Maria da Conceição Martins da Silva1, Irma da Silva Brito2, Bebiana Calisto Bernardo3,
Eurica da Natividade Sinclética Graça Neves da Rocha4, Ana Maria José Garcia João Pascoal5,
Judith Arminda Venâncio Candeias6
PREVENÇÃO DO CANCRO DO COLO DO ÚTERO *
Capacitação de mulheres de uma comunidade de Luanda
Resumo: Com o objetivo de compreender os fatores determinantes da adesão ao rastreio do cancro do colo do útero em mulheres
vendedoras de um mercado em Luanda-Angola e sua relação com os determinantes socioeconómicos, conhecimentos, crenças e
atitudes sobre a doença, desenvolveu-se um estudo empírico descritivo transversal, em 130 mulheres dos 18 aos 65 anos de idade.
Os resultados obtidos por entrevista indicam que a maioria não era escolarizada; 42,9% possuíam maridos polígamos, 92,9% dos
parceiros sexuais nunca haviam usado preservativo, 39,3% das mulheres tiveram mais de dois parceiros sexuais ao longo da vida;
3,6%, eram fumantes e 10,7% consumiam bebidas alcoólicas. O início precoce das relações sexuais foi referido por 35,7% das
participantes, 57,1% eram multíparas (≥4 gestações) e 32,1% encontravam-se em menopausa. Concluiu-se que os fatores de
vulnerabilidade ao cancro do colo do útero relacionados a sua vida sexual estão presentes na população estudada.
Palavras-chave: I Prevenção; cancro do colo do útero; Enfermagem; modelo PRECEDE-PROCEED.
CERVICAL CANCER PREVENTION
Empowerment of women from a community of Luanda
Abstract: In order to understand the determinants of adherence to screening for cervical cancer in saleswomen of a market
women in Luanda, Angola and its relationship with the socio-economic determinants, knowledge, beliefs and attitudes about the
disease, developed a study cross-sectional empirical in 130 women aged 18 to 65 years old. The results of interviews indicate that
most were not educated; 42.9% had polygamous husbands, 92.9% of sexual partners had never used a condom, 39.3% of women
had more than two sexual partners over a lifetime; 3.6% were smokers and 10.7% drank alcohol. The early onset of sexual
intercourse was reported by 35.7% of participants, 57.1% were multiparous (≥4 pregnancies) and 32.1% were in menopause. It
was concluded that the factors of vulnerability to cervical cancer related to their sex life are present in the population studied.
Keywords: Prevention; cervical cancer; Nursing; PRECEDE-PROCEED model.
1
Professora Associada, Decana do Instituto Superior de Ciências da Saúde da Universidade Agostinho Neto
Doutoranda em Enfermagem na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa (conc_silva@yahoo.com.br)
2
Professora Adjunta da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (Portugal)
Doutorada em Enfermagem pela Universidade do Porto (Portugal) (irmabrito@esenfc.pt)
3
Médica Ginecologista, Professora Auxiliar da Universidade Agostinho Neto (Angola)
Doutorada em Medicina Tropical pela Universidade Federal de Pernambuco (Brasil) (bebiana3@yahoo.com.br)
4
Assistente da Universidade Agostinho Neto (Angola)
Mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (Brasil) (sincleticagraca1@hotmail.com)
5
Estagiária de Investigação da Universidade Agostinho Neto (Angola)
Doutoranda em Saúde Pública na Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales de Buenos Aires (Argentina)
(anapascoal@hotmail.com)
6
Assistente da Universidade Agostinho Neto (Angola)
Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública: Fio-Cruz do Rio de Janeiro (Brasil)
(judinancio1@gmail.com)
*As autoras não seguem o Novo Acordo Ortográfico para a Língua Portuguesa
!
O cancro do colo do útero (CCU) é a segunda maior causa de mortalidade, a nível
mundial e cerca de 80% das mulheres que sofrem de cancro cervical vivem em países
em desenvolvimento, sobretudo na África Subsaariana. Em Angola é a segunda maior
causa de morte por cancro feminino, com um peso considerável na prestação de cuidados de saúde devido aos custos elevados com o tratamento.
O rastreio do cancro do colo do útero CCU) tem mostrado ser uma estratégia fundamental em vários países, fiável e rentável a longo prazo, para o controle da doença.
Em Angola já existe o programa de rastreio do CCU que preconiza a realização do teste de Papanicolau como técnica de diagnóstico precoce de lesões precursoras (DGS,
2015). Mas a adesão ao rastreio depende não só da acessibilidade e qualidade dos serviços de saúde, como também da motivação das mulheres para a vigilância de saúde.
Nesta perspectiva interessou-nos compreender os factores determinantes da adesão ao
rastreio do cancro do colo do útero. Tal compreensão facilitará o planeamento e implementação de algumas ações respeitando e valorizando a mulher, isenta de juízos de
valor e de modo a estabelecer uma relação de confiança que promova a adoção de
comportamentos preventivos. Tais ações incluem a capacitação das mulheres para cuidarem da sua saúde, aderindo ao rastreio e às medidas de protecção sexual. Mas devem
incluir ainda a melhoria da acessibilidade aos serviços de saúde para facilitar a procura
de cuidados de vigilância de saúde (OMS, 2008, 2010-2015; WHO, 2013).
O modelo de planeamento de intervenções de promoção da saúde PRECEDEPROCEED desenvolvido por Green e Kreuter (1991) esquematiza uma sequência de
procedimentos que facilitam o desenho e implementação de medidas de apoio, ou correctivas, de forma a promover o bem-estar e prevenir doenças/problemas de uma comunidade. Segundo este modelo, os determinantes dos estilos de vida que influenciam
a prática de comportamentos preventivos, podem ser classificados em três grandes
grupos: fatores predisponentes, fatores facilitadores e fatores de reforço. Os fatores
predisponentes dizem respeito aos conhecimentos, crenças, valores e às necessidades e
habilidades que estão relacionadas com a motivação de uma pessoa ou de um grupo
para agir. Sendo na maioria do domínio psicológico, elegem-se como antecedentes do
comportamento que podem facilitar ou dificultar a mudança comportamental e podem
ser alterados através da educação para a saúde (Brito, 2007).
Este estudo corresponde ao diagnóstico social, epidemiológico, comportamental,
ambiental e educacional, proposto no modelo PRECEDE-PROCEED que sustentará o
planeamento de uma intervenção de prevenção do cancro do colo do útero numa comunidade de mulheres vendedoras de um mercado em Luanda-Angola. Insere-se na
rede PEER (2009), uma comunidade de práticas baseadas na pesquisa acção participativa. E tem como objectivo compreender os factores determinantes da adesão ao rastreio do cancro do colo do útero em mulheres vendedoras de um mercado em LuandaAngola e de que forma se relacionam com determinantes socioeconómicos e com co-
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nhecimentos, crenças e atitudes sobre a doença para desenhar uma intervenção de
promoção da saúde.
Enquadramento
Mupepi, Sampselle e Johnson (2011) e Hoque, Hoque e Kader (2008) afirmam que
muitas mulheres desconhecem que o cancro do colo do útero resulta do desenvolvimento anómalo das células do colo uterino e que frequentemente está relacionado com
a infecção pelo vírus do papiloma humano. Este vírus pertence à família papovaviridae, género papiloma e espécie papilomavírus humano, que é sobretudo transmitido
sexualmente. Não possui uma só tipologia, correspondendo a uma das mais comuns
espécies de vírus humanos. Os serotipos mais comuns associados ao cancro do colo do
útero são o 16 e 18 de alto risco e o 6 e 11 de baixo risco. (Sousa, 2011).
Conforme refere Meleis, (2007) os enfermeiros preocupam-se com as experiências
dos seres humanos e com questões de saúde e doença, porque essas experiências são
moldadas pela história, e por outras dimensões como a política, as estruturas sociais,
género e cultura. A promoção da saúde definida como processo que visa aumentar a
capacidade dos indivíduos e das comunidades para controlarem a sua saúde, melhorando-a e entendendo-a como um recurso para a vida, constitui-se como uma responsabilidade não apenas exclusiva do sector da saúde. Os indivíduos e as comunidades,
devem adoptar por estilos de vida saudáveis e medidas preventivas para obter mais saúde e bem-estar, pois numa ótica de capacitação, a saúde é mais do que um objetivo de
vida é um recurso do dia-a-dia (OTTAWA, 1986). Então a participação comunitária é
essencial para encetar o diálogo com as mulheres, melhorar a compreensão dos meios
de rastreio e de tratamento, mas também para esclarecer os receios, dúvidas e as ideias
pré-concebidas.
A prevenção do cancro reside em minimizar ou eliminar a exposição aos agentes
carcinogénicos, assim como reduzir a susceptibilidade do indivíduo à ação destes
agentes e detectar precocemente lesões percursoras (OMS, 1995). Na prevenção do
cancro é fundamental a informação à população sobre os comportamentos de risco, os
sinais de alerta e a frequência com que se deve realizar o exame de Papanicolau. É
também, importante que os serviços que actuam nesta área sejam dotados de recursos
humanos e reorientados para os aspectos culturais do cancro (Peixoto, 2013).
Nessa perspectiva, a comunidade espera dos profissionais que reconheçam não
apenas os seus problemas mas, também, os seus pontos fortes. As diferenças e especificidades de uma comunidade têm, obrigatoriamente, de ser consideradas para a construção de um consenso para a intervenção a partir das necessidades percebidas pela
comunidade, das necessidades reconhecidas pelos profissionais de saúde. (“necessidades reais”) e das potencialidades existentes (Loureiro & Miranda, 2010).
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Os factores facilitadores são as habilidades e os recursos/instrumentos relacionados
com a saúde. No caso da realização de um comportamento preventivo são requeridas
habilidades, tanto do tipo psico-motor como sociais, e a existência de meios acessíveis
que possibilitem a prática reiterada desses comportamentos. As barreiras sociais podem dificultar ou impedir a mudança de comportamento. Os factores de reforço são a
resposta que o meio (pares, família, trabalho, meios de comunicação, etc. proporciona
face à realização do comportamento desejado) e que pode encorajar ou não a manutenção desse comportamento de saúde. Se a resposta é positiva tende a reforçar e consolidar a mudança de comportamento, se é negativa dificulta o estabelecimento de um novo padrão de actuação. A identificação dos fatores facilitadores e de reforço facilita o
delineamento de programas de promoção da saúde sem assumir a postura de invasão
cultural subjacente à imposição de modelos pré-definidos, mas sim a abordagem de
síntese cultural Brito (2014). Os profissionais de saúde, em colaboração com os líderes
comunitários, aprendem sobre as necessidades das pessoas e apoiam o desenvolvimento de recursos para as satisfazer, renunciando ao poder da sua posição, ou papel social,
e estando disponíveis para ouvir e aprender com as comunidades.
Para Loureiro e Miranda (2010) o contexto cultural afeta o modo como se comunica, compreende e responde à informação sobre saúde. A competência cultural dos profissionais e das organizações contribui para a literacia em saúde, dado que os habilita a
reconhecer crenças, valores, atitudes, tradições, preferências e práticas de saúde das
diversas comunidades e saber interagir com elas. No caso concreto do nosso estudo, a
compreensão da cultura e do contexto em que se insere, é um aspecto de capital importância quando se pretende planificar acções de promoção da saúde e determina o modelo e estratégias a usar.
Questão de Investigação
Quais são os factores relacionados com a adesão das mulheres vendedoras na comunidade a um programa de promoção da saúde e prevenção do cancro do colo do útero?
Metodologia
Trata-se de uma investigação empírica descritiva transversal, com abordagem participativa que inclui métodos de pesquisa qualitativa e quantitativa. A população do estudo é constituída por mulheres vendedoras de um mercado em Luanda-Angola porque
consideramos que elas apresentam maior vulnerabilidade resultante de serem trabalhadoras, terem baixa escolaridade e, por isso, talvez menor literacia em saúde e menos
acessibilidade aos serviços de saúde. Selecionamos o mercado do Kifica por ser um
dos maiores de Luanda e ter maioritariamente mulheres como vendedoras. Constituiuse uma amostra por conveniência em “bola de neve” a partir de 6 mulheres coordenadoras da área de venda. Aceitaram participar no estudo (n=130) mulheres com mais de
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18 anos de idade que, após o esclarecimento dos objetivos do estudo e assinatura do
consentimento, foram entrevistadas pela equipa de pesquisa. O projecto de pesquisa foi
aprovado pelo Conselho de Ética do Ministério da Saúde de Angola
Realizámos a recolha de dados por entrevista a partir de um formulário semiestruturado, contendo as seguintes dimensões: 1) Caracterização das participantes; 2) Comportamentos relacionados a prevenção do cancro do colo do útero; 3) Fatores predisponentes como literacia e nível de confiança relacionada com a saúde sexual e prevenção do cancro do colo do útero, 4) Fatores facilitadores como habilidades, tanto do tipo
psico-motor como sociais, e a existência de meios acessíveis que possibilitem a prática
reiterada desses comportamentos; 5) Fatores de reforço como atitudes dos pares e família face à realização do comportamento preventivo desejado.
A selecção das questões baseou-se em outros estudos (Hoque, Hoque & Kader,
2008; Maree & Wright, 2011; Peixoto, 2013; Pinho et al., 2003). Este formulário foi
sujeito a revisão por peritos em que o consenso foi obtido por consulta em três reuniões. Foi ainda realizado um estudo piloto, com 30 mulheres de outro mercado que
permitiu adequar a linguagem e a estrutura do instrumento. A colheita de dados foi
realizada de Junho a Setembro de 2014, por uma equipa de 5 inquiridores do Instituto
Superior de Ciências da Saúde da Universidade Agostinho Neto-Angola, coordenada
pela pesquisadora principal. Após a recolha de dados procedeu-se à transcrição para
uma base de dados informáticos e procedeu-se à análise de dados com auxílio do programa SPSS.21. As questões abertas foram sujeitas a análise de conteúdo, com suporte
teórico de Bardin (2009). Aplicaram-se procedimentos de estatística descritiva e inferencial.
Resultados
Os dados das 130 mulheres participantes foram analisados em função da literacia,
agregando-se em não escolarizadas e escolarizadas. No quadro 1 apresenta-se as características da amostra.
Das 130 mulheres entrevistadas, com idades compreendidas entre 18 e 65 anos,
21,5% (quadro 1) não são escolarizadas e tinham idade média mais elevada que o grupo de mulheres escolarizadas (39,9±12,9anos e 32,3±9,3anos; p=.003). A maior parte
das entrevistadas reside no bairro do Benfica, Chinguar ou Kifica, embora grande parte
resida em bairros longe do mercado e 51,5% aufere até 50.000Kz por mês (cerca de
370€). Para se deslocarem para o mercado 28,5% das mulheres usam um táxi. Muitas
mulheres são naturais do Cuanza Sul, são casadas ou vivem em união de facto, pertencem a um agregado familiar constituído por 5-9 membros (sobretudo no grupo das não
escolarizadas, 75%) e pertencem maioritariamente à religião católica.
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Quadro 1
Caraterização da amostra
Não escolarizadas
(n=28)
Escolarizadas
(n=102)
39,9±12,9 anos
32,3±9,3 anos
Estado civil (casada ou em união de facto) %
71,4
64,7
Tamanho do agregado familiar (5 a 9 pessoas)
75,0
57,8
Rendimento do agregado familiar (até 50000KZ)
53,6
51,0
Benfica
17,9
29,4
Chinguar
Kifica
28,6
7,1
15,7
10,8
Outros (Viana, Dangereux, Zango 3, Mundial, Honga, Mulenvo, Sapu, Bela vista, Corimba, Morro Bento, Catintom,
Camama, Patriota, Futungo, Kilamba, Golf II, Nova-Vida,
Palanca)
46,4
44,1
2,8 ±1,9 taxis
3,2 ±2,3 taxis
Luanda
3,6
17,6
Benguela
Cuanza Sul
14,3
17,9
14,7
24,5
Huambo
10,7
6,9
Malanje
14,3
8,8
Bié
10,7
6,9
Outros (Cuanza. Norte, Uíge, Cabinda, Lunda Norte, Moxico, Huíla, Namibe, Lobito, Congo, Catete)
28,6
20,6
Católica
42,9
35,3
Petencostal
25,0
17,6
Metodista
Adventista
7,1
3,6
2,9
11,8
7,1
20,6
14,3
11,8
Mulheres vendedoras do mercado
Idade (media e desvio padrão)
Residência (bairro)%
Distância de casa para o mercado em número de táxis
Naturalidade (província em que nasceu)%
Religião
Outras (Baptista, Reino de Deus, Testemunha de Jeová)
Nenhuma
Acerca da história ginecológica das 130 mulheres, observou-se que a maioria teve a
menarca entre os 13-16 anos (62,3%), 12,3% já se encontram na menopausa, 50,8%
refere ter tido a sua primeira relação sexual entre os 16 e 20 anos. Quanto ao uso de
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métodos contraceptivos a maioria (64,6%) refere não uso. A maioria das mulheres teve
de 1-4 gestações (45,4%) com parto normal (90,0%).
Das 130 mulheres, 70,0% não realiza consulta regular de ginecologia e 96,9% nunca realizaram rastreio do cancro do colo do útero. Identificamos alguns comportamentos relacionados com o risco de cancro do colo do útero (quadro 2) e verificamos que
apenas 23,8% faz referência a antecedentes de infecção de transmissão sexual, poucas
referiram antecedentes de doença oncológica na família e a maioria não usa contraceptivo ou terapêutica de reposição hormonal.
Quadro 2
Vulnerabilidade para cancro do colo do útero das mulheres da amostra
Diferença
entre grupos
Não escolarizadas (n=28)
Escolarizadas
(n=102)
Nunca realizou teste rastreio CCU %
100.0
96.1
na
Antecedentes de Infeção Sexual Transmissível %
17.9
25.5
.522(1).470
Antecedentes de familiares com cancro
0.0
6.9
.472(1).492
Uso de contraceptivos/Reposição hormonal %
78.6
60.8
2.663(1).103
Marido poligâmico
42.9
33.8
.601(1).438
Parceiro nunca usa/usou preservativo
92.9
53.9
na
Número de parceiros sexuais ao longo da vida (2)%
39.3
36.3
.243(1).622
Uso de ervas na vagina
17.8
12.7
1.652(1).199
Fuma diariamente %
3.6
1.0
na
Bebe alcool mais de 3UBP diariamente %
10.7
9.8
.026(1).872
Início precoce das relações sexuais (16 anos) %
35.7
29.4
1.252(1).263
Multiparidade (4 gestações) %
57.1
46.1
.441(1).507
Em menopausa %
32.1
6.9
na
Mulheres vendedoras do mercado
(ȋ2; gl; p)
Questionadas sobre alguns factores de risco para o cancro do colo do útero, a maioria das mulheres não escolarizadas apresentou vulnerabilidade não estatisticamente significativa (quadro 2): marido poligâmo (42,9%), parceiro nunca usa/usou preservativo
(92,9%), mais de dois parceiros sexuais ao longo da vida (39,3%), fuma diariamente
(3,6%), bebe mais de 3 copos de bebida alcoólica por dia (3UBP diariamente 10,7%),
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refere início precoce das relações sexuais (antes dos 16 anos 35,7%), multiparidade (4
gestações 57,1%) e em menopausa (32,1%). O uso de ervas na vagina foi referido por
17,8% destas mulheres, tendo esta prática a finalidade de tornar a vagina mais “apertada” e assim dar mais prazer ao parceiro. Salienta-se que 13,8% do total de mulheres faz
referência a introdução de ervas tradicionais na vagina com infusões de folhas de cajueiro, mangueira, romã, santa maria, eucalipto, gimone, mueia ou gengibre.
Destes factores o início precoce das relações sexuais (16 anos), a multiparidade (4 gestações) e em menopausa são factores não modificáveis. O uso de ervas na vagina não consta
dos factores internacionalmente reconhecidos como de vulnerabilidade para o CCU (OMS,
2012) mas parece-nos que, ao produzir adstringência na mucosa vaginal se esteja a fragilizar e,
portanto a aumentar a vulnerabilidade. No entanto, sendo uma tradição cultural, enquadra-se
nos factores de difícil modificação.
Enquadraram-se como fatores predisponentes a literacia e nível de confiança relacionada
com a saúde sexual e prevenção do cancro do colo do útero. As 130 mulheres, referem que os
motivos que as levariam a realizar consultas de ginecologia são na maioria “quando está doente” (71,5%) quanto a preferência (50,8%) não tem preferência pelo profissional médico ou
médica.
Dos dados obtidos nas entrevistas, observámos que as mulheres escolarizadas revelam
maior conhecimento sobre CCU (59,8%; p=.003) mas em ambos os grupos desconhecem o
que é o HPV e têm escassos conhecimentos sobre factores de risco. Questionou-se sobre a
opinião acerca do CCU e, a maioria desconhece a doença mas algumas referem que “se for
descoberto cedo pode ser tratado” ou que “não se pode evitar” ou ainda que “é uma doença
grave”.
No sentido de identificar a perceção de como aceder aos serviços de saúde e utilizá-los
adequada e eficazmente questionou-se acerca de já ter realizado consulta de ginecologia e apenas 30,0% responde afirmativamente, sendo em menor proporção nas mulheres não escolarizadas (14,3%; p=.041). Questionou-se ainda sobre “com quem gostaria de falar sobre saúde
sexual” e realça-se que tanto nas mulheres não escolarizadas como nas escolarizadas, a preferência por um profissional de saúde é baixa (23.5% e 32.5%, p=.470).
Quanto ao conhecimento sobre o programa nacional de prevenção do CCU, questionando
sobre o programa de rastreio no município, a maioria desconhece pois só 1 mulher respondeu
afirmativamente.
Em relação ao nível de confiança nos serviços de saúde, questionou-se sobre a preferência
quanto ao género do ginecologista, a maioria das mulheres não escolarizadas prefere médica
(57.1%) e das mulheres escolarizadas são 35.3%. Questionadas sobre quem forneceu informação sobre prevenção CCU 14.3% das mulheres não escolarizadas e 20.8% das mulheres escolarizadas, referem que foi a enfermeira que forneceu informação.
No final da entrevista questionámos se “gostaria de ensinar outras mulheres como prevenir
o CCU”, e 53,6% das mulheres não escolarizadas e 79,4% mulheres escolarizadas disponibilizaram-se logo.
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Quadro 3
Fatores predisponentes para o cancro do colo do útero da amostra
Não escolarizadas
%(n=28)
Escolarizadas
%(n=102)
Diferença entre
grupos
(ȋ2; gl; p)
Conhece o que é o cancro do colo do útero
28.6
59.8
8.605(1).003*
Desconhece o que é o HPV
92.9
89.2
.324 (1).569
Conhece os factores de risco
0.0
2.9
na
Se for descoberto cedo pode ser tratado
31.3
51.5
Não se pode evitar
37.5
19.1
É uma doença grave
31.3
29.4
Informação sobre o corpo e processo de saúde/doença
Opinião sobre o cancro do colo do útero
3.062 (2).216
Informação sobre como aceder aos serviços de saúde e utilizá-los adequada e eficazmente
Realizou consulta de ginecologia
14.3
34.3
23.5
32.5
Importante
64.3
58.8
Muito importante
35.7
40.2
0.0
1.0
Prefere médica
57.1
35.3
Enfermeira forneceu informação sobre prevenção CCU
14.3
20.8
Disponibiliza-se para fazer educação pelos pares
53.6
79.4
Gostaria de falar sobre saúde sexual com
Profissionais de saúde
4.196 (1).041*
.521 (1).470
Opinião sobre educação para a saúde
.496(2).780
Informação sobre políticas de saúde
Conhece o programa de rastreio
na
Nível de confiança nos serviços de saúde
7.595(1).006*
Em relação aos fatores facilitadores, verificámos que a maioria das mulheres (79,2%) refere que a religião não impede de fazer o exame ginecológico. Inquiridas sobre uso de preservativo por si ou pelo parceiro, apenas 37,7% refere ter usado. Sabemos ainda que uma consulta
de ginecologia no centro de saúde custa entre 1500 a 2000KZ (cerca de 11 a 15€), não incluindo as despesas com transporte que pode ascender a 400KZ (cerca de 3€). Este factor económico pode constituir impedimento para quem aufere menos de 50.000Kz por mês.
Como fatores de reforço questionámos sobre a atitude do marido inquirindo se “o companheiro permite que realize a consulta de ginecologia” pelo que a maioria responde afirmativamente (79,2%).
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Discussão
Os dados revelam que muito tem de se fazer quanto à prevenção do CCU neste grupo de
mulheres. Se considerarmos os diagnósticos de enfermagem CIPE® 2.0. os dados permitem
identificar:
• Adesão ao programa de rastreio de CCU, comprometida em grau elevado
• Adesão as medidas de prevenção CCU, comprometida em grau elevado
• Conhecimento sobre o corpo e processo de saúde/doença, fatores de risco, como aceder
aos serviços de saúde e utilizá-los adequada e eficazmente e sobre políticas de saúde,
não demonstrado em grau elevado
Para nortear a discussão dos resultados do presente estudo, enquadraram-se os resultados
obtidos nas dimensões do modelo PRECED-PROCEED, conforme se apresenta na figura 1.
Figura 1: Dimensões do Modelo PRECED-PROCEED
Fatores predisponentes
O desconhecimento dos factores de risco para o cancro do colo do útero por parte das mulheres que participaram do estudo, a baixa adesão ao uso do preservativo, a não realização de consultas de ginecologia, o analfabetismo de uma grande parte delas, bem como as falsas crenças em
relação a doença, o desconhecimento da existência de programas de rastreio no município, a não
realização do exame de papanicolau, o facto de algumas mulheres terem tido infecções de transmissão sexual, a introdução de ervas tradicionais na vagina, configuram-se em factores de vulnerabilidade para o cancro do colo do útero. Os mesmos resultados foram constatados pelos estu-
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dos realizados por autores como Logan e Mcilfatrick, (2011) e Maree e Wright (2011) em alguns
países da África subsariana, nomeadamente na África do Sul, Botswana e Zimbabwe. Estes concluíram que as mulheres dos países em desenvolvimento mais afectadas pelo cancro do colo do
útero apresentam baixo nível de escolaridade, baixa literacia em saúde, baixos recursos para realização de rastreio, práticas culturais nocivas à saúde, tabus relacionados com a patologia. Afirmam ainda que a educação para saúde é uma intervenção fundamental para orientação das mulheres na comunidade com vista ao rastreio precoce e atempado do cancro do colo do útero.
No presente estudo destaca-se a disponibilidade manifestada pelas mulheres entrevistadas em
fazer a disseminação da informação sobre a prevenção do cancro do colo do útero à outras mulheres, o reconhecimento da importância de realização de ações de educação para saúde bem
como a mobilização feita pelas coordenadoras de áreas de venda para adesão à pesquisa. Estes
são aspectos que favorecem a planificação de intervenções que visa aumentar a literacia em saúde e o desenvolvimento de habilidades sociais para participar no controlo de factores de risco
que os afetam. Onde o grupo se mobiliza, torna-se participativo e os profissionais de saúde agem
como facilitadores e prestam apoio (Brito, 2007). Freire, (1978), na sua obra Pedagogia do
Oprimido, refere que os homens educam-se entre si mediatizados pelo mundo, pela educação
problematizadora que exige a superação da contradição educador-educando e o diálogo. Nesta
perspectiva ambos se tornam sujeitos do processo e crescem juntos em liberdade procurando o
conhecimento verdadeiro e a cultura pela “imersão” das consciências para uma inserção crítica
na realidade.
Fatores facilitadores
Das entrevistas realizadas a alguns informantes-chave do Ministério da Saúde de Angola,
particularmente a Direcção Nacional de Saúde Pública, tivemos conhecimento de que em 2005
foi elaborado um documento de política de prestação de cuidados e serviços em saúde sexual e
reprodutiva. Este orienta para uma atenção integral à mulher em todo o ciclo de vida, considerando a infância, adolescência e o período pós menopausa e, para cada uma dessas etapas, estão
definidas estratégias. Preconiza a promoção do rastreio do cancro do colo do útero, tanto quanto
possível a nível da comunidade, fazendo-se o rastreio nas unidades sanitárias de primeiro nível,
durante as consultas de planeamento familiar, ginecologia e pré-natal.
Um estudo realizado por Logan e Mcilfatrick, (2011), descrito num artigo intitulado Exploring women's knowledge, experiences and perceptions of cervical cancer screening in an área of
social deprivation, no Reino Unido, revela que as práticas e crenças sobre rastreio são variáveis
em função do acesso aos cuidados de saúde estão mal adaptados às necessidades de grupos socialmente desfavorecidos. Existe a necessidade de se fornecer informações para melhorar o conhecimento e a consciência sobre o CCU e facilitar o rastreio de mulheres que vivem em áreas socialmente excluídas, com a oferta de consultas em unidades móveis para facilitar o acesso. Esta
constatação é reforçada pelo resultado do estudo realizado por Shastri, (2013) verificando-se
uma redução de 31% na taxa de mortalidade provocada pelo CCU, resultante do diagnóstico precoce com ácido acético, uma tecnologia de baixo custo. Os mesmos autores acrescentam ainda
que este teste, sendo uma técnica simples e barata, pode ser realizado por enfermeiros ou por ou-
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tros profissionais de saúde com uma formação básica, que actuam em unidades básicas de saúde
podendo salvar a vida de mulheres que vivem em comunidades com poucos recursos.
Ainda no que concerne aos factores facilitadores, as informações obtidas através de entrevistas realizadas aos informadores-chave do município de Belas, com uma população de 1 065 106
habitantes, dos quais 543 373 são mulheres, (INE: Angola, 2014) indicam a existência de apenas
dois centros de saúde no município com programas de rastreio instalado. No entanto, após a realização da visita de observação aos referidos centros, verificou-se que apenas um centro de saúde
(Centro de saúde do Chimbicado) oferece o programa de rastreio e que em termos de acessibilidade o centro dista aproximadamente 1 hora de viagem do mercado. Uma pesquisa realizada por
Mupepi, Sampselle e Johnson (2011), descrita num artigo intitulado Knowledge, attitudes, and
demographic factors influencing cervical cancer screening behavior of Zimbabwean women.
Journal of Women's Health, revela que a distância dos centros de rastreio foi indicado como um
dos fatores desmobilizador para o rastreio, a par com a poligamia, a dependência financeira e a
estigmatização da doença.
Na pesquisa realizada por Pinho e outros (2003) os principais motivos relatados pelas mulheres para a não realização do teste de papanicolau foram: medo em relação a possibilidade de ter
CCU, vergonha, sentimento de embaraço, desconforto físico, invasão da privacidade e da integridade corporal, barreiras financeiras, localização dos serviços de saúde, transporte, barreiras
organizacionais como a burocracia no tempo de marcação das consultas, de espera para o atendimento.
"O medo", quer do processo ou dos resultados tem sido identificado como um motivo recorrente de não-participação em vários estudos internacionais (designadamente o de Summers &
Fullard 1995). O mesmo resultado foi encontrado no estudo realizado por Pelloso, Carvalho e
Higarashi (2004) sobre conhecimento das mulheres sobre o CCU em uma unidade básica de saúde de um município do Norte do estado do Paraná. As mulheres demonstraram que em relação
ao exame, o medo e a vergonha são os maiores sentimentos que impedem a realização do exame
assim como, a falta de tempo. Esses resultados contrariam os obtidos no nosso estudo uma vez
que a maioria das mulheres entrevistadas não manifestou o medo, ou vergonha em realizar o
exame preventivo mas sim, o desconhecimento da existência de programas de rastreio, a demora
na marcação da consulta, a falta de tempo e a questão financeira.
Como se pode constatar nos vários estudos analisados sobre a prevenção do cancro do colo
do útero os resultados são unanimes em afirmar que as maiores barreiras para a não adesão aos
programas de rastreio prendem-se com a oferta dos serviços e a distância.
Fatores de reforço
Em termos de factores de reforço os resultados do estudo, revelam a aceitação dos maridos
para a realização da consulta de ginecologia e a influência positiva das igrejas, que permitem a
realização das consultas de ginecologia. A comunicação interactiva com amigas e familiares sobre a sexualidade e a possibilidade de realizarem consultas de ginecologia com profissionais de
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ambos os sexos, assim como a mobilização feita pelas coordenadoras de áreas de vendas para
participação no projecto de pesquisa são indicadores de que é possível agilizar a influência de
pares. Neste estudo, as mulheres reconhecem a importância de realização de ações de educação
para saúde, a disponibilidade em explicar à outras mulheres sobre as medidas de prevenção do
cancro do colo do útero e a solicitação de material educativo e transporte que facilitem na mobilização de outras mulheres.
Para Brito (2007), nas intervenções de base comunitária, o papel dos profissionais é proporcionar poder e autoridade à pessoa/grupo a quem estão vinculados recursos, mobilizando para a
participação e a auto-responsabilização. Na perspectiva de Freire (1978) toda acção formativa
para ser validada deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma
análise do meio de vida concreto a quem queremos educar, ou, melhor dito a quem queremos
ajudar a educar-se. Pois “não existem homens no vazio”. Cada pessoa está situada no espaço e
no tempo, no sentido em que vive numa época precisa, num lugar preciso, num contexto social e
cultural preciso, ou seja, é um ser de raiz e espaços temporais. Quanto mais reflectir sobre a realidade, sobre a sua situação concreta, mais emerge, plenamente consciente, comprometido, pronto a intervir na realidade para mudá-la, constrói a si mesmo e chega a ser sujeito da acção.
Estes são aspectos cruciais porque podem determinar adesão ou não ao programa de rastreio
do cancro do colo do útero.
Pinho e outros (2003) referem que o êxito do rastreio do cancro do colo do útero depende
acima de tudo, da reorganização da assistência à saúde da mulher nos serviços de saúde, da capacitação dos profissionais da área da qualidade e continuidade das ações de prevenção e controle da doença, do estabelecimento de ações humanizadas e equitativas, do respeito as diferenças
culturais da eliminação das barreiras e das iniquidades no acesso e utilização dos serviços preventivos. Revuelta e Diaz (2006) definem duas dimensões para os princípios ou orientação em
que se baseiam o desenho das intervenções de promoção da saúde: o de quem decide e lidera a
intervenção (profissionais de saúde ou população-alvo) e o de quem se dirige a intervenção (indivíduos ou contexto em que vivem). Normalmente se quem decide e lidera a intervenção são os
profissionais de saúde então as intervenções têm um planeamento vertical e autoritário. Pelo contrário, se quem decide e lidera a intervenção são as populações com problemas, as intervenções
são participativas e negociadas. Na combinação destas quatro variáveis podem identificar-se
quatro estratégias básicas de intervenção de promoção da saúde: educação para saúde; medidas
legislativas; empowerment; desenvolvimento comunitário.
Os dados obtidos neste estudo permitirão delinear uma estratégia para aumentar a adesão à
proteção sexual e ao rastreio do CCU. Esta estratégia terá em conta que é preciso aumentar a literacia crítica sobre saúde sexual e reprodutiva, a acessibilidade aos serviços de saúde e a predisposição para fazer o rastreio.
O programa constará de ações de conscientização e avaliação de resultados ao nível da literacia em saúde e da adesão ao rastreio. Na figura 2 esquematiza-se o conjunto de acções que devem ser planeadas.
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Figura 2: Esquema de ações que devem ser planeadas
Conclusão
As mulheres no contexto africano enfrentam muitos desafios devido à prevalência de doenças infecto-contagiosas, incluindo um pesado fardo de doenças crónicas, o qual resulta em elevadas taxas de morbilidade e mortalidade, associadas a um árduo flagelo de injustiça social e
práticas socioculturais nocivas que prejudicam ainda mais a sua saúde. O cancro do colo do útero
é uma das problemáticas que afeta muito às mulheres angolanas.
Sendo a promoção da saúde “o aumento da capacidade dos indivíduos para controlarem a
sua saúde”, coloca-se lado a lado outro conceito-chave: o empoderamento comunitário. Este
deve ser encarado como um processo interactivo, que se desloca para ambas as direcções ao
longo de um contínuo e que implica o empoderamento pessoal e o desenvolvimento de pequenos grupos de apoio mútuo, organizações comunitárias e redes ou coligações (Laverack, 2008,
p. 16). A OMS (2008) sublinha nas ações propostas para redução da mortalidade por cancro do
colo do útero na região Africana, que a promoção da saúde deve envolver as comunidades na
educação e aconselhamento, como parte integrante de qualquer programa de luta contra o cancro do colo do útero. Nas suas orientações estratégicas 2010-2015 salienta que deverá intensificar-se a advocacia para que a temática da saúde das mulheres seja colocada no topo da agenda política dos Estados Membros e das instituições regionais, e nas agendas de grupos dos direitos da mulher, associações de mulheres e organizações de base comunitária (OMS, 20102015).
Nessa lógica de pensamento, o estudo teve em consideração as politicas definidas, reorganização dos serviços, construção de parcerias e a participação comunitária. Essas informações
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foram obtidas através das entrevistas realizadas aos vários informadores chave tanto a nível do
Ministério da Saúde com a nível do município, pelas visitas de observação realizadas nas unidades sanitárias com programas de rastreio instalada, bem como o envolvimento das vendedoras em todos os momentos do processo.
Sendo os comportamentos de saúde/doença muito complexos, os profissionais de saúde
não podem esperar influenciar todas as pessoas com quem contatam, ou ainda que as pessoas
adoptem comportamentos de promoção da saúde se a isso forem forçadas. Tão pouco se pode
esperar que os modifiquem apenas porque foram sujeitos a um programa. Ora, o sucesso é
maior se se planear cuidadosamente esses programas de intervenção. Os programas de promoção da saúde mais efectivos são normalmente o produto de muito esforço e baseiam-se num
modelo de planeamento. Os modelos fornecem uma direção e a base sobre os quais se desenha
o programa de intervenção pelo que, as estratégias de promoção da saúde dependem em grande parte dos princípios ou orientação em que se baseiam. (Brito, 2007).
O estudo permitiu concluir que as mulheres entrevistadas possuem elevados factores de
vulnerabilidade ao cancro do colo do útero relacionados com a sua vida sexual, como baixa
adesão ao uso de preservativo, baixa adesão a consulta de ginecologia, uso de substâncias “nocivas” na vagina e parceiros sexuais de risco. Verificou-se também que têm falsas crenças sobre saúde sexual e reprodutiva, desconhecimento da oferta dos Serviços de Saúde para o rasteio assim como, pouco conhecimento sobre os factores de risco associados ao cancro do colo
do útero e as formas de prevenção. As mulheres reconhecem a importância da realização de
ações de educação para saúde como forma de elucida-las e disponibilizam-se para colaborar na
informação de outras mulheres sobre as formas de prevenção do cancro do colo do útero. Estes
dados permitiram orientar o desenho de estratégias de intervenção nesta comunidade, baseadas
na educação pelos pares.
Implicações para a teoria/prática e investigação
Face ao baixo nível de escolaridade e a baixa literacia em saúde das mulheres entrevistadas
sobre a prevenção do cancro do colo do útero, preconiza-se o envolvimento da comunidade
com vista a responder às reais necessidades e expectativas da população em estudo (contexto
socioeconómico e cultural bem como, as crenças e os valores das mulheres a quem se dirige a
intervenção). Pretendemos desenvolver uma intervenção que permitia aumentar a disponibilidade dos serviços de saúde para o rastreio, acessibilidade aos serviços de saúde, motivar as
mulheres para aderirem ao programa de rastreio e a capacitação de mulheres como educadoras.
É nossa pretensão que a pesquisa possa servir de guia orientador para os profissionais de
saúde comunitária no desenvolvimento de programas e projetos no âmbito de programas de
educação para saúde e rastreio do cancro do colo do útero na comunidade e ainda indicar novos caminhos para futuras investigações. Por se tratar de uma abordagem que combina métodos de investigação com estratégias de capacitação comunitária procura reduzir a lacuna entre
o conhecimento produzido pela investigação e a sua tradução em intervenções e políticas de
saúde.
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