que representa um grande desafio para os movimentos em prol da
educação de surdos uma conquista de fato e direito, sendo um exemplo as conquistas de uma
educação bilíngue da comunidade indígena.
As discussões nacionais nos fazem pensar na possibilidade de se implantar uma escola
bilíngue no município de Altamira. O município conta atualmente com um grande número de
surdos matriculados no sistema municipal e estadual.
Foi em 1999, por meio do Parecer 14 e da Resolução 03, que o Conselho Nacional de Educação,
interpretando dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e da Constituição Federal,
instituiu a criação da categoria escola indígena nos sistemas de ensino do país. Estas deveriam ser criadas
atendendo a ―normas e ordenamentos jurídicos próprios‖, com o intuito de promover o ensino intercultural e
bilíngüe, ―visando à valorização plena das culturas dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua
diversidade étnica‖ (art.1, Resolução CEB 03). Dois anos depois de aprovação desta Resolução, o Plano
Nacional de Educação (Lei 10.172 de 2001) estabeleceu o prazo de um ano para a criação da categoria oficial
de ―escola indígena‖, de modo a garantir a especificidade do modelo de educação intercultural e bilíngüe.
Disponível em <http://educacaobilingue.com/2010/01/17/indigena/>. Acesso em 21 de Novembro de
2014.
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É importante refletimos que a criação de escolas bilíngues em nossa cidade seja um espaço
conquistado através das legislações municipais e os planos educacionais como, por exemplo: Lei
Orgânica do Município e o Plano Decenal de Educação possibilitando sua efetivação.
Na escola, em que está sendo desenvolvida essa pesquisa, os surdos representam um grupo
coeso e com alguma influência nas decisões orquestradas pela escola em prol da educação de
surdos. Essa conjuntura é reflexo da própria mobilização e organização do grupo de pessoas surdas,
principalmente as que estão envolvidas no CAPAIS.
Neste centro as questões debatidas envolvendo a Língua Brasileira de Sinais e a escola
bilíngue acabam por influenciar os posicionamentos, atitudes e comportamentos do grupo formado
por surdos e ouvintes que compartilham desta comunidade surda. A seguir, apresentamos os relatos
de alunos surdos. A intenção é compreender a visão dos alunos que vivem a realidade na escola
regular e como eles enxergam a possibilidade de criação de uma escola bilíngüe em Altamira.
A compreensão dos sujeitos surdos sobre a possibilidade de uma escola ou turma bilingue
no município
Neste tópico destacaremos as compreensões dos sujeitos surdos sobre a possibilidade de
uma escola bilíngue no município de Altamira.
Acerca da proposta da escola bilíngüe a pergunta ―Você já ouviu falar em escola bilíngüe?‖
, o Aluno 1 (A1) afirmou que sim, já Aluno 2 (A2) afirmou não conhecer, porém em sua explicação
observamos que há algum conhecimento, como demonstra as suas falas.
É importante porque o surdo não precisa esperar pelo interprete, tudo em libras seria
mais fácil (A1)
Português para o surdo é muito difícil, somente a libras é bom, não conheço sobre a
escola bilíngue. (A2)
Para o aluno 1, a escola bilíngue representa uma certa autonomia no processo de
aprendizagem, evidencia essa ideia, ao afirmar que nela não será preciso esperar pelo intérprete . O
fato de muitas vezes ter que esperar o intérprete causa certo descontentamento entre os surdos.
Isso muitas vezes gera ansiedade e frustrações.
O Aluno 2 afirma um certo desconhecimento em relação a escola bilingue, porém, demarca
sua dificuldades na escola comum, talvez em uma tentativa de expressar que o modelo preconizado
na escola comum é dificultoso, ao passo que aprender somente por meio da Libras é algo bom.
Outro ponto a ser analisado foi a pergunta ―O que você acha? Você acha possível ter uma
aqui em Altamira?‖ diz respeito à percepção dos sujeitos surdos em relação à possibilidade da
implementação da escola bilíngue no município de Altamira. Segundo eles, esta implementação
pode propiciar um melhor aprendizado na medida em que os assuntos serão mais compreensíveis
com a utilização da Libras. Outro ponto diz respeito ao tempo perdido com os assuntos sendo
apenas copiados dos colegas, como demonstra os sujeitos:
Preciso aprender para me formar e qualquer pessoa precisa aprender a comunicação
bilíngue. (A1)
Gosto de estudar e somente o Português é difícil, eu somente copio e não aprendo nada,
com intérprete fica fácil.(A2)
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O Aluno 1, ressaltou que a Libras deve ser ensinada a surdos e ouvintes. A libras, enquanto
língua, propicia a comunicação, a interação e socialização nas escolas e na sociedade em geral. Já o
aluno 2 destaca que o fato somente de copiar não resulta em aprendizado.
A escola bilíngüe na percepção dos entrevistados é uma necessidade que se opõe a visão de
política de inclusão na escola comum implantada no Brasil e especificamente em Altamira, pois a
escola bilíngüe é um modelo de educação que permitirá a apropriação do conteúdo por meio da
Língua de Sinais como primeira língua, ou seja, na sua plenitude. Nesse sentido, a educação bilíngue
é uma conquista política como revelam o pensamento de Fernandes e Moreira (2014, p.64):
Há um evidente desvio de foco na política de educação de surdos quando é
secundarizada a questão central, ou seja, o fortalecimento e reconhecimento político da
Libras como língua de cultura, com a difusão do principal instrumento para a
concretização das comunidades linguísticas: as escolas bilíngues para surdos como
espaço fundamental na arquitetura da política de educação inclusiva
Constatamos este desvio no cumprimento da política na educação de surdos em Altamira
quando nos deparamos com a realidade apresentada pelos entrevistados sobre as dificuldades
quando pergunta ―Quais as dificuldades?‖ encontradas na escola e a situação vivida todos os dias
em sala de aula.
Sem intérprete não entendia nada, somente copiava. Os amigos às vezes ajudavam,
professor olhava e ajudava e consegui passar.(A1)
1ª ano ficava sozinho, só copiava. Pedia ajuda para os ouvintes, amigos e a prova era
difícil.(A2)
Nos relatos acima podemos observar uma insatisfação e desencanto com a situação. Este
desencanto observado é gerado pelo pouco investimento na educação especial, em especial, na
garantia dos direitos preconizados pela Política de Educação Especial apresentada pelo Governo
Federal, na perspectiva da Educação Inclusiva, bem como, pelas políticas afirmativas amparadas
pelo Plano Nacional de Educação (PNE), Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional- LDB
9394/96, Plano Municipal de Educação e as novas diretrizes da educação de surdos pelo Ministério
da Educação. A presença do interprete é condição mínima para propiciar a inclusão.
É necessário que a proposta de criação de escolas públicas bilíngues seja mais divulgada e
principalmente intensificada em Altamira. Essa discussão deve estar na pauta orçamentária da
Prefeitura Municipal e no debate da câmara dos vereadores para os recursos essenciais como:
materiais didáticos adaptados, espaço físico, professores bilíngues e intérpretes possam tornar
realidade direitos, essencialmente humanos, como o direito de estudar com dignidade.
Os surdos precisam ter os seus direitos humanos respeitados, pois a condição de ser surdo
não o descaracteriza de sua condição de humano. A surdez não pode ser vista como um problema
do surdo. A surdez para o surdo não é uma deficiência, e sim uma diferença. Superar o olhar
médico-patológico sobre a surdez significa romper com um paradigma que vê a condição de ser
surdo como algo de menor valor, que precisa ser corrigida. Os surdos lutam pelos seus direitos em
destaque está o CAPAIS (Centro de Apoio e Promoção de Acessibilidade e Inclusão Social).
De acordo com SILVA (2011, p. 25) ―A Instituição foi fundada no dia 27 de agosto de
2006 e no artigo 02 do capitulo I do Estatuto da Entidade destaca algumas atribuições que são:
Desenvolver ações que proporcionem a acessibilidade e inclusão social das pessoas com deficiência;
(...) apoiar todos os eventos do município e região que tem por finalidade a inclusão das pessoas
com deficiências na educação, saúde, trabalho, cultura, esporte e lazer; (...)‖ este movimento criado
em 2006, para que sejam vistos como sujeitos de direitos.
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Sem as demandas políticas executadas pelo poder público citadas anteriormente o que
vemos hoje é as dificuldades com o modelo de inclusão atual na escola comum em relação ao
espaço físico, professores e os colegas em sala de aula que não sabem a Libras e não interagem e
muitos casos rejeitam contato com as pessoas surdas. Essa realidade é nacional, como explica
Lacerda (2006, p.168):
A fragilidade das propostas de inclusão, neste sentido, residem no fato de que,
freqüentemente, o discurso contradiz a realidade educacional brasileira, caracterizada
por classes superlotadas, instalações físicas insuficientes, quadros docentes cuja
formação deixar a desejar.
De acordo com os surdos dessa pesquisa, o quadro melhorou acentuadamente com a
presença da intérprete na escola. Para os alunos é importante o contato/aprendizado da Libras por
parte dos alunos ouvintes. Ressaltaram ainda que os próprios surdos devem ter a iniciativa de
ensinar a língua Brasileira de Sinais aos ouvintes. Sendo assim:
Todos precisam aprender a Libras e precisam praticar.(A1)
Fácil, porque é tudo em Libras.(A2)
Para exemplificar a importância da proposta bilíngüe e mudança de discurso na perspectiva
da efetivação de escolas bilíngues no país, segue uma descrição de uma diretora de escola extraída
do texto de Freitas (2012 p. 82):
Para mim esse foi o divisor de águas: bilinguismo, a educação de surdos, a cultura surda
[...] e tudo foi fazendo sentido e consegui ver esse aluno surdo como sujeito e não mais
como um paciente. Então era um momento que a gente tinha politicamente uma
abertura com a diretora pedagógica que estava preocupada com a educação e disposta a
mudar aquela concepção clinica de surdez, aquela coisa quadradinha [...]
Embora o discurso da diretora seja importante partindo da instância gestora da instituição,
o bilingüismo tem que ser uma política nacional em que o Estado toma para si o dever de criar
escolas bilíngües com materiais didáticos adaptados a Língua Brasileira de Sinais, professores
capacitados e escolas que tenham conforto e segurança. Essas estruturas são imprescindíveis para
bom aproveitamento e principalmente da aprendizagem na sala de aula.
Os alunos (A1) e (A2) relataram sobre a experiência quando lhes perguntado ―Me fale de
sua experiência na escola?‖ em sala de aula em que estudam e estudavam, principalmente o seu dia a
dia antes e depois da contratação da intérprete.
Chegava em casa e pedia pra minha irmã ensinar. Não tinha interprete, reprovei. O
professor ajudava e copiava e consegui passar para o Ensino Médio.(A1)
Estudei junto com ouvintes e eles sempre ajudaram e brincam e fazem atividades e
consigo aprender.(A2)
O aluno 1, de certa forma, responsabiliza a falta do intérprete pela sua reprovação. Relata
suas dificuldades no seu processo de escolarização, e bem como demarca uma condição de ser que
sempre depende do outro para conseguir alcançar os níveis de escolaridade. Outro ponto é a
ausência do poder público este divido por União, Estado e município na garantia da qualidade do
ensino está assegurada por lei e para elaborar estratégias na efetivação de políticas públicas em prol
da educação bilíngue.
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Esse sentimento, também é observado no Aluno 2. Para ele é muito importante estar junto
aos ouvintes, pois eles sempre o ajudam nas atividades, mostrando cooperação e solidariedade
quanto às dificuldades de interpretação e aprendizagem dos colegas surdos durante as aulas. Ambos
apontam que os colegas ajudam nas atividades. Entretanto, é importante frisar que o processo
educativo se faz por meio de trocas, porém observamos nas falas dos sujeitos, que as relações
vivenciadas não são de trocas, mas sim, relações assimétricas.
A proposta de escolas bilíngues ou turmas bilíngues é uma a luta da comunidade surda, ou
seja, surdos e ouvintes que compartilham de um ideal de escolarização que contemple as
especificidades dos estudantes surdos, professores surdos, ouvintes engajados e família de surdos.
Uma política afirmativa que proporcione o estudo de qualidade ao cidadão surdo.
Outro ponto é distância entre as leis e políticas e a realidade presenciada no cotidiano das
escolas. As garantias fixadas não são efetivadas quando pensamos na construção da educação
bilíngue tendo a Libras como centro das aulas nos mais diversos assuntos ou matérias de uma
escola. O que mostra um descaso dos governos em relação à política da educação de surdos e na
qualidade do ensino dos alunos, portanto, uma situação grave onde fere o direito fundamental do
cidadão garantido pela Constituição Federal de 1988 no artigo 205 ―A educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho‖.
Em relação ao atual modelo de inclusão e suas perspectivas na pergunta ―O que você acha
desse modelo de inclusão?‖, os entrevistados relatam seus desencantos, tristezas ou alegria pelo
momento em que passa a educação inclusiva.
Gosto da inclusão, todos unidos e muitos amigos, normal.(A1)
Para o aluno 2 neste modelo de inclusão é difícil através do português escrito seria melhor
aprender com o uso da libras, explica que a intérprete e a sala de recursos também auxilia na
aprendizagem.A inclusão não é uma exclusividade da escola comum. A escola bilíngue é inclusiva,
porque enfatiza que a inclusão é mais do que estar juntos (surdos e ouvintes) em um mesmo
espaço. Uma escola inclusiva é aquela em que todos tem garantido o seu direito a aprender. É
necessário uma quebra de paradigmas visando modificar o modelo educacional excludente ao qual
o surdo está sendo submetido. Uma escola inclusiva não é aquela que tem alunos, com diferentes
especificidades, matriculados e sim é aquela que permite aos alunos acessar com êxito os
instrumentos que o habilitarão a viver em uma sociedade de forma ética e política. Machado (2009,
p.26) acrescenta:
A principal ruptura relaciona-se com algumas perspectivas da ―educação especial‖, que
insistem com princípios de ―deficiência‖, ―normalização‖ e não da diferença cultural.
Ou seja, pode-se destacar a percepção de que é necessária a construção de um currículo
centrado em questões e problemas que afetam a vida do surdo como um sujeito que se
constitui diferente e assume uma posição diante de certas categorizações e articulações
de espaço limitadoras, ainda presentes no atual Programa de Educação Inclusiva.
Essa mudança de paradigma envolve toda a escola. É importante também considerar o
surdo como alguém capaz de dizer a sua palavra. Desse modo, é importante a participação dos
alunos surdos dentro do processo de construção de uma política que compreenda a diferença
cultural, como observado por Schmitt et al (2003 p.229):
Pensar em uma política de inclusão, requer a participação dos surdos para nos apontar
o que significam diferenças e como precisam ser consideradas. Uma política
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reconhecedora das diferenças deve ser construída através das perspectivas dos
diferentes.
É importante questionar se a inclusão escolar dos alunos surdos em sala regular atende as
expectativas dos surdos, pois a forma como vem acontecendo somente contribui para
desapontamentos, frustações e fracasso escolar. Neste sentido, Lacerda (2006) aponta para a
necessidade de uma escola em que professores e colegas compartilham da mesma língua.
Diante disso, ouvir a proposição dos alunos surdos tornou-se fundamental para abordar a
situação dos alunos em seu dia-a-dia no âmbito escolar e abrir um espaço de discussão sobre o atual
momento da educação no município de Altamira.
Os desafios da implementação da escola ou turma bilíngue
A escola ou turma bilíngue se constitui como desafio, uma vez que, traz em seu bojo uma
ruptura com práticas educacionais marcadas, principalmente, por um viés clínico que influenciou
em um olhar para o surdo como um sujeito passivo de uma língua oral. Historicamente, a educação
de surdos passou por diferentes abordagens, entre elas, o oralismo, a comunicação total e
bilinguismo.
A abordagem oralista foi adotada pelas escolas sem respeitar as especificidades dos alunos
surdos. Ela se apresenta com o único método de aprendizagem na qual o professor utiliza apenas a
voz para repassar os conteúdos em sala de aula. Sobre esta abordagem Goldfeld (apud KALATAI
E STREIECHEN 2002, p. 34) discutem:
O Oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada pela
estimulação auditiva. Essa estimulação possibilitaria a aprendizagem da língua
portuguesa e levaria a criança surda a integrar-se na comunidade ouvinte e desenvolver
uma personalidade como a de um ouvinte. Ou seja, o objetivo do Oralismo é fazer uma
reabilitação da criança surda em direção à normalidade.
A abordagem oralista foi muito evidenciada na Idade Média. Neste período se sobressaiu
um processo de exclusão no qual a sociedade não se importava e ignorava as pessoas com surdez.
Essas pessoas, segundo Frias e Meneses (2009, p.4) ―eram também marginalizadas, até por questões
sobrenaturais, rotuladas como inválidas, perseguidas e mortas. Assim, muitas vezes as famílias
preferiam escondê-las e assim, privá-las da vida comunitária e social.‖
Um outro momento evidenciado na educação especial, sob a égide da abordagem oralista, é
a de segregação institucional. Segundo Sassaki (2006) este período é marcado por um isolamento
das pessoas surdas no âmbito educacional e social. Destaca-se, também, neste período a criação das
primeiras escolas especiais e centros de reabilitação.
A abordagem da Comunicação Total é o método de aprendizagem que prioriza o uso de
qualquer tipo de aprendizagem capaz de transmitir o conteúdo seja pela língua de sinais, gestos,
materiais didáticos ou língua oral. A finalidade da comunicação total e suas características principais
são apresentadas por Lima (2004, p. 32):
A comunicação total, em oposição ao oralismo, defende o argumento de que apenas a
aprendizagem da língua oral não viabiliza pleno desenvolvimento do surdo. Acata o uso
de qualquer recurso lingüístico, seja a língua de sinais, a língua oral ou códigos manuais,
para facilitar a comunicação com os sujeitos surdos. Esta abordagem educacional, como
a própria terminologia sugere, privilegia a comunicação e a interação e não apenas a
língua (ou línguas). Assim, o aprendizado de uma língua pelo surdo não é a meta
precípua da comunicação total (LIMA, 2004, p.32).
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Outro método de ensino enfatizado pela comunicação total é o bimodalismo, que se
caracteriza pelo uso simultâneo da língua de sinais e a língua oral. O bimodalismo é uma corrente
que dividi opiniões sobre a eficácia tanto a curto quanto a longo prazo nas escolas. Essa forma é
rechaçada por Brito (2004 apud Lima, 1989) uma vez que:
a prática bimodal conduz a alterações estruturais nas duas línguas, sobretudo na língua
de sinais, que é desconhecida e desprestigiada pelo educador... expõe o surdo a duas
línguas usadas de forma imperfeita... além do mais, pode dificultar o livre
trânsito de pensamento, já que não se pode pensar em suas línguas ao mesmo tempo.
A proposta do bimodalismo possui prós e contra, entre seus prós, podemos ver a
possibilidade de realização da educação inclusiva no ambiente das escolas onde o aluno esteja no
centro da proposta de educação. Assim a educação inclusiva era a proposta idealizada pelos
movimentos em prol da educação de surdos como forma de assegurar os direitos da comunidade
surda ao acesso à escola. O argumento contra é justamente a dificuldade que o aluno terá para
aprender as duas línguas simultaneamente com êxito, pois a leitura e da escrita tem significado e
compreensão diferentes.
A proposta atual é a abordagem do bilingüismo para surdos. Nessa proposta as aulas são
realizadas com ênfase na Língua Brasileira de Sinais como primeira língua e o Português escrito,
como segunda língua.
O reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais como contributo para o movimento
bilíngue é sem dúvida a viabilidade de criação de turmas ou escolas bilíngues. A escola bilíngue
prioriza a língua de sinais, constituindo-se em um espaço onde a língua natural do surdo na escola
seja feita pela comunidade surda.
A formalização legal do reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais por meio da lei nº
10.436/02 significou uma enorme conquista para a comunidade surda. Por meio do bilinguismo os
estudantes surdos podem aprender os conteúdos escolares, respeitando a especificidade lingüística.
É através do bilingüismo como política e ação educacional que será ampliada o direito a língua de
sinais para os alunos surdos com ênfase na criação de escolas públicas bilíngues.
Enquanto aguardamos, é necessário que a prática do bilinguismo tenha espaço na escola,
por meio de turmas, valorizando a especificidade da língua, porém é importante ressaltar que deve
ser ampliada a proposta de escolas bilíngües em todo o território brasileiro.
Em nosso município as dificuldades para implementação da escola pública bilíngue surgem
do pouco investimento de políticas públicas em prol da construção de escolas e debates sobre a
qualidade do ensino, principalmente no preparo dos professores e do corpo administrativo e do
material didático adaptado. É observável também, a necessidade de uma luta mais efetiva da câmara
de vereadores na criação das escolas bilíngues.
É evidente também um amadurecimento dos discursos dos alunos surdos sobre o
bilingüismo e a escola bilíngue sendo fundamental aprofundar a discussão da educação bilíngue
com a sociedade, isto é, criando espaço de dialogo como: eventos, palestras e seminários.
O bilinguismo representa uma grande conquista, a sua prática nas escolas públicas
demarca a necessidade de continuarmos avançando rumo a criação de instituições educacionais
bilíngues em todas as regiões do Brasil.
Considerações finais
A intenção é que a pesquisa possa contribuir para a reflexão e debate acerca dos direitos
dos surdos, bem como, a necessidade de considerar dentro da arena de negociações políticas a voz
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do outro como sujeito capaz de dizer a sua palavra. Neste sentido, a proposta de implementação de
uma classe ou turma bilíngue vai além da efetivação de uma demanda legal, abrange o
reconhecimento dos surdos como alguém que prioriza a inclusão de fato, e não somente como um
discurso. Em outras palavras, os surdos requerem sua inclusão na escola, para isso, é necessário
compreendermos que essa escola deve compartilhar de sua especificidade linguística, estimular e
desenvolver possibilidades do surdo ser instrumentalizado. Sendo assim, a escola inclusiva não é
sinônimo de escola regular comum.
Referências
Capítulo III-Da Educação, da Cultura e do Desporto-Seção I-Da Educação. Disponível
em:<http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislacao/superior/legisla_superior_const.pdf
>. Acesso em 01 de outubro de 2014.
Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Língua Brasileira de Sinais – Libras. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>. Acesso
em 22 de novembro de 2014.
Decreto nº 52.785 (DOC de 11/11/2011, página 01) de 10 de Novembro de 2011. Disponível
em <http://www.sinpeem.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=5908&friurl=_-Decreto-no52785-DOC-de-11112011-pagina-01-_#.VHDR7mNt4sY>. Acesso em 20 de novembro de 2014.
FERNANDES, Sueli; MOREIRA, Laura Ceretta. .POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO BILÍNGUE
PARA
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Biologia para o desenvolvimento de Práticas Inclusivas. Universidade do Estado do ParáUepa.2011.
Apêndice
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
ESPECIALIZAÇÃO EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E SOCIEDADE
DISCENTE: JOÃO KLEBER SILVA DA SILVA19
Titulo da pesquisa:
“A Viabilidade da implementação de uma turma ou escola bilíngüe especifica para surdos
na cidade de Altamira-Pará.”
Roteiro para Entrevista
NOME:
DATA:
BAIRRO:
ESCOLA:
19 Graduado do curso de licenciatura plena em Ciências Naturais habilitação em Biologia pela
Universidade do Estado do Pará e cursando a ESPECIALIZAÇÃO EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E
SOCIEDADE.
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1. Sexo:
2. Idade:
3. Estado civil:
4. Grau de instrução:
5. Renda familiar:
6. Religião:
7. Você já ouviu falar em
escola bilíngüe?
8. Do que trata? Onde foi
comentado?
9. O que você acha? Você
acha possível ter uma aqui em
Altamira?
10. Quais as dificuldades?
11. Seria bom? Por que?
12. Me fale de sua experiência
na escola?
13. Com quantos anos você
entrou na escola?
14. O que você acha desse
modelo de inclusão?
15. Se tivesse uma escola
bilíngüe em Altamira, como
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você acha que o surdo se
sentiria? Você acha que seria
importante? Por que?
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
ESPECIALIZAÇÃO EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E SOCIEDADE
DISCENTE: JOÃO KLEBER SILVA DA SILVA20
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Titulo da pesquisa:
“A Viabilidade da implementação de uma turma ou escola bilíngüe especifica para surdos
na cidade de Altamira-Pará.”
Prezado(a) Senhor(a):
Gostaríamos de convidá-lo (a) a participar da pesquisa “A Viabilidade da implementação de
uma turma ou escola bilíngüe especifica para surdos na cidade de Altamira-Pará.”, realizada
em Altamira sendo orientadora a Professora Rosiane Rabelo pela Universidade Federal do Pará. O
objetivo da pesquisa é compreender e analisar a viabilidade da inserção de uma turma ou escola
bilíngüe para a comunidade surda no ensino público na cidade de Altamira. A sua participação é
muito importante e ela se daria da seguinte forma com a coleta de informações através de perguntas
estruturada e gravadas em vídeo com interprete convidado (a) para ilustrar a necessidade da
efetivação da turma ou escola bilíngüe aos órgãos competentes e a banca examinadora.
Gostaríamos de esclarecer que sua participação é totalmente voluntária, podendo você: recusar-se a
participar, ou mesmo desistir a qualquer momento sem que isto acarrete qualquer ônus ou prejuízo
à sua pessoa.
Os benefícios esperados são: uma pesquisa relevante para a comunidade surda do ensino público e
a(s) entidade(s) de defesa da promoção e direito para a educação com qualidade na cidade de
Altamira.
Informamos que o (a) senhor(a) não pagará nem será remunerado por sua participação.
Caso o (a) senhor (a) tenha dúvidas ou necessite de maiores esclarecimentos pode entrar em
contato (JOÃO KLEBER SILVA DA SILVA, RUA DOS CRISANTEMOS NUMERO 1117,
(93) 9198-5468 e santos867231@yahoo.com.br). Este termo será preenchido em duas vias de
igual teor, sendo uma delas, devidamente preenchida, assinada e entregue ao (a) senhor (a).
20 Graduado do curso de licenciatura plena em Ciências Naturais habilitação em Biologia pela
Universidade do Estado do Pará e cursando a ESPECIALIZAÇÃO EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E
SOCIEDADE.
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ALTAMIRA, ___ de ________de 201_.
Pesquisador Responsável
RG::__________________________
_____________________________________, tendo sido devidamente esclarecido sobre os
procedimentos da pesquisa, concordo em participar voluntariamente da pesquisa descrita acima.
Assinatura (ou impressão dactiloscópica):____________________________
Data:___________________
Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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APONTAMENTOS PARA UMA REFLEXÃO SOBRE A ATUALIDADE:
MICHEL FOUCAULT E O PODER
Karina Luiza de Freitas Assunção 21
Resumo
Fundamentados nas considerações foucaultianas procuramos analisar a constituição das relações de
poder na atualidade e como tais relações corroboram para a constituição das subjetividades. Em
nossa análise, tomamos emprestados alguns fragmentos das obras 1984 (1974) e A caverna (2000),
que trazem à tona algumas situações que boa parte dos sujeitos, em algum momento, já vivenciou.
Concluímos que muitos dos dispositivos de poder adotados na proteção, ou mesmo em momentos
de descontração, já foram e são usados em outras situações com sentidos díspares aos encontrados
nas primeiras.
Palavras-chave: poder, discurso, sujeito.
Abstract
Based on foucaultian considerations we endeavored to analyze the constitution of current power
relations and how these relations corroborate to the constitution of subjectivities. In our analysis,
we borrowed excerpts from studies such as 1984 (1974) and The Cavern (2000), which bring to
light some situations that most of the subjects, at some moment, have experienced. We concluded
that many of the power devices adopted for protection, or even for recreation moments, have been
and are used in other situations with completely different approaches from the ones found in the
former ones.
Key words: power, discourse, subject.
Introdução
Vivemos em uma sociedade na qual os sujeitos acreditam que são livres em suas escolhas,
que são os únicos responsáveis por elas. Entretanto, observaremos que essas escolhas são
provenientes de outros lugares e englobam vários aspectos que demonstram que elas são
influenciadas por relações de poder e que refletem a não-liberdade dos sujeitos.
Um autor que tratou dessa questão com primazia foi o francês Michel Foucault, que afirma
que os sujeitos constituídos a partir de relações de poder. Ao atentarmos para seus estudos,
notaremos que houve uma mudança substancial nas relações de poder, não só no método de
exercício, através das novas tecnologias, mas também em como os sujeitos significam esse poder.
Tal fato chama a atenção, pois percebemos que a contemporaneidade trouxe várias mudanças, mas
a estruturação dessas relações de poder continua a mesma, o que mudou foi a maneira como se dá a
vigilância. No século XVIII, os sujeitos não queriam ser vigiados, atualmente, eles se sentem mais
―seguros‖ quando vigiados. Isso causa certo estranhamento e desconforto, pois percebemos que
estamos sendo mais vigiados hoje do que em qualquer outro momento de nossa história.
A partir dessas observações, procuraremos levantar alguns aspectos acerca da constituição
dos sujeitos na contemporaneidade partindo das relações de poder. Para tanto, faremos um breve
passeio pela obra foucaultiana com o objetivo de vislumbrar algumas particularidades das relações
de poder ao longo dos tempos; em seguida, daremos atenção especial ao sistema disciplinar, pois ele
21 Doutoranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia, integrante do
Laboratório de estudos discursivos foucaultianos (LEDIF/UFU) e professora da Universidade do
Estado de Minas Gerais.
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ajuda a compreender como se constitui as relações de poder na contemporaneidade. Como
exemplo para as nossas análises, mencionaremos alguns fragmentos das obras A caverna (2000), do
escritor português José Saramago e 1984 (1974), do escritor inglês George Orwell, que revelam
alguns aspectos que possibilitam a problematização das relações de poder na atualidade.
Michel Foucault e o poder
No decorrer de suas pesquisas, Foucault buscou responder a seguinte questão: quem
somos nós? Para isso, ele buscou analisar como as relações de poder coadunam para a nossa
constituição e como as mesmas colaboram para as nossas escolhas. Foucault (2007) assevera que
toda a experiência que constitui uma subjetividade envolve modos historicamente peculiares, sendo
os saberes e os poderes responsáveis pelos processos de subjetivação.22
Podemos observar que, nos escritos de Foucault, o poder não é abordado em um livro
específico, no entanto, ele espraia por toda a sua obra através das questões acerca da loucura, da
família, da criminalidade, do sexo, etc. Na abordagem desses temas, ele procurou responder à
seguinte questão: quais foram às estratégias de poder empregadas nesses meios com o objetivo de
constituir as subjetividades dos sujeitos?
Foucault tenta demonstrar que o poder emerge nas relações por meio do discurso, ou seja,
as relações de poder são constituídas discursivamente. O poder sempre ocupou um lugar de
destaque na reflexão sobre os sujeitos, uma vez que esteve presente nas atitudes dos sujeitos de
todos os tempos. Ele apresenta características peculiares, mas em nenhum desses momentos ele
deixou de ser um território de conflitos, lutas, embates e processos dinâmicos.
Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o
atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e poder. Nisto não há
nada de espantoso, visto que o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é
simplesmente que manifesta (ou oculta) o desejo, é também, aquilo que é o objeto do
desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por
que, pelo que se luta, o poder do qual não queremos apoderar. (FOUCAULT, 2006,
p.10)
Para o autor, o poder não mantém nenhuma relação com conceitos de estado, lei,
dominação e soberania. Para ele, o poder pode ser compreendido como uma relação de forças que
se embatem a todo o momento.
Foucault afirma que o poder é constituído somente entre sujeitos, dessa forma, o poder
não pode ser localizado em um ponto específico na sociedade, o que temos é um cruzamento de
mecanismos que envolvem todos os sujeitos, ou seja, ―uma ação sobre outra ação possível‖
(FOUCAULT, 2007a, p.243).
A história mostra que a sociedade passou e passa por muitas transformações ao longo dos
tempos e que essas transformações alteram o funcionamento das relações entre os sujeitos. Ao
atentarmos para a constituição das relações de poder, observaremos que também sofreu
modificações em sua constituição tendo em vista a historicidade que permeia a sua produção. Tal
22 De acordo com Revel (2005, p.82), ―o termo ‗subjetivação‘ designa, para Foucault, um processo pelo
qual se obtém a constituição de um sujeito, ou, mais exatamente, de uma subjetividade. Os ‗modos de
subjetivação‘ ou ‗processos de subjetivação‘ do ser humano correspondem, na realidade, a dois tipos de
análise: de um lado, os modos de objetivação que transformam os seres humanos em sujeitos – o que
significa que há somente sujeitos objetivados e que os modos de subjetivação são, nesse sentido,
práticas de objetivação; de outro lado, a maneira pela qual a relação consigo, por meio de um certo
número de técnicas, permite constituir-se como sujeito da própria existência‖.
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afirmação pode ser comprovada pelos dizeres de Foucault: ―e é por isso precisamente em cada
momento da história a dominação se fixa em um ritual; ela impõe obrigações e direitos; ela constitui
cuidadosos procedimentos. Ela estabelece marcas, grava lembranças nas coisas e até nos corpos‖
(FOUCAULT, 1995, p.25)
Partindo das considerações de Bentham sobre o Panóptico, Foucault (2007a) demonstra
como a arquitetura corrobora para a constituição dos sujeitos. O dispositivo panóptico, como ele
denomina, é a forma como os lugares (prédios) – que disseminam o poder – são construídos.
Partindo de uma estrutura em forma de anel, temos, no centro, uma torre cujas janelas são
dispostas de forma que apenas uma pessoa observe e vigie várias outras ao mesmo tempo. Essa
forma de construção difere das demais, pois não necessita de grades, correntes, muros altos,
fechaduras, necessitando apenas de iluminação e de uma boa organização das aberturas. ―O
Panóptico é uma máquina maravilhosa que, a partir dos desejos mais diversos, fabrica efeitos
homogêneos de poder‖ (FOUCAULT, 2007a, p. 167), sendo, um produto ―da sociedade moderna,
industrial, capitalista‖ (FOUCAULT, 2007a, p.107).
Para haver uma efetiva atuação do poder disciplinar no panóptico, de acordo com Foucault
(2007a), faz-se necessária uma vigilância constante e isso pode ocorrer por intermédio de três
dispositivos disciplinares: 1) a vigilância hierárquica, 2) a sanção normalizadora e 3) o exame.
A vigilância hierárquica é responsável pela produção de efeitos homogêneos de poder, por
meio do ―jogo de olhar‖ cujo objetivo é fazer-se visto por aqueles que devem receber as técnicas de
coerção, para com isso generalizar a disciplina, expandindo-a para além das instituições fechadas. A
mais importante mecânica de poder que a vigilância traz é, sem dúvida, aquilo que Foucault (2007a,
p.154) considerou uma espécie de ―ovo de colombo‖.
Como se vê, a arquitetura passa a ser uma aliada na constituição de dispositivos que
propaguem o poder e não apenas utilizada na construção de palácios exuberantes. De acordo com
Foucault (2007a), o velho esquema simples de manter as pessoas encarceradas em espaços que as
impeçam de entrar ou sair, é substituído por uma arquitetura que tem como principal função a
transformação dos indivíduos. Essas instituições disciplinares construíram ―uma maquinaria de
controle que funcionou como um microscópio do comportamento; as divisões tênues e analíticas
por elas realizadas formaram, em torno dos homens, um aparelho de observação, de registro e
treinamento‖ (2007a, p.146).
O olhar disciplinar é responsável por dois aspectos importantes para a divisão do poder. O
primeiro possibilita que ele se espalhe de forma que não haja lacunas, ou espaços vazios; e o
segundo aspecto, é de ser tão discreto que não se tornará um fardo para quem está recebendo.
A sanção normalizadora é responsável pela vigilância de todos os detalhes, por mais
ínfimos que sejam. De acordo com Foucault (2007a), as oficinas, as escolas, os orfanatos, o exército
e outros são exemplos de sistemas disciplinares, aplicadores de regras, ou melhor, de mecanismos
penais. Cada um apresentando suas próprias leis com o objetivo de julgar os delitos cometidos
pelos sujeitos inseridos nesses grupos, funcionando assim, ―como um pequeno mecanismo penal‖
(FOUCAULT, 2007a, p.149). Portanto, a sanção normalizadora é essa forma de vigiar, atenta aos
menores detalhes de forma muito discreta, que tem como objetivo a punição do menor delito.
Essas punições, segundo o autor, são, na verdade, uma ―arte de punir‖; não têm como
objetivo a expiação muito menos a repressão, na verdade, elas efetivam cinco operações bem claras:
relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que
é ao mesmo tempo campo de comparação, um espaço de diferenciação e princípio de
uma regra a seguir. Diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e em função
dessa regra de conjunto – que se deve fazer funcionar como base mínima, como média
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a respeitar ou como o ótimo de que se deve chegar perto. Medir em termos
quantitativos e hierarquizar em termos de valor as capacidades, o nível, a ―natureza‖
dos indivíduos. Fazer funcionar, através desta medida ―valorizadora‖, a coação de uma
conformidade a realizar. Enfim, traçar o limite que definirá a diferença em relação a
todas as diferenças, a fronteira externa do anormal (a ―classe vergonhosa‖ da Escola
Militar). A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e controla todos os
instantes das instituições disciplinares compara, diferencia, hierarquiza, homogeneíza,
exclui. Em suma, ela normaliza (FOUCAULT, 2007a, p.153).
Foucault (2007a) observa que para ser eficaz a norma precisa de um sistema igualitário e
homogêneo, pois é somente assim, nesse espaço, que as diferenças vão surgir e o poder atingirá
seus propósitos.
O terceiro dispositivo disciplinador, o exame, combina as técnicas de hierarquia do ―jogo
do olhar‖ com o controle normalizante. Por meio da vigilância que há sobre os sujeitos, eles são
diferenciados e sancionados. Nesse momento, em que nos deparamos com certa ritualização, é que
o poder aflora, mostrando, assim, a dimensão de sua força. Foucault aponta, como exemplo, os
hospitais do século XVIII. Naquela época, a visita dos médicos aos pacientes era muito restrita, até
que se inicia uma modificação, e os médicos passam a visitar mais os doentes, de forma gradativa
até chegarmos à presença constante de um médico. O que era inconstante se torna constante,
assumindo um papel fundamental para o exame. ―Nesta técnica dedicada estão comprometidos
todo um campo de saber, todo um tipo de poder‖ (FOUCAULT, 2007a, p.154).
De acordo com Foucault (2007a, p.157), ―o exame supõe um mecanismo que liga certo
tipo de formação de saber a uma certa forma de exercício de poder‖. Nele há uma inversão, o
poder, até então, era visível, não havia uma preocupação em escondê-lo, agora o poder não é visto,
ele passa a ser invisível. O que importa para a disciplina é a atenção dispensada à visão dos sujeitos
submetidos a ela, a atenção é centrada na visibilidade que temos dos sujeitos, a partir dela é que o
poder se manifestará objetivando, organizando e alinhando os sujeitos.
A partir do exame, da vigilância, de relatórios, de anotações, uma rede de elementos que
possibilitam a criação do que Foucault chama de ―poder da escrita‖ (FOUCAULT, 2007a, p.157) é
organizada seguindo os modelos convencionais da documentação administrativa. Com a
organização e a acumulação dessa documentação, bem como a comparação que há entre ela, foi
possível ―classificar, formar categorias, estabelecer médias, fixar normas‖ (FOUCAULT, 2007a,
p.158).
Foucault afirma, no decorrer de sua obra, que somos constituídos por relações de poder
que tem como objetivo central a constituição das subjetividades, entretanto, sabemos muito pouco
a respeito delas e muitos sujeitos não sabem nada a respeito de algo que faz parte de todas as nossas
relações.
O poder e as obras A caverna (2000) e 1984 (1974)
Com o objetivo de apresentar uma reflexão sobre a proficuidade das relações de poder e de
como tais relações corroboram para a nossa constituição, analisaremos, a seguir, excertos dos
romances A caverna (2000) e 1984 (1974) que trazem à tona questões relacionadas com o cotidiano
de todos nós.
No primeiro romance, analisaremos alguns fragmentos que mencionam a relação
estabelecida entre o ―Centro de Compras‖23 e os sujeitos que frequentam esse local, com o objetivo
23 O ―Centro de Compras‖ é o equivalente ao shopping center, entretanto, com algumas diferenças, tais
como: os sujeitos podem morar no ―Centro‖, nele temos hospitais e sua proposta fundante é que os
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de exemplificar como as relações de poder são organizadas na contemporaneidade, constituem os
sujeitos e mantém uma relação com os estudos realizados por Michel Foucault. Já no romance 1984
(1974) analisaremos como as ―novas tecnologias‖ corroboram para o exercício do poder sobre os
sujeitos e consequentemente produz corpos dóceis.
Na cena abaixo, Cipriano personagem central do romance A caverna (2000), vai até o
―Centro de Compras‖ para conversar com o gerente de compras, mas antes ele precisa passar pelo
serviço de segurança.
Quase no mesmo instante soou uma voz seca de homem, Serviço de Segurança, a
rapidez do atendimento não a surpreendeu, toda a gente sabe que quando se trata de
questões de segurança até o mais insignificante dos segundos conta (SARAMAGO,
2000, p.93).
Neste momento Cipriano fica surpreso com a rapidez do atendimento e ressalta que todos
sabem que ela é muito importante para o atendimento, pois podem evitar situações desagradáveis.
Vivemos em uma sociedade que preza a segurança acima de qualquer outro aspecto e ela vai desde
o cuidado com pequenos detalhes do nosso dia a dia, através do uso de mecanismos como cerca
elétrica em nossas casas, portões eletrônicos e outros, até ao ponto, por exemplo, com a
preocupação exacerbada de alguns países com a segurança nacional e o terrorismo.
Vivemos cercados por cuidados que têm como foco nossa segurança, vivemos sitiados em
nossas casas com medo do assalto, do sequestro e outros. Quando estamos fora de casa buscamos
lugares seguros como o ―Centro de Compras‖. A TV todos os dias apresenta inúmeros exemplos
de casos de violências, e nós ficamos muito receosos, nos fechamos ainda mais, na tentativa de
assegurar a nossa proteção.
O fragmento abaixo apresenta uma cena ainda não vivida por nós em nossos shoppings,
mas temos os condomínios fechados que exercer a mesma função encontrada abaixo:
Ao fundo, na altíssima parede cinzenta que cortava o caminho, via-se um enorme cartaz
branco, rectangular, onde, em letras de um azul brilhante e intenso, se liam de um lado
a outro estas palavras, VIVA EM SEGURANÇA, VIVA NO CENTRO. Por baixo,
colocada no canto direito, distinguia-se ainda uma breve linha, (...) PEÇA
INFORMAÇÕES, era o que estavam a aconselhar. O cartaz aparece ali de vez em
quando, repetindo as mesmas palavras, só variáveis na cor, algumas vezes exibe
imagens de famílias felizes, o marido de trinta e cinco anos, a esposa de trinta e três, um
filho de onze anos, uma filha de nove, e também, mas não sempre, um avô e uma avó,
de alvos cabelos, poucas rugas e idade indefinida, todos obrigando a sorrir as
respectivas dentaduras, perfeitas, brancas, resplandecentes (SARAMAGO, 2000, p.93).
As propagandas dos condomínios fechados, sejam de casas ou apartamento, são
semelhantes com a propaganda do ―Centro‖, famílias bonitas, felizes e em segurança. Com objetivo
de proteger seus moradores ou frequentadores são criados uma série de técnicas que possibilitam
uma proteção eficaz, todas as ações são minimamente calculadas, tanto no ―Centro‖ como nos
condomínios. O poder perpassa todas elas através dos mecanismos utilizados com o objetivo de
controlar todas as atitudes suspeitas e que de alguma forma possa causar algum transtorno.
sujeitos não precisam sair dele, tudo que precisamos para viver nele encontraremos. No romance ele é
descrito da seguinte maneira: ―Ao fundo, um muro altíssimo, escuro, muito mais alto que o mais alto
dos prédios que ladeavam a avenida, cortava abruptamente o caminho. Na realidade, não o cortava,
supô-lo era o efeito de uma ilusão de óptica, havia ruas que, para um lado e para outro, prosseguiam ao
longo do muro, o qual, por sua vez, muro não era, mas a parede de uma construção enorme, um edifício
gigantesco, quadrangular, sem janelas na fachada lisa, igual a toda a sua extensão‖ (SARAMAGO, 2000,
p. 17).
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De acordo com Foucault, em seus trabalhos, somos constituídos em sujeitos através de
relações de poder que perpassam toda a esfera social, ou seja, o poder pode ser encontrado nas
relações entre pais e filhos, casais, no trabalho e inúmeras outras. Entretanto, não refletimos muito
sobre elas, experimentamos todas, mas não apresentamos um olhar crítico acerca de que somos
constituídos pelas relações de poder. Somos vigiados a todo instante e condenados por nossas
atitudes quando essas não seguem os padrões de ―normalidade‖ ditados pela sociedade.
Descreveremos a seguir uma cena do romance 1984 (1974) do escritor inglês Orwell, ela
retrata a ―teletela‖24 dando informações acerca do horário de acordar e sobre o horário da atividade
física.
A teletela estava soltando um apito ensurdecedor, que continuo no mesmo tom uns
trinta segundos. Eram sete e quinze, hora de se levantarem os empregados de
escritórios. Winston arrancou o corpo da cama (...) A Educação Física começaria dentro
de três minutos. (ORWELL, 1974, p.33)
Essa cena, que inicialmente poderia ser considerada absurda, nos remete a algumas
situações vivenciadas por todos nós atualmente. A primeira delas é sobre o trabalho, cada dia que
passa somos mais bombardeados com discursos que afirmam a importância do trabalho, de sermos
responsáveis em nossas funções e termos disciplina. Para que isso ocorra, somos vigiados e
controlados, mesmo nos pequenos detalhes, um exemplo é o controle que algumas empresas têm
sobre o e-mail de seus funcionários, através da criação de contas que as mesmas têm acesso tanto
ao que enviamos, como ao que recebemos. Assim, observamos que são criados mecanismos de
vigilância com o objetivo de controlar as ações dos funcionários, o considerado eficiente será aquele
que ―submeter‖ a essa relação de poder e acatar todas as normas.
O exemplo a seguir coaduna com a afirmação anterior e leva-nos a outras questões: ―nesse
momento, a teletela soltou um apito contundente. Era o sinal de volta ao trabalho. Os três homens
se levantaram num pincho, para correr aos elevadores‖ (ORWELL, 1974, p.62) Neste fragmento a
teletela determina o horário de voltar ao nosso trabalho, na realidade, ou seja, fora da ficção, não
temos uma TV que determina a todo o momento o que nós devemos fazer, entretanto, temos outro
aparelho que a substitui, no caso o celular. Ele faz parte de nossas vidas, muitos de nós tornamos
escravos desses aparelhos, não vivemos sem, estamos sempre conectadas as nossas atividades
profissionais e mesmo pessoais por intermédio dele, estamos em casa, viajando ou mesmo no bate
papo com os amigos, a sua presença se faz marcante. Sentimos sua falta quando não o temos,
entretanto, ele será o ―intermediário‖ que ajudará a determinar até quando vão os nossos
momentos de lazer, ou melhor, a nossa privacidade. Não temos uma teletela que nos controla como
no romance, mas por outro lado o celular exerce essa função de controle sobre nossas ações.
A segunda questão é sobre a importância da atividade física, assim como o personagem do
romance ouvimos todos os dias nos meios de comunicação que sua prática é importante, que
devemos ter um corpo escultural e só conseguiremos através de muita disciplina na sua realização.
Infelizmente, observamos que muitas pessoas consideram essa recomendação uma ―verdade‖
absoluta, passando a busca desenfreada pelo corpo perfeito, não havendo uma reflexão sobre a
atividade e sua relação com o bem estar e a saúde. Os sujeitos buscam o corpo escultural que todos
devem admirar, em alguns casos, além da atividade física excessiva, privam de alimentos
importantes para a saúde.
É o equivalente a uma TV, que ficava 24 horas transmitindo orientações acerca do que os sujeitos
deveriam fazer e comportar, além de mencionar algumas notícias. Vale lembrar que o romance em
questão deu origem ao programa Big Brother.
24
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À guisa de (in)conclusão
A exterioridade nos constitui em sujeitos, muitas de nossas atitudes e vontades não são
nossas, mas nascem das relações de poder que emergem nos discursos e que nos constitui com o
objetivo de fazermos o que a sociedade determina como normal.
A partir das considerações acima podemos concluir que o poder disciplinar do Panóptico
descrito por Foucault (2007a) faz parte de nossas vidas, pois percebemos que passamos por
situações que têm como objetivo adestrar e aumentar a utilidades dos sujeitos através de técnicas
sutis.
Os romances A caverna (2000) e 1984 (1974) apresentam algumas situações ainda não
vivenciadas, entretanto, elas ajudam a vislumbrar e problematizar outras que, em muitos momentos,
não são consideradas relações de poder, mas que ao atentarmos para alguns detalhes perceberemos
que são permeadas por elas, como exemplo citamos a construção do ―Centro de Compras‖ e sua
relação com as construções do sistema penitenciário e no romance de Orwell deparamos com o
controle dos sujeitos através dos aparelhos eletrônicos.
Muitos dos dispositivos de poder adotados na proteção, ou mesmo em momentos de
descontração, já foram e ainda são usados em outras situações com sentidos díspares aos
encontrados nas primeiras. Dessa forma, notamos que na contemporaneidade não há uma mudança
na constituição das relações de poder, o que temos é a transposição de algumas técnicas, que antes e
ainda são utilizadas com o objetivo de vigiar quem tivesse cometido um crime, para a vigilância do
sujeito comum nas diversas situações vivenciadas no seu cotidiano e concomitante a essa
observação temos também a agregação de novos mecanismos, no caso as novas tecnologias, que
também são utilizadas na constituição de sujeitos dóceis.
Referências
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1995.
______. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
______. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
______. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2007a.
ORWELL, G. 1984. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974.
REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.
SARAMAGO, J. A caverna. São Paulo: Editora Schwarcz, 2000.
Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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UM ESTUDO ACERCA DA VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: O CASO DO COLÉGIO
BENTO GONÇALVES DA SILVA, EM CRISTAL/RS
Leandro Barcelos de Lima25.
Resumo
A violência nas escolas deixou de ser tratada como um simples desvio disciplinar, para ser
considerada um fenômeno social de grande importância. A questão, no Brasil, passou a ser tratada
de maneira mais séria após o massacre de Realengo, em 2011, quando 12 crianças foram
assassinadas em aula. Pelo fato que, na maioria dos casos, as escolas analisadas localizam-se em
grandes cidades, será analisado neste artigo o tema 'violência nas escolas', a partir do contexto
empírico de uma escola localizada em um município pequeno do Rio Grande do Sul, o Colégio
Bento Gonçalves da Silva, no município de Cristal.
Palavras-chave: Violência nas escolas. Colégio Bento Gonçalves da Silva. Principais Crimes.
Abstract
Violence in schools is no longer treated as a simple disciplinary deviation, to be considered a social
phenomenon of great importance. The question, in Brazil, came to be treated more seriously after
the massacre of Royal one, in 2011, when 12 children were murdered in the classroom. By the fact
that, in most cases, the schools analyzed are located in large cities, will be discussed in this article
the theme 'school violence', from the empirical context of a school located in a small city in Rio
Grande do Sul, College Bento Gonçalves da Silva, in the city of Crystal.
Keywords: Violence in schools. College Bento Gonçalves da Silva. Major crimes.
Introdução
Atualmente, as instituições de ensino no Brasil, com poucas exceções, se encontram em
uma situação crítica e sem precedentes no que diz respeito à manutenção da segurança no ambiente
escolar. Evidenciou-se, sobretudo nos últimos anos, que as escolas não estão tão distantes da
violência que se manifestas nas ruas. Casos de homicídio, agressões físicas e outras formas de
violência em colégios ganharam destaque e repercussão na história recente do país, mostrando a
fragilidade destas instituições, hoje acuadas e sitiadas por uma onda de violência e medo. Essa
violência se evidencia, através de múltiplas formas, assim "não são danosas somente para as vítimas,
que são muitas. Mas também, e poder-se-ia afirmar, principalmente, para todo o ambiente escolar"
(ABRAMOVAY, 2009, p. 10).
A violência, que atinge as escolas e seus membros, diferentemente do que muitos
imaginam não se resume à agressão física ou a ameaça praticada ou sofrida. Ela vai muito além
disso e essa pode se apresentar de várias formas e intensidades, que, inevitavelmente, acabam
deixando marcas profundas nas vítimas que, não raramente, decidem por abandonar a escola ou
então passam a sofrer de graves problemas de aprendizagem, falta de concentração e outros
transtornos, em virtude do trauma sofrido. Assim, a violência pode ser física, psicológica, moral,
sexual ou mesmo patrimonial, sendo a agressão física, na maioria dos casos, a mais temida. Os
motivos que levam às agressões, geralmente, parecem estranhos e incompreensíveis para aqueles
que têm um olhar distanciado do ambiente escolar, fato que acaba dificultando, e muito, a adoção
de medidas mitigatórias que visem abrandar ou mesmo por fim a essa situação que foram
submetidas às instituições de ensino no Brasil (ABRAMOVAY, 2009).
25
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pelotas.
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Ademais, outra questão que deve ser salientada é que essa situação não é exclusiva das
escolas situadas nas grandes e médias cidades brasileiras, como é levado a pensar por boa parte da
população (SPOSITO, 2001). Esse problema está presente no cotidiano de praticamente todas as
escolas do país, ou seja, nem os pequenos municípios localizados nos mais longínquos pontos da
nação estão livres deste problema que fragiliza a educação brasileira, e acaba contribuindo, de
maneira substancial, para que os índices de analfabetismo e abandono escolar continuem elevados.
Pelo exposto anteriormente e por se entender que tais fatos são de grande interesse e
relevância para a sociedade, já que todos os cidadãos são, direta ou indiretamente, atingidos por essa
violência, neste artigo irá se apresentar o resultado da pesquisa realizada tendo como foco o Colégio
Estadual Bento Gonçalves da Silva, localizado no município de Cristal/RS. Nesse sentido, o estudo
assume o objetivo de analisar quais as principais formas de violência ocorridas nesta escola e como
tais fatos evoluíram. Para tanto, foram analisados, fazendo uso da metodologia de pesquisa
documental, proposta por Gil (1987, p. 73), todos os arquivos existentes na Delegacia da Policia
Civil deste município, que compreendem o período entre janeiro de 2012 e dezembro de 2013, a
fim de se verificar quais os principais crimes ocorridos naquele colégio ou em seu entorno, para que
assim se pudesse observar, de forma comparativa, os tipos de violência e de que forma se
constituíram, durante o período pesquisado.
De forma complementar, foram entrevistados, utilizando-se da metodologia de entrevista
por amostragem aleatória, proposta por Costa (1987, p. 190), estudantes, professores, funcionários
e pais de alunos, para saber de que forma foram afetados pela violência, bem como quais são suas
ideias para amenizar o problema. Desta forma, em virtude da relativa ausência de estudos que
abordem a violência em escolas do interior, o estudo destaca-se ao apontar as manifestações da
violência escolar no âmbito das pequenas cidades. Sendo assim, a pesquisa reconhece o postulado
por Sposito (2001), quando o mesmo afirma que este problema também está presente, de forma
maciça, em todos os municípios brasileiros.
Violência nas escolas: uma epidemia nacional
Até o início da quente manhã de outono, do dia 7 de abril de 2011, a violência nas escolas
brasileiras era encarada apenas como um grande problema, entre tantos outros comuns às grandes
cidades do país, apesar do assunto ser tema recorrente no mundo acadêmico desde a década de
198026. Até então, não havia grandes destaques midiáticos ao tema como se está acostumado a ver,
principalmente, nos Estados Unidos onde, desde o final da década de 1990, com o massacre de
Columbine27, iniciou-se uma série de atentados, praticados por alunos, às instituições de ensino,
situação que se perpetua até hoje, sem que haja uma solução por parte das autoridades daquele país.
Sendo assim, no Brasil, os fatos violentos, vistos como isolados e pontuais, ocorriam geralmente ao
término das aulas e eram encarados apenas como mais um problema no difícil cotidiano
educacional brasileiro, que vinha a se somar a outras dificuldades como: baixos salários, pouca
valorização de professores e funcionários, infraestrutura precária e assim por diante. Apesar de que,
como já mencionado, na década de 1980, o tema segurança educacional era, mesmo que
timidamente, tema de debates, ou seja, nos primeiros anos da década de 1980, observa-se certo
consenso em torno da ideia de que as unidades escolares precisavam ser protegidas, no seu
cotidiano, de elementos estranhos ao ambiente escolar (SPOSITO, 2001).
Porém, como foi mencionado acima, à relativa indiferença a respeito dos casos de
violência em escolas se desfez na manhã do dia 7 de abril de 2011. Nesse dia, aproximadamente às
A esse respeito ver Sposito (2001).
O Massacre de Columbine aconteceu em 20 de abril de 1999, no Condado de Jefferson, Colorado,
Estados Unidos, no Instituto Columbine, onde os estudantes Eric Harris (apelido ReB), de 18 anos, e Dylan
Klebold (apelido VoDkA), de 17 anos, atiraram em vários colegas e professores, matando 13 pessoas no
total.
26
27
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8 horas e 30 minutos, o jovem Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, entrou na Escola
Municipal Tasso da Silveira, localizada no Bairro de Realengo, na Zona Oeste da cidade do Rio de
Janeiro, da qual era ex-aluno, e deu início ao maior massacre em escolas já ocorrido na América
Latina.
Armado com dois revólveres, um de calibre 38 e outro de calibre 32, e portando
carregadores, Wellington, bem vestido, apresentou-se à portaria da escola como um palestrante que
iria conversar com alunos do ensino fundamental naquela manhã. Após ser liberado, dirigiu-se ao
primeiro andar, lá entrou, sem bater, em uma sala da oitava série, imediatamente sacou as duas
armas e, sem falar qualquer palavra, começou a atirar nos alunos. Segundo a polícia e testemunhas,
ele tinha como alvo preferencial as meninas, mirando sempre no rosto antes de atirar. Após matar
12 crianças, 10 meninas e 2 meninos, todos entre 13 e 16 anos, foi atingido por um tiro disparado
por um policial militar, quando dirigia-se ao terceiro andar para continuar o massacre, e, antes de
ser preso, se suicidou, atirando na própria cabeça.
O Colégio Bento Gonçalves e as marcas da violência
Até meados da década passada, os casos de violência ocorridos no Colégio Bento
Gonçalves, assim como na maioria das escolas de pequenas e médias cidades, eram tão
insignificantes e esporádicos que é difícil encontrar um ex-aluno, professor ou mesmo algum
funcionário que possa relatar a existência destes episódios com certa frequência. A maioria, quando
questionados, lembram-se, apenas de forma vaga, de um ou outro caso que tenha ocorrido no
interior da escola ou em suas adjacências, mesmo assim, de forma muito sútil, conforme vemos no
relato de dois ex-alunos28, formados, respectivamente, em 2001 e 1998:
Não tinha nada disso, todo mundo era amigo. A gente se conhecia desde guri bem pequeno.
A pior coisa que eu me lembro agora foi uns guris lá da [vila] Formosa que brigaram por
causa da 'D', filha do 'J' das motos, mas o pessoal logo apartou, na real foi só frescura
mesmo, ninguém ficou machucado. Hoje que os guris estão meio nervosos, se pegam por
qualquer coisa, no meu tempo não tinha isso. (J. G. A., 38 anos, ex-aluno).
Meu a gente só queria ficar de palhaçada na aula e no pátio, ninguém brigava, até tinha uns
trouxas que queriam inventar coisas para discutirem, mas era só começar que as mulheres da
limpeza se metiam no meio a já acabava ou o inspetor do corredor aparecia e levava os guris
para a secretária, mas nunca dava nada, nem maconha os caras fumavam, o máximo que
tinha era fazer um pé-sujo no final da aula e dividir entre uns quantos enquanto a gente ia
para casa. (V. M. W., 41 anos, ex-aluno).
Os relatos acima mostram uma época na qual a violência não era tão recorrente no colégio
Bento Gonçalves. Tempo que já não existe mais, paz que já não é a mesma. A violência, das mais
variadas forma, seja interna ou externa à escola, agora está enraizada no cotidiano desta instituição.
Diferentemente dos depoimentos dos ex-alunos citados acima, hoje é difícil, entre alunos,
professores, funcionário e pais, encontrar alguém que não saiba relatar algum caso de violência que
tenha ocorrido no colégio recentemente, fazendo com que essa situação acabe tornando-se comum
e habitual no cotidiano de todos. Assim, os diversos casos de violência, "[...] como brigas,
discussões, brincadeiras agressivas, humilhações, furtos e ameaças, observadas com frequência
‗quase diária‘, não configuram, para a maioria dos estudantes, um ambiente de muita violência‖
(LATERMAM, 2000, p. 94), pois, estes já estão quase 'adaptados' a esta situação, e não veem nesses
atos algo de anormal, mas sim, um fato já comum em seus cotidianos. Tal situação pode ser
28
2013.
Relatos dos ex-alunos do Colégio Bento Gonçalves tomados, em suas casas, em 03 de dezembro de
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percebida nos relatos de dois alunos29 , um do 8° ano do ensino fundamental e outro do 2º do
ensino médio, a seguir:
Eu nem olho para aqueles caras do primeiro, se não eles te pegam na hora da física ou
lá no banheiro de baixo. Eu vi eles fumando maconha lá atrás da biblioteca esses
dias, depois deram uma mão-de-pau num guri lá do 1° C, acho que é por causa da
droga na cabeça, deu até a polícia e o Conselho [Tutelar], mas acho que vai dar nada
para eles, as professoras acho que tem até medo deles. (T. A. B., 13 anos, aluno do
ensino fundamental).
Na quinta-feira passada as gurias do 1° A se atracaram lá na sala dos
computadores, eu não vi, mas falaram que uma tirou até sangue da outra. Acho que é
por causa do facebook, a 'M' fica dando piadinha para 'J' e tirando ela para bobo, ai
não que né, tem mais é que apanhar mesmo, para deixar de ser traíra, se fosse
comigo, também tinha dado na boca dela. (F. C. S., 16 anos, aluna do ensino
médio).
Após colher os depoimentos acima citados, e a fim de termos um panorama geral da
situação atual, no que diz respeito à violência, no colégio, foi realizada uma rápida enquete junto a
10 alunos, 7 professores e 3 funcionários da escola30, tendo como pergunta: Você já presenciou ou
foi vítima de algum caso de violência na escola ou em seu entorno? A resposta foi alarmante. Dos
20 entrevistados, 19 (95%), disseram que sim, já presenciaram ou foram vítimas de alguma forma
de violência no Colégio Bento Gonçalves, sendo que o único participante que diz não ter
presenciado algum fato violento, foi uma funcionária lotada na cozinha do colégio. Mas, se deve ter
em mente que, hoje, muitos fatos definidos como 'violência', como o bulling e cyberbulling; não eram
concebidos e conceituados desta forma em períodos anteriores, pois, o conceito de violência é
mutável e depende do momento histórico, da localidade e do contexto sociocultural para ser
definido como tal, o que lhe atribui o dinamismo próprio da vida social (ABRAMOVAY;
CASTRO, 2006). Sendo assim, é preciso olhar cenários, situações e processos sociais com muita
cautela quando o tema é a violência, ou seja, é preciso reconhecer que só pode ser compreendida
em um contexto em que alguns atos serão classificados como violências e outros, não
(ABRAMOVAY; CASTRO, 2006). Mas, para essa pesquisa, será usado um conceito mais amplo de
violência, pois:
É fundamental que a violência seja pensada em sua complexidade. A amplitude de seu
conceito teórico exige pensá-la como problema de cunho multidimensional, já que é um
fenômeno que encerra muitos elementos e é condicionado por diversas características
da vida social (CUNHA; ABRAMOVAY; CALAF, 2009, p. 20).
Sendo assim, a violência, nesta pesquisa, é entendida, conforme Zaluar e Leal (2001),
como sendo todas ações ou omissões que não são necessariamente passíveis de sanção penal ou
possam passar despercebidos pelo sistema jurídico. Incivilidades, agressões verbais, humilhações e
violência simbólica, dessa forma, entram para o rol de atitudes que podem ser consideradas
violentas. Assim, a violência ocorrida na escola é entendida como aquela que aniquila os corpos e
arruína a mentes dos indivíduos. Isso ocorre por que a escola, que poderia funcionar como um
espaço neutro, pacificador ou mesmo gerador de convivências pautadas no respeito e na tolerância,
acaba se transformando em um palco no qual se dramatizam conflitos que transcendem o espaço
escolar (ARAÚJO, 2000).
Além do mais, o adolescente necessita sentir-se integrado, aceito e, segundo Erving
Goffman (1988), principalmente 'normal' para os padrões do seu meio social por isso, qualquer
29
30
Relatos tomados ao término da aula do dia 02 de dezembro de 2013.
Pesquisa realizada no termino da aula do dia 02 de dezembro de 2013.
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coisa que o desvie deste padrão dito normal poderá lhe causar algum tipo de sofrimento, imposto
por ele mesmo ou, como acontece na maioria das vezes no ambiente escolar, por parte de seus
colegas sendo assim:
A obesidade, a baixa estatura, a cor da pele mais escura, e tantos outros desvios dos
padrões ditos normais e aceitos socialmente são motivos de discriminação, de exclusão,
de auto isolamento, de sentimento de rejeição, de baixa autoestima, enfim, de muito
sofrimento para os adolescentes (CAMACHO, 2001, p. 136).
A pesquisa, ora apresentada, dividiu-se em duas partes distintas: na primeira, foram
analisados os casos de violências tipificados na legislação em vigor, para tal, se examinou os
arquivos de ocorrências policiais, ocorridos entre janeiro de 2012 e dezembro de 2013, existentes na
Delegacia de Polícia Civil de Cristal, e quais os principais crimes e contravenções ocorridos no
colégio Bento Gonçalves ou em suas adjacências durante esse período, e, desta forma, se pode
verificar, através de comparação quantitativa, a evolução destes casos. O uso destes documentos é
importante para esse tipo de pesquisa, pois, o pesquisador "[...] vale-se de materiais que não
receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os
objetivos da pesquisa" (GIL, 1987, p. 73). Na segunda parte, foi realizada pesquisa quantitativa que
envolveu, de forma aleatória, 30 alunos, 10 professores e 5 funcionários do colégio Bento
Gonçalves, além de 10 pais de alunos, para verificar se estas pessoas presenciaram ou foram vítimas
de crimes que não estão previstos no Código Penal, ou seja, ainda não foram tipificados pela
legislação, como o bullying ou outros; essa forma de pesquisa de amostragem-aleatória é eficaz "[...]
para se estabelecer a representatividade da amostra, isto é, a capacidade de, lidando com frações de
população, generalizar os resultados obtidos para os demais membros da população" (COSTA,
1987, p. 191). A seguir, serão apresentados resultados da pesquisa.
Ao analisar os arquivos existentes na Delegacia da Polícia Civil de Cristal, referentes ao
ano de 2012 (de janeiro à dezembro), constata-se que ocorreram, conforme o quadro abaixo, os
seguintes crimes:
Tipos de fato
Quantidad Tipos de fato
e
Agressões físicas
9
Envolvendo
fogo
Ameaças
11
Dano
4
Furto
3
Tráfico/posse
drogas
de 4
Armas
Quantidad
e
de 1
Quadro 1 - Crimes ocorridos em 2012.
Fonte: Arquivos da Polícia Civil de Cristal.
A seguir, no quadro 2, se pode visualizar os resultados da pesquisa referentes aos fatos
ocorridos durante o ano de 2013 (de janeiro à dezembro):
Tipos de fato
Quantidade Tipos de fato
Agressões físicas
16
Envolvendo Armas de 3
fogo
Ameaças
14
Dano
6
Furto
14
Tráfico/posse
drogas
de 7
Quadro 2 - Crimes ocorridos em 2013.
Fonte: Arquivos da Polícia Civil de Cristal.
Quantidade
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Conforme apresentado nos quadros precedentes, todos os tipos de crimes pesquisados
tiveram substancial aumento em seus casos no ano de 2013, se comparado com o ano de 2012. Os
crimes de agressões físicas aumentaram 77%; as ameaças, 27%; crimes envolvendo tráfico ou posse
de entorpecentes cresceram 75%; envolvendo armas de fogo em 200%; crimes referentes a dano no
patrimônio aumentaram 50%; e os crimes de furto aumentaram, de forma alarmante, em mais de
366% no intervalo de apenas um ano. Deve ficar claro aqui, que muitos fatos, principalmente
pequenas agressões, ameaças e o furto de objetos de pequeno valor, muitas vezes, não são
registrados pelas vítimas, ou seja, os números apresentados anteriormente, certamente, são ainda
maiores.
Mas, como mencionado anteriormente, muitos fatos ofensivos, como o bullying, não
tipificados como crimes, também provocam graves marcas nas vítimas, porém, tais fatos, na
maioria das vezes, são difíceis de serem averiguados em documentos oficiais, pois, as vítimas,
muitas vezes, preferem ficar caladas a se expor. Sendo assim, a fim de se complementar a pesquisa
de análise documental, foi realizada uma pesquisa quantitativa com 55 pessoas 31 , que envolveu
alunos, professores, pais de alunos e funcionários da escola 32 . Aos mesmos foi feita a seguinte
pergunta: Alguma vez, você presenciou ou foi vítima de algum fato, que não é necessariamente
tipificado como um crime, mas que lhe feriu de alguma no ambiente escolar? Os resultados da
pesquisa está sintetizado no quadro 3, a abaixo:
Alunos
Professores
Sim 29
30
Não 1
Sim
10
Pais de alunos
10
Sim
10
Funcionários
7
Sim
2
5
Não 0
Não 3
Não 3
Quadro 3 - Fatos atípicos ocorridos em 2013.
Fonte: Dados do autor, adquiridos por meio das entrevistas.
Conforme verificado com a pesquisa, a maciça maioria dos entrevistados já presenciou ou
foi vítima de algum fato violento que, de uma forma ou de outra, lhe causou dor ou
constrangimento. Constatou-se que dos 30 alunos entrevistados, 29 (96%) presenciaram ou foram
vítimas de algum fato, sendo que destes 29, 21 (72%) disseram ter sido vítimas; com os professores
a situação é ainda mais grave, dos 10 entrevistados, todos disseram já ter presenciado algum fato e
destes, 8 (80%) se disseram vítimas de alguma violência simbólica; com os pais de aluno a situação
não é muito diferente, pois, dos 10 entrevistados, 7 (70%) declaram já terem presenciado algum fato
que causasse algum dano à alunos ou professores, deste 7 apenas, 2 (28%) declaram ter sido
vítimas; foi com os funcionários do colégio Bento Gonçalves que encontramos a melhor situação,
pois, dos 5 que participaram da pesquisa, apena 2 (40%) relataram ter presenciado algum fato
classificado como alguma forma de violência simbólica.
Considerações finais
A violência nas escolas tem, nos últimos anos, recebido imenso destaque midiático e
atenção de pesquisas acadêmicas em todo o mundo, pois, tornou-se consenso que não se trata mais
apenas de casos isolados ou mesmo de simples desvios disciplinares de alunos, como postulado
anteriormente. Hoje, esse problema é tratado como sendo um fenômeno social de relevância para
todos os membros da sociedade, pois, de uma forma ou de outra, todos são afetados quando fatos
violentos atingem a escola ou qualquer de seus membros.
Esse número diz respeito a uma proporcionalidade, bem como uma igualdade mínima entre as
categorias.
32
Pesquisa realizada, aleatoriamente, durante os turnos da manhã, tarde e noite do dia 04 de dezembro
de 2013.
31
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Com a pesquisa que realizamos, ficou claro que crimes como agressão física, ameaças,
dano e furto estão presentes diariamente no ambiente educacional e são visíveis a todos os
membros da comunidade escolar e, conforme demostrado, estão aumentado de forma acelerada,
bem como o combate a esse grave problema deverá ser longo, complexo e, antes de mais nada,
minuciosamente planejado, não apenas pelo poder público e membros da escola, mas também por
toda a sociedade civil.
Por fim, se quer ressaltar que a pesquisa ora realizada, de forma alguma encerra o assunto
aqui discutido, visto o tema ser de grande complexidade e relevância social. Pelos resultados
alcançados, no entanto, se pode afirmar que a violência, que aprisiona e tranca estudantes e
professores atrás de muros e grades da escola, só será realmente combatida quando este problema
social, que corrói silenciosamente nossa sociedade, for tratada realmente como uma prioridade por
parte do poder público que, não raramente, têm se utilizado da temática para angariar votos em
disputas eleitorais. Além do mais, a violência escolar, deve ser encarada pelos membros da
comunidade como sendo também de sua responsabilidade, pois, só assim, com a união de todos, a
escola voltará a ser um local onde o principal seja a aquisição de conhecimento e a formação de
alunos como cidadãos.
Referências
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Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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NOMENCLATURA GRAMATICAL BRASILEIRA: A MATERIALIZAÇÃO DE UMA
POLÍTICA LINGUÍSTICA
Marcia Ione Surdi
Doutoranda em Letras – Estudos Linguísticos
Universidade Federal de Santa Maria
Professora da Área de Ciências Humanas e Jurídicas
Universidade Comunitária da Região de Chapecó
Resumo
Este texto objetiva apresentar como, historicamente, a gramática funciona na consolidação de uma
política linguística, desenvolvida no Brasil. Para tanto, tomamos como pressuposto teóricometodológico a Análise de Discurso, de vertente francesa, posta em relação com a História das
Ideias Linguísticas. Para desenvolver nosso gesto de interpretação, selecionamos sequências
discursivas retiradas da terceira edição da Gramatica Normativa da Língua Portuguesa, de Carlos
Henrique da Rocha Lima.
Palavras-chave: nomenclatura gramatical; gramática normativa; discurso.
Resumen
Este trabajo tiene como objetivo presentar cómo, históricamente, la gramática trabaja en la
consolidación de una política lingüística, desarrollada en Brasil. Tomamos como supuesto teóricometodológico el Análisis del Discurso de línea francesa, puesto en relación con la Historia de las
Ideas Lingüísticas. Para desarrollar nuestro gesto de interpretación, hemos seleccionado secuencias
discursivas de la tercera edición de la Gramática Normativa de la Lengua Portuguesa, de Carlos
Henrique da Rocha Lima.
Palabras clave: nomenclatura gramatical; gramática normativa; discurso.
Introdução
As tomadas de posição do sujeito interferem diretamente na produção dos sentidos. Isso
pode ser observado em diferentes práticas sociais, por exemplo, estamos tão acostumados a
manusear as gramáticas em contexto escolar, como instrumentos pedagógicos, que raras vezes
paramos para refletir sobre as suas origens e sobre o modo como elas foram e hoje são construídas.
Este texto objetiva apresentar como, historicamente, a gramática funciona para a
consolidação de uma política linguística desenvolvida no Brasil, além de ser uma ferramenta política
que funciona na duplicidade do movimento de apagamento da diversidade étnico-linguageira e a
institucionalização de uma língua-nação una e forte. Para tanto, tomamos como pressuposto
teórico-metodológico a Análise de Discurso (AD), de vertente francesa, posta em relação com
algumas noções próprias aos estudos desenvolvidos sob a égide da História das Ideias Linguísticas
(HIL).
Para desenvolver nosso gesto de interpretação, selecionamos sequências discursivas (SD)
retiradas da terceira edição da Gramatica Normativa da Língua Portuguesa (1959), de Carlos
Henrique da Rocha Lima. Trata-se de uma obra marcada por uma relação muito particular com um
dos acontecimentos institucionais decisivos da ação normativa do Estado sobre a língua do Brasil,
instrumento linguístico que consideramos da maior importância na consolidação linguísticogramatical brasileira. Esse instrumento é designado como gramática normativa, ou seja, ―uma
disciplina, didática por excelência, que tem por finalidade codificar ‗o uso idiomático‘, dele
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induzindo, por classificação e sistematização, as normas que, em determinada época, representam o
ideal da expressão correta‖, assim definida por Rocha Lima (1991, p. 07).
Consolidação de uma política linguística
Neste trabalho trataremos especificamente do instrumento linguístico gramática. Partimos
da noção de que gramática é uma materialidade discursiva e constitui-se em um projeto que visa a
dar unicidade e identidade a um conjunto heterogêneo, privilegiando, pelo menos, dois aspectos: o
sujeito falante e o Estado-Nação que o representa e que é representado nele. As gramáticas são
objetos históricos, são instrumentos linguísticos e constituem um lugar de construção e
representação da unidade e da identidade (Língua/Nação/Estado), através do conhecimento, em
uma tentativa de salvaguardar a língua. Esse movimento de salvaguardar a língua está ligado ao
processo de gramatização, ou seja, sistematizar para transmitir o saber linguístico. Isso implica em
distinguir quem sabe e quem não sabe a língua corretamente. O saber gramatical indica a escolaridade
do sujeito e lhe dá o estatuto de falar corretamente porque domina as regras da língua através da sua
descrição. Além de ser um processo de construção de um saber sobre a língua nacional, o saber
gramatical tem como consequência algo mais substancial e definidor: a constituição de sujeito
nacional, um cidadão brasileiro com sua língua própria, visível na gramática. Individualiza-se o país,
seu saber, sua língua, seu sujeito político social e suas instituições. (ORLANDI, 2007)
Para Orlandi e Guimarães (2001), a produção de gramáticas brasileiras é posta em curso a
partir da segunda metade do século XIX, paralelamente ao processo de gramatização brasileiro.
Assim, o Brasil tem seus próprios instrumentos linguísticos, diferentes dos de Portugal.
A partir de 1900, segundo Orlandi (2002), as gramáticas assumem outras funções, que não
mais é a de dar forma aos difíceis limites da identidade brasileira, agora se busca manter essa
identidade brasileira, o que implica em distinguir quem sabe e quem não sabe a língua
―corretamente‖. É com esse pano de fundo que ―chovem‖ gramáticas, com diferenças no que diz
respeito a questões analíticas e descritivas, por exemplo, diferenças na análise de oração e de
complementos, distinções que incidem sobre adjunto e sua descrição etc. Considerando essa
profusão de gramáticas e a diversidade de nomes dados aos mesmos termos constitutivos das
gramáticas, foi necessário entrar em cena o Estado, a proposta de elaboração de uma política
linguística que é materializada discursivamente na Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) para
legislar sobre a língua nacional escrita, numa tentativa de homogeneizar a terminologia gramatical.
Assim, ―a NGB resultou de uma intervenção direta do Estado que produziu a homogeneização,
fixação da terminologia gramatical no Brasil‖ ( p. 193).
Conforme Chaves de Melo (197133), a NGB foi elaborada por uma comissão34, da qual
faziam parte Antenor Nascentes, Clóvis do Rêgo Monteiro, Cândido Jucá (filho), Celso Ferreira da
Cunha e Carlos Henrique da Rocha Lima. A comissão de cinco professores do Colégio Pedro II 35
era encarregada de estudar e propor um projeto de simplificação da NGB, para uso dos
estabelecimentos de ensino e da literatura didática. A comissão também teve como objetivo atender
ao tríplice aspecto fixado nas Normas Preliminares de Trabalho: a) a exatidão científica do termo;
b) a sua vulgarização internacional; c) a sua tradição na vida escolar brasileira.
Queremos destacar que, já na década de 70, eram postas em curso discussões acerca da NGB.
A designação dos membros da comissão deu-se por meio da Portaria n.° 152, de 24/4/1957, do Ministro
da Educação e Cultura.
35 Orlandi (2002) considera o Colégio Pedro II como um lugar de formação e elaboração de programas que
configuram formas de cidadania e, no que diz respeito à língua, apresenta-se como lugar de conhecimento
legítimo, da garantia da unidade linguística (nacional) e de domínios da ―boa‖ língua, da ―boa‖ retórica, da
―boa‖ escrita.
33
34
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Assim, a NGB foi o resultado do trabalho da comissão e ainda do estudo, minucioso e
atento, das contribuições remetidas à CADES36 pela Academia Brasileira de Filologia, por várias
Faculdades de Filosofia do país, pela Secretaria de Estado de Educação do Rio Grande do Sul e,
individualmente, por numerosos e abalizados professores de Português.
A Portaria e o texto da NGB foram publicados no Diário Oficial da União, em 11 de maio
de 1959. Desde então, quase todas as gramáticas passaram a trazer a advertências: ―De acordo com
a Nomenclatura Gramatical Brasileira‖ ou ―Adaptada à Nomenclatura Oficial‖, entre outras.
Segundo Bisinoto (2009), a NGB, elaborada com o objetivo de uniformizar, esquematizar e
simplificar a terminologia de análise gramatical, foi instituída visando, principalmente, ao ensino da
língua nas escolas. Tal motivação reforçou ainda mais a concepção estruturalista formal que
orientava o ensino até então e representou, em princípio, um porto seguro para os professores no
manejo pedagógico, antes às voltas com uma infinidade de designações e interpretações descritivas.
Nesse sentido, a autora explicita que, a partir da NGB, saber a língua passa a ser sinônimo de
conhecer as classes e funções gramaticais, o sistema fonético, a constituição morfológica das
palavras, enfim, objetiva-se nomear tudo conforme a norma.
É bem provável que o objetivo de simplificar a terminologia não fora alcançado, pois a
CADES instituiu em 1961 um concurso para premiar o trabalho que melhor explicasse e
interpretasse a NGB (HENRIQUES, 2009).
Bisinoto (2009) salienta que não obstante à longevidade hoje comprovada da NGB, sua
solidez inicial não durou muito, pois em compêndios e livros didáticos que a sucederam
multiplicavam-se as notas de rodapé na tentativa de dar conta dos equívocos, lacunas e contradições
das normativas perante a complexidade da língua. Podemos também dizer que além de rodapés, no
caso de Rocha Lima, dedicaram-se duas páginas de Advertência para tanto.
Na edição de 1959, o autor obedecendo à legislação, adapta sua gramática à NGB, mas não
se detém rigorosamente às exigências legais. Para tanto, há um espaço de Advertência da terceira
edição, no qual a posição sujeito gramático discursiviza seus saberes sobre a língua e marca
posicionamentos que oscilam entre a homogeneização e a autoria, no que concerne à NGB.
Adentrando a NGB via texto de Advertência: um gesto de interpretação
A noção de gramático, enquanto sujeito que toma posição, ganha maior ênfase ao
analisarmos o texto de Advertência no qual observamos o funcionamento da tomada de posição do
sujeito que se movimenta entre a homogeneização e a autoria no processo de emergência e
instauração de uma política linguística, considerando, também, que esse sujeito discursiviza seus
saberes sobre a língua e marca sua posição na e em relação à língua.
No espaço de Advertência, o autor apresenta as razões que o levam a adaptar a obra à NGB,
recomendada pelo Ministério da Educação e Cultura, mas adverte que procurou não deformar a
―inteiriça estrutura intelectual‖. Vejamos a sequência discursiva que segue, retirada da Advertência da
terceira edição:
Sd 1: Esta é a razão por quê, ao adaptá-la agora à Nomenclatura Gramatical Brasileira recomendada
pelo Ministério da Educação e Cultura para uso dos estabelecimentos de ensino e da literatura didática, diligenciamos
fazê-lo de sorte que não se lhe deformasse a inteiriça estrutura intelectual.
Há uma preocupação em não se deformar a obra, pois, de acordo com o sujeito gramático:
36
Coordenação de Aperfeiçoamento de Docentes para o Ensino Secundário.
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Sd 2: [...] julgamos de bom aviso manter-lhe a fisionomia com que fôra planejado e redigido – fisionomia
cujo acêrto a consagrada carreira das edições anteriores (que se esgotaram no curto espaço de um ano e meio) patenteou
de maneira solar.
As autoras Palma e Mendes (2006), em uma releitura de Faccina, argumentam que Rocha
Lima insere-se no espírito de época em que vive, na segunda metade do século XX, ou seja,
[...] um período em que a imposição de uma gramática normativa de fácil manuseio vem
dar força ao objetivo do governo de impor uma doutrina político-ideológica,
estabelecendo uma política lingüística de imposição da língua culta escrita, em
detrimento de qualquer outra modalidade [...]. (PALMA; MENDES, 2006, p. 148-149)
Na sequência da Advertência da terceira edição, Rocha Lima afirma que, apesar de realizar
adequações na gramática para atender à política linguística, ele relaciona num Apêndice as passagens
na GNLP que não coincidem com pontos da NGB. Parece-nos então que a NGB e GNLP são
dois documentos/instrumentos linguísticos funcionando em paralelo, trilhando caminhos
específicos e que, às vezes, tocam-se, mas jamais se complementam ou constituem uma à outra.
Isso pode ser observado nas sequências discursivas Sd 3:
Sd 3: Mas, como é notório, as questões de NOMENCLATURA muita vez se entrelaçam às de
DOUTRINA; e, então, não é lícito a ninguém – por mais que sejam dignos de louvor os propósitos da unificação
preconizada pela boa política do ensino.
Na Sd 3, o sujeito gramático marca um posicionamento que oscila entre a homogeneização e a
autoria. Isso se revela na escolha discursiva dos termos nomenclatura e doutrina: Nomenclatura marca a
posição sujeito gramático que atende à NGB; Doutrina marca a posição sujeito gramático que se
afasta da legislação e mantém, numa posição que o autoriza para tanto, seus preceitos de
normatividade, presentes em outras edições de sua gramática, e que marcam a sua regularidade
discursiva.
No final da Advertência, da terceira edição, as convicções do autor são marcadas em sua
relação com a doutrina/autoria, como pode ser observado na Sd 4.
Sd 4: Assim se conciliam, no parecer, a utilização didática do livro e as linhas mestras de convicção do
Autor.
Parece-nos que o autor quer garantir a manutenção de sua posição gramático e não de
mero adaptador ou comentador. Enquanto sujeito gramático, faz aparecer em seus textos suas
convicções, sem que isso ocorra exclusivamente em espaços marginais, de ―forma marginal‖ 37 ,
como notas de rodapé, quadros no canto da página etc.
Mesmo sendo um dos membros da comissão que trabalhou na elaboração da NGB, Rocha
Lima não adapta, em sua totalidade, a Gramática Normativa da Língua Portuguesa à legislação. Por
mais que possa parecer estranho, ele não foi o único a fazer isso, outros integrantes da comissão
também demonstram recusa, restrição ou negação à NGB, como revela Baldini (2009). Assim,
Rocha Lima faz um movimento dentro/fora da NGB. O autor está dentro ao fazer parte da
comissão e fora quando é preciso adaptar sua obra ao que recomenda o Ministério da Educação e
Cultura. Isso nos remete à constituição contraditória do sujeito que ao mesmo tempo em que é
assujeitado à ideologia dominante, pode resistir a ela, relacionando-se de modo singular com essa
ideologia.
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Utilizamos essa expressão a partir de Baldini (2009).
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Rocha Lima não concorda plenamente com o que recomenda a nomenclatura oficial, pois
enquanto sujeito gramático assume essa posição de autoria e defende a doutrina que marca sua
GNLP. Ora oscila entre a homogeneização (Estado/o ―mesmo‖) e a doutrina (autoria/o
―diferente‖). É nesse momento que podemos observar o movimento do jogo das formações
imaginárias previsto por Pêcheux (1990):
―Quem sou eu para lhe falar assim?‖
Sou o Autor e sigo uma doutrina que não se entrelaça à
nomenclatura, em certos aspectos.
―Quem é ele para que eu lhe fale assim?‖
Leitor que precisa ser avisado que a Gramática Normativa
da Língua Portuguesa consagra carreira em suas edições
anteriores e, por isso, não fora adaptada integralmente à
NGB.
―Quem é ele para que fale assim?‖
Leitor, estudioso da língua, a ele devo satisfação acerca do
que recomenda, diligencia o Estado sobre a adaptação de
instrumentos linguísticos à NGB.
Sd 4: Assim se conciliam, no parecer, a utilização
didática do livro e as linhas-mestras de convicção do
Autor38.
Sd 3: Mas, como é notório, as questões de
NOMENCLATURA muita vez se entrelaçam às de
DOUTRINA; e, então, não é lícito a ninguém –
por mais que sejam dignos de louvor os propósitos
da unificação preconizada pela boa política do
ensino.
Sd 2: [...] julgamos de bom aviso manter-lhe a
fisionomia com que fôra planejado e redigido –
fisionomia cujo acêrto a consagrada carreira das
edições anteriores (que se esgotaram no curto
espaço de um ano e meio) patenteou de maneira
solar.
Sd 1: Esta é a razão por quê, ao adaptá-la agora à
Nomenclatura Gramatical Brasileira recomendada
pelo Ministério da Educação e Cultura 39 para
uso dos estabelecimentos de ensino e da literatura
didática, diligenciamos fazê-lo...
Sd 3: Mas, como é notório, as questões de
NOMENCLATURA muita vez se entrelaçam às
de DOUTRINA; e, então, não é lícito a ninguém –
por mais que sejam dignos de louvor os propósitos
da unificação preconizada pela boa política do
ensino.
Quadro 1: Formações imaginárias e Advertência
Ao darmos voz ao sujeito do discurso, numa tentativa de responder às questões formuladas
por Pêcheux, percebemos que, ao mesmo tempo, o sujeito gramático se movimenta produzindo um
discurso sobre a presença/ausência da NGB em sua gramática, primeiramente direcionado ao
público interessado nesse instrumento linguístico, e, de modo secundário, dá alguma satisfação ao
Estado, como aquele de recomenda a adaptação desses instrumentos à NGB.
Em resposta às mesmas questões, conseguimos, pelo fio do discurso e pela falha, ver como
Rocha Lima também se move entre a presença/ausência, ou um dentro/fora da e na NGB.
Acreditamos que apesar do Estado buscar um efeito de homogeneização das nomenclaturas, esse
efeito, arriscamo-nos dizer é, de certa forma, ilusório. Tal homogeneização não alcança uma
totalidade e completude, pois a heterogeneidade é constitutiva da língua.
Tecendo considerações
Na Advertência, constatamos que as tomadas de posição-sujeito mostram: a resistência (não
ao projeto de homogeneização proposto pelo Estado) ao meio de institucionalização de uma
38
39
Grifos nossos.
Grifos nossos.
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política linguística materializada na NGB; e a manutenção da doutrina que marca sua autoria na
produção da GNLP. O sujeito gramático, ao produzir esse instrumento linguístico, mesmo à luz de
uma política linguística, deixa escapar no fio do discurso suas convicções doutrinárias, constitutivas
de seus saberes sobre a língua, bem como, de sua relação com a língua, em espaços marginais da
gramática ou no próprio corpo do texto, em um espaço autorizado.
Como ponto de chegada, inferimos que o meio de institucionalização de uma política
linguística materializada na NGB provoca um efeito de resistência do sujeito-gramático, pois o
mesmo mantém sua doutrina no discurso gramatical, resistindo ao que determina o Estado; mas, ao
mesmo tempo, reproduz a norma, o que está estipulado como Língua Portuguesa Padrão, afetando
tanto o processo de formação quanto a ação docente.
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EDUCAÇÃO ESTÉTICA E FORMAÇÃO DOCENTE EM ARTES VISUAIS –
DESENHO E EXPERIÊNCIA
Maristani Polidori Zamperetti
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação (PPGE/FaE/UFPel)
Professora do Curso de Pós-Graduação em Educação – Mestrado (FaE/UFPel)
Professora Adjunta no Centro de Artes
Universidade Federal de Pelotas (CA/UFPel)
Coordenadora do Grupo de Pesquisa/CNPQ
―Pesquisa, Ensino e Formação Docente nas Artes Visuais‖
Coordenadora do Projeto Artes Visuais – Pibid/UFPPel
Resumo
As relações entre a experiência e a educação estética na formação de professores de Artes Visuais
apontam para a necessidade de reflexão acerca de memórias e vivências infantis, possibilitando o
reconhecimento de ideias e/ou concepções sobre a arte e o grafismo da criança, produzindo
sensações e sentidos nos sujeitos, conduzindo-os a saberes integrados em seus corpos. A vivência
prática conduzirá o arte/educador a questionamentos frente às situações que se apresentam,
revisando sua formação e atuação em sala de aula. O confronto, a possibilidade de vivenciar uma
situação semelhante à da criança, propiciará a ampliação de sua própria expressividade e
sensibilidade.
Palavras-chave: Arte/Educação, Educação Estética, Formação Docente.
Abstract
Relations between the experience and the a esthetic education in the formation of Visual Art
steachers point to the need for reflection on memories and child hood experiences,allowing there
cognition of ideas and / or conceptions of art and the graphics of the child , producing sensations
and senses the subjects , leading them to know ledge incorporated in their bodies. The practical
experience will lead theart/educator to challenges facing the situations that present them selves ,
reviewing their training and performance in the classroom. The confrontation ,the possibility of
experiencing a similar situation to the child , enable the expansion of its own expressivenes and
sensitivity.
Keywords: Art/Education, A esthetic Education, Teacher Formation.
Proponho-me a refletir, no presente texto, acerca das relações entre a experiência e a
educação estética na formação de professores de Artes Visuais, a partir de vivências e observações
com o grafismo infantil. Parto do princípio de que é necessário recuperar experiencialmente
memórias de situações e vivências infantis, para que, refletindo sobre elas, possamos perceber a
importância da arte na formação pessoal e profissional de futuros/já professores de Artes Visuais.
Utilizo minhas experiências e vivências na escola, para refletir e desenhar posteriormente, algumas
ideias e/ou concepções que me motivam como professora formadora de docentes na universidade.
Apelo às memórias: lembro-me dos desenhos no papel, no chão, as pinturas nas paredes
feitas com pó de tijolo e água, as revistas de histórias em quadrinhos, os desenhos que minha mãe
fazia, os apontamentos de meu pai em cadernos, os recortes precisos feitos com uma pequena
tesoura por minha avó – recordações de um tempo da infância que marcam a minha memória e que
se refletem na minha formação de artista-professora-pesquisadora.
Desenhando, a criança brinca e cria no movimento constante do seu crescimento; o adulto
traça a trajetória de sua existência, numa espécie de desenho existencial – desenhos que se
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aproximam [e se distanciam] num tempo/espaço experiencial. Um desenho no papel, um desenho
no tempo e na história – um desenho necessário para que eu possa rever e questionar-me: o que
estas lembranças possuem de potencial para pensar a nossa formação de professoras e professores?
Situação semelhante poderá ocorrer com o adulto predisposto à criação artística; ele se
encontra bastante próximo da criança na qualidade do envolvimento vivenciado. Porém, o adulto
reflete, e através dessa ação, é tomado pela experiência, que vinda de uma vivência refletida, tornase algo materializado, possibilitando-lhe pensar sobre o ocorrido.
No processo criativo, crianças, jovens e adultos de qualquer idade experimentam novas
descobertas em suas produções artísticas – ao mesmo tempo que constroem formas e as destroem
– modificam a forma de seus grafismos, e neste movimento sem fim, transformam-se. Na medida
em que estes sujeitos se identificam com a matéria criada/recriada, promovem uma transferência
simbólica, na qual fazem parte como autores e espectadores. Afinal, como assegura Derdyk, o
desenho do adulto ―[...]e o desenho da criança não são produções estanques. Ambos participam do
patrimônio humano de aquisição do conhecimento, complementando-se, remetendo-se‖
(DERDYK, 1989, p.07).
Através da criação artística é possibilitado ao sujeito, dar formas à sua imaginação. Escapase, assim, da domesticação e massificação que a indústria cultural produz em adultos, jovens e
crianças, numa espécie de alienação estrondosa que anestesia os sentidos humanos. Como aponta
Cunha (2009), da mesma forma que não existe substituição para a criação artística, também não há
possibilidade de troca para o exercício do riso e do brinquedo, pois ainda que tenhamos acesso a
aparatos tecnológicos refinados, as primeiras vivências com materiais, texturas, cores, sensações e
odores serão sempre lembradas. Da mesma forma, ficará em nossa lembrança, as brincadeiras
infantis e os momentos lúdicos, vivenciados na interação com os pares.
Buscando a metodologia de pesquisa – uma abordagem pessoal
Busquei, nos últimos anos, pesquisar, refletir e escrever sobre algumas vivências com o
grafismo infantil na escola, na condição de professora e pesquisadora. Revejo estas vivências
escolares como uma recuperação do que experienciei como criança no âmbito familiar, e um pouco
menos, na escola. Entendo que as vivências infantis repercutem no meu trabalho como docente,
portanto, pensando na importância de se falar sobre a relação entre a experiência e a formação
docente, utilizo minhas memórias como dados para a autopesquisa.
Talvez, e provavelmente uma grande maioria dos educadores, deixou para trás as vivências
básicas e imprescindíveis da criação artística, esquecendo-se de que as experimentações infantis
produziam momentos culturais e descobertas diversas do mundo adulto. Assim como as crianças,
somos formados [ou formatados] por este espaço psíquico cultural que supervaloriza os aspectos
cognitivos e esquecemos, por fim, da sensibilidade e da experiência estética, que poderiam ser
asseguradas pela educação estética. Conforme aponta Duarte Júnior (2010), a atividade artística
seria uma das formas de exercício da educação estética, mas não a única.
Percebe-se que a experiência estética é o fundamento para a formação de crianças, jovens,
adultos e de seus professores. Como assegura Derdyk, ―a vivência prática da linguagem [artística]
deveria ser considerada pressuposto básico para a formação de futuros educadores‖ (1989, p.11).
Assim, poderíamos falar de uma educação estética como proposta para a formação de professores,
tendo repercussões na sua futura profissão e na relação com seus alunos e contexto escolar.
A experiência estética é ―[...] a nossa (humana) experiência face a determinados objetos que
percebemos e sentimos como belos‖ (DUARTE JÚNIOR, 1986, p. 9). Durante a experiência
estética ocorre um diálogo entre a pessoa e os seus próprios sentimentos, sem a presença de um
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interlocutor. A beleza não está no objeto ou fato observado e nem em quem o observa, mas
acontece na relação entre ambos. A experiência estética é um tipo específico de relação que
mantemos com o mundo. O espectador diante da obra dialoga com os seus sentimentos e, num ir e
vir de sensações, imagens, memórias, encontra-se consigo mesmo, porém, esta experiência sensível
―em sua essência, pode-se dar não apenas diante da arte, como também da totalidade do mundo e
de seus múltiplos objetos‖, conforme sugere Duarte Júnior (2010, p. 37).
A vivência do ato criativo pela criança possibilitará seu desenvolvimento e
amadurecimento, ampliando sua expressividade e produzindo reverberações ao longo da vida,
constituindo-se em experiência estética. A concepção de nós mesmos, adultos, como seres
totalmente estáveis e formados, por vezes, torna-se um empecilho para que possamos experienciar
e descobrir novas possibilidades de criar. A ideia de que ―isso é coisa de criança‖, e portanto, menor
em importância, precisa ser repensada e modificada, principalmente pelos que se dedicam à
formação de professores e aos futuros docentes.
Formação de professores e processos pedagógicos sensíveis
O considerável embrutecimento das relações sensíveis na contemporaneidade incide – de
forma não menos catastrófica – na formação de professores, onde aparentemente é ainda incipiente
o espaço concedido às atividades estéticas e artísticas. Por essa razão, discutir o papel da experiência
estética no espaço destinado à formação docente ajuda na compreensão dos fatores que envolvem
os processos pedagógicos de formação da sensibilidade (MEIRA; ZAMPERETTI, 2010).
Desta forma, necessitamos vivenciar situações que promovam alguma espécie de
estranhamento a nós mesmos, uma percepção das sensações impressas em nossos corpos pelas
atividades artísticas, ou mesmo, outro tipo de exercício que possa produzir um envolvimento
corporal e sensível. Este tempo/espaço pode se constituir num intervalo de calma, serenidade ou
desagrado; de qualquer maneira, uma sincera permissão para que possamos pensar e talvez refletir,
sobre os sentidos e sentimentos experimentados durante o envolvimento na atividade.
Refiro-me à estesia, termo contrário à anestesia. A anestesia caracteriza-se pela negação do
sensível, a incapacidade de sentir, que gera a deseducação dos sentidos, fato presente na sociedade
contemporânea. Dessa constatação sobrevém a necessidade urgente de atentar aos ―processos
sensíveis do corpo‖, como aponta Duarte Júnior (2010).
Podemos observar o anestesiamento humano em diferentes situações vivenciadas na
contemporaneidade – o consumismo, a busca de prazer imediato, as condutas de risco – parecem
ser movidas pela busca de sensações e percepções relevantes para a vida humana, porém, mais do
que causar stress, tensão e dispersão adrenalínica, anestesiam.
Por isso, necessitamos de espaços de formação, discussão e reflexão sobre a arte e seu
papel na vida contemporânea – uma educação estética. A arte tem a capacidade de produzir
sensações e sentidos nos sujeitos, conduzindo-os a saberes integrados em seus corpos, tornando-os
mais perceptíveis aos seus contextos de vida.
Duarte Júnior (2010) afirma que a educação estésica é
irmã quase siamesa da educação estética, como essencialmente uma educação do corpo,
tomado como o fundamento último dos saberes que nos habitam a viver construindo
sentidos e significados. Uma relação mais harmônica de nossos sentidos corporais com
as coisas que nos cercam, bem como um maior equilíbrio nas atividades que
desempenhamos constituem o passo inicial para a percepção estética da vida que nos
foi dada a viver (2010, p. 19).
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No momento em que a arte afeta e mobiliza os sujeitos para uma pedagogia da
sensibilidade, considera o saber sensível como fundamental para a vida cotidiana. É nesse sentido
que Duarte Júnior entende a educação
[...] uma atividade profundamente estética e criadora em si própria. Ela tem o sentido
do jogo, do brinquedo, em que nos envolvemos prazerosamente em busca de uma
harmonia. Na educação joga-se com a construção do sentido - do sentido que deve
fundamentar nossa compreensão do mundo e da vida que nele vivemos (DUARTE
JÚNIOR, 1983, p. 74).
Assim, as experiências sensíveis (ou estéticas) permitem aos indivíduos uma relação dos
seus sentidos com a realidade ao seu redor e também com outras desconhecidas e/ou
desapercebidas em momentos passados ou, ainda, que pertençam ao campo da imaginação. Porém,
isto só é possível se realmente ocorrer uma interação entre o sujeito e o objeto e/ou situação.
Quando uma pessoa é incapaz de se sensibilizar com algo, tornando-se indiferente aos
estímulos externos e/ou internos, é porque não promoveu uma verdadeira relação com o objeto,
ou careceu de informações ou aprendizados artísticos que lhe possibilitassem o ingresso ou
compreensão para a obra. Afinal, ―educamos nossos sentimentos a partir dos códigos estéticos
presentes em nossa época e cultura. Isto é, aprendemos a ver em determinados estilos de arte os
símbolos de nossos sentimentos, e assim nos identificamos com eles‖ (DUARTE JÚNIOR, 1986,
p.89).
A criação artística, que pode ser possibilitada a todos, proporciona relações entre formas e
sentidos, porém, enfrenta de maneira direta os sentimentos contrários de poder e impotência, o
medo do fracasso pela expressão da individualidade humana, pois esta poderá ou não ser
compreendida pelas outras pessoas. O fazer artístico é uma das formas de atingir a experiência
estética, pois através deste poderemos aprimorar nossos sentidos, tornando-nos sensíveis às pessoas
e ao mundo. A educação estética pode ser obtida na escola, através do Ensino de Arte ou mesmo,
por outras disciplinas que privilegiem a possibilidade de experiências estéticas em seus conteúdos.
O sentido para o que se produz e se vive está presente na possibilidade de expressão das
peculiaridades individuais, ainda que nesta busca possa ocorrer medo ou desestabilização. As
práticas artísticas que possibilitem o contato com o que parece feio, desagradável ou indesejável
pode ter maior significação do que a conexão com algo agradável, fazendo sentido e
proporcionando processos de aprendizagem sobre si, os outros e o mundo. Assim, podemos
considerar estas ocorrências como necessárias à mobilização dos processos pedagógicos, dentro ou
fora da escola.
Os elementos de estranhamento surgidos nas práticas e vivências artísticas, em relação ao
que é produzido pelo sujeito, poderá servir de mote para questionamentos e reflexões. Ao
experienciar, por meio das práticas artísticas, sentimentos e sensações proporcionadas pelas cores,
odores, texturas e materialidades pouco vividas em seu cotidiano, o sujeito será afetado e convidado
a olhar com maior atenção e profundidade para si mesmo.
Como afirma Larrosa (2002b), diversas situações acontecem no mundo, diária e
ininterruptamente, mas pouco nos afeta, em função do cumprimento de tarefas e afazeres sem
reflexão nas práticas cotidianas. Através das práticas artísticas possibilita-se ao sujeito experienciar o
mundo, sensibilizar-se com ele, permitindo que algo lhe toque e aconteça, e não simplesmente que
aconteça somente no mundo, isolado dele.
Assim, as práticas artísticas promovem pausas, momentos para olhar de novo e de outras
formas, pensar e escutar, suspender juízos preestabelecidos, falar sobre o que motiva e interpela os
sujeitos, sobre o que acontece ou não. Desta, a vivência artística serve como um artifício no qual o
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transcorrer rápido cronológico e a ―prontidão das coisas no mundo [são] suspensas, em que [existe]
tempo e espaço [...] para a apreciação e para o destaque das coisas que acontecem no (nosso)
mundo [através da experiência]‖ (AMORIM; CASTANHO, 2008, p. 105).
Paradoxalmente, no dicionário encontramos definições divergentes, mas que aproximam o
termo experiência de um sistema de conhecimento não-organizado, uma sabedoria, mas também de
formas de conhecimento sistematizado, específico, que se adquirem com a prática (HOUAISS,
2001).
A experiência pode ser uma situação vivenciada ou provocada por um sujeito. O ditado
popular diz que é a vida que dá experiência – e quem tem mais anos de idade, mais a tem. Ela pode
ser compartilhada por várias pessoas, ao mesmo tempo ou pode, passar desapercebida no momento
que ocorre, sem deixar de existir, pois pode ser revisitada através da reflexão do acontecido.
Barulhenta ou silenciosa – a experiência necessita agudeza de sentidos para ser percebida. A
experiência é o comum do dia-a-dia, o senso aceito pela maioria, o que forma e transforma os
indivíduos. E parece que todos entendem isso. Porém, o que parece estar muito claro pode,
também, propor questionamentos. Penso ser importante pensar sobre a experiência e sua relação
com a formação docente. Será possível uma formação docente sem viver a experiência? Ou, toda a
formação docente inclui a experiência?
Se a experiência envolve o acontecimento e este escapa à ordem das causas e dos efeitos, o
que se pode fazer é providenciar situações para que a experiência aconteça. Porém, nada é
garantido, o que pode ser experiência para um, pode não ser para o outro. Na tentativa de tornar
uma situação proveitosa para a aprendizagem, por vezes, incorremos na repetição de modelos que
consideramos seguros para a obtenção de nossos objetivos, como realização de uma sequência
previsível de estudos ou de ensino. O que parece natural e efetivo na aprendizagem para muitos,
pode não ser plausível para todos as pessoas. Assim, parece interessante pensar como promover e
incluir as vivências experienciais na formação de professores.
A experiência não pode ser evitada e ninguém pode aprender com a experiência de outro, a
não ser que ela possa ser reatualizada e revivida pelo próprio sujeito, através de uma estreita
conexão empática. A experiência é um saber colado no indivíduo que a viveu. Assim, o saber da
experiência não está fora de quem passou por ela, pois necessita de alguém que a vivencie e
expresse de forma singular, ética e estética. O saber da experiência é finito e tem relação com o
amadurecimento particular do indivíduo. É um saber particular e subjetivo, relativizando as
vivências e acontecimentos (LARROSA, 2002a;b).
Josso (2004) considera significativo o processo de elaboração de experiências vivenciais.
Para a autora, as experiências vivenciais incluem a vivência e a provocação da experiência pela
posterior reflexão sobre o ocorrido. A vivência apresenta três modalidades de formação
experiencial que permitem distinguir as experiências feitas a posteriori das feitas a priori; buscam a
reflexão e a organização de significados existenciais para um conjunto de experiências que podem
se caracterizar dos seguintes modos:
a) ―ter experiências‖ é viver situações e acontecimentos durante a vida, que se tornaram
significativos, mas sem tê-los provocado.
b) ―fazer experiências‖ são as vivências de situações e acontecimentos que nós próprios
provocamos, isto é, somos nós mesmos que criamos, de propósito, as situações para
fazer experiências.
c) ―pensar sobre as experiências‖, tanto aquelas que tivemos sem procurá-las
(modalidade a), quanto aquelas que nós mesmos criamos (modalidade b) (JOSSO, 2004,
p.51).
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Assim, a autora reafirma a necessidade de questionamento sobre as experiências, buscando,
através da reflexão, uma organização pessoal das vivências no sentido de ampliar a conscientização,
a autonomia e a responsabilidade – qualificações que se inserem nos complexos processos de
conhecimento, aprendizagem e formação docente.
Pode-se pensar que as duas primeiras modalidades apresentadas por Josso (2004) são
ocorrências frequentes na formação dos arte/educadores, afinal, como a maioria das pessoas, temos
experiências cotidianas que não são provocadas por nós; também criamos situações que nos
proporcionam experiências. Porém, penso que a reflexão sobre o que se vivencia é que derivará na
experiência como um processo formativo, pois como afirma Larrosa, a educação, ―além de
construir e transmitir uma experiência objetiva do mundo exterior, [deveria] construi[r] e
transmiti[r] também a experiência que as pessoas têm de si mesmas e dos outros como sujeitos‖
(2000, p.45, grifos do autor).
Reflexões finais
Nesse sentido, a reflexão poderá contribuir para que nos espaços pedagógicos ocorram a
produção de formas de relação e experiência do sujeito consigo mesmo. Utilizando o pensamento
como atribuidor de sentido e baseando-se nas experiências pessoais, a ação reflexiva exige dos
professores intuição, e não é um conjunto de técnicas que possa ser repassado ou transmitido aos
professores. Assim, além do movimento de fazer, criar e promover vivências abertas e flexíveis aos
seus alunos, o arte/educador precisará exercitar a reflexão da, na e sobre sua prática, construindo e
resignificando sua experiência docente, a partir de suas próprias experiências.
Assim, seja qual for o campo educacional, em especial o de formação de arte/educadores,
se torna imprescindível a vivência estética e experiencial, que deveria estar presente em toda a nossa
vida – e que até pode estar, sem ser percebida, e portanto inexistente aos nossos sentidos. O
crescente anestesiamento vivenciado pela nossa sociedade, que parece necessitar de uma quantidade
infindável de produtos e informação para existir, produz um esvaziamento de sentidos em nossos
fazeres cotidianos, o que se revela pela falta de significado à existência humana, em diversas
dimensões – do trabalho à casa – todos parecem carecer de algo.
Portanto, não basta apenas viver um momento proporcionado pela arte ou por qualquer
outro tipo de vivência diária, necessitamos viver a experiência no sentido apontado por Larrosa
(2002a, p.21): ―[...] a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que
se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo
tempo, quase nada nos acontece‖. O que nada acontece advém da falta de atenção e sentido ao que
se produz cotidianamente ou ainda, pelas vivências irrefletidas, sem maiores questionamentos ou
percepções acerca do que poderia, em tese, produzir algum tipo de sentido ao nosso existir.
A vivência prática da arte conduzirá o arte/educador a questionamentos frente às situações
que se apresentam, revisando sua formação e atuação em sala de aula. O confronto, a possibilidade
de vivenciar uma situação semelhante à da criança, propiciará a ampliação de sua própria
expressividade e sensibilidade. Assim, a compreensão do universo infantil será possível através do
entendimento do processo vivenciado. A partir do conhecimento da sua própria capacidade de
desenhar, das possibilidades do desenho como uma expressão sensível, o arte/educador entrará em
contato com o grafismo infantil e compreenderá essa manifestação infantil de forma amplificada.
Poderíamos pensar portanto, que a vivência de experiências sensíveis, ou melhor, a
abertura às diferentes formas de experiências e experimentação escolares, possibilitará a condição
mais ou menos frutífera à educação estética, a qual pode ser aprendida e ensinada, porém reside na
dependência da motivação, desejo ou conhecimento dos sujeitos envolvidos.
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formação docente. In: IV Simpósio Internacional e VII Fórum Nacional de Educação - Currículo,
Formação Docente, Inclusão Social, Multiculturalidade e Ambiente. [Anais do...] Torres/RS,
2010, p. 01-15.
Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DA USINA HIDRELÉTRICA
DE ESTREITO E A INUNDAÇÃO DO BAIRRO PALMATUBA
EM BABAÇULÂNDIA-TO
Mayza Jardim Holanda40
Graduanda em Geografia/UFT
Marivaldo Cavalcante da Silva2
Prof. Dr. curso de Geografia UFT/Araguaína-TO
Resumo
A política energética brasileira possui como matriz energética o uso de usinas hidrelétricas. Esse
artigo tem como objetivo compreender os impactos socioambientais ocorridos as família que
moravam no bairro Palmatuba em Babaçulândia-TO, em função da instalação da Usina Hidrelétrica
de Estreito deixou de existir. A metodologia utilizada foi pesquisa em tese de doutorado e artigos
relacionados à temática. Os palmatubenses foram desterritorializados em nome do crescimento
energético. O investimento em outras fontes alternativas de produção de energia deveria ser
adotado, o uso de energia solar no Brasil é viável, pois existe incidência de raios solares em vários
estados do Brasil.
Palavras chave: Hidrelétrica, Impactos socioambientais, bairro Palmatuba.
Abstract
The Brazilian energy policy use hydroelectric plants as energy source. This article aims to
understand the environmental and social impacts occurring to the families who lived
inPalmatubaBabaçulândia-TO, due to the installation of Estreito‘s hydroelectric plant ceased to
exist. The methodology that was used was based on research theses and articles related to thematic.
The Palmatubenses were deterritorialized in order to the energy growth. The investment in
alternative sources of energy production should be adopted, the use of solar energy in Brazil is
viable, since there is incidence of sunlight in abundance in several states in Brazil.
Key words: hydropower, environmental and social impacts, Palmatuba town
Introdução
A exploração dos recursos hídricos para geração de eletricidade no Brasil se deu a partir do
final do século XIX, mas os grandes projetos hidrelétricos só datam em meados dos anos de 1960
com um forte incentivo a políticas públicas para produção de energia elétrica, no ano de 1975
houve um forte crescimento no setor energético no país.
A crise da década de 1980, as críticas às barragens e atuação de organismos
internacionais financiadores no sentido de estabelecer orientações dificultaram a
construção de barragens. Mesmo assim, o governo brasileiro pretende construir 432
novas barragens até o ano 2015 (SIEBEN; CLEPS JUNIOR, 2012A - pg. 04).
Atualmente a potência energética instalada no país não acompanha o crescimento
demográfico da população, a falta de planejamento na política energética ocasionou varias crises no
setor. Segundo o (GREENPEACE, 2011) o Brasil possui 173 hidrelétricas e 392 pequenas centrais
elétricas, que produzem 84% da energia do País.
40mayzageo@gmail.com
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Na cidade de Estreito-MA foi construída a Usina Hidrelétrica de Estreito (UHEE),
empreendimento que atingiu diretamente 12 municípios, sendo 10 no estado do Tocantins e apenas
02 no estado do maranhão. O reservatório se estende por 250km inundando áreas de terras férteis e
comunidades ribeirinhas.
O local da barragem foi escolhido pelas feições geológicas e pelo estreitamento do canal
do rio Tocantins. Além disto, é o encontro das rodovias federais 226 (trecho BelémBrasília), com a BR - 230 e a BR - 010 (trecho Transamazônica) e da ferrovia Norte-Sul.
Isto possibilitará o futuro transporte multimodal entre rodovia, ferrovia e hidrovia
(SIEBEN; CLEPS JUNIOR, 2012A – pg. 03).
Os prejuízos causados pela construção de uma Usina Hidrelétrica são ambientais e sociais.
―No Brasil mais de 34.000 km de terras inundadas para a formação de barragens; cerca de 250 mil
famílias deslocadas de suas áreas,populações ribeirinhas diretamente atingidas pelos reservatórios‖
(SOUZA, 2009).
A importância do estudo se justifica uma vez que a construção do empreendimento
inundou parte de várias cidades nos estados do Maranhão e Tocantins. Dentre as localidades
inundadas o bairro de Palmatuba localizado no município de Babaculändia-TO levando os
habitantes a abandonarem suas moradias.
Essa pesquisa teve como objetivo compreender os impactos socioambientais ocorridos no
bairro Palmatuba no município de Babaçulândia-TO, em função da instalação da Usina Hidrelétrica
do Estreito-MA.
Metodologia
Esta pesquisa foi realizada a partir de revisão bibliográfica em: livros, e a tese de doutorado
deAirton Sieben, intitulada de ESTADO E POLÍTICA ENERGÉTICA: a desterritorialização da
Comunidade rural de Palmatuba em Babaçulândia (TO) pela Usina Hidrelétrica Estreito;
apresentada ao Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia-MG. Também foram
utilizados textos publicados em revistas especializados on-line sobre outras Hidrelétricas
construídas e seus impactos socioambientais. O uso de fotos teve a finalidade de identificar a área
da construção do empreendimento energético e da localidade estudada, o Bairro Palmatuba em
Babaçulândia-TO.
Politica energética do Brasil
Foi a partir das décadas de 1960 e 1970 que o Brasil passou a incentivar as políticas
públicas de produção de energia elétrica, devido ao número abundante de água no país, assim as
hidrelétricas foram fortemente adotadas para matriz energética. A demanda de energia no Brasil é
crescente, com isto precisando de uma politica mais limpa e menos impactante.
A intensificação da produção de energia elétrica no país se deu entre os anos 1975 e
1985, aumentando a capacidade de geração de 18.500Mw para 54.000Mw. A crise da
década de 1980, as críticas às barragens e atuação de organismos internacionais
financiadores no sentido de estabelecer orientações dificultaram a construção de
barragens. Mesmo assim o governo brasileiro pretende construir 432 novas barragens
até o ano 2015 (SIEBEN, 2012 pg.71).
As políticas energéticas estão à frente do crescimento econômico do país, uma das fontes
mais utilizadas no Brasilpara geração de energia são as hidrelétricas conforme (WALISIEWICZ,
2008). A utilização da água por Usinas Hidrelétricas é considerada uma fonte alternativa e limpa em
relação a outras fontes como: termoelétricas e nuclear. Para (WALISIEWICZ, 2008) o maior
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problema enfrentado pelos que defendem o uso da energia renovável é a dificuldade de explorar
esses recursos difusos em escala ampla o suficiente.
Quando abordamos sobre as fontes renováveis, o uso da água possui forte destaque,
segundo (WALISIEWICZ, 2008) a tecnologia usada para obter energia da água é ao mesmo tempo
a mais antiga e a mais desenvolvida de todas, no Brasil a hidrelétrica de Itaipu, a maior do país,
possui capacidade de geração de energia mais de 10 mil megawatt (MW).
O setor elétrico teve domínio sobre os recursos hídricos pelo amparo legal do decreto
n° 24.643/34 no Código das Águas. A justificativa foi que havia uma legislação obsoleta
em desacordo com as necessidades da coletividade, precisava-se fazer uso racional das
águas e permitir ao poder público o controle e incentivo industrial da água,
promovendo o crescimento econômico baseado na hidroeletricidade (SIEBEN, 2012,
pg. 71).
Para minimizar os danos ambientais causados pela instalação de barragens, os aspectos
legais do Brasil a partir da criação do Conselho Nacional de Meio-Ambiente (CONAMA), segundo
(SIEBEN; CLEPS JUNIOR, 2012B) definindo-se a Política Nacional de Meio Ambiente e assim
exigindo os Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima), a fim
de reduzir os efeitos negativos do empreendimento.
Embora considerada limpa por não emitir gases nocivos, provoca imensos impactos, a
exemplo disso (WALISIEWICZ, 2008)ressalta a construção da hidrelétrica no rio Yang-Tse, irá
desalojar mais de 1 milhão de pessoas, submergindo centenas de cidades e destruindo habitats
valiosos.
Com aimplementação dessa tecnologia de produção de energia a partir de hidrelétricas,
contingentes populacionais são deslocados e estes de acordo com (SILVA & MORET, 2012)
―viram suas bases de sustentação econômica e seus valores socioculturais repentinamente
solapados‖.
Ainda segundo (SILVA & MORET, 2012) ao tratar sobre a política de reassentamento
involuntário das pessoas que são fisicamente ou economicamente deslocadas, como resultado de
um projeto, não fiquem em situação pior, mas melhor do que estavam antes do projeto ser
empreendido.Vale ressaltar que essa política cita somente bens materiais, não se paga o valor
sentimental das famílias inundadas, sentimentos não são comprados por cartas de créditos ou
indenizações.
É preciso assegurar àqueles prejudicados por estes projetos, devido à desapropriação,
pelo reassentamento forçado, pela perda de emprego e relações de vizinhança, dentre
outros, a efetiva oportunidade de reconstituírem suas condições de vida, em termos
socioculturais e econômicos (SILVA & MORET, 2012).
Uma das alternativas para minorar tal situação pode ser o uso de fontes renováveis de
energia com menor potencial de impacto sócio ambiental como, por exemplo, o uso de energia
solar, uma vez que, com a construção das hidrelétricas os impactos não se limitam a construção das
barragens. O desmatamento para a instalação das linhas de transmissão que cortam o país é um
bom exemplo.
Usina Hidrelétrica de Estreito e o bairro Palmatuba
No final da década de 90 a Eletrobrás relacionou a UHE Estreito como um
empreendimento de geração de energia elétrica necessário para atender ao aumento da demanda
nacional. A UHE Estreito implantada no rio Tocantins, teve seu projeto de construção iniciado no
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ano de 2001 e em Dezembro de 2006 o IBAMA emitiu a licença de instalação, autorizando o início
da construção da UHE Estreito. (CESTE, 2009).
Sua construção produziu um imenso lago impactando grandes áreas nos estados de
Tocantins e Estreito. Nos doze municípios diretamente atingidos pelo reservatório da UHE
Estreito a população residente perfaz um total de 135 mil habitantes.
O lago atinge as cidades e áreas rurais dos municípios de Babaçulândia e Filadélfia e
área rural dos municípios de Darcinópolis e Wanderlândia (TO). Pelo lado maranhense
atinge a cidade e área rural do município de Carolina e em Estreito a barragem foi
construída a montante da cidade, atingindo áreas rurais do município. Ressalta-se que
estes são os impactos diretos. Ao todo 12 municípios foram atingidos pelo lago, sendo
10 tocantinenses (SIEBEN; CLEPS JUNIOR, 2012B – pg. 185).
A energia elétrica produzida pela UHEE serve para a indústria de alumínio instalada nos
estados do Maranhão e do Pará principalmente na cidade de Tucuruí. Resumindo, para a região das
cidades atingidas, ficam os rejeitos, enquanto os proveitos direcionam-se para outras localidades
(SIEBEN; CLEPS JUNIOR, 2012 – pg. 11 A).
Na divisa dos Estados do Tocantins e Maranhão, a hidrelétrica foi construída pelo
Consórcio Estreito Energia (Foto 01), sua instalação fez parte do Programa de Aceleração do
Crescimento – PAC2 do Governo Federal. A hidrelétrica de Estreito tem uma capacidade total de
1.087 MW de energia, o suficiente para atender a demanda de uma cidade com 04 milhões de
habitantes (CESTE, 2009).
Foto 01 – Usina Hidrelétrica de Estreito /2012.
Fonte: http://www.uhe-estreito.com.br/ Acesso em 10/05/2013.
A construção dessas grandes barragens pode alterar e influenciar o modo de vida dos
atingidos. Todos os projetos hidrelétricos possuem problemas de intervenção direta na vida dos
ribeirinhos (SIEBEN; CLEPS JUNIOR, 2012 A).
Segundo (CESTE, 2009) o IBAMA em 2012 emitiu a licença de operação, autorizando o
início do enchimento do reservatório da UHE Estreito. Após o enchimento do reservatório, a
comunidade de Palmatuba extinguiu-se com aproximadamente, 26 famílias atingidas pela UHEE
(SIEBEN, 2012 pg. 16).
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Localizado a margem esquerda do Rio Tocantins no município de Babaçulândia-TO (Mapa
01), o Bairro Palmatuba possuía a paisagem composto por babaçuais, antes utilizado como matéria
prima para produção de produtos alimentícios e artesanatos, existia também áreas favoráveis para
extração de argila muito utilizada para produção de tijolos.
Mapa 01: Localização do Município de Babaçulândia-TO, onde existiu o bairro Palmatuba.
Elaboração: Sousa, Benilson Pereira (2011).
De acordo com (AMORIN & JESUS, 2006) [...] A comunidade é uma das mais antigas do
município de Babaçulândia-TO, tendo sido firmadas as primeiras habitações desde a primeira
década de 1900, quando efetivamente se iniciou o povoamento da área urbana do município.
Em Palmatuba de acordo com (SIEBEN, 2012 pg.27) a proximidade com o rio e a baixa
cota altimétrica foi responsável pela sua inundação, assim desterritorializando toda a população do
povoado. As famílias sofreram impactos antes, durante e depois da implantação do
empreendimento hidrelétrico.
No entanto, as consequências sociais e ambientais desse problema, vão para além do
simples deslocamento populacional e reassentamento das famílias moradoras. Outras
ocorrências interferirão dramaticamente no modo de vida deles e os acompanharão
cotidianamente (AMORIM & JESUS, 2006 pg. 09).
A 5km do centro de Babaçulândia, Palmatuba(Foto 02) possuía características rurais, com a
presença de roças e atividades de extrativismo [...]Estas características fizeram com que a classe
social estudada fosse caracterizada como camponeses tradicionais‖ (SIEBEN, 2012 pg. 24).
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Foto 02 – Rua principal do Bairro Palmatuba/Babaçulândia-TO.
Fonte: Castro, 2009 / Org. Sieben, 03/02/2012.
A economia se dinamizava com as praias e os turistas nos meses de estiagem entre junho e
agosto. Nos doze municípios diretamente atingidos pelo reservatório da UHE Estreito a população
residente perfaz um total de 135 mil habitantes (SIEBEN, 2012 pg. 30).
De acordo com uma pesquisa realizada aos moradores do Bairro Palmatuba aplicada por
(AMORIM & JESUS, 2006 pg. 11).
Respondendo à pergunta sobre o que mais preocupava os moradores com relação ao
empreendimento, os entrevistados responderam que as preocupações mais alimentadas
por eles são: Em primeiro lugar, o sentimento pela localidade (citado por 90% dos
entrevistados), em segundo lugar a insegurança sobre a justiça das compensações
financeiras a serem pagas pelo empreendedor (citada por 75% dos entrevistados) e em
terceiro lugar a incerteza quanto ao futuro diante da brusca mudança no modo de vida
dessas populações. (citado por 70% dos entrevistados).
O modo de vida dos moradores de Palmtuba era baseado na agricultura e artesanato,
segundo (SIEBEM, 2012) as principais rendas vinham da roça, olaria e da quebra de coco, todavia
alguns eram diaristas. A matéria-prima para o artesanato do coco babaçu e da olaria era obtida na
própria comunidade. Essas mesmas pessoas estariam preparadas para a mudança de vida, deixa o
campo e habitar centros urbanos? Estas perguntas nos fazem refletir o quanto a adaptação ao novo
local torna o processo de reterritorialização bastante sofrido e difícil a estas famílias.
As famílias de Palmatuba sofreram um processo muito rápido de emigração, pressão,
inexperiência, desunião e ilusão monetária foram alguns dos fatores limitantes na articulação da
população atingida para reivindicar melhores condições. ―Ao serem questionados se em algum
momento pensaram se o empreendimento traria progresso para a comunidade, apenas um
respondeu que sim, os demais estavam cientes de que não traria vantagens‖ (SIEBEN, 2012 pg.
159).
Considerações finais
O Bairro Palmatuba deixou de existir, as famílias foram desterritorializadas em razão da
Usina Hidrelétrica de Estreito, fica claro que o progresso não tem o significado igual para todos.
Atualmente, a maior parte dos palmatubenses emigrou para os centros urbanos sem vontade
própria, mas por falta de opção. A mudança para muitos não foi bem vinda, deixaram para trás sua
identidade e apego ao local onde passaram grande parte da vida.
Não existe nenhuma garantia de proteção aos direitos dos atingidos pela implantação de
hidrelétricas, isso nos retrata a desconsideração desta política energética aos milhares de atingidos
por barragens no Brasil. As famílias que residiam no Bairro Palmatuba possuem um futuro incerto
quanto a sua adaptação a nova moradia e a exclusão do seu antigo modo de vida.
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O cotidiano dessas famílias foi transformado pelos impactos sociais sofridos e justificados
em nome do crescimento econômico do país. É necessário que haja mudanças na política
energética brasileira, não deve se suprir as necessidades energéticas utilizando como matriz somente
as Usinas Hidrelétricas, que causam tantos problemas ambientais e sociais.Existem outras fontes
alternativas para produção de energia, sugere se o uso de energia solar, pela sua viabilidade
econômica e pela incidência de raios solares em vários estados do Brasil.
Referências
AMORIM, Fred; JESUS, Antonivaldo de. Impactos socioambientais da construção da UHE Estreito na Comunidade de Palmatuba em Babaçulândia-TO. GEOAMBIENTE ON-LINE
Revista Eletrônica do Curso de Geografia do Campus de Jataí-UFG. 2006.
Consórcio Estreito Energia – CESTE. Histórico do empreendimento. Disponível em
http://www.uhe-estreito.com.br/Acesso em 28/05/2013.
SIEBEN, Airton; CLEPS JUNIOR, João.Comunidade Palmatuba (Babaçulândia,TO) e Usina
Hidrelétrica de Estreito na Política Energética na Amazônia. XXI Encontro Nacional de
Geografia Agrária- Uberlândia MG. 2012A .
SIEBEN, Airton; CLEPS JUNIOR, João. Política energética na Amazônia: A UHE Estreito e
os Camponeses Tradicionais de Palmatuba/Babaçulândia (TO). Revista Soc. & Nat.,
Uberlândia, ano 24 n. 2, 183-196, mai/ago. 2012B.
SIEBEN, Airton. ESTADO E POLÍTICA ENERGÉTICA: a desterritorialização da
Comunidade rural de Palmatuba em Babaçulândia (TO) pela Usina Hidrelétrica Estreito.
Tese (Doutorado em Geografia) Universidade Federal de Uberlândia. Instituto de Geografia. 2012.
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Necessidade de Legislação para o Remanejamento. 2012
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Tem uma usina logo ali. Disponível emhttp://www.greenpeace.org/Acesso em 18/05/2013.
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Tradução Elvira Serapicos. São Paulo: Publifolha, 2008. – (Série mais ciência / organizador John
Gribbin). 72p
Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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A EXPERIÊNCIA CINEMATOGRÁFICA NA FICÇÃO DE CAIO FERNANDO ABREU
Rodrigo da Costa Araujo41
Resumo
O ―efeito de montagem‖ assume um processo metonímico na construção e elaboração da prática
narrativa de Caio Fernando Abreu (1948-1996). Nesse sentido, a feitura dos contos desse autorcinéfilo desdobra-se numa espécie de escritura fílmica ligada à linguagem cinematográfica que é
intensificada com acelerações de técnicas de reprodução da escrita. Nesse jogo especular feito tela, a
escritura com suas várias estratégias dos signos, pode ser lida como um processo de leituramontagem.
Palavras-chave: Caio Fernando Abreu - narrativa - montagem cinematográfica - efeitos retóricos leitura-montagem.
Résumé
L‘―effet de montage‖ joue um rôle métonymique à la construction et à l‘élaboracion de la pratique
narrative de Caio Fernando Abreu (1948-1996). Dans ce sens, la création des contes de cet auteurcinéphile, se déploie un geure d‘écriture filmique liée au langage cinématographique qui est renforcé
par des accélérations des techniques de reproduction du récit. Dans ce jeu de miroirs renvoyant à
l‘écran, l‘écriture avec sés mombreses stratégies de signes, peut être lue comme un processus de
lecture-montage.
Mots-Clés: Caio Fernando Abreu - récit - montage cinematographique - effets rhétoriques lecture-montage
[...] Minha crônica seria como uma foto, conto um curta metragem, romance um longa
metragem, talvez. Ao fazer fotos, coloco nelas toda a minha atenção, o mesmo cuidado e
carinho do que ao fazer um curta ou um longa. Não há “pior” nem “melhor”. [...] Como
escritor, para mim escrever um texto é entregar-se a ele, seja qual for o seu gênero, e fazê-lo o
melhor possível. Escrevo uma crônica com a mesmíssima intensidade que um conto ou a
apresentação de um pintor num catálogo ou uma resenha literária.
[Caio Fernando Abreu , 1995, p.7]
É preciso conceber o escritor (ou o leitor: é a mesma coisa) como um homem perdido em uma
galeria de espelhos: ali onde a sua imagem está faltando, ali está a saída, ali está o mundo.
[BARTHES, Roland. Sollers Escritor.1982, p.51]
Este ensaio busca aproximar a escritura de Caio Fernando Abreu (1948-1996) com o
cinema. Literatura e visualidade em convergência delineiam um percurso que, além de mapear
marcas intertextuais e estilísticas na obra do escritor em questão, assumem contornos discursivos e
avaliativos segundo categorias da factualidade e da ficcionalidade. Nessa discussão, não ficam de
fora as categorias da justaposição entre gêneros, com o destaque inevitável para o conto, em par
com o cinema e a própria escrita, como, também, a interferência da imagem nesse discurso.
41 Rodrigo da Costa Araújo é professor de Literatura Infantojuvenil e Teoria da Literatura na FAFIMA Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé, Mestre em Ciência da Arte [2008 - UFF] e Doutorando
em Literatura Comparada [UFF]. Ex Coordenador Pedagógico do Curso de Letras da FAFIMA, pesquisador
do Grupo Estéticas de Fim de Século, da Linha de Pesquisa em Estudos Semiológicos: Leitura, Texto e
Transdisciplinaridade da UFRJ/ CNPq e do Grupo Literatura e outras artes, da UFF. Coautor das coletâneas
Literatura e Interfaces e Leituras em Educação, da Editora Opção (2011). E-mail: rodricoara@uol.com.br
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O cinema (ou uma ideia de cinema) aparece associado em Caio Fernando Abreu à prática
da narrativa ou até à própria possibilidade de abordar a narrativa. A leitura literária de seus contos
permite aos leitores a sensação de uma escritura feita para moldura ou tela de um filme.
Espécie de escritura fílmica, o autor cinéfilo, molda ou sugere uma construção metafórica
ligada à linguagem cinematográfica que intensificada com acelerações de técnicas de reprodução da
escrita , aumenta cada vez mais, em suas dobras e vieses, a proximidade com a montagem. Nesse
jogo especular feito uma tela, a escritura, na estratégica dos signos, espelha o que é próprio do
cinema, enamorando-se de sua imagem.
A ficção enquanto gesto poético de busca de alternativas para essa aproximação, enquanto
construção de um possível circunscreve a escritura em terreno inseguro e labiríntico. Essa
fabricação e jogo, feito um filme, exigem uma recepção que só se faz pela ação fílmica-imaginativa
que tanto pode roçar a realidade, quanto concretizar-se no impossível ou absurdo de uma tela.
Quanto à forma, o conto-fílmico, nessa orquestração de linguagens, sugere-nos a
possibilidade de veicular alguns momentos de sua construção a uma sintaxe menos discursiva que a
verbal. É aí que aparece uma noção que poderíamos chamar, nesse processo textual, de ―efeitomontagem‖, operando em textos feitos com palavras. Alguns procedimentos cinematográficos,
algumas continuidades, de figuras que cessam serão o método declarado nas narrativas de Morangos
Mofados, Os Dragões não conhecem o paraíso ou muitos outros contos do autor cinéfilo. O próprio
prefácio de Os Dragões não conhecem o Paraíso ostenta a seguinte abertura:
Se o leitor quiser, este pode ser um livro de contos. Um livro com 13 histórias de um mesmo
tema: amor. [...]. Mas se o leitor também quiser, este pode ser uma espécie de romance-móbile.
Um romance desmontável, onde essas 13 peças talvez possam completar-se, esclarecer-se,
ampliar-se ou remeter-se de muitas maneiras, uma à outras, para formarem uma espécie de
todo. Aparentemente fragmentado mas, de algum modo -suponho - completo”
Como peças soltas, lexias42 ou fotogramas, o prefácio, confessa um trabalho de linguagem
marcado pelo movimento de imagens e caracterizador do código cinematográfico induzindo-nos a
uma ―leitura-montagem‖ e metalinguística com os significantes ―romance-móbile‖ e ―romancedesmontável‖. O prefácio, nesse caso, ―propõe um método de leitura (e não uma atração para o
leitor): uma palavra de advertência quanto à maneira de ler este livro‖ (COMPAGNON, 1996, p.
86).
Os contos que compõem esse ―romance-móbile‖ assumem, nessa perspectiva, além da
temática do amor que os une, uma semântica metonímica do código fílmico, essencialmente, da
montagem. Na concepção eisensteiniana, a montagem confundia-se com a própria idéia de cinema,
mais que isso, realizava apreciável trabalho de aproximação entre as artes. ―Aplicado à colisão de
uma sóbria combinação de símbolos‖, dizia ele ―o método tem como resultado uma enxuta
definição de conceitos abstratos‖ (EISENSTEIN, 1977, p.168).
Como forma de descontextualizar a palavra de seu uso trivial e lançá-la, pelo desvio da
desautomatização para proporcionar um choque no leitor, a metáfora da montagem em Caio
Fernando Abreu propõe uma semiose mais densa, dialógica. O princípio da montagem que se
transfere para o conto obriga o leitor a criar. Sem dúvida, o leitor, em muitos contos, é orientado
pelas intenções do narrador, mas também é envolvido no ato criador, é ―a imagem que autor quis e
42 Para Barthes, a lexia é uma unidade de leitura, uma unidade resultante da decupagem - não convém
esquecer os compromissos que esse termo tem com o fazer e o interpretar um texto cinematográfico - do
significante-tutor. As lexias são, consequentemente, fragmentos contínuos de um texto e, em relação a um
texto literário, correspondem, mais ou menos, a frases que apresentam certa coesão de sentido.
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criou, mas ao mesmo tempo recriada pela própria criação do espectador‖ (EISENSTEIN, 1969,
p.91).
A produção de sentido no conto é, assim, análoga à produção de sentido pela montagem
cinematográfica. A montagem (ou desmontagem?) funciona, então, como um recurso da escritura
lúdica, como um código mediante o qual o cine-conto transmite um simulacro de escritura fílmica.
Na sequência e produção das imagens, Caio Fernando Abreu registra o ato de leitura como algo
corporal, estabelecendo ―protocolos de leitura‖, como nomeou Robert Scholes (1991) ao falar da
leitura iconográfica.
A montagem para Eisentein tinha por função destruir as aparências do mundo visível, para
em seguida poder reconstituí-lo sob uma ótica nova e mais sedutora. ―O que importava para
Eisentein não era a reprodução naturalista do mundo sensível, mas a articulação de imagens entre
si, de modo que a sua contraposição ultrapassasse a mera evidência dos fatos, gerando sentido‖
(MACHADO, 1982, p.55).
Toda a estrutura do livro Os Dragões não conhecem o paraíso pode ser lida, ao gosto do prefácio
ou paratexto43, na teoria genettiana, como apenas um texto que na sua totalidade semântica entre os
contos que o compõe, assumiriam um processo montagem, ou mesmo uma ―leitura-montagem‖,
como designou Lucrecia Ferrara.
A cinematografização do livro comparece, semiologicamente, como técnica fundamental
que organiza os episódios e os fragmentos do livro, compondo uma maneira mais eficaz e,
consequentemente, de narrar versões do discurso amoroso ou, como quis Barthes, ―os fragmentos
de um discurso amoroso‖. Assim, decompondo o livro em contos, aparentemente as narrativas
surgem desvinculadas entre si, mas fazem, com a ajuda da montagem, do prólogo e dos narradores,
um jogo mimético do cinema na leitura literária, ou seja, imitam, segundo CEZÁR (1994, p. 70) ―o
jeito de narrar do cinema, que dispensa a voz narrativa e produz continuidade narrativa na
montagem‖.
Com o intuito de mostrar que a escritura do cinema se esgota nas dobras do seu próprio
limite, a escritura romanesca de Caio Fernando Abreu aponta para o encontro da forma literária
com alguns recursos. Além de fazer inúmeras citações para se assemelhar a escritura fílmica, Caio
Fernando Abreu cria uma forma de registro enlaçada pelo discurso amoroso de um cinéfilo com
pontilhados que aparecem graficamente ao conto, feito uma corrente elétrica que une o texto aos
aspectos da montagem.
É o que podemos visualizar no início e no encerramento do conto A Beira do mar aberto.
...........................................................................................................................................................
................................................. e de novo me vens e me contas do mar aberto das costas
de tua terra, do vento gelado soprando desde o pólo, nos invernos, sem nenhuma baía,
nenhuma gaivota ou albatroz sobrevoando rasante o cinza das águas para mergulhar [...]
essas histórias longas, essas histórias tristes, essas histórias loucas como esta que
acabaria aqui, agora, assim, se outra vez não viesses e me cegasse e me afogasses nesse
mar aberto que nós sabemos que não acaba nem assim nem agora nem aqui
...........................................................................................................................................................
.....................................................................(ABREU, 1988, p.35 e 39)
43 ―Segundo Gérard Genette, Seuils (Paris: Seuil, 1978), o ‗paratexto‘ consiste em toda a série de mensagens
que acompanham e ajudam a explicar determinado texto - mensagens como anúncios, sobrecapa, título,
subtítulos, introdução, resenhas, e assim por diante‖.
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Essa combinação estilística criada pelo autor serve como recurso visual ou mesmo do
processo de montagem que contribuem para a riqueza icônica/irônica dos choques parciais. Esse
recurso, de alguma forma, reforça o sistema de conflitos e de elipses na descontinuidade do texto
escrito e na investida do prestígio de ser signo de um texto fílmico. Toda a narração opera,
semiologicamente, com sucessivos efeitos de continuidade ao retomar o mesmo recurso gráfico no
final do conto, espécie de suspense derivado de um aparente defeito (ou corte) na continuidade,
resgatando sucessivamente a elipse, as interrogações iniciais.
O trabalho retórico, nesse caso, justaposto a efeitos gráficos de montagem, reforça
mecanismos e operações da sintaxe fílmica. A pontuação do conto, também segue a lógica da
rapidez da imagem, por isso não apresenta estrutura de parágrafos ou pausas, segue apenas num
bloco a tensão do discurso em um transbordamento de sensações como num contínuo de imagens
sem respeitar a leitura linear e tradicional.
O leitor segue esse turbilhão de imagens, que, aleatoriamente, procura juntar os fragmentos
para construir uma semiose fugidia e ambígua feito a tela ou cenas fílmicas de um conto
explicitamente cinematografizado. Nesse limite entre o contar e o mostrar, a técnica da montagem e
da multiplicação e rapidez dos enfoques abrem-se estranhos no conto, em que o narrador silencia e
o leitor é chamado a pôr o conto em movimento.
Com esse gesto de narrar Caio Fernando Abreu cria uma espécie de leitura não-verbal,
feito leitura fotográfica, espaço aliado a um novo ritmo bem mais veloz de narrar. Os significantes
na medida em que não se operam com um significado dado ou posto, essa leitura sugere um
sentido que deve se formar, expandir-se, produzir-se barthesianamente. Nesse conjunto, vive-se
mais a experiência fílmica (do vê) a partir de índices que se estruturam feito uma leitura-montagem.
A leitura mais rápida é responsável por certa disritmia entre o que se vê e o que se lê,
impõe-se ao leitor como uma velocidade, sempre rápida e veloz. Leitura mais do ver, e do ouvir
(quando cita músicas) do que do ler. Essa dispersão da palavra em direção à imagem, contudo, não
constitui um esfacelamento porque a montagem a articula e comenta. A narrativa opera naquilo que
Otávio Paz44 conceitua de ―arte de convergência‖, espécie de "... cruzamento de tempos, espaços e
formas".
A emergência de narrar revela o aqui e o agora que não se diz, mas se mostra. Isto torna o
verbal, uma espécie de visual intraduzível e intransitivo, ou seja, substitui a extensão da mensagem
pela tensão do significante.
Outros recursos linguísticos infectam o conto para cinematografizá-lo diluindo as
fronteiras entre as diferentes linguagens e tentando superar as limitações próprias do código verbal.
Isso é evidente nos contos Para uma avenca Partindo, A Beira do mar aberto, Além do Ponto e no conto
Os Sobreviventes que provocam com palavras o efeito estilístico da rapidez do gesto, do instante
fotográfico da lente da máquina, da palavra ligeira. A sintaxe narrativa acompanha o ritmo frenético
do olhar do narrador que ora pousa num ponto, ora noutro.
A escritura e a montagem permitem, de alguma forma, ler o conto A beira do mar aberto,
como efeito de uma câmera, a proximidade do personagem, num close que lhe permite destacar o
rosto – ―o vento que bate em teu rosto, as mãos com os dedos roxos de frio enfiadas até o fundo
dos bolsos, o vento é novamente o vento que bate em teu rosto, esse mesmo que me olha agora,
raramente, teu olho bate em mim e logo se desvia‖ (ABREU, 1988, p.35) - ora afasta-se, para, numa
44 PAZ, Octávio. Uma Literatura de Convergências. In: Convergências. Ensaios sobre arte e literatura. Rio de Janeiro.
Rocco, 1991. pp. 174-180.
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visada panorâmica, permitir que o leitor partilhe da impressão de um ambiente da praia em que
está:
talvez penalizado o teu olho que não se debruça sobre nenhum outro assim como sobre
o meu, temendo a faca, a pedra, o gume das tuas histórias longas. [...] cheia de
corredores mofados, [...] balcões abertos sobre ruazinhas onde moças solteiras secam os
cabelos, exibindo os peitos (ABREU, 1988, pp.36-7).
No conto o Rapaz mais triste do mundo tanto o narrador como os personagens vivem como
se estivessem num filme ou aludem constantemente às situações vividas às assistidas no cinema. A
escritura fílmica oferece os padrões para julgar comportamentos ―da vida real‖, de tal modo que
está sempre atento aos gestos, às descrições dos cenários, às expressões faciais, ao modo como são
filmados, aos detalhes da indumentária, como se todos fossem atores cujas ―encenações‖ pudessem
fornecer alguma pista para as indagações da narrativa:
[...] o bar é igual a um longo corredor polonês. As paredes demarcadas - à direita de
quem entra, mas à esquerda de onde contemplo - pelo balcão comprido e, do lado
oposto, pela fila indiana de mesinhas ordinárias, fórmica imitando mármore. Nessa
linha, estendida horizontal da porta de entrada até a juke-box do fundo onde estou e
espio, ele se movimenta - magro, curvo, molhado - entre as pessoas enoveladas
(ABREU, 1988, p.58).
Como se pode observar acima, o lugar onde se encontra o narrador-câmera é o referencial
que situa a outra personagem no espaço: olhamos o outro como se estivéssemos diante de um
narrador que enquadra a cena à distância. Assim, nesse conto, como em muitos do autor, exaltamse as percepções sensoriais que ocupam o lugar central na montagem e descrições dos
acontecimentos.
Nesse fragmento, o narrado e o movimento da câmera confundem-se formando uma
prosa-fílmica mergulhada em flashes de encontros e desencontros que ocupam o espaço narrativo
como alternativa literária para o procedimento fílmico de corte e montagem.
As descrições constantes fornecem elementos para o figurinista, para o cenógrafo, para o
diretor de fotografia, enfim, pretendem atender, semiologicamente, aos diversos interesses da
equipe envolvida na produção de um filme. No caso desse conto, trata-se de um texto em que a
preocupação com a linguagem fílmica vai conferir um estatuto confessional. Embora, ao cabo e ao
fim, estejamos diante da história de um homem solitário e andarilho, a todo momento somos
lembrados de que o texto que lemos é uma espécie de ―rascunho‖ de uma obra final que poderá ser
narrada como no cinema.
Em Rapaz mais triste do mundo o leitor deve aceitar o acordo ficcional, favorecer-se pelo
imaginário concreto de Caio Fernando Abreu para, também, apropriar-se da câmera, feito olho
mágico que focaliza o personagem e passa, com esta, a deslocar-se prazerosamente nesse cenário
móvel, desprendido de tudo, esvaziado de subjetividade, privado de preconceitos ou limites. Ou
mesmo de referenciais que podem servir de norte, jogo de uma representação em crise, igualmente
partilhada por leitor e escritor andarilhos.
Embebidos pelo gesto do narrador que induz a olhar as cenas a partir do foco que ele
seleciona, e nas dobras de uma escritura-fílmica e nonsense, múltiplas significações podem ser
filmadas. O bar, nesse contexto solitário e decadente, reforça uma espécie de filme que poderia,
semelhante à epígrafe do conto, intitular-se como nome do livro que referencia ―Cenários em
ruínas‖, de Nelson Brissac Peixoto.
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A estrutura em abismo, através da qual se conta uma história dentro de uma história maior,
tende a diluir realidade e ficção, levando o espectador a nivelar as cenas do conto de autoria do
personagem com as cenas do presente. Epígrafe e enredo misturam-se para, nesse caso, ajudarem as
cenas criadas para o filme e programadas na ―tela da página‖.
Os elementos utilizados pelo autor para compor o cenário, e o conto como um todo,
lembram de alguma forma o comentário sobre o processo de montagem feito por Serguei
Eisenstein em Reflexões de um Cineasta, quando diz:
Essa imagem penetra na consciência e na sensibilidade e, por intermédio da soma, cada
detalhe ali fica conservado nas sensações e na memória sem que se possa destacar do
todo. Pode tratar-se de uma imagem sonora, de um quadro melódico e rítmico, ou pode
trata-se de uma imagem plástica onde os elementos da série registrada pela memória
foram inseridos a título de representação (1969, pp. 79- 80).
Como todo filme é o lugar de muitas colagens, a escritura de Caio Fernando Abreu
também, não deixa de ser. Por isso sonoriza o conto, e, consequentemente, esse possível filme
encerrado na escritura-montagem, em que o narrador-câmera confessa: ―escolherei lentos blues,
solos sofridos de sax, pianos lentíssimos, à beira do êxtase, clarinetas ofegantes e vozes graves,
negras vozes roucas ásperas de cigarros, mas aveludadas por goles de bourbom ou conhaque‖
(ABREU, 1988, p.59).
Quanto ao tempo narrativo, contaminado pela semântica cinematográfica, como também
no filme O Ano Passado em Mariembad, de Alain Resnais: ―nunca sabemos se estamos na
representação presente ou na representação passada. Durante todo o filme, quando pensamos em
ter dominado a lógica temporal dentro de uma racionalidade, somos despistados por um corte da
montagem‖ (LEONE, p.44). Assim como nesse filme, o tempo em O rapaz mais triste do mundo
confunde presente e passado se permutando sem que possamos afirmar, com clareza, quando
estamos dentro de um ou de outro. Ao final do conto-fílmico, o narrador embebido ―de uma luz
vítrea [que] começa a varar a névoa da noite‖ (ABREU, 1988, p.66) confessa metalinguisticamente:
― Eu sou os dois, eu sou os três, eu sou nós quatro. Esses dois que se encontram, esses três que
espia e conta, esse quarto que escuta‖ (ABREU, 1988, p.66).
Nesse processo fílmico, jogo de espelhos e câmera, o narrador parece desmembrar-se em
vários, numa eterna procura de si mesmo. Enamorado de sua própria imagem fílmica, a voz
narrativa se desloca do cenário e enquadra suas próprias ações mergulhadas na solidão do olhar,
configurando-se como Narciso fragmentado. Fluindo entre imagens e palavras, diz: ―Nós somos
um - esse que procura sem encontrar-se e, quando encontra, não costuma suportar o encontro que
desmente sua suposta sina‖ (ABREU, 1988, p.66).
Montagem de um espetáculo (ou cenários?) em ruínas o possível roteiro ajusta-se, como
em Ano Passado em Mariembad, a um processo narrativo fabricado em planos, muitas vezes de forma
desordenada, num gesto prolongado de um olhar ou por uma ―música que emudece‖, outras vezes
pela carga semântica de um filme onde o protagonista, narrador que se filma, diz: ―É preciso que
não exista o que procura, caso contrário o roteiro teria que ser refeito‖ (ABREU, 1988, p.66).
Leitor/espectador, narrador e câmera, filme e texto, efeitos fílmicos e cortes, trilha sonora
e emudecimento contribuem para a produção de sentidos, que pela visão, imbricam-se na frase final
do conto-roteiro que afirma categoricamente: ―Tudo aos poucos vira dia e a vida - ah, a vida - pode
ser medo e mel quando você se entrega e vê, mesmo de longe‖ (ABREU, 1988, p.68).
Com esta frase, viver e ver, ficção e realidade, escritura fílmica e escritura literária,
misturam-se nas imagens narcísicas reforçadas pela epígrafe (espécie de crédito inicial) que anuncia
um conto (ou filme) sobre o amor - significante chave que une todas as histórias para formar uma
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―espécie de retrato interior, tirado à beira do abismo‖
contemporânea‖ 46.
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ou na ―realidade imaginária
O efeito de montagem que perpassa todo o conto O rapaz mais triste do mundo parece
sintetizar o universo cinemático que, também, ronda muitas narrativas desse autor. A epígrafe, que
traz a força elocutória, de certa forma conduz o leitor a ver Cenários em Ruínas e relacioná-los com o
capítulo ―Os Sobreviventes‖. Coincidência ou não, Os Sobreviventes é o título do segundo conto do
livro Morangos Mofados - narrativa que imita uma estrutura fílmica e que dialoga em termos formais,
com o conto analisado.
Pastiches ou não, os dois contos, semelhante ao capítulo ―Os Sobreviventes‖, podem ser
lidos como paratextos ao analisar os elementos-fronteira e a sua função face ao trabalho de
montagem de cada texto. Para Gerard Genette (1982) o paratexto é a ―franja do texto‖ impresso
que na realidade comanda qualquer leitura. Espaço limite ou limítrofe entre o interior - o texto - e o
exterior - o discurso do mundo sobre o texto - no caso aqui os dois contos em questão assumem
uma zona, ―não só de transição mas de transacção‖ na medida em que é o lugar privilegiado de uma
pragmática e de uma estratégia, de uma ação sobre o público.Por isso eles podem ser adaptáveis e
re-contextualizados.
O filme a que o conto alude, por outro lado, representa antes o filme de um texto que se
constrói à medida de sua leitura, no ato da semiose, como afirmou Barthes. O cine-conto ou filme
imaginário e fictício e não apenas o filme real, este torna-se cada vez mais afastado e percebido
como zona mental, intertextual e subjetiva. Sua poética aponta para um devir imaginário chamado
filme ou refere-se a um filme produzido e já exibido, concretizado numa escritura que pretende ser
fílmica, simulacro do simulacro do cinema. Meras simulações fílmicas, jogos visuais.
As relações entre literatura e a linguagem cinematográfica recuperam uma narrativa ou uma
poética da fala, da leitura, do contar histórias de filmes que se imbricam na feitura do conto ou ato
criativo. O filme do texto projeta, através do simulacro, uma poética que se faz na negação de seus
pressupostos e procedimentos canônicos, uma narrativa do indizível, do irrepresentável. Uma
poética que mostra os interstícios do texto, do signo e, também, do filme, para, sem seguida,
desconstruí-los. Uma poética que simula a tela, que se constrói no hiato, no intervalo, na elipse, nos
silêncios e solidão; uma literatura fílmica, o filme da literatura, a literatura do roteiro, do projeto do
filme, do simulacro do roteiro, dos filmes contados e imaginados, dos filmes não realizados, do
não-filme, do filme B, do cinema interior, as imagens e cenas descritivas que formam um filme, dos
cortes, da trilha sonora que embala as ações dos personagens. O filme do texto contado na câmera
de leitura, na câmera escura ou nas proibições das cenas homoeróticas. O filme da citação, da
paródia, da ironia, do pastiche, das epígrafes constantes, das notas de rodapé, dos comentários, o
filme ―obtuso‖ ao gosto barthesiano, o texto fílmico que se fabrica no entrelaçamento. A
ficcionalidade do cinema aplicada ao conto, a ficção do processo aplicada ao processo de ficção.
A construção da narrativa se reflete especularmente no leitor que se vê enredado num
movimento circular que não o permite definir no ato da leitura se as lembranças que se organizam
pela memória do narrador-personagem tornam possível o relato literário ou se, pelo contrário, é a
simulação das reminiscências que criam o artifício para um filme dentro do próprio conto. Se a
dúvida assalta o leitor este não é ingênuo a ponto de pensar que o que lê pretende ser um simples
diário de experiências já que a escrita firma-se sobre uma forma sofisticada de revisitação de uma
antiga tradição de cumplicidade com o leitor que nessa nova versão pode atraiçoá-lo: ―seria tão
Comentário da contracapa do livro Os Dragões não conhecem o paraíso.
Subtítulo ou peritexto do livro Cenários em Ruínas. A realidade imaginária contemporânea, de Nelson Brissac
Peixoto.
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perfeito se fosse exatamente assim como penso que lembro, tantos anos depois, que ficou como se
tivesse sido‖ (ABREU, 1990, p.34).
Se o deslocamento e a desconfiança tomam conta da leitura é pelo fato de que o
estilhaçamento dos narradores abre caminho apenas para uma indecidibilidade labiríntica realçando
a desconexão do narrador quanto ao destino das personagens e tornando-o inconfiável.
Esse falso descompromisso, presente nesses contos e, também, no romance Onde Andará
Dulce Veiga faz perder o rumo da narrativa que é trabalhada à maneira de um making of,
desmembrando-se em pequenas dramatizações testadas na própria ―trama‖ textual, tal como a gota
de mercúrio do pequeno47 jogo roubado pelo personagem a qual se multiplica buscando outras
saídas, a narrativa vai se rearrumando, se compondo não necessariamente para formar um sentido,
uma vez que a imagem da concentricidade suscita simultaneamente uma expansão e um
esgarçamento de uma delimitação precisa, mas para verificar possibilidades. A simulação parece
colar-se à performance da escritura48 e chocar o personagem pela contradição de uma vida cheia de
emoções prometida pelo pôster afixado na sala do seu apartamento [ ―não é excitante esta vida?‖
(ABREU, 1990, p.68)] e pela irrealidade cotidiana de um real que parece ter enlouquecido:
―Faltavam os créditos de Dallas subindo sobre a imagem congelada‖ (ABREU, 1990, p.108).
O olhar, em Dulce Veiga, é tomado por uma função-câmera que espreita dissimuladamente
um mundo que se assemelha a um ―quebra-cabeças sem molde‖ (ABREU, 1990, p.21) assalta o
sujeito e torna as coisas intangíveis para ele na medida acelerada em zoom, envoltas por uma
película que as distancia dele.
A imaginação do leitor, nesse redemoinho especular, preenche o vácuo deixado pela
indefinição dos contornos e apaga um limite seguro entre o real e o inventado, possibilitando a
emergência da pura simulação.
Enfim, entre a palavra e o silêncio, entre o texto e a imagem, entre o que diz e o que
sugere, entre signos fugidios, situa-se o texto de Caio Fernando Abreu. Ler o seu texto é penetrar
nesse jogo tenso e denso, onde forças se colocam em oposição. Recuperar a vida concreta
significaria reunir o par vida e morte, texto e imagem, reconquistar o um no outro, o tu no eu, e
assim descobrir a figura do mundo na dispersão dos fragmentos e das imagens. Mas os fragmentos
das narrativas de Caio não conseguem se reagrupar de modo a constituir uma figura única.
Paradoxais, sempre questionadas, as imagens se multiplicam, negam, intensificam, aumentam,
diminuem, caminham à deriva, procuram.
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ABREU, Caio Fernando. Conto Eles. In: O Ovo Apunhalado..
ABREU, Caio Fernando. Romance Onde andará Dulce Veiga?
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Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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LETRAMENTO EM MÍDIA: O ENSINO-APRENDIZAGEM DE PRODUÇÃO
TEXTUAL COM O AUXÍLIO DOS RECURSOS AUDIOVISUAIS
Silvio Nunes da Silva Júnior
Resumo
Este trabalho tem como objeto de estudo o Letramento em Mídia, sendo este a capacidade de
utilização da língua escrita dentro e fora do âmbito escolar em uma perspectiva audiovisual.
Descrevendo a experiência obtida através de uma análise textual em produções escritas por alunos
de uma turma de 3º ano do ensino fundamental em uma escola pública, sendo feita em duas etapas,
uma antes e outra depois de uma experiência audiovisual. Nesse sentido, objetivo em linhas gerais
apontar os recursos audiovisuais como auxilio no trabalho docente, facilitando o papel do
professor, e aprimorando o conhecimento dos alunos na trajetória escolar.
Palavras - chave: Língua Escrita. Análise Textual. Ensino.
Abstract
This paper is the object of study in Media Literacy, this being the ability to use written language
inside and outside the school environment into a visual perspective. Describing the experience
gained through a textual analysis in productions written by students in a class of 3rd year of primary
education in a public school, being done in two stages, one before and one after an audiovisual
experience. Accordingly, in order to point out the general lines audiovisual resources as an aid in
teaching, facilitating the teacher's role, and enhancing the students' knowledge in school history.
Key - Words: Language Writing. Textual analysis. Education.
Considerações iniciais
Este trabalho busca refletir acerca do letramento como prática social e educacional, e a
influencia dos multimeios didáticos em forma de recursos audiovisuais têm para o aprimoramento
da produção textual no ensino fundamental I.
O letramento é o uso a língua escrita dentro ou fora do âmbito escolar. No ensino médio, o
letramento deve ser voltado para o gênero textual ―dissertação‖, no entanto, nem sempre a prática
desse gênero está tendo a eficácia que deveria em sala de aula. Alguns professores detêm-se nos
métodos tradicionais de ensino, o que nem sempre é essencial para o aprendizado dos alunos. Para
Soares (1998, p. 107)
Letramento é muito mais que simplesmente decifrar códigos, ele é um estado, uma
condição: o estado ou condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e
escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes funções
que a leitura e escrita desempenham na nossa vida. Enfim: letramento é o estado ou
condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e
escrita.
A produção textual se enquadra nas práticas sociais de leitura e escrita. O indivíduo letrado
pode adaptar-se a diversas situações socais em vários ambientes no dia-a-dia. Todo indivíduo é
letrado, mas, cada um tem um letramento individual com capacidades diferentes, ou seja, com
práticas de leitura e escrita diversas.
Nos dias de hoje, as escolas públicas brasileiras sofrem com os baixos índices de
desenvolvimento educacional. Estes índices são apontados de acordo com os resultados apontados
pela Prova Brasil, como também pelo Exame Nacional do Ensino Médio. Este déficit pode ser
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convertido a partir de práticas de letramento com o auxílio das TIC‘S – Tecnologias da Informação
e Comunicação.
No ensino fundamental, são abordados os mais diversos gêneros textuais, para isso, o
professor deve adotar as estratégias mais eficazes, fazendo com que os alunos consigam
desenvolver produções textuais com coesão, coerência, concisão, e tendo auto-confiança do que
está escrevendo sobre determinado tema.
Percebe-se que o ensino de língua portuguesa não é voltado como deveria para a produção
textual, devido ao excesso de conteúdos que devem ser abordados nesta disciplina tão importante
no trajeto escolar do aluno.
Diante disso, os professores devem adotar métodos no intuito de esquematizar o ensino de
língua portuguesa aprimorando a prática de produção de texto, como também de outros conteúdos
importantes no componente curricular.
As TIC‘s estão voltadas para o uso de multimeios em sala de aula, a aplicação das novas
tecnologias no âmbito escolar, dentre outros. Sempre voltadas para solucionar problemas de
aprendizagem que os métodos de ensino tradicionais até então não resolveram.
O corpus deste trabalho é composto por 25 produções de texto escritas por alunos do 3º
ano do ensino fundamental de uma escola de esfera pública municipal de Maribondo – AL, onde
objetivamos detectar aspectos que podem ser aprimorados com o auxílio das TIC‘s, aspectos
divididos em: erros de pontuação e acentuação, como também a coesão e a coerência textual.
Reflexão acerca do letramento
Segundo Britto (2007, p. 3)
Ser letrado‘ significa, acima de tudo, ser funcionalmente alfabetizado, isto é, ser capaz
de usar da escrita para a realização das tarefas cotidianas características da sociedade
urbano-industrial. Em outras palavras, o letramento, deste ponto de vista, se resume ao
fato de o modo de produção supor um uso de escrita que permita aos indivíduos operar
com as instruções de trabalho e normas de conduta e de vida.
Todo individuo alfabetizado é obrigatoriamente letrado, ou seja, todos nós somos letrados,
mas, na medida em que crescemos intelectualmente somos levados a ter um letramento melhor para
nos adaptarmos ao nível acadêmico em que estamos, como também, no convívio social.
Percebe-se que a produção textual possui grande influência do letramento, pois o
letramento é caracterizado pela capacidade de utilização da língua escrita para as práticas acadêmicas
e sociais. De acordo com De Certeau (2004) ―Os Estudos do Letramento defendem uma
concepção pluralista e multicultural das práticas de uso da língua escrita.‖
Os estudos do letramento são norteados por pesquisas voltadas aos diversos aspectos que
regem o letramento de um indivíduo, dentre esses aspectos estão o convívio cultural, o nível
acadêmico e a qualidade do ensino-aprendizagem.
Muito se tem dado ênfase aos estudos do letramento na área de ensino de língua materna,
alguns profissionais afirmam que ―utilizam o método do letramento em sala de aula‖, essa
afirmação faz-se de certa maneira precipitada. Letramento não é um método, é apenas a capacidade
de cada indivíduo de utilizar a língua escrita, o que quer dizer que o professor nunca poderá falar
que ―ensina o letramento‖, mas sim, que procura aprimorar o letramento dos alunos pertencentes a
turma em que leciona.
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A prática da escrita em sala de aula deve ser exigente e ao mesmo tempo proveitosa para o
aluno, a produção escrita exige do indivíduo a capacidade de interpretar, expor metas a partir de um
senso crítico e saber expressá-las sucintamente no decorrer de um texto.
Para construir a capacidade do indivíduo de construir um ―saber escrever‖ parte do
princípio da interação, ou seja, com experiências vividas, juntamente com a apropriação do que é
ensinado na escola, o indivíduo irá construir sua prática escrita e discursiva. De acordo com Perez
(1994, p. 89).
[...] é preciso ressaltar que o processo de construção da linguagem escrita é um
processo discursivo, marcado por uma rede de interações que integra a criança
ao seu meio sócio-histórico-cultural. A construção e a apropriação de
conhecimentos sobre a escrita pela criança não são um processo gradual de
transformações isoladas, mas um processo totalizador, em que
desenvolvimento e aprendizagem constituem uma unidade dialética.
Como foi dito, o indivíduo constrói sua capacidade escrita, e a primeira fase dessa
construção é na pré-escola, onde as crianças aprendem de forma simples e lúdica a distinguir as
letras oficiais do alfabeto, e durante o processo de ensino-aprendizagem ao longo dos anos, elas
irão apropriar-se de estratégias próprias para escrever seus textos.
Atualmente, a capacidade de ler e escrever na sociedade faz uma grande diferença no meio,
onde diariamente pessoas são vítimas de preconceito por não ser letradas suficientemente para ler e
escrever, fazendo com que esses sejam considerados inferiores. Para Sampaio (1994, p. 78).
Numa sociedade letrada, aqueles que não são alfabetizados são vistos como inferiores.
O papel de um ambiente alfabetizador, para a criança das classes populares, é,
essencialmente, criar nela, que não vê sentido no aprender a ler e a escrever, o sentido
para ler e escrever.
Percebe-se que a escola de hoje em dia, enfatiza de maneira abrangente essa realidade, onde
o docente é preparado para lhe dar com os alunos influenciando-os a dedicar-se aos estudos para
serem imunes desse tipo de descriminação.
A prática da escrita está aliada à capacidade discursiva de cada indivíduo, ou seja, quem não
é capaz de identificar aspectos pertinentes a sociedade local, nacional e mundial, não será capaz de
ter uma prática escrita capaz de incluir-se na sociedade letrada.
O Ensino-Aprendizagem de produção textual no ensino fundamental I
O ensino-aprendizagem de produção textual na primeira etapa do ensino fundamental é
voltado basicamente para a produção de resumos, que de certa forma é precipitada.
No ensino fundamental atual, a produção de resumos não está sendo correta, pois os
professores não fazem as exigências necessárias para que os alunos produzam de forma certa.
Na realidade atual, vivenciamos professores que permitem a prática de plágio nos textos
dispostos aos alunos para a produção de resumos. Ao dar um texto ou um capítulo de livro para os
alunos resumirem, os professores não determinam as regras suficientes para a produção desse
gênero, com isso, os alunos destacam partes do texto e copiam no caderno, considerando aquilo
um resumo.
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De acordo com os PCN‘s aplicados ao ensino de Língua Portuguesa, a escola deve
―considerar a necessidade das várias versões que a produção do texto escrito requer, empenhandose em produzi-las com ajuda do professor.‖ (BRASIL, 1998, p. 33).
Visto isso, percebe-se que o professor não deve concretizar sua prática docente auxiliando
os alunos na produção de textos, facilitando o desenvolvimento social e aprimorando o letramento
do aluno.
Os PCN‘s também destacam a capacidade de produção textual do aluno. Afirmando que a
capacidade de produzir vem até antes de saber escrever.
[...] é possível que se aprenda a produzir textos antes mesmo de saber escrevê-los —, os
alunos do primeiro ciclo devem ser amplamente solicitados a participar de atividades de
escuta da leitura de textos impressos (feita pelo professor ou por outros leitores) e de
atividades nas quais se realizem tanto a leitura como a produção de textos, seja em
colaboração com o professor, com pares mais avançados ou individualmente. (BRASIL,
1998, p. 69)
Nesse sentido, destaca-se no âmbito escolar as TIC‘s (Tecnologias da Informação e
Comunicação) aplicadas à educação, o que transformou a escola em um âmbito de métodos
tradicionais e inovadores, desprendendo a sala de aula da antiga tradição de quadro e giz,
mostrando aos professores que o ensino-aprendizagem pode ser realizado com o auxilio de novas
perspectivas. Dentre as TIC‘s estão os multimeios didáticos, que são recursos digitais que lidam
com o meio audiovisuais para a melhor eficácia no ensino-aprendizagem.
Os multimeios didáticos: recursos audiovisuais
Nos dias atuais, as escolas públicas e privadas estão necessitando de uma adaptação mais
adequada mediante as tantas tecnologias que foram aplicadas a educação através das TIC‘s. Diante
disso, percebe-se que os multimeios estão tomando uma abrangência maior por serem materiais de
fácil acesso.
Diferentes termos são empregados para denominar esses materiais, como materiais
audiovisuais, meios audiovisuais, materiais não impressos, materiais não gráficos,
materiais não bibliográficos, mídias, médias e multimeios. A terminologia não é
padronizada também na língua inglesa, que emprega indistintamente audiovisual, nonprint materials, non-book materials, multimédia e médium. [Estes] são materiais que estão em
constante evolução. O progresso da tecnologia faz surgirem os mais variados suportes
[...] (AMARAL, 1987, p. 45-46)
Como Amaral citou, os multimeios são caracterizados por diversos termos, ambos voltados
às tecnologias da informação. Percebe-se que os estudos voltados para essa área começaram a ser
abordado recentemente, quando visto em um ponto de vista bibliográfico.
De maneira generalizada, o ensinar e o aprender na escola não devem conter-se apenas em
sala de aula, tendo em vista os diversos recursos extracurriculares que a escola deve adaptar-se,
como as aulas de campo, e os recursos audiovisuais. Para Wohlgemuth (2005, p.51).
O nível de representação do audiovisual está governado intensamente pela experiência
direta que vai além da percepção. Aprendemos sobre coisas que não podemos
experimentar diretamente graças aos meios audiovisuais, graças às demonstrações, aos
exemplos em forma de modelo.
Os recursos audiovisuais auxiliam o professor no processo de ensino/aprendizagem em
sala de aula, interagindo de forma lúdica e construtiva com os alunos, facilitando a assimilação de
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novos conteúdos didáticos e pedagógicos, visto que a leitura serve de ponto de partida para toda e
qualquer experiência em sala de aula, como segundo Martins (1994), saber ler é uma forma de
conquistar a autonomia, de deixar de ler pelos olhos de outrem. Para Miranda (2008, p.9)
O audiovisual possui características específicas associadas à compreensão e
transmissão de mensagens. Enquanto na leitura cada palavra tem sua
importância e,lendo, é possível progredir de maneira linear até a compreensão
final no término da frase ou parágrafo, na mensagem audiovisual há um fluxo
contínuo signos.
Para alguns docentes, as TICs– Tecnologias da Informação e Comunicação vieram a
caráter degenerativo como um empecilho no ensino e na aprendizagem dos alunos sendo
consideradas como ―monstros do século, o que não passa de mero engano. Os recursos oferecidos
pelas TICs são de extrema importância para a aquisição de conhecimentos em sala de aula,
facilitando não só o aprendizado do aluno, como também o trabalho do professor, dando-o novos
métodos de apresentar conteúdos diversificados, em todas as áreas de conhecimento que norteiam
o currículo da educação básica (fundamental e médio) e superior de ensino.
Procedência de dados
O aparato metodológico do presente trabalho é constituído em seis etapas, as quais
auxiliaram e nortearam o trabalho do pesquisador, a partir daí começa a ser feita a pesquisa
quantitativa, que são elas:
Etapa 1: 1º contato com a escola: Na primeira visita à escola explicamos à professora atuante na turma
do 3º ano e explicamos a proposta metodológica do trabalho, abordando assuntos acerca do
letramento e etc.
Etapa 2: Coleta de dados e constituição da primeira parte do corpus: Para a coleta de dados, solicitamos aos
vinte e cinco alunos que compõe a sala de aula que produzissem textos com temas livres.
Etapa 3: Análise da primeira parte do corpus: Analisamos as produções destacando as ocorrências de
erros de pontuação, acentuação e coerência textual.
Etapa 4: Experiência audiovisual: Apresentamos vídeos educativos os quais abordavam os temas
escolhidos para a análise (pontuação, acentuação e coerência textual).
Etapa 5: Coleta de dados e segunda parte da constituição do corpus: Solicitamos novas produções, no intuito
de destacar melhorias nas produções dos alunos.
Etapa 6: Análise da segunda parte do corpus: Analisamos a segunda parte do corpus, detectando as
ocorrências dos mesmos aspectos citados anteriormente.
A divisão da metodologia do trabalho em seis etapas influenciou grandemente a eficácia no
desenvolvimento da pesquisa, destacando meios viáveis para concretizar o corpus com segurança
nos resultados obtidos.
Análise de dados
A escola denominada para a realização da pesquisa faz parte da Secretaria Municipal de
Educação da Prefeitura Municipal de Maribondo – AL. A sala de aula em que realizamos a pesquisa
conta com a regência de três professores do quadro efetivo do magistério municipal.
Exponho os resultados das duas análises em duas tabelas que contemplam o número de
ocorrências antes e depois da experiência audiovisual. Segue abaixo a primeira tabela:
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Ciências Sociais – Ano 11 Nº25 v.2– 2015 ISSN 1809-3264
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Tipo de ocorrência
Número de ocorrências
Pontuação
75
Acentuação
59
Coerência textual
61
Fonte: Dados coletados no corpus pesquisado.
De acordo com a tabela acima é possível em uma visão ampla que os alunos possuem
dificuldades constantes na relação de sentidos entre as palavras, como também na estrutura no que
diz respeito à pontuação e à acentuação.
Diante disso, propomos uma experiência audiovisual educativo, explicando e auxiliando o
professor na tarefa docente, logo depois, solicitamos novas produções de texto, no intuito de
perceber melhorias nas produções. A tabela abaixo apresenta o número de ocorrências que
detectamos na segunda análise:
Tipo de ocorrência
Número de ocorrências
Pontuação
49
Acentuação
39
Coerência textual
37
Fonte: Dados coletados no corpus pesquisado.
Percebe-se que a última tabela apresenta resultados significativos, onde mostra a eficácia
que os multimeios didáticos quando aplicados em sala de aula proporcionam.
Diante disso os professores passam a ter outra visão em relação às TIC‘s, o que antes era
considerado um empecilho no ensino-aprendizado, acaba e tornando um grande aliado.
Considerações finais
No decorrer dessa pesquisa foi possível perceber que as discussões acerca do letramento
devem acontecer frequentemente, pois nem todos os professores estão devidamente preparados
para encarar a difícil tarefa que é a sala de aula, como também, não estão cientes do que realmente é
o tão falado letramento.
Ao longo da história da educação brasileira, percebe-se que os docentes que são os
principais distribuidores do conhecimento devem ser cada vez mais capacitados diante das novas
perspectivas aplicadas a educação, pois faz parte do papel deles, ajudarem frequentemente os alunos
a adaptassem no meio social, com medidas acadêmicas e cognitivas, contribuindo na formação
social e acadêmica desses cidadãos em crescimento.
Educar é colaborar para que professores e alunos - nas escolas e organizações transformem suas vidas em processos permanentes de aprendizagem. É ajudar os
alunos na construção da sua identidade, do seu caminho pessoal e profissional , do seu
projeto de vida, no desenvolvimento das habilidades de compreensão, emoção e
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Ciências Sociais – Ano 11 Nº25 v.2– 2015 ISSN 1809-3264
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comunicação que lhes permitam encontrar seus espaços pessoais, sociais e profissionais
e tornarem-se cidadãos realizados e produtivos (MORAN, 1995).
O papel do educador no que dissemina a produção textual também interliga a relação
professor/aluno, o ato de aconselhar o discente no meio acadêmico e social, mostrando as diversas
maneiras de ultrapassar preconceitos e ter mais eficácia na jornada escolar.
O letramento representa uma massa, a massa de ascensão social, de comunicação e
interação entre as pessoas, caracterizando-se pela utilização da língua escrita que propicia ao
indivíduo, medidas cabíveis para o dia-a-dia na sociedade.
A escola deve ser meio de troca de conhecimentos, aconselhamento, acompanhamento
cognitivo e dentre outros deveres. Pois os deveres que cabem ao educador também são cabíveis aos
outros membros da comunidade escolar, visto que o aluno é o principal alvo nesse âmbito,
representando a força e o empenho dos profissionais da escola que se engajam e ao mesmo tempo
se encorajam para ter um futuro mais próspero e com melhorias visíveis quando comparada aos
tempos atuais.
Referências
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Brasília, Brasilia, v. 15, n. 1, p. 45-68, jan./jun. 1987.
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2. Ed. São Paulo: Cortez. 1994.
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Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
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Ciências Sociais – Ano 11 Nº25 v.2– 2015 ISSN 1809-3264
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CANTIGAS DE RODA NA CRECHE: A CONSTRUÇÃO DO REPERTÓRIO
DE CONHECIMENTOS DAS CRIANÇAS49
Silvio Profirio da Silva50
Resumo
O presente trabalho coloca em discussão a utilização das Cantigas de Roda, na Educação Infantil, e
seus contributos para a construção do repertório de conhecimentos da criança. A partir dos estudos
de Braga (2011), Chiarelli e Barreto (2005), Stavracas (2005), Gohn e Stavracas (2010), Godói
(2011), Euzébio e Ribeiro (2013), este trabalho tem por objetivo relatar as experiências vivenciadas
na Oficina: Cantigas de Roda na Creche. Decorrente disso, refletimos acerca do uso da música como
suporte didático, no âmbito da Educação Infantil, com a pretensão de contribuir para a construção
social do conhecimento da criança, bem como para a ampliação da visão de mundo.
Palavras-chave: Música, Cantigas de Roda, Processo de Ensino e Aprendizagem, Repertório de
Conhecimentos da Criança.
Resumen
El presente trabajo pone en cuestión el uso de las Cantigas de Roda, en la Educación de la Infancia, y
suyas contribuciónes para la construcción del repertorio del conocimiento del niño. A partir de los
estúdios de Braga (2011), Chiarelli y Barreto (2005), Stavracas (2005), Gohn y Stavracas (2010),
Godói (2011), Euzébio y Ribeiro (2013), este trabajo tiene como objetivo describir las experiências
ocurridas en la Taller: Las Cantigas de Roda en la Guardería. Además, se reflexiona sobre el uso de la
música como apoyo didáctico a la docência, en el contexto de la Educación de la Infancia, con la
intención de contribuir a la construcción social del conocimiento del niño, así como para la
ampliación de la visión del mundo.
Palabras clave: Música, Cantigas de Roda, Proceso de la Enseñanza y el Aprendizaje, Repertorio
del Conocimiento del Niño.
Introdução
Este trabalho coloca em discussão a utilização da música como suporte didático nos
processos de ensino e de aprendizagem, com fins a contribuir para a construção do conhecimento
da criança. Mais especificamente, refletimos acerca do uso das Cantigas de Roda enquanto ferramenta
didática e pedagógica, no campo da Educação Infantil, com fins a contribuir para a construção do
repertório de conhecimentos da criança. Partindo desse pressuposto, neste trabalho, concedemos
primazia às Cantigas de Roda e suas potencialidades didáticas e pedagógicas.
Consoante Godói (2011), a música está inclusa nas práticas corriqueiras do dia a dia dos
sujeitos inseridos nas mais distintas sociedades. Dizendo de outra forma, a música participa da
multiplicidade de esferas sociais existentes na sociedade contemporânea, estando presente nos
múltiplos/ diversificados âmbitos sociais e culturais. Dentre esses âmbitos, destacamos, aqui, o
educacional.
Este trabalho foi apresentado ao Curso de Letras Português e Literatura da Universidade Salgado de
Oliveira – UNIVERSO, como requisito parcial para obtenção da aprovação na Disciplina Oficina de Literatura
e Música.
50 Concluinte do Curso de Licenciatura em Letras Português e Literatura da Universidade Salgado de Oliveira
– UNIVERSO; Auxiliar de Desenvolvimento Infantil na Secretaria de Educação, Esportes e Lazer da
Prefeitura da Cidade do Recife – PCR. E-mail: profirio.silvio@bol.com.br
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De acordo com Godói (2011), a música não consiste em uma mera atividade de
entretenimento, isto é, uma atividade mecânica. Pelo contrário, ela consiste em um recurso
valiosíssimo, que pode contribuir e muito para o desenvolvimento pueril e, acima de tudo, para a
aprendizagem. Ou seja, no campo educacional, a música consiste em um recurso que deve ser
trabalhada de maneira contextualizada e diretamente atrelada a objetivos a serem atingidos, o que,
consequentemente, traz contribuições para o desenvolvimento das potencialidades desses
pequeninos sujeitos.
As práticas que conduzem a música nas esferas do conhecimento, dando-lhes
significados, representam para a criança a oportunidade de ampliar sua capacidade de
articular os processos perceptivos e cognitivos nela existentes, relacionando-os para se
comunicar e interagir com os outros (STAVRACAS, 2008, p. 5).
Os aportes teóricos de Chiarelli e Barreto (2005) efetuam uma bem sucedida análise acerca
das contribuições da música nos processos de ensino e de aprendizagem, com fins a contribuir para
o desenvolvimento global da criança. Dito de outro modo, a forma como a música pode influir nos
diversificados tipos de desenvolvimento pueril, mais especificamente, a afetividade, a cognição, a
linguagem, a psicomotricidade etc.. Tal postura é corroborada por Godói (2011).
Segundo Gohn e Stavracas (2010), a música é algo que se faz presente no grande leque de
culturas presentes na contemporaneidade, estando não só atrelada à maneira como a criança
exterioriza suas emoções e sentimentos, mas, sobretudo, atrelada à construção do seu repertorio de
conhecimentos e saberes. Na ótica das autoras, a linguagem trazida pela música [leia-se sonora]
acarreta a articulação/ junção entre o sentir e as habilidades de criação, influindo, assim, na forma
como esses pequeninos sujeitos percebem a realidade circundante à sua volta e, conseguintemente,
atribuem sentidos e significados. O que culmina na construção social do conhecimento pueril.
Sendo ela uma arte que contribui para o pensamento criativo, vem ganhando cada vez
mais espaço nas pré-escolas, que devem respeitá-la como forma de arte responsável por
parte do desenvolvimento da criança (tanto cognitivo como social, cultural etc.), e não
somente como apoio às atividades escolares (GOHN e STAVRACAS, 2010, p. 87).
Para Godói (2011), a inserção da música no contexto educacional deve ser pautada em uma
perspectiva de diversidade e variedade. Isto é, o educador deve trabalhar as múltiplos e
diversificados registros musicais. Como o próprio autor fala, ―para ser significativa e atingir seus
objetivos, a música deve ser trabalhada de diferentes formas, como por exemplo, com exercícios de
pulsação, parâmetros sonoros, canto, parlendas, brincadeiras cantadas, sonorização de histórias‖
(Idem, p. 21). É partindo dessa constatação, que optamos por trabalhar as Cantigas de Rodas no
contexto da Educação Infantil.
A partir dos postulados de Chiarelli e Barreto (2005), Stavracas (2005), Gohn e Stavracas
(2010), Godói (2011), Euzébio e Ribeiro (2013), este trabalho tem por objetivo relatar as
experiências vivenciadas na Oficina: Cantigas de Roda na Creche. Atrelado a isso, pretendemos refletir
acerca do uso da música como suporte didático, no âmbito da Educação Infantil, com a pretensão
de contribuir para a construção social do conhecimento da criança, bem como para a ampliação da
visão de mundo.
Para tanto, fizemos uso dos seguintes procedimentos metodológicos: a) Levantamento
Bibliográfico, isto é, a Revisão de Literatura; b) Aplicação de Oficina Temática, recorrendo, para
isso, às Cantigas de Rodas e atividades correlatas.
Fundamentação teórica
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Como mencionado antes, Chiarelli e Barreto (2005) promovem uma aprofundada análise
acerca da aplicação da música nos processos de ensino e de aprendizagem, contribuindo, desse
modo, para o desenvolvimento global da criança. Na ótica das autoras, o uso da música aplicado
aos processos educacionais traz contribuições para o desenvolvimento cognitivo e linguístico da
criança. Isso se dá, na medida em que as práticas corriqueiras do dia a dia das crianças, ou melhor,
as situações vivenciadas por estas contribuem substancialmente para o aumento do seu repertorio
de conhecimentos. Em outras palavras, as práticas cotidianas vivenciadas por esses pequeninos
trazem múltiplos e diversificados conhecimentos para eles. A inserção da música no dia a dia das
crianças traz contribuições para o processo de construção/ produção de sentidos e significados,
estimulando, assim, sua cognição. Entretanto, a inclusão da música no dia a dia desses pequeninos
também acarreta contributos ao seu desenvolvimento linguístico, visto que está intrinsecamente
atrelada à oralidade. Inicialmente, a música promove a escuta e, após isso, a expressão oral.
As referidas autoras, em seus postulados, defendem ainda que a música enseja
contribuições para as habilidades psicomotoras das crianças. No dizer das autoras, a utilização das
músicas no campo educacional faz com que as crianças consigam exercer controle sobre sua
musculatura, locomovendo-se, por conseguinte, com uma maior desenvoltura. As autoras
supracitadas demonstram que a música tem um elemento de fundamental importância na efetivação
desse ato: o Ritmo. Este, por sua vez, está intrinsecamente ligado ao sistema nervoso, uma vez que
ele age sobre os aspectos emocionais das crianças e, conseguintemente, sobre seus aspectos
motores. Na fala das autoras, ―atividades como cantar fazendo gestos, dançar, bater palmas, pés,
são experiências importantes para a criança, pois elas permitem que se desenvolva o senso rítmico,
a coordenação motora‖ (Idem, p. 1).
Chiarelli e Barreto (2005) trazem ainda reflexões atinentes à articulação/ junção da
linguagem sonora e gestual. Dizendo de outro modo, a utilização da música no campo educacional
oportuniza que a criança possa proferir construções sonoras, mas, sobretudo, fazer uso da
expressão corporal a fim de representar as músicas cantadas ou escutadas. Tudo isso contribui de
forma significativa para o desenvolvimento das suas habilidades psicomotoras. Isso está em
consonância com Gohn e Stavracas (2010).
O trabalho com a musicalização infantil permite ao aluno desenvolver a percepção
sensitiva quanto aos parâmetros sonoros – altura, timbre, intensidade e duração –, além
de favorecer o controle rítmico-motor; beneficiar o uso da voz falada e cantada;
estimular a criatividade em todas as áreas; desenvolver as percepções auditiva, visual e
tátil; e aumentar a concentração, a atenção, o raciocínio, a memória, a associação, a
dissociação, a codificação, a decodificação etc. (GOHN e STAVRACAS, 2010, p. 87).
Gohn e Stavracas (2010) demonstram o fato de o contato com a música estimular formas
de pensar articuladas com a criatividade, influindo, dessa maneira, no desenvolvimento da criança.
Quando falamos aqui em desenvolvimento, referimo-nos tanto ao interno [cognitivo, linguístico,
psicomotor etc.], como externo [afetivo, cultural e social]. Ora, a música não consiste apenas em
uma ferramenta didática, mas um elemento de suma relevância que influi na sua formação – em
seus múltiplos aspectos -, culminando, desse modo, na constituição dos seus conhecimentos/
saberes e, em especial, na construção da sua identidade.
Os pressupostos teóricos de Chiarelli e Barreto (2005) evidenciam o fato de a música
acarretar contribuições para o desenvolvimento social e afetivo da criança. Nesse ponto, as autoras
colocam e destaque à coletividade, mais precisamente, à forma como situações coletivas que
envolvem a música trazem contribuições para a socialização desses pequeninos. Isto é, situações
musicais coletivas ensejam a inserção das crianças em um dado grupo, propiciando o envolvimento,
a participação e a cooperação entre esses sujeitos.
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Para Gohn e Stavracas (2010), a construção da aprendizagem subsidiada pelo contato com
a música se dá pelo fato de tal contato ensejar possibilidades de a criança exteriorizar suas emoções
em face da música e, sobretudo, atribuir/ produzir sentido a partir dessa vivência. Stavacras (2008)
aborda o papel da música no ato de expandir suas potencialidades e, principalmente, seu
contingente de conhecimentos e saberes.
Godói (2011) postula que o trabalho pedagógico envolvendo a música deve levar em conta
o conhecimento prévio das crianças. Isso quer dizer que, ao trabalhar com a música no campo
educacional, o educador deve dar primazia aos aspectos sociais e culturais das crianças, valorizando,
dessa maneira, as músicas presentes em seu universo cotidiano. Isso não só promove práticas
pedagógicas que respeitem a marcas de individualidade da criança, mas, sobretudo, seus traços
culturais, étnicos, familiares, religiosos e sociais.
Diante dessa perspectiva, optamos por realizar uma oficina temática, a partir das Cantigas de
Rodas. Consoante Euzébio e Ribeiro (2013, p. 21), ―as Cantigas de Roda nada mais são do que um
ritmo de canção popular que está diretamente relacionada com as brincadeiras de roda‖. Nesse
sentido, as Cantigas de Rodas consistem em músicas de cunho folclórico cantadas, mediante a
formação de rodas constituídas por crianças. Elas trazem consigo temáticas presentes nas práticas
corriqueiras do dia a dia dos sujeitos imersos nas esferas sociais. Nesse ponto, é impossível não
ressaltar sua intrínseca ligação com as práticas folclóricas.
As referidas autoras salientam, inclusive, que as melodias e os ritmos exteriorizados por tais
cantigas refletem as práticas culturais dos espaços de onde elas provêm. Suas letras são marcadas
pela simplicidade, o que acarreta a facilidade de memorizá-la. Suas letras são marcadas ainda por
intermédio de rimas e repetições de falas. A junção desses aspectos em conjunto com a melodia e o
ritmo trazem à tona sua natureza de ludicidade.
Euzébio e Ribeiro (2013), em seus aportes teóricos, evidenciam o fato de as Cantigas de
Roda viabilizar o acesso da criança às práticas culturais. A partir delas, esses pequeninos podem ter
acesso à multiplicidade de elementos presentes nas práticas cotidianas dos brasileiros, bem como no
seu folclore, estabelecendo, assim, um resgate histórico e cultural. Diante disso, formas de pensar,
formas de agir, festejos típicos, comidas, crenas, lendas, brincadeiras, pratos típicos, animais plantas
etc.. Esses são apenas alguns elementos apontados por Euzébio e Ribeiro (2013), os quais são
revelados a partir das Cantigas de Roda e, simultaneamente, exteriorizam as práticas culturais dos
múltiplos espaços presentes nos espaços brasileiros.
A oficina
A Oficina Cantigas de Roda na Creche do Ibura foi realizada no Centro Municipal de Educação
Infantil do Ibura – CMEI [antiga Creche Tio Zé]. O Cmei do Ibura localiza-se na Comunidade da
UR 10 – Bairro do Ibura [Região Metropolitana da Cidade do Recife]. A referida unidade de ensino
teve sua fundação oficial no ano de 1984. Todavia, segundo relatos de moradores da comunidade e
funcionários antigos, a creche já funcionava anteriormente. Estima-se que ela funcione há pelo
menos 35 anos.
Esse centro de educação infantil atende às mães e às crianças de uma gama de comunidades
vizinhas - UR 4, UR 5, UR 6, UR 11, Lagoa Encantada, Zumbi do Pacheco -, e até mesmo de
bairros mais distantes, como é o caso do bairro do Jordão e do Curado etc.. Atualmente, ele conta
com um quantitativo de 157 crianças na faixa etária de 0 a 4 anos. São nove turmas: Berçário,
Grupo I, Grupo II, Grupo III e Grupo IV.
A oficina em questão foi realizada no Grupo II B [crianças na faixa etária entre 02 anos e 6
meses e 3 anos]. O objetivo dessa oficina era trabalhar as Cantigas de Roda no campo da Educação
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Infantil, recorrendo, para tal, a músicas advindas no universo infantil, contribuindo,
conseguintemente, para a construção de novos saberes e ampliação da visão de mundo da criança.
Para realização desse propósito, inicialmente, buscamos fundamentação teórica acerca da utilização
da música no âmbito da Educação Infantil, bem como os benefícios acarretados a partir dessa
utilização. Após isso, buscamos materiais teóricos acerca das Cantigas de Rodas. Depois da
apropriação dos fundamentos teóricos, escolhemos três cantigas bastante conhecidas no universo
infantil. São elas:
Marcha Soldado
Marcha Soldado
Cabeça de Papel
Se não marchar direito
Vai preso pro quartel
O quartel pegou fogo
A polícia deu sinal
Acuda acuda acuda
A bandeira nacional
A Canoa Virou
A Canoa virou
Pois deixaram ela virar
Foi por causa da (nome da pessoa)
Que não soube remar
Se eu fosse um peixinho
E soubesse nadar
Eu tirava a (nome da pessoa)
Do fundo do mar
Caranguejo não é peixe
Caranguejo não é peixe
Caranguejo peixe é
Caranguejo não é peixe
Na enchente da maré.
Palma, palma, palma,
Pé, pé, pé
Roda, roda, roda
Caranguejo peixe é!
Optamos por realizar a referida oficina em 03 [três] dias diferentes, o que nos daria
oportunidade de desenvolver atividades correlatas à temática das cantigas trabalhadas. No primeiro
dia da oficina [15/09/2014], trabalhamos a Cantiga Marcha Soldado. Inicialmente, realizamos uma
roda de conversa com as crianças, falando um pouco sobre as Cantigas de Roda. A título de
exemplificação, cantamos algumas cantigas com as crianças. Após isso, realizamos uma primeira
roda com as crianças, cantando a referida cantiga. Depois, realizamos a confecção de chapéus de
soldados, a partir de jornais, como demonstram as fotos anexas. Em seguida, realizamos outra roda.
No segundo dia da oficina [16/09/2014], trabalhamos a Cantiga A Canoa Virou. Optamos
por iniciar a oficina, mais uma vez, a partir da roda de conversa. Nesta, trouxemos a imagem de um
peixe desenhado em uma folha de papel A4. Após isso, trouxemos um livrinho com a imagem de
vários animais. Mostramos todas as imagens às crianças, com o propósito de verificar se eles
reconheceriam a imagem do peixe. Depois, indagamos as crianças acerca do ambiente onde esses
animais habitam. Realizamos outras perguntas acerca do contexto onde vivem as crianças,
estabelecendo sempre relação com os peixes. Isso tinha o propósito de verificar se elas, em sua
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realidade social, tinham contato com os peixes. A partir das suas respostas, trouxemos informações
sobre esses pequenos animais. Depois disso, iniciamos a roda, a fim de cantar a referida cantiga [A
Canoa Virou]. Em seguida, realizamos uma atividade de colagem de peixes recortados em uma
cartolina, conforme evidenciam as imagens anexas.
No terceiro dia da oficina [18/09/2014], trabalhamos a Cantiga Caranguejo não é peixe.
Iniciamos a oficina, a partir da roda, a fim de cantar a referida cantiga. Após isso, realizamos uma
atividade de pintura com as crianças. Em tal atividade, pintamos as mãos das crianças com o
propósito de formar pequenos caranguejos a serem expostos em duas cartolinas. Após isso,
pintamos alguns elementos do mangue nas cartolinas. É necessário mencionarmos que, neste dia,
nosso tempo foi bem menor, pois haveria um evento de robótica na unidade educacional. Com
isso, não houve tempo suficiente para realizar a roda de conversa com as crianças, bem como
indagações e a explanação sobre os elementos dos manguezais.
Em termos de conclusão, ressaltamos que a aplicação da oficina em foco contribuiu
substancialmente, para efetivar o acesso das crianças aos múltiplos e diversificados aspectos da sua
realidade circundante. Dizendo de outra forma, o trabalho pedagógico desenvolvido contribuiu
significativamente para o desenvolvimento da leitura de mundo da criança, ou seja, a leitura que a
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criança faz do seu universo circundante. Nessas cantigas, a cultura material e imaterial são colocadas
em pauta, o que corrobora para a atribuição de sentido e significados por parte das crianças e,
conseguintemente, para aquisição de novos saberes. Ora, o trabalho pedagógico com as Cantigas de
Roda acarreta estímulos à cognição desses pequeninos. A partir daí, estes projetam, em sua mente,
as imagens dos elementos trazidos por essas cantigas. Isso, por conseguinte, contribui para a
produção de sentido e significado, bem como para a aquisição de novas aprendizagens. Isso está em
consonância com os aporte teóricos de Braga (2011).
Considerações finais
Em termos de conclusão, recorremos aos pressupostos teóricos de Gohn e Stavacras
(2010), as quais trazem à tona as potencialidades ensejadas a partir do ato de fazer uso da música
enquanto recurso didático no trabalho pedagógico, no contexto da Educação Infantil. No dizer das
autoras, o sentir e o criar são elementos que despontam, a partir do contato com a música. Isto é, a
partir dessa junção, emerge o processo de atribuição/ produção de sentidos e significados,
corroborando, conseguintemente, para a construção de novos saberes. Em função da capacidade de
estimular as potencialidades criativas das crianças, podemos conceber a música como um relevante
elemento que contribui de forma considerável para seu desenvolvimento global.
Tendo como pano de fundo esse contexto paradigmático, o trabalho pedagógico com as
Cantigas de Rodas transcende a condição/ posto de ferramenta didática e pedagógica, visto que
influi na formação integral da criança. Ou seja, a formação em seus múltiplos aspectos. Com isso, o
contato com essas cantigas age no sentido não só de contribuir para o processo de produção de
conhecimentos e saberes das crianças, mas, sobretudo, para a constituição da sua identidade.
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Enviado em 30/12/2014
Avaliado em 25/01/2015
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 11 Nº25 v.2– 2015 ISSN 1809-3264
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REDES SOCIAIS, NOVAS MÍDIAS E NOVOS DESAFIOS À SALA DE AULA
Tania Regina Martins Machado51
Resumo
Este artigo trata de uma proposta para o ensino de língua espanhola para o 5º ano da Educação
Fundamental ancorada na Análise Crítica de Gêneros (ACG) e na modalidade a distância. Ela
consiste, sobretudo, no ensino/aprendizagem através do gênero escolar Atividade desenvolvido
através do facebook. Compreendemos que essa proposta pode ser bem sucedida, pois, além dessa
comunidade social ser amplamente utilizada pelos brasileiros, possui recursos interativos que
permitem o desenvolvimento de habilidades imprescindíveis aos nossos estudantes, como a
autonomia e a criticidade.
Palavras-chave: comunidades sociais; facebook; EaD; ACG; gêneros textuais.
Resumen
Este artículo trae una propuesta para la enseñanza de lengua española para el 5º año de la primaria
basada en el Análisis Crítica de Géneros (ACG) y en la modalidad a distancia. Ella consiste,
sobretodo, en la enseñanza/aprendizaje a través del género escolar Actividad desarrollado a través
del facebook. Comprendemos que esa propuesta puede ser bien sucedida, pues, además de esa
comunidad social ser largamente empleada por los brasileños, posee recursos interactivos que
permiten el desarrollo de habilidades imprescindibles a nuestros estudiantes, como la autonomía y
la creatividad.
Palabras clave: comunidades sociales, facebook, EaD, géneros textuales.
Podem as comunidades sociais permitirem que a escola cumpra seu papel?
Ainda hoje, os livros didáticos são a grande ferramenta de apoio do professor (RAMOS &
CORSO, 2009), em geral, soma-se a isso apenas sua própria voz e a utilização do giz e do quadro
negro. De tal forma, como pode o ensino, independentemente da disciplina ministrada, conquistar
maior apreciação e cair no gosto do aluno que, aliás, está voltado para as novidades trazidas pelo
desenvolvimento tecnológico e midiático?
Sem dúvida, esse é um duplo desafio que se apresenta ao professor. Alguns deles, no
entanto, já estão desenvolvendo projetos nos quais suas aulas contam com o apoio das tecnologias
digitais da informação e da comunicação, conforme apresenta A nova sala de aula, reportagem
publicada no Suplemento educação.com do Diário Catarinense de 15 de julho de 2013.
Mas realizar um trabalho como os apresentados pela reportagem não é tão comum e não
parece ser tarefa fácil. Segundo Rack,
apesar de muitos docentes compreenderem a importância dos meios de comunicação e
das múltiplas tecnologias na história social contemporânea, ainda é necessário
potencializar determinadas mediações que acontecem com o uso de diferentes
tecnologias no contexto educativo a distância. (RACK, 2011, p. 17)
Seguindo a reflexão apontada pelo autor, além dos exemplos que nos traz a reportagem do
Diário Catarinense, propomos pensar nas redes sociais, mais precisamente, na comunidade social
facebook como uma ferramenta midiática e tecnológica que pode ser empregada para o
ensino/aprendizagem de espanhol na Educação Fundamental. Baseando-nos na experiência da
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Professora de Espanhol da Educação Fundamental e Doutoranda em Linguística Aplicada/ UFSC.
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Educação a Distância (EaD), pensamos ser esse uma proposta viável. Esse será, então, o norte para
o desenvolvimento deste artigo estruturado nos três momentos que seguem: a EaD no Brasil; o
ensino de espanhol na escola através do facebook; por fim, uma proposta de Atividade.
A EaD no Brasil
A EaD teve seu surgimento com o processo de ensino/aprendizagem por correspondência.
Isso se verifica não apenas no Brasil, mas em vários países. As primeiras metodologias de ensino
contavam com a distribuição de materiais didáticos por correspondência. Nesse processo de
aprimoramento do ensino a distância, começou a integrá-lo, também, a difusão de conteúdos via
rádio e televisão. A comunicação entre alunos e a instituição de ensino continuava ocorrendo por
carta, mas ganhou o apoio das ligações telefônicas. Nesse estágio, então, a dúvida do aluno não só
já podia ser esclarecida, como também ocorria de forma muito mais rápida.
No entanto, com o surgimento dos computadores e da internet e com o crescente acesso a
eles, as telecomunicações aliadas às mídias digitais promoveram uma verdadeira revolução
tecnológica nesse campo. É dessa forma que podemos dizer que surgiu a EaD. Como contribuição
para essa reflexão, apresentamos o trecho abaixo, em que Rack explicita a mudança no campo do
ensino a partir do computador:
A utilização do computador como recurso tecnológico no processo educativo encontra
força em sua flexibilidade e amplitude de recursos. A possibilidade de agregar múltiplas
mídias e periféricos em um mesmo equipamento torna o computador um grande aliado
do docente e do estudante da EaD. Assim, é possível difundir mensagens e aulas
completas aos alunos que residem longe das instituições de ensino, seja através de CD,
DVD, internet ou em ambientes virtuais e ensino e aprendizagem, criados
exclusivamente para o acesso a atividades de formação. (RACK, 2011, p. 57-58).
Com tal tecnologia a EaD passa a ser possível. No Brasil, ela é regulamentada pelo Decreto
nº 2.494 da Presidência da República, que versa sobre o artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996). Esse decreto define:
Educação a Distância é uma forma de ensino que possibilita a autoaprendizagem, com
a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em
diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados, e veiculados
pelos diversos meios de comunicação. (BRASIL, 1998, s/n)
Nesse mesmo ano de 1998, tivemos no Brasil a primeira experiência em EaD. Ela partiu de
um projeto piloto desenvolvido pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Seu objetivo
era oferecer a Licenciatura em Educação Básica para a formação de professores que iriam atuar de
1ª à 4ª série da rede pública. Já em 2001, o Conselho Nacional de Educação definiu as normas para
os programas de pós-graduação lato e stricto sensu, através da Resolução nº 1.
Atualmente, esse documento é conhecido como Referenciais de Qualidade para Educação
Superior a Distância e em sua versão de 2007 podem ser encontrados oito referenciais de qualidade a
serem atendidos pela EaD. Mas já em 2005, no Brasil se consolidava essa modalidade de ensino
com a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB) pelo MEC. Segundo Rack (2011, p. 35), esse
sistema foi criado ―Para ampliar o acesso e diversificar a oferta de ensino superior em nosso país‖.
A propósito do termo EaD, esse autor considera a definição de Educação a Distância mais
abrangente do que Ensino a Distância, pois implica não somente a transmissão de informação, mas
que há um processo permanente de construção e avaliação do conhecimento adquirido. Nesse
sentido, ele nos ajuda a compreender a EaD
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como uma modalidade de realizar o processo de construção do conhecimento de forma
crítica, criativa e contextualizada, no momento em que o encontro presencial do
educador e do educando não ocorrer, promovendo-se, então, a comunicação educativa
através de múltiplas tecnologias. (RACK, 2011, p. 15)
Apostando nessa construção do conhecimento por parte do aluno, mas com o apoio e
orientação do professor, cremos ser possível ensinar a língua espanhola através das múltiplas
possibilidades e estímulos variados que nos oferecem o computador com acesso à internet e mais
precisamente, o facebook. Conforme argumenta Rack (2011, p.75), ―em ambientes virtuais de ensino
e aprendizagem a aquisição de conhecimentos deixa de se fazer exclusivamente por meio de leituras
de textos para se transformar em experimentos com múltiplas percepções e sensibilidades.‖ Assim
sendo, as possibilidades de interação trazidas por tal comunidade social podem ser bem utilizadas se
as compararmos as funções interativas encontradas em ambientes virtuais de ensino e
aprendizagem a distância (AVEA). Em tais ambientes podem ser desenvolvidas atividades que
permitam o ensino e aprendizagem.
Existem várias plataformas ou sistemas informatizados para EaD, alguns deles são
gratuitos, outros não. Eles nos dão ferramentas para estabelecer relações comunicativas entre os
envolvidos nesse processo. Rack (2011, p. 107) compreende ―o AVEA como um sistema
computacional de aprendizagem cooperativa e interativa que ajuda os alunos a comunicarem suas
ideias e a cooperarem em atividades comuns.‖
Um exemplo de AVEA conhecido, mas geralmente empregado para cursos de graduação e
de pós-graduação, é o moodle:
Moodle (Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment) é o nome do
sistema computacional que algumas universidades que aderiram à UAB
escolheram como AVEA. Desenvolvido pelo australiano Martin Dougiamas, o
Moodle é considerado um software livre, (...) programa de computador que não
possui nenhuma restrição ao uso. (RACK, 2011, p. 101).
Em nossa proposta de ensino/aprendizagem de língua espanhola na escola, aproximamos
as possibilidades de interação do facebook àquelas permitidas pelo moodle. No entanto, é preciso
pensá-las para um novo contexto, para o trabalho com a educação básica. É dentro dessa linha de
raciocínio que a desenvolvemos.
Ensino da língua espanhola através do facebook na Educação Fundamental
Investir em um projeto, por exemplo, de ensino de línguas ancorado nas novas mídias
digitais pode ser um meio de estimular o estudante a conhecer, interagir e vivenciar uma nova
possibilidade na educação. Para Belloni (2001 apud RACK, 2011, p. 113), as características da
sociedade contemporânea que mais causam impacto na educação são: ―a) a complexidade; b) a
tecnologia; c) as mudanças nas relações de espaço e tempo; d) a exigência de um trabalhador com
múltiplas competências e qualificações, capaz de gerir equipes e pronto a aprender.‖
Empregamos, então, como meio de ensino/aprendizagem de línguas as ferramentas
comunicacionais do facebook, uma das comunidades sociais mais utilizadas no Brasil. Segundo Sbarai
(VEJA, 2013), nosso país, com 76 milhões de usuários, já é o segundo tanto em criação de contas
como em acessos diários. Graças à tamanha popularidade, a questão que surge é: por que não
aproveitar o sucesso de que goza o facebook junto de nossos estudantes para oferecer-lhes mais uma
oportunidade de aprendizagem?
Outra questão a ser observada é: quem é o aluno de EaD? Rack salienta algumas das
características do estudante da EaD. De acordo com ele,
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é uma modalidade de educação que exige maturidade do público-alvo e o
desenvolvimento de algumas características como o autodidatismo, o comportamento
autônomo e o trabalho cooperativo. No entanto, geralmente tais características não são
devidamente estimuladas durante a formação do discente na educação fundamental e
média no Brasil. (RACK, 2011, p. 102).
Segundo o autor, na Educação Fundamental não se costuma estimular as características que
formariam um estudante para que desenvolva seu aprendizado a distância. Entretanto, no uso diário
das novas tecnologias e em ambientes variados essas características são necessárias. Isso indica que
boa parte de nossos alunos costumam desenvolver tais características, embora não sejam
aproveitadas, nem exploradas na escola, tampouco costumam integrar o ensino/aprendizagem
formal.
A partir do entendimento de que o aluno de hoje acessa, mesmo que esporadicamente, o
aprendizado autônomo e cooperativo, compreendemos que esta proposta pode dar certo. Nesse
sentido, o ensino de língua espanhola na Educação Fundamental através de Atividades veiculadas
pelo facebook, além de potencializar o ensino/aprendizagem que já ocorre na sala de aula tradicional,
permite ao estudante acessar as ‗atividades‘ em qualquer lugar e a qualquer hora, pois têm seu livre
acesso através da internet.
A compreensão de sala de aula que temos precisa, no entanto, ser alargada, aproximada do
entendimento que temos das já conhecidas aulas à distância que compõem o processo de ensinoaprendizagem em EaD. De acordo com Moran (2002, s/n), ―A educação a distância pode ter ou
não momentos presenciais, mas acontece fundamentalmente com professores e alunos separados
fisicamente no espaço e ou no tempo, mas podendo estar juntos através de tecnologias de
comunicação.‖
Isso ocorre através de um AVEA, como o moodle. Nele, os alunos podem visualizar espaços
que funcionam como murais de noticias, novidades, recados e avisos; participar de discussões; tirar
dúvidas; questionar, fazer sugestões e avaliar os trabalhos realizados; colaborar com os colegas;
indicar materiais, inclusive através de links para materiais que possam interessar à turma. Essas e
outras atividades semelhantes podem ser realizadas também pelo facebook.
Essa proposta constitui-se, assim, em criar um facebook com o nome da turma e incluir os
alunos como ‗Amigos‘. O passo seguinte é, a partir da opção ‗compartilhar‘, propor ‗atividades‘
compostas por textos, imagens, áudios ou vídeos que apresentem conteúdo relevante a ser
trabalhado pelo grupo. As instruções para a realização de cada atividade acompanham o texto
‗compartilhado‘ e os alunos têm a tarefa de ler (ou escutar, ou ainda, assistir), interagir com o texto,
com o professor e com os colegas, tecer considerações a respeito do conteúdo, fazer novas
pesquisas, realizar a tarefa, tendo a oportunidade, inclusive, de adicionar novos textos (ou diferentes
gêneros textuais) através de links à discussão.
Tais atividades podem iniciar em sala de aula, devem ter seu prolongamento fora da escola,
quando o aluno acessar a comunidade formada para o estudo da língua espanhola e a orientação do
professor pode ocorrer através das ‗Mensagens‘ do facebook. No entanto, o trabalho deve ser,
obrigatoriamente, retomado em sala de aula apropriada, preferivelmente, uma sala informatizada.
Nesse momento é importante que ocorra a apreciação, discussão, síntese e (auto)avaliação pelo
grande grupo da Atividade e de todo o processo de ensino/aprendizagem.
O professor pode criar uma única conta no facebook que servirá para trabalhar com
diferentes turmas, podendo nomeá-la como Língua Espanhola na Escola (nome da escola). E, a partir
desse acesso, desenvolver atividades adequadas para os diferentes grupos. Dentro dessa conta, é
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criado um grupo para cada turma. Ao enviar a Atividade para a turma será necessário escolher para
qual grupo se destina, conforme a Figura 1.
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Figura 1: imagem reproduzida do facebook.
Tomamos como exemplo de uma Atividade para um 5º ano da Educação Fundamental a
imagem que aparece acima no detalhe. É uma tirinha do Gaturro. Essa é uma série de tirinhas
argentina criada pelo cartunista Cristian Dzwonik (Nik). Elas mostram o cotidiano desse gato,
muitas vezes comparado a Garfield de Jim Davis. Seu site em espanhol diz que Gaturro ―Es un
avezado y crítico observador de las costumbres‖. Possivelmente o aluno brasileiro já conheça esse
personagem, pois no Brasil é lincenciado pela Revista Recreio.
Figura 2: imagem reproduzida do facebook.
Conforme a Figura 2, o enunciado para a realização da Atividade e as orientações
necessárias para tanto acompanham o gênero textual compartilhado. A proposta é que essa
Atividade, não apenas utilize o facebook como suporte para ser veiculada, mas que seja fruto de uma
proposta interessante para o aluno, construtiva para seu conhecimento e que colabore para o
desenvolvimento de sua criticidade.
Olhar crítico para uma Atividade de língua espanhola no facebook
O olhar que gostaríamos que fosse lançado sobre as atividades propostas, no caso, sobre a
Historieta de Nic, difundida pelo facebook, é o da criticidade. Para isso a consideramos um gênero
textual originalmente desenvolvido para determinado fim social, seja o de divertir, por exemplo,
mas que é empregada em um novo contexto, agora em um gênero avaliativo escolar, a Atividade.
Assim sendo, compreendemos que para que o aluno desenvolva cada vez mais sua criticidade frente
aos gêneros que o cercam, sua observação crítica do mundo deve ser explorada. Para tanto, o
professor deve propor atividades críticas que estimulem seu desenvolvimento. Nosso embasamento
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teórico para o tratamento dispensado para com essa Atividade está na Análise Crítica de Gêneros
(ACG).
A Análise Crítica de Gêneros é resultante da união de duas perspectivas, ou seja, resulta da
aproximação entre a Análise Crítica do Discurso e da Análise de Gêneros (BATHIA, 2007, 2008).
Ela supera a inicial oposição entre a perspectiva pedagógica (ascendente – em que se parte da
compreensão do texto para a análise da prática social) e a perspectiva sociocrítica (descendente –
partindo-se da prática social para análisar o texto). Para Bhatia (2007), entre as unidades texto,
gênero, prática profissional e cultura profissional, existem dois contínuos: do texto ao contexto e da
prática discursiva à prática profissional.
Dentro dessa perspectiva do contínuo pensamos, portanto, que é imprescindível
observarmos com criticidade os gêneros textuais que compõem as Atividades de língua espanhola
que serão desenvolvidas através do facebook. O tratamento dispensado do gênero atividade, que
localizamos dentro dos gêneros avaliativos escolares, é importante, tendo em vista que:
As avaliações revelam os discursos que regem o trabalho, as identidades construídas e
favorecidas, as representações sobre as ações e as relações de trabalho. O conhecimento
desses gêneros e das práticas que os instauram favorece a reflexão sobre os rumos das
profissões enfocadas, oportunizando também a problematização dos próprios
instrumentos de avaliação e das representações (muitas vezes naturalizadas) associadas a
esses instrumentos. (BONINI, 2010, p. 3-4).
Na esteira da ACG, Bonini (2009) defende que as dimensões do estudo do gênero e do
discurso podem ser visualizadas a partir de três diferentes planos: estrutura social; discurso e
gênero. Primeiramente, a estrutura social agrupa um conjunto de possibilidades de prática social e
de gêneros, corresponde a entidades abstratas, como, por exemplo, a família, a escola, etc. Já o
discurso é a representação sobre as identidades e relações que produz, constitui a estrutura social, a
prática social e seus gêneros. Por fim, o gênero, entendido como um conjunto de ações típicas de
textualização, compreensão e produção textual, que efetiva pelo menos uma prática social no
interior de diversas cadeias relacionais possíveis e realiza o discurso e a estrutura social.
Nesse sentido, não basta oferecer ao aluno uma Atividade interessante, formulada a partir de
uma Historieta descontraída e, sobretudo, veiculada pelo facebook. Uma atividade, como gênero
escolar que é, pode ser tudo isso, mas principalmente, deve trazer questões que levem o estudante a
refletir sobre seu mundo e as relações que existem entre uma Historieta e aquilo que ela nos diz.
Observamos que na sequência já não temos esse gênero inserido em seu contexto natural, mas
compondo o gênero avaliativo Atividade. Para isso, elaboramos algumas questões que, a partir dele,
podem ser discutidas entre alunos e professor(a):
- Observe o que Gaturro apresenta nos diferentes quadros: os objetos que utiliza, suas expressões
corporais e o texto. Atenção às palavras que iniciam com letra maiúscula e àquelas que são
inteiramente redigidas em maiúscula, além das setas que estão em diferentes direções. Troque ideias
com seus colegas e com o(a) professor(a) através das mensagens do facebook e responda às
questões abaixo através dos comentários desta postagem.
a) Você reconhece como familiares os objetos e a maneira como Gaturro os utiliza?
b) Quais seriam as razões para a palavra UNO ser escrita de tal forma?
c) Gaturro tem expressões diferentes ao longo dos quadros, pode haver alguma relação com sua
expressão e a forma como utiliza seus objetos?
d) As setas, nos primeiros quadros, apontam para baixo, no penúltimo, para todos os lados, e por
fim, para cima. Isso acrescenta algum sentido àquilo que Gaturro nos diz? Se você pensa que sim, o
que poderia ser?
e) Relacionando texto e imagem, percebe-se que Gaturro faz uma crítica à forma como agimos
atualmente. O que exatamente ele critica?
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f) Você concorda ou discorda dos motivos para a crítica de Gaturro?
g) No penúltimo quadro, Gaturro faz um convite. Explique que convite é esse:
h) Por fim, a palavra COMPARTIR pode ser compreendida em dois sentidos. Quais seriam eles?
i) Se você tem alguma postagem interessante relacionada a esse assunto e que colabore para esta
discussão, fique a vontade para compartilhar com o grupo.
Figura 3: imagem reproduzida do facebook.
Essas questões são apenas uma ilustração do que pode ser solicitado aos alunos através da
postagem da Atividade no facebook. No entanto, é indispensável pelo menos um momento presencial,
além daquele que ocorre a distância, através das mensagens, em que o grupo discuta as questões
sociais abordadas pela historieta de Nic. A atenção à grafia das palavras indica a direção do trabalho
com a língua e com a linguagem, não se trata exclusivamente de decodificar aquilo que está escrito,
mas de se questionar sobre os usos da escrita, também em meios digitais.
Nas discussões, além da compreensão do gênero, através das imagens e texto, objetivo da
circulação, meio em que circula, etc., é importante debater sua função social. É possível que na
discussão não se chegue a um consenso se sua função é divertir ou criticar, já que o limiar entre
essas duas funções, nesse gênero textual, é muito sutil. De todos os modos, estará sendo
considerado o discurso veiculado por ele, que nos conduz a uma reflexão sobre o comportamento
de nossa sociedade, como também, sobre o impacto que as mídias e as comunidades sociais têm
sobre nossos hábitos.
Considerações finais
Em seu livro Introdução à educação a distância, Rack faz
uma provocação à reflexão sobre as possibilidades de utilização de recursos
tecnológicos no processo de ensino e aprendizagem. Tais possibilidades são múltiplas e
certamente continuarão em constante avanço, pois a cada instante as empresas de
tecnologia nos surpreendem com novas ferramentas e dispositivos. (RACK, 2011, p.
62-63).
Nossa proposta segue a lógica apontada acima pelo autor, considerando-se que com ela
pretendemos estimular a aprendizagem da língua espanhola em sala de aula, ainda que para isso seja
preciso alargar suas fronteiras físicas. Essa possibilidade de expansão, de inovação é algo que nos
possibilitam as novas mídias digitais, como as comunidades sociais, por exemplo.
Para concluirmos as ideias expostas anteriormente, retomamos o questionamento do título
deste artigo, que é também uma provocação. Ele pode ser compreendido como uma crítica às
dificuldades trazidas pelas novas tecnologias para o ensino formal. Quem nunca ouviu a frase ―é
proibido usar celular em sala de aula‖? Por outro lado, pode ser interpretado como um caminho
para o aprendizado, no qual o facebook é valorizado em sala de aula. Essa é a maneira como vemos
essa rede social, como uma ferramenta de ensino/aprendizagem de línguas, assim os AVEAs.
De acordo com Moran (2013, p. s/n), ―As tecnologias interativas, sobretudo, vêm
evidenciando (...) o que deveria ser o cerne de qualquer processo de educação: a interação e a
interlocução entre todos os que estão envolvidos nesse processo.‖ Nesse sentido, o trabalho com o
facebook no ensino de língua espanhola na Educação Fundamental pode ter sucesso, pois além de ser
uma comunidade social que caiu no gosto dos estudantes brasileiros, suas ferramentas oferecem
recursos interativos que, se bem explorados, podem ser construtivos na proposta de ensino aqui
apresentada.
No entanto, salientamos uma vez mais, não se trata de usar o facebook como meio para
enviar atividades diferentes aos alunos, mas sim, de se aproveitar as possibilidades trazidas com ele
para propor Atividades que estimulem seu desenvolvimento em língua espanhola. Sem esquecer
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também a necessidade do estudo crítico dos diferentes gêneros textuais abordados para que as
Atividades potencializem tanto as habilidades de autonomia e de criticidade do aluno.
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