Psica ná lise e Sa úde M e nt a l
:: Í ndice
Edit or ia l:
” O I nst it ut o e a Orient ação Lacaniana“ - Ant ônio Benet i
Ensa io:
“ A psicanálise aplicada ao cam po da Saúde Ment al” - Francisco Paes Barret o
Cont r ibuiçõe s:
“ Um m at em a para a supervisão” – Lázaro Elias Rosa
Se çã o Clínica :
“ Considerações iniciais sobre Psicose e debilidade” - Henri Kaufm anner
“ Duas referências de Lacan” - Crist ina Drum m ond
“ A t oxicom ania não designa um a est rut ura” - Lilany Vieira Pacheco
“ O que é a saúde para o sexo?” – Celso Rennó Lim a
Aula I na u gur a l :
" A disponibilidade do analist a” – Sérgio Mat t os
Ficha Ca t a logr á fica :
I lust r a çõe s:
( Figur a 1 ) Gravura copiada de um baixo relevo
m ost rando um m ét odo de guardar rolos na Rom a ant iga.
Observem - se as et iquet as penduradas nas pont as dos rolos.
( Figur a 2 ) O vendedor de livret os, um a livraria am bulant e do século XVI
O I nst it ut o e a Or ie nt a çã o La ca nia na
O I nst it ut o de Psicanálise e Saúde Ment al de Minas Gerais é um dos I nst it ut os brasileiros
vinculados ao I nst it ut du Cham p Freudien ( Paris- FR) com função de t ransm issão da
psicanálise, na orient ação lacaniana, sob a form a de Cursos de Form ação, Núcleos de
I nvest igação e Pesquisa em Psicanálise ( nos cam pos da psicose, t oxicom anias, m edicina e
t rabalhos com crianças) , Jornadas, Publicações e, agora, at ravés de sua Hom e Page.
O I nst it ut o é “ parceiro- aguilhão” da Escola Brasileira de Psicanálise – Cam po Freudiano que,
em vários m om ent os, em bora inst it uições independent es est at ut ariam ent e, t rabalham
conj unt am ent e em publicações e out ras prom oções de t ransm issão da psicanálise, desde
que at ravessadas e sust ent adas pela m esm a orient ação: a Or ie nt a çã o La ca nia na
sust ent ada e t ransm it ida por Jacques Alain Miller.
Em um percurso de t rabalho que j á cont a com 6 anos, com um a t ransm issão rigorosa do
prim eiro ensino de Lacan, o I nst it ut o inicia agora um a nova et apa com a t ransm issão do seu
últ im o ensino at ravés do Curso de Form ação ( principalm ent e) com sua nova program ação e,
dos Núcleos de I nvest igação. Propost a ousada, m as, com o é do feit io do I nst it ut o,
cert am ent e será sust ent ada, com o ent usiasm o e rigor de sem pre, pelo seu corpo docent e e
professores convidados, em sua m aioria com post o de Mem bros da Escola.
A Hom e Page inaugurada nest e agost o de 2003, m ais além de um veículo de com unicação
dos t rabalhos realizados no âm bit o do I nst it ut o, poderia produzir t am bém efeit os de
t ransm issão da psicanálise e, se const it uir enquant o um espaço de int erlocução com a
cidade at ravés daqueles que m ilit am nos vários out ros cam pos da cult ura e que desej em
um a aproxim ação com o saber psicanalít ico.
Periodicam ent e o m at erial cont ido aí sofrerá m odificações ou acréscim os com t ext os novos,
anúncios de novas at ividades do I nst it ut o ou do Cam po freudiano.
Enfim , ent rem os na Hom e por onde desej arm os.
É só clicar!
Ant ônio Be ne t i
D ir e t or Ge r a l do I PSM - M G
A PSI CAN ÁLI SE APLI CAD A AO CAM PO D A SAÚD E M EN TAL
( Um a cont r ibuiçã o a o t e m a da pr á t ica la ca nia na na s inst it uiçõe s)
Fr a ncisco Pa e s Ba r r e t o
Durant e os últ im os t rês anos t ive a oport unidade de exercer a função de supervisor clínico
em vários serviços públicos de saúde m ent al de Belo Horizont e. No I nst it ut o Raul Soares,
at ravés de convênio com o I nst it ut o de Psicanálise e Saúde Ment al de Minas Gerais. No
CERSAM ( obs.: CERSAM º NAPS, CAPS) e nos Cent ros de Saúde da região Noroest e. No
NAPSEMG Casa Verde. No CERSAM e nos Cent ros de Saúde da região Barreiro. Na
Coordenadoria de Psicologia do Hospit al das Clínicas da UFMG. No CERSAM da região Lest e.
Nas diversas oport unidades t enho ut ilizado o m esm o m ét odo. Reuniões com a equipe de
saúde m ent al, em que um caso clínico é apresent ado, por escrit o, pelo profissional
responsável. Logo após, o com ent ário do supervisor, que visa aos seguint es aspect os:
diagnóst ico est rut ural, cálculo da clínica e direção do t rat am ent o. No t erceiro m om ent o, um a
discussão coordenada pelo supervisor.
As discussões clínicas com freqüência levant am dúvidas. Às vezes, em relação ao
diagnóst ico ou à direção do t rat am ent o. Um a apresent ação de pacient e pode ser realizada,
ent ão, pelo supervisor clínico. Out ras vezes, as dúvidas suscit adas conduzem à um a
exposição t eórica de det erm inado t em a. Tant o a apresent ação de pacient e com o a exposição
t eórica, no ent ant o, são at ividades event uais, que pont uam cert os aspect os. A at ividade
básica é a apresent ação e discussão de casos clínicos.
O present e escrit o t em por m ot ivação a m inha experiência com o supervisor clínico nesses
t rês anos. É um a t ent at iva de form alizar o t rabalho realizado, delineando, ao m esm o t em po,
um a possibilidade de aplicação da psicanálise ao cam po da saúde m ent al, m ais
precisam ent e, aos t rat am ent os realizados nos serviços públicos. Ant es de sit uá- la, porém ,
devo considerar, prim eiro, o cam po onde se faz a aplicação, cam po est e onde prevalece,
com o se verá, o que est ou aqui cham ando de Trat am ent o de Norm alização Psicossocial.
Pr im e ir a pa r t e :
O Tr a t a m e nt o de N or m a liza çã o Psicossocia l
Sa úde m e nt a l: or de m pública
Em sua Conferência sobre Saúde Ment al e Ordem Pública, Jacques- Alain Miller afirm a, de
form a provocadora, que “ a saúde m ent al não t em out ra definição que a da ordem pública” .
Pouco adiant e, no m esm o t om , acrescent a: “ E, com efeit o, parece- m e que não há crit ério
m ais evident e da perda da saúde m ent al que aquele m anifest ado na pert urbação dessa
ordem .” Com ent a, ainda, que os pacient es da saúde m ent al são selecionados a part ir de
um a pert urbação assim caract erizada, que pode incluir a ordem supost am ent e privada da
fam ília. Logo depois, no m esm o t ext o, Miller corrige a sua definição: há pert urbações das
quais se incum be a saúde m ent al e out ras que concernem à polícia ou à j ust iça. O crit ério
operat ivo é a responsabilidade: se o pert urbador é responsável, deve ser cast igado; se é
irresponsável, deve ser curado. “ A m elhor definição de um hom em em boa saúde m ent al é
que se pode cast igá- lo por seus at os” .( 1)
Em poucas palavras: Miller correlaciona saúde m ent al com ordem pública e perda da saúde
m ent al com a sua pert urbação irresponsável. Nesse cont ext o, o t rabalhador da saúde m ent al
é um agent e da ordem pública e o t rat am ent o um a m edida que visa ao seu
rest abelecim ent o.
Psiquia t r ia : discur so da m or a lida de
As palavras de Miller, referidas a aspect os cont em porâneos, fazem ressoar, fazem
reverberar palavras de Foucault , quando ele descreve a exclusão que se verificou, há vários
séculos, nos hospit ais gerais.
“ Criam - se ( e ist o em t oda a Europa) est abelecim ent os para int ernação que não são
sim plesm ent e dest inados a receber os loucos, m as t oda um a série de indivíduos bast ant e
diferent es uns dos out ros, pelo m enos segundo nossos crit érios de percepção: encerram - se
os indivíduos pobres, os velhos na m iséria, os m endigos, os desem pregados opiniát icos, os
port adores de doenças venéreas, libert inos de t oda espécie, pessoas a quem a fam ília ou o
poder real querem evit ar um cast igo público, pais de fam ília dissipadores, eclesiást icos em
infração, em resum o t odos aqueles que, em relação à ordem da razão, da m oral e da
sociedade, dão m ost ras de ‘alt eração’¨ ( 2) .
Dent re t ais est abelecim ent os para int ernação dest acavam - se Bicêt re e a Salpêt rière,
sit uadas em Paris; a eles se dirige, no final do séc. XVI I I , Pinel, para hum anizá- las e para
aplicar, nas “ cabeças alienadas” , o recém criado m ét odo clínico da m edicina, fundando assim
a psiquiat ria.
Reconsiderem os Pinel. Polít ico ( um dos líderes da Revolução Francesa) , filósofo ( discípulo do
enciclopedist a Condillac) , t eórico da m edicina ( o principal art ífice do m ét odo clínico) , est e
personagem inst igador fundou a psiquiat ria const ruindo- lhe um arcabouço dout rinário
coerent e. Lidando com suj eit os previam ent e selecionados pela m oral social, procurou
priorizar, na et iologia das doenças m ent ais, as causas m or ais. E, se a nat ureza da doença
det erm ina a nat ureza do t rat am ent o, com o se post ulava, coube- lhe assinalar com a devida
ênfase, para as alienações m ent ais, o t rat am ent o m oral.( 3)
O at o fundador de Pinel deixou m arcas verdadeiram ent e cruciais. Pret endo aqui dest acar
duas delas, reconhecidas por Foucault . Prim eira: a loucura é um a doença. Com efeit o,
depois de Pinel, adot ou- se para a loucura o est at ut o de doença m ent al. Segunda ( m enos
considerada, porém , m ais im port ant e) : a loucura é um erro. Um erro, no sent ido m oral.
Assim sendo, as concepções de Pinel não eram nem físicas nem psicológicas: eram am bas
ao m esm o t em po —a dist inção cart esiana da ext ensão e do pensam ent o não prevaleceu
nesse caso. Técnicas inspiradas na fisiologia da época foram ret om adas por ele e seus
discípulos num cont ext o puram ent e repressivo e m oral. A ducha gelada na cabeça durant e
um diálogo para confessar que a crença é apenas um delírio; a m áquina rot at ória para que
um pensam ent o dem asiadam ent e fixo reencont rasse seus circuit os nat urais. O essencial não
é a “ m edicalização” : é a confusão, num m esm o discurso, de cont role m oral e int ervenção
m édica.( 4)
A ênfase sobre os fat ores m orais na et iologia e na t erapêut ica será reassegurada por
Esquirol. E encont rará, na t rist em ent e célebre t eoria da degenerescência, de Morel, que
supunha as doenças m ent ais com causas m orais que se t ransm it iam por heredit ariedade
genét ica, sua expressão m ais ext rem ada e m enos fundam ent ada, m as que, m esm o assim ,
dom inará a psiquiat ria por quase um século. A im port ância desse período pode ser expressa,
pelo m enos em part e, pela seguint e fórm ula: o t rat am ent o m oral t ornou- se o núcleo
fundam ent al da t erapêut ica psiquiát rica.( 5)
O nor m a l e o pa t ológico na m e dicin a
O que acont eceu desde os t em pos de ant anho at é os dias de hoj e?
Sit uarei, inicialm ent e, a m edicina. Em bora sej a prát ica social m ult im ilenar, som ent e a part ir
do século XVI I I a m edicina int roduziu- se no m ét odo cient ífico, com o nascim ent o da Clínica,
est rut urada com o m ét odo ( a análise, apropriada do filósofo Condillac) , experiência ( que
privilegia o olhar) e linguagem ( que privilegia os signos) . Pinel foi o principal art ífice do
m ét odo clínico, e Bichat enraizou a clínica na anat om ia pat ológica, est abelecendo o m ét odo
anát om o- clínico.( 6) E som ent e no século XX foi possível falar de um a prát ica m édica com
bases cient íficas. O divisor de águas foram os t rabalhos de Cannon sobre hom eost asia e de
Claude Bernard sobre as const ant es do m eio int erno, que perm it iram est abelecer em t erm os
biológicos, ou, m ais precisam ent e, fisiológicos, aquilo que a clínica havia definido com o
norm al e pat ológico. Cit o Canguilhem .
“ Se exist em norm as biológicas, é porque a vida, sendo não apenas subm issão ao m eio m as
t am bém inst it uição de seu m eio próprio, est abelece, por isso m esm o, valores, não apenas
no m eio, m as t am bém no próprio organism o. É o que cham am os norm at ividade
biológica.” ( 7)
Para o aut or, não é absurdo considerar o est ado pat ológico com o norm al, m as esse norm al
não é idênt ico ao norm al fisiológico, pois t rat a- se de norm as diferent es: o est ado m órbido é
sem pre um a cert a m aneira de viver. E a cura é a reconquist a de um est ado de est abilidade
das norm as fisiológicas; curar é criar para si novas norm as de vida, às vezes superiores às
ant igas. A norm a não pode ser reduzida a um conceit o obj et ivam ent e det erm inável por
m ét odos cient íficos.( 8i)
O que dizer, agora da m edicina cont em porânea? O avanço cient ífico e t ecnológico é t al que
os m ét odos diagnóst icos realizam um a dissecação virt ual in vivo, ou apresent am os valores
da norm alidade orgânica por m eios rápidos e precisos. Est abelece- se um a relação diret a
ent re, de um lado, o exam inador e, de out ro, o subst rat o anat ôm ico ou anát om o- pat ológico
e os índices fisiológicos ou fisiopat ológicos, sit uação que, aparent em ent e, dispensa a
m ediação da clínica. Fala- se, inclusive, no fim da clínica. Evident em ent e, não se t rat a disso.
O que há é que, m ais do que nunca, present ifica- se o que Lacan denom inou falha
epist em ossom át ica, que é o efeit o do progresso da ciência sobre a relação da m edicina com
o corpo. Dizendo, em poucas palavras, em que consist e est a falha: é a que se verifica ent re
o corpo considerado com o um sist em a hom eost át ico, em sua pura presença anim al —corpom áquina est abelecido pela ciência m édica— e o organism o desej ant e e gozoso.( 9)
O nor m a l e o pa t ológico na psiquia t r ia
Se a m edicina conseguiu ancorar a clínica na anat om ia pat ológica e est abelecer o norm al e o
pat ológico em bases fisiológicas, com a psiquiat ria não se deu nem um a coisa nem a out ra.
A int rodução da psiquiat ria no m ét odo anát om o- clínico, iniciada por Bayle com a paralisia
geral ( 1822) ( 10) , ficou rest rit a aos casos de dem ência, de deficiência m ent al e às psicoses
orgânicas e sint om át icas. Na grande m aioria dos casos, prevaleceu o m ét odo clínico. Quant o
às bases fisiológicas para o norm al e o pat ológico, m esm o com o avanço das neurociências
t al possibilidade não despont a sequer no horizont e. Nem a m ais grave das doenças m ent ais,
a esquizofrenia, pode ser caract erizada em t erm os biológicos.
Se não é na anat om ia, se não é na fisiologia, onde é que a psiquiat ria vai se fundar para
definir o norm al e o pat ológico? Não há out ra respost a: a norm a de que se t rat a é a norm a
social ou cult ural. Um t rat ado de psiquiat ria m uit o ut ilizado em nosso m eio apresent a a
quest ão de m odo m uit o claro. Trarei algum as de suas passagens.
“ No conceit o de norm a devem os dist inguir um cont eúdo e um a form a- função. O cont eúdo da
norm a, equiparável ao t erm o m édio, t em um a base est at íst ica e, com o assinala a dout rina
do relat ivism o cult ural, não const it ui um est ado absolut o, nem t em um fundam ent o
ont ológico, m as est á subordinado ao t em po hist órico, ao lugar e às peculiaridades de um a
cult ura. Um a norm a est ável de validade geral não exist e. Mas o cont eúdo da norm a est á
condicionado fenom enologicam ent e pela exist ência da norm a com o função. A função da
norm a exist e em t odo t em po e lugar. Transcende, pois, ao relat ivism o.”
Mais adiant e, o aut or est abelece a correlação: “ Em virt ude do exercício da faculdade de
t ipificação, t odos nós co- part icipam os do m esm o m undo. O m undo norm al é um m undo
t ipificado. O m undo do doent e psíquico se dist ingue fundam ent alm ent e do norm al não por
seu cont eúdo, m as por sua form a. Podem os descrever a pat ologia da t ipificação com o o
m órbido.”
Para, pouco depois, concluir: “ Eis aqui m inha definição predilet a de psiquiat ria: ‘A psiquiat ria
é o ram o hum anist a por excelência da m edicina que t rat a do est udo, da prevenção e do
t rat am ent o dos m odos psíquicos de adoecer’. A idéia do m odo psíquico de adoecer, segundo
acabo de expor, se funda na perda involunt ária da faculdade norm at iva.” ( 11)
Podem os, a part ir das cit ações, relacionar saúde m ent al com norm a cult ural, doença m ent al
com perda involunt ária da faculdade norm at iva e t rat am ent o psiquiát rico com m eio ut ilizado
para o seu rest abelecim ent o. A rest it ut io ad int egrum , t ão cara à m edicina, na psiquiat ria
t ornou- se, assim , rest it uição dessa norm alidade.
O D SM - I V e a CI D - 1 0
A quest ão do norm al e do pat ológico na psiquiat ria pode ser abordada a part ir das
classificações das doenças m ent ais. Quant o a isso, t ivem os t rês grandes m om ent os,
dist anciados aproxim adam ent e um século um do out ro. O prim eiro foi const it uído pela
nosologia pinel- esquiroliana, no início do século XI X; era um a classificação em inent em ent e
sindrôm ica. O segundo grande m om ent o foi a nosologia kraepeliniana, no final do século XI X
e início do XX; privilegiava as ent idades m órbidas, consideradas com o as verdadeiras
doenças m ent ais. O t erceiro m om ent o, no final do século XX e início do XXI , é quando
assist im os à universalização dos diagnóst icos dos t ranst ornos m ent ais e com port am ent ais,
cat alogados no DSM ( I V) e na sua correlat a e subsidiária, a CI D ( 10) .
Com ent am os, há pouco, a est rit a relação que os psiquiat ras clássicos est abeleciam ent re
doença m ent al e degradação m oral. Com o se sit ua, frent e a isso, a psiquiat ria
cont em porânea, que se aut oproclam a cient ífica e ancorada no progresso das neurociências?
Um a prim eira const at ação nos m ost ra que foram exorcizadas as referências ao papel da
m oral social. Mas, na verdade, exist e aqui um a cont radição fundam ent al. Ao m esm o t em po
em que post ula um a det erm inação biológica, em últ im a análise, genét ica, t al psiquiat ria
concebe o pat ológico de diferent es m aneiras, m as sem pre em cont raposição à norm a social
ou cult ural. Bast a perfilarm os os t ranst ornos relacionados no DSM ( I V) ou na CI D ( 10) para
verificarm os que nenhum a base biológica sust ent a t ais classificações.
Darei dois exem plos que considero elucidat ivos. Há alguns anos o hom ossexualism o est ava
incluído do DSM com o t ranst orno m ent al, enquant o que o t abagism o não est ava incluído.
At ualm ent e, ocorre o cont rário: o hom ossexualism o foi excluído e o t abagism o incluído. O
que det erm inou a m udança? Algum progresso cient ífico? Nada disso. Apenas ist o: o
hom ossexualism o est á m ais aceit o e o t abagism o m enos aceit o pela m oralidade social
cont em porânea.
Dissem os, há pouco, que a psiquiat ria exorcizou de sua t erm inologia as referências à m oral.
Mas, se considerarm os que a m oral são os cost um es, as regras de condut a adm it idas num a
época, num a sociedade det erm inada,( 12) poderem os est abelecer est rit a correlação dela
com a norm a social ou cult ural. E concluir que a psiquiat ria m udou m uit o m enos do que
aparent a e é m uit o m ais m oralist a do que adm it e.
A nova conce pçã o de Sa ú de M e nt a l
O Relat ório Sobre a Saúde no Mundo 2001, da Organização Pan- Am ericana de Saúde e da
Organização Mundial de Saúde, t em o seguint e t ít ulo: Saúde Ment al: Nova Concepção, Nova
Esperança( 13) . O novo m odelo, ou sej a, a nova concepção e a nova esperança, é t odo ele
baseado nos t ranst ornos cat alogados pela CI D- 10. O que se procura é cert a ordem na casa
a part ir dessa referência.
Ora, o cam po da saúde m ent al é o result ado de um a reorganização do cam po da psiquiat ria.
Ent raram em cena out ros saberes, out ros profissionais, out ros serviços. A saúde m ent al,
port ant o, é a herdeira, é a sucessora do cam po da psiquiat ria, psiquiat ria que, por sua vez,
enquant o disciplina, é hoj e um a part e im port ant e, m as, apenas um a part e do cam po da
saúde m ent al. Talvez a im port ância m aior da psiquiat ria para a saúde m ent al sej a est a:
fornecer a descrição e a classificação dos t ranst ornos m ent ais e com port am ent ais. E ist o é
m uit o. É definir o que deve ser t rat ado. E m ais: a que obj et ivo o t rat am ent o deve visar.
Se ret om arm os agora a definição de Miller: “ a saúde m ent al não t em out ra definição que a
da ordem pública” , podem os concluir que, da psiquiat ria à saúde m ent al, m udaram - se os
m eios, m as cont inuam essencialm ent e iguais as concepções de norm al e de pat ológico, bem
com o a direção do t rat am ent o.
A dir e çã o do t r a t a m e nt o
Procurarei, agora, definir em t erm os m ais precisos qual é a direção do t rat am ent o. Para
t ant o, t om arei para exam e as pesquisas realizadas nos ensaios clínicos da psiquiat ria
biológica. Poderia ser obj et ado que a sit uação de pesquisa é diferent e da sit uação clínica
propriam ent e dit a. Mas, sem dúvida, os result ados das pesquisas influenciam a clínica; por
out ro lado, é im port ant e explicit ar ao que visam as condições est abelecidas nessas
pesquisas.
Os ensaios clínicos da psiquiat ria biológica são pesquisas onde se afirm a proceder com rigor,
inclusive com rigor cient ífico. Suponham os que se t rat a de um ensaio para avaliar a eficácia
e os efeit os colat erais de um novo ant idepressivo. Um t rabalho m ais abalizado deve incluir
t rês grupos de cont role: ( 1) o prim eiro, com pacient es que irão receber o novo
ant idepressivo; ( 2) o segundo, com pacient es que irão receber um ant idepressivo j á bem
est udado e ( 3) o t erceiro, com pacient es que irão receber um placebo. Para m axim izar a
probabilidade de que os grupos sej am com paráveis, processa- se a random ização, que
consist e na localização fort uit a, aleat ória, dos pacient es deprim idos nos diversos grupos.
Além disso, aplica- se o m ét odo do duplo- cego ( double- blind) : ninguém , nem os pacient es,
nem o responsável pelo procedim ent o de localização, nem os pesquisadores encarregados
do recolhim ent o dos result ados sabem em qual grupo cada suj eit o foi incluído. As pílulas, na
sua aparência, são iguais. Som ent e um out ro pesquisador que cont rola os t rabalhos sabe
quem est á t om ando o quê.
Os result ados de um ensaio clínico t êm base est at íst ica. E o crit ério de m elhora é est e:
redução ou supressão dos sint om as. Para que sej a possível t al avaliação, os sint om as devem
ser quant ificados porm enorizadam ent e. Ent ram em cena as escalas de avaliação; por
exem plo, a Escala de Ham ilt on para Depressão. Os pacient es, ant es de serem dist ribuídos
ent re os grupos, devem ser avaliados pela Escala. Após a random ização, os com prim idos
são adm inist rados por t em po considerado sat isfat ório e, nesse período, as out ras m edidas
t erapêut icas são padronizadas. Durant e e ao final do ensaio, realizam - se novas avaliações
pela m esm a Escala. Além da verificação dos sint om as, são realizados exam es
com plem ent ares e quest ionários sobre os efeit os colat erais. No final, os result ados são
subm et idos a análise est at íst ica, para o est udo da evolução com parada dos grupos.
O que est á sendo m edido, port ant o, é a eficácia, ent endida com o redução ou elim inação dos
sint om as, e os efeit os colat erais de um novo ant idepressivo, com parado a um ant idepressivo
j á bem conhecido e a um placebo. O placebo é um a subst ância quim icam ent e inert e ou
inócua. Tent a- se, com ele, isolar a bem docum ent ada t endência dos indivíduos a dar
respost a favorável a qualquer t erapia, sem considerar a eficácia fisiológica da que eles
recebem .
Qualquer que sej a o result ado de um ensaio clínico, ele deixa fixado um ideal de eficácia: o
de elim inar t odos os sint om as sem causar nenhum efeit o colat eral.
A e x clusã o do su j e it o
No exem plo de ensaio clínico que eu t rouxe, o que é que se pret ende t rat ar? Sem dúvida, o
pont o de part ida é a idéia de depressão com o t ranst orno m ent al ou doença. Est e é o
significant e que det erm ina os t rês grupos. Est ar deprim ido é o crit ério de inclusão de cada
pacient e. Pode haver variação quant o ao núm ero ou à int ensidade dos sint om as, m as t odos
os incluídos são deprim idos. É a depressão que est á sendo t rat ada. São descart adas, no
côm put o final, as part icularidades que diferenciam cada caso do out ro. É cada um , com o
deprim ido, que int eressa e, quant o a isso, há um a ident ificação de t odos os pacient es.
O m ét odo duplo- cego, por sua vez, pret ende ser, t ant o em relação aos pacient es com o em
relação aos pesquisadores, um recurso a m ais para a exclusão da subj et ividade, t rat ada
com o int erferência ou fat or pert urbador. O cuidado com que o obj et ivo é perseguido é t al
que sugere para o duplo cego um m elhor nom e, ou sej a, duplo- surdo. O desconhecim ent o
da subj et ividade t em por correlat o o desconhecim ent o da t ransferência. O que não im pede,
obviam ent e, que est a cont inue exist indo e produzindo efeit os. Um a das expressões da
t ransferência é o cham ado efeit o placebo. Nos ensaios clínicos, um grupo de cont role é
const it uído exclusivam ent e na t ent at iva de exorcizá- lo.
Out ro aspect o im port ant e a ser exam inado é o ideal de eficácia. O ant idepressivo ideal seria
aquele que abolisse t odos os sint om as sem causar efeit os colat erais. Evolução caract erizada
por um a negat ivização: no dia em que fosse descobert o t eríam os, no fim da pesquisa, um
grande vazio, um vazio de sint om as, que iria desfazer a ident ificação dos pacient es ent re si:
eles deixariam de ser deprim idos. Sim ult aneam ent e, porém , um a nova ident ificação se
const ruiria: com os indivíduos norm ais, o que result aria, assim , num a plena adapt ação
social. Confirm ando a direção que acabo de apont ar, convém ressalt ar que m uit os ensaios
clínicos, além da escala de avaliação para m edir a depressão, j á ut iliza out ra escala de
avaliação, para m edir a adapt ação social ( EAS) .( 14)
Da depressão à adapt ação social, o grande excluído é o suj eit o e sua subj et ividade.
A psicot e r a pia
Por quê t ant a ênfase na abolição do sint om a?
Em bora não considere t ranst orno um t erm o exat o, a CI D- 10 prefere usá- lo, de form a a
evit ar problem as ainda m aiores que, segundo ela, est ariam inerent es a t erm os t ais com o
doença ou enferm idade. Transt orno é em pregado “ para indicar a exist ência de um conj unt o
de sint om as ou com port am ent os clinicam ent e reconhecível associado, na m aioria dos casos,
a sofrim ent o e int erferência com funções pessoais. Desvio ou conflit o social sozinho, sem
disfunção pessoal, não deve ser incluído em t ranst orno m ent al, com o aqui definido” .( 15)
A definição focaliza o sofrim ent o e a disfunção pessoal. Mas, há out ro aspect o do sint om a
que é verdadeiram ent e essencial, e que é bem assinalado pela form alização de Colet t e
Soler: “ O sint om a é precisam ent e o que faz com que cada um não consiga fazer
absolut am ent e o que est á prescrit o pelo discurso de seu t em po” .( 16) O sint om a é aquilo que
t orna im possível a cada um cam inhar pelas vias com uns. Um a fobia pode im pedir de viaj ar
de avião ou de ent rar no elevador de um edifício. Um a im pot ência sexual pode frust rar um
encont ro am oroso. Um a gagueira pode inviabilizar um a pret ensão de ser orador. Um a
inibição social pode lim it ar oport unidades de relacionam ent o. Um a depressão pode
prej udicar um a j ornada de t rabalho. E assim por diant e.
É im port ant e salient ar, dest art e, os dois aspect os: ( 1) que o sint om a est á associado a
sofrim ent o e indica que algo no suj eit o não est á funcionando, que algo vai m al; ( 2) que o
sint om a afast a o suj eit o do que est á preconizado pelo discurso de seu t em po, ou sej a,
afast a- o da norm a social.
A abolição do sint om a, sendo assim , além de alívio e reabilit ação funcional do suj eit o, est á a
serviço da rest it uição da norm alidade, da conform idade e da adapt ação sociais.
Ora, se ant es havia sido feit a a aproxim ação do t rat am ent o psiquiát rico e do t rat am ent o da
saúde m ent al, agora é a vez de aproxim ar, de am bos, a psicot erapia. Quant o a isso, não há
dúvida: nos t rês casos t em os os m esm os obj et ivos, quer dizer, a abolição do sint om a e a
norm alidade social. A diferença é que a psicot erapia, para alcançar os seus fins, privilegia a
palavra; a psiquiat ria, além da palavra, lança m ão de m eios quím icos e/ ou físicos; e a saúde
m ent al, m ais abrangent e, inclui o t rabalho com as fam ílias, a organização dos serviços e a
polít ica de saúde.
A r e a bilit a çã o psicossocia l
Pode- se acrescent ar na perspect iva que est am os considerando os program as de reabilit ação
psicossocial. Enquant o que, por um lado, o t rat am ent o psiquiát rico ou a psicot erapia visam à
abolição do sint om a, por out ro lado a reabilit ação pret ende, part indo dos “ pont os fort es” ou
da “ part e sadia” de cada indivíduo, o rest abelecim ent o de papéis sociais norm ais. A t arefa é
deixar para t rás o est igm a de “ pacient e” e rest aurar a capacidade de viver de m aneira
independent e. A m et a da recuperação de hom ens e m ulheres com t ranst ornos m ent ais
graves e persist ent es se cum pre por m eio de em pregos, m oradias, am igos e dinheiro para o
dia a dia.
Exist e um a t endência na reabilit ação psicossocial —com presença expressiva inclusive em
cert os set ores da reform a psiquiát rica— que propõe um t rat am ent o que não t rabalhe com o
sint om a. Ou sej a: propõe- se a reabilit ação com o um a exclusão da clínica. Um m eio m ais
diret o de t ent ar inserir o louco em algum a form a de t roca social.
Exist em aí dois aspect os a serem observados. O prim eiro é a desconsideração da est rut ura
clínica, o incent ivo a um cert o não saber com o fazer com o sint om a. O segundo aspect o é
que reabilit ar o louco seria, nesses t erm os, no ext rem o, fazer dele um não- louco.
Um a reabilit ação que exclui a clínica se resum e num a form a de adapt ação social, quer dizer,
é um m odelo que produz segregação. É a prevalência da norm a, o obst áculo à diferença.
Com o advert e Viganò, não falar com o louco, ou ficar com ele sem o discurso é um a form a
de segregação, ainda que sem m anicôm io; é a neo- segregação.( 17)
A lógica do t odo
Creio t er cam inhado o suficient e para poder, nesse m om ent o, concluir que o t rat am ent o
psiquiát rico, a psicot erapia, a reabilit ação psicossocial, enfim , os cuidados que vêm sendo
dispensados no cam po hoj e denom inado da saúde m ent al, em bora m uit o diversificados
quant o aos seus m eios, são m uit o próxim os quant o a dois aspect os cruciais: o seu pont o de
part ida e o seu fim . O pont o de part ida é o sint om a. O fim é a elim inação do sint om a e a
adapt ação social do indivíduo; é o que poderia ser cham ado de norm alização psicossocial. É
possível, t alvez, reuni- los sob um a única denom inação: Trat am ent o de Norm alização
Psicossocial.
Mais do que aproxim ar cuidados à prim eira vist a t ão dist int os, t ent arei avançar no sent ido
de dem onst rar que funcionam dent ro de um m esm o sist em a lógico; eles operam de acordo
com a lógica do t odo.
Trat a- se de um a lógica que na at ualidade conhece grande difusão a part ir do discurso da
ciência. Seu aspect o essencial é a busca de leis universais que dariam fundam ent o aos seus
procedim ent os. Para elucidar, t om arei um a vez m ais o exem plo da depressão. É possível
est abelecer o universal no t rat am ent o da depressão? Pode- se, pelo m enos, cam inhar nesse
rum o.
O prim eiro passo é a definição operacional de depressão. Quant o a isso, o DSM- I V e a CI D10 cum priram a sua part e, e pret endem t ê- lo feit o em escala universal! Na psiquiat ria
clássica, os aut ores das escolas francesa e alem ã não chegavam a um acordo ent re si;
havia, quase, um a classificação para cada aut oridade. Hoj e —nos t em pos da globalização—
a classificação t em apagado at é m esm o as front eiras dos cont inent es.
Além de definir o que é depressão, é preciso um crit ério para dizer quem é um deprim ido.
Ent ram em cena as escalas de avaliação, que, além , de cat alogar, perm it em quant ificar os
sint om as. Pode- se, ent ão, form ar um conj unt o de deprim idos e subm et ê- lo a t rat am ent o
est at íst ico, em bora isso anule ainda m ais as part icularidades que diferenciavam um do
out ro. A validação est at íst ica é im prescindível quando se pret ende alcançar o universal.
Tão im port ant e com o definir a part ida é precisar a chegada: o que se alm ej a com o
t rat am ent o. A abordagem em t erm os negat ivos —a redução ou abolição dos sint om as—
cum pre esse it em , com o j á foi vist o, e possibilit a a avaliação est at íst ica dos result ados. O
ideal, nesses casos, é est abelecer um a condut a t erapêut ica padronizada, o que na m edicina
é conhecido com o guideline: isso j á vem sendo adot ado pela psiquiat ria e at é m esm o pela
psicot erapia.
Assim , t em os: um início padronizado, um m eio padronizado e um t érm ino padronizado. Não
é que sej am desconsideradas as variações individuais. Elas são levadas em cont a:
exat am ent e para inst ruir m edidas excepcionais que procuram ret om ar o cam inho padrão.
O final do t rat am ent o pode ser abordado, t am bém , em t erm os posit ivos. Exem plificando:
por m eio das escalas de adapt ação social ( EAS) . O que im port a, no caso, é exat am ent e ist o:
a ident ificação com a norm alidade social.
Poderia ser obj et ado que a lógica do t odo visa à lei universal e que a norm a se afast a do
universal. Pondero, a t al respeit o, que a norm a, a regra, o padrão est ão incluídos na lógica
do t odo e que const it uem , na verdade, um a m odulação do universal.
TRATAM EN TO D E
N ORM ALI ZAÇÃO PSI COSSOCI AL
( Psiquiat ria, psicot erapia,
reabilit ação, saúde m ent al)
PSI CAN ÁLI SE
( psicanálise pura,psicanálise
aplicada)
Ét ica ( igual a) Moral
Ét ica ( diferant e de) Moral
Conform idade, adapt ação social
Aut ent icidade,
suj eit o
Rest it uição da norm alidade ant erior
Mut ação subj et iva
Norm a
Paradigm a
Validação est at íst ica
Const rução do caso clínico
Gozo socialm ent e m odelado
Gozo próprio do suj eit o
Reabilit ação, no sent ido ort opédico
Reabilit ação, no sent ido j urídico
Lógica do t odo ( o universal)
Lógica do não- t odo ( o um por um )
singularidade
do
Se gunda pa r t e
A Psica ná lise Aplica da
A prim eira part e foi necessária para sit uar a propost a da psicanálise aplicada ao cam po da
saúde m ent al, aos t rat am ent os realizados nos serviços públicos, t em a que passo a
desenvolver. Quest ão com plexa, que exige de im ediat o precisar alguns aspect os.
A pret ensão é levar o discurso analít ico ao serviço público, no cam po da saúde m ent al. Not o
a im port ância de advert ir: não se t rat a de psicanálise pura, m as de psicanálise aplicada.
Espero que no decurso do t ext o a diferença sej a problem at izada, m esm o sabendo que t em as
t ão am plos serão aqui apenas esboçados. Tam pouco se preconiza o t rat am ent o de t odos os
pacient es com o discurso analít ico. Longe disso. O serviço público, com o t oda inst it uição, é,
ou deveria ser, o lugar de m uit os discursos. O que se procura é ist o: sit uar o discurso
analít ico no serviço público com o um discurso ent re out ros.
D e sfa z e ndo e quívocos
Por que razão o discurso analít ico no cam po da saúde m ent al? Muit os levant am , pelo
cont rário, obj eções a esse propósit o. Darei alguns exem plos, ao m esm o t em po em que
procurarei esclarecer pont os cruciais.
Um a obj eção freqüent em ent e levant ada é que a psicanálise só t eria um a função no
t rat am ent o dos ext rat os sócio- econôm icos m ais abast ados. O que não é verdade. Em nosso
m eio, a psicanálise t em sido aplicada em serviços que at endem exclusivam ent e a pacient es
do SUS, m uit os deles em sit uação sócio- econôm ica ext rem am ent e precária.
Um a segunda obj eção é que o t rat am ent o psicanalít ico seria excessivam ent e longo, e
im próprio para os serviços públicos. Respondo lem brando que t rat am ent os
psicanalit icam ent e em basados podem consist ir num a única sessão.
Terceira obj eção: nos serviços públicos de saúde m ent al são at endidos geralm ent e casos
m uit o graves, e a psicanálise seria indicada para casos leves. Frent e a esse argum ent o
apresent o o seguint e dado: j á exist e, em nosso m eio ( assim com o em out ros lugares) ,
experiência e lit erat ura expressiva a respeit o do t rat am ent o psicanalít ico de psicót icos e de
t oxicôm anos.
Exponho um a últ im a obj eção. O avanço da psicofarm acot erapia inviabilizaria e faria caducar
a abordagem psicanalít ica. Na m inha avaliação, nem um a coisa nem a out ra. É falsa a idéia
segundo a qual o fárm aco necessariam ent e se opõe à psicanálise, ou a que est a nada t eria a
dizer sobre aquele. A psicanálise t em o que dizer sobre o fárm aco, que, por sua vez, em
cert as circunst âncias, pode viabilizar a abordagem analít ica. Não est á aí a diferença ent re
psiquiat ria e psicanálise.
Tent arei, ent ão, colocá- la em t erm os claros. A oposição ent re psicanálise e psiquiat ria é a
m esm a que exist e ent re psicanálise e o que foi nom eado Trat am ent o de Norm alização
Psicossocial. A oposição se sit ua na diferença radical na direção do t rat am ent o, diferença
est a que pode ser form ulada em t erm os ét icos.
Um a out r a é t ica
Afirm ar que exist e diferença radical na direção do t rat am ent o quando se t em , de um lado, a
psicanálise, e de out ro, o Trat am ent o de Norm alização Psicossocial ( psiquiat ria, psicot erapia,
reabilit ação, saúde m ent al) , e que t al diferença se form ula em t erm os ét icos, é algo que
exige um a digressão.
O Vocabulário da Filosofia de Lalande assim define ét ica:
“ Ciência que t em por obj et o o j uízo de apreciação enquant o se aplica à dist inção do bem e
do m al.” ( 18)
E assim define m oral:
“ O que concerne sej a aos cost um es, sej a às regras de condut a adm it idas num a época, num a
sociedade det erm inada.” ( 19)
À prim eira vist a, por essas definições, ét ica seria diferent e de m oral. Ocorre, porém , que o
j uízo de apreciação a que se refere aproxim a, sist em at icam ent e, do que é valorizado com o
bem , o que é definido com o norm a social. Com o conseqüência, há um apagam ent o da
diferença ent re os dois conceit os. Pode- se evidenciar o que foi dit o quando se exam inam
out ras definições dos conceit os que est am os considerando. Por exem plo, o brasileiro Houaiss
assim define ét ica:
“ Part e da filosofia responsável pela invest igação dos princípios que m ot ivam , dist orcem ,
disciplinam ou orient am o com port am ent o hum ano, reflet indo especialm ent e a respeit o da
essência das norm as, valores, prescrições e exort ações present es em qualquer realidade
social.” ( 20)
O m esm o Houaiss dá, dent re out ras, a seguint e definição de m oral:
“ Part e da filosofia que est uda o com port am ent o hum ano à luz dos valores e prescrições que
regulam a vida das sociedades. Ét ica.” ( 21)
O que faz convergir e equivaler ét ica e m oral, dest art e, é a idéia de norm a, regra, ou
prescrição social com o bem .
Pode- se, a part ir de agora, int roduzir a problem at ização que a psicanálise t raz. É necessário
um a out ra ét ica sim plesm ent e porque a ét ica da psicanálise é diferent e das dem ais. Dizendo
em poucas palavras em que consist e a diferença: enquant o que a m oral é da ordem da
conform idade social, a ét ica da psicanálise é da ordem da aut ent icidade do suj eit o. A ét ica
da psicanálise é dist int a da m oral, e freqüent em ent e at é m esm o se opõe a ela. É a busca do
que é m ais verdadeiro de si m esm o ou do que é m ais verdadeiram ent e si m esm o, ou sej a,
sua falt a a ser.
Clínica do suj e it o
A propost a de um a psicanálise aplicada ao cam po da saúde m ent al poderia ser form ulada
com o um a clínica do suj eit o. De que suj eit o se t rat a? A referência é o suj eit o do
inconscient e, conceit o t ão caro à psicanálise de orient ação lacaniana. O que se procura é
perseguir o dit am e ét ico “ t ocar o suj eit o no doent e” , preocupação de Lacan em nosso m eio
t ant as vezes evocada por Ant onio Benet i.
Não se t rat a do suj eit o do cogit o, do suj eit o agent e, do suj eit o da consciência. Lacan part e
do suj eit o cart esiano para subvert ê- lo, levando às últ im as conseqüências a revolução
copernicana em preendida por Freud. Revolução que com preende dois aspect os essenciais: a
subordinação do suj eit o à est rut ura que o det erm ina e a sua m arcação com o suj eit o fendido.
Quant o ao prim eiro aspect o, é im port ant e considerar que o suj eit o é det erm inado por um a
est rut ura sim bólica que não só lhe pré- exist e com o o condiciona desde ant es de seu
nascim ent o. Est rut ura que põe em j ogo um sist em a de regras e convenções ( o léxico, a
sint axe, a lógica) , funcionando com o código e definindo o suj eit o por sua posição e não por
um cont eúdo int erno. Ant es de falar, o suj eit o é falado. A fórm ula “ o inconscient e é o
discurso do Out ro” resum e o que est á sendo propost o; o inconscient e não é um reservat ório
que cada indivíduo carrega em seu int erior —é um lugar que depende de um a convenção
significant e e que est á em relação de ext erioridade com o suj eit o.
O segundo aspect o considerado é o suj eit o enquant o fendido, dividido. Um suj eit o que não é
idênt ico a si m esm o. Vários são os t erm os que nom eiam a divisão: suj eit o da consciência e
suj eit o do inconscient e, suj eit o do enunciado e suj eit o da enunciação, suj eit o do significado
e suj eit o do significant e; ent re out ros. Para o “ eu” que fala, o suj eit o do inconscient e é um
“ ele” e não um out ro “ eu” . Não são duas part es de um t odo: o suj eit o exist e at ravés da
rupt ura, ele é o lugar da rupt ura, ele exist e ali m esm o onde há cort e.
É a part ir da clínica que se apreende o que est á sendo propost o. O prim eiro aspect o —a
det erm inação do suj eit o pelo Out ro— fica a céu abert o na clínica da psicose. Quando o
suj eit o se vê am eaçado ou com andado por vozes bem discernidas que o invadem desde o
real, quando sent e que seu corpo ou seus m ovim ent os são cont rolados ou im pulsionados por
influências est ranhas, ou quando acredit a que seus pensam ent os são devassados, im post os
ou roubados por alguém poderoso, est am os diant e de fenôm enos denom inados xenopát icos,
incluídos por Cléram bault na sua síndrom e do aut om at ism o m ent al. Ora, são fenôm enos que
desvelam a est rut ura, ou sej a, a det erm inação do suj eit o pelo cam po da linguagem , pelo
Out ro. Nesse sent ido, o louco é que é norm al, a xenopat ia é que é a norm alidade. E as
quest ões, conform e propõe Miller, passam a ser as seguint es: “ Com o é possível não est ar
louco? Por que o suj eit o cham ado norm al, que não est á m enos afet ado pela palavra, que
não é m enos xenopat a do que o psicót ico, não se dá cont a disso? Com o podem os crer que
som os os aut ores de nossos pensam ent os?” ( 22) O psicót ico põe às claras, port ant o, o que
no cham ado norm al est á invert ido. Que, ant es de falar, o suj eit o é falado.
O segundo aspect o —a divisão do suj eit o— é form ulado a part ir da clínica da perversão e
principalm ent e a part ir da clínica da neurose. Um paradigm a é o lapsus linguae. Um t ropeço
na fala que revela o hiat o ent re o enunciado e a enunciação, ent re o dit o e o dizer. O suj eit o
est á ali, exat am ent e, nessa fenda.
A lógica do nã o- t odo
A ét ica que se ident ifica com a m oral t em por quint a- essência a norm a social e os
t rat am ent os que est ão sob sua égide buscam , influenciados pelo discurso da ciência, inserirse no regim e do t odo, ou do parat odo, ou sej a, est abelecer o universal, escrever- se,
const it uir conj unt o. A ét ica da psicanálise sit ua- se num a perspect iva radicalm ent e diversa.
Funda- se na singularidade da relação do suj eit o com seu desej o e seu gozo. Quant o a isso, é
possível afirm ar cat egoricam ent e: cada suj eit o é diferent e do out ro. Assim sendo, o discurso
analít ico se insere na lógica do não- t odo, do caso a caso, onde não se pode escrever o
universal ou form ar conj unt o.
É im prescindível dar- se cont a das im plicações do que foi dit o. Se cada suj eit o é diferent e do
out ro, cada caso é diferent e do out ro, cada t rat am ent o é diferent e do out ro... O que
fundam ent a um t rat am ent o não é um a lei universal, m as um a const rução que se faz um a a
um a. Com o t em sido salient ado desde os t em pos de Freud, não há est at íst ica que sej a
possível em t ais circunst âncias.
No que t ange ao que est am os abordando, cabe afirm ar que o suj eit o não exist e, da m esm a
form a que a m ulher não exist e ou que o analist a não exist e. I sso quer dizer que não há
crit ério para definir o suj eit o, a m ulher ou o analist a, não há com o caract erizá- los ou fechálos num conj unt o. Com o disse cert a vez Lacan: “ Não t em os crit érios, t em os paisagem ” . Se
não há crit érios para definir um analist a, isso não quer dizer que não sej a possível defini- lo.
É possível faze- lo um por um , com o no procedim ent o do passe. Tal com o um a paisagem .
Um a paisagem t em harm onia própria; é necessariam ent e incom plet a, à m edida em que
sem pre se pode incluir m ais um det alhe; e é sem pre diferent e de out ra paisagem .( 23)
D a nor m a a o pa r a digm a
A norm a est á, para os out ros t rat am ent os, com o o paradigm a para a psicanálise. De acordo
com o discurso da ciência, o que dá validação a um t rat am ent o é a avaliação est at íst ica, que
é, t am bém , um a form a de validação de um a t eoria. Para a psicanálise, pelo cont rário, a
est at íst ica não se aplica, e prevalece o paradigm a. Um único caso perm it e est abelecer linhas
para a direção do t rat am ent o ou t eorizações de validade geral. Lacan cost um ava dizer que
t udo o que sabem os sobre neurose obsessiva devem os à análise que Freud fez do hom em
dos rat os. Tem os out ros paradigm as: Dora, para a hist eria; o pequeno Hans, para a fobia;
Schreber, para a psicose; Aim ée, para a paranóia; para cit ar alguns. A idéia de paradigm a
clínico não é específica da psicanálise; t em os, por exem plo, o caso de Ellen West , de
Binsw anger, paradigm át ico para a analít ica exist encial.( 24)
Com o é possível fazer um a t eoria a part ir de um ? Um a respost a para a quest ão é a
const rução do caso clínico, a part ir de sua est rut ura lógica. É o que verificam os nos
paradigm as cit ados.
Cum pre dest acar a im port ância diam et ralm ent e opost a do diagnóst ico para a psiquiat ria e
para a psicanálise. O diagnóst ico psiquiát rico anula o suj eit o. O psiquiat ra, com o vim os,
t rat a a depressão e nest a designação se perdem as part icularidades que dist inguem os
diversos deprim idos. O psicanalist a, por sua vez, ainda que t eorize sobre hist eria, por
exem plo, ao fazer esse diagnóst ico est á apont ando para o suj eit o. O diagnóst ico
psicanalít ico é um a int erpret ação da relação do suj eit o com a est rut ura. A part ir daí, o
percurso de um a análise evidenciará, cada vez m ais, a singularidade do suj eit o, sendo que,
no final, t erem os a t eoria do próprio caso. É o que propõe Lacan com o procedim ent o do
passe. O depoim ent o do passant e é um a boa hist ória que pode ser cont ada, m as é t am bém
um a versão t eorizada da própria análise.
A const r uçã o do ca so clínico
Na psicanálise, por conseguint e, a validação do t rat am ent o se faz por m eio da const rução do
caso clínico. Trabalho art esanal, que se realiza um por um , em que cada um é diferent e do
out ro e em que cada caso é sem pre algo inédit o.
Exist e, aqui, um a reconst it uição da hist ória do suj eit o. É im port ant e dest acar, ainda, que a
const rução do caso clínico se faz t endo em vist a a lógica do t rat am ent o e a lógica do caso.
Para abordar a quest ão, m uit os cam inhos são possíveis. Tom arei com o base o percurso de
um a análise. Freud, num a célebre m et áfora que Lacan cert am ent e endossou, com parou a
psicanálise ao j ogo de xadrez. O com eço e o fim são bem est abelecidos, m as o m eio
com port a um a série infinit a de possibilidades.
Sej a com o for, um a psicanálise t em um com eço, um m eio e um fim . Num a conferência,
Miller discut e a quest ão da lógica do percurso analít ico. E considera vários m eios ut ilizados
por Lacan para est rut urar logicam ent e o t rat am ent o psicanalít ico. Mencionarei um deles: o
percurso analít ico pode t er a est rut ura do t em po lógico.( 25)
Em sínt ese, seria ist o: o com eço de um a análise com o inst ant e do olhar, o m eio com o t em po
para com preender e o fim com o m om ent o de concluir. A inst auração do suj eit o supost o
saber seria da ordem do inst ant e do olhar, a const rução da fant asia corresponderia ao
t em po para com preender e o at o psicanalít ico, com a precipit ação que ele com port a, seria
um m om ent o de concluir. A ent rada em análise, com o inst ant e do olhar, ant ecipa com o
poderá ser o final de análise, e est e, com o m om ent o de concluir, ressignifica,
ret roat ivam ent e, a ent rada em análise.
A est rut ura do t em po lógico pode est ar present e no percurso analít ico, quando se t rat a de
um a psicanálise pura, m as t am bém na psicanálise aplicada, ou sej a, na const rução do caso
clínico em saúde m ent al,( 26) e at é m esm o quando se considera um a única sessão. Por
exem plo, o cort e com o m om ent o de concluir.
D o sint om a a o “sint h om a ”
Assim com o a psiquiat ria, assim com o a psicot erapia, assim com o a saúde m ent al, a
psicanálise t am bém part e do sint om a. Mas, se o pont o de part ida é com um , o pont o de
chegada é diam et ralm ent e opost o.
Sim , a psicanálise part e do sint om a, do sofrim ent o do sint om a, que indica que algo não est á
funcionando, que algo vai m al. Não bast a, no ent ant o, que se procure o alívio para o
sofrim ent o por m eio do levant am ent o do sint om a. A dem anda analít ica exige m ais: im plica
querer t rat ar o sint om a não só pela vert ent e do sofrim ent o com o pela vert ent e do enigm a
que ele represent a, ou sej a, im plica um querer saber sobre o sint om a. Um passo im port ant e
é dado quando o analist a é supost o com o aquele que det ém esse saber. A post ulação do
analist a com o suj eit o- supost o- saber é a ent rada na t ransferência.
O saber de que se t rat a é do próprio inconscient e do suj eit o; o inconscient e com o um saber
que não se sabe. No cont ext o, a int erpret ação pode, ent ão, t er lugar com o um a leit ura, um a
decifração do sint om a, explicit ando seu significado inconscient e. Um a análise t am bém
produz efeit os t erapêut icos, com o levant am ent o do sint om a. E às vezes, é o que se
consegue fazer. Freud chegou a com ent ar, porém , que freqüent em ent e t al result ado est á a
serviço da resist ência, evit ando os verdadeiros obj et ivos de um a análise, caract erizando
um a “ fuga para a cura” .
O querer saber sobre o sint om a pode levar à sua leit ura e desaparição, m as pode ainda,
num a evolução m ais ousada, cam inhar em direção à fant asia, à relação do suj eit o com seu
desej o e com seu gozo. É isso que, em últ im a inst ância, um t rat am ent o analít ico visa a
m udar.
A psicanálise, j á foi dit o, não se fia na elim inação do sint om a; a rigor, ela não considera que
haj a desaparecim ent o, m as, sim , t ransm ut ação, m et am orfose do sint om a. Com freqüência,
na clínica dos serviços de saúde m ent al, o que se consegue é a subst it uição de um sint om a,
m ais penoso e m ais lim it ant e, por out ro, m ais suport ável.
Na últ im a et apa de seu ensino, Lacan reelabora o conceit o de sint om a ( sym pt ôm e) ,
denom inando- o ent ão sint hom a ( sint hom e) . E propõe: “ Am e o seu sint hom a” —t al com o
Freud dizia que o psicót ico am a o seu delírio. E sit ua m esm o, no final da análise, um a
reconciliação do suj eit o com o seu sint hom a, um a ident ificação: o suj eit o com o sint hom a. O
sint hom a inclui o sint om a e a fant asia; aproxim a- se da idéia de est ilo. Um exem plo de
sint hom a seria o próprio psicanalist a. Do sint om a ao sint hom a há, assim , um avanço do
suj eit o rum o àquilo que nele exist e de m ais singular.
As dua s clínica s de La ca n
O ret rospect o que apresent ei, em bora sinópt ico, perm it e ent rever que, t al com o em Freud,
há um a incessant e m udança no ensino de Lacan. Ao pont o de perm it ir form ular a idéia de
duas clínicas: a prim eira, clínica est rut ural ou clínica do significant e, e a segunda, clínica
borrom eana ou clínica do gozo. Na prim eira, Lacan relê Freud à luz da t eoria do significant e;
na segunda, ult rapassa- o a part ir da reform ulação lógica.
A proposição da segunda clínica inspira- se nos sem inários de Jacques- Alain Miller que
t rabalham a últ im a part e do ensino de Lacan, ensino est e que ant eviu, com not ável
precisão, os t em po at uais. Época de declínio das ident ificações vert icais ( com o pai, com os
ideais) , época em que o grande Out ro não exist e, pois se sabe, de algum m odo, de sua
est rut ura de ficção e que t udo não passa de sem blant e. Era de globalização, em que
pequenos obj et os ( a) são encont rados em t odas as esquinas, at rás de t odas as vit rines, e
cuj a proliferação foi feit a para causar o nosso desej o, pelo discurso cient ífico que agora o
governa. Era que sofre um desvario do seu gozo.
As conseqüências est ão aí; a clínica est á a cada dia m ais dist ant e daquela dos t em pos de
Freud. Os serviços de saúde m ent al conhecem bem as dem andas procedent es dos novos
sint om as: a depressão, o pânico, a anorexia, a bulim ia, as t oxicom anias, a obesidade
m órbida, a delinqüência e assim por diant e. A clínica é, cada vez m ais, um a clínica da
passagem ao at o. Com o enfrent ar esses novos desafios?
A segunda clínica alcança em seu horizont e a subj et ividade de nossa época, preparando o
t erreno para o t rat am ent o dos novos sint om as. Apont arei alguns de seus aspect os,
lem brando que se t rat a de t em a novo, com plexo e pouco sist em at izado. Para delim it ar a
quest ão, abordarei um it em do t rat am ent o da psicose.
Enquant o que a prim eira clínica t ent a exam inar a psicose a part ir da neurose ( paradigm a:
Schreber) , a segunda clínica cam inha da psicose para a neurose ( paradigm a: Joyce) .
Reviravolt a que t em im plicações t eóricas e clínicas, passando- se da aplicação da psicanálise
à psicose à aplicação da psicose à psicanálise.( 27) Em poucas palavras: é a psicose que nos
ensina. Ensina- nos sobre a est rut ura e sobre as soluções que ela própria encont ra para um a
falt a cent ral no sim bólico.
Um a conseqüência é a inversão da suposição de saber, que poderia ser form ulada nos
seguint es t erm os: o psicót ico sabe o seu cam inho. O que nos coloca em posição de
aprendizagem em relação à clínica, em posição de suj eit o supost o não saber. Propõe- se,
com isso, levar ao lim it e o que se conhece desde os t em pos de Freud: que o psicót ico sabe
encont rar as suas soluções, que o seu cam inho é aut oconst ruído. Posição que est á de
acordo, t am bém , com o que, há m uit o, se verifica na prát ica clínica e que Miller t raduz nos
seguint es t erm os: “ O paranóico só conhece o saber. Sua relação com o saber const it ui seu
sint om a. O que o persegue a não ser um saber que passeia pelo m undo, um saber que se
faz m undo?” ( 28) Com efeit o, quando o Out ro se apresent a para o psicót ico com o o Out ro do
saber, ele é encont rado de form a persecut ória ou erot om aníaca.
Ora, se o saber est á do lado do psicót ico, não há lugar, no t rat am ent o, do lado do analist a,
para nenhum a t ent at iva de envio a out ro sent ido, nenhum decifram ent o ou int erpret ação. A
int erpret ação est á do lado do psicót ico, e a posição de aprendizado é que pode, no
t rat am ent o, perm it ir ao analist a escut ar as indicações que o psicót ico t raz para o seu caso.
Psica ná lise pur a , psica ná lise a plica da
Com o diferenciar psiquiat ria, psicot erapia, psicanálise pura e psicanálise aplicada? Exist em
várias m aneiras de fazê- lo. A m inha escolha est á sendo buscar a diferença pela vert ent e da
ét ica.
A psiquiat ria e a psicot erapia t êm com o pont o de part ida o sint om a e t rabalham visando a
sua elim inação, t endo com o fim a norm alização psicossocial. É um a perspect iva de
adapt ação e conform idade social, sendo o ret orno à norm alidade um a versão da rest it ut io ad
int egrum . A psicot erapia ut iliza a via da palavra e a psiquiat ria, além dela, em prega m eios
quím icos e/ ou físicos. O que im port a, porém , é que am bas est ão sob a égide de um a ét ica
que coincide com a m oral.
A psicanálise, por out ro lado, em bora t endo t am bém com o pont o de part ida o sint om a,
t rabalha visando não a sua elim inação, m as cert a reconciliação do suj eit o com o sint om a.
Em vez de t rat am ent o do sint om a, t rat am ent o pelo sint om a. O que im plica um a m udança da
relação do suj eit o com o seu gozo, num a perspect iva ét ica que se dist ancia da m oral e que
se realiza no caso a caso; num a ét ica em que a exigência não é adequar- se à norm a social,
m as, sim , não ceder de seu desej o.
Qual seria, ent ret ant o, a diferença ent re psicanálise pura e aplicada? Miller faz a dist inção.
“ A psicanálise pura é a psicanálise na m edida em que ela conduz ao passe do suj eit o, na
m edida em que ela se conclui pelo passe. A psicanálise aplicada é a que concerne o sint om a,
é a psicanálise enquant o aplicada ao sint om a.” ( 29)
Ou sej a, a psicanálise pura é aquela que apresent a um a saída pelo passe, e que encont ra
em Lacan um a definição radical. A dist inção ent re pura e aplicada se apóia na dist inção
ent re sint om a e fant asia. A psicanálise aplicada t rabalharia o sint om a, ao passo que a
psicanálise pura com port aria um para além do sint om a, quer dizer, a const rução da fant asia,
a t ravessia da fant asia.
Assim form ulada, a quest ão fica bem delim it ada. Miller com ent a, não obst ant e, que na
últ im a part e do seu ensino Lacan dá out ra definição do final de análise: a ident ificação do
suj eit o com o seu sint hom a. Ora, o conceit o de sint hom a reúne sint om a e fant asia.
Conseqüent em ent e, com base em suas últ im as proposições,a diferença ent re psicanálise
pura e aplicada fica relat ivizada.
Por m ais que se considere a incessant e m odificação que caract eriza o ensino de Lacan ( e de
Freud) , não há com o confundir, por exem plo, psicot erapia e psicanálise aplicada. Ent re
t ant os balizam ent os possíveis dest aco, agora, para dist ingui- las, um que ressalt a pela sua
im port ância. A psicot erapia é da ordem da rest it uição; rest it uição da norm alidade perdida. A
psicanálise é da ordem da m udança; depois dela, o suj eit o não é m ais o m esm o, é diferent e
de ant es. A psicanálise requer m ut ação subj et iva.
Psica ná lise e psicofá r m a co
É com um a suposição de que a psicanálise se oporia ao t rat am ent o com o psicofárm aco ou,
ent ão, nada t eria a dizer sobre o assunt o. Na prim eira part e do present e t rabalho fiz um a
avaliação crít ica do em prego de t al m edicam ent o segundo a orient ação da psiquiat ria
biológica. Trago, agora, a quest ão: haveria lugar possível para o psicofárm aco no cont ext o
de um t rat am ent o de orient ação psicanalít ica?
Lem braria inicialm ent e que, t ant o da part e de Freud com o da part e de Lacan, não
encont ram os ot im ism o ou alent o em relação às possibilidades de um t rat am ent o
psicanalít ico; exist e, pelo cont rário, um a caut ela fundam ent al. Em Freud, por exem plo,
pode- se ident ificar um desencoraj am ent o do analist a frent e à psicose. E de Lacan pode- se
depreender, com Miller, a fórm ula que reverbera com o advert ência: nem t udo é
significant e( 30) . Todas essas precauções apont am para um m esm o rum o, onde est á: o
gozo.
Por out ro lado, há indicações precisas de que o psicofárm aco poderia ser um a int ervenção
possível quando não se pode cont ar com a eficácia do significant e. Cit arei Freud:
“ Esperam os que o fut uro nos ensinará a agir diret am ent e, com a aj uda de subst âncias
quím icas, sobre a quant idade de energia e a sua dist ribuição no ‘aparelho psíquico’. É
possível que descubram os, ent ão, out ras possibilidades t erapêut icas, ainda
insuspeit adas” .( 31)
Em seu art igo Com o engolir a pílula, Eric Laurent com ent a um a cit ação de Lacan no Pequeno
discurso aos psiquiat ras ( 1967) : “ A psiquiat ria ent ra na m edicina geral a part ir da seguint e
base: que a m edicina geral, ent ra ela m esm a, int eiram ent e, no dinam ism o farm acêut ico.
Evident em ent e, produzem - se aí coisas novas: obnubila- se, t em pera- se, int erefere- se ou
m odifica- se...” ( 32) . Laurent afirm a que os t erm os obnubilação e t em pero sit uam o
psicofárm aco a part ir da fam ília dos anest ésicos. E acrescent a: “ Num t ext o m ais ant igo,
Lacan fazia a equivalência ent re o Édipo e um a dose de anest ésico. Poderíam os ainda
reform ulá- la com o prim eiro paradigm a do gozo em Lacan. O Édipo perm it e a
significant ização, a neut ralização do gozo. Nesse sent ido, ele é sublim ação ou
anest esia” .( 33)
Volt arei, agora à pergunt a: Haveria lugar para o psicofárm aco no cont ext o de um
t rat am ent o psicanalít ico?
As cit ações de Freud e de Lacan perm it em - nos precisar, port ant o, qual seria a diferença
ent re a função do psicofárm aco num t rat am ent o psiquiát rico de orient ação biológica e num
possível t rat am ent o psicanalít ico. Resum indo: para a psiquiat ria, o psicofárm aco visa ao
sint om a, para a psicanálise, visaria ao gozo. Nos dizeres de Freud, as subst âncias quím icas
poderiam influir sobre a quant idade de energia e sua dist ribuição no aparelho psíquico, ou
sej a, na regulação do gozo. Nos dizeres de Lacan, haveria um a equivalência ent re o Édipo e
um a dose de psicofárm aco, na m edida em que am bos int roduzem um a neut ralização, um
t em pero do gozo.
Eu daria com o respost a sim , deixando bem claro: é radicalm ent e diferent e o lugar ou a
função do psicofárm aco num t rat am ent o psicanalít ico e num t rat am ent o psiquiát rico de
orient ação biológica. No últ im o, com o foi expost o, o m edicam ent o visa à redução ou
elim inação dos sint om as, buscando a adapt ação ou a conform idade social. Por out ro lado,
um a art iculação com a clínica psiquiát rica t endo em vist a o em prego do psicofárm aco
com pat ível com a perspect iva psicanalít ica visaria a efeit os não sobre os sint om as, m as
sobre o gozo. O psicofárm aco est aria a serviço, ent ão, de cert a regulação ou de cert o
t em pero do gozo, operação essa de algum m odo im possibilit ada de ser efet ivada pela via do
significant e. E, o que é m ais im port ant e, seria um a int ervenção sob a ét ica da psicanálise,
subordinada à aut ent icidade do suj eit o.
O be m e o be m - e st a r
No âm bit o do present e t rabalho a ét ica t em desem penhado a função de um divisor de
águas. Mot ivo que m e leva a ret om ar o t em a e apresent ar m ais alguns aspect os. Com eçarei
por um a consideração fundam ent al: a ét ica da psicanálise é diferent e da m aioria das dem ais
na m edida em que inclui um a cisão ent re bem e bem - est ar. Dizendo com out ras palavras: o
suj eit o busca um bem que não lhe proporciona bem - est ar. É o que Freud sit ua além do
princípio do prazer e que Lacan denom ina gozo. Com efeit o, o gozo const it ui um bem para o
suj eit o, inclusive um bem absolut o, separado de seu bem - est ar, um bem que
freqüent em ent e se t raduz por m al- est ar, quando não se confunde com a dor.( 34) A
expressão m áxim a dessa divisão do suj eit o cont ra si m esm o é o supereu.
A idéia de um para além do princípio do prazer deu origem ao conceit o freudiano de pulsões
de m ort e, rej eit ado por m uit os psicanalist as com o especulação filosófica. No ent ant o, t rat ase precisam ent e do cont rário: de algo suscit ado pela clínica e nela ancorado. É um a
form alização t eórica que procura dar cont a de achados clínicos im port ant es, com o, por
exem plo, a com pulsão à repet ição, a reação t erapêut ica negat iva, o m asoquism o. Muit os
psicanalist as em inent es consideram o supereu com o o m ais clínico dos conceit os
psicanalít icos.
A dificuldade de adm it ir t ais proposições t em out ro fundam ent o. O discurso capit alist a,
hegem ônico em nossa época, sust ent a- se na ét ica do bem - est ar e prom et e, com os
produt os da ciência, felicidade out rora inim aginável. A psicanálise, no m undo
cont em porâneo, é int olerável não m ais pelo sexo, hoj e explícit o na novela das 20 horas, não
m ais pelo inconscient e, num a civilização em que os obj et os m ais- de- gozar superam os
ideais. O que t orna a psicanálise hoj e insuport ável é a post ulação das pulsões de m ort e, é a
verificação de um para além do princípio do prazer.
A coincidência do bem com o bem - est ar vem desde Arist ót eles, para quem o Bem Suprem o
é da ordem da felicidade.
Em Kant j á se pode encont rar a cisão ent re bem e bem - est ar: “ É preciso que o hom em
est ej a apegado a algum bem que o separe de sua com odidade para que chegue a ser
m oral.” ( 35) Ele dist ingue das Gut e, o Bem , de das Wohl, o bem - est ar. Nesse sent ido, é um
precursor do além do princípio do prazer.
Não há referência m elhor do que a kant iana para a conciência m oral. Exem plo disso é o que
ele denom inou im perat ivo cat egórico: “ Age de t al m odo que a m áxim a de t ua vont ade possa
valer- t e sem pre com o princípio de um a legislação universal.” ( 36) Há, assim , subordinação
radical do prazer à lei universal. Em nom e da m oralidade universal, a exigência de renúncia
às pulsões. Trat a- se, port ant o, de um a ét ica do racalcam ent o, sendo possível ident ificar o
im perat ivo cat egórico kant iano ao supereu.
O m al- est ar na civilização é um t ext o fundam ent al para o desenvolvim ent o do conceit o de
supereu. Ali Freud descreve a sua gênese. Farei um a breve recapit ulação. Num prim eiro
m om ent o, a renúncia à pulsão se faz frent e a um a aut oridade ext erna, que am eaça com
perda de am or e cast igo. Há quem perm aneça nesse nível, de um a m oralidade ext erior, cuj o
suport e é a polícia, a j ust iça, a presença do Out ro. Num segundo t em po, surge a
organização do supereu com o um a aut oridade int erna e a renúncia se deve ao m edo dele. O
supereu com o um a int roj eção do Out ro. Num t erceiro t em po, o paradoxo: cada renúncia à
pulsão, em vez de aplacar, aum ent a a severidade do supereu.( 37) O supereu exige renúncia
e est a, por sua vez, engorda o supereu. É o que Lacan, em Televisão, cham a de “ a gula do
supereu” . Da agressividade que o suj eit o ret orna cont ra si m esm o provém , port ant o, o que
se cham a a energia do supereu.
Miller com ent a que a renúncia à pulsão não é a renúncia ao gozo. Se não há renúncia, o
suj eit o goza. Se há renúncia, o suj eit o goza de renunciar. Ou goza porque com eu a
m arm elada, ou goza porque não com eu a m arm elada.( 38) Ou goza desde o isso, ou goza
desde o supereu. Daí a afirm ação de Lacan, t am bém em Televisão, que “ o suj eit o é
feliz” .( 39)
O paradoxo apresent ado ( a renúncia à pulsão aum ent a a severidade do supereu) prepara o
t erreno para out ro aspect o da quest ão. Lacan considera o im perat ivo cat egórico um a
enunciação sem enunciado. E usa Sade para explicit ar, num encont ro quase surrealist a, o
obj et o da ét ica, que est á escondido em Kant . Nesses t erm os form ula o im perat ivo sadeano:
“ Tenho o direit o de gozar de t eu corpo, pode dizer- m e qualquer um , e exercerei esse direit o,
sem que nenhum lim it e m e det enha no capricho das ext orsões que m e dê gost o de nele
saciar.” ( 40)
Trat a- se da descrição da experiência de gozo com o fundam ent al. Se a m áxim a kant iana
corresponde ao supereu, a m áxim a sadeana corresponde ao Goza! , que é o im perat ivo do
supereu. Exigência paradoxal, exigência de gozo absolut o, im possível e não perm it ido.
Por que razão usar o cúm ulo da im oralidade para esclarecer o cúm ulo da m oralidade? Lacan
avança, na verdade, na t rilha abert a por Freud: o que sust ent a a consciência m oral é o gozo
da pulsão. A crueldade sádica do supereu nada m ais é do que um deslocam ent o das
exigências pulsionais. E a m oral kant iana, com seu rigor absolut o, é a out ra face da
perversão polim orfa sadeana. Com o lem bra Freud num a célebre form ulação, a psicanálise
veio dem onst rar não só que os hom ens são m ais im orais do que adm it em , com o t am bém
que eles são m ais m oralist as do que supõem .
A é t ica do de se j o
No horizont e da psicanálise há um a ét ica que não é do bem - est ar, que não é da
universalidade, que não é do supereu. Para apresent a- la em t erm os m ínim os é necessário
sit uar, prim eiro, a ant inom ia ent re desej o e gozo.
No Proj et o encont ram os a m enção de Freud a um a experiência ( m ít ica) de sat isfação plena
( Befriedgungserlebnis) . Corresponderia à relação incest uosa; com efeit o, o obj et o de
sat isfação, a Coisa ( das Ding) , Out ro absolut o do suj eit o, é a m ãe, o obj et o do incest o.( 41)
E Lacan afirm a que “ das Ding é o fundam ent o, derrubado, invert ido, em Freud, da lei
m oral.” ( 42) A experiência m ít ica de sat isfação plena é o gozo absolut o, exat am ent e o que é
t ranspost o com o im perat ivo superegóico: Goza!
Por out ro lado, o que Lacan cham a de lei sim bólica ou lei do pai é a que dit a a proibição do
incest o, que im plica não apenas o “ não t e deit arás com t ua m ãe” dirigido à criança, com o,
t am bém , um “ não reint egrarás o t eu produt o” endereçado à m ãe.( 43) O Nom e- do- Pai, ou
pai sim bólico é, no Out ro, um significant e especial, que funda a lei. E a inst ância que exerce
de m aneira duradoura a função de lei proibidora é o supereu. Nesse aspect o, é um vest ígio
da resolução do conflit o principal da cena edipiana. É célebre a fórm ula freudiana segundo a
qual “ o supereu é o herdeiro do com plexo de Édipo” . Lacan com ent a a propósit o:
“ at enham o- nos ao supereu edipiano. Que ele nasça no declínio do Édipo quer dizer que o
suj eit o incorpora sua inst ância ( int erdit ora) .” ( 44)
O supereu, por conseguint e, é um a inst ância paradoxal. Nele pode- se dist inguir o que se
cham a de supereu pat erno ou edipiano ( freudiano) , com função int erdit ora de gozo, e o que
se cham a de supereu m at erno, pré- edipiano ( lacaniano) , que é um a exort ação de gozo. O
que a lei sim bólica int erdit a, ent ão, é a sat isfação im pensável do desej o incest uoso da
criança, ou sej a, o gozo absolut o. Ao barrar o gozo puro, est abelece um a perda de gozo,
define um a falt a. Nessa falt a se origina o desej o. A lim it ação do gozo abre espaço para o
desej o. A rigor, só se pode falar em desej o quando est á inscrit a a lei sim bólica. Desej o e
gozo são, assim , ant inôm icos.
O gozo absolut o exclui o desej o. E a lim it ação do gozo pelo significant e deixa um rest o de
gozo, o obj et o m ais- de- gozar, obj et o ( a) , que é t am bém obj et o causa de desej o.
Encont ram os, com o desej o, novo paradoxo. Ele se origina de um a falt a e, se o suj eit o se
dirige a um obj et o, é para preenchê- la. Em out ros t erm os, o desej o busca a sat isfação
plena, quer dizer, prossegue a procura da sat isfação incest uosa, ainda que proibida. E que,
se alcançada, aniquilaria o desej o ( daí, t alvez, aquela expressão: m at ar o desej o) . Por esse
m ot ivo o desej o é, a um só t em po, vont ade e rechaço de gozo. Razão pela qual é,
necessariam ent e, desej o insat isfeit o. “ O desej o é a sua insat isfação.” ( 45)
Na clínica, verificam os que o obsessivo, pert urbado com o conflit o inerent e à sat isfação,
perde- se na dúvida e na indecisão e procura desconhecer seu desej o. A hist érica, por sua
vez, m ira o im possível da plenit ude e só consegue realçar ainda m ais sua falt a, afogando- se
na insat isfação. No curso de um a análise cam inha- se do desej o não decidido para o
decidido; do desej o im possível para o est rut uralm ent e insat isfeit o.
É im port ant e salient ar que, se de um lado, enquant o inst ância int erdit ora, o supereu é
função coordenada ao desej o, por out ro lado, enquant o exort ação de gozo, ele se opõe ao
desej o. No seu sem inário sobre A ét ica da psicanálise, Lacan diz que a experiência
psicanalít ica perm it e const at ar que, se o suj eit o se sent e efet ivam ent e culpado, isso
acont ece sem pre, na raiz, na m edida em que ele cedeu de seu desej o.( 46)
O suj e it o é se m pr e r e sponsá ve l
“ Por nossa posição de suj eit o, sem pre som os responsáv eis. Que cham em a isso com o
quiserem , t errorism o.” ( 47) De form a radical e provocadora, Lacan assim se expressa, num a
form ulação que t em sérias im plicações ét icas. Apont ar a responsabilidade do suj eit o é
diferent e de apont ar a influência dos neurot ransm issores, da genét ica, da fam ília, do Out ro.
Novam ent e, aqui, a ét ica da psicanálise se diferencia.
A idéia de responsabilidade est á t radicionalm ent e ligada à idéia de culpa, num a conot ação
j urídica ou m oral. É im port ant e, do pont o de vist a psicanalít ico, o sent im ent o de culpa;
significa um suj eit o responsável, um suj eit o ét ico. Um canalha é, precisam ent e, alguém que
se desculpa de t udo.( 48)
A culpa pressupõe o suj eit o de direit o que, assim com o o Est ado de direit o, é indispensável
à psicanálise. Por essa razão —concordando com Viganò— considero a definição de
reabilit ação dada por Franco Rot elli m ais próxim a da prát ica desenvolvida sob a orient ação
lacaniana. Rot elli assim afirm a: “ A reabilit ação, em psiquiat ria, pode ser ident ificada com o
um program a de rest it uição, reconst rução e, às vezes, const rução do direit o pleno à
cidadania e da const rução m at erial de um direit o com o t al.” ( 49)
O que não quer dizer, ent ret ant o, que a psicanálise est á aí para culpar ou punir o suj eit o.
Ela part e do sent im ent o de culpa para chegar à responsabilidade, m as considerando- o a
“ pat ologia” da responsabilidade. Part e da culpa para chegar ao “ crim e” desconhecido. A
perspect iva psicanalít ica procura, pelo cont rário, ret irar a idéia de responsabilidade do
cont ext o m oralist a. Responsabilizar pode, num prim eiro m om ent o, confront ar o suj eit o com
um a sit uação penosa. Não obst ant e, num segundo m om ent o, põe a seu alcance m eios que
ele havia repelido. Não é t errorism o; é apost a no suj eit o.
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14. GORENSTEI N, C. & COLS. Escalas de Avaliação Clínica em Psiquiat ria e
Psicofarm acologia. São Paulo: Lem os- Edit orial, 2000, p. 401.
15. Classificação de Transt ornos Ment ais e de Com port am ent o da CI D- 10. Organização
Mundial de Saúde. Port o Alegre: Art es Médicas, 1993, p. 5.
16. SOLER, C. El sínt om a en la civilización. I n: Diversidad del sínt om a. Buenos Aires: EOL,
1996, p. 95.
17. VI GANÒ, C. A const rução do caso clínico. I n: Curinga, nº 13. Belo Horizont e: Escola
Brasileira de Psicanálise – Minas Gerais, set em bro de 1999, p. 50- 1.
18. LALANDE, A. Vocabulário Técnico y Crít ico de la Filosofía. Op. cit ., p. 331.
19. LALANDE, A. Vocabulário Técnico y Crít ico de la Filosofía. Op. cit ., p. 656.
20. Dicionário Houaiss da língua port uguesa. Rio de Janeiro: Edit ora Obj et iva, 2001, p.
1271.
21. Dicionário Houaiss da língua port uguesa. Op. cit ., p. 1958.
22. MI LLER, J.- ª Ensenanzas de la present ación de enferm os.Ornicar? nº 3. Barcelona:
Pet rel, 1981, p. 58.
23. MI LLER, J.- A Respost as ao paradoxo. I n: Lacan Elucidado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Edit or, 1977, p. 569.
24. BI NSWANGER, L. El caso de Ellen West . Est udio ant ropológico- clínico. I n: MAY, R., ed.
Exist encia. Nueva dim ensión es psiquiat ría y psicología. Madrid: Gredos, 1967, p. 288- 434.
25. MI LLER, J.- A. L’hom ologue de Malaga. I n: Le t em ps fait sym pt ôm e. Paris: ECF, La Cause
freudienne, nº 26, 7- 16, février 1994, p. 9.
26. VI GANÒ, C. A const rução do caso clínico em Saúde Ment al. Op. cit .
27. ZENONI , A. Psicanálise e I nst it uição. A Segunda Clínica de Lacan.I n: Abrecam pos, Ano
1, Nº 0. Belo Horizont e: I nst it ut o Raul Soares, 2000, p. 19.
28. MI LLER, J.- A. Lições sobre apresent ação de doent es. I n: Os casos raros, inclassificáveis,
da clínica psicanalít ica. A conversação de Arcachon. São Paulo: Bibliot eca Freudiana
Brasileira, 1998, p. 202.
29. MI LLER, J.- A . Psicanálise pura, psicanálise aplicada & psicot erapia. I n: Phoenix, nº 3.
Curit iba: Escola Brasileira de Psicanálise – Delegação Paraná, set em bro 2001, p. 29.
30. MI LLER, J.- A. Duas Dim ensões Clínicas: Sint om a e Fant asia. I n: Percurso de Lacan. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Edit or,1987, p. 94.
31. FREUD, S. cit ado por DELAY, J. New t rends in psychopharm acology. I n: Proceed. Of t he
I V World Cong. Of Psych., 1: 283- 287, Sept . 1966.
32. LACAN, J. Pet it discours aux psychiat res ( 1967) ( inédit o) .
33. LAURENT, E. Com o engolir a pílula? Op. cit ., p.
34. MI LLER, J.- A. Clínica del superyó. I n: Recorrido de Lacan. Buenos Aires: Manant ial,
1984, p.. I n: Recorrido de Lacan. Buenos Aires: Manant ial, 1984, p. 139.
35. MI LLER, J.- A. Clínica del superyó. Op. cit ., p. 140.
36. KANT, E. Crít ica da Razão Prát ica. Rio de Janeiro: Ediouro, p. 40.
37. FREUD, S. O m al- est ar na civilização.ESB, Vol.XXI . Rio de Janeiro: I m ago,1974, p.1512.
38. MI LLER, J.- A. Lógicas de la vida am orosa. Buenos Aires: Manant ial, 1991, p. 56.
39. LACAN, J. Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Edit or, 1993, p.45.
40. LACAN, J. Kant com Sade. I n: Escrit os. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Edit or, 1998, p. 780.
41. Pode- se est abelecer um a correlação ent re das Ding freudiana e o Bem Suprem o
arist ot élico, das Gut e kant iano, o im perat ivo sadeano e a vont ade de gozo lacaniana.
42. LACAN, J. O sem inário. Livro 7. A ét ica da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Edit or, 1988, p. 90.
43 i. LACAN, J. O Sem inário. Livro 5. As form ações do inconscient e. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Edit or, 1999, p. 209.
44. LACAN, J. O Sem inário. Livro 7. A ét ica da psicanálise. Op. cit ., p. 368.
45. MI LLER, J.- A. Dem anda e desej o. I n: Lacan elucidado. Op. cit ., p. 448.
46. LACAN, J. O Sem inário. Livro 7. A ét ica da psicanálise. Op. cit ., p. 382.
47 . LACAN, J. Ciência e verdade. I n: Escrit os. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Edit or,1998, p.
873.
48. MI LLER, J.- A. Pat ología da ét ica. I n: Lacan elucidado. Op. cit ., p.337.
49. VI GANÒ, C. A const rução do caso clínico em Saúde Ment al. I n: Curinga nº 13. Belo
Horizont e: Escola Brasileira de Psicanálise, set . 1999, p. 53.
UM M ATEM A PARA A SUPERVI SÃO*
Lá za r o Elia s Rosa
1 ) I N TROD UÇÃO
Vivem os um m om ent o fecundo nas Escolas da AMP. Um m om ent o de ret orno a Lacan — ao
At o de Fundação. Os colegas que m e ant ecederam aqui o abordaram sob vários ângulos.
O Conselho da EBP- MG, ao eleger o t em a Em Direção a um a Polít ica da Supervisão, foca seu
t rabalho na Seção de Psicanálise Pura, onde Lacan inclui a supervisão dos psicanalist as em
form ação( 1) .
Abordarei a quest ão a part ir de um conceit o que se encont ra no At o de Fundação, m as não
cont em plado no recort e feit o pelo Com it ê de Ação da Escola Una, qual sej a, o da
Transferência de Trabalho.
Quant o à Supervisão, Lacan se refere a ela nos seguint es t erm os: ...a supervisão é
im perat iva..., ...ent rada em supervisão..., ...supervisão qualificada..., e, ainda, ...a Escola...
vai assegurar as supervisões convenient es ( 2) . Cert o de que, aqui, os regulam ent os
est ariam fadados aos próprios descum prim ent os, Lacan não os form ulou. Por out ro lado,
deixou- nos um conj unt o de indicações que são verdadeiros m ar cos balizadores de princípios,
que exigem esforços de pesquisa para serem t ransform ados em operadores de nossa
prát ica.
2 ) POLÍ TI CA LACAN I AN A
“ Quando falo de Polít ica Lacaniana não se t rat a de narrar acont ecim ent os que envolveram
Lacan inst it ucionalm ent e, m as de ext rair deles princípios” ( 3)
Em Lacan, é possível falar de t rês sent idos para o t erm o Polít ica:
a) Sent ido Geral: As opiniões de Lacan, inclusive suas const ruções, seus m at em as.
b) Polít ica na Psicanálise: Diz respeit o à posição de Lacan, dos analist as, não só em relação
a I PA, m as t am bém aos colegas, aos alunos, aos pacient es e ao público.
c) Polít ica na Cura: Aqui, t rês t erm os, Tát ica, Est rat égia e Polít ica são art iculados
respect ivam ent e à I nt erpret ação,Transferência e à finalidade m esm a da cura analít ica. Est a
últ im a, a polít ica para a cura, inclui os obj et ivos da form ação dos analist as e da conclusão
da cura( 4) .
3 ) O ATO D E LACAN
Qual foi o at o de Lacan e o que ele inaugurou em 21/ 06/ 64? Seu At o “ inaugurou um a
disj unção inédit a, j am ais pensada — a disj unção ent re Psicanálise e I PA” . ( 5)
A expressão Escola com o Experiência I naugural se encont ra na Not a Adj unt a e é aí que
Lacan enuncia: “ o ensino da psicanálise não se pode t ransm it ir de um suj eit o ao out ro a não
ser pelas vias de um a t ransferência de t rabalho. ...os sem inários nada fundarão se não
rem et erem a essa t ransferência” . ( 6)
A razão m esm a do At o de Fundação da Escola seria a de perm it ir que se efet ue a
t ransferência de t rabalho com o t ransm issão de um ao out ro, efet uada segundo o m odelo da
experiência analít ica. I st o é absolut am ent e novo na hist ória da psicanálise — a Escola com a
finalidade de m inim izar t odo e qualquer obst áculo a t ransm issão da Psicanálise. A Escola foi
fundada para o ensino de Lacan, o que lhe foi ret irado desde Est ocolm o — daí, princípios e
polít icas em vez de regras ( 7) .
Todo esforço que fizerm os no sent ido de t raçar polít icas e princípios é um a recuperação da
presença de Lacan — desde um sim ples acolhim ent o de alguém que desej a ser escut ado
num dado m om ent o, a cada conclusão de cura verificada pelo passe. “ A Escola é a casa de
Lacan, quer dizer, feit a com plet am ent e para sust ent ar a t ransferência de t rabalho” . ( 8)
Quant o à form ação, há um princípio em Lacan: “ não ceder frent e ao real nela em j ogo” . A
vida de Lacan nos m ost ra que, est e princípio, ele o ent endeu, com o “ não ceder frent e os
efeit os t ransferenciais de seu ensino — ele os assum iu at é o final” . Escut am os aí o eco de
um princípio ét ico célebre de Lacan: “ não ceder sobre seu desej o” .( 9)
4 ) O REAL EM JOGO N A FORM AÇÃO
“ Denom ina- se At o o que é suscept ível de isolar o Real em j ogo na form ação analít ica. Est a
definição é dada em At o por Lacan com o respost a ao sent im ent o de vazio de seus alunos.
Lacan vai preencher esse vazio com o Passe e com um a redefinição da prát ica analít ica em
t erm os de At o” . ( 10) * * .
Com o episódio do seu fracasso com a Proposição,
“ ( ...) quando reconhece que não conseguiu desaloj ar seus alunos de suas posições, Lacan
nos diz que eles, finalm ent e, preferiram o sem blant e de decisões calcadas na form a, em vez
de considerarem o de que se t rat a o Real. Cada vez que se percebe que o respeit o às form as
t riunfa sobre o Real em j ogo, o que se capt a é o sent im ent o de fracasso” . ( 11)
Penso que est e índice pode ser elevado ao nível de princípio, pois é preciso considerar o fat o
de que um significant e pode receber significações m uit o diferent es ao longo do t em po ( 12) .
“ Foram necessários m uit os anos para que Proposição e Passe deixassem de ser um a
em presa perversa, um experim ent o paranóico e um a aberração de Lacan” . ( l3) .
Não ceder frent e o real em j ogo perm it iu a Lacan t odo o avanço obt ido a part ir de 1967.
Mas, quant o a ist o é bom est arm os advert idos de que “ nada prot ege o Passe de t ornar- se
t am bém um a cerim ônia” ( 14) j á que ele, além de sua face clínica, cont ém t am bém um a face
inst it ucional, e com o t al, suj eit o ao real em j ogo que visa afront ar. Essas duas faces devem
se art icular e nos colocam quest ões cruciais para nossa própria orient ação.
Se a Escola faz Psicanálise e I PA se separarem , o Passe faz rom per o que pode t er ficado de
m al ent endido de “ Análise Term inável e I nt erm inável” . Lacan propõe, com o Passe, que há
final de análise. O Passe consist e em dizer o que é exat am ent e esse final, ist o é, um a
análise perfeit am ent e t erm inada. “ Trat a- se de um a rupt ura de Lacan com o t ext o freudiano
de 1937 — um a sensacional e ousada rupt ura — t ant o que o t ext o não é cit ado por Lacan na
Proposição” . ( 15)
Penso que há rupt ura sim , m as com o que de equivocado se foi convencionando a part ir do
m onum ent al t ext o de Freud. Seria necessário um exploração m aior do que nele se post ula
com o sendo Rest o. Não se poderia dizer a part ir dist o e por ist o — porque ao final há um
rest o — que um a análise é int erm inável e poderia ser levada ao infinit o de um a seqüência
de sessões. Pelo cont rário, ent endo que Lacan form aliza no Passe o que é esse final,
ret om ando o rest o em sua dim ensão de Real, de im possível, de lim it e, que é exat am ent e o
pont o a ser t ocado para que a análise se conclua e, se aí se chega na em preit ada, é porque
a análise é perfeit am ent e t erm inável.
5 ) TRAN SFERÊN CI A D E TRABALH O E SURPERV I SÃO
Ret om o a Not a Adj unt a: “ O ensino da psicanálise não pode se t ransm it ir de um suj eit o ao
out ro a não ser pelas vias de um a t ransferência de t rabalho. Os sem inários, incluindo o m eu
nos Alt os Est udos, nada fundarão se não rem et erem a essa t ransferência” . ( 16)
Est a frase de Lacan não concerne à direção da cura, m as ao ensino, à t ransm issão da
psicanálise. O t rabalho em quest ão só poderia ser o do analist a, de algum m odo se pondo no
lugar de analisant e, daquele que fala, que ensina. Os t erm os m aiores são Trabalho e Escola.
Est a é um organism o para realiza- lo. O t rabalho seria um único “ ( ...) rest aurar a lâm ina
cort ant e da verdade freudiana... ...obj et ivo... indissolúvel de um a form ação a ser m inist rada
nesse m ovim ent o de reconquist a” . ( 17) .
Out ro t erm o é Transferência, que em Freud é Übert ragung, cuj o sent ido original é
passagem , deslocam ent o de um lugar para out ro. O que viria em 67, o Passe, j á se encont ra
aí, nesse t erm o inaugural de Freud.
O que Lacan nos diz é que há t rabalho que se t ransfere e que ist o se dá unicam ent e de um
suj eit o ao out ro — e não de um suj eit o para um a m assa de suj eit os. “
“ Est a lógica t em um a est rut ura de recorrência m at em át ica de sucessão engendrada pela
cláusula + 1, que perm it e part ir de Zero e cont inuar at é o infinit o. É est a linha de recorrência
que nos perm it e indicar que a t ransferência de t rabalho não se inscreve ent re Um , e Todos.
Pelo cont rário, t al com o a experiência psicanalít ica, concerne ao laço de Um com Um , de Um
com Out ro, e não de Um com Todos” . ( 18) .
À pergunt a o que é que é que se supõe que é passado de Um a Out ro na Transferência de
Trabalho, a respost a “ é precisam ent e o t rabalho, ou sej a, Transferência de Trabalho é Passe
de Trabalho. Ent ão, há que se t rabalhar, pois, se vadiar, o que se t em é Passe de
Preguiça.” ( 19) .
No At o de Fundação a idéia de Transferência de Trabalho est á ligada à indução, t erm o de
Lacan para “ conduzir à, conduzir para dent ro. Para que est a indução sej a realizável é
necessário que rest e algo a fazer, a induzir ao t rabalho” . ( 20) . Art iculado à indução e à
Transferência de Trabalho, encont ram os o t erm o I m passe — t am bém aqui encont ram os o
Passe.
Além da vert ent e indut iva, em cont ra- pont o, há a idéia de exdução, a qual conduziria o
analisant e para fora da análise. Aqui, quero apenas assinalar que “ no Passe se t em est a
dupla dim ensão do que nele se ganha e do que se perde” . Tant o num caso quant o no out ro
diz respeit o ao Saber. “ O que se ganha, ao final, é o desej o de Saber e o que se perde é o
horror ao Saber” . ( 21) . O que sust ent a o suj eit o em análise é o am or ao saber, quer com o
t ransferência quer com o t rabalho da m esm a.
“ O desej o de saber vem ao final — é o novo que se ganha da experiência. Passa- se do am or
ao desej o. Est e desej o de saber com eça m ais além da t ransferência e de seu t rabalho,
necessário para produzir saber. Trat a- se port ant o de passar do am or ao saber, ao t rabalho
pelo saber” .( 22) .
Em “ Cinco Variações sobre o Tem a da Elaboração Provocada” , ( 23) o Discurso da Hist eria,
t om ado com o paradigm a do discurso da ciência, é m anipulado em sua est rut ura,
fornecendo- nos os m at em as do Trabalho da Transferência e da Transferência de Trabalho. A
sim plicidade do art ifício dispensa qualquer exposição m ais det alhada. Eis o m at em a:
O art ifício consist e em deslocar o pequeno a de seu lugar est at ut ário e coloca- lo ant es de $,
esvaziando o lugar da verdade e t ransform ando o de m ais de gozo em agent e provocador,
assim :
Ent ão, de a a $ há Trabalho de Transferência, que prolongado dessa m aneira, t ransform a- se
em Transferência de Trabalho, assim :
O art ifício do deslocam ent o de a de seu lugar est at ut ário im plica na m udança de seu
est at ut o de + de gozar para o de causa de desej o –condição necessário para o surgim ent o
de seu poder de causar, provocar o suj eit o barrado para o t rabalho próprio que aí se realiza.
Por out ro lado, o suj eit o t eria t ido, aí, o seu gozo esvaziado, o que só é possível, penso,
quando o próprio t rabalho da t ransferência t eria sido levado ao pont o de poder t er
provocado no suj eit o, em sua relação com seus significant es m est res, um a alt eração capaz
de leva- lo a produzir saber, não m ais por am or, m as pela via de um desej o, novo, o de
saber, desej o de t rabalhar pelo saber.
Est a fórm ula m at ém ica nos m ost ra “ a posição m esm a em que Lacan se sust ent ou no seu
ensino: incit ando a saber, m as em posição de analisant e e só falando a part ir de Freud” .( 24)
Todo analist a que se proponha à t ransm issão de orient ação lacaniana da Psicanálise, t erá
que se confront ar com o fat o de que:
“ ( ...) as relações com seus analisant es e as relações com a psicanálise são dois regist ros
dist int os que não obst ant e se art iculam , pois não se poderia est ar em boa posição com seus
analisant es sem elucidar suas relações com a psicanálise m esm a. A psicanálise com o
prát ica, com port a um saber- fazer, e podem os dizer que est e se t ransm it e pela supervisão, a
qual não t em nenhum valor se lim it a- se a paut ar as relações do analist a aprendiz —em
posição de aprendiz— com seus pacient es. A supervisão não vale nada se não apont a para
um m ais além , qual sej a, as relações do analist a em form ação com a psicanálise.” ( 25)
Trago, ent ão, o que pude form ular com o conclusão, ressalvando que se t rat a de pont os para
serem debat idos:
1. Há Transferência de Trabalho nos m ais diferent es lugares e est ágios que um analist a em
form ação possa se encont rar, adm it o ist o sim , “ m as a verdadeira t ransferência de t rabalho
só se inst ala ao final da análise — é ela, afinal, o elem ent o que garant iria o ensino da
psicanálise, t ransm it ida de um a out ro, com o ent endeu Lacan” .
2. A supervisão, com o form a de t ransm issão da psicanálise enquant o um a prát ica, se
sust ent a na Transferência de Trabalho, e o m at em a de Miller, acim a referido e aj ust ado,
poderia ser a expressão da est rut ura que se const rói quando se encont ram o analist a
prat icant e em form ação e o analist a por ele escolhido com o seu supervisor.
3. Est a est rut ura não seria nem a do discurso do analist a nem a do discurso da hist eria, m as
art icula am bos, quando se t rat a do “ com ent ário cont ínuo do at o e de m ant er viva e em
est ado nascent e a psicanálise” ( 26) .
4. Há na supervisão um t ensionam ent o cont ínuo que art icula um a ét ica — a da psicanálise:
ét ica do bem dizer, e um a t écnica, “ onde Freud e Lacan const it uem nosso Out ro, enquant o
poços de ciência, figuras de t odo saber” .( 27) Essa t ensão deve assim ser vet orizada:
Re fe r ê ncia s Bibliogr á fica s:
1) Lacan, J. – “ At o de Fundação” . I n: Anuário da Escola Brasileira de Psicanálise - ano 2000,
pg. 88.
2) I dem , pg. 88 e 91.
3) MI LLER, J- A. – Polít ica Lacaniana – Sem inário de 1997- 1998 – Buenos Aires: Coleccion
Diva, 1999 - pg. 12.
4) I dem - pg. 9 e10.
5) I dem - pg. 20.
6) Lacan, J. – “ At o de Fundação” , op. cit ., p. 91 e 92.
7) MI LLER, J- A. – Polít ica Lacaniana. Op. cit ., pg. 23.
8) I dem p. 26.
9) I dem p. 28.
10) I dem p. 34 e 35.
11) I dem p.34
12) I dem p. 35.
13) I dem p. 34 e 35.
14) I dem p. 35
15) I dem p. 43.
16) LACAN- J. – At o de Fundação. Op. cit . pg. 92.
17) I bid., p. 87.
18) MI LLER, J- A. El Banquet e de los analist as –Buenos Aires: Paidós. – Ano 2000 - pp 180181.
19) MI LLER, J- A. – Orient ação Lacaniana - p. 182
20) I dem p. 182.
21) I dem p. 189.
22) I dem p. 190.
23) MI LLER, J.A. – “ Cinq. Variat ions sur le Them e de ‘L’Elaborat ion Provoquee’” . La Let t re
Mensuelle – nº .61 – pp. 5- - 11.* * *
24) I dem p. 10.
25) MI LLER, J- A. El Banquet e de los analist as. op. cit . p. 10.
26) Com it ê de Ação da Escola Una – “ O princípio da Supervisão na Escola” . Correio - Revist a
da Escola Brasileira de Psicanálise – nº . 31 – Nov. de 2000 – p. 9.
27) MI LLER, F- A. – “ Ét ica e Form ação dos Analist as” – I nt ervenção na “ Soirée” da Garant ia
em 12.02.1990. Paris. I nédit o - p. 13.
28) I bid., p. 22
* Est e t ext o foi apresent ado originalm ent e com o t ít ulo “ Transferência de Trabalho e
Supervisão” , nos Sem inários do Conselho da EBP- MG, do ano 2001, cuj o t em a era “ Rum o a
um a Polít ica da Supervisão” , no dia 27.09.2001. Agradeço a colega Márcia Rosa pela
inspiração do t ít ulo at ual, que t ão bem nom eia a cont ribuição que pude t razer, à época, para
o debat e.
* * A época de sua “ Proposição” o t em a de seu sem inário era O At o Analít ico.
* * * Há t radução para o port uguês, publicada em : O Cart el – St ella Jim enez ( organizadora) .
Rio de Janeiro: Edit ora Cam pos, 1994.
Conside r a çõe s inicia is sobr e Psicose e D e bilida de
H e nr i Ka ufm a n ne r
Em seu t ext o “ À cot é de la plaque” , Pierre Bruno nos faz um a breve int rodução sobre a
ent rada do conceit o “ debilidade m ent al” no ensino de Lacan. I nform a- nos que a expressão
“ debilidade m ent al” foi criada em 1909 por Dupré, e que est a expressão est endia ao m ent al
um a qualificação que at é ent ão era reservada ao físico. Aliada a psicot écnica, a noção de
debilidade ganha um a base m ensurável, em bora de cient ificidade quest ionável, que perm it e
avaliar a debilidade com o um déficit em relação a um a com pet ência int elect ual, que t eria a
sua norm alidade est abelecida est at ist icam ent e. Tal noção, t odos nós sabem os, persist e at é
hoj e.
A prim eira abordagem m ais consist ent e da debilidade t ent ando abrir o cam inho para um a
int ervenção da psicanálise se deu com Maud Mannoni e seu livro que em port uguês se
cham a “ A criança ret ardada e sua m ãe” . Mannoni descola a debilidade de um a relação
unívoca com o orgânico e a relaciona a um efeit o do dizer parent al. Nesse dizer parent al
ressalt a a proem inência m at erna, est abelecendo um a cert a relação ent re o fant asm a
m at erno e o desenvolvim ent o da debilidade em um a criança.
No Sem inário 11, Os quat ro conceit os fundam ent ais da psicanálise, encont ram os o prim eiro
m om ent o em que Lacan aborda o conceit o de debilidade. E é provocado pelo t rabalho de
Maud Mannoni que ele faz essa prim eira aproxim ação. Cabe ressalt ar que post eriorm ent e
em seu ensino, m ais especificam ent e a part ir do sem inário De um out ro ao Out ro de 1968,
Lacan ret om ará suas art iculações sobre a debilidade produzindo inclusive um a renovação no
conceit o.
Pret endo nessa abert ura de nossos t rabalhos sobre o t em a Psicose e Debilidade, m e cent rar
m ais nessa prim eira elaboração de Lacan, present e no Sem inário 11, e para t al t om arei
com o principais referências, além do t ext o de Lacan e de Pierre Bruno, o t ext o " Psicose e
Debilidade" de Eric Laurent . Ao longo do ano acredit o, poderem os nos aprofundar na
evolução do conceit o.
Lacan discorda da assert iva de Maud Mannoni segundo a qual na debilidade haveria um a
fusão ao nível do corpo, e sust ent a que a fusão se daria a nível significant e, ret om ando a
idéia da holófrase. Assim , Lacan se afast a da suposição de que o sint om a da debilidade seria
port ador da verdade do par parent al, o que cert am ent e abriria o cam po para os
psicologism os da debilidade, orient ando- se em direção à idéia de que a criança seria um
obj et o sem a m ediação do fant asm a m at erno. O que condicionaria a debilidade não seria
especificam ent e a holófrase do par significant e S1- S2, m as a int rodução na “ educação do
débil da dim ensão psicót ica” , t ant o que a criança é reduzida pela m ãe “ a não ser m ais que o
suport e de seu desej o num t erm o obscuro” .( Lacan cit ado por Pierre Bruno) .
A part ir de agora t ent arem os nos aprofundar um pouco m ais nessa problem át ica.
“ ... o ser hum ano t em um a relação especial para com a im agem que lhe é própria – relação
de hiância, t ensão alienant e. É aí que se insere a possibilidade da ordem da presença e
ausência, ou sej a, da ordem sim bólica” .( Lacan,1955: 403)
Essa afirm ação expressa quase que de m aneira conclusiva, a elaboração que Lacan
desenvolve ao longo do Sem inário 2, O Eu na t eoria de Freud e na t écnica da Psicanálise. Ela
ganha part icular im port ância se observarm os que ao se referir ao ser hum ano ele não faz
qualquer dist inção quant o às diferent es est rut uras. Podem os afirm ar ent ão, que para Lacan,
desde os prim órdios de sua elaboração, o hum ano, no que diz respeit o à const it uição do
aparelho psíquico, se dá na t ensão alienant e de um a hiância, hiância que é frut o da j unção
ent re o sim bólico e o im aginário. Assim , ant eriorm ent e m esm o a um a definição do que viria
a ser o Nom e do Pai, e independent em ent e dest e, a const it uição do hum ano, at ravessada
que é pela linguagem , t em em virt ude m esm o desse at ravessam ent o, a presença est rut ural
de um furo, furo esse, que nesse m om ent o de seu ensino, Lacan art icula à pulsão de m ort e,
e o im possível de sua plena sat isfação. Diríam os m ais: o hum ano não o é sem esse
at ravessam ent o, sem essa hiância. Tal assert iva pode ser encont rada sob a pena de Lacan,
em seu t ext o “ De um a quest ão prelim inar a t odo t rat am ent o possível da psicose” , quando a
respeit o do Out ro da linguagem , ele nos escreve:
“ ... Pois, ret irem - no dali e o hom em nem sequer consegue sust ent ar- se na posição de
Narciso. O anim a, com o que pelo efeit o de um elást ico, reduz- se ao anim us, ao anim al, o
qual, ent re S e a, m ant ém com seu Um welt ‘relações ext ernas’ sensivelm ent e m ais ínt im as
do que as nossas, sem que se possa dizer, de rest o, que sua relação com o Out ro sej a nula,
m as apenas que ela não nos aparece de out ro m odo senão em esporádicos esboços de
neurose” .( Lacan, 1955: 557)
Tom em os com o exem plo dessa sit uação, a fam osa experiência de Pavlov.
Sabem os que Pavlov oferecia alim ent o a um cachorro, de m aneira int erm it ent e. Associava a
essa ofert a de alim ent o um est ím ulo sonoro, para que o pobre do cachorro t am bém os
associasse, at é que em det erm inado m om ent o de seu experim ent o, Pavlov passa a oferecer
ao anim al, som ent e os est ím ulos sonoros. A part ir de t al event o o cachorro desenvolve um a
disfunção gást rica.
Sabem os que os anim ais são sensíveis à form a, sej a ela visual ou acúst ica, e o experim ent o
de Pavlov é um a boa dem onst ração disso. Sabem os t am bém que quando na nat ureza, os
anim ais não est ariam isent os de um a cert a ant ecipação de um acont ecim ent o, com o, por
exem plo, a aproxim ação de um a form a, bem com o t am bém não est ariam isent os de um a
cert a decepção decorrent e da frust ração de suas expect at ivas ant ecipat órias. Toda a
m ult iplicidade de rit uais de acasalam ent o, de agressividade, ent re out ros, t ant as vezes
abordados por Lacan, dem onst ram - nos a exist ência no inst int o dessa dim ensão
ant ecipat ória. Logo, não podem os sim plesm ent e dedicar à decepção, o valor de causa no
desenvolvim ent o dos problem as gást ricos no cachorro da experiência de Pavlov. O que
podem os perceber, é que a relação ínt im a desse anim al com seu Um welt é arbit rariam ent e
at ravessada por aquilo que se oferece na dim ensão de presença e ausência, m ais
especificam ent e é at ravessado pela ordem sim bólica. Se inicialm ent e o cachorro não se
enganava a respeit o de sua necessidade, a int ervenção do desej o do cient ist a int roduziu a
dim ensão sim bólica na realidade do anim al, int roduzindo assim a dim ensão do equívoco,
sust ent ada pela t ensão produzida pela hiância que conseqüent em ent e surge na apreensão
da form a. Ao anim al, por não poder falar, não poder se represent ar no cam po significant e,
não se apresent a a via de t om ar o Out ro com o sim bólico, nem a consequent e possibilidade
de t om ar no regist ro do dom , aquilo que se apresent a com o capricho desse Out ro. Diant e da
presença infinit a do desej o, na hiância aí produzida, rest a ao anim al o t am pão de seu
organism o.
A experiência a que é subm et ido o cachorro no laborat ório de Pavlov, não é m uit o diferent e
da experiência de qualquer criança, em sua relação com o Out ro, e que Lacan nos apresent a
no Sem inário 4, “ As relações de Obj et o” . A m ãe, que de acordo com seus desej os alim ent a
ou não a criança, const it ui- se para essa com o seu prim eiro obj et o. Esse obj et o sim bólico é
const it uído pela criança a part ir de sua alt ernância de presença e ausência. A part ir da
experiência de frust ração da criança diant e da m ãe, est a decai de sua posição sim bólica e
passa ent ão a ser t om ada em sua dim ensão real e caprichosa. A m ãe real, em sua
onipot ência, surge ent ão com o possuidora dos obj et os que de acordo com seu capricho
poderão sat isfazer ou não a criança. Esses obj et os, no decaim ent o da m ãe de seu est at ut o
sim bólico para real, ascendem à dim ensão sim bólica sendo ent ão reconhecidos com o um
dom da m ãe. À criança rest a a possibilidade de se aloj ar ali onde ela acredit a ser am ada
pela m ãe, t ent ando em sua int erpret ação, localizar- lhe o desej o, ident ificando- se ao obj et o
im aginado dest e desej o, na t ent at iva de assim iludi- lo. É, port ant o na relação com a m ãe
que a criança experim ent a o falo com o o cent ro do desej o da m ãe. ( Lacan, 1956: 231)
A part ir dos dois exem plos t rabalhados podem os com eçar a operar com a dim ensão de cort e
do significant e e com as respost as possíveis a apresent ação desse cort e. No exem plo do
cachorro, paradigm át ico do fenôm eno psicossom át ico, o S1 significant e que escreve a
presença ausência da carne é associado em oposição ao significant e S2 que escreve a
presença ausência do est ím ulo sonoro. A ret irada da carne pelo cient ist a int errom pe o
circuit o repet it ivo de um dos significant es, produzindo um holofraseam ent o im possível de
ser int errogado pelo anim al, pelo sim ples fat o de lhe ser im possível falar. Lacan nos diz:
Quer Pavlov reconheça isso ou não, é propriam ent e associar um significant e que é
caract eríst ica de qualquer condição de experiência, no que ela é inst it uída com o cort e que
se pode fazer na organização orgânica de um a necessidade – o que se designa por um a
m anifest ação ao nível de um ciclo de necessidades int errom pidas, e que reencont ram os
aqui, no nível da experiência pavloviana, com o sendo o cort e do desej o.( Lacan, 1964: 224)
Já na criança neurót ica, encont ram os um a repercussão bem diferent e ao efeit o de cort e do
significant e. É no int ervalo ent re os significant es que ela localiza o desej o do Out ro, fazendose obj et o desse desej o e aí t am bém , localizando o seu próprio desej o. Bast a lem brarm os a
oposição dos significant es Fort Da t ão bem assinalada por Freud na brincadeira de seu net o,
onde ele m ost ra o suj eit o alienado em sua ident ificação ao carret el, obj et o no qual se
defende de sua afânise, de seu desaparecim ent o. O desej o, em sua dim ensão infinit a, se
m ant ém na fant asia, que se inst ala no int ervalo m esm o da cadeia significant e, sust ent ada
pelo falo, significant e que funciona com o razão do desej o.
A debilidade e a psicose seriam sit uações onde o holofraseam ent o do par significant e,
im possibilit aria a afânise do suj eit o, e, port ant o sua const it uição com o suj eit o do desej o. Tal
holofraseam ent o se daria, cont udo, de form a dist int a em cada um dos casos, e cert am ent e
não seria pelos m ot ivos de um a im possibilidade nat ural com o no caso do cachorro, o que,
acent ua Pierre Bruno, descart a a dim ensão deficit ária na debilidade e na psicose. Ainda
segundo Bruno, ao invés do déficit t eríam os o excesso, excesso esse responsável pela
inibição do débil e pela foraclusão na psicose.
Na psicose, a hiância, o furo, o cort e produzido pelo significant e, int roduzindo a função da
causa não se produziria, pela recusa a esse cort e. Com o nos diz Lacan, falt a um dos t erm os
da crença, o que im pede a sua apreensão no m om ent o de seu desvanecim ent o. Tal recusa
t em com o conseqüência o fat o de que esse buraco, essa hiância observada a part ir da
ausência da m ãe, da falt a do Out ro, sej a experim ent ada no real. Eric Laurent nos fornece
um a série de exem plos desse surgim ent o da hiância no real, com o o da pacient e que não
podia com er pois seu corpo est ava abert o, ou out ra pacient e que via buracos se abrirem no
chão enquant o andava. É nesse buraco que Schreber experim ent a delirant em ent e sua
m ort e, m as é t am bém em t orno desse furo que ele vai ordenar t oda a reconst rução de seu
m undo. Esse buraco no real nada m ais é do que a presença real do obj et o de um desej o
sem lei, o suj eit o psicót ico não aparece aqui ident ificado ao obj et o, m as com o obj et o real de
um gozo infinit o.
Na debilidade, se há a int rodução de um a dim ensão psicót ica, essa não se faz por um a
im post ura do lugar do pai. O débil segundo Lacan, é um suport e do desej o da m ãe num
t erm o obscuro.( p.225) Para Bruno ele se aut o int erdit a, com o se ele se fundasse nos
significant es do Out ro, int erdit ando- se de se int errogar sobre sua vont ade. Mas é
exat am ent e nessa int erdição que pela insist ência em esconder, acaba o débil, por essa via
m esm o, revelando a própria divisão. Com o a criança que relat ava a Maud Mannoni: Meu
irm ãozinho anda..., um out ro dia dizia, m eu irm ãozinho chora..., ou num out ro dia, m eu
irm ãozinho sorri. Essa insist ência na repet ição revelaria pela própria insist ência o valor de
defesa que t eria diant e da divisão. Para o débil, a língua se t orna caduca com o font e de
equívocos. Segundo ainda Bruno, o débil apresent a um a resist ência ocasionalm ent e genial,
m ant ida cont ra t udo o que poderia cont est ar a veracidade do Out ro do significant e, para
m elhor se prevenir das dúvidas que os assalt am , concernent es ao Out ro da lei. É assim ,
sust ent ando a verdade a qualquer preço que ele denuncia o seu horror a sua afânise,
t ornando um pouco m ais clara a afirm ação present e no sem inário ...ou Pire de que o débil
flut ua ent re dois discursos. O débil m ant ém - se no lugar da verdade apesar da virada do
discurso. Mant endo- se nesse lugar, insist indo na verdade ele m ent e. Ment e ao negar a falt a
do Out ro, m ent e ao negar sua divisão. Tal m ent ira se sust ent a no im aginário, onde ele faz
do seu organism o um corpo, m ent indo aí t am bém pela via da negação da hiância present e
em t odos os seres hum anos quando da apreensão da im agem . I nsist indo na verdade o débil
m ant ém a m ent ira de se fazer UM, de fazer exist ir a relação sexual.
BI BLI OGRAFI A:
1. BRUNO. P. “ A cot é de la Plaque. Sur la debilit e m ent ale” . Ornicar?. Revue do Cham p
Freudien, nº 37, avril- j uin, 1986, p.38.
2. LACAN, J. O sem inário, livro 2: O eu na t eoria de Freud e na t écnica da psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
3. LACAN, J. O Sem inário, Livro 11: Os quat ro conceit os fundam ent ais da psicanálise. 2a.ed.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.
4. LACAN, J. “ De um a quest ão prelim inar a t odo t rat am ent o possível da psicose” . Trad.:
Vera Ribeiro. Escrit os. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. pp. 537- 590.
5. LAURENT, E. “ Psicose e Debilidade” . Trad: Vera Ribeiro. Versões da Clínica Psicanalít ica.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Edit or, 1995. pp.167- 175
D UAS REFEREN CI AS D E LACAN
Cr ist ina D r um m ond
Nossa invest igação se orient ou esse ano pelo t em a do Encont ro AMP- Am érica que é “ Os usos
da psicanálise” . Recort am os nesse cam po nosso t em a que é “ Os usos do sint om a” .
Part icularizam os a quest ão dos usos da psicanálise pelo viés dos usos do sint om a para dar
cont inuidade a nossa invest igação do ano passado que se ocupou do encont ro da criança
com o sexual. Se esse encont ro rom pe com a organização im aginária do corpo do suj eit o, se
ele rom pe a represent ação narcísica do corpo, ele se t orna um m om ent o propício para o
desencadeam ent o de sint om as na criança.
Para que serve o sint om a? No final de seu ensino Lacan definiu o sint om a com o um
acont ecim ent o de corpo, definição dest acada por J- A Miller. Poderíam os t om ar os sint om as
da criança sob essa definição? Muit as vezes a posição da criança é a de fet iche da m ãe e é
dessa posição de pert encendo ao corpo do Out ro que ela faz sint om a. Se a operação de
separação ainda não se efet uou, sej a por est rut ura ou com o operação ainda por vir, o
sint om a da criança deve ser t om ado de out ra m aneira. Assim , cabe ao analist a em m uit os
casos deixar e possibilit ar à criança fazer seu sint om a.
Que usos um a criança poderá fazer dessa invenção part icular que é seu sint om a? Servirá
dele para se separar da m ãe? Terá ele função de Nom e- do- Pai? Servirá ele para organizar o
gozo invasivo no cam po do Out ro? Servirá ele para organizar o cam po pulsional? O que dizer
das soluções possíveis encont radas num a análise?
O de se nho de Ca r la
Vou t om ar um pequeno exem plo clínico que penso poder nos int roduzir na quest ão dos
cam inhos da form ação dos sint om as.
Carla vem à análise porque é um a filha m uit o desobedient e e produz pouco na escola. Além
disso, ela iniciou aos 7 anos um processo de puberdade precoce e vem se subm et endo, com
dificuldades, a um t rat am ent o endocrinológico. Seus pais se separaram e seu pai casou- se
novam ent e e t eve um a out ra filha.
Carla não quer m ais se encont rar com o pai nos finais de sem ana alt ernados que lhe
caberiam . A m ãe acha a at it ude da filha adequada e j ust ificada pela violência desse hom em ,
suas dificuldades m ent ais e seu carát er irascível. Pensa que o ideal seria m esm o afast á- la da
convivência com o pai.
O que Carla vem dizer é de seu ódio por essa criança que veio desaloj á- la definit ivam ent e
da posição de bebê na dialét ica do desej o de seus pais. Ela quer m at á- la e fazer seus pais
ficarem j unt os novam ent e, reavendo sua posição subj et iva ant erior.
Num a det erm inada sessão ela chega m e dizendo que t inha t ido t ant o m edo à noit e que
t inha ido dorm ir na cam a da m ãe. O que acont eceu é que ela havia vist o um film e de zum bis
que vinham m at ar as crianças e ela havia sonhado que eles t inham vindo roubá- la. Devem os
observar com o as cenas vist as, m uit as vezes em film es, t elevisão, são propícias para o
desencadeam ent o de m edos. I sso nos indica com o o im aginário é nessas ocasiões de cert a
m aneira desarranj ado por algum elem ent o real capt urado pelo olhar.
Ela quer desenhar a cena para m e explicar e de algum m odo organizar sua angúst ia. Penso
que esse desenho pode ser t om ado por nós de m odo análogo ao grafo do desej o de Lacan,
onde vários circuit os da relação desse suj eit o com seu Out ro podem ser t raçados com o
organizando o surgim ent o do sint om a.
Ela desenha a m ãe, o olhar, e a cena. Há um bebê am eaçado. Sobre ele, ela coloca o zum bi,
o fant asm a. E por t rás da t ela ela sit ua o pai, aquele que deveria poder responder por
aquela invasão do real, m as que na verdade não int ervém . Ela coloca ent ão os corações
part idos, sinais da perda da com plem ent aridade ent re os sexos.
Podem os localizar aqui o regist ro do im aginário, as redes do sim bólico curt ocircuit adas pelo
fant asm a e a falt a present ificada pela perda int roduzida pelo real da presença do bebê.
Que respost a é essa que surge quando a organização da posição subj et iva do suj eit o se vê
desequilibrada? Quais são as vicissit udes da relação da criança com a m ãe e o falo da m ãe
que levam a criança à elaboração de um sint om a? Com o ent ender a art iculação do sint om a
com t odos esses circuit os que se encont ram aqui represent ados no desenho dessa criança?
A confe r ê ncia e m Ge ne br a
Para nos int roduzir nesse t em a vam os t om ar duas referências no t ext o de Lacan que irão
funcionar para nós com o orient adores. Essas referências são bem post eriores ao Sem inário
I V, no qual ele dedicou várias lições ao caso Hans. Se naquela ocasião o que orient ava sua
leit ura da fobia era o falo e a m et áfora pat erna, nos anos 70 o que est ará em quest ão é o
real art iculado ao im aginário e ao sim bólico. Agora Lacan nos apont a que a m et áfora
pat erna sem pre falha assim com o o suj eit o sem pre encont ra im passes na ext ração do
obj et o. O que é est rut ural é a falt a no Out ro.
A prim eira referência é a Conferência em Genebra sobre o sint om a ( i) que dat a de 75. Nela,
para nos int roduzir na quest ão do sint om a, Lacan nos indica a leit ura de duas conferências
int rodut órias de Freud sobre o sint om a, a conferência XXI I I que t rat a do cam inho da
form ação dos sint om as e a XVI I que t rat a do sent ido dos sint om as. Ele ret om a ent ão o
argum ent o de Freud de que os sint om as t êm sent ido e de que esse sent ido est á orient ado.
O sint om a é, port ant o, passível de decifração. E seu sent ido, diz Lacan em sua Conferência,
“ só se int erpret a corret am ent e – corret am ent e querendo dizer que o suj eit o revela um a
part e dele – em função de suas prim eiras experiências, ist o é, na m edida em que encont ro o
que cham arei ( ...) a realidade sexual” ( ii) ."
Miller fez um sem inário em Barcelona em 96 que t em com o t ít ulo exat am ent e o t ít ulo da
conferência XXI I I de Freud: “ die Wege der Sym pt om bildung ( iii) ” . Ele nos apont a t rês
t em pos na elaboração de Lacan sobre o sint om a.
1) O t rat am ent o lacaniano do conceit o freudiano de sint om a: o sint om a é sint om a da relação
do suj eit o com o Out ro
O prim eiro t em po seria aquele do sim bólico com o organizador da form ação dos sint om as. O
sint om a é o efeit o de um sent ido recalcado. Ele faz enigm a, se m anifest ando suport ado por
um significant e cuj o significado est á recalcado. Podem os sit uar esse cam inho no gráfico L
sobre o eixo suj eit o- Out ro e é nessa art iculação que o sint om a se sit ua.
Lacan inclui post eriorm ent e esse prim eiro esquem a num grafo m ais com plexo, o grafo do
desej o, onde vários cam inhos podem ser desenhados, o que lhe perm it irá art icular o sent ido
ao gozo.
Aqui o sint om a se sit ua em s( A) com o um efeit o de significado do Out ro. Ele é um efeit o
especial de sent ido porque se conect a com o fant asm a. O que Lacan busca é art icular o
circuit o pulsional com o circuit o sem ânt ico.
A t erceira art iculação do suj eit o com o Out ro apresent ada por Lacan é sust ent ada pelas
operações de alienação e separação escrit as com o círculos e em cuj a int erseção se sit ua o
gozo sob a form a do a vindo com plem ent ar o efeit o de sent ido. Prim eiro há significant e e
sent ido, é o que Lacan cham a de alienação. Depois há m ais de gozo, o que Lacan cham a de
separação.
2) O inconscient e é um aparelho de gozo
Na escrit a do discurso do inconscient e t em os, a part ir do aparelho de sent ido, a produção do
m ais de gozar.
S1 = > S2
$
a
3) O sint om a é um sent ido gozado
Quando Lacan escreve o aparelho psíquico com os nós, eles ilust ram que os círculos são
equiparados e que há um a equivalência ent re gozo e sent ido. É o que Lacan cham a de
sent ido gozado.
Na conferência Lacan vai abordar inicialm ent e o problem a pelo viés do corpo: “ Se o hom em
( ...) não t ivesse o que se cham a um corpo ( ...) ele não seria profundam ent e capt ado pela
im agem do corpo” ( iv) . A relação do suj eit o com a im agem de seu corpo lhe é
profundam ent e est rut urant e e o m om ent o onde essa est rut ura é de algum a form a
pert urbada se t orna um m om ent o privilegiado para que ele faça uso de um sint om a. A
posição de Lacan agora é a de dizer que o im aginário é o único lugar a part ir de onde o
sim bólico pode se revelar ao suj eit o e acrescent a que a infância é a época decisiva em que
os sint om as se crist alizam para o suj eit o. Podem os t om ar essa conferência com o um a
prim eira m aneira de form ular sua definição de 79 de que o sint om a é um acont ecim ent o de
corpo.
Essa leit ura das conferências t em um pont o de desacordo com Freud: o do aut oerot ism o na
form ação dos sint om as e o exem plo que Lacan t om a dessa obj eção é Hans. O sint om a
fóbico ilust ra o gozo com o sendo sem pre het ero. “ O gozo que result a desse Wiwim acher élhe desconhecido a pont o de est ar no princípio de sua fobia” ( v) .”
Volt em os ao caso Hans para m elhor com preenderm os essa indicação de Lacan. Qual foi a
dificuldade que levou Hans à elaboração do sint om a fóbico? Esse m enino que se encont rava
na posição im aginária de ser o falo da m ãe vê esse j ogo de m im ar ser int errom pido
prim eiram ent e pelo nascim ent o de sua irm ã, Hanna. Esse bebê t raz um a dest it uição
narcísica, um a dest it uição da posição falocênt rica de Hans, levando- o a colocar novam ent e
em quest ão o Desej o da Mãe. O bebê é a prova de que ele, Hans, não sat isfaz int eiram ent e
sua m ãe em seu desej o de t er um equivalent e do falo. Lacan o enunciou da seguint e
m aneira : “ Essa experiência do desej o do Out ro, a clínica nos m ost ra que ela não é decisiva
pelo fat o de o suj eit o nela aprender se ele m esm o t em ou não um falo real, m as por
aprender que a m ãe não o t em . É esse o m om ent o da experiência sem o qual nenhum a
conseqüência sint om át ica ( fobia) ou est rut ural ( Penisneid) que se refira ao com plexo de
cast ração t em efeit o ( vi) .”
Em segundo lugar, t em os o “ encont ro com a própria ereção” à qual Lacan dá um valor
fundam ent al. Esse encont ro se int roduz e desarranj a de form a abrupt a o circuit o da relação
m ãe- filho, ou com o indicam os acim a, do suj eit o e seu Out ro. Esse gozo irrom pe no corpo
com o vindo de fora e faz do órgão sexual de Hans, seu Wiwim acher, um órgão unheim lich,
ao m esm o t em po próprio e est rangeiro, um órgão j ust apost o ao corpo, agregado a ele. A
organização do corpo que ant eriorm ent e t inha com o fundam ent ação i( a) , um a im agem , se
vê de cert a m aneira esfacelada por esse buraco int roduzido no real, o obj et o a se coloca a
descobert o com a queda da im agem . Esse gozo sexual é t raum át ico porque confront a o
suj eit o com algo que não t em sent ido.
Se esse gozo fosse aut oerót ico, ele ent raria no circuit o do princípio do prazer. No ent ant o, o
que se passa é que ele int roduz um excesso no nível do prazer, e conseqüent em ent e, um a
rupt ura na represent ação narcísica do corpo.
Se Hans recorre ao sint om a nesse m om ent o é porque o Desej o da Mãe não pode ser
int eiram ent e m et aforizado pelo Nom e- do- Pai, j á que há para ele um a carência no nível da
função do pai. Se o pai de Hans lhe falt ava não era no nível da at enção e cuidado. Ele se
m ost rava insuficient e com o parceiro da m ãe, não a sat isfazendo enquant o m ulher, sendo
insuficient e, port ant o, para prom over um deslocam ent o da criança do lugar de ser o falo da
m ãe e conseqüent em ent e separar o que ele era com o criança daquilo que falt a à m ãe e que
ele não pode preencher. Se a m ãe de Hans perm anece insat isfeit a, ela se apresent a com o
gulosa de falo e faz valer para seu filho um a relação de devoração com a cast ração.
A angúst ia surge para o suj eit o do real, do sem sent ido do gozo. Para sair dessa angúst ia
ele vai encarnar esse gozo num obj et o ext erno. Com o a função pat erna é insuficient e para
m et aforizar esse gozo significant izando- o, fazendo- o passar para o sent ido, Hans vai apelar
para um significant e, o cavalo, que se encarrega ent ão do não sent ido do gozo. Há,
port ant o, um a passagem do sem sent ido ao significant e cavalo.
A angúst ia se t ransform a em m edo e Hans pode agora localizar aquilo que se passava com
ele e que ele não ent endia do lado de fora, no cavalo, que passa a poder ser evit ado.
Essa m et áfora da fobia cavalo é um efeit o de sent ido. O sint om a perm it e ao suj eit o gozo
est rut urar port ant o um a versão do gozo est rut urado a part ir da const rução de um a m et áfora
significant e que é um a const rução sim bólica.
A liçã o do se m iná r io de um Out r o a o out r o
Nossa segunda referência é a lição de 7 de m aio de 69 do sem inário “ de um Out ro ao
out ro” . Nela Lacan vai com ent ar o caso de fobia de galinhas apresent ado por Hélène
Deut sch em suas conferências ( e cuj a t radução vocês j á t iveram acesso) que foram
publicadas em 1930 sob o t ít ulo de “ A psicanálise das neuroses” . Aqui, ele se refere t am bém
a um a m udança profunda, a um rearranj o do gozo para o suj eit o, que faz uso de sua fobia
com o um a plat aform a girat ória. Seria essa plat aform a girat ória a efet uação da est rut ura?
O t erm o “ plaque t ournant e” , de acordo com o pet it Robert , significa plat aform a girat ória que
serve para a m udança de direção dos t rens; cent ro, lugar de t rocas, encruzilhada. Lacan diz
que podem os t om ar a fobia não com o um a ent idade clínica, m as com o um a plat aform a
girat ória onde a posição do suj eit o se elucidará de acordo com a via que ele t om ar.
Se num prim eiro t em po do ensino de Lacan a fobia parecia ser cont ingent e e a angúst ia
est rut ural, agora, o sint om a fóbico aparece com o est rut ural para o suj eit o e m e parece que
o t erm o de plat aform a girat ória nos apont a para o uso que o suj eit o faz de seu sint om a para
lidar com os im passes da falt a no Out ro que é de est rut ura. É por isso que a fobia é um
sint om a t ão freqüent e na infância.
Esse caso esclarece de um a form a part icular a discordância ent re a im agem do corpo e o
obj et o que ela revest e. Ela se t orna pat ent e no m om ent o de vacilação da ident ificação
im aginária do m enino no circuit o do desej o m at erno. Se o caso Hans parece elucidar m ais a
quest ão da falha da m et áfora pat erna para significant izar o gozo, esse caso parece deixar
m ais evident e os im passes com a ext ração do obj et o.
Tem os no início um a relação part icular desse m enino com sua m ãe, ele na posição de ser e
fornecer a ela o obj et o de seu int eresse. Ele ia com ela ao galinheiro t odos os dias onde
verificavam os ovos que t inham sido post os. Seu int eresse part icular era pela m aneira pela
qual sua m ãe apalpava as galinhas, brincadeira que queria que ela t am bém fizesse com ele
no banho. Ele aspirava fornecer esse obj et o que t inha um int eresse part icular para a m ãe. O
lugar de galinha era para esse m enino um lugar no e para o gozo do Out ro e é dest e lugar
que ele at ua, m esm o sem saber porque.
Ocorre ent ão um acont ecim ent o pert urbador aos set e anos quando o irm ão, j á adult o, com
quem ele t inha um a relação de com pet ição, o agarra por t rás num a sit uação que Hélène
Deut sch cham a de cena lúdica de agressão sexual, dizendo ser o galo e o irm ão, a galinha.
Essa cena revela para o suj eit o o que ele era sem , no ent ant o, sabe- lo. Esse saber diz
respeit o à diferença dos sexos e a percepção da m ãe enquant o cast rada, e o m enino faz
um a equivalência ent re o fem inino, o obj et o e o passivo.
O que cai nessa cena é a im agem m enino- galinha que recobria o obj et o a, o ovo com o m ais
de gozar da m ãe. Se ele grit a que não quer ser a galinha é porque, diant e desse saber
revelado, ele não suport a m ais ficar nesse lugar. Lacan nos diz que há um a inversão de um a
posição de poder sem saber a um a posição de saber sem poder. É de um pont o de virada
que se t rat a, e podem os assim apreender um dos sent idos do t erm o plat aform a girat ória
usado por Lacan. Há um a m udança de regist ro que t ransform a t odas as relações do suj eit o,
fazendo surgir novos circuit os de sua relação com o Out ro.
O m enino é t om ado de angúst ia. Se ele sabe o que t inha sido, não sabe m ais o que fazer
com o desej o do Out ro, no caso, da m ãe. O suj eit o com eça a evit ar as gozações do irm ão,
em seguida evit a as galinhas inicialm ent e com m edo dos at aques sádicos do irm ão. Ele
passa da galinha com o obj et o de gozo à galinha causa de angúst ia e depois ao significant e
do m edo: m edo de ser bicado pela galinha. Tal com o diz Lacan: “ O viram ent o( vii) de um
regist ro ao out ro, eu não digo a viragem ( viii) do que est á invest ido num a cert a significação
de um regist ro ao out ro, eis aí o pont o onde t ropeça a função precedent e e onde nasce o
seguint e, que a galinha vai t om ar a part ir daí para ele um a função perfeit am ent e significant e
e t ot alm ent e im aginária, a saber, que ela lhe dá m edo” ( ix) . O m edo se coloca no lugar da
angúst ia da não respost a e o suj eit o fica num a posição m ais confort ável que é a do
evit am ent o; m ais confort ável porque diant e do enigm a da angúst ia o m edo perm it e ao
suj eit o algum a ação, a de evit ar o obj et o fóbico j unt o com o saber. Essa posição é um a
posição de horror diant e do saber, diant e da m ãe com o desej ant e e, port ant o, cast rada.
O obj et o a se revela com o um a encruzilhada para o suj eit o no cam po do narcisism o e ele
encont ra com o solução a fobia.
Lacan cham a esse m om ent o em que se revela a est rut ura de falt a no Out ro para o suj eit o
de plat aform a girat ória não apenas porque há o que ele cham a de viram ent o, m as porque
podem os nos deparar a part ir daí com diferent es respost as do suj eit o.
Esse abalo na ident ificação im aginária pode levar à respost a da psicose, onde a angúst ia não
conduz o suj eit o nem a um a int erpret ação, nem a um a sit uação de gozo, m as invade o
suj eit o que se vê na um a im possibilidade de dar um a respost a sim bólica a essa int erpelação.
Nesse caso, o suj eit o nem chega à plat aform a girat ória, ele não est rut ura um a saída fóbica.
O abalo im aginário não t raz ao suj eit o um a respost a do sim bólico, sua respost a lhe vem do
real.
Se o inconscient e não int erpret a esse encont ro, a plat aform a girará em direção a
const it uição de um a est rut ura perversa, onde o suj eit o desm ent e o saber da est rut ura e
goza do saber de seu gozo. Essa m aneira de art icular fobia e perversão esclarece de um a
nova form a essa quest ão que foi longam ent e t rabalhada no sem inário I V, no caso de
perversão t ransit ória em “ A direção da cura” , e que foi form ulada da seguint e form a em 58:
“ não que não se apresent em t ransm ut ações int eressant es do obj et o de um a fobia em
fet iche, m as, precisam ent e, se elas são int eressant es é pela diferença de seu lugar na
est rut ura” ( x) . A idéia de plat aform a girat ória coloca a quest ão no saber e no gozo e não
apenas na relação com o falo.
Se o giro se dá em direção ao cam po da neurose, o suj eit o fará uso de seu sint om a. A
ent rada nesse cam po depende da int erpret ação que o inconscient e faz do Out ro com o
agent e da cast ração. O suj eit o fica no lugar de obj et o desse gozo que ele com bat e com seu
sint om a. A plat aform a girará para a hist eria ou obsessão dependendo do t ipo de defesa
com o escolha forçada que ele fizer.
Essa prim eira fase da fobia desse rapaz dura dois anos, e o sint om a desaparece quando seu
irm ão sai de casa. Seis anos depois o sint om a ret orna quando ele volt a a sua casa e fica
sabendo da hom ossexualidade do irm ão. O desaparecim ent o do sint om a é associado para
Hélène Deut sch ao seu desvio do sexo fem inino, se t ornando ele próprio um hom ossexual
m anifest o. Apesar de não nos serem dados os cam inhos pelos quais essa análise t erm inou
na het erossexualidade do suj eit o, podem os supor que, ao rest it uir o cam po do Out ro a
análise perm it iu a esse suj eit o furar o Out ro e aí localizar o obj et o a.
Nessa perspect iva da fobia com o plat aform a girat ória o que est á em quest ão não é a
im possibilidade do Nom e- do- pai m et aforizar o Desej o da m ãe, j á que isso não é um
privilégio do suj eit o fóbico. O sint om a surge para dar cont a dessa falt a na est rut ura,
art iculando sim bólico e im aginário e encont rando um a solução para esse pont o de real que o
suj eit o t ocou. É j ust am ent e a eficácia da fobia diant e da falt a na est rut ura que esse caso
relat ado por Hélène Deut sch ilust ra t ão bem .
O significant e fóbico t em um a vert ent e de obj et o que deriva do gozo ocult o do suj eit o e um a
vert ent e do vazio da est rut ura. De cert o m odo esse significant e perm it e cifrar o sent ido que
est á sem pre em fuga e a significação que é sem pre sexual, j á que rem et e à im possibilidade
da relação sexual.
N ot a s
( i) J.Lacan, Conferência em Genebra sobre o sint om a, in Opção Lacaniana n º 23, dezem bro
1998, ps. 6- 16
( ii) J. Lacan, I dem , p. 10
( iii) J- A Miller, Sem inário de Barcelona sobre Die Wege der Sym pt om bildung, in Freudiana,
ps. 7- 64
( iv) J. Lacan, I b. p. 7
( v) J. Lacan, I b. p. 10
( vi) J.Lacan, A significação do falo, in Escrit os,Jorge Zahar Edit or, 1998, p. 701
( vii) viram ent o: em francês, virem ent e, at o ou efeit o de virar, dic. Houaiss
( viii) viragem : em francês, virage, passagem de um est ado para out ro; alt eração, m udança,
dic. Houaiss
( ix) J. Lacan, Le Sem inaire D’un Aut re à l’aut re, inédit o, lição de 7 de m aio de 69
( x) J. Lacan, A significação do falo, in Escrit os, Jorge Zahar Edit or, 1998, p. 694.
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( um a t radução do t ext o encont ra- se disponível na secret aria do I PSMMG.
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1995.
A TOXI COM AN I A N ÃO D ESI GN A UM A ESTRUTURA
Lila n y V ie ir a Pa che co
A orient ação dos t rabalhos do Núcleo de Toxicom ania encont ra- se inscrit a em seu nom e.
Trat a- se de um espaço de invest igação e pesquisa abert o a t odos aqueles que, no cot idiano
da clínica psicanalít ica, encont ram - se int erpelados pelos fenôm enos que t êm sido int it ulados
no cam po freudiano, de " novas form as de sint om a" . Assim , esse Núcleo de Pesquisa faz um
convit e a t odos aqueles que se int eressem pelo t em a, advert indo, ent ret ant o, que as
discussões aqui realizadas não pret endem fazer da " t oxicom ania" um a especialidade, m as
sit uá- la com o um a quest ão at ual com a qual o saber do analist a est á confront ado.
A expressão " t oxicom anias" , no plural, indica a presença na clínica cont em porânea de
diversas m odalidades de usos de obj et os, não designando, apenas, um personagem , m as
t am bém as várias m odalidades de " conexão de gozo" encont radas na cont em poraneidade
com o respost as ao que t em os int it ulado " declínio da função pat erna" , declínio do I deal.
Tem os sido t est em unhas da presença da droga e do álcool com o suplência nas psicoses.
Com freqüência, encont ram os a correlação ent re uso de drogas e at os infrat ores ent re os
adolescent es. E, em alguns casos, a clínica t em apresent ado out ras form as de consum ism o
na quais se reconhece a presença de " t oxicôm anos sem drogas" , a exem plo do que se pode
verificar, com freqüência, nos serviços de at enção às t oxicom anias, que o t oxicôm ano pode
aparecer não só com o um consum idor de subst âncias, m as com o um consum idor de
t rat am ent os, program as, recursos e inst it uições, inscrevendo um circuit o de gozo
t oxicom aníaco onde os t rat am ent os m esm os se t ornaram um obj et o a m ais na escala de
consum o.
Jean Baudrillard sit ua na m et ade do século XX, a linha que separa a sociedade de consum o
da sociedade que a precedeu e coloca, nessa linha, com o pivô fundam ent al, os m eios
m assivos de com unicação, dent ro os quais sublinha com especial ênfase a m ensagem
publicit ária. O proj et o ét ico- social que t em sido denom inado de Sociedade de Consum o
nasce, segundo Baudrillard, no m om ent o em que os m eios m assivos de com unicação " se
convert em , por si m esm os, em obj et os de consum o privilegiados, no m om ent o em que a
m ensagem publicit ária é absorvida de um m odo priorit ário, se ent ra em um t ipo de
organização sócio- econôm ica diferent e da que t em prevalecido at é m eados do século XX. A
sociedade de consum o é aquela na qual j á não há som ent e obj et os e produt os que se
desej am adquirir, m as o próprio consum o é consum ido sob a form a a form a de m it o" .
Enfim , saídas encont radas pelos suj eit os, frent e ao m al- est ar na civilização cont em porânea,
m arcado pela preponderância dos efeit os dos discursos do universit ário, da ciência e do
capit alism o de t al m odo que na “ sociedade de consum o” , os obj et os valem m ais que os
ideais. O t erm o gadget foi ut ilizado por Lacan para referir- se aos obj et os de consum o
produzidos pelo saber cient ífico e pelas t ecnologias. Gadget '' é definido com o sendo um
em blem a da sociedade pós- indust rial. Trat a- se de um t erm o que não encont ra um a
definição precisa, m as que é const it uído, segundo Baudrillard, na com binação ent re " a
inut ilidade pot encial e o valor lúdico" .
Com o se vê, t rat a- se de respost as t écnicas que servem com o m eio para o m anej o dos
problem as colocados pela civilização, m arca com um das novas form as do sint om a, onde um
" fazer com o corpo" se coloca em lugar do " dizer" , m odo sim ples e claro de se definir, o
cam po clínico das “ novas form as do sint om a” , no qual encont ram os suj eit os que fazem do
corpo um a m áquina para gozar, sem se int errogarem , sequer, que gozo é perm it ido, que
gozo é legít im o obt er com esse corpo.
Const at a- se, desse m odo, que a escala de consum o, a diversidade de drogas popularizadas
fazem do fenôm eno da t oxicom ania um fat o discut ido por diferent es organizações sociais,
verificando- se, nesse cont ext o, a im port ância da ent rada da psicanálise e de um a ofert a
clínica nesse cam po das t oxicom anias, na m edida em encont ra- se aqui, um t erreno fért il de
discussão ét ica sobre o “ direit o ao uso do corpo” , t em a esse que t em ocupado os com it ês de
ét ica, quando encont ram o- nos em um pont o da civilização em que o “ Out ro não exist e” .
A discussão acim a m ost ra- nos com o, nas " novas form as do sint om a" , o disposit ivo analít ico
se vê confront ado com um m odo de gozo onde o "fazer" t ornou- se preponderant e em
relação ao " dizer" , colocando a exigência de que concent rem os nossos esforços para a
elucidação desses fenôm enos j á que as "t oxicom anias" oferecem - nos o paradigm a para
pensarm os o fut uro da clínica psicanalít ica.
Os t em pos at uais t êm revelado aos psicanalist as a necessidade de discut ir o m odo com o os
sint om as cont em porâneos dem onst ram art iculações idiossincrásicas ent re " as palavras e os
corpos" , m arcando claram ent e o m odo com o a ciência se faz present e em nosso dia - a - dia
com o discurso, povoando a civilização com obj et os " causa de gozo" , que se prest am a
t am ponar a " causa do desej o". Esses usos são encont rados com freqüência na clínica das
neuroses esclarecendo- nos sobre as dificuldades de verificação da dem anda e da
t ransferência nesses casos, de t al m odo, que a clínica das t oxicom anias designa um a “ clínica
de borda” .
Sob a m arca da Orient ação Lacaniana e, em especial, t endo em vist a o I Encont ro
Am ericano do Cam po Freudiano, que se realizará em Buenos Aires, em set em bro de 2003,
com o t em a “ A psicanálise e seus usos” , o Núcleo de Toxicom ania t om ará com o pesquisa
para o ano de 2003 as discussões sobre a clínica borrom eana e as t oxicom anias, t endo com o
eixo t em át ico um percurso que esclareça a dist inção ent re o “ gozo cínico” enquant o um gozo
que não passa pelo Out ro e a “ ex- sist ência do Out ro” com o condição de possibilidade para
que, no além do Pai, o suj eit o possa responsabilizar- se pelo gozo.
A clínica dos nós, m ost ra de que m odo os psicanalist as, na cont em poraneidade, ao
escut arem a singularidade de cada caso, verificam as m ais originais e inédit as am arrações,
apont ando um a diversidade de soluções cont em porâneas ao paradoxo do gozo, genuína
respost a ao declínio do Out ro. Com o am plam ent e discut ido no Cam po Freudiano, as
t oxicom anias exem plificam , de m odo paradigm át ico, as soluções e am arrações borrom eanas
idiossincrásicas.
Deve- se considerar, com o referência de capit al im port ância, para se pensar a especificidade
do gozo da droga com o “ gozo cínico” , a inexist ência do Out ro, ou sej a, a degradação da
função pat erna na cena sócio- hist órica cont em porânea, na qual assist e- se um a dispersão
dos significant es m est res, das insígnias fálicas responsáveis por um desvanecim ent o do
Out ro, deixando o suj eit o à m ercê do desvario do gozo( 1) . Desse m odo, encont ram os no
cam po clínico das t oxicom anias, oport unidade de verificação dos im passes da clínica
psicanalít ica e, m ais ainda, o im perat ivo que se coloca, de um avanço em relação ao
problem a epist êm ico da dom inância do sim bólico sobre o real e o im aginário, e, sobret udo,
do m odo com o as am arrações cont em porâneas e suas idiossincrasias “ concernem um a
radical subversão aos pressupost os da clínica do Nom e- do- Pai” .
As at ividades do NI PP durant e o ano de 2003 serão dedicadas à explicit ação desse t em a
conform e program a apresent ado na agenda. Desse m odo t om arem os com o pont o de part ida
a afirm ação recolhida da lit erat ura psicanalít ica orient ada desde Freud, passando por Lacan,
at é as recent es cont ribuições de Jacques Alain Miller, Eric Laurent e out ros leit ores
cont em porâneos de Freud e Lacan, de que, para a psicanálise, a t oxicom ania não designa
um a est rut ura clínica, m as sim um fenôm eno que pode ocorrer em qualquer est rut ura
clínica.
Dizer que a t oxicom ania é um fenôm eno im plica, t am bém , lem brar um a out ra advert ência: a
t oxicom ania não é um sint om a na acepção clássica de sint om a post ulada desde Freud. Com
Freud poderíam os dizer que a t oxicom ania é um a saída, um m odo de t rat ar o m al est ar da
pulsão pela via da int oxicação na proporção m esm a em que se const at a a im possibilidade do
princípio do prazer, pont o esse ressalt ado por ele no capít ulo dois do livro “ O m al- est ar na
civilização” onde dist ingue o t rabalho, a ciência e as art es, enfim as saídas subst it ut ivas.
Define, a int oxicação com o a m ais rúst ica para enfrent ar as privações que a vida im põe, sej a
pelo seu efeit o im ediat o, alt eração da sensibilidade que im pede a percepção de sensações
de desprazer, ou sej a, a anest esia, e, por fim a sensação de independência frent e ao m undo
ext erior.
Exist e som ent e um a referência no t ext o de Freud a um pacient e t oxicôm ano que havia feit o
um a consult a com ele em um a ocasião. A observação que Freud faz sobre o caso é a
seguint e: ( ...) “ creio que é um caso ruim , nada adequado para o livre exercício da
psicanálise. Para t ant o lhe falt am duas coisas – prim eiro um cert o conflit o doloroso ent re seu
eu e aquilo que as pulsões exigem , pois no fundo est á m uit o cont ent e consigo m esm o e
sofre som ent e pelas resist ências de circunst âncias ext ernas. E, em segundo lugar, com esse
seu eu aparent em ent e norm al, que pudesse colaborar com o analist a, procurará sem pre, ao
cont rário, despist ar esse últ im o, enganar- lhe com falsas aparências e deixa- lo de lado” .
Com o se vê, Freud não era ot im ist a sobre a abordagem do t oxicôm ano pela psicanálise.
Pois bem , o fat o de exist irem poucas referências nos t ext os de Freud e de Lacan sobre as
drogas e sobre a t oxicom ania com o um a pat ologia, j á apont a que a t oxicom ania encont ra- se
nos lim it es abordáveis pelo discurso, e conseqüent em ent e, nos lim it es abordáveis pela
psicanálise, daí a sugest ão de Daniel Sillit t i de que a clínica das t oxicom anias é um a “ clínica
de borda” .
Em um m om ent o da hist ória da psicanálise as psicoses represent avam a borda. Part indo de
cert a leit ura de Freud, os psicanalist as de t oda um a época deixaram fora dos efeit os da
psicanálise, as psicoses. É a part ir de Lacan que os psicanalist as aprenderam a se
orient arem no t errit ório das psicoses. É conhecida a afirm ação de Lacan “ não ret roceder
diant e das psicoses” . Haver at ravessado essa front eira não significou elim inar a front eira.
Novas form as de t rat am ent o do m al- est ar na civilização dão lugar a novas bordas, novos
desafios, novos obst áculos ant e os quais a psicanálise não deve ret roceder. As t oxicom anias
é um a delas. A sugest ão do t erm o “ clínica de borda” não faz referência a um a cat egoria
psicopat ológica, m as aos obst áculos que o psicanalist a encont ra em sua prát ica enquant o
essa não pode definir- se sem que se leve em cont a a época na qual est á inserida.
Desde Freud som os levados a reconhecer que o t em a das t oxicom anias não ent ra
classicam ent e na psicanálise, pont o de vist a que inspira Freud ao sublinhar o encont ro
harm ônico do bebedor com o vinho, em oposição ao que ele anuncia desde “ A degradação
da vida am orosa” , que é a im possibilidade da pulsão encont rar o obj et o original da sua
sat isfação, com o elem ent o decisivo para se post ular o que Lacan designou de “ inexist ência
da relação sexual” , ou sej a, a im possibilidade de harm onia com o parceiro sexual. Assim ,
encont ram os cedo na obra de Freud a referência à relação do bebedor com o vinho com o um
casam ent o incom um .
Freud cham a at enção, nesse t ext o, para o fat o de que, de um m odo geral, se desloca m uit o
a at enção para o obj et o quando se aborda a vida am orosa e que a ênfase para se pensar a
visa sexual dos seres falant es deve ser post a no funcionam ent o m esm o da pulsão e não no
obj et o. Penso que não é por acaso que Freud t rat a, j ust am ent e nesse t ext o, da relação do
bebedor com o vinho, e, sobret udo, penso que se pode ext rair daí, t am bém , a prem issa que
pode orient ar a clínica psicanalít ica no t ocant e às drogas – ou sej a, o acent o deve ser
colocado no funcionam ent o m esm o da pulsão e não no obj et o.
I nt eressa, port ant o, ao psicanalist a, o aparecim ent o do suj eit o e da sua divisão const it ut iva,
dada a nat ureza pulsional do ser falant e e do prim ado do falo com o o nó de am arração do
funcionam ent o pulsional que subm et e a sat isfação pulsional aos desfiladeiros do significant e
de m odo t al, que a cast ração pode ser assim enunciada: onde o suj eit o não goza ele se
subm et e, onde ele goza ele t em culpa – insígnia inequívoca do m al- est ar na civilização.
Tais considerações, oferecidas pelo referencial psicanalít ico, int errogam as abordagens
clássicas sobre o t em a da t oxicom ania, freqüent em ent e designada com o drogaadicção,
dependência quím ica, t oxicodependência, enfim , esses e t ant os out ros nom es ut ilizados para
designar ent idades nosológicas que possuem , em si m esm as, valor diagnóst ico, fazendo
exist ir, conseqüent em ent e, “ o dependent e quím ico” , o “ alcoólat ra” , e um a infinidade de
clínicas, inspiradas por um a pluralidade de discursos que sust ent am não só a exist ência do
t oxicôm ano, m as, sobret udo, a exist ência da droga enquant o realidade em pírica, m eios
esses responsáveis por concepções clínicas nas quais im pera a regra da abst inência, a noção
de dependência, e, conseqüent em ent e, um a ênfase na subst ância e no uso que um indivíduo
possa fazer dela, esquecendo- se daquilo que o próprio t oxicôm ano fez quest ão de se
esquecer – que ele é um suj eit o, que a droga é um obj et o eleit o, é obj et o de um a escolha e
que essa escolha se dá sob a égide do inconscient e.
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O que é a sa úde pa r a o se x o? ( 1 )
Ce lso Re nnó Lim a
Est e t ít ulo exige, prim eiram ent e, um a pesquisa sobre os t erm os m esm os que com põem sua
est rut ura sem ânt ica: O que é a saúde para o sexo?
Pode- se recorrer, com o usualm ent e se faz, à definição que se encont ra no Aurélio ( 2) para a
palavra saúde: “ [ Do lat . salut e, 'salvação', 'conservação da vida'.] S. f. 1. Est ado do
indivíduo cuj as funções orgânicas, físicas e m ent ais se acham em sit uação norm al; est ado
do que é sadio ou são”
Mais do que a própria significação que se pode verificar, dest aca- se a própria raiz lat ina, ou
sej a, “ conservação da vida” , “ salvação” .
No ent ant o, est a “ conservação da vida” , est a “ salvação” podem t er significados diferent es
quando nos referim os à m edicina ou à psicanálise.
Enquant o na m edicina, a saúde pode ser definida com o no Aurélio: Est ado do indivíduo cuj as
funções orgânicas, físicas e m ent ais se acham em sit uação norm al, para a psicanálise o
conceit o de norm al m erece ser explicit ado.
Quant o ao sexo, pode- se assinalar que para a m edicina ele est á relacionado diret am ent e ao
órgão e a seu funcionam ent o, sendo por isso que a m edicina t rat a os disfuncionam ent os a
part ir do órgão na esperança de poder fazer surgir o desej o. Para a psicanálise o sexo é
relat ivo a um suj eit o que se caract eriza por sua falt a- a- ser, por isso vai- se t rat ar as
disfunções a part ir das relações que esse suj eit o est abelece com o obj et o de seu desej o, na
esperança, por que não?, de se resolver os im passes apresent ados pelos difuncionam ent os
do órgão.
Para levar à frent e nosso t rabalho, será preciso int roduzir aqui um out ro conceit o: sint om a.
É pelo sint om a, com o aquilo que diz de um disfuncionam ent o qualquer, que se pode verificar
as diferenças, t eórica e prát ica, das abordagens propost as pela m edicina e pela psicanálise.
Será, pois, at ravés do sint om a que será encam inhada a quest ão: “ O que é a saúde para o
sexo” . Em out ros t erm os, t rat ar- se- á o t em a da saúde pelo sint om a para verificar que adiant o o final - a saúde, do pont o de vist a psicanalít ico, consist e em saber fazer algo com o
sint om a.
O sint om a vist o pela psicanálise, pode ser definido de um a form a bem sim ples: é um a
solução para se evit ar o encont ro com a cast ração.
A cast ração, out ro conceit o aqui int roduzido, pode ser ent endida com o um m enos de gozo
que advém da ext ração que o significant e opera no cam po do Out ro. I st o esclarece a idéia
de que para o ser hum ano, o gozo - t erm o que deve ser sit uado em oposição a um out ro: o
prazer( 3) - est á desde sem pre m arcado por um a perda, o que im plica que a insat isfação é a
m arca que caract eriza t odo psiquism o( 4) . Est a é a operação que t raz com o conseqüência o
suj eit o do inconscient e, com o efeit o, e inst ala no m esm o m ovim ent o o que se denom ina um
m al- est ar, um cert o incôm odo represent ado pela presença de um obj et o que foi ext raído do
cam po do Out ro e que perm anece com o um rest o não absorvido pelo sim bólico, ou sej a, um
rest o que perm anece com o o m ais ínt im o e, t am bém , absolut am ent e est ranho para cada
suj eit o. Est a presença, m arcando um im possível, vai gerar um m ovim ent o de busca
incessant e. Est e m ovim ent o t em a int enção explicit a de rest it uir o “ st at us quo” ant erior na
busca do gozo perdido, esclarecendo que é a part ir do que se cham a ‘m enos de gozo’ que
vai se inst alar o que Lacan denom inou Aut ôm at on - a repet ição da im possibilidade na cadeia
significant e. Est a repet ição, ou sej a, isso que “ não cessa de se escrever” é um a necessidade
que vem dizer da im possibilidade ( o que “ não cessa de não se escrever” ) que o próprio
recalque originário ( Urverdrängung) produz. Cont udo, t odo est e m ovim ent o só se sust ent a
por exist irem pont os de encont ros – t iquê - que, pelo fat o m esm o de serem sem pre falt osos,
acenam com a possibilidade de um a cert a realização.
Assim , ent re o que “ não cessa de não se escrever” ( o im possível) e o que “ não cessa de se
escrever” ( necessário) vai- se deparar com um suj eit o que, com o diz Freud, t em que se
haver com um dispêndio de energia adicional para lut ar cont ra o desprazer ( Unlust ) ou
sofrim ent o ( Leiden) que est a sit uação cria. Sendo isso o que t odo ser falant e t em com o
fundam ent o de sua est rut ura, exist e, ainda conform e Freud, um a pré- condição na form ação
de sint om as para cada suj eit o.
O sint om a, t al com o definido por Freud, é “ o result ado de um conflit o, que surge em virt ude
de um novo m ét odo de sat isfazer a libido ( libidobefriedigung) . As duas forças que ent raram
em lut a ( que poder- se- ia aqui represent ar pelos dois m ovim ent os: “ não cessa de não se
escrever” e “ não cessa de se escrever” ) encont ram - se novam ent e no sint om a e se
reconciliam , por assim dizer, at ravés do acordo represent ado pelo sint om a form ado” ( 5) . Em
out ras palavras pode- se dizer que est e “ acordo” seria um a negociação feit a de t al form a que
o suj eit o diria assim : “ pago um preço para não saber que exist e algo que ” não cessa de não
escrever” , e est e preço é um a sat isfação subst it ut iva que, ao m esm o t em po em que provoca
um cert o desprazer ( Unlust ) , é onde posso obt er m inha sat isfação.
Ent ão, t em - se alguns dados que são m uit os im port ant es para o desenvolvim ent o dest e
t rabalho: o sint om a é um a t ent at iva de criar um a harm onia ali, onde um m enos se inst alou
provocando um a desarm onia.
É nest e pont o que se pode ver um a discordância fundam ent al ent re os conceit os de sint om a
para a m edicina e para a psicanálise. Se por um lado a posição m édica se refere à noção de
harm onia com o um obj et ivo a alcançar quando se est á diant e de um sint om a - est e,
port ant o, aparecendo com o o que pert urba e dest rói a harm onia - , o sent ido do sint om a vai
m udar se a referência não for m ais a harm onia que ele vem pert urbar, m as sim o fat o de
que ele é harm ônico a um a falt a, a um m enos, ou sej a, à cast ração. J.A. Miller( 6) em um
t ext o sobre o envelope form al do sint om a diz que a palavra sint om a t em no seu radical “ sin”
que quer dizer sínt ese, reunião, conj unt o, o que vem j unt o, o que coincide. Dest a form a, o
sint om a é o que faz coincidir duas coisas: a cast ração e a sat isfação. Est a afirm ação pode- se
fazer sust ent ando, t am bém , o que escreveu Freud na definição descrit a acim a.
Para ut ilizar o nosso j argão, pode- se dizer que a cast ração é “ o ser do sint om a” ( 7) , seu
núcleo. Est e núcleo vai se apresent ar em brulhado, envolvido pelo “ envelope form al do
sint om a” - seu invólucro significant e. Est e t erm o, ut ilizado por Lacan no t ext o “ De nossos
ant ecedent es” ( 8) surge de um cert o ret orno à psiquiat ria clássica de Cléram bault , e da
“ necessidade que levou Lacan à psicanálise” ( 9) por ocasião do seu fam oso caso Aim ée: “ Pois
a fidelidade ao envelope form al do sint om a, que é o verdadeiro t raço clínico do qual
t om am os o gost o, nos leva a est e lim it e onde ele ret orna em efeit os de criação” ( 10) . Um
pequeno parênt ese, nest e pont o, para dizer que est a afirm ação de Lacan, feit a em 1966,
aparece com o um prenuncio do que, m ais t arde, será definido com o “ saber aí fazer com seu
sint om a” ( 11) .
Part indo da frase de Lacan, descrit a acim a, Miller cham a a at enção para os dois eixos do
sint om a: ( 1) se, por um lado, há um núcleo que pode se denom inar de cast ração, de
sofrim ent o, de “ m ais de gozo” em conseqüência do “ m enos de gozo” da operação
significant e, há, no sint om a, ( 2) um a m ensagem endereçada ao Out ro e que espera um a
decifração( 12) .
Em out ras palavras, é possível um t raj et o na form ação do sint om a que, a part ir de um
‘m enos’ que se inst ala com o conseqüência da ext ração do obj et o “ a” pela operação
significant e, faz surgir um a int enção de significação que produz um a respost a que,
exat am ent e por ser da ordem do im possível, relança a busca de significação. Est a busca de
significação é explicada por J.A.M. com o sendo a “ t ransform ação da queixa que em erge do
fundo do desprazer em m ensagem ( ...) fazendo exist ir o suj eit o de um a m aneira nova no
cam po do Out ro, e sob form a const it uída” ( 13) . No ent ant o, quando se form at a um a queixa,
ou com o nos diz M. Silvest re( 14) : quando fazem os coincidir um a queixa e um sofrim ent o,
vam os perceber que ela se desnat ura, pois há o que se pode dizer e o que não se pode dizer
pela própria im possibilidade do significant e em dizer t udo.
Est a dificuldade é o que faz com que a lógica própria ao Out ro, ao est abelecer est a relação
ent re queixa e sofrim ent o, vá congelar e fixar a queixa num a cert a cena. Em out ras
palavras, do que se t rat a aqui é de um cert o percurso pulsional( 15) que se est abelece na
relação do suj eit o com “ um dos obj et os que havia ant eriorm ent e abandonado” ( 16) , porque
“ a libido é induzida a t om ar o cam inho da regressão pela fixação que deixou at ras de si
nesses pont os do seu desenvolvim ent o” ( 17) Pont os em que queixa e sofrim ent o, gozo e
m ensagem , cast ração e envelope form al, se fizeram coincidir.( 18)
Quando alguém vai at é um analist a, o que se espera é que ele faça um relat o de sua
infelicidade. Nest e relat o pode- se, ent ão, perceber que há um a harm onia, há um arranj o
que faz exist ir um a sat isfação ali m esm o onde o suj eit o se queixa de dor. Est e é o paradoxo
que Lacan define em Televisão quando nos diz, que a dem anda “ de um que sofre” , nos diz
que “ o suj eit o é feliz” . E cont inua: “ É m esm o sua definição, pois que ele não pode nada
dever senão ao m om ent o oport uno ( heur) , à sort e ( fort une) dit o de out ra form a, e t odo
m om ent o oport uno é bom para isso que o m ant ém , ou sej a, por que ele se repet e” ( 19) .
Por t udo isso se pode afirm ar que “ o sint om a analít ico, enquant o form at ado no cam po do
Out ro, const it uído com o o que se inst aura da cadeia significant e, t em est rut ura de
ficção” ( 20) . I st o o dem onst ra m uit o bem o sint om a hist érico, na m edida em que, na
hist eria, vê- se o sint om a com o ser de verdade do suj eit o, pois ele é deslocado desde baixo e
colocado em evidência. Em out ras palavras, no sint om a hist érico “ o obj et o ‘a’ com o real virá
ao lugar da verdade” , com o m uit o bem o m ost ra a est rut ura do Discurso da Hist eria.
Pode- se acrescent ar, ainda, que ao inst alar- se com o “ ser de verdade” , o sint om a prom ove a
const rução de um a suposição de saber no cam po do Out ro. Part indo da prem issa est rut ural
de que não há relação ent re o suj eit o e o Out ro, o suj eit o est á, desde sem pre, afast ado de
sua verdade. O laço possível, ent re o suj eit o e o Out ro, se faz pelo sint om a. E se faz, com a
criação de um “ ser de saber” ali, onde a verdade lhe est á vet ada.
Um fragm ent o clínico, t razido ao cart el( 21) por Flávio Mont eiro de Carvalho pode ilust rar
est a quest ão: Trat a- se de um a senhora de 32 anos, casada há 2 anos, sem filhos. O m arido,
com 35 anos por ocasião da consult a, encont ra- se no segundo casam ent o. No seu prim eiro
casam ent o, o m arido t eve 4 filhos. At é dezem bro de 2001 a pacient e fez uso de
cont racept ivo horm onal. De j aneiro de 2002 at é o m om ent o da consult a ela vem lidando
com o desej o de engravidar- se. Fez a prim eira consult a com Flávio no início de m arço de
2002. O m ot ivo da consult a foi saber por que não havia engravidado ainda. Flávio explicalhe que t rês m eses de int errupção do uso de cont racept ivos era um t em po m uit o curt o. De
qualquer form a pediram - lhe alguns exam es com plem ent ares que deveriam ser t razidos na
próxim a consult a. No ret orno, quinze dias depois, ela volt ou acom panhada pelo m arido, que
veio dispost o a conversar com o m édico. Ent ret ant o, sem dar, ao m édico, t em po nem
m esm o de pergunt ar algum a coisa, foi logo dizendo: “ fui ao urologist a há alguns dias e ele
m e disse que sou port ador de varicolece e isso dificult a a gravidez” . Diant e dest a afirm ação,
Flávio assinala que, no casam ent o ant erior ele t eve quat ro filhos e a varicocele não havia
prej udicado t ant o assim ... Ele, porém , cont inuou dizendo que agora a sit uação est ava pior,
pois de Janeiro de 2002 para cá sua at ual m ulher ( que est ava ao seu lado, no consult ório,
sem dizer um a palavra) m arcava hora para eles t ransarem , pois ela queria, de qualquer
form a, engravidar- se. Flávio percebeu nisso um a dificuldade que, provavelm ent e explicava a
int rodução do t em a da cirurgia de varicocele. Est a t alvez fosse um a saída para aliviar est a
cobrança. Em função dist o, disse- lhes, ent ão, que para um casal que não evit e filhos com o
uso de cont racept ivos e t enham cont at os sexuais freqüent es, a gravidez ocorre em um
prazo de um ano em 68% dos casos e que os out ros 32% só se com plet am em 2 anos. Só
depois desse t em po é que m édicos ginecologist a ou urologist a deve com eçar a invest igar a
sit uação para depois, se for necessário, est abelecer o t rat am ent o. A pacient e pergunt ou,
ent ão, se algum a m edicação lhe seria prescrit o. A respost a de que não era necessário foi
acom panhada de um a ponderação sobre a urgência da dem anda o que abriu um novo
cam inho possibilit ando um a escut a do sint om a, para além das dem andas que t razia aquele
casal.
As conseqüências dest a condut a só puderam ser colhidas depois, m as a verdade é que ao
decidir não m edicar, apaziguando o m al- est ar, pôde- se abrir um cam inho para que um a
criação advenha, ou sej a, abriu- se um cam inho para o novo a part ir do velho sint om a.
Est rut ura de ficção, queixa, sofrim ent o, não im port a com o a ele se refere, a verdade é que o
sint om a é o que vai dizer de algo que não vai bem e o “ clam or da hum anidade” é pelo
apaziguam ent o do m al- est ar que isso provoca.
No ent ant o, é preciso repet ir aqui um a afirm ação que m erece t oda at enção: “ o sint om a é o
m ais part icular que cada um t em e, por out ra part e, o m ais real. O sint om a é precisam ent e
o que faz com que cada um , em algum a coisa, não consiga fazer absolut am ent e o que lhe
est á prescrit o pelo discurso de seu t em po.” ( 22) Est a afirm ação alert a para um a quest ão de
ordem prát ica e, por que não?, Ét ica! É fundam ent al ao se escut ar o relat o da infelicidade de
alguém , que se t enha em cont a o fat o de que est a infelicidade é o que há de m ais part icular,
é o que sust ent a est e suj eit o enquant o const it uído e, m esm o que t enha sido por não est ar
m ais funcionando com o ant es que ele procura um a análise, ainda assim é seu t raço m ais
part icular: “ Eu sou assim ! ” , dizem de várias m aneiras os candidat os à análise. Talvez por
isso é que, ao se diferenciar o lugar do analist a, do lugar do t erapeut a, est á- se dizendo de
um com prom isso que não é com o m ovim ent o hum anit ário que, com seu clam or, espera
poder universalizar o que há de m ais part icular. O com prom isso que se est abelece é com a
part icularidade de cada um . Pôr- se a serviço dest a verdade supõe um desej o que j á foi
qualificado de inum ano. Talvez por isso é que Lacan, em sua Not a I t aliana( 23) , diz que o
analist a é o rebot alho da hum anidade, na m edida em que quer saber disso que t odos
querem esquecer. Em out ras palavras, Lacan vai afirm ar que o m al- est ar na civilização
consist e em gozar da renuncia ao gozo. Sim , porque ao est abelecer um a solução de
com prom isso ent re as duas forças opost as que est ão em conflit o, o suj eit o renuncia à um a
possibilidade de um gozo possível. Gozo est e que só será possível na m edida que o Out ro é
esvaziado de gozo, ou sej a, na m edida em que o suj eit o deixa de acredit ar que o Out ro quer
dele sua cast ração, que o Out ro vai ret irar o que ele t em de m ais precioso: seu pequeno
nada. Um a analisant e explicit a m uit o bem est a quest ão ao pronunciar est a frase: “ Percebi
que sem pre t ive m edo de perder o que nunca t ive.”
Talvez est ej am se pergunt ando: o que t udo isso t em a ver com o nosso t em a? Ora,
sim plesm ent e o seguint e: na verdade o que est á no cerne do que se ent ende por sexo, m ais
precisam ent e, por relação sexual – e aqui se refere, obviam ent e, ao que diz a psicanálise –
é a sua im possibilidade, o m enos, o rest o irredut ível de gozo que se assinalou a pouco.
Assim , a única possibilidade de est abelecer um a relação com o Out ro sexo é pelo viés do
sint om a. [ ( $< > a) à A] . É por isso que as t ent at ivas de se curar o “ sexo” , sej a pela
m edicina, sej a pelas t erapias “ sexológicas” acabam , na m aioria das vezes, em fracasso, pois
apenas reforçam a im possibilidade que j á exist e ali.
Mas, seria possível curar o sexo at ravés da psicanálise? Talvez o que se possa dizer é que,
diant e da im possibilidade da relação sexual, ela deixa claro que hom em e m ulher est ão do
m esm o lado, qual sej a, am bos t em apenas um a única m aneira de represent ar o sexo: o
sim ulacro fálico. Em out ras palavras pode- se dizer que am bos os gêneros t em em com um
um a só espécie de gozo: o gozo fálico. O que vai diferencia- los é o acesso diferent e ao
Out ro. É est a diferença que os repart e em duas espécies fazendo obst áculo a que a
dim ensão cult ural de gênero venha recobrir a sexuação.
Re fe r ê n cia s
1. Text o apresent ado no Núcleo de Psicanálise e Medicina do I PSM- MG em 02/ 04/ 02
2. Dicionário Aurélio, Edit ora Nova Front eira, Rio de Janeiro, 1ª Edição.
3. Sabem os que para Freud o prazer est á ligado a econom ia de energia, ou sej a, se conot a o
prazer pelo m ínim o de excit ação do sist em a libidinal do corpo. A est e propósit o, Lacan
com ent a que o princípio de prazer freudiano consist iria em nada fazer ou fazer o m ínim o
possível, o que est á na cont ra- m ão da ét ica da psicanálise, pois o princípio de prazer
corresponderia ao querer o bem . O gozo se refere a um a sit uação m ít ica de um corpo ant es
da ent rada do significant e.
4. Soler, C., “ El cuerpo en la enseñanza de Jaques Lacan” , in: Est udios de Psicosom át ica,
At uel- CAP, Buenos Aires, 1994.
5. Freud, S., Conferências I nt rodut órias nº XXI I I , S.E. pp.. 419- 420.
6. Miller, J.A., “ Reflexet ions sur l’enveloppe form el du sym pt ôm e” in: Act es D’École, nº I X.
7. I dem .
8. Lacan, J. “ De nossos ant ecedent es” , in: Escrit os, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Edit or,1998.
p. 70.
9. Miller, J.A. Op.cit .
10. Lacan, J. Op. cit .
11. Lacan, J., “ L’insu Qui sait de l’une bevue s’aile a m oure” , Ornicar? pp.12- 13
12. Miller, J- A., “ Reflexet ions sur l’enveloppe form el du sym pt ôm e” , op. cit .
13. Miller, J. A., op. cit .
14. Silvest re, M., Am anhã, a psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Edit or, 1991.
15. - que diz da relação do suj eit o com o obj et o que escolheu a part ir da int erpret ação que
fez do desej o do Out ro, ao m esm o t em po em que diz que “ o inconscient e não exist e sem
incidência sobre o corpo” ( Soler, C., “ El cuerpo...” op. cit .)
16. Freud, S., op. cit .
17. I dem .
18. NOTA: Em seu Sem inário sobre A Ét ica da Psicanálise, Lacan nos diz: “ O sint om a é o
ret orno, por via de subst it uição significant e, dist o que est á no final da Trieb, da pulsão com o
sendo seu fim ” .
19. Lacan, J., Televisão. Rio de Janeiro: JZE,1993.
20. Miller, J. A., op. cit .
21. Cart el Mat erno- I nfant il do Hospit al do I PSEMG.
22. Soler, C. “ El sínt om a en la civilización” , in: Diversidad del Sínt om a, Colección
Orient ación Lacaniana, EOL, Buenos Aires, 1996. p. 95.
23. NOTA: Lacan, em sua “ Not a I t aliana” nos diz: “ Precisaria que ao clam or se
acrescent asse de um a pret ensa hum anidade para quem o saber não est á acabado, pois ela
não o desej a. Só há analist a quando esse desej o lhe vem , ou sej a, que por aí ele é o
rebot alho da dit a ( hum anidade) ” .
A D I SPON I BI LI D AD E D O AN ALI STA
Sé r gio de M a t t os
Pret endo abordar o assunt o da prát ica lacaniana nas inst it uições pelo lado do analist a,
ent endendo que a form ação do analist a const it ui o elem ent o diferencial do que poderem os
em seguida aferir com o sendo os efeit os específicos do analist a lacaniano nas inst it uições.
Esses efeit os parecem - m e depender do que cham arei: a disponibilidade do analist a, sendo
essa disponibilidade um efeit o de form ação.
Essa int ervenção diz, port ant o, respeit o à form ação do analist a, a psicanálise pura e a um a
de suas conseqüências: psicanálise aplicada.
Se form os defini- la rapidam ent e, diria que a psicanálise aplicada é a aplicação da psicanálise
a cert os cam pos sociais, os cam pos do m al est ar na civilização onde os fundam ent os da
psicanálise est ão aplicados. O que de cert a form a se opõe à psicanálise aplicada é a
psicanálise pura. A psicanálise pura se define pela análise didát ica, ist o é, pela análise que é
desenvolvida ao longo da form ação analít ica. A psicanálise pura é a psicanálise que im plica
na produção de um obj et o part icularm ent e novo no m undo, que é o psicanalist a e a
psicanálise aplicada é essa m esm a disciplina, m as sem a exigência desse produt o. Ent ão é o
m esm o processo, o m esm o disposit ivo, os m esm os fundam ent os, m as a finalidade não é a
m esm a. A psicanálise aplicada é assim um at o que t oca o sint om a t al com a pura, m as não
t em com o conseqüência produzir esse efeit o novo que é o psicanalist a.( 1) Assim post o é
som ent e ent endendo o que é um a, a pura, que se ent ende bem o que é a out ra. Mas, por
out ro lado, pode haver t am bém um m ovim ent o cont em porâneo reversivo, ou sej a, é à
m edida que fazem os essa im ersão at ual nas inst it uições, que se delineia para nós com m ais
clareza o que é um a psicanálise.
Não é preciso lem brar que quando t rabalham os com inst it uições, e ou est am os perpassados
por ela, sej am elas inst it uições m édicas, j urídicas ou aquelas de at endim ent o às
t oxicom anias, est am os ao m enos de início no nível da psicanálise aplicada.
O que cham o aqui de disponibilidade do psicanalist a designa um a cert a presença, que
perm it e que a operação analít ica acont eça, de m aneira pura e, ou aplicada.
O a na list a m ult i- uso
Hoj e pensam os que um analist a serve para m uit as coisas. Mas as coisas não foram sem pre
assim .
Houve um t em po, com o nos lem bra J.A Miller, em que os psicanalist as t ent aram definir para
quem servia a psicanálise. E buscaram essa definição at ravés de crit érios, o que se
cham ava, sobret udo na vert ent e inglesa da Psicanálise de condições de analisibilidade, as
condições que t ornavam um suj eit o analisável.
As list as foram longas e variadas, podem os, ent ret ant o, resum i- las em alguns parâm et ros
principais:
- Era preciso a t ransferência, e t am bém a capacidade do suj eit o de analisar a t ransferência;
- Era necessário um suj eit o que respeit asse o reino da regra: o enquadre e o cont rat o
t erapêut ico. O que se t raduzia por um núm ero de encont ros pré - det erm inados,
pagam ent os pont uais, e nenhum a t olerância quant o às falt as nas sessões ou int errupções;
- Havia t am bém condições de idade: nem m uit o novo, nem m uit o velho;
- E ainda condições cult urais: um dom ínio suficient em ent e bom da língua;
- Todas essas condições convergindo para um pont o idênt ico e m aior, a força do eu.
Todas essas condições visavam o cum prim ent o do que se ent endia at é os anos 50, por
“ Psicanálise pura” , que segundo um convincent e art igo de Edw ard Glover, publicado no
Brit ish Journal of Psychiat ry, era concebido com o um t rat am ent o de ordem para- m édica,
t endo por finalidade a cura, a saber, um a “ norm alidade” e procedendo por m eio de 5
sessões sem anais durant e o período de um ano e m eio a dois anos.
Era em relação a essas exigências, necessárias para o funcionam ent o do t rat am ent o, que
podíam os dispor em dois grupos, as indicações e as cont ra - indicações ao t rat am ent o
psicanalít ico.( 2)
A respost a de Lacan, quant o à definição da psicanálise, sem pre diferiu daquelas baseadas
em crit érios e regras. Definir m elhor o que era a psicanálise sem pre foi um a preocupação de
Jacques Lacan, desde que est e se dedicou à form ação dos psicanalist as. Se recorrerm os, por
exem plo, a um de seus escrit os do ano de 1953 int it ulados “ Variant es do t rat am ent opadrão” , podem os verificar a at enção por ele dedicada ao assunt o e t am bém a originalidade
de sua respost a. Eu o cit o: “ um a psicanálise, padrão ou não, é o t rat am ent o que se espera
de um psicanalist a.” ( 3)
Vem os ai um a m udança de perspect iva: da ênfase dada às norm as e aos crit érios, passa- se
com Lacan, a enfat izar a form ação do que é um analist a, a m ut ação subj et iva por ele
experim ent ada e que o capacit a, se assim podem os dizer, a se oferecer com o analist a de
um a out ra experiência. E na perspect iva de nossas preocupações at uais poderíam os ent ão
parafrasear Lacan dizendo que um a psicanálise aplicada ou não, é t am bém o t rat am ent o
que se espera de um psicanalist a.
É im port ant e not ar que desde essa m udança propost a por Lacan, a palavra t rat am ent o
deixou de sat urar a significação at ribuída à prát ica da psicanálise, e que a part ir daí, Lacan
subst it ui o t erm o t rat am ent o psicanalít ico, pelo t erm o experiência psicanalít ica.
Port ant o, de um t rat am ent o que podia, do pont o de vist a da I PA, ser “ indicado” ou “ cont ra indicado” pela avaliação de um profissional, passa- se a conceber a psicanálise com o a ofert a
de um a experiência vit al, exist encial, que pode ser desej ada ou não pelo suj eit o. A part ir dai
um fat o não pode ser desconhecido: o psicanalist a est á desde ent ão m ais disponível no
m ercado, e se prest a a usos bem dist int os daquele que foi out rora concebido sob o t erm o
“ psicanálise pura” .
Nest a virada propost a por Lacan, digam os: dos padrões ao psicanalist a com o obj et o, cria- se
um novo cam po de indicações para análise. É que o obj et o psicanalist a é
surpreendent em ent e versát il, disponível, m ult i- funcional se assim se pode dizer. ( 4)
Sendo assim , m e parece que um psicanalist a pode se dispor, pelo m enos a princípio, a ser
um “ endereço” para o t rat am ent o do m ental e suas fragilidades nas m ais diversas
condições.
Nessa perspect iva, t rat a- se m enos de ant ecipar se a nat ureza da pert urbação é acessível à
psicanálise, que de saber se um encont ro com um analist a será út il ou não.
Com o exem plo, relat o o caso de um a analisant e em curso de t rat am ent o a m ais de 15 anos
e que est á em vias de sofrer um t ransplant e do coração. Ela se encont ra no CTI dada sua
condição precária de vida. Ela espera com urgência por um doador, pois t odos os recursos
m édicos se esgot aram , m esm o seu desfribilador de últ im a geração, im plant ado à alguns
m eses não é o bast ant e para sust ent ar suas condições vit ais. Seu analist a é cham ado a
cont inuar a at endê- la com grande freqüência. Poderíam os nos pergunt ar: o que pode fazer
um analist a nest as condições? Pois é nessas condições que ela lhe diz que som ent e a ele
pode falar cert as coisas que nem os am igos, os fam iliares ou os m édicos suport am escut ar.
O analist a est á ai bem localizado. Ele é cham ado a ouvir o insuport ável. A analisant e fala da
m ort e e de suas est ranhas fant asias “ m eio canibalescas” sobre um possível doador e esse
“ pedaço de corpo” que ela deverá incorporar. Assim , m esm o em um CTI e t rabalhando com
fam iliares, m édicos, e inserido em est ranhos procedim ent os hospit alares, é possível
perceber a im port ância e eficácia de um lugar próprio à psicanálise: o lugar de acolher o
im possível de suport ar.
Em um out ro caso enviado ao analist a por um a inst it uição do poder j udiciário, um pai chega
dizendo t er sido obrigado pela j uíza a buscar “ acom panham ent o” , inst ala- se ai o que Célio
Garcia cham ou de suj eit o supost o poder. Diant e da int ervenção de que ent ão o profissional
não sabe o que fazer com ele, j á que t odos que o procuram est ão lá porque sofrem e
querem se t rat ar, o suj eit o revela que suas idas podem ser út eis, pois caso cont rário vai
acabar agredindo a j uíza e pondo t udo a perder, enunciando assim o que m ais t arde se
configurará com o um a posição fant asm át ica que lhe gera sofrim ent o. Trat a- se ai do analist a
ant eparo, o analist a no lugar do ant eparo cont ra as pulsões dest rut ivas desse suj eit o, único
lugar disponível para o analist a nesse m om ent o e que, no ent ant o, deve consent ir para dar
a chance a que algo de novo possa acont ecer.
Sem dúvida est e t ipo de encont ro t em freqüent em ent e um carát er experim ent al. Terem os
que verificar que sent ido est e suj eit o pode t irar de seu sint om a e, se t irando algum sent ido,
poderá advir t alvez qualquer coisa de seu gozo, da sat isfação pulsional inconscient e, que
podem os supor se encont ra em seu sint om a.
I sso indica, segundo J.A Miller, pelo m enos um a condição, que haj a a condição do sint om a,
que haj a sofrim ent o com o sint om a, e que est e gozo do sint om a se apresent e com o
desprazer .
I st o quer dizer que, m esm o que o suj eit o possa não dar nenhum sent ido a seu sofrim ent o, o
encont ro com um analist a ainda assim pode ser út il se há sofrim ent o. A disponibilidade do
analist a t em , port ant o um a cert a afinidade com a posição fem inina. Pois m e parece que
podem os dizer que é m ais próprio do fem inino poder assist ir a um sofrim ent o diant e do qual
é im possível fazer algo, porque não há nada a fazer, t rat a- se ai de um a m aior afinidade do
fem inino com o im possível. Se ainda fosse preciso com bat er, fazer algum a coisa, pegar um a
arm a, acionar um inst rum ent o o m asculino saberia se m ost rar út il e eficaz. Mas est ar
sim plesm ent e lá, ser t est em unha pacient e, sabendo inclusive que se o suj eit o se queixa de
seu sint om a, ele é, ent ret ant o, um m eio de gozo e um a adapt ação, rest abelecem um a out ra
eficácia, um a out ra ut ilidade m ais próxim a daquela produzida pela disposição do analist a.
N ã o se cr e r gr a nde coisa
Encont rei as seguint es palavras de Lacan em seu discurso na Universidade Am ericana em
1974.
O Analist a se põe à disposição do analisant e com o o últ im o dos últ im os, porque vai est ar
com ele t rês ou quat ro vezes por sem ana para escut ar o que vai sair nat uralm ent e, para
isso é necessário que haj a um nível onde não se creia m uit a coisa” , ou não se creia grande
coisa.
A disponibilidade do psicanalist a com o se vê, est á diret am ent e ligada ao fat o dele não se
crer m uit a coisa ou grande coisa. É um a definição precisa e de longo alcance.
Há ai o lado epist em ológico e o lado pessoal nesse não se crer m uit a coisa.
Do pont o de vist a pessoal, t rat a- se para Lacan desde “ Os variant es do t rat am ent o padrão”
em fazer com que o analist a apague o seu eu, que apague sua equação pessoal. Hoj e em
dia dizem os que o analist a não é um suj eit o, ele não opera de acordo com seu inconscient e,
m as a part ir de sua desubj et ivação. Hoj e est am os orient ados pela noção de que o que cont a
no analist a, é um cert o est ado de vacuidade, um est ado zen, se assim podem os dizer, de
um a disponibilidade ao inesperado. Trat a- se do que poderíam os descrever com o um a
vacuidade fért il e at ent a.
Podem os at é dizer que t udo que cham am os de form ação do analist a não t em por finalidade
senão obt er no analist a isso que se cham a, presença de espírit o. Presença de espírit o que
poderia se definir com o um a apt idão para aproveit ar das ocasiões para falar e para agir.( 5)
Do pont o de vist a epist êm ico, ist o é do saber, t rat a- se de saber não saber.
Já em Freud encont ram os que a recom endação por ele enfat izada desde o início de sua
prát ica foi a de não prej ulgar, de se esforçar em nada saber ant ecipadam ent e em relação ao
que vai acont ecer.
E com Lacan t em os inúm eras passagens onde ele dá com o a chave da form ação analít ica, o
saber não saber. Cit o com o exem plo, a frase dos Escrit os “ a paixão da ignorância dá sent ido
a t oda form ação do analist a” . ( 6)
Porém t em os ai um problem a, pois por out ro lado, t em os inúm eras passagens onde Lacan
faz aparecer na form ação do analist a um a exigência im ensa e quase desm esurada de saber
o que fazer com o real da experiência. Not a- se ai um a oscilação const ant e do discurso de
Lacan sobre a form ação. Será preciso saber, ou não se deve saber?
Segundo Miller, para ordenar essa perspect iva é preciso est rat ificar essas t eses de Lacan.
Em um prim eiro nível, sem dúvida, Lacan recom enda um a anulação do saber ao nível dos
fenôm enos da experiência, um a anulação do saber com o condição para que possa surgir a
surpresa ou o aleat ório, quer dizer, para dar lugar ao real com o im possível a prever, com o
im possível de saber ant ecipadam ent e.
Mas há um out ro nível onde ele exige o saber, porém não é o saber do acúm ulo de
experiência. Ele não exige o saber obt ido por t erm os prat icado m uit o a experiência analít ica.
A exigência de saber m uit o não incide sobre o m uit o experient e, o analist a “ com cancha” ,
m as a exigência de saber se coloca m uit o precisam ent e ao nível da est rut ura da experiência.
Tudo repousa sobre a est rut ura, sobre a noção lacaniana de que há um sim bólico no real, e
que a form ação analít ica de m aneira elet iva deve aproveit a- se dos saberes que est ão à
alt ura de t ocar esse sim bólico no real.( 7)
I sso é m uit o im port ant e, pois faz obj eção a um relat ivism o, à t ransform ação da
disponibilidade do analist a em um a desorient ação, que levaria a psicanálise para o cam po
geral das psicot erapias.
Poderíam os pensar: est ou dispost o a t udo para ser út il se há sofrim ent o. Na verdade, ocorre
com m uit a freqüência, que operem os com o psicot erapeut as, oferecendo sent ido e
ident ificações para um suj eit o, algum as vezes t em os que fazer isso, m as t em os que saber
que cada vez que um analist a opera assim , com o um m est re, ele paga por isso. Pode
ocorrer que t enha que fazê- lo, quando, por exem plo, há risco de passagem ao at o, e nesse
m om ent o t em os que nos colocar no lugar do Out ro poderoso, proibindo ou exigindo. Mas
cada vez que ocupam os essa posição pagam os obt urando os efeit os de real, e dem ora um
t em po para que esse efeit o de m est ria se pacifique, sej a esquecido e se supere.
As condiçõe s de nossa pr á t ica
O que cham o de disponibilidade t em , port ant o, seu lugar na est rut ura da experiência. Para
Lacan a experiência analít ica é condicionada por um a est rut ura, e essa est rut ura com port a
det erm inações, condições, lim it es e conseqüências.
Disponibilidade é servir para m uit as coisas segundo condições precisas. Nossa
disponibilidade, a enorm e variação que caract eriza a prat ica lacaniana repousa em sua
congruência com o real. Podem os est ar disponíveis, à m edida de nossa congruência. Nossa
disponibilidade quer dizer que não t em os regras ou crit érios gerais, ou m elhor; nossas
regras são som ent e art ifícios congruent es com o real, congruent es com a condição príncipes
de nossa prat ica, que é a de dar lugar ao real com o im possível de prever, com o im possível
de saber ant ecipadam ent e, e por essa via t ocar o sim bólico no real.
A disponibilidade do analist a é, port ant o, um a disponibilidade orient ada.
BROUSSE, M.H. Cóm o opera el Psicoanalisis?,Guayaquil, NEL- Nueva Escola Lacaniana de
Psicoánalisis, Junho, 2002, p. 13.
MI LLER, J.- A. “ Les cont re –indicat ions au t rat em ent psychanalit yt ique” , in Ment al, n5,
Bruxelles, École Européenne de Psychanalyse, j ulho de1998. p..9.
LACAN, J. “ Variant es do t rat am ent o padrão” , in Escrit os, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed,
1998, p. 331.
MI LLER,J.- A. op.cit .
MI LLER, J. A . Curso de Orient ação Lacaniana, aula de 14/ 11/ 2001. I nédit o.
LACAN,J. Escrit os. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed, 1998, p.360.
MI LLER,J.- A. Curso de Orient ação Lacaniana, aula de 28/ 11/ 2001. I nédit o.
Ficha ca t a logr á fica :
I nst it ut o on- line/ I nst it ut o de Psicanálise e Saúde Ment al de Minas Gerais,
Psicanálise e Saúde Ment al, v.0,
Belo Horizont e I PSM- MG, agost o 2003.
Sem est ral
Coor de na çã o e dit or ia l:
Márcia Rosa
Conse lho Edit or ia l:
Ant ônio Benet i
Elisa Alvarenga
Sérgio Laia
Lázaro Elias Rosa
Francisco Paes Barret o
Se cr e t a r ia e dit or ia l de st e núm e r o:
Margaret Ferreira Acuña
Vânia Mascarenhas Cost a
Mauro Lucio de Andrade ( PI B)
Ende r e ço:
I nst it ut o de Psicanálise e Saúde Ment al de Minas Gerais
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