2017
A Arqueologia e a UHE Belo Monte:
ontem e hoje
2017
Uma hidrelétrica, uma vida, em dois tempos: apontes biográficos
Minha atuação profissional na área do Licenciamento Ambiental teve início em 1986, quando, como
Pesquisadora de Desenvolvimento Científico Regional, pelo CNPq, junto ao Museu Paraense Emílio
Goeldi, co-coordenei os estudos de viabilidade ambiental da UHE Kararaô.
Nesta época, a problemática que se colocava para os envolvidos neste projeto (um dos pioneiros no que
concernia à exigência da arqueologia como parte obrigatória dos estudos de viabilidade ambiental de
grandes empreendimentos) relacionava-se à localização geográfica da bacia do rio Xingu, entre duas
outras bacias de grande importância para a arqueologia amazônica, a saber: as bacias do rio Tapajós e
do rio Tocantins. Esta localização criava a expectativa de se estar diante de uma área de transição entre
duas tradições arqueológicas cerâmicas: a Incisa Ponteada (caracterizada na bacia do Tapajós) e a
Tupiguarani (caracterizada na bacia do Tocantins, em especial ao longo do Rio Itacaiúnas).
Em caráter inédito, foram encontrados vestígios de uma ocupação mais antiga da área, anterior à
fabricação da cerâmica, cujos vestígios mais duradouros foram os associados à confecção e uso de
instrumentos de pedra lascada. Esse horizonte pré-cerâmico, que testemunhava uma ocupação de
grupos forrageiros que baseavam sua subsistência em produtos obtidos por meio de caça, pesca e coleta
de vegetais, era descortinado pela primeira vez na área de interesse para os estudos arqueológicos.
Esses estudos foram interrompidos em 1988.
Mais de 22 anos se passaram. Eis que sou chamada para trabalhar nos Estudos de Impacto Ambiental da
UHE Belo Monte. Seria o destino a clamar por uma conclusão sobre a importante arqueologia da região?
O que foi descoberto após a retomada desses estudos, numa hidrelétrica renomeada, com projeto
parcialmente diferenciado, mas na mesma área: o médio curso do Rio Xingu.
Era a oportunidade de voltar às origens, aprofundar e tentar atingir o conhecimento dos eventos e
processos pretéritos, anteriores à ocupação histórica, dessa tão importante região.
Os resultados? As pesquisas ainda estão em fase de finalização, mas algumas das respostas já poderão
ser apresentadas neste tão oportuno evento.
2017
Uma hidrelétrica, uma vida, em dois tempos: apontes biográficos
1989 – reservatório: 1.225 km²
2002 – reservatório: 516 km²
Polêmica: usinas hidrelétricas a fio d’água são efetivamente interessantes em termos
ambientais? ... Este não é nosso assunto aqui – aos interessados, recomendo ler os artigos de
GOLDEMBERG, 2013; 2015; 2017.
2017
Categorias de Sítios Arqueológicos registrados na AII e na AID antes das
pesquisas para a UHE Belo Monte
Categorias / Siglas
2017
Categorias de Sítios Arqueológicos registrados na AII e na AID, antes dos
levantamentos sistemáticos para a LI da UHE Belo Monte, por município
LCA
L/C
CA
Altamira
C CA
C
ILHA
C AB
G CA
G
ILHA
51
1
6
1
1
Anapu
G
CN/CA
G/P
CN
C/G
CA
C/P
CN
1
2
1
OP
CA
OP/ G/OP/
C CA C CA
1
T
65
2
2
Brasil Novo
3
3
Medicilândia
3
3
Pacajá
Placas
Porto de Moz
Uruará
Sen. José
Porfírio
Vitória do
Xingu
TOTAL
%
1
1
2
1
9
2
1
1
1
9
2
18
1
2
1
30
1
1
1
1
1
116
1
8
7
2
1
0,62
0,62
73
0,62
5
4,4
1,24
0,62
1
2
0,62 1,24
24
6
7
1
47
1
6
9
1
159
0,62
3,8
5,7
0,62
100
OBS: O grande número de sítios arqueológicos registrado nos municípios de Altamira e de Vitória
do Xingu (70,45% do total) reflete as pesquisas arqueológicas realizadas durante os estudos de
viabilidade ambiental da antiga UHE Kararaô e, posteriormente, os levantamentos arqueológicos
realizados para o EIA/RIMA da UHE Belo Monte. Portanto, essa supremacia numérica não
corresponde a uma maior densidade de sítios arqueológicos nesses municípios, mas a um maior
número de levantamentos arqueológicos em ambos.
2017
Quanto à implantação topográfica dos sítios arqueológicos registrados anteriormente às
pesquisas arqueológicas para a UHE Belo Monte, as informações existentes mostram a situação
apresentada na figura a seguir:
10
6%
1
1%
38
23%
68
42%
22
13%
Topo
Média vertente
25
15%
Baixa vertente
Planície de inundação
Leito do rio
Ilha fluvial
Implantação topográfica registrada dos sítios arqueológicos conhecidos na AII,
anteriormente às pesquisas para a LI da UHE Belo Monte
A maior concentração de sítios arqueológicos em altos topográficos (38%) se explica pela
preferência, para assentamentos de longa duração, por áreas a salvo de inundações. Sítios
localizados em áreas sujeitas a inundações correspondem a acampamentos sazonais ou de
atividades específicas, de curta duração e baixa densidade demográficas; portanto, pequena
quantidade de remanescentes arqueológicos (ex: acampamentos de pesca; oficinas de
polimento aproveitando os matacões aflorados nas imediações ou no leito dos rios).
2017
No que concerne às dimensões dos sítios arqueológicos registrados anteriormente à UHE
Belo Monte, a situação, para os sítios onde tais dados foram aferidos, era a representada na
figura abaixo:
5
4%
2 2
2% 2%
3
3%
38
32%
12
10%
21
18%
34
29%
16 a 28 m²
200 a 600 m²
1.500 a 3.000 m²
4.000 a 6.000 m²
7.200 a 16.000 m²
20.000 a 65.000 m²
86.000 a 300.000 m²
450.000 a 800.000 m²
Área registrada dos sítios arqueológicos a céu aberto
Na figura acima (que demonstra a grande diversidade de áreas dos sítios arqueológicos) não foram
representadas as dimensões de sítios em cavidades naturais, pelo fato de que nesses as dimensões
são definidas pelos limites da própria cavidade. A figura registra a existência, na área de estudo,
desde sítios de dimensões muito pequenas (correspondentes a assentamentos de atividades
limitadas) a grandes aldeias. É interessante observar que o maior sítio registrado até aquele
momento (com 800.000 m² de área) situa-se no município de Vitória do Xingu, a uma distância de
1,5km do rio. Pode corresponder a uma grande aldeia ou a uma situação (cerimonial, festiva, etc.)
de união entre aldeias.
2017
ARTE RUPESTRE - Os sítios com gravuras ou pinturas em pedra, associadas ou não com outros
vestígios culturais, representavam 9% dos sítios arqueológicos conhecidos na área de estudo,
antes das pesquisas para a UHE Belo Monte (Fonte: Pereira, 1999; 2003).
Figura zoomorfa (réptil)
gravada em sítio arqueológico de Senador
José Porfírio.
Figuras antropomorfas e
geométricas gravadas em
rocha granítica aflorada em
ilha do rio Bacajá, Anapu.
Figura antropomorfa gravada em
matacão aflorado às margens do
Rio Xingu, confluência com o Rio
Iriri, Altamira.
A ênfase dada aos sítios de arte rupestre justifica-se pelo fato de esses sítios serem os únicos (até
aquela data)* intencionalmente confeccionados por seus autores para comunicação com seus pares.
Enquanto os demais sítios correspondem a “restos” de atividades pretéritas, cotidianas ou
excepcionais, os sítios de arte rupestre correspondem à intencionalidade de seus autores, com signos
reconhecíveis por seus destinatários, mesmo que inacessíveis para os pesquisadores de hoje.
*Atualmente, temos sítios funerários, também intencionais, que serão mencionados adiante.
2017
AS PESQUISAS REALIZADAS PARA A OBTENÇÃO DA LI À UHE BELO MONTE - 1
HISTÓRICO - AID
Anteriormente às pesquisas arqueológicas para a LI da UHE Belo Monte, na AID do
empreendimento haviam sido registrados 106 sítios arqueológicos, assim distribuídos pelos
municípios que a compõem:
Sítios arqueológicos conhecidos
na AID, por município.
As diferenças quantitativas observadas entre os sítios registrados nos diversos municípios
refletem dois fatores: a maior incidência de levantamentos arqueológicos em alguns desses
municípios (Vitória do Xingu e Altamira), em detrimento dos demais (Anapu e Senador José
Porfírio) e a maior extensão territorial, dentro da AID, dos municípios onde foi identificada a
maioria dos sítios arqueológicos (Vitória do Xingu e Altamira).
Portanto, os dados numéricos não podem ser interpretados como indicação de que em alguns
dos municípios houvesse maior densidade numérica de sítios arqueológicos do que em outros (a
não ser em razão de sua maior extensão territorial).
2017
AS PESQUISAS REALIZADAS PARA A OBTENÇÃO DA LI À UHE BELO MONTE - 2
Altamira
57
33%
Vitória do
Xingu
110
63%
Senador José
Porfírio
7
4%
Vitória do Xingu
Altamira
Antes de BM
Após BM
Aumento %
50
110
120%
31
57
80%
Registro fotográfico
2017
AS PESQUISAS REALIZADAS PARA A OBTENÇÃO DA LI À UHE BELO MONTE - 3
Nível
Amostra
Datação (Antes
do Presente)
40-50
PAQUI 2.3
610±30
30-40
PAQUI 2.2
890±30
80-90
PAQUI 2.1
1.000±30
70-80
PAQUI 2.5
10.410±40
Nível
Amostra
Datação (Antes
do Presente)
50-60
PAQUI 3.8
3.030±30
80-90
PAQUI 3.13
6.930±40
30-40
PAQUI 3.5
9.700±40
100-110
PAQUI 3.17
10.850±40
Sítio Paquiçamba 2
OBSERVAÇÃO
Embora datações em outros sítios já
estejam
disponíveis,
para
esta
apresentação
foram
selecionadas
as
datações referentes aos Sítios Paquiçamba
2 e 3 pelo fato de elas serem significativas
da profundidade temporal da ocupação précolonial na área de estudo, abarcando um
extensão de 10.200 anos de ocupação
contínua, entre a ocupação mais antiga
(10.850±40 anos AP) e a mais recente
(610±30 anos AP).
Sítio Paquiçamba 3
Nível
Amostra
Datação (Antes
do Presente)
60-70
PAQUI 3.3
1.170±30
60-70
PAQUI 3.4
3.140±30
60-70
PAQUI 3.2
4.670±30
70-80
PAQUI 3.1
9.100±40
Sítio Paquiçamba 3
2017
ATIVIDADES E ESTUDOS EM ANDAMENTO PARA CONCLUSÃO DAS PESQUISAS EM BELO MONTE
LABORATÓRIO
(exigidas pelo Iphan, para a LO ao empreendimento, podem perdurar até a
primeira renovação da LO)
Conclusão dos serviços de curadoria do material coletado em campo
Análise do material coletado e/ou registrado em campo (lítico, cerâmico, ósseo
e registros rupestres)
Análise comparativa dos dados
Interpretação dos dados
APROVEITAMENTO ACADÊMICO DAS PESQUISAS
Incentivo ao aproveitamento das pesquisas por profissionais ligados ao projeto,
em todos os níveis possíveis: graduação e pós-graduação
CONTINUIDADE DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DOS RESULTADOS DAS PESQUISAS
(exigidas pelo Iphan, não tem tempo definido de execução)
Divulgação dos resultados das pesquisas em congressos de arqueologia, de
meio ambiente e de ciências humanas e sociais em geral, tanto no Brasil quanto
no exterior
2017
ATIVIDADES DE LABORATÓRIO
É só ao atingir o estágio final que O
arqueólogo pode concluir o objetivo
principal de suas pesquisas: divulgar o
conhecimento
produzido
sobre
o
passado da área de estudo e incorporar
o conhecimento produzido à Memória
Nacional.
É apenas neste momento que seu
trabalho é considerado concluído pelo
IPHAN.
2017
APROVEITAMENTO ACADÊMICO E EDUCATIVO EM GERAL
SÍTIO-ESCOLA – ALTAMIRA – 2015 (1)
2017
APROVEITAMENTO ACADÊMICO E EDUCATIVO EM GERAL
SÍTIO-ESCOLA – ALTAMIRA - 2015 (2)
2017
APROVEITAMENTO ACADÊMICO E EDUCATIVO EM GERAL
SÍTIO-ESCOLA – ALTAMIRA - 2015 (3)
“Para mim, foi a melhor experiência que tive na
minha vida profissional! Um momento único,
onde ganhei muito em conhecimento (...). Foi
muito gratificante.”
“O Sítio Escola é uma maneira de os futuros
profissionais verem como será sua vida mais
adiante. Pude ver e sentir o gosto de quero mais da
minha futura profissão. (...)”
“Um só mundo. Várias versões. Onde as pessoas
veem apenas rochas... eles aprenderam a ler
histórias.” (...) “Aprendi a lidar com o improvável,
aprendi a “rasgar o tempo ao meio”, arrumar
soluções rápidas para não comprometer o trabalho
de toda uma equipe. “
2017
DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
IAIA – Montreal, 2017
2017
Referências - 1
ARAÚJO COSTA, F.; CALDARELLI, S. B. Relatório do Programa de Estudos
Arqueológicos na Área do Reservatório de Kararaô (PA). Belém, MPEG, 2 vol., 1988
CALDARELLI, S.B. Potencial das normas sobre o patrimônio arqueológico nacional
para a adoção de medidas corretivas e compensatórias que beneficiem o patrimônio
arqueológico amazônico nos processos de licenciamento ambiental. In: Anais do 2º
EIAA - Encontro Internacional Arqueologia Amazônica. Manaus/2010.
CALDARELLI, S.B. Tratamento do Patrimônio Arqueológico na Avaliação de Impacto
Ambiental: uma reflexão a partir das práticas no Brasil. In: Anais do 1º Congresso
Brasileiro de Avaliação de Impacto. São Paulo, 2012.
CALDARELLI, S.B. Applied Archaeology in the Environmental Assessment of HHP Belo
Monte, Brazil. Poster apresentado no Encontro Anual da IAIA – International
Association for Impact Assessment. Montreal, 2017.
CALDARELLI, C.E.; CALDARELLI, S.B. Efetividade do licenciamento ambiental: O caso
do Patrimônio Cultural na implantação da UHE Belo Monte. In: Anais do 3º Congresso
Brasileiro de Avaliação de Impacto. Ribeirão Preto, 2016.
2017
Referências - 2
GOLDEMBERG, J. A crise de energia e as soluções. 2013. Disponível em:
http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-crise-de-energia-e-as-solucoes-imp,998258
GOLDEMBERG, J. O estado atual do setor elétrico brasileiro. In: Revista USP, 104: 2015.
GOLDEMBERG, J. http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2015/12/1720521-belo-montesem-barragem-e-um-absurdo-diz-presidente-da-fapesp.shtml.
GOLDEMBERG,
J.
Hidrelétricas
http://www.fecomercio.com.br/
goldemberg.
na
Amazônia.
2017.
Disponível
em:
noticia/hidreletricas-na-amazonia-por-jose-
Trabalhos de arqueologia diversos (incluindo esta apresentação), de minha autoria, podem ser
acessados no site: http://scientiaconsultoria.academia.edu/SolangeCaldarelli
OBRIGADA!