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Verso e Reverso, 31(77):125-137, maio-agosto 2017 Unisinos – doi: 10.4013/ver.2017.31.77.03 Em busca de um herói: a construção discursiva de Joaquim Barbosa no julgamento do Mensalão por Veja e Época1 In search for a hero: The discursive construction of Joaquim Barbosa in the Mensalão trial by Veja and Época magazines Bruno Araújo Universidade de Brasília. Campus Universitário Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências Norte, 70910-900, Brasília, DF, Brasil. brrunoaraujo@gmail.com Resumo. Com base no conceito de discurso do linguista inglês Norman Fairclough (2001), este trabalho analisa estratégias discursivas de Veja e Época, as duas maiores revistas do país, para a construção da imagem de Joaquim Barbosa durante o julgamento do Mensalão, um dos principais escândalos de corrupção da história brasileira recente. Reletiremos sobre a noção de discurso jornalístico, focando especial atenção no modo como o jornalismo discursiviza a imagem dos atores sociais. As edições que constituem o corpus são escrutinadas mediante a utilização de categorias da Análise Crítica do Discurso, quais sejam: o signiicado das palavras, o uso de metáforas, a transitividade, o interdiscurso e os efeitos político-ideológicos do discurso. Resultantes do cruzamento entre técnicas linguísticas e teoria social crítica, essas categorias sociológicas ajudam a perceber como os meios de comunicação criam constelações semânticas especíicas que, quando associadas a pessoas com existência ontológica, transformam-nas em seres de papel, como diria Roland Barthes. A análise demonstra que ambas as revistas recorreram a estratégias de heroicização de Joaquim Barbosa, sublinhando a superação do “menino pobre que mudou o Brasil”, como destaca uma das publicações. Como em outros momentos da história brasileira, desta vez, os media conferiram a Joaquim Barbosa o epíteto de herói nacional, posição sempre em vias de ser ocupada, num país historicamente carente de referências heroicas. Abstract. This paper analyzes the discursive strategies of the two largest magazines in Brazil, Veja and Época, to build the image of Joaquim Barbosa during the trial of Mensalão, one of the major corruption scandals of the recent Brazilian history. We relect on the notion of the journalistic discourse, focusing special atention on how journalism constructs the image of social actors. The corpus is scrutinized by categories of Critical Discourse Analysis: the meaning of words, use of metaphors, transitivity, interspeech and political and ideological efects of discourse. Resulting from the crossing linguistic techniques and critical social theory, these sociological categories help to understand how the media create speciic semantic constellations that, when associated with people with ontological existence, turn them into paper beings, as Roland Barthes would say. The analysis shows that both magazines have resorted to strategies of heroization of Joaquim Barbosa, stressing the overcoming of the “poor boy who changed Brazil” as highlights one of the publications. As at other times in Brazilian history, the media have given to Joaquim Barbosa, although for a speciic time, the national hero epithet, a post always put in the process of being occupied in a country historically lacking of heroic references. Palavras-chave: discurso, discurso jornalístico, Joaquim Barbosa, Veja, Época. Keywords: discourse, journalistic discourse, Joaquim Barbosa, Veja, Época. Uma primeira versão deste texto foi apresentada no IX Congresso da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, realizado em Coimbra, em novembro de 2015. 1 Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC-BY 4.0), sendo permitidas reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados. Bruno Araújo Introdução Em 2012, sete anos após a enorme celeuma que se instalou no coração da política brasileira, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento da Ação Penal 470, designação jurídica do que se convencionou chamar, entre jornalistas e cidadãos em geral, de processo do Mensalão. Em todos esses anos de investigações e da constituição de uma avalanche de informações, consubstanciadas em mais de 50.000 páginas, uma igura se destacou na cobertura jornalística do caso: Joaquim Barbosa, o juiz-relator. Em todas as sessões do julgamento - que ocorreu entre agosto e dezembro de 2012, com desdobramentos em 2013 e 2014 -, era a voz de Joaquim Barbosa a que mais ecoava na sala de audiências do Supremo e nos holofotes mediáticos. Coube-lhe a tarefa de redigir os votos que, referendados pelos demais juízes na maioria das vezes, culminaram com a condenação de vinte cinco dos quase quarenta réus, acusados de crimes como corrupção, peculato, evasão ilegal de divisas, associação criminosa, lavagem de dinheiro e diversas formas de fraudes. O Mensalão icou marcado pelo envolvimento e a condenação de nomes de vulto da política brasileira, como o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, muitos outros políticos, banqueiros, empresários e publicitários. O escândalo - que eclodiu em 2005, depois de o então deputado Roberto Jeferson acusar o PT de pagar uma “mesada” a parlamentares em troca de apoio político no Congresso Nacional - atingiu em cheio o primeiro governo do presidente Lula. As declarações de Jeferson, feitas ao jornal Folha de S. Paulo, foram dadas depois de a revista Veja denunciar um esquema de corrupção na empresa estatal Correios e Telégrafos que o envolvia diretamente. A presença de políticos importantes no processo criou expectativas em parte da população e em muitos meios de comunicação pela condenação daqueles. Seria, na visão de alguns desses meios, a oportunidade de o Brasil colocar im à cultura de impunidade que beneiciaria os poderosos no país. Quando o Supremo condenou os políticos José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, todos do PT, a edição de 17 de outubro de 2012 da revista Veja, por exemplo, dedicou uma capa em tom comemorativo: “Vitória Suprema. O Brasil tem motivos de comemorar. A condenação dos mensaleiros lava a alma de todos os brasileiros vítimas dos corruptos” (Veja, 2012b). Semanas antes do início do julgamento no Supremo, os principais meios de comunicação do país airmavam a necessidade de isenção dos juízes, adotando, de antemão, um tom condenatório em relação aos acusados (Araújo, 2013). Como parte de um trabalho de pesquisa mais amplo, este texto procura compreender o processo de construção discursiva da imagem de Joaquim Barbosa, igura central da narrativa jornalística do escândalo durante a fase de julgamento. Para tanto, revisitaremos o conceito de discurso elaborado pelo linguista inglês Norman Fairclough (2001), adotando-o como ponto de partida para uma relexão acerca da noção-conceito de discurso jornalístico. Assumimos que a construção da imagem dos atores sociais resulta de um conjunto de operações simbólicas de índole discursiva que os meios de comunicação levam a cabo no seu quotidiano de discursivização do real. No plano empírico, o corpus é constituído por reportagens das revistas Veja e Época, em edições que conferiram destaque principal à figura de Barbosa. Discurso e mudança social No decorrer do século XX, diversos autores, em particular na França e na Inglaterra, propuseram modos distintos de entender o discurso, conferindo ao conceito um teor fortemente polissêmico. Apesar das diferenças, parece consensual entre esses estudiosos o entendimento de que discurso e texto possuem vínculos diretos, mas não são sinônimos. O segundo pode ser entendido como uma ramiicação do primeiro, como apenas um dos pontos a serem considerados no âmbito de uma análise discursiva. Partindo dessa constatação, Norman Fairclough (2001) elaborou uma abordagem teórico-metodológica que procura equilibrar a análise linguística e a teoria social crítica. Daí a estimulante relexão do autor sobre discurso e mudança social, no sentido de pensar o discurso como elemento de transformação das estruturas sociais em que vivemos. O autor acredita que as mutações ocorridas na linguagem fazem parte de processos de mudanças sociais e culturais mais amplas.2 Para com- Note-se a proximidade com o pensamento culturalista de Raymond Williams (2011), que aponta a entrada de certas palavras no vocabulário quotidiano inglês como resultado de transformações nas práticas sociais e nas relações de poder, advindas da Revolução Industrial. Também destacamos a pertinência dos estudos de Stuart Hall (2003), o qual acredita na inexistência de um grau zero na linguagem e vê nela um terreno fértil de criação e proliferação de desigualdades sociais das mais diversas ordens. 2 126 Verso e Reverso, vol. 31, n. 77, maio-agosto 2017 Em busca de um herói: a construção discursiva de Joaquim Barbosa no julgamento do Mensalão por Veja e Época preender tais processos, Fairclough propõe um conceito sócioteorico de discurso, que conjuga texto e interação numa análise linguisticamente orientada. De acordo com ele, qualquer evento discursivo é tridimensional: trata-se, ao mesmo tempo, de texto, prática discursiva e prática social.3 Segundo o autor, é no entrelaçamento desses três níveis, que congregam texto, interação entre interlocutores e contexto histórico-social, que o discurso se constitui. Desse modo, é impossível pensar, em termos discursivos, sem levar em conta, para além de questões de natureza linguística, as características dos enunciadores e as marcas sociais do contexto em que esses se inserem. Ao fazer uma síntese dos esforços conceptuais de vários autores sobre o discurso, Fairclough avança para aquilo que denomina “uma teoria social do discurso”, na qual defende que o discurso constrói e é construído simultaneamente pelo tecido social. Assim, o autor postula que: [...] os discursos são manifestados nos modos particulares de uso da linguagem e de outras formas simbólicas, tais como as imagens visuais. Os discursos não apenas reletem ou representam entidades e relações sociais, eles as constroem ou as constituem; diferentes discursos constituem entidades-chave (sejam elas a ‘doença mental’, ‘a cidadania’ ou o ‘letramento’) de diferentes modos e posicionam as pessoas de diversas maneiras como sujeitos sociais (por exemplo, como médicos ou pacientes), e são esses efeitos sociais do discurso que são focalizados na análise de discurso (Fairclough, 2001, p. 22). Se perspectivarmos o jornalismo como instância social de mediação da ação e da experiência humanas, processo que se põe em andamento, em grande medida, pela via dos discursos que produz, não será difícil compreendermos a vitalidade do pensamento de Fairclough para pensarmos a produção jornalística como discurso e o seu funcionamento no espaço público (Esteves, 2005). Analisar os possíveis efeitos sociais do discurso exige o entendimento de que os vários discursos da vida social, incluindo aí o discurso jornalístico, travam lutas simbólicas contínuas pela imposição de sentidos hegemônicos sobre os diferentes fenômenos e relações sociais. Apesar de certas instituições sociais, como o jornalismo, lutarem pela estabilização de sentidos, trata-se de um processo impossível de acontecer totalmente. É que ao atuar no terreno polissêmico da linguagem, que medeia a relação entre jornalistas, mundo social e público, o discurso jornalístico lança propostas de leitura da realidade que serão sempre ressigniicadas por quem as recebe. Dessa maneira, os sentidos não serão jamais dados a piori; ao contrário, porque dependem de suas condições de produção e recepção, devem ser vistos como efeitos de sentido. Isso signiica que haverá interpretações múltiplas para cada discurso, cabendo, pois, ao analista apontar gestos ou propostas de leitura possíveis. (Des)construção do discurso jornalístico O discurso não é uma das funções entre outras da instituição midiática; é o seu principal produto e o resultado inal do seu funcionamento. A mídia produz discursos como os pintores pintam telas, os músicos compõem músicas, os arquitetos projetam edifícios. É claro que a mídia desempenha também outras funções, mas todas elas têm no discurso o seu objetivo e a sua expressão inal (Rodrigues, 2002, p. 217). A noção-conceito de discurso jornalístico tem subjacente, em nosso entender, três premissas básicas que nos acompanham na missão de entender a praxis jornalística: primeiramente, o jornalismo é uma prática social; em segundo lugar, um mecanismo de construção da realidade social; e, em último, mas não por último, a sua produção é resultado de um conjunto variado de interações sociais entre jornalistas e leitores, jornalistas e fontes de informação e entre os próprios jornalistas, que se associam como membros de uma comunidade interpretativa do mundo ou, como preferem Traquina et al. (2007), como integrantes de uma tribo4. De igual modo, pensar o jornalismo como discurso é enxergar nele um lugar de representação e de mediação da vida social por excelência. É também encará-lo, seguindo Fairclough (2001), como texto, prática discursiva e prática social, admitindo que a ideia básica em O autor defende o seu método da seguinte maneira: “Minha abordagem tridimensional permite avaliar as relações entre mudança discursiva e social e relacionar sistematicamente propriedades detalhadas de textos às propriedades sociais de eventos discursivos como instâncias de prática social” (Fairclough, 2001, p. 27). 4 Essas três formas de entender o jornalismo são resgatadas e explicadas por Pereira et al. (2012). 3 Verso e Reverso, vol. 31, n. 77, maio-agosto 2017 127 Bruno Araújo torno desses três níveis discursivos é a produção de sentidos. Ao analisarem a noção de discurso jornalístico, Schwaab e Zamin defendem que este: [...] se caracteriza pela relação do material com o imaterial, das informações verbais e imagéticas, dos recortes de edição, da legitimação do lugar de quem enuncia, jornalista ou meio. Todo discurso se desenvolve amparado em um lugar de saber legitimado, portanto. E socialmente aceito. Em seus modos de dizer, o Jornalismo pode atuar na estabilização dos sentidos como evidentes: as imagens dos fatos, os depoimentos, a narração, o ao vivo, o caráter pedagógico, a regularidade da cobertura, a linguagem. Elementos que concedem um efeito de eicácia ao que é notícia (Schwaab e Zamin, 2014, p. 59). Com efeito, a tribo jornalística compartilha uma série de crenças, ideologias, normas, valores éticos e deontológicos e mapas mentais, a partir dos quais enxerga as coisas do mundo, dando-lhes sentido. De fato, acreditamos que é no interior dos discursos, da lexis fabricada pelo jornalismo, que os acontecimentos da vida social, com os quais temos contato pelas lentes mediáticas, assumem efetivamente a sua corporeidade. É indispensável salientar, contudo, que jamais teremos acesso ao grau zero dos acontecimentos: a verdade do jornalismo, na qualidade de enunciador discursivo socialmente legitimado, qual todos os demais discursos que nos circundam, é sempre resultado de uma construção, dentre muitas possíveis. Nesse sentido, ao pensar a notícia como discurso, Mota enfatiza que: Embora as notícias apresentem estruturas conhecidas e previstas, não preenchem os furos nem podem ser vistas como transparentes. A opacidade, característica fundamental da linguagem, é intrínseca ao discurso. A teia de relações que o compõe simboliza o efeito que o discurso tem enquanto produtor de sentidos. Puxar os ios e destramar a processualidade que se manifesta no texto é tarefa do analista (Schwaab e Zamin, 2014, p. 53). Nessa linha, importa sublinhar que ao processo de construção discursiva dos fenômenos e dos atores sociais nas narrativas jornalísticas subjazem pré-conceitos, constrangimentos e outras características do mundo social e do próprio jornalista, que passa a integrar uma estrutura comunicativa de enunciação, sendo ele próprio parte da entidade simbólica a que alguns autores chamam de enunciador (Resende, 2005). Esse processo de enunciação é inluenciado não apenas pelas rotinas produtivas próprias do ofício jornalístico, mas pelo vasto conjunto de marcas do contexto social, político, cultural e socioproissional em que o enunciador se encontra e de onde projeta os seus discursos. Por outro lado, a massa crítica Estudos Culturais anglo-saxônicos também nos ajudam a pensar o conceito de discurso jornalístico de modo muito profícuo. Ancorado numa perspectiva construtivista, dentro da qual situa a relexão sobre o desempenho dos media e do jornalismo na sociedade, Stuart Hall et al. enxergam a notícia como um processo social: A relação entre a notícia e o real se dá, assim, por uma mediação que é uma prática discursiva, ela própria um efeito de uma certa articulação especíica da linguagem sobre o real. A notícia não é a representação transparente dos fatos, mas a articulação discursiva destes mesmos fatos (2012, p. 208). Os media não relatam simplesmente e de uma forma transparente acontecimentos que são por si só ‘naturalmente’ noticiáveis. As notícias são o produto inal de um processo complexo que se inicia numa escolha e seleção sistemática de acontecimentos e tópicos de acordo com um conjunto de categorias socialmente construídas (Hall et al., 1999, p. 224, grifo meu). O essencial dessa constatação é compreender que o jornalismo, na condição de agente discursivo, trava uma disputa pela conquista de um certo campo semântico que ele mesmo determina. Em outras palavras, trata-se de uma disputa pelo poder simbólico de instituir determinados sentidos, e não outros, de transformar o mundo num universo a ser entendido de acordo com os iltros que ele mesmo, o jornalismo, estabelece e compartilha. Nada mais ideológico e dotado de poder, na acepção foucaultiana de discurso. Construídas no plano social, essas categorias atuam como modelos de interpretação do mundo, por meio dos quais o jornalismo discursiviza a realidade. Dentro desse processo de construção da realidade social inerente ao discurso jornalístico, encontram-se outras processualidades que se relacionam com a forma como o jornalismo representa e constrói a imagem dos atores sociais sobre os quais lança o seu olhar. Obviamente, esse processo encontra seu eixo central na linguagem. Para Fairclough (2001), esta é multifun- 128 Verso e Reverso, vol. 31, n. 77, maio-agosto 2017 Em busca de um herói: a construção discursiva de Joaquim Barbosa no julgamento do Mensalão por Veja e Época cional, estando, entre suas várias funções, a de estabelecer identidades. A construção discursiva de identidades sociais pelo jornalismo é, sem dúvidas, um dos temas que mais têm ocupado estudiosos do discurso e da narrativa nos últimos anos. Isso porque os jornalistas mobilizam diariamente uma série de códigos linguísticos e translinguísticos, presentes no mais simples e no mais elaborado dos textos e que concorrem para a iguração dos atores sociais como personagens jornalísticas. De fato, ao deslizarem para as narrativas jornalísticas, os agentes sociais ganham o estatuto de personagens jornalísticas, transformando-se, na feliz expressão de Roland Barthes, em “seres de papel”, com existência apenas no texto, porque resultado de uma construção ineludível5. Note-se que falamos de uma construção, porque a persona pública que aparece na cobertura jornalística com o fim de representar um dado agente social jamais será capaz de transpor toda a complexidade inerente à existência ontológica do ser retratado para o domínio textual. Será sempre resultado de um processo de estereotipia maior ou menor, já que os próprios ritmos da gramática dos media impossibilita a criação de personagens com grande densidade psicológica. É também por isso que Mesquita (2003) identiica o jornalismo como um construtor de personagens planas em contraposição às personagens redondas, providas de maior complexidade6. Nesse sentido, é importante destacar que a análise da construção da imagem de Joaquim Barbosa durante o julgamento do Mensalão, que faremos na segunda parte deste trabalho, parte do pressuposto de que, confronta- dos com o discurso de Veja e Época, estaremos diante de uma personagem criada pelas revistas cuja colagem ao ser com existência ontológica ocorre apenas de modo parcelar. Os dois enunciadores lançaram mão de um conjunto de estratégias discursivas para a iguração da personagens que serão escrutinadas adiante. Questões metodológicas Novamente, nosso objetivo é analisar como Veja e Época construíram a imagem de Joaquim Barbosa durante o julgamento da Ação Penal 470. Para tal, delimitamos um corpus analítico constituído pelas edições de 8 de outubro de 2012, de Época (2012a), e de 10 de outubro de 2012, de Veja (2012a), publicadas na mesma semana em que foram condenados nomes importantes do chamado “núcleo político”, entre os quais José Dirceu. As duas edições deram considerável destaque à igura de Barbosa. Seguindo a dimensão triádica do conceito de discurso sugerido por Fairclough (2001), elaboramos uma grade de análise em torno de categorias analíticas, divididas em três níveis, tal como proposto pelo autor. Esse recurso metódico permitirá, de um lado, observar estratégias estritamente linguísticas, no plano textual, e, de outro, considerar aspectos relacionados ao discurso jornalístico das revistas como prática discursiva — considerando o domínio do interdiscurso7 — e como prática social — levando em consideração eventuais efeitos ideológicos e políticos. Acreditamos que a resposta à pergunta inicial desta investigação estará na identiicação das estratégias Para uma reflexão mais elaborada sobre a construção mediática de personagens, ver Peixinho e Araújo (2017). Mesquita (2003) desenvolve uma reflexão muito interessante sobre o conceito de personagem jornalística. Segundo o autor, ao mediatizarem os atores dos mais diversos setores da vida social, os jornalistas criam diariamente personagens jornalísticas. Ao contrário das personagens criadas pela literatura, que, por apresentarem densidade psicológica acentuada, são chamadas “redondas”, Mesquita defende que o jornalismo constrói, na larga maioria das vezes, personagens “planas”, isto é, sem a complexidade identitária das personagens literárias. É evidente que, em determinados gêneros textuais, como os perfis, e nas análises discursivas que analisam a imagem dos atores numa perspectiva diacrônica, poder-se-á perguntar se o jornalismo não mobilizaria estratégias para a construção de personagens redondas. Por outro lado, o autor pontua que a marca da personagem jornalística, como a do próprio discurso jornalístico, é a sua ancoragem no real, sem que isso signifique uma colagem desses “seres de papel”, como elucida Roland Barthes, às feições do verdadeiro ator social. 7 Particularmente em relação ao conceito de interdiscursividade, trabalhado quer na Análise Crítica do discurso quer na Análise de Discurso de linha francesa, importa fazer aqui algumas anotações devido à sua complexidade e importância assumida no âmbito desta análise. Roland Barthes, no seu Mitologias, refere-se à dimensão intertextual — a relação entre textos — como um “tecido de citações” proporcionado pela linguagem, e ao intertexto como um elemento “que faz pressão sobre um trabalho e bate à porta para entrar”. Salientamos que a noção-conceito de interdiscurso engloba o intertexto, mas é mais ampla, na medida em que considera, com maior veemência, o contexto em que o texto foi produzido e a forma como ele é agora atualizado, pelo texto do presente. Para Fairclough (2001, p. 28), a intertextualidade faz parte de um processo de ordens de discurso, na acepção foucaultiana: “os textos são construídos por meio da articulação de outros textos de modos particulares, modos que dependem de circunstâncias sociais e mudam com elas”. Em outras palavras, trata-se de um resgate do conceito de memória discursiva, haja vista que o interdiscurso atua no sentido de uma retomada, uma atualização de já-ditos por um texto do presente (Schwaab e Zamin, 2014). 5 6 Verso e Reverso, vol. 31, n. 77, maio-agosto 2017 129 Bruno Araújo discursivas mobilizadas pelos enunciadores em cada um desses três níveis discursivos e na proposição de um ‘gesto de leitura’ relativamente aos seus efeitos de sentido em face do ator retratado. Na Tabela 1 descrevemos os elementos norteadores da análise. Na análise, serão privilegiadas zonas determinadas do discurso das revistas, quais sejam: títulos, subtítulos e leads — elementos que, para van Djk (2005), constituem “a macroestrutura do texto noticioso” —, bem como fotograias e legendas relativas ao ator social na capa e no interior das revistas. Ancorados no conceito de “recorte”, de Orlandi (1989), destacaremos outros fragmentos textuais da situação discursiva que considerarmos pertinentes para a prossecução dos propósitos analíticos do trabalho. O cruzamento dos planos verbal e imagético permitirão uma análise aprofundada da construção da imagem do ator como personagem jornalística. Veja: “O menino pobre que mudou o Brasil”8 Publicada em 10 de outubro de 2012, numa das semanas mais marcantes dos quatro meses de duração do julgamento do Mensalão, a edição de Veja estampa, na capa, como título principal: “O menino pobre que mudou o Brasil” (Veja, 2012b). Sob essa construção, notavelmente forte, o enunciador nos apresenta uma fotograia de Joaquim Barbosa, aos 14 anos de idade, retirada de sua icha escolar no Colégio Estadual Antônio Carlos, onde estudou, no município de Paracatu, interior de Minas Gerais. Pela via do interdiscurso, o enunciador aciona uma série de sentidos que se materializam num certo estranhamento causado pelo confronto daquela imagem com a natureza semântica do título. Ainal de contas, a mudança do Brasil terá sido promovida por ninguém menos que um “menino pobre”. Nesse caso, Joaquim Barbosa igura como a própria personiicação da mudança, como aquele que supostamente, contra tudo e contra todos, teria abalado a cultura brasileira de impunidade e mostrado aos brasileiros, ao lado dos colegas de tribunal, “[...] que a Justiça funciona também para os ricos e poderosos” (Veja, 2012a, p. 68). Recorde-se que, na qualidade de relator, Barbosa condenou quase todos os réus, entre eles José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares que já izeram parte da cúpula do Partido dos Trabalhadores, contra o qual, vale ressaltar, Veja sempre adotou uma postura editorial Tabela 1. Categorias de análise crítica do discurso. Table 1. Categories for critical discourse analysis. Níveis de análise Categoria Descrição Significado das palavras/ Lexicalização Como o enunciador nomeia o ator social, as ações e os estados em que se encontra, observando a criação de novas palavras. Metáforas Recursos metafóricos explícitos ou implícitos no texto. Transitividade Verificação da posição do ator social em relação à voz verbal. Prática discursiva Interdiscursividade Observar a presença de outros textos no texto, analisando a sua função do ponto de vista semântico. Prática social Efeitos ideológicos e políticos do discurso Efeitos ideológicos e hegemônicos particulares. Que identidade social para o ator? Texto Fonte: Adaptado de Fairclough (2001, p. 275-294). 8 Todas as expressões entre aspas são fragmentos discursivos das revistas. 130 Verso e Reverso, vol. 31, n. 77, maio-agosto 2017 Em busca de um herói: a construção discursiva de Joaquim Barbosa no julgamento do Mensalão por Veja e Época muito crítica, que se tornou particularmente incisiva após a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder em 2003. A sensação de estranhamento, termo emprestado da literatura, é uma das principais marcas do discurso de Veja e vai se aprofundando na medida em que a revista dá ênfase aos aspectos biográicos do ator, ressaltando a sua condição estigmatizada e marginalizada por fatores, como: a cor da pele, a pobreza e os “hábitos estranhos” que ele tinha quando criança. Esses hábitos são discursivizados da seguinte maneira, na reportagem de autoria de Hugo Marques e Laura Diniz: O menino tinha alguns hábitos considerados estranhos: lia tudo o que encontrava, escrevia no ar, cantava em outros idiomas e gostava de andar de peito estufado, imitando gente importante (Veja, 2012a, p. 7). Com efeito, a biograia de Joaquim Barbosa assume o lugar de io nodal de toda a narrativa. O enunciador destaca sistematicamente os enormes desaios de uma infância pobre, enfatizando o valor da superação como marca maior da trajetória pessoal do ator. A criação desse efeito de sentido é feita pela elaboração de uma estratégia discursiva bastante recor- rente, observada já no primeiro parágrafo da reportagem: o recurso a uma técnica cinematográica que coloca, no mesmo plano linguístico-discursivo, momentos distintos da vida do ator. Vejamos: O menino Joaquim Barbosa nunca se acomodou àquilo que o destino parecia lhe reservar. Filho de um pedreiro, cresceu ouvindo dos adultos que nas festas de aniversário de famílias mais abastadas deveria icar sempre no fundo do salão. Só comia doces se alguém lhe oferecesse. Na última quarta-feira, o ministro Joaquim Barbosa, 58 anos, apresentou o seu voto sobre um dos mais marcantes capítulos do julgamento do mensalão — o “last act (bribery)”, “o último ato (suborno)”, como ele anotou em inglês no envelope pardo que guardava o texto de sua decisão (Veja, 2012a, p. 68, grifo meu). Os grifos nas expressões “o menino” e “o ministro” servem justamente para demonstrar o que antes dizíamos. Fazendo uso de um recurso que nos remete para a narrativa do cinema, ou mesmo para certas narrativas literárias do realismo-naturalismo oitocentista — veja-se, nesse sentido, n’Os Maias, de Eça de Queirós, a passagem, marcadamente cinematográica, em que o narrador descreve a frustração de Carlos da Maia em Sintra por não ter encontrado, como esperava, a jovem Maria Eduarda por quem se apaixonaria —, o enunciador conduz o enunciatário numa viagem pela infância e pela adolescência de Joaquim Barbosa, mostrando-lhe cenas, personagens, cheiros, vozes e momentos muito especíicos cheios de idiossincrasias e de conlitos psicológicos, como o que se demonstra nesta passagem: Joaquim Barbosa, que quando criança preferia não ir às festas a ter de se submeter à humilhação de icar separado dos colegas, é o personagem mais visível desse embate que está impondo à corrupção uma estrondosa derrota (Veja, 2012a, p. 71). Figura 1. Veja, 10 de outubro de 2012. Figure 1. Veja, October 10th, 2012. Verso e Reverso, vol. 31, n. 77, maio-agosto 2017 Ao mesmo tempo em que visita fases pretéritas da vida do ator, marcadas por diiculdades de toda ordem, o enunciatário é deslocado para a sala de audiências de um poderoso Supremo Tribunal Federal, identiicada com toda a pompa e o poder de que se reveste o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro. Nesse constante movimento, o discurso engloba cenários e tempos variados que, apesar de muito diferentes, têm o ator como protagonista. A propósito, tão emblemático quanto o fragmento anterior, é este: 131 Bruno Araújo [...] na casa de adobe onde Joaquim Barbosa morava com os pais e mais sete irmãos não havia sofá, geladeira nem televisão. Só uma mesa com cadeiras. [...] Em 2003, Joaquim Barbosa estava em Los Angeles, nos Estados Unidos, quando recebeu uma ligação de Márcio Thomaz Bastos – então ministro da Justiça e hoje advogado de um dos réus do mensalão – informando-o de que seu nome estava sendo cotado para uma vaga no Supremo Tribunal (Veja, 2012a, p. 72). Interessante pontuar que, no discurso de Veja, é possível observar a exploração da ideia de que haveria uma relação de causa-efeito bastante linear entre a infância humilde, a ascensão do ator ao posto de ministro do STF e o seu desempenho no julgamento do Mensalão. É como se a história de superação justiicasse ou, se quisermos, deixasse antever o que lhe aconteceria no futuro. Por outro lado, nessa mesma linha de raciocínio, o enunciador recorre à voz de um psicanalista que defende a tese de que indivíduos marginalizados em fases anteriores da vida tendem a adotar posturas mais incisivas no presente, que representariam uma necessidade de reairmação. Em nossa opinião, essa estratégia visa justiicar o tom demasiadamente assertivo que o ministro assumia sempre que se via confrontado com posições contrárias às suas, o que lhe rendeu inúmeras críticas em vários momentos do julgamento. Parte dessa estratégia pode ser ilustrada com este excerto discursivo: A postura muitas vezes agressiva do ministro, vista com certa reserva até pelos próprios colegas da corte, ajudou a ixar a imagem do cavaleiro disposto a enfrentar as resistências em busca de justiça – um ato de bravura. Diz o professor Jorge Forbes, do Instituto da Psicanálise Lacaniana: “As pessoas que vêm das camadas de exclusão social podem dar menos atenção a satisfazer os pares, pois não têm muita esperança do reconhecimento desses pares. Essas pessoas podem parecer imperiais, mas muitas vezes não o são (Veja, 2012a, p. 71). Do ponto de vista linguístico, vê-se uma clara tendência do enunciador de situar o ator social numa posição ativa, como se observa na voz verbal das seguintes construções: “Joaquim Barbosa, 58 anos, apresentou seu voto [...]”; “O menino pobre que mudou o Brasil”; “Barbosa domina quatro idiomas”. É curioso olhar, também, a forma como o ator é referenciado no discurso, por meio de expressões, como: “celebridade”, detentor de “virtudes heroicas”, “herói do século XX” 132 (Veja, 2012a, p. 68-74). Certamente, as escolhas lexicais do enunciador, combinadas com as demais estratégias discursivas até aqui elucidadas, revelam a aparente tentativa de imputar ao ator social a face de um herói, “de um cavaleiro disposto a enfrentar as resistências em busca de bravura” (Veja, 2012a, p. 71). Vejamos se esse efeito se apresenta no discurso de Época. Época: “Joaquim e José” Ao basear-se na biograia de Joaquim Barbosa, destacando a marginalização e a estigmatização, na infância, em decorrência de sua condição étnica e social, Época se aproxima de Veja no que diz respeito a determinados aspectos da abordagem, mas introduz elementos discursivos novos, que passamos a explorar. Desde já, a diferença se estabelece pela iguração do ator social, identiicado como “semideus da justiça”, ao lado de outro, José Dirceu, que ganha o rótulo de “semideus da política”. Duas observações iniciais são necessárias: ambos os atores são dispostos como antagonistas de uma narrativa que procura por em contraste dois percursos de vida diferentes; dessa estratégia discursiva resulta a criação de um universo semântico muito mais favorável a um que a outro. Os sentidos associados a Joaquim Barbosa estão relacionados à superação dos limites em cada fase de sua vida, ao seu gosto e à dedicação pelos estudos. Em contrapartida, José Dirceu protagoniza um enredo marcado pela vida política e pela “clandestinidade” num determinado momento de sua vida, que o enunciador contextualiza num grau insuiciente para o efetivo entendimento do enunciatário. Uma leitura atenta dos fragmentos discursivos que dispomos abaixo permite veriicar o tom disfórico relativamente a Dirceu, não observável no tratamento dado a Barbosa. Observemos na Tabela 2, sobretudo, o signiicado das palavras e as escolhas lexicais do enunciador para nomear estados e ações realizadas pelos atores. O gosto pelos estudos de um, o amor pela política por parte de outro, que “não gostava de estudar”; ou, ainda, o caráter tranquilo e sereno de Barbosa, um estudante que queria “melhorar de vida” através da educação, e o temperamento desassossegado de Dirceu, que queria “mudar o país pegando em armas” e “aprendia táticas de guerrilha com a turma de Fidel”. Os sentidos subjacentes a cada uma das expressões mobilizadas pelo enunciador Verso e Reverso, vol. 31, n. 77, maio-agosto 2017 Em busca de um herói: a construção discursiva de Joaquim Barbosa no julgamento do Mensalão por Veja e Época Tabela 2. Significado das palavras em relação a Barbosa e a Dirceu em Época. Table 2. Meaning of words in relation to Barbosa and Dirceu in Época. Em 1968, José parecia destinado à glória; Joaquim, à pobreza – ou, no máximo, ao confortável anonimato (Época, 2012a, p. 43) [...] Joaquim tinha 14 anos, cursava ginásio em Paracatu e jogava bola com os amigos. Era um aluno aplicado do colégio estadual Antônio Carlos, onde tirava boas notas no período final do 1º grau. [...] José era um pouco mais velho, tinha 22 anos. Não era nada sossegado. Nem gostava de estudar ou jogar bola. Gostava de fazer política (Época, 2012a, p. 43). Joaquim conciliava os estudos com empregos modestos. José largou os estudos para entrar na política (Época, 2012a, p. 43). Adolescente tranquilo, Joaquim continuava jogando bola e se dedicando cada vez mais aos estudos. Em 1971, José voltou de Cuba clandestinamente (Época, 2012a, p. 44). Enquanto José aprendia tática de guerrilha com a turma de Fidel, Joaquim embarcava num ônibus com a família para Brasília. Queriam melhorar de vida, como todos os que chegavam à capital (Época, 2012a, p.44). Um ano depois, enquanto José voltava ao Brasil na condição de clandestino, Joaquim tinha suas primeiras aulas na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) (Época, 2012a, p. 44). Joaquim se formou advogado em 1979, cumprindo com dedicação o currículo acadêmico. Passou na frente de José, que não chegara a terminar o curso de Direito na PUC, em São Paulo, por causa da luta política. As opções de cada um estavam claras. Entre a política e a vida, José ficava com a política – sempre ficaria. Joaquim enxergava sua escolha por outro prisma: estudo ou política. Ficava com o estudo (Época, 2012a, p. 44). corroboram a disparidade de tons em relação a um e a outro. Também aqui, estimulante é reletir acerca do caráter construído do discurso: estamos diante de duas histórias que só se cruzam na narrativa de Época. Em realidade, nunca existiram. Tal cruzamento, de natureza sígnica e, por isso, simbólica, é agora propositalmente realizado, através de um conjunto de ferramentas que o enunciador encontra nas virtualidades da linguagem. Contudo, esse cruzamento construído, cujos efeitos de sentido são potencialmente diversos, é conseguido por intermédio de estratégias discursivas que ultrapassam, e mui- Verso e Reverso, vol. 31, n. 77, maio-agosto 2017 Enquanto Joaquim pegava o diploma, José saia de uma clandestinidade de quatro anos – e corria atrás do seu (Época, 2012a, p. 45). José queria mudar o país pegando em armas. Joaquim queria passar de ano na escola (Época, 2012a, p. 44). to, questões de natureza linguística. Voltemos à capa da revista, para observar a fotograia-ilustração, título e subtítulo (Figura 2). A interdiscursividade é um elemento-chave nesta edição de Época. Em primeiro lugar, a disposição dos atores sociais na fotograia sugere a leitura de que Joaquim Barbosa encontrar-se-ia taticamente pensativo, no âmbito de um jogo de xadrez, no qual José Dirceu seria uma das peças: o “xeque-mate” estaria iminente. Essa interpretação pode ser complementada pela carga semântica implícita neste fragmento da reportagem principal, que narra os momentos que antecederam a 133 Bruno Araújo Figura 2. Época, 8 de outubro de 2012. Figure 2. Época, October 8th, 2012. leitura do voto condenatório do magistrado: “[...] o semideus Joaquim fatalmente desferiria o golpe inal no semideus José Dirceu de Oliveira e Silva, o “mandante” do mensalão” (Época, 2012a, p. 41). Por outro lado, o tamanho dos atores na capa denota a superioridade de Barbosa em relação a Dirceu e já dá pistas ao enunciatário sobre a abordagem da narrativa que se segue: duas trajetórias, uma em curva ascendente, e a outra, descendente, tal como demonstra explicitamente o subtítulo de capa: “A ascensão do juiz que condenou um político poderoso – e a queda dramática do poderoso condenado”. A um atribui-se “ascensão”; a outro, “queda dramática”. A presença do interdiscurso se mostra ainda mais marcada na escolha do título: “Joaquim e José”. Aliás, o enunciador vai se referir aos atores exatamente dessa forma, como Joaquim e José, ao longo de toda a narrativa, tal como observamos nos fragmentos da Tabela 1, de modo a aprofundar a estratégia semântica que se inicia na capa. Neste caso, o que queremos enfatizar é o jogo interdiscursivo que se estabelece no confronto entre os dois nomes próprios, que nos remete para as grandes narrativas fundacionais da cultura judaico-cristã. Estamos perante uma narrativa que nos traz à memória — e o termo aqui não é aleatório, na medida em que o interdiscurso movimenta nossa memória discursiva, portanto, cultural — “estórias” como a de Davi e Golias, Aquiles e Heitor, Rômulo e Remo, Esaú e Jacó, Artur e Lancelote ou Caim e Abel. Pensando apenas na narrativa bíblica de Davi e Golias, em que o pequeno Davi, desacreditado por todos, conseguiu derrotar o temível e poderoso gigante, é possível estabelecer uma ligação com a “estória” de Joaquim e José: Joaquim, o menino pobre e marginalizado impõe uma “queda dramática” a José, “o político poderoso”. Com efeito, por meio dessa estratégia discursiva, o enunciador mergulha nos terrenos semânticos mais profundos de nossa cultura ocidental: ele vai ao mito e, de lá, retira elementos que dão forma ao nosso imaginário, para compor uma narrativa marcada essencialmente pelo confronto de trajetórias, pelo conlito de personagens9, uma vez mais, discursivamente construídos. Com isso, Época nos dá um excelente exemplo de como a cultura penetra com toda a força o discurso jornalístico. Parafraseando Fairclough (2001), os discursos constituem a cultura e são, ao mesmo tempo, moldados por ela. Por outro lado, o enunciador faz uso de várias metáforas, recurso linguístico que mereceu a atenção detida de Aristóteles (2005), para quem se tratava de uma estratégia que auxilia o leitor a absorver mais rapidamente a semântica do que se quer dizer. Parece-nos que as duas principais metáforas no discurso de Época são a nomeação dos juízes, Barbosa incluído, como “semideuses”, e a sala de audiências do Supremo Tribunal Federal como “Olimpo”, numa clara alusão, novamente pela via do interdiscurso, à mitologia grega. O primeiro parágrafo da reportagem é elucidativo: No Olimpo de 11 semideuses da Justiça brasileira, o relógio marca sempre 15 horas. Está lá, no canto oposto ao plenário, em caracteres digitais vermelhos. Não adianta perguntar a Zeus por que nem como: seja segunda ou quarta-feira, de manhã ou à noite, a hora é a mesma, o tempo é o mesmo. Cabe aos homens adaptar-se a ele – ou acabar enquadrados por ele (Época, 2012a, p. 47). Neste caso, observamos claramente a presença da categoria “conflito”, apontada como estruturante da narrativa política, por Motta e Guazina (2010). 9 134 Verso e Reverso, vol. 31, n. 77, maio-agosto 2017 Em busca de um herói: a construção discursiva de Joaquim Barbosa no julgamento do Mensalão por Veja e Época A Suprema Corte ganha um ar celestial e uma aura sacralizada, sentidos, aliás, que a própria ritualística do julgamento, cuidadosamente narrada pelo enunciador, ajuda a reforçar. Neste ponto, lembramo-nos da discussão de Barthes (1974, 1972) em torno da descrição do detalhe nos romances realistas, que, segundo ele, imprime um efeito de sentido de realidade indispensável às narrativas e — dizemos nós — às narrativas jornalísticas em particular. Aqui, isso ocorre porque a narração pormenorizada, que visa reconstituir a cena, tem o efeito de transportar o leitor — vale ressaltar que a etimologia da palavra “reportagem” é, mesmo, conduzir, transportar — para a sala de audiências do julgamento. Essencial para nós, porém, é veriicar o modo como Joaquim Barbosa aparece nesta descrição: o enunciador não apenas dá detalhes da postura, das características físicas e intelectuais do ator, mas tenta descrever o estado de espírito do “semideus”, que “estava pronto” para punir “os mortais que transgridem o tempo do Supremo Tribunal Federal” (Época, 2012a, p. 41). Todos os presentes levantaram-se. Fez-se silêncio. Os 11 ministros assomaram ao plenário em ila indiana. “Por favor, sentemo-nos”, disse o presidente da corte, ministro Carlos Ayres Brito, dando inicio à sessão. “Sejam todos bem-vindos a esta nossa Casa de Justiça”. [...] Ato contínuo, entraram em cena os fotógrafos designados a registrar o ritual. Apertaram-se num cantinho ao fundo do plenário. Suas poderosas lentes sobrepuseram-se umas às outras, apontadas como bazucas a um só alvo: Joaquim. [...] Brito prosseguiu, os demais ministros aprumaram-se para o início dos trabalhos. Menos Joaquim. Joaquim estava pronto. Imóvel. Os fotógrafos aguardavam. Súbito, Joaquim levou o braço esquerdo, coberto delicadamente com a capa preta de ministro do Supremo, ao calhamaço branco de seu voto, erguido na vertical por um apoio de leitura. Clique, clique. Sua mão esquerda folheou lentamente algumas páginas. Clique, clique, clique. Seus olhos miúdos, escondidos atrás dos óculos arredondados ao estilo Gepeto, moveram-se quase imperceptivelmente, perscrutando os papéis. Joaquim devolveu o braço esquerdo ao espaldar. Clique, clique, clique, clique. A estranha sinfonia de cliques durou cinco minutos, tempo que se permite aos fotógrafos registrar o julgamento. Agora, apenas a voz de Ayres Brito ocupava o plenário. [...] Ayres Brito inalmente disse: “Senhor ministro relator, Joaquim Barbosa, concedo a palavra a Vossa Excelência para o prosseguimento de seu voto”. O tempo dos homens marcava 14h44. O tempo do Supremo, 15 horas. Chegara o momento de os dois tempos se encontrarem (Época, 2012a, p. 42). Verso e Reverso, vol. 31, n. 77, maio-agosto 2017 Lançamos, por im, um olhar sobre a forma como o enunciador se refere, em diversos momentos do discurso, ao ator social, através de expressões, como: “semideus”; “protagonista”; “ator intelectual”; “própria imagem do sacrifício”; dententor de “quixotesca tarefa”. Esse último adjetivo, saliente-se, entra no vocabulário da língua portuguesa em alusão a Dom Quixote de La Mancha, um dos maiores heróis da literatura ocidental e passa a denotar entre nós ideia de grandiosidade, do mesmo modo que o adjetivo “hercúleo”, utilizado em outra edição revista (Cf. Época, 2012b, p. 37), também em alusão ao ator, deriva do grande herói mitológico, Hércules, ilho de Zeus. Considerações inais A interpretação consubstanciada na análise anterior é uma proposta de leitura do modo como as revistas Veja e Época construíram a imagem de Joaquim Barbosa durante o julgamento do Mensalão. Os dispositivos teórico e analítico (Orlandi, 2001) que elaboramos quiseram evidenciar que a construção de qualquer discurso – incluindo o discurso mediático e, em particular, o jornalístico – requer o entrelaçamento de três camadas discursivas, quais sejam: um texto, uma prática discursiva e uma prática social. Se as duas primeiras guardam relação direta com as condições de materialização do discurso numa estrutura textual, a prática social é o que permite ao investigador inspecionar os níveis de interação que o discurso mantém com o que se passa na tessitura social, que o molda e é moldada por ele simultaneamente (Fairclough, 2011). Cabe, agora, realizar um breve retrospecto das abordagens construídas pelos dois sujeitos-enunciadores. As revistas criaram narrativas essencialmente centradas em aspectos da biograia do ator social retratado, com referências recorrentes à infância difícil, marcada pela pobreza, e à estigmatização que ele conheceu desde cedo pela sua condição de negro. Criança marginalizada, egresso de uma escola pública do pequeno município de Paracatu, no interior de Minas Gerais, onde nasceu, Joaquim Barbosa conseguiu driblar todos os desaios impostos pela vida, chegando ao mais alto posto da justiça brasileira. A exploração da ideia de superação do juiz-relator do Mensalão foi, portanto, uma das estratégias discursivas mais presentes nas narrativas analisadas. Funcionou, pois, como io temático estruturador de sentidos altamente favoráveis a ele. 135 Bruno Araújo Esse mesmo sentimento de superação, cuja materialização textual requereu o recurso a iguras de linguagem e a adjetivações diversas, conferiu ao discurso um tom de enaltecimento do ator muito visível, construindo um Joaquim Barbosa com feições heroicizadas que acaba por estimular, a nosso ver, uma luta sempre em marcha, no Brasil, por heróis nacionais. De raiz e com efeitos político-ideológicos perante a opinião pública, a estratégia se evidencia, ao nível do vocabulário, com o uso de expressões do tipo “o menino pobre que mudou o Brasil”, em Veja, ou a adjetivação do ator como um “semideus da justiça”, em Época, que o colocam na posição, bastante representativa, de vencedor de uma batalha contra José Dirceu, “o semideus da política”. Nesse último caso, a representação positiva de Joaquim Barbosa como contraponto a uma representação disfórica de José Dirceu, marcada pelo dualismo inscrito na expressão “Joaquim e José”, apela ao resgate de narrativas fundadores da cultura ocidental que iguram até hoje como mitos perpetuados ao longo dos séculos. Lembremo-nos de que o nascimento do herói se situa justamente no Mito, e que os ocupantes do Olimpo, deuses, semideuses e heróis, destacavam-se pela força de um Hércules, pela bravura de um Aquiles ou pela esperteza de um Ulisses (Fejó, 1984), características encontradas na identidade construída de Joaquim Barbosa no discurso das revistas. Quer no plano estritamente linguístico, quer no plano interdiscursivo — neste, de modo ainda mais forte —, as revistas envolvem o ator social numa aura de heroicização permanente. No caso de Época, em particular, se a Joaquim Barbosa foi concedido o posto de “herói”, a José Dirceu foi imputado o epíteto de “anti-herói” do julgamento e da própria sociedade brasileira. Novamente, essa construção é feita com base nas biograias dos atores, como se aí estivessem elementos prontos, fatalistas, que denunciassem, de antemão, a “ascensão” de um e a “queda” de outro. É, pois, o que se vê no fragmento seguinte: José vivia à sombra; Joaquim estudava à luz. Já era possível divisar quem tinha mais chances de terminar herói (Época, 2012a, p. 44). Não deixa de ser curioso que os enunciadores tenham reivindicado para si a missão de estabelecer um pré-julgamento, de índole “futurista”, que, de certo modo, retira a complexidade que caracteriza as relações humanas 136 na sua vivência ontológica. Nesse sentido, o discurso de Veja e Época tenta estabelecer uma relação de causalidade linear entre a história de vida difícil de Joaquim Barbosa, plena de constantes superações, e o seu desempenho na qualidade de juiz da Suprema Corte e no julgamento do Mensalão. Pelas veias polissêmicas da linguagem, episódios pretéritos iguram, aqui, como presságios de cenas do presente. É o que a narrativa procura construir. Como se vê, Joaquim Barbosa ocupa, durante os meses de um dos julgamentos mais mediatizados na história recente, o posto de herói nacional. Assim, pela mão dos media, Barbosa transforma-se na personagem principal de um enredo que teria como objetivo, segundo o discurso das revistas analisadas, por termo à cultura de impunidade que reinaria no país - desfecho que, em poucos meses, seria questionado pelos mesmos meios de comunicação, que chegariam a acusar o Supremo Tribunal Federal de decepcionar os brasileiros por aceitar recursos que beneiciaram os réus (Araújo, 2013). Verdadeiro ser de papel, como é próprio de qualquer personagem, incluindo as jornalísticas, o Joaquim Barbosa construído por Veja e Época só existe nas narrativas desses veículos. Por mais que o jornalismo possua, como imperativo deontológico, dever de máxima referencialidade com o real (Valles Calatrava, 2008), jamais conseguirá estabelecer uma gradação completa entre o ser com existência ontológica e a sua retratação no discurso jornalístico. Como a análise procurou demonstrar, o ator social retratado no e pelo jornalismo resulta de um processo de seleção constante, no qual o enunciador escolhe incluir certos traços em detrimento de outros, impulsionado por lógicas de produção internas e externas ao trabalho jornalística e a formações ideológicas, assumidas ou não. Antes de concluir, reairmamos a nossa convicção de que a análise empreendida é um gesto de leitura, entre outros possíveis. Ao fazê-lo, colocamo-nos no centro gravitacional da atividade interpretante, para a qual é preciso, antes de mais, coragem, talvez a mesma exigida pela vida e cantada por Guimarães Rosa em versos que resumem, de maneira lapidar, os desaios impostos a quem ousa querer interpretar. O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, Verso e Reverso, vol. 31, n. 77, maio-agosto 2017 Em busca de um herói: a construção discursiva de Joaquim Barbosa no julgamento do Mensalão por Veja e Época sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. (Guimarães Rosa, 1994, p. 449) Referências ARAÚJO, B.B. 2013. Justiça, Media e Espaço Público: a cobertura do julgamento do Mensalão em Veja e Época. Coimbra, Portugal. Dissertação de Mestrado. Universidade de Coimbra, 200 p. ARISTÓTELES. 2005. Arte Retórica e Arte Poética. Rio de Janeiro, Ediouro, 290 p. BARTHES, R. 1974. Mitologias. Rio de Janeiro, Difel, 256 p. BARTHES, R. 1972. O Efeito de Real. 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