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Tecnologias Digitais e Educação Carmen Lúcia Guimarães de Mattos UERJ/UBC Resumo Tecnologias digitais e educação tangenciam demandas da pós-modernidade que professores/as e alunos/as a não podem relegar ao segundo plano quando se pensa o processo de ensino e aprendizagem. Como professora e pesquisadora em educação, encontro na tecnologia e na etnografia, juntas, dois elementos que possuem um potencial criativo e inovador para o enfrentamento das injustiças educacionais que persistem a rondar as escolas brasileiras e suas salas de aula, indiferentes as mudanças tecnológicas que ocorrem no mundo pós-moderno. Este texto, preparado para a conferência Tecnologias Digitais e Educação proferida no III EDID/UEPB teve como objetivo contribuir para que os ouvintes e agora leitores juntamente com a conferencista e autora pensem a educação contemporânea a partir desse elementos: tecnologias digitais e educação tendo como subsídio as pesquisas etnográficas em educação. Palavras chaves: Tecnologias digitais, Sala de aula, Etnografia, Pós-modernidade. Introdução A minha fala de hoje pretende explorar a temática “Tecnologias Digitais e Educação” a partir do pressuposto de que a utilização de tecnologias digitais trouxe para este novo milênio transformações profundas nas formas de acesso, aquisição, processamento e armazenamento do conhecimento humano. Estas transformações têm implicações impactantes à Educação, em especial para a maneira como aprendemos e interagimos no meio social. Seja no âmbito virtual ou presencial, as nossas experiências, as nossas ações e as nossas emoções estão se modificando em uma velocidade assustadora. Essas mudanças, em associação, modificaram o nosso modo de pensar e o funcionamento do nosso cérebro. Tais transformações só são comparadas, em termos temporais, àquelas promovidas no século passado com a invenção da imprensa. A escrita impressa tem presença muito forte em nossa sociedade até hoje, sendo essa ação, talvez, um dos únicos vínculos entre a modernidade e a pós-modernidade. A presença dos modelos escritos é marcante no ambiente virtual, podemos tomar como exemplo os e-Books que mantém um formato de livro real embora seja virtual. Diferentemente do livro, temos o telefone, invenção posterior à escrita, mas que mudou radicalmente em forma, conteúdo e modos de uso. Estes dois exemplos nos remetem às diacronias que podem impactar a Educação na sociedade pós-moderna. A linguagem em suas diferentes formas criam e recriam valores que muitas vezes não nos damos conta de onde se originaram. Pensar uma mente diacrônica e suas sintonias com o futuro é pensar no universo da Educação permeado por mudanças profundas a partir da utilização de tecnologias digitais. Alguns marcos temporais importantes dessas transformações tecnológicas, presentes na modernidade, são: 1) a criação da primeira prensa em 1440 por Gutenberg, tecnologia da renascença que transformou a modernidade; 2) a criação do primeiro computador conhecido como o ENIAC, em 1946, por John Mauchly e John Presper Eckert na University of Pennsylvania nos Estados Unidos; 3) a invenção do primeiro Macintosh pela Apple, em 1984, com o princípio do design interativo de janelas. Dentre outras modernizações que impactaram o mundo digital nos último século. PRENSA EM 1440 COMPUTADOR EM 1946 Fonte: Laboratório de Etnografia Digital (LED/UERJ). Embora cientes destas modernizações, nos perguntamos ontem e hoje como está a escola frente a elas? E as salas de aula como andam? Como etnógrafa crítica da escola e como antiga observadora das interações de sala de aula em minhas pesquisas, posso demonstrar com fotos ou vídeos o que temos visto nos últimos 30 anos. Mas, voltando um pouco atrás na história da escola, vemos que desde o seu início, ela permanece quase que imutável em sua forma e conteúdo: quanto às salas de aula, elas pouco mudaram; as carteiras, em alguns casos, passaram a ser arrumadas em grupo, ao invés das fileiras; o quadro negro foi substituído pelo verde e depois pelo branco; existem televisões mesmo que “engaioladas”; existem alguns livros, embora em sua maioria trancados em armários; já está presente o ar condicionado apesar de as janelas não terem boa vedação; existem, em alguns casos, projetores de slides e/ou telas interativas, embora sejam usados ainda como substitutos do quadro negro. Na prática, o que mudou? Os professores, em alguns casos, ganharam um laptop ou um tablet de baixa qualidade, as escolas ganharam um laboratório de informática com poucos equipamentos. Entretanto, a presença de instrumentos digitais não mudou a rotina da escola e das salas de aula até o presente momento Quando me refiro a escola e as salas de aula, aqui, tenham em mente que estou falando da escola pública na maioria das grandes capitais. Tomo como base a minha vivência no Rio de Janeiro e cidades periféricas. Estou ciente de que no Brasil, de modo geral, as situações são muito discrepantes e que não é possível fazer generalizações no campo da Educação. . ESCOLA EM 1920 E 2010 Fonte: Laboratório de Etnografia Digital (LED/UERJ). O que devemos então aprender sobre as tecnologias para que a escola incorpore em seu dia a dia ferramentas que possam mudar a dinâmica interativa entre alunos/as, professores/as e outras pessoas presente no seu ambiente? Como podem essas ferramentas, quando incorporadas ao nosso dia a dia nas escolas, serem úteis para entendermos o modo como aprendemos e adquirimos conhecimento na pós-modernidade? CONFIGURAÇÃO SALA DE AULA NO INÍCIO E NO FINAL DO SÉCULO XX Fonte: Laboratório de Etnografia Digital (LED/UERJ). Tentarei responder a essas perguntas me reportando às minhas pesquisas em ensino/aprendizagem sobre a sala de aula e como professora de tecnologia em Educação em cursos de Pedagogia ao longo das três últimas décadas. Com esse aporte, pretendo demonstrar como, ao abraçar a questão do ensino/aprendizagem através da exclusão educacional e pensar as tecnologias como uma das formas de superação dessa exclusão cheguei a algumas reflexões. Etnografia e tecnologia em educação: conhecimento construído na trajetória acadêmico profissional O entendimento de que a pedagogia é uma tecnologia cultural (SIMON, 1995; FREIRE, 1967) SIMON, R. A pedagogia como uma tecnologia cultural. In: SILVA, T. T da. Alienígenas na sala de aula. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. pp.61-84. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967. e de que a etnografia crítica é, além de abordagem metodológica de pesquisa uma forma de ser no mundo (ERICKSON,1973; MATTOS, 1992) O campo da etnografia nos Estados Unidos foi influenciado principalmente por duas tradições: o antropologia britânica do século 19 e a Escola de Chicago nos anos 1920. Frederick Erickson, construiu seus trabalhos etnográficos a partir destas tradições. Ele lecionou na Universidade de Chicago onde desenvolveu trabalhos de pesquisa utilizando a etnografia crítica como metodologia. ERICKSON, F. What Makes School Ethnography ‘Ethnographic’? Council on Anthropology and Education Newsletter, Vol. IV, No. 2, July 1973, pp 10-19. , tem marcado minha trajetória acadêmica desde os anos de 1980. Na etnografia crítica, fui buscar uma metodologia ou ferramenta de pesquisa que desse conta de estudar o fracasso escolar de alunos e alunas das redes Estadual de Ensino do Rio de Janeiro (1972 a 1983) e Municipal de São Paulo (1984 a 1985) onde lecionei para o Ensino Fundamental. O contato com a pesquisa surgiu na época em que eu cursava o mestrado em Psicologia Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Foi com o professor Karl Scheibe Professor Karl Scheibe <http://karlscheibe.com>, é professor emérito da Wesleyan University, nos Estados Unidos e em 1984, foi professor visitante da Universidade Católica de São Paulo, no Programa de Pós-graduação em Psicologia Social Fulbright-Hays Senior Fellow—1984. que iniciei minha carreira na pesquisa acadêmica. O tema estudado era a psicologia do self, identidade e as vantagens de uma abordagem dramatúrgica para os estudos em psicologia social (SCHIBE, 1984) SCHEIBE, K.E. Identidade: Prismas. São Paulo: Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil. 1984. , isto é, tomávamos como base dados empíricos de situações cotidianas dos sujeitos da pesquisa, que eram analisados à luz das teorias e metodologias fenomenológicas em termos dos aspectos psicossociais e das teorias e metodologias derivadas dos estudos das representações socioeducacionais e suas implicações sociointerativas (GOFFMAN, 1959) GOFFMAN, E. The presentation of self in everyday life. Garden City, NY: Doubleday. 1959. . Esses primeiros passos foram importantes para que me desse conta de que os métodos tradicionais de pesquisa, aprendidos até aquela data, não faziam muito sentido no contexto das questões que pretendia responder com a minha pesquisa. Em especial, pelo fato de que essas indagações partiam da minha própria prática como professora de Educação Infantil e Ensino Básico no Rio de Janeiro. Em 1984, já como professora da Universidade Mackenzie (1983-1996), lecionava as disciplinas de didática, metodologias e tecnologias para o curso de pedagogia e me deparava com a realidade de que as diferenças culturais eram um importante marco identitário de inclusão e exclusão das pessoas em determinados contextos sociais. Meu “sotaque” carioca, por exemplo, com um forte chiado no final das palavras, ecoava como um insulto aos ouvidos das alunas, como se obstruísse o possível vínculo entre mim, como professora, e elas como alunas. A pergunta silenciosa entre elas era: como uma moça do interior do Rio de Janeiro poderia lecionar para a classe média paulistana num dos espaços mais elitizados da capital? Nesse contexto de trabalho e de estudos, me vi pressionada a caminhar em direção às críticas sobre as desigualdades socioeducacionais que me inquietaram pela vida toda e que agora enfrentava na própria pele. Na tentativa constante de auxiliar alunos e alunas fracassados na escola a superarem suas dificuldades, a etnografia tem sido uma das palavras que eu mais utilizo desde o inverno de 1988, quando pela primeira vez ouvi de Frederick Erickson Frederic Erickson, foi meu professor e orientador no período de 1987 a 1992, curso de Doutorado em Educação na Universidade da Pensilvânia, EUA. Ele continua a inspirar os meus trabalhos de pesquisa e é consultor para os meus trabalhos. No momento é professor Emérito da Faculdade de Educação da Universidade de Los Angeles na Califórnia, EUA, e pode ser acessado pelo site: http://gseis.ucla.edu/people/ferickson como utilizar a etnografia como abordagem para pesquisar salas de aula. Há muito buscava uma metodologia que, em primeiro lugar, desse conta de valorizar o conhecimento que os alunos Usarei alunos no masculino em acordo com as normas gramaticais, sem contudo com esse termo excluir as alunas, assim como usarei professoras nos feminino por entender que estas são maioria entre os profissionais na área. têm sobre a escola e, em segundo lugar, que não reduzisse os alunos que fracassam na escola à sua condição de fracassado, como preconizava a maioria das teorias que circulavam no universo acadêmico à época, impregnada pelas correntes teóricas originárias das áreas de sociologia e psicologia, onde as teorias da reprodução cultural (BOURDIEU; PASSERON, 1970 Reproduction in Education, Society and Culture. London: Sage Publication, 1977 (1º Edition, 1970); ALTHUSSER (1969) Ideologie et appareils idéologiques d'État (notes pour une recherche) La Pensée 151 (1970): 3–38; tr. as “Ideology and Ideology and Ideological State Apparatuses: Notes Towards an Investigation” by Ben Brewster in Lenin and Philosophy and Other Essays (New York: Monthly Review 2002)., 1970; BOWLES & GINTIS Schooling in Capitalist America: Educacional Reform and the contradiction of Economic Life. New York: Basic Books, 1976., 1976) predominavam. Enquanto isso, Paulo Freire Paulo Freire foi meu professor no Curso de Mestrado em Psicologia Social da PUC/SP em 1984 e continuou meu amigo até sua morte e continua a ser meu mentor inspirador por sua presença e obra. Suas obras e referências podem ser encontradas no site http://www.paulofreireinstitute.org/ representava uma das únicas vozes a reconhecer o potencial do aluno para reverter sua realidade educacional, em especial a realidade marcada pelo fracasso que caracterizava os alunos do Ensino Básico no Brasil na década de 1980 (IBGE Fonte: MEC/INEP/Censo Escolar, Ensino Fundamental e Médio, 1980/2000. Edudata Brasil; IBGE, Censo Demográfico., 2013). Aproximei-me, portanto, do pensamento freireano e da abordagem etnográfica crítica de sala de aula com o intuito de compreender o aluno em seu próprios termos. A tecnologia incorpora-se nesse contexto como modo de auxiliar esses alunos a lidarem com essas dificuldades na escola, ou não, de forma a superarem as mesmas. A tecnologia é o conhecimento de maneiras, técnicas e instrumentos inovadores que permitem mudanças nas formas como fazemos as coisas. A tecnologia digital é aquela que faz uso dos dígitos 0 e 1 e das suas inúmeras possibilidades de combinação para criar novos contextos tecnológicos, novas linguagens e novas formas de comunicação e informação. Hoje, estudo etnografia digital por entender que este novo paradigma de pesquisa pode combinar essas duas poderosas ferramentas – a tecnologia digital e a etnografia crítica – para melhoraria da Educação. Assim, estou falando de temas com o qual estou familiarizada, sem, contudo, deixar de estranhar o que já conheço sobre eles e ainda estou a conhecer. O estranhamento aos temas se faz necessário, na medida em que me encontro debruçada sobre um terreno novo (MATTOS Estágio Sênior como professora visitante na Faculdade de Educação da Universidade British Columbia, em Vancouver, CA sob o tema: Tecnologia Digital e Pesquisa Etnográfica. Financiado por: CAPES/Bolsa de Pesquisador Sênior, FAPERJ/UERJ/Bolsa PROCIENCIA e SR2/UERJ/ Bolsa PROCAD e Department of Curriculum & Pedagogy, UBC/Vancouver, CA, Auxilio Pesquisa., 2013), de modo a entender melhor a associação entre o universo de pesquisa e o uso popularizado da internet e das ferramentas tecnológicas digitais como meios interativos e de comunicação que expressam a realidade do aluno neste novo milênio. Tecnologias Digitais, mentes, aprendizagens e alunos Ao abandonar os meios tradicionais de interação e envolver-se cada dia mais com as tecnologias digitais, alunos e alunas, assim como outros membros da sociedade atual, se veem diante de mudanças constantes em sua forma de falar, agir e, portanto, de pensar o mundo. As escolas e as pesquisas que se propõem a estudá-las, podem até tentar ignorar essas mudanças. Ao se elegerem porta-vozes da tradição intelectual e do saber verdadeiro, não se permitem “contaminar” por novidades e modernismos passageiros, populares e de pouca ressonância no meio acadêmico. Tradição e saber que, muitas vezes, parecem envoltos por “nuvens enigmáticas” que somente poucos privilegiados tem acesso. O uso dos meios digitais de comunicação e de interação deixa para trás os impressos, consagrados pela escola e pela academia, como os livros, jornais científicos, catálogos e revistas. Esses foram agilmente transformados em documentos digitais, mesmo que obedeçam as mesmas regras e formatos dos seus modelos impressos, num primeiro momento de sua produção. Os meios digitais deixam ainda para trás a televisão, o rádio, o telefone, dentre outros artefatos eletrônicos em seus formatos tradicionais, e são, em sua maioria, unificados em suas novas versões, combinando modelos de diferentes gerações tecnológicas presentes na sociedade neste último milênio e que permaneceram aliados à escola como instrumento de mediação do conhecimento. Portanto, a escola, a formação de professores e a pesquisa educacional, embora ainda num primeiro momento, ingenuamente, estejam tratando a tecnologia como uma inimiga do conhecimento científico, veem-se diante a uma mudança de paradigma, tanto pela forma de acesso, quanto na aquisição de conhecimento (ROBINSON, 2013) O britânico Ken Robinson, é um dos nomes mais respeitado do mundo acadêmico, conselheiro de educação e autor de diversos best-sellers sobre o assunto. Seu trabalho questiona velhos modelos indo contra os vícios que levam o processo educacional contra a criatividade. Um dos seus premiados trabalhos pode ser visto em http://youtu.be/7BDOICZDjGA ROBINSON, K. How to escape education's death valley. TED Talks Education. Filmado em Abril de 2013 e disponibilizado em May 2013 em <http://www.ted.com/talks/ken_robinson_how_to_escape_education_s_death_valley.html>, e ainda, diante de sua própria resistência a um modelo de interação por meio digital. Como principal reação a essa mudança, na escola, proíbe-se o uso de aparatos digitais pelos alunos (CLDF, 2008) Por exemplo a Lei Nº 4.131/2008, do Distrito Federal, uma lei que proíbe alunos de usar celulares e aparelhos eletrônicos como MP3 players e videogames em escolas públicas e privadas da Educação Básica., ou limitam-se as redes de acesso em suas dependências. Na academia tende-se a depreciar as tecnologias digitais como ferramentas de pesquisa e/ou como objeto de estudo associado à escola Overcoming the “techno-absence in pre-service teacher education In: Formatex. International Conference on Multimedia and Information in Education, II Annals. Badajoz, Espanha: Abstracts Book. [CD-ROM]. Badajoz, Espanha . . Considerando esse contexto onde, por um lado, há o aumento no uso de tecnologias digitais na sociedade modificando nossa forma de estar no mundo e, por outro lado, os limites da escola para perceber e lidar com esse fato, podemos nos questionar: como essas mudanças afetam o nosso cérebro? As nossas ações? As nossas emoções? De que modo elas se processam? Como aprendemos na era digital? Está a escola assimilando estas mudanças? E, principalmente, queremos entender como lidar com os alunos que são nativos digitais? Como eles lidam com esse universo e nele se movimentam sem questionamentos, contradições e/ou dificuldades? Carr (2011), em seus estudos sobre mente e cérebro, tem demostrado com sucesso que embora, algumas vezes, mente e cérebro sejam compreendidos como sinônimos, não significam a mesma coisa. Para ele, o cérebro tem um componente biológico não presente na mente. Na massa cinzenta presente no cérebro se processam circuitos de ligação intermináveis que se modificam de forma rápida e indefinidamente com uma plasticidade muito grande. Podemos interpretar, então, que o cérebro é um órgão dinâmico em constante mutação. A mente, diferentemente, se reporta à memória e às emoções a ela associadas. Para Carr (Idem), quando lemos um texto escrito a forma de processamento do cérebro envolve uma sequência de circuitos combinados entre si. Para acompanhar o texto de forma linear e sequencial sem haver muito ruído de informações, esses circuitos combinam e ampliam a nossa capacidade de assimilação de palavras conhecidas e a nossa acuidade visual permitindo ao cérebro acompanhar o movimento do texto de acordo com a sua sequência lógica formal. Nesse processo, a mente auxilia a ampliar o conhecimento, através da memória imediata e remota do conhecimento anterior. Numa lógica metacognitiva, aprende-se à medida que as diferentes memórias são associadas informando a própria memória sobre este conhecimento num movimento infinito de possibilidades. No ambiente digital, as imagens são, em sua maioria, iconográficas , exigindo do cérebro um processamento diferente do que estamos habituados ao ler linearmente. A leitura hipertextual e o ambiente ciberespacial exigem maior velocidade do cérebro, maior acuidade visual e além de demandar a constante busca pelo texto possível, não necessariamente impresso na tela. A navegação num texto digital permite descobertas e acessos imediatos a outros textos, o cérebro passa a ser super-exigido. A memória que, como já falamos, é associada a emoções, passa a ser requisitada de forma mais fragmentada. O estudo de Carr (2011), e sua equipe, observou em alunos voluntários da pesquisa que o movimento de partes do cérebro associadas à memória deixaram de ser acessadas quando em atividades hipertextual, enquanto que outras que nunca foram estudas anteriormente mostraram maior frequência nas ondas cerebrais. As emoções associadas às atividades que envolviam recursos digitais evidenciaram ansiedade, cansaço e desconcentração. Em continuidade a estes estudos, os dados da pesquisa demonstram que as pessoas que tem o hábito de utilizar computadores, ver tevê e usar outros aparatos tecnológicos, sofrem mais frequentemente da diminuição da concentração, da diminuição da retenção de dados na memória de curto prazo, assim como dificuldade de manter-se numa mesma atividade por muito tempo. Em contrapartida, a utilização de aparatos digitais mostrou-se útil em atividades de solução de problemas, habilidades espaciais e ampliação de criatividade. Considerando que essas ações são fundamentais para a vivência e sobrevivência humana, podemos de certa forma dizer que essas mudanças podem nos ser úteis para o enfrentamento da vida moderna. Conclusão A nossa tese inicial sobre a relação tecnologia e educação é de que a Pedagogia é uma tecnologia cultural. Isso significa que a forma como ensinamos é incorporada às nossas ações pedagógicas a partir de produções culturais da sociedade como um todo. Como isso ocorre? Assim como os mestres da antiguidades orientavam seus discípulos através das suas vivências cotidianas que por reconhecimento público de validade social (?) e cultural eram transmitidas a estes, é a no movimento entre o que aprenderam nas escolas e na vida que se alicerça a prática pedagógica do professor no dia a dia da vida escolar. Retornando ao ponto inicial da nossa conversa, Tecnologia e Educação são importantes elementos do mundo pós-moderno. Acessarmos e entendermos os eixos de ligação entre elas nos permitirá caminhar de forma mais consciente pelas instituições que se pretendem formadoras como a escola, a família, o trabalho e as redes sociais, só para citar algumas, de modo a permitir a ampliação da visão critica sobre os seus impactos para o bem estar dos seres humanos, objetivo maior da vida em sociedade. Os alunos e alunas dos cursos de Pedagogia podem e devem fazer uso da tecnologia como um aparato cultural a ser inserido no contexto do ensino/aprendizagem para aumentar as chances daqueles que somente através da escola têm acesso a esses bens culturais. Ao mesmo tempo precisam, reflexivamente, se permitirem experimentar novos caminhos, inventar novos processos que oportunizem alunos e alunas menos privilegiados, academicamente, a tomarem maior proveito das tecnologias para melhorarem sua aprendizagem. Freire, não teve tempo para pensar e discutir as tecnologias digitais, cuja popularidade com certeza não o surpreenderia, mas ele continua a ser uma das referências teórica que melhor nos permite entender o papel da escola na sociedade pós-moderna. Ele ministrava uma de suas aulas na PUC/SP em 1988, que foi gravada por mim A aula era sobre o livro – A importância do ato de ler (1982). FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. Cortez Editora: São Paulo. 1982. . e explicava que a leitura e a escrita só fazem sentido quando o próprio sujeito faz sentido daquilo que lê de modo prazeroso. Segundo ele, a escola, como num teatro de mau gosto, tem um script chato, que o aluno rejeita, mas que o professor insiste em apresentar “como uma peça mau ensaiada” (FREIRE, 1988). Entretanto, ao pensar a leitura e a escrita hoje, não podemos nos afastar das cenas do dia a dia onde percebemos o prazer e a concentração dos usuários de tecnologias digitais, participantes das redes sociais interagindo incessantemente, usando a escrita e da leitura de pequenos textos digitais para se comunicarem. Esse fato nós faz lembrar como Freire utilizou a palavra “tijolo” para promover a leitura do mundo e leitura da palavra entre os camponeses africanos. Uma etnografia crítica sobre qual é natureza da satisfação das pessoas que utilizam as novas formas de escrita e da leitura nas mídias digitais poderia nos auxiliar a descobrir modos mais prazerosos de comunicação de conteúdos escolares. Visualizo nas práticas de pesquisas etnográficas criticas uma forte ligação entre a Tecnologia e a Educação, na medida em que precisamos escrever novos scripts que funcionem mais efetivamente para comunicar e expressar o conhecimento acadêmico necessário a escolarização de nossos alunos. Encontro na etnografia crítica, e nas diferentes formas de colaboração que ele pode promover, uma maneira de acessar esses conhecimento e assim modificar as nossas práticas de ensino/aprendizagem. Nos passos que caminhei entre a pesquisa etnográfica crítica e o ensino de tecnologia e educação para a Pedagogia, encontro um script bem sucedido a ser praticado pelo professor e pelo alunos que descreve a Pedagogia como tecnologia cultural. Derivado dos pressupostos do Inédito Viável e da Pedagogia da Possibilidade (FREIRE,1992) FREIRE.P. Pedagogia da Esperança: Um Reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. e embalada pelo meu sonho de uma educação pública de qualidade no Brasil, ouso afirmar que é possível uma escola de qualidade se trilhamos criticamente pela via da pesquisa colaborativa que inclua as vozes e as ações de alunos e alunas como agentes de mudança na Educação. O uso das redes sociais como um dos meios de participação ativa na sociedade, especialmente entre os jovens, nas recentes manifestações políticas, demonstra que a tecnologia é um bem cultural do qual nos apropriamos sem precisar ir à escola, e se a escola se negar a fazer parte desse processo de mudança cultural, social e politica ficará à margem da história mais uma vez deixando que outras áreas do conhecimento determine seus caminhos. 5 1st Draft em 18_01_2014_ tecnologias Digitais e Educação_ Mattos, C.L.G.de