Renascença - Música e Informação dia a dia
18/03/17, 13:33
Marcelo Rebelo de Sousa. O árbitro que apita muitas vezes,
mas (ainda) não marca penálAs
Editado por Eunice Lourenço
Inserido em 09-03-2017 07:00
Dois políAcos e dois professores analisam o primeiro ano do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa no
Palácio de Belém
Veja também:
Ferro Rodrigues elogia “relação exemplar” com Marcelo
É o primeiro Presidente do período democrá?co tratado pelo nome próprio. “Presidente
Marcelo” porque durante anos entrou pela casa dentro dos portugueses todos os domingos à
noite e agora entra pra?camente todos os dias. O Presidente Marcelo cumpre esta quinta-feira
um ano da sua pose e vai assinalar o aniversário ao longo do dia.
Primeiro, de manhã tem uma conversa-debate com alunos do ensino secundário, na Escola de
Pedro Nunes, em Lisboa. Depois, pelas 13h00, vai acompanhar vendedores da revista Cais nas
ruas de Belém. E, ao fim do dia, ele, que faz questão de não ter primeira-dama, vai agraciar as
mulheres dos seus mais imediatos antecessores: Maria José RiXa e Maria Cavaco Silva.
Cumpre-se assim um ano de autên?co estado de graça ou “lua-de-mel” como lhe chama o
politólogo André Freire, co-autor com António Costa Pinto de um livro sobre “O poder
presidencial em Portugal”. Mas Marcelo chega ao fim deste ano já a receber algumas crí?cas,
que contrariam os índices de aprovação muito perto dos 100 por cento verificados em
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sondagens. Excesso de intervenção, eventual extrapolação dos poderes presidenciais são
algumas das crí?cas já feitas ao Presidente.
“Não creio que tenha havido algum extravasar dos poderes presidenciais”, analisa André Freire,
para quem “o poder do Presidente é variável com as condições polí?cas” e, nas actuais
condições polí?cas, “o Presidente tem um papel de maior relevância”. O professor universitário
considera que os poderes cons?tucionais “estabelecem os limites, mas a actuação efec?va
depende das interpretações que deles é feita e das circunstâncias polí?cas”.
O mesmo pensa José Matos Correia, deputado presidente do Conselho Estratégico do PSD, que
glosando Ortega y Gasset diz que “um polí?co é o homem e as suas circunstâncias”. A isto Diogo
Feio, que dirige o gabinete de estudos do CDS, acrescenta o “perfil de comunicação bastante
alto” de Marcelo. “O mais alto de todos os Presidentes da República, mas que não tem na forma
como vê os seus poderes uma grande diferença dos seus antecessores”, diz o an?go deputado,
que teve Marcelo como orientador da sua tese de doutoramento da qual prestou provas dias
antes da posse do Presidente.
Diogo Feio dis?ngue três possibilidades do exercício do cargo presidencial no sistema português:
o Presidente-Rainha de Inglaterra ou notário, que deixa tudo andar, permi?ndo ao Governo uma
superioridade muito grande; o Presidente-chefe de Governo, à luz da possibilidade que a
Cons?tuição tem de o chefe de Estado presidir ao Conselho de Ministros; e o Presidente-árbitro
ou supervisor.
É nesta úl?ma categoria que Diogo Feio inclui Marcelo, que faz uma supervisão “muito numa
lógica do século XXI”, que “tem o seu magistério de influência muito marcado pelas intervenções
que vai fazendo”. E as intervenções são pra?camente diárias.
“É um Presidente árbitro que usa o apito muitas vezes, porque o usa todos os dias, porque tem
intervenções quase todos os dias. É um árbitro que apita, mas que ainda não sen?u a
necessidade de marcar um penál?, de ter uma intervenção mais dura”, compara o dirigente do
CDS.
Distância do PSD, normalidade com CDS
Matos Correia considera que Marcelo “tem exercido o seu mandato de forma adequada”, mas
ressalva que isso não significa que se reveja nas suas posições. “Não nos revemos na leitura que
o Presidente faz sobre a polí?ca económica”, prossegue o dirigente social-democrata,
salientando que “em democracia não devemos ter incómodos com opiniões”.
“Não temos nenhum incómodo por o Presidente ter leituras diferentes das nossas, temos apenas
de registar que são diferentes”, acrescenta Matos Correia.
A verdade é que, seja nas opiniões sobre a polí?ca económica, seja no caso da Caixa Geral de
Depósitos, foram públicas e notórias as diferenças de opinião e de tom entre o Presidente e os
par?dos que o apoiaram na eleição. Ao mesmo tempo, tem havido uma relação de sintonia com
o governo e com os socialistas, que levam a grandes elogios por parte de Ferro Rodrigues.
“Há uma linha sempre nos par?dos que tende a confundir o que é o papel da oposição e o papel
do Presidente da República e houve Presidentes que já confundiram, há houve Presidentes que
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se transformaram em presidentes da oposição”, analisa, por outro lado o centrista Diogo Feio,
que atribui algum “nervosismo” à relação do PSD com Marcelo, classificando a relação com o
CDS de normal.
“A proximidade do CDS com o Presidente – uma vez que representa muito o centro polí?co em
Portugal – podia ser maior até para fazer algum equilíbrio”, defende Diogo Feio, lembrando que
Marcelo tem defendido a estabilidade polí?ca, o que inclui a estabilidade nas lideranças da
oposição.
Também Hélder Prior, especialista em Comunicação Polí?ca, salienta a insistência de Marcelo na
estabilidade, mas associa-lhe um distanciamento em relação ao PSD. Este inves?gador da
Fundação para a Ciência e Tecnologia associa esse distanciamento ao “capital simbólico” que
Marcelo foi acumulando durante anos de comentário polí?co. “O PSD não desejou a sua
candidatura, mas não a conseguiu evitar”, afirma Hélder Prior, que acredita que “da agenda do
Presidente faz parte o desejo de um PSD mais ao centro”.
Excesso de visibilidade
Hélder Prior acredita que outra palavra que Marcelo trouxe para o centro do debate polí?co – a
descrispação – não será possível com Pedro Passos Coelho na liderança do PSD. “Veremos o que
vai acontecer depois das autárquicas”, diz o inves?gador que considera “Marcelo percebeu muito
bem que havia um desencantamento dos portugueses em relação aos polí?cos e a verdade é
que se respira outro ambiente e há uma empa?a entre os eleitores e o Presidente”.
O grande risco do Presidente “é o excesso de visibilidade pública e de banalização da imagem e
do discurso do Presidente” que, aconselha, terá de encontrar um equilíbrio
Esse é, no fundo, o problema apontado da esquerda à direita. “A excessiva intervenção do
Presidente pode, por um lado, coloca-lo em xeque e, por outro banalizá-lo”, afirma Matos
Correia, para quem “tão ou mais relevante do que o poder é a influência”, pelo que “a
intervenção pública do Presidente deve ser feita com alguma cautela e parcimónia”.
Quase as mesmas palavras são usadas por André Feire. “Talvez devesse ser mais parcimonioso
nas suas intervenções até para lhes dar mais gravidade”, afirma o professor que já foi candidato
pelo Livre/Tempo de Avançar.
Só Diogo Feio não crí?ca ao excesso de intervenção de Marcelo, considerando-a “natural”, mas
ainda assim admite o risco.
Lua-de-mel chegará ao fim
Outro risco é terminar o que André Freire chama de “lua-de-mel” com o Governo. “Estamos
ainda na fase de lua-de-mel de um e do outro, mas isso não será eterno e quando as coisas não
funcionarem tão bem termos problemas”, avisa o politólogo que esta semana apresentou um
livro sobre a maioria de esquerda in?tulado “Para além da Gerigonça”.
“É inevitável que surjam pela frente diferenças de posicionamento entre o Presidente e a
maioria. Não se espera que seja sempre Deus com os anjos, nem é desejável”, acrescenta André
Freire.
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Hélder Prior pensa quase o mesmo, dizendo que, no primeiro ano, “as coisas correm bem tanto
ao Presidente como ao Governo”, mas “quando começarem os problemas, o Presidente vai
distanciar-se dos problemas”.
“Veja-se o caso da Caixa Geral de Depósitos”, afirma Hélder Prior, dando o exemplo do caso do
convite e da demissão de António Domingues do banco público, em que Marcelo esteve ao lado
do Governo durante meses, “mas assim que Marcelo percebeu que estava envolvido
indirectamente no caso lançou o comunicado em que diz que o ministro das Finanças só fica no
lugar porque está em caso o interesse nacional”.
“Assim que houver alguns problemas para o Governo, as coisas podem também correr mal para
Marcelo Rebelo de Sousa, mas parece-me que ele compreenderá muito bem e saberá ler todos
os contextos da sua actuação”, acredita o inves?gador, para quem “o principal risco terá mesmo
a ver com o excesso de visibilidade, uma certa banalização quer da imagem e das aparições
públicas, quer da actuação discursiva do próprio Presidente”.
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