ESTUDOS
ARQUEOLÓGICOS
DE OEIRAS
Volume 23 • 2016 /2017
A
RUI BOAVENTURA
HOMENAGEM À SUA MEMÓRIA
Editores Científicos: João Luís Cardoso e Rui Mataloto
CÂMARA MUNICIPAL DE OEIRAS
2016 / 2017
Estudos Arqueológicos de Oeiras é uma revista de periodicidade anual, publicada em continuidade desde 1991, que privilegia,
exceptuando números temáticos de abrangência nacional e internacional, a publicação de estudos de arqueologia da Estremadura em
geral e do concelho de Oeiras em particular.
Possui um Conselho Assessor do Editor Científico, assim constituído:
– Dr. Luís Raposo (Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa)
– Professor Doutor Nuno Bicho (Universidade do Algarve)
– Professor Doutor João Zilhão (Universidade de Barcelona e ICREA)
– Doutora Laure Salanova (CNRS, Paris)
– Professor Doutor Martín Almagro Gorbea (Universidade Complutense de Madrid)
– Professor Doutor Rui Morais (Universidade do Minho)
ESTUDOS ARQUEOLÓGICOS DE OEIRAS
Volume 23 • 2016/2017
ISSN: 0872-6086
EditorEs CiEntífiCos dEstE VolumE
dEsEnho E fotografia
Produção
CorrEsPondênCia
–
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–
–
João Luís Cardoso e Rui Mataloto
Autores ou fontes assinaladas
Gabinete de Comunicação / CMO
Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras
Fábrica da Pólvora de Barcarena
Estrada das Fontainhas
2745-615 BARCARENA
Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos Autores.
Aceita-se permuta
On prie l’échange
Exchange wanted
Tauschverkhr erwunscht
oriEntação gráfiCa E
rEVisão dE ProVas – João Luís Cardoso e Autores
Paginação – M. Fernandes
imPrEssão E aCabamEnto – Graficamares, Lda. - Amares - Tel. 253 992 735
dEPósito lEgal: 97312/96
Índice Geral / contents
PAULO VISTAS
Prefácio
Foreword . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
9
JOãO LUíS CARDOSO & RUI MATALOTO
Apresentação
Presentation . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
11
RUI MATALOTO & JOãO LUíS CARDOSO
Rui Boaventura (1971-2016), apontamento biográfico e bibliografia
Rui Boaventura (1971-2016), biographical note and bibliography . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
13
RUI MATALOTO, MARCO ANTÓNIO ANDRADE & ANDRé PEREIRA
O Megalitismo das pequenas antas: novos dados para um velho problema
The Megalithism of small dolmens: new data to an old problem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
33
ANDREA MARTINS
Entre o Atlântico e o Maciço Calcário Estremenho: a arte rupestre da Estremadura
Between the Atlantic and the Maciço Calcário Estremenho: the rock art of Estremadura . . . . . . . . . . . . . . . . . .
157
ANTÓNIO CARLOS VALERA & LINO ANDRé
Aspectos da interacção transregional na Pré-história Recente do Sudoeste Peninsular:
interrogando as conchas e moluscos nos Perdigões
Views on the transregional interaction in Iberian Southwest Recent Prehistory:
questioning the shells and molluscs from Perdigões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
189
ANA MARIA SILVA & MARIA TERESA FERREIRA
Perscrutando espólios antigos 5: Contributo da análise dos restos ósseos humanos
Examining old remains 5: the contribution of the study of human bones . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
219
JOãO LUíS CARDOSO & FILIPE MARTINS
O povoado pré-histórico do Outeiro Redondo (Sesimbra):
Resultados das campanhas de escavação de 2013 e 2014
The chalcolithic fortified settlement of Outeiro Redondo (Sesimbra):
Results of 2013 and 2014 field seasons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
233
5
JOãO LUíS CARDOSO
Correspondência epistolar remetida por eminentes pré-historiadores espanhóis
ou que trabalharam essencialmente em Espanha a José Leite de Vasconcelos (1853-1941)
Correspondence sent by eminent Spanish pre-historians or who worked mainly in Spain
to José Leite de Vasconcelos (1853-1941) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
393
ANA CATARINA SOUSA
Os tempos do Neolítico na região de Lisboa: o povoamento
Times in the Neolithic from the region of Lisbon: the settlements . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
459
DIRk BRANDhERM, MIChAł kRuEGER & JOãO LuíS CARDOSO
um novo método para a datação absoluta de ossos humanos cremados:
a cabana 2 do Monte de São Domingos (Malpica do Tejo, Portugal)
A new method for the absolute dating of cremated human bones:
hut 2 at Monte de São Domingos (Malpica do Tejo, Portugal) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
519
JOãO LUíS CARDOSO
A ocupação do Bronze Final do Centro Histórico de Oeiras. Os materiais da Rua das Alcássimas
Late Bronze materials recovered in the Historic Center of Oeiras. The artifacts of Rua das Alcássimas . . . . . . . .
531
CENTRO DE ESTUDOS ARQUEOLÓGICOS DO CONCELHO DE OEIRAS
Relatório das actividades desenvolvidas em 2016
Report on activities carried out in 2016 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
555
6
Estudos Arqueológicos de Oeiras
23, Oeiras, Câmara Municipal, 2016 / 2017, p. 233-392
ISSN: 0872-6086
o povoado pré-histórico do outeiro redondo (sesimbra):
resultados das campanhas de escavação de 2013 e 2014 *
The chalcoliThic forTified seTTlemenT of ouTeiro redondo
(sesimbra): resulTs of 2013 and 2014 field seasons
João Luís Cardoso ¹, ² & Filipe Martins ²
Abstract
We present the results of the archaeological excavations at the fortified Chalcolithic settlement of Outeiro Redondo, Sesimbra in 2013 and
2014. These two campaigns continued the excavations performed there between 2005 and 2008.
The defensive and housing structures were identified. The defensive structures corresponds to two constructive phases belonging to
the Full / Late Chalcolithic. The housing structures corresponds also to two constructive phases, one of the Early Chalcolithic, the other
of the Full / Late Chalcolithic. Thus, we may conclude that the first moment of this chalcolithic site corresponds to an open, unfortified
settlement.
An abundant and diversified set of artifacts were recovered during the excavations, pointing out to this settlement’s economic activities and
the intensity of the human successive occupations of the place. Copper metallurgy stands out as a main economic activity in this site.
A large entrance devoid of functional characteristics facing the sea, suggests the existence of ritual practices. In fact, the importance of the
sea is confirmed by a foundational ritual, with the concealment, in a small cavity excavated in the substrate, of a mussel shell of exceptional
dimensions. This shell seems to emphasize the importance of marine resources in the economy and daily life of the first community installed
there, during the transition from the first to the second half of the 3 rd millennium BC.
Keywords: Chalcolithic settlement, Copper metallurgy, Fortification, Foundational ritual, Portugal.
1 – INTRODUÇÃO
O povoado fortificado calcolítico do Outeiro Redondo (Sesimbra) localiza-se numa elevação isolada,
constituída por calcários duros jurássicos de coloração branca (“Calcários da Azóia”) dominando a baía de
Sesimbra, atingindo a cota de 210 m, constituindo, com o morro do Castelo de Sesimbra e o morro do Moinho
da Forca, uma linha de relevos de calcários duros do Jurássico Superior (“Calcários de Azóia”) com orientação
*O primeiro autor, responsável pelo Projecto de Investigação aprovado pela DGPC em 2013 ao abrigo do qual se realizaram as quatro
campanhas anuais de escavação no Outeiro Redondo (2013-2016), que dirigiu no terreno, assegurou a redacção do presente trabalho e a sua
coordenação, tendo ao segundo autor sido cometido o tratamento estatístico do espólio recolhido e a execução da totalidade dos desenhos
que o ilustram.
¹Universidade Aberta (Lisboa). Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras (Câmara Municipal de Oeiras).
cardoso18@netvisao.pt
²Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras (Câmara Municipal de Oeiras).
233
Nordeste-Sudoeste, tendo as seguintes coordenadas: 38o 27´ 16´´ lat. N; 9o 06´ 02´´ long. W de Greenwich
(CARDOSO, 2009 a).
Da área culminante, avista-se para Norte um vasto território, até Almada; para Este, a vista encontra-se
limitada a nascente pelo anticlinal do Risco, que se destaca ao longe; a poente avista-se o Castelo; a Sul, a vista
é dominada pelo mar.
A sua relação directa com a costa atlântica é evidente, constituindo ponto de vigia do litoral adjacente, no
qual a baía de Sesimbra seria o único espaço favorável ao desembarque e acostagem de pequenas embarcações,
uma vez que o litoral, tanto para Este como para Oeste da baía, é rochoso e escarpado.
Para quem vem do mar, o povoado seria um marco visível e monumental, o qual era corporizado pela
presença do recinto fortificado, com particular desenvolvimento do lado Sul, implantado no topo da elevação já
em si isolada e destacada.
A importância da visibilidade observada no Outeiro Redondo encontra-se plenamente confirmada nas
implantações dos principais povoados calcolíticos da região. é o caso de Moita da Ladra, Vila Franca de Xira
(CARDOSO, 2014 a); tal como no Outeiro Redondo, a vista espraia-se, no caso, pelo vasto estuário interior
do Tejo, dominando a circulação fluvial nele realizada, em particular o movimento de embarcações vindas da
margem esquerda. Nos povoados da Penha Verde, Sintra (CARDOSO, 2010-2011), do Penedo do Lexim, Mafra
(SOuSA, 2010) e de Leceia (CARDOSO, 1997), verifica-se idêntica preocupação, relacionada com o controle
das rotas terrestres então já existentes na já então densamente povoada Baixa Península de Lisboa.
Além das condições geomorfológicas oferecidas pelo local, a implantação do povoado foi determinada pela
existência de água doce na base da elevação, onde se observa uma captação datada do século XIX.
A história das escavações sistemáticas realizadas no local, identificado pelo Arq. Gustavo Marques em
1966 (MARQUES, 1967) e por ele sondado, em vários locais e ao longo de diversos anos (CARDOSO, 2009 a),
pode subdividir-se em três etapas principais:
– A primeira etapa corresponde à identificação e publicação sistemática dos espólios recolhidos por
Gustavo Marques, então conservados no Museu Nacional de Arqueologia (CARDOSO, 2009 a), acções
que permitiram informações sobre as sucessivas fases culturais presentes na estação.
– A segunda etapa dos trabalhos resultou da verificação da existência de espólios importantes e diversificados,
que comprovavam uma importante presença pré-histórica no local, ocupando parte importante do
3.º milénio a.C., e sobretudo a identificação, à superfície, de importantes alinhamentos de grandes blocos
calcários, que prenunciavam a presença de estruturas arqueológicas. Tais constatações foram realizadas
pelo primeiro dos signatários em 1994, quando ali se deslocou para um primeiro reconhecimento das
potencialidades do sítio, desconhecendo ainda o esboço feito em 1967 por O. da Veiga Ferreira no seu
caderno de campo, depois publicado (CARDOSO, 2000), impunha-se a organização de um programa de
escavações, suportado por um Projecto de Investigação quadrienal próprio e coordenado pelo primeiro
signatário. O mesmo foi submetido para aprovação ao extinto Instituto Português de Arqueologia em
2004, tendo sido aprovado para financiamento plurianual pelo mesmo Instituto. Deste, modo, estavam
reunidas as condições para se iniciarem as escavações, cujos bons resultados já se prenunciavam.
Entre Maio de 2005 e Novembro de 2008, foram realizadas sucessivas campanhas de escavações em
extensão, de duração variável ao abrigo de um Projecto-quadrienal aprovado e financiado pelo extinto Instituto
Português de Arqueologia, no quadro do Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos, tendo a ultima campanha
(2008) sido financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian. O conjunto dos trabalhos de campo e do espólio
arqueológico recuperado permitiu a aquisição de informação essencial sobre a cronologia absoluta, as fases
234
de ocupação e as fases construtivas do povoado. Os resultados obtidos têm sido prontamente divulgados em
diversas apresentações públicas, em várias reuniões científicas e por via da publicação de artigos científicos em
revistas da especialidade (CARDOSO, 2010; CARDOSO, 2013; COELhO & CARDOSO, 2010-2011; CARDOSO,
SOARES & MARTINS, 2010-2011).
– A terceira e última etapa das investigações iniciou-se em 2013 e terminou em 2016. Com efeito, as escavações
suspensas em 2008 deixaram boa parte da estação por investigar, afigurando-se que o prosseguimento
das mesmas iria providenciar a compreensão global da estratégia de ocupação do espaço habitado por
via da identificação no terreno do desenvolvimento das estruturas defensivas e habitacionais, incluindo
o faseamento construtivo de umas e de outras. Ao mesmo tempo, o enriquecimento do registo da cultura
material iria permitir aprofundar o conhecimento das actividades económicas ali desenvolvidas ao longo
de toda a segunda metade do 3.º milénio a.C., bem como a caracterização das redes de circulação e do
estatuto social das sucessivas comunidades ali sediadas no decurso daquele longo intervalo de tempo.
Assim, importava elaborar um novo Projecto de Investigação, na sequência do anterior, tendo as escavações
arqueológicas realizadas entre 2013 e 2016 no povoado pré-histórico fortificado do Outeiro Redondo sido
realizadas no âmbito do Projecto de Investigação “Povoado Calcolítico do Outeiro Redondo – OUTRED”,
vigente durante os quatro anos referidos, o qual foi superiormente aprovado pela Direcção Geral do Património
Cultural, tendo sido coordenado, como o anterior, pelo primeiro signatário.
O presente texto pretende dar continuidade à divulgação atempada dos resultados obtidos, com a
apresentação exaustiva dos respeitantes aos dois primeiros anos da vigência do Projecto, respeitantes às
campanhas de escavações realizadas em 2013 e em 2014. Pelo excepcional empenho demonstrado, tanto nos
trabalhos de campo, como nos de gabinete, considerou o primeiro signatário, na qualidade de responsável das
escavações e de coordenador do Projecto de Investigação que as suportaram, que era de toda a justiça associar
o Dr. Filipe Martins como co-autor da presente publicação.
2 – METODOLOGIA E DESCRIÇÃO GERAL DOS TRABALHOS REALIZADOS (Fig. 1)
Os trabalhos de campo da campanha de escavações de 2013 decorreram entre os dias 5 e 23 de Agosto
de 2013, num total de 15 dias úteis de trabalho e corresponderam ao alargamento da área escavada até 2008
para nascente, em direcção a uma plataforma ou rechã existente desse lado da elevação. As escavações foram
dirigidas em permanência pelo primeiro signatário, tendo nelas participado activamente os seguintes estudantes
de Licenciatura em Arqueologia das universidades de Letras e Nova de Lisboa: Ana Catarino Salgado Basílio,
Ana Filipa Marques Pereira, Ana Marta Anastácio, Andrés Alejandro Léon Carrillo, António José dos Santos,
Catarina Gil, Fernando Soares Ferreira, Liliana Monteiro da Costa, Nireide, Pereira Tavares, Pedro Gascão,
Ricardo Russo, Richard Peace, Tiago Filipe Duarte, Tiago Pires e Tomé Silva.
A campanha de 2013 teve como objectivo primordial prosseguir a escavação da Muralha G para Este, a
partir da área investigada até 2008, de modo a poder confirmar o seu prolongamento, que certamente envolvia
originalmente toda a elevação. No primeiro dia dos trabalhos foi realizada a desmatação da área circundante,
o que permitiu evidenciar a existência de alinhamentos de blocos aflorantes no terreno, já anteriormente
identificados, em bom estado de conservação.
A área seleccionada para escavação abarcou assim o desenvolvimento do suposto dispositivo defensivo,
abrangendo a rechã situada do lado interno do referido alinhamento de blocos, onde se presumia que ocorresse
importante conjunto de estruturas de carácter habitacional.
235
Fig. 1 – Outeiro Redondo. Ortofotomapa com implantação das curvas de nível e das áreas escavadas até 2016. Destaque para as áreas
escavadas em 2013 e 2014, correspondentes a rechã ou plataforma situado do lado nascente do sítio arqueológico, cuja escavação se
concluiu em 2015.
Os trabalhos realizados seguiram a metodologia adoptada nos anos anteriores, com a escavação em
extensão de uma área previamente delimitada, subdividida por vários sectores, de modo a permitir localização
dos espólios recolhidos em planta, em função do desenvolvimento das estruturas referenciadas no terreno.
A escavação foi aprofundada por níveis artificiais de 20 cm de potência, tomando por base a sequência
estratigráfica já conhecida, tendo-se registado por métodos fotográficos todos os pormenores considerados
significativos observados tanto no decurso da escavação, como, sobretudo, no final dos trabalhos. No final
da escavação procedeu-se, como habitualmente, ao levantamento da planta geral da área escavada com as
respectivas estruturas arqueológicas identificadas, tarefa realizada no decurso do mês de Outubro.
Em 2014 as investigações realizaram-se em duas fases. A primeira fase dos trabalhos de campo decorreu
entre os dias 3 de Agosto a 22 de Agosto de 2014, num total de 15 dias úteis de trabalho de campo. A área
explorada correspondeu ao alargamento para nascente da escavação realizada no ano anterior, por forma a
dar seguimento à escavação integral da plataforma ali existente, cuja conclusão só foi conseguida em 2015.
Os trabalhos decorreram, tal como em 2013, sob direcção permanente do signatário, tendo neles participado
activamente os seguintes alunos universitários: Ana henriques, Filipe Santos Martins, hélder Fonseca, Rodrigo
Cristóvão e Tiago Costa. Participaram ainda, antes e durante as escavações, desmatando o terreno e removendo
algumas raízes sobre a área que se pretendia investigar, sob orientação directa do arqueólogo responsável,
uma equipa de funcionários da Câmara Municipal de Sesimbra, constituída por quatro elementos.
236
Numa segunda fase dos trabalhos, que decorreu entre os dias 6 de Outubro e 6 de Novembro de 2014,
concluiu-se a escavação de um sector caracterizado por espessa camada de cinzas, e procedeu-se ao desenho
das estruturas arqueológicas postas a descoberto.
O prosseguimento dos trabalhos no ano de 2014 traduziu-se no alargamento da área investigada no ano
anterior para Este da elevação, continuando a escavação da rechã existente, delimitada e protegida pela linha
muralhada. Procurou-se alcançar a Muralha G, que se supunha acompanhar as curvas de nível, delimitando
a plataforma, como se veio a demonstrar, apoiando-se em parte nos afloramentos geológicos, conferindo-lhe
estabilidade em sector onde o declive é acentuado.
No interior do recinto muralhado, escavou-se a camada de cinzas, que já tinha sido identificada no limite
Este da área escavada de 2013, e que se iria revelar, como resultante de um grande incêndio que atingiu
diversas estruturas habitacionais, entre as quais uma cabana de planta subcircular construída na base da
sequência estratigráfica, assente no substrato geológico.
Foi nesta espessa camada de cinzas assim formada, que se edificaram, após um curto interregno, outras
cabanas de planta elipsoidal, no Calcolítico Pleno / Final, conforme é indicado pela tipologia dos espólios
cerâmicos recuperados.
Tal como em 2013, os trabalhos de escavação realizaram-se em extensão, seguindo a metodologia adoptada
nos anos anteriores e os espólios recolhidos foram reportados às estruturas arqueológicas adjacentes mais
próximas, por forma s ser possível a suma localização em planta.
3 – ESTRATIGRAFIA
Com base nas observações baseadas nos diversos cortes estratigráficos realizados em 2013 e 2014, foi
possível confirmar a sequência estratigráfica observada anteriormente, detalhando-a, a qual foi recentemente
publicada no trabalho dedicado à apresentação exaustiva dos resultados obtidos até 2008 (CARDOSO, 2013), a
qual, de cima para baixo pode ser descrita do seguinte modo:
Camada 1 – Terra vegetal castanho-chocolate, pouco compacta, com elementos pedregosos calcários
muito abundantes.
Os materiais arqueológicos integram-se em várias épocas do Calcolítico Inicial e do Calcolítico Pleno /
Final, incluindo alguns raríssimos fragmentos campaniformes, o que se explica por transporte gravítico das
peças, oriundas da zona mais alta da estação (acrópole), actualmente ocupada por afloramento rochoso.
Esta Camada atinge a espessura máxima de 0,20 m; sublinhe-se a total exclusividade de materiais pré-históricos,
indício de que o local não voltou a ser ocupado ulteriormente, pelo menos de forma susceptível de
deixar vestígios.
Camada 2 – Camada terrosa mais clara e compacta que a anterior devido a uma maior percentagem de
argila, com elementos pedregosos dispersos, mais raros e, em geral, de menores dimensões que os anteriores.
Contém materiais cerâmicos que, pela tipologia e decoração, são quase exclusivamente reportáveis ao chamado
Calcolítico Pleno / Final da Estremadura, desenvolvendo-se entre os 0,20 m e os 0,60 m de profundidade;
Camada 3 – Camada castanho-clara, argilo-margosa, com pequenos elementos calcários e inúmeras
partículas carbonosas dispersas, com materiais cerâmicos dos quais se encontram ausentes as produções
do grupo “folha de acácia / crucífera” característicos do Calcolítico Pleno / Final da Estremadura.
Esta Camada está por vezes representada por depósito espesso de cinzas amarelo-acinzentadas, que
237
corresponde a um incêndio generalizado que atingiu a cabana ou cabanas situadas na área escavada em 2014 e
em parte da de 2015, no prolongamento da área anterior. Trata-se, deste modo, de depósito correspondente à
degradação ou mesmo à destruição pelo fogo das estruturas habitacionais implantadas em áreas mais regulares
do topo da elevação no decurso da fase final do Calcolítico Inicial.
Na parte inferior desta camada, directamente assente no substrato geológico ou em Camada arqueológica
quase sem espólio, observou-se o embasamento das cabanas acima referidas, constituídas por estruturas de
combustão e alinhamentos delimitadores dos próprios recintos, de contorno subcircular. No conjunto, atinge
cerca de 0,40 m de potência, sendo os espólios associados com valor discriminante (cerâmicas com decorações
caneladas) exclusivamente do Calcolítico Inicial.
Camada 4 – De coloração castanho-avermelhada, com abundantes blocos de pequeno tamanho,
possui potência média de 0,10 m, podendo atingir potência máxima da ordem de 0,30 m, relacionada com o
preenchimento de anfractuosidades rochosas. Resultante em parte da desagregação química e mecânica do
substrato rochoso, apresenta-se quase desprovida de espólio arqueológico, sendo este exclusivamente reportável
ao Calcolítico Inicial. Corresponde à primeira ocupação humana do sítio arqueológico, directamente sobre o
substrato geológico, anterior à construção do dispositivo defensivo. é possível que esta Camada constitua,
simplesmente, uma variação lateral da anterior, nos espaços da estação que não foram ocupados por estruturas
habitacionais.
Camada 5 – Corresponde ao embasamento rochoso, muito irregular, aflorante aquando da primeira
ocupação arqueológica, constituído por calcários brancos e duros do Jurássico (“Calcários de Azóia”).
As anfractuosidades destes calcários encontram-se pontual e parcialmente preenchidas por depósito arenoargiloso avermelhado, resultante de processo de lapialização incipiente, ocorrido em época em que tais
formações rochosas afloravam.
A sequência cronológico-cultural observada em 2015, é condizente com a anteriormente descrita – a que
se juntou a informação decorrente das análises de radiocarbono realizadas – em 2013 (CARDOSO, SOARES
& MARTINS, 2010-2011), com base nas escavações realizadas entre 2005 e 2008 e em 2013 e 2014, configurando
apesar das variações laterais referidas, uma assinalável coerência na sucessão das ocupações observadas nas
áreas da estação até agora escavadas, independentemente da sua localização específica no terreno. Assim, a
correlação com as diversas fases cronológico-culturais e construtivas identificadas pode estabelecer-se, de
forma segura, do seguinte modo:
Camadas 3 e 4 – Final do Calcolítico Inicial situável cerca 2600 / 2500 a.C. para cerca de 95% de
probabilidade, correspondente a uma única fase construtiva de carácter habitacional.
Camada 2 – Calcolítico Pleno / Final, situável entre cerca de 2500 e 2100 a.C., para cerca de 95% de
probabilidade, correspondente a duas fases construtivas de carácter defensivo e a uma fase construtiva de
carácter habitacional.
Importa também justificar a terminologia arqueológica utilizada. Assim, se o termo Calcolítico Inicial se
encontra de há muito estabelecido, correspondendo, na Estremadura, às ocupações habitacionais caracterizadas,
ao nível do registo ceramográfico, pela presença dominante das decorações caneladas, aplicadas sobretudo a
recipientes cilíndricos (os conhecidos “copos”), já o termo Calcolítico Pleno Final carece de esclarecimentos
mais desenvolvidos. Com efeito, é ainda hoje usual, no faseamento do Calcolítico da Estremadura, considerar
o Calcolítico Pleno como caracterizado pela presença das conhecidas decorações em “folha de acácia” e na sua
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variante “crucífera”, correspondentes a folículos aplicados por impressão de matriz na pasta mole, reservando
o termo Calcolítico Final à afirmação das manifestações campaniformes. Ora, como ficou cabalmente
demonstrado na região em apreço, correspondente à Baixa Estremadura, a emergência das produções
campaniformes acompanharam as produções do grupo “folha da acácia / crucífera”, sendo dele independentes
(CARDOSO, 2014 b), o que explica, em alguns casos, a total ausência das produções campaniformes, apesar
das tardias datas de ocupação dos sítios, dentro do 3.º milénio a.C., como é exemplarmente documentado no
Outeiro Redondo, onde as produções campaniformes são vestigiais, apesar de a ocupação ter atingido quase o
final do referido milénio. Por outras palavras, o critério da presença / ausência de produções campaniformes,
não é factor discriminante de faseamento entre as ocupações atribuíveis ao Calcolítico Pleno e ao Calcolítico
Final da Estremadura. Assim sendo, adoptando um critério coerente, alicerçado na cronologia absoluta, todas
as ocupações ulteriores a cerca de 2500 a.C., possuam ou não presença campaniforme, devem reportadas ao
Calcolítico Pleno / Final, e não apenas ao Calcolítico Pleno ou ao Calcolítico Final.
4 – ESTRUTURAS ARQUEOLÓGICAS
Em 2013 e 2014, a escavação centrou-se no sector leste do povoado (Fig. 2), incidindo na plataforma que ali
se observou, desde logo atribuída a uma das áreas mais propícias para se identificarem estruturas de carácter
habitacional, como de facto se veio a verificar.
As estruturas ali identificadas foram as seguintes:
Muralha G – esta estrutura, identificada em todas as campanhas de escavação desde 2005, corresponde à
muralha periférica do povoado, envolvendo boa parte do topo da elevação, talvez com excepção da parte desta
virada a Norte, onde o declive é abrupto, afigura-se como a mais importante da estação. Foi construída em um
único momento construtivo, do Calcolítico Pleno / Final. Com efeito, encontra-se assente em depósitos mais
ou menos potentes já atribuíveis a esta fase cultural, já ao Calcolítico Inicial, enquanto noutros sectores da
estação, a mesma assenta no substrato geológico.
De planta arqueada (Fig. 3), por forma a acompanhar as curvas de nível do topo da elevação, a sua melhor
expressão observa-se do lado Sul e Leste, sendo evidenciada pelo alinhamento duplo de grandes blocos que
definem os paramentos externo e interno. O enchimento intermédio é assegurado, como é costume neste
tipo de estruturas defensivas observadas em diversos povoados da mesma época, por enrocamento de
bloco angulosos de menores dimensões, engrenados uns nos outros e com pouco ligante entre si (Fig. 4).
Nos sectores de maior declive observa-se o apoio dos blocos que constituem a Camada basal no afloramento
geológico, por forma a assegurar a estabilidade; nos sectores em que a curvatura da estrutura teve de ser mais
apertada, evidencia-se, com igual propósito, que os blocos são de dimensões acrescidas (Fig. 5).
Estrutura H – trata-se de uma estrutura ortogonal, aproveitado um dos lados da Entrada L. Constituída
por dois muros ortogonais, integrando blocos de dimensões médias, formando os paramentos interno e
externo de ambos.
É interessante verificar a existência desta particularidade construtiva em época calcolítica, a qual, até ao
presente era, ao que se saiba, desconhecida. O Outeiro Redondo viria a fornecer exemplos desta arquitectura
ortogonal nas campanhas de 2015 e de 2016, associados aos últimos momentos de ocupação do local, no
Calcolítico Pleno / Final, confirmando-se que não se trata de um caso isolado, cuja importância importa desde
já sublinhar.
239
Fig. 2 – Outeiro Redondo. Planta da área escavada em 2013 e 2014, com a indicação das estruturas arqueológicas identificadas.
Desenho original de Filipe Martins. Tintagem e tratamento digital de Bernardo Ferreira.
240
Fig. 3 – Outeiro Redondo. Vista parcial da Muralha G, evidenciando-se a assinalável curvatura da mesma,
fotografada em 2014. Foto de J. L. Cardoso.
Fig. 4 – Outeiro Redondo. Vista parcial do enchimento intermédio da Muralha G, entre os paramentos externo e
interno, constituídos por grandes blocos, fotografado em 2014. Foto de J. L. Cardoso.
241
Fig. 5 – Outeiro Redondo. Vista parcial da Muralha G, em sector de grande curvatura, quando inflecte para
Norte, fotografada em 2014. Observem-se os grandes blocos do paramento externo destinados a travar, pelo peso,
o deslizamento da estrutura no sentido do declive, localmente também muito acentuado. Foto de J. L. Cardoso.
Estrutura I – esta estrutura corresponde a um muro de planta rectilínea paralelo a um dos muros da
Estrutura H, sendo ambos de época tardia, conforme indica a sua fundação em depósitos do Calcolítico
Pleno / Final.
Entrada L – Trata-se de unidade arquitectónica definida pelas duas estruturas anteriores (Fig. 6).
A sua modernidade relativamente à Muralha G é indicada pelo facto de ambas as estruturas que a definem
se fundarem em níveis mais superficiais do que os correspondentes à fundação dos blocos daquela muralha.
Tudo indica, deste modo, que esta entrada é posterior à construção da Muralha G, a qual foi objecto de
rearranjo neste sector. Trata-se, pois, de estrutura construída no último período de ocupação do sítio, no
Calcolítico Pleno / Final, já na transição do 3.º para o 2.º milénio a.C. O motivo para a sua construção não
se afigura claro. Com efeito, a largura que possui não é compatível com as funções defensivas da muralha
onde se encontra inserida, dada a sua exagerada largura. Orientada para Sudeste, e embora não se apresente
directamente apontada ao mar, é possível que as suas funções fossem de carácter essencialmente simbólico,
sublinhando a importância daquele elemento no quotidiano da comunidade. Estas funções não directamente
ligadas à defesa, e até contrárias a tais preocupações, não deixam de ser sugestivamente sugeridas pela
realidade observada.
Lareira J – Trata-se de estrutura não associada de forma evidente a qualquer cabana. Situando-se do
lado interno da Entrada L, a sua cronologia é claramente mais antiga, como é indicado pelo nível de fundação da
mesma, subjacente os níveis de fundação dos dois muros que definem a referida entrada (Fig. 7). Trata-se, assim,
de lareira que, entre outras, corporiza a primeira fase de ocupação do povoado, no final do Calcolítico Inicial.
242
Fig. 6 – Outeiro Redondo. Vista parcial da Entrada L, situada na Muralha G, fotografada em 2013. Observem-se os
dois muros rectilíneos, que a definem internamente de ambos os lados. Note-se a arquitectura ortogonal que este
subconjunto arquitectónico evidencia, constituindo uma característica do povoado sem paralelo em outros sítios
calcolíticos. Foto de J. L. Cardoso.
Fig. 7 – Outeiro Redondo. A Lareira J (Calcolítico Inicial), ao centro, situada do lado interno da Entrada L
(Calcolítico Pleno), à direita e a um nível inferior à fundação desta, sendo-lhe deste modo anterior. Do lado esquerdo,
evidencia-se pequena concentração de cinzas, que poderia corresponder ao depósito oriundo da referida estrutura
de combustão. Foto de 2013, de J. L. Cardoso.
Lareira M – Corresponde a outra estrutura de combustão, associada ao que poderá ser um espaço adjacente
lajeado, remontando, tal como a anterior, à primeira fase de ocupação do local, no final do Calcolítico Inicial.
Estrutura N – Identificou-se, em nível correlativo com nível ulterior à época da fundação da Muralha G,
um espaço com abundantes elementos pétreos, que podem configurar um lajeado muito mal conservado.
Estrutura O – Trata-se de um alinhamento de blocos de identificação muito difícil no terreno, em resultado da sua irregularidade, configurando aparentemente um vasto recinto fechado, de contorno subcircular,
apenas bem delimitado do lado Leste, onde a um alinhamento externo de blocos se justapõe um alinhamento
interno, que poderia ter a função de um banco, na hipótese de ao referido recinto poder corresponder ao
embasamento de uma cabana. Situações análogas, e reportáveis à mesma época (Calcolítico Pleno / Final),
foram observadas no povoado pré-histórico de Leceia. Com efeito, o nível de implantação dos blocos que
correspondem ao seu embasamento assenta em depósitos com materiais do Calcolítico Pleno / Final, por sua
vez assentes em depósitos com abundantes cinzas, os quais, tendo presente a sequência estratigráfica atrás
descrita, se inserem no final do Calcolítico Inicial, e correspondem à destruição das unidades habitacionais
daquela época, atingidas por incêndio.
A esta provável cabana, poderão estar associadas duas subestruturas, O1 e O2: a primeira configura uma
lareira, de planta subcircular, idêntica às acima descritas; a segunda, parece corresponder a local de combustão
não estruturado, de onde provieram alguns fragmentos de cadinhos de fundição, embalados em cinzas e terras
carbonosas que reforçam aquela atribuição.
Lareira P – Tal qual o verificado com a subestrutura O2, também a existência desta estrutura de
combustão se encontrava documentada pela concentração, em espaço restrito e de contorno subcircular, de
terras carbonosas e cinzas, relacionadas com práticas metalúrgicas. Tratar-se-ia, assim, de uma lareira não
estruturada, funcionando aparentemente a céu aberto, e integrável na primeira fase de ocupação do povoado.
Em alternativa, poderia corresponder simplesmente a um depósito de cinzas produzidas na Lareira J, situada a
cerca de 3 m de distância, pertencente, como acima se referiu, à mesma época.
Em 2014, prosseguiu a escavação da Muralha G. Confirmou-se a inclusão de grandes blocos calcários,
heterométricos e muito irregulares, constituindo os paramentos interno e externo da muralha. é interessante
observar que os blocos do lado externo, por ser aquele que sofreria os maiores impulsos, afiguram-se maiores
e mais regulares, acompanhados pelo nítido aumento da espessura da muralha no sector de maior declive e
curvatura, por forma a assegurar, em parte pelo peso próprio, em parte por se encontrar apoiada no substrato
geológico, a respectiva estabilidade, conforme se observou no ano transacto.
A Muralha G, tal como se verificou em 2013, prossegue o seu desenvolvimento regular no terreno,
arqueando progressivamente para Norte, delimitando a plataforma situada do lado Leste do morro, cuja
escavação prosseguiu em 2014, com a identificação das seguintes estruturas:
Estrutura Q – Trata-se de estrutura provavelmente incompleta, de utilização indeterminada, constituída
por lajes colocadas verticalmente, dispostas em arco. Tais elementos encontram-se fundados em Camada com
materiais do Calcolítico Pleno / Final (Camada 2), a qual assenta em depósito de cinzas, resultante do incêndio
generalizado que atingiu as cabanas coevas da ocupação mais antiga.
Cabana R – Única unidade habitacional correspondente à fase inicial de ocupação do povoado,
apresenta-se muito incompleta, para o que terá contribuído a destruição provocada pelo incêndio que a
atingiu. A planta, de contorno subcircular, encontra-se definida por alguns blocos dispostos em arco, assentes
244
Fig. 8 – Outeiro Redondo. Em primeiro plano superfície possivelmente aplanada de calcários apinhoados
jurássicos, onde foi aberto covacho para depósito ritual de uma concha de mexilhão de dimensões
excepcionais. Do lado esquerdo, observam-se pequenas lajes colocadas de cutelo, delimitando a Cabana
R, de planta subcircular, do Calcolítico Inicial. Note-se a sequência estratigráfica, constituída por espesso
depósito de cinzas e carvões, formado pelo incêndio generalizado que destruiu a Cabana R, o qual se
encontra coberto por Camada terrosa, castanho-anegrada (Camada 2), sobre a qual se construiu a Cabana
O, de planta subcircular, do Calcolítico Pleno. Foto de 2013, de J. L. Cardoso.
no substrato geológico, o qual exibe, em local correspondente ao chão desta estrutura, um covacho onde
se enterrou ritualmente uma concha de mexilhão de dimensões excepcionais (Fig. 8). No seu interior, foi
identificada a Lareira R1, muito bem conservada (Fig. 9), definida por pequenos blocos igualmente assentes
no substrato geológico, que parece ter sido previamente regularizado. O enchimento desta estrutura forneceu
diversos fragmentos cerâmicos de copos canelados, típicos do Calcolítico Inicial, cronologia que era já indicada
pela sua posição estratigráfica.
245
Fig. 9 – Outeiro Redondo. Vista parcial, obtida em 2014, da Cabana R, do Calcolítico Inicial, destacando-se, à direita,
a Lareira R1, dentro da cabana e, à esquerda, a Muralha G, do Calcolítico Pleno, construída depois da cabana ter sido
destruída por incêndio. Note-se a delimitação do embasamento da cabana, por pequenos blocos dispostos em arco.
Foto de J. L. Cardoso
Estrutura S – Muro rectilíneo incompleto, pertencente à fase construtiva mais recente do Calcolítico
Pleno / Final, cujo desenvolvimento se encontra indefinido, numa das extremidades, encostando-se a outra
à face interna da Muralha G, a qual, embora pertencente à mesma fase cronológico-cultural, integra-se em
momento construtivo anterior. A finalidade deste muro não é conhecida; mas a sua planta rectilínea aproximam-no das estruturas ortogonais identificadas em 2013 e acima descritas, podendo corresponder ao que
restou de uma grande unidade habitacional. De qualquer modo, é interessante sublinhar a coexistência de
estruturas de planta ortogonal, com outras, de planta subcircular, tanto do Calcolítico Pleno / Final (Cabana O),
como do final do Calcolítico Inicial (Cabana R).
5 – ESPÓLIOS ARQUEOLÓGICOS
Nas Figs. 10 a 14 seleccionaram-se alguns dos artefactos mais representativos recuperados nas duas
campanhas de escavações arqueológicas (2013 e 2014) a que respeita o presente trabalho.
5.1 – Pedra polida
O conjunto dos artefactos de rochas duras de pedra polida, recolhidos em estratigrafia, no povoado
pré-histórico fortificado do Outeiro Redondo nas duas campanhas de escavação em apreço é bastante
246
numeroso, integrando tipos bastante diversificados, representados por 51 exemplares, inteiros ou incompletos,
mas tipologicamente classificáveis, distribuídos da seguinte maneira:
– Camada 3 (final do Calcolítico Inicial) – 9 exemplares (Fig. 16, n.os 8 e 9; Fig. 17, n.os 1 e 2; Fig. 18,
n.os 5 e 6; Fig. 21, n.os 3 a 5);
– Camada 2 (Calcolítico Pleno / Final) – 42 exemplares (Fig. 15, n.os 1 a 9; Fig. 16, n.os 1 a 7; Fig. 17,
n.os 3 a 6; Fig. 18, n.os 1 a 4; Fig. 19, n.os 1 a 8; Fig. 20, n.os 1 a 8; Fig. 21, n.os 1 e 2).
Procedeu-se ao desenho e à análise tipológica de cada um dos artefactos recolhidos, a qual se apresenta
no Quadro 1.
Quadro 1 – Outeiro Redondo. Distribuição tipológica dos artefactos de pedra polida
por conjuntos cronológico-culturais
Artefactos de pedra polida
C3
Final do Calcolítico Inicial
C2
Calcolítico Pleno / Final
%
N.º
%
Machados
3
33,3
6
14,3
9
17,6
Enxós / sachos
1
11,1
4
9,5
5
9,8
Percutores
5
55,6
6
14,3
11
21,6
Martelos transversais
–
–
1
2,4
1
2,0
Escopros e Formões
–
–
2
4,8
2
3,9
Fragmentos de machados
–
–
8
19,0
8
15,7
Fragmentos de enxós / sachos
–
–
1
2,4
1
2,0
Fragmentos de escopros e formões
–
–
1
2,4
1
2,0
Fragmentos de martelos
–
–
7
16,7
7
13,7
Fragmentos de martelos transversais
–
–
2
5,0
2
3,9
Inclassificados
–
–
4
9,5
4
7,8
Total
9
100
42
100
51
100
N.º
%
Total
N.º
A primeira conclusão é a da escassez de artefactos de pedra polida provenientes da Camada 3, situação que
facilmente se explica pelo facto de tal Camada se encontrar muito pior representada do que a Camada 2, a qual,
por sua vez, impediu o acesso àquela, na área onde se identificaram estruturas arqueológicas que naturalmente
não podiam ser removidas. Por outro lado, afigura-se evidente que a área inicialmente ocupada pelo povoado
é muito inferior à que viria a corresponder à ocupação mais moderna, durante a qual, por sua vez, se assiste à
multiplicação de estruturas habitacionais, caracterizadas por abundante espólio.
247
Fig. 10 – Outeiro Redondo. 1 – enxó votiva de fibrolite. Camada 2; 2 – percutor de arenito Camada 2; 3 – escopro ou cinzem de anfibolito.
Camada 2; 4 – peso de rede de calcário. Camada 2. Fotos de J. L. Cardoso.
248
Fig. 11 – Outeiro Redondo. 1 – ponta de seta, de sílex jaspóide. Camada 2; 2 – ponta de seta, de sílex jaspóide. Camada 2; 3 – ponta de seta,
de sílex rosado. Camada 2; 4 – ponta de seta de grandes dimensões de bordos serrilhados, de sílex translúcido acastanhado. Camada 2;
6 – lâmina elipsoidal com trabalho cobridor total numa das faces, de sílex rosado. Camada 2; 7 – lâmina elipsoidal com trabalho cobridor total
numa das faces, de sílex cinzento. Camada 2; 8 – furador excepcionalmente alongado, com vestígios de desgaste na ponta, com retoques
abruptos, de sílex cinzento. Camada 3; 9 – lâmina elipsoidal com trabalho cobridor total em ambas as faces, de sílex branco opaco com laivos
rosados. Camada 2. 5 – ponta de seta de osso, incompleta na base. Camada 2. Fotos de J. L. Cardoso.
249
Fig. 12 – Outeiro Redondo. 1 e 2 – lâminas serrilhadas de cobre de serrotes ou elementos de foice. Notar a diferença de profundidade da
serrilha e do desgaste em ambos os exemplares, Camada 2; 3 – extremidade de gume de machado, separado intencionalmente, por corte,
do corpo do artefacto. Camada 3; 4 – porção distal de espada, separada do resto da lâmina por corte intencional. Camada 2; 5 – fragmento
de cadinho de fundição, com impregnações cupríferas. Camada 3; 6 – algaraviz (tubo de forja) quase completo. Camada 3. Fotos de J. L.
Cardoso.
250
Fig. 13 – Outeiro Redondo. 1 – ponta de seta de espigão e aletas. Camada 2; 2 – alabarda. Camada 2. Fotos de J. L. Cardoso.
251
Fig. 14 – Outeiro Redondo. 1 a 3 – cilindros de calcário, conservando apenas uma das extremidades. O n.º 3 ostenta junto desta as
características tatuagens faciais. Camada 2; 4 – cilindro de rocha básica, diorítica, incompleto e reutilizado, com marcas de percussão
numa das extremidades. Camada 2; 5 – fragmento de placa de xisto. Camada 2; 6 – conta discóide de variscite, alterada superficialmente.
Camada 2; 7 – conta discóide de osso, com desgaste devido a suspensão. Camada 2; 8 – concha de Luria lurida L., perfurada na área dorsal,
para transformação em elemento de colar. Camada 2; 9 – concha de mexilhão (Mytilus sp.) de dimensões excepcionais, utilizada num ritual
fundacional do povoado. Camada 3; 10 – falange de cavalo (Equus caballus L.) totalmente afeiçoada por polimento, transformando-a em ídolo
antropomórfico. Camada 2. Fotos de J. L. Cardoso.
Machados – assim tradicionalmente classificados por possuírem um bisel duplo simétrico, formando
o gume) exibem formas volumosas, distribuindo-se por três grupos formais distintos, que correspondem
também a grande heterometria, sublinhando as diversas funções específicas, dentro do corte e do trabalho da
madeira, a que estavam destinados:
– os machados totalmente polidos e de secção rectangular, nalguns casos com tendência espalmada, que
se aproximam das produções metálicas, das quais foram coevos;
– os machados de corpo bombeado, de secções subquadrangulares a sub-rectangulares, em geral bem
polidos, e de tamanho em geral menor que os antecedentes, que constituem o conjunto mais numeroso;
– enfim, reconheceram-se pequenos machados de corpo tendencialmente cilindróide a fusiforme, de
secções elipsoidais a subcirculares, polidos apenas no gume e com os talões picotados, os quais
tradicionalmente se reportam a produções arcaicas, mas que, no caso presente, provêm exclusivamente
da ocupação do Calcolítico Pleno / Final (Fig. 15, n.os 1 a 3, 5 e 6; Fig. 16, n.o 2).
Esta realidade parece também estar em oposição à natureza da matéria-prima em que foram produzidos.
Com efeito, todos eles são fabricados em rochas básicas de tipo dolerítico, disponíveis em filões situados nas
imediações, relacionados com o diápiro de Sesimbra. Esta realidade sugeria o aprovisionamento por uma
comunidade que ainda não usava as rochas de melhor qualidade de tipo anfibolítico, oriundas do Alto e do
Baixo Alentejo, e aqui chegadas por via do comércio transregional. Na região de Lisboa, tal foi a evidência
recolhida em diversos povoados anteriores ao Calcolítico, como o povoado do Neolítico Final do Carrascal,
Oeiras (CARDOSO, 2011; CARDOSO, SOUSA & ANDRé, 2015) e a ocupação do Neolítico Final de Leceia
(CARDOSO, 1999-2000; CARDOSO, 2004; CARDOSO & CARVALhOSA, 1995). No entanto, no Outeiro
Redondo não se reconheceu nenhuma presença significativa que pudesse ser reportada a qualquer uma
daquelas épocas, pelo que, descartando a possibilidade de se terem continuado a produzir até ao final do
Calcolítico tais tipos arcaicos, só existe uma outra alternativa para a sua ocorrência que é a de terem sido
colectados pelos antigos ocupantes em estações mais antigas existentes nas imediações tendo em vista a sua
utilização prática, ou a sua conservação como relíquias dos antepassados.
Os restantes machados recolhidos nas Camada 3 e Camada 2 são invariavelmente de anfibolito, embora a
textura desta rocha se apresente mais ou menos fina, por vezes ocelada correspondente a megacristais de anfíbola.
Esta realidade ilustra bem a intensa circulação transregional de matérias-primas necessárias ao quotidiano destas
populações, como os anfibolitos, realidade já bem caracterizada em outras estações calcolíticas da região, com
destaque para Leceia (CARDOSO, 1999-2000), onde se demonstrou a intensificação económica ao longo de todo
o 3.o milénio a.C. através do aumento sempre constante, da presença de rochas anfibolíticas.
No cômputo geral, os machados ocorrem em proporções idênticas às das enxós, sem considerar as peças
de um ou outro grupo reutilizadas como percutores.
é interessante referir que um dos machados oriundos da Camada 3 (Fig. 16, n.o 8) possui evidentes marcas
de alteração pelo calor do anfibolito em que é confeccionado, com passagem a coloração amarelada, em
resultado do incêndio generalizado então ocorrido que atingiu as estruturas habitacionais do Calcolítico Inicial.
Enxós / sachos – trata-se de lâminas polidas obtidas por biselamento unifacial do suporte lítico. O corpo
dos referidos suportes apresenta-se em geral achatado e às vezes arqueado, contrastando com o observado
nos machados. Algumas destas produções, para além do anfibolito, são executadas em rochas afaníticas
anegradas, de coloração mais clara à superfície, por alteração, como é o caso do exemplar da Fig. 18, n.o 1.
A origem destas rochas, de natureza vulcanítica, podendo corresponder a tufos básicos, pode ser encontrada
253
Fig. 15 – Outeiro Redondo. Artefactos de pedra polida recolhidos na Camada 2. Os n.os 1 a 3, 5 e 6, são de rochas básicas de origem local;
os n.os 4, 7 a 9, são de anfibolito.
254
Fig. 16 – Outeiro Redondo. Artefactos de pedra polida recolhidos na Camada 2 (n.os 1 a 7) e Camada 3 (n.os 8 e 9). O n.o 2, é de rocha básica
de origem local; os restantes exemplares são de anfibolito.
255
na Zona Sul Portuguesa. Mas só uma análise petrográfica poderia clarificar esta atribuição, conforme em outro
estudo já se referiu (CARDOSO, 2014 c), sendo certo que na região de Alcácer do Sal / Grândola ocorrem
as rochas deste tipo mais próximas do Outeiro Redondo. A atribuição de algumas destas peças a sachos é
sugerida, nalguns outros casos que não nos exemplares em estudo, pelas lascas que saltaram dos gumes,
compatíveis com impactos violentos com pedras existentes nos solos a sachar, mais do que com o trabalho da
madeira, tradicionalmente atribuído às enxós.
Duas pequenas enxós configuram peças de carácter votivo, podendo ser utilizadas de forma ritual, não
funcional. um exemplar aparentemente confeccionado em rocha metassedimentar verde-acinzentada, com
xistosidade, ostenta gume com ténues vestígios de utilização (Fig. 17, n.o 5); outro exemplar, de fibrolite
(silimanite) de coloração leitosa com laivos cinzento escuros (Fig. 18, n.o 2; Fig. 10, n.o 1), o qual, não só
pela matéria-prima, mas também pelas reduzidas dimensões, se enquadra no tipo dos artefactos rituais.
Com efeito, tanto o machado como a enxó, pelas importantes tarefas a que estavam associados, facilmente
teriam adquirido significado simbólico, no âmbito das sociedades agrárias do Neolítico e Calcolítico, sendo tal
conotação ilustrada em toda a bacia mediterrânea por abundantes e expressivos testemunhos. No povoado do
Neolítico Final do Carrascal recolheu-se pequeno pendente de fibrolite leitosa, com a tipologia de uma enxó,
munido de um furo de suspensão (CARDOSO, 2011, p. 50; CARDOSO, SOuSA & ANDRÉ, 2015, Fig. 83, n.o 2;
Fig. 84), que corporiza claramente a função simbólica do machado / enxó.
Percutores – trata-se de reaproveitamentos de artefactos de pedra polida, que por razões não evidentes
ficaram fora de uso. A larga maioria corresponderão a machados de anfibolito, com intensas marcas de
percussão, que por vezes se estendem a toda a periferia da peça. Desconhece-se a razão do abandono da
utilização primária destas peças, sendo certo que, por serem confeccionadas em anfibolito, o custo inerente à
sua obtenção não seria desprezível. A dificuldade de compreender a opção tomada é acrescida se se admitir
que outras rochas, para mais fáceis de obter localmente, como o quartzito ou o quartzo, sob a forma de
seixos rolados, poderiam ter sido utilizados com idênticos resultados. Parece, assim, existir contradição sem
explicação plausível, entre o valor intrínseco da matéria-prima, e a finalidade última, de carácter indiferenciado,
que lhes foi atribuída.
Martelos transversais – sob esta designação integram-se alguns exemplares que seriam facilmente
atribuíveis a machados, não fosse o gume cortante estar substituído por superfície polida que ocupa a
extremidade distal dos artefactos (Fig. 19, n.os 4, 6 e 8). Esta particularidade sugere que seriam utilizados para
martelagem de superfícies mais ou menos exíguas, requerendo trabalho de precisão, tendo-se anteriormente
admitido que se relacionariam com a manufactura de objectos de cobre, sendo a sua presença insistente em
alguns povoados calcolíticos da região (ver, por todos, CARDOSO & ENCARNAÇãO, 2013). Contudo, o facto
de alguns destes exemplares ocorrerem em contextos do Neolítico Final, como é o caso de pequeno exemplar
de rocha esverdeada recolhido em Leceia (CARDOSO, 1989, Fig. 102, n.o 3), obriga a admitir outras utilizações
especializadas, que permanecem ignoradas. Para o esclarecimento desta realidade, encontra-se presentemente
em curso o estudo traceológico da superfície de trabalho dos exemplares recolhidos no Outeiro Redondo e em
outros povoados calcolíticos da região. Um deles ostenta sulco transversal polido na zona central de uma das
faces (Fig. 19, n.o 6), que pode estar relacionado com o encabamento da peça.
Escopros e formões – tal como em outros importantes povoados calcolíticos estremenhos, a
utensilagem de pedra polida integra residualmente artefactos especializados os quais se podem integrar
nesta categoria funcional. Ostentam em geral corpo alongado, secção sub-quadrangular e cuidadoso
256
Fig. 17 – Outeiro Redondo. Artefactos de pedra polida recolhidos na Camada 2 (n.os 3 a 6) e na Camada 3 (n.os 1 e 2). O n.o 5 é de tufo
vulcânico afanítico, com alteração amarelada à superfície; os restantes exemplares são de anfibolito.
257
Fig. 18 – Outeiro Redondo. Artefactos de pedra polida recolhidos na Camada 2 (n.ºs 1 a 4, com destaque para a peça n.o 2 em fibrolite) e na
Camada 3 (n.os 5 e 6). Os n.os 1 e 3, são de rochas básicas de origem local; os restantes exemplares são de anfibolito.
258
Fig. 19 – Outeiro Redondo. Artefactos de pedra polida recolhidos na Camada 2. Todos os exemplares são de anfibolito.
259
polimento, podendo ser utilizados tal qual, ou encabados numa manga de osso, madeira ou haste de veado
(Fig. 19, n.os 2 e 3; Fig. 10, n.o 3).
5.2 – Pedra afeiçoada
No conjunto de 19 peças de pedra afeiçoada encontram-se representados os seguintes grupos de
artefactos:
Camada 3
– Peso de pesca: 1 exemplar (Fig. 22, n.o 3);
– Percutor: 1 exemplar (Fig. 24, n.o 4);
– Movente: 1 exemplar (Fig. 25, n.o 2);
– Dormente: 1 exemplar (Fig. 26, n.o 2).
Camada 2
– Peso de Pesca: 4 exemplares (Fig. 21, n.o 6; Fig. 22, n.os 1 a 3; Fig. 10, n.o 4);
– Percutores: 9 exemplares (Fig. 10, n.o 3; Fig. 23, n.os 1 a 5; Fig. 24, n.os 1 a 4);
– Moventes: 1 exemplar (Fig. 25, n.o 1);
– Dormente: 1 exemplar (Fig. 26, n.o 1);
– Afiador / polidor: 1 exemplar (Fig. 26, n.o 3);
– Seixo afeiçoado: 1 exemplar (Fig. 26, n.o 4).
é certa a existência de mais moventes e dormentes dos que foram inventariados, que foram deixados
resguardados no terreno. Por outro lado, o conjunto poderia ser aumentado caso se considerassem os
percutores correspondentes à reutilização de exemplares de pedra polida como artefactos de pedra afeiçoada,
os quais foram já tratados, restando os percutores inteiramente afeiçoados em resultado da sua utilização,
agora caracterizados.
Pesos de pesca – é relevante a presença de quatro pesos de pesca, afeiçoados em rochas distintas,
todas de origem local, os quais possuem sulcos transversais ou longitudinais, relativamente ao eixo maior da
peça, obtidos sempre por picotagem. A utilização como pesos de pesca deste tipo de artefactos foi discutida
em anterior trabalho, que reuniu os exemplares até então conhecidos (CARDOSO, 1996). Entretanto, outros
exemplares foram recolhidos, sempre em povoados próximo do litoral, como é o caso do povoado do Neolítico
Final e do Calcolítico da Travessa das Dores, Lisboa, onde se recolheu um exemplar, aproveitando seixo rolado
de basalto, de origem local (NETO, REBELO & CARDOSO, 2015, Fig. 20, n.o 1; Fig. 22, n.o 3).
Os exemplares que possuem sulcos transversais diferem muito nas dimensões e acabamento. O mais
pequeno (Fig. 21, n.o 6) é também o melhor confeccionado, sobre um suporte de arenito claro, possuindo um
sulco largo e regular, contrastando com o outro exemplar, igualmente aproveitando com reduzidas alterações,
igualmente bloco de arenito claro (Fig. 22, n.o 1). É importante sublinhar desde já a diferença significativa de
tamanhos e de qualidade de produção, sem dúvida em resultado de finalidades distintas, dentro do mesmo
tipo de utilização. Assim, enquanto o exemplar de maiores dimensões seria utilizado em redes verticais, o de
menor dimensões é compatível com um peso de pesca à linha, a qual se encontra muito bem documentada na
estação pela presença de anzóis de cobre, adiante estudados.
260
Fig. 20 – Outeiro Redondo. Artefactos de pedra polida recolhidos na Camada 2. Todos os exemplares são de anfibolito.
261
Fig. 21 – Outeiro Redondo. Artefactos de pedra polida, recolhidos na Camada 2 (n.os 1 e 2) e na Camada 3 (n.os 3 e 5), e peso de pesca
recolhido na Camada 2 (n.o 6), de calcarenito. Os restantes exemplares são de anfibolito.
262
Os dois outros exemplares, de corpo elipsóide, possuem sulcos longitudinais obtidos sempre por picotagem
(Fig. 22, n.os 2 e 3; Fig. 10, n.o 4). é provável que a opção pela realização de sulcos longitudinais se relacione
com a preocupação de evitar que estes elementos não servissem de estorvo à livre movimentação das redes a
que se encontravam atados.
é interessante observar que estes objectos aparecem, excepcionalmente, em sepulturas, como é o caso de
um exemplar inteiramente semelhante aos agora recolhidos, com sulco longitudinal a picotado recolhido numa
das grutas sepulcrais artificiais de Palmela (CRuZ, 1906, Est. 7, n.o 61), discutindo o autor o seu uso, com base
na bibliografia então disponível. O seu carácter funcional e não ritual encontra-se sublinhado pelo facto de
serem quase exclusivamente reportados a contextos habitacionais.
Percutores – os percutores ou martelos que resultaram do reaproveitamento de artefactos de pedra polida,
foram acima caracterizados; restam os exemplares que sempre tiveram tais funções, recorrendo a massas de
arenito (Fig. 23, n.os 1, 4 e 5; Fig. 10, n.o 2) ou de sílex (Fig. 23, n.o 3). A utilização desta rocha na confecção
de tais instrumentos mostra até que ponto era fácil de obter na região, pois de outro modo seria aproveitada
para a produção de artefactos mais especializados que a requeressem preferencialmente. Com efeito, tendo
presente a larga maioria da natureza petrográfica das massas de sílex recolhidas, pode concluir-se que o sílex
da própria área de Lisboa (pedreiras do Cenomaniano do vale de Alcântara ou da serra de Monsanto), seria
o preferencialmente explorado, tanto pela sua proximidade, como pela qualidade e abundância com que ali
ocorre, em nódulos ou em bancadas tabulares.
Mais interesse possui uma esfera de calcarenito muito fino, ostentando fina picotagem (Fig. 23, n.o 2),
colocando a dúvida de tais marcas serem o resultado do trabalho efectuado com esta peça ou, pelo contrário, a
prova do seu afeiçoamento intencional. Nos níveis calcolíticos do povoado pré-histórico de Leceia recolheram-se
alguns esferóides de calcário, por vezes de grandes dimensões, totalmente afeiçoadas, cuja finalidade foi já
discutida (CARDOSO, 2001-2002). A alternativa de poderem constituir projécteis não pode deixar de se colocar,
dada a pouca dureza do calcário para assegurar as funções como percutor.
Tabletes – dois objectos, de corpo globuloso, incompletos numa das extremidades, com aspecto de língua
de extremidade arredondada, afiguram-se de utilização desconhecida, possuindo uma face principal plana ou
levemente côncava, que seria a funcional, sendo a outra convexa, possuindo num deles uma nervura central.
Ambos se encontram totalmente afeiçoados por picotagem. Um dos exemplares, atribuível ao Calcolítico
Pleno / Final (Fig. 25, n.o 1) é de arenito de cimento ferruginoso; o outro, recolhido nos depósitos de cinza
resultantes do incêndio generalizado acima referido, integra-se no Calcolítico Inicial (Fig. 25, n.o 2) e é
afeiçoado em rocha gabro-basáltica.
Elementos de mós manuais – são abundantes os dormentes e moventes, tendo já sido apresentado
sobre os mesmos pequeno estudo monográfico (CARDOSO, 2012). Representa-se na Fig. 26, n.o 1, um seixo
rolado em rocha dolerítica, com uma pequena depressão no centro de uma das faces, que poderia ter a
finalidade de providenciar a melhor moagem dos grãos, que ficariam presos à concavidade, aquando do
movimento de vai-vém.
Polidores – representa-se na Fig. 26, n.o 2, um fragmento de polidor possuindo a face funcional côncava,
limitada por bordo regular convexo, executado em rocha dolerítica.
Afiadores – o bloco de arenito micáceo de cimento ferruginoso da Fig. 26, n.o 3, possui abundantes sulcos,
resultantes da preparação de gumes de artefactos de pedra polida, ou da execução de artefactos de osso
diversos, como furadores, agulhas, sovelas, e escopros ou cinzéis.
263
Fig. 22 – Outeiro Redondo. Pesos de pesca recolhidos na Camada 2 (n.os 1 e 2) e Camada 3 (n.o 3). O n.o 1 é de arenito; os restantes
exemplares são de calcário.
264
Fig. 23 – Outeiro Redondo. Percutores / balas de funda recolhidos na Camada 2 (n.os 1 a 3) e percutores recolhidos na Camada 2 (n.os 4 e 5).
Todos os exemplares são de arenito, com excepção do n. o 2, de calcarenito fino e do n.o 3, de sílex.
265
Fig. 24 – Outeiro Redondo. Percutores recolhidos na Camada 2 (n.os 1 a 3) e percutor recolhido na Camada 3 (n.o 4). O n.o 1, é de quartzo
leitoso e o n.o 4 é de sílex; os restantes são de arenito (n.o 2) ou de calcarenito (n.o 3).
266
Fig. 25 – Outeiro Redondo. Movente recolhido na Camada 2 (n.o 1) e na Camada 3 (n.o 2). O n.º 1 é de arenito ferruginoso e o n.o 2 de rocha
básica de origem local.
267
Fig. 26 – Outeiro Redondo. Dormentes recolhidos na Camada 2 (n.o 1) e na Camada 3 (n.º 2), ambos de rochas básicas de origem local;
afiador / polidor (n.o 3), de arenito ferruginoso e seixo afeiçoado de quartzito (n.º 4), recolhido na Camada 2.
268
Seixos afeiçoados – excepcionalmente, recolheu-se um exemplar, sobre seixo de quartzito (Fig. 26, n.o 4),
correspondendo provavelmente a peça mais antiga transportada para o povoado, já que a área lascada exibe
um ligeiro rolamento, que não poderia ter sido adquirido no local.
5.3 – Pedra lascada
As duas campanhas permitiram recolher um conjunto de 233 utensílios de pedra lascada, dos quais 65 são
da Camada 3 e 168 são da Camada 2, integrando tipos de artefactos diversificados, atribuídos ao Calcolítico
Inicial e ao Calcolítico Pleno / Final da Estremadura. Procedeu-se ao desenho e à análise da totalidade dos
utensílios identificados, cuja distribuição em termos tecnológicos e tipológicos se apresenta no Quadro 2.
Quadro 2 – Outeiro Redondo. Classificação da utensilagem de pedra lascada
em grandes categorias, em termos tecnológicos e tipológicos
Utensílios líticos
C3
C2
(Calcolítico Inicial)
(Calcolítico Pleno / Final)
N.o
%
Núcleos
4
6,2
4
2,4
8
3,4
Lamelas
6
9,2
23
13,7
29
12,4
Lâminas
8
12,3
22
13,1
30
12,9
Lascas retocadas / raspadores
–
–
12
4,2
12
5,2
Raspadeiras
6
9,2
13
7,7
19
8,2
Entalhes e Denticulados
2
3,1
3
1,8
5
2,1
Furadores
23
35,4
16
9,5
39
16,7
Lâminas foliáceas
12
18,5
32
19
44
18,9
4
6,2
43
25,6
47
20,2
65
100
168
100
233
100
Pontas de seta
Total
N.o
%
Total
N.o
%
5.3.1 – Análise da utensilagem
•
Núcleos (Fig. 27, n.os 1 a 8)
Foram analisados 8 núcleos de sílex, correspondendo a 3,4% do conjunto total dos utensílios líticos,
distribuídos estratigraficamente da seguinte maneira:
Camada 3 – 4 exemplares;
Camada 2 – 4 exemplares.
Dos quatro exemplares recolhidos na Camada 3, três foram exumados em 2013 e apenas um em 2014.
Três núcleos evidenciam extracção de lamelas (Fig. 27, n.os 5, 7 e 8), e um exemplar extracção de pequenas
lascas (Fig. 27, n.o 6), apresentando-se, no seu conjunto, com plataforma facetada e com grau de exaustão
elevado. Todos são de sílex de coloração cinzenta, excepto um de tonalidade acastanhada.
269
Fig. 27 – Outeiro Redondo. Núcleos recolhidos na Camada 2 (n.os 1 a 4) e na Camada 3 (n.os 5 a 8). Lamelas recolhidas na Camada 2 (n.os 9 a
31) e na Camada 3 (n.os 32 a 37). Lâminas recolhidas na Camada 2 (n.os 38 e 39).
270
Os quatro exemplares recolhidos na Camada 2 foram exumados na área intervencionada em 2013 (Fig. 27,
n. 1 a 4). Foram registados dois núcleos de lamelas e dois núcleos para a extracção de pequenas lâminas.
O sílex cinzento apresenta-se dominante em três exemplares com apenas um de coloração acastanhada.
os
•
Lamelas e Lâminas (Fig. 27, n.os 9 a 39; Fig. 28, n.os 1 a 27; Fig. 29, n.o 1)
Recolheram-se 29 lamelas e 30 lâminas, correspondendo as primeiras a 12,4%, e as segundas a 12,9% total
dos utensílios líticos, distribuídas estratigraficamente da seguinte maneira:
Camada 3 – 6 lamelas e 8 lâminas;
Camada 2 – 23 lamelas e 22 lâminas.
Todos os exemplares são de sílex, predominantemente de colorações acinzentadas em todas as camadas
estratigráficas, excepto 1 lamela em quartzo hialino recolhida na Camada 3 na área intervencionada em 2013
(Fig. 27, n.o 35). As características observadas nas lamelas e lâminas apresenta-se no Quadro 3.
Quadro 3 – Outeiro Redondo. Tipologia das lamelas e lâminas e respectiva distribuição estratigráfica
Tipos de lamelas e lâminas
C3
C2
(Calcolítico
(Calcolítico
Inicial)
Pleno / Final)
Total
N.o
%
N.o
%
N.o
%
Lamela sem retoque
2
14,3
6
13,3
8
13,6
Lamela com retoque contínuo, marginal, irregular
–
–
4
8,9
4
6,8
Frag. de lamela sem retoque
2
14,3
6
13,3
8
13,6
Frag. de lamela com retoque
2
14,3
7
15,6
9
15,3
Lâmina com retoque marginal descontínuo em ambos os bordos laterais
1
7,1
3
6,7
4
6,8
Lâmina com retoque marginal contínuo em ambos os bordos laterais
1
7,1
3
6,7
4
6,8
Lâmina com retoque marginal descontínuo apenas num dos bordos laterais
–
–
4
8,9
4
6,8
Lâmina com retoque marginal contínuo apenas num dos bordos laterais
–
–
2
4,4
2
3,4
Fragmento de lâmina sem retoque
–
–
2
4,4
2
3,4
Frag. de lâmina com retoque marginal descontínuo em ambos os bordos laterais
4
28,6
2
4,4
6
10,2
Frag. de lâmina com retoque marginal contínuo em ambos os bordos laterais
–
–
2
4,4
2
3,4
Frag. de lâmina com retoque marginal descontínuo apenas num dos bordos laterais
1
7,1
1
2,2
2
3,4
Frag. de lâmina com retoque marginal contínuo apenas num dos bordos laterais
1
7,1
3
6,7
4
6,8
14
100
45
100
59
100
Total
No conjunto da Camada 3, embora de número de elementos seja pouco representativo, verifica-se um
maior índice de fragmentação com mais fragmentos mesiais e proximais nas lâminas (somando 75%) e mais
fragmentos mesiais nas lamelas (33,3%).
O conjunto da Camada 2 apresenta um índice de fragmentação pouco elevado, com mais lâminas inteiras
que lamelas (54,5% de lâmin as inteiras e 43,5% de lamelas), sendo os fragmentos distais a categoria menos
frequente, quer em lâminas quer em lamelas.
271
Fig. 28 – Outeiro Redondo. Lâminas recolhidas na Camada 2 (n.os 1 a 20) e na Camada 3 (n.os 21 a 27).
272
Fig. 29 – Outeiro Redondo. Lâmina recolhida na Camada 3 (n.o 1); Lascas retocadas (n.os 2 a 8) e raspadeiras (n.os 9 a 18) recolhidas
na Camada 2.
273
37,5%
16,7%
37,5%
33,3%
16,7%
20%
25,0%
30%
33,3%
40%
0%
0,0%
10%
Inteira
Distal
Mesial
Lamela
Proximal
Lâmina
Gráfico 1 – Outeiro Redondo. Estado de conservação dos produtos alongados da Camada 3.
9,1%
4,5%
4,3%
20%
34,8%
31,8%
17,4%
40%
54,5%
43,5%
60%
0%
Inteira
Distal
Mesial
Lamela
Proximal
Lâmina
Gráfico 2 – Outeiro Redondo. Estado de conservação dos produtos alongados da Camada 2.
•
Lascas retocadas / raspadores
No conjunto estudado, nitidamente incompleto, apenas se pretendeu ilustrar a presença deste tipo de
instrumento. Foram registados 12 exemplares de sílex, todos oriundos da Camada 2 (Fig. 29, n.os 2 a 8; Fig. 30,
n.os 2 a 4, 6 e 7).
•
Raspadeiras
Foram analisadas 19 raspadeiras, das quais 6 pertencem à Camada 3 (Fig. 30, n.os 9 a 14) e 13 à Camada 2
(Fig. 29, n.os 9 a 18; Fig. 30, n.os 1, 5 e 8). Todos os exemplares observados são de sílex, de tonalidades cinzenta
e acastanhada.
Todas as raspadeiras recolhidas na Camada 3 têm como suporte a lasca e metade dos exemplares
apresentam vestígios de córtex.
274
Fig. 30 – Outeiro Redondo. Raspadeiras (n.os 1, 5 e 8) e lascas retocadas / raspadores (n.os 2 a 4, 6 e 7) recolhidas na Camada 2; raspadeiras
na Camada 3 (n.os 9 a 14); entalhes recolhidos na Camada 2 (n.o 17) e na Camada 3 (n.o 19); denticulados recolhidos na Camada 2 (n.os 15 e 16)
e na Camada 3 (n.º 18); furadores recolhidos na Camada 2 (n.º 20 a 22).
275
Na Camada 2 o número de raspadeiras que têm como suporte a lasca é dominante, seguido da lâmina e
residualmente a lamela (Fig. 29, n.o 10). A presença de vestígios de córtex nas raspadeiras desta Camada é
reduzida, verificando-se apenas em 3 exemplares.
A análise tipológica das 19 raspadeiras recolhidas revelou a presença dos seguintes tipos, indicados
no Quadro 4.
Quadro 4 – Outeiro Redondo. Tipologia das raspadeiras e respectiva distribuição estratigráfica
Tipos
C3
C2
(Calcolítico Inicial)
(Calcolítico Pleno / Final)
N.o
%
N.o
%
Raspadeira sobre lâmina retocada em ambos os bordos laterais
–
–
1
7,7
Raspadeira sobre lâmina retocada apenas num dos bordos laterais
–
–
1
7,7
Raspadeira sobre lâmina, de bordos laterais desprovidos de retoque
–
–
1
7,7
Raspadeira sobre lamela retocada em ambos os bordos laterais
–
–
1
7,7
Raspadeira sobre lasca espessa
4
66,7
2
15,4
Raspadeira sobre lasca espessa retocada, com a extremidade mais larga
1
16,7
–
–
Raspadeira sobre lasca com entalhe
–
–
2
15,4
Raspadeira sobre lasca em leque
–
–
1
7,7
Raspadeira unguiforme, sobre lasca
–
–
2
15,4
Raspadeira dupla sobre lasca
–
–
1
7,7
Raspadeira sobre lasca de gume côncavo
1
16,7
–
–
Raspadeira denticulada sobre lasca
–
–
1
7,7
Total
6
100
13
100
•
Entalhes e denticulados
Foram identificados 2 entalhes e 3 denticulados, distribuídos estratigraficamente da seguinte maneira:
Camada 3
– Denticulado sobre lasca retocada, em sílex cinzento: 1 exemplar (Fig. 30, n.o 18);
– Entalhe sobre lâmina retocada, em sílex cinzento: 1 exemplar (Fig. 30, n.o 19).
Camada 2
– Denticulado fino sobre lâmina retocada, em sílex cinzento: 1 exemplar (Fig. 30, n.o 15);
– Denticulado sobre lasca retocada, em sílex castanho: 1 exemplar (Fig. 30, n.o 16);
– Entalhe sobre lasca fina, em sílex cinzento: 1 exemplar (Fig. 30, n.o 17).
Furadores
Foram identificados no total 39 furadores, dos quais 23 exemplares pertencem à Camada 3 (Fig. 31, n.os 14
a 18; Fig. 32, n.os 1 a 18) e 16 à Camada 2 (Fig. 30, n.os 20 a 22; Fig. 31, n.os 1 a 13). O suporte dominante nas
duas camadas identificadas é a lasca, com valores percentuais elevados, mas com uma tendência crescente
para os furadores sobre lâminas, conforme se indica no Quadro 5.
•
276
Fig. 31 – Outeiro Redondo. Furadores recolhidos na Camada 2 (n.os 1 a 13) e na Camada 3 (n.os 14 a 18).
277
Fig. 32 – Outeiro Redondo. Furadores recolhidos na Camada 3 (n.os 1 a 18).
278
Quadro 5 – Outeiro Redondo. Suportes utilizados nos furadores e respectiva distribuição estratigráfica
Tipo de suporte
C3
C2
(Calcolítico Inicial)
(Calcolítico Pleno / Final)
Total
N.o
%
N.o
%
N.o
%
Lâmina
2
8,7
2
12,5
4
10,3
Lasca
21
91,3
14
87,5
35
89,7
Total
23
100
16
100
39
100
Evidenciam-se os furadores com entalhes nas duas camadas estratigráficas analisadas, com valores
percentuais elevados: na Camada 3, com 82,6%; e na Camada 2, com 81,3%. Os furadores espessos dominam,
na Camada 3, com 69,6% em comparação com os furadores finos, com 30,4%, contrariamente com o verificado
na Camada seguinte com domínio ligeiro nos segundos: furadores espessos com 43,8% e furadores finos com
56,3%, na Camada 2.
A interpretação tecno-morfológica deste artefacto conduziu a proposta de tipologia, que se apresenta no
Quadro 6.
Quadro 6 – Outeiro Redondo. Tipos de furadores e respectiva distribuição estratigráfica
Tipos de furadores
C3
C2
(Calcolítico Inicial)
(Calcolítico Pleno / Final)
Total
N.o
%
N.o
%
N.o
%
Furador espesso com bordos rectilíneos sobre lâmina
–
–
1
6,3
1
2,6
Furador fino com entalhe(s) sobre lâmina
1
4,3
1
6,3
2
5,1
Furador fino com bordos rectilíneos sobre lâmina
1
4,3
–
–
1
2,6
14
60,9
4
25,0
18
46,2
Furador fino com entalhe(s) sobre lasca
4
17,4
5
31,3
9
23,1
Furador fino com bordos rectilíneos sobre lasca
1
4,3
2
12,5
3
7,7
Furador duplo sobre lasca retocada
1
4,3
3
18,8
4
10,3
Furador espesso com bordos rectilíneos sobre lasca
1
4,3
–
–
1
2,6
23
100
16
100
39
100
Furador espesso com entalhe(s) sobre lasca
Total
No conjunto denotamos, nalgumas situações a prática de reutilização e transformação de outros
instrumentos em furadores, como é o caso do aproveitamento de uma lâmina foliácea recolhida na Camada 3
(Fig. 32, n.os 18).
•
Lâminas foliáceas
Foram identificadas no total 44 lâminas foliáceas, em diversos estádios de preparação, das quais
12 exemplares pertencem à Camada 3 (Fig. 35, n.os 3 a 12; Fig. 36, n.os 1 e 2) e 32 à Camada 2 (Fig. 33, n.os 1 a 14;
Fig. 34, n.os 1 a 16; Fig. 35, n.os 1 e 2).
279
Fig. 33 – Outeiro Redondo. Lâminas foliáceas recolhidas na Camada 2 (n.os 1 a 14).
280
Fig. 34 – Outeiro Redondo. Lâminas foliáceas recolhidas na Camada 2 (n.os 1 a 16).
281
Fig. 35 – Outeiro Redondo. Lâminas foliáceas recolhidas na Camada 2 (n.os 1 e 2) e na Camada 3 (n.os 3 a 12).
282
Fig. 36 – Outeiro Redondo. Lâminas foliáceas recolhidas na Camada 3 (n.os 1 e 2) e pontas de seta recolhidas na Camada 2 (n.os 3 a 20).
Todos os exemplares são de sílex, excepto as pontas de seta n. os 5, 11, 16 e 19 que são de jaspe.
283
Dos 12 exemplares recolhidos na Camada 3, um apresenta-se como esboço (produto debitado base), sete
são considerados pré-formas ou fragmentos de extremidades e quatro apresentam-se inteiros, aparentemente
em estado final de utilização. Nesta Camada estratigráfica apenas estão representadas as lâminas foliáceas de
tipo elipsoidal e em forma de “D”.
Identificaram-se diversas variedades de sílex, registando-se um domínio para os tons cinzentos, com 33,3%,
seguidos pelos tons rosados e acastanhados, com ambos 25%, e tons negros com 16,7%.
Dos 32 exemplares recolhidos na Camada 2, 3 apresentam-se como esboços, 11 são considerados
pré-formas e / ou fragmentos de extremidades e 18 apresentam-se inteiros.
Predominam as lâminas foliáceas com lascamento / retoque cobridor numa das faces e invasor / marginal
na outra (50%), seguidas das lâminas foliáceas com lascamento / retoque cobridor bifacial (22,2%), das lâminas
foliáceas com lascamento / retoque invasor numa das faces e marginal na outra (16,7%), e das lâminas foliáceas
com lascamento / retoque invasor bifacial (11,1%).
Na Camada 2 a diversidade de tipos de lâminas foliáceas aumenta face à Camada anterior. Dominam as
lâminas de tipo elipsoidal (33,3%), seguidas pelas lâminas em forma de “D” (16,7%), as lâminas sub-rectangulares
(16,7%), as lâminas em forma de crescente (11,1%), as lâminas de contorno sub-trapezoidal (11,1%) e as lâminas
apontadas (11,1%).
Regista-se, nesta camada, um aumento significativo dos tons cinzentos na coloração do sílex, com 68,8%
dos exemplares recolhidos, seguidos pelos tons rosados, com 18,8%, acastanhados, com 9,4%, e alaranjados
com 3,1%. Esta alteração de percentagem nos tons escolhidos entre os exemplares do Calcolítico Inicial e os do
Calcolítico Pleno / Final poderá denunciar uma escolha preferencial pela matéria-prima ou alteração das fontes
de abastecimento da mesma.
•
Pontas de seta
O conjunto analisado integra 47 pontas de seta, das quais 4 exemplares pertencem à Camada 3 (Fig. 37,
n. 26 a 29) e 43 à Camada 2 (Fig. 36, n.os 3 a 20; Fig. 37, n.os 1 a 25). Quase todos os artefactos apresentam-se
inteiros, excepto cinco exemplares da Camada 2 que se encontram fracturados e que impedem a sua
identificação tipológica.
Todas as pontas de seta recolhidas na Camada 3 são de sílex, das quais três são de coloração acastanhada
e uma de coloração negra.
No conjunto dos artefactos recolhidos na Camada 2 foram identificadas 33 pontas de seta de sílex (76,7%) e
10 de jaspe / sílex jaspóide (23,3%).
A diversidade de coloração do sílex aumenta comparativamente à Camada anterior, registando-se um
domínio dos tons cinzentos com 39,4%, seguidos dos tons rosados, com 27,3%, dos tons acastanhados, com
15,2%, dos tons esbranquiçados, com 12,1%, e dos tons negros, com 6,1%.
Regista-se, portanto, uma alteração nos tons escolhidos na passagem do Calcolítico Inicial para o Calcolítico
Pleno / Final, realidade idêntica registada com as lâminas foliáceas.
Os 10 exemplares de xisto jaspóide, perfeitamente acabados, recolhidos na Camada 2 (Fig. 36, n.os 5, 11,
16, 19; Fig. 37, n.os 1, 2, 11, 15, 20 e 21), vêm ilustrar as relações de troca mantidas com o território alentejano,
de onde vinha, especialmente, o cobre (Zona de Ossa / Morena) e os artefactos de anfibolito. Constata-se que
estas pontas de seta chegavam ao povoado já manufacturadas devido à inexistência de restos de talhe em jaspe,
contrariamente aos exemplares em sílex, que através da presença de pré-formas, revela que tais peças eram,
pelo menos em parte, talhadas in situ.
os
284
Fig. 37 – Outeiro Redondo. Pontas de seta recolhidas na Camada 2 (n.os 1 a 25) e na Camada 3 (n.os 26 a 29). Todos os exemplares são em
sílex, excepto as pontas de seta n.os 1, 2, 11, 15, 20 e 21 que são de jaspe.
285
Do ponto de vista tipológico, e tomando como ponto de partida anteriores classificações (CARDOSO &
MARTINS, 2013), consideraram-se diversos grupos, sumariados no Quadro 7.
Quadro 7 – Outeiro Redondo. Tipos de pontas de seta identificadas
e respectiva distribuição estratigráfica
Tipos de pontas de seta
C3
C2
(Calcolítico Inicial)
(Calcolítico Pleno / Final)
Total
N.o
%
N.o
%
N.o
%
–
–
–
–
–
–
2.1 Base plana
–
–
3
7.0
3
6,4
2.2 Base côncava
3
75
24
55,8
27
57,4
3. Mitriforme
1
25
5
11,6
6
12,8
4. Torre Eiffel
–
–
3
7,0
3
6,4
5. Alcalarense
–
–
–
–
–
–
6. Foliácea
–
–
–
–
–
–
7. Indeterminada
–
–
5
11,6
5
10,6
8. Pré-forma
–
–
2
4,7
2
4,3
9. randes dimensões
–
–
1
2,3
1
2,1
Total
4
100
43
100
47
100
1.
Base convexa / triangular
Dominam globalmente as pontas de seta de base côncava (57,4%) e os exemplares mitriformes (12,8%).
Ao comparar as duas camadas, regista-se um aumento significativo de pontas de seta na Camada 2, quer
em número absoluto quer em diversidade de tipos, com especial destaque para as pontas de seta de base plana
e as do tipo “Torre Eiffel”, ausentes na Camada 3.
A relação de geometria da base com os bordos foi também estudada, a partir da seguinte relação:
Geometria da base
Geometria dos bordos
A0 = base plana
1.1 = bordos convexos com espigão
A1 = base plana com aletas
1.0 = bordos convexos
B0 = base concâva
2.1 = bordos rectilíneos com espigão
B1 = base concâva com aletas
2.0 = bordos rectilíneos
C0 = base convexa
3.0 = bordos côncavos
C1 = base convexa com aletas
D0 = base triângular
D1 = base triângular com aletas
286
Os resultados obtidos apresentam-se no Quadro 8.
Quadro 8 – Outeiro Redondo. Relação de frequência entre a geometria dos bordos e das bases
das pontas de seta e respectiva distribuição estratigráfica
Geometria dos bordos / base
Tipo 2
Tipo 3
Tipo 4
Tipo 7
Tipo 8
Tipo 9
Total
A.0 + 1.0
2.1. Base plana
A.0 + 2.0
B.0 + 1.0
2.2. Base côncava B.0 + 2.0
B.0 + 2.1
A.1 + 1.0
B.0 + 1.1
B.1 + 1.1
B.0 + 3.0
B.0 + 1.0
C3
C2
(Calcolítico Inicial)
(Calcolítico Pleno / Final)
Total
N.o
%
N.o
%
N.o
%
–
–
–
2
1
–
1
–
–
–
–
–
4
–
–
–
50
25
–
25
–
–
–
–
–
100
1
2
2
22
–
1
3
1
3
5
2
1
43
2,3
4,7
4,7
51,2
–
2,3
7,0
2,3
7,0
11,6
4,7
2,3
100
1
2
2
24
1
1
4
1
3
5
2
1
47
2,1
4,3
4,3
51,1
2,1
2,1
8,5
2,1
6,4
10,6
4,3
2,1
100
Das 12 variáveis associadas aos bordos e bases, identificaram-se na Camada 3 a presença de 3 variáveis e
na Camada 2 a presença de 11 variáveis. A variável dominante nas duas camadas estratigráficas corresponde
à associação B.0 (base concava) + 2.0 (bordos rectilíneos) correspondendo a 51,1% do total do conjunto
das pontas de seta classificadas. No conjunto da Camada 2 destaca-se a presença da associação B.0 (base
concava) + 1.1 (bordos convexos com espigão) e a associação B.0 (base concava) + 3.0 (bordos côncavos).
A presença, na Camada 2, de um exemplar de grandes dimensões (ponta com mais de 2 cm de largura), com a
associação B.0 (base concava) + 1.0 (bordos convexos), devido à sua robustez poderá provavelmente ter uma
função específica com a finalidade de maior poder de penetração e de corte.
A terminar, importa valorizar a variável “tamanho”: independentemente das características tipológicas
evidenciadas pelos exemplares estudados, esta variável denuncia, até mais do que aquelas, as diferentes
finalidades que estas pontas de projéctil tinham. Assim, se as menores se destinavam, essencialmente, à captura
de espécies cinegéticas de dimensões pequenas e médias, já as de maiores dimensões podem correlacionar-se
com a caça grossa ou mesmo com actividades bélicas; com efeito, as mais pequenas são cerca de três vezes
menores que as de maior tamanho, sendo de destacar um exemplar, cujas dimensões são excepcionais (Fig. 11,
n.o 4; Fig. 36, n.o 17).
5.3.2 – Análise comparativa dos utensílios das duas etapas culturais
Observando o Quadro 2, verifica-se que o tipo de utensílio lítico dominante na Camada 3 são os furadores
com 35,4%, e no conjunto da Camada 2 são as pontas de seta com 25,6%.
Os seguintes grupos mais representativos na Camada 3, depois dos furadores, são as lâminas foliáceas
(18,5%), seguidos do grupo das lâminas (12,3%), e simultaneamente as raspadeiras (9,2%) e as lamelas (9,2%).
287
O tipo de utensílio dominante na Camada 2, a par das pontas de seta, corresponde às lâminas foliáceas com
19%, seguido do grupo das lamelas (13,7%) e das lâminas (13,1%).
As nove categorias principais de instrumentos líticos recolhidos em 2013 e 2014 no Outeiro Redondo foram
desdobradas conforme se indica no Quadro 9.
Quadro 9 – Outeiro Redondo. Lista tipológica dos utensílios líticos retocados das Camadas 3 e 2
C2
C3
Lista tipológica
(Calcolítico
(Calcolítico
Inicial)
Pleno / Final)
Total
Núcleos de lâminas
1
2
3
Núcleos de lamelas
3
2
5
Total de Núcleos
4 (6,2%)
4 (2,4%)
8 (3,4%)
Lamela sem retoque
2
6
8
Lamela com retoque contínuo, marginal, irregular
–
4
4
Frag. de lamela sem retoque
2
6
8
Frag. de lamela com retoque
2
7
9
Total de lamelas
6 (9,2%)
Lâmina com retoque marginal descontínuo em ambos os bordos laterais
1
3
4
Lâmina com retoque marginal contínuo em ambos os bordos laterais
1
3
4
Lâmina com retoque marginal descontínuo apenas num dos bordos laterais
–
4
4
Lâmina com retoque marginal contínuo apenas num dos bordos laterais
–
2
2
Fragmento de lâmina sem retoque
–
2
2
Frag. de lâmina com retoque marginal descontínuo em ambos os bordos laterais
4
2
6
Frag. de lâmina com retoque marginal contínuo em ambos os bordos laterais
–
2
2
Frag. de lâmina com retoque marginal descontínuo apenas num dos bordos laterais
1
1
2
Frag. de lâmina com retoque marginal contínuo apenas num dos bordos laterais
1
3
4
Total de lâminas
8 (12,3%)
Lasca com retoque descontínuo marginal, irregular
–
5
5
Lasca com retoque contínuo num só bordo lateral
–
2
2
Lasca retocada / raspador
–
5
5
Total de Lascas retocadas
–
Raspadeira sobre lâmina retocada em ambos os bordos laterais
–
1
1
Raspadeira sobre lâmina retocada apenas num dos bordos laterais
–
1
1
Raspadeira sobre lâmina, de bordos laterais desprovidos de retoque
–
1
1
Raspadeira sobre lamela retocada em ambos os bordos laterais
–
1
1
Raspadeira sobre lasca espessa
4
2
6
Raspadeira sobre lasca espessa retocada, com a extremidade mais larga
1
–
1
288
23 (13,7%)
22 (13,1%)
12 (7,1%)
29 (12,4%)
30 (12,9%)
12 (5,2%)
Lista tipológica
C3
C2
(Calcolítico
(Calcolítico
Inicial)
Pleno / Final)
Total
Raspadeira sobre lasca com entalhe
–
2
2
Raspadeira sobre lasca em leque
–
1
1
Raspadeira unguiforme, sobre lasca
–
2
2
Raspadeira dupla sobre lasca
–
1
1
Raspadeira sobre lasca de gume côncavo
1
–
1
Raspadeira denticulada sobre lasca
–
1
1
Total de Raspadeiras
6 (9,2%)
Entalhe retocado sobre lâmina
1
–
1
Entalhe retocado sobre lasca fina
–
1
1
Denticulado sobre lâmina retocada
–
1
1
Denticulado sobre lasca retocada
1
1
2
Total de denticulados
2 (3,1%)
3 (1,8%)
5 (2,1%)
Furador espesso com bordos rectilíneos sobre lâmina
–
1
1
Furador fino com entalhe(s) sobre lâmina
1
1
2
Furador fino com bordos rectilíneos sobre lâmina
1
–
1
14
4
18
Furador fino com entalhe(s) sobre lasca
4
5
9
Furador fino com bordos rectilíneos sobre lasca
1
2
3
Furador duplo sobre lasca retocada
1
3
4
Furador espesso com bordos rectilíneos sobre lasca
1
–
1
Furador espesso com entalhe(s) sobre lasca
Total de Furadores
23 (35,4%)
13 (7,7%)
16 (9,5%)
19 (8,2%)
39 (16,7%)
Esboço de lâmina foliácea (produto debitado base)
1
3
4
Pré-forma de lâmina foliácea (adelgaçamento)
7
11
18
Lâmina elipsoidal com retoque cobridor bifacial
1
2
3
Lâmina elipsoidal com retoque cobridor numa das faces, apresentando a outra retoques
invasores e marginais
1
3
4
Lâmina elipsoidal com retoque invasor numa das faces, apresentando a outra retoques
marginais
1
1
2
Lâmina em forma de “D” com retoque cobridor bifacial
–
1
1
Lâmina em forma de “D” com retoque cobridor numa das faces, apresentando a outra
retoques invasores e marginais
–
1
1
Lâmina em forma de “D” com retoque invasor numa das faces, apresentando a outra
retoques marginais
–
1
1
289
Lista tipológica
C3
C2
(Calcolítico
(Calcolítico
Inicial)
Pleno / Final)
Total
Lâmina em forma de “D” com retoque invasor bifacial
1
–
1
Lâmina em forma de crescente com retoque cobridor numa das faces, apresentando a
outra retoques invasores e marginais
–
1
1
Lâmina em forma de crescente com retoque invasor numa das faces, apresentando a outra
retoques marginais
–
1
1
Lâmina sub-rectangular com retoque cobridor bifacial
–
1
1
Lâmina sub-rectangular com retoque cobridor numa das faces, apresentando a outra
retoques invasores e marginais
–
2
2
Lâmina sub-trapézoidal com retoque invasor bifacial
–
2
2
Lâmina apontada com retoque cobridor numa das faces, apresentando a outra com
retoques invasores e marginais
–
2
2
Total de Lâminas foliáceas
12 (18,5%)
32 (19%)
44 (18,9%)
Ponta de seta de base plana
–
3
3
Ponta de seta de base côncava
3
24
27
Ponta de seta mitriforme
1
5
6
Ponta de seta de tipo “torre Eiffel”
–
3
3
Ponta de seta de tipo indeterminado
–
5
5
Pré-forma de ponta de seta
–
2
2
Ponta de dardo
–
1
1
Total de pontas de seta
4 (6,2%)
43 (25,6%)
47 (20,2%)
65 (100%)
168 (100%)
233 (100%)
Total dos utensílios líticos retocados
Comparando os artefactos líticos retocados da Camada 2 com os da Camada 3 ressaltam as seguintes
observações:
– As pontas de seta, pouco representativas na Camada 3 (6,2%), tornam-se o grupo tipológico mais
abundante na Camada 2 (25,6%), destacando-se assinalável variedade de formas e tamanhos. São dominantes,
nas duas camadas, as pontas de seta de base côncava (57,4%) e os exemplares mitriformes (12,8%), numa
tendência crescente. As pontas de seta de base plana e as do tipo “Torre Eiffel”, ausentes na Camada 3,
aparecem na Camada 2.
Destaca-se o número elevado de pontas de seta em xisto jaspóide, todos recolhidos na Camada 2.
A presença deste tipo de artefactos, completamente acabados, sem que haja vestígios de subprodutos de talhe
no povoado, vem ilustrar relações comerciais com o território alentejano.
– Sobressai a presença de lâminas foliáceas na Camada 3 e 2 face aos outros grupos tipológicos de
utensílios, aumentando ligeiramente de representatividade no decurso do Calcolítico. Verifica-se, nas duas
camadas, a execução, na estação, de lâminas foliáceas a partir de esboços cuja existência pode explicar-se
tanto por importação, como por preparação na área habitada. O número de peças fracturadas, eventualmente
em curso de trabalho, ou já aquando da sua utilização, como parece mais provável, estão também presentes em
grande quantidade no povoado.
290
Na Camada 3 estão presentes os exemplares inteiros, aparentemente em estado de utilização, de
tipo elipsoidal e em forma de “D”. Na Camada 2 a diversidade de tipos de lâminas foliáceas aumenta face
à Camada anterior, devido ao acréscimo do número absoluto de exemplares. Dominam as lâminas de tipo
elipsoidal, seguidas pelas lâminas em forma de “D”, pelas lâminas sub-rectangulares, pelas lâminas em
forma de crescente, pelas lâminas de contorno sub-trapezoidal e pelas lâminas apontadas. Os dois tipos de
lascamento / retoque dominante são o cobridor numa das faces e invasor / marginal na outra, seguido das
lâminas foliáceas com lascamento / retoque cobridor bifacial em ambas as faces.
– O grupo dos furadores, invulgarmente abundante, diminui de representatividade, passando de 35,4% na
Camada 3 para 9,5% na Camada 2. O suporte mais utilizado nos furadores das duas Camadas é a lasca, com
valores percentuais elevados; a lâmina ocorre como segundo suporte mais comum.
Os furadores espessos dominam, na Camada 3, com 69,6% em comparação com os furadores finos, com
30,4%, contrariamente ao verificado na Camada 2 com domínio ligeiro nos segundos: furadores espessos com
43,8% e furadores finos com 56,3%.
O tipo de estratégia dominante para a obtenção de uma ponta de furador é, em ambas as camadas, a
realização de duas concavidades laterais contíguas, com valores percentuais elevados: na Camada 3, com
82,6%; e na Camada 2, com 81,3%.
– Observa-se, ao longo da ocupação, o aumento percentual das lâminas quer das lamelas. As lâminas
surgem em ambas as Camadas como o terceiro grupo tipológico mais abundante, sendo os exemplares
fracturados com retoque marginal descontínuo em ambos os bordos laterais os mais abundantes na Camada 3,
e os exemplares com retoque marginal descontínuo apenas num dos bordos laterais, os mais comuns, na
Camada 2.
– As lamelas surgem, em ambas as Camadas, como o quarto grupo tipológico mais abundante. Todas são
de sílex, excepto uma, de quartzo hialino recolhida na Camada 3, matéria-prima não disponível na região.
Estão presentes nas duas Camadas e em idênticas percentagens os exemplares com e sem retoques.
– As raspadeiras, que correspondem ao quarto grupo tipológico mais numeroso na Camada 3, baixam,
na Camada seguinte, para o quinto grupo; no entanto, em números absolutos, as raspadeiras aumentam a
sua presença e desdobram-se em vários tipos morfológicos na Camada 2. Na Camada 3, todas as raspadeiras
recolhidas têm como suporte a lasca e metade dos exemplares apresentam vestígios de córtex. Na Camada 2,
e em continuidade com a Camada anterior, o número de raspadeiras que têm como suporte a lasca é
predominante (69,3%); no entanto surgem, nesta camada, raspadeiras que têm como suporte a lâmina (23,1%)
e residualmente a lamela (7,7%).
– A presença de núcleos é residual em ambas as camadas. No total, apenas foram identificados 3 núcleos de
lâminas e 5 núcleos de lamelas, todos de sílex, de coloração cinzenta, excepto um de tonalidade acastanhada.
A fraca presença de núcleos adequados à obtenção de lâminas e lamelas indica que estas não eram
produzidas no espaço habitado; mas a preparação de artefactos neste é claramente comprovada pela presença
de lascas e de massas de sílex em bruto, de médias dimensões.
– A proveniência do sílex mais utilizado, de acordo com as características petrográficas analisadas, aponta
para a região de Lisboa, a cerca de 30 km em linha recta, nos afloramentos de calcários recifais do Cenomaniano
superior do vale de Alcântara, pois logo perto da margem direita do estuário do Tejo existem grandes massas
de sílex predominantemente cinzento ou acastanhado sob a forma de nódulos, como foi referido em publicação
291
anterior (CARDOSO, 2013). A origem do sílex negro, também presente em alguns exemplares, ocorre nos
calcários recifais da mesma época da região de Oeiras; no entanto, a hipótese de origens mais afastadas parece
confirmar-se, dada a presença de exemplares de colorações rosadas, mais ou menos carregadas, característicos
da região de Rio Maior, utilizados principalmente na manufactura de peças com retoque invasor / cobridor
(lâminas foliáceas e pontas de seta), que requeriam sílex de excelente qualidade, como é o caso do disponível
naquela região.
5.4 – Osso polido e afeiçoado
A utensilagem executada sobre osso revela-se particularmente abundante devido às condições
geoquímicas favoráveis, que possibilitaram a preservação em boas condições das peças, caracterizadas por
assinalável variedade.
Procedeu-se ao desenho e à análise da totalidade dos utensílios recuperados com interesse tipológico, de
modo suportar as considerações abaixo apresentadas, valorizadas pelas indicações estratigráficas associadas.
Os aspectos terminológicos considerados seguem os critérios de análise seguidos por J. L. Cardoso no estudo
da utensilagem óssea de uso comum do povoado pré-histórico de Leceia, Oeiras (CARDOSO, 2003 a).
5.4.1 – Distribuição estratigráfica e análise descritiva
Às 66 peças de osso recolhidas entre 2005 e 2008 e já publicadas (CARDOSO, 2013), somam-se 84 artefactos
recolhidos em 2013 e 2014.
Provêm 13 exemplares da Camada 3 e os restantes 71 da Camada 2. Foram observados diversos grupos de
artefactos, cuja distribuição pela sequência estratigráfica se apresenta no Quadro 10.
Quadro 10 – Outeiro Redondo. Distribuição tipológica da utensilagem óssea
por conjuntos cronológico-culturais
Indústrias de osso
C3
C2
(Calcolítico Inicial)
(Calcolítico Pleno / Final)
Total
N.o
%
N.o
%
N.o
%
Agulhas / sovelas
1
7,7
11
15,5
12
14,3
Furadores
1
7,7
4
5,6
5
6
Cabos
8
61,5
49
69
57
67,9
Espátulas
–
–
2
2,8
2
2,4
Recipientes
1
7,7
–
–
1
1,2
Escopro
1
7,7
–
–
1
1,2
Pontas de seta
–
–
4
5,6
4
4,8
Indeterminado
1
7,7
1
1,4
2
2,4
13
100
71
100
84
100
Total
292
•
Utensilagem da Camada 3
Nesta Camada foram recolhidos apenas 13 exemplares (Fig. 40, n.os 6 a 18); no entanto, se a escavação
tivesse atingido, em toda a área explorada, o nível arqueológico mais profundo, a quantidade de espólio seria
certamente muito mais numerosa.
No conjunto, avulta o largo predomínio dos cabos (8 exemplares) face aos restantes artefactos recolhidos,
sendo estes representados por apenas um exemplar de cada grupo identificado.
Os cabos recolhidos são maioritariamente executados em diáfises de ossos longos, quase sempre
inclassificáveis, pelas transformações sofridas por polimento ou por estarem fracturados e não permitirem a
identificação anatómica da peça original. Foram reconhecidos os seguintes tipos distintos:
– Cabos executados sobre tíbia de Capra / Ovis, seccionadas em apenas uma extremidade, por serragem,
conservando a outra a extremidade articular do osso: 2 exemplares (Fig. 40, n.o 13);
– Cabo seccionado em ambas as extremidades, totalmente polido e cujo comprimento é inferior aos
restantes cabos, podendo ser confundido com elemento tubular de colar, pelo que a função desta peça
não se encontra isenta de dúvidas: 1 exemplar (Fig. 40, n.o 15);
– Cabos incompletos executados em diáfises de ossos longos, seccionados numa das extremidades,
indeterminados: 3 exemplares (Fig. 40, n.os 10 a 12);
– Cabo executado em extremidade de haste de cervídeo, por seccionamento numa das extremidades, com
cavidade para fixação: 1 exemplar (Fig. 40, n.o 6);
– Cabo executado em segmento de haste de cervídeo serrada em ambas as extremidades: 1 exemplar
(Fig. 40, n.o 17).
Os restantes utensílios recolhidos nesta Camada foram os seguintes:
– Agulha / sovela fracturada, mas com extremidade pontiaguda, sobre suporte ósseo indeterminado,
executado sobre esquírola longitudinal de osso longo: 1 exemplar (Fig. 40, n.o 7);
– Furador fracturado, sobre suporte ósseo indeterminado: 1 exemplar (Fig. 40, n.o 8);
– Fragmento de recipiente cilíndrico executado em diáfise de osso de grandes dimensões, com marcas de
serragem (Fig. 40, n.o 16);
– Escopro ou cinzel sobre osso longo indeterminado, seccionado longitudinalmente (Fig. 40, n.o 9);
– Utensílio curvilíneo indeterminado, executado sobre segmento de corno de caprino, totalmente polido,
serrado e polido numa das extremidades, com três perfurações laterais independentes e uma tentativa
de perfuração inacabada. Este exemplar poderia ser utilizado como cabo embora a finalidade dos furos
se afigure indeterminada (Fig. 40, n.o 18).
•
Utensilagem da Camada 2
Nesta Camada foram recolhidos 71 utensílios (Fig. 38, n.os 1 a 39; Fig. 39, n.os 1 a 27; Fig. 40, n.os 1 a 5). A análise
tipológica, expressa no Quadro 10, revela um acréscimo relativo e absoluto, do grupo dos cabos, face ao conjunto
anterior, com 49 exemplares, correspondendo a 69%, enquanto, no conjunto do Camada 3, tal percentagem era de
61,5%. O mesmo se passa com o segundo grupo mais representativo, correspondente às agulhas / sovelas, com
11 exemplares, com 15,5%, enquanto, no conjunto do Camada 3, tal percentagem era de 7,7%.
293
Fig. 38 – Outeiro Redondo. Indústria de osso da Camada 2 (n.os 1 a 39).
294
Fig. 39 – Outeiro Redondo. Indústria de osso da Camada 2 (n.os 1 a 27).
295
Fig. 40 – Outeiro Redondo. Indústria de osso da Camada 2 (n.os 1 a 5) e Camada 3 (n.os 6 a 18).
296
Os cabos, na Camada 2, constituem, em continuidade como a Camada anterior, o conjunto mais numeroso,
com os seguintes tipos distintos:
– Cabos executados sobre tíbia de Ovis / Capra, seccionadas em apenas uma extremidade, por serragem,
conservando a outra a superfície articular do osso: 28 exemplares (Fig. 38, n.os 30 a 39; Fig. 39, n.os 11,
14 a 22, 24 a 27; Fig. 40, n.os 2 a 5);
– Cabos em diáfises de ossos longos, seccionado em ambas as extremidades: 20 exemplares (Fig. 38,
n.os 22 a 29; Fig. 39, n.os 1 a 10, 12 e 13);
– Cabo em osso longo, seccionado numa das extremidades, sobre metápodo de Cervus: 1 exemplar
(Fig. 40, n.o 1).
É de assinalar a presença insistente de animais sub-adultos, dada a falta da epífise distal nas extremidades
articulares das tíbias em que foram executados muitos dos exemplares acima referidos.
As agulhas / sovelas constituem o segundo conjunto mais numeroso, logo a seguir aos cabos. Foram
recolhidas, nesta Camada, 11 exemplares, na sua maioria executados sobre esquírolas de ossos longos, que
sofreram polimento em quase toda a superfície (Fig. 38, n.os 2 a 7, 9 a 11, 14 e 15).
Os restantes conjuntos artefactuais, embora representados por número muito inferior de efectivos, detêm
também particular interesse. No caso dos furadores foram identificadas duas variantes:
– Furadores obtidos sobre esquírolas de diáfises de ossos longos, partidos longitudinalmente: 3 exemplares
(Fig. 38, n.os 1, 8 e 12);
– Furador espesso alongado e regular, totalmente afeiçoado (poderia ser considerado como sovela de
grandes dimensões) (Fig. 38, n.o 13).
Em conformidade com o verificado em campanhas realizadas anteriormente no Outeiro Redondo
e já publicadas (CARDOSO, 2013), é curioso notar que não se recolheu nenhum exemplar produzido pelo
seccionamento oblíquo da tíbia de ovino-caprino, tão característicos em Leceia, desde o Neolítico Final e ao
longo de todo o Calcolítico (CARDOSO, 2003 a).
Inexistentes na Camada anterior, as pontas de projéctil em osso estão representadas no Outeiro Redondo
por quatro exemplares, o mesmo número de exemplares recolhidos em Moita da Ladra, recentemente
publicados (CARDOSO, 2014 a, Fig. 32, n.os 15 a 18). Trata-se de pontas robustas, de secção circular, totalmente
afeiçoadas, de corpo fusiforme, correspondendo a parte inferior, destinada a encabamento, a um espigão
igualmente cónico, mas mais estreito. Todos os exemplares se encontram fracturados (Fig. 11, n.o 5; Fig. 38,
n.os 16 a 19). Estas pontas de projécteis, embora escassas, estão presentes em diversos sítios calcolíticos
estremenhos, cujo inventário, realizado aquando do estudo dos exemplares recolhidos em Leceia (CARDOSO,
1995), foi entretanto completado pelos exemplares publicados dos povoados calcolíticos do Outeiro de
S. Mamede, Bombarral (CARDOSO & CARREIRA, 2003), da Moita da Ladra (CARDOSO, 2014 a) e, agora, do
Outeiro Redondo.
Enfim, foram recolhidos dois fragmentos de pequenas espátulas, feitas em tábuas ósseas totalmente
polidas com uma extremidade alargada e plana (Fig. 38, n.os 20 e 21), e um artefacto indeterminado, executado
sobre segmento de haste de cervídeo maciço, serrado numa das extremidades (Fig. 39, n.o 23). Provavelmente,
trata-se de peça inacabada, ou correspondente a resíduo de um segmento da haste cujo aproveitamento se
revelou sem interesse.
297
Em suma, ao longo do Calcolítico a diversidade artefactual observada no Outeiro Redondo, no que respeita
à utensilagem óssea, afigura-se embora idêntica e caracteriza-se por assinalável monotonia, sendo claramente
dominada pelo grupo dos cabos ou, melhor dizendo, dos ossos longos com um ou dois seccionamentos por
serragem na diáfise. Com efeito, a diferença entre o grupo dos cabos e os restantes grupos artefactuais é muito
grande em ambas as Camadas: basta observar que o segundo grupo mais abundante – o das agulhas / sovelas –
se encontra apenas representado por 7,7% na Camada 3 e 15,5% na Camada 2.
Os restantes grupos de utensílios, com destaque para as pontas de projéctil e as espátulas, ausentes na
Camada 3, estão presentes na Camada 2 embora residualmente. Artefacto único é o fragmento de recipiente
cilíndrico executado em diáfise de osso de grandes dimensões, com marcas de serragem (Fig. 40, n.o 16),
localizado no interior da cabana R, dentro da lareira estruturada R1, sugerindo que tal recipiente se destinaria
a guardar produtos farmacêuticos ou unguentos, eventualmente relacionados com a utilização do calor ou
mesmo do fogo.
No que respeita à distribuição da utensilagem, na Camada 2, verifica-se nítida concentração pelas áreas de
maior densidade habitacional, designadamente o espaço interior à Muralha G, onde as estruturas habitacionais
são mas abundantes e se encontram melhor definidas.
5.5 – Produções cerâmicas
5.5.1 – Recipientes lisos
Continuaram a utilizar-se as 12 formas anteriormente identificadas no povoado, com base no estudo dos
espólios recolhidos entre 2005 e 2008 (CARDOSO, 2013). Com efeito, os critérios então seguidos respeitaram,
por sua vez, os utilizados noutras estações estremenhas da mesma época, como Leceia, Oeiras (CARDOSO,
SOARES & SILVA), Penha Verde, Sintra (CARDOSO, 2010-2011), Moita da Ladra, Vila Franca de Xira
(CARDOSO & CANINAS, 2010) e Freiria, Cascais (CARDOSO, CARDOSO & ENCARNAÇãO, 2013).
Desta forma, elaborou-se um quadro tipológico das cerâmicas lisas (Fig. 41) que permite evidenciar
as variações da abundância de cada uma daquelas formas ao longo do tempo, à semelhança do realizado
anteriormente. Os resultados obtidos deram origem a um gráfico com os valores percentuais de cada forma
individualizada para cada Camada estratigráfica (Gráfico 3).
Analisaram-se 3998 fragmentos de bordos, dos quais 1475 provêm da Camada 3 e 2523 da Camada 2.
A continuidade entre as formas utilizadas no decurso da ocupação do povoado, realidade que, aliás, se encontra
bem evidenciada no gráfico, avulta desde logo, notando-se também alguns outros aspectos que importa
considerar:
– As formas abertas, que correspondem (formas 7 a 11), dominam no povoado face às formas fechadas
(formas 1 a 4), quer em contextos do Calcolítico Inicial, quer do Calcolítico Pleno / Final.
– O recipiente liso mais utilizado nas duas fases culturais é o vaso de bordo espessado exteriormente
e lábio convexo (forma 7). Está representado na Camada 3 com 55,7% diminuindo ligeiramente de
representatividade na Camada 2 para 46,1%, mantendo-se como recipiente eleito na panóplia existente.
A sua utilização relacionar-se-á com actividades culinárias.
– A segunda forma mais representativa, também em ambas Camadas, é a forma 9, que corresponde às
taças em calote (17,3% na Camada 3 e 16,9% na Camada 2). Integra taças de diversos tamanhos, das
quais as de menor diâmetro poderiam ser utilizadas para beber, enquanto as maiores serviriam para a
preparação de alimentos.
298
55,7%
50%
40%
46,1%
60%
1
2
5
6
Camada 3
7
8
9 1
Camada 2
01
0,9%
3,3%
6,7%
4,4%
7%
9,4%
1,4%
3,3%
17,3%
16,9%
4
5,6%
2%
3
0%
0,1%
0%
0,1%
0,4%
1,8%
10%
0,5%
0,1%
20%
7,8%
8,4%
0,9%
30%
1
2
Gráfico 3 – Outeiro Redondo. Variação tipológica das cerâmicas lisas,
de acordo com as formas identificadas, e respectiva distribuição estratigráfica.
– Todas as considerações apresentadas no artigo anterior sobre este povoado, relativas as campanhas
entre 2005 e 2008 (CARDOSO, 2013), são corroboradas pelos novos dados, agora apresentados, para esta
área específica do povoado. Apenas as taças de bordo espessado e lábio convexo apresentam variações
diferentes, verificando-se para a área explorada entre 2013 e 2014 um aumento do Calcolítico Inicial para
o Calcolítico Pleno / Final, de 7% para 9,4% do conjunto. Estes recipientes podem relacionar-se tanto com
a preparação de alimentos, como as migas ou pratos de cereais, como com o respectivo consumo.
– Importa referir a abundância dos recipientes lisos fase aos recipientes decorados, usualmente verificada
em povoados calcolíticos com assinalável ocupação, como é o caso do Outeiro Redondo. No tocante às
produções lisas e decoradas, o Quadro 11 quantifica essa desigualdade, que assume valores semelhantes,
no respeitante às duas Camadas em apreço:
Quadro 11 – Outeiro Redondo. Relação do número total e percentual dos recipientes lisos com os exemplares decorados na respectiva distribuição estratigráfica
Produções cerâmicas
C3
C2
(Calcolítico Inicial)
(Calcolítico Pleno / Final)
Cerâmica lisa
Cerâmica decorada
Total
Total
N. frag.
%
N. frag.
%
1475
95,1
2523
94,6
3998
76
4,9
144
5,4
220
1551
100
2667
100
4218
o
o
Com efeito, a relação numérica entre os dois grupos cerâmicos é, na Camada 3, de 1 para 19,4, enquanto
na Camada 2, é de 1 para 17,5, significando uma tendência para um aumento de recipientes decorados no
decurso do tempo, do Calcolítico Inicial para o Calcolítico Pleno / Final.
299
Fig. 41 – Outeiro Redondo. Quadro tipológico das cerâmicas lisas recolhidas, de acordo com os tipos identificados, e respectiva distribuição
estratigráfica.
300
5.5.2 – Cerâmicas decoradas
Nas Figs. 42 a 53 apresenta-se a totalidade do espólio cerâmico decorado recuperado nas escavações
de 2013 e de 2014. Este conjunto perfaz um total de 220 fragmentos, distribuídos estratigraficamente da
seguinte maneira:
Camada 3: 76 fragmentos (dos quais 63 são bordos);
Camada 2: 144 fragmentos (dos quais 74 são bordos).
Os resultados agora obtidos corroboram os dos anos anteriores (CARDOSO, 2013). Isto é, verifica-se que
tipologicamente, todos os materiais se inscrevem no Calcolítico da Estremadura. No conjunto agora analisado
procurou-se identificar as características dos recipientes dominantes em ambas as Camadas, no quadro da
variedade de formas decoradas, técnicas e padrões decorativos.
•
Tipologias das cerâmicas decoradas
Identificaram-se cinco formas de recipientes nas duas Camadas analisadas, para além de um último grupo,
relativo às formas indeterminadas.
A sequência foi ordenada das formas fechadas para as abertas:
Forma 1 – Esférico de paredes reentrantes de grandes dimensões (“vasos de provisões”);
Forma 2 – Esférico de médias dimensões;
Forma 3 – Vaso de parede vertical (“copo”);
Forma 4 – Taça em calote;
Forma 5 – Taça baixa com bordo espessado.
50%
60%
24,3%
2,1%
2,6%
14,5%
6,3%
5,2%
10%
14,5%
20%
15,3%
30%
2,1%
40%
25,0%
38,2%
50%
0%
Forma 1 Forma 2 Forma 3 Forma 4 Forma 5 Forma 6
Camada 3
Camada 2
Gráfico 4 – Outeiro Redondo. Distribuição das seis formas de cerâmicas decoradas
identificadas na Camada 3 e na Camada 2.
De acordo com o Gráfico 4, dominam claramente os recipientes de paredes verticais, cilindróides, na
Camada 3, com uma presença de 38,2% do conjunto, seguidos das taças em calote, com 25%. O terceiro tipo
301
cerâmico mais privilegiado, ambos com 14,5% do conjunto analisado, são as formas abertas, taças baixas com
bordo espessado, e as formas fechadas, vasos esféricos de paredes reentrantes.
Na Camada 2 regista-se uma alteração na escolha do tipo de recipiente cerâmico decorado. Dominam
agora os vasos esféricos de paredes reentrantes de grandes dimensões (“vasos de provisões”) com uma forte
presença, ascendendo a 50% do conjunto, seguidos dos vasos de paredes verticais, com 24,3%, e dos vasos
esféricos de dimensões médias, com 15,3%. Mais raramente identificaram-se taças em calote (6,3%) e, de forma
ainda mais esporádica, as taças baixas com bordo espessado (2,1%).
Do ponto de vista tipológico, importa assinalar que, na Camada 3, a preferência por recipientes decorados
compostos essencialmente por vasos cilindróides e recipientes mais abertos, contrasta com o domínio,
na Camada 2, dos vasos fechados decorados. Esta escolha de formas estaria sobretudo relacionada com a
importância e as funções que estes desempenhavam, cuja interpretação deverá também atender ao tamanho
dos recipientes.
Na Camada 3 predominam os recipientes de dimensões pequenas e médias, cujos bordos finos reforçam a
sua utilização como contentores de líquidos e para beber, contrastando com o registo observado na Camada 2
com recipientes predominantemente de grandes dimensões, utilizados essencialmente como contentores.
Ao comparar-se a presença da mesma forma em recipientes decorados e lisos, verifica-se sempre uma
diminuição assinalável nestes últimos. Na Camada 3 apenas estão identificados 1,8% de recipientes lisos de
paredes verticais, contrastando com 38,2% de exemplares decorados. Na Camada 2, a forma esférica de paredes
reentrantes, e de grandes dimensões, é dominante nos exemplares decorados com 50%, contrariamente aos
exemplares lisos, com apenas 2%.
Outra evidência é a ocorrência de taças baixas com bordo espessado com decoração interior, relativamente
abundantes na Camada 3 (14,5% do conjunto), diminuindo de representatividade na Camada seguinte (2,1%).
Ao contrário, os exemplares lisos equivalentes aumentam de representação, ainda que ligeiramente, de
uma Camada para a outra, de 7% na Camada 3 para 9,4% na Camada 2.
Ao estarem representadas nas duas Camadas estratigráficas todas as formas, quer lisas quer decoradas,
embora em quantidades distintas, reforça-se a ideia da ausência de rupturas bruscas, mas antes de uma
progressiva substituição de produções, sublinhada em anteriores trabalhos, como o dedicado ao povoado
pré-histórico de Leceia, relativamente aos motivos e técnicas decorativas presentes (CARDOSO, 2007). A esta
noção de continuidade, em que uns tipos foram sendo paulatinamente substituídos por outros deve ser, no
entanto, contraposta a possibilidade de ter havido causas naturais que influenciaram misturas de materiais,
de carácter pós-deposicional, aliás mais do que certas dada o forte pendor que caracteriza a área ocupada.
Acresce ainda a sempre difícil identificação da superfície de contacto entre camadas, no decurso da escavação,
com a consequente incapacidade de separação rigorosa dos artefactos pertencentes ao topo de uma Camada e
à base (muro) da que se depositou imediatamente por cima.
•
Cerâmicas decoradas da Camada 2
Nas Figs. 42 a 49 representam-se todos os fragmentos cerâmicos decorados recolhidos nesta Camada.
Forma 1 (esférico de paredes reentrantes de grandes dimensões):
– Motivos em “folha de acácia” e em “crucífera”: 34 exemplares (Fig. 42, n.o 4; Fig. 44, n.os 2 e 3, 5 a 13 e 15;
Fig. 45, nos 1 e 2, 4 e 5, 7 a 16; Fig. 46, n.os 11 e 14; Fig. 47, n.os 11, 13 e 14; Fig. 48, n.os 2 e 3);
– Caneluras em torno da abertura e triângulos preenchidos interiormente (“dentes de lobo”): 20 exemplares
(Fig. 42, n.os 11 e 12, 14 a 18; Fig. 43, 1 e 2, 5 a 7, 9 a 16);
302
– Caneluras simples em torno da abertura: 11 exemplares (Fig. 42, n.os 1 a 3, 5 a 10; Fig. 43, 4 e 8);
– Bandas paralelas preenchidas por reticulados oblíquos incisos: 5 exemplares (Fig. 43, n.os 3, 18 e 19;
Fig. 46, n.o 8; Fig. 48, n.o 6);
– Caneluras em torno da abertura e espinhados incisos: 2 exemplares (Fig. 44, n.os 1 e 4).
Forma 2 (esférico de médias dimensões):
– Com rebaixamento da superfície externa, com espinhados verticais e / ou horizontais: 7 exemplares
(Fig. 46, n.os 1 e 2, 6 e 7; Fig. 47, n.os 3, 5 e 6);
– Associação de técnica canelada com a incisa, representada por espinhados em ziguezagues e reticulados
oblíquos: 5 exemplares (Fig. 42, n.o 13, Fig. 46, n.os 13, 16 e 17; Fig. 47, n.o 2);
– Associação de técnica canelada com a incisa, representada por espinhados em ziguezagues e reticulados,
com cordão em relevo, decorado com finas incisões oblíquas: 3 exemplares (Fig. 46, n.o 15; Fig. 47,
n.os 1 e 4);
– Associação de técnica canelada com a incisa, representada por espinhados: 3 exemplares (Fig. 45,
n.os 3 e 6; Fig. 46, n.o 9);
– Bandas paralelas preenchidas por reticulados oblíquos incisos: 1 exemplar (Fig. 48, n.o1);
– Losangos preenchidos interiormente e dispostos na horizontal: 1 exemplar (Fig. 48, n.o12);
– Goteira em torno da abertura: 1 exemplar (Fig. 44, n.o 14);
– Botão em relevo e incisões obtidas por caule oco: 1 exemplar (Fig. 48, n.o 15).
Forma 3 (Vaso de parede vertical – “copo”):
– Motivos em “folha de acácia” e em “crucífera”: 10 exemplares (Fig. 46, n.os 12, 21 e 22, 26; Fig. 47,
n.os 8 a 10 e 12; Fig. 48, n.os 5 e 13);
– Espinhados verticais e / ou horizontais incisos: 10 exemplares (Fig. 46, n.os 18 a 20, 23 a 25, 27; Fig. 47,
n.o 7; Fig. 48, n.o 7 e 16);
– Caneluras horizontais simples: 6 exemplares (Fig. 49, n.os 1 a 5, 12);
– Impressão de uma ponta romba, junto ao bordo: 2 exemplares (Fig. 48, n.o 11; Fig. 49, n.o 9);
– Bandas paralelas preenchidas por reticulados oblíquos incisos: 2 exemplares (Fig. 43, n.o 17; Fig. 46,
n.o 10);
– Pequenos mamilos ou botões, junto ao bordo: 2 exemplares (Fig. 48, n.os 17 e 18);
– Caneluras com banda de traços oblíquos incisos: 1 exemplar (Fig. 46, n.o 3);
– Losangos preenchidos interiormente e dispostos na horizontal: 1 exemplar (Fig. 46, n.o 4);
– Incisões horizontais e verticais junto ao bordo: 1 exemplar (Fig. 48, n.o 8).
Forma 4 (Taça em calote):
– Caneluras horizontais junto ao bordo: 6 exemplares (Fig. 48, n.o 14; Fig. 49, n.os 6 a 8, 10 e 11);
– Incisões horizontais e verticais junto ao bordo: 2 exemplares (Fig. 49, n.os 13 e 14);
– Faixas rectilíneas, horizontais com recurso ao pente: 1 exemplar (Fig. 48, n.o 4).
Forma 5 (Taça baixa com bordo espessado):
– Técnica canelada (decoração interna): 3 exemplares (Fig. 49, n.os 15 a 17).
Forma 6 (Indeterminado):
– Impressão com recurso a pente representando espinhados: 1 exemplar (Fig. 46, n.o 5);
303
– Impressão com recurso a pente representando por faixas horizontais: 1 exemplar (Fig. 48, n.o 9);
– Triângulos preenchidos por linhas horizontais incisas: 1 exemplar (Fig.48, n. o 10).
•
Cerâmicas decoradas da Camada 3
Nas Figs. 49 a 53 representam-se todos os exemplares cerâmicos decorados recolhidos nesta Camada.
Forma 1 (esférico de paredes reentrantes de grande dimensão):
– Caneluras em torno da abertura e triângulos preenchidos interiormente (“dentes de lobo”): 5 exemplares
(Fig. 49, n.os 18 a 22);
– Motivos em “folha de acácia” e em “crucífera”: 4 exemplares (Fig. 49, n.os 23 e 24, 26 e 27);
– Caneluras simples em torno da abertura: 2 exemplares (Fig. 49, n.os 25 e 28).
Forma 2 (esférico de médias dimensões):
– Caneluras simples em torno da abertura: 2 exemplares (Fig. 50, n.o 18; Fig. 51, n.o 4);
– Caneluras em torno da abertura, associadas com bandas de linhas organizadas obliquamente para um e
outro lado: 1 exemplar (Fig. 50, n.o 13);
– Pega e cordão em relevo, junto ao bordo: 1 exemplar (Fig. 53, n.o 2).
Forma 3 (Vaso de parede vertical – “copo”:
– Caneluras horizontais simples: 23 exemplares (Fig. 50, n.os 12, 14 a 17, 19 a 23; Fig. 51, n.os 1, 3, 5 e 6, 8 e
9, 11, 13 e 14, 16: Fig. 52, n.os 3 a 5);
– Caneluras horizontais junto ao bordo, associadas com bandas de linhas organizadas obliquamente para
um e outro lado separadas por linhas radiais: 3 exemplares (Fig. 51, n.os 7, 10 e 12);
– Pequenos mamilos ou botões, junto ao bordo: 2 exemplares (Fig. 50, n.os 7 e 10);
– Incisões horizontais junto ao bordo, associadas traços serpentiformes ou ondulantes verticais: 1 exemplar
(Fig. 53, n.o 3).
Forma 4 (Taça em calote):
– Caneluras horizontais simples junto ao bordo: 12 exemplares (Fig. 50, n.o 1; Fig. 51, n.os 2, 15, 17 a 23;
Fig. 52, n.os 1 e 2);
– Caneluras horizontais junto ao bordo, associadas com bandas de linhas organizadas obliquamente para
um e outro lado: 3 exemplares (Fig. 50, n.os 2, 6, 11);
– Caneluras horizontais junto ao bordo, associadas com espinhados horizontais: 3 exemplares (Fig. 50,
n.os 3, 8 e 9);
– Incisões horizontais e verticais junto ao bordo: 1 exemplar (Fig. 50, n.o 5).
Forma 5 (Taça baixa com bordo espessado):
– Técnica brunida (decoração interna): 6 exemplares (Fig. 52, n.os 8 e 9, 11 e 12, 14 e 15);
– Técnica canelada (decoração interna): 5 exemplares (Fig. 52, n.os 6 e 7, 10, 13 e 16).
Forma 6 (Indeterminado):
– Losangos preenchidos interiormente e dispostos na horizontal: 1 exemplar (Fig. 50, n.o 4);
– Caneluras horizontais, associadas a espinhados: 1 exemplar (Fig. 53, n.o 1).
304
Fig. 42 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 2.
305
Fig. 43 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 2.
306
Fig. 44 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 2.
307
Fig. 45 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 2.
308
Fig. 46 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 2.
309
Fig. 47 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 2.
310
Fig. 48 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 2.
311
Fig. 49 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 2 (n.os 1 a 17) e da Camada 3 (n.os 18 a 28).
312
Fig. 50 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 3.
313
Fig. 51 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 3.
314
Fig. 52 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 3.
315
Fig. 53 – Outeiro Redondo. Materiais cerâmicos decorados da Camada 3.
316
Identificação dos principais tipos de decoração representados em cada camada
•
Tendo presente as duas Camadas consideradas, de significado cronológico e cultural específico, foi
efectuada a distribuição das cerâmicas decoradas recolhidas em ambas, a qual se apresenta no Quadro de
síntese seguinte (Quadro 12), que resume toda a informação até agora apresentada:
Quadro 12 – Outeiro Redondo. Distribuição dos fragmentos cerâmicos com decoração (com e sem bordo)
Camada 2
Camada 3
Tipo
1
2
Forma
Esférico
de paredes
reentrantes
de grande
dimensão
Esférico
de média
dimensão
Tipos de decoração
(Calcolítico
(Calcolítico
Inicial)
Pleno / Final)
N.o Frag.
%
N.o Frag.
Motivos em “folha de acácia” e em “crucífera”
4
5,3
34
23,6
Caneluras em torno da abertura e triângulos preenchidos
interiormente (“dentes de lobo”)
5
6,6
20
13,9
Caneluras simples em torno da abertura
2
2,6
11
7,6
Bandas paralelas preenchidas por reticulados oblíquos
incisos
–
–
5
3,5
Caneluras em torno da abertura e espinhados incisos
–
–
2
1,4
Com rebaixamento da superfície externa, com espinhados
verticais e / ou horizontais
–
–
7
4,9
Associação de técnica canelada com a incisa, representada
por espinhados em ziguezagues e reticulados oblíquos
–
–
5
3,5
Associação de técnica canelada com a incisa, representada
por espinhados em ziguezagues e reticulados, com cordão
em relevo, decorado com finas incisões oblíquas
–
–
3
2,1
Associação de técnica canelada com a incisa, representada
por espinhados
–
–
3
2,1
Bandas paralelas preenchidas por reticulados oblíquos
incisos
–
–
1
1
Losangos preenchidos interiormente e dispostos na horizontal
–
–
1
1
Goteira em torno da abertura
–
–
1
1
Caneluras em torno da abertura, associadas com bandas
de linhas organizadas obliquamente para um e outro lado
1
1,3
-
-
Caneluras simples em torno da abertura
2
2,6
-
-
Botão em relevo e incisões obtidas por caule oco
–
–
1
1
Pega e cordão em relevo, junto ao bordo
1
1,3
-
-
317
%
Tipo
Forma
Tipos de decoração
%
N. Frag.
%
Motivos em “folha de acácia” e em “crucífera”
–
–
10
6,9
Espinhados verticais e / ou horizontais incisos
–
–
10
6,9
23
30,3
6
4,2
Impressão de uma ponta romba, junto ao bordo
–
–
2
1,4
Caneluras horizontais junto ao bordo, associadas com
bandas de linhas organizadas obliquamente para um e
outro lado separadas por linhas radiais
3
3,9
–
–
Bandas paralelas preenchidas por reticulados oblíquos
incisos
–
–
2
1,4
Pequenos mamilos ou botões, junto ao bordo
2
2,6
2
1,4
Caneluras com banda de traços oblíquos incisos
–
–
1
1
Losangos preenchidos interiormente e dispostos na horizontal
–
–
1
1
Incisões horizontais e verticais junto ao bordo
–
–
1
1
Incisões horizontais junto ao bordo, associadas traços
serpentiformes ou ondulantes verticais
1
1,3
–
–
12
15,8
6
4,2
Caneluras horizontais junto ao bordo, associadas com
bandas de linhas organizadas obliquamente para um e
outro lado
3
3,9
–
–
Incisões horizontais e verticais junto ao bordo
1
1,3
2
1,4
Caneluras horizontais junto ao bordo, associadas com espinhados horizontais
3
3,9
–
–
Faixas rectilíneas, horizontais com recurso ao pente
–
–
1
1
5
6,6
3
2,1
6
7,9
-
-
Impressão com recurso a pente representando espinhados
–
–
1
1
Impressão com recurso a pente representando por faixas
horizontais
–
–
1
1
Triângulos preenchidos por linhas horizontais incisas
–
–
1
1
Losangos preenchidos interiormente e dispostos na horizontal
1
1,3
–
–
Caneluras horizontais, associadas a espinhados
1
1,3
–
–
76
100
144
100
Caneluras horizontais simples junto ao bordo
4
5
6
Taça em calote
Taça baixa com Técnica canelada (decoração interna)
bordo espessado Técnica brunida (decoração interna)
Indeterminado
Pleno / Final)
N. Frag.
Caneluras horizontais simples
Vaso de parede
vertical
(“copo”)
Camada 2
(Calcolítico
Inicial)
o
3
Camada 3
(Calcolítico
Total
318
o
•
Análise comparativa / evolutiva das cerâmicas nas duas etapas culturais de ocupação
Comparando as cerâmicas decoradas da Camada 3 com paralelos em exemplares da Camada 2, ressaltam
as seguintes observações:
– As produções cerâmicas com padrões canelados nos “copos” que dominam na Camada 3 (30,3%), atribuída
ao Calcolítico Inicial da Estremadura, subsistem na Camada 2 mas diminuem de representatividade (4,2%)
e passam paulatinamente a ostentar novos padrões com motivos em “folha de acácia” e em “crucífera” e
espinhados incisos, característicos do Calcolítico Pleno / Final.
– Os exemplares de taças com caneluras horizontais junto ao bordo, associadas a bandas de linhas
organizadas obliquamente para um e outro lado, recolhidos na Camada 3 (Fig. 50, n.os 2, 6, 11), possuem
paralelos no Calcolítico Inicial de Leceia (CARDOSO, 2007, Fig. 83, n.o 9; Fig. 95, n.o 4; Fig. 111, n.o 7) e
no Calcolítico Pleno / Final do mesmo povoado (CARDOSO, 2007, Fig. 166, n.o 12; Fig. 198, n.o 10), bem
como em outros povoados calcolíticos, como por exemplo, o Outeiro de São Mamede (CARDOSO &
CARREIRA, 2003, Fig.47, n.o 5).
– Os exemplares recolhidos de taças com caneluras horizontais junto ao bordo, associadas com espinhados
horizontais (Fig. 50, n.os 3, 8 e 9) têm paralelo em exemplares do Calcolítico Inicial de Leceia (CARDOSO,
2007, Fig. 89, n.o 5; Fig. 105, n.o 9) e no Calcolítico Pleno / Final do mesmo povoado (CARDOSO, 2007,
Fig. 224, n.o 7).
– Os fragmentos com incisões horizontais junto ao bordo, associadas a traços serpentiformes ou ondulantes
verticais (Fig. 53, n.o 3) têm semelhanças com exemplares do Calcolítico Inicial de Leceia (CARDOSO,
2007, Fig. 57, n.o 1; Fig. 85, n.o 9).
– Em sentido contrário ao referido no ponto anterior, verifica-se um aumento da expressão nos vasos
esféricos de paredes reentrantes, geralmente de menores dimensões e com decoração canelada na
Camada 3. Tais vasos evoluem na Camada 2 para exemplares de maiores dimensões, e as caneluras
transformam-se em sulcos profundos s em torno da abertura, a que se seguem, no bojo dos recipientes,
triângulos preenchidos interiormente (“dentes de lobo”). A presença destes recipientes com 6,6% na
Camada 2 (podendo dever-se., como acima foi já sublinhado, a contaminações da Camada 2) aumenta
para 23,6% na Camada 2, com a adição de motivos em “folha de acácia” e em “crucífera”.
No entanto, torna-se importante referir que todos os exemplares decorados de vasos esféricos de paredes
reentrantes da Camada 3 são provenientes da recolha dos 60-80 cm de profundidade, desaparecendo do
registo arqueológico a maiores profundidades. Tal facto poderá ser interpretado, para além de prováveis
contaminações, que terão sempre de admitir-se, à eventual existência de uma fase de transição do Calcolítico
Inicial para o Calcolítico Pleno / Final, situação comparável à realidade que J. L. M. Gonçalves identificou no
povoado calcolítico fortificado da Columbeira, Bombarral (GONÇALVES, 1994). Esta importante observação
é compatível com as datas obtidas para a Camada 3, que apontam para momentos tardios dentro do Calcolítico
Inicial (CARDOSO, SOARES & MARTINS, 2010-2011).
Numa análise comparativa com outros povoados pré-históricos mais próximos, e privilegiando os estudos
mais recentes, destacam-se alguns outros exemplares recolhidos na Camada 2:
– Esférico com caneluras em torno da abertura e espinhados incisos (Fig. 44, n.o 4) possui paralelo no
Calcolítico Pleno / Final de Leceia (CARDOSO, 2007, Fig. 212, n.o 3);
319
– Esféricos com rebaixamento da superfície externa, com espinhados verticais e / ou horizontais (Fig. 46,
n.os 1 e 2, 6 e 7; Fig. 47, n.os 3, 5 e 6) possuem paralelos no Calcolítico Inicial de Leceia (CARDOSO,
2007, Fig. 51, n.o 1) e no Calcolítico Pleno / Final do mesmo povoado (CARDOSO, 2007, Fig. 172, n.o 14;
Fig. 182, n.o 6 e Fig. 216, n.o 13);
– Esféricos com associação da técnica canelada à incisa, representada por espinhados em ziguezagues e
reticulados oblíquos, com ou sem cordão em relevo (Fig. 42, n.o 13, Fig. 46, n.os 13, 15, 16 e 17; Fig. 47,
n.os 1, 2 e 4) possuem paralelos no Calcolítico Inicial de Leceia (CARDOSO, 2007, Fig.57, n. o 3) e no
Calcolítico Pleno / Final do mesmo povoado (CARDOSO, 2007, Fig. 140, n.o 20; Fig. 160, n.o 6 e Fig. 166,
n.os 7 e 9; Fig. 168, n.o 16; Fig. 174, n.o 10; Fig. 206, n.o 7 e Fig. 230, n.o 9);
– Esférico com elemento de preensão perfurado, abaixo de uma goteira em torno da abertura (Fig. 44,
n.o 14); possui paralelo no Calcolítico Pleno / Final de Leceia (CARDOSO, 2007, Fig. 190, n.o 6; Fig. 216,
n.o 16); e Moita da Ladra (CARDOSO, 2014 a, Fig. 44, n.o 12).
Outro grupo de cerâmicas decoradas que importa mencionar corresponde às taças com decorações
caneladas na face interna, presentes nas duas camadas estratigráficas, mas na Camada 3 com 14,5%,
reduzindo a presença na Camada 2 com 2,1%. Um dos motivos decorativos mais frequentes corresponde ao
preenchimento integral da superfície interna dos recipientes por bandas oblíquas com orientação alternada,
delimitada por linhas radiais (Fig. 52, n.o 11). Este padrão é comum em contextos do Calcolítico Inicial, tanto
nos copos canelados, como nas taças caneladas, correspondentes, naquele caso, ao espaço externo da parede
dos recipientes que se sucede á faixa de caneluras horizontais que se desenvolvem imediatamente abaixo do
bordo (Fig. 51, n.os 10 e 12). Ocorrem outros padrões decorativos, tais como o preenchimento dos campos
definidos pelas linhas radiais alternadamente por segmentos verticais e reticulados (Fig. 52, n.os 7 e 14) e semicircunferências concêntricas, dispostas como grinaldas a partir do lábio interno (Fig. 52, n.o 13).
Trata-se de uma forma associada a padrões / motivos decorativos presentes tanto em contextos do
Calcolítico do Sudoeste como em sítios do Calcolítico da Estremadura. Em Leceia, estes recipientes ocorrem
tanto na Camada 3, do Calcolítico Inicial, como na Camada 2, do Calcolítico Pleno / Final (CARDOSO, 2007).
é interessante sublinhar, no entanto, que em outros povoados da Baixa Estremadura, como o de Moita da Ladra
(CARDOSO, 2014 a) e o de Penha Verde (CARDOSO, 2010-2011), com ocupações exclusivamente atribuíveis
ao Calcolítico Pleno / Final, a ausência absoluta de tais produções.
Em suma, os resultados demonstram um declínio das produções caneladas da Camada 3 para a Camada 2
e a adição de um novo tipo de padrão decorativo, privilegiando mais umas formas que outras, embora estas
já conhecidas em ambos os períodos. A continuidade patenteada entre as produções de cerâmicas decoradas
do Calcolítico Inicial e do Calcolítico Pleno / Final justifica, por outro lado, a existência de formas híbridas,
ou de transição, que de facto se podem observar em alguns casos (Fig. 44, n.o 4). Assim, estes novos dados
reforçam a ideia de substituições graduais e progressivas na transição do Calcolítico Inicial para o Calcolítico
Pleno / Final, apresentada em anteriores trabalhos (KUNST, 1996; CARDOSO, 2007; SOUSA, 2010; CARDOSO,
SOARES & MARTINS, 2010-2011).
Importa referir a total ausência das cerâmicas campaniformes nas áreas escavadas em 2013 e 2014.
Em campanhas de escavação anteriores e posteriores, a sua presença é baixíssima constituindo argumento
a favor da existência de duas possíveis dinâmicas populacionais autónomas na região, no decurso da segunda
metade do 3.o milénio a.C. (CARDOSO, 2014 b). Situação análoga foi observada no Penedo do Lexim, Mafra
(SOUSA, 2010).
320
•
Distribuição espacial
A distribuição das cerâmicas decoradas pela área escavada permitiu averiguar a ocorrência de eventuais
concentrações de espólios cerâmicos e discutir o seu significado. Relativamente à Camada 3, importa sublinhar
que a realidade observada pode ter sido distorcida pela maior facilidade de acessibilidade que se teve a esta
Camada em determinadas áreas, com a consequente recolha de maior número de exemplares cerâmicos.
Destaque para o conjunto de cerâmicas recolhidas no interior da Cabana R, numa Camada avermelhada,
em contacto com o substrato: na Fig. 50, n.os 5 a 7, 10, 14, 17 a 21 Fig. 52, n.os 9, 11 e 12, 13 a 15, representam-se
os exemplares dali provenientes. Particular relevância deve ser conferida a um conjunto de fragmentos do
mesmo recipiente recolhidos no interior das Lareira R1: Fig. 50, n.o 11 e da Lareira J: Fig. 51, n.o 3; Destaca-se
também os três recipientes fragmentados, embalados em Camada avermelhada, junto ao substrato, junto à face
interna da Muralha G: Fig. 53, n.os 1 a 3.
De referir que, junto à Estrutura S, a uma profundidade entre os 80 cm e 120 cm, se recolheu o seguinte
conjunto cerâmico: Fig. 50, n.os 1 a 3, 9, 12 a 16,e 23; Fig. 51, n.os 17, 19, 21 e 22. Ainda na Camada 3, junto
ao substrato recolheram-se os fragmentos da Fig. 51, n.os 2, 6, 9, 11 e 23; Fig. 52, n.o 4; e embalado numa
Camada de cinzas, recolheram-se os seguintes fragmentos, todos recipientes esféricos: Fig. 49, n.os 18 e 19,
21 e 22, 24 e 28.
Relativamente à Camada 2, não se evidenciam quaisquer concentrações significativas.
5.5.3 – Cerâmicas industriais
•
Pesos de tear
No capítulo das cerâmicas ditas industriais estão representados por abundantes pesos de tear, cuja
discussão quanto à sua funcionalidade foi já discutida em anterior trabalho dedicado aos exemplares recolhidos
no Outeiro Redondo (CARDOSO, 2013). Trata-se de placas de barro sub-rectangulares a sub-quadrangulares
com perfurações junto dos vértices, representados nas Fig. 54 a Fig. 56, n.o 10. Contabilizaram-se 44 elementos,
dos quais 14 inteiros e os restantes fragmentados, assim distribuídos:
Camada 3: 15 exemplares, dos quais 5 são decorados (Fig. 55, n.os 3 a 12; Fig. 56, n.os 6 a 10);
Camada 2: 29 exemplares, dos quais 9 são decorados (Fig. 54, n.os 1 a 18; Fig. 55, n.os 1 e 2, 13 a 16; Fig. 56,
n.os 1 a 5).
Verifica-se, assim, que a maioria dos exemplares provém de contextos do Calcolítico Pleno / Final, embora
o número de exemplares recolhidos em contextos do Calcolítico Inicial seja assinalável. A estes somam-se
os 41 exemplares, entre inteiros e fragmentados, recolhidos em anteriores campanhas de 2005 a 2008
(CARDOSO, 2013).
Estes valores indicam claramente que a tecelagem era uma actividade significativa no espaço intramuros.
Situação contrária foi apurada em Leceia, quer em número quer na distribuição estratigráfica. De facto, a
maioria dos escassos exemplares provém de depósitos do Calcolítico Inicial (oito), contra os seis reportados
ao Calcolítico Pleno / Final (CARDOSO, 2007). Números pouco relevantes, face à importância e extensão da
área ocupada, tais como os identificados no povoado da Moita da Ladra, com 15 exemplares, relativos a única
ocupação, do Calcolítico Pleno / Final, bem como os recolhidos no Penedo do Lexim, com doze exemplares
(SOUSA, 2010), contrastando com a realidade do Outeiro Redondo bem como, por exemplo, com a observada
em Vila Nova de São Pedro. Esta situação indicia uma actividade de tecelagem de importância muito desigual
321
entre povoados da mesma área cultural (o Calcolítico da Estremadura), sugerindo especialização diferenciada
por razões que naturalmente se desconhecem.
Em termos de funcionalidade os elementos / pesos seriam suspensos de cada vez apenas por dois furos,
como analisado em trabalhos recentes (CARDOSO, 2013), podendo ficar os outros dois como reserva.
Tal conclusão é comprovada pelas características do desgaste observado nos exemplares, o qual é sempre mais
intenso em dois furos contíguos, embora existam casos em que o desgaste é intenso nos quatro furos (Fig. 54,
n.o 16). Esta realidade encontra-se comprovada por exemplar oriundo da Camada 3 (Fig. 56, n.o 9), o qual se
encontra serrado transversalmente aproximadamente a meio da peça original, a partir das duas faces, passando
a ter apenas dois orifícios de um dos lados, que seriam suficientes para assegurar a sua funcionalidade como
peso. Sendo uma peça cuja função se relacionava unicamente com o peso, as razões que levaram à serragem,
podem relacionar-se com a necessidade de uma menor tensão nos fios a tecer, através da obtenção de uma
peça menos pesada. É importante referir que esta situação não é única: no povoado calcolítico do Outeiro de
São Mamede (Bombarral) identificaram-se três exemplares nas mesmas condições (CARDOSO & CARREIRA,
2003, Fig. 62, n.os 1 e 2; Fig. 70, n.o 1). Nos teares romanos, com efeito, os pesos possuíam tamanhos distintos,
consoante o tipo de peças a fabricar.
O exemplar representado na Fig. 54, n.o 14 apresenta apenas três furos, cuja importância é relevante, por
vir assim confirmar que, de cada vez, seriam apenas dois os utilizados.
Apenas três exemplares se apresentam decorados em ambas as faces; dois provêm da Camada 2 (Fig. 55,
o
n. 14 e Fig. 56, n.o 5) e um da Camada 3 (Fig. 56, n.o 8); outros 11 exemplares apresentam decoração apenas
numa das faces. A maioria destas decorações são realizadas pela técnica incisa, e um exemplar utilizou uma
matriz denteada, por impressão na pasta mole (Fig. 55, n.o 16).
Estão presentes os motivos reticulados, ziguezagues, e linhas onduladas. Destaque para os exemplares da
Fig. 55, n.o 14 e Fig. 56, n.o 8, que ostentam duas linhas curvas paralelas que poderiam representar a Lua numa
das suas fases, e o fragmento da Fig. 56, n.o 2, com um círculo radiado que poderia representar o Sol, contendo
no seu interior três linhas onduladas. Representações idênticas observaram-se frequentemente em exemplares
de Vila Nova de São Pedro (JALHAY & PAÇO, 1945, Lám. 27, n.os 5 e 6), mas também em outros importantes
povoados calcolíticos, como Pedra de Ouro (GOMES & DOMINGOS, 2004, p. 119), para além da sua presença
na face externa ou interna de recipientes, via de regra taças em calote. O interessante do exemplar do Outeiro
Redondo, é que o Sol se encontra associado a linhas onduladas, a água corrente, dois elementos essenciais à
própria vida.
O exemplar serrado, já referido, da Fig. 56, n.o 9, ostenta representação de um círculo, embora incompleto
devido ao corte que sofreu, e decoração por impressão de coroas circulares, executado com um pequeno
caule oco em redor do referido motivo geométrico. Trata-se de uma técnica decorativa peculiar, embora
frequentemente observada; como paralelos, não exaustivos, citam-se os exemplares da Pedra de Ouro (GOMES
& DOMINGOS, 2004, p. 119) e de Vila Nova de São Pedro (JALHAY & PAÇO, 1945, Fig. 10, n.o 7).
O exemplar decorado com linhas onduladas da Fig. 56, n.o 1 tem múltiplos paralelos em outros povoados
calcolíticos estremenhos; além do de Vila Nova de São Pedro, sem dúvida aquele onde se recolheram o mais
numeroso conjunto de tais peças, podem mencionar-se, sem preocupações exaustivas exemplares na Pedra de
Ouro (GOMES & DOMINGOS, 2004, p. 119), e na Moita da Ladra (CARDOSO, 2014 a, Fig. 48, n.o 2; Fig. 49,
n.os 2 e 4); a presença de tais linhas onduladas foi relacionada com a água corrente, a qual teria um papel
determinante na preparação de certas fibras vegetais, destinadas a fiação, como o linho, já utilizado na época
(PAÇO & ARThuR, 1953). Recorde-se que esta conotação de linhas onduladas, à água e ao linho, foi de há
muito proposta, a propósito de um exemplar recolhido em Leceia (CARDOSO, 1981).
322
Fig. 54 – Outeiro Redondo. Pesos de tear recolhidos na Camada 2.
323
Fig. 55 – Outeiro Redondo. Pesos de tear recolhidos na Camada 2 (n.os 1 e 2; 13 a 16) e Camada 3 (n.os 3 a 12).
324
Fig. 56 – Outeiro Redondo. Pesos de tear recolhidos na Camada 2 (n.os 1 a 5) e na Camada 3 (n.os 6 a 10); chinchos recolhidos na Camada 2
(n.os 11 a 16); suportes de lareira recolhidos na Camada 2 (n.o 20) e na Camada 3 (n.os 17 a 19).
325
Um fragmento com representação de reticulado (Fig. 56, n.o 3), evoca a tessitura formada pela trama e teia,
não espantando por isso, ser comum a sua presença em exemplares recolhidos nas campanhas anteriores no
Outeiro Redondo (CARDOSO, 2013, Fig. 56, n.o 10), e em outras estações coevas, com destaque para Vila Nova
de São Pedro (JALHAY & PAÇO, 1945, Fig. 9, n.os 4 a 9).
Um exemplar da Cabana R possui em ambas as faces a estilização das tatuagens faciais (Fig. 56, n.os 8), tão
comuns nos ídolos de calcário da mesma época, para além de presentes em figurinhas de barro, que, tal como
os ídolos anteriores, são representações da Deusa calcolítica, como a recolhida no povoado calcolítico da Pedra
de Ouro (Alenquer). O facto de a mesma representação ocorrer num artefacto de natureza evidentemente
funcional, com paralelos noutros povoados da mesma época, como Vila Nova de São Pedro (JALHAY &
PAÇO, 1945, Fig. 8, n.o 20) e Outeiro de São Mamede (CARDOSO & CARREIRA, Fig. 70, n.o 1), vem reforçar
a evidência da estreita ligação então existente entre as actividades do quotidiano e a sua projecção nos
domínios do simbólico e religioso. Aliás, a presença, no Outeiro Redondo, de um notável conjunto de pesos
de tear com a representação da vulva (CARDOSO, 2013, Fig. 18, n.os 10 a 12), aliás com paralelos em Vila
Nova de São Pedro (JALHAY & PAÇO, 1945, Fig. 11, n.o 7), outra evocação da omnipresente Deusa calcolítica
da fertilidade.
Relativamente à Camada 3 reconheceram-se duas concentrações de pesos de tear na área intervencionada.
Destaque para o conjunto de 8 exemplares recolhidos no interior da Cabana R, numa Camada avermelhada,
em contacto com o substrato: Fig. 55, n.os 7, 9, 10 e 12; Fig. 56, n.os 7 a 10; e junto à Estrutura S, a uma
profundidade entre os 80 cm e 120 cm, recolheram-se o seguinte conjunto de 5 exemplares: Fig. 55, n.os 4 e 5,
8 e 11; Fig. 56, n.o 6. é muito provável que a presença nestas duas áreas circunscritas destes exemplares
corresponda à localização de dois teares.
Relativamente à Camada 2, não se evidenciam quaisquer concentrações de tais peças. A sua dispersão
revela-nos a existência nesta Camada de fenómenos de transporte e redeposição de materiais mais intensos
que os que afectaram a Camada subjacente.
•
Cinchos
Os cinchos estão representados por escassos 6 exemplares (Fig. 56, n.os 11 a 16) e a sua distribuição
estratigráfica é restrita à Camada 2, atribuída ao Calcolítico Pleno / Final, concordante com o registo conhecido
em Leceia, onde tais peças se acantonam na mesma fase cronológica-cultural (CARDOSO, 2007). Em anteriores
campanhas no Outeiro Redondo recolheram-se apenas dois fragmentos (CARDOSO, 2013), confirmando que
o povoado não teria como actividade significativa a produção de lacticínios com a qual estes exemplares se
encontram relacionados, conclusão corroborada pela fraca importância relativa dos ovino-caprinos, a ser
confirmada pelo estudo dos restos faunísticos recolhidos.
Em comparação com outros povoados, são de referir os 25 exemplares (dos quais 21 são bordos)
recolhidos em Leceia (CARDOSO, 2007), os 23 exemplares, com bordo, da Moita da Ladra (CARDOSO, 2014 a,
Fig. 50 e Fig. 51), e os 132 fragmentos (dos quais 33 são bordos) do povoado do Penedo do Lexim (SOUSA,
2010, Figs. 138 e 139). Estes dados numéricos vêm ilustrar a realidade já anteriormente comprovada pela
presença diferenciada de pesos de tear nos povoados mais importantes da região, isto é, que cada sítio tinha
características económicas específicas, expressas pela evidente diferenciação das suas actividades. Assim, no
respeitante à produção de lacticínios a sua importância seria apenas significativa no Penedo do Lexim, sítio
onde, não obstante a área escavada ser a menor dos quatro povoados considerados, foi, não obstante, o que
forneceu maior número destes exemplares. No extremo oposto situa-se o Outeiro Redondo.
326
Importa sublinhar o acantonamento dos cinchos exclusivamente nas ocupações do Calcolítico Pleno / Final,
corroborando o facto de a chamada “Revolução dos Produtos Secundários” estar ainda em plena afirmação e
diversificação de produções no decurso da segunda metade do 3. o milénio a.C.
Não se evidenciam quaisquer concentrações na distribuição espacial na área intervencionada.
Suportes de lareira
•
Foram recolhidos alguns fragmentos destas peças, cinco em contextos do Calcolítico Inicial (Fig. 56,
n. 17 a 19; Fig. 57, n.os 1 e 2) e um em contexto do Calcolítico Pleno / Final (Fig. 56, n.o 20) com paralelos
em vários povoados calcolíticos da região (CARDOSO, 2007). Em estudo anteriormente publicado dedicado a
este sítio arqueológico demonstrou-se a validade da associação exclusiva destas peças a contextos funcionais,
relacionados com a manipulação do fogo (CARDOSO, 2013). Do conjunto agora analisado, reproduzem-se
na Fig. 56, n.o 20 e Fig. 57, n.os 1 e 2, três exemplares que possuem base larga e plana, de modo a garantir
a sustentação dos recipientes que eram colocados ao lume; apesar de muito fragmentados, três exemplares
conservam os vestígios de uma perfuração cilíndrica mesial, destinado a facilitar a entrada de calor no interior
da peça, promovendo a sua adequada cozedura, dado serem peças maciças, cuja cozedura completa seria
difícil.
Relativamente à Camada 3, não se evidenciam quaisquer concentrações, o que é explicável pela sua fraca
presença; no entanto, a proximidade de dois exemplares, reproduzidos na Fig. 56, n.os 17 e 18, que poderão
pertencer à mesma peça, estarão associados à Lareira J. Outro fragmento, apresentado na Fig. 57, n.o 1,
localizado junto ao substrato, embalado na Camada avermelhada, poderá por seu turno estar relacionado com
a Lareira R1, devido à sua proximidade.
os
•
Cadinhos de fundição, pingos e resíduos de fundição
A prática da metalurgia do cobre no povoado já tinha sido comprovada em anteriores trabalhos, pela
presença de um lingote de cobre, pertencente à colecção reunida pelo Arq. Gustavo Marques (CARDOSO,
2009 a) e pela publicação dos resultados das campanhas de escavações arqueológicas realizadas entre 2005
e 2008, que incluíram um fragmento de cadinho de fundição e vários artefactos de cobre (CARDOSO, 2013,
Fig. 59).
A metalurgia do cobre passou a ser muito melhor conhecida no Outeiro Redondo pelos testemunhos de
fundição recuperados em 2013 e 2014. Foram recolhidos 18 exemplares de cadinhos de fundição de vários
formatos, todos incompletos, alguns com pequenas porções de cobre fundido aderente às suas paredes,
distribuídos estratigraficamente da seguinte maneira:
Camada 2: 11 fragmentos, dos quais 8 com bordos (Fig. 62, n.os 1 a 8; Fig. 63, n.os 1 a 3).
Camada 3: 7 fragmentos, dos quais 5 com bordos (Fig. 63, n.os 4 e 5; Fig. 64, n.os 1 a 5);
Os exemplares da Camada 2 apresentam-se, nuns casos, com formato aparentemente elipsoidal a
subcircular, sendo pouco fundos (Fig. 62, n.os 4, 7 e 8; Fig. 63, n.o 1), a par de outros, de tendência sub-rectangular
e mais fundos, como os da Camada 3 (Fig. 62, n.os 1 a 3, 5 e 6; Fig. 63, n.os 2 e 3), mas todos com fundo plano,
desprovidos de pés de sustentação no seu lado externo.
Os exemplares da Camada 3 apresentam-se maioritariamente com formatos sub-rectangulares e são mais
fundos. Dos sete exemplares recolhidos, dois apresentam-se munidos de pés de sustentação cilíndricos (Fig. 63,
n.os 4 e 5) e os restantes com fundo plano. Destaque para a semelhança do cadinho da Fig. 64, n.o 4 com o
327
exemplar recentemente publicado do povoado da Travessa das Dores, Lisboa (NETO, REBELO & CARDOSO,
2015, Fig. 29, n.os 13) e do povoado vizinho de Chibanes, Palmela (SILVA & SOARES, 2014, Fig. 33).
Quanto à associação de cadinhos a estruturas de carácter habitacional, na Camada 2 destaca-se
a concentração de dois exemplares, junto à Estrutura O1 (Fig. 62, n.o 8; Fig. 63, n.o 3); na Camada 3
reconheceram-se duas concentrações de cadinhos de fundição: um conjunto de três cadinhos no interior
do recinto da Cabana R, junto à base do grande cinzeiro, envolvidos por Camada avermelhada, certamente
relacionados com a Lareira R1 (Fig. 63, n.os 4 e 5; Fig. 64, n.o 3); e um outro conjunto próximo da Estrutura S
(Fig. 64, n.os 1, 2 e 5).
Foram também recolhidos pingos e resíduos de fundição nas duas camadas estratigráficas: na Camada 2
regista-se um conjunto de pingos e escórias associadas à Lareira J, havendo mesmo um exemplar oriundo
do interior desta (Fig. 60, n.o 12), a que se somam mais dez exemplares (Fig. 60, n.os 1 a 10). Na Camada 3
recolheram-se cinco exemplares (Fig. 60, n.os 11 a 15).
•
Algaravizes (tubos de forja)
Directamente relacionados com a metalurgia, foram recolhidos cinco exemplares de tubos de algaravizes
(tubos de forja), um deles quase completo (Fig. 12, n.o 6; Fig. 61, n.o 4), distribuídos estratigraficamente da
seguinte maneira:
Camada 2: dois exemplares (Fig. 61, n.os 1 e 2);
Camada 3: três exemplares (Fig. 61, n.os 3 a 5).
A raridade de tais artefactos encontra-se evidenciada pela escassa referência que lhes tem sido feita na
bibliografia: um exemplar incompleto, correspondendo a extremidade distal, do povoado da Moita da Ladra
recentemente publicado (CARDOSO, 2014 a, Fig. 51, n.o 11), em Vila Nova de São Pedro, onde se recolheu um
exemplar quase inteiro, muito semelhante ao do Outeiro Redondo (JALHAY & PAÇO, 1945, Est. 21, n.o 4), a
que se soma outro, da Pedra de Ouro, mais curto e maciço (PAÇO, 1966, Fig. 13, b).
Em termos de distribuição destaca-se na Camada 3 a presença do conjunto dos três tubos de forja no
mesmo local, associados à Cabana R, envoltos na Camada de cinzas e próximo do cadinho representado na
Fig. 64, n.o 3.
é interessante assinalar que no povoado metalúrgico calcolítico de Cabezo Juré (Huelva), com abundantes
estruturas de combustão relacionadas com a metalurgia, se identificaram até os sistemas de encaixe dos
mesmos na própria estrutura de combustão, se encontraram alguns algaravizes de barro, idênticos entre si,
mas distintos dos recolhidos nos povoados supra referidos, por serem mais curtos e com diâmetros superiores,
tanto internos como externos (NOCETE CALVO, SÁEZ RAMOS & NIETO LIÑÁN, 2004, Fig. 13.8; NOCETE
& NOCETE, 2015, p. 24). Tais diferenças são acentuadas, ao contrário do observado no tocante aos cadinhos.
Em termos tipológicos, o exemplar quase completo do Outeiro Redondo identifica-se totalmente com o
de Vila Nova de São Pedro, cuja conotação a algaraviz foi posta em causa, por se tratar de peça sem qualquer
indício de ter estado submetido a elevadas temperaturas e também pelo orifício se afigurar com diâmetro
demasiado pequeno (SOARES, 2004, p. 183). Ora, os exemplares do Outeiro Redondo evidenciam, claramente,
os efeitos do calor, não só por se apresentarem escurecidos, mas também esboroáveis, em resultado das
alterações mineralógicas provocadas. No entanto, tal evidência não seria decisiva para a atribuição indicada.
Com efeito, também boa parte dos cadinhos de barro recolhidos – e estes sujeitos a temperaturas bem
mais elevadas, pois situavam-se no interior do próprio forno – não evidenciam tais marcas, seja por terem
sido pouco utilizados, seja pelas marcas resultantes da própria cozedura destas peças na altura do fabrico.
328
Aliás, o único algaraviz do Cabezo Juré reproduzido a cores e com assinalável ampliação, mostra-se até mais
isento de tais marcas, quando comparado com a reprodução a cores do exemplar de Vila Nova de São Pedro,
cuja associação à prática metalúrgica foi entretanto admitida (MÜLLER & SOARES, 2008, Fig. 1). Quanto à
pequenez do diâmetro, é certo que este, quanto maior fosse, menos possibilidade teria de produzir um jacto
de ar oxigenado bem direccionado, estando, ao que tudo leva a crer, bem dimensionado para o tamanho das
estruturas de combustão respectivas, com diâmetros que não ultrapassam em geral 0,50 m. Note-se que,
para assegurar a indispensável aderência do fole de couro que se encontrava ajustado à face interna das duas
peças melhor conservadas, as mesmas apresentam uma crenulação regular, bem visível em corte (Fig. 61,
n.os 4 e 5). Enfim, não terá sido por acaso que três dos cinco fragmentos recolhidos tenham aparecidos juntos;
dois deles, Fig. 61, n.os 3 e 5, podem pertencer a um único exemplar, formando-se assim um par de algaravizes
que funcionariam solidariamente, conforme ainda hoje se observa nos foles metalúrgicos primitivos manuais.
•
Esferas de barro perfuradas
Recolheram-se três peças de barro, esféricas (Fig. 65, n.os 6 a 8), recolhidas na Camada 2; Três exemplares
idênticos do povoado coevo do Outeiro de São Mamede (CARDOSO & CARREIRA, 2003, Fig. 70, n.os 4 a 6)
foram atribuídos a contas de colar, invocando exemplares bicónicos, também de barro, recuperados em
diversas estações estremenhas. Mas a concentração destes três exemplares, que até então não tinham paralelo
conhecido, num único sítio, levou, prudentemente, a ser preferível designá-los apenas pelas suas características
morfológicas.
Recentemente, recolheram-se oito exemplares comparáveis, variando a sua forma entre a esférica e a
toneliforme alongada, no povoado metalúrgico calcolítico de Cabezo Juré (Huelva) (NOCETE CALVO et al.,
2004, Fig. 8.54), os quais foram dados como relacionados com a tecelagem. Seis exemplares toneliformes
alongados, semelhantes a alguns do Cabezo Juré, foram recolhidos no povoado calcolítico do Outeiro da
Assenta, situado nas imediações da lagoa de Óbidos e por isso atribuídos a pesos de rede para a pesca fluvial
(CARDOSO & MARTINS, 2009, Fig. 46). Tal como então foi dito, também estes exemplares se afiguram
excepcionais nos contextos calcolíticos a que pertencem (ibidem, p. 281), notando-se, como únicos paralelos
imediatos, os exemplares recolhidos por A. dos Santos Rocha na estação da I Idade do Ferro de Santa Olaia.
Dada a proximidade desta ao Mondego, é também aceitável reportá-los às funções mencionadas.
Dadas as diferentes possibilidades funcionais destas peças, optou-se, tal como no trabalho dos autores
publicado em 2009, por dar prioridade à simples designação morfológica.
5.6 – Artefactos metálicos
Foram recolhidos 63 artefactos metálicos, das quais 53 pertencem à Camada 2 e 10 à Camada 3.
Na Camada 2 dominam os pequenos artefactos utilitários e uma importante presença de armas.
Os exemplares integram-se nos seguintes grupos artefactuais:
– Sovelas, punções e agulhas de secção elipsoidal ou sub-rectangular: 13 exemplares (Fig. 57, n.os 3 a 5,
8 a 12, 15 a 17, 20 e 22);
– Serras ou foices, feitas em chapa de cobre serrilhadas num dos bordos: 9 exemplares (Fig. 12, n.os 1 e 2;
Fig. 58, n.os 3, 7, 11 a 15; Fig. 59, n.os 4 e 5;); nalguns casos, os dentes mostram-se boleados, indício de
intensa utilização (Fig. 58, n.o 12);
329
– Pequenos fragmentos indeterminados e tiras irregulares, sem forma definida: 7 exemplares (Fig. 57,
n.os 6, 7, 21; Fig. 58, n.os 1, 4 a 6), talvez destinados à refundição. Alguns destes exemplares mostram
marcas de corte ao longo dos bordos;
– Pequenos escopros ou formões, de secções sub-quadrangulares a sub-rectangulares: 6 exemplares
(Fig. 57, n.os 13, 14, 18, 23, 24 e 26);
– Anzóis: 5 exemplares (Fig. 59, n.os 7 a 11) de diferentes tamanhos. A estes somam-se outros três
recuperados no povoado em anteriores campanhas de escavação (CARDOSO, 2013, Fig. 59, n.os 4, 9
e 14);
– Fragmentos de facas espatuladas: 4 exemplares (Fig. 58, n.os 2, 8, 16; Fig. 59, n.o 1), o último dos quais
munido de dois chanfros laterais próximo de uma das extremidades, para encabamento;
– Fragmentos da extremidade proximal de facas ou serras: 3 exemplares (Fig. 58, n.os 9, 17 e 18);
– Fragmentos de lâminas de facas: 1 exemplar (Fig. 58, n.o 10);
– Gume de machado, cortado por serragem: 1 exemplar (Fig. 12, n.o 3; Fig. 57, n.o 19). Idêntico ao recolhido
na Camada anterior.
No campo das armas recolhidas destaca-se a ocorrência de quatro exemplares:
– Possível punhal de lingueta desenvolvida, com extremidade distal e bordos embotados: 1 exemplar
(Fig. 59, n.o 2);
– Porção distal de espada de cobre: 1 exemplar (Fig. 12, n.o 4; Fig. 59, n.o 3);
– Ponta de seta de cobre, de espigão e barbelas: 1 exemplar (Fig. 13, n.o 1; Fig. 60, n.o 16).
– Alabarda nervurada munida de lingueta de encabamento desenvolvida, sem rebites e com bordos com
fio cortante obtidos por martelagem: 1 exemplar (Fig. 13, n.o 2; Fig. 60, n.o 17).
Na Camada 3 estão presentes apenas pequenos artefactos utilitários, integrando-se nos seguintes grupos:
– Pequenos escopros ou formões, de secções sub-quadrangulares a sub-rectangulares: 3 exemplares
(Fig. 57, n.os 27, 28 e 32);
– Sovelas, punções e agulhas de secção elipsoidal ou sub-rectangular: 2 exemplares (Fig. 57, n.os 30 e 31);
– Anzóis: 2 exemplares incompletos (Fig. 59, n.os 12 e 13). A estes fragmentos soma-se outro recuperado
no povoado em anteriores campanhas de escavação (CARDOSO, 2013, Fig. 59, n.o 13);
– Gume de machado, cortado por serragem: 1 exemplar (Fig. 57, n.o 29);
– Fragmentos incaracterísticos: 2 exemplares (Fig. 57, n.o 25; Fig. 59, n.o 6), que se somam a outros
recolhidos na Camada 2, destinados provavelmente à refundição, com alguns paralelos nos exemplares
dos povoados da Moita da Ladra, Vila Franca de Xira (CARDOSO, 2014 a, Figs. 52 e 53) e São Mamede,
Bombarral (CARDOSO & CARREIRA, 2003, Figs. 37 a 40);
Com base na descrição do conjunto de 63 artefactos metálicos procedeu-se à contabilização dos diversos
grupos de acordo com a sequência cultural registada, sumariados no Quadro 13.
330
Quadro 13 – Outeiro Redondo. Grupos de artefactos metálicos e respectiva distribuição estratigráfica
Artefactos metálicos
Camada 3
Camada 2
(Calcolítico Inicial)
(Calcolítico Pleno / Final)
N.o frag.
%
N.o frag.
%
Sovelas, punções e agulhas
2
20
13
24,5
Serras ou foices, feitas em chapa de cobre
–
–
9
17,0
Fragmentos indeterminados e tiras irregulares, sem forma definida
2
20
7
13,2
Escopros ou formões
3
30
6
11,3
Anzóis
2
20
5
9,4
Facas espatuladas
–
–
4
7,5
Fragmentos de base de facas ou serras
–
–
3
5,7
Lâminas de facas
–
–
1
1,9
Gume de machado, cortado por serragem
1
10
1
1,9
Punhal de lingueta desenvolvida
–
–
1
1,9
Fragmento de espada de cobre
–
–
1
1,9
Ponta de seta de cobre, de espigão e barbelas
–
–
1
1,9
Alabarda nervurada munida de lingueta de encabamento não rebitada
–
–
1
1,9
10
100
53
100
Total
Neste estudo não se reverá a questão da intencionalidade dos conteúdos de arsénio presentes nos
artefactos de cobre calcolíticos, uma vez que em anterior estudo recentemente publicado e dedicado a este sítio
arqueológico já se prestaram considerações a esse respeito (CARDOSO, 2013). Em recente estudo, admite-se
que a metalurgia do cobre na Estremadura, no decurso do Calcolítico, tenha beneficiado de fontes distintas da
matéria-prima. Assim, as peças com maiores teores de Arsénio, teriam resultado da crescente diversificação
da captação dos minérios, estendendo-se a partir de determinado momento no decurso da segunda metade
do 3.o milénio a.C., às jazidas cupríferas do Baixo Alentejo, explorando os chapéus de fero da faixa piritosa da
Zona Sul Portuguesa (PEREIRA et al., 2016).
Três peças merecem desde já adequado destaque, sem prejuízo de, sobre as mesmas, se desenvolverem
ulteriormente considerações mais desenvolvidas, tendo sido recolhidas em 2013, na Camada 2 presentes na
Camadas, recolhidas a 20-40 cm de profundidade, junto à Estrutura N:
– A alabarda nervurada com lingueta de encabamento não rebitada (Fig. 60, n.o 17; Fig. 13, n.o 18) é
exemplar excepcional no quando das produções do final do Calcolítico do ocidente peninsular. Com efeito,
os exemplares mais antigos conhecidos de alabardas nesta vasta região, designados por alabardas do
“tipo Carrapatas”, integram-se na fase imediatamente seguinte, já do início da Idade do Bronze (ou Bronze
Pleno / Final, com início cerca de 1800 anos a.C.), possuindo o talão rebitado e desprovido de lingueta,
característica das produções calcolíticas, onde esta ainda se insere. O referido tipo é coevo de outro, com
331
ocorrências mais meridionais, como comprova a alabarda de Baútas, dada a conhecer por J. C. de SennaMartínez e republicada por Dirk Brandherm (BRANDhERM, 2003, Tf. 97, n.o 1380). Trata-se de exemplar
também com forte nervura central, munido, como os seus congéneres nortenhos, de três perfurações no talão,
para rebitagem ao cabo. Nestes termos, o exemplar recolhido em 2013 no Outeiro Redondo configura um
novo tipo de alabardas nervuradas, correspondente a forma com acentuadas influências calcolíticas, com a
presença uma lingueta desenvolvida não rebitada, destinada ao encabamento. Nestes termos, considera-se
que este exemplar, de características únicas, configura a transição do Calcolítico para o início da Idade do
Bronze em território português, conclusão corroborada pela cronologia absoluta correspondente à respectiva
ocupação, situada entre 2440-2110 cal BC, para 2σ (CARDOSO, SOARES & MARTINS, 2010-2011). Em abono
desta conclusão, devem referir-se diversos punhais de lingueta nervurados calcolíticos, na área estremenha,
tal qual o sistema de encabamento observado na alabarda em apreço, como é o caso do exemplar do Outeiro
de São Mamede (CARDOSO & CARREIRA, 2003, Fig. 38, n.o 1), muito semelhante aos dois exemplares de
La Pijotilla (BRANDHERM, 2003, Tf. 23, n.os 312 e 313), com evidentes paralelos nos punhais nervurados de
cobre recolhidos no monumento n.o 3 de Alcalar (VEIGA, 1889, Est. IX), ainda que estes não possuam lingueta
de encabamento, mas apenas chanfros laterais junto à extremidade proximal.
– A ponta de seta de espigão robusto e barbelas (Fig. 60, n.o 16; Fig. 13, n.o 1) é outra peça a considerar.
Com efeito, este exemplar recuperado em 2013 não longe da alabarda acima mencionada, poderá ser
considerado um dos mais antigos, senão o mais antigo exemplar conhecido para este tipo de pontas de seta.
Tendo presente a evolução morfológica geralmente apontada para as pontas Palmela, em que os exemplares mais
modernos seriam de contorno lanceolado, com a folha mais estreita e tendencialmente de menores dimensões
que os mais antigos, facilmente se pode chegar à conclusão de que as pontas de espigão e barbela podem
corresponder ao estádio final daquela evolução. Com efeito, a prova de que tudo indica que assim tenha sido,
encontra-se num exemplar híbrido, que até agora não despertou atenção. Trata-se de uma ponta que nada se
diferencia de uma ponta Palmela, a não ser pelos dois pequenos entalhes existentes na base da folha,
correspondendo a aletas incipientes. Infelizmente, embora se trate de exemplar da região de Huelva, não é
referido o local do achado (NOCETE & NOCETE, 2015, p. 46). A ser assim, é aceitável considerar a ponta de
espigão e barbelas do Outeiro Redondo como produção do final da ocupação do sítio, na transição do 3. o para o
2.o milénio a.C., coexistindo com as derradeiras pontas Palmela, das quais não se recolheu nenhum exemplar na
estação. Nesta, não foi identificada nenhuma evidência de ocupação ulterior ao final do Calcolítico, por limitada
que tenha sido, pelo que é de manter a possibilidade de se estar perante um dos mais antigos exemplares
deste tipo de pontas, cuja filiação directa nas pontas Palmela se afigura comprovada pela ponta publicada por
Francisco Nocete.
Aliás, a existência de exemplares híbridos de armas metálicas constitui uma expressiva forma de
demonstrar filogenias que, de outro modo, seriam menos evidentes. A somar aos dois exemplos acima referidos,
pode também valorizar-se a lâmina de longo punhal de cobre identificado na sepultura individual do Cerro do
Malhão, Alcoutim, integrável no Horizonte de Ferradeira (CARDOSO & GRADIM, 2012, Fig. 16). A lâmina,
poderia ser integrada facilmente no conjunto de exemplares argáricos do mesmo tipo (BRANDHERM, 2003,
Tf. 78, n.o 1255; Tf. 80, n.o 1268), não fosse o facto de não possuir o talão perfurado para fixação do cabo
por rebites, como se verifica naqueles exemplares. Trata-se, assim de um exemplar híbrido, anterior à plena
afirmação daqueles modelos, que já claramente evoca.
– A parte distal de uma espada, com a ponta levemente encurvada e seccionada por corte transversal
intencional (Fig. 59, n.o 3; Fig. 12, n.o 4). Infelizmente, por não se ter conservado a zona da empunhadura, não
332
será possível averiguar qual o tipo a que pertencia esta porção de lâmina. Seja como for, trata-se de um exemplar
coevo da bem conhecida espada com lingueta de Pinhal dos Melos, excepcional produção epicampaniforme
integrável no Horizonte de Montelavar, reportável ao início do 2.o milénio a.C. (BRANDHERM, 2003, Tf. 19,
n.o 287). No caso do exemplar do Outeiro Redondo, o seccionamento intencional que este apresenta seria
suficiente, caso o contexto fosse outro, para o identificar como de origem ritual e simbólica, atestando a falta
deliberada e definitiva de utilidade funcional da peça, ao ser privada da extremidade; no contexto doméstico em
que foi recolhida, a par de outros exemplares cortados intencionalmente e facilmente associados a materiais
fora de uso para refundição ou transformação por martelagem simples em pequenos artefactos, não custa
admitir que seria naturalmente esta a finalidade do fragmento de espada em causa.
Aparte estas três peças, que justificaram, pela sua importância, esta apresentação preliminar mais
desenvolvida, há a acrescentar uma extremidade de machado cortada intencionalmente (Fig. 57, n.o 19;
Fig. 12, n.o 3). Em trabalhos anteriores discutiu-se o significado desta prática e apresentaram-se alguns dos
numerosos paralelos conhecidos, alguns deles recentemente publicados como o exemplar de Moita da Ladra,
que abrange povoados calcolíticos da área estremenha e do Sudoeste (CARDOSO, 2014 a, p. 248, Fig. 52,
n.o 1). uma vez mais, a situação poderia suportar duas leituras alternativas: uma delas, valorizando o putativo
acto simbólico de cortar o gume a um objecto funcional e que, pela sua importância, facilmente poderia ter
atingido uma expressão e importância que ultrapassava em muito a sua eficácia prática (inferior à de qualquer
machado polido de rocha dura); outra leitura, de sinal oposto, seria a de atribuir estes artefactos de cobre,
especialmente os de maiores dimensões, a simples lingotes, dos quais e retirariam por seccionamento, as
porções que usualmente aparecem correspondentes aos gumes. Mas esta realidade não explica a razão de tais
gumes se terem fabricado intencionalmente, para depois serem separados do corpo da peça, nem tão-pouco a
sua presença, quando a intenção seria a transformação dos mesmos e variado tipo de instrumentos, à medida
que estes fossem sendo necessários. Existe, pois, ainda um assinalável conjunto de aspectos por esclarecer
quanto a estes enigmáticos artefactos.
No assinalável conjunto de peças metálicas recolhidas dominam, no entanto, os exemplares de pequenas
dimensões de carácter utilitário. Evidencia-se a importância de pequenos escopros ou formões na Camada 3
(30% do conjunto) e de sovelas, punções e agulhas na Camada 2 (24,5% do conjunto). Mas os utensílios que
despertam mais interesse é o conjunto de anzóis recolhido: a assinalável heterometria, pela primeira vez
evidenciada em tais peças numa estação calcolítica do território português, ilustra não só o contributo que a
pesca à linha detinha na economia destas populações – corroborado pelos restos ictiológicos recuperados – mas
também a especialização das capturas. Os anzóis, independentemente do tamanho, respeitam apenas uma
tipologia, caracterizada pela ausência de barbela e pelo empate simples, constituído pela curvatura das hastes,
sempre de secção sub-rectangular a sub-pentagonal.
A par dos referidos utensílios, ocorrem pequenas porções de cobre destinadas à refundição, a par de
tiras, que poderiam ser também transformadas por martelagem em punções ou outros artefactos de pequenas
dimensões. Peças idênticas recolheram-se em vários povoados calcolíticos tanto da área estremenha, como do
Sudoeste, como o de Leceia, Vila Nova de São Pedro, Zambujal, Penedo, Fórnea, Outeiro de São Mamede e
Monte da Tumba.
Os dados reunidos em 2013 e 2014 sugerem, em conclusão, que o povoado se comportou como um
importante centro metalúrgico, onde ocorrem também armas excepcionais, cuja presença indica uma realidade
social que adiante será discutida.
333
Fig. 57 – Outeiro Redondo. Suportes de lareira recolhidos na Camada 3 (n.os 1 e 2); utensílios de cobre recolhidos na Camada 2 (n.os 3 a 26)
e na Camada 3 (n.os 27 a 32).
334
Fig. 58 – Outeiro Redondo. Serras/serrotes ou foices de fio serrilhado recolhidas na Camada 2 (n.os 1 a 18).
335
Fig. 59 – Outeiro Redondo. Serras/serrotes ou foices de fio serrilhado recolhidas na Camada 2 (n.os 1 a 5) e na Camada 3 (n.o 6); anzóis
recolhidos na Camada 2 (n.os 7 a 11) e na Camada 3 (n.os 12 e 13).
336
Fig. 60 – Outeiro Redondo. Pingos de fundição recolhidos na Camada 2 (n.os 1 a 10) e Camada 3 (n.os 11 a 15); ponta de seta de espigão e
barbelas e alabarda nervurada com lingueta não rebitada recolhidas na Camada 2 (n.os 16 e 17).
337
Fig. 61 – Outeiro Redondo. Algaravizes (tubos de forja) recolhidos na Camada 2 (n.os 1 e 2) e na Camada 3 (n.os 3 a 5).
338
Fig. 62 – Outeiro Redondo. Cadinhos de fundição recolhidos na Camada 2.
339
Fig. 63 – Outeiro Redondo. Cadinhos de fundição recolhidos na Camada 2 (n.os 1 a 3) e na Camada 3 (n.os 4 e 5).
340
Fig. 64 – Outeiro Redondo. Cadinhos de fundição recolhidos na Camada 3.
341
5.7 – Adornos
Recolheram-se os seguintes artefactos:
– Uma concha de Luria lurida (L., 1758) perfurada, servindo como elemento de adorno, recolhida na
Camada 3 (Fig. 65, n.o 1; Fig. 14, n.o 8);
– Um fragmento de coral de cor violeta, recolhido na Camada 2 (Fig. 65, n.o 2);
– Um botão de osso, recolhido na Camada 2 (Fig. 65, n.o 3; Fig. 14, n.o 7);
– Duas contas de colar, uma em mineral verde e outra em concha com marcas de uso (Fig. 65, n.os 4 e 5;
Fig. 14, n.o 6), recolhidas na Camada 2.
Os objectos de adorno recolhidos não despertam especial atenção, exceptuando o fragmento de coral e
a concha perfurada. Quanto ao fragmento de coral, a sua ocorrência vem provar que esta matéria-prima seria
já procurada para a confecção de adornos, apesar da colheira ser efectuada em profundidade, eventualmente
através de ancinhos que se arrastavam pelo fundo. é provável que a proveniência desta peça se possa situar
no litoral algarvio, ou mais além. Seria também daquela região de que proviria a concha de Luria lurida
(L., 1758) recolhida, dado que é a que se encontra geograficamente mais próxima. Augusto Nobre refere que
recolheu exemplares rolados no Cabo de Santa Maria (Faro) (NOBRE, 1932, p. 129). Mais recentemente,
a presença da espécie foi alargada à ria de Olhão, sendo especialmente mencionada em Tavira e arredores
(MACEDO, 1999, p. 148), presumindo-se, na falta de outras indicações, que se tratasse de exemplares vivos.
Pode pois considerar-se que alguns dos adornos de origem marinha recolhidos revelam ligações com o litoral
algarvio, de onde teriam provindo. A presença em outros contextos pré-históricos da região estremenha de
adornos de concha com idêntica proveniência foi já anteriormente demonstrada, pela presença de duas contas
(de colar ?) de Conus mediterraneus Bruguière, 1792 espécie que actualmente vive apenas no litoral algarvio
(NOBRE, 1932, p. 73), nas grutas do Poço Velho, Cascais (CARDOSO & GuERREIRO, 2001-2002).
A conta de mineral verde, ainda que não tenha sido analisada, deve ter proveniência idêntica à maioria dos
exemplares recolhidos nos povoados calcolíticos da região (Penha Verde, Leceia e Moita da Ladra), a região
de Zamora (ODRIOZOLA et al., 2013).
5.8 – Objectos de carácter simbólico ou ritual
Nas campanhas de 2014 e 2014 recolheram-se os seguintes exemplares:
– Três ídolos cilíndricos lisos (Fig. 65, n.os 9, 10 e 13), todos conservando uma das extremidades, sendo
dois de calcário, e o de maiores dimensões de rocha básica diorítica, recolhidos na Camada 2 (Fig. 14,
n.os 1, 2 e 4); o exemplar de rocha diorítica apresenta sinais de percussão junto a uma das extremidades,
indício de ter sido reutilizado.
– Um outro exemplar, de pequenas dimensões, exibe junto da única extremidade conservada a
representação de tatuagens faciais (Fig. 65, n.o 11; Fig. 14, n.o 3). Provém da Camada 3;
– Um fragmento de placa de xisto decorada (Fig. 65, n.o 12; Fig. 14, n.o 5), muito incompleta, correspondendo
ao canto inferior direito, recolhida na Camada 2, exibindo motivo formado por apertadas linhas horizontais
em ziguezague, pautadas por linhas verticais, integradas em cartela;
– Uma primeira falange de cavalo totalmente afeiçoada por polimento (Fig. 65, n.os14; Fig. 14, n.o 10), por
forma a sublinhar a sua forma antropomórfica, recolhida na Camada 2.
342
Fig. 65 – Outeiro Redondo. Objectos de adorno e de carácter ideotécnico. 1 – concha perfurada (Camada 3); 2 – fragmento de coral de cor
violeta (Camada 2); 3 – botão de osso (Camada 2); 4 e 5 – contas de colar (Camada 2); 6 a 8 – Esferas perfuradas de cerâmica (Camada 2);
9 a 11 – cilindros lisos (Camada 2) e decorado com “tatuagens” faciais (Camada 3); 12 – fragmento de placa de xisto decorada (Camada 2);
13 – fragmento de cilindro, de diorito, reutilizado (Camada 2); 14 – primeira falange de cavalo afeiçoada por polimento (Camada 2).
– Uma concha de mexilhão (Mytilus sp.), de dimensões excepcionais (Fig. 14, n.o 9), recolhida no interior
de um pequeno covacho de contorno sub-rectangular escavado no substrato, situado no interior da
Cabana R (ver Fig. 8).
O conjunto dos artefactos ideotécnicos é pouco numeroso mas muito diversificado. Assim, os ídolos
cilíndricos de calcário, totalmente lisos, ou ostentando as bem conhecidas tatuagens faciais, atestam a
existência de pequenos altares domésticos, colectivos ou não, no interior do espaço habitado, tal como foi
anteriormente referido a propósito dos exemplares recolhidos em Leceia (CARDOSO, 2003 b; CARDOSO,
2009 b). O exemplar de maiores dimensões, de rocha diorítica, com indícios de reutilização, merece destaque,
por evidenciar a perda da carga simbólica da representação divina a que se encontrava inicialmente associado.
Situação idêntica foi verificada no povoado de Leceia e desde logo valorizada como merecia (CARDOSO, 1989,
Fig. 110, n.o 8).
O único fragmento de placa de xisto até agora encontrado no Outeiro Redondo é compatível com a
cronologia calcolítica do local, que não é anterior a 2600 a.C., correspondendo assim a uma das derradeiras
produções deste tipo de objectos. Com efeito, a decoração que ostenta é rara no contexto das placas de xisto,
pois os ziguezagues são simples, não se encontrando os espaços por eles definidos preenchidos por reticulado,
como é usual, formando faixas horizontais. Semelhança mais próxima foi identificada com a decoração do
mesmo tipo de linhas em ziguezague, pautadas por linhas (neste caso horizontais), existentes num cilindro
de calcário da gruta do Correio- Mor, Loures (CARDOSO, 2003 c, Fig. 30, n.o 3). Aliás, a presença de placas
de xisto em contextos habitacionais calcolíticos, sendo escassa, não é excepcional (veja-se, por ex., o conjunto
recuperado em Vila Nova de São Pedro, cf. JALHAY & PAÇO, 1945, Fig. 5, n.os 1, 3 e 4). Em contextos funerários,
a sua presença pode ser abundantíssima, como se verificou na tholos de Santiago do Escoural (SANTOS &
FERREIRA, 1969).
No respeitante à primeira falange de cavalo totalmente afeiçoada por polimento, corporiza a já aludida
existência de altares domésticos à divindade calcolítica feminina. Com efeito, este exemplar poderia ser
pintado, substituindo assim a pintura a gravação antropomórfica com os atributos característicos da divindade,
tão exemplarmente evidenciados pelos dois exemplares recolhidos na lapa da Bugalheira, Torres Novas
(CARDOSO, 1995), que integravam, com exemplares totalmente lisos, como o do Outeiro Redondo, um santuário
situado num dos lados da cavidade. A presença deste tipo de ídolos antropomórficos encontra-se documentada
em outros povoados da região. Em Leceia recolheram-se dois exemplares lisos, em estádios diferentes de
transformação por polimento, de modo a acentuar-se uma forma já de si naturalmente antropomórfica, e um
exemplar decorado, representado por pequeníssimo fragmento (CARDOSO, 1995, Fig. 2). Outros exemplares,
inventariados neste trabalho, documentam a presença em povoados calcolíticos, deste tipo de ídolos: Olelas,
Vila Nova de São Pedro, Leceia e, agora, o Outeiro Redondo, são os sítios calcolíticos fortificados que
registaram até agora a ocorrência de exemplares lisos e / ou decorados.
Enfim, importa valorizar a identificação de ritual de assinalável singularidade identificado no espaço
habitado. No interior de covacho de contorno sub-rectangular, escavado nos calcários grumosos jurássicos
que constituem o substrato local, situado no interior da Cabana R, correspondente à única estrutura deste
tipo reportada ao início da ocupação do sítio, depositou-se uma única valva de mexilhão, de dimensões
excepcionais. Como este depósito ritual seria forçosamente coberto pelo piso térreo da cabana, admite-se
que esteja associado a uma prática fundacional, que englobaria não só a estrutura habitacional com a qual
estava directamente relacionada, mas, tendo presente a antiguidade desta, com o próprio espaço que viria a ser
ocupado. Nestes termos, dada a importância do mar e dos recursos dele obtidos no quotidiano da economia
344
alimentar da comunidade ali instalada, não espanta que tenha sido um produto comestível excepcional dele
originário que tenha sido escolhido para corporizar o singelo ritual propiciatório fundacional então realizado.
Tal realidade tem paralelo, na mesma época, em outros contextos habitacionais estremenhos: em Vila Nova de
São Pedro, efectuou-se pela mesma época uma cerimónia ritual que envolveu o enterramento de pelo menos
um bovídeo ou de partes do mesmo (PAÇO, 1943) e no povoado do Carrascal, Oeiras, depositaram-se, no
fundo de uma fossa circular aberta nos calcários e margas cretácicas, duas porções de hemimandíbulas de boi
doméstico (CARDOSO, 2009 c, Fig. 7), denunciando a importância deste animal assim ritualizado, na economia
doméstica das comunidades daqueles dois locais, por certo mais importante que o papel desempenhado no
Outeiro Redondo.
6 – DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS RESTOS
Depois de analisados detalhadamente cada grupo morfológico / tipológico e de terem sido assinaladas
as associações entre eles e as diversas estruturas identificadas no terreno, importa registar, de acordo com a
sequência estratigráfica conhecida, os resultados da análise da distribuição espacial da totalidade dos artefactos
recolhidos pela área escavada. Com base nas observações de terreno e na localização dos artefactos na planta
geral da área escavada em 2013 e 2014, verificou-se a existência de determinadas concentrações de espólios, a
seguir caracterizadas.
Camada 2 – foi possível identificar as seguintes associações de espólios:
Muralha G – Catorze pontas de seta dispersas ao longo da estrutura defensiva (Fig. 36, n.os 9, 10, 14 e 20;
Fig. 37, n.os 2, 3, 6, 9, 10, 12, 13, 18, 23 e 24). Todas são de sílex excepto um exemplar talhado em xisto jaspóide.
Deste conjunto, sete exemplares apresentam a ponta fracturada.
Estrutura N – Duas armas e um objecto votivo: uma ponta de seta de cobre, de espigão e barbelas, uma
alabarda nervurada munida de lingueta de encabamento desenvolvida, sem rebites (Fig. 60, n.os 16 e 17) e uma
enxó votiva, de fibrolite (Fig. 18, n.o 2).
Estrutura O1 – Dois cadinhos de fundição, incompletos (Fig. 62, n.o 8; Fig. 63, n.o 3).
O inventário dos utensílios recuperados e associados as estas estruturas da Camada 2 é meramente
indicativo, já que é certa a existência nesta camada, mais do que na Camada subjacente, como acima se
referiu, de assinaláveis movimentos pós-deposicionais, acentuados pelo assinalável declive que caracteriza o
espaço habitado, mesmo na plataforma situada do lado nascente, delimitada pela Muralha G, onde se revelou
a maior intensidade da ocupação. Esta encontra-se documentada quer pelas unidades habitacionais em geral
mal definidas, quer pelos testemunhos das áreas de trabalho específicas, como a que se registou para a
Estrutura O1, ligada à metalurgia do cobre.
A presença de duas armas de características excepcionais nos inventários – uma delas é mesmo exemplar
único – e de uma pequena enxó votiva de fibrolite, recolhidas no mesmo contexto, é também aspecto que deve
ser valorizado.
Enfim, a concentração de pontas de seta associadas e distribuídas ao longo da Muralha G, e em particular de exemplares com a ponta fracturada devido a impacto, comprovam a natureza da estrutura a nível
defensivo.
345
Camada 3 – verificam-se as seguintes associações de espólios.
Lareira J – um fragmento de lâmina de sílex castanho (Fig. 28, n.o 21); dois furadores sobre lasca, ambos
de sílex cinzento (Fig. 32, n.os 12 e 13); uma lâmina foliácea, elipsoidal, de sílex cinzento (Fig. 35, n.o 12); um
fragmento cerâmico de um “copo” decorado com caneluras horizontais simples junto ao bordo, recolhido no
interior da estrutura (Fig. 51, n.o 3); dois fragmentos de suporte de lareira (Fig. 56, n.os 17 e 18); um fragmento
de pingo de fundição no interior da estrutura (Fig. 60, n.o 12).
Cabana R – Três machados, sendo um deles de grande dimensão (Fig. 16, n.o 9; Fig. 17, n.os 1 e 2); um peso
de pesca (Fig. 22, n.o 3); um núcleo de lamelas, em sílex cinzento (Fig. 27, n.o 8); uma lâmina inteira, em sílex
cinzento, com retoque marginal contínuo em ambos os bordos laterais (Fig. 29, n.o 1) e um fragmento mesial
de lâmina em sílex castanho (Fig. 28, n.o 26); duas raspadeiras, ambas em sílex cinzento (Fig. 30, n.os 9 e 13);
dois furadores sobre lasca, o primeiro em sílex cinzento e o outro de tonalidades acastanhadas (Fig. 32,
n.os 11 e 17); uma lâmina foliácea inteira, em forma de “D”, em sílex anegrado (Fig. 35, n.o 4); – Conjunto de
quatro pesos de tear lisos (Fig. 55, n.os 7, 9, 10 e 12) e quatro decorados (Fig. 56, n.os 7 a 10); conjunto de três
cadinhos de fundição (Fig. 63, n.os 4 e 5; Fig. 64, n.o 3); conjunto dos três tubos de forja (Fig. 61, n.os 3 a 5); uma
concha de mexilhão (Mytilus sp.), de dimensões excepcionais, recolhida no interior de um pequeno covacho
escavado no substrato (Fig. 14, n.o 9).
Lareira R1 – um fragmento de recipiente cilíndrico executado em diáfise de osso de grandes dimensões,
com marcas de serragem (Fig. 40, n.o 16); um conjunto de fragmentos do mesmo recipiente cerâmico recolhidos
no interior da estrutura (Fig. 50, n.o 11); um fragmento de suporte de lareira (Fig. 57, n.o 1).
Face aos elementos apresentados, verifica-se que algumas das unidades habitacionais do final do Calcolítico
Inicial identificadas em 2013 e 2014 podem ser associadas diversos espólios, com interesse relevante. Assim,
é de sublinhar que a ocorrência de três dos seis fragmentos de suportes de lareira recolhidos, se associam a
estruturas de combustão, comprovando a sua utilização como apoios à confecção culinária ou ao aquecimento
de diversos outros produtos. A prática de actividades metalúrgicas encontra-se expressivamente associada a
uma destas estruturas, no interior da qual foi recolhido um pingo de fundição (Lareira J). Esta estrutura de
combustão ligada à metalurgia, subjacente aos níveis de fundação da Entrada L, corporiza uma fase anterior
à construção da Muralha, correspondente com os primeiros ocupantes do Outeiro Redondo no final do
Calcolítico Inicial, que já ali praticavam a metalurgia do cobre.
Esta estrutura é coeva da Cabana R, de onde se destacam os vários utensílios ligados a actividades
metalúrgicas, e à prática da tecelagem. Com efeito, é dali que provêm três fragmentos de cadinhos de fundição,
a par de três algaravizes, objectos excepcionais do Calcolítico do território português, e que bem ilustram a
importância desta actividade económica logo no início da ocupação do povoado em apreço. Do mesmo modo,
a recolha no mesmo espaço doméstico, de oito pesos de tear, vem demonstrar, de forma clara, a existência
de um tear na referida cabana. Crê-se que é a primeira vez que se demonstra esta realidade num povoado do
Calcolítico estremenho, depois de, no Porto das Carretas, Mourão, se ter verificado a existência de idêntico
dispositivo (SOARES, 2013), embora os pesos sejam de distinta morfologia.
Mas a importância desta cabana é ainda sublinhada, para além das actividades domésticas nela efectuadas,
pela presença de uma deposição ritual de uma concha de Mytilus sp. (mexilhão), de dimensões excepcionais,
depositada no interior de uma cavidade escavada no substrato, descoberta a que já foi dado anteriormente o
devido destaque.
A Lareira R1, ao estar associada à Cabana R, estaria certamente ligada aos trabalhos metalúrgicos, embora
nela nada se tivesse encontrado que o provasse.
346
7 – SÍNTESE CONCLUSIVA
As escavações realizadas em 2013 e 2014 no povoado calcolítico fortificado do Outeiro Redondo, feitas no
seguimento das ali desenvolvidas entre 2005 e 2008, cujos resultados já se encontram publicados, incidiram
na plataforma situada do lado nascente do morro calcário, que se admitia possuir especial aptidão para a
implantação de estruturas domésticas, conforme se veio a verificar.
Assim, sem prejuízo de as conclusões a seguir apresentadas serem integradas em trabalhos ulteriores,
que tenham também em consideração as duas últimas campanhas de escavação ali efectuadas em 2015 e 2016,
ao abrigo do Projecto de Investigação quadrienal superiormente aprovado pela Direcção Geral do Património
Cultural importa desde já apresentar os principais resultados obtidos.
1 – Ao nível das estruturas defensivas, identificou-se o prolongamento para Este, e depois para Norte, de
muralha constituída por volumosos blocos calcários, não afeiçoados, de origem local, que integram os dois
paramentos da estrutura, provida de enchimento interno de blocos de menores dimensões. O desenvolvimento
desta muralha acompanha o ressalto topográfico natural previamente existente, sublinhando a delimitação
da plataforma acima referida. Esta muralha corresponde ao único dispositivo defensivo que envolvia a área
habitada, conforme se verificou em 2015. Em 2013, identificou-se uma ampla entrada, nela existente, voltada
para Sudoeste, delimitada por dois muros rectilíneos mais modernos, cujas características se afiguram mais do
foro simbólico do que funcional.
Confirmou-se que esta muralha se fundava, ora no substrato geológico, ora em depósitos arqueológicos
com espólios do Calcolítico Inicial da Estremadura. Pode, pois, concluir-se que se trata de estrutura do
Calcolítico Pleno / Final, na qual estão representadas duas fases construtivas distintas.
2 – Ao nível das estruturas domésticas, os resultados obtidos afiguram-se muito relevantes. A primeira
fase construtiva, do final do Calcolítico Inicial, é anterior à construção do recinto defensivo, sendo de destacar
a identificação de uma cabana circular, assente no substrato geológico, cujo interior integrava lareira; a
segunda fase coeva da sua construção e utilização, no decurso do Calcolítico Pleno / Final está representada
por estruturas habitacionais de por qualidade, de planta sub-circular definidas por alinhamentos de blocos,
semelhantes às identificadas em Leceia, povoado onde também se observou uma degradação construtiva entre
as estruturas habitacionais do Calcolítico Inicial e as do Calcolítico Pleno / Final. Existem pois, duas fases
culturais calcolíticas, cada uma delas correspondente a uma fase construtiva bem identificada.
3 – Demonstrou-se a importância de diversas actividades económicas, estreitamente associadas ao
quotidiano. As práticas metalúrgicas estão documentadas desde os primórdios da ocupação do local, no final do
Calcolítico Inicial, as quais se mantiveram na ocupação seguinte, reportada ao Calcolítico Pleno / Final; a sua
importância é um dos aspectos dominantes das actividades económicas aqui evidenciadas, sendo de destacar,
a tal propósito, a recolha de numerosos cadinhos, de diversas tipologias, a par de quatro algaravizes, que
constituem o conjunto mais importante até hoje recolhido em contextos desta época no território português.
O abastecimento em cobre do povoado teria de ser assegurado de forma continuada, sendo crível que os
minérios proviessem do Alto Alentejo, tal qual o verificado em Leceia, mas também não será de excluir a
possibilidade de a diversificação das fontes se ter já então estendido ao Baixo Alentejo. Do Alentejo proviriam
também outras matérias-primas, das quais a melhor representada é o anfibolito, transformado na larga maioria
dos instrumentos polidos identificados; as pontas de seta de sílex jaspóide, procuradas provavelmente pelas
belas colorações avermelhadas que exibem, denotam também relações com aquela região.
347
Paralelamente, documentaram-se outras actividades domésticas, como a tecelagem, tendo-se identificado,
no interior de uma cabana, oito pesos que corporizam um dispositivo de tecelagem. A pesca à linha está
expressivamente representada por vários anzóis de cobre; e, pela primeira vez, documentou-se a captura
selectiva de pescado através das diferenças de tamanho dos anzóis recolhidos, sem prejuízo do recurso a redes
de pesca, de que se identificaram diversos pesos.
4 – A superestrutura religiosa está documentada pela ocorrência de ídolos-cilindro de calcário, que
configuram, tal como em outros povoados coevos, a existência de altares domésticos. Mas foi um ritual, talvez
de fundação, do próprio povoado calcolítico, que apresenta o maior interesse no quadro das manifestações
simbólicas identificadas. Tal ritual envolveu a abertura, nos calcários apinhoados jurássicos, aparentemente
intencionalmente aplanados, de um covacho de contorno sub-trapezoidal, no qual se depositou concha de um
mexilhão de dimensões excepcionais, recuperada intacta. é assim provável que este ritual se relacione com a
importância do mar, incluindo os recursos alimentares por ele proporcionados, configurando uma realidade
única, no quadro das práticas rituais até agora identificadas em contextos coevos.
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351
ANEXO
LOCALIZAÇÃO NO TERRENO
DOS ESPÓLIOS ESTUDADOS
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