Doutrina
Os Impactos do Garimpo Ilegal nas Terras
Indígenas Yanomami
Brychtn Ribeiro de Vasconcelos
Professor da Universidade do Estado do Amazonas; Doutor em
Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Kamilla Tavares Marinho
Aluna da Universidade do Estado do Amazonas.
RESUMO: O presente artigo objetiva analisar os impactos do garimpo ilegal
nas terras indígenas Yanomami, considerando suas implicações ambientais,
sociais e na saúde dos povos indígenas dessa comunidade. A região amazônica
é palco de intensa atividade de garimpo ilegal, com graves consequências para
as comunidades indígenas que habitam essas áreas, destacando-se os Yanomami,
um dos maiores grupos indígenas da região. A partir deste estudo, é possível
estabelecer medidas de combate a essa prática ilegal, garantindo a proteção das
terras indígenas e promovendo o desenvolvimento sustentável das comunidades
Yanomami, respeitando seus direitos constitucionais.
PALAVRAS-CHAVE: Garimpo. Impacto Socioambiental. Direito Indígena.
SUMÁRIO: Introdução. 1 Os Impactos Ambientais Gerados pelo Garimpo
Ilegal nas Terras Indígenas Yanomami. 2 Os Problemas Sociais Desenvolvidos
nas Terras Indígenas Yanomami Após a Volta do Garimpo Ilegal. 3 Os Impactos
na Saúde da População Originária das Terras Indígenas Yanomami. 4 Conclusões. 5 Referências.
Introdução
O presente artigo tem como objetivo estudar os impactos ambientais e
sociais da prática do garimpo ilegal nas terras indígenas Yanomami. A mineração clandestina tem gerado uma série de impactos adversos que afetam, em
um primeiro momento, as comunidades indígenas e a saúde desses povos e,
em larga escala, o meio ambiente como um todo. Essa atividade, que envolve a
extração de minerais valiosos, mormente o ouro, sem a devida regulamentação
e muitas vezes predatória, é um problema crônico que demanda a atenção
urgente das autoridades, organizações ambientais e a sociedade em geral.
OS IMPACTOS DO GARIMPO ILEGAL NAS TERRAS INDÍGENAS YANOMAMI
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Do ponto de vista ambiental, o garimpo ilegal nas terras Yanomami
tem causado uma devastação significativa da floresta tropical, resultando na
destruição de habitats naturais, na poluição de rios e na contaminação do solo
com mercúrio, um elemento altamente tóxico usado na extração de ouro. A
perda de biodiversidade e a degradação ambiental decorrentes do garimpo
ilegal têm impactos a longo prazo na estabilidade do ecossistema amazônico,
que é crucial para a regulação do clima global e a manutenção da diversidade
biológica.
Em termos sociais, as comunidades indígenas Yanomami enfrentam
desafios devido à presença de garimpeiros em suas terras. A invasão dessas
áreas resulta em conflitos, violência e exposição a doenças transmitidas
pelos garimpeiros, como infecciosas e respiratórias. Além disso, a presença
constante de garimpeiros representa uma ameaça à cultura e aos modos de
vida tradicionais dos Yanomami, causando traumas e deslocamentos em suas
comunidades. Em relação à saúde, a extração ilegal de ouro frequentemente
envolve o uso indiscriminado de mercúrio, que contamina a água e a cadeia
alimentar, colocando em risco a saúde não apenas dos Yanomami, mas também
das populações locais que dependem dos recursos naturais da região.
1 Os impactos Ambientais Gerados pelo Garimpo Ilegal nas Terras
Indígenas Yanomami
O art. 1º da Resolução nº 1, de 23 de janeiro de 1986 do Conama,
conceitua o impacto ambiental como:
“Art. 1º Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental
qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio
ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante
das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II – as atividades sociais e econômicas;
III – a biota;
IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V – a qualidade dos recursos ambientais.”
Dessa forma, os impactos ambientais, compreendidos como toda e
qualquer alteração física, química ou biológica causada pelo homem no meio
ambiente, é avaliado por meio do EIMA (Estudo de Impacto Ambiental) e
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Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico Nº 110 – Out-Nov/2023 – Doutrina
do RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), licenças ambientais obrigatórias para qualquer tipo de atividade que tenha potencial impacto ambiental
(Carvalho, 2016).
Um dos maiores fatores do impacto ambiental nas Terras Indígenas
como a Yanomami é o garimpo ilegal, que vem ameaçando esse povo através
da contaminação de seus recursos naturais, inclusive com a contaminação
do mercúrio. A invasão do garimpo ilegal nas Terras Indígenas Yanomami
decorre de diversas invasões ocorridas nas décadas de 1970-1980, que deu
lugar à lavra garimpeira constante até os dias atuais (Lima, 2016). Na década
de 1980, deu-se início ao período conhecido como a “corrida do ouro” na
Amazônia brasileira, o que expôs as comunidades indígenas à contaminação
por mercúrio (Nevado, 2010).
A extração mineral na Amazônia tem um impacto significativo na paisagem natural1 e na sociedade como um todo, acarretando diversos problemas
ambientais. Os conflitos sociais decorrentes da invasão de terras indígenas e os
danos ao meio ambiente são claramente perceptíveis. Entre esses problemas,
destacam-se o desmatamento, o assoreamento dos rios e a contaminação por
mercúrio, afetando tanto os ecossistemas aquáticos como a fauna e os seres
humanos (Ramos; Oliveira; Rodrigues, 2020).
O desmatamento causado pelo garimpo ilegal ocorre com a derrubada de árvores para ceder lugar à extração dos minerais, gerando a perda de
habitats naturais em prejuízo a biodiversidade da região, incluindo espécies
raras e endêmicas da região amazônica (Ramos; Oliveira; Rodrigues, 2020).
Ademais, a garimpagem ilegal na região resulta na contaminação dos rios e
cursos de água das proximidades de mineração, tendo em vista que o uso
descontrolado de mercúrio é uma prática comum na extração de ouro pelos
garimpeiros clandestinos (Ramos; Oliveira; Rodrigues, 2020).
O garimpo é responsável por uma parcela significativa de cerca de
37% (trinta e sete por cento) das emissões globais de mercúrio de origem
humana (Gibb; O’Leary, 2014). Embora as estimativas sobre a quantidade
de mercúrio lançada no ambiente amazônico sejam controversas, acredita-se
que, em termos proporcionais, que a quantidade de mercúrio utilizada seja
equiparada à de ouro produzido. Segundo cálculos não oficiais, na década de
80, foram produzidas entre 1000 e 2000 toneladas de ouro, sugerindo que
uma quantidade equivalente de mercúrio foi utilizada (Brabo, 1999).
1
O conceito de paisagem natural utilizado é o conceito de Milton Santos no livro Metamorfose do “Espaço Habitado”,
para quem a paisagem natural é aquela ainda não alterada pela atividade humana (Santos, 2021).
OS IMPACTOS DO GARIMPO ILEGAL NAS TERRAS INDÍGENAS YANOMAMI
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A região amazônica abriga naturalmente a maior concentração de
mercúrio do mundo em seus solos (Wasserman J. C.; Hacon; Wasserman
M., 2003). O desmatamento e a mineração do garimpo contribuem consideravelmente para a erosão do solo, transportando o mercúrio para os ecossistemas aquáticos, onde é convertido em metilmercúrio por microrganismos
e, consequentemente, entra na cadeia alimentar (Guimarães, 2000).
Durante o procedimento de separação do ouro, aproximadamente 20%
do mercúrio utilizado é despejado de imediato nos rios, enquanto os 80%
remanescentes se evaporam na atmosfera durante o processo de amalgamação.
A difusão do mercúrio acaba entrando na cadeia alimentar, seja através da
deposição metálica em plantações ou após a metilação em animais e plantas
consumidos pelos povos indígenas (Barbosa; Dórea, 1998). A exposição aos
vapores de mercúrio, comum durante a manipulação do amálgama para extrair
ouro por garimpeiros, resulta na absorção principalmente por via pulmonar,
com uma menor absorção pela pele (Larini, 1997).
Em março deste ano, a URIHI – Associação Yanomami moveu uma
Ação Civil Pública em busca de uma indenização de 6,6 bilhões de reais por
danos ambientais decorrentes do garimpo ilegal nas terras indígenas Yanomami junto ao governo federal. Esses danos englobam a poluição dos rios,
o desmatamento, a propagação de doenças e a triste perda de vidas entre os
indígenas Yanomami (Medeiros, 2023). A destruição ambiental e social é
de difícil quantificação e restauração, especialmente no que diz respeito à
contaminação do Rio Branco, a principal fonte de água potável para o povo
indígena afetado (Medeiros, 2023).
É evidente que, apesar dos impactos mais diretos recaírem sobre a comunidade indígena Yanomami devido à extração ilegal de ouro em suas terras,
os danos econômicos e ambientais se estendem a toda sociedade (Ramos;
Oliveira; Rodrigues, 2020). Os peixes, por serem um componente essencial
na dieta da região, acumulam o metilmercúrio e se tornam uma importante via
de exposição ao mercúrio orgânico para os seres humanos (Mahaffey, 2004). O
garimpo ilegal teve exponencial crescimento nos últimos anos, principalmente
em decorrência da pandemia causada pelo vírus da covid-19, que enfraqueceu
os órgãos públicos de controle e fiscalização (Fernandes, 2021).
Contudo, de acordo com um estudo colaborativo da MapBiomas com
ONGS, Universidades, e Empresas do ramo da tecnologia, a área de garimpagem de ouro sob a Amazônia dobrou em seis anos. Os dados coletados
indicam que a área do garimpo aumentou de 108 mil hectares para 220 mil,
que corresponde o equivalente ao dobro da área da cidade do Rio de Janeiro,
que tem 1.200 km2 (Machado; Buono; Gorziza, 2023a).
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Outras referências da rede colaborativa MapBiomas, organizadas pelo
Instituto Escolhas, indicam que, especificamente no ano de 2022, a área das
terras indígenas Yanomami, Kayapó e Manduruku atingida pelo garimpo ilegal
chegou a exceder 16,55 mil campos de futebol. Nesse ano, as terras afetadas
chegaram a 11.542 hectares da terra Keyapó, 4.743 hectares nas terras Mundurukus e 1.557 hectares nas terras indígenas Yanomami (Machado; Buono;
Gorziza 2023a).
No que diz respeito ao garimpo ilegal, entre 2021 e 2022, ainda de
acordo com MapBiomas, a cada 100 operações para extração de ouro registradas no Brasil, cerca de 46 tinham irregularidades, pois, das 16.93 operações
registradas pela Agência Nacional de Mineração (ANM), 7.786 fizeram extração de áreas sem a devida permissão para a mineração (Machado; Buono;
Gorziza; et al., 2023b).
2 Os Problemas Sociais Desenvolvidos nas Terras Indígenas
Yanomami Após a Volta do Garimpo Ilegal
O conceito de impacto social ainda é amplamente discutido por muitos
estudiosos do campo da antropologia, sociologia e demais áreas. Porém, de
acordo com Vanclay (2002), o impacto social refere-se à medida da transformação vivenciada pelas pessoas, como resultado de ações, que podem ser
positivas ou negativas com relação aos problemas sociais.
Ainda segundo o autor, uma mudança pode ou não acarretar um impacto
social. Dessa forma, os impactos ambientais oriundos do garimpo ilegal decorrem do aumento significativo de fluxo migratório de atividade mineratória
ilegal nas terras indígena, principalmente a Yanomami (Gerotto et al., 2019).
Dessa forma, possíveis impactos sociais que podem ser observados com o
advento do garimpo ilegal nas terras indígenas são os surgimentos de doenças, falta de moradia, de alimentação e de água potável e, principalmente, as
diversas formas de violência e até a morte desses povos (Gerotto et al., 2019).
Os impactos sociais são relativos de cada etnia, comunidade e indivíduo,
dada a subjetividade da percepção de cada pessoa, que é afetada de maneira
diferente pelo garimpo ilegal, podendo os impactos sociais se manifestarem
mais ou menos culturalmente. Uma das situações exemplificadas por Vanclay é quanto ao processo de reassentamento, que, no processo migratório
do campo para cidade dos garimpeiros, pode reduzir a produção agrícola de
alimentos da fonte de renda dos agricultores familiares, que são os principais
produtores dos alimentos básicos que abastecem todo o país, o que também
afeta consideravelmente a economia brasileira (Vanclay, 2002).
OS IMPACTOS DO GARIMPO ILEGAL NAS TERRAS INDÍGENAS YANOMAMI
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Os impactos sociais são ainda mais agravados dentro das comunidades
indígenas, tendo em vista que esses povos originários já são social e juridicamente vulneráveis, com pouco acesso à justiça e às políticas públicas desenvolvidas pelos Órgãos Públicos (Gerotto, et al., 2019). Também há impactos
sociais do ponto de vista dos próprios garimpeiros, haja vista que pesquisas
revelam que boa parte deles apresenta a mesma faixa etária, escolaridade e
poder aquisitivo, configurando um mesmo grupo social.
A pesquisa desenvolvida pelo Artigo Científico “Desenvolvimento
sustentável e garimpo – O caso do Garimpo do Engenho Podre em Mariana,
Minas Gerais” identificou que a faixa etária entre os garimpeiros é jovem, com
uma idade média de 25 anos, o que está abaixo da média nacional, que é de 33
anos. A pesquisa, desenvolvida entre a atividade mineratória de Monsenhor
Horta indicou que os garimpeiros começam a lavra em idade precoce com
relação à idade média brasileira (Amade; Lima, 2009). A pesquisa demonstra
que isso se dá devido à proximidade do garimpo do Distrito Monsenhor
Horta e da atração do lucro fácil com o garimpo. Outro fator preponderante
é a tradição garimpeira, que, no presente estudo, é de que 75% dos garimpeiros são de famílias com a tradição geracional de reproduzir o garimpo ilegal.
Outro fator social é a baixa escolaridade. Os dados que resultaram das
pesquisas revelam um nível de escolaridade relativamente baixo com relação
à média brasileira. Aproximadamente 23% dos garimpeiros são analfabetos,
enquanto os demais estão distribuídos entre aqueles somente com educação
primária (62%), educação média (14%) e ensino superior incompleto (1%)
(Amade; Lima, 2009). Uma das razões elencadas para tal baixa escolaridade
é a dificuldade de acesso à escola, devido à localização remota dos garimpos,
bem como a ausência de requisitos educacionais para o trabalho do garimpo,
que podem atrair pessoas com níveis de escolaridade mais baixos em busca
de um emprego.
Dessa forma, outro fator socialmente relevante é a renda mensal dos
garimpeiros. Durante o período do estudo, a COOPERGAMA tinha 22
cooperados operando 26 dragas no rio Gualaxo do Norte. Cada uma dessas
equipes tinha uma média de cinco a seis funcionários, que recebiam 5% da
produção bruta de ouro (Amade; Lima, 2009). A produção média mensal do
Garimpo do Engenho Podre, por exemplo, foi de 9,1 kg de ouro. Considerando o valor de venda no garimpo de R$ 40,00 por grama de ouro, a renda
líquida média por garimpeiro por mês chegou a R$ 624,28. A maioria dos
garimpeiros trabalhava em turnos de 8 horas, 5,5 dias por semana. Além disso, cerca de 85% dos garimpeiros eram os principais responsáveis pela renda
familiar, representando 26% da população estudada (Amade; Lima, 2009). É
importante notar que a COOPERGAMA estava envolvida em projetos sociais,
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Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico Nº 110 – Out-Nov/2023 – Doutrina
incluindo doações financeiras para a construção de uma igreja em Ponte do
Gama, manutenção da ambulância do distrito, apoio à banda local em eventos
comemorativos e apoio a eventos religiosos. Isso demonstra o compromisso
da cooperativa com a comunidade e seu envolvimento em iniciativas que
beneficiam o distrito (Amade; Lima, 2009).
Do ponto de vista dos impactos sociais indígenas estão, principalmente,
os conflitos violentos, a degradação ambiental, a erosão cultural, questões
socioeconômicas e muitos outros problemas sociais. O garimpo ilegal muitas
vezes resulta no deslocamento forçado das comunidades indígenas de suas
terras ancestrais. Isso pode levar a conflitos violentos entre garimpeiros ilegais
e as comunidades indígenas, causando traumas, mortes e ferimentos.
De acordo com um relatório de Conflitos no Campo Brasil de 2021,
90% das mortes nos campos são causadas pelo garimpo ilegal. Especificamente
quanto ao povo indígena Yanomami, o garimpo ilegal provocou 101 mortes
desses indígenas só no ano de 2021. A presença de garimpeiros ilegais pode
desestruturar as comunidades indígenas, causando tensões internas, divisões
e desafios para a governança tradicional (Pajolla, 2022).
A atividade de garimpo frequentemente envolve a destruição de florestas, poluição de rios e contaminação de solos, devido ao uso de mercúrio
e outros produtos químicos tóxicos. Isso prejudica o meio ambiente, comprometendo recursos naturais essenciais para a subsistência das comunidades
indígenas, como água limpa, alimentos e materiais para construção (Lima,
2016). O uso de mercúrio em operações de garimpo pode contaminar a água
e os alimentos locais, representando sérios riscos à saúde das comunidades
indígenas. Além disso, a exposição a condições insalubres de trabalho e falta
de acesso a serviços de saúde adequados podem ter impactos sociais negativos
na saúde local (Ramos; Oliveira; Rodrigues, 2020).
As comunidades indígenas, muitas vezes, enfrentam exploração e abuso
por parte de garimpeiros ilegais, incluindo trabalho forçado, tráfico humano
e exploração sexual. Isso contribui para um ambiente de vulnerabilidade e
injustiça (Fernandes, 2021). O garimpo ilegal pode levar à perda de territórios
tradicionais das comunidades indígenas, afetando sua autonomia e capacidade
de autodeterminação. Isso é especialmente problemático, pois as terras indígenas são fundamentais para a sobrevivência física, cultural e espiritual das
comunidades. À medida que as operações de garimpo ilegal se expandem,
podem atrair pessoas de fora para a região, o que pode aumentar a pressão sobre
recursos limitados e criar desequilíbrios econômicos nas comunidades locais.
A degradação ambiental causada pelo garimpo ilegal pode afetar a
capacidade das comunidades indígenas de caçar, pescar e coletar alimentos
OS IMPACTOS DO GARIMPO ILEGAL NAS TERRAS INDÍGENAS YANOMAMI
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tradicionais, levando a insegurança alimentar (Lima, 2016). Assim, garimpo
ilegal cria obstáculos significativos para o desenvolvimento sustentável das
comunidades indígenas, tornando difícil a implementação de projetos que
promovam seu bem-estar econômico, social e ambiental.
É importante destacar que os impactos sociais do garimpo ilegal em
terras indígenas podem ser devastadores e requerem ação imediata para prevenir danos adicionais e proteger os direitos e o bem-estar das comunidades
indígenas. A implementação de políticas eficazes de proteção territorial, a
aplicação da lei e o diálogo com as comunidades indígenas são passos fundamentais para lidar com esse problema.
3 Os Impactos na Saúde da População Originária das Terras
Indígenas Yanomami
Na atualidade, a prática ilegal de garimpo de ouro exerce um impacto
devastador na saúde dos indígenas Yanomami. Esta extração clandestina tem
emergido como uma das principais causas da contaminação por mercúrio nos
rios do norte do Brasil, notadamente na região de Roraima. Essa contaminação
se estende aos animais aquáticos e à população que depende desses recursos
para sua alimentação, gerando uma séria ameaça à economia cuja base repousa
na natureza e em seus habitantes. O resultado desse desequilíbrio se estende
além das fronteiras nacionais, reverberando internacionalmente.
No processo ilegal de extração de ouro, cerca de 20% do mercúrio
usado para separação é diretamente despejado nos rios, enquanto os restantes
80% evaporam na atmosfera durante o processo de amalgamação (Barbosa;
Dórea, 1998). Essas emissões acabam infiltrando-se na cadeia alimentar, seja
através da deposição metálica em plantações ou pela metilação que ocorre em
animais e plantas que posteriormente são consumidos pelos povos indígenas
(Barbosa; Dórea, 1998). A exposição aos vapores de mercúrio, um cenário
comum quando garimpeiros manuseiam o amálgama para extrair o ouro,
resulta principalmente na absorção via pulmonar, com uma absorção menor
através da pele (Larini, 1997). Estes danos incluem a poluição dos rios, o
desmatamento, o aumento das doenças e a trágica perda de vidas entre os
indígenas da etnia Yanomami (Medeiros, 2023).
Em um relatório da Associação Hutukara Yanomami apontou significativo aumento de doenças infecciosas como a malária, além de subnutrição
causados pelo garimpo ilegal. Esses impactos são vivenciados por 16 mil
moradores de 273 comunidades, o que representa mais da população total do
território Yanomami, que tem 350 aldeias e mais de 29 mil habitantes (Pajolla,
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Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico Nº 110 – Out-Nov/2023 – Doutrina
2022). De acordo com o Ministério da Saúde, a malária é uma doença infecciosa aguda pelo Organismo Plasmodium, cuja transmissão é feita pela picada
do mosquito fêmea da espécie Anopheles. Dentre os sintomas comuns estão
a febre alta, taquicardia, delírio e até mesmo a morte, nos casos de malária
cerebral. Segundo dados da Hutukara Associação Yanomami fornecidos pela
Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), são mais de dez mil casos da
malária no território indígena. A situação é ainda mais agravada devido à falta
de medicação e de equipamentos para combater a doença (Pajolla, 2022).
Além da malária, houve grande contágio do vírus da covid-19. As informações da Articulação dos Povos Indígenas (APIB) aferiu mais de 53 mil
casos de covid-19 entre os indígenas do país e das 1.061 mortes registradas até
o estudo, nove foram de ianomâmis (Pajolla, 2022). Dessa forma, o garimpo
ilegal afetou significantemente a saúde dos povos indígenas Yanomami, acarretando doenças infecciosas e contaminações, principalmente pelo mercúrio.
A principal causa da desnutrição se restringe à falta de alimentos em
decorrência da contaminação do solo e da água, mas também da escassez de
assistências públicas voltadas à assistência de saúde dentro das comunidades.
Há ainda a preocupação com a saúde dos povos indígenas isolados, que optaram por não ter contato com o homem branco (Pajolla, 2022). Isso, porque,
segundo Huntukara, o garimpo ilegal muito próximo desses povos isolados,
chamados de Moxi hatëtëma, traz uma insegurança local para a comunidade,
visto que não se sabe quantos foram contaminados pelo vírus da covid-19
ou pela malária e quantos morreram (Pajolla, 2022). Isto posto, o avanço do
garimpo ilegal nas terras indígenas Yanomami compromete drasticamente a
saúde das comunidades, principalmente com a propagação de doenças, devido
à vulnerabilidade imunológica dos povos indígenas com relação aos garimpeiros, que muitas vezes são propagadores de doenças ainda não conhecidas
pelos povos indígenas.
O garimpo ilegal frequentemente envolve a destruição de vastas áreas
de floresta, resultando em desmatamento e degradação ambiental. Isso pode
afetar o fornecimento de alimentos e água limpa para os Yanomami, além de
aumentar o risco de inundações e deslizamentos de terra. A contaminação
ambiental e a destruição da floresta podem afetar a disponibilidade de alimentos tradicionais para os Yanomami, como frutas, peixes e caça. Isso pode
levar a problemas nutricionais e de segurança alimentar nas comunidades. A
presença de garimpeiros ilegais na região pode levar a conflitos e violência,
colocando em risco a segurança e a saúde dos Yanomami. Ameaças, invasões
de território e confrontos violentos podem ter impactos psicológicos significativos nas comunidades indígenas.
OS IMPACTOS DO GARIMPO ILEGAL NAS TERRAS INDÍGENAS YANOMAMI
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Por fim, a exposição dos vapores do mercúrio pode causar problemas
respiratórios para os povos que vivem nas terras afetadas. Quando essa exposição ocorre, manifestam-se sintomas neurológicos, distúrbios neuropsíquicos,
episódios de vômitos e diarreias, modificações no comportamento e personalidade, ansiedade, diminuição da capacidade de concentração, depressão, irritabilidade, perda de apetite, emagrecimento, insônia, surgimento de tremores
faciais que podem se estender para os membros superiores e inferiores, bem
como complicações renais (Ramos; Oliveira; Rodrigues, 2020). Em casos de
envenenamento agudo, pode resultar na morte em um período que varia de
um a cinco dias (Souza; 1989; Larini, 1997; Gibb, 2014). Essa manipulação
inadequada de mercúrio ocorre principalmente em balsas e nas margens do
Rio Uraricoera, contribuindo para agravar a já poluída água consumida pelos
Yanomami (Lima; Bethonico; Vital, 2018).
4 Conclusões
É observado, portanto, que os impactos causados pela atividade garimpeira ilegal nas terras indígenas Yanomami são multifacetados, atingindo, principalmente, o meio ambiente, causando problemas sociais nas comunidades
indígenas, principalmente com o desencadeamento de doenças causadas pela
exposição do mercúrio e do contato com os garimpeiros.
A destruição ambiental causada por essa prática prejudica não apenas
a biodiversidade da Amazônia, mas também contribui para as mudanças
climáticas globais. Além disso, os impactos sociais são devastadores, com
comunidades indígenas enfrentando conflitos, violências e perdas de suas
tradições culturais.
A saúde das comunidades e das pessoas que vivem nas proximidades
dessas áreas também é fortemente afetada, devido à constante exposição do
mercúrio e outras substâncias tóxicas utilizadas na lavra garimpeira. Tais
impactos na saúde da população indígena também se estendem à sociedade
local que depende dos recursos naturais da Amazônia.
Para dirimir esse problema, é necessário que sejam tomadas medidas
eficazes para combater o garimpo ilegal nas terras indígenas Yanomami, visando
salvaguardar o direito fundamental ao meio ambiente, bem como a saúde e os
direitos indígenas. Entretanto, isso exige uma cooperação coordenada entre
governos, organizações não governamentais e a sociedade em geral, a fim de
enfrentar esse desafio atual e fazer valer os direitos constitucionais dos povos
indígenas.
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Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico Nº 110 – Out-Nov/2023 – Doutrina
A proteção das terras indígenas Yanomami não é apenas uma questão de
preservação ambiental, mas também uma questão de justiça social e saúde pública. A implementação de políticas rigorosas de fiscalização, o fortalecimento
dos direitos indígenas e o apoio às comunidades locais são passos essenciais
para lidar com esses impactos negativos e garantir um futuro mais sustentável
para essa região única e para todos os seus habitantes.
Nesse contexto, torna-se possível analisar as consequências do garimpo
nas terras indígenas Yanomami, onde a violência e a mortalidade entre esses
povos têm aumentado devido às ameaças e até mesmo assassinatos de indígenas
que buscam proteger suas terras e recursos. A invasão garimpeira ilegal cria um
ambiente de insegurança e violência nas comunidades indígenas, impactando
diretamente a qualidade de vida e a segurança do povo Yanomami.
Além disso, é importante destacar o prejuízo socioeconômico que o
garimpo nas terras indígenas tem causado ao país. A degradação ambiental
e a contaminação por mercúrio afeta negativamente a economia em grande
escala, contaminando os recursos naturais, como a agricultura e a pesca das
populações indígenas originárias.
Portanto, o presente artigo buscou identificar os impactos do garimpo
ilegal nas esferas ambientais, sociais e na saúde que assolam diariamente as
comunidades indígenas. Por meio disso, é possível estabelecer políticas públicas eficazes a fim de garantir a proteção dos direitos indígenas como um
compromisso fundamental da União, visando preservar não apenas a cultura,
mas também a dignidade e a sustentabilidade das comunidades indígenas
afetadas pelo garimpo ilegal.
TITLE: The impacts of illegal mining on yanomami indigenous lands.
ABSTRACT: This article aims to analyze the impacts of illegal mining on Yanomami indigenous lands,
considering its environmental, social and health implications for the indigenous peoples of this community. The Amazon region is the scene of intense illegal mining activity, with serious consequences for the
indigenous communities that inhabit these areas, especially the Yanomami, one of the largest indigenous
groups in the region. Based on this study, it is possible to establish measures to combat this illegal practice,
guaranteeing the protection of indigenous lands and promoting the sustainable development of Yanomami
communities, while respecting their constitutional rights.
KEYWORDS: Mining. Socio-Environmental Impact. Indigenous Rights.
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Recebido em: 20.10.2023
Aprovado em: 10.11.2023