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Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est REI, CLERO E REPUBLICANOS: AS REPRESENTAÇÕES NOS JORNAIS SPECTADOR BRASILEIRO E O VERDADEIRO LIBERAL NO ANO DE 1826. Arthur Ferreira Reis Mestrando em História – UFES RESUMO: O período que vai de 1824 até o início de 1826 é considerado pela historiografia como relativamente tranquilo. O fechamento abrupto da Constituinte e o exílio de grande parte dos opositores do governo deram tranquilidade para que D. Pedro I e os áulicos levassem a frente seus projetos e dominassem a cena pública. Entretanto, essa suposta tranquilidade foi abalada pela chegada de Mr. de Chapuis ao Brasil. Suas idéias e suas opiniões, que desagradavam o governo, rapidamente encontraram a oposição de seu compatriota, Pedro Plancher, dono do periódico O Spectador Brasileiro. Movidos por intenções políticas distintas, lançaram mão de uma série de assuntos para defenderem suas posições. Nesse sentido, tentaram construir modelos e anti-modelos de Reis, imagens do Clero e dos republicanos. Utilizando a retórica como chave de leitura, tentamos compreender como esses dois jornalistas enxergavam estes personagens, para podermos, dessa maneira, percebemos suas intenções com essas representações. Palavras Chave: Imprensa; Política; Chapuis; Plancher; Retórica. ABSTRACT: The period from 1824 until the beginning of 1826 is considered by historiography as relatively quiet. The abrupt closure of the Constituent and the large proportion of government opponents in exile gave tranquility to D. Pedro I and the courtiers would lead forward their projects and dominate the public scene. However, this supposed tranquility was shattered by the arrival of Mr. Chapuis of Brazil. Their ideas and their opinions, who displeased the government, quickly found the opposition of his compatriot, Pedro Plancher, periodic owner O Spectador Brasileiro. Moved by different political intentions, seized a number of subjects to defend their positions. In this sense, tried to build models and anti-models of Kings, pictures of the Clergy and the Republicans. Using rhetoric as a key to reading, try to understand how these two journalists They saw these characters, so that we can, in this way, we realize your 243 Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est intentions with these representations. Keywords: Press; Politics; Chapuis; plancher; Rhetoric. Em 2000 José Murilo de Carvalho publicou um artigo no qual fez uma longa discussão sobre a importância da retórica na vida intelectual do Brasil Império. Ao final de seu instigante artigo, deixou um convite e uma sugestão aos pesquisadores para que, aos interessados em história intelectual, utilizassem a retórica como chave de leitura e, além disso, percorressem os textos em busca de estilos, modos de dizer e figuras de linguagem que pudessem estar presente neles (CARVALHO, 2000). Esse trabalho tenta se situar nessa temática, utilizando a retórica como chave de compreensão para as intenções de dois jornalistas franceses radicados no Brasil do Primeiro Reinado. Nosso objetivo é compreender os efeitos desejados e o que era deixado subentendido por Plancher e Chapuis quando falavam em reis, no clero e nas republicas americanas. De início devemos apresentar as estratégias retóricas que serão por nós destacadas. Utilizamos como base a obra Tratado de Argumentação de Chaïm Perelman e Tyteca. Destacamos aqui os modelos, utilizados para fazer relações entre o real, o particular e o desejado. O modelo se concentra em uma pessoa ou instituição de alto prestígio para conter todas as qualidades e características que um grupo ou uma pessoa devem seguir. De maneira contrária, o anti-modelo contém tudo que não pode ser seguido. Para valorizar seus modelos e anti-modelos, os oradores tendem, normalmente, a omitirem ou inventarem características que possam tornar os primeiros mais perfeitos, e os segundos mais imperfeitos. Por além disso, as analogias também eram constantes. Por analogias entendemos a relação entre duas sentenças para se chegar a um resultado, aparentemente, lógico. O início do século XIX foi um momento único e muito conturbado da história brasileira. Inserido em tempos de revoluções em todo o mundo, a família de Bragança teve que se adequar aos novos tempos para conseguir manter, sob sua dinastia, os territórios da América e da Europa, mesmo que separados politicamente. Nos momentos de maior agitação no Brasil, o então príncipe regente, Pedro, soube controlar a situação e articular politicamente as elites para manter, sob sua cabeça, 244 Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est a coroa brasileira. Para Iara Lis Carvalho de Souza, por ocasião do Movimento Constitucional, quando Pedro apareceu no teatro (em 26 de fevereiro de 1821) com seu pai para jurar a Constituição, foi visto pela primeira vez como o anjo da paz, o responsável por resolver um impasse político entre elites e “povo” (SOUZA, 1999, p.96), passando a ser visto como o indivíduo capaz de acalmar a praça pública, aparecendo como “um instrumento da vontade geral, no entender dos constitucionais, e podia exercer a autoridade pública” (SOUZA, 1999, p.97), que “não dispensa a cena pública, antes sabe domá-la.”. Desse momento em diante, o Partido Brasileiro uniu a própria pessoa de Pedro ao projeto constitucional (SOUZA, 1999, p.99). A construção da persona de Pedro como Imperador foi complexa. Era fundamental que os signos e sentidos da realeza circulassem por todo tecido social para que fossem comunicados e apreendidos (SOUZA, 1999, p.53). O processo de adesão à D. Pedro I foi patrocinado pelas Câmaras. Nesse sentido, reconhecia-se a autoridade local e unia-se a reconhecimentos de sua legitimidade em comemorações internas e locais, dentre as quais, se revelava como necessidade para a criação do novo pacto para formação da Constituição liberal (SOUZA, 1999, p.143). Através das festas, e, “armando-se com as práticas e representações do passado, as Câmaras e o príncipe celebravam um contrato completamente novo, calcado em princípios liberais” (SOUZA, 1999, p.147). Porém, por mais que as Câmaras se definissem como local da elite, a população também se fazia ouvir, pois era maior seu poder de pressão nas Câmaras do que no monarca distante (SOUZA, 1999, p.146), “estas adesões se caracterizavam por embates sociais e pela presença marcante das camadas mais populares, com diversidades étnicas e de interesses.” (SOUZA, 1999, p.150). O “povo” ocupava as praças e ruas nas festas realizadas pelo processo de separação, nos quais expressavam seus desejos e discordâncias (SOUZA, 1999, p.120). As camadas populares viam nessa mudança da esfera pública uma oportunidade de mudar de vida e alcançar seus desejos, o que aumentava a participação no processo de adesão, mesmo que não visassem a Independência em primeiro plano (SOUZA, 1999, p.169). 245 Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est Para as elites, a adesão da população à D. Pedro I significava o estabelecimento e a continuidade da ordem social, que era marcada por instrumentos de coerção que legitimavam a dominação por parte das elites. A persona do príncipe se associava a uma série de leis e regras que atendessem ao poder local (SOUZA, 1999, p.168), fundando-se numa troca, onde os súditos se comprometiam a obedecer e o rei os proteger (SOUZA, 1999, p.171), ligando a pessoa do imperador diretamente com a constituição (SOUZA, 1999, p.201) e a constituição a um pacto social fundado entre o indivíduo e o monarca (NEVES, 2009, p.185), que garantia a continuidade da ordem social existente. Diante de suas atitudes vistas como liberais, D. Pedro I se tornava o modelo perfeito de um rei constitucional. Porém, se D. Pedro I se tornou uma peça fundamental no plano das elites fluminenses, sua persona não foi uma unanimidade em todas as províncias. As elites regionais, principalmente a pernambucana e a baiana, tinham projetos políticos que destoavam dos planos das elites fluminenses (MELLO, 2004, p.11). A partir dos estudos de Evaldo Cabral de Melo podemos perceber que existiam diversos projetos políticos presentes no processo de Independência, e não um projeto unânime em todo o território nacional. A Confederação do Equador foi o primeiro movimento de grande porte a contestar, de maneira contundente, o poder do novo Imperador do Brasil. O governo imperial promoveu uma forte repressão ao movimento, e após de alguns meses de guerra conseguiu dispersar os insurgentes e prender seus principais líderes. Entretanto, o movimento fez surgir um receio dos liberais pelas atitudes autoritárias de D. Pedro I. Em 1825 a província da Cisplatina, imbuída de sentimentos nacionais, formou a expedição dos “33 orientais” liderada por Lavalleja. Incentivados e aliados ao governo de Buenos Aires, no mesmo ano declarou guerra ao Império do Brasil. O conflito se arrastou até 1828, e, além de destruir as já precárias finanças do Brasil, o pomposo título de Império viu-se esvaziado pela perda do conflito militar contra uma pequena província e uma república que ainda sofria com guerras internas (FERREIRA, 2009, p.329). Ambos os conflitos e as maneiras com que foram tratados pelo governo imperial contribuíram, entre outras coisas, para o desgaste da persona de D. Pedro I com o 246 Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est grupo dos liberais, que reorganizados e reagrupados ressurgiram na cena pública com a reabertura da Câmara em 1826. Descontentes com a situação política, pois estavam alijados do poder, econômica, graças à enorme crise econômica do Brasil (principalmente, dos altos impostos causados para custear a Guerra da Cisplatina) e social, pois viam atemorizados pelas manifestações populares, percebiam que estava na hora de voltarem à cena pública. Entretanto, agora vinham apoiados por um forte setor de abastecimento. A partir de 1826, uniram-se em torno de nomes como Evaristo da Veiga e Bernardo Pereira de Vasconcellos, homens que lideravam uma tropa coesa, experiente e bem abastecida. Da mesma maneira que foi feito na Aclamação de D. Pedro I, os Liberais perceberam que, para destituir o monarca, seria necessário o apoio das ruas. Para tal fim, a imprensa liberal usou da astuta estratégia de, gradativamente, associar o Imperador com os portugueses, destruindo sua imagem de constitucional e liberal, e, paulatinamente, alcunhado o Imperador de absolutista, português e autoritário (RIBEIRO, 2001, p.144), fazendo com que deixasse de ser um modelo, e se transformasse em um anti-modelo. Uma das estratégias utilizadas pelos liberais foi a utilização da imprensa para desgastar a imagem de D. Pedro I. Em uma segunda onda oposicionista ao governo, os jornalistas transformaram-se na principal arma dos liberais. Em 1826 saiu à luz o jornal O Verdadeiro Liberal, escrito pelo francês Mr. de Chapuis, antigo bonapartista e recém chegado ao Brasil. Aventureiro que havia participado das revoluções liberais de Portugal, Itália e Espanha (PUIGMAL, 2013), veio para o Brasil para dar continuidade a sua missão política. Rapidamente se desiludiu com o governo e passou a fazer veladas críticas ao ministério imperial, defendendo a autonomia provincial e criticando suas atitudes autoritárias. Conseguiu adversários dos mais diversos, e o mais empenhado deles foi um conterrâneo, Pedro Plancher, redator do jornal O Spectador Brasileiro. Plancher tinha opiniões políticas diferentes. Defendia um governo forte e centralizado na pessoa do Imperador. Pregava o afastamento das republicas vizinhas e a aproximação do Brasil com o modo de governo (monárquico) e com a nobreza europeia. Chapuis imprimia constantemente em seus jornais fatos sobre o Rei da Baviera. No período em que ele publicava tais noticias, no ano de 1826, quem governava o reino 247 Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est bávaro era Luis I, e, fatos verídicos ou não, Chapuis buscava montar um modelo de rei a ser seguido por D. Pedro I. Logo após subir ao trono, dizia Chapuis, o rei buscou fazer uma avaliação financeira do reino e seus primeiros cuidados depois de sua exaltação tem tido por objecto o allivio dos povos. Elle tem nomeado commisões para fazer reformas, e as tem prezidido com assiduidade. Seu zelo não se limita a palavras, e a promessas, este Principe dá elle mesmo o exemplo da economia(...) Tem diminuído pensões não merecedias, ou concedidas a homens ricos; ao mesmo tempo que tem cuidadosamente conservado, e augmentado as pequenas pensões dos pobres, das viúvas, dos órfãos, e dos jovens estudantes.(O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº7)258 Além das qualidades econômicas, destacou que “A bondade natural do Principe he fortificada por um verdadeiro sentimento de religião” (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº7), e nem mesmo a sua frágil saúde tem impedido o rei de trabalhar em prol dos povos. Segundo ele, o rei disse que devia sacrificar a minha vida ao meu povo; mui ditoso se abreviando os meus dias abreviar os seus soffrimentos. A perda de um Rei repara-se no dia seguinte; mas são necessários longos annos para reparar os males, que uma má administração póde causar á uma nação. (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº10) Diante de todas essas atitudes beneméritas, recebeu o título de “rei dos camponeses”, um título que era o que mais ambicionava (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº13). O rei modelo deveria ser zeloso com as finanças e bondoso com o povo, e, principalmente, ter em mente que a majestade não é o bem mais precioso de um país, já que a “perda de um Rei repara-se no dia seguinte”, enquanto a nação continua viva. Se o rei da Baviera era o modelo a ser seguido, o seu anti-modelo era o reino espanhol. Segundo Chapuis, certa vez, em um teatro durante a exibição de peça Numancia de Cervantes, cada vez que a palavra Pátria e Liberdade eram ditas, erão acompanhadas de Vivas continuados, que sahião de todos os pontos da sala, e que não poderão ser suffocados por todos os esforços das authoridades, tendo mesmo lançado mão de medidas violentas para com alguns jovens. (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº2) Diante disso, Chapuis afirma que “no dia seguinte o Governo prohibio não só a representação d’aquella tragédia, mas até que se vendesse nas lojes de livreiros.” (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº2). Essa disposição despótica do governo 258 As citações preservarão os erros gramaticais dos autores. 248 Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est espanhol era causada pelo seu Clero. Dizia ironicamente que “He uma classe verdadeiramente útil a dos frades”. Eles realmente “sabem dar conselhos aos Reis!”. A prova seria o discurso que os frades espanhóis haviam dirigido ao rei Fernando VII: Senhor. – Vós sois Rei Absoluto, Deos nos defenda de jamais contestarvoos este título; até faremos matar, se necessário for, os que se atreverem a desejar, que o vosso poder fosse limitado; mas queremos que o vosso primeiro Ministro seja a nosso favor, e governe, segundo a nossa vontade; se recusardes, tendes toda a liberdade, não faremos por agora conspiração alguma, pois que respeitamos mui bem a vossa legitimidade, mas vós não tendes hum real nos vossos cofres, quando pelo contrário nos nossos achase toda a da Hespanha; se a vossa legitimidade não for docio, deixa-lahemos morrer de fome. Viva El-Rei Absoluto. (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº3) Por causa dessas atitudes absolutistas, a Espanha tornava-se um anti-modelo de governo para o Brasil, e o clero se tornava o maior exemplo de partidário do absolutismo. Já Plancher tinha como modelo Napoleão Bonaparte. Famoso bonapartista em Paris, quando chegou ao Brasil teve suas malas presas na alfândega. Utilizando-se de sua lábia e habilidade de se promover, rapidamente conseguiu a liberação de seus bens e ganhou o título de impressor imperial. Rapidamente percebeu em D. Pedro I a possibilidade de rever as características de Napoleão serem revividas, e, como conseqüência disso, tratou de fazer propaganda das qualidades de Napoleão. Segundo ele, Napoleão havia sido o “Gênio Salvador da França, na formidável época da Anarquia Jacobina” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº20). Foi ele quem mostrou o Codigo das leis , e a Religião, a moral, a Justiça banidas entao subirão de novo sobre altares; facções incendiarias cingião de famintos punhaes os porticos do Cidadão tranquillo, do Amigo das sciencias, e das Artes; elle desembainhou a espada, e os assassinos beijarão o pó trentendo com receito o da vingança. (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº20) De tantas atitudes benfeitoras, o dia de nascimento de Napoleão havia tornado-se “hum dia sómente Religiozo, separado para sempre das ceremonias politicas, e da alegria Nacional da França”, e, mesmo com sua morte, havia um clamor pela volta de Napoleão, onde se ouvia sua voz, mas era “huma iluzão”, tratava-se apenas do “coração que julga ouvir aquelle que jaz no eterno silencio dos mortos. he o amor que debalde se exforça em reanimár o heróe separado a imensa familia dos 249 Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est Francezes reconhecedores” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº20). Plancher também tentava ilustrar as qualidades militares de Napoleão em D. Pedro I, e era comum ver em seus jornais noticias de visitas do Imperador em fortes e arsenais de guerra. Em uma delas dizia que A 9 horas pouco mais ou menos voltou S. M. I. ao Arsenal a fim de presidir Elle mesmo ao embarque. Sua Angustia Presença canson tanto na tropa como nos numerosos espectadores espalhados dentro do Arsenal e até mesmo na muita gente amontosda no morro de S.Bento, o mais vivo enthusiasmo que se patenteou com vivas energicos no imperador Constitucional. (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº15) Essa atitude de D. Pedro I não era nada além “d'aquella prodigiosa actividade e desembaraço que nós todos Lhe conhecemos” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1826, nº15). Inúmeras eram as descrições de visitas de D. Pedro I aos fortes além das muitas proclamações por ele feitas às tropas. Enquanto Napoleão era o modelo, as repúblicas vizinhas eram o anti-modelo. Citava filósofos como Rousseau, “cheyos das idéas de hum republicanismo exagerado, [que colocavam] a Liberdade senão em o mais alto grão de poder, que o homem vivendo em sociedade pode tocar.” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1826, nº251), criticando-os e afirmando que a liberdade deveria ser limitada, pois “a experiência, se lhes faz observar, que quanto mayor poder se se dá á cada Cidadão, menor se torna a tranqüilidade de todos”, e é provado que “os Governos absolutamente Democratico, são os mais expostos ás revoluções e ás tempestades” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1826, nº251) Para o redator, o verdadeiro erro desses sistemas políticos estava no fato de que “os seus Auctores fazem mais caso do poder, do que da segurança do Cidadão, em quanto que se devia attender mais á segurança do que ao poder” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1826, nº251). Para Plancher, isso era um erro, pois A Natureza não nos tem feito homens para nos fazer livres, mas ella nos criou livres para nos pór ao alcance de cumprir com o destino commum á todos os homens. Ora os homens são destinados á viver em sociedade; não podem viver n’ella tranquilamente sem pór em commum toda a porção de Liberdade cujo sacrifício se julga necessário á boa ordem da sociedade de que são membros. (SPECTADOR BRASILEIRO, 1826, nº251) A tranquilidade nessas sociedades era nula, pois “que tranquililidade e que segurança se pode esperar daquellas sociedades políticas em que cada hum dos Cidadãos toma huma parte activissima no exercício da Soberania”. Sendo assim, 250 Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est nessa perspectiva interpretativa, era “hum absurdo considerar como livres só aquelles homens, que vivem n’hum paiz, em que cada hum he actualmente, e de facto, associado illimitadamente ao exercício do poder Soberano.” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1826, nº251). Concluía que não ha verdadeira Liberdade se não naquelles governos, cuja Constituição tanto se oppoem á tyramnia como á licença. A licença he o ultimo termo do abuso dos poderes individuais; a tyramnia he o ultimo termo do abuso dos poderes publicos. O povo mais livre he em consequencia aquelle, cujas Leys deixão a manor possibilidade possivel á estas duas especies de abusos. Quando se diz que huma boa Legislação deve favorecer a Liberdade, entenda-se que ella deve prevenir tanto quanto he possivel, o abuso de todos os poderes, ou publicos, ou individuais. (SPECTADOR BRASILEIRO, 1826, nº251) Ia além, pois, se a república era tão ruim, o Brasil devia se aproximar das constituições européias. Dizia que o país estava “rodeado de pequeninas republicas desvairadas por systemas de matefysica legislação”, que para não se contaminar com esses “sistemas metafísicos”, deveria o Brasil fazer sua “Constituição mais analoga as actuaes das potencias Europeas” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº27). Dizia que as repúblicas eram “taõ fataes aos homens de bem, aos ricos proprietarios, aos benementos da patria” e até mesmo aos “mesmos mais encarniçados Democratas” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº5) e declara, em nome do povo brasileiro, “odio eterno ao estabelecimento das Democracias, assim como á toda a forma de Governo que se confunda com esses systemas hoje mui desacreditados” (SPECTADOR BRASILEIRO, 1824, nº6). Em sua visão, as democracias e a América eram locais de perigo e insegurança, enquanto a Europa e as monarquias constitucionais seriam locais de segurança e tranqüilidade. Diferente dele, Chapuis pregava a aproximação com as repúblicas americanas e com a liberdade. Segundo ele, o país devia estar de olho e, se pudesse, participasse do Congresso do Panamá ocorrido em 1826 e organizado pelo “immortal Bolivar” (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº10), que buscava maior integração entre as repúblicas americanas recém independentes. Incomodado com a falta de noticias sobre o assunto no Brasil, questionou se O que se passa no Congresso do Panamá não nos interessa mais do que a qualquer outro? No emtanto ainda ninguém aqui tratou de tal matéria; parece, que he fructo prohibido, e que Panamá he uma daquellas palavras 251 Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est da antiga linguagem de que se pede explicação. (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº10) Na mesma edição fez uma singela apologia ao sistema federativo norte americano, dizendo que as nações do Congresso não aceitariam formar uma federação, “por maior perspectiva que lhe apresenta uma federação estreita, intima, como a dos Estados Unidos da America do Norte.” (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº10). Dizia também que “Todos os annos a Europa Espera com anciedade pelo discurso de abertura do Congresso Americano” (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº10). Reproduzia em seu jornal as palavras do presidente norteamericano, que dizia que ha dez annos, que todos os Governos da Europa tem aprendido a conhecer successivamente, sejão quaes forem as suas Constituições, que o fim das suas instituições he a felicidade do Povo e que o exercicio do poder entre os homens só pode ser justificado pelas vantagens que procura para aquelles, sobre quem se estende. ,,A Liberdade, continua o Presidente, he a força; a Nação que gosa da maior porção de liberdade deve ser a mais poderosa do mundo; o homem revestido do poder não o recebeo para cumprir os designos da providencia se não com a condição de servir-se delle unicamente para melhorar a sua propria condição, e a dos seus similhantes. (O VERDADEIRO LIBERAL, 1826, nº10) Diante dessas analogias devemos nos concentrar em alguns significados implícitos. A América nos oitocentos, principalmente nos períodos de independência das colônias, ficou associado ao regime republicano e à liberdade política (SEBASTIÁN, 2009, p.58), e os Estados Unidos serviram de exemplo principal (SEBASTIÁN, 2009, p.62). Da mesma maneira, os Estados Unidos também era utilizado como exemplo positivo pelos partidários do federalismo (SEBASTIÁN, 2009, p.444). Aos opositores do governo republicano, a América servia como referência negativa graças às repúblicas hispânicas, vistas como conturbadas e portadoras de sistemas prejudiciais à liberdade, estabilidade e segurança (SEBASTIÁN, 2009, p.64). Concluindo, um leitor despreocupado com os artifícios retóricos poderiam ter interpretações errôneas sobre os fatos expostos nos jornais. Ao aludir à Espanha e ao Clero como local de absolutismo e violência, Chapuis buscava não só expor fatos, mas sim criar um anti-modelo para o Brasil. Da mesma maneira, ao publicar noticias sobre o governo norte-americano e sobre o Congresso do Panamá, buscava fazer propaganda desses países e eventos para, implicitamente, fazer alusão ao governo federativo e, até mesmo, republicano. Já Plancher caminhava no sentido inverso. Mesmo que carregado de um forte sentimentalismo, buscava trazer, através 252 Anais do V Encontro Internacional UFES/ Paris-Est de Napoleão, o modelo de um governo centralizado e forte que pudesse dar segurança aos cidadãos. Juntamente com isso, buscava criar um anti-modelo caucado nas repúblicas americanas como prejudiciais à segurança. Bibliografia CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Rio de Janeiro, nº 1, pp. 123-152, 2000. CARVALHO, Marcus J. M. de. Cavalcantis e cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 36, 1998,.4. FERREIRA, Gabriela. Conflitos no Rio da Prata. In: Keila Grinberg; Ricardo Salles. (Org.). O Brasil Imperial (1808-1831). 1ed.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, v. 1, p.329. MELLO, Evaldo Cabral de. A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004. NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Constituição: usos antigos e novos de um conceito no Império do Brasil (1821-1860). In: Carvalho, José Murilo; Neves, Lucia Maria Bastos P.. (Org.). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. 1ed.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, v. 1, p.185. O Verdadeiro Liberal. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Nacional, 1826. Disponível em: < http://hemerotecadigital.bn.br/>, acesso em 23/04/2015. PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005, PUIGMAL, Patrick. Brasil Bajo Influencia Napoleónica y Francesa. Los Mensajeros de la Independencia: Militares, Libreros y Periodistas. 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