Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
REI, CLERO E REPUBLICANOS: AS REPRESENTAÇÕES NOS JORNAIS
SPECTADOR BRASILEIRO E O VERDADEIRO LIBERAL NO ANO DE 1826.
Arthur Ferreira Reis
Mestrando em História – UFES
RESUMO: O período que vai de 1824 até o início de 1826 é considerado pela
historiografia como relativamente tranquilo. O fechamento abrupto da Constituinte e o
exílio de grande parte dos opositores do governo deram tranquilidade para que D.
Pedro I e os áulicos levassem a frente seus projetos e dominassem a cena pública.
Entretanto, essa suposta tranquilidade foi abalada pela chegada de Mr. de Chapuis ao
Brasil. Suas idéias e suas opiniões, que desagradavam o governo, rapidamente
encontraram a oposição de seu compatriota, Pedro Plancher, dono do periódico O
Spectador Brasileiro. Movidos por intenções políticas distintas, lançaram mão de uma
série de assuntos para defenderem suas posições. Nesse sentido, tentaram construir
modelos e anti-modelos de Reis, imagens do Clero e dos republicanos. Utilizando a
retórica como chave de leitura, tentamos compreender como esses dois jornalistas
enxergavam estes personagens, para podermos, dessa maneira, percebemos suas
intenções com essas representações.
Palavras Chave: Imprensa; Política; Chapuis; Plancher; Retórica.
ABSTRACT: The period from 1824 until the beginning of 1826 is considered by
historiography as relatively quiet. The abrupt closure of the Constituent and the large
proportion of government opponents in exile gave tranquility to D. Pedro I and the
courtiers would lead forward their projects and dominate the public scene. However,
this supposed tranquility was shattered by the arrival of Mr. Chapuis of Brazil. Their
ideas and their opinions, who displeased the government, quickly found the opposition
of his compatriot, Pedro Plancher, periodic owner O Spectador Brasileiro. Moved by
different political intentions, seized a number of subjects to defend their positions. In this
sense, tried to build models and anti-models of Kings, pictures of the Clergy and the
Republicans. Using rhetoric as a key to reading, try to understand how these two
journalists They saw these characters, so that we can, in this way, we realize your
243
Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
intentions with these representations.
Keywords: Press; Politics; Chapuis; plancher; Rhetoric.
Em 2000 José Murilo de Carvalho publicou um artigo no qual fez uma longa
discussão sobre a importância da retórica na vida intelectual do Brasil Império. Ao
final de seu instigante artigo, deixou um convite e uma sugestão aos pesquisadores
para que, aos interessados em história intelectual, utilizassem a retórica como chave
de leitura e, além disso, percorressem os textos em busca de estilos, modos de dizer
e figuras de linguagem que pudessem estar presente neles (CARVALHO, 2000).
Esse trabalho tenta se situar nessa temática, utilizando a retórica como chave de
compreensão para as intenções de dois jornalistas franceses radicados no Brasil do
Primeiro Reinado. Nosso objetivo é compreender os efeitos desejados e o que era
deixado subentendido por Plancher e Chapuis quando falavam em reis, no clero e
nas republicas americanas.
De início devemos apresentar as estratégias retóricas que serão por nós
destacadas. Utilizamos como base a obra Tratado de Argumentação de Chaïm
Perelman e Tyteca. Destacamos aqui os modelos, utilizados para fazer relações
entre o real, o particular e o desejado. O modelo se concentra em uma pessoa ou
instituição de alto prestígio para conter todas as qualidades e características que um
grupo ou uma pessoa devem seguir. De maneira contrária, o anti-modelo contém
tudo que não pode ser seguido. Para valorizar seus modelos e anti-modelos, os
oradores tendem, normalmente, a omitirem ou inventarem características que
possam tornar os primeiros mais perfeitos, e os segundos mais imperfeitos. Por além
disso, as analogias também eram constantes. Por analogias entendemos a relação
entre duas sentenças para se chegar a um resultado, aparentemente, lógico.
O início do século XIX foi um momento único e muito conturbado da história
brasileira. Inserido em tempos de revoluções em todo o mundo, a família de
Bragança teve que se adequar aos novos tempos para conseguir manter, sob sua
dinastia, os territórios da América e da Europa, mesmo que separados politicamente.
Nos momentos de maior agitação no Brasil, o então príncipe regente, Pedro, soube
controlar a situação e articular politicamente as elites para manter, sob sua cabeça,
244
Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
a coroa brasileira.
Para Iara Lis Carvalho de Souza, por ocasião do Movimento Constitucional, quando
Pedro apareceu no teatro (em 26 de fevereiro de 1821) com seu pai para jurar a
Constituição, foi visto pela primeira vez como o anjo da paz, o responsável por
resolver um impasse político entre elites e “povo” (SOUZA, 1999, p.96), passando a
ser visto como o indivíduo capaz de acalmar a praça pública, aparecendo como “um
instrumento da vontade geral, no entender dos constitucionais, e podia exercer a
autoridade pública” (SOUZA, 1999, p.97), que “não dispensa a cena pública, antes
sabe domá-la.”. Desse momento em diante, o Partido Brasileiro uniu a própria
pessoa de Pedro ao projeto constitucional (SOUZA, 1999, p.99).
A construção da persona de Pedro como Imperador foi complexa. Era fundamental
que os signos e sentidos da realeza circulassem por todo tecido social para que
fossem comunicados e apreendidos (SOUZA, 1999, p.53). O processo de adesão à
D. Pedro I foi patrocinado pelas Câmaras. Nesse sentido, reconhecia-se a
autoridade
local
e
unia-se
a
reconhecimentos
de
sua
legitimidade
em
comemorações internas e locais, dentre as quais, se revelava como necessidade
para a criação do novo pacto para formação da Constituição liberal (SOUZA, 1999,
p.143). Através das festas, e, “armando-se com as práticas e representações do
passado, as Câmaras e o príncipe celebravam um contrato completamente novo,
calcado em princípios liberais” (SOUZA, 1999, p.147).
Porém, por mais que as Câmaras se definissem como local da elite, a população
também se fazia ouvir, pois era maior seu poder de pressão nas Câmaras do que no
monarca distante (SOUZA, 1999, p.146), “estas adesões se caracterizavam por
embates sociais e pela presença marcante das camadas mais populares, com
diversidades étnicas e de interesses.” (SOUZA, 1999, p.150). O “povo” ocupava as
praças e ruas nas festas realizadas pelo processo de separação, nos quais
expressavam seus desejos e discordâncias (SOUZA, 1999, p.120). As camadas
populares viam nessa mudança da esfera pública uma oportunidade de mudar de
vida e alcançar seus desejos, o que aumentava a participação no processo de
adesão, mesmo que não visassem a Independência em primeiro plano (SOUZA,
1999, p.169).
245
Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
Para as elites, a adesão da população à D. Pedro I significava o estabelecimento e a
continuidade da ordem social, que era marcada por instrumentos de coerção que
legitimavam a dominação por parte das elites. A persona do príncipe se associava a
uma série de leis e regras que atendessem ao poder local (SOUZA, 1999, p.168),
fundando-se numa troca, onde os súditos se comprometiam a obedecer e o rei os
proteger (SOUZA, 1999, p.171), ligando a pessoa do imperador diretamente com a
constituição (SOUZA, 1999, p.201) e a constituição a um pacto social fundado entre
o indivíduo e o monarca (NEVES, 2009, p.185), que garantia a continuidade da
ordem social existente. Diante de suas atitudes vistas como liberais, D. Pedro I se
tornava o modelo perfeito de um rei constitucional.
Porém, se D. Pedro I se tornou uma peça fundamental no plano das elites
fluminenses, sua persona não foi uma unanimidade em todas as províncias. As
elites regionais, principalmente a pernambucana e a baiana, tinham projetos
políticos que destoavam dos planos das elites fluminenses (MELLO, 2004, p.11). A
partir dos estudos de Evaldo Cabral de Melo podemos perceber que existiam
diversos projetos políticos presentes no processo de Independência, e não um
projeto unânime em todo o território nacional.
A Confederação do Equador foi o primeiro movimento de grande porte a contestar,
de maneira contundente, o poder do novo Imperador do Brasil. O governo imperial
promoveu uma forte repressão ao movimento, e após de alguns meses de guerra
conseguiu dispersar os insurgentes e prender seus principais líderes. Entretanto, o
movimento fez surgir um receio dos liberais pelas atitudes autoritárias de D. Pedro I.
Em 1825 a província da Cisplatina, imbuída de sentimentos nacionais, formou a
expedição dos “33 orientais” liderada por Lavalleja. Incentivados e aliados ao
governo de Buenos Aires, no mesmo ano declarou guerra ao Império do Brasil. O
conflito se arrastou até 1828, e, além de destruir as já precárias finanças do Brasil, o
pomposo título de Império viu-se esvaziado pela perda do conflito militar contra uma
pequena província e uma república que ainda sofria com guerras internas
(FERREIRA, 2009, p.329).
Ambos os conflitos e as maneiras com que foram tratados pelo governo imperial
contribuíram, entre outras coisas, para o desgaste da persona de D. Pedro I com o
246
Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
grupo dos liberais, que reorganizados e reagrupados ressurgiram na cena pública
com a reabertura da Câmara em 1826. Descontentes com a situação política, pois
estavam alijados do poder, econômica, graças à enorme crise econômica do Brasil
(principalmente, dos altos impostos causados para custear a Guerra da Cisplatina) e
social, pois viam atemorizados pelas manifestações populares, percebiam que
estava na hora de voltarem à cena pública. Entretanto, agora vinham apoiados por
um forte setor de abastecimento. A partir de 1826, uniram-se em torno de nomes
como Evaristo da Veiga e Bernardo Pereira de Vasconcellos, homens que lideravam
uma tropa coesa, experiente e bem abastecida.
Da mesma maneira que foi feito na Aclamação de D. Pedro I, os Liberais
perceberam que, para destituir o monarca, seria necessário o apoio das ruas. Para
tal fim, a imprensa liberal usou da astuta estratégia de, gradativamente, associar o
Imperador com os portugueses, destruindo sua imagem de constitucional e liberal, e,
paulatinamente, alcunhado o Imperador de absolutista, português e autoritário
(RIBEIRO, 2001, p.144), fazendo com que deixasse de ser um modelo, e se
transformasse em um anti-modelo. Uma das estratégias utilizadas pelos liberais foi a
utilização da imprensa para desgastar a imagem de D. Pedro I. Em uma segunda
onda oposicionista ao governo, os jornalistas transformaram-se na principal arma
dos liberais.
Em 1826 saiu à luz o jornal O Verdadeiro Liberal, escrito pelo francês Mr. de
Chapuis, antigo bonapartista e recém chegado ao Brasil. Aventureiro que havia
participado das revoluções liberais de Portugal, Itália e Espanha (PUIGMAL, 2013),
veio para o Brasil para dar continuidade a sua missão política. Rapidamente se
desiludiu com o governo e passou a fazer veladas críticas ao ministério imperial,
defendendo a autonomia provincial e criticando suas atitudes autoritárias. Conseguiu
adversários dos mais diversos, e o mais empenhado deles foi um conterrâneo,
Pedro Plancher, redator do jornal O Spectador Brasileiro. Plancher tinha opiniões
políticas diferentes. Defendia um governo forte e centralizado na pessoa do
Imperador. Pregava o afastamento das republicas vizinhas e a aproximação do
Brasil com o modo de governo (monárquico) e com a nobreza europeia.
Chapuis imprimia constantemente em seus jornais fatos sobre o Rei da Baviera. No
período em que ele publicava tais noticias, no ano de 1826, quem governava o reino
247
Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
bávaro era Luis I, e, fatos verídicos ou não, Chapuis buscava montar um modelo de
rei a ser seguido por D. Pedro I. Logo após subir ao trono, dizia Chapuis, o rei
buscou fazer uma avaliação financeira do reino e
seus primeiros cuidados depois de sua exaltação tem tido por objecto o
allivio dos povos. Elle tem nomeado commisões para fazer reformas, e as
tem prezidido com assiduidade. Seu zelo não se limita a palavras, e a
promessas, este Principe dá elle mesmo o exemplo da economia(...) Tem
diminuído pensões não merecedias, ou concedidas a homens ricos; ao
mesmo tempo que tem cuidadosamente conservado, e augmentado as
pequenas pensões dos pobres, das viúvas, dos órfãos, e dos jovens
estudantes.(O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº7)258
Além das qualidades econômicas, destacou que “A bondade natural do Principe he
fortificada por um verdadeiro sentimento de religião” (O VERDADEIRO LIBERAL,
1826, nº7), e nem mesmo a sua frágil saúde tem impedido o rei de trabalhar em prol
dos povos. Segundo ele, o rei disse que devia
sacrificar a minha vida ao meu povo; mui ditoso se abreviando os meus dias
abreviar os seus soffrimentos. A perda de um Rei repara-se no dia seguinte;
mas são necessários longos annos para reparar os males, que uma má
administração póde causar á uma nação. (O VERDADEIRO LIBERAL,
1826, nº10)
Diante de todas essas atitudes beneméritas, recebeu o título de “rei dos
camponeses”, um título que era o que mais ambicionava (O VERDADEIRO
LIBERAL, 1826, nº13). O rei modelo deveria ser zeloso com as finanças e bondoso
com o povo, e, principalmente, ter em mente que a majestade não é o bem mais
precioso de um país, já que a “perda de um Rei repara-se no dia seguinte”,
enquanto a nação continua viva.
Se o rei da Baviera era o modelo a ser seguido, o seu anti-modelo era o reino
espanhol. Segundo Chapuis, certa vez, em um teatro durante a exibição de peça
Numancia de Cervantes, cada vez que a palavra Pátria e Liberdade eram ditas,
erão acompanhadas de Vivas continuados, que sahião de todos os pontos
da sala, e que não poderão ser suffocados por todos os esforços das
authoridades, tendo mesmo lançado mão de medidas violentas para com
alguns jovens. (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº2)
Diante disso, Chapuis afirma que “no dia seguinte o Governo prohibio não só a
representação d’aquella tragédia, mas até que se vendesse nas lojes de livreiros.”
(O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº2). Essa disposição despótica do governo
258
As citações preservarão os erros gramaticais dos autores.
248
Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
espanhol era causada pelo seu Clero. Dizia ironicamente que “He uma classe
verdadeiramente útil a dos frades”. Eles realmente “sabem dar conselhos aos Reis!”.
A prova seria o discurso que os frades espanhóis haviam dirigido ao rei Fernando
VII:
Senhor. – Vós sois Rei Absoluto, Deos nos defenda de jamais contestarvoos este título; até faremos matar, se necessário for, os que se atreverem
a desejar, que o vosso poder fosse limitado; mas queremos que o vosso
primeiro Ministro seja a nosso favor, e governe, segundo a nossa vontade;
se recusardes, tendes toda a liberdade, não faremos por agora conspiração
alguma, pois que respeitamos mui bem a vossa legitimidade, mas vós não
tendes hum real nos vossos cofres, quando pelo contrário nos nossos achase toda a da Hespanha; se a vossa legitimidade não for docio, deixa-lahemos morrer de fome. Viva El-Rei Absoluto. (O VERDADEIRO LIBERAL,
1826, nº3)
Por causa dessas atitudes absolutistas, a Espanha tornava-se um anti-modelo de
governo para o Brasil, e o clero se tornava o maior exemplo de partidário do
absolutismo.
Já Plancher tinha como modelo Napoleão Bonaparte. Famoso bonapartista em
Paris, quando chegou ao Brasil teve suas malas presas na alfândega. Utilizando-se
de sua lábia e habilidade de se promover, rapidamente conseguiu a liberação de
seus bens e ganhou o título de impressor imperial. Rapidamente percebeu em D.
Pedro I a possibilidade de rever as características de Napoleão serem revividas, e,
como conseqüência disso, tratou de fazer propaganda das qualidades de Napoleão.
Segundo ele, Napoleão havia sido o “Gênio Salvador da França, na formidável
época da Anarquia Jacobina” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº20). Foi ele
quem
mostrou o Codigo das leis , e a Religião, a moral, a Justiça banidas entao
subirão de novo sobre altares; facções incendiarias cingião de famintos
punhaes os porticos do Cidadão tranquillo, do Amigo das sciencias, e das
Artes; elle desembainhou a espada, e os assassinos beijarão o pó trentendo
com receito o da vingança. (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº20)
De tantas atitudes benfeitoras, o dia de nascimento de Napoleão havia tornado-se
“hum dia sómente Religiozo, separado para sempre das ceremonias politicas, e da
alegria Nacional da França”, e, mesmo com sua morte, havia um clamor pela volta
de Napoleão, onde se ouvia sua voz, mas era “huma iluzão”, tratava-se apenas do
“coração que julga ouvir aquelle que jaz no eterno silencio dos mortos. he o amor
que debalde se exforça em reanimár o heróe separado a imensa familia dos
249
Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
Francezes reconhecedores” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº20).
Plancher também tentava ilustrar as qualidades militares de Napoleão em D. Pedro
I, e era comum ver em seus jornais noticias de visitas do Imperador em fortes e
arsenais de guerra. Em uma delas dizia que
A 9 horas pouco mais ou menos voltou S. M. I. ao Arsenal a fim de presidir
Elle mesmo ao embarque. Sua Angustia Presença canson tanto na tropa
como nos numerosos espectadores espalhados dentro do Arsenal e até
mesmo na muita gente amontosda no morro de S.Bento, o mais vivo
enthusiasmo que se patenteou com vivas energicos no imperador
Constitucional. (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº15)
Essa atitude de D. Pedro I não era nada além “d'aquella prodigiosa actividade e
desembaraço que nós todos Lhe conhecemos” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1826,
nº15). Inúmeras eram as descrições de visitas de D. Pedro I aos fortes além das
muitas proclamações por ele feitas às tropas.
Enquanto Napoleão era o modelo, as repúblicas vizinhas eram o anti-modelo. Citava
filósofos como Rousseau, “cheyos das idéas de hum republicanismo exagerado,
[que colocavam] a Liberdade senão em o mais alto grão de poder, que o homem
vivendo em sociedade pode tocar.” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1826, nº251),
criticando-os e afirmando que a liberdade deveria ser limitada, pois “a experiência,
se lhes faz observar, que quanto mayor poder se se dá á cada Cidadão, menor se
torna a tranqüilidade de todos”, e é provado que “os Governos absolutamente
Democratico, são os mais expostos ás revoluções e ás tempestades” (SPECTADOR
BRASILEIRO, 1826, nº251) Para o redator, o verdadeiro erro desses sistemas
políticos estava no fato de que “os seus Auctores fazem mais caso do poder, do que
da segurança do Cidadão, em quanto que se devia attender mais á segurança do
que ao poder” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1826, nº251). Para Plancher, isso era
um erro, pois
A Natureza não nos tem feito homens para nos fazer livres, mas ella nos
criou livres para nos pór ao alcance de cumprir com o destino commum á
todos os homens. Ora os homens são destinados á viver em sociedade; não
podem viver n’ella tranquilamente sem pór em commum toda a porção de
Liberdade cujo sacrifício se julga necessário á boa ordem da sociedade de
que são membros. (SPECTADOR BRASILEIRO, 1826, nº251)
A tranquilidade nessas sociedades era nula, pois “que tranquililidade e que
segurança se pode esperar daquellas sociedades políticas em que cada hum dos
Cidadãos toma huma parte activissima no exercício da Soberania”. Sendo assim,
250
Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
nessa perspectiva interpretativa, era “hum absurdo considerar como livres só
aquelles homens, que vivem n’hum paiz, em que cada hum he actualmente, e de
facto, associado illimitadamente ao exercício do poder Soberano.” (SPECTADOR
BRASILEIRO, 1826, nº251). Concluía que
não ha verdadeira Liberdade se não naquelles governos, cuja Constituição
tanto se oppoem á tyramnia como á licença. A licença he o ultimo termo do
abuso dos poderes individuais; a tyramnia he o ultimo termo do abuso dos
poderes publicos. O povo mais livre he em consequencia aquelle, cujas
Leys deixão a manor possibilidade possivel á estas duas especies de
abusos. Quando se diz que huma boa Legislação deve favorecer a
Liberdade, entenda-se que ella deve prevenir tanto quanto he possivel, o
abuso de todos os poderes, ou publicos, ou individuais. (SPECTADOR
BRASILEIRO, 1826, nº251)
Ia além, pois, se a república era tão ruim, o Brasil devia se aproximar das
constituições européias. Dizia que o país estava “rodeado de pequeninas republicas
desvairadas por systemas de matefysica legislação”, que para não se contaminar
com esses “sistemas metafísicos”, deveria o Brasil fazer sua “Constituição mais
analoga as actuaes das potencias Europeas” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824,
nº27).
Dizia que as repúblicas eram “taõ fataes aos homens de bem, aos ricos
proprietarios, aos benementos da patria” e até mesmo aos “mesmos mais
encarniçados Democratas” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº5) e declara, em
nome do povo brasileiro, “odio eterno ao estabelecimento das Democracias, assim
como á toda a forma de Governo que se confunda com esses systemas hoje mui
desacreditados” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº6). Em sua visão, as
democracias e a América eram locais de perigo e insegurança, enquanto a Europa e
as monarquias constitucionais seriam locais de segurança e tranqüilidade.
Diferente dele, Chapuis pregava a aproximação com as repúblicas americanas e
com a liberdade. Segundo ele, o país devia estar de olho e, se pudesse, participasse
do Congresso do Panamá ocorrido em 1826 e organizado pelo “immortal Bolivar” (O
VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº10), que buscava maior integração entre as
repúblicas americanas recém independentes. Incomodado com a falta de noticias
sobre o assunto no Brasil, questionou se
O que se passa no Congresso do Panamá não nos interessa mais do que a
qualquer outro? No emtanto ainda ninguém aqui tratou de tal matéria;
parece, que he fructo prohibido, e que Panamá he uma daquellas palavras
251
Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
da antiga linguagem de que se pede explicação. (O VERDADEIRO
LIBERAL, 1826, nº10)
Na mesma edição fez uma singela apologia ao sistema federativo norte americano,
dizendo que as nações do Congresso não aceitariam formar uma federação, “por
maior perspectiva que lhe apresenta uma federação estreita, intima, como a dos
Estados Unidos da America do Norte.” (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº10).
Dizia também que “Todos os annos a Europa Espera com anciedade pelo discurso
de abertura do Congresso Americano” (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº10).
Reproduzia em seu jornal as palavras do presidente norteamericano, que dizia que
ha dez annos, que todos os Governos da Europa tem aprendido a conhecer
successivamente, sejão quaes forem as suas Constituições, que o fim das
suas instituições he a felicidade do Povo e que o exercicio do poder entre os
homens só pode ser justificado pelas vantagens que procura para aquelles,
sobre quem se estende. ,,A Liberdade, continua o Presidente, he a força; a
Nação que gosa da maior porção de liberdade deve ser a mais poderosa do
mundo; o homem revestido do poder não o recebeo para cumprir os
designos da providencia se não com a condição de servir-se delle
unicamente para melhorar a sua propria condição, e a dos seus similhantes.
(O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº10)
Diante dessas analogias devemos nos concentrar em alguns significados implícitos.
A América nos oitocentos, principalmente nos períodos de independência das
colônias, ficou associado ao regime republicano e à liberdade política (SEBASTIÁN,
2009, p.58), e os Estados Unidos serviram de exemplo principal (SEBASTIÁN, 2009,
p.62). Da mesma maneira, os Estados Unidos também era utilizado como exemplo
positivo pelos partidários do federalismo (SEBASTIÁN, 2009, p.444). Aos opositores
do governo republicano, a América servia como referência negativa graças às
repúblicas hispânicas, vistas como conturbadas e portadoras de sistemas
prejudiciais à liberdade, estabilidade e segurança (SEBASTIÁN, 2009, p.64).
Concluindo, um leitor despreocupado com os artifícios retóricos poderiam ter
interpretações errôneas sobre os fatos expostos nos jornais. Ao aludir à Espanha e
ao Clero como local de absolutismo e violência, Chapuis buscava não só expor
fatos, mas sim criar um anti-modelo para o Brasil. Da mesma maneira, ao publicar
noticias sobre o governo norte-americano e sobre o Congresso do Panamá, buscava
fazer propaganda desses países e eventos para, implicitamente, fazer alusão ao
governo federativo e, até mesmo, republicano. Já Plancher caminhava no sentido
inverso. Mesmo que carregado de um forte sentimentalismo, buscava trazer, através
252
Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
de Napoleão, o modelo de um governo centralizado e forte que pudesse dar
segurança aos cidadãos. Juntamente com isso, buscava criar um anti-modelo
caucado nas repúblicas americanas como prejudiciais à segurança.
Bibliografia
CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave
de leitura. Topoi. Rio de Janeiro, nº 1, pp. 123-152, 2000.
CARVALHO, Marcus J. M. de. Cavalcantis e cavalgados: a formação das alianças
políticas em Pernambuco, 1817-1824. In: Revista Brasileira de História, São
Paulo, v. 18, n. 36, 1998,.4.
FERREIRA, Gabriela. Conflitos no Rio da Prata. In: Keila Grinberg; Ricardo Salles.
(Org.). O Brasil Imperial (1808-1831). 1ed.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2009, v. 1, p.329.
MELLO, Evaldo Cabral de. A outra Independência: o federalismo pernambucano
de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004.
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Constituição: usos antigos e novos de um
conceito no Império do Brasil (1821-1860). In: Carvalho, José Murilo; Neves, Lucia
Maria Bastos P.. (Org.). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e
liberdade. 1ed.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, v. 1, p.185.
O Verdadeiro Liberal. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Nacional, 1826.
Disponível em: < http://hemerotecadigital.bn.br/>, acesso em 23/04/2015.
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação: a
nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005,
PUIGMAL, Patrick. Brasil Bajo Influencia Napoleónica y Francesa. Los Mensajeros
de la Independencia: Militares, Libreros y Periodistas. In: Revista História UC, Chile,
v.1, nº 46, 2013, 113-151.
RIBEIRO, Gladys Sabina. A Liberdade em Construção: Identidade Nacional e
253
Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est
conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. 1997. 550 f. Tese (Doutorado em
História) – Universidade de Campinas, Campinas, 2001.
SEBASTIÁN, Javier Fernández (dir.). Diccionario Político y Social del Mundo
Iberoamericano. Madrid: Ministerio de Cultura, 2009. 1422p.
SOUZA, Iara Lis Franco Schiavinatto Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo
político autônomo (1780-1831). São Paulo: UNESP, 1999.
Spectador Brasileiro. Rio de Janeiro: Typographia de Plancher, 1824-1826.
Disponível em: < http://hemerotecadigital.bn.br/>, acesso em 23/04/2015
254