Apresentação
O VOLUME 2 que apresentamos é parte da
pesquisa METACOGNIÇÅO EM
SALA DE AULA, integrante do Programa de Cooperação Técnica UERJ/DEGASE.
Este volume intitulado:
Aprendendo a aprender em privação de liberdade:
metacognição no contexto dos jovens infratores inclui uma vasta revisão de
literatura que compreende o estado da arte sobre a questão da metacognição em
sala de aula. Isto é, integramos relevante literatura em psicologia cognitiva com a
literatura sobre o tema ensino-aprendizagem. Dividimos a parte 2 em 6 textos, de
modo que:
No texto 1: Ler para aprender: estratégias metacognitivas na leitura; texto que tem por
objetivo revelar a importância do processo de leitura e a relação da teoria-prática no
estudo da metacognição; no texto 2: Metacognição critérios de avaliação para
escrita e leitura de um texto, apresenta os critérios a serem utilizados por alunos e
alunas na aprendizagem
através da leitura de um texto; no texto 3: O que é
adolescência: aspectos cognitivos, o texto faz uma análise, sob o ponto de vista
intelectual, dos aspectos relativos ao processo cognitivo do desenvolvimento humano,
mas especificamente da adolescência; no texto 4: sob o título Mitos, Rituais e Rotinas
pedagógico-normativas que estruturam a vida em privação de liberdade; revela a
existência de mitos e ritos que permeiam as rotinas pedagógicas nas unidades do
Degase e como estas influenciam a rotina pedagógica-normativa e determinam a
vivência dos adolescentes nestas instituições; no texto 5 sob o título: Interação
CRIAM X Comunidade: uma análise do intrincado jogo institucional na busca da
liberdade do jovem infrator no estado do Rio de Janeiro; analisamos como tal interação
atua na dinâmica institucional e nas práticas pedagógicas, propondo um modelo de
funcionamento orientado para o desempenho do jovem em mdedida sócio-educativa;
no texto 6: A Construção da auto-imagem do jovem em conflito com a lei: a influência
das instituições; apresentamos como as instituições atuam na construção da autoimagem do jovem infrator, para tal utilizamos conceitos psicológicos, cognitivos e
pedagógicos.
Este relatório final inclui, na Parte 2, textos que foram desenvolvidos a partir de
aspectos metodológicos do trabalho, sua forma de realização, seus pressupostos
alicerçados na abordagem etnográfica, assim como os instrumentos utilizados
para a coleta de dados. Apontamos como a natureza pedagógica dos processos
metacognitivos tem a intenção de evocar a participação da escola para a realização
da tarefa pedagógica envolvendo a aprendizagem reflexiva e, portanto, estratégias
metacognitivas. Apresenta, ainda, o papel da escola no desenvolvimento das
capacidades mentais do aluno, assim como a importância do professor na
intermediação do conhecimento junto ao aluno. Incluímos textos que exploravam a
utilização da metacognição como objeto de estudo sob a influência de outras práticas.
Texto
1
Ler para aprender - Estratégias metacognitivas na leitura
Carmen Lúcia Guimarães de Mattos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
1.Resumo
Este texto discute as implicações da metacognição na leitura como um dos
recursos da aprendizagem. Investiga a noção de “ler para aprender” como
um destes recursos. Utilizando como base os trabalhos de ARMBRUSTER
(1983) apresentamos uma análise metacognitiva deste tema, que de acordo
com o autor, está relacionada a quatro categorias: texto, atividade,
estratégias e características do aprendiz.
2. O Texto
Situações de leitura em sala de aula : Leitores experientes e inexperientes
Segundo ARMBRUSTER (1983) a estrutura do texto influencia o aprendiz mesmo que o
aprendiz não esteja consciente desta influência. Afirma que o leitor pode otimizar a
aprendizagem tornando-se consciente da estrutura do texto e do resultado que o efeito
deste conhecimento pode ter quando está aprendendo. Observamos que nas situações
de leitura em que os alunos conhecem a estrutura do texto, eles tem mais controle
sobre o resultado e o efeito deste conhecimento para a sua aprendizagem, como
podemos observar na situação de leitura abaixo.
1.1. Situação de leitura 1 – aula de artes
Os alunos estavam evolvidos em uma situação de sala de aula (aula de artes), em que
a leitura era uma necessidade imposta pela tarefa e não pelo professor. A tarefa era
criar um texto de uma cena de teatro em grupo e após a escrita do texto, elaborado
pelo grupo, os alunos escolheram um narrador para ler o texto, que o resto do grupo
representaria para toda a turma – alunos e professores. Segundo a professora esta
aula de artes era, na verdade, um psicodrama1, pois alguns alunos são muito
agressivos. Ao chegarmos na sala de aula os alunos já estavam realizando a
representação do texto elaborado pelo grupo. Um aluno sentado na segunda mesa à
direita lia a história como numa narração de um noticiário policial. A forma como o aluno
lia o texto não era convencional, mas fazia parte da encenação proposta – um assalto a
banco e, acreditamos, representava a realidade da vida desses alunos – uma história
policial. A cena representava um assalto a um salão de belezas. Abaixo está o texto lido
pelo narrador durante a cena.
Texto
No dia 23 de Agosto de 1995. O adolescente testemunha Alan Adriano que
estava trabalhando no cabeleireiro, quando o adolescente Daniel entrou com
uma pistola 765 dizendo que era um assalto, o adolescente Alan que estava
com um freguês centado2 na cadeira quando o fregues reagiu o assalto, o
assaltante Daniel pensando que a vítima ia dar o bote na pistola, foi nessa hora
que o assaltante Daniel deu um tiro sobre o peito da vítima e aí então foi
quando as pessoas que estava passando enfrente ao salão escultou os tiros e
rapidamente chamou a viatura da P.M. na hora que ele estava saindo com o
dinheiro teve uma troca de tiro com a PM, e matou uma pessoa inocentemente
e um P.M., e o adolecente Daniel saiu correndo desesperadamente deu de
frente com um robocop da Policia Militar e se entregou, rapidamente foi
encaminhado para delegacia 21 D.P.
Não conhecemos os motivos que levaram os alunos a escolherem esta divisão em
grupo – narrador e atores (assaltante, cabeleireiro e vítima). O aluno 1 era o narrador, o
aluno 3 representava um cabelereiro, o aluno 4 um cliente do salão e o aluno 5 um
1
Psicodrama – método de psicoterapia em grupo que, utilizando a livre improvisação dramática, visa à catarse e ao
desenvolvimento da espontaneidade do indivíduo (dicionário Aurélio Buarque de Holanda da língua portuguesa – 2ª
edição revista e ampliada, Nova Fronteira, 1986) .
2
O texto foi copiado do papel em que o narrador estava lendo, mantivemos os erros de português para preservar
fidelidade ao texto.
2
policial, os alunos Alan (aluno 5) e Daniel (aluno 2) davam as coordenadas ao grupo
nos parecendo líderes deste grupo de alunos.
Cena:
Narrador - Em 23 de agosto de 1985 adolescente entra com pistola...
Enquanto o aluno 1narra, o aluno 2 (Daniel) representa:
Narrador - Um “assaltante” entra em um salão de beleza com uma pistola na
mão (desenhada em uma folha de papel ofício com uma bala saindo).
O cabeleireiro mexe no cabelo do cliente – cabelereiro em pé e cliente sentado
em uma cadeira sendo atendido – “assaltante” entra e anuncia o assalto e diz
(“assaltante”): - ninguém reage! O “Assaltante” dá vários tiros, gritando:
Pápápápá! (diz depois: acabou a bala!).
Aluno 5 (Alan) representa um policial.
O “policial” pega o “assaltante”.
Alguém fala ao narrador: - tem que ler mais alto!
No caso estudado a escrita do texto havia sido elaborada pelo grupo de alunos,
tornando a leitura significativa para os alunos, pois todos tinham conhecimento da
estrutura do texto lido pelo aluno e seu significado para a tarefa de aula, podendo
portanto influir na leitura do texto realizada pelo narrador e ter controle sobre o seu
efeito no resultado da tarefa: tem que ler mais alto! Embora, todos estivessem ouvindo
a leitura feita pelo narrador do texto, a ênfase na altura era parte da representação.
Pesquisadores concordam que o conhecimento obtido sobre o efeito que a estrutura do
texto tem no aprendiz é pré-requisito para um controle consciente de estratégias. Estas
estratégias guiarão a compreensão da estrutura do texto bem como o seu conteúdo.
ARMBRUSTER (1983) sugere que leitores experientes3 e inexperientes não se
concentram nas características textuais porque eles não estão conscientes do impacto
3
Utilizamos aqui os termos “experiente” e “inexperiente” para classificar alunos com maior e menor conhecimento
sobre a leitura como estratégia de aprendizagem, significando, portanto, uma classificação qualitativa e não
quantitativa desta maturidade relacionada, apenas indiretamente, à idade cronológica e suas características de
desenvolvimento e à escolaridade do aluno.
3
que a estrutura do texto tem para a sua própria aprendizagem e, neste caso, para o
resultado da tarefa.
Professora: pra ensaio tava mais ou menos.
Aluno: presta atenção para a gente só uma vez. A professora explica sobre a
questão do espaço reservado para a peça, pois eles ficavam representando fora
do local delimitado.
Alan explica quem vai ser quem. Alan e Daniel dão
colegas, parecendo liderar o grupo de alunos.
coordenava a atividade. Quando os alunos faziam
contexto da atividade a professora falava: Congela!
automaticamente.
as coordenadas para os
Enquanto a professora
qualquer coisa fora do
E todos faziam silêncio
Recomeça o ensaio:
Aluno fala: vocês vão ficar zoando...
Aluno trabalha no cabelereiro, “assaltante” entra com a arma, anuncia o assalto e
mata o “cliente” rapidamente. Daniel: pensei que ele fosse reagir, matei logo!
Alan: tem que esperar o cara falar (o narrador do texto), o cara (narrador) tá no
meio do negócio e ele já pápápá!
A professora afirma para os alunos que para ensaio a representação estava boa,
significando o ensaio para a aprensentação final da peça. No entanto, ensaio na
abordagem metacognitiva significa o momento da ação de aprendizagem, onde inicia a
aprendizagem, uma das estratégias metacognitivas. As estratégias de ensaio envolvem
a capacidade de reconstruir o objeto aprendido, acontece em momentos de
treinamento, na elaboração de um esquete de teatro (SENAC; Weinstein & Mayer,
1985, Mattos,1995, Boruchovich, 1993).
O tempo de falar (congela!), usado pela professora para não mudar de assunto,
também foi usado como estratégia de controle e manutenção da ação na tarefa – outra
estratégia metacognitiva.
Embora o texto estivesse sendo lido somente por um aluno (narrador) todos
participavam da leitura, informando aos colegas o tempo certo da leitura em relação a
representação da cena pelo grupo, ou seja, os alunos precisavam estar atentos a leitura
4
do texto para os movimentos do corpo – representação do texto e as falas
acompanharem a leitura realizada pelo narrador. O narrador do texto precisava saber
(aprender) como se comportar diante da leitura para que o grupo representasse no
tempo certo do texto lido, como podemos observar na fala abaixo:
Alan - tem que esperar o cara falar (o narrador do texto), o
cara (narrador) tá no meio do negócio (no meio da leitura do
texto) e ele (“assaltante”) já pápápá (atirava)!
O tempo de espera surge, novamente, como parte do controle de resultado da tarefa,
demonstrando a necessidade do aluno em antecipar resultados. Um dos fatores
importantes na execução da atividade é a habilidade do leitor em predizer, com certa
acuidade, seu próprio desempenho na atividade. Para leitores inexperientes isto pode
ser difícil mas, com a idade e o conhecimento, começam a identificar pistas que lhes
fornecem informações quanto ao seu desempenho.
Para o desenvolvimento do conhecimento cognitivo e do controle de estratégias o
aprendiz necessita saber como remediar falhas de compreensão do texto. Não é
suficiente estar consciente sobre o entendimento ou não que alguém pode ter daquilo
que lê. Para entender, aprendizes devem ser capazes de auto-regularem seu próprio
processo de leitura de modo a compreenderem o que lêem. O leitor, precisa, portanto,
conhecer suas próprias estratégias metacognitivas. No caso pesquisado o fato dos
alunos terem conhecimento da estrutura do texto, por ter sido elaborado pelos alunos
em grupo, facilita a compreensão do que lêem e o conhecimento das suas próprias
estratégias metacognitivas de controle e monitoramento da tarefa de leitura proposta.
O ensaio recomeça seguindo o mesmo molde do anterior, com a diferença que
neste 3o ensaio o “cliente/vítima” tem uma fala: - Polícia Socorro Polícia! O
aluno 4 diz a fala com voz aguda e com os braços levantados (imitando uma
vítima).
Professora diz: esse grupo tá ótimo! Fala novamente do espaço e diz que a
polícia não entrou.
O aluno 1 (narrador) explica que a polícia tem que entrar no espaço da
apresentação.
5
Narrador: polícia entra, adolescente Daniel mata PM e um inocente.
Professora fala para o aluno: continua no camarim (atrás das mesas), até o final
melhora. Professora muda a estratégia de leitura do texto e pede para o aluno 1
ler mais rápido. O aluno 1 lê rápido.
No final da cena o “policial” prende o bandido e dá uma batida nas costas do
assaltante.
No momento em que a professora conclue: esse grupo tá ótimo! é o primeiro indicador
de resultado bem sucedido da tarefa sinalizando sua finalização. No caso, o
atendimento às necessidades da professora e não mais da tarefa, como dissemos
inicialmente. Acreditamos que no caso da leitura significativa para o aluno, o aluno tem
maior controle da tarefa realizada – opinando e modificando suas estratégias de leitura
de acordo com o objetivo da atividade e o professor é somente um facilitador da
aprendizagem, o aluno que dirige e decide sobre como e o que gostaria de aprender
(ROGERS, 1972).
Percebemos nesta situação de sala de aula que o conhecimento da estrutura do texto é
crítico quando se “ler para aprender”, é um requisito importante também para o uso
eficiente do tempo e resultado do estudo. Detectando o padrão organizacional ou
estrutura do texto os alunos observaram como autores (no caso eram os próprios
autores do texto lido em sala de aula) arranjam suas idéias e determinaram que tipo de
estrutura deveria ser usada para interrelacionar as idéias (HARRIS, 1990; DIGISI,
1992). Neste caso, mesmo que o objetivo da tarefa não fosse a leitura do texto o
conhecimento do tipo de estrutura facilitou a leitura e a realização da tarefa, assim
como o uso de estratégias metacognitivas de controle, monitoramento e predição.
AMBRUSTER (1983) considera que o conhecimento dos efeitos da estrutura do texto
para o aprendiz depende de sua idade e habilidade. Na situação abaixo percebemos
como a ausência de referencial para a leitura e o desconhecimento da estrutura do
texto influem no desempenho do aluno em sala de aula.
Situação de leitura 2 – aula de mecânica
•
aluno estava envolvido em uma situação de sala de aula (aula mecânica) em que a
leitura, embora fosse uma necessidade imposta pela tarefa era solicita
6
constantemente pelo professor da turma através da leitura de uma apostila. A turma
pertencia ao CRIAM e a aula de mecânica tinha um aluno do CRIAM e todos os
outros pertenciam a comunidade.
•
professor está ministrando aula sobre mecânica para Vitor, aluno do CRIAM, e
pessoas da comunidade. O professor solicita que os alunos recorram a apostila para
tirar dúvidas sobre as explicações técnicas. Todos os alunos da comunidade tiravam
dúvidas e faziam perguntas ao professor, solicitando, inclusive que fizesse revisões
no conteúdo da apostila, entregue pelo professor para a turma, que segundo eles
estava muito repetitiva.
•
Vitor, aluno do CRIAM, era solicitado, assim como os alunos da comunidade, a
recorrer a uma apostila que foi dada pelo professor de mecânica, mas o aluno,
embora afirmasse (através de expressões faciais e corporais) estar compreendendo
as explicações do professor não recorreu a leitura da apostila como o resto da
turma. Neste artigo iremos explorar a relação entre professor/ aluno do CRIAM
(Vitor) e leitura da apostila, não nos deteremos nas falas ou atitudes dos alunos da
comunidade por não ser relevante para este estudo.
Cena:
O Professor solicitava a atenção dos alunos para a leitura da apostila, onde
poderiam encontrar as explicações sobre as aulas práticas ministradas em sala
de aula.
Professor: - Vocês acompanhem no verso da 2 (página).
Vitor segurou a apostila, de forma rápida, sem atender ao pedido do
professor. A turma tentava localizar a página requerida e uns discutiam a
repetição de páginas e a necessidade de correção, mas Vitor não tocou mais em
sua apostila. O aluno olhou para o lado, olhou para o professor, deu uma olhada
para a apostila, porém ela continuou sobre a mesa, da maneira que estava
antes. Ele voltou seu olhar para o chão e coçou a cabeça.
O professor continuava explicando.
7
Vitor deu uma rápida coçada na orelha. As expressões corporais eram: ora
cotovelo na mesa, cabeça sobre a mão; ora cotovelo na mesa, mão sob o
queixo.
Professor (continua a explicação): - ele recarrega a bateria!
Vitor balançou a cabeça afirmativamente.
Ao ser solicitado a observar a apostila o aluno Vitor não atendeu ao pedido do
professor, no momento seguinte balançou a cabeça afirmativamente demostrando ter
compreendido a explicação do professor, sem, no entanto ler a apostila. É fundamental
para o desempenho de qualquer atividade em leitura que o leitor identifique a derivação
do significado no texto. No caso acima, o fato do aluno Vitor ter escolhido participar das
aulas de mecânica, pode caracterizar que este aluno não saiba ler e por este motivo
tenha escolhido uma aula prática, onde “não é necessário” saber ler.
O leitor deve aprender como se adaptar e como se comportar diante a leitura voltandose para uma atividade específica. Neste sentido, um dos fatores importantes na
execução da atividade é a habilidade do leitor em predizer, com certa acuidade, seu
próprio desempenho na atividade. Uma das necessidades básicas para que o sujeito
seja capaz de predizer e monitorar seu conhecimento é o conhecimento do conteúdo e
da estrutura do texto lido. No caso acima percebemos que o aluno Vitor não demonstra
compreender a leitura da apostila.
Professor: - Olha essa figura de baixo!
O professor apontou para a apostila do senhor que estava sentado atrás de Vitor,
que virou-se para trás olhando rapidamente para apostila apontada, sem olhar para
a sua.
Quando um outro senhor, à direita de Vitor, perguntou sobre algo da apostila, este
também olhou rapidamente para a apostila deste senhor. Vitor pegou a apostila pela
ponta superior com os dedos indicador e polegar da mão esquerda, alisou-a com o
dedo polegar e largou-a sobre a mesa.
8
Professor: -... mínimas coisas que a gente temos4 cuidado (sic). (...) Pode olhar logo
no início da apostila!
Vitor chegou a segurar a parte superior da apostila sem, entretanto, consultá-la.
Vitor coçou a barriga.
Professor: - ... os nomes técnicos é (sic) fundamental. (...) Tem que fazer o certo!
(...) O seu chefe está observando aquilo. O cliente está observando aquilo.
Vitor coçou a testa, coçou o olho e coçou o nariz.
O professor explica a necessidade do mecânico em conhecer os nomes técnicos das
máquinas, referindo-se sempre a necessidade de estudar a apostila para o bom
desempenho profissional do aluno:
Professor - mínimas coisas que a gente temos cuidado (sic). (...) Pode olhar logo no
início da apostila! […]os nomes técnicos é (sic) fundamental. (...) Tem que fazer o certo!
(...) O seu chefe está observando aquilo. O cliente está observando aquilo.
A boa compreensão do texto facilitaria o controle de estratégias e a facilidade de
compreeder e remediar as falhas na compreensão do texto. No entanto a ausência de
referência para a leitura do texto foi distanciando o aluno Vitor da tarefa e ainda mais da
necessidade de saber ler a apostila ou o que era necessário ler no momento desta aula
de mecânica: Pode olhar logo no início da apostila! Durante a aula de mecânica os
alunos não precisavam ter um conhecimento de toda a apostila, mas das partes citadas
pelo professor: página 2 ou o início…
Não é suficiente estar consciente sobre o entendimento ou não que alguém pode ter
daquilo que lê. Para entender, aprendizes devem ser capazes de auto-regularem seu
próprio processo de leitura de modo a compreenderem o que lêem. O leitor, precisa,
portanto, conhecer suas próprias estratégias metacognitivas.
Professor: - Alguma pergunta?
Vitor nem piscou.
4A
transcrição reflete a fala do sujeito, e por isso não foram alterados os erros de português.
9
Professor insistindo:
- Alguma dúvida sobre a aula de hoje ou da aula passada?
Vitor não esboçou reação. O professor continuou dando explicações e Vitor já
estava com a apostila guardada dentro do caderno sobre a mesa e o lápis e a
caneta (sem a tampinha) na mão.
Professor: - Dúvida?
Vitor balançou a cabeça negativamente.
Professor: - Mecânico que leva dúvida para casa não é mecânico. É vexâmico!
Como ninguém apresentasse dúvida, o professor pegou o Diário de Classe e fez a
chamada nominal.
Professor: - Se alguém tiver dúvida, a gente ainda tem algum tempo!
Vitor saiu da sala sem dizer nada.
Outra questão importante da metacognição na abordagem “ler para aprender” é a
consciência que o aprendiz tem sobre suas próprias características. Isto é, o quanto o
conhecimento prévio sobre leitura, grau de interesse, habilidades e deficiências na
leitura, afetam a o conhecimento que o aprendiz terá de como fez/ fará para aprender.
No caso acima, a falta de conhecimento prévio ou experiência com leitura levou o aluno
a não manifestar-se sobre a aula ministrada pelo professor, negando-se a tirar dúvidas
sobre o conhecimento aprendido em sala. Embora não possamos afirmar se o aluno
aprendeu ou não sobre mecânica, se sabe mais ou menos que seus colegas, pois a
aprendizagem não era dependente da apostila (a apostila era um apoio).
Possivelmente, a inexperiência em leitura tenha levado o aluno Vitor a não manifestarse em sala de aula.
O leitor precisa ser capaz de utilizar a consciência sobre tarefa e traduzí-la em
mudanças em seu comportamento de leitura. Pesquisas sugerem que alunos bem
sucedidos tendem a relacionar informações dos textos a conhecimentos anteriores que
possuam sobre o assunto. Assim, alunos que apresentam dificuldades escolares
mostram pouca habilidade em utilizar seus conhecimentos prévios para ajudá-los na
execução de uma atividade – no caso acima o conhecimento que o aluno tinha sobre
mecânica independente da leitura do texto poderia ter axiliado seu desempenho em
10
sala de aula, caso o enfoque sobre a aprendizagem sobre mecânica, neste dia, não
fosse a leitura da apostila.
Outra área de pesquisa em desenvolvimento sobre metacognição ligada a
características do texto está relacionada ao reconhecimento das inadequações da
prosa. Palavras ambíguas ou confusas dentro do texto afetam o processo cognitivo.
Leitores experientes irão ajustar sua velocidade de leitura a textos anômalos e podem
retornar a uma sentença inconsistente ou uma passagem, várias vezes, comparando o
que ele sabe com o que está escrito no texto. Leitores experientes e fluentes são mais
conscientes das inconsistências do texto. Estratégias sugeridas por TEI & STUART
(1985) podem ajudar o aluno ou a aluna a identificar inconsistências internas no texto
de modo a lidarem com elas mais apropriadamente. Como podemos observar na
situação de leitura 3 abaixo.
Situação de leitura 3 – alfabetização
Os alunos estavam fazendo atividades de alfabetização (formavam palavras à partir das
sílabas propostas pela professora). Alguns alunos realizavam atividades diversificadas,
embora fossem todas relacionadas a leitura e escrita. O aluno 9 separava sílabas de
nomes próprios. Os alunos 4 e 5 conversam o tempo todo. O aluno 9, ao contrário dos
outros alunos, chamava a professora de “senhora” e não de “tia”. O aluno 6 copiava
tudo da cartilha, palavras e desenhos. O aluno 3 pedia explicações a professora sobre
a tarefa.
11
Ce na:
As p alav ras d o b lo cã o q ue es tavam se nd o trab al had as e ram: b anana,
zaro lha, chamin é , ar anha e g ra ma. (as sílab as su bl in had as er am as
mes mas sub linhad as d o b lo cã o) . C om o n o e xe m p lo ab aixo:
Banana
A pr ofe ssor a ap ontou p ara a p alavra g ra ma (que no ca so es p e cí fico,
sign ificava capi m , m ato ). A turma leu e e m se gu id a A4 comp let ou:
- A4: “Ci nc o gr am a”
No caso acima houve uma inadequação de compreensão da leitura do texto, a
aprofessora ao falar a palavra “mato” referia-se à capim e os alunos a “peso”, cinco
gramas de bala (ou, se preferirmos, de cocaina…). Pesquisadores citam pelo menos
dois diferentes tipos de estratégias metacognitivas que podem ser utilizadas por alunos:
a primeira constitui-se nas estratégias corretivas, “fix-up”, utilizadas para resolver falhas
de compreensão do texto; a segunda, são as estratégias de estudo utilizadas para
melhorar a manutenção e a lembrança – “look backs”5. Neste caso, dizemos que
quando há falha na compreensão não há, necessariamente, um problema. No caso
5 ALESSI, S.M., ANDERSON, T.H. & GOETZ,E.T. An investigation of loockbacks during studing.
Discourse Processes,1979. Utilizam o conceito, assim como Brown e Armbruster, significando “olhar para
o que já foi visto”, voltar atrás e ler uma parte relevante de um texto já lido para suprir falhas em sua
compreensão, um bom exemplo é quando o computador marca em vermelho palavras que devem ser
revistas, e, o autor tem que voltar para lê-las e corrigí-las.
12
acima houve uma dupla interpretação do significado da palavra lida – a da professora e
dos alunos.
ARMBRUSTER (1983) e TEI & STUART (1985) discutem várias estratégias para
melhorar a compreensão do texto. Estas incluem a formação de uma imagem mental,
relendo, ajustando a velocidade de leitura, pesquisando o texto para identificar palavras
desconhecidas, e antecipando o significado subsequente.
Pesquisas concluem que existe uma distinção entre “bons” e “maus” leitores. Os “bons”
leitores tendem a usar estratégias mais efetivas que os conduzem de forma consciente
durante o processamento do texto. Estas pesquisas apoiam a idéia de que leitores
podem ser ensinados a desenvolver auto-conhecimento e controle da leitura.
Estratégias de estudo são importantes quando lemos para aprender e podem ser
aplicadas para melhorar o processo de compreensão de significado do texto.
Vários estudos têm apontado melhoras no desempenho de alunos dos vários níveis de
ensino após terem sido treinados para o uso de estratégias específicas de estudo
(GERTZ 1994; LANGER& NEAL, 1987).
Conclusão
Acreditamos que os professores precisam instruir alunos a conhecerem a organização
e estrutura do texto que estão estudando para melhorarar a aprendizagem. Para
leitores inexperientes isto pode ser difícil mas, com a idade o conhecimento, começam
a identificar pistas que lhes fornecem informações quanto ao seu desempenho.
A consciência de habilidades metacognitivas pode ser aprendida. Professores podem
ajudar seus alunos a aprenderem com a leitura. O objetivo é desenvolver aprendizes
ativos e independentes. Integrar habilidades metacognitivas na instrução de sala de
aula pode tornar-se uma forma de alcançar este objetivo.
13
É necessário, ainda que o aluno/leitor tenha papel participante na sua formação através
do conhecimento sobre a atividade de que ele é parte. A capacidade de desenvolverse, autodirigir-se, reajustar-se precisam ser liberadas não diretivamente, ou de maneira
imposta.
Acreditamos na capacidade dos alunos de gerirem sua própria aprendizagem de leitura
através da cooperação, da intencionalidade nas suas ações, da curiosidade e na
confiança no senso de controle, domínio e do conhecimento sobre suas ações e
aprendizagem. A capacidade precoce para ler, escrever ou contar dependem do mais
básico de todos os conhecimentos: como aprender a aprender.
8. Referências Bibliográficas
COLLINS, N. D. (1994) Metacognition and Reading to Learn. Eric Digest, ED 37642794:
Bloomington, IN.
ARMBRUSTER, B. B., et al (1983). The Role of Metacognition in Reading to Learn: A
Developmental Perspective. Reading Education Report No. 40. Urbana, IL: Center
for the Study of Reading of Illinois University.
DIGISI, L. L., and Yore L. D. (1992). “Reading Comprehension and Metacognition in
Science: Status, Potential and Future Direction.” Paper presented at the Annual
Meeting of the National Association for Research in Science Teaching (Boston).
GERTZ, E. A. (1994). “Enhancing Motivation and Reading Achievement: Intervention
Strategies for the Underachieving Middle School Student.” Ed.D. Practicum, Nova
Southeastern University.
HARRIS, J. (I 990). “Text Annotation and Underlining as Metacognitive Strategies to
Improve Comprehension and Retention of Expository Text.” Paper presented at the
Annual Meeting of the National Reading Conference (Miami).
LANGER, M. A., and Neal J. C. (I 987). “Strategies for Learning: An Adjunct Study Skills
Model. “ Journal of Reading, 31(2), 134-39.
MUTH, K. D. (1987). “Structure Strategies for Comprehending Expository Text.” Reading
Research and Instruction, 27(l), 66-72.
SCHMITT, M. C., and Hopkins C. J. (1993). “Metacognitive Theory Applied:
StrategicReading Instruction in the Current Generation of Basal Readers.” Reading
Research and Instruction, 32(3), 13-24.
TEI, E., & Stewart O. (1985). “Effective Studying from Text.” Forum for Reading, 16(2),
46-55.
14
ALESSI, S.M., ANDERSON, T.H. & GOETZ,E.T. An investigation of loockbacks during
studing. Discourse Processes,1979.
BROWN, A.L., ARMBRUSTER, B.B. & ECHOLS,C.H. The role of metacognition in
reading to learn: A developmental perspective. Reading Education Report, nº40,
Universidade de Illinois, 1983.
15
Texto
2
Metacognição critérios de avaliação para escrita e leitura de
um texto
Carmen Lúcia Guimarães de Mattos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
No processo de seleção de estratégias a serem utilizadas para a avaliação de
desempenho do aluno e da aluna na aprendizagem através da leitura de texto um dos
padrões a serem identificados constituem-se em uma difícil tarefa para alunos e
professores.
Os alunos precisam saber que os processos usados para construir e transmitir
significado através do texto envolvem desenvolver e aplicar critérios para a avaliação e
apreciação do seu próprio texto e de outros escritores.
Os alunos e alunas precisam aprender como apreender significado do texto, como criar
texto para comunicar significado, e como os conhecimentos prévios podem ser
disponibilizados por eles para dar suporte ao texto.
Neste contexto, a tomada de consciência é crucial, pois os alunos necessitam ajustar
ou adaptar suas estratégias de pensamento às circunstâncias diversas que lhes são
apresentadas durante o processo de aprendizagem. Além disso, precisam tornar-se
capazes de julgar o pior e o melhor daquilo que lêem, escrevem, falam, ouvem ou
representam.
Neste quadro apresentamos níveis de atividades que podem auxiliar professores/as e
alunos/as na tomada de consciência das estratégias metacognitivas de avaliação da
aprendizagem através de texto.
Quadro - Estratégias metacognitivas de avaliação da aprendizagem
Discrição
da
Alunos irão monitorar e
explicar os processos e
Alunos irão desenvolver e
aplicar padrões para
Alunos irão desenvolver e
aplicar critérios para
Atividade
estratégias que os
ajudam na construção e
transmissão de
significado.
avaliarem eles próprios,
seus colegas e outros na
escrita do texto.
aplicação do texto.
Nível 1
Identificar estratégias
usadas para construir e
transmitir significado.
Colaborativamente
discutir e desenvolver
padrões para avaliarem
um texto.
Expressa o que eles
gostam sobre seus
próprios textos e de
outros.
Nível 2
Explicar e usar
estratégias para construir
e transmitir significado.
Colaborativamente
discutir e desenvolver
padrões baseados em
trabalhos “exemplares” da
própria classe e aplicar no
texto.
Faz escolhas envolvendo
textos baseados em
qualidades estéticas e
articula uma
racionalidade.
Nível 3
Explica e usa estratégias
apropriadas que
aumentam em
sofisticação quando
constróem e transmitem
significado.
Desenvolver a aplicar
padrões para uma
variedade de aplicações
(tarefas) comunicativas e
as aplicam no texto.
Desenvolve critério
baseado em qualidades
estéticas e usa para
avaliar lendo,
escrevendo, falando,
ouvindo e vendo.
Nível 4
Explica e usa
apropriadamente
estratégias que
aumentam em
sofisticação quando
constróem e transmitem
significado, incluindo
estratégias que lidam com
tecnologias e o local de
trabalho.
Desenvolve e aplica
padrões para uma
variedade de aplicações,
e aplica-os ao texto,
incluindo padrões
relacionados à pesquisa,
tecnologia e local de
trabalho.
Desenvolve critério
baseado nas qualidades
estéticas e usa para
avaliar lendo, escrevendo,
falando, ouvindo e vendo.
Fonte : home page - http://instruct.ride.ri.net/fig.4.html. traduzido e modificados por
Mattos,C.L.G. para fins de construção de um refencial teórico para a área de
Metacognição em educação
Completar
2
Texto
O que é Adolescência: aspectos cognitivos
3
Carmen Lúcia Guimarães de Mattos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
CRIANÇA E ADOLESCENTE
"A afirmação da criança e do adolescente como pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento não pode ser definida apenas a partir de que a criança não
sabe, não tem condições e não é capaz. Cada fase do desenvolvimento deve ser
reconhecida como revestida de singularidade e de completude relativa, ou seja, a
criança e o adolescente são seres inacabados, a caminho de uma plenitude a ser
consumada na idade adulta, enquanto portadora de responsabilidades pessoais,
civis e produtivas plenas. Cada etapa é, à sua maneira, um período de plenitude
que deve ser compreendida e acatada pelo mundo adulto, ou seja, pela família,
pela sociedade e pelo Estado." (Prof. Antônio Carlos Gomes da Costa, em
comentário ao art. 6º, da Lei nº 8.069/90 - ECA Comentado - Coordenadores
Munir Cury, Antonio Fernando do Amaral Silva e Emilio Garcia Mendez pág.39).
A adolescência é uma fase de reestruturação afetiva e intelectual da personalidade, um
processo de individuação e de metabolização das transformações fisiológicas ligadas à
integração do corpo sexuado.
Seu término é difícil precisar em nossos dias, quando numerosos adolescentes
trabalham prolongadamente na sua personalização
O adolescente vive a problemática de identidade: o ideal consiste em negociar os lutos,
as perdas e as desilusões até o momento em que o sujeito pode assumir sua
autonomia.
Do ponto de vista intelectual (B. Inhelder e J. Piaget, 1955), a adolescência é
caracterizada pelo pensamento formal, pelo raciocinio hipotético-dedutivo, pela
descoberta da noção de lei: o dominio dos possíveis pelo pensamento pode então levar
a um egocentrismo metafísico; mas ela permite também ao sujeito conceber projetos de
futuro e grandes ideais.
A nível cognitivo adolescência caracteriza-se pelo estágio: operações formais
considerador por Piaget como o úItimo estágio de desenvolvimento, quando aparecem
as características que marcarão a vida adulta.
0 pensamento lógico atinge o nível das operações formais ou abstratas. Isso significa
que, além de interiorizar a ação vivida (fase das operações concretas), o adolescente é
capaz de distanciar-se da experiência, de tal forma que pode pensar por hipótese. É o
amadurecimento do pensamento formal ou hipotético-dedutivo. 0 desenvolvimento da
reflexão atinge tal estágio que torna possivel pensamento cientffico, matema'tico e
filosófico.
A teorização leva à crítica da própria vivência e à elaboração de um projeto de
mudança. Os debates se desenvolvem no nível do discurso, da argumentação apoiada
em conceitos.
O processo de
despreendimento da própria subjetividade é sinal de que o
egocentrismo intelectual está em vias de ser superado.
Afetivamente, a superação se realiza pela cooperação e pela reciprocidade. Os grupos
em que persistia a idéia de mando e obediência são substituidos por outros baseados
na discussão e no consenso.
A capacidade de reflexão dá condições para o amadurecimento moral, pela
organização autônoma das regras e pela livre deliberação. Reflexão, discussão,
reciprocidade, autonomia são termos que aqui se acham enlaçados. Refletir é
desdobrar o pensamento, é pensar duas vezes, é tematizar. É como se trouxessemos
outro para dentro de nós: refletir é discutir interiormente.
Da mesma forma, a discussão é a exteriorização da reflexão. Se nos dispusermos a
discutir partindo do pressuposto de que não mudaremos de idéia, não haverá
discussão, mas “diálogo de surdos". Portanto, a discusão supõe reciprocidade:
disponibilidade para o outro, mas tambe'm preservação de nossa individualidade e
autonomia.
A construção da consciência moral
Tanto a afetividade como a inteligência resultam da conversão do egocentrismo
primitivo:
- a lógica evolui das formas intuitivas ao pensamento abstrato;
- a afetividade, do egocentrismo à reciprocidade e cooperação;
- da relação entre as duas, a consciência moral evolui da anomia, passando pela
heteronomia, até atingir a autonomia. É o caminho percorrido pelo desejo até a
construção da vontade, suporte da vida livre e moral.
Por isso, só na adolescência surge a possibilidade de um plano de vida. E, se o que
caracteriza o homem é a capacidade de fazer projetos, o adolescente se encontra
2
aparelhado intelectual e afetivamente para iniciar essa caminhada verdadeiramente
humana.
Dizemos iniciar, pois o desenvolvimento mental é um processo diferente do crescimento
orgânico. Este atinge o ápice no início da vida adulta, tem um período de plenitude e
tende à evolução regressiva que conduz à veIhice. Os esportistas sabem como é curta
sua carreira e procuram "pendurar as chuteiras" antes que os sinais da decadência
apareçam muito fortemente.
Não é o que acontece com o desenvolvimento mental, que amadurece na adolescência.
As formas superiores da inteligência e da afetividade têm um "equilíbrio móvel", pois a
tendência é ampliar cada vez mais a experiência, e esta por sua vez se enriquece,
aperfeiçoa a reflexão e a capacidade de se relacionar. A sabedoria do homem maduro
está nesse exercício inesgotável, e por isso ele não cessa nunca de aprender: aprender
a conhecer o mundo, aprender a liberdade, aprender o encontro com o outro, aprender
a democracia.
Tudo isso não se faz automaticamente, pois é necessário aprendizagem. Se o
adolescente não é estimulado a desenvolver a reflexão crítica, mas, ao contrário, se
encontra submetido à educão dogmática (ou a nenhuma educação, como é o caso dos
excluídos), é provável que muito dificilmente atinja os níveis desejáveis do pensamento
formal.
A alienação
No processo de exclusão social, que começa por ser de ordem econômica e
desemboca no não-reconhecimento social dos sujeitos que vivenciam tal situação,
considero que o que há de mais perverso na sociedade é o fato de a própria estrutura
que exclui dispõem de mecanismos para levar todos inclusive e principalmente os
excluídos, a acreditarem numa suposta “força própria de vontade e a se verem
desprovidos de tal força e demais atributos que pretensamente os tornariam “incluídos”,
como por exemplo: ser branco, ou ser negro de alma branca; ter boa fisionomia, ter
saúde, ter bons dentes, ter instrução, ter bom emprego, ter casa própria, ter automóvel,
etc. Como se a posse destes bens, assim como de outros, desempenhasse a função de
emblemas de identificação, sua não posse, significaria o fracasso pessoal do indivíduo,
apesar de serem notóriamente quase impossíveis de serem atingidos pela maioria da
população brasileira.
Alienação apresenta-se como uma terceira via, além da psicose e da neurose,
encontrada pelo sujeito para se defender do conflito identificatório alojado no interior do
Eu e entre o Eu e seus ideais.
A alienação não pressupõe sempre uma patologia preexistente, mas consiste numa
patologia da identificação.
O recurso da alienação se dá quando os acontecimentos da história pessoal do sujeito
esgotaram sua tolerância ao conflito, quando a realidade é tão absurda que não pode
ser mais confrontada, torna-se imponssível efetuar a atividade de pensar. A lienação é
portanto uma fuga a necessidade de pensar o seu próprio pensamento e isso implica da
3
identificação com o pensamento do outro. Implica em realizar o projeto futuro
supostamente seu mas que foi idealizado por outros.
Sobre Metacognição
A expressão metacognição é relativamente recente na área de educação.
No entanto, é crescente no momento atual o interesse por esta categoria
de conhecimento que envolve, entre outros, estudos sobre a
conscientização relacionando este processo aos conhecimentos a
respeito da funções do cérebro.
Teóricos (Garner, Brown In: Mattos, 1995, BRUNNER, 1997, Flavell,
1976) definem de forma mais simplificada que Metacognição é o processo
pelo qual uma pessoa pensa sobre sua própria estratégia de pensamento.
É a tomada de consciência das estratégias usadas para a elaboração e
retenção do conhecimento pelas pessoas, como elas sabem sobre seus
próprios processos de aprender.
Metacognição é, ainda, o como nós pensamos sobre nossos
pensamentos, conhecendo “o que nós conhecemos” e “como nós
conhecemos”. Como se fosse um trabalho de gerência executiva de uma
organização, um trabalho de pensar e regerenciar o pensamento.
Habilidades metacognitivas são necessárias quando respostas habituais
não alcançam sucesso (Blakey, E. & Spence, S., 1996).
Nesta pesquisa procuramos entender como os alunos e alunas tomam
decisões sobre a elaboração de uma atividade, como decidem numa
tarefa em grupo quem irá ler e/ ou escrever, quem lidera uma atividade,
dentre outros. Foram estudadas e exploradas cinco tipos de estratégias
metacognitivas (SENAC; Weinstein & Mayer, 1985; Mattos, 1995;
Boruchovich, 1993), são elas: de ensaio, de elaboração, de organização,
de monitoramento e afetivas.
Estratégias metacognitivas são definidas como recursos usados pelas
pessoas para reconhecerem e melhorarem seus conhecimentos sobre o
que acontece durante o processo em estão aprendendo ou realizando
algo. Procuramos desenvolver junto aos alunos e alunas a consciência
deste processo para que pudessem gerenciar a própria aprendizagem. O
uso de estratégias metacognitivas pelos alunos e alunas requer que não
sejam somente capazes de apreender um conhecimento qualquer (como
acontece na escola, nas brincadeiras de rua), mas que também sejam
capazes de pensar sobre seu próprio processo de aprender (Mattos,
1995). Segundo Boruchovich, os autores Garner e Alexander afirmam que
as estratégias metacognitivas tem como função controlar e monitorar o
processo cognitivo.
4
Pesquisas (Pressley & Levin, Garner, Hare, Alexander, Haynes & Winograd; Weinstein
& Mayer In: Boruchovich, 1993; Blakey, E. & Spence, S., 1996; Mattos, 1995 e
BRUNNER, 1998) tem demonstrado que as estratégias metacognitivas podem ser
ensinadas com sucesso pela escola ou fora dela, ao tomar consciência das estratégias
que usa para aprender o sujeito torna-se capaz de regular e monitorar sua própria
aprendizagem. Segundo Bruner (p. 71) a atividade metacognitiva é distribuída de
maneira muito desigual, […] ela varia de acordo com o embasamento cultural e, talvez,
o que é mais importante, ela pode ser ensinada com sucesso como uma habilidade.
Acredita-se que quanto mais consciente das estratégias metacognitivas mais o
indivíduo é capaz de auto-regular sua aprendizagem - o aluno sabe o que sabe e o que
não sabe e o que pode fazer para aprender, pois está constantemente monitorando sua
própria aprendizagem (Boruchovich, 1993).
Através do conceito sobre metacognição e da reflexão sobre o uso de
estratégias metacognitivas elaboramos atividades que consistiam na
maximização da aprendizagem pelos alunos e alunas em sala de aula e
fora dela. Estas atividades consistiam, por exemplo, na leitura contextual
de um filme, onde os alunos e alunas identificaram as estratégias de
aprendizagem utilizadas pelos protagonistas do filme. Sucessivamente
iam identificando as estratégias de aprendizagem utilizadas por eles
mesmos na realização de tarefas dentro e fora da sala de aula (com ou
sem a ajuda das monitoras ou dos colegas). Alunos e alunas exercitaram
seus conhecimentos sobre seus próprios processos de conhecer através
do planejamento, da predição (tomada de consciência da existência do
outro no processo de aprendizagem) e do monitoramento da
aprendizagem (auto-avaliação ao final das tarefas).
Utilizamos, ainda, o referencial dos teóricos cognitivistas Piaget (In: FLAVELL, 1996) e
Vygotsky (1994) e o método de aprendizagem significativa e alfabetização emocional
de Roger (1975), Goleman (1995) e Freire (1996). Em Piaget: o conceito de
organização e adaptação e as etapas do desenvolvimento, especialmente, as
operações formais, referentes a etapa de desenvolvimento mental dos alunos e alunas
com idade de aproximadamente, 15 anos. Em Vygotsky: as relações entre linguagem e
cognição e o conceito de zona de desenvolvimento proximal. Procuramos desenvolver
junto com os alunos a consciência do processo de aprendizagem para que pudessem
gerenciar sua própria aprendizagem. Os alunos refletiram sobre suas estratégias
metacognitivas através da análise, por exemplo, de suas aptidões pessoais.
Os teóricos Rogers, Goleman e Freire acreditam na idéia de que o ser humano, através
do ensinamento acertado é capaz de controlar a si mesmo e sua aprendizagem.
Acreditam, ainda, na descentralizagem da aprendizagem em direção ao sujeito e nos
ajudaram a compreender que o sujeito pode e deve gerir o seu processo de
aprendizagem. Acreditamos que a aprendizagem auto-dirigida pode influenciar
significativamente o indivíduo, pois está baseada no que importa ao sujeito aprende.
Essas teorias influenciaram o conceito de metacognição, mais conhecido como
5
“aprender a aprender” (Demo, 1995, p.211) e a elaboração das atividades e análises
referentes a construção do conhecimento dos alunos e alunas pesquisados.
Acreditamos que quanto mais consciêntes das estratégias metacognitivas, mais o
sujeito é capaz de auto-regular sua aprendizagem. Procuramos desenvolver junto com
os alunos a consciência do processo de aprendizagem para que pudessem gerenciar
sua própria aprendizagem. Alunos e alunas reconheceram através do desenvolvimento
de atividades metacognitivas e do monitoramento de suas aprendizagem, passo a
passo, as estratégias utilizadas para realizar uma determinada atividade e os meios
necessários para atingir seus objetivos. Neste trabalho priorizamos a fala do sujeito
sobre sua aprendizagem, ou seja, o próprio aluno e aluna nos informou sobre como
aprende.
O que estamos estudando?
O desenvolvimento cognitivo: o especialista e o iniciante.
Segundo Flavell (1985, P. 89), as estruturas conceituais dos especialistas: na rede
conceitual armazenada pelo especialistas existem multiples vias levando de cada um
dos conceitos aos demais; podemos dizer que cada conceito possui no dicionário
mental do especialistas multiplas referencias cruzadas. Esta maior densidade de
conexões entre conceitos na rede conceitual do especialista significa, por sua vez, que
a probabilidade de que qualquer conceito dado lembre outros concertos relacionados é
maior. Esta maior interconexção nos conceitos do especialista se reflete também em
suas explicações causais: os iniciantes tendem a dar explicaqoes baseadas em uma só
causa ou em várias causas justapostas, enquanto que os especialistas integram
diversas causas em um sistema comum, analisando as interações entre elas.
Conclusão
Alunos, professores e pesquisadores em educação têm denunciado
práticas pedagógicas desumanas sendo usadas repetidamente nas
escolas. Estas práticas levaram um grande número de alunos e alunas
para fora da sala de aula, aumentando o número de crianças excluídas de
seu direito à educação. A construção do conhecimento que parte da
realidade de alunos e alunas vem sendo, muitas vezes, preterida por
professores que insistem na utilização de modelos tradicionais de ensino.
A confiança de que o sujeito pode e deve ter consciência de seu processo
mental e emocional e de que o ser humano é um todo – razão e emoção
– ainda parecem distantes da educação no final dos anos 90.
Acreditamos que um modelo pedagógico mais humano e um professor
facilitador da prática pedagógica sejam um dos fatores fundamentais para
a reversão do quadro de fracasso da escola brasileira. Tentamos partir
da realidade do aluno e da aluna combinando estes dois fatores citados.
Acreditamos, sobretudo, que o uso de estratégias metacognitivas e a
tomada de consciência das estruturas mentais vão além desta prática,
6
pois são emancipador do sujeito em sala de aula e fora dela. Ao planejar,
monitorar e prever sua própria aprendizagem o aluno e aluna passa a
compreender o processo de aprendizagem do qual faz parte, controlando
este processo junto ao professor. O auto-monitoramento da
aprendizagem pelo aprendiz poderá aumentar a sua auto-estima em
relação a escola superando, assim, o estigma de fracassado,
aproximando o sujeito dos conteúdos necessários para a superação de
suas necessidades educacionais e favorecendo a sua permanência na
escola.
Acreditamos que professores e professoras deverão criar suas próprias
“atividades metacognitivas”, partindo de sua realidade e de suas turmas,
inserindo suas propostas em seu planejamento diário. Acreditamos que o
desenvolvimento de estratégias metacognitivas dentro da sala de aula
favorece o pensar sobre o pensamento, a auto-avaliação e o
monitoramento do processo ensino-aprendizagem pelo aluno e aluna bem
como os resultados de professores, turmas e escolas.
O estudante consciente do “fazer certo”, ao refletir sobre seu próprio
conhecimento estará exercitando sua habilidade de pensar sobre o
processo de aprendizagem diariamente, compreendendo seus sucessos e
fracassos na escola. Acreditamos que esta prática cotidiana poderá
“livrar” pais e estudantes das explicadoras particulares, pois o próprio
sujeito ao analisar sua aprendizagem, poderá encontrar respostas para
seus problemas na escola, tendo como aliados seus colegas de classe e
sua professora. A sala de aula será um todo, onde alunos e alunas
conhecem as habilidades, dificuldades e conhecimentos uns dos outros,
ajudando-se mutuamente e a si mesmos de forma autônoma, solidária e
consciente.
A proposta de desenvolvimento de habilidades metacognitivas é uma
alternativa para a ampliação e criação de políticas públicas mais
favoráveis às necessidades da criança e do adolescente, podendo
subsidiar práticas pedagógicas em andamento e que precisem de
reformulação ou adequação. Embora fundamental para a retomada da
escolarização por alunos e alunas excluídos, acreditamos que este tipo de
educação não esteja limitada ao ensino fundamental, podendo ser
utilizado no nível médio, superior e profissionalizante.
Entendemos que o uso de estratégias metacognitivas na escola dependem de um redirecionamento da prática pedagógica de professores e professoras, pois ao
desenvolverem atividades metacognitivas em suas salas de aula, deverão estar
consciêntes do seu significado, aplicação e utilização. E ainda, ao ensinar ao aluno e
aluna a monitorar, planejar e prever sua própria aprendizagem este terá posse do
processo de construção de seu conhecimento e, consequentemente de sua vida,
podendo decidir qual o uso que fará deste novo conhecimento.
7
A adolescência em seu aspecto congnitivo em nossos estudos significa um estágio
peculiar no qual se encontra o jovem, em especial aquele que foi excluídos das
possibiliades de uma infância plena, e que nesse estágio poderá vivenciar seu
desenvolvimento emocional e intelectual de modo a entrar na idade adulta de maneira
tranquila e com projetos vida que se utilizem de sua cidadanania plena e da vivência de
autonomia consciente e emancipatória.
Verificar e completar
Bibliografia
8
Texto
4
Carmen Lúcia Guimarães de Mattos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Mitos, rituais e rotinas pedagógico-normativa que estruturam a vida em privação de
liberdade
Em todos os países as escolas são muito similares não importando a raça,
religião, grau de riqueza ou regime político que os caracterizam. Esta identidade
educacional afirma a força do mito que envolve a escola como produtora e
reguladora das ações sociais do indivíduo. Diante desta magnitude, passa a não ter
grande importância a variação mitológica na qual o mito é expresso, o mito em si
ganha importância como o grande motor impulsionador das relações humanas. O
fato inquestionável desta identidade impressa na escola faz com que mudanças
ocorridas no sistema social não tenha grande resonância na esfera escolar. Como
nos lembra Illich;
“A escola se presta efetivamente ao papel de criadora e sustentadora do
mito social por causa de sua estrutura que funciona como um jogo ritual
de promoções gradativas. É muito mais importante a introdução neste
ritual do que averiguar-se, como ou o que é ensinado. É o próprio jogo
que escolariza; ele entra no sangue e torna-se hábito.” (Illich,1976 6 p.
82)
Mito de que a escola pode eliminar a pobreza e o desemprego.
A fala de Ivanir, adolescente interna no ESD em entrevista aos pesquisadores
retrata a importância da escolarização no imaginário das alunas:
“Sem estudo não vou arrumar um trabalho. É muito importante quero uma mudança
na minha vida. Meu filho precisa do meu amor e carinho. Quando ele crescer qual o
apoio que eu poderei dar para ele. Não vou poder o corrigir porque fui uma errada
na vida. Eu tenho a esperança de ir para o CRIAM.”
Ritos de segurança
Uma funcionária do IPS (Instituto Padre Severino) nos recebeu a nossa equipe no
corredor interno do Instituto e nos encaminhou para a sala do Diretor para a primeira
apresentação formal, a equipe foi instruída sobre os procedimento de segurança da
casa, dentre os cuidados que deveríamos ter, nos. foi recomendado que
tomássemos cuidado com: ponta do lápis, recados cifrados, barbantes e escova de
dente, pois todos estes objetos poderiam ser usados como armas pelos internos.
Ritos de controle
6
Illich, Ivan. Sociedade Sem Escolas, Editora Vozes:Petrópolis, 1976.
O controle do espaço e dos procedimentos dos adolescentes em cumprimento de
medidas socio-educativas segue alguns ritos que muito nos lembra as escolas
infantis ou “pré-escolas”, onde os alunos são iniciados ao controle do corpo
mediante uma ordem da professora, geralmente chamada de “tia”. No Degase
presenciamos uma cenas similares, os adolescentes também tratam as professoras
por “tia”. Uma destas cenas mereceu nossa atenção: - a professora explicava uma
atividade de teatro, falava sobre a questão do espaço reservado para a peça, pois
os adolescentes ficavam representando fora do local delimitado, a professora
solicitara a ajuda dos meninos. Ricardo explicava quem iria desempenhar os
personagens, determinando quem interpreta quem. Ricardo e Bruno davão as
coordenadas para os colegas, parecendo liderar um grupo de alunos, enquanto a
professora coordenava a atividade de leitura do texto. Quando os alunos faziam
qualquer coisa fora do contexto da atividade a professora falava: Congela! E todos
faziam silêncio automaticamente, parados como estátuas. Obviamente que a
atividade de teatro propiciava este tipo de interação mas, nos serve aqui de
exemplo típico sobre o controle do corpo.
Inúmeras outras situações de controle do corpo foi exercido através de rituais
similares a este; - quando os alunos se inquietavam no pátio interno do IPS ou
cometiam algum “delito” interno do tipo, escrever o nome CV (comando Vermelho)
no chão ou na parede, todas as atividades eram paralizadas com o comando
“ESCOLA VOU VER”, era uma ordem para que os menores perfilassem enfileirados,
em forma de ordem unida, para ouvir os sermões, corretivos e ameças dos agentes
de disciplina.
Outra atitude muito frequentemente ritualizada é a posição de mãos para trás e
cabeça baixada esta, nos lembram rituais religiosos, onde a demonstração de
humildade é componente importante no favorecimento do perdão. Poderia enunciar
aquí, dezenas de outros ritos observados por nós durante as visitas as unidades do
DEGASE, mas as mais impressivas foram as cena vividas nas sala de aula do IPS e
da JLA. A transposição dos movimentos de ordem – em fileiras de mãos para trás,
na entrada e saída ou ao levantar da cadeira por qualquer motivo, a ordem de
incomunicabilidade entre os alunos - eram algumas das normas que lembram a
escola tradicional com uma diferença, na escola tradicional o conteúdo era muito
importante, tanto para o professor quanto para o aluno. Nestas escolas o conteúdo
era a própria disciplina e a observância a elas. Novamente podemos fazer uso das
argumentação usadas por Illich para a justificar a inutilidade da escola.
“A capacidade de perseguir metas incongruentes requer uma explicação.
Segundo Max Gluckman, todas as sociedades possuem determinados
recursos para esconder essas dissonancias de seus membros. Sugere
ele que é esta a finalidade dos ritos. Os ritos podem esconder de seus
participantes até mesmo discrepâncias e conflitos entre os princípios
sociais e a organização social. Enquanto o indivíduo não estiver
explicitamente conscience do carater ritual do processo pelo qual foi
iniciado às forças que modelam seu cosmos, não podera quebrar o
encanto e criar a imagem de um novo cosmos. (Illich, 1976,p. 93).
São vários os mitos existentes no ambiente escolar.
2
Perguntemos: como pensam, quais as concepções que têm acerca dos alunos os
profissionais que com eles trabalham? Quais as suas perspectivas? Que
enquadramento fazem?
E um sem número de experiência com a conclusão final de que o aluno age de
acordo com o esperado dele, isto é, ele confirma a expectativa relacionada com ele.
Se o professor pensa que ele possui pouca possibilidade de êxito, o fracasso é a
resposta. A formação do ciclo negativo é fechada: professor não acredita, aluno
fracassa porque "aceita o prognóstico", professor "se frusta" e espera pouco, aluno
fracassa, …
Os Mitos permeiam o ambiente escolar ainda hoje no final do século XX.
Penetrando em diversos compêndios para apurar o entedimento sobre o assunto,
pode-se apresentar o mito sob diversas conotações e vê-lo sob diferentes óticas.
Hoje têm-se o mito como uma represenação de fatos ou personagens reais,
exagerado pela imaginação popular, pela tradição. Ou como uma idéia falsa, se
correspondente na realidade. Ou como uma imagem simplificada de pessoa ou de
acontecimento, não raro ilusória, elaborada ou aceita pelos grupos humanos e que
representa significativo papel em seu comportamento. Ou como coisa inevitável,
fantasiosa, irreal; utopia. Ou, ainda, como forma de pensamento oposta a do
pensamento lógico e científico.
Nos primórdios da civilização, o mito não possuia o encargo de explicar a realidade,
mas o de tranquilizar o homem a um mundo desconhecido e, portanto, assustador.
O homem, contruindo seu quadro de conhecimentos, amedrontado, buscava nos
deuses, o aplaramento de suas aflições. O discurso elaborado era tão forte que,
ultrapassando o campo religioso, perpassava todas as atividades humanas. Assim
sendo, o mito não é tecido por personalidades delirantes e nem pode ser
considerado uma mentira, uma fantasia.
A exigência do mito é complexa. Numa concepção positiva, ele surge como uma
utopia em torno da qual as pessoas despendem todos os esforços possíveis e
imaginários para torná-la realidade.
É a intuição e não a razão que faz surgir o mito como uma verdade. Expotanemente,
o homem, com a necessidade de situar-se no mundo, passa a compreender a sua
realidade com base nas emoções e na afetividade. Mesmo nos tempos atuais, o
homem não é só razão; ele também é afetividade e emoção.
Nossos ancestrais imitavam, através dos ritos, os gestos, as ações dos deuses. E
nós, muitas das vezes, não conseguimos deixar de imitar os nossos ancestrais, os
antigos, as autoridades científicas ou não, nos apropriando de conteúdos míticos
quando aceitamos as verdades pela fé, sem nenhum questionamento. Por isso, a
presença de mitos, hoje, no ambiente escolar.
Quando não se prática a leitura, não se participa de discussões com espírito aberto,
quando se têm medo de encarar o novo, de confrontar permanentemente as
próprias teorias com as diversas concepções sobre educação, a tendência é a
criação ou a repetição de verdades estabelecidas igenuamente, se usar a reflexão
crítica. São verdades que podem explicar os acontecimentos dando a forma da ação
humana, mas onde não se encontra a lógica das verdades empírica e científica, por
isso, vemos na escola, o professor dizer:
(aluno nulo)
3
Afirmar a nulidade de um adolescente de no mínimo 12 anos foge à lógica das
verdades empírica e científica.
A preocupação com o fazer desperta a potencialidade do aluno, levaria o professor a
perceber o quanto de saber e de possibilidade há em todo e qualquer aluno e a
desmistificar a visão anterior. Observando atentamente os alunos e as demais
pessoas ao redor, rememorando o próprio desenvolvimento cognitivo, pode-se
captar as tão decantadas e pouco entendidas diferenças individuais porque, na
realidade, só são teorizadas. Na prática, as difernças individuais desaarece sob o
peso do eterno desejo que se tem de classificar em categorias existentes em
número limitado.
Aprisionado, o que resta de toda a possibilidade humana é "ele nulo".
Havendo a compreenção da teoria das inteligências múltiplas e a exploração dos
dons (faculdades, intelectuais) dos alunos como rotas secundárias facilitadoras de
outros aprendizados, sabe-se valorizar as diferenças individuais, tendo-se uma visão
mais completa do aluno.
São vários os mitos existentes no ambiante escolar.
Perguntemos: como pensam, quais as concepções que têm acerca dos alunos os
profissionais que com eles trabalham? Quais as suas perspectivas? Que
enquadramento fazem?
E um sem número de experiência com a conclusão final de que o aluno age de
acordo com o esperado dele, isto é, ele confirma a expectativa relacionada com ele.
Se o professor pensa que ele possui pouca posssibilidade de êxito, o fracasso é a
resposta. A formação do ciclo negativo é fechada: professor não acredita, aluno
fracassa porque "aceita o prognóstico", professor "se frusta" e espera pouco, aluno
fracassa, …
_
Algumas vezes, lança-se mão de uma proteção científica, o que não destrói a
conotação mítica, para justificar a limitação do rendimento escolar do aluno. É o
caso da sinalização da falta de coordenaçã motora (mesmo quando o aluno saiba
fazer e soltar pipa, jogar futebol, amarrar os cadarços do tênis, mesmo que possui
os movimentos do corpo articulados de maneira harmonioza, que corra mais que a
polícia, que dance) e da necessidade de um preparo para a alfabetização como se o
adolescente iniciasse o processo somente a partir da cegada ao sistema sócioeduacativo.
E JLA (?)
Sala da ESD
Apesar o discurso, poucos são aqueles com uma resposta cerente para a questão:
até que ponto esses problemas influenciam na capacidade de aprender?
A fala de competência da população também para solução de problemas sociais
mais conduz à busca de uma divindade pela fé e pela crença e uma religião. O
homem comum é tido como incapaz e, em geral, se acomda e seus pedidos de
proteção divina.
4
Os valores, sendo invertidos, o aluno assume uma postura de culpado. É ele que
tem a cabeça fraca, memória ruim, não tem capacidade para aprender. Uma
avaliação sobre o contexto e que vive, não importa.
E quem deveria estar procurando desmistificar, termina por reforçar o
estabelecimento apresentando os estudos científicos sem conhecer o seu real
significado.
Uma quantidade considerável desses alunos já passou pela rede comum de ensino
e, quase que em sua maioria parou de estudar e algum momento. Eles não
conseguira sucesso em época própria. É preciso fazê-los aproveitar agora,
oferecendo-lhes as melhores condições. O tempo que passa nos mostra a
impossibilidade de recuperar produções pois que deveriam ter acontecido. As
produções de hoje são de outra natureza e, por isso, de outra qualidade. O que
deixou de ser, não pode ser. Smente uma pedagogia da esperança pode dar aos
alunos uma aprendizagem adequada para todos os alunos.
Causa peturbação o não entendimento ao direito de ter água ou luz. A mesma
perturbação deveria estar presente quando do insucesso do aluno.
Não há intenção de apontar culpados (pais, alunos ou professores) porque estaria
sendo criado um obstáculo para uma possível solução. Ainda mais que a violência
social é grande e esparsa: mortalidade infantil, salário mínimo, corrupções,
atendimento e tratamento nos hospitais públicos, etc. Esperar que todos os
problemas sejam resolvidos é aceitar o fechamento dos estabelecimentos
educacionais.
O caminho é refletir como a escola ultrapassa todos os problemas para que o aluno
aprenda, como pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida do aluno.
Dentro do ambiente escolar encontramos também apregoações fatalistas, tanto da
parte de profissionais como da parte de alunos.
SG.83.
Essa atitude aceita o fluxo da vida humana como previamente fixado não sofrendo a
interferência da vontade e da inteligência.
Entretanto, sorte inevitável não resiste à mínima convivência com a vontade e/ou a
inteligência. E teríamos que indagar sobre papel a escola; sobre a determinação do
cumprimento de uma medida sócio-educativa, sobre a seleção de profissionais para
com eles trabalharem.
Determinismo do homem existe porque ele está num tempo, num espaço e recebeu
uma herança cultural. Mas o homem é igualmente livre porque pode possuir a
consciência do seu determinismo. Sendo atuante, o homem pode exercer uma ação
transformadora e elaborar seu projeto de vida.
São observados ritos e cerimônias não condizentes com os princípios estabelecidos
pela legislação pertinente ao atendimento do adolescente. Desses princípios se
depreende que as ações desencadeadas nas instituições devem o aperfeiçoamento
do aluno como pessoa.
O exemplo registrado abaixo be ilustra as práticas consagradas pelo uso e/ou por
normas, que ocorreram de forma invariável em ocasiões determinadas com objetivos
desconhecidos ou irrelevantes.
5
Interessante foi presenciar acontecimento da religiosidade sob vários aspectos . Em
alguns momentos a crença na existência de uma força considerada com criadora do
universo e, por isso, adorada e obedecida. Em outros momentos, forças naturais são
negadas e, ao mesmo tempo temidas e acreditadas. Mas sempre existe uma
disposição ou tendência para a religião ou para coisas sagradas.
Grupos religiosos possuem um trabalho permanente em algumas unidades tentando
conquistar os alunos para uma mudança de pensamento e ação evangelizando-os.
Funcionários ligados a alguma religião envolveu os alunos com suas crenças
principalmente porque eitem preceitos éticos.
No grupo de pesquisa houve até uma certa dscussão sobre o que foi notado neste
sentido. Para algumas pessoas, não se poderia falar de religiosidade pois está
estaria ligada a misticismo. Para outras, a religiosidade estaria sendo utilizada com a
finalidade de melhorar espiritualmente os alunos . (Nellie) E para um outro grupo de
pessoas, a religião serviria como uma tentativa de tranquilizar, de controlar os
alunos.
6
Texto
5
Interação CRIAM X Comunidade: uma análise do intrincado jogo institucional na
busca da liberdade do jovem infrator no estado do Rio de Janeiro
Carmen Lúcia Guimarães de Mattos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Adriana Tavares Fernandes Silva
Universidade Federal Fluminense – UFF
Resumo
Nesta monografia estudamos a relação escola-comunidade no contexto do jovem
em conflito com a lei. Estudamos ainda os processos metacognitivos entre os jovens
atendidos pelo sistema DEGASE – Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas
– especificamente nas unidades de semi-liberdade e liberdade assistida CRIAM –
Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor - na intenção de
descrever de que modo o atendimento educacional oferecido aos jovens favorece
seu desenvolvimento educacional e sua integração à sua comunidade.A monografia
destaca as parcerias realizadas entre os CRIAM’s e a comunidade e caracteriza seu
impacto no atendimento ao jovem em privação de liberdade. Utiliza dados da
pesquisa Metacognição em sala de aula: um estudo sobre os processos de
construção do conhecimento na perspectiva do jovem infrator no Estado do Rio de
Janeiro, realizada entre setembro de 1998 a fevereiro de 2000 e conclui que o
espaço físico assim como os recursos dos CRIAM’s são meramente utilizados pela
comunidade não contribuindo para ressocialização dos jovens nem promovendo sua
reinserção no sistema educacional.
Introdução
O tema relação escola-comunidade configura-se na problemática educacional do
país como um dos mais complexos e importantes, pois a escola deve refletir os
ideais e necessidades da comunidade na qual se insere, sendo que a comunidade
deve exercer seu papel participativo e fiscalizador das ações da escola de modo a
garantir que esta realmente desenvolva programas e projetos em sintonia com os
seus membros.
7
No caso de escolas “especiais” esta relação se apresenta de modo ainda mais
intrincado
merecendo
particular
atenção
de
educadores
interessados
na
compreensão dessas relações e na solução dos conflitos dela decorrentes.
Nesta monografia tratamos desse tema de modo muito particular, a medida que
ele surge no bojo de um grande projeto de pesquisa e foi por mim destacado pelo
interesse despertado e curiosidade acadêmica e ao qual dediquei-me durante os
dois últimos anos.
Este interesse surge quando investigando os processos metacognitivos que se
configuram nas instituições do Sistema DEGASE – Departamento Geral de Ações
Sócio-Educativas – nos deparamos com a relação que se estabelece entre a
comunidade e os CRIAM’s – Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao
Menor – unidades para semiliberdade e liberdade assistida. Parceria esperada pelo
fato da instituição ser de caráter sócio-educativa, esta relação se caracterizou em
dois momentos distintos: a comunidade dentro da instituição e a participação da
instituição na comunidade.
No primeiro momento verificamos a distinção quantitativa que se estabelece de
acordo com os cursos oferecidos, onde observamos que em determinados cursos a
participação dos alunos do CRIAM é insignificante ou mesmo inexistente. Esta
questão se agrava quando verificamos que no lugar da integração encontramos a
mera utilização do espaço físico da instituição pela comunidade, ou seja, a
oportunidade de reintegração e aquisição de conhecimentos dos alunos do CRIAM
deixa de ser foco principal das atividades e passa a ser mero coadjuvante causando
reflexos em todo o processo educacional.
Em contrapartida, a experiência da instituição na comunidade não é muito
diferenciada. As matrículas nas escolas da rede oficial de ensino, garantidas por lei,
são sumariamente negadas, sem justificativas convincentes ou respaldo legal. E
quando
matriculados
ocorre
todo
um
marginalização.
8
implícito
processo
de
exclusão
e
Ingressei na equipe da pesquisa Metacognição em Sala de Aula na segunda
etapa, outubro de 1998, onde estavam sendo realizadas pesquisas de campo no
Educandário Santos Dumont e no CRIAM de São Gonçalo. Permaneci no grupo até
o final da pesquisa, fevereiro de 2000 o que me possibilitou participar de todos os
processos: entrevistas, relatórios, atividades de campo, levantamento e análises de
dados, construção do corpo teórico, apresentação e elaboração de textos, e do
relatório final.
Após um ano de pesquisa realizada a partir de uma micro-análise de sala de
aula, numa abordagem etnográfica, nas diferentes unidades do sistema DEGASE,
me deparei com a relação que se estabelecia entre a comunidade e os Centros de
Recursos Integrados de Atendimento ao Menor (CRIAM´s), de modo específico o
CRIAM de São Gonçalo por ter sido a unidade que participei mais intensamente.
Verifiquei que a promoção de ressocialização e acompanhamento educacional,
caráter próprio deste tipo de unidade, se realiza em dois momentos distintos: a
comunidade dentro da instituição e a participação da instituição na comunidade. No
entanto esta relação se revelou desigual pois a participação e integração entre os
alunos do CRIAM e a comunidade
não se estabelece de forma plena, sendo
demarcada por fronteiras no espaço físico e na aceitação destes pelo grupo social.
Diante desta problemática desenvolvi esta monografia na intenção de demonstrar
a importância do tema estudado para a melhoria das condições do atendimento ao
jovem infrator, na formação do educador que atende este jovem e também
demonstrar como a minha participação na pesquisa contribuiu para a construção do
conhecimento acadêmico e formação profissional.
Esta monografia é composta de 3 capítulos. No primeiro capítulo inclui um breve
delineamento da Pesquisa Metacognição em Sala de Aula, com o objetivo de nortear
o contexto maior da pesquisa e seus referênciais teóricos. O segundo capítulo, inclui
uma descrição do Sistema DEGASE e dos CRIAM’s na tentativa de explicar as
diferentes formas de organização, quanto ao espaços físico, administrativo e
educacional. O último capítulo, destaca a participação da comunidade no CRIAM e
do CRIAM na comunidade, buscando ampliar a compreensão e reflexão sobre as
relações de interação que se estabelecem entre ambos, como também descrever e
9
refletir em que medida essas relações influenciam e determinam a construção da
identidade e da vida educacional destes alunos. Finalmente apontaremos alguns
aspectos para a melhoria da atuação dos profissionais do CRIAM na solução dos
problemas estudados. Gostaríamos de alertar ao leitor que esta monografia contém
dados confidenciais e sua leitura demanda uma inserção num ambiente altamente
polemico e desafiador para qualquer indivíduo que decidiu descrever aspectos
sócio-educacionais especialmente explorando e de certa forma denunciando as
diversas formas de exclusão encontrados no ambiente do DEGASE.
Capítulo I - A pesquisa Metacognição em Sala de Aula: a fonte de dados
1.1 - Um breve delineamento da Pesquisa Metacognição em Sala de Aula
Este trabalho monográfico tem por base os dados levantados e analisados pela
pesquisa Metacognição em Sala de Aula: um estudo sobre os processos de
construção do conhecimento na perspectiva do jovem infrator no Estado do Rio de
Janeiro. É parte de um conjunto de ações propostas no “Projeto de Excelência” da
Secretaria de Justiça e Interior do Estado do Rio de Janeiro. Estabelecendo um
convênio entre a UERJ e o Departamento Geral de Ações Educativas. Portanto, fazse necessário uma breve explicação dessa pesquisa de modo a ilustrar como a
problemática da relação escola-comunidade se insere no contexto mais amplo do
estudo sobre o DEGASE.
Este projeto desenvolveu-se
na Área de Educação, Sub-área
de Ensino-
Aprendizagem, no campo de conhecimento dos processos cognitivos entre jovens e
adultos, tendo como eixo central o estudo da construção do conhecimento entre os
jovens em conflito com a lei nas instituições do DEGASE. Dados mais específicos
deste projeto podem ser encontrado nos volumes I, II e III que compõem o relatório
da Pesquisa (SR3/UERJ fev.2000).
A pesquisa Metacognição em Sala de Aula, oficializada em 10 de setembro de 1998
– integrante do Projeto "Pró-Adolescente” do Programa de Cooperação Técnica
UERJ/DEGASE, iniciou a primeira etapa do trabalho em julho/98, partindo do
treinamento de pessoal aos contatos para acesso e visitas de apresentação,
observações e entrevistas em campo, elaboração de relatórios e pesquisa
bibliográfica.
10
Em agosto foi finalizada a primeira etapa do trabalho no Instituto Padre Severino
(08/07/98 à 27/08/98), que incluiu observações e entrevistas em campo, elaboração
de relatórios e pesquisa bibliográfica como principais atividades. Em setembro,
reestruturou-se o trabalho para a próxima fase, finalizando os relatórios de campo da
primeira etapa, estudamos novas formas de observações e de entrevistas, assim
como iniciou-se a pesquisa bibliográfica voltada para os temas encontrados na etapa
anterior. Houve uma ampliação do treinamento da equipe, incluindo técnicas de
relatório, atividades de campo guiadas e aulas com consultoria internacional. Em
outubro foi iniciada a segunda etapa da pesquisa de campo no Educandário Santos
Dumont (29/09/98 à 04/12/98), dando continuidade às observações, intensificando
as entrevistas e a pesquisa bibliográfica. Em novembro, deu-se continuidade ao
desenvolvimento da segunda etapa e iniciando o trabalho paralelo junto ao CRIAM
de São Gonçalo (26/10/98 à 30/11/98).
Ao fim da segunda etapa do levantamento de dados de campo em dezembro, foi
dado início aos trabalhos da terceira etapa na Escola João Luís Alves (02/12/98 à
11/02/99). Essa etapa foi marcada pela intensificação de entrevistas, relatórios e
análises sistemáticas, paralelas ao início das atividades de campo no CRIAM da
Penha (14/12/98 à 21/12/98). Iniciamos ainda a elaboração do 1º relatório parcial.
Encerrada a terceira e última etapa de pesquisa de campo, foram visitados os
CRIAMs de Teresópolis e Nilópolis para rechecagem de dados e procederam-se
comparações com os CRIAMs já visitados. Finalizado o trabalho de campo,
contávamos com um conjunto significativo de dados coletados em processo de
análise. Contávamos nessa fase com 34 alunos e profissionais atuando na pesquisa.
Em fevereiro foi realizada a leitura crítica individual dos relatórios elaborados durante
a pesquisa de campo. Construímos o mapa-resumo contendo todos os contatos
específicos e ampliados realizados durante a pesquisa de campo divididos
cronologicamente. Em março foram realizadas as análises e levantamento dos
temas e categorias que foram cruciais para o delineamento do perfil dos resultados
encontrados. Visitamos ainda, dia 4 de março, por solicitação do DEGASE, o CAI da
Baixada e finalizamos o mapa-resumo das categorias.
Abril e maio foram os meses dedicados à fundamentação teórica dos temas,
recortes bibliográficos para debate e montagem preliminar dos textos. Elaboramos o
quadro abaixo que sintetiza os macro-temas, temas e sub-temas.
11
tema desta monografia , incluiu-se no grupo dos sub-temas mais abrangentes, as
quais somam-se 69 ao todo. Este tema foi estudo durante todo o tempo de trabalho
nos CRIAM’s e ainda através da participação de membros da equipe, como
estagiárias, o que permitiu uma intensa participação do grupo no cotidiano dos
CRIAM’s.
Macro-Categorias
Identidade
Controle
Contradições (descompasso)
Tempo/Espaço
Categorias
Saúde
Cultura da Pobreza
Ensino/Aprendizagem
(sala de aula)
Linguagem
Auto-Estima
Instituição
Religião (ritos/mitos)
Expectativas
(projeções/idealizações)
Sexualidade
Rotina
Violência
(incivilidade/agressivida
de)
Sub-Categorias
Aplicação Da Aprendizagem
Atividades Pedagógicas (Memorização, Cópia, Maturação)
Caderno/Relatório/Prontuário
Controle Da Disciplina
Consciência Da Realidade
Controle Do Material
Cronologia
Escola
Espaço Da Sala De Aula (Ausência, Função, Físico)
Estética Do Material
Estratégias Da Aprendizagem (Linguagem, Norma Culta E
Adequação Local)
Fatalismo
Inadequação Da Atividade
Internalização Dos Processos Pedagógicos
Introdução Da Aprendizagem
Listagem
Material (Banheiro, Alimentação, Conservação E
Depredação)
Mecanismos De Compensação
Misticismo
Natureza Da Aprendizagem
Natureza Do Erro X Resolução Do Erro, Interação,
Utilidade, Neologismos
Número De Alunos Por Sala
Objeto De Periculosidade
Organização E Funcionamento
Procedimentos Da Aula
Processos De Aprendizagem
Religiosidade
Rotina (Oficial E Extra- Oficial)
Avaliação
Barulho (Descompasso)
Contratos E Negociações
Controle Do Corpo E Da Saúde
CRIAM X Comunidade
Disciplina X Pátio
Escola X Realidade
Escolarização X Ensino Profissionalizante
Gratificações
Idealizações
Infantilização
Internalização Das Regras
Internalização Do Espaço Pedagógico
Linguagem Militar
Masculinização/ Meninas
Maternagem
Mecanismos De Compensação
Motivação
Postura Do Professor
Projeção do Ideal
Projeções
Puerilização, feminilização/meninos
Questões Jurídicas (artigo e adequação a medida)
Regras de Convivência Interna
Representação do Corpo
Representação Social
Revista/Visita (descompasso)
Sedução
Segurança
Significado da Linguagem (descompasso)
12
Significado Da Aprendizagem
Teoria X Prática (Descompasso)
1.2 - Metacognição: conceito e significado
É importante aqui descrevermos aspectos conceituais sobre a pesquisa pois os
mesmos orientam teoricamente as análises e procedimentos metodológicos
utilizados pela equipe para encontrar os resultados.
A expressão metacognição é relativamente recente na área de educação. No
entanto, é crescente no momento atual o interesse no estudo desta categoria de
conhecimento que envolve entre outros estudos sobre a conscientização
relacionando este processo aos estudos sobre a função do cérebro. As velhas
relações entre corpo e alma, razão e consciência, cérebro e mente, pensamento e
ação perpassam o âmago dos recentes estudos em metacognição que despontam
caracteristicamente interdisciplinar, pois que é encontrada tanto nos mais recentes
estudos filosóficos sobre redes neurais e inteligência artificial, quanto nos mais
clássicos estudos psicossociológicos sobre o comportamento humano como a
construção coletiva do conhecimento. Pesquisadores têm enfatizado a importância
dos processos metacognitivos e seu potencial de aplicação educacional. Definem
de forma mais simplificada que metacognição é o processo pelo qual uma pessoa
pensa sobre sua própria estratégia de pensamento. É a tomada de conhecimento
(awereness) da estratégia usada para elaboração e retenção do conhecimento. Em
resumo, o conceito de metacognição, designa a forma como o sujeito pensa sobre o
seu próprio pensamento, ou seja, como gerencia sua aprendizagem.
13
1.2.1 - A Sociologia do Conhecimento
Destaca-se como referencial teórico, os estudos cognitivistas de Vygotsky e Piaget e
ainda os estudos sobre o desenvolvimento e a aquisição de estratégias
metacognitivas pelos alunos e alunas em trabalhos de Flavell, Brown, Garner,
Mattos, Gonzales, Boruchovich e Bruner. Estes trabalhos tratam das questões
ligadas aos processos metacognitivos e como sua aplicação pode influenciar
positivamente o processo de ensino-aprendizagem. Finalmente utilizamos os
estudos de Rogers e Goleman nos seguintes aspectos: aquisição e apropriação do
conhecimento pelo aprendiz; o método de aprendizagem significativa e a
alfabetização
emocional
como
importantes
contribuições
a
construção
do
conhecimento pelo próprio indivíduo.
Para uma melhor compreensão deste estudo destacamos os cognitivistas Piaget e
Vygotsky através de uma breve discussão. Em Piaget: o conceito de organização e
adaptação e as etapas do desenvolvimento, especialmente, as operações formais.
Em Vygotsky discutimos as relações entre linguagem e cognição e o conceito de
zona de desenvolvimento proximal. Essas teorias influenciaram o conceito de
metacognição, mais conhecido como “aprender a aprender” (DEMO, 1995, p.211)
Piaget e Vygotsky
Desde os anos 70 a educação vem se beneficiando de uma orientação cognitivista
do
processo
ensino-aprendizagem.
Anteriormente,
orientada
pelo
modelo
behaviorista desenvolvido por Skinner, nos anos 70, agora está preocupada com o
modo como funciona a mente do sujeito. Dentre os teóricos cognitivistas, dois
14
destacam-se: Piaget (1896-1980) e Vygotsky (1896-1923). Várias mudanças
ocorreram no processo educacional através da contribuição destes dois teóricos
crescentemente lidos nas décadas de 70, 80 e 90.
Piaget, contribui com o conceito de organização, adaptação, assimilação e fases do
desenvolvimento, destacando-se as operações formais - onde o adolescente passa
a se orientar para o abstrato através de pensamentos reflexivos, capacidade
fundamental para sua adaptação no contexto social adulto. Esta capacidade de
pensar facilita o desenvolvimento, aquisição e monitoramento de estratégias
metacognitivas.
Vygotsky explora o conceito de zona de desenvolvimento proximal e os processos
de aquisição da linguagem, destacando que o indivíduo é interativo na formação de
seus conhecimentos, juntamente a partir de relações intra e interpessoais.
Goleman e Rogers
Rogers e Goleman foram influenciados por estudos que questionavam o papel e a
validade dos testes de medida da inteligência (Q.I.) muito criticados desde a década
de 60. Rogers nos apresenta uma opção por um método “não-diretivo”, autorealizador da pessoa enquanto ser humano de modo global, isto é, sem separar o
desenvolvimento cognitivo dos demais aspectos do ser humano. Goleman retoma
uma abordagem educativa que caracteriza-se pela exploração de “outras
inteligências”. Afirmando que a autoconsciência, o equilíbrio emocional e a
aprendizagem das emoções têm uma importância fundamental no desenvolvimento
do indivíduo.
15
Goleman e Rogers acreditam na idéia de que o ser humano é capaz, através do
ensinamento acertado (por parte dos pais ou da escola, ou pela vida) de controlar a
si mesmo e a sua aprendizagem. E que um bom desenvolvimento emocional
proporcionará uma vida mais responsável, cooperativa, confiante e, acima de tudo,
mais humana. Assim como os autores acima acreditamos na capacidade dos alunos
e alunas de gerirem sua própria aprendizagem através da cooperação, da
intencionalidade nas suas ações, da curiosidade e na confiança no senso de
controle e domínio do próprio corpo, do conhecimento, do comportamento e do
mundo.
Um sujeito emocionalmente inteligente será capaz de resistir a influências negativas
adotando as perspectivas dos outros, compreendendo que comportamento deverá
tomar diante de uma situação, não só na escola, como no seu dia a dia. Ou seja, é
uma autoconsciência e autocontrole de si próprio.
Rogers também afirma que a auto-descoberta e a autodeterminação são
característica inerentes ao processo de aprendizagem. Seu método é baseado na
não-diretividade, onde o professor não interfere diretamente no campo cognitivo e
afetivo do aluno, introduzindo valores, objetivos etc. O professor é somente um
facilitador da aprendizagem, o aluno que dirige e decide sobre como e o que
gostaria de aprender. O sujeito como um todo está envolvido na aprendizagem tanto os seus aspectos cognitivos quanto os afetivos. A aprendizagem é autoiniciada, ou seja, mesmo quando foi o professor que deu o impulso inicial (veio de
fora do sujeito), a descoberta e a compreensão vieram de dentro do sujeito e
permanecem com o ele, podendo provocar mudanças em sua personalidade, no seu
comportamento e nas suas atitudes. Nesta abordagem o sujeito é que avalia a sua
16
aprendizagem, pois somente ele pode saber o que e quanto aprendeu (ROGERS,
1972, p.5).
Rogers e Goleman apregoam a autonomia do aluno como sendo um dos pontos
fortes de suas abordagens. Pessoas que governam suas próprias vidas. Mas,
enquanto Rogers tem uma visão crítica e realista da escola, Goleman aponta
pessoas emocionalmente inteligentes apenas dos portões da escola para a rua.
Talvez, por otimismo, não aponte a escola como uma instituição repleta de pessoas
emocionalmente incompetentes.
1.3 - Métodos e Instrumentos de Pesquisa
• M e t odologia
Esta monografia, sendo parte dos trabalhos iniciados na pesquisa Metacognição em
Sala de Aula, utiliza a mesma metodologia do projeto. A abordagem qualitativa etnografia crítica - na pesquisa foi utilizada como instrumento dos processos de
construção da escrita em alunos possuidores de “relativa baixa auto-estima
educacional”, tendo por interesse os aspectos de colaboração e interação no
contexto do sistema DEGASE sob a perspectiva crítico emancipatória (Freire 1992),
tendo os alunos participação ativa como agências humanas transformadoras das
contradições sociais.
Instrumentos de coleta
• Observação participante
17
Foram observadas as interações dos jovens no ambiente no qual, em nosso
entendimento, pudesse estar acontecendo uma atividade educativa e que dentro das
restrições impostas, nos foi permitido observar.
• Atividades de registro em cadernos de campo
Foram realizados registros sistemáticos e análises das observações de eventos
ocorridos durante a observação, com posterior análise coletiva (rememória) em
reuniões seguidas às visitas. Este relato em documento foi elaborado na tentativa de
ampliar a observação e acrescentar as interpretações e impressões pessoais do
pesquisador.
• Arquivos
Foram pesquisados arquivos das escolas da instituição de forma indireta, isto é,
através de documentos que nos chegavam às mãos, de pesquisas anteriormente
realizadas, e das fontes oficiais e públicas (IBGE, Banco Mundial, Unicef, Ministério
de Justiça, etc.)
• Entrevistas
Foram realizadas entrevistas, sempre que possível, e às vezes, mais de uma vez
com o/a mesmo/a jovem na tentativa de registro dos processos mentais ocorridos na
organização pelo jovem das tarefas acadêmicas. Neste contexto, os alunos muitas
18
vezes fizeram revelações surpreendentes para a equipe e que fazem parte do texto
(resultados) da pesquisa.
As entrevistas utilizavam pares de pesquisadores para que os dados pudessem ser
registrados com maior fidedignidade, entretanto, este procedimento tornou-se, de
certa forma, limitador do contato entre entrevistador e entrevistado, dificultando o
engajamento do entrevistado no contexto da narrativa pessoal. Isto é, o pesquisador,
tomador de notas, passou a ser testemunha ou platéia disponível ao entrevistado, ao
invés de tornar-se um ativo parceiro do entrevistado no trabalho de registro das
falas.
O tipo de entrevista utilizada foi a “não-estruturada”, partindo de solicitações
temáticas espontâneas do entrevistado. Este tipo de entrevista revelou-se
extremamente útil ao propósito da equipe contribuindo muito para estabelecer
vínculos com os jovens e a instituição e para a coleta de relatos considerados
verdadeiros.
• Aná lise
O processo de análise dos dados foi muito trabalhoso devido ao volume de material
coletado e o número de pesquisadores envolvidos na coleta. Seguidas reuniões
foram realizadas durante os meses de maio a dezembro de 1999 na intenção de
evidenciar os pontos de congruência e divergência a serem considerados neste
processo. Em maio, com a equipe quase toda em trabalho, as reuniões foram
determinantes. Utilizamos a estratégia de dividir a equipe em dois grupos, originando
19
dois blocos temáticos: psicológico e pedagógico, procurando evidenciar com clareza
características da pedagogia do DEGASE e suas marcas metacoginitivas.
A análise de dados nesta pesquisa constituiu-se num verdadeiro mosaico de
procedimentos e métodos norteados pelos instrumentos etnográficos como:
descrição, comparação e interpretação dos eventos de acordo com a interpretação
de pesquisadores e consultores e principalmente de acordo com a percepção dos
participantes.
Estudamos formas analíticas apresentadas por outros autores sobre análises
etnográficas, consultamos
colegas experientes em análise de conteúdo e de
contexto e, optamos por utilizar o eixo de análise bottom-up e a matriz analítica de
dados a seguir, modificando um pouco a sua versão original (MATTOS, 1992).
1 .4 - Que st õe s de pe squisa e de line a m e nt o de
a lgum a s re spost a s
Na pesquisa foram delineadas algumas questões, respondidas ao longo da análise
de dados, tempo por resultado as seguintes conclusões.
• A execução das tarefas propostas pelos instrutores e a organizam do
conhecimento por parte dos jovens atendidos pelo DEGASE para desenvolvê-las, foi
estudada exaustivamente durante o período de coleta e análise de dados. As
observações realizadas ressaltam que os alunos resistem às tarefas por não
encontrarem sentido nas mesmas e mantêm-se ligados a execução do comando do
professor por entenderem que pessoal e institucionalmente é o comportamento
esperado dele para “redimir-se” da infração cometida. A organização do trabalho é
20
feita pelo/a professor/ra e não pelo/a aluno/a, que mantêm-se, na maioria das vezes,
alienado ao contexto geral da pedagogia adotada. O desenvolvimento das tarefas se
dá sem o auxílio do professor/a, por ensaio e erro chegando a um verdadeiro
processo de adivinhação do objetivo da tarefa, ou da resposta desejada pelo
instrutor. Pudemos verificar a ocorrência de processos mentais superiores
(estratégias metacognitivas reflexivas) quando independente da situação instrucional
entrevistamos os alunos e os mesmos lembraram como faziam anteriormente suas
tarefas acadêmicas na escola, entendiam o processo de aprendizagem ocorrido e a
aprendizagem fixada enquanto conhecimento aprendido.
• A utilização de estratégias metacognitivas na realização de tarefas escolares por
jovens menos experientes e conscientes de possuírem dificuldades em realizá-las,
tendo por objetivo lhes trazer o benefício de aprender como um jovem inserido na
escola tradicional, foi discutida intensamente pela equipe, em especial pela equipe
“pedagógica” por tratar-se de mecanismos usualmente observáveis em quaisquer
salas de aula. O aluno do DEGASE não diferiu em experiências quanto ao
compartilhamento de conhecimento de outros alunos. Os mais experientes
mostravam suas habilidades que eram seguidas pelos menos experientes, o que
observamos de diferente foi a necessidade de “co-membership”, isto é, afiliação. Os
jovens neste contexto, como em qualquer outro, precisam sertir-se pertencentes a
um grupo, uma “turma”. Num ambiente de privação de liberdade, este fato passa a
ser uma questão de sobrevivência. Na sala de aula isso ficou evidente quando a
harmonia da “cola” ou do “voar dos lápis, borrachas e apontadores”, tinha direção
certa, mesmo que um companheiro estivesse distante, a confiança “de amigo” era a
norma que orientava a troca de experiência e a construção coletiva do
conhecimento. A memória coletiva foi mais um dado que coincide com as
21
referências bibliográficas e quadros teóricos estudados, o aluno lembra fatos e
constrói sua experiência imediata a partir destas lembranças, que muitas vezes,
pode conduzi-lo ao erro, mas que geralmente o ajuda, mesmo que de forma
rudimentar, na solução imediata da tarefa apresentada. Suas limitações e
dificuldades são reveladas, em particular, para alguns, e suas habilidades são
alardeadas como emblemas de confiança e segurança.
• A tomada de consciência sobre utilização de estratégias metacognitivas como
forma de influenciar positivamente na aquisição de novos hábitos e estratégias de
aquisição do conhecimento, teve uma presença especial nos estudos realizados
pela equipe. O apelo para a tomada de consciência dos jovens para o ato
infracional, leva-os a um verdadeiro estado de auto-revelação de suas dificuldades e
suas facilidades diante dos problemas de vida. No entanto, a carreira acadêmica
deste jovens, já marcada pelo fracasso escolar, na maioria das vezes, evidencia
uma dificuldade em lidar com o conhecimento e o uso que podem fazer dele de
modo positivo, isto é, para alicerçar novos hábitos. Embora conscientes das
mudanças necessárias para a aquisição de conhecimentos validáveis pela
sociedade, sentem-se desamparados, despreparados, incapazes e portadores de
toda sorte de incompatibilidades com o ambiente que favorece a aprendizagem. De
fato, o ambiente escolar oferecido a eles é o pior possível, se podemos dizer que ele
existe, mesmo assim demonstraram um potencial de auto- conhecimento de suas
possibilidades para mudança de hábitos e atitudes que os levam a uma vida
“melhor” e em particular a liberdade.
• As dificuldades relatadas pelos jovens e como estas informavam mudanças na
realização com sucesso de tarefas, também foi presença constante em nossas
22
análises. Alunos do DEGASE, como quaisquer outros alunos do sistema
educacional, elencam suas dificuldades de modo claro e preciso, suas falas, no
entanto, são mediadas pelas impressões e representações sociais que carregam ao
longo de suas vidas. Falta de concentração, falta de atenção, pobreza, pais
analfabetos, origem social sem estímulo, aparecem regularmente na lista de
dificuldades. Mas não raro, quando entrevistados sobre seus próprios métodos de
soluções de problemas e maneiras de organizar situações cotidianas, revelam igual
destreza e domínio sobre seus próprios métodos de proceder cognitivamente, até
para cometer um ato infracional. Este item deve ser melhor explorado num tipo de
pesquisa “laboratorial” onde os alunos possam ser testados e comparados em
termos das familiaridades que possuem com os seus processos mentais, devido a
natureza desta pesquisa, cremos que esta foi a questão de respostas mais
constantes e menos precisas, portanto, carece de aprofundamento.
Concluindo, este breve histórico foi apresentado como forma de nortear esta
monografia, situando seu contexto maior da pesquisa e referênciais teóricos.
Capítulo II – DEGASE e CRIAM: A entrada e a saída do sistema sócioeducacional
O capítulo II desta monografia inclui uma descrição do Sistema DEGASE e dos
CRIAM’s na tentativa de explicar as diferentes formas de organização dos CRIAM’s,
especialmente quanto ao espaços físico, administrativo e educacional.
2.1 - DEGASE – Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas
O Departamento de Ações Sócio-Educativas, foi criado em janeiro de 1993, através
da interlocução do Governo do Estado com o CBIA (Centro Brasileiro da Infância e
23
Adolescência) órgão do Governo Federal que substituiu a FUNABEM (Funadação
Nacional de Bem-Estar do Menor), e que teve como missão institucional o apoio à
implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente em todo o país.
Vinculado à Secretaria de Estado de Justiça, é o órgão responsável pela execução
das medidas sócio-educativas no Estado do Rio de Janeiro.
O DEGASE é composto por unidades distribuídas pela Capital e Interior do Estado
do Rio de Janeiro. Estas unidades estão voltadas para o atendimento dos
adolescentes em conflito com a lei e para o cumprimento de medidas de privação de
liberdade, semi-liberdade, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida.
O Sistema DEGASE é formado pelas seguintes unidades: Direção Geral e
Administração Central; Centro de Triagem e Recepção; Instituto Padre Severino
(destinado às medidas sócio-educativas de internação provisória para adolescentes
do sexo masculino); Escola João Luiz Alves (destinada às medidas sócio-educativas
de internação para adolescentes do sexo masculino); Educandário Santo Expedito
(destinado às medidas sócio-educativas de internação para adolescentes do sexo
masculino); CAI-Belford Roxo (destinado às medidas sócio-educativas de internação
para adolescentes do sexo masculino); Educandário Santos Dumont (destinado às
medidas sócio-educativas de internação provisória e internação para adolescentes
do sexo feminino), além de 17 Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao
Menor – CRIAM’s (destinados à execução de medidas sócio-educativas de semiliberdade e liberdade assistida).
2.2 – CRIAM - Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor
24
Os Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor – CRIAM’s – são
unidades responsáveis pelo atendimento dos adolescentes que estão cumprindo
medidas de semi-liberdade e liberdade assistida. A semi-liberdade pode ser
determinada como primeira medida ou como processo de transição do adolescente
à comunidade, possibilitando a realização de atividades externas. É obrigatória a
escolarização e a profissionalização, devendo ser utilizados os recursos existentes
na comunidade, quando possível. Nessa medida o adolescente permanece no
CRIAM de segunda a sexta-feira e recebe autorização para ir para casa nos finais
de semana.
A liberdade assistida é uma medida sócio-educativa que possui características de
restrição de liberdade, pois passa a condicionar o estilo de vida do adolescente. Ë
designado um orientador para acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente no
cumprimento da medida, entre elas: inserção comunitária, manutenção de vínculos
familiares, freqüência e aproveitamento escolar, promovendo, inclusive, sua
matrícula e inserção no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes. Cabe
ainda ao orientador apresentar relatório do caso ao Juiz responsável pela região
aonde se encontra a unidade.
Os CRIAM’s são unidades para 32 adolescentes, de ambos os sexos, assistidos por
uma equipe de profissionais divida entre pedagogos, psicólogos, assistentes sociais,
agentes educativos, agentes de disciplina e alguns funcionários administrativos e
responsáveis pela manutenção e conservação do espaço.
A estrutura física dos CRIAM’s é igual nas diversas unidades, possuindo uma parte
interna e outra externa. Mesmo tendo uma arquitetura “aberta” aparentemente
25
destinada à livre circulação dos adolescentes, existem grades e portões em ambas
as partes. A parte interna tem a forma que nos remete a um octógono ou mesmo,
uma grande gaiola.
Ela se divide em dois alojamentos, um feminino e um
masculino, sendo que o feminino é ocupado pelos meninos quando não existe a
presença de nenhuma menina cumprindo medida. Esses alojamentos são divididos
em quatro quartos, com duas camas beliches cada, sendo o banheiro coletivo.
Uma ala é composta por um salão onde são realizadas as atividades pedagógicas e
algumas oficinas, uma sala pequena onde no CRIAM de São Gonçalo por exemplo é
utilizada como biblioteca e sala de atendimento e uma sala um pouco maior com um
pequeno banheiro onde fica a equipe técnica. Existe uma última ala onde se localiza
o refeitório, a cozinha, a lavanderia e duas salas destinadas a parte administrativa.
Na parte externa são encontradas três salas destinadas as oficinas, o almoxarifado,
um espaço para horta e uma quadra de esportes.
É interessante descrever aspectos físicos do prédio pois em nossa interpretação
esta construção representa uma demarcação de espaço e uma forma de controle.
Mesmo que aparentemente não lembre uma instituição penitenciária esse espaço
ainda é visto e utilizado como um presidio e não distancia-se muito da aparência de
qualquer escola mesmo as mais precárias. Sendo assim, a instituição passa a
brincar de escola em seu interior com o aval do sistema estadual de educação visto
que como instituição sócio-educadora representa oficialmente a escola.
Para ilustrar que como nós os adolescentes também percebem este local, como
sendo um espaço de presídio e não de escola, apresentamos a seguir um desenho
contendo a representação desse espaço pelo aluno Mário do CRIAM da Penha.
26
Para facilitar o entendimento descrevemos o contexto circundante a realização do
trabalho.
“Foi pedido aos alunos que fizessem algum desenho retratando o
cotidiano na instituição, um deles desenhou a estrutura do CRIAM que
é padrão de construção em todas as construções e tinha como
finalidade proporcionar liberdade de espaço para a realização de
atividades recreativas, profissionalizantes, culturais etc., todavia com o
aumento do número de fugas, a preocupação com a segurança foi
redobrada, foram construídas grades e cercas no espaço aberto
existente, dando-nos a impressão de semelhança a uma “gaiola”.
Coincidentemente encontramos na obra de Foucault “Vigiar e Punir”
(FOUCAULT, 1977) a descrição de um presídio com um aspecto
semelhante. O que nos confirma a repetição de uma estratégia que
obedece a um mito de controle pela grade, a contenção do espaço
físico e uma prática de controle ritualizada do ser humano. A diferença
existente entre as passagens descritas por Foucault é que elas são de
outro século, medievais e que ainda são utilizadas como medidas
sócio-educativas. Funcionando como ritos de prisão e não de escola”.
27
Blouet., A. - Projeto de Prisão Desenho do Criam da Penha
celular para quinhentos e oitenta realizado por um dos internos
condenados , 1843
Como podemos observar temos uma escola que é uma prisão e professores que
são
disciplinadores,
informantes
e
vigilantes.
Contraditoriamente,
esse
comportamento dos agentes e professores assume um papel legitimador da
autoridade e da instituição que aparentemente sócio-educa através de sistemas
muito distantes do papel que a educação formadora e socializadora deve ter na
sociedade.
Descreveremos no próximo capítulo como a demarcação do espaço utilizado como
forma de controle, ou seja, um espaço de presídio e não de escola, influencia e
determina a construção da vida educacional e social destes alunos.
28
Capítulo III – O CRIAM: a Esperança de Liberdade
3.1 - A participação da Comunidade no CRIAM
A parte III desta monografia inclui conteúdo sobre a participação da comunidade no
CRIAM. Buscamos aqui ampliar a compreensão e reflexão sobre as relações de
interação que se estabelecem entre a comunidade e o CRIAM como também
descrever e refletir em que medida essas relações influenciam e determinam a
construção da identidade destes alunos e da sua vida educacional. Para isso
iniciamos com uma apresentação do desenvolvimento das atividades e oficinas
pedagógicas.
3.1.1 - Atividades e Oficinas Pedagógicas
Os CRIAM’s têm suas especificidades, classificados pelo discurso oficial do
DEGASE, aprendemos que alguns são “proibidos” como o de Caxias, outros são
favoritos, como o de São Gonçalo, o da “Penha” é interessante. Em meio à
interdição e o favoritismo, visitamos aqueles cujas equipes técnicas mostraram-se
dispostas a receber-nos, sem contudo atinarmos para as “propagandas” do sistema.
Estudamos o que foi concebido pelos profissionais e experimentado pelos alunos
como atividades consideradas sócio-educacionais.
Podemos diferenciar dois tipos de atividades que funcionavam no CRIAM de São
Gonçalo7 com dinâmicas distintas, a primeira, que em muito se assemelhava as
2
Em determinados momentos vou me deter ao CRIAM São Gonçalo pois nas demais unidades – Penha,
Nilópolis e Teresópolis – as atividades e oficinas pedagógicas, no período de coleta de dados não estavam
funcionando e também por ter sido a unidade que participei mais intensamente. A estrutura de funcionamento
29
atividades escolares eram chamadas de atividades pedagógicas. A segunda, tinha
um explicito intuito de, não só integrar o jovem à comunidade, como oferecer-lhes
uma oportunidade profissional futura, eram chamadas oficinas pedagógicas.
Para melhor entendermos como funcionavam estas atividades descreveremos
algumas do CRIAM de São Gonçalo, onde eram oferecidas oficinas de mecânica,
informática, refrigeração, eletricidade, cabeleireiro, parafuso, teatro e vassoura.
Foram estudadas ainda as atividades pedagógicas rotineiras, isto é, salas de aulas
normais, assim como as atividades de leitura.
Na impossibilidade de detalharmos todas as atividades, a seguir, caracterizaremos
estas atividades a partir da percepção de sua relação com o processo de ensino
aprendizagem, e particularmente estamos interessados na relação entre estas
características e sua integração com a comunidade, isto é, especificamente qual a
percepção da comunidade em relação à atividade e dos jovens e profissionais em
relação a sua utilização.
3.1.2 - Descrição das Oficinas
Durante o período que estivemos pesquisando no CRIAM, pudemos observar
algumas oficinas pedagógicas.
Oficina de Mecânica
A oficina de mecânica era oferecida aos alunos do CRIAM e da comunidade no
mesmo espaço, ou melhor, em salas de aulas no interior do CRIAM. Nesse espaço
dos CRIAM’s é muito parecida, os cursos são semelhantes, mas às vezes as atividades/oficinas não acontecem
por vários motivos tais como: falta de instrutores, de material e espaço físico.
30
destinado a mecânica haviam várias carteiras, ao fundo existia uma divisória de
madeira fazendo a separação entre a oficina de mecânica e a de eletricidade. Em
uma das paredes havia um quadro negro utilizado pelo instrutor para desenhar as
peças de mecânica para melhor ilustrar suas explicações. Nesta mesma parede,
assim como nas demais, havia uma bancada (tábua ao redor da parede, na altura da
cintura do aluno) onde eram colocadas as peças estudadas, nesta mesma bancada
que servia de mesa, mensagens escritas podiam ser lidas por todos, mensagens
essas de conteúdo comportamental e moral, que destacavam-se por não estarem
contextualmente inseridas no conteúdo da aula.
A frequência das aulas era de duas vezes por semana, no turno da manhã e da
noite, com três horas de duração, iniciando geralmente às 9 horas e às 19 horas.
Eram aulas práticas e teóricas. Nas aulas práticas os alunos tinham que fazer o
reconhecimento das peças, montá-las e desmontá-las. Nas aulas teóricas os alunos
contavam com uma apostila para consulta e acompanhamento das explicações
feitas pelo instrutor.
Nestas aulas, os alunos do CRIAM não falavam nem perguntavam nada. Quando
eram trabalhadas as informações da apostila não a consultavam, entretanto
pareciam prestar atenção às explicações do instrutor tanto que quando solicitados
para a realização de uma tarefa a resolviam de forma correta.
Observamos que quantitativamente o número de alunos oriundos da comunidade
era maior que os alunos do CRIAM. Na opinião do instrutor “os alunos não se
interessavam muito pela mecânica preferindo a de refrigeração por ser mais limpa”.
Em nossa opinião não era dada muita ênfase à participação do adolescente, devido
31
a sua situação de infrator, geralmente associada a vagabundo. O fato de ser
oferecido à comunidade foi entendido por nós como uma forma de mostrar que a
comunidade
estava presente no CRIAM, mas entendemos mais como uma
utilização indevida do espaço público, já que a participação do interno não era o
objetivo principal.
Outra dificuldade encontrada pelos alunos do CRIAM era o fato das aulas serem
organizadas a partir da leitura de material escrito (apostila). Isto porque, existia no
CRIAM alunos que tinham dificuldades na leitura. Isso fazia com que eles tivessem
dificuldade na apreensão do conteúdo teórico trabalhado pelo instrutor. Havia por
um lado a dificuldade real da leitura, ou seja, a decodificação do que estava
impresso na apostila e a relação deste conjunto teórico com o trabalho prático,
manual, realizado na bancada com as ferramentas disponíveis. Por outro lado,
notávamos uma resistência por parte dos alunos, compreensível, devido a sua
dificuldade já citada anteriormente. Podemos observar esta relação de resistência
em um trecho do funcionamento da aula de mecânica, onde :
“O aluno Marcelo observava as explicações do instrutor Cláudio com
os braços cruzados sobre a mesa.
Cláudio:_ Olha essa figura de baixo! ( E apontou para a apostila do
senhor que estava sentado atrás do aluno ).
Marcelo virou-se para atrás olhando rapidamente para apostila
apontada, mas não olhou para a sua.
Quando um outro senhor, à direita dele, perguntou sobre algo da
apostila, ele também olhou rapidamente para a apostila do
perguntador.
O aluno pegou sua apostila pela ponta superior com os dedos
indicador e polegar da mão esquerda, alisou-a com o dedo polegar e
largou-a sobre a mesa.
32
Cláudio:_ ... mínimas coisas que a gente temos cuidado (sic). (...) Pode
olhar logo no início da apostila!
Marcelo chegou a segurar a parte superior da apostila sem, entretanto,
consultá-la. Coçou a barriga.
Diante de questionamento da comunidade, o instrutor Cláudio pegou
peças para tirar as dúvidas de modo mais concreto. Marcelo
continuava acompanhando o instrutor com os olhos sem nada falar.
O instrutor trabalhou o encamisamento perguntando após:
_ Deu para seguir o raciocínio?
Marcelo confirmou com a cabeça. Ele estava com os braços cruzados
sobre a mesa. Mas, após responder afirmativamente com a cabeça,
pôs a mão fechada sob a boca e o cotovelo na mesa. Não muito
depois puxou a mão para o lado da cabeça.
Marcelo olhou para alguém que fez uma pergunta. Depois do olhar,
novo bocejo.
Cláudio:_ Ficou alguma dúvida? (...) sua dúvida ficou sanada?
O adolescente nada respondeu e nenhum gesto fez, ao contrário das
outras pessoas.”
A vergonha de não dominar a linguagem escrita fazia com que os alunos criassem
mecanismos de disfarces, mas ao mesmo tempo isso não significava que eles se
encontravam completamente alheios a atividade que estava sendo desenvolvida. A
situação se complicava pelo fato do instrutor que ministrava as
aulas ser uma
pessoa da comunidade que entendia do assunto e não um professor de mecânica.
Isso se refletia na dinâmica da aula que ignorava o fato da dificuldade que eles
tinham na leitura e na facilidade que eles tinham em aprender através da
observação. A apostila funcionava como agente legitimador do “ser professor” .
•
Oficina de Parafusos
Esta oficina funcionava nos fundos da sala destinada a oficina de refrigeração. Nela,
além das duas mesas e do material da outra oficina, haviam duas máquinas em que
33
os alunos trabalhavam. A atividade consistia em rosquiar parafusos para vaso
sanitário. Durante a execução do trabalho alguns parafusos caiam no chão em volta
da máquina e não eram recolhidos, isso porque atrasava o serviço e eles tinham que
encher seis sacos por dia. Por esse trabalho recebiam R$ 95,00
por mês.
Observamos que nesta oficina não existia a orientação nem a supervisão de um
instrutor, os alunos passavam o dia sozinhos e deixavam de participar das outras
oficinas. Para ilustrar que eles realmente ao participarem desta oficina se
ausentavam das demais perguntamos:
“Vocês fazem alguma outra atividade além desta?
Claro tia, a gente almoça, lancha, conversa...”
Percebemos, não só pela fala do aluno mas também ao conversarmos com a
pedagoga Nívea, que eles muitas vezes deixavam de participar das outras
atividades dando prioridade a oficina de parafusos.
Observamos que esta parceria que havia sido estabelecida com os empresários
locais, com a justificativa de proporcionar aos alunos atividades de cunho lucrativo e
educacional, se revelava como recrutamento de mão de obra barata e mera
atividade mecânica e repetitiva, sem nenhum caráter de inclusão social.
•
Oficina de Informática
A oficina de Informática do CRIAM de São Gonçalo localizava-se na área externa
entre os dois alojamentos masculinos. Era uma sala pequena que não fazia parte do
projeto original de construção. Nela haviam quatro computadores instalados,
conseguidos em parceria com a comunidade, segundo nos informou o diretor
Eduardo. Ele ainda nos declarou que os alunos do CRIAM frequentavam as aulas de
34
informática juntamente com a comunidade, fato não observado por nós, pois na sala
só haviam alunos da comunidade.
Parece que esse espaço era uma espécie de terceirização, ou seja, no lugar do
pagamento de uma sala para a realização de um curso, bastava incluir um ou dois
alunos do CRIAM. O problema era que esse espaço pertencia aos alunos e quando
a comunidade oferecia os cursos, os alunos do CRIAM ocupavam um papel de
coadjovantes. O mais importante era a implementação do curso, seu caráter
profissionalizante e não um processo educativo e reintegrador. Os alunos do CRIAM
e da comunidade apenas ocupavam um mesmo espaço, a aproximação que se
estabelecia era puramente física: dois corpos ocupando um mesmo espaço e
camuflando uma situação que feria os princípios e a proposta oficial da instituição –
ações sócio-educativas. Ou seja, a reintegração, a resocialização com a
comunidade não acontecia.
•
Oficina de Cabeleireiro
As aulas desta oficina aconteciam no mesmo dia e horário da oficina de leitura,
ocupando a sala de atividades. Desta maneira a oficina de leitura, restrita aos alunos
do CRIAM, funcionava em uma pequena sala da parte administrativa, que servia de
passagem para a comunidade e funcionários irem ao banheiro. Observamos que a
oficina de cabeleireiro estava repleta de pessoas da comunidade. De fato,
comprovou-se mais uma vez a mera utilização do espaço físico da instituição pela
comunidade, sendo que desta vez, ficou claro o motivo de exclusão dos alunos.
Oficina de Teatro
35
Nesta oficina, coordenada pelos instrutores Beto e Aparecida, as atividades se
desenvolviam
em
dois
momentos
distintos.
No
primeiro
momento
eram
desenvolvidas atividades corporais e encenação de peças de teatrais – produzidas
pelos próprios alunos, que muitas vezes acabavam encenando a história de suas
vidas. No segundo momento realizavam atividades artísticas como desenho, pintura
e cartonagem.
Os instrutores eram membros de uma Igreja Evangélica e por isso ao término das
aulas pediam aos alunos para juntos fazerem uma oração e pedidos a Deus.
Também, nos finais de semana, acompanhavam os alunos, que permaneciam no
CRIAM, ao culto.
0 Atividades Pedagógicas
A sala onde aconteciam as atividades pedagógicas era espaçosa, com muitas
janelas e com a porta de entrada voltada para o pátio interno da instituição. Nela
haviam duas mesas, uma redonda com quatro cadeiras e uma retângular com dois
bancos. Estas atividades eram coordenadas pelas duas pedagogas da unidade, que
esmeraram-se em mostrar o melhor se si, quando revelado pelo Diretor Eduardo o
nosso interesse em conhecê-las
e ao seu trabalho. Todo o material didático bem
como as aulas foram preparadas para “passar uma boa impressão”.
Em uma visita observamos uma atividade que consistia em mostrar o contrário da
família dos alunos através de comparações de figuras. Foram distribuídas três
figuras – desenhos coloridos do tamanho de uma folha de papel ofício, colados
sobre uma cartolina. Na figura 1 havia um grupo de pessoas reunidas em torno de
uma mesa realizando uma refeição: um casal de idosos, um casal de meia idade e
36
três crianças. A figura 2 mostrava um homem de meia idade, em frente a uma casa
se despedindo de uma menina e uma mulher, que segurava um menino no colo, ao
lado de um outro menino que segurava um ursinho de pelúcia. Na figura 3 havia um
casal jovem com duas crianças sentados a mesa comendo um bolo, enquanto o
homem distribuía o que parecia ser um bombom.
Enquanto essas figuras iam sendo distribuídas, as pedagogas iam categorizando
cada uma. A primeira foi categorizada como sendo uma família composta pelos
avós, pais e filhos, a segunda como uma família onde o pai se despedia da mulher e
dos três filhos e a terceira como sendo a ilustração de uma família que estava
lanchando enquanto o pai distribuía doces. Vejamos a descrição da atividade:
Luciana: “Vocês vão olhar pra figura e dizer, escrever o que acontece
na sua família e o que você acha de diferente em relação a sua família”
Luiz: “Ah, isso é muito chato… “
Luciana: “Sua família é assim?”
Paulo: “Não.”
Luciana: “Esse é o objetivo, esse quadro vem mostrar o contrário da
família de vocês.”
37
Nesta atividade as pedagogas haviam partido do pressuposto de que a cena familiar
contida nos desenhos era contrária a realidade familiar dos alunos. Oficialmente
todos os técnicos da instituição tinham acesso aos prontuários dos alunos e
estabeleciam contato com suas famílias, mesmo assim, isso não justificava o
conceito pré concebido de como se organizaria suas famílias, sem perguntá-los
sobre suas realidades. As pedagogas partiram da premissa de que os alunos se
reportariam as suas famílias nucleares e não levaram em conta que muitos já
haviam constituído outras famílias. Ainda, nesta atividade, buscavam através destas
figuras um ideal de família “boa, feliz, branca, limpa, bonita, com avós e pais”, no
sentido de estimular a auto-estima dos alunos, em sua maioria absoluta, negros,
mestiços, pobres, infelizes, infratores e, por exemplo cuja avó faleceu.
Ao término da atividade a pedagoga Nívea, analisou o material utilizado na aula,
fornecendo e auxiliando na compreensão de seus objetivos.
Nívea: “ O que a gente quis enfatizar aqui? Não é a realidade deles. É uma situação
tradicional. Começa até pela raça: eles são brancos (personagens das figuras), os
filhos são bonitos, tem objetos caros. Aqui, o menino tem um bicho de pelúcia.
Aparentemente não tem problemas… tem uma situação de equilíbrio. A gente vê
aqui a união da família rezando… orações, fartura. Será que eles tem família
constituída, comendo com garfo, faca, copos, mesa limpa, higiênica, sorrisos,
cadeiras… ? Será que existe esse ambiente? A casa dessas pessoas (alunos) é
uma total sujeira, não tem hora para nada, come com a mão… A gente vê aqui na
hora do almoço, é uma falta de educação pra comer. Isso pra família não é
importante. Mas como é que vai cuidar da higiene, unhas limpas… Não tem água. A
pessoa ser pobre não é sinônimo de imundice. É que ela vai deixando pra lá: não
lavam os pés, não ligam mais… Eles (alunos) não lavam. Outro dia o aluno colocou
o pé na cadeira, eu bati na perna dele e mandei ele abaixar. Uns são melhorzinhos,
agora uns… A gente passa como deve sentar, mostra a contradição e como mais ou
menos deveria ser. Nosso objetivo é educacional. Antes de pedagogas somos
educadoras. Tem que passar o mínimo de educação até pra sobreviver dentro da
marginalidade. Não adianta meus preceitos, eles não são da minha família, tem que
partir deles pra gente. Não adianta querer que eles sejam lindos, maravilhosos,
limpíssimos. Eles querem ser sujos, pés sujos, cheios de machucados, coceiras.
Eles tem que introjetar isso, eles tem que querer. O que a gente quer não é
38
realidade. Eles tem que incorporar, introjetar esses conceitos, estudar, participar das
atividades, colaborar com as tarefas do CRIAM… ajuda na medida.”
Não identificamos com precisão o significado nem tampouco o objetivo pedagógico
desta atividade, mas interpretamos que estas refletem de forma clara a maneira de
pensar dos profissionais desta unidade.
•
Oficina de leitura
Esta oficina, como dito anteriormente, restrita aos alunos do CRIAM, funcionava em
uma pequena sala da parte administrativa. Era ministrada por duas bolsistas do
Programa Ler-UERJ, Fabíola e Márcia. A oficina consistia em incentivar a leitura
através de letras de músicas e contos de fadas.
Durante o período em que estivemos pesquisando nesta unidade, só foi possível
observar uma única aula pois nos demais dias reservados a esta oficina as aulas
não aconteceram. Acreditamos que o fato de haver uma descontinuidade do
trabalho que vinha sendo realizado prejudicava o desenvolvimento do mesmo.
3.1.3 - Comentários sobre a participação da Comunidade no CRIAM
No CRIAM de São Gonçalo as oficinas pedagógicas eram promovidas por
professores da comunidade responsáveis inclusive, pelo desenvolvimento didático
metodológico. Os alunos da comunidade pagavam uma mensalidade que era
utilizada para a manutenção das oficinas: salário dos professores e confecção das
apostilas. Isto ocorria quando da ausência de profissionais da instituição bem como
de recursos. Outra justificativa para a ênfase no atendimento aos alunos da
comunidade e outra confirmação de que o espaço público estava sendo utilizado
indevidamente.
As atividades e oficinas pedagógicas muitas vezes eram utilizadas como
preenchimento do tempo ocioso ou como punição, não sendo entendidas como
possibilidade de inserção no mercado de trabalho. A fala do diretor Eduardo
39
exemplifica o caráter punitivo: “não querendo participar da aula vai para o prontuário
dele e assim quem sabe ele não consegue a liberdade assistida”.
Nas oficinas em que as aulas eram ministradas pela comunidade, os profissionais
não eram professores, ou seja, acabavam por realizar uma tarefa que poderia estar
sendo feita por outros profissionais. O fato de estarem dando aulas no CRIAM
legitimava o papel de professor, que na verdade não eram. A oficina de leitura era
um exemplo do que esperávamos encontrar no CRIAM. Existia um coordenador
responsável por ela, e “estagiários” que desenvolviam um trabalho juntamente com
os alunos. Não julgamos se esta oficina era bem desenvolvida ou não, mas nela
existiam profissionais qualificados para a execução deste trabalho. Em nossa
opinião outras pessoas da comunidade, como alunos de outros cursos, pudessem
por em prática no CRIAM todo o seu aprendizado.
40
3.2 - A participação do CRIAM na Comunidade
Destacaremos, agora, as relações estabelecidas pelos CRIAM’s8 na interação com
a comunidade através da participação em cursos profissionalizantes e na escola.
Durante o período da pesquisa de campo, observamos que no CRIAM São Gonçalo,
os alunos não eram matriculados nas escolas, uma das justificativas era estarem
aguardando o período de matrícula. A outra era o fato do juiz não exigir
escolarização e profissionalização com o intuito de avaliar o aluno, mas sim o “bom”
comportamento.
Assim, a primeira justificativa pode ser exemplificada com a fala da pedagoga
Luciana:
6
1
“Após a refeição Wanda procurou a pedagoga Luciana na sala das
técnicas e perguntou-lhe:
2
Wanda: os meninos estão matriculados em escola regular?
3
Luciana : Não, não, não .
4
Wanda: Por quê ?
5
Luciana: Porque alguns são novos e porque aguardamos a época de
inscrição.”
A pedagoga explicou não matricular os alunos na escola, devido ao fato de ter que
aguardar a época de inscrição. Porém isso é garantido por lei,
a matrícula em
qualquer época do ano. Embora tenhamos ciência de que o número de vagas nem
sempre é suficiente para o número de alunos, a situação deste jovem em particular é
garantida, pois ele está sobre a guarda do Estado e não da família.
8 O CRIAM de Teresópolis não será cfitado, pois os meninos mantinham contato com a comunidade apenas
através de aulas de capoeira, não sendo matriculados nas escolas por falta de vagas.
41
7
Na mesma entrevista destacamos a segunda justificativa, que evidencia a ausência
de alunos matriculados na escola, culpabilizando a justiça pelo não cumprimento das
medidas.
8
“ Wanda: - Por que o aluno não está matriculado na escola?
9
Luciana: - “o menino que não está matriculado (....) O juiz, se ele
(aluno) tem bom comportamento, libera pra ir embora”.
10 Wanda: - “Libera pra ficar em L.A. Ele tem que participar das
atividades?”.
11 Luciana: - “O juiz não dá apoio. (...) a Escola não tem vaga ( está sob
medida) o juiz determina. Aqui não tem isso”.
12 Wanda: - “Aqui não tem isso?”.
13 Luciana: - “a última vez que eu consegui foi com o (....). Ia cancelar,
não ia liberar. Estamos procurando ingressá-los na aula, em janeiro”.
14 Wanda: - “o que você está fazendo?”.
15 Luciana: - “matrícula......”.
16 Wanda: - “porque pelo estatuto a medida de S.L. exige que o menino
tenha escolarização e profissionalização, lá no Rio o juiz exige, qual
escola, qual curso. Tem o BECA(?) Banco de Emprego, não sei
aqui....”.
17 Luciana: - “aqui não (......) mas não pra aqui”.
18 Wanda: - “tem algum (....) matriculado fora?”.
19 Luciana: - “tem o Leonardo, na serigrafia e tinha o José, na serigrafia,
que evadiu”.
20 Wanda: - “Quais suas atribuições?”.
21 Luciana: - “ver Escola, participação, mural...”.
22 Wanda:_ Então, o Juiz não usa o Estatuto?
23 Lucianai:_ Não.
24 Wanda:_ Qual é o critério, então, utilizado pelo Juiz?
42
25 Luciana respondeu que era o comportamento. Disse que está há um
mês no CRIAM e o que sabe é isso.”
26 …
27 Pudemos observar que a fala da pedagoga refere-se a nossa presença, pois muitas
vezes não condiz com o que foi analisado por nós, transferindo para a justiça a
responsabilidade da não existência de escolarização e profissionalização.
28 A equipe técnica nos relatou que uma alternativa sugerida pelo juiz seria que as
professoras das escolas fossem uma vez por semana ao CRIAM fazer o reforço
escolar, uma vez que as escolas não aceitam os adolescentes.
29 Acreditamos desta maneira que o juiz não atende ao Estatuto da Criança e do
Adolescente, cabendo a ele determinar o cumprimento da lei, relatada abaixo:
30 “Seção VI – Regime de Semiliberdade - artigo 120 – parágrafo 1º - É
obrigatório a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre
que possível, ser utilizado os recursos existentes na comunidade.”
(VOLPI, 1997)
31 Quanto aos cursos profissionalizantes, fomos informados que haviam mais ou menos
50 adolescentes que cumpriam medida de liberdade assistida e semiliberdade,
participando dos mesmos. Os números existentes nesta unidade revelavam a
desorganização referente a participação qualitativa e quantitativa dos alunos. Pois
havia ao todo no CRIAM de São Gonçalo 110 adolescentes, 12 em semiliberdade e 98
em liberdade assistida, sendo que apenas 2 de semiliberdade encontravam-se
participando dos cursos.
32 Eles alegavam que a dificuldade existente era em virtude do corte de verbas e de
instituições como SENAC, SESI, SENAI estarem cobrando pela participação dos
alunos. Desta forma isso demonstra o reduzido número de alunos inscritos nos cursos.
43
No CRIAM Penha, a realidade encontrada não foi muito diferente da citada
anteriormente. Alguns alunos chegaram a ser matriculados nas escolas da rede
oficial de ensino, por determinação do juiz, e nos cursos profissionalizantes.
Ocorrendo, porém, um implícito processo de exclusão e marginalização, destacados
no trecho abaixo na fala da Assistente Social Sheila:
“Eles são matriculados no supletivo. São matriculados por determinação do Juiz.(…)
Não pode haver tratamento diferenciado (…) Agora, na escola estadual, se não está·
frequentando, é eliminado.”
Podemos reafirmar tal fato através do diálogo entre a
assistente de pesquisa
Cristina e alguns alunos do CRIAM:
“Cristina:- Alguém está estudando?
Houve uma certa hesitação em responderem.
Cristina:- Quem não está estudando?
Bernardo:- Meu caso é que não deixam (...) Eu estudava (...) Tenho minha matrícula
na 5a.série.
Guilherme respondeu que não com a caberá acrescentando;
- Fui expulso.
Bruno:- Eu estudo. (...) 7a. série. (...) Colégio Hércules.
Cristina:- Tem quantos garotos?
Bernardo:- Tem uns 30. (...) Quem estuda tá no colégio. Não voltou do final de
semana, deve ter ido direto.”
Em relação aos cursos, a diretora Vanessa nos informou que o agente Pedro havia
conseguido vinte vagas na construção civil, mas que apenas dois alunos haviam
sido matriculados, perdendo as demais vagas.
O CRIAM de Nilópolis, se configura de forma diferente. Os alunos que chegam a
unidade são matriculados imediatamente na escola, pois em geral, vem com a
44
exigência de escolarização e profissionalização. Apenas aqueles que tem atividades
externas vetadas por risco de vida não são matriculados.
Segundo fomos informados pela diretora Flávia, a pedagoga fazia visitas semanais
as unidades escolares para o acompanhamento do adolescente. Ainda segundo ela,
as escolas eram resistentes ao infrator sendo discriminados em algumas delas.
Os cursos externos são realizados na Universidade Popular da Baixada, em Caxias,
onde os alunos são sempre bem recebidos, pois os que por lá passaram foram
avaliados por “bom” comportamento.
Após analisarmos as 3 unidades, constatamos que mais uma vez os CRIAM’s,
utilizando-se de subterfúgios, deixam de cumprir com sua função de reintegração e
ressocialização, a partir do momento em que seus alunos não são matriculados nas
escolas e cursos, bem como não exercem uma profissão.
Sendo assim, acreditamos que a falta de uma articulação entre os CRIAM’s e a
comunidade contribui para não aceitação dos alunos pelo grupo social.
Considerações Finais
A relação Escola/Comunidade configura-se em uma problemática educacional,
onde a escola deve refletir os ideais e necessidades da comunidade em que se
insere. Por sua vez cabe a Comunidade fiscalizar e participar das ações da escola
garantindo que esta desenvolva programas condizentes a sua realidade.
O CRIAM não difere da maioria das escolas, com um agravante, os alunos são
adolescentes marginalizados e excluídos do processo educacional que ao tornaremse jovens infratores são enviados para as instituições de ressocialização que em
diversos momentos confundem-se entre escolas/ prisões, tornando-se, então,
também excluídos do sistema social.
A realidade dos alunos e alunas do CRIAM vem sendo, muitas vezes, preterida por
professores que insistem na utilização de modelos tradicionais de ensino. Estas
45
práticas levam a um grande número de alunos para fora da sala de aula,
aumentando o número de adolescentes excluídos de seu direito à educação.
Embora tenhamos identificado diversos aspectos negativos em relação a ausência
de uma proposta pedagógica coerente, percebemos que a possibilidade da
frequência a escola para o aluno sinaliza a liberdade. Ou seja, a possibilidade da
saída da “prisão” e a inclusão social. Num sentido mais amplo, o retorno a uma vida
regular no seio social.
Acreditamos que a valorização de instrutores e pedagogos nesta instituição seja
fundamental para que o trabalho pedagógico possa ser realizado mais
significativamente.
Existe a necessidade de um trabalho conjunto entre a equipe técnica dos CRIAM’s
e os instrutores da comunidade. Ou seja, ambos precisam receber assistência
técnico-pedagógica que deverá ser decidida conjuntamente.
É necessário que este trabalho se desenvolva de modo que possam aprender a
pensar e a realizar o fazer pedagógico de forma significativa e coerente para os
alunos e para eles próprios. Isto ocorre através de uma mudança estrutural do
sistema de atendimento ao adolescente e da valorização da educação, da instrução
escolar, do magistério e através do respeito pelo educando na busca de uma
reintegração a sociedade.
Em nossa opinião, a promoção da integração do aluno na rede oficial de ensino por
parte da equipe técnica do CRIAM, é fundamental para garantir a este o exercício
legal do seu direito a educação. Bem como criar com as escolas alternativas
metodológicas, culturais e pedagogicamente adequadas que permitam aos alunos
assegurar a sua educação formal e sua promoção social.
Acreditamos que estas propostas possam auxiliar o CRIAM e a Comunidade a
reestruturar sua política educacional e que o desenvolvimento de habilidades
46
metacognitivas é uma alternativa para a ampliação e criação de políticas públicas
mais favoráveis às necessidades do jovem em conflito com a lei podendo subsidiar
práticas pedagógicas em andamento e que precisem de reformulação ou
adequação.
Referências Bibliográficas
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Adolescente Editora JB, Rio de Janeiro, 1990.
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DINIZ, A. & CUNHA, J.R. Visualizando a Política de Atendimento à Criança e ao
Adolescente, Kroart Editores, Rio de Janeiro, 1998.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Editora Vozes, Petrópolis, 1977.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia - saberes necessários à prática educativa.
Editora Paz e Terra, São Paulo, 1996.
GIUSTINA, Pe. J. D. Medidas Socioeducativas em Meio Aberto: Prestação de
Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida. Ministério da Justiça, Brasília,
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HELLER, A. Além da Justiça. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1998.
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rebeldia. T.A. São Paulo, Queiroz, 1991.
PIAGET, J. O nascimento da Inteligência. Jorge Zahar Editora, Rio de Janeiro, 1975.
ROGERS, C. Tornar-se Pessoa. Martins Fontes, São Paulo, 1997.
47
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Liberdade: A Normativa Nacional e Internacional, Reflexões acerca da
Responsabilidade Penal. Cortez Editora, São Paulo,1997.
VOLPI, M. O adolescente e o ato infracional. Cortez Editora, São Paulo,1997.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
VYGOTSKY, L. S. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
48
Texto
6
A construção da auto-imagem do jovem em conflito com a lei: a influência das
instituições
Carmen Lúcia Guimarães de Mattos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Karina Franklin Guimarães
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Resumo
Esta monografia estudou a questão da auto-imagem de adolescentes em conflito com a lei
atendidos pelo sistema DEGASE – Departamento Geral de Ações Sócio- Educativas. O
estudo focou o desenvolvimento da construção e da reconstrução da auto-imagem desses
jovens nas escolas do DEGASE, localizadas no Estado do Rio de Janeiro. Este trabalho
monográfico é parte da pesquisa Metacognição em Sala de Aula: Um estudo sobre os
processos de construção do conhecimento na perspectiva do jovem infrator no Estado do
Rio de Janeiro. As análises e conclusões específicas sobre o tema auto-imagem, concluiu
que no interior dessas escolas existe uma grande possibilidade do adolescente agravar seus
problemas de auto-imagem, aumentando a possibilidade de que a auto-imagem negativa de
si mesmo tornou-se um fato constante, importante na formação da identidade.
Introdução
Esta monografia descreve alguns aspectos do desenvolvimento, construção e reconstrução
da auto-imagem entre jovens de 12 a 18 anos, atendidos pelo Departamento Geral de
Ações Sócio-educativas (DEGASE) no Estado do Rio de Janeiro.
O estudo procurou identificar padrões interativos desses jovens com as instituições que o
cercam: a prisão, representada pelas unidades de internação9 como instituição repressora
da má conduta social; a família, entendida como unidade base construção da identidade
9
Instituto Padre Severino – unidade de internação masculina provisória, Educandário Santos Dumont – unidade de
internação provisória e permanente feminina, Escola João Luís Alves – unidade para cumprimento de medida Sócioeducativas masculina e CRIAM – unidade para cumprimento de medida em liberdade assistida ou semi-liberdade, para
ambos os sexos
49
pessoal, e a escola, no interior da instituição representada como unidade recuperadora o
restituidora da boa conduta social, da reintegração e ressocialização do jovem.
Os jovens estudados experimentavam situações limites em suas vidas. A privação da
liberdade para um adolescente, pelo seu próprio estágio peculiar de desenvolvimento,
representa um momento de dificuldade particular e de necessidade de incorporar novos
conceitos. Neste sentido construir novas relações e interações
mediadas por uma
instituição total, pode representar um desafio maior do que o que regularmente é observado
por estudos nessa área. Estudos psicológicos (Winnicot, 1995), antropológicos (Goffman,
1961) , sociológicos (Mead, 1966) revelam que a observação destas interações podem ser
reveladoras dos padrões de auto-imagem desenvolvidas por esses jovens, portanto
importantes de serem estudadas.
Esta monografia foi escrita a partir dos dados da pesquisa Metacognição em Sala de Aula:
Um estudo sobre os processos de construção do conhecimento na perspectiva do jovem
infrator no Estado do Rio de Janeiro10, da qual fiz parte do corpo de pesquisadores na
condição de bolsista.
As análises e observações por tanto são originárias do corpo do trabalho, no entanto, as
particularidades referentes a construção da auto-imagem foram reservadas para esta
monografia como parte da minha contribuição para o trabalho de pesquisa e para que este
trabalho monográfico pudesse destacar-se como um trabalho inédito dentro do corpo maior
do relatório da pesquisa.
Nesta monografia, portanto, estudo como se dão os processos da construção da autoimagem, questão inserida na área sobre a formação da identidade e da auto-estima e
referentes as experiências vividas pelos jovens dentro e fora das salas de aula do DEGASE.
Entendemos que o DEGASE, instituição onde esses jovens cumprem medida Sócioeducativas, assim como o grupo social e cultural do qual participam, suscitam questões que
merecem um olhar mais cuidadoso em relação aos aspectos apontados anteriormente.
Para a otimização dos recursos disponíveis, a metodologia a ser utilizada no
desenvolvimento desse trabalho monográfico foi a mesma da pesquisa maior na qual ele
esta inserido, destacamos que análises psicológicas mais específicas orientam teoricamente
o tema “auto-imagem” em seu foco mais particularmente estudado.
Nesse trabalho elencamos os seguintes itens: 1) alguns dados gerais sobre a pesquisa que
deu origem a monografia; 2) as formas de atendimento realizado pelo DEGASE a
10
Pesquisa coordenada pela Professora Carmen Lúcia Guimarães de Mattos EDU/UERJ, financiada pela Secretaria Geral de
Direitos Humanos - Secretaria de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Cooperação Técnica UERJ/DEGASE
50
assistência dedicada ao menor na construção da sua auto-imagem e as dificuldades vividas
pelos jovens no processo de construção da cidadania.; 3) os tipos comportamento, conduta
ou estratégia, utilizada pelo adolescente para a construção de Sua auto-estima; 4) e
finalmente apontaremos alguns aspectos para a melhoria da atuação do psicólogo
institucional na solução dos problemas estudados.
Parte 1 - A pesquisa Metacognição e conceitos específicos para o tema auto-imagem
•
- Um breve delineamento da Pesquisa Metacognição em Sala de Aula
Este trabalho monográfico tem por base os dados levantados e analisados pela pesquisa
Metacognição em Sala de Aula: um estudo sobre os processos de construção do
conhecimento na perspectiva do jovem infrator no Estado do Rio de Janeiro. É parte de um
conjunto de ações propostas no “Projeto de Excelência” da Secretaria de Justiça e Interior
do Estado do Rio de Janeiro. Estabelecendo um convênio entre a UERJ e o Departamento
Geral de Ações Educativas.
Este projeto desenvolveu-se na Área de Educação, Subárea de EnsinoAprendizagem, no campo de conhecimento dos processos cognitivos entre
jovens e adultos, tendo como eixo central o estudo da construção do
conhecimento entre os jovens em conflito com a lei nas instituições do
DEGASE. Dados mais específicos deste projeto pode ser encontrado nos
volumes I, II e III que compõem o relatório da Pesquisa (SR3/UERJ
fev.2000).
1.2 – O cronograma de trabalho desenvolvido pela pesquisa
A pesquisa Metacognição em Sala de Aula, oficializada em 10 de setembro
de 1998 – integrante do Projeto "Pró-Adolescente” do Programa de
Cooperação Técnica UERJ/DEGASE, iniciou a primeira etapa do trabalho em
julho/98, partindo do treinamento de pessoal aos contatos para acesso e
visitas de apresentação, observações e entrevistas em campo, elaboração
de relatórios e pesquisa bibliográfica.
Em agosto foi finalizada a primeira etapa do trabalho no Instituto Padre
Severino (08/07/98 à 27/08/98), que incluiu observações e entrevistas em
campo, elaboração de relatórios e pesquisa bibliográfica como principais
atividades. Em setembro, reestruturou-se o trabalho para a próxima fase,
finalizando os relatórios de campo da primeira etapa, estudamos novas
formas de observações e de entrevistas, assim como iniciou-se a pesquisa
bibliográfica voltada para os temas encontrados na etapa anterior. Houve
uma ampliação do treinamento da equipe, incluindo técnicas de relatório,
atividades de campo guiadas e aulas com consultoria internacional. Em
outubro foi iniciada a segunda etapa da pesquisa de campo no Educandário
Santos Dumont (29/09/98 à 04/12/98), dando continuidade às observações,
intensificando as entrevistas e a pesquisa bibliográfica. Em novembro, deuse continuidade ao desenvolvimento da segunda etapa e iniciando o trabalho
paralelo junto ao CRIAM de São Gonçalo (26/10/98 à 30/11/98).
51
Ao fim da segunda etapa do levantamento de dados de campo em
dezembro, foi dado início aos trabalhos da terceira etapa na Escola João
Luís Alves (02/12/98 à 11/02/99). Essa etapa foi marcada pela intensificação
de entrevistas, relatórios e análises sistemáticas, paralelas ao início das
atividades de campo no CRIAM da Penha (14/12/98 à 21/12/98). Iniciamos
ainda a elaboração do 1º relatório parcial.
Encerrada a terceira e última etapa de pesquisa de campo, foram visitados
os CRIAMs de Teresópolis e Nilópolis para rechecagem de dados e
procederam-se comparações com os CRIAMs já visitados. Finalizado o
trabalho de campo, contávamos com um conjunto significativo de dados
coletados em processo de análise. Contávamos nessa fase com 34 alunos e
profissionais atuando na pesquisa.
Em fevereiro foi realizada a leitura crítica individual dos relatórios elaborados
durante a pesquisa de campo. Construímos o mapa-resumo contendo todos
os contatos específicos e ampliados realizados durante a pesquisa de campo
divididos cronologicamente. Em março foram realizadas as análises e
levantamento dos temas e categorias que foram cruciais para o delineamento
do perfil dos resultados encontrados. Visitamos ainda, dia 4 de março, por
solicitação do DEGASE, o CAI da Baixada e finalizamos o mapa-resumo das
categorias.
Abril e maio foram os meses dedicados à fundamentação teórica dos temas,
recortes bibliográficos para debate e montagem preliminar dos textos.
Elaboramos o quadro abaixo que sintetiza os macro-temas, temas e subtemas. Os sub-temas por não pertecerem a esta monografia, não foram
citados. Portanto, o tema desta monografia , incluiu-se no 2º grupo de temas
mais abrangentes, ficando em 5º lugar de importância de aparecimento
dentre as categorias levantadas, as quais somam-se 11 temas e 69 subtemas..
MacroCategorias
• identidade
• controle
• contradições
(descompasso)
• tempo/espaço
Categorias
Saúde
Cultura da pobreza
Ensino/aprendizagem
Linguagem
Auto-estima
Instituição
Religião
(ritos
e
mitos)
Expectativas
(projeções
e
idealizações)
Sexualidade
Rotina
Violência
Por entender a importância da questão da auto-imagem na área de
psicologia, interessei-me por esta temática que passei a estudar desde esse
período. Desenvolvido textos e relatórios específicos sobre esta temática e
estudado a literatura da área.
Dois macro-temas surgiram com maior tangência com o tema auto-estima,
destacamos no quadro abaixo como ela apareceu no contexto da pesquisa e
explicamos a seguir o entendimento de “auto-estima” que perpassou às
análises do grupo de pesquisa e que foram por mim apropriadas como ponto
de partida para este trabalho monográfico.
52
IDENTIDADE
CONTROLE
Aspectos internos
Aspectos Externos
Os meninos e as meninas que chegam na Realizado pela instituição, o controle é a
instituição, possuem
uma identidade base da manutenção dos meninos e
individual, pessoal, do sujeito humano, que meninas no sistema DEGASE. Pode ser
resulta da experiência própria do sujeito, observado
nas
formas
de
controle
de se sentir existir e de ser reconhecido restritivo do corpo, de controle intelectual
pelo outro enquanto ser singular, mas e ainda de controle afetivo. Na primeira
idêntico, na sua realidade física, psíquica e forma
social.
São
adolescentes
ou
observada
pré- submetidos
a
os
uma
meninos
conduta
são
postural
adolescentes o que sugere uma fase de restritiva, onde o corpo, mais do que o
reestruturação afetiva e intelectual da ambiente, é tomado como um ambiente
personalidade,
individuação
um
e
transformações
de
processo
metabolização
fisiológicas
ligadas
de prisional. Na segunda forma observada,
das os meninos e meninas são submetidos
à aos
conteúdos
mínimos
escolares
interação do corpo sexuado. Segundo infantilizadores e muitas vezes abaixo de
Selosse, o adolescente é uma moratória suas capacidades intelectuais. Na terceira
infiltrada
por
uma
problemática
de forma observada os meninos e meninas
identidade. Partindo desse princípio, a são
submetidos
a
um
verdadeiro
instituição busca atuar na modificação da bombardeio em suas auto-estimas e
identidade do sujeito através de atitudes induzidos a “purgarem” o mal que fizeram
afetivas
e
punitivas
como
forma
de à
sociedade
através
da
utilização
controlar o adolescente para educar o interessada da religião, da família e da
infrator.
escola.
Auto-Estima
Diz respeito ao desenvolvimento de estratégias elaboradas pelos meninos e meninas
para preservarem a integridade de suas identidades individuais. Diz respeito ainda ao
“alvo” de ataque dos representantes da instituição como estratégia de formação da
identidade aprisionada.
53
1.3 – Metacognição: conceito e significado
A expressão metacognição é relativamente recente na área de educação. No entanto, é
crescente no momento atual o interesse no estudo desta categoria de conhecimento que
envolve entre outros estudos sobre a conscientização relacionando este processo aos
estudos sobre a função do cérebro. As velhas relações entre corpo e alma, razão e
consciência, cérebro e mente, pensamento e ação perpassam o âmago dos recentes
estudos em metacognição que despontam caracteristicamente interdisciplinar, pois que é
encontrada tanto nos mais recentes estudos filosóficos sobre redes neurais e inteligência
artificial, quanto nos mais clássicos estudos psicossociológicas sobre o comportamento
humano como a construção coletiva do conhecimento. Pesquisadores têm enfatizado a
importância dos processos metacognitivos e seu
potencial de aplicação educacional.
Definem de forma mais simplificada que Metacognição é o processo pelo qual uma pessoa
pensa sobre sua própria estratégia de pensamento. É a tomada de conhecimento
(awereness) da estratégia usada para elaboração e retenção do conhecimento. Em resumo,
o conceito de metacognição, designa a forma como o sujeito pensa sobre o seu próprio
pensamento, ou seja, como gerencia sua aprendizagem.
1.3.1 - A Sociologia do Conhecimento
Destaca-se como referencial teórico, os estudos cognitivistas de Vygotsky e Piaget e ainda
os estudos sobre o desenvolvimento e a aquisição de estratégias metacognitivas pelos
alunos e alunas em trabalhos de Flavell, Brown, Garner, Mattos, Gonzales, Boruchovich e
Bruner. Estes trabalhos tratam das questões ligadas aos processos metacognitivos e como
sua aplicação pode influenciar positivamente o processo de ensino-aprendizagem.
Finalmente utilizamos os estudos de Rogers e Goleman nos seguintes aspectos: aquisição e
apropriação do conhecimento pelo aprendiz; o método de aprendizagem significativa e a
alfabetização emocional como importantes contribuições a construção do conhecimento pelo
próprio indivíduo.
Para uma melhor compreensão deste estudo destacamos os cognitivistas Piaget e Vygotsky
através de uma breve discussão. Em Piaget: o conceito de organização e adaptação e as
etapas do desenvolvimento, especialmente, as operações formais. Em Vygotsky discutimos
as relações entre linguagem e cognição e o conceito de zona de desenvolvimento proximal.
Essas teorias influenciaram o conceito de metacognição, mais conhecido como “aprender a
aprender” (DEMO, 1995, p.211)
54
• Piaget e Vygotsky
Desde os anos 70 a educação vem se beneficiando de uma orientação cognitivista do
processo ensino-aprendizagem. Anteriormente, orientada pelo modelo behaviorista
desenvolvido por Skinner, nos anos 70, agora está preocupada com o modo como funciona
a mente do sujeito. Dentre os teóricos cognitivistas, dois destacam-se: Piaget (1896-1980) e
Vygotsky (1896-1923). Várias mudanças ocorreram no processo educacional através da
contribuição destes dois teóricos crescentemente lidos nas décadas de 70, 80 e 90.
Piaget, contribui com o conceito de organização, adaptação, assimilação e fases do
desenvolvimento, destacando-se as operações formais - onde o adolescente passa a se
orientar para o abstrato através de pensamentos reflexivos, capacidade fundamental para
sua adaptação no contexto social adulto. Esta capacidade de pensar facilita o
desenvolvimento, aquisição e monitoramento de estratégias metacognitivas.
Vygotsky explora o conceito de zona de desenvolvimento proximal e os processos de
aquisição da linguagem, destacando que o indivíduo é interativo na formação de seus
conhecimentos, juntamente a partir de relações intra e interpessoais.
55
• Goleman e Rogers
Rogers e Goleman foram influenciados por estudos que questionavam o papel e a validade
dos testes de medida da inteligência (Q.I.) muito criticados desde a década de 60. Rogers
nos apresenta uma opção por um método “não-diretivo”, auto-realizador da pessoa
enquanto ser humano de modo global, isto é, sem separar o desenvolvimento cognitivo dos
demais aspectos do ser humano. Goleman retoma uma abordagem educativa que
caracteriza-se pela exploração de “outras inteligências”. Afirmando que a autoconsciência, o
equilíbrio emocional e a aprendizagem das emoções têm uma importância fundamental no
desenvolvimento do indivíduo.
Goleman e Rogers acreditam na idéia de que o ser humano é capaz, através do
ensinamento acertado (por parte dos pais ou da escola, ou pela vida) de controlar a si
mesmo e a sua aprendizagem. E que um bom desenvolvimento emocional proporcionará
uma vida mais responsável, cooperativa, confiante e, acima de tudo, mais humana. Assim
como os autores acima acreditamos na capacidade dos alunos e alunas de gerirem sua
própria aprendizagem através da cooperação, da intencionalidade nas suas ações, da
curiosidade e na confiança no senso de controle e domínio do próprio corpo, do
conhecimento, do comportamento e do mundo.
Um sujeito emocionalmente inteligente será capaz de resistir a influências negativas
adotando as perspectivas dos outros, compreendendo que comportamento deverá tomar
diante de uma situação, não só na escola, como no seu dia a dia. Ou seja, é uma
autoconsciência e autocontrole de si próprio.
Rogers também afirma que a autodescoberta e a autodeterminação são característica
inerentes ao processo de aprendizagem. Seu método é baseado na não-diretividade, onde o
professor não interfere diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno, introduzindo
valores, objetivos etc. O professor é somente um facilitador da aprendizagem, o aluno que
dirige e decide sobre como e o que gostaria de aprender. O sujeito como um todo está
envolvido na aprendizagem - tanto os seus aspectos cognitivos quanto os afetivos. A
aprendizagem é auto-iniciada, ou seja, mesmo quando foi o professor que deu o impulso
inicial (veio de fora do sujeito), a descoberta e a compreensão vieram de dentro do sujeito e
permanecem com o ele, podendo provocar mudanças em sua personalidade, no seu
comportamento e nas suas atitudes. Nesta abordagem o sujeito é que avalia a sua
aprendizagem, pois somente ele pode saber o que e quanto aprendeu (ROGERS, 1972,
p.5).
56
Rogers e Goleman apregoam a autonomia do aluno como sendo um dos pontos fortes de
suas abordagens. Pessoas que governam suas próprias vidas. Mas, enquanto Rogers tem
uma visão crítica e realista da escola, Goleman aponta pessoas emocionalmente
inteligentes apenas dos portões da escola para a rua. Talvez, por otimismo, não aponte a
escola como uma instituição repleta de pessoas emocionalmente incompetentes.
1.4 - Conceitos e definições de auto-estima e aprendizagem
Os temas abaixo foram fundamentais na construção da auto-imagem, merecendo
atenção especial e destaque neste trabalho.
uma
1.4.1 – De que forma a aprendizagem é controlada?
Porque a aprendizagem escolar é tradicionalmente dominada e controlada pelo adulto,
estudantes raramente tomam decisões sobre sua própria aprendizagem (Goodlad, 1984).
Embora a intenção principal da filosofia da educação seja de formar nos alunos cidadania e
responsabilidade, capacidade e participação integral e na democracia, nossa prática
educacional tem sua tendência para aumentar dependência, passividade e uma atitude de
“diga-me o que fazer e o que pensar”.
A pedra fundamental da aprendizagem efetiva é que estudantes tem posse de sua
própria aprendizagem, essencialmente, eles dirigem seus próprios processos de aprender.
Na tentativa de caracterizar este estudante que é responsável pelo seu próprio processo de
aprender encontramos que uma característica é a habilidade do aluno em “formatar” (shape)
e gerenciar mudanças, em outras palavras, auto-diretividade.
Covey (1989) reconhece a importância da auto-diretividade, que ele chama proatividade, incluindo este como uma dos hábitos característicos do indivíduo altamente
efetivo. Isto significa mais que meramente tomar iniciativa. Significa que como seres
humanos, nós somos responsáveis pelas nossas próprias vidas. Nosso comportamento é
uma função ou uma decisão, não nossa condição. Nós podemos subordinar sentimentos a
valores. Nós temos a iniciativa e a responsabilidade para realizar as coisas.
A eficácia pessoal de um indivíduo significa ter controle do seu próprio destino. Esta
concepção tem forte implicação para a escola na reestruturação e mudança, desde o
engajamento do aluno no seu próprio conhecimento (self-assessment) até uma completa
movimentação do nosso pensamento sobre quem controla o processo educacional em
benefício de quem e por quê? (APPLE 1979, ANYON 1979)
57
Escolas são geralmente controladas por adultos, por razões que atendem às
necessidades de adultos ou as necessidades da sociedade, como ela é percebida pelo
adulto. Alguns críticos (APPLE, 1979) sugerem que a escola ajuda alunos a reproduzir
conhecimentos de uma classe social e acadêmica dominante, e não engajada na
reprodução de seu próprio conhecimento. Assim observamos uma série de fatores
metacognitivos e cognitivos que influenciam a aprendizagem.
1.4.2 - Os fatores metacognitivos e cognitivos da aprendizagem
Na intenção de ajudar professores de um modo geral e educadores interessados nas
questões da psicologia educacional das reformulações de programas educacionais desde
1993 está sendo desenvolvido pela Associação Americana de Psicologia11 com a ajuda de
outras instituições associadas um guia que estabelece alguns princípios básicos que
orientam esta área de estudo no que concerne a contribuição dos aspectos psicológicos
para o desenvolvimento da aprendizagem, mais especificamente estes princípios
estabelecem os fatores metacognitivos e cognitivos que orientam os processos de
aprendizagem dos alunos.
A Psicologia tem provido, historicamente, informações vitais para a área de educação,
contribuindo para o delineamento de bases escolares orientadas por teorias que envolvem
a natureza humana, a aprendizagem, e o desenvolvimento. Pesquisas relevantes para
educação tem sido particularmente informativas durante a década passada. Avanços em
nosso entendimento sobre pensamento,
memória, cognição e processos motivacionais
podem contribuir diretamente para o aprimoramento do ensino, da aprendizagem do
empreendimento da escolarização como um todo. Ao mesmo tempo, educadores
preocupados com os problemas crescentes de dificuldades educacionais de alunos que
levam a repetência, a evasão, ao baixo nível de aprendizagem de conteúdos acadêmicos,
dentre outros indicadores do fracasso escolar,argumentam que um modelo centrado no
aluno como agente do seu próprio processo de aprendizagem pode ser um dos pontos que
favorecem a aprendizagem de alunos. Este modelo está voltado para o atendimento das
diversidades existentes entre os alunos e utiliza este aspecto da natureza do aluno como
elemento de fortalecimento da aprendizagem produzindo resultados positivos no contexto da
escola e que devem ser considerados no planejamento de novos modelos pedagógicos.
11
Fonte - Task Force on Psychology in Education, American Psychology Association Division 15 Committee on
st
Learner-Centered Teacher Education for the 21 Century. Division of Educational Psychology, Graduate School
of Education, University of California, Berkeley, California. USA.
58
Os princípios que listamos a seguir refletem mais um século de pesquisas em ensinoaprendizagem, são amplamente compartilhados e reconhecidos em muitos dos programas
de excelência
encontrados hoje nas escolas de todo mundo. Eles integram também
pesquisas e práticas em várias áreas dentro e fora da psicologia, incluindo; psicologia
clínica, psicologia do desenvolvimento, psicologia experimental, psicologia social, psicologia
organizacional, psicologia comunitária, psicologia educacional, psicologia escolar, como
também educação, sociologia, antropologia e filosofia. Além disso, estes princípios refletem
a tanto integração quanto o conhecimento de senso comum quanto o científico. Eles
abrangem não somente pesquisas que envolvem sistematicamente os princípios da
aprendizagem centrada no aluno que favorecem o sucesso acadêmico do aluno, mas
também princípios que podem levar a saúde mental e a uma vida mais funcional para
crianças, adolescentes, adultos em processo de desenvolvimento acadêmico, seus
professores de modo geral, e ao sistema escolar pelos quais são atendidos. Princípios
psicológicos centrados no aluno e uma perspectiva de
sistema
de vida para serem
incorporados pelo aprendiz são elementos necessários para o delineamento de novas
propostas pedagógicas e escolares. A perspectiva de um sistema de viver deve focar o
funcionamento humano em múltiplos níveis no interior do sistema educacional (aprendendo,
ensinando, avaliando e gerenciando). A partir desta perspectiva a prática educacional vai
melhorar somente quando o sistema educacional for reformulado com o foco principal no
aluno.
1.4.3 - Princípios psicológicos centrados no aluno
Os doze princípios que se seguem são pertinentes ao aluno e ao seu processo de
aprendizagem. Eles compreendem os fatores psicológicos internos e externos ao aprendiz,
reconhecendo os fatores do meio ambiente ou contextuais que interagem com os fatores
internos. Estes princípios representam também uma tentativa de compreensão holística ou
dialética do aprendiz em seu contexto numa situação real de experiência de aprendizagem
cotidiana. Portanto, devem ser entendidos como um conjunto organizado de princípios e não
devem ser tratados isoladamente. Os primeiros dez princípios estão referem-se aos temas
metacognição e cognição, afetividade, desenvolvimento e social. Os dois finais focalizam os
anteriores na perspectiva do que eles podem informar sobre diferenças individuais. Os
princípios foram idealizados na intenção de serem aplicáveis a qualquer tipo de aluno, em
qualquer nível de escolarização e em qualquer faixa etária.
Ao considerarem a aplicação destes princípios para o ensino, duas dimensões devem ser
consideradas. Uma dimensão é o conteúdo específico dos princípios. Isto é, aqueles que se
59
preparam para ensinar precisam entender a essência destes princípios ao aplicarem-nos
para os alunos em suas salas de aula. A outra dimensão refere-se ao processo atual de
aprendizagem necessário ao
professor para aplica-los. Se nós esperamos que os
professores sigam estes princípios centrados no aluno, eles devem experimentá-los neles
mesmos primeiramente para depois aplicá-los. Isto pode fazê-los repensar e refletir sobre os
programas que seguem, a estrutura da sala de aula e da escola como um todo.
Destacam-se os princípios 1 e 10, pois estes revelam forma explicita o tema a ser tratado na
monografia.
Princípio 1: A natureza do processo de aprendizagem
Aprendizagem é um processo natural para atingir objetivos e ações significativas. Aprender
é um processo natural para um indivíduo atingir objetivos e ações significativas, voluntárias,
internas e socialmente mediadas; é um processo de descoberta, de construção pessoal e
compartilhamento de significado de informação e experiência, filtrada pela formação
(pensamentos e sentimentos) individual e única do indivíduo, como também através de
negociação com os outros.
Alunos tem uma inclinação natural para aprender e conquistar pessoalmente objetivos
relevantes de aprendizagem. Eles são capazes de assumir responsabilidades finais para
aprender – monitorando, checando o entendimento e tornando-se ativos, auto-diretivos num
ambiente que toma a aprendizagem anterior em conta, que liga novas aprendizagens a
objetivos pessoais, e engaja ativamente indivíduos em seus próprios processos de
aprendizagem. Numa situação de vida significativa, mesmo crianças muito pequenas são
naturalmente engajadas em aprendizagem auto-diretiva para atingir seus objetivos. Durante
o processo de aprendizagem, os indivíduos criam e constroem seus próprios significados e
interpretações, geralmente em interação com os outros, baseado em conhecimentos e
crenças pré-existentes.
Princípio 10: Aceitação Social, auto-estima e aprendizagem
Aprendizagem e auto-estima são altas quando os indivíduos mantêm relações de “cuidado”,
“atenção” com outros que vêem seu potencial apreciam genuinamente seus talentos
individuais, e os aceita como indivíduos.
60
Relações pessoais de qualidade dão ao indivíduo acesso a pensamentos, sentimentos e
comportamentos de alto nível e saudáveis. O estado da mente, estabilidade, confiança e
cuidado de professores (ou outros adultos significativos) são pré-condições para o
estabelecimento do senso de “pertencimento” (belonging), auto-respeito, auto-aceitação e
clima positivo para aprender. Níveis saudáveis de pensamento são aqueles que são menos
auto-conscientes,
inseguros,
irracionais
e/ou
auto-depreciativos.
Auto-estima
e
aprendizagem são mutuamente reforçadas.
1.5 - Métodos e Instrumentos De Pesquisa
1.5.1 – Metodologia
Esta monografia, sendo parte dos trabalhos iniciados na pesquisa Metacognição em Sala de
Aula, utiliza a mesma metodologia do projeto. A abordagem qualitativa - etnografia crítica na pesquisa foi utilizada como instrumento dos processos de construção da escrita em
alunos possuidores de “relativa baixa estima educacional”, tendo por interesse os aspectos
de colaboração e interação no contexto do sistema DEGASE sob a perspectiva crítico
emancipatória (Freire 1992), tendo os alunos participação ativa como agências humanas
transformadoras das contradições sociais.
1.5.2 - Instrumentos de coleta
• Observação participante
Foram observadas as interações dos jovens no ambiente no qual, em nosso entendimento,
pudesse estar acontecendo uma atividade educativa e que dentro das restrições impostas,
nos foi permitido observar.
• Atividades de registro em cadernos de campo
Foram realizados registros sistemáticos e análises das observações de eventos ocorridos
durante a observação, com posterior análise coletiva (rememória) em reuniões seguidas às
visitas. Este relato em documento foi elaborado na tentativa de ampliar a observação e
acrescentar as interpretações e impressões pessoais do pesquisador.
• Arquivos
61
Foram pesquisados arquivos das escolas da instituição de forma indireta, isto é, através de
documentos que nos chegavam às mãos, de pesquisas anteriormente realizadas, e das
fontes oficiais e públicas (IBGE, Banco Mundial, Unicef, Ministério de Justiça, etc.)
• Entrevistas
Foram realizadas entrevistas, sempre que possível, e às vezes, mais de uma vez com o/a
mesmo/a jovem na tentativa de registro dos processos mentais ocorridos na organização
pelo jovem das tarefas acadêmica. Neste contexto, os alunos muitas vezes fizeram
revelações surpreendentes para a equipe e que fazem parte do texto (resultados) da
pesquisa.
As entrevistas utilizavam pares de pesquisadores para que os dados pudessem ser
registrados com maior fidedignidade, entretanto, este procedimento tornou-se, de certa
forma, limitador do contato entre entrevistador e entrevistado, dificultando o engajamento do
entrevistado no contexto da narrativa pessoal. Isto é, o pesquisador, tomador de notas,
passou a ser testemunha ou platéia disponível ao entrevistado, ao invés de tornar-se um
ativo parceiro do entrevistado no trabalho de registro das falas.
O tipo de entrevista utilizada foi a “não-estruturada”, partindo de solicitações temáticas
espontâneas do entrevistado. Este tipo de entrevista revelou-se extremamente útil ao
propósito da equipe contribuindo muito para estabelecer vínculos com os jovens e a
instituição e para a coleta de relatos considerados verdadeiros.
• Análise
O processo de análise dos dados foi muito trabalhoso devido ao volume de material
coletado e o número de pesquisadores envolvidos na coleta. Seguidas reuniões foram
realizadas durante os meses de maio a dezembro de 1999 na intenção de evidenciar os
pontos de congruência e divergência a serem considerados neste processo. Em maio, com
a equipe quase toda em trabalho, as reuniões foram determinantes. Utilizamos a estratégia
de dividir a equipe em dois grupos, originando dois blocos temáticos: psicológico e
pedagógico, procurando evidenciar com clareza características da pedagogia do DEGASE e
suas marcas metacoginitivas.
A análise de dados nesta pesquisa constituiu-se num verdadeiro mosaico de procedimentos
e métodos norteados pelos instrumentos etnográficos como: descrição, comparação e
62
interpretação dos eventos de acordo com a interpretação de pesquisadores e consultores e
principalmente de acordo com a percepção dos participantes.
Estudamos formas analíticas apresentadas por outros autores sobre análises etnográficas,
consultamos colegas experientes em análise de conteúdo e de contexto e, optamos por
utilizar o eixo de análise bottom-up e a matriz analítica de dados a seguir, modificando um
pouco a sua versão original (MATTOS, 1992).
1.6 - Questões de pesquisa e delineamento de algumas respostas
Na pesquisa foram delineadas algumas questões, respondidas ao longo da análise de
dados, tempo por resultado as seguintes conclusões.
• A execução das tarefas propostas pelos instrutores e a organizam do conhecimento por
parte dos jovens atendidos pelo DEGASE para desenvolvê-las, foi estudada exaustivamente
durante o período de coleta e análise de dados. As observações realizadas ressaltam que
os alunos resistem às tarefas por não encontrarem sentido nas mesmas e mantêm-se
ligados a execução do comando do professor por entenderem que pessoal e
institucionalmente é o comportamento esperado dele para “redimir-se” da infração cometida.
A organização do trabalho é feita pelo/a professor/ra e não pelo/a aluno/a, que mantêm-se,
na maioria das vezes, alienado ao contexto geral da pedagogia adotada. O desenvolvimento
das tarefas se dá sem o auxílio do professor/a, por ensaio e erro chegando a um verdadeiro
processo de adivinhação do objetivo da tarefa, ou da resposta desejada pelo instrutor.
Pudemos verificar a ocorrência de processos mentais superiores (estratégias metacognitivas
reflexivas) quando independente da situação instrucional entrevistamos os alunos e os
mesmos lembraram como faziam anteriormente suas tarefas acadêmicas na escola,
entendiam o processo de aprendizagem ocorrido e a aprendizagem fixada enquanto
conhecimento aprendido.
• A utilização de estratégias metacognitivas na realização de tarefas escolares por jovens
menos experientes e conscientes de possuírem dificuldades em realizá-las, tendo por
objetivo lhes trazer o benefício de aprender como um jovem inserido na escola tradicional,
foi discutida intensamente pela equipe, em especial pela equipe “pedagógica” por tratar-se
de mecanismos usualmente observáveis em quaisquer salas de aula. O aluno do degase
não diferiu em experiências quanto ao compartilhamento de conhecimento de outros alunos.
Os mais experientes mostravam suas habilidades que eram seguidas pelos menos
experientes, o que observamos de diferente foi a necessidade de “co-membership”, isto é,
63
afiliação. Os jovens neste contexto, como em qualquer outro, precisam sertir-se
pertencentes a um grupo, uma “turma”. Num ambiente de privação de liberdade, este fato
passa a ser uma questão de sobrevivência. Na sala de aula isso ficou evidente quando a
harmonia da “cola” ou do “voar dos lápis, borrachas e apontadores”, tinha direção certa,
mesmo que um companheiro estivesse distante, a confiança “de amigo” era a norma que
orientava a troca de experiência e a construção coletiva do conhecimento. A memória
coletiva foi mais um dado que coincide com as referências bibliográficas e quadros teóricos
estudados, o aluno lembra fatos e constrói sua experiência imediata a partir destas
lembranças, que muitas vezes, pode conduzi-lo ao erro, mas que geralmente o ajuda,
mesmo que de forma rudimentar, na solução imediata da tarefa apresentada. Suas
limitações e dificuldades são reveladas, em particular, para alguns, e suas habilidades são
alardeadas como emblemas de confiança e segurança.
• A tomada de consciência sobre utilização de estratégias metacognitivas como forma de
influenciar positivamente na aquisição de novos hábitos e estratégias de aquisição do
conhecimento, teve uma presença especial nos estudos realizados pela equipe. O apelo
para a tomada de consciência dos jovens para o ato infracional, leva-os a um verdadeiro
estado de auto-revelação de suas dificuldades e suas facilidades diante dos problemas de
vida. No entanto, a carreira acadêmica deste jovens, já marcada pelo fracasso escolar, na
maioria das vezes, evidencia uma dificuldade em lidar com o conhecimento e o uso que
podem fazer dele de modo positivo, isto é, para alicerçar novos hábitos. Embora conscientes
das mudanças necessárias para a aquisição de conhecimentos validáveis pela sociedade,
sentem-se desamparados, despreparados, incapazes e portadores de toda sorte de
incompatibilidades com o ambiente que favorece a aprendizagem. De fato, o ambiente
escolar oferecido a eles é o pior possível, se podemos dizer que ele existe, mesmo assim
demonstraram um potencial de auto- conhecimento de suas possibilidades para mudança
de hábitos e atitudes que os levam a uma vida “melhor”e em particular a liberdade.
• As dificuldades relatadas pelos jovens e como estas informavam mudanças na realização
com sucesso de tarefas, também foi presença constante em nossas análises. Alunos do
DEGASE, como quaisquer outros alunos do sistema educacional, elencam suas dificuldades
de modo claro e preciso, suas falas, no entanto, são mediadas pelas impressões
e
representações sociais que carregam ao longo de suas vidas. Falta de concentração, falta
de atenção, pobreza, pais analfabetos, origem social sem estímulo, aparecem regularmente
na lista de dificuldades. Mas não raro, quando entrevistados sobre seus próprios métodos
de soluções de problemas e maneiras de organizar situações cotidianas, revelam igual
destreza e domínio sobre seus próprios métodos de proceder cognitivamente, até para
64
cometer um ato infracional. Este item deve ser melhor explorado num tipo de pesquisa
“laboratorial” onde os alunos possam ser testados e comparados em termos das
familiaridades que possuem com os seus processos mentais, devido a natureza desta
pesquisa, cremos que esta foi a questão de respostas mais constantes e menos precisas,
portanto, carece de aprofundamento.
Concluindo, este breve histórico foi apresentado como forma de nortear esta monografia,
situando seu contexto e referênciais teóricos.
Parte 2 - A auto-imagem e sua construção na adolescência: o sistema de atendimento do
DEGASE
2.1- A auto-imagem na adolescência
O conceito de auto imagem de uma perspectiva sócio-antropológica, é um conjunto
relativamente estável de percepções sobre quem somos em relação a nós mesmos, aos
outros e aos sistemas sociais.
A auto-imagem é organizada em torno de um autoconceito, ou seja, as idéias e sentimentos
que temos sobre nós mesmos, tendo origem em várias fontes. A auto-imagem também se
baseia em idéias culturais, de como construímos as idéias que temos sobre nós, nossa
imagem, podendo usar essas idéias e conceitos para formar um senso geral sobre quem
somos.
O componente da auto-imagem, que se baseia nos papéis sociais ocupados pelo indivíduo,
é conhecido como identidade social. Uma parte importante da auto-imagem é o eu ideal que
consiste de idéias sobre quem deveríamos ser, e não sobre quem realmente somos. Sendo
assim, a auto-imagem é socialmente “construída”, no sentido de ser moldada através da
interação com outras pessoas e por utilizar materiais sociais sob a forma de imagens e
idéias culturais. Como acontece com a socialização em geral é claro, o indivíduo não é um
participante passivo desse processo, e pode exercer uma influência muito forte sobre a
maneira como o processo e suas conseqüências se desenvolvem.
Numa perspectiva psicológica, a auto-imagem é a representação de si mesmo no sistema
de conhecimento do indivíduo. Essa representação é equivalente a uma estrutura cognitiva
provavelmente complexa, que intervém no tratamento das informações que provêm, ou do
ambiente social do indivíduo ou de seu próprio comportamento. É formada de um conjunto
65
de metaconhecimentos funcionais e de conhecimentos factuais que se encontram ativados
por certos aspectos marcantes do ambiente ou do comportamento. Serve para organizar a
informação nova que diz respeito a si mesmo.
A adolescência por ser um estágio peculiar do desenvolvimento humano, onde ocorrem
diversas transformações biológicas e psicológicas, determinando os papéis sociais a serem
desempenhados em nossa sociedade, é crucial na construção da auto-imagem. O jovem
passa a se conhecer e despertar seus sentidos no meio de um turbilhão de modificações
hormonais e emocionais, buscando um ponto para se colocar e se afirmar em seu ambiente
social, histórico e cultural. Estar nesta fase crítica, torna mais difícil a compreensão do
indivíduo para determinadas atitudes e comportamentos que sejam destinados a situações
limites vividas por eles.
As instituições que cercam estes adolescentes são fundamentais nas transformações que
concernem na construção da auto-imagem e auto-estima dos adolescentes, cada uma
dando um apoio ou direção para desenvolvimento ou estruturação psicológica do jovem.
2.2– A auto-imagem construída nas “escolas” destinadas aos jovens infratores.
Segundo Goffman (1961) e Foucault (1977), as instituições totais podem ser definidas como
o local de residência ou trabalho onde um grande número de pessoas estão reunidas com
situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de
tempo, levando uma vida fechada e formalmente administrada. As instituições trazem em si
regras e normas, que perduram e transformam a vida social do homem (estruturam sua vida
social), criadas pela sociedade e que influenciam e determinam, o pensamento, o modo de
sentir e a conduta dos indivíduos. Exemplos de instituições são, o casamento, os costumes,
a família, as propriedades, as normas educativas, prisões, e normas relativas aos papéis
sociais e profissionais. Elas tem grande importância para a formação de uma cultura.
Procuram desenvolver nos homens papéis e comportamentos instituintes e práticas
institucionais.
Durante o período da coleta de dados pudemos analisar e observar as salas de aula e
oficinas. Estudamos especificamente as estratégias metacognitivas utilizadas pela
instituição que influenciavam na construção da auto-imagem dos jovens em conflito com a
lei.
66
Estas instituições de atendimento são responsáveis pelos programas de proteção e sócioeducativos destinados a crianças e adolescentes, tratando da orientação e apoio a família,
apoio na escola, colocação familiar, abrigo, liberdade assistida, semiliberdade e internação.
Como apontamos anteriormente entre as categorias que surgiram da análise, destacamos a
formação da identidade dentro destas instituições. Ao nosso ver as estratégias utilizadas
pelos profissionais das instituições, pareciam contribuir enormemente para a formação de
alguns traços personalógicos, como: caráter, auto-imagem, auto-estima, influenciando nas
crenças e valores que cada um destes adolescentes possuem sobre si mesmos e sobre
como são vistos pelo outro.
As atividades propostas e a conduta da instituição frente aos alunos e alunas do sistema, de
modo geral serviam para descaracterizar, infantilizar e culpabilizar os adolescentes pelo ato
infracional cometido, pouco contribuindo para
resgatar sua identidade familiar e
características saudáveis de adolescente e cidadão.
As atividades oferecidas aos adolescentes confirmam em parte o modo de pensar da
instituição através de seus representantes. Contraditoriamente não oferecem perspectiva de
reconstrução a auto-imagem para o adolescente em conflito com a lei. O sentido dado pela
instituição em nossa observação, foi o de apontar que os adolescentes infratores realmente
são fracassados e excluídos da sociedade.
Observando o ritual de entrada dos adolescentes nas instituições para os jovens do sexo
masculino, podemos demonstrar a falta de preocupação com a socialização e a educação
desses adolescentes infratores. Assim que chegam na instituição para aguardar qual
medida sócio educativa lhe será aplicada, inicia-se um ritual de descaracterização dos
adolescentes. Ganham um uniforme, um chinelo kenner ou havaianas, perdem seu nome
adquirindo um número, pelo qual será tratado dentro da instituição e recebem as instruções
e regras de como tem que se comportar, enfim perdem toda a sua identidade, menos a
infracional.
2.3- As salas de aula das escolas/prisões
67
A instituição traz em si características que nos fez acreditar que as contradições vivenciadas
pelos menores em nível institucional constituem-se em importantes fatores para o estudo de
estratégias metacognitivas e da auto-imagem.
A instituição em seu caráter contraditório e autoritário, influencia os jovens em conflito com a
lei criando espaços de negociação entre grupos e indivíduos. O adolescente passa acreditar
ou aceitar a relação de autoridade proposta pela instituição, que pode lhe trazer benefícios,
obviamente que não serão benefícios escolares.
Existe uma grande confusão de papéis, na qual a prisão nomeia-se escola, a serviço de um
sistema judicial. Sendo assim, esta brinca de escola em seu interior com o aval do sistema
estadual de educação.
A escola confunde-se com a instituição, enquanto a autoridade escolar confunde-se com a
autoridade institucional. Temos uma escola que é uma prisão e professores que são
disciplinadores, informantes e vigilantes. Obviamente, teremos aqui atividades pedagógicas
que não se apresentam em sua essência mas, também contraditoriamente, assumem o
papel legitimador da autoridade e da instituição.
Mesmo em espaços como os CRIAMs, unidades desenvolvidas para cumprimento de
medidas de liberdade assistida e semi-liberdade, com caráter único de sócio-educar, tem a
forma de uma prisão. Este local de que deveria ser aberto para livre circulação dos
adolescentes, foi todo gradeado reforçando o mito de que “grades contêm a violência”,
tirando a liberdade de expressão destes jovens.
Para ilustrar como os adolescentes percebem este local, como sendo um espaço de
presídio e não de escola, destacamos o trecho abaixo que é parte dos relatórios de campo.
“ Foi pedido aos alunos que fizessem algum desenho retratando o cotidiano na instituição,
um deles desenhou a estrutura do CRIAM que é padrão de construção em todas as
construções e tinha como finalidade proporcionar liberdade de espaço para a realização de
atividades recreativas, profissionalizantes, culturais etc., todavia com o aumento do número
de fugas, a preocupação com a segurança foi redobrada, foram construídas grades e cercas
no espaço aberto existente, dando-nos a impressão de semelhança a uma “gaiola”.
Coincidentemente encontramos na obra de Foucault “Vigiar e Punir” (FOUCAULT, 1977) a
68
descrição de um presídio com um aspecto semelhante. O que nos confirma a repetição de
uma estratégia que obedece a um mito de controle pela grade, a contenção do espaço físico
e uma prática de controle ritualizada do ser humano. A diferença existente entre as
passagens descritas por Foucault é que elas são de outro século, medievais e que ainda
são utilizadas como medidas sócio-educativas. Funcionando como ritos de prisão e não de
escola”.Como foi ellustrado no texto anterior.
2.3.1 - As atividades pedagógicas
Durante o período que estivemos pesquisando no DEGASE, pudemos observar algumas
oficinas e salas de aula, que tinham por objetivo auxiliar na busca de uma vida diferente
para esses alunos e alunas reclusos nas “escolas” do sistema DEGASE, enfim sócioeducar.
Apesar do esforço contínuo dos professores e funcionários em fazer um bom trabalho junto
aos adolescentes, o que acontecia era a exposição da vida dos adolescentes, mais que
modificar ou reconstruir sua auto-imagem.
Através de debates, leitura de textos, redações e desenhos, a instituição tentava trabalhar
as vivências dos alunos.
Para exemplificar destacaremos 3 salas de aula, cada uma em sua especialidade, buscando
ressaltar o trabalho realizado cada uma delas voltados para o resgate da auto-imagem. A
primeira a ser descrita será a oficina de artes do Padre Severino, onde ao final de cada
aula, era realizado uma espécie de terapia em grupo com os menores; a segunda, a sala de
alfabetização, também localizada no Instituto Padre Severino, onde as atividades não
condiziam com a “idade” mental dos adolescentes infratores e por último a sala de
desenvolvimento psicomotor no Educandário Santos Dumont, que na realidade era uma
pequena oficina de artes, destinada ao restabelecimento da motricidade das adolescentes.
• Sala de Aula 1 - A oficina de artes plásticas
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Nesta oficina do Instituto Padre Severino, a professora Mariana desenvolvia atividades de
artes plásticas, propostas por ela e às vezes pelos próprios adolescentes. As atividades
costumavam ser, peças taetrais (encenação de peças produzidas pelos próprios
adolescentes), desenhos e redações, que
tinham como tema a história de vida dos
adolescentes. Ao final de cada atividade, realizava algo semelhante a uma sessão
terapêutica em grupo. Podemos ver isso na atividade descrita abaixo:
Descrição geral da cena produzida pelos adolescentes
Ensaio I
Um “assaltante” entra em um salão de beleza com uma pistola na mão (desenhada em uma
folha de papel ofício com uma bala saindo). O cabeleireiro em pé está arrumando o cabelo
do cliente, sentado em uma cadeira enquanto está sendo atendido. O assaltante entra
armado e anuncia o assalto, dizendo: ninguém reage! Dá vários tiros, gritando: Pápápápá! E
acaba ferindo o cliente. Só que não contava com o imprevisto de acabar a munição!). Então
o “policial” pega o “assaltante”.
Após esse tipo de atividade, iniciou-se a segunda parte da aula,
onde os meninos
participariam de um debate sobre o tema levantado no teatro, dando suas opiniões de como
tinha sido a para eles criarem aquela cena e o que eles acharam que poderia ser alterado.
Além desta atividade, era colocado em pauta, atividades que sugeriam a exposição da vida
pregressa do menino, de forma a deixar o adolescente constrangido em falar os motivos
que o levaram a cometer um ato infracional.
Sala de Aula 2 – Sala de Alfabetização
Destacamos agora uma das salas de alfabetização do Instituto Padre Severino, que
normalmente eram de frequentada por muitos dos adolescentes, pois a grande maioria não
sabia ler e escrever, ridicularizando os alunos.
Os exercícios propostos pela professora Fernanda, eram de língua portuguesa ou de
matemática. Incentivando os meninos a ler e a escrever. Após o exercício passado no
quadro negro feito, ela explica de carteira em carteira para corrigir o trabalho e pedir que os
meninos leiam o que escreveram (nome das figuras do quadro acima). A maioria lê bem,
com poucas dificuldades. Então a professora muda de atividade e pede que os meninos
70
leiam todos juntos palavras, sílabas e frases escritas num caderno que a professora chama
de blocão, um tipo de álbum seriado feito pela professora previamente a aula.
Exemplo do blocão
desenho de uma faca
desenho de uma vaca
desenho de palha
desenho de uma rata
desenho de uma gata
faca
fa
Fa
Ana da nata a gata
fa
fa
Fa
A rata cava na mata
vaca
va
Va
A faca falha
va
va
Va
Lalá dá a gata a Cacá
palha lha
Lha
A gata mata a rata
lha
lha
Lha
Tatá dá palha a vaca
rata
ra
Ra
Ana fala na casa da Lalá
ra
ra
Ra
Cacá dá a faca a Ana
gata
ga
Ga
Vavá lava a gata
ga
ga
Ga
lha fa ga ra va
Através do blocão, a professora pedia aos meninos que lessem alto, forte pois não está
escutando todos falando e enfatiza sempre para que não fiquem nervosos, para ler com
calma sem pressa e pede que prestem atenção nas palavras. Depois da leitura, para
encerrar a professora faz um jogo de palavras com os jovens, com as sílabas contidas no
blocão.
Sala de Aula 3 – Oficina de Psicomotricidade
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A sala de aula da professora Soraia, do Educandário Santos Dumont, que seria uma sala
de aula voltada para ajudar o desenvolvimento da motricidade das alunas que chegam a
instituição e acalmá-las para freqüentar as outras salas de aula . Todas as atividades
perpassam em colorir desenhos (bonecos como “Bananas de Pijamas”, o Mickey e
a
Minnie, a pequena Sereia,etc.), cobrir linhas impressas no papel, atividades de recortar e
colar. A professora passava o tempo todo apontando os lápis ou verificando se as canetas
ainda tinham carga ou não e as meninas passavam o tempo entediadas falando de suas
vidas, cantando, enquanto a professora apenas ouvia, sem tomar conhecimento das
palavras, a não ser quando a palavra fosse um palavrão ou qualquer outra palavra de
vulgar.
A professora Soraia nos disse que ela preparava nessas aulas as meninas consideradas
atrasadas e rebeldes para freqüentarem a alfabetização, dependendo do interesse de cada
menina.
2.3.2 – Comentários críticos sobre as atividades descritas acima
Estas salas de aula mostram a falta de motivação de alguns alunos para as atividades
propostas. No entanto eles aproveitam estes espaços para fazer uma catarse tentando
expurgar de si os atos infracionais cometidos.
Essas atividades parecem estimular a alienação e a infantilização do adolescente, talvez os
professores tentem provar aos adolescentes que o melhor caminho para a liberdade seja
renderem-se ao “jogo” proposto pela instituição, onde frequentar as salas de aula, participar
das atividades e apresentar os cadernos com letras bem desenhadas, significa a chave da
liberdade.
Esporádicas eram as vezes que víamos técnicos, como os psicólogos das instituições
organizarem tarefas ou atividades para os adolescentes. Quando as organizavam, estas
giravam em torno de apresentação de vídeos e filmes, não raro exaltando imagens de brigas
de baile funk, crimes, assaltos, cenas de violência. Os técnicos pareciam querer revivenciar
com os adolescentes as formas mais usuais nas quais eles são pegos cometendo infrações.
Talvez apelando para a e consciência dos mesmos para os atos praticados. O problema é
que essa perspectiva de trabalho ressaltava sentimentos de inferioridade e exclusão nos
jovens, pois estes tem consciência do que fizeram, apenas não são capazes de, sozinhos,
saírem desta situação de exclusão social e marginalidade.
72
Em nossa opinião, os técnicos acreditavam que este tipo de trabalho era condição para o
resgate da auto-imagem desses adolescentes, acreditavam ainda que mostrar o que fizeram
era uma das formas pela qual os adolescentes poderia identificar-se com o sistema punitivo
do DEGASE.
Ao contrário acredito que uma das formas de desenvolver uma boa auto-imagem dos jovens
em privação de liberdade, são as atividades físicas, como jogos de futebol, vôlei, natação.
São também nas atividades artísticas como teatro, bordado, pintura e nas oficinas
profissionalizantes como a da vassoura. Muitas dessas atividades foram observadas com
sucesso no DEGASE e pareciam dar um novo estímulo aos jovens infratores, criando e
estabelecendo confiança entre os alunos e profissionais, sem que estes profissionais
percam o controle. Valorizando a auto-estima e capacidade dos jovens e levando a uma
identidade positiva sobre si mesmo.
A participação nestas oficinas é grande, devido ao ambiente descontraído criado pelos
professores. Na oficina de vassouras, por exemplo, os alunos
se sentiam mais livres,
aprendendo com rapidez o ofício e tendo boa convivência com o professor. Segundo o
professor Sérgio, os alunos ali na Oficina experimentam uma “liberdade gostosa”. Ouvem
rádio, conversam e fumam - apesar dele mesmo não fumar.
Para os antropólogos como Edward Hall (1959, 1966, 1977) e sociólogos como Erving
Goffman (1959, 1963, 1967), os comportamentos, a condutas sociais que adotamos são
ditados principalmente por regras, sendo os nossos sentimentos fortalecedores na
manutenção da ordem. Assim desempenhamos papéis sociais de acordo com a demanda
da sociedade e da cultura onde vivemos, cumprindo o mais fielmente o possível estas
normas com o objetivo de inclusão e aceitação do grupo.
O que falta a esses alunos e alunas é um incentivo real da instituição, que tem um papel
punitivo, no sentido de apontar seus erros e de não valorizar suas virtudes, pois muitos
alunos e alunas, por exemplo, sabem ler e escrever muito bem e mal têm acesso a livros e
apoio de profissionais para mostrarem seus verdadeiros talentos.
2.4- A defesa da auto-imagem
Segundo Carl Rogers (1975), a formação da personalidade de cada indivíduo, está na
aprendizagem que esse retira da interação com o meio que vive, as pessoas e grupos com
73
os quais convive e as experiências sofridas, que trazem importantes reflexões para cada ser
humano. Essa troca representa a constituição psicológica do ser.
Mesmo em privação de liberdade muitos adolescentes desenvolvem estratégias e
mecanismos para manter sua integridade identitária, fugindo do caráter punitivo
e
depreciativo que a instituição a instituição lhes impõem.
Um exemplo disso, é a questão do homossexualismo feminino no Educandário Santos
Dumont. As adolescentes modificam sua aparência, para não perder sua identidade por
completo. As adolescentes descobriram que uma das forma de manter sua identidade e
integridade física, é passar a imagem de que elas são homens e assim são respeitadas.
Pudemos observar não apenas esse comportamento das alunas no Santos Dumont, como
no trabalho da instituição para estruturar novas imagens nas adolescentes. Uma atividade
proposta pela professora de Educação Física que havia feito um curso de recorte e
colagem, deixa claro isso. Foi montado um mural de aniversariantes do mês, feito pelas
alunas com a ajuda da professora. Refletindo sobre as figuras por nós vistas, pudemos
obeservar o quanto está distorcida a imagem destas adolescentes, demonstrando o conflito
psicológico que existe em cada uma delas, reforçado pelo trabalho institucional.
Outra forma presente nos processos de construção e defesa da auto-imagem, é a
linguagem estabelecida pelos jovens dentro da instituição.
A instituição e seus representantes se utilizam de uma linguagem específica, de cunho
militar, buscando a manutenção da ordem ao mesmo tempo em que delineia
novas
identidades aos adolescentes atendidos pelo sistema. Estes, gradativamente, vão perdendo
suas características próprias de linguagem, além da identidade tornando-se apenas
números e códigos infracionais.
Ao introjetar os conceitos, códigos e significados impostos pela instituição, estes alunos,
criam mecanismos e estratégias de enfrentamento das relações cotidianas. Na busca de
integração e melhor convivência
os adolescentes criam uma linguagem peculiar onde
garantem sua inserção nos grupos constituídos dentro e fora da instituição, apenas
convertendo a linguagem para cada ambiente social. Desta forma, tentam resgatar suas
identidades, sua condição de sujeito, resistindo ao processo de coisificação inerente ao
sistema.
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Em resumo, a linguagem utilizada na instituição vai de encontro com o que se estabelece
como identidade institucional e institucionalizada. Na primeira forma de linguagem, a
instituição e seus representantes se utilizam da identidade de infrator para atacar a autoestima e controlar o adolescente. Na segunda forma, os jovens em conflito com a lei
estabelecem formas específicas de comunicação para driblar o controle institucional e
manter, ou pelo menos tentar manter sua identidade individual a medida em que se insere o
indivíduo no grupo.
Considerações finais
A construção da auto-imagem de jovens em conflito com a lei vem sendo preterida por
professores, psicólogos e pedagogos nas escolas do sistema DEGASE, que insistem em
utilizar métodos estratégias tradicionais para recuperar esses menores, aumentando o
número de excluídos e alienados de seus próprios direitos e de sua própria condição.
A confiança de que o sujeito pode e deve ter consciência de seu processo mental e
emocional e de que o ser humano é um todo – razão e emoção – ainda parecem distantes
da educação no final desse milênio. A realidade do DEGASE não difere da maioria das
escolas, com um agravante os “alunos”, são adolescentes marginalizados e excluídos do
processo educacional que ao tornarem-se
menores infratores são enviados para as
instituições de ressocialização que em diversos momentos confundem-se entre pseudoescolas/ prisões, tornando-se, então, também excluídos do sistema social.
Procurei relatar
as condições em que desenvolviam estes alunos, na busca de tentar
manter sua auto-estima no sentido de proteger sua auto-imagem, destacando o cotidiano da
instituição e a tentativa de professores, pedagogos e psicólogos em realizar um trabalho que
pudesse reverter a situação de fracasso e exclusão em que esses adolescentes estão
inseridos.
A “psicologia” encontrada no DEGASE é aquela referente a punição e ao controle de cada
passo dado pelo adolescente, buscando uma alienação e ausência de compromisso com a
educação e cidadania.
O trabalho conjunto dos profissionais do DEGASE, seria uma das formas mais sérias de
auxiliar os adolescentes infratores a restaurar sua auto-estima e auto-confiança, para a
busca de uma vida diferente, mais digna, redescobrindo o que é cidadania. Sendo assim,
não é necessária apenas uma mudança no pedagógico, tornando a escola menos
excludente, mas toda a instituição, para dar um espaço para o menor desenvolver
habilidades para a busca de novos papéis dentro da sociedade.
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O importante é auxiliar estes jovens decidir a maneira mais consciente sobre o seu futuro e
seu papel na sociedade. Utilizando uma abordagem que possibilite o crescimento mútuo
entre professores, técnicos e alunos, buscando a construção, não apenas da auto-imagem,
mas de uma sociedade mais equilibrada.
Destacamos alguns pontos como forma de ressaltar o trabalho do psicólogo e técnicos,
dentro destas instituições:
• Quanto aos técnicos (psicólogos, pedagogos, assistentes sociais), acreditamos que o
trabalho que deveria ser realizado por estes poderia ser o que os professores tentavam
fazer em suas salas com seus alunos, embora carecessem das técnicas necessárias;
• Os técnicos poderiam dar um suporte maior aos adolescentes do sistema, ao invés de
tarefas alienantes , deveriam passar tarefas condizentes com a mentalidade desses jovens,
ao preferir controlar a entrada e a saída dos adolescentes nas salas de aula, poderiam
exercer o papel de sócio-educar previsto pelo sistema DEGASE;
• O estabelecimento da confiança é um dos pontos que mais ajudam na construção de autoimagem dos indivíduos, pois ensinam o adolescente a superação de problemas gerados, de
forma a modificá-los com a ajuda desse outro;
• O papel do Psicólogo Institucional deve ser de conhecer os mecanismos utilizados pelos
adolescentes para manter sua identidade, tentando compreender a postura adotada pelo
jovem de forma a auxiliá-lo na modificação e incorporação de novos modelos identitários
mais positivos;
• A metacognição está presente tanto no jovem que admite “entrar no esquema” da
instituição ou para aquele que se recusa a participar, pois ambos estão tentando preservar
sua identidade e produzindo ou adquirindo determinados hábitos para aprender a lidar com
seus anseios dentro do ambiente de privação de liberdade. Enfim, modifica sua relação com
a identidade.
Concluindo, o profissional da área de Psicologia pode proteger a identidade destes jovens,
recuperando ou resgatando sua auto-estima eliminando os fatores de alienação propostos
pela instituição, enfatizando a busca da cidadania. Não deve confirmar a exclusão dos
jovens no ambiente social ou expor os jovens a situações humilhantes ou infantilizadoras.
Isso não quer dizer maquiar a imagem destes adolescentes, mas sim estabelecer pontos a
serem lapidados para que o jovem ao sair da instituição possa “encarar” a sociedade de
forma mais realista e auto-confiante. Trabalhar a história de vida destes adolescentes seria
essencial para trazê-los a realidade de sua vidas e colocá-los de forma menos defendida a
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analisar que lugar ocupam na sociedade e que precisa ser feito para alterarem esse espaço
estabelecido.
A posição do psicólogo é fundamental na construção deste novo “eu”, descaracterizando o
jovem como infrator, oferecendo o suporte necessário para que este livrar-se do estigma de
marginalizado e excluído. Conhecendo seus limites, direitos e deveres de cidadão, o
adolescente infrator, ao sair da instituição, poderá exercer um papel social menos
excludente.
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