Estrutura populacional, aspectos da reprodução e
alimentação dos Cyprinodontiformes (Osteichthyes)
de um riacho do sudeste do Brasil 1
José Marcelo Rocha Aranha 2
Érica Pellegrini Caramaschi 3
ABSTRACT. Population structure, reproductive aspects and feeding ofCyprinodontiformes fishcs (Ostcichthyes) from a coastal slream in soulheastern Brazil.
The population structure, reproductive aspects and feeding of Phallocel'os caudimaculatus (Hensel, 1868), Poecilia vivipara Bloch & Sclmeider (180 I), Phalloptychus
januarius (Hensel, 1868) e Jenynsia /ineata (Jenyns, 1842) were studied in tive
sampling stations in the Ubatiba stream, municipality of Maricá (State of Rio de
Janeiro, Brazil). In relation to lhe populalion struclure, P. caudimaculatus was more
represenlalive upslream; P. vivipara mid-slream and downslream; P. januarius and J.
/ineata downslream. The species presenled preponderance 01' females, except in lhe
intermediale length classes. The occurence 01' imalures and females wilh young
pointed oul a long reproduclive period and favoured areas for reproduction oflhe four
species. The young forms of P. caudimaculallls were more abundanl in station I
(upslream), P. vivipara in station 4 (downslream) and P. januarius and 1. /ineala in
station 5 (Maricá coastallagoon). The higher occurences offemales wilh young belong
lO P. calldimaclllalus. in station 1(upslream) and P. vivipara and P.janllarius in station
5 (Maricá lagoon). The four sludied species presented herbivorous diet and the
differences found in lhe feeding may ref1ecllhe differences in lhe food availability in
lhe microhabitats used by lhe species. So, we concluded lhal lhe sludied species
presented evidenl segregation in severallevels of lhe different available resources in
the environmenl.
KEY WORDS. Cyprinodonliformes, populalion slructure, feeding, reproduclion,
coaslal slream.
A influência das interações específicas na estrutura das comunidades e nas
características morfológicas e comportamentais dos animais, ao longo do tempo
evolutivo, tem suscitado debate pelo menos desde os tempos de Darwin. Alguns
autores acreditam que a maioria das espécies vivem próximas da capacidade suporte
do meio, tornando os recursos limitantes e, portanto, a competição seria um fator
ecológico e evolutivo importante (e.g. HUNTCHfNSON 1958; MACARTHUR 1972;
SCHOENER 1974; PlANKA 1982). Por outro lado, outros autores acreditam que a ação
desestabilizadora de fatores fisicos manteria as populações abaixo da capacidade de
suporte, impedindo que os recursos se tornassem limitantes (e.g. ANDREWARTHA
& BIRCH 1954; WIENS 1977; CONNOR & SIMBERLOFF 1979; STRONG 1980).
1) Parte do Convênio FINEP/UFRJ. processo 4.2.87.0588.00.
2) Departamento de Zoologia. Universidade Federal do Paraná. Caixa Postal 19020,
81531-990 Curitiba. Paraná, Brasil.
E-mail: jmaranha@bio.ufpr.br
3) Departamento de Ecologia, Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Caixa Postal 68020, 20941-970. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil.
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638
Aranha & Caramaschi
HUNTCH1NSON (1959) afirma que a seleção natural, juntamente com o
isolamento e subseqüente invasão mútua de áreas, tem levado à evolução das
espécies simpátricas que, no equilíbrio, ocupam nichos diferentes. Deste modo, as
diferenças de nicho minimizariam, através da partilha de recursos, a competição
(DIAMOND 1978).
SCH0ENER (1974) afirma que a partilha de recursos pode ocorrer em diferentes dimensões deste nicho. Para ele, a alta sobreposição em uma dimensão
implicaria em baixa similaridade em outras, preservando um nível mínimo de
segregação na utilização dos recursos. O mesmo autor afirma que as três dimensões
do nicho mais importantes para as espécies são a espacial, a temporal e a trófica.
Várias críticas são feitas à teoria de partilha de recursos. WIENS (1977) e
GROSSMAN et aI. (1982) propõem que a alta variabilidade ambiental impede o estado
de equilíbrio nas comunidades, tornando a competição um fenômeno menos intenso
e de difícil mensuração. Por outro lado, autores favoráveis à teoria de partilha de
recursos têm refutado as críticas insistentemente, pois concordam com a importância
da influência da variação ambiental no tamanho das populações, mas discordam que
isto reduziria o papel das interações biológicas (e.g. YANT et aI. 1984).
O número de trabalhos com peixes abordando a partilha de recursos nas três
dimensões (espacial, temporal e trófica) aumentou muito nos últimos anos (Ross
1986), embora poucos trabalhos tenham sido feitos com Cyprinodontiformes (KEAST 1978; WERNER et aI. 1978)
Estudos envolvendo recursos e taxocenoses de peixes em riachos do Brasil
são escassos (e.g. ARANHA et aI. 1993). Em riachos litorâneos, COSTA (1987),
SABINO & CASTRO (1990) e ARANHA & CARAMASCHI (1997) abordam a alimentação e/ou ocupação espacial de diferentes espécies.
O objetivo deste trabalho é analisar a estrutura das populações e as relações
alimentares e reprodutivas envolvidas na coexistência das quatro espécies de
Cyprinodontiformes que ocorrem em um riacho litorâneo do sudeste brasileiro:
Phalloceros caudimaculatus (I-Iensel, 1868), Poecilia vivipara Bloch & Schneider
(180 I), Phalloptychusjanuarius (Hensel, 1868) e Jenynsia lineata (Jenyns, 1842).
MATERIAL E MÉTODOS
Foi adotada como área de estudo a drenagem do rio Ubatiba (Maricá, Rio de
Janeiro, Brasil) (22°55'S, 42°49'W). Este rio tem aproxidamente 15 km de extensão
e desemboca no sistema lagunar de Maricá. O percurso envolve um trecho de serra,
onde ocorre vegetação marginal arbórea e leito de pedras e areia e um trecho de
baixada com vegetação marginal arbustiva e fundo areno-Iodoso.
Foram definidas quatro estações de amostragens numeradas em ordem
crescente ao longo do rio Ubatiba e a quinta na lagoa de Maricá. A estação I era
localizada no trecho superior da bacia, a estação 2 no trecho médio, a estação 3 no
trecho médio-inferior, a 4 no trecho inferior e a 5, na lagoa próximo à desembocadura do rio. Em ARANHA & CARAMASCHJ (1997) há um mapa esquemático e o grau
de similaridade das estações e da metodologia de coleta.
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Estrutura populacional, aspectos da reprodução e alimentação...
639
Os peixes foram coletados mensalmente, nas estações I a 4, de junho de 1987
ajulho de 1988, utilizando-se peneirae rede de malha fina. A estação 5 foi amostrada
de julho de 1987 a julho de 1988. Exemplares testemunho foram depositados no
Museu Nacional, Rio de Janeiro, Brasil, sob os números MNR1l2252 a 12255.
Os peixes foram fixados em mistura de Transeau (três partes de álcool
96°GL, uma parte de formol e seis partes de água) que fixa bem os peixes e, ao
mesmo tempo, preserva as algas do conteúdo estomacal. Depois de alguns dias, os
peixes foram transferidos para álcool a 70 oGL, onde foram conservados. Foram
então medidos quanto ao comprimento total e agrupados em classes de comprimento
de 0,5 centímetro e examinados quanto ao sexo (pela presença de gonopódio).
Os exemplares da classe 1,6 a 2,0 cm ou menores e que não apresentavam
indício de desenvolvimento de gonopódio ou de atividade reprodutiva foram
classificados como jovens.
As fêmeas foram examinadas macroscopicamente quanto ao estado de
maturação sexual, pois as fêmeas chamadas grávidas apresentam a região ventral
abaulada. Nos casos de dúvida, foi feita uma pequena incisão e foram chamadas de
grávidas as fêmeas que apresentavam embriões em desenvolvimento. Por outro
lado, as que não apresentavam a região ventral abaulada ou nas quais não foram
observados embriões, foram chamadas de não-grávidas.
Para a caracterização da estrutura populacional foram utilizados dados de
702 Phal/oceros caudimaculatus, 1608 dePoecilia vivipara, 1221 de Phal/optychus
januarius e 121 de Jenynsia lineata.
A época reprodutiva foi analisada pela freqüência relativa mensal de fêmeas
grávidas e de jovens na população para cada espécie em cada estação de coleta, ao
longo do período estudado. Estes resultados foram testados estatisticamente, quando
2
possível, pela prova do Qui-quadrado (X ) para k amostras independentes (SIEGEL
1975), para determinar a significância estatística da diferença nas ocorrências de
fêmeas grávidas e não grávidas e de jovens e adultos em relação aos bimestres.
Assim, oX2 significativo indicaria relação entre a ocorrência de fêmeas grávidas ou
de jovens e os bimestres e confirma o que chamamos de "tendência à sazonal idade".
Para o estudo do hábito alimentar, foram analisados exemplares das espécies
consideradas "constantes" em cada estação (ARANHA & CARAMASCHI 1997),
exceto a estação 4 que apresentava muita semelhança com a estação 5. Foi examinado o conteúdo do trato digestivo de 10 indivíduos de P. caudimaculatus da estação
1 e 6 da estação 3. De P. vivipara foram analisados 10 exemplares da estação 2, 10
da 3 e 10 da 5. De P. januarius e de 1. lineata foram examinados, respectivamente,
10 exemplares de cada da estação 5.
Para o estudo da variação interespecífica na composição da dieta em relação
ao tamanho, foram examinados 10 exemplares adicionais de P. caudimaculatus da
estação 1, de P. vivipara da estação 3, de P. januarius e 1. lineata da 5, totalizando
20 exemplares para cada espécie nessas estações. No total, 10 exemplares pertenciam à classe de comprimento 1,6-2,Ocm (a partir daqui nomeada classe 1) e 10 à
classe 3,6-4,Ocm (classe 2). Estas classes de comprimento foram escolhidas por
constituírem a menor e a maior dentre as classes de comprimento de maior
freqüência.
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640
Aranha & Caramaschi
Cada exemplar foi dissecado e da porção anterior do trato digestivo foram
extraídas secções de 1,0 em, sendo que dos exemplares da classe 1 foi retirada uma
secção e dos exemplares da classe 2, duas secções. Cada secção foi lavada em álcool
a 70 0 GL sobre lâmina de microscopia, coberta com lamínula e examinada em
microscópio óptico. Os itens do conteúdo estomacal foram contados para estimar a
importância numérica de cada item na dieta pelo método numérico adaptado para
o presente estudo como descrito em ARANHA (1993). Feito isto, foram examinados
todos os campos da lamínula e os itens que eventualmente não tivessem sido
observados foram registrados para análise qualitativa pelo método de freqüência de
ocorrência (HVSLOP 1980).
O material do conteúdo do trato digestivo foi determinado no menor nível
taxonômico possível com base em BOURRELLV (1968, 1970, 1972) e BICUDO &
BICUDO (1970) para as algas e, para os itens de origem animal, NEEDHAM &
NEEDHAM (1978) e MACAN (1959).
Os resultados foram analisados utilizando-se o Índice Alimentar (KAWAKAMI & VAZZOLER 1980).
Para a análise da sobreposição alimentar foi utilizada a fórmula de Morisita
modificada por HORN (1972), conforme apresentada por SMITH & ZARET (1982),
utilizando os valores do Índice Alimentar de cada item do conteúdo estomacal. À
matriz de similaridade foi aplicada a análise de agrupamento UPGMA (ROMESBURG
1990).
RESULTADOS
Estrutura da População
O comprimento total de P. caudimaculatus variou da classe 0,6-1,Ocm à
4,6-5,Ocm, sendo que 61,5% dos exemplares pertenciam às classes 1,6-2,Ocm a
2,6-3,Ocm. A única estação onde foram coletados exemplares de todas as classes de
comprimento foi a I.
P. vivipara variou da classe 0,6-1 ,Oem a 7,1-7 ,Sem sendo que as classes
melhor representadas foram I, l-I ,Sem a 3,0-3,5cm com 74,9% dos exemplares da
espécie coletados. Na estação 4 houve grande predomínio da classe I, I-I ,Sem (46%
dos exemplares coletados na estação) e na estação 5 predominaram as classes
3,6-4,Ocm a 5,1-5,5cm (59% dos exemplares coletados).
Os exemplares de P.januarius variaram de 1,1-1,5cm a 4,6-5,Ocm sendo
que 65,4% dos indivíduos pertenciam às classes 1,6-2,Ocm a 2,6-3,Ocm. J lineata
variou de I, I-I ,Sem a 6,6-7,Ocm com predomínio das classes J ,6-2,Ocm a 3, 1-3,5cm
com 74,4%. A estação onde ambas as espécies foram melhor representadas foi aS,
ou seja, na lagoa.
Todas as espécies estudadas apresentaram uma amplitude de variação das
classes de comprimento muito menor em machos que em fêmeas e um predomínio
de fêmeas sobre machos (Fig. I).
A análise da proporção sexual por classe de comprimento mostra que há
predomínio de fêmeas nas classes menores e maiores (Fig. I). Nas classes de
comprimento intermediárias, ou a proporção macho:fêmea não difere significativamente de I: I ou há predomínio estatisticamente significativo de fêmeas (Fig. I).
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1234 5 6 7 8 9101112131415
Classes de Comprimento
_Machos DFerneas
Fig. 1. Freqüência relativa de ocorrência de machos e fêmeas de Phalloceros caudimaculatus
(Pc), Poecilia vivipara (Pv), Phalloptychusjanuarius (Pj) e Jenynsia lineata (JI) em cada classe
de comprimento no periodo estudado. (*) >f significativo com a = 0,05; n/: cálculo do >f
impossivel.
Quanto à proporção entre jovens e adultos na população, houve predomínio
de adultos nas quatro espécies (Tab. I). P. caudimaculatus apresentou evidente
predomínio de adultos, principalmente na estação 3 (Tab. I). A maior ocorrência de
jovens de P. caudimaculatus foi na estação I com 15,6% (Tab. I).
A ocorrência de jovens variou sazonalmente sendo que nos bimestres
outubro-novembro e dezembro-janeiro houve aumento de jovens na amostra total
e na estação I (Fig. 2).
A ocorrência de jovens de P. vivipara foi de 22,4% do total de exemplares
coletados (Tab. I). Na estação 4 houve grande predomínio de jovens (52,7%)
enquanto nas estações 2, 3 e 5 o predomínio foi de adultos (Tab. I).
Ao longo do ano, a ocorrência de jovens desta espécie foi mais alta nos
bimestres agosto-setembro, outubro-novembro e dezembro-janeiro (Fig. 2).
Em P. januarius a ocorrência de jovens foi muito pequena (6,3% dos
exemplares) e praticamente só na estação 5 (Tab. I). Ao longo do ano, jovens
ocorreram nos bimestres outubro-novembro, dezembro-janeiro, abril-maio e junhojulho/88 (Fig. 2).
Quanto à 1. lineata, 14,9% da amostra total foi de jovens e 94,4% deles
ocorreu na estação 5 (Tab. I). Para esta espécie, jovens ocorreram nos bimestres
agosto-setembro, outubro-novembro, abril-maio e junho-julho/88 (Fig. 2).
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Tabela I. Distribuição das freqüência relativas de jovens, adultos, fêmeas grávidas e não
grávidas de P. caudimaculatus, P. vivipara, P. januarius e J. Iineata para cada estação de
coleta e para a amostra total.
Estação de coleta
Espécies
Jovens
Phalfoceros
caudimaculatus Adultos
Fêmea grávida
Fêmea nao grávida
Poecilia
Jovens
vivipara
Adultos
Fêmea grávida
Fêmea nao grávida
Phalfoptychus
Jovens
januarius
Adultos
Fêmea grávida
Fêmea não grávida
Jenynsia
Jovens
lineata
Adultos
Fêmea grávida
Fêmea nao grávida
15,6
84,4
45,1
54,9
2
3
10,0
90,0
14,3
85,7
2,9
97,1
12,5
87,5
11,0
89,0
27,1
72,9
13,6
86,4
21,2
78,8
4
13,0
87,0
37,8
62,2
100,0
100,0
100,0
100,0
Pc
Total
5
52,7
47,3
19,6
80,4
4,5
95,5
49,6
50,4
22,4
17,6
26,8
73,2
1,5
98,5
5,3
94,7
6,6
93,4
48,3
51,7
6,3
93,7
45,8
54,2
10,0
90,0
50,0
50,0
15,6
84,4
14,5
85,5
14,9
85,1
16,2
83,8
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Fig. 2. Freqüência relativa de ocorrência de jovens e adultos de Phalloceros caudimaculatus
(Pc), Poecilia vivipara (Pv), Phalloptychus januarius (Pj) e Jenynsia lineata (JI) por bimestre
no período estudado.
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Reprodução
Nas espécies estudadas houve predomínio de fêmeas não grávidas sobre
fêmeas grávidas (Tab. I). Quanto à ocorrência de fêmeas grávidas ao longo do
período estudado, houve tendência à sazonalidade nas quatro espécies (Phalloceros
caudimaculatus: X 2= 41,86, P<0,05; Poecilia vivipara: X 2= 118,84, P<0,05;
Phalloptychus januarius: X 2= 145,34, P<0,05; Jenynsia lineata: X 2= 20,43,
P<0,05).
As fêmeas grávidas de P. caudimaculatus predominaram na estação I
(92,4% do total de fêmeas grávidas coletadas) e nos bimestres agosto-setembro,
outubro-novembro, dezembro-janeiro e abril-maio (Fig. 3). Nas estações 2 e 3 houve
grande predomínio de fêmeas não grávidas.
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1988
Bimestres
DFerneas n/ GTavidas .Ferneas Gravidas
Fig. 3. Freqüência relativa de ocorrência de fêmeas não grávidas e grávidas de Phalloceros
caudimacu/atus (Pc), Poecilia vivipara (Pv), Phalloptychusjanuarius (Pj) e Jenynsia /ineata (JI)
por bimestre no periodo estudado.
Para P. vivipara, a maior ocorrência de fêmeas grávidas ocorreu na estação
5 (Tab. I) e nos bimestres agosto-setembro, abril-maio e Junho-Julho/88 (Fig. 3).
Nas estações 2, 3, e 4 houve predomínio de fêmeas não grávidas se comparadas com
a estação 5 (Tab. I).
P. januarius foi a espécie onde o predomínio de fêmeas não grávidas foi
menor (Tab. I). A ocorrência de fêmeas grávidas foi de 45,8% do total de fêmeas,
sendo que 99,4% destas fêmeas grávidas ocorreram na estação 5 (Tab. 1). Ao longo
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Aranha & Caramaschi
de todo o ano foram coletadas fêmeas grávidas mas os bimestres com maior
ocorrência foram agosto-setembro, outubro-novembro, fevereiro-março e junho-julho/88 (Fig. 3).
A freqüência de coleta de fêmeas grávidas de J. lineata foi muito pequena
(16,2% do total; Tab. I). Assim, apesar de ter sido encontrada tendência à sazona2
lidade (X = 20,43, P<O,OS), o pequeno número de fêmeas grávidas torna dificil a
definição da estação reprodutiva (Fig. 3).
Alimentação
Os peixes estudados apresentaram grande diversidade na dieta, totalizando
32 categorias de itens alimentares (Tab. 11). Os itens vegetais foram determinados
até o nível de família considerando a forma da célula.
Dois itens, hei minto não identificado e tardígrado, ocorreram apenas na
análise qualitativa em P, vivipara da classe 2 na estação 3 (10% e 20%, respectivamente) e foram retirados da tabela 11.
Tabela 11. Valores do Indice Alimentar de cada item do conteúdo do trato digestivo de P.
caudimaculatus, P. vivipara, P, januarius e J. lineata das classes de comprimento estudadas
(c1 1 e 2) nas estações 1, 2, 3 e 5 (est 1,2, 3 e 5, respectivamente) do rio Ubatiba. (nll) Não
identificado, (*) valor menor que 0,01.
P. caudimaculatus
P. vivipara
Itens
Achnantaceae
Anaulaceae
Coscinodiscaceae
Diatomaceae
Naviculaceae
Nitzschiaceae
Surirelaceae
Bacillariophyceae (nf1)
Oocystaceae
Scenedesmaceae
Chlorophyceae (n/I)
Oscillatoriaceae
Euglenaceae
Desmidiaceae
Mesoteniaceae
Filamentosa (nll)
Algas (nll)
Material vegetal (nll)
Protista
Rolifero
Nemal6ide
Microcrustáceo
Crustáceo (nll)
Larva Chironomidae
Hymenoptera
Ácaro
Fragmento de artr6podo
Material Animal (nll)
Organismo (nll)
Material (nll)
Material de origem vegetal
Material de origem animal
P. januarius
J. fineafa
Cl1
Est 1
Cl2
Est1
Cl1
Est3
Cl1
Est2
Cl1
Est 3
Cl2
Est3
Cl2
Est 5
Cl1
Est5
Cl2
Est 5
Cl1
Est5
Cl2
Est5
0,18
0,00
0,68
0,61
17,04
0,27
0,04
8,83
1,40
0,00
13,94
53,34
3,05
0,06
0,23
0,00
3,21
1,84
29,26
0,08
0,25
13,09
2,65
0,00
24,37
17,18
0,17
0,70
6,06
0,22
0,18
0,07
0,00
0,00
0,00
0,00
94,02
0,00
0,05
0,00
0,52
0,00
0,00
2,13
1,43
1,74
0,00
0,00
0,02
0,05
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
2,85
47,62
0,71
0,00
1,90
0,00
0,00
0,00
0,00
0,71
8,33
0,00
0,00
0,71
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
35,01
0,00
0,23
1,90
0,00
0,00
0,00
0,50
0,00
1,53
0,10
68,12
0,32
0,50
14,54
4,11
0,00
0,00
6,95
0,10
0,72
0,00
0,03
0,00
0,37
0,00
0,00
0,00
0,01
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
2,02
0,37
0,00
1,76
0,05
67,97
0,16
0,22
12,89
6,17
0,00
0,20
9,44
0,00
0,40
0,00
0,01
0,11
0,15
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,01
0,00
0,01
0,00
38,09
1,42
0,00
6,43
0,00
0,00
1,07
0,00
17,17
0,00
0,00
0,71
1,07
0,00
0,00
4,29
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,03
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
28,64
0,71
0,27
1,68
0,00
0,00
0,55
0,00
0,27
0,27
0,00
95,24
0,00
0,00
0,00
0,55
0,00
0,00
0,55
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,55
0,00
0,00
7,37
0,00
0,00
1,29
0,00
0,00
0,00
0,00
56,99
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
29,14
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
5,18
0,00
0,00
7,92
1,97
0,98
14,84
0,00
0,49
0,00
0,00
0,00
39,61
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
17,32
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
4,94
0,00
0,00
0,00
5,93
0,00
5,94
0,00
0,00
14,76
0,00
0,00
6,70
0,00
2,66
0,00
0,00
0,00
3,35
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,33
0,00
0,00
0,00
0,33
0,33
8,05
0,00
62,09
1,33
99,96
0,00
62,83
37,14
97,89
0,01
99,90
0,01
70,25
0,03
99,38
0,00
94,79
0,00
83,13
10,87
27,47
9,04
0,31
0,15
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,01
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
99,86
0,01
99,56
0,00
0,35
0,00
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Estrutura populacional, aspectos da reprodução e alimentação...
645
As quatro espécies estudadas apresentaram dieta herbívora.
Na estação I, P. caudimaculatus foi estudado em duas classes de tamanho.
Os principais itens encontrados no trato digestivo dos exemplares da classe 1 foram
Oscillatoriaceae, Naviculaceae e Chlorophyceae não identificada (Tab. lI). Para
exemplares da classe 2, os principais itens foram Naviculaceae, Chlorophyceae,
Oscillatoriaceae e Bacillariophyceae não idenficada (Tab. 11). A análise de sobreposição alimentar indica 70% de sobreposição na dieta de P. caudimaculatus classes
I e 2 pois, apesar de alguns dos principais itens terem sido os mesmos, as proporções
foram diferentes (Fig. 4).
......-
Pc/CI1 ~
I
I
Est
PC/CI2
JI/CI1 -
-
Est 5
Pc/CI1
4
Pv/CI1
Est 3
Pv/CI2
-
Pv/CI1 Pv/CI2
J
I
-
JI/CI2
I
I
o
50
Est. 2
Est 5
PjlCI1
PjlCI2
100
Fig. 4. Representação gráfica da análise de agrupamento das dietas de Phalloceros caudimaculatus (Pc), Poecilia vivipara (Pv), Phalloptychusjanuarius (Pj) e Jenynsia lineata (JI) nas
estações 1, 2, 3 e 5 do rio Ubatiba, para indivíduos da classe de comprimento 1 (CI1) e classe
de comprimento 2 (CI2), no período estudado.
Na estação 2 foram estudados 10 exemplares da classe I de P._vivipara e os
principais itens foram Naviculaceae e larvas de Chironomidae (Tab. 11).
Duas espécies foram estudadas na estação 3. P. caudimaculatus foi estudado
apenas na classe 1 e o principal item foi Naviculaceae (Tab. 11). É importante
ressaltar que a diversidade de itens da dieta de P. caudimaculatus nesta estação é
menor que na estação 1 e a de P. vivipara na estação 3. P. vivipara foi estudada em
duas classes, sendo que os principais itens foram Naviculaceae e Baccilariophyceae
não identificada para exemplares das classes I e 2 (Tab. 11).
Pela análise de sobreposição alimentar, vê-se na figura 4 que P. vivipara da
estação 2 apresentou maior semelhança com exemplares da mesma espécie das
Revta bras. Zool. 16 (1): 637 - 651,1999
646
Aranha & Caramaschi
classes 1 e 2 e com exemplares de P. caudimaculatus, todos da estação 3. Entre os
pecilídeos da estação 3, a dieta de P. caudimaculatus foi 93% semelhante à dieta de
P. vivipara tanto da classe 1 quanto da classe 2 (Fig. 4).
Na estação 5, P. vivipara da classe 2 mostrou o predomínio dos itens
Anaulaceae, Organismos não identificados e Scenedesmaceae na dieta (Tab. lI).
Scenedesmaceae foi o item mais importante para exemplares das duas classes de
tamanho de P. januarius e o segundo item mais importante para exemplares da
classe 2 foi "Algas não identificadas" (Tab. lI). Para 1. lineata, os itens mais
importantes dos exemplares da classe 1 foram Chlorophyceae não identificadas,
"Algas não identificadas" e ''Naviculaceae''. Para os exemplares da classe 2, os itens
mais importantes foram "Organismos não identificados" e "Anaulaceae" (Tab. lI).
Nesta estação, a análise de sobreposição mostra alta similaridade nas dietas
de P. januarius das classe 1 e 2 com 82%; P. vivipara apresentou maior semelhança
com a dieta de 1. lineata classe 2 (70%) e a dieta de 1. lineata da classe 1 mostra
similaridade muito baixa com a dieta dos outros guarus da mesma estação e 69%
de semelhança com P. caudimaculatus da classe 2 da estação I (Fig.4).
DISCUSSÃO
A estrutura em comprimento das espécies estudadas mostra que algumas
populações estavam melhor representadas em determinadas estações de coleta,
como o caso de P. caudimaculatus na estação I e de P. januarius e 1. lineata na
estação 5. Estes resultados reforçam as conclusões de ARANHA & CARAMASCHI
(1997) que apontam P. caudimaculatus como espécie de maior constância e
freqüência no trecho superior do rio Ubatiba, P. vivipara nos trechos médio e inferior
e P. januarius e 1. lineata no trecho inferior.
Poecila vivipara mostrou predomínio de indivíduos pequenos na estação 4
e de exemplares maiores na estação 5. ARANHA & CARAMASCHI (1997) afirmam
que, nas estações 4 e 5, P. vivipara, P. januarius e1. lineata apresentaram ocupação
espacial diferenciada em relação ao tamanho dos exemplares. Na estação 4, exemplares maiores de P. vivipara (acima de 3cm) ocupavam o meio do rio em regiões
mais profundas, junto ao substrato. Os indivíduos menores ocupavam áreas marginais, quase sem correnteza, junto à vegetação (ARANHA & CARAMASCHI 1997).
Como nesta estação não foi possível coletar todos os meses no microhabitat ocupado
pelos indivíduos maiores, o predomínio dos exemplares menores provavelmente
está superestimado por problemas de amostragem.
Quanto à proporção sexual, as espécies estudadas apresentaram predomínio
de fêmeas, exceto quando considerados exemplares das classes de comprimento
intermediárias. HENN (1916) aponta como geral o predomínio de fêmeas em
coleções de pecilídeos. Alguns autores sugerem que a predação seletiva pode alterar
a proporção sexual diminuindo a porcentagem de machos (KRUMHOLZ 1948) ou de
fêmeas (BRJITON & MOSER 1982). BOEL Y (1980, apud NARAHARA et aI. 1985)
afirma que a proporção sexual pode estar relacionada ao comprimento dos indivíduos. Provavelmente, as diferenças nas taxas de crescimento e mortalidade podem
estar influenciando a proporção sexual dos pecilídeos estudados.
Revta bras. Zool. 16/1\: 6:\7
_1;1'1
1QQQ
Estrutura populacional, aspectos da reprodução e alimentação...
647
No rio Ubatiba, as espécies estudadas parecem não empreender grandes
deslocamentos (talvez apenas em curtos percursos), embora possam ocorrer deslocamentos involuntários rio abaixo durante trombas d'água. No entanto, a análise
cuidadosa da ocorrência de jovens e fêmeas grávidas destas espécies permite a
definição de áreas preferenciais de reprodução. As estações onde houve maior
ocorrência de jovens foi a I para P. caudimaculatus, a 4 para P. vivipara e a 5 para
P. januarius e J lineata. Quanto às fêmeas grávidas, as estações onde houve maior
ocorrência foi a I para P._caudimaculatus e 5 para P. vivipara e P. januarius. Há
uma clara concordância nestes resultados exceto paraP. vivipara (maior ocorrência
dejovens e fêmeas grávidas em diferentes estações) provavelmente pelos problemas
de amostragem já discutidos. Além disso, há que se considerar que as estações 4 e
5 são muito próximas (distante aproximadamente 500 metros) (ARANHA & CARAMASCHI 1997). É possível que a ocorrência de jovens de P. caudimaculatus na
estação 2 esteja superestimada (10%) pois o número de exemplares coletados nesta
estação foi muito pequeno e, em termos absolutos, estes 10% correspondem a um
único indivíduo. O mesmo problema pode ter ocorrido com J lineata na estação 4
pois foram coletadas apenas quatro fêmeas, duas delas grávidas. Então, aparentemente os trechos com maior atividade reprodutiva foram o superior para P. caudimaculatus e o inferior para as outras espécies. Para P. vivipara houve também
atividade reprodutiva no trecho médio mas, no trecho inferior esta foi aparentemente
mais intensa.
A ovoviviparidade, característica comum das espécies estudadas, é reconhecida como uma estratégia que permite a reprodução com relativa independência das
variações ambientais. A fertilização interna, segundo THTBAULT & SCHULTZ (1978),
pode permitir, entre outras coisas, a variação no intervalo dos períodos reprodutivos
e tempo de gestação. A ocorrência de jovens e de fêmeas grávidas mostrou tendência
à sazonal idade, pois os resultados foram significativos (exceto jovens deJ lineata).
Entretanto, aparentemente a característica mais evidente foi que todas as espécies
estudadas apresentaram um período reprodutivo bastante prolongado. KRAMER
(1978) afirma que peixes de habitats tropicais estáveis tendem a ter períodos
reprodutivos prolongados. Entretanto, MENEZES & CARAMASCHI (1994) verificaram período reprodutivo prolongado para espécies de rios costeiros e atribuem esta
estratégia a uma resposta biológica a ambientes instáveis, onde a reposição contínua
de jovens constituiria um mecanismo de restabelecimento da estrutura da população.
ARANHA & CARAMASCHI (1997) mostraram que, após fortes chuvas, ocorre redução
na abundância relativa e alterações na constância das espécies por estação. O período
reprodutivo prolongado dessas espécies no rio Ubatiba sugere estratégia similar à
descrita acima (MENEZES & CARAMASCHI 1994).
Quanto à dieta, as quatro espécies estudadas apresentaram dieta herbívora,
apesar de tradicionalmente os Cyprinodontiformes serem considerados insetívoros.
SABlNO & CASTRO (1990) apresentam P. caudimaculatus como espécie onívora
com tendência à herbivoria. Por outro lado, COSTA (1987) encontrou 100% de algas
na dieta de P. caudimaculatus em rio costeiro próximo à lagoa de Saquarema (Rio
de Janeiro) e TEIXEIRA (1989) 100% de vegetal superior no conteúdo estomacal da
mesma espécie em rio litorâneo do Rio Grande do Sul.
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648
Aranha & Caramaschi
Na estação I, P. caudimaculatus apresentou 70% de semelhança na dieta
entre exemplares de menor porte (classe I) e os de maior porte (classe 2). A maior
ocorrência de Oscillatoriaceae em indivíduos menores pode ser reflexo de variação
na distribuição do item no ambiente ou de seletividade, por parte dos peixes, na
captura deste item. PA YNE (1986) cita Oscillatoria como planctônica e, desta forma,
a correnteza poderia influenciar na abundância em diferentes habitats tornando a
disponibilidade deste item diferenciada. Por outro lado, vários autores têm observado seletividade em função do tamanho dos exemplares na captura de itens em
peixes planctófagos (e.g. EGGERS 1977).
Foram observados para P. vivipara, na estação 2, os menores valores de
índice alimentar de itens de origem vegetal (62,83% no total) e os maiores valores
de itens de origem animal (37,14% no total), comparando-se com a dieta dos
exemplares da mesma espécie nas estações 3 e 5. Isto pode ser reflexo das
características ambientais da estação 2 pois, com o predomínio de forte correnteza
(ARANHA & CARAMASCHI 1997), itens como algas devem ser arrastados pela água,
tornando a disponibilidade de itens alimentares diferente em relação à oferta
alimentar nas estações 3 e 5. Esta variação no alimento disponível explicaria as
diferenças na dieta de P. vivipara na estação 2 se comparado ao hábito alimentar da
mesma espécie nas estações 3 e 5. ANGERMEIER & KARR (1984) afirmam que a
dieta em peixes reflete a preferência, a disponibilidade e o acesso ao alimento.
Na estação 3, Naviculaceae apresentou grande predomínio em P._caudimaculatus e P. vivipara, sugerindo grande abundância desta família de alga nesta
estação.
A dieta dos exemplares de P. vivipara das duas classes de tamanho tiveram
100% de semelhança na estação 3. Os itens helmintos e nematóides não foram
encontrados digeridos ou semi-digeridos e foram esporádicos, sugerindo constituírem-se de endoparasitas. SOARES-PORTO (1994) verificou a presença de nematóides parasitas no conteúdo estomacal de peixes do mesmo rio.
Na estação 5, foram analisados exemplares de P. vivipara, P. januarius e 1.
lineata. O total de itens contados em cada uma destas amostras foi muito baixo em
comparação com os resultados obtidos nas outras estações. Este valor total baixo
fez com que itens que ocorreram apenas uma vez atingissem freqüências maiores
de 2% ao passo que, nas estações I e 3, o item unitário representou menos de 0,1 %.
Os itens Scenedesmaceae e Anaulaceae ocorreram somente nos peixes
coletados na estação 5, sugerindo serem algas de distribuição restrita a esta estação.
Organismos não identificados ocorreram em alta freqüência no conteúdo do
trato digestivo de P. vivipara, P. januarius e 1. lineata na estação 5. O trato digestivo
de alguns exemplares destas espécies estava repleto deste item que parece ser
constituído de ovos de algum invertebrado. SOARES-PORTO (1994) aponta a ocorrência de ovos no conteúdo estomacal de Pimelodella coletada no rio Ubatiba.
Observamos neste estudo que estes ovos ocorreram principalmente nos exemplares
de maior classe de tamanho, que procuram alimento no fundo, sugerindo a ocorrência deste item no fundo.
A comparação das dietas de P.januarius e 1. lineata mostra nítidas diferenças. Phalioptychus januarius alimenta-se preferencialmente de Scenedesmaceae,
item que foi ocasional em 1. lineata. Por outro lado, 1. lineata ingeriu Chlorophyta
Revta bras. Zoa!. 16111,637 - /;1;1 1QQQ
Estrutura populacional, aspectos da reprodução e alimentação...
649
não identificada em abundância e este item sequer ocorreu em P. januarius.
Similaridades nas dietas dos peixes estudados na estação 5 foram as menores
encontradas. P. vivipara apresentou 7% de similaridade com J lineata da classe 2,
provavelmente pela ocorrência importante de Anaulaceae e Organismos não identificados. Exemplares da classe I de J lineata mostraram maior semelhança com
P. caudimaculatus da classe 2 na estação I, provavelmente pela ocorrência de
Chlorophyceae não identificada e Naviculaceae. Estes dados sugerem possível
partilha alimentar intra e interespecífica nesta estação 5. Ross (1986) em trabalho
de revisão sobre partilha de recursos, afirma que 64% das pesquisas de partilha com
mais de duas espécies de peixes apontam a segregação a nível alimentar como a
mais importante.
Deste modo, conclui-se que as espécies estudadas apresentaram evidências
de segregação em diversos níveis dos recursos disponíveis no ambiente. P. caudimaculatus e P. vivipara apresentaram partilha a nível espacial (ARANHA & CARAMASCHI 1997), sendo que os resultados obtidos para P. caudimaculatus na estação
3 sugerem que esta população possivelmente seja prejudicada pela simpatria com
P. vivipara. Os resultados nas estações 4 e 5 indicam partilha espacial em relação
ao tamanho (ARANHA & CARAMASCHI 1997) e partilha trófica. Estas hipóteses
necessitam de teste experimental, conforme sugere PRICE (1984) para estudos desta
natureza. Por outro lado, são apoiadas por SCHÓENER (1974) quando este propõe
importância crescente dos níveis espacial, trófico e reprodutivo da partilha. Ross
(1986) afirma que, em estudos de partilha com mais de duas espécies de peixes de
água doce, os níveis alimentar e espacial são os mais importantes.
Acreditamos que, apesar da evidente importância dos fatores abióticos na
distribuição de populações de peixes em rios, os padrões observados para os
Cyprinodontiformes do rio Ubatiba podem também ser influenciados pela partilha
de recursos (trófico e espacial) e a predação.
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