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Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 Ritos de passagem na Ọrvar-Odds Saga – o caso do Homem-Casca André Szczawlinska Muceniecks Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Professor das cadeiras de História da Igreja e do Cristianismo na Faculdade Teológica Batista de São Paulo. NEVE - Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos muceniecks@yahoo.com Enviado em: 18/07/2015 Aceito em: 06/11/2015 Resumo: Este artigo estuda a Ọrvar-Odds Saga sob um ponto de vista Histórico-Antropológico. De início, localizamos a fonte primária em meio ao gênero histórico-literário no qual a mesma se enquadra, as Foọnaldaọsöguọ. A seguir, a carreira de seu personagem principal é analisada de acordo com os conceitos antropológicos de Van Gennep e Turner de espaço liminar. Por fim, observamos o emprego feito do leste no geral, e de Bjarmaland especificamente, enquanto constituição de cenário e materialização de regiões míticas. No caso em questão, o leste assume a forma de espaço liminar, no qual se dá a iniciação e os ritos de passagem do herói. Palavras-chave: Europa Setentrional; Antropologia Histórica; estudos Medievais Abstract In this article the Ọrvar-Odds Saga shall be studied according with a HistoricalAnthropological approach. At the beginning, the primary source will be located in the historical-literary genre of the Foọnaldaọsöguọ. Subsequently, its main character career will suffer scrutiny with the aid of Anthropological theory of Liminal Spaces, as defined by Van Gennep and Turner. Finally, we shall observe the uses made of the concept of East, as a generic idea, and the region of Bjarmaland, as a specific application of the same. Such areas assumed the role of scenario constitution and materialization place of the mythical regions. In the specific case study, the East assumes the role of liminal space in which the initiation process and Passage Rites of the hero are given. Keywords: Northern Europe; Historical Anthropology; Medieval studies. http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 41 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 A relação entre o leste e o norte da Europa no medievo é temática pouco trabalhada e explorada, tanto no meio acadêmico brasileiro quanto internacional. A dinâmica entre tais regiões, no entanto, apresenta elementos ímpares para a reflexão histórica e para a historiografia medieval com um todo que incluem a relação entre a História e outras disciplinas acadêmicas como Antropologia e Estudos Literários. Este artigo baseia-se em capítulo de nossa tese de doutoramento, defendida em 2014, na qual analisamos as diversas visões de leste encontradas nas fontes primárias escandinavas da Baixa Idade Média. Pretendemos aqui apresentar não uma série completa de fontes primárias, mas efetuar um recorte transversal em uma saga caracterizada como fantástica, que oferece campo fértil para a análise mista histórico-antropológica. Pretendemos demonstrar aqui como o enredo de uma saga apresenta-se estruturado de formas afins a ritos de passagens, e o papel em que as regiões de leste assumem em tais ritos de passagem. Para isto, detemo-nos na análise da Ọrvar-Odds Saga. 1. As Fornaldarsögur É possível encontrar relativa abundância de referências às regiões e nações de leste nas fontes escandinavas em documentos que podem ser caracterizados desde produções de intuito geográfico, histórico e instrucional até sagas de caráter marcadamente lúdico, voltadas para o entretenimento dos que escutam sua recitação. O maior conjunto de fontes a lidar com tal área geográfica é formado por uma série bastante distinta de produção literária, uma série na qual elementos como entretenimento, performance e o lúdico assumem papel tão ou mais importante em alguns casos do que a própria narrativa histórica. Em tais obras o passado provê, antes de tudo, o contexto narrativo, o cenário, a ambientação adequada a tal gênero. De certa forma desenvolve-se uma associação entre maior plausibilidade de execução de feitos fantásticos com a maior antiguidade ou distanciamento temporal em relação ao seu autor. O propósito específico de escrita – no caso, o entreter – não exclui o entrelaçamento dessa produção com aquela destinada à instrução. Como veremos em breve, há uma conexão orgânica entre agrupamentos de fontes que à primeira vista não possuem nada em comum à parte de serem produções escritas do medievo escandinavo. http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 42 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 O gênero que enquadra as sagas a lidar com o fantástico e o maravilhoso foi chamado de Foọnaldaọsöguọ noọðuọlanda, o que significa literalmente “sagas antigas das terras do norte”. Normalmente citadas apenas como Foọnaldaọsöguọ, são traduzidas com frequência como “sagas legendárias” ou “Sagas dos tempos antigos”. Essa caracterização é posterior à escrita das mesmas, datando do século XIX, e não fecha de forma absoluta a série. Carl Christian Rafn, em sua coletânea “Fornaldar Sögur Nordrlanda”, publicada em três volumes em Copenhague, em 1829 e 1830, efetuou a seleção de trinta e uma sagas que considerava enquadrarem-se no critério recém-criado. Posteriormente mais cinco foram adicionadas à lista, mas há uma série de manuscritos que ainda carecem de maior análise e que poderiam ser enquadradas em tal categoria. Tulinius, por sua vez, considera uma lista de vinte e cinco Foọnaldaọsöguọ, o que já deixa claro que há dissenso e o critério de gênero não é tão fechado (DRISCOLL, 2009: 01). Além da narrativa de eventos anteriores à colonização da Islândia (com algumas exceções, das quais a principal é a Yngvaọ Saga viðfoọla), as Foọnaldaọsöguọ são caracterizadas por uma forma narrativa centralizada no fantástico, na aventura e no exótico, com um grande uso de temáticas míticas e lendárias. O cenário básico dos acontecimentos é a Escandinávia, e não a Islândia. Não há consenso em relação à sua datação; a Yngvaọ Saga viðfoọla, datada do século XIII, é a mais antiga da série, que, em sua maior parte, situa-se entre os séculos XIV-XV (PALSSON & EDWARDS, 1990: 02) – o que faz as Foọnaldaọsöguọ formas de saga bastante recentes. Dessa forma, apesar de narrarem eventos anteriores à colonização da Islândia, possuem uma distância temporal mais significativa dos eventos que narram e consistem em fontes tardias. O contraste com as Íslendigasöguọ é marcante. Escritas em tom sóbrio e comedido, narradas de forma marcadamente realística, com poucas intervenções do sobrenatural e com muitas informações de cunho histórico e mesmo cronístico, as Íslendigasöguọ são consideradas pela tradição historicista como o ápice da produção literária islandesa medieval, e como tal serviram de parâmetro de comparação para outras séries de saga. Nesta breve caracterização já fica evidente ao leitor a preferência e valorização http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 43 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 que foi dada no decorrer dos estudos sobre Escandinávia medieval às Íslendigasöguọ e a depreciação a que as Foọnaldaọsöguọ foram submetidas. Como parte desse fenômeno pode-se citar não apenas as propensões historicistas, uma divisão estrita entre “história” e “mito”, mas também a criação de uma tradição que definiu que o tom narrativo escandinavo, em sua forma mais pura, em seu período mais “clássico” e notável, seria aquele passado pela narrativa das Íslendigasaga; enfim, um critério acerca da própria qualidade artística das sagas, também empregado em outras situações díspares como, por exemplo, a datação das mesmas (MUNDAL, 2013: 46). Um dos argumentos mais predominante e recorrente na justificativa de tais critérios de valor é construído baseado no contexto de escrita das Foọnaldaọsöguọ, alegando que as mesmas teriam sido produzidas em período de decadência literária, por sua vez causado pelos processos políticos envolvendo a Islândia e a Noruega (DRISCOLL, 2007: 196). Em contrapartida as Íslendigasöguọ, escritas em sua maior parte até o século XIII, refletiriam ainda o período áureo literário islandês medieval, em conjunto com as obras de Snorri Sturlusson. O fortalecimento da monarquia norueguesa e a subsequente submissão da Islândia em 1262 ao monarca da Noruega foi situação traumática e verdadeira ruptura em uma sociedade desde o seu início fundamentada, ainda que de forma relativa, na igualdade entre seus pares (BYOCK, 2001: 351-354). Tais argumentos são datados, coerentes com o historicismo, suas questões e questionamentos metodológicos, estéticos e formais. As gerações mais recentes de acadêmicos, dentre os quais se pode citar Mathew Driscoll, Torfi Tulinius, Margaret Ross, têm levantado novas questões relativas à pertinência do estudo das Foọnaldaọsöguọ. Não enquanto produto de decadência literária – antes, enquanto respostas artísticas, literárias e históricas específicas de uma sociedade em processo de profunda transformação (ROSS, 2000: 03). Há linhas diversas de argumentação a se empregar ao se levar em consideração o valor intrínseco das Foọnaldaọsöguọ enquanto vislumbres de uma época. A própria linguagem de escrita das mesmas, em tom mais leve e muitas vezes bem-humorado, contrasta com as Islendigasöguọ. O gênero, desta forma, tornou-se popular na Islândia, desde a data de sua escrita até o próprio século XIX; o número de cópias e manuscritos http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 44 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 efetuados nesses quatro séculos atesta particularmente bem a situação (LESLIE, 2012: 232). Destarte, as Foọnaldaọsöguọ consistem também formas específicas literárias voltadas para o próprio entọetenimento. Em adição, as Foọnaldaọsöguọ preservam, a despeito de sua estrutura em prosa, grande quantidade de inserções poéticas antigas. Uma das métricas mais frequentemente empregadas é a foọnyọðislag, mais ligada à tradição édica do que à escáldica, como no caso das Islendigasöguọ (TULINIUS, 2007: 448). O gênero veicula, dessa forma, conhecimento e fontes primárias sobre os tempos antigos de forma mais abundante e qualificada do que as próprias Islendigasöguọ. O cenário e o âmbito geográfico básico das Foọnaldaọsöguọ são a Escandinávia antes da colonização da Islândia. Porém, seu escopo é muito mais amplo. Em conjunto com tais regiões factuais do mundo nórdico, a narrativa se dá em localidades do fantástico escandinavo, como Jotunheimọ (a terra dos gigantes), as Planícies de Glasiọ, Geiọọodland e mesmo regiões das tradições greco-romana e cristã ressignificadas, como a Palestina e o Rio Jordão. Parte dessas localizações e definições geográficas se sustenta em conhecimento acumulado e pensado por autores anteriores. 1.1 Datações e subdivisões Torfi Tulinius defende em diversas obras uma datação mais recuada para as Foọnaldaọsöguọ, como a primeira metade do século XIII. Argumenta que há temáticas tratadas em comum com as Íslendigasöguọ, como preocupações com herança e linhagem, porém em forma deliberadamente ficcionalizada. Ele as chama de primeira manifestação de “ficção consciente” na prosa islandesa (TULINIUS, 2002: 48-55). LÖNNROTH (2003: 44) considera o grupo das Foọnaldaọsöguọ um gênero híbrido de tradição heroica, mito, folclore e romance do continente, e que não seria recomendável se efetuar distinções de categoria dentro das mesmas. A linha interpretativa de Pálsson e Tulinius (TULINIUS, 2007: 448s) diferencia dois polos temáticos nas Foọnaldaọsöguọ: o primeiro, de temática trágico-heróica, includiria dentre outras a Ragnaọs saga loðbọoka, a Volsunga Saga e a Heọvaọaọ saga ok Heiðọeks (PÁLSSON & EDWARDS, 1970: 36ss). Esse grupo se vincularia à antiga http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 45 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 tradição heroica transmitida principalmente em forma poética, e tende a apresentar um final trágico, com uma narrativa que estende-se frequentemente por várias gerações (TULINIUS, 2007: 448s ). Um ponto de transição da temática para uma aventureira seria exemplificado pela ọvaọ-Odds Saga e a Họólfs saga Gautọekssonaọ, as quais data nos finais do século XIII. Por fim, o período final das Foọnaldaọsöguọ caracterizar-se-ia por uma temática “aventureira-cômica”, exemplificado pela Bosa Saga e a Gongu-Họolf saga (PÁLSSON & EDWARDS, 1970: 69ss). Nesse grupo, chamado genérica e mesmo coloquialmente por Pálsson como “viking romances” (PÁLSSON & EDWARDS, 1985: 14), a ação toma parte no mundo do período viking, seus heróis não são necessariamente de linhagem real ou aristocrática, e a história normalmente possui um “final feliz“ (TULINIUS, 2007: 449). Ainda conforme TULINIUS (2002: 44-65), o ponto de transição de temáticas coincidiria com o surgimento das Riddaọasöguọ e com a transformação da Islândia de região livre para subordinada. Um sintoma dessa transição seria o interesse mostrado nas narrativas na questão referente ao poder real e sua expansão – conceito remodelado em um contexto pseudo-cavaleiresco nas Riddaọasöguọ, para os recém-vassalos islandeses da Noruega. É importante notar que as opiniões de Tulinius, em particular a questão da datação, estão longe de obter um consenso, não obstante sua qualidade. Entretanto, seja sua datação aceita ou não, pode se citar um consenso, exemplificado por MITCHELL (1991: 1332-136), entre a erudição mais recente acerca da característica das Foọnaldaọsöguọ enquanto formas narrativas de revitalização cultural do norte legendário. Tal circunstância é válida tenham sido as Foọnaldaọsöguọ escritas seja no ápice do período de perda de independência islandesa, como argumenta Tulinius, seja nos séculos XIV e XV, como defende a opinião mais corrente – em ambas as circunstâncias, ocorrem adaptações à nova situação política, que insere a Islândia num quadro mais amplo europeu. Um ponto da argumentação de Tulinius é de particular interesse ao se considerar o próprio valor estético e literário das Foọnaldaọsöguọ: Como Tulinius demonstra, elas contêm quantidade consideravél de poesia tradicional, édica e característica da literalidade oral, “pré” escrita e cristã. Ele considera que, de acordo com sua http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 46 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 argumentação para uma data mais recuada para as mesmas, as Foọnaldaọsöguọ provavelmente consistiriam em uma forma de continuidade dessa mesma tradição. Se nos mantivermos firmes ao critério mais difundido para a datação posterior das Foọnaldaọsöguọ, entretanto, esta quantidade de poesia édica que as mesmas veiculam deve ser considerada sob outro prisma. Certamente uma linha contínua de permanência, uma continuidade inalterada entre as duas tradições literárias, não pode ser sustentada. Entretanto, este uso de tal poesia implica em um resgate nesta modalidade de saga de uma tradição literária mais antiga, falando contrariamente aos critérios que denigrem tal tradição mais recente. Tal resgate de tradições antigas é bastante coerente com a argumentação de Ross e Driscoll, e demonstra um intuito consciente de preservação da tradição édica. Podemos argumentar mais além: o uso da poesia édica nas Foọnaldaọsöguọ é um uso muito coerente de fontes literárias para uma modalidade que pretende escrever sobre os tempos recuados, pois emprega e readapta a forma literária em voga nesses tempos passados. Aa Íslendigasöguọ e as Foọnaldaọsöguọ, possuidoras de formas e estéticas muito diversas, lidam com a mesma matéria-prima, o passado, em contextos diferentes e subsequentes. Ambos os usos são igualmente válidos, e a menor factualidade das Foọnaldaọsöguọ não deprecia o seu valor enquanto fonte histórica, sendo anacrônico depreciá-las em relação às Íslendigasöguọ. 2 A Ọrvar-Odds Saga 2.1 Manuscọitos e ọedações As Foọnaldaọsögur, e a ọvaọ-Odds Saga especificamente, na qual centralizaremos nossa atenção, possuem um número muito grande de cópias e manuscritos que atestam sua popularidade e difusão. Dado o descrédito que receberam no século XIX, há, em contraste, uma pequena quantia de edições e traduções, número que vem aumentando nas últimas décadas. Segue uma lista dos manuscritos que contém o texto completo, ou partes da http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 47 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 ọvaọ-Odds Saga, com seus respectivos locais de depósito: * Advocates Libọaọy, Edinbuọgh: MS 21.5.2 (1755-1758, Dinamarca; contém extratos); * Stofnun Áọna Magnússonaọ í íslenskum fọæðum, Reykjavík: AM 172 b fol.; AM 173 fol.; AM 340 4to; AM 342 I-II 4to; AM 343 a 4to; AM 344 a 4to; AM 344 b 4to; AM 471 4to; AM 552 q 4to; AM 567 IV 4to; AM 591 i 4to; AM 738 4to; AM 109 a 8vo; AM 109 a 8vo; * BibliothèỌue Sainte-Geneviève, Paọis: MS. 3713; MS. 3724; * Bọitish Libọaọy, London: BL Add. 11108; BL Add. 11161; BL Add. 11174; BL Add. 11174; BL Add. 11174; BL Add. 6121; BL Add. 6121; BL Add. 6121; * Bodleian Libọaọy, Oxfoọd: Ms Boreal 116; * Det Kongelige Bibliotek, Copenhagen: GKS 1006 fol.; Kall 243 fol.; Kall 611 4to; NKS 1689 4to; NKS 1707 4to; NKS 1709 4to; NKS 1791 4to; NKS 1792 4to; NKS 1793 4to; NKS 1793 4to; * Kungliga biblioteket, Stockholm: Papp. 4to nr 32; Papp. 4to nr 56; Papp. 4to nr 80; Papp. fol. nr 102; Papp. fol. nr 103; Papp. fol. nr 17; Papp. fol. nr 73; Papp. fol. nr 89; Papp. fol. nr 98; Perg. 4to nr 7; * Landsbókasafn Íslands, Reykjavík: ÍB 51 fol.; ÍB 384 4to; ÍBR 58 4to; JS 627 4to; JS 634 4to; JS 635 4to; Lbs 221 fol.; Lbs 221 fol.; Lbs 325 fol.; Lbs 381 fol.; Lbs 633 fol.; Lbs 152 4to; Lbs 677 4to; Lbs 942 4to; Lbs 999 4to; Lbs 1172 4to; Lbs 1492 4to; Lbs 1540 4to; Lbs 1582 4to; Lbs 1626 4to; Lbs 1971 4to; Lbs 5158 4to; Lbs 893 8vo; Lbs 1010 8vo; Lbs 1366 8vo; Lbs 2146 8vo; Lbs 4460 8vo; * Riksantikvaọieämbetet, Stockholm: Forn Sagor om Ketill Häng, Grim Ludenkind och Pile Odder; * Riksaọkivet, Stockholm: Säfstaholmssamlingen I Papp. 11; * Héọaðsskjalasafn Skagfiọðinga, Akuọeyọi: HSk 2 4to; * Tọinity College Libọaọy and Royal Iọish Academy, Dublin: MS 994; * Univeọsitetsbiblioteket, Oslo: UB 255 fol.; UB 303 4to; * Univeọsitetsbibliotek, Uppsala: Westin 86; * The Icelandic Collection, Elizabeth Dafoe Libọaọy, Winnipeg, Canada: Winnipeg MS 8vo 1 http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 48 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 Tal lista, compilada pelo projeto “Stories for all time: The Icelandic Fornaldarsögur”, mantido pela “Velux foundation” e coordenado por Mathew Driscoll, exemplifica bem a complexidade da situação. A ọvaọ-Odds Saga possui um número grande de manuscritos, 81 conhecidos até o momento; copiados em um período de quatro séculos, possuem um grande número de redações. A erudição do século XIX separa três grupos de redações principais, a “curta”, a “intermediária” e a “longa” (FERRARI, 2009: 368). Em termos de manuscritos, existem quatro mais relevantes e representativos, que as tais: redação S (de “short”; Perg. 4tpo nr 7; 43v-57r:20; 1300-1324) mais antiga redação e manuscrito; redação M (de “middle”; AM 344 a, 4to; 1r-24v; 1350-1400); redação “A” (AM 343, 4° membr; 59v-81v; 14501475) e redação “B” (AM 471, 4° membr.; 61r-96v; 1450-1500). Entre S e A/B há uma distância temporal de mais de um século, no qual a saga sofreu consideráveis alterações (BANDLE, 1990: 60). As edições são escassas; há duas edições críticas principais: de Boer, de S, datada de 18922, e Guðni Jónsson, de A/B, de 19433. A tradução de Pálsson foi feita com base em A/B. Há ainda a chamada versão “E” (AM 173 fol.4), considerada uma variante de A/B, mas não editada, e que tem sido negligenciada pelos eruditos (FERRARI, 2009: 368). A tabela a seguir enumera de forma mais clara as redações e manuscritos mais significativos da saga: S Ọrvar-Odds Saga, redação curta - Perg. 4tpo nr 7; 43v-57r:20 M Ọrvar-Odds Saga, redação média - AM 344 a, 4to; 1r-24v A Ọrvar-Odds Saga, redação longa variante A - AM 343, 4° membr; 59v-81v B Ọrvar-Odds Saga, redação longa variante B - AM 471, 4° membr.; 61r-96v E Ọrvar-Odds Saga, redação longa variante E - AM 173, 4° membr.; Tabela 01: As ọedações e pọincipais manuscọitos da ọvaọ-Odds Saga. Do autoọ. A edições da Foọnaldaọsöguọ Noọðọlanda de Rafn, de 1829, utiliza como manuscrito primário o GKS 2845 4to., e variantes dos manuscritos GKS 1005 fol., AM 309 4to, AM 62 fol. e AM 202 i fol. http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 49 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 Ao citarmos trechos da saga, empregaremos trechos de S, da edição de Boer, de A/B de Guðni Jónsson, e da tradução de Pálsson e Edwards5; a redação A/B será o textobase para nossa análise, com as complementações e comparações necessárias sendo feitas ao longo da discussão . 2.2 A pọofecia e as conexões da ọvaọ-Odds Saga com a pọodução históọico-geogọáfica O autor da redação S baseou-se em alguma tradição pré-existente; Saxo Grammaticus já escreveria anteriormente sobre um “Arvaraddus” no início do século XIII. É possível que esta primeira redação tenha sido escrita sob a influência de narrativas hagiográficas, incluindo a Saga de S. Ólafr. O personagem principal, Ọrvar-Oddr (Odd “das flechas”), possui uma atitude negativa em relação à religião pagã. Recebe, em sua juventude, a profecia de uma adivinhadora (v lva) sobre o seu futuro, segundo a qual viveria uma vida extremamente longa, mas seria morto por seu cavalo na casa onde passara sua juventude. Oddr mata seu cavalo, enterra-o profundamente e abandona o lugar, tendo uma vida de viagens e lutas em meio à qual se converte ao Cristianismo e torna-se rei de Húnaland, na redação S, e de Garðaríki, nas redações A/B/E. Nostálgico, retorna ao seu antigo lar para descobrir, surpreso, que as modificações no solo trouxeram a caveira do cavalo à superfície. Uma serpente sai de dentro dela e pica Odd, que morre em decorrência de seu veneno. Archer TAYLOR (1921-1922: 93-106), Adolf STENDER-PETERSEN (1934), Nora CHADWICK (1946: 157) e Fulvio FERRARI (2009: 368) enfatizaram a similaridade de enredos encontrados na Ọrvar-Odds Saga e a história de Oleg, encontrada na Póviest vọemenikh lét6 nas entradas concernentes aos anos 911-912 a.D. Segundo a PVL, Oleg foi filho de Rurik, tendo subido ao governo de Kiev entre os anos de 870 a 879. Em 912, após ter unificado e tomado tributo de diversas tribos eslávicas e fino-úgricas e finalmente atacado Constantinopla, bem como obtido um tratado com os Bizantinos, a crônica conta o seguinte: “Assim Oleg governou em Kiev, e viveu em paz com todas as nações. http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 50 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 Veio o outono, e Oleg pensava sobre seu cavalo, que ele fez com que fosse bem alimentado, ainda que nunca tivesse sido montado até o momento. Pois em certa ocasião ele inquiriu aos mágicos e adivinhos sobre qual seria a causa de sua morte. Um dos mágicos respondeu: ‘Oh, príncipe, é por meio de seu garanhão que você ama e cavalga que você encontrará sua morte’. Oleg então refletiu e decidiu que nunca mais montaria seu cavalo ou sequer olharia para ele novamente. Dessa forma, deu ordens que o cavalo deveria ser alimentado apropriadamente, mas nunca levado em sua presença. Assim, ele permitiu que se passassem anos até que atacasse os gregos (bizantinos). Depois que ele retornou à Kiev se passaram quatro anos, mas no quinto ele pensou sobre seu cavalo, através do qual os mágicos haviam antevisto que ele encontraria sua morte. Convocou, assim, seu escudeiro sênior e perguntou sobre o destino do cavalo sobre o qual ele ordenara que fosse bem alimentado e cuidado. O escudeiro respondeu que ele estava morto. Oleg riu e escarneceu do mágico, exclamando: ‘Adivinhadores cnam inverdades, e suas palavras são desprezíveis e falsas. Este cavalo está morto, mas eu ainda estou vivo’. Assim ele ordenou que um cavalo fosse selado. ´Deixe-me ver seus ossos´, disse. Ele cavalgou até o local aonde os ossos descarnados e a caveira estavam. Desmontando de seu cavalo, ele riu e enfatizou: ´Então, eu supostamente deveria receber minha morte dessa caveira?´. E ele pisou a caveira com seu pé. Mas uma serpente rastejou dela e mordeu-o no pé, e em consequência disto ele adoeceu e morreu”. (Cọônica Pọimáọia ọussa; 911: Capítulos 38 e 39. Veọsão nossa) De fato, a semelhança é por demais forte para ser casual. Como lidar com a mesma, no entanto, tem dividido os supracitados pesquisadores. Ferrari alega que o autor empregou um motivo difundido – no caso, o da “profecia impossível”, que acaba se cumprindo - adaptando-o aos seus propósitos e revestindo-o de significados específicos (FERRARI, 2009: 368). Um mero reemprego de motivo folclórico nos parece por demais tênue nesta circunstância, especialmente se levarmos em conta as proximidades contextuais. A PVL fala nesta passagem de um governante varegue, ou seja, de um viking no leste. Oddr é um viking que terá parte relevante de sua carreira no leste, a ponto de um de seus epítetos “é http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 51 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 você o Oddr que foi para Bjarmaland?” e o seu governo de Húnaland darem-se no contexto. Consista em um motivo folclórico ou não, é um motivo que está ligado em pelo menos três narrativas no mesmo contexto: a PVL, a Ọrvar-Odds Saga e a Gesta Danorum. 2.3 Bjaọmaland e o leste enỌuanto espaço liminaọ Um número considerável das Foọnaldaọsöguọ tem parcela elevada de seu enredo ocorrendo em Austrvegr, Garðaríki e Bjarmaland7. É comum a ação dar-se nos três locais, conterem estruturas narrativas esquemáticas, próprias de contos folclóricos, incluindo sistemas de iniciação de seus personagens. Dentre algumas sagas que incorporam estas características, destacamos a Bósa saga og Heọọauðs, a Egils saga einhenda og Ásmundaọ beọseọkjabana, a Hálfdanaọ saga Eysteinssonaọ, a Þoọsteins saga Víkingssonaọ, a Yngvaọs saga víðföọla e a ọvaọ-Odds Saga, que continuará a nos prover do estudo de caso em nossas análises subsequentes. Há um uso disseminado de recursos humorísticos e do que chamamos de fantástico e maravilhoso, transpondo os limites afixados por Jacques LeGoff no Ocidente Medieval. Não nos é possível compreender de todo o efeito que estas sagas produziam em suas audiências. Ao leitor contemporâneo, elas provocam, muitas vezes, estranheza, distanciamento e estupefação. Diante de tais características, afigura-nos como recurso necessário para análise dessa série de fontes, e da ọvaọ-Odds Saga (A/B) especificamente enquanto representativa do gênero, o cabedal de ferramentas fornecido pela Antropologia, mais especificamente o que podemos depreender de sistemas e ritos de passagem. Nesse aspecto, as ideias de Von Gennep sobre ritos de passagem tiveram influência duradoura não apenas na Antropologia, mas também nas interpretações históricas e inclusive de outras formas de sagas escandinavas, seja diretamente ou através dos desenvolvimentos pelos quais passaram através dos trabalhos de Vitor Turner. Arnold Van Gennep explica os processos envolvidos em ritos de passagem com o desenvolvimento da ideia de liminaridade e de estados liminais, nos quais o indivíduo que passa pelo rito de iniciação sai de uma situação anterior, mas ainda não se encontra na situação na qual se dará sua reinserção social. http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 52 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 As dimensões iniciais de tais ideias foram ampliadas, e vêm sido aplicadas em áreas diversas que incluem campos tradicionais da etnologia, como o estudo de povos ditos “primitivos”, mas também têm sido úteis na explicação de fenômenos da Antiguidade Oriental, Antiguidade Clássica e até mesmo o Ocidente Medieval e a Escandinávia Medieval8, como as situações de peregrinação (TURNER & TURNER, 1978) e nos desenvolvimentos da Ordem Franciscana. Detectamos na ọvaọ-Odds Saga uma infinidade de situações que podem ser descritas e interpretadas como liminares, e as discutiremos mais profundamente a seguir. Podemos centralizá-las em torno do personagem principal, Oddr. De início, pretendemos refletir sobre o sistema que Van Gennep chama de “Passagem Material”. Determinados espaços prestam-se bem para situação liminares, consistindo em limites, delimitações e demarcações (Van GENNEP, 2013[1977]: 33). Portas, soleiras e pórticos são elementos recorrentes na delimitação de espaços distintos e constituem-se em elementos limiares por excelência. Da mesma forma se dá com as fronteiras. Nesse último caso, pode haver objetos que especifiquem a interdição e a proibição de passagem. Em outros casos, fronteiras naturais representam os limites que não devem ser transpostos, sob a pena de sanções no campo do sobrenatural (Van GENNEP, 2013[1977]: 34). Em alguns casos, como na Europa Medieval, onde haviam zonas cristianizadas separadas por vezes por faixas inabitadas, ou habitadas por povos de outros grupos religiosos, determinados espaços como mercados, campos de batalha, florestas e pântanos podiam assumir o papel de espaços liminares (Van GENNEP, 2013[1977]: 34). Observando-se a forma que Bjarmaland é retratada nas Foọnaldaọsöguọ em geral, e na ọvaọ-Odds Saga em particular, propomos aqui que a região assume um papel específico de espaço liminar e transitório. No caso em questão, não entre regiões materializadas no sentido habitual; antes, entre o mundo conhecido, natural e explorado, e as regiões marcadas pelo fantástico, pelos fenômenos mítico-religiosos e pelo inexplicado. Na ọvaọ-Odds Saga, Bjarmaland assume o papel de zona liminar no processo de iniciação do próprio Oddr, por imprimir em sua trajetória características que o acompanharão por toda a saga, até que ocorra outro processo liminar, em um outro espaço específico. http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 53 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 A jornada de Oddr à Bjarmaland possui contrapartes em outras fontes: a Óláfs saga ins Helga e a Gesta Danorum. Em algumas circunstâncias específicas, é difícil de discernir se a jornada para Bjarmaland consiste em simplesmente um tema ou motivo, ou se os relatos que a contém possuem conexões entre si. O capítulo 133 da Óláfs saga ins Helga conta sobre uma expedição efetuada por Karli, que representaria o rei Óláfr, e certo Þórir Hundr. Fica acertado que cada um levará consigo 25 homens, mas Þórir leva 80, o que gera constante tensão entre Karli e os seus homens, sempre no receio de que venham a sofrer por causa de seu menor número – como de fato, acontece posteriormente. A descrição da jornada toda é bastante gráfica e precisa, explicitando elementos práticos sobre a navegação bem como a natureza das mercadorias e procedimentos. Após o período de mercado, quando o acordo de paz com os nativos é encerrado, Karli e Þórir partem para saquear a área com seus homens. Þórir fala um pouco sobre os costumes locais: “(...) quando um homem rico morria, todos os seus bens móveis eram divididos entre o homem morto e seus herdeiros. Ele pegava a metade, ou a terça parte, ou as vezes menos, e esta parte era carregada para as florestas e enterrada, algumas vezes sob um montículo, às vezes na terra, e ás vezes até uma casa era construída sobre ela9.” (Heimskọingla, Óláfs saga ins Helga, 133. Veọsão nossa)10. Os vikings chegam a um lugar cercado e com guardas. Matam-nos, atravessam a cerca e chegam a um montículo no qual há terra, prata e ouro misturados, mas também uma imagem do deus Jómáli. Þórir ordena que ninguém roube ao ídolo, mas ele mesmo acaba por fazê-lo. Karli fará o mesmo e tenta retirar um ornamento de ouro do pescoço do ídolo. Bate muito forte com o machado e acaba decapitando a imagem. O barulho atrai aos Bjarmar, que partem em perseguição. No final, os vikings retornam aos seus barcos e, na viagem de retorno, Þórir acaba matando a Karli e ataca os seus homens. Parece-nos clara alguma ligação do relato apresentado, não apenas com a ọvaọ- Odds Saga, mas com outras Foọnaldaọsöguọ. Se o relato era conhecido oralmente, ou se a ọvaọ-Odds saga inspirou-se em certo grau na Ólafs saga helga, como já foi sugerido, http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 54 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 permanece questão não resolvida, mas pela extensão em que viagens a Bjarmaland serão empregadas por outras Foọnaldaọsöguọ, e pelo número de elementos encontrados nelas que se concentram na Óláfs saga ins Helga, é bastante razoável que esta tenha provido uma base narrativa e informativa para muitas composições posteriores. Vejamos como se dá o mesmo relato na ọvaọ-Odds saga: Oddr nunca esteve em alguma expedição viking antes. Após sair de Berurjod, aonde crescera e enterrara seu cavalo Faxi a fim de enganar as profecias, parte para Hrafnista, aonde reside sua família de sangue. Seu irmão Gudmunðr e seu primo Sigurðr estão de partida para Bjarmaland no dia seguinte e, como os preparativos estão feitos, não permitem que Oddr os acompanhe. Após sonhos premonitórios, concordam com que Oddr vá. Oddr recebe de seu pai as Gusisnautaọ – “dádivas de Gusir”, flechas mágicas feitas por Sáami11 que acompanharão Oddr até sua próxima iniciação, e que serão vitais em muitas de suas batalhas. Os parentes viajam e passam por Finnmark. Otom da narrativa é cômico por vezes, e os vikings divertem-se ao verem as mulheres sáami gritarem após serem roubadas. Todos chegam à Bjarmaland. O primeiro acontecimento está delimitado em um espaço liminal: os Bjarmar estão dentro de um salão, perfeitamente iluminado em todos os seus cantos. Os vikings, fora dele, na escuridão da noite. Para acentuar a distância que os separa, tanto espacialmente como em outras categorias, a narrativa enfatiza a alteridade, a principiar pela língua: Você sabe algo da linguagem dessas pessoas? perguntou Oddr; não mais que o barulho dos pássaros, disse Asmund; você consegue entender algo dela?12. ( ọvaọ-Odds saga, Capítulo 04. Veọsão nossa) É uma circunstância singular que em uma miríade de narrativas e sagas, a ênfase da diferença linguística seja tão pouco explorada. Mas o é. A própria saga de Oddr, posteriormente, trará eventos que ocorrem nas mais distantes partes do mundo, que incluem a Terra Santa, Francia, Garðaríki e terras do sobrenatural. Em nenhuma situação há constrangimento linguístico (PÁLSSON & EDWARDS, 1970: 31s). Parece um consenso entre os autores de saga que o mundo inteiro fala o Antigo Nórdico13. http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 55 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 A referência à ”linguagem dos pássaros” não é isolada. Ela aparece também na Heimskọingla, no capítulo 10 da Saga de Óláfr Kyrre, e também na lenda sobre Sigurðr e o dragão Fafnir. Em ambas evoca situações de mistério e do sobrenatural. Oddr, olhando pelas janelas, vê um homem servindo aos demais, que imagina que fale o nórdico. Transpassa o espaço liminal, e entra em uma área escura do salão, próxima ao pórtico. Quando o homem passa por ele, Oddr agarra-o pela cabeça e foge com o restante dos vikings. Oddr está correto em sua suposição linguística, e dá-se o seguinte diálogo: “O que você me fala”, disse Oddr, “que seria a pior peça que nós podemos pregar nos bjarmar?” “Esta é uma boa questão”, ele disse. “Há um montículo mais adiante nos bancos do Vína. Ele é feito de duas partes, de prata e terra. Um punhado de prata tem que ser deixado ali por cada homem assim que deixa este mundo, e a mesma quantia de terra para cada um que vem a ele. Você não pode pregar nos bjarmar um truque mais sujo do que ir até o montículo e carregar toda a prata14”. ( ọvaọ Odds saga, capítulo 04. Veọsão nossa) A passagem é outra marca de alteridade, de desconhecimento e de falta de compreensão. Oddr faz perguntas sobre os nativos e seus costumes, ainda que com intenções negativas; tenta entendê-los e, de sua forma própria, obter informações sobre um grupo que se lhe afigura como totalmente desconhecido. Em todos os sentidos, o narrador enfatiza como o bjarmar é o outọo. O montículo com terra e metais misturados de imediato evoca a narrativa da Óláfs saga Helga. Ambas explicações são feitas em detalhe, com cuidado, apesar de divergirem grandemente nas razões apresentadas. Pela tradição que se conhece de montículos funerários e paralelos na região, parece mais plausível que a explicação da ọvaọ Odds Saga consista numa invenção do seu autor. O restante da expedição resume-se em altercações e lutas com os nativos, nas quais estes sempre empregam recursos mágicos e, posteriormente, associar-se-ão aos Sáami. O único outro detalhe digno de maior nota, além do recurso ao mágico, é uma http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 56 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 referência fortuita a “armas de prata”. Somada ao montículo, somos tentados a sugerir que os ecos das antigas rotas comerciais em busca de prata islâmica façam-se sentir tardia e desfiguradamente nestas narrativas, mas trata-se de uma conjectura de nossa lavra. Algumas características de Oddr são definidas nesta expedição à Bjarmaland: - A clava: Oddr esquece as Gusisnautaọ no barco e necessita improvisar uma arma. Usa um machado para fazer uma clava; juntamente com as Gusisnautaọ, a clava será uma característica marcante de Oddr. Por ocasião de sua segunda iniciação, as Gusisnautaọ perderão seu poder e serão substituídas por outro jogo de flechas mágicas, mas a clava perdurará como sua arma contra seu último inimigo em Bjalkaland. Enfatizamos a característica da clava como um aspecto que o autor deseja enfatizar; ora, se Oddr possuía um machado para construí-la na primeira ocasião, ele não se encontra de todo desarmado como explicado no texto; de fato, o machado consistirá em uma das armas de maior uso entre os vikings. - Seu nome, fama e pọofissão: é a partir da expedição dela que Oddr será conhecido como um viking que adquirirá fama que perpassará a de outro vikings. O qualificador dessa fama é Bjarmaland, e Oddr será conhecido como “Oddr, que foi para Bjarmaland um longo tempo atrás”. Os indivíduos de maior significado para Oddr empregarão este epíteto. A começar por Ögmundr , seu inimigo mortal: És tu Odd , disse Ög u d , at ás? ue viajou pa a Bja ala d u lo go te po 15 Sírnir, único indivíduo que sobreviverá às lutas com Ögmundr, e com quem Oddr fez pacto de irmandade de sangue: “í i pe gu tou: É este Odd ue foi pa a Bja ala d? 16 Vignir, seu filho com a giganta Hildigunn: Ele disse que se chamava Vignir, - http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair as és Odd , ue foi pa a Bja ala d? 17 57 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 O rei Herrauðr, de Gardaríki, a quem Oddr substituirá como rei: Não és tu Odd , ue foi pa a Bja ala d u lo go te po at ás? 18 - Seu nêmesis, Ögmundr “Eyþjófsbani” ou Ögmundr “flóki” (Ögmundr “matador de Eyþjófr” ou Ögmundr “tufo de cabelo/pêlo emaranhado”). Em S e M, Ögmundr Eyþjófsbani é um dos muitos seres sobrenaturais com os quais Oddr se depara. Após uma violenta batalha, na qual Oddr e Ögmundr concordam em deixar de lutar, Ögmundr mata traiçoeiramente a Þórðr, irmão de sangue de Oddr, e os restantes da irmandade, Oddr e Hjálmarr, não conseguem encontrá-lo mais. Para Ferrari, a função de Ögmundr nestas redações é efetuar um contraponto à invencibilidade de Oddr, mostrando alguém que pôde derrotá-lo (FERRARI, 2009: 372). Em A/B/E, no entanto, Ögmundr assume uma dimensão totalmente nova, tornando-se o maior antagonista de Oddr e transformando o enredo da saga, à medida em que a maior parte de seus eventos acaba se entrelaçando entre a luta infindável entre os dois. Há um personagem novo inserido em A/B/E, que está conectado com este aumento de papel de Ögmundr, e é quem traz informações precisas sobre quem ele é: Rauðgrani, “Barba-vermelha”. Um tipo de figura comum nas sagas, é um homem que aparece e aconselha ao herói nas batalhas. Ele evoca ao leitor as inúmeras aparições de Óðinn disfarçado, sendo de fato associado com ele no capítulo 23, ao não mais retornar. Há um Barba-Vermelha na Báọðaọ saga Snæfelsáss, também associado com Óðinn, mas de construção mais maléfica, algo entre uma divindade pagã e um ser maléfico que procura desviar aos cristãos da saga – evidentemente, escrita sob um ponto de vista cristianizado. O Barba-Vermelha da ọvaọ-Odds Saga é benevolente; misto curioso e divertido de sábio e covarde, dá conselhos e muita informação útil para Oddr sobre Ögmundr. Aparentemente, esta é sua única função, pois sempre desaparece em batalha - fato que o narrador não deixa de notar, e que confere tom de comicidade em alguns pontos da saga (FERRARI, 2009: 373). É ele quem provê a seguinte explicação: http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 58 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 “Você quer que eu lhe diga”, disse Barba-Vermelha, “como Ögmundr veio a nascer, e espero eu que você perceba que não há maneira de que ele seja vencido por homens mortais, se você se enveredar por sua origem. Mas o que primeiro eu devo lhe dizer é Harek foi o rei que governava Bjarmaland na época que você esteve ali em sua expedição, depois do que, como você se lembra, você fez um grande mal aos Bjarmar. Mal você tinha ido embora, os bjarmar pensaram ter sofrido as piores coisas, e quiseram, se possível, se vingar, e é dessa forma que eles agiram. Eles pegaram uma giganta que vivia debaixo de uma grande queda d´água, encheram-na de mágica e feitiçaria e colocaram-na na cama ao lado do rei Harek, de modo que ele teve um filho por meio dela; ele foi borrifado com água e chamado Ögmundr. Ainda criança pequena, ele não era como os mortais ordinários, como você pode esperar do tipo de mãe que teve - e, de qualquer forma, seu pai era um grande feiticeiro (blótmaðọ) também. Quando Ögmundr era da idade de três anos ele foi enviado para Finnmark, onde aprendeu toda sorte de mágica e feitiçaria, e tão logo ele dominou estas artes, retornou para Bjarmaland. Nesta época ele tinha sete anos e já estava tão grande quanto um homem adulto, imensamente forte e muito difícil de se lidar. Sua aparência não melhorara durante sua estadia com os finnar. Ele era tanto preto quanto azul, com longo cabelo preto, e tinha uns toscos tufos de pelo pendurados sobre os olhos, no lugar aonde sua testa devia estar. É por isto que ele se chama Ögmundr Flóki. Os bjarmar mandaram-no para matar você, ainda que eles tenham percebido que precisavam preparar o terreno com cuidado antes de lhe mandar para hell. O próximo passo que eles tomaram foi fortalecê-lo com bruxaria, de forma que ferro não possa mordê-lo, então levaram a cabo seus rituais e transformaram-no em um verdadeiro troll, não havendo nenhum mortal semelhante a ele”19. ( ọvaọ-Odds Saga, Capítulo 19. Veọsão nossa) A narração segue por algum tempo ainda, contando sobre como Ögmundr ganhara seu outro apelido, mas o trecho nos é suficiente. Em A/B/E, Bjarmaland é central para todo o desenrolar do enredo da ọvaọ-Odds Saga, à medida em que o conflito que é central por toda a saga, isto é, as lutas entre Oddr e Ögmundr, são consequências diretas http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 59 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 da expedição feita por Oddr ali. Ögmundr, ainda que tenha ganhado destaque tardiamente, harmoniza alguns elementos da saga: a profecia em relação a Oddr, que não permita que ele morra mas que implica em que ele perderá os seus queridos, encontra um bom balanceamento com a figura de Ögmundr que, além de ser instrumental na morte dos preciosos para Oddr, é o lembrete de que ele não e totalmente invulnerável. A ênfase de A/B/E na disputa entre os dois substitui aspectos de inspiração/origem possivelmente hagiográficas de S por um enredo aparentemente mais banal e simples; menos instrutivo, mas altamente entretenedor, o desenrolar da saga narra uma luta entre dois seres que, por si só, encontram-se em situações liminares entre a mortalidade e o banal e o maravilhoso e sobrenatural. A mudança de ênfase entre as redações incorporou outro sistema de significações, que dão aspecto central à Bjarmaland. Destarte, a expedição de Oddr à Bjarmaland marca a primeira fase de sua vida, quando ele torna-se viking de renome. É um espaço liminal ampliado entre o mundo conhecido e as terras do imaginário, e é por este espaço que Oddr sofrerá sua primeira iniciação. 2.4 O Homem-Casca Há ainda outro ponto na redação A/B da ọvaọ-Odds Saga em que reconhecemos um momento específico de transição, acompanhado por sinais e elementos que o diferenciam de outros momentos da narrativa. Após a iniciação de Oddr em Bjarmaland é perfeitamente possível resumir a saga enquanto alterações sucessivas entre estados de luta e paz, distúrbio e descanso. Nestas lutas Oddr perde amigos e familiares, mortos em batalhas contra vários vikings, contra Angantyr e seus irmãos, mas principalmente contra Ögmundr. Nos momentos de descanso ele adquire novos aliados, passa por aventuras distintas, ganha equipamentos e até gera Vignir com uma giganta. Após a perda de seu filho no capítulo 22 e a morte de Gardar, no capítulo 23, Oddr volta para Gautland com seu irmão de sangue Sirnir. Barba-Vermelha/Óðinn desaparecera, e Oddr entra em um período totalmente distinto em sua vida: http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 60 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 “Então Oddr veio para Gautland para com seu irmão de sangue, Sirnir, que o convidou para passar o inverno. Oddr aceitou. Assim que o inverno passou, ele ficou muito desgostoso pelas misérias que Ogmunðr flóki trouxera sobre ele. Ele estava determinado a nunca mais arriscar a vida de seu irmão de sangue em luta com Ogmunðr, pois as perdas que ele sofrera já eram amargas demais, então ele decidiu-se e partiu por conta própria certa noite. Conseguiu arrumar transporte para onde precisava, viajando pelas florestas e regiões selvagens e errando por longas trilhas de montanhas, com sua aljava de flechas nas costas, atravessando um país após outro. Chegou o tempo em que ele foi forçado a atirar em pássaros para sobreviver. Ele prendeu casca de bétula em volta de seu corpo e em seus pés, e fez para si um grande chapéu com a casca. Ele se destacava bastante dos outros homens pois, além de ser muito maior que todos os demais, estava todo coberto de casca. Não há nada para se contar sobre ele até que emergiu da floresta, e encontrou povoados à vista. Viu uma grande fazenda ali, e outra menor, não muito longe. Veio à sua mente de ir à fazenda menor, ainda que ele nunca tivesse feito nada como aquilo antes, e assim ele foi para a porta. Do lado de fora um homem estava cortando lenha, um pequeno homem de cabelo branco. O velho homem cumprimentou amigavelmente o estrangeiro e perguntou seu nome. ´Eu me chamo Homem-Casca´, disse ele” 20 ( ọvaọ-Odds Saga, capítulo 24. Veọsão nossa) Victor Turner analisa uma forma específica de liminaridade enquanto fase e estado. Nesse sentido, podem ser distintas duas modalidades de ritos: ritos de elevação de status e ritos de reversão de status. Nos ritos de elevação de status o noviço atingirá um status que é definitiva e irreversivelmente superior ao anterior (TURNER, 2013[1974]: 156). Para chegar a este status superior, entretanto, o aspirante precisa antes se humilhar e ser “generalizado”; ele separa-se da vida comum e submete-se a ritos liminares que o rebaixam rudemente antes de, após cerimônias de readmissão, ser instalado em sua posição de glória aumentada (TURNER, 2013[1974]: 160). Quanto aos ritos de reversão de status, são ritos que normalmente seguem prescrições temporais, ligadas ao calendário. Uma característica comumente encontrada http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 61 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 em ritos desse tipo é o mascaramento (TURNER, 2013[1974]: 160). Aquele que se rebaixa é feito estruturalmente inferior; a máscara, que pode representar seres ctônicos, demônios ou outras entidades e forças, oculta sua fraqueza e o protege enquanto símbolo de força contra aqueles que estão estruturalmente superiores (TURNER, 2013[1974]: 162). Discernimos nesse episódio da ọvaọ-Odds Saga basicamente um rito de elevação de status, havendo algumas características secundárias similares às encontradas em ritos de reversão. O ciclo “guerra e paz” característico da vida de Oddr após sua primeira iniciação em Bjarmaland passa por um momento de interrupção. Esta pausa deve ser distinguida dos outros momentos de descanso após a guerra – como o tempo com os gigantes, e mesmo o tempo de sua conversão - exatamente pelos elementos que associam os acontecimentos posteriores a formas rituais. Há elementos textuais claros nesse sentido, que lidam com declarações absolutas; primeiramente, Oddr decide “nunca mais” arriscar a vida dos que ele ama, de forma contrária ao seu discurso anterior de obstinada procura e perseguição a Ögmundr, não importando o que custasse. Ao escolher entrar na pequena fazenda, Oddr decide fazê-lo “ainda que ele nunca tivesse feito nada como aquilo antes”; contraste a sua atitude altiva de até então. Mais característico, no entanto, é que Oddr muda de aparência e, principalmente, de nome. Ele cobre-se de cascas de bétula – em narrativa na qual é impossível não notar a comicidade da situação, tenta ocultar sua aparência anterior, mascara-se e muda inclusive de nome. Ele agora é o “Homem-casca”. À parte novamente o fator humorístico e entretenimento da saga nesse ponto, o próprio narrador continua a chamar Oddr não mais de Oddr, mas de “Homem-Casca”. Ele é recebido pelo fazendeiro Jólfr, que o recebe bem e indicará quais os caminhos a serem seguidos por Oddr nesta nova fase. Simbolicamente, mas de forma que afetará a narrativa posterior de forma prática, ele dá ao Homem-casca três novas flechas. Dessa feita, flechas de pedra. Jólfr revela que conhece a identidade de Oddr, bem como que ele possui as dádivas de Gusir, e que elas serão insuficientes em certo momento. A comparação das flechas é representativa dessa nova fase da vida de Oddr; após Bjarmaland e até então, as dádivas de Gusir salvaram-no nas situações de maior perigo. http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 62 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 No seu status posterior, serão insuficientes, e substitutas mais apropriadas devem ser providenciadas. O outro passo é informação: Jólfr fala a Oddr sobre a localidade, o rei Herrauðr, pessoas do salão, e sobre quem será o alvo de Oddr: Silkisif, filha do rei, sobre a qual Jólfr fala que “não há moça mais bela em toda a Garðaríki e além21”. Nesse ponto da narração, há um entrelaçamento de temáticas próprias das narrativas folclóricas, nas quais é expediente comum que um rapaz, normalmente pobre, irmão mais novo e de menos oportunidades procure conquistar a mão de uma princesa inatingível. Esta temática não é o núcleo da narrativa, e a saga não pode ser reduzida a uma forma tão simples e estruturalizada, ainda mais se levando em conta as reestruturações e elaborações pelas quais passou em suas diferentes redações. O tema da princesa ajudará na composição do quadro narrativo, fornecerá elementos úteis ao contar da história, mas não é seu objetivo. Ele colabora na construção dos eventos de passagem. Também pela referência aos atributos da beldade somos informados da terra aonde Oddr se encontra, que é Garðaríki – em S, o reino é Húnaland. Jólfr leva o Homem-Casca ao salão do rei Herrauðr, e dá-se início o processo de rebaixamento de Oddr: - “Eu me chamo o Homem-Casca”, disse Oddr - “Quem é você, companheiro?” Disse o rei. - “Isto eu sei, disse ele, “Eu sou mais velho que qualquer coisa que você possa pensar, mas não tenho esperteza nem memória em minha cabeça. O que pede sempre quer escolher. Eu te peço, rei, abrigo pelo inverno”. O rei respondeu: “Você é hábil em algo?” - “Longe disso”, ele respondeu, “eu sou mais atrapalhado que qualquer outro homem”. - “Você é disposto a fazer qualquer coisa?” Disse o rei. - “Eu não sei como trabalhar, e sou muito preguiçoso para trabalhar”, ele disse. - “Isto não parece promissor”, disse o rei, “pois eu fiz um voto de só pegar homens hábeis”. - “Nada que eu fizer será do menor uso para qualquer um”, disse o Homem-casca. - “Você deve saber como coletar a caça, se outros atirarem”, disse o rei. http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 63 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 “Talvez eu vá [caçar] alguma vez”. - “Onde devo me assentar?” Disse o Homem-casca. - “Deves se assentar no banco baixo perto da porta, entre os escravos e os homens livres”.22 Não há razão aparente para Oddr responder como responde às questões; pede abrigo, mas a cada questão efetuada pelo rei, responde de forma negativa. O ato possui características de rito, de interpretação e rebaixamento - é um esvaziamento total. Ele é velho, mas não sabe de nada; pede ajuda, mas não sabe fazer nada; quer trabalho, mas tem preguiça de trabalhar. Por fim, o rei coloca-o em uma posição liminar em todos os aspectos; Oddr deve assentar-se “entre os escravos e os homens livres”, não sendo enquadrado em nenhuma categoria, e “perto da porta”. Ora, como já discutido a pouco, portas, assim como fronteiras, são espaços liminares por excelência. Oddr é convidado pelos irmãos Óttar e Ingjaldr a sentar-se entre eles. Perguntamlhe sobre outros países, reclamam de sua bolsa (que contém a aljava das flechas); por fim, oferecem dinheiro e roupas novas para que ele tire a casca. Sua resposta é sugestiva e simbólica: “eu não posso fazê-lo”, ele disse. “eu nunca vesti outras roupas, e enquanto viver, nunca o farei”. De fato, o Homem-casca nunca o fez e nunca o fará. Assim que trocá-las, ele deixará de sê-lo. Através dos dois irmãos, desajeitados e desprovidos de habilidades, Oddr – melhor, o Homem-Casca - passará por várias provas: de caçada (25), de arco-e-flecha (26), de natação e, finalmente, de bebida – este último, entremeado com o compor poemas (27) – o competidor esvazia um chifre cheio de bebida e profere um poema. Supera aos dois melhores homens do rei, Sigurðr e Sjolfr, que também aspiram pela mão de Silkisif. Após cada prova, há uma breve troca de perguntas com o rei, por meio das quais o Homem-casca vai cedendo seu lugar a Oddr, “aquele que esteve em Bjarmaland”: Após a caça: O rei olhou para ele e disse: “És um grande arqueiro”. “Sim, senhor”, disse ele. “Porque estou acostumado a atirar em pássaros e animais para me alimentar”23 http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 64 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 Após as flechas: “O primeiro tiro pode ter sido bom”, disse o rei, “mas este é muito melhor e eu lhes digo, nunca vi um tiro como este.”24 Após a natação (Oddr nada com as cascas, mas prevalece sobre os demais): E agora o rei inquiriu: “E não é que não há outro esportista igual em tiro e natação?” “Viste todas as habilidades que tenho”, disse o Homem-casca. “Me chamo Oddr, se você quiser saber, mas eu não posso lhe falar nada sobre a minha família[kyn]”25. Finalmente, na competição de poemas Oddr conta todas suas aventuras até então. Na manhã seguinte está a lavar-se, e a casca em suas mangas apresenta-se gasta, deixando antever uma veste vermelha por baixo. Os irmãos tiram-na, mas Oddr não reclama, e levam a Oddr até o assento do rei, dizendo: “Parece que nós não temos apreciado totalmente quem nós entretemos nesse inverno26”. “Assim me parece”, disse o rei. “Mas quem é este homem que tem escondido sua identidade de nós?” “Eu ainda me chamo Oddr, como lhe disse um tempo atrás, filho de Grim Bochechas-Peludas de Hrafnista, no norte da Noruega”. “É você o Oddọ Ọue foi paọa Bjaọmaland um tempo atọás?” “Sou eu o homem que foi para lá”27 (itálico nosso) A prova e as recompensas finais de conclusão desse processo ritual dar-se-ão nos capítulos seguintes, 28 e 29, nos quais Oddr parte para Bjalkaland, coletar impostos. Em caso de vitória, receberia a mão de Silkifif. A narrativa que se segue retoma temas elaborados na viagem à Bjarmaland e por vezes reproduzidos em pontos isolados da narração. Bjalkaland significa “terra das peles”. Seu governante, Álfr Bjálki, segundo S pagava tributo ao rei de Húnaland. Poderoso feiticeiro, Álfr Bjálki só pôde ser vencido com as flechas de pedra de Jölfr, que desaparecem após serem usadas. As dádivas de Gusir não foram capazes de vencê-lo, e desaparecem igualmente. http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 65 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 Resta a Oddr derrotar a feiticeira que, de forma semelhante a Ogmunðr no capítulo seguinte atira flechas por todos os seus dedos. Seu templo é queimado e ela é morta com uma clava por Oddr. Oddr retorna para “Grikkjaríki” – claramente, um erro do redator, já que anteriormente é citada Garðaríki, assim como no capítulo 32, por ocasião da morte de Oddr. Em S, como já afirmamos, em ambas ocasiões o reino é Húnaland. Finalmente, ele ascende a uma posição maior do que a que possuía anteriormente: o rei Herrauðr falece e que sobe ao trono em seu lugar é o próprio Oddr. Já falamos sobre Ogmunðr nas seções anteriores, e aqui cabe o encerramento de sua participação no enredo. No capítulo conseguinte à subida de Oddr ao trono, ambos travam sua última batalha. Ogmunðr – agora chamado Kvillanus, e governante em Novgorod, reúne todos os reis de Austrvegr, em uma lista geográfica muito detalhada que inclui “Kirjálalandi, Rafestalandi, Refalandi, Virlandi, Eistlandi, Líflandi, Vitlandi, Cúrlandi, Lánlandi, Ermlandi”, e “Púlinalandi”28. Após grande mortandade ambos sobrevivem, e Ogmunðr foge. Não se passa muito tempo, no entanto, antes de que ambos sejam reconciliados: Algum tempo depois Kvillanus mandou presentes caros para Odd, ouro e prata e muitos tesouros; e junto com tudo isto, palavras de amizade e ofertas de reconciliação. Então Oddr aceitou os presentes, pois ele era esperto o suficiente para perceber que Ogmunðr Matador-de-Eyþjof, ou Kvillanus, como ele se chamava agora, nunca poderia ser derrotado, sendo, como você pode dizer, tanto um fantasma quanto um homem. Não se sabe se eles tiveram quaisquer outros negócios futuros, então este é o fim de sua briga29. ( ọvaọ Odds Saga, Capítulo 30.Veọsão nossa) O episódio de Homem-casca, encerrado com Bjalkaland espelha, portanto, o ocorrido na primeira iniciação de Oddr em Bjarmaland; todo o processo da narrativa aponta para um inequívoco rito de passagem de elevação de status, que completa a trajetória de Oddr e que resumimos na seguinte tabela: Bjarmaland http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair O Homem-Casca/ Bjalkaland 66 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 Tipo de ọito Iniciação/ maturidade Aumento de status Dádivas de Gusir Flechas de pedra de Jólfr Viking Rei em Garðaríki Flechas Status alcançado Apelido; camisa Maọcas posteọioọes Consoọtes Olvor, da Irlanda (12); Silkisif Hildigunn, a giganta. Papel de Ogmunðọ (Apenas em A/B) Criado como nêmesis; Última batalha e desistência / precipitador da segunda apaziguamento iniciação Tabela 02: Paọalelos das duas iniciações de ọvaọ-Oddọ 3. Conclusões - as iniciações e o uso do leste Da análise dos episódios de iniciações e ritos de passagem pelos quais Oddr passa, chegamos à conclusão que o leste assume, em adição ao sentido de provedor de cenário e ambiente, a conotação de região limítrofe, liminar. De fato, o papel de Bjarmaland nesse sentido foi bem discutido e argumentado; a região incorpora uma gama considerável de imaginários que perpassa a mera dimensão das Foọnaldaọsöguọ, assumindo conotações limítrofes como religioso, o fantástico, o mítico e o desconhecido. Bjarmaland torna-se uma materialização, um lugar atingível do que se discute no campo do mito. O acréscimo inovador das Foọnaldaọsöguọ, das quais empregamos a ọvaọ-Odds Saga enquanto recorte exemplar, é a assimilação de tal sentido de Bjarmaland ao leste enquanto um todo, particularmente a Austrvegr e Garðaríki. Antevêem-se elementos dessa derivação e conotação em passagens de outras fontes como a Gylfaginning, na Edda Maior, na qual o leste sofre assimilações de cunho mítico e é explicado por vezes de forma evemerizada. Em contraposição a esta referência isolada em meio a um meio acadêmico evemerizado e ocidentalizado, as Foọnaldaọsöguọ nos oferecem este imaginário constante, reapropriado e amplificado. Esta reapropriação do material mítico não é feita com intuitos de instrução, ou da elaboração acadêmica geográfica das regiões de além. É um emprego de simbolismo e de conceitos presentes no imaginário coletivo empregados agora enquanto elementos de uma http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 67 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 narrativa cujo o propósito primário é o entreter ao invés do educar. Concluímos esta análise, portanto, com a afirmação desta dimensão que o leste se reveste e que espelha uma situação reveladora do próprio movimento intelectual e mental dos séculos XIII e XIV na Escandinávia. Nesses séculos ocorrerá a bifurcação das formas literárias entre o factio e o fictio, entre o educativo e instruidor, e o fantástico, maravilhoso e voltado ao entretenimento e à diversão. As Foọnaldaọsöguọ formarão o corpus principal de literatura destinada ao entretenimento, e o leste assumirá significados relevantes, tanto em quesitos de constituição de cenário como de agregação e ressignificação de conceitos e categorias míticos. Referências Bibliográficas BANDLE, Oskar. Um þróun Örvar-Odds sögu. In: Gripla 7. 1990, pp. 51-71. BOER, R.C.(ed.). Ọrvar-Odds Saga. Altnordische Saga-Bibliothek 2. Halle: Niemeyer, 1892. BYOCK, Jesse. Viking Age Iceland. London: Penguin Books, 2001. CHADWICK, Nora. The begginnings of Russian History: An Enquiry into Sources. 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Reykjavík, 1943-1944, vol. 1, 165-187. 4 <http://fasnl.ku.dk/browsemanuscripts/manuscript.aspx?sid=QQBNACAAMQA3ADMAIABmAG8AbAAuAA2> Último acesso em: 11/07/2015. 5 PÁLSSON, Hermann & EDWARDS, Paul (trads). Seven Viking Romances. London: Penguin Books, 1985. Tradução para o inglês. 6 A Crônica primária russa, também chamada de Crônica Nestoriana ou Crônica dos tempos passados, escrita no século XII na Rus kievita. 7 As principais áreas à leste da Escandinávia. Austrvegr compreendia a região báltica; Garðaríki, a Rus de Kiev e Novgorod. Quanto à Bjarmaland, localizava-se nas adjacências do Mar Branco, parcialmente no teritório da atual Karelia. 8 Destacamos o estudo de Anna Heiniger sobre o Dyradómr na Eyrbyggja saga, com a qual trocamos informações valiosas acerca da liminaridade e espaços liminares nas Sagas escandinavas. HEINIGER, Anna Katharina. Liminal Spaces and places in the Sagas. Comunicação apresentada no International Medieval Congress of Leeds. Leeds, 2014. ... að þa ug væ i háttað þá e auðgi e ọnduðust að lausafé skyldi skipta með hinum dauða og ọrfum hans. Skyldi hann hafa hálft eða þriðjung en stundum minna. Það fé skyldi bera út í skóga, stundum í hauga og ausa við oldu. “tu du vo u hús að ge . Óláfs saga ins Helga. In: JÓNSSON, 1911: 133 K., 312 9 10 As versões das fontes primárias são de nossa lavra. Tratam-se de versões, e não traduções, efetuadas a partir dos textos em antigo nórdico e com o auxílio de traduções inglesas, quando necessário. 11 Os lap es. Fi a as sagas es a di avas. 12 "Skilr þú hér nokkut mál manna? sagði Oddr; eigi heldr en fuglaklið, sagði Ásmundr; eða þikist þú nokkut af skilja?" Örvar-Odds Saga, redação S. In: RAFN, C. Fornaldar sögur Norðrlanda. Kaupmannahöfn: Popp, 1829-1830, vol. I. 4 K., 175. 13 De formas similares na ficção contemporânea, onde aparentemente todas as raças alienígenas e povos distantes falam ou compreendem o inglês. http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 70 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 14 "Hvat segir þú til," sagði Oddr, "hvat vér munum þess gera, at Björmum þykki verst?" "Þess er vel spurt, " sagði hann. "Haugr stendr upp með ánni Vínu. Hann er gerr af tveim hlutum, silfri ok moldu. Þangat skal bera gaupnir silfrs eptir hvern mann þann, sem ferr af heiminum, ok svá, er hann kemr í heiminn, ok jafnmikla mold. Þat munu þér svá gera, at Björmum mun verst þykkja, ef þér farið til haugsins ok berið féit í burt þaðan." Ọrvar-Odds Saga, redação A/B. Capítulo 04. In: VILHIÁLMSSON, Bjarni & JÓNSSON, Guðni (eds). Fornaldarsögur Norðurlanda. Reykjavík, 1943-1944, vol I. Citaç es su se ue tes o o O“ , seguidas de número de capítulo. 15 "Ertu sá Oddr," sagði Ögmundr, "at fór til Bjarmalands fyrir löngu?" (OS, 13). 16 Sírnir svarar: "Er þetta Oddr sá, sem fór til Bjarmalands?" (OS, 19) 17 Hann kveðst Vignir heita, - "eða ertu Oddr sá, er fór til Bjarmalands?" (OS, 21) 18 "Ertu eigi sá Oddr, er fór til Bjarmalands fyrir löngu?" (OS, 27) 19 "Viltu, at ek segi þér," kvað Rauðgrani, "hversu Ögmundr er til kominn, ok get ek, at þér þykki þá engi ván, at hann verði unninn af mennskum mönnum, ef þú veizt allan hans uppruna. En þat er þar fyrst af at segja, at Hárekr hét konungr, er réð fyrir Bjarmalandi, þá er þú fort þangat herferð, eptir því sem þú veizt, hvern skaða er þú gerðir þá Björmum. En er þú vart í burtu farinn, þóttust Bjarmar hafa raunillt af fengit ok vildu gjarna hefna, ef þeir gæti. Var þat þá tiltekja þeira, at þeir fengu eina gýgi undan forsi stórum, galdra fulla ok gerninga, ok lögðu í sæng hjá Háreki konungi, ok við henni átti hann son; sá var vatni ausinn ok nafn gefit ok kallaðr Ögmundr. Flestum mennskum mönnum var hann ólíkr þegar á unga aldri, sem ván var sakir móðernis hans, en faðir hans var þó inn mesti blótmaðr. Þegar er Ögmundr var þrévetr, var hann sendr á Finnmörk, ok nam hann þar alls kyns galdra ok gerninga, ok þá er hann var í því fullnuma, fór hann heim til Bjarmalands. Hann var þá sjau vetra ok svá stórr sem fullrosknir menn, rammr at afli ok illr viðskiptis. Ekki hafði hann batnat yfirlits hjá Finnunum, því at hann var þá bæði svartr ok blár, en hárit sítt ok svart, ok hekk flóki ofan fyrir augun, þat er topprinn skyldi heita. Var hann þá kallaðr Ögmundr flóki. Ætluðu Bjarmar þá at senda hann til móts við þik ok at drepa þik; þó þóttust þeir vita, at mikils mundi við þurfa, áðr en þér yrði í hel komit. Var þat þá enn tiltæki þeira, at þeir létu seiða at Ögmundi, svá at hann skyldi engi járn bíta atkvæðalaus. Því næst blótuðu þeir hann ok trylldu hann svá, at hann var engum mennskum manni líkr. (OS, 19) E e Odd ko hei til Gautla ds eð fóst óðu sí u , auð “í i ho u þa at sitja u vet i . Þat þekktist Oddr. Ok er á leið vetrinn, ógladdist hann fast. Kómu honum þá í hug harmar sínir, þeir er hann hafði fengit af Ögmundi flóka. Þó hugsast honum svá til, at hann mun eigi hætta lengr fóstbróður sínum til at berjast við Ögmund, því at hann þóttist þar stóra skaða hafa af fengit. Verðr þat þá hans ráð at leynast í burt einn á náttarþeli. Ferr hann þá at flutningum, þar sem þeira þarf við, en stundum ferr hann um merkr ok skóga, ok ratar hann harðla stóra fjallvegu. Hann hefir þá örvamæli sinn á baki sér. Ferr hann nú víða um lönd, ok kemr svá ráði hans, at hann hafði þat eitt til atvinnu sér, er hann skaut fugla fyrir sik. Hann spennir þá at sér um bol ok fætr næfrum. Síðan gerir hann sér næfrahött mikinn á höfuð sér. Er hann ekki öðrum mönnum líkr, meiri miklu en allir menn aðrir, er hann er allr þakinn næfrum. Nú er ekki sagt frá honum fyrr en hann kemr ór mörkum fram, ok sér hann, at heruð hefjast upp fyrir honum. Hann sér, at þar stendr einn bær mikill, en þar var annarr bær skammt frá. Þat kom honum í hug, at hann mundi snúa á inn minna bæinn; þat hafði hann aldri fyrr freistat. Hann gengr þar at dyrum. Þar var maðr fyrir d u ok klauf skíð. “á va lítill ve ti ok hvít f i hæ u . 20 Hann heilsar þeim vel, er kominn var, ok spurði karl hann at nafni. "Næframaðr heiti ek," sagði ha 21 … O“, 24 . (...) engi er önnur jafnfrið í Garðaríki ok viðar annarstaðar. (OS, 24) 22 Trecho de difícil versão por conter ditados e expressões idiomáticas. Segue a redação A/B, ed. Guðni Jónsson & Carl Rafn: "Ek heiti Næframaðr," sagði hann. " http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 71 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 Hverr ertu, félagi?" sagði konungr. "Þat veit ek," sagði hann, "at ek em hvívetna eldri, ok er hvárki vitit né minnit heima hjá mér, ok hefik lengi legit úti á mörkum nær alla ævi mína. En bráð eru brautingja erendi, konungr, ek vil biðja þik vetrvistar." Konungr svarar: "Ertu at nokkuru íþróttamaðr?" "Þat ferr fjarri," sagði hann, "því at ek em óliprari en aðrir menn." "Nennir þú nokkuru?" sagði konungr. "Ek kann ekki at vinna, enda nenni ek ekki at vinna," sagði Næframaðr. "Þá horfir allóvænt" sagði konungr, "fyrir því at ek hefi þess heit strengt at taka við þeim einum mönnum, at þeir sé at nokkuru íþróttamenn." "Aldri kann ek einn hlut at gera," sagði Næframaðr, "þann öðrum sé gagn at." "Kunna muntu at draga saman dýr, ef menn skjóta," sagði konungr. "Þá má vera, at ek fara til þess eitthvert sinn." "Hvar vísar þú mér til sætis?" sagði Næframaðr. "Þú skalt sitja utar inum óæðra megin, þar sem mætast þrælar ok frelsingjar." (OS, 24) 23 Konungr leit við honum ok mælti: "Bogmaðr ertu mikill." "Já, herra," sagði hann, "því hefi ek helzt vanizt at skjóta dýr ok fugla til matar mér." (OS, 25). 24 "Svá vel sem skotit var it fyrra sinn," segir konungr, "þá er nú miklu betr skotit, ok þat má ek segja, at aldrigi hefi ek sét jafnvel skotit." (OS, 26). 25 Ok nú spyrr konungr: "Hvárt ertu ekki öðrum mönnum líkr um íþróttir, bæði um skot ok sund?" "Sénar eru nú allar mínar íþróttir, er þessar eru," sagði Næframaðr; "ek heiti Oddr, ef þú vilt þat vita, en ek kann eigi greina fyrir þér um kyn mitt." (OS, 26). 26 27 Þat ætlu vé , at vé vitu eigi allge la, hve vé h fu hé í fóst i haft O“, 27 "Svá má vera," sagði konungr, "eða hverr er þessi maðr, er svá hefir dulizt fyrir oss?" "Nú heiti ek Oddr, sem ek sagða yðr fyrir löngu, sonr Gríms loðinkinna norðan ór Noregi." "Ertu eigi sá Oddr, er fór til Bjarmalands fyrir löngu?" "Sá er maðrinn, er þar hefir komit." (OS, 27) 28 A lista atravessa toda a costa do Báltico, de nordeste a sudoeste, citando regiões específicas que compõem as atuais Finlândia (Kirjálalandi – Karelia; Rafestalandi - Tavastehus), Estônia (Refalandi – Revalia; Virlandi – Virumaa; Eistlandi – Estônia propriamente dita), Letônia (Líflandi – Livônia; Cúrlandi Kúrland), a Prússia Oriental (Vitlandi – Witland; Lánlandi – Samland; Ermlandi - Warmia) e a Polônia (Púlinalandi). Encontra paralelos em outras fontes escandinavas como, por exemplo, a Heymslýsing (AM 544 4to, f.3v), onde se lê: “Hia Garðariki liggia lond þessi [a.] Kirialir, Refalir, Tafeistaland [b.] Virland, Eistland, http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 72 Brathair 15 (1), 2015 ISSN 1519-9053 [c.] Lifland, Kurl [and], [d.] [e.] Erml [and], Púlinaland Obtido em Hauksbók. Edição de JÓNSSON, p.155. 29 Nokkurum tíma síðar sendir Kvillánus Oddi gjafir miklar bæði í gulli ok silfri ok marga góða gripi ok þar með vináttumál ok sættarboð. Þá Oddr þessar gjafir, því at hann fyrirstóð af sinni vizku, at Ögmundr Eyþjófsbani, sem þá nefndist Kvillánus, var ósigranligr, því at hann mátti eigi síðr kallast andi en maðr. Ok er eigi getit, at þeir hafi síðan nokkura hluti við átzt, ok lauk svá þeira skiptum. (OS, 30). http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair 73