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(2008) Acerca de um cabo de faca medieval em Torres Novas

Nova Augusta. 20: 281-296.

NOVA AUGUSTA ISSN 1646-5121 Revista de Cultura | n.º 20 | 2 0 0 8 Ficha técnica NOVA AUGUSTA Revista de Cultura DIRECTOR Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas DIRECÇÃO EDITORIAL Gabinete de Estudos e Planeamento Editorial SECRETARIADO E COORDENAÇÃO Gabinete de Estudos e Planeamento Editorial — CMTN REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO Gabinete de Estudos e Planeamento Editorial Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes Largo da Fontinha 2350 Torres Novas PROPRIEDADE Município de Torres Novas COLABORAM NESTE NÚMERO António Mário Lopes dos Santos | Maria Elvira Marques Teixeira | Joana Catarina Pereira Rosa | Vasco J. R. da Silva | Diana Gonçalves dos Santos | Luís Batista | António Ribeiro | Paulo Oliveira | Joaquim Rodrigues Bicho | Margarida Moleiro | João Tereso | Gonçalo Lopes | Luís Mota Figueira FOTOGRAFIA DA CAPA [teste de solubilidade do pigmento em contacto com isopo] Oficina de Conservação e Restauro do Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas GRAFISMO Gabinete de Comunicação e Imagem — CMTN IMPRESSÃO Gráfica Almondina ISSN 1646-5121 DEPóSITO LEGAL NOVA AUGUSTA Revista de Cultura | n.º 20 | 2 0 0 8 NOVA AUGUSTA Revista de Cultura índice 7 Nota de Abertura 9 História 11 _ A Misericórdia de Torres Novas. Da sua fundação, os primeiros tempos. António Mário Lopes dos Santos 41 _ O Foral Novo de Torres Novas no contexto da reforma manuelina dos forais Maria Elvira Marques Teixeira e Joana Catarina Pereira Rosa 81 História Das CiÊNCias 83 _ Relógios de sol em Torres Novas Vasco Jorge Rosa da Silva 99 História Da arte 101 _ A evolução dos revestimentos artísticos em interiores sacros privados do concelho de Torres Novas [séculos XVIII-XIX] Diana Gonçalves dos Santos 147 _ As obras na Cardiga durante os priorados de Fr. António Lisboa e Fr. Pedro Moniz Luís Batista 187 _ Andrade Corvo e o ensino artístico. Da fundação das Academias de Belas Artes à reacção romântica (1836-1856) António Ribeiro 205 PersoNaliDaDes 207 _ Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico. Paulo Oliveira 223 _ Em memória de Artur Gonçalves Joaquim Rodrigues Bicho 235 estuDos soCiais 237 _ O Julgamento do Bacalhau, a cíclica viagem de condenado a salvador: práticas no concelho de Torres Novas. Margarida Moleiro NOVA AUGUSTA Revista de Cultura 279 arqueologia 281 _ Acerca de um cabo de faca medieval em Torres Novas João Tereso e Gonçalo Lopes 297 iDeias e Debates 293 _ Gestão museológica, turismo cultural e salvaguarda do património: a importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico. Luís Mota Figueira 305 2007 em revista 317 Nova augusta em íNDiCe NOVA AUGUSTA Nota de Abertura A revista Nova Augusta lança o vigésimo número da II série, inaugurada há 27 anos. De lá para cá, manteve-se o gosto pelos temas torrejanos, reforçaram-se os critérios de qualidade científica dos artigos, modernizou-se a imagem gráfica da revista e acolheram-se novos colaboradores. A NA 20 representa, à semelhança dos números anteriores, o empenho na edição de uma publicação de valor reconhecido no panorama dos estudos locais e regionais. Este ano, são lançados novos contributos nas áreas da história, história da arte, personalidades, estudos sociais e arqueologia. E inaugura-se a rubrica Património. Em 2008, a história e a história da arte são os alicerces da Nova Augusta. Nos temas da história, António Mário Lopes dos Santos e Maria Elvira Marques Teixeira trabalham sobre assuntos do século XVI. António Mário L. Santos revela os trilhos (documentais) percorridos até à fundação da Misericórdia de Torres Novas e Maria Elvira Teixeira estuda o Foral atribuído por D. Manuel I, a Torres Novas, em 1510. Nos estudos de história da arte Diana Santos e Luís Batista visitam as quintas e casas nobres de Torres Novas e região envolvente: um para analisar os revestimentos artísticos das capelas privadas do concelho de Torres Novas (séculos XVIII-XIX), outro para investigar as obras da Quinta da Cardiga entre 1529 e 1630. António Ribeiro escreve sobre o ensino artístico no Portugal de oitocentos, abalado pela greve académica de 1844 e a reivindicação da reforma dos programas e dos métodos, destacando a publicação de um texto crítico de Andrade Corvo sobre a ausência de conhecimentos estéticos no ensino artístico. A preparar a dissertação de doutoramento no âmbito da história das ciências, Vasco J. R. da Silva percorreu os espaços públicos e privados do concelho em busca de relógios-de-sol. Da pesquisa exaustiva resultou o artigo que aqui publicamos sobre os relógios-de-sol da Quinta de Caniços, de Alqueidão e do castelo de Torres Novas. Comemorando o 140.º aniversário do nascimento de Artur Gonçalves, publica-se, pela pena de Joaquim Rodrigues Bicho, uma breve biografia do homem que mais escreveu sobre a história da vila e sobre os torrejanos ilustres, revelou contributos preciosos para o estudo da toponímia 7 NOVA AUGUSTA local, do património edificado, da história do funcionalismo municipal, entre outros assuntos. A obra de Artur Gonçalves, publicada nos anos 30 do século passado, é referência obrigatória para os investigadores dos temas torrejanos. Se Artur Gonçalves é já nome bem conhecido por estas terras, o de Carlos Cacho não o é. Por isso, Paulo Oliveira revela a vida e obra deste reputado físico nuclear do século XX, natural de Golegã. Bastante afamado era o Enterro do Bacalhau que por cá se fazia nas freguesias de Lapas, Riachos, Zibreira, Pedrógão, Parceiros da Igreja, Árgea e até na Vila. Margarida Moleiro tenta desvendar as origens e as formas destas práticas no concelho: os textos, as personagens e os locais. 8 E, por fim, uma faca em ferro, de grandes dimensões, que ainda conserva parte do cabo original em madeira dá o mote para o artigo de arqueologia de Gonçalo Lopes e João Tereso. Quase não se conhecem exemplares de facas medievais encontradas em contexto arqueológico, o que confere a este achado carácter de raridade. Luís Mota Figueira abre a secção Património com questões em torno da aplicação da Carta Internacional do Turismo Cultural nas autarquias. Os assuntos mais marcantes do ano 2007 encerram a revista. Numa tentativa de garantir, para a posteridade, o registo dos acontecimentos mais relevantes da vida autárquica, sociedade, cultura e desporto em Torres Novas. No alinhamento da NA 20 convivem académicos, profissionais das áreas da história, da museologia, do ensino. Convivem investigadores de profissão e outros que não o são. Convivem discursos académicos e discursos fluidos de escrita menos complexa, escolas e vivências diferentes. Convivem a dedicação e erudição dos seus colaboradores. É com esta matéria-prima que se produz a NA, uma revista com 46 anos de existência e periodicidade anual praticamente ininterrupta desde 1990. A Direcção Editorial 9 HiSTÓRiA A Misericórdia de Torres novas da sua fundação – Os primeiros tempos António Mário Lopes dos Santos* O processo de criação das Misericórdias iniciou-se no reinado de D. Manuel I. No entanto, em Torres Novas, o desaparecimento de toda a documentação municipal, até ao século XVIII, não permite acompanhar as vicissitudes locais que levaram à criação da Misericórdia de Torres Novas. Mas, a partir de um documento incluído no Livro dos Privilégios da Misericórdia de Torres Novas, onde se encontra a autorização de D.João III para a criação dos órgãos de gestão municipais para a instituição da Misericórdia, pode aceitar-se como data de fundação da Misericórdia de Torres Novas o dia 31 de Outubro de 1534. Neste artigo, António Mário analisa esta e outras fontes documentais para o estudo das origens da Misericórdia em Torres Novas. * Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é investigador de História Local e autor de vários estudos sobre o concelho de Torres Novas. 11 NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas iNtroDução O estudo do fenómeno da pobreza e da assistência em Portugal tem merecido, a partir das últimas décadas do século XX, uma maior atenção.1 Longe, mas não esquecidas, ficam as obras pioneiras de Goodolphim2 e de Correia3, onde se ressalva na origem das Misericórdias, em especial a de Lisboa, a acção primordial da rainha D. Leonor, mulher de D. João II, sob a iniciativa e conselho do frade trinitário Frei Miguel de Contreiras.4 Se o papel de D. Leonor é realçado na fundação da Misericórdia de Lisboa, no ano de 1498, durante a ausência de seu irmão, o rei D. Manuel, que em Espanha defende, pelo seu casamento com D. Isabel, viúva do príncipe D. Afonso e filha dos reis católicos, Fernando e Isabel, o direito do filho de ambos, D. Miguel, ao trono de Leão Castela e Aragão, por morte do seu cunhado, o príncipe D. João5, outros investigadores colocam não só em dúvida o papel de Frei Miguel junto de D. Leonor6, como a sua própria existência.7 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Sem se ignorar o papel de D. João II na política de centralização de assistência hospitalar, com a criação, por inspiração florentina, do Hospital de Todos-os-Santos, em 1492 8, ou no apoio à acção da rainha D. Leonor em relação ao Hospital das Caldas da Rainha (1484)9, a acção da rainha é, por outros, relativizada, realçando-se como primeira figura D. Manuel, quer na promulgação régia de legislação específica em relação às Misericórdias10, quer na fundação dessas instituições pias11, quer nas cartas régias enviadas às vereações locais, incentivando a sua criação. Veja-se, por exemplo, a carta de 14 de Março de 1499: «Os juizes vereadores procurador fidalgos cavaleiros e homens-boos. Nos el-Rey vos enviamos muyta saúde. Cremos que saberes como em esta nosa cidade de Lixboa. Se ordenou huma comfraria pera se as obras da misericórdia averem de comprir e especialmente acerqua dos presos pobres e desemparados que nom tem quem lhes abreu (Laurinda), “Misericórdias: patrimonialização e controlo régio (séculos XVI e XVII)”, Ler História, nº44, p. 5, nota um. goodolphim (Costa), As Misericórdias, 1ª ed., 1897; 2ª ed., Livros Horizonte, 1998. Correia (Fernando da Silva), Origem e Formação das Misericórdias Portuguesas, Lx., 1944; 2ª ed., Livros Horizonte, Lx., 1999. serrão (Joaquim Veríssimo), A Misericórdia de Lisboa, Livros Horizonte, 1998, pp. 28-32. sousa (Ivo Carneiro de), Da Descoberta da Misericórdia à Fundação das Misericórdias (1498-1525), Porto,1999, pp.120 e sgs.; Ferreira (Maria Emília Cordeiro), “D. Manuel I”, Dicionário de História de Portugal , coord. De Joel Serrão, vol II, Iniciativas Editoriais, pp. 906/911. serrão. op. cit., pp. 31/32. sá (Isabel de Guimarães), As Misericórdias Portuguesas de D. Manuel I a Pombal, Livros Horizonte, Lx., 2001; bastos (Artur de Magalhães), História da Santa Casa da Misericórdia do Porto, vol.1, Porto, Santa Casa da Misericórdia, 1934, 59/99; Portugaliae monumenta misericordiarum, vol III, Introdução de Isabel de Guimarães Sá e José Pedro Paiva, Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa/União das Misericórdias Portuguesas, 2004, pp.7/21. sá, op. cit, p.31 serrão, op.cit., pp.23/25. P.m.m.iii, pp.7/21. idem, pp. 12/13. 13 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos 14 requeira seus feitos nem socorra as suas necesidades e asy em outras muytas piadosas segundo mais largamente em seu regimento se conthem do quall vos mandamos dar o trelado. E porque as obras de misericórdia que per os oficiais desta comfraria se cada dia fazem redumdam em muyto louvor de Deus de que nos tornamos muyto comtemtamento por se em nosos dias fazer folgaríamos muyto que em todalas cidades e vilas e lugares primcipaees de nosos Regnos se fezese a dicta comfraria na forma e maneira que no dito regimento se conthem e porem vos encomendamos que comsyrando quanto esta he seruico de Deus queiraees ajumtar e ordenar como em esa Cidade se fezese a dicta comfraria. E alem de em elo fazerdes serviço a Deus e causa de que aceite ele aueres muyto merecimento nos vo-lo aquardeceremos muyto e teremos em serviço. Scprito em Lixboa a xiiii dias de Março. Vicente Carneiro o fez de 1499. (Assinatura) Rey.12». Sá acentua igualmente que há, nesta política centralizadora, indícios da «relação entre a expulsão dos judeus e a organização da caridade operada por D. Manuel I».13 De facto, a 29 de Março de 1500, um alvará régio determina o seguinte: «Nos el-Rey fazemos saber a quamtos este nosso alvara virem a que nos praz que as fazemdas dos cristãos novos que se foram despois da nossa defesa as quaes se perdeu por bem da dita defesa 12 13 14 sejam arrecadadas pera o nosso Esprital Grande de Todolos Santos e queremos que sejam pello fuizes os que sam ordenados pera os espritaes e capelas desta cidade e o façam dar e a eixecuçam aos que nos per este mandamos que asy o façam. Feito em Lixboa a xxix dias de Março de 1500»14. Decisão repetida em 31 de Maio de 1502, noutro alvará: «Nos el-Rey fazemos saber a todolos nosos corregedores juizes e justiças a que este aluara for mostrado que nos temos feito merce ao nosso Stprital de Todolos Samtos das fazemdas dos christãos-nouos e judeus que destes nosos reinos fogisem contra nosa defesa E porquamto nos he dito que em alguuns juízos sam começadas algu[m]as demandas que aos sobreditos pertencem de seus bens e fazendas e dividas que lhes eram devidas e por nos termos ordenado que os desembargadores deputados pera as cousas do dito Stprital conheçam dos ditos feitos e outros alguuns nam e fomos enformados que algu[m]as vezes erees requeridos por parte do dito striptal que remetesees os ditos feitos aos desembargadores das cousas delle e nom ho queries fazer ante mandavees asentar o trelado dos alvarás nosos que vos eram apresentados per que vos mandamos que os remetesees e mandavees dar vista as partes e sobre elles fazer processos o que avemos por mal feito. Porem vos manda- P.m.m.iii, Vol. III, Anexos, Doc. 57, 226; arquivo Histórico da misericórdia do Porto, Livro Antigo das Provisões, 46; basto, op.cit., pp. 64/65. sá, idem, 32. P.m.m. iii, Anexos, Doc. 81, 238; aNtt, Hospital de S. José, Registo Geral dos reinados de D. João II e D. Manuel I, NT 938, p. 18. NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas mos que tanto que vos este for apresentado logo remetaes qualquer feitos que perante vos andarem e trautarem como quer que vos requeridas forem aos desembargadores do dito Stprital e sejam emtregues a Martim de Crasto stprivam delles sob pena de qualquer de vos que o assy nom comprir pagar cinquoenta cruzados pera as obras do dito Stprital em os quaes vos avemos por condenados cada vez que o asy nom comprirdes e a dita pena queremos que ajam os stprivaes dante vos que os ditos feitos teuerem e os encobrirem e nom quiserem logo emtregar do dia que lhe for noteficado a tres dias. E per este mandamos aos desembargadores [pg.34] do dito Stprital que tamto que o asy nom fizerdes logo mandem em vos enxequtar a dita pena e carregar em recepta sobre o almoxarife do dito Stprital pera puder viir a boa recedaçam o que huuns e outros asy comprires com diligencia porque asy o avemos por bem e nosso serviço. Feito em Lixboa a xxxj de Mayo. Vicente Carneiro o fez ano de mil bcij».15 À centralização hospitalar defendida não é também estranha a paralela investigação do património adstrito às capelas, a partir de 1498, do qual se não conhecem os resultados. Mas é-o, no tombo iniciado em 1501, pelo licenciado Diogo Pires «enviado a todas as vilas e lugares do reino com poderes 15 16 17 18 para superintender nos assuntos relativos às capelas, hospitais, albergarias, gafarias, resíduos e órfãos»16 No caso do concelho de Torres Novas, concretizado pelo referido funcionário régio, com o escrivão João Dias, em 1502, permitiu o levantamento o mais rigoroso possível, à época, dos bens das confrarias medievais existentes17. A maioria das confrarias urbanas virão a ser, como veremos na altura própria, integradas nos bens patrimoniais da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas18. A acção de D. Manuel não se confinou à fundação e modelo deste tipo de assistência, mas ao seu próprio controlo, como mostra o Regimento de Como os Contadores das Comarcas há de prover sobre as Capella, ospitaes, albergarias, cõfrarias, gafarias, obras, terças e residos, de 1514, cuja finalidade última reside na uniformização da fiscalização régia no sector da assistência. O que não é de estranhar num governo em que medidas profundamente centralizadoras, como a Leitura Nova, a uniformização dos forais novos, a impressão das Ordenações do Reino, o reforço do poder político das ordens militares, conduzem a um controlo dos grupos sociais, donde são excluídos os judeus e os mouros. A descoberta do caminho marítimo para a Índia id, Ibidem, Doc. 115, 259; aNtt, doc.cit, NT 938, pp.34/34v.. abreu (Laurinda), A Especificidade do Sistema de Assistência Público Português, linhas estruturantes, Arquipélago. História. 2ª série, VI, Açores, 2002, p.420. aNtt, Núcleo Antigo, nºs 275 e 288; lopes (Leonor Damas), Confrarias Medievais da Região de Torres Novas, Os Bens e Os Compromissos, ed. Câmara Municipal de Torres Novas, 2001. gonçalves (Artur), Torres Novas, Subsídios para a sua História, ed. C. M. T. N., 1935, p.274. 15 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos 16 conduz a um enriquecimento nacional e à formação dum estado-mercador, que, através de doações e concessão de privilégios, organiza uma estrutura hierárquica de nobilitação com base nos serviços prestados a esse comércio do Estado. O que é um facto é que a instituição das Misericórdias, com seus privilégios e regalias próprias, como os elementos que faziam parte das suas estruturas confraternais – as irmandades – transformam-se em confrarias únicas, de grande poder e influência no Portugal do antigo regime. A criação das Misericórdias e a consequente intervenção régia obedeceram a fases distintas. Laurinda Abreu designa três. um primeiro período, que percorre os reinados de D. Manuel e D. João III, em que as confrarias «sobrevivem essencialmente de esmolas», distribuídas pelos mais carenciados, os presos e os pobres, «e estão mais vocacionadas para a assistência à alma do que ao corpo.» o segundo período «ocorre nos anos sessenta e setenta do mesmo século», quando concorrem para os seus bens patrimoniais a integração de confrarias e hospitais, assim como as doações pias para a celebração de missas a favor das almas do Purgatório. Uma assistência hospitalar mais eficaz é consequência lógica do reforço dos bens patrimoniais das Misericórdias. 19 20 21 22 A partir da década de 90, uma terceira época que a autora denomina de «filipina», que se desenvolve nesse período, caracterizada por um importante crescimento patrimonial «e [pela] atribuição de novas responsabilidades no campo da assistência, sobretudo em relação aos militares».19 Os estudos publicados já este século pelo Centro de Estudos Religiosos da Universidade Católica Portuguesa/União das Misericórdias Portuguesas, que se traduziram, até o momento, em cinco espessos volumes de análise histórica e profusa matéria documental, transmitem-nos, de imediato, uma visão cada vez mais aprofundada da disseminação das Misericórdias Portuguesas pelo território português, incluindo ilhas, África, Oriente e Brasil. Se Isabel de Guimarães Sá refere 43 Misericórdias documentadas no reinado de D. Manuel, não deixa de referir a possibilidade «que houvesse outras cuja documentação se perdeu ou não se conhece ainda».20 De facto, em publicação mais recente, a mesma historiadora, em colaboração com o coordenador geral de toda a obra, José Pedro Paiva, apresentam, então, para o reinado de D. Manuel a fundação de 75 Misericórdias.21 Para o reinado de D. João III (1521-1557) surgem 15 novas misericórdias22. Mas é entre 1557 e 1580 que, segundo esta autora, «se dá a expressão das miseri- abreu (Laurinda), “Misericórdias: patrimonialização e controlo régio (séculos XVI e XVII)”, Ler História, nº 44, 2003, p.6. sá (Isabel de Guimarães), P. m.m, Vol. I, Lx, 2002, p. 22. sá (Isabel de Guimarães) e Paiva (José Pedro), Introdução, P.P.m. iii, Lx, 2004, pp.12/13. sá, P.P.m., Vol.I, p.24. NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas córdias em pequenas localidades: nada mais que 55, que nunca tinham aparecido antes, surgem pela primeira vez referidas»23. Mas, nas referidas, não surge a de Torres Novas, o que nos deixa perplexo, já que há documentação sobre a mesma desde 193524. Mas não se fica por aqui a multiplicação das Misericórdias. No volume IV da Portugaliae Monumenta Misericordiarum, publicado em 2005, dedicada às épocas de D. João III, D. Sebastião e Cardeal D. Henrique, na Introdução, escrita por Ângela Barreto Xavier e José Pedro Paiva, cita-se que «Entre 1521 e 1580 acrescem às 77 misericórdias anteriormente identificadas para o reinado de D. Manuel, mais 127».25 Um terceiro período, sob o domínio filipino, reforça o poder destas instituições, transformadas pela Coroa e pelo Papado, «que as elegeram como as confrarias a quem competia um papel de relevo na esfera da assistência promovida por via das instituições»26. Reforça-se o papel das elites locais, que circulam entre o controlo político da autarquia e o domínio espiritual do acto de misericórdia, reforçado pelo concílio de Trento, o poder régio e o Papado, que vai assentar num duplo monopólio: o dos enterramentos religiosos dos defuntos e o da assistência hospitalar. A dinastia 23 24 25 26 27 Portugaliae Monumenta Misericordiarium, vol.IV, 2005 filipina privilegia as Misericórdias, conferindo-lhe um capital simbólico de enorme importância na representação social. «Os lugares nela ocupados, os objectos que se transportavam, os adereços que se usavam, informavam a comunidade sobre o papel e o lugar que os participantes detinham na sociedade, presentificavam distinções, lembravam hierarquias a respeitar. Eram uma alegoria da representação social local».27 Também a introdução de novos cultos, sá, P. P.m., Vol. I, p.19. gonçalves (Artur), op.cit, Torres Novas, 1935, pp.271/398. P. m. m, vol. iv – Crescimento e Consolidação: de D. João III a 1580, Ed. da União das Misericórdias Portuguesas, Lx. 2005, Introdução, p.9. P. P m. vol. v, Direccão Científica abreu (Laurinda) e Paiva (José Pedro), Reforço da Interferência Regia e Elitização – O Governo dos Filipes, União das Misericórdias Portuguesas, Lx, 2006. idem, ibidem, Introdução, p.27. 17 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos 18 Nossa Senhora da Misericórdia Autor: Bento Coelho da Silveira — Séc. XVII (2.ª metade) Pintura a óleo sobre tela colada na madeira D – 1200x1050mm Nossa Senhora da Piedade Autor: Bento Coelho da Silveira — Séc. XVII (2.ª metade) Pintura a óleo sobre tela colada na madeira D – 1200x1050mm [Imagem publicada em TOJAL, Alexandre e PINTO, Paulo Campos – Bandeiras da Irmandade. Lisboa: Comissão para as Comemorações das Misericórdias, 2002, p. 82] [Imagem publicada em TOJAL, Alexandre e PINTO, Paulo Campos – Bandeiras da Irmandade. Lisboa: Comissão para as Comemorações das Misericórdias, 2002, p. 82] como a celebração da Paixão de Cristo, através das denominadas confrarias da paixão, como as do Senhor dos Passos, que levam a efeito, neste período, grandes manifestações penitenciais, como a Procissão do Senhor dos Passos, onde intervêm todas as forças laicas e religiosas da sociedade da época.28 Outro elemento simbólico de grande influência castelhana na representação pública das Misericórdias consiste na criação das suas bandeiras, integrando nelas a influência da Ordem da Santíssima Trindade, com a figura dum frade trinitário com as letras FMI (Frei Miguel Instituidor), que os historiadores já atrás citados têm vindo a demonstrar como um mito criado em meados do século XVI pela ordem da Santíssima Trindade, e que, no período filipino, segundo Laurinda Abreu, deve ter recebido o apoio do arcebispo de Lisboa, D. Miguel de Castro, apoiante indefectível da causa castelhana.29 De facto, pelo alvará régio de Filipe II, de 26 de Abril de 1627, determina-se para todas as irmandades, mesmo que tenham de alterar as bandeiras que já possuíam, 28 29 idem, ibidem, Introdução, p. 27. idem , ibidem, Introdução, p.8. NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas uma uniformização iconográfica do poder espiritual e temporal da sociedade organizada da época, sob a protecção da Senhora do manto azul, a «mater omnium», Senhora da Misericórdia.30 a FuNDação Da miseriCórDia De torres Novas – os Primeiros temPos Isabel Sá não cita, o que é estranho, nas Misericórdias indicadas para o reinado de D. João III, a de Torres Novas, já que Goodolphim, nos finais do século XIX, já apontava a sua fundação para 1535.31 A mesma data encontra-se em Correia.32 Ângela Barreto Xavier e José Pedro Paiva, seguindo o documento inserido no Livro dos Privilégios da Misericórdia de Torres Novas33, aceitam que foi instituída em 31 de Outubro de 1534 por el-rei D. João III,34 em carta, a seguir transcrita, enviada à vereação autárquica35. «Juizes vereadores e procuradores da villa de torres nouas. Eu el-Rey vos emuio muita saúde. Vy a carta que me scpruestes sobre há comfrarya da mjsericordia que nessa villa quereis ordenar em que me pedis aja por bem anexar as comfrarjas que na dita villa ouver à dita mjsericordia pera 30 31 32 33 34 35 com o sobejo das remdas dellas despois de compridos os emcarreguos se Repairarem os pobres emverguonhados. E se fazerem outras obras pias. E por que me pareceo bem o que asy pedis vos ordeney a dita comfraria da mjsericordia. E despois de ordenada scprueime o que comueer E de que temdes necesidadeE eu vos emujarey as prouisoes que ouuer por bem. E no que toquar ás comfrarjas que pedis que se anexem a dita mjsericordia despois que a teuerdes nordenada me escreuey que comfrarjas sam E quamtas E o que cada huma Remder E por quem sam admenistradas E se tem comfrades. E os emcarreguos que tem. E se poderdes auer os tralados das Instituicoes delas avryos. E mos emuiay E entam vos Responderey o que ouuer por bem que façais. Foi escripta em evora a xxxj dias d’outubro, fernam da costa o fiz, de 1534. E eu andre pirez o fiz escpreuer. E o sob escpreuy. El-Rey (assinatura autografa)» «Aos procuradores E oficiais da Villa de torres novas» O desaparecimento de toda a documentação municipal, até ao século XVIII, não nos permite acompanhar as vicissitudes locais que levaram à criação da Misericórdia de tojal (Alexandre Arménio), Pinto (Paulo Coelho), Bandeiras das Misericórdias, coordenação de Natália Correia Guedes, edição da Comissão para as Comemorações dos 500 anos das Misericórdias, Lisboa, 2002, p.11 e seguintes. goodolphim (Costa), As Misericórdias, 1ªedição, 1897; 2ª ed. Livros Horizonte, 1997, pp. 342/345. Correia (Fernando da Silva), Origem e Formação das Misericórdias Portuguesas, Livros Horizonte, Lx, 1999, pp. 565/61. arquivo Histórico da misericórdia de torres Novas, Livro dos Privilégios…, fl 1. P.M.M. Vol IV, Crescimento e Consolidação: de D. João III a 1580, União das Mis. Port., LX, 2005, p. 281. Por nos parecer ser uma melhor transcrição do documento, optámos pela leitura realizada, a nosso pedido, pelo torrejano Dr. Joaquim Francisco de Sousa Clemente, em detrimento da publicada por Artur Gonçalves, em Torres Novas, subsídios para a sua história, p.273. 19 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos 20 Torres Novas. O único documento que nos chega é o transcrito atrás. Por ele se verifica que D. João III concede a autorização necessária aos órgãos de gestão municipais para a instituição da Misericórdia e solicita que, após a ordenação, lhe sejam indicadas que confrarias são consideradas necessárias para a sua manutenção, qual o seu rendimento, respectivas rendas e foros, tipo de administração, número de confrades, os seus regimentos. Por outro lado garante, para o seu funcionamento, «as prouisoes que ouuer por bem», o que permite supor a cedência de bens ou outro tipo de rendimentos, como são os padrões de juro e rendas do império que se juntarão a legados testamentários e fundação de capelas, sem ignorar os bens patrimoniais das confrarias e hospitais que, como se verá adiante, serão anexados, engrossando ano após ano o seu património.36 Essa correspondência, entre o poder municipal e o rei deve ter existido. O levantamento dos bens das confrarias já tinha sido realizado em 1502/3, pelo licenciado Diogo Pires, acolitado pelo escrivão João Dias.37 O concelho de Torres Novas, desde 27 de Maio de 1500, encontrava-se integrado 36 37 38 39 40 41 42 nos bens doados por D. Manuel I ao filho bastardo de D. João II, D. Jorge de Lencastre, duque de Coimbra, «com todo o seu Senhorio, Castello, Reguengo, e Padroado das Igrejas, e de muitas prerogativas, privilégios, e isenções que forão concedidos à sua pessoa, e casa»38. Doação que veio a ser confirmada por D. João III, em 1525.39 Do casamento de D. Jorge com D. Brites de Vilhena, cujo contrato se celebrou a 30 de Maio de 150040, surge-nos numerosa prole41. Interessam-nos, para a história concelhia, o primogénito. João de Lencastre, primeiro duque de Aveiro, que sucede a seu pai na posse do senhorio em 155042, e D. Jaime de Lencastre «que foi o quarto varão por ordem de nascimento, seguiu a via Ecclesiastica, em que teve diversos Benefícios; e porque no anno de 1538 era prior de S. Pedro de Torres Novas, e das quatro Freguesias daquella Villa, como consta de hum contrato, em que o Prior com os beneficiados da dita Igreja darão huma Ermida, e casas contíguas ao Provedor, e Irmandade da Misericórdia, o qual contrato foy feito no primeiro de Julho de 1538; e esta Ermida he a casa da Misericórdia daquella Villa, cujo contrato se conserva no Archivo, que foy da P.m.m., vol. iv, Introdução, p.11 a.N.t.t., Núcleo Antigo; nº 275, lopes (Leonor Damas), Confrarias Medievais da Região de Torres Novas, Os Bens e os Compromissos, ed. C. M. T. N., 2001. sousa (D. António Caetano de), História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Tomo XI, Atlântida – Livraria Editora, Coimbra, MCMLIII, p.7. a.N.t.t., Chancelaria de D. João III, L.º 9, p.55v. sousa, op. cit., p.8 sousa, ibidem, pp.19/21. a.N.t.t. Chanc. D. João III, Lº 71, pp. 309/311. NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas Sé de Lisboa, hoje Basílica de Santa Maria, donde o vimos, nas Memorias que mandou a Academia Real…»43 É a este documento que se refere Gonçalves44, seguindo o que foi descrito, a 9 de Abril de 1758, no relatório do prior de Santa Maria, António Raimundo de Pina Coutinho45: «Tem caza de mizericordia que esta edificada na antiga ermidas dos Fieis de Deus da qual fez doação o bispo de Ceuta46, D. Jaime de alencastre, Prior na Igreja de S. Pedro e das mais desta Villa, mandando procuração a Christovão Varela, Cavaleiro da Ordem de Santiago47, para celebrar o dito contrato com o provedor que então era Fernão Rodrigues48 e o licenseado Luís Alves escrivão e os beneficiados Jorge da Mota49, António Dias50 e Pero Gonçalves51 com obrigação de pagarem à parochial cada ano de foro um tostão por dois de Julho. Este contrato se celebrou em o primeiro de Julho de mil quinhentos e trinta e oito pelo tabelião João Soares.52» 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 Temos, assim, a fundação em 1534. Funcionaria, sem sede própria, na igreja de Santa Maria, onde por ordem de el-rei se fez a primeira eleição do provedor e irmãos.53 Em 1538 é-lhe cedida para sede a Ermida dos Fiéis de Deus, propriedade da igreja de S. Pedro, pelo bispo D. Jaime, prior desta e das quatro freguesias da Vila. Contrato esse assinado pelo procurador do bispo, Cristóvão Varela, cavaleiro da Ordem de Santiago, escrivão da câmara. Por este documento, que se apresenta em anexo 1, se pode verificar quem são os homens bons e da governança do concelho, na época em que a Misericórdia foi criada. Se compararmos com o documento de 25 de Agosto de 1549, em que a Câmara da Vila de Torres Novas pede a D. João III a edificação dum mosteiro para a ordem dos Dominicanos54 (Anexo 2), a repetição dos nomes das figuras de primeira condição indica quem é quem no poder concelhio. sousa, Ibidem, ps 19/20. gonçalves (Artur), Torres Novas, subsídios para a sua história, p. 276 A.N.T.T, Dicionário Geográfico de Portugal, Freguesia de Santa Maria, Vol. 37, p.689. sousa. Idem, p.20. «Só foi nomeado para tal cargo em 1545, sucedendo a Dom Frei Diogo da Silva, religioso da Ordem Seráfica, e Inquisidor Geral nestes reinos» Pimenta (Maria Cristina Gomes), As Ordens de Avis e de Santiago na Baixa Idade Média – O Governo de D. Jorge, Apêndice 2, p.367. Recebe o hábito da Ordem de Santiago a 15 de Agosto de 1514. a.N.t.t., Cortes, Évora 1535, Mç. 5, nº 5, fls 75/75v. Na procuração de Torres Novas às Cortes de Évora, em sessão camarária de 30 de Abril de 1535, aparece com o escrivão da Câmara. a.N.t.t. Cortes, Évora, 1535, Maço 5, nº5, fl 75/75v. Vereador camarário. Clérigo de missa. Clérigo de missa. Há um António Dias, beneficiado de S. Pedro, que falece a 24 de Março de 1559. aNtt, Registos Paroquiais, Torres Novas, freguesia de S. Pedro, óbitos, 29v. a.N.t.t. Reg. Par., Lº 1 dos Mistos de Santiago, p.80v. Falece a 18 de Novembro de 1557. A documentação do Cartório Notarial de torres Novas, que se encontra no arquivo Distrital de santarém, só existe a partir de 2 de Junho de 1570, com as notas do tabelião André Freire. a.N.t.t., Dic. Geog. De Port., Santa Maria, Lº37, p. 689. a.N.t.t.Corpo Cronológico, Parte 1, Mç.83, Doc 10. 21 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos 22 Não nos coloca dúvidas o papel do donatário, D. Jorge de Lencastre, como senhor da vila, no temporal e no espiritual. Mestre da Ordem de Avis e de Santiago, pai de D. João e de D. Jaime. Os pedidos dos seus homens colocados nas instituições políticas, sociais, religiosas locais não lhe poderiam ser alheios; pelo contrário, não seria estranho que fossem, na prática, os porta-vozes locais dos objectivos da casa de Aveiro para Torres Novas. A sua ligação à Misericórdia verifica-se não só pelas figuras da nobreza local que preenchem os cargos mais importantes da Irmandade, como pela tença de 8.000 réis anuais que encontramos registada desde os primeiros livros de receita e despesa55. Não se encontra correspondência desta documentação na chancelaria régia. Mas há uma ligação entre a casa real, a da rainha, a do infante D. Luís e o concelho que, se for aprofundada, poderá vir a esclarecer muito do que hoje se nos apresenta nebuloso. Há uma data que pode servir de ponto de partida para esta ligação. A realização das cortes, em Torres Novas, em 1525, de 15 de Setembro a 21 de Outubro, na igreja de S. Pedro, onde se aprova o dote de 150.000 cruzados da infanta D. Isabel, irmã do rei, para a concretização do seu casamento com o imperador Carlos V56, que permitiu a celebração do 55 56 57 58 59 contrato de casamento a 18 de Outubro. Os procuradores às Cortes revelaram outras facetas, que a crise económica e social fazia emergir na sociedade. Os 214 capítulos apresentados revelam as queixas dos concelhos aos monarcas, muitos contra os privilégios duma nobreza ociosa e dissipadora. Nestas veio também ao de cima o ódio religioso contra os cristãos-novos, acusados de todos os males que a sociedade enfrentava: fome, miséria, peste, inclusive do assassinato de muitos católicos que se socorriam dos seus conhecimentos médicos e boticários. A tal ponto que os procuradores solicitam ao rei a proibição do exercício da profissão e o encerramento das boticas. Serrão, autor da ficha do Dicionário, transcreve uma citação de Braamcamp Freire, em que este historiador afirma que «de Torres Novas trouxe D. João III o propósito firme de se esforçar pelo estabelecimento da Inquisição aos seus reinos e senhorios».57 Anote-se que, na mesma igreja de S. Pedro, se realizara um capítulo-mor da Ordem do Crato, sendo seu prior D. Gonçalo Pimenta do Avelar58, cargo para o qual tinha sido eleito, em Cândia, a 20 de Janeiro de 152359. A política régia pretendia, como o veio a fazer em 1550, quando o Papa concedeu o governo e a administração perpétua das ordens de a. H. mis. t. Novas. O primeiro livro que nos chega data de 1610. Dicionário de História de Portugal, Coordenação de Joel Serrão, IV Vol., p 178. serrão (Joaquim Verísssimo), “Torres Novas, Cortes de 1525”, in op.cit., 178. Figueiredo (José Anastácio de), Nova História da Ordem de Malta em Portugal e dos Senhores Grãos-Priores dela em Portugal, Tomo III, LX, 1800, pp. 92 e segs.; gonçalves (Artur), Torrejanos Ilustres,Torres Novas, 1933, pp.71-75. Figueiredo, op.cit, Tomo III, 132; gonçalves, ibidem, 72. NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas Avis e de Santiago (até então dirigidas pela casa de Aveiro) o controlo pela casa real das ordens militares60. A de Cristo já era da Casa Real desde D. Manuel. Não espanta, pois, que D. João III se tenha oposto à posse do cargo por D. Gonçalo Pimenta, desejandoo para o seu irmão, o infante D. Luís, o que conseguiu, após dissenções várias com os freires da ordem e o próprio D. Gonçalo. A ligação do infante D. Luís a Torres Novas exerce-se de forma dupla. Ao tomar posse do cargo, assume a Comenda de S. João, em Torres Novas, além do Ral, e mantém uma ligação estreita com a família de D. Gonçalo Pimenta, já que os filhos deste, Estêvão Pimenta do Avelar e Pedro Afonso do Avelar, foram, além de homens da governação, moços fidalgos da casa do infante61. As relações da paroquial igreja de S. Pedro com a Misericórdia, desde o início, revelam-se de grande tensão, já que a paróquia vê fugir-lhe duas confrarias, as de S. Pedro e de S. Bento, integradas naquela, como o direito que lhe pertencia de nomear o capelão para a Igreja da Misericórdia é-lhe recusado pela irmandade, que apresenta vários pleitos contra o vigário geral de San60 61 62 63 64 65 66 tarém e os beneficiados daquela igreja, na defesa da sua autonomia. A Misericórdia consegue o direito de ser ela a nomear capelão, por sentença que «foy avida no tempo de el Rey don Felipe e fica em LXª em poder dos escrivains das apelaçois e agavos que antão servia Lopo Fernandes por amaro coelho de campos»62. No tombo citado, o escrivão Arez da Mota Leite regista que existe, no arquivo da Misericórdia, a «escritura de contrato e doasão que antonio gonsalves fez a ditta Santa Caza da confraria da Gafaria63 da qual ele era administrador sendo provedor antão Dom João de Saa de Noronha em o anno de 1577 annos aos 9 dias de Junho feyta pelo tabelião Constantino Mendes de Gouveia Leyte a qual fica nas suas notas no oficio que hoje he de seu uisnetto».64 Ainda uma outra «lembrança» vem ajudar-nos a colocar o funcionamento regular da irmandade da Misericórdia de Torres Novas ainda na primeira metade do século XVI. Nela se refere uma «provisão por onde o arcebispo D. Fernando65 deu dado o adro desta Santa Caza ao provedor e mais irmãos para o poderem arazar a abaixar como pela mesma provisão ou alvará consta»66. braga (Paulo Drumond), D. João III, Hunin, 2002,124. gonçalves, op. cit. pp.74/75; 133. a. H. mis. t. N., Tombo nº 3, Lº 203, Declarações de Arez (1698), Peixoto (1717), Azevedo (1795), sendo, na primeira data Provedor o Capitão Mor Sebastião Lobo Pereira e escrivão Gregório de Arez da Mota Leite, p.216, nota 14; santos (António Mário Lopes dos), A Misericórdia em Notícias, Boletim da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas, Ano II, Nº 2, Julho de 2002, As Declarações de Arez, pp.2/4. a.N.t.t., Chancelaria de D. Sebastião e de D. Henrique, Privilégios, Próprios e Comuns, L.1,330 a. H. mis. t. N., ibidem, fls 226. nº 29; santos, ibidem, p.3. Dic. Hist. rel. de Portugal, dir. Carlos Moreira de Azevedo, C. Leitores, Vol. C-I, Lx 2000, artº Episcopológio, pp. 131-146. O citado arcebispo é D. Fernando de Meneses Coutinho e Vasconcelos, que dirigiu a diocese entre 1540 e 1564. a.H.mis. t. N., idem, fls.226, n.º 30. 23 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos 24 Outro documento onde é citada a «confraria da Misericórdia» é um testamento de 12 de Março de 1546, de Isabel Rodrigues, mulher de Bartolomeu Fernandes, tabelião do judicial da vila de Torres Novas, «…que Faz seus… testamenteiros á confraria da Santa misericordya da dita villa. Scilicet. Ao provedor E irmãos della aos quajs pede pello amor de noso senhor deos que lhe queyraom conprir este seu testamento de toda a sua fazenda dinheiro E cousas por honde quer que for avida E achada E todo o mais que Remaneçer E manda que a dita miserycordia ho aja»67.(anexo 3) Em 15 de Dezembro de 1562, os irmãos da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas tomam conhecimento «perante o senhor fernam varella benefeciado nas igrejas samta Maria E sampedro da dita ujlla e ujgajro hem ella. E em todo o seu aciprestado pello muito jmllustre E Reuerendissimo senhor dom Fernando harcebispo de Lisboa etc, compareceram os «jrmãos da samta miserjcordia E por elles por parte da samta miserycordya foi dito ao dito vigajro que em 67 68 69 70 71 72 73 74 poder de mim escrivam estava hum testamento de hum Matias fernandez moredor na alldea da beselgua termo desta villa em que fazia a dita miserycordya herdejra de sua terça…».68 Um documento de aforamento pela Santa Casa da Misericórdia, de um olival, sito nas Ferrarias, a António de Figueiroa, datado de 18 de Maio de 1569, revela-nos um pouco da estrutura da Irmandade. «Saybam quantos este pubrico estormento d’aForamento E prazo em vida de tres pesoas vjrem que no anno de nosso senhor jeshu christo de mjll E qujnhemtos E sesenta e nove anos aos dezojto dias do mês de majo do dito ano na vjlla de tores novas na casa da mjsericordia da djta Villa estamdo hj em mesa em presença de mym pubrico tabelljam E das testemunhas todas ao djamte nomeadas Joam Fernandez da costa esprivão da djta casa que hora serve de provedor della per ho senhor dom djoguo Coutinho69 provedor della ser fora e joam dias do avelar70, dioguo gonçalvez71, beelchior memdez72, Ruy Fernandez73, sjmão alluarez74, Fernão allu- a. H. mis. t. N., Caixa 14, doc. 1477, fls 1-4. a.H.mis.t. N., Caixa 14, doc. 1480, fls1-6. a. Dist. santarém, Cartório Notarial de torres Novas, Tab. André Freire, Lº 2, 4/9/1570, 106 v. Aí descrito como «fidalgo da casa del rei». Maria Cristina Pimenta, op. cit, Apêndice 2, identifica um D. Diogo Coutinho «casado com D. Isabel, cavaleiro, a 8 de Junho de 1509[…] está inscrito no livro de matrícula da Ordem de Santiago desse ano», p.372. Será um seu sucessor directo? idem, ibidem, Tab. André Freire, Lº4, 28/2/1576, fl.103 v. Cavaleiro, filho de António Dias do Avelar, cavaleiro morador em Abrantes. Aparecem-nos em documentos da época vários Gonçalves, que denunciam fazer parte da nobreza local. Fernão Gonçalves, juiz ordinário do concelho (1535), João Gonçalves, António Gonçalves (1549). Na documentação compulsada não encontrámos forma de identificação mais completa. a.N.t.t., Reg. Paroq., T. Novas, S. Tiago, Lº.1 mistos, Cx. 1144, 29/10/1559, 127 v. Surge como padrinho de baptismo de Domingos, filho de Mateus Fernandes e Joana Correia. Não identificado. a. D. s., Cart. Not. T. N., Tab. André Freire, Lº nº 2, 21/8/1570, 77v.- cavaleiro da casa d’el-rei, casado com Catarina Tolosa, filho de Francisco Álvares de Atouguia, almoxarife de Torres Novas , Lº 1 do mistos, Salvador, casamentos, 24/6/1572, p.62. NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas arez75, amtonio gomçallvez76 E Francjsquo djaz77, manuell d’abreu78, todos Jrmãos E oFecjaes da djta casa ho presemte anno de huma parte E da outra amtonjo de Fegejroa79 cavaleiro Fjdallguo da casa dell Rey nosos senhor morador na djta vjla».80 (Anexo 4) elemeNtos a reFleCtir A maioria dos cavaleiros fidalgos que nos surgem na documentação, quer nas vereações camarárias, quer na misericórdia, quer nos ofícios do tabelionado, dos órfãos, no judicial, são maioritariamente da Ordem de Santiago, o que corresponde, até à centralização real das duas ordens por D. João III, em 1550, a uma distribuição normal dos cargos concelhios mais importantes por uma nobreza dependente do ducado de Aveiro, também prior da dita Ordem e da de Avis. A partir daqui, até 1580, vão-se manter, como representantes do donatário da casa de Aveiro, as mesmas figuras de famílias que irão constituir as famílias da aristocracia local, como os Pimentas, os Motas, os Avelares, os Gonçalves, os Mogos, os Abreus, os Fernandes, os Borges, os Serpas, os Freires, os Sotomaior, os Lopes, os Rodri75 76 77 78 79 80 81 82 gues, os Dias, os Pais, os Mendes, os Leite, os Atouguia, os Pereiras, que nos surgem na documentação da época.81 Em relação à instalação da Misericórdia em casa própria, atente-se no documento de 18 de Maio de 1569. O instrumento de aforamento é realizado na «casa da misericordia da dita Villa». Segundo, descreve a composição da mesa. Com seu provedor, escrivão, mesários, de primeira (nobreza) e segunda (mesteres), o que demonstra já o funcionamento estatutário [o presemte anno], segundo o regimento seguido, o da Misericórdia de Lisboa. As eleições da mesa são anuais, efectuando-se nas vésperas de 2 de Julho, para que tome posse neste dia, dia da Visitação de Nossa Senhora, a sua prima Santa Isabel. Tal descrição vem antecipar, para a segunda fase do reinado de D. Sebastião (21/1/1568 - 4/8/1578) a construção da sede, que já vimos anteriormente ser, no início, a Ermida dos Fiéis de Deus, que Gonçalves coloca por volta do ano de 1572, data indicada no cruzeiro.82 Acreditamos que a construção da Igreja da Misericórdia se acelerou a partir da regência do Cardeal D. Henrique, aceite pelas cortes de a.D.s., idem, Tab. André Freire, Lº 4, 124 v.- vereador da Câmara de Torres Novas em 1572. Assina o documento de 1549. Aparecem-nos dois Francisco Dias. Um, estalajadeiro, casado com Guiomar Rodrigues (Lº 1 Mistos Santiago, 28/6/1562, fl.152v.). O segundo, paneiro, casado com Branca Dias (Lº 3 Mistos Santiago, óbito da mulher, 31/8/1587, fl.6). Há um Manuel de Abreu, que foi vereador camarário, no ano de 1572, sendo Juiz de Fora o Licenciado João Correia, sendo igualmente vereadores António de Figueiroa e Pedro da Mota, e procurador do concelho Francisco Lopes. (Cart. Not, Tab. André Freire, Lº 3, 15/3/1572, fls.105 v. a.D.s., Idem, Tab. André Freire, Lº1, 27/10/1570, fl.140. Cavaleiro da casa d’el rei, era casado com Inês Pais. a.H. mis. t. N., Tab. Pero Vaz Tagarro, Caixa 18, Doc. 1715, 18 de Maio de 1561 Veja-se, em anexo, as listas das mesas da Misericórdia. gonçalves (Artur), Mosaico Torrejano, 386. 25 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos 26 Lisboa de Dezembro de 1563, com a cláusula expressa e juramento solene da entrega do reino a D. Sebastião, logo que aquele completasse os 14 anos de idade.83 De facto, é nesse período que o «estatuto económico e financeiro das misericórdias se começa a transformar», em que a «multiplicação do número das Misericórdias foi acompanhada pelo aumento do seu património».84 O impulso surge quando o Cardeal D. Henrique, por carta régia de 28 de Junho de 1564, atribui a administração do Hospital de Todos os Santos à Misericórdia de Lisboa.85 É nesta época que se acelera a entrega das confrarias e hospitais locais às misericórdias concelhias, como se modifica a sua autonomia financeira, através das doações testamentárias e outro tipo de esmolas, enriquecendo o seu património.86 Outro elemento contradiz a entrega das confrarias à Misericórdia de Torres Novas em 1578, no reinado do cardeal. No documento de aforamento atrás citado se indica que a terra situada nas Ferrarias aforada a António de 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 Figueiroa «se contem no dito tombo da djta comfraria de nosa senhora dos amjos que está em poder da djta casa da misericórdia por ser administrador da djta comFraria».87 Estamos em Maio de 1569! Em 1571, o mesmo tabelião Pero Vaz Tagarro anota num contrato entre a Misericórdia e António Dias, vereador da vila de Torres Novas: «Sajbam quamtos este pubrico estromento d’afforamento E seho prazo per vida de tres pesoas vjrem que no ano de nacjmemto de nosso senhor Jeshu christo de mill e qujnhemtos E setemta e hum annos aos sete dias do mês de janejro do djto anno na vila de torres novas na casa da samta miserycordya estando hy em mesa em presemça de mym porteiro taballiam e das testemunhas todas ao djamte nomeadas, esteuão pjmemta davelar provedor da djta casa da mjsericordia88 E Fernão goncallvez da costa esprivão della89 E Jorge de Serpa90, bellchjor tollosa91, manuel migues92, sjmão dabreu93, djoguo Gonçalves94, Frei djoguo allvarez95, dioguo96… E sjmão dias97 velloso (Queiroz), D. Sebastião (1554 – 1578), E.N.P.., 1935, pp. 57 e sgs. P.m.m., Vol IV, Introdução…, Lx, 2005, p.10. a.N.t.t., Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Confirmações Gerais, Lº 6, ps 355-356; P.m.m., Anexo, p.143. P.m.m., ibidem, Vol. IV, p.11. a.H.mis.t.N., doc.cit, fls 4. a.D.s., Cart. Not. T. N., Tab. André Freire, Lº3, 10/3/1572, fls.83. Já falecido. Os seus descendentes, três filhas e um filho, Bernília Pimenta, Catarina Pimenta, Ana Pimenta e Gonçalo Pimenta. Idem, ibidem, Tab André Freire, Lº 4, 13/2/1726, fls 73. Idem, ibidem, Tab. A. Freire., Lº1, 4/7/1570, fls 14v. Cavaleiro da casa d’el-rei Idem, ibid. Tab. André Freire, Lº5, fls.89. Cavaleiro da casa d’el-rei. Há uma má transcrição do nome, que nos parece ser Moguo, cavaleiro da casa d’el-rei. ANTT, Reg. Paroq., Santiago, Lº 2 Mistos, casado com Ana Velez. Vereador camarário em 1579: Tab A. Freire, Lº6, 159. Vide nota 71. Familiar do almoxarife de Torres Novas. Ilegível. Mercador. Idem, tab. A. Freire, Lº 1, 53 v., 1/8/1570. NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas todos Irmãos dos doze que servem ho presemte anno estamdo assim todos Jumtos em mesa como dito he de huma parte E da outra amtonio dias98 elle vereador na dita villa morador E […][…] per elle djto provedor que em tal os bens E Fazemda que sam E pertenciam ha comFraria de nosa senhora do valle da dita vjla de que há djta miserycordya he amenjstrador».99 Entre as testemunhas que assinam o contrato de aforamento encontra-se «antonio goncallvez coveiro e andador da dita casa»100, o que indicia já a existência de enterramentos no espaço da misericórdia. (anexo 5) Pensamos que os bens da confraria, pelos exemplos apresentados, deverão ter sido integrados na fase final da regência do cardeal D. Henrique (1562-1568) e tudo indica – como se não opõe – a sua simultaneidade. O único exemplo de descontinuidade surge-nos nas declarações de Arez de 1698, tombo 3, fls. 226: «Fica no cartório da Santa Caza uma Escretura de contrato e doasão que antonio glz fes a ditta santa caza da Confraria da Gafaria da qual elle era administrador sendo provedor então Dom João de Sá de Noronha em o anno de 1577 annos aos 9 dias de Junho».101 A 12 de Março de 1572, ano que o cruzeiro indica, certamente nas citadas casas da 98 99 100 101 102 103 104 105 Misericórdia, o provedor António Freire, cavaleiro da Ordem de Santiago102, António Vaz, Domingos Rodrigues, Aleixo Fernandes, Baltasar Correia e Bartolomeu Fernandes «todos cavaleiros e mordomos della», aforaram em três vidas, a Rui Velho Cabral, um olival na várzea. Em relação ao hospital, edificado a poente da igreja, deve ter iniciado o seu funcionamento em 1580, conforme se lê na lápide do frontispício. Nas décadas de 60 e início da de 70 (séc. XVI) funcionava o hospital de Jesus (da antiga confraria dos lavradores), de que era hospitaleiro Mateus Fernandes, casado com Maria Gonçalves103. O registo seguinte vem ao encontro da integração das confrarias na Misericórdia em datas anteriores: «Ho deradejro dia do mês de Novembro [1571] faleceo hu pobre no esprital de Jesú ao qual a mizericordia mandou dizer hua missa».104 Certo que o não faria, se o hospital de Jesus não estivesse já sob a jurisdição patrimonial da Santa Casa. Um outro registo, sobre o hospital de S. Pedro, datado de 1564, onde falece «Antonio Martins, moço pobre», vem corroborar a hipótese da tutela da Misericórdia, que ainda não tinha o seu hospital em funcionamento.105 Vereador da câmara. a. H. mis. t. N., Caixa 18, Doc. 1716, 7/1/1571, 7 fólios. idem, ibidem, Doc 1716. santos (António Mário Lopes dos), As Declarações de Arez, doc. cit, Julho 2002, fls 2-4. aDs, Cart. Not. T. N., Tab. André Freire, Lº 1, 16/7/1570, 25v. Era igualmente juiz dos órfãos na vila. Foi feito cavaleiro a 16 de Junho de 1536, Pimenta, op. cit.,341. a.N.t.t. Reg. Paroq., T. Novas, Freg. Santiago, 1 de Agosto de 1565, 14 v; 23/4/1570, p.46 v. Idem, ibidem, Santiago, Lº 2 Mistos, p. 109. Idem, ibidem, S. Pedro, Lº. 1 dos óbitos, 15/8/1564, 42 v. 27 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos 28 Confirmando o funcionamento do hospital da Misericórdia em 1580, veja-se o testamento de Isabel de Góis em que esta decide «que seu corpo será Enterrado na igreja de Samtiago sua fregesia na capellamor na cova de sua filha margarida pinta»106. Quer que «a misa que deixa por dia de nosa Sª se diga na caza da mizericordia da dita vila dia da festa da comseicão de nosa senhora ou dasumsão […] rogou a mim Diogo dalmada cura da igreja de sanctiago que assim em seu nome ho escreuese e põe ella asinase oje j dias do mês de feuereiro de 1575 annos Diogo dallmada. Declara ella testadora que ella quer que a Casa da Sancta Misericordia avia por seu fallecimento meã cofora de pano e hum colchão E dous lencois e hum cobertor branquo e marqua maior ja uzado e hum traveceiro emfronhado as quaes pessas lhe deixa assim per esmolla como pella enterrar portanto pedio a mim Diogo dalmada que assim o escrevese e como testemunha assim se oie 1 de Agosto de 1580…»107 A certeza de seu funcionamento encontra-se também no testamento de Maria Freire, filha de Manuel Gonçalves e Inês de Morais, moradora em Torres Novas, «estando no hospital da misericórdia da dita vila dispus e ordenei de minha Alma de maneira seguite [...] meo corpo seje Enterado na misericórdia da dita uila».108 106 107 108 CoNFrarias iNtegraDas Na irmaNDaDe Pela importância da descrição, de seguida apresentamos um documento, não datado, mas que consideramos ser dos finais do século XVIII. Pela sua preocupação «memorial» não nos espantaria que tivesse saído da pena de Gregório de Arez da Mota Leite, escrivão da Misericórdia em 1698/99, sendo provedor Sebastião Lobo Pereira, capitão-mor no concelho de Torres Novas. «Não havendo na villa de Torres Novas a Confraria da Santa Mizericordia, a Camera da mesma Villa querendo Ordenala, vendo que não tinhão bens para adoptarem, e na mesma villa haverem algumas Confraria com Rendas suffecientes Escreverão ao Snr Rey D. João o Terceyro lhe quizesse anexar os bens das dittas Confrarias, para eregirem a da Santa Mizericordia as Confrarias que se unirão E anexarão são as seguintes. Comfraria de Jesu A Comfraria de Jesu que foy ordenada por alguns comfrades há qual derão o titulo dos Lavradores no [no] anno de 1212 E com diversas obrigacoens de Misas que vem a ser settenta e sette digo Rezadas, duas Cantadas dittas na Capella do Senhor Jesu que está na Parochia de Santiago nos dias apontados e hum sermão. a. Hist. mis. t. N., CX. 14, Doc. 1483 – o testamento é de 2 de Agosto de 1580, mas teve os seus codicilos em 15 de Junho de 1573 e 1 de Fevereiro de 1575. Idem, ibidem, Doc. 1483, fls. 3. Idem, ibidem, Cx. 14, Doc. 1484, 1583, 5 fólios, tab. público Constantino Mendes de Gouveia, pelo duque D. Jorge, marquês e senhor da vila. NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas Hera missa cantada enm sette de Agosto com hum sermão todos os premejros Domingos do mez Missa Rezada pella Comfraria todas as sestas feyras Missa Rezada. Nas Outavas da Paschoa hua Missa por hum deffunto. Huma Missa Rezada cada mez na Capella das Almas de Santyago. Huma Missa cantada dia do Santíssimo nome de Jesu. O que esta Confraria rende hum anno por outro Reduzidos os géneros das Rendas a dinheyro he 37986 rs. Despende em Missas e sermão 11.800, com ceras e ornato da capella 20.000 com carrettos 324. Toda a despeza soma 35.140. Confraria do Salvador Foy Instituída por alguns Confrades em 19 de Julho de 1495 com varias obrigaçoens de Missas a saber Missas cantadas quatro, Rezadas dezaseis nos dias seguintes. Dia da Transfiguração Missa cantada. Todos os premeiros Domingos do Mez Missa cantada por dous deffunctos. Dia de Natal Missa Rezada pella Confraria. Dia de Santa Maria Magdalena Missa Rezada por dous deffunctos. Dia da Aascenção Missa Cantada. Dia da Emcarnação Missa Rezada. Dia do Santíssimo nome de Jesu missa cantada. Dia da Assumpção missa rezada primeiros deffuntos. Todas estas Missas ande dizer na Igreja do Salvador aonde a Confraria esteve situada. Rende esta Comfraria cada anno reduzido a dinheyro os fructos de que se comprem os Rendimentos 26.255. Despende esta Comfra- ria com Missas 4.000. Com carreto 1310 o que tudo unido soma 5310. Confraria de Nossa Senhora do Valle Foy esta Confraria Instituída por alguns confrades em 8 de Dezembro de 1420. E avendo vinta annos que se tinha dezordenado se lhe puzerão divercas obrigacoens de Missas. Todos os sabbados Missa com responso pellos que deyxarão os bens a Confraria. Todos os premeiros Domingos do mez Missa rezada. Todos os dias de Nossa Senhora Missa rezada com suas vésperas cantadas com Responso. Duas Missas huma em dia de S. João outra no dia seguinte se nã for Sabbado por hum deffuncto. Duas Missas Cantadas por hua defuncta. Estas Missas se ande dizer na mesma Eremida que fica fora pouco distante da Villa a qual admenistra a Santa Caza Repara e paramenta e tem Alampada aceza. Rende esta Confraria cada anno Reduzido a dinheiro os fructos de que se compõem 45780. Desppende com [com] Missas 9300 com Azeiteda alampada 2000 com cera 800, com carrettos que tudo unido soma a despesa 14580. Confraria de Nossa Senhora dos Anjos Foy esta Confraria erecta em huma Eremida dentro da villa cuja Confraria foy instituída por alguns confrades e não consta o anno com obrigacoens de Missas. Todos os Sabbados Missa Rezada na dita Eremida. Todos os dias de Nossa Senhora Missa rezada com suas vésperas cantadas. Seis 29 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos Missas duas em S. Pedro e duas em Santiago, e duas na dita Eremida por hum deffuncto. Hua Missa cantada, por deffunctos. Rende esta Confraria cada hum anno computado a dinheiro 35780 digo 37920. Despende com Missas 7200 com cera 800 rs. Com cattettos 3336 e toda a despeza unida 11330. 30 Confraria de S. Pedro Foy esta Confraria erecta em a Igreja de S. Pedro desta villa por alguns confrades em os treze de Outubro de 1459 com alguas obrigaçoens de Missas. Dia de S. Pedro Missa Cantada todos os premeiros Domingos do mês Missa Rezada pella Confraria. Rende esta Confraria cada hum anno computado a dinheiro os fructos de que se compõem 24560 os quais 24560 tem a despeza de Missas 1560 de carretto 1780, o que tudo unido faz a despeza de 3340. Confraria de S. Bento Foy esta Confraria erecta na Igreja de S. Pedro por alguns confrades em o premeyro de Mayo de 1473 com alguas obrigaçoens de Missas. Todos os premeiros Domingos do Mez Missa Rezada. Em dia de S. Bento Missa Cantada com vésperas cantadas Missa com vesperas por devoção. Na 109 Taboada da Igreja de S. Pedro se acha mais huma Missa e todas estas Missas se ande dizer na ditta Igreja. Despaza que se faz com esta Confraria com Missas [19]60 carretos 420 e tudo unido 2380. Dos rendimentos antigos com que estas Confrarias forão anexas [to]das tem fallido alguns bens e forão unidas a Santa Caza da Mizericordia com as obrigaçoens de que as suas Rendas se empregassem em obras da Mizericordia. Allem da despeza vay imputada a cada huma das Confrarias singulares que se fazem em commum a despeza de 22200 rs com Procuradores Para cuidarem na cobrança dos rendimentos Judicial e extrajudicialmente. Tem mais esta Santa Caza obrigacam de fabricar as Eremidas as confrarias forão Instituídas (que huma he a da Nossa Senhora dos Anjos e do Valle E não obstante a Venerável Ordem Terceyra Rezide em huma dellas [actualmente] a esta Santa Caza a fazer com ella grandes despezas como ja [como ja] fez nos seus repajros. E estas mesmo tem feyto muytas vezes há Eremida de Nossa Senhora do Vale. E hia fazendo pellos tempos adiante ao que paresse se deve attender por ser tudo inevitável que tem sobre os bens das referidas confrarias».109 a. H. mis. t. N., Caixa 41, doc.4418. As verbas referidas, em receita e despesa, referem-se aos finais do século XVII, mas as «obrigações» vêm da fase da sua anexação. NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas aNexos Com o apoio inquestionável do Dr. Joaquim Francisco de Sousa Clemente, na leitura dos documentos do século XVI, a seguir apresentados. DoCumeNto 1 IANTT, Cortes de Évora, 1535, Mç 5, nº 5 Procuração Torres Novas (fls. 75-75v.) Item sajbam quantos este pubrico estormento de procuraçom virem que no ano de naçimento de noso senhor Jeshu Christo+ de mjll E quinhentos E trinta e çinquo anos trinta dias do mês d’abrill na villa detorres nouas no paço do Concelho E camara dellamesma estando hy presentes em presença de mym pubrico [tabaliam] E dos testemunhos todos ao diante nomeados fernam gonçallvez e fernam borges juizes ordinarios na ditavylla bertolameu ffernandez e fernam roiz e pero lopez vereadores na dita vylla ho quall fernando roiz foy emlegido em conciencya de pero taborda vereador e symãoperiz procurador do Conçelho della mesma E ffrancisco allvarez E christouam nunez e rui gomez pais E alvaro tolosa E alvaro periz do avelar E bras taborda E jorge lopez e cosmo borges e pero marquez caualleiros escudeiros omens boons E da gouernança dadita villa E bem asy afonso martynz E antonio periz pro-curadores do pouo do termo da dita uilla llogo per elles todos juntamente e cada hum per sy foy ditoque em comprimento de huuma carta que elRey noso senhor emviou à dita villa em que sua alteza mandauaque elles emlegesem dous procuradores perayrem em nome da dita villa jurar ho princypenoso senhor E asy asentarem nas cortes quesua alteza ora quer fazer pêra o quall fferam acordo em que enlegeram por procurradores da dita villa e pouo.scilicet. a joham do avelar E a ffrancisco lopez caualleiros dacasa do dito senhor hos amostradores da presente aos quajs procuradores diseram elles dos juízes ofeçyais E omens boons e procuradores do pouo que lhes dauamE outorgauam E concediam em seus nomes [fl. 75v.] E da dita villa e pouo dela todo seun comprido poderE mandão espiçijal que por elles E em seusnomes posam hyr E setar nas cortes que viasua alteza ordena fazer na çydade d’Euora E posam jurare ho prinçipe nosso senhor E asyposa estar nas ditas cortes E Requererema sua alteza os capítulos E apontamentos queleuam da dita villa E cousas que conprirema proueito do Regno E da dita Villa e pouodella E posam Responder a quajs quer cousasque sua alteza nellas ordenar E posamConceder quajs quer cousas justas e onestasque sua alteza nellas ordenar E de quajsquer despachos e de tri minações que sua altezaem ello der posam tirar e jntimar quajs quer aluarajs E cartas E priuilegios quea dita villa e pouo conprirem E por ellaE em seu nome os posam açeytar E todofazerem E dizerem asy perfeitamente comoelles constetuintes fariam e diriam ser presentes fosem aveudo todo por bom façomfirme valioso pêra sempre todo ho que pellosditos procuradores ffor feito no que ditohe E em fe E testemunho de vontade lhe mandarão E outorgaram asy // ffeito este pubrico estormento de procuraçom testemunhas que presentes foramChristovam Varela escripuam da camara della mesma E symão fernandez E Yoham Lopez escripvam do almoxarifado E Francisco pinheiro escudeiros na dita villa. E eu joham soarez pubrico tabaliam no termo da dita villa E seu termo pelo mestre nosso senhor que este pubrico estormento 31 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos escreuy E aquY meu pubrico synall fiz que tal he (sinal de tabelião) Pagou com nota Cinqoenta réis Évora – Cortes de 1535. De acordo com o determinado nas cortes de 1525, em Torres Novas, dez anos depois convocaram-se as cortes de Évora para que os estados do Reino jurassem herdeiro do trono o príncipe D. Manuel, que nascera em Alvito, a 1 de Novembro de 1531. 32 Torres Novas – Cortes de 1525. Convocadas inicialmente para Tomar, onde D. João III chegou com a corte a 1 de Julho de 1525, em virtude da peste que grassava nesta vila, foram transferidas para Torres Novas, tendo início em 15 de Setembro e terminando em 21 de Outubro seguinte. Local – igreja de S. Pedro Objectivo – votação do dote de casamento da infanta D. Isabel com Carlos V. Foi aceite, ainda que com relutância, novos impostos no valor de 150.000 cruzados, que seriam pagos ao Erário no prazo de dois anos. O contrato matrimonial ficou assente em 18 de Outubro. Crise económica e social. Foram apresentados pelos procuradores 214 capítulos, pedindo ao rei que atalhasse os males que atingiam o país. Foi também levantado o problema do ódio religioso das duas comunidades, com as inevitáveis críticas aos cristãos-novos. Físicos e boticários – na sua maioria judeus convertidos à fé católica. Eram acusados da morte de muitos católicos, por envenenamento dos remédios. Foi pedido ao rei que terminasse com a sua acção nefasta, proibindo-lhe o exercício da profissão médica e encerrando-lhe as boticas. Braamcamp Freire «de Torres Novas trouxe D. João III o propósito firme de se esforçar pelo estabelecimento da Inquisição nos seus reinos e senhorios» – in Gil Vicente, Trovador e Mestre Da Balança, Lx., 1919 Dic. Hist. de Portugal, IV, 178 Nestas cortes ficou também decidida a periodicidade: 10 anos. Neste reinado reúnem-se em 1535 e 1544. Das cortes de 1525 fizeram-se, segundo Frei Luís de Sousa, «muitos apontamentos de cousas que cumpriam trocar-se ou fazer-se de novo pêra bom regimento e asosego da terra», que só viriam a ser publicadas catorze anos depois – as chamadas leis das Cortes, impressas em Março de 1539. 1544 – Cortes de Almeirim, a 30 de Março, para jurarem príncipe herdeiro D. João, filho de D. João III e pai de D. Sebastião. NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas DoCumeNto 2 1549-Agosto-25 INSTITUTO DOS ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO - Corpo Cronológico - Parte I - Maço 83 - Doc.10 - Carta da Câmara da Vila de Torres Novas a El Rei Dom João III pedindo-lhe que mande edificar nesta vila um mosteiro para a Ordem dos Dominicanos Senhor Os Juizes vereadores procurador omens bons E pouo desta villa de torres nouas com aquela Reveremcia E acatamemto da vida beijamos as mãos a Vosa Alteza a que ffazemos parte que semdo esta villa huma das gramdes E onrradas deste Reino que tem quatro ygrejas parrocheyas E de muita clerezia o pouo Recebe de lamemto Em nom termos doutrina esperytuall per nosas almas necesarias por que nunca temos pregação se não na coresma Quamdo nos a nosa propia custa a buscamos o que pera tanta clerezia E pouo he muito pouco o que em huma coresma se pode ymsinar E nam temos se ...(?) a esta tão gramde falta E por que vemos que vosa alteza com mujto cujdado prouve a Reformação dos bons custumes E que aja moesteiros E religiosos omde se iso posa ymsinar E as ditas cidades e villas que tem outros moesteiros acresçemta aimda majs / lhe pedimos polo amor de noso senhor que a este pouo que E seu E nom tem outro Remedio proveja a tamanha neçesidade E pera nos esta merçem E conceder a hum moesteiro nesta villa [a] nosa senhora virgem maria que sam humas casas desertas com hum sarrado que foram de luis d’atougia que pera seus erdeiros he pouca cousa por que as casas estam estão ruimdo E o sarrado não Remde nada E pera se ahi fazer huma casa de Religiosos he lugar mujto desposto E convenjente E o padre provencialle da ordem de sam domingos o vyo do quall se poderia vosa alteza enformar pello que se pede a vosa alteza que avemdo respeito ao que dito he nos faça merçem E a este pouo esmola esprituall que dê+ estas casas E sitio à+ ordem E padres de sam domjngos por serem Religiosos Em que sempre ha mais he teudos a pregadores de quem o pouo christão+ Recebe muitos bens per[pe]tuais E nos com a ajuda de deus com nosas esmolas se temtarmos [fl 1v] os Religiosos ahi podem estar E com ser (sic) este templo de deus se evitarão mujtos males que se faziam em tempo que ali estava luis d’atougia que eram contra o servjço de deus E de vosa alteza os quais poderiam tornar a ver se nas ditas casas vierem a ser d’alguma pessoa poderosa que nelas abite E per esto vya os males pasados serão com vertudes E vidas presemtes e futuras nos quais vosa alteza terá+ muita parte se tam samta cousa per elles vier a lume E todo este pouo será+ de tão alta merçem E esmola esprituall em conhecimemto E lhe Rogar a dar por acrescemtamento de mujtos anos de vida E de seu Reall estado / escripta na dita villa E camara dela a xxb d’agosto de 1549 amtonio diaz (ass. autógrafa) ffranncisco mogo (ass. autógrafa) Joham borges (ass. autógrafa) amtonio gonçallvez (ass. autógrafa) estevam pimenta (ass. autógrafa) fernam Roiz (ass. autógrafa) Joham do auelar (ass. autógrafa) [Fl 2] antonio borges (ass. autógrafa) ... ...(?) antonio da cruz (ass. autógrafa) ...(?) fernandez (ass. autógrafa) dioguo teidão (ass. autógrafa) Antonio fernandez (ass. autógrafa) antonio ferreira (ass. autógrafa) gaspar fernandez gusmão (ass. autógrafa) Joham gonçallvez (ass. autógrafa) sebastião periz (ass. autógrafa) Fernan d’alvarez (ass. autógrafa) bastiam vieira (ass. autógrafa) 33 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos DoCumeNto 3 1546-Março-12 - Torres Novas - João Soares (Tabelião) - Testamento de Isabel Roiz - Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas - Caixa 14 - Documento 1477 - 4 fólios 34 Em nome de Deus amen. Saibaom quantos este pubrico estormento de testamento virem que no ano do nacimento de noso senhor Jehsu christo+ de mjll E quinhentos E quorenta e seis anos doze dias do mes de março do dito ano na vila de torres nouas nas casas da morada de ysabell Roiz molher veuva E molher que foy de bertolameu Fernandez fartaqua da cunha (?) estando hy presente em presença de mym pubrico tabaliam E das testemunhas todas ao diante nomeadas a dita ysabell Roiz a quall jazia em huma cama doente em todo seu syso E entendimento quejando(110) lhe noso senhor Deus deu segundo ho pareçer de mym tabaliam E logo per ella foy dito que por não saber ho dia E ora que ha noso senhor Deus quererá+ leuar pera sy dise que ella fazia E ordenaua como logo d’efeyto+ fez E ordenou seu testamento per esta guisa E modo que se segue. Primeiramente dise que encomendaua sua alma ha noso senhor Deus que ha fez E cryou de nehuma cousa E pede E Roga a nosa senhora santa maria E queyra ser Rogadora por ella ao seu bento Filho noso senhor que a queyra leuar à+ sua santa glorja pelos m... da sua morte E paixaom dise que seu corpo seja enterado no adro da jgreja de nosa senhora donde he fregês+ à porta pequena na sepultura honde jaz seu pay E may E dise que ao dia de seu enteramento lhe digaom por sua alma na dita jgreja [fl. 2] dez misas .scilicet+. noue Rezadas E huma ofeçiada com sua ladaynha E lhe leuem d’oferta+ ao dito ofiçyo meho alqueire de pão cozido E meho almude de vinho E h a pescada E çera E emcenço neceçaryo segundo custume em que outro tanto lhe fação aos oyto dias E mes E ano solmente ao ano em logo depeseado (?) lhe leuem hum cordeiro E dise que lhe digaom dous tryntairos abertos(111) .scilicet+. hum por sua alma E outro pellas almas de seu pay E may E das pesoas a que ella he obrigada E que os ditos dous tryntairos lhe sejaom ditos por quall quer creligo que seu testamenteiro quiser E ordenar E que pera lhe conprirem este seu testamento tomaua E apartaua todos seus bens mouejs E de Raiz por honde quer que forem avidos E achados os quajs seus bens manda que sejão vendidos na praça a quem por elles majs der E delles lhe conpriraom sua alma E manda que deem a maria Fernandez huma sua saha a majs velha E que asy alem da dita saha que lhe manda dar lhe pagem muito beem seu seruyço que lhe faz E tem feyto em acujar E dise que gaspar gomez mercador lhe deue serto dinheiro que manda a seus testamenteiros que o arrecadem E que Faz seus umbrisais (?) ... E testamenteiros à+ confrarya da santa miserycordya da dita villa .scilicet+. ao prouedor E jrmãos della aos quajs pede pello amor de noso senhor Deus que lhe queyraom conprir este seu testamento de [fl. 3] toda sua fazenda dinheiros E cousas por honde quer que for avida E achada E todo ho majs que Remaneçer quer E manda que a dita miserycordya ho aja E erde bento da benção de Deus E asy lhe pede que pelo amor de noso senhor a queyrão enterar // E dise ella testador que não querendo a dita miserycordya ter ho dito cargo que entam pede ha antonyo baroso seu parente que lhe queyra ter cuydado de sua alma E manda conpryr este seu testamento pela maneyra que dito he E que per este seu testamento Reuogaua E anychexaua(112) todos ... 110 111 112 Tal como Tryntairo aberto. Trintários eram as exéquias que se faziam ao trigésimo dia, contado desde aquele em que alguém faleceu. Consistia em rezar trinta missas ditas sucessivamente e sem interrupção pela alma de um defunto. Trintário aberto, era aquele em que não havia mais formalidades que celebrar todos os trinta dias pela alma do finado, rematando o sacrifício com um responso, cruz e água benta sobre a sepultura no cemitério ou no adro da igreja, em que o dito trintário se cumpria. Variante ortográfica de aneyxar, que significa unir, incorporar, anexar. NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas testamentos çedolas condeçilhos(113) que antes deste feytos tenha todos quer que não valhaom cousa alguma solmente este que quer que tenha E valha E seja firme pera sempre como se nelle contem por asy ser sua ultima E deradeira vontade E desenxerdaua todos seus parentes E parentas que de toda sua fazenda não ajam nem erdem cousa alguma solmente a dita miserycordya que averá+ todo pela maneyra que dito he. // E em Fe E titolo de vontade E por sertidão dello mandou E outorgou asy ser feyto este pubrico estromento de testamento. Testemunhas que foram presentes pero Fernandez mercador que asynou o seu synall por sy E por a dita ysabell Roiz testador que lho Rogou que por ella asynase por não saber asynar E por affonso piquado E manuell pinto alfaate E aluaro tolosa escudeiro E bastiam alluarez çapateyro E bastiam pinto filho de anRique lopez E antonyo baroso caualeiro todoa na dita vyla [fl. 4] moradores. E eu Joham soarez tabaliam que esto escreuy E dise majs a dita testador que manda que da dita sua fazenda deem à+ confrarya da santo sacramento da jgreja de santa maria mjll réis. Testemunhas as sobreditas E eu Joham soarez pubrico tabaliam notairo na dita vila E seu termo pello mestre de santiago E avis duque de coynbra E por noso senhor que este estromento de testamento em meu liuro de notas escreuy E delle firmemente tirey. E por verdade aquy asyney meu pubrico synall que tal he. (Sinal de tabelião) Pagou com nota y da conta setenta reaes Ano 1546 Da miserycordya da fazenda que dey por ysabel Roiz fartaqua E tanto das despesas tem diogo do avelar tabaliam que fez E tudo lhe he pago E este testamento comprjdo sob ... fiquam mill reaes na maom d’antonio barroso que se am de dar ao santo sacramento da samta miserycordya DoCumeNto 4 1569-Maio-18 - Pero Vaz Tagarro (Tabelião) - Aforamento de um olival em três vidas a António de Figueiroa Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas - Caixa 18 - Doc. 1715 - 7 fólios 1589 28 dias de maio(114) Sajbam quantos este pubrico estormento d’aForamento+ E prazo em vida de tres pesoas vjrem que no anno de noso senhor Jeshu christo+ de mjll E qujnehmtos E sesenta e nove anos aos dezojto djas do mes de majo do djto anno na villa de torres novas na casa da miserycordya da djta villa estamdo hj em mesa em presença de mym pubrico tabelljam E das testemunhas todas ao djante nomeadas Joam Fernandez da costa esprivão da djta casa que hora serve de provedor della per ho senhor dom djoguo coutinho provedor della sem Foros E joam diaz de avelar, djoguo gonçalvez, beelchjor memdez, Ruy Fernandez, sjmão alluarez, Fernão alluarez, amtonio gomçallvez E Francjsquo djaz, manuell d’abreu, todos Jrmãos E oFecjaes da djta casa ho presemte anno de huma parte E da outra amtonjo de Fegejroa cavaLeiro Fjdallguo da casa dell Rey noso senhor mordomo na djta vjla E etc. por os djtos Jrmãos Foj djto que ho djto amtonjo de Fegejroa Fjzese huma petjcão há+ djta casa da miserycordya pera lhe se aRendar hum olljvall que trazja molher de djoguo Frajam que está+ [fl 2] hás+ Ferarjas ante da djta vjlla amtre olljvejras delle djto amtonjo de Fegejroa em ha qual peticão Foj posto hum despacho 113 114 Condecilho. Não significa guardar nem depósito, mas unicamente segurança ou caução. A datação que consta no documento é “mjll E qujnhemtos E sesemta E nove anos ... dezojto de majo ...”, e não “1589 28 de majo” como consta nesta primeira linha em anotação feita posteriormente à redacção do documento. 35 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos 36 como peja(115) delle por ho senhor dom djoguo coutjnho provedor da djta casa da miserycordya ho presemte anno que ho trelado delle he o segujmte // allvidres(116) ho que […] paguar das olljvejras que ho sopricamte pede E seja comtemte a molher de dom djoguo Frajam E com Jsto se Fesese Foro comprjndo ho que asj me diz // ho quall despacho está+ como peja delle asjnado por ho djto provedor E satisFazemdo ao djto despacho Faram em hedjtos pera Fazerem veleRja do djto ollival comteudo na djta petjcão a joam Fernandez da costa esprivam da djta casa E manuel d’abreu+ E amtonjo djaz Jrmãos delle pera virem E allvjdraRem ho que seja Rejam pague ho djto amtonjo de Fegejroa Fazemdo-lhe+ novo Foro de tres vjdas E lloguo por elles Foj djto que me seja paguo por ho djto olljvall he sua parte sejs allquejres d’azejte hem novjdade E lloguo per os djtos Jrmãos Foj djto que elles aForavam e loguo d’eFejto a Feserão per vjda de tres [fl 3] pesoas ho djto ollivall comteudo na peticão de que […] Fez memção que Fjque no Foro da djta casa com a Renumcja que ha djta casa Fez ysabell memdez molher que Foj de djoguo Frajam que asym por sy dise que hera do djto olljvall que está+ umde hora chamam as Ferarjas E amtjgamente se chamava ho Ribejro de Reguo mendejro ho quall olljvall tem vjmte quatro olljvejras amtre gramdes E pequenas E quatro azambogejros por emxertar ho que tudo está+ asynado com huma aspa que he ho da comFraria de nosa senhora dos amjos a quem ho djto amtonjo de Fegejroa Foj comFrejre elle E has majs vjdas que despojs delle vjerem ho quall olljvall parte do lleuamte com ho Rjo d’allmomda+ E de todos hos majs comFromtamemtos parte com elle djto amtonjo de Fegejroa ho quall olljvall tem terra em que estam as djtas olljvejras da bamda do norte sem varas de llarguo e do sull tem sento e dez varas e do poemte he de llarguo dezasejs varas, E do lleuamte he de llarguo vjnte varas a quall medjcão de terra E olljvall tudo está+ asjm comForme tudo como djto he como mjlhor [fl 4] se comtem no djto tombo da djta comFrarja de nosa senhora dos amjos que está+ em poder da djta casa da miserycordya por ser admenjstradora da djta comFrarja ho quall olljvall E ter<r>a djseram elles Jrmãos que ha aForavão como djto he em vjda de tres pesoas ha elle djto amtonjo de Fegejroa por sejs allquejres E meo d’azejte+ hem novjdade que he de dois em dois annos E por semtjrem ser asjm provejto da djta comFrarja lhe acresemterão majs meo allquejre d’azejte+ allem dos seis que atras Fjquar djto pellos allvjdradores atras nomeados. Comvem a saber por elle amtonjo de Fegejroa em prjmeira pesoa E que elle nomee as grandes E has grandes nomee a tresejra em manejra que sejam tres pesoas E majs com as quajs Fjmdas E acabadas Fjcam ho djto olljvall tudo livre E desemgargado há+ djta comFrarja tudo melhorado como peja com todas as bemFejtorjas que nelle Forem Fejtas E darão E pagarão elles djto amtonjo de Fegejroa E pesoas que apos elle vjerem há+ djta comFrarja hos djtos sejs allquejres E meo d’azejte+ [fl 5] hem novjdade que he de dois em dois annos E comdisão de Fazerem ha prjmejra paga dos djtos sejs allquejres E meo d’azejte+ per […] de Feverejro de mjll E qujnhemtos E setemta annos ou amtes se amtes diso Fizerem ha djta azejtona E daj em djamte Facam os djtos pagamentos em anno de pares pello djto dja E tempo que ho djto olljvall dej novjdade que com elle sempre se obrjgue a Fazer ho djto pagamento de sejs allquejres E meo d’azejte+ como djto he E da manejra sobredjta se Fez ho djto estormento d’aForamemto+ em todas partes E pera se em tudo comprjr hobrigarão os djtos Jrmãos hos bens E Remdas da djta comFrarja de nosa senhora dos amjos E casa da miserycordya E semdo como djto he. Presemte ho djto amtonjo de Fegejroa em seu nome E das outras pesoas que apos elle 115 116 Como peia, isto é, por obrigação. Sendo um termo hoje caído em total desuso, a sua decifração torna-se bastante difícil, porque estamos na presença de uma grafia de finais do séc. XVI, ainda por cima, sendo esta bastante degradada, o que nos dificulta ainda mais a tarefa. Supomos, no entanto, ser esta a interpretação correcta. Alvidrar – Fazer composições, escolher juízes árbitros para terminar qualquer demanda ou questão. Cf. Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, in “Elucidário...” NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas vjerem djse que acejtam ho djto olljvall d’aForamemto+ em vjda de tres pesoas com todas as obrjgacoes Foro E Remda E paguas de tudo como djto he E pera tudo comprjr obrigou sua pesoa E Fazemdas E Remdas E as pesoas E Fazemdas das [fl 6] houtras tres pesoas que ho djto Foro pesuyrem E em testemunho de verdade por que as partes de tudo Forão comtemtes mamdarão asym ser Fejto este pubrico estormento d’aForamento+ E ho acejtarão E pedjrão senhos(117) de hum teor. Paguas ambas has custas do djto amtonjo de Fegejroa Forejro. Testemunhas que hem tudo foram presemtes: amrjque Fernandez carapemtejro E allvaro aFomso amdrade da djta casa da miserycordya na djta vjlla moradores. E eu pero Vaz tagarro taballiam pubrico das notas na djta vjla E seu termo por portejro del Rey noso senhor por joam soarez taballiam dellas que este pubrico estormento d’aForamento+ em vjda de tres pesoas em meu ljvro de notas esprevj E delle Fiellmente tjrej E esprevi asjnej meu pubrico sjnall que tall he. (Sinal de tabelião) DoCumeNto 5 1571-Janeiro-07 - Pero Vaz Tagarro (Tabelião) - Aforamento por três vidas de um olival a António Dias - Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas - Caixa 18 - Doc. 1716 - 7 fólios Sajbam quamtos este pubrico estromento d’afforamento+ E seho prazo per vida de tres pesoas vjrem que no ano do nacjmemto de noso senhor Jeshu christo+ de mjll E quinhemtos E setemta e hum annos aos sete dias do mes de janejro do djto anno na vila de torres novas na casa da samta miserycordya estando hy em mesa em presemça de mym portejro taballiam e das testemunhas todas ao djamte nomeadas, esteuão pjmemta de velez provedor da djta casa da miserycordya E Fernão goncallvez da costa esprivão della E Jorge de senha, bellchjor tolhose (?), manuel migues, sjmão d’abreu+, djoguo goncallvez, Frei djoguo alluarez, djoguo […] E sjmão djas todos Jrmãos dos doze (?) que servem ho presemte anno estamdo asim todos Jumtos hem mesa como djto he de huma parte E da outra amtonjo djas elle vereador na djta vjla morador E […] […] per elle djto provedor esprivão E Jrmãos Foy djto que em tal os bens E Fazemda que sam E pertenciam há+ comFrarja de nosa senhora do valle da djta vjla de que ha djta miserycordya he amenjstrador asjm he sete [fl 2] cavalarjas(118) de ter<r>a […] que estam por bajxo do posto das peredas (?) nas ardas (?) termo da djta vila que partem do norte com catorze cavallarjas de ter<r>a da capella de dioguo vaz E do suam emtesta com a vjlla E da bamda sull com ter<r>as de […] Frejres ha djta casa da miserycordya E da travesja com valla que vaj pola banda […] a qual ter<r>a elles provedor E Jrmãos provarem estar vagua he mamdarão meter em prestamo(119) E he traxem asjm em prestamo pella djta vjla E pr[…] della E loguo dos […] […] trjmta djas E majs per amtonjo Fernandez pregoejro da djta vjlla que presemte estaua E que não apaRece que lhe nelle majs leuase nem dese d’aForamemto+ pera vida de tres pesoas que ho djto amtonjo djas elle vereador na djta vjla morador que elle lhe lauaua de Foro em cada hum anno dezasete 117 118 119 Vidé nota 114. Cavalaria. Terra, herdade, ou lugar que antigamente se concedia com obrigação de fornecer certo número de cavalos para expedições militares. Cf. Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, “Elucidário ...”. Meter em préstamo. O mesmo que meter em apréstamo, isto é, consignação de certa quantia de frutos ou dinheiro imposta em algum terreno ou cousa rendosa e destinada para o sustento de alguma pessoa ou instituição. Cf. Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, “Elucidário...”. 37 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos 38 allquejres de triguo macho(120) E elles djtos provedor E Jrmãos provaram ser bem E provejto da djta comFrarja [fl 3] lhe mamdarão asjm aRematar as djtas sete cavallarjas de ter<r>a per o djto amtonjo Fernandez pregoejro na djta vjlla per bando (?) quall djserão lloguo elles djtos provedor E Jrmãos que aviam ha djta aRematacão por bom E aForavão d’eFejto+, E loguo aForarão E derão d’aFoRamemto+ pera vjda de tres pesoas he elle djto amtonjo djas .scilicet+. has djtas sete cavalarjas de ter<r>a atras decraradas per suas comFrarjas teverão E com outros com quem de derejto derão E ajam […] asjm como pertemcem hás+ djtas comFrarjas de nosa senhora do valle com tall comdjcão E emtemdjmemto que elle amtonjo dias seja no djto Foro ha prjmejra pesoa E elle nomehe ha segumda E ha segumda ha tercejra em manejra que sejam tres pesoas as comprjdas(121) E acabadas E majs não dise E paguem asjm de Foro E pemsão ha djta comFrarja E miserycordya em cada hum anno os djtos dezanove allquejres de triguo macho de que as djtas ter<r>as deRam pagas asjm per samta [fl 4] marja d’agosto+ em prjmejra pagua dos djtos dezanoe allquejres de triguo Faça+ elle Foreiro per nosa senhora d’agosto+ ha prjmejra que em desta presemte hera de mjll E qujnhemtos E setemta E hum annos /. E asjm Foram as djtas pagas no djto dja E tempo desde hum anno em memtes(122) as djtas tres pesoas deverem E elles Fjndas E hacabadas dejxam as djtas sete cavallarjas de ter<r>a há+ djta comFrarja e miserycordya tudo llivre E desembargado tudo melhorado E não […] com todallas bemFejtorjas que nelle tiuerem Fejto E elles Frejres não poderão vender nem trocar nem escaimbar has has djtas ter<r>as sem llicemca E comsemtjmemto das djtas comFrarjas e miserycordya E has pesoas que has asjm ouver por graça he concemtem ha djta comFrarja E asjm he não poderão partjr nem as podesem somemte […] toda jumta em huma só+ pesoa pera ho quall com as djtas comdicões djserão ho djto provedor E Jrmãos que hobrjgavão as djtas [fl 5] ter<r>as E todos hos seus bens E Remdas da djta comFrarja he sempre asjm Fezeram bom ho djto aForaramemto […] as djtas tres pesoas sob […] tudo lhe Fezeram bom comto das custas perdas E danos que per elle Fezerem E Receberem E pello djto amtonjo djaz Forejro Foj djto que tudo hera comtemte em seu nome E das outras pesoas apos elle vimdas E tomava E acejtava asjm as djtas sete cavalarjas de ter<r>a d’aForamemto+ per vida de tres pesoas com as djtas comdjcões, pensões <o>brigacões paguas em cada hum anno dos djtos dezanove allquejRes de triguo, tudo como djto he E pera elle obrjguava sj e todos seus bens moves E de Raiz avjdos E por aver E das outras pesoas E em Fé E testemunho de verdade asjm ho entregaRão E mamdarão ser Fejto este pubrico estormemto d’aForemamto+ E pedirão cada hum seu trelado desta carta E elle amtonjo djas Forejro dem há+ djta casa da miserycordya huma espretura desta carta há+ sua propia custa E despesa. [fl 6] Testemunhas presentes: amtonjo goncalluez covejro […] […] da djta casa E Fernão Roiz allFajas E sjmão Fernandez sapatejro que asjm per ho djto amtonjo djas E a seu Rogo sem embargo delle Fizeram ho seu sjnall todos moradores na djta vila E eu pero vaz tagarro taballiam pubrico das notas na djta vila de torres novas E seu termo per provisão dell Rey noso senhor per joam soarez taballiam delles que este pubrico estormemto d’aForamemto+ E seho prazo per vjda de tres pesoas em meu livro de notas esprevj E delle Fjellmemte tirej E esprevj asjnej meu pubrico sjnall que tall he (Sinal de tabelião) 120 121 122 Trigo macho, forma de se designar o trigo mourisco, que hoje comummente usamos, distinguindo-se, assim, do trigo tremês e também do mouro. Cf. Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, “Elucidário...”. Compridas. Assume o significado de “conta certa e determinada”. Cf. Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, “Elucidário...”. Enquanto NOVA AUGUSTA A Misericórdia de Torres Novas DoCumeNto 6 Mesas da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas A dificuldade essencial, na investigação histórica das instituições concelhias, reside na grande ausência de documentação. Qual o ponto da situação, no caso específico do concelho de Torres Novas? A documentação camarária só permite investigação sistemática a partir do reinado de D. João V, ainda que com intermitências no reinado de D. José e no período das invasões francesas. Quem são os vereadores? A que famílias pertencem? Se as suas regras estatutárias se podem analisar, a partir especialmente das ordenações manuelinas e, para o antigo regime, as filipinas, já a resposta às questões colocadas se torna mais difícil. Raramente a documentação existente nos dá a composição camarária, os problemas aí levantados. Só nos finais do século XVIII, na documentação do Desembargo do Paço nos foi possível um conhecimento das formas de eleição, dos candidatos, da sua ascendência social.123 Exceptuando alguma documentação fragmentária para as primeiras e segunda dinastias, a partir da segunda metade do século XVII é possível, até ao século XVIII, ir resgatando algumas vereações, o rol dos juízes de fora, juízes dos órfãos, os funcionários da administração local e central na vila, a partir de vários tipos de documentação: cartório notarial de Torres Novas, no Arquivo Distrital de Santarém, arquivo histórico da Misericórdia, livros das confrarias das igrejas paroquiais da vila não incluídas na Misericórdia. Na Torre do Tombo, especialmente documentos das Cortes onde Torres Novas aparece com petições, registos paroquiais, chancelarias, congregações monásticas, ordens militares, processos da inquisição e familiares do Santo Ofício. Por felicidade, o caso da Santa Casa da Misericórdia é diferente! Existe documentação sistematizada em livros, com algumas lacunas de anos em certos momentos, desde 1610 até aos nossos dias, mas onde se encontra informações para o século XVI, como nos Tombos ou na documentação arquivada nas caixas, com documentação referente à primeira metade do século XVI, sendo o documento mais antigo do arquivo, embora referente à igreja de Santiago, datado de 7 de Junho de 1513.124 O período que procurámos estudar, de D. João III ao Cardeal D. Henrique, não é tão rico em informações sobre a composição das mesas da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas. Temos como certo que a criação é de 1534. A partir dessa data, podem-se considerar seguras as provedorias e mesas a seguir apresentadas. 1538/1539125 Provedor: Fernão Rodrigues Escrivão: Luís Alves 1562/1563126 Provedor: Não indica Escrivão: Estevão Pimenta do Avelar Mesários: Diogo Lopes, António Vás, Fernão Gonçalves 123 124 125 126 127 da Mota, João Afonso Lobato, Simão Soares, Gaspar Fernandes e António Barroso 1566127 A data indicada como a da primeira eleição do provedor e mesários na Igreja de Santa Maria, por Artur Gonçalves, não tem, como já se viu, a menor credibilidade. I.A.N.T.T., Desembargo do Paço, Estremadura, Pautas dos Vereadores da C.M.T.N., maços diversos, de 1730 a 1834. A. Hist. Mis. T. N, Caixa 18, Doc.1712. Sousa (António Caetano de), Hist. Genealógica…, Tomo XI, Cap. I, p.34; ANTT, Dic. Geog. de Portugal, Santa Maria, Tomo 37, pp 689-721. A.H.Mis.T.N., Caixa 14, Doc. 1480, 15/12/1562 Gonçalves (Artur), Torres Novas, 276. 39 NOVA AUGUSTA António Mário Lopes dos Santos 40 1568/1569128 Provedor: D. Diogo Coutinho Escrivão: João Fernandes da Costa Mesários 1.ª Condição: João Dias do Avelar, Diogo Gonçalves, António Gonçalves, Belchior Mendes; Rui Fernandes, Simão Álvares, Fernão Álvares. 2.ª Condição: Francisco Dias e Manuel de Abreu. Santa Maria e S. Pedro da dita Vila «E uigairo em ella» Escrivão: Álvaro de Morais Mesários 1.ª Condição - António Freire, João Nogueira, Aleixo Veloso, Diogo Peixoto, Estevão Mogo. 2.ª Condição: Simão Dias ferrador, Rodrigo Álvares alfaiate. A 18/6/78, acresce Marcos Lopes, das Lapas. 1570/1571129 Provedor: Estêvão Pimenta do Avelar Escrivão: Fernão Gonçalves da Costa Mesários 1.ª Condição: Jorge de Serpa, Belchior Tolosa, Manuel Mogo, Simão de Abreu, Diogo Gonçalves, Frei Diogo Álvares. 2.ª Condição: Diogo […] e Simão Dias. 1578/1579133 Provedor: Fernão Varela, vigário. Escrivão: Fernão Gonçalves da Mota Mesários 1.ª Condição: Rodrigues de Magalhães, Francisco Botelho, Belchior Tolosa. 2.ª Condição: Manuel Fernandes Niza, Francisco Dias Sargento, Francisco Dias Picado, Fernão Lopes Ramalho. A 20/5 acrescentam-se, Fernão d’ Álvares e Luís Delgado 1571/1572130 Provedor: António Freire, cavaleiro da Ordem de Santiago e Juiz dos órfãos. Escrivão: Mordomos 1.ª Condição: António Vás, Domingos Rodrigues, Aleixo Fernandes, Baltasar Correia, Bartolomeu Fernandes, todos cavaleiros. 1575/1576131 Provedor: D. João de Sá de Noronha Escrivão: Fernão Gonçalves da Mota Mesários 1.ª Condição: Pero (Pedro) Vás Tagarro, Álvaro de Morais. 2ª Condição: Francisco Dias Sargento, Francisco Dias Picado, Pedro Dias sapateiro. A 22/6/1576, aos mesários atrás indicados juntam-se Álvaro Lopes Correia, João Galvão. 1577/1578132 Provedor Fernão Varela, beneficiado nas igrejas de 128 129 130 131 132 133 134 135 A. H. Mis. - Idem, ibidem, Caixa 18, Doc 1715,1/6/1563. Idem, ibidem, Caixa 18, Doc. 1716,7/1/1571. A.D.S. Cart. Not, T. N., Tab. André Freire, Lº3, 12/3/1572, 88v. Idem, ibidem, Tab. André Freire, L.º 41, 16/5/1576/1782. Idem, ibidem, Tab. André Freire, L.º 6, 26/4/1578, 16v. Idem, ibidem, Tab. André Freire, Lº6, 8/4/1579, 190 v. Idem, ibidem, Tab. André Freire, Lº7, 29/6/1580, 69. A.H. Mis. T.N. Caixa 18, Doc. 1717, 6/8/1581. 1579/1580134 Provedor: Fernão Varela, vigário. Escrivão: Pedro da Mota Mesários 1.ª Condição: Diogo Francisco Coelho, Simão Álvares cavaleiro, Bernaldino Freire, Aleixo Fernandes Monteiro, Diogo Rodrigues escrivão dos órfãos 2.ª Condição: Diogo Fernandes pedreiro, António Vieira, Simão Dias surrador, António Dias albardeiro, Simão Dias Cortes. 1581/1582135 Provedor: Fernão Varela Escrivão: Álvaro de Morais Mesários 1.ª Condição: Fernão Gonçalves da Mota, Manuel Mogo, Francisco de Magalhães, Aleixo Fernandes Monteiro, Lienciado Nicolau Lopes 2.ª Condição: Luís Vieira, Diogo Dias, André Rodrigues, Simão Delgado, Francisco Dias. O Foral novo de Torres novas no contexto da reforma manuelina dos forais Maria Elvira Marques Teixeira* Joana Catarina Pereira Rosa** Os forais são cartas de privilégio, geralmente (e não em exclusivo) outorgadas pelo rei, constituídas por disposições de direito processual, penal, militar, administrativo e fiscal. Neste artigo é feita uma contextualização da leitura do foral dado por D. Manuel I a Torres Novas, a 1 de Maio de 1510, no processo de reformas do sistema jurídico-administrativo geral do reino. Apresenta-se também a transcrição integral do diploma e um relatório técnico acerca das características físicas e estado de conservação do documento. A fechar, fica uma proposta de intervenção conservativa para salvaguarda deste “documento/monumento”, símbolo e memória da história de Torres Novas. * Licenciada em História pela Universidade de Évora (1994) e mestre em História Económica e Social Contemporânea, pelo ISCTE (1998). ** Licenciada em Conservação e Restauro, área de papel e documentos gráficos, pelo IPT/ Escola Superior de Tecnologia de Tomar (2006). 41 Registo fotográfico de Joana Rosa e Abílio Dias. NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas (...) Outros haverão de ter O que houvermos de perder. (…) F. Pessoa, Mensagem - II, VI, XII Este trabalho pretende contribuir para uma contextualização da leitura do foral dado por D. Manuel I a Torres Novas, a 1 de Maio de 1510, no processo de reformas do sistema jurídico-administrativo geral do reino, no sentido da implementação de uma só ordem jurídica no plano interno, na qual se insere a reforma geral dos forais do reino e, consequentemente, também, a publicação do foral novo de Torres Novas. Em termos jurídicos e das instituições1, o reinado de D. Manuel I2 (n. Alcochete, 31 de Maio de 1469 – m. Lisboa, 13 de Dezembro de 1521) tem como pano de fundo a tentativa de reforma do reino, através da criação de 1 2 instrumentos uniformizadores de carácter governativo, como sejam a publicação dos Forais Novos, reformando os antigos (1504-1522), a compilação e revisão da legislação geral, consagrada pelas Ordenações Manuelinas, a reorganização da fazenda pública e a estruturação administrativa daí decorrente. Designadamente: a publicação do regimento das sisas; do regimento dos contadores das comarcas; do regimento dos contadores da fazenda; do regimento dos oficiais das vilas e lugares; da reforma dos pesos e medidas; dos tribunais superiores; reformas da Casa da Índia e da Casa da Mina e não-aceitação de códigos jurídi- No reinado de D. João II (1455-1495), abriu-se uma nova página na história das cortes portuguesas: para além da sua natureza jurídica e do seu carácter representativo, surgem novos aspectos, tendo sido verdadeiramente decisivo o período de 1481 a 1641. Os três braços do reino são chamados a decidir sobre questões fundamentais na história política portuguesa, nomeadamente, a perda e a restauração da independência. Ver fontes para este período: MARQUES, A. H. de Oliveira (org.), Cortes Portuguesas: reinado de D. Afonso IV (1325-1357), ed. prep. - Maria Teresa Campos Rodrigues e Nuno José Pizarro Pinto Dias, transcrições de Ana Margarida Sousa Luz, Diogo Sassetti Ramada Curto, João José Alves Dias, Margarida Maria Gomes Quintão Lages, Nuno José Pizarro Pinto Dias, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1982; DIAS, João José Alves (org.), Cortes Portuguesas. Reinado de D. Manuel I : Cortes de 1499, ed. Prep. - João José Alves Dias e A. H. de Oliveira Marques, transcrições - João José Alves Dias, Lisboa, Centro de Estudos Históricos, Universidade Nova de Lisboa, 2001; DIAS, João José Alves (org.), Cortes Portuguesas. Reinado de D. Manuel I : Cortes de 1502, Ed. Prep. - A. H. de Oliveira Marques, João Cordeiro Pereira, Fernando Portugal e Saul António Gomes, transcrições - Saul António Gomes e João José Alves Dias, Lisboa, Centro de Estudos Históricos, Universidade Nova de Lisboa, 2001; Ordenações Manuelinas - Livros I a V : Reprodução em fac-símile da edição de Valentim Fernandes (Lisboa, 1512-1513), Introdução de: João José Alves Dias, Lisboa, Centro de Estudos Históricos, Universidade Nova de Lisboa, 2002. Ver ainda os estudos: GRAES, Isabel Maria dos Santos, Contributo para um Estudo Histórico-Jurídico das Cortes Portuguesas entre 1481-1641, Coimbra, Liv. Almedina, 2005; Sobre o papel das cortes no Antigo Regime: CARDIM, Pedro Almeida, HESPANHA, António Manuel pref., Cortes e Cultura Política no Portugal do Antigo Regime, Lisboa, Cosmos, 1998; GOMES, Saul António, “As Cortes de Lisboa de 1502” in Actas das I.as Jornadas de História Moderna, 1986, Faculdade de Letras de Lisboa, 1º vol., pp. 317-347. COSTA, João Paulo Oliveira e, MATOS, Artur Teodoro de, (coord. científica), CARNEIRO, Roberto (dir.), D. Manuel I (1469-1521): Um Príncipe do Renascimento, Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2005. [Aspectos genealógicos: D. Manuel, filho do infante D. Fernando de Portugal, duque de Viseu, e de Beatriz (D. Brites), princesa de Portugal, sucedeu em 1495 ao seu primo direito, D. João II de Portugal]. 43 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira cos com privilégios, consagrando direitos de diferença, e, nesse sentido, as medidas de expulsão dos judeus que não aceitassem o baptismo3. 44 1. Portugal eNtre os asPeCtos juríDiCo-iNstituCioNais e os alvores Da moDerNiDaDe Onde acaba a “medievalidade” e começa a “modernidade”? E quando é que o feudalismo dá lugar ao centralismo? Tendo por base a análise das grandes estruturas económicas e sociais, políticas e institucionais, considerando alguns efeitos de média duração, nomeadamente os aspectos institucionais e políticos (administração, governo, legislação e cortes), em conjunturas específicas de grandes campanhas de reformas, como as do período manuelino, plenamente 3 4 5 identificadas, coloca-se o problema da análise, no plano simbólico, da progressiva emergência da imagem do rei, que atenua bastante a relevância destas novas formas jurídico-institucionais (reformas) no conjunto dos mecanismos de disciplina social, passíveis de serem utilizados como instrumentos de acção do rei, e de que a coroa pode dispor4. A concretização das reformas foralengas, descritas por Damião de Góis, guarda-mor da Torre do Tombo, como um trabalho tremendo […de maneira a que se não pode deles (forais) dar despacho às partes se não com muito trabalho5 (…)], pela sua complexidade, duração (25 anos), recursos humanos (insuficiência de resposta em termos humanos por parte do aparelho burocrático de extensão local e periférica CHORÃO, Maria José Bigotte, Os Forais de D. Manuel 1496-1520, Lisboa, ANTT, 1990, pp.8-9. Enquanto o poder, na auto-representação das sociedades contemporâneas, tem um centro (em exclusivo) baseado no facto de aí se prosseguir um “interesse público”, diferente e contraditório dos interesses particulares-privados, as sociedades do Antigo Regime representavam-se como politicamente plurais, com uma complexa rede de pólos políticos, cada um autónomo no seu domínio, prosseguindo interesses particulares, que deviam ser compatibilizados em função do “bem comum” (da harmonia do todo) e nunca podiam ser sacrificados a um interesse público hegemónico. Para o debate historiográfico acerca do conceito de “estado moderno” e sua construção, ver, por exemplo: HESPANHA, António Manuel, História das instituições. Épocas medieval e moderna, Coimbra, 1982; Idem, Poder e instituições na Europa do Antigo Regime, Lisboa, Gulbenkian, 1984, 541 pp., prefácio (89 pp.); Idem, As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político (Portugal, séc. XVIII), Lisboa, Coimbra, Liv. Almedina, 1994. Recensão: Ler história, 15, 1989, 167 ss. (Luís Reis Torgal); Idem, O Antigo Regime (1620-1810), volume IV da História de Portugal, dirigida por José Mattoso, Lisboa, Círculo dos Leitores, 1993; Idem, “A emergência da história”, Penélope, 5, 1990, pp. 9-26. Sobre as reformas manuelinas no contexto dos forais, ver por exemplo: NETO, Margarida Sobral, “A Persistência Senhorial” in História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. 3 - No Alvorecer da Modernidade (1480-1620), coord. Joaquim Romero de Magalhães, Lisboa, Estampa, 1993, pp. 165-175; HESPANHA, António Manuel, “O Foral Novo de Évora no contexto da reforma dos forais de D. Manuel”, in Foral Manuelino de Évora, Évora, Câmara Municipal de Évora, 2003, pp. 43-65; COELHO, Maria Helena da Cruz, O Foral de D. Manuel I a Santarém, Santarém, Câmara Municipal de Santarém, 2007, pp. 28-31; CHORÃO, Maria José Bigotte, PEREIRA, Miriam Halpern (pref.), Foral Manuelino de Beja, Lisboa, IANTT, 2003. GóIS, Damião de, (1502-1574), Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, dir. por J. M. Teixeira de Carvalho e David Lopes, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1926, parte I, Cap. XXV; cit. MAGALHÃES, Joaquim Romero, “Os Concelhos” in História de Portugal, José Mattoso (dir.), Lisboa, Estampa, 1993, vol. III, pp. 175-581. Ver sobre esta questão: COELHO Maria Helena, MAGALHÃES, Joaquim Romero, O poder concelhio das origens às cortes constituintes. Notas de história social, Coimbra, CEFA, 1986. NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas dependente da administração da coroa) e materiais envolvidos, poderão ser aspectos indicadores de alguma ineficácia na capacidade de acção do poder régio (não exclusivo, repartido, pelo menos com duas instituições poderosíssimas ao nível do quotidiano social - a família e a Igreja), e a ineficiência dos instrumentos de governo, que contribuíam para atenuar ainda mais esse exclusivismo. Mantendo-se, portanto, a ideia dos limites insuperáveis para a vontade régia, quer através da religião e da moral, quer através da obrigatoriedade de respeitar os direitos dos particulares, os esforços de extensão da administração régia a todo o território, depararam-se com vários obstáculos, quer os decorrentes do próprio espaço, provocados pela deficiência das redes de transportes, quer, sobretudo, os obstáculos de natureza política, causados pela pluralidade de jurisdições: a complexa teia das jurisdições senhoriais envolverá a sociedade medieval e moderna, pelo menos, até à última década de setecentos, aquando da extinção das jurisdições senhoriais em Portugal.6 2. a reForma geral Dos Forais Do reiNo e a História De um Foral Regra geral, o argumento da necessidade imperiosa das reformas, apresentado em 6 7 8 9 cortes desde o séc. XV7, é tido pela historiografia como argumento consensual para parte da explicação respeitante ao empenho do rei na concretização das reformas e na sua implementação, uma vez que, de facto, a reforma dos forais, que já se vinha desenhando desde o reinado de D. João II, viria a ser concretizada, com D. Manuel. Nesse sentido, desde o séc. XV (1.º quartel) que os procuradores dos concelhos se faziam ouvir em cortes, referindo o mau funcionamento da justiça e os contínuos abusos dos senhorios que cobravam indevidamente alguns direitos, muitas vezes por interpretarem erradamente ou até por falsificarem os forais antigos8. Os forais são cartas de privilégio, geralmente (e não em exclusivo) outorgadas pelo rei, constituídas por disposições de direito processual, penal, militar, administrativo e fiscal (em alguns casos também de disposições de direito privado, por exemplo, no âmbito do direito da família). Estas disposições dos forais, salvo se omissas, inserem-se num regime jurídico próprio e de excepção, sobrepondo-se portanto, ao direito geral. Por consequência, as disposições dos forais só interessam aos concelhos em parte, no que dizia respeito à administração concelhia e estava disposto no foral, uma vez que para todo o resto (disposições omissas) sobre valiam as ordenações gerais9. CUNHA, Mafalda Soares da, A Casa de Bragança 1560-1640: práticas senhoriais e redes clientelares, Lisboa, Estampa, 2000. COELHO, Maria Helena da Cruz, O Foral de D. Manuel I a Santarém, Santarém, Câmara Municipal de Santarém, 2007, pág. 31. CHORÃO, Maria José Bigotte, Os Forais de D. Manuel….. Op. Cit., pp. 7-16. Sobre estas questões ver: COELHO, Maria Helena, MAGALHÃES, Joaquim Romero, O poder concelhio … Op. Cit., pp. 20-28. 45 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira 46 A reforma tem sido considerada por alguns autores como uma “reforma imperfeita”. Se por um lado parece ter contribuído para algum grau de uniformização administrativa entre o poder local e a administração da coroa10, tornando mais eficaz a ligação entre os municípios e o poder central (as câmaras representavam, simultaneamente, a autonomia das comunidades e a jurisdição régia), ao nível local a articulação não se operou, e cada unidade administrativa continuou a ter total independência em relação às vizinhas (níveis crime e cível). A reforma, tornando-se portanto num instrumento de maior eficácia na prossecução da articulação entre os municípios e o poder central, revelou-se inoperante relativamente ao seu objectivo, aparentemente, 10 11 12 principal, o de evitar abusos na cobrança de direitos indevidos. Por outras palavras, as disposições dos novos forais consagraram, em certo domínio do direito público, a permanência de obrigações senhoriais de particulares, que vinham sendo consolidadas ao longo de toda a Idade Média11. Seja como for, de 1500 a 1520 saíram novos forais referentes às províncias da Beira, Trás-os-Montes, Entre Douro e Minho, Estremadura (em que se insere o foral novo de Torres Novas12) e Entre Tejo e Guadiana e actualizavam-se as normas de vivência municipal que em muitos casos, como já se referiu, tinham três séculos de existência. Para a elaboração da reforma foi constituída uma comissão, formada pelo chan- TT: Índices das chancelarias régias (L 20 a 206; L 278 a 280); Leitura Nova: Cód. de Refª: PT-TT-LN, Entre as medidas tomadas para a organização do Arquivo Real, conta-se a elaboração das cópias dos documentos, considerados então mais importantes, numa colecção intitulada Leitura Nova, ordenada por D. Manuel I, e que teve início em 1504, com o fim de preservar os documentos cujo suporte estava demasiado danificado, ou cuja leitura já não era acessível. A colecção mantém a ordem original. Está organizada por comarcas e por assuntos, com “tabuada” inicial. Nos livros das comarcas constariam todos os documentos a elas relativos - cartas de doação, de privilégios e outras, doados pelo rei às partes, a cidades, vilas e lugares, a igrejas e mosteiros, localizados na dita comarca: seriam constituídos os livros do título da Estremadura (não passando o Tejo), os livros do título de Odiana (abrangendo o Alentejo, o Ribatejo, o reino do Algarve, com excepção de Muje e Almeirim, que seriam incluídos na comarca da Estremadura), os livros do título da Beira, os livros do título d’ Além-Douro (contendo o Entre-Douro-e-Minho e Trás-os-Montes). A análise dos 61 livros da colecção da Leitura Nova é conhecida e está identificada. Vejam-se alguns estudos, roteiros de fontes e índices: CHORÃO, Maria José Bigotte, Os Forais de D. Manuel …. Op. Cit., pp. 24-25; AZEVEDO, Pedro A. de, BAIÃO, António, “Códices de Leitura Nova” in O Arquivo da Torre do Tombo: sua história, corpos que o compõem e organização, Lisboa, ANTT, Livros Horizonte, 1989. Reprodução fac-similada da edição de 1905; FRANKLIN, Francisco Nunes, “Memória para servir de índice dos forais das terras do reino de Portugal e seus domínios”, 2.ª ed., Lisboa, Tipografia da Academia Real das Ciências, 1825. [Acessível no IAN/TT, IDD (L. 483)]; Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, Chancelaria régia: índices Próprios e Comuns, [Manuscritos]. [Acessível no IAN/TT, Lisboa, (L. 20 a 206)]; DESWARTE, Sylvie, Leitura Nova de D. Manuel I, Pref. Martim de Albuquerque; introd. Maria José Mexia Bigotte Chorão, Lisboa, Edições INAPA, 1997, 2 vol. il. (História da cultura portuguesa). Reprodução fac-similada dos frontispícios iluminados da Leitura Nova de D. Manuel; DIAS, Luís Fernando Carvalho, Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve: conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Beja, ed. do autor, 1961-1969, Tomo 1; DIAS, Luís Fernando Carvalho, Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve: Estremadura, Beja, ed. do autor, 1962, Vol. 3, 361 p. NETO, Margarida Sobral, “A Persistência Senhorial”… Op. Cit., pp. 180-181. Cf. DIAS, Luís Fernando Carvalho, “Livro dos Forais Novos da Comarca da Estremadura” in Forais Manuelinos … Op. Cit., Beja, ed. do autor, 1962, Vol. 3, pp. 42-44. NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas celer-mor, Rui Boto13, pelo desembargador João Façanha e por Fernão de Pina cavaleiro da Casa Real, supervisor da reforma e incumbido de mandar proceder a inquirições por todo o reino para que se averiguasse o conteúdo de cada foral e de todos os documentos existentes nas várias localidades que regulavam a arrecadação dos direitos. A tarefa consistia em clarificar e actualizar a linguagem, converter as medidas, recuperar direitos reais e evitar abusos na sua cobrança. A esta comissão foram dadas indicações em documentos régios de diversas tipologias. No documento seguinte encontram-se algumas dessas directrizes, pelo que se justifica a sua inclusão: “Nos el Rey fazemos saber a quamtos este nosso alvará virem que nos encarregamos Fernam de Pyna cavalleiro de nosa cassa e menestrador do moesteiro de Tybaães do fazymento dos foraaes das cidades villas e lugares de nossos Reynos no que atee quy e assy na ordem que se teve pera justamente serem feitos como em outras muitas deligencias que pêra bem dello comvynham como tambeem no fazymento d’allg us que já sam feitos elle nos teem muy beem servido e com muyto trabalho e fadiga sua e despesa de sua fazemda seem de nos nem de nossos povos aveer por ysso nehûu ordenado nem sollayro e porque he rezam que 13 elle tenha regra verta do que há d’aver por ser trabalho pello cujdado tam comtyn que teem e há de teer no fazimento dos ditos foraaes mamdamos fazer certo eixame do que por cada h u forall devya aver e foram feitos allg ns lotes segundo a gramdeza e sustamcia de cada h u pêra asy ser alvidrado o preço que de cada h u ouvesse d’aver e detryminamos que há paga dos ditos foraes aja e lhe seja feita per esta maneira abaixo decrarada Item primeiramemte avera por cada h u foral de quallquer cidade villa ou lugar que tever ho forall de Lixboa ou samtarem e que tever direitos d’augoa ou jugada ou ambos ou outro allg direito de pam treze xruzados d’ouro e se o tall lugar tever direitos de augoa sem jugada doze cruzados. E nam teemdo dereitos d’augoa nem de pam avera homze cruzados. Item avera pellos foraaes dos lugares chãos sem cerqua ou casteello que teverem o dito forall de Lixboa de cada h u delles dez cruzados. E nam teemdo direitos d’augoa nem de pam avera de cada h u dos taaes oyto cruzados. Iteem avera dos foraes das villas e lugares que teverem o forall d’Evora que forem cerquados ou acastellados de cada h u dez cruzados. E dos lugares chãaos que teverem o dito Na sua dupla qualidade de chanceler-mor e presidente da comissão da reforma, assinou todos os forais. R de Rodericus (ou Rui) é pois a rubrica que também o foral de Torres Novas ostenta na última folha, junto à parte inferior do códice, por onde passava o fio de seda de que pendia o selo régio de chumbo. Como se pode verificar adiante, na análise física do documento, o foral de Torres Novas de 1510 terá sofrido um restauro talvez na centúria de oitocentos. Tal restauro modificou para sempre o documento, sendo apenas possível identificar vestígios de permanência de tais elementos no actual documento original. 47 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira 48 foral d’Evora avera por cada huu foral dos semelhantes lugares oyto cruzados. E porque allg uas cidades villas e lugares por não terem forall alg u se hade dar ho forall da cidade d’Evora ou o forall da Garda a que he dado o de Salamanca decraramos que daquelles a que for dado o dito foral há d’aver de cada h u a paga asy como pello d’Evora – a saber – dez cruzados por os que forem de lugares cerquados e acastellados e oyto cruzados dos lugares chãaos e per estas taixas assy como aquy he derarado será pago o dito Fernan de Pina do trabalho e merecimento do dito carguo do fazimento dos ditos foraaes a custa das remdas dos concelhos das cidades villas e lugares per nosas cartas que dello lhe mamdaremos dar per que será pago como deer feyto e acabado de todo o seu foral e alem desto todo o seu foral e alem desto todo aquello que ho dito foral de cada cidade villa e lugar fazer custo – a saber – no porgaminho stprever e ylumynar e encadernar e em suas guarnicoes das brochas porque estas taixas aquy declaradas soomente sam por ho trabalho que nisso leva e por ho fazer a sua custa sem outro mais hordenado e ha justificaçam dos ditos custos faram os letrados deputados aos despachos dos ditos foraaes e per suas certidoes por elles asynadas do que em cada h u se gastou e elle despemdeo dos seu dinheiro lhe será per nos mamdado pagar a custa da tall cidade villa ou lugar com o mais lugar com o mais que há d’aver de seu trabalho por esta ordenamça. Item porque estes foraes ham de seer todos asseellados do nosso seello do chumbo e ho nosso chanceler moor e asy o porteiro da chancelaria devem ter regra certa do que ham de levar disso, ouvemos por bem de aquy decrarar e avera o nosso chanceler moor por cada h u forall que asellar cymquoemta reis a custa das rendas do concelho da cidade villa ou lugar ou senhoryo de cujo forall for, e pagar se am a custa dos sobreditos comcelhos ou senhoryos a seeda e chumbo pêra os ditos seelos e o porteiro da chancelaria avera por seu trabalho de cada h u dos ditos foraes dez reis a custa dos sobreditos como dito he. Item porque em cada cidade ou villa, ou lugar há d’aver dous foraaes de h u teor – a saber – h u pera a camara e outro pera o senhoryo das rendas e dereitos da tall cidade villa ou lugar este tall que ha camara ha d’aver se ha de pagar no modo como dito he a custa das remdas do concelho e o dito senhoryo das remdas pagara o seu pr esta ordenança acima declarada como ho concelho ha de pagar o seu temdo as taes rendas e direitos e rendas sam partydas per duas três pessoas e mais segundo as mercees que delles teemos feytas declaramos que homde assy as remdas e direitos forem partydas per pessoas desvayradas se pagara por todas o dito forall soldo a livra segumdo a parte que cada h u tever das taes remdas, a quall repartiçam será feyta pelos ditos letrados juízes dos ditos foraaes e per suas certidões avera o dito Fernam de Pyna nosos mandados pêra ser dos taaes paguo per homde do seu o milhor poder NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas aver e daqueles foraaes omde os direitos e reemdas todas foreem nossas será paguo per nosa fazeemda no modo como dito he. Iteem porquamto o dito Fernam de Pina ha de mandar fazer pera a nossa Torre do Tombo14 outros tantos foraes como forem os das cidades e villas e lugares do Reyno que asy ha de dar feitos – a saber – outro tall como ho que cada h u for dado e destes que asy ha d’aver outro mais pagamento soomente daquelo que elle gastar do seu dinheiro nos custos – a saber – porgaminhos, stpritura e ylumynaçam daqueles que forem ylumynados per a justificaçam que dello ham de fazer os ditos letrados assy como nos outros e per sua certidam ho mamdareemos pagar. Porem do comcerto que asy sobre ysto fezeemos com o dito Fernam de Pyna como aquy he declarado lhe mamdamos dar por sua guarda e nosa lembrança este alvará per nos asynado o qual mamdareemos em 14 15 todo cumpryr e guardar como nelle he contydo feyto em Lixboa a XX dias de Julho Antonio Carneiro o fez 1504. Porem declarados no que toca ao pagamento dos foraes que ham d’aver os senhoryos dos direitos a que delles tevermos feita merce porque as camaras dos lugares ho ham de pagar per cheo segundo atrás no capitollo he declarado que nam aja o dito Fernam de Pina mais pagamento que de h u soo forall do qual pagara o concelho a metade e o senoryo dos direitos a outra metade e asy se entemdera e gardara o dito capitolo nesta parte e ysto soomente se entemdera naquella contia que elle ouver d’aver por seu trabalho por que os custos se pagaram como no dito capitulo he declarado e ysto nos move porquamto elle nom hade ter trabalho mais que h u soo foral e per elle se faz o outro sem fadiga. (assinado) Rey”15 O Arquivo Nacional, antes Arquivo Geral do Reino, remonta às origens da nacionalidade. Nos finais do século XIII, Lisboa passou a ser a principal cidade do reino e nela começou a formar-se um depósito de documentos, situado numa das torres do Castelo de S. Jorge (a Torre do Tombo). Esta torre conservaria os documentos régios até ao terramoto de 1755. Os arquivos nacionais ocuparam posteriormente outros vários espaços. Entre as vicissitudes da história, o terramoto, mudanças, incêndios, a transferência da corte para o Brasil, os desvios de documentação (período filipino, invasões francesas etc.), os documentos que chegaram até nós, pertencentes ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo formam um acervo excepcional e indispensável à memória histórica do país. Pela sua magnitude, esse acervo de (re) instalou-se convenientemente em Dezembro de 1990, com a inauguração de um novo edifício para depósito e consulta dos documentos situado em Lisboa/Cidade Universitária. Ocupando uma área de 54 900 m2 e contando com cerca de 100 km de estantes, este moderno edifício possui três áreas principais: arquivo e investigação/ actividades culturais / serviços administrativos. Para a História da Torre do Tombo: Cf. AZEVEDO, Pedro de, BAIÃO, António; FARINHA, Maria do Carmo Jasmins Dias (coment.), O Arquivo da Torre do Tombo: sua história, corpos que o compõem e organização, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa, Livros Horizonte, 1989, [Portugal. Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Fundos arquivísticos. VERSÃO ORIGINAL: Fac-simile da edição de Lisboa; Academia de Estudos Livres, 1905. Contém adenda com incorporações, legislação e directores posteriores a 1905]; ALBUQUERQUE, Martim de, Para a história da Torre do Tombo, Lisboa, ed. do autor, (Braga, Tip. Barbosa & Xavier), 1990; ALBUQUERQUE, Martim de, A Torre do Tombo e os seus tesouros / Martim de Albuquerque, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Col. Tesouros das bibliotecas e arquivos de Portugal, Lisboa, Inapa, 1990. ANTT, Gav. 20, Maço 10, Nº 7, [Capitulo dos concertos de Fernam de Pina]. 49 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira 50 Sempre o mesmo espírito: uniformizar todo o reino em todos os domínios, organizar e estabelecer normas. No caso dos forais, essencialmente, tratava-se de actualizar um documento jurídico regulamentador da vida de cada localidade. Daí a importância para Torres Novas do seu novo foral. Enquanto documento jurídico, regulamentará a vida quotidiana da vila torrejana e seu termo (pelo menos) até ao século XIX, mais concretamente até 1832, com a abolição dos forais no contexto da reforma de Mouzinho da Silveira16. Existem várias categorias de forais, cada uma correspondendo a diversas ordens de grandeza conforme as características económicas, situação geográfica, grandeza simbólica e outras – de localidades, como Lisboa, Santarém, Salamanca e Évora entre outras, que servirão de modelo para forais de outros lugares. As diferentes ordens de grandeza dos forais estão desde logo patentes, também, no 16 17 18 tipo de documento a ser produzido, como se pode verificar no alvará régio anteriormente transcrito. Atente-se que, em termos físicos, o foral manuelino de Torres Novas, pertence à categoria principal: iluminado, com encadernação em couro e ferragens. Lendo o foral, temos uma visão rápida e ainda assim completa das actividades comerciais da Torres Novas quinhentista: os abastecimentos, os produtos hortícolas, os tecidos, os cabedais, as louças, a caça, o vinho, o azeite, o mel, o pão entre outros. Lê-se no fim do foral a fórmula comum a todos: um para a câmara, outro para o senhorio17, e outro para a Torre do Tombo. O documento que aqui se apresenta era, de facto, o exemplar da câmara que felizmente, talvez por se encontrar na posse de algum particular, não sucumbiu ao incêndio do antigo arquivo da câmara, ocorrido c. de 1868, no edifício dos paços do concelho, que então se localizava na actual Praça 5 de Outubro18. Conhecem-se pelo menos duas transcrições do foral manuelino de Torres Novas: uma do séc. XVIII, integrada no Tombo da Alcaidaria do Castelo de Torres Novas; Cf. MOLEIRO, Margarida, Traslado autêntico da medição, demarcação e tombo da Alcaidaria-mor da Vila de Torres Novas e suas pertenças [1790-1793], Torres Novas, Município de Torres Novas, 2008; e outra de Artur Gonçalves, manuscrita, em pasta incorporada no espólio particular deste autor torrejano no Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas. Torres Novas - Vila da Correição de Santarém em 1537. Pertencia ao Mestre de Santiago e o concelho tinha 1448 vizinhos em 1527. Partia com Santarém, Porto de Mós, Ourém, Tomar, Ceiceira e Atalaia. O foral antigo é de Outubro de 1190 [Maço nº 3 de Forais Antigos da Leitura Nova, fl. 13; Livro 2 dos Bens dos Próprios da Rainha, fl. 27, com a confirmação de Novembro de 1217]: foral impresso com os Costumes no tomo 4º dos Inéditos da História de Portugal, segundo Franklin [Roteiro citado]. Ver: OLIVAL, Fernanda, As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789), Lisboa, Estar ed., 2001; sobre a Casa das Rainhas ver os trabalhos de: LOURENÇO, Maria Paula Marçal, Casa, corte e património das rainhas de Portugal (1640-1754): poderes, instituições e relações sociais, polic., UL, 1999; seguintes temas de investigação: Casa das Rainhas (sécs. XVII e XVIII); Casa do Infantado (sécs. XVII e XVIII); O “poder” das rainhas em Portugal (sécs. XVI a XVIII); A construção do Estado Moderno e o poder senhorial (sécs. XVII e XVIII). [A partir de 1520 é criado, a favor de D. João de Lencastre (1501-1571), o título de Marquês de Torres Novas, que depois viria a ser o 1.º Duque de Aveiro, filho ilegítimo de D. João II. O título passou então a ser atribuído aos herdeiros presuntivos do Ducado de Aveiro. Os 3.º e 4.º marqueses receberam em vida o título de Duque de Torres Novas. Cf. MONTEIRO, Nuno G. F., (org.), Pedro CARDIM e Mafalda Soares da CUNHA, Optima pars: elites ibero-americanas do antigo regime, Lisboa, ICS- Imprensa de Ciências Sociais, 2005; MONTEIRO, Nuno G., O crepúsculo dos grandes: a casa e o património da aristocracia em Portugal: 1750-1832, Lisboa, INCM, 1998.] LOPES, João Carlos, Duas Palavras in Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Torres Novas, CMTN, 1993, p.3. NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas Quase cinco séculos é a idade deste magnífico documento, que merece ser estudado, conhecido e divulgado. Nesse sentido, recorde-se o capítulo “Documento/Monumento”, escrito por Jacques Le Goff, que consta do volume “Memória-História” da Enciclopédia Einaudi, cuja frase inicial será, se não me falha a memória, algo como: “A memória colectiva e a sua forma científica, a história, aplicam-se a dois tipos de materiais, o documento e o monumento…”. Decidiu-se neste caso, não indicar a referência bibliográfica correcta; apelando-se apenas à memória…19. Assumindo, desde logo, na elaboração deste breve ensaio, o eixo de uma concepção a respeito das fontes documentais – recorrendo a Foucault e Le Goff –, este documento é aqui analisado enquanto monumento. Para Torres Novas, o seu foral de 1510 será o documento emblemático/monumental (do domínio do 19 20 simbólico e da história exemplar). Tal como na época da sua produção, resultado da caminhada para a centralização em que o rei continuava a ser ainda um “primus inter pares” hoje, e porque tal documento conseguiu chegar até nós, continua a ser obrigatória a sua máxima protecção. O foral manuelino de Torres Novas precisará, pois, de ser reproduzido/apresentado, não já em sessão de câmara como há 500 anos, mas em publicação autónoma para que todos possam aceder à sua consulta e leitura. Valorizando o documento original, a transcrição, que se segue, obedeceu aos critérios normalizados e geralmente utilizados em transcrições de documentos da tipologia comum dos forais manuelinos20. Com esta transcrição pretende-se contribuir para que a sua leitura seja, desde já, uma realidade para todos os interessados. A propósito de memória e do impacte social do discurso histórico e historiográfico, valerá talvez a pena aludir ao comentário que António Manuel Hespanha, em certa ocasião proferiu (Serralves, Porto, Março 2003), sobre os vários contextos possíveis de divulgação de produtos históricos e culturais, e que em relação ao lugar da história, como ciência, na sociedade contemporânea, designou de “Pop Culture”. Não basta que se faça história, mesmo muita e boa história, para que esta marque os estilos culturais de um século. Desde logo, falo de “estilos culturais”. No plural. Não apenas porque um século é muito tempo, mas sobretudo porque, por muito integrado que um país possa ser, nele convivem muitas “culturas”, cada qual com os seus modos e as suas circunstâncias. Diferentes. Explorando temas distintos. Falando deles com discursos vários. Comunicando diversamente com o seu contexto e, assim, abrindo-se também diversamente as influências externas. Do lado da história, também se cultivaram estilos, temáticas e públicos diferentes. Isto aconteceu, por um lado, por razões internas ao próprio discurso historiográfico, que se concebeu a si mesmo diferentemente - ou como uma actividade científica, ou como uma atitude pedagógica, ou como um empreendimento cívico, ou como um passatempo lúdico; e que, com isso, escolheu os temas mais próprios, a argumentação mais eficaz, o público mais decisivo. Ou, por outro lado, por razões contextuais, como os interesses induzidos pelas culturas do senso comum ou as condições materiais e institucionais de investigação. (…) Esta mundividência do passado nas suas relações com o presente, transcende largamente o círculo dos historiadores e inscreve-se numa das componentes da cultura pública (pop-culture) portuguesa dos nossos dias. [HESPANHA, António Manuel, A História na Cultura Portuguesa Contemporânea, 2003]. Transcrição – Segundo as normas aprovadas pela Comission Internationale Diplomatique (1982)/ versão portuguesa: COSTA, Avelino de Jesus, Normas Gerais de Transcrição e Publicação de Documentos e Textos Medievais e Modernos, Coimbra, 1993. As palavras que se encontram escritas a bold são da mão de Fernão de Pina no foral; os versos dos fólios não numerados no original, encontram-se numerados em numeração árabe e a cinzento, com parêntesis rectos; entre parêntesis rectos também as anotações de outras quaisquer mãos. 51 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira 3. traNsCrição Do Foral De torres Novas De 1 De maio De 1510 Dom maNuel per graça de deus Rey de Portugal e dos Algarues daquem e dalem mar em africa Senhor de guyne e da conquista neuegacom e comercio deteopia arabia persia e da India. A quantos esta nossa carta de forall dada a Vila de torres nouas Virem fazemos saber que per bem das deligencias Jsames e Jmquirições que em nossos Regnos e senhorios mandamos Jeralmente fazer pera a justificaçam e decraracam dos foraes deles e per alg as sentencas e detriminacoens que com os do nosso conselho e letrados passamos e fisemos passar damos Visto o forall da dita vila dado 52 el Rey dom Sancho o primeiro que as Rendas direitos Reaes se deve na dita Vila de pagar e aRequadar na maneira e forma seguinte. Primeiramente pelo dito forall foy dado por direito e trebuto Reall na dita Vila que os jugadeiros e pessoas nom priveligiadas pagasem por jugada na dita Vila e termo seis quarteiros de pam tres d outuno .∫. triguo cevada ou cemteio per terças e tres de milho ou painco quall laurassem e se o laurador ante quisese pagar a quarto se nom tivesse pam per a pagar ate os ditos quarteiros que o podesse fazer com tanto que pagaria ho quarto de todalas outras sementes que tivessem. E sem embargo do dito forall os moradores da dita Vila e termo estam em custume per nos aprouado e sentenceado de pagarem somente pella dita jugada tres quarteiros de trigo estreme sem pagarem mais de nenh a outra semente posto que a laurem e colham Com decraracam que quando amte quiserem pagar o dito quarto se nom tiverem pam pera os ditos tres quarteiros per Rezam do quamto podeloam fazer pagamdo tambem o quarto de todo pam que colherem trigo ceuada cemteio milho ou paimco de quaes quer deles que colherem. E seram deligemtes os oficiaes ou Remdeiros de hirem as eiras partir quando ouuerem de quartejar he nam hindo se guardara nisso a ordenanca jerall que sobre isso temos feita. E os seareyros se fizerem ate tres jeiras pagaram seis alqueires no que passar de tres geiras pagara dez a seis alqueyres .∫. seis de triguo e cinquo De ceuaDa Ou centeo e cinquo De milho ou paJnco. E posto que de todo a nam laurem se De h um soo laurarem De que leuaram seu carreto orDenado segundo no capitollo seguinte vay Decrarado E os quarteiros per que aly pagam a dita jugada sam de dezaseis alqueires desta por quarteiro no çileiro E o mais levam por seu trabalho e solairo de trazerem a dita jugada ao cileiro O quall alqueire levaram asy quamdo pagarem os tres quar i [1v] Jugada ii outro pam [2v] teiros suso ditos como quamdo pela outra maneira cortejarem E quamdo ho pam que trouxerem nom chegar a corteiro de que am daver hum alqueyre leuaram soldo a liura de quamto acarretarem. NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas Outavo Vinho Linho moemdas iii [3v] almocreues Gemtar E pagaram os piães ho outauo de todo o linho ou Vinho que na dita Vila e termo colherem .∫. ho Vinho abica e o linho no temdall e atimta O quall oitauo e asy a dita jugada do pam açima decrarada se aRequadara e pagara per aquellas pesoas e naquela maneira que per nosas leis e ordenacoes do Regno he detreminado que se aja de fazer ou ao diamte em quall quer maneira que se detreminar que se faca E nam pagarom os ditos lauradores a palha e linho que ate quy pagauam ao alquaide mor por serem liures diso per sentença. E por que as moemdas da dita Vila e termo sam todasda coroa Reall aRemda das ditas moemdas se Repartem nesta maneira.∫. pagase primeiramente das moemdas de pam de conhoçemça a Igreia meio alqueire quada anno por pedra se tem quatro pedras ho emgenho e se as nom tem Leua Somemte dous aLqueires hum de trigo e outro de segumda. E pagase iso mesmo de momte mor o mamtimento e molaria do moleiro e a demasia que fiqua se parte igualmente a metade .∫. o Senhor da propriedade e a outra metade o senhor da tera. Outro sy sam da coroa Reall as moemdas do azeite do quall leuam de dez alqueires huum em azeite de maquia e he todo lancado em huum pote ou Vasilha E de quall quer camtidade que se Recebe se Reparte nesta maneira .∫. leua o dono da tera a metade de todo em cheio e da outra metade leuam os lagareiros a metade E o Verdelhoeiro que o aquenta a outra metade que he o quarto de toda a soma maior E mais oito Reis por moedura dos quais sam dous pera o servidor do lagar e os seis leua ho dono e senhorio da propriedade o quall faz e Refaz todalas ditas moemdas a sua custa e Isto somente se guarda na Rybeira que Vay pella dita Villa. Porem quem fizer moemda dagoa fora da dita Rybeira em sua propria tera Podeloao fazer e Leuara ho quarto de todo ho que Remder e os tres quartos se Repartem pelo Senhorio e Verdelhoeiro e lagareiro sobre ditos das ditas moemdas segumdo se sempre custumou e Usa na ditta Vila sem comtradiçam. E as moemdas de besta pode quem quiser fazer sem pagar nenh~u foro nem trebuto ao Senhorio asy d azeite como do pam ou poutra quall quer cousa. Os almocreues ou pesoas que com suas bestas aquaretarem pam pera alguum cileiro pagaram aquele anno trimta alqueires de trigo somente E as outras pesoas posto que almocreues seija na pagaram o dito direito nem nenhum outro por suas bestas nem por este direito que ate ora se chama das eguoas saluo os que ho pam pera os cileiros aquaretarem como dito he E podera as taes pesoas fazerem auença por menos dos ditos trimta alqueires quamdo lhe bem Vier. E Se pagara mais por direito Real hum gemtar na ditta Villa que chama colheita de maio pola quall pagam as cousas 53 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira Seguimtes .∫. de trigo quatrocemtos e dezasete alqueires E de ceuada seis cemtos he setemta e dous alqueires desta medida coremte E de uinho nouemta e h almudes E de carneiros doze E de porquos quatro E de carne huma Vaqa E de galinhas sesemta E de cabritos doze E de cera huma aRoua e de mell hum alqueire E de mamteiga hum alqueire E de lenha doze caregos e d ouos trezemtos E huma Vara de bragall E huuma mão de linho E adubos. Pera a quall paga nom seram escusos nem priuiligiados nenhumas de nenhuma calidade nem dinidade que seja dos bens que tiuesem e asy Igreias e cousas eclesiasticas saluo daqueles beens de raiz que as ditas Igreias teuerem e se mostrarem serem aVidas deste o tempo do nacimento de nosso Senhor Jhesuu Christo de mill e trezemtos iiii e Vinte e tres annos atras por que desde a ditta era por diamte todolos bens que ouuera as ditas Igreias e pesoas eclesiasticas ou ouuerem am de pagar Imteiramente Segumdo se mostra a por [4v] 54 a composiçam e Sentença feita amtre as IgreIas e os moradores da dita Vila a quall aprouamos e mandamos que aly se cumpra pera sempre. Sam noue tabaliaes na dita Vila e pagam cada hum dusemtos e cimquoenta Reis Se leuara mais na dita Villa d açoujajem da uaqua meio Vure21 e do boy omze ceitis22 E do porquo hum lombinho ao alcaide d açougajem dous ceitis E do carneiro dous ceitis E leuara dos bodes cabras ou ouelhas hum ceitill e este direito se pagara semdo os acougues do senhorio e a custa sua Repairados E das Vercas23 e Fruitas nom se pagara nada. Pagaram na dita Vila as pesoas que venderem pam amasado cada somana ao sabado h Reall ou h pam do dito preço qual amte a padeira quiser O qual nam pagaram as pesoas que per costramgimemto ho amasarem pera Vemder nem se pagara do pam das ofertas nem dobradas. A dizima da emxucaçam das sentenças se leuara na dita Vila e nam outra que ate quy se leuaua da quall somemte se leuara tanta parte de dizima de quamta se fizer A emxucaçam Da dita comdenaçam posto que a Sentença de moor contia seia. O gado do uento se leuara pella ordenaçam com decraraçam que a pesoa pella mão ou poder for ter o dito gado o uenha escreuer a dez dias primeiros seguimtes so pena de lhe ser demamdado de furto. 21 22 23 Ubre - glândula produtora de leite das fêmeas de alguns animais. Ceitil - moeda de cobre cunhada a partir de D. Duarte. Verças – leguminosas e legumes vários. tabaliaes açougajem çalaio Dizima da emxucaçam das Sentenças v Gado de Uento NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas Relego O tempo do Relego24 pera se uemder o Vinho somemte dos oitauos sera desde Santa maria de marco ate Sam Joham no quall tempo nehuma pesoa podera Vemder outro Vinho atauernado so pena de por quada vez que ho fizer sem liçença pagara ao Relegueiro cemto e oito Reaes por os sesenta soldos que se por seu forall mamdou pagar E quem quiser Vemder per alimudes de cada Vasilha que Vender hum almude ora seja gramde ora pequena E se se (sic) o Vinho dos ditos oitauos nom durar tamto em se uemder como os ditos tres meses do Relego mamdamos que em quall quer tempo que se aquabar de uemder nam aJa mais Relego. E quada hum podera vemder seu Vinho a quem quiser sem mais [5v] liçemça nem pena alg a posto que os ditos tres meses nam seiam passados E se o Vinho dos oitauos e Relego tanto durase que se nam Vemdese nos ditos tres meses nam se podera mais Vemder atauernado na dita Vila e termo omde se guardou o dito tempo do Releguo. E pera justificaçam do que dito he mamdamos que os juizes e oficiaes da uila tamto que o dito Vinho dos oitauos for na dega do Releguo o Vam Ver e escreuam as Vasilhas quaes e quamtas sam e de que Vinho por que se nom posa depois com esse meter outro que dos ditos oitauos e pera o dito Relego nom seia como dito he. Se aRequadara mais poe direito Reall e dalquaidaria na dita Vila e termo as penas das armas nesta maneira .∫. quem tirar arma pera fazer mall com ela demtro na dita Vila e aRaualde pagara ao mordomo cemto e oito Reaes e ao alquaide duzemtos Reis he mais arma perdida E se atirar no termo pagara somemte duzemtos Reaes Pena d arma vi Pescado em cargas Repartidos nesta maneira .∫. os cemto e oito Reaes pera ho mordomo E os nouenta e dous Reaes ao alquaide e mais arma pirdida a quall pena se julgara Segumdo nosas ordenaçoes com estas limitações .∫. que o que apunhar espada ou outra arma se a nom tirar nom pagara nada nem ho que tomar paaoo ou pedra aImda que com ele faca mall e tire samgue se foy em Rixa noua nam pagara saluo se for de preposito e fizer mall com ela Nem pagara nenhuma das ditas penas moço de doze annos pera baixo em quall quer maneira que as cometa nem de molher de quall quer Idade nem as pesoas que castigamdo sua molher e filhos e criados e seuos posto que lhe tire samge Nem a pagaram os que jugamdo punhadas sem armas tirarem samgue com bofetada ou punhada e as ditas penas nam pagaram isso mesmo as pesoas que em defemdimemto de seu corpo ou por apartarem e estremarem outras pesoas em aRoido tirarem armas posto que com ellas tirem samge Se pagara na dita Vila de todalas cargas de pescadas que hy Vierem pera 24 Época reservada para vender exclusivamente o vinho do rei, dentro das vilas e cidades. 55 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira Vemder huma pescada quall poder escolher na canastra o mordomo ou Remdeiro sem mais Reuoluer ho ditto pescado somemte a que poder per sua Vista escolher semdo toda a canastra ou canastras descubertas sem mais poderem Reuolver nem trestornar as canastras ou seiroes em que Vier E na ditta maneira levaram de quaes quer saues ou peixe descama hum so peixe he nam dous posto que ate ora mais se leuase ou Requerise O quall direito pagarom todolos almocreues asy de fora como da uila posto que soldem. E se com quada hum destes pescados ou outros semelhamtes Viese algum peixe escolheito e doutra qualidade ou mor quamtidade nam tomaram dos tres peixes o ditto direito somemte dos outros de que a moor quamtidade da carga fose tomaram o maior como dito he E este peixe maior se emtemdera se Viier em besta maior E se for d asno nam leuam senam a metade de cada hum dos ditos peixes e se for cost [6v] vii 56 all per esse Respeito E asy se leuara e emtemdera das outras cargas de pescado abaixo seguimtes. E da carga maior de carga de pescado descama em cambos pagaram huum Reall .∫. tres ceitis dacougajem e outros tres de mordomado E do pescado de couro leuaram omze ceitis E dos mugens de carga que Vier em canastra se pagara de Vimte hum e se Vierem as costas de trimta huum E da gamella do pescado que se Vemder do Ryo da dita Vila em cestos ou gamelas pagara huum ceitill em quall quer maneira que se matar dacougajem e mais leuara do ditto pescado asy Vemdido em gamelas ou cestos o alquaide ou mordomo hum Reall asy do pescado do dito Ryo como do que se matar no tejo. E dos saues ou de quall quer outro pescado que se trouxer ao colo pera Vemder pagaram dous ceitis .∫. hum dacougajem e outro ao mordomo ou alquaide. E de carga de marisco se pagara hum Real .∫. meio Reall dacougajem e meio Reall ao mordomo ou alquaide. E de carga de sardinha que Vier a dita Vila huma duzia de carga maior e de menor a metade e dy per baixo pes esse Respeito dacougagem e de portajem E de uesugos carapaos e de todo peixe meudo descama hum aRatell de carga maior e de menor a metade e dy per baixo per esse Respeito dacougajem e de portaiem E os da uila nem de fora dela no poderom Vemder nenhum pescado nem marisco em suas casas nem em outras senam se for por licemça da camara e ofiçiaes dela E do pescado descama sequo se pagara hum peixe como do fresco. De telha ou tigelo que se trouxer de fora pera Vemder ou se tirar por carga maior hum Reall. 25 Nota de outra mão. 7v Nam se pode vender pescado fresco nem seco ou marisco sem Licª. Da Camera.25 telha NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas E da carga maior dos alhos ou cebolas de fora quatro Reais. E da carga maior do linho em cabelo quatro Reaes. E da carga da qall ou de bagaco d azeite omze ceitis. viii E das escudelas ou madeira laurada asy como tones pipas e semelhamtes pagarom por carga maior dez Reaes E de cadeiras tauoleiros e semelhamtes E da outra madeira pera casas laurada ou por laurar por carga maior dous Reaes. E alem das ditas cousas sam tambem da coroa Reall os cileiros lagares e adegas e o casall da Rainha e outros foros segumdo estam escritos no liuro dos nosos propios. Titollo da portajem per cargas e doutras cousas. Primeiramemte decraramos he poemos por ley jerall em todos os foraes de nosos Regnos que aquelas pesoas ham somemte de pagar portajem em alguma Vila ou lugar que nam forem moradores e Vezinhos dele e de fora do tall lugar e termo dele ajam de trazer as cousas pera hy Vemder de que a ditta portajem ouuerem de pagar ou se os ditos homems de fora comprarem cousas nos lugares omde asy nam sam Vezinhos e moradores e as leuarem pera fora do ditto termo E por que as ditas comdicoes senom [8v] Ponham tamtas Vezes em cada hum capitolo do dito forall mamdamos que todolos capitolos e cousas Seguimtes da portajem deste forall se emtemdam e cumpram com as ditas comdições e decrarações .∫. que a pesoa que ouuer de pagar a dita portajem seja de fora da Vila e do termo e traga hy de fora do dicto termo cousas pera Vemder ou as compre no tall lugar domde aly nom for Vezinho e morador e as tire pera fora do dito termo. E asy decraramos que todalas cargas que a diamte Vam postas e nomeadas em carga maior se emtemdam que sam de besta muar ou caualar E por carga menor se emtemda carga d asno E por costall a metade da dita carga menor que he o quarto da carga de besta maior. E asy acordamos por escusar preloxidade que todalas cargas e cousas neste forall postas e decraradas se emtemdam decrarem e julguem na Repartiçam e comta delas asy como nos titollos Seguimtes do pam e dos panos he limitado sem mais se fazer nos outros capitulos a dita Repartiçam de carga maior nem menor nem 57 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira [Parte seguNDa Da “tabuaDa”, eNtre os Fólios viii e ix, eNCaDerNaDa No DoCumeNto origiNal aquaNDo Do restauro]26 Azeyte çera e semelhantes Fruita seca Fruita Verde Palma esparto e semelhantes Escrauos Bestas Lousas de pedra e barro Do arrecadar da portagem Entrada por terra Priuiligiados Pena do forall descaminhado 58 xiii xiii xiiii xiiii xiiii xiiii xb xb xb xb xbiii xb costall nem aRous somemte polo titolo da carga maior de cada cousa se emtemdera o que por esse Respeito e preco de deue de pagar das outras cargas e peso .∫. pelo preco da carga maior se emtemda logo sem se mais decrarar que a carga menor seria da metade da menor E asy dos outros pesos e quamtidade segumdo nos ditos capitolos Seguimtes he decrarado E asy queremos que das cousas que adiamte na (sic) fim de cada hum capitolo mamdamos que seria pague portajem Decraramos que das taes cousas se nam aja de fazer mais saber na portajem posto que particularmemte nos ditos capitolos nam Seja mais decrarado E asy decraramos e mamdamos que quamto algumas mercadorias ou cousas se perderem sor descaminhadas segumdo as leis e comdiçoes deste foral que aquellas somemte sejam perdidas pera a portajem que forem escomdidas e sonegado ho direito delas e nam as bestas nem outras cousas. ix De todo trigo ceuada cemteio milho paimço aVeia e farinha de cada hum deles ou de linhaça e de call e sall e de bagaco dazeitona que os homems de fora trouxerem pera Vemder a dita Vila ou termo ou hy os ditos homems de fora as comprarem e tirarem pera fora do termo pagarom por carga maior .∫. besta caualar ou muar tres ceitis e por carga dasno [9v] 26 Optou-se nesta transcrição por colocar a “tabuada” exactamente entre os fólios VIIII e IX, correspondente ao documento actual. Pam Sall cal bagaco NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas Cousas de que se nam paga portajem x A paga... casa mouida [10v] pasaiem que se chama menor dous ceitis E do costall que he a metade da besta menor e dahy pera baixo quamdo Vier pera Vemder hum ceitill E quem pera fora tirar quatro alqueires E dahy pera baixo nam pagaram E se as ditas cousas ou outras quaes quer Vierem ou forem em caros ou caretas contar sea cada hum por duas cargas maiores Se das taes cousas se ouuer de pagar portajem. A quall portajem se nom pagara de todo pam cozido queijadas biscoito farelos nem de bagaco dazeitona oVos leite nem de cousas delle que seja sem sall nem de prata laurada nem de pam Que trouxerem ou leuarem ao mouiho nem de canas Vides quarqueija tojo palha Vasouras nem de pedra nem baro nem de lenha nem erua nem de carne Vemdida a peso ou a olho nem se fara saber de nenhuma das ditas cousas nem se pagara portajem de quaes quer cousas que se comprarem e tirarem da uila pera o termo nem do dito termo pera a Vila posto que seja pera Vera27 Vemder asy Vezinhos como nam Vezinhos nem se pagara das cousas nosas nem das quaes quer peso as trouxerem pêra alguma armada nosa ou feita per noso mamdado ou autoridade nem de pano e fiado que se mamdar fora a teçer curar ou temgir nem dos mamtimemteos que os caminhamtes na dita Vila e termo comprarem e leuarem pera seus mamtimentos e de suas bestas nem dos panos joias que seem prestarem pera Vodas ou festas nem dos gados que Vierem pastar algums lugares pasamdo nem estamdo saluo daqueles que hy Somemte Vemderem. De casa mouida senam ade leuar nem pagar nehum direito de portajem de nen huma comdiçam he nome que seja asy per aguoa como per tera asy jmdo como Vimdo saluo se com a casa mouida trouxerem ou leuarem cousas pera Vemder de que se deua e aja de pagar portajem por que das taes se pagara omde sememte as Vemderem e doutra maneira nam a quall pagarom segumdo a qualidade de que forem como em seus capitolos adiamte se comtem. E de quaes quer mercadorias que a dita Vila ou termo Vierem asy per aguoa como per tera que forem de pasajem pera fora do termo da dita Vila pera quaes quer partes nam se pagara direito ninhum de portajem nem seram obrigados de o fazerem saber posto que ahy descargem e pousem a quall quer tempo e ora e lugar E se hy mais 27 Palavra duplamente rasurada [Vera]. 59 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira ouuerem d estar que todo ho outro dia por alguma cousa emtam o faram saber E esta liberdade de pasajem se nom emtemdera quamdo forem ou Vierem pera fora do Regno por que emtam faram saber de todas posto que de todas nam aja de pagar direito Nem pagaram portajem os que na dita Vila e termo erdarem algums bems 60 mouens ou nouidades d outros de Raiz que hy erdasem ou os que hy teuerem bems de Raiz proprios ou Remdados e leuarem as niuidades e fruitos deles pera fora. Nem pagaram portajem quaes quer pesoas que ouuerem pagamemtos de seus casamemtos em quaes quer cousas e mercadorias posto que as leuem pera fora e seja pera Vemder. Por todolos panos de seda borcado lam linho algodam ou de palma e de todalas Roupas feitas de cada hum deles se pagara por carga maior Vimte e sete Reaes E por menor treze Reaes e meio E por costall seis Reaes e cimquo ceitis E por aRoua hum Reall quatro ceitis e di pera naixo per ese respeito Segumdo se uemder E quem leuar Retalhos dos ditos panos ou Roupas pera seu Uso nam pagara nada E a carga mayor se emtemde de dez aRouas E a menor em cimquo E o costall em duas e meia e Vem aRoua a dous Reaes e quatro segumdo a quall se pagaram quamdo forem menos de costall E asy se fara Nouidade dos bems pera fora xi Panos delgados [11v] Nas outras cousas Soldo a liura Segumdo a quamtidade de que forem. E da lam ou linho ou seda ja fiados timgidos ou por timgir se pagara como dos ditos panos e da lam por fiar se pagara somemte seis Reaes por carga maior E da estopa fiada ou por fiar E dos bargaes trez feltros burell emxerga almafega mamtas da tera e dos semelhamtes panos grosos e baixos se pagara por carga maior somemte treze Reaes e meio E por menor seis Reaes e cimquo ceitis E por costall tres reaes e meio que sera de duas aRouas e meia leuamdo em dez aRouas a carga maior e per ese Respeito Vira cada aRoua em oito ceitis e di pera baixo per esse Respeito quamdo Vier pera Vemder Porem quem das ditas cousas ou cada huma delas leuar pera seu Vso nom pagara portajem E por carga maior de uinho se pagara hum Reall E do uinagre por esse Respeito. E do boi tres Reaes quatro ceitis E da vaqua hum Reall cimquo Ceitis E do carneiro ou porquo dous ceitis e do bode ou cabra ou oVelha hum ceitill E Se as mães trouxerem criamcas que mam m nam se pagara -/ direito se nam das maes nem Se pagara de borreguos cordeiros cabritos nem leitoes saluo se de cada huma das ditas cousas se comprarem e vemderem jumtamemte de quatro cabecas per cima das quaes emtam lam fiada linho seda lam por fiar estopa mamtas e semelhamtes Vynho Gado xii NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas pagarom por cada huum hum ceitill E do toucinho ou mmarãm que Vemder Jmteiros por cada huum dous ceitis E emcertado nam pagarom portaJem. Nem se pagara de carne que se comprar de talho ou emxerqua e de coelhos lebres percaça dizes patos ades pombos galinhas E de todalas outras aues e caça se nam pagara portaJem asy polo comprador como Vemdedor. coirama e obra De coirama cortida asy uaquarill como outra de quall quer sorte que seja E per comseguidellamte de todo cacado obra ou lauor que se do ditto coiro cortido po [12v] pilitaria marçaria especearia xiii metaes [13v] Sa fazr de quall quer nome e semtença que se tenha por carga maior Vimte e sete Reaes E das outras como atras no capitolo dos panos se comtem E quem das dittas cousas leuarm ate paga de hum Reall nom pagara. E dos coiros Vaquaris cortidos ou por quortir E de quall quer coirama em cabelo pagaram somemtem por carga maior treze Reaes e meio e das outras cargas per esse Respeito E quem das ditas cousas nom semdo pele jinteira Ilhargada ou lombeiro leuar pera seu Vso qe que deua de pagar meio Reall e di pera baixo nom pagara. E de peles de coelhos cordeiras martas e de toda outra pelataria ou foros por carga maior Vimte e sete Reaes E de peliquas e Roupas feitas de peles por quada h a meio Reall E quam tirar cada huma das ditas cousas pera seu vso nom pagara. De pimemta e quanela E por toda outra especearia E por Ruy barbo quasy fistola E por todalas out Tras cousas de botica E por estoraque e todolos perfumes ou cheiros E por agoa Rosada e outras agoa estiladas E por acuquar e todalas comfeicoes delle ou de mell E por gram vrasill e per todalas cousas pera timgir E por veos E por todalas cousas d algodam ou seda E por todalas cousas de uidro por carga maior das ditas cousas ou de cada huma delas ou de todalas suas Semelhamtes asy como marcaria e outras taes se pagara Vimte e sete Reaes. E quem das ditas cousas leuar pera seu vso menos de hum Reall de direito nom pagara. Do aco fero estanho chumbo latam aRame cobre e por todo outro metall E das cousas feitas de cada hum deles E das cousas de fero que forem moidas limadas estanhadas ou emuernizadas por carga maior de cada huma delas Vimte e sete Reaes das quaes nom pagarom os que as leuarem pera vso ate huum Reall E outro tamto se pagara das feramemtas e armas das quaes leuaram pera seu Vso as que quiserem sem pagar nenhuma cousa. E do fero em bara ou em macuquo E por todalas cousas lauradas delle que nom sejam das acima comteheudas limadas moidas estanhadas ou emuernizadas por carga maior treze 61 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira Reaes e meio e quem as ditas cousas leuar pera seu Vso e de suas quimtams ou Vinhas nom pagara nada de quall quer quamtidade. Da cera mell azeite seuo Vmto queijos sequos mamteiga salgada pez Rezina breu cumagre sabam alquatram por carga maior treze Reaes e meio e quem comprar pera seu Vso ate hum Reall de portajem nom pagara nada E se quada huma das ditas cousas forem ou Vierem em tones pagarsea per este Respeito de seis cargas ao tonell E per esa maneira nas outras Vasilhas abaixo E nom pagara nada da louca. De castanhas Verdes e sequas e nozes ameixas pasadas e figos e Vuas pasadas amemdoas e pinhoems por britar aVelams bolotas mostrar 62 Azeite Cera e semelhamtes fruita sequa da limtilhas e de todolos legumes sequos por carega (sic) maior quatro Reaes E quem tirar menos de dous alqueires pera seu Vso nom pagara. E de carga maior de laramjas cidras peras cireijas Vuas Verdes e figos e por toda outra fruita Verde meio Reall E outro tamto se pagara por meloems e ortaliça for menos de meia aRoua nom se pagara portajem pelo comprador nem Vemdedor. Da palma esparto jumca ou jumco sequo pera fazer empreita dele ou de obras de tabua ou fumcho por carga maior seis Reaes e quem leuar de meia aRoua pera baixo pera seu Vso nom pagara nada E das esteiras alcofas acafates e cordas e de quaes quer obras que se fizerem das ditas cousas da palma e etc. por carga maior dez Reaes quem tirar de meio Reall pera baixo de portajem nom pagara. Do escrauo ou escraua que se uemder treze Reaes e meio E se as maes trouxe xiiii rem criamcas que mamem nom pagaram mais delas que polas maes e se troquarem hums escrauos por outros sem tornar dinheiro nom pagarom e se tornar dinheiro por cada huma das partes pagarom a dita portajem E a dous dias despois da uemda feita Jram aRequadar com a portajem as pesoas a Isso obrigadas. Do caualo ou Roçim ou mu ou mula se for Vemdido por menos de duzemtos e sesemta Reaes pagara treze Reaes e meio e dy pera cima em quall quer quamtidade se pagara Vimte e sete Reaes por cada huma delas. E da eguoa se pagara tres Reaes e quatro ceitis E do asno ou asna hum Real e comquo ceitis E este direito nom pagara os Vasalos e escudeiros nosos e da Rainha ou de nosos filhos E se as egoas ou asnas se uemderem com criamcas nom pagarom senom polas maes se troquarem humas por outras sem tornar dinheiro nom pagarom e a dous dias despois da uemda feita Iram aRequadar com a portajem as pesoas a Iso obrigadas. [14v] e toda louca de baro do Regno que nom seja Vidrada a quatro Reaes por carga maior e se fruita Verde palma esparto e semelhamtes escrauo bestas xv NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas Cousas de pedra e baro for Vidrada a oito Reaes pola dita carga maior E da louca nom Vidrada de fora do Regno aos ditos oito Reaes por carga maior e se for Vidrada e asy azulelos .∫. a dez Reaes por carga maior quem leuar pera seu Vso das ditas cousas ate hum Reall de portajem nom pagara E de mo de barbeiro tres Reaes E de moinhos ou atafanas quatro Reaes E de moer casca ou azeite oito Reaes E por mos de mam de moer pam ou mostarda hum Reall he quem trouxer ou leuar cada huma das ditas ditas28 (sic) cousas pera Seu Vso nom pagara nada nem se pagara de baro nem pera que se leue nem traga per nenhuma maneira saluo de marmores de leuamte dos quaes se leuara somemte por carga maior hum Reall E pera seu Vso nom pagaram em quall quer quamtidade que29 as trouxerem ou leuarem. E as outra cousas comtheudas no forall amtigo da dita Vila ouuemos aquy por escusadas por senom Vsarem já portamto tempo que nom a delas memoria e alg as [15v] delas tem Ja sua prouisam per leis e ordenacoes jeraes destes Regnos. As mercadorias que Vem de fora pera Vemder nom as descaregarom nem meteram em casa sem primeiro o notefiquarem aos Rendeiros ou oficiaes da portajem E nom os achamdo em casa tomaram h seu Vezinho ou pesoa conheçida a quada h dos quaes diram as bestas e mercadorias que trazem e omde amde pousar he com Isto poderam pousar e descaregar omde quiserem de noute e de dia sem neh a pena E asy poderam descaregar na praca ou acougue do lugar sem a dita manifestaçom dos quaes lugares nom tiraram as mercadoriam sem o primeiro dizerem aos Remdeiros ou oficiaes da portajem so pena de as perderem aquelas que somemte tirarem e sonegarem e nam as bestas nem as outras cousas E se no termo do lugar quiserem Vemder faram Do aRequadar da portajem emtrada por tera outro tamto se hy Remdeiros ou oficiaes ouuer da portajem e seos nom ouuer notefiquem no ao juiz ou Vimtaneiro ou quadrilheiro se os ahy achar ou a dous homes do dito lugar com os quaes aRequadam sem ser xvi Saida por tera mais obrigado a buscar aos oficiaes nem Remdeiros nem emcorer por isso em alg a pena. E os que ouuerem de tirar as mercadorias pera fora podem nas comprar liurememte sem nenh a obrigaçom nem cautela e seram obrigados há as mostrar aos Remdeiros ou oficiaes quamdo somemte as quiserem tirar e nam em outro tempo E das ditas manifestações de fazer saber a portajem nam seram escusos os preueligiados posto que a nom ajam de pagar Segumdo no capitolo Seguimte dos priuiligiados vay decrarado sob a dita pena de descaminhado. 28 29 Palavra que se apresenta [actualmente] rasurada. Depois da letra “q” foi sublinhado o sinal de abreviatura e inscrito um “z” minúsculo. 63 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira As pesoas eclesiasticas de todolas Igrejas e moesteiros asy d om es como de molheres E as prouemçias e moesteiros em que a frades e freiras Irmitaes que fazem voto de profisam e asy os crelegos de ordens saclas e os beneficiados em ordens meiores que posto que nom sejam d ordens saclas viuem como crerigos e por taes sam auidos todos os Sobreditos sam Isemtos priuiligiados de todo direito de portaje priuiligiados [16v] 64 Nem Vsajem nem custumajem per quall quer nome que a posam chamar asy das cousas que uemderem de seus bens ou beneficios como das que comprarem trouxerem ou leuarem pera seus Vsos ou despesas de seus beneficios casas e familias asy por mar como per tera. E asy sam libertados da dita portajem as cidades Vilas e lugares de nosos Regnos que se seguem .∫. a cidade de lixboa E as Vilas de caminha Vila noua de çirueira Valemça de minho momcam crasto leboreiro Viana da foz de lima pomte de lima prado barcelos gimaraens pouoa de uarzim gaya do porto miramda do doyro bargamça freixo espada cimta Samta maria do azinhoso mogadouro amçiaens chaues momforte de Ryo liure momtalegre crasto Vicemte a cidade da guarda jarmelo pinhell castel Rodrigo almeida castell mendo Vilar maior Sabugall xvii Sortelha Couilham momsamto portalegre maruam aromches campo maior fromteira momforte Vila Vicosa eluas oliuenca a cidade d euora Momte mor o nouo laura (sic) pera os vendeiros somemte momcaraz beja noudar moura almodouuar hodemira os moradores do castelo de çezimbra. E asy o serem os moradores da dita Vila e termo no dito termo e vila de todo direito de portajem nem Vsajem nem pasajem nem custumagem por h soldo que amtigamente se mamdou pagar pollo quall pagara ora toda pesoa omze ceitis d aguora os quaes pagarom ate o sam joham em quall quer tempo do ano atras que quiserem pera gouuirem do dito priuilegio e se ate sam joham nom pagarem di por diamte nam escuraram saluo Se primeiro soldarem. E asy seram libertados na dita portajem quaes quer pesoas ou lugares que nosos priuilegios tiuerem e mostrarem ou ho trelado deles em pruuica forma alem dos acima comtheudos. E as pesoas do dito lugar preueligiados nom tiraram mais o trelado de seu priuilegio nem o traram somemte certidam feita pelo escriuam da camara e com o selo como sam Vezinhos daquelle lugar E posto que aja duuida nas ditas certidoens se sam verdadeiras ou daqueles que as apre- [17v] NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas sentam poderlheam sobre isso dar juramemto sem os mais deterem posto que se diga que nom som verdadeiras e se despois se prouar que forom falsas perdera ho escriuam que a fez ho ofiçio e degradado dous annos pera certa e a parte perdera em dobro as cousas de que asy emganou e sonegou a portajem a metade pera a nosa camara e a outra pera a dita portajem de quaes priuylegios vsaram as pessoas nelle comtheudas pelas ditas certidoens posto que nom vam com suas mercadorias nem mamdem suas precuracoens comtamto que aquelas pesoas que as leuarem jurem que a certidam he verdadeira e que as taes mercadorias sam daqueles cuja he a certidam que ha presemtarom. xviii pena do forall E quallquer pesoa que for comtra este nosso forall leuamdo mais direitos dos aquy Nomeados e nomeados ou leuamdo destes maiores comtras das aquy decraradas ho auemos por degradado por h anno fora da vila e termo e mais pagem da cadeia trimta Reaes por h de todo ho que asy mais leua pera a parte a que os leuou e se anno quiser leuar seja a metade pera quem ho acusar e a outra pera os catiuos E damos poder a quallquer justiça omde acomteçer asy juizes como Vimtaneiros ou quadrilheiros que sem mais proceso nem ordem de juizo sumariamente sabida a uerdade comdenem os culpados no dito caso de degredo e asy o dinheiro ate comtia de dous mill Reaes sem apelaçam nem agrauo e sem diso poder conhecer almoxerife nem comtador nem outro oficiall nosso nem de nosa fazemda em caso que o ahy aja E se o Senhorio dos ditos direitos o dito forall quebramtar per sy ou per outrem seja loguo sospemso deles e da jurdiçam do dito lugar se a tiuer [18v] Quamto nosa merçe for E mais as pesoas que em seu nome ou per ele fizerem em coreram em as ditas penas he os almoxerifes escriuaes e oficiaes dos ditos direitos que o asy nom cumprirem perderam logo os ditos oficios e nom aVeram mais outros E portamto mamdamos que todalas cousas comtheudas neste forall que nos poem por ley se cumpram pera sempre do theor do quall mamdamos fazer tres h deles deles30 (sic) pera a camara do comcelho e outro pera o Senhorio dos ditos direitos e outro pera a nosa tore do tombo pera em todo o tempo se poder tirar quall quer duuida que sobre isso posa sobre vir dado na nosa Vila de samtarem ao primeiro dia de maio do naçimemto de nosso Senhor Jesu Christo de mill e quinhemtos e dez. e eu Fernam de pyna…. Da casa do dito senhor per mandado espicial de sualteza o fiz fazer concertey e soestprevy e vay escripto em dezoito folhas como esta. 30 Palavra que se apresenta [actualmente] rasurada. 65 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira [assinado:] EL REY foral pera torres Nouas31 xix [assinado:] No tombo Fernam de Pyna (a) [19v] Publico deste foral da vila de Torres novas bj Cxxx por Rodriguo Arres Vreador. (assinatura) [assinado:] Rodericus (b) torres nouas mil e bj cxxx (assinatura ilegível) 66 xx [em branco] [21v] [Vistos de Correição:] Visto em Correjcão em camera Com os da governança e officiaes della Em 28 de Majo de 1613 (assinatura ilegível) (a) Em correjçao Torres Nouas 15 setembro (ano ilegível) (assinatura) Visto em Correiçao Torres novas Abril 12 1682 (assinatura) Visto em Correiçam de 1728 encader 31 No final da folha. (b) NOVA AUGUSTA O Foral Manuelino de Torres Novas esse este foral para que naõ venha a peor estado e risco de se perderem algumas folhas (assinatura: Almeida) Visto em Correiçao de 1769 e 1770 (rúbrica) [cont.19v] Visto em Correiçao Torres Novas 29 de Abril de 1820 (rúbricado: Homem) Visto em Correiçam Torres Novas de 8 de Setembro de 1827 (rúbricado: Semedo) Visto em Correiçam De 12 de Maio de 1826 (rúbricado: Semedo) Visto em Correiçam de 1791 (rúbricado: Araujo) Visto em Correiçam de 1810 (rúbricado: Valente) Visto em Correiçam de 23 de Setembro de 1823 67 NOVA AUGUSTA Joana Catarina Pereira Rosa 68 4. relatório tÉCNiCo Pretende-se com o presente relatório analisar a preservação e a conservação do Foral Manuelino, à guarda do Museu Municipal de Torres Novas com o número de inventário MMTN/374. O referido Foral esteve exposto na vitrina nº 3 da sala Tvrres do MMTN desde Setembro de 2006. Foi removido a 21 de Dezembro de 2007 para a Oficina do AHMTN para que fosse feita a análise do seu estado de conservação e proposta de intervenção a nível conservativo. Após uma primeira análise observou-se uma intervenção de restauro anterior de má qualidade, cujas características descreveremos mais adiante. Do ponto de vista conservativo, é necessário retirar a obra da exposição, visto que se corre o risco de perder grande parte do conteúdo manuscrito, caso essa decisão não seja desde já tomada, tendo em consideração a elevada deterioração dos últimos anos. A principal razão para este facto é a inexistência de controlo ambiental dentro das vitrinas, o que acelera o processo de degradação químico e físico do material de suporte da obra, o pergaminho, que necessita de um ambiente bastante específico (ToC: 15-20, HR%:40+10 e Lux:50). Em suma, a intervenção proposta para o Foral é maioritariamente de cariz conservativo, de forma a conseguir-se estabilizar 32 33 ABC of Bookbinding, Jane Greenfield, s.d., pág. 32. Cadernos cosidos com fio único, que trespassa todos os nervos. física e quimicamente a obra, através da elaboração de uma caixa de acondicionamento onde a obra ficará num microclima controlado devido à inclusão de Art-Sorb® no interior da mesma. identificação do documento tipo de documento: Livro material de suporte: Pergaminho encadernação: Característica dos séculos VIII a XVI, com ferragens ao centro e aos cantos com o intuito não só decorativo mas também de protecção à abrasão.32 Inteira, gofrada, em pele castanha, com nervos salientes, 10 ferragens em latão (4 esferas armilares e 1 brasão de Portugal em cada pasta) e 2 fechos (dos quais só restam as partes destes do plano inferior da obra, correspondentes aos machos). instituição detentora: Museu Municipal Carlos Reis (MMTN) lugar: Torres Novas Data: 1 de Maio de 1510 Dimensões: Capa: 285x200mm Folha: 277x195mm | Composição: 170x120mm Descrição A encadernação é inteira, de couro castanho-escuro sobre pastas em madeira, gofrada com motivos geométricos e vegetalistas (flor-de-lis). A costura, à portuguesa33, é feita sobre 3 nervos simples (provavelmente de pele). NOVA AUGUSTA Forais Manuelinos O corpo deste é composto por 3 cadernos, o primeiro com 5 bifólios, o segundo com 4 e o terceiro com 2. Contém ainda três folhas de guarda no nível superior e duas no inferior. Na folha de rosto (fólio I), entre duas esferas armilares, apresentam-se as armas reais encimadas pela coroa aberta, sobre um fundo azul na parte superior e verde/ castanho na inferior, que sugerem o céu e a terra respectivamente. As esferas armilares são douradas, sobre um fundo dividido na vertical cromaticamente (castanho e cinza) e ambas contêm a inscrição “1510” nas elípticas [Vide Ilustração 3]. De seguida, sobre um fundo castanho avermelhado, apresenta-se o nome do rei, “DOM MANVEL”, em letras maiúsculas de cor cinza escura. Por baixo deste conjunto apresenta-se o início do texto, cercado nos lados e em baixo por uma barra com flores vermelhas e azuis, botões de acácia a dourado e folhas verdes [Vide Ilustração 4]. A escrita do foral é gótica caligráfica arredondada, sendo a numeração romana dos fólios, os caldeirões e as capitulares a vermelho ou azul [Vide Ilustração 5 a e b]. São ainda visíveis ao longo do texto notas com caligrafia diferente, posteriores, nas margens dos fólios [Vide Ilustração 5 c], uma paginação em numeração árabe, também ela posterior e acrescentos ao texto no fólio XIX verso. O número de linhas é constante em todo o documento, vinte e cinco, exceptuando o início (fólio I) com 12 e o fim (fólio XIX verso) com 18, às quais foram acrescentadas posteriormente, por outra mão, 3. intervenções anteriores No que concerne à capa da obra, denota-se a intervenção ao nível da coberta, tendo sido removida na sua totalidade e, posteriormente, colocada sobre couro novo [Vide Ilustração 6]. Este, não sendo da mesma cor que a original, foi reintegrado cromaticamente de forma a minimizar o efeito óptico de contraste entre a intervenção e o original. Ao nível das pastas, é difícil concluir-se se estas são ou não as originais, visto não se proceder ao desmanche da obra. No entanto, pelo empeno que apresentam, existem duas hipóteses prováveis: 1) na altura da intervenção anterior as pastas foram tratadas, desempenadas e reutilizadas; 2) numa segunda possibilidade, foram colocadas novas pastas que, com o passar dos anos, empenaram, não só pelo facto de serem em madeira (o que por si só, devido a condições de ambiente adversas, já é uma provável causa para o facto apresentado) mas, também, devido ao mau adesivo utilizado na aplicação da coberta, que, por ser demasiado forte, provocar-lhes-ia o efeito apresentado [Vide Ilustração 7]. No interior da obra é possível observar intervenções de aplicação de novas folhas de guarda no nível superior e da volante inferior [Vide Ilustração 8 e 9], não tendo a fixa sido também substituída, muito provavelmente, devido ao facto de apresentar inscrições. 69 NOVA AUGUSTA Joana Catarina Pereira Rosa 70 Ainda nesta fase, é necessário registarse a presença de orifícios de uma anterior costura dos cadernos [Vide Ilustrações 10a e b], que seria uma costura com ponto de luva e não à portuguesa, como a que apresenta actualmente. O que nos leva a crer ser ponto de luva é o facto de todos os fólios apresentarem esses orifícios e estes se apresentarem na margem e não na dobra dos fólios (como os da costura actual). Denotam-se ainda alguns preenchimentos de lacunas ao nível do suporte, na zona que deveria corresponder à parte inferior da costura anterior, na qual foram utilizados pedaços de pergaminho e um adesivo (que não nos é possível especificar) não muito forte, razão pela qual alguns desses preenchimentos se encontram a descolar. Com o decorrer da observação exaustiva da obra34 foi-nos possível concluir que existiu um erro na ordem de colação dos fólios para a elaboração da nova costura. A tabulação (índice) apresentada entre os fólios VIII e IX, deveria encontrar-se antes da folha de rosto da obra, fazendo desta forma a função de guarda volante superior. Resumidamente, a operação, que agora podemos datar como sendo anterior ao ano de 179035, consistiu na colocação do primeiro bifólio da obra juntamente com o caderno cujo primeiro fólio seria a folha de rosto. Deste modo, o primeiro caderno seria composto por 4 bifólios e não 5, como 34 35 se apresenta actualmente. Esta hipótese é ainda reforçada pelo facto da folha de rosto apresentar o número 2 no canto superior direito (numeração esta feita muito provavelmente na altura do desmanche da obra para a intervenção de restauro de que foi alvo anteriormente), e o fólio da tabulação apresentar o número 1. A numeração actual apresenta-se, assim, de modo não sequencial, do fólio 9 (correspondente ao VIII) para o 1 e seguido do 10 (correspondente ao IX), que prova verdadeiramente a veracidade das nossas suspeitas [Vide Anexo – Registo Fotográfico da Obra]. Causas da degradação CaPa A principal causa de degradação da capa é o empeno das pastas, resultante não só do envelhecimento da madeira (de que são compostas), mas também do adesivo utilizado para a aplicação da coberta em couro, do original e do utilizado no preenchimento de lacunas. Muitos são os casos em que a aplicação de maus adesivos provoca no suporte degradações quer ao nível químico quer físico. Neste caso, o resultado foi a degradação física. O mesmo tipo de adesivo foi utilizado na colagem das guardas, resultando no amarelecimento destas aquando da intervenção de restauro anterior [Vide Ilustrações 8 e 9] de que falaremos no ponto seguinte. A transcrição apresentada no Tombo da Alcaidaria-mor, de 1790-1793, da cópia do Foral de D. Manuel I, já apresentava este erro. Idem. NOVA AUGUSTA Forais Manuelinos CorPo O corpo da obra, como já foi anteriormente descrito, é em pergaminho36, não sendo portanto de descurar uma abordagem (ainda que ligeira), a este material, pouco conhecido, tanto ao nível da sua proveniência como das suas características específicas. É fácil compreender-se as rugas apresentadas pelos fólios da obra [Vide Ilustração 11], uma vez que o material em causa altera as suas dimensões e consequente aparência consoante o meio em que se encontra, por ser higroscópico. Assim, o já referido 36 empeno das pastas [Vide Ilustração 7], provocou o surgimento de espaço no interior da obra, espaço este que o pergaminho tendeu a ocupar. Para além dos aspectos relativos à composição dos materiais em questão, se as condições de exposição e/ou conservação não forem sujeitas a controlos ambientais adequados, as oscilações resultam (como foi o caso) em compressões e distenções dos materiais. Outro factor de degradação é a iluminação não controlada da obra. Se o empeno das pastas não fosse tão notório, poucos A palavra “pergaminho”, provem do latim pergamena, que decorre do nome da cidade antiga da Ásia Menor, Pergamo, tornando-se frequente o uso de pergamena no século IV d.C. O mundo grego e romano utilizou largamente o pergaminho, sendo o principal suporte de escrita para os escribas da Idade Média, até à introdução do papel na Europa desde o século X ou XI. No entanto, só a partir do século XIV, é que o pergaminho foi sendo, lentamente, substituído pelo papel, de que a imprensa multiplicou a necessidade. Contudo, o pergaminho continuou a ser utilizado em alguns manuscritos, impressões de luxo, documentos de arquivo, diplomas e em encadernação. Actualmente ainda é produzido, sendo o seu uso bastante restrito: utiliza-se sobretudo em restauro, algumas vezes para a encadernação e escassas vezes para a escrita. A sua utilização também passa pela construção de instrumentos musicais, como tambores e banjos. O couro e o pergaminho são materiais completamente diferentes, embora ambos provenham da derme da pele, sendo a sua diferença obtida pelos tratamentos que se fazem a esta. O início do fabrico é comum aos dois materiais. Denomina-se “trabalho de barrela”, que consiste em reduzir a pele à derme. Primeiro é a “depilação” que desembaraça a pele da epiderme e dos pêlos que a cobrem, existindo dois processos para este fim: a depilação bioquímica (processo mais antigo) e a química. Seguidamente, as operações divergem para o couro ou para o pergaminho. Depois de ter permanecido vários dias na cal, a pele é lavada e os pêlos arrancados, sendo, seguidamente, colocada num bastidor e raspada com um cutelo especial, de forma a eliminar os últimos resíduos de carne (actualmente estes processos são muitas vezes substituídos pela abertura mecânica da pele, que lhe dá, desde o início, uma espessura homogénea). A pele seca fica então sob pressão, apertando-se gradualmente as cordas que a mantêm, para que fique bem esticada. Esticar a pele enquanto esta se encontra molhada modifica profundamente a estrutura da derme, produzindo-se um novo arranjo das fibras de colagénio, que se dispõem em camadas lamelares, paralelamente à superfície da pele, no sentido das forças de tracção exercidas sobre ela durante a secagem. Esta fase é, sem dúvida, a que mais necessita de cuidados especiais. Numerosas receitas medievais descrevem o uso do cré, da cal ou de pastas feitas de cal ou de gesso. Todas estas substâncias têm a propriedade de absorver a humidade e simultaneamente desengordurar. Paralelamente à secagem e ao desengorduramento, segue-se o polimento, de forma a amaciar a superfície, sendo para este fim utilizada a pedra-pomes. Tal como o couro, o pergaminho pode ser produzido de qualquer pele animal (inclusive, pele humana), sendo as mais utilizadas as de cabra, de carneiro e a de vitela; o velino é um pergaminho extremamente fino e liso, produzido com pele de animal recém-nascido, a vitela, na maioria dos casos por ter um grão muito pouco marcado. O pergaminho, por não ter sido estabilizado pelo curtume como o couro, é muito higroscópico e, por este facto, está sujeito às variações dimensionais. Por outro lado, os produtos utilizados no seu fabrico conferem-lhe uma reserva alcalina que lhe permite resistir melhor que o couro à acidez do meio envolvente. [Livros e Documento de Arquivo – Preservação e Conservação, Françoise Flieder e Michel Duchein, págs. 18 a 23] 71 NOVA AUGUSTA Joana Catarina Pereira Rosa seriam os raios luminosos a incidir sobre o corpo do livro, mas, com esta abertura, o pergaminho fica exposto a essa fonte de degradação. A luz é energia, as suas ondas provocam decomposição dos materiais orgânicos, sendo as radiações de luz ultravioleta (presentes na luz solar e nas lâmpadas fluorescentes) as mais perigosas. Produz-se, assim, a alteração fotoquímica do material de suporte e, no caso do pergaminho, a sua transparência [Vide Ilustração 12], devido à deterioração química deste. 72 estado de conservação De uma maneira geral o documento apresenta-se em bom estado de conservação, quer ao nível da coberta quer do corpo. O que hoje denominamos por intervenção anterior de má qualidade, tem de ser analisada no contexto em que foi efectuada. De facto, não sabemos como teria chegado até nós esta obra caso não tivesse sido alvo dessa intervenção [Vide Ilustração 1]. Actualmente, a evolução das técnicas e tecnologias de restauro aconselha a que se opte por técnicas reversíveis. O que se apresenta nesta obra é um restauro irreversível pelos materiais utilizados, o que limita a nossa actuação por se correr, sempre, o risco de perda, caso se optasse por uma intervenção mais profunda. A opção será, assim, preservar o que chegou até nós, conseguindo estabilizar a obra, que terá sido o intuito da intervenção anterior. Tendo em conta que se trata de um documento do ano de 1510, o estado de conservação deste é bastante satisfatório, não se tendo perdido, ao longo do tempo, a informação nele contida, muito provavelmente devido à intervenção de restauro de que já havia sido alvo. teste de solubilidade dos pigmentos O teste de solubilidade dos pigmentos dá-nos informação não só ao nível do tratamento que pode ser efectuado, mas também da exposição que a obra pode ter. Neste caso, todos os pigmentos apresentados e testados (castanho, vermelho e azul) são solúveis apenas ao contacto do isopo [Vide Ilustrações 13a e b], não sendo, portanto, necessário proceder-se ao teste da abrasão. Com estes resultados, conclui-se que a intervenção a desenvolver será apenas de carácter conservativo. Qualquer tipo de intervenção directa sobre estes pigmentos levaria a perdas irrecuperáveis de informação. Deste modo, qualquer procedimento a efectuar terá de ser apenas nas zonas do suporte que não contenha elementos gráficos, isto é, nas margens dos fólios. Outra limitação que a solubilidade dos pigmentos acarreta é o facto da exposição cumulativa destes à luz levar ao seu desaparecimento gradual. Daí a percepção, visível a olho nu, do desaparecimento progressivo dos pigmentos gráficos. [Vide Ilustração 1 e 4]. ProPosta De tratameNto Será neste ponto necessário proceder-se a uma ligeira abordagem às definições dos termos Preservação, Conservação e Res- NOVA AUGUSTA Forais Manuelinos tauro37 no que respeita à matéria de papel e documentos gráficos. Preservação Engloba todos os aspectos financeiros e de gestão incluindo a armazenagem em todas as suas vertentes, questões de pessoal, política, técnicas e métodos envolvidos na preservação de espécies bibliográficas e da informação que elas contenham. Conservação Engloba políticas e práticas específicas necessárias à protecção das espécies bibliográficas relativamente à deterioração, destruição e envelhecimento, incluindo os métodos e as técnicas propostas pelo pessoal técnico. restauro Diz respeito às técnicas e critérios utilizados pelo pessoal técnico envolvido no processo de tratamento de espécies bibliográficas, deterioradas pelo tempo, uso ou outros factores. Tendo em consideração estes três termos, o tratamento que propomos para a obra em questão é de carácter conservativo. A intervenção de restauro anterior que a obra apresenta limita-nos grandemente, bem como o material de suporte (o pergaminho) que, como já foi referido, traz diversos problemas do ponto de vista conservativo. 37 38 A deterioração química do pergaminho é geralmente causada por condições de armazenagem desfavoráveis e por tintas, colas e outros materiais impróprios38 adicionados, como é o caso. De facto, o controlo efectivo das condições climáticas e de armazenamento é essencial para a conservação do couro (de que é feita a coberta) e do pergaminho, já que a deterioração é, geralmente, irreversível e existem poucos meios para o tratamento de restauro. Desta forma, o plano de intervenção para esta obra é o seguinte: • Remoção da obra da exposição; • Limpeza a seco da superfície; • Estabilização química das ferragens; • Limpeza por via húmida (com isopo embebido numa solução aquosa saturada de Hidróxido de Cálcio) das margens dos fólios; • Acondicionamento em caixa conservativa rígida (em cartão acid-free e interior revestido com Art-Sorb®) Com todos estes procedimentos, a obra adquirirá estabilidade do ponto de vista físico e químico. Não sendo, no entanto, de descurar a sua transferência de suporte. A transferência de suporte, além de pôr à disposição cópias que permitam a restrição da utilização dos originais, desempenha um papel importante na preservação do conteúdo intelectual de documentos que, pela sua fragilidade, não podem ser conserva- Princípios para a Preservação e Conservação de Espécies Bibliográficas, Biblioteca Nacional, 1992, pág. 2 Idem, pág. 25 73 NOVA AUGUSTA Joana Catarina Pereira Rosa 74 dos no seu formato original. O microfilme, a fotografia ou cópias digitais podem ser utilizados na substituição de documentos frágeis ou para a reprodução de espécies únicas ou de grande valor, evitando a utilização repetida do original. Este facto tem a vantagem de permitir aos arquivos fornecer cópias a utilizadores distantes. Propõe-se a realização de pelo menos três cópias deste documento: - A matriz negativa que deveria ser acondicionada com climatização controlada e só utilizada para a duplicação de negativos; - Um duplicado negativo a partir do qual se fariam outras cópias positivas; - Uma cópia positiva para consulta, ou para ser depositada noutro local, por questões de segurança.39 Do Foral Manuelino de 1510 foi já realizado o registo fotográfico em formato digital. O Arquivo Histórico Municipal encontra-se a desenvolver, neste momento, a produção de um CR Rom com a apresentação do Foral que se pretende disponibilizar aos utilizadores interessados. Se tivermos em consideração as comemorações dos 500 anos deste documento, em 2010, poder-se-ia levar a cabo a elaboração de um fac-simile. Desta forma permitir-se-ia a toda a população interessada o acesso livre a uma reprodução fiel do original. Caso não seja viável este tipo de publicação, uma edição fac-similada, onde seria incluída a transcrição fiel do original é uma alternativa a considerar. 39 40 Op. Cit, pág. 21 Op. Cit, pág. 10 CoNClusão 1. Degradação apresentada Em síntese, o documento apresenta os seguintes sinais de degradação: - Empeno das pastas da capa; - Encarquilhamento do material de suporte (pergaminho); - Amarelecimento das guardas novas devido ao adesivo utilizado no restauro anterior; - Oxidação do metal das ferragens; - Transparência do pergaminho devido à iluminação de exposição; - Desaparecimento do pigmento utilizado na caligrafia. 2. Proposta de acondicionamento/ exposição Assim sendo, propõe-se o cumprimento da proposta de tratamento apresentada, sendo imprescindível o controlo do ambiente de acondicionamento. Espécies bibliográficas como o Foral, com desenhos sensíveis (devido ao uso de tintas solúveis), não devem acumular mais de 50 000 lux por ano40. A hipotética futura exposição do documento (eventualmente aquando das comemorações dos 500 anos) deverá obedecer aos seguintes requisitos: - Temperatura: entre 15 e 20 ºC; - Humidade Relativa: entre 40 e 50%; - Iluminação: 50 lux; - Tempo máximo de exposição total: 1 mês (7 horas/dia). NOVA AUGUSTA Forais Manuelinos Com o supervisionamento técnico pela Oficina, de forma a evitar degradações que poderão tomar contornos irreversíveis. De forma a prevenir sinistros e catástrofes naturais, propõe-se ainda a aquisição de um armário anti-roubo e incêndio, no qual o documento seria devidamente acondicionado ficando salvaguardado. 3. Previsão de durabilidade Desconhecendo as condições de conservação e exposição do documento até ao momento, não é possível calcular o ritmo de degradação, ao longo quase 498 anos e, portanto, sem tais premissas não podemos, com rigor, apresentar a escala de possíveis valores para determinar o intervalo de fotodegradação que o documento apresentaria num futuro próximo (50-100 anos) caso fosse possível colocar a hipótese de tal experimentação. No entanto, e uma vez que os pigmentos da tinta empregue na escrita são solúveis, podemos dizer que existe uma relação entre a sua reduzida capacidade de resistência à iluminação de qualquer tipo (estando fora de questão a iluminação natural ou com lâmpadas fluorescentes sem filtros devido aos raios UV) e a degradação do material de suporte. Daí as condições ambientais de acondicionamento e exposição propostas neste relatório serem as recomendadas, já testadas e aprovadas, pela Biblioteca Nacional de Lisboa, para materiais sensíveis. bibliograFia (relatório tÉCNiCo) _ DUREAU, J. M. e D. W. G. Clements, Princípios para a Preservação e Conservação de Espécies Bibliográficas, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1992; _ FLIEDES, Françoise e Michel Duchein, Livros e Documentos de Arquivo – Preservação e Conservação, BAD, Lisboa, 1993; _ GREENFIELD, Jane, ABC of Bookbinding, Oak Knoll Press – The Lyons Press, s.l., s.d.; _ S.a., Directrizes para a Preservação e Controlo de Desastres em Arquivo, Biblioteca Nacional, Lisboa, 2000; _ S.a., Foral de Torres Novas de 1190, Câmara Municipal de Torres Novas, Torres Novas, 1990. 75 NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira / Joana Catarina Pereira Rosa registo FotogrÁFiCo Da obra41 76 Ilustrações 1 e 2 _ Documento antes do restauro. Capa/Folha (data prov. das fotos 1940-50) Ilustração 3 _ Parte superior da folha de rosto 41 Ilustração 4 _ Parte inferior da folha de rosto Fotografias tiradas no dia 27 de Dezembro de 2007, com a máquina fotográfica Canon DIGITAL IXUS WIRELESS sem zoom nem flash, e com iluminação artificial. NOVA AUGUSTA Forais Manuelinos Ilustração 5a _ Pormenores da caligrafia Ilustração 6 _ Canto inferior esquerdo da pasta superior 77 Ilustração 5b _ Pormenores da caligrafia Ilustração 7 _ Cabeça da obra Ilustração 5c _ Pormenores da caligrafia Ilustração 8 _ Guardas superiores NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira / Joana Catarina Pereira Rosa Ilustração 9 _ Guardas inferiores Ilustração 11 _ Pormenor do enrugamento dos fólios Ilustração 10a _ Tabulação e folha de rosto (pormenor da numeração árabe) Ilustração 12 _ Imagem à contraluz da folha de rosto da obra Ilustração 10b _ Tabulação e folha de rosto (pormenor da numeração árabe) Ilustração 13a _ Teste de solubilidade de pigmentos 78 NOVA AUGUSTA Forais Manuelinos Ilustração 13 b _ Teste de solubilidade de pigmentos Ilustração 16 _ Fólios 1v e 2 79 Ilustração 14 _ Foral Manuelino de Torres Novas (capa) Ilustração 17 _ Fólios 2v e 3 Ilustração 15 _ Primeiro Fólio Ilustração 18 _ Fólios 8v e 9 (parte da Tabuada) NOVA AUGUSTA Maria Elvira Marques Teixeira / Joana Catarina Pereira Rosa Ilustração 19 _ Fólio 18v e 19 80 Ilustração 20 _ Fólio 19v e 20 81 HiSTÓRiA dAS ciÊnciAS Relógios-de-sol em Torres novas Vasco Jorge Rosa da Silva* Os relógios-de-sol começam, finalmente, a ser enquadrados no panorama da História da Ciência em Portugal. O concelho de Torres Novas é uma das áreas do País onde ainda faltava fazer um estudo sobre a temática, no intuito de divulgar um importante património científico-técnico, que é também património histórico a preservar. No concelho de Torres Novas foi possível encontrar alguns exemplares de interesse, sendo de destacar o da Quinta de Caniços (Brogueira) que é, no panorama nacional, um relógio raríssimo, uma vez que se encontra provido de dois mostradores verticais. *Mestre em História Militar de Portugal. Actualmente, está a elaborar a sua dissertação de doutoramento sobre a História do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra: 1777-1910, como bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia. albert.einstein1955@hotmail.com 83 Relógio vertical meridional de Torres Novas. Origem incerta. Numeração por algarismos. Cortesia de José Alberto Borralho. NOVA AUGUSTA Relógios-de-sol em Torres Novas 1. origeNs e FuNCioNameNto De um relógio solar O relógio-de-sol foi a primeira forma encontrada pela Humanidade para medir o tempo de uma maneira mais rigorosa, permitindo uma maior precisão na organização das suas actividades diárias, nomeadamente agrícolas. O sistema inicial, remontando à Suméria, à Babilónia, ao Egipto e à China da Antiguidade, consistia numa vara, gnómon, em Grego, disposta na vertical, isto é, perpendicularmente em relação ao solo, de forma a que a luz solar incidisse sobre a mesma, permitindo a projecção de uma sombra no extremo oposto. À medida que o Sol executava o seu movimento aparente em torno da Terra, numa translação de vinte e quatro horas, a sombra deslocava-se no sentido dos ponteiros do relógio. Aliás, foi este o motivo que levou ao aparecimento, nos primeiros relógios mecânicos, inventados na Idade Média, da deslocação dos ponteiros de uma forma similar ao movimento da sombra nos instrumentos solares de medição do tempo. Os relógios-de-sol foram amplamente utilizados desde o Império Romano. De igual modo, os Muçulmanos deram um contributo significativo para o desenvolvimento desta instrumentação. No Ocidente Medieval, constata-se uma certa redução no seu fabrico e instalação. Todavia, mesmo 1 com o surgimento dos relógios mecânicos, na Idade Média, os relógios solares não perdem a sua importância, uma vez que aqueles eram ainda pouco precisos. No século XVI, os relógios mecânicos continham apenas os ponteiros das horas e os dos minutos. Dois séculos mais tarde, em Setecentos, o desenvolvimento da Ciência Moderna, Mecânica Galilaico-Newtoniana, e o Iluminismo – Aufklärung, como afirmava Emmanuel Kant (1724-1804) –, caracterizar-se-ão por novas descobertas científicas e pela precisão crescente nos mais diversos tipos de maquinaria. No caso dos relógios mecânicos, o intelectual inglês, John Harrison (1693-1776), que descobriu o cronómetro1, vai levar, indirectamente, à diminuição do impacto sócio-económico dos já bem desenvolvidos relógios-de-sol. Assim, os relógios solares começam a entrar em desuso, ainda que se mantenha o seu fabrico, tanto para auxiliar as comunidades ligadas ao mundo rural, como para aqueles que, não dispondo de um poder sócio-económico eficaz, não tinham outra forma de verificar as horas. Os relógios mecânicos, de grandes dimensões, como os dos edifícios públicos e / ou religiosos, passam a ser um forte concorrente do relógio-de-sol. Em termos tipológicos existem dois grandes grupos de relógios-de-sol, os que têm a superfície plana e aqueles que estão providos de uma superfície cónica, interna Um cronómetro é um relógio mecânico de alta-precisão, constituído pelo ponteiro das horas, dos minutos e dos segundos. A partir dele é possível determinar a coordenada de longitude. 85 NOVA AUGUSTA Vasco Jorge Rosa da Silva ou externa. Em relação à superfície de projecção da sombra, estes relógios podem ser horizontais, verticais directos, os mais usuais, e os verticais declinados, geralmente em suportes que não apresentam uma orientação Norte-Sul. Por fim, existem ainda os polares e os inclinados. Estes posicionam-se em bases não-horizontais, ou não-verticais. Nos polares, as superfícies, inclinadas, têm de ter um ângulo igual ao da latitude do lugar e um alinhamento Leste-Oeste. Dos verticais, os mais usuais são os meridionais, isto é, os que estão virados a Sul (sentido Norte-Sul), como no caso torrejano. No que se refere ao seu funcionamento, 86 FIG. 2 _ Pormenor do relógio-de-sol, sobre a aresta esquerda do templo. Não tem o gnómon, ou ponteiro3. FIG. 1 _ Relógio solar vertical meridional, em Amoreira, Freguesia de Fátima, 1905, no canto superior direito do telhado do templo, “alminha”2. 2 3 Fotografia obtida pelo Autor, a 5 de Abril de 2007. Fotografia obtida pelo Autor, a 5 de Abril de 2007. o estilete, ou gnómon, projecta, em dia de sol, a sombra sobre as linhas marcadas na superfície de um relógio solar. Em torno da Terra, o Sol tem um movimento aparente de 24 horas, perfazendo 360°. Deste modo, porque 360°/24h = 15°, cada linha horária corresponde a 15°. Esta é, portanto, a abertura exacta que as medidas angulares horárias devem ter entre si. Apesar dos problemas levantados pela desigual duração do dia ao longo do ano, assim como da declinação e da longitude, que não pode ser corrigida nestes relógios, estes instrumentos mostram a Hora Solar para um dado local, ou seja, o NOVA AUGUSTA Relógios-de-sol em Torres Novas período de tempo que separa duas passagens do Sol pelo meridiano local, quando observado ao meio-dia. Como cada hora é diferente, variando de lugar para lugar, houve a necessidade de criar o sistema de fusos horários, postos em prática nos finais do século XIX. O meridiano de 0° é, desde o século XVII, o do Observatório Astronómico de Greenwich, na Grã-Bretanha. • Dia solar – Duas passagens consecutivas do Sol pelo meridiano do lugar. Neste caso, do meridiano onde se situa o relógio-de-sol. O Dia Solar é o tempo pelo qual nos orientamos, mas não é o tempo que a Terra demora a executar o seu movimento de rotação. Este dia é variável, uma vez que a inclinação da Terra e a sua órbita, elíptica, torna os dias mais curtos ou mais longos, consoante os casos. Se alguns dias têm menos de 24 horas, outros, pelo contrário, têm mais; • Dia sideral – Tempo que a Terra demora realmente a executar uma rotação sobre si mesmo, em 23h 56m 4s 96c; • tempo local verdadeiro – Tempo marcado pela passagem do Sol pelo meridiano, num dado local, ao meio-dia. Cada sítio tem um Tempo Solar Verdadeiro próprio. A partir daqui determina-se o Dia Solar; • tempo solar médio – Tempo Solar corrigido de forma a que todos os dias do ano tenham, de facto, 24 horas4. É o Tempo medido pelos relógios atómicos, mecânicos, electro-mecânicos e electrónicos. 4 5 Assim, o tempo marcado por um relógio-de-sol não é o mesmo que aquele que é marcado por um relógio atómico, mecânico, electro-mecânico ou electrónico. 87 FIG. 3 _ Relógio solar barroco, existente na Igreja de Santo Isidoro, Mafra, 1738. Estilete em metal5. 2. relógios-De-sol em Portugal Em Portugal existem ainda inúmeros exemplares de relógios solares, se bem que se encontrem em desuso. A maior parte deles, porém, data dos séculos XVII, XVIII e XIX. Aos que não se encontram identificados pelo ano, determina-se a sua antiguidade pela comparação com outros da mesma época. De facto, tal como para os estilos arquitectónicos e escultóricos que, nas Épocas Moderna e Contemporânea, existiram em Portugal, os relógios-de-sol Nuno Crato, Suzana Metello de Nápoles e Fernando Correia de Oliveira, Relógios de Sol, Lisboa, CTT Correios, Outubro de 2006, p. 164. http://sombrasdotempo.org/itiner/isidoro_igreja/v/3-br NOVA AUGUSTA Vasco Jorge Rosa da Silva 88 seguem, como elementos artísticos, os mesmos princípios. Por este meio, é possível detectar instrumentos barrocos, neoclássicos e românticos. Os relógios-de-sol são mais elaborados quando se encontram em espaços de maior circulação de pessoas, caso das cidades, ou em edifícios de certa importância social, deixando evidenciar, por exemplo, o poder-riqueza de uma determinada família. Também surgem em estruturas arquitectónicas de índole religiosa, nomeadamente igrejas, conventos e mosteiros. Neste âmbito, Alcobaça, Batalha e Mafra são edifícios religiosos a ter em consideração. Acontece, porém, que a maior parte dos relógios-de-sol existentes no País se encontram distribuídos por aldeias, muitas delas isoladas. Aqui, a relojoaria é escultoricamente mais tosca e mais simples, uma vez que esta tinha como função primordial a regulação sócio-económica de uma determinada comunidade. Carla Pereira verificou também que, em alguns locais, os mais idosos ainda orientam as suas actividades agrícolas por meio desta tipologia de instrumentação. Alguns idosos, porque ligados ao mundo agrícola, ainda conseguem determinar as horas a partir da visualização da altura, ou declinação, do Sol (experienciação). Parte significativa dos relógios solares caracteriza-se por possuir uma caixa rec6 7 tangular ou quadrangular6, com mostradores com as mesmas figuras geométricas, acrescentando-se também a forma circular. Motivos vegetalistas, fitomórficos, surgem nos exemplares mais ligados às actividades do campo, onde a vegetação escultoricamente representada reflecte a que existe, em termos reais, nessas zonas. A numeração, mais recente ou mais antiga, pode ser em numerais romanos, ou em algarismos, ditos árabes. Em alguns casos, as linhas e os números, para uma melhor visualização, encontram-se pintados a preto ou a vermelho. Os estiletes – quando existem –, são em ferro, Fe, em cobre, Cu, ou em bronze, Cu + Sn, e encontram-se encastrados nos mostradores por meio de um orifício apropriado. Uma massa metálica, geralmente o chumbo, Pb, evita a queda do gnómon7. De facto, até à centúria de Novecentos, o chumbo foi utilizado na fixação de outros metais nas rochas. O horário contemplado por esses instrumentos abarca as horas VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX. Antes e depois destas horas, o Sol não está adequadamente visível, porque ou está na fase de “nascer”, ou de “pôr-do-Sol”. Como a declinação não é acentuada, os raios luminosos não atingem o instrumento. Colocar os relógios a maior altura, permite a observação das horas durante um maior período Vasco Jorge Rosa da Silva, “Relógios Solares no Portugal Setecentista”, in Jornal Gazeta Lusófona, Suíça, n.º 99, Ano IX, Dezembro de 2007, p. 32. Vasco Jorge Rosa da Silva, “Relógios Solares no Portugal Setecentista”, in Revista Estudos de Castelo Branco (estudo completo), Castelo Branco, SEMEDO – Sociedade Tipográfica, Julho de 2007, n.º 6, pp. 152-165. NOVA AUGUSTA Relógios-de-sol em Torres Novas de tempo. Como se compreende, as condições atmosféricas interferem imenso na determinação das horas a partir de relógios de índole solar. Em épocas pluviais, ou de tempo nublado, os instrumentos em estudo deixam de ser eficazes, perdendo momentaneamente a sua função. No mundo rural, os relógios-de-sol podem observar-se – fazendo uso de uma visão apurada e atenciosa –, por cima de igrejas e outros pequenos templos, em casas de pessoas mais abastadas, por cima, nos telhados, ou nas paredes, ou ainda nas esquinas das mesmas. Em certos casos, estruturas como “alminhas” e pequenas capelas, com a mesma função, como ocorre em Amoreira, Freguesia de Fátima, 1905, nas figs. 1 e 2, também se pode observar este tipo de instrumentos8. Na procura de relógios-de-sol deve ter-se em consideração as mais diversas informações, assim como uma enorme capacidade de observação e análise crítica, uma vez que a localização deste tipo de objectos se torna muito difícil de determinar. Visto que estes instrumentos entraram em decadência, é nas zonas históricas das povoações que os mesmos se devem procurar. Estruturas disseminadas pelo mundo rural, mas com uma certa antiguidade são, de igual modo, aspectos a ter em atenção e, por isso, passíveis de cuidadosa observação e análise. 8 Como é evidente, a construção de relógios-de-sol está sujeita a princípios matemáticos, assim como a sua colocação em determinado local. Contudo, em muitos dos lugares onde estes objectos têm sido descobertos, estamos críveis de que eram utilizados processos simples no posicionamento deste tipo de instrumentação. Francisco Faria de Aragão escreve, em 1805, uma obra que incide sobre a Horografia ou Gnomonica Portugeza, a qual explicita a elaboração simples e rápida de um relógio-de-sol. Por serem os mais frequentes e aqueles que se encontram dispostos na Quinta de Caniços, na Freguesia de Brogueira, e na aldeia de Alqueidão, Pedrógão, iremos apenas abordar os relógios-de-sol verticais e horizontais (Castelo de Torres Novas). Aragão (1805) começa por verificar que os relógios verticais, ao contrário dos horizontais, apresentam aos pedreiros maior dificuldade no seu posicionamento. Por estarem em paredes, esquinas ou telhados dos mais diversos edifícios, os relógios verticais destinavam-se a ser lidos facilmente e ao longe, pelos transeuntes. No ponto central, deve colocar-se o estilo, ponteiro. Uma linha horizontal une dois pontos extremos, com o estilete ao centro. O comprimento do gnómon, forma dois quadrantes, um para baixo e outro para cima dessa linha. Do estilete para baixo, desenha-se, a compasso, a linha da equinocial. Por baixo, outra linha hori- Vasco Jorge Rosa da Silva, “Estudo de um Relógio-de-Sol: Amoreira, Freguesia de Fátima”, in Jornal Gazeta Lusófona, Suíça, Novembro de 2007, p. 31. 89 NOVA AUGUSTA Vasco Jorge Rosa da Silva zontal. Em seguida, desenham-se as linhas correspondentes aos pontos das horas. As da manhã ficam do lado esquerdo e as da tarde, do direito. Um relógio-de-sol setentrional é em tudo similar a um meridional. Todavia, refere Aragão, num instrumento virado ao Norte, o Sol somente ilumina a face do mesmo de Março a Setembro, entre as 6 e as 18 horas. Esta situação explica a razão pela qual os relógios solares meridionais são os mais frequentes em Portugal. 90 3. relógios-De-sol torrejaNos 3.1. relógio de sol da Quinta de Caniços, brogueira A Quinta de Caniços, hoje Quinta de São João Baptista, no concelho de Torres Novas, insere-se na freguesia de Brogueira. Em 1768, designava-se por Quinta de São Caetano. O Colégio Jesuítico de Santo Antão, em Lisboa, provido de uma cátedra de Astronomia, recebeu algumas doações de benfeitores da Quinta de Caniços. Com a extinção da Companhia de Jesus, em 1759, a Quinta foi incorporada nos bens do Estado. A propriedade estava munida de inúmeras oliveiras, sobreiras, charnecas, hortas e diversas árvores. Para além das tulhas de azeitona, dos armazéns de azeite, possuía ainda um celeiro de pão, entre outros espaços. A Capela de São Caetano é o edifício religioso da Quinta, que foi da família de São Paio. Datará dos inícios do século XVI. Hoje, 9 o prédio da Quinta de Caniços encontra-se em avançado estado de degradação9. Na Quinta observa-se um relógio-de-sol que, em termos tecnológicos, é bastante avançado e preciso. Como se enquadra no complexo arquitectónico da actual Capela de São Caetano, ou melhor, de São João Baptista, é provável que o relógio tenha sido colocado no ano que se encontra em epígrafe no frontão daquele templo religioso, ou seja, 1686. Por cima, na base da cruz latina do telhado, a data de 1714, o que, muito provavelmente, corresponderá a uma remodelação da capela, adaptando-a ao estilo barroco, ainda que simplificado, da transição do século XVII para a centúria de Setecentos. Assim, o período de colocação do relógio solar terá de se situar entre aquelas duas datas, embora a repetição da sigla IHS, quer no relógio, quer na parte frontal da capela, nos indique tratar-se de um exemplar do ano de 1686. Para além da sigla IHS, I(esus) H(ominum) S (Salvator), na linguagem jesuíta, ou IH(esu)S, no discurso cristão, em geral, é possível visualizar, quer no instrumento, quer no templo, os três cravos com que Jesus foi pregado na cruz, um em cada mão e um nos pés. É um símbolo jesuítico. Este relógio-de-sol apresenta dois lados para medição do tempo, sendo um virado ao Sul, fig.4, e outro ao Norte, fig.5. O facto de o exemplar ser de estrutura circular, permitia uma incidência de luz solar mais eficaz nos dois mostradores. Os relógios- Sobre a Quinta de Caniços, hoje Quinta de São João Baptista, veja-se: http://www.domteodosio.com/po/canicos.html. NOVA AUGUSTA Relógios-de-sol em Torres Novas FIG. 4 _ Relógio vertical, secção meridional, da Quinta de Caniços, Brogueira10. -de-sol circulares são frequentes na transição do século XVII para o seguinte, Período Barroco, assim como na primeira metade da centúria de Oitocentos, Período Romântico. Na parte meridional, observam-se três círculos concêntricos. O mais interno, inclui, por baixo de uma cruz latina, a sigla IHS. Por fim, os três cravos. Entre o círculo de menor raio e o seguinte estão localizados os numerais, romanos, correspondentes às horas. À esquerda, as horas da manhã, IV, IIV, IIIV, XI11, X, XI e XII. À direita, as da tarde, I, II, III, IIII, V e VI. As seis horas da manhã, ou da tarde, correspondem ao limite do relógio solar vertical meridional (a partir daqui, a fraca altura do Sol, não permite a respectiva leitura horária). Finalmente, entre o segundo e o terceito, último, círculo, observam-se as linhas correspondentes à altura e, deste modo, à inclinação da sombra do Sol. Às seis horas da manhã-tarde, a sombra da 10 11 12 nossa estrela apresenta-se praticamente paralela em relação ao solo. Pelo contrário, ao meio-dia, quando o astro atinge a sua altura máxima, a sombra posiciona-se de uma forma perpendicular relativamente ao chão. Na base, fora dos círculos, segue-se o que parece ser, ainda que surjam muitas dúvidas, uma data, 1687. Na parte virada ao Norte, fig. 5, os mesmos três círculos concêntricos caracterizam a respectiva face do relógio-de-sol da Quinta de Caniços. Por conseguinte, a informação neles contida difere da da parte meridional. No interior do primeiro círculo, a sigla AM, com as letras sobrepostas. Significa A(vé) M(aria), ou, quando sobrepostas, MA(aria), pelo que poderá ser também FIG. 5 _ Relógio vertical, secção setentrional, da Quinta dos Caniços, Brogueira12. Fotografia obtida pelo Autor, a 23 de Maio de 2007. Os números estão dispostos ao contrário e, por isso, devem ser lidos como 6, 7, 8 e 9. Fotografia obtida pelo Autor, a 23 de Maio de 2007. 91 NOVA AUGUSTA Vasco Jorge Rosa da Silva 92 esta a leitura correcta. Do lado esquerdo da sigla, a letra J, em ponto mais pequeno, e, do lado direito, um S, ou seja, JS. O que poderá significar J(esu)S, o filho de Maria. Assim, todos estes parâmetros religiosos enquadram, efectivamente, o relógio-de-sol no ambiente sagrado da Capela de São João Baptista. Na parte da frente, do lado esquerdo do relógio, no segundo círculo, as horas VIII, VII, VI, V e IIII. Na da direita, VIII, VII, VI, V e IIII. No círculo seguinte, os traços da inclinação da sombra, face à altura do Sol. Tendo em conta que o estilete, ou gnómon, estaria na confluência das linhas de inclinação da sombra solar, portanto, no vértice inferior da letra M da sigla, este sistema permitia contar as horas a partir das 4 da manhã, mais do que o permitido pela distribuição anual das horas diurnas-nocturnas. Repare-se que, no sistema numeral romano, o quatro vem representado como IIII e não como IV. Cada número está separado do anterior e do posterior por um ponto, localizado a meia-altura das letras. Os relógios solares virados ao Norte permitem a leitura das horas de princípio e fim dos dias de Primavera e de Verão, quando o Sol não incide, a essas horas, nos mostradores virados a Sul, meridionais. Um exercício experimental, baseado no uso de uma fonte luminosa, incidindo lateralmente em relação a um bloco de rocha, de superfície lisa, permitiu-nos concluir 13 Fotografia obtida pelo Autor, a 23 de Maio de 2007. que o sistema usado no relógio-de-sol da Quinta de Caniços, poderia tornar – uma vez que não se destrinçam os pontos de convergência das linhas de inclinação da sombra do Sol – desnecessária a existência de ponteiros, o que seria muito estranho. Um relógio-de-sol sem estilete! Como descobrir, então, onde os mesmos deveriam estar, se ainda existissem? Através da ligação das linhas diagonais, nas faces meridional e setentrional. Deste modo, o ponto de convergência localizar-se-á, na fig. 6, virada a Sul, na parte superior do segundo círculo. A linha perpendicular ao solo, que é atingida pela sombra do Sol ao meio-dia local, atravessa o centro da cruz. Acontece, porém, que uma análise minuciosa não permite visualizar qualquer orifício, onde deveria estar o ponteiro, o que não seria muito difícil de detectar, pois os pequenos pontos que FIG. 6 _ Linhas que convergem para um ponto central, onde, supostamente, estaria o ponteiro13. NOVA AUGUSTA Relógios-de-sol em Torres Novas separam os numerais romanos notam-se perfeitamente. Para o ponteiro do Norte, as linhas são convergentes para um ponto central, localizado imediatamente abaixo da letra M, dentro do primeiro círculo. O relógio-de-sol da Quinta de Caniços apresenta precisão no desenho das linhas, o que comprova o grau de cultura do próprio canteiro e daqueles que, pertencendo à Companhia de Jesus e ao Colégio de Santo Antão, leccionavam aulas de Astronomia, em Lisboa. Fazendo uso do compasso, o canteiro desenhou os círculos. As restantes linhas, quase todas rectas, horizontais, verticais e diagonais, foram marcadas com régua e esquadro, em pequenos pontos, disseminados pelos dois mostradores e incluídos na própria escultura. Na face meridional, o ponto onde o símbolo da cruz assenta sobre o H, da sigla IHS, parece ser um ponto de convergência de linhas. Por fim, uma vez efectuadas as marcações, procedia-se ao trabalho de elaboração dos sulcos, com martelo e cinzel, na rocha calcária. No que diz respeito ao facto de haver relógios-de-sol verticais, simultaneamente meridionais e setentrionais, os mais raros, como o que acima foi estudado, deve-se à necessidade de obter as horas para o princípio-fim do dia, assim como durante todo o período diurno. Nuno Crato estabelece as seguintes definições: • relógios-de-sol verticais meridionais – “funcionam cabalmente quase todo 14 o ano. Apenas não permitem a leitura das horas do princípio e do fim do dia, quando o Sol está a Norte da linha Este-Oeste, o que acontece entre o equinócio da Primavera e o do Outono”; • relógios-de-sol verticais setentrionais – “funcionam exactamente nos períodos de princípio e fim do dia de Primavera e de Verão em que o Sol não incide sobre os mostradores meridionais”14. Se, em termos gerais, os relógios-de-sol verticais, com estilete perpendicular ao mostrador, são os mais comuns em Torres Novas, também podemos observar relógios solares com os respectivos ponteiros com a inclinação do lugar. Um exemplar deste tipo encontra-se no Alqueidão, na freguesia de Pedrógão, concelho de Torres Novas. 3.2. relógio-de-sol de alqueidão, Pedrógão Sempre que se localizam na esquina de um edifício, devido à não-orientação Norte-Sul dos locais onde os mesmos estão instalados, os relógios solares caracterizam-se por um gnómon com uma certa inclinação, de modo a que a sombra possa, efectivamente, abarcar, em qualquer época do ano, o diâmetro do mostrador do instrumento. Estando o relógio orientado no eixo Norte-Sul, seja meridional, seja setentrional, um ponteiro perpendicular ao mostrador só faz sentido se tiver um tamanho suficiente, isto é, cuja sombra causada pelo mesmo percorra todo o diâmetro do respectivo relógio. Nuno Crato, Suzana Metello de Nápoles e Fernando Correia de Oliveira, Ob. cit., p. 85. 93 NOVA AUGUSTA Vasco Jorge Rosa da Silva 94 FIG. 7 _ Relógio-de-sol meridional de Alqueidão, Freguesia de Pedrógão. Edifício religioso15. FIG. 8 _ Relógio-de-sol meridional de Alqueidão, Freguesia de Pedrógão. Edifício religioso16. Todavia, quanto maior é o estilete, maior é a facilidade com que se pode quebrar. O relógio do edifício religioso de Alqueidão, freguesia de Pedrógão, concelho de Torres Novas, situa-se, como se pode observar na fig. 7, na esquina direita da estrutura arquitectónica. Não estando datado, nele observa-se um mostrador rectangular com uma cercadura a separar as linhas das horas e os algarismos. No interior da cercadura, onde se encontra inserido o gnómon, um círculo simboliza o Sol, enquanto que cada linha horária tem a ver com os próprios raios, estilizados, emitidos pela estrela, G2. O sistema horário, baseado em algarismos e não em numeração romana, vai das cinco horas da manhã às sete da tarde. À esquerda, os algarismos das horas matinais, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12. Na parte direita, as horas da tarde, 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7. Cada numeral está separado do que o antecede, ou precede, por um ponto, a meia-altura. Todavia, o relógio é mais preciso ainda, pois permite também a medição das meias-horas, em traços de menor comprimento. Para que o relógio do Alqueidão pudesse ter uma face paralela à parede, não-meridional, as horas do mostrador não seriam as mesmas, devido à incidência dos raios solares. Por este meio, somente um sistema composto por dois relógios verticais declinantes, um com as horas da manhã, na esquina da esquerda, e outro com as da tarde, na esquina da direita, com estiletes Fotografia obtida pelo Autor, a 26 de Maio de 2007. Fotografia obtida pelo Autor, a 26 de Maio de 2007. 17 Fotografia obtida pelo Autor, a 26 de Maio de 2007. 15 16 FIG. 9 _ Relógio-de-sol meridional de Alqueidão, Freguesia de Pedrógão. Edifício religioso17. NOVA AUGUSTA Relógios-de-sol em Torres Novas inclinados, poderiam resolver a situação. Os mostradores teriam de ter um ângulo de 90º entre si e uma direcção Este-Oeste. • relógio-de-sol vertical declinante – “relógio solar de mostrador vertical não perpendicular à direcção Norte-Sul”18. O gnómon, em metal, apresenta-se numa estrutura sólida e reforçada na base. Se é muito provável que o relógio-de-sol do Alqueidão remonte ao século XVIII, o ponteiro, por sua vez, parece ser mais recente. Este ponteiro que, na figura 9, marca um horário situado para lá das 12:30h, não corresponde aos relógios mecânicos, electromecânicos, ou electrónicos que usamos. Na verdade, enquanto o relógio solar marca a Hora Solar, para o meridiano do local, os nossos relógios marcam a Hora Legal, que é superior em mais de uma hora relativamente à do relógio-de-sol e controlada por um Relógio Atómico existente no Observatório Astronómico da Universidade de Lisboa19. De facto, quando, por exemplo, a 15 de Agosto, o relógio-de-sol do Alqueidão marca as 12 horas, num relógio mecânico, electro-mecânico ou electrónico, são 13h 41,03m. Uma hora a mais resulta da Hora de Verão, enquanto que os quarenta e um minutos se devem ao facto de o Alqueidão se encontrar a 9º 8’ a Oeste, longitude, de Greenwich, o meridiano de zero graus. 18 19 20 21 Assim, há que adicionar mais 36,53 minutos. Por fim, acrescenta-se 4,5 minutos, o que dá, efectivamente, 13h 41,03m20. Carla Pereira 120 (2004) salienta que os relógios solares não apresentam as mesmas horas dos relógios que usamos por cinco razões: • Longitude; • Órbita elíptica da Terra; • Variações na velocidade de translação da Terra; • Inclinação do eixo da Terra relativamente à eclíptica; • Hora de Verão21. 3.3. “relógio-de-sol” do Castelo de torres Novas Os relógios-de-sol horizontais, menos frequentes e menos antigos, encontram-se essencialmente em jardins e varandas de edifícios públicos e privados. Um gnómon, ou ponteiro, tem um ângulo de inclinação igual ao do eixo da Terra, ou seja, 23,5º. Os mais antigos remontam, no seu geral, ao século XVIII. Recentemente, algumas câmaras municipais têm feito relógios deste tipo, para colocar em jardins públicos. Assim, é no jardim no interior do Castelo de Torres Novas, que encontramos o que parece ser um imponente relógio solar. Acontece, porém que o provável ponteiro, representado por uma enorme árvore, não apre- Nuno Crato, Suzana Metello de Nápoles e Fernando Correia de Oliveira, Ob. cit., p. 164. Sobre o Observatório Astronómico de Lisboa, na Tapada da Ajuda, veja-se: www.oal.ul.pt Vasco Jorge Rosa da Silva, “Relógios Solares no Portugal Setecentista”, in Jornal Gazeta Lusófona, Suíça, n.º 99, Ano IX, Dezembro de 2007, p. 32. http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=2909&op=all 95 NOVA AUGUSTA Vasco Jorge Rosa da Silva 96 FIG. 10 _ Relógio solar horizontal, no jardim do Castelo de Torres Novas22. FIG. 11 _ Secção em rocha. Jardim no interior do Castelo de Torres Novas24. senta a inclinação do eixo da Terra, os tais 23,5º, ou 23º 30’, vinte e três graus e trinta minutos de arco. Torna-se, assim, um relógio analemático, funcionando apenas uma parte do ano. Na realidade, para que um relógio-de-sol analemático funcione com rigor todo o ano é necessário: • que as marcações das horas se situem no plano horizontal sobre uma elipse, sendo cada hora indicada por um ponto em vez de uma linha; • que o gnómon se desloque ao longo do eixo menor da elipse sobre uma escala graduada com a indicação das diferentes datas23. Ora, no relógio do jardim do Castelo não observamos o mostrador em forma de elipse, mas sim em forma de círculo. Por outro lado, apesar de o ponteiro, constituído pela árvore, ser vertical, este não se apresenta móvel. Que problemas resultam daqui? No seu geral, resultam dois problemas: o comprimento da sombra varia ao longo do dia (1), e a mudança de direcção da mesma ao longo do ano (2). Na verdade, para que um relógio-de-sol analemático funcione, o ponteiro tem de ser mudado todos os dias, de forma a que a hora seja acertada diariamente. Na fig. 11, pode observar-se uma secção do círculo empedrado no “relógio-de-sol” do Castelo de Torres Novas. Aí, em Latim, lê-se “SINE SOLE SILEO”. Em Língua Portuguesa significa, em tradução livre, “Sem Sol, impera o silêncio”. Ou seja, só com Sol é possível a vida. Sem aquela estrela, tudo morre. Das restantes freguesias torrejanas consultadas, através das respectivas Juntas, fui informado de que as 4 paróquias urbanas não apresentam quaisquer relógios solares. De igual modo, as freguesias de Chancelaria e Lapas também não incluem no seu patri- Nuno Crato, Suzana Metello de Nápoles e Fernando Correia de Oliveira, Ob. cit., p. 120. Fotografia obtida pelo Autor, a 24 de Maio de 2007. 24 Fotografia obtida pelo Autor, a 24 de Maio de 2007. 22 23 NOVA AUGUSTA Relógios-de-sol em Torres Novas mónio histórico nenhum exemplar de relógios-de-sol. Agradece-se a informação dada por Rita Rocha, de Riachos, Ema Alves, de Brogueira, e Anabela, de Pedrógão. Um agradecimento também a José Borralho e Margarida Moleiro, respectivamente, do Museu e do Gabinete de Estudos e Planeamento Editorial da Câmara Municipal de Torres Novas. 4. CoNsiDeraçÕes FiNais Sendo ainda um estudo muito recente, os relógios-de-sol começam, finalmente, a ser enquadrados no panorama da História da Ciência em Portugal. Geralmente, as poucas obras de âmbito nacional sobre a temática investem essencialmente na análise deste tipo de instrumentos, presentes em importantes edifícios. No Norte do País, por sua vez, têm sido inventariados, com o auxílio da Universidade do Porto, algumas centenas de exemplares. Uma quantidade significativa destes encontram-se em zonas agrícolas, pois a necessidade de regular as actividades do campo assim o exigia. Por outro lado, na zona localizada entre Coimbra e Santarém, passando por Leiria, não se tem abordado, ainda, devidamente este assunto. O concelho de Torres Novas inseria-se, precisamente, no âmbito das áreas do País onde ainda faltava fazer um estudo sobre a temática, no intuito não somente de divulgar um importante património científico-técnico, podendo ser enquadrado no Projecto Ciência Viva, mas, de igual modo, um património histórico a preservar. Foi o que se pretendeu com este estudo. Não se afigura fácil a detecção de relógios solares, pois, para além de terem já perdido a importância de outrora, encontram-se em locais para os quais pouca atenção se dá, nomeadamente nas paredes de certos edifícios, nas esquinas e até por cima dos telhados. Por isso, é preciso ir ao terreno, observar cuidadosamente, estabelecer diálogo com as populações que conhecem as localidades onde vivem. No concelho de Torres Novas foi possível determinar a existência de alguns exemplares magníficos, sendo de destacar o da Quinta de Caniços, na Freguesia de Brogueira. Em termos nacionais, trata-se de um relógio raríssimo, uma vez que se encontra provido de dois mostradores verticais, sendo um meridional e outro setentrional. À excepção do relógio-de-sol do reduto amuralhado de Torres Novas, onde existe um instrumento disposto na horizontal, todos os demais apresentam uma orientação Norte-Sul, relativamente à bússola. São designados por relógios-de-sol verticais meridionais. Uma vez que se trata de um trabalho exaustivo, procurou-se abordar aqui apenas alguns instrumentos. Para que o estudo tivesse uma percentagem realmente eficaz, no que respeita à inventariação dos relógios solares, era fundamental proceder-se a uma observação aldeia por aldeia, resultando num trabalho muito moroso. Deste modo, fica sempre em aberto a oportunidade de incluir, em futuros trabalhos, outros exemplares que venham a ser descobertos em Torres Novas e seu concelho. 97 NOVA AUGUSTA Vasco Jorge Rosa da Silva bibliograFia 98 1. FoNtes e estuDos _ ARAGÃO, Francisco de Faria e, Horografia ou Gnomica Portugueza a qual contem a theoria e juntamente a pratica de fazer relogios solares pelos methodos mais faceis para os curiosos desta materia, Lisboa, Impressão Régia, 1805; _ COSTA, António Carvalho da, Tratado compendioso da fabrica, e uzo dos relogios do sol: dividido em quatro secçoens..., Lisboa, António Craesbeeck de Melo, 1678; _ CRATO, Nuno, NÁPOLES, Suzana Metello de, OLIVEIRA, Fernando Correia de, Relógios de Sol, CTT Correios de Portugal, 2006; _ LIMA, Luís Caetano de, Gnomonica Universal ou Arte para fazer todas a castas de Relogios, manuscrito de 1704; _ OLIVEIRA, Fernando Correia de, História do tempo em Portugal: elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das mentalidades em Portugal, Samora Correia, Soctip, 2003; _ OLIVEIRA, Fernando Correia de, Manuscrito anónimo de Relojoaria na Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, Fernando Correia de Oliveira, 2005; _ PEREIRA, Carla Maria de Oliveira, Porto, Universidade do Porto, 2004, Dissertação de Mestrado sobre relógios solares; _ SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “Aversão dos Portugueses ao Tempo”, in Jornal de Minde, Minde, Ano LIII, n.º 593, 30 de Setembro de 2007; _ SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “Estudo de um Relógio-de-Sol: Amoreira, Freguesia de Fátima”, in Jornal Gazeta Lusófona, Novembro de 2007; _ SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “Os Relógios, as Horas e os Portugueses”, in Jornal Diário de Coimbra, Coimbra, 16 de Outubro de 2005; _ SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “A Importância dos Relógios na Sociedade Actual”, in Jornal Diário de Coimbra, Coimbra, 29 de Outubro de 2006; _ SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “Relógios Solares no Portugal Setecentista”, in Jornal Gazeta Lusófona, Suíça, n.º 99, Ano IX, Dezembro de 2006; _ SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “Relógios Solares no Portugal Setecentista”, in Revista Estudos de Castelo Branco, Castelo Branco, SEMEDO – Sociedade Tipográfica, Julho de 2007, n.º 6; _ SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “Tempo em Leiria: Relógios e Horários”, in Jornal Diário de Leiria, 26 de Julho de 2007; _ ZINNER, Ernst, Alte Sonnenuhren an europäischen Gebäuden, Wiesbaden, Franz Steiner, 1864. 2. SIteS Da INterNet _ http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=2909&op=all; _ http://www.domteodosio.com/ po/canicos.html; _ http://www.oal.ul.pt/; _ http://sombrasdotempo.org/itiner/isidoro_igreja/v/3-br. 99 HiSTÓRiA dA ARTe A evolução dos revestimentos artísticos em interiores sacros privados do concelho de Torres novas (séculos XViii-XiX) Diana Gonçalves dos Santos* Os revestimentos artísticos que habitam os espaços sacros privados, ao serem, por excelência, elementos associados ao requinte, correspondem a um gosto artístico cultivado num determinado tempo, o qual se relaciona com códigos sociais concretos e com contextos culturais e de mentalidades muito particulares. A partir de seis capelas privadas existentes no concelho de Torres Novas, e seguindo uma linha evolutiva, far-se-á uma abordagem às nuances estéticas verificadas nos seus interiores as quais residem, principalmente, nos revestimentos artísticos aí aplicados. *Investigadora. Licenciada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto [FLUP], pós-graduada em Recursos Patrimoniais e Mestre em História da Arte em Portugal pela mesma instituição. diana.g.santos@gmail.com 101 NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) iNtroDução O assunto sobre o qual as seguintes páginas foram redigidas gravita em redor do tema da Arquitectura Religiosa Privada, um campo que serve os interesses da História da Arte e cuja investigação se encontra actualmente numa fase embrionária ao nível do panorama nacional. O objecto de estudo aqui tratado refere-se, exclusivamente, à área geográfica do concelho de Torres Novas e a definição da sua abordagem resultou da análise aos dados reunidos sobre os edifícios arquitectónicos de função religiosa em contexto doméstico aí existentes. Foram ponderadas todas as relações que poderiam advir da comparação entre os vários edifícios com os quais se contactou directamente através de um trabalho de campo exaustivo1. Partindo das informações recolhidas2, concluiu-se, num primeiro patamar, tratar-se de espaços sacros privados com diferentes enquadramentos arquitectónicos nos vários contextos domésticos [quer em meio rural, quer em meio urbano], facto que fez remeter para as questões respeitantes à dimensão simbólica da sua presença nesses meios. [Ver quadro 1] Verificou-se ainda que a maioria das capelas privadas do concelho apresen1 2 tavam, no seu interior, pormenores decorativos diversos e variados, à partida datáveis de épocas históricas distintas, avaliando-se alguma qualidade estética em certos casos. [Ver quadro 2] Considerou-se, portanto, ser de todo o interesse a análise dos revestimentos artísticos in situ, quer do ponto de vista histórico, quer na sua abordagem técnico-artística. Por, no conjunto, ser rica a variedade de suportes e formas, assim como flagrante a diversidade de estilos artísticos presentes nesses micro-espaços sacros, constituindo os revestimentos o veículo para o entendimento de uma evolução da concepção artística daquele conjunto de interiores, seria importante o seu conhecimento, tendo em vista a sua valorização no contexto do enriquecimento do conjunto dos recursos patrimoniais de que o concelho de Torres Novas dispõe. Deste modo, o assunto em análise pretende contribuir para a valorização do tratamento dos revestimentos artísticos no recente capítulo da Arquitectura Religiosa Privada, ao mesmo tempo que ambiciona poder auxiliar no conhecimento de um conjunto de edifícios que, sobretudo, pela diversidade artística dos seus interiores, vem enriquecer o património cultural da sua região. Agradecemos a todas as pessoas e entidades que, em 2002, nos abriram as portas dos imóveis visitados, no âmbito de um trabalho de investigação para a disciplina de Seminário de Projecto da Licenciatura em História da Arte [FLUP]. Sem a sua boa vontade, confiança e disponibilidade, não teria sido possível a concretização deste estudo. Os dados recolhidos foram integrados num inventário elaborado como resultado dessas incursões. Ressalve-se que não foram disponibilizadas quaisquer fontes primárias directamente respeitantes aos objectos que foram inventariados. Contudo, consideramos da maior importância a necessidade de as ter em conta no futuro. 103 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos A partir da macro-esfera dos interiores sacros privados do panorama nacional português, parte-se para a micro-esfera do concelho de Torres Novas, procurando enunciar o que tem de comum e particular em relação ao quadro geral. quadro 1 Capelas privadas do concelho de torres Novas Datação e situação em relação ao contexto doméstico Freguesia Brogueira Datação sÉC. xvii sÉC. xviii sÉC. xix isolaDa 1 1 1 1 3 1 iNtegraDa 1 Pedrógão 104 sÉC. xx 1 Paço Ribeira Branca situação De imPlaNtação 1 Salvador 1 Santa Maria 1 2 Santiago 1 1 1 1 São Pedro 1 1 1 quadro 2 Capelas privadas do concelho de torres Novas com a presença de revestimentos artísticos in situ Freguesia quiNta/Casa orago FuNDação revestimeNtos Paço Casa dos Vargos Santa Ana 1726 Talha, Azulejo e Pintura mural Pedrógão Quinta de St.º António Santo António 1588 Pintura mural Ribeira Branca Quinta de N.ª S.ª da Paz Santo António Século XVIII Azulejo Casa Mogo de Melo N.ª S.ª da Piedade Século XVIII Estuques Quinta do Carril Santa Quitéria Século XVIII Talha, Azulejo Quinta de St.º António Santo António c. 1896 Pintura mural, Talha Salvador Santa Maria Santiago 3 Com fundação no século XVI [1588] e remodelada em 1818. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) i. CoNtextualiZação Do esPaço saCro PrivaDo Na arquiteCtura Civil 1. breve delimitação de alguns conceitos tipológicos da arquitectura civil Ao tratar a Arquitectura Religiosa Privada é necessário considerar as definições dos termos relativos às variantes tipológicas da Arquitectura Civil, visto a capela privada estar, necessariamente, associada a esse género de edificações. Relativamente aos objectos de estudo aqui analisados e ao âmbito geográfico em que se inserem, importa identificar o meio onde se inserem, o que torna, consequentemente, necessária a elucidação de determinados conceitos. Para aplicação à esfera geográfica do concelho de Torres Novas, Solar, Quinta de Recreio e Casa Nobre surgem como conceitos obrigatórios a ter em conta, paralelamente ao de Quinta. Anne de Stoop na sua obra Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa elucida de uma forma concisa um conjunto de termos cujos limites, por vezes, se confundem. São eles Quinta, Palácio, Paço, Solar e Casa Nobre. «A maior parte destas residências são integradas num domínio agrícola, rodeado de muros: uma «quinta» – palavra que engloba assim a herdade, a casa e os jardins. Mas, às vezes, por extensão, uma quinta designa também uma propriedade onde a habitação 4 5 6 é apenas acompanhada por um parque. A palavra palácio é utilizada para um edifício duma certa importância [...], paço se o rei aí habitou, solar quando uma família teve aí a sua origem, casa nobre ou casa se aí reside um fidalgo ou uma pessoa de uma certa categoria»4. Relativamente ao conceito de Solar, José Sarmento de Matos refere ainda que a ele associa especificamente «a nobreza de província», constituindo a sua residência principal, em meio rural ou urbano, resultando, respectivamente, as subdivisões Solar urbano e Solar campestre.5 Quinta de Recreio é uma outra designação, associada ao meio peri-urbano e rural, que se refere a uma residência secundária da nobreza de cidade, onde a «aristocracia cortesã [...] aproveitará [...] para dar largas aos seus propósitos ostentatórios, limitados nas residências urbanas por uma apertada malha urbana»6. No que respeita à esfera geográfica do concelho de Torres Novas, indique-se, desde já, que nesta categoria estamos na presença de um caso óbvio deste tipo, a Quinta da Torre de Santo António, também conhecida por Quinta do Marquês. Palácio e Casa Nobre são também termos que devem ser tomados em conta nesta nossa breve tentativa de elucidação de conceitos associados à Arquitectura STOOP, Anne de – Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa. Barcelos: Livraria Civilização Editora, 1986, p.11. MATOS, José Sarmento de – Solar. In Dicionário de Arte Barroca. Lisboa: Ed. Presença, 1989, pp. 458-460. MATOS, José Sarmento de – Quinta de Recreio. In Dicionário de Arte Barroca. Lisboa: Ed. Presença, 1989, pp. 398-399. 105 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos FIG.1 _ Fachada da Casa Mogo de Melo com a Capela de Nossa Senhora da Piedade em destaque. Fotografia do Autor [FA] 106 Civil, sendo referentes a tipos de residência, permanente ou sazonal, das elites nobiliárquicas ou clericais. Enquanto que o Palácio tem uma imponente dimensão e um tratamento arquitectónico bastante cuidado no seu requinte interior e exterior, a Casa Nobre é muito mais simples ao nível da aplicação de recursos estilísticos. No contexto urbano da cidade de Torres Novas é exemplo de uma casa nobre a Casa Mogo de Melo, que nos serve nesta pesquisa por incluir na sua construção a Capela de Nossa Senhora da Piedade – o único exemplo que temos de arquitectura religiosa privada em meio urbano. 2. a economia do meio e o perfil social de quem habita a quinta rústica e a quinta de recreio Por oposição ao sistema minifundiário [particular à paisagem do Norte de Portugal] encon7 tra-se o latifúndio como característica económica das regiões sulistas. Será de acordo com a segunda realidade que se deverá entender a grande maioria da arquitectura civil presente na área rural do concelho de Torres Novas e a justificação da relativa escassez de exemplares verificados na região. Relativamente à conjuntura económica do concelho, referente aos limites cronológicos que foram estabelecidos, a priori, para o desenvolvimento deste trabalho [séculos XVIII e XIX], podemos afirmar que estava directamente dependente do sector agrícola. A terra era a principal fonte de rendimento e o elemento primordial gerador de riqueza, o que na verdade não foge ao panorama dominante nesta época a nível nacional, caracterizado por um baixo índice de industrialização e uma forte dependência da agricultura. Na região, o rio Almonda constitui, para esse período, o motor da produção agrícola, destacando-se o azeite, o vinho, os cereais, o linho e os frutos secos e passados como principais produtos. Tendo por base as informações contidas nas Memórias Paroquiais, e relativamente ao que aqui nos importa, João Carlos Lopes referiu que: «Em redor da vila, e a julgar pelos indicadores referentes ao rendimento dos prédios rústicos, deveria estar já estabelecida a rede de grandes casas agrícolas pertencentes à aristocracia da terra»7. LOPES, João Carlos Lopes – Torres Novas e o seu termo no meio do Século XVIII. As Memórias Paroquiais. Torres Novas: Âmago da Questão, 1998, pp. 143-144. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) Deste modo se vem confirmar que a Quinta Rústica é o conceito que melhor se aplica aos casos presentes no meio rural do concelho. Grande parte dos núcleos edificados, que incluem espaços sacros privados, demonstram uma prioritária utilidade agrícola onde os seus proprietários estabeleceram habitação permanente e aí geriram e administraram os contíguos territórios de lavoura. Assim, ao contrário de quem usufruía das Quintas de Recreio, estes proprietários faziam destas Quintas Rústicas a sua residência habitual. O poder fundiário8 associado à nobreza e ao clero até ao século XIX constitui outro dos vectores que teremos que considerar para a leitura do espaço sacro privado, visto estar relacionado com o perfil sócio-económico de quem esteve na origem desse espaço e de quem o usufruiu. No concelho de Torres Novas a Capela de Santo António da quinta com o mesmo nome, no Pedrógão, é um exemplar de um espaço sacro presente numa quinta de um morgado. As Memórias Paroquiais referem o seguinte: «[…] uma ermida de Santo António, com 8 9 um altar somente, [com] a imagem de barro, a qual ermida é do morgado do Pedrogão e está pegada às casas dele, foi feita haverá pouco mais de 150 anos, pelo instituidor do mesmo morgado, que foi Jorge de Sousa Alvim, prior desta igreja»9. Não só o meio, como também o perfil sócio-económico de quem detém e usufrui o espaço da quinta, serão determinantes para a concepção de tal espaço. Nos exemplos considerados para a esfera geográfica já mencionada, encontramos oscilações que – correspondendo não só à época, mas também, ao nível social e cultural dos proprietários, seus recursos económicos e suas exigências estéticas – equivalem a reflexos sobre a concepção arquitectónica das construções que integram o conjunto da quinta, dentro do qual nos interessa, de sobremaneira, o espaço sacro. Será no seu interior que veremos a sensibilidade do instituinte, suas posses económicas, sua cultura artística, transpostos no cuidado pelo seu embelezamento, o que logo faz dirigir a atenção para os revestimentos artísticos, os quais consoante a época reflectem o requinte do gosto de quem promoveu a sua aplicação. Nesta matéria e, especificamente, sobre o domínio da terra, Manuel Cipriano Lourenço refere o seguinte: «O vínculo – conjunto de bens de um morgado – ganha expressão em Portugal a partir do Século XIII. Traduziu-se numa forma institucional e jurídica com o objectivo de defender a base territorial da nobreza. Se os morgados nos aparecem no Século XIII ocasional e dispersamente, no Século seguinte eles espalham-se, adquirindo grande importância sob o ponto de vista institucional.[...] Tanto a amortização bem como a vinculação foram definindo e consolidando, ao longo dos tempos, o regime jurídico da propriedade fundiária senhorial, indivisível e inalienável.» Vd. LOURENÇO, Manuel Bernardo Cipriano – Das Quintas do Baixo Alentejo: significado Histórico e Social. Contributos para o seu conhecimento e salvaguarda. Dissertação de Mestrado em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico apresentada à Universidade de Évora. Évora: [Edição do Autor], 1999, pp.18-19. LOPES, João Carlos Lopes – Torres Novas e o seu termo..., p. 165. 107 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 108 3. o espaço privado: definições e principais tipologias A definição de Rafael Bluteau para o termo capela é a seguinte: «Altar particular, em Igreja privada, ou no corpo de alguma igreja, encerrado entre paredes próprias, são humas pequenas igrejas filiaes das matrizes».10 Tomando o exemplo desta definição, começamos por referir que se torna difícil um consenso sobre a definição correcta que se deve aplicar ao conceito de capela. A definição comum é bastante abrangente, mas poderemos referi-la. Geralmente, significa uma igreja de pequenas dimensões, que não é sede de paróquia, podendo ser uma ermida, um santuário, uma pequena igreja particular numa quinta, palácio, colégio ou hospital. No entanto, se adjectivarmos capela com a palavra privada, isso fará com que se circunscreva o seu domínio, o que logo remete para o carácter do «que não é público, do que é particular, íntimo»11. Manuela Pinto da Costa refere capela como um pequeno local de culto, de espaço único, privado, podendo em certos casos ser aberto ao público12. Uma definição sumária mas elucidativa. Pertencentes na sua origem a famílias aristocráticas ou de estatuto social superior, as capelas privadas integram-se geralmente em quintas, solares, palacetes 10 11 12 e palácios. Estas capelas teriam que surgir em resultado de um pedido prévio formal dirigido às autoridades eclesiásticas, de modo a conseguir destas uma autorização para a edificação deste tipo de construção que possibilitaria o encontro da família do instituinte e respectivo séquito de criadagem e trabalhadores da sua propriedade [em alguns casos] com o Sagrado. Sobre esta matéria, vejamos o que indicam as Constituições Synodaes do Arcebispado de Lisboa do ano de 1656. «DECRETO 2 Das Ermidas, quanto a sua fundação, e reparação Principio – Que he costume antigo e louvavel, levantaremse, e reedificaremse ermidas à honra de Deus e dos Sanctos Por quanto achamos ser cousa muito pia, e louvavel, edificarem-se ermidas a honra de Deos Nosso Senhor, e da Virgem Maria Nossa Senhora, e dos Sanctos, e que com ellas se excita a devoção dos fieis. Ordenamos que assim se guarde em nosso Arcebispado, fazendo-se na forma que o Direito Canonico dispõe, e com a decencia de vida. Alem das que são necessarias nas parochias grandes, e distantes, pera se delas levar o Santissimo Sacramento aos enfermos [...]. §1 – Que se não possão edificar ermidas sem licença nossa e sem renda bastante pera sua fabrica e reparação BLUTEAU, D. Rafael – Vocabulario Portuguez e Latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 e 1716. Tomo I, p. 226. Dicionário da Língua Portuguesa. 6. ª Edição. Porto: Porto Editora, 1987, p. 1340. COSTA, Manuela Pinto da – Ermidas e Capelas. In Dicionário de História Religiosa. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000. Vol. 1, pp. 154-158. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) Assim como senão podem fundar Igrejas de novo em nosso Arcebispado sem licença nossa, assim tambem as Ermidas. Pelo que mandamos que, quando algumas pessoas fundalas em louvor, e honra de Deos, ou de seus Sanctos, nos dem primeiro conta por petição, apontando lugar, e sitio, e invocação de que se hão de chamar. E achando nos ser o lugar decente, e que se lhes assim dar, e renda competente pera sua fabrica, reparação, e ornamentos, lhes concederemos licença [...]» 13 Considerando o espírito contra-reformista que contextualiza o conteúdo desta citação, é nitidamente afirmada uma posição favorável em relação à fundação de ermidas periféricas às matrizes dos territórios paroquiais. A iniciativa desse tipo de edificações constituiria mais uma via de evangelização do Catolicismo Triunfante, pois o espaço sacro privado funcionaria como um micro-cosmos suplementar na paróquia. Nas entrelinhas verifica-se que era requerido ao fundador da capela um estatuto económico estável que garantisse não só o suporte das despesas com a sua edificação, como também os gastos na sua manutenção, reparação e ornamento. A questão do mecenato surge então como um aspecto determinante para a fundação de capelas privadas. 13 14 quadro 3 tipologia dos espaços sacros Privados DesCriçÂo sumÁria CarÁCter 1) Oratório Espaço único, destinado à oração, para uso exclusivo da família e criadagem. Privado 2) Capela anexa14, ou não, ao espaço habitacional com porta pública Espaço sacro onde podem ser celebrados actos litúrgicos destinados à família e a algum Semi-Privado público, sobretudo em locais ou povoações onde não existe outro local de culto. 3) Capela com capela-mor e sacristia com porta pública Existente numa subdivisão do espaço habitacional, reservado para a celebração do culto e só para a utilização Semi-Privado do celebrante e da família da casa, estando o corpo da capela, destinado ao público. tiPologia Constituições Synodaes do Arcebispado de Lisboa. Novamente feitas no Synodo Diocesano, que celebrou na Sé Metropolitana de Lisboa o Illustrissimo, e Reverendissimo Senhor D. Rodrigo da Cunha Arcebispo da mesma cidade, do Concelho de Estado de S. Magestade, em os 30 dias de Mayo do anno de 1640. Concordadas com o Sagrado Concilio Tridentino. Lisboa Oriental: Officina de Filippe de Sousa Villela, 1737, pp. 329-330. Algumas capelas deste tipo possuem uma tribuna, ao jeito de coro alto, a qual se tem acesso directo ao andar nobre, destinando-se ao uso exclusivo da família. 109 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 110 No tratamento arquitectónico dos espaços sacros privados é comum considerar uma divisão tripartida15 correspondente às principais variantes tipológicas que se verificam na sua concepção. No quadro 3 sistematizam-se essas cambiantes. A fim de o ilustrar passamos a apresentar alguns exemplos respeitantes ao concelho de Torres Novas. Para a primeira variante destacamos o exemplo verificado na Quinta de São Gião – um oratório inserido no espaço habitacional, dedicado a Nossa Senhora da Conceição – e ainda os oratórios dedicados a Jesus Cristo e a São Manuel, referidos por Artur Gonçalves, respectivamente, nas Casas dos Jacôme de Castro e dos Pessoa de Amorim, ambos em pleno centro histórico torrejano, na antiga Rua Direita, hoje Rua Miguel Bombarda.16 Incluídos na segunda tipologia estão a Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril e a Capela São Pedro da Quinta das Ferrarias. A última variante tipológica abrange os exemplos da Capela de São Caetano ou de São João Baptista da Quinta de Caniços, da Capela de Santo António da Quinta de Santo António do Pedrógão, da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos e da Capela de Nossa Senhora da Piedade da Casa Mogo de Melo. 15 16 17 18 4. o significado da inclusão do espaço sacro no contexto habitacional da arquitectura civil Sabemos que o grau de monumentalidade do espaço sacro é determinado não só pela escala do edifício que o inclui, como também pela selecção do repertório decorativo escolhido para seu invólucro delimitador17. Neste sentido, a capela privada é bem exemplificativa deste facto, assumindo contornos ligados a uma simbólica mental e sócio-económica relativa a quem o originou num contexto habitacional. Qual o significado da sua presença no espaço habitacional? Nas seguintes linhas procuraremos desvendá-lo, tentando clarificar os aspectos que fazem com que o espaço sacro privado comporte um peso divergente dos restantes espaços sacros públicos. Na sociedade de ordens, fortemente hierarquizada, da Época Moderna e até mesmo dos inícios da Época Contemporânea, as capelas privadas são como que um distintivo que é relativo ao poder de um segmento da sociedade que pretende demarcar-se dos demais através de espaços habitacionais que, de longe, se parecem com os lugares ocupados pela maioria da população. 18 COSTA, Manuela Pinto da – Ob. Cit., p. 155. Cf. GONÇALVES, Artur – Mosaico Torrejano. Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 1936, pp.435 e 451. PEREIRA, José Fernandes – Espaço. In Dicionário de Arte Barroca. Lisboa: Ed. Presença, 1989, pp. 171-172. Neste âmbito, Natália da Costa Ferreira elucida claramente esta ideia: «[...] O enraizamento e o poder que a casa de quinta nos traduz é reforçado pela presença de uma capela [...]». FERREIRA, Natália Maria Fauvrelle da Costa – Quintas do Douro. As Arquitecturas do Vinho do Porto. Dissertação de Mestrado em História da Arte apresentada à FLUP. Porto: FLUP, 1999, p. 40 NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) FIG.2 _ Núcleo habitacional da Quinta do Carril. Casa nobre [à esquerda] e Capela de Santa Quitéria [à direita]. FA De certo modo, o espaço sacro privado confere status ao seu instituinte, fundamentalmente, por realçar o seu prestígio de mecenas. Contudo, ressalve-se que uma leitura feita apenas nesta linha tornaria redutor o discurso sobre a descodificação da simbólica que está associada a este tipo de edificações. Deverão ser considerados três vectores principais19: 1) o aspecto da dignificação do edifício, ou núcleo habitacional, e do seu proprietário; 2) a questão da religiosidade privada; 3) as condições geográficas do edifício ou núcleo habitacional e sua implantação no território traçado pela organização eclesiástica. A instituição de uma capela em contexto habitacional privado fomenta imediatamente a sua valorização imobiliária, constituindo assim veículo de dignificação20 daquele complexo. Não estava ao alcance de todos instituir uma capela privada, logo, 19 20 21 22 23 o seu instituinte ao fazê-lo revela uma condição económica confortável e contrastante com a restante maioria da população. Como foi já mencionado [ao abordar a questão do vínculo dos espaços sacros privados]21, uma boa situação económica era fundamental para se poder suportar os gastos que uma edificação deste tipo requeria, bem como as despesas referentes à sua manutenção e aos bens que lhe ficariam directamente associados. Outra explicação plausível para esta questão da instituição de capelas integradas nas habitações ou próximo delas está ligada ao parâmetro concreto da religiosidade privada. Uma situação comum é o facto de resultarem de uma promessa ou voto22 realizados por parte do instituinte e que, no que respeita às Quintas Rústicas [padrão comum neste concelho] se associa normalmente a um culto surgido em épocas de estiagem ou chuvas prolongadas, epidemias e outras calamidades, invocando-se o poder divino para por cobro a esses males e, simultaneamente, pedir a protecção das colheitas. A instituição de um espaço sacro nesse meio estabelecia uma directa relação com o Sagrado23 e, desse modo, tornava possível o culto íntimo ao patrono instituído, numa atitude devocional que partia Correspondentes aos motivos que conduziram à fundação de capelas incluídas no espaço circunscrito da quinta. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – “Espaços de Culto Público e Privado nas Margens do Douro”. Poligrafia. Arouca: Centro de Estudos D. Domingos de Pinho Brandão. N.º 7, [s.d], p. 68. Ver Ponto 4 desta Primeira Parte. Em honra da Virgem Maria ou de determinados santos. FERREIRA, Natália Maria Fauvrelle da Costa – Ob. Cit, p. 42. 111 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 112 do privado para o público, nas situações em que tal espaço é semi-privado. Caso exemplar desta situação, presente na esfera geográfica em análise, é a Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos cuja edificação terá resultado da devoção particular do instituinte e de sua mulher numa evocação ao Sagrado para a resolução de um problema de infertilidade que inviabilizava a garantia de descendência.24 O facto das capelas privadas surgirem por ocasião de algumas quintas – implantadas a uma distância considerável da igreja mais próxima – requererem a existência de um espaço digno onde pudessem ser recebidos os Sacramentos da Igreja, por parte de quem ali habitava, constitui também outro aspecto que responde à questão que lançámos. O argumento relativo às condições físicas e geográficas dos complexos agrícolas em meios rurais, ajuda, assim, a descodificar o simbolismo inerente à presença do espaço sacro privado nesses meios. Sobre as situações relativas aos maus acessos de certas populações à igreja mais próxima, as Constituições Synodaes do Arcebispado de Lisboa apontam o seguinte: «Por quanto em algumas freguezias, por serem grandes, e dilatadas, ficão alguns lugares, e freguezes em tal distancia, que não podem com grande dificuldade, e trabalhos, vir ouvir Missa, estar aos Oficios Divinos, e receber os Sacramentos nella, especialmente 24 25 26 Vd. Ponto 1 do Capítulo III deste artigo. Constituições Synodaes do Arcebispado de Lisboa..., p. 328. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – Ob.Cit., p. 70. em tempo de inverno, por causa dos rios, ribeiras, e aspereza dos caminhos, ou por outros impedimentos. Mandamos, conformando-nos com o Direito Canónico nesta parte, que nos lugares, que ficam mais perto, e mais acomodados, se erijão, e fundem novas igrejas parochiaes, que ficarão sendo filiaes das outras, as quais novamente erectas se apliquem aqueles freguezes e lugares que estiverem tão distantes, que não podem ir às matrizes».25 Certamente que aqui não tratamos de igrejas paroquiais, no entanto, o conteúdo deste decreto poderá também aplicar-se às capelas privadas, uma vez que existiam situações em que a distância da quinta em relação à igreja mais próxima era significativa, bem como as dificuldades no seu acesso, agravadas muitas vezes pelas condições climatéricas desfavoráveis que transtornavam a deslocação àqueles locais. Do mesmo modo, sublinhe-se que, visto estar associada à Quinta Rústica uma comunidade que englobava não só os proprietários e sua família, como também a criadagem e os trabalhadores agrícolas, juntando o facto de, em muitos casos, o isolamento desses complexos se verificar juntamente com o das populações vizinhas, a instituição de uma capela privada [em resultado desta condição] adquiria um carácter semi-público, facultando-se o acesso às gentes das imediações. A questão da comodidade26 deverá, assim, ser também considerada na NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) justificação da existência de capelas privadas em domínios agrícolas. O significado da presença do espaço sacro num complexo habitacional deverá ser interpretado segundo uma leitura tripartida, a qual deverá considerar os aspectos que levaram à origem da sua edificação e que dizem respeito à questão da nobilitação27 da infra-estrutura habitacional e do seu proprietário, ao fomento de uma religiosidade privada, associada a um determinado culto doméstico e à situação geográfica do núcleo habitacional no mapa da organização eclesiástica local, considerando a distância desta em relação à igreja mais próxima. ii. os iNteriores saCros atravÉs Dos temPos e a questão Dos revestimeNtos artístiCos 1. as oscilações do gosto entre os inícios do século xviii e o século xix Para a esfera geográfica correspondente ao actual concelho de Torres Novas, iniciamos o percurso evolutivo dos revestimentos artísticos dos interiores sacros privados nos inícios do século XVIII. Passadas poucas décadas após o fim do período de domínio espanhol, Portugal procurava ainda contrariar alguma debilidade política e económica, pela procura da estabilidade. 27 28 A partir dos finais de Seiscentos começaram a reaparecer as construções de casas senhoriais, visto que sob o domínio espanhol não terá sido propício o fomento deste tipo de iniciativas. Nas novas construções adopta-se uma arquitectura ainda ligada ao gosto maneirista, o que revela um apego à tradição e uma atitude algo avessa à modernidade.28 As casas construídas em finais do século XVII e inícios da centúria seguinte são, na sua maioria, de uma grande sobriedade, mantendo alguma horizontalidade pelo emprego da linha baixa na sua composição. Acompanhando essa linearidade, os alçados, plenos de simplicidade, são ritmicamente pontuados aqui e além pela abertura regular de janelas, um aspecto que se verifica também na arquitectura religiosa sua contemporânea. Será, sobretudo, ao nível dos interiores que as alterações de gosto mais se sentirão, tornando-se este aspecto bastante evidente no contexto dos espaços sacros. Estes anunciam um novo gosto que se consumará no tratamento cuidado dos revestimentos artísticos que lhe são aplicados. Para o fenómeno da dignificação e, consequente enriquecimento gradual do espaço sacro, foi decisivo o impacto do Concílio de Trento, sendo incontornável a referência às suas causas e consequências. Surgindo da necessidade da organização de um movimento contrário ao Protestante, o Com o que isso implica de atitude ostentatória por parte do fundador. Vd. AZEVEDO, Carlos – Solares Portugueses. Introdução ao estudo da casa nobre. Lisboa: Livros Horizonte, 1969, p. 56. 113 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos quadro 4 evolução dos revestimentos artísticos em interiores sacros privados do concelho de torres Novas PeríoDo revestimeNtos aPliCaDos CaPelas PrivaDas e resPeCtivas quiNtas BARROCO ROCAILLE Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos Século XVIII Azulejo Talha Pintura mural Estuque Capela de N.ª S.ª da Piedade da Casa Mogo Melo Capela de Santo António da Qt.ª de N.ª S.ª da Paz Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril NEOCLASSICISMO ROMANTISMO ECLETISMO/ Século XIX REVIVALISMO 114 Pintura mural Capela de Santo António Qt.ª de Santo António [Pedrógão] Capela de Santo António da Qt.ª da Torre de Santo António 19.º Concílio Ecuménico – convocado pelo Papa Paulo III pela Bula Letare Jerusalem de 19 de Novembro de 1544, realizado entre 1545 e 1563 – lança algumas directrizes de combate ao Protestantismo que serão intensamente discutidas nos tempos póstumos, as quais se tornam fulcrais na alteração das práticas litúrgicas, suas formas de vivência e manifestação do sagrado. As chamadas directrizes tridentinas deram origem a todo um processo de teorização que espoletou um novo fenómeno artístico, surgindo no campo associado à dimensão do sacro novidades na concepção e vivência do espaço de celebração e oração. Vemos este fenómeno, por exemplo, ligado à imaginária, a qual seguindo os novos parâmetros iconográficos e iconológicos origina novas invocações. 29 Seria a última sessão do Concílio de Trento, acontecida a 3 de Dezembro de 1563, que se viria a revelar como fundamental para a formulação de uma nova concepção do espaço sacro, de modo a responder às necessidades que exigiam os novos tempos, as quais residiam principalmente no combate à heresia por parte da Igreja Católica. A partir do conteúdo dos textos publicados pós-Trento, surge, nos finais do século XVI e, praticamente, por todo o século XVII, toda uma literatura teórica que irá condicionar as opções do artista em função de um código rígido, quando este remete para a esfera da religião. Estes textos debruçam-se sobre as representações de Cristo, da Virgem e dos santos, ou tratam da organização estrutural do espaço sacro29 e do seu recheio ao nível das alfaias litúrgicas. Sobre esta temática o texto que mais se destacou e que explica muito daquilo que se fez a partir da sua publicação, deve-se a Carlos Borromeo – Bispo de Milão – e intitulou-se Instructiones Fabricae et Supellectilis Ecclesiasticae, datando de 1576. Nele definem-se os principais vectores que o espaço sacro deveria conter em todos os seus pormenores, sublinhando sempre a importância da decência e da dignidade na sua concepção Carlos Borromeo – Instrucciones de la Fábrica y del Ajuar Eclesiásticos. 1. ª Edição. México: Universidad Nacional Autónoma de México-Imprensa Universitária, 1985, p. XVII. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) Como resultado destes factos, passamos, gradualmente, a encontrar no espaço europeu uma dicotomia na concepção dos espaços sacros, correspondentes à esfera Católica e à esfera Protestante. Como síntese, veja-se o Esquema 1 que procura esclarecer estas divergências. O Concilio de Trento representa o marco fundamental do arranque do gosto Barroco que vingaria nos tempos que se lhe seguiram, perdurando no nosso país até à segunda metade do século XVIII. Este novo gosto tomaria o espaço sacro como um espectáculo do sensível30, convencendo e seduzindo os crentes, o que fez com que também a decoração reivindicasse esse papel dinamizador, invadindo os alçados dos edifícios.31 Neste âmbito, a via do emergente Barroco nacional faz com que os interiores sacros seiscentistas comecem a introduzir os originais revestimentos em talha dourada e em azulejo, aos quais se acrescentará, mais tarde, o requinte dos mármores, alguma pintura introduzida quer nas estruturas retabulares, quer nos tectos de caixotão, ou ainda, [mais raramente] a pintura mural. Os novos cânones estéticos aplicar-se-ão não só em espaços construídos de raiz, como também em espaços provenientes de épocas passadas. 30 31 esquema 1 Dicotomia na concepção do espaço sacro europeu: a igreja Católica e a igreja Protestante igreja CatóliCa O espaço sacro é o grande palco Põe em movimento tudo à sua volta de modo a captar a atenção dos fiéis «Tudo é pouco para a casa de Deus» Ostentação católica igreja ProtestaNte O espaço sacro é desprovido de tudo [de decoração, de ornatos...] Conserva apenas a estrutura arquitectónica, o crucifixo, o púlpito e o órgão Despojamento Protestante O valor artístico que estes espaços assumem reflecte a componente sensitiva tão própria ao gosto Barroco, o que faz com que encontremos, em meios abastados, interiores com um grande cuidado no tratamento dos pormenores decorativos, facto que reflecte alguma cultura artística não só por parte de quem executa a obra, mas principalmente por parte de quem a encomenda, demonstrando o conhecimento das modas próprias ao seu tempo. Nele tudo se funde: «a música saída dos órgãos [...], a melopeia das ladainhas, o ritmo sincopado do latim, língua entendida por poucos […] eivada de mistério, a opulência das alfaias litúrgicas e a visão ímpar dos paramentos bordados, o odor inebriante do incenso saído dos turíbulos, ao qual se misturaria o cheiro acre das velas queimadas, e cuja luz bruxuleante contribuía para adensar o misticismo do ambiente. Nele se faz a exaltação da Glória e se dá a apoteose sensorial.» Cf. FERREIRA-ALVES, Natália Marinho – A Escola de Talha Portuense. Porto: Inapa, 2001, p.17. PEREIRA, José Fernandes – Arquitectura Barroca em Portugal. 2.ª Edição. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1992, p. 182. 115 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 116 Inicia-se a maturação de um tipo de decoração com forte apego à questão da valorização ao máximo do interior sacro, sendo este visto como morada, por excelência, do Sagrado. É preciso não esquecer que, em resultado da conjuntura europeia, se torna necessário captar o crente para o universo da Igreja Triunfal, e nada é mais eficaz do que a ostentação aplicada à concepção do espaço sacro – uma inebriante forma de fazer aproximar o crente a uma dimensão mística. Em resultado de uma conjuntura económica favorável, atinge-se no Portugal de Setecentos um alto nível de requinte na concepção dos espaços sacros. A prosperidade em crescendo existente no seio das elites dominantes proporciona uma canalização de parte dos seus recursos económicos para aplicação nas matérias do Sagrado e não há melhor exemplo deste facto que o caso das capelas privadas. A casa setecentista em muito se assemelha à da centúria anterior, embora, gradualmente, comece a evidenciar alguns sinais próprios ao estilo Barroco, os quais se tornam mais evidentes no Norte de Portugal. As plantas destes edifícios continuam a revelar algum conservadorismo e apenas a planta em U constituirá excepção. De uma maneira geral, prefere-se uma escala de construção que esteja em harmonia com a escala humana. Os alçados desenvolvem-se no sentido do comprimento, um aspecto 32 AZEVEDO, Carlos – Ob.Cit., pp. 65-72. que é acentuado pela linha horizontal da cornija – linha que se evidencia pela introdução, em certos casos, de frontões, pináculos, pirâmides, e mais tarde fogaréus, no coroamento de todo o edifício. A escadaria de aparato constituirá um elemento de quebra na sobriedade monumental do conjunto, por vezes impondo alguma profundidade na composição das fachadas. O interior destas casas será contagiado pela estética barroca de um modo mais acentuado que o exterior. O azulejo e a pintura sobre madeira, aplicada nos tectos das divisões mais nobres, são variantes decorativas que as casas mais ricas apresentam. Quanto às casas mais simples, os esforços decorativos são canalizados para o interior da capela32. A importância dada a este espaço é uma característica evidente, visto ser flagrante em muitos casos o seu contraste em relação ao restante espaço habitacional, nomeadamente, no que respeita à sua decoração. A introdução nos recintos sagrados de retábulos em talha dourada e imaginária, bem como a aplicação de pintura e de revestimentos azulejares, são sinais de distinção, e demonstram, ao mesmo tempo, a resposta dos instituintes em relação às directrizes formuladas pela Santa Igreja que promovia a valorização artística do espaço sacro. De maneira a ilustrar este facto, vejam-se as palavras das Constituições Synodaes do Arcebispado de Lisboa. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) «Manda o Sagrado Concilio Tridentino, que nas igrejas se ponhão as imagens de Christo Nosso Senhor e de sua sagrada Cruz, e da Virgem Maria Nossa Senhora, e dos outros Sanctos; e se pintem retabolos, ou ponham figuras dos misterios que obrou em nossa redempção; por quanto com ellas se confirma o povo fiel em os trazer à memória muitas vezes, e se lembra dos beneficios, e mercês, que de sua divina mão recebeu. E se incita tambem, vendo as imagens dos Sanctos, e seus milagres, a dar graças a Deos Noffo Senhor, e aos imitar. [...]»33. Os exuberantes interiores sacros renovados ou erigidos de raiz, a partir dos princípios da Igreja Triunfante que recomendavam o decoro das formas representadas, produzem um contraste evidente com a pobreza patente nas formas exteriores.34 O seu impacto visual é imediato, sendo disponibilizado pela rica marca decorativista que ocupa todos os cantos destes templos. Em muitos casos, a dualidade talha-azulejo é uma realidade omnipresente. Ambas as artes se completam, intersectam, complementam, se invadem uma à outra, se preenchem no total. Complementando-se com o poder inebriante da talha dourada, o azulejo é um dos principais participantes na criação do espaço policromo barroco, assumindo um papel absolutamente marcante pelas suas 33 34 potencialidades. Principalmente em Setecentos o azulejo conduz à própria ampliação do espaço quando se converte em estrutura narrativa, que não pode dispensar a cena perspectivada, para não falar da concretização da encenação da mensagem visual. Num só espaço, e por fusão ou interpenetração de duas artes, contactamos com a vibração lumínica no seu mais alto expoente. 117 FIG.3 _ Pássaro debicando cacho de uvas oferecido por um menino. Retábulo-mor da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. 1.º Quartel do século XVIII. FA Constituições Synodaes do Arcebispado de Lisboa..., p. 331. Sobre este aspecto veja-se a interessante leitura de José Fernandes Pereira ao considerar que o edifício religioso é pensado como «[...] uma alegoria católica do próprio corpo de Cristo: um corpo desprezível [o exterior é reduzido à mera funcionalidade dos muros separadores] que suporta a riqueza interior da alma [o espaço interior repleto de azulejos em perfeito equilíbrio com a talha dourada, numa tentativa de alcance da obra de arte total – espécie de materialização de uma perfeição desejada].» PEREIRA, José Fernandes – Azulejo. In Dicionário de Arte Barroca. Lisboa: Ed. Presença, 1989, p. 55. NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 118 FIG.4 _ A complementaridade entre a talha e o azulejo. Púlpito da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. 1.º Quartel do século XVIII. FA A partir dos finais do século XVII e durante o século XVIII, ocorre o redireccionamento dos esforços de aperfeiçoamento dos revestimentos azulejares, muito por influência da imitação da porcelana chinesa. A azulejaria portuguesa reage face ao crescente sucesso do produto congénere holandês, perdendo a policromia e dando origem a revestimentos bicromáticos pintados a azul-cobalto sobre branco estanífero. Desenvolvem-se as composições figurativas onde é notório o aumento do campo visual, o qual é conseguido pela introdução da perspectiva e consequente construção tridimensional do espaço. Abrem-se as portas para um dos mais prósperos períodos da azulejaria portuguesa. Como foi já assinalado, a talha dourada surge como outro tipo de revestimento artístico que enriquece os espaços sacros portugueses. Nos finais de Seiscentos, as estruturas retabulares assumem estruturas maciças, fundamentalmente, assentes em composições onde se afirmam os arcos de volta perfeita, concêntricos em direcção à tribuna eucarística, cuja robustez é sublinhada por toros diédricos que prolongam o efeito volumétrico das colunas de sustentação de fuste torso. Décadas mais tarde, por oposição a este Estilo Nacional, surgem estruturas cuja composição assume um tratamento cenográfico com pormenores decorativos indicadores da influência classicizante de matriz romana. Os novos retábulos introduzem a coluna salomónica, bem como uma temática decorativa constituída por novos elementos. No lugar das parras, cachos de uvas, pássaros e meninos, surgem elegantes festões, palmas, grinaldas de frutos e flores de desenho delicado, sanefas e reposteiros com borlas. É o chamado Estilo Joanino, denominação com origem no facto de coincidir cronologicamente com o reinado de D. João V. Revelando a apoteose do gosto Barroco fermentado já no século anterior, os espaços sacros encontram em Setecentos o momento do seu máximo apuramento, revelando-se NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) ricos, não só ao nível material como também ao nível da genuína concepção artística. Neste contexto, os interiores sacros privados datados deste período são, assim, produtos de uma época que tornou possível o requinte apurado da sua concepção, transformando-os em redutos máximos de uma ideologia própria de uma Igreja Militante35 – autênticos micro-espaços correspondentes a uma religiosidade que serviu «um poder que cenograficamente se [deu] a ver [...] enquadrando sentimentos populares ancestrais e profanos».36 Na segunda metade do século XVIII assiste-se a uma nova alteração de gosto. Em 1750 sobe ao trono D. José I e, ao mesmo tempo, no panorama artístico nacional chegam os primeiros ventos de uma corrente estética que encontra a sua origem em França. A nova tendência estética do tardo-barroco ficaria conhecida por estilo Rococó e terá surgido no final do reinado de Luís XIV, mais propriamente durante a regência do Duque de Orleães, alcançando a sua maturação no reinado de Luís XV. Na sua essência, dirigiu-se essencialmente para a decoração de interiores e para as artes decorativas, caracterizando-se genericamente pelo abandono da disciplina tradicional barroca e seus motivos de matriz classicizante tradicionalmente usados, introduzindo novas formas com contornos chamejantes assentes em elementos decorativos inspirados num tipo de concha identificada com o nome de Rocaille. 35 36 FIG. 5 _ Pormenor do estuque decorativo. Capela de N.ª Sr.ª da Piedade da Casa Mogo de Melo. Segunda metade do século XVIII. FA Em Portugal, o Rococó chegou por meio da circulação de estampas nas quais se reproduziram obras de Quillard, Debrie, Meissonier, entre outros, as quais constituíram influência para a produção de determinados artistas portugueses como, por exemplo, os casos célebres de André Soares e de Frei José de Santo António de Vilaça. As alterações verificadas dão-se sobretudo ao nível da linguagem decorativa, onde o azulejo e a talha introduzem complicados ornatos de formas serpentiformes, geralmente com alguma assimetria, onde os concheados e os complexos e requintados enlaçamentos de volutas dominam. Entretanto, um outro tipo de revestimento artístico vai gradualmente assumindo destaque. Surgido na Arte Barroca a partir das realizações artísticas de Bernini, que utilizou as múltiplas possibilidades da escultura em gesso, o estuque afirmar-se-á no Barroco Final como arte decorativa de eleição para o revestimento de interiores sacros dos ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – Ob.Cit., p. 72. PEREIRA, José Fernandes – Arquitectura Barroca em Portugal…, p.184. 119 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 120 países católicos da Europa. De possibilidades técnicas infinitas este suporte decorativo é, paulatinamente, preferido à talha dourada, revelando-se extremamente adequado para interpretar os excessos exuberantes das formas rocaille. O Rococó português irá estar associado ao artista italiano Giovanni Grossi e sua equipa, contratados em 1764 por Sebastião José de Carvalho e Melo, criando este, inclusivamente, no âmbito das Reais Fábricas, uma Aula de Estuque e Desenho [fechada em 1777]37, donde saíram inúmeros artistas que trabalharam na beneficiação estética dos novos edifícios pombalinos. Junto ao final de Setecentos, já no reinado de D. Maria I, abandonar-se-á este gosto para dar lugar ao rigor Neoclássico, característico pela sua simplicidade e descrição. Também divulgado através da circulação de gravuras, a linguagem decorativa que irá assumir caracteriza-se pelo emprego de ornatos simples e leves sobre uma estrutura de matriz clássica. Os motivos decorativos de desenho delicado assentam em formas vegetalistas – entre as quais são exemplo as grinaldas de flores e ramagens – às quais se adicionam laços, medalhões circulares e ovais, perlados e urnas, aplicados sobre um fundo neutro ou marmoreado. Também os interiores sacros absorverão esta tendência, aplicando os mais variados revestimentos segundo estas formas decorativas. 37 FIG.6 _ Pormenor decorativo do retábulo-mor da Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril. Inícios do século XIX. FA VASCONCELOS, Flórido de – “O Estuque, Decoração Privilegiada do Barroco”. In Actas do I Congresso Internacional do Barroco. Porto: Reitoria da Universidade do Porto, 1991. II Volume, p.553. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) FIG.7 _ Motivos vegetalistas e representação de uma ave. Pormenor do revestimento em pintura mural patente na capela-mor da Capela da Quinta de Santo António no Pedrógão. 1.º Quartel do século XIX. FA A pintura a fresco, já experimentada a partir do segundo quartel do século XVIII, surge também, nos finais da centúria, como recurso utilizado como revestimento parietal, acrescentando-se aos demais, numa altura em que o azulejo inicia um período de decadência na frequência da sua utilização. 38 Nesta época, trabalhando neste tipo de revestimento ficou célebre o pintor Jean Pillement que, com a sua pintura de temática paisagista, exerceu forte influência sobre os pintores portugueses seus contemporâneos. Entrando em Oitocentos, tempos conturbados sucedem à prosperidade e estabilidade vivenciada na maior parte do século XVIII [até ao Grande Terramoto de 1755]. A conjuntura política interna é delicada, primeiro com as Invasões Francesas e fuga da família real para o Brasil, depois com 38 39 a Revolução de 1820 e a Guerra Civil que devastaria o país até 1834. Passada a agitação que pontuou praticamente toda a primeira metade de Oitocentos, a relativa estabilidade propicia que a arquitectura civil construída pelas elites seja consubstanciada, essencialmente, em casas de recreio ocupadas sazonalmente em momentos de lazer, as quais se associam não só à aristocracia tradicional mas, sobretudo, às novas elites burguesas que vão gradualmente ocupando um lugar ao sol na sociedade pelos benefícios económicos que sabem aproveitar da crescente industrialização. Relativamente à instituição de capelas privadas em contextos habitacionais, ao longo desta centúria é cada vez mais evidente o decréscimo desta prática. É esta uma constatação perceptível se tivermos em conta a conjuntura da época em que as ideias liberais lutavam contra a velha cultura aristocrática de costumes arreigadamente católicos. Esta posição está bem evidente no processo da nacionalização dos bens do clero feita após a extinção das Ordens Religiosas. O anti-clericalismo generalizado não ajudava à prática da fundação de espaços sacros privados, uma vez que o fenómeno de desacralização social era uma realidade, o que originava uma crescente redução do investimento em arte religiosa39. Sobre este fenómeno as palavras de Anne de Stoop parecem-nos elucidativas: «[...] o sucesso dos frescos que irá sempre crescendo, durante o Século XIX, não é apenas o sucesso de uma gramática decorativa recentemente importada, descobre-se também, com encantamento, que a flexibilidade desta técnica, bem adaptada ao clima, permite uma apreensão mais completa do espaço [...]» STOOP, Anne de – Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa..., p. 18. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da – Ob.Cit., p. 68. 121 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 122 O Romantismo é outra nota dominante na história das mentalidades relativa a este período. O interesse pela génese da alma nacional, promovendo o pitoresco, pela procura da descoberta do que é caracteristicamente português, desperta a atenção para os valores de um passado longínquo, numa atitude saudosista em relação a tempos que se viam prósperos e áureos no percurso histórico de Portugal enquanto nação. Nesta perspectiva, e à semelhança do que acontecia além fronteiras [veja-se o caso inglês], a cultura da Idade Média assumirá lugar de destaque. A estética romântica gravita em redor de um sentimento poético e espiritual em relação ao passado, não estando definida uma linguagem única, mas sim uma simultaneidade de linguagens e variantes estilísticas que são recuperadas. Homens de futuro, fomentadores do progresso, constroem casas onde introduzem uma linguagem bebida no passado. São as reinterpretações de estilos como o Gótico, o Manuelino, o Românico, ou ainda aqueles ligados ao Exotismo [como é o caso do Estilo Mourisco], que ficam ligadas ao prefixo neo. O fascínio pelo regresso ao passado cai nas preferências da clientela burguesa ou da velha aristocracia mais abastada. Nos meios em que sobrevivem as práticas religiosas, e em que surge a necessidade de afirmar o poder sócio-económico, a fundação de capelas privadas bebe a sua concepção arquitectó40 nica nos modelos medievais. Neste âmbito, sobre o gosto neo-medieval e sua carga simbólica para o homem romântico, direccionando-se para um estado ideal das práticas cristãs, deixamos aqui a visão de um jornalista, aquando da inauguração da Livraria Chardron ou Lello & Irmão no Porto: «O edifício foi levantado em estylo gothico, que, na história da arte, tem um logar proeminente ao lado das manifestações mais perduráveis que o génio das populações deixou séculos adiante. Ao lado do grego, do latino, do bizantino, da renascença e do moderno, o gothico conserva a sua belleza propria e característica, que evoca no espírito do observador as horas de profunda concentração, o mysticismo que lentamente o foram elaborando, sob o influxo das necessidades sociais e religiosas, que a assimilação do christianismo acarretou parallelamente com a ruína do mundo romano e pagão [...]»40. FIG.8 _ Fachada lateral da Capela de Santo António da Quinta do Marquês. Finais do século XIX. FA Album Descriptivo Livraria Chardron. Porto: Lello e Irmão, [s/d], p. 7. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) iii. alguNs esPaços saCros PrivaDos Do CoNCelHo De torres Novas Testemunho das alterações de gosto operadas durante dois séculos, o conjunto dos interiores sacros privados do concelho de Torres Novas em análise constitui um património único no seu género e, assim, de uma significativa contribuição para o enriquecimento do panorama histórico-artístico local. Tendo em vista a sensibilização dos espíritos para a protecção desta tipologia arquitectónica que se vê única pela simbólica que transporta e que, lamentavelmente, cada vez mais escasseia ao nível nacional, apresentamos de seguida uma análise que não se pretende muito exaustiva dos espécimes seleccionados. Apontamos, especialmente, a extraordinária unidade estilística que cada um apresenta, bem como a variedade dos seus revestimentos artísticos, numa visão de conjunto. 1. um interior da primeira metade do século xviii: a Capela de santa ana da Casa dos vargos De acordo com a data inscrita sobre a porta principal – 1726 – e, tendo em conta os dados referidos nas Memórias Paroquiais de 1758, o instituinte desta capela terá sido o Capitão Manuel Lopes Moreira, o qual a dotou com um moio de pão41. Manuel 41 42 FIG.9 _ Fachada principal da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. FA Moreira casou, cerca de 1717, com Maria Madalena da Silva, sua prima, não havendo descendência.42 Juntando este facto à consideração da hagiologia do orago desta capela, poder-se-á explicar a origem da sua fundação e a razão da sua invocação. A consanguinidade do casal terá dificultado e impossibilitado a garantia da descendência. A devoção a Santa Ana que, ultrapassando a idade fértil e julgando-se estéril, conseguiu conceber Maria, serviria na perfeição os anseios dos instituintes e foi mate- Cf. LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., p.202; PEREIRA, Isaías da Rosa - Visitas Paroquiais na Região de Torres Novas (séc. XVII-XVIII). Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 1992, p. 55. Vd. MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho – As Casas dos Vargos e do Caneiro. Solares Rurais Setecentistas [Texto Policopiado]. [s.l.]: [s.n.], 1988, citado por MENDES, Marta Tamagnini – “O Revestimento Azulejar da Capela da Senhora Sant’Anna”. Nova Augusta. Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas. N.º16 (2004), p.82. 123 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 124 rializada na instituição de uma capela em sua honra, com porta pública e integrada no complexo habitacional que lhes pertencia. Anexa às restantes dependências domésticas do solar, a Capela de Santa Ana apresenta exteriormente uma linguagem sóbria ao nível dos alçados, aspecto que evidencia a permanência da tradição chã na arquitectura dos inícios do Século XVIII. Apenas o remate da porta principal, empena e sineira, apresentam na decoração escultórica, de pendor vegetalista, algum gosto pelo movimento. [Fig.9] Organizada em dois corpos principais, correspondentes aos espaços da nave e capela-mor, sendo o primeiro mais alto e largo que o que lhe sucede, é no seu interior que atinge uma impressionante magnificência, contrastando com o exterior simples, sóbrio e depurado. É evidente o conceito barroco de “obra de arte total”43 pela conjugação de várias artes de um modo único: a talha dourada de Estilo Nacional, presente no retábulo-mor e nas guardas do púlpito; o azulejo setecentista que reveste a totalidade dos alçados laterais; a pintura mural no tecto do sub-coro e em toda a área da cobertura abobadada da nave e capela-mor; e a cantaria lavrada do arco triunfal, vãos 43 44 da capela-mor e base do púlpito. Todos os revestimentos artísticos se complementam, enriquecendo este interior sacro privado pela sua variedade e qualidade. Na articulação espacial deste interior há ainda que destacar a existência do coro alto [Fig.10], assente em tripla arcada, que funcionou como tribuna para os instituintes e seus descendentes, partido dele a «entrada para as casas […]»44 situada no lado da Epístola. A estrutura retabular da capela-mor define-se estilisticamente como um exemplar da talha de Estilo Nacional. Como características próprias a esta variante estilística destaque-se a estrutura que envolve a tribuna eucarística – sendo composta por colunas de fuste torso a que correspondem arquivoltas que produzem um efeito concêntrico – e a decoração profusa pontuada com enrolamentos de acanto, pássaros e meninos segurando cachos de uva. [Fig.3] Porém, é importante ressalvar que se observam alguns elementos comuns à linguagem vigente na talha do Estilo Joanino, o que coloca o retábulo num momento de transição. Os atlantes presentes por entre a massa entalhada das mísulas que suportam as colunas [Fig.12], os meninos segurando Conceito da História da Arte – designando-se também nos estudos da especialidade pelo termo alemão GesamtKunstwerk ou ainda pela expressão bel composto – aplicado a obras arquitectónicas onde se dá a conjugação ou síntese de diversos suportes e técnicas artísticas resultando espaços complexos e, ao mesmo tempo, coerentes pelo programa estético seguido. No fundo, refere-se à concepção globalizante e unitária dos interiores onde se aplicam programas decorativos com forte capacidade envolvente do espectador, geralmente sempre de uma grande riqueza. Vd. Actas do Simpósio Internacional Struggle for Syntesis – A Obra de Arte Total nos Séculos XVII e XVIII. Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico, 1999. Cf. LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., p.202. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) cornucópias floridas presentes nas pilastras colocadas entre as colunas, os frutos e flores de talhe delicado presentes na decoração das colunas de fuste torso remetem já para a decoração que se verificará no período estilístico seguinte coincidente com o reinado de D. João V. [Fig.11] O revestimento cerâmico setecentista é, contudo, a manifestação artística que de forma mais subtil se afirma nas superfícies murais deste interior, não só pela quantidade e, consequente, área total revestida, mas principalmente pela sua qualidade estética. 125 FIG.11 _ Pormenor de coluna e pilastra do retábulo-mor. Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. FA FIG.10 _ Sub-coro e tribuna da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. FA Santos Simões notou duas épocas diferentes, de acordo com as nuances verificadas nos azuis de cobalto e brancos estaníferos, para os painéis azulejares do primeiro e segundo registo dos alçados apesar de no conjunto se observar uma notável unidade estética nos aspectos formais. Assim, numa primeira fase, a capela teria apenas um silhar [de dez azulejos de alto no sub-coro e de cerca de dezasseis no corpo da capela] de temática profana com representações ligadas às práticas venatórias e da pastorícia no sub-coro, aos jardins nos painéis da NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos mos situá-lo na Grande Produção Joanina, fase da azulejaria portuguesa resultante do processo de amadurecimento da produção azulejar do Ciclo dos Mestres46, notando-se uma grande afinidade formal com a obra atribuída a Valentim de Almeida.47 Do ponto de vista iconográfico as cenas de temática religiosa relacionam-se com o ciclo da parentela da Virgem, estando representados episódios da vida de Santa Ana, mãe de Maria. No sub-coro podemos 126 FIG.12 _ Pequeno atlante do retábulo-mor. Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. FA nave da igreja [Fig.15], e à prática da pesca e dos eremitas na capela-mor. A segunda fase, relativa ao restante revestimento da capela, de temática religiosa, seria então de data posterior.45 No que diz respeito ao enquadramento estilístico deste núcleo azulejar devere45 46 47 FIG.13 _ Nascimento da Virgem. Revestimento azulejar da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. FA SIMÕES, J. M. dos Santos – Azulejaria em Portugal no Século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p. 358. De acordo com a classificação de José Meco resultante da actualização da proposta de João Manuel dos Santos Simões. Vd. MECO, José – O Azulejo em Portugal. Lisboa: Alfa, 1989; Idem – Azulejaria Portuguesa. Bertrand Editora: Lisboa, 1985. Opinião reforçada por José Meco referida por Isabel Mayer Godinho Mendonça, citada por MENDES, Marta Tamagnini – Ob. Cit., p. 102. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) FIG.14 _ Anjo atlante. Revestimento azulejar da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. FA observar O Nascimento da Virgem [Fig.13], A Apresentação da Virgem no Templo, Santa Ana ensinando a Virgem a ler, Santa Ana ensinando a Virgem a rezar. Nos painéis da nave observa-se A recusa da oferenda de São Joaquim, O Encontro de Santa Ana e São Joaquim na Porta Áurea, O Banquete pelo Nascimento da Virgem e A Glorificação da Virgem. Na parede contígua ao arco triunfal está representada a Virgem da Conceição ladeada por Santa Ana, à esquerda, e São Joaquim, à direita. Sobre as fontes iconográficas que terão servido de referência ao pintor de azulejos que trabalhou o conjunto dos painéis figurativos, não conseguimos apurar nenhuma informação relevante.48 Assinalamos apenas para o painel onde se faz representar a cena de Santa Ana ensinando a Virgem a Ler a nítida influência da composição de Rubens, divulgada através da gravura de Schelte A. Bolswert, muito reproduzida na arte europeia de Setecentos. À composição em azulejo foram acrescentados no plano de fundo três símbolos marianos – uma fonte, ciprestes e um vaso de açucenas – sendo suprimidos os anjos esvoaçantes que se observam na obra de Rubens e na sucedânea gravura de Bolswert. [Figs.16-17] 48 FIG.15 _ Cena galante. Revestimento azulejar da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. FA Conjecturamos, apenas, que a fonte consultada será certamente um conjunto de gravuras semelhante à célebre série da Vida da Virgem de Albert Durer [1471-1528] mais tardia, possivelmente da segunda metade do século XVII. Ao confrontar os painéis azulejares com as gravuras de Durer não verificámos qualquer tipo de paralelismo formal, apesar da mesma temática iconográfica. 127 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 128 FIG.16 _ Santa Ana ensina a Virgem a ler. Revestimento azulejar da Capela de Santa Ana da Casa dos Vargos. FA Outro revestimento artístico a referir é a pintura mural presente na cobertura deste interior, estando presente no sub-coro, na nave e na capela-mor. O seu estado de conservação revela-se razoável na cobertura do sub-coro e mau nas restantes áreas mencionadas, notando-se nessas sinais de humidade [possivelmente por infiltração] e fragmentos resultantes de uma posterior cobertura por cal. O cromatismo dominante é um ocre vermelho, notando-se também a presença de azuis e cinzas [no sub-coro]. Acerca das formas decorativas representadas podemos reconhecer, em algumas zonas, motivos de carácter vegetalista, predominando as formas em s invertido FIG.17 _ Educação da Virgem. Gravura a buril de Schelte A. Bolswert segundo Rubens. século XVII terminadas em volutas, que encontram eco em alguns pormenores dos enquadramentos dos painéis azulejares. É este um interior notável pela qualidade artística dos vários revestimentos que apresenta, os quais combinados num programa decorativo que gira em torno da temática mariana procuram um sentido unitário e globalizante que envolve de forma sublime o espectador. Testemunhando do impacto desta exuberância resgatamos os depoimentos de algumas individualidades que nos relataram, em diversos momentos da história, o seu contacto com este interior. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) Em 1758, o Prior de Salvador considerava a Capela de Santa Ana digna de um príncipe49. Quase dois séculos depois, Artur Gonçalves classificou-a como a mais interessante do concelho50. 2. três interiores da segunda metade do século xviii _ a Capela de Nossa senhora da Piedade da casa antão mogo de melo Em pleno centro histórico da cidade de Torres Novas, junto à Igreja do Salvador, no edifício que serve as instalações do Museu Municipal Carlos Reis e que foi a casa da família Mogo de Melo, encontra-se a capela privada daquele edifício civil tendo sido dedicada a Nossa Senhora da Piedade. Escasseiam as informações acerca desta capela e os trabalhos monográficos locais pouco assinalam a seu respeito. Sabe-se que se insere num conjunto arquitectónico que foi habitação de uma das mais importantes famílias da aristocracia local, tendo nela se realizado as cerimónias privadas 49 50 51 52 53 54 dos Mogo de Melo, como baptizados e exéquias, havendo inclusivamente referências de que até sepulturas existiram nela.51 Em 1777 era proprietário do edifício Manuel Mogo de Melo Carrilho de Sousa52, filho de João de Melo Carrilho [c.1686-1757] e casado com Ana de Sousa Alvim Coutinho de Melo Sigea de Velasco53. A partir dos finais do século XIX instala-se ali o Colégio de Jesus, Maria, José sob a gerência da Congregação Religiosa de Santa Teresa de Jesus, facto que, possivelmente, terá prolongado o culto naquele espaço sacro. Desocupado o edifício, aquando da implantação da República, sendo o colégio extinto, anos mais tarde, instalam-se aí vários serviços públicos [como as escolas primárias e a Repartição de Finanças e Tesouria].54 No início dos anos 30, por iniciativa de Gustavo de Bivar Pinto Lopes, instala-se no espaço da capela um pequeno núcleo museológico, resultante de uma campanha de recolha de objectos junto de doadores locais, constituindo o pólo embrionário do que viria a ser, mais tarde, o Museu Municipal. Após a constituição do Museu-Biblioteca Munici- As Memórias Paroquiais de 1758 referem o lugar de Vargos no contexto dos lugares pertencentes à freguesia de Nossa Senhora do Pranto de Paes das Donas afecta, juntamente com a freguesia de Nossa Senhora da Purificação de Assentis, à Igreja do Salvador. Na descrição dos lugares de culto daquele lugar o Prior de Salvador refere para além da «Ermida de Santo António que os moradores fizerão para melhor cómodo dos Sacramentos» a Capela «de Santa Anna que conjunto as suas nobres cazas mandou fazer o Capitão Manoel Lopes Moreyra que a todo o custo a preparou e he digna de ser capella de hum príncipe.[…]». Cf. Dicionário Geográfico de Portugal – Freguesia de Salvador. Vol.37, fl.759. [Disponível em http://ttonline.iantt.pt]. GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas. Novos Subsídios para a sua História. Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 1937, p.355 Cf. Idem – Mosaico Torrejano…, p.447. Cf. Idem – Ibidem. Cf. Idem – Torrejanos Ilustres…, pp.433-436. Cf. Torres Novas – Memórias da História – Roteiro. Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 2002, p.39. 129 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 130 FIG. 18 _ Interior da capela da Casa de Antão Mogo de Melo, actualmente transformado em espaço museológico. FA pal, no edifício do Largo dos Combatentes e ocupando o edifício a Escola Industrial, a capela recebe a oficina da dita instituição escolar. De planta longitudinal composta por dois rectângulos justapostos, sendo um correspondente ao corpo da nave, e outro ao corpo da capela-mor, esta capela apresenta uma fachada idêntica à da vizinha igreja do Salvador pelo desenho semelhante da empena, recortada num movimentado desenho de côncavos e convexos. [Fig.1] A sua composição é simples, de um só pano enquadrado por duas pilastras, inte- grando-se no conjunto do edifício da Casa Mogo de Melo, no extremo da frontaria para o lado Nascente. Organiza-se axialmente, tendo a porta principal e uma janela colocados no mesmo eixo, as quais apresentam uma moldura de cantaria com verga ligeiramente arqueada. O seu interior, profundamente alterado por estar transformado em espaço museológico, é de nave única abrindo para a capela-mor por arco triunfal de volta perfeita, em cantaria, assente em pilastras toscanas. [Fig.18] A nave apresenta cobertura formada por tecto de madeira em três planos, e a capela-mor, mais baixa, abóbada de volta perfeita assente sobre cimalha [que nas obras de remodelação terá subido para um ponto mais alto]. No alçado do lado do Evangelho da nave está o púlpito com guarda-voz em madeira, correspondendo-lhe a respectiva porta de acesso colocada imediatamente por baixo. No alçado oposto está um vão arqueado que estabelece a correspondência com o restante FIG.19 _ Pormenor da parede contígua do arco triunfal com estuques decorativos a enquadrarem a estrutura arquitectónica. Capela de N.ª Sr.ª da Piedade da Casa de Antão Mogo de Melo. FA NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) espaço museológico [posto a descoberto aquando das obras de adaptação do edifício à sua nova função], sendo resultante do alargamento de uma porta de acesso à tribuna destinada aos membros da família instituinte. Apesar da profunda intervenção operada neste interior, adaptando-o a espaço museológico, sobrevivem alguns fragmentos que testemunham o requinte que recebeu aquando da sua função devocional. Essas indicações estão patentes nos estuques existentes na parede contígua ao arco triunfal, no topo daquela estrutura arquitectónica. A linguagem decorativa empregue denuncia o gosto pelos concheados combinados com elementos vegetalistas, típico da linguagem tardo-barroca da segunda metade do século XVIII. Ao centro, correspondendo com a chave do arco triunfal, está uma cartela de moldura dupla em concheados rocaille, que acolhe um dos símbolos da Paixão de Cristo [os três cravos], sendo enquadrada lateralmente por dois anjos esvoaçantes que a apresentam, ao mesmo tempo que sustém elementos vegetalistas que partem da zona superior da cartela, entrelaçando-os por entre as pernas e caindo lateralmente sobre uma estrutura arquitectónica fingida, também em estuque, que enquadra superiormente o arco triunfal. [Figs. 5 e 19] 55 56 57 58 Acreditamos, tendo em conta as características formais deste revestimento, que estes estuques serão contemporâneos e até mesmo resultantes da encomenda de Manuel Mogo de Melo Carrilho de Sousa [c.1745-?], dado que se enquadram cronologicamente no gosto da sua época55. Embora estejamos perante uma pequena parcela do revestimento artístico que enriqueceu este interior, é fundamental considerá-lo pela sua excepção no contexto local, visto não se conhecerem no concelho de Torres Novas outros revestimentos da mesma técnica com esta datação. _ a Capela de santa quitéria da quinta do Carril Situada no lugar que herdou o topónimo do complexo agrícola que lhe deu origem – a Quinta do Carril – está a capela de Santa Quitéria que se ergue isoladamente, junto ao edifício que foi o antigo solar de Dona Quitéria Maria de Vasconcelos e Sousa [?-1753].56 [Fig.2] As notícias mais recuadas referem que, em 1749, Dona Quitéria instituiu, por vontade testamentária, uma capela no seu casal cuja invocação seria a Santa Mártir sua homónima.57 De acordo com as Memórias Paroquiais, em 1758 eram administradores os frades Oratorianos [Ordem de S. Filipe Nery] de Lisboa58, aos quais se fez pedido, Baptizou nesta capela os seus filhos e, em Dezembro de 1789,sepultou a sua mulher, Dona Ana de Sousa Alvim Coutinho de Melo Sigea de Velasco. Cf. Idem – Mosaico Torrejano…, p.447. Cf. GONÇALVES, Artur – Mosaico Torrejano…, p.423; Idem – Memórias de Torres Novas…, p.287. Idem – Ibidem. LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., p.182. Feliciano Luís Gonzaga, prior do Lumiar, na visita paroquial de 1760 à freguesia de Santa Maria refere também a Congregação do Oratório de Lisboa como detentora desta capela. Cf. PEREIRA, Isaías da Rosa - Ob.Cit., pp.60-61. 131 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 132 em 1782, do tombo dos respectivos bens59. Por ocasião do processo de extinção das Ordens Religiosas, em 1834, aquele legado foi integrado nos bens do Estado, que passou a nomear o capelão para a capela da Quinta do Carril, sendo esta mais tarde vendida, rendendo «pouco mais de seis contos de reis»60. A posse do Casal e respectiva capela reverteram para o General António César de Vasconcelos Correia, que parece ter trazido para esta capela a imagem do Senhor dos Aflitos, oriunda de um dos conventos de Santarém.61 Em 1910, dá-se a extinção do cargo de capelão da capela de Santa Quitéria, e trinta e um anos depois é entregue, oficialmente, a ermida à Igreja Católica.62 Do ponto de vista arquitectónico tem esta capela uma planta longitudinal composta por três rectângulos justapostos, respectivamente correspondentes à sacristia, ao FIG.21 _ Altar-mor da Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril. FA FIG.20 _ Aspecto exterior da Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril. FA 59 60 61 62 corpo da nave e à galilé. [Fig.20] A fachada principal apresenta dois andares correspondentes aos volumes escalonados dos corpos da capela e galilé. O corpo da capela apresenta pano único, rematado por empena triangular e enquadrado por cunhais apilastrados que terminam rematados por acrotérios. No seu eixo foi colocada a porta principal de verga recta – a Cf. GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p.287. Cf. Idem – Mosaico Torrejano…, p.424. Cf. Idem – Mosaico Torrejano…, p.424; SEQUEIRA, Gustavo de Matos – Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Santarém. Lisboa: Academia Nacional de Belas Artes, 1947, p.128. Cf. GONÇALVES, Artur – Mosaico Torrejano…, p.424. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) qual é ladeada por duas janelas de pequena dimensão, também de verga recta – e, logo acima, um janelão de verga curva e, imediatamente, por cima deste um pequeno óculo neo-gótico. A galilé, anexada ao piso inferior da fachada, é rasgada por três vãos em arco de volta perfeita, sendo o central mais alto, correspondendo com o eixo da porta de entrada da capela. Ao nível dos alçados laterais este corpo é também vazado por quatro arcos de cantaria, repartidos de igual modo pelos dois lados, e que se articulam através dos cunhais de canto com os arcos do alçado frontal. Neste espaço alpendrado, observa-se um pavimento lajeado e bancos de pedra que correm a toda a volta. Os alçados laterais do corpo da capela são marcados por um cunho nitidamente chão, sendo apenas rasgados por janelas rectangulares. Ingressando no edifício deparamos com um espaço tipo salão, cuja cobertura é feita por abobada de berço, e cujo coro alto se situa acima da porta. Ao fundo deste espaço está o altar em talha policromada de estilo Neoclássico, o qual é ladeado por duas portas que, ao mesmo tempo que dão acesso ao espaço posterior da sacristia, são confessionários. A estas portas correspondem dois pequenos nichos com porta de vidro que, actualmente, têm no seu interior somente a imagem de Nossa Senhora de Fátima [lado da Epístola], visto que foi alvo de roubo a imagem de Santa Quitéria [lado do Evangelho]. 63 O retábulo-mor, em talha Neoclássica, apresenta uma policromia que em parte será fruto de repintes, pelas suas cores contrastantes, observando-se, contudo, alguns efeitos marmoreados característicos do gosto estético aplicado. [Fig.21] Sendo enquadrada por um grande arco de volta perfeita, em cuja chave foi colocado um querubim [possivelmente sobrevivente de um altar de datação anterior], esta estrutura retabular é constituída por colunas emparelhadas de fuste liso e capitel compósito, colocadas de cada lado da tribuna, que suportam um entablamento sobre o qual assenta um remate constituído por fragmentos de um frontão curvo [extremidades], entre os quais foi colocada, sobre o arco de volta perfeita da tribuna, a representação resplendorosa do Agnus Dei com os seus sete selos, o qual se enquadra por duas aletas que ligam a um segmento de frontão curvo do tipo borrominiesco. [Fig.22] Ladeando este remate que acolhe uma volumétrica decoração de folhas de parreira, cachos de uvas e espigas, encontram-se, de cada lado, duas urnas rematadas por uma sarça ardente. Os motivos decorativos aplicados passam pelos já mencionados cachos de uva, folhas de parreira e espigas – com conotação directa à simbologia eucarística63 – a par de singelos apontamentos de grinaldas de delicadas folhas, fitas e laçarias e ainda pequenos medalhões ovais, correspondendo assim O pão [espigas] e o vinho [cachos de uva e folhas de parreira], o Corpo e o Sangue de Cristo. 133 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 134 à linguagem decorativa neoclássica. [Fig.6] Na tribuna, no lugar do habitual trono eucarístico, encontramos a escultura de Cristo Crucificado ou Senhor dos Aflitos, imagem que foi já referida nas linhas anteriores. O revestimento azulejar é digno de nota, pela sua importância para o enriquecimento do património azulejar concelhio, e reveste parte das paredes do corpo da nave correndo num silhar contínuo. Assente num rodapé de um azulejo de altura, colorido a manganés, o seu cromatismo combina o azul-cobalto com o branco estanífero, e apresenta uma moldura de concheados simples comum na década de 60 de Setecentos64. A composição é contínua e engloba várias representações que incluem paisagens portuárias e campestres habitadas por eremitas e outros personagens [Figs.23-26], as quais se articulam de forma sequencial e ininterruptamente.65 FIG.22 _ Coroamento da estrutura retabular de estilo neoclássico. Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril. FA 64 65 66 67 FIG.23 _ Pormenor do silhar de azulejos que percorre os alçados laterais do interior. Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril. FA Ressalvamos o facto de este revestimento azulejar apresentar evidentes afinidades formais com o conjunto presente na Capela de Santo António da Quinta de Nossa Senhora da Paz [Ribeira Branca], o que constituirá uma prova material da relação entre as duas propriedades, dado que, tendo em conta os dados das Memórias Paroquiais66 e o conteúdo do testamento de Dona Quitéria de Vasconcelos e Sousa67, na viragem de Setecentos ambas tinham os mesmos proprietários – os religiosos da Congregação do Oratório de São Felipe Nery. Partindo a encomenda da mesma entidade e, possivelmente, em igual data, foi escolhida a mesma oficina de produção, o que pode justificar as semelhanças entre os dois núcleos azulejares. Cf. SIMÕES, J. M. dos Santos – Azulejaria em Portugal no Século XVIII…, p. 357. Refira-se que é urgente atender à conservação adequada deste revestimento, que apresenta já a falta de alguns azulejos e a desordenada colocação de outros, um facto que impossibilita uma correcta e total leitura deste revestimento artístico. LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., pp.182, 211-212; GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p.335. Cf. GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p. 287; Idem – Mosaico Torrejano…, pp.423-424. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) 135 FIG.24 _ Eremita. Revestimento azulejar da Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril. FA FIG.26 _ Cena de Pesca. Revestimento azulejar da Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril. FA FIG.25 _ Cena Campestre. Revestimento azulejar da Capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril. FA As linguagens estilísticas evidenciadas nos revestimentos aplicados nesta capela permitem situar este interior na segunda metade do século XVIII. Contudo, uma datação mais precisa torna-se difícil, pois verificam-se neste interior dois tipos de revestimento correspondentes a duas variantes estilísticas diferentes. A talha assume uma linguagem nitidamente neoclássica na sua estrutura e decoração, enquanto que os azulejos a situam em época anterior por estarem claramente associados à estética rocaille. NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 136 _ a Capela de santo antónio da quinta de N.ª senhora da Paz (ou de santo antónio) À entrada da localidade da Ribeira Ruiva encontramos, na Quinta de Nossa Senhora da Paz ou de Santo António, um outro espaço sacro de carácter privado que, apesar das suas reduzidas dimensões, deverá ser incluído no conjunto em análise, uma vez que apresenta um revestimento artístico digno de nota pela sua contribuição para o enriquecimento do património azulejar existente no concelho. Em tempos foi esta quinta solar da família Caldeira e Costa Pimentel68, sendo seu proprietário em 1758 António Xavier de Paiva, a qual lhe ficou por testamento de Dona Quitéria Maria de Vasconcelos e Sousa, mas só em vida, visto que por sua morte passou aos religiosos da Congregação do Oratório de São Felipe Nery69. Com a extinção das ordens religiosas é a quinta integrada nos bens do Estado, sendo posteriormente vendida a Manuel José Vilela que a terá, por sua vez, negociado com Francisco António da Silva Parreira, permanecendo na posse dos seus descendentes até à data da venda a Francisco Santos Pires.70 A construção arquitectónica em análise é de pequenas dimensões com planta rectangular de um só volume, correspondente ao espaço único que comporta. Ligando-se a uma prática devocional mais intimista [não 68 69 70 FIG.27 _ Capela de Santo António da Quinta de N.ª S.ª da Paz. FA FIG.28 _ Interior da Capela de Santo António da Quinta de N.ª S.ª da Paz. FA LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., pp.211-212; GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p.335. Daí a designação popular de Quinta dos Frades que também assumiu a par da designação de Quinta da Paz e de Nossa Senhora da Paz. Vd. LOPES, João Carlos Lopes – Ob.Cit., p. 211; GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p.335. Cf. GONÇALVES, Artur – Memórias de Torres Novas…, p.335; PEREIRA, Isaías da Rosa - Ob. Cit., p. 64. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) constituindo um espaço de celebração no colectivo, mas um espaço de oração limitado a um número reduzido de devotos], esta capela encontra-se isolada do espaço habitacional, sendo pontuada pela presença da água no seu interior, o que aponta para um paralelismo funcional com as casas de fresco. A fachada é de um só plano, enquadrado por duas pilastras de canto, às quais correspondem dois plintos que tiveram muito provavelmente remates do tipo piramidal, e a estes plintos ligam-se duas aletas, cujas volutas terminam encostadas a um terceiro plinto que foi colocado axialmente, logo acima da porta de entrada. A sua cobertura é plana feita por lajes, como um terraço, e a ela se pode aceder por meio de umas escadas colocadas na zona exterior da cabeceira. [Fig.27] No interior, com cobertura abobadada que assenta sobre sanca, observa-se um nicho de cantaria que alberga a imagem de Santo António e dois bancos de cantaria encostados às paredes laterais. Este nicho é nobilitado pela colocação de um frontão triangular curvo que remata a estrutura calcária que o enquadra – a leitura integral dessa estrutura é hoje impossibilitada pela colocação de uma porta de ferro. Imediatamente abaixo deste nicho, está uma calha onde corre água quando a fonte, situada na rua que passa atrás desta capela [já fora dos limites da propriedade], atinge nível que baste para chegar até a este local. [Fig.28] Este espaço apresenta como reves- FIG.29 _ Painel azulejar representando O Milagre Eucarístico da Mula. Quinta de N.ª S.ª da Paz. FA 137 FIG.30 _ Painel azulejar representando. A Pregação de Santo António aos Peixes em Rimini. Quinta de N.ª S.ª da Paz. FA timento artístico painéis de azulejo nas paredes laterais e na parede testeira envolvendo o nicho, que podem ser datados, com firmeza, a partir das suas características formais. Assumindo o cromatismo do azul e branco, característico da azulejaria setecentista, e apresentando os painéis historiados uma moldura de concheados simples, próprios do formulário decorativo tardo-barroco, estes azulejos situam-se na segunda metade do século XVIII e são pro- NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 138 dução de oficina lisboeta. Ao nível iconográfico os painéis apresentam duas cenas muito populares da iconografia antonina, nomeadamente, o Milagre Eucarístico da Mula [painel da esquerda] [Fig.29] e A pregação de Santo António aos Peixes em Rimini [painel da direita] [Fig.30]. No revestimento cerâmico que envolve o nicho figuram dois anjos que seguram uma palma e uma tocha, respectivamente, à esquerda e à direita. Reforçamos, uma vez mais, a ligação deste interior ao da capela de Santa Quitéria da Quinta do Carril, principalmente, no que diz respeito aos revestimentos azulejares. As semelhanças são evidentes do ponto de vista formal, facto que deverá ser explicado pela sua relação com os frades Oratorianos que na segunda metade do século XVIII detinham a posse de ambas as propriedades. Apesar da exiguidade deste espaço é notória uma sensibilidade decorativa própria do gosto dominante na segunda metade de Setecentos, principalmente pelo cuidado na escolha dos revestimentos artísticos que preferiu as valência do azulejo que combina a função prática, por ser de fácil manutenção [sobretudo em espaços húmidos] com a função catequética, constituindo um veículo de transmissão de dois dos mais célebres episódios da vida de Santo António de Lisboa, a quem é dedicada a construção. 3. um interior renovado da primeira metade do século xix: a capela-mor da Capela da quinta de santo antónio no Pedrógão A Capela de Santo António da quinta com a mesma invocação, situada na freguesia de Pedrógão, chega aos nossos dias num lamentável estado de ruína, sendo, contudo, ainda possível [à data da nossa visita] reconhecer vários fragmentos do que foi o requinte do seu tratamento decorativo interior resultante, principalmente, de uma campanha de beneficiação, datada do primeiro quartel de Oitocentos. Fundada em 1588 pelo Padre Jorge de Sousa de Alvim, capelão fidalgo da Casa Real71, o qual instituiu o morgado do Pedrogão e Minde, esta capela sofre uma beneficiação no século XIX, encontrando-se nessa altura ainda em poder dos representantes da família Mogo de Melo e Alvim72. Orientada a Nascente, a Capela de Santo António integra-se na massa construída do complexo habitacional da quinta, desenvolvendo-se longitudinalmente em redor de um pátio formado pela casa nobre e suas dependências, colocando-se no seu lado Sul. De reduzidas dimensões, tem planta longitudinal composta por rectângulo e círculo inscrito em quadrado, justapostos, correspondentes, respectivamente, à nave e à capela-mor, encontrando-se anexa a esta última, do lado da Epístola, uma divisão que Idem – Torrejanos Ilustres…, p.408. Em 1760, no relatório da Visita Paroquial é mencionado António Tomás de Sousa como detentor desta capela. Cf. PEREIRA, Isaías da Rosa - Ob. Cit., p. 58. 72 Idem – Memórias de Torres Novas…, p.334. 71 NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) FIG.31 _ Fachada principal da Capela da Quinta de Santo António do Pedrógão. FA terá servido como sacristia [como atesta o lavabo que ainda se reconhece]. Ao nível dos alçados, domina uma grande simplicidade de linhas, da qual resulta que a capela seja extremamente depurada no seu exterior. A fachada principal, correspondente ao alçado lateral Norte [parede do lado do Evangelho], apresenta uma porta de verga recta – rematada por um segmento de frontão recto e sobrepujada por um pequeno nicho – rasgando-se junto à parede de fundo da nave e dando acesso directo ao pátio interior da quinta. [Fig.31] À sua direita, logo após a pilastra de canto que marca a esquina do edifício para o lado Oeste, está o campanário, já sem sino, junto ao portão que conduz ao pomar. Tendo perdido a cobertura na zona da nave, o seu interior parece ter sido contagiado pela sobriedade exterior, apenas constituindo excepção a capela-mor que apresenta ainda fragmentos de um revestimento constituído essencialmente por pintura a fresco. De acordo com o negativo que consta na parede contígua ao arco triunfal e na parede de fundo da nave, a cobertura da nave terá sido feita por um tecto em madeira de três planos, com um telhado de duas águas, que assentava numa sanca moldurada que ainda existe. No remate da empena triangular da parede de fundo pode ainda observar-se uma cruz de pedra. A cobertura da capela-mor faz-se por cúpula semicircular que assenta, por meio de quatro pendentes, sobre um volume cúbico. [Fig.33] Separa a nave da capela-mor um arco de volta perfeita em cantaria, com o seu intradorso com demarcada divisão das aduelas por almofadas, que descansa em 139 FIG.32 _ Arco triunfal da Capela da Quinta de Santo António do Pedrógão. FA NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 140 pilastras de fuste estriado. [Fig.32] Sobre ele foram colocadas as armas do instituinte [com a heráldica dos Sousa e Alvim] acompanhando-as a inscrição: «GEORGIVS DE SOUSA DALVIM ME FECIT ANNO 1588». Acedendo à capela-mor por alto degrau, observa-se um pequeno altar que acolheu em tempos uma imagem de Santo António. A sua estrutura é simples, sendo constituída por mesa com alma de madeira revestida a estuque pintado, descansando sobre ela uma micro-arquitectura que inclui um nicho, destinado à imagem, ladeado por pilastras toscanas que servem de suporte a um entablamento de linhas simples. Em frente ao altar encontra-se, no pavimento, uma lápide cuja epígrafe refere o nome do instituinte, a data da sua fundação e a data da sua renovação: «SEPULTURA/ DO SENHOR/ IORGE DE SOU/ ZA DE ALVIM/ FIDALGO DA/ CASA REAL/ FUNDADOR DESTA CAPE/ LA QUE FOI FEI/ TA NO ANNO/ DE 1588 E RE/ NOVADA NO/ DE 1818».73 Existem também neste interior alguns elementos neo-românicos, possivelmente fruto de intervenções ocorridas já em finais do século XIX ou até mesmo nos inícios de Novecentos. Falamos de dois óculos aplicados no fecho da cúpula [situando-se na base do lanternim] e outro na parede do fundo da nave. 73 FIG.33 _ Altar-mor da Capela da Quinta de Santo António do Pedrógão. FA Sobre os revestimentos artísticos presentes neste interior, sobressaem os vários fragmentos de pintura mural presentes na capela-mor. Na cúpula, formada por caixotões, dominam os azuis combinados com os ocres amarelos e vermelhos – uma policromia que irá encontrar eco nos múltiplos apontamentos decorativos presentes no Antes desta lápide terá existido outra que dizia: «Aqui jaz Jorge de Souza, primeiro fundador desta casa e filho de D. Simão da Costa, comendatário e fundador do Mosteiro de Rendufe, Arcebispado de Braga». Cf. GONÇALVES, Artur – Torrejanos Ilustres. Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 1934, p.410. FIG.33 _ Cobertura da capela-mor António do Pedrógão. FA r. Capela da Quinta de Santo NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) FIG.35 _ Pormenor decorativo do revestimento da Capela da Quinta de Santo António do Pedrógão. FA FIG.34 _ Nicho do altar-mor da Capela da Quinta de Santo António do Pedrógão. FA nicho do altar-mor. Nas paredes que constituem as faces do volume cúbico que sustêm a cobertura semi-esférica da cúpula é predominante o ocre amarelo. De uma grande simplicidade e alguma ingenuidade ao nível da execução técnica do desenho, este revestimento é, contudo, rico pela variedade de motivos decorativos representados. Desde elementos de carácter vegetalista – de que são exemplos os desenhos de flores e grinaldas que pontuam aqui e além os alçados daquele inte- rior – a arquitecturas fingidas como uma porta desenhada do lado do Evangelho que faz pandam com a porta da sacristia que se abre do lado oposto e uma janela que consta na parede do lado da Epístola, fazendo correspondência com o pequeno vão aberto do outro lado. Há ainda que referir as pequenas paisagens que se representam logo acima das vergas da porta da sacristia e da porta fingida observada no lado oposto. No altar-mor observam-se curiosos pormenores que vão desde enrolamentos de acantos, sobre os quais se sentam meninos que seguram em pequenas palmas e onde descansam pequenos pássaros, a outros motivos vegetalistas e geométricos, em combinação com aplicações de efeitos marmoreados. [Figs.34 e 35] 141 NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 142 O conjunto destes elementos permitem conjecturar sobre a datação possível deste revestimento. Os efeitos de marmoreado, bem como as grinaldas e representações de paisagens são elementos típicos ao gosto decorativo oitocentista da pintura a fresco, facto que se torna coerente visto a remodelação deste espaço se ter dado no ano de 1818. O revestimento artístico deste interior sacro privado é excepcional pela sua raridade no contexto da região. Na arquitectura religiosa do concelho escasseiam os exemplos que incluem a pintura a fresco no tratamento artístico dos seus interiores, um aspecto que se torna ainda mais flagrante para a cronologia dos inícios do século XIX. Por este motivo, a consideração deste interior é de extrema importância para o enriquecimento do património artístico local. 4. um interior dos finais do século xix: Capela da quinta da torre de santo antónio É este um dos interiores mais equilibrados do conjunto de edifícios em análise pela sua unidade estilística. O requinte que apresenta, pelos pormenores atendidos na sua concepção, reside fundamentalmente no 74 75 76 facto de ser resultante do investimento de Tristão Guedes de Queiroz Correia Castelo Branco, Conde da Foz [mais tarde, em 1901, Marquês] – indivíduo erudito, apaixonado pela Arte, conhecedor das tendências artísticas predominantes no seu tempo, tendo-se dedicado ao coleccionismo e comércio de arte74. Em 1758, Luiz de Mello de S. Payo, Prior da Igreja de Santiago, na resposta ao inquérito que viria a dar origem ao Dicionário Geográfico de Portugal, referia a existência de uma capela nesta quinta com as seguintes palavras: […] A Capella de Santo António situada na quinta de Manoel António Carlos de Azevedo dotada por seos Avós […] tem hum só Altar com huma imagem de vulto de Santo António.»75 Em época anterior, ali tinha instituído morgado Manuel de Azevedo Pais, sendo seu primeiro administrador o seu filho Luiz António de Azevedo76. Mais de um século depois, em 1874, foi a quinta vendida em hasta pública e arrematada por D. Gertrudes da Conceição de Azevedo Velês, a qual fez promessa de venda a Alfredo Dantas Lopes de Macedo, vindo-se a cumprir três anos depois. Data de 1880 a Nascido em 1849, e com raízes na nobreza rural do Norte, o 1.º Marquês da Foz recebeu o título em 14 de Novembro de 1901, outorgado por D. Carlos I, e renovado duas vezes. No exercício de funções públicas teve um papel importante na construção dos caminhos-de-ferro portugueses [sendo administrador da Companhia Real do Caminho-de-Ferro], ficando também célebre por ter sido um grande coleccionador de objectos de arte, dedicando-se inclusivamente ao seu comércio. Em Lisboa teve a sua residência num palacete na Rua das Chagas e no faustuoso Palácio Foz, situado na Praça dos Restauradores, adquirido em 1889 à 6.ª Marquesa de Castelo Melhor. Estas informações poderão ser acedidas em http:// www.ics.pt. Dicionário Geográfico de Portugal – Freguesia de Santiago. Vol.37, fl.824. [Disponível em http://ttonline.iantt.pt] Cf. GONÇALVES, Artur – Torrejanos Ilustres…, p.274. NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) escritura de venda da quinta por Alfredo Dantas Macedo ao então Conde da Foz, Tristão Guedes Castelo Branco, fazendo a propriedade parte do dote da Condessa da Foz, D. Maria Cristina da Silva Cabral em 1884.77 Implantada por entre o arvoredo de uma mata de pinheiros, a capela que encontramos resulta de uma campanha de edificação ocorrida cerca de 1896, a qual veio substituir o antigo espaço sacro. O espírito revivalista, tão característico do contexto romântico da época, está bem patente na construção, sendo eleito o estilo gótico como fonte de inspiração para o novo espaço arquitectónico. O encanto pelo universo medieval seria também afirmado na obra arquitectónica do palacete que arrancaria cinco anos depois, terminando em 1907, onde o ponto de partida seriam duas janelas manuelinas, provenientes da vila da Batalha78, que dariam origem a uma construção de gosto neo-manuelino, sendo a obra dirigida por António Casimiro Simões, amigo do proprietário.79 Com planta em cruz latina [ao modo medieval] e coberta por um telhado de ardósia [pouco comum na região] trata-se esta capela de um evidente espécime neo-gótico, facto atestado pelos diversos elementos arquitectónicos que apresenta – como, por exemplo, os arcos em ogiva e os botaréus terminados por pináculos de cogulhos nas arestas que encimam os contrafortes esca77 78 79 143 FIG.36 _ Fachada principal da Capela de Santo António da Quinta do Marquês. FA FIG.37 _ Cabeceira da Capela de Santo António da Quinta do Marquês. FA Cf. Idem – Memórias de Torres Novas..., p. 348. Cf. SEQUEIRA, Gustavo de Matos – Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Santarém…, p.133. De acordo com a lápide exterior. NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 144 FIG.38 _ Interior da Capela de Santo António da Quinta do Marquês. FA lonados presentes em toda a estrutura – bem como os pormenores decorativos que pontuam todo o interior do edifício. Exteriormente, ao nível da cabeceira, o edifício apresenta ábside facetada, rasgada por altas janelas em arco ogival. [Fig.37] As fachadas laterais apresentam três panos, definidos por contrafortes escalonados, colocando-se nos primeiros [junto à cabeceira] as capelas laterais – que se apresentam rebaixadas em relação à altura da nave – sendo os restantes panos vazados por janelas em arco apontado. [Fig.8] A fachada principal tem porta axial emoldurada por arquivoltas em arco quebrado e, logo acima, uma rosácea – envidraçada por vitrais policromos – sendo esta sobrepujada por uma pequena fresta, terminando a parede em empena triangular colocando-se no seu vértice uma cruz de pedra. [Fig.36] Ao nível do interior da capela o efeito luminoso dos vitrais policromos anima de forma sublime o espaço, o qual se combina com outros pormenores decorativos como o lambril de estuque pintado que corre em torno de todo o espaço, sendo decorado por figuras de anjos orantes [Fig.40] alternados com flores-de-lis [elemento heráldico dos Guedes], que habitam uma sequência de edículas em madeira, contracurvadas, observando-se superiormente, nos intervalos entre cada uma das representações, pequenas figuras de serafins. [Fig.39] A decoração pintada está também presente no tecto da nave, que é forrado de madeira e constituído por três planos, estando pintadas no painel central as armas dos Guedes com as cinco flores-de-lis. FIG.39 _ Lambril decorativo do alçado do lado do Evangelho da nave da Capela de Santo António da Quinta do Marquês. FA NOVA AUGUSTA Revestimentos artísticos em interiores sacros privados. Torres Novas (séculos XVIII-XIX) 145 FIG.41 _ Altar-mor. Capela de Santo António da Quinta do Marquês. FA FIG.40 _ Anjo orante. Lambril decorativo da nave da Capela de Santo António da Quinta do Marquês. FA FIG.42 _ Base do altar-mor. Capela de Santo António da Quinta do Marquês. FA NOVA AUGUSTA Diana Gonçalves dos Santos 146 Separa a nave da capela-mor uma guarda de madeira, trabalhada com o motivo da edícula gótica, que ocupa toda a largura do vão do arco triunfal. Este último comporta em duas mísulas, duas monumentais esculturas, entre as quais destacamos a que representa o Sagrado Coração de Jesus, de braços abertos, colocada no lado da Epístola. No espaço da capela-mor, isolado no seu centro, está o altar-mor cuja estrutura em madeira é constituída por uma micro-arquitectura de formas nitidamente recuperadas do gótico, sendo rematada por um baldaquino. [Figs. 41 e 42] Neste altar, em parte forrado com damasco vermelho, está a imagem do orago, em barro, atribuída a Rafael Bordalo Pinheiro80. Este interior revivalista remete para um sentimento romântico de pendor historicista, imbuído de algum saudosismo em relação aos tempos medievais que se consideravam como um modelo de civilização religiosa ideal. É recuperado nostalgicamente esse modelo pela via material, sendo notório o cuidado na escolha dos pormenores decorativos bebidos na arte medieval, na sua variante gótica. A qualidade dos pormenores arquitectónicos e das peças artísticas que pontuam este interior sacro deverá ser obrigatoriamente descodificada pela consideração do poder mecenático do Marquês da Foz. Por via da cultura artística que acarretava, combinada com o poder económico que detinha, foi-lhe possível investir na 80 construção deste espaço tornando-o um elemento distintivo da casa e um reservatório simbólico da opulência do seu proprietário. CoNClusão O tratamento do conjunto dos espaços religiosos integrados em complexos arquitectónicos de carácter civil existentes no concelho de Torres Novas permitiu que a orientação deste estudo remetesse para a área dos revestimentos artísticos, dada a variedade encontrada nos seus interiores ser considerável, bem como a qualidade técnico-artística patente em alguns casos. Tratando seis exemplares através de uma linha evolutiva que os relacionou num só conjunto, consumou-se o objectivo desta pesquisa bem como o leit-motif que transversalmente percorreu a sua estrutura. A análise do espírito decorativo presente em cada um dos edifícios apurou que os revestimentos artísticos aplicados aos seus interiores são aspectos resultantes das oscilações do gosto que marcaram a evolução dos tempos, as quais têm origem numa necessária actualização do discurso estético. Mais do que certezas, surgem pontos de partida para outras pesquisas mais profundas que muito contribuirão para o esclarecimento das inúmeras dúvidas que surgiram ao longo da realização deste estudo. Caso surjam fontes documentais sobre os objectos que aqui foram abordados será, com certeza, possível essa concretização. Cf. SEQUEIRA, Gustavo de Matos – Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Santarém…, p.133. As obras na cardiga durante os priorados de Fr. António de Lisboa e Fr. Pedro Moniz: 1529-1630* Luís Miguel Preto Batista** O presente trabalho procura analisar o percurso artístico da Cardiga durante a segunda metade do século XVI e a primeira do século XVII (1529-1630), pondo em destaque as obras de Frei António de Lisboa, Reformador da Ordem de Cristo, e de seu sobrinho Frei Pedro Moniz, resultantes da forte ligação do Convento de Tomar com a sua Comenda/Quinta. * O artigo que agora se publica é o resultado de um capítulo integrado numa dissertação de Mestrado em História Regional e Local, intitulada Cardiga: de Comenda a Quinta da Ordem de Cristo (1529-1630), apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a orientação da Prof.ª Doutora Maria Paula Marçal Lourenço, no ano lectivo 2006/2007. Nessa tese obteve-se a classificação máxima de Muito Bom. ** Mestre em História Regional e Local. 147 NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 149 Panorama geral do Palácio da Cardiga em meados do séc. XVIII. Fonte: Arquivo da Quinta da Cardiga. iNtroDução Em Outubro de 1169, D. Afonso Henriques, na sequência de outras doações, entrega à Ordem do Templo os territórios de Cardiga. Situada próximo do Tejo, nos actuais concelhos da Golegã e Vila Nova da Barquinha, viria a constituir, a par de outros baluartes raianos da fronteira mourisca, importante torre de defesa na linha templária da fronteira cristã. Transformada em Comenda, serviu para premiar alguns freires-cavaleiros da Ordem do Templo e da Ordem de Cristo, após a fundação desta em 1319. Depois do falecimento do seu último comendador leigo, Frei Nuno Furtado de Mendonça, viria a Cardiga a ser entregue ao Convento de Cristo em 1536. Esta passagem ocorreu na sequência da Reforma da Ordem de Cristo, em 1529, promovida por D. João III, vindo a Cardiga a tornar-se uma Quinta do Convento de Tomar e a constituir-se em base económica substancial da nova Ordem Monástica criada por Frei António de Lisboa, frade jerónimo encarregue de tal reforma. Importante elemento fundiário e símbolo de prestígio, numa época em que a terra NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 150 ocupa grande relevo na economia, a Quinta viria a subsidiar, no plano económico, não só Tomar, a sede da Ordem, mas também, entre outros, os estudantes do Colégio de Cristo em Coimbra. A acção de Frei António de Lisboa, Prior da nova Ordem durante 32 anos, vai ser decisiva na ampliação da Cardiga, quer comprando novas terras aos moradores dos concelhos de Atalaia, Golegã e Torres Novas, quer efectuando trocas com alguns potentados da região, como foi o caso do Conde de Redondo, comendador de Almourol. A mudança do curso do rio Tejo na região em estudo, ocorrida em meados do século XVI, não irá fragilizar a posição da Ordem de Cristo, encontrando esta em Frei Pedro Moniz, sobrinho do Reformador, feitor da Cardiga por cinco vezes e D. Prior em duas épocas, continuada a acção do seu antecessor. Compra mais propriedades nas terras a oeste da Quinta, ampliando-a e desenvolvendo nela significativa obra agrária. Nos dois primeiros reinados do período filipino a Ordem continua a consolidar o seu poderio, tendo sido a Cardiga, a par do Convento de Tomar, palco de visita de Filipe I, a Portugal, em 1580. Com o declínio do império espanhol, a Quinta viria a sofrer alguma ruína. Nesta conjuntura a estratégia da Ordem de Cristo passava a ser outra: a rentabilização ao 1 máximo dos recursos que possuía. É nesse sentido que a Cardiga irá servir os novos desígnios do Convento. O estudo, que ora se apresenta, originalmente, correspondia, grosso modo, ao capítulo 6 – Construção de um património edificado: as obras na Cardiga, incluído na III parte – A Exploração Económica e a Administração Patrimonial da Cardiga, da nossa tese de mestrado intitulada “Cardiga: de Comenda a Quinta da Ordem de Cristo (1529-1630)”. Hoje, aqui, apresentaremos a evolução do património edificado na Cardiga desde Frei António de Lisboa (1529-1551) e continuado por Frei Pedro Moniz (1592-1612). No que toca ao património móvel serão estudados os retábulos de João de Ruão e de Nossa Senhora da Luz, ainda hoje existentes como bens da Quinta. Analisar o percurso artístico da Cardiga durante a segunda metade do século XVI e a primeira do século XVII (1529-1630), pondo em destaque as obras de Frei António de Lisboa, Reformador da Ordem de Cristo, e de seu sobrinho Frei Pedro Moniz, resultantes da forte ligação do Convento de Tomar com a sua Comenda/Quinta, é, pois, o grande objectivo deste artigo. 1 - o CasCo meDieval O castelo da Cardiga foi doado por D. Afonso Henriques à Ordem dos Templários em Outubro de 1169.1 Esta doação insere-se num con- IAN/TT, Pergaminhos das Ordens do Templo e de Cristo, régios, maço I, doc. 4, em cópia dos séculos XII/XIII, publicado por Rui de Azevedo, Documentos Régios, vol. I, tomo I, doc. 297, pp. 338 e 339, e Monumenta Henricina, vol. I, doc. n.º 7, p. 15. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 junto mais vasto que incluía os castelos de Tomar, do Vale do Nabão, da Foz do Zêzere e de Almourol. Tal conjunto de fortificações e a sua entrega à Ordem dos Templários destinava-se a povoar e proteger toda esta região das investidas dos Sarracenos. No seu início o castelo da Cardiga estaria ligado ao de Almourol e ao de Ozêzar (Foz do Zêzere), pois, como bem demonstrou João José Alves Dias,2 eles constituiriam uma única comenda e uma só unidade territorial. 2 3 4 O castelo da Cardiga aparece descrito em pormenor na visitação efectuada ao território desta Comenda da Ordem de Cristo em 26/02/1504. Nessa altura, o parque habitacional3 da Cardiga era constituído por um conjunto de casas organizado à volta da torre militar do Castelo, apresentadas da seguinte forma: uma Torre de boa altura toda construída em pedra e rebocada com cal, bem madeirada e telhada. Esta Torre tinha três sobrados4 ou andares. O sobrado João José Alves Dias, Paio de Pele. A vila e a região do século XII ao XVI, Assembleia Distrital de Santarém, 1989, pp. 22 e 23. Em 1504, segundo o Tombo da Cardiga, esta “tem hum asento / de Cazas nesta maneira. Tem huma Torre / de boa altura toda de fundo aCima de pedra // E Cal, bem madeyrada, e telhada / E tem tres sobrados. O Sobrado de Cima no/vo, e leva sinco varas de longo, e quatro de largo / E tem hum almario Sobre a escada no Sobrado do meyo tem huma janella d’asento / com Suas portas ainda boas, E tem hum mai/nel na Escada [do] fossado velho e hua logea por / baixo. Item ao andar do derradeiro Sobrado tem hua / Salla Sobradada e madeyrada de castanho / cuberta de telha vaâ e nova leva nove varas / de comprido, E quatro e duas terças de largo / e tem tres janellas d’asentos com boas portas e huma chamine. Item ao andar desta Salla tem hua Cozinha Sobrada de pinho velho e leva Sinco varas escaças de comprido E quatro varas e tres quar/tas de largo bem madeyrada e telhada e nella /hua chamine de Sebe e bayrro. E huma can/tareyra de taboado de pinho, e hua Capoeyra, E hua janella d’aSento com duas portas boas. Item debayxo desta Cozinha Vay hua des/pença terrea ladrilhada com Sua escada E / mainel de pinho ainda bom. Item debayxo da Salla vay huma estrebaria / com suas manjadouras de pedra e cal. Item tem hum Circuyto de parede de taypa / com Sua façe de cal deribado por partes, e começasse / da dita Torre da parte do norte E / vay acabar no Canto da Cozinha contra o Sul / E tem a entrada hu portal antigo de pedraria / leva Seis estis de comprido, E tres de largo. Item tem este assento [morada] arredor de Sy hum / limite que entesta ao levante na Ribeyra da Cardiga, E leva de largo athé hum Vallado que he / ao ponente por onde é o dito lemite parte com / terras, E matos dos erdeyros de João Galante / Setenta e dous estiis e meyo, os quais Se começaron / a medir de huma mouta grande de Silveira / que na borda da ditta Ribeyra está abayxo / das Cazas athé o dito Vallado, onde entesta / a outra mouta de Carrasqueira em terras da Vigairaria de Thomar, e vaisse pelo ditto Vallado / contra o Sul partindo Sempre com os dittos Erdey/ros, e com erdeyros de Brâz Fernandez, e com sesmarias do / Concelho de Santarem, athé o lado do dito Vallado onde faz hua ponta, E da dita ponta desse [desce] direyto / a hum marco novo, em hum Comaro antre a terra / da Comenda e terra da Vigairia, em direyto do porto / do Cortinhal, E daqui Se torna direyto pelo dito Comaro, a outro marco novo no lado da ditta / terra da Vigairia, E de hu marco athé outro, leva quarenta e Sette estiis, em quinto, e torna di/reyto ao Rio [Tejo], a outro marco novo na borda do Rio / antre a terra da Comenda e terra da Vigairia, e do mar/co do porto do Cortinhal, athé o Comaro da Vinha da Comenda a hua oliveira grande e hua Regueira, leva / de comprido (digo) Sincoenta e tres estiis./ Item dentro deste Limite estão as dittas ca/zas, e hum olival que tem Cento Sincoenta / e tres, digo quatro centas e oytenta e tres oliveyras com as que estão por [a]li espalhadas, e outras / na vinha. Item hi [ali tem] mais hum Cerrado em que está hua vinha feyta como como treu [veremos?] quinze estiis/ de largo, e hum pedaço de terra da dicta feyçon / doze estiis e meyo de largo, E estão aly no ditto Ser/rado Cento e Sincoenta e Sinco arvores de fruto / feytas. Scilicet [a saber] figueyras, Pereyras, ameyxieiras / duas Sidreyras, e hua limeyra, e muitas arvores pe/quenas que senão poderão contar e passão ao Levante com a Ribeyra da Cardiga, E ao Poente / com Caminho, e ao norte, e Sul com terras da Comenda /”. Sobrado: designação do Portugal medievo e moderno para as casas de 1º ou mais andares superiores. A este propósito refere João José Alves Dias, “Regra geral, a maioria da população vivia em casas baixas, as chamadas casas-térreas [...]. Numa ou outra viagem a um núcleo mais urbano [Vasco da Gama], fosse a uma grande vila fosse a uma pequena cidade, já encontraria casas com um primeiro andar – o sobrado – cujo chão era constituído por tábuas suspensas. Algumas dessas casas teriam mesmo dois pisos. Porém, quando chegou a Lisboa, ficou deslumbrado ao ver os grandes edifícios de três, quatro e, até cinco pisos, que se situavam no centro nobre da cidade, onde o cosmopolitismo da vida urbana se fazia sentir”, “O Tempo de Vasco da Gama. Um Quotidiano em Mudança”, in A Escola e os Descobrimentos. No Tempo de D. Manuel, GTMECDP, 1999, p. 23. Veja-se, ainda, Nova História de Portugal (dir. de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques), vol. V, Lisboa, Editorial Presença, 1998, p. 619. 151 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 152 do topo era novo, medindo cinco varas5 de comprimento e quatro de largura. Possuía um armário sob a escada, no sobrado do meio e uma janela de assento, ou seja, tinha dois assentos chamados “conversadeiras”; as suas portadas apresentavam-se em bom estado. Continha um mainel, ou pilar de suporte, na escada, dita do “fossado velho”, e uma loja ou arrecadação por baixo. O sobrado do último andar tinha uma sala com soalho de castanho, sendo coberta de telha vã nova. Media nove varas de comprido e quatro varas e dois terços de largo. A sala possuía três janelas de assento com boas portadas e uma chaminé. Neste andar existia uma cozinha com chão de pinho velho, medindo quase cinco varas de comprimento e quatro varas e três quartos de largura. Possuía um bom soalho e telhado e uma chaminé de “sebe” e 5 6 7 “barro”, ou seja, de taipa.6 Nela existia uma cantareira de pinho para guardar loiça e uma capoeira. Tinha uma janela de assento com duas boas portadas. Por baixo desta cozinha podia ver-se uma despensa térrea ladrilhada com escada e “mainel”, ou pilar de suporte, de pinho em bom estado. Debaixo da sala havia uma estrebaria com manjedouras de pedra, revestidas de cal. As paredes do castelo medieval eram constituídas por um “circuito” de parede quadrado, ou muralha de taipa, caiado, com falta de revestimento nalguns sítios. A Torre começava na parte norte do referido quadrado e acabava no canto da cozinha do lado sul. Procedia-se à entrada para o pátio através de um antigo portal de pedra com seis estins7 de comprimento e três de largura. A vara corresponde a cinco palmos, ou seja 1,10m. Cf. Oliveira Marques, “Pesos e medidas”, Dicionário de História de Portugal (dir. de Joel Serrão), vol. V, 1989, p. 68. Orlando Ribeiro, na sua obra Geografia e Civilização. Temas portugueses, Livros Horizonte, 1991, pp. 32-33, diz-nos que: «A taipa é a técnica de construção [...], tanto nas paredes das casas como nos muros. O processo consiste em bater a “malho” dentro de uma espécie de caixa de madeira, sem fundo (“taipal”), uma mistura de barro com pedriça. Deslocando lateralmente o taipal, obtém-se uma faixa a todo o comprimento do muro que se deseja; levantada ela, deixa-se endurecer a ponto de servir de apoio ao taipal e vai-se assim erguendo sucessivamente o muro, desencontrando as juntas verticais, para obter travação. As paredes são cuidadosamente rebocadas e caiadas [...]. O adobe é o barro amassado juntamente com areia ou palha cortada, moldado em forma de tijolo e seco ao sol. Taipa e adobe andam no geral associados à casa térrea típica do Sul; nas vilas e numa ou outra aldeia há casas de taipa de andar e com ela se constróem, por vezes, altas paredes de igrejas ou palácios e lanços de muralhas de castelos». “Estim”, “estil” ou “estins”, vem das palavras latinas astil ou astim que correspondiam a uma certa medida agrária, e que ainda hoje se pratica nos chamados Campos de Santarém e da Golegã. Os estins antigos mediam cada um 25 palmos. Acrescente-se que o termo astil ou estil continua a ser de uso corrente em quase todo o Ribatejo. Há o estil grande e o estil pequeno. O estil grande, que tem seis passos de largura por cinquenta de comprimento, consta de quatro jeiras, sendo cada jeira de 10 alqueires (um alqueire equivale no sistema decimal entre 14 a 18 kg). O tão falado Dique dos Vinte, na Golegã, sempre que as cheias do Tejo ameaçam galgá-lo, é assim chamado por medir vinte estins. De acordo com o artigo de Oliveira Marques, “Pesos e Medidas”, Dicionário de História de Portugal, (dir. de Joel Serrão), vol. V, 1989, p. 69, o estil ou astil era muito usado na medição agrária, por se tratar de medida relativamente fixa (uns 14 400 pés quadrados, aproximadamente 1 300 m2). O “adival” e a “piterga” eram sinónimos de astil. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 2 - CoNstrução De um PatrimóNio eDiFiCaDo: as obras Na CarDiga 2.1 o Palácio: obra de Frei antónio de lisboa (1529-1551) Já atrás tivemos oportunidade de observar as instalações da Comenda da Cardiga na Época Medieval e inícios da Idade Moderna. Seria, no entanto, Frei António de Lisboa, Reformador da Ordem de Cristo, o grande impulsionador das obras em estilo renascença que ainda hoje se podem contemplar nos edifícios denominados Palácio da Cardiga. Referindo-se à magnificência da obra levada a cabo em Tomar pelo seu Reformador, D. Prior e tio, Fr. Pedro Moniz coloca na boca do rei Filipe I a seguinte expressão: “grandes são as obras de Frei António”.8 Esta frase não se aplica somente a Tomar, mas sim a todas as obras realizadas nas dependências do Convento de Cristo. Para além de outras, todas muito importantes, aquelas que foram realizadas na Cardiga não são de menor importância. 8 9 10 Reportando-se às razões pelas quais Frei António de Lisboa realizou obras de tão grande vulto na Comenda da Cardiga, Fr. Pedro Moniz aponta as seguintes: como D. João III e a rainha D. Catarina, que habitualmente pousavam em Almeirim, tivessem grande vontade de acompanhar as reformas espiritual e material que estavam decorrendo no Convento de Cristo, em Tomar, Frei António resolveu fazer acomodações condignas de reis na Cardiga, para tornar mais fácil e cómoda a viagem que os soberanos efectuavam amiúde entre as duas localidades referidas. Desta forma, as seis léguas e meia9 de jornada tornavam-se menos fatigantes. Embora, a Cardiga viesse mais tarde a servir de local de repouso e recriação, e até de sanatório, para os freires que adoeciam em Tomar ou vinham do Ultramar, não seria, ainda Frei António a transformá-la em local de hospedagem, até porque ela era necessária para hospedar a família real.10 IAN/TT, Ordem de Cristo, livro nº 47, Relação de quando se começou esta Ordem de Christo em Religiosos Regulares com Regra do Nosso Pe. S. Bento e foy no anno de 1529, e do primeiro D. Prior que foy o Nosso Rev.mo Pe. Frey Antonio Moniz de Lisboa Reformador della, [...] athe esta era de 1630, fl. 33v. Ibidem, fl. 3: “Fez [Frei António de Lisboa] mais as casas da Cardiga tam grandes e sumptuosas que não so a / vista o mostrão, mas dentro se vê quão capazes para agazalhar a hum Rey e Rainha, privados e mais senhores e chusma que acompanhava o Rey. O que o obrigou a fazer isto foi porque como a devoção mais hia crecendo, e augmentadosse no dito Rey, que queria estar sempre / com os novos Religiosos para que lhe ficassem mais faceis as jornadas / de Almeirim ao Convento [de Tomar]. Fez estas cazas [da Cardiga] que de Almeirim pode ser / tres legoas e meia e da Cardiga ao Convento tres e assi com facilidade / se andava este caminho que ao Rey facilitava o desejo que tinha / de o andar”. Ibidem, fl 3v.: “Fez a Granja [Quinta da Granja] e as cazas tam sucintas como se virão porque não tinha / pensamentos como se viu de recriar e dar as folgas nella nem as deu nunqua; depois delle morto as derão e davão os prelados na / quinta da Cardiga depois destas obras acabadas tãm grandes e extra/ordinarias, que todos os que as vem tem que notar detendosse em as ver / e os estrangeiros muito mais dizendo que depois de terem visto muitas / estas acham as melhores”. Nos Serões de Tancos, nº 10, Julho de 1926, gazeta dirigida por Júlio Costa, de Vila Nova da Barquinha, numa crónica intitulada “Um fuzilamento na Ponte da Pedra (Scenas da 3ª invasão francesa)” pode ler-se: “(...) Quinta da Cardiga, onde os freires da Ordem de Cristo tinham uma casa de campo, espécie de sanatorium onde se recolhiam aqueles que adoeciam em Tomar ou vinham do Ultramar depauperados pelo clima”. 153 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 154 Com efeito, deixou construído na Cardiga um conjunto habitacional que faria inveja a muito solar da nobreza, causando admiração a nacionais e estrangeiros.11 O D. Prior Frei António tinha tanta vontade em concluir as obras da Comenda da Cardiga que o próprio arquitecto das obras de Tomar, João de Castilho, se queixa ao rei, dizendo que as obras do Convento estavam paradas, havia três meses, por causa das obras da Cardiga12 e de Almeirim. Quem teriam sido os arquitectos das casas da Cardiga? Certamente, os arquitectos das obras de Tomar, entre os quais João de Castilho. Este participou na edificação do Palácio da Cardiga. João de Castilho, arquitecto oriundo da Biscaia e radicado em terras portuguesas desde 1509, começaria, a partir de 1529, a envolver-se nas obras projectadas para o Convento de Cristo de Tomar e suas casas 11 12 13 14 15 dependentes. Assim, projectou e construiu as estruturas,13 ainda hoje incólumes, do belo Palácio da Comenda da Cardiga. Os trabalhos terão decorrido entre c.1540 e 1548. Adestrado nas obras dos Mosteiros dos Jerónimos, de Alcobaça e da Batalha, viria a construir em Tomar a ermida renascentista de N. Srª da Conceição, em 1547, erguida para mausoléu de João III e sua família. Foi tão famoso, no seu tempo, que chegou a ser considerado o maior arquitecto “português” do século XVI e um dos grandes da Europa do Renascimento. Em Mazagão, onde construiu uma cisterna entre 1541 e 1542, obteve um rasgado elogio do Capitão-mor da praça magrebina que, dirigindo-se ao rei D. João III, diz ser Castilho “homem para construir o Mundo”.14 Quanto aos artífices anónimos, difícil se tornou a busca dos seus nomes. Contudo, algumas referências conseguimos encontrar na documentação compulsada.15 Veja-se o texto da nota anterior relativo às obras da Cardiga. Durante o seu priorado, Frei António de Lisboa mandou fazer importantes obras na Cardiga, pois isso mesmo se depreende de uma carta de João de Castilho a D. João III, a propósito da ampliação no Convento de Tomar em que se lê: “A 4 de Março de 1548 dizia o glorioso mestre em carta escrita após grave doença que ainda estava tão gastado: que tinha ha dias escripto a Pero Carvalho a falar-lhe na falta de carretos; pois os que haviam levavam pedra para as obras da Cardiga e de Almeirim, estando as de Thomar sem pedra ha tres mezes”, in Vieira Guimarães, A Ordem de Cristo, 1901, pp. 229-230. Fr. Pedro Moniz, no Livro 47 da Ordem de Cristo, fl. 3, também refere as obras de Almeirim. Maria de Lurdes Craveiro, Diogo de Castilho e a Arquitectura da Renascença em Coimbra, Coimbra, dissertação de mestrado, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1990, citada por Vitor Serrão, na sua História da Arte em Portugal. “O Renascimento e o Maneirismo (1500-1620)”, vol. III, Lisboa, Editorial Presença, 2002, p. 61. Rafael Moreira, in, História da Arte em Portugal, Paulo Pereira (dir.) vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, p. 347. IAN/TT, Ordem de Cristo, maço 30, doc. 2, Livro que o ilustre e Muito Magnifico Senhor Fr. Antonio Dom Prior do Convento de Thomar da Ordem de Nosso Senhor Jesu Christo mandou fazer das terras e outras propriedades que se comprarão por seu mandado pera o dito Convento no Campo da Cardiga, e ao Redor della, E em outras partes, E as Escrituras das ditas propriedades são as seguintes: (...). “Venda de Gracia Fernandes, veuva, mulher que foy de Joam Gonçalves e de huma terra no Campo [da Cardiga]”. Assinam como testemunhas “Gaspar Fernandes e Antonio Pires Pedreyros que andam na obra da Cardiga e o dito Gaspar Fernandes he morador em Alcobaça e o dito Antonio Pires he morador em Cós”, (22/10/1542) fls. 243-245; “Vendeu Luiz Affonso huma terra no Campo [da Cardiga]”. Assinam como testemunhas que “a esto foram presentes Diogo Taborda e Salvador Gonsalves e Antonio Vaz Carpinteyros que andão na dita Cardiga”, (02/06/1547), fls. 253-254v. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 Os nomes encontrados são os dos pedreiros Gaspar Fernandes15, morador em Alcobaça16 e António Pires15, morador em Cós17 e dos carpinteiros Diogo Taborda15, Salvador Gonçalves15 e António Vaz15. As obras realizadas na Cardiga por Frei António de Lisboa vêm mencionadas num documento18 existente no actual arquivo da Quinta da Cardiga. Através dele ficamos a saber que as construções existentes eram: umas casas nobríssimas, compostas por um Palácio,19 com uma capela, designada por oratório,20 no qual existia um altar onde todos os dias se dizia missa.21 O oratório era muito bem ornamentado, acedendo-se a ele por uma varanda do pátio de fora, 16 17 18 19 20 21 22 onde o palácio tinha a sua entrada principal. Da parte de fora do oratório existia outra varanda virada para o rio. Na parede de uma das quatro torres que se situava junto à capela existia um relógio de sol22 virado para nascente. No corpo da entrada principal, por cima da mesma, ficavam os aposentos dos religiosos que administravam e governavam os negócios da Cardiga, bem como os hóspedes, religiosos ou não, que nela vinham passar algum tempo. Nos dois pátios interiores ficavam duas varandas monumentais, uma com treze e outra com dezanove colunas de pedra, com corredores por baixo. Nos quatro cantos, ou quinas, do edifício Aos artífices adestrados nas obras de Alcobaça foi buscar, Frei António, os pedreiros para as obras a realizar na Cardiga. Alcobaça foi criada por “Carta de Fundação”, datada de 08/04/1153 e entregue por D. Afonso Henriques aos Monges de Cister. A estes deve-se a colonização da imensa área dos coutos de Alcobaça. A acção dos monges cistercienses, ou monges brancos, manteve-se até à extinção das ordens religiosas, em 1834, e deixou marcas tanto no sector agrícola e assistencial, como no da cultura, através do estudo, deixando obra notável no campo da historiografia. O Mosteiro de Alcobaça é uma obra-prima da arquitectura cisterciense, cujas obras atravessaram toda a história de Portugal: a igreja teve a sua dedicação em 1252, sendo a actual fachada do século XVIII. A povoação de Cós situava-se dentro dos limites dos coutos de Alcobaça, entre esta localidade e a vila da Batalha. Certamente, os habitantes desta região estariam muito familiarizados com as artes de canteiro e pedreiro, em que antepassados seus haviam trabalhado, e eles continuavam a trabalhar, nas obras do Mosteiro da Batalha (1387-1533) e de Alcobaça. Ainda hoje, a Escola de Artes e Ofícios Tradicionais da Batalha, onde se continua a ensinar a arte da cantaria no labor da pedra calcária, é uma referência na zona centro do País. “DESCRIPÇÃO DASCASAS DESTA QUINTA”, mandado fazer pelo Doutor Juiz do Tombo, Álvaro Barreto Borges, e escrito por Morais. Documento que, pelo tipo de letra e pelo conteúdo, sugere ser dos meados do século XVII, pois, além das obras de Frei António de Lisboa, aparecem também aquelas que foram mandadas fazer pelo seu sobrinho Fr. Pedro Moniz. Encontra-se no arquivo da Quinta da Cardiga. É o primeiro documento, conhecido, em que se denominam as Casas da Cardiga por Palácio. Actualmente ainda este termo é utilizado por toda a população da Quinta e das redondezas para designar tais construções. Cf. Definições e Estatutos dos Cavalleiros & Freires da Ordem de N. S. Iesu Christo, com a historia da origem, & principio dela, Lisboa 1628, “T. I Dos Priuilegios concedidos à Ordem do Templo”, fl. 216: Aí refere-se que já o Papa Clemente IV (15/02/1265-29/11/1268) concedera aos Templários “ (...) que podessem tomar Sacerdotes para seu serviço no culto diuino, & para lhes administrar os sacramentos, & edificar Oratorios, & Igrejas em suas terras, sem prejuizo do direito Parrochial”. Segundo as directivas de S. Bento, “O oratório seja o que o seu nome indica [orare = rezar], e nenhuma outra coisa ali se faça ou guarde. Cf. Regra de São Bento, Edições “Ora & Labora”, Mosteiro de Singeverga, 2ª ed., 1992, “Cap. LII - Do oratório do Mosteiro”, p. 107. Ainda hoje existe, virado para o antigo pátio de fora que é, agora, o jardim do palácio. A actual entrada principal situa-se exactamente no lado oposto à do séc. XVI. Observe-se um desenho a carvão, originário do Arquivo do Palácio da Cardiga, patente no início do nosso artigo. 155 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 156 mandou construir Frei António de Lisboa, quatro torres redondas e abobadadas, à maneira de guaritas, de estilo renascença. As duas torres que davam para o rio e para a fachada principal eram possuidoras de um espaço aberto, suportado por colunas de pedra lavrada,23 de onde se podia observar a magnificência da paisagem circundante. Num claustro situado nas costas do oratório ficava a torre medieval. Tal claustro era o antigo castelo dos Templários, já referenciado no início deste artigo. A vista da torre alcançava mais de três léguas. A parte agrícola das instalações era composta por dois celeiros, um armazém de azeite com três ordens de potes,24 uma adega de vinho,25 um lagar de vinho e outro de fazer azeite. Este último situava-se junto ao pórtico principal do palácio. Dentro dos pátios das casas, em andar térreo, existiam três cavalariças com seus palheiros; lojas26 e oficinas. Possuía, ainda, o edifício outro pátio fechado,27 pegado às casas de habitação, virado a poente, onde existiam currais para recolher de noite 23 24 25 26 27 28 29 30 os bois e vacas.Da parte de fora do palácio ficavam quatro moradas de casas para habitação dos criados da Cardiga.28 2.2 as obras de Frei Pedro moniz: 1592-1612 Fr. Pedro Moniz, sobrinho de Frei António de Lisboa, foi a segunda personagem a levar a cabo obras de vulto na Cardiga. Entrou, ele, na Ordem de Cristo muito novo. Faria parte da terceira geração, ou “camada”,29 da Reforma. Após o noviciado, professou, tendo-lhe sido dado o ofício de refeitoreiro do Convento de Tomar; aos 23 anos é ordenado, após o que é eleito como procurador da Casa de Nossa Senhora da Luz, em Carnide, Lisboa. Aí, foi também sacristão e prior, tendo comprado uma quinta em Sintra. Realiza obras no Convento da Luz com o dinheiro deixado em testamento pela Infanta D. Maria,30 irmã de D. João III, falecida em 1577. Foi feitor na Cardiga, cinco vezes, algumas das quais seguidas. Foi Procurador do Convento de Tomar; Sub-prior do mesmo no tempo do D. Prior Fr. Damião das Neves Observe-se o desenho, atrás referido, originário do arquivo do Palácio da Cardiga. Fr. Pedro Moniz, no Livro 47, fl. 7, diz que quando se lhe entregou a Quinta, aquando do seu primeiro feitorado (1592), existiam no lagar da Cardiga três tipos de potes, a saber: potes sevilhanos, cada um com capacidade para 110 alqueires de azeite; outros potes com capacidade para 60 alqueires e algumas talhinhas com capacidade para 5 ou 6 alqueires. Ainda hoje existe, sob o nome de “Adega dos Frades”, com notáveis arcos de cruzaria e bocetes renascentistas no cruzamento dos arcos. “Lojas” eram os aposentos do rés-do-chão que serviam de armazém para vários produtos. Ainda hoje, na Beira Interior, se usa esta designação para tais divisões. Este pátio é hoje o principal da Cardiga, pois a portaria, ou entrada principal foi deslocada do seu local primitivo, a Sul, para a fachada norte. Ainda existem estas casas, hoje já devolutas, que durante todo o séc. XX serviram de escritório aos funcionários da família Sommer, detentora da Quinta da Cardiga desde 1898. Toda a sua vida religiosa foi relatada num manuscrito que se lhe atribui, escrito em 1630, e que é hoje o Livro 47 da Ordem de Cristo, arquivado na Torre do Tombo, em Lisboa. Vejam-se o Livro 47 da Ordem de Cristo, fl. 4v e ss. e Gomes de Brito, “As tenças testamentárias da Infanta D. Maria”, Archivo Historico Portuguez, vol. 3, pp. 103 e ss. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 (2ª vez: 1604-1607). Foi D. Prior da Ordem de Cristo por duas vezes (1617-1620 e 1623-1626), tendo realizado importantes obras no Convento de Tomar, que ficaram conhecidas como as obras do período filipino.31 Nos seus dois priorados mandou, também, realizar obras na Quinta da Granja,32 em Tomar, e no Colégio de Coimbra.33 Nestas duas dependências da Ordem, havia também realizado obras como feitor e procurador. A par da obra agrária levada a cabo na Cardiga, Fr. Pedro Moniz levou a efeito uma obra material digna de renome nas construções que efectuou durante os seus cinco feitorados, compreendidos, grosso modo, entre 1592 e 1617. Chegado em 1592, encontrou as casas da Cardiga com necessidade de obras. Estas, como já havíamos visto, foram da responsabilidade do grande reformador Frei António de Lisboa. Assim, procedeu ao arranjo da varanda principal, virada a Este, de face para o rio e para a lezíria. Aí mandou colocar ladrilhos no chão e azulejo nas paredes. 31 32 33 34 35 36 37 38 O oratório foi, também, sujeito às mesmas beneficiações. Arranjou os dois claustros. A ambos consertou as varandas,34 tendo colocado grades de pau de azinho no claustro grande ou “de fora”. Reformou e fez as janelas da sala e dos celeiros. Ladrilhou e azulejou o refeitório. Fez a casa da água e a adega para vinho. Construiu talhas para conservação dos legumes secos e tulhas para guardar a azeitona. Fez um armazém para o azeite com capacidade para mil e quinhentos alqueires. Por ser pequeno, mandou fazer, no celeiro do rés-do-chão ou de baixo, um armazém maior para três ou quatro mil alqueires de azeite.35 O celeiro de cima tinha “seis linhas de ferro”. Mandou que, o mesmo, fosse emadeirado e que se reconstruíssem os seus telhados, tendo aí gasto muita madeira, para os barrotes e traves, e telha. Tirou a serventia do pátio de fora36 ao povo, que antes ali ia tirar água e meteu o poço37 dentro do recinto do palácio. Fez o pombal e junto dele umas casas de pedra e cal para residência do abegão.38 Cf. Livro 47 da Ordem de Cristo, fls. 16 e ss. Veja-se, ainda, Ernesto José Nazaré Alves Jana, O Convento de Cristo, em Tomar e as obras durante o período filipino, texto policopiado em 3 volumes, dissertação de mestrado em História da Arte, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1990. Ernesto José Nazaré Alves Jana, “A Quinta da Granja. Importante bem fundiário da Ordem de Cristo”, in Boletim Cultural da Câmara Municipal de Tomar, nº 19, pp. 79-91. A Granja situa-se perto de Tomar. Cf. Livro 47 da Ordem de Cristo, fls. 12, 14v. e ss. O Colégio é hoje o presídio de Coimbra. Ainda hoje existe uma destas varandas no claustro grande, chamada “varanda do sino”. Estes novos reservatórios, ampliação dos existentes, quer o construído por ele, quer o de D. António, tinham como finalidade guardar uma maior produção de azeite. Tenha-se em vista a grande quantidade de olival mandada plantar por Fr. Pedro Moniz na Quinta da Cardiga. Actual jardim. Ainda hoje existe o poço novo que Fr. Pedro Moniz mandou fazer num átrio de acesso, por escadaria, ao 1.º andar do edifício. Abegão é o encarregado de abegoaria, que é o lugar em que se guarda gado e utensílios de lavoura ou carros. Sinónimo de capataz de uma quinta ou herdade. 157 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 158 Fora do pátio, ou terreiro exterior, no espaço fronteiro às suas portas, fez outras casas. Construiu pocilgas grandes, ou “pocilgões”. Tendo reformado o curral dos bois, com madeiras novas, colocou-lhe uns pilares de pedra e cal, fazendo manjedouras novas para os animais. Fez a eira onde os criados debulhavam os cereais no Verão e realizavam outras actividades necessárias, no resto do ano. Isto porque a antiga eira estava longe das habitações da Cardiga. Para construir a nova eira tirou muitas serventias a pessoas particulares que delas se serviam para acesso às suas propriedades. Tal eira ficou a poder observar-se das janelas das casas da Cardiga. Construiu um tanque “da sesta”, pois o antigo estava roto e não podia reter a água, reparando o velho. Fez a nora da água para serviço de ambos os tanques. Como elevou a altura do tanque novo passou a poder-se regar terras mais altas do que era habitual. Como a mudança do Tejo, ocorrida nos meados do século XVI, veio submergir39 parte das terras aráveis da lezíria da Cardiga, fazendo chegar a água até junto das habitações do palácio, Fr. Pedro Moniz man39 40 41 42 43 44 dou construir uma barca com a qual se acarretou, durante três anos, pedra para deitar no Tejo, em lugar pegado ao antigo muro40 de suporte das casas. Mandou aos pedreiros que construíssem um muro novo41 para reforço do suporte antigo. Trabalharam neste empreendimento sete ou oito homens, despejando 25 carradas de pedra por dia. Isto, porque a água do Rio já estava à distância de uma lança das casas e começava a ameaçar causar-lhes uma derrocada. Tanta pedra lançou no Tejo que conseguiu segurar o pátio de fora, para onde dava a fachada principal e existia a portaria, e as casas de habitação da Cardiga. Mandou fazer um talhamar42 para protecção da Ponte da Cardiga,43 que era de madeira, junto aos suportes desta e ao longo das margens. Aí deitou ainda mais pedra pois o Tejo ia “comendo” e entrando pelo Campo da Cardiga e derrubando a ponte, cortando a passagem das Casas para a parte Leste do dito Campo. A Câmara da Golegã propôs que se fizesse uma ponte de barcas, o que Fr. Pedro não consentiu44 pois, dessa forma, a Cardiga ficaria sujeita a um imposto municipal, o Antes da mudança do Tejo, os frades, quando queriam tomar o barco, iam em cavalgaduras até ao seu leito primitivo. IAN/TT, Ordem de Cristo, maço 30, doc. nº 2, fls. 81v.-88: “1735, Tomar, Janeiro, 24. Traslado do seguinte documento: 1590, Tancos, Janeiro, 29: Instrumento de testemunhas sobre a mudança do rio tejo mandado fazer por el-Rei D. João III”. Aí diz Jorge Lopes, tabelião de Tancos, de 64 anos, que antes “quando os Padres hauiam de hir embarcar em algum barco por não poderem hir a peé hião em Cavalgaduras e agora vay [o Tejo] já por junto das Cazas da Cardiga”. O dito Palácio da Cardiga está situado num morro onde assenta e de onde começa a descida para o chamado Campo ou lezíria da Cardiga. Ainda hoje existe. Talhamar é uma construção de pedra, em forma angular, num cais ou numa ponte, para quebrar a força da corrente. Esta ponte ficava sobre a ribeira que passava junto ao Palácio e que era conhecida como Ribeira da Cardiga. Hoje, devido à mudança do curso do Tejo, desagua no mesmo rio junto ao referido Palácio. Veja-se o célebre desastre da Ponte das Barcas, entre o Porto e Vila Nova de Gaia, aquando da 2ª Invasão Francesa, no séc. XIX. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 que não agradava à Ordem de Cristo. Com a pedra que sobrou dessas obras mandou construir as casas do Casal das Freiras, no termo da Golegã. Essas eram de pedra e cal, com portais, janelas e lageadas de pedra. Valiam mais de 200$000 réis. Fez, ainda, um poço e uma nora para regar as hortas e pomares. Só o poço custou 100$000 réis. Também nos outros casais da Cardiga mandou fazer obras. Assim, no casal de João Correia fez habitações que valiam 200$000 réis, todas de pedra e cal, com seus telhados, e boas portas com portais de pedraria e uma janela grande sobre as margens da Ribeira da Cardiga. Ao mesmo tempo mandou construir, nos Casais da Carneira e de João Fernandez ou da Atalaia, casas de taipa, com bons telhados. Mandou fazer o lagar da Cardiga no sítio do antigo, que não moía, nem tinha água na levada por estar entupida. Derrubou-a e mandou aprofundar as novas fundações do edifício. O novo lagar45 ficou com três rodas ou rodízios: duas pedras ou moendas de azeite e uma para cereais. Dentro dele construiu duas levadas e 45 46 47 48 uma ponte para serventia da passagem da levada para a roda da azenha. Este lagar tinha quatro varas iguais com carregumes de pedra de selharia muito forte. Possuía duas caldeiras que custaram cerca de 50.000 réis. Junto a si tinha tulhas de pedra e cal, mais compridas que o lagar que serviam por dentro e por fora para os carros despejar as suas cargas. Junto a este lagar mandou construir uns moinhos46 de água, em pedra, com abóbadas. Tinham três pedras para moer, uma alveira e duas segundeiras, com azenha cuja roda estava dentro do lagar. Fez as casas do moinho tão altas que as cheias da ribeira só chegavam a meio do edifício. Na mesma ribeira fez uma levada com as paredes todas de pedra47 e cal até à “ponte da pedra”48 para serviço dos engenhos da Cardiga. Custou 500$000 réis. Porém, ainda assim, os engenhos moviam mal. Devido a tal facto, resolveu fazer novas obras na referida levada. Assim, começando a partir do lagar, e dirigindo-se para Noroeste, até à Ponte da Pedra, alargou a citada levada. Nela, perto do lagar da Cardiga, fez uma “caldeira” ou reservatório de As referências ao lagar da Cardiga ou dos Padres de Cristo é constante na documentação do séc. XVIII. Veja-se, a título de exemplo, A.H.T.C., Livro da Décima dos Prédios Rústicos da vila de Atalaia e seu termo, fls. 3 e 4: “Villa de Atalaya, Rua da igreja, lado direito, nº 4. O Cappitam José Ferreira Maya [paga] por hum olival [...] na Ribeira da Cardiga junto do lagar dos padres de christo (...)”; fl. 11v.: “nº12. O Pe. Manoel de Matos Pereira, xantre em a Bahia [possui] [...] huma courella de olival sita aos lagares dos Padres de Christo(...)”; fl. 57v.: “Fazendas de fora nas Vaginhas: nº 4 Manoel dos Reis da Ribeira Ruiva, termo da villa de Torres Novas, [tem] duas courelas de oliveiras ao lagar dos Pe.s de Xpo (...)”; fl. 58: “nº7. D. Anna da villa de Torres Novas, irmã do Sargento-mor, [possui] hum olival junto ao lagar dos Pe.s de Xpo (...)”. Seriam na Ribeira da Cardiga. Ainda hoje existe. Pode observar-se desde a Ponte da Pedra (no parque de campismo “Cardiga Camping”, Entroncamento) até à Ponte da Cardiga. É a primeira vez que aparece esta menção toponímica para a ponte em questão. Ficava situada no lugar que ainda hoje tem o mesmo nome. Foi começada a construir em 1625. Veja-se adiante o sub-capítulo que lhe é dedicado. 159 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 160 água, com mais de quarenta palmos de diâmetro, e continuou a construir esses reservatórios, em direcção à nascente, de vinte e dois em vinte e dois palmos. Mesmo assim, ainda não conseguira o pretendido pois não era suficiente a água que lhe vinha de montante da Ponte da Pedra. Por isso, vendo que só captando água na zona da Ponte da Pedra a mesma não lhe seria suficiente, mandou construir um açude de pedra junto à referida ponte. Ele era “lageado por cima e ficou fortíssimo”.49 Como a tal represa prejudicava o senhorio50 dos engenhos a montante da Ponte da Pedra enfrentou vários “dares e tomares” e “desgostos arriscados”, isto é, sérios problemas. Contudo, conseguiu levantar a altura do açude em mais de um palmo. Apesar de tudo continuava a não ser suficiente a quantidade de água para fazer mover a azenha do moinho da Cardiga. Entendeu-se com o referido vizinho que lhe cedeu terreno a jusante da Ponte da Pedra e que o deixou alargar a levada em questão, ficando com sessenta palmos de altura. Esta obra foi realizada por trinta homens. Acabou a levada baixando-a mais de dois palmos e afastando-a do açude perto de vinte. As paredes ficaram com vinte palmos de largura e mais vinte e cinco de altura. Desta forma conseguiu canalizar toda 49 50 51 52 53 a água da Ribeira da Ponte da Pedra pela levada. Tal obra custou-lhe 2.000 cruzados, menos que aquilo que teve de pagar em custas judiciais, pois a câmara e a população de Atalaia51 consideravam-se prejudicadas com esta obra de engenharia. Depois da água que conseguiu canalizar para os lugares pretendidos, o lagar passou a render 600 alqueires de azeite e os moinhos e azenhas dois moios de pão meado, isto é, pão com igual quantidade de trigo e centeio na sua elaboração. Quando, devido à obediência, saiu da Cardiga, após o seu quinto feitorado, deixou-a sem dívidas e com 200 moios de cereais no celeiro.52 De Fr. Pedro Moniz bem se pode dizer, tal como na Bíblia, que “este é o administrador fiel e prudente que o Senhor pôs à frente da sua família, para lhe dar a seu tempo a medida de trigo”.53 2.3 a Ponte da Cardiga e as viagens dos Filipes a Portugal 2.3.1 os Filipes e a legislação sobre as obras no reino Em 1580 Filipe I entra em Portugal, rumo a Tomar, onde foi aclamado rei nas cortes em 16/04/1581. Nesta vila permaneceu a corte durante 70 dias. A 27 de Maio saiu a comitiva em direc- Livro 47, Ordem de Cristo, fl. 9. Ibidem, fl. 9.. Veja-se a nota anterior. Livro 47, Ordem de Cristo, fl. 9v. Liturgia das Horas, Antífona para o Magnificat, (vésperas) do “Ofício Comum dos Pastores da Igreja”, baseada em Lc. 12,42. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 ção à Cardiga onde se demorou 5 dias. Quem nos relata a estadia de Filipe I neste importante bem fundiário da Ordem de Cristo é Isidro Velazquez Salamantino54, cronista do referido rei, que o acompanhou nessa viagem. De Tomar, o rei seguiu para a Cardiga onde pernoitou, prosseguindo por Azinhaga em direcção a Santarém e posteriormente à capital do reino: Lisboa. Durante a visita ao seu novo reino, Filipe I foi pródigo na produção de leis. Começou na sua aclamação durante as Cortes de Tomar, vindo, tal situação, a tornar-se uma constante durante o domínio filipino. A legislação dos Filipes contribuiu em muito para o desenvolvimento regional de Portugal, pelo menos até 1624-1625, período 54 55 que representa a grande clivagem política no governo dos reis castelhanos. Cremos que se possa atingir essa conclusão pelo exame das fontes documentais, com base nos Livros de Leis, I, II e III, que se guardam no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, e das colectâneas que dão notícia desse labor: as Ordenações Filipinas (1603), a Collecção de Legislação Antiga e Moderna e as obras de Anastácio de Figueiredo, de Borges Carneiro e de Andrade e Silva, que permitem acompanhar a actuação legisladora dos três Filipes.55 As provisões, leis, cartas de nomeação e alvarás régios, apenas no que respeita à história regional portuguesa, atingem mais de dez mil documentos, o que equivale a perto de duzentos textos por ano, sem considerar La Entrada qve en el reino de Portvgal hizo la S. C. R. M. de Don Philippe, invictissimo rey de las Españas, segundo deste nombre, primero de Portugal, assi con su Real presencia, como con el exercito de su felice campo, Lisboa, 1583, fl. 105: “CXIIII: La salida que hizo la Corte de la villa y Conuento de Thomar, en continuacion de viagem. Aviendo se dado la respuesta resolucion a los capitulos delas cortes, y el despediente a los mucho negocios, que impediana a su Magestad la continuacion de su jornada, deteniendole en la villa de Thomar setenta dias que alli se estuuo, salio su magestad el Sabbado a los veynte y syete de Mayio, como se há dicho, y tomando la mañana oyo la missa en vn monesterio de frayles decoletos descalços, ordem de Franciscos q llaman en este reyno Capuchos, casa muy deuota, puesta en vn espesso oliuar, auezindada de mucha frescura, que està cafi a media legua de Thomar, dizese Nuestra señora de la Concepcion, donde apeo com su corte, y auiendo oydo la missa, y visto la casa, hizo de allibuelta par su camino, endereçandole por ser auiesso del que auia de lleuar, y a comer a outro conuento de freyles Frãciscos, que se se [sic] dize Estacita, que es a vna legua adelante, tambien casa de deuocion, y como en el campo,recreaciõ. Y della seguiendo el camino, se fue hazer noche a la Cardiga, granja del conuento de Thomar. Alli paro su Magestad cinco dias, dando cabo a algunas de las resultas que quedauan por despachar, y al despediente del ordinario, y porque la corte tuuiesse lugar de repararse en las preb~eciones a que obliga el caminar: siendo esta casa de poco aposento, no se pudiendo hazer parada en ella, por mas que la corte se estrechasse, se diuidio por las caserias conuezinas la mayor parte, alojandose la guarda de apie y acauallo lo mas cercano: y passando camino tirado a Santaren todo el repuesto de aqui, se salio el Iueus primero de Iuno, entrando en vn reguzijadito lugar, que se dize Aziñaga, (...)”. Collecção Chronologica de Leis Extravagantes posteriores à nova compilação das Ordenações do Reino publicada em 1602, tomo I, Coimbra, 1819. Cândido Mendes de Almeida, Codigo Philippino ou Ordenações e Leis do Reyno de Portugal, Recopiladas por mandado d’El-Rey D. Philippe, 14ª edição, Rio de Janeiro, 1870. José Anastasio de Figueiredo, Synopsis Chronologica de subsídios ainda os mais raros para Historia e estudo critico da Legislação Portugueza, tomo II, desde 1550 até 1603, Lisboa,1790. Manuel Borges Carneiro, Resumo Chronologico das Leis mais uteis no foro e uso da vida civil publicadas até o presente anno de 1818..., tomos I-III, Lisboa, 1818-1819. João Pedro Ribeiro, Additamentos e retoques à Synopse Chronologica, Lisboa, 1829. Collecção Chronologica de Legislação Portugueza..., por José Justino de Andrade e Silva, tomos I-II-III, Lisboa, 1854-1855-1856. António Joaquim de Gouvêa Pinto, Resumo Chronologico de Varios Artigos de Legislação Patria que para suplemento da Synopsis, e Indices Chronologicos, do extracto, seu appendice e additamentos geraes das Leis, etc, offerece..., Lisboa, 1818. 161 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 162 ainda o provimento de cargos e ofícios, que exige a consulta da Chancelaria e que completa o quadro da administração castelhana em Portugal. No domínio da história local, pode afirmar-se que a legislação dos Filipes contém o maior interesse, tendo em vista o número de Regimentos com que se pretendeu regular a Administração Geral. Citamos apenas, como exemplos, o do Juiz do Tombo da Coroa de Santarém56 e o da Aposentadoria para os Oficiais das cidades de Lisboa e Évora e da vila de Santarém.57 Filipe III fôra informado de que nas fintas lançadas no Reino sobre os moradores das cidades, vilas e demais lugares, se ordenava o conserto ou reedificação das pontes que serviam as localidades. Surgiam, porém, grandes desordens, não apenas com os empreiteiros que arrematavam as obras, mas ainda na cobrança do imposto, o que tudo resultava em prejuízo dos povos que, muitas vezes, eram “refintados pera as mesmas pontes pera que ja tinham pago”,58 gastando-se o dinheiro sem concluir as obras e sucedendo mesmo que 56 57 58 59 60 nem sequer haviam tido começo. Decide o monarca que os provedores e corregedores das comarcas, sempre que os oficiais das Câmaras lhes pedissem a construção ou reparação de alguma ponte, deveriam dar parecer quanto à necessidade da obra. Teriam, seguidamente, de se escolher os mais qualificados mestres-de-obras para fazer “hua traça e molde de como se havia de fazer a ponte nova ou refazer a velha”,59 com o juramento prestado de quanto poderia orçar o trabalho ou a reparação. Dar-se-ia depois pregão pelos lugares da comarca e da vizinhança para saber a quem se devia arrematar a obra, pois dando-se a quem não fosse mestre-de-obras incorreriam os faltosos em pena e castigo por parte da Coroa. Só depois a ponte seria levada avante ou restaurada, com o assento das terras e lugares onde a finta do dinheiro fosse lançada.60 2.3.2 a Ponte da Pedra: A construção No séc. XVI, na região em estudo, existiam Lisboa, 1 de Outubro de 1586. Cf. B.P.A.D.E, CXV/2-21, fls. 189-202v. Lisboa, 7 de Setembro de 1590. Cf. B.P.A.D.E, CXII/2-15, fls. 28-35v. A propósito desta nota e da anterior veja-se Joaquim Veríssimo Serrão, O Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668), Lisboa, Colibri História, 1994, pp. 65 e ss. “Provisão régia de 18 de Junho de 1605”. Cf B. P. Évora, CXIX/113, fls. 70-72v. Publicado também na Collecção Chronologica de leis Extravagantes, tomo I, Coimbra, 1819, pp. 53-54. Veja-se a nota anterior e ainda Lisboa, 19 de Dezembro de 1587. Lei Régia sobre os oficiais de cantaria, alvenaria e carpintaria. Cópia. B.A., 44-XIII-52, nº 80, fls. 135v-136. Veja-se também IAN/TT, Livro 1º de Leis de 1576 até 1612, fl. 152v. Tomem-se como exemplo as Pontes de Coimbra: - Lisboa, 5 de Dezembro de 1586. Provisão régia ao concelho do Porto sobre os 17 mil cruzados que se deviam lançar por finta em algumas Câmaras do Reino para reparação da Ponte de Coimbra, Pinto Ferreira, Indice Chronologico, p. 316; - Lisboa, 25 de Abril de 1595. “Carta régia à Câmara de Évora sobre o lançamento dos 300 mil réis que a esta cidade e comarca competia pagar, na finta dos 20 mil cruzados que se haviam lançados no Reino para a reparação das pontes Velha e Nova da cidade de Coimbra”. Cf. A.C. Évora, Livro 6º dos Originais, fl. 75. Também a Ponte da Pedra, cujo processo de construção apresentaremos adiante, haveria de conhecer idênticos e rigorosos trâmites burocráticos. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 a vila de Atalaia, a aldeia da Moita e os Casais das Bajinhas ou Baginhas, hoje, Vaginhas. Pela zona corria, vinda de Atalaia, uma ribeira conhecida como “Ribeira da Atalaia”. Sobre a “Ribeira da Atalaia”,61 no mesmo sítio onde mais tarde se levantaria a “Ponte da Pedra”, erguia-se a “Ponte da Atalaia”, também conhecida por “Ponte da Ribeira da Atalaia”. Esta ponte era muito importante, pois dividia os limites dos concelhos de Santarém e Atalaia.62 Sobre a “Ribeira da Atalaia” existia uma ponte, conhecida por “Ponte da Atalaia”. Esta seria romana, pois, como veremos adiante, era “antiquíssima”. As referências à “Ribeira da Atalaia” e à sua ponte podem ser encontradas, já em 1504, no Tombo63 (registo de propriedades) da Quinta da Cardiga. Aí refere-se que na Ribeira da Atalaia, a Quinta da Cardiga, possuía uma herdade com as seguintes confrontações: a Norte com a ponte e a Este com a Ribeira. Possuía, também, a mon61 62 63 64 tante da Ponte outra courela. Tinha, ainda, outra courela que confrontava a Oeste com a Ribeira que ia para a Cardiga. Por aqui ficamos a saber que a “Ribeira da Atalaia” passava pelas terras da Quinta da Cardiga. Ia, depois, desaguar no Rio Tejo. A referida ribeira, depois de passar a “Ponte da Atalaia”, perdia o seu nome para se passar a chamar “Ribeira da Cardiga”, uma vez que entrava, atravessava e desaguava em terras da “Quinta da Cardiga”, pertença da Ordem de Cristo. Podemos fazer esta afirmação porque é assim que a Ribeira em causa aparece apelidada no “Primeiro Mappa Topographico dos Campos da Cardiga, Almourol e Martintina”, já por nós estudado e publicado.64 No séc. XVII, em 1623, a “Ponte da Ribeira da Atalaia” era já conhecida como “Ponte da Cardiga”, uma vez que esta Quinta possuía uma grande propriedade, entre outras, onde hoje está o Parque de Campismo de Entroncamento - “Cardiga Camping”. Essa ponte servia a estrada real que ia de O curso da “Ribeira da Atalaia” aparece já registado no mais antigo “Mapa de Portugal” que existe desenhado por Fernando Álvares Seco, em 1560, e impresso na obra Theatrum Orbis Terrarum, de Abraão Ortélio, em Antuérpia, no ano de 1570. IAN/TT, Núcleo Antigo nº 293; Povoação da Estremadura no XVI século. Já publicado por A. Braancamp Freire, Archivo Historico Potuguez, vol. VI, nº 7, Lisboa, Julho de 1908. O “Numeramento de 1527” foi o primeiro recenseamento que se fez em Portugal, no reinado de D. João III. Aí diz-se: “It. Esta vila de Samtarem tem de termo, a saber: [...] It. Pera a parte de Tomar tem 5 legoas de termo, que he de Samtarem ate a pomte dAtalaya, isto he pera a parte do norte”. IAN/TT, Ordem de Cristo, maço nº 30, doc. 17: “verbas tiradas do tombo [...] da Comenda de Almourol e da Vigairaria e da Cardiga”. “Na Ribeira da Atalaia [a Quinta da Cardiga] tem hua grande herdade e parte ao norte com a ponte [...] ao levante com a Ribeira [...].Outra courela acima da ponte [...]. Outra courella [...] & parte [...] ao ponente com a Ribeira que vai pera a Cardiga (...)”. Tivemos oportunidade de publicar aquele que é uma cópia do original, existente na Quinta da Cardiga, datado de 18/06/1874, in Cardiga ou a História de Uma Quinta, 1990, jornal O Entroncamento, nº 876 (20/07/1995); Os Casais das Vaginhas, C.M.E., 24/11/1995. Veja-se, ainda, a publicação de um fac-simile desta cópia, datada de 1935, por Maria da Graça Amaral Neto Saraiva, “Os rios e as cidades”, Povos e culturas, nº 2 (1987) – A cidade em Portugal: onde se vive, p. 497, fig. 6, e Manuel Sílvio Alves Conde, Uma Paisagem Humanizada. O Médio Tejo nos Finais da Idade Média, 2000, vol. I, p. 137. O paradeiro do mapa original de 1783 é desconhecido. 163 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 164 Santarém para Coimbra. Como até ao reinado de D. Maria I (1777-1816) não se fizeram grandes estradas em Portugal, é de concluir que a “estrada real” seria a estrada romana e a “Ponte da Cardiga” uma ponte romana, como tentaremos provar adiante.65 Pela ponte em questão passara Filipe II66 na sua viagem a Portugal, rumo a Tomar, para onde convocara a realização de Capítulo Geral. Contudo, desta vez, a pessoa real não se deteve na Cardiga, tal como havia feito seu pai em 1581. O percurso efectuado na região teve lugar aquando da sua viagem de regresso a Madrid. De Santarém foi dormir à Golegã, dirigindo-se, daí, a Tomar. As informações que vamos referir encontram-se no maço 30 dos “Conventos de Tomar, Ordem de Cristo”, existentes na Torre do Tombo, em Lisboa. O documento n.º5, do referido maço, intitula-se “Ponte da Cardiga” e congrega em si 65 66 67 todos os papéis relativos à construção de uma nova ponte para substituir a chamada “Ponte da Cardiga” que se encontrava muito velha. Por petição do D. Prior do Convento de Tomar, Fr. Pedro Moniz, realizada em 27 de Março de 1623, ficamos a saber que no termo da vila da Golegã, junto à Quinta da Cardiga comarca da “vila” de Santarém, existia uma ponte antiquíssima e muito necessária para o serviço comum de todos os habitantes da região, bem como da referida Quinta. Nesse ano a ponte estava a arruinar-se de tal modo que se não se lhe acudisse a tempo cairia totalmente, com prejuízo monumental dos “vesinhos” e caminhantes, por ser uma estrada muito utilizada para todos os lugares principais do Reino. Solicitava, assim, o D. Prior do Convento de Cristo, de Tomar, a Sua Majestade, Filipe III, que concedesse uma provisão para se proceder ao arrecadamento da finta67 necessária à A este propósito veja-se Vasco Gil da Cruz Soares Mantas, A Rede Viária Romana da Faixa Atlântica entre Lisboa e Braga, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1996; “VIII – Traçado Topográfico e Vestígios das Vias”, p. 725; “2 O traçado da estrada Olisipo-Bracara” p. 743; “2.5 O traçado do troço Scallabis-Cale” p. 777; “2.5.1 O Traçado entre Scallabis e Aeminium”, p. 778; “3 O traçado da estrada Olisipo-Conimbriga”, p. 853. Que a via em apreço era muito importante atestam-no, entre outros, os seguintes factos: a Carta de Privilégios de Atalaia, de 18/02/1303, concedida por D. Dinis, refere-se à criação de uma póvoa no “lugar onde chamam Atallaya no caminho (...)”. O itálico é nosso. Por aqui se infere que Atalaia ficava situada junto a uma importante via de comunicação: a estrada romana Scalabis / Sellium. Cf. “Descripção Economica de certa porção considerável de território da comarca de Thomar, e próxima à margem direita do Tejo que mereceo o Accessit na sessão publica de 24 de Junho de 1822”, in História e Memória da Academia Real das Ciências de Lisboa (Memórias dos Correspondentes), tomo VIII, parte II, p. 131. Ainda no séc. XVI era atestada a importância da via de comunicação em questão, nomeadamente nos Ditos Portugueses Dignos de Memória (B.N., Reservados, ms. 666): “ [564] Quando el-rei fez Conde da Atalaia a Pedro Vaz de Melo, porque o lugar era então muito mais pequeno e mais ruim do que agora é, disse um homem que se aí achou quando veio a nova: - Já que el-rei queria fazer este fidalgo conde de um ruim lugar, porque lho não dava fora da estrada?”. Este dito mostra que o lugar não era famoso, mas que a estrada era importante e muito frequentada. Manuel Severim de Faria, Historia Portuguesa e de Outras Provincias do Occidente, desde o ano de 1610 até o de 1640, da Felice Acclamação de El-rey Dom João o 4º. (Escrita em trinta e huma Relações), B.N., cód. 241, fl. 159v.; João Baptista Lavanha, Viagem da Catholica Real Magestade DelRey D. Filipe II N. S. ao Reyno de Portugal, Madrid, 1622, fl. 76v.: “[de Santarém, Filipe II] partio para a villa de Tomar, na tarde dos 14 de Outubro, foi dormir á villa da Gollegãa, dõde saio aos 15 & chegou a Tomar as 4 da tarde”. “Finta” ou “Fintas” designavam as contribuições municipais lançadas sobre os habitantes, com objectivo de fazer face a determinadas despesas dentro do concelho, como por exemplo: reparações de muros, pontes, calçadas, edifícios públicos e, ainda em determinadas situações, o seu lançamento fazia-se por prescrição régia; cf. Iria Gonçalves, “Fintas”, Dicionário de História de Portugal (dir. de Joel Serrão), vol. III, 1989, pp. 40-41. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 reparação ou construção de uma nova ponte. Dado que a maior parte das vezes as rendas dos concelhos não chegavam para as necessidades, os reis permitiam que se elevasse o quantitativo das fintas, desde que os oficiais da Câmara escrevessem aos desembargadores do Paço, explicando qual o motivo desse aumento. Por carta de 28 de Março, do mesmo ano, o rei Filipe III mandou pedir parecer sobre o conteúdo da petição que atrás vimos, ao corregedor da vila de Santarém. Incumbiu-o, também, de informar por escrito os desembargadores do Paço Real, doutores Diniz de Mello de Castro e Álvaro Costa Moniz. Como tardasse a resposta régia, o D. Prior do Convento de Cristo enviou nova petição para Lisboa. Nela fornecem-se mais informações sobre a “Ponte da Cardiga” e o seu estado de conservação, que era péssimo devido ao muito uso a que estava sujeita.68 Pelo documento podemos observar que a 68 69 70 71 “Ponte da Cardiga” era muito antiga, remontando, talvez, ao período romano.69 Esta ponte era construída em pedra, uma vez que, ainda, em 1618 era assim referenciada nos registos baptismais70 de Atalaia. Ficamos, também, a saber que era uma ponte muito necessária e bastante utilizada71 porque se encontrava na estrada real que ia de Santarém a Coimbra. A subtileza utilizada pelo Prior do Convento de Cristo, para conseguir que o rei Filipe III ordenasse a realização de uma nova ponte, foi a de frisar que a “Ponte da Cardiga” era, não só, necessária para os povos e lugares principais do Reino de Portugal, mas também de “Castella”: não esqueçamos que o rei era castelhano e que tanto seu pai como seu avô por ali haviam passado, aquando das suas deslocações a Lisboa. Em 3 de Maio de 1623, o rei Filipe III ordenou ao corregedor da Comarca da vila de Santarém que colocasse a obra da nova IAN/TT, Ordem de Cristo, maço nº 30, doc. 5, “Segunda petição do D. Prior ao Rei Filipe III” (20/04/1623). Aí diz-se que “No termo da Villa da Gollegã junto a hua quinta do soplicante o Dom Prior do Convento de thomar esta hua ponte que chamão da Cardigua a qual he muito antiga e necessaria pera serviço comum de todos os povos e lugares principais deste Reino e ainda de Castella por Ser estrada Real e mui Seguida; Esta he tão guastada e arruinada e os alicerces estão Solapados [escavados; minados] e descubertos das agoas que não he possível deixar brevemente de Se arruinar e cair de todo o que Será em muito prejuizo dos vizinhos e caminhantes por não terem outra passagem Sem torcerem cousa de duas Legoas: pello que paresse devia Vossa Magestade mandar Se fizesse nova ponte Supposto que os alicerces velhos estão em estado que Se não pode Sobre elles fazer obra algua (como Se Le da informação junta): e posta agora em pregão mandar passar provizão de finta Da contia que nella for Lancado: Vossa Magestade mandara o que for Servido: Guarde Nosso Senhor a [...] pessoa de Vossa Magestade por muitos annos. Santarem em Abril 20 de [1]623”. Veja-se a nota nº 65. Embora seja o único registo, dentre os registos baptismais e de óbitos, que menciona a ponte da pedra antes e depois da sua construção, dá-nos a imagem de que a ponte antiga era realmente construída em pedra e, provavelmente, romana. Transcreve-se a seguir o mencionado registo baptismal: “manoel do moinho da ponte da pedra. Em dezoito de fevereiro de [1]618 baptizei a manoel filho de domingos joam e de sua molher francisca lopez moleiros da ponte da pedra foram padrinhos joana da fonsecua”. Ainda no século XIX a passagem por esta ponte era obrigatória para a deslocação entre Atalaia, Barquinha e Moita para Golegã, Torres Novas e Santarém, situando-se na estrada distrital que de Santarém conduzia os viajantes por Pernes à Barquinha. In Registo da Correspondência expedida pela Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha (1868-1873), p. 44, registo 139; idem, p. 47, registo 151. Veja-se, ainda, Luís Miguel Preto Batista, A Quinta da Ponte da Pedra, C.M.E., 2000, pp. 102-106. 165 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 166 ponte em pregão, isto é, abrisse concurso público. Devia receber os diversos orçamentos dos vários empreiteiros concorrentes e entregar a obra, a arrematação, àquele que oferecesse o mais baixo e mais seguro lanço, ou seja, a proposta que saísse mais acessível à Coroa. Em 15 de Julho de 1624, o corregedor de Santarém ouviu as propostas dos lanços e o comum de todas elas rondava os 750 mil reais. A obra foi arrematada por 680 mil reais “o mais baixo lanco que nella ouve a qual contia paresse deuva Vossa Magestade mandar fazer provizão de finta”. Em 5 de Abril de 1625, o corregedor de Santarém escreveu ao rei informando-o sobre os lugares que deveriam pagar a nova “Ponte da Cardiga”. Por um documento anexo72 a esta carta, ficamos a saber: a) Quais as comarcas que pagaram a nova “ponte da cardiga”, a saber: Torres Vedras, Santarém, Tomar, Coimbra, Esgueira, Castelo Branco e Portalegre. Em todas estas comarcas, a Ordem de Cristo possuía comendas; b) Que aos 680 mil reais da arrematação 72 73 74 se juntou um acréscimo de 50 mil reais para pagamento das despesas feitas pelos funcionários do concelho em cartas, dias de trabalho e caminheiros para irem buscar o dinheiro da finta às referidas localidades; c) Que o D. Prior do Convento de Cristo tinha razão ao afirmar que a estrada real de Santarém a Coimbra era muito importante para o Reino de Castela. Pelo documento que acabámos de transcrever podemos observar que esta estrada tinha ligação ao Alentejo e à Beira-Baixa, e desses locais para Castela: se assim não fosse, Castelo Branco e Portalegre não teriam auxiliado o pagamento dos custos da nova “Ponte da Cardiga”; d) Que a data, provável, do início da construção da nova ponte terá sido o ano de 1625. Através dos Inquéritos Paroquiais de 175873 podemos vislumbrar como seria a nova ponte: era de cantaria e tinha três arcos de volta perfeita, ou seja três olhais. 2.3.3 A nova toponímia: A Ponte, a ribeira e o Vale Em 163074 já a “Ponte da Cardiga” não IAN/TT, Ordem de Cristo, maço nº 30, doc. 5: “As comarquas que aõ de pagar pera a ponte da cardiga e o que cada hua delas ha de pagar são as seguintes: A comarqua de torres Vedras nouenta mil – 90; A de Santarem cento e vinte mil reais – 120; A comarqua de tomar cento e corenta mil reais – 140; A comarqua de coinbra oitenta mil reais – 80; A comarqua de esgeira oitenta mil reais – 80; A comarqua de castello branco cem mil reais – 100; A comarqua de portalegre cento e uinte mil reais – 120. Total 730 [mil reais]. Soma este lancamento sete centos e trinta mil reais e se lanca de mais do en que foi a Rematado esta ponte sincoenta mil reais pera custo das cartas Caminheiros [e] dias levar e ir buscar a cada hua dellas o dinheiro que lhe he fintado”. O Cura de Olaia, Pe. Manuel Álvares Fragoso, em 30 de Março de 1758, em resposta ao “Inquérito Paroquial”, referindo-se a esta ponte diz que “Divide esta freguesia da freguesia da Igreja Nova, [...] uma ribeira que tem o seu princípio de uma fonte que está junto ao lugar de Outeiro Pequeno, freguesia de Asentiz e se vai engrossando de outras nascente pequenas até morrer no Tejo, junto à quinta da Cardiga dos padres de Cristo. Corre outro ribeiro pelo meio desta freguesia, que nela se forma de várias nascentes de Inverno que se vai juntar na sobredita ribeira adonde chama[m] o pego das Olaias por baixo da Atalaia e antes de chegar ao Tejo está uma ponte de cantaria com três olhais (...)”; (IAN/TT, Diccionario Geographico de Portugal, Olaia, vol. 26, m. 10, pp. 85 e ss.). IAN/TT, Ordem de Cristo, livro nº 47, Relação de quando se começou esta Ordem de Christo em Religiosos Regulares com Regra do Nosso Pe. S. Bento e foy no anno de 1529, e do primeiro D. Prior que foy o Nosso Rev.mo Pe. Frey Antonio Moniz de Lisboa Reformador della, [...] athe esta era de 1630, fl. 9. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 existia e mudara o seu nome para “Ponte da Pedra”, em resultado da construção da ponte que foi começada em 1625. Podemos afirmar isto, com toda a certeza, pois é assim que aparece referenciada a ponte em questão, na “Relação” escrita por Frei Pedro Moniz. Trinta e um anos mais tarde só se usava o novo topónimo. Tome-se como exemplo o Segundo Livro de Registo Baptismal da Paróquia de Atalaia (1647-1741).75 De igual forma, a “Ribeira da Atalaia” perdeu, novamente, o seu nome nas imediações da “Ponte da Pedra”, para passar a chamar-se “Ribeira da Ponte da Pedra” em substituição do antigo nome de “Ribeira da Cardiga”. Também o vale por onde corre a dita Ribeira começou a ser designado por “Vale da Ribeira da Ponte da Pedra”, ou apenas por “Vale da Ponte da Pedra”. Deste modo podemos constatar que a 75 76 77 construção de uma nova ponte de pedra deu origem à alteração de vários nomes no que se refere à toponímia da região em estudo. 2.4 os retábulos de joão de ruão e de Nossa senhora da luz Como já verificámos, o oratório primitivo da Quinta da Cardiga situava-se na ala oriental do edifício. Hoje em dia, a capela, como é conhecida, situa-se na actual fachada principal, virada a Norte. Embora desconheçamos que tipo de painel, ou retábulo, figuraria originalmente, presentemente encontra-se no retábulo do altar um bloco de calcário em alto-relevo figurando a imagem da Virgem Maria, ladeada por dois grupos; um de monges, à sua direita, e um de monjas, à sua esquerda. Sabemos que tal retábulo, da autoria de João de Ruão,76 foi adquirido por Luís Sommer,77 em 1897, a um coleccionador de arte. Sumário do primeiro registo de baptismo onde aparece o topónimo em questão, depois da construção da ponte, realizado em 19/07/1661, fl. s/ nº: “Domingos filho Legitimo de manuel Simões e de sua mulher isabel Coelha moradores ha ponte da pedra”. Registo baptismal: “Aos desanove dias do mes de Julho de seis centos sesenta E hum annos chatechisey, pus os santos oleos, E Baptisey, Eu o Prior desta Igreja d’aTalaia a Domingos filho Legitimo de manuel Simões, E de Sua mulher isabel Coelha moradores há ponte da pedra do termo desta freguesia, forão padrinhos manuel Pereyra da Caceres da Golegam, E Leonor Lopes desta villa. O Prior d’aTalaia [ilegível] Ferrão [?] Fernão [?]”. Segundo Ramalho Ortigão, este retábulo é atribuído a João de Ruão, no Boletim liquidador nº 13, SALÃO DE VENDAS, Lisboa, 31 de Outubro de 1897. O mesmo autor esculpiu um retábulo similar para a Capela de N. Srª da Misericórdia de Varziela (Tentúgal), c. 1530. Vitor Serrão, na sua História da Arte em Portugal. “O Renascimento e o Maneirismo (1500-1620)”, vol. III, Lisboa, Editorial Presença, 2002, p. 148, refere que o retábulo da Quinta da Cardiga é “de oficina”. Esta expressão, tirando o seu sentido específico em História de Arte, ajusta-se inteiramente ao caso em apreço: só alguns séculos depois de ter saído da oficina artística é que encontrou o seu local definitivo. A par deste escultor, o oratório/capela terá sido decorado, ao tempo, com obras de pintura de Cristóvão de Figueiredo. Veja-se idem, ibidem, p. 61. João de Ruão, normando de nação, chega à região de Coimbra em 1528. Aí vai desenvolver grande obra de estatuária, em calcário de Portunhos e pedra de Ançã. Trabalha no Hospital Real de Coimbra e na Sé Velha. Casa na cidade de Coimbra, em 1530, com Isabel Pires, filha do marceneiro régio Pero Anes, sendo, assim, cunhado do pintor Cristóvão de Figueiredo. Tem filhos formados e bem estabelecidos (um deles o futuro arquitecto maneirista Jerónimo de Ruão); estende a sua actividade por terras da Beira (claustro da Sé de Viseu), pelo Minho e, mesmo, pela Galiza. Veio a falecer em 1580. Em 1528-29, na Igreja da Atalaia, perto da Cardiga, a mando de D. Pedro de Menezes, senhor de Cantanhede, executa o pórtico deste local de culto “à romana”. Luís Sommer (01/07/1853-15/02/1929) adquiriu a Quinta da Cardiga em 05/02/1898, encontrando-se actualmente a Quinta na posse dos seus descendentes: Sommer d’Andrade e Sommer de Mello. 167 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 168 Mais tarde, aquando das obras de adaptação da ala norte a fachada principal, contendo a portaria e a capela, tal retábulo foi incluído no altar. Gustavo de Matos Sequeira,78 referindo-se à “ermida” da Cardiga diz que ela possui um retábulo quinhentista, representando Nossa Senhora da Misericórdia, com o seu manto de abrigo. Refere, ainda, ser uma bela escultura de um só bloco de pedra, servindo-lhe de fundo e moldura, um edículo retabular, de pura feição quinhentista. As roupagens, atitudes e expressões fazem suspeitar de um artista de largos recursos, adestrado nas obras escultóricas de Tomar. Tal retábulo, outrora pintado nos mais variados tons, encontra-se, hoje, bastante degradado, ao ponto de a cara de uma monja ter caído do mesmo. Em contrapartida, tal despojamento de cor, devido à humidade, permitiu vislumbrar a existência de uma legenda, de leitura imperceptível, 78 79 80 pintada na base do mesmo. Pensamos que a tese enunciada por Matos Sequeira sobre a titular do retábulo comete um erro. Julgamos tratar-se, não de Nossa Senhora da Misericórdia, mas sim de NOSSA SENHORA, MÃE DA ORDEM DE CRISTO. Para esta asserção, baseamo-nos nos seguintes fundamentos: - A indumentária que os frades, representados à direita da Virgem, envergam, representa o hábito da Ordem de Cristo, ou seja hábito branco, escapulário e capa negros. - Os referidos frades apresentam alguns prelados:79 bispos e um Papa. - As monjas que figuram, à esquerda da Virgem, representariam o ramo feminino da Ordem de Cristo. Tanto D. Manuel, como Filipe II, tiveram intenções de fundar um ramo feminino da Ordem de Cristo.80 Fr. Bernardo da Costa refere, mesmo, que D. Manuel tinha notícias de que a Ordem do Templo tivera Convento Gustavo de Matos Sequeira, Inventário Artístico de Portugal, tomo III, Distrito de Santarém, Lisboa, 1949, pp. 50-51. No Livro 47 da Ordem de Cristo, fl. 2, Fr. Pedro Moniz, tentando filiar a Ordem de Cristo na Ordem de Cister (uma das Reformas da Ordem de S. Bento), diz que “nela tem militado e militão muitos papas, Cardeais, Arcebispos, Bispos, Patriarchas, Dignidades, Confessores, Virgens e Martyres”; Nos fólios 32v. e 33 refere que D. Fr. António de Lisboa “ouve mosteiros de S. Bernardo para este Convento dos quais havia ja Religiosos nossos, nomeados ja abades, e confirmados nas abadias e por descuido e pouca agencia dos Religiosos deste Convento se perderão e por perdermos o nosso Pe. Reformador levando-o Deus para si e com esta morte ficamos sem elle e sem mosteiros”. Fr. Bernardo da Costa, Historia da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesu Christo, tomo II, 2ª parte, Cap. VII, II parágrafo, p.136: “De várias disposições e graças que o senhor Rei D. Manuel fez à Ordem e de como ele impetrou Bula para fazer um Convento de Freiras da mesma Ordem”; Cap. XII, §242, p 137: “Bula de Júlio II [1503-1513] ao senhor Rei D Manuel para mandar fazer Convento de freiras da Ordem de Cristo”; Cap. XI, §243, p.137: “Júlio II passou Bula para se edificar Convento de Freiras da Ordem de Cristo”; Cap. XI, doc. XXII, p.277: “Graça concedida pelo Papa Júlio II, por súplica do senhor Rei D. Manuel, para fundar convento de religiosas da Ordem (Roma, 12/07/1505)”. Alberto de Sousa Amorim Rosa, em Anais do Município de Tomar, vol. IV, C.M.T., 1968, p. 146, citando Fortunato de Almeida e a sua História da Igreja em Portugal, refere que por Carta Régia de 28/07/1620, D. Filipe II mandou proceder à fundação dum Convento de Freiras da Ordem de Cristo, à custa dum legado de Garcia Rodrigues de Távora. Contudo, a obra não viria a efectuar-se. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 de Freiras e que este estivera sediado em Tomar.81 Quanto aos Templários, ainda que um dos artigos dos seus Estatutos admitisse a associação de casais à Ordem, na condição de não residirem no convento e de levarem uma vida honesta, a Regra proibira de forma peremptória a profissão de mulheres. A realidade, porém, era muito diferente, e desde meados do século XII que elas eram recebidas nas Casas da Ordem, quer como freiras, quer como confrades. Por norma, a presença de freiras dava origem a comendas com comunidades mistas, que podiam ser dirigidas por uma comendadora, não possuindo a Milícia do Templo nenhum convento feminino. Em Portugal, há algumas notícias relativas a professas do Templo (1202) e a familiares recebidas “sicut uni de fratissibus Templi”82 (1247). Os casos conhecidos são, porém, muito escassos e não deixam avaliar a importância das vocações femininas. Contudo, não conhecemos nenhum convento de freiras templárias em Portugal, nomeadamente em Tomar. É possível que Luís Sommer tenha comprado o retábulo em questão tendo em vista a 81 82 83 84 85 sua futura utilização aquando da aquisição da Cardiga, uma vez que eram dois elementos ligados ao mesmo tema: a Ordem de Cristo. De igual forma, existe, ainda hoje, na capela de S. Caetano,83 ligada à Quinta da Cardiga um retábulo em tábua intitulado Nossa Senhora da Luz. Julgamos que se trata de um quadro proveniente do Convento de Nossa Senhora da Luz, Casa dependente da Ordem de Cristo, uma vez que ostenta uma legenda alusiva à titular de tal Convento. Não conseguimos provar se esta nossa tese é verdadeira. Pelo menos é plausível. Quanto ao seu autor, podemos aventar a hipótese de ter sido Fr. Lopo Salgado. Este freire de Cristo foi D. Prior de Tomar por duas vezes (1593-1596 e 1598-1601). Foi inclinado à pintura,84 tendo ele próprio pintado, no Convento de Cristo, o arco da igreja; os retábulos do refeitório e a Ceia da mesa travessa e, ainda, Nossa Senhora com o Padre S. Bento e S. Bernardo, que estavam em cima do arco por onde se serviam os servidores. Tal como neste retábulo, também no existente na Capela de São Caetano,85 Nossa Senhora aparece segurando o Menino, sendo rodeada por S. Bento à sua direita e Fr. Bernardo da Costa, Historia da Militar Ordem de Nosso Senhor Jesu Christo, tomo II, 2ª parte, Cap. VII, p.136: “- Tinha notícias o senhor D. Manuel I que a Ordem do Templo teve Convento de Freiras e que as tais freiras templárias tiveram convento em Tomar, como deixamos escrito na Primeira parte desta História”. Bernardo Vasconcelos e Sousa et al., Ordens Religiosas em Portugal: Das Origens a Trento. Guia Histórico, Livros Horizonte, Lisboa, 2005, p. 463. A Capela de S. Caetano pertence ao lugar denominado Casal de S. Caetano, vizinho do Palácio da Quinta da Cardiga, freguesia e concelho da Golegã. Surgiu como lugar de culto, no séc. XVII, para os trabalhadores agrícolas da Cardiga que aí habitavam. Veja-se, a este respeito, Luís Miguel Preto Batista, “A Capela de S. Caetano”, jornal O Entroncamento, nº 956 (03/09/1998), pp. 4-5. Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, citado por Vieira Guimarães, A Ordem de Cristo, 1901, pp.450-451. A este propósito consulte-se Luís Miguel Preto Batista, “A Capela de S. Caetano”, jornal O Entroncamento, nº 956 (03/09/1998), pp. 4-5. 169 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista S. Bernardo de Claraval à sua esquerda. Junto destas personagens, no chão, figuram dois báculos e mitras, símbolo da sua figura como abades.86 S. Bernardo, a exemplo da iconografia tradicional, aparece recebendo leite espiritual da Virgem Maria. Este simbolizava iluminação espiritual que a Mãe de Deus transmite ao seu discípulo.87 170 CoNClusão A Quinta da Cardiga está integrada num espaço que os seus detentores criaram e que foi sendo alterado ao longo dos tempos, quer por vontade própria, quer por motivos estranhos. Foi elemento aglutinador de bens e pessoas, transformou um ermo em povoado, atraiu populações que posteriormente a foram abandonando. Ao longo deste trabalho tentámos traçar a história das obras na Comenda/Quinta no espaço e no tempo. Realçar, na vida da Comenda/Quinta, a construção de um patri- mónio edificado na Cardiga, quer as obras do Palácio levadas a cabo por Frei António de Lisboa (1529-1551), quer por Fr. Pedro Moniz (1592-1612), foi o objectivo da nossa pesquisa, e posterior divulgação, através deste artigo. O riquíssimo repositório histórico e documental da Comenda/Quinta da Cardiga, abrangendo a História de Portugal, desde a Fundação da Nacionalidade (quiçá senão remontando mesmo à Pré-História), até à actualidade, permitiu-nos elaborar um objecto de estudo, do qual nasceu a nossa tese de mestrado, que vai muito para além das linhas deste artigo. Penso que não existem em Portugal muitas propriedades que se possam orgulhar de ter um percurso tão completo, tão interessante e, sobretudo, ininterrupto, ao longo da História do nosso país. Esperamos que este estudo de História da Arte reanime no presente, tal como no passado, o interesse pela Quinta da Cardiga. Desde a Reforma Beneditina efectuada por Cluny (séc. XI) que os abades da Ordem de S. Bento usam báculo e mitra, antes somente apanágio dos bispos. Tal como estes, passaram a celebrar missa em solene pontifical nas Festas principais da Igreja. Em Portugal, só nos anos 70 do século passado é que o D. Abade do Mosteiro de Singeverga, pertencente à Ordem Beneditina, deixou de fazer uso desses símbolos litúrgicos episcopais. 87 Atribui-se a S. Bernardo de Claraval grande devoção a Nossa Senhora. Terá sido ele a compor o hino “Salvé Rainha”. 86 NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 aNexo i CroNologia aNos FaCtos 1128 _D. Teresa faz a primeira doação, de que há notícia, aos Templários: o castelo e a terra de Soure. 1159 _O castelo de Cera (Tomar) é doado, por D. Afonso Henriques, à Ordem do Templo. 1160 _Começo da edificação do castelo templário de Tomar, por D. Gualdim Pais. 1169 _D. Afonso Henriques concede aos Templários um terço do que conquistassem no Alentejo. _Outubro: D. Afonso Henriques concede aos Templários o castelo de Cardiga: torre de pedra, muralhas de taipa e portal de pedra; à volta, um fosso. 1190 _Gualdim Pais defende o castelo de Tomar contra os Mouros. 1195 _Morte de D. Gualdim Pais, sepultado na Igreja de Santa Maria de Tomar, depois “do Olival”. 1198 _O território de Açafa (Idanha-a-Nova) é concedido, por D. Sancho I, aos Templários. 1255 _Pedro Alvo faz doação da Comenda da Cardiga à Ordem do Templo. 1303 _Carta de privilégios de Atalaia: “Água de Cardiga” era o nome dado à Ribeira da Cardiga. 1311 _Extinção da Ordem dos Templários. 1319 _Fundação da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, à qual são doados todos os bens dos Templários. A nova Ordem é instalada em Castro Marim, sendo-lhe atribuída a Regra de S. Bento. 1321 _Doação da Comenda da Cardiga à Ordem de Cristo. 1357 _A Ordem de Cristo regressa a Tomar, a pedido dos freires. 1415 _Conquista de Ceuta. 1420 _O Infante D. Henrique é nomeado Administrador Apostólico da Ordem de Cristo. 1426 _Fr. Gonçalo Velho é comendador de Almourol. 1434 _Gil Eanes dobra o Cabo Bojador. 1443 _O Regente D. Pedro concede a D. Henrique o monopólio da navegação, guerra e comércio nas terras para além do Cabo Bojador. 1455 _Bula de Nicolau V declarando que as terras e mares já conquistados ou a conquistar, possuídos ou a possuir, pertencem para o futuro e perpetuamente, aos Reis de Portugal, como propriedade exclusiva. 1456 _O Papa Calisto III concede à Cavalaria de Cristo o espiritual das terras descobertas, como territórios nullius diocesis. 1460 _Fr. Gonçalo Velho é investido no cargo de primeiro Capitão das ilhas de Santa Maria e São Miguel. Chamou a esta “o gigante Almourol” e à primeira “a pequena Cardiga”. _Morte do Infante D. Henrique. c. 1497 _Fr. Afonso Furtado de Mendonça é comendador da Cardiga. 1500 _Descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral. 1504 _Realização do Tombo dos Bens da Comenda da Cardiga. 171 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 172 1510 _Diogo d’Arruda inicia a construção da chamada “Casa do Capítulo” do Convento de Cristo e executa as respectivas e célebres janelas. 1515 _João de Castilho finaliza a construção da abóbada da “Sala do Capítulo” do Convento de Cristo, assim como o monumental pórtico de acesso. 1520 _Novembro: Fr. Nuno Furtado Mendonça, genro de Pedro Álvares Cabral, sucede a seu pai no cargo de comendador da Cardiga. 1521 _D. João III permanece em Tomar cerca de dois meses. Desta estadia resultará a Reforma da Ordem de Cristo, de sua inspiração. 1529 _Fr. António Moniz, ou de Lisboa, frade jerónimo, é encarregado, por D. João III, de reformar a Ordem de Cristo. Os freires, então residentes no Convento, foram reduzidos à clausura e observância regular. 1536 _Morte do comendador Fr. Nuno Furtado de Mendonça. _É feita cedência à Ordem de Cristo de Tomar, da comenda de Cardiga, em troca da comenda da Igreja de Santiago de Santarém. 1536 _É dada posse à Ordem de Cristo, como comenda, da Cardiga. Esta passará a alimentar o Convento de Tomar e o Colégio de Coimbra. 1537 _Confirmação, pelo Papa Paulo III, do escambo das rendas da Igreja de Santiago de Santarém pelas da comenda da Cardiga. 1538-1551 _Fr. António de Lisboa faz compra de terras na zona envolvente à Cardiga. Manda construir o Palácio. c. 1540 _João de Castilho inicia a construção do Claustro da Micha, o primeiro da série de claustros de sua traça existentes no Convento de Cristo. 1540 _Escambo de propriedades entre as comendas de Almourol e Cardiga. 1543 _Primeiro auto-de-fé realizado em Tomar. 1544 _Segundo auto-de-fé em Tomar. 1545 _Mudança do curso do Rio Tejo, a pedido do Infante D. Luís, irmão de D. João III. 1545-1557 _D. João III instala-se várias vezes no Palácio da Cardiga. Subia o rio de barco, pernoitava e seguia de cavalo para observar as obras do Convento de Cristo, em Tomar. c. 1550 _João de Castilho inicia a construção da Capela de Nossa Senhora da Conceição, em Tomar, a qual viria a ser concluída por Diogo de Torralva, e se destinava ao túmulo real de D. João III, intenção que se veio a gorar. 1551 _Morte de Fr. António de Lisboa. _O Papa Júlio III, pela bula “Praeclara clarissima”, concede à Coroa Portuguesa, definitivamente, o Mestrado das Ordens Militares de Cristo, de Avis e de Santiago. 1554 _Diogo de Torralva executa o risco e inicia a construção do Claustro Principal, de D. João III ou dos Filipes, do Convento de Cristo, que viria a ser concluído por Filipe Terzi e Pedro Fernandes Torres, já sob o domínio filipino. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 1555 _Alvará régio de D. João III mandando que nenhum pescador possa pescar no campo da Cardiga. c. 1572 _A Ordem de Cristo pede uma provisão a D. Sebastião para que se possa fazer retornar o Tejo ao seu leito original. 1581 _Juramento e aclamação de Filipe I, perante as Cortes, reunidas no Convento de Tomar. Filipe I pernoita na Cardiga e os vassalos da sua comitiva pelas redondezas. 1590 _O D. Prior do Convento de Cristo, Fr. Adrião Mendes, justifica a necessidade da mudança do curso do Tejo, para o seu leito original, perante Filipe I. 1591 _Filipe I legisla a favor da Cardiga. 1592 _Fr. Pedro Moniz, sobrinho do Reformador da Ordem de Cristo, é eleito feitor da Cardiga. Sê-lo-á por mais quatro vezes. 1593 _É dado início à construção do Aqueduto de Pegões Altos, destinado ao abastecimento do Convento de Cristo, segundo risco de Filipe Terzi e concluído em 1613 por Pedro Fernandes Torres. 1598 _Filipe I torna a legislar a favor da Cardiga. Porém, o Tejo não regressará ao seu trajecto original. 1623 _Petição de Fr. Pedro Moniz, D. Prior do Convento de Tomar, a Filipe III, solicitando a construção de uma nova ponte sobre a Ribeira da Atalaia. Aí, pela primeira vez, aparecerá registada a designação de quinta aplicada à Cardiga. 1625 _Construção da nova ponte da Atalaia ou da Cardiga, posteriormente conhecida como Ponte da Pedra. Era de cantaria e tinha três olhais. 1629/1630 _Fr. Pedro Moniz, na sua velhice, escreve um livro intitulado “Relação...” onde relata as obras efectuadas na Cardiga. Início da vulgarização do termo Quinta aplicada a este espaço rural. 1751 _Breve Pontifício que permite ao Convento de Cristo aforar as terras da Lezíria da Martintina, situadas na Quinta da Cardiga. 1758 _O Pe. José Jacinto Coelho, vigário da Golegã, refere nos “Inquéritos Paroquiais” que as quintas do concelho da Golegã, entre as quais a da Cardiga, eram tão prósperas que mesmo a de renda mais baixa excedia os 20 mil cruzados por ano. 1764 _Francisco José Macedónio Sousa, tabelião de Tancos, realiza várias escrituras de prazo sobre terras da Lezíria da Martintina, pertencente à Quinta da Cardiga, na sequência do Breve anterior. 1762/1767 _Construção da Ponte da Cardiga, junto ao Palácio, em pedra, já que antes era de madeira, pelo D. Prior, António Ferreira da Silveira. c. 1780 _Alegação por parte da Ordem de Cristo a respeito do Campo da Cardiga, devido à mudança do curso do Rio Tejo. 1783 _Na sequência da alegação anterior, a Coroa envia ao local uma vistoria que elaborará o “Primeiro Mapa Topográfico dos Campos da Cardiga, Almourol e Martintina”, reconstituindo a região antes da mudança do curso do Tejo. 1789-1792 _Reforma dos Estatutos da Ordem de Cristo, através de diversa legislação de D. Maria I. 173 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 174 1811 _Relatório da destruição provocada pela 3.ª Invasão Francesa na Cardiga: cerca de 200 mil réis de prejuízo em oliveiras abatidas para realização de fogueiras. 1820 _Revolução Liberal. 1831 _Luís vön Sommer, vindo da Alemanha, serve como Alferes no “Regimento de Lanceiros da Rainha”, D. Maria II. 1834 _Derrota das tropas absolutistas na Batalha da Asseiceira, concelho de Tomar, garantindo o poder aos Liberais. _Joaquim António de Aguiar decreta a extinção das Ordens Religiosas e a nacionalização das suas casas e bens. _Início da venda em hasta pública dos bens nacionais. 1836 _A Quinta da Cardiga é arrematada, na Junta de Crédito Público, por Domingos José de Almeida Lima. Foi à praça por 100 contos de réis, sendo vendida por 200. 1843 _28 de Outubro: D. Maria II visita o concelho de Vila Nova Barquinha e a Quinta da Cardiga no seu regresso a Lisboa, vinda de Tomar. 1861 _As Câmaras Municipais de Vila Nova da Barquinha e de Torres Novas determinaram ir cumprimentar D. Pedro V à Quinta da Cardiga, onde este pernoitara. 1867 _Os herdeiros da família Lima vendem, a D. Maria Arrábida Lamas, a Quinta da Cardiga. 1892 _Sua filha, Maria Luíza Lamas Gomes Coelho e seu marido, Dr. Zagalo Gomes Coelho, primo de Júlio Dinis, vivem no Palácio da Cardiga. 1898 _Os herdeiros de D. Maria Arrábida Lamas vendem a Quinta da Cardiga a Luís Adolfo de Oliveira Sommer (descendente do anterior Luís Sommer). 1904-1905 _Luís Sommer compra em Roma (Palácio Borghese) obras de arte para decorar o seu Palácio da Cardiga. 1929 _Morre Luís Sommer. Os seus herdeiros continuam a exploração da propriedade. 1952 _Decreto N.º 38.673 de 12/03/1952 que classifica a Torre da Cardiga e algumas dependências anexas como “Imóvel de Interesse Público”. 2008 _A Quinta da Cardiga, uma das mais importantes do Ribatejo, continua na posse dos descendentes de Luís Sommer: Sommer d’Andrade e Sommer de Mello. _Comemora, em Outubro, 839 anos da sua doação aos Templários. Fontes: Joel Serrão, Cronologia da História de Portugal, Iniciativas Editoriais, 3ª ed., 1977; Câmara Municipal de Tomar, Imagens de Tomar. Roteiro Histórico, 2ª edição revista, Nov. 1992. Todas as outras obras utilizadas na elaboração desta Cronologia vêm especificadas nas notas de rodapé e nas Fontes e Bibliografia. Por serem inúmeras escusamo-nos de indicá-las aqui. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 aNexo FotogrÁFiCo 175 Foto 1 _ Panorama possível do castelo inicial da Cardiga. Neste, a torre era de pedra mas as muralhas primitivas eram de taipa. Castelo de Longroiva. Fonte: Foto do Arquivo Colecções Alfa. Foto 2 _ Actual torre do Castelo da Cardiga. Foto Mariné. Fotos 3 e 4 _ Antiga adega da Cardiga, conhecida por Adega dos Frades. Vasta dependência de dois lanços, formando ângulo recto, com abóbadas de nervuras assentes sobre colunas: século XVI. Foto Mariné. NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista 176 Foto 5 _ Bocete de abóbada da adega, com figuração de tipo renascentista. Foto Mariné. Foto 6 _ Retábulo representando Nossa Senhora, Mãe da Ordem de Cristo, da autoria de João de Ruão, na actual Capela da Quinta da Cardiga. Foto Mariné (1990). Foto 7 _ Quinta da Cardiga: Pátio Grande. Foto de Ana Geraldes. Foto 8 _ Palácio da Cardiga: varanda do sino e galeria térrea, no lado este do Pátio Grande. Foto Mariné NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 Foto 9 _ Relógio de sol do século XVI: fachada sul (actual jardim) Foto 10 _ Portal Sul na fachada original do Palácio da Cardiga: virado para o Rio Tejo Foto 11 _ Duas das quatro torres renascentistas abobadadas que ladeiam os ângulos do Palácio da Cardiga. Foto de Ana Geraldes. Foto 12 _ Capela de S. Caetano, Quinta da Cardiga, Golegã: retábulo em tábua pintada, representando Nª Srª da Luz, possivelmente, originário do Convento de Carnide. Foto de Ana Geraldes. 177 NOVA AUGUSTA Luís Miguel Preto Batista FoNtes 1. FoNtes maNusCritas FoNtes e bibliograFia arquivo Da CÂmara muNiCiPal De tomar Livro das Posturas do Século XVII, de 22/09/1607, baseado nas Ordenações Filipinas de 1603. Livro 71. Livro de Registos Camarários O Cardoso (16/05/1634 a 17/10/1685). arquivo Da CÂmara muNiCiPal De vila Nova Da barquiNHa Registo de Correspondência Expedida pela Câmara Municipal (1868/73) arquivo Da Família Duarte silva oliveira Escriptura de partilha, datada de 1 de Setembro de 1892, realizada no Cartório do Tabelião Dr. Francisco Vieira da Silva Barradas, Lisboa. TOMBO da quinta do valle do Seixo, que mandou fazer o Exc.mo e R.mo PRINCIPAL D. IOSÉ Manoel do concelho de Sua Magestade, e Deam do Collegio da Santa Igreja de Lisboa, datado de 26/06/1744. 178 arquivo Da quiNta Da CarDiga DESCRIPÇÃO DASCASAS DESTA QUINTA. Termo mandado fazer pelo Doutor Juiz do Tombo, Álvaro Barreto Borges, e escrito por Morais. Documento dos meados do século XVII. biblioteCa NaCioNal Reservados, cód. 241; cód. 413; cód. 501; cód. 736; cód. 8842; cód. 8843; cód. 8920; ms. 666; ms. 8842; ms. 735 (FG). iNstituto Dos arquivos NaCioNais / arquivo Distrital De saNtarÉm livros de registo Paroquial: Registo Baptismal da Paróquia de Atalaia (V. N. da Barquinha): 1 (1544-1638), 2 (1647-1741) e 3 (1741-1803) Registo de Óbitos da Paróquia de Atalaia (V. N. da Barquinha):1 (1544-1638) ordem de Cristo: Livro das Rendas, e Foros deste Real Convento de Thomar da Ordem Militar de Nosso Snr Jesus Christo. Feito no Anno de 1804. Mostrador dos Bens e Rendas do Real Convento de Christo de Thomar. 1803. iNstituto Dos arquivos NaCioNais / torre Do tombo: Chancelarias régias: Chancelaria de D. João I, livros 1 e 2. Chancelaria de D. João III, livros 23 e 50. Chancelaria de D. Manuel I, livro 22. Dicionário geográfico de Portugal (séc. xviii). Também conhecido por memórias Paroquiais ou inquéritos Paroquiais, compilados pelo Pe. Luís Cardoso; Vol. 5, fls. 85 e ss., Inquérito Paroquial de 1758, nº 18 - Respostas do Pároco de Tancos. Vol. 5, fls. 730 e ss., Inquérito Paroquial de 1758, nº 30 - Respostas do Pároco de Atalaia. Vol. 17, fls. 325 e ss., Inquérito Paroquial de 1758, nº 61 - Respostas do Pároco de Golegã. Vol. 26, fls. 195 e ss., Inquérito Paroquial de 1758, nº 10 - Respostas do Pároco de Olaia. NOVA AUGUSTA As obras na Cardiga: 1529-1630 gavetas: Nº 7, ms. 4, doc. 10; ms. 6, doc. 1. leitura Nova: Livro dos Mestrados (livro único que contém referências à Ordem de Cristo). livros de leis: Livro 1º de Leis de 1576 até 1612. mesa da Consciência e ordens, Funções Culturais, obras literárias: Livro 43. Núcleo antigo: nº 293, Povoação da Estremadura no XVI. seculo, fl. 78. nº 275, Tombo das Capelas de Torres Novas. ordem de Cristo/Convento de tomar: Cadernetas: doc. 145: Comenda e Quinta da Cardiga, vários títulos de aforamentos 1764 e segg. doc. 172: Alegação por parte da Ordem a respeito do Campo da Cardiga. maços e documentos: Maço nº 30, doc.s nº 1, 2: (vermelho, numeração nova), 2: (numeração antiga), 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 – I e II, 12, 13, 14, 15 (numeração antiga 619), 15 (numeração nova), 15 (numeração repetida), 17, 18, 19 (numeração nova), 19 (numeração antiga 584), 22, 23, 24, doc.s s/n : Tombo da Comenda da Cardiga livros: Livro 47: Relação de quando se começou esta Ordem de Christo em Religiosos Regulares com Regra do Nosso Pe. S. Bento e foy no anno de 1529, e do primeiro D. Prior que foy o Nosso Rev.mo Pe. Frey Antonio Moniz de Lisboa Reformador della, [...] athe esta era de 1630. Livro 232. 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Andrade corvo e o ensino artístico. da fundação das Academias das Belas-Artes à reacção romântica (1836-1856)* António Ribeiro** Pretendeu-se, neste artigo, averiguar como se impôs no meio académico a tendência tingida de valores românticos que se afirmava no meio literário desde a década de trinta de oitocentos e que contrastava com o código estético neoclássico predominante nas artes plásticas. A greve académica de 1844 é o ponto de ruptura de uma nova geração que pretende impor novos valores culturais. Nesse ano, Andrade Corvo publica um texto onde critica a ausência de conhecimentos estéticos no ensino artístico e define as isotopias da corrente romântica. *Texto apresentado no seminário de “Teoria e Organização do Trabalho Artístico” orientado pela Doutora Lurdes Craveiro, em Janeiro de 2008. ** Professor do ensino secundário e aluno do 2.º Ciclo de Estudos em História da Arte, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 185 NOVA AUGUSTA Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856) Nota iNtroDutória Com este breve ensaio pretendemos averiguar como se impôs no meio académico português a tendência tingida de valores românticos que se afirmava no meio literário desde meados da década de trinta de oitocentos, articulando-se com o triunfo do liberalismo e que contrastava com o código estético neoclássico predominante nas artes plásticas nacionais. Era este o gosto em que tinham sido formados os elementos do corpo docente da Academia de Belas-Artes, na sua maioria, recrutado nas obras do Palácio da Ajuda. A greve académica de 1844, com a reivindicação da reforma dos programas e dos métodos de ensino artístico, é o ponto de ruptura de uma nova geração que pretende impor novos valores culturais. Nesse ano um jovem intelectual, Andrade Corvo, publica um texto de reflexão teórica sobre as artes plásticas, raro no Portugal coevo, onde critica a ausência de conhecimentos estéticos no ensino artístico e define as isotopias da corrente romântica no concernente às obras de arte. O Romantismo nas artes plásticas é um fenómeno tardio no nosso país, se comparado com a evolução estética dos países do centro da Europa. É habitual caracterizar-se a exposição trienal de 1856 como o momento da maturidade da corrente romântica, período em que a pintura realista de Courbet triunfava em França. 1 1. as aCaDemias De belas-artes 1.1 objectivos Podemos afirmar que, em Portugal, até ao reinado de D. Maria I, não existiu um ensino artístico oficialmente organizado, de carácter regular e sistemático. Podem ser referenciados alguns estabelecimentos dispersos que ministravam um ensino parcelar. Em Lisboa, a Casa do Risco, escola e oficinas artísticas ligadas às obras de Mafra; a escola de desenho e gravura da oficina da Fundição de Artilharia do Arsenal Real do Exército; a aula de debuxo do Real Colégio dos Nobres; as aulas de desenho da Fábrica de Estuques e da Real Fábrica de Sedas e a aula de gravura da Imprensa Régia. Em meados do século XVIII, Vieira Lusitano e André Gonçalves tentaram estabelecer a Academia do Nu, influenciados pelas experiências europeias, tendo sido obrigados a desistir dos seus intentos. Na cidade do Porto devem ser assinaladas, apesar de serem experiências pontuais e efémeras, a oficina de Santo Ildefonso e a escola da Porta do Olival, dirigida por Jean Pillement. Só com o decreto de 27 de Novembro de 1779 vai ser fundada no Porto a Aula Pública de Debuxo e Desenho. A nível nacional, é a primeira instituição com um ensino artístico organizado e sistemático. Pouco depois, em 1781, é criada na capital a Aula Régia de Desenho de Figura e de Arquitectura1. A complexa conjuntura política nacional Maria José Goulão, “O Ensino Artístico em Portugal: subsídios para a história da Escola Superior de Belas Artes do Porto”, Mundo da Arte, II.ª série, p. 21-37. 187 NOVA AUGUSTA António Ribeiro 188 que se inicia em 1807, com as invasões francesas e a retirada da Corte para o Rio de Janeiro e se prolonga até à convenção de Évora-Monte em 1834, conduz a que estes projectos vivam em instabilidade permanente, entre longos períodos de encerramento e de incertezas. O novo poder liberal, em 1836, pretendeu dotar o país de um ensino artístico centralizado em duas academias, tuteladas e financeiramente sustentadas pelo Estado. Estas academias de Belas-Artes deveriam promover uma formação geral de artistas que passava agora a deixar de obedecer simplesmente aos interesses parciais e eventuais da encomenda. Estatutariamente para além da missão pedagógica era-lhes atribuída ainda uma outra de cariz cultural mais amplo: a promoção e divulgação das artes. No projecto pedagógico divisavam-se duas linhas de formação. Uma apontava para o ensino dos futuros artistas das chamadas “belas-artes”. A outra dizia respeito à preparação dos “artistas fabris”, passando agora o Estado liberal a assumir a responsabilidade da formação profissional, que incumbia às antigas corporações dos ofícios. Mais tarde, com este último objectivo, Passos Manuel criou os Conservatórios de Artes e Ofícios de Lisboa e do Porto. Paralelamente, o ensino da arquitectura não se confinava apenas às 2 3 4 novas Academias. Outras instituições, criadas em 1837, pelo mesmo ministro Setembrista, assumiam igualmente essa responsabilidade (a Escola Politécnica de Lisboa, a Academia Politécnica do Porto e a Escola do Exército, que nos seus planos curriculares incluíam a arquitectura civil e militar)2. 1.2 substância das disciplinas ministradas e métodos pedagógicos A comissão encarregada de elaborar os estatutos era presidida pelo general Ferreira de Sousa e compunham-na os professores das aulas, como Francisco de Assis Rodrigues, relator, o gravador Comte e pintores da obra da Ajuda, Taborda, Joaquim Rafael, Monteiro da Cruz – mas podiam ser expressamente convidados a participar gratuitamente nos seus trabalhos alguns mais novos, como Possidónio da Silva e António Manuel da Fonseca e, também, um artista mais velho como João José Aguiar. Mais tarde decidiu-se que podiam colaborar na elaboração dos estatutos todos os artistas que quisessem opinar3. Cumprindo disposições estatutárias organizaram-se na Escola Académica de Lisboa as seguintes aulas: Desenho de História / Pintura de História / Pintura de Paisagem e Produtos Naturais / Escultura / Arquitectura Civil / Gravura de História / Gravura de Paisagem / Gravura de Cunhos e Medalhas4. Maria Helena Lisboa, As Academias e Escolas de Belas Artes e o Ensino Artístico (1836-1910), Lisboa, Edições Colibri, 2007, p. 15-16. José-Augusto França, A Arte em Portugal no século XIX. Venda Nova, Bertrand Editora, 1974, vol. 1, p. 219. Enquanto na Academia de Lisboa se instituíam oito cadeiras, na Academia de Belas Artes do Porto criavam-se somente cinco: Desenho de História, Pintura de História, Arquitectura Civil, Escultura e Gravura Artística. NOVA AUGUSTA Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856) O texto do decreto esclarecia que não se pretendera estabelecer qualquer ordem de valor ou preferência entre estas aulas. Porém, obedecia à concepção generalizada de que o Desenho se constituía como base de todas as outras artes. O curso de Desenho desenvolvia-se de forma prévia e com vocação preparatória para os restantes estudos superiores, regido pelos professores da Aula de Desenho de História e, paralelamente, pelo professor substituto da aula de Arquitectura Civil. Nesse texto fundador definem-se as linhas programáticas para a aula de Desenho Histórico: o objectivo principal era a imitação da natureza quer fosse humana, animal ou vegetal. Essa cópia directa do natural só poderia ter início depois de um longo processo de estudo de modelos, quer antigos quer modernos. Na esteira do neoclassicismo os parâmetros do juízo de valor eram mensuráveis pela fidelidade na imitação do natural, em conformidade com certos cânones icónicos e formais. “Art.º 48 – O Professor (…) terá particular cuidado de fazer observar a seus Discípulos as dimensões, e proporções regulares das figuras, ou sejam humanas, ou de animais, ou de plantas, ou de outros quaisquer seres produzidos pela natureza, e lhes dará oportunamente algumas noções de anatomia aplicada ao Desenho. Art.º 49 – Quando os Discípulos começarem a copiar as estampas historiadas, tanto 5 Diário do Governo de 29/10/1836. antigas como modernas, lhes explicará e fará notar as perfeições, ou defeitos da invenção, e composição; a boa e a má postura relativa das figuras, os seus contornos, as suas atitudes, as suas cores, trajos, e mais acidentes com relação aos tempos e lugares; a direcção e efeitos da luz sobre o quadro, os seus ornatos, etc. Art.º 50 – Habilitados os Discípulos em copiar as estampas, os fará passar à cópia dos modelos em relevo, e ainda dos objectos naturais, fazendo-lhes sempre as competentes observações, de maneira que se vão acostumando a copiar a natureza, e até em certo modo a melhorá-la, e aperfeiçoá-la pela escolha das mais belas, e mais elegantes formas. Art.º 62 – Os estudos do Antigo e do Natural, ou do Nu, fazem parte essencial da Escola Académica. Neles se compreendem: 1.º O estudo das Estátuas e Baixos-relevos clássicos. 2.º O estudo dos gestos tirados sobre os melhores originais. 3.º O estudo dos panejamentos, ou roupagens. 4.º Estudo dos Modelos-vivos”5. Como se observa pela leitura deste documento, a pintura, a escultura e a gravura eram inspiradas no “antigo” com intervenção do “natural”, e os métodos seguiam as regras essenciais da “escola académica”, que vão definir os fins estéticos das Academias de Belas-Artes de Lisboa e do Porto. A Arquitectura entrava no mesmo sistema, obediente às cinco ordens vitruvia- 189 NOVA AUGUSTA António Ribeiro 190 nas, como se depreende da análise dos estatutos referentes à Aula de Desenho de Arquitectura Civil. “Art.º 53 – Cumpre ao professor de Arquitectura dar aos seus Discípulos as noções prévias mais necessárias de Aritmética, de Geometria teórica, prática e descritiva, de Perspectiva, de Mecânica e de Química, quanto for bastante para a boa inteligência e fruto das lições próprias da Arte; (…) Art.º 54 – Far-lhes-á conhecer as diferentes espécies de Arquitectura usadas por diferentes povos, especialmente as cinco Ordens Gregas e Romanas, notando os caracteres de cada uma, as suas vantagens, ou defeitos, o seu emprego, e modificações nos diferentes géneros de edifícios, etc. Art.º 55 – Igualmente lhes dará noções elementares da Arte da construção dos edifícios em pedra, madeira ou ferro, da distribuição das peças de que devem compor-se, dos ornatos que convém a cada uma conforme o seu destino; das alterações que se devem fazer nas plantas, perfis, e alçados, segundo as diversas situações, naturezas, e configurações dos terrenos; e dos meios que se devem empregar para que o edifício, além da comodidade e elegância, tenha também o necessário equilíbrio, simetria, segurança e solidez”6. 6 Diário do Governo de 29/10/1836. 1.3 o corpo docente da academia de belas artes de lisboa em 1836 Um dado curioso, que na bibliografia especializada sobre este tema não é explicitamente referido, diz respeito à média das idades dos professores da Academia de Belas Artes de Lisboa em 1836, que atinge os 52 anos. As idades dos docentes variam entre os 35 anos do professor proprietário da Aula de Escultura, Francisco Assis Rodrigues, o único cuja data de nascimento já era no século XIX (1801) e os 74 anos do professor proprietário da Aula de Gravura de Paisagem, Benjamim Comte (nascido em 1762). Este corpo docente transitava com pequenos ajustes das obras do Palácio da Ajuda para a Academia. O Director escolhido foi o lente jubilado de Medicina, Francisco de Sousa Loureiro, descrito por Raczynski como “muito letrado, mas estranho às artes”. Com a morte do pintor Taborda, foi o competente António Manuel da Fonseca, vindo em 1835 de Roma (onde estivera como bolseiro do Conde de Farrobo), assumir a aula de Pintura de História. Na arquitectura foram convidados dois homens que transitam da Casa do Risco das Obras da Ajuda: João Pires da Fonte e José da Costa Sequeira. Neste caso foi preterido um jovem, que tinha vivido o exílio político em França e Inglaterra, e parecia estar informado do desenvolvimento arquitectónico da época - Possidónio da Silva. Para a a Aula de escultura foi escolhido Francisco de NOVA AUGUSTA Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856) Assis Rodrigues que ainda tinha sido discípulo de Machado de Castro e do neoclassicismo que reinava na sua oficina7. Na realidade, não se tratou, na maior parte dos casos, de opções erradas para o exercício das funções docentes. Com a excepção de Possidónio da Silva, que deveria pelo seu brilhantismo e competência ter sido seleccionado para a Aula de Arquitectura, os pintores, escultores e gravadores escolhidos eram os mais competentes na sua área. A um corpo docente envelhecido, com uma formação nos cânones neoclássicos, juntavam-se outros dois problemas estruturais. As deficientes instalações em que funcionavam as aulas (tanto em Lisboa como no Porto as Academias de Belas Artes foram instaladas em velhos conventos franciscanos que passaram para a posse estatal) e as reduzidas verbas orçamentais que eram destinadas ao seu funcionamento8. 2. as exPosiçÕes trieNais De 1840 e 1843 Em Dezembro de 1840 realizou-se a primeira exposição trienal da Academia de Belas Artes de Lisboa, que contou com a 7 8 9 presença de D. Maria II e de D. Fernando, como “protectores da Academia”. O Conde de Melo, que sucedera no final de 1838, ao Conde de Farrobo, no cargo de Vice-Inspector, proferiu o discurso inaugural afirmando que “em parte alguma daquelas que tinha visitado tinha visto tanta cópia de talentos como entre nós”. Foi ele próprio que forneceu a Caetano Aires a sugestão de temas áulicos, que o artista representou em baixos-relevos desenhados: “O Desembarque no Mindelo”; a “Entrega do Ceptro a D. Maria II por D. Pedro” e o “Nascimento do príncipe real D. Pedro V”. Joaquim Rafael apresentou um retrato, de grandes dimensões, da Rainha e Norberto José Ribeiro (que substituíra interinamente António Manuel da Fonseca, tornado a Roma para terminar a cópia da “Transfiguração” de Rafael) pintara uma alegoria à instituição da Academia. Manuel Maria Bordalo Pinheiro tem o seu tirocínio artístico como pintor e, no ano em que se comemoravam os duzentos anos da Restauração de 1640, apresenta um pequeno óleo com o título “Os conspiradores de 1640 perante a Duquesa de Mântua”9. O futuro Cf. José-Augusto França, ob. cit., vol. 1, p. 217-232 e O Romantismo em Portugal. Estudo de Factos Socioculturais, Lisboa, Livros Horizonte, 1993, p. 223-230. Em 1836 as verbas destinadas à Academia de Lisboa representavam 0,23% do orçamento nacional e por volta de 1880 não representava mais do que 0,06% (José-Augusto França, O Romantismo em Portugal. Estudo de Factos Socioculturais, p. 224). A Academia do Porto funcionava com 40% do orçamento do instituto lisboeta (Maria José Goulão, ob. cit., p. 26). Manuel Maria Bordalo Pinheiro obteve licença, em 1837, para frequentar as aulas como aluno extraordinário (sem a obrigatoriedade de cumprir as exigências do curso). Vai frequentar as aulas do pintor António Manuel da Fonseca, do miniaturista Luís Pereira de Resende, do escultor Feliciano José Lopes (que fora ajudante de Machado de Castro) e do gravador Gregório Francisco Queiroz. Em Maio desse ano, os alunos do Conservatório de Lisboa tinham representado, no Teatro do Salitre, o drama histórico da autoria de Almeida Garrett, “D. Filipa de Vilhena”. O mesmo tema havia inspirado, em 1801, a tela de Vieira Portuense “D. Filipa de Vilhena armando seus filhos cavaleiros” (cf. António Manuel Ribeiro “Manuel Maria Bordalo Pinheiro e o dealbar do Romantismo em Portugal”, in Bordalo em Espanha – Obra Gráfica. Caldas da Rainha, Associação Património Histórico, 2006, p. 39-54). 191 NOVA AUGUSTA António Ribeiro 192 Visconde de Meneses apresentava uma “Vista de Nápoles”. Em escultura, havia três baixos-relevos históricos da autoria do professor Francisco de Assis Rodrigues, do substituto João Vicente Priaz e de um professor agregado J. P. Aragão. Em arquitectura mostrava-se um projecto simples de nova fachada da Academia, do professor J.Pires da Fonte. Como refere França, “quase nada para quatro anos de trabalho”10. Dominam os temas áulicos de carácter alegórico, com a excepção do tema de Manuel Maria Bordalo Pinheiro, e que se integram perfeitamente na estética neoclássica11. Na exposição seguinte, realizada em Dezembro de 1843, apresentava-se uma nova geração de artistas - emergiam discípulos como Anunciação, Lupi ou Metrass, entre outros. No entanto, este salão ficaria marcado pela composição do Professor de Pintura de História, António Manuel da Fonseca, “Eneias salvando seu pai Anquises do incêndio de Tróia”12. Ao lado desta obra-prima da pintura neoclássica portuguesa eram expostas obras de Roquemont (1804-1852). 10 11 12 13 14 15 A obra do professor de pintura de história foi amplamente elogiada na imprensa da época. Almeida Garrett considerou a composição “bela na harmonia, na contraposição das linhas (…) desenho correcto (…) colorido transparente e brilhante (…) tudo está acabado com uma perfeição que desafia e não teme o exame mais escrupuloso (…) a nossa terra toda ficava de parabéns pela apresentação da obra mais clássica e mais acabada que desde a morte de Sequeira ainda saiu da palheta portuguesa”13. Entre as obras de Roquemont destacava-se a tela intitulada “Visita Pascal”14. Localizada no interior de uma habitação minhota representa várias acções em torno de uma cena central e é particularmente rica em pormenores etnográficos. Revelando também, nas atitudes e nos gestos, a cultura e os hábitos de um povo marcados por uma profunda religiosidade15. Revelando contradições no domínio do pensamento estético, Almeida Garrett elogia o quadro com a mesma veemência que tinha usado para o Eneas, “(…) O Sr. Roque- José-Augusto França, A Arte em Portugal no século XIX, vol. 1, p. 227-228. No mesmo âmbito é curioso analisar o estudo do diploma do curso de Belas-Artes elaborado por António Manuel da Fonseca. A Corte celestial pairando nas nuvens, figuras alegóricas incluindo a das Belas Artes, juntamente com putti que seguram quadros, bustos, estatuetas. Na esquerda dois putti seguram um letreiro com nomes de pintores famosos, como o mítico “Gran Vasco“, ao lado, uma figura feminina exibe o decreto de 25 de Novembro que instituiu a Academia, ao centro duas alegorias representando as Artes e a Pátria seguram as efígies de D. Maria II e de D. Fernando, ao lado um anjinho escreve o cabeçalho da alegoria (“Accademia das Bellas Artes de Lisboa“) e à direita uma figura feminina parece registar simbolicamente o momento num quadro (ver imagem 1). óleo sobre tela de largas dimensões (3040 x 2140 mm) actualmente no Palácio Nacional de Mafra. Jornal das Belas-Artes, 1843, n.º 4, p. 58. Existe uma inscrição no reverso: “Cure de Campagne bienfaisant un… le jour de Pâques. Costumes portugais de la Province de Minho, peint pour J. J. Forrester par son ami Auguste Roquemont à Porto 1840. / Presented to Robert Woodhouse by his obliged friend Jos. James Forrester / Porto March 1841”. Segundo Júlio Brandão, em 1929 pertencia a Helena de Brederode Woodhouse. Actualmente no Museu da Quinta de Santiago / Centro de Arte de Matosinhos (ver apêndice documental). As Belas-Artes do Romantismo em Portugal, p. 198-199. NOVA AUGUSTA Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856) mont, artista distinto cujo principal merecimento é a verdade, por uma longa residência no Minho é que se fez português, artista português e legítimo, como oxalá que sempre sejam todos os naturais (…) a verdade, a expressão, a naturalidade e a posição das figuras são, como já dissemos, de quem conhece perfeitamente o país, a sua natureza e o seu povo”16. 3. a revolta aCaDÉmiCa De 1844 Reagindo contra a preferência dada ao filho do mestre António Manuel da Fonseca (António Tomás da Fonseca [1822-1894]) no concurso de pintura histórica, os alunos abandonaram as aulas reclamando a reforma nos velhos programas e nos antiquados métodos de ensino, de modo a que lhes fosse permitido pintar do natural. Em consequência dessa revolta, Luís de Meneses e Metrass abandonaram a Academia e seguiram para Roma procurando ensinamentos mais modernos. Joaquim de Sousa partiu para Paris e Tomás da Anunciação procurou os conselhos de Roquemont. Outros artistas, seus colegas, em virtude do reduzido poder económico de que dispunham e sem auxílios oficiais, não puderam deslocar-se ao estrangeiro. No entanto, descontentes com o ensino ministrado na Academia e encorajados por Tomás da Anunciação que seguia um caminho individual com registos tomados 16 do natural, continuaram a exigir reformas nos programas e métodos da “velha” escola. Rangel de Lima em 1879 referia-se a este período crítico nos seguintes termos: “A uma época de manifesta decadência artística em Portugal, sucedeu um período esperançoso durante o qual um grupo de rapazes, cheios de talento e boa vontade, trabalharam animosamente para levantar a arte nacional do estado de abatimento em que jazia. Nesse intuito, foi-lhes preciso, primeiro que tudo, alijar o pesado fardo das regras convencionais que aprenderam na Academia, e abrir, logo de seguida, o livro da natureza para nele estudarem novos processos de composição e de execução. Portas a dentro da Academia não se formava uma ideia perfeita nem imperfeita do que era natural. Os discípulos concluíam o seu curso fazendo quadros copiados de estampas ridículas; por isso saíam da escola, quando muito, sabendo tanto como os mestres, o que, em boa verdade, equivalia a não saberem quase nada”. 4. “o seNtimeNto Na arte” De aNDraDe Corvo No contexto da exposição trienal de 1843 e da posterior polémica provocada pela revolta estudantil em relação aos métodos usados no ensino artístico da Academia, é publicado, em 1844, no Jor- “O Folar (Costumes do Minho), quadro do Sr. Roquemont”, in Jornal das Belas-Artes, 1843, n.º 5, p. 76. A pintura descrita por Garrett contém pequenas diferenças em relação à imagem do quadro apresentada no apêndice, mas é uma réplica desta obra. 193 NOVA AUGUSTA António Ribeiro 194 nal das Bellas-Artes17 o artigo de Andrade Corvo (1824-1890)18, intitulado “O Sentimento na Arte”. Trata-se de um texto de reflexão teórica aplicado às artes visuais em que o jovem autor revela, ainda que com alguma ingenuidade, um conjunto vasto de leituras e influências. Inicia o artigo definindo o conceito de estética, “(…) pensamento profundamente filosófico que precede sempre todas as criações da imaginação”. Em seguida denuncia a ausência de um ensino teórico em Portugal o que, na sua opinião, implicava o facto de não existir originalidade na produção artística autóctone nem uma verdadeira compreensão dos modelos culturais que inspiram as artes plásticas nacionais: “a maior parte dos nossos artistas limitam-se a imitar modelos estrangei17 18 ros sem ao menos se darem ao trabalho de compreender qual foi o pensamento que lhes deu origem (…) a culpa não é deles, mas dos nossos governos que os têm abandonado sem meios de instrução e sem apoio, aos seus esforços solitários e por nenhum modo dirigidos nem animados”. Revelando influências da estética romântica, num conjunto de leituras que vão da Crítica do Juízo de Kant e da estética idealista de Schelling aos prefácios de Victor Hugo (nomeadamente o Préface de Cromwell de 1827), Andrade Corvo valoriza a capacidade da “imaginação”, definida como “faculdade criadora da arte que combina as duas naturezas do homem: o princípio positivo, material e definido e o imaterial, infinito e incompreensível”. Este dualismo antropológico na criação artística é resol- Dirigida por Almeida Garrett e tendo como vice-presidente António Manuel da Fonseca, foi a primeira publicação periódica de carácter especializado nas artes plásticas. Esta publicação mensal dos anos de 1843 a 1844, teve como principais colaboradores Alexandre Herculano, A. Feliciano de Castilho, José Maria Baptista Coelho, Manuel Maria Bordalo Pinheiro, José Maria da Silva Leal, José da Silva Mendes Leal Júnior, Luís Augusto Rebelo da Silva. Ilustrado com litografias da autoria de Maurício José Sendim, Pedro Augusto Guglielmi, Legrand, Novaes e Joaquim Pedro Monteiro e gravuras em madeira com desenho da mão de Manuel Maria Bordalo Pinheiro e buril de Baptista Coelho. Em 1846 foi publicada uma segunda série, sem a direcção de Garrett, que conta apenas com três fascículos. Escritor e político português, realizou os seus estudos na Escola Politécnica de Lisboa, onde permaneceu como docente de Botânica. Os seus vários interesses levaram-no ainda a cursar engenharia na Escola do Exército e a estudar Medicina. Foi também professor no Instituto Agrícola. Deputado em 1865, ascendeu a ministro das Obras Públicas no ano seguinte. Par do reino e ministro dos negócios estrangeiros em 1871, entre 1875 e 1877 foi ministro da marinha e do ultramar, estando envolvido no processo de abolição da escravatura e na criação de infra-estruturas nas então colónias portuguesas. Representou Portugal em Madrid e Paris, abandonando a política em 1879. Andrade Corvo esteve ligado a várias tendências do romantismo nacional e colaborou com vários jornais e revistas da época (Revista Universal Lisbonense, A Época, Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, etc.), onde publicou poesias e artigos. Foi autor de textos dramáticos históricos — Um Conto ao Serão (1852), O Astrólogo (1859) — e de temática contemporânea — Nem Tudo o Que luz É Ouro (1849), O Aliciador (1859). Escreveu também romances históricos — Um Ano na Corte (1850-1851), a sua obra mais popular — e contemporâneos (Sentimentalismo, 1871). Escreveu ainda a narrativa de viagens Contos em Viagem — I: Fantasias Filosóficas de D. Facundo Primigenius (Conto Prólogo), editada em 1883 e inspirada, de certa maneira, no modelo de Garrett. Publicou outras obras de carácter vário, como o Estudo sobre as Províncias Ultramarinas (1883-1887). Andrade Corvo conseguiu manter-se afastado de uma certa retórica romântica, deixando textos de grande interesse, quer quanto à construção da intriga, quer quanto à capacidade de reconstituição histórica ou, ainda, à análise de questões psicológicas individuais ou de problemas sociais. NOVA AUGUSTA Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856) vido pela inspiração, definida como um impulso divino: “O artista combina os seus fantasmas estéticos pela combinação do ente intelectual e perfeito que existe no fundo da sua inteligência e que representa a natureza no seu estado de pureza, com as formas materiais que, dando corpo a esse ente intelectual, o fazem perceptível aos outros homens; mas a imagem desse ente vem-lhe pela inspiração, isto é, não nasceu da sua vontade, mas da impulsão dada por uma força estranha ao seu espírito, que fez realizar a faculdade virtual que ele tinha de a produzir. Essa força impulsora não pode ser outra senão a força prima da natureza, a Divindade”. O intelectual romântico no seu mister de produção artística cumpre uma missão celeste: “O Homem colocado no meio de uma natureza imperfeita (…) procura refúgio na sua imaginação, e como as belezas que ele pode assim produzir são puramente ideais, é necessário que, ao dar-lhe a realidade, essa idealidade se conserve (…) o belo consiste no pensamento que se oculta nas formas. (…) [o artista] não tomará mais o seu pincel, a sua pena ou o seu cinzel para fazer uma criação de arte, isto é, para representar um objecto da natureza idealizado pela imaginação, sem se sentir dominado por um santo terror e um respeito profundo pela missão celeste que lhe foi confiada”. É o cristianismo que vai atribuir à arte o seu carácter sublime, que a distingue da arte pagã. A catedral gótica é o símbolo máximo da evolução da arte cristã - “Na Grécia e Roma conservou-se a arte nesse estado de pureza material, até que o Cristianismo lhe deu um carácter de suavidade sublime, de celeste beleza (…) a arte tomou uma grandeza que fazia sempre lembrar a sua origem divina; para satisfazer o seu fim elevado ela reuniu na catedral todos os seus membros espalhados pela terra”. Seguindo de muito perto o prefácio de Cromwell de Victor Hugo, defende que a arte não pretende representar somente o belo, mas a harmonia dos contrastes, o belo e o grotesco – “Entretanto não se deve concluir, que a arte tem só por fim a representação do perfeito; a sua lei geral é a harmonia, mas esta também está nos contrastes. Na natureza há princípios antagonistas: a matéria e o espírito, o útil e o belo, o sensual e o moral, a luz e as trevas (…) a arte pode e deve harmonizá-los para que dêem um resultado único, para que formem uma unidade artística”. E na perspectiva herderiana da procura do “volksgeist”, das raízes da nação, valoriza o conceito de “pitoresco” na arte – “Esta harmonia porém não só deve ter lugar entre os objectos de que o artista se serve na sua obra, mas entre esta e as circunstâncias exteriores: daqui nasce a variedade de aspecto que a arte toma nos diferentes países, e que resulta não só do carácter dos habitantes, mas também do clima. (…) Nessa harmonia da obra de arte com as circunstâncias acidentais em que ela se acha, é que consiste o verdadeiro merecimento do género chamado romântico. No género 195 NOVA AUGUSTA António Ribeiro 196 clássico há para cada coisa uma fórmula quase sem indeterminadas; nele todos os génios se hão-de modificar, hão-de perder a sua natureza própria para se assemelharem nas suas criações aos antigos modelos; enquanto no romântico bem entendido, não há outra lei mais do que o sentimento puro, a verdade da alma, temperada pelo espírito nacional do artista”. E conclui a sua reflexão reforçando a ideia inicial, a necessidade de uma componente teórica no ensino das artes plásticas, o que insere esta reflexão no contexto da crise estudantil na Academia de Belas-Artes – “pelo mais que dissemos, se pode ver quanto os conhecimentos estéticos e o sentimento da arte são indispensáveis aos artistas, e quanto eles são desconhecidos entre nós. Escrevendo este artigo não tivemos por fim senão fazer sentir a necessidade dessa instrução; julgar-nos-emos felizes se nos compreenderem”. 5. a emergÊNCia tarDia Do romaNtismo Os anos 50 de oitocentos marcaram uma viragem significativa no panorama das artes nacionais e para tal contribuiu a renovação do quadro de professores da Academia de Belas-Artes de Lisboa. Tomás da Anuncia19 20 ção concorre ao cargo de professor substituto de pintura de paisagem, que exerce de 1853 a 1857, e proprietário da mesma aula a partir da última data até 1873. Logo seguido de Metrass, substituto de pintura histórica de 1855 a 1860, Cristino da Silva, substituto de pintura de paisagem de 1860 a 1869, e Vítor Bastos, substituto de escultura de 1860 a 1867 e proprietário da mesma aula de 1867 até 1894. Os jovens artistas de 1844 tinham agora a possibilidade de fazer triunfar as ideias que defendiam e que se tornaram a causa da sua geração: trocar a prática da cópia de estampas pela pintura de ar livre, feita “sur le motif” e valorizar os temas nacionais. Cristino celebraria esta vitória, em 185519, retratando em grupo os “Cinco artistas em Sintra”20. Obra considerada a “pintura-programa” do romantismo português. Trata-se do retrato de grupo ao ar livre com auto-representação, paisagem e representação de costumes portugueses. Obra que permite uma leitura plural através do complexo de referências simbólicas que contém, sintetizando os ideais da geração romântica. O cenário é Sintra, local eleito e mitificado pelos românticos. Ao fundo, à esquerda, vislumbra-se o Palácio da Pena numa atmosfera brumosa, esbo- O pintor já apresenta estudos para o quadro em 1854, nomeadamente o busto de um rapaz de perfil, de cabeça baixa, virado para a direita, com um gorro na cabeça. É um estudo de cabeça do saloio que, curvado e apoiado num joelho, espreita a paisagem que Anunciação está a pintar (Museu do Chiado, nº inv. 23). Pertenceu à colecção do rei D. Fernando e posteriormente a Madalena Adelaide Namura a quem o Estado a adquiriu, para a Academia Real de Belas Artes (1908-1909), através do legado Valmor. Foi integrado no Museu Nacional de Arte Contemporânea em 1911 (cf. As Belas-Artes do Romantismo em Portugal, p. 230-231). NOVA AUGUSTA Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856) çado sobre uma imaginária montanha de pedra. O tema é a apresentação de cinco artistas no campo, interceptados no contacto directo com a natureza e na recolha de motivos do natural. O pintor Anunciação, em plena actividade artística, ocupa a posição central da composição, sentado, com a perna esquerda adiantada, segurando a caixa das tintas, erguendo com a mão direita o pincel e com a mão esquerda segurando a paleta e o tento. Junto a ele, está retratado Metrass, de pé, envergando uma capa e um chapéu à Rubens pretos. O rosto tem barba e bigode encoberto até ao nariz pela sombra e o olhar fixa o espectador. À sua volta os camponeses endomingados, cuidadosamente caracterizados nas suas indumentárias tradicionais (trajando à saloia em tons de castanho e verde com vermelho e o branco a destacar alguns elementos - a mulher com uma saia, corpete e lenço na cabeça, carrega um cesto coberto por um pano branco; o homem, de calças, botas altas, colete e barrete na cabeça tem a pender no ombro direito uma manta; as crianças vestem calções ou saias, casacos e chapéu, lenço ou barrete), simbolizam o pitoresco dos costumes populares. Num segundo plano estão os retratos do escultor Vítor Bastos, que veste calças e casaco comprido em preto, tem na cabeça um chapéu e assume uma atitude jocosa, com a mão direita colocada na anca. Sentado 21 22 numa pedra – na qual se reflecte a sua sombra cuja luz contraria a incidente na tela, o pintor José Rodrigues com uma capa castanha e folheando um álbum. E o auto-retrato iluminado do autor do quadro, Cristino da Silva, vestindo de castanho e desenhando num pequeno caderno. Saliente-se a presença das linhas programáticas da nova geração: a pintura de paisagem no contacto directo com a natureza, a valorização da temática nacional (o pitoresco) e o retrato. Todos estes temas enquadrados na romântica Sintra e celebrando o Palácio da Pena. Esta pintura esteve presente na Exposição Universal de Paris, em 1855, e na exposição da Academia de Lisboa, em 1856. Em Paris, o jornal Palais de l’Industrie publica uma referência elogiosa, considerando a pintura como “uma das mais notáveis apresentadas a concurso”21. Em Lisboa, D. Fernando logo se propôs adquiri-lo para a sua colecção. Enquanto representação de artistas unidos em torno de um ideal comum, é o primeiro retrato que nos oferece a pintura portuguesa22. 6. CoNClusão Sendo o complexo movimento estético definido como romantismo tardio em Portugal, se o compararmos com a realidade cultural europeia, é interessante verificar que no âmbito das artes plásticas, nomea- Cf. Ernesto Biester, “Cinco Artistas em Cintra”, Jornal de Bellas-Artes, n.º 5, Maio de 1857, p. 6-7. As Belas-Artes do Romantismo em Portugal, p. 230. 197 NOVA AUGUSTA António Ribeiro 198 damente no ensino destas, esse atraso se arraste até meados do século XIX. Pensamos que é no debate entre um ensino académico, como demonstram os estatutos fundadores das Academias de Belas Artes de Lisboa e Porto e as obras expostas nas primeiras exposições organizadas por estes institutos, e na contestação dos jovens alunos da década de quarenta, que se plasma a tensão de uma nova estética a emergir. Tendo a consciência que não existem fronteiras estanques entre os diferentes movimentos artísticos, o romantismo nas artes plásticas salienta-se por uma escolha temática que valoriza os temas nacionais (o pitoresco) e, na expressão autóctone, por uma pintura de paisagem ao ar livre. Outro factor interessante é o individualismo da pintura romântica em Portugal que se pode explicar pela ausência de uma “escola” que foi substituída por um autodidactismo, como muito bem interpretou Manuel Maria Bordalo Pinheiro em 1872, no artigo “Duas palavras acerca do movimento artístico da península”, publicado na revista Artes e Letras23. Citando este autor “para que as obras de arte de um país tenham um certo cunho ou base 23 de semelhança entre si, a que se chama escola, é necessário sem dúvida que os artistas conservem alguns pontos de concordância no seu método de execução (…) a base do sistema que constitui ou distingue a escola, provém, ordinariamente, ou das primeiras lições de um mestre comum, ou do mérito transcendente de algum homem notável que levou os outros a segui-lo”. No caso português não existiu uma escola romântica porque os mestres da geração romântica pertenciam à “escola clássica de Roma”: “depois da criação da Academia das Belas-Artes […] o professor António Manuel da Fonseca […] era o chefe primitivo dos artistas modernos – porém a escola romântica por um lado e o arcaísmo idealista de Overbeck por outro, vieram substituir a escola clássica de Roma, a que o nosso mestre comum pertencia […] Cada um fez carreira por si. Estes são os factos”. O artigo, infelizmente pouco referenciado na historiografia da arte deste período, do patriarca da família Bordalo Pinheiro, problematiza de forma acutilante a emergência do romantismo nas artes plásticas em Portugal como um fenómeno que aconteceu, inicialmente, contra e, posteriormente, à margem do ensino artístico. Publicação mensal ilustrada, com sede em Lisboa, dirigida por Rangel de Lima, foi publicada entre 1872 e 1876. Teve como colaboradores alguns dos melhores escritores da época: Camilo Castelo Branco, Pinheiro Chagas, Bulhão Pato, Filipe Simões, Inocêncio Francisco da Silva, Alberto Pimentel, Sousa Holstein, Tomás Ribeiro e Sousa Viterbo. As ilustrações em metal eram de origem estrangeira e as ilustrações em madeira são assinadas por João Pedroso, José Severini, Caetano Alberto, Leotte e Francisco Pastor. NOVA AUGUSTA Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856) bibliograFia FoNtes _ CORVO, Andrade, “O Sentimento na Arte”, Jornal das Belas-Artes, 1844, p. 91-94. _ PINHEIRO, Manuel Maria Bordalo, “Duas palavras acerca do movimento artístico da península”, Artes e Letras, 1872. Diário do Governo de 29/10/1836 estuDos AAVV, As Belas-Artes do Romantismo em Portugal, Lisboa, Instituto Português de Museus, 1999. ANACLETO, Regina, “O Romantismo”, História da Arte em Portugal, Lisboa, Alfa, 1986, vol. 10. FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX, Venda Nova, Bertrand Editora, 1974. FRANÇA, José-Augusto, A Arte Portuguesa de Oitocentos, Lisboa, Biblioteca Breve, 1979, 2 vols. FRANÇA, José-Augusto, O Romantismo em Portugal. Estudo de Factos Socioculturais, Lisboa, Livros Horizonte, 1993 (1.ª ed. 1974). _ GOULÃO, Maria José, “O Ensino Artístico em Portugal: subsídios para a história da Escola Superior de Belas Artes do Porto”, Mundo da Arte, II ª série, p. 21-37. _ LISBOA, Maria Helena, As Academias e Escolas de Belas Artes e o Ensino Artístico (1836-1910), Lisboa, Edições Colibri, 2007. _ SILVA, Raquel Henriques da, “Romantismo e pré-naturalismo”, PEREIRA, Paulo (dir.), História da Arte Portuguesa, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, vol. 3, p. 328-367. _ _ _ _ _ Figura 1 _ “Composição para o diploma da Academia de Belas Artes“ (António Manuel da Fonseca, 1836-40?, desenho, 32 x 43,3 cm, Museu do Chiado) 199 NOVA AUGUSTA António Ribeiro 200 Figura 3 _ “Visita Pascal” (Augusto Roquemont, 1840, óleo sobre tela, 23 x 28,5 cm, Museu da Quinta de Santiago / Centro de Arte de Matosinhos / Câmara Municipal de Matosinhos). Figura 2 _ “Eneias Salvando seu Pai Anquises do Incêndio de Tróia” (António Manuel da Fonseca, 1843, óleo sobre tela, 304 x 214 cm, Palácio Nacional de Mafra). Figura 4 _ “Cinco artistas em Sintra” (João Cristino da Silva, 1855, óleo sobre tela, 86,3 x 128,8 cm, Museu do Chiado). NOVA AUGUSTA Andrade Corvo e o ensino artístico. (1836-1856) quaDro Dos DoCeNtes Da aCaDemia De lisboa 1836-1844 aulas ProFessor Formação em Portugal Formação No estraNgeiro António Manuel da Fonseca (1796-1890) Idade - 40 _Discípulo do pai, João Tomás da Fonseca _Escola da Ordem dos Teatrinos (Lisboa) _Aula Pública de Desenho de Figura (Mestre: Joaquim Manuel da Rocha – Aula do Rocha) _ Roma: bolsa privada Mestres: Camuccini e Andrea Pozzi (1834-1835). _Alemanha: bolsa privada. Mestre: Cornelius. _Roma: bolsa estatal. Cópia de pinturas de Rafael (1839-1840). Desenho Histórico Proprietário 1836-1856 Joaquim Rafael (1783-1864) Idade - 53 _Discípulo de Pillement _Aula de Desenho da Junta de Administração da Companhia Geral da Agricultura dos Vinhos do Alto Douro. Mestres: Domingos Vieira, Vieira Portuense e Domingos Sequeira (1802-1806). Não teve Desenho Histórico Substituto 1836-1852 Caetano Aires de Andrade (1787-1852) Idade - 49 _Obras do Palácio da Ajuda. Desenho e Pintura; Mestre: Domingos Sequeira. Pintura de História Proprietário 1836-1863 Gravura de Paisagem Benjamim Comte (1762-1851) Proprietário Idade - 74 1836-1851 Não teve Não teve _Discípulo do gravador Meschel e depois do gravador Landseen Pintura de Paisagem e Produtos Naturais Proprietário 1836-1847 André Monteiro da Cruz (1770-1851) Idade: 66 _Discípulo de Simão Caetano Nunes Não teve e do decorador Gaspar Raposo (1793). Pintura de Paisagem e Produtos Naturais Substituto 1836-1852 José Francisco Ferreira de Freitas (1776-1857) Idade - 60 Não se conhece Arquitectura Proprietário 1836-1873 João Pires da Fonte _Casa do Risco das Obras do Palácio da Ajuda. Desenho e Arquitectura; Não teve (1790-1873) Mestre: Francisco Rosa (?-1812) Idade – 46 Não se conhece 201 NOVA AUGUSTA António Ribeiro quaDro Dos DoCeNtes Da aCaDemia De lisboa 1836-1844 (cont.) aulas Formação em Portugal Formação No estraNgeiro José da Costa Sequeira (1800-1872) Idade - 36 _Casa do Risco das Obras do Palácio da Ajuda. Mestres: Francisco Fabri e Não teve Francisco Rosa (1815-1820) Domingos José da Silva (1785-1863) Idade - 51 _Aula Pública de Desenho de Figura. Mestre: Eleutério Manuel de Barros, Não teve Joaquim Carneiro da Silva. _Aula de Gravura da Imprensa Régia. Mestre: Francisco Bartolozzi. Gravura Histórica Substituto 1836-1845 João Vicente Priaz (?-1845) Idade - ? _Aula Pública de Desenho de Figura. Mestre: Eleutério Manuel _Estada em Turim (membro de Barros (1799-1802) da Academia de Belas Artes de _Aula de Gravura da Imprensa Turim) Régia. Mestre: Francisco Bartolozzi (1802-?) Escultura Proprietário 1836-1867 Francisco de Assis Rodrigues (1801-1877) Idade – 35 _Aula e Laboratório de Escultura. Mestre: Machado de Castro e Faustino José Rodrigues (1823). Não teve Gravura de Cunhos e Medalhas Proprietário 1836-1839 José António do Vale (1765-1840) Idade - 71 _Discípulo do pai, Bruno José Vale _Aula de desenho da Casa Pia _Aula Pública de Desenho de Figura (1799) _Roma: bolseiro da Casa Pia (1797-1798) _Londres: formação de abridor de cunhos e medalhas (1799-?) Arquitectura Substituto 1836-1867 Gravura Histórica Proprietário 1836-1863 202 ProFessor Nota: quadro construído com base na obra de Maria Helena Lisboa, As Academias e Escolas de Belas Artes e o Ensino Artístico (1836-1910), Lisboa, Edições Colibri, 2007, p. 515-534. 203 PeRSOnALidAdeS carlos cacho, físico nuclear. contributo biográfico. Paulo Oliveira* Carlos Cacho (1919-1976) foi um dos mais importantes goleganenses do século XX, embora o seu percurso seja pouco conhecido da generalidade do público. Físico nuclear, com passagem pelos principais centros mundiais da especialidade, destacou-se pelo seu dinamismo e por defender a utilização da energia atómica para fins pacíficos. Em Portugal, Cacho foi nomeado primeiro director do Laboratório de Física e Engenharia Nucleares (actual ITN), coordenando a instalação deste complexo tecnológico em Sacavém, incluindo um reactor nuclear que, ao longo das últimas décadas, tem vindo a apoiar estudos científicos da mais variada natureza, da arqueologia à medicina. *Gestor e designer de equipamentos e soluções industriais. Subsidariamente, tem desenvolvido vários estudos de história, sociologia e semiótica. plx.oliveira@gmail.com 205 Carlos Cacho NOVA AUGUSTA Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico. Apesar de o seu nome ser pouco conhecido do público em geral, Carlos Cacho desempenhou um papel central na implementação de uma das principais instituições de alta tecnologia em Portugal – o Laboratório de Física e Engenharia Nucleares (actual Instituto Tecnológico e Nuclear), organização da qual foi o primeiro director e dinamizador. Carlos Madeira Ferreira Cacho nasceu em 24 de Setembro de 1919, na vila da Golegã, mais precisamente na Rua Machado dos Santos (actual Rua D. João IV). Era filho de António Pereira Cacho Júnior, funcionário das Finanças e entusiasta republicano, e de Faustina Madeira Pereira Cacho, doméstica e mãe de cinco filhos. Por essa altura, a localidade conservava a sua rotina tradicional, baseada essencialmente na economia agrícola e pecuária, embora vivesse, à semelhança de todo o País, a difícil conjuntura social e económica resultante da Grande Guerra de 1914-1918 e das sucessivas crises políticas da Primeira República. Apesar das contrariedades, os filhos da família Cacho puderam beneficiar de educação escolar, o que para muitos era um privilégio. De Carlos, criança introspectiva e estudiosa, o irmão António Cacho lembrou como «era também um rapaz da rua e dos campos. Que brincava no ‘borralho’ e noutros largos. Que saltava nos pátios 1 2 do lavrador vizinho. Um senhor de grande ‘sombrero’ e traje com jaqueta e calça à boca-de-sino, que criava cavalos e gado bravo. E que sempre perdoava as nossas diabruras que a nossa mãe procurava desculpar»1. Entretanto, a família mudar-se-ia, em 1930, para Santarém, onde os filhos poderiam continuar a sua educação para além do ensino primário, o único então existente na Golegã, que Carlos Cacho terminara com louvor. No entanto, devido às dificuldades económicas dos pais, Carlos Cacho viajaria, naquele ano, para Lisboa onde, hospedado por um tio, com morada na Rua das Escolas Gerais, iniciaria os estudos no Liceu Gil Vicente. Contudo, em 1931, regressaria a Santarém, prosseguindo a sua formação no Liceu Sá da Bandeira, no qual deixou o nome no respectivo quadro de honra. Ali, Cacho foi examinado nas disciplinas do Curso Complementar de Ciências, tendo sido aprovado, em Julho de 1937, com a média final de 16 valores. Por curiosidade, as classificações de Alemão, Filosofia e Geografia foram superiores às de Física e Química2. O desafio seguinte seria a admissão à Escola Naval. Para o efeito, inscreveu-se, em 8 de Setembro de 1937, no Curso Preparatório das Escolas Militares, ministrado na Faculdade de Ciências da Universidade Homenagem ao Prof. Doutor Carlos Cacho, Câmara Municipal da Golegã, 1993, p.4. Pautas de notas de Carlos Cacho – Arquivo do Liceu Sá da Bandeira, Santarém. 207 NOVA AUGUSTA Paulo Oliveira 208 de Lisboa. O jovem aluno, então com 18 anos de idade, destacou-se em disciplinas como Física, Álgebra Superior, Geometria Analítica e Trigonometria Esférica, embora se revelasse modesto em Desenho Rigoroso. Nesta fase começara por habitar na casa de seu tio, na Rua das Escolas Gerais, mudando-se depois para um andar na Rua de São Bento3. A admissão na Escola Naval não se concretizaria devido a um fraco desempenho na prova de natação 4. O falecimento de seu pai, em 28 de Setembro de 1938, a doença de sua mãe, que também viria a falecer em 20 de Janeiro de 1942, e as dificuldades financeiras da família levaram Carlos Cacho a interromper os estudos e a regressar a Santarém, onde começou por leccionar no Colégio de Santa Margarida e dar explicações. Por essa altura, Carlos Cacho começou a demonstrar já uma assinalável capacidade de organização das matérias e um notável domínio dos fundamentos. A atestá-lo está o facto de Carlos Cacho ser o autor da publicação intitulada Problemas de Química, destinada aos alunos do 2.º ciclo, contendo «450 problemas, incluindo os que saíram nos exames oficiais», e uma «explicação detalhada sobre a resolução dos diferentes problemas de Química». Contudo, estes esforços não seriam suficientes para garantir os rendimentos neces3 4 sários, pelo que, quando o irmão António Cacho foi mobilizado para os Açores, em Maio de 1941, Carlos substituiu-o no cargo de escriturário num estabelecimento comercial de Santarém. Em 1941, frequentou o 1.º ciclo do Curso de Oficiais Milicianos (entre 1 de Agosto e 11 de Outubro), cujo 2.º ciclo frequentou no ano seguinte (entre 2 de Agosto e 24 de Outubro). Concluído este curso, retomou os estudos na Faculdade de Ciências de Lisboa. Com efeito, num documento datado de 19 de Setembro de 1942, arquivado na Reitoria da Universidade de Lisboa, surge referido como “aluno da Engenharia”. Porém, teve de anular a matrícula nesse ano lectivo de 1942/43, por não poder frequentar as aulas. No dia 1 de Agosto de 1943, Cacho começou a cumprir o Serviço Militar Obrigatório, no Grupo de Artilharia Contra-Aeronaves n.º 1 (GACA 1), como aspirante a oficial miliciano. Passou à disponibilidade em 1 de Novembro de 1944, com a patente de alferes miliciano. No mesmo ano em que iniciou a prestação do Serviço Militar Obrigatório no GACA 1, Cacho pediu transferência para o Curso de Ciências Físico-Químicas, acumulando a formação académica «com um período de serviço militar intenso», como se lê num requerimento incluído no seu processo de aluno. Diversos documentos que dele cons- Processo de aluno de Carlos Cacho – Universidade de Lisboa / Faculdade de Ciências. Apontamentos biográficos relativos a Carlos Cacho coligidos por Jaime da Costa Oliveira. NOVA AUGUSTA Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico. tam demonstram as dificuldades por que passou, quer de natureza económica (atenuadas pela concessão de bolsas de estudo), quer decorrentes da burocracia militar (que o forçaram inclusivamente a anular a inscrição em diversas cadeiras, «em virtude da minha impossibilidade de fazer trabalhos práticos»). Mesmo assim, uma média de 15,3 valores, no ano lectivo de 1943/44, expressava a sua dedicação aos estudos. Quando concluiu a prestação do serviço militar, regressou também às explicações. Desse modo, juntamente com os irmãos António e Francisco Cacho, pôde apoiar o irmão mais novo Rui Cacho, de apenas 14 anos e a frequentar o Liceu Sá da Bandeira, em Santarém. Tratou-se de uma fase difícil, admitindo Carlos Cacho num requerimento académico que não tendo «quaisquer rendimentos para me ser possível estudar em Lisboa, torna-se-me necessário dar explicações em quantidade tal que delas tire, pelo menos a importância total das minhas despesas». Contudo, uma vez liberto das obrigações militares, o desempenho universitário destacou-se ainda mais, alcançando notas de 19 valores em várias cadeiras e concluindo o curso em 28 de Julho de 1947, «com a informação final de 18 valores, qualificação de muito bom com distinção». Tinham passado dez anos desde que entrara na Faculdade de Ciências de Lisboa. Com um desempenho que não passara despercebido, em Novembro desse mesmo ano começa a colaborar com aquela Facul- dade, na qualidade de 2.º assistente. Pouco depois, em 1 de Fevereiro de 1948, inicia um estágio no Centro de Estudos de Física, anexo à mesma Faculdade, como bolseiro da Junta Nacional de Educação. Entretanto, a nível governamental, tomaram-se decisões que se reflectiriam no trajecto pessoal de Carlos Cacho, então quase a entrar na casa dos 30 anos. Efectivamente, após o recente desenvolvimento e utilização da energia nuclear para fins militares, muitos países olhavam agora para este novo instrumento como uma chave do problema energético, vendo nela, ainda, um forte potencial para o desenvolvimento de aplicações em diversas áreas da medicina, indústria e agricultura, por exemplo. Portugal, rico em jazidas de urânio, decidiu também investir neste domínio, embora as aposentações compulsivas e demissões de vários professores tivessem dificultado o dinamismo do processo, o qual seria relançado sob a égide do Professor Francisco Leite Pinto. Tratando-se de uma área pioneira, liderada pelos Estados Unidos da América, a aquisição de bibliografia especializada e o envio de bolseiros para instituições estrangeiras foram duas das primeiras medidas tomadas pelas autoridades portuguesas, com o objectivo de fazer o país acompanhar a evolução dos estudos relativos à energia nuclear. Além disso, foi decidido investir não apenas no desenvolvimento de técnicas de 209 NOVA AUGUSTA Paulo Oliveira 210 prospecção e exploração de recursos uraníferos, mas também na implementação de uma plataforma científica e tecnológica no sector nuclear que apoiasse, por exemplo, os estudos no tratamento de doenças oncológicas ou novas aplicações das radiações ionizantes na agricultura e indústria. A este respeito, dissertando em 1948 sobre A engenharia portuguesa e o problema da utilização da energia atómica para fins pacíficos, Carlos Braga referia que, «no limiar da nova era atómica, a engenharia portuguesa tem de contribuir valiosamente para a resolução do problema em Portugal e só tem um caminho a seguir: preparar-se e colaborar. Preparar-se e colaborar, como? Avaliando-se a importância do problema e votando no sentido de, com urgência, serem dados os primeiros passos para a sua resolução, tais como: […] facilitar-se o estágio em centros estrangeiros de especialização daqueles indivíduos que mostrem aptidão e vontade de se dedicar a esta nova e importante obra de aproveitamento de energia atómica»5. Enquadrando-se precisamente neste contexto, seria na América do Norte que o jovem e promissor Carlos Cacho encontraria a oportunidade para aprofundar a sua carreira no domínio da Física. Contudo, e apesar de nunca se ter interessado por assuntos políticos, a sua ida terá sido dificultada por uma assinatura num manifesto nos tempos de 5 estudante, facto que terá suscitado reservas às autoridades do Estado Novo. Ultrapassada esta questão, graças à intercessão de Júlio Palácios, o jovem físico rumou finalmente a Chicago, em Março de 1949, como bolseiro da Junta Nacional de Educação. Os Estados Unidos lideravam claramente este segmento de investigação e desenvolvimento, fruto das pesquisas que tinham levado à produção das primeiras bombas atómicas. Embora as instalações de Los Alamos fossem as mais conhecidas, por ali terem sido construídos os primeiros engenhos sob a direcção de Robert Openheimer, deram-se igualmente passos decisivos ao nível teórico e técnico na Universidade de Chicago, sendo este um centro de referência naquele tipo de estudos, contribuindo decisivamente para os sucessos norte-americanos. Nos laboratórios de Chicago, a figura tutelar era, indubitavelmente, o físico de origem italiana Enrico Fermi (1901-1954), laureado com o Prémio Nobel. Sobre o génio deste cientista, Richard Feynman, ele próprio também Nobel da Física, descreveria um episódio sugestivo: «Tivemos um encontro com ele; e eu fizera uns cálculos e obtivera alguns resultados. Os cálculos eram tão elaborados que a coisa se tornava muito difícil. Ora eu era normalmente especialista no assunto; conseguia sempre dizer qual ia ser a resposta, BRAGA, Carlos: A Engenharia portuguesa e o problema da utilização da energia atómica para fins pacíficos, Porto, II Congresso Nacional de Engenharia, 1948, pp. 6-7. NOVA AUGUSTA Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico. ou quando a obtinha, podia explicar porquê. Mas isto era tão complicado que eu não conseguia explicar porque era assim. Por isso disse a Fermi que estava a resolver este problema e comecei a descrever os resultados. Ele pediu: ‘Espere, antes de me dizer o resultado deixe-me pensar. Vai ser assim (tinha razão), e vai ser assim por isto e por aquilo. E há uma explicação perfeitamente evidente para isto…’. Ele estava a fazer dez vezes melhor aquilo que eu devia ter feito. Foi uma lição para mim»6. Foi neste exigente meio que o recém-licenciado Carlos Cacho se integrou escassos três anos e meio após o fim da Segunda Guerra Mundial, iniciando o seu estágio no Instituto de Estudos Nucleares da Universidade de Chicago (hoje Instituto Enrico Fermi), onde trabalharia no departamento laboratorial de Luis Walter Alvarez (1911-1988)7, outro nobelizado e especialista na área dos aceleradores de partículas. Entretanto, em Portugal, deram-se diversos passos para a dinamização do sector nuclear, incluindo o estabelecimento de parcerias internacionais com os Estados Unidos e a Inglaterra, a remodelação das minas uraníferas da Urgeiriça, a fundação de centros de investigação em alguns institutos e universidades e, ainda, os trabalhos preparatórios para a criação de um organismo autónomo dedicado à gestão das múltiplas vertentes deste sector. 6 7 Em 1952, concluído o seu estágio, Cacho estava de regresso a Lisboa, colaborando neste dinamismo. Entre 1952 e 1954, enquanto bolseiro do Instituto de Alta Cultura, trabalhou no Centro de Estudos de Física Nuclear, sob a direcção de Júlio Palácios, especialmente no domínio dos sistemas de detecção e medição de radioactividade. Entretanto, o seu contrato com a Faculdade de Ciências de Lisboa expirou em 25 de Novembro de 1953. Em Março de 1954, foi criada a Junta de Energia Nuclear (JEN), organismo que estava na dependência directa da Presidência do Conselho de Ministros. A direcção da JEN foi confiada a José Frederico Ulrich que, para o efeito, foi substituído na pasta de Ministro das Obras Públicas, podendo doravante emprestar o seu dinamismo ao novo empreendimento. Reportando directamente a Oliveira Salazar, Ulrich dava-lhe conta dos progressos e das colaborações internacionais que ia estabelecendo, agora especialmente com as autoridades britânicas. No espólio de Salazar, existente na Torre do Tombo, uma carta do responsável pela JEN, datada ainda de 1954, informava: «A estadia em Inglaterra foi dum interesse extraordinário. Mostraram-me tudo quanto não constitui ainda segredo; tive ensejo de conversar longamente com as maiores sumidades inglesas no campo nuclear; creio ter aprendido FEYNMAN, Richard: Está a brincar Sr. Feynman! – Retrato de um físico enquanto homem, Lisboa, Gradiva, 1998, p.130. BRITO, João Quintela de: Homenagem ao Doutor Carlos Ferreira Madeira Cacho (sppcr.online). 211 NOVA AUGUSTA Paulo Oliveira 212 mais nesses contactos e visitas de 8 dias do que em tudo quanto li e aprendi desde que V. Exa. me colocou na Junta»8. Neste mesmo ano de 1954, Carlos Cacho partia para mais uma aventura no exterior, desta feita na universidade inglesa de Oxford, onde iniciaria o seu doutoramento, enquanto bolseiro do Instituto de Alta Cultura e colaborador da JEN. Em Oxford, o físico português residiu no St. Antony’s College, integrando ainda o grupo de trabalho que Hans von Halban reuniu no Laboratório Clarendon, da mesma universidade. Não obstante, Cacho não deixou de colaborar com a JEN, tanto em Portugal como no estrangeiro, integrando as comitivas nacionais enviadas aos principais encontros de especialistas em energia nuclear. Assim, colaborou junto do Comité Especial de Energia Nuclear da OCDE, em Paris, e em reuniões da ONU, designadamente a I Conferência sobre a Utilização da Energia Nuclear para fins Pacíficos, que decorreu em Genebra no ano de 1955, participando igualmente na II Conferência, realizada três anos depois, na mesma cidade suíça. Carlos Cacho aprofundaria ainda mais a sua colaboração com a JEN quando, em 1955, este organismo decidiu propor a construção de um laboratório especializado na investigação e no desenvolvimento de aplicações da energia nuclear. Em Outubro desse ano, foi nomeado assessor da JEN 8 9 AN/TT – AOS-CP-271/7.271.1 AN/TT – AOS-CP-271/7.271.1 (cf. Postal JEN, 30 de Março de 1955). para a aquisição de equipamento para o futuro Laboratório de Física e Engenharia Nucleares (LFEN), a construir num terreno adquirido em Sacavém. Dos vários equipamentos a instalar no LFEN faziam parte dois aceleradores de partículas, participando Cacho na comissão encarregue de estudar a respectiva compra. Seguidamente, foi ainda decidida a aquisição de um reactor nuclear, não para produção energética, mas para fins de investigação. Para tal, o governo português pôde usufruir do programa Átomos para a Paz, iniciativa lançada pela administração do presidente Eisenhower, que visava a promoção da energia nuclear para fins pacíficos. Por curiosidade, note-se que as primeiras visitas dos técnicos portugueses aos Estados Unidos integraram as comitivas técnicas para a construção da futura ponte entre Lisboa e Almada9. Carlos Cacho fora igualmente nomeado para o grupo de trabalho que deveria estabelecer os objectivos científicos para a utilização do reactor, os quais seriam decisivos para a definição das características do equipamento a adquirir. Assim, e após os estudos, ficaria definido que o reactor deveria ter um megawatt de potência, embora com capacidade de ampliação, sendo seleccionada como fornecedor a AMF-Atomics, filial da companhia American Machinery Foundry. NOVA AUGUSTA Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico. A colaboração de Carlos Cacho com a Junta de Energia Nuclear tornou-se de tal modo absorvente que, em Maio de 1956, o doutorando suspendeu os seus estudos em Oxford para assumir o cargo de físico de 1.ª classe da JEN. Ainda em finais desse mesmo ano de 1956, integrou uma nova comissão de estudo, visando-se agora a possibilidade de o próximo Plano de Fomento, onde eram inscritas as prioridades económicas do país, prever a construção de uma central nuclear destinada à produção de energia eléctrica. Contudo, e apesar de se tratar de uma ideia estimulante, foi reconhecido que tal seria uma medida precipitada, devendo a mesma ser adiada em pelo menos dez anos. Efectivamente, antes de tudo, havia que consolidar o know-how e formar mais especialistas na área, pelo que, de momento, a prioridade deveria incidir na construção do Laboratório, que funcionaria como um pólo agregador de esforços e conhecimentos. Assim, numa comunicação datada de 1958, Cacho referia que «a actividade principal do LFEN será precisamente a da formação de pessoal – motivo pelo qual ele foi concebido e mandado construir. Deve sempre ter-se presente que neste Laboratório se visa fundamentalmente ciência aplicada, o que não deve quer dizer, evidentemente, que não se encare a resolução de muitos problemas de ciência básica – porque são estes, afinal, os 10 11 que melhores possibilidades de treino oferecem»10. Carlos Cacho demonstrava especial dinamismo e entusiasmo, pelo que foi convidado por José Frederico Ulrich, presidente da JEN, para dirigir o futuro Laboratório de Física e Engenharia Nucleares, assumindo funções em 8 de Janeiro de 1959. Tratou-se de uma aposta pessoal de Ulrich, que assumiu responsabilidades por essa nomeação, uma vez que Cacho não estava conotado com o regime do Estado Novo. Mesmo com as garantias do presidente da JEN, a actividade de Carlos Cacho foi sendo monitorizada pela PIDE, assegurando-se que não haveria surpresas numa área tão sensível. Desde logo, o primeiro director-geral do Laboratório imprimiu um dinamismo muito pessoal ao empreendimento que, desde 1957, andava a ser construído. Segundo refere Maria Amélia Taveira, num estudo sobre a JEN, «É de realçar o trabalho extraordinário do director-geral do LFEN, Carlos Cacho, que tomou a peito a sua tarefa titânica, planeando e elaborando pessoalmente inúmeros relatórios sobre todos os assuntos referentes ao Laboratório»11. Efectivamente, o físico desenvolveu múltiplos estudos sobre temas tão diversos como terraplanagens, edifícios para albergar equipamentos tecnológicos, métodos de segurança, fornecimento eléctrico e, até, recepção e distribuição de correspondência e serviços de PBX. Nestes estudos, CACHO, Carlos: Primeira Reunião de Técnicos Portugueses de Energia Nuclear – Alguns Comentários sobre a Organização do Laboratório de Física e Engenharia Nucleares, 1958. TAVEIRA, Maria Amélia: Génese e instalação da Junta de Energia Nuclear, Diss. Mestrado, FCT-UNL, 2003, p.156. 213 NOVA AUGUSTA Paulo Oliveira 214 foi apoiado de perto pelos seus investigadores-chefes de serviço, nomeadamente Pacheco de Figueiredo (Física), Marques Videira (Química e Metalurgia) e Júlio Galvão (Protecção contra Radiações). Ao mesmo tempo, e dada a desconfiança existente para com a energia nuclear, Cacho fez a promoção desta opção, nomeadamente em diversos escritos e conferências. Em a Energia nuclear e sua utilização12, diferenciou os conceitos de fusão e de cisão nucleares, realçando que se trata de dois processos diferentes de produzir energia. Se a primeira apenas possibilitava uma utilização militar, já a cisão podia ser controlada, permitindo o aproveitamento para fins civis, ou seja «a libertação útil de energia». Efectivamente, a utilização da energia nuclear conhece vários propósitos, desde os métodos de tratamento oncológico à datação de vestígios arqueológicos, passando pela produção energética até à aplicação na agricultura, por exemplo esterilizando-se insectos de modo a limitar a respectiva reprodução e, por esta via, controlar pragas. Esta era a visão de Carlos Cacho, como foi lembrado pelo irmão Rui: «[Carlos] ocupava-se da Física Nuclear, na sua vertente pacífica – fazia questão que percebessem que era assim»13. Não obstante, para o físico, um laboratório português especializado 12 13 14 15 neste domínio teria ainda a vantagem de permitir a formação altamente qualificada de um conjunto numeroso de engenheiros, bem como de obrigar a colaboração entre instituições universitárias, aspectos essenciais para a recuperação do atraso nacional quanto às áreas científicas e tecnológicas. Para este fim, uma peça de especial importância no futuro Laboratório seria o reactor nuclear, declarando Carlos Cacho, com orgulho, que «constitui ele um meio de investigação que não é inferior àqueles que muitos países estão adquirindo – incluindo alguns muito mais bem apetrechados cientificamente de que o nosso»14. O reactor ficaria instalado submerso num tanque especial, semelhante a uma piscina, com cerca de dez metros de altura e capacidade para 430m3 de água desmineralizada e continuamente purificada durante o funcionamento do próprio equipamento. O sistema seria ainda dotado com seis canais de irradiação e outros dispositivos que permitiriam realizar, em segurança, actividades de investigação científica com material radioactivo. A história e importância do reactor encontram um enquadramento detalhado na obra O Reactor Nuclear Português – Fonte de Conhecimento, da autoria de Jaime da Costa Oliveira, publicado pela editora O Mirante, em 200515. CACHO, Carlos: Energia Nuclear e sua utilização, Sep. da Técnica, IST, Lisboa, 1958; Idem: Laboratório de Física e Engenharia Nucleares. CACHO, Rui: «O meu irmão Carlos», in Horizonte, n.º1 – II Série, 1993, p.10. CACHO, Carlos: Primeira Reunião de Técnicos Portugueses de Energia Nuclear – Alguns Comentários sobre a Organização do Laboratório de Física e Engenharia Nucleares, 1958. Do mesmo autor veja-se a obra A energia nuclear em Portugal, uma esquina da história, entre outros trabalhos de referência para a história da energia nuclear portuguesa. NOVA AUGUSTA Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico. O reactor nuclear do LFEN constituiu, efectivamente, um marco na ciência nacional do século XX, confirmando-se a antevisão anunciada, em 1961, por R. L. Bekenkamp, vice-presidente da AMF, entidade responsável pelo fornecimento do reactor: «é intenção da nossa Companhia ajudar os cientistas de todo o Mundo que estão trabalhando neste campo, a adquirirem conhecimentos cada vez mais extensos sobre os usos pacíficos da energia nuclear. Trata-se de um vasto campo de exploração; e cada passo que se avance, quer seja no campo da Medicina, Biologia, Agricultura ou Indústria, traz grandes vantagens para toda a raça humana»16. Exceptuando o reactor nuclear e os dois aceleradores de partículas, todas as valências e obras do LFEN deveram-se à técnica nacional, sob a orientação executiva de Carlos Cacho, iniciando-se assim, de modo objectivo, a consolidação de um know-how português relativo a instalações de alta complexidade e com especiais exigências em termos de operacionalidade e segurança. Em Março de 1961 o empreendimento estava quase concluído, sendo seleccionada a data de 27 de Abril para a inauguração oficial, por coincidir com o 33.º aniversário da entrada de Salazar para o Governo, então como ministro das Finanças. Fernando Ulrich disso informava Salazar e, sabendo da sua aversão a eventos solenes, convi16 17 18 19 Diário da Manhã, 27 de Abril de 1961, pp.1-6. AN/TT – AOS-CP-271/7.271.1 (cf. Postal JEN, 24 de Março de 1961). O Século, 27 de Abril de 1961, p.1. Diário da Manhã, 28 de Abril de 1961, p.7. dava-o para uma visita privada a Sacavém: «Os trabalhos da Junta prosseguem bem e faremos a inauguração oficial do novo Laboratório a 27 de Abril. Como V. Exa. não quererá decerto assistir à cerimónia, será para nós uma honra e um prazer extraordinários que lá para meados de Abril fosse uma manhã ver o reactor em funcionamento experimental»17. Finalmente, na data prevista, as instalações do LFEN foram oficialmente inauguradas com a presença do Presidente da República, Américo Tomás, de vários ministros, reitores e outros responsáveis e cientistas nacionais e estrangeiros. Carlos Cacho, na sua qualidade de director-geral, assumiu as funções de guia do evento. Como resumiu a imprensa, o complexo laboratorial de Sacavém era constituído por «oito edifícios de sóbrias linhas modernas, de interiores de cores claras, bom ambiente de trabalho e um apetrechamento científico que o vão impor como modelar organização no seu género»18. Na ocasião, José Frederico Ulrich, presidente da JEN, afirmou que se estava perante «um conjunto extremamente complexo e julgo oportuno salientar que todo o projecto, até aos seus mais pormenores, foi concebido e executado pelos nossos técnicos sob a orientação do director-geral do Laboratório, Dr. Carlos Cacho»19. Em reco- 215 NOVA AUGUSTA Paulo Oliveira 216 nhecimento pelo seu esforço, Cacho foi na altura condecorado com o grau de Comendador da Ordem de Cristo. A cerimónia culminava um processo que demorara vários anos de estudos e trabalhos, podendo o LFEN, por fim, entrar em actividade e cumprir a sua missão, embora debatendo-se com alguns problemas, nomeadamente no que concerne ao recrutamento de pessoal, nomeadamente para os postos cientificamente mais exigentes. Ainda assim, os objectivos estavam bem definidos pelo responsável do Laboratório, que redigiu um documento com cerca de 160 páginas, onde sistematizou as linhas de orientação do Laboratório, desde a investigação científica à gestão burocrática20. No prólogo, escreveu Carlos Cacho que, «para que um Laboratório de investigação científica e tecnológica possa funcionar a um nível aceitável, é necessário que se definam objectivos a atingir de valor reconhecido, que se estabeleçam programas de trabalho de interesse (científico, tecnológico ou económico) indiscutível, que se ponha em marcha e se mantenha uma organização conveniente dos serviços necessários, que se criem as condições indispensáveis ao recrutamento, à formação, ao treino e à permanência ao serviço de pessoal de real merecimento e, finalmente, que se disponha dos meios de tra20 21 balho adequados». Um dos problemas imediatamente reconhecidos era o da falta de experiência, admitindo-se ser grande «o fosso que nos separa da Europa tecnologicamente mais evoluída». Apesar de o LFEN absorver a quase totalidade dos recursos humanos com a qualificação exigível para trabalhar no domínio nuclear, permaneceria um deficit neste domínio, uma vez que eram formados poucos físicos em Portugal. Durante a década de 60, o director-geral do Laboratório foi dando conta da intensa actividade que ali se foi realizando, especialmente nos domínios da física, da química, da metalurgia e da biologia, recorrendo-se aos aceleradores de partículas e ao reactor nuclear, nomeadamente para estudos fundamentais de física nuclear, efeitos químicos das radiações, efeitos biológicos das radiações, protecção contra radiações, física de neutrões, física de reactores nucleares, aplicações industriais das radiações, efeitos químicos das transformações nucleares, estudos de radicais livres em soluções orgânicas, química dos produtos de cisão, tratamento de combustíveis irradiados, estudos de ligas metálicas, medicina nuclear, aplicações agronómicas e radiobiologia marítima, entre diversas outras linhas de pesquisa21. No entanto, a utilização do reactor nem Laboratório de Física e Engenharia Nucleares – estudo sobre a organização e o desenvolvimento das actividades, 1961. Sobre a actividade do Laboratório, veja-se o relatório «LFEN – Principais linhas de actividade», de Agosto de 1968, assinado por Carlos Cacho. NOVA AUGUSTA Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico. sempre seguiu uma estratégia uniforme22, facto que se deve a vários motivos, incluindo as dificuldades em se reforçar o corpo técnico23, o isolamento internacional do país devido à guerra colonial e, ainda, o impasse quanto a uma futura central nuclear para produção energética. Precisamente sobre este último ponto, o empreendimento foi sendo sucessivamente adiado, apesar da criação da Direcção-Geral de Combustíveis e Reactores Nucleares Industriais da JEN, que se esperava viesse a coordenar um projecto daquela natureza. Devido a este impasse, o Laboratório revelou alguma dificuldade em definir prioridades, pendendo entre a investigação científica pura e os estudos para futuras aplicações industriais. Em 27 de Abril de 1971, na celebração dos dez anos da inauguração do LFEN, Carlos Cacho observou que havia que ser aumentada a produtividade, a eficiência dos serviços e a rentabilidade dos investimentos ali aplicados, afirmando, perante o Presidente da República, Américo Tomás, e o Primeiro Ministro, Marcelo Caetano, que o Laboratório padecia igualmente de «deficiências graves no que se refere a espaço, a equipamento e a algumas instalações técnicas fundamentais». 22 23 24 Finalmente, o responsável pelo Laboratório deixou a ideia de que «as possibilidades de utilização da energia nuclear estão ainda longe de estar esgotadas», e reconheceu que o país estava «envolvido numa batalha política, militar e de desenvolvimento social e económico». Menos de três anos depois, a Revolução do 25 de Abril de 1974 abria o caminho para o regime democrático, embora o processo se revelasse complexo e controverso. Como se lê na obra O Reactor Português de Investigação no panorama científico e tecnológico nacional, Carlos Cacho «não estava rotulado como afecto ao regime [do Estado Novo] – pelo que J. F. Ulrich assumiu, pessoalmente, a responsabilidade pela ‘lealdade’ daquele técnico, condição sine qua non para a nomeação como director-geral –, por inqualificável ironia do destino, seria integrado na primeira vaga de saneamentos políticos post 25 de Abril, humilhação de que pareceu não ter conseguido recompor-se e que poderá ter contribuído para o seu prematuro falecimento»24. Por despacho de 6 de Fevereiro de 1975 do ministro da Economia do III Governo Provisório, Carlos Cacho foi suspenso do exercício Veja-se JOrge, H. Machado; et al.: O Reactor Português de Investigação no panorama científico e tecnológico nacional, Lisboa, MCT/ ITN, SPF, 2001, pp.9, 71-75. Efectivamente, logo aquando da inauguração do LFEN, José Frederico Ulrich alertara para o problema da falta de técnicos especializados, na Metrópole e, especialmente, nos territórios ultramarinos, algo passível de dificultar a estratégia e o dinamismo do sector nuclear português, quer no domínio tecnológico quer no do aproveitamento dos recursos uraníferos. Cf. O Século, 28 de Abril de 1961, p.5. Citação in – JOrge, H. Machado; et al.: O Reactor Português de Investigação no panorama científico e tecnológico nacional, Lisboa, MCT/ITN, SPF, 2001, p.69. 217 NOVA AUGUSTA Paulo Oliveira 218 das suas funções25. A acusação era de «sabotagem», alegação relativamente comum naquele período pós-revolucionário. Um depoimento de José Moreira de Araújo expressa bem o estado de alma de Carlos Cacho: «Já em 75 recebo, numa tarde de domingo, creio que em Maio, um telefonema de Carlos Cacho, que estava no Porto e perguntava se poderia conversar comigo. Quando o convido a passar por minha casa fico surpreendido pela emoção que manifesta ao constatar que eu continuava a tratá-lo como sempre fizera; foi a última vez que o vi»26. Pouco depois, a saúde de Cacho degradou-se substancialmente, acabando por ficar acamado. Contando com o permanente apoio da esposa, Maria da Graça Costa, o físico nuclear viria a falecer em Lisboa, a 14 de Agosto de 1976, sendo sepultado no cemitério dos Prazeres. Em 30 de Dezembro de 1976, Walter Rosa, ministro da Indústria e Tecnologia do I Governo Constitucional, assinou um despacho onde eram consideradas improcedentes as acusações 25 26 27 28 formuladas no processo de saneamento de Carlos Cacho e em que este era absolvido da imputação de quaisquer infracções disciplinares. Uma vez que o arguido já falecera, este despacho ilibatório foi comunicado aos seus sucessores directos para que dele extraíssem, sendo caso disso, todas as consequências legais e bem assim as relativas à memória do Dr. Madeira Cacho27. Resta salientar que, após diversas transformações orgânicas28, o LFEN subsiste hoje com o nome de Instituto Tecnológico Nuclear, ainda nas instalações originais em Sacavém. Embora relativamente esquecido, o nome de Carlos Cacho permanece ligado à história da energia nuclear em Portugal, às suas expectativas, desilusões e esperanças. Para a realização deste apontamento biográfico, registe-se o agradecimento pela disponibilidade e colaboração do Doutor Jaime da Costa Oliveira, físico nuclear, cujo testemunho, apontamentos e bibliografia contribuíram para enriquecer a informação do presente trabalho. Despacho de 6 de Fevereiro, publicado no Diário do Governo, 2.ª Série, n.º 40, de 17 de Fevereiro de 1975, p.980. Depoimento de José M.R. Moreira de Araújo in – JOrge, H. Machado; et al.: O Reactor Português de Investigação no panorama científico e tecnológico nacional, Lisboa, MCT/ITN, SPF, 2001, p.101. Despacho de 30 de Dezembro de 1976, publicado no Diário do Governo, 2.ª Série, n.º 45, de 23 de Fevereiro de 1977, p.1248. OLIVEIRA, Jaime da Costa: A Energia Nuclear em Portugal, Uma Esquina da História, Santarém, Editora O Mirante, 2002. NOVA AUGUSTA Carlos Cacho, físico nuclear. Contributo biográfico. 219 Certificado de Licenciatura em Ciências Físico-Químicas, conferido a Carlos Cacho Cédula consular de Carlos Cacho NOVA AUGUSTA Paulo Oliveira 220 Aspecto da Conferência de Genebra (1955). Discussão sobre o uso da energia nuclear para fins pacíficos, que contou com a participação de Carlos Cacho Vista aérea do complexo de Sacavém (1961), dirigido por Carlos Cacho em memória de Artur Gonçalves Joaquim Rodrigues Bicho* Torres Novas deve a Artur Gonçalves o conhecimento da sua História e a identificação do seu Património, a que ele dedicou boa parte da sua vida. Por isso recordamos aqui o homem que foi, o caminho que percorreu e a obra que nos legou, sempre com a discrição de quem é humilde, e a simplicidade de quem é grande. * Investigador local. É autor de numerosas obras, onde se destacam diversos estudos locais nas áreas do património artístico, toponímia, religiosidade popular e etnografia. 221 Descerramento de uma lápide de homenagem, na casa onde Artur Gonçalves viveu, na Rua Tenente Valadim, n.º 9 (Torres Novas). A lápide foi oferta de Augusto Moita de Deus e foi mandada colocar pela Câmara Municipal de Torres Novas no dia 11 de Agosto de 1954. [Fotografia do Arquivo Municipal de Torres Novas] NOVA AUGUSTA Em memória da Artur Gonçalves Em 2 de Dezembro de 2008, completam-se cento e quarenta anos do nascimento de Artur Gonçalves; em 11 de Agosto, setenta anos da sua morte. Guardam a sua memória “O Almonda”, em diversas ocasiões e circunstâncias; “Anais Torrejanos”, com fotografia e três páginas de texto, aliás transcrito daquele jornal1; a deliberação da Câmara Municipal de Torres Novas, em 4 de Agosto de 1954, de perpetuar o seu nome numa rua da Vila; a placa descerrada, uma semana depois, na casa do Largo dos Combatentes, onde residiu2; a pedra sepulcral posta no cemitério de Torres Novas, em 11 de Agosto de 1980, e o discurso então proferido por Faustino Bretes e editado em opúsculo com o título “Tributo (A Artur Gonçalves)”; “Torrejanos de Vulto”3; a Escola Secundária, na Avenida Sá Carneiro, que o elegeu como patrono. Falta apenas um busto que recorde a sua figura. Apesar de não ser natural de Torres Novas, Artur Gonçalves foi quem mais escreveu, exaustiva e documentadamente, sobre a história, as gentes e as coisas da nossa terra. Era um homem meticuloso que tudo registava. Entre o acervo de documentos que deixou, encontramos, por exemplo, a relação das terras de Portugal e dos países que visitou, uma colectânea de 176 textos de “Erudição fácil” (Ave, Caesar!..., Eureka!, Fiat lux, etc.), uma lista de estátuas jacen1 O Almonda, 13.8.1938 2 Id., 28.8.1954 3 Joaquim R. Bicho, Torrejanos de Vulto, p. 25 tes em Portugal, um dicionário de palavras e locuções estrangeiras, sobretudo latinas, arcaísmos e muitas pequenas coisas que suscitavam a sua curiosidade e atenção e que, desveladamente, guardava. o Homem e o seu PerCurso Tão meticuloso era na sua vida, que deixou manuscrito o seu rico percurso. Graças a esse documento, podemos conhecer bastante, embora sempre menos do que desejaríamos. Artur Gonçalves, de seu nome completo Artur Napoleão Pereira Gonçalves de Vasconcelos, nasceu às dezoito horas do dia 2 de Dezembro de 1868, na freguesia de Santiago, de Soure, e foi baptizado na igreja paroquial daquela localidade, a 14 de Agosto de 1869. Filho de Henrique José Gonçalves e Henriqueta Júlia Pereira de Vasconcelos Coutinho, ele de Lisboa e ela de Soure, eram seus avós paternos José Maria Gonçalves e Henriqueta da Piedade, naturais de Lisboa, e maternos o médico Dr. António Pereira da Costa e sua terceira mulher Jesuína Cândida de Vasconcelos Coutinho, ele natural de Soure e ela de Lisboa. Tinha um irmão, que foi ajudante de notário em Coimbra e uma irmã carmelita (Madre Teresa de Jesus, em religião). Admitido como aluno interno, na Real Casa Pia de Lisboa, em 30 de Agosto de 223 NOVA AUGUSTA Joaquim Rodrigues Bicho 224 1879, Artur Gonçalves fez, em 2 de Junho de 1882, o exame de instrução primária; em 1884, exames do primeiro e segundo anos do curso de desenho, francês e português, no Liceu de Lisboa; em 1886, primeiro, segundo, terceiro e quarto anos de matemática e terceiro e quarto anos de geografia, história e latim, no Liceu de Coimbra; em 1887, terceiro e quarto anos de introdução e quinto de latinidade, também em Coimbra. E concluiu assim o curso geral de preparatórios. Em certame de ginástica, em Belém, a 17 de Maio de 1885, foi premiado com medalha de prata. Pela sua aplicação na Casa Pia, mereceu distinção com medalha de ouro. Consorcia-se, a 26 de Março de 1890, na freguesia de Nossa Senhora da Anunciação, do concelho da Lourinhã, com Elvira Amélia Pinto Arez, natural de Atouguia da Baleia, filha do médico Dr. Joaquim Ribeiro da Silva Arez e Maria Amália de Sequeira Pinto Arez. Enviúva a 31 de Janeiro de 1930. Do casamento, teve um único filho, Artur Virgílio Arez de Vasconcelos, que foi tesoureiro da Fazenda Pública, em Alcácer do Sal. Na vida profissional, é nomeado, a 9 de Maio de 1888, amanuense interino da Câmara Municipal da Lourinhã, de que toma posse a 22 de Maio; seu secretário interino a 27 de Janeiro de 1892; provido, em concurso, no lugar de secretário efectivo da referida Câmara, a 7 de Março de 1893, de que pede exoneração, por haver sido 4 Acta de sessão da Comissão Administrativa da Câmara, 26.1.1933 5 Id., 2.2.1934 nomeado chefe da secretaria da Câmara Municipal de Torres Novas, em sessão de 7 de Maio de 1914. Assume estas funções a 4 de Junho seguinte, até lhe ser concedida a aposentação ordinária, em sessão de 20 de Setembro de 1934. Na Lourinhã, fundou a Associação de Socorros Mútuos “1º. de Maio de 1905” e exerceu o cargo de agente e tesoureiro dos legados pios do Hospital de S. José, tesoureiro e vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia e provedor da Irmandade de Nossa Senhora dos Anjos. Em 1898, é nomeado escrivão da sindicância à Câmara Municipal de Alenquer e em 1911, sindicante à de Arganil. Em 8 de Março de 1922, torna-se sócio correspondente da Associação dos Arqueólogos Portugueses. Em Torres Novas, e apesar do prestígio alcançado e do respeito que de todos merecia, não foi isenta de percalços a sua actividade profissional. Em 26 de Janeiro de 1933, é suspenso, temporariamente, do exercício de funções e vencimentos como chefe de secretaria, até conclusão definitiva da sindicância em curso, por alegada viciação de várias actas4. Tendo requerido, mais de um ano depois, a sua readmissão no respectivo cargo, é o seu requerimento remetido ao Governador Civil pela Comissão Administrativa da Câmara5. Como esse requerimento não NOVA AUGUSTA Em memória da Artur Gonçalves obtém, entretanto, deferimento, Artur Gonçalves volta, seis meses depois, a requerer o levantamento da suspensão e a sua reintegração no exercício do cargo, com pagamento dos vencimentos em dívida, ao mesmo tempo que, devido a impedimento físico permanente, requer a aposentação6. O Presidente da Comissão Administrativa da Câmara, bem conhecedor das suas limitações e firmado no relatório da sindicância, que prova “e é do conhecimento de toda a gente que o requerente foi sempre um funcionário competente e honesto, e prestou importantes serviços […]”, propôs lhe fosse “concedida a aposentação, com vencimento por inteiro, a contar da data em que o processo deu entrada nesta Secretaria”. Discutida a proposta, decidiu a Comissão submetê-lo a junta médica7. E acordou conceder-lhe a aposentação, depois dos peritos, unanimemente, o haverem “considerado incapaz por absoluta e permanentemente impossibilitado de exercer as funções do seu cargo, por ser portador de lesões cardíacas e renais crónicas”8. Artur Gonçalves saía ilibado de um longo e doloroso processo, que não afectara a sua honorabilidade, mas lhe abalara tão profundamente a saúde, que, em 25 de Janeiro de 1934, estivera em risco de vida9. “O Almonda” 6 7 8 9 10 11 Id., 2.8.1934 Id., 13.9.1934 Id., 20.9.1934 Artur Gonçalves, Torres Novas, Subsídios para a sua História, p. 9 O Almonda, 27.1 e 31.3.1934 Artur Gonçalves, Ibid. que refere ser “bastante inquietante” o seu estado, só, mais de dois meses depois, anuncia as melhoras10. A que se segue uma convalescença demorada. Não fora este desagradável incidente na sua vida profissional, extremamente frustrante e penoso para um homem digno e sério, e a obra de Artur Gonçalves, tal como hoje a usufruímos, não teria chegado às nossas mãos, pois, por então, apenas estava em curso a edição de “Torrejanos Ilustres”. Na verdade, aquilo que, no dizer do Autor, foi “um facto bem lamentável na minha já longa carreira administrativa, brutalmente veio […] proporcionar-me vagar […] para coordenação dos assuntos torrejanos […], o que talvez nunca se efectivasse por falta de tempo”, também para Torres Novas foi uma “feliz” circunstância, de que só ela colheu benefícios. Ele próprio o diz: “Quelque chose malheur est bon… para os outros”11. Depois de tantos trabalhos, havia de sofrer esta mágoa. Que lhe roubou a saúde, mas não o prostrou na frustração e na inactividade. E apareceram os seus livros, e aumentou a sua investigação, e brilharam as récitas com os meninos das escolas, e ocorreu a Exposição-Feira de Santarém, em que Torres Novas tanto lhe ficou a dever. 225 NOVA AUGUSTA Joaquim Rodrigues Bicho 226 Artur Gonçalves deixa o exemplo da sua vontade férrea e inquebrantável, não se lamenta, nem manifesta ressentimento pelo modo como foi tratado. Era um admirador da obra camiliana. Tão grande que elaborara um caderno com a relação exaustiva de títulos e anos das muitas edições do fecundo escritor, traduções, prefácios, notas e apreciações, e ainda de revistas, jornais, números únicos e outras publicações redigidos ou colaborados por Camilo, e recortes de jornais com referências biobibliográficas. Um manancial que faz supor que Artur Gonçalves teria a intenção de um dia lhe dedicar algumas páginas. Pelo currículo, verifica-se que foi tardia a sua preparação escolar e, consequentemente, o exame de instrução primária e a conclusão do curso geral de preparatórios. Resta saber de que modo aumentou a sua formação intelectual, mas é de crer que, como autodidacta, tenha devorado e assimilado os livros que a sua curiosidade elegia. Que era jovem de vontade e prestígio, denuncia-o a sua vida profissional. Concluído o curso, logo se inicia no trabalho, para, menos de cinco anos depois, ser secretário da Câmara Municipal da Lourinhã. O lugar de relevo que ocupa e os cargos sociais que desempenha bem cedo o destacam na sociedade daquela vila. Artur Gonçalves era um homem íntegro, trabalhador, persistente e incansável que nutria entranhado amor por Torres Novas. Dotado de apreciável cultura geral, movia- -se, sem dificuldade, na história e na biografia, na genealogia e heráldica, na arqueologia e epigrafia, no jornalismo e no teatro. E se revela menos conhecimentos em escultura, pintura e azulejo, também é patente a humildade com que recorreu, sobretudo no azulejo, a especialistas do seu tempo. Era um mestre respeitado e admirado, a quem a Vila recorria na promoção de actividades culturais e patrióticas, porque conhecia o seu saber e apreciava o seu desempenho. Em nós, que ainda o vimos e lhe falámos, permanece a imagem do ancião, austero e distinto, de negro vestido, debruçado e absorto na consulta e ordenamento de livros e documentos, depositados na capela de Nossa Senhora da Piedade, da Casa Mogo de Melo. Como permanece a figura respeitável e viva de ensaiador teatral, a aprimorar, com o seu saber e paciência, a palavra e o gesto dos meninos da escola. a obra Desde a primeira hora, Artur Gonçalves manifesta a sua apetência pelo jornalismo e, neste campo, deixa rasto por onde passa. Em 11 de Novembro de 1906, funda o semanário “O Imparcial”, da Lourinhã, que dirige até 30 de Abril de 1908 e no qual continua a colaborar até à sua extinção. Em 26 de Dezembro de 1915, funda e dirige o semanário “O Torrejano”, de Torres Novas, que o Governador Civil de Santarém suspende a 10 de Fevereiro de 1918. Mas antes, fora correspondente na Lou- NOVA AUGUSTA Em memória da Artur Gonçalves rinhã de “O Século” e “A Luta”, e colaborara em “A Folha de Torres Vedras” (1900/1902), “O Eborense” (1901), “A Academia”, de Évora (1901), “A Tentativa”, da Lourinhã (1902), como depois veio a colaborar em “O Almonda”, de Torres Novas, desde o seu primeiro número, e nos diários “Diário de Notícias” (13.1.1924), “Portugal” (30.1.1927), “O Século” (29.8.1927), “A Voz” (23.10.1927), “Correio da Manhã” (3.4.1928). Dá ainda colaboração em “Nun’Álvares”, número único do Dia de Nun’Álvares celebrado em Torres Novas a 13 de Junho de 1920, “Boletim da Junta Geral do Distrito de Santarém”, 1936, “Boletim da Junta Provincial do Ribatejo”, 1938, “I Anuário Ilustrado do Ribatejo”, 1938, “Catálogo da Exposição da Cruzada das Mulheres Portuguesas”, em Torres Novas (6.1.1917). Ao publicar o primeiro número de “O Torrejano”, a 26 de Dezembro de 1915, dizia-se disposto a “[…] pugnar pelo engrandecimento material e moral do concelho de Torres Novas, e assim: a sua voz erguer-se-á bem alto e forte, mas sem arrogâncias descabidas, para solicitar dos poderes públicos a satisfação das necessidades e reclamações do povo, quando justas, – promoverá a punição dos actos condenáveis e o galardão para os meritórios; – às iniciativas de carácter utilitário dará incitamento para que não faleçam e às ditadas pelo egoísmo, levantará barreiras insuperáveis para que não prolifiquem; – não entrará, por sistema, em pugnas jornalísticas, sempre improdutivas e depauperantes, não deixando, contudo, de ripostar, quando o adversário seja digno, pois não descerá até a lama que nos emporcalhe as botas”. É um programa que revela o seu carácter e os parâmetros do periódico de quatro páginas, bem ordenado e agradavelmente disposto, em que irá expor o seu pensamento e tecer comentários na rubrica “Conversando…”, assinada com o pseudónimo de “Camerlengo”. Mas que não exclui o seu republicanismo e a sua simpatia partidária. O que ele, aliás, não esconde nesse primeiro número: “O Torrejano” será um jornal republicano, sem política acentuadamente partidarista, destinado à defesa dos interesses da República e da Pátria Portuguesa em geral e especificadamente dos do concelho de Torres Novas”. Neste seu jornal, dá início a “Torrejanos Ilustres”, em 28 de Outubro de 1917, com António César de Vasconcelos Correia a ocupar o primeiro lugar e Silvestre Gomes de Morais o décimo quarto (ainda que assinalado como 13.º por erro tipográfico), no último e 104.º número, datado de 10 de Fevereiro de 1918. Sobre a capa, que reúne a colecção de “O Torrejano”, a anotação escrita a lápis grosso de que “O Torrejano foi suspenso por ordem do Governador Civil de Santarém pelo que este número não foi publicado na data que indica mas só mais tarde quando suspensa aquela draconiana ordem”. De qualquer modo, “O Torrejano” não prosseguiu e pouco mais teve, portanto, que dois anos de vida. Com a morte do jornal, Artur Gonçalves não iria parar com 227 NOVA AUGUSTA Joaquim Rodrigues Bicho 228 os seus “Torrejanos Ilustres”. Fundado “O Almonda”, logo se apressa a dar colaboração a este periódico, onde, no n.º 1, aparece o 15.º “Torrejanos Ilustres”, a que se seguem o primeiro “Mosaico Torrejano”, no n.º 9, e páginas de reportagem e pequenas notícias. Segundo o Autor, foram 187 os textos de “Torrejanos Ilustres” e 115 os de “Mosaico Torrejano”, publicados em “O Almonda”12. Por outro lado, Artur Gonçalves não anda alheio da sua qualidade de funcionário administrativo e publica “Tabelas da Contribuição Industrial” sobre emolumentos, que ele próprio edita em 1918 e 1925, e “Guia Eleitoral” nas Assembleias Primárias e Apuramento e “Uma Eleição Prática”, guia nas Assembleias Primárias e de Apuramento, com a súmula da legislação respectiva, também por ele editados em 1906 e 1921, respectivamente. E se publica mais “Nun’Álvares”, editado pela Comissão Promotora do “Dia de Nun’Álvares em Torres Novas” – 13 de Junho de 1920 e “Torres Novas na Exposição- Feira de Santarém – 1936”, editado pela Câmara Municipal de Torres Novas em 1937, e inicia a biografia de “Carlos Reis”, que Gustavo de Bivar Pinto Lopes vem a concluir, a sua obra verdadeiramente notável é constituída por cinco volumes, também editados pela mesma Câmara: “Torrejanos Ilustres”, 1933, “Torres Novas, Subsídios para a sua História”, 1935, “Mosaico Torrejano”, 1936, 12 Artur Gonçalves, Torrejanos Ilustres, p. 11 13 Ibid., p. 12 “Memórias de Torres Novas”, 1937 e “Anais Torrejanos”, 1939. Lancemos agora um olhar sobre estes cinco livros, dedicados a Torres Novas, que constituem o cerne da sua obra. Em “Torrejanos Ilustres”, ele denuncia as suas dificuldades, devido a falta de documentação, pois só obteve “uns minguados e dispersos documentos de duas famílias torrejanas”, e a escassez de meios de “um funcionário municipal, de parcos recursos para demora em consultas a bibliotecas e arquivos de grandes centros intelectuais”13. Ele luta, portanto, com falta de informação (a nossa Biblioteca nem sequer existia) e de meios para levar por diante o seu trabalho de investigação. Registe-se, por outro lado, que, embora a Comissão Administrativa da Câmara tenha deliberado, a 27 de Maio de 1927, editar a obra, só a 6 de Maio de 1933, após segunda deliberação, ela é, finalmente, editada. Na “razão da obra”, com que abre este seu primeiro volume, deixa expressa a sua humildade: “Deve ela estar eivada de lacunas, de bastos erros mesmo […], em face da discordância dos diversos autores a consultar”. No entanto, “aqui fica carreado o material em tosco, que artista autorizado afeiçoará, tarefa que um simples alvanel, como eu, não poderia levar a efeito”. Assim escrevia. Mas, três gerações passadas, o artista ainda não apareceu! NOVA AUGUSTA Em memória da Artur Gonçalves Das muitas discordâncias que ele assinala ao longo das suas páginas, relevemos as que dizem respeito a João Rodrigues Pimentel e sua esposa, e a Diogo de Sigeu. Dos primeiros, afadiga-se a esclarecer dúvidas sobre o seu casamento e, graças à boa vontade do pároco de S. Pedro, a desafrontar a arca tumular e a interpretar correctamente a inscrição gótica nela gravada14. De Diogo de Sigeu, e em virtude das divergências sobre a data da sua vinda para Portugal, entrega-se a um trabalho insano de analisar e compulsar muitas opiniões, de modo a fornecer a informação que se afigura mais correcta15. “Torrejanos Ilustres” contém 368 biografias e dez árvores genealógicas, que exigiram consulta de 165 obras. E se de alguns biografados deixa apenas meras citações ou breve referência, de outros avança longa informação. Por ordem cronológica, o segundo livro é “Torres Novas, Subsídios para a sua História”. Nele se diz das armas e dos forais de Torres Novas, do Castelo e da Cerca, das origens, das invasões árabes e castelhanas, dos senhorios e cortes em Torres Novas, das invasões francesas e das convulsões internas que dividiram e fragilizaram o País no século XIX, de memórias do passado, para depois dedicar 128 páginas à Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas, das quais um pouco mais de metade sobre os 14 Ibid., p. 58 15 Ibid., p. 219 16 Artur Gonçalves, Torres Novas, Subsídios para a sua História, p. 35 conflitos entre a Mesa da Misericórdia e os priores e beneficiados de Santiago, o que, em boa verdade, é demais para a atenção que merecem. Artur Gonçalves descreve ainda a Vila adentro das muralhas da Cerca, com a segurança de quem estudou e bem conhece os seus limites e com o pormenor que podemos apreciar nesta pequena transcrição: “Partindo da torre do Castelo em direcção ao Arco do Vento, que ficava a poente do quintal dos actuais Paços do Concelho, seguia a forte muralha pela rua de Trás-os-Muros até o Salvador, onde junto da igreja se abria o arco do mesmo nome; daí descia, acompanhando a desaparecida travessa dos Cónegos, em sentido quase paralelo à ladeira do Salvador, hoje calçada de António Lopes, até perto da rua de Entre-Muros e indo pela retaguarda das casas, ali existentes hoje do lado norte dessa rua, delimitava a cerca da antiga casa dos Mogos, actual quintal do Colégio, até a traseira do edifício municipal em cuja frente se vê o monumento aos mortos do concelho na Grande Guerra; continuava pela fachada sul da casa do sr. Dr. Augusto de Azevedo Mendes, onde ainda se vê a imagem de Santo António que encimava o arco do seu nome, que junto era, como vimos”16. Deixemos por aqui, e a meio, a transcrição. Referimos agora, e em terceiro lugar, o livro “Memórias de Torres Novas”, que é 229 NOVA AUGUSTA Joaquim Rodrigues Bicho 230 o quarto na ordem cronológica. Mas está muito relacionado com o anterior, como o próprio Autor confessa, ao dar-lhe o subtítulo, em página de dentro, de “Novos Subsídios para a sua História”. Descreve mais factos da história de Torres Novas, o abastecimento de água e as fontes, os alcaides e as armas de Torres Novas, a instrução e o funcionalismo torrejano, as Lapas e a sua igreja, termos da região e aditamento às guerras liberais. Termina com informação pormenorizada sobre as 64 quintas do concelho, a que dedica uma centena de páginas. É o último livro publicado em vida do Autor, que morre dez meses depois. Vejamos agora “Mosaico Torrejano”. Constitui-o uma “miscelânea” de textos “um pouco mais desenvolvidos” que a série publicada em “O Almonda” e, “como eles desconexos”17. Mas em que avultam os conventos, igrejas e capelas de Torres Novas, com a sua história e características; o Rio Almonda e as suas pontes; a toponímia torrejana; e várias notícias históricas dispersas, mas cheias de interesse. É um livro dedicado, sobretudo, ao património arquitectónico, que o Autor descreve exaustivamente, não houvesse, para isso, consultado mais de meia centena de obras. “Anais Torrejanos”, a quinta e última obra, foi publicada depois da sua morte. Regista, cronologicamente e em linguagem concisa, os factos mais importantes da história de Torres Novas, até meados do século XIX. Depois, alterna breves com longos relatos de acontecimentos, entremeados de biografias de figuras de relevo daquele tempo, para terminar com um apêndice de 26 páginas dedicadas ao Arcebispo de Évora D. Manuel Mendes da Conceição Santos, seguidas de três páginas de texto sobre a vida, obra e morte do Autor. Em “Anais Torrejanos”, diz-se que Artur Gonçalves, quando morreu, tinha três livros em preparação: “Biografia de Carlos Reis”, “Anais de Torres Novas” e “Foros e Forais”. Mas em documento, que se encontra no seu espólio, o Escritor afirma ter pronto a entrar no prelo e a editar pela Câmara “Anais Torrejanos”, e em preparação “Forais e Foros de Torres Novas” e “Genealogia Torrejana”18. Para as duas últimas obras, deixou ele basta e diversificada documentação. Pesem embora as limitações da época e da sua preparação escolar, são simplesmente extraordinários os seus conhecimentos, a vasta investigação feita, a imensa bibliografia consultada. Tão grande que, se não conhecêssemos o seu escrúpulo e honestidade intelectual, seríamos tentados a supor que acervo abundante, porventura disponibilizado por familiar ou amigos, o ajudara na ingente tarefa de carrear tão 17 Artur Gonçalves, Mosaico Torrejano, p. 9 18 Rascunho da carta, enviada a 3 de Março de 1937, a Eduardo de Campos de Castro de Azevedo Soares, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que solicitara a Artur Gonçalves informação biobibliográfica, a fim de incluir o seu nome no IV volume da “Bibliografia Nobiliárquica Portuguesa” NOVA AUGUSTA Em memória da Artur Gonçalves rica gama de informação para a história de Torres Novas. Mas, quando consultamos os seus manuscritos, afasta-se da nossa mente essa tentadora suspeita, para ficar só a admiração acrescida por este homem, que soube, no tempo em que não havia fotocopiadoras, nem meios que hoje lhe teriam facilitado o trabalho, entregar-se à formidável tarefa de transcrever, à mão, para os seus “Apontamentos – Assuntos Torrejanos” tudo quanto, relativo à nossa terra, ia encontrando em livros e documentos, e, a partir deles, coligir o seu trabalho, feito rascunho primeiro e depois reproduzido, em boa caligrafia – com poucas rasuras e apenas algumas entrelinhas ou aditamentos colados – em cadernos enviados à tipografia para impressão. Tão grande é a sua probidade que, no volumoso caderno de 142 folhas manuscritas desses “Assuntos Torrejanos”, ele próprio denuncia aquilo que chegou, já coligido, às suas mãos: “As memórias até folhas 58 são extraídas dum livro manuscrito pertencente a Carlos Mogo de Melo e Alvim, falecido, que foi farmacêutico nesta Vila. Este livro bem como os demais documentos foram-me ministrados pelo Pe. Capelão José Pedro Lopes dos Santos, capitão reformado, que se considera seu fiel depositário até à maioridade do filho daquele Carlos Mogo de Melo e Alvim”. Trata-se de memórias, coligidas, sobretudo, de assentos das igrejas paroquiais. Seguem-se-lhes mais 10 folhas com “Transcrição de documentos que me foram facultados por João Mogo de Melo, de Pedrógão” e se referem à nobre família dos Melo e Alvim. A partir de folhas 70, são cópias do “Dicionário Geográfico de Portugal”, apontamentos extraídos das “Memórias da Vila de Torres Novas”, de Francisco Xavier de Arez e Vasconcelos e da “Instituição de Morgados e Capelas em Torres Novas”, notas sobre a Confraria de Nossa Senhora da Graça, de Lapas e apontamentos múltiplos que vêm a ser insertos nas suas obras. Em segundo caderno “Transcrições de diversas obras – Assuntos Torrejanos”, de 182 páginas, reúne, precisamente, o que o título deixa subentender. Mas não se esgota por aqui a documentação coligida. Referiremos apenas mais alguns temas, que terá querido aprofundar: Censo do Concelho de Torres Novas, festa do Bodo da Meia-Via (transcrição de “O Riachense”), pequenas notas sobre localidades do Concelho, apontamentos sobre a família Pessoa de Amorim, potencialidades agrícolas, comerciais e industriais da Região, usadas como argumento para defender o traçado da linha de caminho de ferro do Entroncamento à Nazaré, com passagem por Torres Novas, Minde e Porto de Mós. Podemos não ser admiradores da prosa de Artur Gonçalves, apontar-lhe uma ou outra imprecisão, discordar do ordenamento adoptado nos seus livros, sobressair omissões ou citações menos explícitas das fontes, julgar, desfavoravelmente, o relevo dado a temas, por nós julgados de menor interesse. Mas nunca poderemos negar a 231 NOVA AUGUSTA Joaquim Rodrigues Bicho riqueza e abundância de pormenores com que tece a história dos acontecimentos, traça o perfil de quase quatro centenas de biografados, retrata conventos, templos e monumentos, investiga a toponímia da Vila e de outros locais do Concelho, aprofunda a genealogia de famílias ilustres, põe diante dos nossos olhos o encanto do Rio e das suas muitas pontes, a vida da Santa Casa da Misericórdia e de outras instituições e associações, os termos regionais, as curiosidades de uma Terra com passado e história. 232 Nem devemos esquecer a menor formação académica, os parcos recursos de que dispunha e a sua actividade profissional em Torres Novas como Chefe da Secretaria da Câmara desde 1914 até 1934, que lhe limitava a disponibilidade para se dedicar a trabalhos de investigação. Artur Gonçalves é exemplo de quem ama uma terra e lhe dá tudo quanto sabe e pode. Por isso, ele merece a gratidão dos seus naturais, que podem também amá-la muito, mas não conseguiram dar-lhe tanto. 233 eSTUdOS SOciAiS O Julgamento do Bacalhau, a cíclica viagem de condenado a salvador: práticas no concelho de Torres novas. Margarida Moleiro* O enterro ou, simplesmente, o julgamento do bacalhau, realizava-se habitualmente no sábado de aleluia, em muitas localidades do País. Também no concelho de Torres Novas, segundo o que conseguiu averiguar Margarida Moleiro, fazia-se nas freguesias de Lapas, Riachos, Zibreira, Pedrógão, Parceiros da Igreja, Árgea e na vila (actual cidade) de Torres Novas. O texto original de um desses julgamentos, agora publicado, transporta-nos para a terra e suas personagens reais, embora transfiguradas pela sátira social. Transgressões à regra e ao costume são aceites e legitimadas pelo riso, através de uma tradição popular que ameaça ser hoje apenas memória de um passado recente. *Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com Pós-graduação em Património Cultural e Especialização em Técnicas Editoriais. 235 NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. O enterro (ou julgamento) do bacalhau é um evento profano, embora decorrente de um impedimento de ordem religiosa (o jejum quaresmal). Trata-se de uma paródia, uma pantomima burlesca que se inicia com um cortejo onde desfilam todas as personagens envolvidas na encenação, seguindo-se uma audiência forjada que culmina numa sentença, invariavelmente, de condenação ao enforcamento ou afogamento1 do réu – o Bacalhau. É uma sátira, uma ridicularização, da sociedade: através da ironia dos discursos e da piada de escárnio faz-se uma crítica social e política, contribuindo para uma certa coesão social em torno de uma moral costumeira2. A denominação mais comum é a de “enterro” embora seja, essencialmente, um simulacro de julgamento. Encontramos, porém, algumas excepções como tiros ó bacalhau (no Alandroal)3. Alexandre Martins, um dos que nos anos 50 (século XX) participou activamente na reposição da prática do enterro do bacalhau na freguesia de Lapas, concelho de Torres Novas (substituindo o seu pai), diz: «…eu ouvia dizer que na minha terra, por várias vezes o bacalhau fora absolvido. Ora, 1 2 3 4 5 6 não sendo condenado à morte, deixava de funcionar a forca e, logicamente, não havia enterro. Era um paradoxo. Foi assim que a partir de 1952, lhe mudei o nome para Julgamento do Bacalhau (…) julgamento há sempre; enterro, só se for condenado à morte, o que, diga-se também, geralmente acontece»4. Em conversa informal com João Maria Ferreira5, apercebemo-nos que, por cá, as pessoas reconhecem esta representação como a paródia do julgamento e não tanto como “o enterro”. Ora, atente-se na sua resposta à pergunta «Lembra-se de se ter representado por cá o enterro do bacalhau?»: Eu isso não me lembro… o que havia era a paródia do julgamento. Chegou a fazer-se ali no Salão do Salvador… O enterro do bacalhau fazia-se, de um modo geral, na noite de Sábado de Aleluia, celebrando «…a euforia pelo renascimento do “filho de Deus” que se conjuga[va] em simbiose com a alegria pela ultrapassagem da austeridade quaresmal» (LOPES, 2000, p. 237). No entanto, Carlos Lopes Cardoso refere a ocorrência desta prática na Quarta-feira de Cinzas, no concelho de Sintra6. João Maria Ferreira alertou-nos para o facto de, muitas vezes, devido ao sucesso Aurélio Lopes, em A face do Caos. Ritos de subversão na tradição portuguesa. Alpiarça: autor e Garrido Ed., 2000, p. 237, deixa claro que há localidades onde o enterro é substituído por afogamento. A ideia da moral costumeira nestas práticas é avançada por Aurélio Lopes em Idem, Ibidem, p.25. In Idem, Ibidem, p. 239. Alexandre Martins – «Serração da Velha e Enterro do bacalhau» in O Almonda, 03/04/1987, p. 9. Estivemos à conversa com João Maria Ferreira em Março de 2008. Esta conversa teve um carácter informal e não se pode considerar uma entrevista. In Carlos Lopes Cardoso – Do gordo Entrudo à Páscoa das flores. Três aproximações etnográficas. Lisboa: IPPC, 1982, p.57, citando o jornal Sintra Regional de 16/02/1929, II ano, n.º26. 237 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro 238 do evento, a sala encher de tal modo que havia necessidade de repor a representação em outras datas, de modo a que todos pudessem assistir ao espectáculo. De um modo sucinto, podemos dizer que o enterro/julgamento do bacalhau decorre do impedimento imposto pela liturgia católica de comer-se carne durante a Quaresma, que acabava por obrigar a comer-se bacalhau (cozinhado de todas as maneiras e com todo o tipo de acompanhamentos) devido à carestia dos outros peixes. Celebrava-se, então, com este ritual, a passagem da rigidez alimentar quaresmal para os excessos pascais, ligados ao consumo de carne. Em rigor, esta prática advém de usos pagãos resultantes da libertação das «energias do caos» (LOPES, 2000, p.19), o «longo Inverno»7 em que proliferam irreverências, desordens e contravenções. Várias são as personificações populares do Inverno: velhos e velhas8, entrudos e caretos, que eram perseguidos, queimados, enterrados ou afogados9. O enterro do bacalhau surge da necessidade de libertação das tensões acumuladas 7 8 9 10 durante todo o ano, a necessidade de zombar, de escarnecer e rir sobre os acontecimentos mais incómodos, angustiantes ou simplesmente “aparvalhados”, ocorridos quer a nível político quer ao nível das relações interpessoais no seio da comunidade local, funcionando como uma «válvula de escape» (LOPES, 2000, p. 25) das pressões e cóleras do ciclo de um ano de vida. Geograficamente, o foco principal deste ritual encontra-se na zona Norte do Ribatejo, delimitada pelo Tejo. No Oeste e no Ribatejo há ocorrências pontuais como em Lisboa, Sintra, Mafra, Loures, Torres Vedras, Lourinhã, Cadaval, Alenquer, Vila Franca de Xira, Benavente, Cartaxo, Rio Maior, Alcanena, Torres Novas, Tomar, Vila Nova da Barquinha e Santarém. Guilherme Felgueiras10 fala na existência do enterro do bacalhau em Trás-os-montes, em Valpradinhos-Macedo de Cavaleiros. Segundo Aurélio Lopes, realiza-se também no Alto Minho – no Porto, Macedo de Cavaleiros, Cinfães, Lamego, Arcos de Valdevez -, no Litoral – na Figueira da Foz, em Penela, Leiria, Ansião, Montemor-o-velho, Soure – e no Sul Aurélio Lopes designa assim a época do ano identificada com o frio e a dureza da natureza, que segundo o calendário da nossa era está balizada entre 21 de Dezembro e 20 de Março, a que chamamos Inverno. Relembre-se o costume da Serração da Velha, uso quaresmal, praticado, geralmente, na noite de quarta-feira da terceira semana da Quaresma, onde se representa a Quaresma como entidade – Maria Quaresma – e onde esta é serrada ao longo de toda a noite. A “Velha” é, no sentido religioso, a Quaresma e, em sentido laico, o Inverno (para os árabes os 7 dias do solstício do Inverno são chamados os dias da Velha.) Também Gil Vicente, no seu Triumpho do Inverno, representou esta estação do ano como “a Velha”, perseguida pelo “Maio Moço”. Cf. Teófilo Braga – “As festas do calendário popular”. O Povo português nos seus costumes, crenças e tradições. Vol. II. Publicações D. Quixote, Lisboa, 1986. Para a construção da contextualização das práticas do Enterro do Bacalhau no âmbito das manifestações de subversão do “Longo Inverno”, baseámo-nos nas ideias de Aurélio Lopes, difundidas na sua obra A face do Caos. Ritos de subversão na tradição portuguesa. Alpiarça: autor e Garrido Ed., 2000, p. 37-40. Os trabalhos de Guilherme Felgueiras «A Bênção dos ramos. A Quaresma. A Queima dos Judas. O Folar. O Compasso», in Mensário das Casas do Povo, ano XIX, n.º 226, Abril de 1965, pp.12-14 e «O Ciclo Pascal na Tradição Popular», in Mensário das Casas do Povo, [s.d.], p. 13, são citados quer por Carlos Lopes Cardoso (1982), quer por Aurélio Lopes (2000), respectivamente. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. – em Beja, Alandroal, Santiago do Cacém e Borba. Carlos Cardoso acrescenta ainda as ocorrências na Nazaré e Soutocico. No concelho de Torres Novas, o julgamento do bacalhau realizava-se – tanto quanto se pode documentar – nas freguesias de Lapas, Riachos, Zibreira, Pedrógão, Parceiros da Igreja e Árgea11, tendo-se, até, realizado em Torres Novas (vila): no Almonda Parque (1961)12 e no Teatro Virgínia (1972 e 1975)13, em benefício de instituições de lazer ou auxílio, como o Clube Desportivo de Torres Novas e o “Lar da Criança”14. Estas representações, embora tivessem subido à cena em Torres Novas (vila), eram representadas por grupos de fora, estes espectáculos, em particular, por um grupo de Lapas15. João Maria Ferreira relatou-nos ainda, em conversa informal16, que o julgamento do bacalhau fora representado também no Salão do Salvador. Revelou-nos o nome de Carlos Gonçalves17, como um dos actores que teria incorporado a personagem Baca11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 lhau («…parece mesmo que o estou a ver de bacalhau ao pescoço… que engraçado18…») e o nome de outros intérpretes como Maurício e Manuel Feliciano. Além disto, João Maria Ferreira conseguiu, ainda, de memória reescrever algumas quadras desta encenação, que passamos a transcrever: «ó Doutor Juiz, Tenha dó do bacalhau Qu’ele ainda é petiz É menor qu’um carapau! ó Doutor Juiz, Bacalhau, sardinha assada! Assim desta maneira Evita-se o peixe-espada!»19 Pesquisando no livro Salão do Salvador meio século de actividade cultural em Torres Novas20, acerca da existência de uma representação com este título, não encontrámos qualquer referência. Em Salão do Segundo recolhemos junto de fontes orais e a partir de notícias do jornal O Almonda. Lamentamos a existência de alguma localidade onde se tenha realizado o enterro do bacalhau que não tenha sido aqui referida. Assumimos a responsabilidade da lacuna. O jornal O Almonda noticia que o evento se vai repetir em Lapas e faz referência à ocorrência no Almonda Parque – O Almonda, 08/04/1961, p. 3 (Secção Pelo Concelho) Alexandre Martins – «Serração da Velha e Enterro do bacalhau» in O Almonda, 03/04/1987, p. 9. Idem, Ibidem Com organização de Alexandre Martins e original de Francisco Garcia. In Alexandre Martins – «Serração da Velha e Enterro do bacalhau». O Almonda, 03/04/1987, p. 9. Em Março de 2008 De facto, Carlos Gonçalves foi, entre 1944 e 1951, um dos grandes animadores do Salão do Salvador. João Maria Ferreira, em conversa informal, em Março de 2008. João Maria Ferreira apresentou-nos os seus escritos em conversa informal no dia 13.03.2008; este e outros documentos foram doados por João Maria Ferreira ao Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, encontrando-se, agora, em tratamento [AHMTN / Espólios Partilhados / JMF] Joaquim Rodrigues Bicho – Salão do Salvador, meio século de actividade cultural em Torres Novas. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2003. 239 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro 240 Salvador meio século de actividade faz-se apenas alusão a uma representação intitulada Julgamento do Terra Nova (1944), da autoria de Freire de Andrade e Silva (pseudónimo de Manuel Correia da Silva21). O jornal O Almonda anunciava assim esta peça: hilariante Opereta popular em dois actos «O Julgamento do Terra Nova», original por Freire Andrade e Silva, intermeada (sic) de lindos números e música e de cenas do maior imprevisto, pouco vulgares em espectáculos desta natureza22. Apurámos, mais tarde, em conversa com José Carlos Carreira23, que o Julgamento do Terra Nova era uma opereta cómica, uma versão do popular julgamento do bacalhau: uma versão menos brejeira, literariamente mais elaborada mas igualmente cómica – era um texto muito cómico… mas muito diferente do enterro do bacalhau das Lapas!24 Pela índole moral e religiosa do Grupo Cénico da Juventude Católica, que levava as suas peças à cena no Salão do Salvador, era natural que as críticas fossem mais comedidas e as piadas menos descaradas. Apesar disto, a representação do Julgamento do Terra Nova em quase tudo coincide com a dramaturgia do popular julgamento do bacalhau: 21 22 23 24 25 as personagens, as vestes e a encenação. Havia um tribunal onde o réu Bacalhau ia ser julgado: Numa mesa estava o juiz, noutra o delegado… depois havia os acusadores e os defensores… Eu fazia de Zé do Talho que estava contra o bacalhau, claro!25 As personagens do Julgamento do Terra Nova eram 14: o Doutor Juiz (interpretado por Joaquim Domingues), o Delegado do Ministério Público (interpretado por Francisco Guimarães), o Advogado de Defesa (interpretado por José Pimpão), Jácome Terra Nova (interpretado por Carlos Gonçalves), D. Quaresma das Trevas (interpretada por Fernando do Rosário), D. Páscoa da Ressurreição (interpretada por Joaquim Maurício), Micaéla Nabiça (interpretada por Joaquim da Silva Reis), o José do Talho (interpretado por José Carlos Carreira), o José do Nabo (interpretado por Manuel Feliciano), o José do Povo (interpretado por Veríssimo Carvalho Pais), o Oficial de Diligências (interpretado por Joaquim M. Figueiredo), o Polícia (interpretado por Policarpo Ferreira), o Escrivão (interpretado por N. N.) e Uma Testemunha (interpretada por Manuel Águas). Todas as personagens eram interpretadas por homens, o que é comum nas Manuel Correia da Silva (1899-1981), autor, actor e ensaiador de peças e revistas levadas à cena no Salão do Salvador e em outras casas de espectáculo. Cf. Joaquim Rodrigues Bicho – Salão do Salvador: meio século de actividade cultural em Torres Novas. Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 2003. In “Secção Pela Vila”, O Almonda, 25 de Novembro de 1944, p. 2 José Carlos Carreira pertenceu ao Grupo Cénico da Juventude Católica que actuava no Salão do Salvador. Foi actor amador desde os inícios dos anos 40 (século XX) até 1989. Conversámos informalmente sobre as histórias do teatro e do Salão do Salvador, no dia 17.03.2008. José Carlos Carreira, em conversa informal, 17.03.2008 José Carlos Carreira, em conversa informal, 17.03.2008 NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. encenações do julgamento do bacalhau. A este grupo acrescia, ainda, o condicionalismo de rapazes e raparigas serem proibidos de contracenar na mesma peça, o que obrigava os homens a vestir-se de mulher sempre que as personagens o exigissem. Apenas a data de apresentação a público da encenação do Julgamento do Terra Nova (8 Dezembro) não corresponde com aquela em que, vulgarmente, se realizava o julgamento do bacalhau (Sábado de Aleluia). Facilmente se explica esta dissemelhança: o Grupo Cénico da Juventude Católica não fazia representações durante a época da Quaresma, cumprindo assim os seus preceitos católicos, votando-se a um certo silêncio e introspecção que o catolicismo aconselha nesta quadra. Do Julgamento do Terra Nova apresentamos apenas o programa de sala (Figs. 14 e 15), uma vez que nem no arquivo fotográfico da família de Carlos Gonçalves, nem no de José Carlos Carreira, encontrámos qualquer fotografia desta representação. Embora não haja fotografias que o documentem, sabemos, 26 27 28 29 30 31 pelos depoimentos dos intervenientes26, que quando o Julgamento do Terra Nova subiu à cena encheu a casa27, de tal maneira que se repetiu quer no Salão do Salvador quer em terras vizinhas, como foi o caso da Chamusca28. Carlos Cardoso (em obra publicada em 1982) assumia que os documentos mais antigos, por si conhecidos, onde se fazia alusão ao julgamento do bacalhau, eram dois folhetos de cordel: um de 1815 (Lisboa)29 e o outro de 1824 (Porto)30. Todavia, acreditava que a prática do julgamento do bacalhau viria de trás, provavelmente do século XVIII, altura em que o comércio inglês dominava, entre nós, a difusão do bacalhau. Cardoso veio a comprovar esta tese, posteriormente, ao ter notícia de um folheto de cordel publicado em Lisboa, em 1790, intitulado Aventuras ou Lograçoens de D. Bacalhao Quaresma, e de D. Sardinha d’Espixa Offerecidas aos Peraltas de Lisboa para rirem depois das alleluias31. Na nossa região, e em concreto em Torres Novas, ao certo, não se sabe até onde remonta a origem destes rituais, mas pode- João Maria Ferreira e José Carlos Carreira José Carlos Carreira, em conversa informal, 17.03.2008 16 de Junho 1945, no Cine-teatro da Misericórdia da Chamusca Folheto de cordel intitulado Aventuras, / Ou / Lograções / De / D. Bacalháo / Quaresma, /E de / D. Sardinha d’Espixa. /Offerecidas aos Peraltas de Lisboa / Para rirem / Depois das Alleluias - citando um folheto de cordel, datado de 1815, Lisboa, in Carlos Cardoso - Do gordo Entrudo à Páscoa das flores. Três aproximações etnográficas. Lisboa: IPPC, 1982, p. 60. «No Porto, realiza-se o enterro do bacalhau pelo menos a partir de 1824, como se pode deduzir pelos seguintes folhetos de cordel: O bacalhau justificado / Ou/ Conservação do Futre Bacalhau/ Com Dona Carne; / A qual teve Lugar no Passeio das Fontainhas, quando Aquelle / Era levado para o Seminário, situado na Quinta do Prado. / Produção de hum Amigo do bom Bacalhau; po- / Rem mais Amigo da boa Carne (Porto, 1824) e O Bacalhau Triunfante./ Relação Divertida, e Curiosa: /Offerecida /A todo o apreciador de boa Posta/ Do mesmo Bacalhau: /Por hum apaixonado deste Petisco (Porto, 1824)». In Carlos Cardoso - Do gordo Entrudo à Páscoa das flores. Três aproximações etnográficas. Lisboa: IPPC, 1982, p. 60. Carlos Cardoso teve conhecimento desta edição através do catálogo da exposição O Povo de Lisboa, Exposição Iconográfica, Lisboa, Junho/Julho de 1978-1979, p. 298, conforme cita na obra Do gordo Entrudo à Páscoa das flores. Três aproximações etnográficas. Lisboa: IPPC, 1982, p. 86. 241 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro 242 mos alvitrar que as primeiras encenações se enquadrarão no tecido nacional – uma tradição que se perde nos tempos32. Certos são os testemunhos da existência desta prática entre os finais do século XIX e a primeira década do século XX. Leia-se o que se escreve em Árgea, história e património33: Em Árgea foi depositário do texto, e também ensaiador do auto, o senhor José Lopes Marçalo, nascido na última década do séc. XIX. Ele caracterizava, deste modo, o Enterro do Bacalhau: «Para o povo, o julgamento do bacalhau é uma tradição que se perde nos tempos. O bacalhau foi o luxo dos pobres, agora é dos ricos, mas isso é coisa dos tempos. A festa significa o fim da Quaresma e, portanto, o fim do reinado do peixe. Vem a Páscoa e a gente pode começar a comer outra vez carne. Os antigos fizeram uma festa a isso e nós vamos continuá-la. Iremos matar o bacalhau…». Durante o século XX, este rito foi celebrado oito vezes, sem periodicidade certa. José Marçalo (…) menciona ter entrado na peça quatro vezes, a primeira das quais em 1912. Bertino Coelho Martins34, sobre a realização do enterro do bacalhau em Lapas, escreve apenas o seguinte: Em tempos que já lá vão fazia-se na Freguesia o enterro do bacalhau. Recordo-me vagamente de ter assistido a alguns desses funerais. É perfeitamente natural que não consi32 33 34 gamos uma data exacta para situar o início destas práticas no concelho uma vez que não havia uma sustentação escrita da encenação, sendo transmitida apenas por via oral. Para um claro entendimento de como se processava este ritual de paródia e zombaria do quotidiano social/político, em Torres Novas, transcrevemos a descrição do julgamento do bacalhau realizado na freguesia de Zibreira, em 1985, da autoria de João Carlos Lopes, e o relato do cortejo da última representação do enterro (fuzilamento) do bacalhau, realizada em Árgea, em 1994: «… Zibreira, 1985: Enterro do bacalhau (…) // A festa começa verdadeiramente com a entrada dos personagens: é o gáudio de pequenos e graúdos, a passagem de “travestis”, que irão ter cada um o seu papel no desenrolar dos acontecimentos. Vem o juiz, de longas barbas brancas, ar solene, os advogados, a Páscoa de mini-saia, assumindo um visual claramente erotizado, a Quaresma, pesarosa, e todo um grupo de outros «funcionários» judiciais, testemunhas e jurados. A assistência vibra com as primeiras deixas e gestos(...). // Depois, o juiz orienta e arruma o palco e dá por aberta a audiência que culminará com a condenação do mísero bacalhau, que é negro como a ferrugem e rijo e duro que nem um pau». Vai então dar-se início ao «Enterro do Bacalhau». // Tomam assento o Juiz, o Delegado, Discurso de José Marçalo, transcrito em Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2005, p.149. Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2005, p.283. In Bertino Coelho Martins – Lapas. História e Tradições (crónicas publicadas no jornal O Almonda). Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas, 1991, p.149. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. o Escrivão, o Oficial, a Páscoa e a Quaresma, advogados de defesa e acusação e, pendurado na frente do palco, está o «peixe que foi criado no mar e veio para a terra ser um criminoso». Depois o juiz chama as testemunhas: Moisés Coutinho, o Cortador, Ricardo Freitas, o Farmacêutico, Vardizela Venta Suja, a Descarada, Raimunda Cana Verde, a Infeliz Desonrada, Ernesto Cachaçudo, o Mouco, Chico Adega, o Bêbado, Bernardino Saraiva, o Cigano, Monteiro Ferrabraz, o Capataz, José Loureiro, o Caixeiro, Afonsinho Pereira, o Tocador. A seguir, apresenta os Jurados: Adriano Pimentel Vendaval, Silvério da Fonseca, André Cabeludo, Ramos Antunes Sarigado (sic) e José Ameixa Sem Caroço Delgado Alto Baixo e Grosso. // A paródia incide primeiro na instituição judicial, ridicularizando, a começar, o próprio Juiz. O oficial presta--se então a apresentar um autêntico «tribunal ao contrário», subvertendo os traços normalmente definidores dos magistrados: // - Senhor Doutor Juiz Agostinho de Magalhães, não tem senão dívidas e não faz senão cães; // Senhor doutor Delegado Arlindo da Silva Lencastre, do Carregado, anda sempre encalacrado; // Senhor Advogado da Quaresma, Julião Pires Sirilho, tem dinheiro como milho; // Senhor Advogado da Páscoa, Silvério Pimentel, de Santarém, nunca avesa ninguém; // Escrivão Miguel Simões Falcão, é um grande trapalhão; // Oficial Norberto Santos Serrada, não presta para nada. // Seguem-se depois as 35 declarações de todos os participantes, num longo rosário de caricaturização, de críticas a aspectos quotidianos da vida da aldeia, tornando públicos factos e comportamentos, sempre a pretexto do bacalhau que, muitas vezes, «carrega» esses «pecados». Finalmente, o «criminoso» recebe a condenação máxima e procede-se a um cortejo em direcção a uma fazenda próxima, onde será enterrado perante os gritos de desespero da Quaresma. Durante algumas horas, um ano de vida da aldeia foi passado em revista. Esqueça-se que um vizinho matou os pombos a um outro, esqueça-se que houve quem tivesse caído da mota com «os copos», ou quem tivesse levado tareia da mulher. Esqueça-se, também, que no tempo da azeitona as baixas médicas sobem em flecha, ou que os trabalhadores da Câmara trabalham bem, no café, quando o calor aperta. // Agora, pode tudo começar de novo. O «maldito» está a ser atirado para a «campa fria» e todos os males levará com ele. Na próxima Páscoa renascerá outra vez, numa eterna viagem de condenado e salvador35.» «O cortejo manteve as características antigas: à frente, um figurante montando uma mula, ladeado por archotes, empunhava a bandeira com um bacalhau vistosamente pintado; seguiram-se as carroças enfeitadas com verdura e bonitas colchas, com o juiz, os advogados, os jurados, o padre e o sacristão; a cavalo, pavoneava-se o oficial de diligências; nos burros montavam as testemunhas, LOPES, João Carlos – “Serração da Velha e Enterro do Bacalhau: vamos deixar morrer a tradição?” In O Almonda, 20 de Março de 1987, p. 4 243 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro 244 a Páscoa e a Quaresma, esta carpindo-se já pela sua pressentida viuvez; a tropa vinha fardada, como é de preceito, com o comandante empunhando a espingarda, porque, afinal, ia haver um fuzilamento; e, finalmente, o pobre réu, o bacalhau, num barco, defendendo-se em voz chorosa, embora o julgamento ainda não tivesse começado.36» O festim aqui descrito só era possível graças ao trabalho de muitos, que por carolice faziam os textos (ou adaptavam os velhos textos às novas situações), recrutavam as personagens e ensaiavam-nas durante semanas antes da apresentação pública, faziam ou “repescavam” os adereços e figurinos. Podemos destacar alguns nomes que se evidenciaram pelo empenho e dinamismo na manutenção desta tradição nas terras torrejanas: em Árgea, destacam-se, entre outros, José Lopes Marçalo (ensaiador) e António José Ferreira Martins (o último ensaiador da representação 36 37 38 39 em 2004); e, na freguesia de Lapas, destacamse Francisco Garcia “Borracheira” (ensaiador) e Alexandre Martins (ensaiador e autor). A caracterização do enterro/julgamento do bacalhau só poderá ficar completa com a apresentação do texto dramático utilizado para a construção da encenação. Transcrevemos37, no final deste artigo, O Julgamento do Bacalhau pelo notário Luís Mendes Franco, documento não datado, pertença do Arquivo Histórico Municipal38. No documento Julgamento do Bacalhau, não encontrámos referência explícita ao verdadeiro nome do autor (apenas surge o nome do notário, que provavelmente é ficcionado), data e/ou local de redacção. Todavia, após a sua leitura, conseguimos retirar algumas notas que nos revelam o contexto da vila de Torres Novas nos anos entre 1930 e 5039. Atentemos, então, em algumas das pistas que o texto nos deixa: In Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2005, p. 286. Segundo os seguintes critérios e convenções: Na transcrição do Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco mantiveram-se, em termos gerais, a ortografia, a pontuação e a sintaxe originais; As abreviaturas não foram desenvolvidas, todavia a sua leitura faz-se sem dificuldades; aquando a ocorrência de abreviaturas de difícil compreensão, o desdobramento das mesmas faz-se em nota de rodapé; Respeito pela grafia do texto original, sem actualizações; mantiveram-se as maiúsculas e minúsculas originais, nos locais em que ocorrem; Manteve-se a pontuação e outros sinais originais dentro do texto; Todas as notas foram mantidas, conforme a localização no original; As notas de rodapé foram introduzidas e não incorporam o texto original. As notas de rodapé contêm os seguintes elementos: as anotações do autor superiores à linha no original; o texto rasurado pelo autor; as palavras de leitura duvidosa; De modo a facilitar a leitura: fez-se a separação das palavras que no texto se encontravam ligadas e acrescentou-se um – entre a indicação do nome da personagem e a fala da mesma; A disposição gráfica do texto foi mantida (a mais fiel possível dentro das capacidades gráficas e de impressão); Foi utilizado em todo o texto o mesmo tipo de letra; O início de cada fólio foi assinalado a cor diferente (cinzento), entre parênteses rectos e a um corpo de letra mais pequeno, da forma como segue em exemplo. Ex.: [Fl.1] Para indicar o verso da folha utilizou-se o v. Usou-se: Fl.- Fólio; v - verso; [ ] leitura duvidosa ; [ilegível] – palavra ilegível; (?) leitura duvidosa; [rasurado] – texto rasurado O documento em causa é propriedade do AHMTN. Encontra-se em tratamento no arquivo intermédio, com o número provisório 87. Apurámos estas datas e percebemos as referências à vila de Torres Novas de então, através da leitura dos registos de existência dos vários estabelecimentos da Vila, publicados no livro de Joaquim Rodrigues Bicho, intitulado Torres Novas memória e costumes (1936-1950) – editado em Torres Novas, pelo Município de Torres Novas, em 2006 – e através de conversa informal com Joaquim Bicho e José Carlos Carreira, dois homens a quem a memória permite ainda recordar temporal e espacialmente os sítios e nomes em causa. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. a Fradinha [Fl.4v]«Nem tem nariz o maldito Não tem olhos, nem pescôço Não tem péz só tem espinha [Fl.5]Vale menos que uns tremôços Comprado (sic) ali na Fradinha.» Nos anos 40/50 (século XX), a Fradinha era uma mulher que morava em frente da Fábrica de Fiação e Tecidos e que vendia tremoços, aliás, a venda de tremoços era, na altura, bastante vulgar40. o brás [Fl.5] «Sim póde haver muita gente Que caia nessa asneira. Cá para mim o que me apráz É chouriço e farinheira Daquela bôa do Bráz.» Encontrámos apenas referência ao “senhor Brás”, proprietário de uma venda de farinha41. Não nos parece que possa ser o mesmo, uma vez que o do texto é citado a propósito de chouriço e farinheira. Brás é também o nome do proprietário de uma taberna no Largo de S.to André, em 1959 (LOPES, 1997). O texto do julgamento aqui transcrito parece-nos anterior a esta data, fica, todavia, esta nota. a espanhola [Fl.6] «Eu não me embebedei embebedaram-me ali na Hespanhóla» 40 41 42 Joaquim Rodrigues Bicho (2006, p. 86) refere a existência, nas décadas de 30, 40 e 50 (século XX), de uma “taberna da espanhola” no Bairro de Santo António, propriedade de Manuel das Neves e Maria da Soledade Martins, a quem chamavam “a Espanhola”. o tarouco [Fl.2] «Na loja ali do Tarouco» [Fl.12v] «Marcha o que o Tarouco dér Lá’na casa do ençaio42.» [Fl.18] «Vaes ser morto e repartido Pelos do grupo e inda és pouco E depois vaes ser comido Na adega do Tarouco» Joaquim Rodrigues Bicho (2006, p.59) refere a existência, nos anos 30 (século XX), da família Tarouco, no bairro de Valverde. É possível que estes tenham sido proprietários de uma taberna ou mercearia nessa zona. Nesta altura, havia também uma padaria cujo proprietário era João Pereira da Rosa, a quem chamavam “o Tarouco” (BICHO, 2006, p.18). o Domigos gabriel [Fl.2] «Tem a multa de meu (sic) litro No domingo Gabriel.» Segundo o depoimento de José Carlos Carreira, o texto referir-se-ia ao armazém Segundo o relato de Joaquim Rodrigues Bicho, em conversa informal, no dia 11.03.2008. In Joaquim Rodrigues Bicho – Torres Novas memória e costumes (1936-1950). Torres Novas: Município de Torres Novas, em 2006. Chamava-se assim à casa da Banda de Torres Novas 245 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro de vinho de Domingos Gabriel que ficava nas Chãs (anos 40, século XX). beber água do lamego A ideia “ir beber água ao Lamego” está associada ao facto de em Valverde haver uma fonte, de duas bicas, que corria, em tempos, em abundante regueira de água até ao Lamego (BICHO, 2006, p. 55). Além disto, na zona do Lamego passa o rio Almonda e aí se lavava a roupa, incluindo fraldas, o que causava o nojo de muitos dos que pensavam beber a água do rio. a taberna do Dourado [Fl.10] «Vá beber vinho abafado á taberna do Dourado.» 246 O Dourado era uma conhecida Casa de Pasto, da vila de Torres Novas, situada na zona da Rua Nova de Dentro. Um dos seus pratos mais afamados era a dobrada com feijão branco43. o tasco do “gudefrêdo” [Fl.12v] «E náda mais tenho a dizer E se me despacho cêdo Inda vou beber um cópo Ao tásco do Gudefrêdo.» Embora não tenhamos encontrado nenhuma referência concreta a este Gudofredo, é certo que todos os homens, ou 43 44 quase todos, na altura (situemo-nos por hipótese entre 1930-50), tinham pequenas adegas nas suas casas e era comum por lá parar com os amigos a “beber copos”. taberna do Faustino [Fl.3] «ó meus senhores, se continua o desatino, Meto-os no casco da entrada Da taberna do Faustino.» Joaquim Rodrigues Bicho contou-nos que havia uma taberna “muito mal amanhada” de Faustino Rodrigues Bretes; José Carlos Carreira confirma a afirmação e reitera a ideia da má apresentação do estabelecimento. Também em Torres Novas memória e costumes (1936-1950) se faz referência à existência da pensão de Faustino Rodrigues Bretes44. As pistas são óbvias e não deixam escapar a ideia de que este texto terá sido escrito por terras torrejanas e, arriscamo-nos a dizer, que terá mesmo sido representado na vila, uma vez que as referências locais são tão evidentes. as personagens É imperioso passar revista às personagens desta dramaturgia, seu figurino e simbolismo. As personagens essenciais para que a encenação do julgamento se fizesse eram o Juiz, o réu - Bacalhau, a Quaresma (defesa) Segundo o relato de Joaquim Rodrigues Bicho, em conversa informal no dia 11.03.2008. Joaquim Rodrigues Bicho – Torres Novas memória e costumes (1936-1950). Torres Novas: Município de Torres Novas, 2006, p. 19 NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. e a Páscoa (acusação). Todos os outros – delegados, oficiais, testemunhas, advogados - podem ser mais ou menos, tornando a encenação mais rica e mais cómica. O Juiz é a única personagem séria, consciente e de discurso coerente (Vem o juiz, de longas barbas brancas, ar solene45). Enverga cabeleira e toga, segundo a maneira mais tradicional de apresentação dos juízes no tribunal. O figurino concede-lhe a seriedade necessária ao papel, todavia, sempre que há possibilidade, as outras personagens parodiam a sua figura e ridicularizam o papel do tribunal. O Bacalhau apresenta-se como um pobre coitado, vítima da crueldade e da arbitrariedade da sociedade. Dos relatos que ouvimos, percebemos que a personagem Bacalhau apresentava-se, por vezes, com um bacalhau ao pescoço. A Quaresma é a triste amada do Bacalhau. Infeliz pela iminente condenação de seu amado, apresenta-se vestida de luto e com ar desgostoso, saudoso e triste. Promete vingança – «Pró ano vaes pagar tudo // Quando acabar o Entrudo46»- deixando no ar o prenúncio de que para o ano toda a farsa se repetirá. A Quaresma é apresentada como sendo o oposto da Páscoa, isto é, pobre, sem luxos e justa. A Páscoa é divertida, alegre, foliona e, de certo modo, erotizada. Veste-se de cores 45 46 47 48 claras e vivas, ora de branco ora de vermelho. Em encenações mais arrojadas, já nos anos 80, chegava até a envergar mini-saia! A personagem Páscoa caracteriza a chegada do tempo dos excessos, a euforia do renascimento: «Juiz – Senhora Paschoa // Rainha dum bom manjar // Póde falar. // (…) // Onde houver festa eu lá estou // Logo chamada prá meza // Convidada sempre sou // Para tudo quanto é grandeza47» As testemunhas podem ser diversas. Há as de defesa e as de acusação. Têm nomes cómicos e personificam determinadas categorias sociais, profissões e diferenças baseados na condição racial. Micaéla Nabiça; José do Talho; José do Nabo; José do Povo; Moisés Coutinho, o Cortador; Ricardo Freitas, o Farmacêutico; Vardizela Venta Suja, a Descarada; Raimunda Cana Verde, a Infeliz Desonrada; Ernesto Cachaçudo, o Mouco; Chico Adega, o Bêbado; Bernardino Saraiva, o Cigano; Monteiro Ferrabraz, o Capataz; José Loureiro, o Caixeiro; Afonsinho Pereira, o Tocador; Besta Ramon, o espanhol; Pedro Passado da Pinha (ou Penedo da Cunha); Venâncio Borrachão; Roberto Sebastião; Ramoaldo(?) Baltazar; José Chouriço; Prêto Francisco António; Aniceto Figueiredo; Malaquias d’Alverca; Barimbau, por alcunha o Pouca Roupa… estas são as testemunhas que identificámos nos três trabalhos de encenação do julgamento do bacalhau que aqui fizemos referência48. LOPES, João Carlos – “Serração da Velha e Enterro do Bacalhau: vamos deixar morrer a tradição?” In O Almonda, 20 de Março de 1987, p.4 Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco, Fl.19v, AHMTN - em tratamento no arquivo intermédio, n.º provisório 87 Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco, Fls. 12v-13, AHMTN - em tratamento no arquivo intermédio, n.º provisório 87 Enterro do Bacalhau na Zibreira, 1985; Julgamento do Terra Nova, 1944; Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco, [s.d.] 247 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro 248 Os nomes das testemunhas revelam os seus vícios, como o da bebida (é recorrente a existência do bêbado, até pela sua comicidade), o desejo de voltar aos hábitos da carne (ex.: personagens com nomes relacionados com carne – José do Talho, José Chouriço e Francisco Besta Ramon, em alusão ao presunto espanhol jamon), o estatuto social (ex: o farmacêutico, o capataz e o José do Povo) e até a diferença racial (ex: o preto e o cigano). Oficiais, delegados e advogados servem para criticar a incompetência dos tribunais, onde muitos funcionários judiciais fazem pouco, não merecendo qualquer respeito por parte do auditório: testemunhas e jurados estão sempre desinquietos e muito indisciplinados - «Advogado – Contesto a acusação e tudo mais que // da causa resultar // Alego o seu bom comportamento // Para a verdade provar. // Neste templo de justiça // Onde se prova tanta innocencia // Como sempre honrosamente, // Justiça fará Voça Excelencia. // Juiz – Senhor Doutor Delegado. // Delegado – Por enquanto estou calado. // Juiz – ó Oficial, veja se essa gente se cála // E recolha as testemunhas à sála. // Oficial – ó meus senhores, se continua o desatino, // Meto-os no casco da entrada // Da taberna do Faustino. // (Para as testemunhas) E Voçês seus taramelas // Vão para esta sala do lado // Não rasguem os 49 50 51 bambinelos // Nem me sujem o sobrado.49» Todas as personagens eram interpretadas por homens, mesmo as personagens femininas. Inicialmente porque não era permitido à mulher imiscuir-se neste tipo de pantomima, posteriormente porque o travesti é sempre um elemento cómico por excelência. Além disto, a mutação da vestimenta masculina para as vestes femininas é um ícone carnavalesco revelador da subversão dos costumes e da insubordinação a uma ordem estabelecida. a sentença «Juiz – Bacalhau Visto o teu crime ser provado Tiveste esta infeliz sorte Por isso ficas sentenceado A sofrer pena de morte.» 50 «Levanta-te bacalhau que tens pouca sorte sobre o teu julgamento vais ser condenado à morte.» 51 Quase sempre condenado, o bacalhau é votado ao enforcamento, fuzilamento ou ao afogamento. No concelho de Torres Novas prevalecia a condenação por enforcamento. Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco, Fls.2v-3, AHMTN – em tratamento no arquivo intermédio, n.º provisório 87 Manuscrito da representação do enterro do bacalhau (propriedade de José Marçalo), realizada em Árgea, em 1959. Transcrito em Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2005, pp. 312-324. (o trecho apresentado encontra-se na p.321). Excerto do texto da representação do enterro do bacalhau, realizado na freguesia da Zibreira, em 1985, reescrito integralmente em João Carlos Lopes – Geografia e Cultura – Caracterização Etnográfica do Concelho de Torres Novas (I). Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas – Pelouro da Cultura, 1985 [Texto policopiado], pp. 44-86. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. A condenação é a peripécia essencial para que se possa desenlaçar o drama, matando o réu que no ano seguinte renascerá, qual salvador, para colmatar as faltas da carne na Quaresma… e que há-de voltar a ser condenado assim que os excessos pascais se aproximam. Conclusão Apesar do enterro/julgamento do bacalhau trazer à rua grande enchente («O Julgamento do Bacalhau costuma atrair à nossa terra muitas gentes das povoações vizinhas.52»), a verdade é que o “julgamento” deixou de subir à cena e desde finais dos anos 90 (século XX), que não são frequentes manifestações desta tradição. Os últimos espectáculos tiveram lugar em Lapas, em 200253, e em Árgea, em 200454. A imposição de novos valores, de novos códigos de socialização, e as mutações culturais que vivenciamos nos “novos tempos” conduzem ao desaparecimento da «secular ingenuidade tradicional»55, denotando-se assim uma natural extinção destes costumes. Mas, manter-se-ão as representações 52 53 54 55 56 57 do Enterro do Bacalhau e outros costumes semelhantes, como a Serração da Velha ou a Queima do Judas? Conservar-se-ão, por certo, na memória56 de alguns, que insistirão para que novas representações se façam em jeito de perpetuação dos costumes (confiando no seu papel de veículo na transmissão de uma herança cultural às gerações futuras), e, manter-se-ão, talvez, enquanto atracção turística, dando resposta a um desejo de curiosidade e do exótico, do excêntrico (LOPES, 2000, p. 328). Todavia, não se conservarão nem as primitivas razões que conduziram a estas práticas nem o carácter comunitário e o cunho de espontaneidade e irreverência destas figurações. «Nota-se em muitos o desejo de reactivar este costume. Não só os que já assistiram ou participaram em realizações anteriores, como os mais jovens, mesmo sem a memória de terem assistido a algum (…) Será que a tradição vai morrer por não haver alguém que “ponha mãos à obra” e reactive este costume? (…) É preciso passar esta tradição aos mais novos.»57 O Almonda, 08 de Abril de 1961, p. 3, “Secção Pelo Concelho” - em relação à representação ocorrida em Lapas. «…já lá vão uma dúzia de anos que esta tradição não se realiza…» In O Almonda, 28 de Março de 2008, Secção «Região – Lapas», p.15 Segundo se lê em Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2005, p. 286 LOPES, Aurélio – A Face do Caos. Ritos de subversão na tradição portuguesa. Alpiarça: autor e Garrido Ed., 2000, p. 325. Curiosamente, em Lapas, a toponímia contribui para que a memória destas representações não se apague, uma vez que uma das ruas do centro tem o nome de Francisco Garcia “Borracheiro”, ensaiador e dinamizador da tradição do julgamento do bacalhau nesta freguesia. In M. Ramos – «Julgamento do Bacalhau», O Almonda, “Secção Região-Lapas”, 28 de Março de 2008, p.15 249 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro aNexo DoCumeNtal traNsCrição Do DoCumeNto JulgAMeNtO DO BACAlHAu, PelO NOtárIO luíS MeNDeS frANCO, [s.D.], [s.l.] - aHmtN / arquivo intermédio / n.º 87 (provisório) [Fl.1] julgamento do bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco Juis – Oficial, declare que a audiência está aberta. Oficial – Venancio Borrachão Oficial – Senhores, está aberta a audiência testemunha – Pois então. Juiz – Faça a chamada dos Snr. Jurados. E quero esse povo de beiços fechados. Oficial – Roberto Sebastião Oficial – Meus senhores, pouco barulho que diz, o nosso Senhor Juiz Felizberto Coisa [rasurado] Má.58 Oficial – Ramoaldo(?) Baltazar es Jurado – Já. 250 testemunha – Ai não testemunha – Cá estou eu [61] meu logár [Fl.1v] Oficial – Cazarino Pouca Coisa. Júlio da Fonseca Galhão. Ricardo Pouca Sorte Simplício da Romana Januario Alentejano José Pera Abruinho Branco Claro das Neves Gil Gelado Lagarto Sardinha Leão José Barata Besoiro testemunha – [ilegível65] Juiz – ó Oficial, chame agora as testemunhas e veja também lá bem se trazem limpas as unhas. Oficial – Malaquias d’Alverca Oficial – José [Cho]uriço [ilegível62] testemunha – [ilegível63] Oficial – [ilegível64] Oficial – Aniceto Figueiredo testemunha – (Toca a gaita e [ilegível66]) Juiz – O amigo Metta a gaita no [ilegível67] Ou então nalgum boraes. Oficial – Franc[rasurado]o Besta Ramon59 testemunha – Pronto testemunha – Eu cá mesmo é que sou. Oficial – Barimbau , por alcunha o Pouca Roupa. Oficial – Pedro pasado da P inha. 60 testemunha – Eu mesmo 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 testemunha – Presente. No documento original, à margem, encontra-se a cor diferente, outra versão para a fala do oficial, rasurada: O Oficial // Abra a audiência // geral que temos ha(?)a // começar e veija // se êsse povo não começa a falar. Ou Ramou (é difícil de distinguir o u do n) Texto rasurado: P Texto ilegível devido à degradação do papel (rasgão). Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha). Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha). Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha). Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha). Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha). Texto ilegível devido à degradação do papel (mancha). NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. Oficial – Está tudo Senhor Doutor. Juiz – Tudo gente d’(?) causa (?) Está constituído o Tribunal, E vamos pois a entrar Em materia criminal. (para o réu) Levante-se lá seu marau (?). Como se vem a chamar? Bacalhau – O meu nome é Bacalhau. Juiz – Que idade pode dár? Bacalhau – Sou o mais velho de todos os habitantes do már. Juiz – Diga a sua ocupação Bacalhau – Sustento com galhardão Sem a menor destinção (sic) Desde a minha tenra idade a toda a umanidade (sic). Juiz – O seu estado também diga. Bacalhau – Solteiro e tenho uma amiga. [Fl.2] Juiz – Onde é então que nasceu? Bacalhau – Nasci e foi meu lár Nas profundezas do már. Juiz – onde mora? Bacalhau – Isso agóra… Juiz – onde móra? árre que é mouco Bacalhau – Na loja ali do Tarouco Juiz – Já esteve alguma vez prexo (sic) ou respondeu a algum crime? Bacalhau – Já mas foi inocente Por dár oleo a um doente. Juiz – Pode-se sentar, nesse banco devagar. (toca a campainha) ólhe lá ó oficial Que barulho é este então Fazem deste tribunal O Rocio de São Sebastião? Oficial - O que fizer aranzel (?) Tem a multa de meu (?) litro No domingo Gabriel. Juiz – Senhor escrivão Leia as pessas (sic) do processo em questão escrivão – (levanta-se) É acusado o Bacalhau De entrar em todas as casas De não ter péz nem cabeça Nem bico, nariz, nem ázas. É acusado tambem Do muito sál que ele traz, [Fl.2v] Do cheiro a chulé que tem E de ter as costas paa (sic) tráz É acusado não mais De nem barriga já ter De quem o comer a sós Muito vinho fáz beber. Acusado por ser caro Acusado que fáz mal aquella Senhora Paschoa Em questão comercial. Ha sete semanas a fio Que o chouriço deu para tráz O carneiro, toucinho e vaca, Vender-se não é capaz. E p’ra que acabe tal abuso Se requereu este processo Direitinho como um fuzo. Juiz – Tem a palavra o Snr. Dou. advogado. Advogado – Contesto a acusação e tudo mais que da causa resultar Alego o seu bom comportamento 251 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro Para a verdade provar. Neste templo de justiça Onde se prova tanta innocencia Como sempre honrosamente, Justiça fará Voça Excelencia. Juiz – É guarda livros?!! [Fl.3] testemunha – Sim sou eu que guardo-lhe os libros e limpo-lhe o pó, agóra o que escrevinha é outro de casaca. Delegado – Por enquanto estou calado. [Fl.3v] Juiz – ó Oficial, veja se essa gente se cála E recolha as testemunhas à sála. Juiz – Onde móra? Oficial – ó meus senhores, se continua o desatino, Meto-os no casco da entrada Da taberna do Faustino. (Para as testemunhas) E Voçês (sic) seus taramelas Vão para esta sala do ládo Não rasguem os bambinelos Nem me sujem o sobrado. Juiz – Tem algum parentesco, amizade ou inimizade com o réu? Juiz – Senhor Doutor Delegado. 252 Do-lhe os libros n’ma Sociedade da Rua dos Bacalhoeiros Juiz – Chame a primeira testemunha de acusação. Oficial – Francisco Besta Ramon (esta testemunha é mui galêgo) testemunha – Chaite que eu aqui estou. Juiz – Promete pela sua honra dizer a verdade? testemunha – ai pois isso Senhor Doitor é de crêr. Juiz – Como se chama? testemunha – Francisco Besta Ramon Que nesta terra tenho fama. Juiz – Que idade tem? testemunha – Uns 40 aí à róda. testemunha – Por esses mundos fóra. testemunha – Eu seja da côr do meu chapeu. Juiz – Póde agora estar sentado E responda ao Senhor Doutor Delegado. Delegado – O que sabe Voçê em respeito ao reu? testemunha – A minha queixa começa, Por vêr este marantéu Metido n’ma travessa Que cheirava a bom pitéu. Mandei-o para a minha frente E dei-lhe tão grande lenho Que a comel-o (sic) derrepente Vai e engrelo nma (sic) espinha Que tinha este tamanho. (faz com o braço a dimenção da espinha) Eu com ella no bandulho Já gritava, já gemia Fez-me tão grande barulho Que tive que ir à bacia Juiz – Em que se oucupa? Mas a espinha atravessou-se Neste olho aqui de baixo Que depois para a desóvar Tive dôres que nem um macho testemunha – Tenho o meu negociosinho e guar- Por fim saiu a tal espinha Juiz – Casado, solteiro ou viuvo? testemunha – Sou casado cá á moda. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. Desse malvado soéco (sic) Adeante duma buxa [Fl.4]Que causou estrondoso êco. test.ª – tenho tantos anos como o pau e bóla e as perninhas da menina adelaide no jôgo do lôto. Juiz – E chegou a ver essa espinha? Juiz – O que quer isso dizer? testemunha – Trago-a aqui no bolço. test.ª – Está a ver o Snr. Dr. Que o pau e bóla vále 10 e as perninhas são 11 com 10 são 21 que é quantos tem este seu Penêdo. Delegado – Hade estar muito cheirosa Para temperar o seu almoço Satisfeito Snr. Juiz. Juiz – Tem a palavra o Snr. Dr. Advogado. Advigado – O Snr. Ramon então diz Que cheirava a bom pitéu Quando estava na travessa… Juiz – ó homem vosse por essa forma está quasi a quinar. Em que se oucupa? test.ª – Comer e beber e trabalhar pouco. testemunha – Mas depois cheirou-me mal Juiz – Onde mora? Advogado – Não o comêce tanto à preça. Nada mais Snr. Juiz. test.ª – Na freguesia de Nossa Senhora do não te rales. Juiz – Vá lá para tráz e agóra. Tapem para ahi o nariz. Venha a outra testemunha. Juiz – Tem algum parentesco com o réu. Oficial – Pedro Penêdo da Cunha. Delegado – Conhece este reu ou não? testemunha – Pronto com todo o respeito. test.ª – Conheço Snr. Dr. Oficial – Ládre ao Snr. Juiz de Direito. Delegado – Diga lá do figurão O que souber sem favor. Juiz – Promete a verdade dizer? testemunha – Se a verdade não dissere (sic) Eu antes queira morrer. Juiz – Como se chama? testemunha – Pedro Penêdo da Cunha. Juiz – Casado, solteiro ou viuvo? testemunha – Nunca sustento mulheres, pégo e largo. Juiz – Péga e larga? test.ª – Quero dizer… entretenho-me [Fl.4v] com elas mas não me prendo. Juiz – Que idade tem? test.ª – Nem da água nem do sál. Juiz – Responda aí preguntas do Snr. Dr. Delegado. test.ª – Tem defeitos cá para mim Que os não poço (sic) tragar Muito sál, um cheiro mau Que nos faz agnniar (sic). Nem tem nariz o maldito Não tem olhos, nem pescôço Não tem péz só tem espinha [Fl.5] Vale menos que uns tremôços Comprado (sic) ali na Fradinha. Delegado – O que sabe mais além disso? test.ª – Sei que para mim antes quero Um bocado de chouriço 253 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro Delegado – Estou sastifeito. Advogado – Dá licença Snr. Juiz de Direito. test.ª – Tambem me chamo Borrachão mas não sou. Juiz – Póde preguntar. Juiz – Quantos anos tem? Advogado – Senhor Penedo responda Com franqueza ao que eu lhe digo Não tem ouvido chamar Ao reu o Fiel Amigo? test.ª – 40 test.ª – Tenho ouvido esse dixóte Mas eu não vou nesse bóte. 254 Juiz – Já? O seu estádo? test.ª – É sempre entre as 10 e as 11 como vê. Juiz – Em que se oucupa. test.ª – Cávo para ahi á bruta. Advogado – Diz o Snr. Pedro Penêdo Que tem defeitos lá para si Que os não pode nem tragar Mas soube que ha muita gente Que gosta desse manjar Juiz – Onde mora test.ª – Sim póde haver muita gente Que caia nessa asneira. Cá para mim o que me apráz É chouriço e farinheira Daquela bôa do Bráz. Juiz – Responda às preguntas do Snr. Dor. Delegado. test.ª – aqui nesta redondeza. Juiz – Tem algum parentesco com o reu? test.ª – Nada Delegado – O que diz deste reu? Advogado – Mais nada Snr. Juiz. test.ª – Digo que estou farto delle Que o não poço nem vêr Carniça carniça é que eu quéro É que eu gosto de comer. Juiz – Vá sentar-se ali para tráz. Delegado – Não sabe dizer mais nada? Oficial – Vá para ali sua bestinha, anda [Fl.5v] lhe heide preguntar Quanto lhe deve a Farinha. [Fl.6] Juiz – (toca a campainha) Quem está para ahi a falar? (pausa) gente sem inducação (sic). ó Oficial chame a outra testemunha. Oficial – Venancio Borrachão (leva-o à presença do juiz, muito bebado) Juiz – Jura pela sua honra dizer a verdade? test.ª – ólarila. Juiz – Como se chama? test.ª – Venancio. Juiz – Venancio só? test.ª – Cada um dá o que tem Está-me a parecer já massada E já aqui não estou bem. (vai para se ir embora e dá um bardo) Juiz – Então testemunha vem para aqui bebada? Isto não é casa para os que se embebedam test.ª – Eu não me embebedei embebedaram-me ali na Hespanhóla. Juiz – Inda o diz seu marióla. Você promete não tornar cá nesse estado? test.ª – Mas como heide eu arranjar isso? Só Se me engarrafar para toda a vida. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. Juiz – Talvez nem mesmo assim, porque Podia arrebentar a garrafa. Suma-se. test.ª – Olarila. Juiz – ó oficial. Ponha-me este garrafão lá fóra do Tribunal, e chame outra testemunha. Oficial – Para fora seu animal. Roberto Sebastião. test.ª – Presente (esta testemunha é um maritimo) Oficial – Vá á presença do Snr. Dr. Juiz. Juiz – Promete pela sua honra dizer a verdade. test.ª – Pela honra dum marinheiro. Juiz – Como se chama? test.ª – Roberto Sebastião. Juiz – Onde nasceu? test.ª – Sou filhóte do Almonda. Juiz – Que idade tem? tes.ª – 33 Juiz – Em que se oucupa? test.ª – Marinheiro. [Fl.6v] Juiz – Tem algum parentesco com o reu? test.ª – Não conheço piratas. Juiz – Responda ao Snr. Dr. Delegado. Delegado – O que sabe deste reu? Conte lá seu marinheiro. test.ª – Andava a minha fragáta Ha tempo no alto már De bom bordo para estibordo Como um bârço68 pode andar. Com aquele malvado Já poudre cheirando mál. 68 Delegado – E onde o tinha comprado? test.ª – Numa venda cá da terra Isto é tudo por igual. Delegado – E depois. test.ª – E depois de o comer Com os balanços do barco Deitei inteiras a póstas Por… sim… por aquele boráco (sic) Que está ao fundo das costas. Foi peixe ou foi o diábo Que nunca mais cá entrou E devem delle dár cabo Já o dizia o meu avô. Delegado – Mais náda estou satisfeto Advogado – Dá licença Snr. Juiz de Direito? ó Senhora testemunha. Adv. – Já lhe aconteceu comer. Daquele mesmo animal E muito vinho beber [Fl.7] Sem lhe fazer nenhum mal? test.ª – Sim eu já tenho atracado Sem haver abalroamento. Advogado – Sim Senhor é verdadeiro Esse seu depoimento. Nada mais neste momento. Juiz – ó oficial. Arrume para ahi mais esta. e traga outra besta igual agóra para variar. Oficial – Ramoaldo(?) Baltazar test.ª – Pronto. Oficial - Ponha-se ali a ladrar. Juiz – Jura a verdade dizer? test.ª – Pela saude dum burro Que tenho aquasi a morrer. Confunde-se com a palavra berço. Acreditamos que a intenção é escrever barco. 255 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro Juiz – como se chama? test.ª – Ramoaldo(?) Baltazar Para o servir e amar. Oficial – Voçê que já não dá rêgo Vá beber agua do Lamêgo. João Chouriça Carapau. Juiz – Que idade tem? test.ª – pronto test.ª – Estou aqui a fazer 69? Oficial – Arre, mosso, você é mouco? Vá á presença do Snr. Juiz. Juiz – Em que se oucupa? test.ª – Ferrador de bestas Snr. Dor. Juiz – De onde é natural? test.ª – Sou natural de minha mãe e de meu pae (sic). Juiz – Onde mora? tets.ª – Aqui por esta rua fóra. Juiz – tem algum parentesco com o reu? test.ª – Nada disso. 256 Juiz – Responda ao Snr. Dr. Delegado. Delegado – O que me diz o Senhor deste peixe desalmado? testemunha – Digo que tem dois defeitos Que nos não serve de ampáro [Fl.7v] O primeiro tem muito sal O segundo é muito cáro. Delegado – Não sabe dizer mais nadá? test.ª – Sei que tenho lá um burro, Que saiu assim casmurro Por comer n’um arraial Bacalhau com muito sal E o que poço afiançar É que o burro vae-se a pelar Quando isto dá nos burros O que fará então na gente. Delegado – Satisfeito Snr. Presidente. Juiz – O Oficial, leve esta e traga outra de defeza (sic). Juiz – Jura dizer a verdade? test.ª – Se vim tarde? Juiz – Pregunto (sic) se jura dizer a verdade? tets.ª – Á Senhor. Sim Senhor. Juiz – Como se chama? test.ª – José Chouriça Carapau. [Fl.8] Juiz – Que idade tem? tets.ª – Só contei até aos 10 Juiz – Casado ou solteiro? test.ª – Sou viuvo Snr. Juiz Juiz – Em que se oucupa? teste.ª –Vendo semente de couve. Juiz – Onde mora? test.ª – Agóra? Agóra não trago. Juiz – Onde mora, pregunto onde mora? test.ª – Á. Sou mesmo desta terra. Juiz – Tem algum parentesto com o reu? test.ª – Sou primo afastado. Juiz – Responda ao Snr. Dr. Advogado. Advogado – O Snr. Chouriça Carapau Conhece o reu Bacalhau? test.ª – Conheço até muito bem. É da minha mocidade. Advogado – Entao conte-nos lá tudo Que elle fez depois do entrudo. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. test.ª – O que é que o Snr. Dr. quér? Advogado – Estou satisfeito. Advogado – Que conte delle o que souber. Juiz – Senhor Dr. Delegado, quer também alguma coisa? test.ª – Á Senhor, sinhor (sic)! Nunca fêz mal a ninguem É peixe que só faz bem, Que nos dá força e vigôr. Advogado – Já ouviu dizer mal delle? test.ª – Tambem sim Senhor, Tambem se lhe come a péle Só os óços é que não [Fl.8v] mas mesmo isso se aproveita Para dar a qualquer cão. Advogado – Não é isso pregunto se já ouviu dizer mál do Bacalhau? test.ª – Á senhor. Não Senhor E visto que tenho léu(?)69 Vou dizer deste aquelle O que sei a favor delle. Quando eu era rapasito Tive um catarrál num pé, E o alventario(?) receitou-me Bacalhau de fricaçé Depois tive uma polmenia Neste joelho direito Comi bacalhau com migas Que me fez um grande efeito. Mais tarde então quando as forças Já me estão a falcroar(??) É bacalhau a almôço Á merenda e ao jantar. E estou rijo e com saude E o Snr. Dr. a comer Prá i (sic) a borra dos bifes Inda hade primeiro morrer. 69 70 Será léu ou Céu? = degredados = enviados para o degredo [Fl.9] Delegado – Você não gosta de carne? test.ª – Eu nunca tive sarna. Delegado – Se você gosta de carne? test.ª – Á Sinhor. Não Senhor. Essas porcariasinhas. São bôas para os cartolinhas A gente de varapau Preferimos o bacalhau. Delegado – Nada mais. Juiz – Olhe lá ó velhote. Se lhe dessem dois pratos um com bacalhau e outro com carne de porco ou vacca qual delles escolhia. test.ª – Se o Snr. Dr. dá licença Eu escolhia o bacalhau Que é animal sem doença E deixava-lhe a carnoiça Talvez de molastia cheia Para comer á sua ceia. Juiz – O oficial mande estar tudo calado Quando não caldo entornado. Oficial – O meus Senhores ou tapam o garrafão O então vão degradados70 p’ró tasco do Vale Carvão. Juiz – Oficial traga outra testemunha. Oficial – Francisco Antonio (esta testemunha é um prêto) test.ª – Pronto Seôr Juiz – Como se chama? test.ª – Prêto Francisco Antonio. 257 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro [Fl.9v] Juiz – Quantos anos tem? Delegado – Mas de qual gosta mais? test.ª – Mais de 20 test.ª – Mãe de prêto é que sábe. test.ª – Gosta de bacalhau Gosta de galinha E marufo é bom Melhor que sardinha. Juiz – Em que se oucupa? Delegado – Satisfeito. test.ª – Faz de creado de servir. Juiz – Gosta de bacalhau? Juiz – De onde é? test.ª – Preto gosta muito. test.ª – Da Canhoca, provincia d’ Ambáca. Juiz – Gosta de presunto? Juiz – Tem algum parentesco com o reu? test.ª – Prêto gosta muito. test.ª – Não ter parentes Siôr. Juiz – Qual acha mais agradavel? Juiz – Responda ao Snr. Dr. advogado. test.ª – O Bacalhau fáz melhor À natureza do cadevél. Juiz – Mas quanto são esses mais? Advogado – Olhe cá, conhece o reu? 258 testemunha – Conhecer muito bem. Preto já comer açado (sic), Já comer de fricaçé Também já comer a meneira, Até já o comer crú, E é bem bôa a esbrincadeira (sic). Juiz – Mande-m’o lá para Ambáca Pentear um macaco. Advogado – Já ouviu dizer mal delle? Oficial – Peça-o ao Snr. Pinheiro. test.ª – Dizer só bom e fáz bem A quem doença tiver Cura com toda a certeza O cadevel da natureza. Juiz – Chame a outra testemunha. Advogado – Não é preciso mais. Juiz – Snr. Dr. delegado. Delegado – Gosta de carne? test.ª – Sim Seôr. Delegado – Se lhe poserem um prato com uma galinha açada e outro com bacalhau cosido, qual das comidas escolhia? [Fl.10] test.ª – Preto comia tudo. Oficial – Vá beber vinho abafado á taberna do Dourado. test.ª- Preto não ter dinheiro Oficial – Aniceto Figuerêdo. test.ª – Sou eu. Oficial – Responda ao Snr. Dor. Juiz. Juiz - Promete dizer a verdade? test.ª – Como bróculos (sic). Juiz – O seu nome? test.ª – Aniceto Figueirêdo. Juiz – Edade (sic)? test.ª – 48 primavéras. Juiz – De onde é? [Fl.10v] NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. test.ª – Sou desta desgraçada terra onde é tudo caro. Juiz – Mas onde foi Você descobrir trez ólhos a qualquer pessôa? Juiz – Em que se oucupa? Test.ª – Essa agóra é muito bôa. Então o Snr. Juiz Não tem 2 junto do nariz E outro do outro lado Mesmo nas costas no cábo Chamado o ôlho do rábo? test.ª – Sou capador de porcos, com sua licença. Juiz – Tem algum parentesco com o bacalhau? test.ª – Nada disso. Juiz – Responda ás perguntas do Snr. Dr. advogado. Advogado – O Snr. Figueiredo que anda recupre de terra em terra hade ter encontrado muita vêz o reu bacalhau. test.ª – Em certas partes se não fosse elle Levava-me o diabo e a péle. Advogado – E de que mais nos pode informar. test.ª – Todas as vêzes que o como Sabe-me que ném um figo E sempre lhe ouvi chamar A todos fiel amigo. Juiz – Está muito bem sim senhor. Não fosse você capador. test.ª- Isso é que são desenções Pois elle fica pegado Onde eu faço as operações… Juiz – ó oficial como ahi não há quem precise ser capado Ferre com elle na rua Porque é muito mal creado. E chame a outra testemunha. Oficial – Malaquias d’Alverca. test.ª – Cá estou Oficial – Á prezença do Snror Dr. Juiz. Advogado – Já alguma vêz lhe fez mal? Juiz – Jura dizer a verdade? test.ª – Isso sim Senhor Soutor Nunca fêz mal a ninguem É este um peixe tão util Que até aos tizicos fáz bem. test.ª – A toda a sciedade (sic). Quem comer bacalhausinho Hade ter saude a molhos E quem na febre se meter [Fl.11] Depreça fécha os trez ólhos. Juiz – Como se chama? [Fl.11v] test.ª – Malaquias d’Alverca Juiz – Quantos anos? test.ª – Entre 20 e 59 Advogado – Estou satisfeito Snr. Juiz. Juiz – Em que se oucupa? Juiz – Explique-me cá uma coisa. O que quer a testemunha referir quando diz: quem na febre se meter depreça fecha os trez ólhos? test.ª – Sou hortelão test.ª – Quero dizer que morre. Juiz – Casado, solteiro ou viuvo? test.ª – Inda solteiro por causa das substancias. 259 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro Juiz – De onde é? Juiz – Jura dizer a verdade? test.ª – Da provincia da Estremadura. test.ª – Sim Senhor. Juiz – Tem algum parentesco com o reu? Juiz – Como se chama? test.ª – Nada é. test.ª – Com a bôca. Juiz – Responda ao Snr. Dr. [Delegado]71 Juiz – Qual é o seu nome? Advogado – O que sabe do Bacalhau? test.ª – Sou Barimbau Poutra. test.ª – Nada sei Snr. Doutor Apenas por ouvir dizer Que é bom e fiel amigo Mas não por eu o comer. Que eu antes quero pão de trigo. Não me fáz maior cobiça Porque eu só como hortaliça. Juiz – Que idade tem? Advogado –Então é á scistema (?) Cisne(?) 260 test. ª – Carne só aquela que estimo Ali fresquinha e sã É a da minha mulher, Isso então é que lhe arrimo Então n’isso é que conheço Que um homem não é de gêsso. Advogado – Sim Senhor. Não quero saber mais nada. Delegado – Tambem evito a massada. Juiz – Ponha-me fóra este côrvo [Fl.12] Cheio de gana Que só gosta de carne humana. Oficial – Vá para o campo comer palha O seu félpa (?) seu grande grálha. test.ª – Até o comia a si. Oficial – Pois sim, suma-se daqui. Juiz – Chame a outra testemunha. Oficial – Barimbau Poutra, por alcunha o Pouca Roupa. test.ª – Mais de 50 entrudos. Juiz – E a sua profição? test.ª – Fabriquei em tempo pão. Juiz – Onde mora? test.ª – Assisto lá para a Baixa. Juiz – Tem algum parentesco com o reu? test.ª – Eu não Senhor. Juiz – Responda ao Snr. Dr. advogado. Advogado – Meu amigo Barimbau Conte-me se fáz favor O que souber do Bacalhau. test.ª – Sim Senhor, Senhor Doutor. [Fl.12v] Nas minhas rapaziadas Comia-o centos de vêzes Com respoitosas taxádas (sic) Sem por isso haver revézes É peixe de tão bons figados Que até delles se extrai Um oleo que cura os tizicos É do Bacalhau que sáe (sic). E náda mais tenho a dizer E se me despacho cêdo Inda vou beber um cópo Ao tásco do Gudefrêdo. test.ª – Presente. 71 Texto rasurado. Superior à linha, a lápis, em jeito de emenda lê-se: advogado. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. Advogado – Nada mais. Delegado – ó Senhor Barimbau Pouca Roupa Qual gosta Você mais É do Bacalhau salgado O’de Cabrito bem guisado? test.ª – Ahi é que está o raio Marcha o que o Tarouco dér Lá’na casa do ençaio (sic). Delegado – Contem lá com mais um bico. Juiz – E eu á porta não fico. ó oficial esta lá para tráz Mas não deixe ir atrombar Sem a audiencia acabar. Ha mais alguma a depôr? Que ao pé de mim nada vale Mas meteu-se-lhe na cabeça O ser a minha rival Ha 4 semanas a fio Que essa bixa me fáz mal Com todo o seu biaterio Neste meio comercial. Não me faltava mais nada Sim… Em rica, formosa e bôa Bem vestida e bem calçada, [Fl.13v] Senão ser por uma barrôa Assim tão desconciderada Oficial – Nada mais Senhor Doutor. Ela é a causadora Do Bacalhau ser julgado Pois deve ser enterrada Onde ele for enterrado. Juiz – Senhora Paschoa [Fl.13] Rainha dum bom manjar Póde falar. E enquanto eu tiver riqueza Minha bixa feiticeira A cadeia é tua esteira. Paschoa – Eu confirmo a minha queixa de folhas trêz E acrescento inda mais o que desier (sic) desta vez. E não quero mais acusar Porque já déve sobrar. Tenho a força tenho a lei Tenho a meu lado a riqueza Tenho o povo todo inteiro De ganhar tenho a certeza Por isso digo bem alto Sem mim éra só tristeza Sem mim éra só jejum, Sem mim era só magreza! Onde houver festa eu lá estou Logo chamada prá meza Convidada sempre sou Para tudo quanto é grandeza Não me comparo francamente Com a quaresma indulente Juiz – Quaresma. Quaresma – Senhor Juiz. Juiz – Arrebita o teu nariz E diz então o que és. Quaresma – Sou tudo ao contrário Daquela senhora Sou pobre economica Não sou impestora. Não vivo de luxos Nem tenho de li(?) Inormes cartuxos. Não fui inducada Pobre é o meu lár Bonita não sou Nem sei bem falar 261 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro [Fl.14] Meu trájo é modesto Como é o meu póste Desejo-lhe a vida E ella a mim a morte. Mas bem como sou Tenho mais vergonha Que essa fidalguinha Cobérta de ronha. E vem-me acusar por eu ser amante D’um peixe do már!!! Porque é que o comeu Durante 4 semanas Com espinhas e barbatanas? 262 Levante a ponta do véu Que encobre essa málvadez Diga á lei e conte ao ceu: Que o comeu mais d’um mês Muito por sua vontade Que ninguem a obrigou Foi ao práto o melhor peixe Que o már á terra deitou. Se no negocio do chouriço Perdeu então bom dinheiro, Foi ganhal-o o hortelão Ceriaes e mercieiro Eu não fiz mal ao comercio Deste pequeno Paiz Nem sou nenhuma barrôa Como essa cócóte diz. [Fl.14v] Deus te dei (sic) muita chouriça Náda mais Senhor Juiz. Apenas pedir justiça. Juiz – Dou um pequeno intervalo Que um homem não é de bárra Para quem tráz o gáto cheio Poder fumar um cigárro E beber-lhe litro e meio. ________ ________ ________ ó Oficial. Ponha-me tudo nos eixos E mande limpar os queixos. Sequem os debates e tem a palavra o Snr. Dr. Delegado. Delegado – Ha muitos anos que oucupo (sic) Este logar tão honroso Mas com um tão grande crime Nunca vi um criminoso. Eu éra mais creminoso (sic) Se o deixassse escapar Pela malha desta rêde Sem muito o acusar. Acusa-o a razão Acuso-o eu neste instante, Acusa-o a Senhora Paschoa E acusa-o a propria amante. Elle mesmo a si se acusa E se não me falha a muza (sic) Vejamos. [Fl.15] Em questões comerciaes Fez ella a Senhora Paschoa O que se não fáz aos pardaes A propria amante o acusa… E dize-lo não recusa Que a Senhora Paschoa o comeu Durante 4 semanas Com espinhas e barbatanas óra isto francamente Póde ser um cidadão Esse que sustenta a gente Como quem sustenta um cão? Elle mesmo a si se acusa Disse eu e vou provar NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. Repassem Senhores jurados Aquelle modo de testár É modo dos condenados. Vem para aqui sem cabeça Este peixe do diabo E tráz para a gente comer as barbatanas e o rábo. Isto só é o bastante Para elle ser repugnante. E então as testemunhas Fizeram-lhe tão mais referencias Que evito falar nelas Porque as ouviram Vossas Excelencias. Devem ter muito cuidado E creiam que não é fórte [Fl.15v] Se elle fôr condenado Na última pena de morte. E disse. Juiz – Toma a palavra o Snr. Dr. Advogado do reu. Advogado – (levanta-se e começa a falar muito agradável para o juiz) Senhor Doutor Juiz de Direito Com o maior respeito Vejo Vossa Excelencia com a inteligencia, capacidade e honradez Suficiente para fazer pura Justiça como sempre. (para o Delegado) Respeitabilissimo Colega, (para os jurados) Senhores jurados, (para o pouvo) Respeitavel auditorio Depois deste falatório Pregunto eu apenas isto… 72 Na margem superior encontra-se a assinatura de Manuel Lopes Maioral. Enterra-se o bacalhau E prendesse aquella mulher Simples e sinceramente Porque o Senhor Delegado quer? Acusar com próvas certas Acusar com consciencia Esse sagrado dever Não cumpre Vossa Excelencia. Acusa-se um desgraçado Porque aquelle mode (sic) de estár É modo de condenado. Esta é que é de matar! Esta só com uma tranca [Fl.1672] Digo eu para aquella banca. Senhores Jurados. Vejam muito bem o crime Que aqui se está arranjar… Vejam as gavarolices Que nos veio apresentar A Paschoa raça infernal Mais rica que o pouvo (sic) inteiro Vem pensar que o tribunal Se troca pelo seu dinheiro. Cautela com essa leria Se as de acusação são compradas Pelas testemunhas de defeza (sic) se vê Que as de acusação são compradas Por isso as suas palavras Não devem ser concideradas (sic). E demais Senhores Jurados O Codigo Penal diz claramente: Antes absolver dez criminosos Que condenar um inocente. A Quaresma essa coitada Provou-se á coincidencia Que tambem mál algum fêz 263 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro (para o bacalhau) Isto é peor de que num sapo E visto a sua inocencia Inocencia nua e crua Deve também ir para a rua. Não sou eu que o condeno É quem vem aqui sepôr Eu faço apenas justiça E a ninguem faço fávôr. Justiça p’ró inocente Que enche a barriguinha á gente [Fl.16v] E disse. Delegado – Senhor Juiz dá licença? Pode falar73 Não admite ao Snr. Doutor Qualquer desconcideração Quando prendo-o mais curto E deminuo-lhe a ração. Senhores Jurados. Visto que estes advogados Me pucham (sic) pelas escravêlhas E que são tão mal creados Como os que guardam ovelhas Vou a acusação provar E pôr-me no meu logar. Disse Senhores jurados a testemunha de defeza Malaquias d’Oliveira 264 Sendo do Bacalhau tão amigo Que é peixe que não gosta Que prefere o pão de trigo Quando esta testemunha diz isto O resto já está visto. O burro do Remoálvo Por comer num arraial Bacalhau até esta(?) calvo Senhores jurados vejam bem o que vão fazer Só na justiça me fio Para não haver mais demoras Tenho a barriga a dár horas. Disse Advogado – Senhor juiz dá licença? Juiz – Pode falar. Advogado – Um homem que guarda ovêlhas Pode ser serio e honrado Nunca o é quem não encerra Aquelle dever sagrado No seio da justiça da terra. E diz elle e com razão Quando isto dá nos burros O que fará num cidadão. Vejam esse marinheiro Que deitou todo inteiro Por baixo pelo trazeiro E o pobre Ramon coitado [Fl.17] Com aquilo atravessado Uma inorme assim Também no mesmo boraco 73 Escrito a lápis. Provável anotação posterior, dando a resposta do Juiz. Por isso eu peço justiça E apresento fundamentos Testemunhas serias e fixas [Fl.17v] Que não são nenhuma (sic) jumentos Vejam bem o hortelão Que bem diz do coração: Carne só a minha e A da minha minha (sic) mulher E é quando está fresquinha. Até dá oleo pr’ós tizicos Diz o nosso Barimbau! E ainda te querem mál NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. Tentam em me condenar Maldito sejam aquelles Que tiverem tal pensar. Desgraçado Bacalhau! Se não fosse o Bacalhau Ao coprador(sic) ser fiel A fome já era tanta Que lhe levava o diabo a péle. O prêto Francisco Antonio Jura com grande certeza Que cura toda a doença Do cadavel da Natureza. O Chouriça Carapau Curou já um catarral E uma pneumonia Comendo deste animal. Já veem Senhores Jurados Quem é assim defendido É que tem grande partido. É um crime condenar Em nome da lei eu digo Quem nos serve de manjar [Fl.18] E que é fiel amigo. Justiça e disse. Juiz – Estão encerrados os debates Findaram os dispartes. Levante-se o réu. Diga lá seu maranteu Se tem mais a alegár Antes da buxa gramar. Eu não poço admitir Que este peixe do diábo Traga para a gente comer A barbatana e o rabo. Bacalhau – Pobre de mim coitadito Que não fiz mál a ninguem Nunca pratiquei o mál A todos fiz sempre bem. E agora inda em cima Juiz – Podes-te sentar. Senhor escrivão Escreva os quezitos desta reinação Para acabar a entriga E fazermos bem á barriga. escrivão – Já lá vem? [Fl.18v] Juiz – O réu Bacalhau é acusado pelo libelo do Ministério Público de que nos chatiou (sic) durante 4 semanas prejudicando segundas pessoas no comercio. A circunstancia agravante de que o reu obrigado pella Quaresma pre judicou o comercio faz então com que o chouriço etc: baixasse. Que o reu meteu uma espinha no ôlho do baixo ventre á testemunha Ramon e que fez um burro pelar-se Está ou não provado? Que o reu cheira mal não tem nariz, cara, bôca, barriga, ou bico e que a vergonha é pouca Está ou não provado? Que fáz ancias (sic), tem muito sál E é cáro este animal Está ou não provado? A circunstancia atenuante que o reu é fiel amigo e que o seu olio é proveitoso Está ou não provado? Que fáz bem á saude e sabe que nem um figo 265 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro sem fazer mal ao umbigo [Fl.19] Está ou não provado? Quaresma – (chora) O melhor é chorar antes Na cama que é logar quente. Que fáz bem á pobreza E ao cadável da Natureza Está ou não provado? Juiz – Deixamos de choradeiras Para ver se isto vae ao cabo Depois do burro estar morto Não vae a sevada (sic) ao rábo (?) Que cura catarrais e peneumenias (sic) num momento. E que tem bom comportamento Está ou não provado? escrivão – (Entrega ao juiz os quezitos) Pronto Snr. Juiz Os quezitos como quis. 266 Juiz – (Pega nelles e entrega-os ao presidente do jure (sic)) Tome entregue destes assumptos Mas não sejam sempre defuntos. (Os jurados conversaram uns com os outros, lendo os quezitos e resolvendo as respostas e d’ahi por pouco tempo volta o jurado presidente a entregar ao juiz) Juiz – (Escreve a centença74 e depois lei75) Levanta-te desgracado Bacalhau Vou ler a tua centença Vou dizer a tua sorte Diz adeus á tua amante Que tens a pena de morte. Vaes ser morto e repartido Pelos do grupo e inda és pouco E depois vaes ser comido Na adega do Tarouco [Fl.19v]Tem paciencia amigo meu Mas foi a lei que tu deu. Tu Quaresma dou-te a pena de cadeia, 4 semanas é melhor que fazer meia (?) Advogado – Apélo para o Venerando Tribunal de Lisboa Quaresma – Espera fidalga da trama Que mesmo lá da cadeia Te mando fazer a cama Pró ano vaes pagar tudo Quando acabar o entrudo. Juiz – Senhor escrivão Passe mandado de condenação Ao ençaio E a guarda tenha cuidado Não apareça algum gaio Que lhe coma algum bocado. E eu em nome da sociedade Agradeço a todo o pouvo [Fl.20]76 Que nos quizeram ouvir Caladinhos como um ôvo Desculpem qualquer dizer Que não foi para ofender! Viva a sociedade do enterro do Bacalhau! Viva o pouvo desta terra! Fim Bacalhau – (chora) Adeus amante tão querida Vae-se esta paixão ardente 74 75 76 (sic) Leia-se: lê. Fólio avulso, de tamanho mais reduzido que os restantes. Trata-se, provavelmente, de um acrescento ao texto, inserido para finalizar a fala do Juiz. Não sabemos se esta folha apensa é contemporânea do restante documento. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. aNexo iCoNogrÁFiCo 267 Fig.1 _ A celebrização do orador José Augusto pelas suas críticas ao Governo. Gravura de Rafael Bordalo Pinheiro, “O Popular José Augusto, orador do enterro de Bacalhau”, publicado em ”O António Maria”, 25/03/1880. Fig.3 _ No “Tribunal”: à esquerda, identifica-se a Páscoa festiva e, à direita, a Quaresma pesarosa. Ao centro, em primeiro plano, o réu – o Bacalhau. Enterro do Bacalhau em Zibreira, Torres Novas [1985, século XX]. Foto de João Carlos Lopes. Fig.2 _ Travesti (testemunha ou Páscoa, a julgar pelo vestido garrido e o ar “prazenteiro”). Enterro do Bacalhau em Lapas, Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes. Fig.4 _ No “Tribunal”: pode ver-se, ao centro, o Juiz de longas barbas brancas. Enterro do Bacalhau em Zibreira, Torres Novas [1985, século XX]. Foto de João Carlos Lopes. NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro Fig.6 _ Em cena, durante o Julgamento do Bacalhau: em primeiro plano, o réu Bacalhau; ao centro, em segundo plano, testemunha esbracejando; à direita, a mesa do tribunal. Enterro do Bacalhau em Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80 século XX]. Foto de João Carlos Lopes. 268 Fig.5 _ Provável testemunha ou Quaresma, a julgar pelo traje de luto – Enterro do Bacalhau em Zibreira, Torres Novas [1985]. Foto de João Carlos Lopes. Fig.7 _ Elenco do Julgamento do Bacalhau – Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes. Fig.8 _ Em cena, durante o Julgamento do Bacalhau: testemunha - Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. Fig.9 _ Elenco do Julgamento do Bacalhau (provavelmente são testemunhas) – Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes. Fig.12 _ Testemunha – Enterro do Bacalhau em Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes Fig.10 _ Em cena, durante o Julgamento do Bacalhau: testemunha – Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes. Fig.11 _ Elenco do Julgamento do Bacalhau: a Quaresma, de preto vestida, e a alegre Páscoa, de branco – Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes. Fig.13 _ Em cena, durante o Julgamento do Bacalhau: testemunha (em primeiro plano) e carrasco (em segundo plano) – Parceiros da Igreja, Torres Novas [anos 80, século XX]. Foto de João Carlos Lopes. 269 NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro 270 Fig.14 _ Programa da “Récita no Salão do Salvador”, promovida pelo Grupo Cénico da Juventude Católica, onde se apresentou o Julgamento do Terra Nova (8 de Dezembro de 1944, Salão do Salvador, Torres Novas). Este documento é propriedade de José Carlos Carreira e foi reproduzido e publicado com a sua autorização. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. 271 Fig.15 _ Interior do programa da “Récita”, promovida pelo Grupo Cénico da Juventude Católica. Aqui pode ler-se os nomes das personagens e dos intérpretes da opereta O Julgamento do Terra Nova apresentado na 3.ª parte do espectáculo (8 de Dezembro de 1944, Salão do Salvador, Torres Novas). Este documento é propriedade de José Carlos Carreira e foi reproduzido e publicado com a sua autorização. NOVA AUGUSTA Margarida Moleiro FoNtes e bibliograFia FONTES ORAIS _ Filomena Gonçalves Ferreira _ João Carlos Lopes _ João Maria Ferreira _ Joaquim Rodrigues Bicho _ José Carlos Carreira 272 FONTES ESCRITAS _ Textos dramáticos da representação do Julgamento/Enterro do Bacalhau (redigidos a partir da memória de João Maria Ferreira) _ Julgamento do Bacalhau, pelo notário Luís Mendes Franco, Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas (em tratamento no arquivo intermédio, com o número provisório 87) _ O Enterro do Bacalhau, texto dramático representado na freguesia da Zibreira, em 1985, reescrito integralmente em João Carlos Lopes – Geografia e Cultura – Caracterização Etnográfica do Concelho de Torres Novas (I). Torres Novas: Câmara Municipal de Torres Novas – Pelouro da Cultura, 1985 [Texto policopiado], pp. 44-86 _ O Enterro do Bacalhau, manuscrito da representação do enterro do bacalhau (propriedade de José Marçalo), realizada em Árgea, em 1959. Transcrito em Maria Helena Maia, Manuela Poitout e Luís Batista – Árgea, história e património. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2005, pp. 312-324. PERIóDICOS _ Jornal O Almonda, 25 de Novembro de 1944, Secção «Pela Vila», p. 2 _ Jornal O Almonda, 26 de Março de 1955, Secção «.....- LAPAS», p. 5 _ Jornal O Almonda, 9 de Abril de 1955, Secção «O Almonda nas Aldeias», p.2 _ Jornal O Almonda, 19 de Março de 1960, Secção «Pelo Concelho - Árgea» p. 2 _ Jornal O Almonda, 16 de Abril de 1960, Secção «Pelo Concelho – Árgea», p. 5 _ Jornal O Almonda, 7 de Maio 1960, Secção «Pelo Concelho – Árgea», p. 5 _ Jornal O Almonda, 08 de Abril de 1961, Secção «Pelo Concelho», p. 3 _ Jornal O Almonda, 28 de Janeiro de 1961, Secção «Pelo Concelho -LAPAS», p. 5 _ Jornal O Almonda, 03 de Abril de 1987, «Serração da Velha e Enterro do bacalhau», p. 9. _ Jornal O Almonda, 08 de Abril de 1961, Secção «Pelo Concelho», p. 3 FONTES ICONOGRÁFICAS _ Fotografias do Enterro do Bacalhau em Lapas, Torres Novas, década de 1980, cedidas por João Carlos Lopes _ Fotografias do Enterro do Bacalhau em Zibreira, Torres Novas, 1985, cedidas por João Carlos Lopes _ Fotografias do Enterro do Bacalhau em Parceiros de Igreja, Torres Novas, década de 1980, cedidas por João Carlos Lopes _ Gravura de Rafael Bordalo Pinheiro, “O Popular José Augusto, orador do enterro do Bacalhau, publicado em “O António Maria”, 25/03/1880 _ Programa da “Récita no Salão do Salvador”, promovida pelo Grupo Cénico da Juventude Católica, onde se apresentou o Julgamento do Terra Nova (8 de Dezembro de 1944). Documento gentilmente cedido por José Carlos Carreira. NOVA AUGUSTA O Julgamento do Bacalhau: práticas no concelho de Torres Novas. BIBLIOGRAFIA _ BRAGA, Teófilo – O povo português nos seus costumes, crenças e tradições. Vol. II. Publicações D. Quixote, 1986, pp. 190-199 _ BICHO, Joaquim Rodrigues – Salão do Salvador, meio século de actividade cultural em Torres Novas. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2003 _ BICHO, Joaquim Rodrigues – Torres Novas memória e costumes: 1936-1950. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2006 _ CÂNCIO, Francisco – Ribatejo lendário e Pitoresco. Santarém: Junta da Província do Ribatejo, 1946/47 _ CARDOSO, Carlos Lopes – Do Gordo Entrudo à Páscoa das Flores. Três aproximações etnográficas. Lisboa: IPPC, 1982 _ COELHO, Adolfo – Festas costumes e outras matérias para uma etnografia de Portugal. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1993 _ LEITE DE VASCONCELOS, J. – Etnografia Portuguesa. Vol. I a VIII. Organização de M. Viegas Guerreiro. Lisboa: Ed. 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Torres Novas: Serviços Culturais da Câmara Municipal de Torres Novas, 1991, p.149 _ VEIGA D’OLIVEIRA, Ernesto – Festividades Cíclicas em Portugal. Lisboa: D. Quixote, 1984, pp. 17-84 273 275 ARQUeOLOGiA Acerca de um cabo de faca medieval em Torres novas Gonçalo Lopes* João Tereso Das escavações do imóvel N.º121 da Rua Carlos Reis resultou a descoberta de 18 silos medievais. Do conjunto de silos estudados, destaca-se o n.º 13 de onde se extrairam materiais dos séculos XII e XIII. Neste estudo, Gonçalo Lopes e João Tereso analisam uma faca em ferro, de grandes dimensões, que ainda conserva parte do cabo original em madeira. A perecibilidade da madeira justifica que usualmente não sejam arqueologicamente conhecidas as matérias-primas lenhosas utilizadas no fabrico de cabos de utensílios, o que confere um carácter excepcional a este achado. *Licenciado em História,variante de Património Cultural pela Universidade de Évora. 277 NOVA AUGUSTA Acerca de um cabo de faca medieval em Torres Novas Nota iNtroDutória Em 2006, entre os meses de Abril e Junho, foi intervencionado o imóvel (nº 121) que faz a esquina das ruas Carlos Reis e General José de Vasconcelos Correia, no centro histórico de Torres Novas. Inicialmente, apenas estava previsto o acompanhamento arqueológico da remodelação do edifício, mais tarde, por imposição da descoberta de 18 silos medievais, foi escavada toda a área onde a destruição das estruturas era inevitável1. Do conjunto de silos escavados (Costa et al., 1997), interessa referir o silo 13, cujo espólio já foi previamente estudado (Lopes, 2007) e revelou um horizonte material próximo dos finais do séc. XII, inícios do séc. XIII, com alguns materiais, nomeadamente um cantil, de procedência almóada. Daqui destaca-se uma peça que, devido às excepcionais condições de conservação de uma das suas partes, justificou um estudo mais aprofundado: uma faca em ferro, de grandes dimensões, que ainda conserva parte do cabo original em madeira. Sendo banais em contextos de lixeira medievais (sobretudo), os objectos em ferro são recorrentemente negligenciados quando se chega à fase de tratamento do espólio de qualquer escavação. O ferro é o metal que coloca mais problemas de conservação e, não raras vezes, 1 2 as peças deste material, devido às especificidades da sua oxidação2, saem do lugar da intervenção arqueológica sob a forma de pedaços informes de ferrugem. Geralmente completam o seu ciclo de corrosão à espera de tratamento laboratorial, perdendo-se de forma irremediável. No entanto, como veremos, neste caso em particular, a oxidação permitiu a conservação de um elemento orgânico que, em condições normais, teria desaparecido sem que dele se pudesse extrair qualquer informação. 279 FIG.1 _ Localização do nº 121 da Rua Carlos Reis na malha urbana de Torres Novas Os trabalhos arqueológicos foram dirigidos por Ana Filipa Rodrigues e Teresa Costa, da empresa CRIVARQUE Lda. A oxidação do ferro é muito mais rápida e instável do que a que ocorre nos outros metais, sendo extremamente raro encontrar peças bem conservadas em contextos arqueológicos. NOVA AUGUSTA Gonçalo Lopes e João Tereso 1. CoNtexto arqueológiCo A faca em questão foi recolhida, como atrás ficou dito, do enchimento do silo 13, identificado junto à parede Sudeste do edifício vizinho, cuja construção perturbou significativamente as preexistências. Em termos de proveniência estratigráfica, a peça foi exumada na unidade estratigáfica 14 (U.E. 14), a única do silo 13 que continha espólio arqueológico, caracterizada, essencialmente, por ser uma camada “orgânica”, argilo-arenosa, de tonalidade cinzento-escura com carvões, nódulos de argila e areia amarela. 280 FIG.2 _ Representação gráfica do silo 13. Esta unidade estratigráfica foi datada, de forma contextual, de finais do séc. XII, princípios do séc. XIII. Continha alguns fragmentos de cerâmica medieval cristã, restos de fauna e um cantil almóada fragmentado que foi determinante na obtenção da cronologia proposta (Lopes, 2007). 2. CaraCteriZação Formal A faca do silo 13, apesar de se encontrar fragmentada (em três pedaços), apresenta um razoável estado de conservação e, após uma sumária limpeza mecânica, não se constataram sinais de corrosão activa muito acentuados revelando, portanto, alguma estabilização química e física. É constituída por duas partes distintas: a área funcional, que corresponde à lâmina, de gume único (204 mm de comprimento por 40 mm de largura máxima) e a área de encabamento, ou espigão, de secção rectangular (85 mm de comprimento), onde se conservou parte do revestimento original em madeira. Estes dois segmentos juntos perfazem um comprimento máximo de 297 mm. O perfil é vagamente arqueado, com uma quebra acentuada no dorso, alguns centímetros antes da extremidade distal. Esta característica confere à ponta um aspecto recurvado, em sentido ascendente, que na realidade não tem. Até ao momento, não estão disponíveis muitos exemplares publicados de facas medievais encontradas em contexto arqueológico e os que existem reportam-se, quase exclusivamente, ao Período Islâmico. As NOVA AUGUSTA Acerca de um cabo de faca medieval em Torres Novas FIG.3 _ Faca em ferro do silo 13. facas descobertas em Mértola (Rafael, 2001), bem como a que provém do Convento de S. Francisco de Santarém (Lopes e Ramalho, 2001), apresentam algumas semelhanças com a peça de Torres Novas, embora descobertas em contextos islâmicos. As diferenças notam-se principalmente ao nível do cabo que, no caso das facas de Mértola, foi fabricado em osso ao passo que no de Santarém está, de todo, ausente. 3. resultaDo Da aNÁlise xilotómiCa 3.1. material e métodos A conservação de materiais de origem orgânica – no caso que nos concerne, os vestígios vegetais lenhosos – em jazidas arqueológicas poderá ser potenciada por diversos factores. Estes prendem-se, essencialmente, com condições particulares que potenciem o afastamento dos materiais vegetais dos ciclos de degradação biológica não mecânica (bacteriana), sendo a combustão incompleta (carbonização) e a existência de condições anaeróbicas as formas mais usuais. Contudo, embora seja menos comum, também o contacto com elementos químicos inibidores de actividade bac- FIG.4 _ Faca do silo 13. Representação gráfica. teriana – em especial os metais – poderá potenciar situações de excepcional conservação (Piqué, 2006). No caso aqui em estudo, a faca encontrada em escavações arqueológicas na Rua Carlos Reis, n.º 121 (em Torres Novas), o cabo de madeira da mesma foi parcialmente conservado pelo contacto com a componente metálica (de ferro) oxidada do utensílio. Esta característica é perfeitamente visível a olho nu, dada a coloração castanha-alaranjada que o material lenhoso apresenta. Esta impregnação de ferrugem, além de conferir uma coloração peculiar, dificultou o diagnóstico do fragmento pelos meios convencionais da antracologia. Também a fragilidade do fragmento se assumiu como uma condicionante importante. Como tal, foi 281 NOVA AUGUSTA Gonçalo Lopes e João Tereso FIG.5 _ Aspecto do cabo da faca. A área mais fibrosa (à direita) corresponde à parte conservada do cabo. 282 efectuada a sua inclusão em LRWhite (London Resin) com vista à obtenção de cortes finos. Esta inclusão seguiu a metodologia definida por Rosa Coelho da Silva (2004), dividida em diferentes e consecutivas séries de desidratação, impregnação e inclusão3. De seguida o fragmento foi seccionado com micrótopo de deslize, de forma a obter as três secções diagnosticantes (Tranversal, Longitudinal Tangencial e Longitudinal Radial). Cada amostra foi então alvo de uma coloração com Safranina e montada em Bálsamo do Canadá. Para a observação recorreu-se ao microscópio óptico, tendo o diagnóstico sido efectuado com recurso aos atlas anatómicos de Schweingruber (1990) e Vernet et al. (2001) e ainda a estudos específicos (Blokhina, 2007). 3.2. resultados O tecido lenhoso aqui em estudo foi identificado como Juglans regia l. – nogueira – da família Juglandaceae, de acordo com as suas características xilotómicas: 3 Secção Transversal: Porosidade difusa/ semi-difusa; poros pouco abundantes, isolados ou em múltiplos radiais de 2-3 poros; tilos presentes. Secção Longitudinal Tangencial: Raios 1-5 seriados; raios multisseriados até 35 células de altura; série parenquimatosa não estratificada. Secção Longitudinal Radial: Raios homogéneos ou ligeiramente heterogéneos com uma fileira marginal de células quadradas. Placas de perfuração simples. Nota: A distinção entre o lenho de Juglans regia e Ficus carica é particularmente difícil, em especial quando os tecidos lenhosos se encontram em mau estado de conservação (Vernet et al., 2001). No presente caso, a distinção foi efectuada através dos cortes Tangencial e Radial. 3.3. Comentários A madeira de nogueira é ainda hoje amplamente utilizada para trabalhos de marcenaria de diversa ordem. Este facto deve-se Este procedimento decorreu na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, tendo contado com a ajuda e supervisão de R. Astrid Bernal Garzón. NOVA AUGUSTA Acerca de um cabo de faca medieval em Torres Novas 283 FIG.6 _ Cortes transversal (em cima à esquerda), tangencial (em cima à direita) e radial (em baixo). A escala corresponde a 50µm. às suas características específicas que a tornam actualmente um produto de elevado valor comercial, das quais destacamos, segundo Voulgaridis e Vassiliou (no prelo) e Carvalho (1954-55): _Densidade média a alta (0,58–0,75g/cm2); _Textura fina; _Madeira moderadamente dura; _Mediana resistência à torção e elevada resistência à distensão; _Retracção mediana (radial 4.8%, tangencial 7.5%, volumétrica 12-14%); _Boa estabilidade dimensional após secagem adequada; _Grande variedade de cores; _Bom polimento: produz superfícies suaves. Trata-se, assim, de uma madeira significativamente dura. As madeiras duras, não obstante serem mais resistentes e duradouras, são normalmente mais fáceis de trabalhar e permitem acabamentos melho- NOVA AUGUSTA Gonçalo Lopes e João Tereso 284 res – superfícies mais lisas – sendo este claramente o caso da madeira de nogueira (Carvalho, 1954-55). Como tal, é usualmente empregue no fabrico de móveis, mas também esculturas, instrumentos musicais e até coronhas de armas (Carvalho, 1954-55; Carvalho, 2006; Voulgaridis e Vassiliou, no prelo). Desta forma, não é estranha a sua utilização para o fabrico de cabos de faca, já desde a Idade Média, tal como testemunhado por este exemplar de Torres Novas. A falta de paralelos arqueológicos para o artefacto aqui estudado deve-se obviamente à natureza perecível e excepcional do mesmo. De facto, a perecibilidade da madeira justifica que, usualmente, não sejam arqueologicamente conhecidas as matérias-primas lenhosas utilizadas no fabrico de cabos de utensílios. De resto, são comuns as referências a cabos de facas e outros instrumentos elaborados em vários metais, marfim ou osso (e.g. Castelo de Silves em Gomes, 2003), materiais mais susceptíveis de se conservarem ao longo dos tempos. agraDeCimeNtos Deixamos aqui agradecimentos especiais à Dra. Astrid Bernal Garzón, pela ajuda e supervisão da inclusão e corte efectuados, e ao Prof. Dr. José Pissarra, pela disponibilidade de instalações e equipamento. Um agradecimento também à Dra. N. Blokhina e ao Dr. Vassilios Vassiliou pela bibliografia que amavelmente disponibilizaram. Agradecemos ainda à Dra. Ana Filipa Rodrigues e à Dra. Teresa Costa pela cedência do artefacto para a realização deste estudo. bibliograFia _ BLOKHINA, N. (2007) – “Fossil wood of the Juglandaceae: Some questions of taxonomy, evolution, and phylogeny in the family based on wood anatomy”. Paleontological Journal, Vol. 41, nº11, p. 1040-1053. _ CARVALHO, A. (1954-55) – “Madeiras de folhosas. Contribuição para o seu estudo e identificação”. Separata do Boletim da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, Vol. 5, 2ª série (Vol. XX), Fasc. II. Lisboa. _ CARVALHO, L. (2006) – Estudos de Etnobotânica e Botânica Económica no Alentejo. Dissertação de Doutoramento. Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade de Coimbra. _ COSTA, Cláudia; RODRIGUES, Filipa; COSTA, Teresa; LOPES, Gonçalo (2007) – “Intervenção arqueológica no nº 121 da Rua Carlos Reis (Torres Novas)”, Nova Augusta, Nº 19, Torres Novas, Município de Torres Novas, p. 287 – 318. _ GOMES, Rosa (2003) – Silves (Xelb), uma cidade do Gharb Al-Andalus: a Alcáçova, Trabalhos de Arqueologia, 35, Lisboa, IPA. _ LOPES, Carla do Carmo; RAMALHO, Maria M. B. de Magalhães (2001) – “Presença islâmica no Convento de S. Francisco” in Garb: Sítios islâmicos do Sul Peninsular, Lisboa, IPPAR, p. 31 – 87. _ LOPES, Gonçalo (2007) – “Um cantil almóada em Torres Novas”, Nova Augusta, Nº 19, Torres Novas, Município de Torres Novas, p. 319 – 330. _ PIQUÉ i HUERTA, R. (2006) – “Los carbones y las maderas de contextos arqueológicos y el paleoambiente”. Ecosistemas. 2006/1. _ RAFAEL, Lígia (2001) – “Metais, osso trabalhado e vidros” in Museu de Mértola: Arte Islâmica, Mértola, Câmara Municipal de Mértola, p. 169 – 179. _ SILVA, R. (2004) – Identificação de Madeiras Fósseis do Litoral Norte de Portugal. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. _ SCHWEINGRUBER, F. H. (1990) – Anatomy of European woods. Paul Haupt and Stuttgart Publishers. _ VERNET, J-L; OGEREAU, P.; FIGUEIRAL, I.; MACHADO YANES, C.; UZQUIANO, P. (2001) – Guide d’identification des charbons de bois préhistoriques et récents. Sud-Ouest de l’Europe: France, Péninsule ibérique et îles Canaries. Paris: CNRS Editions. _ VOULGARIDIS, E.; VASSILIOU, V. (no prelo) – “The Walnut wood and its utilisation to high value products”. Paper presented at the 5th International Walnut Symposium. Sorrento (Naples), Italy, November 9th-13th, 2004. 285 PATRiMÓniO Gestão museológica, turismo cultural e salvaguarda do património: a importância da carta internacional do Turismo cultural no território autárquico. Luís Mota Figueira* “O fenómeno museológico e a cultura que lhe dá sentido concorrem entre outros factores, para que a integridade cultural de um território não seja delapidada e se possa renovar constantemente.” *Director técnico do Museu Agrícola de Riachos, é também professor-coordenador no Instituto Politécnico de Tomar. 287 NOVA AUGUSTA A importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico iNtroDução É sabido de todos nós que há dificuldades na relação Cultura - Turismo. O país é prejudicado por esta situação. Os órgãos de comunicação social ao reportarem notícias locais denunciam casos, num claro esforço de sensibilização para esta realidade. As administrações públicas, nos seus diversos sectores tentam corrigir esta situação. Os planos de intervenção vão-se criando e cumprindo, nem sempre com grande sucesso. Em todos os tempos, a mudança impõe-se.1 A gestão do património museológico deverá ser vista numa perspectiva simultânea de usufruto e de protecção dos acervos. A protecção do património passa pelo seu consumo educativo, formativo e turístico. Tem sido prática internacional, instituírem-se instrumentos doutrinários de referência. É o caso da Carta Internacional do Turismo Cultural, proposta pela UNESCO em 1976 e reformulada em 1999. Ela contribui para ajudar os gestores políticos e técnicos, a modificarem o seu modo de ver e agir sobre o território. Este é um processo de transformação que exige persistência e tempo. No âmbito das ciências do património o tempo é, por muitas e válidas razões, um elemento estruturante e impositivo 1 para qualquer tipo de intervenção séria. Os museus têm um papel importante nesta matéria. O desenvolvimento local passa, entre outros aspectos de natureza económica e social, pelo cuidado pró-activo que se dedica ao estado do conhecimento quantitativo e qualitativo do património. Os turistas são consumidores. Ainda não é vulgar, verificar-se, na imprensa especializada, reflexões sobre o estado de conservação e respectiva qualidade do património natural e cultural que se consome. Apenas casos mais mediáticos. Pensamos que isto será corrigido no futuro: é apenas uma questão de tempo. imPortÂNCia Da Carta iNterNaCioNal Do turismo Cultural Para o trabalho técnico exigível às autarquias, a divulgação dos princípios propostos na Carta Internacional do Turismo Cultural é oportuna. No seu preâmbulo lê-se que “Cada um de nós possui direitos e deveres relativamente à compreensão, apreciação e conservação destes valores universais”, considerando-se relevante, “Uma gestão objectiva e equilibrada que proporcione o acesso intelectual e emocional ao património, bem como ao desenvolvimento cultu- É uma constância humana. Uma ideia que tenho defendido desde há muitos anos prende-se com o facto de se dever estudar, por exemplo, a inclusão de curadores de monumentos, vivendo no seu interior. Esta solução rentabilizaria a utilização em termos de fruição desses elementos patrimoniais e concorreria para abrir um mercado de emprego para as centenas e centenas de jovens formados nas designadas ciências do património. Seria uma das formas concertadas para obviar a muitas situações caóticas existentes neste domínio patrimonial na sua estrutura mais profunda. Este debate é necessário para potenciar uma nova visão sobre a gestão do património. É apenas uma questão de tempo, disso estou convicto. 289 NOVA AUGUSTA Luís Mota Figueira 290 ral, [o que] constitui ao mesmo tempo um direito e um privilégio”. Na actividade turística há uma visão de natureza económica. A mercantilização da cultura e do património natural e cultural é uma realidade na cultura contemporânea. O turismo tem um efectivo impacte positivo na divulgação do património cultural, acrescentando-lhe mais valias, nomeadamente a da notoriedade e genuinidade. Também há impacte negativo. Por isso existem documentos que tentam realizar a pedagogia necessária. É o caso deste texto. O lucro da actividade turística entra nos cofres dos Estados como componente de impostos e taxas e suporta parte das intervenções neste domínio. Para os operadores turísticos, Património não acessível ou visitável é património inexistente. Os museus precisam dos operadores turísticos e, cada vez mais, de fornecerem novos e inovadores conteúdos aos seus públicos. A exposição do património é, neste contexto, uma forma de valorização apelativa ao consumo cultural e turístico. Vejamos algumas questões: a museografia do património é uma via relevante para integrar paisagem e obras de arte (antigas e contemporâneas), para ligar artes e ofícios com a gastronomia, para confrontar a paisagem urbana 2 3 com o design, etc. Há exemplos de rotundas, centros cívicos, arte pública, etc. A prática autárquica parece querer dizer que esta museografia resulta.2 A exposição pública do património, operada numa base de marketing territorial é, portanto, uma componente da promoção territorial e é um factor de modernização dos museus. A tradicional prática autárquica deste «modo de estar em património» também parece evidente e afirmativa. Importa registar-se que, de facto, a apropriação consciente do património é uma condição primária para a elevação da qualidade e competitividade de Portugal como destino turístico. A continuada criação de núcleos museológicos, de museus e de centros de interpretação criados por iniciativa pública e privada, numa atmosfera de renhida competitividade territorial, mostram esse impulso institucional e a atenção da administração central e local mas, também, da iniciativa privada.3 O tempo encarregar-se-á de mostrar os que irão resistir. Também falta a cooperação-colaboração necessárias a uma maior capacidade de intervenção cultural capaz de gerar receita, só conseguida com uma massa crítica (de todos os domínios do saber). A rede museo- No projecto “Museografia da Paisagem” que desenvolvemos desde 2004 no NUPE - Núcleo de Projectos Experimentais, da Escola Superior de Gestão, do Instituto Politécnico de Tomar, na área científica de Museografia e Conservação do Património Cultural, tentamos estudar esta problemática da “ornamentação de rotundas rodoviárias” e outras realidades museográficas. O Museu do Pão e o Fluviário de Mora são dois de vários exemplos positivos. No município de Torres Novas, o Jardim das Rosas e sua relação com as Piscinas Municipais Fernando Cunha e com a Biblioteca Municipal, com o Castelo e zona envolvente, representam esta linha de afirmação autárquica pela via da ligação Património – Cultura – Turismo? A estratégia parece ser essa. Esperemos, no entanto, que a produção de conteúdos acompanhe as estruturas e infra-estruturas. NOVA AUGUSTA A importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico lógica autárquica pode desempenhar essa intervenção e representar um recurso de alto valor para qualificar o destino turístico? O concelho de Torres Novas tem valências museológicas adequadas (criadas e em projecto) e pode potenciar-se como uma referência futura neste domínio? Se souber ligar Cultura e Património com a Economia, pode ter essa ambição. Hoje, o desenvolvimento cultural é, em muitos territórios, uma questão estratégica de luta contra o silêncio audiovisual e contra a quebra demográfica e falta de capacidade de especialização produtiva. Esse não é o caso deste município. O posicionamento geográfico e simbólico é determinante. A sociedade actual dita novas formas de produção, gerando outro tipo de produtividade e criando outros conceitos patrimoniais. Por outro lado, acredita-se que, quanto mais esclarecido estiver o cidadão sobre a importância do património cultural na sua vida quotidiana, maior é a garantia de respeito geral dos indivíduos pelos valores patrimoniais que expressam a cultura de onde emergem, a cultura onde vivem, a cultura em que interferem ao longo da sua vida. O orgulho dos munícipes no seu património, passado colectivo e presente, interage com o turista? Acredita-se que sim. Então, para cumprir este cenário são necessários instrumentos e acções.4 4 Os direitos das comunidades de acolhimento só podem ser exercidos se forem conhecidos os componentes desses direitos que também implicam deveres. Os conteúdos da Lei 107/2001 deverão ser disseminados nestes processos de divulgação pública acerca de projectos de intervenção sobre o património. Raramente se encontram vestígios destas diligências administrativas devidamente organizadas. Os exemplos positivos ainda são uma minoria. No texto traduzido por Flávio Lopes, indica-se que o turismo “É, pois, cada vez mais reconhecido como uma força positiva que favorece a conservação do património natural e cultural. O turismo pode aproveitar as vantagens económicas do património e utilizá-las para a conservação deste, criando recursos, desenvolvendo a educação e reorientando as políticas”. A qualidade interventiva do turismo promove a mudança de mentalidades (desconhecidos que se encontram e interagem), a transformação de estruturas locais (receber implica preparar e realizar a recepção e consumo) e é importante para o processo económico (captação de receita): Estes e outros efeitos decorrentes da “turistificação” do património são positivos e são negativos. A procura de equilíbrio é, pois, a motivação. Como se refere na Carta Internacional do Turismo A simples verificação efectuada a organigramas de muitas autarquias é sintomática e esclarecedora do modo como alguns municípios tratam os problemas da cultura, do património e do turismo. Não há ainda a percepção clara e funcional entre o discurso político e a sua operacionalidade (o marketing de muitas edilidades reclamando-se capital de...., e o resultado prático dessa intervenção mereceria reflexão demorada). 291 NOVA AUGUSTA Luís Mota Figueira 292 Cultural (CITC), o turismo “Representa um desafio económico essencial para numerosos países e regiões, e pode constituir um factor importante de desenvolvimento, se for gerido com sucesso. O Turismo transformou-se num fenómeno complexo em pleno desenvolvimento. Desempenha um papel fundamental nos domínios económico, social, cultural, educativo, científico, ecológico e estético”. A actividade turística e o seu impacte sobre os territórios autárquicos, origina conflitos. Os espaços públicos e os espaços patrimoniais, tais como os museus, são as “salas de visita” das localidades. Manter esses espaços implica esforço. Este deverá ser público e privado, de promoção e criação de condições à ajustada exploração turística. O turismo requisita muitas contrapartidas. Por isso, obriga à manutenção de condições de arrumo urbanístico, limpeza e higiene pública, impõe ao sector comercial capacidades de resposta em tempo útil, promove as variadas formas de oferta local, suscitando a procura de produtos e serviços por parte dos turistas e visitantes. O museu é um dos alvos de apropriação turística. Para desempenhar melhor a sua missão precisa que o turismo faça parte das suas preocupações de programação. Precisa estudá-lo e entendê-lo para concretizar parte das suas iniciativas. 5 estratÉgias e DoutriNa A estratégia turística de um destino deverá ser delineada, quer através da liderança da administração pública5, quer através da iniciativa privada, tendo em conta o necessário quadro contratual de base legislativa, administrativa e técnica. Os Conselhos Municipais de Turismo têm, neste particular, uma responsabilidade e participação, inerentes e óbvias. A atracção de empresas na fileira turística passa, inevitavelmente, pelo realismo das condições oferecidas à sua instalação e à capacidade concreta de progresso. A notoriedade cultural do território é um dos factores que pesam nessa decisão empresarial. A cultura é hoje, como sempre foi, uma questão também de interesse empresarial. O mecenato e o marketing das empresas também funcionam por projectos e modelos de acção onde o património cultural marca as diferenças na competição. Esta questão está inevitavelmente ligada à capacidade dos promotores para criarem zonas territoriais com forte atractividade turística. A Cultura é, e será sempre, o motor dessa atracção. Os museus são os principais instrumentos dessa atracção. Os museus são territoriais. Por isso, os agentes culturais não podem demitir-se da responsabilidade da gestão cultural em benefício do território em que firmam o seu trabalho. A CITC alerta que, “O turismo excessivo pode, do mesmo modo que um turismo inexistente ou mal gerido, Actualmente através do PENT – Plano Estratégico Nacional do Turismo. NOVA AUGUSTA A importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico prejudicar a integridade física e o significado do património. O turismo pode também conduzir à degradação dos espaços naturais e culturais das comunidades de acolhimento”. Esta é uma questão sensível que implica responsabilidades específicas aos programadores culturais e aos operadores turísticos. É o conhecimento, como arma de combate à ignorância e incúria dos homens e à degradação natural dos espaços naturais e culturais, que se deverá impor. A designada capacidade de carga é a questão central a ponderar nesta matéria de pressão turística sobre um determinado destino. Tem aqui pleno cabimento a problemática do associativismo autárquico, na medida em que, por essa via é alargada a função de “almofada” às solicitações da procura turística com as vantagens óbvias daí advindas. A pressão exercida sobre uma região mais alargada (três, quatro municípios, etc.), esbate-se nesse território, com as vantagens inerentes a esta dispersão controlada. As complementaridades, nessa circunstância, são geridas em função de um ponto de apoio (o município que lidera), que pode, noutra circunstância e com as mesmas parcerias, ter o papel de parceiro sob liderança de outro município. Há, por outro lado, casos singulares como espaços amuralhados que obrigam a uma gestão específica6. Estarão as estruturas autárquicas preparadas para estas novas necessidades de cooperação territorial de sobrevivência? 6 Como é, por exemplo o caso de Òbidos, Sortelha, Évora, etc.. gestão museológiCa, turismo Cultural e salvaguarDa Do PatrimóNio Na apropriação da Cultura para uso Turístico, o papel dos principais interessados na actividade turística deverá ser gerido, considerando-se o esforço das entidades culturais, nomeadamente, as de natureza museológica. De facto, a actividade turística reclama “coisas de ver” e o museu e seu contexto estão credenciados para ajudar a esse esforço expositivo tirando vantagens desse seu préstimo. Quanto mais desafios externos maior capacidade de resposta se exige e maior responsabilidade é expectável. O museu é um actor do território com uma missão muito específica. A CITC considera que, “Para desenvolver uma indústria turística duradoura e valorizar a protecção dos recursos patrimoniais para as gerações futuras é necessário fomentar a participação e a cooperação entre os actores do processo, nomeadamente entre as comunidades de acolhimento, os conservadores de museus e monumentos, os operadores turísticos, os gestores de sítios culturais e naturais, os proprietários privados, os responsáveis pela elaboração de programas de desenvolvimento e os políticos”. As Escolas locais, os Centros de Estudos, as Bibliotecas, os Museus, etc., poderão partilhar os dados conhecidos sobre os recursos locais, com todos os benefícios advindos da cooperação cultural qualificadora da actividade turística. A comercialização do território 293 NOVA AUGUSTA Luís Mota Figueira 294 (identificado nos seus produtos), permite captar receitas directas e indirectas para o museu. A Empresa e o tecido empresarial são importantes na definição e concretização da oferta territorial. A componente museológica do produto turístico tem que se centrar cada vez mais nesta realidade e fazer esquecer os quadros de referência orçamental do passado, onde a dependência de funcionalismo, exagerada, coarctava qualquer iniciativa mais ousada. É necessário correr riscos. À escala de um município ou de uma comunidade urbana ou, ainda de uma outra forma de associação intermunicipal, inovar nesta matéria é criar diferenciação e competitividade regional. Valorizar o património cultural implica gizar planos e iniciar processos de fundamentação válida implicando todos os actores na forma de um “contrato geral” que concerte, na medida do possível, o legítimo interesse de todos os protagonistas. A administração pública e a iniciativa privada estão condenados ao entendimento nesta e noutras matérias de governação. A sensibilidade a ter para se dar resposta aos novos problemas do turismo na sua vertente cultural é declarada pelo ICOMOS, de modo pragmático. O documento que apresentamos é, evidentemente, um convite à reflexão e acção. Os objectivos programáticos escolhidos pela comissão de redacção deste documento são claros nesta questão: “Encorajar e facilitar o trabalho dos que participam na conservação e na gestão do património cultural”. Por isso mesmo, a gestão integrada do património não pode deixar de dar atenção ao valor operacional do património cultural e às formas turísticas que se revelam na tarefa operativa consequente (organizar recursos para criar produtos turísticos), aquando da sua apropriação com esse fim. A operacionalidade turística da conservação e restauro segundo processos conducentes à criação de certas museografias, que o visitante e turista consomem com prazer estético e sensitivo, poderá ser uma estratégia de procura de visibilidade cultural para o património, interessante para o futuro? Eu creio firmemente que esse é um dos caminhos a seguir, dessacralizando a tarefa de restauro e utilizando também esse ambiente como produto cultural rentável. “Encorajar e facilitar o trabalho da indústria turística para promover e gerir o turismo no respeito e valorização do património e das culturas vivas das comunidades de acolhimento”. O conceito de “culturas vivas” das comunidades de acolhimento é importante neste contexto. Respeitar a cultura local é pois um imperativo ético que se deverá articular com a vivência quotidiana das populações vizinhas dos empreendimentos turísticos. “Encorajar e facilitar o diálogo entre os responsáveis pelo património e pelo turismo, a fim de compreenderem a importância e a fragilidade dos conjuntos patrimoniais, dos acervos culturais e das culturas vivas, com o objectivo de as preservar, a longo prazo”. A indústria turística, ao apropriar o património fá-lo, em primeira instância, com o fito NOVA AUGUSTA A importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico de obtenção de lucro, proveniente da rentabilização dos investimentos. O Turismo tem todo o interesse em poder dispor e utilizar património cultural autêntico. A preservação dos elementos patrimoniais é, aliás, desiderato fundamental inserido no conceito de desenvolvimento sustentável, cuja prática (muito mais que os discursos de boas intenções), é necessária e é urgente regulamentar, de modo explícito e palpável, no domínio da indústria turística contemporânea.7 “Encorajar os que propõem programas e políticas que tenham por objectivo o desenvolvimento de projectos precisos e mensuráveis, e estratégias que integrem a apresentação e a interpretação dos conjuntos patrimoniais, bem como as actividades culturais, no contexto da sua protecção e da sua conservação”. Por isso, facilmente se entenderá a necessidade de encorajar iniciativas em que a pedagogia do património e a pedagogia do turismo contribuam para uma melhor envolvente do par oferta/ /procura, com tudo o que isso implica de requalificação dos padrões de prestação de serviços, em toda a fileira do produto turístico. A Carta “encoraja o conjunto das actividades do ICOMOS, bem como das outras organizações internacionais e das indústrias do turismo que tenham por objectivo melhorar as condições de gestão e de conservação do património”, o que significa criar condições financeiras para responder com eficácia à necessidade de melhorar as condições de 7 8 gestão e de conservação do património. A Carta também “encoraja todas as contribuições provenientes dos responsáveis pelo Património e pelo Turismo na procura de objectivos comuns”. É necessário esbater as desconfianças (que existem, todos o sabemos) entre os responsáveis dos sectores cultural e patrimonial e os responsáveis pelo sector turístico. Isto quer dizer que as políticas, quer do sector cultural, onde se engloba o património, quer do sector turístico, se deverão gizar a partir da definição conjunta de objectivos de fomento e preservação, expansão e comercialização dos elementos patrimoniais e artísticos8, assumindo objectivos comuns e regulando os interesses particulares de cada sector. Por último “A Carta encoraja a produção e edição de guias pormenorizados. Estes guias facilitarão a aplicação concreta dos princípios estabelecidos pela Carta, no quadro das necessidades específicas e das intervenções particulares de organizações e comunidades de acolhimento”. É possível potenciar a capacidade de atracção turística, conhecendo-se, de facto, os recursos turístico-culturais. O encorajamento para a produção e edição de guias locais de visita, nos vários suportes de divulgação, deverá ser organizado e sistemático. É imperioso realizar trabalho, mas sério e duradouro devidamente sustentado nas ciências do património. As necessidades específicas e o problema das intervenções particulares de organizações e comunida- Aqui, a aplicação dos princípios da designada Agenda 21 Local é pertinente e necessária. Porque a criação contemporânea é um valor incontornável de qualquer política turístico-cultural. 295 NOVA AUGUSTA Luís Mota Figueira 296 des de acolhimento, reclamam um novo olhar sobre o património cultural local e a sua salvaguarda e utilização vantajosa para as condições de vida de cada habitante9. Vejamos agora os Princípios da Carta do Turismo Cultural e os articulados que os sustentam. “Princípio 1 – O Turismo nacional e internacional é um dos principais veículos do intercâmbio cultural. A protecção do património deve oferecer oportunidades responsáveis e bem geridas aos membros das comunidades de acolhimento e aos visitantes, para fruição e compreensão do património e da cultura das diversas comunidades”. “Princípio 2 – A relação entre os conjuntos patrimoniais e o Turismo é dinâmica e deve ultrapassar os conflitos de valores que atravessam os dois conceitos. Esta relação deve ser gerida, numa óptica duradoura, em benefício das gerações actuais e futuras”. “Princípio 3 – As acções de valorização dos conjuntos patrimoniais devem assegurar aos visitantes uma experiência enriquecedora e agradável”. “Princípio 4 – As comunidades de acolhimento e as populações locais devem participar em programas de valorização turística dos sítios patrimoniais”. “Princípio 5 – As actividades de turismo e a protecção do património devem beneficiar as comunidades de acolhimento”. 9 “Princípio 6 – Os programas de promoção turística devem proteger e valorizar as características do património natural e cultural”. CoNClusão À luz de todos estes princípios, é fundamental que, na sua singularidade, cada território saiba promover e gerir os seus bens patrimoniais na sua autenticidade, favorecendo a fruição com modelos operativos ajustados. Um monumento se for visitado por grupos de dez a quinze turistas que podem ouvir explicações e observar a obra de arte de um modo quase personalizado é melhor explorado do que quando acolhe cinquenta a sessenta turistas apressados, que apenas fazem parte da legião do “eu estive aqui”. Hoje é praticamente impossível “visitar” a Capela Sistina, porque a quantidade de turistas que a ela acorrem apenas para “estar lá” é muito superior aos que a procuram para desfrutar e apreender a atmosfera da Itália renascentista e maneirista. O nosso tempo é, de facto, assim. Mas há sempre esperança. A réplica de Altamira é já um exemplo de que a tecnologia actual pode aliviar a pressão de um turismo de massas sobre um emblema cultural mundial. Esta réplica é fruto da inovação e do respeito pelo legado cultural. Uma das questões também incentivada na Carta é a de que, para além destes sítios conhecidos e mais pressionados se Os museus têm neste particular, um campo de desenvolvimento crescente. A interacção do museu com a comunidade local pode revestir-se de multivariadas formas de diálogo. No Museu Agrícola de Riachos a realidade da Oficina Pedagógica impõe-nos um pensamento sobre o efeito terapêutico da cultura museológica informal. Pretendemos desenvolver este assunto em outra circunstância, relatando as experiências fascinantes que decorrem naquele espaço, fruto dos seus protagonistas diários. NOVA AUGUSTA A importância da Carta Internacional do Turismo Cultural no território autárquico preste atenção nas formas de “encorajar os visitantes a fruir de uma forma mais alargada os diferentes elementos do património natural e cultural de uma região ou localidade”. O fomento museológico e a cultura que lhe dá sentido concorrem, entre outros factores, para que a integridade cultural de um território não seja delapidada e se possa renovar constantemente. A Carta Internacional do Turismo Cultural é um aliado na consolidação dos princípios inerentes a boas práticas entre o Turismo e o Património Natural e Cultural. Pretendeu-se, com este texto sobre a Carta Internacional do Turismo Cultural, situar a questão central da relação património-turismo no propósito de divulgar os seus princípios e aprofundar os seus conteúdos numa orientação que, nos nossos tempos, tem uma implicação para todos nós mas, particularmente, para os municípios dos quais fazemos parte. bibliograFia _ LOPES, Flávio, (2002), (tradução), “Carta Internacional do Turismo Cultural”, in Turismo - Uma ponte para o Património, Revista do Programa de Incremento do Turismo Cultural, (coord. de Flávio Lopes), Lisboa, Direcção-Geral do Turismo, pp.17-19. 297 Rancho Folclórico “Os Camponeses de Riachos” no Museu Agrícola de Riachos. Animação Cultural para um grupo de estudantes nacionais e estrangeiros do Mestrado Erasmus, em Arqueologia Pré-Histórica e Arte Rupestre - Instituto Politécnico de Tomar/Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro 299 2007 eM ReViSTA NOVA AUGUSTA 2007 em revista jaNeiro soCieDaDe _ Decorreu no dia 5 de Janeiro, em Torres Novas, o julgamento do “crime de sequestro” de uma criança de 5 anos pelos seus pais de “adopção”. O pai afectivo, o sargento Luís Gomes, foi condenado a 6 anos de prisão e ao pagamento de 30 mil euros ao pai biológico. Apesar da condenação, um vasto movimento de cidadãos defendeu a sua libertação, alegando os interesses da criança, tendo sido entregue no tribunal de Torres Novas um pedido de habeas corpus, assinado por centenas de pessoas, incluindo a progenitora e muitas figuras públicas, como Mário Soares e Ramalho Eanes. O processo fez correr muita tinta nos jornais e muitas horas de discussão nas televisões, ficando conhecido, a nível nacional, como “Caso Esmeralda”. Cultura _O Choral Phydellius inaugurou as comemorações do seu 50.º aniversário (17.05.1957/ /17.05.2007) com o já habitual Concerto de Reis, na Igreja da Misericórdia, em Torres Novas. DesPorto _Andreia Monteiro, do Clube Atlético Riachense, sagrou-se campeã distrital de juvenis, no Campeonato Distrital de Marcha Atlética, realizado em Grândola. _Decorreu em Riachos, no dia 27 de Janeiro, o Campeonato Distrital de Corta-Mato Curto. O atleta riachense João Dias consagrou-se campeão, na classe de iniciados. Fevereiro soCieDaDe _No dia 11 de Fevereiro, realizou-se o referendo nacional sobre a despenalização do aborto em Portugal. A vitória do “sim” atingiu no concelho de Torres Novas, e municípios limítrofes, uma amplitude claramente superior aos resultados nacionais. Destaca-se que, em Torres Novas, em 1998 o “não” vencera em 6 freguesias com votações acima dos 60%; em 2007, apenas a freguesia de Assentis votou “não” à despenalização do aborto. As freguesias onde o “sim” se revelou com mais força foram Ribeira Branca (85%), Lapas (78%), Riachos (70%) e Santiago (70%). _Perante o prenúncio da desqualificação das urgências hospitalares em Torres Novas, o Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, António Rodrigues, anunciou que o relatório final do Ministério da Saúde sobre as urgências hospitalares não teria consequências negativas, afastando os receios acerca da despromoção da urgência médico-hospitalar do Hospital Rainha Santa Isabel (Torres Novas). 301 NOVA AUGUSTA Cultura _Luís Luz, torrejano a viver actualmente em Cuba (Alentejo), apresentou, no dia 3 de Fevereiro, no Museu Agrícola de Riachos, o seu livro Vida de Casado, uma caricatura à vida familiar, resultado de uma compilação de textos já publicados na internet, no blogue do autor. _O cine-clube apresentou, no dia 10 de Fevereiro, uma curta-metragem de produção própria, Manhã de Novembro, 1981, realizado por Mariana Castro e Sílvio Santana (autor do argumento). _André Sardet, cantor português, esteve com a sua banda em Torres Novas. O concerto realizou-se no dia 9 de Fevereiro, no Palácio dos Desportos, e contou com uma assistência de cerca de 3 mil pessoas. DesPorto _O Palácio dos Desportos recebeu, nos dias 3 e 4 de Fevereiro, uma jornada do Campeonato Nacional de Boccia, nas classes BC3. 302 _No dia 3 de Fevereiro, decorreu, nas Piscinas Municipais Fernando Cunha, o I Torneio Cidade de Torres Novas, organizado pelo Clube de Natação de Torres Novas. _A equipa de Basquetebol da União Desportiva da Zona Alta (UDRZA) sagrou-se campeã distrital, na classe de iniciados femininos. _No Campeonato Distrital de Corta-Mato Longo sagraram-se campeões distritais vários atletas seniores, juvenis, juniores e iniciados da Zona Alta: Dina Malheiro e José Carvalho (seniores); equipa feminina da Zona Alta (venceu colectivamente); Miguel Gonçalves (juvenis); Pedro Sousa (júnior) e João Dias (iniciados). março viDa autÁrquiCa/soCieDaDe _António Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, viajou no dia 4 de Março para Moreni, na Roménia, onde assinou um protocolo de cooperação entre as duas cidades. O acordo baseia-se no envio de delegações a ambos os países em missões de entreajuda, fornecimento de meios técnicos adequados para projectos e programas municipais, troca de experiências e formação regular entre serviços especializados, apoio ao fomento desportivo, cultural e educacional, bem como às relações económicas entre empresários dos dois municípios. soCieDaDe _Uma concentração pela saúde juntou cerca de 70 pessoas em frente ao Hospital Rainha Santa Isabel, em Torres Novas, no dia 10 de Março. NOVA AUGUSTA 2007 em revista _O Clube de Robótica da Escola Secundária Maria Lamas foi premiado pela sua participação, no dia 9 de Março, na I Mostra de Trabalhos em Tecnologias da Informação e Comunicação, organizada pelo Departamento de Engenharia Informática do Instituto Politécnico de Tomar. _A torrejana Carla Ferreira ganhou a fase final do concurso profissional “Habilimpíadas”, na vertente de costura, e fez parte da representação portuguesa no concurso a nível mundial (Novembro/2007), em Shizuoka, no Japão. A representante portuguesa frequentou, entre 2003 e 2006, o curso de formação profissional de costura do CRIT e estagiou na Companhia Nacional de Fiação e Tecidos. _Rui Rio, presidente do Partido Social Democrata, esteve, no dia 17 de Março, no concelho para um jantar com os militantes do PSD. _O Município de Torres Novas recebeu, no dia 16 de Março, a Bandeira Verde Eco XXI 2006/2007, galardão que tem como objectivo a promoção das boas práticas dos municípios relativamente à política ambiental. _Os alunos da Escola Secundária Maria Lamas aderiram à “Corrida Solidária”, iniciativa de solidariedade da Organização Médicos do Mundo, e, no dia 21 de Março, percorreram as ruas do centro histórico de Torres Novas em “marcha solidária”. _Abriu, no dia 28 de Março, mais uma grande superfície comercial em Torres Novas: o Carrefour, hipermercado que, segundo a marca, detinha o primeiro lugar na distribuição na Europa. Cultura _Maria Tereza Gonzalez, a escritora de A Lua de Joana e Dietas e Borbulhas, entre outros livros bem conhecidos do público infanto-juvenil, esteve na Escola EB 2,3 Manuel de Figueiredo, no dia 8 de Março. _“The Doll and the puppets” é a banda rock torrejana que fez sucesso no Festival de Música Moderna de Corroios, obtendo o terceiro lugar na fase final do concurso. Cantam, essencialmente, em francês mas também em inglês e português e compõem as suas músicas. A maqueta que enviaram para a Rádio da Universidade de Coimbra foi considerada a terceira melhor de 2006. DesPorto _Andreia Monteiro, do Clube Atlético Riachense, foi vice-campeã nacional na prova de 5 mil metros de marcha, no escalão de juvenis, no Campeonato Nacional de Marcha Atlética, realizado em Ferreira do Alentejo, no dia 3 de Março. _No dia 3 de Março, a equipa de sub-18 de ténis, do Clube de Ténis de Torres Novas (CTTN), sagrou-se vice-campeã regional dos distritos de Santarém e Leiria. 303 NOVA AUGUSTA _Os dois torrejanos, Ana Silva e Rui Canto, que integraram a equipa nacional, liderada por João Garcia, que no final do ano de 2006 escalou os Himalaias estiveram, no dia 3 de Março, em Torres Novas para divulgar as aventuras de dois meses por aqueles territórios e, em especial, a subida ao cume do Shisha Pangma, durante a qual um dos alpinistas da campanha morreu. _No dia 3 de Março, João Pinto, atleta do Clube de Judo de Torres Novas, consagrou-se campeão nacional de judo, no escalão de juvenis. abril soCieDaDe _No dia 20 de Abril ocorreu, em Torres Novas, uma manifestação pela saúde, na qual participaram cerca de 80 pessoas exigindo médicos para as extensões de Pedrógão, Meia Via e Ribeira Branca. maio 304 viDa autÁrquiCa _No dia 28 de Maio, a Câmara Municipal de Torres Novas apresentou um plano de revitalização do centro histórico, inserido na segunda fase do programa Turris XXI, denominado Cidade Criativa, “aproveitando” o conceito que tem vindo a ser desenvolvido por Charles Landry desde 1990. soCieDaDe _O Pe. António Cândido Monteiro, vigário-geral da diocese de Santarém, assumiu o cargo de director do jornal O Almonda, substituindo Barbosa Leão que ocupava o cargo há dez anos. _No dia 6 de Maio foi lançada a primeiro pedra do Lar de Idosos do Centro de Solidariedade Social Padre José Filipe Rodrigues, na freguesia de Zibreira. _António Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, esteve em Rodes, na Grécia, em representação do Município, na Conferência Internacional As geminações no futuro, que decorreu nos dias 10–12 de Maio. _Realizou-se, no Jardim da Rosas, de 31 de Maio a 3 de Junho, a I Feira do Ambiente e Educação Ambiental de Torres Novas, organizada pelo Gabinete de Acção e Planeamento Educativo do Município de Torres Novas. _No dia 21 de Maio, a torrejana Ângela Reis, aluna na Escola Superior de Educação de Beja, pagou a última prestação de propinas (175 euros) com sete mil moedas - de um, dois e cinco cêntimos - em protesto contra aquela medida de financiamento do ensino superior. Um acto isolado que pela ousadia não passou despercebido no panorama nacional. NOVA AUGUSTA 2007 em revista _Foi inaugurado, no dia 26 de Maio, o Edifício Montepio, a nova sede social do Montepio de Nossa Senhora da Nazaré. Com esta nova sede, a funcionar no Largo José Lopes dos Santos, em Torres Novas, a Associação pode oferecer serviços médicos e de enfermagem a preços mais acessíveis, em consultórios equipados com tecnologias recentes. Cultura _A conhecida escritora dos livros Uma aventura, Ana Magalhães, esteve na Escola EB 2,3 Manuel de Figueiredo, no dia 10 de Maio, no âmbito do Plano Nacional de Leitura. _No dia 10 de Maio, o Rancho Folclórico e Etnográfico de Casal Sentista festejou o seu 20.º aniversário (14.05.1987 – 14.05.2007). _O Museu Municipal Carlos Reis associou-se à iniciativa europeia Noite de Museus, na noite de 19 de Maio. Um evento que partiu do convite do Ministério da Cultura e Comunicação de França a todos os museus da Europa. O Museu Carlos Reis apresentou um programa diferente, com visitas dialogadas, entre as 19:30 e a uma da manhã. DesPorto _O nadador torrejano Nuno Vicente, campeão da Europa de Águas Abertas Master – 2005, foi apurado para a Taça do Mundo de Águas Abertas. _A Academia World-Jeunesse Torrejana sagrou-se campeã distrital de futebol de rua. _No dia 5 de Maio, Carlos Graça, da UDR Zona Alta, venceu o campeonato distrital de 10 mil metros em pista da época 2006/2007. _O Complexo Gímnico do Município de Torres Novas recebeu, nos dias 12 e 13 de Maio, um espectáculo de ginástica inédito, pela quantidade e proveniência tão diversa dos participantes, organizado pela Associação de Ginástica de Santarém, pela Associação de Ginástica de Lisboa e pela Associação de Ginástica de Setúbal, com a colaboração da Câmara Municipal de Torres Novas e da União Desportiva da Zona Alta. O evento contou com a participação de centenas de ginastas que participaram no Torneio Playgym, no Campeonato Distrital de Ginástica Artística, no Campeonato Distrital de Ginástica Aeróbica Desportiva, no Open de Grupos de Fitness e Hip-hop. Do distrital apuraram-se 10 atletas da UDRZA para os campeonatos nacionais (de ginástica artística e aeróbica). _Sónia Alves, da UDRZA, foi vice-campeã distrital de 5 mil metros em pista, da época 2006/2007, e Paula Nogal, também da UDR Zona Alta, obteve o terceiro lugar (5 de Maio). _Jovens atletas torrejanos venceram o Campeonato Regional de Infantis que decorreu nos dias 26 e 27 de Maio, em Abrantes: Eduardo Silva, da UDRZA, foi campeão dos 150m e 305 NOVA AUGUSTA vice-campeão dos mil metros; Sony Alcobia (UDRZA) ganhou a medalha de bronze no lançamento do peso; a equipa dos benjamins (UDRZA) masculinos obteve o primeiro lugar, na modalidade estafeta 4x60m; também o Clube Atlético Riachense conseguiu um 4.º lugar, estafeta 4x60m (femininos) e a medalha de bronze no lançamento do peso, por Cláudia Mota. soCieDaDe juNHo _O torrejano José Tomás, de 73 anos, homenageou a sua tia de 113 anos (à data, a mulher mais velha do país e a segunda mais velha do mundo) com uma “Volta a Portugal de Bicicleta” que se iniciou a partir de Torres Novas no dia 3 de Junho. _O Primeiro-ministro, José Sócrates, e a Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, estiveram em Torres Novas, no dia 19 de Junho, para apresentar o projecto Novas Oportunidades que visa aumentar a oferta profissionalizante no ensino básico e secundário. _No dia 30 de Junho, o Município de Torres Novas recebeu publicamente, na Alcaidaria do Castelo, a comitiva do Município romeno de Moreni. 306 Cultura _Foi assinado, no dia 23 de Junho, um protocolo entre o arquitecto Francisco Keil do Amaral e a Câmara Municipal de Torres Novas para o estabelecimento de um novo museu que albergará o espólio e colecções de Alfredo Keil. DesPorto _David Rosário, atleta torrejano de culturismo, sagrou-se campeão nacional da modalidade, no dia 3 de Junho, e foi escolhido para disputar o Campeonato Europeu, em Frankfurt (Alemanha). _A equipa feminina de iniciados da UDRZA – Carolina Machado, Rita Sousa e Carolina Santos, consagrou-se, no dia 2 de Junho, vice-campeã nacional de ginástica. _A atleta júnior Mariana Duarte foi medalha de bronze na trave olímpica no Campeonato Nacional de Ginástica que decorreu no dia 2 de Junho, na Maia. _No dia 7 de Junho, Nuno Vicente e Miguel Arrobas nadaram das Berlengas até Peniche, demorando 3 horas e 12 minutos. _Realizou-se no Parque Desportivo José Henrique Carvalho, em Alqueidão, no dia 10 de Junho, a 3.ª jornada do Campeonato Nacional de Quadrcross. _O Clube Atlético Riachense subiu 21 vezes ao pódio no Campeonato Distrital de Juniores, que decorreu em Abrantes, nos dias 16 e 17 de Junho. NOVA AUGUSTA 2007 em revista _No fim de semana de 23 e 24 de Junho, os atletas riachenses Hugo Santos e Andreia Monteiro tornaram-se vice-campeões nacionais nos 300m planos e nos 5000m marcha, respectivamente. julHo soCieDaDe _Foi inaugurado, no dia 6 de Julho, pelo Presidente da Câmara de Torres Novas, o Jardim do Rossio de Torres Novas, na presença dos vereadores Manuela Pinheiro, Mário Mota e Pedro Lobo Antunes e do presidente da Junta da Freguesia de Santa Maria. _No âmbito do concurso nacional Estatístico Júnior 2007, a Sociedade Portuguesa de Estatística atribuiu o primeiro lugar, categoria Ensino Básico, ao trabalho dos alunos do 7.º C, da Escola EB2,3 e Secundária Artur Gonçalves. _A fábrica de papel Renova foi a primeira empresa do sector na Península Ibérica a ser contemplada com o rótulo ecológico da União Europeia que distingue as empresas empenhadas na defesa da causa ambiental. Cultura _Durante as obras na Rua das Freiras (actual Rua Cândido dos Reis) foi posto a descoberto um importante conjunto de silos medievais (grandes depósitos de armazenamento de cereais, azeite ou vinho), que se estende desde o início da rua até ao Arco do Moinho dos Gafos. DesPorto _O atleta Hugo Santos, do Clube Atlético Riachense, foi seleccionado para representar Portugal, nos 400m, no Festival Olímpico da Juventude Europeia, a realizar em Belgrado, na Sérvia. _Realizou-se, a 14 e 15 de Julho, o Campeonato Distrital de Absolutos (atletismo) onde os atletas do Clube Atlético Riachense tiveram uma presença notável, subindo 15 vezes ao pódio para receber uma medalha de ouro, seis de prata e oito de bronze. _A atleta Sílvia Costa, da UDRZA, sagrou-se campeã distrital dos 3000m, no Campeonato Distrital de Absolutos (14-15/07/2007). agosto soCieDaDe _Um violento incêndio deflagrou na madrugada do dia 21 de Agosto no centro histórico da cidade, num prédio situado no Largo D. Diogo Fernandes. 307 NOVA AUGUSTA _A jornalista Inês Vidal assumiu o cargo de directora do Jornal Torrejano, substituindo Joaquim Lopes, fundador do JT em 1994 e director de 1994 a 1996 e desde o ano 2000 até à altura em que pôs termo às suas funções, em Julho de 2007. _No dia 9 de Agosto, Torres Novas foi visitada por José Lima, activista pelos direitos dos deficientes que percorreu Portugal em cadeira de rodas, chamando a atenção para as dificuldades quotidianas dos deficientes motores. Cultura _Realizou-se, no Jardim das Rosas, nos dias 14 a 17 de Agosto, o I Festival Internacional de Folclore, organizado pelo Rancho Folclórico e Etnográfico de Casal Sentista, que trouxe a Torres Novas sons e danças do México, Espanha e Sérvia. setembro viDa autÁrquiCa 308 _Manuel Piranga anunciou no dia 28 de Setembro a renúncia ao cargo de Presidente da Assembleia Municipal. Manuel Piranga, de 75 anos, efectivou, assim, o abandono da política local, da qual esteve ao serviço durante cerca de 30 anos. Piranga esteve também ligado ao CRIT, ao Clube Desportivo de Torres Novas, à Sociedade Musical União e Trabalho de Lapas, aos Bombeiros Voluntários Torrejanos, ao Clube Juventude de Lapas e à LOC. Cultura _Os trabalhos de reabilitação da envolvente do castelo, em particular a zona por detrás dos Paços do Concelho, deixaram a descoberto um troço da muralha fernandina da cerca da Vila que entroncava, a poente, no castelo e, a nascente, no pano de cerca da Rua de Trás-os-Muros. _Foi assinado, no dia 27 de Setembro, o protocolo entre o Município de Torres Novas e o Plano Nacional de Leitura, representado por Isabel Alçada, estabelecendo os moldes da cooperação a desenvolver entre as partes, no sentido de cumprir o objectivo do programa de combate à iliteracia dos portugueses estabelecido pelo Governo. DesPorto _Nuno Vicente, nadador do Clube de Natação de Torres Novas, obteve o 4.º lugar no Circuito Nacional de Águas Abertas 2007. NOVA AUGUSTA 2007 em revista outubro soCieDaDe _Foi inaugurado, no dia 18 de Outubro, o Retail City Park, uma plataforma comercial situada no nó da A23, área que tem crescido como zona comercial. DesPorto _O Clube Atlético Riachense assinalou 75 anos de existência com um jantar e um espectáculo de gala, no Pavilhão de Riachos, no dia 5 de Outubro. Novembro soCieDaDe _A Liga dos Amigos do Hospital celebrou 10 anos de actividade efectiva (uma vez que os seus estatutos são de 1996 e a sua actividade começara em pleno apenas em 1997). _Abriu no dia 16 de Novembro, em Torres Novas, a primeira mercearia de agricultura biológica, Vilabio. viDa autÁrquiCa _Silvino Rino Rosa, presidente da Junta da Freguesia de Pedrógão, morreu no dia 9 de Novembro, com 54 anos, vítima de doença prolongada. Do seu trabalho de gestão desta freguesia destaca-se a construção e inauguração da sede da junta, o centro de saúde, o saneamento da Rua Goucha, a internet gratuita que conseguiu para a população da freguesia e a instalação de uma máquina Multibanco em Pedrógão. _No dia 22 de Novembro, a Câmara aprovou com os votos favoráveis dos socialistas e dos sociais-democratas e com a abstenção da CDU, o plano estratégico concelhio Torres Novas.pt que engloba, entre outros, os projectos Turris XXI – Cidade e Torres Novas – Cidade Circus sob o slogan Torres Novas uma cidade para viver, trabalhar e visitar. Cultura _No dia 10 de Novembro, o músico português Rodrigo Leão esteve em Torres Novas para dar um concerto no Teatro Virgínia. _Edgar Walles, ex-jornalista, advogado e consultor jurídico do jornal Público on-line, esteve em Torres Novas, no dia 17 de Novembro, para falar dos seus livros, da justiça em Portugal e do acesso dos cidadãos à justiça. 309 NOVA AUGUSTA _No dia 24 de Novembro saiu a público o livro Clube Desportivo de Torres Novas – imagens e números do futebol jovem, 1947-2007, da autoria de Carlos António Ribeiro e com a colaboração de João Carlos Lopes. _Susana Gaspar, bailarina, coreógrafa e professora, torrejana natural de Riachos a residir em Lisboa, regressou a Torres Novas para apresentar o projecto “Não somos árvores”, uma criação coreográfica desenvolvida com pessoas das localidades de Alqueidão, Pedrógão, Meia Via e Riachos, e o solo “As árvores ligam os pássaros à terra”. DesPorto _Torres Novas recebeu a Taça de Portugal de Patinagem Artística, no Palácio dos Desportos, no fim-de-semana de 24-25 de Novembro. _No dia 25 de Novembro, Eduardo Silva, atleta do Clube Atlético Riachense, venceu a edição de 2007 do Cross Internacional de Torres Vedras, na categoria infantis masculinos. 310 _Hugo Santos, do CAR, foi galardoado como Atleta Revelação do ano 2007, pela Associação de Atletismo de Santarém. viDa autÁrquiCa DeZembro _No dia 10 de Dezembro foi apresentado publicamente o plano estratégico concelhio 2008-2015, TorresNovas.pt, na presença do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, João Ferrão. Cultura _No dia 1 de Dezembro, o músico/cantor português David Fonseca esteve em Torres Novas para dar um concerto no Teatro Virgínia. _No dia 15 de Dezembro, o Município de Torres Novas lançou a revista anual de cultura Nova Augusta e o livro Morte Vivida e Economia da Salvação Torres Novas (1670-1790) da autoria de Ricardo Varela Raimundo. FONTES: Imprensa local (jornal O Almonda e Jornal Torrejano) 311 nOVA AUGUSTA eM índice NOVA AUGUSTA Nova Augusta em índice N.º 1_DeZembro De 1962 Direcção de alberto borges dos santos Serra, Maria Augusta, Nótula sobre a Arqueologia de Torres Novas, p.9 Pinho, Manuel S., História da Nossa Terra, p.13 Mendes, Augusto, A Valorização da Pessoa Humana, p.17 Leitão, Maria Noémia, Kafka e o Absurdo, p.23 Júnior, Frederico Lopes, A Tradição Condutora dos Povos, p.27 Drumond, Luís Machado, Festas do Espírito Santo, p. 33 Brasil, Reis, Antero de Quental, poeta e homem de acção, p.37 Carvalho, Ruy Galvão de, Os Poetas Açorianos e a música, p. 55 Bretes, Faustino, Preito, p.65 Santos, José Lopes dos, Adoração, p.67 Borga, António, Animalidade, p.67 Jesus, Eduíno, Edital, p.68 Santos, Borges dos, Salmo Misterioso, p.69 Navarro, Judith, Joaquim, o filósofo, p. 73 Maria Lúcia Vassalo, Memórias de um Candeeiro, p.77 Borga, António, Tentação (A Maria Lamas), p.83 N.º 2_agosto De 1963 Direcção de alberto borges dos santos Lucena, Armando de, Carlos Reis na Pintura, na Aula, na Sociedade, p.9 Gonçalves, António Manuel, Carlos Reis – Director de Museus Nacionais, p.21 Santos, Maria Emília, Carlos Reis e a Lousã, p.43 Santos, A. Borges dos, Carlos Reis e Fialho, p. 53 Côrtes-Rodrigues, Armando, Grito das Ilhas, p.57 Lage, Arminda, Naquele dia...p.58 Crespo, Rodrigues, Três sonetos, p.60 Oliveira, Maria Elisa Nery de, Amor, p.63 Cardoso, José Carlos, Obsessão em círculo, p.65 Marques, José Alberto, Auto poema, p.66 Santos, António Mário, Tréguas para a cidade possível, p.67 Costa, José S., Areia do Mar, p.68 Paço, Afonso do, Vila Cardílio – Estação Romana de Torres Novas, p. 71 Serra, Maria Augusta, Nótula sobre a Arqueologia de Torres Novas, p.79 Melo, Amaral de, Breves reflexões sobre a história das Artes Plásticas, p.83 Araújo, Matilde Rosa, Pássaros e Flores, p.85 Ramos, Jorge, A errata do autor e do tipógrafo, p.87 313 NOVA AUGUSTA N.º 1_ii sÉrie 1981 Direcção de josé manuel Carraça da silva Ferreira, João António Marques, A Rata Cega, p.3 Sineiro, José Ribeiro, Subsídios para a história do Cinema em Torres Novas, p.10 Bretes, Faustino, Torres Novas – Sobre o seu passado remoto, p.15 Santos, António Mário Lopes dos, Caracterização do Concelho de Torres Novas pela sua imprensa, p. 20 Vieira, Lúcio, De nós, Helena, de novo, p.34 Santos, António Mário Lopes dos, Dois Sonetos em torno da mudança ou repensando Camões, p.49 Rodrigues, Francisco Nuno, Sem título, p.51 Gonçalves, Manuel, Jardim de Torres Novas, p.52 Inácio, Antero Guerra, A Guerra, A Clara e o grande Ovo¸ p 53 Maurício, Luís Godinho, Arquiversus, p.54 314 N.º 2_ii sÉrie 1982 Direcção de josé manuel Carraça da silva Santos, António Mário Lopes dos, Ideário Republicano na Imprensa Regional de Torres Novas (1907-1910), p.3 Bretes, Faustino, Do Poder Judicial em Torres Novas, p.16 Rocha, Francisco Canais, Para a história do movimento operário em Torres Novas, 1908-1912, p.23 Silva, José Manuel Carraça da, População, eleitores, deputados (Torres Novas, 1894), p.35 Costa, Francisco Cândido, Memória Breve sobre Vila Cardílio, p.45 Bicho, Joaquim Rodrigues, O vizinho do bairro, p.55 Luz, Pedro Manuel Natal da, O Folclore Ribatejano da zona de transição da Lezíria para a Charneca, p.57 Falcão, José António, Do Cancioneiro Popular de Santos, p.67 Ribeiro, Carlos, Folclore é Pobreza, p.71 Marques, José Alberto, Poesia de Neutrões Versus Prosa da Paz, p.73 Santos, António Mário Lopes dos, Memória do Labirinto, p.75 Maurício, Luís Godinho, Poemas, p.77 Navarro, Judith, A bandeira, p.81 Namorado, Maria Lúcia, Renúncia, p.83 Sineiro, José Ribeiro, Escultura, p.85 Pais, Maria Teresa, Passagem Silenciosa, p.88 Inácio, Antero Guerra, Pintura, p.90 Gonçalves, Manuel Maria, Aguarela, p.96 Maurício, Luís Godinho, Torres Novas, p.98 Alfaro, João, Pintura, p.99 Vale e Pina, Maria Idalina, Auto-Retrato, p.102 Barroca, Célia Maria, O Papel do Folclore, p.104 Santana, Joaquim Lopes, Riachos, seus usos e costumes, p.108 Barreiros, Augusto do Souto, O Ribatejo: o Trapo, a Dança e o Canto, p.113 NOVA AUGUSTA Nova Augusta em índice Marques, José Maria, Como deve ser feita a recolha, p.118 Santos, Álvaro Almeida, Os Grupos Folclóricos e o seu papel, p.123 N.º 3-4_ii sÉrie 1984 Direcção de josé manuel Carraça da silva Pombo, Robalo, Azulejaria Torrejana, p.3 Bicho, Joaquim Rodrigues, Meio Século ao serviço da educação, p.28 Bretes, Faustino, A propósito..., p.33 Luz, Pedro Manuel Natal da, O Folclore Ribatejano da Zona de Transição da Lezíria para a Charneca, p.37 Santana, Joaquim Lopes, O Trabalho Rural, os Cânticos e as Danças Folclóricas, p.44 Ribeiro, Carlos, Tradição, p.47 Falcão, José António, Tradição relacionada com o Vaga-lume, p.49 Vitorino, Alberto Aires da Silva, Rio Almonda, herança da Natureza, p.50 Bicho, Joaquim Rodrigues, Vila de Colinas e Mirantes, p.53 Sineiro, José Ribeiro, Esculturas, p.56 Leão, Mário, Tratado da Escola Tauromáquica de Torres Novas, introdução de J. M. Carraça da Silva, p.60 Bretes, Faustino, Magnitude: em rememoração de Artur Gonçalves, p.92 Namorado, Maria Lúcia, A Fangueira, p.93 Figueiredo, Ivone Mendes, De Longe IV, p.100 Navarro, Judith, O Luva, p.102 Lopes, José d’Abreu, Recordação de um veterano, p.104 Caetano, João, Sobre nós, p.106 Pinto, Guilherme, Análise de Conteúdo das Ofertas de Emprego, p.111 Maurício, Luís Godinho, Diálogro, p.125 N.º 5_1991 Direcção interina de joão Carlos lopes Lopes, José Machado, Torres Novas na Ocupação Romana, p.5 Bicho, Joaquim Rodrigues, Acção Assistencial de Confrarias e Misericórdias, p.15 Bento, Eduardo, Luísa Sigéa, Uma presença renascentista em Torres Novas, p.29 Rocha, Francisco Canais, Torres Novas nos primórdios da industrialização, p.33 Luz, Pedro Natal da, O período liberal em Torres Novas, p.44 Lopes, António Mário, A imprensa regional no concelho de Torres Novas (1853-1926), p.68 Rocha, Francisco Canais, O Movimento Social na Região de Torres Novas (1862-1926), p.85 Costa, Lucília Verdelho da, Carlos Reis e o Naturalismo do Século XIX, p.95 Canelas, António, Movimento Associativo em Torres Novas, p.107 315 NOVA AUGUSTA N.º 6_1992 Direcção interina de joão Carlos lopes Comemorações do VIII Centenário do Foral, p.5-42 Caetano, Joaquim Oliveira, A Pintura em Torres Novas nos séculos XVI e XVII, p.45 Coelho, Maria Helena da Cruz, O Concelho de Torres Novas em tempos de crescimento e consolidação de um Reino, p.55 Silva, Luís Alexandre Pereira, A estética, a psicocrítica e a crítica literária de João Mendes, p.69 Camelo, José António Fernandes, Evocação de António Prestes, p.77 Bento, Eduardo de Jesus, Nesta Torre, p.85 Torneio Literário – Trabalhos premiados, p. 101-125 316 N.º 7_1993 Direcção interina de joão Carlos lopes Rocha, Francisco Canais, A Morte Prematura do Círculo Católico dos Operários Torrejanos, p.11 Zilhão, João; Maurício, João; Souto, Pedro, Jazidas Arqueológicas do Sistema Cársico da Nascente do Almonda, p.35 Antunes, José Júlio, Freguesias ou Paróquias, p.55 Bicho, Joaquim Rodrigues, Pinceladas Torrejanas – Moinhos de Vento, p.73 Ribeiro, Carlos, As Lavadeiras – Evocação, p.81 Coelho, António Fernando, As Visitas Paroquiais – A propósito da publicação de “Visitas Paroquiais na Região de Torres Novas, séc. XVII-XVIII”, de Isaías da Rosa Pereira, p.89 Lopes, João Carlos, Historiografia Torrejana – breve abordagem, p.97 Tavares, Elsa, Tanoaria, esse velho mester, p.105 Simão, Borges; Bento, Eduardo, Maria Lamas – a vida como Vale dos Encantos é possível, p.167 Nuno, Carlos Simões, Materiais Cerâmicos no Museu Agrícola de Riachos, p.173 Rosa, Victor M. Pereira da, O Islão e a Mulher, p.187 Martins, Bertino Coelho, Injustiça impedida por uma moleira torrejana, p.201 Brites, José, A alaga dos figos, p.205 António, Guilherme, O país dos Cegos, p.209 Maurício, Luís Godinho, O Ti Zé da Dica, p.213 Nuno, Carlos, Um poema de Amor, p.221 Santos, António Mário Lopes dos, Ex-Percurso, p.225 Pinto, Maria Fernanda, Nas margens do meu rio, p.237 Zabeleta, Maria, Pela tarde, p.241 Memória – Nova Augusta: 31 anos em índice, p.245 NOVA AUGUSTA Nova Augusta em índice N.º 8_1994 Direcção interina de joão Carlos lopes Bicho, Joaquim Rodrigues, O Cânhamo e a sua cultura na região, p.9 Neves, Lídia Maria Rodrigues, Subsídios de Lactação – Elementos para o estudo das mães solteiras nos finais do séc. XIX, p.33 Ferreira, Marta Nunes, Os mosaicos de Villa Cardílio, tentativa de descrição, p.45 Ribeiro, Carlos, Casa Mogo de Melo “Utilidade Desconhecida”, p.83 Bento, Eduardo, José Ribeiro: a invenção do corpo, p.89 Silva, José Alberto Matos da; Costa, Vítor Maia e, Roteiro de Carlos Reis na Lousã, p.101 Ferreira, Carlos Nuno Reis Nunes, Carlos Reis e Torres Novas, p.119 Câmara Municipal de Torres Novas, Castelo de Torres Novas – Sondagem arqueológica – Relatório preliminar, p.129 Rocha, Francisco Canais, Torres Novas e o atentado a João Chagas (1915), p.141 Santos, António Mário Lopes dos, Génesis, p.195 Pinto, Maria Fernanda, A Torres Novas – Vila do passado, p.199 Pinto, Maria Madalena, Pensamento irrequieto, p.203 Maurício, Luís Godinho, Banda Desenhada, p.207 Nova Augusta: 32 anos em índice, p.217 N.º 9_1995 Direcção interina de joão Carlos lopes Farinha, Ana Lídia Gonçalves, Achegas para a história dos Moinhos de Água de Torres Novas, p.11 Bicho, Joaquim Rodrigues, Companhia Nacional de Fiação e Tecidos de Torres Novas, 150 anos de actividade, p.29 Cunha-Ribeiro, João Pedro, O Paleolítico Inferior na Região de Torres Novas, novos elementos para o seu estudo, p.45 Silvestre, Mário Rui, O Marquês de Torres Novas e outras partes correlativas, p.73 Ribeiro, Carlos, Trajo e Representação, p.81 Lopes, João Carlos, Passado e futuro do Museu Municipal, p.87 Marques, Ana Maria, Ter e Saber – para uma caracterização sociológica do concelho de Torres Novas, p.97 Pinto, Ana Catarina, Marketing Político – o voto jovem em Torres Novas, p.135 Santos, António Mário, Périplo de Ulisses, p.159 Maurício, Luís Godinho, Poesia, p.167 Filipe, Élia, Epopeia, p.177 Pinto, Maria Fernanda, Ribatejo, meu Poema, p.181 Pinto, Maria Madalena, A minha mão, p.185 António, Guilherme, Excelência, p.189 317 NOVA AUGUSTA N.º 10_1994 Direcção de joão Carlos lopes Bicho, Joaquim Rodrigues, O Moinho dos Gafos, p.9 Rocha, Francisco Canais, Para a história da resistência ao fascismo em Torres Novas 1941-1961, p.17 Carreira, Júlio M. Roque, A necrópole megalítica das Lapas, p.51 Carreira, Júlio M. Roque, As ocupações das Idades do Cobre e do Bronze da Lapa da Bugalheira, p.91 Carreira, Júlio M. Roque, Materiais da Idade do Bronze da Gruta da Nascente do Almonda, p.113 Vasconcelos, Carolina Michaëlis, A Infanta D. Maria de Portugal e as suas Damas, p.123 318 N.º 11_1999 (esPeCial arqueologia) Direcção editorial de joão Carlos lopes Estudos, p.11 Cunha-Ribeiro, João Pedro; Maurício, João; Souto, Pedro, O Paleolítico Inferior na Região de Torres Novas – Novos elementos para o seu estudo, p.13 Rodrigues, António Carolino, contribuição para o conhecimento do Paleolítico Inferior do Concelho de Torres Novas, p.33 Oosterbeck, Luís, Para a revisão da Neolitização da Região de Torres Novas, p.53 Carreira, Júlio M. Roque, A Necrópole Megalítica das Lapas (Torres Novas), p.61 Sousa, Jorge Manuel Serra de, Três povoados fortificados do Concelho de Torres Novas, p.77 Monteiro, António Nunes, A Villa Cardílio, p.99 Sousa, Jorge Manuel Serra de, Elementos culturais de Vila Cardílio, p.109 Gama, João Manuel Ferraz Gaspar da, Contributo para o conhecimento da Romanização no Concelho de Torres Novas, p.127 Real, Fernando C. S., A Mineração Romana: exploração de materiais não metálicos, p.151 Sínteses, p.159 N.º 12_2000 Direcção editorial de joão Carlos lopes Sáez, Rita, Nossa Senhora do Ó de Torres Novas, p. 11 Bicho, Joaquim Rodrigues, A Banda Operária Torrejana e a Fábrica Grande, p. 37 Bicho, Joaquim Rodrigues, A Fiação do Cânhamo, p. 51 Correia, Sandra, Convento de Santo António, p. 67 Simão, Carlos Borges, O Linguajar Torrejano nas Personagens que lhe dão Vida nos Contos de António Borga, p. 125 Renato, Paulo, O Azulejo como Elemento Transfigurador dos Espaços Arquitectónicos. O Caso do Revestimento Azulejar da Igreja da Misericórdia de Torres Novas, p. 133 Carvalho, António F.; Jacinto, M.ª João; Duarte, Cidália ; Maurício, João; Souto, Pedro, Lapa dos Namorados (Pedrógão, Torres Novas): Estudo dos Materiais Arqueológicos, p.147 NOVA AUGUSTA Nova Augusta em índice Lourenço, Sandra; Zambujo, Gertrudes; Borralho, José, Intervenção Arqueológica na Igreja da Misericórdia, 169 Lourenço, Sandra; Zambujo, Gertrudes, Relatório Arqueológico sobre a Estrutura de Combustão de Barreiros (Riachos), p. 191 Ribeiro, Carlos, O Boieiro, p.223 Marques, Ana Maria, O Associativismo. Discursos, Paradoxos e Sonhos. Uma Reflexão Inspirada em Teorias do Poder e da Reciprocidade, p.229 N.º 13_2001 Direcção editorial de joão Carlos lopes Bicho, Joaquim Rodrigues, Artur Gonçalves, actor e ensaiador, p.15 Bicho, Joaquim Rodrigues, Miradouros do Concelho, p.21 Diogo, A. M. Dias; Monteiro, António J. Nunes, Ânforas Romanas de “Villa Cardílio”, Torres Novas, p.33 Pereira, Júlio Manuel, Breve notícia de uma ocupação do Neolítico Final/Calcolítico nas proximidades de Torres Novas, p.61 Bretes, Faustino, Teatro, Cinema e Filarmónica, p.77 Simões, Jorge Manuel Salgado, Paisagem Protegida do Figueiral Torrejano? (um estudo de geografia do turismo), p.89 Ribeiro, Carlos, Modas de Roda, p.121 Bicho, Joaquim Rodrigues, Grupo Pró-Torres Novas, p.127 N.º 14_2002 Direcção editorial de joão Carlos lopes Marques, Carlos Trincão, Riachos – uma terra com nome próprio!, p.15 Simões, Jorge Salgado, Estrutura produtiva do Concelho de Torres Novas Desindustrialização ou Reindustrialização?, p.27 Renato, Paulo, A obra de mestre entalhador Manuel da Silva na vila do Almonda (1685 – 1695), p.47 Bicho, Joaquim Rodrigues, Colégio de Andrade Corvo – Memória breve de uma longa vida, p.67 Lourenço, Sandra, A ocupação medieval na Rua Tenente Valadim, n.º 1 e 3 (Torres Novas), p.109 Pereira, Júlio Manuel, Um habitat do Paleolítico Médio - a Quinta do Minhoto II (Riachos, Torres Novas). Breve apresentação, p.157 Bicho, Joaquim Rodrigues, Os “Botas”, p.167 Ribeiro, Carlos, Considerações sobre o “Atlas” Folclórico, p.179 Sousa, Jorge Serra de, Relatório de progresso dos trabalhos da Quinta de S. Brás (1999), p.193 319 NOVA AUGUSTA N.º 15_2003 Direcção editorial de joão Carlos lopes Castro, Cláudia Plácido de, O espólio do Dr. Carlos Azevedo Mendes no Museu Municipal, p.13 Simões, Jorge Salgado, Novas notas demográficas do concelho (Uma análise local aos resultados dos Censos 2001), p.35 Bicho, Joaquim Rodrigues, Uma fiação de algodão em Torres Novas, p.57 Moleiro, Margarida, Os primeiros seis meses da guerra colonial em Torres Novas, p.89 Gregório, Paulo Renato, Torres Novas – Sinais Urbanos: do medievo ao moderno, p.115 Ribeiro, Carlos, Rossio de S. Sebastião: as suas memórias, p.135 Borralho, José Alberto, Torres Novas num túmulo num santuário de Nossa Senhora de Guadalupe em Espanha, p.143 Bicho, Joaquim Rodrigues, Torres Novas, terra de festas, p.149 Pereira, Ana Sofia e Simões, Jorge Salgado, Portas abertas para um passado fechado, p.157 320 N.º 16_2004 Direcção editorial de margarida trindade e luísa martins Diogo, A.M. Dias e Catarino, João, Cerâmicas de duas estações arqueológicas do concelho de Torres Novas (Castelo Velho de Riachos e Chão do Castelo, Fungalvaz), p.13 Trindade, Margarida Teodora, O livro das visitações da igreja do Salvador de Torres Novas, p.39 Mendes, Marta Tamagnini, O revestimento azulejar da Capela da Senhora Sant’Anna, p.79 Ribeiro, Carlos, Os Gaiteiros, p.127 Bicho, Joaquim R., Da igreja de S. Pedro de Torres Novas do 1.º quartel do século XX, p.137 Moleiro, Margarida, O Painel de Gil Pais: estudo iconográfico e iconológico, p.167 Gregório, Paulo Renato Ermitão, O presépio de Machado de Castro na igreja da Misericórdia de Torres Novas, p.167 Santos, António Mário Lopes dos, Convento do Espírito Santo – os últimos dias, p.177 N.º 17_2005 Direcção editorial de gabinete de estudos e Planeamento editorial Raimundo, Ricardo Varela, Sentir mal do Sacramento da Penitência. O Processo de Frei Salvador da Ressurreição, p.11 Santos, Diana Gonçalves dos, Subsídios para o Conhecimento da Produção Artística de Carlos Reis, p.35 Bicho, Joaquim Rodrigues, O Bairro de Santo António. Sociedade e Economia entre 1936 e 1950, p.87 Borralho, Armando, Os últimos ferradores de Torres Novas. O cavalo e as artes equestres na 1ª metade do século XX, p.103 Trindade, Margarida Teodora, Transcrição do Livro das Visitações da Igreja do Salvador de Torres Novas – parte I, p.111 NOVA AUGUSTA Nova Augusta em índice Silva, Vasco Jorge Rosa da, Manuel de Figueiredo, contributo de um torrejano para a história da astronomia portuguesa, p.133 Santos, António Mário Lopes dos, Cristão-Novos torrejanos na época dos Filipes, p.157 Diogo, A. M. Dias e Silva, Bruno F. da, Notícia de achados romanos nos concelhos de Torres Novas e Alcanena, p.177 Sousa, Jorge Serra de, Relatório de progresso dos trabalhos da Quinta de S. Brás, p.189 Figueira, Luís Mota, Análise de documentação visual na prática de gestão museográfica do Museu Agrícola de Riachos – proposta metodológica, p.215 N.º 18_2006 Direcção editorial de ana maria marques e margarida moleiro Liberato, Marco, Antroponímia no concelho de Torres Novas nos finais da Idade Média, p.11 Silva, Vasco Jorge Rosa da e Santos, Magda, As matas da Serra de Aire na Torres Novas dos séculos XV-XVI, p.39 Raimundo, Ricardo Varela, Saber e poder assinar em Torres Novas (1670-1790): modalidades e assimetrias, p.63 Carreira, Carlos, Um passado islâmico em Torres Novas (contributo para o seu estudo), p. 87 Simões, Jorge Salgado, Donut urbano ou a dialéctica da cidade com o seu centro histórico, p.139 Bicho, Joaquim Rodrigues, A Igreja em Torres Novas no primeiro quartel do século XX, p.153 Moleiro, Margarida, Breves notas sobre o Tombo da Alcaidaria-mor da Vila da Torres Novas, p.171 Santos, Diana Gonçalves dos Santos, Obras de Carlos Reis no Museu de Torres Novas. Testemunhos da permanência de um gosto, p.181 Santos, António Mário Lopes dos, Subsídios para a História da Fundação do Convento do Espírito Santo, p.219 Bento, Eduardo, A Lenda de Martim Regos – Uma vida que, de Torres Novas, se reparte pelo mundo, p.239 Trindade, Margarida Teodora, Transcrição do Livro das Visitações da Igreja do Salvador de Torres Novas – Parte II, p.247 Clemente, Joaquim Francisco de Sousa, Torres Novas e a Crise Nacional de 1383-1385, p.275 Sousa, Jorge Serra de; Lourenço, Sandra; Zambujo, Gertrudes; Sousa, Marco de; Carolino, António; Joaquim, Ramiro, Trabalhos de monitorização na estação de Villa Cardilium (Torres Novas), p.299 2005 em revista, p.333 Nova Augusta em índice, p.345 N.º 19_2007 Direcção editorial de ana maria marques e margarida moleiro Santos, António Mário Lopes dos, A ascensão do povo miúdo ao poder autárquico no concelho de Torres Novas no reinado de D. João IV, p. 13 Teixeira, Maria Elvira Marques, Lavradores com ciência – a filoxera nas vinhas de Torres Novas (1874-1914), p.39 321 NOVA AUGUSTA 322 Poitout, Manuela, Emancipação do Entroncamento do concelho de Torres Novas, em 1926, p. 65 Raimundo, Ricardo Varela, A economia torrejana a partir dos seus testamentos (1680-1790), p. 91 Batista, Luís, A Confraria do Santíssimo Sacramento de Árgea, p. 109 Trindade, Margarida Teodora, Transcrição do Livro das Visitações da Igreja do Salvador de Torres Novas (1566-1591)– Parte III, p. 159 Simões, Jorge Salgado, José Manuel Pereira de Oliveira. Percurso e contributos de um geógrafo torrejano, p. 183 Silva, Vasco J.R. da, João José Dantas Souto Rodrigues, um cientista de Torres Novas, p. 191 Bicho, Joaquim Rodrigues, Pe. José Maya dos Santos no cinquentenário da sua morte, p. 203. Marques, Ana Maria, Dos primeiros agrupamentos musicais ao nascimento do Choral Phydellius: dinâmica associativa musical no concelho de Torres Novas (1850-1957), p. 219 Moleiro, Margarida, Comprar livros em Torres Novas. Resultados de um inquérito, p. 231. Oliveira, Paulo, As influências arquitectónicas da Casa-Estúdio de Carlos Relvas. Linhas de pesquisa, p. 249 Gonçalves, José, O Senhor Jesus dos Lavradores, um percurso de contestação, pesquisa e análise, p. 257 Silva, Armandina e David, Susana, Um tear de Kay da Companhia Nacional de Fiação e Tecidos de Torres Novas, p. 269 Costa, Cláudia et al., A intervenção arqueológica no n.º 121 da Rua Carlos Reis (Torres Novas). Primeiros resultados, p. 287 Lopes, Gonçalo, Um cantil almóada em Torres Novas, p.319 Carreira, Carlos, Os 3 dirhams do Museu Municipal Carlos Reis, p. 331 Figueira, Luís Mota, Os fumos da Casa da Mina e da Índia – vestígios manuelinos encontrados no concelho de Torres Novas, p. 361 Martins, Andreia, Arte rupestre no concelho de Torres Novas: a Lapa dos Coelhos, p. 373. Santos, Diana Gonçalves dos, REIS, Pedro Carlos – Carlos Reis. Lisboa: ADC Edições, [D.L. 2006], 383pp. (recensão crítica), p.389