ÉS - Da Poesia à Poética2019
O presente trabalho constitui, sobretudo, um guia introdutório de apoio ao estudo e investigação da disciplina de Estética. A sua elaboração visa a criação de um recurso de apoio às aulas da disciplina de Estética, a serem ministradas na Faculdade de Filosofia da Universidade Nacional Timor Lorosa’e, e de uma primeira aproximação etnofilosófica das condições históricas e atuais da arte em Timor. No que concerne à disciplina de Estética, com a duração de um semestre, este manual pretende fornecer um possível roteiro de leitura, ainda que introdutório e deficitário, de Estética. Assim, começar-se-á por introduzir as primeiras intuições filosóficas, com a apresentação da Teoria do Belo em articulação com o Bem e a Verdade, própria do contexto da filosofia clássica grega, até às conceções contemporâneas da Estética, entendida como o estudo dos sentidos e da perceção, tal como foi introduzida por Kant. O curso, tal como é apresentado neste manual, carece de riqueza bibliográfica e apresentar- se-á, seguramente, deficitário e superficial ao leitor familiarizado na matéria, mesmo o não- especializado. Tal facto se justifica pela necessidade de fornecer aos alunos, que não têm outro recurso bibliográfico, mais do que referências históricas e nucleares da temática em questão, um possível roteiro de leitura. No que concerne à bibliografia selecionada, recorremos somente à que se encontra disponível na biblioteca da Faculdade de Filosofia da UNTL e na Internet, por forma a possibilitar consultas posteriores. Em virtude do perfil do aluno a que se destina e das condições em que foi realizado, este manual marca tão-somente o início de uma investigação que se pretende contínua. Neste primeiro intento de aproximação à Estética timorense, propomos o seguinte itinerário: da poesia à poética. Da poesia, procurar-se-á, com a colaboração de alguns Docentes da UNTL, recolher uma amostra da poesia sagrada timorense que possa servir, num projeto de investigação futuro, de recurso na fundação de uma nova ética. Na procura das primeiras configurações da mesma, incluir-se-á, na terceira e última parte, algumas imagens de obras de arte que integraram a primeira exposição coletiva de arte contemporânea timorense – Konsolidarte – comentadas pelos próprios autores. Consagrar-se-á como linha de orientação e de diálogo, para a seleção e grelha de leitura dos autores em análise, a proposta de leitura da história de J. Rancière, nomeadamente, a apresentada em Le partage du sensible (2000). À luz do proposto, o motor da história ocidental não são os factos históricos, seja pela sua razão ou pela distribuição cronológica, mas sim os acontecimentos a-históricos, o que acontece num determinado instante e produz inquietação, medo e/ou estranhamento. Sempre que acontece algo imprevisto e extraordinário, que instiga o pensamento a criar uma outra grelha de leitura da experiência possível, produz-se uma rutura na organização conceptual de que resulta um novo sentido histórico. O regime das artes é esta configuração, organização conceptual que garante a inteligibilidade da história. Ao atribuir uma coerência entre a sensibilidade individual e o sentido da história, a cosmovisão que nasce a partir do acontecimento a-histórico (circuitos de visibilidade e de informação dotados de uma carga simbólica) legitima a própria organização social. É esta perturbação na ordem dos eventos que marca o aparecimento e a mudança de um regime das artes. Na tradição ocidental, podemos distinguir três grandes regimes de identificação das artes – o regime platónico ou o regime ético das artes; o regime aristotélico ou o regime poético ou representativo das artes; e o regime kantiano ou o regime estético das artes. Estes constituem a base do pensamento atual da cultura ocidental. As verdades prometidas que irrompem a cada acontecimento (a)histórico são impressas na linguagem dos poemas e passíveis de interpretação. As presenças sensíveis das verdades enigmáticas do ethos comunitário encontram-se encerradas nas memórias individuais. Procurar perceber a inteligibilidade do sentido comum de uma comunidade é auscultar as possíveis ligações existentes entre a memória das subjetividades singulares e a memória da comunidade ética. Para tal, e em especial no contexto timorense, procurar-se-á realizar uma primeira aproximação às verdades proféticas encerradas nas poesias sagradas e registar os intentos singulares de dois artistas timorenses de encontrar novas poéticas. Justifica-se, assim, o desejo e a necessidade de um levantamento da cartografia sensível entre a poesia tradicional (heroíca) e a poética atual de Timor Lorosa’e.