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Teoria Crítica dos Sistemas? Crítica, teoria social e direito Organizadores: Lucas Fucci Amato Marco Antonio Loschiavo Leme de Barros Diagramação: Marcelo A. S. Alves Capa: Carole Kümmecke - https://www.behance.net/CaroleKummecke Arte de Capa: Escher O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor. Todos os livros publicados pela Editora Fi estão sob os direitos da Creative Commons 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR http://www.abecbrasil.org.br Série Ciências Jurídicas & Sociais – 65 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) AMATO, Lucas Fucci; BARROS, Marco Antonio Loschiavo Leme de (Orgs.) Teoria crítica dos sistemas: crítica, teoria social e direito [recurso eletrônico] / Lucas Fucci Amato; Marco Antonio Loschiavo Leme de Barros (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2018. 430 p. ISBN - 978-85-5696-470-0 Disponível em: http://www.editorafi.org 1. Direito; 2. Sociologia; 3. Teoria social; 4. Sistemas; 5. Crítica; I. Título II. Série CDD: 340 Índices para catálogo sistemático: 1. Direito 340 8 Luhmann e Mangabeira Unger: da crítica social ao construtivismo jurídico Lucas Fucci Amato Este estudo tem como objetivo expressar alguns pontos de fuga, algumas tangências imaginárias entre duas perspectivas paralelas de teoria da sociedade e do direito, abordagens que não têm um encontro direto nem um ajuste fácil à primeira vista, mas que podem sim colaborar para a construção de uma visão coerente da sociedade atual – e nela, do direito. Os dois autores-chave aqui são Niklas Luhmann e Roberto Mangabeira Unger. Graduado em direito, Luhmann (1927-1998) trabalhou na administração pública em sua cidade natal na Alemanha e em 1961 foi para Harvard estudar com Talcott Parsons. Ingressou na carreira acadêmica pelas mãos de Helmut Schelsky e em 1968 tornou-se professor de sociologia na Universidade de Bielefeld, onde permaneceu até se aposentar, em 1993. Já Mangabeira Unger (n. 1947), nascido e graduado em direito no Rio de Janeiro em 1969, fez mestrado e doutorado na Harvard Law School, ao mesmo tempo em que começava a lecionar, no início dos anos 70, até hoje ocupando a cátedra Roscoe Pound. Nesse contexto é que Unger liderou o movimento critical legal studies (estudos críticos do direito), que renovou a teoria do direito e as faculdades de direito nos Estados Unidos, com influências do realismo jurídico americano e da “jurisprudência” sociológica. 244 | Teoria crítica dos sistemas? Não pretendo fornecer uma comparação exaustiva1 desses autores ou de suas aproximações e distanciamentos com relação à “teoria crítica”. Epistemologicamente, cada qual se vincula sobretudo às concepções do construtivismo radical (Luhmann) e de um pragmatismo radical (Unger). Não trato, porém, aqui de explorar esse pano de fundo filosófico; enfoco as construções teóricas substantivas dos autores, aplicadas seja ao plano de uma sociologia geral, seja de uma teoria (sociológica) do direito. Divido este artigo em três partes: a primeira trata da teoria da sociedade; a segunda, da análise jurídica; e a conclusão pontua em que sentido o resultado do “encontro” dos autores nesses dois planos (da sociologia geral e do direito) corrobora o que tem sido definido como uma “teoria crítica dos sistemas” – ou constitui, na verdade, alternativa a tal corrente. A primeira hipótese do trabalho é de que a diferenciação funcional deve ser entendida como uma forma de organização social combinada com outras formas de diferenciação e de inclusão/ exclusão, com suas especificidades regionais projetadas diante da emergência de uma só sociedade mundial. A segunda hipótese é de que, transitando ao plano dos sistemas funcionais – no caso, o direito –, há espaço para um discurso (no caso, sociojurídico) que mapeie as estruturas internas dos sistemas sociais e contribua para a visão de suas formas institucionais alternativas. No caso do direito, trata-se de uma antidogmática voltada para a reforma jurídica. A tese central, portanto, é de que a crítica da sociedade precisa descer ao nível dos detalhamentos internos de cada sistema social parcial para observar sua complexidade, e de que, para haver um sentido ampliado da contingência social, cabe aliar a crítica à construção, à proposta de mudanças institucionais, campo também próprio ao discurso jurídico. 1 Uma comparação mais completa e um desenvolvimento maior dos argumentos sintetizados aqui estão em Amato (2017). Lucas Fucci Amato | 245 1. Teoria da sociedade: diferenciação funcional sem estruturas profundas O grande contraste do qual podemos partir, no plano da teoria da sociedade, entre Luhmann e Unger é entre o conceito de “diferenciação funcional” e a tese de que “tudo é política”. Minha hipótese é de que nenhum dos dois lados pode ser aceito por inteiro, e de que um lado fornece elementos para revisar o outro. O que se deve rejeitar da visão de que “tudo é política” é a prevalência do sistema político ou mesmo a determinação estatal dos demais sistemas funcionais (como economia, ciência, saúde, educação, para não falar do direito). É claro que o estado nacional é uma organização relevante para a estruturação da sociedade “moderna”, e mesmo fundamental para apartar os âmbitos sociais e manter a especialização e a complexidade, mas as operações de cada sistema funcional não podem ser trocadas pelas de outro (poder é diferente de dinheiro, que é diferente de conhecimento e assim por diante). Por outro lado, o que essa tese da prevalência da política quer expressar é que não há restrições necessitárias (em geral, na teoria social, expressas como necessidade econômica) que determinem totalmente a evolução social. Há uma autoconstrução social (“política”, nesse sentido amplo, antigo) das ideias e instituições que torna as estruturas sociais sob as quais vivemos resultados contingentes da imaginação e das disputas sociais. Do lado de Luhmann, o que se deve rejeitar é a “diferenciação funcional” entendida como conceito homólogo ao de capitalismo – ou seja, a identificação entre as “formas de diferenciação” em Luhmann com os “modos de produção” de Marx (como pretende BACHUR, 2010). É uma interpretação naturalista e necessitária da evolução social, que universaliza trajetórias específicas 246 | Teoria crítica dos sistemas? (eurocentrismo), é historicamente imprecisa2 e deixa de apreciar a variedade institucional possível em contextos comparáveis. Vejamos a teoria de Luhmann (2013, [1997], cap. 4). Aqui, a forma de diferenciação da sociedade, como sistema social mais abrangente que se diferencia internamente em outros sistemas sociais, é explicada pela morfogênese da complexidade: níveis diferentes de complexidade significam incremento ou redução de variações e diferentes pressões seletivas – afinal, quantas relações entre elementos uma estrutura social é capaz de selecionar, estruturar e suportar (no caso dos sistemas sociais, tais elementos são as comunicações). Historicamente verificam-se diferentes formas de diferenciação social dominante. Na história mundial, não há uma sequência linear dos tipos, de modo que é possível encontrálos ao mesmo tempo em diferentes regiões. Na história europeia, porém, há uma transição típica de formas prevalentes. Primeiramente, a forma segmentária distingue entre subsistemas sociais similares, como famílias, tribos, linhagens, clãs ou outras unidades estruturadas pelo princípio da parentela e internamente divididas por outros critérios naturais (etnia, sexo e idade). A seguir, emerge a diferenciação entre centro e periferia, com dessemelhança entre as unidades: por exemplo, a distinção entre campo e cidade na Grécia antiga ou a distinção entre Roma e a periferia do Império Romano. O território, não mais a ascendência, define a sociedade. A concentração de recursos nos centros (em relação às periferias) preside a emergência de sociedades estratificadas, cuja distinçãodiretriz é aquela entre nobres e povo. A modernidade é descrita Para Luhmann, embora haja “avanços pré-adaptativos” que permitam localizar diferenciações de papéis, teorias, estruturas jurídicas, políticas, econômicas ao longo da história ocidental, um sistema jurídico, um sistema político, um sistema econômico só se definem enquanto tais na “modernidade”. Para precisar essa vaga datação, Bachur (2010, p. 180) propõe a identificação histórica entre “diferenciação funcional” e “capitalismo”, datando da consolidação da economia monetária na Europa ocidental (segunda metade do século XVIII e primeira metade do século XIX) a aceleração da diferenciação funcional (e de seu correlato indispensável: os acoplamentos estruturais entre os sistemas diferenciados). Luhmann (1997a, p. 70), porém, já fornece uma indicação cronológica: “[d]iferenciação funcional é um arranjo histórico específico que se desenvolveu desde a Idade Média tardia e foi reconhecido como disruptivo apenas na segunda metade do século XVIII”. 2 Lucas Fucci Amato | 247 como a formação de uma só sociedade mundial prevalentemente diferenciada por subsistemas funcionalmente especializados: economia, política, direito, arte, religião, educação, ciência. É a sociedade em que direito e dinheiro, poder e verdade são meios de comunicação simbolicamente generalizados – o que conta para distinguir comunicações e sistemas. Para Luhmann (2013 [1997], pp. 10-16), cada forma de diferenciação social é “a mais importante estrutura social, que, se puder impor-se, determina as possibilidades evolutivas do sistema e influencia a formação de normas, posteriores diferenciações, autodescrições do sistema, e tudo o mais”. As formas de diferenciação se distinguem porque “há possibilidades limitadas de desenvolvimento dentro de cada forma de diferenciação prevalente”. Como na descrição das origens da cidade antiga, famílias e tribos podem se unir em grupos maiores; na sociedade de estratos, podem se desenvolver mais diferenças além daquela central entre nobres e povo. “Mas essas possibilidades de crescimento vão de encontro ao que se é tentado a chamar de barreiras orgânicas. Mais evolução então é impossível, ou requer a transição para outra forma de diferenciação.” Uma nova forma de diferenciação não destrói as formas anteriores: tribos não são substituídas por estratos, nem a nobreza pela ciência, pela economia ou pela política. Os centros e as periferias mantêm a diferenciação por famílias, assim como o fazem os estratos da sociedade hierárquica. A sociedade moderna funcionalmente diferenciada continua sendo estratificada na forma de diferenças de classes sociais e de distinções entre centro e periferia, “mas elas são subprodutos da dinâmica endógena dos sistemas funcionais”. Há também estruturas e “avanços pré-adaptativos”, como formas de diferenciação funcional em sociedades estratificadas, inclusive nos centros urbanos ou imperiais, como Atenas ou Roma. Um sincretismo ou fusão das formas de diferenciação é “típico, de fato evolutivamente necessário, embora mudanças espetaculares no tipo ocorram apenas quando as formas dominantes são suplantadas”. 248 | Teoria crítica dos sistemas? Essas mudanças permanecem latentes enquanto são preparadas no interior da ordem que será substituída pela prevalência de um novo princípio diferenciador. A credibilidade da velha ordem é posta em xeque quando a nova ordem, já gestada e madura, emerge do interior da velha formação. Quando elementos desestabilizadores ganham espaço (são selecionados e restabilizados), um novo patamar de estabilidade é estabelecido. Muda a forma prevalente de diferenciação. A unidade da sociedade é, então, uma nova diferençadiretriz. Essa mudança é, em termos sistêmicos, uma “catástrofe”. Embora haja possibilidades de regressão de uma forma a outra em uma mesma região, é muito improvável que suceda a uma sociedade segmentária uma estrutura de prevalência de diferenciação funcional. Isso porque, embora afirme ser insustentável a tese da crescente, progressiva e constante diferenciação, Luhmann sustenta a tese da mudança nas formas de diferenciação com saltos para formas mais complexas, capazes de incorporar mais dessemelhanças e formas de comunicação mais diversas. Cada forma de diferenciação social, sendo a estrutura estruturante, define a complexidade sustentável, os limites de compossibilidade entre as outras estruturas: as expectativas, a memória e a semântica social. A estrutura social define as expectativas plausíveis, o que esquecer e o que lembrar e o acervo de fórmulas e conceitos que a descrevem. A transição do feudalismo ao capitalismo é substituída por Luhmann pelo tema da transição da sociedade estratificada a uma sociedade funcionalmente diferenciada. É aí que se universalizam os direitos. As “formas de diferenciação” (segmentária, e.g. em tribos; centro/ periferia, e.g. pela distinção entre campo e cidade na antiguidade grega ou romana; hierárquica, na Europa medieval; funcional, na sociedade mundial moderna) substituem os “modos de produção”. Elas representam diferentes ordens de grandeza de complexidade. Ora, pode-se aplicar a Luhmann a crítica que Unger (1987, cap. 6) dirigiu às teorias sociais “de estruturas profundas”, Lucas Fucci Amato | 249 notadamente a Marx (essa aplicabilidade foi constatada por Christodoulidis, 1996). O primeiro passo dessas teorias é distinguir as práticas ou rotinas das estruturas, de seu enquadramento institucional. Em Marx, as relações de produção ocorrem sob determinado modo de produção. Em Luhmann, as comunicações reproduzem certa forma de diferenciação. Esse passo é importante, e deve ser mantido, argumenta Unger, para uma visão de teoria da sociedade que se contraponha às ciências sociais positivas (as pesquisas “de médio alcance”), que deixam de apreciar a mudança estrutural e a descontinuidade histórica, vendo a sociedade como uma continuidade, resultado cumulativo de um comportamento maximizador de utilidade ou de ajustes incrementais (como é usual na ciência política e na economia). O problema das “estruturas profundas” começa no segundo passo, que é a construção de tipos gerais: como “feudalismo” e “capitalismo”, como “diferenciação hierárquica” e “diferenciação funcional”. É estabelecida uma lista fechada de tipos sociais, que na verdade universaliza experiências delimitadas no tempo e no espaço. Esses tipos são tidos como complexos indivisíveis de instituições e ideias. Mesmo teorias que rejeitam o próximo passo (evolucionismo necessitário) aceitam uma lista fechada de “tipos” e pressupõem a tradução jurídica unívoca de fórmulas institucionais abstratas (enquanto na realidade há infinitas variações possíveis, no regramento detalhado, de uma “economia de mercado” ou de um “sistema presidencialista”). O terceiro passo é observar tais tipos sociais como sobredeterminados por restrições naturalistas (como fatores tecnológicos e psicológicos) que guiam a sucessão das formas de sociedade (em Marx, as forças de produção). Toda experiência histórica concreta é então submetida ao mesmo roteiro (seja na análise, seja na prática – pelo poder das “profecias autorrealizáveis”, isto é, por efeito da crença generalizada nessa necessidade histórica) e os países são mensurados como atrasados ou avançados, com certo telos de convergência à “modernidade” (talvez, acrescento, o próprio 250 | Teoria crítica dos sistemas? conceito de “modernidade” possa ser colocado em xeque, dada essa sua pretensão de convergência etnocêntrica, ou dada sua indeterminação histórica). Vimos que Luhmann fala de “barreiras orgânicas”. E, embora enfatize a contingência, o primado da diferenciação funcional e a emergência de uma só sociedade (moderna e mundial) acabam por reforçar essa finalidade da evolução – por mais que explicitamente o autor se esforce para negá-la. Um autor citado em fases diversas do pensamento luhmanniano (ver Luhmann, 1983 [1980], p. 14, nota 10) é Darcy Ribeiro (1997 [1968]), que, seguindo Marx, utiliza o critério tecnológico (ação humana sobre a natureza) para a demarcação das formações socioculturais. Ao citá-lo ao lado da análise de Schluchter (1981 [1979]) sobre a teoria da história (e o método tipológico) em Weber, Luhmann (2013 [1997], p. 429, nota 340,) comenta: “Apesar de todas as críticas dos historiadores, divisões de época ainda não morreram na sociologia. E como alguém poderia de outro modo demonstrar tendências empiricamente?” Unger (2001 [1987], cap. 2 e 4) fornece uma alternativa com o conceito de “contexto formador”. Pode-se discernir o complexo institucional estruturante de determinada experiência delimitada regional e temporalmente, e inseri-la no pano de fundo da história mundial. Há ciclos de reforma e de entrincheiramento desse contexto. Mas uma lista fechada de tipos sociais e uma sucessão necessária desses tipos – a ser cumprida mais cedo ou mais tarde pelas diversas regiões – pode ser dispensada. É verdade que fatores ambientais – como território, população, biologia ou tecnologia (esta, poderíamos interpretar sistemicamente como um acoplamento entre o ambiente natural e os sistemas sociais) – delimitam em algum grau as possibilidades sociais. Mas, dentro dessa moldura, há uma variedade de soluções possíveis – de formas de organização, de estruturação dos sistemas sociais. A evolução é autocontrolada pela indeterminação interna das instituições e ideias – em termos sistêmicos, pelo sentido e pela comunicação, que são o meio e o elemento de (auto)construção da sociedade e de seus subsistemas. Lucas Fucci Amato | 251 Em Marx, as relações de produção caminham no sentido do progresso das forças de produção; quando estas progridem a certo ponto, levam ao colapso das velhas relações e ao estabelecimento de novas relações, dentro de um novo modo de produção. Em Luhmann, temos a dinâmica de diferenciação social que conduz a um aumento da ordem de complexidade socialmente sustentável. O incremento da complexidade leva à mudança da forma de diferenciação prevalente, conduzindo a um novo tipo de sociedade, mais complexa. As novas estruturas reduzem a complexidade, estruturam-na, ao mesmo tempo em que ampliam a complexidade disponível. A explicação funcional reside no paradoxo de consequências entendidas como causas – a mudança das formas sociais e a evolução material, medida por um critério objetivo (o desenvolvimento das forças de produção ou da complexidade social), sustentam-se mutuamente e causam-se circular e cumulativamente. O problema da explicação funcional é que, embora forneça um esquema racional para a causalidade histórica, é incapaz de dar uma resposta àquilo que parece querer responder: por que a história só poderia ser da maneira como foi. Em outros termos, falta à explicação funcional assumir a hipótese de equivalentes funcionais. Pode ser que mais de um tipo de organização social, mais de um conjunto de instituições fosse/ seja capaz de dar uma resposta igualmente eficiente aos desafios postos pela história e pela natureza – mas sobretudo pelo próprio “tipo” de sociedade que antecedeu a este seu substituto. Na verdade, há uma dependência da trajetória na mudança social, na sucessão entre complexos de ideias e instituições. Mas não há um evento instantâneo que substitua um “tipo” por outro. As formas institucionais dependem da “correlação de forças” que as estabelecem e do repertório de ideias que as inspiram (UNGER, 2001 [1987], pp. 95-115). Embora aparentemente menos embebido do necessitarismo histórico que o materialismo marxiano, o método tipológico weberiano também vem a ser apropriado para uma interpretação evolucionária mais ou menos unívoca. A metodologia weberiana dos 252 | Teoria crítica dos sistemas? “tipos ideais” teoricamente não descreve uma experiência concreta em suas especificidades nem tem qualquer valor ou finalidade (é axiologicamente neutra). Mas seu legado (como provam o weberianismo das teorias da modernização e os usos e abusos do direito e desenvolvimento e mesmo da nova economia institucional) abre-se a prescrições de convergência e a uma interpretação evolucionária ou neoevolucionária ortodoxa e hegemonista3. O mais importante a reter do método tipológico é a combinação peculiar de tipos que, em dado contexto histórico localizado, existe: por exemplo, o amálgama de elementos carismáticos-plebiscitários, jurídicoburocráticos e mesmo tradicionais nas organizações políticas e econômicas atuais (ver e.g. WEBER, 1978 [1922], pp. 219-20). A matriz das teorias sociais clássicas, pensadas na Europa ocidental entre as últimas décadas do século XIX e o início do século XX, apresenta os arranjos de produção e poder, as formas de hierarquia e o conjunto de crenças então emergentes como “a modernidade”: a forma de vida a ser subscrita por todo o mundo. É uma espécie de “romance da razão prática” (UNGER, 1987, pp. 112-3), a contar com desesperança e resignação a história de uma pressão irresistível a prender o futuro de todas as sociedades na “jaula de ferro” da modernidade desencantada. Essa convergência prática, a ser concretizada por conflito social, guerras, choque de nações e visões de mundo, vem a ser contemporaneamente oposta a outra corrente Da mesma forma, Luhmann (2012 [1997], pp. 335-49) é ambíguo ao colocar as “formas de diferenciação” na dimensão material de sentido, fora, portanto, da teoria da evolução, que constituiria a dimensão temporal de sua sociologia. Já Unger, em um primeiro momento, adotava uma metodologia baseada na imersão da ação na crença e na contextualização dessas unidades de crença e ação dentro de totalidades classificadas como tipos ideais. O método tipológico lhe parecia uma espécie de explicação análoga à interpretação da obra de arte e uma alternativa à descrição puramente lógica (ideal) ou causal (mecânica). “O tipo é um esquema conceitual desenhado para elucidar uma situação histórica única, como um trabalho de arte representacional apresenta a imagem de um fenômeno único. Ainda assim, o tipo também é desenhado para mostrar como certas espécies de ações e crenças caminham junto com outras espécies. Assim, permite-nos melhorar a qualidade de nossa compreensão geral da sociedade” (UNGER, 1976, p. 22). Depois, porém, Unger (2001 [1987], p. 620) defendeu que a tipologia weberiana das formas de dominação e as variáveis-padrão de Parsons (uma tipologia das formas de ação em papéis sociais complementares) “oscilam entre serem uma classificação sem claros usos ou pressupostos explanatórios e servirem a um papel evolutivo residual”. 3 Lucas Fucci Amato | 253 poderosa da competição mundial: a criação de vantagens práticas pela combinação de traços “não modernos”, “não ocidentais” herdados em certas regiões com formas fragmentárias e recombinações parciais do que parecia ser um conjunto único, completo e coerente moldado como a forma institucional da “modernidade”. Em alternativa a essa visão clássica, reprisada e simplificada por tantas vertentes ao longo do século XX, a tarefa da sociologia, e das ciências sociais cada qual com seus escopos e métodos, seria discernir a variabilidade de formas estruturais e fazer uma decomposição detalhada dessas “macroestruturas” em instituições, o que permitiria vislumbrar isomorfismos e equifinalidades. Se há uma subdeterminação funcional das instituições pela (macro)estrutura social (“contexto formador”), estruturas diferentes podem cumprir funções semelhantes e atingir resultados equivalentes. Nesse sentido, não adianta tentar “salvar” conceitos como o de “capitalismo” criando subtipos históricos (capitalismo mercantil, capitalismo industrial, capitalismo pós-industrial, capitalismo colonial) ou falando, hoje, em “variedades de capitalismo” – do mesmo modo, mantidos pressupostos análogos, não adiantaria descrever “variedades de diferenciação funcional”. O que se pode reter da teoria da sociedade de Luhmann é que a emergência da sociedade mundial4 dá-se com a prevalência de uma nova forma de diferenciação social (que é também uma forma de inclusão/ exclusão): a prevalência da diferenciação funcional. Sem o “naturalismo” das “estruturas profundas” e o “etapismo” da lista fechada de tipos sociais universais, a diferenciação funcional há de ser entendida também sem “pureza”. Ela não existe como única “regra” para a produção de comunicações, a diferenciação de sistemas e a Além da questão dos marcos temporais, pode-se considerar que a sociedade mundial “moderna”, que se mundializaria a partir da Europa (e, em geral, do Atlântico Norte – “o Ocidente”), é expressão apenas de mais um ciclo de mundialização, com antecedentes em outros períodos e civilizações. Ver e.g. Gunder-Frank; Gills, 1993. 4 254 | Teoria crítica dos sistemas? inclusão/ exclusão de pessoas5. Na verdade, a sociedade mundial funcionalmente diferenciada redimensiona as outras formas de diferenciação social. A diferenciação segmentária não diz mais respeito a tribos arcaicas, como na história europeia contada por Luhmann; ela (a diferenciação segmentária) é recriada com o nacionalismo moderno, que é um processo de reespecificação regional da dinâmica mundial de diferenciação dos sistemas funcionais. A diferenciação geográfica, entre centro e periferia, não diz respeito a relações entre campo e cidade nos impérios antigos: é uma assimetria recriada pela distinta participação regional na produção e nos resultados da operação dos sistemas funcionais (e aqui há diferentes escalas: regiões do mundo, de um país, de uma cidade). A diferenciação hierárquica não mais predomina como nas sociedades estamentais e corporativas, mas resiste com as classes sociais6. Tudo isso convive com a diferenciação funcional de operações (os códigos e programas do direito, da política, da economia) e de pessoas (os papéis de produtor/ consumidor, professor/ aluno, trabalhador/ empresário etc.). E, regionalmente, a (des)integração dos povos autóctones, a urbanização, o desmanche das hierarquias de nascimento seguem trajetórias muito específicas. Tudo isso tem como pano de fundo a prevalência da diferenciação funcional, mas há um “sincretismo” e não uma “pureza” de formas de diferenciação7. Parece-me que é uma visão autorizada pela própria descrição de Luhmann, embora muitas vezes desconsiderada pelo “luhmannianismo”, que tende à apologia da “sociedade moderna”, onde só haveria “diferenciação funcional”. Por 5 Luhmann (2013 [1997], p. 25; 2006 [1999], pp. 269-70) vacilou em sua própria tese ao especular que, provavelmente, a diferença inclusão/ exclusão  será  a  “metadiferença”  da  sociedade  mundial.  Mas  não  era  a   própria forma de diferenciação a forma da inclusão e exclusão (Luhmann, 2013 [1997], pp. 17-27)? 6 É difícil concordar com Luhmann (2013 [1997], p. 289) na hipótese de que classes sociais sejam apenas uma  “semântica  de  transição”  entre  a  sociedade  estratificada  e  a  sociedade  funcionalmente  diferenciada.   Afinal, a extinção das classes seria uma transição suficientemente longa a ponto de não haver sido (ainda) observada (resistindo, de algum modo, mesmo nas experiências do socialismo real)... 7 Bachur (2010, p. 215) propõe algo semelhante, mas associado a uma tendência inerente da diferenciação funcional, que solapa a si mesma ao engendrar estratificação, regionalização e segmentação social, em um movimento comparável à “lógica” autossubversiva do “capital”. Lucas Fucci Amato | 255 vezes, o próprio Luhmann (2013 [1997], pp. 121, 127-31; 2009a [1995]) recai na ideia (típica das teorias da modernização) de que formas de diferenciação “anteriores” só se apresentam hoje como “revivals” ou são inerente “corrupção” ou “desdiferenciação” funcional, entendida como uma peculiaridade cultural idiossincrática de certos povos do sul global. É esse o caminho “barbarológico” sugestionado por Luhmann, ainda quando inverte o discurso colonial (de localizar anomalia, déficit ou negatividade na periferia), ao dizer que “pode bem ser que a atual proeminência do sistema jurídico e a dependência da própria sociedade e da maioria de seus sistemas funcionais de uma codificação jurídica que funcione não sejam mais que uma anomalia europeia, que bem pode se amenizar com a evolução da sociedade global” (LUHMANN, 2004 [1993], p. 490). Para sairmos dessa vertente de interpretar como “anomalia” o que não é diferenciação funcional, e descrevermos melhor, um caminho é tomar as formas de diferenciação como índices para descrevermos como, em determinado contexto, elas se integram: qual é o mix de critérios segmentários, geográficos, hierárquicos e funcionais que opera em dada trajetória regional? E como as outras formas da estrutura social são traduzidas em termos dos sistemas funcionalmente diferenciados? Esse sincretismo das formas de diferenciação precisa ser esclarecido. A diferenciação funcional não apenas “reconstrói” assimetrias dadas por outras formas de diferenciação, fagocitandoas sem eliminá-las, mas também é restringida e entrecortada por elas. Por exemplo, a diferença segmentária parece não ser uma decorrência meramente da segmentação interna do sistema político mundial, da organização do estado nacional8. Diferenças 8 Como querem Luhmann, 2006 [1999], p. 264; Neves (2015, p. 18); Dutra (2016, p. 99). Já Villas Bôas Filho (2009 [2006]) mantém um conceito como o de “sociedade brasileira”, incabível nos termos luhmannianos de uma única sociedade (mundial); mas o próprio Luhmann, que considera um “obstáculo epistemológico” pressupor “que sociedades são entidades regionais, territorialmente definidas, de modo que o Brasil como sociedade difere da Tailândia, e os Estados Unidos da Rússia, assim como o Uruguai do Paraguai” (LUHMANN, 2012 [1997], p. 6), refere-se à tal “sociedade brasileira” (LUHMANN, 2018 [1992], p. xviii)! 256 | Teoria crítica dos sistemas? segmentárias aparecem também no sistema econômico. Há condições de poupança interna, juros, disponibilidade de capital e de tecnologia que não são globais. É claro que há a mediação estatal – pelo controle da moeda, das taxas de câmbio – que especializa regionalmente a dinâmica econômica global. Mas não é algo que diga respeito meramente às operações do sistema político. Ainda, vale lembrar que as organizações são sistemas que transpassam os sistemas funcionais. Dessa forma, o estado não interessa apenas ao seu sistema funcional “de origem”, a política. E, ainda quando os países têm que se assumir como plurinacionais, critérios segmentários (étnicos, sexuais, etários, familiares) reaparecem na sociedade mundial na forma de comunidades incongruentes que ora buscam a inclusão compensatória nos sistemas parciais, ora pretendem “trunfar” seu universalismo abstrato. Por outro lado, há a questão da diferenciação geográfica, entre centro e periferia. Há quem, mais uma vez, queira reduzi-la a forma apenas relevante para a economia9. Mas a verdade é que, assim como a diferenciação nacional (encontrável na política, mas também na economia, no direito, na arte, na educação), a assimetria entre centros e periferias reproduz-se nos diversos sistemas funcionais, como resultado também da diferenciação funcional (e não de sua falta na periferia)10. Sob o pano de fundo da sociedade mundial, as dinâmicas regionais tornam-se comparáveis, copiáveis: os transplantes institucionais tornam-se recombinações do “moderno global” com o “tradicional local”, as pretensões de diferença local firmam-se em relação à identidade mundial e é nesse contexto que as assimetrias entre centro e periferia são marcadas, seja pela ilusão de serem superadas (como algo transitório, “em desenvolvimento”), Campilongo  (2011  [2000],  p.  169,  destaque  meu),  por  exemplo,  ao  tratar  de  sua  hipótese,  diz  que  “[a]   periferia dos sistemas jurídicos de países economicamente periféricos é mais exposta às irritações provenientes  do  ambiente”.  O  próprio  Luhmann  (2012  [1997], pp. 96, 99) tende a ver a diferença centroperiferia como meramente econômica. Mas há óbvias relações centro-periferia  “policontexturais”,  isto  é,   quanto aos sistemas econômico, político, jurídico, científico, educacional, artístico etc. 9 10 Ver a crítica de Dutra (2016) a Neves (2008 [2000], cap. 5). Comparar Neves (2018a; 2018b [1992], cap. 3 e pp. 159-62),  reiterando  a  justificativa  de  que  sua  análise  se  baseia  na  construção  de  “tipos  ideais”. Lucas Fucci Amato | 257 seja pela desilusão de serem reproduzidas (desenvolvimento versus “subdesenvolvimento”). A periferia também é região da “sociedade mundial moderna funcionalmente diferenciada”, e tem seu próprio “mix” regional de critérios de diferenciação, dado por sua trajetória histórica. Essa miscelânea pode ser ora produtiva, ora destrutiva. Na verdade, a diferença centro e periferia se reproduz em diversas escalas (da cidade ao mundo) e nos diversos sistemas. Em cada qual haverá uma “vanguarda” que representa um acúmulo de meios de comunicação (poder, ter, conhecimento, tecnologia, direito) e uma estruturação mais complexa desses meios (na “fronteira do conhecimento”, da tecnologia, do direito) e que tende a ser copiada, seguida, emulada pela “retaguarda”. Essa distinção vanguarda/ retaguarda (UNGER, 1998, pp. 3041; 2018) pode ser “policontexturalizada”, isto é, aplicada para além do sistema econômico (assim há vanguardas e retaguardas científicas, educacionais, artísticas, sanitárias, políticas, jurídicas). Na divisão internacional do trabalho, em todos esses campos, reproduz-se a diferença “entre os países [ou regiões] mais ricos, em que uma minoria desfavorecida mas substancial se mantém presa fora da vanguarda, e os países [ou regiões] mais pobres, em que apenas uma minoria pertence à vanguarda [...]” (UNGER, 1998, p. 98), ainda na medida em que tais localidades baseiam apenas as parcelas que são satélites, cópias ou parceiras subordinadas dos centros dinâmicos do vanguardismo (econômico, educacional, científico, artístico). Tal entendimento parece compatível com a hipótese luhmanniana (LUHMANN, 2012 [1997], pp. 93-4) de que varia imensamente a partilha de vantagens e desvantagens da diferenciação funcional conforme regiões, ao mesmo tempo em que as assimetrias crescem ou diminuem conforme a forma e o grau de conexão das regiões com as condições da sociedade mundial. Isso significa que há um critério objetivo para tais assimetrias: que há regiões onde ocorre uma “aceleração evolutiva”, colocandoas no horizonte mundial a ser emulado, e outras que se integram na evolução global de modo retardatário e dependente, por “atualização 258 | Teoria crítica dos sistemas? histórica” (para adaptar um par de conceitos do já citado Darcy RIBEIRO, 1997 [1968], pp. 68-78). Esse critério objetivo pode ser o grau de desenvolvimento das formas de produção, ou o grau de complexidade estruturada e de contingência disponível. A grande questão anterior, da subdeterminação funcional, é que um mesmo grau pode ser sustentado por diferentes complexos institucionais, o que elide a apologia de convergência a (uma só) “modernidade”. Mas as especificações regionais da sociedade mundial, e sobretudo seus sistemas parciais, não deixam de ser comparáveis – para serem apenas celebráveis em sua “diversidade”, “cada qual a seu modo”. Tal visão realista das assimetrias é diferente de pressupor tipos e etapas universais, de modo que haveria (regiões ou) sociedades “atrasadas” que não seriam mais que o passado das sociedades “avançadas” (essa própria semântica é uma profecia autorrealizável: uma crença que estimula a cópia retardatária e parcial, reitera e pereniza a dependência). O problema é que há uma só sociedade mundial, e todas as histórias regionais estão, assim, sincronizadas. O futuro de qualquer região não será o presente de outra região. A diferenciação entre centro e periferia remete, portanto, a relações de dependências e desigualdades regionais múltiplas escalas. E abrange, então, a forma social dessa dependência: relações de patronagem e clientelismo, redes de boas relações (“capital social”) que integram as pessoas positivamente e também funcionam como barreiras à inclusão diante daqueles não pertencentes a comunidades de favor, subordinação e ajuda mútua11. Há ainda a questão da reprodução das diferenças hierárquicas combinada com a diferenciação funcional. O primeiro ponto é que a hierarquia (associada às sociedades estamentais) continua a sobreviver na sociedade moderna, liberal, “meritocrática”, de “carreiras abertas ao talento”, na forma dos sistemas organizacionais (Luhmann, 2013 [1997], pp. 141-54). A hierarquia nas organizações e Luhmann (1998 [1994], pp. 180-9) observa tais redes de reciprocidade e diz (p. 181) “que na atualidade são percebidas como perturbadores (ou, no máximo, transitoriamente úteis) survivals de velhas formações sociais”. 11 Lucas Fucci Amato | 259 a distinção membro/ não membro (de um estado, de uma empresa, de uma escola, de uma universidade) repercute drasticamente na inclusão ou exclusão de sistemas funcionais: no acesso a saúde, escola, emprego, justiça. Ao mesmo tempo em que reproduzem hierarquia e inclusão/ exclusão, as organizações são sistemas que isolam e diferenciam, “liberalmente”, os papéis sociais: consumidor, trabalhador, investidor, administrador; professor e aluno; sacerdotes e leigos. O segundo ponto, correlato, tem a ver com a hipótese luhmanniana (Luhmann, 2013 [1997], p. 25) de que a exclusão integra mais fortemente que a inclusão12: saber não necessariamente se converte em dinheiro, mas a exclusão educacional tende fortemente a gerar exclusão econômica, e exclusão econômica repercute em falta de acesso à saúde, ao direito e assim por diante – em uma retroalimentação positiva. Na verdade, o problema atual é a integração entre os sistemas, que reduz as liberdades de operação de cada um deles, e aumenta a reprodução das inclusões ou exclusões (a “conversão” de dinheiro em poder, e da pobreza em ignorância, doença etc.). Assim, mesmo a sociedade funcionalmente diferenciada acaba por ter um topo e uma base integrados, como uma espécie de losango. Então, pode-se interpretar que, a partir dessa conjunção de inclusões ou exclusões nos diversos sistemas funcionais, o cenário da relativa igualdade de papéis sociais complementares (produtor e consumidor, professor e aluno, políticos e eleitores) coexiste com a reprodução das desigualdades de classe. Enfim, os contextos sociais realmente existentes são sincréticos (no sentido da fusão das formas de diferenciação, inclusão e exclusão) e anacrônicos (perpassados por diversas camadas, durações, temporalidades). O paradigma proposto dá real abertura a uma comparação histórica inter-regional das trajetórias e contextos no interior da sociedade mundial. Não trata o passado como permanência no presente, mas investiga a reprodução contemporânea de uma série de diferenças estruturais 12 Ver também Luhmann (1995 [1975], pp. 141-5), sobre conversibilidade dos meios simbólicos. 260 | Teoria crítica dos sistemas? intercruzantes. Assim, abre alternativa a duas práticas inconsistentes de teoria social: aquela viciada por um “nacionalismo metodológico”, que se volta provincianamente à apologia ou maldição acerca de singularidades nacionais, ou aquela que ideologicamente universaliza trajetórias, distinções e complexos institucionais e semânticos na verdade contingentes e localizados. Essas observações têm interesse em um plano macrossociológico, das “macroestruturas sociais”. Mas uma vantagem comparativa da teoria dos sistemas é o ganho analítico que ela permite ao passar para o plano de cada sistema funcional considerado como unidade privilegiada. Considero então que entre as macroestruturas sociais (as “formas de diferenciação”, ou melhor, a conjunção dessas formas em cada contexto regional e histórico) e as microestruturas (as expectativas, cognitivas ou normativas), há um plano intermediário, das instituições. Retomando uma conceituação antiga de Luhmann13, defino as instituições como as estruturas internas dos sistemas sociais. Fixando-nos no nível dos sistemas funcionais, cada sistema funcional operará de acordo com seus meios – os códigos e programas – tanto em relação às expectativas quanto no que diz respeito às instituições. Por isso, é hora de passar da sociologia geral para o âmbito de determinado sistema. Aqui, focalizei o caso exemplar do sistema jurídico. 2. Teoria do direito: construtivismo jurídico e antidogmática Se aumentarmos a escala de observação da teoria dos sistemas, focalizando os sistemas funcionais e suas instituições, veremos não apenas organizações (que distinguem membros e não membros), mas também uma esfera não organizada: em cada sistema, uma “esfera pública” ou “ambiente interno”14, um campo Luhmann (2010a [1965], p. 86) define: “As instituições são expectativas de comportamento temporal, objetual e socialmente generalizadas e como tais formam a estrutura dos sistemas sociais.” 13 14 Villas Boas Filho (2009 [2006]) enfatiza a importância desse aumento de escala, observando os tribunais como centro do sistema jurídico. Campilongo (2011 [2000]) destaca a diferença entre centro e periferia do Lucas Fucci Amato | 261 que permite ao sistema operar com a ficção da inclusão universal e abstrata e traduzir as irritações do ambiente em termos da comunicação própria do sistema. Assim, na política a opinião pública é o “terceiro anônimo” que traduz em demandas às organizações políticas os problemas econômicos, educacionais, jurídicos, sanitários. É também a esse espelho do ambiente que se remete a avaliação do desempenho das organizações políticas: a aprovação ou rejeição de decisões coletivamente vinculantes, o apoio ou a crítica a políticas públicas, coalizões e estratégias. Na economia, a “esfera pública” é o mercado, “onde” todos potencialmente estão incluídos como compradores e vendedores, e que precifica todas as irritações do ambiente: político, jurídico, natural. A esfera pública ou ambiente interno do direito não se confunde com as demais; é a “personalidade jurídica”15, que a todos faz “sujeitos de direito” e tudo traduz em termos de direitos e deveres, poderes e responsabilidades. Por contraste a essa esfera pública, há a esfera organizada, na qual se distinguem – sem hierarquia – organizações periféricas e direito. Enfatizo, além dessa diferença, a presença  dos  “ambientes  internos”  (ou  “esferas  públicas”)  e  do  que   chamo   de   “mecanismos   de   triangulação”   (AMATO,   2017,   pp.   216-22). Sobre o centro e a periferia dos sistemas político, jurídico e econômico, ver Luhmann, 2004 [1993], cap. 7; 1993 [1991], pp. 180-4; 2009b [1998], pp. 272-9. Sobre os acoplamentos estruturais entre política, economia, direito, ciência e educação, ver Luhmann, 2013 [1997], pp. 108-15; 2009 [1998], cap. 10; 2004 [1993], cap. 10. Sobre as esferas públicas dos sistemas econômico, político e científico, ver Luhmann, 2017 [1988], cap. 3; 2009 [1998], cap. 8; 2013 [1997], p. 102. O conceito de esfera pública como ambiente interno do sistema é devido a uma sugestão de Dirk Baecker, como reconhece Luhmann (2000 [1996], p. 104). A diferença entre esfera pública e esfera organizada (que inclui as organizações centrais e periféricas) dos sistemas funcionais é enfatizada por Teubner (2012, pp. 88-96). 15 É o que proponho (AMATO, 2017, cap. 4), por contraste com o conceito de Neves (2008, cap. 4), o qual fala de uma “esfera pública constitucional” que, sob influxo habermasiano, parece indistinta entre os sistemas político e jurídico, e entre o plano estrutural e o plano semântico. Em Neves (2013 [2008], p. 122, destaques originais), “[a] esfera pública é formada pelo conjunto de valores, interesses, expectativas e discursos que emergem dos diversos sistemas funcionais e do chamado ‘mundo da vida’ (operacionalizado mediante as inumeráveis interações cotidianas não estruturadas sistêmicofuncionalmente nem sistêmico-organizacionalmente, e reproduzido por meio da linguagem natural não especializada) e perdem a sua pertinência de sentido específica às respectivas conexões sistêmicas de comunicações e às referências concretas do mundo da vida, com a pretensão e a exigência de influenciar os procedimentos de produção e concretização normativa, bem como os de tomada e execução de decisões política no Estado constitucional.” 262 | Teoria crítica dos sistemas? organizações centrais. Organizações e programas centrais – os poderes políticos e as leis para a política, os tribunais e sentenças para o direito, os bancos e programas de investimento para a economia – desdobram o paradoxo constitutivo de cada sistema: o paradoxo da soberania no caso do estado (a submissão dos órgãos decisórios às próprias decisões coletivamente vinculantes), a proibição da denegação de justiça pelos juízes, o incitamento a um só tempo à poupança e ao gasto pelo sistema financeiro. As organizações periféricas e seus programas são muito mais permeáveis ao ambiente: as empresas produtivas e os consumidores na economia; os partidos, movimentos e grupos de pressão na política; os poderes políticos, a advocacia e as funções parajudiciais no direito. Note-se que os poderes políticos, centros do sistema político, reaparecem como periferia do direito. Se o centro judicial reforça o fechamento operacional do sistema, o controle de consistência das expectativas (no caso, pela interpretação e aplicação de normas), é na periferia que se concentra a abertura cognitiva do sistema jurídico – a inovação institucional (criação de normas). Entre a esfera pública e a esfera organizada, considero que haja mecanismos de triangulação, que passam pelas organizações periféricas para chegar ao centro do sistema funcional: a referência universalista e anônima da opinião pública conta para o centro político – estatal – a partir dos procedimentos eleitorais, mediados pela “sociedade civil”; a personalidade jurídica vai a juízo assessorada pela advocacia; os mecanismos de crédito e dívida, de poupança e investimento vinculam o mercado ao centro financeiro da economia, tracionando a produção e o consumo. Essa triangulação (esfera pública – periferia – centro) permite reforçar a reflexividade dos sistemas: direito referente a direito (direito processual, direito constitucional), poder referido a poder (decisão sobre quem vai decidir: representação), dinheiro referido a dinheiro (economia real refletida pela economia financeira). Finalmente, ao lado da esfera pública e da esfera organizada (esta diferenciada em centro e periferia), com seus vínculos, há os Lucas Fucci Amato | 263 acoplamentos estruturais (que poderíamos também chamar de instituições de ligação), os quais potencializam seletivamente a decodificação de irritações do ambiente no sistema: é o caso das políticas econômicas e sociais e da tributação, da constituição, da propriedade e dos contratos. A partir dessas três formas (esfera pública e esfera organizada; centro e periferia organizacionais; acoplamentos estruturais e instituições de triangulação), a figura a seguir dá aproximação a um mapa das estruturas internas dos sistemas funcionais – no caso, as instituições dos sistemas jurídico, político e econômico. Banco central Partidos políticos, grupos de pressão Voto Produção, comércio e consumo Crédito Tributação e gasto público Eleições Política econômica e social Legislativo e Executivo (governo / administração) Bancos Direito Estado e advocacia, legislação e contratos Opinião pública Constituição Política Mercado Propriedade Contrato Economia Ação Personalidade jurídica Arbitragem Corte constitucional Judiciário Figura 2.1. Direito, política e economia: centro e periferia, esfera pública e acoplamentos estruturais dos sistemas Fonte: Amato (2017, p. 190) O que é importante dessa morfologia dos sistemas funcionais? É destacar que cada sistema, por suas próprias operações, reconstrói o outro. Há uma rediferenciação funcional. O direito tem sua função específica, de imunizar as expectativas contra desilusão, de afirmar a norma diante dos fatos – e reafirmá-la por procedimentos e imposição de sanção. Mas o direito também reconstrói em seus termos – em termos de direitos, deveres, responsabilidade, 264 | Teoria crítica dos sistemas? competência – cada sistema social. Em termos processuais, faz autorreferência a suas próprias instituições. Mas, nos diversos ramos do direito material, constrói hetero-observação: imuniza normativamente as estruturas ou instituições econômicas, políticas, científicas, educacionais, religiosas etc. Em termos semânticos, há certo mimetismo com a estrutura interna do sistema. Há um discurso jurídico voltado ao centro decisório judicial – a doutrina usual, dogmática, dirigida à decisão de controvérsias. Mas pode haver também uma “doutrina periférica”, uma espécie de antidogmática, voltada à inovação jurídica, em interface com outros sistemas: com a economia, no desenho de transações relacionais, molduras contratuais e procedimentos arbitrais, por exemplo; com a política, na construção e reforma das próprias instituições. Quando um juiz decide um conflito, toma a moldura institucional (que inclui o direito substantivo segundo o qual deve julgar, mas também as expectativas sobre seu papel, a delimitação de sua competência, as formalidades do procedimento devido) como um dado dogmático, e igualmente interpreta de modo dogmático os textos normativos. Pode haver certa indeterminação interpretativa, mas critérios formais ou argumentação substantiva conduzirão à construção da hipótese normativa e da premissa de fato em questão. O que se pode chamar de “casos difíceis” são aqueles em que a decisão esbarra em um conflito com sua moldura institucional: precisa de algum modo extrapolar as normas aplicáveis, os procedimentos devidos, as competências definidas, o direito textualizado. Esses casos suscitam problemas de legitimidade e no fundo reclamam a externalização da decisão do caso em juízo para a política, para a tomada de decisões coletivamente vinculantes. À política cabe inovar o direito. E aqui estamos em outro plano, de indeterminação institucional, que não diz respeito à aplicação de textos normativos, mas à mudança (política) do direito: como desenhar ou reformar então um sistema eleitoral ou um mecanismo de recuperação de empresas, o processo civil ou a legislação tributária... Lucas Fucci Amato | 265 Cabe aqui uma análise jurídica voltada especificamente a essa inovação, de lege ferenda. Essa “doutrina periférica” seria uma espécie de antidogmática16. O que ela mantém como específico do discurso jurídico é detalhar instituições em regras e justificá-las por apelo a interesses e ideais. O juiz ou o advogado, no exercício da prevenção ou solução de controvérsias segundo o direito posto, trabalha no plano das normas, quando muito referindo regras à sua reflexividade por princípios, propósitos e valores, por argumentação doutrinária e outras expectativas institucionalizadas, para construir uma decisão segundo as fontes autoritativas do direito. Deve partir das regras e interpretá-las à luz das finalidades, do “sistema” normativo, de sua integração como parte de uma instituição social, de um aglomerado de expectativas – tácitas e explícitas, positivadas juridicamente, textualizadas ou costumeiras, ou mesmo cultivadas apenas por certa “comunidade” (comercial, política, científica). Já o jurista no exercício do que Unger (1996) chama de “imaginação institucional” parte do plano agregado das instituições (que estou definindo luhmannianamente como as estruturas internas dos sistemas), esquadrinhando-as em regras e revisandoas à luz de seus propósitos atribuídos e funções pretendidas. Avalia as trajetórias alternativas de mudança social, as possíveis traduções institucionais da nova configuração (do próprio direito ou da economia, da política, da saúde – traduzida enquanto direito processual, econômico, político, sanitário, ambiental etc.), ora detalha tais instituições em regras substantivas, procedimentos, órgãos e sanções, ora deixa indeterminada em princípios e políticas essa nova direção pretendida – postergando sua disciplina mais minuciosa para futuras leis, regulamentos, sentenças ou contratos. A ideia aqui é buscar no direito uma solução para a obsolescência dos grandes conceitos das ideologias e da sociologia No “manifesto” do movimento de Estudos Críticos do Direito, Unger (2017a [1982], cap. 5 e 6) a qualificava de “doutrina desviacionista”. 16 266 | Teoria crítica dos sistemas? europeia do século XIX – como “capitalismo” ou “socialismo”. Quando se vai “decompor” o que significa uma “economia de mercado” ou uma “república democrática” em seus arranjos institucionais, há grande espectro de variação e escolhas. O direito, pela especificidade de regrar em detalhe as estruturas sociais e justificá-las por um discurso normativo, ajudaria a revelar a pluralidade de formas possíveis de organização política, jurídica, econômica, fugindo às simplificações das convergências e transplantes mal desenhados. O direito – o direito comparado, inclusive – traria um repertório de soluções dominantes e desviantes para a organização de cada área (do direito e da sociedade). Soluções de determinado ramo do direito, inclusive, poderiam servir de exemplo para outros ramos. O mapeamento dessas alternativas institucionais deveria ser, como indica Unger (1996, pp. 129-38), associado a uma “crítica imanente” – à consideração empírica e normativa sobre a medida em que cada solução cumpre com suas funções manifestas ou latentes. E, da visão do arco de soluções possíveis segundo dados ideais (a liberdade econômica, por exemplo), seria possível refinar os próprios ideais – e reaplicá-los na crítica ou justificação desta ou daquela forma de organização de determinado campo do direito e da sociedade. Duas questões decorrem dessa proposta: a primeira, a respeito de como caracterizar ou classificar esse tipo de análise; a segunda, sobre a medida em que o direito realmente transcreve a estrutura social. Nos termos da teoria do direito, trata-se certamente de proposta tributária do realismo jurídico americano, com sua crítica pragmática à autossuficiência das formas jurídicas (regras) e sua proposta de abertura “interdisciplinar” à economia, à política, à ciência. É também, como concebida por Unger, uma alternativa à idealização interpretativa do direito, que se perfaz pela racionalização do direito posto como expressão perfectível de uma ordem moral imanente, de uma unidade de valor, enfim, como expressão acabada do justo, suscetível apenas de correções marginais pelo intérprete/ aplicador do direito. Mas é uma forma de discurso jurídico, tal como a dogmática, Lucas Fucci Amato | 267 ancorada na própria autorreferência do sistema; é uma autodescrição integrada em suas próprias operações. A princípio, contrasta com a visão distanciada que Luhmann (2004 [1993], cap. 11) aloca à sociologia do direito, como observação científica externa, desinteressada e não contaminada pelo discurso doutrinário. É uma espécie de doutrina, porém, que abre espaço para uma crítica empírica e normativa incabível nos termos da aplicação jurisdicional do direito posto. Seu foco é a reforma do direito. Poderíamos caracterizá-la mais precisamente como acoplamento estrutural entre as autodescrições do direito e a hetero-observação do sistema jurídico pelas ciências sociais (é esse tipo de acoplamento que o próprio Luhmann identifica nas teorias do direito: entre autodescrições internas, doutrinárias, e referenciais externos – da sociologia, da economia, da filosofia moral, política, do conhecimento ou da linguagem). Afinal, o mapeamento e a crítica que constituem o método proposto por Unger não se dão apenas nos limites estritos do direito positivo (ainda que comparado), mas se valem dos mapas das estruturas e semânticas que nos são fornecidos pela sociologia, pela filosofia, pela economia política. Tal abordagem teórico-metodológica é um antídoto a correntes prevalentes do pensamento jurídico. Primeiro, uma alternativa à idealização, como em teorias políticas normativas, de um molde da forma justa de sociedade, à luz da qual as formas atuais poderiam ser julgadas por sua proximidade ou distância. Tampouco é uma descrição pura como a pretendida pelas ciências sociais positivas – que, na verdade, tomam seu poder de orientação de certas premissas necessitárias, como aquelas já criticadas (por exemplo, uma lista fechada de tipos sociais ou a pressuposição de um conteúdo inerente a abstrações como “economia de mercado” ou “democracia representativa”). Pesquisas em políticas públicas e estudos de sociologia jurídica têm, de algum modo, cumprido esse papel orientador. Mas o escopo de “imaginação institucional” vai além do foco das políticas públicas, ao menos no que diz respeito à mudança da própria moldura institucional sob a qual determinada política pode ser praticada. Se, de um lado, trata-se basicamente de 268 | Teoria crítica dos sistemas? programas de governo, órgãos e procedimentos administrativos, a mudança de instituições pode cobrir a própria revisão de sistemas de governo, mecanismos representativos ou participativos – enfim, estruturas (organizações, procedimentos) que parecem estar para além do conteúdo associado a “políticas públicas”, mas que igualmente determinam as formas de fruição efetiva de direitos. A segunda dúvida levantada por essa proposta de antidogmática é em que medida usar o direito para mapear estruturas sociais, como faziam os teóricos clássicos da sociologia, pode ser ilusório. Afinal, se nas sociedades corporativas e estamentais o direito detalhava as prerrogativas e privilégios de cada ordem ou estrato social (como a Magna Carta inglesa de 1215), o direito liberal moderno expressa a inclusão abstrata universal (como nas declarações de direitos constitucionais). Uma questão importante para a sociologia jurídica é, então, como as desigualdades são reproduzidas dentro do sistema jurídico – não apesar, mas por causa da igualdade abstrata. Esse direito funcionalmente diferenciado parece funcionar justamente abstraindo a estrutura social: a exclusão ou as diferenças de classe, por exemplo. O que o direito funcionalmente diferenciado marca de fato, em termos de estrutura social, é a diferenciação funcional. Assim, a constituição delimita o campo da política; a propriedade e o contrato estruturam a atividade econômica, circunscrevendo suas formas jurídicas possíveis; há um direito a limitar e autorizar a tributação e o gasto público. O que a sociologia jurídica pode trazer é a crítica das ineficiências, injustiças, ilegitimidades de determinados meios para a consecução da fruição efetiva dos direitos, indicando a resistência das formas de exclusão e desigualdade abstraídas do direito autopoiético. E, sobretudo, transformada em imaginação institucional, essa vertente da análise jurídica pode ajudar a construir a visão das formas alternativas de organização jurídica, política, econômica – das formas institucionais das quais depende a “eficácia” do direito. Um bom ponto de partida é o mapa das instituições, das estruturas internas dos sistemas, apresentado a partir de Luhmann. Todas essas instituições são de algum modo Lucas Fucci Amato | 269 juridicamente moldadas. Para cada uma dessas instituições, há que se distender o leque das configurações possíveis e desejáveis, pesquisando-as e avaliando-as. Apenas se trabalhar nesse plano agregado das normas em instituições a sociologia jurídica pode tratar da “eficácia” sem idealizá-la como algo apartado das próprias normas, vigentes em uma espécie de reino à parte da “validade”. Não há normas “boas, mas ineficazes”, pois de qualquer modo a avaliação depende de integrar uma norma em um agregado – de interpretá-la e criticá-la à luz de instituições, com seus aspectos organizativos, procedimentais e substantivos. As instituições, por sua vez, operam dentro de um contexto social maior. Esse contexto, como vimos no tópico anterior, é marcado por diferenciações não apenas funcionais, mas também hierárquicas, regionais, segmentárias. Nesse sentido, por exemplo, quando se está tratando de direitos e deveres, poderes e responsabilidades (isto é, das instituições da esfera pública do direito), reaparece não apenas o sujeito de direito abstrato em seu papel social contingente (ora produtor, ora consumidor; ora professor, ora aluno; ora representante, ora representado). Como vimos, há na sociedade funcionalmente diferenciada algo além de diferenciação funcional. Circundam um papel social e sua tradução jurídica enquanto pessoa – sujeito de direito – expectativas relacionadas a identidades e comunidades (diferenças nacionais, étnicas, de gênero), a relações de dependência pessoal ou organizacional, hierarquias organizacionais e diferenças de classe. Esses marcadores de inclusão e exclusão podem aparecer como justificativa para tratamentos especiais, como circunstâncias de fato que provocam, agravam ou atenuam a imposição de sanções (e.g. abuso de direito, abuso de autoridade, abuso de poder econômico), pois podem significar obstáculos à generalização das expectativas normativas – certa “anomia” que resiste à construção simbólica do direito; uma disfunção à qual o sistema jurídico precisa reagir por suas próprias operações, comunicações, normas. Ao mesmo tempo esse contexto ou macroestrutural social pode ser autodescrito em 270 | Teoria crítica dos sistemas? diagnósticos mais amplos que motivam a aplicação ou a reforma do direito. No caso da inovação jurídica, particularmente, permanecem em aberto – e como agenda de investigação – as instituições que em cada ramo (direito econômico, comercial, penal, civil, constitucional, internacional) possam disciplinar, compensar ou mesmo superar determinadas formas de diferenciação social e inclusão/ exclusão – generalizando, por exemplo, o acesso à produção ou ao consumo, à educação ou ao direito17. O direito pode tanto reiterar quanto “trunfar” relações de vida comunitária e identidade pessoal, de poder e dependência, ou de hierarquia técnica, divisão de trabalho e papéis sociais. Ao mesmo tempo, só pode operar nos termos de sua própria diferenciação como sistema funcional – só pode produzir direito, e tal direito há de ser observação jurídica sobre si mesmo e sobre os outros sistemas funcionais: economia, política, ciência, educação, saúde, esporte, arte, família, religião. 3. Para concluir: faz sentido uma teoria crítica dos sistemas? Temos,   assim,   a   especificidade   de   um   mundo   no   qual   toda   observação  pode  se  realizar  de  maneira  contingente,  dependendo   das  distinções  que   possam   ser   empregadas.   Tudo   o   que   se   pode   observar  é  artificial,  ou  relativo,  ou  histórico,  ou  plural.  O  mundo   pode  ser  reconstruído,  então,  sob  a  modalidade  da  contingência  e   de   outras   possibilidades   de   ser   observado.   O   conceito   de   contingência   do   mundo   designa,   portanto,   o   que   é   dado   (experimentado,   esperado,   pensado,   imaginado)   à   luz   de   um   possível  estado  diferente;  designa  os  objetos  em  um  horizonte  de   mudanças  possíveis.  Não  é  a  projeção  pura  (no  sentido  negativo),   mas  pressupõe  o  mundo  dado;  isto  é,  não  designa  o  possível  em  si,   mas   aquilo   que,   visto   a   partir   da   realidade,   pode   ser   de   outra   forma.  (Luhmann,  2010b  [1996],  p.  169) Circunscrevi, nesse debate imaginário entre Niklas Luhmann e Roberto Mangabeira Unger, que pontos emprestar de cada lado para 17 Para um exemplo no campo do direito constitucional e dos direitos fundamentais, ver Amato, 2018. Lucas Fucci Amato | 271 esboçar uma determinada visão do direito, preocupada com o tema sociológico das funções e estruturas sociais e com o tema jurídico do discurso doutrinário e do escopo da sociologia do direito. Ao rejeitar a visão oitocentista dos tipos puros de sociedade e de um evolucionismo necessitário – marcas das teorias clássicas da sociedade –, restou uma concepção de diferenciação funcional útil para a descrição da sociedade e mesmo para a proposição de formas alternativas de estruturação de seus sistemas parciais. O direito, como repositório de soluções institucionais detalhadas em regras e imersas em argumentos normativos, parece ter um uso possível nesse escopo. Uma crítica jurídica apenas preocupada em descrever ineficácias, distorções e encobertamentos ideológicos, para incitar o protesto, parece insuficiente. Justamente porque não há (mais) o pressuposto compartilhado de uma forma ideal à luz da qual as operações atuais poderiam ser criticadas, forma esta que surgiria em sua unidade, completude e coerência assim que derrubada, revolucionariamente, toda a ordem social vigente. Descrita assim, essa pretensão de “crítica total” parece tributária de ficções tão incríveis quanto as de um formalismo jurídico típico das doutrinas do século XIX. Destaco aqui três ordens de questões que colocam em xeque o modo usual da crítica social. A primeira diz respeito ao cabimento dessa pretensão de “totalidade” – ferida seja pela visão de que o complexos institucionais, os “contextos formadores” (Unger) sob os quais vivemos não são indivisíveis, mas sim o resultado de uma justaposição contingente de ideias e instituições, historicamente descontínuas e regionalmente recriadas; seja pelo diagnóstico (Luhmann) do estilhaçamento da sociedade em uma série heterárquica de sistemas autorreferentes, que funcionam como em um móbile sem direção central. Fica difícil localizar um “espaço” que seja puramente “social” a partir do qual se pudesse dirigir uma crítica aos âmbitos sistemicamente diferenciados (como na tese habermasiana da “colonização” do “mundo da vida”). 272 | Teoria crítica dos sistemas? Do ponto de vista de uma teoria crítica dos sistemas, é usual enfatizar o antagonismo de um sistema funcional contra o outro: a “alienação” dos demais sistemas pela economia, a “corrupção” do direito e da economia pela política, a “cientifização”, a “juridificação”, a “mercantilização”, a “medicamentalização”. O que falta é aumentar a escala de observação para detalhar as estruturas internas de cada sistema, as instituições, em vez de tomá-los como blocos opacos e homogêneos. Este ponto está ligado a um segundo, acerca de como construir o aspecto normativo da crítica. Se há “disfunções” ou mesmo “anomalias normais” nessa “agonística intersistêmica”, a única forma de julgá-las é contrastá-las com formas alternativas de estruturação dos sistemas em jogo – isto é, só analisando as instituições é que se poderá julgar comparativamente as “relações” entre os sistemas e suas disfunções. Um conceito, nos termos luhmannianos, só faz sentido como forma de dois lados, com seu contraconceito. Na medida em que esse grande contraconceito, da forma praticável de uma comunidade de homens livres, desapareceu do horizonte político, não faz sentido condenar de uma vez por todas tudo o que existe. Não se sustenta, portanto, o mero “negativismo” que pretende extrair o verniz da “falsa” consciência e da forma de vida “artificial” para então encontrar a forma de vida “autêntica”, uma espécie de comunidade perdida18. O jeito é ampliar, setorial e cumulativamente, a penumbra de possibilidades institucionais. Aqui, é a partir de uma crítica imanente, à luz dos propósitos esperados de cada instituição, que se pode esperar reformá-las. E não de um ponto de vista superior, platônico, de quem detenha conhecimento da forma ideal e autêntica de vida. 18 Ver as críticas de Luhmann (2002 [1990]; 1994 [1993]; 2012 [1997], p. 13; 2013 [1997], pp. 223-6; 2006 [1999]) à teoria crítica da escola de Frankfurt. Ver os comentários de Unger (1987, pp. 135-99; 2017b [2015], pp. 28-9),  sobre  “superteoria”,  “ultrateoria”  e  o  marxismo  que  enfatiza  a  “autonomia  relativa”  da  cultura   ou da política diante da determinação da base econômica. Ver também as críticas de Unger (2017b [2015], pp. 48-64) às correntes dos critical legal studies e outras tendências globais da teoria jurídica. Para a crítica da  “indeterminação  radical”,  ver  Unger  (1996,  pp.  120-2; 2017b [2015], pp. 26-8). Lucas Fucci Amato | 273 Finalmente, uma tendência da teoria crítica a ser repelida é a troca do determinismo “economicista” por certo “culturalismo”. Cultura, nota Luhmann (1997b [1995]), é um conceito que denota o registro em segundo grau de uma experiência, sua simbolização. A sociologia deve tratar de estruturas, representadas e construídas dentro de semânticas, é verdade, mas não se resume a “linguagem”, “discursos” e “narrativas”; o direito é um sistema estruturante da reprodução da sociedade, que a imuniza contra desilusões sem depender de consensos valorativos, ou é “a forma institucional da vida de um povo vista em relação aos interesses e ideais que dão sentido a tal regime. Nossos interesses e ideais sempre permanecem pregados na cruz das instituições e práticas que os representam de fato. O direito é o ponto dessa crucificação” (UNGER, 2017b [2015], p. 68). A observação sociológica, e especialmente a sociologia jurídica, encontram-se aqui na potencialidade de substituírem o discurso sociológico e ideológico da “modernidade”, com seu evolucionismo necessitário ou sua idealização de tipos puros de sociedade, conducentes a um formulário único de ideias e instituições “corretas”. Encontram-se em consonância com um conceito mais kantiano de crítica, de exercício da própria razão para repelir o dogmatismo19. “A ideia fora de moda do iluminismo seria hoje mais bem aplicada aos esforços para dissipar o fetichismo institucional que vicia as doutrinas ortodoxas em cada uma das disciplinas sociais. Dissipá-lo seria o trabalho em tempo integral de uma geração de críticos sociais e cientistas sociais” (UNGER, 1996, p. 7). A crítica então só se pode praticar lado a lado à construção. Assim como em Luhmann a contingência é um atributo do sentido, da distinção entre atualidade e potencialidade, Unger (1996, p. 3) nota que “[a] subsunção dos fenômenos reais em um campo maior de possibilidades não realizadas não é, para a ciência, uma conjectura metafísica; é um pressuposto operativo indispensável”. Ver, porém, Amato (2017, cap. 3), para o contraste da sociologia com o racionalismo iluminista – o tema luhmanniano do “iluminismo sociológico”. 19 274 | Teoria crítica dos sistemas? O que importa à reflexão teórica é ampliar o sentido da contingência e da complexidade sociais. O que mais parece faltar não são nem críticos apocalípticos nem apologetas otimistas, mas analistas dispostos ao detalhamento, à comparação, à justificação e à proposta de soluções – expandindo o horizonte do possível, do imaginável, do que pode e de como pode ser diferente. Referências AMATO, Lucas Fucci. Inovações constitucionais: direitos e poderes. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2018. ______. Construtivismo jurídico: teoria no direito. Curitiba: Juruá, 2017. BACHUR, João Paulo. Às portas do labirinto: para uma recepção crítica da teoria social de Niklas Luhmann. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2010. CAMPILONGO, Celso. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2011 [2000]. 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