XXII CONFAEB Arte/Educação: Corpos em Trânsito
29 de outubro à 02 de novembro de 2012
Instituto de Artes / Universidade Estadual Paulista
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MEDIADOR E MEDIAÇÃO CULTURAL EM MUSEUS E EXPOSIÇÕES
HISTÓRICAS: QUESTÕES E POSSIBILIDADES
Valéria Peixoto de Alencar
Doutoranda, Instituto de Artes/UNESP
valstella@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/3585587871239250
RESUMO
O artigo apresenta o projeto de pesquisa de doutorado sobre o trabalho do mediador cultural
em museus e exposições históricas. O objetivo principal da pesquisa é analisar como este
profissional realiza a mediação cultural em exposições de caráter histórico ao lidar com a
cultura visual nesses espaços. O Museu Paulista foi escolhido como estudo de caso por ser
um dos primeiros museus históricos brasileiros. Para tanto a pesquisa possui três camadas
a serem investigados que não possuem uma hierarquia de importância, mas tecem relações
entre si: a história através das imagens, o trabalho do mediador cultural com estas imagens,
o trabalho com imagens a partir do ponto de vista dos estudos da cultura visual.
Palavras-chave: Mediação cultural, educação em museus históricos, cultura visual
ABSTRACT
This article presents a research on the role of the cultural mediator in museums historical
and exhibitions. Our main goal is to analyze how this professional performs the cultural
mediation work in exhibitions of historical nature while dealing with the visual culture in such
places. The “Paulista Museum” has been chosen as case study because it was one of the
first Brazilian historical museums. In order to do that, the research has three priority axis of
investigation which do not have a hierarchy of importance, although connections are
established among them: the history through images, the cultural mediator work with such
images and the work with images on the basis of culture visual studies.
Key words: Cultural mediation, historical museum education, visual culture
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Vista do Salão de Honra do Museu Paulista. http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/
Este artigo pretende apresentar minha pesquisa de Doutorado que está sendo
desenvolvida no Instituto de Artes da UNESP, na linha de pesquisa Processos
artísticos, experiências educacionais e mediação cultural, sob a orientação da
professora
Dra.
Rejane
Galvão
Coutinho.
Procuro
tecer
reflexões
e
problematizações sobre o trabalho do mediador cultural em museus e exposições
históricas.
O objetivo principal é analisar como o mediador neste tipo de instituição
realiza o trabalho de mediação cultural ao lidar com a cultura visual presente nesses
espaços. O Museu Paulista (MP) foi escolhido como estudo de caso por ser um dos
primeiros museus históricos brasileiros.
Para tanto a pesquisa possui três camadas a serem investigadas que não
possuem uma hierarquia de importância, mas tecem relações entre si de modo a
compreender se o pensamento de longa duração atua no processo de mediação, ou
seja, se os critérios centenários que nortearam a formação dos museus históricos,
tais como a encomenda de pinturas e esculturas de “personagens” da história, se
fazem presentes e de que forma.
Assim, num primeiro momento buscará analisar como a expografia utiliza as
fontes iconográficas, a fim de perceber de que maneira os critérios utilizados na
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constituição dos acervos dos museus temáticos de História no Brasil, no início do
século XX, ainda influenciam o discurso expositivo do dito museu; de modo que essa
camada trata da análise de documentação (relatórios, cartas, imagens etc.) sobre a
criação do Museu Paulista.
A segunda camada, procura conhecer o programa educativo do Museu
Paulista, a partir de entrevistas e observação das atividades de formação dos
educadores, assim como do trabalho de mediação com grupos escolares.
A terceira camada pretende refletir, a partir da perspectiva dos estudos de
cultura visual, sobre o potencial pedagógico das imagens na construção do discurso
de uma história oficial com as possibilidades de problematização desse discurso.
Assim, neste artigo, procurarei discutir a construção de uma História Nacional
a partir da expografia do Museu Paulista e apresentar os procedimentos que estão
sendo utilizados na pesquisa de campo.
A expografia do Museu Paulista e a História Nacional através das imagens
Dada a riqueza da decoração do salão de honra, alli
ficam muito mal collocadas vitrinas comuns; torna-se
necessário recorrer a moveis artísticos, decorados em
harmonia com o resto da sala, e com os mesmos
ornatos.
1
(Affonso Taunay)
O pensamento que norteou a separação dos acervos no final do século XIX e,
no Brasil no início do XX, originando os museus temáticos (História Natural, História,
Artes), estabelecia critérios que distribuíram as obras de arte em museus ditos
Históricos e de Belas Artes. Ainda hoje, é possível perceber os ecos dessa
mentalidade nas curadorias e expografias desses museus (MENESES, 2005).
O historiador Ulpiano Bezerra de Meneses, ex-diretor do Museu Paulista, diz
que “a taxonomia dos museus baseia-se menos em campos do conhecimento ou
problemas humanos, do que em categorias de objetos” e que a rigor, todo museu é
1
TAUNAY, A. de E. Relatório de atividade referente ao ano de 1924. (p. 15).
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histórico, porém, “o conceito vigente é o de que museu histórico seria aquele que
opera „objetos históricos‟” (2005, p.22).
O caso do Museu Paulista está sendo estudado nesta pesquisa devido a sua
história e importância. O Museu Paulista que de Monumento à Independência
Monarquista, Museu de História Natural chegou a Museu Histórico Republicano,
como conhecemos hoje, o que ocorreu na administração de Affonso Taunay, que
inaugurou a Seção Histórica em 1922 e que apostou no valor pedagógico das
imagens para contar a História do Brasil segundo o olhar paulista. Imagens aliadas a
objetos que seriam os documentos probatórios das imagens construídas (BREFE,
2005), por exemplo, ao colocar mechas de cabelos da família real próximas às
pinturas que os representam, ou uma carta de José de Anchieta na mesma sala da
tela “Fundação de São Paulo”.
O Museu Paulista possui um acervo exposto que conta com Pinturas
Históricas, Retratos, Esculturas, objetos, entre outros elementos. A exposição criada
por Taunay em 1922 para comemorar o centenário da Independência e que deu
origem à vocação histórica do Museu constitui um dos roteiros de visitação,
especialmente do público escolar de oitavo e nono anos, que são a maioria dos
visitantes do museu.
Foram telas e esculturas encomendadas para contar uma História. Meneses
considera que “num museu de arte, uma tela, por exemplo, é documento plástico
(...). Já no museu histórico, a mesma tela seria valorizada pelo tema, como
documento iconográfico” (2005, p. 22). Contudo, é preciso levar em consideração o
olhar de Taunay e seu entendimento para tais “documentos iconográficos”.
Se nos reportarmos às pinturas e esculturas presentes no Museu Paulista,
foram quase na sua totalidade encomendas feitas por Taunay, seguindo critérios da
pintura histórica e de retratos acadêmicos e, com suas exigências e diretrizes,
“Taunay utilizou-se, essencialmente, de duas fontes: as fotografias de
Militão de Azevedo da cidade de São Paulo, sobretudo as realizadas em
1862, e as aquarelas e os desenhos de Hercules Florence, naturalista
francês que participou da expedição Langsdorff em 1826 (...). As duas
fontes, fotografia e pintura d’aprèsnature, eram vistas como documentos
autênticos, servindo, portanto, de matrizes exemplares para as pinturas
encomendadas para o museu. (BREFE, 2005, p. 109).
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Sim, documentos autênticos, mas há que se levar em conta a subjetividade
do fotógrafo e do artista, não considerada por Taunay que encarava os documentos
como sendo carregados de verdade histórica. Vale lembrar de sua abordagem
positivista em relação às fontes escritas como portadoras de verdades e, que a
fotografia era vista como um registro fiel da realidade, desde meados do século XIX.
Assim, a visualidade presente no Museu Paulista, o que Taunay denominava
“decoração”, foi sendo construída para que o visitante visse a história nacional pelo
prisma das relações com São Paulo: o surgimento do povo brasileiro com a figura de
João Ramalho que teve descendentes a partir da convivência com índios
Guaianazes que ocupavam São Vicente e São Paulo; o povoamento do Brasil, a
partir dos bandeirantes paulistas; o surgimento da nação a partir da cidade,
especificamente no Ipiranga2.
E, se os museus históricos têm sua origem intimamente ligada à celebração
da História Nacional, uma memória eleita por um segmento da sociedade, podemos
perceber que “o uso documental das peças é praticamente nulo. Predomina a
metáfora, capaz de ilustrar na exposição, conhecimento produzido alhures”
(MENESES, 2005, p. 29), no caso, a metáfora da São Paulo, locomotiva da nação,
ideia contida no imaginário paulista do início do século XX, época da transformação
do Museu Paulista em Museu Histórico, do enriquecimento da cidade em
decorrência do dinheiro de cafeicultores paulistas, que impulsionaram a República e,
numa espécie de mecenato, contribuíram com essa transformação do Museu.
Importante destacar que o edifício foi projetado e construído, ainda na época
do Império, com o objetivo de ser um Monumento à Independência. Com sua
conclusão em 1890, procurou-se dar um novo destino ao prédio, já que não era
2
Ressalto que o edifício do Museu Paulista foi construído no final do Império para ser um Monumento e, vazio,
teria um único elemento interno, a pintura de Pedro Américo, Independência ou morte, encomendada
especialmente para lá. O monumento foi finalizado e inaugurado no início da República, que acabou por destinar
o prédio a função de museu.
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intenção dos republicanos paulistas “recordar” a monarquia. Daí destinar a
edificação para abrigar o acervo do Museu do Estado3.
Então, inicialmente Museu de História Natural, foi com Affonso Taunay que se
iniciou paulatinamente a mudança temática do museu, encomendando pinturas para
representarem a História, a “metáfora” como citado por Meneses anteriormente.
Mas, qual o significado desta metáfora 90 anos após a criação de Taunay? A
exposição construída por ele permanece a mesma e, muitas vezes, a leitura crítica
se faz pela ação educativa.
Os mediadores culturais do Museu Paulista: um estudo de caso
A ideia de arte ligada à pedagogia e à civilização estava
bem de acordo ao projeto civilizatório da jovem nação,
independente desde 1822.
4
(Terezinha Franz)
A História do Brasil narrada pelo olhar paulista através de imagens está de
acordo com uma das funções do museu para a época da direção de Taunay, como
nos apresenta Ana Claudia Brefe:
“a questão da visualidade da história também se funda no valor pedagógico
que a imagem adquire, sobretudo ao longo do século XIX, como um dos
meios mais eficazes de formar o imaginário popular (...) o caráter
pedagógico, aliado ao comemorativo, são os dois elementos básicos que
definem o papel social do museu e sua utilização política” (BREFE, 2005,
p.84).
Segundo os relatórios de atividades do Museu Paulista, escolas visitavam-no
desde sempre, mesmo sem a presença de um trabalho específico por parte do
museu para o atendimento de grupos escolares ou visitantes em geral. Afonso
Taunay também descreve em seus relatórios os atendimentos que ele mesmo fazia,
pessoalmente ou por carta, sobre diversos assuntos relacionados ao acervo e à
história. Contudo, não é possível identificar se alguns desses consulentes são
professores que levariam seus alunos até lá.
3
A tela de Pedro Américo, “Independência ou Morte”, era o único elemento dentro do edifício monumento, foi
encomendada especialmente para lá.
4
(FRANZ, 2003, p. 70)
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Cabe ressaltar também, que um serviço educativo oficialmente constituído no
Museu Paulista só aconteceu em 2001, com a contratação de uma Educadora e a
criação do SAE (Serviço de Atividades Educativas) e, posteriormente a formação de
uma equipe a partir de estagiários da USP, já que o Museu pertence à Universidade.
Também, é importante refletir sobre o fato de que o Patrimônio Cultural eleito
para ser preservado vem cada vez mais sendo incluído nas propostas de atividades
curriculares e, como problematiza Imanol Aguirre (2008), qual o significado desse
Patrimônio Cultural para as gerações de hoje? Podemos nos questionar, por
exemplo, sobre a tela do pintor Pedro Américo, Independência ou morte,
incansavelmente reproduzida nos livros didáticos e, ultimamente, questionada e até,
ouso dizer, ridicularizada, na tentativa de desmistificar o “herói” e o fato ou mito. O
que ela realmente significa hoje, ainda tão imponente no grande salão nobre do
Museu Paulista?
É importante entender como os educadores/estagiários lidam com estas
questões. Por meio de entrevistas e observação participante, procuro investigar
como o mediador cultural lida com a Cultura Visual no MP e como se dá o trabalho
de arte-educação.
A minha pesquisa no SAE/MP se iniciou com uma entrevista semi-estruturada
com a Supervisora Técnica, Denise Cristina Peixoto Catunda Marques, que foi a
Educadora contratada em 2001 que me referi anteriormente, é ela quem coordena
as atividades e a equipe de estagiários de SAE. Após a entrevista iniciei meus
trabalhos como observadora participante, neste semestre.
É rotina da observação, as reuniões de equipe que acontecem às segundasfeiras, bem como as visitas com grupos escolares, inicialmente alunos da rede
estadual que vão ao museu pelo programa Cultura é Currículo da FDE 5. São alunos
de oitavo e nono anos e, para essa faixa etária o roteiro de visita é a exposição
elaborada por Taunay.
5
O Programa Cultura é Currículo da FDE (Fundação para o desenvolvimento da Educação), um conjunto de
ações definidas pela Secretaria de Estado de Educação de São Paulo que disponibiliza verba para que as
escolas da rede pública possam incluir em suas atividades programas culturais. As visitas a museus e
exposições recebe o nome de Lugares de aprender: a escola sai da escola.
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Existem cinco roteiros de visita, pensados a partir do acervo exposto. Os
roteiros são indicados para faixas etárias diferentes, tendo como base as sugestões
para a disciplina de História que estão presentes nos Parâmetros Curriculares
Nacionais.
Levando em consideração o perfil desse profissional em pesquisa anterior
realizada em meu Mestrado (ALENCAR, 2008) constatei que a formação inicial dos
mediadores culturais em museus e exposições de Arte concentra-se nas áreas de
Arte e História, e que a formação continuada é extremamente importante nesse
trabalho. Assim, pensar de que maneira a formação inicial interfere no olhar às obras
de arte expostas nesses espaços, como acontece a formação continuada e se são
elaborados recursos didáticos para essa mediação, são problemas para a
investigação nesse momento.
As imagens contam histórias?
... estas duas figuras femininas farão excelente efeito
estético na galeria de homens.
6
(Afonso Taunay)
Quando Taunay criou a Seção Histórica do MP em 1922, ele deu início ao
que ele denominava “decoração”, encomendou pinturas e esculturas para contar
uma história. E, hoje, nós podemos repensar essa “decoração”, essa visualidade, o
que ela representa, refletir sobre ela como um produto cultural:
“ao mudarmos a abordagem da obra de arte para uma perspectiva que a
considere como elemento da cultura visual, estamos ampliando nosso modo
de olhar, e este poderia ser o primeiro passo na direção de uma educação
artística para a compreensão” (FRANZ, 2003, p.156).
Como já disse anteriormente, Taunay soube muito bem como explorar os
recursos pedagógicos das telas e esculturas que encomendou para contar uma
versão da história do Brasil, para influenciar na construção de um imaginário, de
uma memória nacional. Mas e hoje, com a crítica a esse imaginário, a essa versão
da história, qual o sentido de sua exposição? Com que olhar, com que
6
(TAUNAY apud BREFE, p.116), ao encomendar os retratos de D. Leopoldina e Maria Quitéria para o Salão de
Honra.
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subjetividades estamos lidando hoje ao receber grupos de estudantes no museu
para ver a mesma história criada há 90 anos atrás?
Referências
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Valéria Peixoto de Alencar possui graduação em História pela Universidade de São Paulo
(1998) e Mestrado em Artes pelo Instituto de Artes - UNESP (2008). Tem experiência na
área de Educação em museus, educação patrimonial e mediação cultural. Cursa Doutorado
em Artes pelo Instituto de Artes - UNESP.
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