FELIPE BAGLI SIQUEIRA
DIVERGÊNCIAS E CONVERGÊNCIAS
Retratos de um cristianismo plural a partir de João 1.1-14
Relatório Final de Projeto de Pesquisa
encaminhado à FAPESP, sob orientação do Prof.
Dr. Paulo Roberto Garcia, do Curso de Teologia
da Faculdade de Teologia — Universidade
Metodista de São Paulo.
São Bernardo do Campo — novembro de 2013
DIVERGÊNCIAS E CONVERGÊNCIAS:
Retratos de um cristianismo plural a partir de João 1.1-14
Relatório Final de Projeto de Pesquisa encaminhado à FAPESP, sob orientação do Prof. Dr.
Paulo Roberto Garcia, do Curso de Teologia da Faculdade de Teologia — Universidade
Metodista de São Paulo.
Nº. Processo: 2013/03369-5
Vigência: 01/05/2013 a 31/10/2013
_________________________
Felipe Bagli Siqueira
Bolsista
_________________________
Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia
Orientador
“Quando as águas se esparraἕaἕ deἕais, não são profundas”έ
John Wesley
RESUMO
Este projeto aborda o tema da valorização da diversidade dentro do
cristianismo e tem como objetivo discutir a temática da pluralidade
cristã a partir do Prólogo Joanino, um texto marcado pela superação da
intolerância e sectarismo. Tendo como título Divergências e
convergências – retratos de um cristianismo plural a partir de João
1.1-14, buscaremos na proposta de fé de uma comunidade do
cristianismo primitivo um paradigma de convivência. Tal análise tem
como referencial o estudo exegético e hermenêutico da perícope de
João 1.1-14, além da pesquisa bibliográfica, buscando elementos
fundamentais para a valorização da pluralidade em nossos dias. O
projeto é desenvolvido em três importantes ênfases: a reconstrução do
cotidiano da comunidade joanina; abordagem exegética da perícope de
João 1.1-14; proposta de um novo paradigma de convivência para a
superação do cristianismo intolerante e sectário de nossos dias. Além
disso, temos como objeto principal responder a seguinte questão: como
essa discussão pode lançar pistas para a valorização da pluralidade
dentro do cristianismo de hoje?
Palavras-chave: Cristianismos Primitivos – Evangelho de João –
Diversidade – Identidade – Conflitos – Pluralidade.
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................................................... 7
Capítulo 1 A Comunidade Joanina ............................................................................................. 9
1.1. Teoria Literária ................................................................................................................ 9
1.1.1. Primeira Fase (antes de 70) .................................................................................... 11
1.1.2. Segunda Fase (ano 80-90) ...................................................................................... 13
1.1.3. Terceira Fase (100-110) ......................................................................................... 15
1.1.4. A perícope de João 1.1-14 ...................................................................................... 16
1.2. Os conflitos na Comunidade Joanina ............................................................................ 16
1.2.1. Conflitos que geram unidade .................................................................................. 17
1.2.1.1. Os seguidores de João Batista ......................................................................... 17
1.2.1.2. Os samaritanos ................................................................................................. 22
1.2.2. Conflito de ruptura ................................................................................................. 29
1.2.2.1. As correntes gnósticas ..................................................................................... 29
1.3. Projeção para o próximo capítulo .................................................................................. 36
Capítulo 2 A perícope de João 1.1-14 ...................................................................................... 37
2.1. Delimitação da perícope ................................................................................................ 37
2.2. Tradução ........................................................................................................................ 38
2.2.1. O texto grego da perícope de João 1.1-14 .............................................................. 38
2.2.2. Tradução formal da perícope .................................................................................. 39
2.3. Análise Linguístico-Sintática ........................................................................................ 40
2.3.1. Repetitividade ......................................................................................................... 41
2.3.2. Ênfases a partir dos verbos ..................................................................................... 42
2.4. Análise Semântica ......................................................................................................... 43
2.5. Análise Literária ............................................................................................................ 46
6
2.5.1. Estrutura da perícope .............................................................................................. 46
2.5.2. Diagramação da perícope ....................................................................................... 47
2.5.3. Integridade e Coesão .............................................................................................. 48
2.5.3.1. Uma análise rápida .......................................................................................... 50
2.6. Análise da Redação ....................................................................................................... 51
2.6.1. O uso de Fontes ...................................................................................................... 52
2.6.2. O contexto da Perícope ........................................................................................... 55
2.7. Análise das Formas ........................................................................................................ 56
2.8. Análise da Tradição ....................................................................................................... 57
2.9. Projeção para o próximo capítulo .................................................................................. 58
Capítulo 3 Pluralidade e Unidade: desafios joaninos ............................................................. 59
3.1. Marco Identitário Joanino: Pluralidade e Unidade ....................................................... 60
3.1.1. Diversidade teológica e mnemônica na perícope: Pluralidade .............................. 60
3.1.1.1. Releitura da memória de João Batista ............................................................. 60
3.1.1.2. Teologia do Deserto: a perspectiva samaritana .............................................. 61
3.1.1.3. Teologia da Encarnação: anti-gnóstica ........................................................... 64
3.1.2. Harmonização do redator: Unidade ........................................................................ 70
3.1.2.1. Um elemento harmonizador em nossa perícope: a luz – φῲ ......................... 70
3.1.2.2. Teologia da Encarnação X Teologia do Deserto ............................................. 73
3.1.2.3. Teologia do Deserto X Memória de João Batista ............................................ 74
3.1.2.4. Memória de João Batista X Teologia da Encarnação ...................................... 75
Considerações Finais ................................................................................................................ 77
Referências Bibliográficas ........................................................................................................ 79
INTRODUÇÃO
Diferente do senso comum, o cristianismo primitivo constitui-se de um movimento
plural. Diversos são os pensamentos e influências na base desse movimento tão importante para
a sociedade e a desconsideração dessa realidade, tem tornado o cristianismo um grande
catalisador de preconceito e exclusão. Isso, sem dúvida, vai de encontro às intenções dessa
religião, que certamente, tem a vida abundante como seu maior objetivo.
Diante disso, o principal objetivo dessa pesquisa consiste na valorização da pluralidade
dentro do cristianismo, buscando no cotidiano de uma comunidade cristã do primeiro século
indícios de diversidade. Portanto, nosso foco concentra-se na comunidade joanina pós-cisma
(ano 100-110 d.C.) e em sua capacidade de superação de conflitos como marco identitário. O
Prólogo Joanino (Jo 1.1-14) é produto dessa fase da comunidade joanina e é marcado por um
intenso esforço do autor em manter a unidade do grupo. Notamos isso ao identificarmos as
fontes literárias utilizadas pela comunidade em sua redação final. A perícope, que num primeiro
momento representava um hino cristológico utilizado nas celebrações comunitárias, nessa fase
da comunidade joanina foi retrabalhada a partir do discurso de vários grupos que permaneceram
no período pós-cisma, tornando-se uma marca da diversidade do movimento cristão primitivo.
Percebemos então, que uma das principais características do cristianismo do primeiro século é
a pluralidade e o Quarto Evangelho (=QE)1, constitui-se na história da própria comunidade
joanina, ou seja, uma comunidade de identidade plural.
1
Ao longo desse trabalho usaremos esta sigla QE para referirmo-nos ao Evangelho de João.
8
Ao longo do trabalho demonstraremos que o redator do QE utiliza de estratégias
literárias no Prólogo, fazendo desse texto um testemunho da identidade plural da comunidade.
Por trás da perícope de João 1.1-14 transparece a realidade histórica da comunidade no período
pós-cisma, que busca forças para a superação das dissensões internas e, ainda, fortalecer a
identidade diante de tantas polêmicas em torno da comunidade. Portanto:
O capítulo I tem como objeto a comunidade joanina. Como percebemos, a comunidade
nasce e desenvolve-se em meio a conflitos, que, certamente, foram determinantes para forjar a
identidade plural do grupo. Sendo assim, nossa intenção é elaborar uma teoria literária sobre a
formação do QE, que, também, representa a formação da própria comunidade. Num segundo
momento, faremos um mapeamento dos principais conflitos enfrentados que, ainda na terceira
fase de redação, continuam sendo foco de atenção dos joaninos.
No capítulo II, o interesse é compreender o impacto que a perícope de João 1.1-14
trouxe sobre a comunidade joanina pós-cisma. Uma vez conhecido o cotidiano e a teoria
literária do QE, nos interessa aprofundar melhor o texto produzido a partir dessa realidade e
período histórico. Então, a partir de uma abordagem exegética, veremos que essa perícope é
indício da identidade plural da comunidade, que no período pós-cisma, tem como objetivo o
fortalecimento da fé e a superação das dissensões internas.
No capítulo III, apresentaremos o foco principal de nosso trabalho: o marco identitário
joanino. A partir dos indícios levantados do cotidiano da comunidade e ainda de nossa perícope,
percebemos que a pluralidade e a unidade, constituem-se nas marcas principais da identidade
joanina. Para isso, faremos uma mapeamento da diversidade teológica e mnemônica da
perícope, atentando-nos, ainda, à harmonização do redator entre essas tradições presentes no
texto.
CAPÍTULO 1
A COMUNIDADE JOANINA
Neste primeiro capítulo, nosso objeto é a Comunidade Joanina. A partir de uma
abordagem histórica, percorreremos uma trajetória que nos ajudará a conhecer melhor a história
da comunidade e a redação do Evangelho de João. Nosso maior interesse aqui, é aprofundar o
conhecimento sobre o ambiente no qual surgiu esse evangelho, reconstruindo o cotidiano dessa
comunidade primitiva. Faremos uma investigação nas origens desse grupo a partir dos conflitos
vividos pelos joaninos nos primórdios da comunidade. A partir do diálogo entre diversos
pesquisadores do Quarto Evangelho, buscaremos compreender a comunidade joanina – uma
comunidade com sua identidade forjada em meio aos conflitos. Posteriormente, mapearemos
os principais conflitos enfrentados pela comunidade joanina. Como sabemos, o ponto de partida
desse trabalho é a perícope de João 1.1-14, porém, percebemos a necessidade de compreender
a obra joanina num todo. A partir da investigação dos principais conflitos vivenciados pela
comunidade joanina, faremos uma projeção para o próximo capítulo, levando em conta que as
narrativas contidas neste evangelho, num primeiro instante, surgiram como resposta aos
conflitos vividos dentro da comunidade.
1.1. Teoria Literária
Pode-se dizer que o redator do QE utiliza tradições e fontes comuns aos evangelhos
Sinóticos, contudo, como afirma Nascimento, não se pode afirmar dependência literária entre
10
oὅ doἵumentoὅέ Segundo o ἳutoὄ, o texto foi “pὄoduzido”, iὅto é, elἳἴoὄἳdo em váὄiἳὅ etἳpἳὅν
usou-se de material variado e existente na época e no lugar onde o autor ou os autores viveram;
o que nos faz concluir que o QE não foi composição de um único autor que escrevia suas
recordações e reflexões.2
Segundo Nascimento, a partir destes questionamentos, foram levantadas várias
hipóteses para esclarecer as divergências. Teoria das mudanças, modificações acidentais e
reorganização dos textos (Wikenhauser, Boismard); teoria das fontes múltiplas (Macgregor,
Morton, Bultmann); teoria das redações múltiplas (E. Schwarz, Wellhausen, W. Wilkens,
Parker). Para o autor, as discussões antes de Bultmann giravam, sobretudo, em torno da
paternidade e da origem do QE e o processo de descobrimento das origens e das fontes do QE
tiveram enormes avanços. Nascimento escreve:
Chegou-se à conclusão que o texto que temos hoje deve ser fruto de um
longo e complexo processo redacional. Tudo começou por volta do ano
50 com relatos de Jesus narrados e interpretados como sinais. Com o
tempo foram sendo modificados com acréscimos e enxertos.3
Para uma abordagem consistente do QE, percebe-se a necessidade de apoio em uma
teoria literária. Portanto, como elemento norteador em nossa abordagem, adotaremos uma
teoria literária acerca do QE apresentada pelo Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia 4, dialogando
constantemente com outros importantes pesquisadores.
Adotaremos uma teoria literária em três etapas de redação: primeira fase (antes de 70);
segunda fase (80-90); e terceira fase (100-110). A história da comunidade joanina é marcada
por diversos conflitos, internos e externos, e a partir de uma análise das etapas de redação se
torna possível identificar alguns desses conflitos e, de certa forma, reconstruir não só a imagem
de Jesus de Nazaré, como também a própria história da comunidade.5
2
3
4
5
NASCIMENTO, Carlos Josué Costa do. Do conflito de Jesus com os judeus à revelação da verdade que liberta
em João 8.31-59. 2010. 330 fl. Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Curso de Pós-Graduação em
Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2010. p. 25.
Idem.
Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia é Diretor da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo –
UMESP – e professor da disciplina Introdução ao Novo Testamento. Atualmente desenvolve em seu grupo de
pesquisa – Expressões Minoritárias do Cristianismo da Galiléia e Egito – uma pesquisa no QE, e tem adotado
uma Teoria Literária própria para abordagem do evangelho. Como orientação, utilizaremos esta teoria literária.
Soἴὄe iὅὅo, Bὄown ἳfiὄmἳμ “[έέέ] ἳtὄἳvéὅ dἳ ἳnáliὅe dἳὅ fonteὅ, oὅ evἳngelhoὅ nos revelam algo sobre a história
pré-evangélica dos pontos de vista cristológicos do evangelista. Indiretamente, eles também revelam algo sobre
a história da comunidade, antes, no começo do século, especialmente se as fontes usadas pelo evangelista fazem
pἳὄte dἳ heὄἳnçἳ dἳ ἵomunidἳde”έ ρρ Cfέ BRτWσ, Rἳymond Edwἳὄdέ A comunidade do discípulo amado
[tradução: Euclides Carneiro da Silva]. São Paulo: Paulus, 1999. p. 15.
11
Portanto, em diálogo com alguns pesquisadores e seguindo as hipóteses acerca da teoria
literária do QE apresentada pelo Prof. Paulo Roberto Garcia, descreveremos as possíveis fases
de redação do evangelho, com suas principais características e contribuições na formação e
consolidação da comunidade joanina.
1.1.1. Primeira Fase (antes de 70)
Esta fase é marcada basicamente pela tradição oral e por pequenas fontes literárias.
Percebe-se neste momento duas memórias básicas no seio da comunidade: a Fonte dos Sinais
(sete narrativἳὅ de milἳgὄeὅ ἵom o oἴjetivo “escritos para que creiam que Jesus é o Cristo”ν Jo
20.31)6 e os Relatos da Paixão e Ressurreição7 – conjunto de memórias populares que
enfatizavam os milagres de Jesus, que apontavam a doxa (glória) de Deus e Jesus como profeta;
Jesus aparece como alguém que realiza sinais a partir da glória de Deus e aponta para a glória
de Deus. Nessa primeira etapa, algumas características eram marcantes, como por exemplo: a)
ἳ ἵomunidἳde ἵὄiὅtã eὄἳ identifiἵἳdἳ ἵomo umἳ “ὅeitἳ judἳiἵἳ”ν8 b) ausência de um discurso
dualista; c) e apresenta uma escatologia tradicional – possivelmente com ênfase na ressurreição
futura.
Sobre o lugar vivencial, esbarramos em uma problemática. Em nossa perspectiva,
contrariando a tradição – que aponta para Éfeso como ambiente de redação do QE –, o texto
joanino, tanto na primeira e segunda fase, é uma produção da Transjordânia. Alguns indícios
são levantados na defesa dessa hipótese:
6
7
8
Fonte dos Sinais (Semeia-Quelle): João narra um número selecionado de milagres realizados por Jesus, que
constituem as principais seções narrativas da primeira parte do evangelho (caps. 1-12). Bultmann sugere que
foram selecionados de uma coleção mais ampla de sinais atribuídos a Jesus. O indício de que tenha sido
emprestado de outra fonte aparece na enumeração de 2.11 e 4.54, assim como a menção de vários sinais em
12.37 e 20.30. A última passagem afirma que Jesus realizou muitos outros sinais que não foram relatados neste
evangelho. Bultmann acredita que o relato vocação dos discípulos em 1.35-49 poderia ser a introdução da
Fonte dos Sinais. Esta fonte estava escrita em grego que apresenta fortes afinidades semíticas (verbo antes do
sujeito, falta de partículas de conexão etc.). >> Cf. BROWN, Raymond Edward. El evangelio segun Juan (IXII): introduccion, traduccion y notas. Madrid: Ediciones Cristandad, 1979. p. 30. [tradução minha].
Soἴὄe iὅὅo, Bὄown ἳfiὄmἳμ “Relatos da Paixão e Ressurreição (Passionsbericht): Embora esta fonte tenha
muito em comum com o relato da paixão subjacente aos sinóticos, Bultmann insiste que o autor do QE utilizou
um material distinto. O estilo desta fonte não aparece claramente definido, mas se escreveu em grego
semitizado”έ ρρ Cfέ Idέ, Iἴidέ, pέ γ1έ [Tradução minha].
Soἴὄe iὅὅo Bὄown eὅἵὄeveμ “Situἳndo-se no ἵontexto dἳ últimἳ ἵompὄeenὅão de ‘ὅeitἳ’, pode-se afirmar que
todo o movimento cristão primitivo foi sectário, porque ele se adapta às características básicas de uma seita:
(1) surgiu de um movimento agrário de protesto; (2) rejeitou muitas das realidades sustentadas pela ordem
estabelecida (exigências da família, das instituições religiosas, da riqueza, de teólogos intelectuais); (3) era
igualitário; (4) oferecia amor especial e aceitação; (5) era uma organização voluntária; (6) exigia um
compromisso total de ὅeuὅ memἴὄoὅν (ι) eὄἳ ἳpoἵἳlíptiἵo”έ ρρ Cfέ BRτWσ, 1λλλέ pέ 1β-13.
12
1) Nenhum escrito evangélico tem tanto destaque à Judeia quanto João – Jesus aparece
três vezes em Jerusalém; existe pouca menção à Galileia; e o final é impreciso
geograficamente;
2) Se ἵoloἵἳὄmoὅ o QE em Éfeὅo, deveὄemoὅ tὄἳtἳὄ “oὅ judeuὅ” ἵomo umἳ etniἳέ Sendo
assim, teremos um evangelho anti-semita, com uma aversão odiosa sem limites para
com os judeus. Isso, sem dúvida, contraria toda a proposta evangélica. Porém, se na
Tὄἳnὅjoὄdâniἳ, “oὅ judeuὅ” ὅão identifiἵἳdoὅ ἵom ἳὅ ἳutoὄidἳdeὅ judἳiἵἳὅ, não ἵom
a gente de Jerusalém ou da Judeia, menos ainda com a nação judaica no seu
ambiente, mas simplesmente com os homens que têm poder e a influência que lhes
conferem o direito de falar no lugar de todos os outros;
3) Nesta fase, os fariseus não representam uma classe de destaque, mas atuam nas
regiões de periferia (Transjordânia). Jerusalém é dominada pela elite (saduceus), e
o Templo (religião oficial) era uma marca de identidade, o que conferia uma
identidade ao judaísmo. Sendo assim, não faz muito sentido o conflito entre a
comunidade joanina e os fariseus, a não ser que este conflito seja vivenciado a partir
da periferia de Jerusalém, local em que a sinagoga tem muita força e os fariseus
(religião da casa – religiosidade popular) grande poder econômico;
A comunidade joanina vive ainda nesta primeira etapa o drama de transição de grupos
dominantes. Como vimos acima, o Templo era uma marca de identidade ao judaísmo e garantia
autenticidade ao grupo representante da religião oficial. Porém, após o ano 70, com a destruição
do Templo, o judaísmo se vê mergulhado em uma grande crise, que pode ser apontada em
algumas direções: 1ª) teológica: a maior marca do Templo era a capacidade de perdoar os
pecados, a partir de sacrifícios. Com a queda, uma dúvida se ergue no meio do povo – “τ que
fazer para se alcançar o perdão dos pecados?”ν βª) espaço afetivo-religioso: o Templo era um
espaço que oferecia serviço religioso, mas também promovia a comunhão entre familiares e
amigos, pois se caracterizava como o espaço do encontro. Por pelo menos três vezes ao ano, as
famílias se reuniam em Jerusalém para as festividades, o que se perdeu após o ano 70; 3ª)
autenticidadeμ ἳpóὅ ἳ ὃuedἳ do Templo, diveὄὅoὅ gὄupoὅ ὅe ἵoloἵἳὄἳm ἵomo o “veὄdἳdeiὄo
Iὅὄἳel”, o ὃue pὄopoὄἵionou umἳ imenὅἳ diveὄὅidἳde de movimentoὅ ὄeligioὅoὅ e ἴὄigἳ poὄ
espaço.
Portanto, no final da primeira fase, a comunidade joanina é caracterizada como um
movimento no judaísmo plural, e já vivencia no seu cotidiano alguns conflitos externos que
ameaçam sua sobrevivência.
13
1.1.2. Segunda Fase (ano 80-90)
A segunda fase se caracteriza pelos discursos de Jesus e os diálogos9, e ocorre certa
mudança no pensamento escatológico. A escatologia, que anteriormente era basicamente futura,
começa a dar lugar à ideia de uma escatologia iminente – Quem nele crê não é julgado o que
não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus (3.18): crer em
Jesus é ser ressurreto.
Em nossa perspectiva, nesta fase, o QE ainda se mantém na Transjordânia, e apoiamonos nos conflitos com a sinagoga para essa afirmação. Com a destruição do Templo (ano 70),
a sinagoga viveu uma ascensão religiosa, galgando uma posição de destaque na religiosidade.
A ὅinἳgogἳ ἳὅὅume ἳ “Ideologiἳ do Templo”10 no imaginário religioso da época, o que sem
dúvida, provocou ainda mais atritos com os cristãos primitivos. Os fariseus, representantes da
sinagoga, assumem posição de destaque na sociedade, e se apoiam na Lei como piedade e
alternativa na polêmica de perdão de pecados. Portanto, crer em Jesus se tornou um grande
risco, visto que a fé em Jesus era uma ameaça à proposta religiosa da sinagoga – o texto de João
9 ilustra bem essa polêmica.11 O conflito com a sinagoga trouxe grandes controvérsias para o
seio da comunidade, pois não se limitou à dimensão externa, ganhando aos poucos espaço no
interior da comunidade. Mesmo com a decepção do rompimento, alguns da comunidade ainda
insistiam em manter relações com a sinagoga, o que impulsionou a certa postura mais radical
por parte da liderança em relação à imagem da sinagoga.
Outro indício da localização da Transjordânia é o conflito com os seguidores de João
Batista. Possivelmente, o fato de dividirem o mesmo espaço geográfico12, foi um grande
catalisador para este conflito, além, é claro, das divergências teológicas acerca da figura do
Cristo.
Mas o conflito interno não se limita apenas às polêmicas acerca da sinagoga e a cada
dia se intensifica. A comunidade, que já nessa fase possui uma característica plural em sua
composição, tem ainda que lidar com a influência do pensamento gnóstico que invade o
imaginário religioso da comunidade. Portanto, esta fase é marcada por uma exacerbação dos
9
10
11
12
Por exemplo, os capítulos 3 e 4 – Nicodemos e a mulher samaritana.
Sacrifício de animais como meio de perdão de pecados.
Com a ascensão da sinagoga, a ideologia do Templo é transferida para este espaço. Portanto, o perdão de
pecados que era realizado via sacrifício, agora, numa nova perspectiva, é realizado pela observância da Lei.
Portanto, como dito acima, crer em Jesus é desafiar e criticar esta ideologia do Templo presente na sinagoga –
Quem crê e confessa Jesus como Cristo é expulso da sinagoga (9.22, 35).
“Estas coisas se passaram em Betânia [região da Transjordânia], do outro lado do Jordão, onde João estava
batizando” (Jo 1έβθ)έ >> Cf. BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2. ed.
São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. Edição revista e atualizada no Brasil. (Grifo meu).
14
conflitos internos originados de tantas ideias e posturas no mundo plural joanino. Com tantos
conflitos e dissensões, percebemos um esforço do redator em valorizar a unidade do grupo. Na
tentativa de combate das influências externas e na busca de unidade, percebe-se no QE o
aparecimento e intensificação de uma linguagem dualista, além de uma valorização do amor
entre os irmãos. Um grande reflexo desta fase é o capítulo 17, em que Jesus se coloca em oração
enfatizando que a unidade interna é condição para que o mundo creia que ele [Jesus] é o enviado
de Deus.13
Porém, o esforço do evangelista em manter a unidade não foi capaz de frear toda
dissensão no seio da comunidade, que aumentou a cada dia, tornando-se cada vez mais uma
ameaça à comunhão do grupo. O nível de tensão interna foi tanto que as relações de
fraternidades se romperam, gerando uma ruptura no grupo. Portanto, no final da segunda fase,
devido a tantos conflitos internos14, a comunidade joanina sofre um cisma, evento este que
marcaria para sempre a vida dos cristãos do QE.
Ainda na segunda fase, já no final, nasce a Primeira Epístola de João. Esta epístola, que,
na verdade, consiste em um tratado teológico,15 atesta esse trauma,16 e tem a intenção de curar
a dor da divisão e fortalecer a identidade17 dos que permaneceram. Como é uma resposta ao
cisma e nasce em meio à doὄ dἳ ἵomunidἳde, eὅtἳ “epíὅtolἳ” é muito duὄἳ, ἵom um ὅeἵtἳὄiὅmo
aflorado, diferente da linguagem inclusivista e plural do evangelho, mas, como vimos, é
socialmente justificável.
13
14
15
16
17
“a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti também sejam eles em nós; para que o
mundo creia que tu me enviaste” (Jo 1ιέβ1)έ >> Cf. BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de João
Ferreira de Almeida. 2. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. Edição revista e atualizada no Brasil.
(Grifo meu).
Conflito alimentado principalmente pelas correntes gnósticas.
Possivelmente esta obra não constitui-se em uma epístola e sim em um tratado teológico, pois não apresenta
característica de carta: não possui remetente, destinatário, saudação, despedida etc. Possui por outro lado um
texto de ἵἳὄáteὄ ἴem ἳpologétiἵo, pὄinἵipἳlmente ἳἵeὄἵἳ do temἳ “enἵἳὄnἳção do logoὅ”, temἳ deἵiὅivo no
cisma. Além disso, aparece como forma de defender a fé da comunidade em meios a tantas ameaças que os
cercavam.
“18 Filhinhos, já é a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também, agora, muitos anticristos têm
surgido; pelo que conhecemos que é a última hora. 19 Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos
nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que
ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos” (1Jo βέ1κ-1λ) ή “1 Amados, não deis crédito a qualquer
espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo
fora. 2 Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de
Deus; 3 e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do
anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo” (1Jo ζέ1-3). >> Cf.
BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2. ed. São Paulo: Sociedade
Bíblica do Brasil, 1993. Edição revista e atualizada no Brasil. (Grifo meu).
“7 Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de
Deus e conhece (
ω) a Deus. 8 Aquele que não ama não conhece (
ω) a Deus, pois Deus é amor”
(1Jo 4.7-8). >> Cf. BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2. ed. São
Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. Edição revista e atualizada no Brasil. (Grifo meu).
15
1.1.3. Terceira Fase (100-110)
Após o cisma, a comunidade joanina inicia uma nova etapa em sua vida. Diante de um
trauma tão profundo, a terceira fase do QE é marcada pelo esforço do evangelista em curar as
feridas da comunidade e reconstruir a identidade do grupo. Mesmo com a ruptura e o
aparecimento de uma linguagem sectária como defesa contra as tensões externas, a comunidade
joanina ainda precisava lidar com a pluralidade interna e os conflitos potencializados no interior
do grupo.
A comunidade joanina nesse período, mesmo com o cisma, tinha a pluralidade como
característica, mantendo diversos grupos em sua composição – cristãos-judeus-palestinenses,
cristãos-judeus-samaritanos, cristãos-judeus-helenizados18 e gentios convertidos. Por isso,
essa fase é caracterizada por uma forte tentativa de fortalecer a identidade do grupo, visto a
variedade de tendências, além, é claro, da sempre presente ameaça gnóstica. Surge então, a
necessidade de um marco doutrinário do grupo, a encarnaçãoέ σo ἳuge dἳ polêmiἵἳ ἵom “oὅ
de tendênἵiἳὅ gnóὅtiἵἳὅ”, o QE ὄefoὄçἳ ἳ fé nἳ enἵἳὄnἳção de Jeὅuὅ, e ἳindἳ peὄἵeἴe-se um
esforço em demonstrar a superioridade do Discípulo Amado em relação a Tomé e Maria
Madalena – ícones do movimento gnóstico. Alguns textos apontam para esta fase, como o
Prólogo (encarnação), o capítulo 20 (Tomé e Maria Madalena) e o capítulo 21 (reforça a
autoridade do discípulo amado).
Ao que tudo indica, nesta fase, o grupo muda sua posição geográfica para a Ásia Menor.
Com o cisma, possivelmente um grupo foi para Edessa – que mais tarde se tornou um grande
centro do movimento gnóstico – e o outro grupo para a Ásia – nesta fase não existe nenhum
indício para manter o QE na Transjordânia, e é vinculado a Éfeso. Além destas características,
percebe-se na terceira fase muitos outros aspectos importantes para a compreensão do QE:
1) É a fase que mais aproxima o QE dos sinóticos;
2) O QE retoma a ideia de uma escatologia futura;
3) A morte de Jesus é apresentada como evento pneumatológico. Na morte de Jesus, o
Espírito é dado (verbo paradidomi) como presente e, a morte aparece como
elemento salvífico;
4) A Vida do Salvador como paradigma ético (evento lava-pés);
18
Esses cristãos com fortes tendências gnósticas, que se mantiveram na comunidade, porém ainda fazendo uso
do discurso dos que saíram.
16
5) Devido à polêmica gnóstica, surge uma ênfase no corpo de Jesus antes e após a
ressurreição – o Jesus-ressurreto aparece com cicatrizes e come com os discípulos;
pode ser tocado e agarrado (20.17);
6) Em meio a tantos conflitos, perseguições e rompimentos, surge no QE a ideia de
umἳ “novἳ fἳmíliἳ dἳ fé” (Jo 1λέβη-27);
Ainda nesta fase, por volta do ano 110 d.C., são escritas a Segunda e Terceira Epístola
de João. Envolvidas com outras preocupações, essas epístolas parecem ainda preocupadas com
a polêmica gnóstica, porém já numa outra perspectiva, a da pregação itinerante. Possivelmente
nesta época, pregadores itinerantes com perspectivas gnósticas 19 estavam ameaçando
novamente as comunidades, isso devido ao fato de muitos líderes receberem em suas casas estes
pregadores. Portanto, mesmo após alguns anos do cisma, a comunidade ainda é assombrada por
eὅte “fἳntἳὅmἳ” ἵhἳmἳdo gnosticismo.
1.1.4. A perícope de João 1.1-14
Em nossa perspectiva, a perícope de João 1.1-14 é produto da terceira fase de redação
do QE. Como vimos acima, essa fase é marcada pelo esforço do redator em fortalecer a
identidade do grupo frente ao cisma enfrentado. Além disso, percebemos o Prólogo como uma
forte ênfase na encarnação do logos [Jesus], o que coloca nossa perícope na rota de colisão com
as influências gnósticas. Outro elemento importante é a marca da pluralidade que se mantém
em nossa perícope, apesar de toda divergência enfrentada há pouco. Mesmo com todas as
ameaças externas, o Prólogo constitui-se como uma marca de unidade diante de imensa
pluralidade interna. Apesar de muitos conflitos, a comunidade se mantém em busca da unidade.
Veremos isso no próximo tópico.
1.2. Os conflitos na Comunidade Joanina
Nesta seção, temos a tarefa de, a partir de uma acirrada investigação, mapear os conflitos
presentes em toda história e tradição joanina. Como dito acima, a comunidade nasceu e cresceu
em meio aos conflitos. Por isso, conhecer e mapear os conflitos vividos por essa comunidade é
reconstruir a própria história desse grupo, que de forma tão estratégica, lutou bravamente em
19
Possivelmente nesta época, o gnosticismo já se constituía como movimento, e a semelhança do cristianismo,
enviava pregadores e missionários com o objetivo de expandir o movimento.
17
defesa de uma verdadeira fé em Jesus Cristo. Em diálogo com diversos pesquisadores do QE,
constatamos diversos conflitos na história da comunidade joanina, que com um olhar atento,
podem ser percebidos ao longo do QE: os seguidores de João Batista (1.35-51); os samaritanos
(4.1-42); o Judaísmo de JabnehήJâmniἳ e “oὅ judeuὅ” (λέββ, γζὅὅ)ν ἳὅ ἵoὄὄenteὅ gnóὅtiἵἳὅ (1έ119; 1Jo 1.1-4); membros da Comunidade de Qumran (2.23-25; dualismo); os criptocristãos –
judeus cristãos dentro da sinagoga (12.42-43); as igrejas de cristãos judeus de fé inadequada
(6.66-71); os cristãos das igrejas apostólicas (21.7); os galileus (4.53); e os pagãos – gentios
(12.20-23). Como percebemos, inúmeros são os conflitos enfrentados por esses cristãos. Porém,
por questões metodológicas e objetivas, nos ateremos apenas em alguns conflitos presentes na
história da Comunidade do Discípulo Amado: os seguidores de João Batista; os samaritanos; e
as correntes gnósticas.20
1.2.1. Conflitos que geram unidade
Como o título sugere, faremos aqui uma descrição de dois conflitos enfrentados pela
comunidade joanina sob a perspectiva da unidade. Ou seja, conflitos enfrentados e superados
pelos joaninos, que ao final, no Prólogo, apresentam-se como fortes indícios de unidade diante
de toda pluralidade no universo da comunidade.
1.2.1.1. Os seguidores de João Batista
O QE demonstra um interesse muito grande pela figura de João Batista e por seus
discípulos. Ao longo da obra encontramos diversas passagens com informações e afirmações
ἳἵeὄἵἳ de João Bἳtiὅtἳ ὃue meὄeἵem noὅὅἳ ἳtençãoμ “Ele [Batista] não era a luz, mas veio para
que testificasse da luz” (1έκ)ν “Eu [Batista] não sou o Cristo” (1έβίν γέβκ)ν “Convém que ele
[Jesus Cristo] cresça e que eu [Batista] diminua” (γέγί)ν “Ele [Batista] era a lâmpada que
ardia e alumiava, e vós quisestes, por algum tempo, alegrar-vos com a sua luz. Mas eu [Jesus]
tenho maior testemunho do que o de João” (ηέγη-36a). Diferente dos sinóticos, o Evangelho de
João demonstra uma preocupação considerável em esclarecer o papel de João Batista diante do
ministério de Jesus. Afirma-se que João Batista era enviado de Deus, porém não era o Cristo,
não era a luz. Diante dessas e outras declarações sobre João Batista ao longo da redação joanina
e considerando as diferenças com os sinóticos, nos cabe alguns questionamentos: o que o
Evangelho de João quer expressar com as narrativas acerca de João Batista? Qual a intenção
20
Foram escolhidos apenas esses três conflitos, por serem considerados os principais e mais significativos
conflitos para o desenvolvimento desse trabalho.
18
do evangelista ao incluir alguns esclarecimentos sobre o Batista? Estaria a comunidade
joanina vivendo um conflito com os seguidores de João Batista? Essas e outras dúvidas têm
acompanhado diversos pesquisadores na tarefa da investigação histórica da comunidade
joanina.
Segundo Raymond Brown, quando o QE foi escrito, a comunidade joanina estava
empenhada numa disputa com os seguidores de João Batista que rejeitavam Jesus e afirmavam
que seu mestre era o Messias ou pelo menos o enviado de Deus. 21 Por esta razão, o QE sai a
campo para obviar a essa interpretação errônea e ao enaltecimento exagerado da figura de João
Bἳtiὅtἳ (1έβίμ “σão ὅou o Cὄiὅto”ν γ,βκμ “σão ὅou o Cὄiὅto, mἳὅ fui enviἳdo ἳdiἳnte dele” –
afirmações de um tipo inexistente da tradição sinóptica). Mas o QE não envereda pelo caminho
polêmico fácil de rejeitar o Batista. Pelo contrário, como afirma Brown, ele foi enviado de Deus
(1.6 – terminologia usada pelo próprio Jesus), e tudo o que ele disse sobre Jesus era verdadeiro
(10.41). Sobre João Batista, Brown escreve:
Realmente, ele é o único no primeiro capítulo a entender Jesus pelos
padrões joaninos. Com efeito, ele não usa com Jesus os títulos
tradicionais da pregação cristã primitiva, como o fazem os discípulos,
mas reconhece a preexistência de Jesus (1.15,30). Isto é historicamente
explicável, uma vez que os primeiros cristãos joaninos vieram do
movimento de João Batista, como vieram alguns dos que originaram a
tradição representada nos evangelhos sinópticos.22
Pἳὄἳ Senen Vidἳl, o ὃue ele ἵhἳmἳ de “o ciclo dos três relatos sobre a relação entre
João Batista e Jesus”23 (cf. 1.19-33; 1.37-49; 3.23-30), tem como centro o interesse de legitimar
os grupos joaninos frente aos grupos batistas, seguidores de João Batista. Em seu pano de fundo
está uma tensão, dura especialmente nos primeiros tempos, entre esses grupos ligados, desde
suas origens, com muitos pontos em comum em suas concepções e práticas, especialmente na
do batismo. Tornou-se então completamente necessário assinalar as diferenças entre eles. O
ciclo de relatos tenta demonstrar a superioridade do grupo cristão sobre o batista, recorrendo às
figuras de João e de Jesus.
Segundo Vidal, assim se explica o caráter especial desses relatos com respeito a seus
paralelos sinóticos, com os quais têm semelhanças, mas ao mesmo tempo, muitas diferenças.
Nas palavras de Vidal:
21
22
23
BROWN, 1999, p. 30.
Idem.
VIDAL, Senen. Los escritos originales de la comunidad del discipulo amigo de Jesus: el evangelio y las cartas
de Juan. Salamanca/Espanha: Sígueme, 1997. p. 15. Tradução minha.
19
As tradições joaninas se apresentam muito mais evoluídas e muito mais
interessantes. Por trás de seu tom de diálogo, se vislumbra a discussão
real entre os grupos joaninos e os batistas: João mesmo, o fundador dos
grupos batistas, é o porta-voz da posição cristã. Sua figura aparece no
todo “ἵὄiὅtiἳnizἳdἳ”μ ele meὅmo ὄejeitἳ pἳὄἳ ὅi títuloὅ pὄoféticos que a
tradição sinótica lhe aplica, rebaixando-se a uma simples testemunha da
superioridade de Jesus.24
Para combater as fortes objeções dos batistas, Vidal argumenta que não se narra o
batismo de Jesus, efetuado por João Batista, faz-se referência a ele somente como sinal de
reconhecimento de Jesus por parte de João. Assinala-se expressamente a conversão de alguns
discípulos de João em seguidores de Jesus, refletindo provavelmente, a realidade histórica da
passagem dos membros batistas aos grupos joaninos antigos. Apresenta-se Jesus batizando,
com o reconhecimento explícito por parte de João, substituindo assim o rito batista (de João)
pelo cristão (de Jesus). Para Vidal, a partir desse pano de fundo, se explicam as informações
geográficas sobre a atividἳde João Bἳtiὅtἳ e Jeὅuὅ (ἵfέ 1έβκν γέβγ,βθ)μ “ἳpontἳm ἳ exiὅtênἵiἳ de
gὄupoὅ ἴἳtiὅtἳὅ e joἳninoὅ nἳὅ áὄeἳὅ ἳo leὅte e oeὅte dἳ ἴἳἵiἳ do Rio Joὄdão”έ25
Segundo Brown, João retrata os primeiros discípulos seguidores de Jesus como
discípulos de João Batista, e o próprio movimento joanino pode ter tido raízes entre esses
discípulos (especialmente o Discípulo Amado26). Por isso, é surpreendente encontrar no QE tão
grande número de afirmações negativas referentes a João Batista:
1) Ele não é a luz (1.9);
β) “o ὃue vem depois de mim passou adiante de mim, porque existia
enteὅ de mim” (1έ1η,γί)ν
3) João Batista não é o Messias, nem Elias, nem o Profeta (1.19-24);
4) Não é o esposo (3.29);
5) Deve diminuir, enquanto Jesus deve crescer (3.30);
6) Nunca operou nenhum milagre (10.41);27
24
25
26
27
VIDAL, 1997. p. 16. (Tradução minha).
Idem.
O quadro joanino se tornaria mais compreensível se o Discípulo Amado, como alguns dos discípulos de João
(1.35-51), tivesse sido discípulo de João Batista, talvez até o discípulo não identificado de 1.35-40 (passagem
que menciona dois discípulos e só identifica um deles como André). Assim o Discípulo Amado teria
antecedentes semelhantes aos de alguns dos destacados membros dos doze, considerando mesmo que a
comunidade joanina na primeira fase de sua existência constava de judeus cristãos, que estavam imbuídos das
perspectivas messiânicas que distinguiram os começos das comunidades que se originariam dos doze. A
identificação proposta pelo Discípulo Amado com o discípulo de 1.35-40 tem sido muitas vezes debatida e
rejeitada com base em que, em outra parte, quando o QE está falando do herói da comunidade, identifica-o
ἵlἳὄἳmente ἵom “o Diὅἵípulo ὃue Jeὅuὅ ἳmἳvἳ” e não enἵontὄἳ eluἵidἳção em 1έγη-40. A objeção perde sua
força se temos em mente que o discípulo não identificado do capítulo 1 não era ainda o Discípulo Amado,
porque no começo da história do evangelho ele não tinha entendido Jesus plenamente – evolução cristológica
que irá interpor uma longa distância entre ele e os outros discípulos identificados do capítulo primeiro e o
aproximaria de maneira única de Jesus. >> Cf. BROWN, 1999. p. 33.
BROWN, 1999. p. 72.
20
Estas afirmações, segundo Brown, servem de retrato de todo o ministério de João
Batista, como aquele que dá testemunho de Jesus e o revela a Israel (1.29-34; 5.33 – não que
Jesus não precisasse deste testemunho humano [5.34]). Para Brown, tudo isso pode ser
entendido quando ouvimos em 3.22-26 que alguns dos discípulos de João Batista não seguiram
a Jesus (contraste 1.35-37) e invejosamente se opunham ao número de pessoas que o estavam
seguindo. Portanto, somos levados a suspeitar que os cristãos joaninos tinham de tratar com tais
discípulos e que as negações significam uma apologética contra eles. Para Brown, nenhum
evangelho sinótico tem uma atitude tão cautelosa diante de João Batista nem tantas negações e,
além disso, percebe-se outra evidência dos seguidores de João Batista que não seguiram a Jesus.
O autor afirma que a cena comum em Mateus (11.2-16) e Lucas (7.18-23), em que João Batista
envia discípulos para perguntar se Jesus é o que deve vir, sugere dificuldades sobre Jesus entre
os seguidores de João Batista. Em Atos (18.24 e 19.7), Lucas nos fala de Apolo e um grupo de
doze em Éfeso (o local tradicional da composição do QE) que foram batizados somente com o
batismo de João. Apolo já acreditava em Jesus, mas os outros precisavam ser instruídos.
Sobre o conflito da comunidade joanina com os seguidores de João Batista, José
Bortolini escreve:
O Discípulo Amado fora um dos que deixaram João Batista e seguiram
Jesus. Mas nem todos os discípulos do Batista fizeram essa passagem.
Os que permaneceram fiéis a João Batista hostilizavam a comunidade
do Discípulo Amado. O evangelho de João, desde o início, insiste que
João Batista não era a luz, mas simples testemunha da luz, a fim de que
todos, por meio dele aderissem a Jesus (cf. 1.6-8).28
José Bortolini afirma que já no Prólogo (1.6-9)29 do QE se percebe com nitidez a tensão
entre a comunidade joanina e os seguidores de João Batista. Para o autor, nesses versículos
percebemos o conflito que a comunidade do Discípulo Amado enfrentou com os seguidores de
João Batista, pois estes o viam como a luz, ou seja, como a manifestação da vida de Deus.
Deὅde o iníἵio do Evἳngelho de João não fiἵἳm dúvidἳὅμ “ἳ Vidἳ ὅe enἵontὄἳ ὅomente em
Jeὅuὅ”30. Suas testemunhas desaparecem quando as pessoas se encontram com Jesus e fazem a
experiência da vida que ele comunica.
28
29
30
BORTOLINI, José. Como ler o evangelho de João: o caminho da vida. São Paulo: Paulus, 1994. p. 10.
João 1.6-9: 6.Houve um homem enviado por Deus cujo nome era João. 7.Este veio como testemunha para que
testificasse a respeito da luz, a fim de todos virem a crer por intermédio dele. 8.Ele não era a luz, mas veio
para que testificasse da luz, 9.a saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem. >> Cf.
BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2. ed. São Paulo: Sociedade
Bíblica do Brasil, 1993. Edição revista e atualizada no Brasil. (Grifo meu).
BORTOLINI, 1994. p. 20.
21
Brown ainda cita que na obra pseudoclementina Reconhecimentos, livro do século
terceiro, inspirado em fontes primitivas, lemos que os seguidores de João Batista afirmavam
que seu mestre, e não Jesus, era o Messias. Segundo Brown, essa evidência limitada, embora
não com força de prova, dá a entender que pelo menos era possível que a comunidade joanina
tivesse desentendimentos com os seguidores de João Batista, não-cristãos. Para o autor, o fato
de que eles eram refutados no evangelho, não com um ataque direto que lhes fosse feito, como
não-crentes, mas através de uma correção prudente de seus exagerados erros a respeito da figura
de João Batista, pode significar que os cristãos joaninos ainda mantinham uma certa esperança
de sua conversão, esperança essa que a cena de Atos já citada poderia tornar plausível. A cena
em João 3.22-26 atribui aos discípulos de João Batista não-crentes certa inveja de Jesus e uma
consideração ciumenta das prerrogativas de seu mestre, mas não os retrata como odiando a
Jeὅuὅ do modo ἵomo “oὅ judeuὅ” e “o mundo” o odeiἳmέ31 Nas palavras de Raymond Brown:
Talvez suas próprias origens no momento de João Batista tornavam os
cristãos joaninos menos severos com seus antigos irmãos que não
preferiram as trevas à luz, mas simplesmente confundiram uma
lâmpada com a luz do mundo.32
Segundo Johan Konings, o QE demonstra um interesse muito grande pela figura de João
Batista e por seus discípulos. Já no Prólogo encontramos dois parênteses que explicam que João
não eὄἳ ἳ “luz”, mἳὅ deu testemunho dela (1.6-8) e de sua precedência (1.15). Para Konings, a
narrativa propriamente inicia-se por um elaborado testemunho de João Batista (1.19-36),
resultando no encaminhamento de seus discípulos para Jesus (1.35-36). O Batista e os
discípulos voltam à cena, para outro testemunho (referindo-se ao primeiro), em 3.22-30. Em
5.33-35, Jesus mesmo aponta o testemunho de João como lâmpada passageira que anunciava a
luz verdadeira. Em 10.40-42 desponta ainda uma vez, discretamente, a ratificação do povo a
respeito do testemunho de João Batista. Para o autor, o ritmo e tamanho das referências vão
deἵὄeὅἵendo ἳo longo do Evἳngelho, iluὅtὄἳndo ἳ pἳlἳvὄἳ do Bἳtiὅtἳ em γέγίμ “Ele deve ἵὄeὅἵeὄ,
eu, deἵὄeὅἵeὄ”έ33 A partir desta análise, Konings propõe alguns questionamentos:
O que o evangelista quer com esse testemunho do Batista? Em At
18.24-19.7 ficamos sabendo que ainda pela metade do século I existiam,
nἳ diáὅpoὄἳ de Éfeὅo, diὅἵípuloὅ de João Bἳtiὅtἳ, “joἳnitἳὅ”έ Seὄá ὃue
João ἴuὅἵἳ ἳpὄoximἳὄ eὅὅeὅ “joἳnitἳὅ” dἳ ἵomunidἳde ἵὄiὅtãς σão
temoὅ ἵeὄtezἳ de ὃue ἳ ἵomunidἳde “joἳnitἳ” ἳindἳ exiὅtiἳ no fim do
31
32
33
BROWN, 1999. p. 73.
Id., Ibid., p. 73 e 74.
KONINGS, Johan. Evangelho segundo João: amor e fidelidade. São Paulo: Loyola, 2005. p. 45.
22
século. Será que a comunidade do Batista desapareceu, e seu lugar foi
assumido pela de Jesus?34
Para Konings, isso é provávelμ “oὅ diὅἵípuloὅ do Bἳtiὅtἳ ὅe mudἳm pἳὄἳ Jeὅuὅ (1έγη-36),
seu movimento deve minguar diante de Jesus (3.30), foi provisório (5.33-35), mas testemunha
a favor de Jesus (10.40-ζβ)”έ35 Konings ressalta que João parece erguer o Batista em
testemunha-mor de Jeὅuὅ no “pὄoἵeὅὅo” pὄovoἵἳdo peloὅ “judeuὅ”, poiὅ podiἳm ἵitá-lo contra
os cristãos por ser anterior a Jesus e não ter desacatado a interpretação judaica da Lei (cf. Lc
1θέ1θ)έ Poὄtἳnto, Koningὅ ἳfiὄmἳ ὃue em João, em vez de ὅeὄviὄ de teὅtemunhἳ pἳὄἳ oὅ “judeuὅ”,
o Bἳtiὅtἳ depõe ἳ fἳvoὄ dἳ outὄἳ pἳὄteμ foi poὄ oἵἳὅião dele ὃue o Coὄdeiὄo e ἔilho de Deuὅ “foi
mἳnifeὅtἳdo ἳ Iὅὄἳel” (1έ1λ-34).36
Podemos afirmar então, após esse diálogo, que a preocupação do evangelista em
esclarecer o papel de João Batista no cenário joanino teve como motivação um conflito entre a
comunidade joanina e os seguidores de João Batista. Como dito acima, já na primeira fase, nas
origens da comunidade, os joaninos já se viam inseridos em conflitos acirrados, disputas estas
que giravam em torno da polêmica acerca de quem era o Messias, o que estava ameaçando a fé
e a comunhão do grupo. Diante dessa ameaça, coube ao evangelista um enorme empenho na
defesa da fé em Jesus Cristo, o que justifica algumas passagens exclusivas do Evangelho de
João.
1.2.1.2. Os samaritanos
Outra presença marcante e misteriosa no QE são os samaritanos. O evangelista dedica
praticamente todo o capítulo quatro do Evangelho em uma narrativa dramática e bem articulada
sobre a salvação do povo de Samaria. Porém, além da perícope de João 4.1-42, o tema dos
samaritanos volta a aparecer somente em uma vez, em uma acusação dos judeus contra Jesus,
depreciando-o ao compará-lo ἵom um ὅἳmἳὄitἳnoμ “Porventura, não temos razão em dizer que
és samaritano e tens demônio? (8.48)”, o que nos chama a atenção. Curioso ainda, é perceber
ἳ oἴὅeὄvἳção ἵuidἳdoὅἳ feitἳ pelo evἳngeliὅtἳ no vέ λμ “porque os judeus não se dão com os
samaritanos (4.9b)”έ Seὄiἳ neἵeὅὅáὄiἳ eὅtἳ oἴὅeὄvἳção ὅe eὅὅe texto foὅὅe diὄeἵionἳdo ἳpenἳὅ
aos judeus e samaritanos presentes na comunidade, ou havia no seio da comunidade pagãos e
gentios que não conheciam a história de Israel? A presença dessa narrativa indicaria um conflito
34
35
36
KONINGS, 2005, p. 45.
Id., Ibid., p. 46.
Idem.
23
interno entre os judeus e samaritanos da comunidade? Ou a acolhida dos samaritanos pela
comunidade acarretou complicações externas para os joaninos (visto estarem inseridos num
contexto de predominância do judaísmo)? Essas e outras perguntas circulam a curiosa
existência e articulação da perícope de João 4.1-42.
Mas, antes de buscarmos algumas pistas para uma melhor compreensão acerca dos
conflitos gerados pela presença dos samaritanos junto à comunidade joanina, se faz necessário
entender um pouco melhor quem eram os samaritanos, e porque a perícope de João 4.1-42 é tão
carregada de tradições antigas e é marcada por um preconceito histórico, que ao longo da
narrativa, é superado por Jesus de forma surpreendente.
Segundo Alberto Casalegno, em 721 a.C., com a queda do reino do Norte por obra dos
reis assírios Salmanasar V e Sargão II (2Rs 17.24-41), a Samaria foi devastada, a maior parte
das famílias abastadas foi massacrada e uma parte deportada; na terra permaneceu o povo
humilde, em sua maioria camponeses, obrigados a casamentos mistos com os colonos assírios,
mandados imigrar propositalmente pἳὄἳ ἳ ὄegiãoέ σἳὅἵeu umἳ ὄἳçἳ “ἴἳὅtἳὄdἳ”, ὃue,
progressivamente, se afastou da fé tradicional javista e aceitou o sincretismo religioso. Para
Casalegno, quando os hebreus do reino do Sul retornaram do exílio da Babilônia, por vontade
do rei persa Ciro (538 a.C.), as divergências entre os judeus ortodoxos e os samaritanos
tornaram-se evidentes. Dos livros sagrados, os samaritanos só aceitaram o Pentateuco,
rejeitando toda revelação restante, fixada por escrito no tempo do exílio. Casalegno afirma que
os judeus, por sua vez, recusaram a ajuda dos samaritanos na reconstrução do Templo (Ed 4.15), considerando-os um povo impuro e nem os reconhecendo mais como hebreus. Nessa ocasião
aconteceu um verdadeiro cisma entre os dois grupos. Em oposição ao Templo de Jerusalém, os
samaritanos construíram para si mesmos um novo santuário no monte Garizim (520 a.C.), lugar
já famoso na tradição (Dt 11.29; 27.12). Segundo Casalegno, referiram a esse monte os fatos
mἳiὅ impoὄtἳnteὅ dἳ hiὅtóὄiἳ ἴíἴliἵἳ, ἳfiὄmἳndo ὃueμ “ele existia antes da criação; não foi tocado
pelo dilúvio universal; será poupado no fim do mundo; Adão foi plasmado sobre ele; nele está
eὅἵondidἳ ἳ ἳὄἵἳ dἳ ἳliἳnçἳν e de ὅeuὅ lἳdoὅ, nἳ époἵἳ meὅὅiâniἵἳ joὄὄἳὄão ὄioὅ de águἳ vivἳ”έ
O Templo samaritano foi destruído pelo rei asmoneu João Hircano em 128 a.C., e a rivalidade
e o desprezo entre os dois povos conheceu uma nova revivescência. Por isso, segundo Alberto,
um hebreu não podia usar um objeto tocado por um samaritano (Jo 4.9), e só o epíteto
“ὅἳmἳὄitἳno” dito a um judeu constituía uma gravíssima ofensa (8.48).37
Sobre esse conflito entre judeus e samaritanos, Casalegno ainda afirma:
37
CASALEGNO, Alberto. Para que contemplem a minha glória (João 17.24): Introdução à teologia do
Evangelho de João. São Paulo: Loyola, 2009. p. 363 e 364. (Bíblica Loyola; v. 57).
24
Os hebreus consideravam os samaritanos impuros desde o nascimento,
conforme documenta o Talmude da Babilônia, afirmando que as filhas
doὅ ὅἳmἳὄitἳnoὅ “ὅão menὅtὄuἳdἳὅ deὅde o ἴeὄço” (Niddah 4.1).
Acrescente-se que os samaritanos transferiram para os cristãos o ódio
que nutriam pelo judeus, praticando contra eles assaltos, saques e
violências, tanto que o imperador do Oriente, Zenão (430-491), proibiu
o culto no Garizim e ordenou que ali fosse construído um templo – em
forma octagonal – em honra a Maria, cujos fundamentos ainda hoje
existem. Em 529 d.C., Justiniano dizimou o povo samaritano, do qual
hoje restam poucas centenas de indivíduos.38
Sobre a passagem de Jesus por Samaria no capítulo quatro de João, Xavier Léon-Dufour
entende que nesta atitude Jesus está cumprindo sua missão segundo o designo de Deus, mas,
comparando o QE com os sinóticos e Atos dos Apóstolos, Xavier percebe algumas diferenças
consideráveis na narrativa e estrutura joaninas. Segundo Mt 10.5, Jesus recomenda a seus
discípulos que não fossem à Samaria; segundo Lucas 9.51-56, os discípulos que atravessam
aquela região recebem uma acolhida um tanto hostil. Contudo, Jesus destacou um samaritano,
o único entre os dez leprosos curados, que havia demonstrado gratidão; e citados como exemplo
na parábola do Bom samaritano, opondo-os aos levitas do Templo (Lc 17.11-19; 10. 30-37).
Historicamente, segundo Léon-Dufour, a passagem de Jesus de Nazaré por Samaria é
problemática, pois conforme Atos 8.1-25, foi somente depois da ressurreição que os discípulos
se atreveram a evangelizar os samaritanos. Portanto, para o autor, por todos esses motivos,
deve-se enxergar no relato joanino uma antecipação da missão exercida pela igreja depois da
páscoa.39
A respeito das particularidades joaninas em relação aos sinóticos, Johan Konings faz
algumas observações. Segundo Konings, depois da evocação da novidade cristã no contexto do
judaísmo rabínico-fἳὄiὅἳiἵo (ὄepὄeὅentἳdo poὄ σiἵodemoὅ) e no ἵontexto do “judἳíὅmo joἳnitἳ”
(de João Batista), a apresentação do dom de Deus em Jesus se coloca para o contexto das
ἵomunidἳdeὅ ὅἳmἳὄitἳnἳὅέ Um novo momento (“ὃuἳndo Jeὅuὅ ὅouἴe”) ἳἴὄe o epiὅódio ὅeguinte,
situado na Samaria (os vv. 1-3 são um transição). Este episódio, afirma Konings, não reflete à
tradição sinótica. Possivelmente revela o interesse específico do QE pelos samaritanos, talvez
por causa das primeiras comunidades cristãs fundadas ali, sobretudo se existir alguma relação
entre o QE e o apóstolo João, filho de Zebedeu, que, em At 8.14-25, é mencionado como
“viὅitἳdoὄ ἳpoὅtóliἵo” deὅὅἳὅ ἵomunidἳdeὅέ40
38
39
40
CASALEGNO, 2009, p. 364.
LÉON DUFOUR, Xavier. Lectura del Evangelio de Juan: Jn 1-4. Salamanca: Sigueme, 1989. p. 271.
KONINGS, 2005. p. 124.
25
Para Xavier, a viagem da Judeia para a Galileia, passando por Samaria, está relacionada
com uma profecia de Isaías, segundo a qual os reinos separados (Israel e Judá) se reconciliariam
algum dia. Quando Acaz, rei de Judá (734-719 a.C.), temeu à colisão siro-efraimita, Isaías
anunciou que o rei justo, no qual repousaria o Espírito de Deus, reagruparia os desterrados
de Israel e reuniria os dispersos de Judá (Cf. Is 11.12). Ainda relacionando este texto com a
profecia de Caifás em Jo 11.51s, na perspectiva de Léon-Dufour, é válido pensar que, por trás
de Samaria, João está pensando no Antigo Israel. Léon-Dufour afirma que é a partir desse
horizonte que devemos abordar o capítulo quatro de João. Observa que, segundo o vs. 1, é
literalmente o Senhor que num dado momento conhece o que os fariseus haviam ouvido falar
sobre Jesus, como se o Senhor e Jesus fossem duas pessoas diferentes. Para Xavier, na
realidade, o evangelista que inicia seu relato falando do próprio Jesus e na reação dos fariseus,
quer levar ao conhecimento dos leitores o próprio Cristo ressuscitado. Mas não se trata de um
conhecimento de Jesus de Nazaré a partir de uma reflexão, mas de um conhecimento divino do
Senhor, confessado vivo. Portanto, Xavier afirma que, a intenção do último redator é, sem
dúvida alguma, a de situar o episódio que segue à luz da páscoa.41 Sobre a passagem estratégica
de Jesus por Samaria, Léon-Dufour acrescenta:
Assim, parece como se, ao passar por Samaria para dirigir-se a Galileia,
Jesus quisesse reconciliar simbolicamente os dois povos, os irmãos
divididos desde os começos da monarquia; e esta reconciliação tem seu
lugar como consequência de uma perseguição de Jesus pelos fariseus.
Esta interpretação se vê confirmada por uma frase significativa; quando
oὅ diὅἵípuloὅ ofeὄeἵem ἳ Jeὅuὅ ἳlgo de ἵomeὄ, lheὅ ὄeὅpondeμ “εeu
alimento é fazer a vontade d´Aquele que me enviou e ὄeἳlizἳὄ ὅuἳ oἴὄἳ”
(4.34).42
Raymond Brown percebe que a entrada dos samaritanos na comunidade joanina teve
um grande reflexo na trajetória histórica do grupo. Isto porque é durante este período, marcado
pela inclusão de samaritanos a partir do testemunho de judeus contrários ao Templo, que se
desenvolve uma cristologia mais elevada no seio da comunidade. E para Brown, esta alta
cristologia, nesta fase, custou a expulsão dos cristãos joaninos do Templo e das sinagogas, pois
ἵomo ἳfiὄmἳ, “ἳ ἴἳtἳlhἳ entre a sinagoga e a comunidade joanina era, no final das contas, uma
ἴἳtἳlhἳ ὅoἴὄe ἵὄiὅtologiἳ”έ43
Segundo Brown, a comunidade joanina, ainda em sua primeira fase (30-50) admite um
segundo grupo, constituído por judeus contrários ao Templo e samaritanos convertidos. Brown,
41
42
43
LÉON DUFOUR, 1989. p. 272.
Id., Ibid., p. 272. (Tradução minha).
BROWN, 1999. p. 45.
26
contrariando a ideia da existência de um conflito entre os cristãos joaninos primitivos de seu
Grupo I44 e os cristológicos mais elevados de seu Grupo II45, percebe na cena em que Jesus
reconcilia seus discípulos do capítulo primeiro (1.35-51) com os convertidos samaritanos do
capítulo quatro (cf. 4.35-38), que não havia hostilidade entre os dois grupos joaninos. Antes, a
aceitação do segundo grupo pela maioria do primeiro é provavelmente o que atraiu sobre toda
a comunidade joanina a suspeita e a hostilidade dos chefes da sinagoga.46 Sobre isso, Brown
ainda escreve:
Depois da conversão dos samaritanos no capítulo quatro, o evangelho
enfἳtizἳ ἳ ὄejeição de Jeὅuὅ poὄ pἳὄte “doὅ judeuὅ”έ τ Jeὅuὅ joἳnino (ὃue
experimentou a hostilização sofrida historicamente pela comunidade
joanina) diz que ele veio de Deus (8.41), e imediatamente é desafiado
peloὅ judeuὅ ὃue exἵlἳmἳmμ “σão dizíἳmoὅ, ἵom ὄἳzão, ὃue éὅ
ὅἳmἳὄitἳnoς” (κέζκ)έ Iὅto ὅugeὄe ὃue ἳ ἵomunidἳde joἳninἳ eὄἳ
considerada pelos judeus como tendo elementos samaritanos.47
Sobre esta afirmação, Brown nos adverte que não se pode imaginar um segundo grupo
composto apenas por samaritanos, como muitos pesquisadores tem feito. Para Brown, quando
os samaritanos estavam sendo convertidos por Jesus (não por seus primeiros discípulos), ele
ἳfiὄmἳ ἵlἳὄἳmente ὅuἳ identidἳde judἳiἵἳμ “A ὅἳlvἳção vem peloὅ judeuὅ” (ζέββ)έ Pἳὄἳ Bὄown,
ele rejeita deliberadamente um princípio distintivo da teologia samaritana, negando que Deus
deva ser adorado em Garizim. Ao mesmo tempo, (4.21) assume uma atitude peculiar diante do
culto judaico, predizendo que Deus também não será adorado em Jerusalém. Portanto,
aceitando essas indicações, Brown pressupõe que o segundo grupo da história joanina constava
de judeus com opinião formada contra o Templo, que converteram samaritanos e assimilaram
alguns elementos do pensamento samaritano, inclusive uma cristologia que não era centralizada
num Messias davídico. Brown ainda afirma que se descobriu em João traços semelhantes ao
pensamento samaritano e que a igreja joanina incorporou membros, judeus e samaritanos, que
tinham uma elevada piedade mosaica, inspirada ainda pela cristologia elevada já influente no
seio da comunidade.48
44
45
46
47
48
GRUPO DE ORIGEM: Na Palestina ou perto daquela região, judeus que tinham esperanças relativamente
semelhantes a de seus concidadãos, inclusive os seguidores de João Batista, aceitaram a Jesus sem dificuldade
como o Messias davídico, o realizador das profecias, e cuja missão era confirmada por milagres. No meio desse
grupo havia um homem que tinha conhecido Jesus durante seu ministério, e que veio a tornar-se o Discípulo
Amado. >> Cf. BROWN, 1999. p. 174.
GRUPO SEGUNDO: Judeus de tendências contrárias ao Templo que acreditaram em Jesus e fizeram
convertidos em Samaria. Eles entenderam Jesus contra uma tradição mosaica, não davídica. Ele tinha estado
com Deus, tinha-o visto, e trazido sua palavra para o povo. >> BROWN, 1999. p. 174.
BROWN, 1999. p. 37.
Id., Ibid., p. 38.
Id., Ibid., p. 39.
27
Sobre a cristologia dos samaritanos, Brown ainda acrescenta que é muito improvável
que um samaritano crente aclamasse Jesus como o Messias, no sentido davídico, pois toda a
teologia samaritana era orientada contra as pretensões da dinastia davídica e de Jerusalém, a
ἵidἳde de Dἳviέ De fἳto, o teὄmo “εeὅὅiἳὅ”, é ἵonὅenso geral, não aparece em escrito
samaritano antes do século XVI. Com efeito, segundo Brown, os samaritanos esperavam um
Taheb (aquele que volta, o restaurador), um mestre e um revelador, e pode ter sido neste sentido
que os samaritanos aceitaram Jesus como o “εeὅὅiἳὅ”έ τ ἳutoὄ ἳindἳ deὅtἳἵἳ ὃue, muito forte
na teologia samaritana era a ênfase em Moisés, de tal modo que às vezes o Tahed era visto
como a figura de um Moisés que tinha voltado. Pensava-se que Moisés tinha visto Deus e depois
desceria para revelar ao povo o que Deus tinha dito. Se Jesus foi interpretado segundo essa
maneira de ver, então, a pregação joanina teria haurido de tal Moisés material que depois
ἵoὄὄigiὄiἳμ “não foi εoiὅéὅ, mἳὅ Jeὅuὅ ὃue viu Deuὅ e depoiὅ deὅἵeu à teὄὄἳ pἳὄἳ fἳlἳὄ do ὃue
ouviὄἳ (γέ1γ,γ1ν ηέβίν θέζθν ιέ1θ)”49.
José Bortolini enxerga na passagem de Jesus em Samaria uma forte relação com parte
do Prólogo (1.11-13)50, poiὅ pἳὄἳ o ἳutoὄ, o temἳ dἳ ὄejeição do Veὄἴo “pelos seus” e ὄeἵeἴido
“pelos de fora” tomἳ ἵoὄpo nἳ hiὅtóὄiἳ ἵom a samaritana. Para Bortolini, os samaritanos tiveram
um papel decisivo na formação da comunidade do Discípulo Amado. É por isso que o
evangelista de João apresenta o episódio de Jesus com a samaritana, mostrando que chegou o
fim do culto que discrimina e marginaliza pessoas e grupos. Bortolini observa que a samaritana
não tem nome, e esse detalhe indica que ela representa todos os samaritanos, tidos pelos judeus
como pessoas impuras e idólatras. Destaca ainda que a cena se passa ao redor de um poço51 (cf.
Jo 4.6), no qual se acreditava que estivesse a vida (representada pela água). Segundo Bortolini,
o poço era símbolo da sabedoria, o sentido da vida que todos procuram e para o povo da Bíblia,
o poço era lugar de encontros que marcam para sempre a vida das pessoas. Foi junto a um poço
que Isaque se apaixonou por Rebeca (Gn 24.10-27), Jacó se apaixonou por Raquel (Gn 29.114) e Moisés se encontrou com Séfora, sua futura esposa (êx 2.16-22). Portanto, para Bortolini,
ἳ ὅἳmἳὄitἳnἳ é ἳ “eὅpoὅἳ” ὃue Jeὅuὅ pὄoἵuὄἳ e é poὄ iὅὅo ὃue o evἳngelho de João ἳfiὄmἳμ “Jeὅuὅ
49
50
51
BROWN, 1999, p. 46.
João 1.11-1γμ “11 Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. 12 Mas, a todos quantos o receberam, deulhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; 13 os quais não nasceram do
ὅἳngue, nem dἳ vontἳde dἳ ἵἳὄne, nem dἳ vontἳde do homem, mἳὅ de Deuὅ”έ ρρ Cfέ Sociedade Bíblica do
Brasil. 2003; 2005. Almeida Revista e Atualizada - Com Números de Strong. Sociedade Bíblica do Brasil.
Segundo José Bortolini, o poço aparece como figura da Lei e das instituições. >> Cf. BORTOLINI, 1994. p.
48.
28
tinhἳ ὃue ἳtὄἳveὅὅἳὄ Sἳmἳὄiἳ” (ζέζ)ν é no meio doὅ mἳὄginἳlizἳdoὅ (Sἳmἳὄiἳ) ὃue Jeὅuὅ enἵontὄἳ
ὅuἳ “eὅpoὅἳ”, e eὅtἳ enἵontὄἳ o ὅentido de ὅuἳ vidἳέ52
Para Nascimento, um dos temas no episódio da passagem de Jesus por Samaria é o da
expectativa messiânica dos samaritanos (cf. 4.25-26; 29), o que, segundo o autor, evidencia os
motivos do conflito que transparecem no texto. Segundo Nascimento, estes versículos contêm
uma explícita autorrevelação de Jesus, e o contexto que se dá não é a expectativa messiânica
dos judeus, e sim dos samaritanos; é provável que o texto reflita o anúncio das primeiras
comunidades missionárias na Samaria ou mesmo problemáticas próprias no seio da comunidade
do Discípulo Amado. Nascimento supõe que esse relato seja provavelmente etiológico ou
justificativo da fundação da comunidade joanina de Sicar, na qual o agente principal havia sido
uma mulher, cujo labor missionário se desejou limitar mais tarde introduzindo missionários
homens.53 Nascimento ainda afirma que os vv. 27ss apresentam os temas de fé e da missão. Os
discípulos chegando e a mulher saindo. Eles não compreendem: pensam no alimento terreno.
Jesus aproveita a incompreensão deles para fazer uma de suas mais elevadas revelações.
Nascimento entende que o v. 34 nos faz conhecer mais a fundo a consciência que Jesus tinha
de si mesmo e um dos pontos importantes de identidade apresentado pelo autor do texto: a
filiação de Jesus se revela na obediência à vontade do Pai. E a vontade do Pἳi é ἳ “miὅὅão” ο ἳ
salvação se destina a todos. Concluindo este pensamento, Nascimento também afirma que:
O evangelista mostra também que o encontro com Cristo se torna
contagioso, se torna testemunho. Observe-se, entretanto que o autor
sublinha o conceito de que lhe é caro: a fé se torna contagiosa, o
encontro com as testemunhas de Cristo é somente o primeiro passo. A
verdadeira fé surge quando alguém se encontra com Cristo (v. 42).54
Diante das inúmeras investigações apresentadas, percebemos a complexidade da
presença dos samaritanos no seio da comunidade joanina. A partir da contribuição de Raymond
Brown, entendemos que não podemos reduzir nossa perícope (4.1-42) apenas como superação
de um conflito interno, mas sim como um catalisador na acirrada disputa entre as autoridades
judaicas e a comunidade joanina. Portanto, pela observação feita pelo evangelista no v. 9,
podemos dizer que em um nível intracomunitário, samaritanos, de fato, sofriam discriminação
por parte de alguns judeus convertidos. Porém, amparados por um consenso entre os
pesquisadores, compreendemos que a grande vítima de preconceito é a própria comunidade,
52
53
54
BORTOLINI, 1994, p. 48.
NASCIMENTO, 2010. p. 198.
Id., Ibid., p. 199.
29
isto porque, ao acolher samaritanos, a comunidade joanina desafia toda tradição judaica e com
isso o Judaísmo que, amparados na história e em uma religiosidade sectária, ainda alimentava
a discriminação religiosa e étnica contra os samaritanos. Além disso, a presença dos
samaritanos trouxe grandes influências na cristologia joanina, o que atraiu a ira por parte das
autoridades, o que num futuro próximo, acarretaria na expulsão dos cristãos joaninos das
sinagogas.
1.2.2. Conflito de ruptura
Como vimos a partir da Teoria Literária do QE, o final da segunda fase e todo o restante
da história da comunidade joanina é marcado pela presença da influência gnóstica. Esta foi a
responsável pela quebra da comunhão interna da comunidade, transformando-se em um
catalisador para o cisma sofrido pelo grupo. Portanto, diferente dos outros dois conflitos
apresentados, o embate com as correntes gnósticas constitui-se em um conflito de ruptura,
causando sérios danos à comunidade joanina.
1.2.2.1. As correntes gnósticas
Diferente dos demais conflitos presentes na história da formação da comunidade
joanina, este se apresenta de uma maneira singular, pois se desenvolve em um ambiente
intracomunitário. Há um consenso entre os pesquisadores de que o conflito entre a comunidade
joanina e a influência do pensamento gnóstico tenha sido decisivo e traumático no desenrolar
da história desse grupo. Após um longo período de disputas externas, a comunidade se depara
agora com uma ameaça que parte do interior da comunidade, quando segundo alguns autores,
como José Bortolini,55 por influência da filosofia grega,56 alguns do grupo começaram a negar
aspectos fundamentais do pensamento joanino clássico e da vivência da comunidade, causando
sérios abalos na comunhão joanina a ponto de provocar um cisma na comunidade.
σἳὅἵimento ἳfiὄmἳ ὃue ἳὅ ideiἳὅ gnóὅtiἵἳὅ ἵiὄἵulἳvἳm entὄe oὅ “penὅἳdoὄeὅ” e ὅe
difundiam. Para ele, não tinha sistematização nem se constituía em movimento organizado, mas
havia basicamente uma visão e ideias que invadiram aos poucos as maneiras de pensar da época.
Nascimento, nesta pesquisa, define gnosticismo da seguinte forma:
Gnosticismo é a visão de mundo baseada na experiência de Gnose, que
tem por origem etimológica o termo grego gnosis, que significa
"conhecimento". Mas não um conhecimento racional, científico,
55
56
BORTOLINI, 2001, p. 28.
O que conduziu para uma cristologia baseada no gnosticismo e docetismo.
30
filosófico, teórico e empírico (a "episteme" dos gregos), mas de caráter
intuitivo e transcendental; Sabedoria. É usada para designar um
conhecimento profundo e superior do mundo e do homem, que dá
sentido à vida humana, que a torna plena de significado porque permite
o encontro do homem com sua essência eterna, centelha divina,
maravilhosa e crística, pela via do coração. É uma realidade vivente
sempre ativa, que apenas é compreendida quando experimentada e
vivenciada. Assim sendo jamais pode ser assimilada de forma abstrata,
intelectual e discursiva.57
Segundo Nascimento, a comunidade joanina provavelmente teve contato e recebeu
influência dessa corrente filosófica, e desse pensamento gnóstico baseado no dualismo grego
de espírito e matéria e na necessidade do intermediário entre a humanidade e a divindade,
ὅuὄgem váὄiἳὅ teoὄiἳὅ “teológiἵἳὅ”έ Sendo ἳὅὅim, alguns grupos começam também a querer reler
o evento “Jeὅuὅ de σἳzἳὄé” ἵom oὅ ἵonἵeitoὅ pὄópὄioὅ deὅte modo de penὅἳὄέ Pἳὄἳ Nascimento,
é possível que a comunidade joanina quisesse expressar a mensagem evangélica num
vocabulário próprio aos gnósticos, mas, se o fez, foi para reforçar diante da gnose as afirmações
de fé como a criação, a redenção, que são obras do mesmo logos (Prólogo). Acrescenta ainda
que a escola joanina insiste na encarnação como realidade histórica e inseparável da pessoa de
Cristo, fazendo destas insistências importantes ferramentas na definição de identidade diante
das teorias gnósticas a respeito de Jesus.
Segundo Elaine Pagels, para a comunidade joanina, era necessário defender-se contra
essas teorias. Por isso se forjavam armas teológicas e se declarava publicamente o surgimento
das linhas da sucessão apostólica, visto que também a autoridade eclesiástica estava ameaçada
e os próprios membros da comunidade propagavam ideias contrárias. Para Pagels, de
determinados gnósticos que se opunham ao desenvolvimento da hierarquia na igreja, não
devemos reduzir o gnosticismo a um movimento político erigido contra esse desenvolvimento.
Os seguidores de Valentino partilhavam uma visão religiosa da natureza de Deus que
consideravam incompatível com a direção emergente na Igreja Católica – e por isso resistiram
57
NASCIMENTO, 2010, p. 45.
31
a ela. As convicções religiosas de Irineu58, ao contrário, coincidiam com a estrutura da igreja
que defendia. 59
Segundo Raymond Brown60, no período que denomina pré-evangelho, não se consegue
encontrar com muita clareza uma aguda luta interna dentro da comunidade joanina, pois suas
lutas eram com pessoas que estavam fora da comunidade. Isso ajuda a explicar o intenso choque
e irritação, que se notam principalmente nas epístolas, quando apareceu finalmente dissensão
interna. Para Brown, esse conflito interno marca o início da terceira fase da comunidade joanina
(por volta do ano 100 d.C.), mais precisamente com a redação das epístolas. O resultado dessas
disputas internas foi um cisma na comunidade, que fica muito claro em 1Jo 2.1961. Contrariando
um pensamento comum de que a comunidade tenha tido uma influência externa, Brown deixa
de lado tal suposição e explica o pensamento separatista62 completamente dentro da estrutura
joanina da seguinte formaμ “ἳmἴἳὅ ἳὅ pἳὄteὅ ἵonheἵiἳm ἳ pὄoἵlἳmἳção do ἵὄiὅtiἳniὅmo ὃue noὅ
foi feitἳ ἳtὄἳvéὅ do QE, mἳὅ ἳ inteὄpὄetἳὄἳm difeὄentemente”63. Brown afirma que os
separatistas criam que a existência humana de Jesus, embora real, não era significativa do ponto
de vista de salvação, ou seja, o que Jesus fez na Palestina não foi verdadeiramente importante
para eles, nem o fato de ter ele morrido na cruz, o que para a comunidade joanina se tornou algo
inconcebível e digno de defesa. Sobre as correntes gnósticas presentes no evento cisma, Brown
acrescenta:
A maior parte da comunidade joanina parece ter aceitado a teologia
separatista a qual, tendo-se apartado dos moderados por meio do cisma,
tendeu para o verdadeiro docetismo (de um Jesus não plenamente
58
59
60
61
62
63
Sabe-se muito pouco sobre a vida de Irineu. Parece que ele nasceu na Ásia Menor – provavelmente em Esmirna
– em aproximadamente em 135 d.C. Ali ele conheceu Policarpo de Esmirna, apesar de ser ainda moço quando
o idoso bispo terminou sua vida como mártir. Mais tarde – provavelmente por volta de 170 d.C. – ele foi para
a Gália e se estabeleceu em Lião, onde havia uma comunidade cristã da qual alguns membros também eram
imigrantes da Ásia Menor. Em 177 d.C., quando ela era um presbítero naquela comunidade, ele foi encarregado
de levar uma carta ao bispo de Roma. Ao retornar de sua missão, foi informado que o bispo de Lião, Potino,
havia sido martirizado, de forma que ele devia sucedê-lo no episcopado. Como bispo de Lião, Irineu liderou a
igreja naquela cidade, evangelizou os celtas que viviam na região, defendeu seu rebanho contra as heresias e
buscou a paz e a unidade da igreja. [...] Quanto à sua morte, é dito que ele morreu como um mártir, embora
nenhum detalhe seja dado. Provavelmente morrera em 202 d.C., quando muitos cristãos foram mortos em Lião.
(Uma das duas obras de Irineu que sobreviveu foi: A Detecção e Refutação da Falsamente Chamada Gnose.)
Cf. GONZALEZ, Justo L. Uma história do pensamento cristão: do início até o Concílio de Calcedônia.
Tradução de Paulo Arantes e Vanuza Helena Freire de Mattos. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 153-154.
PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos [Tradução: Marisa Motta]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006 p. 4851.
BROWN, 1999, p. 58.
1João βέ1λμ “Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos,
teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos
nossos”έ ρρ Cfέ Sociedade Bíblica do Brasil. 2003; 2005. Almeida Revista e Atualizada - Com Números de
Strong. Sociedade Bíblica do Brasil.
Designação utilizada por Raymond Brown a partir da visão do autor do quarto evangelho referente ao grupo
dissidente após o cisma na comunidade.
BROWN, 1999, p. 111.
32
humano a uma mera aparência de humanidade), para o gnosticismo (de
um Jesus preexistente a crentes preexistentes que também tinham vindo
das plagas celestiais), e para o montanismo (de possuir o Paráclito à
encarnação do Paráclito). Eles levaram consigo o quarto evangelho, que
foi aceito primeiro pelos gnósticos, que o comentaram.64
Além destas dissensões envolvidas com o tema da cristologia, Brown destaca algumas
posturas tomadas pelos separatistas, que foram duramente rebatidas pelo evangelista. Dentre as
principais, destacam-se: em primeiro lugar, os adversários reivindicavam uma intimidade com
Deus ao ponto de as pessoas se tornarem perfeitas e sem pecado (1Jo 1.6; 1.8; 1.10; 2.4; 2.6;
2.9; 4.20 etc); em segundo, os adversários não dão muita ênfase em guardar os mandamentos
(1Jo 2.3-4; 3.22-24; 5.2-3); em terceiro, os opositores são vulneráveis no que diz respeito ao
amor fraterno.
Johan Konings analisa a relação da comunidade joanina com a cultura daquele tempo,
em especial a cultura helenista e destaca que João parece não mostrar interesse por essa
ὄeἳlidἳde, pἳὄeἵe ἳnteὅ diὅtἳnte do “mundo”έ Segundo Koningὅ, o QE não deve ὅeὄ ἵonὅideὄἳdo
como um evangelho filosófico, pois sua teologia não se dirige a uma elite filosófica, mas no
sentido de ver em Jesus a manifestação de Deus. Em contraste com o pensamento das lideranças
judἳiἵἳὅ ὃue dἳvἳm muito vἳloὄ ἳo ἵonheἵimento, eὅpeἵiἳlmente ἳo empenho de “peὄὅἵὄutἳὄ ἳὅ
Eὅἵὄituὄἳὅ (δei)”, Koningὅ ἳὄgumentἳ ὃue o Jeὅuὅ joἳnino moὅtὄἳ ὃue o ὃue eὅὅἳὅ lideὄἳnçἳὅ
consideram conhecimento para nada serve se não acreditam nele. Para o autor, o QE enfatiza a
ὄeἳlidἳde de ὃue oὅ ἵὄiὅtãoὅ ἵonheἵem ἳ Deuὅ ὅomente em Jeὅuὅ, poiὅ o “ἵonheἵeὄ”, no QE,
distingue-ὅe ἳὅὅim dἳ ὅἳἴedoὄiἳ doὅ eὅἵὄiἴἳὅ judἳiἵoὅ e dἳ “gnoὅe”, ὃue ὅe eὅpἳlhἳvἳ pelo
Império Romano, acabando por influenciar na dissensão interna na comunidade joanina.65
Pἳὄἳ Koningὅ, o gnoὅtiἵiὅmo, pὄeὅente tἳnto no “Evἳngelho dἳ Veὄdἳde”66 quanto em
outros textos afins, manifesta um saber pseudocrístão prometendo aos iniciados uma vida fora
deὅte “mundo mἳu”έ Eὅὅe gnoὅtiἵiὅmo, ὃue ὅegundo o ἳutoὄ é umἳ inteὄpὄetἳção egoἵêntὄiἵἳ do
saber evangélico proposto por João, é combatido duramente pelo evangelista (cf. Jo 13.34-35;
1Jo 4.20-5.2), visto a gnose se apresentar com um caráter narcisista, fazendo do saber uma
64
65
66
Id., Ibid., p. 175.
KONINGS, 2005, p. 48.
Trata-se de um original que surgiu no Egito no século II, pertencente a Velentim ou a um discípulo próximo
ὃue peὄἳnte umἳ ἳudiênἵiἳ ὄeὅeὄvἳdἳ o ὅentido e ἵonteúdo implíἵito do “evἳngelho”, entendido ἵomo ἳ
proclamação do mistério oculto, Jesus, enquanto revela o Cristo pleromático, e cumpre, assim, a obra de
salvação na intimidade do gnóstico. Em tal sentido a sua colocação no NHC I a seguir ao Apócrifo de Tiago é
coerente e sintomática da vontade organizadora do seu coordenador. Um dos escritos encontrados na Biblioteca
de Nag-Hammadi. >> Cf. PIÑERO, Antonio et al. Evangelhos gnósticos: evangelhos, actos, cartas. [Tradução:
Luís Felipe Sarmento]. 3. ed. Lisboa: Ésquilo, 2006. p. 141.
33
posse e não uma fonte do serviço ao próximo, contrariando a ideia do QE do amor fraterno.
Konings ainda ressalta que o evangelista utiliza o prólogo na defesa da humanidade de Jesus
Cristo, valorizando a encarnação quanto à práxis salvífica. Nas palavras de Konings acerca de
Jo 1.14a:
Tἳmἴém ἳlhuὄeὅ, João inὅiὅte nἳ “vindἳ em ἵἳὄne” de Jeὅuὅ (ἵfέ 1Jo ζέβν
2Jo 7). Podemos ver nas primeiras palavras do v. 14 uma afirmação
provocadora contra os que se acham bem à vontade com a supostamente
intocável posse da luz trazida por Jesus. A esses fiéis que vivem com a
cabeça nas nuvens, embora com os pés na lama, e que só querem saber
da glória (como brilho), João apresenta o paradoxo da encarnação
(desde o nascimento até a cruz), sem o qual a existência cristã não é
autêntica e completa.67
José Bortolini também associa os conflitos internos na comunidade joanina com a
terceira fase na história dessa comunidade. Segundo Bortolini, por volta do ano 100 d.C., os
conflitos externos praticamente desapareceram ou foram colocados em segundo plano, pois o
grande problema estava agora dentro da comunidade. Para o autor, estes conflitos estão
intimamente ligados com a redação das epístolas, e a primeira carta de João refere-se a essa
ὃueἴὄἳ de “utopiἳ” dἳὅ ἵomunidἳdeὅ do Diὅἵípulo Amἳdoμ “Esses Anticristos saíram do meio
de nós, mas não eram dos nossos. Se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco.
Mas era preciso que ficasse claro que nem todos eram dos nossos” (1Jo βέ1λ)έ68 O autor
argumenta que os motivos que levaram à ruptura eram vários e o texto apenas citado dá a
impressão de que, nessa época, tratava-se de um fato consumado, embora a carta continue
falando de tentativas de desencaminhar as pessoas (1Jo 2.26; 3.7)69.
Com referência à influência gnóstica na comunidade joanina, Bortolini caminha no nível
ἵὄiὅtológiἵo, deὅtἳἵἳndo ὃue ἳ ὅegundἳ ἵἳὄtἳ de João ὅe defende ἵontὄἳ “ὅedutoὄeὅ” e
“Antiἵὄiὅtoὅ” ὃue ὅão oὅ “ὃue não ὄeἵonheἵem Jeὅuὅ ἵomo εeὅὅiἳὅ enἵἳὄnἳdo” (βJo ι)70. Sobre
isso, ainda afirma:
Esse tema aparece com força em toda a primeira carta de João (por
exemplo, 2.22-23; 4.2-3). Nega-se a afirmação central do Prólogo e de
todo o Evἳngelho de Joãoμ “A Palavra se fez homem e habitou entre
nós” (1έ1ζἳ)έ Dἳí ἳ inὅiὅtênἵiἳ de 1 João nἳ expeὄiênἵiἳ pἳlpável que os
67
68
69
70
KONINGS, 2005, p. 80.
BORTOLINI, 2001, p. 19.
1Jo βέβθν γέιμ “26Isto que vos acabo de escrever é acerca dos que vos procuram enganar”έ [έέέ] “7Filhinhos,
não vos deixeis enganar por ninguém; aquele que pratica a justiça é justo, assim como ele é justo”έ ρρ Cfέ
Sociedade Bíblica do Brasil. 2003; 2005. Almeida Revista e Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil.
βJo ιμ “Porque muitos enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em
carne; assim é o enganador e o anticristo”έ ρρ Cfέ Sociedade Bíblica do Brasil. 2003; 2005. Almeida Revista
e Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil.
34
primeiros discípulos fizeram de Jesus (1.1-ζ)έ σão ὃue oὅ “Antiἵὄiὅtoὅ”
negassem radicalmente a encarnação de Jesus de Nazaré, mas, levados
pela filosofia grega (gnosticismo), segundo a qual a matéria é
essencialmente má, afirmavam que a divindade jamais poderiam
assumir a carne humana. O que apareceu em Jesus, portanto, segundo
eles, foi uma sombra ou aparência da divindade.71
Analisando a introdução da primeira carta de João (1Jo 1.1-4)72, Bortolini faz uma
aproximação com o Prólogo do QE. Segundo o autor, percebe-se por trás dessa introdução, uma
tentativa de responder em nível cristológico os conflitos apresentados anteriormente, pois os
“Antiἵὄiὅtoὅ” negἳvἳm ἳ enἵἳὄnἳção de Jeὅuὅέ Boὄtolini deὅtἳἵἳ ὃue ἳ ἵἳὄtἳ ἵomeçἳ ἵonvoἵἳndo
os sentidos (audição, visão e tato) para testemunhar Jesus, ou seja, para 1 João, Jesus pôde ser
escutado, visto, contemplado e tocado. Para esse autor, a introdução da carta afirma com força
que a Palavra, desde sempre voltada para o Pai, historicamente encarnou-se em Jesus e se deu
a conhecer à humanidade, sendo a suprema revelação do Evangelho de João e desta carta,
contrariando toda lógica e possibilidade da cultura grega.
Bortolini ainda acrescenta o fato de não haver dentro da comunidade joanina pessoas
revestidas de poder (hierarquia), o que agravou a dissensão interna. Por isso, segundo o autor,
o grupo que permaneceu fiel à proposta do Evangelho de João começou, então, a se aproximar
das comunidades cristãs hierarquizadas, na tentativa de resolver, com poder da autoridade, os
conflitos internos. Conclui então que, por força de autoridade, o grupo que criava confusão
dentὄo dἳὅ ἵomunidἳdeὅ joἳninἳὅ foi ἵἳlἳdo e ἳfἳὅtἳdo, “ὅupeὄἳndo” ἳὅὅim o ἵonflitoν poὄém,
esse grupo se incorporou de vez ao gnosticismo, fazendo uma leitura gnóstica do Evangelho de
João, o que gerou uma desconfiança ainda maior das outras comunidades cristãs em relação ao
quarto evangelho.73
Senen Vidal percebe que a última etapa da história da comunidade joanina (final do séc.
I e início do séc. II) foi especialmente traumática para ela, pois a comunidade teve que continuar
sofrendo com a hostilidade externa, que se intensificava cada vez mais (cf. Jn 15.18-16.15).
Além desses sofrimentos e perigos de morte, essa situação implicava numa séria ameaça de
apostasia (cf. Jn 16; 1Jo 5.14-21). E nesse tempo, segundo Vidal, a hostilidade aumentou por
71
72
73
BORTOLINI, 2001, p. 28.
1Jo 1.1-ζμ “1 O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos,
o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida 2 (e a vida se manifestou, e
nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos
foi manifestada), 3 o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente,
mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. 4 Estas
coisas, pois, vos escrevemos para que a nossa alegria seja completa”έ ρρ Cfέ Sociedade Bíblica do Brasil.
2003; 2005. Almeida Revista e Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil.
BORTOLINI, 2001, p. 28.
35
causa da oposição interna, que se explica pela intensificação de linguagem dualista e o tema do
amor fraterno (cf. Jo 13.34-35), na tentativa de conservação e unidade da comunidade.74
Vidal faz questão de frisar que o cisma foi a crise mais marcante e decisiva na história
dἳ ἵomunidἳde joἳninἳέ τ ἳutoὄ entende ὃue ἳ “demonizἳção” doὅ diὅὅidenteὅ opoὅitoὄeὅ noὅ
escritos de 1 e 2Jo mostram bem a veemência de polêmica e tragédia (cf. 1Jo 2.18). Segundo
Vidἳl, tἳnto o gὄupo “oὄtodoxo” ἵomo o “diὅὅidente heὄétiἵo” ὄeἵoὄὄiἳm à tὄἳdição joἳninἳ, e
que os indícios apontam que os dissidentes extrapolaram os limites do pensamento joanino
clássico e radicalizaram ao extremo a concepção dualista e espiritualista, interpretando assim a
figura de Jesus num sentido doceta75. Sendo assim, o grupo ortodoxo, incentivado pela escola
joanina, teve que matizar sua concepção teológica, recuperando até certo ponto a tradição
judaica antiga e aceitando assim a tradição e concepção de outras comunidades cristãs já em
processo de institucionalização avançado. Nessa perspectiva, Vidal escreve:
τὅ gὄupoὅ joἳninoὅ oὄtodoxoὅ ingὄeὅὅἳὄἳm dentὄo dἳ “gὄἳn igleὅiἳ”76,
levando consigo seus escritos. Foi então que estes escritos adquiriram
grande difusão (Jo era conhecido no Egito já na primeira metade do séc.
II) e chegam a formar parte do NT. Os grupos dissidentes, ao contrário,
foram se diluindo, provavelmente, nos grupos gnósticos,
principalmente no gnosticismo valentiniano (o Evangelho de João era
especialmente estimado dentro deste movimento).77
Segundo Vidal, todo esse contexto de divisão explica em certo nível, a linguagem e
estilo sectário da primeira carta de João, típicos da escola joanina, e por outro lado, suas
numerosas repetições e tensões entre os textos, derivadas de diversos contextos e intenções das
instruções originais e sua sequência solta, sem uma estrutura bem trabalhada. Vidal entende
que como finalidade desses escritos, se destaca a consolidação da comunhão da comunidade
em torno da tradição, e no pano de fundo se descobre a situação aguda da divisão da comunidade
joanina. Portanto, se esclarece a insistência no tema do amor fraterno, pois serve para reforçar
a unidade do grupo que se manteve fiel, e as advertências contra as heresias dos dissidentes.
74
75
76
77
VIDAL, 1997, p. 50. (Tradução minha).
Sobre a polêmica antidocetista, Cἳὅἳlegno eὅἵὄeveμ “σἳ époἵἳ dἳ ἵompoὅição do ὃuἳὄto Evἳngelho tἳmἴém
começam a manifestar-se as correntes docetistas, que pensam que o Filho de Deus, ao vir ao mundo, tenha
tomado um corpo apenas aparente. No Evangelho, os elementos polêmicos a esse respeito são poucos,
enquanto são abundantes nas duas primeiras cartas joaninas, nas quais se afirma que no seio da comunidade
joanina está em curso um autêntico cisma (1Jo βέ1λ) e ὅe inὅiὅte nἳ veὄdἳde de ὃue Cὄiὅto veio “nἳ ἵἳὄne” (ζέβν
5.6; 2Jo 7). É uma resposta a uma falsa compreensão da identidade de Jesus que se destaca no texto o realismo,
seja da encarnação (Jo 1.14), seja da morte de Jesus, dizendo que após o transpassamento da lança jorram de
seu lado sangue e água (19.34-35). À luz de tal problemática também é posto em destaque que a eucaristia é
realmente o corpo e o sangue de Jesus (6.49-ηκ)έ”έ ρρ Cfέ CASAδEἕστ, βίίλ, pέ γλέ (Grifo meu).
Termo utilizado por Vidal ao referir-se às comunidades hierarquizadas e inseridas num processo de
institucionalização avançado.
VIDAL, 1997, p. 50. Tradução minha.
36
Concordando com Vidal, podemos afirmar que o conflito com as correntes gnósticas foi
o mais decisivo e traumático na história da comunidade joanina. Isto talvez por ter acontecido
em nível interno, o que sem dúvida, foi um grande abalo nas estruturas de comunhão do grupo.
Interessante ressaltar que, a partir deste conflito, percebemos uma mudança no estilo literário
do evangelista. O QE, que inicialmente nos apresenta um discurso plural, de inclusão, com um
tom de abertura, dá lugar a uma linguagem sectária, bem fechada, às vezes agressiva e
exclusivista, percebida claramente ao longo das epístolas. Portanto, não nos resta dúvida quanto
ao trauma deixado na história joanina pelo conflito vivido com as correntes gnósticas, o que
colocou à prova até a integridade do QE.
1.3. Projeção para o próximo capítulo
A partir da abordagem realizada nesse capítulo, temos a oportunidade de reconstruir, de
certa forma, o cotidiano da comunidade joanina. Sob a perspectiva da Teoria Literária do QE
e, ainda, a partir do mapeamento dos conflitos enfrentados pela comunidade joanina, temos
acesso a um importante pano de fundo, que certamente lança luz em nossa discussão. Portanto,
a partir do pano de fundo, nosso próximo objeto constitui-se na própria perícope de João 1.114. Sendo assim, o próximo capítulo terá como tarefa uma abordagem exegética de nossa
perícope, na finalidade de levantar as contribuições que esse texto tem a nos oferecer na
valorização da pluralidade dentro do cristianismo.
CAPÍTULO 2
A PERÍCOPE DE JOÃO 1.1-14
Nesse capítulo, nosso objetivo é compreender o impacto que a perícope de João 1.1-14
trouxe sobre a comunidade joanina pós-cisma e sua relação com a realidade plural joanina desse
período. Nessa perspectiva, utilizaremos como método uma abordagem exegética dessa
perícope.78
2.1. Delimitação da perícope
Em nossa perspectiva, a perícope de João 1.1-14 (Prólogo Joanino) forma uma unidade
textual completa e autônoma, com sentido e total coerência, com início e final perfeitamente
identificáveis. Algumas mudanças encontradas no texto nos dão apoio nessa opção de
delimitação:
78
“τὅ diἵionáὄioὅ ἵomumente definem o teὄmo exegese ἵomo “ἵomentáὄio ou diὅὅeὄtἳção pἳὄἳ eὅἵlἳὄeἵimento
ou minuἵioὅἳ inteὄpὄetἳção de um texto ou de umἳ pἳlἳvὄἳ”έ τ teὄmo deὄivἳ-se da palavra grega exegeses, que
tanto pode significar apresentação, descrição ou narração como explicação e interpretação. Quando se fala de
exegese bíblica, entende-se o termo sempre no segundo sentido aludido, ou seja, como
explicação/interpretação. Exegese é, pois, o trabalho de explicação e interpretação de um ou mais textos
bíblicos”έ [έέέ] “A pὄimeiὄἳ tἳὄefἳ dἳ exegeὅe é ἳἵlἳὄἳὄ ἳὅ ὅituἳçõeὅ noὅ textoὅ, ou ὅejἳ, ὄedeὅἵoἴὄiὄ o pἳὅὅado
bíblico de tal forma que o que foi narrado nos textos se torne transparente e compreensível para nós que
vivemos em outra época e em circunstâncias e cultura diferentes; a segunda tarefa, é permitir que possa ser
ouvida a intenção que o texto teve em sua origem; e a terceira tarefa, é verificar em que sentido opções éticas
e doutὄinἳὅ podem ὅeὄ ὄeὅpἳldἳdἳὅ e, poὄtἳnto, ὄeἳfiὄmἳdἳὅ, ou devem ὅeὄ ὄeviὅtἳὅ e ὄelἳtivizἳdἳὅ”έ Cfέ
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. São Leopoldo: Sinodal : São Paulo:
Paulus, 1998. p. 11-13.
38
a) mudança de linguagem: nossa perícope é construída em um estilo literário composto
de poesia e prosa – sofrendo uma quebra de coesão nos vs. 6-8 (sobre João Batista),
sendo retomada logo no v. 9 – com uma característica que abre a possibilidade para um
texto litúrgico ou até mesmo um hino cantado pela comunidade joanina no final do
primeiro século. Porém, percebe-se no versículo 15 uma quebra definitiva na coesão do
texto, pois a partir desse versículo se inaugura um estilo, a narrativa, apresentando ainda
uma fala de João. O v. 16 parece retomar o estilo do prólogo, porém percebe-se a citação
de alguns nomes, como de Moisés e Jesus Cristo, o que não é característico ao longo do
Prólogo. O nome de João aparece no v. 6, mas, em nossa perspectiva, isso é justificável,
e veremos a seguir a justificativa;
b) mudança de assunto: João 1.1-14 tem como principal objetivo a realidade da
encarnação do Logos. Esse assunto perpassa os vs. 1 a 14, saindo da dimensão divina
(junto a Deus) e desaguando na dimensão material (carne se fez). Já no versículo 15,
um novo assunto aparece, que é a realidade do testemunho de João sobre a pessoa de
Jesus, identificada como o Logos. Os vs. 15 a 31 constituem um pequeno bloco textual,
com três momentos distintos, cuja ênfase é o testemunho de João acerca de Jesus.
c) Mudança de personagens: apesar da citação de João no v. 6, o principal personagem
no Prólogo é o Logos. Toda a perícope é desenvolvida em torno da atuação do Logos,
desde o princípio até a realidade da encarnação. Já o v. 15 nos apresenta um novo
personagem, João. Este havia sido citado no v. 6, mas aqui é introduzido de uma maneira
direta e participativa na narrativa que se inicia. Logo em seguida, no v. 19, outros
personagens aparecem e a narrativa se consolida de vez.
Portanto, diante desses indícios, em nossa perspectiva, delimitamos o texto de João 1.114 como uma perícope, ou seja, uma unidade literária autônoma, que será o objeto de nossa
exegese.
2.2. Tradução
2.2.1. O texto grego da perícope de João 1.1-14
1
2
Ἐ ἀ χῇ ἦ ὁ
ὗ
, αὶ ὁ
ἦ ἐ ἀ χῇ π ὸ
ὸ
ἦ π ὸ
έ
ὸ
, αὶ
ὸ ἦ ὁ
έ
39
3
π
4
ἐ αὐ
᾽ αὐ ῦ ἐ
Ἐ
ἐ
8
ὐ ἦ ἐ ῖ
10
11
ἦ
ὸφ
, αὶ ἡ
α
πα ὰ
ὸφ
᾽ α α υ
,
φω
ὰ
αἦ
ὲ
12
, αὶ
α
αὐ
ω
ῦ81, T82
α
α αὐ
ῦ φω
ῃπ ὶ
έ
Ἰω
, απ
ῦ φω
·
π
ω
ωπ , ἐ χ
ὸ
᾽ αὐ ῦ ἐ
, αὶ ὁ
αὐ ὸ
ὐ
α,
ῖ π
ὐ πα
α
αὐ ῖ ἐ υ α
᾽ αὐ ῦέ
έ
αἄ
αὐ ὸ
,
έ
πω ·
ῃπ ὶ
π
ῳ ἦ , αὶ ὁ
79
α αὐ ὸ ὐ α
α α υ
,ἀ
ὐ ὲ
ἀ
α υ α
ὸἀ
ἐ
ὸφ
80
ᾳ φα
ωπ , ἀπ
ὗ
Ἦ
ῇ
ἄ
7
9
, αὶ χω ὶ αὐ ῦ ἐ
ωὴ ἦ , αὶ ἡ ωὴ ἦ
αὶ ὸ φ
5
6
α
έ
ωέ
έ
α
ῦ
υ
ὸ
α αὐ ῦ,
13
ὐ
ἐ
83
ἐ α
α
14
αὶ ὁ
ὡ
84
ω
ὐ ὲἐ
α
α ὸ
ὐ ὲἐ
ω
ἐ ἡ ῖ , αὶ ἐ α
α
ἀ
ὸ ἀ
᾽ἐ
ῦ
.
ὰ
ἐ
ῦ πα ὰ πα
αὶ ἐ
,π
χ
αὶ ἀ
α ὴ
α αὐ ῦ,
α
αέ
2.2.2. Tradução formal da perícope
1
Em princípio era o logos85, e o logos era (estava) junto a Deus, e Deus era o logos.
2
Este era (estava) em princípio junto a Deus.
3
Tudo (todas as coisas) por meio dele veio a ser86, e sem ele veio a ser coisa alguma.87 O que
tem feito
4
79
80
81
82
83
84
85
86
87
nele vida era, e a vida era a luz dos homens (seres humanos);
Em alguns manuscritos aparece em outra forma: ὐ
P66 * D f1 pc; Clex Thd.
Em alguns manuscritos aparece em outra forma:
(pὄeὅente do indiἵἳtivo ἳtivo de
) D it vgmss sa?;
Ir lat
pt
mss
Ptol Ir Cl Or .
Em alguns manuscritos aparece em outra forma: υ υ (Senhor) D*.
T
* D* Ws syc; Irlat.
Em alguns manuscritos aparece em outra forma: υ .
Em alguns manuscritos aparece em outra forma:
- D* ¦ qui non et natus est b; (Tert) ¦ txt P66vid B2 C
c
s
1.13
p.h
75
D L W Ψ f 33 sy (sed
- P A B* Δ Θ pc).
A palavra grega
tem uma gama de significados e representa para nós um desafio na questão da tradução.
Portanto, devido à complexidade linguística e semântica que envolve essa palavra, optamos nessa exegese por
não traduzir a palavra
. Sobre a importância do
e todo o seu significado no meio da Comunidade
Joanina, veremos ao longo da exegese.
Verbo
α empregado no aoristo. Indica ênfase na ação de trazer à existência.
Questão de grande polêmica é a posição desse ponto final. Algumas versões trazem a expressão
como
parte final da frase anterior e não parte inicial da frase seguinte. Discutiremos isso ao longo da exegese.
40
5
e a luz na escuridão (trevas) brilha, e a escuridão não subjugou.88
6
Veio a ser homem, enviado da parte de Deus, nome dele João89;
7
este veio para testemunho, para que testemunhasse a respeito da luz, para que todos cressem
por meio dele.
8
Não era aquele a luz, mas para que testemunhasse a respeito da luz.90
9
Era a luz verdadeira, que ilumina todo homem, vindo para o mundo.
10
Em o mundo era (estava), e o mundo por meio dele veio a ser, e o mundo 91 a ele não
conheceu92.
11
Para os seus próprios veio, e os seus próprios a ele não receberam
12
Quantos porém receberam ele, deu a eles direito (autoridade) filhos de Deus vir a ser, os que
creem em o nome dele.
13
Os quais não de sangue nem de vontade de carne nem de vontade de homem mas de Deus
foram gerados.93
14
E o logos carne veio a ser94 e acampou95 (fez a tenda) entre nós, e contemplamos a glória
dele, glória como unigênito96 da parte do Pai, pleno de graça e verdade.
2.3. Análise Linguístico-Sintática
Como primeiro passo nessa etapa, temos a tarefa de constatar as amarras do texto. Para
isso utilizaremos como ferramenta verificação das palavras e expressões que mais se repetem
ao longo da perícope:
88
89
90
91
92
93
94
95
96
Percebe-se no v. 5 a presença de uma linguagem dualista (luz e trevas), estilo muito comum no Evangelho de
João.
Por que cita-se o nome de João e o nome do
não é citado (v. 12)? Teria isso alguma relação com a
tradição do Êxodo do nome impronunciável de Javé?
Os vs. 6-8 parecem quebrar a coesão do texto. Podem ter sido inseridos posteriormente. Seriam esses versículos
indícios do conflito da Comunidade Joanina com os discípulos de João Batista?
σoὅ vὅέ λ e 1ί (“miolo” de noὅὅo ὃuiἳὅmo), ἳ pἳlἳvὄἳ
aparece quatro vezes. Em nossa perspectiva,
indica ênfase.
ω: verbo característico em João – utilizado aqui no aoristo (ênfase). Estaria esse verbo, empregado aqui,
relacionado com o conflito joanino com as correntes gnósticas? Em nossa perspectiva, sim.
Sangue; vontade da carne; vontade de homem: seriam esses elementos indícios do conflito entre a comunidade
e “oὅ judeuὅ” em toὄno dἳ tradição: genealogia, Lei e Religião?
Καὶ ὁ
ὰρ ἐγέ ε (verbo empregado no aoristo: indica ênfase na ação em se fazer carne) – esta talvez
seja a maior polêmica enfrentada pela Comunidade Joanina ao longo de sua história: a encarnação do logos.
ἐ
ω . Verbo
ω empregado aqui no aoristo. Teria esse verbo alguma ligação com a tradição do
êxodo? A tradição do Tabernáculo? Acreditamos que sim.
Jesus aqui é apresentado como
ῦ πα ὰ πα
, porém o v. 12 diz que todos que o receberem será
feito filho de Deus: ω
αὐ ῖ ἐ υ α
α
ῦ
α . Por que Jesus é apresentado como unigênito
se Deus tem mais filhos?
41
2.3.1. Repetitividade
Ἐ ἀ χῇ ἦ ὁ
,
3
π ὸ ὸ
έ π α
ωὴ ἦ , αὶ ἡ ωὴ ἦ
αὐ ὸ ὐ α α έ
Ἰω
·7 ὗ
ἦ
8
᾽ αὐ ῦέ ὐ ἦ ἐ
ἀ
, φω
π
᾽ αὐ ῦ ἐ
ὐ πα α έ 12
π
υ
ὸ
α
ἀ ὸ ἀ
ἡ ῖ , αὶ ἐ α
α
αὶ ἀ
αέ
1
αὶ ὁ
ἦ π ὸ ὸ
, αὶ ὸ ἦ ὁ
.2 ὗ
ἦ ἐ ἀ χῇ
4 ἐ αὐ
᾽ αὐ ῦ ἐ
, αὶ χω ὶ αὐ ῦ ἐ
ὐ ὲ έ
5
ὸφ
ἀ
πω · αὶ ὸ φ ἐ ῇ
ᾳ φα , αὶ ἡ
α
6 Ἐ
ἄ ωπ , ἀπ α
πα ὰ
ῦ,
α αὐ
α υ α α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω , α π
π
ω
9
ῖ
ὸφ ,ἀ ᾽ α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω . Ἦ ὸ φ
ὸ
α ἄ ωπ , ἐ χ
ὸ
. 10 ἐ
ῳ ἦ , αὶ ὁ
, αὶ ὁ
αὐ ὸ ὐ
ωέ 11
ὰ αἦ
, αὶ
αὐ ὸ
ὲ α
αὐ , ω
αὐ ῖ ἐ υ α
α
ῦ
α, ῖ
α αὐ ῦ, 13
ὐ ἐ α
ω ὐ ὲἐ
α
α ὸ ὐ ὲἐ
᾽ἐ
ῦἐ
α έ 14 αὶ ὁ
ὰ ἐ
αὶ ἐ
ω
ἐ
ὴ
α αὐ ῦ,
α ὡ
ῦ πα ὰ πα
,π
χ
Ἐ ἀ χῇ ἦ ὁ
, αὶ ὁ
ἦ
3
π ὸ ὸ
έ π α ᾽ αὐ ῦ ἐ
αὐ
ωὴ ἦ , αὶ ἡ ωὴ ἦ ὸ φ
α αὐ ὸ ὐ α α έ 6 Ἐ
Ἰω
·7 ὗ
ἦ
α υ α
8
᾽ αὐ ῦέ
ὐ ἦ ἐ ῖ
ὸφ ,
ἀ
, φω
π α ἄ ωπ
᾽ αὐ ῦ ἐ
, αὶ ὁ
12
ὐ πα α έ
ὲ α
αὐ
π
υ
ὸ
α αὐ ῦ, 13
α
ἀ ὸ ἀ ᾽ἐ
ῦἐ
ἡ ῖ , αὶ ἐ α
α ὴ
α αὐ
αὶ ἀ
αέ
1
ὸ
, αὶ ὸ ἦ ὁ
.2 ὗ
ἦ ἐ ἀ χῇ
4 ἐ
, αὶ χω ὶ αὐ ῦ ἐ
ὐ ὲ έ
5
ἀ
πω · αὶ ὸ φ ἐ ῇ
ᾳ φα , αὶ ἡ
ἄ ωπ , ἀπ α
πα ὰ
ῦ,
α αὐ
α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω , α π
π
ω
9
ἀ ᾽ α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω έ Ἦ ὸ φ
ὸ
,ἐ χ
ὸ
έ 10 ἐ
ῳ ἦ , αὶ ὁ
αὐ ὸ ὐ
ωέ 11
ὰ αἦ
, αὶ
αὐ ὸ
, ω
αὐ ῖ ἐ υ α
α
ῦ
α, ῖ
ὐ ἐ α
ω ὐ ὲἐ
α
α ὸ ὐ ὲἐ
α έ 14 αὶ ὁ
ὰ ἐ
αὶ ἐ
ω
ἐ
ῦ,
α ὡ
ῦ πα ὰ πα
,π
χ
π ὸ
Ἐ ἀ χῇ ἦ ὁ
, αὶ ὁ
ἦ π ὸ ὸ
, αὶ ὸ ἦ ὁ
.2 ὗ
ἦ ἐ ἀ χῇ
3
4 ἐ αὐ
π ὸ ὸ
έ π α ᾽ αὐ ῦ ἐ
, αὶ χω ὶ αὐ ῦ ἐ
ὐ ὲ έ
5
ωὴ ἦ , αὶ ἡ ωὴ ἦ ὸ φ
ἀ
πω · αὶ ὸ φ ἐ ῇ
ᾳ φα , αὶ ἡ
α
6
αὐ ὸ ὐ α α έ
Ἐ
ἄ ωπ , ἀπ α
πα ὰ
ῦ,
α αὐ
Ἰω
·7 ὗ
ἦ
α υ α α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω , α π
π
ω
8
9
᾽ αὐ ῦέ ὐ ἦ ἐ ῖ
ὸφ ,ἀ ᾽ α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω έ Ἦ ὸ φ
ὸ
ἀ
, φω
π α ἄ ωπ , ἐ χ
ἰ ὸ
. 10 ἐ
ῳ ἦ , αὶ ὁ
᾽ αὐ ῦ ἐ
, αὶ ὁ
αὐ ὸ ὐ ἔ ω. 11
ὰ αἦ
, αὶ
αὐ ὸ
12
ὐ πα α .
ὲἔ α
αὐ , ω
αὐ ῖ ἐ υ α
α
ῦ
α, ῖ
π
υ
ὸ
α αὐ ῦ, 13
ὐ ἐ α
ω ὐ ὲἐ
α
α ὸ ὐ ὲἐ
α
ἀ ὸ ἀ ᾽ἐ
ῦἐ
α έ 14 αὶ ὁ
ὰ ἐ
αὶ ἐ
ω
ἐ
ἡ ῖ , αὶ ἐ α
α ὴ
α αὐ ῦ,
α ὡ
ῦ πα ὰ πα
,π
χ
αὶ ἀ
αέ
1
Como percebemos, ἳ “ἳmἳὄὄἳção” do Pὄólogo é ἴem ἵomplexἳ, poiὅ ἵompὄeende
diversas palavras e expressões que são destacadas ao longo de toda a perícope. Sem contar
42
ainda com a presença de algumas palavras e expressões que aparecem uma única vez, porém,
são carregadas com grande expressão teológica em toda obra joanina. Por exemplo:
πα
α
,
α
α
,
ῦ, ἐ
ω
ω,
ἐ ἡ ῖ etc. Portanto, notamos a complexidade das
amarrações estabelecidas pelo redator, pois, essas “amarrações liteὄáὄiἳὅ” extrapolam o padrão
das repetições, característico no grego (Koinê) para ênfase.
2.3.2. Ênfases a partir dos verbos
Ao longo de toda perícope percebemos a presença de alguns verbos marcantes e
determinantes em toda obra joanina. Interessante observar o tempo verbal empregado a esses
verbos, atentando ainda para suas variações e combinações, pois, em nossa perspectiva, têm um
caráter enfático. Em nossa perspectiva, o Prólogo tem no seu corpo uma grande intenção
enfática, pois a maioria de seus verbos são empregados no tempo aoristo.
A partir das repetições, dois verbos se destacam ao longo da perícope:
(ser, estar) e
α (vir a ser, vir à existência). Em nossa perspectiva, esses verbos, associados a alguns
outros que veremos abaixo, são determinantes em toda organização e construção teológica da
perícope.
O verbo
(ser, estar) aparece nove vezes no texto. E curioso observar que em todas
as vezes, com a mesma classificação morfológica: verbo no indicativo, imperfeito, voz não
declarada, 3ª. pessoa do singular. Esse verbo aparece associado ao
( αὶ
defender a divindade do
ἀ χῇ ἦ ὁ
ὸ ἦ ὁ
, na função de
), além de afirmar a sua pré-existência (Ἐ
).
α sofre uma variação curiosa. Este aparece seis vezes no texto, sendo
Já o verbo
cinco vezes no aoristo, e uma única vez no perfeito. Isso pra nós indica uma ênfase do redator,
devido ao contexto da utilização. O tempo aoristo tem uma característica enfática, portanto, o
verbo
(π
α
α tem a função de destacar a dependência de todas as coisas em relação ao
᾽ αὐ ῦ ἐ
[4] ἐ αὐ
). Porém, uma única utilização ressalta aos nossos olhos:
ωὴ ἦ . Aὃui, o veὄἴo ἳpἳὄeἵe no peὄfeitoέ Indiἵἳ ὃue “tudo ὃue veio ἳ ὅeὄ
e ἵontinuἳ ὅendo nele, poὅὅui vidἳ”, ou ὅejἳ, o ὃue deteὄminἳ vidἳ é o fἳto de ὅe exiὅtiὄ no
,
e não independente dele97. Outra ênfase importante acontece no versículo 14, quando se destaca
a encarnação do
( αὶ ὁ
ὰ
ἐ
).
Alguns outros verbos também se destacam no texto:
97
Percebemos aqui um diálogo com o Gênesis – na perspectiva do pecado de Adão e Eva (o desejo de existirem
por si mesmos). Veremos a seguir.
43
Έ χ
α (ἦ
( ὗ
testemunho do
ὅeuὅ” (
ὰ
): aparece no aoristo, e enfatiza a função de João Batista como
αἦ
ω(
ἦ
α υ α )ν e tἳmἴém ἳ ἳtitude de Jeὅuὅ entὄegἳ “ἳoὅ
).
ω) e πα α α
ω (πα
rejeição sofrida por Jesus pelo
α
): associados à partícula ὐ enfatizam a
ἴ
(mundo) e
(os seus). Quanto ao
ω
percebemos um indício de conflito com os de correntes gnósticas98.
πα α α
α
ω (πα
)e α
ω( α
): ambos os verbos são traduzidos por
receber, porém, o acréscimo da preposição πα α reforça o sentido do verbo, dando um caráter
de receber como presente, acolher com carinho e valorização. Já o verbo α
ω é um receber
simples, com pouca ênfase e sem muita exigência.
ω (ἐ
α ): esse verbo, que aparece também no aoristo vem enfatizar que
os que cressem no nome do
seriam nascidos de Deus, não de sangue, vontade da carne
ou vontade de homem.
ω (ἐ
ω
) e
α (ἐ α
α): a associação desses verbos, que são
tὄἳduzidoὅ ἵomo “fἳzeὄ ἳ tendἳ, ἳἵἳmpἳὄ” e “ἵomtemplἳὄ”, ὄemontἳ ἳ tὄἳdição do deὅeὄto, ἳ
religião do Êxodo, numa releitura do sacerdócio, com grande ênfase, pois são empregados no
aoristo.
2.4. Análise Semântica
A partir das informações colhidas na seção anterior, se torna necessário a reunião dessas
palavras, expressões, verbos etc., na tentativa de estabelecimento campos semânticos, a fim de
facilitar a compreensão mensagem do redator para seus leitores. Portanto, abaixo segue um
quadro com a associação dessas palavras e expressões:
Inventário
Palavras/Expressões
Campo Semântico
Ἐ ἀ χῇ
π
1
α
ὁ
᾽ αὐ ῦ ἐ
᾽ αὐ ῦ ἐ
Linguagem do Gênesis (Criação)
ωὴ
π
98
α
Sobre o conflito com as correntes gnósticas, conferir o tópico As correntes gnósticas.
44
φ
ᾳ
/
ὰ
φ
ἐ
ᾳ
/
φα
ὐ
ω
ἐ χ
ὸ
Conflito com as correntes
2
α
ῦ
π
υ
α
gnósticas
α
ὸ
α αὐ ῦ
ω / α ὸ /ἀ
ἐ
ῦἐ
ἀ
ὸ
α
α
/ἀ
ῦ
ἄ
ωπ
ἀπ
α
α αὐ
3
ὗ
ἦ
ω
ἐ α
ὸφ
ἐ ἡ ῖ
α ὴ
α αὐ
4
ῖ π
João Batista
α υ α
ὐ ἦ ἐ ῖ
ἐ
Conflitos com os seguidores de
Ἰω
α αὐ ῦ
Ἰω
υ
ὸ
α αὐ ῦ
Releitura de Êxodo (Projeto do
deserto)
ὸ ἦ ὁ
Como podemos perceber, encontramos pelo menos quatro campos semânticos ao longo de
nossa perícope, que se tornam essenciais em nossa compreensão. Vejamos um pouco de cada
um deles:
1)
Linguagem de Gênesis (Criação): encontramos alguns indícios que atestam
que o Prólogo joanino dialoga com a tradição do Pentateuco, em especial com
a Criação. A expressão chave dessa afirmação é Ἐ ἀ χῇ, encontrada duas
vezes no versículo 1. Essa é a expressão grega que encontramos em Gn 1.1,
45
na tradução dos Setenta99. Além disso, o
aparece como agente criador,
deixando todas as coisas dependentes a ele, além da permanência nele ser um
fator essencial para a continuidade da vida. Outra característica desse campo
semântico é o dualismo presente entre luz e trevas, característico em Gn 1;
2)
Conflitos com as correntes gnósticas: evidente aqui é a presença incômoda
da influência gnóstica.100 A comunidade joanina estava assombrada por esta
corrente, o que desencadeou um sério conflito dentro da comunidade, por isso
a comunidade se lança no desafio de combater esse problema através de um
vocabulário próprio, enfatizando principalmente que Jesus era o
ainda, o
que se fez carne (
ὰ
ἐ
, e
). Palavras e verbos
ajudam a destacar esse conflito, pois apresentam temas importantes do
gnosticismo, como luz, verdade, gnose, escuridão, mundo, filhos de Deus etc;
3)
Conflitos com os seguidores de João Batista: Semelhante ao anterior, esse
campo semântico também consiste em um conflito: com os seguidores de João
Batista. A comunidade joanina estava empenhada numa disputa com os
seguidores de João Batista que rejeitavam Jesus e afirmavam que seu mestre
era o Messias ou pelo menos o enviado de Deus. Por esta razão, o QE sai a
campo para obviar a essa interpretação errônea e ao enaltecimento exagerado
da figura de João Batista. Portanto, percebemos no Prólogo algumas
evidências dessa defesa: João veio para testemunho e não era a luz, mas
apenas para testemunhar sobre essa luz;
4)
Releitura de Êxodo (Projeto do deserto): como dissemos acima, o Prólogo
dialoga com o Pentateuco, e aqui percebe-se o desenvolvimento de um campo
semântico que abarca os sentidos do Êxodo, ou seja, do projeto para o povo
de Deus no deserto, a partir de uma releitura. Portanto, o
(Jesus) aparece
como o Javé do êxodo, isso devido àlgumas evidências: o
não tem nome
( ῖ π
99
100
υ
ὸ
α αὐ ῦ) – em contrapartida, cita-se o nome de
ἕêneὅiὅ 1έ1 (Septuἳgintἳ)μ “Ἐ ἀρχῃ̂ ἐπ
ὁ ὸ ὸ ὐ α ὸ αὶ ὴ
̂ [έέέ]”έ >> Cf. Septuaginta. 1979;
Published in electronic form by Logos Research Systems, 1996 (electronic ed.). Deutsche Bibelgesellschaft:
Stuttgart.
“ἕnoὅtiἵiὅmo é ἳ viὅão de mundo ἴἳὅeἳdἳ nἳ expeὄiênἵiἳ de Gnose, que tem por origem etimológica o termo
grego gnosis, que significa "conhecimento". Mas não um conhecimento racional, científico, filosófico, teórico
e empírico (a "episteme" dos gregos), mas de caráter intuitivo e transcendental; Sabedoria. É usada para
designar um conhecimento profundo e superior do mundo e do homem, que dá sentido à vida humana, que a
torna plena de significado porque permite o encontro do homem com sua essência eterna, centelha divina,
maravilhosa e crística, pela via do coração. É uma realidade vivente sempre ativa, que apenas é compreendida
quando experimentada e vivenciada. Assim sendo jamais pode ser assimilada de forma abstrata, intelectual e
diὅἵuὄὅivἳ”έ ρρ Cfέ σASCIεEσTτ, βί1ί, pέ ζηέ
46
João, pois é menor que Jesus (
α αὐ
Ἰω
); arma sua tenda no meio
do povo, o que remonta a ideia de um Deus que caminha junto ao povo ( αὶ
ἐ
ω
ἐ ἡ ῖ ); e o tabernáculo aparece numa releitura acerca do
sacerdócio – enquanto no Êxodo somente Moisés contemplava a glória de
Deus, aqui isso se estende a todo que crer no nome do
ὴ
( αὶ ἐ α
α
α αὐ ῦ).
2.5. Análise Literária
2.5.1. Estrutura da perícope
O Prólogo se apresenta como um grande desafio na questão de estrutura literária. Isso
porque a maioria dos pesquisadores o tem estudado a partir de uma delimitação diferente, sendo
1.1-18, propondo assim um quiasmo. Como, porém, arrisquei-me em uma nova delimitação,
1.1-14, terei um grande desafio nessa questão estrutural. Em nossa perspectiva, o Prólogo se
constitui de um entrelaçar de prosa e poesia, sendo em sua forma primitiva um hino cristológico
utilizado nas celebrações para o fortalecimento de fé dos joaninos. Portanto, percebemos que o
redator organiza a perícope em pequenos blocos literários, a partir de paralelismos
culminativos101, provocando em alguns momentos, de forma intencional, quebras de coesão a
partir da inserção de algumas informações, o que sem dúvida, se caracterizam como ênfase102.
Propomos então uma estrutura literária subdividida em pequenos blocos, organizados
em forma de paralelismo culminativo, ligando-ὅe unὅ ἳoὅ outὄoὅ ἳtὄἳvéὅ de “gἳnἵhoὅ”
apresentados no clímax final de cada bloco. Por exemplo:
9
Ἦ
ὸφ
ὸἀ
φω
π
ἐ χ
αἄ
,
ωπ ,
ὸ
.
10
101
102
ἐ
αὶ ὁ
ῳἦ ,
αὶ ὁ
᾽ αὐ ῦ ἐ
αὐ ὸ
ὐ
,
ωέ
Paralelismo culminativo: “Umἳ vἳὄiἳnte do pἳὄἳleliὅmo ὅintétiἵo (ἳpὄeὅentἳ nἳ ὅegundἳ linhἳ, umἳ
continuação da ideia da primeira linha, acrescentando-lhe novos aspectos ou explicações) é o paralelismo
gradual ou cumulativo, também denominado paralelismo culminativo ou ascendente. Este se caracteriza por
desenvolver gradualmente um pensamento em linhas sucessivas, até chegar a um clímax (daí o nome
“ἵulminἳtivo”)”έ ρρ Cfέ WEἕσER, Uve. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. 3. ed. São
Leopoldo: Sinodal. São Paulo: Paulus, 2002. p. 91-92.
Sobre essas quebras de coesão que se constituem como ênfases, veremos a seguir.
47
Nesse caso, no primeiro bloco atinge o clímax quando menciona a vinda do
o
para
, abrindo um novo tema, conectando-se no próximo bloco literário, como podemos
ver acima. Portanto, segue abaixo nossa a diagramação de nossa perícope a partir dessa
proposta, observando e destacando as quebras de coesão proporcionadas pelo redator.
2.5.2. Diagramação da perícope
1
Ἐ ἀ χῇ ἦ ὁ
αὶ ὁ
ὗ
2
,
ἦ π ὸ ὸ
αὶ ὸ ἦ ὁ
έ
,
ἦ ἐ ἀ χῇ π ὸ ὸ
έπ α ᾽ αὐ ῦ ἐ
,
αὶ χω ὶ αὐ ῦ ἐ
3
ἐ αὐ
ωὴ ἦ ,
αὶ ἡ ωὴ ἦ ὸ φ
5 αὶ ὸ φ
ἐ
ὐ ὲ
έ
πω ·
ᾳ φα
,
4
ῇ
ἀ
αὶ ἡ
6
Ἐ
7
9
Ἦ
10
11
ἄ
ὗ
αὶ ὁ
ὰ
αὶ
αἄ
ῳἦ ,
αἦ
,
ωπ ,
ὸ
᾽ αὐ ῦ ἐ
αὐ ὸ
αὶ ὁ
12
έ
έ
ὐ
,
ὐ ἐ α
ὐ ὲἐ
ωέ
,
αὐ ὸ ὐ πα α έ
ὲ α
αὐ ,
ω
αὐ ῖ ἐ υ α
ῖ π
13
α
ωπ , ἀπ α
πα ὰ
ῦ,
α αὐ Ἰω
·
ἦ
α υ α
α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω ,
απ
π
ω
᾽ αὐ ῦέ 8 ὐ ἦ ἐ ῖ
α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω έ
ὸφ
ὸἀ
φω
π
ἐ χ
ἐ
α αὐ ὸ ὐ α
ω
ὐ ὲἐ
α
ἀ
α ὸ
α
ἀ ὸ
᾽ἐ
ῦἐ
α
υ
ὸ
α έ
ῦ
α,
α αὐ ῦ,
ὸφ
,ἀ
᾽
48
αὶ ὁ
14
ὰ ἐ
ω
ἐ ἡ ῖ ,
αὶ ἐ α
α ὴ
α ὡ
π
αὶ ἐ
α αὐ ῦ,
ῦ πα ὰ πα
χ
αὶ ἀ
,
αέ
Estruturamos nossa perícope na forma explicada acima. Portanto,, como dito
ἳnteὄioὄmente, ὅegue um entὄelἳçἳὄ de “veὄὅoὅ”, ligἳdoὅ temἳtiἵἳmente em tὄêὅ ἳ tὄêὅ, ἵom
algumas quebras intencionais por parte do redator, sem contar com dois acréscimos de blocos,
que parece desentoar fora das características do Prólogo. Veremos isso a seguir.
2.5.3. Integridade e Coesão
Segue abaixo novamente a diagramação da perícope, porém, destacando as quebras de
coesão e, em nossa perspectiva, possíveis acréscimos da comunidade:
1
Ἐ ἀ χῇ ἦ ὁ
αὶ ὁ
ὗ
2
,
αὶ
ἦ π ὸ ὸ
ὸ ἦ ὁ
έ
,
ἦ ἐ ἀ χῇ π ὸ ὸ
έπ α ᾽ αὐ ῦ ἐ
,
αὶ χω ὶ αὐ ῦ ἐ
3
ἐ αὐ
ωὴ ἦ ,
αὶ ἡ ωὴ ἦ ὸ φ
5 αὶ ὸ φ
ἐ
ὐ ὲ
έ
πω ·
ᾳ φα
,
4
ῇ
ἀ
αὶ ἡ
6
Ἐ
7
9
Ἦ
10
ἐ
ἄ
ὗ
ωπ , ἀπ α
ἦ
ἰ α υ
ἵ α α υ
ῃπ
ἵ απ
ἵ α
ὸφ
ὸἀ
φω
π
ἐ χ
αὶ ὁ
ῳἦ ,
αὶ ὁ
αἄ
,
α αὐ ὸ ὐ α
πα ὰ
α
ὶ
π
α
α αὐ
έ
Ἰω
ῦ φω ,
ω
᾽ αὐ ῦέ 8 ὐ ἦ ἐ ῖ
υ
ῃ π ὶ ῦ φω έ
ωπ ,
ὸ
᾽ αὐ ῦ ἐ
αὐ ὸ
ῦ, ὄ
α
έ
ὐ
,
ωέ
·
ὸφ
,ἀ
᾽
49
ὰ
11
αὶ
αἦ
,
αὐ ὸ ὐ πα α έ
ὲ α
αὐ ,
ω
αὐ ῖ ἐ υ α
12
ῖ π
ὐ ἐ α
ὐ ὲἐ
13
14
Καὶ ὁ
ω
ὐ ὲἐ
α
υ
ὰ ἐ
ω
ἐ ἡ ῖ ,
αὶ ἐ α
α ὴ
α ὡ
π
αὶ ἐ
ἰ
α ὸ
α
ἀ ὸ
᾽ἐ
ῦἐ
ἀ
α
ὸὄ
ῦ
α,
α αὐ ῦ,
α έ
α αὐ ῦ,
ῦ πα ὰ πα
χ
αὶ ἀ
,
α έ
Como já dissemos, percebemos no texto algumas quebras, intencionais, que podem não
fazer parte do texto original circulante no seio da comunidade, mas que ao ser anexado no QE,
na terceira fase, sofreu algumas alterações a fim de complementar a mensagem e reforçar a
catequese do grupo. Portanto, o texto que circulava na comunidade joanina seria um texto mais
simples e mais organizado, como propomos abaixo:
1
Ἐ ἀ χῇ ἦ ὁ
αὶ ὁ
ὗ
2
,
ἦ π ὸ ὸ
αὶ ὸ ἦ ὁ
έ
,
ἦ ἐ ἀ χῇ π ὸ ὸ
έ
π α ᾽ αὐ ῦ ἐ
,
αὶ χω ὶ αὐ ῦ ἐ
3
ἐ αὐ
αὶ ἡ ωὴ ἦ ὸ φ
5 αὶ ὸ φ
4
9
Ἦ
10
ἐ
ὸφ
ὸἀ
φω
π
ἐ χ
αὶ ὁ
ῳἦ ,
αὶ ὁ
αἄ
,
ὐ ὲ
έ
ωὴ ἦ ,
ἀ
ἐ ῇ
πω ·
ᾳ φα
,
ωπ ,
ὸ
έ
᾽ αὐ ῦ ἐ
αὐ ὸ
ὐ
,
ωέ
50
11
ὰ
αὶ
αἦ
12
13
ὐ ἐ α
ὐ ὲἐ
,
αὐ ὸ ὐ πα α έ
ὲ α
αὐ ,
ω
αὐ ῖ ἐ υ α
ω
ὐ ὲἐ
α
ἀ
α ὸ
α
ἀ ὸ
᾽ἐ
ῦἐ
α
ῦ
α,
α έ
2.5.3.1. Uma análise rápida
1) Então, a primeira quebra de coesão do texto acontece no final do versículo 5:
ἐ αὐ
ωὴ ἦ ,
αὶ ἡ ωὴ ἦ ὸ φ
5 αὶ ὸ φ
ἐ
4
ῇ
ἀ
αὶ ἡ
πω ·
ᾳ φα
,
α αὐ ὸ ὐ α
τ “gἳnἵho” do último ἴloἵo vem do veὄἴo
α
έ
α , abrindo um novo tema, sobre a luz,
e em seguida, finalizando a temática do bloco. Porém, aparece outro verso, isolado e sem
relação com o próximo (v. 9), sendo então, um reforço do redator para o bloco anterior.
2) a segunda quebra acontece com a inserção de um bloco inteiro (vs. 6-8) e autônomo,
sem ligação direta com os outros, mas aproveitando um tema comum – a luz:
6
Ἐ
7
ἄ
ὗ
ωπ , ἀπ α
ἦ
ἰ α υ
ἵ α α υ
ῃπ
ἵ απ
ἵ α
α
ὶ
π
α
πα ὰ
ῦ, ὄ
α αὐ
Ἰω
ῦ φω ,
ω
᾽ αὐ ῦέ 8 ὐ ἦ ἐ ῖ
υ
ῃ π ὶ ῦ φω έ
·
ὸφ
,ἀ
᾽
Aqui a memória de João Batista é evocada. Entrando a partir do tema da luz, o redator
parece ter introduzido esse relato na dimensão dos conflitos da comunidade joanina com os
seguidores de João Batista. Em nossa perspectiva, esse bloco pertence a uma fonte própria de
ditos obre João, inserida aqui para esclarecimento e fortalecimento de identidade do grupo.
51
3) A terceira quebra acontece no final do versículo 12:
11
ὰ
αὶ
αἦ
12
,
αὐ ὸ ὐ πα α έ
ὲ α
αὐ ,
ω
αὐ ῖ ἐ υ α
ῖ π
υ
α
ἰ
ὸὄ
ῦ
α,
α αὐ ῦ,
O tema segue sobre a vinda do logos ao mundo e depois para os seus, e sobre sua rejeição
e aceitação, o que garante o direito de se tornar filho de Deus. Aqui inaugura uma organização
diferente, não mais em três versos, mas quatro, e, no final desse bloco, o redator novamente
quebra a coesão do texto inserindo um verso isolado, com caráter enfático, tornando
indispensável a figura do logos. Percebemos um conflito com os de pensamentos gnósticos.
4) A quarta e última quebra acontece com a inserção do versículo 14:
14
Καὶ ὁ
αὶ ἐ
ὰ ἐ
ω
ἐ ἡ ῖ ,
αὶ ἐ α
α ὴ
α ὡ
π
α αὐ ῦ,
ῦ πα ὰ πα
χ
αὶ ἀ
,
α έ
Em nossa perspectiva, a forma primária do texto terminaria no versículo 13. Porém, no
auge do conflito com as correntes gnósticas, o redator insere esse versículo, na tentativa de
reforçar a fé da comunidade, combatendo todo pensamento contrário à encarnação de Jesus,
evocando e relendo a tradição do Êxodo, identificando Jesus como o logos encarnado, e ainda,
como o Javé que acampa no meio do seu povo – um Deus de perto.
2.6. Análise da Redação
Falar das fontes do QE é um grande desafio, visto ser um evangelho que foge de todas
as características dos sinóticos. Diversos pesquisadores têm ao longo dos anos levantado
diversas hipóteses sobre as fontes joaninas. Para isso, nos apoiaremos em uma teoria literária
própria para essa discussão.
52
2.6.1. O uso de Fontes
Segue abaixo um quadro comparativo com as possíveis fontes utilizadas na formação
final do Prólogo joanino. Ressaltamos o caráter desafiador em tentar descobrir e analisar as
fontes do QE:
Tradução formal
1
Em princípio era o
Primeira Fonte
1
logos, e o logos era
(estava) junto a Deus, e
(estava) junto a Deus, e
Deus era o logos.
Deus era o logos.
2
2
Batista
do redator
Este era (estava) em
princípio junto a Deus.
princípio junto a Deus.
3
3
Tudo (todas as coisas)
Fonte própria
Em princípio era o
logos, e o logos era
Este era (estava) em
Fonte sobre João
Tudo (todas as coisas)
por meio dele veio a ser,
por meio dele veio a
e sem ele veio a ser
ser, e sem ele veio a ser
coisa alguma. O que tem coisa alguma. O que
feito
tem feito
4
4
nele vida era, e a vida
nele vida era, e a vida
era a luz dos homens
era a luz dos homens
(seres humanos);
(seres humanos);
5
5
e a luz na escuridão
(trevas) brilha, e a
e a luz na escuridão
e a escuridão não
(trevas) brilha.
subjugou.
escuridão não subjugou.
6
Veio a ser homem,
6
Veio a ser homem,
enviado da parte de
enviado da parte de
Deus, nome dele João;
Deus, nome dele João;
7
7
este veio para
este veio para
testemunho, para que
testemunho, para que
testemunhasse a respeito
testemunhasse a respeito
da luz, para que todos
da luz, para que todos
cressem por meio dele.
cressem por meio dele.
8
8
Não era aquele a luz,
mas para que
Não era aquele a luz,
mas para que
53
testemunhasse a respeito
testemunhasse a respeito
da luz.
da luz.
9
Era a luz verdadeira,
9
Era a luz verdadeira,
que ilumina todo
que ilumina todo
homem, vindo para o
homem, vindo para o
mundo.
mundo.
10
10
Em o mundo era
Em o mundo era
(estava), e o mundo por
(estava), e o mundo por
meio dele veio a ser, e o
meio dele veio a ser, e
mundo a ele não
o mundo a ele não
conheceu.
conheceu.
11
11
Para os seus próprios
Para os seus próprios
veio, e os seus próprios
veio, e os seus próprios
a ele não receberam
a ele não receberam.
12
12
Quantos porém
Quantos porém
receberam ele, deu a
receberam ele, deu a
eles direito (autoridade)
eles direito
filhos de Deus vir a ser,
(autoridade) filhos de
os que creem em o
Deus vir a ser.
os que creem em o
nome dele.
nome dele.
13
Os quais não de
13
Os quais não de
sangue nem de vontade
sangue nem de vontade
de carne nem de
de carne nem de
vontade de homem mas
vontade de homem mas
de Deus foram gerados.
de Deus foram gerados.
14
E o logos carne veio a
14
E o logos carne
ser e acampou (fez a
veio a ser e
tenda) entre nós, e
acampou (fez a
contemplamos a glória
tenda) entre nós, e
dele, glória como
contemplamos a
unigênito da parte do
glória dele, glória
Pai, pleno de graça e
como unigênito da
verdade.
parte do Pai, pleno
de graça e verdade.
54
Primeira Fonte: o que chamamos de Primeira Fonte seria o texto em sua forma mais
antiga, circulante no seio da comunidade joanina, sem as quebras e inserções que entendemos
que a perícope sofreu antes de sua anexação no QE. Segundo Konings, essa primeira fonte teria
sido produto dos discípulos de João Batista, influenciados pelo gnosticismo judaico-iraniano.
Nas palavras de Konings:
τ ἳutoὄ do QE ὅeὄiἳ um deὅὅeὅ “joἳnitἳὅ”, que, por ocasião de sua
pἳὅὅἳgem à ἵomunidἳde ἵὄiὅtã, teὄiἳ “ἵὄiὅtiἳnizἳdo” o hinoέ Todἳviἳ, o
hino se explica perfeitamente a partir do judaísmo sapiencial e dos hinos
das comunidades cristãs (p. ex., Fl 2.6-11), sem outros intermediários.
O Prólogo se baseia em temas do AT: a criação, Gn 1.1-3, a missão da
palavra de Deus para produzir seu fruto, Is 55.10-11, a inabitação da
sabedoria em Israel, Sr 24 etc.103
Encontramos em Bultmann algumas informações importantes sobre essa fonte. O autor
afirma que a originalidade da literatura joanina teria provindo, além de fontes comuns aos
Sinóticos, de fontes aramaica ou siríaca, de natureza gnóstica ou proto-gnóstica; que os
discursos de revelação, se não foram compostos em língua semítica, teriam sido ao menos
pensados de acordo com o estilo e a poesia semítica, com paralelismo e antíteses ocupando
papel primordial, em harmonia com o conteúdo dualista. Dessa fonte proviriam o prólogo, as
palavras e os discursos do Jesus joanino, e também, toda a linguagem dualista que transparece
no pensamento do redator e se encontra espalhada por toda a literatura joanina.104
Fonte sobre João Batista: em nossa perspectiva, existia uma fonte primitiva com
relatos acerca de João Batista, e o redator teria assimilado dessa fonte um bloco literário,
autônomo e esclarecedor, a fim de reforçar a identidade da comunidade em relação à
controvérsia em torno da figura de João Batista.
Fonte própria do redator: já essas intervenções que aparecem no texto, têm um caráter
enfático, a fim de reforçar o que já foi dito e ainda são indícios da preocupação do redator diante
dos diversos conflitos enfrentados pela comunidade. Portanto, em nossa perspectiva, essa fonte
consiste em uma produção própria do redator na intenção de construir e manter a identidade da
comunidade.
103
104
KONINGS, 2005, p. 74.
Cf. Apud. NASCIMENTO, 2010, p. 26.
55
2.6.2. O contexto da Perícope
Outro desafio que encontramos em nossa perícope é a tarefa da determinação de seus
contextos menor e maior. Isso porque, como vimos, o Prólogo é produto da terceira fase da
comunidade joanina, sendo anexado e harmonizado no corpo do QE, já formado. Portanto,
como afirma Nascimento, o Prólogo do QE é a conclusão do Evangelho (exprime a história de
Jesus compreendida na fé), e ainda, constitui de qualquer modo a estrutura programática ou
ideal de toda narrativa.105 Devido a essa situação e contexto redacional, em nossa perspectiva,
o contexto menor do Prólogo é o próprio Prólogo.
Outra observação importante acerca do Prólogo é que ele está inserido em um bloco
temático, que consiste em alguns testemunhos acerca da pessoa de Jesus. Os primeiros blocos
descrevem o testemunho de João Batista sobre Jesus: 1.15-18; 1.19-28; 1.29-31; 1.32-34. A
segunda parte de testemunho inicia-se com João Batista também, porém, logo dois de seus
discípulos seguem a Jesus, e em seguida, surge o testemunho de André à Simão sobre quem é
Jesus – 1.35-42. A última parte consiste no testemunho de Filipe a Natanael, culminando na
ἵonfiὅὅão de σἳtἳnἳelμ “εeὅtὄe, tu éὅ o ἔilho de Deuὅ, tu éὅ o Rei de Iὅὄἳel!” – 1.43-51. Portanto,
podemos concluir que o contexto maior do Prólogo é todo o capítulo um, que consiste em um
bloco de testemunho acerca de quem é Jesus – levando em conta que o Prólogo também se
caracteriza no testemunho de que Jesus é o logos encarnado.
105
NASCIMENTO, 2010, p. 183.
56
Prólogo: 1.1-14
1.15-18: Primeiro testemunho de João Batista
Contexto
Maior
1.19-28: Segundo testemunho de João Batista
Contexto
Menor
1.29-31: Terceiro testemunho de João Batista
Tema de
Coesão:
Testemunho
1.32-34: Quarto testemunho de João Batista
O próprio
Prólogo
1.35-42: Testemunho de João Batista e André
1.43-51: Testemunho de Filipe
2.7. Análise das Formas
O Prólogo é, ao mesmo tempo, uma introdução ao QE, e uma síntese do conteúdo. E se
apresenta em forma de um hino, como afirma Nascimento106, formando-se a partir de um
entrelaçar de prosa e poesia. Segundo Konings, esse hino (o Prólogo) lembra os antigos hinos
cristãos, Fl 2.5-11; Cl1.12-20; Ef 1.3-10. Percebe também algum parentesco com a abertura da
Primeira Carta de João (1Jo 1.1-4) ou da Carta aos Hebreus (Hb 1). Nas palavras de Konings:
Considerando que o QE nos introduz no mistério de Jesus-Messias, o
pὄólogo ὅeὄiἳ o “hino de entὄἳdἳ”ν ou, ὅe ἵompἳὄἳὄmoὅ o Evἳngelho de
João com um espaço sagrado no qual somos introduzidos, o Prólogo
seria o pórtico de entrada.107
Portanto, compreendemos o Prólogo como um hino cristológico, com uma reflexão
sobre a preexistência de Cristo na criação a partir de sua mediação na história. Levando em
conta a Teoria Literária que apresentamos, e por definir que se apresenta em forma de hino,
podemos dizer que o Prólogo não possui uma fórmula de apresentação.
106
107
NASCIMENTO, 2010, p. 57.
KONINGS, 2005, p. 74.
57
O Prólogo é produto da terceira fase de redação do QE, e mesmo sendo um hino, possui
um caráter apologético marcante em toda a sua estrutura e desfecho, com dimensões teológicas
fortíssimas. Portanto, em nossa perspectiva, o Prólogo como realidade literária, consiste em um
hino cristológico (em seu estágio primitivo) que era utilizada no cotidiano das celebrações, que
num determinado momento, sofre intervenção por parte do redator, e começa a ser utilizado
para o ensino da comunidade, sendo posteriormente anexado no QE como prólogo. Isso
determina o lugar vivencial de nossa perícope.
Sobre a intencionalidade da perícope, vale destacar:
a) Intenção genérica: utilizada como hino para fortalecer a fé da comunidade durante
as celebrações, como forte caráter litúrgico;
b) Intenção específica: utilizada no ensino, enfatizando a fé na encarnação de Jesus;
2.8. Análise da Tradição
A partir da análise sincrônica, podemos identificar em nossa perícope algumas imagens
que merecem destaque: a criação e o projeto do êxodo. O Prólogo é uma obra de expressão
redacional, e sem dúvida trouxe um grande impacto no cotidiano e na fé dos joaninos. Isto
porque, em nossa perspectiva, fundem-se aqui duas importantes tradições do povo de Israel: a
tradição da Criação (Gênesis) e a tradição do Deserto (Êxodo). É claro que o Pentateuco
perpassa por todo o imaginário evangélico, porém, em especial, nota-se esses dois projetos de
uma forma específica e enfática. Como vimos acima, o Prólogo retoma a tradição da Criação
– Jesus – ao Criador de todas as coisas, reforçando ainda
na perspectiva de identificar o
a dependência de todas essas coisas em relação a esse
, ou seja, só existe o que permanece
nele. Já a tradição do Deserto vem reforçar a ideia da encarnação desse
, ou seja, evoca
no seio da comunidade o imaginário de um Deus – identificado como o próprio
– que
vive peὄto do povo, ὃue “ἳἵἳmpἳ, fἳz ἳ tendἳ” e hἳἴitἳ no meio de ὅeu povoέ σeὅὅe ἵἳὅo, duἳὅ
releituras importantes: o
se faz carne – ênfase na encarnação; e quem contempla a glória
não é apenas um, mas todos - αὶ ἐ α
α ὴ
α αὐ ῦ - numa releitura do Tabernáculo.
58
2.9. Projeção para o próximo capítulo
Ao longo desse capítulo, sob uma perspectiva exegética, abordamos a perícope de João
1.1-14 na tentativa de compreender o impacto desse texto na comunidade no período pós-cisma.
Além de buscarmos pistas para a valorização da diversidade dentro de um movimento tão
marcante como o cristianismo. Portanto, no próximo capítulo temos como tarefa o esforço de
sintetizar os indícios levantados até aqui, na finalidade de lançar luz em nossa discussão.
Percebemos nitidamente que o Prólogo é carregado de uma pluralidade teológica e, ainda, se
apresenta como um testemunho histórico de conflitos e valorização da unidade. Mas, o que nos
chama atenção é a harmonização feita pelo redator em relação à essa pluralidade. Além de
reunir num único texto diversas tradições teológicas e mnemônicas, o redator realiza essa tarefa
de uma forma harmoniosa, ou seja, não simplesmente reúne fragmentos de textos e memórias,
mas, a partir de uma quebra de coesão intencional108, proporciona um diálogo entre essas
teologias e memórias, tornando o Prólogo no texto que temos em nossas mãos. É o que veremos
em nosso capítulo conclusivo.
108
Como vimos no tópico Integridade e Coesão.
CAPÍTULO 3
PLURALIDADE E UNIDADE: DESAFIOS JOANINOS
O QE deve ser lido em duas perspectivas: a da história de Jesus e a própria história da
comunidade joanina. Isto porque, o texto do QE nasce em etapas109, e vai gradativamente
sofrendo alterações e sendo sistematizado de forma que atue como resposta aos diversos
conflitos sofridos pela comunidade ao longo da metade do primeiro século até o início do século
II. Tanto em dimensão externa, como interna, a comunidade joanina teve que aprender a lidar
com seus conflitos e polêmicas, que, sem dúvida alguma foram marcantes e decisivos quanto
ao futuro dos cristãos joaninos. Diante de todos esses problemas, a comunidade joanina, que
era formada por diferentes grupos, teve que deixar de lado as diferenças e o preconceito, em
busca de unidade, a fim de se fortalecer frente aos desafios que estavam às portas. Portanto, o
texto do QE se torna para nós um paradigma quanto à valorização da pluralidade, com ênfase
nἳ inἵluὅão de peὅὅoἳὅ “difeὄenteὅ”, em tὄoἵἳ de um “ἴem ἵomunitáὄio” mἳioὄέ Sendo assim, o
QE ainda ilumina nossos dias, e, desafia nossa realidade, pois a intolerância vem sendo
alimentada por um cristianismo sectário e uniformizador, que, ao longo dos anos, tem sido um
forte colaborador na sustentação do preconceito.
Diante disso, temos nesse último capítulo a tarefa de reconstruir o discurso identitário
da fé da comunidade joanina diante dos conflitos enfrentados. Faremos uma síntese dos indícios
levantados nos capítulos anteriores, e ainda, a partir de uma abordagem hermenêutica, teremos
109
Sobre as etapas de redação do QE, conferir o tópico Teoria Literária.
60
na proposta de fé da comunidade joanina frente sua realidade plural, um novo paradigma para
nossa realidade, o que nos coloca nas trilhas para a superação desse cristianismo intolerante e
sectário de nossos dias.
3.1. Marco Identitário Joanino: Pluralidade e Unidade
Diversos conflitos surgiram ao longo de toda a história dos joaninos, o que os obrigou
a sempre repensarem e fortalecerem sua identidade. Portanto, o texto do QE é um produto de
diversas reflexões e esforços dos redatores, e carrega por trás de cada palavra a história da
própria comunidade, marcada por disputas e dissensões.
O Prólogo é um produto da terceira fase da comunidade. O grupo por trás desse texto
não é mais uma comunidade na Transjordânia e, sim, na Ásia, mais precisamente em Éfeso. Ao
lermos o Prólogo, estamos diante de uma comunidade pós-cisma. A cisão sofrida pela
comunidade tem sua origem em diversos aspectos, mas principalmente pela dissensão gnóstica
no seio da comunidade. Joaninos influenciados por esses pensamentos incitaram disputas e
divisões, o que abalou seriamente a unidade do grupo.
Já instalada em Éfeso, a comunidade joanina tem no Prólogo um indício da tentativa de
sua liderança, através de seus redatores, em reforçar a identidade desse grupo frente aos
traumas, às ameaças antigas e ainda, aos novos desafios colocados frente ao pluralismo
religioso do mundo mediterrâneo. Portanto, faremos abaixo um síntese dos indícios de
pluralidade joanina encontrados na perícope de João 1.1-14.
3.1.1. Diversidade teológica e mnemônica na perícope: Pluralidade
3.1.1.1. Releitura da memória de João Batista
O conflito com os seguidores de João Batista, tornou-se gerador de unidade. Apesar de
todἳ ἳ diὅputἳ entὄe oὅ joἳninoὅ e “oὅ do Bἳtiὅtἳ”, o Prólogo preserva uma memória de João
Batista, porém, com uma releitura de seu ministério. Possivelmente, o movimento joanino teve
suas raízes entre os discípulos de João Batista, especialmente o Discípulo Amado. Apesar da
adesão dos joaninos à Jesus como o Cristo, João Batista certamente continuou sendo uma
referência para esses, que sem dúvida, foram alvos de grande crítica por parte dos que se
mantiveram fiéis à João Batista.
61
A presença dessa memória ressignificada representa forte indício da permanência desses
joaninos após o cisma sofrido pela comunidade. Como o Prólogo se apresenta como produto da
última fase de redação do QE, não faria muito sentido manter essa memória frente à ausência
desses joaninos específicos. Como os seguidores de João Batista o identificavam como o Cristo,
coube à comunidade joanina uma prudente correção dos exageros por parte dos batistas.
Portanto, o fragmento mnemônico de nossa perícope apresenta-se como uma releitura da
memória de João Batista, como vemos abaixo:
Ἐ
ῦ,
7 ὗ
ἦ
α α υ
απ
ἦ ἐ ῖ
α α υ
6
ἄ ωπ ,
α αὐ Ἰω
α
ῃπ ὶ
π
ω
ὸφ ,ἀ
ῃπ ὶ
ἀπ
·
α
υ α
ῦ φω ,
᾽ αὐ ῦ.
᾽
ῦ φω έ
πα ὰ
8
ὐ
6
Veio a ser homem, enviado da parte de
Deus, nome dele era João.
7 Este veio para testemunho,
Para que testemunhasse a respeito da luz,
Para que todos cressem por meio dele. 8
Não era aquele a luz, mas
para que testemunhasse a respeito da luz.
É nítida a releitura da comunidade joanina sobre o ministério de João Batista: Ele é uma
testemunha da verdadeira luz – Jesus. O trecho dá uma forte ênfase na palavra testemunha (que
aparece três vezes), e ainda, deixa claro que ele não é a luz, e que João Batista seria um
instrumento para conduzir à fé na verdadeira luz. Esse fragmento certamente mantém viva a
memória de João Batista, porém reforça a fé em Jesus como Cristo, a verdadeira luz.
3.1.1.2. Teologia do Deserto: a perspectiva samaritana
Chamamos aqui de Teologia do Deserto, a tradição do Êxodo presente na perícope de
João 1.1-14, que, em nossa perspectiva, está diretamente relacionada com a presença de
samaritanos na comunidade joanina.110 Ainda na ótica dos conflitos que geram unidade,
percebemos o esforço do redator em valorizar a presença dos samaritanos, mantendo a Teologia
do Deserto, ou seja, a teologia vigente no norte de Israel. A teologia dos samaritanos era
fundamentada na tradição de Jacó (João 4.12 – Jesus e a mulher samaritana) e, principalmente,
pela tradição de (Êxodo). Muito improvável seria que os samaritanos aclamassem Jesus como
Messias sob uma perspectiva davídica, pelo contrário, seria visto como um segundo Moisés111,
tamanha tradição acerca desse ícone na história dos samaritanos.
Algumas palavras e expressões ajudam a atestar essas afirmações:
110
111
Sobre isso, conferir o tópico Os samaritanos.
BROWN, 1999, p. 39.
1) ἐ
ω
2) ἐ α
3)
ἐ ἡ ῖ
α ὴ
ῖ π
υ
4)
1) Acampou entre nós
α αὐ ῦ
ὸ
2) Contemplamos a glória dele
α αὐ ῦ
3) Os que creem em o nome dele
ὸ ἦ ὁ
4) Deus era o logos
Segundo a classificação do campo semântico proposta aqui, Jesus é o logos, e o logos é
o Javé que se manifesta no Êxodo, a Moisés e a todo povo. Isso porque no Prólogo percebemos
alguns indícios interessantes. O logos aparece como sendo Javé, e este, cria todas as coisas. No
v. 14, esse logos se encarna, e o texto diz que ele faz sua tenda no meio de nós. O redator utiliza
o verbo
ω112, que traz a ideia de habitar em tendas. Isso, sem dúvida evoca à nossa mente
o imaginário do tabernáculo e o projeto de um Deus que anda junto com seu povo em meios às
aflições no deserto. Vale ressaltar que esse verbo se apresenta no tempo verbal aoristo, o que
certamente traz um tom enfático na ação do logos em habitar em uma tenda, reforçando o
imaginário do Tabernáculo no seio da comunidade joanina.
Mas o redator faz uma mudança significativa em sua recuperação dessa imagem tão
importante para o povo de Israel. Na tradição do deserto, Moisés era o único capaz de
comtemplar a glória de Javé no deserto. Porém, na perícope, o redator, de forma muito sutil,
ἳlteὄἳ eὅὅe pὄojeto, dἳndo um novo ὅignifiἵἳdoμ “ἵontemplἳmoὅ ἳ glóὄiἳ dele”έ Como vemos
abaixo:
αὶ ἐ α
α113 ὴ
α αὐ ῦ
O redator emprega o verbo
E contemplamos a glória dele (v. 14b)
α na 1ª pessoa do plural e, ainda, no aoristo. Isso traz
uma nova dimensão na fé da comunidade joanina a partir de uma leitura radical da
contemplação no Tabernáculo. A contemplação da glória de Deus, que outrora, estava
disponível apenas para um sacerdote ou alguém especial, agora está à disposição para todo
ἳὃuele ὃue ἵὄeὄ no “nome dele”, ou seja, no nome de Jesus – o logos que se fez carne. Essa
conexão com a fé no nome do logos reforça uma teologia anti-gnóstica no seio da comunidade,
mas isso veremos a seguir.
Outra característica do deserto é o Deus que não tem nome. Muito se tem discutido
acerca do nome Javé. Certamente saber o nome da divindade era algo essencial na fé de todos
112
113
Classificação morfológica do verbo
ω no texto bíblico: modo indicativo, tempo aoristo, voz ativa, 3ª
pessoa do singular. Forma no texto: ἐ
ω .
Forma flexionada do verbo
α . Classificação morfológica no texto bíblico: modo indicativo, tempo
aoristo, voz média/depoente, 1ª pessoa do plural.
63
os povos e, com Israel não seria diferente. Entretanto, contrariando alguns pesquisadores,
seguiremos numa ótica um pouco diferente da convencional. Para isso, buscamos apoio em
Fílon de Alexandria114. Javé não representa um nome próprio, mas um referência de
identificação. A ação de dar nome a alguma coisa ou alguém, representa a capacidade de
dominar e/ou manipular, e ainda, representa a capacidade de dimensionar o objeto ou a pessoa
a qual se dá um nome. Roland de Vaux nos ajuda nessa compreensão acerca da importância do
nome:
Como entre os povos primitivos, o nome em todo Oriente define a
essência de uma coisa; nomeá-la é conhecê-la e, portanto, ter o poder
sobre ela. Se no paraíso terrestre Deus deixa o primeiro homem nomear
os animais, Gn 2.19-20, é porque assim o põe sob seu domínio,
conforme o relato paralelo, Gn 1.28. Se se trata de uma pessoa,
conhecer seu nome é poder prejudicá-la: daí os nomes tabu entre os
primitivos, os nomes secretos entre os egípcios; ou beneficiá-la, como
Moisés que Deus conhece pelo nome (Êx 33.12,17). Daí provém a
importância para o fiel de conhecer o verdadeiro nome de seu Deus (Êx
3.13-15; Gn 32.30), e esse traço se encontra em todas as religiões
orientais. Finalmente, como o nome define a essência, revela o caráter
e o destino daquele que o tem. O nome vem a ser a expressão de uma
esperança, ou um símbolo que se procura decifrar com etimologias
afins.115
Portanto, podemos dizer que o Deus do deserto se apresenta como uma divindade sem
nome próprio, pois é impossível de se dimensionar esse Deus e, ainda, conhecê-lo por inteiro.
Não existe um nome que seja capaz de abarcar toda a essência desse Deus, portanto, o
substantivo Javé apresenta-se como um referência desse Deus, ou seja, um meio para se
identifiἵἳὄ o Deuὅ de Iὅὄἳel, o Deuὅ do deὅeὄto, o “Deuὅ de Aἴὄἳão, Iὅἳὃue e Jἳἵó”έ Isso fica
muito nítido nἳ pἳὅὅἳgem ὃue ὄetὄἳtἳ ἳ “lutἳ” de Jἳἵó ἵom Deuὅ em Peniel (ἕn γβέββ-32). Jacó,
em deteὄminἳdo momento de ὅeu enἵontὄo, peὄguntἳ pἳὄἳ Deuὅμ “Quἳl o teu nomeς” (ἕn
114
115
Filo, falando em conexão com Êxodo 3.14 (LXX), e influenciado pela filosofia estóica, diz que Deus é Aquele
que Existe; é somente a Ele que pertence a existência por direito. Este fato, porém não se pode expressar em
palavras humanas, e, ἳὅὅim, o nome veὄdἳdeiὄo de Deuὅ nunἵἳ ἵhegἳ ἳoὅ homenὅέ Deuὅ diz ἳ εoiὅéὅμ “Pἳὄἳ
mim, a quem pertence o direito exclusivo a Existência, não há mesmo nome algum que condiga com a Minha
nἳtuὄezἳ” (Vit. Mos. 1, 75). Aos homens, chegou apenas o nome kyrios ho theos, “o Senhoὄ Deuὅ” (Mut. Nom.
11 e ὅegὅέ)έ τὅ homenὅ podem invoἵἳὄ ἳ Deuὅ ὅomente ἵom o nome ὄelἳtivo de “Deuὅ de Aἴὄἳão, de Iὅἳὃue e
de Jἳἵó” (Abr. 51). Para Filo, em total oposição ao AT, Deus não tem nome pessoal. As palavras theos, “Deuὅ”,
e kyrios, “Senhoὄ”, ὅegundo ἔilo, meὄἳmente indiἵἳm podeὄeὅ dentὄo de Deuὅμ “Senhoὄ”, o podeὄ dἳ ὅoἴeὄἳniἳ,
e “Deuὅ”, o podeὄ dἳ ἕὄἳçἳέ A opinião de ἔilo, de ὃue o podeὄ dἳ Exiὅtênἵiἳ tem muitoὅ nomeὅ, tἳmἴém é
estóica (Som. 2, 354). Ainda assim, devemos reverenciar até os nomes puramente relativos de Deus, que não
designam Sua Existência essencial; devemos acautelar-nos contra o abuso e a blasfêmia destes nomes, e contra
o emprego de nomes tremendos e terríveis (Spec. Leg. 4, 40; 2, 8: Decal. 93-94). >> Cf. BROWN, Colin;
COENEN, Lothar (Orgs.). Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Tradução de Gordon
Chown. 2 ed. v. 2. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 1397.
VAUX, Roland de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. Tradução de Daniel de Oliveira. São Paulo:
Teológica, 2002. p. 66.
64
32.29). Deus, como se o ignorasse, não responde a essa pergunta. Em outro texto muito
discutido, Êxodo 3.13-15 – encontro de Moisés com Javé na sarça ardente –, Moisés apresentase preocupado em saber o nome do Deus que ele representaria frente aos hebreus. Javé, mais
uma vez, como se esquivasse do interesse sobre Seu nome, dá uma resposta que mais parece
refletir em suas ações do que definir um nome.
Em nossa perícope encontramos algo muito interessante nessa direção. Percebemos no
texto um logos sem nome. Ao longo do desenvolvimento do Prólogo, menciona-se e refere-se
ao logos utilizando pronomes na terceira pessoa do singular, e nunca um nome. Vejamos
abaixo:
1 Ἐ ἀ χῇ ἦ ὁ
, αὶ ὁ
ἦ π ὸ ὸ
, αὶ ὸ ἦ ὁ
έ2 ὗ
ἦ ἐ ἀ χῇ
π ὸ ὸ
έ 3 π α ᾽ αὐ ῦ ἐ
, αὶ χω ὶ αὐ ῦ ἐ
ὐ ὲ έ
4ἐ
αὐ
ωὴ ἦ , αὶ ἡ ωὴ ἦ ὸ φ
ἀ
πω · 5 αὶ ὸ φ ἐ ῇ
ᾳ φα , αὶ ἡ
α αὐ ὸ ὐ α α έ 6 Ἐ
ἄ ωπ , ἀπ α
πα ὰ
ῦ,
α αὐ
Ἰω
·7 ὗ
ἦ
α υ α α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω , α π
π
ω
᾽ αὐ ῦέ 8 ὐ ἦ ἐ ῖ
ὸφ ,ἀ ᾽ α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω έ 9 Ἦ ὸ φ
ὸ
ἀ
, φω
π α ἄ ωπ , ἐ χ
ὸ
έ 10 ἐ
ῳ ἦ , αὶ ὁ
᾽ αὐ ῦ ἐ
, αὶ ὁ
αὐ ὸ ὐ
ωέ 11
ὰ αἦ
, αὶ
αὐ ὸ ὐ πα α έ 12
ὲ α
αὐ , ω
αὐ ῖ ἐ υ α
α
ῦ
α,
ῖ π
υ
ὸ
α αὐ ῦ, 13
ὐ ἐ α
ω ὐ ὲἐ
α
α ὸ ὐ ὲἐ
α
ἀ ὸ ἀ ᾽ἐ
ῦἐ
α έ 14 αὶ ὁ
ὰ ἐ
αὶ ἐ
ω
ἐ
ἡ ῖ , αὶ ἐ α
α ὴ
α αὐ ῦ,
α ὡ
ῦ πα ὰ πα
,π
χ
αὶ ἀ
αέ
Os pronomes αὐ
e ὗ
aparecem ao longo do texto 15 vezes, sendo 11 vezes
relacionados com a pessoa do lógos. É a palavra que mais aparece no texto. Levando em conta
a característica literária do koinê, podemos dizer que essa repetição representa uma ênfase do
redator em dirigir-se ao logos com um pronome, já que não possui um nome próprio, pois ele é
o Javé do deserto. Essa perspectiva se firmará quando relacionada com a memória de João
Batista.
3.1.1.3. Teologia da Encarnação: anti-gnóstica116
Outra presença marcante em nossa perícope é a tradição anti-gnóstica, a partir de uma
teologia fundamentada na encarnação do logos. Como o conflito com as correntes gnósticas
representa para nós uma ruptura de grande trauma, podemos afirmar que a maior finalidade do
Prólogo (como produto de terceira fase de redação) é catequética, ou seja, utilizado no ensino
116
Lembrando que o Gnosticismo como movimento é posterior ao QE. As ideias gnósticas precedem o
movimento. A comunidade joanina é testemunha das ideias que vão gerar o movimento.
65
para enfatizar a fé na encarnação de Jesus, com isso, fortalecendo a identidade da comunidade.
No século I, as ideias gnósticas circulavam na sociedade sem constituírem um movimento
organizado, apenas como uma visão capaz de influenciar a maneira de pensar da época,
inclusive a fé. Foi nesse contexto que a comunidade joanina sofreu influências dessas ideias e,
alguns da comunidade interpretaram Jesus à maneira gnóstica. Algo inaceitável para os joaninos
“oὄtodoxoὅ”έ Poὄtἳnto, ἵomo ἳfiὄmἳ σἳὅἵimento, ἳ ἵomunidἳde joἳninἳ expὄeὅὅἳ ὅuἳ fé num
vocabulário próprio aos gnósticos, reforçando diante da gnose a fé no logos encarnado117. Até
poὄὃue, meὅmo ἵom ἳ ὅἳídἳ doὅ “heὄegeὅ”, o vocabulário e algumas ideias gnósticas
permaneceram na comunidade, com um solo comum para apoio: a linguagem de Gênesis
(Criação).118
A perícope de João 1.1-14 começa com a expressão Ἐ ἀ χῇ ἦ ὁ
. Essa expressão
é semelhante à primeira expressão de Gênesis, na tradução da Septuaginta: Ἐ ἀ χῃ̂ ἐπ
ὁ
ὸ . Levando em conta que ainda no v. 1 do Prólogo o logos é identificado como o próprio
Deus ( αὶ
ὸ ἦ ὁ
), percebemos que Jesus Cristo é chamado de logos, fazendo alusão
à palavra criadora de Deus (Gn 1.1-26; Sl 33.6), à sua palavra reveladora (Sl 33.4; 119.89), à
sua palavra salvadora (Sl 107.20) e à sua sabedoria divina (Pv 8.22-31). Portanto, o logos, é
identificado mais com a davar (Palavra criadora) do Gênesis do que com a filosofia grega.
Segundo Konings, as primeiras palavras (Ἐ ἀ χῇ) já mostram o pano de fundo sobre o qual se
perfila o Prólogo: o AT, mais precisamente, Gn 1.1, a criação do universo.119
117
118
119
σἳὅ pἳlἳvὄἳὅ de σἳὅἵimentoμ “Enfatizamos somente como as formas gnósticas de cristianismo interagem com
o QE – e o que isto nos diz sobre as origens do cristianismo sem considerar a questão sobre as origens do
gnosticismo. Podemos, contudo, reconhecer o Gnosticismo pela presença de elementos tais como: o dualismo
metafísico; a existência de seres intermédios entre Deus e o homem; a intervenção destes seres na produção do
mal; o mundo material considerado mal; o conceito de alma como prisioneira da matéria; a necessidade de
conhecimento adquirido pela revelação para libertar a alma e conduzi-la à luz; a limitação do número dos que
podem chegar a esta revelação; a figura e a função do revelador que salva. O gnóstico sabe o que éramos e o
que seremos; de onde viemos e para onde vamos; de onde vamos; de onde somos resgatados; o que é nascer e
o que é renascer. O conhecimento está centrado no sujeito que conhece; conhecer é essencialmente conhecerse, ou seja, reconhecer o elemento divino que constitui o próprio ser, e através deste conhecimento, chegar à
ὅἳlvἳção”έ ρρ Cfέ σἳὅἵimento, βί1ί, pέ ζηέ (Bἳὅeἳdo emμ PτσἕUTÁ, Silveὅtὄeέ El Evangelio según Juan.
Cartas de San Juan, p. 63-64).
Sobre a Hipóstase dos Arcontes: A Hipóstase dos Arcontes (“A Reἳlidἳde doὅ Soἴeὄἳnoὅ”) é um tὄἳtἳdo
anônimo que apresenta uma interpretação esotérica do Gênesis 1-6, parcialmente na forma de um discurso de
revelação entre um anjo e um interrogador. Enquanto o tratado ilustra um amplo sincretismo helenístico, os
componentes mais evidentes são os judaicos, porém o fato de sua presente forma apresentar características
claramente cristãs, pode-se considerar A Hipóstase dos Arcontes como um obra cristã. Sua perspectiva
teológica nutre um Gnosticismo vigoroso de uma possível afiliação sethiana. O documento está datado por
volta do século III E.C. e, possivelmente, seja uma tradução do grego. A Hipóstase dos Arcontes é certamente
uma obra de um mestre gnóstico transmitindo um ensinamento a um público. Constitui-se de uma obra
esotérica escrita por uma comunidade consciente de si e que, provavelmente, sentiu pressão de uma
comunidade cristã que se defendia como ortodoxa e que via as outras como heréticas. Cf. ROBINSON, James
M. A Biblioteca de Nag Hammadi. Tradução de Teodoro Lorent. São Paulo: Madras, 2006. p.144-145.
KONINGS, 2005, p. 76.
66
Outro indício importante é a presença do dualismo metafísico entre luz e trevas, muito
marcante no Gênesis. Além disso, uma menção da dependência cósmica de todas as coisas
(kosmos) em relação ao logos, que é Deus. Repare as palavras e expressões que se reúnem a
partir dessa tradição:
Ἐ ἀ χῇ
ὗ
Em princípio
ἦ ἐ ἀ χῇ π ὸ
π
α
αὶ ὸ φ
᾽ αὐ ῦ ἐ
ἐ
ὁ
ωὴ / π
ὸ
ῇ
Tudo por meio dele veio a ser
ᾳ φα
᾽ αὐ ῦ ἐ
α/φ
-
Este era em princípio junto a Deus
ᾳ/
E a luz na escuridão brilha
O mundo por meio dele veio a ser
Vida / todas as coisas / luz-trevas / mundo
Sendo assim, a partir de um pano de fundo comum ao conflito – a criação –, a
comunidade joanina desenvolve sua teologia anti-gnóstica, fortalecendo a identidade do grupo.
Apontaremos algumas ênfases dessa teologia, que denominamos aqui como Teologia da
Encarnação.
Uma importante ênfase da teologia anti-gnóstica de nossa perícope circula dentro do
universo da redenção (ação salvífica). Os de influência gnóstica criam que a existência de Jesus,
apesar de real, não era significativa do ponto de vista salvífico. Portanto, para esses, o que Jesus
realizou na Palestina não era importante, nem mesmo o fato de ter ele morrido na cruz. Além
diὅὅo, eὅὅeὅ “ἳdveὄὅáὄioὅ” ὄeivindiἵἳvἳm umἳ intimidἳde ἵom Deuὅ ἳo ponto de ἳὅ peὅὅoἳὅ ὅe
tornarem perfeitas e sem pecado. Com isso, a ação de Jesus começa a ser reinterpretada. Jesus
passa a ser visto pelos gnósticos como o logos que veio de Deus como portador do
conhecimento pleno. Porém, quando compartilhado, deixava de exercer papel central na vida
das pessoas. Com isso, aquele que tivesse acesso a esse conhecimento revelado pelo logos
(Jesus) tornava-se perfeito, sendo igualado a esse logos. O que tornava esse logos dispensável
após sua atuação de revelador. Por isso, a ação de Jesus na cruz deixa de ser vista como evento
salvífico e pἳὅὅἳ ἳ ὅeὄ deὅvἳloὄizἳdἳ peloὅ gnóὅtiἵoὅ, poiὅ, todoὅ ἳgoὄἳ ὅão “filhoὅ de Deuὅ” poὄ
meio da gnose revelada pelo logos. A ideia de ser filiado a uma divindade, num sentido ou
noutro, era extremamente difundida no mundo antigo. E essa ideia de filiação se associa com a
de redenção: para os gnósticos, Jesus era dispensável. A partir do momento em que Jesus
pὄopiἵiἳvἳ ἳ “iluminἳção”, todoὅ ὅe toὄnἳvἳm iguἳiὅ ἳ eleέ
67
Em oposição à ideia de que Jesus era dispensável para a salvação (redenção) percebemos
o esforço do redator ao longo de todo o Prólogo. Vejamos abaixo algumas ênfases nessa
direção:
(1.2-3) 2 ὗ
ὐ ὲ έ
ἦ ἐ ἀ χῇ π ὸ
ὸ
έ3π
α
᾽ αὐ ῦ ἐ
, αὶ χω ὶ αὐ ῦ ἐ
Nesse primeiro trecho (1.2-3) percebemos a ênfase dado à importância do logos na
criação. O redator destaca que o logos estava com Deus no princípio de tudo, antes de toda a
criação e todas as coisas vieram à existência por meio desse logos. Ressalta ainda que sem ele
(logos) “veio ἳ ὅeὄ” ἵoiὅἳ ἳlgumἳ, ou ὅejἳ, ὅem ἳ ἳção e eὅὅênἵiἳ deὅὅe logos, nada teria existido.
Percebemos então, uma dependência cósmica de todas as coisas em relação ao logos.
Certamente um forte aspecto na fé dos joaninos.
4 ἐ αὐ ῳ ωὴ ἦ
(1.3b-4a)
Ainda na mesma direção da dependência cósmica, esse trecho é carregado de uma forte
valorização da comunhão plena com o logosέ Iὅὅo poὄὃue, pelἳ tὄἳdução, entendemoὅ ὃue “o
ὃue ‘tem exiὅtido’ nele vidἳ eὄἳ”, ou ὅejἳ, tudo e todos que colocam a existência no logos têm
ἳ ἵeὄtezἳ dἳ vidἳέ Quem ὅe ἳὄὄiὅἵἳ em “exiὅtiὄ” foὄἳ do logos não tem vida, isto é, morre.
Percebemos, então, associado ao logos a garantia da vida. Portanto, a comunhão permanente
com o logos é a exigência da vida eterna.
(1.10) 10 ἐ
ῳ
ῳ ἦ , αὶ ὁ
᾽ αὐ ῦ ἐ
, αὶ ὁ
αὐ ὸ
ὐ
ωέ
De uma forma especial, nesse trecho o autor associa uma expressão muito comum no
mundo da gnose: ὐ
ω – não conheceu. Essa expressão, associada ao mundo criado pelo
logos reforça a ideia da dependência cósmica de todas as coisas em relação ao logos e, ainda,
de certa forma, critica o mundo de não conhecer o próprio logos que o criou. Certamente uma
gὄἳnde ἵὄítiἵἳ ἳoὅ gnóὅtiἵoὅ poὄ não enxeὄgἳὄem Jeὅuὅ dἳ mἳneiὄἳ “ἵoὄὄetἳ”έ
(1.11-12) 11
ὰἴ αἦ
, αὶ ἴ
αὐ ῖ ἐ υ α
α
ῦ
α,
αὐ ὸ
ῖ π
ὐ πα
υ
α
ὸ
έ 12
ὲ α
α αὐ ῦ,
αὐ
,
ω
Aqui continua, de certa forma, o tema da rejeição do logos e aparece um novo tema: a
filiação. O trecho se desenvolve nesse novo tema, pois rompe com a ideia da eleição e privilégio
por parte dos gnósticos. Ao associar os verbos πα
α
e
α
, o redator reforça a ideia de
que a úniἵἳ exigênἵiἳ pἳὄἳ ὅe toὄnἳὄ “filho de Deuὅ” é ἳ fé no nome do logos (Jesus). Portanto,
a filiação com Deus está diretamente ligada à fé em Jesus.
68
(1.14b) αὶ ἐ α
α ὴ
α αὐ ῦ,
α ὡ
ῦ πα ὰ πα
,
E por fim, ainda na ideia da filiação, o redator arremata o tema a partir de uma expressão
ῦ πα ὰ πα
associada ao logos:
. Segundo o redator, o logos (Jesus) é o
“monogênito do Pἳi”, e, eὅὅἳ pἳlἳvὄἳ meὄeἵe noὅὅἳ ἳtençãoμ monogênito ο mono (úniἵo) +
gênito (gerado) – ou ὅejἳ, Jeὅuὅ é o “úniἵo geὄἳdo” dἳ pἳὄte do Pἳiέ A princípio, a ideia é de que
o Pai teria apenas um filho, contrariando a sentença do versículo 12. Porém, inserido no
universo do combate à redenção gnóstica no qual estamos inseridos, podemos dizer que essa
expressão associada ao logos tem uma relação direta e coerente com o versículo 12: todos que
crereἕ no noἕe do ἔogos serão gerados “fiἔhos de Deus”, poréἕ, o ἔogos (Jesus) é o
monogênito – único gerado. Isto é, todos podem, pela fé em Jesus, tornarem-ὅe “filhoὅ de
Deuὅ”, mἳὅ Jeὅuὅ ἵontinuἳ ὅendo difeὄenἵiἳdo, poiὅ ele é o monogênito da parte do Pai,
portanto, nunca seremos igualados a Jesus (logos).
A partir dessa breve análise, podemos dizer que a comunidade joanina rebate a redenção
gnóstica enfatizando bravamente que Jesus não é dispensável e, ainda, jamais seremos
igualados a ele, pois ele é o monogênito da parte do Pai. O projeto de redenção joanino passa
intrinsecamente pela comunhão plena e permanente com o logos (Jesus) e ainda, exige uma fé
constante no nome de Jesus: Jesus é indispensável na ação salvífica de Deus no mundo.
Mas, podemos dizer que a maior ênfase do Prólogo está no evento encarnação do logos.
Afirmamos isso a partir de nossa estrutura literária organizada em paralelismos culminativos120.
Como afirmamos anteriormente, o Prólogo se organiza em pequenos blocos, em paralelismos
culminativos, ligando-ὅe unὅ ἳoὅ outὄoὅ em “gἳnchoὅ temátiἵoὅ”, ἳpὄeὅentἳndo ἳ ἵἳdἳ finἳl de
bloco um clímax. Nessa ótica, podemos dizer que a perícope atinge seu clímax máximo no
versículo 14, que é quando aparece a afirmação sobre a encarnação do logos. Vejamos abaixo:
αὶ ὁ
αὶ ἐ
αὶ ἐ α
α ὡ
π
χ
14
120
121
ὰ
ἐ
121
ω
ἐ ἡ ῖ ,
α ὴ
α αὐ ῦ,
ῦ πα ὰ πα
,
αὶ ἀ
α .
14
E o logos carne veio a ser
E acampou entre nós,
e contemplamos a glória dele,
glória como unigênito da parte do Pai,
pleno de graça e verdade.
Sobre isso, conferir o tópico Análise Literária.
Forma flexionada do verbo
α . Classificação morfológica no texto bíblico: modo indicativo, tempo
aoristo, voz média/depoente, 1ª pessoa do singular. Certamente se apresenta aqui com forte ênfase na ação de
se fazer carne.
69
Ao analisarmos o bloco literário acima, percebemos a ênfase direta na encarnação do
logos. Destaque para o verbo
α associado à palavra ὰ . Algo inadmissível na fé
gnóstica. E, ainda, a glória do logos só pode ser contemplada quando esse logos se faz carne e
passa a habitar entre nós. A partir da realidade histórica da encarnação, o logos é glorificado e
se encontra pleno em Graça e Verdade. Outras expressões nos ajudam nessa compreensão:
ἐ χ
ὸ
Vindo para o mundo
ῳἦ
ἐ
ὰ
Em o mundo era (estava)
αἦ
Para os seus veio
Percebemos ainda, através dessas expressões, um forte destaque no relacionamento do
logos com o kosmos, com ênfase no verbo érkomai (vir) – indicando a ação do logos em vir
para esse mundo (encarnação).
A comunidade joanina faz do Prólogo um grande instrumento para fortalecer a fé e a
identidade do grupo. Diante de tantas dissensões e ameaças, a fé no logos encarnado se torna o
principal fundamento dessa comunidade na luta pela superação do trauma gerado pelo cisma e,
ainda, a marca de sua identidade plural.
Ao final desse mapeamento, a partir da diversidade apresentada, poderíamos representar
o Prólogo a partir da imagem abaixo:
Teologia da
Encarnação
Teologia do
Deserto
Memória de
João Batista
João 1.1-14
70
3.1.2. Harmonização do redator: Unidade
Vimos acima a diversidade teológica e mnemônica que nossa perícope contempla.
Porém, com já dito, o que ressalta aos nossos olhos é a capacidade de harmonização empregada
pelo redator do QE em sua terceira fase. Dizemos isso, porque, além de reunir nessa perícope
uma gama de tradições e memórias, o redator realiza um esforço notável e bem sucedido para
exercer entre essas tradições um importante diálogo, forjando a marca identitária da
comunidade: unidade na pluralidade.
Mapeamos acima pelo menos três tradições marcantes no universo joanino presentes em
nossa perícope: Memória de João Batista; Teologia do Deserto; e Teologia da Encarnação.
Mas, o redator não simplesmente reúne fragmentos de textos acerca dessas tradições. Antes, a
partir de algumas estratégias literárias, constrói uma relação de interdependência entre essas
tradições na construção de todo o Prólogo, transformando-o no texto que temos hoje.
Diversos são os temas teológicos presentes em nossa perícope. Entretanto, encontramos
no tema da luz – φῲ – uma importância singular. Isso, porque, em nossa perspectiva, a luz
exerce uma função harmonizadora ao longo do prólogo, conectando, de uma maneira
significativa, todas as tradições teológicas e mnemônicas mapeadas até aqui. Claro que alguns
outros fatores contribuem para essa harmonização, e isso veremos a seguir. Porém, certamente,
o tema da luz aparece com maior ênfase, por isso dedicaremos algum espaço a esse elemento
tão importante em nossa perícope.
3.1.2.1. Um elemento harmonizador em nossa perícope: a luz – φῶς
Para discutir esse tema, nos apoiaremos em um importante pesquisador, Charles H.
Dodd, com sua obra A Interpretação do Quarto Evangelho.122 Segundo o autor, o QE em
diveὄὅἳὅ fóὄmulἳὅ une “vidἳ” e “luz”, ou ὅejἳ, eὅὅeὅ doiὅ ἵonἵeitoὅ pἳὄeἵem eὅtἳὄ ἳὅὅoἵiἳdos.
Ao que tudo indica, a luz parece ser um símbolo natural para a divindade, como afirma Dodd:
O culto ao sol foi certamente uma das crenças vivas do mundo antigo,
e foi renovado durante o Império Romano. Para o simples observador,
a luz do sol é não só a causa da vida sobre a terra, mas também, ao
mesmo tempo, o meio pelo qual ficamos sabendo dos fenômenos.
Platão deu a esta concepção caráter filosófico quando ele usou o sol
como símbolo da Ideia do Bem, que é ao mesmo tempo a ratio essendi
e a ratio cognoscendi do universo, e que ele identificou – ou de qualquer
forma foi entendido como se identificasse – com o Deus supremo.123
122
123
DODD, Charles Harold. A Interpretação do Quarto Evangelho. São Paulo: Teológica/Paulus, 2003. p. 269282.
Id., Ibid., p. 270.
71
Portanto, usando o símbolo da luz foi possível dar uma ideia da relação do absoluto para
com os fenômenos, de Deus para com o univeὄὅoέ “A luz ὅe ἵomuniἵἳ poὄ iὄὄἳdiἳçõeὅ ὃue ὅão
emἳnἳçõeὅ de ὅuἳ pὄópὄiἳ ὅuἴὅtânἵiἳ”έ Sendo ἳὅὅim, ἵomo oἴὅeὄvἳ Dodd, Deuὅ é ἳ luz poὄ ἵujἳὅ
difuὅἳὅ ὄἳdiἳçõeὅ ἳpὄeendemoὅ o mundo fenomenἳlμ “à medidἳ ὃue ὅuἴimoὅ nἳ eὅἵἳlἳ, ὅomoὅ
iluminados por estas radiações superiores que são as ideias que constituem o cosmos noetos,
até que afinal o místico contempla a própria Luz (que é Deus) não por uma luz qualquer
empὄeὅtἳdἳ, mἳὅ poὄ elἳ meὅmἳ”έ
Como notamos, a luz é comumente associada com a vida enquanto descrição do real ou
do divino. Portanto, como afirma Dodd, se a fonte da luz, pela qual conhecemos, é também a
fonte da vida, então, à medida que avançamos no conhecimento rumo à visão da Luz, nós
também participamos da Vida. O autor ainda observa que entre as fontes a partir das quais esta
doutrina da vida e da luz como unidade era composta, devemos incluir as Escrituras hebraicas:
No Antigo Testamento ambos os termos são usados com frequência
para expressar aquela felicidade última ou salvação que é um dom de
Deus aos homens. Neste sentido, e só neste sentido, pode-se dizer que
Deus é a luz do seu povo. Os dois termos são associados no Sl 35; 36.10.
[έέέ] ἳmἴoὅ eὅtão fἳlἳndo dἳ “ideiἳ” eteὄnἳ de luz, dἳ ὃuἳl todἳὅ ἳὅ luzeὅ
empíricas são cópias transitórias. Esta luz exemplar – diz João – estava
“no” Logos, e é de certa forma intercambiável com a vida (1.3-4). O
Logos é o topos da vida e da luz exemplares; estas são aspectos do
Logos; enquanto que, para João o Pai do qual o Logos é o Filho, é
anterior a todos os arquétipos.124
Portanto, se lermos as proposições contidas no Prólogo, 1.5-10, com referência à φῲ
ὸἀ
, que é seu imediato sujeito, aprendemos que a luz exemplar brilhou nas trevas (do
não-ser, da ignorância e do erro), e resistiu aos assaltos das trevas. Ela está no mundo. Ela
ilumina todo homem. A maior parte da humanidade, todavia, não está consciente da presença
dἳ luz, mἳὅ ἳὃueleὅ ὃue “ὄeἵeἴem” ἳ luz, tem ἳὃuele ἵonheἵimento de Deuὅ ὃue oὅ fἳz filhoὅ
de Deus e participantes de sua vida.
Segundo Dodd, o fato decisivo no QE é que a luz exemplar se manifestou na pessoa de
Jesus. Ele é a Luz na qual vemos a luz, isto é, ele é a aletheia, realidade revelada, como é
também zoe. Ele é para o homem o mediador daquele conhecimento de Deus que é a vida eterna.
Então, quando João fala da luz que vem ao mundo está sempre pensando no aparecimento de
Jesus na história. É enquanto encarnado que, tendo vindo ao mundo, ele se torna to phos tou
kosmou. Portanto, o atributo específico da luz é que, enquanto todas as outras coisas são vistas
124
DODD, 2003, p. 272.
72
e conhecidas por meio da luz, a luz é conhecida apenas por si mesma: phos photi blepetai. De
fἳto, ἳ ἳfiὄmἳção de ὅeὄ “luz” não podeὄiἳ ὅeὄ ἵonfiὄmἳdἳ poὄ nenhumἳ outὄἳ ἵoiὅἳ, ὅenão pelo
brilhar da luz. É o conteúdo de todo o evangelho, que a obra de Cristo a si própria se comprova;
suas obras são luminosas. Sobre isso, Dodd ainda afirma:
Isto vem expresso no Prólogo na asserção de que no Cristo encarnado
oὅ homenὅ viὄἳm ἳ “glóὄiἳ” do Logos eterno. O clímax da série de
declarações sobre a luz eterna no Prólogo é a afirmação de que o Logos,
o topos tanto da vida como da luz; sarks egeneto, e o efeito disso – diz
o evangelista – foi que etheasametha tem doksan autou (1.14). A
associação de doksa com phos remonta ao Antigo Testamento.125
Outra importante literatura que podemos buscar apoio e diálogo, é a recente tese de
doutorado de Maria Aparecida de Andrade Almeida.126 Segundo Almeida, no Prólogo, o logos
pὄeexiὅtente, poὄ ὅeὄ ele meὅmo “vidἳ divinἳ”, é ἳ “luz doὅ homenὅ”έ Eὅtἳ luz é intercambiável
com a vida, portanto, luz e vida são aspectos do logos. Como Almeida observa, a luz (logos),
no princípio, estava com Deus. Agora, no presente, desempenha esta função de maneira
peὄmἳnenteμ “ἳ luz ἴὄilhἳ nἳὅ tὄevἳὅ”έ Poὄtἳnto, o teὄmo “ἴὄilhἳ” deὅἵὄeve umἳ ἳção ὃue ὅe
prolonga na atualidade, ou seja, o Logos faz-se carne e manifesta-se ἳo mundo ἵomo “luz do
mundo”έ127
Ainda nas palavras de Almeida:
A vida é ao mesmo tempo a luz do ser humano. Não existe para a pessoa
luz que não seja Jesus; ao ver a luz, o que se percebe é a vida. No QE
não se descreve a luz-verdade como algo visível e reconhecível
anteriormente à vida ou independente dela. Os temas da luz e da vida
são conexos no QE. Assim, a Luz (Logos) no Prólogo significa a
revelação de Deus trazida aos seres humanos e salvação para o mundo,
pois a encarnação do Logos comunica luz ao mundo.128
Como vemos, a luz é um tema fundamental na teologia joanina, e, principalmente, em
nossa perícope. Outra estratégia importante utilizada pelo redator é a quebra de coesão, que,
feita de forma intencional, provoca um diálogo interessante entre essas tradições.
125
126
127
128
DODD, 2003, p. 275.
ALMEIDA, Maria Aparecida de Andrade. Profeta e Luz: categorias intercambiáveis para consolidar a
identidade de Jesus na literatura joanina. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2012
(Tese de Doutorado em Ciências da Religião). 299 p.
ALMEIDA, 2012, p. 143.
Id., Ibid., p. 144.
73
Portanto, sob a perspectiva de uma harmonização das tradições mapeadas no Prólogo,
propomos uma nova imagem representativa para nossa perícope:
Teologia da
Encarnação
João 1.1-14
Sendo assim, a partir dessa imagem, passamos a apresentar, de forma direta, a
harmonização realizada pelo redator entre as tradições presentes na perícope. Por questões
metodológicas, apresentaremos os indícios de harmonização de forma sectária, de duas em duas
tradições. Porém, gostaríamos de frisar que essa harmonização acontece num processo dialético
e de total interdependência entre as tradições, tornando-se impossível saber onde termina e
começa uma e outra. Esse processo dialético e complexo é o que faz do Prólogo essa
impressionante obra literária, tornando-o a principal marca identitária da comunidade joanina.
3.1.2.2. Teologia da Encarnação X Teologia do Deserto
Como ponto de partida, analisaremos primeiro o diálogo entre a Teologia da
Encarnação e a Teologia do Deserto. Para isso, precisamos observar a evolução do logos ao
longo de nossa perícope. O Prólogo sofre, ao longo de sua redação, algumas quebras de coesão
intencionais, na busca de ênfase e diálogo, alterando sua intenção primária. A partir de uma
estrutura em paralelismos culminativos, podemos dizer que o último bloco literário do texto
constitui-se no clímax do Prólogo, ou seja, o versículo 14. E é justamente aí que está o ponto
de contato entre essas duas tradições tão importantes para a comunidade joanina.
74
Desde o versículo 1, o Prólogo vem dando testemunho acerca do logos. Esse logos é
identificado como a palavra (davar) criadora e organizadora do Gênesis e desenvolve uma
grande importância no imaginário joanino. Entretanto, no versículo 14, o redator, além de
chegar ao clímax do texto ao afirmar que o logos se fez carne, funde duas tradições. Vejamos
abaixo:
αὶ ὁ
αὶ ἐ
αὶ ἐ α
α ὡ
π
χ
14
ὰ
ἐ
ω
ἐ ἡ ῖ ,
α ὴ
α αὐ ῦ,
ῦ πα ὰ πα
,
αὶ ἀ
αέ
14
E o logos carne veio a ser,
E acampou entre nós,
E contemplamos a glória dele,
Glória como unigênito da parte do Pai,
Pleno de graça e verdade.
O redator afirma que o logos se fez carne. Em seguida, esse logos vem habitar em uma
tenda no meio de nós, e com isso, a partir da fé no nome dele, podemos contemplar a sua glória
como monogênito da parte do Pai. Ou seja, o logos aparece identificado como o Javé do Êxodo,
pois habita em tendas e anda no meio do seu povo, o que nos permite contemplar sua glória.
Portanto, nessas duas frases em destaques percebemos o diálogo dessas duas tradições. Vale
ressaltar que a relação luz e vida remonta ao imaginário do Antigo Testamento, mais específico,
o Êxodo.
3.1.2.3. Teologia do Deserto X Memória de João Batista
O segundo diálogo também surge de um elemento muito interessante. Como vimos, um
dos aspectos da Teologia do Deserto consiste na fé no Deus que não tem nome e é justamente
nesse fundamento que esse segundo diálogo se desenvolve. Ao longo de toda a perícope, o
logos é identificado com um pronome na terceira pessoa do singular. Porém, no versículo 6,
quando abre-se um novo bloco em dedicação à memória de João Batista, destaca-se algo muito
importante. Quando menciona-se o aparecimento de um homem enviado por Deus, o texto cita
seu nome: João. Vejamos:
6
Ἐ
ἄ ωπ , ἀπ
ῦ, ὄ
α αὐ
7 ὗ
ἦ
α α υ
ῃπ ὶ
απ
π
ω
ἦ ἐ ῖ
ὸφ
α α υ
ῃπ ὶ
α
πα ὰ
Ἰω
·
α υ α
ῦ φω ,
᾽ αὐ ῦέ 8 ὐ
,ἀ ᾽
ῦ φω έ
6
Veio a ser homem, enviado da parte de
Deus, nome dele era João.
7 Este veio para testemunho,
Para que testemunhasse a respeito da luz,
Para que todos cressem por meio dele. 8
Não era aquele a luz, mas
para que testemunhasse a respeito da luz.
75
Em um universo de conflitos e controvérsias entre a comunidade joanina e os seguidores
de João Batista, citar o nome de João e omitir o nome do logos, é um indício de que a
comunidade joanina evoca a tradição do Deus que não tem nome para resolver a polêmica com
os seguidores de João Batista. Pois, se João pode ser definido por um nome, ele é limitado,
portanto, menor que o logos, que é Jesus. Por isso, João, de fato, não pode ser o Cristo.
3.1.2.4. Memória de João Batista X Teologia da Encarnação
E por último, temos o diálogo entre a Memória de João Batista e a Teologia da
Encarnação. Para isso, recorreremos de forma mais direta ao tema da luz, e, também, à análise
da integridade e coesão da perícope.
Como propomos em nossa abordagem exegética129, o texto que circulava na
comunidade joanina, num primeiro momento, era mais simples e organizado. Posteriormente,
foi modificado por quebras de coesão, enfatizando diversos temas, como temos visto até agora.
Portanto, o diálogo entre essas duas tradições acontecem estritamente nesse contexto de quebra
de integridade e coesão do texto. Isso fica nítido ao analisarmos o texto em seu estágio
primitivo130:
[...]
4 ἐ αὐ
αὶ ἡ ωὴ ἦ ὸ φ
5 αὶ ὸ φ ἐ ῇ
9Ἦ ὸφ
φω
π
ἐ χ
ὸἀ
αἄ
ὸ
ωὴ ἦ ,
ἀ
πω ·
ᾳ φα
,
,
[...]
O que tem feito 4 nele vida era,
E a vida era a luz dos seres humanos.
5 E a luz na escuridão brilha,
9
ωπ ,
έ
[...]
Era a luz verdadeira,
Que ilumina todo ser humano
Vindo para o mundo
[...]
Percebemos uma coesão textual e temática na relação desses dois blocos literários de
nossa perícope. Tendo o tema da luz como fio condutor, o texto desenvolve-se de forma fluente.
Porém, quando analisamos o texto em seu estágio final de redação, temos a quebra de coesão
constatada:
129
130
Sobre isso, conferir o tópico Integridade e Coesão.
Como propomos em nossa discussão no tópico Integridade e Coesão – página 48.
76
[...]
ἐ αὐ
αὶ ἡ ωὴ ἦ ὸ φ
5 αὶ ὸ φ
ἐ ῇ
4
αὶ ἡ
ωὴ ἦ ,
ἀ
ᾳ φα
α αὐ ὸ ὐ α
α
πω ·
,
[...]
O que tem feito 4 nele vida era,
E a vida era a luz dos seres humanos.
5 E a luz na escuridão brilha,
έ
E a escuridão a ele não subjugou.
Ἐ
ἄ ωπ , ἀπ α
πα ὰ
ῦ,
α αὐ Ἰω
·
7 ὗ
ἦ
α υ α
α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω ,
απ
π
ω
᾽ αὐ ῦέ 8 ὐ ἦ
ἐ ῖ
ὸφ ,ἀ ᾽
α α υ
ῃ π ὶ ῦ φω .
6
Ἦ ὸφ
φω
π
ἐ χ
9
6
9
ὸἀ
αἄ
ὸ
,
Veio a ser homem, enviado da parte de
Deus, nome dele era João.
7 Este veio para testemunho,
Para que testemunhasse a respeito da luz,
Para que todos cressem por meio dele. 8 Não
era aquele a luz, mas
para que testemunhasse a respeito da luz.
Era a luz verdadeira,
Que ilumina todo ser humano
Vindo para o mundo
ωπ ,
έ
[...]
[...]
A quebra de coesão é nítida no texto, porém, percebemos que o redator aproveita o tema
da luz para fazer a inserção da Memória de João Batista de forma que desenvolva um diálogo
com a Teologia da Encarnação. Na evolução do texto, o logos aparece aqui identificado como
luz. Já João Batista, após a releitura da comunidade joanina, assume o papel de testemunha
dessa luz. Algumas frases nos ajudam a identificar:
ὗ
ἦ
α α υ
α υ α
ῃπ ὶ
ὐ ἦ ἐ ῖ
α α υ
ῃπ ὶ
ῦ φω
ὸφ
ῦ φω
Este veio para testemunho
Para que testemunhasse a respeito da luz
Não era aquele a luz
Para que testemunhasse a respeito da luz
Portanto, tendo o tema da luz como fio condutor desses blocos literários, o redator insere
a Memória de João Batista, e, ἵom eὅὅἳὅ fὄἳὅeὅ, pἳὄeἵe ἵὄiἳὄ “gἳnchoὅ” ὃue poὅὅiἴilitem ἳ
harmonização em nossa perícope, a partir de um diálogo com a Teologia da Encarnação: João
Batista é testemunha da luz (logos).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Prólogo joanino é um desafio para a exegese. Diversas teorias são apresentadas a cada
dia na tentativa de possibilitar uma compreensão mais precisa da mensagem desse texto. O
caminho tomado nesse trabalho, apresenta um cristianismo plural, marcado por divergências e
convergências, que, mesmo em meio a um cisma, possibilitou a busca pela unidade dos cristãos
da comunidade joanina.
O cristianismo primitivo tem em sua origem uma formação plural. Constituído a partir
da inserção de pessoas de diferentes grupos religiosos, o cristianismo apresenta-se como um
grande mosaico, marcado por assimilações, conflitos e dissensões. Em meio a esses conflitos,
percebe-se sinais de abertura ao diálogo e a busca de tolerância como sinais de pertença a uma
comunidade. Ao observarmos o cristianismo de hoje, encontramos uma busca insaciável pela
uniformidade de pensamentos, atitudes, interpretações, estereótipos etc., o que sem dúvida, se
torna um catalisador para o sectarismo e intolerância em nossa sociedade, incentivando,
consciente e inconscientemente, a violência em nosso cotidiano. Portanto, ao longo dessa
pesquisa, tratamos de investigar o convívio entre pessoas diferentes dentro de uma comunidade
de fé como uma característica fundante, observando passos fundamentais para a superação de
um pensamento sectário a partir da abordagem que a comunidade joanina faz da perícope de
João 1.1-14.
Em nosso primeiro capítulo, encontramos no cotidiano da comunidade joanina indícios
da pluralidade no movimento cristão primitivo. Essa comunidade constituiu-se em meio a
diversas disputas e dissensões e o próprio texto do QE nasce como resposta aos diversos
conflitos desse grupo, que, com grande garra, lutou bravamente pela unidade. Portanto, a
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identidade dos joaninos é forjada em meio aos conflitos, constituindo um verdadeiro mosaico
de pensamentos e influências.
Como segundo passo, apresentamos no segundo capítulo, uma abordagem exegética da
perícope de João 1.1-14 e, afirmamos que o Prólogo é indício da identidade plural da
comunidade joanina. Um dos principais elementos para essa constatação fundamenta-se no
estudo e análise da integridade e coesão da perícope. Percebemos que o Prólogo constitui-se
em um hino primitivo que sofre algumas mudanças e quebras de coesão, intencionais, na
finalidade de fortalecimento de identidade.
Em nosso terceiro capítulo, encontra-se o foco de nosso trabalho. Apresentamos nesse
espaço o marco identitário joanino: pluralidade e unidade. A comunidade joanina é dotada de
uma capacidade única de conduzir ao diálogo elementos divergentes e, a diversidade teológica
e mnemônica de nossa perícope representa claramente essa identidade plural. Entretanto, a
capacidade de harmonização do redator nos surpreende. Portanto, afirmamos que o Prólogo
Joanino (João 1.1-14) representa um estágio último da comunidade joanina, que após um cisma
traumático tenta fortalecer sua identidade, recuperando princípios fundantes da fé cristã, sem
encerrar as possibilidades do diálogo com o diferente dentro da comunidade.
Certamente essa perícope lança luz à nossa intenção de valorização da pluralidade
dentro do cristianismo. Percebemos que o cristianismo de hoje tem sido conduzido e tem
conduzido pessoas pelo caminho da uniformização, desvalorizando a individualidade de cada
um. Cada ser humano tem autenticidade para expressão da individualidade dentro dessa
religião, portanto, a identidade deve ser reforçada, e não apagada. A proposta do cristianismo
tem mais a ver com a criação e convívio de uma comunidade de indivíduos, do que um
movimento massificante, em que pessoas perdem sua individualidade.
Em suma, temos na proposta de fé de uma comunidade do primeiro século um
paradigma de convivência. Um projeto em que pessoas diferentes e de perspectivas distintas da
fé, têm a oportunidade de conviverem e constituírem uma verdadeira comunidade, sem
perderem a individualidade. Em um mundo que nos conduz à uniformidade, a partir da opressão
e ameaça, encontramos na comunidade joanina a possibilidade da construção de um
cristianismo melhor, um cristianismo que valorize e respeite a pluralidade, que saiba lidar com
as diferenças e que proporcione as possibilidades da existência de uma verdadeira comunidade
de fé, mesmo que seja uma fé expressada em diversas perspectivas.
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