DOUGLAS ORESTES FRANZEN
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H I S T Ó R I A DA
EDUCAÇÃO:
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2024
© Do Organizador - 2024
Editoração e capa: Schreiben
Imagem da capa: Sardar1dm - Freepik.com
Revisão ortográfica/gramatical: os autores
Revisão técnica e aceite dos textos para publicação: Douglas Orestes Franzen
Livro publicado em: julho de 2024
Conselho Editorial (Editora Schreiben):
Dr. Adelar Heinsfeld (UPF)
Dr. Airton Spies (EPAGRI)
Dra. Ana Carolina Martins da Silva (UERGS)
Dr. Cleber Duarte Coelho (UFSC)
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Dr. Douglas Orestes Franzen (UCEFF)
Dr. Eduardo Ramón Palermo López (MPR - Uruguai)
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
F837h
Franzen, Douglas Orestes
História da Educação : percursos da educação brasileira / Douglas Orestes Franzen. --Itapiranga : Schreiben, 2024.
136 p. ; il.; E.book.
Bibliografia e índice remissivo.
E-book no formato PDF.
EISBN: 978-65-5440-293-4
DOI: 10.29327/5415194
1. Educação. 2. Práticas de Ensino. 3. História da Educação. 4. Instrumento
Politico. 5. Educação Inclusiva. I. Título.
CDD 370
Bibliotecária responsável Juliane Steffen CRB14/1736
Sumário
APRESENTAÇÃO.......................................................................................5
Jenerton Arlan Schütz
A DIDÁTICA NA PERSPECTIVA
HISTÓRICA E CONTEMPORÂNEA .......................................................13
Carla Maria Leidemer Bruxel
A DIMENSÃO EDUCATIVA DA COLUNA
“CARTAS À MINHA PRIMA”, EM VIDA DOMÉSTICA (1923-1925)......... 25
Nathalia Araújo Duarte de Gouvêa
Michele Ribeiro de Carvalho Cassano
Gabrielle Carla Mondêgo Pacheco Pinto
Mariana Elena Pinheiro dos Santos de Souza
A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA ERA VARGAS:
ENTRE MOVIMENTAÇÕES POLÍTICAS, MARCOS LEGAIS
E REPERCUSSÕES SÓCIO-HISTÓRICAS................................................36
Ailton Batista de Albuquerque Junior (Roinuj Tamborindeguy)
Gabriel Silveira Pereira
A ESCOLA CATÓLICA NAS PÁGINAS DA
REVISTA VOZES DURANTE O PERÍODO DA
DITADURA CIVIL-MILITAR BRASILEIRA (1964-1985)..........................46
Darciel Pasinato
Carina Malonn
Rosangela Fritsch
A ATUAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS NO
ENSINO SUPERIOR ACONTECE DE FORMA TÉCNICA OU
PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA INCLUSIVA?
UMA ANÁLISE DOCUMENTAL.............................................................61
Ednacelí Abreu Damasceno
Tamila Maiane Silva do Nascimento
DESVENDANDO AS CONEXÕES ENTRE A FORMAÇÃO
E O TRABALHO DE TRADUTORES/INTÉRPRETES
DE LIBRAS E DOCENTES........................................................................70
Cristiane da Penha Nascimento Nogueira
Grace Gotelip Cabral
A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO ESPECIAL: NOTAS E REFLEXÕES SOBRE OS
PROCESSOS INCLUSIVOS NO BRASIL...................................................87
Cibele Fernandes da Costa
Gabriel Silveira Pereira
OS INSTITUTOS FEDERAIS E O PROEJA NO PERCURSO DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA NO BRASIL:
ENTRE MARCAS E REFLEXOS...............................................................98
Gabriel Silveira Pereira
Sita Mara Lopes Sant’ Anna
EDUCAÇÃO DO CAMPO E A PEDAGOGIA SOCIALISTA SOVIÉTICA:
POSSIBILIDADES DE DIÁLOGOS SOBRE AS TAREFAS SOCIAIS E
POLÍTICAS DA ESCOLA PARA UMA OUTRA SOCIEDADE.............. 117
Marizete Andrade
Adelar João Pizetta
ÍNDICE REMISSIVO................................................................................137
Apresentação
O livro que você tem em mãos, organizado com excelência pelo
prof. Dr. Douglas Orestes Franzen, oferece um panorama abrangente e
multifacetado da evolução da educação no Brasil, explorando desde o impacto
das políticas educacionais durante períodos históricos complexos e ambíguos
até as experiências contemporâneas em educação inclusiva e as influências
internacionais no âmbito da pedagogia. A coletânea de capítulos reflete a
diversidade de perspectivas e abordagens que moldam o campo da educação,
evidenciando como as transformações sociais, políticas e históricas têm
influenciado as práticas pedagógicas e as políticas educacionais no país.
Por meio de análises detalhadas e reflexões teóricas, a coletânea “História
da Educação: percursos da educação brasileira” propõe um diálogo entre passado
e presente, oferecendo uma visão crítica sobre as mudanças e continuidades
na história da educação brasileira. Ele é uma fonte valiosa para acadêmicos,
profissionais da educação e todos que se interessam por compreender as dinâmicas
que moldam o sistema educacional e suas implicações sociais e políticas.
Nessa direção, o primeiro capítulo do livro intitula-se: “A didática na
perspectiva histórica e contemporânea”, e é escrito por Carla Maria Leidemer
Bruxel. A autora explora a didática como uma disciplina pedagógica crucial que
estabelece a conexão entre teoria e prática no processo de ensino e aprendizagem.
A didática é abordada em sua totalidade, considerando suas condições,
princípios, finalidades, objetivos, métodos e a organização do processo educativo.
O capítulo tem como objetivo investigar a evolução histórica da didática e sua
importância para o desenvolvimento das práticas educacionais contemporâneas.
Para isso, a autora realiza uma pesquisa bibliográfica exploratória e constrói um
texto teórico-reflexivo. Através dessa análise, o capítulo oferece uma reflexão
aprofundada sobre como as práticas didáticas atuais são influenciadas pela
teoria e história da disciplina. O capítulo é fundamental para entender como
a didática molda as práticas de ensino modernas e contribui para a formação
de um conhecimento pedagógico robusto. A discussão apresentada não apenas
fundamenta a prática educativa, mas também proporciona uma base sólida para
pesquisas futuras na área da educação.
O segundo capítulo, escrito por Nathalia Araújo Duarte de Gouvêa,
5
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Michele Ribeiro de Carvalho Cassano, Gabrielle Carla Mondêgo Pacheco Pinto e
Mariana Elena Pinheiro dos Santos de Souza, explora a coluna “Cartas à minha
prima”, publicada na revista Vida Doméstica entre 1923 e 1925. A coluna, que
segue a forma de uma correspondência informal, reflete a tentativa de educar
as mulheres através da escrita epistolar. A revista Vida Doméstica, editada pela
Sociedade Gráfica Vida Doméstica, teve grande longevidade e foi um marco no
cenário editorial brasileiro. Dessa forma, o capítulo das autoras examina a revista
e a coluna como dispositivos não-formais de educação, abordando como tais
publicações desempenhavam um papel educativo para as mulheres, destacando
tanto aspectos de moda e beleza quanto questões de emancipação feminina.
A pesquisa destaca que, enquanto periódicos femininos anteriores eram
breves e muitas vezes anônimos, Vida Doméstica se destacou por sua duração
e impacto, refletindo uma evolução na forma como a educação feminina era
abordada. Além disso, o estudo contextualiza a coluna dentro da história da
educação para mulheres no Brasil, evidenciando como a imprensa feminina foi
crucial para a educação e a formação de identidades femininas. Outrossim, o
capítulo também discute a natureza das “Cartas à minha prima” como uma
forma de escrita pedagógica, analisando seu papel na promoção de normas
sociais e educacionais para as mulheres.
O terceiro capítulo do livro, intitulado “A educação brasileira na Era
Vargas: entre movimentações políticas, marcos legais e repercussões sócio
históricas”, foi escrito por Ailton Batista de Albuquerque Junior (Roinuj
Tamborindeguy) e Gabriel Silveira Pereira. Este capítulo analisa os principais
eventos políticos e econômicos durante a Era Vargas e suas consequências para
a educação brasileira, focando particularmente no período revolucionário de
1930, que marcou o fim da República Velha ou República dos Coronéis.
A importância deste capítulo reside na compreensão das mudanças
significativas ocorridas na educação brasileira devido às políticas educacionais
adotadas durante o governo de Getúlio Vargas. A pesquisa ainda explora
como as fases do governo Vargas impactaram a educação e quais foram as
contribuições duradouras para a educação contemporânea. Além disso, o
capítulo contextualiza a crise econômica global do final dos anos 1920, que
afetou severamente o Brasil, destacando a dependência do país das exportações
e a crise do setor cafeeiro. Com a Revolução de 1930, Vargas implementou
políticas públicas que promoveram uma reconfiguração política e econômica,
mudando o foco do rural para o urbano e do agropecuário para o industrial.
Nessa direção, os autores discutem a influência de Vargas e como suas
políticas não só reformaram a estrutura educacional, mas também tiveram
repercussões nas relações trabalhistas e na construção do conceito de “novo
6
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
homem” durante o Estado Novo. Por fim, o capítulo analisa as transformações
que ocorreram na educação brasileira nesse período e a relevância das reformas
e marcos legais estabelecidos, ressaltando a importância de entender essas
mudanças para compreender a educação contemporânea no Brasil.
Em relação ao quarto capítulo deste livro, escrito por Darciel Pasinato,
Carina Malonn e Rosangela Fritsch, objetiva analisar como a Revista Vozes
representava as escolas católicas durante o período da Ditadura Civil-Militar no
Brasil.
O estudo adota uma abordagem bibliográfico-documental e foca no
conceito de representação discutido por Chartier. Conforme os autores, a Revista
Vozes, que começou a circular em 1907, desempenhou um papel significativo
ao fornecer suporte financeiro para escolas católicas e expandir sua influência
através de assinaturas e propaganda. A revista era promovida pela hierarquia da
Igreja no Brasil, incluindo arcebispos, bispos e padres, e influenciava a educação
católica no país.
Não obstante, os autores também exploram como a Ditadura contribuiu
para a privatização e censura da educação, refletindo um retrocesso na capacidade
crítica do país e a restrição da liberdade acadêmica. Os autores organizam o
estudo em três seções principais: aspectos teórico-metodológicos, o surgimento
da Revista Vozes, e a representação da escola católica nas páginas da revista
durante o período da Ditadura.
Na sequência, o leitor encontra o capítulo intitulado “A atuação do tradutor
e intérprete de libras no ensino superior acontece de forma técnica ou pedagógica
em sala de aula inclusiva? uma análise documental”, escrito por Ednaceli Abreu
Damasceno e Tamila Maiane Silva do Nascimento. Este capítulo, em especial,
tem como objetivo analisar o papel e a atuação do Tradutor e Intérprete de Língua
Brasileira de Sinais (Libras) – TILSP – na educação superior. O capítulo se baseia
em fontes documentais, como leis e decretos, para explorar a importância desse
profissional como mediador entre alunos surdos, professores e estudantes ouvintes,
promovendo a inclusão pedagógica e social dos surdos.
A metodologia empregada no estudo consiste em uma análise documental
e revisão bibliográfica, focando na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), e na Lei nº 13.146, de 6 de
julho de 2015 (Lei da Inclusão). Essas leis são fundamentais para entender a
modalidade de educação bilíngue para surdos e a necessidade legal e social de
incluir o tradutor intérprete em sala de aula. O aumento significativo de alunos
com surdez destaca a relevância deste profissional para o apoio educacional e
social desses estudantes.
Ademais, o capítulo propõe uma discussão e interpretação dos dados,
7
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
com base em citações e diálogos com diversos autores, para entender se a
atuação do TILSP é predominantemente técnica ou pedagógica. A análise visa
aprofundar a compreensão das atribuições e competências desse profissional no
meio acadêmico e seu impacto no processo de ensino e aprendizagem.
O capítulo que segue, escrito por Cristiane da Penha Nascimento
Nogueira e Grace Gotelip Cabral explora a atuação e a formação de Tradutores
e Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras) – TILSP – e docentes no
contexto da inclusão de alunos surdos na Educação Básica. Com base na Lei
nº 13.146 (2015), que garante a inclusão social e cidadania das pessoas com
deficiência, e em conceitos de Paulo Freire sobre a inclusão como movimento
educacional, social e político, o capítulo discute a importância do bilinguismo
no ambiente escolar.
Entende-se que o Estatuto dos Direitos das Pessoas com Deficiência de
2015 assegura a oferta de educação bilíngue, com a Libras como primeira língua
e a Língua Portuguesa como segunda. Apesar do reconhecimento oficial da
Libras, a Língua Portuguesa ainda predomina nas práticas pedagógicas, o que
evidencia a necessidade de um contexto educacional bilíngue para atender de
forma adequada os alunos surdos.
Neste cenário, para as autoras, o papel dos TILSP e dos docentes é
crucial. O TILSP atua como mediador entre o aluno surdo e o conteúdo
curricular, enquanto o professor deve criar um ambiente inclusivo que atenda
às necessidades de todos os alunos. O Decreto 5.626 estabelece a necessidade
de diversos profissionais para garantir a inclusão dos alunos surdos, incluindo
professores de Libras e tradutores intérpretes.
Nesse contexto, o capítulo investiga as interconexões entre a formação
e a atuação desses profissionais, destacando os conhecimentos necessários,
desafios enfrentados e pontos de convergência na prática pedagógica. Conforme
as autoras, desde o reconhecimento das Libras em 2002, houve uma crescente
demanda por formação contínua para professores e TILSP, envolvendo o
aprendizado de Libras, adaptação de materiais didáticos e planejamento de
aulas acessíveis. Além disso, a análise se concentra em questões fundamentais
sobre a formação desses profissionais e a forma como suas práticas pedagógicas
contribuem para a qualidade do ensino. O estudo busca compreender como a
formação e o trabalho colaborativo entre professores e TILSP podem melhorar
o processo de ensino-aprendizagem e atender de maneira eficaz às necessidades
dos alunos surdos.
Já o sétimo capítulo, forjado por Cibele Fernandes da Costa e Gabriel
Silveira Pereira, constitui-se em uma reflexão sobre a História da Educação
Especial no Brasil, ancorado em discussões teóricas desenvolvidas anteriormente
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
e nas experiências práticas dos próprios autores com a educação inclusiva.
O texto visa reavaliar o percurso histórico das pessoas com deficiência e sua
interação com a educação, focando na vivência atual dos educandos em salas
de aula comuns.
Em vez de criar uma linha do tempo detalhada da Educação Especial,
o capítulo busca articular como as percepções e práticas passadas influenciam a
educação contemporânea. O texto examina como fontes históricas anteriores às
constituições nacionais moldaram as práticas educativas e ainda influenciam as
estruturas sociais e educacionais atuais. Nesse sentido, os autores destacam que,
apesar do avanço na inclusão e das mudanças nas políticas educacionais, muitos
preconceitos e desigualdades persistem, refletindo um processo histórico de exclusão
e marginalização das pessoas com deficiência. O objetivo é evidenciar como esses
resquícios históricos ainda afetam a educação e a vida cotidiana dos alunos com
deficiência, e como a educação brasileira tem lidado com esses desafios.
Ao que segue, o penúltimo capítulo é escrito por Gabriel Silveira Pereira
e Sita Mara Lopes Sant’ Anna, baseado na dissertação de mestrado “Concepções
sobre o Currículo Integrado: a configuração da EJA no PROEJA”, oferece uma
análise histórica e legal da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil. O
foco principal está na criação dos Institutos Federais e no Programa Nacional
de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade
de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), abordando as especificidades e
implicações desses modelos educacionais.
O texto busca destacar como as conjunturas históricas e políticas
justificaram a criação dos Institutos Federais e do PROEJA, bem como os
possíveis conflitos e tensões que esses modelos enfrentam em relação às
memórias históricas, concepções e ideologias diversas.
Os autores utilizam a ideia de que o currículo e as políticas educacionais
podem ser vistos como “territórios de disputas”, conforme mencionado por
Miguel Arroyo. A criação e desenvolvimento dos Institutos Federais e do
PROEJA, que visam transformar a realidade social e oferecer educação a públicos
historicamente excluídos, frequentemente entram em conflito com agendas
neoliberais que promovem a educação sob a lógica de mercado. Ademais, o
texto também reflete sobre a escolha teórica e o compromisso ético e político
dos próprios autores, destacando a importância dos Institutos Federais como
instituições contra-hegemônicas, que buscam promover a equidade e construir
uma sociedade mais justa, humana e solidária.
Por fim, o último capítulo intitula-se “Educação do Campo e a Pedagogia
Socialista Soviética: possibilidades de diálogos sobre as tarefas sociais e políticas
da escola para uma outra sociedade”, foi escrito pelos professores Marizete
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Andrade e Adelar João Pizetta. Neste escrito, os autores exploram a interseção
entre a Pedagogia Socialista Soviética e a Educação do Campo no Brasil, com
ênfase nas tarefas sociais e políticas da escola em contextos revolucionários e
transformadores.
A Pedagogia Socialista Soviética, que emergiu após a Revolução Russa de
Outubro, enfrentou uma série de desafios e desenvolvimentos teóricos e práticos
ao longo de seu percurso, particularmente entre 1917 e 1931. Durante este
período, a pedagogia soviética buscou criar um sistema educacional alinhado
com a construção de uma nova sociedade socialista, enfrentando obstáculos e
críticas às concepções educacionais e sociais anteriores.
O capítulo se propõe a analisar como os princípios e as experiências da
Pedagogia Socialista Soviética podem oferecer inspirações para a Educação do
Campo, um movimento político-pedagógico que surge do campesinato brasileiro
e busca transformar a educação e a sociedade a partir de suas próprias bases. O
texto inicia com uma revisão dos conceitos de Pedagogia Socialista Soviética e
Educação do Campo, oferecendo uma base teórica para a análise subsequente.
A seguir, explora as possibilidades de diálogo entre as duas abordagens, com
foco na coletividade e auto-organização no contexto escolar.
Ademais, os autores discutem como a Pedagogia Socialista Soviética, com
seu objetivo de formar uma nova geração comprometida com a transformação
social, pode dialogar com os princípios da Educação do Campo, que busca
adaptar a educação às necessidades e realidades do campesinato. A reflexão
é orientada por uma perspectiva qualitativa e crítica, destacando os pontos de
convergência e as possíveis influências recíprocas entre esses dois movimentos
educacionais.
À luz das discussões e estudos apresentados nos capítulos que compõem
esta obra, sigo para a escrita das respectivas considerações. Face ao exposto,
torna-se evidente que a educação é um campo dinâmico e em constante
transformação, moldado por forças políticas, sociais e históricas que impactam
suas práticas e políticas, o que demonstra a complexidade e a relevância dos
debates contemporâneos sobre inclusão, equidade e qualidade educacional.
Os autores desta coletânea contribuíram com reflexões críticas e
inovadoras, abordando como as políticas educacionais, as reformas históricas
e as influências internacionais têm moldado o cenário educacional no Brasil.
Cada capítulo não só narra a evolução histórica e as mudanças nas práticas
pedagógicas, mas também examina os desafios e as oportunidades que surgem
com a busca por uma educação mais inclusiva e acessível.
Na leitura dos capítulos percebemos como diferentes contextos históricos
e ideológicos podem oferecer insights valiosos para o desenvolvimento de
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
práticas pedagógicas que atendam às necessidades específicas dos estudantes e
promovam uma transformação social positiva.
Nessa direção, este livro é um testemunho do compromisso dos
pesquisadores com a compreensão e a melhoria do sistema educacional brasileiro.
Ele oferece uma visão abrangente e crítica que pode servir como uma base
sólida para futuras investigações e práticas educacionais. A esperança é que as
discussões e análises aqui apresentadas inspirem ações concretas para enfrentar
os desafios atuais e promover uma educação potente para as novas gerações,
afinal, como lembra Hannah Arendt (A crise na educação): “A educação é o
ponto em que decidimos se amamos o mundo o suficiente para assumirmos a
responsabilidade por ele”.
Ao findar esta escrita, não poderia deixar de registrar a minha sincera
gratidão ao Prof. Dr. Douglas Orestes Franzen pelo honroso convite para escrever
esta apresentação. Considero que ser convidado a escrever uma apresentação de
livro é sempre um presente, uma experiência e manifesto a minha alegria por
esse reconhecimento. Afinal, a oportunidade de colaborar com uma obra tão
significativa para o debate educacional é uma grande honra e um privilégio. Da
mesma forma, gostaria de expressar minha profunda gratidão a todos os autores,
que são pessoas dispostas a “pensar outramente” - como escreve o sociólogo
francês Touraine. Os autores literalmente enfrentaram o desafio de escrever e
publicar, ampliando o debate acerca do que se pesquisa e da inquietação que
move cada pesquisador.
Por fim, desejo aos leitores desta coletânea de textos tempo e silêncio
para que possam, no âmbito da leitura, transitar por caminhos que ajudem a
produzir outras formas de pensar e ser; que a leitura possa ser uma aventura
nas complexidades e desafios da educação com um espírito de curiosidade e
comprometimento. Espero sinceramente que este livro não apenas ofereça uma
visão crítica e abrangente, mas também inspire novas ideias e práticas. Que ele se
torne um farol de esperança e inovação para todos nós que buscamos construir
um sistema educacional capaz de alargar o horizonte cultural, relacional e
expressivo, pois, é na educação que pessoas com experiências diversificadas se
confrontam no diálogo aventuroso da aprendizagem coletiva, em que cada um, a
seu modo, dá testemunho das múltiplas possibilidades humanas. Esta coletânea
reflete o compromisso coletivo dos pesquisadores com um futuro melhor para
todos.
Boa leitura!
Prof. Dr. Jenerton Arlan Schütz
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A DIDÁTICA NA PERSPECTIVA
HISTÓRICA E CONTEMPORÂNEA
Carla Maria Leidemer Bruxel1
Considerações iniciais
A didática é uma área da pedagogia que estuda os fundamentos teóricos
e práticos relacionados aos desenvolvimentos dos processos de ensino e de
aprendizagem. A didática é importante na formação do docente, pois contribui
na ampliação de sua capacidade reflexiva e crítica, e possibilita o conhecimento
do contexto educativo em que desempenha suas funções, por meio de análise
da prática de ensino. Esta análise favorece o planejamento, a organização e
o desenvolvimento de situações de ensino que envolvem a apropriação de
conhecimentos pelos estudantes. Este estudo envolve a compreensão de que o
contexto educativo é formado por sujeitos de diferentes estruturas sociais.
Sabe-se que há uma relação relevante entre o contexto social e cultural em
que os estudantes vivem e a motivação para a aprendizagem, o que interfere no
desempenho escolar. Quanto maior a renda familiar, melhores são as condições
de acesso ao ensino de qualidade e, por outro lado, a pobreza e a desigualdade
social contribuem com a desmotivação para a aprendizagem. Conforme Libâneo
(2006), a educação é um fenômeno social que faz parte das relações sociais
econômicas políticas culturais de uma determinada sociedade, sendo que as
finalidades da educação estão subordinadas à estrutura e dinâmica das relações
entre as classes sociais.
Entende-se que o professor necessita conhecer a realidade escolar, ou
seja, os sujeitos que integram a comunidade escolar, para que possa planejar
e dirigir situações de ensino e aprendizagem conforme às reais necessidades
dos educandos, pensando principalmente naqueles de classes sociais menos
favorecidas. A didática, nessa perspectiva, é importante no processo de ensino e
aprendizagem, pois contribui para o desenvolvimento de métodos que favorecem
o desenvolvimento de atividades cognitivas tornando o processo de ensino e
aprendizagem mais eficiente e prazeroso.
1 Mestre em Educação nas Ciências (Unijuí). Professora Substituta de Pedagogia do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, Farroupilha. E-mail: carla.bruxel@
iffarroupilha.edu.br.
13
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
A didática é uma disciplina pedagógica que opera na interligação
entre a teoria e a prática e tem como objeto de estudo o processo de ensino e
aprendizagem na sua integralidade, ou seja, se ocupa de estudar as condições,
princípios, finalidades, objetivos, métodos e a organização de todo o processo
de ensino e aprendizagem. A partir disso, esta pesquisa tem como objetivo
investigar a história da didática e sua importância para o desenvolvimento de
práticas de ensino e aprendizagem na contemporaneidade.
Para isso, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, do tipo exploratória,
na forma de construção de um texto teórico-reflexivo, cujas discussões
fundamentam-se em Veiga (1988), Albuquerque (2002), Libâneo (2006, 2012),
Matos et al. (2021), Tardif (2002), entre outros. Na sequência são apresentadas
as reflexões que emergiram a partir do objetivo que orienta esta pesquisa.
Perspectiva histórica da didática
A história da didática é ampla e complexa e está ligada ao desenvolvimento
da educação ao longo dos séculos. Na Grécia Antiga, a educação era valorizada
e centrada na formação do cidadão e, nesse contexto, Platão e Aristóteles foram
influentes na concepção educacional ao desenvolver ideias e métodos de ensino
autênticos. Mais tarde, o método socrático baseado em perguntas e respostas
manteve uma influência duradoura. “Os gregos criaram uma pedagogia da
eficiência individual e, concomitantemente, da liberdade e da convivência social
e política” (Gadotti, 2003, p. 30). Estes estudiosos desenvolveram modelos de
educação que influenciaram as práticas de ensino ao longo dos tempos.
Durante a idade média, a educação esteve fortemente vinculado à igreja,
enquanto que no início do período moderno, com o Renascimento houve um
surgimento do interesse pelas artes, ciências e humanidades. Nesse período,
Comenius enfatiza a importância de uma educação universal e acessível para
todos, ao desenvolver métodos de ensino mais sistemáticos (Albuquerque, 2002).
É importante mencionar que a palavra didática surge do grego “didaktiké”,
que tem como significado ampliado de “arte de ensinar tudo a todos”. Com
a publicação da obra “Didática Magna” de Comenius, o conceito de didática
ganha força e notoriedade no campo educacional em nível mundial e traz a
prática do ensino como pauta fundamental. Conforme Comenius,
Nós ousamos prometer uma didática magna, ou seja, uma arte universal
de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo para obter resultados; de
ensinar de modo fácil, portanto sem que docentes e discentes se molestam
ou enfadam, mas ao contrário, tenham grande alegria; de ensinar de modo
sólido, não superficialmente, de qualquer maneira, mas para conduzir
à verdadeira cultura, aos bons costumes, a piedade mais profunda
(Comenius, 2001, p. 13).
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Durante o Iluminismo a ênfase na razão e na ciência trouxeram mudanças
significativas na educação e pensadores como Rousseau e Pestalozzi enfatizam
a importância da experiência prática e da observação para a aprendizagem,
contribuindo assim para o desenvolvimento de métodos educacionais mais
centrados no aluno (Albuquerque, 2002). No século XIX, surge a defesa e a
implantação da educação pública em larga escala em muitos países ocidentais
e defensores do movimento Escola Nova como Dewey deixam impactos
duradouros na didática, constituindo indiscutivelmente uma real e ampla
inovação no ensino (Baltar, 1985).
No século XX, a didática continua a evoluir com o surgimento de
diferentes abordagens pedagógicas, tais como behaviorismo, construtivismo e
cognitivismo, bem como correntes educacionais progressistas. Estudiosos como
Piaget, Vygotsky e Brunet contribuíram para uma compreensão mais profunda
do processo de aprendizagem e desenvolvimento do ser humano influenciando
também o pensamento pedagógico e a didática de ensino e de aprendizagem
desenvolvida nas instituições de ensino. No século XXI, com o avanço da
tecnologia a educação passa por uma revolução digital, sendo que novas
abordagens de ensino e aprendizagem surgem, por exemplo, a aprendizagem
online, a aprendizagem baseada em projetos e a personalização do ensino.
De modo geral, a história da didática reflete a evolução das práticas
educacionais ao longo do tempo e sofre influências de uma variedade de
correntes filosóficas, teorias e avanços sociais e tecnológicos. Da mesma forma,
a história da didática no Brasil é marcada por diferentes influências e evoluções
ao longo do tempo. No período Colonial (1500-1822), a educação era voltada
principalmente para a catequese e a instrução religiosa, conduzida pelos jesuítas.
O plano de ensino, nessa época, era consubstanciado no rádio studiorum, que
visava a formação do homem universal, humanista e cristão. A ação pedagógica
se caracteriza, neste período, pelas formas dogmáticas do pensamento em
detrimento do pensamento crítico (Veiga, 1988).
Durante a idade média, a educação esteve fortemente vinculada à igreja
e no período imperial no Brasil, há uma forte influência religiosa, porém surge
a defesa de uma educação laica. A educação que era centralizada e controlada
pelo governo imperial, passa por dificuldades e é marcada por debates sobre
a importância do ensino técnico e profissional em detrimento da educação
humanística. Nesse período, suprime-se o ensino religioso das escolas públicas
e é aprovada a Lei Benjamin Constant, que defende o ensino gratuito e
obrigatório em todos os graus, sob influência do positivismo (Veiga, 1988).
Nesse contexto histórico,
15
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
A didática é compreendida como um conjunto de regras que visam
assegurar aos futuros professores as orientações necessárias ao trabalho
docente. A atividade do docente é entendida como inteiramente autônoma
em face da política, dissociada das questões entre escola e sociedade. Uma
didática que separa teoria e prática (Veiga, 1988, p. 36).
No período da República Velha (1889-1930) há uma forte influência
positivista e a educação é vista como meio de modernização do país e de
promoção da cidadania. Nesse cenário,
A didática é entendida como um conjunto de ideias e métodos, privilegiando
a dimensão técnica do processo de ensino, fundamentada nos pressupostos
psicológicos, psicopedagógicos e experimentais, cientificamente validados
na experiência e constituídas em teoria, ignorando o contexto político
econômico (Veiga, 1998, p. 38).
Aos poucos, os ideais da Escola Nova ganharam espaço ao defender
métodos mais ativos de ensino, baseados na experiência e na participação dos
alunos. A valorização da criança, como ser dotado de capacidades individuais,
cuja liberdade de iniciativa, de autonomia e de interesses devem ser respeitados,
são características marcantes da Escola Nova (Veiga, 1988). Assim, passa-se a
concepção de que os problemas educacionais estão relacionados às técnicas de
ensino, sem considerar-se aspectos políticos, econômicos e sociais que envolvem
o processo de ensino e de aprendizagem (Veiga, 1988).
O período do governo de Getúlio Vargas (1930-1945), é marcado pela
centralização do ensino, maior intervenção do Estado na educação, expansão
do ensino público e uma preocupação crescente com a formação de professores.
Nesse momento da história, é criado o Ministério da Educação e Saúde Pública
e, no ano de 1932, é lançado o Manifesto dos Pioneiros Escola Nova, que
preconiza a reconstrução social da escola na sociedade urbana e industrial (Veiga,
1988). A didática, nesse contexto, inspirou-se no liberalismo e no pragmatismo,
priorizando os processos metodológicos sem considerar o processo de apropriação
do conhecimento. Ademais, a didática sofre influência das teorias educacionais
internacionais, como o construtivismo e o behaviorismo. A educação tornou-se
um campo de estudo mais especializado, com a criação de faculdades de educação.
Durante a Ditadura Militar no Brasil (1945-1964) o governo foi marcado
pelo autoritarismo e repressão política, o que influenciou profundamente a
educação. Houve um foco na formação de mão de obra para o mercado de
trabalho, com ênfase em disciplina e ordem. A didática, nesse viés, assume os
pressupostos da pedagogia tecnicista que tem “como preocupações básicas a
eficácia e a eficiência de ensino” (Veiga, 1988, p. 41). Na didática tecnicista o
professor e os estudantes deixam se ser o centro de ensino e este lugar passa a
ser ocupado pelas técnicas de ensino (Albuquerque, 2002). Da mesma forma,
16
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Na didática tecnicista, a desvinculação entre teoria e prática é mais
acentuada. O professor torna-se mero executor de objetivos instrucionais,
de estratégias de ensino e de avaliação. Acentua seu formalismo didático
por meio dos planos elaborados segundo normas prefixadas. A didática é
concebida como estratégia para o alcance dos produtos previstos para o
processo ensino-aprendizagem (Veiga, 1988, p. 41).
Como é possível observar, no decorrer dos anos, a didática no Brasil
foi influenciada por diferentes correntes pedagógicas e políticas educacionais,
refletindo as mudanças sociais, econômicas e políticas do país. No período de
Redemocratização (1985 até hoje), após o fim da ditadura, houve um processo de
redemocratização e reformas educacionais que propulsionaram a expansão do
ensino fundamental e a implementação de políticas de inclusão e a diversificação
curricular. A educação passa a ser vista como direito social, contudo, a didática
ainda é “[...] desvinculada do contexto social mais amplo, possibilitando a
formação do professor técnico, mero executor de atividades rotineiras, acríticas
e burocráticas” (Veiga, 1988, p. 47).
Para avançar em termos de compreensão da didática como forma de
promoção de educação de qualidade, é necessário que se tenha a clareza de que
a educação é uma prática social em que o aluno se apropria dos conhecimentos
por intermediação do professor. Este tem como função intermediar situações
de aprendizagem e motivar os alunos por meio da proposição de situações
desafiadoras, vinculadas com a realidade social em que eles estão inseridos.
A didática tem uma importante contribuição a dar em função de esclarecer
o papel sócio-político da educação, da escola e, mais especificamente, do
ensino e da aprendizagem, de acordo com os pressupostos de uma pedagogia
transformadora: é o de trabalhar no sentido de ir além dos métodos e técnicas
procurando associar escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-forma,
técnico-político, ensino-pesquisa, professor-aluno (Albuquerque, 2002, p. 56).
A didática, no cenário atual, envolve ações e reflexões sobre a prática
pedagógica, e está relacionada com a concepção de educação que o professor
possui. Ressalta-se que a concepção do professor sobre educação interfere
no planejamento e no desenvolvimento das ações pedagógicas que visam a
formação integral dos estudantes. Nessa perspectiva, o professor que olha para
o contexto local e global em que desenvolve suas atividades de ensino precisa
considerar que aspectos políticos, sociais, culturais e econômicos influenciam os
modos de vida dos estudantes e suas concepções sobre o mundo. Dessa forma,
[...] o professor ao trabalhar o processo de ensino-aprendizagem, deve ter
consciência de que o objeto da Didática é o “como ensinar” e essa forma de
ensinar está articulada a uma prática social, seu pressuposto e sua finalidade;
e também que está diante de um aluno real, um ser que possui uma história
de vida que a traz consigo e que também é sujeito desse processo, carecendo
de uma formação integral (Albuquerque, 2002, p. 56).
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
A prática docente, atualmente, é desafiadora e complexa; as instituições
de ensino passam por imposição de políticas educacionais que exigem altos
índices em avaliações e que ao mesmo tempo mensuram o conhecimento dos
estudantes e o trabalho realizado pelos professores. Estes não dispõem de espaço
e tempo necessário para cumprir com o que seria a função da escola, que é a de
universalizar a educação básica de qualidade para todos e motivar os estudantes
para a aprendizagem.
Da mesma forma, o avanço das tecnologias e a disseminação de
informações de forma acelerada são também desafios que limitam o processo
de ensino e aprendizagem, visto que o professor nem sempre conta com os
recursos necessários para atualizar seus conhecimentos e para estar preparado
para compartilhar essas informações com seus estudantes. Esses desafios exigem
repensar a prática pedagógica e a formação de professores para que possam
atender as demandas atuais dos processos de ensino e aprendizagem, com vistas
à educação de qualidade para todos.
A Didática e os saberes docentes
Conforme esclarecido anteriormente, a didática é objeto de estudo no
Brasil desde a chegada dos Jesuítas ao Brasil em 1549. Desde essa época até
os dias atuais, diversas correntes educacionais influenciam o desenvolvimento
da didática no Brasil, gerando interesse de diversos autores que se ocupam
dos estudos que envolvem a didática e os saberes docentes, entre eles, Veiga
(1988), Matos et al. (2021), e Tardif (2002). No decorrer da história da educação
brasileira, a didática foi modificada conforme os ideais e moldes da sociedade em
que o ensino foi desenvolvido. Portanto, a didática assim como a construção dos
currículos escolares atende, no decorrer da história da educação brasileira, aos
interesses de uma classe social dominante e às conveniências governamentais.
Reitera-se que a palavra didática provém do grego didaktiké, cujo
significado está relacionado com a arte de ensinar. O uso desse termo ampliouse com o surgimento da obra de Jan Amos Comenius (1592-1670), Didática
Magna, ou Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos, publicada em
1657 (Matos et al., 2021, p. 504). Atualmente a palavra didática apresenta muitas
definições, quando usada na área educacional, contudo, normalmente ela é
definida como ciência, técnica ou arte de ensinar. Por algum período o ensino
didático contemplou métodos e técnicas de ensino e passou a ser visto como um
conjunto de estratégias de ensino, confundindo-se com a metodologia de ensino
(Matos et al., 2021). É importante esclarecer que a metodologia de ensino
define as técnicas e estratégias de ensino influenciadas por diferentes tendências
metodológicas no decorrer da história. Por outro lado, a didática se ocupa de
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
aspectos que envolvem a atuação do professor em sala de aula, o planejamento
e a reflexão sobre a sua prática.
A didática refere-se ao estudo e aplicação de métodos e técnicas para
melhorar o processo de ensino e aprendizagem, por meio de análise dos desafios
e dificuldades que o ensino de cada disciplina apresenta e propõe soluções
para superá-las. A metodologia estuda os métodos de ensino, classificando-os
e descrevendo-os sem fazer julgamentos de valor. Os métodos de ensino são os
caminhos que devem ser seguidos para que se possam alcançar os objetivos de
ensino e de aprendizagem. Pode-se dizer que “[...] a didática está relacionada
às experiências de aprendizagem vividas e às atividades realizadas pelo próprio
discente, com atividades voltadas para suas necessidades educativas movidas, e
não somente por parte dos docentes” (Matos et al., 2021, p. 514). Em resumo,
a didática está mais relacionada à aplicação prática do ensino, enquanto a
metodologia é uma abordagem teórica e analítica dos métodos de ensino.
Esclarecido isso, é importante frisar que a prática pedagógica exige
rigorosidade metódica, quer dizer, fundamenta-se numa proposta de ensino que
considere o estudante como sujeito curioso no qual se propõe o aprofundamento
crítico da compreensão do objeto de conhecimento e isso exige constante formação
docente. Dessa maneira, é importante que o professor se constitua como um
pesquisador capaz de criar no seu aluno um processo de educação continuada
dentro e fora do âmbito escolar. O respeito ao saber do educando é essencial, pois
toda aprendizagem requer um conhecimento prévio assim um ponto de partida
tem uma aprendizagem efetiva deve ser a realidade do estudante, e o professor ao
respeitar os saberes dos estudantes enquanto ensina aprende (Freire, 2006).
O professor é um ser social político e histórico e em sua prática pedagógica
ele mobiliza saberes que são construídos em diferentes instâncias, como por
exemplo, na família e na escola em que se formou, na cultura pessoal e na
universidade. Tudo isso se constitui num saber plural desenvolvido durante sua
carreira profissional e a sua vida pessoal. Nesse sentido, pode-se “situar o saber
do professor na interface entre o individual e o social, entre o ator e o sistema, a
fim de captar a sua natureza social e individual como um todo” (Tardif, 2002, p.
16). Portanto, deve-se considerar que o conhecimento relacionado ao trabalho
do professor e os saberes do seu cotidiano são indispensáveis à sua prática, sendo
que este não é apenas um transmissor de saberes de outros grupos.
[...] esses saberes não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias.
São saberes práticos (e não da prática: eles não se superpõem à prática para
melhor conhecê-la, mas se integram a ela e dela são partes constituintes
enquanto prática docente) e formam um conjunto de representações a partir
das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão
e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões. (Tardif, 2002, p. 49).
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
O professor, nas circunstâncias e no contexto em que atua profissionalmente,
interage constantemente com outros autores envolvidos com o processo de ensino
e aprendizagem. Essa experiência permite a construção de um conjunto de
saberes sobre elementos e os atores envolvidos nas práticas educacionais. Esses
conhecimentos mobilizam sua prática e são utilizados e produzidos no âmbito
de suas tarefas cotidianas (Tardif, 2002). Ressalta-se que, ainda que o professor
tenha certa autonomia em sua prática pedagógica, seus saberes são influenciados
pela organização da instituição em que atua e dos currículos pré-estabelecidos por
ela. Contudo, o professor se constitui como sujeito de fazeres e saberes que são
referências de sua própria ação e dos seus pensamentos.
Percebe-se que, nas instituições de ensino, a interação entre professores e
estudantes carece de renovação nos processos educacionais e se faz necessário a
reconstrução cultural em diferentes áreas do conhecimento. Os professores têm
a função de criar e recriar modos de propiciar aprendizagem mais efetivas que
considerarem aspectos cognitivos e socioafetivos. E assim, o conteúdo da aula que se
relaciona às diversas áreas do conhecimento e a dialogicidade na relação cotidiana
do professor e estudantes são essenciais para a construção de novos conhecimentos.
[...] para se ter nas instituições que formam professores a instauração de
novo modo de pensar e fazer a formação de docentes para a educação
básica, e definir melhor o valor e o papel da Didática e da aprendizagem
das práticas educacionais nessa formação, há que haver alguma ação
coletiva que permita trazer à tona contribuições dos fundamentos da
Didática como campo de conhecimento e também suas contribuições
a cada uma das áreas de conhecimento que são objeto da formação de
docentes para a educação básica em seus diferentes níveis (por exemplo,
relativos à aquisição da leitura e escrita, à aprendizagem da matemática, das
humanidades, ciências biológicas, ciências exatas, artes, etc.). Isso implica
ações que alcancem profissionais de variados campos de conhecimento, o
que demanda interlocução das teorias e práticas didáticas com conteúdos
diversos, em perspectivas interdisciplinares (Gatti, 2017, p. 3).
A didática tem extrema relevância na formação do professor, uma vez que
propicia o desenvolvimento de capacidade crítica e reflexiva sobre a realidade
do ensino, e potencializa a criação de atividades e situações de ensino, nas quais
o aluno se apropria de novos conhecimentos. O professor ao ter clareza do que
é didática e de suas contribuições ao processo de ensino, será capaz de planejar,
organizar, desenvolver e avaliar prática de ensino com vistas a reconstrução
constante dos seus saberes, o que lhe possibilitará auxiliar os alunos a se
apropriarem do conhecimento de modo mais efetivo e significativo.
O conhecimento se torna efetivo quando o estudante é capaz de utilizálo para resolver situações ou problemas do seu cotidiano com o uso desse
conhecimento. Um conhecimento se torna significativo quando uma nova ideia
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
se relaciona aos conhecimentos prévios dos estudantes em uma situação proposta
pelo professor que seja relevante para eles. Num processo dialógico, os estudantes
ampliam e atualizam seus conhecimentos anteriores e desenvolvem habilidades
relacionadas à reflexão e ao envolvimento ativo com seu processo de formação.
A didática e a diversidade social
A diversidade social no ambiente escolar é uma realidade que reflete
as diferentes origens, contextos culturais, familiares, econômicos e sociais dos
estudantes e de suas famílias. Essa diversidade apresenta desafios que precisam
ser enfrentados para que se possa garantir uma educação inclusiva e equitativa,
por isso envolve o conhecimento didático do professor para que possa contribuir
com a formação de todos os estudantes independente da classe social, étnica ou
cultural em que se encontra inserido. Isso requer uma abordagem didática que
valorize e respeite as diferentes tradições, línguas e costumes, promovendo a
interculturalidade e o diálogo entre os diferentes grupos.
As disparidades socioeconômicas entre os alunos podem afetar
sua confiança na potencialidade de aprendizagem, sua autoestima e
consequentemente a motivação para a aprendizagem. É importante que a
escola esteja ciente dessas diferenças e implemente políticas e programas que
ajudem a reduzir as desigualdades e ofereçam suporte aos alunos em situação
de vulnerabilidade. Os educadores brasileiros lutam constantemente por uma
escola pública gratuita e de qualidade para toda a população (Libâneo, 2012).
A função da escola, nesse contexto, enquanto espaço planejado e organizado,
consiste em promover o ensino e a aprendizagem para que ocorra a apropriação
dos conhecimentos historicamente produzidos.
O conhecimento didático do professor é essencial, pois está relacionado
com a função social e pedagógica do ensino e pode contribuir para a
universalização do acesso e da permanência, para a educação de qualidade
através do atendimento às diferenças sociais e culturais, e a formação para
a cidadania crítica (Libâneo, 2012). Sabe-se que as instituições de ensino
necessitam prover recursos e apoio adequados para garantir a participação plena
de todos os estudantes no ambiente escolar. Da mesma forma, cabe à escola
promover a formação didática dos profissionais que nela atuam, bem como
reuniões pedagógicas sistemáticas para que se aprimore a função didática da
instituição, visto que a reflexão sobre a prática pedagógica envolve também sua
concepção de educação e a compreensão do cenário político, social, cultural e
econômico em que os sujeitos estão inseridos.
As necessidades especiais, a diversidade de gênero e orientação sexual,
a religiosidade são também aspectos que necessitam ser contemplados no
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
planejamento didático, pois é fundamental promover um ambiente seguro e
acolhedor para todos os estudantes, independentemente de suas necessidades
especiais, de sua identidade de gênero ou orientação sexual e de sua religião,
combatendo assim toda forma de preconceito e a discriminação.
A escola deve ser um espaço onde todas as crenças sejam respeitadas, onde
haja a promoção da tolerância religiosa e do respeito mútuo. Ao reconhecer e
valorizar a diversidade social na escola, os professores criam ambientes mais
inclusivos e promovem o respeito mútuo, a compreensão intercultural e o
sucesso acadêmico de todos os alunos. Nesse sentido, “[...] falar de igualdade
é considerar, ao mesmo tempo, a diferença, pois, se a escola recebe sujeitos
muito diferentes entre si, ela precisa enfrentar a realidade da diversidade como
condição para ser integradora de todos” (Libâneo, 2012, p. 26). Isso não só
beneficia os próprios alunos, mas também contribui para o desenvolvimento de
uma sociedade mais justa e equitativa.
A importância da didática nas diferentes classes sociais reside no
reconhecimento das disparidades socioeconômicas e culturais presentes na
sociedade. A didática, que se refere às estratégias e aos métodos de ensino, deve
ser sensível e adaptável às necessidades específicas dos diferentes grupos sociais.
Libâneo (2012) defende uma escola que saiba articular a formação cultural e
científica dos estudantes com as práticas socioculturais que são permeadas de
diferenças, valores e formas de conhecimento local e cotidiano. Nesse viés,
a didática adotada pelo professor necessita ser inclusiva e abordar questões
socioeconômicas, linguísticas e culturais conforme a demanda dos estudantes e
utilizar-se de recursos que promovam a inclusão.
A didática desempenha um papel essencial na redução das desigualdades
educacionais e oferece oportunidades equitativas de aprendizagem para os
estudantes independentemente de sua origem socioeconômica. Dessa maneira,
o conhecimento didático pode contribuir no desenvolvimento de estratégias
que valorizem e respeitem a diversidade cultural e linguística presente nas
diversas classes sociais. O planejamento do ensino para as diferentes classes
sociais favorece o desenvolvimento de uma educação de qualidade e equitativa,
contribuindo inclusive para a melhoria das relações humanas.
Considerações Finais
Esta pesquisa teve como objetivo investigar a história da didática e sua
importância para o desenvolvimento de práticas de ensino e aprendizagem na
contemporaneidade. Para isso, foram tecidas algumas reflexões que permitiram
ampliar a compreensão do que é didática, de sua origem e de sua importância
no contexto educacional. É importante lembrar que este estudo não se limita a
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
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aprofundar a temática, mas construir possibilidades dialógicas para seguir os
estudos que envolvem a temática.
Estudar a didática requer o envolvimento com a prática pedagógica e o
olhar crítico para as diferentes correntes e teorias pedagógicas que influenciam os
processos educativos. Conhecer a evolução da concepção de didática ao longo do
tempo permite melhor compreender as correntes educacionais que influenciam as
práticas pedagógicas atuais. Ao compreender as abordagens pedagógicas e didáticas
contemporâneas é possível reorganizar o processo de ensino e adaptá-lo conforme
a realidade do contexto educativo em que se desenvolve o ensino e a aprendizagem.
A relação entre a didática e os saberes docentes é intrínseca e complexa,
pois a didática está intimamente ligada à prática de ensino e ao desenvolvimento
das habilidades pedagógicas dos professores. Os saberes docentes incluem o
conhecimento pedagógico, que se refere à compreensão dos processos de ensino e
aprendizagem, bem como das estratégias e métodos de ensino eficazes. A didática
fornece aos professores ferramentas e estruturas para desenvolver esse conhecimento
e os auxilia na tarefa de planejar e proporcionar aulas mais dinâmicas e eficazes.
A relação entre a didática e a diversidade social é crucial porque a didática
não apenas molda a forma como o conhecimento é transmitido, mas também
influencia como os alunos se relacionam com esse conhecimento e com o
mundo ao seu redor. Sabe-se que a adaptação curricular é essencial no processo
de ensino e de aprendizagem, uma vez que a diversidade social se manifesta em
diferentes contextos culturais, étnicos, linguísticos, socioeconômicos. A didática
precisa levar em consideração essa diversidade ao planejar e implementar o
currículo e garantir que o conteúdo seja relevante e significativo para todos os
alunos, independentemente de suas origens.
A didática desempenha um papel fundamental na organização dos
processos educativos ao favorecer o planejamento curricular; a didática fornece
um conjunto de princípios, teorias e métodos que os educadores utilizam para
planejar o currículo escolar. Isso inclui a seleção e organização dos conteúdos
a serem ensinados, a definição de objetivos de aprendizagem, a escolha de
estratégias de ensino e avaliação, bem como a sequenciação das atividades ao
longo do tempo. Ademais, favorece a seleção de métodos e estratégias de ensino,
auxilia no planejamento e na organização do ambiente de aprendizagem e na
adaptação curricular conforme as necessidades dos Alunos.
Assim, a didática possibilita a organização dos processos educativos
ao oferecer aos educadores um conjunto de princípios, teorias e práticas que
orientam o planejamento, implementação, avaliação e aprimoramento do ensino
e da aprendizagem em contextos diversos. Portanto, a didática não se limita à
prática de ensino, mas se propõe a compreender a relação que se estabelece entre
professor, estudantes e o conhecimento a ser apropriado.
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Referências
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em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/download/1388/603/2702.
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TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação de Professores. Petrópolis:
Vozes, 2002.
24
A DIMENSÃO EDUCATIVA DA COLUNA
“CARTAS À MINHA PRIMA”,
EM VIDA DOMÉSTICA (1923-1925)
Nathalia Araújo Duarte de Gouvêa1
Michele Ribeiro de Carvalho Cassano2
Gabrielle Carla Mondêgo Pacheco Pinto3
Mariana Elena Pinheiro dos Santos de Souza4
Introdução
“Querida Carmen”. Era assim que a coluna “”Cartas à minha prima””
se iniciava, tal qual as orientações para a escrita de uma carta informal, como
seria a conversa entre duas primas. A forma de despedida também seguia as
convenções para a troca de correspondência: “Beijo da tua prima muito amiga,
Didi”. Isto, por si só, já poderia demonstrar uma intenção educativa quanto
às regras da língua portuguesa, mas esta dimensão parece ir muito além disto,
como buscaremos demonstrar ao longo do texto.
Este texto propõe sobrelevar aspectos da coluna “Cartas à minha prima”,
que circulou de 1923 a 1925, na revista Vida Doméstica. Busca-se destacar formas
de educabilidade para as mulheres à luz da escrita epistolar. Neste sentido,
considera-se a referida coluna como um “dispositivo não-formal de educação”
(Magaldi e Xavier, 2008).
Vida Doméstica (1920-1962) foi o primeiro empreendimento periódico
da Sociedade Gráfica Vida Doméstica, editora responsável por outras revistas
1 Mestre em Literatura pelo Programa de Pós-graduação em Letras (PGL/UERJ) da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Professora Assistente de Língua
Inglesa da UERJ. E-mail: natgouvea@gmail.com.
2 Pós-doutoranda em Educação no Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Técnica Universitária Superior da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: mmichelerj@gmail.com.
3 Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (ProPEd-UERJ)
e Professora Adjunta de Língua Inglesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). E-mail: pacheco.gabrielle@uerj.br.
4 Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (ProPEdUERJ), bolsista de doutorado Capes e Professora dos Anos Iniciais do CAp-UFRJ. E-mail:
marianaepss@gmail.com.
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
que compuseram o cenário editorial brasileiro entre 1920 e 1963. A revista em
destaque foi a de maior longevidade no âmbito da editora, o que pode justificar o
nome da Sociedade Gráfica, uma vez que circulou durante o tempo de existência
da própria editora - de 1920 a 1963.
Contudo, Vida Doméstica não foi a primeira empreitada a buscar o
público feminino. Ainda no século XIX, observam-se impressos femininos
que dedicavam-se a conteúdos sobre moda, beleza e culinária, entendendo a
mulher como pertencente à vida social (Buitoni, 2009). Apenas em 1852, com o
surgimento do carioca O Jornal das Senhoras5 (1852 – 1855), as questões relativas
à emancipação feminina foram discutidas.
A imprensa feminina funcionava em condições precárias e, diferentemente
de Vida Doméstica, os periódicos tinham curta duração, até mesmo porque a
maioria de suas colaboradoras se mantinha no anonimato ou lançava mão de
pseudônimos6. Já na primeira metade do século XX, estes periódicos femininos
se destacam por duas vertentes: a moda e o culto à beleza feminina, especialmente
através das fotografias7, divulgando padrões de comportamento e beleza a serem
seguidos pelas leitoras; e a reivindicação dos direitos das mulheres, destacandose o direito ao voto (Pinto, 2023).
No que tange à historiografia da educação para mulheres, é possível
observar, entre outros aspectos, a condição desigual em relação aos homens. O
acesso a uma educação secundária, por exemplo, só seria dado às mulheres às
custas de sua formação para o magistério. Ainda que a lei de Instrução Pública
de 1827 tenha “Manda[do] crear escolas de primeiras letras em todas as cidades,
vilas e lugares mais populosos do Império” (Brasil, 1827), convém destacar que
às mulheres estava reservado o espaço doméstico.
Com relação ao acesso a livros, por exemplo, poucas eram aquelas que
tinham essa possibilidade. Filhas e esposas não deveriam sequer tocar nos livros,
muito menos lê-los. É a partir dos ideais positivistas que este cenário se modifica,
em certa medida. De acordo com a cartilha positivista, as mulheres deveriam ter
o mínimo de instrução para a manutenção da ordem familiar, núcleo pelo qual
eram responsáveis (Pacheco, 2015).
5 O periódico circulou entre 1852 e 1855, sob direção de Joana Paula Manso de Noronha, em
um primeiro momento; por Violante Atabalipa Ximenes de Bivar e Vellasco; e encerrando
os trabalhos sob a redação de Gervásia Nunezia Pires dos Santos Neves.
6 Segundo Alberti (2004), pseudônimos são os nomes utilizados por escritores para ocultar
o nome verdadeiro a fim de não revelar a autoria do material.
7 Santos (2011, p. 39) comenta que Vida Doméstica, já neste momento, destacava-se por sua
estética: “Nos anos 1920, um diferencial estético da revista em relação às concorrentes do
mercado era a presença maciça de fotografias, assim como a presença de páginas coloridas,
o que representava uma grande inovação técnica para a época.”
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Desta forma, os impressos e a imprensa cumpriram papel fundamental
na sociedade brasileira nos séculos XIX e XX. Assim, justifica-se a predileção
pela imprensa por conta da função que este dispositivo desempenhou na
educação de mulheres. Nos limites deste estudo, focalizaremos a revista Vida
Doméstica, considerando o recorte temporal que parte de 1923 e se estende até
1925, compreendendo o período integral de veiculação da coluna. A primeira
publicação de “Cartas à minha prima” se dá na edição 64 de Vida Doméstica, de
03 de novembro de 1923.
Angela de Castro Gomes organizou a obra Escrita de Si, Escrita da História
(2004). Em sua introdução, a historiadora chama atenção para o fato de que
cartas, diários íntimos e memórias “sempre tiveram autores e leitores, mas na
última década, no Brasil e no mundo, ganharam reconhecimento e visibilidade
bem maior” (Gomes, 2004, p. 8). Ela também indica que há um “novo espaço de
investigação histórica - aquele do privado, de onde deriva a presença de mulheres
e dos chamados homens comuns” (p. 9), uma entrada na questão de gênero. No
entanto, a mesma alerta para o ponto da ilusão autobiográfica pois há um risco
para o pesquisador: o efeito de verdade que a sinceridade da narrativa epistolar
é capaz de produzir (p. 10).
Vemos isso no caso de a coluna “Cartas à minha prima” fazer circular
supostas cartas assinadas por uma mulher, nomeada Didi, e seu autor ser, na
verdade, o jornalista da revista Vida Doméstica, Mario Poppe8. Assim, é preciso
concordar com Maria Lúcia Pallares-Burke (1998) em seu artigo A imprensa
periódica como uma empresa educativa no século XIX ao asseverar que “romances,
jornais, revistas, sermões, teatro, pinturas, etc têm tido sua quota de participação
no processo educacional e podem, pois, ter muito a dizer sobre o modo complexo
pelo qual as culturas são produzidas, mantidas e transformadas” (Pallares-Burke,
1998, p. 145). Em seu artigo sobre romances epistolares, Marisa Lajolo (2002)
complementa tal argumento mencionando que o artifício epistolar apresenta
dimensões pedagógicas, termo que a pesquisadora entende como outra forma
de falar das dimensões ideológicas de tal gênero (Lajolo, 2002, p. 74).
Como as pesquisas no campo da História da Educação demonstram que
muitos impressos e a imprensa tiveram um compromisso com a educação, tal
trabalho investigativo revela-se substancial e instigante. Além disso, justifica-se a
predileção pela revista em tela por conta de dois aspectos, que compreendem a
pesquisa de uma das autoras que recai na análise de outra revista publicada pela
mesma editora de Vida Doméstica e, ainda, a inserção das autoras no campo da
8 Mário Poppe (?-1942): foi jornalista e crítico literário paulista. Além de Vida Doméstica,
onde colaborou em outras colunas, Poppe atuou na revista FonFon e publicou, ainda na
década de 1920, o volume “Do que elas gostam”, livro de crônicas, assuntos mundanos,
observações e flagrantes da vida social, conforme noticia a edição 4675 de A Noite.
27
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
História da Imprensa feminina, a partir de um projeto de extensão9 que se dedica
ao estudo de mulheres e suas representações diversas na imprensa.
De caráter histórico-documental, esta pesquisa parte dos preceitos da
História Cultural, com especial ênfase nas discussões de Chartier (2004) sobre
representação, tendo em vista que as escritas de si podem revelar recortes de
espaço e tempo. Desta maneira, estabelece diálogo com os estudos de Angela de
Castro Gomes (2004) e Marisa Lajolo (2002) sobre as escritas de si, em especial a
escrita epistolar; e Dulcília Buitoni (2009) e Liana Santos (2011), em referência
à imprensa feminina.
No que concerne à metodologia, lança-se mão dos estudos de Peter Burke
(2005), acerca do cruzamento de fontes; e de Maria Lúcia Pallares-Burke (1998), a
respeito da tomada da imprensa e de outros objetos midiáticos como possíveis
dispositivos educacionais. Destaca-se, ainda, o estudo seminal de Ana Luiza Martins
(2001) sobre a manipulação de revistas na condição de fontes históricas válidas.
A Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) se converte
no principal acervo para esta pesquisa. Das 58 edições de Vida Doméstica, que
contemplam os anos de 1923 a 1925, período elencado para este estudo, serão
observadas 14, que compreendem a publicação da coluna “Cartas à minha prima”.
Deste modo, propõe-se a organização deste artigo em 2 seções, as quais se
dispõem da seguinte forma: na primeira seção, focaliza-se a revista Vida Doméstica,
trazendo aspectos de sua composição e modos de operar com a fonte; em seguida,
a análise recai na dimensão educativa da coluna “Cartas à minha prima”, tomada
como objeto e fonte. Espera-se, enfim, que este capítulo integre os estudos que
tomam a imprensa feminina e a educação para mulheres como objeto.
Vida Doméstica (1920-1962): revista semanal illustrada
Apontamentos sobre a operação historiográfica com os periódicos
Para fins de tratamento e análise do periódico em tela, convém apresentar
o modus operandi utilizado. Isto é, a operação historiográfica empreendida nestes
impressos. Sabe-se que a escrita positivista da História tem como característica
o privilégio atribuído aos chamados grandes eventos históricos, com ênfase nos
“heróis”, nas datas e nos documentos ditos oficiais.
Após a guinada da História, em especial, com o surgimento do Movimento
da Escola dos Annales, em 1929, contudo, esse tipo de narrativa da História,
passa a dar lugar a uma História-problema, prestando destaque à história dos
sujeitos comuns e a elementos não considerados oficiais, isto é, os de uso comum
9 Trata-se do projeto “Páginas de Mulheres na Imprensa” (2024), de origem no Instituto de
Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (CAp-UERJ). O projeto busca iluminar, entre
outros, a produção de, sobre e para mulheres na imprensa periódica.
28
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
e cotidiano. A revista passou, então, a figurar como um gênero impresso de
reconhecido valor, o que corrobora a escolha por se estudar este objeto.
De acordo com Martins (2001, p. 21), este tipo de periódico é capaz
de “‘documentar’ o passado através de registros múltiplos: do textual ao
iconográfico, do extratextual – reclame ou propaganda – à segmentação, do
perfil de seus proprietários àquele de seus consumidores”. Destarte, manipular
periódicos é uma forma de lidar com os diversos elementos que os constituem
como material impresso de amplitude e relevo para se analisar alguns elementos
históricos. Deste modo, entende-se que, a partir da mirada a um aspecto
constitutivo de Vida Doméstica, é possível de se observar elementos que deem
a ver o que era esperado sobre o público feminino, por exemplo; marcas ou
produtos que circulavam, à época; a moeda corrente; questões de cunho social,
cultural, político e econômico, dentre outros.
Vida Doméstica: a revista para o mulherio brasileiro
Lançada em março de 1920, Vida Doméstica foi uma revista de relevo no
cenário editorial e cultural do início até pouco mais da metade do século XX. Além
da duração de pouco mais de 40 anos, com publicação mensal, após quinzenal e,
ainda, semanal, o periódico foi responsável por formar o gosto de diversas mulheres
brasileiras, por meio de seções de cunho educativo, instrutivo e moralizante.
Fundada por Jesus Gonçalves Fidalgo, Vida Doméstica foi publicada pela
denominada Jesus & Jarque até a década de 1940, quando é criada a Sociedade
Gráfica Vida Doméstica - década em que outras duas revistas passaram a fazer
parte do rol de publicações da editora. Tem-se a hipótese de que o nome da referida
sociedade gráfica tem a ver com o fato de a única revista editada por ela, até aquele
momento, ter relativa projeção no mercado editorial. A respeito das finalidades de
criação de Vida Doméstica, Santos (2011, p. 40) sublinha a posição do fundador:
O interesse de colocar no mercado uma publicação fundamentada nos
preceitos morais mais elevados, incluindo, até mesmo, o que ele apresenta
como “preconceitos”, sem nenhuma conotação negativa, que deveriam
ser incorporados pela mulher e pela família como um todo. Seu discurso
parecia se direcionar fundamentalmente às atividades desempenhadas no
espaço do “LAR”.
O tom moralizante e religioso10 que acompanhou a publicação, com
especial ênfase a partir dos anos de 1930, parece ter conduzido o conteúdo
10 Em 1920, a revista já apresentava fortes indícios desse caráter religioso, a exemplo da
coluna “Religião”, que, de maneira geral, apresentava preceitos para a vida em sociedade,
de acordo com as instituições inspiradas na fé cristã - o casamento, a maternidade, a
caridade e a benevolência, para citar alguns.
29
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
circulante na revista, possibilitando ao periódico adquirir caráter moral e
instrutivo. Nas edições em que a trajetória do periódico era apresentada, o
compromisso cristão e moralizante estava posto. Desta maneira, Vida Doméstica
cumpriu com seu papel instrutivo, direcionando suas publicações a diversos
aspectos que viriam fomentar a formação feminina esperada.
A título de exemplo, uma das seções instrutivas da revista foi a Nos
domínios do idioma, de Sebastião Valença, que tencionava ensinar/ aprimorar o
uso da língua portuguesa; de viés moralizante, havia crônicas, contos e histórias
diversas, como, por exemplo, o artigo intitulado Como se arranja uma casa, a
partir do qual “as mulheres educadas, de elevado sentimento artístico” (Vida
Doméstica, ed. 95, dez. 1925, p. 120-21) aprenderiam a cuidar e a organizar o
lar; de maneira aproximada, havia as de cunho educativo, como, por exemplo, a
elencada para este estudo, “Cartas à minha prima”.
Dado os mais de 40 anos de circulação de Vida Doméstica, é possível
pressupor que tenha passado por diversas fases. De fato, a revista sofreu alterações
de diferentes naturezas, como na sua composição, na sua periodicidade, no seu
corpo editorial e, é claro, no seu conteúdo. Inicialmente, a revista parecia apostar
em assuntos como avicultura, pecuária, indústria, fotografia e economia, por
exemplo. Contudo, ao longo dos anos, as seções foram se transformando em
busca de um público mais bem-definido, a saber, as mulheres. Assim, em 1923,
por exemplo, surgem seções como “Cartas à minha prima”. Focalize-se, enfim,
a referida seção.
A dimensão educativa de “Cartas à minha prima”
Por entre as cartas supostamente enviadas a Carmen por sua prima Didi,
muitos foram os aspectos que contribuíram, de forma bastante significativa, para
que se pudesse tomar a coluna como uma das formas de educabilidade presentes
em Vida Doméstica. Apesar de utilizar-se de jargão pertencente ao nicho social
feminino à época - “minha querida”, diminutivos diversos e substantivos
femininos de maneira geral -, “Didi” era, conforme visto, o pseudônimo utilizado
pelo colaborador da revista Mario Poppe.
Uma vez examinadas as 14 cartas escritas, que compreendem os anos de
1923 e 1925, observou-se as seguintes temáticas, elencadas na tabela a seguir:
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Tabela 1 - temas principais observáveis na coluna “Cartas à minha prima” (1923-25)
Edição
62
Ano
1923
Temáticas
Regras de comportamento
65
1923
Regras de comportamento
66
1923
Críticas às opiniões dos leitores
68-69
1923
Superioridade dos costumes da Província
70-71
1923
Crítica às tradições brasileiras (Natal)
Regras de comportamento
Relacionamentos
72
1924
Regras de comportamento
74
1924
Crítica às tradições brasileiras (Carnaval)
Regras de comportamento
75
1924
Festividades
Regras de comportamento
79
1924
Relacionamentos
Casamento
80
1924
Educação
Casamento
81
1924
Maternidade
Críticas à educação pública
82
1924
Leitura e educação para mulheres
85
1925
Relacionamentos
Fonte: Tabela elaborada pelas autoras a partir de pesquisa junto à Hemeroteca Digital da
Fundação Biblioteca Nacional
A predileção por tratar de educação, comportamentos e casamento não
era por acaso. De mãos dadas com os preceitos cristãos, que incluem a moral
e os bons costumes, as cartas revelam a modulação de caráter que a coluna
tentava inculcar nas leitoras. A edição 38, de 1923, já anuncia a nova proposta
da revista: “Magazine mensal dedicada às familias e a vida no lar unica, no seu
genero, publicada no Brasil, offerecendo leitura sã variada, instructiva e util.”
(Vida Doméstica, edição 38, p.2).
Outro indício de mudanças na finalidade da revista é encontrado - a partir
do escopo eleito para este estudo -, na edição 79, onde lê-se “Vida Doméstica Revista do lar e da mulher”. A inscrição, encontrada em todas as outras edições
analisadas, endossa o argumento da educação e da instrução para mulheres.
Desde a primeira coluna, as regras de comportamento para mulheres e
críticas à falta de decoro das pessoas na cidade grande (Rio de Janeiro) estão
muito presentes nas cartas de Didi. Na primeira missiva, há a contextualização
de que a troca de cartas se dá por conta da viagem de Didi e Laura para o Rio de
Janeiro. Assim, Didi envia à Carmen suas impressões da estadia no Rio.
31
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
As regras de comportamento aparecem não apenas nas dicas de bons modos,
mas também nas críticas às condutas dos sujeitos da cidade grande, principalmente
as das mulheres. Tais críticas incluem o fato de que “[ellas] desconhecem que
não devemos gesticular com exagero, nem elevar a voz…” e, também, “ellas vão
desconhecendo, de todo, o recato predicado, necessário a toda mulher que se deseja
fazer respeitar” (Vida Doméstica, edição 64, p.13). As críticas à falta de decoro são
fortes e aparecem em muitas cartas: “Eu tenho que a moda do cabello cortado,
ou aparado, para a mulher é de muito mau gosto, por isso, perdemos a distincção
do nosso sexo” (Vida Doméstica, edição 65, p.16) e até “mas não posso nem devo
contrariar papae e mamãe” (Vida Doméstica, edição 70/71, p.33).
Didi também faz claras distinções sobre as formas de celebrar algumas
festas populares, apresentando horror ao desregramento dessa sociedade em
comentários ácidos à época do Natal e do Carnaval. Sobre o Natal, há menções
sobre a religião também como “essa gente que abomina os filhos, que regula o
número de filhos, e que faz desapparecer os filhos, não póde sentir a suave beleza
que a religião empresta a este grande dia das suas celebrações” (Vida Doméstica,
edição 70/71, p. 33). Já o Carnaval, “é pretexto para o completo e absoluto
desregramento de alma” (Vida Doméstica, edição 74, p. 39) e, nessa mesma
edição, Didi elenca as muitas formas desse desregramento referindo-se a temas
como trajes, nudez, relacionamentos efêmeros e faz comparação novamente aos
bons costumes da província e ensinamentos da Igreja.
Alguns aspectos da composição da coluna chamam atenção. Além da
diferenciação da fonte, numa tentativa de aproximação com a letra cursiva, as
edições 85, 82 e 81 trazem, na ilustração, - em posição central - a figura de um
homem. Seja ele um adulto ou até mesmo um bebê, conforme observado na
edição 81.
Os relacionamentos aparecem nas cartas escritas por Didi em duas
vertentes - os familiares e os amorosos. Os familiares comentam a maternidade,
a relação entre irmãos, além da relação entre as primas. Armando, noivo de
Carmen, é a figura masculina que é referida quando se trata de relacionamentos
amorosos. Diferente dos demais homens que fazem parte da sociedade do
Rio de Janeiro, Armando é cuidadoso, respeitoso e “não forma na casta dos
encantadores, os previlegiados que desfructam as graças das melindrosas e das
senhoras que costumam trocar de esposos quando estão em sociedade.” (Vida
Doméstica, edição 85, p. 81)
Seguindo a tendência classista e, em certa medida, aversiva ao Rio de
Janeiro, Didi comenta a respeito de suas impressões (negativas) em relação ao
casamento, afirmando que “o casamento para esta gente é não é uma eleição,
uma escolha de coração, mas apenas um contracto regulado por clausulas rigidas
32
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
e frias, sendo a principal, a importancia do dote.” (edição 80, p. 26). Convém
ressaltar que o próprio Código Civil, promulgado em 1916, previa o contrato
do casamento e o dote, que poderia ser instituído para “validar as doações
nupciais feitas às filhas e as doações feitas aos filhos por ocasião de se casarem,
ou estabelecerem economia separada (art. 313).” (Brasil, 1916)
Para Didi, Carmen está salvaguardada na província, já que não cultua
uma “falsa educação”, como se percebe no Rio de Janeiro. Com críticas severas
à maternidade e à escolarização das crianças, tanto das elites quanto das classes
médias, Didi estabelece um panorama pouco favorável à vida da prima, se, ao
casar-se com Armando, viessem morar na cidade.
Na carta publicada na edição 81, comenta em relação à educação das moças:
Como ja sabem ler e escrever e contam nos dedos, entendem que não mais
carecem de escola, abandonam os livros de estudos e apanham o primeiro
romance sentimental que lhes cáe ao alcance das mãos. E as meninas se
fazem moças ! Discutem assumptos improprios, commentam as noticias
policiaes publicadas com revoltantes detalhes nos jornaes, enfeitam-se
para a caça ao marido e perdem a cabeça e o juizo. Vão para os campos
de football aos domingos e se fazem “torcedoras”’ de um club qualquer,
salientando-se pela falta de compustura, pois, de busto alçado, olhos
esgazeantes e voz em falsete, gritam pelo nome dos jogadores e insultam
os adversarios, em “calão” grosseiro. Horrivel, minha querida!
Outro aspecto relevante mencionado por Didi é a leitura das mulheres.
Sob a justificativa de enviar sugestões para a “priminha Júlia”, Didi demonstra
seu posicionamento acerca das práticas de leitura para as moças, evidenciando
que “a mulher pode e deve ler tudo”, pois “penso que, nenhum livro é nocivo ou
perigoso para uma mulher convenientemente formada, educada, que tem juizo
e sabe analysar e seleccionar as ideias”, já que “o tempo da mulher escrava de
todas as convencões as mais grosseiras ja pasou - Abroquilada na sua ignorancia
a mulher não tinha o direito de pensar, nem viver. Não era pessoa, era coisa”
(Edição 82, p. 39). Por meio de uma crítica à posição da mulher em sociedade,
expressava sua opinião deixando clara a importância de uma boa educação para
a escolha dos livros que comporiam a biblioteca feminina.
Considerações finais
Iniciar um texto pode ser considerado uma tarefa desafiadora, mas
concluí-lo também não é muito fácil. Entretanto, a angústia provocada pela
folha em branco é substituída pelo prazer de escrever, após todo o trabalho de
pesquisa e análise das fontes. Por vezes, a escolha do objeto de pesquisa já se
mostra um grande desafio, considerando os acervos e algumas dificuldades, que
mesmo a digitalização dos originais não consegue suprimir.
33
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
“Beijos, beijos, muitos beijos da tua… Didi”, com esta despedida termina
a última carta de Didi para sua prima Carmen, localizada em fevereiro de 1925.
Muitas foram as cartas enviadas para Carmen, com reflexões sobre diferentes
assuntos, pretensamente de interesse feminino, escolhidos pela equipe editorial
e pelo autor, Mario Poppe. O interesse em educar e instruir as mulheres,
escolhendo narrar aquilo que não se deve fazer, parece ser uma estratégia para
instigar a leitura da coluna e, consequentemente, fidelizar as leitoras.
Em uma visada retrospectiva, buscou-se refletir sobre a imprensa literária
e cultural periódica a partir de meados do século XIX. Para tanto, o texto foi
organizado em duas seções, além da introdução e das considerações finais. Na
primeira seção, intitulada Vida Doméstica (1920-1962): revista semanal illustrada,
buscou-se apresentar o periódico em questão, realizando reflexões quanto à
operação historiográfica com os periódicos e a sua destinação ao público-leitor
feminino. Já a segunda seção, A dimensão educativa de “Cartas à minha prima”, é
dedicada à analisar, de forma mais direta, a coluna em destaque, considerando a
escolha da escrita epistolar como forma de aproximação com as leitoras, ainda
que o autor de tais cartas fosse um homem, Mario Poppe. A análise dos assuntos
tratados nas diversas “cartas publicadas” sob o pseudônimo de Didi revela uma
preocupação com os comportamentos e as formas de se relacionar familiar e
socialmente da parcela feminina da população.
Neste estudo, os interesses e escolhas das pesquisadoras definiram o curso
da pesquisa, sem a pretensão de apresentar um texto definitivo, mas antes, uma
reflexão sobre as produções para as leitoras de jornais e revistas no período que
compreende a década de 1920. Espera-se, assim, que os resultados alcançados
contribuam com estudos no âmbito da imprensa feminina e da educação para
mulheres.
Referências Bibliográficas
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Tradução: Sérgio Goes de Paula.
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34
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. A imprensa periódica como uma
empresa educativa no século XIX. In: São Paulo: Cadernos De Pesquisa
(Fundação Carlos Chagas), n. 104, p. 144–161, jul. 1998.
PINTO, Gabrielle Carla Mondêgo Pacheco. Júlia Lopes de Almeida: escritora,
mãe e esposa laureada nas páginas de A Violeta (1920-1934). Tese (Doutorado em
Educação) Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2023.
SOUZA, Mariana Elena Pinheiro dos Santos de. Divertir, educar e instruir: Vida
Infantil (1947-1950). Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.
SOUZA, Mariana Elena Pinheiro dos Santos de. O Jovem em Revista: Vida
Juvenil (1949-1959). Anais do XI Congresso Brasileiro de História da
Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2022.
35
A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA ERA VARGAS:
ENTRE MOVIMENTAÇÕES POLÍTICAS,
MARCOS LEGAIS E REPERCUSSÕES
SÓCIO-HISTÓRICAS
Ailton Batista de Albuquerque Junior (Roinuj Tamborindeguy)1
Gabriel Silveira Pereira2
1. Introdução
O presente estudo tem como objetivo analisar os principais eventos
políticos e econômicos, além de suas consequências para a educação brasileira,
em virtude do movimento revolucionário de 1930, findando a República Velha
ou República dos Coronéis.
A relevância deste tema justifica-se pela busca em compreender o período
histórico e as vicissitudes da época, como o Pós–Revolução de 1930; as políticas
educacionais adotadas no governo Vargas e a concepção de instituições que
imprimiram transformações na educação brasileira.
De antemão, circunscrevemos que a Era Vargas compreende três recortes
temporais, a saber: o Governo Provisório (1930-1934), o Governo Constitucional
(1934-1937) e o Estado Novo (1937-1945). Por conseguinte, emergiu a questãonorteadora e/ou problema da pesquisa: quais as contribuições dos governos
1 Doutorando em Educação (UFU) e Mestrando em Educação Profissional e Tecnológica
(IFES/IFCE). Mestre Políticas Públicas (UFC). Especialização em Gestão Escolar (FVJ);
Educação a Distância (UCAM); Educação Inclusiva (FESL); Gestão Pública (UNILAB);
Gênero e Diversidade na Escola (UFC); Psicopedagogia (UCAM); Neuropsicopedagogia
(FLATED); Educação Infantil (FLATED); Serviço Social e Políticas Públicas
(INTERVALE/MG); Serviço Social Organizacional (INTERVALE/MG); Metodologia
da Língua Portuguesa (INTERVALE/MG); Docência na Educação Básica (IFMG);
Gênero, Diversidade e Direitos Humanos (UNILAB); Gestão Empresarial (Intervale/MG);
Educação de Jovens e Adultos (IFRO); Metodologia da Educação a Distância (Intervale);
Ciências da Natureza e suas Tecnologias (UFPI); Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
(UFPI); Matemáticas e suas Tecnologias (UFPI); Linguagens e suas Tecnologias (UFPI);
Pedagogia Empresarial (Intervale/MG). Educação Digital (SESI-SC). pedagogo.uece@
hotmail.com.
2 Mestre e Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (PPGED/UERGS). Licenciado em Letras
e Tecnólogo em Processos Gerenciais pelo Centro Universitário Cenecista de Osório
(UNICNEC). Técnico Administrativo em Educação do IFRS Campus Osório. gabriel.
pereira@osorio.ifrs.edu.br.
36
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Vargas para a educação contemporânea?
De fato, o presidente Getúlio Vargas foi o que mais tempo esteve no poder
em todo o período republicano brasileiro. Assim, Teixeira (2000) pontua que
a influência da Era Vargas foi além de quinze anos, prolongando-se até bem
depois do seu último mandato, concluindo com sua trágica morte, em virtude
do acometimento do suicídio.
Para adentramos nesse recorte temporal, demarcamos que no final dos
anos 1920 - período de grave crise econômica - o Brasil, bem como outras nações
dependiam de exportações, enfrentando dificuldades face à superprodução da
indústria norte-americana, a queda da Bolsa da Bolsa de Valores de Nova York
e a falência de empresas e bancos, levando milhões de trabalhadores norteamericanos ao desemprego, afetando arduamente a cafeicultura e a diversidade
de setores da economia brasileira (Cotrim, 2005). Destarte, a partir da Revolução
de 1930 e seus desdobramentos, Vargas implementou alterações significativas
mediante políticas públicas para atendimento à nova configuração do país,
reconfigurando o eixo político do rural para o urbano e o eixo econômico do
agropecuário para o industrial (Ibid.).
Para tanto, neste escrito apresentaremos relações históricas e políticas
da Era Vargas, tendo por ênfase observâncias do contexto da Educação, mas
sem perder de vista também constituições que se deram em paralelo e que,
nesta, foram impressos de forma significativa e de grifos presentes, tais como as
relações trabalhistas e o conceito de novo homem do Estado Novo.
1.1 Percurso metodológico
Quanto à abordagem metodológica recorremos à pesquisa qualitativa,
caracterizando-se por um conjunto de diferentes técnicas interpretativas,
buscando descrever um sistema complexo que não poderá apenas ser traduzido
em números. Logo, essa tipologia de pesquisa busca traduzir aspectos intrínsecos
aos fenômenos do mundo social (Maanen, 1979).
Quanto aos objetivos, esta pesquisa é explicativa, pois pretende identificar
os fatores que determinam e/ou que contribuíram com a erosão dos direitos
sociais no período demarcado. Portanto, pelas vias analíticas de Gil (2022),
configura o tipo de investigação mais complexa e delicada, aprofundando o
conhecimento da realidade e explicando as razões e os porquês das coisas.
No tocante aos procedimentos técnicos, utilizamos a pesquisa
bibliográfica, posto que Gil (2022) circunscreve que a sua principal vantagem
reside na possibilidade de o investigador acadêmico efetuar a cobertura de uma
pluralidade de fenômenos, com maior amplitude do que aquela que trata dados
diretamente inqueridos aos sujeitos.
37
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
2. Contextualização Política
É com Getúlio Vargas, com a Revolução de 1930, que ocorre a centralização
política e econômica do Brasil. Portanto, esse governo emerge com a intenção
de proporcionar colossais vicissitudes no país, consequentemente diminuindo a
autonomia dos governos estaduais. Em síntese, depreende-se que esse período
do Governo sofreu reverberações em todos os âmbitos, incluindo a pasta da
Educação, que passou a ser regulamentada por leis federais, válidas para o país.
Ao assumir a presidência da República, Vargas efetuou profundas
transformações nesse decurso temporal, enfrentando uma gama de resistências.
Contudo, tomou medidas para a concentração do controle do país em suas
mãos, por meio de uma política autoritária, com centralização administrativa.
Em contrapartida, reconstruiu os sistemas políticos, sociais e econômicos do
Brasil, por meio da inclusão de demandas voltadas às políticas públicas de
direitos trabalhistas, impulsionadas gradativamente pelo aumento da oferta de
vagas em escolas e o florescimento do pensamento científico no âmbito urbano
(Oliveira et al, 2023).
Em 1930, o governo inaugurou o Ministério da Educação e Saúde Pública,
implantando a Reforma Francisco Campos no ano subsequente, que estabeleceu
o ensino secundário e superior no Brasil (Shiroma; Moraes; Evangelista, 2011).
Contudo, mesmo com certos avanços, o proletariado ainda não recebia um
ensino público de qualidade, estando este, portanto, muito aquém da educação
oferecida às elites dirigentes.
Sumariamente, circunscrevemos que a década de 1930 como recorte
analítico, haja vista que são nesses circuitos que pela primeira vez o governo
federal brasileiro toma medidas centralizadoras no tocante à Educação. À face
do exposto, até o desenlace de 1920 esse setor não era prerrogativa exclusiva
dos estados, que possuíam autonomia financeira e pedagógica. Não obstante,
após a Revolução de 1930, o governo criou medidas unificadoras, reduzindo a
autonomia dos estados.
A rigor, o ministro da educação Francisco Campos ao baixar o Decreto Nº
19.851, de 11 de abril de 1931, teceu novos rumos para o ensino secundário (atual
Ensino Médio) e superior. À vista da presente legislação, o ensino secundário foi
organizado em dois segmentos, tendo o primeiro ciclo denominado fundamental
a vigência de 5 anos, seguindo o curso complementar com a duração de 2 anos,
que tinha como finalidade realizar a especialização dos alunos, em uma das três
áreas de atuação, a saber: o ensino pré-jurídico, pré-médico e/ou pré-politécnico.
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
2. 1 A Reforma Francisco Campos
Indiscutivelmente, a Reforma Francisco Campos, em 1931 rompeu com
os tradicionais exames parcelados oriundos das aulas avulsas, implantando a
frequência obrigatória às aulas. Isto posto, esse ordenamento jurídico traçou
inovações que permanecem até os dias atuais como a seriação; a criação de bancas
examinadoras; 75% de frequência obrigatória nos cursos (outrora denominava-se
¼ de presencialidade); a criação do cargo de inspetor; a introdução da educação
física durante todo o ensino o secundário e a inserção do ensino de Língua
Portuguesa em todos os anos do Curso Fundamental (Dallabrida, 2009). Nesses
termos, a visibilidade à disciplina Língua Portuguesa ilustrava o nacionalismo
trazido pela Revolução de 30, transversalizado no ensino de Canto Orfeônico,
História e Geografia.
A autor sustenta que essa reforma defendeu a modernização do ensino
secundário, em nível nacional, imprimindo a organicidade desse sistema, por
meio de estratégias escolares diversificadas, como a seriação do currículo, a
frequência obrigatória dos educandos, a imposição de avaliação discente regular
e a reestruturação do sistema de inspeção federal. Daí, a cultura escolar gestada
por essas concepções buscava a produção de um habitus burguês nos alunos
secundaristas, através da educação integral com práticas de disciplinamentos e
de autogovernos.
À propósito, a União destinava pouquíssimos recursos à etapa do ensino
secundário, haja vista que aplicava seus esforços no ensino superior e no ensino médio
técnico-industrial. Por isso, os Municípios gerenciavam quase que exclusivamente
do ensino primário; ficando aos Estados a competência com o ensino primário e
médio. Portanto, caberia aos particulares atuarem, sobretudo no ensino secundário
acadêmico, no normal e no superior (Rocha; Severino; Rodriguez, 2020).
Petitat (1994) demarca que as inovações trazidas pelo Decreto Nº
19.890, de 18 de abril de 1931, não são exclusivas no contexto brasileiro, pois
essa legislação imprime os circuitos do mundo contemporâneo ocidental em
uma perspectiva burguesa sob o signo de uma cultura escolar disciplinante,
visivelmente contrastantes às práticas educativas medievais.
Outrossim, a Reforma de 1931 suprimiu a disciplina de Instrução Moral e
Cívica, inserida no ensino secundário brasileiro pela Reforma Rocha Vaz (1925).
Destarte, esse conteúdo curricular foi redimensionado pela Educação Religiosa,
reincorporado nas escolas primárias, normais e secundárias como reverberação
do pacto firmado entre o Governo Provisório de Vargas e a Igreja Católica
(Moraes, 2000).
Com efeito, a Reforma Francisco Campos firmou a modernização do
ensino secundário no Brasil, ao imprimir a organicidade atravessada por múltiplas
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
estratégias escolares, quais sejam: a seriação curricular, a frequência compulsória
dos educandos e a criação de um sistema de avaliação. Nesses termos, a reforma
assinala uma inflexão expressiva na história do ensino secundário brasileiro,
rompendo com estruturas seculares na escolarização formal brasileira. Outrossim,
as aludidas medidas a produção de discentes secundaristas autorregulados e
produtivos, sintonizados com os circuitos da sociedade disciplinar e capitalista
que se consolidava no cenário brasileiro na década de 1930.
Em 1932, com a criação do Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, consolidava-se diferentes concepções ideológicas, buscando reconstruir
uma educação comprometida com o respeito às singularidades da sociedade
brasileira. Nessa óptica, Fernando de Azevedo redigiu o documento assinalado
por 26 militantes, dentre eles: Roquette Pinto, Anísio Teixeira, Lourenço Filho,
Delgado de Carvalho, Cecília Meireles e Hermes Lima.
Sumariamente, a reforma Francisco Campos significou uma inovação
para a educação brasileira, após a revolução de 30, no contexto do processo de
integração política do país. Nesse âmbito, houve um avanço no desejo pelas
reformas educacionais e pela regulamentação do ensino, consistindo em uma
série decretos, entre os quais são relevantes destacar o Decreto Nº 19.850, de
11 de abril de 1931, criando o Conselho Nacional de Educação; o Decreto
Nº 19.851, de 11 de abril de 1931, dispondo sobre a organização do ensino
superior no Brasil, adotando o regime universitário; o Decreto Nº 19.852, de
11 de abril de 1931, acerca da organização da Universidade do Rio de janeiro;
o Decreto Nº 19.890, de 18 de abril de 1931, regulamentando a organização
do ensino secundário; o Decreto Nº 19.941, de 30 de abril de 1931, instituindo
o ensino religioso como matéria facultativa nas escolas públicas do país; o
Decreto Nº 20.158, de 30 de junho de 1931, organizando o ensino comercial
e regulamentou a profissão de contador e o Decreto Nº 21.241, de 14 de abril
de 1932, consolidando as disposições no tocante à organização do ensino
secundário (Romanelli, 2005).
2.2 A Reforma de Capanema
Em 1942, com o advento da Reforma Gustavo Capanema, que criou a
Lei Orgânica do Ensino Secundário (LOES), houve pequenos ajustes na divisão
outrora imposta pela Reforma Francisco Campos, criando-se um ciclo ginasial,
de 4 anos, e o ciclo colegial, de 3 anos. Assim, essa readaptação esteve vigente na
estrutura do ensino brasileiro até limiar dos anos de 1970, em que por intermédio
da Lei nº 5.692/1971 (Brasil, 1971), criou-se o 1º grau, com a junção do curso
primário com o ciclo ginasial, e o ciclo colegial denominou-se 2º grau. Frente
àquele contexto histórico, o ensino secundário representava a formação para as
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
elites dirigentes que pretendiam realizar cursos superiores no Brasil e na França
(Dallabrida, 2001).
Grosso modo, a LOES teve pujante contribuição com a criação do SENAI
(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), de viés profissionalizante.
Nesses termos, é fato que o ensino secundário possuía como meta preparar para
os sujeitos para o ingresso no curso superior.
Fundante se faz considerar que:
[...] a ascensão de Capanema esteve amparada na larga influência das
organizações católicas sobre a sociedade política após a “revolução de
1930”, promovida pela vontade de clérigos e leigos em acionar um projeto de
restauração do poder da Igreja no mundo moderno. O agir do Estado sobre
a questão social em muito estava concentrado neste aparato administrativo
que, deve-se lembrar, não tomava decisões apenas sobre a educação,
mas também sobre a saúde, a cultura e a assistência social. Sendo assim,
continuamente, o ministério dirigido por Gustavo Capanema tornou-se alvo
das correntes de opinião e interesses, mais conservadoras ou progressistas,
existentes na sociedade brasileira (Montalvão, 2021, p. 05).
Neste contexto, observar as relações de movimentos religiosos mais
conservadores na política e, especialmente através das grandes áreas, tais como
educação, saúde e assistência social, mostra-se uma questão que não é de hoje e
que há muito vem se apresentando nas dinâmicas políticas e de desenvolvimento
social. Sendo também objeto que requer considerável atenção, atentar-se às
3. O Estado Novo e a educação na Constituição Federal de 1937
No tocante ao Estado Novo, vemos como importante sublinhar que a
este período, como não poderia ser diferente dado esse movimento inculcado
da inauguração de um novo tempo, exigia-se também que houvesse um Novo
Homem. Imprimia-se a ideia de que aquele homem frágil fosse transformado em
alguém forte, ágil, resistente, que trabalhasse em prol do Estado e, em reflexo disso,
de si. Inspirado em ideias autoritárias vindas da Europa, o Estado era visto aqui
como onipresente em todos os projetos, enquanto ao homem estava destinado um
lugar passivo, de colaborador (Prado, 2008). Faz-se fundante contextualizar que:
O período do Estado Novo (1937-1945) caracteriza-se pela ausência
de prerrogativas democráticas e pela implantação de um modelo de
modernização conservadora e pela instalação de um governo que deu
atenção especial à utilização de recursos de propaganda e de divulgação
ideológicas, em busca de consenso e de legitimidade (Prado, 2007, p. 01).
Observa-se, no entanto, que “censura e produção cultural formaram
as duas faces de uma mesma moeda estadonovista e compõem um tema até
hoje propiciador de debates, haja vista o inusitado dessa convivência” (Prado,
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
2007, p. 03). Assim, utilizavam-se de recursos até então pouco explorados com
a intenção de divulgar favoravelmente o Governo, reforçando o patriotismo, a
ideia de se fazer junto e de estar em colaboração social.
A educação, como recurso político, estava marcada pela busca do
consenso, vista pelo Governo como fundamental para que esse processo se
desenvolvesse (Prado, 2008), sendo valorizada pelas vias dos resultados desta
para o próprio movimento de fortalecimento do Governo no Estado.
A ideologia autoritária do Estado Novo não dava espaço ao dissenso.
Naquela conjuntura, frente à ideologia do Estado que se identificava
com a nação e de um povo que teria aberto mão do direito ao voto e às
liberdades democráticas em troca das supostas garantias materiais oferecidas
pelo governo forte e pelo carisma de Vargas, opiniões contrárias eram
desqualificadas e a simples menção ao modelo de governo liberal era
identificada com projetos retrógrados de pessoas e grupos que haviam
perdido privilégios com a implantação do Estado Novo (Prado, 2007, p. 11).
A formação para o trabalho é colocada para a Educação como um dos
pontos-chave a serem priorizados, e junto dessa relacionavam-se mobilizações
para que se enxergasse que a vida no Estado Novo era a representação do melhor
que se poderia ter. O compromisso com o trabalho, assim como o compromisso
político, marca deste nacionalismo, não poderiam ser perdidos de vista. Estavam
impressos na ideologia do Estado Novo (Prado, 2008).
A Constituição Federal de 1937, escrita por Francisco de Campos e
outorgada por Vargas, também dava ampla atuação ao presidente. Entre as
presenças marcantes em seu texto, profere a permissão de estabelecimentos de
ensino públicos e privados a ministrarem aulas, determinando ao Poder Público
a incumbência na oferta somente do ensino primário. Dessarte, nesses circuitos
visualiza-se uma segmentação dicotômica na educação brasileira ao oferecer ao
proletariado um currículo com formação para o exercício do trabalho braçal e
aos filhos da burguesia uma formação mais abrangente e intelectual.
É fato que a Constituição de 1937 trouxe como dever do Poder Público,
disponibilizar escolas vocacionais e pré-vocacionais para as “classes menos
favorecidas”. Por conseguinte, mesmo que de forma excludente e discriminatória
houve ampliação do acesso à educação formal (Regattieri; Castro, 2010).
Conforme Wermelinger, Machado e Amâncio Filho (2007, p. 214), “mérito
inquestionável dessa Constituição foi eliminar a referência que se fazia, sempre,
ao ensino profissionalizante como destinado aos desfavorecidos da fortuna
ou desvalidos da sorte”, fator que em termos discursivos precisa ser destacado,
mas que, ainda, no que tange ao desenvolvimento e a qualificação de processos
pedagógicos pela equidade mostra-se muito distante de efetivas considerações.
42
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
4. Outras reflexões e destaques sobre a Era Vargas
Em síntese, vislumbramos a Reforma Francisco Campos como uma
prescrição do habitus burguês frente ao ensino secundário, com fulcro em uma
educação integral, contemplando as dimensões físicas, patrióticas e intelectuais,
inundada de uma práxis pedagógica autodisciplinar e autorregulatória. Além
disso, essas modificações no ensino, redefiniram, o currículo de ensino secundário
ao fortalecer as Ciências Físicas e Naturais, denotando uma concepção burguesa.
Contudo, verificou-se a valorização da Língua Portuguesa, incluindo-a em
todas as etapas do Curso Fundamental. Portanto, de forma extraordinária, essa
reforma uniformizou as bases e fundamentos dos procedimentos administrativos,
didáticos e pedagógicos para o ensino secundário em todos os estabelecimentos
educacionais brasileiros daquele nível.
Em linhas gerais, a Reforma Francisco Campos acreditava que a educação
seria mola propulsora para solucionar revezes de ordem social, econômica e
política do país. Não obstante, para a construção de propostas curriculares
inclusivas, democráticas e críticas, urge considerar que contemporaneamente se
sobrepõe o esfacelamento conhecimento que encolhe a formação integral dos
sujeitos aos ditames do capital em um viés epistemológico mormente reduzido.
Com firmeza, acreditamos que realizar uma política nacional de educação
requer além de criar legislação, destinar financiamentos conforme as amplas
demandas em todos os níveis, modalidades e formatos educacionais. Por conseguinte,
há descomunais desafios na implementação de políticas públicas educacionais no
Brasil, visto que o país possui dimensões continentais, atravessado por 26 estados,
além do Distrito Federal, perfilando 5.568 municípios (Messora, 2017).
Sumariamente, compartilhamos com as premissas de Shiroma, Moraes
e Evangelista (2011) que enxergam como fora do comum a edição de tantos
documentos legais frente aos objetos jurídicos da reforma educacional em curso.
Nessa acepção, depreende-se que em relação ao processo histórico da política
educacional no Brasil, evidencia-se que a educação pública de qualidade não
se mostrou grande preocupação e/ou de fato prioridade no interstício de 1930
a 1990, sendo possível aliás, trazer à baila questionamentos concernentes à
atuação de órgãos multilaterais que conduzem a educação nacional e os países
da América Latina e Caribe, hodiernamente.
5. Considerações finais
Ao direcionarmos nossos olhares para a Era Vargas em observância
aos períodos vivenciados, reconhecemos um expressivo número de elementos
que repercutem fortemente até os dias atuais. Se perguntarmos sobre pontos
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
marcantes, o contexto trabalhista talvez seja um dos mais citados. Ainda assim,
ao mobilizarmos as investigações que conduziram a escrita deste texto, vemos
na Educação um contexto de profundas reflexões e impactos desta passagem.
Nesta relação, não é difícil perceber que mesmo o lugar do trabalho na
sociedade atravessou o contexto da Educação de forma bastante intensa nos
períodos, assumindo centralidade nas formações, especialmente das classes
menos favorecidas e das quais se exigia uma maior força de produção em prol
da “sociedade” (ou melhor, leia-se aqui: do próprio Estado).
Embora conquistas consideráveis estejam presentes neste período em
diferentes contextos, tais como o da Educação, do Trabalho e da Previdência,
precisamos também considerar todos os jogos políticos e administrativos que
compuseram cada processo e, em certa medida, as manipulações chanceladas
por propagandas e pelo forte contexto de imprensa que tiveram manifestos.
O fato é que ainda hoje a população sofre com a dificuldade de acesso
a políticas públicas e na Educação isso não é diferente. Os desafios para a
classe popular, no campo e na cidade, destacam disparidades alarmantes e
entristecedoras, que requerem para além de atuação efetiva e significativa, o
desenvolvimento e a garantia da continuidade de políticas públicas engajadas
com a transformação da realidade social.
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45
A ESCOLA CATÓLICA NAS PÁGINAS
DA REVISTA VOZES DURANTE O
PERÍODO DA DITADURA
CIVIL-MILITAR BRASILEIRA (1964-1985)1
Darciel Pasinato2
Carina Malonn3
Rosangela Fritsch4
Introdução
O objetivo deste capítulo é analisar as representações de escola católica nas
páginas da Revista Vozes durante o período da Ditadura Civil-Militar brasileira
(1964-1985). O estudo é de natureza bibliográfico-documental, tendo como foco
o conceito de representação (Chartier, 1988, 1991, 2009).
A Revista Vozes começou a circular no território brasileiro a partir de
1907. Nesse período, as escolas católicas, ao assinarem o periódico, constituíam
sua base financeira, contribuindo também para sua expansão a diversos
docentes, que passaram a assinar a revista em virtude do contato com ela nas
escolas. Ademais, para expandir as vendas, o periódico convocava seus leitores
a promover a multiplicação das assinaturas. E parte da hierarquia da Igreja no
Brasil (arcebispos, bispos e padres) colaborava com a propaganda do impresso e
tinha suas opiniões pessoais sobre determinados assuntos publicadas.
A política editorial da Revista Vozes até 1966 foi conservadora, no que
diz respeito ao âmbito político. No contexto dos anos 1930 até 1950, o periódico
adotou posicionamentos favoráveis a regimes autoritários, como o de António de
1 Este texto é fruto de uma pesquisa de doutorado, desenvolvida junto ao Programa de PósGraduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
2 Pós-doutor em Educação (UFSM) e Doutor em Educação (UNISINOS). Pesquisador e
professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail: darcielpasinato1986@gmail.com.
3 Doutoranda e mestre em Educação (UNISINOS). Professora e gestora da rede pública e
privada do Rio Grande do Sul. E-mail: carina.malonn@gmail.com.
4 Pós-doutora em Educação (U.Porto/Portugal) e Doutora em Educação (UNISINOS).
Pesquisadora e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail: rosangelaf@unisinos.br.
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Oliveira Salazar, em Portugal, e de Francisco Franco Bahamonde, na Espanha,
tendo ainda apoiado em 1936 uma postura ambígua frente ao nazifascismo.
Além disso, acompanhando boa parte do meio católico brasileiro, no início da
década de 1960, o anticomunismo destacou-se na revista, apoiando, inclusive, o
golpe civil-militar de 1964 no Brasil (Andreo, 2015).
No período da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), houve um reforço
da privatização do ensino. Os mecanismos utilizados para isso foram: “[...] o
aumento de repasses dos fundos públicos federais, destinados a escolas privadas e
a criação de uma porcentagem de 5% do Fundo Nacional do Ensino Superior para
as escolas superiores privadas” (Comparato, 1987, p. 110). Até então, o Fundo
Nacional de Ensino Superior financiava apenas o ensino público, mas, após o
golpe civil-militar, passou a financiar as universidades e escolas privadas também.
Em dois artigos, a Constituição Federal de 1967 reafirma o direito de
todos à educação, a liberdade da iniciativa privada, a obrigatoriedade do ensino
primário e a liberdade de cátedra (Brasil, 1967). Não havia referência à gratuidade
do ensino, à vinculação orçamentária e a sua organização em sistemas. Horta
(2001) lembra que a gratuidade foi substituída, no Ensino Médio e Superior, pela
concessão de bolsas a estudantes carentes de recursos, exigindo aproveitamento
e reembolso no caso do Ensino Superior.
Nessa conjuntura, a Ditadura brasileira provocou um retrocesso no
desenvolvimento da capacidade crítica do país, a exemplo da censura ao ensino
de primeiro e segundo graus. Smolentzov e Moterani (2013, p. 20) enfatizam
que “[...] os livros didáticos eram objeto de suspeição, do mesmo modo que era
suspeita, e não sem razão, toda organização escolar consolidada pela ditadura”.
Considerando o contexto de cerceamento da liberdade e as tendências
à privatização e à censura da educação, organizamos este estudo da seguinte
forma: além da introdução e das considerações finais, o texto está dividido em
três seções. São elas: aspectos teórico-metodológicos; surgimento da Revista
Vozes; e a escola católica nas lentes da Revista Vozes (1964-1985).
Aspectos teórico-metodológicos
Esta pesquisa é de natureza bibliográfico-documental, tendo como foco o
conceito de representação (Chartier, 1988, 1991, 2009). A Revista Vozes representa,
enquanto documento, um recorte que permite ao historiador a reconstituição de
ideias, pensamentos e mentalidades. É importante destacar que o periódico estava
presente, entre 1964 e 1985, nas paróquias, escolas e universidades, ou seja, em
várias regiões do território brasileiro e inclusive no exterior.
O conceito de representação compõe o repertório teórico que sustenta
a discussão ora proposta. Essa noção é importante por permitir articular as
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
representações coletivas que incorporam nos indivíduos as divisões do mundo
social e organizam os esquemas de percepção a partir dos quais eles classificam,
julgam e agem (Chartier, 2009).
Nas palavras de Chartier (1991), a noção de representação não nos afasta
do real nem do social, mas auxilia os historiadores a se desfazerem da ideia
limitada do real, insistindo na força das representações, sejam elas interiorizadas
ou objetivadas. As representações não são simples imagens; possuem energia
própria e levam a crer que o mundo é o que dizem que é. Coordenar a história da
cultura escrita utilizando como pedra fundamental a história das representações
é vincular o poder dos escritos ao das imagens por meio das categorias mentais,
que são as matrizes das classificações e dos julgamentos.
A representação por ser alterada pela ação da imaginação, que faz
tomar o logro pela verdade, ostentando os signos visíveis como provas de uma
realidade falsa. Desse modo, a história deve ser entendida como o estudo dos
processos com os quais se edifica um sentido: rompendo com a antiga ideia que
dotava os textos e as obras de um sentido intrínseco, dirige-se às práticas que dão
significado ao mundo (Chartier, 1988).
Portanto, a tarefa do historiador é refazer as variações que diferenciam os
espaços legíveis, ou seja, os textos nas suas formas discursivas e materiais, concebendo
as leituras como práticas concretas e como procedimentos de interpretação. Dessa
ótica, a leitura constitui uma prática encarnada em gestos e espaços.
O pesquisador que trabalha com documentos precisa ter critérios bem
definidos em seu arcabouço teórico e metodológico antes de fazer uma análise em
profundidade do material. Assim, pode localizar os textos pertinentes e avaliar
a sua credibilidade. Por outro lado, Cellard (2008) destaca que o pesquisador
necessita compreender o sentido da mensagem e ficar contente com o que tiver
à mão, tais como fragmentos e passagens difíceis de interpretar e repletas de
termos e conceitos estranhos que foram redigidos por um desconhecido.
A observação do contexto, no qual foi produzido o documento e no qual
mergulhava seu autor e aqueles a quem foi destinado, é relevante em todas
as etapas de uma análise documental, independentemente da época em que
o texto foi escrito. Logo, o pesquisador não pode desconsiderar a conjuntura
política, econômica, social e cultural que propiciou a produção de determinado
documento. No caso dos artigos da Revista Vozes, estes foram produzidos ao
longo da Ditadura brasileira, período autoritário em que muitos periódicos
foram censurados. Como os colaboradores dessa revista, que incluíam padres,
bispos e professores, tinham algum vínculo com a Igreja Católica, seus trabalhos
costumavam ser publicados após a revisão dos editores, havendo, inclusive,
alguns textos traduzidos para a língua portuguesa.
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
A leitura de um documento provoca algumas questões essenciais para sua
classificação: “Qual a forma material que o mesmo apresenta; qual o conteúdo
que disponibiliza para pesquisa; e quais seus objetivos ou os propósitos de quem
o elaborou e de quem o lê ou o interpreta” (Samara; Tupy, 2010, p. 70). O uso de
um documento como fonte de pesquisa histórica depende muito das respostas
encontradas a essas perguntas.
Também é preciso ressaltar, conforme enfatiza Bacellar (2005), que as
leituras feitas no documento de arquivo deixam claro que o pesquisador precisa
compreender a ortografia e a gramática diferenciada, como foi o caso dos artigos
da Revista Vozes, utilizados nesta pesquisa. “Mesmo documentos datilografados
ou jornais têm escritura distinta, e com tais características devemos fazer a
transcrição. Contudo, para o documento manuscrito é preciso, antes de tudo,
acostumar-se com a caligrafia” (Bacellar, 2005, p. 55). Todo pesquisador já se
deparou alguma vez com caligrafias complicadas de ler, que exigem esforço para
sua interpretação. Entretanto, evidentemente não devemos escolher fontes pela
sua maior ou menor facilidade de leitura.
O surgimento da Revista Vozes
A Revista Vozes tem sua origem quando os franciscanos, sob a liderança
de frei Inácio Hinte, fundaram uma revista cuja primeira edição foi impressa
em julho de 1907. De periodicidade mensal, a Revista Vozes teve seu nome
inspirado no jornal alemão Stimmen der Zeit (Vozes do Tempo), muito lido
pelos franciscanos daquele período, possuía mais de setenta páginas no formato
americano (14 x 21 cm), contando com ilustrações. De acordo com Andrades
(2001, p. 33), no editorial do primeiro número, a opção plural da revista é clara:
“[...] a Vozes de Petrópolis terá caráter geral e não puramente religioso. Trará a
nossa revista artigos variados que terão o cunho da atualidade”.
O periódico publicava também capítulos de livros traduzidos. Essa prática
de publicar romances em capítulos na revista, “[...] deixando o leitor aguardar
ansiosamente a próxima edição, era usual nas primeiras décadas do século
XX” (Tannús, 2008, p. 135). Além dos romances, trazia matérias da cidade
de Petrópolis. Depois as notícias locais foram deixadas de lado, e o impresso
passou a ter caráter nacional.
Neotti (2007, p. 49) destaca que, “[...] até os anos 1940, a Vozes de
Petrópolis foi a única, digamos assim, revista da elite intelectual católica”.
Com a chegada de outras ordens religiosas, como os maristas, os jesuítas e as
congregações femininas, multiplicaram-se as escolas. Por um período longo,
as escolas católicas foram a base financeira da revista por meio do sistema de
assinaturas, incentivando diversos professores a assiná-la devido ao contato com
a publicação no ambiente escolar.
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Em meados dos anos 1960, a Revista Vozes defendeu o golpe de 1964,
pois, segundo Andreo (2014, p. 2), “[...] era contrária ao diálogo entre cristãos
e marxistas, configurando-se como antirrevolucionária, anticomunista, além de
ferrenhamente crítica às religiões de ascendência africana”. Em 1966, os assuntos
de vínculo católico apareciam ainda em grande proporção no periódico, mas
começavam a conviver com temáticas culturais e com abordagens e análises de
questões ligadas aos problemas sociais do Brasil e do exterior.
Andreo (2015) recorda que a posição católica quanto ao anticomunismo
era reiterada e justificada: a ausência de liberdade de credo era o ponto atacado
pela argumentação apresentada na revista. Em várias situações, foi abordado
o perigo de deixar entrar o “mundo vermelho” no país. No cenário rural, essa
questão também se fez presente, sendo descrita nos textos publicados como uma
verdadeira ameaça à democracia vigente no período. A partir da década de 1970,
por causa da Ditadura brasileira, as abordagens sociopolíticas desaparecem dos
espaços de destaque do impresso, além de haver uma mudança importante no
tom dos debates quanto aos recortes temáticos.
Em 1964, ocorreu o golpe civil-militar que instituiu a Ditadura no Brasil
até 1985. No início do golpe, ainda existiam resquícios de liberdade e espaço para
algumas manifestações. Em relação à educação, não ocorreu qualquer debate,
e os interesses privatistas (escolas privadas) foram preservados pelo Estado
autoritário. Embora muitos agentes estatais dessem relevância à educação em
seus discursos, ela deixou “[...] de ser considerada um tema importante por
muitos intelectuais de esquerda, que acabam se engajando na resistência armada
ao regime” (Gomes, 2005, p. 12).
Para a maioria dos intelectuais representantes da Igreja Católica, a escola
privada permitiria o resgate das tradições do nosso passado, o que significaria
a superação da crise moral, e a escola, na concepção dos liberais, seria a chave
da emancipação nacional, assim como ocorrera nos anos 1930. Dessa forma,
os grupos em conflito elaboraram seus discursos em concordância com seus
interesses de classe, procurando associar seus objetivos aos interesses do povo
brasileiro, como se fossem uma coisa só. Apesar disso, a escola que se configurou
a partir desse debate e dos movimentos relacionados não se estabeleceu de um
momento para o outro, mas se constituiu em projetos de classe historicamente
deliberados pelas forças dos grupos políticos envolvidos.
No que se refere à educação católica, a Revista Vozes projetava se firmar e
reconquistar seu domínio, ao mesmo tempo que não ficava ausente dos debates
em oposição ao ideário liberal de pensar a educação. Em resumo, estes eram
os propósitos perseguidos pelos franciscanos: difundir a boa moral católica;
divulgar a produção da editora por meio da apresentação e do comentário de
50
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
obras; e transmitir aos leitores da sociedade leiga e eclesiástica o conhecimento
selecionado pelos editores (Tannús, 2008).
A longa duração da Revista Vozes (1907-2003), mesmo passando por
diversas reestruturações tanto na sua forma quanto na sua essência, deve-se a
aberturas ocorridas dentro da própria Igreja Católica. O desejo de renovação
da Igreja para preservar o status quo por intermédio de políticas de restauração,
ditadas pelo Vaticano, possibilitou a aproximação da Igreja com os civis,
estimulando um grupo de intelectuais que preservaram os princípios católicos
em todos os níveis da sociedade.
A escola católica nas lentes da Revista Vozes (1964-1985)
A partir de 1966, a Revista Vozes passou a contar com uma seção de
dezesseis páginas denominada Cadernos da Associação de Educação Católica
(AEC) do Brasil, em que eram discutidos assuntos ligados à educação básica
sob o viés da Igreja Católica fazendo a defesa da escola católica. Neste tópico,
traremos conteúdos publicados na seção supracitada, tendo como referência
categorias de análise inspiradas nos títulos dos artigos: a) vocação catequética
da escola católica; b) conceitos básicos para uma pastoral do colégio católico;
c) colégios em leilão; d) palavra de Deus e a escola cristã; e) escolas católicas:
manter ou suprir; f) transformação da escola católica; e g) público e privado na
educação brasileira.
No artigo Vocação catequética da escola católica, o padre Hugo Paiva5 (1966,
p. 382) afirma que a escola católica nos anos 1960, “[...] pelo menos nos países
do chamado mundo livre, sempre foi distinguida pela Igreja como instrumento
por excelência da educação da fé”. Paiva (1966, p. 383) menciona, ainda, que,
sobre as escolas católicas, recai “[...] o peso da evangelização da juventude, mas
a maior parte dos jovens não frequenta atualmente nossas escolas”. Além disso,
o Estado disponibilizava poucos recursos para atender as escolas católicas e
deveria investir mais nos colégios e em outros setores da educação, como na
escola pública, onde a Igreja está ausente (Paiva, 1966).
Nessa perspectiva, a vocação catequética da escola católica está ligada
à Igreja quando a escola ajuda a infância e a juventude, devendo proteger a
sociedade, muitas vezes contrária à religião, e auxiliar a distinguir os valores
humanos. No dizer de Paiva (1966, p. 383), “[...] salvaguardar a fé e a pureza
5 Fundou o Instituto Superior de Pastoral Catequética (ISPAC) no Rio de Janeiro, em 1963,
com auxílio e incentivo de D. Helder Câmara. O ISPAC pretendia apresentar uma reflexão
catequética na perspectiva da realidade nacional, e seus cursos foram organizados tendo
como modelo o ensino na Europa, em especial no Instituto Superior de Pastoral de Paris,
onde tanto Hugo Paiva quanto os demais professores da instituição se formaram.
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
do adolescente em condições favoráveis à eclosão da verdadeira liberdade, a
educação do senso religioso e da fé”.
No texto Conceitos básicos para uma pastoral do colégio católico, o professor
Guilhermo Marshall6 (1968, p. 478) defende que, na prática, “[...] a sociedade
em que vivem nossos alunos é de grande mobilidade social, o que traz consigo
dificuldades de adaptação ao passar a um nível social, mas, ao mesmo tempo,
traz apreço pela cultura”. Em sua ótica, os alunos sobre os quais é exercida uma
ação pastoral não são pagãos nem cristãos formados, mas trazem certa bagagem
cristã recebida de seus pais e do ambiente. Desse cristianismo familiar podem-se
destacar as seguintes características:
1) É um cristianismo no qual a fé, mais que uma opção pessoal, é uma
tradição cultural. Recebe-se por herança e transmite-se em um contexto
cultural. Não há no indivíduo um momento de conversão nem uma
atitude missionária subsequente;
2) A religião de nossos alunos e de suas famílias é uma religião em que
predomina a prática sacramental, sendo que o sacramento é a forma que
se tem para acreditar que se possui essa fé. Não são o cume de uma vida
de fé, mas simplesmente ritos pelos quais há mister passar, como por
exemplo, a comunhão (Marshall, 1968, p. 479).
Nessa perspectiva, os alunos e suas famílias têm sido objeto de uma ação
pastoral da Igreja concentrada sobre a infância e o elemento feminino (missas
de domingo), o que desfigurou certas expressões de fé em virtude da tentativa
de dar tudo na infância. Essas características culturais e religiosas em que vivem
os estudantes junto aos quais se quer desenvolver a ação pastoral irão levá-los a
uma maturidade cristã que realiza neles a síntese entre os valores humanos e os
valores cristãos (Marshall, 1968).
Em outro artigo publicado na Revista Vozes, intitulado Colégios em
leilão, Dom Alfredo Vicente Scherer7 (1969) salienta que a Igreja Católica no
Brasil reconhece o direito de manter escolas. Criando-as, exerce a missão que é
essencial e própria, pois se sente mandatária dos pais que confiam seus filhos no
exercício de um direito natural deles de educar, anterior ao Estado. Nessa tarefa,
“[...] a Igreja não ambiciona firmar um domínio, mas deseja servir as famílias,
6 Foi professor e chefe do Laboratório de Sistemas Complexos, Departamento de Ciência
da Computação, na Faculdade de Ciências Exatas e Natureza da Universidade de Buenos
Aires. Também atuou como professor visitante do Departamento de Matemática da
Universidade da Califórnia.
7 Eleito bispo, foi nomeado em junho de 1946 bispo-auxiliar da Arquidiocese de Porto
Alegre. Em 1952 integrou a comissão central para a criação da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB) e, após sua fundação em outubro daquele ano, foi escolhido
para dirigir um dos órgãos, o Secretariado Nacional do Apostolado dos Leigos. À frente
da Arquidiocese de Porto Alegre, organizou em 1957 o Secretariado de Ação Social, que
edificou e dirigiu a Cidade de Deus, constituída de casas para populações de baixa renda.
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
a infância e a juventude, além de colaborar com o Estado, para propagar a
instrução e a educação integral para todos os cidadãos” (Scherer, 1969, p. 466).
Assim, as escolas próprias não representam uma forma de evangelização.
Scherer (1969) defende que, no final da década de 1960, a escola católica tem
sua importância capital, uma vez que pode contribuir para realizar a missão
do povo de Deus, ajudando a aproximar a Igreja e a comunidade dos homens,
em benefício de ambos. Na visão católica, a escola apropria-se da formação de
caráter e personalidade da juventude. O papel da escola é importante, porém
tem influência parcial e limitada. Nesse sentido,
A diminuição da eficiência da escola na formação da personalidade, é
portanto, uma das causas secundárias da menor preocupação da Igreja
pela fundação de novos educandários próprios. Outra, mais grave e
decisiva, é que com todos os esforços dispendidos, a ação educadora nas
nossas escolas atinge somente uma parcela pequena das crianças e jovens,
filhos de famílias católicas (Scherer, 1969, p. 467).
A esse respeito, salientamos que, no final da década de 1960, a maioria dos
jovens em idade escolar estudava em escolas públicas pelo fato de os governos
democráticos (antes do golpe civil-militar de 1964) terem investido recursos em
tais instituições, o que contribuiu para a expansão da escola pública nas décadas
de 1950 e 1960.
Outro tema abordado em relação ao ensino nas escolas católicas são as
matérias estudadas. No artigo Palavra de Deus e a escola cristã, a irmã Sylvia Villac
(1966), defensora das escolas privadas confessionais, destaca essa questão ao
utilizar a seguinte expressão: ensino das disciplinas profanas. O trabalho dos
professores e alunos pode tornar-se na prática “[...] uma atividade santa, da
própria santidade de Deus. Para que se realize no homem este mistério da vida
nova, é mister a fé, e o meio para se chegar à fé é a palavra, isto é, a catequese8”
(Villac, 1966, p. 600). Na perspectiva de Villac (1966), para que a palavra de
Deus salve o ensino profano, é necessário:
a) que o ensino religioso seja realmente catequético, isto é, transmite,
fielmente a Palavra de Deus;
b) que a escola leve a sério o ensino catequético, tão a sério quanto o
ensino profano, ou mais que ele;
c) que a catequista viva realmente a Palavra que ele transmite (Villac,
1966, p. 600).
8 “A catequese pode muito bem desempenhar esse papel, pois a revelação, que transmite,
situa-se além de todos os métodos particulares utilizados para transmiti-la e além de toda
especialização. Dirige-se ao centro mesmo do homem, ao seu coração, no sentido bíblico
do termo. Penetra-se mais profundamente que a Matemática, a Literatura e a História. Na
medida em que é Palavra de Deus, a catequese é capaz de animar pelo interior qualquer
disciplina e de unificar os conhecimentos, realizando sua síntese” (Villac, 1966, p. 599).
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Nesse sentido, Villac (1966, p. 600) conclui seu raciocínio: “[...] só assim
a Palavra de Deus e a Escola Cristã se interpenetrarão e os educadores viverão
realmente a Palavra de Deus no seio da Escola Cristã”.
Ainda no que concerne às disciplinas estudadas na escola católica,
destacamos o ensino religioso. Sobre essa questão, Cury (2004) aborda que o
ensino religioso é mais do que aparenta ser, ou seja, mais do que um componente
curricular em escolas. De acordo com Cury (2004, p. 183), “[...] por trás dele
se oculta uma dialética entre secularização e laicidade no interior de contextos
históricos e culturais precisos”. Após a Proclamação da República em 1889, o
Estado brasileiro se tornou laico e equidistante dos cultos religiosos, sem assumir
nenhum deles como religião oficial.
Quanto ao ensino religioso nas escolas públicas, na década de 1960, a
discussão resumiu-se à questão da remuneração de seus professores pelo Estado.
A Igreja Católica aproveitou o momento para ampliar os benefícios estatais à
sua atuação religiosa e educacional. A carta promulgada em 1967 determinou
que “[...] o ensino religioso, de matrícula facultativa, [...] constituiria disciplina
dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio” (Cunha,
2007, p. 297). Entretanto, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961 permaneceu
em vigor, vedando que o ônus do ensino religioso fosse assumido pelos poderes
públicos. Essa questão viria a mudar quatro anos mais tarde.
Ressaltamos que, em 1971, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases
do Ensino de 1º e 2º graus, que tratou do ensino religioso em parágrafo único, ao
lado de outras disciplinas, e revogou o artigo da LDB de 1961 que impossibilitava
a remuneração dos professores de ensino religioso pelos poderes públicos. A
legislação ficou omissa sobre essa questão. Cunha (2007) menciona que, em
consequência, os dirigentes católicos passaram a cercar governadores e prefeitos
para obter o deslocamento de professores do quadro do magistério para o ensino
religioso, assim como para promover o pagamento de seus próprios agentes nas
escolas públicas e privadas.
Mesmo com o fim da Ditadura Civil-Militar brasileira em 1985, o ensino
religioso permaneceu e resistiu à crítica promovida pelos grupos progressistas.
Consolidando seu espaço, a Igreja Católica passou a desenvolver um movimento,
primeiramente no campo religioso e depois no campo político. Conseguiu,
assim, lograr a modificação da Lei n.º 9.394/96, menos de um ano após a sua
promulgação, obtendo a retirada da restrição ao pagamento dos professores de
ensino religioso nas escolas públicas e outras vantagens institucionais.
Em outro artigo publicado na Revista Vozes, intitulado Escolas católicas:
manter ou suprir, Terence O’Brien (1967) salienta que a eficácia da escola católica
é contestada com base na necessidade de essas instituições existirem ou não,
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
chegando a haver um número significativo de católicos que as estimam como
inúteis. O’Brien (1967) enfatiza que a escola católica não se desenvolveu ao
longo da década de 1960 pelos seguintes fatores: utilização da maior parte dos
fundos recebidos apenas para manter e ampliar as estruturas físicas das escolas;
influência externa da luta entre educadores liberais e conservadores para que as
verbas fossem destinadas somente às escolas públicas; relação entre a escola e a
família; e educação cristã atrelada exclusivamente ao ensino catequético.
No artigo denominado A transformação da escola católica, o monsenhor
Paul Guyon (1967) defende que a educação cristã é responsável pela formação
e pelo desenvolvimento das pessoas, de maneira que estas sejam capazes de
viver por Deus e pela humanidade, em vez de viverem por elas mesmas. Essa
formação, que ocorre por intermédio de temáticas e atividades diversas, requer
que os professores tenham adquirido uma maturidade cristã e uma compreensão
de seus alunos. Isso resulta em uma atmosfera conveniente na escola, adequada
para o desabrochar dessas personalidades (Guyon, 1967).
A educação cristã também deve conduzir ao amadurecimento da fé. Essa
fé não consiste somente nos verdadeiros ensinamentos de Cristo e sua Igreja,
incluindo também “[...] a confiança total depositada na pessoa de Cristo, a
aceitação de sua lei de amor e dos artigos que dela decorrem e que se encontram
resumidos nas bem-aventuranças” (Guyon, 1967, p. 474). Além disso, Guyon
(1967) ressalta que os meios utilizados na educação cristã não são os mesmos
empregados na pedagogia escolar.
Nessa perspectiva, destacamos que a escola católica não deve monopolizar
todas as atenções da Igreja Católica. No final da década de 1960, a maioria
dos estudantes católicos frequentava as escolas públicas. Também é preciso
considerar o nível socioeconômico das escolas católicas e das famílias que nelas
mantêm seus filhos, o que, no Brasil, constitui fonte de críticas contra o sistema
escolar católico.
Geralmente as escolas privadas são mais bem aparelhadas com bibliotecas,
laboratórios de leitura, oficinas de trabalho, ginásio para esportes, piscinas,
teatros, refeitório e outras comodidades. E a seleção dos alunos acontece com
base em três quesitos: potencial acadêmico, tipo de currículo e anuidade. Dessa
maneira, uma escola católica é considerada privilegiada para determinada faixa
social e fechada para uma classe mais pobre (Guyon, 1967).
Em outro artigo denominado Público e privado na educação brasileira, o
professor Lauro de Oliveira Lima9 (1968) descreve que as tradicionais escolas
9 Formou-se em Direito e Filosofia e foi diretor do ensino secundário do Ministério da
Educação e Cultura (MEC). Trabalhou no MEC no início dos planos nacionais de
alfabetização e foi cassado pelo governo militar em 1964.
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
católicas são resultado de uma mistura de ruralismo e urbanismo comercial.
Por isso, diante da popularização promovida pelo Estado, não conseguem o
equilíbrio tradicional mantido tanto tempo pelos grupos católicos. Lima (1968,
p. 917) destaca, ainda, que “[...] o fenômeno da estatização não é senão a vitória
da comunidade urbana sobre o clã rural” e que a escola privada perde sua
funcionalidade histórica com o desaparecimento de sua clientela.
O Ministério da Educação (MEC) não tinha boas relações com o sindicato
de professores, mas prestigiava “[...] todos os movimentos empreendidos pelo
sindicato patronal, desde os pretensos congressos de educadores, até o aumento
de anuidades contra as quais lutavam unidos pais e estudantes cristãos” (Lima,
1968, p. 918). Em todas as resoluções do MEC, era escutado o sindicato dos
professores de estabelecimentos de ensino; jamais o dos mestres assalariados.
Em relação às bolsas de estudo nas escolas católicas, salientamos que o
aluno em posse de uma bolsa governamental procurava a escola de preferência
de sua família, sem levar em conta a complexidade de um sistema burocrático
nacional de distribuição de bolsas e as relações paternalistas que esta técnica
estabelecia. A defesa do sistema de bolsas de estudo ocorria por meio do slogan
de que a educação particular é barata e a pública, cara. A escola católica não
remunerava os membros da ordem religiosa que mantinham a escola. Os
empresários do ensino privado, por outro lado, conservavam o magistério leigo
nas condições mais precárias, pois não era aceitável que o barateamento fosse à
custa de seus lucros.
A partir do golpe civil-militar de 1964, as empresas de educação
conseguiram se expandir, uma vez que o Estado criou mecanismos expressivos de
ordem legal, como a Constituição Federal de 1967, que abriu espaço à iniciativa
privada na educação, tornando esta um negócio lucrativo. Os governos militares
tentaram se eximir de financiar a educação pública e estabeleceram as condições
legais para viabilizar a transferência de recursos públicos para a rede privada.
A Constituição Federal de 1967 deixou claro o descompromisso do Estado
com relação ao financiamento da educação pública, bem como o incentivo
à privatização do ensino. Extinguiu os percentuais mínimos dos recursos a
serem aplicados na educação pela União, pelo Distrito Federal e pelos Estados,
mantendo apenas a obrigatoriedade financeira dos Municípios, no valor de
20% da receita tributária municipal por ano, que deveria ser investido no ensino
primário (Brasil, 1967). O que o documento assegurou foi o ensino livre à iniciativa
privada, com amparo técnico e financeiro do Poder Público, inclusive por meio
de bolsas de estudo, evidenciando o estímulo à privatização.
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Considerações finais
As leis impostas pela Ditadura brasileira ao ensino e à formação
profissional inauguraram uma série de ações que levaram o Estado a executar
um papel na reprodução ampliada do capital, papel esse que se prolongou
além do processo de qualificação dos educandos e trabalhadores, visto que tais
políticas setoriais atingiram a pesquisa científica, as inovações tecnológicas, a
assistência social e o consumo coletivo. Nesse cenário, a legislação foi decisiva
para a reprodução estendida da força de trabalho.
A política social dos governos militares, adotada desde 1964, implicou
a preponderância de aparatos repressivos contra as classes populares, com o
intuito de separar suas organizações e suas lutas por alterações estruturais na
sociedade brasileira. Em resumo, no campo da educação, as heranças legais da
Ditadura resultaram na privatização do ensino e na proletarização de boa parte
da categoria de docentes do país.
No final do século XX, a História Cultural lançou um novo olhar em
relação aos periódicos. Essa visão foi além de seus conteúdos, sua forma de
produção, sua materialidade, suas habilidades de circulação e seus leitores,
como foi o caso da Revista Vozes. Direcionou-se para que as representações, na
perspectiva de Chartier (1988, 1991, 2009), fossem elas individuais ou culturais,
proporcionassem a leitura sob novas lentes de documentos que antes haviam sido
preteridos ao esquecimento. Portanto, o pesquisador do início do século XXI
tem um olhar de ressignificação sobre esses documentos, uma vez que elabora
recortes, no tempo e no espaço, que o impulsionam a uma nova problemática – a
de lidar com o passado no presente.
A partir dos anos 1970, com o crescimento da censura e da repressão,
que atingiu diversos membros do baixo clero e setores católicos leigos, a
Revista Vozes adotou a prática de relegar seus posicionamentos sociopolíticos
à seção de menor destaque, Ideias e Fatos. Ao mesmo tempo, sem mudar sua
linha editorial, passou a evidenciar a necessidade de um caráter democrático
e, sobretudo, de um desenvolvimento econômico nacional, contrapondo-se
ao modelo de desenvolvimento econômico baseado na exportação de bens
primários e alteração de capitais estrangeiros no país, que acreditava estar sendo
colocado em prática pela Ditadura brasileira.
A Revista Vozes traz em suas páginas que o ensino católico foi julgado
pelas elites como de excelente qualidade, em razão da dedicação dos educadores
católicos, e que, por sua vez, a Igreja Católica estava convencida a preservar
sua influência formando os futuros quadros dirigentes do país. Sendo assim,
a escola católica servia aos interesses do Estado, aos das classes dominantes e
médias e aos seus próprios interesses. A partir de 1960, em razão do crescimento
57
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
demográfico da classe média e da rede pública de ensino, a Igreja vai perdendo
influência significativa no ensino secundário.
Por fim, a expansão da escola pública, o crescimento do setor privado na
educação, a escassez de recursos para a manutenção e a falta de uma política
clara por parte da Igreja Católica para sua presença na área da educação
geraram situações difíceis para a escola católica. Por esses motivos, diversas
delas finalizaram suas atividades. Ademais, cabe mencionar que pessoas não
aderentes ao catolicismo se tornaram cada vez mais numerosas nas escolas
católicas, até mesmo nos quadros dirigentes das suas instituições educacionais,
fazendo com que os conflitos crescessem, ora com alunos e familiares devido ao
aumento das mensalidades, ora com os docentes devido às diferenças salariais
entre educadores católicos e não católicos.
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
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60
A ATUAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE
DE LIBRAS NO ENSINO SUPERIOR
ACONTECE DE FORMA TÉCNICA OU
PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA
INCLUSIVA? UMA ANÁLISE DOCUMENTAL
Ednacelí Abreu Damasceno1
Tamila Maiane Silva do Nascimento2
1. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo analisar o papel e a atuação do
Tradutor e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) – TILSP, na educação
superior, a partir de fontes documentais, como leis e decretos, considerando a
importância desse profissional como mediador entre o aluno surdo, o professor em
sala de aula e os estudantes ouvintes, possibilitando a inclusão pedagógica e social
dos estudantes surdos. A metodologia utilizada, será uma análise documental e
revisão bibliográfica a partir da seleção de decretos, e leis vigentes, como corpus
integrante deste trabalho, onde busca se compreender e discernir sobre a atuação
do intérprete se acontece de forma técnica ou pedagógica, baseado nisso será
realizado uma discussão e interpretação desses dados a partir de citações e
diálogos com autores fundamentando teoricamente as análises.
No que se refere à análise documental, gostaria de destacar que foram
utilizadas como base para a construção deste texto, a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor
sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos e se aprofundar sobre a lei da
inclusão nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que garante a inclusão da pessoa com
deficiência e a necessidade legal e social do atendimento com o tradutor intérprete
em sala de aula, o que se torna essencial devido o aumento significativo de alunos
com surdez na sociedade que precisam desse apoio, também será abordado sobre
as atribuições e competências deste no meio acadêmico.
No que tange a revisão bibliográfica, encontramos nos estudos de
Quadros (2007) explicando que o tradutor intérprete pode integrar elementos
1 Universidade Federal do Acre. Email: ednaceli@yahoo.com.br.
2 Universidade Federal do Acre. Email: tamila.nascimento@ufac.br.
61
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
pedagógicos durante sua atuação em ambientes educacionais, uma vez que esse
processo é intrinsecamente complexo e demanda cuidado e comprometimento,
outro autor importante a mencionar será a visão de Lacerda 2011 quando fala
sobre o trabalho colaborativo que o tradutor e intérprete desenvolve juntamente
com o professor, fazendo adaptações necessárias para conseguir um bom
desempenho no processo de ensino e aprendizagem transmitido ao aluno, sendo
assim, podemos afirmar que para que isso aconteça o TILSP necessita atuar
de forma pedagógica, somos levados a entender quando ele diz que a atuação
não necessita somente de técnica que a grande importância nesse processo é o
aprender, (CUNHA, 2021) discute sobre a importância da atuação do intérprete
de libras no processo de ensino e aprendizagem do aluno surdo dando apoio
ao professor com práticas educativas eficientes para um bom desempenho
acadêmico. Veremos também outros pesquisadores da área da educação
brasileira que nos ajudaram a pensar um pouco mais sobre a atuação do tradutor
e intérprete em sala de aula no ensino superior.
2. O papel do tradutor e intérprete de Libras no Ensino Superior
É indiscutível que o intérprete desempenha um papel fundamental na
promoção da inclusão e acessibilidade para as pessoas surdas. Desse modo,
a lei nº 10.436, em 24 de abril de 2002 reconheceu a Libras como a língua
oficial das pessoas surdas no país e também estabeleceu a profissão de Tradutor
e Intérprete de Libras que passou a ganhar ainda mais destaque, pois, tornou se
obrigatória a presença deles em instituições de ensino públicas e privadas, e em
diferentes contextos ganhando cada vez mais importância e reconhecimento, no
entanto, a demanda por esses profissionais aumentou consideravelmente por
que o acesso à educação e aos serviços públicos para pessoas surdas era bastante
limitado comparado ao que é hoje.
Atualmente, é possível encontrá-los em diversos setores, principalmente
nas universidades, facilitando o acesso e garantia da comunicação e inclusão
de pessoas surdas com a criação dos núcleos para a inclusão de pessoas com
deficiência responsáveis por atender e romper barreiras de acesso e comunicação
por intermédio do atendimento e informação.
Vale lembrar que foi através do Plano ``Viver sem Limite``, mediante
o Decreto 7.612, de 17 de novembro de 2011 que surgiram os núcleos de
acessibilidade que têm como finalidade garantir e aprimorar o acesso dos
estudantes com deficiência a todos os espaços, ambientes, ações e processos
desenvolvidos nas instituições federais de ensino superior, buscando seu pleno
desenvolvimento acadêmico. (BRASIL, 2011). Um exemplo disso está na
Universidade Federal do Acre com o surgimento do Núcleo de Apoio à Inclusão
62
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
– (NAI) através da Resolução nº 14, de 30 de abril de 2008, que tem como
objetivo promover ações afirmativas de acesso e inclusão social que buscam
garantir a igualdade de oportunidades aos estudantes (UFAC, 2013, p.57), sendo
assim a intenção é assegurar que os alunos com surdez tenham igualdade de
oportunidades no acesso à educação e em outros aspectos da sociedade tendo
também como objetivo combater as desigualdades profundas que muitas vezes
são resultado de preconceitos e barreiras estruturais.
O núcleo dispõe de profissionais qualificados para atuar, como por exemplo
os tradutores e intérpretes de libras em todos os espaços acadêmicos a fim de
permitir acessibilidade aos que necessitam, a atuação desse profissional se deu
início a partir do edital número 01/2013 - NUPS que tinha como finalidade a
inserção desse técnico de nível médio de acordo com a demanda gerada, a fim
de contribuir no desenvolvimento e aperfeiçoamento acadêmico do aluno surdo.
Sobremodo a atuação que prevalece em sala de aula é feita de maneira pedagógica,
contradizendo o Código Brasileiro de Ocupações (CBO) que tem como atribuição
de cargo nível médio para atuar na tradução e interpretação das atividades de
ensino, pesquisa e extensão, no entanto, isso é apenas uma das realidades que
prevalece até os dias atuais em nível nacional das universidades brasileiras.
Ainda no que se refere ao ensino superior a inserção desse profissional
foi regulamentada pela Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida como
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ou Lei de Inclusão
que determina que os governos ofertem educação bilíngue, com Libras como
primeira língua e a modalidade escrita da língua portuguesa como segunda
língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas.
Além do mais, a lei da inclusão foi um marco importante na educação
brasileira pois estabelece que as instituições de educação superior adotem
medidas de acessibilidade a fim de garantir a participação e a permanência de
estudantes com deficiência e assegurando que eles possam usufruir de forma
igualitária os benefícios oferecidos pela educação superior.
Um ponto essencial a ser citado foi a disponibilização de profissionais
tradutores e intérpretes de Libras a fim de garantir que a comunicação ocorra
em diferentes contextos e permite que os estudantes surdos possam ser incluídos
em sala de aula e acompanhe de forma adequada às atividades acadêmicas
facilitando a interação com o meio acadêmico.
entende-se que o processo de inclusão do surdo no ambiente escolar
necessita de práticas educativas que sejam direcionadas à qualidade das
relações estabelecidas neste ambiente, sendo elas a capacitação para o
domínio e o uso da Libras pelos professores, apoio do intérprete, estas são
condições necessárias (CUNHA, 2021, p. 10).
63
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Sabemos que se torna essencial a presença desse profissional para o
apoio na inclusão e acessibilidade dos alunos surdos com práticas educativas,
permitindo assim que eles tenham acesso igualitário ao currículo e participem
plenamente da vida acadêmica e social e que é de extrema importância que
os professores tomem conhecimento sobre a língua de sinais sempre buscando
conhecimento e meios para que ocorra uma interação eficaz.
2.1 Referências da LDB sobre a acessibilidade da pessoa surda
Um ponto importante que faz parte desse processo de ensino é a
contribuição da Lei nº 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
de 1996 no que se concerne a inclusão desse profissional no ensino superior. Ao
analisá-la, percebeu - se que não trata especificamente da profissão de tradutor,
mas cita a lei nº 14.191, de 2021 que oferta a educação bilíngue de surdos e
a lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a inclusão da pessoa com
deficiência colaborando na abertura de novos olhares e caminhos para o acesso
a inclusão e acessibilidade. Isso é importante para essas pessoas que utilizam a
Libras e precisam do apoio de tradutores e intérpretes, sendo abordados alguns
dos pontos relevantes no que se trata a inclusão do intérprete de Libras no
ensino superior, tais como o acesso à educação, educação Inclusiva, a adaptação
curricular e atendimento especializado para alunos com surdez.
No capítulo IV, o parágrafo único do artigo 27 da LDB de 1996, diz que,
é dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar
educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda
forma de violência, negligência e discriminação. Isso nos mostra que o acesso à
educação deve ser garantido a todos, sem discriminação, incluindo também o direito
a acessibilidade e a inclusão de pessoas usuárias de Libras no ensino superior.
Sobre a adaptação curricular e atendimento educacional especializado, a
LDB de 1996 no Capítulo III, art. 4º, inciso III (BRASIL,1996), diz que as escolas
e instituições de ensino devem oferecer atendimento educacional especializado
aos alunos com deficiência, preferencialmente na escola regular. Essa provisão
abre espaço para a presença de intérpretes de Libras nas salas de aula, auxiliando
os estudantes surdos em seu processo de ensino e aprendizagem.
Dando continuidade a esse ponto, a LDB de 1996 criou um ambiente
propício para o ingresso do intérprete de Libras no ensino superior, estabelecendo
os princípios de igualdade, inclusão e acesso à educação, ajudando a promover
a acessibilidade e garantindo o direito dos alunos a uma educação de qualidade.
64
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
2.2 Educação inclusiva sob a perspectiva de um direito de ensino e
aprendizagem de qualidade para todos
Podemos iniciar afirmando que foi através do movimento da escola nova
com as reformas educacionais que houve uma grande mudança na educação,
pois é a partir daí que ela é vista como direito garantido a todos e sendo dever do
estado assegurar esse direito e obrigatoriedade da escola pública e gratuita. Com
essa mudança significativa a educação inclusiva passou a ganhar mais vigor
e reconhecimento, pois não se podia excluir as pessoas ditas como incapazes
de frequentar o meio acadêmico. Nesse contexto da educação inclusiva e da
aprendizagem de pessoas surdas que usam Libras, podemos tomar como base as
ideias de Saviani 2011, que podem nos ajudar a entender esse processo de ensino
e aprendizagem a fim de garantir que seja acessível e significativo para esses
alunos. Isso pode envolver a adaptação de estratégias pedagógicas que levem em
consideração a língua e a cultura surda, bem como a criação de um ambiente
de aprendizagem inclusivo que respeite as particularidades dos alunos surdos.
Um conceito central na pedagogia de Saviani é a “conexão entre ensino e
aprendizagem”, onde ele enfatiza que o processo de ensino deve ser organizado
de modo que as atividades propostas estimulam a reflexão e a compreensão
crítica dos alunos (SAVIANI, 2011, p.13) sobremodo, para que isso ocorra é
necessário que o tradutor e intérprete esteja trabalhando juntamente com o
professor de forma a mediar esse conhecimento no qual seja adquirido de maneira
eficaz e de qualidade, para tal esses alunos não devem apenas ser um receptor de
conhecimento, porém devem ser incentivados a questionar, problematizar o que
estão aprendendo, prolongando seu processo de aprendizagem.
O importante é aprender a aprender, isto é, aprender a estudar, a buscar
conhecimentos, a lidar com situações novas. E o papel do professor deixa
de ser o daquele que ensina para ser o de auxiliar o aluno em seu próprio
processo de aprendizagem (SAVIANI, 2011, p.431).
Percebemos a importância da relação entre ensino e aprendizagem, e a forma
que é planejada a aula pelo professor tendo como foco central a aprendizagem, uma
vez que valorize a construção ativa do conhecimento pelo aluno e o desenvolvimento
de novas habilidades para aprender ao longo de seus estudos acadêmicos.
2.3 Uma breve descrição sobre atuação do Tradutor Intérprete de
Libras tanto na abordagem técnica quanto pedagógica
Quando falamos sobre a atuação do tradutor e intérprete de Libras é
importante elucidar acerca da função desenvolvida em sala de aula de que forma
acontece e se ele desenvolve um trabalho técnico de interpretação e tradução ou
65
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
apenas pedagógico deste, sendo assim, precisamos entender primeiramente o
conceito de cada uma dessas abordagens.
Pode se afirmar que o trabalho de caráter técnico se dar por meio de
interpretações e tradução da Língua Brasileira de Sinais para a Língua Portuguesa
(ou vice-versa) de forma mais direta e literal, ou seja, em alguns momentos em
sala de aula é necessário fazer o uso técnico traduzindo o significado literal das
palavras de forma objetiva e precisa a fim de transmitir o conteúdo ministrado
pelo professor regente em Libras, tirando dúvidas do surdo e promovendo a
interação e facilitando a comunicação para com os demais alunos.
A função de interpretação é considerada um “trabalho puramente técnico”
(AMPESSAM; GUIMARÃES; LUCHI, 2013, p. 26), sendo considerado a questão
de que a interpretação da língua de sinais em sala de aula não é para ensinar
conteúdo, mas para transferir enunciados da língua de origem para a língua de
chegada, pensando por esse lado deduz-se que a atuação é um trabalho técnico,
mas não tão somente isso ele se faz também realize um trabalho pedagógico visto
que, “ao integrar o espaço educacional, o intérprete passa a fazer parte dele Lacerda
(2003, p. 125)``. Por isso, a atuação é vista como fundamental para promover a
educação inclusiva para que todas as pessoas possam se beneficiar plenamente do
processo educacional. O intérprete também precisa ter conhecimento técnico para
que suas escolhas sejam apropriadas tecnicamente.
Portanto, “o ato de interpretar envolve processos altamente complexos”.
(QUADROS, 2007, p.27). É necessário perceber a complexidade inerente à
interpretação, pois não se trata apenas de atribuir significado a algo, mas sim de
uma atividade intelectual multifacetada que requer conhecimento diversos e uma
compreensão plena das informações transmitidas, desse modo, apesar de sua atuação
ser predominantemente técnica, o tradutor e intérprete pode incorporar aspectos
pedagógicos em seu trabalho, especialmente nesses ambientes educacionais.
No que se concerne sobre a atuação pedagógica do tradutor e intérprete de
Libras, ela está mais voltada para o contexto de ensino e aprendizagem do aluno
surdo pois a prática não se limita apenas em traduzir o conteúdo, mas como
um mediador entre o aluno surdo e o professor, auxiliando na compreensão do
conteúdo, esclarecendo dúvidas e garantindo que o estudante surdo participe
ativamente das atividades em sala de aula contribuindo para tornar o lugar
de aprendizado mais inclusivo e proporcionando uma experiência educacional
mais enriquecedora para o aluno, de acordo com Lacerda et al. (2011, p. 5):
“o objetivo principal não é apenas traduzir, mas buscar, juntamente com o
professor, meios diferenciados de ensino para que o aluno surdo possa ser
favorecido por uma aprendizagem especificamente elaborada e pensada,
e, consequentemente, eficiente”.
66
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
No entanto, o intérprete deve estar ciente desse processo de aprendizagem
e colaborar juntamente com professor modos de adaptações necessárias para
efetuar tal perspectiva. Sendo assim, o trabalho do intérprete em sala de aula
inclusiva não é somente um trabalho técnico, mas também pode ser considerado
um trabalho pedagógico, pois ele não apenas traduz o conteúdo, mas também
atua como mediador na relação entre o aluno surdo e o professor, garantindo a
compreensão do conteúdo e auxiliando no processo de ensino e aprendizagem, e
muitas vezes, essas duas abordagens se complementam, a integração desses dois
aspectos é fundamental para garantir a acessibilidade e o melhor desempenho e
interação educacional para com o aluno surdo.
Do ponto de vista analisado é encontrado dentro da LDB de 1996,
dentre outros documentos legislativos sobre as abordagens técnica e pedagógica
desenvolvida por esse profissional, constata se que não foi encontrada nenhuma
alusão que distingue a atuação do intérprete de Libras.
Sendo assim, na Legislação Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Lei nº 13.146/2015), a Lei nº 12.319 que regulamenta a profissão
de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais e outras normativas
que temos como referência na promoção da inclusão e acessibilidade, também
não institui essa distinção, podendo assim afirmar, que a atuação técnica ou
pedagógica do intérprete de Libras pode variar de acordo com o contexto em
que ele está inserido. Afirmando a importância do profissional para manter o
acesso e permanência dos alunos surdos nesses espaços educacionais.
3. Considerações finais
O trabalho de pesquisa aqui exposto trata de como acontece a atuação
do profissional tradutor e intérprete de língua de sinais em sala de aula em nível
superior, e de que forma acontece, se a abordagem utilizada é por meio técnico
ou pedagógico em busca de compreender melhor esse processo de educação
do aluno surdo, com isso foi feito uma análise documental de algumas leis,
tais como a LDBEN de 1996 no que se refere ao ensino bilíngue e acesso a
inclusão desse profissional de forma que inclua a pessoa surda no ambiente
acadêmico buscando investigar a importância da atuação no processo de ensino
e aprendizagem, foi visto sobre a lei da inclusão e a lei que insere o tradutor no
ensino superior de forma a garantir a acessibilidade a comunicação e informação.
Sobre os resultados encontrados, podemos dizer que as análises apontam
que ainda não existe uma distinção na lei sobre o trabalho ser técnico ou
pedagógico, porém, de acordo com a contratação desses profissionais a mesma
é de nível técnico, já no que se refere à atuação as duas abordagens técnica
e pedagógica estão profundamente conectadas uma dependendo da outra,
67
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
pois para que haja compreensão do que é dito e trabalhado pelo professor é
necessário adaptações adequadas no uso de alguns termos para que a interação
na comunicação ocorra de forma clara e consiga atingir o objetivo esperado no
processo de ensino e aprendizagem do aluno.
Conclui-se que faz se necessário reflexões aprofundadas sobre a
importância das legislações atuais e ações a fim de promover uma educação
bilíngue. No mais, espera se que as discussões e reflexões aqui demonstrados
ajudem no debate e contribua para futuras pesquisas e aprofundamento da
temática que tem grande importância na educação brasileira, pois ainda existe
muitas lacunas que necessitam ser estudada a fim de ampliar o conhecimento
sobre a temática abordada.
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profissional. Florianópolis: DIOESC, 2013.
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Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996.
CUNHA, Douglas da Silva. A importância do trabalho do intérprete de
libras no processo de ensino e aprendizagem do aluno surdo na escola
regular: em análise a voz do surdo/ Douglas da Silva Cunha. - Patos, 2021.
DEFICIÊNCIA, Viver sem Limite – Plano Nacional dos Direitos da
Pessoa com / Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
(SDH/PR) / Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência (SNPD) • VIVER SEM LIMITE – Plano Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência: SDH-PR/SNPD, 2013.
LACERDA, C.B.F. O intérprete educacional de Língua de Sinais no Ensino
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LACERDA, C.B.F.; SANTOS, L. F. dos; CAETANO, J. F. Estratégias
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Produção Gráfica da USFCar, 2011.
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Brasília, 2002.
68
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Lei nº 12.319. Regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua
Brasileira de Sinais – LIBRAS. Brasília, 2010.
Lei nº 14.191, de 3 de agosto de 2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para
dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Brasilia, 2021.
QUADROS, Ronice Müller de. O tradutor e intérprete de Língua Brasileira
de Sinais e língua portuguesa. 2.ed. Brasília: MEC; SEESP, 2007.
SAVIANI, De. História das ideias pedagógicas no Brasil. 3.ed. Campinas:
Autores Associados, 2011.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações.
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SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 36a ed. São Paulo: Autores
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO DO ACRE. Regimento Geral da
Universidade Federal do Acre. Rio Branco: Ufac, 2013. 120f.
UFAC – RESOLUÇÃO NORMATIVA/Conselho Universitario, Resolução
nº 10, de 18 de setembro de 2008. Disponivel em: http://www2.ufac.br/site/
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69
DESVENDANDO AS CONEXÕES
ENTRE A FORMAÇÃO E O TRABALHO
DE TRADUTORES/INTÉRPRETES
DE LIBRAS E DOCENTES
Cristiane da Penha Nascimento Nogueira1
Grace Gotelip Cabral2
Introdução
A política educacional vigente no país preconiza a inclusão de todas as
crianças na Educação Básica, sejam estas com deficiência ou não. De acordo
com a Lei nº 13.146 (Brasil, 2015), a inclusão da pessoa com deficiência é
“destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua
inclusão social e cidadania”. De acordo com Freire (1996), a inclusão além de um
movimento educacional é também social e política que vem defender o direito
de todos os indivíduos participarem, de uma forma consciente e responsável, na
sociedade de que fazem parte, e de serem aceitos e respeitados naquilo que os
diferencia dos outros.
De acordo com Freire (ibden), a inclusão é um movimento educacional,
mas também social e político que defende o direito de todos os indivíduos a
participarem, de uma forma consciente e responsável, da sociedade e de serem
aceitos e respeitados naquilo que os diferencia dos outros.
O Estatuto dos Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2015, garante a
“oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade
escrita da língua portuguesa como segunda língua” (Brasil, 2015). Como
primeira língua ela é considerada como língua de aquisição natural, enquanto
a Língua Portuguesa é a língua de aprendizagem sistemática, conceituada por
isso como segunda língua para aqueles que têm a Libras como primeira língua.
1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE/UFAC, Docente de
Libras no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre – IFAC, cristiane.
nogueira@ifac.edu.br.
2 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, docente
associada na Universidade Federal do Acre - UFAC e docente permanente do Programa
de Pós-Graduação em Educação PPGE/UFAC, grace.cabral@ufac.br.
70
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Contudo, ainda que a Libras seja reconhecida no ambiente educacional, a
Língua Portuguesa oral e escrita predomina no saber e no fazer dos professores
e professoras no interior das salas de aula, fazendo-se necessário o ensino em um
contexto bilíngue. O bilinguismo é uma proposta que possibilita ao aluno surdo
a aprendizagem de duas línguas no espaço escolar.
A partir da inclusão de pessoas com deficiência auditiva no contexto
educacional dois profissionais vem ganhando destaque, os tradutores intérpretes de
Língua Brasileira de Sinais – Libras/Português - TILSP e os docentes que realizam
ações conjuntas em sala de aula. O trabalho conjunto desses profissionais tem
como objetivo que os alunos surdos tenham acesso ao currículo escolar de forma
acessível e significativa, possibilitando que se desenvolvam academicamente.
Para garantir que esses alunos Surdos tenham acesso aos conteúdos
curriculares, o Tradutor Intérprete de Libras-Português é o profissional que tem
por atribuição assegurar esse direito, utilizando seu conhecimento, técnica e
fluência em Libras nas aulas. Na outra ponta temos o professor responsável por
estabelecer um ambiente inclusivo que atenda às necessidades de todos os alunos
presentes em sua sala de aula. Para atingir os objetivos do processo inclusivo são
necessárias mudanças dentro da escola, que são implementadas através de uma
reflexão comprometida e responsável dos participantes da realidade inclusiva.
Além da garantia de direito de acesso aos conteúdos em sua primeira
língua, o Decreto 5.626 assevera em seu art. 14 que, quanto aos anos finais do
Ensino Fundamental, que as instituições devem:
III - prover as escolas com:
a) professor de Libras ou instrutor de Libras;
b) tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa;
c) professor para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua
para pessoas surdas; e
d) professor regente de classe com conhecimento acerca da singularidade
linguística manifestada pelos alunos surdos.
Compreende-se nesse contexto que para a realização de um trabalho
pedagógico de qualidade, são necessários profissionais com formação adequada
para que junto aos professores das áreas específicas possam desenvolver uma
prática pedagógica consistente, utilizando estratégias que favoreçam o processo
de ensino-aprendizagem dos estudantes surdos.
Nesse artigo propõe-se explorar as interconexões entre a formação e o
trabalho desses profissionais, destacando os saberes necessários, os desafios
enfrentados e os pontos de convergência entre a formação dos TILSP e os
docentes que trabalham em salas de aula com alunos com deficiência auditiva.
Com o cenário da inclusão escolar instalado, a partir da década de
1990, a demanda por formação de profissionais para trabalharem atendendo
71
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
as demandas especificas ficou cada vez mais urgente. Nesse contexto após o
reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais – Libras, no ano de 2002, às
pessoas surdas puderam enfim ter assegurado seu direito a uma educação onde
os conteúdos curriculares fossem apresentados através da língua de sinais.
Com a crescente demanda, professores e TILSP tiveram que participar de
formações continuadas que eram ofertadas pelas secretarias de educação dos
estados visando o aprendizado da Libras, a adaptação de materiais didáticos, o
conhecimento de cultura surda e planejamento de aulas acessíveis.
Nesse contexto para obter sucesso no processo de ensino-aprendizagem,
tanto o professor de áreas específicas quanto o TILSP precisam alinhar
os conhecimentos técnicos e pedagógicos para obterem êxito no processo.
Entretanto, algumas questões trazem inquietações: qual é e como se dá a
formação desses profissionais? De que forma os dois profissionais (professor
e TILSP) conduzem suas práticas pedagógicas? Essas práticas confluem para
que o trabalho ocorra com qualidade no cotidiano da sala de aula? Essas são
questões que balizaram o estudo com o objetivo de desvendar as conexões
existentes entre a formação do professor e do TILSP que podem desencadear a
melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem.
O trabalho e a formação do Tradutor Intérprete de Libras- Língua
Portuguesa
Durante muitas décadas no Brasil, as discussões sobre a educação do surdo
se limitavam a escolha de práticas educacionais que o professor considerava
mais adequada para atender esse aluno. Nesse contexto, algumas questões
emergiam: ir pelo viés do oralismo ou da comunicação total (bilinguismo)? Qual
língua escolher para que o aluno aprenda de forma significativa? O português
oral, o português escrito ou a Libras? Qual seria mais adequada para o pleno
desenvolvimento do (a) estudante surdo (a)?
Lacerda e Lodi (2012) defendem um modelo de educação bilíngue em
que os estudantes surdos possam ter contato, o mais precocemente possível, com
a Libras, língua que lhes é acessível. Ao contemplar o direito linguístico das
pessoas surdas proporciona-se também o contato com diferentes interlocutores,
com aspectos culturais e identitários, e o acesso aos conhecimentos que serão a
base para todo seu aprendizado ao longo do processo de escolarização.
Até meados dos anos 2000 a Libras não era reconhecida como meio
formal de comunicação entre às pessoas surdas e, portanto, o tradutor intérprete
não tinha também esse reconhecimento como profissional. Antes de qualquer
norma escrita na legislação brasileira esses profissionais se limitavam a um
contexto religioso, de maneira social ou assistencialista às pessoas surdas, que
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
geralmente eram seus familiares. De acordo com Lacerda (2008) eles não tinham
acesso ao “preparo ou reflexão sobre como desenvolver essas práticas, quais as
implicações de seu trabalho, etc.” (p. 15).
De acordo com art. 17 do decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 “a
formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve efetivarse por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em
Libras - Língua Portuguesa”. Na sequência o art. 18 fez ressalvas que serviram
para o período (2005-2015) sobre quem poderia ocupar os cargos que viessem a
ser criados em concursos em âmbito municipal, estadual e federal. Assim o art.
18 disciplinou o perfil de formação desejável para esse profissional.
Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, a formação
de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio,
deve ser realizada por meio de:
I - Cursos de educação profissional;
II - Cursos de extensão universitária; e
III - Cursos de formação continuada promovidos por instituições de
ensino superior e instituições credenciadas por secretarias de educação.
(BRASIL, 2005, art. 18)
Ainda em conformidade com o supracitado decreto, a Educação Bilíngue
para surdos deve se configurar da seguinte maneira:
Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação
básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência
auditiva, por meio da organização de:
I - Escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e
ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos
iniciais do ensino fundamental;
II - Escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas
a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental,
ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas
do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos,
bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua
Portuguesa.
§ 1º São denominadas escolas ou classes de educação bilíngue aquelas em
que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas
de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.
Para se tornar tradutor e intérprete de Libras é necessário ter participado
de cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC), vinculados às
secretarias de Educação dos estados da federação, para que preencham a esse prérequisito. Também é importante participar de formação continuada que prime
pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento profissional, desenvolvendo habilidades
interpessoais, conhecimentos acerca da cultura e identidade surda.
Na esteira das discussões sobre a formação, retornando ao art. 17,
a legislação estabeleceu que no período de 10 (dez) anos, a partir de 22 de
73
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
dezembro de 2005, a formação do profissional tradutor intérprete deveria ser em
curso superior de tradução e interpretação com qualificação especial em Libra Português. O objetivo deste requisito é garantir uma formação sólida e completa
que inclua os conhecimentos linguísticos, culturais e técnicos necessários ao
exercício profissional.
No ano de 2008 a Universidade Federal de Santa Catarina, a partir da
adesão ao “Plano Viver sem Limites”3, instituído pelo Governo Federal, abriu
polos de oferecimento do curso em Letras/Libras Bacharelado com o objetivo de
formar profissionais tradutores intérpretes para a atuação em diversos contextos.
Diante da ausência de cursos de bacharelado ofertados para a formação do
Tradutor Intérprete de Libras/Português – TILSP em todo o território nacional,
cada estado foi se organizando de uma forma com o propósito de cumprir as
exigências mínimas para que esses profissionais fossem ocupando os cargos
disponíveis. Nesse quesito, são as Secretarias de Estado de Educação quem mais
absorve os TILSP em seus quadros, pois é na área educacional, especialmente
nos anos finais do Ensino Fundamental e no Médio que surgem a maior
demanda visto que estes profissionais desempenham um papel fundamental na
intermediação entre professor, aluno e o conhecimento.
No estado do Acre, os profissionais tradutores intérpretes são contratados
como Professor tradutor intérprete. Este cargo foi criado e descrito no Plano de
Cargos Carreiras e Remunerações – PCCR pela Lei Complementar nº 274, de 09
de janeiro de 2014 que em sua alínea d dispõe que o “professor tradutor intérprete
educacional em LIBRAS, formação mínima de nível superior e outras formações
específicas exigidas em legislação federal.” (LC 274, 2014, art. 6, alínea d).
Vale ressaltar que a partir de um panorama histórico o trabalho dos TILSP
nas escolas do Acre teve início adotando o Oralismo, filosofia educacional
surgida na Alemanha com Samuel Heiniek, que adotava o ensino da língua oral
e preteria a língua de sinais. Heiniek também foi o fundador da primeira escola
para alunos surdos baseada na filosofia Oralista.
No Acre, essa atividade laboral começou no ano de 1997 na cidade
de Rio Branco, capital, com os primeiros cursos de Libras sendo oferecidos
primeiramente pela Igreja Batista do Bosque (IBB), porém sem certificação. Neste
contexto o trabalho dos intérpretes era voltado primordialmente à interpretação
religiosa. Nos anos seguintes, em especial em 1999, houve uma parceria entre
Secretaria Estadual de Educação (SEE) e a Igreja Batista do Bosque (IBB) e a
partir daí passou-se a adotar uma nova abordagem metodológica e realizar a
3 Plano Viver sem Limites - O Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência ou
Plano Viver sem Limite – PVSL foi instituído pelo Decreto 7.612, de 2011, com o intuito
de promover nacionalmente o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com
deficiência. Revogado pelo Decreto nº 11.793/2023.
74
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
certificação para seus participantes. O intuito ter profissionais certificados que
pudessem prestar serviços nas escolas públicas que passaram a receber os alunos
surdos nas salas de aulas das escolas inclusivas. Há que se ressaltar que havia
uma necessidade urgente em formar novos profissionais de uma maneira oficial
para serem contratados como professores intérpretes, assim como eram os eram
efetivos e que acabaram preenchendo essa lacuna, porém como eram poucos e
com uma a inclusão em expansão se fez urgente o a oferta de formação técnica
básica em Libras para atender aquele contexto.
Na capital, essa atividade teve início alcançando as filosofias de ensino
para surdos, desde a comunicação total até a Libras em contexto nos seus níveis
fonológicos, mórficos, sintáticos e semânticos e pragmáticos, reconhecida por lei
e aplicada pela linguística como língua. Todo esse movimento, inserido num forte
contesto de implementação de políticas de inclusão, permitiu que muitos intérpretes
passassem a exercer profissionalmente essa função em escolas estaduais.
Assim, o fato da Secretaria de Estado de Educação do Acre - SEE ter
admitido esses profissionais oralistas nas salas de aulas das escolas da rede para
desempenharem a função de tradutor intérprete de Libras - TILSP, culturalmente
eles passaram a ser denominados de professor intérprete. Somente no ano
2000 aconteceu a primeira contratação do professor intérprete de Libras, que
também realizava a capacitação de Libras no Estado do Acre para instituições
governamentais e não-governamentais.
A necessidade de criação desse cargo se deu a partir do reconhecimento
da profissão do profissional TILSP na Lei nº 12.319, de 1 de setembro de 2010,
lei que recentemente, foi alterada pela Lei nº 14.704, de 25 de outubro de
2023, pois a partir da vigência da legislação expressa a SEE passou a contratar
professores licenciados, com certificação em tradução e interpretação da Libras
para prestarem serviço nas escolas estaduais.
Em conformidade com a legislação, a formação destes especialistas
deve incluir conhecimentos linguísticos, culturais e pedagógicos, para que às
necessidades das pessoas Surdas sejam mais bem atendidas e garantam a
participação efetiva dos mesmos na sociedade.
De acordo com a literatura da área, quanto aos aspectos técnicos
linguísticos, o TILSP deve ter o nível de domínio linguístico compatível com o
contexto no qual o serviço será prestado (Quadros, 2004, p.63). Ele deve estar
em constante busca por aperfeiçoamento, entendendo que para uma boa atuação
tanto o conhecimento linguístico e da cultura surda devem se fazer presentes
no dia a dia profissional, quanto o conhecimento pedagógico para planejar e
organizar o conteúdo que o professor trabalhará em sala de aula, pois de acordo
com Lacerda
75
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Essa prática permite que a intérprete colabore discutindo possibilidades
de certos conteúdos serem abordados, considerando seus conhecimentos
sobre a surdez/falta de audição, o modo de significar dos alunos surdos
que ela acompanha mais de perto e, ao mesmo tempo, facilitando
seu desempenho como intérprete, já que conhece os argumentos
antecipadamente. (Lacerda, 2008, p. 26).
O conhecimento técnico do TILSP aliado ao conhecimento do professor
favorece o ambiente de aprendizagem em que alunos surdos compreendem e
interagem dinamicamente em sala de aula. Diante do exposto, a formação docente
precisa proporcionar aos futuros professores informações que os instiguem a
refletir sobre sua prática profissional, dando-lhes oportunidade de serem atuantes
diante dos desafios apresentados pela inclusão escolar de pessoas com deficiência.
O trabalho e a formação docente para atuar na Educação Inclusiva
Em conformidade com a Resolução nº 02, de 01 de julho de 2015 que trata
da formação inicial e continuada para profissionais que atuam no Magistério da
Educação Básica, parágrafo 1º, art. 2º assevera que
No exercício da docência, a ação do profissional do magistério da educação
básica é permeada por dimensões técnicas, políticas, éticas e estéticas por
meio de sólida formação, envolvendo o domínio e manejo de conteúdos e
metodologias, diversas linguagens, tecnologias e inovações, contribuindo
para ampliar a visão e a atuação desse profissional” (Brasil, 2015).
Nesse sentido, espera-se de todo professor que fez a formação inicial
em cursos de graduação que ele tenha adquirido conhecimentos acerca do uso
adequado e coerente de metodologias, tecnologias, diversas linguagens, e que esses
conhecimentos sejam manifestos e aprimorados no seu desenvolvimento profissional.
Esse domínio é essencial e lhe dará mais segurança no desenvolvimento da prática
pedagógica e maturidade para lidar com as turmas, mesmo diante daquelas que
apresentam tantas diferenças.
Ainda em conformidade com a Resolução nº 02/2015 para ser docente é
necessário estar preparado para desenvolver funções de magistério nas diferentes
etapas de escolarização, bem como nas distintas modalidades:
educação infantil, ensino fundamental, ensino médio – e modalidades –
educação de jovens e adultos, educação especial, educação profissional
e técnica de nível médio, educação escolar indígena, educação do campo,
educação escolar quilombola e educação a distância (Brasil, 2015). Grifo
nosso.
Estes profissionais são licenciados que ao desenvolverem suas atividades
nas escolas comuns atenderão a uma diversidade de alunos, que no caso
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
específico deste estudo trata-se de estudantes que também integram a Educação
Especial, a saber, alunos Surdos. Assim, os alunos Surdos, presentes em salas
de aula com sua Língua Brasileira de Sinais tornam-se um desafio àqueles
profissionais que tiveram pouco ou nenhum contato com essa realidade durante
seu período de formação.
Vale ressaltar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - (Lei
nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 (LDBEN) em seu art. 59 resguarda que
os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação
[...] professores com especialização adequada em nível médio ou superior,
para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular
capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;”
(Brasil, LDBEN, 1996, art. 59, III).
Assim sendo, os docentes que trabalham diretamente com alunos públicoalvo da Educação Especial necessitam, além da formação inicial realizada em
cursos de licenciatura de uma formação especializada adequada às necessidades
especificas de estudantes com deficiência.
De acordo com Pimenta (1996) muitas vezes essa formação, por conta
de uma “perspectiva burocrática e cartorial” colabora para a construção de um
“currículo formal com conteúdos e atividades de estágios distanciados da realidade
das escolas” (Pimenta, 1996, p.73). A limitação de uma formação desconectada
da realidade é que ela deixa de contribuir efetivamente no fazer profissional do
professor que, por não saber como agir diante de uma realidade diferente daquela
posta em sua formação inicial, demora muito até encontrar respostas para seus
questionamentos e compreender como atender aquele aluno que se apresenta
diante dele, principalmente o aluno que fala uma língua distinta da utilizada pelo
professor. Logo, ambos os profissionais, ao longo do seu processo de formação,
inicial e continuada, devem adquirir saberes e desenvolverem estratégias que são
importantes e farão toda a diferença no cotidiano da sala de aula.
A formação inicial especifica, conectada a realidade da sala de aula da
Educação Inclusiva, será sempre a mais adequada para que todos os profissionais
que trabalham na Educação Especial possam se desenvolver profissionalmente
e refletir sobre seu próprio trabalho, nisso reside também o caráter humanizador
do processo educacional, pois a educação é um processo humanizador, por
essência” (Pimenta, 1996, p. 79).
Esses saberes muitas vezes precisam ser comprovados com avaliação
específica. Esse é o caso do TILSP que por força do Decreto 5.626, de 22 de
dezembro de 2005, deveria ser submetido ao exame de proficiência, PROLIBRAS
e apresentar o parecer de uma banca avaliadora para poder trabalhar como
tradutor intérprete.
77
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
O exame de proficiência em tradução e interpretação de Libras Língua Portuguesa deve ser realizado por banca examinadora de amplo
conhecimento dessa função, constituída por docentes surdos, linguistas
e tradutores e intérpretes de Libras de instituições de educação superior.
(Decreto nº 5.626/2005, 2005, art. 8º, § 3º).
Por outro lado, em consonância com a Lei nº 14.704 de 25 de dezembro
de 2023, quando se tratar de docentes, essa comprovação se dará apenas por
meio de certificações.
Seguiu-se então com essas exigências até o dia 22 de dezembro do ano
de 2015, data limite estabelecida para o encerramento do PROLIBRAS. Assim,
com o “fim” da exigência do PROLIBRAS novos desafios foram postos. Até
dezembro de 2015 a seleção e as contratações via concurso ou por outro modelo
de contrato de trabalho acabavam sendo mais fáceis de serem geridas. Com a
finalização do prazo, o que se observou, então, foi a não exigência de exame que
comprovasse que aquele profissional possuía proficiência ou domínio técnico da
Língua Brasileira de Sinais.
Entre os anos de 2015 e 2023 não houve a possibilidade de implantação
de um novo sistema capaz de assegurar que o profissional contratado cumprisse
com as demandas linguísticas apresentadas pelas pessoas surdas em diversos
contextos, e, principalmente, na área educacional. A tentativa de mudança nesse
paradigma ocorreu somente a partir da atualização da legislação e a aprovação
da Lei nº 14.704 de 25 de outubro de 2023.
O TILSP que atua em outras áreas, acaba tendo menos necessidades
de atualizações do que os que trabalham diretamente com a interpretação em
sala de aula. A própria formação para exercer a profissão nesse campo se faz
diferente, uma vez que o TILSP lida não apenas com a Língua Brasileira de
Sinais, mas com as demandas didático-pedagógicas.
Retomando o Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005, o parágrafo
1º do art. 21, inciso II e III menciona que nas instituições de Educação Básica
e de Ensino Superior, os TILSP trabalhariam “nas salas de aula para viabilizar
o acesso dos alunos aos conhecimentos e conteúdos curriculares, em todas as
atividades didático-pedagógicas;” e “III - no apoio à acessibilidade aos serviços
e às atividades fim da instituição de ensino.”
O TILSP no desenvolvimento profissional necessita muito mais que
o manuseio técnico da Libras. Ele precisa fazer uso de material didático
desenvolvido pelo professor regente para as suas aulas, ter conhecimento do
vocabulário específico das diferentes áreas. o que contribui para que ele tenha
clareza do conteúdo trabalhado pelo professor. Para tanto, torna-se fundamental
a formação adequada para o atendimento das demandas postas pela rotina da
sala de aula.
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Para os docentes, faz-se necessário criar as condições para reflexão
e construção teórica de uma educação inclusiva efetiva, onde ele exerça
um protagonismo, proporcionando articulação entre o conhecimento, a
experiência e as necessidades que se apresentam no contexto pedagógico. Isso
dará aos professores mais autonomia para fazer escolhas mais concretas em seu
cotidiano laboral.
De acordo com Pletsch (2009),
podemos dizer que o professor deve valorizar a diversidade como aspecto
importante no processo de ensino-aprendizagem. Além disso, necessita
ser capaz de construir estratégias de ensino, bem como adaptar atividades
e conteúdos, não só em relação aos alunos considerados especiais, mas
para a prática educativa como um todo, diminuindo, assim, a segregação,
a evasão e o fracasso escolar.” (Pletsch, 2009, p. 147)
Nesse sentido, é requerido de um professor que desenvolva uma ação
crítico-reflexiva de sua prática pedagógica permanentemente, entendendo que
esse habito é saudável para um trabalho que contribua para uma educação
realmente inclusiva. Assim de acordo com Bourdieu habitus constitui
um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas
as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de
percepções, de apreciações e de ações - e torna possível a realização de
tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de
esquemas [...] (Bourdieu, 1983, p. 65)
A partir desse ponto, com todo esse conhecimento agregado, seu desafio
é ampliar seu círculo de conhecimentos no planejamento e desenvolvimento de
atividades pedagógicas e culturais, pois a partir do conceito de habitus o professor
pode utilizar-se dessa lente poderosa para analisar a sala de aula e o seu fazer
cotidiano. O habitus, como sistema de disposições adquiridas, molda a forma
como as pessoas percebem, avaliam e agem no mundo porque é o resultado da
socialização e das experiências individuais. Em contexto educativo, o hábito de
um professor influencia profundamente as suas práticas pedagógicas, decisões e
interações com os alunos, colegas e comunidade escolar.
Nóvoa adverte que a formação precisa ser e ter uma perspectiva críticoreflexiva que “forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo
e que facilite as dinâmicas de formação auto participada” (Nóvoa, 1992, p 25).
Esse processo de reflexão crítica tem como base a pedagogia de Freire (2005) e
parte da premissa que essa formação crítica deve conduzir ao desenvolvimento
de cidadãos que sejam capazes de analisar suas realidades social, histórica e
cultural, criando possibilidades para nelas interferirem e transformá-la. Dessa
forma, alunos e professores nas relações dialógicas dentro e fora da sala de aula
conquistam uma maior autonomia e emancipação.
79
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Se este professor, no desenvolvimento de sua atividade profissional
acreditar que seu trabalho se limita à preparação para a gestão da sala de
aula, ele acaba deixando de lado outras dimensões fundamentais, como a sua
participação na formulação e implementação do projeto político-pedagógico da
escola, uma atividade que se insere na dimensão política do ato de ensinar e de
suma importância para toda a comunidade escolar e para a sociedade. Seguindo
na perspectiva de Freire (ibden) o professor crítico-reflexivo possui como uma
de suas principais características a preocupação com as consequências éticas e
morais de suas ações na prática social.
Observa-se, que um educador crítico-reflexivo insere seu trabalho em
sala de aula e seu compromisso com a aprendizagem do estudante, diretamente
na esfera política e vice-versa. Ele concebe os alunos como agentes críticos, o
conhecimento se torna uma preocupação central e por isso ele problematiza o
que ensina, desenvolve a capacidade de dialogar e argumentar sempre a favor de
um mundo melhor e mais inclusivo para todas as pessoas, sempre preocupado
com as consequências éticas e morais de suas ações na prática social.
É preciso destacar, ainda, que as relações construídas e sua participação
efetiva faz com que ele desenvolva uma atitude investigativa que numa
perspectiva dialética articule a teoria e a prática pedagógica, ampliando a visão
para a necessidade, inclusive, do uso das tecnologias digitais de informação e
comunicação e incorporando-as de forma a promover o processo de ensinoaprendizagem, mesmo quando o estudante apresenta surdes ou outra deficiência,
pois como aponta Páez (2001) atender a diversidade é atender as crianças
com deficiência, mas também todas as outras diversidades que aparecem
cotidianamente na comunidade. Uma escola ou uma sala de aula inclusiva
acolhe e atende a todos os estudantes em suas necessidades particulares e
individuais num ambiente essencialmente heterogêneo e coletivo.
Para Freire é necessário saber que ensinar não é transferir conhecimento,
mas possibilitar sua produção e construção (1996, p. 47). Isso se torna ainda
mais desafiador no contexto de salas de aula com alunos surdos incluídos. Cabe
ao professor e ao TILSP ao entrar em sala de aula criar um ambiente aberto a
indagações, a curiosidade, às perguntas dos alunos e suas inibições, considerando
que o seu trabalho é ensinar e não transferir conhecimento.
Tanto os professores quanto os tradutores intérpretes compartilham de
desafios intrínsecos na sua profissionalidade e profissionalização. Dentre os
desafios encontrados pelos docentes os de maiores impactos em sala de aula,
certamente, são as barreiras linguísticas e culturais presentes. Geralmente nas
salas de aulas das escolas brasileiras, os professores que estão à frente do processo
de ensino-aprendizagem não têm conhecimentos linguísticos necessários para
dialogar com o aluno surdo.
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HistÓria Da eDuCaÇÃo:
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A escassez de profissionais qualificados na área de tradução e interpretação
da Libras ainda é um gargalo enfrentado por muitos estados brasileiros. No caso
do estado do Acre, especialmente nos municípios de difícil acesso (aqueles aonde
se chega somente por via fluvial ou aérea em voos fretados), as dificuldades
são ainda maiores para se fazer chegar a formação, pois além das dificuldades
de acesso relatadas, a instabilidade ou ausência de sinal da internet acabam
dificultando até mesmo a oferta de cursos na modalidade a distância.
Um outro ponto que merece destaque é a questão relacionada a adaptação
de materiais didáticos para o uso nas aulas em que alunos surdos estejam
presentes. Por outro lado, fica o questionamento quem deve produzir esses
materiais adaptados? Se o professor elaborar o material didático para o uso nas
aulas, o TILSP conseguirá utiliza-lo?
Dentro do ambiente escolar a sinergia entre intérpretes de Libras e docentes
é essencial para criar um espaço inclusivo e promover o sucesso acadêmico de
todos os alunos surdos. A colaboração entre tradutores/intérpretes e professores,
a concepção conjunta de salas de aula inclusivas e a implementação de estratégias
de ensino que valorizem a diversidade são aspectos importantes para garantir
uma aprendizagem eficaz.
Frente ao exposto alguns aspectos importantes precisam ser considerados:
o processo de comunicação, o currículo, os materiais didáticos adaptados e
a transposição didática. A comunicação aberta e colaboração contínua entre
TILSP e professores é condição para que eles consigam construir suas práticas
pedagógicas. A construção desses canais de comunicação passa pela colaboração
contínua no ato de ensinar, compreensão das necessidades especiais dos alunos
surdos, discussão de estratégias de ensino e adaptação nos planejamentos e
planos, sempre que necessário.
Por isso é necessária a participação de ambos no processo de planejamento
do ensino, discutindo ativamente e, antecipadamente, as orientações curriculares,
conteúdo a ser trabalhado, os objetivos da aula, as estratégias de ensino, os
recursos didáticos de forma a tornar o conhecimento acessível a todos e uma
avaliação formativa que prime pelo processo e não somente pelo resultado.
Intérpretes e professores devem trabalhar juntos e atentos às mudanças e
adaptações necessárias, tanto nos procedimentos quanto nos recursos de ensino
para que atendam às necessidades especificas dos alunos surdos atendidos.
De acordo com Franco (2007, online) “as adaptações curriculares, de
planejamento, objetivos, atividades e formas de avaliação, no currículo como
um todo, ou em aspectos dele, são para acomodar os alunos com necessidades
especiais...”, ou seja, servem para propiciar ao aluno com deficiência equidade
no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos propostos.
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D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Mais uma vez é preciso destacar que para que haja de fato a inclusão
do aluno surdo é necessário realizar adaptações no currículo que é pensado e
elaborado de modo a favorecer sua aquisição por meio da Língua Portuguesa
e não da Libras. Daí a necessidade de que os métodos e materiais curriculares
permitam ao professor, tradutor intérprete ao aluno surdo a imersão na cultura
surda e a construção do conhecimento a partir de sua língua natural ou mais
acessível. A Língua Portuguesa poderá ser ensinada como segunda língua, na
modalidade escrita.
No que tange as discussões sobre o currículo e os conteúdos de ensino
nele previstos, Libâneo (2013, p.132) adverte que a prática educacional tem por
finalidade alcançar os objetivos sistematizados propostos pelo docente e que tais
objetivos educacionais têm por proposito desenvolver as demais qualidades que
os indivíduos possuem. Assim, para a formulação dos objetivos educacionais há
que se considerar:
os valores e ideias proclamados na legislação educacional e que expressam
os propósitos das forças políticas dominantes no sistema social [...] os
conteúdos básicos das ciências, produzidos e elaborados no decurso
da prática social da humanidade [...] as necessidades e expectativas de
formação cultural exigidas pela população majoritária da sociedade,
decorrentes das condições concretas de vida e de trabalho e das lutas pela
democratização (LIBÂNEO, 2013, p. 133).
Portanto, os conteúdos constituem a base central da instrução com objetivo
que são traduzidos pelos conhecimentos sistematizados e habilidade que se refere
diretamente aos objetivos propostos e viabilizados pelos métodos de transmissão
e assimilação dos conteúdos (p.131). Todavia, se professores e tradutor intérprete
não conseguirem realizar a transposição didática, considerando as necessidades
especificas da turma e a presença do aluno surdo, os resultados serão frustrantes.
Para Almeida (2007) transposição didática é um conjunto de ações
transformadoras necessárias para tornar o conhecimento científico, inicialmente
sempre muito complexo, em um conhecimento que possa ser mais facilmente
assimilado pelo aluno, sem perder suas características científicas. E esse é o
grande desafio proposto ao professor e ao tradutor intérprete. Ambos precisarão
dar um tratamento especial ao conhecimento e o transformá-lo em algo
significativo para o aluno.
Esse trabalho tem início antes mesmo da intervenção em sala de aula,
começa na seleção do conhecimento a ser trabalhado, no planejamento dos
procedimentos, materiais e recursos que serão utilizados na sala de aula, tudo
com a finalidade de transformá-lo em um saber possível de ser ensinado.
No que concerne ao material e recursos didáticos, segundo Bandeira
(2009, p. 14) ele “pode ser definido amplamente como produtos pedagógicos
82
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
utilizados na educação e, especificamente, como o material instrucional que se
elabora com a finalidade didática.”, ou seja, no campo da formação didáticopedagógica compreende-se como material didático todo e qualquer material
elaborado com a finalidade de qualificar, aprimorar, dar suporte, facilitar o
processo de ensino e a aprendizagem significativa por parte do estudante.
Para Freitas (2007) os materiais didáticos, também conhecidos como
recursos e/ou tecnologias educacionais, “são todo e qualquer recurso utilizado
em um procedimento de ensino, visando à estimulação do aluno e à sua
aproximação do conteúdo”.
Logo, a vinculação entre os conteúdos, objetivos e métodos caracterizase por sua relação de interdependência, e interfere de forma direta no
desenvolvimento do estudante e no processo de ensino-aprendizagem. Para
Libâneo (2013, p.150) “na vida cotidiana estamos sempre perseguindo objetivos.
Mas estes não se realizam por si mesmos, sendo necessária a nossa atuação, ou
seja, a organização de uma sequência de ações para atingi-los”.
Entretanto, para que professor e o tradutor intérprete alcancem sucesso
no processo de ensino-aprendizagem é necessária a mudança de postura frente
a atividade de ensinar. primeiramente precisam desenvolver as habilidades
profissionais em conjunto, a partir da troca de experiencias como um fator
importante para a aprendizagem do estudante surdo. Nesse sentido, a participação
em eventos, as formações continuadas, workshops, entre outros possibilitam o
desenvolvimento de atitudes favoráveis a um ambiente educacional inclusivo.
Um outro aspecto importante a ser desenvolvido por ambos os profissionais
é a flexibilização, ou seja, a capacidade de se adaptar às necessidades especiais dos
alunos surdos. Isto inclui ser capaz de ajustar o espaço, o ritmo da aula, fornecer
materiais complementares e estar aberto a mudanças sempre que necessário.
A educação inclusiva está consolidada com marcos legais sólidos
e depende significativamente da inovação contínua tanto dos professores
como dos tradutores/intérpretes de Libras. À medida que a sociedade evolui,
surgem novas tecnologias, métodos de ensino e descobertas relacionadas à
aprendizagem e ao engajamento, torna-se necessário que os profissionais se
atualizem continuamente para atender às novas necessidades dos alunos.
A tecnologia desempenha um papel cada vez mais importante e é uma
grande aliada na educação inclusiva, assim professores e intérpretes devem
estar atualizados com as mais recentes ferramentas e recursos tecnológicos
disponíveis para apoiar a aprendizagem de alunos com deficiência auditiva e
outras necessidades especiais. Tão importante quanto a tecnologia, as novas
abordagens pedagógicas são ferramentas importantes para atender à diversidade
dos alunos.
83
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Considerações Finais
Este artigo buscou fazer uma reflexão sobre o trabalho de professores e
dos TILSP, no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, com o
objetivo de identificar as necessidades formativas e os desafios enfrentados por
esses profissionais no trabalho em salas de aula com alunos surdos incluídos.
Compreende-se que no cenário atual do ponto de vista teórico a inclusão,
educação inclusiva, materiais e/ou recursos adaptados são temas recorrentes nos
documentos normativos, curriculares, bibliográficos, contudo, em descompasso
e, às vezes, sem nenhuma conexão com o trabalho desenvolvido em salas de aula
com alunos incluídos e com as necessidades formativas de professores e TILSP.
Numa perspectiva abrangente das interações entre a formação e o trabalho
de TILSP e professores, nota-se à necessidade de se instituir práticas colaborativas
de planejamento para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem
significativo, mediado por intervenções pedagógicas e um ambiente educacional
de fato inclusivo onde os saberes e os fazeres são compartilhados.
Frente aos desafios apontados no texto, a formação didático-pedagógica
urge como uma necessidade premente para o desenvolvimento de estratégias
mais eficazes para garantir o acesso com qualidade aos conhecimentos
científicos, independentemente da deficiência do estudante.
É indiscutível que a Educação Inclusiva está consolidada nos documentos
normativos, porém, a inclusão efetiva está intimamente conectada com a
formação inicial e continuada dos profissionais que nela atuam, dependendo
disso, em grande parte, o aprimoramento dos processos de aprendizagem dos
alunos com deficiência.
Referências
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da Lei Complementar n. 67, de 29 de junho de 1999, que dispõe sobre o Plano de Cargos,
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84
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
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86
A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL:
NOTAS E REFLEXÕES SOBRE OS
PROCESSOS INCLUSIVOS NO BRASIL
Cibele Fernandes da Costa1
Gabriel Silveira Pereira2
1. Palavras iniciais
Este texto, constituído como um exercício reflexivo sobre a História
da Educação Especial, resulta de discussões teóricas produzidas em nível de
mestrado e que se relacionam com as experiências dos autores como profissionais
de vínculo e atuação na perspectiva da educação inclusiva. Trata-se, portanto,
de uma mobilização de aportes teóricos com a intenção de retomar no percurso
da história os lugares e as percepções em torno das pessoas com deficiência
em encontro com a educação contemporânea, a escola atual e a vivência dos
educandos em classes comuns.
Embora a ideia central seja a de transitar e olhar para a educação especial
no Brasil, viu-se na construção deste exercício a necessidade de situar fontes
basilares as quais antecedem as constituições nacionais, mas, inegavelmente, em
alguma medida, fundamentam existências e recorrências impressas na história
do país e em práticas/processos que, mesmo com o passar dos anos, ainda
mantém-se em vigência nas estruturas sociais.
Expõe-se, assim, não a intenção de constituir uma linha do tempo e,
ponto a ponto, a partir desta, justificar aparecimentos e recorrências que foram
1 Mestra em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade
Estadual do Rio Grande do Sul (PPGED/UERGS), Especialista em Educação Especial
pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Licenciada em Pedagogia pelas
Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT). Professora de AEE (Atendimento Educacional
Especializado) no Colégio Santa Teresinha (Rede Notre Dame). E-mail: belefc79@gmail.com.
2 Mestre e Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (PPGED/UERGS). Licenciado em Letras
e Tecnólogo em Processos Gerenciais pelo Centro Universitário Cenecista de Osório
(UNICNEC). Técnico Administrativo em Educação do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul - IFRS Campus Osório. E-mail: gabriel.pereira@
osorio.ifrs.edu.br.
87
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
desenhando a Educação Especial, mas sim a ideia de articular no contexto atual
perspectivas e até mesmo preconceitos vivenciados que são resquícios (e mais do
que isso, marcas de recorrência) de um processo histórico desigual e desumano.
Para tanto, urge neste material o interesse de explicitar para os leitores
compreensões que ajudam a evidenciar como se deu o percurso histórico de (sobre)
vivência das pessoas com deficiência e as relações com os espaços e contextos
educativos até os dias atuais e, em certo passo, também relacionar no desenvolvimento
da educação brasileira os pontos de encontro e/ou desconexão gerados.
2. Antes de falarmos sobre a Educação Especial no Brasil
Tendo por compreensão que os processos pedagógicos da educação
especial se desenvolvem em um movimento sensível e dialógico de compreensão
do outro, reconhecer isso em um processo histórico precisa ser ponto de
referência. Nesse sentido, na busca pela compreensão das marcas do tempo
histórico, precisamos manter em vista nosso olhar para o sujeito, ou seja, para
as pessoas com deficiência.
Antes de falarmos em educação especial, precisamos situar este lugar e,
especialmente, para quem é constituído. Assim, na movimentação sugerida,
vemo-nos com o compromisso de retomar o percurso humano trilhado por
cada pessoa com deficiência, (re)vendo na estrutura social violentos processos
de estigmatização e de extremo impacto. Punições de diversas ordens e a
própria morte são marcas que não podem ser vistas e avaliadas simplesmente
como passadas, de outros tempos, mas referidas pelas repercussões que ainda
vemos nos dias atuais. Bianchetti (1995) relaciona, por exemplo, características
da sociedade primitiva, tais como os padrões de sobrevivência marcados por
competência e capacidade plena para destacar concepções que marcam os
primórdios e que diretamente têm impacto no campo das deficiências.
Conforme este autor, “a questão da deficiência ou a emergência da
educação especial, só será compreendida se inserida no amplo espectro do
processo histórico de como os homens foram atendendo às suas necessidades
básicas e, por decorrência, como foram construindo a sua existência” (Bianchetti,
1995, p. 8). Dito isso, reafirma-se o quanto o desencadear dos tempos e dos
processos históricos veio se relacionando com as pessoas com deficiência, com
registros distintos de cultura para cultura de como era concebido o nascimento
e a vida dessas pessoas.
Entre marcos temporais e simbolismos, urge destacar que a relação da
deficiência com o pecado também se amplia à medida que a Idade Média avança
e, como destaca Bianchetti (1995), essa perspectiva vinha ainda de muito antes,
fazendo referência, numa dimensão bíblica, aos 22 milagres com curas atribuídos
88
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
a Jesus, dos quais 8 davam-se em torno de pessoas surdas, mudas e gagas. O autor
também destaca o lugar da igreja na relação com a deficiência ao conceber que as
seriam sinais para que as pessoas não deixassem de fazer caridade, sublinhando
que é apenas a partir do Século XVI que as questões da deficiência começam a
passar da ordem da igreja também para a relação com a Medicina.
Diante dos estudos teóricos produzidos, Capellini e Mendes destacam que:
[...] até o século XVIII, a exclusão acontecia amplamente, ou seja, pessoas
com necessidades especiais eram excluídas da sociedade para qualquer tipo
de atividade, pois eram consideradas inválidas, sem utilidade e incapazes
para trabalhar, características estas atribuídas indistintamente a todos que
tivessem alguma deficiência. Nesta fase, nenhuma atenção educacional
era promovida (Capellini; Mendes, 1995, p. 3).
Neste breve movimento temporal, consegue-se, em alguma medida, já
entender quais as bases que dão sustento à educação voltada às pessoas com
deficiência, base essa que em Capellini e Mendes (1995) podemos perceber que
até o século XVIII de nada tinha a intenção de ser educacional. Tem-se construído
até aí um longo percurso de discriminação, preconceito, desatenção e violência
extrema, com tentativas de invisibilização e verdadeiros processos de apagamentos.
3. A Educação Especial no Brasil: marcas históricas
A educação especial no Brasil iniciou no final do século XVIII e começo
do século XIX bastante relacionada aos hospitais e tratamento clínico das
pessoas com deficiência. Em 1730, em Vila Rica, havia a Irmandade de Santa
Ana, que previa no artigo 2° do seu estatuto “uma casa de expostos e asilo para
desvalidos” (Januzzi, 2004).
Conforme explicitado por Kassar (2012, p. 835), “o país é construído
a partir da diversidade de populações e de suas histórias, mas de forma
extremamente desigual”. Assim, “findado o regime escravocrata, muitas famílias
não foram incorporadas diretamente ao setor produtivo, passando a sobreviver
nas grandes cidades, sem acesso a condições de vida minimamente satisfatórias”
(Kassar, 2012, 835).
Em 1854, é criado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, sob
manutenção e administração do poder central. Esse instituto, o qual veio em
1889 a chamar-se Instituto dos Meninos Cegos, em 1890 mudou a nomenclatura
para Instituto Nacional dos Cegos e, por fim, Instituto Benjamin Constant em
1891. Essa instituição teve sua origem ligada ao cego brasileiro José Álvares de
Azevedo, que estudou em Paris no Instituto dos Jovens Cegos (Januzzi, 2004).
O Instituto funcionava sob regime de internato e destinava-se ao ensino
primário e alguns ramos do ensino secundário: Educação moral e religiosa,
89
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
música, ofícios fabris e trabalhos manuais. Também dava a possibilidade dos
alunos serem “repetidores”, e depois de dois anos nessa função, tornavamse professores da instituição. Em 1872, 18 anos após a fundação, fez-se um
levantamento, onde foi observado que dos 64 alunos matriculados até então,
apenas 16 haviam concluído seus estudos (Januzzi, 2004).
Em 1857, foi fundado o Instituto dos Surdos-Mudos (ISM), que
posteriormente mudou seu nome para Instituto Nacional dos Surdos-Mudos
(INSM), o qual em 1957, 100 anos após sua fundação, veio a chamar-se Instituto
Nacional de Educação de Surdos (Ines). O ISM em sua época de fundação foi
administrado pelo educador francês Edouard Hüet, surdo congênito, que iniciou
os trabalhos em uma sala improvisada com dois alunos. Posteriormente, em
1862, passou a ser dirigido por Manuel de Magalhães Couto e veio a conquistar
seu prédio próprio em 1915. Porém, o atendimento na época era bastante
precário e limitado (Januzzi, 2004).
Reúne-se no quadro a seguir, a partir dos estudos de Januzzi (2004),
outros marcos temporais de relação com a Educação na virada do Século XIX
para o Século XX:
Quadro 1 - A Educação Especial entre os Séculos XIX e XX
Ano
Acontecimento Histórico
1874
Presença de deficientes mentais no Hospital Juliano Moreira, na Bahia.
1886
Hospital Nacional dos Alienados, no Rio de Janeiro.
1887
Atendimento de deficientes mentais, físicos e visuais na Escola México, no Rio de
Janeiro.
1892
Atendimento para deficientes auditivos e mentais na Unidade Educacional
Euclides da Cunha, em Manaus.
1898
Atendimentos para deficientes físicos e visuais, no Ginásio Estadual Orsina da
Fonseca, no Rio de Janeiro.
1903
Fundação do Pavilhão Bourneville, a primeira Escola Especial para Crianças
Anormaes.
1909
Atendimento para deficientes da comunicação e mentais, na Escola Borges de
Medeiros, em Encruzilhada do Sul.
Atendimento para deficientes da comunicação, auditivos e mental no Grupo
Escolar Delfina Dias Ferraz, em Montenegro.
Fonte: Autores (2024) a partir dos estudos de Januzzi (2004).
É importante destacar que, “na República, a massa de brasileiros
desempregada e considerada iletrada foi identificada como marginal e seus
hábitos vistos como indecentes e de transgressão aos bons costumes, aos olhos
de uma elite que tomava seu país como atrasado em relação à Europa” (Kassar,
90
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
2012, p. 835). Com isso, faz-se fundamental ter-se em vista que no repercutir do
desenvolvimento da Educação Especial nestes anos o olhar sobre a pessoa com
deficiência também se situava, em boa parte, nesta concepção de marginalidade.
A visão de marginalidade foi direcionada tanto aos adultos das camadas
pobres quanto a seus filhos. Para não pertencer a esse grupo, a criança
deveria estar enquadrada em requisitos de convivência social, que
envolviam aspectos como: vestimenta adequada, boa higiene, bons modos
e boa aparência. [...] No conjunto de crianças marginais encontravam-se
também crianças com deficiências (Kassar, 2012, p. 835).
O número de instituições para pessoas com deficiência é ampliado ao
longo dos anos, em especial a partir de 1920, inclusive em estados como Minas
Gerais, o qual anteriormente recebia os alunos com deficiência em instituições
psiquiátricas, juntamente com adultos tidos como “loucos”, assim pode-se dizer
que “as medidas mais concretas referentes à criação da Educação Especial
ocorreram nas décadas de 20 e 30 do século XX. Nessa época implantaram-se as
primeiras classes de Educação Especial num contexto de superação da política
de governadores” (Capellini; Mendes, 1995, p. 7).
De acordo com as autoras:
Com o movimento da escola Nova e o “Entusiasmo pedagógico”, Oliveira
(1996) relata que a partir de 1930, as preocupações educacionais, adquirem
um enfoque ”técnico-pedagógico”, começando a aparecer as propostas
de pesquisas científicas, iniciando uma preocupação com a redução das
desigualdades. Esta situação influenciou fortemente a educação dos
indivíduos com necessidades educacionais especiais, embora muitas vezes
a ênfase no desenvolvimento global do educando, visando diminuir as
diferenças por meio de uma educação apropriada, acabou levando a uma
rotulação e a propostas de ensino individualizado; que de certa maneira,
quando não efetivadas, acabaram contribuindo para a segregação dos
“ditos diferentes” (Capellini; Mendes, 1995, p. 7)
As autoras também complementam que, no período de 1937 a 1945,
o Brasil, na vivência do Estado Novo, apresenta um retrocesso no processo
de democratização do ensino, haja vista toda a política centralizadora ali
instaurada, ponto que precisa ser evidenciado neste movimento que situamos de
continuidades e descontinuidades, avanços e retrocessos e, durante as décadas
de 1960 e 1970, “[...] o atendimento educacional dos alunos com necessidades
educacionais especiais apresentou pequenas modificações, resultantes da luta
por efetivação de seus direitos enquanto pessoas e, principalmente, pelo processo
de democratização da educação” (Capellini; Mendes, 1995, p. 8).
Outra referência importante é que:
91
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, formulada
após a Segunda Guerra Mundial, a preocupação com a não discriminação
passa a ser ressaltada, inclusive a discriminação na educação, como atesta
a Convenção de 1960 (Convention against Discrimination in Education),
adotada pelo Brasil em 1968 (Kassar, 2012, p. 837).
Neste percurso histórico e em referência a esses períodos, observa-se que
“ao longo de todo o século XX, as estatísticas brasileiras foram registrando
paulatinamente a ampliação do atendimento educacional no país” (Kassar, 2012,
p. 836). E, também, “[...] pouco a pouco, através das ONGs como a Sociedade
Pestalozzi, a AACD (Associação de Assistência à Criança Defeituosa) e a APAE
(Associação de Pais e Amigos do Excepcional), a questão da deficiência foi saindo
do âmbito da saúde para o âmbito da educação” (Capellini; Mendes, 1995, p. 8).
De acordo com Capellini e Mendes (1995) as sementes da política da
Educação inclusiva foram lançadas no Brasil, em 1990, com a participação na
Conferência Mundial Sobre Educação para Todos na cidade de Jomtiem, na
Tailândia.
A Declaração Jomtien (1990) objetivou criar o projeto de Educação para
Todos, reconhecendo o desafio em promover a educação para crianças,
jovens e adultos com necessidades especiais no sistema de ensino
regular. Ainda, definiu a política para inspirar a ação dos governos, de
organizações internacionais e nacionais de ajuda, de organizações nãogovernamentais e de outros organismos para promoção dos princípios,
políticas e práticas voltadas para as necessidades educativas especiais
(Sousa, 2020, p. 168).
Cabe evidenciar que desde 1988, com a redemocratização do país e a
promulgação da Constituição Cidadã, o Brasil passou por uma série de governos, de
José Sarney ao terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vivendo
períodos conturbados em sua história política, como o golpe sofrido pela Presidenta
Dilma Rousseff em seu segundo mandato, e o início do Governo do então vicepresidente Michel Temer, sucedido com a eleição de Jair Messias Bolsonaro.
Com perspectivas heterogêneas e escolhas políticas de vínculos
diversificados, vimos na recente história da Educação Especial um conjunto de
leis e/ou ordenamentos jurídicos bastante extensos e que, em alguma medida,
em seu extrato, demonstram significativos avanços na concepção da Educação
Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Dia a dia, podem ser observados
inúmeros novos projetos e iniciativas voltados aos direitos da pessoa com
deficiência e, com esses, repercussões.
No quadro a seguir, reúnem-se alguns marcos temporais deste último
período com vistas a contextualizar o desenvolvimento da Educação Especial
no campo legal brasileiro:
92
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Quadro 2 - A Educação Especial no Brasil: alguns marcos jurídicos
Ano
Leis, Pareceres e outros ordenamentos jurídicos
1988
Constituição Federal e a garantia de atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
1994
Declaração de Salamanca.
1994
Política Nacional de Educação Especial.
1996
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN).
1999
Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999 - relativo à Política Nacional para a
integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
2001
Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001 - Diretrizes Nacionais para
a Educação Especial na Educação Básica.
Decreto nº 3.956/2001 - promulga, no Brasil, a Convenção da Guatemala (1999).
2002
Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 - Reconhece a Língua Brasileira de Sinais
(Libras) como meio legal de comunicação e expressão.
2007
Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007 - implementa o Plano de Metas Compromisso
Todos pela Educação, o qual sublinha o atendimento às necessidades educacionais
especiais dos alunos para fortalecer a inclusão educacional nas escolas públicas.
2008
Decreto Legislativo n° 186, de 2008 - aprova o texto da Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em
Nova Iorque, em 30 de março de 2007.
2008
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
2009
Resolução CNE/CEB nº 4, de 2 de outubro de 2009 - institui as Diretrizes
Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação
Básica, modalidade Educação Especial.
2011
Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Viver Sem Limite)
2011
Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011 - dispõe sobre a Educação Especial
e o Atendimento Educacional Especializado.
2012
Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 - institui a Política Nacional de Proteção
dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
2014
Plano Nacional de Educação (PNE) - define as bases da política educacional
brasileira até 2024.
2015
Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (LBI).
2016
Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016 - dispõe sobre a reserva de vagas
para pessoas com deficiência nos cursos técnicos de Nível Médio e Superior das
instituições federais de ensino.
2023
Decreto nº 11.793/2023, de 23 de novembro de 2023 – institui o Plano Nacional
dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Novo Viver sem Limite.
Fonte: Autores (2024)
93
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
A intenção de retomar este conjunto de marcos jurídicos e pedagógicos
neste texto embora não seja de produzir uma análise crítica de cada um deles no
que tange ao seu teor e no que concerne ao alcance de suas repercussões, está
em apresentar as movimentações recentes da História da Educação Especial,
concebendo que os marcos legais reúnem e retratam as diversidades de momentos
políticos e sociais e, ao mesmo tempo, representam processos em movimentação.
Ainda que se identifiquem pontos de evolução e involução, os avanços
legais são nítidos, mesmo que estes não representem, na prática e na totalidade,
os resultados esperados em termos de qualificação dos processos educacionais, da
equidade e do compromisso com os direitos da pessoa com deficiência. Vê-se à frente
um longo caminho a percorrer e, olhando para o percurso já trilhado, percebem-se
ainda amarras que mesmo no desencadear do tempo não se desfizeram.
Na análise do tempo presente, jamais se pode perder de vista as heranças
históricas e as perspectivas impressas e expressas nos caminhos pelos quais se
passou e que por eles ainda podem retornar. Atentar-se aos diferentes campos
que situam a Educação Especial em seu desenvolvimento também é fundante na
observância dos momentos e percursos vivenciados.
Retoma-se que:
Os aspectos históricos revelam diversos modelos educativos da pessoa
com deficiência em nosso país. No paradigma da exclusão, o deficiente
era considerado incapaz, inválido e não cabia a ele fazer parte do sistema
escolar, fosse ele regular ou especial. [...] No modelo da institucionalização
a pessoa com deficiência era vista pela ótica médica e assistencialista,
logo, competia a estas pessoas espaços segregados socialmente, como
hospitais, asilos, conventos, onde recebiam o básico para sua sobrevivência
e atendimento ou tratamento médico, eram então vistos como pacientes
e não como educandos. [...] No modelo integracionista também se
vivenciava a segregação do deficiente, mesmo com o surgimento da
concepção do direito à educação destes, os espaços educativos restringiamse às instituições especializadas ou mesmo classes especiais nas escolas
regulares (Sousa, 2020, p. 171).
Com base nesses diferentes trilhares, é que se reitera neste e com este
texto a necessária luta por uma educação inclusiva, a qual deve seguir ativa,
engajada e comprometida, haja vista que, como se viu, “no Brasil [e na história
da humanidade], a pessoa com deficiência foi maltratada por séculos, sendo
relegada à categoria dos miseráveis e impactada pela exclusão do convívio social
e educacional” (Conte; Habowski, 2021, p 1394).
94
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
4. O texto finaliza, mas a luta continua…
Como um escrito em defesa e valorização da Educação Inclusiva, este
capítulo buscou transitar por vias históricas e legais com vistas a contextualizar,
nas dinâmicas do vivenciado, as violências e os desafios enfrentados
especialmente pelas pessoas com deficiência ao longo do tempo. Portanto,
para além de um material teórico de síntese e reflexão crítica, fundamenta-se
como um convite ao engajamento político e à participação social na luta pela
melhoria dos processos educacionais voltados às pessoas com deficiência e/ou
necessidades educacionais específicas.
Pela transformação da realidade social e sempre em compromisso com
a equidade é que se toma a liberdade de finalizar este texto com um convite
à continuidade, mantendo-nos, enquanto autores, esperançosos de que as
discussões aqui produzidas sejam alimentadas pelas experiências e os processos
transformadores diários do ambiente escolar. Que cada novo processo, recurso,
metodologia, atitude e prática acessível sejam incorporados à transformação
histórica da Educação Especial.
Agradecimentos
Este texto resulta de relações estabelecidas no âmbito do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGED) da Universidade Estadual do Rio
Grande do Sul (UERGS) com o apoio do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), aos quais se direcionam os
agradecimentos.
Referências
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Brasil. Brasília, 1988.
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Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação
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95
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
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implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.
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sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Brasília: 2008.
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Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: 2008.
BRASIL. Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a
educação especial e o atendimento educacional especializado. Brasília: 2011.
BRASIL. Decreto n° 7612, de 17 de novembro de 2011. Institui o Plano
Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite.
Brasília: 2011.
BRASIL. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista. Brasília: 2012.
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de
Educação - PNE e dá outras providências. Brasília: 2014.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Brasília: 2015.
BRASIL. Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016. Dispõe sobre a reserva
de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnicos de Nível Médio e
Superior das instituições federais de ensino. Brasília: 2016.
BRASIL. Decreto nº 11.793, de 23 de novembro de 2023. Institui o Plano
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97
OS INSTITUTOS FEDERAIS E O PROEJA
NO PERCURSO DA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
NO BRASIL: ENTRE MARCAS E REFLEXOS
Gabriel Silveira Pereira1
Sita Mara Lopes Sant’ Anna2
1. Palavras iniciais
Este texto, o qual integra, em boa parte, a dissertação de mestrado intitulada
Concepções sobre o Currículo Integrado: a configuração da EJA no PROEJA3,
publicada em 2020, tem por intenção apresentar um panorama histórico e legal
no que tange ao percurso da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil, de
modo a encontrar na criação dos Institutos Federais, as especificidades desse
modelo educacional e estabelecer neste movimento interlocuções com a criação
do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), objeto de
investigação da pesquisa desenvolvida.
Urge destacar que este escrito não tem a pretensão de apenas apresentar
uma linha do tempo e/ou relacionar momentos históricos com períodos
políticos que marcam a trajetória da educação brasileira, mas também de
evidenciar na relação entre as conjunturas históricas e políticas questões que
justificam a criação dos Institutos Federais e de programas como o PROEJA e
que também, em alguma medida, podem entrar em choque com estas políticas
no que concerne a memórias históricas, concepções e diferentes ideologias.
1 Mestre e Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (PPGED/UERGS). Licenciado em Letras
e Tecnólogo em Processos Gerenciais pelo Centro Universitário Cenecista de Osório
(UNICNEC). Técnico Administrativo em Educação do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul - IFRS Campus Osório. E-mail: gabriel.pereira@
osorio.ifrs.edu.br.
2 Professora Adjunta da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e docente
permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado e Doutorado
Profissional (PPGED/UERGS). Mestre e Doutora em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: sita-santanna@uergs.edu.br.
3 Dissertação disponível em: https://proppg.uergs.edu.br/mestrados/ppged/dissertacoese-produtos.
98
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Parafraseando Miguel Arroyo, refere-se que da mesma forma que o
currículo pode ser concebido como um território de disputas, o desenvolvimento
de uma política como a dos IFs, engajada com a transformação da realidade
social, e do PROEJA, voltada a públicos que, marcadamente, tiveram cerceado
o seu direito à educação, tende a gerar, no mínimo, tensionamentos, haja vista
que estes modelos educacionais públicos e gratuitos mostram-se entraves para
grupos que, por exemplo, veem numa agenda neoliberal o melhor caminho para
a educação brasileira.
Explicita-se também que o campo teórico pelo qual se conduz este texto
é resultado de escolhas que, na constituição dos pesquisadores que o escrevem,
dão-se em intencionalidade e com compromisso ético e político, reconhecendo na
gênese dos Institutos Federais princípios e concepções de imprescindibilidade, que
fundamentam as bases desta instituição em um movimento contra-hegemônico
em favor da equidade e por uma sociedade mais justa, humana e solidária.
2. A Educação Profissional e Tecnológica no Brasil
Em se tratando do ensino profissional no Brasil, seu desenvolvimento
sempre ocorreu relacionado “a uma determinada concepção de formação,
notadamente voltado para atender certos interesses que, em geral nunca trataram
o processo de aprendizagem como constitutivo da formação humana” (Silva;
Souza; Machado, 2012, p. 87). Com isso, vê-se ao longo da história uma série de
relações do quem se forma com o “para quê?” e “para quem?”.
Voltado a uma formação com o objetivo de simplesmente produzir mão
de obra, esse ensino surgiu muito distante da ideia de formação integral dos
sujeitos, mais aproximado ao assistencialismo do que à educação propriamente
dita, como se pode depreender das ideias de Vieira (2012, p. 170-171), que afirma
que “o ensino profissionalizante iniciou-se com característica assistencialista,
baseada no auxílio aos desamparados, que viam nesse tipo de ensino uma forma
rápida de adquirir uma profissão e um trabalho”.
Ainda, conforme Bitencourt (2012, p. 197):
Historicamente, o ensino profissional sempre esteve incumbido de
capacitar pessoas nas mais diversas áreas, mesmo que para isso não
levasse em consideração a formação integral do trabalhador. Na verdade,
ele era associado unicamente à formação de mão de obra e ao esforço
manual físico, que, desde o princípio, haviam sido reservados às classes
menos favorecidas da sociedade, herança escravista da época colonial. Aos
poucos essa realidade foi sendo transformada, e mudaram-se os rumos.
Com base nos aspectos históricos apresentados, não é difícil perceber o
porquê de a Educação Profissional ainda ser considerada, por muitos, como
99
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
uma formação apenas prática, na qual não há necessidade de haver a articulação
de diferentes tipos de conhecimentos para a promoção de uma formação ampla,
com vistas à formação integral dos sujeitos.
Sustentar a idéia de que a educação profissional é para as mãos, para as
atividades e que, portanto, não é necessário determinado conhecimento –
caso da Matemática, caso das Línguas, caso da História, Filosofia, etc.,
porque eles serão práticos e necessitarão de um conhecimento que se traduz
em atividades e não de um conhecimento que se traduz na aprendizagem
de conceitos – é algo errado (Pacheco, 2011, p. 26).
A partir das relações e das considerações apresentadas, entende-se que
ter um panorama a respeito do histórico da Educação Profissional no Brasil
possa proporcionar mais clareza quanto ao caminho que foi percorrido até que
se chegasse aonde atualmente se está.
Com base no exposto, apresenta-se a seguir uma sequência de quadros e
discussões com os quais se poderá acompanhar o itinerário legal que constituiu a
Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Salienta-se, nesse sentido,
que os quadros 1, 2 e 3 foram delimitados a partir do Histórico da Educação
Profissional e Tecnológica no Brasil (Ministério da Educação, 2018), com vistas
a considerar o desenvolvimento histórico da EPT, com início no ano de 1909:
Quadro 1 - Histórico da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil (1909 - 1950)
Ano
Quadro histórico da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil
1909
O presidente Nilo Peçanha assina o Decreto nº 7.566 em 23 de setembro, criando as
já mencionadas 19 “Escolas de Aprendizes e Artífices”.
1927
O Decreto nº 5.241, de 27 de agosto de 1927, definiu que “o ensino profissional é
obrigatório nas escolas primárias subvencionadas ou mantidas pela União”.
A Constituição Federal promulgada pelo Governo Getúlio Vargas tratou da educação
profissional e industrial em seu Art. 129. Enfatizou o dever de Estado e definiu que as
indústrias e os sindicatos econômicos deveriam criar escolas de aprendizes na esfera
1937
da sua especialidade. A Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937 transformou as escolas de
aprendizes e artífices mantidas pela União em liceus industriais e instituiu novos liceus,
para propagação nacional “do ensino profissional, de todos os ramos e graus” (Art. 37).
O Decreto-Lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942, conhecido como Lei Orgânica do
Ensino Industrial, definiu que o ensino industrial será ministrado em dois ciclos: o
primeiro ciclo abrange o ensino industrial básico, o ensino de mestria, o ensino artesanal
e a aprendizagem; o segundo ciclo compreende o ensino técnico e o ensino pedagógico.
O Decreto-Lei nº 4.127/42, que estabeleceu as bases de organização da rede federal
1942 de estabelecimentos de ensino industrial, constituída de escolas técnicas, industriais,
artesanais e de aprendizagem, extinguiu os liceus industriais, transformou em escolas
industriais e técnicas, as quais passaram a oferecer formação profissional nos dois ciclos
do ensino industrial.
Foi criado o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) pelo Decreto-Lei
nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942
100
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
O Decreto-Lei nº 9.613/46, conhecido como Lei Orgânica do Ensino Agrícola,
tratou dos estabelecimentos de ensino agrícola federais.
Foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Senac, pelo DecretoLei nº 8.621, de 10 de janeiro de 1946, bem como a aprendizagem dos comerciários
1946
foi regulamentada pelo Decreto-Lei nº 8.621, do mesmo dia 10 de janeiro de 1946.
A Constituição de 1946 definiu que “as empresas industriais e comerciais são
obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores
menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores”.
Fonte: Adaptado de MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Histórico da Educação Profissional
e Tecnológica no Brasil. Brasília, 2018.
A partir do primeiro quadro, que contempla os primeiros quarenta anos da
EPT no Brasil, é possível observar o marco da cronologia da Educação Profissional
e Tecnológica do país, visto na criação das Escolas de Aprendizes Artífices. Ainda,
pode-se constatar que essa se torna responsável por atender o período abrangido
entre 1909 e 1942, ano no qual passa a vigorar a lei orgânica do ensino industrial.
Considera-se, no entanto, que o referido quadro não apresenta menção
a outras Leis Orgânicas, também estabelecidas no período e que, na concepção
do pesquisador, deveriam ter sido contempladas, a exemplo da Lei Orgânica
do Ensino Comercial (Decreto-Lei 6.141/1943), a qual visava, entre outras
finalidades, “formar profissionais aptos ao exercício de atividades específicas
no comércio e bem assim de funções auxiliares de caráter administrativo nos
negócios públicos e privados”, e a Lei Orgânica do Ensino Normal (Decreto-Lei
8.530/1946), que apresentava, entre outras finalidades, a de “prover à formação
do pessoal docente necessário às escolas primárias”.
Em sequência, apresenta-se o quadro histórico referente aos movimentos
legais que marcaram a EPT na segunda metade do século XX:
101
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Quadro 2 - Histórico da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil (1951 – 1999)
1959
Foram instituídas as escolas técnicas federais como autarquias, a partir das escolas
industriais e técnicas mantidas pelo Governo Federal.
Em 20 de dezembro foi promulgada a Lei nº 4.024/61. Essa foi a primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), passou a permitir que concluintes
1961
de cursos de educação profissional, organizados nos termos das Leis Orgânicas do
Ensino Profissional, pudessem continuar estudos no ensino superior
1967
As fazendas-modelo foram transferidas do Ministério da Agricultura para o MEC e
passaram a ser denominadas escolas agrícolas.
1968
A Lei Federal nº 5.540, de 28 de novembro de 1968 permite oferta de cursos
superiores destinados à formação de Tecnólogos.
A Lei nº 5.692/71 definiu que todo o ensino de segundo grau, hoje denominado
1971 ensino médio, deveria conduzir o educando à conclusão de uma habilitação
profissional técnica ou, ao menos, de auxiliar técnico (habilitação parcial).
1975
A Lei Federal nº 6.297, de 11 de dezembro de 1975, definiu incentivos fiscais no imposto
de renda de pessoas jurídicas (IRPJ) para treinamento profissional pelas empresas.
As Escolas Técnicas Federais do Paraná, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais foram
1978 transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), pela Lei nº
6.545, de 30 de junho.
1982
A Lei nº 7.044/82 reformulou a Lei nº 5.692/71 e retirou a obrigatoriedade da
habilitação profissional no ensino de segundo grau.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) foi criado pela Lei nº 8.315, de 23
1991 de dezembro de 1991, nos termos do art. 62 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, em formato institucional similar ao do Senai e do Senac.
Foi instituído o Sistema Nacional de Educação Tecnológica, integrado pela
Rede Federal e pelas redes ou escolas congêneres dos Estados, dos Municípios e
1994
do Distrito Federal. Na Rede Federal houve transformação gradativa das escolas
técnicas federais e das escolas agrícolas federais em Cefets.
Em 20 de dezembro de 1996 foi promulgada a segunda Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), que dedicou o Capítulo III do seu Título VI à educação
1996 profissional. Posteriormente esse capítulo foi denominado “Da Educação Profissional
e Tecnológica” pela Lei nº 11.741/2008, que incluí a seção IV-A no Capítulo II, para
tratar especificamente da educação profissional técnica de nível médio;
Foram definidas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de
1999 Nível Técnico, pela Resolução CNE/CEB nº 04/99, com fundamento no Parecer
CNE/CEB nº 16/99.
Fonte: Adaptado de MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Histórico da Educação Profissional
e Tecnológica no Brasil. Brasília, 2018.
Em relação ao quadro, chama-se a atenção, inicialmente, para a criação
da Lei de Diretrizes e Bases (Brasil, 1961), que se sustenta, em boa parte, em
bases conservadoras, abrindo margem, inclusive, para a privatização do ensino
(Buffa; Nosella, 1997). Ainda, faz-se necessário destacar que, no período, a Lei
de Diretrizes e Bases de 1971 (Brasil, 1971) e, na sequência, a LDBEN (Brasil,
1996) passam a vigorar no país.
Considerando a sequência histórica, apresenta-se, abaixo, os principais
tópicos da constituição da EPT ocorridos no Brasil a partir dos anos 2000:
102
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Quadro 3 - Histórico da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil (2000 a 2017)
Foram definidas as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
2002 Profissional de Nível Tecnológico pela Resolução CNE/CP nº 03/2002, com
fundamento no Parecer CNE/CP nº 29/2002.
A Resolução CNE/CEB nº 1/2004, de 21 de janeiro de 2004, definiu diretrizes
2004 nacionais para estágios supervisionados de estudantes de educação profissional e
de ensino médio.
A Resolução CNE/CEB nº 1/2005, de 3 de fevereiro de 2005, com fundamento
no Parecer CNE/CEB nº 39/2004, de 8 de dezembro de 2004, atualizou as
2005
Diretrizes Curriculares Nacionais definidas para o Ensino Médio e para a Educação
Profissional Técnica de nível médio.
A Resolução CNE/CEB nº 3/2008, de 9 de julho de 2008, com fundamento no
Parecer CNE/CEB nº 11/2008, de 16 de junho de 2008, disciplinou a instituição e
a implantação do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio – CNCT
nas redes públicas e privadas de Educação Profissional”.
2008
Lei 11.741 introduziu importantes alterações no Capítulo III do Título V da LDB, o
qual passou a tratar “da Educação Profissional e Tecnológica”, além de introduzir
uma nova Seção no Capítulo II do mesmo título, a seção IV-A, quarta “da Educação
Profissional Técnica de Nível Médio”.
Foram definidas as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
2012 Profissional Técnica de Nível Médio, pela Resolução CNE/CEB nº 6/2012 com
fundamento no Parecer CNE/CEB nº 11/2012.
Em 25 de junho de 2014 foi sancionada a Lei nº 13.005/2014, que aprovou o novo
Plano Nacional de Educação prevê “oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por
cento) das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e
2014
médio, na forma integrada à educação profissional”. E, prevê “triplicar as matrículas
da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta
e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento público”.
Lei nº 13.415/2007, que introduziu alterações na LDB (Lei nº 9394/1996),
incluindo o itinerário formativo “Formação Técnica e Profissional” no ensino
médio. A nova redação da LDB refere-se aos critérios a serem adotados pelos
sistemas de ensino em relação à oferta da ênfase técnica e profissional, a qual deverá
considerar “a inclusão de vivências práticas de trabalho no setor produtivo ou em
2017
ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de
instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional”, bem
como “a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação
para o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com
terminalidade”.
Fonte: Adaptado de MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Histórico da Educação Profissional
e Tecnológica no Brasil. Brasília, 2018.
Em relação ao último quadro apresentado, obtido a partir de publicação
do Ministério da Educação, de modo a registrar o Histórico da Educação
Profissional e Tecnológica no Brasil, chama-se a atenção para a inexistência
de menção a dois Decretos que marcam a criação do PROEJA, em ênfase no
presente estudo, bem como ao Decreto n.º 5.154, de 23 de julho de 2004 (Brasil,
2004), anterior à criação do Programa, mas que já demarcava a articulação de
cursos de Educação Profissional com cursos de Educação de Jovens e Adultos.
103
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Dessa forma, em complemento ao quadro apresentado, acrescenta-se o quadro
abaixo de modo a registrar o surgimento do Programa:
Quadro 4 – Histórico de criação do PROEJA
Ano
Quadro histórico do Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos (PROEJA)
2004
A partir do Decreto N.º 5.154, de 23 de julho de 2004, regulamenta-se o § 2° do art.
36 e os arts. 39 a 41 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências.
2005
A partir do Decreto Nº 5.478, de 24 de junho de 2005 institui-se, no âmbito
das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da
Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos - PROEJA.
2006
A partir do Decreto Nº 5.840, de 13 de julho de 2006, revoga-se o Decreto Nº 5.478,
de 24 de junho de 2005 e é Instituído, no âmbito federal, o Programa Nacional de
Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, e dá outras providências.
Fonte: Pereira (2020)
2.1 O percurso histórico da EPT e os sentidos da profissionalização
Ao discorrer a respeito da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil,
vê-se como fundamental que se compreenda os sentidos da profissionalização,
bem como das relações estabelecidas pelas mediações históricas de trabalho e
educação. Assim, destaca-se que, de acordo com Manfredi (2002, p. 39):
Historicamente, as profissões surgem, por um lado, das preocupações com
a satisfação das necessidades advindas com a transformação dos processos
produtivos e, por outro, da crescente complexidade e diversificação das
funções de comando, de controle, de defesa e de preservação social, nas
diferentes formações sociais.
Diante do apresentado pela autora, cabe destacar que o percurso histórico
da Educação Profissional esteve sempre atrelado aos referidos processos
produtivos, bem como às diferentes concepções de governo. Assim, pode-se dizer
que “A Educação Profissional no Brasil apresenta-se como reflexo da história
mais ampla que constitui a própria sociedade brasileira” (Roballo; Lottermann,
2016, p. 37).
Tendo mencionado o reflexo da história, há ainda de se chamar a atenção
para a importância de sua compreensão em relação aos momentos pelos quais
o país passou e vem passando. Dessa forma, faz-se necessário compreender o
percurso histórico da Educação Profissional, relacionando-o com os momentos
históricos e políticos do país, sem perder a compreensão de que “o tecido
104
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
histórico sobre o qual nos movemos, ao contrário da aparente evidência e
clareza, é opaco, reificado e fetichizado” (Frigotto, 1998, p. 47).
Com vistas a ter acesso a uma breve cronologia da Educação Profissional
e Tecnológica no país, considerar-se-á a criação das Escolas de Aprendizes
Artífices como marco da EPT. Assim, destaca-se que, entre 1909 e 1942, até que
entrasse em vigor a lei orgânica do ensino industrial, as escolas de aprendizes
artífices atenderam um total de 141 mil alunos, a partir do oferecimento de
ofícios como alfaiataria e sapataria (Manfredi, 2002).
De acordo com a autora:
A finalidade educacional das escolas de aprendizes era a formação de
operários e de contramestres, por meio do ensino prático e de conhecimentos
técnicos transmitidos aos menores em oficinas de trabalhos manuais ou
mecânicos mais convenientes e necessários ao Estado da Federação em
que a escola funcionasse, consultando, quando possível, as especificidades
das indústrias locais. (Manfredi, 2002, p. 83 - 84).
Em relação a essas escolas, consideradas como o marco da EPT, Roballo
e Lottermann (2016) destacam que suas constituições se deram a partir de um
caráter assistencialista, característica comum já nos liceus, de modo que o ensino
profissional primário era destinado, de forma gratuita, aos mais pobres, para que
pudessem a partir do trabalho serem distanciados do ócio. Ressalta-se, ainda,
que, de acordo com os autores, “[…] A Educação Profissional ocupou lugar
subalterno e as iniciativas de formação para o trabalho manual sempre tiveram
como referência a inserção subordinada dos trabalhadores e de seus filhos no
sistema de produção das riquezas do país” (Roballo; Lottermann, 2016, p. 37).
Conforme Silva e Baracho (2007, p. 10), em âmbito federal, a criação de
19 Escolas de Aprendizes e Artífices, a partir da assinatura de um decreto, em
1909, pelo então Presidente da República, Nilo Peçanha, marca oficialmente a
implantação do ensino técnico federal no Brasil.
O Decreto n° 7.566, de 23 de setembro de 1909, partia da consideração de
“que o augmento constante da população das cidades exige que se facilite às classes
proletarias os meios de vencer as dificuldades sempre presentes na lueta pela existencia
(Brasil, 1909). Essas considerações, marcadas a partir do Decreto demonstravam a
ideia que se tinha ao oportunizar a Educação Profissional, assim como outras tantas
concepções que foram surgindo em meio ao percurso histórico.
Para Garcia (2012, p. 113):
A trajetória da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica,
desde o Decreto n° 7.566, de 23 de setembro de 1909, até a atualidade, é
demarcada por modelos e concepções que são estritamente vinculadas às
conduções dos governos e que ensejaram, no ordenamento legal brasileiro,
a sustentação de distintas concepções.
105
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
A partir das ideias dos autores, evidencia-se o lugar da Educação
Profissional, bem como, em certa medida, as características do público ao qual
se destinava atender, bem como os objetivos dessas formações, possibilitando
que se pense a respeito da dualidade constituída e perpassada pelas formações
proporcionadas no país.
Considerando a referida dualidade, cabe destacar que “o Brasil teve ao longo
da história, uma educação dual, em uma sociedade igualmente cindida, entre
privilegiados e aqueles que dependem muitas vezes da sorte para continuar vivendo”
(Roballo; Lottermann, 2016, p. 51). Destaca-se que esta relação ainda precisa
ser incessantemente retomada, tendo por base que reflexos deste choque seguem
presentes e expressos em concepções e rumos pensados para a educação profissional.
Nos anos nos quais as escolas de aprendizes artífices foram responsáveis
pela profissionalização de sujeitos mais empobrecidos, surge a Constituição de
1937 (Brasil, 1937), a qual passa a, oficialmente, marcar essa característica de
formação, como se pode depreender das ideias de Franco (1998, p. 123):
Mantendo a dualidade intrínseca à formação social brasileira, entre
trabalho manual e trabalho intelectual, a Constituição de 1937 destina
a formação profissional para ‘as classes menos favorecidas’ (art. 129) e
serve de base para a organização dualista do sistema nacional de ensino:
o ensino primário e profissional para as classes trabalhadoras e o ensino
secundário e a formação geral ou intelectual para as elites.
Com o passar dos anos, considerando as concepções dos períodos, bem
como as mudanças sociais, a Educação Profissional foi sofrendo alterações em
seus focos e possibilidades. De acordo com Vieira (2012, p. 171), “A partir de
1930, o ensino técnico profissionalizante tornou-se estratégico para o país no
atendimento à qualificação de mão de obra para a indústria emergente”.
Em se tratando da Era Vargas, cabe destacar que, em seu início, criouse o Ministério da Educação e Saúde Pública, um marco do período no que
se refere à educação. Assim, por conta da ideia política de transformar o país
de agrícola em industrial resultou na necessidade de formação de mão de obra
para a indústria. Dessa forma, a partir do Decreto 4.073/1942 passou-se a
ofertar um ensino industrial voltado a práticas e teorias, pensado de modo que
fossem oportunizadas formações para funções que se mostravam necessárias à
utilização das tecnologias da época (Roballo; Lottermann, 2016).
Ainda, sublinha-se que:
[…] é após a Revolução de Trinta, com o Governo Vargas (1930 – 1945),
que ganha força o ideário liberal que introduz o trabalho como princípio
educativo, com suas práticas disciplinares, os valores éticos do trabalho
produtivo e os sistemas de ensino voltados para o trabalho na indústria
(Franco, 1998, p. 123).
106
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
De acordo com Frigotto (2005, p. 60), “o trabalho como princípio
educativo deriva do fato de que todos os seres humanos são seres da natureza e,
portanto, têm a necessidade de alimentar-se, proteger-se das intempéries e criar
seus meios de vida.” Ainda, indo ao encontro e em complemento às ideias do
autor, Arroyo (1998, p. 143) salienta que:
Quando voltamos nossa reflexão para o trabalho como princípio educativo,
terminamos nos aproximando de uma teoria social sobre como se forma o
ser humano, como se produz o conhecimento, os valores, as identidades,
como se dá o processo de individualização, de constituir-nos sujeitos
sociais e culturais, livres e autônomos, e como constituir uma sociedade
de indivíduos livres, em relações sociais regidas por princípios éticos, onde
o trabalho, a técnica produtiva seja objetivo e ponto de referência para a
liberdade pessoal e coletiva.
Para Grabowski et al. (2010, p. 145, grifo dos autores):
É nas Leis Orgânicas da Educação, da década de quarenta, que o ensino
técnico profissional ganha organicidade. A dualidade se expressa pela
separação rígida entre o ensino técnico profissional – industrial, comercial
e agrícola – e o ensino secundário, este destinado às individualidades
condutoras, e o único que conduzia às profissões liberais e/ou universitárias.
E é a partir das referidas leis orgânicas, que a mencionada dualidade
toma um caráter estrutural, de modo que se demarca a separação entre “[…]
os que deveriam ter o ensino secundário e a formação propedêutica para a
universidade e os que deveriam ter formação profissional para a produção”
(Ciavatta, 2005, p. 87).
Destaca-se que “se nos anos 20 e 30 a industrialização no Brasil era
incipiente, nos anos 50 e 60, sobretudo pelo esforço desenvolvimentista de J.K.,
a industrialização brasileira se consolida e se expande” (Buffa; Nosella, 1997, p.
119). Ainda, cabe esclarecer que, de acordo com Ramos (2014, p. 44):
A rede de Escolas Técnicas Federais se consolidou em 1959 e ocupou um
lugar estratégico na composição da força de trabalho industrial brasileira.
Em 1978 algumas dessas escolas são transformadas em Centros Federais
de Educação Tecnológica (CEFET).
Ao falar da década de 1960, é preciso que se destaque o papel da Lei de
Diretrizes e Bases (Brasil, 1961), que, de acordo com Buffa e Nosella (1997, p.
116), “[…] acabou representando uma vitória das forças conservadoras, pois,
ao possibilitar que recursos públicos fossem destinados às escolas particulares,
abriu caminho para a privatização do ensino”.
Durante os governos militares (1964 – 1985), por conta de projetos
nacionais, houve a necessidade de que se desenvolvesse programas voltados à
formação de mão de obra. Por conta disso, revitalizou-se o chamado PIPMO
107
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
- Programa Intensivo de Formação de Mão-de-Obra, que também contribuiu
com o Sistema S, bem como com o desenvolvimento de empresas privadas e
estatais (Manfredi, 2002).
De acordo com Franco (1998, p. 123):
Com a ditadura iniciada nos anos 60 e a nova fase de expansão do capital
no país, há a ideologização ampla dos sistemas de ensino pela influência
da ‘teoria do capital humano’ do tecnicismo em educação, pela ênfase na
relação escola e mercado de trabalho e na importância da educação para o
desenvolvimento econômico.
Este período marca o tecnicismo e a formação pensada com vistas no
desenvolvimento econômico e nas relações do mercado de trabalho, estando
bastante distante da perspectiva de uma educação emancipatória, que desse
voz e refletisse na participação social movimentos de transformação sensível e
humana.
Para Frigotto (1998, p. 38):
No Brasil, durante o período da ditadura militar, como mostra Saviani
(1988), duas reformas – universitária de 1968 e do 1° e 2° graus em 1971
– estruturam o sistema de ensino dentro dos parâmetros tecnicistas e
economicistas, inspirados nesta formulação teórico-ideológica.
Conforme Roballo e Lottermann (2016), com a criação do 2° grau
profissionalizante, a partir da Lei 5.692 (Brasil, 1971), as desigualdades já
existentes acabaram por ser intensificadas, tendo em vista que esse novo 2° grau,
que deveria contribuir para o fim da dualidade estrutural, “[…] não conseguiu
formar mão de obra para a industrialização e ainda ampliou o fosso que separa
o trabalho manual do trabalho intelectual”. (Roballo; Lottermann, 2016, p. 45).
Embora a lei que dispunha sobre a transformação de Escolas Técnicas em
Centros Federais de Educação Tecnológicas (CEFET´s) tenha sido sancionada
em 1978, foi apenas em 1994, no Governo Itamar Franco, que se instituiu o
Sistema e o Conselho Federal de Educação Tecnológica (Araújo, 2016). No
entanto, de acordo com o autor:
A transformação efetiva das Escolas Técnicas Federais em Centros
Federais de Educação Tecnológica só viria a ocorrer no próximo governo,
com a lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996). Esta lei, também
conhecida como lei Darcy Ribeiro, foi sancionada no governo Fernando
Henrique Cardoso, estabelecendo as diretrizes e bases da educação
nacional. Evidenciou a preocupação com a formação permanente para
atender as necessidades do setor produtivo (Araújo, 2016, p. 31).
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 47) apontam que:
108
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
A transformação dessas Escolas Técnicas Federais em Centros Federais de
Educação Tecnológica, pela Lei n. 6.545/78, definiu para essas instituições,
além do objetivo de transmitir o ensino técnico, o de atuar no nível superior
de graduação, ministrando a Engenharia Industrial, os cursos tecnólogos e
as licenciaturas voltadas para a formação de professores do ensino técnico
e de cursos tecnólogo, além da extensão e da pós-graduação lato sensu.
Considerando o período compreendido entre a Lei 5.692 (Brasil, 1971)
e a aprovação da Lei 9.394 (Brasil, 1996), Manfredi (2002) afirma que muitos
projetos e perspectivas políticas acabaram por fundar disputas que consideravam
desde aspectos voltados à manutenção da dualidade estrutural até as necessidades
do mercado de trabalho, havendo uma série de discussões entre atores sociais,
como governo, empresários e educadores.
A reforma dos ensinos médio e profissional propostas no governo FHC,
a partir da regulamentação posta pelo Decreto Federal 2.208 (Brasil, 1997),
apresentou a seguinte concepção:
[…] o ensino médio terá uma única trajetória, articulando conhecimentos e
competências para a cidadania e para o trabalho sem ser profissionalizante,
ou seja, preparando ‘para a vida’. A Educação Profissional, de caráter
complementar, conduzirá ao permanente desenvolvimento das aptidões
para a vida produtiva e destinar-se-á a alunos e egressos do ensino
fundamental, médio e superior, bem como ao trabalhador em geral, jovem
e adulto, independentemente da escolaridade alcançada (Manfredi, 2002,
p. 128 – 129).
Sobre a política de Educação Profissional do governo FHC, Frigotto,
Ciavatta e Ramos (2005, p. 38) afirmam que “ela abrangeu ações voltadas para a
qualificação e a requalificação profissional, desviando a atenção da sociedade das
causas reais do desemprego para a responsabilidade dos próprios trabalhadores.”
Os anos de 1990 são marcados por acirradas disputas em torno de projetos
diferenciados de educação profissional. Volta ao centro da disputa o que
sempre esteve em jogo na história da educação profissional no Brasil: a
superação ou aprofundamento da dualidade; com seus desdobramentos
(Grabowski et al, 2010, p. 146).
Tendo em vista as inúmeras disputas do campo da Educação Profissional,
“a partir da revogação do Decreto 2.208/1997, pelo Decreto 5.154/2004, abriuse uma possibilidade de realização de um ensino profissional para além dos
interesses do capital”. (Roballo; Lottermann, 2016, p. 51, grifos dos autores).
Neste sentido, é importante que se destaque que, de acordo com Frigotto,
Ciavatta e Ramos (2005, p. 22), “a gênese das controvérsias que cercam a
revogação do Decreto n. 2.208/97 e a publicação do Decreto n. 5.154/2004 está
nas lutas sociais dos anos 1980, pela redemocratização do país e pela remoção do
entulho autoritário”.
109
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Para os autores, “o debate travado na década de 1980, sobre a possibilidade
de uma formação básica que superasse a dualidade entre cultura geral e cultura
técnica, introduziu na história da educação brasileira o conceito de politecnia”
(Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2005, p. 41).
De acordo com Roballo e Lottermann (2016, p. 48):
Ao contrário do Decreto 2.208/1997, que impedia o Ensino Médio de
oferecer a formação técnica, o Decreto 5.154/2004 procurou contemplar,
em parte, todos os envolvidos nas discussões, possibilitando a ampliação
da oferta do ensino profissional, seja ele integrado, concomitante ou
subsequente, o que demonstra uma tentativa de conciliação num cenário
controverso no qual foi instituído.
No que se refere à Educação Profissional, Ramos (2014, p. 78) afirma que:
Uma relevante medida foi a incorporação dos termos do Decreto n. 5.154/2004
na LDB, por meio da Lei n. 11.741, de 16 julho de 2008. A finalidade dessa
emenda na LDB é explicitada no caput da lei, quando se diz que esta altera
dispositivos da Lei no 9.394/96 para redimensionar, institucionalizar e
integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação
de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica.
Em sequência a este movimento, em 2008, a partir da Lei n° 11.892, de
29 de dezembro (Brasil, 2008), são criados trinta e oito Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia (IF´s), sendo que, no Rio Grande do Sul, foram
formados o IFRS, o IFSul e o IFFar, em estrutura multicampi.
3. Os Institutos Federais e o PROEJA
Com a criação dos Institutos Federais, inaugurou-se um novo momento
da Educação Profissional e Tecnológica, em um processo de transformação que
visava romper com a dualidade impressa na história educacional brasileira. Com
uma imensa responsabilidade e resultado da relação entre um modelo novo, mas
ainda desenvolvido, em boa parte, em estruturas originárias da antiga educação
profissional, iniciou-se uma nova fase.
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia atuam em
diversos níveis de ensino: desde a formação inicial e continuada até o
ensino técnico, o ensino superior e a pós-graduação. Conforme orientação
do Ministério da Educação, essas instituições devem estar em sintonia
com as necessidades da população atendida e precisam, ao ofertar seus
cursos, considerar os arranjos produtivos locais (APLs) para que possam,
efetivamente, suprir as demandas regionais. Isso implica uma atuação
permanentemente articulada e contextualizada com a sua região de
abrangência (Vieira, 2012, p. 168).
Pode-se dizer que a criação dos Institutos Federais surgiu com o objetivo
de reconstruir a Educação Profissional como política de governo, de modo
110
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
que a integração entre Educação Básica e Educação Profissional pudesse
ser consolidada com ênfase na formação integral. Dessa forma, já no início
do governo Lula, anunciou-se “a necessidade de reconstrução da Educação
Profissional como política de governo, no sentido de corrigir distorções
conceituais e práticas adotadas, principalmente pelo governo anterior (Assunção;
Rodrigues, 2007, p. 41)”, tendo em vista a persistência da desarticulação entre
Educação Profissional e Educação Básica, resquício da antiga gestão.
De modo a entender, dentro desse processo de desenvolvimento da
Educação Profissional, de que forma se dá o surgimento do PROEJA, é
importante que se considere que sua constituição também é resultado de
mudanças de concepções, bem como de convergências e divergências de ideias.
De acordo com Pereira (2012, p. 139):
[…] em 24 de junho de 2005, foi assinado o Decreto n°5.478, que instituiu o
Proeja no âmbito dos Centros Federais de Educação Tecnológicas (Cefets),
das escolas técnicas federais, das escolas agrotécnicas federais e das escolas
técnicas vinculadas às universidades federais (Brasil, 2005). Após polêmicos
e acalorados debates envolvendo o Ministério da Educação, representantes
da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e outros
segmentos sociais, o governo resolveu editar o Decreto n° 5.840/2006, que,
entre outras alterações, ampliava o programa para outros sistemas de ensino
(Brasil, 2006). Com isso, ficava clara a determinação de implantar uma nova
política para o campo da EJA.
Para o autor:
Ao atribuir à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
a condição de locus privilegiado para a implementação do Proeja, o Estado
reconhece tanto o acúmulo qualitativo dessas instituições em relação à
formação profissional quanto a ausência, em seu interior, dos sujeitos com
perfil próprio da educação de jovens e adultos (Pereira, 2012, p. 161).
Considerar a criação do PROEJA em relação ao desenvolvimento da
Educação Profissional no Brasil é ter a possibilidade de perceber o quanto o seu
processo de constituição recebe/recebeu influências de concepções políticas e
sociais, sofrendo ainda mutações de acordo com o contexto no qual se insere.
A criação desse programa, todavia, não se situa exclusivamente como um
desdobramento da história da educação profissional no país. Isso porque
não se trata apenas de tentar reparar a lacuna causada pelo distanciamento
entre formação geral e formação profissional, vivida principalmente pela
rede federal de educação profissional e tecnológica na gestão do então
presidente Fernando Henrique Cardoso. Trata-se, além disso, do resultado
de uma confluência de esforços que se fizeram presentes no âmbito do
governo federal, desde o início do governo Lula, para dar resposta às
demandas e pressões da sociedade civil na garantia da educação como um
direito de todos. (Castro; Machado; Alves, 2010, p. 27).
111
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
O surgimento do PROEJA vem para tentar resolver, até mesmo, distorções
no que se refere à dualidade trabalho manual e trabalho intelectual, buscando a
formação integral, de modo que seja possível alcançar os objetivos do Programa,
por meio da promoção de uma formação integrada, que vise a emancipação dos
sujeitos.
A partir da constituição da formação integrada, por meio da articulação
trabalho e educação, essa proposta “busca romper com uma histórica legitimação
da divisão social pela educação com a oferta de uma formação geral para as
classes dirigentes e uma formação para a produção para os trabalhadores”
(Adriano; Guimarães; Rodrigues, 2010, p. 60). Por isso, vê-se a proposta do
PROEJA como fundamental no combate à exclusão social, tendo em vista todos
os fatores históricos e sociais que perpassam sua constituição.
Ao reconstruir uma síntese de como se deu a trajetória de criação dos
Institutos Federais e do PROEJA, olhando para o desenvolvimento da Rede
Federal de Educação Profissional e Tecnológica, reitera-se a necessidade de
olhar para esse campo de pesquisa como resultado de uma série de mutações,
ao longo dos anos. Nesse sentido, reforça-se que, tendo em vista as diferentes
perspectivas e políticas de governo que orientaram o país, avanços e retrocessos
puderam ser observados.
4. Considerações finais
Ao finalizar este texto, não se pode deixar de evidenciar que a presente
pesquisa foi realizada entre os anos de 2018 e 2020, período no qual a palavra
retrocesso apareceu com muita ênfase e materialidade no contexto da Educação
Profissional e Tecnológica, como também de outros âmbitos da educação brasileira,
haja vista a vivência do Governo Bolsonaro e de enorme descaso com a EPT, os
IFs e suas estruturas e, no qual se viveu, para além das fragilização das relações
institucionais e de depreciações das imagens dos IFs e das Universidades Públicas
pelo próprio presidente da época e de seus Ministros (inclusive da Educação),
inúmeras tentativas de sucateamento intituladas de “contingenciamentos” e que
mascaravam cortes absurdos nesses espaços de educação.
Diante do vivido e do que há pela frente, reforça-se com este texto a
importância de que as lutas pela educação sejam pautadas pela equidade
e pelo compromisso com a emancipação humana, sem perder de vista que a
transformação da realidade social é resultado de um processo político, pedagógico
e engajado, o qual nos Institutos Federais, no PROEJA e na Educação Pública,
precisa ser sempre reafirmado como espaço de repercussão.
112
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Agradecimentos
Este texto resulta do trabalho acadêmico desenvolvido no âmbito do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) da Universidade Estadual
do Rio Grande do Sul (UERGS) com o apoio do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), Programa e Instituições
para os quais se registra o agradecimento.
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116
EDUCAÇÃO DO CAMPO E A
PEDAGOGIA SOCIALISTA SOVIÉTICA:
POSSIBILIDADES DE DIÁLOGOS SOBRE
AS TAREFAS SOCIAIS E POLÍTICAS DA
ESCOLA PARA UMA OUTRA SOCIEDADE
Marizete Andrade1
Adelar João Pizetta2
1. Introdução
Nascidas a partir da Revolução Russa de Outubro, a Pedagogia e a
escola soviética percorreram um complexo e longo caminho no seu processo
de desenvolvimento. Em suas trajetórias novos problemas sociais e pedagógicos
tiveram que ser enfrentados teórico e praticamente, muitos obstáculos foram
superados e um conjunto de estratégias prescindiram de elaboração na luta
contra a velha sociedade, concepções sociais reacionárias e visões obsoletas de
criação, educação e ensino. Basicamente, todas as experiências mais importantes
acumuladas pela humanidade no campo educacional foram criticamente
enriquecidas e revisadas, ao passo que novos princípios e ideias da Pedagogia
Socialista foram desenvolvidas e fortalecidas no movimento em que era
imprescindível colocar um sistema de ensino em consonância com a construção
de uma sociedade determinada.
Pensar a Pedagogia Socialista Soviética é uma tarefa que se formula à luz
da compreensão de condições sociais específicas. Por isso, seria uma completa
distorção de natureza teórica assumi-la enquanto um manual capaz de ser
aplicado em diferentes tempos e espaços. Na verdade, o sentido da Pedagogia
Soviética, cujo período de maior capacidade criativa vai de 1917 até 1931,
está na formação de um novo homem e de uma nova mulher nos quadros
1 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais no Programa de Pós-graduação Conhecimento e Inclusão Social em Educação. Professora Adjunta no Departamento de Educação da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: marizete.silva@ufv.br.
2 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professor Adjunto no
Departamento de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal do Espírito
Santo. E-mail: adelar.pizetta@ufes.br.
117
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
da consolidação de um processo revolucionário. Inclusive, esta era uma das
grandes preocupações de Lênin: não apenas manter o povo comprometido com
a tarefa de contribuir com as transformações necessárias, mas serem capazes
de compreender o significado daquele conjunto de experiências humanamente
históricas. Todavia, interpretar a Pedagogia Socialista Soviética a partir deste
prisma não antagoniza com a ideia de refletir sobre as possibilidades de
inspiração e influências que ela pode realizar em movimentos de transformar
a escola e conceber a educação no interior da luta daqueles que se colocam no
desafio de questionar as bases constitucionais da sociedade que se afirma sob a
propriedade privada e a contradição entre trabalho e capital.
Será, portanto, este o nosso ponto de partida para debatermos as
possibilidades de diálogos que se colocam entre a construção da Educação do
Campo, enquanto movimento político pedagógico que emerge do campesinato
brasileiro, e os fundamentos e as experiências da Pedagogia Socialista Soviética.
Para tanto, utilizaremos como referência o período de 1917 a 1931, ou seja, da
emergência do movimento revolucionário até a primeira reforma educacional,
fato que ocorre na mesma ocasião que o fim da atuação de Mosey Mikhailovich
Pistrak (1888-1937) no Comissariado Nacional de Educação da União Soviética.3
De natureza qualitativa, o presente estudo será fundamentado no
pensamento de Krupskayia (2017), Pistrak (2000, 2013), Makarenko (1965), King
(1938), Caldart (2000, 2002, 2009, 2017) e outros. Abordaremos, inicialmente, os
conceitos de Pedagogia Socialista Soviética e Educação do Campo como forma
de orientar as formulações que seguirão desde um quadro teórico determinado.
Posteriormente, nossas reflexões se voltarão para a identificação de pontos de
convergência entre a Educação do Campo e os princípios da Pedagogia Socialista
Soviética, enfatizando a coletividade e auto-organização no contexto escolar.
2. Pedagogia Socialista Soviética e Educação do Campo: análises
conceituais
Dividiremos este tópico em duas partes bem definidas. A passagem de
uma para a outra será realizada de modo bastante perceptível. Trataremos, em
primeiro lugar, da Pedagogia Socialista Soviética e posteriormente da Educação
do Campo. Nosso intuito não é apresentar nenhum marco teórico conceitual
de ambas as categorias, nem fazermos um lançamento de conceitos formulados
por quem dedicou ou têm se dedicado a compreendê-las com profundidade.
3 Criado em 26 de outubro de 1917, o Comissariado Nacional de Educação, cuja abreviatura
é NarKomPros, tinha como objetivo reconstruir o sistema educacional russo. Este
Departamento substitui o antigo “Ministério da Educação” da época tzarista e passa a
cuidar de toda a vida cultural, e não apenas da educação.
118
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Restringiremos a destacar algumas características essenciais que podem
conduzir a uma ideia geral de experiências educacionais construídas em lugares
e momentos históricos demasiadamente distantes.
No ano de 1917, ao assumirem o poder, os bolcheviques declararam que
o novo sistema educacional “não encontrava paralelo na história”. As reformas
promovidas no campo do ensino tinham como proposição estabelecer uma
política nacional baseada na teoria marxista, voltada para a formação de um
tipo de sujeito social para um Estado em transição. Ou, conforme expressou
Pistrak (2000, p.31): “a formação de um homem que se considere como membro
da coletividade internacional constituída pela classe operária em luta contra o
regime agonizante e por uma vida nova, por um novo regime social em que as
classes sociais não existam mais.”
Do ponto de vista retrospectivo, o sistema educacional soviético se revela
como um conjunto complexo, suscitando, ocasionalmente, questionamentos
sobre a coesão dos objetivos educacionais, tal como proclamado pelos
socialistas revolucionários. Entretanto, uma análise mais detalhada evidencia
a presença de um caráter medular e uniforme nos pressupostos educacionais.
Embora a prática em distintos períodos históricos tenha necessitado de ajustes e
divergido das perspectivas teóricas, os fundamentos educacionais mantiveramse consistentes. Tais ajustes não se resumiram a meros impulsos de educadores
e teóricos inexperientes. Com efeito, as condições materiais objetivas, em toda
sua complexidade, nem sempre permitiram a realização oportuna das tarefas
urgentes e necessárias para a consolidação da educação em larga escala.
Não é possível identificar uma concepção de Pedagogia Socialista
Soviética entre os seus primeiros e principais idealizadores, e é perfeitamente
natural que não exista. Colocando como elemento fundante de pensamento
para esta discussão a tentativa histórica de construir um sistema educacional em
uma sociedade em transição e formação, a Pedagogia Soviética insere-se dentro
deste denso movimento transformador, de modo que a realidade determinava
o sentido da organização e do conteúdo escolar. Portanto, a prática e a teoria
educacional precisavam expressar o caráter revolucionário do Estado proletário.
Para trabalhar de forma útil e com sucesso na nova escola soviética,
é fundamental compreender o seguinte: primeiramente, sem teoria
pedagógica revolucionária não poderá haver prática pedagógica
revolucionária. Sem uma teoria de pedagogia social, nossa prática levará a
uma acrobacia sem finalidade social e utilizada para resolver os problemas
pedagógicos na base das inspirações do momento, caso a caso, e não na
base de concepções sociais bem determinadas. (PISTRAK, 2000, p.24).
Na fase revolucionária da ditadura do proletariado cercada pelas
forças imperialistas, o desenvolvimento da educação das massas, condição
119
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
imprescindível para a consolidação das conquistas e das realizações da
revolução social, significava a formação de uma consciência mais nítida e mais
exata das finalidades sociais da classe vitoriosa. Por esta razão, assumia-se e
qualificava-se a escola enquanto uma arma ideológica da revolução. Portanto,
serão as proposições, o jeito de conceber e organizar as instituições de ensino
que tornarão possível compreender o que foi a Pedagogia Socialista Soviética.
Durante discurso na conferência do Komsomol,4 Lenin declara que não
se constrói socialismo limitando-se a conclusões comunistas e a aprendizagem
de slogans comunistas, o fundamental é o enriquecimento da mente com o
conhecimento de tudo o que fora criado pela humanidade. “Quando alguém diz
que é comunista e que, portanto, não precisa de uma sólida base de conhecimento,
ele não é, e nunca será, algo próximo a um comunista.” Anatóli Lunacharsky,
o primeiro comissário da educação, expressou não tão diferentemente sua ideia
sobre educação: “A mais bela conquista do comunismo será um renascimento da
arte e das ciências – este é o propósito mais sublime da evolução humana. Marx
nos disse que o único objetivo digno da humanidade é o maior alargamento
possível de todas as faculdades humanas.”5
Estas perspectivas radicalmente defendidas, sustentam que era necessário
educar toda a classe trabalhadora para que tivesse condições de assumir a
tarefa histórica e política de serem combatentes em prol da emancipação da
humanidade de todas as formas de opressão; era indispensável manter uma
constante educação das novas camadas da classe trabalhadora. Todos os
elementos, os mais simples e inconscientes desta classe, precisavam ser alcançados
por um sistema educacional dinâmico e, por conseguinte, se tornarem aptos a
abordar e apresentar soluções para os distintos problemas por eles enfrentados.
Deste modo, como ressalta Lênin (1962, p.71), “evitaria a redução da ciência
a um mero dogma que só ensina através dos livros, mas também participando
igualmente na luta cotidiana pela vida dessas camadas mais humildes e menos
conscientes do proletariado”.
Diferentemente da tradição secular de educação, as experiências
e necessidades resultantes da revolução socialista de outubro na Rússia
4 Sigla para “União Comunista da Juventude Leninista”, uma organização juvenil que
existia na União Soviética e em outros países socialistas. Foi fundada em 1918 e era
afiliada ao Partido Comunista da União Soviética (PCUS). O Komsomol tinha como
objetivo principal preparar os jovens para se tornarem membros ativos e engajados da
sociedade socialista, promovendo ideais comunistas, participação política, educação,
trabalho voluntário e atividades culturais. Ao longo dos anos, o Komsomol desempenhou
um papel importante na mobilização da juventude para apoiar os objetivos do partido e do
Estado soviético.
5 Ver KING, Beatrice. Soviet Education: Its Phases and Purpose.The Slavonic and East
European Review, Vol. 17, No. 49 (jul., 1938), pp. 135-150 (16 pages) <https://www.jstor.
org/stable/4203464>
120
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
impuseram a compreensão da educação como um grande sistema de meios
voltados principalmente para a formação dos novos homens e mulheres,
produtos das novas condições sociais, capazes de agir nessas circunstâncias e de
assumir compromissos, cada vez maiores e diferentes daqueles existentes, que
delas emergiam. Com esse objetivo a educação implicava, evidentemente, na
preocupação com o destino de cada indivíduo, mas esse destino estava ligado ao
futuro da revolução socialista, que criava as condições de vida. As instituições
pedagógicas e educacionais eram, portanto, não apenas objeto do interesse
dos pais em relação ao futuro de seus filhos, mas também objeto do interesse
de toda a sociedade em relação à realização da obra da revolução socialista
(SUCHODOLSKI, 1976).
O valor social da escola soviética era a formação de pessoas
multilateralmente desenvolvidas, com predisposições sociais conscientes e
organizadas, que pudessem pensar o mundo a partir de sua totalidade. Este
perfil de sujeito participante ativo da realização da história somente seria forjado
na sua relação teórica e prática com a realidade. Em outras palavras, a nova
sociedade exigia homens e mulheres com uma visão de mundo reflexiva, mas
igualmente requeria dos mesmos o desenvolvimento da capacidade construtiva.
Essas pessoas, destaca Krupskaya (2017, p.70), “são necessárias à sociedade
socialista, sem elas o socialismo não pode se realizar plenamente”.
A formulação de uma concepção da Pedagogia Socialista Soviética é
resultado do entendimento dos compromissos formativos fundamentais da
escola que estavam colocadas no âmbito do Estado proletário. O grande desafio
que emergia era o de articular o domínio das bases da ciência e a vinculação das
escolas com a vida através da participação criativa e concreta dos estudantes
direcionada para a conexão destas bases com o trabalho, sem jamais desvirtuar
das demandas urgentes e os interesses da classe trabalhadora.
O trabalho que não acompanha a educação escolar, que não acompanha
a educação social e política, permanece como um processo neutro de
nenhum valor educativo. Você pode fazer uma pessoa trabalhar o quanto
quiser, mas a menos que ela receba uma educação política e moral ao
mesmo tempo, a menos que participe da vida pública e política, esse
trabalho será nada mais do que um processo neutro que não produz
resultados positivos. (MAKARENKO, 1965, p.34).
O trabalho colocado em perspectiva pela Pedagogia Socialista Soviética
não era o trabalho em sua acepção negativa, não era qualquer tipo de esforço
físico, mas o trabalho socialmente útil e necessário de modo a determinar as
relações sociais. Colocando-o como elemento integrante da relação estabelecida
entre escola e a realidade, ou seja, a vida e suas complexidades, ocorre nesta
dimensão integralizadora a unificação entre o ensino e a educação.
121
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Há um aspecto especialmente importante na criação da nova escola
socialista – o de que somente ela pode ser um instrumento da educação
da personalidade humana. Para Krupskaya (2017) as escolas organizadas
pelo Estado capitalista se reduzem a instituições de ensino, que priorizam a
disciplina coercitiva, que suprime a independência das crianças, restringe o
desenvolvimento da personalidade humana, distorcendo-a. Portanto, somente
a escola do trabalho, estreitamente vinculada a vida circundante, que dispensa
atenção aos interesses das crianças, que oportuniza a elas múltiplos cenários
de aplicação das suas forças, é uma escola que tem capacidade de ensinar a
vida coletiva, que coloca diante das crianças objetivos elevados e que cria, pela
primeira vez, condições para o desenvolvimento da personalidade humana.
Neste sentido, como forma de apresentar alguma ideia condensada para
fins de demarcação teórico-conceitual de Pedagogia Socialista Soviética, ainda
que já tenhamos destacado os limites desta proposição, podemos afirmar que este
complexo faz referência a um conjunto de experiências educacionais no âmbito
da pedagogia social cujo sentido e objetivos correspondiam às necessidades da
sociedade socialista em processo de consolidação revolucionária.
Passamos agora para a segunda parte deste tópico: algumas considerações
conceituais do que chamamos de Educação do Campo.
A apresentação da Educação do Campo, como referência demarcada e
idealizada pelo coletivo agrário brasileiro, mediado por organizações políticas
da classe camponesa, ocorreu no final dos anos 1990, em meio a um período
marcado por avanços profundos e generalizados das iniciativas neoliberais
em várias esferas constitucionais do país. Assim, pensar a Educação do
Campo implica considerá-la como parte intrínseca das lutas sociais da classe
trabalhadora, emergindo de lugares territoriais e políticos específicos, como
tentativas históricas de lidar, tanto na prática quanto na teoria, com as produções
e reproduções da precarização da vida, cuja contradição entre trabalho e capital
é a substância geradora.
No pensamento social brasileiro permanecem algumas compreensões de
campesinato e camponeses bastante equivocadas ou, por vezes, reacionárias,
como àquelas que os identificam como massa homogênea de empobrecidos
incapazes de demandar e promover transformações no sentido de alcançar
patamares superiores de melhores condições de existência sem que, para isso,
sejam empreendidas práticas tutelares e assistencialistas do Estado. Ainda
existe outra compreensão, que apresenta a ideia dos camponeses como coletivo
potencialmente manipulável e, por consequência, ameaçador da ordem existente,
de modo particular, dos conjuntos de determinações políticas e econômicas que
sacralizam o direito constitucional à propriedade privada. Distorções teóricas
122
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
como estas, na verdade, têm cumprido papéis bastante funcionais e convenientes
para a garantia da não perturbação do modo hegemônico de organização social
e da forma predominante de distribuição do patrimônio material socialmente
produzido. Fato, é que o campesinato brasileiro se manifesta de uma forma
completamente divergente das ideias estabilizadoras da ordem existente.
A realidade agrária brasileira é constituída por uma heterogeneidade de
trabalhadores que se apresentam em muitos lugares, em distintas circunstâncias,
com níveis diferentes de radicalidade e por tempos variados de capacidade
organizativa como movimento vivo e criativo. E foi justamente esta força
dinâmica que inseriu no contexto político e educacional, em situação inédita na
história da educação do país, não apenas um termo referencial para demarcar
experiências pedagógicas específicas, mas apresentou e inseriu as próprias
experiências em si.
A Educação do Campo surge como anúncio de que em diferentes contextos
agrários do Brasil manifestavam práticas de ensino, formas de organizar a
escola e de conceber a educação fundamentadas por trabalhos humanizantes
e humanizadores. Mas a marca registrada dos povos campesinos nestas
construções era suficiente para colocá-las no plano da invisibilidade. Assumir
estes processos como legítimos significava, ao mesmo tempo, reconhecer o
campo como paisagem, mas também como território formativo e histórico.
Este foi um dos grandes dilemas do Estado brasileiro até o aparecimento de
uma forma mais propositiva e organizada da reflexão pedagógica que surge das
diversas experiências educacionais criadas e desenvolvidas pelos trabalhadores
camponeses. Para Caldart (2002) o pensamento consequente e profundo
do sentido destas práticas assume o campo como lugar que não se reduz a
reprodução, mas também é construtor de pedagogias. Por isso que este projeto
educativo dialoga com a pedagogia do oprimido na sua insistência de que os
oprimidos são sujeitos de sua própria educação, de sua própria libertação e na
ênfase que concede a cultura como eixo fundante da formação do ser humano.
Esta visão do campo como um espaço que tem suas particularidades e que é
ao mesmo tempo um campo de possibilidades de relação dos seres humanos
com a produção das condições de existência social confere à Educação
do Campo o papel de fomentar reflexões que acumulem força e espaço
no sentido de contribuir na desconstrução do imaginário coletivo sobre a
visão hierárquica que há entre campo e cidade; sobre a visão tradicional
do jeca tatu, do campo como lugar do atraso. A Educação do Campo,
indissocia-se da reflexão sobre um novo modelo de desenvolvimento e o
papel para o campo nele. (FERNANDES e MOLINA, 2005, p. 68).
Desta forma, a Educação do Campo significa pensar o ensino a partir
da materialidade de luta dos povos campesinos e de suas referências formativas
123
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
como cultura e trabalho. A escola e as práticas pedagógicas precisam responder
às exigências da vida que estão atravessadas pela complexidade do jeito de
ser camponês. Isto não significa renunciar ao diálogo com outros espaços e
processos exteriores ao universo agrário, pelo contrário, a Educação do Campo
é também uma abertura para o mundo e suas contradições. Na verdade, o que
está colocado é que os mais importantes elementos e fenômenos orientadores
de concepções e fazeres pedagógicos são aqueles que se referem ao destino
histórico do campesinato.
Trata-se de educar as pessoas a partir de especificidades e intencionalidades.
As categorias sociais que matizam a realidade agrária, como a juventude, as
mulheres, os negros e as crianças, são sujeitos que possuem demandas, interesses e
perspectivas de mundo tomadas como matéria de reflexão para o direcionamento
de prática. Isto explicita a dimensão política da Educação do Campo, ou seja,
suas intencionalidades. Ainda que a efetivação de propostas educativas situadas
no âmbito das lutas sociais seja marcadamente contraditória, feitas de avanços
e retrocessos, o sentido é pensar a humanização e suas formas de ocorrência. A
proposição de construir uma pedagogia da terra é formar trabalhadores capazes
de disputar projetos de campo e de sociedade.
Para compreender o significado da Educação do Campo é indispensável
reconhecer e entender as lutas históricas dos camponeses que surgiram como
resposta às diversas formas de dominação ao longo do tempo e espaço. Ao
contrário de outras classes sociais que buscam evitar a proletarização, os
camponeses formam uma categoria histórica que, inserida nos movimentos
das forças sociais contemporâneas, lutam pela sua própria sobrevivência.
A Educação do Campo, portanto, representa um movimento educacional
de trabalhadores, cuja identidade é paradoxal, refletindo tanto as condições
que reafirma quanto as que nega. Originado das experiências de classe dos
camponeses organizados em movimentos sociais, esse movimento pedagógico
é também uma força histórica e política, centrada no direito das comunidades
campesinas a um projeto educacional que capacita cada indivíduo a buscar a
emancipação por meio do pensamento crítico.
Segundo Caldart (2009), a Educação do Campo, que emergiu em
um contexto histórico e momento específico, não pode ser compreendida
isoladamente, nem apenas dentro do âmbito educacional ou dos parâmetros
teóricos da pedagogia. Ela representa um movimento real de resistência ao status
quo, que interpreta a realidade visando orientar as lutas concretas. Portanto, é
essencial analisar a Educação do Campo a partir dessa premissa, em vez de vêla como um projeto pedagógico ideal a ser simplesmente implementado. Dessa
forma, é elementar reconhecer que há uma perspectiva de totalidade envolvida na
124
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
origem da Educação do Campo. “Talvez isso incomode a alguns: a Educação do
campo não é uma proposta de educação. Mas enquanto crítica da educação em
uma realidade historicamente estabelecida, ela afirma e luta por uma concepção
de educação (e de campo).” CALDART (2009, p.40).
A Educação do Campo, para Arroyo (2011, p. 9): “não fica apenas
na denúncia do silenciamento, ela busca o que há de mais perverso nesse
esquecimento: o direito à educação que vem sendo negado à população
trabalhadora do campo”. Assim, refletir sobre este movimento políticopedagógico implica escutar e compreender a cultura, as interações sociais
e educativas dos diversos grupos que compõem o universo agrário. Esse
movimento está integrado à luta pela proteção das comunidades camponesas,
como parte de um projeto de resistência contra a hegemonia estabelecida.
Compreendemos que a construção da Educação do Campo ultrapassa os
limites das estruturas pedagógicas e metodológicas tradicionais de um modelo
ou projeto educacional, representando também um espaço estratégico para
disputas políticas e ideológicas. Esta abordagem abarca questões relacionadas
aos conflitos sociais existentes no meio rural, assim como a possibilidade de
promover o desenvolvimento humano para uma classe social específica em sua
totalidade. Reconhecer o papel fundamental da educação no processo histórico e
formativo do ser humano é essencial para compreender sua função na sociedade
dividida em classes de proprietários e produtores.
3. O legado da Pedagogia Socialista Soviética para pensar a escola
no contexto da Educação do Campo
Assumir que as reflexões sobre educação, pedagogia e as intencionalidades
da nova escola no pensamento dos expoentes da Pedagogia Socialista Soviética
não foram elaboradas com o intuito de conceder um direcionamento prático
às atividades docentes fora do contexto de consolidação da revolução russa,
não se opõe à possibilidade de investigar como este conjunto de ideias pode
influenciar a construção da Educação do Campo na atualidade. A viabilidade
de diálogo entre estes dois movimentos políticos-pedagógicos se justifica pela
permanência de inúmeros fenômenos que os soviéticos buscaram oferecer, a
partir da pedagogia social, respostas que contribuíssem para a superação dentro
dos marcos de uma sociedade transitória.
Ao tratar da atualidade da obra Fundamentos da escola do Trabalho publicada
por Mosey Pistrak em 1924, Caldart (2000) destaca que o elemento indicador de
que as reflexões do intelectual russo nos permitem dialogar com as incumbências
colocadas para os educadores do nosso tempo são as questões que moveram tanto
a sua prática quanto o seu pensamento. Estas questões, mais do que as respostas
125
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
formuladas e concedidas, continuam como desafios extremamente atuais. A
principal delas se refere a como vincular a vida escolar com um processo de
transformação social, convertendo-a em um lugar de educação do povo para que
se reconheça e se assuma como sujeito da construção da nova sociedade.
Desde seu momento embrionário uma das grandes preocupações da
Educação do Campo foi o de transformar a escola no sentido de ser espaço de
produção de conhecimento, de cultura, organização e formação política. Limitar
o espaço escolar à formação básica dos filhos e filhas da classe trabalhadora
é colocá-la na contramão da Pedagogia Social, isto porque a escola também
é um espaço de disputa na luta de classes. Ela foi criada, se especializou,
democratizou-se e tornou-se obrigatória dentro do poder hegemônico de um
grupo social determinado. Não faria sentido sua existência sem carregar a
missão histórica de refletir o seu tempo. Se pode estar a serviço de um regime
social específico pode também mover-se para outro lado e alterar sua finalidade.
Caldart (2000), ao refletir sobre a relação entre a escola e o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, destaca que:
Se o que a escola dever fazer, afinal, é ajudar a produzir seres humanos, é
preciso de um lado, que ela não se negue a cumprir esta tarefa, o que
ainda acontece em muitas escolas atualmente, à medida que ignoram ou
não enxergam os sujeitos que estão dentro dela; e, de outro, que aceite
entrar no processo e fazer a leitura das demandas e das questões que ela vai
colocando em seu movimento, às vezes mais lento, às vezes mais acelerado.
Sintonia com seu tempo e com os sujeitos que nela atuam, compromisso
político com a humanização em seu sentido mais pleno: é isto afinal que o
Movimento quer ver em escolas que se assumem vinculadas a seu projeto
ou a seus princípios. (CALDART, 2000, p.46).
O compromisso político com a humanização no contexto escolar se
apresenta por um lado na busca, dentro do acúmulo científico, das respostas
que a humanidade produziu para os mais diferentes desafios que teve que
superar. Este exercício constante de ir ao encontro do conhecimento suscita
novas questões que exigem novas posturas reflexivas do sujeito. Todavia, este
outro momento somente será convertido em compromisso político e de classe
se a escola assumir a responsabilidade com a compreensão da realidade viva.
As questões que precisam ser substâncias de análise devem ser aquelas que se
manifestam no mundo experienciado do indivíduo como dilemas que demarcam
nitidamente sua posição neste lugar. É imprescindível entender como surgem e
se desenvolvem os fenômenos da materialidade da vida.
A distinção entre o que é natural e o que é histórico constitui em uma
das chaves mais importantes para orientar o conteúdo e a forma da escola. Na
sociedade de classes, uma das estratégias mais exitosas do grupo hegemônico
126
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
é promover a confusão entre o que está dado, ou seja, o que se manifesta
fora da existência humana e o que é produto dos intercâmbios, interações,
conexões entre indivíduos, grupos e instituições dentro de uma sociedade. Não
é interessante para a causa da classe dominante revelar que o ser humano é hábil
construtor, mas também, é potencialmente um destruidor. É capaz de findar,
inclusive, aquilo que se desenvolveu sem sua criativa atuação. Portanto, tudo que
foi humanamente construído pode ser pela mesma condição superado.
Paulo Freire (2023) ao apresentar a profunda distinção que existe entre o
mundo humano e a vida a-histórica, destaca que os seres humanos ao contrário
dos animais, por terem consciência de sua atividade e da realidade a qual estão
inseridos, por agirem conforme seus desígnios, ao impregnarem o mundo de
sua presença criadora por meio da transformação que realizam nele, não apenas
vivem no mundo, mas também existem nele, e sua existência é histórica.
A consciência de si e do mundo é o oposto da alienação. Portanto,
concentrar esforços em mudar o conteúdo sem alterar a forma da escola é uma
grande armadilha para quem busca desenvolver uma Pedagogia Social. Mais do
que apenas conhecer, é essencial agir como participante ativo de um projeto de
sociedade nova, orientado pelo princípio da coletividade. Ao tratar a questão do
trabalho socialmente necessário da escola, Krupskaya (2017, p.131) ressalta que:
“entre as habilidades que devem ser dadas ao estudante pela escola soviética, a
habilidade principal é o hábito do ativismo social, porém, não o ativista-solitário,
mas o ativista-coletivo”.
Diante do modelo que Krupskaia (2017) chamava de “escola neutra”,
onde o educador e o aluno estão distantes um do outro, sem solidariedade
ou camaradagem entre ambos, a pedagogia socialista não limita a atividade
educativa ao professor ou aos alunos. Ela compreende a educação como um
processo que ocorre no âmbito de uma coletividade heterogênea, na qual são
proporcionadas experiências, recursos e meios para o pleno desenvolvimento
das pessoas. A coletividade se torna, ao mesmo tempo, um fim e um meio,
fundamentais na educação. É ela que verdadeiramente educa as pessoas, mas
respeitando a personalidade de cada aluno. O papel do educador não se restringe
apenas ao aluno, mas busca organizar, o meio social no qual este se desenvolve,
proporcionando experiências significativas que o auxiliem em seu processo de
aprendizagem (TRILLA, 2001).
Somente a transformação realizada pelo sujeito coletivo faz sentido
quando se busca construir uma sociedade de homens e mulheres emancipados.
A unificação de forças que convergem para a mesma direção exige a
harmonização de atitudes e uma interpretação compartilhada das razões pelas
quais se luta. Nenhuma estratégia se mostra bem-sucedida quando não é possível
127
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
organizar-se a partir de interesses comuns. A psicologia do individualismo é
a negação do florescimento material da cooperação e, portanto, precisa ser
superada ideologicamente. Para transcender este desafio, a escola desempenha
papel estrutural. Como destaca Pistrak (2009, p.121) “A habilidade de trabalhar
coletivamente cria-se apenas no processo de trabalho coletivo e segue-se daí
mais uma tarefa no campo do trabalho escolar.”
A questão da coletividade dos movimentos sociais do campo é uma
dimensão pedagógica-política que embasa suas ações na luta por terra, educação,
saúde, técnicas produtivas e outras demandas de justiça social. Formar as novas
gerações de lutadores e lutadoras implica o desenvolvimento do hábito de agir em
conjunto, o que não é uma tarefa simples. Nos tempos dos Pedagogos Soviéticos
revolucionários, o comportamento individualista de pequenos proprietários
camponeses representava um grande obstáculo para que se pudesse efetivar,
em um país predominantemente agrícola, uma república de trabalhadores com
espírito coletivo. Diante das condições materiais enfrentadas por aquela geração
de educadores duas estratégias se destacaram: a utilização dos livros didáticos e
a prática e fortalecimento da auto-organização.
Um dos pontos fortes nesta luta deve ser a escola. Os livros didáticos
devem ser alimentados da primeira à última linha pelo espírito coletivo.
É necessário educar sistematicamente, através dos livros, o hábito
nas crianças de abordar cada uma das questões, do ponto de vista dos
interesses globais. Passar cada uma das questões mais simples e mais
difíceis de tal forma que a criança se habitue a olhar para si mesma como
parte do todo – isso nós ainda fazemos muito mal. Precisamos aprender
isso. (KRUPSKAYA, 2017, p.132).
Os construtores da Educação do Campo, inseridos dentro do Estado
capitalista, não possuem a mesma autonomia que tinham os pedagogos soviéticos
para formular materiais didáticos compatíveis com as metas da sociedade
socialista, de modo a expandir, em muitos espaços da situação didática, os
valores e princípios da vida coletiva que, no contexto do início do século XX,
eram extremamente necessários e, ao mesmo, problemáticos de se efetivar.
No caso brasileiro, na década passada, foi aprovada a resolução n.º 40,
de 26 de julho de 2011 que estabelecia o Programa Nacional do Livro Didático
do Campo (PNLD Campo) para as escolas do campo - uma das demandas dos
movimentos sociais e do PRONERA (Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária). O documento delineava dois objetivos. O primeiro almejava
aprimorar o ambiente de trabalho dos educadores que lecionam em escolas
campesinas conforme com as diretrizes educacionais nacionais voltadas para a
Educação do Campo. O segundo visava estabelecer um programa nacional de
distribuição de livros didáticos adequados para turmas seriadas do campo, com
128
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
ênfase no atendimento de forma mais eficaz às necessidades educacionais de
públicos específicos. No entanto, no ano de 2018, enquanto esperavam o processo
de avaliação das coleções para o ano seguinte, os professores foram surpreendidos
com o encerramento do Programa do Livro Didático destinado ao Campo.
Segundo o Informe n.º 07/2018 COARE/FNDE, “em decorrência de estar em
andamento a revisão de marcos legais da educação nacional, não haverá, para
2019, escolha específica de materiais para atendimento das escolas rurais”.
Episódios como estes evidenciam a dificuldade de construir experiências
voltadas para práticas que se proponham ser mais humanizantes dentro do modo
de produção capitalista. Esta condição demanda um permanente movimento de
contestação e resistência. É crucial aproveitar as brechas e as contradições do
estado para a organização política da classe trabalhadora.
Para Freire (2023) a Pedagogia do Oprimido, sendo uma pedagogia
humanista e libertadora, apresenta dois momentos diferentes. O primeiro,
quando os oprimidos vão descobrindo e conhecendo o mundo da opressão,
neste sentido se comprometem, na práxis, com sua transformação; o segundo
momento, em que a realidade opressora, uma vez transformada, deixa de ser
do oprimido e se converte na pedagogia de toda a humanidade em constante
processo de libertação. Portanto, a complexidade da tarefa histórica dos
educadores-construtores da Educação do Campo é incompatível com a conduta
da espera paciente e confiante da mudança do mundo. A atuação prática precisa
ser reveladora da intencionalidade do compromisso político. As respostas para
questões como: Por que lutamos? Contra quem lutamos? E com quem lutamos?
emergem, como critério de verdade, na ação concreta do universo pedagógico e
não no conteúdo do discurso.
Outro ponto que a natureza antagônica do Estado capitalista com as
demandas proletárias no âmbito da Pedagogia Social evidencia é a necessidade
colocada para os educadores e educadoras do campo para atuarem com força
criativa na formulação de seus próprios planos, programas e materiais didáticos.
Não serão as políticas de governo, por mais progressistas que sejam, que irão
destacar e conter como guias referenciais de análise e de debate as questões
socialmente sensíveis aos povos que vivem e trabalham na terra, tais quais: a
luta pela Reforma Agrária, a defesa dos recursos ambientais, o cooperativismo,
associativismo, a riqueza cultural e os hábitos da vida coletiva. Caso, de alguma
forma, estas questões se façam presentes a partir de programas oficiais do estado,
estarão enquadradas pela perspectiva assistencialista e tutelar. Não serão, assim,
colocadas por exclusividade sob a ótica dos lutadores e de sua historicidade.
Nesta perspectiva, é indispensável gerar exemplos e conteúdos que
possibilitem a reflexão orientada pela prática, a fim de desenvolver ou despertar
129
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
nos trabalhadores o sentido de autoconhecimento e a compreensão do todo. Por
isso, a maneira como o ensino é conduzido, a prática docente, o envolvimento
dos estudantes e de toda a comunidade escolar dentro da estrutura administrativa
da escola são aspectos essenciais na formação dos trabalhadores, permitindo
que se reconheçam como membros de uma coletividade composta por sujeitos
sociais e políticos engajados na luta pela emancipação.
Outra estratégia utilizada pela Pedagogia Socialista Soviética para cultivar
o hábito do ativismo coletivo foi a auto-organização. A nova sociedade exigia um
tipo diferente de disciplina nas escolas. Lênin, ao dirigir-se à Terceira Conferência
dos Komsomols, afirmou, que no lugar da antiga disciplina militar, predominante
na sociedade burguesa “nós vamos criar um trabalhador e camponês inteligente.
A disciplina tornou-se um assunto politicamente significativo, pois uma
disciplina consciente tem um significado político.” Segundo King (1938), nessas
circunstâncias, os professores, inclusive muitos contrários ao regime soviético, não
podiam ser incumbidos da responsabilidade pela disciplina. Nos primeiros anos,
esta prática teve que ser repassada aos alunos. “E de fato, toda a organização da
vida escolar foi confiada a eles. Em alguns casos, decidiam o horário e o currículo.
Quando um visitante chegava à escola, era um aluno que o recebia, mostrava-lhe
a escola e respondia a todas as perguntas.” (KING, 1938, p.141).
A questão da auto-organização é central na Pedagogia Socialista Soviética
e estava vinculada intrinsicamente à iniciativa pessoal e à atividade das massas na
reconstrução da vida e pela construção de um novo regime social. Não se tratava
apenas de uma mera colaboração ativa dos trabalhadores nas relações cotidianas
exigidas pelo Estado proletário, mas sim do envolvimento imprescindível de todos
enquanto participantes da rápida transformação (requeridas pelas circunstâncias)
das formas próprias da ordem vigente. Como pontuou Pistrak (2000, p.174), “as
massas trabalhadoras utilizando a herança do passado, devem construir, e construir
rapidamente, um mundo novo e grandioso. É isto que dá à atualidade soviética
um caráter original”. Esperava-se que, conforme essa orientação, os alunos
trabalhassem coletivamente e se organizassem autonomamente em assembleias a
fim de superar o autoritarismo dos professores da escola burguesa. Os mandatos
de representação dos alunos seriam curtos para permitir a alternância. Somente a
assembleia dos alunos teria autoridade para analisar certas infrações e pronunciar
seu veredito. O papel dos professores se transformava em conselheiro. A visão
educacional de Pistrak refletia o projeto da revolução soviética na educação: a
formação de indivíduos preocupados com a busca do bem comum, superando o
individualismo e o egoísmo.
130
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
A liberdade, no entanto, é apenas um lado da moeda da vida. O outro lado
é a responsabilidade. Quando lhes falta a matéria-prima da experiência
as crianças só podem cunhar moedas de baixo valor. Quando tentam
produzir moedas de valores mais elevados, estas soam falsas. Para deixar
a metáfora, tornou-se óbvio com o passar do tempo que as crianças não
podiam usar satisfatoriamente uma liberdade completamente desimpedida;
que, por falta de experiência, não eram capazes de formar julgamentos ou
de tomar decisões em todas e quaisquer situações. O jornal de pedagogia
em 1928 criticou severamente as exigências feitas à capacidade de
julgamento de crianças bastante pequenas. Criticou severamente a prática
de deixar as crianças julgarem e punirem os delitos de seus colegas de
classe. Os melhores educadores perceberam as limitações da liberdade,
mas aceitaram as condições na escola como um estágio temporário, até
que condições sociais e econômicas melhores proporcionassem melhores
professores. Estavam ajustando as circunstâncias para cumprir o objetivo
imediato a fim de alcançar o propósito final. (KING, 1938, p. 143).
Se a finalidade da escola é permitir que os estudantes compreendam
a realidade viva, uma de suas responsabilidades é promover o exercício do
trabalho e da presença participativa. A auto-organização é acima de tudo
um posicionamento político diante da vida, pois exige o reconhecimento do
compromisso individual e coletivo com o conjunto de transformações que
projetadas no plano ideal precisam ser justificadas na concretude do mundo.
Isto também se refere ao tipo de sujeitos que se pretende formar e de mundo
que se deseja construir. O fim da sociedade de classes significa o encerramento
de relações baseadas em quem comanda e obedece dentro de uma estrutura
de poder determinada. Portanto, cabe as escolas oportunizarem os ensaios de
autogestão, as mudanças psicológicas para a superação do individualismo e
autoritarismo inerentes a sociedade capitalista. Isto não quer dizer que cabe a
escola reproduzir o mundo dos adultos, ou seja, a vida política dos adultos em
seus espaços. O que se propõe é a diminuição da distância entre a escola e as
exigências apresentadas pela vida em suas múltiplas dimensões.
Dentre os muitos legados deixados pela Pedagogia Socialista Soviética
para os educadores-lutadores da Educação do Campo, a auto-organização
tem significativo destaque. A formação de construtores de outro tipo de
desenvolvimento agrário requer trabalhadores que tenham conhecimentos
profundos dos ideais de sua classe, que saibam trabalhar e tomar decisões
coletivamente e tenham firmeza de convicção sobre qual o destino histórico da
luta que estão engajados no presente. É preciso organizar as estratégias dentro
de condições singulares. Estas lições e o desenvolvimento de tais habilidades
precisam ser vivenciadas deste cedo.
Caldart (2017), em um ensaio intitulado Caminhos para a transformação da
escola: Pedagogia do MST e Pedagogia Socialista Soviética, destaca que no Movimento
131
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a auto-organização dos estudantes logo foi
associada ao princípio de que todos os Sem Terra deveriam estar articulados
em seus núcleos de base, garantindo assim sua efetiva participação nas
diversas instâncias da estrutura organizacional. Ficou claro que a autogestão
dos estudantes, com perspectivas de avanços para a constituição de coletivos
infantis ou juvenis e seu envolvimento na condução da vida escolar, contribuiria
significativamente para a formação no trabalho coletivo
É inconcebível a existência dos movimentos sociais sem o desenvolvimento
entre sua militância e seus membros do hábito de autodireção. A vitalidade das
organizações de classe depende, em grande medida, da participação consciente
do coletivo que assegura sua mobilidade. Assim, ao proporcionar às crianças
e jovens, de acordo com as condições de cada faixa etária, formas de exercer
a autonomia e a prática do trabalho coletivo como valores pedagógicos, estará
também assegurando a preparação dos educandos para se engajarem nas
organizações políticas mais amplas no futuro.
Conforme destacado por Pistrak (2000), é imperioso que as novas
gerações assumam a auto-organização com seriedade, compreendendo suas
obrigações e responsabilidades. A manutenção do interesse das crianças pela
escola, enquanto centro vital, requer o reconhecimento de que, mesmo em tenra
idade, são membros ativos da sociedade, com problemas, interesses e objetivos
conectados à vida adulta e à sociedade como um todo. Não cabe dentro da
Pedagogia Social a negligência a estas questões.
As Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) - outra importante experiência
educacional voltada para os trabalhadores e trabalhadoras do campo - através
da Pedagogia da Alternância têm, do ponto de vista histórico, de forma bastante
consolidada a participação dos estudantes na organização escolar baseada na
iniciativa pessoal.
Na EFA a auto-organização da vida em grupo é uma ferramenta pedagógica
complementar que permeia todas as experiências dos estudantes no dia a dia da
instituição. Essa prática é fundamentada no princípio político da participação,
no qual os alunos são os principais agentes de seu próprio processo de formação,
contribuindo para a administração escolar e assumindo de forma consequente e
responsável a gestão de suas atividades em diferentes momentos e espaços. Tal
abordagem é guiada pelo postulado sociológico da coletividade, reconhecendo que
o ser humano, mais do que social, no sentido que precisa dos outros, é comunitário
no sentido em que se realiza servindo aos outros. Para fortalecer seu protagonismo,
os estudantes se organizam de forma associativa e informal, participando de
diversas comissões de trabalho que abrangem desde a articulação até a manutenção
do ambiente da EFA. (RACEFFAES e EFA DO BLEY, 2008, p.34).
132
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
Na Educação do Campo a auto-organização implica em promover o
desenvolvimento da capacidade do indivíduo de reconhecer a importância de sua
participação nos processos sociais aos quais pertence. O cerne dessa formação reside
na rejeição tanto da instrumentalização de um indivíduo por outro para propósitos
alheios aos seus interesses, quanto da espera paciente e solitária das transformações
qualitativas que nos colocarão em patamares superiores de humanização.
A questão reside em assumir-se como os únicos capacitados e responsáveis
por enfrentar os desafios e realizar as tarefas inerentes à sua classe. Segundo
Krupskaya (2017), a habilidade de identificar compromissos sociais e resolvê-los
de maneira coletiva, incorporando novas energias, e a capacidade de colaborar
com outros grupos interessados na solução dos desafios colocados são funções
essenciais da escola. Não se trata da quantidade de problemas sociais que a
escola deve resolver – é preferível menos, porém com maior qualidade –, mas
sim das competências sociais que ela desenvolve. Portanto, a escola do campo,
enquanto alicerce da educação dos camponeses, precisa estar conectada às
lutas sociais e aos fundamentos ideológicos desses trabalhadores, à produção
real e às atividades socialmente relevantes e concretas; sem essas dimensões,
perderia sua relevância. Como pronunciou Lenin no I Congresso do Ensino
em 1918: “Nosso trabalho no domínio escolar consiste em derrubar a burguesia
e declaramos abertamente que a escola fora da vida, fora da política, é uma
mentira e uma hipocrisia”.6
3. Conclusão
Passados mais de um século desde a emergência da Pedagogia Socialista
Soviética ela permanece como referência de interlocução para as tentativas históricas
no campo da Pedagogia Social de conceber a educação e as tarefas da escola. A
vitalidade do pensamento revolucionário não se justifica apenas pelo conteúdo
de alta densidade convertido em direcionamento para aqueles que precisam se
responsabilizar pela formulação e alinhamento de objetivos educacionais a um
regime social determinado. A permanência do legado dos pedagogos soviéticos
também se justifica pela persistência de muitos fenômenos que foram, naquele
tempo de Estado transitório, matéria de enfrentamento. As lições de construções
do passado, formuladas no interior de processos revolucionários, ou seja, a partir
de condições objetivas mais complexas e avançadas, têm permitido análises da
realidade e de elaboração pedagógica para os trabalhadores do presente.
No que tange a construção da Educação do Campo, um dos principais
legados deixados pela Pedagogia Socialista Soviética foi o de garantir a relação da
6 Ver PISTRAK (2000, p.22).
133
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
escola com a vida, e não somente no âmbito da retórica e do plano ideal, mas em
um processo de conversão social, fazendo com que o espaço destinado ao ensino
seja transformado em espaço de trabalho e auto-organização, tendo em vista a
preparação das gerações mais jovens para a construção de outra sociedade.
A recuperação da radicalidade das experiências da Pedagogia Socialista
Soviética, especialmente a cultura da coletividade, para pensar o sentido da
Educação do Campo nas distintas circunstâncias em que ela se manifesta nos
parece tão necessária quanto urgente dada a complexidade dos desafios que
enfrentam os proletarizados da terra. A permanência histórica e a emancipação
dos trabalhadores camponeses são inconcebíveis sem o desenvolvimento
contínuo de uma consciência mais profunda e crítica da realidade. Portanto, a
escola precisa responder à exigência de desenvolver sujeitos aptos a criar formas
próprias de organização e gerar novos espaços de trabalho coletivo.
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135
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
136
Índice Remissivo
Símbolos
LDB 54, 64, 102
A
Aluno surdo 61, 62, 63, 66, 67, 68, 71, 80, 82
Aprendizagem 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 62, 64, 65, 66, 67, 68,
70, 71, 72, 76, 79, 80, 81, 83, 84, 97, 99, 100, 101, 103, 120, 127
Autonomia 16, 20, 38, 79, 128, 132
C
Comunidade escolar 13, 64, 79, 80, 130
Constituição 41, 42, 44, 47, 56, 58, 92, 93, 95, 100, 101, 106, 113, 114
Cultura 14, 19, 39, 41, 48, 52, 59, 65, 72, 73, 75, 82, 88, 110, 123, 124, 125,
126, 134
D
Didática 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 81, 82, 83, 84, 128
Didática Magna 14, 18, 24
Direitos 26, 37, 38, 70, 74, 91, 92, 94, 101
Ditadura 16, 46, 47, 48, 50, 54, 57, 59
Ditadura Civil-Militar 46, 47, 54
Diversidade 21, 22, 23, 37, 58, 76, 79, 80, 81, 83, 89, 97
Diversidade social 21, 22, 23
Docentes 14, 18, 19, 20, 23, 24, 46, 57, 58, 71, 73, 77, 78, 79, 80, 81, 125
E
Educação 1, 13, 16, 24, 25, 27, 31, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 42, 44, 45, 46, 51,
55, 56, 59, 60, 61, 64, 65, 68, 69, 70, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 84, 85, 86,
87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104,
105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 117, 118, 122, 123,
124, 125, 126, 128, 129, 131, 133, 134, 135
Educação Básica 36, 70, 76, 78, 93, 95, 96, 98, 104, 111, 114
Educação bilíngue 61, 63, 64, 68, 69, 70, 72, 73
Educação brasileira 1, 18, 36, 40, 42, 51, 55, 59, 62, 63, 68, 88, 97, 98, 99, 110,
112, 114
Educação do Campo 118, 122, 123, 124, 125, 126, 128, 129, 131, 133, 134,
135
137
D ouglas o restes F ranzen (o rganizaDor )
Educação Especial 77, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97
Educação Inclusiva 36, 76, 77, 84, 92, 93, 95, 96
Educação para mulheres 26, 28, 31, 34
Educação Profissional 36, 85, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 109,
110, 111, 112, 114, 115
Educação Profissional e Tecnológica 36, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105,
110, 112, 115
Educação pública 15, 31, 43, 56
Ensino-aprendizagem 17, 71, 72, 79, 80, 81, 83, 84
Ensino Fundamental 68, 71, 74
Ensino superior 39, 40, 62, 63, 64, 67, 73, 102, 110
Era Vargas 36, 37, 43, 45, 106
Escola católica 46, 47, 51, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59
Estado 16, 25, 34, 35, 36, 37, 41, 42, 44, 45, 50, 51, 52, 53, 54, 56, 57, 64, 74,
75, 91, 100, 105, 111, 119, 120, 121, 122, 123, 128, 129, 130, 133
Estado Novo 36, 37, 41, 42, 45, 91
F
Família 19, 29, 55, 56, 64
Formação 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 26, 30, 40, 42, 43, 45, 53,
55, 57, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 99, 100,
101, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116,
117, 119, 120, 121, 123, 126, 130, 131, 132, 133
Formação do professor 17, 20, 45, 72
Formação integrada 112, 113, 114
G
Getúlio Vargas 16, 37, 38, 100
Golpe civil-militar 47, 50, 53, 56
H
História 1, 24, 27, 28, 35, 39, 44, 45, 53, 57, 58, 59, 87, 94, 97, 100, 115
História Cultural 28, 57
Humanização 124, 126, 133
I
Identidade 22, 73, 86, 114, 124, 134
Igreja 32, 39, 41, 46, 48, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 57, 58, 74
Igreja Católica 39, 48, 50, 51, 52, 54, 55, 57, 58
Imprensa 26, 27, 28, 34, 35, 44
Imprensa feminina 26, 28, 34
Inclusão 17, 22, 38, 61, 62, 63, 64, 67, 70, 71, 73, 75, 76, 82, 84, 93, 103
Institutos Federais 98, 99, 110, 112, 113, 114, 115, 116
Intérprete 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 82, 83, 85, 86
138
HistÓria Da eDuCaÇÃo:
perCursos Da eDuCaÇÃo brasileira
L
Lei da inclusão 61, 63, 67
Lei de Diretrizes e Bases 54, 61, 68, 69, 77, 93, 102, 107
Leitura 20, 31, 33, 34, 48, 49, 55, 57, 59, 126
Liberdade 14, 16, 47, 50, 52, 95, 107, 131
Libras 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 78, 81, 82, 83, 84, 85,
93
Língua Brasileira de Sinais 61, 66, 67, 69, 71, 72, 77, 78, 84, 85, 93, 96
Língua Portuguesa 36, 39, 43, 66, 70, 71, 72, 73, 78, 82
M
Magistério 26, 54, 56, 76
Marcos legais 83, 94, 129
Ministério da Educação 16, 38, 44, 55, 56, 73, 100, 103, 106, 110, 111, 118
Modernização 16, 39, 41, 44
Mudanças sociais 17, 106
Mulher 26, 27, 29, 31, 32, 33, 117
P
Pedagogia 13, 14, 16, 17, 55, 65, 79, 119, 122, 123, 124, 125, 127, 129, 131,
134, 135
Pedagogia Social 126, 127, 129, 132, 133
Pedagogia Socialista Soviética 117, 118, 119, 120, 121, 122, 125, 130, 131,
133, 134
Pessoa com deficiência 61, 64, 70, 88, 91, 92, 94, 97
Prática pedagógica 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 71, 76, 79, 80, 119
Primeira língua 63, 70, 71
Privatização do ensino 47, 56, 57, 102, 107
PROEJA 4, 98, 99, 103, 104, 110, 111, 112, 113, 114
Profissionalização 80, 104, 106
R
Reforma Francisco Campos 38, 39, 40, 43
Reformas 17, 40, 65, 108, 119
Revista Vozes 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 54, 57, 59
Revolução de 1930 36, 37, 38
S
Sala de aula 19, 61, 62, 63, 65, 66, 67, 71, 72, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 82
T
TILSP 61, 62, 71, 72, 74, 75, 76, 77, 78, 80, 81, 84
Tradutor 61, 62, 64, 65, 66, 67, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 77, 82, 83, 85, 86
V
Vida Doméstica 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 34
139