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DEZ ANOS DA MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.186-16, DE 2001: UMA VISÃO DO SETOR PRODUTIVO

O Brasil é considerado a nação com a maior diversidade biológica e, consequentemente, o maior banco genético do mundo: estima-se que abrigue 13% do total de espécies existentes no planeta. Todavia, necessita modernizar sua legislação ambiental para que esses potenciais possam ser melhor conhecidos e explorados dentro do viés da sustentabilidade.

Capítulo 22 DEZ ANOS DA MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.186-16, DE 2001: UMA VISÃO DO SETOR PRODUTIVO Elisa Romano Dezolt Marcos Abreu Torres 22.1 INTRODUÇÃO O Brasil é considerado a nação com a maior diversidade biológica e, consequentemente, o maior banco genético do mundo: estima-se que abrigue 13% do total de espécies existentes no planeta. Trata-se de um enorme ativo que, se explorado adequadamente, pode tornar o País líder mundial em bioeconomia, deinida como parte das atividades econômicas que capturam valor a partir de processos e recursos biológicos para produzir saúde, crescimento e desenvolvimento sustentável. O Brasil encontra-se em uma situação favorável em face às oportunidades que a bioeconomia apresenta: além da vasta gama de recursos naturais aqui abrigados, o País é o atual líder em produção agrícola e biocombustíveis e detém uma base cientíica com nível de pós-graduação, um empresariado dinâmico, consciente e motivado, uma classe média crescente e um mercado consumidor promissor. Dentre os principais usuários da biodiversidade como matéria-prima destacam-se os setores de fármacos, cosméticos e alimentos. Tais setores consistem em uma alternativa sustentável à exploração da biodiversidade brasileira, contribuindo com outros importantes objetivos do Governo, como a conservação do meio ambiente e o desenvolvimento regional. Em geral os produtos da bioeconomia decorrentes de acesso a componente do patrimônio genético possuem alto valor agregado e padrões tecnológicos de produção avançados, rendem bons lucros aos investimentos despendidos e são atrativos no mercado internacional. Talvez nenhuma outra atividade produtiva combine tantas oportunidades aos desaios deste novo século, marcado por uma busca constante pela inovação e pela preocupação com os limites dos recursos naturais. Talvez também nenhum outro setor no Brasil disponha de tantas oportunidades para se destacar internacionalmente. O seu desenvolvimento pode signiicar um grande salto no que diz respeito à intensiicação e à diversiicação de cadeias e processos produtivos, uma vez que implica em inovações que garantem a sustentabilidade de diversas atividades produtivas, como agronegócios, indústria farmacêutica, química, etc. É por esses motivos que o Poder Público, o setor produtivo e a sociedade civil devem despertar para as oportunidades que essa nova economia oferece, disponibilizando meios e recursos para fomentar a pesquisa e o desenvolvimento de produtos obtidos com o acesso aos componentes do patrimônio genético. Relatório elaborado pela OCDE (2009), alerta que é necessário eliminar as barreiras que atualmente servem de entrave para um maior desenvolvimento e comercialização de produtos que derivam da biodiversidade. Entre essas barreiras, citam-se não só desaios tecnológicos ainda por vencer, mas, principalmente, legislações precárias e falta de investimentos. O despertar depende essencialmente da universalização do conhecimento das normas internacionais e nacionais de acesso aos recursos genéticos e suas oportunidades, bem como da construção de um ambiente favorável, com marcos regulatórios modernos e eicientes, que garantam uma segurança jurídica necessária às pesquisas e ao empreendedorismo, e livre de burocracias e custos excessivos. Recente pesquisa da revista Guia Exame (BRITO, 2011) demonstrou que em 2011 63% das 158 empresas entrevistadas no País airmaram apoiar a conservação e o uso racional da biodiversidade, 276 como preconiza a ONU. Não que os 37% restantes não apóiem, mas, principalmente, faltamlhes informação sobre as oportunidades deste mercado. No Brasil o ambiente, todavia, não é tão favorável: além dos problemas de infraestrutura, do “Custo Brasil” e do registro e concessão de patentes (muito demorado), que afetam a indústria como um todo, as exigências legais para o acesso a componente do patrimônio genético podem ser identiicadas como o principal entrave ao desenvolvimento da bioeconomia. Um relexo destas diiculdades é que uma ínima parte do patrimônio genético nacional é conhecida, e uma parcela ainda menor é explorada. Um estudo realizado pela PWC, em parceria com a Biominas Brasil (A INDÚSTRIA..., 2011), informa que das 271 empresas no ramo da bioeconomia existentes no Brasil a maioria foi recém-criada, é de micro ou pequeno porte e está instalada nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ademais, enquanto a indústria nacional foi responsável por quase 27% do PIB brasileiro, o setor abocanhou somente 3%. São dados que demonstram a necessidade do aprimoramento do marco legal de acesso aos componentes da biodiversidade. 22.2 PRINCIPAIS INSTRUMENTOS JURÍDICOS A biodiversidade e seus componentes, incluindo o patrimônio genético, sempre foram considerados um patrimônio da humanidade, portanto de livre acesso. Com a percepção do valor que a biodiversidade era capaz de proporcionar como matérias-primas no desenvolvimento de novos produtos, icou latente a necessidade de se aprovar um tratado internacional para protegê-la. Assim, em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, foi apresentada a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), acordo global com o objetivo de conservar a diversidade biológica, utilizar seus componentes de forma sustentável e repartir de forma justa e equitativa os benefícios derivados dessa utilização. Ratiicada até agora por 193 países, no Brasil a CDB foi aprovada pelo Decreto Legislativo n. 2, de 3 de fevereiro de 1994 e, posteriormente, promulgada e incorporada à legislação brasileira, com validade equiparada a uma lei ordinária, por meio do Decreto Presidencial n. 2.519, de 16 de março de 98. Como é característico das grandes convenções internacionais, os assuntos são tratados de forma ampla e supericial, como uma moldura a ser preenchida por cada país. Assim, a CDB reconhece o direito soberano das nações de explorar seus próprios recursos com base nas suas leis e políticas ambientais internas. Para tanto, determina que cada nação adote medidas legislativas, administrativas ou políticas para compartilhar de forma justa e equitativa os resultados da pesquisa e do desenvolvimento de produtos derivados do patrimônio genético, bem como os benefícios derivados de sua utilização comercial. A CDB serviu de base a toda a legislação posterior sobre acesso aos recursos da biodiversidade. Entretanto a tutela da biodiversidade já estava prevista, direta ou indiretamente, em outros documentos legais, como a Política Nacional do Meio Ambiente, aprovada pela Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, e a própria Constituição Federal de 1988, que atribuiu ao Poder Público o dever de “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e iscalizar as 277 entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético” (BRASIL, 1988, art. 225, § 1º, inciso II). Em seguida, a im de regulamentar internamente a CDB, o Executivo Federal editou a Medida Provisória (MP) n. 2.052, de 29 de junho de 2000, estabelecendo o marco regulatório de acesso ao patrimônio genético, da proteção e repartição de benefícios e do acesso a tecnologia e a transferência de tecnologias para sua conservação e utilização. Esta Medida Provisória foi repetidamente reeditada até a sua décima sexta versão (sob o n. 2.186), ainda em vigor por força da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, até que medida provisória ulterior a revogue ou seja inalmente deliberada pelo Congresso Nacional. A MP n. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001 (BRASIL, 2001b) disciplina o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização. A partir da vigência da MPV o acesso, o uso, a comercialização e o aproveitamento do patrimônio genético existente no País para quaisquer ins, inclusive os de cunho exclusivamente cientíico, se submetem às condicionalidades previstas na norma, tais como prévia autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), celebração de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios (Curb) e repartição de benefícios de diversas naturezas, a exemplo da divisão de lucros com os detentores do conhecimento tradicional associado utilizado na pesquisa e do pagamento de royalties à União, que serão destinados ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, ao Fundo Naval e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientíico e Tecnológico. O arcabouço legal sobre o acesso, o uso, a comercialização e o aproveitamento do patrimônio genético também abrange normas regulamentares, a exemplo dos Decretos n. 3.945, de 28 de setembro de 2001 (disciplina o funcionamento do CGEN), n. 4.284, de 26 de junho de 2002 (institui o Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia), n. 5.459, de 7 de junho de 2005 (sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado) e n. 6.915, de 29 de julho de 2009 (dispõe sobre a divisão dos royalties distribuídos aos fundos nacionais), e das resoluções do CGEN, dentre elas as de n. 21, de 2006 (pesquisas e atividades cientíicas que não se enquadram sob o conceito de acesso ao patrimônio genético) (CGEN, 2006), n. 27, de 2007 (diretrizes para elaboração do Curb que tenha a União como parte) (CGEN, 2007) e n. 35, de 2011 (regularização de atividades de acesso ao patrimônio genético e/ou ao conhecimento tradicional associado e sua exploração econômica realizadas em desacordo com a MP n. 2.186-16) (CGEN, 2011). Todavia, a legislação carece de aperfeiçoamentos, como veremos a seguir. 22.3 PERSPECTIVAS PARA O APERFEIÇOAMENTO DA LEGISLAÇÃO Diante das oportunidades oferecidas pela exploração dos recursos da biodiversidade, o primeiro passo para que o Brasil possa se concretizar como um dos líderes mundiais em bioeconomia é a adequação imediata da legislação atual, repleta de obstáculos que embaraçam o seu desenvolvimento. Não só o setor produtivo é prejudicado. Os pesquisadores também reclamam das diiculdades que as atuais legislação e estrutura administrativa impõem, desde a (demorada) obtenção de patentes no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), o aperfeiçoamento da Lei de 278 Propriedade Industrial, para permitir a proteção patentária de seres vivos (BRASIL, 1996, art. 18, inciso III), a reformulação na composição do CGEN (BRASIL, 2001a, art. 2), priorizando a participação de cientistas e abrindo à participação do setor produtivo, e o aumento de esforços para combater a biopirataria (relatório do TCU de 2006 (BRASIL, 2006) apontou deiciências na iscalização de portos, aeroportos e fronteiras). Dentre os diversos obstáculos que podemos citar na MP n. 2.186-16, especiicamente, três merecem destaque especial: a necessidade de autorização prévia do CGEN ao acesso a componente do patrimônio genético para ins de pesquisa cientíica, a falta de regras claras para a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado, além de regularização de atividades de acesso a componente do patrimônio genético perante o CGEN. O legislador precisa ter em mente que os benefícios gerados pela exploração do patrimônio genético transcendem os interesses de determinada instituição de pesquisa ou empresa, alcançando interesses do País inteiro, quiçá da sociedade global, considerando que uma ou outra pesquisa que utiliza o patrimônio genético pode proporcionar tratamentos ou mesmo signiicar a cura para doenças, por exemplo. 22.4 AUTORIZAÇÃO DO CGEN A autorização prévia como condição para o acesso ao patrimônio genético, prevista na MP em vigor, é demasiadamente burocrática e inviabiliza o desenvolvimento da bioeconomia no Brasil. Disciplinada pelo art. 16, sua emissão pelo CGEN depende de uma série de condições preliminares, tais como: (i) a assinatura de declaração contendo listagem do material acessado, (ii) depósito em instituição credenciada como iel depositária de subamostra representativa de cada população componente do patrimônio genético acessada e (iii) necessidade de anuência de outros órgãos quando se tratar de espécie de endemismo estrito ou ameaçada de extinção e/ou quando o acesso ocorrer em terra indígena, em área protegida, em área privada, em área indispensável à segurança nacional ou em águas jurisdicionais brasileiras, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva (BRASIL, 2001b). Com tantos requisitos não é de se admirar que, dos 280 processos com pedido de autorização para pesquisa cientíica ou atividade que inclua o uso de componente do patrimônio genético (ou de conhecimento tradicional associado) no ano de 2010, apenas 34 foram deferidos pelo CGEN (ou por instituição credenciada) (BRASIL, 2010). A reforma dos procedimentos junto ao CGEN é imperiosa. Nesse sentido, a título de sugestão para futuras discussões, propõe-se uma forma menos complexa de ato administrativo, por meio de um processo autodeclaratório, que não impeça a iscalização pelo Poder Público. A entidade interessada no acesso para ins de pesquisa cientíica preencheria um cadastro fornecido no site do CGEN, informando dados importantes sobre a pesquisa, tais como o período e o local, a inalidade, a equipe técnica e o proissional responsável. Caso a pesquisa resulte em um componente com potencial de exploração econômica, a entidade interessada deverá notiicar o CGEN para então celebrar o Contrato de Uso e Repartição de Benefícios (Curb) com as partes envolvidas e poder dar início à exploração econômica visada. 279 Estamos certos de que este processo mais simples não ameaça a integridade da biodiversidade brasileira, uma vez que não impedirá a iscalização do Poder Público, além de desestimular a biopirataria. Neste sentido, a própria MP garante esta proteção em ampla escala, como estabelecem os seus artigos. 5°, 6° e 32. 22.5 REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS Um segundo entrave ao desenvolvimento das atividades que dependem do acesso aos recursos genéticos diz respeito à repartição dos benefícios derivados da exploração desses componentes e do conhecimento tradicional associado. Atualmente esta questão é regida pelos artigos. 24 e 25 da MP, estabelecendo que estes benefícios serão repartidos, de forma justa e equitativa, entre as partes contratantes. Algumas falhas podem ser apontadas nos dispositivos mencionados, como a indeinição do que se entende por justa e equitativa (quais os princípios e diretrizes utilizados pelo CGEN para deliberar sobre essas qualidades?) e a total ausência de parâmetros mínimos e máximos para a ixação in concreto dos benefícios previstos no art. 25, inclusive permitindo que outras espécies de benefícios sejam estabelecidas. Há entendimentos de que o parágrafo único do art. 24 seria inconstitucional, na medida em que assegura à União, mesmo que não seja parte no Curb, a participação nos benefícios a que se refere o caput do artigo. Argumenta-se que tal obrigação somente seria admitida se o patrimônio genético fosse previsto como um bem da União, o que não é o caso, conforme rol taxativo anunciado no art. 20 da Constituição Federal. Para outra corrente, tem-se que tais recursos não são destinados diretamente à União, aqui entendida como pessoa jurídica de direito público, mas à sociedade, na qualidade de principal destinatária dos Fundos de que trata o art. 33 da MP – é que os destinatários desses Fundos são difusos, tal qual o bem patrimônio genético. Aliás, esta questão da titularidade do patrimônio genético é alvo de dúvidas jurídicas: enquanto tramitam propostas legislativas querendo atribuir-lhes natureza de bem da União1, ou de bens de interesse público2, há entendimentos de que, na ausência de dispositivo legal expresso atribuindo titularidade ao patrimônio genético, obedece à regra jurídica do “acessório segue o principal”. Nesse caso o titular do patrimônio genético seria o mesmo do titular do bem do qual foi extraído o material biológico. Por outro lado, há entendimentos de que seria um bem de uso comum do povo, pois se trata de um elemento do bem maior “meio ambiente”, este expressamente previsto como de uso comum do povo (BRASIL, 1988, art. 225, caput, § 1°). A regulamentação da repartição de benefícios não deve onerar as partes envolvidas, nem burocratizar ainda mais o processo de autorização pelo CGEN. A quantia repartida deverá ter como inalidade compensar a sociedade pela exploração econômica de um bem difuso (destinada aos fundos de que trata o art. 33 da MP), assim como, quando aplicável, remunerar o proprietário da terra onde se deu a coleta para a pesquisa e a comunidade indígena ou local nos casos envolvendo cessão de conhecimento tradicional associado. 1 2 PEC 618-A/1998 PL`s 4.579/1998 e 4.842/1998 280 O valor da repartição é outro ponto que merece destaque: quanto mais razoável, mais estímulo gera a essa nova economia. À União, primordialmente, não interessa que o montante a ser pago seja vultoso, pois sua principal fonte de arrecadação não se concentra na repartição dos benefícios. Num país com uma carga tributária sufocante, o grosso da receita virá indiretamente, através de impostos, taxas e outros, incidentes sobre a extração, a industrialização e a comercialização. É preciso ainda que o novo marco regulatório deina com clareza o fato gerador3 da repartição de benefícios, a im de evitar interpretações quanto ao sujeito passivo da obrigação. Com efeito, a repartição de benefícios somente será devida quando houver efetiva exploração econômica do componente do patrimônio genético acessado. Exigir a repartição fora destas condições elevaria o preço inal do produto e desestimularia o aproveitamento do insumo primário em produtos com alto valor agregado, prejudicando, prioritária e respectivamente, o consumidor e a indústria da bioeconomia. 22.6 REGULARIZAÇÃO DAS ATIVIDADES Por im, entendemos que deve ser feito um esforço conjunto (governo, setor empresarial, entidades de pesquisa cientíica e detentores de conhecimentos tradicionais associados) visando a regularização das atividades envolvendo o acesso ao patrimônio genético e a sua exploração. A regularização envolveria situações distintas: para atividades desenvolvidas antes e depois do advento da MP n. 2.186-16, tanto a regularização das autorizações emitidas pelo CGEN, quanto no que pertine à repartição de benefícios. A regularização perante o CGEN deverá ser exigida para todas as pessoas físicas e jurídicas que acessaram e exploraram componente do patrimônio genético antes e após a sua vigência, conferido-se um prazo razoável para adequação às novas regras. Com relação à regularização da repartição de benefícios, somente pode ser exigida de quem acessou e explorou componente do patrimônio genético após a vigência da medida provisória, ou seja, a partir do momento em que essa repartição passou a ser legalmente exigida, observando-se as regras prescricionais. Neste sentido, vale destacar alguns dispositivos legais em vigor que vão em desacordo às iniciativas de regularização: 3 i) o art. 15 do Decreto n. 5.459, de 2005 prevê sanções pesadas para quem acessou componente do patrimônio genético para ins de pesquisa cientíica sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida, podendo o valor da multa chegar a R$ 100 mil; ii ) pelo art. 8° da Resolução CGEN n. 35, de 2011, a regularização das atividades de acesso ao patrimônio genético e/ou ao conhecimento tradicional associado e sua exploração econômica dar-se-á sem prejuízo da apuração das responsabilidades civil, penal e administrativa; Chamamos de fato gerador a im de facilitar a compreensão, embora tal obrigação não possua natureza tributária. 281 iii ) de acordo com o art. 10 da Resolução CGEN n. 35, de 2011, suas regras não se aplicam à repartição de benefícios devida à União, deixando um vácuo normativo sobre o tema. É fundamental, portanto, que a revisão do marco regulatório e normas infralegais preveja condições atraentes para a regularização, em todos os casos, sob pena de afastar ou até inviabilizar seu principal objetivo: a proteção do patrimônio genético brasileiro. REFERÊNCIAS A INDÚSTRIA de biociências nacional: caminhos para o crescimento. 2011. Disponível em: <http://www.pwc.com.br/pt_BR/br/estudos-pesquisas/assets/estudo-pwc-biominas-11.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2012. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 15 maio. 2012. _____. Decreto n. 3.945, de 28 de setembro de 2001. Deine a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético e estabelece as normas para o seu funcionamento, mediante a regulamentação dos arts. 10, 11, 12, 14, 15, 16, 18 e 19 da Medida Provisória n. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras providências. 2001a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3945.htm>. Acesso em: 2 dez. 2011. _____. Decreto n. 5.459, de 7 de junho de 2005. Regulamenta o art. 30 da Medida Provisória n. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, disciplinando as sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado e dá outras providências. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/ Decreto/D5459.htm>. Acesso em: 27 jan. 2012. _____. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industria. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9279.htm>. Acesso em: 17 fev. 2012. _____. Medida Provisória n. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001. Regulamenta o inciso II do § 1o e o § 4o do art. 225 da Constituição, os arts. 1o, 8o, alínea “j”, 10, alínea “c”, 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convenção sobre Diversidade Biológica, dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras providências. 2001b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2186-16.htm>. Acesso em: 13 mar. 2012. _____. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Departamento do Patrimônio Genético. Relatório de Atividades – Ano 2010. 2010. Disponível em: <http:// www.mma.gov.br/estruturas/222/_arquivos/relatrio_anual_de_atividades_final_2010_222. pdf>. Acesso em: 27 jan. 2012. 282 _____. Tribunal de Contas da União. Relatório de avaliação de programa: ações de vigilância e iscalização no trânsito internacional de produtos agropecuários. Brasília: TCU, Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo, 2006. Disponível em: <http://portal2.tcu. gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_governo/areas_atuacao/agricultura/ Fitozoo_relatorio.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2012. BRITO, D. Do discurso à prática. Guia Exame 2011, São Paulo, nov. 2011. p. 29. CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO. Resolução n. 21, de 31 de agosto de 2006. 2006. Disponível em: <http://www.cnpq.br/documents/10157/759c224a -1aeb-46c1-bcb5-827ba74bc3e5>. Acesso em: 30 jan. 2012. _____. Resolução n. 27, de 27 de setembro de 2007. Estabelece diretrizes para elaboração dos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios que tenham a União como parte. 2007a. Disponível em: <www.mma.gov.br/estruturas/sbf_dpg/_arquivos/ res27.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2013. _____. Resolução n. 35, de 27 de abril de 2011. Dispõe sobre a regularização de atividades de acesso ao patrimônio genético e/ou ao conhecimento tradicional associado e sua exploração econômica realizadas em desacordo com a Medida Provisória n. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001 e demais normas pertinentes. 2011. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/222/_arquivos/res35_222.pdf>. Acesso em: 15 maio 2012. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO. he bioeconomy to 2030: Designing a policy agenda. 2009. Disponível em: <http://www.oecd. org/dataoecd/dataoecd>. Acesso em: 15 dez. 2011. 283