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2023, COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ. Precedentes. Embargos e superação

COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ. Precedentes. Embargos e superação

Organizadores BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ Recomendação (09/09/22) dispõe sobre o tratamento dos precedentes no Direito brasileiro Londrina/PR 2023 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Comentários à Recomendação n.º 134 do CNJ. Recomendação (09/09/22) dispõe sobre o tratamento dos precedentes no Direito brasileiro. / Organizadores: Bruno Augusto Sampaio Fuga, Ravi Peixoto. – Londrina, PR: Thoth, 2023. © Direitos de Publicação Editora Thoth. Londrina/PR. www.editorathoth.com.br contato@editorathoth.com.br 441 p. Bibliografias ISBN 978-65-5959-439-9 1. Direito Processual Civil. 2. Recomendação. 3. CNJ. I. Fuga, Bruno Augusto Sampaio. II. Peixoto, Ravi. CDD 341.46 Diagramação e Capa: Editora Thoth Revisão: os autores Editor chefe: Bruno Fuga Conselho Editorial (Gestão 2022) Prof. Dr. Anderson de Azevedo • Me. Aniele Pissinati • Prof. Dr. Antônio Pereira Gaio Júnior • Prof. Dr. Arthur Bezerra de Souza Junior • Prof. Dr. Bruno Augusto Sampaio Fuga • Prof. Me. Daniel Colnago Rodrigues • Prof. Dr. Flávio Tartuce • Me. Gabriela Amorim Paviani • Prof. Dr. Guilherme Wünsch • Dr. Gustavo Osna • Prof. Me. Júlio Alves Caixêta Júnior • Prof. Esp. Marcelo Pichioli da Silveira • Esp. Rafaela Ghacham Desiderato • Profª. Dr. Rita de Cássia R. Tarifa Espolador • Prof. Dr. Thiago Caversan Antunes Índices para catálogo sistemático 1.Direito Processual Civil: 341.46 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização. A violação dos Direitos Autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98. Todos os direitos desta edição são reservados pela Editora Thoth. A Editora Thoth não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seus autores. BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 391 Art. 44 - Recomenda-se que os embargos de declaração em que se pede a manifestação do tribunal sobre modulação sejam recebidos com efeito suspensivo. BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA Advogado e Professor. Doutor em Direito Processual Civil pela PUC/ SP. Pós-doutorando pela USP. Membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina. Mestre em Direito pela UEL. Pós-graduado em Processo Civil. Pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política pela UEL. Coordenador e fundador da Comissão de Processo Civil da OAB/Londrina; atual vice. É Coordenador da Comissão de Processo Constitucional da OAB/Londrina. Foi coordenador da pós-graduação em Processo Civil do IDCC Londrina (2018/2022). É membro da ABDPro, IDPA e IBPD. Conselheiro da OAB Londrina/PR. Editor chefe da Editora Thoth. E-mail brunofuga@brunofuga.adv.br 1 A REGRA É O EFEITO RETROATIVO Humberto Ávila aponta que “enquanto a lei se destina ao futuro, as decisões judiciais, em regra, vertem sobre o passado”, a permitir que a regra seja a retroatividade na superação de entendimentos firmados em precedentes. A modulação, neste sentido, depende de razões fático-jurídicas relevantes.783 Deste modo, enquanto fontes produtoras de normas interpretativas, os pronunciamentos judiciários produzem efeitos, em sentido amplo, “retroativos”.784 Assim, a regra é o efeito retrospectivo na hipótese de superação de entendimento no Brasil.785 Embora a regra, o efeito retrospectivo pode causar algumas injustiças, como já aqui demonstramos. O efeito retrospectivo pode trazer não apenas um futuro incerto (o que já seria ruim), mas também um contraditório “passado incerto”.786 783. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. Malheiros Editores. São Paulo, SP. 2011, p. 474. 784. CAPONI, Remo. Overruling em matéria processual e garantias constitucionais. Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nº 1 – Jun. 1985 – Rio de Janeiro, Tribunal de Justiça, 1985, p. 66. 785. Não concordamos, portanto, com o “FPPC – Enunciado 55: Pelos pressupostos do § 3º do art. 927, a modificação do precedente tem, como regra, eficácia temporal prospectiva. No entanto, pode haver modulação temporal, no caso concreto.” No decorrer dos comentários ao artigo da recomendação, demonstraremos os fundamentos. 786. Frase atribuída ao ex-ministro Pedro Malan. O passado é incerto, disponível em: https://blogs. oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-passado-incerto-565154.html 392 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ Assim, o STJ, já na vigência do Código de Processo Civil de 2015, manifestou que a regra é a retroatividade – STJ, EDcl no REsp 1.285.463/SP e STJ, EDcl no EREsp 1.134.957/SP. Ocorre, porém, que a legislação atual traz de forma expressa a possibilidade de modulação dos refeitos, ou seja, a regra é o efeito retroativo, todavia, veremos adiante que em algumas situações o efeito prospectivo é possível. E como há uma nova sistemática processual com “precedentes “com grande força vinculativa, a eventual alteração de entendimento ganha grande repercussão. Diga-se, inclusive, que essa modulação é possível na hipótese de alteração do precedente e não quando ele é formado.787 Sobre este assunto, um tribunal que aplica uma decisão de overruling deve estar constantemente ciente de que o seu próprio critério constitui a base desta aplicação. Deve considerar cuidadosamente as consequências do efeito retroativo e fazer um julgamento explícito com base nessa consideração. Em qualquer caso, a operação de overruling não deve ser controlada por regras obrigatórias nem deve ser decidido por padrão. 788 Além disso, discorreremos adiante que a retroatividade ou o efeito prospectivo, de acordo com nosso entendimento, deve ser obrigatoriamente tratado na decisão, mesmo sendo a regra o efeito retroativo. O motivo é simples, segurança jurídica - ou seja, para retroagir ou não, deve constar na decisão os motivos. Adiante segue explorando o tema prospective overruling, inclusive no Código de Processo Civil de 2015, momento oportuno para complementar as informações deste subcapítulo. 2 A POSSIBILIDADE DE MODULAÇÃO A previsão legal para modular os efeitos da decisão tem guarida no art. 27 da Lei 9.868/1999 (ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade) e no art. 11 da Lei 9.882/1999 (arguição de descumprimento de preceito fundamental).789 O Código Processo Civil de 2015 também apresenta expressa previsão legal neste sentido, art. 927, §3º: 787. CUEVA, Ricardo Villas Bôas. A modulação dos efeitos das decisões que alteram jurisprudência dominante do STJ (art. 927, §3º, do novo CPC). In: O novo processo civil brasileiro: Temas relevantes – Estudos em homenagem ao Professor Jurista e Ministro Luiz Fux : volume II… - 2 ed – Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2018, p. 438 a 443. 788. T. C. M., Jr. The effect of overruling prior judgments on constitutional issues. Virginia Law Review, vol. 43, nº 8, 1957, pp. 1294. 789. Sobre o tema, em recurso extraordinário n.º 197.917 em que se declarou a inconstitucionalidade de norma da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela, por ofensa ao artigo 29, IV, ‘a’, da Constituição Federal, entendeu pela “Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade”. Sobre o tema: “A eficácia ex tunc da superação dos precedentes tem prioridade de aplicação. No BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 393 Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. Sobre o tema, destacamos também a Lei 13.655/2018 que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.790 Em seu artigo 23 traz a possibilidade de regime de transição e o artigo 24791 a necessidade de entanto, a atribuição de efeitos ex nunc deve ser considerada nos casos em que o entendimento que está sendo alterado tornou-se pacífico por longo período.” ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p. 454. Sobre o tema, FNPP - Enunciado 21: Na decisão que supera precedente, é cabível a modulação de efeitos em favor da Fazenda Pública, inclusive em matéria tributária. 790. Sobre o tema, Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e alteração produzidas pela Lei 13.655/2018, “Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.” Sobre o tema modulação de efeito realizada pelo STJ: “Tenho para mim que, também no âmbito do 738.689, as decisões que alterem jurisprudência reiterada, abalando forte e inesperadamente expectativas dos jurisdicionados, devem ter sopesados os limites de seus efeitos no tempo, buscando a integridade do sistema e a valorização da segurança jurídica. É que o reconhecimento da “sombra de juridicidade”, decorrente da atividade jurisdicional do Estado, revela indiscutível a necessidade de resguardarem-se os atos praticados pelos contribuintes sob a expectativa de que aquela era a melhor interpretação do Direito, já que consubstanciada em uma jurisprudência reiterada, em sentido favorável às suas pretensões, pela Corte que tem a competência constitucional para dar a última palavra no assunto. Essa necessidade de privilegiar-se a segurança jurídica e, por conseqüência, os atos praticados pelos contribuintes sob a “sombra de juridicidade” exige do STJ o manejo do termo a quo dos efeitos de seu novo entendimento jurisprudencial.” (grifo nosso) EREsp 738689 (2006/0043241-3 de 22/10/2007), Ministro Hermann Benjamin; Assim também o STJ realizou prospective overruling em Habeas Corpus 28.598: “Habeas Corpus. processual penal. Tempestividade do recurso ministerial. Mudança do entendimento jurisprudencial das cortes superiores. Aplicação aos casos futuros.” Para os autores, há uma “abertura textual para permitir a modulação não apenas pelas Leis 9.868/1999 e 9.882/1999, SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna; CHAVES, Luciano Athayde. A prospectividade da alteração da jurisprudência como expressão do constitucionalismo garantista: uma análise expansiva do art. 927, § 3.º, do NCPC. Revista de Processo | vol. 259/2016 | p. 437 - 468 | Set / 2016. 791. Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais. Parágrafo único. (VETADO). Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. 394 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ resguardar segurança jurídica na hipótese de revisão de orientações judiciais. O assunto guarda então nítida relação com o prospective overruling. A CLT, art. 896-C, §17º, traz condições para alteração de precedentes. Neste sentido também a Lei 11.417/2006 regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal – regimento interno do STF, art. 354-A. Sobre o tema prospectivo, como exemplo no Brasil, temos o julgamento no STF da ADI 2.240. Trata o caso sobre a criação do município de Luís Eduardo Magalhães, onde a Corte, com relatoria do Ministro Eros Grau, não tinha dúvida da inconstitucionalidade da Lei, porém, o efeito iria atingir diversas situações que se formaram depois da edição. O relator julgou improcedente mesmo reconhecendo a inconstitucionalidade. Gilmar Mendes pediu vista, em seu voto e declarou que a ação poderia ser julgada procedente, preservando as situações anteriores.792 Assim também decisão proferida pelo STJ em dezembro de 2019 que de forma expressa reconheceu o prospective overruling.793 O tema era sobre 792. Também sobre o assunto, RE 637.485/RJ: “Recurso extraordinário. Repercussão geral. Reeleição. Prefeito. Interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição. Mudança da jurisprudência em matéria eleitoral. Segurança jurídica. I. Reeleição. Municípios. Interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição. Prefeito. Proibição de terceira eleição em cargo da mesma natureza, ainda que em município diverso (...) as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior”. “Não há dúvida que ambas as decisões protegem a segurança jurídica. É isto, precisamente, que permite a aproximação das situações. Porém, a técnica do prospective overruling tem a ver com a revogação de precedentes e não com a declaração de inconstitucionalidade. (...) Contudo, na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ação direta de inconstitucionalidade do município de Luis Eduardo Magalhães, não há como pensar em proteção da confiança fundada nos precedentes. MARINONI, Luiz Guilherme. Eficácia temporal da revogação da jurisprudência consolidada dos tribunais superiores. Revista de Informação Legislativa. Brasília ano 48 n. 190 abr./jun. 2011, p. 22. 793. Recurso Especial nº 1.721.716/PR. Recurso especial. Seguro de vida. Mudança de jurisprudência. Aplicação do entendimento antigo. Teoria da prospective overruling. Mudança de entendimento prospectiva. Proteção da confiança. Necessidade de proteção. Precedentes qualificados. Não incidência na hipótese. (...). 3. A teoria da superação prospectiva (prospective overruling), de origem norte-americana, é invocada nas hipóteses em que há alteração da jurisprudência consolidada dos Tribunais e afirma que, quando essa superação é motivada pela mudança social, seria recomendável que os efeitos sejam para o futuro apenas, isto é, prospectivos, a fim de resguardar expectativas legítimas daqueles que confiaram no direito então reconhecido como obsoleto. 4. A força vinculante do precedente, em sentido estrito, bem como da jurisprudência, em sentido substancial, decorre de sua capacidade de servir de diretriz para o julgamento posterior em casos análogos e de, assim, criar nos jurisdicionados a legítima expectativa de que serão seguidos pelo próprio órgão julgador e órgãos hierarquicamente inferiores e, como consequência, sugerir para o cidadão um padrão de conduta a ser seguido com estabilidade. 5. A modulação de efeitos do art. 927, § 3º, do CPC/15 deve ser utilizada com parcimônia, de forma excepcional e em hipóteses específicas, em que o entendimento superado tiver sido efetivamente capaz de gerar uma expectativa legítima de atuação nos jurisdicionados e, ainda, BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 395 suicídio, pois em 2018 a Corte Superior firmou entendimento de não cobertura do seguro se o suicídio fosse durante os dois primeiros anos de contrato do seguro. Mas no caso, Recurso Especial nº 1.721.716/PR, o STJ reconheceu o prospective overruling Neste sentido, Mitidiero afirma que, havendo alteração, não poderá atingir retroativamente a parte, pois é preciso reconhecer o precedente como elemento de cognoscibilidade e proteger a confiança, tutelando os atos de disposição praticados.794 Destacamos que então os tribunais de recurso desempenharam duas funções diferentes: decidir casos e alterar as regras que governam e orientam a conduta futura.795 O prospective overruling pode evitar sérios inconvenientes, no sentido de modulação dos efeitos, e constitui importantíssimo instrumento técnico a ser prestigiado pelo legislador e pelos tribunais.796 É uma circunstância então para “proteger a confiança” e gerar segurança jurídica.797 794. 795. 796. 797. o exigir o interesse social envolvido. 6. Na hipótese, é inegável a ocorrência de traumática alteração de entendimento desta Corte Superior, o que não pode ocasionar prejuízos para a recorrente, cuja demanda já havia sido julgada procedente em 1º grau de jurisdição de acordo com a jurisprudência anterior do STJ. 7. Recurso especial conhecido e provido. Brasília (DF), 10 de dezembro de 2019(Data do Julgamento) Ministra Nancy Andrighi Relatora. MITIDIERO, Daniel. Precedentes. Da persuasão à vinculação. Revista dos Tribunais. 2016, p. 139; MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente; -- 3 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 91. LEDERMAN, Howard. Judicial overruling: time for a new general rule. Michigan Bar Journal, Michigan, Setembro, 2004, p. 23. TUCCI, José Rogério Cruz e. Parâmetros de eficácia e critérios de interpretação do precedente judicial. In: Direito jurisprudencial / Teresa Arruda Alvim Wambier, coordenação. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 110. Decisão do STF: STF, ARE 709.212, Tribunal Pleno, j. 13.11.2014, rel. Min. Gilmar Mendes, “Recurso extraordinário. Direito do Trabalho. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Cobrança de valores não pagos. Prazo prescricional. Prescrição quinquenal. Art. 7º, XXIX, da Constituição. Superação de entendimento anterior sobre prescrição trintenária. Inconstitucionalidade dos arts. 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do FGTS aprovado pelo Decreto 99.684/1990. Segurança jurídica. Necessidade de modulação dos efeitos da decisão. Art. 27 da Lei 9.868/1999. Declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” “In all events, prospective overruling is a modern reality. The courts have been freed from the strait-jacket of the declaratory theory of law... They are free to make law. They are free to determine the time when their overruling decisions shall begin to operate. Each overruling case must take effect at some point in time.” Em todos os eventos, prospective overruling é uma realidade moderna. Os tribunais foram libertados da camisa-de-força da teoria declaratória do direito. Eles são livres para fazer leis. Eles são livres para determinar o momento em que suas decisões de overruling começarão a operar. Cada caso de overruling deve ter efeito em algum momento no tempo” (tradução livre, grifo nosso). ROGERS, Candler S. Perspectives on prospective overruling. 36 University of Missouri at Kansas City Law Review. 35, 1968, p. 74. “De fato, proteger a confiança, gerando segurança jurídica, nada mais é do que permitir ao jurisdicionado certa dose saudável previsibilidade.” ALVIM, Teresa Arruda. Modulação: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 26. 396 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ Assim, o legislador no disposto no art. 927, §3º “andou mal” ao afirmar ser possível a modulação em alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos.798 Certamente, possível extrair do texto legal que eventual entendimento firmado em IAC também poderá ser modulado. Destacamos, que essa possibilidade da jurisprudência ter efeitos “moduláveis” suaviza o rigor desta regra de divisão de funções.799 Em um país ainda não acostumado com a força dos precedentes, referida técnica poderá incentivar os tribunais a se sentirem confortáveis para realizar alterações de entendimentos.800 3 MOMENTO E QUÓRUM Sobre o momento a ser questionada a modulação dos efeitos, inicialmente o STF não permitia que a discussão fosse alegada em embargos de declaração. A regra era o efeito retroativo e, quando o órgão não se manifestasse, deveria aplicar a regra, ou seja, o efeito ex tunc.801 Ocorre, porém, que no recurso extraordinário nº 500.171, com voto vencido Marco Aurélio, foram providos por maioria os embargos de declaração para modular os efeitos. Atualmente o STF vem admitindo embargos de declaração com esse fim de solicitar modulação de efeitos (ADI 4.461, ADI 2.797 e 798. ALVIM, Teresa Arruda. Modulação: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 101. 799. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito. In: Direito jurisprudencial / Teresa Arruda Alvim Wambier, coordenação. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 18 800. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil - volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves. – 10. ed.– Salvador: Ed. Juspodivm, 2018, p. 1413. “há diversas técnicas disponíveis para escapar do uso dos precedentes”. HARRIS, J. W.. Towards Principles of Overruling – When Should a Final Court of Appeal Second Guess? Oxford Journal of Legal Studies, 1990, p. 140. Sobre o tema: “Esta Suprema Corte, considerando os precedentes por ela própria firmados, analisados sob a perspectiva das múltiplas funções que lhes são inerentes – tais como a de conferir previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias por eles abrangidas, a de atribuir estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a sua égide, a de gerar certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos praticados de acordo com esses mesmos precedentes e a de preservar, assim, em respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos nas ações do Estado -, tem reconhecido a possibilidade, mesmo em temas de índole constitucional (RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa), de determinar, nas hipóteses de revisão substancial da jurisprudência, derivada da ruptura de paradigma, a não incidência, sobre situações previamente consolidadas, dos novos critérios consagrados pelo Supremo Tribunal.” (grifo nosso). STF, AI 733.387 / DF. 801. PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 3 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2018, p. 354. Sobre o tema, autora afirma que o efeito prospectivo poderia vir em uma ordinária dicta (communicated through the use of ordinary dicta), SHANNON, Bradley Scott. The retroactive and prospective application of judicial decisions. 26 Harvard Journal of Law & Public Policy. 2003, p. 851. BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 397 ADI 3106).802 Ademais, não há necessidade de pedido expresso da parte e o tribunal pode manifestar se ofício sobre a modulação.803 Vale lembrar, no ponto, que o texto do inciso II do art. 1.022 do CPC em vigor considera como “omissão”, capaz de justificar o aviamento de embargos de declaração, a não manifestação do órgão julgador sobre ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar “de ofício”. Há na doutrina, inclusive, sistematização a respeito, tratando tal situação como “omissão indireta”, na medida em que - mesmo sem prévio requerimento – a legislação determina que o julgador se manifeste sobre determinados temas ou que estes possam ser suscitados de ofício. 804 No particular, mesmo que conclusão decisória seja no sentido de “não modular”, tal pronunciamento deve ser efetuado de forma motivada, trazendo os fundamentos para a opção adotada, sob pena de violência ao disposto no art. 93, IX, da CF e, por conseguinte, justificando a oposição dos embargos de declaração. O STJ, já na vigência do Código de Processo Civil de 2015, manifestou que o pedido de modulação deve ser utilizado com parcimônia e de forma excepcional, podendo ser feito de ofício, “razão pela qual não configura inovação recursal”.805 802. Sobre o tema: “É considerada omissa, para efeitos do cabimento dos embargos de declaração, a decisão que, na superação de precedente, não se manifesta sobre a modulação de efeitos.” Enunciado nº. 76 da I Jornada de Direito Processual Civil, do Conselho da Justiça Federal agosto de 2017. “Basta uma petição simples, mesmo fora do prazo dos embargos.” ALVIM, Teresa Arruda. Modulação: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 155. 803. ALVIM, Teresa Arruda. Modulação: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 29. Para Monnerat, há, inclusive, um dever de modulação em algumas hipóteses descritas no Código. MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Súmulas e precedentes qualificados: técnicas de formatação e aplicação / São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 89. 804. No tema, trazendo a referida sistematização, confira-se: MAZZEI, Rodrigo (Embargos de declaração: recurso de saneamento com função constitucional. Londrina: Editora Thoth, 2021, p. 298303). 805. “1 O propósito dos presentes embargos de declaração é determinar se são necessárias a modulação dos efeitos da condenação contida no acórdão embargado e a adoção de regime de transição para que a embargante se adeque ao comando contido em seu dispositivo (arts. 927, § 3º, do CPC/15 e 23 da LINDB). 2. A modulação de efeitos de decisão que supera orientação jurisprudencial é matéria apreciável de ofício, razão pela qual não configura inovação recursal.” (...) 5. A modulação de efeitos do art. 927, § 3º, do CPC/15 deve ser utilizada com parcimônia, de forma excepcional e em hipóteses específicas, em que o entendimento superado tiver sido efetivamente capaz de gerar uma expectativa legítima de atuação nos jurisdicionados e, ainda, o exigir o interesse social envolvido. 6. O regime de transição do art. 23 da LINDB está em íntima conexão com o princípio da menor onerosidade da regularização, previsto no art. 21, parágrafo único, de referido diploma legal, segundo o qual não se pode impor aos sujeitos atingidos pela modificação de jurisprudência ônus ou perdas anormais ou excessivos. (grifo nosso) EDcl no Recurso Especial nº 1.630.659 - DF (2016/0263672-7) Relatora : Ministra Nancy Andrighi. 27/11/2018 398 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ Destacamos, contudo, que se deve separar o objeto do recurso/ação com a modulação dos efeitos. Há, neste ponto, um caráter bifásico. Neste sentido ADI 2.949, onde para Gilmar Mendes, em relação à modulação de efeitos há um “julgamento de modelo bifásico” dividido em fases autônomas e sequenciais - a contagem de votos é individual para cada questão. No mesmo processo, concordando ser este momento um julgamento bifásico, Luís Roberto Barroso806 afirmou ser juízos distintos e não dois juízos integrados. Quanto ao quórum, a Lei 9.868/1999, art. 27 traz a necessidade de 2/3 dos seus membros para modulação dos efeitos. Para Luís Roberto Barroso (ADI 2.949) há possível inconstitucionalidade da exigência do quórum tendo em vista ser uma forma legal de ponderação. Essa exigência não consta no art. 927, §4º do Código de Processo Civil de 2015, motivos pela qual não se aplica, mas se entende necessário em qualquer caso o julgamento em modo bifásico. O modelo bifásico fica mais evidente, inclusive, no art. 927, §4º do Código de Processo Civil de 2015 ao dispor que deve ser observada a fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. Ou seja, há necessidade de devida fundamentação analítica não apenas na necessidade de overruling, mas questão de eventual modulação. Ainda sobre o momento, questionamos se poderia a modulação ser objeto de análise em processo posterior à superação do entendimento. A Suprema Corte dos EUA já fez isso em algumas situações.807 Para Ravi Peixoto, embora não ideal, pois os jurisdicionados terão dificuldade de identificar qual a eficácia temporal dos precedentes, essa técnica não pode ser negada. Entendemos que se trata de matéria de ordem pública, comumente envolvendo temas importantes, devendo ser analisada no primeiro momento oportuno – em embargos de declaração ou até mesmo em processo posterior (mesmo não sendo isso desejável). Em processo posterior para, certamente, criar maior segurança jurídica e nos embargos de declaração por ser matéria possível de discussão nos termos do art. 1.022 parágrafo único, inciso II e art. 489, §1º do Código de Processo Civil de 2015. Em sentido contrário, afirmando que a regra é a retroatividade e, portanto, o tema não poderia se debatido em embargos de declaração – STJ, EDcl no REsp 1.285.463/SP e STJ, EDcl no EREsp 1.134.957/SP. 806. ADI 2.494, “Eu acho que são juízos diversos. O primeiro juízo é um juízo acerca da constitucionalidade ou não de determinada norma. E o segundo juízo é um juízo quase que político acerca da conveniência ou não de se modularem os efeitos.” (...) “Assim, eu penso que são dois juízos distintos, e não dois juízos integrados.” (grifo nosso) Luís Roberto Barroso. 807. NICOL, Andrew G. L. Prospective overruling: a new device for English courts. The Modern Law Review. September 1976, p. 544. BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 399 Sobre o tema, entendemos necessário sempre no julgamento haver o momento de definir eventual modulação. Ou seja, mesmo não sendo a hipótese de modulação, deve a decisão desde logo fundamentar e debater esse tema, evitando, assim, insegurança jurídica posterior808. Caso assim não faça, seguindo a linha do antes já dito, haverá “omissão indireta”, pois o órgão julgador deveria se manifestar a respeito, independentemente de qualquer tipo de prévio requerimento a respeito, diante do imperativo que pode ser extraído da legislação em vigor. Por fim, há também uma significativa diferença entre prospective overruling e signaling, pois no primeiro caso se tem a real alteração imediata da mudança de entendimento e no signaling a possível alteração futura. 4 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E EFEITO SUSPENSIVO Discorremos já em comentários ao artigo 44 da recomendação nº 134, que a regra, na hipótese de alteração de precedente qualificado é o efeito retroativo, podendo haver modulação dos efeitos (efeito prospectivo) diante da alteração fundamentada no interesse social e no da segurança jurídica (CPC, art. 927, §3º).809 808. Sobre o tema e necessidade de segurança jurídica e vinculação da modulação: “em casos onde a alteração da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ deriva de adequação a julgado posterior proferido pelo Supremo Tribunal Federal - STF (overruling vertical) a modulação de efeitos deve seguir a mesma solução dada também pelo STF, sob pena de permanecer a situação que se quer evitar de duplicidade de soluções judiciais para uma mesma questão, a fomentar insegurança jurídica (os Tribunais inferiores não saberão qual posicionamento seguir para o período), ineficiência da prestação jurisdicional (pois a parte prejudicada irá interpor recurso extraordinário/especial para afastar ou garantir a modulação) e desigualdade no tratamento dos jurisdicionados (pois o processo sofrerá solução diferente de acordo com o tribunal destinatário do recurso final). 3. Ou seja, se o STF decidiu pela modulação, solução idêntica há que ser adotada pelo STJ. Se o STF decidiu pela impossibilidade de modulação, do mesmo modo a impossibilidade há que ser acatada pelo STJ. Nesse sentido, a própria decisão sobre a modulação (positiva ou negativa) vincula posto que também dotada de repercussão geral, tudo também com o escopo de se evitar a litigância temerária. Mas se o STF simplesmente não se manifestou a respeito da modulação, resta a possibilidade de o STJ modular os efeitos de seu novo posicionamento, sendo que essa mesma modulação poderá ser objeto de recurso ao STF, a fim de que a jurisprudência das duas Cortes Superiores seja ali uniformizada.” (grifo nosso) EDcl no Recurso Especial nº 1.551.640 - SC (2015/0198787-1) Relator : Ministro Mauro Campbell Marques. 23/08/2018. Sobre o tema, FPPC – Enunciado 608: O acórdão que revisar ou superar a tese indicará os parâmetros temporais relativos à eficácia da decisão revisora. Sobre o tema: “Decidir sobre a modulação é imprescindível toda vez que se altera uma orientação firme anterior” ALVIM, Teresa Arruda. O momento da modulação - (quase) mais relevante que a própria modulação. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com. br/depeso/365629/o-momento-da-modulacao--quase-mais-relevante-que-a-modulacao. Acesso em 21/12/2022. 809. Não concordamos, como já afirmamos anteriormente, com o “FPPC – Enunciado 55: Pelos pressupostos do § 3º do art. 927, a modificação do precedente tem, como regra, eficácia temporal prospectiva. No entanto, pode haver modulação temporal, no caso concreto.” 400 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ Assim, possível a modulação dos efeitos (de retroativo para prospectivo), bem como os embargos de declaração é peça recursal pertinente para essa finalidade de pedido (veja subcapítulo anterior 3). A possibilidade dos embargos de declaração serem recebidos com efeito suspensivo também encontra amparo no art. 1.026 do Código de Processo Civil. O parágrafo primeiro do referido artigo afirma, inclusive, que um dos fundamentos para o deferimento do efeito suspensivo é “se houver risco de dano grave ou de difícil reparação”. Pertinente, portanto, a recomendação do artigo nº 44. O objetivo é evitar dano de difícil reparação, pois a não suspensão poderá autorizar o início de diversos cumprimentos de sentenças e baixas de processos suspensos nas Cortes Superiores sem, contudo, saber o efeito de possível modulação. Como já afirmado, o ideal é ocorrer o julgamento em momento bifásico no próprio julgamento de superação do precedente, julgado a necessidade de superação e posteriormente, na sequência, julgar a necessidade de modulação. Mas não sendo essa a hipótese, os embargos de declaração recebido com efeito suspensivo poderá evitar insegurança jurídica. Note-se, de outra banda, que o efeito suspensivo nos embargos de declaração pode ser concedido a partir de um juízo de evidência, pois o § 1º do art. 1.026 do CPC prevê a possibilidade de tal medida se ficar “se demonstrada a probabilidade de provimento do recurso”. Adaptando a regra legal para a hipótese aqui estudada, quando ficar evidenciado que se trata de situação que reclama a modulação, tal quadro deverá ser trazido de forma clara nos embargos de declaração, justificando a concessão de efeito suspensivo, mesmo que sem risco de dano demonstrado claramente.810 Assim, o efeito suspensivo estará justificado pela própria necessidade de modulação no caso concreto, situação que será habitual quando se tratar de superação de precedente, tendo em vista que em tais casos na maioria dos casos terá que se desenhar regras de transição. A peça-chave, portanto, para que os embargos de declaração sejam recebidos com efeito suspensivo volta-se muito mais a análise da necessidade de modulação do que propriamente ao risco de dano, muito embora a segunda situação possa se extrair maciçamente a partir da aferição da primeira. 810. Sobre a concessão de efeito suspensivo nos embargos de declaração com base no juízo de evidência, confira-se: MAZZEI. Rodrigo (Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. In WAMBIER, Teresa arruda Alvim, DIDIER JR, Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno. 3ª. ed. São Paulo; Revista dos Tribunais, 2016, p. 2.540-2.541). BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 401 Diante da exposição trazida, conclui-se que a recomendação efetuada no ventre do art. 44, dispositivo ora comentado, é correta, merecendo ser aplicada. Art. 45 - A superação da tese jurídica firmada no precedente pode acontecer de ofício, pelo próprio tribunal que fixou a tese, ou a requerimento dos legitimados para suscitar o incidente, isto é, pelas partes, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública. BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA Advogado e Professor. Doutor em Direito Processual Civil pela PUC/ SP. Pós-doutorando pela USP. Membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina. Mestre em Direito pela UEL. Pós-graduado em Processo Civil. Pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política pela UEL. Coordenador e fundador da Comissão de Processo Civil da OAB/Londrina; atual vice. É Coordenador da Comissão de Processo Constitucional da OAB/Londrina. Foi coordenador da pós-graduação em Processo Civil do IDCC Londrina (2018/2022). É membro da ABDPro, IDPA e IBPD. Conselheiro da OAB Londrina/PR. Editor chefe da Editora Thoth. E-mail brunofuga@brunofuga.adv.br Dividiremos o presente artigo comentado da recomendação nº 134 em: aspectos gerais da superação de precedentes; legitimados para requerimento de superação; a (im)possibilidade de a parte requerer superação do precedente e, por fim a ausência de via recursal para requerer superação. Veremos adiante que o presente artigo número 45 da recomendação nº 134 é manifestamente contra legis, além de não ter aplicabilidade prática diante da ausência de via recursal para requerer superação em algumas circunstâncias. 1 SUPERAÇÃO DO PRECEDENTES E SEGURANÇA JURÍDICA A segurança jurídica está diretamente atrelada no respeito aos precedentes, que os cidadãos possam confiar no judiciário e que não haja mudanças e variações de decisões sem qualquer fundamento – é um dever do tribunal manter sua jurisprudência estável (estável, íntegra e coerente).811 Treat like cases alike é um princípio que sempre esteve ligado ao common law. 811. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil - volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves. – 10. ed.– Salvador: Ed. Juspodivm, 2018, p. 1395; MARINONI, 402 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ Segurança jurídica, importante destacar ser ela um princípio universal e atemporal.812 Ocorre, porém, que há uma problemática entre a necessidade de adaptabilidade (evolução e overruling dos precedentes) com a previsibilidade e vice-versa, pois embora se espere o respeito aos precedentes, há também uma real necessidade de alteração das normas para adaptar às novas realidades sociais.813 Benjamin Cardozo, que foi juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, reportando a passagem de Monroe Smith, afirmava já pela não rigidez absoluta de respeito aos precedentes.814 Assim, deve-se permitir que precedentes possam ser revistos, mas não ignorados. Seria então o overruling um discurso de justificação para a alteração da regra antes válida.815 812. 813. 814. 815. Luiz Guilherme. Novo código de processo civil comentado / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. – 2. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 989. Sobre o tema: “a proteção da confiança legítima deve ser considerada de forma imediata como uma derivação do princípio da segurança jurídica e, em termos mediatos, do princípio do Estado de direito, com a principal finalidade direcionada para obtenção de um ambiente jurídico que demonstre estabilidade, previsibilidade e calculabilidade dos atos e comportamentos emanados pelo Estado.” (grifo nosso) SACRAMENTO, Monique da Silva. O princípio da proteção da confiança legítima na jurisprudência do tribunal constitucional português em tempos de crise econômico-financeira. Dissertação de mestrado, Universidade de Coimbra, 2016, p. 21. “O precedente coordena o comportamento das autoridades”. LEVENBOOK, Barbara Baum. The Meaning of a Precedent. Legal Theory. Vol. 6, pp. 185-240, 2000, p. 211. Do original: “Elementary considerations of fairness dictate that individuals should have an opportunity to know what the law is and to conform their conduct accordingly; settled expectations should not be lightly disrupted. For that reason, the principle that the legal effect of conduct should ordinarily be assessed under the law that existed when the conduct took place has timeless and universal appeal.” Landgrafv. USI Film Prods., 511 US 244, KAY, Richard. Retroactivity and Prospectivity of Judgments in American Law. University of Connecticut. 2014, p. 38. CIMARDI, Cláudia Aparecida. A jurisprudência uniforme e os precedentes no Novo Código de Processo Civil brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 170. Sobre o tema: “The survival of the common law has depended in large part on the ability of its practitioners to adapt the legal system to new conditions - and adaptation has meant growth. Bold judges have created precedents adding new rules to meet new social and economic circumstances”. “A sobrevivência do common law depende em grande parte de a capacidade de seus profissionais de adaptar o sistema legal a novas condições - e a adaptação significou crescimento. Juízes corajosos criaram precedentes adicionando novas regras para atender a novas circunstâncias sociais e econômicas” (tradução livre, grifo nosso). HOUGUE, Arthur R. Originis of the common law. Liberty fund. Indianapolis. 1966, p. 247. FPPC – Enunciado 322: A modificação de precedente vinculante poderá fundar-se, entre outros motivos, na revogação ou modificação da lei em que ele se baseou, ou em alteração econômica, política, cultural ou social referente à matéria decidida. CARDOZO, Benjamin B. A natureza do processo judicial: palestras proferidas na Universidade de Yale. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 12; passagem também citada por TUCCI, José Rogério Cruz e. Parâmetros de eficácia e critérios de interpretação do precedente judicial. In: Direito jurisprudencial / Teresa Arruda Alvim Wambier, coordenação. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 111. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 403 1.1 A SUPERAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO EM “PRECEDENTE” NO BRASIL O Código de Processo Civil de 2015, de forma expressa, positivou o overruling, art. 927, §2º, quando ocorrer: “A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese”. Há, então, de forma expressa, a possibilidade de rediscussão da tese jurídica firmada anteriormente, desde que precedida de audiências públicas e participação de pessoas, órgão ou entidades. Destacamos, sobre o tema, que a possibilidade de overruling certamente é, também, possível no IAC (art. 947, §3º), embora não diga o Código de forma expressa no §2º do art. 927. Não somente na alteração de tese jurídica em súmula ou casos repetitivos deverá ter audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese (CPC/2015, art. 927, §2º). Em qualquer hipótese de superação de entendimento (CPC/2015, art. 489, §1º, VI) de orientação jurisprudencial na qual tenha confiança depositada dos jurisdicionado, deverá o disposto no art. art. 927, §2º, ser respeitado – assim também deverá ser respeitado o conteúdo do art. 927, §4º. O art. 927, §4º, por sua vez, aponta a necessidade de fundamentação adequada e específica (fundamentação analítica).816 Neste ponto há, por parte do julgador, a necessidade de fundamentação qualificada para a superação do entendimento firmando em “precedente”. regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 388. 816. Sobre o tema: “Nossos precedentes não são sacrossantos, pois temos anulado as decisões anteriores em que a necessidade e a propriedade de fazê-lo foram estabelecidas ... Mesmo assim, sustentamos que ‘qualquer desvio da doutrina do stare decisis exige uma justificativa especial’” (tradução livre). “ (grifo nosso). “Our precedents are not sacrosanct, for we have overruled prior decisions where the necessity and propriety of doing so has been established ... Nonetheless, we have held that ‘any departure from the doctrine of stare decisis demands special justification.’” Justice Anthony Kennedy’s majority opinion in Patterson v. McLean Credit Union (1989, 172), apud SPRIGGS, James F.; HANSFORD, Thomas G. Explaining the Overruling of U.S. Supreme Court Precedent. The Journal of Politics, vol. 63, nº. 4, november 2001, p. 1091. Patterson v. McLean Credit Union na íntegra em https://www.law.cornell.edu/supremecourt/ text/491/164 “Nevertheless, abandoning or adapting one’s own precedent is not something that can be done without further implications but it entails a burden of argumentation”. “No entanto, abandonar ou adaptar o próprio precedente não é algo que pode ser feito sem outras implicações, mas implica um fardo de argumentação” (tradução livre). GASCÓN, Marina. Rationality and (self) precedent: brief considerations concerning the grounding and implications of the rule of self precedent. Archiv für Rechts-und Sozialphilosophie, ARSP. Beiheft. 2012, p. 41. 404 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ Assim, a ruptura (departures) é autorizada, mas deve ser devidamente fundamentada e com harmonia com a concepção de integridade do direito.817 Além deste ônus argumentativo, a participação de eventuais afetados diretamente pela alteração do precedente deve ser considerada, como aqui já mencionado. Seria uma espécie de intervenção de amicus curiae.818 Podemos então firmar dois consensos até o momento: é possível a alteração da tese (ou da superação do entendimento) e é necessária a fundamentação analítica, ou seja, deve ser observada a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. Abordamos adiante que há um maior alargamento do rol dos “precedentes obrigatórios” no atual Código. Com isso, poderia acarretar maior engessamento do Direito, tendo em vista a impossibilidade de superação. Embora possível o overruling no Código de Processo Civil de 2015, o que ocorre (essa é constatação a ser verificada no decorrer do estudo) um funil recursal819 fechado e capaz de criar, em alguns casos, a impossibilidade de rediscussão da tese ou superação do entendimento firmado em alguns tipos decisionais. Esse aspecto é importante ser demostrando para comprovar ser contra legis o art. 45 da recomendação nº 134, além da ausência 817. NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015: uma breve introdução. In: Precedentes / coordenadores, Fredie Didier jr. … [et. al.] – Salvador: Juspodivm, 2015, p. 312. Enunciado FPPC n.º 456 “Uma das dimensões do dever de integridade consiste em os tribunais decidirem em conformidade com a unidade do ordenamento jurídico.” 818. Sobre o tema Gisele Mazzoni destaca que: “Defende-se a necessidade de observância ao critério da participação e intervenção necessária de órgãos e agentes especializados e pertencentes aos poderes constitucionalmente estabelecidos em causas de potencial repetitivo pela natureza e matéria debatida (...)”. Assim entende a autora a necessidade de participação de atores sociais nas causas de natureza repetitiva. WELSCH, Gisele Mazzoni. Legitimação democrática do poder judiciário no novo Código de Processo Civil / Gisele Mazzoni Welsch. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 151. Sobre o tema, “A atuação do amicus curiae na formação dos precedentes, por mais temperos brasileiros que possam ser a eles adicionados, é inarredável. É fator de legitimação da decisão que pretende, a final, impor-se aos casos similares.” BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no IRDR, no RE e RESP Repetitivos: suíte em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim. In: Questões relevantes sobre recursos, ações de impugnação e mecanismos de uniformização da jurisprudência / coordenadores: Cláudia Elisabete Schwerz Cahali, Cassio Scarpinella Bueno, Bruno Dantas, Rita Dias Nolasco. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 455. 819. “O funil recursal, quando muito fechado, acaba provocando uma série de tentativas heterodoxas que após uma boa aceitação acabam convencendo o legislador a adotá-las em novas leis, concluindo que é melhor (ou “menos pior”) a regulamentação do que a prática acatou, com isto a recorribilidade é aceita, ampliando o “complexo recursal”. FERREIRA, William Santos. Súmula vinculante - solução concentrada: vantagens, riscos e a necessidade de um contraditório de natureza coletiva (amicus curiae)*. In: Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n. 45/2004. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier... [et. al.]. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 800. BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 405 de efeito prático diante da ausência de via recursal para requerer superação em alguns tipos recursais como adiante veremos. 1.1.1 SUPERAÇÃO DEVE SER EXPLÍCITA Ainda relacionado ao tema precedentes, destacamos que eventual superação do entendimento firmado em precedente deve ser explícita e não com “´técnicas” que afastam o precedente sem, contudo, afastá-lo de forma expressa. Assim, não é permitida a distinção inconsistente (inconsistent distinctions), que seria uma técnica que permite o afastamento total ou parcial do precedente sem sua revogação expressa. Não será possível também a transformação (transformation). O transformation é a hipótese de o tribunal não aludir ao distinguished e fixar novo entendimento. Neste caso, implicitamente seria revogado o precedente, mas sem declarar a sua revogação. Sem realizar o overruling, a corte considera equivocado ou obsoleto o precedente e o reconstrói ou o transforma.820 Texto publicado em 1920, Stare Decisis: Harvard Law Review, já tinha a preocupação de esclarecer que, se o tribunal errou, seria melhor admitir seu erro e realizar o overruling do que realizar distinções sutis a todo momento.821 Também não seria possível a superação furtiva (stealth overruling). A marca registrada do stealth overruling é que os juízes estão perfeitamente conscientes de que estão aplicando o overruling, mas escondem o fato de que estão fazendo isso. O motivo provável é evitar publicidade.822 O stealth overruling é quando os juízes que fazem isso sabem, de tal forma que suas decisões são de fato “dissimuladas”.823 Neste sentido não seria possível o sub silentio overruling, implied overruling ou indirect overruling pode ser caracterizado como superação do precedente de forma implícita, na qual o tribunal deixa de seguir o precedente sem dizer expressamente sua superação.824 820. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios (...) 2016, p. 92; PORTES, Maira. Instrumentos para revogação de precedentes no sistema de common law (...) 2012, p. 199. 821. Stare Decisis: Harvard Law Review, Vol. 34, nº 1. Nov. 1920, p. 76. 822. FRIEDMAN, Barry. The Wages of Stealth Overruling (…) 2010, p. 15; ver também em HASEN, Richard L., Anticipatory Overrulings, Invitations, Time Bombs, (…) 2011, p. 3 e ss. 823. FRIEDMAN, Barry, The Wages of Stealth Overruling (…) 2010, p. 17; ler sobre o assunto em JOBIM, Marco Félix; DUARTE, Zulmar Duarte de Oliveira Junior. Súmula, jurisprudência e precedente: da distinção à superação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021, p. 122 e ss. Veja sobre o tema, afirmando que os “precedentes riscados” estão se tornando frequentes, pois o tribunal superior tornou o hábito de realizar o stealth overruling em BRUST, Richard. Dead Precedents: The justices overrule, but they often do so stealthily. (…) ABA Journal, vol. 97, nº 5, 2011, pp. 22–23. 824. Sobre o tema ver em TUCCI, José Rogério Cruz e. Parâmetros de eficácia e critérios de 406 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ Por fim, neste ponto, não seria possível undermining, que é técnica utilizada semelhante a sinalização praticada pelas Cortes inglesas. No undermining um precedente é esvaziado para, assim, desobrigar os julgadores de casos posteriores a seguirem o precedente.825 Seria permitido o overriding (restringir sem revogar), pois seria uma revogação parcial, que limita ou restringe a aplicação do precedente. É então mais próximo do distinguishing, pois com o overriding deixa-se de aplicar o precedente em princípio aplicável.826O overriding é um caso de desvinculação (hiving off) mediante distinção consistente.827 Seria permitido também o overturning, que é a possibilidade de superação parcial do precedente. O assunto pode ser também tratado como partial overruling, que ocorre quando um novo precedente supera apenas parte de um precedente – a diferença entre overruling e o partial overruling (superação parcial) é apenas uma questão de grau.828 Permitido também a distinção consistente, pois ela não altera o conteúdo do precedente, apenas esclarece que há outro precedente a ser seguindo para solução do caso posto em questão. Não é então uma afirmação que o precedente é equivocado (bad law), mas apenas não aplicável ao caso (inapplicable law). O distinguishing é, portanto, uma decisão de não aplicabilidade de um precedente. Consiste o distinguishing em determinar a ratio decidendi de um caso e, portanto, é um dos momentos mais importantes do processo.829 825. 826. 827. 828. 829. interpretação do precedente judicial. (...) 2012, p. 103, p. 109; VISCONTI, Jacqueline. Speech acts in legal language: introduction. Editorial / Journal of Pragmatics 41 (2009) 393– 400; CROSS, Rupert. Precedent in English Law. Clarendon Law Series. Clarendon Press. 1991; GERHARDT, Michael J. The Power of Precedent. Oxford University Press. Edição do Kindle. 2011; DUNN, Pintip. How Judges Overrule: Speech Act Theory and the Doctrine of Stare Decisis. The Yale Law Journal. 2003, pp. 512/520. CROSS, Rupert. Precedent in English Law. Clarendon Law Series. Clarendon Press. 1991; PORTES, Maira. Instrumentos para revogação de precedentes no sistema de common law. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Org.). A força dos precedentes. (...)2012, p. 195. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios (...) 2016, p. 247; CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. 1 ed – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 152. EISENBERG, Melvim Aron. The nature of the common law. (…) 1991, p. 135. RE, Richard M.. Narrowing Supreme Court Precedent from Below. (…) 2016, p. 929. SESMA, Victoria Iturralde. El precedente en el common law. Editorial Civitas S. A. 1995, p. 78. Sobre o tema: “Distinguishing tends to fall into two formats. One format involves establishing the rule of a precedent by the announcement technique and then showing that the announced rule is irrelevant to the case at hand.” “Distinguir tende a cair em dois formatos. Um formato envolve estabelecer a regra de um precedente pela técnica de anúncio e, em seguida, mostrar que a regra anunciada é irrelevante para o caso em questão.” (tradução livre, grifo nosso). EISENBERG, Melvim Aron. The nature of the common law. Harvard University Press.(…) 1991, p. 62. BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 407 Dito isso, a interpretação do precedente que se dá pelo exame da ratio decidendi pode se dar também de maneira a concluir para aplicação de um restrictive distinguishing ou ampliative distinguishing.830 Assim, destacamos que no Código de Processo Civil de 2015 não há previsão para qualquer distinção inconsistente. Entendemos que mesmo uma revogação parcial deverá ser precedida das formalidades descritas no art. 927, §2º, salvo distinções consistentes, que não são overruling, mas sim distinguishing. A fundamentação analítica é de fundamental importância neste caso, devendo afirmar qual o precedente paradigma, qual a distinção feita e eventual restrição do precedente. Há risco de eventual distinção inconsistente causar problemas na modulação dos efeitos e confusão de aplicabilidade do então precedente firmado em outro eventual paradigma. 2 POSSÍVEL ENGESSAMENTO DO DIREITO E POSSIBILIDADE DE CRIAR VIA RECURSAL PARA EXPOR ARGUMENTOS. PLENA PARTICIPAÇÃO DO ADVOGADO Embora possível o overruling no Código de Processo Civil de 2015, ocorre um funil recursal831 fechado e capaz de criar, em alguns casos, como na sequência veremos, a impossibilidade de rediscussão da tese ou superação do entendimento firmado em alguns tipos decisionais. Há, assim, como adiante veremos (ver também capítulo 4 adiante), uma ausência de previsibilidade de técnica para superação do entendimento em alguns tipos decisionais. Não há uma coerência e previsibilidade de como poderá ser questionada pela parte a superação do entendimento (overruling) - há então uma ausência de consistência sistêmica (systemic consistency).832 Nesse ponto, o presente artigo 45 da recomendação nº 134 é contra legis e, também, sem efeito prático diante da ausência de via recursal para a parte requerer superação, como adiante veremos. Essa ausência de capacidade técnica causa insegurança e, neste sentido, quando o direito é incerto, o governo é dos homens e não da lei.833 E, também, nessa linha de pesquisa, devemos enfrentar a incerteza da lei e 830. TUCCI, José Rogério Cruz e. Parâmetros de eficácia e critérios de interpretação do precedente judicial.(...) 2012, p. 126. 831. “O funil recursal, quando muito fechado, acaba provocando uma série de tentativas heterodoxas que após uma boa aceitação acabam convencendo o legislador a adotá-las em novas leis, concluindo que é melhor (ou “menos pior”) a regulamentação do que a prática acatou, com isto a recorribilidade é aceita, ampliando o “complexo recursal”. FERREIRA, William Santos. Súmula vinculante - solução concentrada: vantagens, riscos e a necessidade (...) 2005, p. 800. 832. EISENBERG, Melvim Aron. The nature of the common law. (…)1991, p. 44. 833. KOCOUREK, Albert. An introduction to the science of law. Boston. (…) 1930, p. 179. 408 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ acreditar que todos podem errar834 - necessário evitar, assim a “ditadura de certas opiniões”.835 No Código de Processo Civil de 2015, cria-se então “precedente” com viés de certeza e santidade, porém, com afirmado por Justice Holmes, “Em geral, a santidade é ilusão e o repouso não é o destino do homem.”836 Necessário, portanto, fugir desse “desejo de certeza infantil.”837 Ocorre que uma decisão prévia não pode ser completamente sacrossanta,838 não há “um sistema imune a falhas”.839 Este foi o erro do positivismo clássico, pois, como já afirmado por Coelho,840 quando se explica determinada situação da “lei uma áurea da justiça parece recobri-la”. 834. “Lawyers do not expect judges to be able to walk on the water. Therefore it is necessary to consider only whether the much cherished illusion should be preserved for the public genemily along with the children’s Santa Claus myth and Grimm’s Fairy Tales.” “Os advogados não esperam que os juízes possam andar na água. Portanto, é necessário considerar apenas se a ilusão muito querida deve ser preservada para o “público genemicamente”, juntamente com o mito do Papai Noel das crianças e os contos de fadas de Grimm.” (tradução livre). STEPHENS, Richard B. The function of concurring and dissenting opinions in courts of last resort, 5 U. Florida Law Review. 1952, p. 399. 835. SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial. (...) 2012, p. 157. 836. Do original: “[C]ertainty generally is illusion, and repose is not the destiny of man.” KNIFFEN, Margaret N. Overruling Supreme Court precedents: (…)1982, p. 79.. 837. FRANK, Jerome. Law and the Modern Mind. London, Stevens & Sons Limited. 1949, p.xxi, 13 a 21. Também citado por DUXBURY, Neil. The Nature and Authority of Precedent. Cambridge University Press. Edição do Kindle. 2008, p. 135. 838. Do original: “Notwithstanding some of the loose language of the Casey opinion, no one prior decision can be completely sacrosanct.” FARBER, Daniel A. The Rule of Law and the Law of Precedents. Berkeley Law Scholarship Repository. 2005, p. 1175. Sobre o tema: “Nossos precedentes não são sacrossantos, pois temos anulado as decisões anteriores em que a necessidade e a propriedade de fazê-lo foram estabelecidas ... Mesmo assim, sustentamos que ‘qualquer desvio da doutrina do stare decisis exige uma justificativa especial’” (tradução livre). “ (grifo nosso). Our precedents are not sacrosanct, for we have overruled prior decisions where the necessity and propriety of doing so has been established ... Nonetheless, we have held that ‘any departure from the doctrine of stare decisis demands special justification.’” Justice Anthony Kennedy’s majority opinion in Patterson v. McLean Credit Union (1989, 172), apud SPRIGGS, James F.; HANSFORD, Thomas G. Explaining the Overruling of U.S. Supreme Court Precedent. The Journal of Politics, vol. 63, nº. 4, november 2001, p. 1091. Patterson v. McLean Credit Union disponível na íntegra em https://www.law.cornell.edu/ supremecourt/text/491/164 Crítica sobre o tema já apresentava nos assentos de Portugal: “Foi em nome ad Certeza e para realizer a Certeza que os assentos instituíram.” NEVES, A. Castanheira. O instituto dos <assentos> e a função jurídica dos supremos tribunais. Coimbra Editora. 1ª Edição (reimpressão), fevereiro 2014, 39. 839. FERREIRA, William Santos. Súmula vinculante - solução concentrada: vantagens, riscos e a necessidade de um contraditório de natureza coletiva (amicus curiae)*. In: Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n. 45/2004. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier... [et. al.]. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 801 840. COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder: ensaio de epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 12. BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 409 Entendemos ser esse o ponto nevrálgico da discussão do recurso de agravo em recurso especial e extraordinário (CPC/2015 art. 1.042), pois a restrição recursal imposta pela lei no que tange a esses recursos atingiu a finalidade instrumental de racionalizar a análise de processos diante de determinadas situações. Porém, como a sociedade não é engessada e mudanças de posicionamentos são possíveis e, frequentemente. Assim, neste ponto, o engessamento pode ser presente na hipótese de rediscussão de recursos repetitivos e de decisão de repercussão geral – interpretação dos artigos 986, 1.030 e 1.042.841 Seguindo a linha de raciocínio, aparenta então que a função do advogado, que é indispensável à administração da justiça (CF, art. 133), foi mitigada e não poderá exercer a função de oxigenação do direito - a lei processual posta fere então um direito fundamental. Sobre o tema, Teresa Arruda Alvim e Rodrigo Barioni afirmam que o “uso do precedente fica, em grande parte, subordinado à argumentação dos advogados voltada a demonstrar que situação fático-jurídica do caso posterior é (ou não é) regida pelo precedente”.842 Neste sentido, não deve o recurso ser “encoberto e indireto”, meio apologético e carregada de culpa,843 deve ser ele claro e o advogado tem participação fundamental para evolução do direito. Tem o advogado papel essencial no desenvolvimento das opiniões do tribunal.844 Por fim, outro ponto importante de argumentação é que a via de superação não pode ficar apenas nas mãos de juízes, pois precedentes podem negligenciar as maneiras pelas quais o mundo e nossas informações sobre ele mudaram. O significado de um precedente pode se alterar com o tempo: a vida de Brown v. Board of Education nos Estados Unidos - uma decisão controversa em 1954, mas que seria melhor descrita como icônica hoje - é um exemplo extremo de como um precedente pode agora representar algo muito diferente do que representava quando foi decidido.845 841. Para maiores informações sobre o tema, que não será tratado com profundidade no presente capítulo, ver FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Superação de precedentes: da necessária via processual e o uso da reclamação para superar e interpretar precedentes. Editora Thoth, 2020. 842. BARIONI, Rodrigo; ALVIM, Teresa Arruda. Recursos repetitivos: tese jurídica e ratio decidendi. Revista de Processo. Vol. 296/2019, p. 7. 843. “Appellate lawmaking itself is still typically covert and indirective, still half-apologetic and guilt-laden.”. “A própria legislação de apelação ainda é tipicamente encoberta e indireta, ainda meio apologética e carregada de culpa.” (tradução livr). LEVY, Beryl Harold. Realist Jurisprudence and Prospective Overruling. University of Pennsylvania Law Review, vol. 109, nº 1, 1960, p. 3. 844. STEPHENS, Richard B. The function of concurring and dissenting opinions in courts of last resort, 5 U. Florida Law Review. 1952, p. 404. 845. DUXBURY, Neil. The Nature and Authority of Precedent. Cambridge University Press. Edição 410 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ Destacamos novamente que o Código de Processo Civil de 2015 autoriza a superação do entendimento, inclusive a modulação dos efeitos, art. 927, §4º.846 O artigo 489, §1 º, VI, assim também sobre a superação do entendimento, art. 927, art. 947, §3º e art. 986. Porém, conforme já descrito, não há uma via recursal própria e legitimidade para a parte questionar a superação desses “precedentes obrigatórios” firmados em recursos repetitivos e em repercussão geral. Assim, com já afirmado, embora diga o artigo 45 da recomendação º 134 que a parte pode é legitimada a pedir superação, não há via recursal nesses tipos recursais (recursos repetitivos e em repercussão geral) para a parte pedir superação do precedente. Necessária a via processual847 para que as partes apresentem argumentos no órgão competente para questionar eventual superação do entendimento firmado em “precedente”, até mesmo pelo fato que a segurança é inserida e compatibilizada de acordo com o momento histórico da sociedade, os valores presentes, a referibilidade, a objetividade e historicidade.848 3 PEDIDO DE REVISÃO. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE DA PARTE PARA REQUERER PEDIDO NO IRDR Outro ponto a ser apresentado e muito criticado é a possibilidade de pedido de revisão de decisões firmadas em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). De acordo com o art. 986 “A revisão da tese jurídica firmada no incidente far-se-á pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante requerimento dos legitimados mencionados no art. 977, inciso III.” Por sua vez, o art. 977 assim diz: “O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal: I - pelo juiz ou relator, por ofício; II - pelas partes, por petição; III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.” Estranhamente, a parte que tem legitimidade para fazer o pedido de instauração do incidente, mas não tem legitimidade para pedir sua revisão, restando apenas aos legitimados do art. 977, III.849 Nesse ponto, veremos do Kindle. 2008, p. 178. 846. STJ na vigência do CPC/2015 apresentou questão de ordem e afetou o primeiro processo para possível revisão de tese. Recurso Especial n.º 1.734.685/SP. 847. Não afirmamos aqui ser necessário uma via recursal para a parte apresentar argumentos para superação, mas sim uma via processual. Em conclusão da tese esse ponto será esclarecido. 848. PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 3 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2018, p. 49. 849. Enunciado do FPPC nº 321: “A modificação do entendimento sedimentado poderá ser realizada nos termos da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, quando se tratar de enunciado de súmula vinculante; do regimento interno dos tribunais, quando se tratar de enunciado de súmula ou jurisprudência dominante; e, incidentalmente, no julgamento de BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 411 que o artigo 45 da recomendação nº 134 é expressamente contrário ao texto legal do Código de Processo Civil, pois o Código retira a legitimidade da parte de pedir superação. Há, e este é um dos pontos centrais, ausência de peça recursal e ausência de legitimidade para a parte interessada requerer o pedido de superação (overruling) do entendimento firmado no “precedente”. Sobre o questionamento deste ponto da matéria, Enunciado 473 do FPPC, “A possibilidade de o tribunal revisar de ofício a tese jurídica do incidente de resolução de demandas repetitivas autoriza as partes a requerêla.” Neste sentido, Câmara: No texto normativo não se encontra a expressa previsão da possibilidade de a revisão da tese se dar por provocação de alguma das partes dos processos em que a matéria é discutida. Esta legitimidade resulta, porém, do fato de que a revisão pode ser feita ex officio. Afinal, é antiga a máxima segundo tudo que pode ser feito de ofício pode ser requerido pelas partes. (grifo nosso)850 Versa o Enunciado 143 do Conselho da Justiça Federal – II Jornadas de Direito Processual Civil (CJF): “O pedido de revisão da tese jurídica firmada no incidente de resolução de demandas repetitivas pode ser feito pelas partes, nos termos do art. 977, II, do Código de Processo Civil de 2015”.851 Sobre o tema também, o texto efetivamente aprovado pelo Senado Federal, em dezembro de 2014, o art. 977, continha apenas dois incisos, sendo que no “II” faz referência “às partes, ao Ministério Público e à Defensoria Pública”. Quando submetido à sanção presidencial, o inciso “II” foi desmembrado, ficando as partes no inciso “II” e Ministério Público e à Defensoria Pública no inciso “III”. Com essa revisão, o art. 986 fez referência apenas ao inciso III, deixando de fora as partes. Cassio Scarpinella Bueno852 foi, inclusive, o pioneiro a apontar essa inconstitucionalidade formal. recurso, na remessa necessária ou causa de competência originária do tribunal.” Concordando com o disposto na lei, não precisando de via recursal para superação de precedente: “Não poderia a lei legitimar qualquer litigante, tourt court, porque significaria que a tese jurídica não realmente vicejou, impedindo a repetição das causas. Resta persuadir o Ministério Púbico e a Defensoria Pública a tomarem a iniciativa... (grifo nosso) ASSIS, Araken de. Manual dos recursos / Araken de Assis. – 9 ed. rev. atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 348. 850. CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. – 1. Ed – São Paulo: Atlas, 2018, p. 312. 851. Citando e compartilhando deste entendimento, PEIXOTO, Ravi. A reclamação como remédio jurídico processual para a superação de precedentes. In: SARLET, Ingo Wolfgang; JOBIM, Marco Félix [org]. Precedentes judiciais: diálogos transnacionais. Tirant to Blanch. 2017, p. 137. 852. Sobre o tema, Cassio Scarpinella Bueno aponta ser essa hipótese de insconstitucionalidade formal. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual, vol, 2: procedimento comum, processos nos tribunais e recursos / Cassio Scarpinella Bueno. – 9 ed. São Paulo: 412 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ Sobre o tema, Aluísio Mendes e Sofia Temer afirmam que deve ser interpretado como correto o que foi efetivamente aprovado, ignorando sua revisão.853 Embora desejando ser este um entendimento pertinente, concordamos que a parte deve ser legítima para requerer a análise do pedido de overruling, mas não com o argumento acima mencionado. Não há como ter a aplicação do projeto aprovado pelo Senado Federal, pois certamente não tem ele vigência – salvo eventual confirmação de inconstitucionalidade. Ainda sobre o tema, Marinoni afirma que nada justifica restringir o direito de a parte questionar o overruling do precedente.854Assim também Wambier e Talamini pontuam, ao afirmarem que seria injustificável que as partes em processo futuro que versem sobre a mesma questão não pudessem invocar alteração do substrato normativo ou sociocultural. Teria, assim, a parte interessada o direito de pleitear a instauração de tal revisão, com ônus de formular pedido devidamente fundamentado.855 Destacamos que na hipótese de entendimento de possibilidade de instauração do incidente no âmbito dos Tribunais Superiores (destacamos que este não é o entendimento atual do STJ e STF, veja rodapé),856 o problema não é somente Saraiva Educação, 2020, p. 523. 853. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas do novo código de processo civil. In: Novo CPC doutrina selecionada, v. 6: processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. Coordenador geral, Fredie Didier Jr; organizadores, Lucas Buril de Macêdo, Ravi Peixoto, Alexandre Freire, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 313 a 355. Também em PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 3 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2018, p. 214. 854. MARINONI, Luiz Guilherme. Novo código de processo civil comentado / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. – 2. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1043. 855. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória), volume 2 / Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini. 16 ed (5ºed. em ebook)’. Reformulada e ampliada de acordo com o novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 737. 856. Adotando este entendimento, LEMOS, Vinicius Silva. Incidente de resolução de demandas repetitivas/ Vinicius Silva Lemos. – Londrina, PR: Thoth, 2019, p. 208; AZEVEDO, Gustavo. Reclamação e questões repetitivas. In: Julgamento de casos repetitivos / Fredie Didier Jr. E Leonardo Carneiro da Cunha – Salvador: Juspodivm, 2016, p. 255. Entendimento do STJ pela impossibilidade de IRDR diretamente na Corte: “AgInt na PETIÇÃO Nº 11.838/MS (2016/0330305-6). Relatora: Ministra Laurita Vaz. R.P/acórdão: Ministro João Otávio de Noronha. Agravo interno em petição. Reclamação. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). Instituto afeto à competência jurisdicional de tribunais de segunda instância (Estaduais ou Regionais Federais). Instauração direta no Superior Tribunal de Justiça. Possibilidade restrita. Necessidade de observância dos requisitos (art. 976 DO CPC). Juízo de admissibilidade não ultrapassado. Não cabimento da instauração do instituto. 1. O novo Código de Processo Civil instituiu microssistema para o julgamento de demandas repetitivas – nele incluído o IRDR, instituto, em regra, afeto à competência dos tribunais estaduais ou regionais federal –, a fim de assegurar o tratamento isonômico das questões comuns e, assim, conferir maior estabilidade à jurisprudência e efetividade e celeridade à prestação jurisdicional. 2. A instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas diretamente no Superior BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 413 este, pois eventual recurso, mesmo tendo a parte legitimidade para requerer o overruling, não seria conhecido diante do disposto no art. 1.030, podendo (e devendo) o órgão recorrido impedir a remessa do recurso para o órgão recorrido e competente para análise da matéria. O código erra, assim, em Tribunal de Justiça é cabível apenas nos casos de competência recursal ordinária e de competência originária e desde que preenchidos os requisitos do art. 976 do CPC.” (grifo nosso) Voto de Ministra Laurita Vaz: “fica evidente que é competência exclusiva dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais o conhecimento e julgamento do IRDR...” (grifo nosso) Voto vencido do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: “7. O IRDR não é um recurso, é um incidentezinho; é uma coisa mínima, é uma tática de aumentar a abrangência da decisão que se vai dar. Isso não é bom? Isso é excelente, qualquer que seja o juízo e qualquer que seja a causa em que esse incidente possa ser suscitado. 8. Senhora Ministra LAURITA VAZ, respeitosamente, vou pedir vênia a Vossa Excelência para divergir da sua conclusão e entender que é cabível também o IRDR no Superior Tribunal de Justiça, desde que, de acordo com o § 4o. do art. 976, já não haja uma prévia afetação de repetitivo.” (grifo nosso) Voto Ministro João Otávio de Noronha “concluo pela viabilidade da instauração do IRDR diretamente no STJ quando as demandas de sua competência originária ou de revisão ordinária preencherem os requisitos do art. 976 do CPC.” (...) “embora entenda cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas originariamente no STJ nas hipóteses mencionadas no presente voto (nos feitos de competência originária ou recursal ordinária), no caso não é possível admiti-lo visto que a demanda em que incidiria nem sequer ultrapassou o juízo de admissibilidade.” (grifo nosso) Voto Ministro Luis Felipe Salomão: “penso que não se verifica a existência de nenhum óbice legal à instauração do IRDR neste Tribunal Superior, sendo certa a supressão do dispositivo legal do projeto de lei aprovado na Câmara que previa expressamente o cabimento desse subsistema processual somente em tribunal de justiça ou em tribunal regional federal, não vindo a constar do texto final do novo Código de Processo Civil. Deveras, o recurso especial repetitivo já constitui um instrumento de resolução de demandas repetitivas pelo STJ.” (...) Dessarte, não correspondendo o presente incidente a nenhum processo em curso neste Tribunal, é de se indeferir o pedido de instauração de IRDR. 6. Ante o exposto, aderindo ao voto divergente da lavra do eminente Ministro Noronha — mas com acréscimo destes fundamentos —, também nego provimento ao agravo interno, todavia com fundamentação diferente da que foi trazida pela eminente Relatora. Voto-Vogal Ministra Nancy Andrighi “Sob essa ótica, não haveria falar em instauração de IRDR originariamente no STJ, sem a existência, aqui, de um processo em curso, como pretendem os requerentes, sob pena de se autorizar o seu manejo como verdadeiro sucedâneo recursal ou ainda como processo de competência originária do STJ, para o quê não foi previsto o referido incidente. No particular, o AREsp 664.750/ MS, interposto contra o acórdão do TJ/MS, transitou em julgado em 28/10/2016, antes mesmo de protocolizada esta petição dos requerentes. Falta, portanto, um pressuposto de admissibilidade do IRDR, a justificar o não conhecimento da petição.” Voto-vista Ministro Mauro Campbell Marques: “Em verdade, o julgamento do AgInt na Rcl n. 32.938/MS não havia se iniciado quando o ora recorrente apresentou o presente IRDR. Porém, o mérito da reclamação nem sequer foi analisado. As questões apresentadas naqueles autos não ultrapassaram a barreira da admissibilidade. Por tudo isso, denota-se que não existiu uma causa pendente do objeto incidental.” Entendimento do STF pela impossibilidade de IRDR diretamente na Corte: STF, Petição nº 8.245 Amazonas: “(...) Depreende-se que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é um incidente a ser suscitado perante os tribunais de segundo grau. Essa orientação igualmente é revelada ao longo da própria memória do processo legislativo do Código de Processo Civil de 2015. Em momento algum as Comissões do Senado Federal e da Câmara dos Deputados fizeram constar em seus relatórios a possibilidade de se atribuir ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar esse relevante instrumento de formação de padrão decisório. (...) Assim, consideradas as hipóteses estritas versadas no art. 102 da Lei Maior, essa Suprema Corte não detém competência originária para processar e julgar Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Brasília, 10 de outubro de 2019. Ministro Dias Toffoli Presidente 414 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ dois momentos (se for este o entendimento de possibilidade de IRDR no âmbito das Cortes Superiores). O sistema, neste ponto, para a parte requerer eventual superação é muito engessado, pois não há peça processual e não há legitimidade. 4 O RECURSO ESPECIAL E O RECURSO EXTRAORDINÁRIO O recurso especial tem previsão legal no art. 105, inciso III, da CF (com alteração da Emenda Constitucional nº 125, de 2022 que criou o filtro de relevância) e no Código de Processo Civil de 2015, nos art. 1.029 a 1.041 há também o recurso especial e extraordinário na modalidade repetitiva (art. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015). O artigo 1.030 do Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu algumas regras para o processamento dos recursos pelo presidente ou pelo vice-presidente do tribunal recorrido, pois o exame de admissibilidade é também feito no tribunal recorrido.857 Há, nestes recursos, admissibilidade dúplice reativada pela Lei 13.256/2016.858 857. Aqui, vale salientar que, na redação original do CPC/2015, o parágrafo único do art. 1.030 previa que a remessa de Recurso Especial e Recurso Extraordinário ocorreria independentemente de juízo de admissibilidade. Com as modificações introduzidas pela Lei 13.256/2016, antes mesmo da vigência do Código, contudo, o texto legal passou a contemplar uma série de previsões específicas sobre o exercício do juízo de admissibilidade no tribunal a quo. Enunciado n.º 665 do FPPC “Caberá reclamação contra decisão que contrarie acórdão proferido no julgamento dos incidentes de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência para o tribunal cujo precedente foi desrespeitado, ainda que este não possua competência para julgar o recurso contra a decisão impugnada.” Súmula do STJ n.º 123: “A decisão que admite, ou não, o recurso especial, deve ser fundamentada, com o exame dos seus pressupostos gerais e constitucionais”. 858. PL n.º 2.384 de 2015, Deputado Federal Carlos Mandato (SD/ES). No Senado Federal, Projeto de Lei da Câmara (PLC) 168. Em ofício, Ministro Sanseverino assim afirma: “O art. 1.030 do novo CPC precisa ser modificado, a fim de reavivar o juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Afinal de contas, essa triagem desempenhada atualmente pelos tribunais locais e regionais conseguem poupar o STF e o STJ de uma quantidade vertiginosa de recursos manifestamente descabidos. Suprimir esse juízo de admissibilidade, como pretende o texto atual do novo CPC, é entulhar as Cortes Superiores com milhares de milhares de recursos manifestamente descabidos, fato que deporá contra a celeridade que se requer dessas instâncias extraordinários no novo cenário de valorização da jurisprudência desenhado pelo novo Código.” (grifo nosso). Em parecer, Senador José Maranhão, Presidente, e Senador Blairo Maggi, Relator, assim fizeram constar: ”Esse dispositivo precisa ser modificado, a fim de reavivar o juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Afinal de contas, essa triagem desempenhada atualmente pelos tribunais locais e regionais conseguem poupar o STF e o STJ de uma quantidade vertiginosa de recursos manifestamente descabidos. Suprimir esse juízo de admissibilidade, como pretende o texto atual do novo CPC, é entulhar as Cortes Superiores com milhares de milhares de recursos manifestamente descabidos, fato que deporá contra a celeridade que se requer dessas instâncias extraordinários no novo cenário de valorização da jurisprudência desenhado pelo novo Código.” BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 415 O art. 1.030 traz disposições sobre o recurso especial e recurso extraordinário e, principalmente, sobre a fase de admissibilidade dos referidos recursos. Diante da inadmissibilidade dos recursos na primeira fase, o recorrente deverá interpor nos termos do art.1.030, §1º interpor o agravo em recurso especial ou em recurso extraordinário do art. 1.042, salvo nas hipóteses do art. 1.030, §2º, quando o recurso pertinente será o agravo interno do art. 1.021. Assim, o exame de admissibilidade, primeira fase, é feito nos termos do art. 1.030. A admissão implicará na remessa dos autos para o STF ou STJ e a inadmissão nos termos do inciso “V” do art. 1.030 será recorrível por agravo (art. 1.042 e art. 1.030, §1º), inadmissão com fundamento nos incisos I e III do art. 1.030, por sua vez, é recorrível por agravo interno (art. 1.021 e art. 1.030, §2º). O problema central é a primeira fase da admissibilidade, feita pelo órgão recorrido, pois impedir remessa de recurso, como fazer o art. 1.030, §2º, causa um represamento do recurso e, assim, possível engessamento do Direito. Na hipótese da remessa dos autos para o órgão recorrido, órgão superior, e lá criar obstáculos, o recurso é agravo interno (CPC/2015, art. 1.021) da decisão monocrática (CPC/2015, art. 932, IV) e, assim, não haveria represamento das discussões em um órgão recorrido. Como veremos, a problemática existe na regra impeditiva de não admissibilidade dos recursos pela regra do art. 1.030, §2º. Adiante seguimos com fundamentos e demostraremos que a recomendação nº 134, em seu artigo 45, não tem nenhum efeito prático por não existir meio recursal para a parte requerer superação do precedente em alguns tipos decisionais. 4.1 AUSÊNCIA DE VIA RECURSAL PARA A PARTE REQUERER A SUPERAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO “PRECEDENTE” Como já explorado anteriormente, há então aqui uma ausência de previsibilidade de técnica para superação do entendimento nas hipóteses de repetitivos e repercussão gral. Assim, não há uma coerência e previsibilidade de como poderá ser questionada pela parte a superação do entendimento (overruling) - há então uma ausência de consistência sistêmica (systemic consistency).859 Como já afirmado, o disposto no art. 1.030, §2º traz a possibilidade do tribunal recorrido fazer a análise de admissibilidade e mérito de recurso, o que certamente causa grande equívoco. A competência para o julgamento, 859. EISENBERG, Melvim Aron. The nature of the common law. Harvard University Press. Cambridge, Massachusetts. London, England. 1991, p. 44. 416 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ de acordo com a Constituição (art. 102, III e 105, III) é do STF ou STF (a depender da matéria). Assim, a alteração imposta pela lei 13.256/2016 deu ao tribunal recorrido condições de fazer a análise do mérito recursal – não estando, assim, adequada na teoria dos precedentes, pois a reforma legislativa foi para dar um recado alto e claro aos jurisdicionados: “os tribunais superiores apenas atendem os jurisdicionados uma vez”.860 Deste modo, em algumas hipóteses, há uma negativa de análise do possível overruling, pois não se coloca os motivos da não superação e o assunto não é debatido.861 Há, então, depois de assentada a “autoridade” de alguns “precedente”, um rígido sistema de filtros recursais a impedir que Cortes de Precedentes sejam sujeitas ao constrangimento epistemológico de corrigirem os seus próprios erros.862 5 HÁ RISCO DE ENGESSAMENTO? Constatamos que a análise de possível engessamento passa pela aplicabilidade dos artigos 986, 1.030 e 1.042 do Código de Processo Civil. Embora a recomendação nº 134 afirme ser possível a parte requerer superação, já descrevemos dois problemas: no IRDR não é parte legitimada a pedir superação, ou seja, o art. 45 da recomendação nº 134 é contra legis e como já descrevemos no tópico 3, não há via recursal para a parte requerer superação em alguns tipos decisionais. Sobre possível engessamento, portanto, seguimos. Primeiro. O art. 986, no IRDR, exclui a parte como legitimada a requerer revisão da tese jurídica. Embora possa ser desejável a alteração legislativa do art. 986 para solucionar esse problema, com a atualização dos regimentos internos para adotar a legitimidade da parte e, assim, ter ela direito de apresentar razões com o propósito de iniciar eventual superação, não há sério engessamento neste ponto. 860. MACÊDO, Lucas Buril de. A análise dos recursos excepcionais pelos tribunais intermediários – o pernicioso art. 1.030 do CPC e sua inadequação técnica como fruto de uma compreensão equivocada do sistema de precedentes vinculantes. Revista de Processo | vol. 262/2016 | p. 187 - 221 | Dez / 2016, p. 9. 861. “It is more difficult to draw a line around negative overruling cases-instances in which the House has concluded that it would not be right to exercise the power in relation to an earlier decision, whether they approved of it or not.” “É mais difícil traçar uma linha em torno de casos negativos de overruling - casos em que a Câmara concluiu que não seria correto exercer o poder em relação a uma decisão anterior, aprovando-a ou não”. (tradução livre) HARRIS, J. W.. Towards Principles of Overruling – When Should a Final Court of Appeal Second Guess ? Oxford Journal of Legal Studies, p. 1990, p. 135. 862. STRECK, Lenio Luiz. Precedentes judicais e hermenêutica / Lenio Luiz Streck. – Salvador: Editora Juspodivm, 2018, p. 75. BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 417 Após fixada a tese jurídica no IRDR e transitado em julgado, existindo elementos para superação e desejando o recorrente apresentar recursos pertinentes no âmbito do tribunal que fixou a tese, os recursos serão julgados no mesmo órgão julgador em questão. Os argumentos de eventual superação, portanto, devem ser analisados por quem tem competência para revisão. Destacamos que certamente, nestes casos, sendo o argumento pela eventual superação, mesmo não sendo ela provida, não é caso de imposição de multa (art. 1.021, §4º e art. 1.026, §2º). Neste sentido, o art. 1.030, §2º, impede a remessa dos autos em questões envolvendo recursos repetitivos e repercussão geral. O art. 1.042, caput, no mesmo sentido, determina que não é cabível o agravo quando fundado na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos. Nessas hipóteses, os recursos excepcionais são protocolados no tribunal recorrido e, pela regra criada, o recurso ficaria represado no tribunal recorrido, sem que os argumentos das partes fossem analisados. Essas hipóteses, de recursos represados, são de acordo com o nosso entendimento situações de engessamento do Direito. São situações em que argumentos necessários para superações são impedidos de serem apresentados para o STJ e STF e, assim, há engessamento e impedimento da parte requerer superação. Assim, afirmamos que o engessamento poderia se operar em três artigos (arts. 986, 1.030 e 1.042). Quanto ao IRDR, art. 986, entendemos não ter o engessamento conforme já descrevemos. Seguimos. Precedentes não podem ser a todo momento reabertos, desse modo, a rigidez no sistema recursal para evitar a todo momento a rediscussão do precedente é essencial. Contudo, como afirmamos acima, no atual sistema recursal brasileiro, o recurso fica represado e a parte sem via recursal para apresentar seus argumentos e requerer eventual superação na aplicação do art. 1.030, inciso I e no caput do art. 1.042, em questões envolvendo regime de repercussão geral ou em julgamento dos recursos especiais e recursos extraordinários repetitivos. O restante, não. Não há um engessamento nos outros tipos decisionais. Os artigos 1.030 e 1.042, embora com grande inconsistência sistêmica, não impedem a remessa do recurso em que a discussão seja contrária à prévia decisão vinculativa em controle concentrado, súmula vinculante, incidente de assunção de competência, decisão do plenário, súmulas e decisão em embargos de divergência. Assim, como já afirmado, mas reforçando o presente comentário ao artigo, o motivo do engessamento se limitar apenas ao regimento de repercussão geral e aos recursos especiais e recursos extraordinários repetitivos é o 418 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ próprio texto legal, artigos 1.030, I e caput do art. 1.042.863 Verificamos que a restrição da primeira fase do exame de admissibilidade é apenas para repercussão geral e para os recursos repetitivos, nada mais. E como acima escrevemos na conclusão que entendemos que o IRDR (julgamento este repetitivo pela aplicabilidade do art. 928) não tem engessamento, a análise desse sistema rígido recursal para possível revisão de entendimento da tese deve ficar focada na repercussão geral e nos recursos especiais e recursos extraordinários repetitivos. Nossa ideia propositiva para evitar o engessamento das decisões fixadas em repercussão geral e para as teses fixadas em recursos especiais e recursos extraordinários repetitivos é o cabimento da reclamação. Como os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (CPC, art. 926). Como há “precedentes” no STF acolhendo a reclamação para fins de evolução interpretativa, tem ela então a também finalidade de servir de caminho para possibilitar à parte requerer a superação do entendimento de “precedentes”. Este foi o entendimento, inclusive, para fins também de repercussão geral. A mesma ratio (STF, Rcl nº 20.628) se aplica para os outros tipos decisionais, tais como os recursos repetitivos. Como o foco da reclamação ficará limitado apenas na comprovação de superação ou alteração do precedente, é ela, a reclamação, meio processual eficaz para essa finalidade. Assim, embora inicialmente a ideia inicial em comentários ao referido artigo legal864 fora apresentar e comprovar o total engessamento, esse caráter hipotético inicial foi afastado. A reclamação tem sido utilizada para fins de revisão de entendimento e evolução interpretativa. O argumento, como afirmado, é a usurpação de competência, tendo em vista ser de responsabilidade das cortes superiores a guarda da constituição (CF, art. 102) e a interpretação da lei federal (CF, art. 105, III). A reclamação tem, portanto, funcionalidade para analisar eventual superação de tese firmada em repercussão geral ou recursos especiais e extraordinários repetitivos. Quanto à repercussão geral, já analisamos, inclusive, “precedente” do STF em Rcl n.º 20.628 determinando ser possível revisar entendimento 863. I – negar seguimento: a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral; b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos; (...) Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos. (grifo nosso) 864. Veja considerações também do autor em FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Superação de precedentes: da necessária via processual e o uso da reclamação para superar e interpretar precedentes. Editora Thoth, 2020. BRUNO AUGUSTO SAMPAIO FUGA RAVI PEIXOTO ORGANIZADORES 419 firmado em repercussão geral por meio de reclamação. Quanto aos recursos especiais e extraordinários repetitivos, com a mesma ratio da decisão proferida em Rcl nº 20.628, entendemos ser a reclamação meio apto para revisar a tese jurídica nas decisões firmadas. Sobre a reclamação, sendo este o entendimento de possível superação por meio da reclamação, que seja respeitado o próprio processo de formação do precedente objeto do pedido de superação. Porém, ao invés da decisão de procedência da reclamação causar o efeito substitutivo, melhor será que a decisão de procedência da reclamação casse a decisão e determine a remessa para o tribunal do recurso pertinente e, assim, faça a análise de eventual superação – seja ele recurso extraordinário ou recurso especial repetitivo. Em síntese, desse modo, a possibilidade de solucionar o engessamento para a parte atingir a finalidade de apresentar seus argumentos recursais na hipótese de superação do entendimento firmado em repercussão geral e recursos especiais e extraordinários repetitivos é a reclamação. Ousamos fazer aqui outra constatação. No civil law, em geral, o operador do direito não sabe usar ou trabalhar com precedentes. O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, deixa esse fato mais notório, pois determina a obrigatoriedade de vinculação de diversos tipos, sem afirmar, contudo, se o que vincula é o dispositivo, sua ratio, seus fundamentos determinantes ou sua tese jurídica. E, principalmente, esqueceu o legislativo, ao positivar esse sistema recursal, que precedentes são construídos ao longo do tempo e que, obrigatoriamente, precisam ser interpretados – a interpretação é inerente a qualquer texto. Questionamos, então, quem fará essa interpretação. Vislumbramos a problemática então da criação de tese jurídica865 por parte do judiciário com pretensão de abstração do julgamento. Com a tese jurídica, os mesmos problemas inerentes ao texto legal se têm com a decisão judicial, pois deverá ser interpretada. Esse “problema” de interpretação também será visível em qualquer “precedente” produzido com o objetivo de ser “obrigatório. Temos, em um só cenário, súmulas, teses jurídicas, fundamentos determinantes, dispositivo da decisão, que obrigatoriamente precisam ser interpretados. Mesmo precisando ser interpretado, o Código esquece literalmente este fato e cria “precedentes obrigatórios” e com restrição de via recursal para a parte interessada requerer superação e questionar a interpretação e alcance de teses jurídicas em alguns tipos recursais. 865. O termo tese jurídica é citado no código de processo civil nos artigos 12, §2º, II; 311, II; 927, §2º e §4º; 947, §3º; 955, II; 976, §4º; 978, parágrafo único; 979, §2º; 984, §2º; 985, caput e §1º e 2º; 986, 987, caput e §2º; 988, §4º, 1.022, parágrafo único, inciso I; 1.038, §3º; 1.039; 1.040, III e IV; 1.043, §1º. 420 COMENTÁRIOS À RECOMENDAÇÃO N.º 134 DO CNJ Para piorar o cenário, temos ainda o texto da lei, pois ao contrário do common law, no civil law essas decisões com alto poder de vinculação irão conviver com o texto da lei. Nesta situação, questionamos se haverá, por exemplo, recursos repetitivos, IAC ou reclamação para interpretar a decisão proferida em “precedentes” com forte vinculação. Aqui já se afirmou categoricamente que a interpretação é inerente ao sistema, pensar que o precedente não será ou poderá ser interpretado é incorrer nos mesmos erros do positivismo. Sem essa via recursal, questionamos também como ficará essa interpretação. Após firmada tese jurídica em recursos especiais e extraordinários repetitivos pelo STF ou STJ, quem interpretará, os tribunais? Seria possível os tribunais, ou até mesmo juízes de primeiro grau, darem interpretações diferentes da mesma tese jurídica? Dando interpretações diferentes, poderá o tribunal abrir IRDR ou IAC para evitar ofensa à isonomia e segurança jurídica nestes casos? São esses apenas apresentações de problemáticas pertinentes da própria natureza do texto que sempre precisa ser interpretado, mas o texto legal no Código de Processo Civil de 2015 não fez essa previsão e o STJ, inclusive, segue tendência de não admitir reclamação com essa finalidade interpretativa no atual Código. O STJ esquece que após fixada uma tese jurídica, ou após a escrita ser feita, a interpretação é de quem lê e não mais de quem produziu o texto. Como já pontuado, a maior quantidade de “precedentes” cria possibilidade dos julgadores, por descuido ou propositalmente, se afastarem dos fundamentos determinantes inicialmente criados. Soma-se a isso a cultura de não saber usar os “precedentes”, tanto em seu uso quanto em sua construção. Em Portugal, por exemplo, com os assentos, a experiência não foi proveitosa. Há problemática de possível engessamento do Direito, mas outra problemática ligada ao tema, e talvez de maior complexidade: ausência de pensamento sistêmico do Código de Processo Civil de 2015 que decisões precisam ser interpretadas. A completa cegueira do Código de Processo Civil na lógica da interpretação de qualquer texto legal é preocupante e a reclamação, como afirmado em diversos momentos já descritos, pode ser um instrumento processual para evitar o engessamento do Direito em determinando tipos decisionais e, também, ter a finalidade de interpretar o “precedente”, delimitando seu alcance e seus fundamentos determinantes.