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História Medieval (Sumário e Introdução)

2019, História Medieval

Sumário e Introdução do livro "História Medieval" (Coleção História na Universidade)

Sumário Introdução.................................................................................................................................................................................................... 7 O mundo romano e os reinos bárbaros....................................................................................................... 15 A dominação senhorial ......................................................................................................................................................... 43 Igreja e sociedade ........................................................................................................................................................................... 81 Crises e renovações .................................................................................................................................................................. 115 A fabricação da Idade Média.................................................................................................................................... 137 Leituras complementares ............................................................................................................................................... 157 Introdução A Idade Média abrange um período de cerca de dez séculos, compreendido entre o final da Antiguidade e o início da época moderna. Essa é uma convenção cronológica, uma forma de ordenar e de classificar o tempo histórico, ao lado da Idade Antiga (ou Antiguidade), da Idade Moderna e da Idade Contemporânea. Os historiadores nunca entraram em consenso sobre os marcos precisos do início e do fim da Idade Média: para uns, seria a queda de Roma, em 476, e a queda de Constantinopla, em 1453; para outros, o Edito de Milão, em 313, e a chegada dos espanhóis à América, em 1492. No entanto, esse período é mais do que uma convenção cronológica. Desde o surgimento do termo, no final do século XIV, não apenas eruditos e historiadores, como também historiadores da arte, filósofos e 8 HISTÓRIA MEDIEVAL sociólogos, buscaram identificar as características que diferenciariam “os tempos médios” da Idade Antiga e da Idade Moderna. As divergências nesse ponto são ainda maiores do que na escolha das datas que marcariam o início e o fim do período. Até os anos 1980, muitos historiadores consideravam a Idade Média o resultado da decadência e da corrupção do legado antigo (instituições, cultura, costumes etc.), da depressão econômica, sendo uma época marcada pela violência sem limites, por perseguições contra aqueles que ousavam desafiar o poder da Igreja, por guerras incessantes, pela penúria, pela fome e também pela peste. Um quadro desolador, que teria como responsáveis, principalmente, os bárbaros e a Igreja. Os primeiros teriam destruído o Império Romano e sua civilização, sem conseguir colocar em seu lugar nada de comparável, seja em termos de organização política e de manutenção da paz, seja em termos de produção artística e literária ou de uma economia capaz de prover condições mínimas de subsistência. O Estado romano e a ordem pública teriam desaparecido, dando lugar a um regime no qual imperava a lei do mais forte (a aristocracia). A cultura literária teria regredido, da mesma forma que a vida material. Por falta de insumos, de inovações técnicas e de mão de obra, a agricultura medieval não conseguiu alimentar a população, gerando fomes constantes. O comércio e a vida urbana teriam praticamente cessado, fazendo da Europa medieval um mundo fechado às grandes rotas comerciais, situação que só teria se alterado, e mesmo assim de forma limitada, entre os séculos XI e XIII, antes de entrar em colapso devido às guerras, à fome e, sobretudo, à peste. A Igreja, a instituição dominante durante toda a Idade Média, exerceu grande controle sobre todos os campos da vida social, a ponto de sufocar a brilhante cultura clássica − além do próprio comércio, por meio da condenação da usura − e censurar as artes e todas as formas de expressão e de pensamento dissidentes. De acordo com esse ponto de vista, a época moderna teria libertado os homens da depressão econômica, por meio da expansão marítima e comercial, e da tirania da Igreja, da superstição e da barbárie, por intermédio do avanço da razão e do restabelecimento dos laços com a cultura antiga. INTRODUÇÃO 9 Nas últimas três décadas, nosso conhecimento sobre o período medieval mudou de maneira significativa. Mostraremos, no capítulo “O mundo romano e os reinos bárbaros”, como a deposição do último imperador romano do Ocidente, em 476, não significou o fim da influência das tradições e das instituições romanas, da mesma forma que o final da Antiguidade não trouxe consigo a regressão da vida econômica ou o desaparecimento do Estado e das atividades comerciais. Os povos bárbaros não conquistaram o Império, mas se integraram ao mundo romano, tanto pela violência quanto por acordos pacíficos. É por isso que a expressão “invasões bárbaras” caiu em desuso, tendo sido substituída por “migrações bárbaras”. Igualmente, caiu por terra a ideia de que os bárbaros, por um lado, e os romanos, por outro, constituíam duas entidades étnicas e sistematicamente opostas. Veremos, nos capítulos “O mundo romano e os reinos bárbaros” e “A fabricação da Idade Média”, que essa oposição é uma criação dos nacionalismos do século XIX. Os reinos bárbaros mantiveram o latim como a sua língua oficial, assim como preservaram as instituições e as leis criadas no Império Romano tardio. Se não se pode negar a repressão a todas as formas de divergências doutrinária, filosófica e política que marcaram e criaram as condições para a afirmação do poder da Igreja, é preciso reconhecer que a Idade Média foi também uma época de expansão geográfica, política, econômica e cultural. Abordaremos esse assunto no capítulo “Igreja e sociedade”. O cristianismo, além de ferramenta eficaz de integração (muitas vezes forçada) dos bárbaros, serviu como vetor da expansão do mundo latino para além das fronteiras do antigo Império Romano do Ocidente. Apesar da perda de quase toda a península ibérica para os muçulmanos, no início do século VIII, a cristianização da Germânia, da Escandinávia, das ilhas Britânicas, da Boêmia, da Polônia, da Hungria e da Croácia integrou novos territórios àquilo que se convencionou chamar de Cristandade. As cruzadas, a partir do século XI, fundadas na ideia de guerra praticada em nome de Deus, foram um segundo momento dessa expansão, tendo conduzido à formação de reinos latinos no Oriente Médio. Embora de curta existência, esses reinos mostraram a capacidade de as elites medievais se projetarem militar e politicamente para o outro lado do Mediterrâneo, em oposição aos Estados muçulmanos. A península ibérica 10 HISTÓRIA MEDIEVAL foi outro palco importante desse enfrentamento, encerrado em 1492, com a queda do último bastião muçulmano na Europa Ocidental, o Emirado de Granada. No entanto, as relações entre cristãos e muçulmanos durante o período medieval não se caracterizaram apenas pelos conflitos bélicos. O Mediterrâneo funcionou igualmente como um espaço de contatos culturais e de trocas comerciais entre cristãos, judeus e muçulmanos. Essas trocas foram sustentadas por expansões demográfica e econômica iniciadas durante a época carolíngia, no século VIII, e aceleradas entre os séculos XI e XIII. A agricultura dos tempos medievais foi capaz de produzir excedentes que alimentaram grandes circuitos comerciais, tanto no Mediterrâneo quanto no norte da Europa, e que foram também responsáveis pelo desenvolvimento urbano dos séculos XI, XII e XIII. Analisaremos, no capítulo “A dominação senhorial”, como a dinâmica das sociedades e da economia urbana foi sustentada pelos investimentos maciços feitos pela aristocracia rural, tanto nas atividades comerciais e fabris quanto na construção civil. A desaprovação da usura por parte da Igreja não significou uma condenação da riqueza, do lucro e das práticas comerciais. Desde a Alta Idade Média, por exemplo, os mosteiros se afirmaram como centros de produção artesanal e agrícola. Além do mais, a literatura eclesiástica do período está repleta de exemplos de reflexões sobre o bom uso das riquezas e de seu papel na salvação daqueles que as detinham. Os excedentes agrícolas, no entanto, não foram suficientes para evitar as sucessivas crises alimentares. Entre os séculos VIII e XIII, houve, no Ocidente europeu, uma crise alimentar a cada sete anos, em média. A fome pôde conviver com a abundância das colheitas na medida em que as sociedades medievais eram profundamente desiguais e hierarquizadas, e uma vez que parte dos camponeses estava submetida a uma pressão senhorial cada vez mais intensa, que extraía deles trabalho e excedente agrícola. É importante lembrar também que essas crises alimentares já existiam na época antiga e permaneceram um fenômeno recorrente da história europeia até pelo menos o século XVIII. Finalmente, a repressão e a censura, promovidas tanto pela Igreja quanto pelas monarquias em vias de centralização, não impediram o florescimento da literatura e das artes. Um bom exemplo foi o advento das universidades, uma criação tipicamente medieval: no final do século XV, havia cerca de INTRODUÇÃO 11 60 desses estabelecimentos na Europa Ocidental. O próprio Renascimento teve início na Itália do final da Idade Média, o que mostra que esse período reuniu as condições necessárias para o florescimento cultural que, de forma equivocada, é atribuído apenas à época moderna. Pode-se observar o mesmo no que diz respeito à expansão europeia. Foi o crescimento econômico ocorrido a partir do século XI que permitiu aos Estados europeus, apesar da peste no século XIV, como veremos no capítulo “Crises e renovações”, se lançarem à conquista do Novo Mundo. Desde o final do século XIX até os dias atuais, foram descobertos alguns poucos manuscritos do período medieval, nada que possa explicar a mudança de perspectiva que resumimos anteriormente. Por outro lado, as escavações arqueológicas, realizadas a partir dos anos 1950, trouxeram muitas novidades àquilo que até então sabíamos sobre as sociedades medievais, especialmente no que se refere à organização do espaço e às práticas funerárias, como veremos ao longo deste livro. Essa “Nova Idade Média” é, também, fruto dos novos métodos de análise dos materiais disponíveis (manuscritos, túmulos, utensílios, construções etc.), consagrados a partir da emergência da chamada Escola dos Annales. Os historiadores e os arqueólogos de hoje não interrogam os vestígios do passado da mesma forma que faziam seus predecessores do século XIX. Estes últimos estavam preocupados em avaliar a datação, a autoria e a veracidade dos documentos escritos. Desde o final da Segunda Guerra Mundial e, com mais intensidade, a partir dos anos 1960, os historiadores ficaram mais atentos às razões da escrita, àquilo que estava por trás das intenções dos autores dos manuscritos, bem como ao lugar social desses autores, aos modelos ideológicos que os inspiravam etc. As informações extraídas desses textos têm sido sistematicamente confrontadas com a análise dos vestígios da cultura material do período, com os dados sobre o clima e sobre o meio ambiente, entre outros. Há um esforço para buscar em outras disciplinas, como a Arqueologia, a Antropologia, a Economia, a Sociologia e a Climatologia, novos procedimentos que possam contribuir para o estudo das sociedades medievais. Em que pesem todas essas mudanças na maneira de fazer História, não podemos deixar de considerar o papel fundamental desempenhado pelos historiadores do século XIX e do início do século XX na sistematização 12 HISTÓRIA MEDIEVAL e na edição das fontes escritas do período medieval. O aparato crítico que eles elaboraram para lidar com essas fontes foi crucial para a emergência da História como disciplina científica, na segunda metade do século XX. Acrescente-se ainda que algumas interrogações permanecem as mesmas desde que a expressão “Idade Média” foi utilizada pela primeira vez: os especialistas do período medieval continuam a se perguntar sobre quais seriam os aspectos originais das sociedades entre os séculos V e XV. Se, por um lado, não se aceita mais a ideia de decadência e de regressão, por outro, dizer que a Idade Média foi o berço da Modernidade não nos ajuda realmente a entender a sua especificidade. De fato, as sociedades desse período possuíam características originais, que as diferenciam tanto daquelas que existiram durante a Antiguidade quanto das que se formaram a partir do advento da Modernidade. Em primeiro lugar, foi no período medieval que assistimos ao advento da ideia de Cristandade que, pela primeira vez na história, fez com que os habitantes de uma região vasta, que ia da Escócia à península ibérica, da Gália ao leste da Europa, passando pela Escandinávia e pelos Bálcãs, se sentissem membros de uma mesma comunidade, apesar de suas inúmeras diferenças culturais, políticas etc. Tratava-se, sobretudo, de uma comunidade cuja realização suprema ocorreria após o Juízo Final. Mas a necessidade de preparar a salvação de todos produziu um grande número de regras, de ritos e de práticas sociais que ajudaram a moldar traços comuns nessas regiões tão díspares e distantes entre si. A Igreja foi o grande artífice da construção dessa comunidade de fiéis, por meio, sem dúvida, da adoção de disciplina e de regras estritas, e mesmo da repressão, mas também por meio da promoção de uma cultura que tinha como referências as tradições judaica, grega e romana. O legado da Antiguidade não foi somente conservado em mosteiros e bibliotecas, mas também foi integrado às práticas cotidianas e ajudou a dar forma à Cristandade Ocidental, que a crise do Papado e, sobretudo, a Reforma Protestante, no século XVI, cindiram em dois blocos antagônicos. É isso que a torna a Cristandade Ocidental um fenômeno tipicamente medieval. O período medieval também foi marcado pelas relações de dominação que se estabeleceram entre os senhores de terras e aqueles que nelas INTRODUÇÃO 13 trabalhavam (os camponeses) e mesmo os que habitavam nas proximidades dos centros de poder senhoriais. Essas relações, que chamaremos neste livro de “dominação senhorial”, se caracterizavam pelo controle econômico, jurídico, político e militar dos camponeses por parte da aristocracia. Elas também incluíam uma série de obrigações dos senhores de terras em relação a esses camponeses, principalmente defendê-los em face de ameaças externas e arbitrar seus conflitos. Outra importante originalidade do período medieval foi a urbanização. Embora a maior parte da população vivesse no campo, foi durante a Idade Média que o fenômeno urbano tornou-se relevante e que as cidades surgiram como elementos dinâmicos da vida econômica, política e cultural do continente europeu. Nas cidades medievais foram construídas as catedrais, os maiores edifícios da Cristandade, e fundadas suas mais importantes instituições de ensino, as universidades. Em suma, nem tempo de decadência, nem época de ouro. A Idade Média foi um período de grandes contrastes, em que a fome, a peste e as guerras se alternaram com a paz, a prosperidade e a abundância, e no qual o universalismo do Império e o do Papado conviveram com os particularismos senhoriais e com as monarquias em vias de centralização. São esses contrastes que nos interessarão ao longo deste livro.