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Apresentação O VOLUME 2 que apresentamos é parte da pesquisa METACOGNIÇÅO EM SALA DE AULA, integrante do Programa de Cooperação Técnica UERJ/DEGASE. Este volume intitulado: Aprendendo a aprender em privação de liberdade: metacognição no contexto dos jovens infratores inclui uma vasta revisão de literatura que compreende o estado da arte sobre a questão da metacognição em sala de aula. Isto é, integramos relevante literatura em psicologia cognitiva com a literatura sobre o tema ensino-aprendizagem. Dividimos a parte 2 em 6 textos, de modo que: No texto 1: Ler para aprender: estratégias metacognitivas na leitura; texto que tem por objetivo revelar a importância do processo de leitura e a relação da teoria-prática no estudo da metacognição; no texto 2: Metacognição critérios de avaliação para escrita e leitura de um texto, apresenta os critérios a serem utilizados por alunos e alunas na aprendizagem através da leitura de um texto; no texto 3: O que é adolescência: aspectos cognitivos, o texto faz uma análise, sob o ponto de vista intelectual, dos aspectos relativos ao processo cognitivo do desenvolvimento humano, mas especificamente da adolescência; no texto 4: sob o título Mitos, Rituais e Rotinas pedagógico-normativas que estruturam a vida em privação de liberdade; revela a existência de mitos e ritos que permeiam as rotinas pedagógicas nas unidades do Degase e como estas influenciam a rotina pedagógica-normativa e determinam a vivência dos adolescentes nestas instituições; no texto 5 sob o título: Interação CRIAM X Comunidade: uma análise do intrincado jogo institucional na busca da liberdade do jovem infrator no estado do Rio de Janeiro; analisamos como tal interação atua na dinâmica institucional e nas práticas pedagógicas, propondo um modelo de funcionamento orientado para o desempenho do jovem em mdedida sócio-educativa; no texto 6: A Construção da auto-imagem do jovem em conflito com a lei: a influência das instituições; apresentamos como as instituições atuam na construção da autoimagem do jovem infrator, para tal utilizamos conceitos psicológicos, cognitivos e pedagógicos. Este relatório final inclui, na Parte 2, textos que foram desenvolvidos a partir de aspectos metodológicos do trabalho, sua forma de realização, seus pressupostos alicerçados na abordagem etnográfica, assim como os instrumentos utilizados para a coleta de dados. Apontamos como a natureza pedagógica dos processos metacognitivos tem a intenção de evocar a participação da escola para a realização da tarefa pedagógica envolvendo a aprendizagem reflexiva e, portanto, estratégias metacognitivas. Apresenta, ainda, o papel da escola no desenvolvimento das capacidades mentais do aluno, assim como a importância do professor na intermediação do conhecimento junto ao aluno. Incluímos textos que exploravam a utilização da metacognição como objeto de estudo sob a influência de outras práticas. Texto 1 Ler para aprender - Estratégias metacognitivas na leitura Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ 1.Resumo Este texto discute as implicações da metacognição na leitura como um dos recursos da aprendizagem. Investiga a noção de “ler para aprender” como um destes recursos. Utilizando como base os trabalhos de ARMBRUSTER (1983) apresentamos uma análise metacognitiva deste tema, que de acordo com o autor, está relacionada a quatro categorias: texto, atividade, estratégias e características do aprendiz. 2. O Texto Situações de leitura em sala de aula : Leitores experientes e inexperientes Segundo ARMBRUSTER (1983) a estrutura do texto influencia o aprendiz mesmo que o aprendiz não esteja consciente desta influência. Afirma que o leitor pode otimizar a aprendizagem tornando-se consciente da estrutura do texto e do resultado que o efeito deste conhecimento pode ter quando está aprendendo. Observamos que nas situações de leitura em que os alunos conhecem a estrutura do texto, eles tem mais controle sobre o resultado e o efeito deste conhecimento para a sua aprendizagem, como podemos observar na situação de leitura abaixo. 1.1. Situação de leitura 1 – aula de artes Os alunos estavam evolvidos em uma situação de sala de aula (aula de artes), em que a leitura era uma necessidade imposta pela tarefa e não pelo professor. A tarefa era criar um texto de uma cena de teatro em grupo e após a escrita do texto, elaborado pelo grupo, os alunos escolheram um narrador para ler o texto, que o resto do grupo representaria para toda a turma – alunos e professores. Segundo a professora esta aula de artes era, na verdade, um psicodrama1, pois alguns alunos são muito agressivos. Ao chegarmos na sala de aula os alunos já estavam realizando a representação do texto elaborado pelo grupo. Um aluno sentado na segunda mesa à direita lia a história como numa narração de um noticiário policial. A forma como o aluno lia o texto não era convencional, mas fazia parte da encenação proposta – um assalto a banco e, acreditamos, representava a realidade da vida desses alunos – uma história policial. A cena representava um assalto a um salão de belezas. Abaixo está o texto lido pelo narrador durante a cena. Texto No dia 23 de Agosto de 1995. O adolescente testemunha Alan Adriano que estava trabalhando no cabeleireiro, quando o adolescente Daniel entrou com uma pistola 765 dizendo que era um assalto, o adolescente Alan que estava com um freguês centado2 na cadeira quando o fregues reagiu o assalto, o assaltante Daniel pensando que a vítima ia dar o bote na pistola, foi nessa hora que o assaltante Daniel deu um tiro sobre o peito da vítima e aí então foi quando as pessoas que estava passando enfrente ao salão escultou os tiros e rapidamente chamou a viatura da P.M. na hora que ele estava saindo com o dinheiro teve uma troca de tiro com a PM, e matou uma pessoa inocentemente e um P.M., e o adolecente Daniel saiu correndo desesperadamente deu de frente com um robocop da Policia Militar e se entregou, rapidamente foi encaminhado para delegacia 21 D.P. Não conhecemos os motivos que levaram os alunos a escolherem esta divisão em grupo – narrador e atores (assaltante, cabeleireiro e vítima). O aluno 1 era o narrador, o aluno 3 representava um cabelereiro, o aluno 4 um cliente do salão e o aluno 5 um 1 Psicodrama – método de psicoterapia em grupo que, utilizando a livre improvisação dramática, visa à catarse e ao desenvolvimento da espontaneidade do indivíduo (dicionário Aurélio Buarque de Holanda da língua portuguesa – 2ª edição revista e ampliada, Nova Fronteira, 1986) . 2 O texto foi copiado do papel em que o narrador estava lendo, mantivemos os erros de português para preservar fidelidade ao texto. 2 policial, os alunos Alan (aluno 5) e Daniel (aluno 2) davam as coordenadas ao grupo nos parecendo líderes deste grupo de alunos. Cena: Narrador - Em 23 de agosto de 1985 adolescente entra com pistola... Enquanto o aluno 1narra, o aluno 2 (Daniel) representa: Narrador - Um “assaltante” entra em um salão de beleza com uma pistola na mão (desenhada em uma folha de papel ofício com uma bala saindo). O cabeleireiro mexe no cabelo do cliente – cabelereiro em pé e cliente sentado em uma cadeira sendo atendido – “assaltante” entra e anuncia o assalto e diz (“assaltante”): - ninguém reage! O “Assaltante” dá vários tiros, gritando: Pápápápá! (diz depois: acabou a bala!). Aluno 5 (Alan) representa um policial. O “policial” pega o “assaltante”. Alguém fala ao narrador: - tem que ler mais alto! No caso estudado a escrita do texto havia sido elaborada pelo grupo de alunos, tornando a leitura significativa para os alunos, pois todos tinham conhecimento da estrutura do texto lido pelo aluno e seu significado para a tarefa de aula, podendo portanto influir na leitura do texto realizada pelo narrador e ter controle sobre o seu efeito no resultado da tarefa: tem que ler mais alto! Embora, todos estivessem ouvindo a leitura feita pelo narrador do texto, a ênfase na altura era parte da representação. Pesquisadores concordam que o conhecimento obtido sobre o efeito que a estrutura do texto tem no aprendiz é pré-requisito para um controle consciente de estratégias. Estas estratégias guiarão a compreensão da estrutura do texto bem como o seu conteúdo. ARMBRUSTER (1983) sugere que leitores experientes3 e inexperientes não se concentram nas características textuais porque eles não estão conscientes do impacto 3 Utilizamos aqui os termos “experiente” e “inexperiente” para classificar alunos com maior e menor conhecimento sobre a leitura como estratégia de aprendizagem, significando, portanto, uma classificação qualitativa e não quantitativa desta maturidade relacionada, apenas indiretamente, à idade cronológica e suas características de desenvolvimento e à escolaridade do aluno. 3 que a estrutura do texto tem para a sua própria aprendizagem e, neste caso, para o resultado da tarefa. Professora: pra ensaio tava mais ou menos. Aluno: presta atenção para a gente só uma vez. A professora explica sobre a questão do espaço reservado para a peça, pois eles ficavam representando fora do local delimitado. Alan explica quem vai ser quem. Alan e Daniel dão colegas, parecendo liderar o grupo de alunos. coordenava a atividade. Quando os alunos faziam contexto da atividade a professora falava: Congela! automaticamente. as coordenadas para os Enquanto a professora qualquer coisa fora do E todos faziam silêncio Recomeça o ensaio: Aluno fala: vocês vão ficar zoando... Aluno trabalha no cabelereiro, “assaltante” entra com a arma, anuncia o assalto e mata o “cliente” rapidamente. Daniel: pensei que ele fosse reagir, matei logo! Alan: tem que esperar o cara falar (o narrador do texto), o cara (narrador) tá no meio do negócio e ele já pápápá! A professora afirma para os alunos que para ensaio a representação estava boa, significando o ensaio para a aprensentação final da peça. No entanto, ensaio na abordagem metacognitiva significa o momento da ação de aprendizagem, onde inicia a aprendizagem, uma das estratégias metacognitivas. As estratégias de ensaio envolvem a capacidade de reconstruir o objeto aprendido, acontece em momentos de treinamento, na elaboração de um esquete de teatro (SENAC; Weinstein & Mayer, 1985, Mattos,1995, Boruchovich, 1993). O tempo de falar (congela!), usado pela professora para não mudar de assunto, também foi usado como estratégia de controle e manutenção da ação na tarefa – outra estratégia metacognitiva. Embora o texto estivesse sendo lido somente por um aluno (narrador) todos participavam da leitura, informando aos colegas o tempo certo da leitura em relação a representação da cena pelo grupo, ou seja, os alunos precisavam estar atentos a leitura 4 do texto para os movimentos do corpo – representação do texto e as falas acompanharem a leitura realizada pelo narrador. O narrador do texto precisava saber (aprender) como se comportar diante da leitura para que o grupo representasse no tempo certo do texto lido, como podemos observar na fala abaixo: Alan - tem que esperar o cara falar (o narrador do texto), o cara (narrador) tá no meio do negócio (no meio da leitura do texto) e ele (“assaltante”) já pápápá (atirava)! O tempo de espera surge, novamente, como parte do controle de resultado da tarefa, demonstrando a necessidade do aluno em antecipar resultados. Um dos fatores importantes na execução da atividade é a habilidade do leitor em predizer, com certa acuidade, seu próprio desempenho na atividade. Para leitores inexperientes isto pode ser difícil mas, com a idade e o conhecimento, começam a identificar pistas que lhes fornecem informações quanto ao seu desempenho. Para o desenvolvimento do conhecimento cognitivo e do controle de estratégias o aprendiz necessita saber como remediar falhas de compreensão do texto. Não é suficiente estar consciente sobre o entendimento ou não que alguém pode ter daquilo que lê. Para entender, aprendizes devem ser capazes de auto-regularem seu próprio processo de leitura de modo a compreenderem o que lêem. O leitor, precisa, portanto, conhecer suas próprias estratégias metacognitivas. No caso pesquisado o fato dos alunos terem conhecimento da estrutura do texto, por ter sido elaborado pelos alunos em grupo, facilita a compreensão do que lêem e o conhecimento das suas próprias estratégias metacognitivas de controle e monitoramento da tarefa de leitura proposta. O ensaio recomeça seguindo o mesmo molde do anterior, com a diferença que neste 3o ensaio o “cliente/vítima” tem uma fala: - Polícia Socorro Polícia! O aluno 4 diz a fala com voz aguda e com os braços levantados (imitando uma vítima). Professora diz: esse grupo tá ótimo! Fala novamente do espaço e diz que a polícia não entrou. O aluno 1 (narrador) explica que a polícia tem que entrar no espaço da apresentação. 5 Narrador: polícia entra, adolescente Daniel mata PM e um inocente. Professora fala para o aluno: continua no camarim (atrás das mesas), até o final melhora. Professora muda a estratégia de leitura do texto e pede para o aluno 1 ler mais rápido. O aluno 1 lê rápido. No final da cena o “policial” prende o bandido e dá uma batida nas costas do assaltante. No momento em que a professora conclue: esse grupo tá ótimo! é o primeiro indicador de resultado bem sucedido da tarefa sinalizando sua finalização. No caso, o atendimento às necessidades da professora e não mais da tarefa, como dissemos inicialmente. Acreditamos que no caso da leitura significativa para o aluno, o aluno tem maior controle da tarefa realizada – opinando e modificando suas estratégias de leitura de acordo com o objetivo da atividade e o professor é somente um facilitador da aprendizagem, o aluno que dirige e decide sobre como e o que gostaria de aprender (ROGERS, 1972). Percebemos nesta situação de sala de aula que o conhecimento da estrutura do texto é crítico quando se “ler para aprender”, é um requisito importante também para o uso eficiente do tempo e resultado do estudo. Detectando o padrão organizacional ou estrutura do texto os alunos observaram como autores (no caso eram os próprios autores do texto lido em sala de aula) arranjam suas idéias e determinaram que tipo de estrutura deveria ser usada para interrelacionar as idéias (HARRIS, 1990; DIGISI, 1992). Neste caso, mesmo que o objetivo da tarefa não fosse a leitura do texto o conhecimento do tipo de estrutura facilitou a leitura e a realização da tarefa, assim como o uso de estratégias metacognitivas de controle, monitoramento e predição. AMBRUSTER (1983) considera que o conhecimento dos efeitos da estrutura do texto para o aprendiz depende de sua idade e habilidade. Na situação abaixo percebemos como a ausência de referencial para a leitura e o desconhecimento da estrutura do texto influem no desempenho do aluno em sala de aula. Situação de leitura 2 – aula de mecânica • aluno estava envolvido em uma situação de sala de aula (aula mecânica) em que a leitura, embora fosse uma necessidade imposta pela tarefa era solicita 6 constantemente pelo professor da turma através da leitura de uma apostila. A turma pertencia ao CRIAM e a aula de mecânica tinha um aluno do CRIAM e todos os outros pertenciam a comunidade. • professor está ministrando aula sobre mecânica para Vitor, aluno do CRIAM, e pessoas da comunidade. O professor solicita que os alunos recorram a apostila para tirar dúvidas sobre as explicações técnicas. Todos os alunos da comunidade tiravam dúvidas e faziam perguntas ao professor, solicitando, inclusive que fizesse revisões no conteúdo da apostila, entregue pelo professor para a turma, que segundo eles estava muito repetitiva. • Vitor, aluno do CRIAM, era solicitado, assim como os alunos da comunidade, a recorrer a uma apostila que foi dada pelo professor de mecânica, mas o aluno, embora afirmasse (através de expressões faciais e corporais) estar compreendendo as explicações do professor não recorreu a leitura da apostila como o resto da turma. Neste artigo iremos explorar a relação entre professor/ aluno do CRIAM (Vitor) e leitura da apostila, não nos deteremos nas falas ou atitudes dos alunos da comunidade por não ser relevante para este estudo. Cena: O Professor solicitava a atenção dos alunos para a leitura da apostila, onde poderiam encontrar as explicações sobre as aulas práticas ministradas em sala de aula. Professor: - Vocês acompanhem no verso da 2 (página). Vitor segurou a apostila, de forma rápida, sem atender ao pedido do professor. A turma tentava localizar a página requerida e uns discutiam a repetição de páginas e a necessidade de correção, mas Vitor não tocou mais em sua apostila. O aluno olhou para o lado, olhou para o professor, deu uma olhada para a apostila, porém ela continuou sobre a mesa, da maneira que estava antes. Ele voltou seu olhar para o chão e coçou a cabeça. O professor continuava explicando. 7 Vitor deu uma rápida coçada na orelha. As expressões corporais eram: ora cotovelo na mesa, cabeça sobre a mão; ora cotovelo na mesa, mão sob o queixo. Professor (continua a explicação): - ele recarrega a bateria! Vitor balançou a cabeça afirmativamente. Ao ser solicitado a observar a apostila o aluno Vitor não atendeu ao pedido do professor, no momento seguinte balançou a cabeça afirmativamente demostrando ter compreendido a explicação do professor, sem, no entanto ler a apostila. É fundamental para o desempenho de qualquer atividade em leitura que o leitor identifique a derivação do significado no texto. No caso acima, o fato do aluno Vitor ter escolhido participar das aulas de mecânica, pode caracterizar que este aluno não saiba ler e por este motivo tenha escolhido uma aula prática, onde “não é necessário” saber ler. O leitor deve aprender como se adaptar e como se comportar diante a leitura voltandose para uma atividade específica. Neste sentido, um dos fatores importantes na execução da atividade é a habilidade do leitor em predizer, com certa acuidade, seu próprio desempenho na atividade. Uma das necessidades básicas para que o sujeito seja capaz de predizer e monitorar seu conhecimento é o conhecimento do conteúdo e da estrutura do texto lido. No caso acima percebemos que o aluno Vitor não demonstra compreender a leitura da apostila. Professor: - Olha essa figura de baixo! O professor apontou para a apostila do senhor que estava sentado atrás de Vitor, que virou-se para trás olhando rapidamente para apostila apontada, sem olhar para a sua. Quando um outro senhor, à direita de Vitor, perguntou sobre algo da apostila, este também olhou rapidamente para a apostila deste senhor. Vitor pegou a apostila pela ponta superior com os dedos indicador e polegar da mão esquerda, alisou-a com o dedo polegar e largou-a sobre a mesa. 8 Professor: -... mínimas coisas que a gente temos4 cuidado (sic). (...) Pode olhar logo no início da apostila! Vitor chegou a segurar a parte superior da apostila sem, entretanto, consultá-la. Vitor coçou a barriga. Professor: - ... os nomes técnicos é (sic) fundamental. (...) Tem que fazer o certo! (...) O seu chefe está observando aquilo. O cliente está observando aquilo. Vitor coçou a testa, coçou o olho e coçou o nariz. O professor explica a necessidade do mecânico em conhecer os nomes técnicos das máquinas, referindo-se sempre a necessidade de estudar a apostila para o bom desempenho profissional do aluno: Professor - mínimas coisas que a gente temos cuidado (sic). (...) Pode olhar logo no início da apostila! […]os nomes técnicos é (sic) fundamental. (...) Tem que fazer o certo! (...) O seu chefe está observando aquilo. O cliente está observando aquilo. A boa compreensão do texto facilitaria o controle de estratégias e a facilidade de compreeder e remediar as falhas na compreensão do texto. No entanto a ausência de referência para a leitura do texto foi distanciando o aluno Vitor da tarefa e ainda mais da necessidade de saber ler a apostila ou o que era necessário ler no momento desta aula de mecânica: Pode olhar logo no início da apostila! Durante a aula de mecânica os alunos não precisavam ter um conhecimento de toda a apostila, mas das partes citadas pelo professor: página 2 ou o início… Não é suficiente estar consciente sobre o entendimento ou não que alguém pode ter daquilo que lê. Para entender, aprendizes devem ser capazes de auto-regularem seu próprio processo de leitura de modo a compreenderem o que lêem. O leitor, precisa, portanto, conhecer suas próprias estratégias metacognitivas. Professor: - Alguma pergunta? Vitor nem piscou. 4A transcrição reflete a fala do sujeito, e por isso não foram alterados os erros de português. 9 Professor insistindo: - Alguma dúvida sobre a aula de hoje ou da aula passada? Vitor não esboçou reação. O professor continuou dando explicações e Vitor já estava com a apostila guardada dentro do caderno sobre a mesa e o lápis e a caneta (sem a tampinha) na mão. Professor: - Dúvida? Vitor balançou a cabeça negativamente. Professor: - Mecânico que leva dúvida para casa não é mecânico. É vexâmico! Como ninguém apresentasse dúvida, o professor pegou o Diário de Classe e fez a chamada nominal. Professor: - Se alguém tiver dúvida, a gente ainda tem algum tempo! Vitor saiu da sala sem dizer nada. Outra questão importante da metacognição na abordagem “ler para aprender” é a consciência que o aprendiz tem sobre suas próprias características. Isto é, o quanto o conhecimento prévio sobre leitura, grau de interesse, habilidades e deficiências na leitura, afetam a o conhecimento que o aprendiz terá de como fez/ fará para aprender. No caso acima, a falta de conhecimento prévio ou experiência com leitura levou o aluno a não manifestar-se sobre a aula ministrada pelo professor, negando-se a tirar dúvidas sobre o conhecimento aprendido em sala. Embora não possamos afirmar se o aluno aprendeu ou não sobre mecânica, se sabe mais ou menos que seus colegas, pois a aprendizagem não era dependente da apostila (a apostila era um apoio). Possivelmente, a inexperiência em leitura tenha levado o aluno Vitor a não manifestarse em sala de aula. O leitor precisa ser capaz de utilizar a consciência sobre tarefa e traduzí-la em mudanças em seu comportamento de leitura. Pesquisas sugerem que alunos bem sucedidos tendem a relacionar informações dos textos a conhecimentos anteriores que possuam sobre o assunto. Assim, alunos que apresentam dificuldades escolares mostram pouca habilidade em utilizar seus conhecimentos prévios para ajudá-los na execução de uma atividade – no caso acima o conhecimento que o aluno tinha sobre mecânica independente da leitura do texto poderia ter axiliado seu desempenho em 10 sala de aula, caso o enfoque sobre a aprendizagem sobre mecânica, neste dia, não fosse a leitura da apostila. Outra área de pesquisa em desenvolvimento sobre metacognição ligada a características do texto está relacionada ao reconhecimento das inadequações da prosa. Palavras ambíguas ou confusas dentro do texto afetam o processo cognitivo. Leitores experientes irão ajustar sua velocidade de leitura a textos anômalos e podem retornar a uma sentença inconsistente ou uma passagem, várias vezes, comparando o que ele sabe com o que está escrito no texto. Leitores experientes e fluentes são mais conscientes das inconsistências do texto. Estratégias sugeridas por TEI & STUART (1985) podem ajudar o aluno ou a aluna a identificar inconsistências internas no texto de modo a lidarem com elas mais apropriadamente. Como podemos observar na situação de leitura 3 abaixo. Situação de leitura 3 – alfabetização Os alunos estavam fazendo atividades de alfabetização (formavam palavras à partir das sílabas propostas pela professora). Alguns alunos realizavam atividades diversificadas, embora fossem todas relacionadas a leitura e escrita. O aluno 9 separava sílabas de nomes próprios. Os alunos 4 e 5 conversam o tempo todo. O aluno 9, ao contrário dos outros alunos, chamava a professora de “senhora” e não de “tia”. O aluno 6 copiava tudo da cartilha, palavras e desenhos. O aluno 3 pedia explicações a professora sobre a tarefa. 11 Ce na: As p alav ras d o b lo cã o q ue es tavam se nd o trab al had as e ram: b anana, zaro lha, chamin é , ar anha e g ra ma. (as sílab as su bl in had as er am as mes mas sub linhad as d o b lo cã o) . C om o n o e xe m p lo ab aixo: Banana A pr ofe ssor a ap ontou p ara a p alavra g ra ma (que no ca so es p e cí fico, sign ificava capi m , m ato ). A turma leu e e m se gu id a A4 comp let ou: - A4: “Ci nc o gr am a” No caso acima houve uma inadequação de compreensão da leitura do texto, a aprofessora ao falar a palavra “mato” referia-se à capim e os alunos a “peso”, cinco gramas de bala (ou, se preferirmos, de cocaina…). Pesquisadores citam pelo menos dois diferentes tipos de estratégias metacognitivas que podem ser utilizadas por alunos: a primeira constitui-se nas estratégias corretivas, “fix-up”, utilizadas para resolver falhas de compreensão do texto; a segunda, são as estratégias de estudo utilizadas para melhorar a manutenção e a lembrança – “look backs”5. Neste caso, dizemos que quando há falha na compreensão não há, necessariamente, um problema. No caso 5 ALESSI, S.M., ANDERSON, T.H. & GOETZ,E.T. An investigation of loockbacks during studing. Discourse Processes,1979. Utilizam o conceito, assim como Brown e Armbruster, significando “olhar para o que já foi visto”, voltar atrás e ler uma parte relevante de um texto já lido para suprir falhas em sua compreensão, um bom exemplo é quando o computador marca em vermelho palavras que devem ser revistas, e, o autor tem que voltar para lê-las e corrigí-las. 12 acima houve uma dupla interpretação do significado da palavra lida – a da professora e dos alunos. ARMBRUSTER (1983) e TEI & STUART (1985) discutem várias estratégias para melhorar a compreensão do texto. Estas incluem a formação de uma imagem mental, relendo, ajustando a velocidade de leitura, pesquisando o texto para identificar palavras desconhecidas, e antecipando o significado subsequente. Pesquisas concluem que existe uma distinção entre “bons” e “maus” leitores. Os “bons” leitores tendem a usar estratégias mais efetivas que os conduzem de forma consciente durante o processamento do texto. Estas pesquisas apoiam a idéia de que leitores podem ser ensinados a desenvolver auto-conhecimento e controle da leitura. Estratégias de estudo são importantes quando lemos para aprender e podem ser aplicadas para melhorar o processo de compreensão de significado do texto. Vários estudos têm apontado melhoras no desempenho de alunos dos vários níveis de ensino após terem sido treinados para o uso de estratégias específicas de estudo (GERTZ 1994; LANGER& NEAL, 1987). Conclusão Acreditamos que os professores precisam instruir alunos a conhecerem a organização e estrutura do texto que estão estudando para melhorarar a aprendizagem. Para leitores inexperientes isto pode ser difícil mas, com a idade o conhecimento, começam a identificar pistas que lhes fornecem informações quanto ao seu desempenho. A consciência de habilidades metacognitivas pode ser aprendida. Professores podem ajudar seus alunos a aprenderem com a leitura. O objetivo é desenvolver aprendizes ativos e independentes. Integrar habilidades metacognitivas na instrução de sala de aula pode tornar-se uma forma de alcançar este objetivo. 13 É necessário, ainda que o aluno/leitor tenha papel participante na sua formação através do conhecimento sobre a atividade de que ele é parte. A capacidade de desenvolverse, autodirigir-se, reajustar-se precisam ser liberadas não diretivamente, ou de maneira imposta. Acreditamos na capacidade dos alunos de gerirem sua própria aprendizagem de leitura através da cooperação, da intencionalidade nas suas ações, da curiosidade e na confiança no senso de controle, domínio e do conhecimento sobre suas ações e aprendizagem. A capacidade precoce para ler, escrever ou contar dependem do mais básico de todos os conhecimentos: como aprender a aprender. 8. Referências Bibliográficas COLLINS, N. D. (1994) Metacognition and Reading to Learn. Eric Digest, ED 37642794: Bloomington, IN. ARMBRUSTER, B. B., et al (1983). The Role of Metacognition in Reading to Learn: A Developmental Perspective. Reading Education Report No. 40. Urbana, IL: Center for the Study of Reading of Illinois University. DIGISI, L. L., and Yore L. D. (1992). “Reading Comprehension and Metacognition in Science: Status, Potential and Future Direction.” Paper presented at the Annual Meeting of the National Association for Research in Science Teaching (Boston). GERTZ, E. A. (1994). “Enhancing Motivation and Reading Achievement: Intervention Strategies for the Underachieving Middle School Student.” Ed.D. Practicum, Nova Southeastern University. HARRIS, J. (I 990). “Text Annotation and Underlining as Metacognitive Strategies to Improve Comprehension and Retention of Expository Text.” Paper presented at the Annual Meeting of the National Reading Conference (Miami). LANGER, M. A., and Neal J. C. (I 987). “Strategies for Learning: An Adjunct Study Skills Model. “ Journal of Reading, 31(2), 134-39. MUTH, K. D. (1987). “Structure Strategies for Comprehending Expository Text.” Reading Research and Instruction, 27(l), 66-72. SCHMITT, M. C., and Hopkins C. J. (1993). “Metacognitive Theory Applied: StrategicReading Instruction in the Current Generation of Basal Readers.” Reading Research and Instruction, 32(3), 13-24. TEI, E., & Stewart O. (1985). “Effective Studying from Text.” Forum for Reading, 16(2), 46-55. 14 ALESSI, S.M., ANDERSON, T.H. & GOETZ,E.T. An investigation of loockbacks during studing. Discourse Processes,1979. BROWN, A.L., ARMBRUSTER, B.B. & ECHOLS,C.H. The role of metacognition in reading to learn: A developmental perspective. Reading Education Report, nº40, Universidade de Illinois, 1983. 15 Texto 2 Metacognição critérios de avaliação para escrita e leitura de um texto Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ No processo de seleção de estratégias a serem utilizadas para a avaliação de desempenho do aluno e da aluna na aprendizagem através da leitura de texto um dos padrões a serem identificados constituem-se em uma difícil tarefa para alunos e professores. Os alunos precisam saber que os processos usados para construir e transmitir significado através do texto envolvem desenvolver e aplicar critérios para a avaliação e apreciação do seu próprio texto e de outros escritores. Os alunos e alunas precisam aprender como apreender significado do texto, como criar texto para comunicar significado, e como os conhecimentos prévios podem ser disponibilizados por eles para dar suporte ao texto. Neste contexto, a tomada de consciência é crucial, pois os alunos necessitam ajustar ou adaptar suas estratégias de pensamento às circunstâncias diversas que lhes são apresentadas durante o processo de aprendizagem. Além disso, precisam tornar-se capazes de julgar o pior e o melhor daquilo que lêem, escrevem, falam, ouvem ou representam. Neste quadro apresentamos níveis de atividades que podem auxiliar professores/as e alunos/as na tomada de consciência das estratégias metacognitivas de avaliação da aprendizagem através de texto. Quadro - Estratégias metacognitivas de avaliação da aprendizagem Discrição da Alunos irão monitorar e explicar os processos e Alunos irão desenvolver e aplicar padrões para Alunos irão desenvolver e aplicar critérios para Atividade estratégias que os ajudam na construção e transmissão de significado. avaliarem eles próprios, seus colegas e outros na escrita do texto. aplicação do texto. Nível 1 Identificar estratégias usadas para construir e transmitir significado. Colaborativamente discutir e desenvolver padrões para avaliarem um texto. Expressa o que eles gostam sobre seus próprios textos e de outros. Nível 2 Explicar e usar estratégias para construir e transmitir significado. Colaborativamente discutir e desenvolver padrões baseados em trabalhos “exemplares” da própria classe e aplicar no texto. Faz escolhas envolvendo textos baseados em qualidades estéticas e articula uma racionalidade. Nível 3 Explica e usa estratégias apropriadas que aumentam em sofisticação quando constróem e transmitem significado. Desenvolver a aplicar padrões para uma variedade de aplicações (tarefas) comunicativas e as aplicam no texto. Desenvolve critério baseado em qualidades estéticas e usa para avaliar lendo, escrevendo, falando, ouvindo e vendo. Nível 4 Explica e usa apropriadamente estratégias que aumentam em sofisticação quando constróem e transmitem significado, incluindo estratégias que lidam com tecnologias e o local de trabalho. Desenvolve e aplica padrões para uma variedade de aplicações, e aplica-os ao texto, incluindo padrões relacionados à pesquisa, tecnologia e local de trabalho. Desenvolve critério baseado nas qualidades estéticas e usa para avaliar lendo, escrevendo, falando, ouvindo e vendo. Fonte : home page - http://instruct.ride.ri.net/fig.4.html. traduzido e modificados por Mattos,C.L.G. para fins de construção de um refencial teórico para a área de Metacognição em educação Completar 2 Texto O que é Adolescência: aspectos cognitivos 3 Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ CRIANÇA E ADOLESCENTE "A afirmação da criança e do adolescente como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento não pode ser definida apenas a partir de que a criança não sabe, não tem condições e não é capaz. Cada fase do desenvolvimento deve ser reconhecida como revestida de singularidade e de completude relativa, ou seja, a criança e o adolescente são seres inacabados, a caminho de uma plenitude a ser consumada na idade adulta, enquanto portadora de responsabilidades pessoais, civis e produtivas plenas. Cada etapa é, à sua maneira, um período de plenitude que deve ser compreendida e acatada pelo mundo adulto, ou seja, pela família, pela sociedade e pelo Estado." (Prof. Antônio Carlos Gomes da Costa, em comentário ao art. 6º, da Lei nº 8.069/90 - ECA Comentado - Coordenadores Munir Cury, Antonio Fernando do Amaral Silva e Emilio Garcia Mendez pág.39). A adolescência é uma fase de reestruturação afetiva e intelectual da personalidade, um processo de individuação e de metabolização das transformações fisiológicas ligadas à integração do corpo sexuado. Seu término é difícil precisar em nossos dias, quando numerosos adolescentes trabalham prolongadamente na sua personalização O adolescente vive a problemática de identidade: o ideal consiste em negociar os lutos, as perdas e as desilusões até o momento em que o sujeito pode assumir sua autonomia. Do ponto de vista intelectual (B. Inhelder e J. Piaget, 1955), a adolescência é caracterizada pelo pensamento formal, pelo raciocinio hipotético-dedutivo, pela descoberta da noção de lei: o dominio dos possíveis pelo pensamento pode então levar a um egocentrismo metafísico; mas ela permite também ao sujeito conceber projetos de futuro e grandes ideais. A nível cognitivo adolescência caracteriza-se pelo estágio: operações formais considerador por Piaget como o úItimo estágio de desenvolvimento, quando aparecem as características que marcarão a vida adulta. 0 pensamento lógico atinge o nível das operações formais ou abstratas. Isso significa que, além de interiorizar a ação vivida (fase das operações concretas), o adolescente é capaz de distanciar-se da experiência, de tal forma que pode pensar por hipótese. É o amadurecimento do pensamento formal ou hipotético-dedutivo. 0 desenvolvimento da reflexão atinge tal estágio que torna possivel pensamento cientffico, matema'tico e filosófico. A teorização leva à crítica da própria vivência e à elaboração de um projeto de mudança. Os debates se desenvolvem no nível do discurso, da argumentação apoiada em conceitos. O processo de despreendimento da própria subjetividade é sinal de que o egocentrismo intelectual está em vias de ser superado. Afetivamente, a superação se realiza pela cooperação e pela reciprocidade. Os grupos em que persistia a idéia de mando e obediência são substituidos por outros baseados na discussão e no consenso. A capacidade de reflexão dá condições para o amadurecimento moral, pela organização autônoma das regras e pela livre deliberação. Reflexão, discussão, reciprocidade, autonomia são termos que aqui se acham enlaçados. Refletir é desdobrar o pensamento, é pensar duas vezes, é tematizar. É como se trouxessemos outro para dentro de nós: refletir é discutir interiormente. Da mesma forma, a discussão é a exteriorização da reflexão. Se nos dispusermos a discutir partindo do pressuposto de que não mudaremos de idéia, não haverá discussão, mas “diálogo de surdos". Portanto, a discusão supõe reciprocidade: disponibilidade para o outro, mas tambe'm preservação de nossa individualidade e autonomia. A construção da consciência moral Tanto a afetividade como a inteligência resultam da conversão do egocentrismo primitivo: - a lógica evolui das formas intuitivas ao pensamento abstrato; - a afetividade, do egocentrismo à reciprocidade e cooperação; - da relação entre as duas, a consciência moral evolui da anomia, passando pela heteronomia, até atingir a autonomia. É o caminho percorrido pelo desejo até a construção da vontade, suporte da vida livre e moral. Por isso, só na adolescência surge a possibilidade de um plano de vida. E, se o que caracteriza o homem é a capacidade de fazer projetos, o adolescente se encontra 2 aparelhado intelectual e afetivamente para iniciar essa caminhada verdadeiramente humana. Dizemos iniciar, pois o desenvolvimento mental é um processo diferente do crescimento orgânico. Este atinge o ápice no início da vida adulta, tem um período de plenitude e tende à evolução regressiva que conduz à veIhice. Os esportistas sabem como é curta sua carreira e procuram "pendurar as chuteiras" antes que os sinais da decadência apareçam muito fortemente. Não é o que acontece com o desenvolvimento mental, que amadurece na adolescência. As formas superiores da inteligência e da afetividade têm um "equilíbrio móvel", pois a tendência é ampliar cada vez mais a experiência, e esta por sua vez se enriquece, aperfeiçoa a reflexão e a capacidade de se relacionar. A sabedoria do homem maduro está nesse exercício inesgotável, e por isso ele não cessa nunca de aprender: aprender a conhecer o mundo, aprender a liberdade, aprender o encontro com o outro, aprender a democracia. Tudo isso não se faz automaticamente, pois é necessário aprendizagem. Se o adolescente não é estimulado a desenvolver a reflexão crítica, mas, ao contrário, se encontra submetido à educão dogmática (ou a nenhuma educação, como é o caso dos excluídos), é provável que muito dificilmente atinja os níveis desejáveis do pensamento formal. A alienação No processo de exclusão social, que começa por ser de ordem econômica e desemboca no não-reconhecimento social dos sujeitos que vivenciam tal situação, considero que o que há de mais perverso na sociedade é o fato de a própria estrutura que exclui dispõem de mecanismos para levar todos inclusive e principalmente os excluídos, a acreditarem numa suposta “força própria de vontade e a se verem desprovidos de tal força e demais atributos que pretensamente os tornariam “incluídos”, como por exemplo: ser branco, ou ser negro de alma branca; ter boa fisionomia, ter saúde, ter bons dentes, ter instrução, ter bom emprego, ter casa própria, ter automóvel, etc. Como se a posse destes bens, assim como de outros, desempenhasse a função de emblemas de identificação, sua não posse, significaria o fracasso pessoal do indivíduo, apesar de serem notóriamente quase impossíveis de serem atingidos pela maioria da população brasileira. Alienação apresenta-se como uma terceira via, além da psicose e da neurose, encontrada pelo sujeito para se defender do conflito identificatório alojado no interior do Eu e entre o Eu e seus ideais. A alienação não pressupõe sempre uma patologia preexistente, mas consiste numa patologia da identificação. O recurso da alienação se dá quando os acontecimentos da história pessoal do sujeito esgotaram sua tolerância ao conflito, quando a realidade é tão absurda que não pode ser mais confrontada, torna-se imponssível efetuar a atividade de pensar. A lienação é portanto uma fuga a necessidade de pensar o seu próprio pensamento e isso implica da 3 identificação com o pensamento do outro. Implica em realizar o projeto futuro supostamente seu mas que foi idealizado por outros. Sobre Metacognição A expressão metacognição é relativamente recente na área de educação. No entanto, é crescente no momento atual o interesse por esta categoria de conhecimento que envolve, entre outros, estudos sobre a conscientização relacionando este processo aos conhecimentos a respeito da funções do cérebro. Teóricos (Garner, Brown In: Mattos, 1995, BRUNNER, 1997, Flavell, 1976) definem de forma mais simplificada que Metacognição é o processo pelo qual uma pessoa pensa sobre sua própria estratégia de pensamento. É a tomada de consciência das estratégias usadas para a elaboração e retenção do conhecimento pelas pessoas, como elas sabem sobre seus próprios processos de aprender. Metacognição é, ainda, o como nós pensamos sobre nossos pensamentos, conhecendo “o que nós conhecemos” e “como nós conhecemos”. Como se fosse um trabalho de gerência executiva de uma organização, um trabalho de pensar e regerenciar o pensamento. Habilidades metacognitivas são necessárias quando respostas habituais não alcançam sucesso (Blakey, E. & Spence, S., 1996). Nesta pesquisa procuramos entender como os alunos e alunas tomam decisões sobre a elaboração de uma atividade, como decidem numa tarefa em grupo quem irá ler e/ ou escrever, quem lidera uma atividade, dentre outros. Foram estudadas e exploradas cinco tipos de estratégias metacognitivas (SENAC; Weinstein & Mayer, 1985; Mattos, 1995; Boruchovich, 1993), são elas: de ensaio, de elaboração, de organização, de monitoramento e afetivas. Estratégias metacognitivas são definidas como recursos usados pelas pessoas para reconhecerem e melhorarem seus conhecimentos sobre o que acontece durante o processo em estão aprendendo ou realizando algo. Procuramos desenvolver junto aos alunos e alunas a consciência deste processo para que pudessem gerenciar a própria aprendizagem. O uso de estratégias metacognitivas pelos alunos e alunas requer que não sejam somente capazes de apreender um conhecimento qualquer (como acontece na escola, nas brincadeiras de rua), mas que também sejam capazes de pensar sobre seu próprio processo de aprender (Mattos, 1995). Segundo Boruchovich, os autores Garner e Alexander afirmam que as estratégias metacognitivas tem como função controlar e monitorar o processo cognitivo. 4 Pesquisas (Pressley & Levin, Garner, Hare, Alexander, Haynes & Winograd; Weinstein & Mayer In: Boruchovich, 1993; Blakey, E. & Spence, S., 1996; Mattos, 1995 e BRUNNER, 1998) tem demonstrado que as estratégias metacognitivas podem ser ensinadas com sucesso pela escola ou fora dela, ao tomar consciência das estratégias que usa para aprender o sujeito torna-se capaz de regular e monitorar sua própria aprendizagem. Segundo Bruner (p. 71) a atividade metacognitiva é distribuída de maneira muito desigual, […] ela varia de acordo com o embasamento cultural e, talvez, o que é mais importante, ela pode ser ensinada com sucesso como uma habilidade. Acredita-se que quanto mais consciente das estratégias metacognitivas mais o indivíduo é capaz de auto-regular sua aprendizagem - o aluno sabe o que sabe e o que não sabe e o que pode fazer para aprender, pois está constantemente monitorando sua própria aprendizagem (Boruchovich, 1993). Através do conceito sobre metacognição e da reflexão sobre o uso de estratégias metacognitivas elaboramos atividades que consistiam na maximização da aprendizagem pelos alunos e alunas em sala de aula e fora dela. Estas atividades consistiam, por exemplo, na leitura contextual de um filme, onde os alunos e alunas identificaram as estratégias de aprendizagem utilizadas pelos protagonistas do filme. Sucessivamente iam identificando as estratégias de aprendizagem utilizadas por eles mesmos na realização de tarefas dentro e fora da sala de aula (com ou sem a ajuda das monitoras ou dos colegas). Alunos e alunas exercitaram seus conhecimentos sobre seus próprios processos de conhecer através do planejamento, da predição (tomada de consciência da existência do outro no processo de aprendizagem) e do monitoramento da aprendizagem (auto-avaliação ao final das tarefas). Utilizamos, ainda, o referencial dos teóricos cognitivistas Piaget (In: FLAVELL, 1996) e Vygotsky (1994) e o método de aprendizagem significativa e alfabetização emocional de Roger (1975), Goleman (1995) e Freire (1996). Em Piaget: o conceito de organização e adaptação e as etapas do desenvolvimento, especialmente, as operações formais, referentes a etapa de desenvolvimento mental dos alunos e alunas com idade de aproximadamente, 15 anos. Em Vygotsky: as relações entre linguagem e cognição e o conceito de zona de desenvolvimento proximal. Procuramos desenvolver junto com os alunos a consciência do processo de aprendizagem para que pudessem gerenciar sua própria aprendizagem. Os alunos refletiram sobre suas estratégias metacognitivas através da análise, por exemplo, de suas aptidões pessoais. Os teóricos Rogers, Goleman e Freire acreditam na idéia de que o ser humano, através do ensinamento acertado é capaz de controlar a si mesmo e sua aprendizagem. Acreditam, ainda, na descentralizagem da aprendizagem em direção ao sujeito e nos ajudaram a compreender que o sujeito pode e deve gerir o seu processo de aprendizagem. Acreditamos que a aprendizagem auto-dirigida pode influenciar significativamente o indivíduo, pois está baseada no que importa ao sujeito aprende. Essas teorias influenciaram o conceito de metacognição, mais conhecido como 5 “aprender a aprender” (Demo, 1995, p.211) e a elaboração das atividades e análises referentes a construção do conhecimento dos alunos e alunas pesquisados. Acreditamos que quanto mais consciêntes das estratégias metacognitivas, mais o sujeito é capaz de auto-regular sua aprendizagem. Procuramos desenvolver junto com os alunos a consciência do processo de aprendizagem para que pudessem gerenciar sua própria aprendizagem. Alunos e alunas reconheceram através do desenvolvimento de atividades metacognitivas e do monitoramento de suas aprendizagem, passo a passo, as estratégias utilizadas para realizar uma determinada atividade e os meios necessários para atingir seus objetivos. Neste trabalho priorizamos a fala do sujeito sobre sua aprendizagem, ou seja, o próprio aluno e aluna nos informou sobre como aprende. O que estamos estudando? O desenvolvimento cognitivo: o especialista e o iniciante. Segundo Flavell (1985, P. 89), as estruturas conceituais dos especialistas: na rede conceitual armazenada pelo especialistas existem multiples vias levando de cada um dos conceitos aos demais; podemos dizer que cada conceito possui no dicionário mental do especialistas multiplas referencias cruzadas. Esta maior densidade de conexões entre conceitos na rede conceitual do especialista significa, por sua vez, que a probabilidade de que qualquer conceito dado lembre outros concertos relacionados é maior. Esta maior interconexção nos conceitos do especialista se reflete também em suas explicações causais: os iniciantes tendem a dar explicaqoes baseadas em uma só causa ou em várias causas justapostas, enquanto que os especialistas integram diversas causas em um sistema comum, analisando as interações entre elas. Conclusão Alunos, professores e pesquisadores em educação têm denunciado práticas pedagógicas desumanas sendo usadas repetidamente nas escolas. Estas práticas levaram um grande número de alunos e alunas para fora da sala de aula, aumentando o número de crianças excluídas de seu direito à educação. A construção do conhecimento que parte da realidade de alunos e alunas vem sendo, muitas vezes, preterida por professores que insistem na utilização de modelos tradicionais de ensino. A confiança de que o sujeito pode e deve ter consciência de seu processo mental e emocional e de que o ser humano é um todo – razão e emoção – ainda parecem distantes da educação no final dos anos 90. Acreditamos que um modelo pedagógico mais humano e um professor facilitador da prática pedagógica sejam um dos fatores fundamentais para a reversão do quadro de fracasso da escola brasileira. Tentamos partir da realidade do aluno e da aluna combinando estes dois fatores citados. Acreditamos, sobretudo, que o uso de estratégias metacognitivas e a tomada de consciência das estruturas mentais vão além desta prática, 6 pois são emancipador do sujeito em sala de aula e fora dela. Ao planejar, monitorar e prever sua própria aprendizagem o aluno e aluna passa a compreender o processo de aprendizagem do qual faz parte, controlando este processo junto ao professor. O auto-monitoramento da aprendizagem pelo aprendiz poderá aumentar a sua auto-estima em relação a escola superando, assim, o estigma de fracassado, aproximando o sujeito dos conteúdos necessários para a superação de suas necessidades educacionais e favorecendo a sua permanência na escola. Acreditamos que professores e professoras deverão criar suas próprias “atividades metacognitivas”, partindo de sua realidade e de suas turmas, inserindo suas propostas em seu planejamento diário. Acreditamos que o desenvolvimento de estratégias metacognitivas dentro da sala de aula favorece o pensar sobre o pensamento, a auto-avaliação e o monitoramento do processo ensino-aprendizagem pelo aluno e aluna bem como os resultados de professores, turmas e escolas. O estudante consciente do “fazer certo”, ao refletir sobre seu próprio conhecimento estará exercitando sua habilidade de pensar sobre o processo de aprendizagem diariamente, compreendendo seus sucessos e fracassos na escola. Acreditamos que esta prática cotidiana poderá “livrar” pais e estudantes das explicadoras particulares, pois o próprio sujeito ao analisar sua aprendizagem, poderá encontrar respostas para seus problemas na escola, tendo como aliados seus colegas de classe e sua professora. A sala de aula será um todo, onde alunos e alunas conhecem as habilidades, dificuldades e conhecimentos uns dos outros, ajudando-se mutuamente e a si mesmos de forma autônoma, solidária e consciente. A proposta de desenvolvimento de habilidades metacognitivas é uma alternativa para a ampliação e criação de políticas públicas mais favoráveis às necessidades da criança e do adolescente, podendo subsidiar práticas pedagógicas em andamento e que precisem de reformulação ou adequação. Embora fundamental para a retomada da escolarização por alunos e alunas excluídos, acreditamos que este tipo de educação não esteja limitada ao ensino fundamental, podendo ser utilizado no nível médio, superior e profissionalizante. Entendemos que o uso de estratégias metacognitivas na escola dependem de um redirecionamento da prática pedagógica de professores e professoras, pois ao desenvolverem atividades metacognitivas em suas salas de aula, deverão estar consciêntes do seu significado, aplicação e utilização. E ainda, ao ensinar ao aluno e aluna a monitorar, planejar e prever sua própria aprendizagem este terá posse do processo de construção de seu conhecimento e, consequentemente de sua vida, podendo decidir qual o uso que fará deste novo conhecimento. 7 A adolescência em seu aspecto congnitivo em nossos estudos significa um estágio peculiar no qual se encontra o jovem, em especial aquele que foi excluídos das possibiliades de uma infância plena, e que nesse estágio poderá vivenciar seu desenvolvimento emocional e intelectual de modo a entrar na idade adulta de maneira tranquila e com projetos vida que se utilizem de sua cidadanania plena e da vivência de autonomia consciente e emancipatória. Verificar e completar Bibliografia 8 Texto 4 Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Mitos, rituais e rotinas pedagógico-normativa que estruturam a vida em privação de liberdade Em todos os países as escolas são muito similares não importando a raça, religião, grau de riqueza ou regime político que os caracterizam. Esta identidade educacional afirma a força do mito que envolve a escola como produtora e reguladora das ações sociais do indivíduo. Diante desta magnitude, passa a não ter grande importância a variação mitológica na qual o mito é expresso, o mito em si ganha importância como o grande motor impulsionador das relações humanas. O fato inquestionável desta identidade impressa na escola faz com que mudanças ocorridas no sistema social não tenha grande resonância na esfera escolar. Como nos lembra Illich; “A escola se presta efetivamente ao papel de criadora e sustentadora do mito social por causa de sua estrutura que funciona como um jogo ritual de promoções gradativas. É muito mais importante a introdução neste ritual do que averiguar-se, como ou o que é ensinado. É o próprio jogo que escolariza; ele entra no sangue e torna-se hábito.” (Illich,1976 6 p. 82) Mito de que a escola pode eliminar a pobreza e o desemprego. A fala de Ivanir, adolescente interna no ESD em entrevista aos pesquisadores retrata a importância da escolarização no imaginário das alunas: “Sem estudo não vou arrumar um trabalho. É muito importante quero uma mudança na minha vida. Meu filho precisa do meu amor e carinho. Quando ele crescer qual o apoio que eu poderei dar para ele. Não vou poder o corrigir porque fui uma errada na vida. Eu tenho a esperança de ir para o CRIAM.” Ritos de segurança Uma funcionária do IPS (Instituto Padre Severino) nos recebeu a nossa equipe no corredor interno do Instituto e nos encaminhou para a sala do Diretor para a primeira apresentação formal, a equipe foi instruída sobre os procedimento de segurança da casa, dentre os cuidados que deveríamos ter, nos. foi recomendado que tomássemos cuidado com: ponta do lápis, recados cifrados, barbantes e escova de dente, pois todos estes objetos poderiam ser usados como armas pelos internos. Ritos de controle 6 Illich, Ivan. Sociedade Sem Escolas, Editora Vozes:Petrópolis, 1976. O controle do espaço e dos procedimentos dos adolescentes em cumprimento de medidas socio-educativas segue alguns ritos que muito nos lembra as escolas infantis ou “pré-escolas”, onde os alunos são iniciados ao controle do corpo mediante uma ordem da professora, geralmente chamada de “tia”. No Degase presenciamos uma cenas similares, os adolescentes também tratam as professoras por “tia”. Uma destas cenas mereceu nossa atenção: - a professora explicava uma atividade de teatro, falava sobre a questão do espaço reservado para a peça, pois os adolescentes ficavam representando fora do local delimitado, a professora solicitara a ajuda dos meninos. Ricardo explicava quem iria desempenhar os personagens, determinando quem interpreta quem. Ricardo e Bruno davão as coordenadas para os colegas, parecendo liderar um grupo de alunos, enquanto a professora coordenava a atividade de leitura do texto. Quando os alunos faziam qualquer coisa fora do contexto da atividade a professora falava: Congela! E todos faziam silêncio automaticamente, parados como estátuas. Obviamente que a atividade de teatro propiciava este tipo de interação mas, nos serve aqui de exemplo típico sobre o controle do corpo. Inúmeras outras situações de controle do corpo foi exercido através de rituais similares a este; - quando os alunos se inquietavam no pátio interno do IPS ou cometiam algum “delito” interno do tipo, escrever o nome CV (comando Vermelho) no chão ou na parede, todas as atividades eram paralizadas com o comando “ESCOLA VOU VER”, era uma ordem para que os menores perfilassem enfileirados, em forma de ordem unida, para ouvir os sermões, corretivos e ameças dos agentes de disciplina. Outra atitude muito frequentemente ritualizada é a posição de mãos para trás e cabeça baixada esta, nos lembram rituais religiosos, onde a demonstração de humildade é componente importante no favorecimento do perdão. Poderia enunciar aquí, dezenas de outros ritos observados por nós durante as visitas as unidades do DEGASE, mas as mais impressivas foram as cena vividas nas sala de aula do IPS e da JLA. A transposição dos movimentos de ordem – em fileiras de mãos para trás, na entrada e saída ou ao levantar da cadeira por qualquer motivo, a ordem de incomunicabilidade entre os alunos - eram algumas das normas que lembram a escola tradicional com uma diferença, na escola tradicional o conteúdo era muito importante, tanto para o professor quanto para o aluno. Nestas escolas o conteúdo era a própria disciplina e a observância a elas. Novamente podemos fazer uso das argumentação usadas por Illich para a justificar a inutilidade da escola. “A capacidade de perseguir metas incongruentes requer uma explicação. Segundo Max Gluckman, todas as sociedades possuem determinados recursos para esconder essas dissonancias de seus membros. Sugere ele que é esta a finalidade dos ritos. Os ritos podem esconder de seus participantes até mesmo discrepâncias e conflitos entre os princípios sociais e a organização social. Enquanto o indivíduo não estiver explicitamente conscience do carater ritual do processo pelo qual foi iniciado às forças que modelam seu cosmos, não podera quebrar o encanto e criar a imagem de um novo cosmos. (Illich, 1976,p. 93). São vários os mitos existentes no ambiente escolar. 2 Perguntemos: como pensam, quais as concepções que têm acerca dos alunos os profissionais que com eles trabalham? Quais as suas perspectivas? Que enquadramento fazem? E um sem número de experiência com a conclusão final de que o aluno age de acordo com o esperado dele, isto é, ele confirma a expectativa relacionada com ele. Se o professor pensa que ele possui pouca possibilidade de êxito, o fracasso é a resposta. A formação do ciclo negativo é fechada: professor não acredita, aluno fracassa porque "aceita o prognóstico", professor "se frusta" e espera pouco, aluno fracassa, … Os Mitos permeiam o ambiente escolar ainda hoje no final do século XX. Penetrando em diversos compêndios para apurar o entedimento sobre o assunto, pode-se apresentar o mito sob diversas conotações e vê-lo sob diferentes óticas. Hoje têm-se o mito como uma represenação de fatos ou personagens reais, exagerado pela imaginação popular, pela tradição. Ou como uma idéia falsa, se correspondente na realidade. Ou como uma imagem simplificada de pessoa ou de acontecimento, não raro ilusória, elaborada ou aceita pelos grupos humanos e que representa significativo papel em seu comportamento. Ou como coisa inevitável, fantasiosa, irreal; utopia. Ou, ainda, como forma de pensamento oposta a do pensamento lógico e científico. Nos primórdios da civilização, o mito não possuia o encargo de explicar a realidade, mas o de tranquilizar o homem a um mundo desconhecido e, portanto, assustador. O homem, contruindo seu quadro de conhecimentos, amedrontado, buscava nos deuses, o aplaramento de suas aflições. O discurso elaborado era tão forte que, ultrapassando o campo religioso, perpassava todas as atividades humanas. Assim sendo, o mito não é tecido por personalidades delirantes e nem pode ser considerado uma mentira, uma fantasia. A exigência do mito é complexa. Numa concepção positiva, ele surge como uma utopia em torno da qual as pessoas despendem todos os esforços possíveis e imaginários para torná-la realidade. É a intuição e não a razão que faz surgir o mito como uma verdade. Expotanemente, o homem, com a necessidade de situar-se no mundo, passa a compreender a sua realidade com base nas emoções e na afetividade. Mesmo nos tempos atuais, o homem não é só razão; ele também é afetividade e emoção. Nossos ancestrais imitavam, através dos ritos, os gestos, as ações dos deuses. E nós, muitas das vezes, não conseguimos deixar de imitar os nossos ancestrais, os antigos, as autoridades científicas ou não, nos apropriando de conteúdos míticos quando aceitamos as verdades pela fé, sem nenhum questionamento. Por isso, a presença de mitos, hoje, no ambiente escolar. Quando não se prática a leitura, não se participa de discussões com espírito aberto, quando se têm medo de encarar o novo, de confrontar permanentemente as próprias teorias com as diversas concepções sobre educação, a tendência é a criação ou a repetição de verdades estabelecidas igenuamente, se usar a reflexão crítica. São verdades que podem explicar os acontecimentos dando a forma da ação humana, mas onde não se encontra a lógica das verdades empírica e científica, por isso, vemos na escola, o professor dizer: (aluno nulo) 3 Afirmar a nulidade de um adolescente de no mínimo 12 anos foge à lógica das verdades empírica e científica. A preocupação com o fazer desperta a potencialidade do aluno, levaria o professor a perceber o quanto de saber e de possibilidade há em todo e qualquer aluno e a desmistificar a visão anterior. Observando atentamente os alunos e as demais pessoas ao redor, rememorando o próprio desenvolvimento cognitivo, pode-se captar as tão decantadas e pouco entendidas diferenças individuais porque, na realidade, só são teorizadas. Na prática, as difernças individuais desaarece sob o peso do eterno desejo que se tem de classificar em categorias existentes em número limitado. Aprisionado, o que resta de toda a possibilidade humana é "ele nulo". Havendo a compreenção da teoria das inteligências múltiplas e a exploração dos dons (faculdades, intelectuais) dos alunos como rotas secundárias facilitadoras de outros aprendizados, sabe-se valorizar as diferenças individuais, tendo-se uma visão mais completa do aluno. São vários os mitos existentes no ambiante escolar. Perguntemos: como pensam, quais as concepções que têm acerca dos alunos os profissionais que com eles trabalham? Quais as suas perspectivas? Que enquadramento fazem? E um sem número de experiência com a conclusão final de que o aluno age de acordo com o esperado dele, isto é, ele confirma a expectativa relacionada com ele. Se o professor pensa que ele possui pouca posssibilidade de êxito, o fracasso é a resposta. A formação do ciclo negativo é fechada: professor não acredita, aluno fracassa porque "aceita o prognóstico", professor "se frusta" e espera pouco, aluno fracassa, … _ Algumas vezes, lança-se mão de uma proteção científica, o que não destrói a conotação mítica, para justificar a limitação do rendimento escolar do aluno. É o caso da sinalização da falta de coordenaçã motora (mesmo quando o aluno saiba fazer e soltar pipa, jogar futebol, amarrar os cadarços do tênis, mesmo que possui os movimentos do corpo articulados de maneira harmonioza, que corra mais que a polícia, que dance) e da necessidade de um preparo para a alfabetização como se o adolescente iniciasse o processo somente a partir da cegada ao sistema sócioeduacativo. E JLA (?) Sala da ESD Apesar o discurso, poucos são aqueles com uma resposta cerente para a questão: até que ponto esses problemas influenciam na capacidade de aprender? A fala de competência da população também para solução de problemas sociais mais conduz à busca de uma divindade pela fé e pela crença e uma religião. O homem comum é tido como incapaz e, em geral, se acomda e seus pedidos de proteção divina. 4 Os valores, sendo invertidos, o aluno assume uma postura de culpado. É ele que tem a cabeça fraca, memória ruim, não tem capacidade para aprender. Uma avaliação sobre o contexto e que vive, não importa. E quem deveria estar procurando desmistificar, termina por reforçar o estabelecimento apresentando os estudos científicos sem conhecer o seu real significado. Uma quantidade considerável desses alunos já passou pela rede comum de ensino e, quase que em sua maioria parou de estudar e algum momento. Eles não conseguira sucesso em época própria. É preciso fazê-los aproveitar agora, oferecendo-lhes as melhores condições. O tempo que passa nos mostra a impossibilidade de recuperar produções pois que deveriam ter acontecido. As produções de hoje são de outra natureza e, por isso, de outra qualidade. O que deixou de ser, não pode ser. Smente uma pedagogia da esperança pode dar aos alunos uma aprendizagem adequada para todos os alunos. Causa peturbação o não entendimento ao direito de ter água ou luz. A mesma perturbação deveria estar presente quando do insucesso do aluno. Não há intenção de apontar culpados (pais, alunos ou professores) porque estaria sendo criado um obstáculo para uma possível solução. Ainda mais que a violência social é grande e esparsa: mortalidade infantil, salário mínimo, corrupções, atendimento e tratamento nos hospitais públicos, etc. Esperar que todos os problemas sejam resolvidos é aceitar o fechamento dos estabelecimentos educacionais. O caminho é refletir como a escola ultrapassa todos os problemas para que o aluno aprenda, como pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida do aluno. Dentro do ambiente escolar encontramos também apregoações fatalistas, tanto da parte de profissionais como da parte de alunos. SG.83. Essa atitude aceita o fluxo da vida humana como previamente fixado não sofrendo a interferência da vontade e da inteligência. Entretanto, sorte inevitável não resiste à mínima convivência com a vontade e/ou a inteligência. E teríamos que indagar sobre papel a escola; sobre a determinação do cumprimento de uma medida sócio-educativa, sobre a seleção de profissionais para com eles trabalharem. Determinismo do homem existe porque ele está num tempo, num espaço e recebeu uma herança cultural. Mas o homem é igualmente livre porque pode possuir a consciência do seu determinismo. Sendo atuante, o homem pode exercer uma ação transformadora e elaborar seu projeto de vida. São observados ritos e cerimônias não condizentes com os princípios estabelecidos pela legislação pertinente ao atendimento do adolescente. Desses princípios se depreende que as ações desencadeadas nas instituições devem o aperfeiçoamento do aluno como pessoa. O exemplo registrado abaixo be ilustra as práticas consagradas pelo uso e/ou por normas, que ocorreram de forma invariável em ocasiões determinadas com objetivos desconhecidos ou irrelevantes. 5 Interessante foi presenciar acontecimento da religiosidade sob vários aspectos . Em alguns momentos a crença na existência de uma força considerada com criadora do universo e, por isso, adorada e obedecida. Em outros momentos, forças naturais são negadas e, ao mesmo tempo temidas e acreditadas. Mas sempre existe uma disposição ou tendência para a religião ou para coisas sagradas. Grupos religiosos possuem um trabalho permanente em algumas unidades tentando conquistar os alunos para uma mudança de pensamento e ação evangelizando-os. Funcionários ligados a alguma religião envolveu os alunos com suas crenças principalmente porque eitem preceitos éticos. No grupo de pesquisa houve até uma certa dscussão sobre o que foi notado neste sentido. Para algumas pessoas, não se poderia falar de religiosidade pois está estaria ligada a misticismo. Para outras, a religiosidade estaria sendo utilizada com a finalidade de melhorar espiritualmente os alunos . (Nellie) E para um outro grupo de pessoas, a religião serviria como uma tentativa de tranquilizar, de controlar os alunos. 6 Texto 5 Interação CRIAM X Comunidade: uma análise do intrincado jogo institucional na busca da liberdade do jovem infrator no estado do Rio de Janeiro Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Adriana Tavares Fernandes Silva Universidade Federal Fluminense – UFF Resumo Nesta monografia estudamos a relação escola-comunidade no contexto do jovem em conflito com a lei. Estudamos ainda os processos metacognitivos entre os jovens atendidos pelo sistema DEGASE – Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas – especificamente nas unidades de semi-liberdade e liberdade assistida CRIAM – Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor - na intenção de descrever de que modo o atendimento educacional oferecido aos jovens favorece seu desenvolvimento educacional e sua integração à sua comunidade.A monografia destaca as parcerias realizadas entre os CRIAM’s e a comunidade e caracteriza seu impacto no atendimento ao jovem em privação de liberdade. Utiliza dados da pesquisa Metacognição em sala de aula: um estudo sobre os processos de construção do conhecimento na perspectiva do jovem infrator no Estado do Rio de Janeiro, realizada entre setembro de 1998 a fevereiro de 2000 e conclui que o espaço físico assim como os recursos dos CRIAM’s são meramente utilizados pela comunidade não contribuindo para ressocialização dos jovens nem promovendo sua reinserção no sistema educacional. Introdução O tema relação escola-comunidade configura-se na problemática educacional do país como um dos mais complexos e importantes, pois a escola deve refletir os ideais e necessidades da comunidade na qual se insere, sendo que a comunidade deve exercer seu papel participativo e fiscalizador das ações da escola de modo a garantir que esta realmente desenvolva programas e projetos em sintonia com os seus membros. 7 No caso de escolas “especiais” esta relação se apresenta de modo ainda mais intrincado merecendo particular atenção de educadores interessados na compreensão dessas relações e na solução dos conflitos dela decorrentes. Nesta monografia tratamos desse tema de modo muito particular, a medida que ele surge no bojo de um grande projeto de pesquisa e foi por mim destacado pelo interesse despertado e curiosidade acadêmica e ao qual dediquei-me durante os dois últimos anos. Este interesse surge quando investigando os processos metacognitivos que se configuram nas instituições do Sistema DEGASE – Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas – nos deparamos com a relação que se estabelece entre a comunidade e os CRIAM’s – Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor – unidades para semiliberdade e liberdade assistida. Parceria esperada pelo fato da instituição ser de caráter sócio-educativa, esta relação se caracterizou em dois momentos distintos: a comunidade dentro da instituição e a participação da instituição na comunidade. No primeiro momento verificamos a distinção quantitativa que se estabelece de acordo com os cursos oferecidos, onde observamos que em determinados cursos a participação dos alunos do CRIAM é insignificante ou mesmo inexistente. Esta questão se agrava quando verificamos que no lugar da integração encontramos a mera utilização do espaço físico da instituição pela comunidade, ou seja, a oportunidade de reintegração e aquisição de conhecimentos dos alunos do CRIAM deixa de ser foco principal das atividades e passa a ser mero coadjuvante causando reflexos em todo o processo educacional. Em contrapartida, a experiência da instituição na comunidade não é muito diferenciada. As matrículas nas escolas da rede oficial de ensino, garantidas por lei, são sumariamente negadas, sem justificativas convincentes ou respaldo legal. E quando matriculados ocorre todo um marginalização. 8 implícito processo de exclusão e Ingressei na equipe da pesquisa Metacognição em Sala de Aula na segunda etapa, outubro de 1998, onde estavam sendo realizadas pesquisas de campo no Educandário Santos Dumont e no CRIAM de São Gonçalo. Permaneci no grupo até o final da pesquisa, fevereiro de 2000 o que me possibilitou participar de todos os processos: entrevistas, relatórios, atividades de campo, levantamento e análises de dados, construção do corpo teórico, apresentação e elaboração de textos, e do relatório final. Após um ano de pesquisa realizada a partir de uma micro-análise de sala de aula, numa abordagem etnográfica, nas diferentes unidades do sistema DEGASE, me deparei com a relação que se estabelecia entre a comunidade e os Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor (CRIAM´s), de modo específico o CRIAM de São Gonçalo por ter sido a unidade que participei mais intensamente. Verifiquei que a promoção de ressocialização e acompanhamento educacional, caráter próprio deste tipo de unidade, se realiza em dois momentos distintos: a comunidade dentro da instituição e a participação da instituição na comunidade. No entanto esta relação se revelou desigual pois a participação e integração entre os alunos do CRIAM e a comunidade não se estabelece de forma plena, sendo demarcada por fronteiras no espaço físico e na aceitação destes pelo grupo social. Diante desta problemática desenvolvi esta monografia na intenção de demonstrar a importância do tema estudado para a melhoria das condições do atendimento ao jovem infrator, na formação do educador que atende este jovem e também demonstrar como a minha participação na pesquisa contribuiu para a construção do conhecimento acadêmico e formação profissional. Esta monografia é composta de 3 capítulos. No primeiro capítulo inclui um breve delineamento da Pesquisa Metacognição em Sala de Aula, com o objetivo de nortear o contexto maior da pesquisa e seus referênciais teóricos. O segundo capítulo, inclui uma descrição do Sistema DEGASE e dos CRIAM’s na tentativa de explicar as diferentes formas de organização, quanto ao espaços físico, administrativo e educacional. O último capítulo, destaca a participação da comunidade no CRIAM e do CRIAM na comunidade, buscando ampliar a compreensão e reflexão sobre as relações de interação que se estabelecem entre ambos, como também descrever e 9 refletir em que medida essas relações influenciam e determinam a construção da identidade e da vida educacional destes alunos. Finalmente apontaremos alguns aspectos para a melhoria da atuação dos profissionais do CRIAM na solução dos problemas estudados. Gostaríamos de alertar ao leitor que esta monografia contém dados confidenciais e sua leitura demanda uma inserção num ambiente altamente polemico e desafiador para qualquer indivíduo que decidiu descrever aspectos sócio-educacionais especialmente explorando e de certa forma denunciando as diversas formas de exclusão encontrados no ambiente do DEGASE. Capítulo I - A pesquisa Metacognição em Sala de Aula: a fonte de dados 1.1 - Um breve delineamento da Pesquisa Metacognição em Sala de Aula Este trabalho monográfico tem por base os dados levantados e analisados pela pesquisa Metacognição em Sala de Aula: um estudo sobre os processos de construção do conhecimento na perspectiva do jovem infrator no Estado do Rio de Janeiro. É parte de um conjunto de ações propostas no “Projeto de Excelência” da Secretaria de Justiça e Interior do Estado do Rio de Janeiro. Estabelecendo um convênio entre a UERJ e o Departamento Geral de Ações Educativas. Portanto, fazse necessário uma breve explicação dessa pesquisa de modo a ilustrar como a problemática da relação escola-comunidade se insere no contexto mais amplo do estudo sobre o DEGASE. Este projeto desenvolveu-se na Área de Educação, Sub-área de Ensino- Aprendizagem, no campo de conhecimento dos processos cognitivos entre jovens e adultos, tendo como eixo central o estudo da construção do conhecimento entre os jovens em conflito com a lei nas instituições do DEGASE. Dados mais específicos deste projeto podem ser encontrado nos volumes I, II e III que compõem o relatório da Pesquisa (SR3/UERJ fev.2000). A pesquisa Metacognição em Sala de Aula, oficializada em 10 de setembro de 1998 – integrante do Projeto "Pró-Adolescente” do Programa de Cooperação Técnica UERJ/DEGASE, iniciou a primeira etapa do trabalho em julho/98, partindo do treinamento de pessoal aos contatos para acesso e visitas de apresentação, observações e entrevistas em campo, elaboração de relatórios e pesquisa bibliográfica. 10 Em agosto foi finalizada a primeira etapa do trabalho no Instituto Padre Severino (08/07/98 à 27/08/98), que incluiu observações e entrevistas em campo, elaboração de relatórios e pesquisa bibliográfica como principais atividades. Em setembro, reestruturou-se o trabalho para a próxima fase, finalizando os relatórios de campo da primeira etapa, estudamos novas formas de observações e de entrevistas, assim como iniciou-se a pesquisa bibliográfica voltada para os temas encontrados na etapa anterior. Houve uma ampliação do treinamento da equipe, incluindo técnicas de relatório, atividades de campo guiadas e aulas com consultoria internacional. Em outubro foi iniciada a segunda etapa da pesquisa de campo no Educandário Santos Dumont (29/09/98 à 04/12/98), dando continuidade às observações, intensificando as entrevistas e a pesquisa bibliográfica. Em novembro, deu-se continuidade ao desenvolvimento da segunda etapa e iniciando o trabalho paralelo junto ao CRIAM de São Gonçalo (26/10/98 à 30/11/98). Ao fim da segunda etapa do levantamento de dados de campo em dezembro, foi dado início aos trabalhos da terceira etapa na Escola João Luís Alves (02/12/98 à 11/02/99). Essa etapa foi marcada pela intensificação de entrevistas, relatórios e análises sistemáticas, paralelas ao início das atividades de campo no CRIAM da Penha (14/12/98 à 21/12/98). Iniciamos ainda a elaboração do 1º relatório parcial. Encerrada a terceira e última etapa de pesquisa de campo, foram visitados os CRIAMs de Teresópolis e Nilópolis para rechecagem de dados e procederam-se comparações com os CRIAMs já visitados. Finalizado o trabalho de campo, contávamos com um conjunto significativo de dados coletados em processo de análise. Contávamos nessa fase com 34 alunos e profissionais atuando na pesquisa. Em fevereiro foi realizada a leitura crítica individual dos relatórios elaborados durante a pesquisa de campo. Construímos o mapa-resumo contendo todos os contatos específicos e ampliados realizados durante a pesquisa de campo divididos cronologicamente. Em março foram realizadas as análises e levantamento dos temas e categorias que foram cruciais para o delineamento do perfil dos resultados encontrados. Visitamos ainda, dia 4 de março, por solicitação do DEGASE, o CAI da Baixada e finalizamos o mapa-resumo das categorias. Abril e maio foram os meses dedicados à fundamentação teórica dos temas, recortes bibliográficos para debate e montagem preliminar dos textos. Elaboramos o quadro abaixo que sintetiza os macro-temas, temas e sub-temas. 11 tema desta monografia , incluiu-se no grupo dos sub-temas mais abrangentes, as quais somam-se 69 ao todo. Este tema foi estudo durante todo o tempo de trabalho nos CRIAM’s e ainda através da participação de membros da equipe, como estagiárias, o que permitiu uma intensa participação do grupo no cotidiano dos CRIAM’s. Macro-Categorias Identidade Controle Contradições (descompasso) Tempo/Espaço Categorias Saúde Cultura da Pobreza Ensino/Aprendizagem (sala de aula) Linguagem Auto-Estima Instituição Religião (ritos/mitos) Expectativas (projeções/idealizações) Sexualidade Rotina Violência (incivilidade/agressivida de) Sub-Categorias Aplicação Da Aprendizagem Atividades Pedagógicas (Memorização, Cópia, Maturação) Caderno/Relatório/Prontuário Controle Da Disciplina Consciência Da Realidade Controle Do Material Cronologia Escola Espaço Da Sala De Aula (Ausência, Função, Físico) Estética Do Material Estratégias Da Aprendizagem (Linguagem, Norma Culta E Adequação Local) Fatalismo Inadequação Da Atividade Internalização Dos Processos Pedagógicos Introdução Da Aprendizagem Listagem Material (Banheiro, Alimentação, Conservação E Depredação) Mecanismos De Compensação Misticismo Natureza Da Aprendizagem Natureza Do Erro X Resolução Do Erro, Interação, Utilidade, Neologismos Número De Alunos Por Sala Objeto De Periculosidade Organização E Funcionamento Procedimentos Da Aula Processos De Aprendizagem Religiosidade Rotina (Oficial E Extra- Oficial) Avaliação Barulho (Descompasso) Contratos E Negociações Controle Do Corpo E Da Saúde CRIAM X Comunidade Disciplina X Pátio Escola X Realidade Escolarização X Ensino Profissionalizante Gratificações Idealizações Infantilização Internalização Das Regras Internalização Do Espaço Pedagógico Linguagem Militar Masculinização/ Meninas Maternagem Mecanismos De Compensação Motivação Postura Do Professor Projeção do Ideal Projeções Puerilização, feminilização/meninos Questões Jurídicas (artigo e adequação a medida) Regras de Convivência Interna Representação do Corpo Representação Social Revista/Visita (descompasso) Sedução Segurança Significado da Linguagem (descompasso) 12 Significado Da Aprendizagem Teoria X Prática (Descompasso) 1.2 - Metacognição: conceito e significado É importante aqui descrevermos aspectos conceituais sobre a pesquisa pois os mesmos orientam teoricamente as análises e procedimentos metodológicos utilizados pela equipe para encontrar os resultados. A expressão metacognição é relativamente recente na área de educação. No entanto, é crescente no momento atual o interesse no estudo desta categoria de conhecimento que envolve entre outros estudos sobre a conscientização relacionando este processo aos estudos sobre a função do cérebro. As velhas relações entre corpo e alma, razão e consciência, cérebro e mente, pensamento e ação perpassam o âmago dos recentes estudos em metacognição que despontam caracteristicamente interdisciplinar, pois que é encontrada tanto nos mais recentes estudos filosóficos sobre redes neurais e inteligência artificial, quanto nos mais clássicos estudos psicossociológicos sobre o comportamento humano como a construção coletiva do conhecimento. Pesquisadores têm enfatizado a importância dos processos metacognitivos e seu potencial de aplicação educacional. Definem de forma mais simplificada que metacognição é o processo pelo qual uma pessoa pensa sobre sua própria estratégia de pensamento. É a tomada de conhecimento (awereness) da estratégia usada para elaboração e retenção do conhecimento. Em resumo, o conceito de metacognição, designa a forma como o sujeito pensa sobre o seu próprio pensamento, ou seja, como gerencia sua aprendizagem. 13 1.2.1 - A Sociologia do Conhecimento Destaca-se como referencial teórico, os estudos cognitivistas de Vygotsky e Piaget e ainda os estudos sobre o desenvolvimento e a aquisição de estratégias metacognitivas pelos alunos e alunas em trabalhos de Flavell, Brown, Garner, Mattos, Gonzales, Boruchovich e Bruner. Estes trabalhos tratam das questões ligadas aos processos metacognitivos e como sua aplicação pode influenciar positivamente o processo de ensino-aprendizagem. Finalmente utilizamos os estudos de Rogers e Goleman nos seguintes aspectos: aquisição e apropriação do conhecimento pelo aprendiz; o método de aprendizagem significativa e a alfabetização emocional como importantes contribuições a construção do conhecimento pelo próprio indivíduo. Para uma melhor compreensão deste estudo destacamos os cognitivistas Piaget e Vygotsky através de uma breve discussão. Em Piaget: o conceito de organização e adaptação e as etapas do desenvolvimento, especialmente, as operações formais. Em Vygotsky discutimos as relações entre linguagem e cognição e o conceito de zona de desenvolvimento proximal. Essas teorias influenciaram o conceito de metacognição, mais conhecido como “aprender a aprender” (DEMO, 1995, p.211) Piaget e Vygotsky Desde os anos 70 a educação vem se beneficiando de uma orientação cognitivista do processo ensino-aprendizagem. Anteriormente, orientada pelo modelo behaviorista desenvolvido por Skinner, nos anos 70, agora está preocupada com o modo como funciona a mente do sujeito. Dentre os teóricos cognitivistas, dois 14 destacam-se: Piaget (1896-1980) e Vygotsky (1896-1923). Várias mudanças ocorreram no processo educacional através da contribuição destes dois teóricos crescentemente lidos nas décadas de 70, 80 e 90. Piaget, contribui com o conceito de organização, adaptação, assimilação e fases do desenvolvimento, destacando-se as operações formais - onde o adolescente passa a se orientar para o abstrato através de pensamentos reflexivos, capacidade fundamental para sua adaptação no contexto social adulto. Esta capacidade de pensar facilita o desenvolvimento, aquisição e monitoramento de estratégias metacognitivas. Vygotsky explora o conceito de zona de desenvolvimento proximal e os processos de aquisição da linguagem, destacando que o indivíduo é interativo na formação de seus conhecimentos, juntamente a partir de relações intra e interpessoais. Goleman e Rogers Rogers e Goleman foram influenciados por estudos que questionavam o papel e a validade dos testes de medida da inteligência (Q.I.) muito criticados desde a década de 60. Rogers nos apresenta uma opção por um método “não-diretivo”, autorealizador da pessoa enquanto ser humano de modo global, isto é, sem separar o desenvolvimento cognitivo dos demais aspectos do ser humano. Goleman retoma uma abordagem educativa que caracteriza-se pela exploração de “outras inteligências”. Afirmando que a autoconsciência, o equilíbrio emocional e a aprendizagem das emoções têm uma importância fundamental no desenvolvimento do indivíduo. 15 Goleman e Rogers acreditam na idéia de que o ser humano é capaz, através do ensinamento acertado (por parte dos pais ou da escola, ou pela vida) de controlar a si mesmo e a sua aprendizagem. E que um bom desenvolvimento emocional proporcionará uma vida mais responsável, cooperativa, confiante e, acima de tudo, mais humana. Assim como os autores acima acreditamos na capacidade dos alunos e alunas de gerirem sua própria aprendizagem através da cooperação, da intencionalidade nas suas ações, da curiosidade e na confiança no senso de controle e domínio do próprio corpo, do conhecimento, do comportamento e do mundo. Um sujeito emocionalmente inteligente será capaz de resistir a influências negativas adotando as perspectivas dos outros, compreendendo que comportamento deverá tomar diante de uma situação, não só na escola, como no seu dia a dia. Ou seja, é uma autoconsciência e autocontrole de si próprio. Rogers também afirma que a auto-descoberta e a autodeterminação são característica inerentes ao processo de aprendizagem. Seu método é baseado na não-diretividade, onde o professor não interfere diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno, introduzindo valores, objetivos etc. O professor é somente um facilitador da aprendizagem, o aluno que dirige e decide sobre como e o que gostaria de aprender. O sujeito como um todo está envolvido na aprendizagem tanto os seus aspectos cognitivos quanto os afetivos. A aprendizagem é autoiniciada, ou seja, mesmo quando foi o professor que deu o impulso inicial (veio de fora do sujeito), a descoberta e a compreensão vieram de dentro do sujeito e permanecem com o ele, podendo provocar mudanças em sua personalidade, no seu comportamento e nas suas atitudes. Nesta abordagem o sujeito é que avalia a sua 16 aprendizagem, pois somente ele pode saber o que e quanto aprendeu (ROGERS, 1972, p.5). Rogers e Goleman apregoam a autonomia do aluno como sendo um dos pontos fortes de suas abordagens. Pessoas que governam suas próprias vidas. Mas, enquanto Rogers tem uma visão crítica e realista da escola, Goleman aponta pessoas emocionalmente inteligentes apenas dos portões da escola para a rua. Talvez, por otimismo, não aponte a escola como uma instituição repleta de pessoas emocionalmente incompetentes. 1.3 - Métodos e Instrumentos de Pesquisa • M e t odologia Esta monografia, sendo parte dos trabalhos iniciados na pesquisa Metacognição em Sala de Aula, utiliza a mesma metodologia do projeto. A abordagem qualitativa etnografia crítica - na pesquisa foi utilizada como instrumento dos processos de construção da escrita em alunos possuidores de “relativa baixa auto-estima educacional”, tendo por interesse os aspectos de colaboração e interação no contexto do sistema DEGASE sob a perspectiva crítico emancipatória (Freire 1992), tendo os alunos participação ativa como agências humanas transformadoras das contradições sociais. Instrumentos de coleta • Observação participante 17 Foram observadas as interações dos jovens no ambiente no qual, em nosso entendimento, pudesse estar acontecendo uma atividade educativa e que dentro das restrições impostas, nos foi permitido observar. • Atividades de registro em cadernos de campo Foram realizados registros sistemáticos e análises das observações de eventos ocorridos durante a observação, com posterior análise coletiva (rememória) em reuniões seguidas às visitas. Este relato em documento foi elaborado na tentativa de ampliar a observação e acrescentar as interpretações e impressões pessoais do pesquisador. • Arquivos Foram pesquisados arquivos das escolas da instituição de forma indireta, isto é, através de documentos que nos chegavam às mãos, de pesquisas anteriormente realizadas, e das fontes oficiais e públicas (IBGE, Banco Mundial, Unicef, Ministério de Justiça, etc.) • Entrevistas Foram realizadas entrevistas, sempre que possível, e às vezes, mais de uma vez com o/a mesmo/a jovem na tentativa de registro dos processos mentais ocorridos na organização pelo jovem das tarefas acadêmicas. Neste contexto, os alunos muitas 18 vezes fizeram revelações surpreendentes para a equipe e que fazem parte do texto (resultados) da pesquisa. As entrevistas utilizavam pares de pesquisadores para que os dados pudessem ser registrados com maior fidedignidade, entretanto, este procedimento tornou-se, de certa forma, limitador do contato entre entrevistador e entrevistado, dificultando o engajamento do entrevistado no contexto da narrativa pessoal. Isto é, o pesquisador, tomador de notas, passou a ser testemunha ou platéia disponível ao entrevistado, ao invés de tornar-se um ativo parceiro do entrevistado no trabalho de registro das falas. O tipo de entrevista utilizada foi a “não-estruturada”, partindo de solicitações temáticas espontâneas do entrevistado. Este tipo de entrevista revelou-se extremamente útil ao propósito da equipe contribuindo muito para estabelecer vínculos com os jovens e a instituição e para a coleta de relatos considerados verdadeiros. • Aná lise O processo de análise dos dados foi muito trabalhoso devido ao volume de material coletado e o número de pesquisadores envolvidos na coleta. Seguidas reuniões foram realizadas durante os meses de maio a dezembro de 1999 na intenção de evidenciar os pontos de congruência e divergência a serem considerados neste processo. Em maio, com a equipe quase toda em trabalho, as reuniões foram determinantes. Utilizamos a estratégia de dividir a equipe em dois grupos, originando 19 dois blocos temáticos: psicológico e pedagógico, procurando evidenciar com clareza características da pedagogia do DEGASE e suas marcas metacoginitivas. A análise de dados nesta pesquisa constituiu-se num verdadeiro mosaico de procedimentos e métodos norteados pelos instrumentos etnográficos como: descrição, comparação e interpretação dos eventos de acordo com a interpretação de pesquisadores e consultores e principalmente de acordo com a percepção dos participantes. Estudamos formas analíticas apresentadas por outros autores sobre análises etnográficas, consultamos colegas experientes em análise de conteúdo e de contexto e, optamos por utilizar o eixo de análise bottom-up e a matriz analítica de dados a seguir, modificando um pouco a sua versão original (MATTOS, 1992). 1 .4 - Que st õe s de pe squisa e de line a m e nt o de a lgum a s re spost a s Na pesquisa foram delineadas algumas questões, respondidas ao longo da análise de dados, tempo por resultado as seguintes conclusões. • A execução das tarefas propostas pelos instrutores e a organizam do conhecimento por parte dos jovens atendidos pelo DEGASE para desenvolvê-las, foi estudada exaustivamente durante o período de coleta e análise de dados. As observações realizadas ressaltam que os alunos resistem às tarefas por não encontrarem sentido nas mesmas e mantêm-se ligados a execução do comando do professor por entenderem que pessoal e institucionalmente é o comportamento esperado dele para “redimir-se” da infração cometida. A organização do trabalho é 20 feita pelo/a professor/ra e não pelo/a aluno/a, que mantêm-se, na maioria das vezes, alienado ao contexto geral da pedagogia adotada. O desenvolvimento das tarefas se dá sem o auxílio do professor/a, por ensaio e erro chegando a um verdadeiro processo de adivinhação do objetivo da tarefa, ou da resposta desejada pelo instrutor. Pudemos verificar a ocorrência de processos mentais superiores (estratégias metacognitivas reflexivas) quando independente da situação instrucional entrevistamos os alunos e os mesmos lembraram como faziam anteriormente suas tarefas acadêmicas na escola, entendiam o processo de aprendizagem ocorrido e a aprendizagem fixada enquanto conhecimento aprendido. • A utilização de estratégias metacognitivas na realização de tarefas escolares por jovens menos experientes e conscientes de possuírem dificuldades em realizá-las, tendo por objetivo lhes trazer o benefício de aprender como um jovem inserido na escola tradicional, foi discutida intensamente pela equipe, em especial pela equipe “pedagógica” por tratar-se de mecanismos usualmente observáveis em quaisquer salas de aula. O aluno do DEGASE não diferiu em experiências quanto ao compartilhamento de conhecimento de outros alunos. Os mais experientes mostravam suas habilidades que eram seguidas pelos menos experientes, o que observamos de diferente foi a necessidade de “co-membership”, isto é, afiliação. Os jovens neste contexto, como em qualquer outro, precisam sertir-se pertencentes a um grupo, uma “turma”. Num ambiente de privação de liberdade, este fato passa a ser uma questão de sobrevivência. Na sala de aula isso ficou evidente quando a harmonia da “cola” ou do “voar dos lápis, borrachas e apontadores”, tinha direção certa, mesmo que um companheiro estivesse distante, a confiança “de amigo” era a norma que orientava a troca de experiência e a construção coletiva do conhecimento. A memória coletiva foi mais um dado que coincide com as 21 referências bibliográficas e quadros teóricos estudados, o aluno lembra fatos e constrói sua experiência imediata a partir destas lembranças, que muitas vezes, pode conduzi-lo ao erro, mas que geralmente o ajuda, mesmo que de forma rudimentar, na solução imediata da tarefa apresentada. Suas limitações e dificuldades são reveladas, em particular, para alguns, e suas habilidades são alardeadas como emblemas de confiança e segurança. • A tomada de consciência sobre utilização de estratégias metacognitivas como forma de influenciar positivamente na aquisição de novos hábitos e estratégias de aquisição do conhecimento, teve uma presença especial nos estudos realizados pela equipe. O apelo para a tomada de consciência dos jovens para o ato infracional, leva-os a um verdadeiro estado de auto-revelação de suas dificuldades e suas facilidades diante dos problemas de vida. No entanto, a carreira acadêmica deste jovens, já marcada pelo fracasso escolar, na maioria das vezes, evidencia uma dificuldade em lidar com o conhecimento e o uso que podem fazer dele de modo positivo, isto é, para alicerçar novos hábitos. Embora conscientes das mudanças necessárias para a aquisição de conhecimentos validáveis pela sociedade, sentem-se desamparados, despreparados, incapazes e portadores de toda sorte de incompatibilidades com o ambiente que favorece a aprendizagem. De fato, o ambiente escolar oferecido a eles é o pior possível, se podemos dizer que ele existe, mesmo assim demonstraram um potencial de auto- conhecimento de suas possibilidades para mudança de hábitos e atitudes que os levam a uma vida “melhor” e em particular a liberdade. • As dificuldades relatadas pelos jovens e como estas informavam mudanças na realização com sucesso de tarefas, também foi presença constante em nossas 22 análises. Alunos do DEGASE, como quaisquer outros alunos do sistema educacional, elencam suas dificuldades de modo claro e preciso, suas falas, no entanto, são mediadas pelas impressões e representações sociais que carregam ao longo de suas vidas. Falta de concentração, falta de atenção, pobreza, pais analfabetos, origem social sem estímulo, aparecem regularmente na lista de dificuldades. Mas não raro, quando entrevistados sobre seus próprios métodos de soluções de problemas e maneiras de organizar situações cotidianas, revelam igual destreza e domínio sobre seus próprios métodos de proceder cognitivamente, até para cometer um ato infracional. Este item deve ser melhor explorado num tipo de pesquisa “laboratorial” onde os alunos possam ser testados e comparados em termos das familiaridades que possuem com os seus processos mentais, devido a natureza desta pesquisa, cremos que esta foi a questão de respostas mais constantes e menos precisas, portanto, carece de aprofundamento. Concluindo, este breve histórico foi apresentado como forma de nortear esta monografia, situando seu contexto maior da pesquisa e referênciais teóricos. Capítulo II – DEGASE e CRIAM: A entrada e a saída do sistema sócioeducacional O capítulo II desta monografia inclui uma descrição do Sistema DEGASE e dos CRIAM’s na tentativa de explicar as diferentes formas de organização dos CRIAM’s, especialmente quanto ao espaços físico, administrativo e educacional. 2.1 - DEGASE – Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas O Departamento de Ações Sócio-Educativas, foi criado em janeiro de 1993, através da interlocução do Governo do Estado com o CBIA (Centro Brasileiro da Infância e 23 Adolescência) órgão do Governo Federal que substituiu a FUNABEM (Funadação Nacional de Bem-Estar do Menor), e que teve como missão institucional o apoio à implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente em todo o país. Vinculado à Secretaria de Estado de Justiça, é o órgão responsável pela execução das medidas sócio-educativas no Estado do Rio de Janeiro. O DEGASE é composto por unidades distribuídas pela Capital e Interior do Estado do Rio de Janeiro. Estas unidades estão voltadas para o atendimento dos adolescentes em conflito com a lei e para o cumprimento de medidas de privação de liberdade, semi-liberdade, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. O Sistema DEGASE é formado pelas seguintes unidades: Direção Geral e Administração Central; Centro de Triagem e Recepção; Instituto Padre Severino (destinado às medidas sócio-educativas de internação provisória para adolescentes do sexo masculino); Escola João Luiz Alves (destinada às medidas sócio-educativas de internação para adolescentes do sexo masculino); Educandário Santo Expedito (destinado às medidas sócio-educativas de internação para adolescentes do sexo masculino); CAI-Belford Roxo (destinado às medidas sócio-educativas de internação para adolescentes do sexo masculino); Educandário Santos Dumont (destinado às medidas sócio-educativas de internação provisória e internação para adolescentes do sexo feminino), além de 17 Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor – CRIAM’s (destinados à execução de medidas sócio-educativas de semiliberdade e liberdade assistida). 2.2 – CRIAM - Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor 24 Os Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor – CRIAM’s – são unidades responsáveis pelo atendimento dos adolescentes que estão cumprindo medidas de semi-liberdade e liberdade assistida. A semi-liberdade pode ser determinada como primeira medida ou como processo de transição do adolescente à comunidade, possibilitando a realização de atividades externas. É obrigatória a escolarização e a profissionalização, devendo ser utilizados os recursos existentes na comunidade, quando possível. Nessa medida o adolescente permanece no CRIAM de segunda a sexta-feira e recebe autorização para ir para casa nos finais de semana. A liberdade assistida é uma medida sócio-educativa que possui características de restrição de liberdade, pois passa a condicionar o estilo de vida do adolescente. Ë designado um orientador para acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente no cumprimento da medida, entre elas: inserção comunitária, manutenção de vínculos familiares, freqüência e aproveitamento escolar, promovendo, inclusive, sua matrícula e inserção no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes. Cabe ainda ao orientador apresentar relatório do caso ao Juiz responsável pela região aonde se encontra a unidade. Os CRIAM’s são unidades para 32 adolescentes, de ambos os sexos, assistidos por uma equipe de profissionais divida entre pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, agentes educativos, agentes de disciplina e alguns funcionários administrativos e responsáveis pela manutenção e conservação do espaço. A estrutura física dos CRIAM’s é igual nas diversas unidades, possuindo uma parte interna e outra externa. Mesmo tendo uma arquitetura “aberta” aparentemente 25 destinada à livre circulação dos adolescentes, existem grades e portões em ambas as partes. A parte interna tem a forma que nos remete a um octógono ou mesmo, uma grande gaiola. Ela se divide em dois alojamentos, um feminino e um masculino, sendo que o feminino é ocupado pelos meninos quando não existe a presença de nenhuma menina cumprindo medida. Esses alojamentos são divididos em quatro quartos, com duas camas beliches cada, sendo o banheiro coletivo. Uma ala é composta por um salão onde são realizadas as atividades pedagógicas e algumas oficinas, uma sala pequena onde no CRIAM de São Gonçalo por exemplo é utilizada como biblioteca e sala de atendimento e uma sala um pouco maior com um pequeno banheiro onde fica a equipe técnica. Existe uma última ala onde se localiza o refeitório, a cozinha, a lavanderia e duas salas destinadas a parte administrativa. Na parte externa são encontradas três salas destinadas as oficinas, o almoxarifado, um espaço para horta e uma quadra de esportes. É interessante descrever aspectos físicos do prédio pois em nossa interpretação esta construção representa uma demarcação de espaço e uma forma de controle. Mesmo que aparentemente não lembre uma instituição penitenciária esse espaço ainda é visto e utilizado como um presidio e não distancia-se muito da aparência de qualquer escola mesmo as mais precárias. Sendo assim, a instituição passa a brincar de escola em seu interior com o aval do sistema estadual de educação visto que como instituição sócio-educadora representa oficialmente a escola. Para ilustrar que como nós os adolescentes também percebem este local, como sendo um espaço de presídio e não de escola, apresentamos a seguir um desenho contendo a representação desse espaço pelo aluno Mário do CRIAM da Penha. 26 Para facilitar o entendimento descrevemos o contexto circundante a realização do trabalho. “Foi pedido aos alunos que fizessem algum desenho retratando o cotidiano na instituição, um deles desenhou a estrutura do CRIAM que é padrão de construção em todas as construções e tinha como finalidade proporcionar liberdade de espaço para a realização de atividades recreativas, profissionalizantes, culturais etc., todavia com o aumento do número de fugas, a preocupação com a segurança foi redobrada, foram construídas grades e cercas no espaço aberto existente, dando-nos a impressão de semelhança a uma “gaiola”. Coincidentemente encontramos na obra de Foucault “Vigiar e Punir” (FOUCAULT, 1977) a descrição de um presídio com um aspecto semelhante. O que nos confirma a repetição de uma estratégia que obedece a um mito de controle pela grade, a contenção do espaço físico e uma prática de controle ritualizada do ser humano. A diferença existente entre as passagens descritas por Foucault é que elas são de outro século, medievais e que ainda são utilizadas como medidas sócio-educativas. Funcionando como ritos de prisão e não de escola”. 27 Blouet., A. - Projeto de Prisão Desenho do Criam da Penha celular para quinhentos e oitenta realizado por um dos internos condenados , 1843 Como podemos observar temos uma escola que é uma prisão e professores que são disciplinadores, informantes e vigilantes. Contraditoriamente, esse comportamento dos agentes e professores assume um papel legitimador da autoridade e da instituição que aparentemente sócio-educa através de sistemas muito distantes do papel que a educação formadora e socializadora deve ter na sociedade. Descreveremos no próximo capítulo como a demarcação do espaço utilizado como forma de controle, ou seja, um espaço de presídio e não de escola, influencia e determina a construção da vida educacional e social destes alunos. 28 Capítulo III – O CRIAM: a Esperança de Liberdade 3.1 - A participação da Comunidade no CRIAM A parte III desta monografia inclui conteúdo sobre a participação da comunidade no CRIAM. Buscamos aqui ampliar a compreensão e reflexão sobre as relações de interação que se estabelecem entre a comunidade e o CRIAM como também descrever e refletir em que medida essas relações influenciam e determinam a construção da identidade destes alunos e da sua vida educacional. Para isso iniciamos com uma apresentação do desenvolvimento das atividades e oficinas pedagógicas. 3.1.1 - Atividades e Oficinas Pedagógicas Os CRIAM’s têm suas especificidades, classificados pelo discurso oficial do DEGASE, aprendemos que alguns são “proibidos” como o de Caxias, outros são favoritos, como o de São Gonçalo, o da “Penha” é interessante. Em meio à interdição e o favoritismo, visitamos aqueles cujas equipes técnicas mostraram-se dispostas a receber-nos, sem contudo atinarmos para as “propagandas” do sistema. Estudamos o que foi concebido pelos profissionais e experimentado pelos alunos como atividades consideradas sócio-educacionais. Podemos diferenciar dois tipos de atividades que funcionavam no CRIAM de São Gonçalo7 com dinâmicas distintas, a primeira, que em muito se assemelhava as 2 Em determinados momentos vou me deter ao CRIAM São Gonçalo pois nas demais unidades – Penha, Nilópolis e Teresópolis – as atividades e oficinas pedagógicas, no período de coleta de dados não estavam funcionando e também por ter sido a unidade que participei mais intensamente. A estrutura de funcionamento 29 atividades escolares eram chamadas de atividades pedagógicas. A segunda, tinha um explicito intuito de, não só integrar o jovem à comunidade, como oferecer-lhes uma oportunidade profissional futura, eram chamadas oficinas pedagógicas. Para melhor entendermos como funcionavam estas atividades descreveremos algumas do CRIAM de São Gonçalo, onde eram oferecidas oficinas de mecânica, informática, refrigeração, eletricidade, cabeleireiro, parafuso, teatro e vassoura. Foram estudadas ainda as atividades pedagógicas rotineiras, isto é, salas de aulas normais, assim como as atividades de leitura. Na impossibilidade de detalharmos todas as atividades, a seguir, caracterizaremos estas atividades a partir da percepção de sua relação com o processo de ensino aprendizagem, e particularmente estamos interessados na relação entre estas características e sua integração com a comunidade, isto é, especificamente qual a percepção da comunidade em relação à atividade e dos jovens e profissionais em relação a sua utilização. 3.1.2 - Descrição das Oficinas Durante o período que estivemos pesquisando no CRIAM, pudemos observar algumas oficinas pedagógicas. Oficina de Mecânica A oficina de mecânica era oferecida aos alunos do CRIAM e da comunidade no mesmo espaço, ou melhor, em salas de aulas no interior do CRIAM. Nesse espaço dos CRIAM’s é muito parecida, os cursos são semelhantes, mas às vezes as atividades/oficinas não acontecem por vários motivos tais como: falta de instrutores, de material e espaço físico. 30 destinado a mecânica haviam várias carteiras, ao fundo existia uma divisória de madeira fazendo a separação entre a oficina de mecânica e a de eletricidade. Em uma das paredes havia um quadro negro utilizado pelo instrutor para desenhar as peças de mecânica para melhor ilustrar suas explicações. Nesta mesma parede, assim como nas demais, havia uma bancada (tábua ao redor da parede, na altura da cintura do aluno) onde eram colocadas as peças estudadas, nesta mesma bancada que servia de mesa, mensagens escritas podiam ser lidas por todos, mensagens essas de conteúdo comportamental e moral, que destacavam-se por não estarem contextualmente inseridas no conteúdo da aula. A frequência das aulas era de duas vezes por semana, no turno da manhã e da noite, com três horas de duração, iniciando geralmente às 9 horas e às 19 horas. Eram aulas práticas e teóricas. Nas aulas práticas os alunos tinham que fazer o reconhecimento das peças, montá-las e desmontá-las. Nas aulas teóricas os alunos contavam com uma apostila para consulta e acompanhamento das explicações feitas pelo instrutor. Nestas aulas, os alunos do CRIAM não falavam nem perguntavam nada. Quando eram trabalhadas as informações da apostila não a consultavam, entretanto pareciam prestar atenção às explicações do instrutor tanto que quando solicitados para a realização de uma tarefa a resolviam de forma correta. Observamos que quantitativamente o número de alunos oriundos da comunidade era maior que os alunos do CRIAM. Na opinião do instrutor “os alunos não se interessavam muito pela mecânica preferindo a de refrigeração por ser mais limpa”. Em nossa opinião não era dada muita ênfase à participação do adolescente, devido 31 a sua situação de infrator, geralmente associada a vagabundo. O fato de ser oferecido à comunidade foi entendido por nós como uma forma de mostrar que a comunidade estava presente no CRIAM, mas entendemos mais como uma utilização indevida do espaço público, já que a participação do interno não era o objetivo principal. Outra dificuldade encontrada pelos alunos do CRIAM era o fato das aulas serem organizadas a partir da leitura de material escrito (apostila). Isto porque, existia no CRIAM alunos que tinham dificuldades na leitura. Isso fazia com que eles tivessem dificuldade na apreensão do conteúdo teórico trabalhado pelo instrutor. Havia por um lado a dificuldade real da leitura, ou seja, a decodificação do que estava impresso na apostila e a relação deste conjunto teórico com o trabalho prático, manual, realizado na bancada com as ferramentas disponíveis. Por outro lado, notávamos uma resistência por parte dos alunos, compreensível, devido a sua dificuldade já citada anteriormente. Podemos observar esta relação de resistência em um trecho do funcionamento da aula de mecânica, onde : “O aluno Marcelo observava as explicações do instrutor Cláudio com os braços cruzados sobre a mesa. Cláudio:_ Olha essa figura de baixo! ( E apontou para a apostila do senhor que estava sentado atrás do aluno ). Marcelo virou-se para atrás olhando rapidamente para apostila apontada, mas não olhou para a sua. Quando um outro senhor, à direita dele, perguntou sobre algo da apostila, ele também olhou rapidamente para a apostila do perguntador. O aluno pegou sua apostila pela ponta superior com os dedos indicador e polegar da mão esquerda, alisou-a com o dedo polegar e largou-a sobre a mesa. 32 Cláudio:_ ... mínimas coisas que a gente temos cuidado (sic). (...) Pode olhar logo no início da apostila! Marcelo chegou a segurar a parte superior da apostila sem, entretanto, consultá-la. Coçou a barriga. Diante de questionamento da comunidade, o instrutor Cláudio pegou peças para tirar as dúvidas de modo mais concreto. Marcelo continuava acompanhando o instrutor com os olhos sem nada falar. O instrutor trabalhou o encamisamento perguntando após: _ Deu para seguir o raciocínio? Marcelo confirmou com a cabeça. Ele estava com os braços cruzados sobre a mesa. Mas, após responder afirmativamente com a cabeça, pôs a mão fechada sob a boca e o cotovelo na mesa. Não muito depois puxou a mão para o lado da cabeça. Marcelo olhou para alguém que fez uma pergunta. Depois do olhar, novo bocejo. Cláudio:_ Ficou alguma dúvida? (...) sua dúvida ficou sanada? O adolescente nada respondeu e nenhum gesto fez, ao contrário das outras pessoas.” A vergonha de não dominar a linguagem escrita fazia com que os alunos criassem mecanismos de disfarces, mas ao mesmo tempo isso não significava que eles se encontravam completamente alheios a atividade que estava sendo desenvolvida. A situação se complicava pelo fato do instrutor que ministrava as aulas ser uma pessoa da comunidade que entendia do assunto e não um professor de mecânica. Isso se refletia na dinâmica da aula que ignorava o fato da dificuldade que eles tinham na leitura e na facilidade que eles tinham em aprender através da observação. A apostila funcionava como agente legitimador do “ser professor” . • Oficina de Parafusos Esta oficina funcionava nos fundos da sala destinada a oficina de refrigeração. Nela, além das duas mesas e do material da outra oficina, haviam duas máquinas em que 33 os alunos trabalhavam. A atividade consistia em rosquiar parafusos para vaso sanitário. Durante a execução do trabalho alguns parafusos caiam no chão em volta da máquina e não eram recolhidos, isso porque atrasava o serviço e eles tinham que encher seis sacos por dia. Por esse trabalho recebiam R$ 95,00 por mês. Observamos que nesta oficina não existia a orientação nem a supervisão de um instrutor, os alunos passavam o dia sozinhos e deixavam de participar das outras oficinas. Para ilustrar que eles realmente ao participarem desta oficina se ausentavam das demais perguntamos: “Vocês fazem alguma outra atividade além desta? Claro tia, a gente almoça, lancha, conversa...” Percebemos, não só pela fala do aluno mas também ao conversarmos com a pedagoga Nívea, que eles muitas vezes deixavam de participar das outras atividades dando prioridade a oficina de parafusos. Observamos que esta parceria que havia sido estabelecida com os empresários locais, com a justificativa de proporcionar aos alunos atividades de cunho lucrativo e educacional, se revelava como recrutamento de mão de obra barata e mera atividade mecânica e repetitiva, sem nenhum caráter de inclusão social. • Oficina de Informática A oficina de Informática do CRIAM de São Gonçalo localizava-se na área externa entre os dois alojamentos masculinos. Era uma sala pequena que não fazia parte do projeto original de construção. Nela haviam quatro computadores instalados, conseguidos em parceria com a comunidade, segundo nos informou o diretor Eduardo. Ele ainda nos declarou que os alunos do CRIAM frequentavam as aulas de 34 informática juntamente com a comunidade, fato não observado por nós, pois na sala só haviam alunos da comunidade. Parece que esse espaço era uma espécie de terceirização, ou seja, no lugar do pagamento de uma sala para a realização de um curso, bastava incluir um ou dois alunos do CRIAM. O problema era que esse espaço pertencia aos alunos e quando a comunidade oferecia os cursos, os alunos do CRIAM ocupavam um papel de coadjovantes. O mais importante era a implementação do curso, seu caráter profissionalizante e não um processo educativo e reintegrador. Os alunos do CRIAM e da comunidade apenas ocupavam um mesmo espaço, a aproximação que se estabelecia era puramente física: dois corpos ocupando um mesmo espaço e camuflando uma situação que feria os princípios e a proposta oficial da instituição – ações sócio-educativas. Ou seja, a reintegração, a resocialização com a comunidade não acontecia. • Oficina de Cabeleireiro As aulas desta oficina aconteciam no mesmo dia e horário da oficina de leitura, ocupando a sala de atividades. Desta maneira a oficina de leitura, restrita aos alunos do CRIAM, funcionava em uma pequena sala da parte administrativa, que servia de passagem para a comunidade e funcionários irem ao banheiro. Observamos que a oficina de cabeleireiro estava repleta de pessoas da comunidade. De fato, comprovou-se mais uma vez a mera utilização do espaço físico da instituição pela comunidade, sendo que desta vez, ficou claro o motivo de exclusão dos alunos. Oficina de Teatro 35 Nesta oficina, coordenada pelos instrutores Beto e Aparecida, as atividades se desenvolviam em dois momentos distintos. No primeiro momento eram desenvolvidas atividades corporais e encenação de peças de teatrais – produzidas pelos próprios alunos, que muitas vezes acabavam encenando a história de suas vidas. No segundo momento realizavam atividades artísticas como desenho, pintura e cartonagem. Os instrutores eram membros de uma Igreja Evangélica e por isso ao término das aulas pediam aos alunos para juntos fazerem uma oração e pedidos a Deus. Também, nos finais de semana, acompanhavam os alunos, que permaneciam no CRIAM, ao culto. 0 Atividades Pedagógicas A sala onde aconteciam as atividades pedagógicas era espaçosa, com muitas janelas e com a porta de entrada voltada para o pátio interno da instituição. Nela haviam duas mesas, uma redonda com quatro cadeiras e uma retângular com dois bancos. Estas atividades eram coordenadas pelas duas pedagogas da unidade, que esmeraram-se em mostrar o melhor se si, quando revelado pelo Diretor Eduardo o nosso interesse em conhecê-las e ao seu trabalho. Todo o material didático bem como as aulas foram preparadas para “passar uma boa impressão”. Em uma visita observamos uma atividade que consistia em mostrar o contrário da família dos alunos através de comparações de figuras. Foram distribuídas três figuras – desenhos coloridos do tamanho de uma folha de papel ofício, colados sobre uma cartolina. Na figura 1 havia um grupo de pessoas reunidas em torno de uma mesa realizando uma refeição: um casal de idosos, um casal de meia idade e 36 três crianças. A figura 2 mostrava um homem de meia idade, em frente a uma casa se despedindo de uma menina e uma mulher, que segurava um menino no colo, ao lado de um outro menino que segurava um ursinho de pelúcia. Na figura 3 havia um casal jovem com duas crianças sentados a mesa comendo um bolo, enquanto o homem distribuía o que parecia ser um bombom. Enquanto essas figuras iam sendo distribuídas, as pedagogas iam categorizando cada uma. A primeira foi categorizada como sendo uma família composta pelos avós, pais e filhos, a segunda como uma família onde o pai se despedia da mulher e dos três filhos e a terceira como sendo a ilustração de uma família que estava lanchando enquanto o pai distribuía doces. Vejamos a descrição da atividade: Luciana: “Vocês vão olhar pra figura e dizer, escrever o que acontece na sua família e o que você acha de diferente em relação a sua família” Luiz: “Ah, isso é muito chato… “ Luciana: “Sua família é assim?” Paulo: “Não.” Luciana: “Esse é o objetivo, esse quadro vem mostrar o contrário da família de vocês.” 37 Nesta atividade as pedagogas haviam partido do pressuposto de que a cena familiar contida nos desenhos era contrária a realidade familiar dos alunos. Oficialmente todos os técnicos da instituição tinham acesso aos prontuários dos alunos e estabeleciam contato com suas famílias, mesmo assim, isso não justificava o conceito pré concebido de como se organizaria suas famílias, sem perguntá-los sobre suas realidades. As pedagogas partiram da premissa de que os alunos se reportariam as suas famílias nucleares e não levaram em conta que muitos já haviam constituído outras famílias. Ainda, nesta atividade, buscavam através destas figuras um ideal de família “boa, feliz, branca, limpa, bonita, com avós e pais”, no sentido de estimular a auto-estima dos alunos, em sua maioria absoluta, negros, mestiços, pobres, infelizes, infratores e, por exemplo cuja avó faleceu. Ao término da atividade a pedagoga Nívea, analisou o material utilizado na aula, fornecendo e auxiliando na compreensão de seus objetivos. Nívea: “ O que a gente quis enfatizar aqui? Não é a realidade deles. É uma situação tradicional. Começa até pela raça: eles são brancos (personagens das figuras), os filhos são bonitos, tem objetos caros. Aqui, o menino tem um bicho de pelúcia. Aparentemente não tem problemas… tem uma situação de equilíbrio. A gente vê aqui a união da família rezando… orações, fartura. Será que eles tem família constituída, comendo com garfo, faca, copos, mesa limpa, higiênica, sorrisos, cadeiras… ? Será que existe esse ambiente? A casa dessas pessoas (alunos) é uma total sujeira, não tem hora para nada, come com a mão… A gente vê aqui na hora do almoço, é uma falta de educação pra comer. Isso pra família não é importante. Mas como é que vai cuidar da higiene, unhas limpas… Não tem água. A pessoa ser pobre não é sinônimo de imundice. É que ela vai deixando pra lá: não lavam os pés, não ligam mais… Eles (alunos) não lavam. Outro dia o aluno colocou o pé na cadeira, eu bati na perna dele e mandei ele abaixar. Uns são melhorzinhos, agora uns… A gente passa como deve sentar, mostra a contradição e como mais ou menos deveria ser. Nosso objetivo é educacional. Antes de pedagogas somos educadoras. Tem que passar o mínimo de educação até pra sobreviver dentro da marginalidade. Não adianta meus preceitos, eles não são da minha família, tem que partir deles pra gente. Não adianta querer que eles sejam lindos, maravilhosos, limpíssimos. Eles querem ser sujos, pés sujos, cheios de machucados, coceiras. Eles tem que introjetar isso, eles tem que querer. O que a gente quer não é 38 realidade. Eles tem que incorporar, introjetar esses conceitos, estudar, participar das atividades, colaborar com as tarefas do CRIAM… ajuda na medida.” Não identificamos com precisão o significado nem tampouco o objetivo pedagógico desta atividade, mas interpretamos que estas refletem de forma clara a maneira de pensar dos profissionais desta unidade. • Oficina de leitura Esta oficina, como dito anteriormente, restrita aos alunos do CRIAM, funcionava em uma pequena sala da parte administrativa. Era ministrada por duas bolsistas do Programa Ler-UERJ, Fabíola e Márcia. A oficina consistia em incentivar a leitura através de letras de músicas e contos de fadas. Durante o período em que estivemos pesquisando nesta unidade, só foi possível observar uma única aula pois nos demais dias reservados a esta oficina as aulas não aconteceram. Acreditamos que o fato de haver uma descontinuidade do trabalho que vinha sendo realizado prejudicava o desenvolvimento do mesmo. 3.1.3 - Comentários sobre a participação da Comunidade no CRIAM No CRIAM de São Gonçalo as oficinas pedagógicas eram promovidas por professores da comunidade responsáveis inclusive, pelo desenvolvimento didático metodológico. Os alunos da comunidade pagavam uma mensalidade que era utilizada para a manutenção das oficinas: salário dos professores e confecção das apostilas. Isto ocorria quando da ausência de profissionais da instituição bem como de recursos. Outra justificativa para a ênfase no atendimento aos alunos da comunidade e outra confirmação de que o espaço público estava sendo utilizado indevidamente. As atividades e oficinas pedagógicas muitas vezes eram utilizadas como preenchimento do tempo ocioso ou como punição, não sendo entendidas como possibilidade de inserção no mercado de trabalho. A fala do diretor Eduardo 39 exemplifica o caráter punitivo: “não querendo participar da aula vai para o prontuário dele e assim quem sabe ele não consegue a liberdade assistida”. Nas oficinas em que as aulas eram ministradas pela comunidade, os profissionais não eram professores, ou seja, acabavam por realizar uma tarefa que poderia estar sendo feita por outros profissionais. O fato de estarem dando aulas no CRIAM legitimava o papel de professor, que na verdade não eram. A oficina de leitura era um exemplo do que esperávamos encontrar no CRIAM. Existia um coordenador responsável por ela, e “estagiários” que desenvolviam um trabalho juntamente com os alunos. Não julgamos se esta oficina era bem desenvolvida ou não, mas nela existiam profissionais qualificados para a execução deste trabalho. Em nossa opinião outras pessoas da comunidade, como alunos de outros cursos, pudessem por em prática no CRIAM todo o seu aprendizado. 40 3.2 - A participação do CRIAM na Comunidade Destacaremos, agora, as relações estabelecidas pelos CRIAM’s8 na interação com a comunidade através da participação em cursos profissionalizantes e na escola. Durante o período da pesquisa de campo, observamos que no CRIAM São Gonçalo, os alunos não eram matriculados nas escolas, uma das justificativas era estarem aguardando o período de matrícula. A outra era o fato do juiz não exigir escolarização e profissionalização com o intuito de avaliar o aluno, mas sim o “bom” comportamento. Assim, a primeira justificativa pode ser exemplificada com a fala da pedagoga Luciana: 6 1 “Após a refeição Wanda procurou a pedagoga Luciana na sala das técnicas e perguntou-lhe: 2 Wanda: os meninos estão matriculados em escola regular? 3 Luciana : Não, não, não . 4 Wanda: Por quê ? 5 Luciana: Porque alguns são novos e porque aguardamos a época de inscrição.” A pedagoga explicou não matricular os alunos na escola, devido ao fato de ter que aguardar a época de inscrição. Porém isso é garantido por lei, a matrícula em qualquer época do ano. Embora tenhamos ciência de que o número de vagas nem sempre é suficiente para o número de alunos, a situação deste jovem em particular é garantida, pois ele está sobre a guarda do Estado e não da família. 8 O CRIAM de Teresópolis não será cfitado, pois os meninos mantinham contato com a comunidade apenas através de aulas de capoeira, não sendo matriculados nas escolas por falta de vagas. 41 7 Na mesma entrevista destacamos a segunda justificativa, que evidencia a ausência de alunos matriculados na escola, culpabilizando a justiça pelo não cumprimento das medidas. 8 “ Wanda: - Por que o aluno não está matriculado na escola? 9 Luciana: - “o menino que não está matriculado (....) O juiz, se ele (aluno) tem bom comportamento, libera pra ir embora”. 10 Wanda: - “Libera pra ficar em L.A. Ele tem que participar das atividades?”. 11 Luciana: - “O juiz não dá apoio. (...) a Escola não tem vaga ( está sob medida) o juiz determina. Aqui não tem isso”. 12 Wanda: - “Aqui não tem isso?”. 13 Luciana: - “a última vez que eu consegui foi com o (....). Ia cancelar, não ia liberar. Estamos procurando ingressá-los na aula, em janeiro”. 14 Wanda: - “o que você está fazendo?”. 15 Luciana: - “matrícula......”. 16 Wanda: - “porque pelo estatuto a medida de S.L. exige que o menino tenha escolarização e profissionalização, lá no Rio o juiz exige, qual escola, qual curso. Tem o BECA(?) Banco de Emprego, não sei aqui....”. 17 Luciana: - “aqui não (......) mas não pra aqui”. 18 Wanda: - “tem algum (....) matriculado fora?”. 19 Luciana: - “tem o Leonardo, na serigrafia e tinha o José, na serigrafia, que evadiu”. 20 Wanda: - “Quais suas atribuições?”. 21 Luciana: - “ver Escola, participação, mural...”. 22 Wanda:_ Então, o Juiz não usa o Estatuto? 23 Lucianai:_ Não. 24 Wanda:_ Qual é o critério, então, utilizado pelo Juiz? 42 25 Luciana respondeu que era o comportamento. Disse que está há um mês no CRIAM e o que sabe é isso.” 26 … 27 Pudemos observar que a fala da pedagoga refere-se a nossa presença, pois muitas vezes não condiz com o que foi analisado por nós, transferindo para a justiça a responsabilidade da não existência de escolarização e profissionalização. 28 A equipe técnica nos relatou que uma alternativa sugerida pelo juiz seria que as professoras das escolas fossem uma vez por semana ao CRIAM fazer o reforço escolar, uma vez que as escolas não aceitam os adolescentes. 29 Acreditamos desta maneira que o juiz não atende ao Estatuto da Criança e do Adolescente, cabendo a ele determinar o cumprimento da lei, relatada abaixo: 30 “Seção VI – Regime de Semiliberdade - artigo 120 – parágrafo 1º - É obrigatório a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizado os recursos existentes na comunidade.” (VOLPI, 1997) 31 Quanto aos cursos profissionalizantes, fomos informados que haviam mais ou menos 50 adolescentes que cumpriam medida de liberdade assistida e semiliberdade, participando dos mesmos. Os números existentes nesta unidade revelavam a desorganização referente a participação qualitativa e quantitativa dos alunos. Pois havia ao todo no CRIAM de São Gonçalo 110 adolescentes, 12 em semiliberdade e 98 em liberdade assistida, sendo que apenas 2 de semiliberdade encontravam-se participando dos cursos. 32 Eles alegavam que a dificuldade existente era em virtude do corte de verbas e de instituições como SENAC, SESI, SENAI estarem cobrando pela participação dos alunos. Desta forma isso demonstra o reduzido número de alunos inscritos nos cursos. 43 No CRIAM Penha, a realidade encontrada não foi muito diferente da citada anteriormente. Alguns alunos chegaram a ser matriculados nas escolas da rede oficial de ensino, por determinação do juiz, e nos cursos profissionalizantes. Ocorrendo, porém, um implícito processo de exclusão e marginalização, destacados no trecho abaixo na fala da Assistente Social Sheila: “Eles são matriculados no supletivo. São matriculados por determinação do Juiz.(…) Não pode haver tratamento diferenciado (…) Agora, na escola estadual, se não está· frequentando, é eliminado.” Podemos reafirmar tal fato através do diálogo entre a assistente de pesquisa Cristina e alguns alunos do CRIAM: “Cristina:- Alguém está estudando? Houve uma certa hesitação em responderem. Cristina:- Quem não está estudando? Bernardo:- Meu caso é que não deixam (...) Eu estudava (...) Tenho minha matrícula na 5a.série. Guilherme respondeu que não com a caberá acrescentando; - Fui expulso. Bruno:- Eu estudo. (...) 7a. série. (...) Colégio Hércules. Cristina:- Tem quantos garotos? Bernardo:- Tem uns 30. (...) Quem estuda tá no colégio. Não voltou do final de semana, deve ter ido direto.” Em relação aos cursos, a diretora Vanessa nos informou que o agente Pedro havia conseguido vinte vagas na construção civil, mas que apenas dois alunos haviam sido matriculados, perdendo as demais vagas. O CRIAM de Nilópolis, se configura de forma diferente. Os alunos que chegam a unidade são matriculados imediatamente na escola, pois em geral, vem com a 44 exigência de escolarização e profissionalização. Apenas aqueles que tem atividades externas vetadas por risco de vida não são matriculados. Segundo fomos informados pela diretora Flávia, a pedagoga fazia visitas semanais as unidades escolares para o acompanhamento do adolescente. Ainda segundo ela, as escolas eram resistentes ao infrator sendo discriminados em algumas delas. Os cursos externos são realizados na Universidade Popular da Baixada, em Caxias, onde os alunos são sempre bem recebidos, pois os que por lá passaram foram avaliados por “bom” comportamento. Após analisarmos as 3 unidades, constatamos que mais uma vez os CRIAM’s, utilizando-se de subterfúgios, deixam de cumprir com sua função de reintegração e ressocialização, a partir do momento em que seus alunos não são matriculados nas escolas e cursos, bem como não exercem uma profissão. Sendo assim, acreditamos que a falta de uma articulação entre os CRIAM’s e a comunidade contribui para não aceitação dos alunos pelo grupo social. Considerações Finais A relação Escola/Comunidade configura-se em uma problemática educacional, onde a escola deve refletir os ideais e necessidades da comunidade em que se insere. Por sua vez cabe a Comunidade fiscalizar e participar das ações da escola garantindo que esta desenvolva programas condizentes a sua realidade. O CRIAM não difere da maioria das escolas, com um agravante, os alunos são adolescentes marginalizados e excluídos do processo educacional que ao tornaremse jovens infratores são enviados para as instituições de ressocialização que em diversos momentos confundem-se entre escolas/ prisões, tornando-se, então, também excluídos do sistema social. A realidade dos alunos e alunas do CRIAM vem sendo, muitas vezes, preterida por professores que insistem na utilização de modelos tradicionais de ensino. Estas 45 práticas levam a um grande número de alunos para fora da sala de aula, aumentando o número de adolescentes excluídos de seu direito à educação. Embora tenhamos identificado diversos aspectos negativos em relação a ausência de uma proposta pedagógica coerente, percebemos que a possibilidade da frequência a escola para o aluno sinaliza a liberdade. Ou seja, a possibilidade da saída da “prisão” e a inclusão social. Num sentido mais amplo, o retorno a uma vida regular no seio social. Acreditamos que a valorização de instrutores e pedagogos nesta instituição seja fundamental para que o trabalho pedagógico possa ser realizado mais significativamente. Existe a necessidade de um trabalho conjunto entre a equipe técnica dos CRIAM’s e os instrutores da comunidade. Ou seja, ambos precisam receber assistência técnico-pedagógica que deverá ser decidida conjuntamente. É necessário que este trabalho se desenvolva de modo que possam aprender a pensar e a realizar o fazer pedagógico de forma significativa e coerente para os alunos e para eles próprios. Isto ocorre através de uma mudança estrutural do sistema de atendimento ao adolescente e da valorização da educação, da instrução escolar, do magistério e através do respeito pelo educando na busca de uma reintegração a sociedade. Em nossa opinião, a promoção da integração do aluno na rede oficial de ensino por parte da equipe técnica do CRIAM, é fundamental para garantir a este o exercício legal do seu direito a educação. Bem como criar com as escolas alternativas metodológicas, culturais e pedagogicamente adequadas que permitam aos alunos assegurar a sua educação formal e sua promoção social. Acreditamos que estas propostas possam auxiliar o CRIAM e a Comunidade a reestruturar sua política educacional e que o desenvolvimento de habilidades 46 metacognitivas é uma alternativa para a ampliação e criação de políticas públicas mais favoráveis às necessidades do jovem em conflito com a lei podendo subsidiar práticas pedagógicas em andamento e que precisem de reformulação ou adequação. Referências Bibliográficas CARNEIRO, L.O. & CAVALCANTI, I.C. O ABC do Estatuto da Criança e do Adolescente Editora JB, Rio de Janeiro, 1990. DEMO, P. Desafios Modernos da Educação, Petrópolis: Vozes, 1995. DINIZ, A. & CUNHA, J.R. Visualizando a Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente, Kroart Editores, Rio de Janeiro, 1998. FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Editora Vozes, Petrópolis, 1977. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia - saberes necessários à prática educativa. Editora Paz e Terra, São Paulo, 1996. GIUSTINA, Pe. J. D. Medidas Socioeducativas em Meio Aberto: Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida. Ministério da Justiça, Brasília, 1998. HELLER, A. Além da Justiça. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1998. JOHNSON, A.G. Dicionário de Sociologia - Guia prático da linguagem sociológica. Jorge Zahar Editora, Rio de janeiro, 1997. PATTO, M.H.S. A reprodução do Fracasso Escolar: histórias de submissão e rebeldia. T.A. São Paulo, Queiroz, 1991. PIAGET, J. O nascimento da Inteligência. Jorge Zahar Editora, Rio de Janeiro, 1975. ROGERS, C. Tornar-se Pessoa. Martins Fontes, São Paulo, 1997. 47 SARAIVA, J.B., VOLPI, M. & KOERNER JR., R. Adolescentes Privados de Liberdade: A Normativa Nacional e Internacional, Reflexões acerca da Responsabilidade Penal. Cortez Editora, São Paulo,1997. VOLPI, M. O adolescente e o ato infracional. Cortez Editora, São Paulo,1997. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. VYGOTSKY, L. S. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 48 Texto 6 A construção da auto-imagem do jovem em conflito com a lei: a influência das instituições Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Karina Franklin Guimarães Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Resumo Esta monografia estudou a questão da auto-imagem de adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo sistema DEGASE – Departamento Geral de Ações Sócio- Educativas. O estudo focou o desenvolvimento da construção e da reconstrução da auto-imagem desses jovens nas escolas do DEGASE, localizadas no Estado do Rio de Janeiro. Este trabalho monográfico é parte da pesquisa Metacognição em Sala de Aula: Um estudo sobre os processos de construção do conhecimento na perspectiva do jovem infrator no Estado do Rio de Janeiro. As análises e conclusões específicas sobre o tema auto-imagem, concluiu que no interior dessas escolas existe uma grande possibilidade do adolescente agravar seus problemas de auto-imagem, aumentando a possibilidade de que a auto-imagem negativa de si mesmo tornou-se um fato constante, importante na formação da identidade. Introdução Esta monografia descreve alguns aspectos do desenvolvimento, construção e reconstrução da auto-imagem entre jovens de 12 a 18 anos, atendidos pelo Departamento Geral de Ações Sócio-educativas (DEGASE) no Estado do Rio de Janeiro. O estudo procurou identificar padrões interativos desses jovens com as instituições que o cercam: a prisão, representada pelas unidades de internação9 como instituição repressora da má conduta social; a família, entendida como unidade base construção da identidade 9 Instituto Padre Severino – unidade de internação masculina provisória, Educandário Santos Dumont – unidade de internação provisória e permanente feminina, Escola João Luís Alves – unidade para cumprimento de medida Sócioeducativas masculina e CRIAM – unidade para cumprimento de medida em liberdade assistida ou semi-liberdade, para ambos os sexos 49 pessoal, e a escola, no interior da instituição representada como unidade recuperadora o restituidora da boa conduta social, da reintegração e ressocialização do jovem. Os jovens estudados experimentavam situações limites em suas vidas. A privação da liberdade para um adolescente, pelo seu próprio estágio peculiar de desenvolvimento, representa um momento de dificuldade particular e de necessidade de incorporar novos conceitos. Neste sentido construir novas relações e interações mediadas por uma instituição total, pode representar um desafio maior do que o que regularmente é observado por estudos nessa área. Estudos psicológicos (Winnicot, 1995), antropológicos (Goffman, 1961) , sociológicos (Mead, 1966) revelam que a observação destas interações podem ser reveladoras dos padrões de auto-imagem desenvolvidas por esses jovens, portanto importantes de serem estudadas. Esta monografia foi escrita a partir dos dados da pesquisa Metacognição em Sala de Aula: Um estudo sobre os processos de construção do conhecimento na perspectiva do jovem infrator no Estado do Rio de Janeiro10, da qual fiz parte do corpo de pesquisadores na condição de bolsista. As análises e observações por tanto são originárias do corpo do trabalho, no entanto, as particularidades referentes a construção da auto-imagem foram reservadas para esta monografia como parte da minha contribuição para o trabalho de pesquisa e para que este trabalho monográfico pudesse destacar-se como um trabalho inédito dentro do corpo maior do relatório da pesquisa. Nesta monografia, portanto, estudo como se dão os processos da construção da autoimagem, questão inserida na área sobre a formação da identidade e da auto-estima e referentes as experiências vividas pelos jovens dentro e fora das salas de aula do DEGASE. Entendemos que o DEGASE, instituição onde esses jovens cumprem medida Sócioeducativas, assim como o grupo social e cultural do qual participam, suscitam questões que merecem um olhar mais cuidadoso em relação aos aspectos apontados anteriormente. Para a otimização dos recursos disponíveis, a metodologia a ser utilizada no desenvolvimento desse trabalho monográfico foi a mesma da pesquisa maior na qual ele esta inserido, destacamos que análises psicológicas mais específicas orientam teoricamente o tema “auto-imagem” em seu foco mais particularmente estudado. Nesse trabalho elencamos os seguintes itens: 1) alguns dados gerais sobre a pesquisa que deu origem a monografia; 2) as formas de atendimento realizado pelo DEGASE a 10 Pesquisa coordenada pela Professora Carmen Lúcia Guimarães de Mattos EDU/UERJ, financiada pela Secretaria Geral de Direitos Humanos - Secretaria de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Cooperação Técnica UERJ/DEGASE 50 assistência dedicada ao menor na construção da sua auto-imagem e as dificuldades vividas pelos jovens no processo de construção da cidadania.; 3) os tipos comportamento, conduta ou estratégia, utilizada pelo adolescente para a construção de Sua auto-estima; 4) e finalmente apontaremos alguns aspectos para a melhoria da atuação do psicólogo institucional na solução dos problemas estudados. Parte 1 - A pesquisa Metacognição e conceitos específicos para o tema auto-imagem • - Um breve delineamento da Pesquisa Metacognição em Sala de Aula Este trabalho monográfico tem por base os dados levantados e analisados pela pesquisa Metacognição em Sala de Aula: um estudo sobre os processos de construção do conhecimento na perspectiva do jovem infrator no Estado do Rio de Janeiro. É parte de um conjunto de ações propostas no “Projeto de Excelência” da Secretaria de Justiça e Interior do Estado do Rio de Janeiro. Estabelecendo um convênio entre a UERJ e o Departamento Geral de Ações Educativas. Este projeto desenvolveu-se na Área de Educação, Subárea de EnsinoAprendizagem, no campo de conhecimento dos processos cognitivos entre jovens e adultos, tendo como eixo central o estudo da construção do conhecimento entre os jovens em conflito com a lei nas instituições do DEGASE. Dados mais específicos deste projeto pode ser encontrado nos volumes I, II e III que compõem o relatório da Pesquisa (SR3/UERJ fev.2000). 1.2 – O cronograma de trabalho desenvolvido pela pesquisa A pesquisa Metacognição em Sala de Aula, oficializada em 10 de setembro de 1998 – integrante do Projeto "Pró-Adolescente” do Programa de Cooperação Técnica UERJ/DEGASE, iniciou a primeira etapa do trabalho em julho/98, partindo do treinamento de pessoal aos contatos para acesso e visitas de apresentação, observações e entrevistas em campo, elaboração de relatórios e pesquisa bibliográfica. Em agosto foi finalizada a primeira etapa do trabalho no Instituto Padre Severino (08/07/98 à 27/08/98), que incluiu observações e entrevistas em campo, elaboração de relatórios e pesquisa bibliográfica como principais atividades. Em setembro, reestruturou-se o trabalho para a próxima fase, finalizando os relatórios de campo da primeira etapa, estudamos novas formas de observações e de entrevistas, assim como iniciou-se a pesquisa bibliográfica voltada para os temas encontrados na etapa anterior. Houve uma ampliação do treinamento da equipe, incluindo técnicas de relatório, atividades de campo guiadas e aulas com consultoria internacional. Em outubro foi iniciada a segunda etapa da pesquisa de campo no Educandário Santos Dumont (29/09/98 à 04/12/98), dando continuidade às observações, intensificando as entrevistas e a pesquisa bibliográfica. Em novembro, deuse continuidade ao desenvolvimento da segunda etapa e iniciando o trabalho paralelo junto ao CRIAM de São Gonçalo (26/10/98 à 30/11/98). 51 Ao fim da segunda etapa do levantamento de dados de campo em dezembro, foi dado início aos trabalhos da terceira etapa na Escola João Luís Alves (02/12/98 à 11/02/99). Essa etapa foi marcada pela intensificação de entrevistas, relatórios e análises sistemáticas, paralelas ao início das atividades de campo no CRIAM da Penha (14/12/98 à 21/12/98). Iniciamos ainda a elaboração do 1º relatório parcial. Encerrada a terceira e última etapa de pesquisa de campo, foram visitados os CRIAMs de Teresópolis e Nilópolis para rechecagem de dados e procederam-se comparações com os CRIAMs já visitados. Finalizado o trabalho de campo, contávamos com um conjunto significativo de dados coletados em processo de análise. Contávamos nessa fase com 34 alunos e profissionais atuando na pesquisa. Em fevereiro foi realizada a leitura crítica individual dos relatórios elaborados durante a pesquisa de campo. Construímos o mapa-resumo contendo todos os contatos específicos e ampliados realizados durante a pesquisa de campo divididos cronologicamente. Em março foram realizadas as análises e levantamento dos temas e categorias que foram cruciais para o delineamento do perfil dos resultados encontrados. Visitamos ainda, dia 4 de março, por solicitação do DEGASE, o CAI da Baixada e finalizamos o mapa-resumo das categorias. Abril e maio foram os meses dedicados à fundamentação teórica dos temas, recortes bibliográficos para debate e montagem preliminar dos textos. Elaboramos o quadro abaixo que sintetiza os macro-temas, temas e subtemas. Os sub-temas por não pertecerem a esta monografia, não foram citados. Portanto, o tema desta monografia , incluiu-se no 2º grupo de temas mais abrangentes, ficando em 5º lugar de importância de aparecimento dentre as categorias levantadas, as quais somam-se 11 temas e 69 subtemas.. MacroCategorias • identidade • controle • contradições (descompasso) • tempo/espaço Categorias Saúde Cultura da pobreza Ensino/aprendizagem Linguagem Auto-estima Instituição Religião (ritos e mitos) Expectativas (projeções e idealizações) Sexualidade Rotina Violência Por entender a importância da questão da auto-imagem na área de psicologia, interessei-me por esta temática que passei a estudar desde esse período. Desenvolvido textos e relatórios específicos sobre esta temática e estudado a literatura da área. Dois macro-temas surgiram com maior tangência com o tema auto-estima, destacamos no quadro abaixo como ela apareceu no contexto da pesquisa e explicamos a seguir o entendimento de “auto-estima” que perpassou às análises do grupo de pesquisa e que foram por mim apropriadas como ponto de partida para este trabalho monográfico. 52 IDENTIDADE CONTROLE Aspectos internos Aspectos Externos Os meninos e as meninas que chegam na Realizado pela instituição, o controle é a instituição, possuem uma identidade base da manutenção dos meninos e individual, pessoal, do sujeito humano, que meninas no sistema DEGASE. Pode ser resulta da experiência própria do sujeito, observado nas formas de controle de se sentir existir e de ser reconhecido restritivo do corpo, de controle intelectual pelo outro enquanto ser singular, mas e ainda de controle afetivo. Na primeira idêntico, na sua realidade física, psíquica e forma social. São adolescentes ou observada pré- submetidos a os uma meninos conduta são postural adolescentes o que sugere uma fase de restritiva, onde o corpo, mais do que o reestruturação afetiva e intelectual da ambiente, é tomado como um ambiente personalidade, individuação um e transformações de processo metabolização fisiológicas ligadas de prisional. Na segunda forma observada, das os meninos e meninas são submetidos à aos conteúdos mínimos escolares interação do corpo sexuado. Segundo infantilizadores e muitas vezes abaixo de Selosse, o adolescente é uma moratória suas capacidades intelectuais. Na terceira infiltrada por uma problemática de forma observada os meninos e meninas identidade. Partindo desse princípio, a são submetidos a um verdadeiro instituição busca atuar na modificação da bombardeio em suas auto-estimas e identidade do sujeito através de atitudes induzidos a “purgarem” o mal que fizeram afetivas e punitivas como forma de à sociedade através da utilização controlar o adolescente para educar o interessada da religião, da família e da infrator. escola. Auto-Estima Diz respeito ao desenvolvimento de estratégias elaboradas pelos meninos e meninas para preservarem a integridade de suas identidades individuais. Diz respeito ainda ao “alvo” de ataque dos representantes da instituição como estratégia de formação da identidade aprisionada. 53 1.3 – Metacognição: conceito e significado A expressão metacognição é relativamente recente na área de educação. No entanto, é crescente no momento atual o interesse no estudo desta categoria de conhecimento que envolve entre outros estudos sobre a conscientização relacionando este processo aos estudos sobre a função do cérebro. As velhas relações entre corpo e alma, razão e consciência, cérebro e mente, pensamento e ação perpassam o âmago dos recentes estudos em metacognição que despontam caracteristicamente interdisciplinar, pois que é encontrada tanto nos mais recentes estudos filosóficos sobre redes neurais e inteligência artificial, quanto nos mais clássicos estudos psicossociológicas sobre o comportamento humano como a construção coletiva do conhecimento. Pesquisadores têm enfatizado a importância dos processos metacognitivos e seu potencial de aplicação educacional. Definem de forma mais simplificada que Metacognição é o processo pelo qual uma pessoa pensa sobre sua própria estratégia de pensamento. É a tomada de conhecimento (awereness) da estratégia usada para elaboração e retenção do conhecimento. Em resumo, o conceito de metacognição, designa a forma como o sujeito pensa sobre o seu próprio pensamento, ou seja, como gerencia sua aprendizagem. 1.3.1 - A Sociologia do Conhecimento Destaca-se como referencial teórico, os estudos cognitivistas de Vygotsky e Piaget e ainda os estudos sobre o desenvolvimento e a aquisição de estratégias metacognitivas pelos alunos e alunas em trabalhos de Flavell, Brown, Garner, Mattos, Gonzales, Boruchovich e Bruner. Estes trabalhos tratam das questões ligadas aos processos metacognitivos e como sua aplicação pode influenciar positivamente o processo de ensino-aprendizagem. Finalmente utilizamos os estudos de Rogers e Goleman nos seguintes aspectos: aquisição e apropriação do conhecimento pelo aprendiz; o método de aprendizagem significativa e a alfabetização emocional como importantes contribuições a construção do conhecimento pelo próprio indivíduo. Para uma melhor compreensão deste estudo destacamos os cognitivistas Piaget e Vygotsky através de uma breve discussão. Em Piaget: o conceito de organização e adaptação e as etapas do desenvolvimento, especialmente, as operações formais. Em Vygotsky discutimos as relações entre linguagem e cognição e o conceito de zona de desenvolvimento proximal. Essas teorias influenciaram o conceito de metacognição, mais conhecido como “aprender a aprender” (DEMO, 1995, p.211) 54 • Piaget e Vygotsky Desde os anos 70 a educação vem se beneficiando de uma orientação cognitivista do processo ensino-aprendizagem. Anteriormente, orientada pelo modelo behaviorista desenvolvido por Skinner, nos anos 70, agora está preocupada com o modo como funciona a mente do sujeito. Dentre os teóricos cognitivistas, dois destacam-se: Piaget (1896-1980) e Vygotsky (1896-1923). Várias mudanças ocorreram no processo educacional através da contribuição destes dois teóricos crescentemente lidos nas décadas de 70, 80 e 90. Piaget, contribui com o conceito de organização, adaptação, assimilação e fases do desenvolvimento, destacando-se as operações formais - onde o adolescente passa a se orientar para o abstrato através de pensamentos reflexivos, capacidade fundamental para sua adaptação no contexto social adulto. Esta capacidade de pensar facilita o desenvolvimento, aquisição e monitoramento de estratégias metacognitivas. Vygotsky explora o conceito de zona de desenvolvimento proximal e os processos de aquisição da linguagem, destacando que o indivíduo é interativo na formação de seus conhecimentos, juntamente a partir de relações intra e interpessoais. 55 • Goleman e Rogers Rogers e Goleman foram influenciados por estudos que questionavam o papel e a validade dos testes de medida da inteligência (Q.I.) muito criticados desde a década de 60. Rogers nos apresenta uma opção por um método “não-diretivo”, auto-realizador da pessoa enquanto ser humano de modo global, isto é, sem separar o desenvolvimento cognitivo dos demais aspectos do ser humano. Goleman retoma uma abordagem educativa que caracteriza-se pela exploração de “outras inteligências”. Afirmando que a autoconsciência, o equilíbrio emocional e a aprendizagem das emoções têm uma importância fundamental no desenvolvimento do indivíduo. Goleman e Rogers acreditam na idéia de que o ser humano é capaz, através do ensinamento acertado (por parte dos pais ou da escola, ou pela vida) de controlar a si mesmo e a sua aprendizagem. E que um bom desenvolvimento emocional proporcionará uma vida mais responsável, cooperativa, confiante e, acima de tudo, mais humana. Assim como os autores acima acreditamos na capacidade dos alunos e alunas de gerirem sua própria aprendizagem através da cooperação, da intencionalidade nas suas ações, da curiosidade e na confiança no senso de controle e domínio do próprio corpo, do conhecimento, do comportamento e do mundo. Um sujeito emocionalmente inteligente será capaz de resistir a influências negativas adotando as perspectivas dos outros, compreendendo que comportamento deverá tomar diante de uma situação, não só na escola, como no seu dia a dia. Ou seja, é uma autoconsciência e autocontrole de si próprio. Rogers também afirma que a autodescoberta e a autodeterminação são característica inerentes ao processo de aprendizagem. Seu método é baseado na não-diretividade, onde o professor não interfere diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno, introduzindo valores, objetivos etc. O professor é somente um facilitador da aprendizagem, o aluno que dirige e decide sobre como e o que gostaria de aprender. O sujeito como um todo está envolvido na aprendizagem - tanto os seus aspectos cognitivos quanto os afetivos. A aprendizagem é auto-iniciada, ou seja, mesmo quando foi o professor que deu o impulso inicial (veio de fora do sujeito), a descoberta e a compreensão vieram de dentro do sujeito e permanecem com o ele, podendo provocar mudanças em sua personalidade, no seu comportamento e nas suas atitudes. Nesta abordagem o sujeito é que avalia a sua aprendizagem, pois somente ele pode saber o que e quanto aprendeu (ROGERS, 1972, p.5). 56 Rogers e Goleman apregoam a autonomia do aluno como sendo um dos pontos fortes de suas abordagens. Pessoas que governam suas próprias vidas. Mas, enquanto Rogers tem uma visão crítica e realista da escola, Goleman aponta pessoas emocionalmente inteligentes apenas dos portões da escola para a rua. Talvez, por otimismo, não aponte a escola como uma instituição repleta de pessoas emocionalmente incompetentes. 1.4 - Conceitos e definições de auto-estima e aprendizagem Os temas abaixo foram fundamentais na construção da auto-imagem, merecendo atenção especial e destaque neste trabalho. uma 1.4.1 – De que forma a aprendizagem é controlada? Porque a aprendizagem escolar é tradicionalmente dominada e controlada pelo adulto, estudantes raramente tomam decisões sobre sua própria aprendizagem (Goodlad, 1984). Embora a intenção principal da filosofia da educação seja de formar nos alunos cidadania e responsabilidade, capacidade e participação integral e na democracia, nossa prática educacional tem sua tendência para aumentar dependência, passividade e uma atitude de “diga-me o que fazer e o que pensar”. A pedra fundamental da aprendizagem efetiva é que estudantes tem posse de sua própria aprendizagem, essencialmente, eles dirigem seus próprios processos de aprender. Na tentativa de caracterizar este estudante que é responsável pelo seu próprio processo de aprender encontramos que uma característica é a habilidade do aluno em “formatar” (shape) e gerenciar mudanças, em outras palavras, auto-diretividade. Covey (1989) reconhece a importância da auto-diretividade, que ele chama proatividade, incluindo este como uma dos hábitos característicos do indivíduo altamente efetivo. Isto significa mais que meramente tomar iniciativa. Significa que como seres humanos, nós somos responsáveis pelas nossas próprias vidas. Nosso comportamento é uma função ou uma decisão, não nossa condição. Nós podemos subordinar sentimentos a valores. Nós temos a iniciativa e a responsabilidade para realizar as coisas. A eficácia pessoal de um indivíduo significa ter controle do seu próprio destino. Esta concepção tem forte implicação para a escola na reestruturação e mudança, desde o engajamento do aluno no seu próprio conhecimento (self-assessment) até uma completa movimentação do nosso pensamento sobre quem controla o processo educacional em benefício de quem e por quê? (APPLE 1979, ANYON 1979) 57 Escolas são geralmente controladas por adultos, por razões que atendem às necessidades de adultos ou as necessidades da sociedade, como ela é percebida pelo adulto. Alguns críticos (APPLE, 1979) sugerem que a escola ajuda alunos a reproduzir conhecimentos de uma classe social e acadêmica dominante, e não engajada na reprodução de seu próprio conhecimento. Assim observamos uma série de fatores metacognitivos e cognitivos que influenciam a aprendizagem. 1.4.2 - Os fatores metacognitivos e cognitivos da aprendizagem Na intenção de ajudar professores de um modo geral e educadores interessados nas questões da psicologia educacional das reformulações de programas educacionais desde 1993 está sendo desenvolvido pela Associação Americana de Psicologia11 com a ajuda de outras instituições associadas um guia que estabelece alguns princípios básicos que orientam esta área de estudo no que concerne a contribuição dos aspectos psicológicos para o desenvolvimento da aprendizagem, mais especificamente estes princípios estabelecem os fatores metacognitivos e cognitivos que orientam os processos de aprendizagem dos alunos. A Psicologia tem provido, historicamente, informações vitais para a área de educação, contribuindo para o delineamento de bases escolares orientadas por teorias que envolvem a natureza humana, a aprendizagem, e o desenvolvimento. Pesquisas relevantes para educação tem sido particularmente informativas durante a década passada. Avanços em nosso entendimento sobre pensamento, memória, cognição e processos motivacionais podem contribuir diretamente para o aprimoramento do ensino, da aprendizagem do empreendimento da escolarização como um todo. Ao mesmo tempo, educadores preocupados com os problemas crescentes de dificuldades educacionais de alunos que levam a repetência, a evasão, ao baixo nível de aprendizagem de conteúdos acadêmicos, dentre outros indicadores do fracasso escolar,argumentam que um modelo centrado no aluno como agente do seu próprio processo de aprendizagem pode ser um dos pontos que favorecem a aprendizagem de alunos. Este modelo está voltado para o atendimento das diversidades existentes entre os alunos e utiliza este aspecto da natureza do aluno como elemento de fortalecimento da aprendizagem produzindo resultados positivos no contexto da escola e que devem ser considerados no planejamento de novos modelos pedagógicos. 11 Fonte - Task Force on Psychology in Education, American Psychology Association Division 15 Committee on st Learner-Centered Teacher Education for the 21 Century. Division of Educational Psychology, Graduate School of Education, University of California, Berkeley, California. USA. 58 Os princípios que listamos a seguir refletem mais um século de pesquisas em ensinoaprendizagem, são amplamente compartilhados e reconhecidos em muitos dos programas de excelência encontrados hoje nas escolas de todo mundo. Eles integram também pesquisas e práticas em várias áreas dentro e fora da psicologia, incluindo; psicologia clínica, psicologia do desenvolvimento, psicologia experimental, psicologia social, psicologia organizacional, psicologia comunitária, psicologia educacional, psicologia escolar, como também educação, sociologia, antropologia e filosofia. Além disso, estes princípios refletem a tanto integração quanto o conhecimento de senso comum quanto o científico. Eles abrangem não somente pesquisas que envolvem sistematicamente os princípios da aprendizagem centrada no aluno que favorecem o sucesso acadêmico do aluno, mas também princípios que podem levar a saúde mental e a uma vida mais funcional para crianças, adolescentes, adultos em processo de desenvolvimento acadêmico, seus professores de modo geral, e ao sistema escolar pelos quais são atendidos. Princípios psicológicos centrados no aluno e uma perspectiva de sistema de vida para serem incorporados pelo aprendiz são elementos necessários para o delineamento de novas propostas pedagógicas e escolares. A perspectiva de um sistema de viver deve focar o funcionamento humano em múltiplos níveis no interior do sistema educacional (aprendendo, ensinando, avaliando e gerenciando). A partir desta perspectiva a prática educacional vai melhorar somente quando o sistema educacional for reformulado com o foco principal no aluno. 1.4.3 - Princípios psicológicos centrados no aluno Os doze princípios que se seguem são pertinentes ao aluno e ao seu processo de aprendizagem. Eles compreendem os fatores psicológicos internos e externos ao aprendiz, reconhecendo os fatores do meio ambiente ou contextuais que interagem com os fatores internos. Estes princípios representam também uma tentativa de compreensão holística ou dialética do aprendiz em seu contexto numa situação real de experiência de aprendizagem cotidiana. Portanto, devem ser entendidos como um conjunto organizado de princípios e não devem ser tratados isoladamente. Os primeiros dez princípios estão referem-se aos temas metacognição e cognição, afetividade, desenvolvimento e social. Os dois finais focalizam os anteriores na perspectiva do que eles podem informar sobre diferenças individuais. Os princípios foram idealizados na intenção de serem aplicáveis a qualquer tipo de aluno, em qualquer nível de escolarização e em qualquer faixa etária. Ao considerarem a aplicação destes princípios para o ensino, duas dimensões devem ser consideradas. Uma dimensão é o conteúdo específico dos princípios. Isto é, aqueles que se 59 preparam para ensinar precisam entender a essência destes princípios ao aplicarem-nos para os alunos em suas salas de aula. A outra dimensão refere-se ao processo atual de aprendizagem necessário ao professor para aplica-los. Se nós esperamos que os professores sigam estes princípios centrados no aluno, eles devem experimentá-los neles mesmos primeiramente para depois aplicá-los. Isto pode fazê-los repensar e refletir sobre os programas que seguem, a estrutura da sala de aula e da escola como um todo. Destacam-se os princípios 1 e 10, pois estes revelam forma explicita o tema a ser tratado na monografia. Princípio 1: A natureza do processo de aprendizagem Aprendizagem é um processo natural para atingir objetivos e ações significativas. Aprender é um processo natural para um indivíduo atingir objetivos e ações significativas, voluntárias, internas e socialmente mediadas; é um processo de descoberta, de construção pessoal e compartilhamento de significado de informação e experiência, filtrada pela formação (pensamentos e sentimentos) individual e única do indivíduo, como também através de negociação com os outros. Alunos tem uma inclinação natural para aprender e conquistar pessoalmente objetivos relevantes de aprendizagem. Eles são capazes de assumir responsabilidades finais para aprender – monitorando, checando o entendimento e tornando-se ativos, auto-diretivos num ambiente que toma a aprendizagem anterior em conta, que liga novas aprendizagens a objetivos pessoais, e engaja ativamente indivíduos em seus próprios processos de aprendizagem. Numa situação de vida significativa, mesmo crianças muito pequenas são naturalmente engajadas em aprendizagem auto-diretiva para atingir seus objetivos. Durante o processo de aprendizagem, os indivíduos criam e constroem seus próprios significados e interpretações, geralmente em interação com os outros, baseado em conhecimentos e crenças pré-existentes. Princípio 10: Aceitação Social, auto-estima e aprendizagem Aprendizagem e auto-estima são altas quando os indivíduos mantêm relações de “cuidado”, “atenção” com outros que vêem seu potencial apreciam genuinamente seus talentos individuais, e os aceita como indivíduos. 60 Relações pessoais de qualidade dão ao indivíduo acesso a pensamentos, sentimentos e comportamentos de alto nível e saudáveis. O estado da mente, estabilidade, confiança e cuidado de professores (ou outros adultos significativos) são pré-condições para o estabelecimento do senso de “pertencimento” (belonging), auto-respeito, auto-aceitação e clima positivo para aprender. Níveis saudáveis de pensamento são aqueles que são menos auto-conscientes, inseguros, irracionais e/ou auto-depreciativos. Auto-estima e aprendizagem são mutuamente reforçadas. 1.5 - Métodos e Instrumentos De Pesquisa 1.5.1 – Metodologia Esta monografia, sendo parte dos trabalhos iniciados na pesquisa Metacognição em Sala de Aula, utiliza a mesma metodologia do projeto. A abordagem qualitativa - etnografia crítica na pesquisa foi utilizada como instrumento dos processos de construção da escrita em alunos possuidores de “relativa baixa estima educacional”, tendo por interesse os aspectos de colaboração e interação no contexto do sistema DEGASE sob a perspectiva crítico emancipatória (Freire 1992), tendo os alunos participação ativa como agências humanas transformadoras das contradições sociais. 1.5.2 - Instrumentos de coleta • Observação participante Foram observadas as interações dos jovens no ambiente no qual, em nosso entendimento, pudesse estar acontecendo uma atividade educativa e que dentro das restrições impostas, nos foi permitido observar. • Atividades de registro em cadernos de campo Foram realizados registros sistemáticos e análises das observações de eventos ocorridos durante a observação, com posterior análise coletiva (rememória) em reuniões seguidas às visitas. Este relato em documento foi elaborado na tentativa de ampliar a observação e acrescentar as interpretações e impressões pessoais do pesquisador. • Arquivos 61 Foram pesquisados arquivos das escolas da instituição de forma indireta, isto é, através de documentos que nos chegavam às mãos, de pesquisas anteriormente realizadas, e das fontes oficiais e públicas (IBGE, Banco Mundial, Unicef, Ministério de Justiça, etc.) • Entrevistas Foram realizadas entrevistas, sempre que possível, e às vezes, mais de uma vez com o/a mesmo/a jovem na tentativa de registro dos processos mentais ocorridos na organização pelo jovem das tarefas acadêmica. Neste contexto, os alunos muitas vezes fizeram revelações surpreendentes para a equipe e que fazem parte do texto (resultados) da pesquisa. As entrevistas utilizavam pares de pesquisadores para que os dados pudessem ser registrados com maior fidedignidade, entretanto, este procedimento tornou-se, de certa forma, limitador do contato entre entrevistador e entrevistado, dificultando o engajamento do entrevistado no contexto da narrativa pessoal. Isto é, o pesquisador, tomador de notas, passou a ser testemunha ou platéia disponível ao entrevistado, ao invés de tornar-se um ativo parceiro do entrevistado no trabalho de registro das falas. O tipo de entrevista utilizada foi a “não-estruturada”, partindo de solicitações temáticas espontâneas do entrevistado. Este tipo de entrevista revelou-se extremamente útil ao propósito da equipe contribuindo muito para estabelecer vínculos com os jovens e a instituição e para a coleta de relatos considerados verdadeiros. • Análise O processo de análise dos dados foi muito trabalhoso devido ao volume de material coletado e o número de pesquisadores envolvidos na coleta. Seguidas reuniões foram realizadas durante os meses de maio a dezembro de 1999 na intenção de evidenciar os pontos de congruência e divergência a serem considerados neste processo. Em maio, com a equipe quase toda em trabalho, as reuniões foram determinantes. Utilizamos a estratégia de dividir a equipe em dois grupos, originando dois blocos temáticos: psicológico e pedagógico, procurando evidenciar com clareza características da pedagogia do DEGASE e suas marcas metacoginitivas. A análise de dados nesta pesquisa constituiu-se num verdadeiro mosaico de procedimentos e métodos norteados pelos instrumentos etnográficos como: descrição, comparação e 62 interpretação dos eventos de acordo com a interpretação de pesquisadores e consultores e principalmente de acordo com a percepção dos participantes. Estudamos formas analíticas apresentadas por outros autores sobre análises etnográficas, consultamos colegas experientes em análise de conteúdo e de contexto e, optamos por utilizar o eixo de análise bottom-up e a matriz analítica de dados a seguir, modificando um pouco a sua versão original (MATTOS, 1992). 1.6 - Questões de pesquisa e delineamento de algumas respostas Na pesquisa foram delineadas algumas questões, respondidas ao longo da análise de dados, tempo por resultado as seguintes conclusões. • A execução das tarefas propostas pelos instrutores e a organizam do conhecimento por parte dos jovens atendidos pelo DEGASE para desenvolvê-las, foi estudada exaustivamente durante o período de coleta e análise de dados. As observações realizadas ressaltam que os alunos resistem às tarefas por não encontrarem sentido nas mesmas e mantêm-se ligados a execução do comando do professor por entenderem que pessoal e institucionalmente é o comportamento esperado dele para “redimir-se” da infração cometida. A organização do trabalho é feita pelo/a professor/ra e não pelo/a aluno/a, que mantêm-se, na maioria das vezes, alienado ao contexto geral da pedagogia adotada. O desenvolvimento das tarefas se dá sem o auxílio do professor/a, por ensaio e erro chegando a um verdadeiro processo de adivinhação do objetivo da tarefa, ou da resposta desejada pelo instrutor. Pudemos verificar a ocorrência de processos mentais superiores (estratégias metacognitivas reflexivas) quando independente da situação instrucional entrevistamos os alunos e os mesmos lembraram como faziam anteriormente suas tarefas acadêmicas na escola, entendiam o processo de aprendizagem ocorrido e a aprendizagem fixada enquanto conhecimento aprendido. • A utilização de estratégias metacognitivas na realização de tarefas escolares por jovens menos experientes e conscientes de possuírem dificuldades em realizá-las, tendo por objetivo lhes trazer o benefício de aprender como um jovem inserido na escola tradicional, foi discutida intensamente pela equipe, em especial pela equipe “pedagógica” por tratar-se de mecanismos usualmente observáveis em quaisquer salas de aula. O aluno do degase não diferiu em experiências quanto ao compartilhamento de conhecimento de outros alunos. Os mais experientes mostravam suas habilidades que eram seguidas pelos menos experientes, o que observamos de diferente foi a necessidade de “co-membership”, isto é, 63 afiliação. Os jovens neste contexto, como em qualquer outro, precisam sertir-se pertencentes a um grupo, uma “turma”. Num ambiente de privação de liberdade, este fato passa a ser uma questão de sobrevivência. Na sala de aula isso ficou evidente quando a harmonia da “cola” ou do “voar dos lápis, borrachas e apontadores”, tinha direção certa, mesmo que um companheiro estivesse distante, a confiança “de amigo” era a norma que orientava a troca de experiência e a construção coletiva do conhecimento. A memória coletiva foi mais um dado que coincide com as referências bibliográficas e quadros teóricos estudados, o aluno lembra fatos e constrói sua experiência imediata a partir destas lembranças, que muitas vezes, pode conduzi-lo ao erro, mas que geralmente o ajuda, mesmo que de forma rudimentar, na solução imediata da tarefa apresentada. Suas limitações e dificuldades são reveladas, em particular, para alguns, e suas habilidades são alardeadas como emblemas de confiança e segurança. • A tomada de consciência sobre utilização de estratégias metacognitivas como forma de influenciar positivamente na aquisição de novos hábitos e estratégias de aquisição do conhecimento, teve uma presença especial nos estudos realizados pela equipe. O apelo para a tomada de consciência dos jovens para o ato infracional, leva-os a um verdadeiro estado de auto-revelação de suas dificuldades e suas facilidades diante dos problemas de vida. No entanto, a carreira acadêmica deste jovens, já marcada pelo fracasso escolar, na maioria das vezes, evidencia uma dificuldade em lidar com o conhecimento e o uso que podem fazer dele de modo positivo, isto é, para alicerçar novos hábitos. Embora conscientes das mudanças necessárias para a aquisição de conhecimentos validáveis pela sociedade, sentem-se desamparados, despreparados, incapazes e portadores de toda sorte de incompatibilidades com o ambiente que favorece a aprendizagem. De fato, o ambiente escolar oferecido a eles é o pior possível, se podemos dizer que ele existe, mesmo assim demonstraram um potencial de auto- conhecimento de suas possibilidades para mudança de hábitos e atitudes que os levam a uma vida “melhor”e em particular a liberdade. • As dificuldades relatadas pelos jovens e como estas informavam mudanças na realização com sucesso de tarefas, também foi presença constante em nossas análises. Alunos do DEGASE, como quaisquer outros alunos do sistema educacional, elencam suas dificuldades de modo claro e preciso, suas falas, no entanto, são mediadas pelas impressões e representações sociais que carregam ao longo de suas vidas. Falta de concentração, falta de atenção, pobreza, pais analfabetos, origem social sem estímulo, aparecem regularmente na lista de dificuldades. Mas não raro, quando entrevistados sobre seus próprios métodos de soluções de problemas e maneiras de organizar situações cotidianas, revelam igual destreza e domínio sobre seus próprios métodos de proceder cognitivamente, até para 64 cometer um ato infracional. Este item deve ser melhor explorado num tipo de pesquisa “laboratorial” onde os alunos possam ser testados e comparados em termos das familiaridades que possuem com os seus processos mentais, devido a natureza desta pesquisa, cremos que esta foi a questão de respostas mais constantes e menos precisas, portanto, carece de aprofundamento. Concluindo, este breve histórico foi apresentado como forma de nortear esta monografia, situando seu contexto e referênciais teóricos. Parte 2 - A auto-imagem e sua construção na adolescência: o sistema de atendimento do DEGASE 2.1- A auto-imagem na adolescência O conceito de auto imagem de uma perspectiva sócio-antropológica, é um conjunto relativamente estável de percepções sobre quem somos em relação a nós mesmos, aos outros e aos sistemas sociais. A auto-imagem é organizada em torno de um autoconceito, ou seja, as idéias e sentimentos que temos sobre nós mesmos, tendo origem em várias fontes. A auto-imagem também se baseia em idéias culturais, de como construímos as idéias que temos sobre nós, nossa imagem, podendo usar essas idéias e conceitos para formar um senso geral sobre quem somos. O componente da auto-imagem, que se baseia nos papéis sociais ocupados pelo indivíduo, é conhecido como identidade social. Uma parte importante da auto-imagem é o eu ideal que consiste de idéias sobre quem deveríamos ser, e não sobre quem realmente somos. Sendo assim, a auto-imagem é socialmente “construída”, no sentido de ser moldada através da interação com outras pessoas e por utilizar materiais sociais sob a forma de imagens e idéias culturais. Como acontece com a socialização em geral é claro, o indivíduo não é um participante passivo desse processo, e pode exercer uma influência muito forte sobre a maneira como o processo e suas conseqüências se desenvolvem. Numa perspectiva psicológica, a auto-imagem é a representação de si mesmo no sistema de conhecimento do indivíduo. Essa representação é equivalente a uma estrutura cognitiva provavelmente complexa, que intervém no tratamento das informações que provêm, ou do ambiente social do indivíduo ou de seu próprio comportamento. É formada de um conjunto 65 de metaconhecimentos funcionais e de conhecimentos factuais que se encontram ativados por certos aspectos marcantes do ambiente ou do comportamento. Serve para organizar a informação nova que diz respeito a si mesmo. A adolescência por ser um estágio peculiar do desenvolvimento humano, onde ocorrem diversas transformações biológicas e psicológicas, determinando os papéis sociais a serem desempenhados em nossa sociedade, é crucial na construção da auto-imagem. O jovem passa a se conhecer e despertar seus sentidos no meio de um turbilhão de modificações hormonais e emocionais, buscando um ponto para se colocar e se afirmar em seu ambiente social, histórico e cultural. Estar nesta fase crítica, torna mais difícil a compreensão do indivíduo para determinadas atitudes e comportamentos que sejam destinados a situações limites vividas por eles. As instituições que cercam estes adolescentes são fundamentais nas transformações que concernem na construção da auto-imagem e auto-estima dos adolescentes, cada uma dando um apoio ou direção para desenvolvimento ou estruturação psicológica do jovem. 2.2– A auto-imagem construída nas “escolas” destinadas aos jovens infratores. Segundo Goffman (1961) e Foucault (1977), as instituições totais podem ser definidas como o local de residência ou trabalho onde um grande número de pessoas estão reunidas com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levando uma vida fechada e formalmente administrada. As instituições trazem em si regras e normas, que perduram e transformam a vida social do homem (estruturam sua vida social), criadas pela sociedade e que influenciam e determinam, o pensamento, o modo de sentir e a conduta dos indivíduos. Exemplos de instituições são, o casamento, os costumes, a família, as propriedades, as normas educativas, prisões, e normas relativas aos papéis sociais e profissionais. Elas tem grande importância para a formação de uma cultura. Procuram desenvolver nos homens papéis e comportamentos instituintes e práticas institucionais. Durante o período da coleta de dados pudemos analisar e observar as salas de aula e oficinas. Estudamos especificamente as estratégias metacognitivas utilizadas pela instituição que influenciavam na construção da auto-imagem dos jovens em conflito com a lei. 66 Estas instituições de atendimento são responsáveis pelos programas de proteção e sócioeducativos destinados a crianças e adolescentes, tratando da orientação e apoio a família, apoio na escola, colocação familiar, abrigo, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Como apontamos anteriormente entre as categorias que surgiram da análise, destacamos a formação da identidade dentro destas instituições. Ao nosso ver as estratégias utilizadas pelos profissionais das instituições, pareciam contribuir enormemente para a formação de alguns traços personalógicos, como: caráter, auto-imagem, auto-estima, influenciando nas crenças e valores que cada um destes adolescentes possuem sobre si mesmos e sobre como são vistos pelo outro. As atividades propostas e a conduta da instituição frente aos alunos e alunas do sistema, de modo geral serviam para descaracterizar, infantilizar e culpabilizar os adolescentes pelo ato infracional cometido, pouco contribuindo para resgatar sua identidade familiar e características saudáveis de adolescente e cidadão. As atividades oferecidas aos adolescentes confirmam em parte o modo de pensar da instituição através de seus representantes. Contraditoriamente não oferecem perspectiva de reconstrução a auto-imagem para o adolescente em conflito com a lei. O sentido dado pela instituição em nossa observação, foi o de apontar que os adolescentes infratores realmente são fracassados e excluídos da sociedade. Observando o ritual de entrada dos adolescentes nas instituições para os jovens do sexo masculino, podemos demonstrar a falta de preocupação com a socialização e a educação desses adolescentes infratores. Assim que chegam na instituição para aguardar qual medida sócio educativa lhe será aplicada, inicia-se um ritual de descaracterização dos adolescentes. Ganham um uniforme, um chinelo kenner ou havaianas, perdem seu nome adquirindo um número, pelo qual será tratado dentro da instituição e recebem as instruções e regras de como tem que se comportar, enfim perdem toda a sua identidade, menos a infracional. 2.3- As salas de aula das escolas/prisões 67 A instituição traz em si características que nos fez acreditar que as contradições vivenciadas pelos menores em nível institucional constituem-se em importantes fatores para o estudo de estratégias metacognitivas e da auto-imagem. A instituição em seu caráter contraditório e autoritário, influencia os jovens em conflito com a lei criando espaços de negociação entre grupos e indivíduos. O adolescente passa acreditar ou aceitar a relação de autoridade proposta pela instituição, que pode lhe trazer benefícios, obviamente que não serão benefícios escolares. Existe uma grande confusão de papéis, na qual a prisão nomeia-se escola, a serviço de um sistema judicial. Sendo assim, esta brinca de escola em seu interior com o aval do sistema estadual de educação. A escola confunde-se com a instituição, enquanto a autoridade escolar confunde-se com a autoridade institucional. Temos uma escola que é uma prisão e professores que são disciplinadores, informantes e vigilantes. Obviamente, teremos aqui atividades pedagógicas que não se apresentam em sua essência mas, também contraditoriamente, assumem o papel legitimador da autoridade e da instituição. Mesmo em espaços como os CRIAMs, unidades desenvolvidas para cumprimento de medidas de liberdade assistida e semi-liberdade, com caráter único de sócio-educar, tem a forma de uma prisão. Este local de que deveria ser aberto para livre circulação dos adolescentes, foi todo gradeado reforçando o mito de que “grades contêm a violência”, tirando a liberdade de expressão destes jovens. Para ilustrar como os adolescentes percebem este local, como sendo um espaço de presídio e não de escola, destacamos o trecho abaixo que é parte dos relatórios de campo. “ Foi pedido aos alunos que fizessem algum desenho retratando o cotidiano na instituição, um deles desenhou a estrutura do CRIAM que é padrão de construção em todas as construções e tinha como finalidade proporcionar liberdade de espaço para a realização de atividades recreativas, profissionalizantes, culturais etc., todavia com o aumento do número de fugas, a preocupação com a segurança foi redobrada, foram construídas grades e cercas no espaço aberto existente, dando-nos a impressão de semelhança a uma “gaiola”. Coincidentemente encontramos na obra de Foucault “Vigiar e Punir” (FOUCAULT, 1977) a 68 descrição de um presídio com um aspecto semelhante. O que nos confirma a repetição de uma estratégia que obedece a um mito de controle pela grade, a contenção do espaço físico e uma prática de controle ritualizada do ser humano. A diferença existente entre as passagens descritas por Foucault é que elas são de outro século, medievais e que ainda são utilizadas como medidas sócio-educativas. Funcionando como ritos de prisão e não de escola”.Como foi ellustrado no texto anterior. 2.3.1 - As atividades pedagógicas Durante o período que estivemos pesquisando no DEGASE, pudemos observar algumas oficinas e salas de aula, que tinham por objetivo auxiliar na busca de uma vida diferente para esses alunos e alunas reclusos nas “escolas” do sistema DEGASE, enfim sócioeducar. Apesar do esforço contínuo dos professores e funcionários em fazer um bom trabalho junto aos adolescentes, o que acontecia era a exposição da vida dos adolescentes, mais que modificar ou reconstruir sua auto-imagem. Através de debates, leitura de textos, redações e desenhos, a instituição tentava trabalhar as vivências dos alunos. Para exemplificar destacaremos 3 salas de aula, cada uma em sua especialidade, buscando ressaltar o trabalho realizado cada uma delas voltados para o resgate da auto-imagem. A primeira a ser descrita será a oficina de artes do Padre Severino, onde ao final de cada aula, era realizado uma espécie de terapia em grupo com os menores; a segunda, a sala de alfabetização, também localizada no Instituto Padre Severino, onde as atividades não condiziam com a “idade” mental dos adolescentes infratores e por último a sala de desenvolvimento psicomotor no Educandário Santos Dumont, que na realidade era uma pequena oficina de artes, destinada ao restabelecimento da motricidade das adolescentes. • Sala de Aula 1 - A oficina de artes plásticas 69 Nesta oficina do Instituto Padre Severino, a professora Mariana desenvolvia atividades de artes plásticas, propostas por ela e às vezes pelos próprios adolescentes. As atividades costumavam ser, peças taetrais (encenação de peças produzidas pelos próprios adolescentes), desenhos e redações, que tinham como tema a história de vida dos adolescentes. Ao final de cada atividade, realizava algo semelhante a uma sessão terapêutica em grupo. Podemos ver isso na atividade descrita abaixo: Descrição geral da cena produzida pelos adolescentes Ensaio I Um “assaltante” entra em um salão de beleza com uma pistola na mão (desenhada em uma folha de papel ofício com uma bala saindo). O cabeleireiro em pé está arrumando o cabelo do cliente, sentado em uma cadeira enquanto está sendo atendido. O assaltante entra armado e anuncia o assalto, dizendo: ninguém reage! Dá vários tiros, gritando: Pápápápá! E acaba ferindo o cliente. Só que não contava com o imprevisto de acabar a munição!). Então o “policial” pega o “assaltante”. Após esse tipo de atividade, iniciou-se a segunda parte da aula, onde os meninos participariam de um debate sobre o tema levantado no teatro, dando suas opiniões de como tinha sido a para eles criarem aquela cena e o que eles acharam que poderia ser alterado. Além desta atividade, era colocado em pauta, atividades que sugeriam a exposição da vida pregressa do menino, de forma a deixar o adolescente constrangido em falar os motivos que o levaram a cometer um ato infracional. Sala de Aula 2 – Sala de Alfabetização Destacamos agora uma das salas de alfabetização do Instituto Padre Severino, que normalmente eram de frequentada por muitos dos adolescentes, pois a grande maioria não sabia ler e escrever, ridicularizando os alunos. Os exercícios propostos pela professora Fernanda, eram de língua portuguesa ou de matemática. Incentivando os meninos a ler e a escrever. Após o exercício passado no quadro negro feito, ela explica de carteira em carteira para corrigir o trabalho e pedir que os meninos leiam o que escreveram (nome das figuras do quadro acima). A maioria lê bem, com poucas dificuldades. Então a professora muda de atividade e pede que os meninos 70 leiam todos juntos palavras, sílabas e frases escritas num caderno que a professora chama de blocão, um tipo de álbum seriado feito pela professora previamente a aula. Exemplo do blocão desenho de uma faca desenho de uma vaca desenho de palha desenho de uma rata desenho de uma gata faca fa Fa Ana da nata a gata fa fa Fa A rata cava na mata vaca va Va A faca falha va va Va Lalá dá a gata a Cacá palha lha Lha A gata mata a rata lha lha Lha Tatá dá palha a vaca rata ra Ra Ana fala na casa da Lalá ra ra Ra Cacá dá a faca a Ana gata ga Ga Vavá lava a gata ga ga Ga lha fa ga ra va Através do blocão, a professora pedia aos meninos que lessem alto, forte pois não está escutando todos falando e enfatiza sempre para que não fiquem nervosos, para ler com calma sem pressa e pede que prestem atenção nas palavras. Depois da leitura, para encerrar a professora faz um jogo de palavras com os jovens, com as sílabas contidas no blocão. Sala de Aula 3 – Oficina de Psicomotricidade 71 A sala de aula da professora Soraia, do Educandário Santos Dumont, que seria uma sala de aula voltada para ajudar o desenvolvimento da motricidade das alunas que chegam a instituição e acalmá-las para freqüentar as outras salas de aula . Todas as atividades perpassam em colorir desenhos (bonecos como “Bananas de Pijamas”, o Mickey e a Minnie, a pequena Sereia,etc.), cobrir linhas impressas no papel, atividades de recortar e colar. A professora passava o tempo todo apontando os lápis ou verificando se as canetas ainda tinham carga ou não e as meninas passavam o tempo entediadas falando de suas vidas, cantando, enquanto a professora apenas ouvia, sem tomar conhecimento das palavras, a não ser quando a palavra fosse um palavrão ou qualquer outra palavra de vulgar. A professora Soraia nos disse que ela preparava nessas aulas as meninas consideradas atrasadas e rebeldes para freqüentarem a alfabetização, dependendo do interesse de cada menina. 2.3.2 – Comentários críticos sobre as atividades descritas acima Estas salas de aula mostram a falta de motivação de alguns alunos para as atividades propostas. No entanto eles aproveitam estes espaços para fazer uma catarse tentando expurgar de si os atos infracionais cometidos. Essas atividades parecem estimular a alienação e a infantilização do adolescente, talvez os professores tentem provar aos adolescentes que o melhor caminho para a liberdade seja renderem-se ao “jogo” proposto pela instituição, onde frequentar as salas de aula, participar das atividades e apresentar os cadernos com letras bem desenhadas, significa a chave da liberdade. Esporádicas eram as vezes que víamos técnicos, como os psicólogos das instituições organizarem tarefas ou atividades para os adolescentes. Quando as organizavam, estas giravam em torno de apresentação de vídeos e filmes, não raro exaltando imagens de brigas de baile funk, crimes, assaltos, cenas de violência. Os técnicos pareciam querer revivenciar com os adolescentes as formas mais usuais nas quais eles são pegos cometendo infrações. Talvez apelando para a e consciência dos mesmos para os atos praticados. O problema é que essa perspectiva de trabalho ressaltava sentimentos de inferioridade e exclusão nos jovens, pois estes tem consciência do que fizeram, apenas não são capazes de, sozinhos, saírem desta situação de exclusão social e marginalidade. 72 Em nossa opinião, os técnicos acreditavam que este tipo de trabalho era condição para o resgate da auto-imagem desses adolescentes, acreditavam ainda que mostrar o que fizeram era uma das formas pela qual os adolescentes poderia identificar-se com o sistema punitivo do DEGASE. Ao contrário acredito que uma das formas de desenvolver uma boa auto-imagem dos jovens em privação de liberdade, são as atividades físicas, como jogos de futebol, vôlei, natação. São também nas atividades artísticas como teatro, bordado, pintura e nas oficinas profissionalizantes como a da vassoura. Muitas dessas atividades foram observadas com sucesso no DEGASE e pareciam dar um novo estímulo aos jovens infratores, criando e estabelecendo confiança entre os alunos e profissionais, sem que estes profissionais percam o controle. Valorizando a auto-estima e capacidade dos jovens e levando a uma identidade positiva sobre si mesmo. A participação nestas oficinas é grande, devido ao ambiente descontraído criado pelos professores. Na oficina de vassouras, por exemplo, os alunos se sentiam mais livres, aprendendo com rapidez o ofício e tendo boa convivência com o professor. Segundo o professor Sérgio, os alunos ali na Oficina experimentam uma “liberdade gostosa”. Ouvem rádio, conversam e fumam - apesar dele mesmo não fumar. Para os antropólogos como Edward Hall (1959, 1966, 1977) e sociólogos como Erving Goffman (1959, 1963, 1967), os comportamentos, a condutas sociais que adotamos são ditados principalmente por regras, sendo os nossos sentimentos fortalecedores na manutenção da ordem. Assim desempenhamos papéis sociais de acordo com a demanda da sociedade e da cultura onde vivemos, cumprindo o mais fielmente o possível estas normas com o objetivo de inclusão e aceitação do grupo. O que falta a esses alunos e alunas é um incentivo real da instituição, que tem um papel punitivo, no sentido de apontar seus erros e de não valorizar suas virtudes, pois muitos alunos e alunas, por exemplo, sabem ler e escrever muito bem e mal têm acesso a livros e apoio de profissionais para mostrarem seus verdadeiros talentos. 2.4- A defesa da auto-imagem Segundo Carl Rogers (1975), a formação da personalidade de cada indivíduo, está na aprendizagem que esse retira da interação com o meio que vive, as pessoas e grupos com 73 os quais convive e as experiências sofridas, que trazem importantes reflexões para cada ser humano. Essa troca representa a constituição psicológica do ser. Mesmo em privação de liberdade muitos adolescentes desenvolvem estratégias e mecanismos para manter sua integridade identitária, fugindo do caráter punitivo e depreciativo que a instituição a instituição lhes impõem. Um exemplo disso, é a questão do homossexualismo feminino no Educandário Santos Dumont. As adolescentes modificam sua aparência, para não perder sua identidade por completo. As adolescentes descobriram que uma das forma de manter sua identidade e integridade física, é passar a imagem de que elas são homens e assim são respeitadas. Pudemos observar não apenas esse comportamento das alunas no Santos Dumont, como no trabalho da instituição para estruturar novas imagens nas adolescentes. Uma atividade proposta pela professora de Educação Física que havia feito um curso de recorte e colagem, deixa claro isso. Foi montado um mural de aniversariantes do mês, feito pelas alunas com a ajuda da professora. Refletindo sobre as figuras por nós vistas, pudemos obeservar o quanto está distorcida a imagem destas adolescentes, demonstrando o conflito psicológico que existe em cada uma delas, reforçado pelo trabalho institucional. Outra forma presente nos processos de construção e defesa da auto-imagem, é a linguagem estabelecida pelos jovens dentro da instituição. A instituição e seus representantes se utilizam de uma linguagem específica, de cunho militar, buscando a manutenção da ordem ao mesmo tempo em que delineia novas identidades aos adolescentes atendidos pelo sistema. Estes, gradativamente, vão perdendo suas características próprias de linguagem, além da identidade tornando-se apenas números e códigos infracionais. Ao introjetar os conceitos, códigos e significados impostos pela instituição, estes alunos, criam mecanismos e estratégias de enfrentamento das relações cotidianas. Na busca de integração e melhor convivência os adolescentes criam uma linguagem peculiar onde garantem sua inserção nos grupos constituídos dentro e fora da instituição, apenas convertendo a linguagem para cada ambiente social. Desta forma, tentam resgatar suas identidades, sua condição de sujeito, resistindo ao processo de coisificação inerente ao sistema. 74 Em resumo, a linguagem utilizada na instituição vai de encontro com o que se estabelece como identidade institucional e institucionalizada. Na primeira forma de linguagem, a instituição e seus representantes se utilizam da identidade de infrator para atacar a autoestima e controlar o adolescente. Na segunda forma, os jovens em conflito com a lei estabelecem formas específicas de comunicação para driblar o controle institucional e manter, ou pelo menos tentar manter sua identidade individual a medida em que se insere o indivíduo no grupo. Considerações finais A construção da auto-imagem de jovens em conflito com a lei vem sendo preterida por professores, psicólogos e pedagogos nas escolas do sistema DEGASE, que insistem em utilizar métodos estratégias tradicionais para recuperar esses menores, aumentando o número de excluídos e alienados de seus próprios direitos e de sua própria condição. A confiança de que o sujeito pode e deve ter consciência de seu processo mental e emocional e de que o ser humano é um todo – razão e emoção – ainda parecem distantes da educação no final desse milênio. A realidade do DEGASE não difere da maioria das escolas, com um agravante os “alunos”, são adolescentes marginalizados e excluídos do processo educacional que ao tornarem-se menores infratores são enviados para as instituições de ressocialização que em diversos momentos confundem-se entre pseudoescolas/ prisões, tornando-se, então, também excluídos do sistema social. Procurei relatar as condições em que desenvolviam estes alunos, na busca de tentar manter sua auto-estima no sentido de proteger sua auto-imagem, destacando o cotidiano da instituição e a tentativa de professores, pedagogos e psicólogos em realizar um trabalho que pudesse reverter a situação de fracasso e exclusão em que esses adolescentes estão inseridos. A “psicologia” encontrada no DEGASE é aquela referente a punição e ao controle de cada passo dado pelo adolescente, buscando uma alienação e ausência de compromisso com a educação e cidadania. O trabalho conjunto dos profissionais do DEGASE, seria uma das formas mais sérias de auxiliar os adolescentes infratores a restaurar sua auto-estima e auto-confiança, para a busca de uma vida diferente, mais digna, redescobrindo o que é cidadania. Sendo assim, não é necessária apenas uma mudança no pedagógico, tornando a escola menos excludente, mas toda a instituição, para dar um espaço para o menor desenvolver habilidades para a busca de novos papéis dentro da sociedade. 75 O importante é auxiliar estes jovens decidir a maneira mais consciente sobre o seu futuro e seu papel na sociedade. Utilizando uma abordagem que possibilite o crescimento mútuo entre professores, técnicos e alunos, buscando a construção, não apenas da auto-imagem, mas de uma sociedade mais equilibrada. Destacamos alguns pontos como forma de ressaltar o trabalho do psicólogo e técnicos, dentro destas instituições: • Quanto aos técnicos (psicólogos, pedagogos, assistentes sociais), acreditamos que o trabalho que deveria ser realizado por estes poderia ser o que os professores tentavam fazer em suas salas com seus alunos, embora carecessem das técnicas necessárias; • Os técnicos poderiam dar um suporte maior aos adolescentes do sistema, ao invés de tarefas alienantes , deveriam passar tarefas condizentes com a mentalidade desses jovens, ao preferir controlar a entrada e a saída dos adolescentes nas salas de aula, poderiam exercer o papel de sócio-educar previsto pelo sistema DEGASE; • O estabelecimento da confiança é um dos pontos que mais ajudam na construção de autoimagem dos indivíduos, pois ensinam o adolescente a superação de problemas gerados, de forma a modificá-los com a ajuda desse outro; • O papel do Psicólogo Institucional deve ser de conhecer os mecanismos utilizados pelos adolescentes para manter sua identidade, tentando compreender a postura adotada pelo jovem de forma a auxiliá-lo na modificação e incorporação de novos modelos identitários mais positivos; • A metacognição está presente tanto no jovem que admite “entrar no esquema” da instituição ou para aquele que se recusa a participar, pois ambos estão tentando preservar sua identidade e produzindo ou adquirindo determinados hábitos para aprender a lidar com seus anseios dentro do ambiente de privação de liberdade. Enfim, modifica sua relação com a identidade. Concluindo, o profissional da área de Psicologia pode proteger a identidade destes jovens, recuperando ou resgatando sua auto-estima eliminando os fatores de alienação propostos pela instituição, enfatizando a busca da cidadania. Não deve confirmar a exclusão dos jovens no ambiente social ou expor os jovens a situações humilhantes ou infantilizadoras. Isso não quer dizer maquiar a imagem destes adolescentes, mas sim estabelecer pontos a serem lapidados para que o jovem ao sair da instituição possa “encarar” a sociedade de forma mais realista e auto-confiante. Trabalhar a história de vida destes adolescentes seria essencial para trazê-los a realidade de sua vidas e colocá-los de forma menos defendida a 76 analisar que lugar ocupam na sociedade e que precisa ser feito para alterarem esse espaço estabelecido. A posição do psicólogo é fundamental na construção deste novo “eu”, descaracterizando o jovem como infrator, oferecendo o suporte necessário para que este livrar-se do estigma de marginalizado e excluído. Conhecendo seus limites, direitos e deveres de cidadão, o adolescente infrator, ao sair da instituição, poderá exercer um papel social menos excludente. Referências Bibliográficas ALTOÉ, S. Infâncias Perdidas Xenon Editora, Rio de janeiro, 1989. ANPED. Revista Brasileira de Educação. São Paulo: Ação Educativa - assessoria, pesquisa, informação. Maio/ Jun./ Jul./ Ago., 1998 (nº 8). BERGER, P.& LUCKMANN, T., The Social Construction of Reality: a Treatise in the Sociology of Knowledge. An Anchor Book, New York, 1966. CARNEIRO, L.O. & CAVALCANTI, I.C. O ABC do Estatuto da Criança e do Adolescente Editora JB, Rio de Janeiro, 1990. COLL, C., PALACIOS, J. & MARCHESI, A. Desenvolvimento Psicológico e Educação Psicologia Evolutiva Artes Médicas, Porto Alegre, 1995. COLLARES, C. 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