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As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público The political philosophies of Thomas Hobbes, John Locke and Jean -Jacques Rousseau and their influences on public law Leandro de Carvalho Almeida 1 Marcelo Sasso Gonzalez 2 Aceito para publicação em: 10/06/2024 Área do conhecimento: Direito DOI: 10.18378/rbfh.v13i2.10547 RESUMO: A filosofia política abrange áreas como teoria do Estado, teoria da justiça, ética política, filosofia da democracia, entre outras. Por outro lado, o Direito Público é um ramo do direito que se concentra nas relações entre o Estado e os cidadãos. A pesquisa visa entender a importância contínua das ideias trazidas nas filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau no contexto jurídico-social, sendo seu objetivo, compreender as nuances dos pensamentos e, a partir disso, traçar paralelos com o Direito Público. A metodologia utilizada consistiu em uma revisão bibliográfica, empregando o método de pesquisa exploratória, com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre as teorias políticas dos pensadores e suas contribuições para o desenvolvimento do Direito Público. Como resultado constatamos que as filosofias tiveram impactos profundos e variados no Direito Público, principalmente na proteção dos direitos individuais, coletivos e supremacia estatal, desta forma, moldando o pensamento político e jurídico e influenciando as estruturas governamentais. Palavras-chave: Filosofia política; Thomas Hobbes; John Locke; Jean Jacques-Rousseau; Direito Público. ABSTRACT: Political philosophy covers areas such as State theory, justice theory, political ethics, philosophy of democracy, among others. On the other hand, Public Law is a branch of law that focuses on relations between the State and citizens. The research aims to understand the continuous importance of the ideas brought in the political philosophies of Thomas Hobbes, John Locke and Jean -Jacques Rousseau in the legal-social context, with its objective being to understand the nuances of thoughts and, from this, draw parallels with Law Public. The methodology used consisted of a bibliographical review, using the exploratory research method, with the aim of deepening knowledge about the political theories of thinkers and their contributions to the development of Public Law. As a result, we found that philosophies had profound and varied impacts on Public Law, mainly in the protection of individual and collective rights and state supremacy, thus shaping political and legal thought and influencing government structures. Keywords: Political philosophy; Thomas Hobbes; John Locke; Jean Jacques-Rousseau; Public law. 1 Advogado; Consultor; Gestor Público; Especialista em Direito Eleitoral (PUC-MG); Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UNIFIEO). Bacharel em Direito (UNIFIEO). Osasco-SP-Brasil. E-mail: leandro@coutoesasso.adv.br. 2 Advogado; Consultor; Gestor Público; Mestre em Gestão Pública (FGV-SP); Especialista em Direito Administrativo (PUC-MG); Especialista em Direito Processual Civil (PUC-MG); Especialista em Filosofia e Teoria do Direito (PUC-MG); Especialista em Direito Contratual (ESA-OAB); Especialista em Direito Público (PUC-RS); Bacharel em Direito (UNIFIEO). Osasco-SP-Brasil. E-mail: marcelo@coutoesasso.adv.br. RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al INTRODUÇÃO A filosofia política busca compreender os fundamentos morais, éticos, históricos e práticos que orientam a vida política da sociedade. Dedica-se ao estudo das questões relacionadas ao poder, autoridade, justiça, liberdade, direitos, Estado e organização da sociedade. Ao examinar criticamente esses temas, procura refletir sobre como a política deve ser conduzida, que tipo de sociedade é desejável e como as relações entre indivíduos e governos devem ser estruturadas. A compreensão das filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau fazem parte dessas reflexões e do entendimento da formação do Direito Público contemporâneo. Estes pensadores viveram em períodos marcados por transformações sociais e políticas significativas, que influenciaram profundamente suas ideias. Hobbes viveu durante um período de intensa instabilidade, a Guerra Civil Inglesa (1642-1651); Locke, por sua vez, testemunhou a Revolução Gloriosa (1688-1689), que consolidou o parlamentarismo na Inglaterra; e Rousseau, foi influenciado pelos ideais do Iluminismo (1685-1815) e pelas desigualdades sociais da época. Esses contextos históricos não apenas moldaram as ideias desses pensadores, mas também ajudaram a definir os contornos da formação das sociedades ocidentais. Hobbes, em sua obra “Leviatã” de 1651, argumenta a favor de um poder soberano absoluto como condição para a segurança humana. John Locke, em contraste, em “Dois Tratados sobre o Governo” de 1689, defende a ideia de um governo limitado e responsável perante o povo. Por fim, Jean-Jacques Rousseau, com sua obra “O Contrato Social” de 1762, introduz a ideia de que a soberania reside no povo. Essas noções de contrato social, direitos individuais, direitos coletivos, são elementos centrais no Direito Público contemporâneo. A justificativa da pesquisa reside na importância contínua das ideias trazidas pelos pensadores no contexto jurídico-social. As ideias trazidas pelos pensadores são importantes na formação das sociedades, e continuam presentes no debate jurídico e político. Entender como foram adaptadas, interpretadas e aplicadas ao longo do tempo pode oferecer uma perspectiva única sobre os desafios contemporâneos do Direito. Este estudo não é apenas um exercício acadêmico, mas um meio de compreender e contextualizar debates e realizações práticas no exercício jurídico. O objetivo é compreender as nuances dos pensamentos e, a partir disso, traçar paralelos com o Direito Público. Desta forma, o problema de pesquisa reside em investigar o seguinte: Como essas filosofias políticas influenciaram o Direito Público contemporâneo? A análise se concentra em compreender como esses pensadores moldaram as fundações legais e institucionais nas quais se RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público baseiam os sistemas jurídicos contemporâneos. A hipótese de pesquisa é que estas filosofias políticas exercem uma influência significativa sobre o Direito Público contemporâneo, particularmente no que diz respeito às noções de poder estatal, direitos individuais e direitos coletivos. A validação desta hipótese permitirá uma melhor compreensão dos desdobramentos sobre o Direito. Assim, este artigo está dividido nas três primeiras seções os principais pontos das filosofias de cada pensador, seguida pela análise do campo do Direito Público e por fim uma análise dos impactos das teorias nesse ramo do direito. A metodologia utilizada foi uma revisão bibliográfica, pelo método de pesquisa exploratória, com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre essas teorias políticas e suas contribuições para o desenvolvimento do Direito Público. O perfil de dados primários inclui as obras originais dos autores, e os dados secundários envolvem a literatura acadêmica sobre a temática. Isso inclui livros e artigos em filosofia política e direito. A FILOSOFIA POLÍTICA DE THOMAS HOBBES A filosofia inicialmente, surgiu de um vasto universo de ideias complexas, belas e muitas vezes conflitantes, aos poucos, com a influência da intolerância religiosa, da razão e do desejo de compreensão, a filosofia começou a simplificar esse mundo, tornando-o mais compreensível. Gradualmente, tudo se tornou mais simples, mais óbvio, e a filosofia parecia retornar a um estágio onde descrevia o mundo da forma como o percebemos (Strathern, 1999)3. Dentre tantos pensadores influentes e que formaram as sociedades, temos Thomas Hobbes, John Locke e JeanJacques Rousseau. Thomas Hobbes, nascido em 1588 na Inglaterra, foi um pensador cujas ideias exerceram uma influência profunda sobre a filosofia política, esta frequentemente vista como uma reação às incertezas e ao caos de sua época, fundamentada em sua visão pessimista da natureza humana. Em sua principal obra, “O Leviatã” (2003), aborda questões fundamentais sobre a natureza humana, o contrato social e a organização política. O período de intensa turbulência política na Inglaterra, marcado pela Guerra Civil e pela queda da monarquia absolutista (Kiffer, 2022) 4, influenciaram a sua obra. Nesse contexto, surge como uma tentativa de fornecer uma justificação 3 STRATHERN, Paul. Locke em 90 minutos. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 1997. KIFFER, André Geraque. Guerra Civil inglesa, 1642-1651: Uma Simulação histórica. Ed. 1ª Vol. 1. Editora Clube de Autores, Joinville-SC. 2022. 4 RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al racional para a autoridade política e estabelecer as bases para um Estado soberano capaz de garantir a paz e a segurança. Hobbes (2003)5 inicia sua obra discutindo a natureza humana e o estado de natureza. Para o pensador, os seres humanos são movidos pelo desejo de poder e pela busca de autossatisfação. No estado de natureza, caracterizado pela ausência de um poder soberano, os indivíduos estão em constante competição e conflito. Essa visão sombria da natureza humana (Ribeiro, 2008) 6 contrasta com outras teorias contratualistas, como as de Locke e Rousseau, que enxergam o estado de natureza de forma mais positiva. Para Hobbes, a única maneira de escapar desse estado caótico é através da criação de um contrato social com um governo forte e centralizado. Ainda, descreve o contrato social como um acordo pelo qual os indivíduos renunciam a parte de sua liberdade em troca da segurança e da proteção oferecidas pelo Estado. Esse contrato resulta na formação de um Leviatã, ou seja, um Estado soberano dotado de poder absoluto. O Leviatã é representado como um corpo político, cuja autoridade é exercida pelo soberano em nome do povo. Para ele, o Estado soberano é a única forma de evitar o caos e garantir a paz social. Argui que, sem um poder centralizado os indivíduos inevitavelmente entrariam em conflito uns com os outros, levando a uma guerra de todos contra todos (Martinich, 2013). 7 Uma das características distintivas do Leviatã é o poder absoluto atribuído ao soberano. Sustenta que o soberano deve ter autoridade ilimitada sobre seus súditos, incluindo o direito de legislar, julgar e executar as leis. Esse poder absoluto é justificado pela necessidade de preservar a segurança e a estabilidade da sociedade. No entanto, o exercício desse poder absoluto não está isento de limitações, Hobbes (2003) 8 reconhece que o soberano deve agir de acordo com a lei natural e deve buscar o bem-estar do povo. Além disso, argumenta que os súditos têm o direito de resistir a um soberano que abuse de seu poder ou coloque em risco a segurança do Estado. Um dos pilares de sua estrutura filosófica é a questão da legitimidade do governo e da obediência civil, sendo que a autoridade do soberano deriva do consentimento dos governados, expresso através do contrato social (Ribeiro, 2008)9. Uma vez estabelecido o contrato, os súditos têm o dever de obedecer às leis e aos decretos do soberano, mesmo que discordem deles. A 5 HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Martins Fontes: São Paulo, 2003. 6 RIBEIRO, Janine Renato. Hobbes: o medo e a esperança. In: Os clássicos da política, org. Franscisco C. Weffort, Ática, São Paulo 2008. 7 MARTINICH, Aloysius P. Hobbes. Routledge, 2013. 8 HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Martins Fontes: São Paulo, 2003. 9 RIBEIRO, Janine Renato. Hobbes: o medo e a esperança. In: Os clássicos da política, org. Franscisco C. Weffort, Ática, São Paulo 2008. RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público justificativa para a obediência civil é baseada na necessidade de preservar a ordem e a segurança da sociedade. Argumenta que a desobediência civil leva ao caos e à instabilidade, o que por sua vez coloca em risco a vida e a propriedade dos indivíduos. Portanto, a obediência ao soberano é um imperativo moral e político. No entanto, reconhece que há limites para essa obediência (Hobbes, 2003)10. No caso de o soberano violar gravemente o contrato social ou agir de forma tirânica, os súditos têm o direito de se revoltar e depor o governante ilegítimo. Essa ideia de resistência ao poder opressivo influenciou pensadores posteriores, como John Locke (Strathern, 1997)11. Outro aspecto importante é a relação entre religião e autoridade política. Defende que a religião deve ser subordinada ao poder soberano e que este tem o direito de determinar a doutrina religiosa e regular o culto público. Refletindo a preocupação do autor com a manutenção da estabilidade política e da coesão social. O Leviatã é uma obra seminal que aborda questões fundamentais sobre a natureza humana, o contrato social e a autoridade política. Ao descrever um estado de natureza marcado pelo conflito e pela competição, justificaria a necessidade de um Estado soberano capaz de garantir a ordem e a estabilidade. Suas ideias tiveram um impacto duradouro no pensamento político e influenciaram a forma como as sociedades modernas são organizadas. No entanto, levanta questões importantes sobre a legitimidade do poder político e os direitos dos indivíduos. Em última análise, a obra continua a desafiar e provocar reflexões sobre a natureza do governo e o papel do Estado na sociedade. A FILOSOFIA POLÍTICA DE JOHN LOCKE John Locke, nasceu em 1632 na Inglaterra, é considerado o pai do liberalismo moderno, sendo uma das figuras mais influentes na filosofia política. Sua obra mais significativa, "Dois Tratados sobre o Governo" (2019), foi uma resposta direta ao absolutismo defendido por Hobbes, e estabeleceu as bases para o entendimento moderno de democracia e direitos individuais. Nestes tratados, Locke delineia sua visão sobre a origem do governo, os direitos naturais dos indivíduos e a legitimidade da autoridade política. 10 HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Martins Fontes: São Paulo, 2003. 11 STRATHERN, Paul. Locke em 90 minutos. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 1997. RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al Primeiramente é importante entender o contexto histórico e intelectual em que Locke concebeu suas ideias. O século dezessete foi marcado por profundas mudanças políticas na Europa, incluindo a Revolução Inglesa (1642-1651), que resultou na execução do Rei Carlos I e no estabelecimento da monarquia parlamentar sob Carlos II e depois sob Jaime II (Trevor-Roper, 1967)12. Locke, viveu durante esse período turbulento, foi influenciado por uma série de pensadores, no entanto, suas ideias foram moldadas de forma proeminente por sua associação com os Whigs, um grupo político que defendia a limitação do poder monárquico em favor dos direitos do parlamento e dos indivíduos (Strathern, 1997).13 Analisando a sua obra, o Primeiro Tratado é uma refutação da teoria do direito divino dos reis e do patriarcalismo, argumentando contra a noção de que o poder político é derivado de Deus e transmitido por meio da linhagem hereditária. O autor contesta a ideia de que os monarcas têm autoridade ilimitada sobre seus súditos, sustentando que o poder político deve ser baseado no consentimento dos governados. Uma das principais áreas de atuação do Primeiro Tratado é a defesa do direito natural à liberdade e à propriedade. Argumenta que todos os indivíduos nascem iguais e livres, dotados de direitos inalienáveis, incluindo o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Desenvolve assim, a noção de que os indivíduos são donos de si mesmos e de seu trabalho, e desta forma adquirem propriedade legítima (Locke, 2019).14 Essa concepção de propriedade desempenha um papel crucial na teoria política de Locke, servindo como fundamento para sua crítica ao absolutismo e sua defesa da limitação do poder governamental. Ao estabelecer que a propriedade é um direito natural e inviolável, traz a ideia que o governo tem a responsabilidade de proteger esses direitos e que os governantes devem ser responsáveis perante o povo (Dunn, 1969).15 Já o Segundo Tratado é dedicado à elaboração da teoria do contrato social. A ideia parte do pressuposto de que, no estado de natureza, os seres humanos vivem em um estado de liberdade e igualdade, mas também enfrentam o desafio da preservação de seus direitos naturais em meio à possibilidade de conflitos. Para resolver esse dilema, propõe que os indivíduos entrem em um contrato social, voluntariamente, renunciando a parte de sua liberdade para estabelecer um governo que proteja seus direitos naturais e faça a mediação de conflitos de forma imparcial. No entanto, esse contrato implica uma condição fundamental: o governo só é legítimo se for baseado 12 TREVOR-ROPER, Hugh; TREVOR-ROPER, Hugh; GUIMARAES, Julio Castanon. A crise do seculo XVII; Religiao, a Reforma and Mudanca Social. Topbooks, 1967. 13 STRATHERN, Paul. Locke em 90 minutos. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 1997. 14 LOCKE, John. Carta sobre a tolerância. [s.l.] BOD GmbH DE, 2019. 15 DUNN, J. The Political Thought of John Locke. Cambridge: Cambridge University Press, 1969. RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público no consentimento dos governados e se estiver comprometido com a proteção dos direitos individuais (Locke, 2018).16 Locke também foi um dos primeiros a defender a separação de poderes dentro do governo, argumentava que a separação dos poderes era necessária para prevenir o abuso de poder e garantir que o governo continuasse a servir ao povo (Spellman, 1997) 17. A teoria do contrato social tem importantes implicações para a legitimidade do governo, ao contrário da visão absolutista, que justifica o poder político com base na vontade divina ou na autoridade hereditária. O governo só é legítimo quando recebe o consentimento dos governados. Isso implica que os governantes devem ser eleitos e responsáveis perante o povo, e que os cidadãos têm o direito de resistir a um governo que viole seus direitos naturais (Mello, 2008).18 Com a sua chegada a filosofia adentrou em um terreno plano. As grandes ideias frequentemente são óbvias, e nenhuma parece mais óbvia do que as de Locke. Muito do seu pensamento pode ser considerado senso comum. Sua filosofia estabeleceu os fundamentos do empirismo e da crença de que nosso conhecimento do mundo é baseado na experiência, além de introduzir a ideia de democracia liberal, que se tornaria essencial para a civilização ocidental. Ele foi único entre os grandes filósofos por ter se tornado ministro de governo, o que revela muito sobre ele. Era um homem multifacetado, mas acima de tudo, coerente e prático, sua filosofia realmente funciona, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade como um todo (Strathern, 1997).19 A FILOSOFIA POLÍTICA DE JEAN-JACQUES ROUSSEAU O último pensador objeto do presente artigo é Jean-Jacques Rousseau, nascido em 1712 em Genebra, sendo uma figura proeminente do Iluminismo, conhecido por suas contribuições revolucionárias para a filosofia política. O ambiente intelectual e político do século dezoito na Europa foi um período de intensas transformações sociais, políticas e filosóficas, marcado pelo surgimento da burguesia como uma força política e econômica crescente, pelo questionamento 16 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. LeBooks Editora, 2018. SPELLMAN, William M. John Locke. Bloomsbury Publishing, 1997. 18 MELLO, Leonel Itaussu Almeida. John Locke e o individualismo liberal. In: Os clássicos da política, org. Franscisco C. Weffort, Ática, São Paulo 2008. 19 STRATHERN, Paul. Locke em 90 minutos. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 1997. 17 RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al das instituições tradicionais e pela busca por ideais de liberdade, igualdade e fraternidade (Cassirer, 1997).20 Nesse contexto, Rousseau emerge como um pensador importante, contribuindo para os debates sobre o papel do governo, a legitimidade do poder e os direitos individuais. A sua obra "O Contrato Social" (2017) visa estabelecer os fundamentos de uma sociedade justa e equitativa, partindo da premissa de que os homens são naturalmente livres, mas estão aprisionados por correntes sociais e políticas que os alienam de sua verdadeira essência. Aprofunda a reflexão sobre a natureza do governo, a origem da desigualdade entre os homens e os princípios de uma sociedade justa e livre. Essa dicotomia entre liberdade natural e restrições sociais é central para sua argumentação ao longo da obra. Propondo que a sociedade civilizada corrompe a liberdade natural do homem, criando desigualdades e injustiças. Deste entendimento, propõem a solução da formação de um contrato social legítimo entre os indivíduos, onde todos abrem mão de parte de sua liberdade em favor do bem comum. Esse contrato é baseado na vontade geral, que representa os interesses coletivos da comunidade, em oposição à vontade particular de cada indivíduo (Rousseau, 2013).21 O conceito abordado da vontade geral, sendo o princípio fundamental de qualquer sociedade justa, e todas as leis e políticas devem ser baseadas neste princípio. A vontade geral não é a mesma que a vontade da maioria, pois representa os interesses comuns de todos os cidadãos, mesmo que estes não estejam cientes disso. Para determinar a vontade geral, os cidadãos deveriam se reunir para discutir e deliberar sobre questões políticas. Este método seria mais eficaz do que o simples voto, pois permite que os cidadãos expressem suas opiniões e debatam abertamente (Nascimento, 2008)22. Nesse sentido, criticou o conceito de representação política, argumentando que a democracia verdadeira só existe quando o povo governa diretamente, e a democracia representativa seria uma forma de alienação da soberania popular (Rousseau, 2017)23. É importante notar que a vontade geral não é a simples soma das vontades individuais, mas sim uma expressão do melhor para o conjunto da sociedade. Ao estabelecer este contrato social, cria um estado democrático baseado na soberania popular, onde todos os cidadãos têm direitos iguais e participam ativamente na tomada de decisões políticas. Rejeitando a ideia de um 20 CASSIRER, Ernst. A filosofia do Iluminismo. 3ª. Edição. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997. ROUSSEAU, Jean-Jacques. The essential writings of Rousseau. Modern Library, 2013. 22 NASCIMENTO, Milton Meira do. Rousseau: da servidão à liberdade. In: Os clássicos da política, org. Franscisco C. Weffort, Ática, São Paulo 2008. 23 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou princípios do direito político. BOD GmbH DE, 2017. 21 RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público governo absoluto ou monárquico, argumentando que tais formas de governo apenas perpetuam a desigualdade e a opressão (Monteagudo, 2010).24 Um dos conceitos-chave é o estado de natureza, que representa o estado pré-social dos seres humanos, caracterizado pela liberdade, igualdade e ausência de conflitos. Nesse ponto divergia significativamente de Hobbes e Locke, argumenta que neste estado, os homens viviam em harmonia com a natureza e uns com os outros, sem a necessidade de leis ou instituições políticas. No entanto, com a formação da sociedade e a introdução da propriedade, surgiram desigualdades de riqueza, poder e status, criando um estado de guerra civilizado onde os interesses individuais entraram em conflito. Para escapar dessa situação, os homens formaram o contrato social, renunciando parte de sua liberdade em troca de segurança e proteção mútua (Cranston, 1995).25 Em síntese, a filosofia política é uma área do pensamento humano que busca compreender e analisar as bases, estruturas e funcionamentos do poder político, da autoridade e da organização da sociedade (Strathern, 2004)26. Dentro desse vasto campo, esses pensadores se destacam de forma notável por suas contribuições para o desenvolvimento e entendimento das teorias políticas modernas. A importância destes para a filosofia política reside não apenas nas contribuições teóricas que ofereceram, mas também nas diferentes perspectivas que apresentaram sobre a natureza humana, a organização política e a legitimação do poder. Com contribuições para a teoria política, suas obras continuam a ser objeto de estudo e debate, nas sociedades atuais. ABRANGÊNCIA E APLICAÇÃO DO DIREITO PÚBLICO O campo de aplicação do Direito Público contemporâneo abrange uma vasta gama de áreas e temas que regulam as relações entre o Estado e os cidadãos, bem como as relações entre os próprios Estados. Desde questões de direitos fundamentais até a regulação da administração pública, passando pelo Direito Constitucional, Administrativo, Tributário, Internacional e Ambiental, o Direito Público molda e governa a estrutura e funcionamento das sociedades modernas (Nucci, 2019)27. O Direito Público contemporâneo é profundamente influenciado pela tradição jurídica de cada país, bem como por tratados e convenções internacionais. 24 MONTEAGUDO, R. Contrato, moral e política em Rousseau. Marília: Editora da UNESP, 2010. CRANSTON, Maurice. Rousseau’s theory of liberty. In: WOKLER, Robert (Ed.). Rousseau and liberty, Manchester: Manchester University Press, Manchester, 1995. 26 STRATHERN, Paul. Locke em 90 minutos. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 1997. 27 NUCCI, Guilherme de Souza. Instituições de Direito Público e Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2019. 25 RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al Uma das áreas mais fundamentais do Direito Público é o Direito Constitucional. Este ramo trata da organização e funcionamento dos poderes do Estado, bem como dos direitos fundamentais dos cidadãos. As constituições são os documentos fundamentais que estabelecem as bases do Estado e garantem os direitos individuais. O Direito Constitucional contemporâneo lida com questões como separação de poderes, sistema de governo, direitos fundamentais, controle de constitucionalidade das leis entre outros assuntos (Temer, 2008).28 O Direito Administrativo é outro ramo crucial do Direito Público, que regulamenta a atuação da administração pública. Ele estabelece as regras e princípios que governam a atividade dos órgãos e agentes estatais, incluindo procedimentos administrativos, licitações públicas, contratos administrativos, responsabilidade do Estado, serviços públicos e atos administrativos. O Direito Administrativo contemporâneo busca garantir a eficiência, transparência, imparcialidade e legalidade na atuação da administração pública, além de proteger os direitos dos administrados (Sunfeld, 2009).29 Já o Direito Tributário é responsável por regular a arrecadação de tributos pelo Estado e as relações entre o Fisco e os contribuintes. Ele estabelece as normas sobre impostos, taxas e contribuições, bem como os direitos e deveres das partes envolvidas. O Direito Tributário contemporâneo aborda questões como competência tributária, princípios tributários (legalidade, irretroatividade, anterioridade), planejamento tributário, elisão e evasão fiscal, e contencioso tributário (Nucci, 2019).30 Também parte deste rol, o Direito Internacional Público regula as relações entre os Estados soberanos e organizações internacionais. Aborda questões como tratados internacionais, diplomacia, direito do mar, direito humanitário, direito dos refugiados, direitos humanos internacionais e resolução de disputas entre Estados. O Direito Internacional Público contemporâneo enfrenta desafios complexos, como globalização, terrorismo internacional, mudanças climáticas e proteção dos direitos humanos em âmbito global (Nucci, 2019). 31 Atualmente uma área que entrou definitivamente para o debate público é o Direito Ambiental, que visa proteger o meio ambiente e regular as atividades humanas que impactam os ecossistemas. Estabelecendo normas sobre conservação da natureza, prevenção da poluição, gestão de recursos naturais, licenciamento ambiental, responsabilidade ambiental e participação pública na tomada de decisões ambientais. O Direito Ambiental contemporâneo enfrenta desafios 28 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 22ª ed., 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2008. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos De Direito Público. 4ª Ed. Malheiros, São Paulo 2009. 30 NUCCI, Guilherme de Souza. Instituições de Direito Público e Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2019. 31 Idem. 29 RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público urgentes, como desmatamento, poluição do ar e da água, perda de biodiversidade e mudanças climáticas. Outro campo de extrema importância, são os Direitos Humanos, princípios fundamentais que garantem a dignidade, liberdade e igualdade de todos os seres humanos, estabelecendo normas e mecanismos para proteger e promover esses direitos em nível global. Além disso, o Direito Humanitário, também conhecido como Direito Internacional Humanitário, regula as regras aplicáveis em tempos de conflito armado, protegendo civis e combatentes não envolvidos no combate. O Direito Humanitário contemporâneo enfrenta desafios como guerras civis, crimes de guerra, refugiados e migrações forçadas (Castilho, 2017).32 O campo de aplicação do Direito Público contemporâneo é vasto e diversificado, abrangendo áreas que regulam desde as relações entre o Estado e os cidadãos até as relações entre Estados soberanos. Em uma era de crescente complexidade social, econômica e ambiental, o Direito Público desempenha um papel crucial na garantia da ordem, dos direitos e da justiça em nossas sociedades. No entanto, os desafios enfrentados, como a globalização, as mudanças climáticas e os conflitos armados, exigem abordagens inovadoras e colaborativas para fortalecer e adaptar o Direito Público às necessidades e realidades do mundo contemporâneo. Vamos aprofundar os conceitos no principal ramo, o Direito Constitucional. O Direito Constitucional é uma área fundamental do direito que se concentra no estudo das constituições, sua interpretação, aplicação e impacto na organização e funcionamento dos sistemas jurídicos e políticos de uma sociedade. É uma disciplina que aborda princípios, normas e instituições que estruturam o Estado e as relações entre o poder público e os cidadãos, uma das disciplinas mais antigas e importantes do direito. Tratando das normas e princípios que organizam o Estado, definindo os poderes e limites do governo, garantindo os direitos fundamentais dos cidadãos. Sendo a Constituição o documento central do Direito Constitucional, estabelecendo a estrutura do Estado, os direitos e deveres dos cidadãos, os órgãos e suas competências, entre outros aspectos (Temer, 2008).33 A expansão do constitucionalismo, tendo o Estado Constitucional como modelo e com instituições que passaram a fazer parte desse conceito, tem suas raízes na tradição constitucional britânica. No entanto, a construção do constitucionalismo formal, jurídico ou normativo, só se consolidou no final do século dezoito. Essa análise evidencia que o conceito moderno de constituições formais e legais é relativamente recente e que, até então, existiam apenas 32 33 CASTILHO, Ricardo dos Santos. Direitos humanos. Saraiva Educação SA, 2017. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 22ª ed., 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2008. RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al documentos com características constitucionais, como as experiências inglesas. Ademais, para demonstrar a evolução da constituição e dos estados constitucionais, é importante ressaltar que, embora as normas jurídicas regulassem as relações de poder político, essas normas não eram as mesmas que surgiram no final do século dezoito. A concepção moderna de uma constituição não se ajusta aos parâmetros da época (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2019).34 A noção de constitucionalismo, influenciada pelo modelo do Estado Constitucional, e as instituições que o compõem, têm suas raízes na tradição constitucional britânica. No entanto, foi somente a partir dos ideais liberais, em um processo de limitação e divisão do poder absoluto, que se consolidou a crença na necessidade de certos princípios constarem em um documento formal, entendido como uma constituição. Assim, o conceito de constituição está alinhado com os princípios de divisão de poder entre os diversos atores sociais, bem como com um conjunto de direitos fundamentais e organizacionais do Estado e da sociedade (Bobbio, Matteucci, Pasquino, 2008).35 Essa concepção de constituição pode ser observada em diversas perspectivas, principalmente como organização, formação, ato de estabelecer juridicamente, conjunto de normas que regem uma corporação ou instituição, e, por fim, como a lei fundamental de um Estado. Essas concepções conceituais são análogas e buscam expressar a ideia de um certo modo de ser e, consequentemente, a respectiva organização interna. Nesse sentido, afirmamos que todo Estado possui uma constituição, sendo esta a forma de ser do Estado. Em resumo, constitui um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regulam a forma do Estado, a forma de governo, o modo de aquisição e exercício do poder, além do estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias (Silva, 2016). 36 Dessa forma, a constituição é objeto de pesquisa da ciência constitucional, entendida como a lei fundamental e suprema do país, que rege a organização política e jurídica. As normas constitucionais devem definir a forma do Estado, as instituições que compõem sua estrutura, a competência dessas instituições, a aquisição e o exercício dos poderes. Além disso, devem limitar o poder do Estado, especialmente através da separação de poderes, pelo sistema de freios e contrapesos, bem como enumerar direitos e garantias fundamentais (Alexandrino; Paulo, 2017).37 34 SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Saraiva Educação, 2019. 35 BOBBIO, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. UnB, Brasília, 11ª edição, 2008. 36 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 39ª ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 90, de 15.9.2015. -São Paulo : Malheiros, 2016. 37 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado. 16. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Forense, 2017. RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público Entretanto, a ideia de formação do Estado em um documento formal representa apenas uma parte do conceito, devendo também ser analisada como uma estrutura normativa valorativa. Dessa análise, surgem divergências doutrinárias quanto à concepção da constituição, podendo ser sociológica, política ou puramente jurídica. Nessas concepções, destacam-se três grandes pensadores: Ferdinand Lasalle, Carl Schmitt e Hans Kelsen. Para Lasalle, a verdadeira constituição nacional que rege os elementos do poder real é a constituição verdadeiramente efetiva, não uma constituição escrita. Schmitt, por outro lado, atribuiu-lhes significado político, como uma decisão sobre o modo e a forma de existência das unidades políticas como um todo, distinguindo a constituição do direito constitucional. Por fim, para Kelsen, a constituição foi concebida como uma norma pura, um puro dever, sem a pretensão de qualquer base sociológica, política ou filosófica (Temer, 2008).38 O conceito de Kelsen valida a constituição em dois sentidos: lógico-jurídico e jurídicopositivo. Em primeiro lugar, uma constituição é uma norma básica hipotética cuja função é lançar as bases para o sistema jurídico, fornecendo assim uma base lógica para a validade de uma constituição jurídica positiva (Temer, 2008) 39. Se considerarmos que a constituição não tem conexão com a sociedade, não podemos obter o significado jurídico da constituição. Assim, certos comportamentos na sociedade são transformados em comportamentos humanos com valor histórico, que constituem o fundamento da existência comunitária e formam os elementos constitucionais dos grupos sociais. Essa estrutura não pode ser compreendida e interpretada sem levar em consideração uma conexão de sentido e um conjunto de valores. Portanto, pode ser observada sob diversas perspectivas: formal, material, valorativa e restrições de poder (Silva, 2016) 40. O constitucionalista José Joaquim Gomes Canotilho (1993)41 formulou uma constituição ideal, com inspirações liberais, sendo constituída da seguinte forma: deve ser escrita; deve conter direitos fundamentais individuais; deve empregar um sistema democrático formal e deve assegurar que os poderes do Estado sejam limitados através do princípio da separação de poderes. Resumindo os pensamentos apresentados, o objetivo da constituição é estabelecer a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos, a forma de adquirir poder, a forma de exercer o poder, os limites do exercício do poder, a proteção dos direitos e garantias individuais, o 38 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 22ª ed., 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2008. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 22ª ed., 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2008. 40 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 39ª ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 90, de 15.9.2015. -São Paulo : Malheiros, 2016. 41 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. ed. Almedina. Coimbra Portugal, 1993. 39 RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al estabelecimento de poderes políticos, o propósito socioeconômico do Estado, bem como os fundamentos dos direitos econômicos, sociais e culturais. Nem sempre as constituições tiveram uma gama de objetos tão ampla, mas esta vem se expandindo ao longo da história (Alexandrino; Paulo, 2017).42 Segundo os ensinamentos do professor Michel Temer (2008)43, a ampliação do alcance da ação estatal levou a um aumento significativo da importância da constituição e a uma tendência de expansão de seu conteúdo material. Nos Estados modernos, de caráter marcadamente social, a doutrina constitucionalista aponta para o fenômeno da expansão dos objetos constitucionais, que passaram a tratar de temas cada vez mais amplos, como o estabelecimento da finalidade da ação estatal. Em cada estágio deste processo, algo foi incorporado ao texto constitucional. A ampliação do conteúdo constitucional produziu a diferença entre a constituição no sentido material e a constituição no sentido formal, que não se referiam apenas à estrutura do Estado, à organização dos poderes, seu exercício e aos direitos do homem e suas respectivas garantias. As normas meramente formais só são constitucionais em virtude da natureza do documento em que se encontram, sendo constitucionais apenas pela forma (Silva, 2016) 44. Esse apego à tradição revela uma incompreensão das dimensões constitucionais contemporâneas, uma vez que as finalidades e objetivos do Estado não são elencados como os elementos constitutivos. Isso explica a tendência contemporânea de constituições amplas e voltadas para a finalidade do Estado, com planos e diretrizes para o futuro (Temer, 2008).45 Dessa visão do futuro temos os direitos fundamentais, desde seu reconhecimento nas primeiras constituições, passaram por diversas transformações, tanto no conteúdo quanto na titularidade, validade e eficácia. A ideia da evolução dos direitos humanos e fundamentais pode ser entendida identificando três “gerações” de direitos, alguns defendem a existência de direitos de quarta e até quinta e sexta geração (Alexandrino; Paulo, 2017)46. Em primeiro lugar, cabe destacar a fundamentada crítica à visão geracional, uma vez que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais se caracteriza por um processo cumulativo mais complementar do que alternado, o termo "gerações" pode dar a falsa impressão de que uma geração substitui a 42 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado. 16. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Forense, 2017. 43 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 22ª ed., 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2008. 44 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 39ª ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 90, de 15.9.2015. -São Paulo : Malheiros, 2016. 45 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 22ª ed., 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2008. 46 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado. 16. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Forense, 2017. RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público outra, melhor o termo "dimensão" dos direitos fundamentais, posição mais moderna e aceita (Martins, 2005).47 Há posição consolidada na doutrina acerca das três primeiras dimensões dos direitos fundamentais. Como vimos anteriormente, essas dimensões fizeram parte da construção do constitucionalismo moderno, a começar pelas primeiras constituições de matriz liberal-burguesa, a partir do final do século XVIII. Por outro lado, tanto a constituição quanto os direitos conferidos nela estão em constante processo de mudança, acabando por aceitar uma série de diferentes posições jurídicas no direito constitucional e no campo do direito internacional (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2019)48. Assim, as dimensões não possuem apenas caráter cumulativo e complementar dos direitos fundamentais, afirmando a sua unidade e indivisibilidade constitucional. Além disso, como não se pode falar em modelos uniformes de Estado e constituição, também a evolução do reconhecimento dos direitos fundamentais não se revela uniforme em todas as realidades (Temer, 2008).49 A norma contida no art. 5.º, § 2º da CF: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, traz questões já abordadas anteriormente neste trabalho, em relação às diferenças entre normas materialmente e formalmente constitucionais. A citada norma traduz o entendimento de que, para além do conceito formal de direitos fundamentais, há um conceito material, pertencendo ao corpo da constituição mesmo não constando expressamente (Bonavides, 2011) 50. Desta feita, observamos que o direito constitucional brasileiro adotou a ideia dominante de constituição e no senso jurídico coletivo. Assim, é preciso ter em conta que a construção de um conceito material de direitos fundamentais deve considerar a ordem de valores dominante, bem como, as circunstâncias sociais, políticas, econômicas e culturais de uma dada ordem constitucional (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2019)51. É importante analisar que na doutrina brasileira tem prevalecido o entendimento, que tanto o rol dos direitos sociais do artigo 6.º quanto o elenco dos direitos sociais dos trabalhadores no artigo 7.º, são meramente exemplificativos, sendo que ambos os preceitos podem ser 47 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Conheça a Constituição Brasileira. Barueri. São Paulo. 2005. SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Saraiva Educação, 2019. 49 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 22ª ed., 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2008. 50 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. e at. Ed. Malheiros. São Paulo. 2011. 51 SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Saraiva Educação, 2019. 48 RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al perfeitamente qualificados como cláusulas em aberto. Isso ocorre precisamente nesta perspectiva, e aderindo à tradição constitucional republicana brasileira, ainda mais em virtude das peculiaridades do texto da atual Constituição Federal (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2019) 52. Esse processo de reconhecimento de direitos fundamentais no âmbito do sistema constitucional atua como uma espécie de força motriz para uma sociedade também sempre aberta e plural. Essas ideias estão alinhadas com os conceitos democrático de Robert Dahl (1997) 53, em que as sociedades são plurais e nenhum grupo teria ação hegemônica sobre o todo, essa pluralidade societal impõe limites a todos os grupos, a liberdade política seria assim preservada através destes conflitos de interesses. Esta visão é mais alinhada com as proposições clássicas de democracia. Ainda Dahl (1997)54 trabalha um grupo de conceitos importantes em sua teoria, que são as quatro formas de governo. Hegemonias fechadas: não possuem disputa pelo poder e com participação política muito limitada; Hegemonias inclusivas: também não possuem disputa pelo poder, porém há uma maior participação política; Oligarquias competitivas: possuem disputa pelo poder e uma participação política limitada; Poliarquias: exige uma maior participação popular através das regras da democracia, e com os instrumentos que garantam as liberdades de todos os agentes envolvidos. A partir dessas relações sociais, e os diversos atores envolvidos, temos os destinatários dos direitos e garantias fundamentais sendo as pessoas físicas ou jurídicas, tanto de Direito Público quanto de direito privado, que estão vinculadas pelas normas de direitos fundamentais. Grande destaque para o mandamento contido no artigo 5.º, § 1.º, da Constituição Federal que esclarece que a todas as normas de direitos fundamentais, independentemente de sua função e da forma de sua positivação terão aplicação imediata. Outro aspecto importante, é que devemos ressaltar essa dupla dimensão da vinculação do legislador aos direitos fundamentais. No sentido negativo, ocorre a proibição de execução de atos estatais contrários aos direitos fundamentais. Na sua acepção positiva, a vinculação dos atos estatais implica um dever de agir para consecução dos direitos fundamentais, concretizando-os, e no campo jurídico-objetivo, também assumem a função de princípios informadores da ordem jurídica (Canotilho, 1993)55. Esclareça-se, desde logo, que destinatários dos direitos fundamentais não são apenas as pessoas jurídicas de Direito Público, mas também as pessoas de direito privado que, nas suas relações com os particulares, dispõem de atribuições de natureza pública, assim como pessoas de Direito Público que atuam na esfera privada, o que revela 52 Idem. DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, 1997. 54 Idem. 55 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. ed. Almedina. Coimbra Portugal, 1993. 53 RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público importante ponto de contato entre a vinculação do poder público e a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2019).56 Já a ligação entre direitos fundamentais e órgãos administrativos significa que eles devem apenas cumprir as leis em conformidade com os direitos fundamentais. Essas leis também devem ser aplicadas de maneira constitucional, ou seja, aplicadas e interpretadas de acordo com os direitos fundamentais. O descumprimento dessas normas pode levar à anulação de atos administrativos ilícitos pelo Poder Judiciário (Bonavides, 2011) 57. Essa atuação do Poder Judiciário vincula aos direitos fundamentais, tornando constitucional a organização dos tribunais e dos processos judiciais, determinando e orientando a atuação judicial. Por outro lado, controlam a constitucionalidade das ações de outras instituições estatais, ao mesmo tempo que têm o poder e o dever de não aplicar os atos contrários à Constituição, especialmente aqueles que violem direitos fundamentais, inclusive declará-los inconstitucionais. Certo é que todo direito fundamental possui um âmbito de proteção, um campo de incidência normativa ou suporte fático, estando sujeito a intervenções neste âmbito de proteção. Especialmente a problemática dos limites e restrições em matéria de direitos fundamentais não dispensa, um exame do âmbito de proteção dos direitos e o conflito entre estes (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2019).58 Desta forma, como podemos notar o Direito Público, desempenha um papel fundamental na organização e funcionamento das sociedades modernas, tendo o Direito Constitucional papel de destaque. Estabelecendo as bases para a proteção dos direitos individuais e coletivos e buscando o desenvolvimento socioeconômico. Suas diversas áreas de atuação abrangem desde a estruturação do Estado, a proteção dos direitos fundamentais, e a atividade estatal. O Direito Público, ao estabelecer as normas que regem a sociedade, contribui para a construção da justiça, liberdade e democracia. ANÁLISE DOS IMPACTOS DAS FILOSOFIAS NO DIREITO PÚBLICO Ao longo desta pesquisa, empreendemos uma jornada pelo pensamento político e filosófico de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, explorando suas vidas, principais ideias e obras, bem como, conceitos relacionados ao Direito Público. Passamos a 56 SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Saraiva Educação, 2019. 57 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. e at. Ed. Malheiros. São Paulo. 2011. 58 SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Saraiva Educação, 2019. RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al analisar as questões levantadas, tabulamos os principais pontos de cada teoria e analisamos a sua relação com o Direito Público, vejamos: Tabela 1: Principais ideias de Thomas Hobbes e sua influência no Direito Público Thomas Filosofia Política Impactos no Direito Público Estado de Estado de natureza, em que A noção de estado de natureza Natureza indivíduos vivem em guerra, sem influencia discussões um poder garantidor da ordem. contemporâneas sobre direitos Hobbes individuais, limitações do poder estatal e teorias contratuais. Contrato Acordo através do qual os Noção de soberania, que Social indivíduos abdicam de parte de reconhece o Estado como a sua liberdade natural em troca de autoridade máxima, geralmente segurança e ordem. Formando o expressa em uma constituição. Estado soberano. Soberania Poder absoluto e indivisível do Noção de soberania, que Estado, que detém autoridade para reconhece o Estado como a criar e aplicar leis, resolver autoridade máxima, geralmente disputas e manter a ordem dentro expressa em uma constituição. de seu território. Direitos Direitos inalienáveis e inerentes à Frequentemente reconhecidos Naturais condição humana, como o direito como a base para os direitos à vida, à liberdade e à fundamentais garantidos pelas propriedade, que existem constituições e tratados independentemente do Estado e internacionais. No entanto, devem ser protegidos por ele. reconhece uma certa mitigação em torno do poder estatal. Estado Defende a necessidade de um Embora o absolutismo como Absolutista Estado absolutista, no qual o forma de governo tenha sido soberano detém poderes amplos e substituído por sistemas mais irrestritos para garantir a ordem e democráticos, o debate sobre o a segurança, sem divisão de equilíbrio entre poder estatal e poderes ou limitações. RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público direitos individuais persiste na teoria política contemporânea. Fonte: Elaboração do autor A sua obra apresenta questões sensíveis, uma das principais é sua visão pessimista do estado de natureza. Há divergência dessa visão, argumentando no exagero da obscuridade da natureza humana e ignora exemplos de cooperação e solidariedade entre os seres humanos na ausência de autoridade política. Outra questão é relacionada à soberania, sendo contestada por aqueles que defendem limites ao poder do governo em nome da proteção dos direitos individuais e da liberdade. Além disso, Hobbes é frequentemente criticado por sua justificação do absolutismo político, apontando que essa forma de governo pode facilmente levar ao abuso de poder e à tirania, minando os direitos e liberdades individuais dos cidadãos. Tabela 2: Principais ideias de John Locke e sua influência no Direito Público John Locke Filosofia Política Impactos no Direito Público Estado de Estado de natureza, em que A noção de estado de natureza Natureza indivíduos possuem liberdade e influencia discussões direitos naturais, mas sujeitos a contemporâneas sobre direitos conflitos e insegurança. individuais, limitações do poder estatal e teorias contratuais. Contrato Acordo através do qual os Influencia toda a teoria política Social indivíduos abdicam de parte de contemporânea, moldando ideias sua liberdade natural em troca sobre a legitimidade do poder de segurança e ordem. estatal e os direitos e deveres dos Estabelecendo um governo que cidadãos. proteja seus direitos naturais e arbitre conflitos de forma imparcial. Direito à Reconhecimento do direito Instituição do direito Propriedade natural dos indivíduos à fundamental de propriedade e propriedade privada, que é suas leis de propriedade, adquirida através do trabalho. contratos e regulamentações RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al relacionadas à propriedade e ao comércio. Separação dos Divisão do poder Princípio fundamental em muitas Poderes governamental em diferentes constituições contemporâneas, ramos, cada um com suas buscando garantir a proteção dos próprias funções e limitações, a direitos individuais e a fim de evitar abusos de poder e manutenção do estado de direito. garantir o equilíbrio entre as Institui as ideias de pesos e instituições. contrapesos. Direitos Princípios de liberdade e Basilar de todo entendimento dos Individuais direitos inalienáveis dos direitos individuais e dos direitos indivíduos. E consentimento fundamentais, estrutura o direito dos indivíduos perante o e diversas declarações de Estado. direitos. Estado Um governo cujo poder é Noções de controle do poder Limitado limitado pelas leis e pela estatal, em diversas esferas do vontade do povo, servindo Direito Público, protegendo o principalmente para proteger os indivíduo perante o Estado direitos naturais dos indivíduos e garantir a paz e a segurança dentro da sociedade. Fonte: Elaboração do autor As vulnerabilidades do trabalho de Locke, relacionadas ao contrato social e a noção de consentimento é problemática, especialmente quando aplicada a grupos marginalizados que podem não ter tido voz na formação do contrato social. Outro ponto é a propriedade, essa teoria favorece aqueles que têm recursos para trabalhar e adquirir propriedade, enquanto negligencia aqueles que não têm acesso aos mesmos recursos, perpetuando assim desigualdades econômicas. Além disso, algumas críticas são direcionadas à sua defesa de um governo limitado, argumentando que essa limitação pode ser interpretada de forma diferente por diferentes governos e que pode levar à negligência das necessidades coletivas da sociedade, como educação, saúde e segurança social. Tabela 3: Principais ideias de Jean-Jacques Rousseau e sua influência no Direito Público RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público Jean-Jacques Filosofia Política Impactos no Direito Público Estado de Conceito de um estado hipotético A noção de estado de natureza Natureza anterior à formação da sociedade, influencia discussões em harmonia plena e sem contemporâneas sobre direitos conflitos. individuais, limitações do poder Rousseau estatal e teorias contratuais. Contrato Acordo através do qual os Influencia toda a teoria política Social indivíduos abdicam de parte de contemporânea, moldando ideias sua liberdade natural para sobre a legitimidade do poder estabelecer um governo que visa estatal e os direitos e deveres dos proteger os interesses coletivos e cidadãos. individuais. Vontade Expressão da soberania popular, Noções da estrutura democrática Geral representando a vontade comum moderna, onde a legitimidade das de todos os cidadãos, visando o leis e políticas depende da bem comum. Ela é distinta da vontade do povo e da promoção soma das vontades individuais. do bem comum. Soberania Poder político emana do povo. Noções da estrutura democrática Popular Em um Estado democrático, os moderna, onde a legitimidade das cidadãos têm o direito de leis e políticas depende da participar na tomada de decisões vontade do povo e da promoção políticas e escolher seus do bem comum. representantes. Generalidade Leis devem ser gerais e Base da igualdade perante a lei e e Autonomia aplicáveis a todos de forma a autonomia dos Estados, igualitária, e a autonomia política princípios fundamentais do deve ser preservada, garantindo ordenamento jurídico sua independência em relação a internacional. influências externas. Liberdade Alcançada quando o indivíduo Presente onde os direitos Civil obedece apenas a leis que ele individuais são protegidos por mesmo ajudou a criar, garantindo um sistema legal baseado no RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al assim a sua liberdade enquanto consentimento e na participação parte da vontade geral. política dos cidadãos. Fonte: Elaboração do autor A sua obra possui controvérsias, com argumentos que sua teoria do contrato social é utópica e irrealista, pois pressupõe uma harmonia natural entre os interesses individuais e coletivos, inexistentes na prática. Outros questionam a viabilidade de se determinar a vontade geral de forma objetiva, argumentando que isso pode levar à tirania da maioria sobre as minorias. Além disso, Rousseau foi acusado de paradoxos e contradições em sua obra, especialmente em relação à sua visão sobre a liberdade e a autoridade do Estado. Enquanto ele defendia a liberdade individual como um direito fundamental, também propunha um estado forte e centralizado para impor a vontade geral. Essa aparente contradição levou alguns críticos a questionar a coerência de sua filosofia política. Retomando, o problema de pesquisa reside em investigar o seguinte: Como essas filosofias políticas influenciaram o Direito Público contemporâneo? Entendemos que as filosofias políticas de Hobbes, Locke e Rousseau exercem uma influência significativa e contínua sobre o Direito Público contemporâneo, particularmente no que diz respeito às noções de poder estatal, direitos individuais e direitos coletivos. As ideias desses filósofos, e suas nuances, deixaram marcas indeléveis, moldando as estruturas legais que regem as sociedades. E trazem consigo conceitos que permeiam as constituições e legislações ao redor do mundo, evidenciando a relevância duradoura dessas reflexões. Em resumo, a obra de Hobbes é focada nas bases do poder estatal e ordem, com relação à segurança e à liberdade. Por sua vez, Locke oferece ideias para a compreensão dos direitos individuais e da limitação do poder estatal. Rousseau, destacando a soberania popular e a vontade geral, fornece sobre pilares para os direitos coletivos, todos os temas são presentes nas ordens democráticas e constitucionais atuais, em síntese gráfica temos a influência das ideias dos autores: Figura 1: Síntese da influência de Hobbes, Locke e Rousseau no Direito Público RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 As filosofias políticas de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau e suas influências no Direito Público Fonte: Elaboração dos autores CONSIDERAÇÕES FINAIS Em conclusão, verificamos que os impactos das filosofias de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau no Direito Público são profundos e multifacetados. Suas teorias não apenas moldaram o pensamento político e jurídico, mas também influenciaram as estruturas governamentais e as práticas legais ao longo dos séculos. A concepção de Hobbes sobre um Estado centralizado e poderoso, como descrito em "Leviatã" (1651), teve um impacto significativo na compreensão do papel e da natureza do Estado. Suas ideias sobre a soberania absoluta e a necessidade de um poder central para manter a ordem e a paz influenciaram o desenvolvimento de sistemas legais que enfatizam a segurança do Estado, muitas vezes às custas das liberdades individuais. Por outro lado, as ideias de Locke sobre governo limitado, direitos naturais e consentimento dos governados, apresentadas em "Dois Tratados sobre o Governo" (1689), formaram a base do liberalismo clássico e influenciaram o desenvolvimento de muitas democracias modernas. Suas noções de separação de poderes e direitos individuais inalienáveis, como a vida, a liberdade e a propriedade, são pedras angulares de muitas constituições RBFH ISSN 2447-5076 (Pombal – PB, Brasil), v. 13, n. 2, p. 3293-3318, abr.-jun., 2024 Leandro de Carvalho Almeida et al contemporâneas e sistemas legais. Rousseau, em "O Contrato Social" (1762), introduziu a ideia de que a legitimidade do governo deriva da vontade geral do povo, uma noção que influenciou fortemente as teorias democráticas modernas. Sua ênfase na soberania popular e na participação cidadã moldou a forma como as democracias contemporâneas entendem a relação entre o governo e os governados. As teorias de Hobbes, Locke e Rousseau também influenciaram as discussões sobre os direitos humanos. Enquanto Hobbes destacava a necessidade de ordem, Locke e Rousseau enfatizavam a importância dos direitos individuais e da liberdade, respectivamente. Essas abordagens contrastantes forneceram um arcabouço teórico para o desenvolvimento subsequente de leis e tratados internacionais de direitos humanos. No campo da jurisprudência, as ideias desses filósofos continuam a influenciar o entendimento e a interpretação de leis e princípios legais. Os debates sobre a extensão dos poderes do Estado, a proteção dos direitos individuais e a natureza do contrato social são diretamente influenciados por suas teorias. Destes pensadores também se estende à governança global e às relações internacionais. As noções de soberania, poder e direitos apresentadas por Hobbes, Locke e Rousseau são fundamentais para a compreensão das dinâmicas políticas e jurídicas no cenário internacional. Em um contexto mais amplo, as filosofias de Hobbes, Locke e Rousseau moldaram as ideologias políticas e as práticas de governança ao longo dos séculos. Seus legados são evidentes nas estruturas políticas e legais, nas teorias de justiça e igualdade, e nas práticas de governança democrática que são fundamentais para as sociedades contemporâneas. Os impactos de Hobbes, Locke e Rousseau na sociedade e no Direito Público são vastos e duradouros. Suas teorias continuam a ser uma parte vital do discurso moderno sobre governo, direito e sociedade, demonstrando a relevância contínua de suas ideias na moldagem dos princípios e práticas fundamentais que governam as sociedades modernas. Assim, a compreensão profunda das contribuições desses filósofos é essencial para a análise crítica das bases sociais e jurídicas que permeiam nossas sociedades. O legado de Hobbes, Locke e Rousseau ressoa não apenas nos livros de filosofia, mas nas salas de tribunal, nos parlamentos e nas discussões cívicas que moldam o nosso convívio. REFERÊNCIAS ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado. 16. ed. rev. atual. e aum. 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