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Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Natasha Berendonk Handam Adriana Sotero-Martins (Organizadoras) Saneamento, Saúde e Ambiente Volume 1 1ª Edição Belo Horizonte Editora Poisson 2024 2 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Editor Chefe: Dr. Darly Fernando Andrade Conselho Editorial Dr. Antônio Artur de Souza – Universidade Federal de Minas Gerais Ms. Davilson Eduardo Andrade Dra. Elizângela de Jesus Oliveira – Universidade Federal do Amazonas MSc. Fabiane dos Santos Dr. José Eduardo Ferreira Lopes – Universidade Federal de Uberlândia Dr. Otaviano Francisco Neves – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Dr. Luiz Cláudio de Lima – Universidade FUMEC Dr. Nelson Ferreira Filho – Faculdades Kennedy Ms. Valdiney Alves de Oliveira – Universidade Federal de Uberlândia Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S223 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1/ Organização: Natasha Berendonk Handam, Adriana Sotero-Martins - Belo Horizonte – MG: Editora Poisson, 2024 Formato: PDF ISBN: 978-65-5866-385-0 DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0 Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia 1. Ambiente 2. Saúde 3. Saneamento I. HANDAM, Natasha Berendonk II. SoteroMartins, Adriana III. Título CDD-333.72 Sônia Márcia Soares de Moura – CRB 6/1896 O conteúdo deste livro está licenciado sob a Licença de Atribuição Creative Commons 4.0. Com ela é permitido compartilhar o livro, devendo ser dado o devido crédito, não podendo ser utilizado para fins comerciais e nem ser alterada. O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos seus respectivos autores. Esse e outros títulos podem ser baixados gratuitamente em www.poisson.com.br Entre em contato pelo contato@poisson.com.br 3 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Organizadoras Dra. Natasha Berendonk Handam Atualmente é Pós-Doutora vinculada ao Programa de Saúde Pública e Meio Ambiente - ENSP/FIOCRUZ e pesquisadora do Grupo de Pesquisa "Saúde, Ambiente e Saneamento da Fiocruz/ENSP. Doutora e Mestre em Saúde Pública e Meio Ambiente, pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), na Fiocruz, RJ. Especialista em Promoção de Espaços Saudáveis e Sustentáveis pela ENSP/Fiocruz, RJ (2012); e Graduada em Ciências Biológicas. Sua área de atuação está ligada ao saneamento, saúde ambiental, educação em saúde, saúde coletiva, microbiologia, parasitologia e biologia molecular. Tem experiências nas áreas de qualidade sanitária da água e do solo, com ênfase nos parâmetros parasitológicos, colimétricas, físico-químicos, e de biologia molecular. Além disso, atua como Professora convidada nos cursos do Programa de Pós Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente ENSP/ Fiocruz. Dra. Adriana Sotero-Martins Pesquisador Titular em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) - Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA); Docente dos cursos de Pós-Graduação Stricto e Lato Sensu dos Programa da ENSP/FIOCRUZ e IOC/FIOCRUZ; Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Mestrado Profissional/PEA/UFRJ); Pesquisadora colaboradora: do Instituto de Pesquisa Leônidas e Maria Deane (ILMD) de Manaus-AM, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Instituto de Biologia - Departamento de Biologia Celular (DBC). Formada em Biologia, doutora em bioquímica pela UFRJ (2003) e pós-doutora pela Universidade do Porto/Portugal, com experiência na coordenação e execução de projetos nas áreas de Saúde Ambiental, Microbiologia e Bioquímica. Coordenadora do Grupo de Pesquisa "Saúde, Ambiente e Saneamento da Fiocruz/ENSP. 4 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Prefácio Esta coletânea de artigos oferece uma análise aprofundada das interconexões entre saúde pública, saneamento ambiental e ambiente. Os contribuintes exploram temas essenciais, destacando a importância crítica do saneamento para a promoção da saúde humana e preservação do meio ambiente. Alguns tópicos quem serão tratados no livro: Relação entre Saúde Pública, Saneamento e Ambiente: Uma Perspectiva Integrada o Exploração das conexões intrincadas entre saúde pública, saneamento ambiental e condições ambientais, destacando a necessidade de uma abordagem integrada para melhorar a qualidade de vida. Saneamento como Determinante Social: Abastecimento de Água, Esgotamento Sanitário, Resíduos Sólidos e Drenagem o Análise detalhada de como as diferentes facetas do saneamento, incluindo abastecimento de água, esgotamento sanitário, gestão de resíduos sólidos e drenagem, desempenham papéis cruciais como determinantes sociais que influenciam a saúde humana e ambiental. Qualidade Sanitária dos Recursos Hídricos: Desafios e Estratégias para a Preservação o Investigação sobre a qualidade dos recursos hídricos, destacando os desafios enfrentados e apresentando estratégias para preservar a qualidade da água em benefício da saúde pública. Normatizações sobre Saneamento: Marco Regulatório e Desenvolvimento Sustentável o Análise das normativas relacionadas ao saneamento, destacando a importância do marco regulatório para promover práticas sustentáveis e assegurar padrões adequados de saneamento. Saneamento Universal como Direito Humano: Impacto na Prevenção de Doenças e Mortalidade o Discussão sobre como a universalização do saneamento, independentemente da condição socioeconômica, pode prevenir doenças e óbitos, apresentando argumentos para considerar o saneamento como um direito humano fundamental. Esta coletânea proporciona uma compreensão abrangente das complexas relações entre saneamento, saúde pública e ambiente 5 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 SUMÁRIO Capítulo 1: Qualidade sanitária de água para consumo humano, e de rios em favelas no Território de Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ .............................................................................. 08 Natasha Berendonk Handam, Adriana Sotero-Martins, Maria José Salles, José Augusto Albuquerque dos Santos DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.01 Capítulo 2: Vigilância da qualidade sanitária das águas de nascentes e do solo peridomiciliar de comunidades da Porção Sul da Ilha de Marambaia/RJ ........................ 23 Luana Vilela Lopes Caldas, Antônio Nascimento Duarte, Luis Carlos Leite Pinna, Nilton Francisco de Conceição, José Augusto Albuquerque dos Santos, Adriana Sotero-Martins DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.02 Capítulo 3: Salubridade ambiental das areias de praias da Baía de Guanabara do Rio de Janeiro: período 2010 - 2015 ............................................................................................................. 42 Adriana Sotero-Martins, Nathália Rose da Silva Gomes, Thiago Corrêa de Almeida, Maria José Salles DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.03 Capítulo 4: Fragilidades no sistema de abastecimento de água potável e dependência de veículos de transporte de água potável: o caso de Rio das Ostras/RJ no período de 2017 ....................................................................................................................................................................... 61 Christiany Santoro Ferraz, Priscila Gonçalves Moura, Maria José Salles, Adriana Sotero-Martins DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.04 Capítulo 5: Precariedades nos quatro componentes do saneamento básico no bairro de Santa Cruz da Serra no município de Duque de Caxias-RJ ..................................................... 77 Daniele Neves dos Santos, Adriana Sotero-Martins, Natasha Berendonk Handam, Maria José Salles DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.05 Capítulo 6: Sazonalidade da dengue no estado do Rio de Janeiro no período de 2014 a 2018 ............................................................................................................................................................. 95 Amanda Sotero Martins DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.06 Capítulo 7: Impactos da arbovirose dengue no estado do Maranhão, durante o período de 2012 a 2016 ........................................................................................................................................ 109 Adriana Sotero-Martins, George Ventura Alves Neri, Maria José Salles, Mônica Ferreira Moreira Carvalho Cardoso, Maulori Curié Cabral DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.07 Capítulo 8: Crise hídrica no estado do Rio de Janeiro: riscos e efeitos da presença de geosmina e 2-metilisoborneol no manancial de abastecimento do Rio Guandu, RJ .... 116 Adriana Sotero-Martins, Caroline Eloi Oliveira da Silva, Natasha Berendonk Handam, Eduardo Chow de Martino Tostes, Elvira Carvajal DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.08 6 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 SUMÁRIO Capítulo 9: Diagnóstico sazonal da saúde ambiental através de análise bacteriológica das matrizes ambientais água e areia nas bacias hidrográficas urbanas de Manaus, Amazônia Brasileira .............................................................................................................................. 125 Adriana Sotero-Martins, Antonio Nascimento Duarte, Ormezinda Celeste Cristo Fernandes, Natália Penhalosa Duarte, Laís Cássia Monteiro de Souza Barreto, Diego de Mello Mendes, Washington Carlos da Silva Mendonça, Ronis da Silveira DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.09 Capítulo 10: Concessão privatista da principal companhia de saneamento do estado do Rio de Janeiro: mapeamento e análise espacial do processo por blocos regionais ...... 146 Adriana Sotero-Martins, Maria José Salles, Elvira Carvajal, Natasha Berendonk Handam, Norberto dos Santos Junior, Thiago Corrêa de Almeida, Priscila Gonçalves Moura, Rejany Ferreira dos Santos, Luis Eduardo Martin DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.10 Capítulo 11: Aspectos dos serviços de saneamento de água e esgotamento sanitário na região metropolitana do Rio de Janeiro antes e depois da Lei 14.026/2020 ................. 165 Adriana Sotero-Martins, Natasha Berendonk Handam, Caroline Eloi Oliveira da Silva, Priscila Gonçalves Moura, Norberto dos Santos Junior, Luiz Mário Behnken, Bernardo Vieira Zgur, Monique Castello Branco Lopes, Rejany Ferreira dos Santos DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.11 Capítulo 12: Aspectos do saneamento em áreas de favelas na Sub-bacia do Canal do Cunha no Rio de Janeiro ....................................................................................................................... 189 Adriana Sotero-Martins, Thiago Corrêa de Almeida, Rejany Ferreira dos Santos, Natasha Berendonk Handam, Maria José Salles DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.12 Capítulo 13: Vulnerabilidade em saneamento nas favelas do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro ........................................................................................................................................... 202 Adriana Sotero-Martins, Natasha Berendonk Handam, Rejany Ferreira dos Santos, Maria José Salles, Lucas Fernando dos Santos, Adriana Regina Princisval, Edson Gomes Loiola Filho, Paulo Castiglioni Lara, Thaiane Soares Montandon, Elvira Carvajal DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.13 Capítulo 14: Os impactos da Covid-19 diante da vulnerabilidade socioeconômica na região da sub-bacia hidrográfica do Canal do Cunha ............................................................... 213 Caroline Eloi Oliveira da Silva, Eric Lopes Gama, Marcelo Ribeiro Alves, Rodolfo de Almeida Lima Castro, Natasha Berendonk Handam, Maria José Salles, Adriana Sotero-Martins DOI: 10.36229/978-65-5866-385-0.CAP.14 7 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Capítulo 1 Qualidade sanitária de água para consumo humano, e de rios em favelas no Território de Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ Natasha Berendonk Handam1 Adriana Sotero-Martins2 Maria José Salles2 José Augusto Albuquerque dos Santos3 Resumo: Em áreas de favelas os serviços de saneamento são precários, e por isso se torna importante a avaliação das condições sanitárias das águas, dos rios e solos peridomiciliares das comunidades, uma vez que são matrizes ambientais envolvidas na transmissão de doenças, que acometem seres humanos e animais. O estudo analisou a qualidade sanitária da água para consumo humano utilizada em residências e a qualidade dos rios Rios em favelas no Território de Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ, de acordo com os padrões estabelecidos nas legislações Brasileiras. Para avaliação da qualidade da água potável foram analisados parâmetros bacteriológicos (n=231) e físico-químicos (n=134), conforme estabelece o Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. Para avaliação dos rios Faria- Timbó, Jacaré e Canal do Cunha foram analisados os parâmetros bacteriológicos e os parasitológicos (pelos métodos de Lutz e Baermann-Moraes adaptados). Os resultados revelaram que a água consumida, em sua maioria, ultrapassa os limites dos padrões de qualidade da água potável, o que coloca em risco a saúde da população e reforça a urgência de políticas públicas sociais. Em todos os pontos dos rios, a água estava imprópria, com um nível médio de Escherichia coli 3.800 vezes maior do que o padronizado na Resolução CONAMA nº 274/2000. Foram observadas larvas, ovos de helmintos e oocistos de protozoários. As amostras de solo também se mostraram impróprias, com nível médio de coliformes totais 77.000 vezes superior ao considerado aceitável pela Resolução SMAC nº 468/2010. A falta de saneamento nessa localidade resulta nos altos níveis de coliformes e parasitológicos das águas do rio e nos solos peridomiciliares, e que são necessárias modificações imediatas no paradigma ambiental brasileiro, que utiliza seus corpos hídricos como valas de despejo de esgoto. Palavras-chave: água potável, qualidade sanitária, saneamento, saúde ambiental, rios. Pós-Doutorado Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz 2 Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA), Escola Nacional de Saúde Pública, Fúndaçao Oswaldo Crúz 3 Institúto Oswaldo Crúz, Fúndaçao Oswaldo Crúz 1 8 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO A cidade do Rio de Janeiro é uma das cidades que tem mais pessoas vivendo em áreas de favelas, com 1.393.314 moradores em 763 favelas, constituindo 22% da população total da cidade (Sotero-Martins et al., 2020). Em geral, nas favelas urbanas, a infraestrutura urbana (abastecimento de água, esgoto, coleta de resíduos sólidos e drenagem) é mais precária, deixando a população mais suscetível às injustiças sociais (Handam et al., 2022). Isso demonstra a incapacidade dos agentes públicos em atender e fiscalizar o atendimento das demandas sociais por moradia e saneamento adequados, bem como a correta execução dos serviços públicos urbanos (Lopes; Amorim; Cavallieri, 2011). As doenças que ocorrem nas favelas estão, em grande parte, relacionadas à ausência de saneamento básico adequado, aglomerações populacionais sem planejamento e, consequentemente, condições precárias de higiene pessoal e de moradia (Sotero-Martins e Salles, 2020). As consequências enfrentadas pela população associadas à falta de saneamento e os gastos do Sistema Único de Saúde são elevados, devido às internações e ao uso excessivo de medicamentos. No entanto, a maioria das doenças de veiculação hídrica poderia ser evitada com um sistema de esgoto adequado e abastecimento de água adequado nas residências (SIQUEIRA et al., 2017; Ignacio et al., 2017). As favelas de Manguinhos, RJ, território onde foi realizado este trabalho, estão localizadas na sub-bacia do Canal do Cunha, que faz parte da bacia da Baía de Guanabara. A sub-bacia capta água de mananciais que atravessam áreas densamente povoadas, que também contribuem para a contaminação dos rios através do lançamento de esgoto sem tratamento e resíduos sólidos diretamente nos corpos d'água (FIOCRUZ, 2015). As comunidades do Território de Manguinhos estão localizadas na sub-bacia do Canal do Cunha, que faz parte da bacia da Baía de Guanabara. A sub-bacia capta água de mananciais que atravessam áreas densamente povoadas, que também contribuem para a contaminação dos rios através do lançamento de esgoto sem tratamento e resíduos sólidos diretamente nos corpos d'água (FIOCRUZ, 2015). O bairro de Manguinhos abrange treze comunidades com 38.461 habitantes (Brasil, 2013) que não possuem um sistema de saneamento básico adequado. O esgoto é descartado em fossas sépticas construídas pelos próprios moradores, ou nas ruas e calçadas ou diretamente nos rios próximos. Daí decorrem sérios problemas, como a poluição dos rios, que também decorrem do lançamento de resíduos in natura das fábricas. Outro problema ambiental dessa região está relacionado às enchentes, que atingem as ruas e residências, contaminando o ambiente e causando o risco de doenças humanas. Isso ocorre porque as áreas estão abaixo do nível do mar, e por isso são propensas a inundações, e por causa da habitação não planejada em áreas baixas (FIOCRUZ, 2015). O abastecimento de água potável para a população deve ser garantido, no entanto, o em favelas brasileiras ocorre um grande problema de desigualdade social, pois o fornecimento de água não é garantido (Sotero-Martins e Salles, 2020). Existem pressões que afetam o abastecimento de água nesse tipo de território. Como os moradores das favelas não têm acesso ao abastecimento de água, eles assumem a posição do governo e fazem ligações clandestinas, onde retiram água das ligações formais que passam pelas favelas da companhia de saneamento do governo. Essas ligações clandestinas não conseguem garantir a qualidade e a quantidade suficiente de água para a população, mas essas formas de abastecimento são necessárias para a sobrevivência das pessoas, que não podem arcar com os custos do abastecimento de água pelos prestadores de serviços de água do governo (IPEA, 2016). 9 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Além disso, quando ocorre a crise hídrica, são os primeiros locais onde ocorrem as manobras e, consequentemente, há falta de abastecimento de água, pois são regiões que possuem o maior número de domicílios beneficiados por tarifas sociais de programas governamentais, e não geram retorno do lucro esperado para as prestadoras de serviços de saneamento. Nesses territórios, as manobras de água são realizadas por um morador contratado pelas prestadoras de serviços de água, que fica responsável por essas manobras. Esses moradores das favelas são responsáveis pela gestão dos sistemas de água (IPEA, 2016). Além disso, a violência e o poder paralelo ao domínio do tráfico de drogas nessas localidades podem definir quem recebe ou não a água. A maioria dos moradores das favelas convive atualmente com a violência relacionada ao tráfico de drogas e conflitos com tiroteios entre traficantes e a polícia. Essa situação afeta a vida dos moradores que precisam sair de suas casas, por exemplo, para estudar e trabalhar, tornando as pessoas vítimas. A redução desses conflitos permitiria um melhor acesso aos serviços públicos de promoção da saúde e outras iniciativas para os moradores das favelas, como a melhoria dos sistemas de água e esgoto (Handam, 2016). Nas favelas brasileiras, a água tratada que é distribuída pelas companhias de saneamento para as residências pode ser contaminada no caminho devido às ligações clandestinas utilizadas pelos moradores para obter água. Geralmente, devido às desigualdades econômicas dos moradores, os materiais utilizados para as ligações clandestinas de água nas favelas são feitos com materiais de baixa durabilidade e sem mecanismos de segurança, além de estarem expostos a tubulações de esgoto irregulares por onde o esgoto é lançado por falta de orientação especializada (Barcellos et al., 1998). Devido a tubulações danificadas por rompimento, em períodos de intermitência ou falta de abastecimento de água, a pressão favorece a entrada de contaminantes biológicos e químicos presentes no solo para dentro das tubulações, poluindo a água. (Carmo, 2009). Outra forma de contaminação a que os moradores das favelas estão sujeitos é encontrada nos processos de armazenamento de água potável, incluindo recipientes como os reservatórios de água. Quando isso não é feito de forma adequada, pode ocorrer a proliferação de patógenos e/ou vetores, como mosquitos transmissores de arbovírus, cistos de parasitas intestinais e bactérias que causam gastroenterites (Sotero-Martins, 2015). No Brasil, os padrões de qualidade da água estão estabelecidos na Portaria GM/MS Nº 888, de 4 de maio de 2021 do Ministério da Saúde (BRASIL, 2021). De acordo com a legislação, a água potável não deve conter coliformes totais e nem Escherichia coli (E. coli). Essa normativa também estabelece os Valores Máximos Permitidos (VMP) para os parâmetros físico-químicos da água (Brasil, 2021). A água potável proveniente de galões comerciais, também chamada de água envasada, deve estar de acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada nº 275/2005 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), do Ministério da Saúde (Brasil, 2005). Os padrões de segurança para balneabilidade estão estabelecidos na Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) Nº. 274/2000 (CONAMA, 2001). No Brasil ainda não existem normas federais para a qualidade do solo, apenas legislações ambientais específicas (Sotero-Martins et al., 2014), como a Resolução municipal do Rio de Janeiro (SMAC) nº 468/2010 (Rio de Janeiro, 2010). O presente trabalho relata as condições sanitárias dos rios Faria-Timbó, Jacaré e Canal do Cunha que passam pelas comunidades do Território de Manguinhos, RJ, de acordo com os padrões estabelecidos na legislação brasileira. Com o intuito de obter mais informações sobre essa localidade negligenciada pelo sistema de gestão municipal, 10 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 destaca-se a importância da qualidade sanitária do solo e da água em regiões com baixa oferta de esgotamento sanitário e de abastecimento de água. Nesse contexto, o objetivo do estudo foi analisar as condições da qualidade sanitária da água para consumo humano utilizada em residências, e a qualidade dos rios em favelas no Território de Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ, de acordo com os padrões estabelecidos nas legislações Brasileiras. 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1. AVALIAÇÃO SANITÁRIA DA ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO NAS FAVELAS DE MANGUINHOS O estudo foi desenvolvido nas treze favelas de Manguinhos, com 38.461 pessoas vivendo em 12.528 domicílios, localizadas no Rio de Janeiro, RJ, Brasil (-22°52'47,04 "S; 43°14'57,18 "W) (Brasil, 2013). O território possuia um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) (IBGE, 2010). A área de estudo em geral é caracterizada por graves problemas sociais e ambientais, tais como: ligações elétricas e hidráulicas clandestinas às redes oficiais; casas mal ventiladas, sombreadas e superpovoadas; contaminação dos reservatórios de água por esgotos mal canalizados. O esgoto é descartado em fossas sépticas construídas pelos próprios moradores, seja nas ruas e calçadas ou diretamente nos rios próximos. Essas favelas, como geralmente acontece com outras favelas brasileiras, sofrem com altos níveis de violência associados ao tráfico de drogas (Ignacio et al., 2017; Ignacio, 2017; Handam et al., 2018). Para avaliar a qualidade da água, o número de residências para coleta de água foi determinado considerando uma amostragem aleatória simples, que representou 1% de cada comunidade de Manguinhos, totalizando 123 residências para coleta de água. As amostras de água foram coletadas de filtros, águas engarrafadas e torneiras da cozinha das residências. No total, foram coletadas 134 amostras de água de torneiras, 87 de filtros e 10 amostras de águas engarrafadas, totalizando 231 amostras analisadas de água classificada para consumo (Handam et al., 2020). Para a análise da qualidade da água para consumo humano, foram utilizados parâmetros bacteriológicos (coliformes totais e E. coli) e físico-químicos (turbidez, pH, cloro residual livre, alcalinidade total, dureza total, nitrogênio amoniacal, nitrogênio nitrito, cloreto, condutividade, sulfato e sólidos totais dissolvidos). As análises físicoquímicas foram realizadas apenas em amostras de água da torneira das residências, pois estas eram a principal fonte de água potável utilizada em todas as moradias. Os métodos para análise bacteriológica e físico-química foram baseados no Standard Methods for the Examination of the Water and Wasterwater (APHA, 2017), sendo que para as análises bacteriológicas as amostras foram analisadas diluídas e sem diluição (Handam, 2016; Sotero-Martins et al., 2017). Em seguida, foi utilizado o método da membrana filtrante com meio de cultura indicador cromogênico, Chromocult® Coliform Agar (Cat. Nº 1.10426.0100 / 500 Merck) (Handam et al., 2018; Sotero-Martins et al., 2017). Com o objetivo de alcançar melhorias na qualidade da água consumida pelos moradores, foi entregue aos moradores um Caderno de educação em saúde ambiental sobre os cuidados com a água para consumo humano. Teve como objetivo trabalhar com a população a importância da qualidade da água para consumo humano através de ações de educação em saúde, e orientar os moradores sobre como proceder para melhorar a qualidade da água de consumo, destacando a importância da desinfeção do reservatório de água e dos filtros de água (Handam et al., 2022; Sotero-Martins et al., 2014). 11 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 2.2. AVALIAÇÃO DOS RIOS DO ENTORNO NO TERRITÓRIO DE MANGUINHOS Em 2015, foi realizado um estudo observacional descritivo exploratório de saúde ambiental. As amostras foram coletadas nos pontos de montante e jusante dos rios FariaTimbó, Jacaré e Canal do Cunha em relação às comunidades de Manguinhos (Handam, 2016), e foram georreferenciadas (GPS) de acordo com a Tabela 1. Um mapa do Território das Comunidades de Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ. Os pontos foram escolhidos considerando o contato dos moradores com esses ambientes. Em cada ponto de amostragem (n=7) foi coletada uma amostra representativa de água e solo para análises de coliformes e parasitológicas, totalizando quatorze amostras. Tabela 1. Pontos de coleta dos rios Faria-Timbó, Jacaré e Canal do Cunha e as localizações e coordenadas obtidas por georreferenciamento (GPS), Rio de Janeiro, RJ. Pontos Locais Descrição Coordenadas Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 Ponto 5 Ponto 6 a montante do rio Faria-Timbó a montante do rio Faria-Timbó a jusante do rio Faria-Timbó a montante do rio Jacaré a jusante do rio Jacaré a montante do rio Canal do Cunha 22º52'18.2" S, 043º15'13.7" W 22º52'41.7" S, 043º15'05.9" W 22º52'51.8" S, 043º14'44.6" W 22º53'01.9" S, 043º15'08.6" W 22º52'52.5" S, 043º14'46.0" W 22º53'14.2" S, 043º14'45.2" W Ponto 7 a jusante do rio Canal do Cunha 22º52'50.6" S, 043º14'28.4" W Para as análises de coliformes, as amostras de água e de solo foram coletadas na margem do rio e transferidas para frascos esterilizados. No prazo de 24 horas, as amostras foram analisadas (APHA, 2017). As amostras de solo foram diluídas conforme apresentado por Handam et al. (2018) e Sotero- Martins et al. (2017). Em seguida, foi utilizado o método da membrana filtrante com meio de cultura indicador cromogênico, Chromocult® Coliform Agar (Cat. Nº 1.10426.0100 / 500 Merck) (Handam et al., 2018; Sotero-Martins et al., 2017). Os resultados de coliformes totais (CT) e Escherichia coli (EC), foram transformados de número mais provável (NMP) por 100 ml para unidade formadora de colónia (UFC) por ml, com base nos dados descritos por Gronewold e Wolpert (2008) (Handam, 2016; Sotero-Martins et al., 2017). Para solo foram considerados limites impróprios quando esta apresentava níveis de CT e EC acima de 138,44 UFC/g e 17,54 UFC/g, respetivamente, e para a matriz água quando os níveis de EC eram superiores a 9,23 UFC/ml. Para a análise parasitológica das amostras de solo foram utilizados os métodos de Lutz e Baermann-Moraes adaptados (Handam et al., 2018; Handam, 2016; Amaral et al., 2015). Após a sedimentação, o sobrenadante foi descartado e o pellet preservado em SAF (2,9 ml de ácido acético, 1,5 g de acetato de sódio, 4,0 ml de formaldeído a 40% e 92,5 ml de água destilada). A amostra foi então colocada em repouso por 30 minutos para permitir nova sedimentação. Por fim, foram analisadas seis lâminas de cada amostra, que continham 50 μl do sedimento do fúndo de úm túbo falcon corado com lúgol em microscópio com aumentos de 100 vezes e 400 vezes, sendo este último utilizado para verificar as medidas dos parasitos (Handam, 2016; Sotero-Martins et al., 2017). A correlação dos resultados de coliformes e parasitológicos nas amostras de água e solo dos rios foi analisada pelo teste de correlação do coeficiente de Pearson para dados 12 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 paramétricos e Spearman para dados não paramétricos (p <0,05) pelo programa BioEstat 5.3 (Ayres et al., 2007). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. QUALIDADE SANITÁRIA DA ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO NAS FAVELAS DE MANGUINHOS Em relação aos resultados laboratoriais das análises físico-químicas das amostras de água (n=134), 114 amostras (85%) apresentaram pH ácido, ultrapassando os limites dos padrões de qualidade da água potável determinados pela Portaria GM/MS nº 888/2021. Essa Portaria estabelece que o pH da água deve estar entre 6,0 e 9,5. Além disso, 1 amostra também estava inadequada devido ao parâmetro cloreto na favela do Amorim (285,95 mg/l), sendo 1,14 vezes superior ao valor máximo permitido, de acordo com os padrões legais. A acidez da água deve-se principalmente à presença de dióxido de carbono livre na água, que pode resultar da decomposição de matéria orgânica proveniente da contaminação de esgotos e despejos industriais (Coelho, 2015). Para a saúde humana, a água com pH ácido pode causar irritação na pele ou nos olhos dos indivíduos que entram em contato (Morais et al., 2016). Além disso, se consumida por um longo período, dez a vinte anos, pode causar problemas gástricos como gastrite, úlceras e câncer de estômago (Funasa, 2014). A alta concentração de cloreto provoca um sabor desagradável na água e pode causar efeitos laxativos nos indivíduos. Geralmente, são originários da dissolução de minerais ou da intrusão da água do mar e ainda podem ter sua origem a partir de esgotos domésticos ou industriais (Funasa, 2014). Portanto, isso indica que a água que chega às torneiras das casas está em condições insalubres e de risco à saúde. Os resultados de dureza total, cloro residual livre, sólidos totais dissolvidos, alcalinidade total, amônia, nitrito, sulfato e turbidez estavam de acordo com os valores máximos permitidos descritos pela Portaria GM/MS nº 888/2021. As favelas que apresentaram as maiores médias dos parâmetros foram: dureza total, na favela Amorim (41,42±17,18); pH, na favela Vila União (5,85±0,25); condutividade, na favela Nelson Mandela (315,75±145,16); TDS, na favela Nelson Mandela (158,32±72.69); residual livre, na favela CAH (2,05±1,77); cloreto, na favela Amorim (65,68±99,52); alcalinidade total (40,99±1857) e N-nitrito (0,037±0.018), na favela Samora Machel; N-amónia (0,055±0,024) e sulfato (21,32±4,92), na favela CHP2; e turvação, na favela V. turismo (1,4±1,06). Os resultados das análises bacteriológicas das amostras de água, considerando os dois bioindicadores, coliformes totais e E. coli, mostraram que 27% (26/97) das amostras de água coletadas dos filtros e da água envasada atendem ao padrão de qualidade sanitária, e que 73% (71/97) ultrapassaram os limites dos padrões de qualidade das legislações: Portaria GM/MS nº 888/2021 e Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 275/05 da ANVISA (Figura 1). Para as amostras de água coletadas nas torneiras, 31% (42/134) atenderam ao padrão de qualidade e 69% (92/134) ultrapassaram os limites do padrão de potabilidade estabelecido em Lei (Figura 2). 13 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 1. Níveis médios de contaminação por Coliformes Totais e Escherichia coli nas amostras de água de filtros e água envasada nas favelas de Manguinhos, RJ, Brasil (n=97). Coliformes Totais e Escherichia coli. Intervalo: 1,6 - 2,5. Figura 2. Níveis médios de contaminação por coliformes totais e Escherichia coli em amostras de água diretamente de torneiras nas favelas de Manguinhos, RJ, Brasil (n=134). Coliformes Totais e Escherichia coli. Intervalo: 0,9 - 1,2. 14 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Em um estudo realizado em favelas foi observado que 58,8% das amostras de água de torneira, que não estavam de acordo com a Regulamentação Brasileira, obtiveram resultados positivos para coliformes totais e positivos para E. coli (Pereira et al., 2015). Segundo De Souza et al. (2015), favelas do município de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, apresentaram amostra de água de torneira em domicílio fora dos padrões bacteriológicos estabelecidos para a qualidade da água, com nível 35 vezes maior de UFC/ml de coliformes totais acima do permitido pela legislação e 10 vezes o nível de UFC/ml de coliformes termotolerantes acima do permitido pela regulamentação. A presença de coliformes na água indica a possível presença de outros microrganismos patogénicos e a sua ausência indica que outros organismos não estão presentes na água (Sotero-Martins et al., 2017). Porcy et. al (2020) mostraram que 34,8% das residências apresentaram resultados positivos para coliformes totais e 26,1% para coliformes termotolerantes, o que pode causar problemas à saúde humana. Corroborando com o estudo de acordo com Reis et al., (2014), foram encontrados níveis acima dos níveis de coliformes totais nas amostras de água envasada. Segundo a RDC ANVISA nº 275/200519, a qualidade da água envasada é imprópria quando há ausência de E. coli e quando apresenta valores iguais ou superiores a <1,1 NMP para coliformes totais. A avaliação simultânea dos bioindicadores - parâmetros bacteriológicos e físicoquímicos - das amostras coletadas nas torneiras, mostrou que apenas 10% (13/134) atendem aos padrões de qualidade. A situação agrava-se quando consideramos os dois parâmetros de análise: 90% (122/134) das águas consumidas no território ultrapassam os limites dos padrões de qualidade da água potável, de acordo com a Portaria de Consolidação nº 5 de 2017. Os resultados das amostras de água que não atendem aos padrões de qualidade foram semelhantes em amostras coletadas de torneiras, filtros e água engarrafada, demonstrando que a água fornecida às residências neste território não é confiável, e requer cuidados para eliminar contaminantes para consumo humano, principalmente para beber e lavar alimentos, a fim de evitar possíveis problemas de saúde, como doenças diarreicas. Os motivos da contaminação da água podem ser decorrentes de condições domésticas, tais como: falta de limpeza da caixa d'água; recarga do filtro sem alterações; e instalação inadequada do conduto de água (ou seja, próximo ao esgoto). Essa contaminação também pode ser decorrente: da água distribuída pela companhia de saneamento, e da contaminação durante a distribuição, que foi feita pelos moradores através de ligações clandestinas sem garantia de qualidade até a residência. Como essas ligações geralmente são construídas com materiais de má qualidade, e também podem estar expostas a tubulações de esgoto irregulares, quando há períodos intermitentes no fornecimento de água ou falta de água, e um rompimento nas tubulações, a pressão pode favorecer a entrada de contaminantes presentes no solo para dentro das tubulações, poluindo a água. Paralelamente à falta de cuidado dos moradores com a água potável em suas residências em relação ao armazenamento, foi identificado em 2015 que a água distribuída pela Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro (CEDAE) estava contaminada por coliformes, reproduzindo termotolerantes na água encanada do sistema Guandu. Em 2020 o Rio de Janeiro passou por uma crise hídrica, em que a água distribuída pela companhia apresentou elevada presença cianotoxicinas, que conferiram más 15 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 condições de turbidez, odor e sabor na região metropolitana do Rio de Janeiro (SoteroMartins et al., 2021; Alencar, 2020). Demonstrando que a água captada para tratamento se encontra em má qualidade, e que é necessária a implementação do saneamento básico nas cidades a montante do ponto de captação de água bruta do manancial (Sotero-Martins et al., 2021). Em outros estudos (Pereira et al., 2015; Araújo et al., 2011) emfavelas urbanas, a população também consumia água diretamente da torneira e a maioria das amostras de água excedia os limites dos padrões de qualidade da água potável devido a coliformes totais e E. coli. A contaminação das caixas d'água pode ocorrer através de fezes de animais presentes no armazenamento da água, além da falta de hábito de limpeza periódica da caixa d'água de alguns moradores. O motivo da falta de limpeza pode ser devido à dificuldade de acesso ao local onde a caixa d'água está instalada e à falta de informação sobre a periodicidade e o procedimento de limpeza. A Orientação recomenda que essa limpeza pode ser realizada pelo menos uma vez por ano (Handam et al., 2022; Handam, 2016; Sotero-Martins et al., 2014). A contaminação da água coletada nos filtros pode ser devido à falta de manutenção e cuidados. Os moradores podem não estar utilizando o filtro corretamente, não o fazendo de acordo com as recomendações do fabricante. Antes de culpar os residentes, deve notar-se que o elevado custo dos filtros é uma barreira importante, especialmente nestas comunidades socioeconómicas vulneráveis. Além disso, também houve relatos de moradores que tiveram que trocar o refil do filtro antes dos seis meses, com o objetivo de melhorar a qualidade, pois a cor da água já estava escura. Quando o refil do filtro não é trocado corretamente ou quando a água filtrada é de péssima qualidade, a função de filtragem pode perder sua eficiência, permitindo a passagem de microorganismos. A filtragem da água nas residências traz benefícios na prevenção da diarreia em todas as faixas etárias, sendo importante a ampliação de ações de educação em saúde que visem o uso de filtros de água nos domicílios, nos quais o tratamento público é ausente ou falho. Além disso, o uso de filtros de água domiciliares está fortemente relacionado à redução da prevalência geral de helmintos e protozoários (Belo et al., 2012). A contaminação da água envasada pode ocorrer na fonte, no recipiente, ou durante o transporte e armazenamento (Inmetro, 2009). Quando a embalagem não está adequadamente vedada e a temperatura ambiente é elevada, esses fatores permitem a passagem de oxigênio, favorecendo a entrada e a proliferação de bactérias na água, bem como a liberação de nutrientes do plástico (Rosenberg, 2003). O processo de armazenamento de água potável devido à intermitência da água nas favelas é um processo arriscado para a saúde, pois são utilizados recipientes, como piscinas e baldes, que não são apropriados, e podem ser locais de proliferação de vetores de doenças, como as arboviroses. Por isso, devem ser feitas orientações sobre a forma mais correta de armazenar e garantir a desinfeção da água, por exemplo, realizando a adição de cloro na quantidade adequada por ml. Assim, uma das ações do estudo para melhorar a qualidade da água para a população das favelas foi utilizar o Caderno de Educação em Saúde Ambiental intitulado "Água Potável: Cuidados e Dicas" (Handam et al., 2022; Sotero-Martins et al., 2014). O material de educação em saúde ambiental desenvolvido foi explicado nas casas participantes do estudo. Eles foram orientados sobre como tratar a água que pode estar contaminada por agentes biológicos (bactérias, vírus, protozoários, helmintos); como ter cuidado com os filtros; e como armazenar a água com qualidade. Também foi entregue uma folha para ser fixada na geladeira ou atrás da porta da cozinha. Assim, o morador poderia anotar as datas de troca e limpeza do filtro, e as 16 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 datas de limpeza da caixa d'água. Diante dos resultados da qualidade da água, os moradores das favelas de Manguinhos foram orientados a não consumir água diretamente da torneira, sendo indicado o uso de filtros, a fervura ou cloração da água, bem como a limpeza da caixa d'água e a troca do filtro periodicamente. Além disso, esse material orientador também pode ser utilizado em residências de outras regiões do Brasil e do mundo, com características semelhantes às do presente estudo, ajudando a melhorar a qualidade da água para consumo humano, e consequentemente prevenindo doenças e melhorando a saúde da população (Handam et al., 2020). 3.2. QUALIDADE SANITÁRIA DOS RIOS (ÁGUA E SOLO) NO ENTORNO DO TERRITÓRIO DE MANGUINHOS Os resultados dos níveis de coliformes para a água dos rios foram impróprios em todos os pontos de amostragem, de acordo com os padrões estabelecidos na Resolução CONAMA nº 274/2000. Os maiores níveis de contaminação foram encontrados na amostra a montante do Rio Canal do Cunha, com nível de Escherichia coli (UFC/mL) 6.575 vezes superior ao padrão recomendado para banho, e de coliformes totais com valor de 67.500 UFC/mL. Os menores níveis foram identificados nos pontos a montante do Rio Faria-Timbó, com nível de Escherichia coli (UFC/mL) 2.900 vezes superior ao padrão estabelecido na legislação, e de coliformes totais com valor de 27.000 UFC/mL (Figura 3) (Handam et al., 2018). Figura 3 – Níveis de coliformes totais e de Escherichia coli nas amostras de água dos rios Faria-Timbó, Jacaré e Canal do Cunha (n=7) que passam pelas comunidades de Manguinhos, RJ. Coliformes Totais e Escherichia coli. Valor limite de classificação da qualidade da água de recreação própria 9,23 UFC/mL de Escherichia coli, de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA 274/2000, considerando dados do trabalho de Gronewold e Wolpert (2008). Intervalo: 100 – 400. A contaminação média por E. coli nas águas dos rios Faria-timbó, Jacaré e Canal do Cunha foi de 35.029 UFC/mL, 3.800 vezes maior que o valor padrão para banho. O valor médio de contaminação por coliformes totais foi de 47.250 UFC/mL. 17 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Os resultados de coliformes das amostras de solo revelaram que as mesmas eram impróprias para contato primário, de acordo com a Resolução SMAC nº 468/2010. Os maiores níveis de contaminação foram encontrados a jusante do Rio Jacaré, com níveis de coliformes totais de 170.639, e níveis de E. coli 192.307 vezes maiores. Os menores níveis de coliformes totais e E. coli foram verificados no ponto a montante do Rio Canal do Cunha, com níveis de coliformes totais de 469 e E. coli 3.988 vezes maior (Figura 4). As médias de contaminação encontradas por coliformes totais e por E. coli foram, respetivamente, 77.000 e 53.000 vezes superiores ao nível aceitável para a saúde humana estabelecido pela legislação (Handam et al., 2018). Figura 4 - Níveis de coliformes totais e de Escherichia coli no solo dos rios Faria-Timbó, Jacaré e Canal do Cunha (n=7) que passam pelas comunidades de Manguinhos, RJ. Coliformes Totais e Escherichia coli. Valor limite de classificação da qualidade do solo própria 138,44 UFC/g de coliformes totais 17,54 UFC/g de Escherichia coli, de acordo com a Resolução da Secretaria Municipal de Meio Ambiente – SMAC Nº 468/2010, considerando dados do trabalho de Gronewold e Wolpert (2008). Intervalo: 200 – 400. Este estudo também contribuiu com informações para subsidiar a criação de uma Legislação Estadual a Lei nº 7666 de 28 de agosto de 2017, que é a lei vigente do Estado, sobre a qualidade sanitária do solo de contato primário, considerando valores limiares para a presença de parasitas e coliformes, assim como fungos. A Lei estabelece valores de referência de saúde ambiental para a qualidade das areias utilizadas em parques, praças, tanques, clubes, creches e escolas para fins de lazer, recreação e atividades educativas, esportivas e culturais, em áreas públicas e privadas do estado do Rio de Janeiro. Em relação às análises parasitológicas do estudo, 71% (5/7) das amostras de água estavam contaminadas, sendo detectada a presença de 25 larvas de nematódeos (larvas filarioides - 20; larvas rabditoides - 5), 15 ovos de helmintos e 2 oocistos de protozoários. O ponto a jusante do rio Faria-Timbó foi o que apresentou a maior contaminação parasitológica em relação aos demais pontos. Foram observados: larvas filarioides (9) e larvas rabditoides (3); ovo de Toxocara sp. (1) e Ascaridata (1); oocistos de Coccidia sp. (1) e Isospora sp. (1). No ponto a montante deste mesmo rio foram encontrados ovos de 18 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Ascaris sp. (1) e Strongylata (1). Nas amostras dos pontos a montante do rio Faria-Timbó e do rio Jacaré não houve presença de parasitos. No entanto, no ponto de amostragem a jusante do rio Jacaré foram encontrados ovos de Hymenolepis sp. (1), Toxocara sp. (1) e larvas rabditoides (2) encontrados. No ponto a montante do rio Canal do Cunha foram encontrados ovos de Ascaris sp. (2), Toxocara sp. (2), Ascaridata (1), Strongylata (2); Enterobius sp. (1); e larvas filarioides (6). A jusante deste rio foram identificados um ovo de Enterobius sp. (1) e larvas filarioides (5). Enquanto que os resultados das análises parasitológicas das amostras de solo mostraram que apenas a amostra do ponto a montante do rio Jacaré apresentou a presença de parasitas. Neste ponto, foram encontrados três ovos de Ascaridata com morfometria indicando Toxocara sp. (3). Nas proximidades havia cargas de resíduos sólidos e fezes humanas, provavelmente trazidas pela poluição das águas dos rios e das pessoas que viviam no local, além de fezes de animais que transitavam pelo ambiente (Handam et al., 2018). Constitui um problema de saúde pública o fato de alguns parasitas serem transmitidos pela água e também pelo solo contaminado, uma vez que podem contaminar as fontes de água e o solo peridomiciliar e devido à peculiaridade do ciclo biológico dos seus agentes etiológicos. Além disso, a proximidade entre o homem e o animal torna os agentes de doenças relativamente importantes do ponto de vista epidemiológico (Rey, 2008; Sotero- Martins et al., 2014; Amaral et al., 2016). A correlação estatística entre os resultados de parasitos com os níveis de coliformes totais e Escherichia coli encontrados nas águas dos rios mostrou uma relação positiva, com um coeficiente de Pearson de 0,4948, cerca de 50% com um p-valor de 0,2577, e de 0,5946, cerca de 60% com p-valor de 0,1590, respetivamente (> 0,05). A análise de correlação realizada com as amostras de solo não revelou correlação entre os dados (Handam et al., 2018). Os rios Faria-Timbó, Jacaré e Cunha, além de receberem esgoto doméstico na maior parte de suas extensões, recebem também esgoto industrial, o que provoca um aumento na densidade de microorganismos. A elevada poluição dos rios pode ser reversível com a interrupção das fontes poluidoras ou a redução da descarga de esgotos sem tratamento. No entanto, é necessário que as autoridades públicas garantam que os rios não sejam utilizados como canal de lançamento de esgoto in natura. Os efeitos das ações sanitárias, ou a falta delas, têm grande impacto no meio ambiente e, em especial, nos recursos hídricos (Sotero-Martins e Salles, 2020; Heller e Castro, 2007). 4. CONCLUSÃO Este estudo revelou que a saúde da população das favelas está em risco devido à qualidade da água potável consumida pela população, em geral, ultrapassar os limites dos padrões de qualidade da água potável determinados pela Legislação Brasileira. Ações de educação em saúde, como a entrega de laudos de qualidade da água com recomendações básicas sobre como melhorar a qualidade da água e do meio ambiente, apoiam os moradores a adotarem medidas de prevenção de doenças de veiculação hídrica: boas práticas de higiene, limpeza cuidadosa dos reservatórios e filtros de água nas frequências recomendadas. As análises apontam a maior vulnerabilidade social e ambiental e as prioridades das regiões para ações governamentais de redução das iniquidades em saúde, como educação, acesso a serviços de saúde e acesso a esgoto e tratamento de água. 19 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Os níveis de coliformes encontrados nas águas dos rios e nos pontos de solo peridomiciliar para as comunidades do Território de Manguinhos estavam acima dos limites recomendados pela legislação específica. Além disso, os parasitas encontrados nessas matrizes ambientais demonstram a precariedade do saneamento nessa área e, aliados aos altos níveis de contaminação dos rios por esgoto, colocam as comunidades de Manguinhos em risco de infecções que podem ser transmitidas pela água ou pelo solo. É necessária uma mudança urgente no paradigma ambiental brasileiro, que utiliza seus corpos hídricos para o despejo de esgotos. REFERÊNCIAS [1] ALENCAR, E. ECO. 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In: REY, L. I - Parte Geral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. p.1-25. 21 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 [35] 2003. ROSENBERG, F. A. A microbiologia da água engarrafada. Clin Microbiol Newslett, v. 25, p. 41-4, [36] SOTERO-MARTINS, A. et al.Métodos de Inspeção Sanitária da Qualidade Microbiológica e Parasitária da Água e Areia de Áreas de Recreação. Am J of Eng Research (AJER), v. 6, p. 56-2, 2017. [37] SOTERO-MARTINS, A., et al. Caderno de Saúde Pública e Ambiente - Nº 1 Água Potável: cuidados e dicas. Acervo Educacional Sobre Água. Agência Nacional de Águas, Brasil, 2014. [38] OMS, Organização Mundial de Saúde. Guidelines for drinking-water quality: quarta edição incorporando a primeira adenda. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2017. 22 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Capítulo 2 Vigilância da qualidade sanitária das águas de nascentes e do solo peridomiciliar de comunidades da Porção Sul da Ilha de Marambaia/RJ Luana Vilela Lopes Caldas1 Antônio Nascimento Duarte2 Luis Carlos Leite Pinna (in memorian)2 Nilton Francisco de Conceição2 José Augusto Albuquerque dos Santos3 Adriana Sotero-Martins4 Resumo: As águas das fontes naturais podem ser a única alternativa de fontes de abastecimento de água potável para populações residentes em ilhas, sendo necessário monitoramento e tratamento para minimizar os riscos sanitários relacionados. A Ilha da Marambaia do estado do Rio de Janeiro foi ocupada por militares temporários, descendentes de escravos e de alunos da Escola de Pesca Darcy Vargas, e a comunidade encontra-se distribuída ao longo de seis praias: Praia Suja, Praia Grande, Praia do Cutuca, Praia da Cachoeira, Praia do José e Praia da Pescaria Velha. O sistema de saneamento é precário, sem rede de abastecimento de água potável oficial, com uso de métodos alternativos para captação de água superficial proveniente das encostas, com escoamento de esgoto geralmente no espaço peridomiciliar. Foram monitoradas as condições do solo peridomiciliar e da água bruta captada para consumo nas residências da porção sul e central da Ilha da Marambaia/RJ. As amostras de água foram analisadas por parâmetros bacteriológicos (n= 91), físico-químicos (n=91) e parasitológicos (n= 42), e as de solo (n=96) foram por parâmetros colimétricos e parasitológicos. Os resultados apontaram que 100% das amostras de água bruta provenientes das fontes hídricas estavam impróprias para consumo, segundo os padrões descritos na Portaria de Potabilidade do Ministério da Saúde. Os piores resultados foram, em 20,8% os níveis de Escherichia coli estavam 6,6 vezes maiores que o recomendado na Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente 274/2000. Os níveis de E. coli no solo da Praia do Cutuca estiveram em 5.387 vezes, durante o período chuvoso os limites estabelecidos pela Resolução da Secretaria Municipal do Meio Ambiente Nº 468/2010. E ovos da ordem Ascarididae foram encontrados com maior frequência no solo, e as condições de saneamento local justificam estes achados. Portanto medidas de saneamento são necessárias para melhor as condições de saúde ambiental e consequentemente oferecer menor risco a população residente e frequentadora dessa localidade. Palavras- chave: Coliformes, Parasitos, Areia, Água bruta, Recreação, Ilha da Marambaia. Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA), Escola Nacional de Saúde Pública, Fúndaçao Oswaldo Crúz Departamento de Ciências Biológicas (DCB), Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz 3 Laboratório XX , Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz 4 Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz 1 2 23 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO A Ilha da Marambaia está localizada no litoral da Costa Verde, ao Sul do Estado do Rio de Janeiro, no município de Mangaratiba, no seu interior existe uma Área de Preservação Ambiental (APA), criada pelo Decreto Estadual nº 9.802 de 12 de março de 1987, a qual permanece intacta. Em meados do século XIX, o local era utilizado como entreposto de escravos contrabandeados pelo comendador Joaquim José de Souza Breves, um dos maiores produtores de café do Império, contudo as mudanças da economia brasileira e o fim da escravidão debilitaram a situação financeira da família (MALERBA & SILVA, 2009). Após sua morte em 1889, os ex-escravos passaram a ocupar as terras coletiva e devido a um acordo verbal de doação das terras próximas das praias, vivendo da agricultura de subsistência e da pesca extrativista. Segundo Malerba e Silva (2009) esse compromisso não foi cumprido pelos seus descendentes, e as terras foram vendidas para a União. E a Marinha do Brasil instalou uma base na Ilha da Marambaia visando garantir que o local não seja alvo da especulação imobiliária, de invasões ou de processo de favelização e ocupação urbana desordenada. A população residente é proveniente de afrodescendente, ex-alunos da antiga Escola de Pesca Darcy Vargas e militares, que se estabeleceram principalmente na década de 70 e desde então, esta região passou a ser considerada área de segurança nacional, controlada pela Marinha do Brasil, instalado o Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia (CADIM). A água de escoamento superficial das encostas, proveniente das nascentes, é a principal fonte de água para o consumo e demais afazeres domésticos. O acesso precário a água significa risco iminente de aumento de incidência de doenças associadas a ela, as quais, em geral, atingem populações mais suscetíveis, representadas por crianças menores de 5 anos, idosos, desnutridos e imuno deficientes (RAZZOLINI & GÜNTHER, 2008). O valor universal de acesso a água é um princípio da Lei do marco legal do Saneamento Básico nº 11.445 de 5 de janeiro de 2007, que implica em responsabilização do Estado, e dos operadores dos serviços pelo atendimento adequado de água a toda a população do território sobre o qual têm responsabilidade. A promoção do acesso universal requer um conjunto de ações, desde a preservação dos mananciais, a prioridade de acesso destes para o consumo humano, bem como a produção de água potável e sua distribuição. O direito a todas as pessoas do acesso adequado à água está, portanto, relacionado às condições de obtenção dessa água, à sua qualidade e quantidade, no percurso dos mananciais aos domicílios (AUGUSTO et al., 2012). Além do que o acesso a água e ao esgotamento sanitário é um direito humano fundamental, e não admite excluídos (SOTERO-MARTINS et al., 2020). A água destinada ao consumo humano proveniente de sistema e solução alternativa de abastecimento de água, conforme disposto na Portaria de Consolidação No. 888/2021 do Ministério da Saúde (MS) (BRASIL, 2021), deve ser objeto de controle e vigilância da sua qualidade. Em países em desenvolvimento, em virtude das precárias condições de saneamento e da má qualidade da água, as doenças diarreicas de veiculação hídrica, as verminoses, amebíase e giardíase, têm sido responsáveis por vários surtos epidêmicos e pelas elevadas taxas de mortalidade infantil, relacionadas à água de consumo humano (LESER et al., 1985). Os coliformes totais (CT) são bactérias do grupo coliforme, pertencentes à família Enterobacteriaceae, tendo como os principais gêneros: Escherichia, Salmonella, Shigella, Citrobacter, Klebsiella, Enterobacter, Proteus e Serratia, embora vários outros gêneros 24 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 pertençam ao grupo (VIANA, 2011). A Escherichia coli é um bioindicador fecal utilizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e muitos países incluíram em suas normas como um indicador primário de contaminação fecal (PINTO, 2010). Esse indicador também é utilizado na avaliação das condições sanitárias de água para fins recreativos, classificando a como própria e imprópria, segundo a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente nº 274 de 29 de novembro de 2000 (AMARAL, 2012). O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) recomendou aos órgãos ambientais a avaliação da qualidade parasitológica e microbiológica da areia para futuras padronizações, por meio da Resolução n° 274/2000 em seu oitavo artigo, que classifica as águas em doces, salobras e salinas destinadas à balneabilidade. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC) do Rio de Janeiro foi à pioneira e editou a Resolução n° 081/2000. Mas não tratava sobre condições bacteriológicas, não estabelecendo a análise para fungos e parasitas. Em 2010, a SMAC editou a resolução n°468, aumentando os valores permitidos para os níveis de E.coli. E somente em 2017, o estado do Rio de Janeiro, a partir de dados científicos, aprovou a Lei Estadual 7.666/2017, com parâmetros bacteriológicos, parasitológicos e de fungos como indicadores da qualidade sanitária de areia de áreas de recreação e creches (ALERJ, 2017). Entretanto até hoje não se tem parâmetros padronizados em norma nacional (SOTERO-MARTINS et al., 2013). A contaminação de ambientes utilizados para a recreação da população constitui grave problema de saúde pública (ARAUJO; RODRIGUES; CURRY, 2008). Os ovos dos parasitos atingem o solo através de dejetos humanos ou animais infectados. Assim, após a maturação, podem atingir o hospedeiro por meio da ingestão dos ovos ou através da penetração por via cutânea. Dentre as espécies que infectam o homem destacam-se os geo-helmintos: Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura, Ancylostoma duodenale, Necator americanus e Strongyloides stercoralis. Dentre os helmintos com potencial zoonótico destacam-se o Ancylostoma braziliense, Toxocara canis e Trichuris sp por serem os mais frequentes encontrados diretamente nas fezes dos cães, em areias e terras examinadas (SOTERO-MARTINS et al., 2017; AMARAL et al., 2015) O trabalho teve como objetivo monitorar as condições do solo peridomiciliar e da água bruta captada para consumo nas residências da Ilha da Marambaia, na porção de maior ocupação populacional, do Estado do Rio de Janeiro, em diferentes estações pluviométricas. Os dados foram comparados aos padrões de potabilidade e balneabilidade estabelecidos nas normatizações brasileira. 2. MATERIAL E MÉTODOS O estudo foi realizado na porção com maior ocupação populacional da Ilha da Marambaia (sul e central) entre as coordenadas 44 00 00.0 E – 22 54 00.0 S; 43 36 00.0 E – 23 06 00.0 S(Figura 1), com pontos amostrais em sete praias: Praia Suja, Praia Grande, Praia do Cutuca, Praia do José, Praia da Cachoeira ou Praia da Igreja, Praia da Caetanea e Praia da Pescaria Velha. Na porção central, na Praia Suja, fica localizado o quartel do Centro de Adestramento da Marinha (CADIM), casas de militares, o Centro de Saúde e os Hotéis de Trânsito da Marinha. Na porção sul ao longo das praias, ficam as casas de moradores descendentes de escravos e pescadores, e ex-alunos da antiga Escola de Pesca Darcy Vargas. Tendo por praia o seguinte quantitativo de domicílios: Praia Suja (31), Praia Grande (34), Praia do Cutuca (12), Praia do José (23), Praia da Cachoeira (0), Praia da Caetanea (38) e Praia da Pescaria Velha (99). Segundo dados do IBGE (2010), a região da 25 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 restinga era habitada por 424 moradores , mas segundo dados obtidos, no ano de 2013, com a agente de saúde da prefeitura que atua na região, a porção sul da Ilha era ocupada por 237 pessoas, ou seja 56% da população total da Ilha. Foram percorridos cerca de 13,1 Km para realização das coletas, em cada campanha de monitoramento. Figura 1- Porção Sul e Central da Restinga da Ilha da Marambaia/RJ com destaque para as sete comunidades: 1- Praia Suja; 2- Praia Grande; 3- Praia do Cutuca; 4- Praia do José; 5- Praia da Igreja; 6- Praia da Caetanea; 7-Praia da Pescaria Velha. Mapa do Brasil, com destaque para o estado do Rio de Janeiro e porção da restinga de Marambaia. As amostras para as análises bacteriológicas, parasitológicas e físico-químicas foram coletas em diferentes estações pluviométricas, com pelo menos duas campanhas por estação, entre os meses de Julho/2013 a Agosto/2014. Campanha 1 (Período Chuvoso - 03/07/2013, 04/07/2013, 19/08/2013 e 20/08/2013), Campanha 2 (Período Transição Chuvoso/Seco - 04/11/2013, 05/11/2013, 10/12/2013 e 11/12/2013), Campanha 3 (Período Seco - 25/02/2014, 26/02/2014, 01/04/2014 e 02/04/2014), Campanha 4 (Período Transição Seco/Chuvoso - 11/08/2014 e 12/08/2014). Foram realizadas coletas de 96 amostras de solo peridomiciliar e 91 amostras de água bruta proveniente das fontes hídricas originadas nas encostas. Amostras de solo foram coletas, para as análises bacteriológicas o equivalente a 90 g (± 3,14g) de solo peridomiciliar em tubos estéreis, e para as análises parasitológicas 500 g (± 10,32g) em dois sacos limpos e transparentes, sendo separado uma massa final correspondente a 180,0 g, para realização das técnicas analíticas de Lutz (1919) e Baermann-Moraes (1917), conforme descritas em Amaral (2012). Amostras das fontes hídricas destinadas as análises parasitológicas foram coletadas com a utilização de filtros comerciais, de polipropileno Micro Wind® de manta e fio rebobinado de porosidade 1 µm, acoplados a uma bomba de sucção com vazão de filtração de 13 litros em 24 segundos, ou por diferença de pressão, quando a fonte encontrava-se acima do nível da passagem da água, com vazão igual a 13 litros em 80 segundos. As amostras foram identificadas e acondicionadas em caixas isotérmicas até a análise laboratorial, no prazo máximo de 24 horas. A análise foi realizada conforme metodologia descrita em Sotero-Martins et.al. (2017) e em Handam (2016). Nas coletas de água das fontes hídricas para análises físico-quimica e colimétrica foram utilizadas garrafas de 500 mL e em tubos tipo Falcon estéreis, com capacidade de 50 mL, respectivamente. Foram coletadas amostras da água dos rios dentro das comunidades da Praia Suja, Praia Grande, Praia do Cutuca e Praia da Igreja. 26 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 As amostras de areia foram retiradas dos tubos Falcon com auxílio de espátula estéril e transferidas para frascos de Erlenmayer de capacidade de 500 mL previamente pesados, contendo 200 mL de tampão de água fosfatada (1,25 mL/L de Solução estoque A (fosfato monopotássico 34g/L) e 5,0 mL/L de solução estoque B (cloreto de magnésio p.a 81g/L), pH final 7,2 ± 0,1; esterilizados a 121°C, por 15 minutos, sendo mantido nesta solução por 30 minutos, com agitação manual de 10 minutos de intervalo (REGO, 2010). Foram novamente pesados após a transferência da massa e submetidos a diluições sequenciais seriadas. Para a diluição sequencial das amostras ambientais do solo, foram transferidas as massas de areia com média 61,27 g e desvio padrão igual a 1,734 para um frasco de Erlenmayer de capacidade de 500 mL previamente pesado. A massa de areia do tubo Falcon com capacidade de 50mL foi vertida no Erlenmeyer com o auxílio de uma espátula e posteriormente pesado e anotado a diferença entre as massas. Foram adicionados 200 mL de solução estéril de água fosfatada, e a amostra em diluição foi mantida em repouso por 30 minutos, com intervalos de agitação manual a cada 10 minutos. A partir desta diluição foi retirada uma alíquota de 5 mL e transferidas a um frasco de Falcon contendo 45 mL da solução fosfatada estéril (Diluição 1), e uma nova diluição retirando uma alíquota de 1mL a partir da diluição anterior e transferida ao novo frasco de Falcon com 49 mL de solução fosfatada estéril (Diluição 2). A solução foi homogeneizada e filtrada 10 mL em membrana Millipore® de éster de celúlose estéril qúadricúlada com porosidade de 0,45 μm e diâmetro de 47 mm. Este procedimento foi realizado em duplicata e após a filtração por bomba a vácuo a membrana foi transferida para placa de Petri de tamanho 60x15mm, contendo meio de cultura Chromocult® Coliform Agar, posteriormente invertida e incubada a temperatura de 37º C, e após 24 horas foi realizada leitura, conforme descrito em Standard Methods for the Examination of the Water. Para a diluição sequencial das amostras ambientais de água foram retirados 5 mL diretamente das amostras ambientais e transferidas a frascos de Falcon, com capacidade de 50 mL, contendo 45 mL de solução tampão de diluição. Posteriormente, transferidos 5 mL desta diluição inicial para um novo frasco contendo 45 mL de solução fosfatada. Posteriormente a solução foi homogeneizada em movimentos circulares e filtrados conforme descrição da amostra ambiental do solo. Após o período de incubação, as colônias provenientes das amostras ambientais foram contadas com o auxílio de lupa em contador de colônias. O método colimétrico utilizado combina substratos específicos que permite diferenciar a ocorrência das espécies relacionadas às Enterobacteriaceae. Foram denominadas Coliformes Totais (CT) as colônias crescidas em coloração vermelha, com exceção da Escherichia coli (EC), crescidas em coloração roxa/azul (MERCK, 2010). O meio de cultura utilizado combina substratos enzimáticos apropriado como o cromogênico ONPG (o-nitrofenil-β-Dgalactopiranosídeo), que envolve a capacidade de detecção da presença das enzimas específicas ß-galactosidade e ß-glicuronidase que indica a presença de coliformes (SOTERO-MARTINS et al., 2013). As análises estatísticas foram realizadas no programa gráfico do Sigma Plot versão 11 e o programa Excel do Office versão 2003. Os dados referentes às contagens e diluições seriadas das amostras foram processados por fórmulas inseridas em colunas no Excel. Foram consideradas as seguintes variáveis ambientais como: temperatura, umidade 27 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 relativa do ar e precipitação nas datas da coleta e dois dias antecedentes a coleta das amostras em campo. Os níveis colimétricos provenientes das amostras das fontes hídricas foram comparados às normativas estabelecidas pela Resolução CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) Nº 274/2000 e Portaria do Ministério da Saúde Nº 2914/2011, considerando os limites aceitáveis para recreação e consumo, respectivamente. Entretanto, os níveis encontrados nas análises dos solos banhados pelo cúrso d’ágúa qúe servem as comunidades para recreação foram comparados com os padrões estabelecidos pela Resolução SMAC (Secretaria Municipal do Meio Ambiente) Nº 468/2010, considerando o limite aceitável para contato primário. Os dados comparativos realizados por Gronewold e Wolpert (2008) demostram maior precisão na quantificação de coliformes no método da membrana filtrante, que expressa os resultados em unidades formadoras de colônia (UFC) por mL de água, ou por grama de solo, que o método de tubos múltiplos, que expressa os dados em número mais provável (NMP). As Resoluções SMAC 468/2010 e CONAMA 274/2000 expressam os padrões dos bioindicadores em NMP/100 mL e NMP/ 100g, respectivamente. Portanto, foi realizada a conversão dos valores descritos nas legislações em NMP para valores em UFC, considerado que os valores em NMP excedem em 2,167 vezes os em UFC, baseados nos dados de Gronewold e Wolpert (2008). A correlação de coeficiente de Pearson foi realizada nos níveis de coliformes totais e Escherichia coli entre as amostras de água de recreação (valão) e solo peridomiciliar encontrados na Praia Suja, Praia Grande, Praia do Cutuca e Praia da Igreja. Para a confecção dos gráficos “Comparação dos níveis de coliformes totais (CT) com os de Escherichia coli (EC) nas fontes hídricas” e “Detalhamento dos níveis de Escherichia coli nas fontes hídricas” foram útilizados o programa SigmaPlot versão 11, definido o modelo ScatterPlot e estabelecidos escalas de 0 - 4000 com um corte (Break) omitindo os valores compreendidos entre 110 – 130 e intervalo após esta omissão (Post Break) igual a 300. Para o segundo gráfico o valor máximo e mínimo foi de 0 - 160, com corte atribuível (Break) entre 50 - 80 e um intervalo após este corte (Post Break) de 20 para o segundo gráfico. As referências utilizadas para a realização do corte foi a constante (K) igual a 9,22, relativa ao valor máximo permitido dos níveis de EC (Echerichia coli) estabelecidos pela Resolução CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) Nº 274/2000. A constrúção do gráfico “Inflúência da qúalidade do solo peridomiciliar em contato com a ágúa de recreação” na Praia Súja, Praia Grande, Praia do Cútúca e Praia da Igreja, foi definido o modelo Grouped Vertical Bar- Error Bars no programa SigmaPlot versão 11,com escala de valores máximo e mínimo de 0 – 20.000, corte (Break) entre 300 - 400 e um intervalo após este corte (Post Break) de 20.000. A constante (K) utilizada de corte foi igual a 9,22, referente ao valor máximo permitido de EC segundo a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente N º 274/2000 e constante (K) igual a 17,54 segundo a Resolução N° 468/2010 da Secretaria Municipal do Maio Ambiente para areia de contato primário. Ao comparar os níveis de CT (coliformes totais) e EC (Escherichia coli) inflúenciados pela “ qúalidade da ágúa servidanas comúnidades da Praia Súja, Praia da Cachoeira e Pescaria Velha”, foram selecionados os gráficos Groúped Vertical Bar- Error Bars do programa SigmaPlot versão 11, com escala apresentando valor máximo e mínimo 28 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 de 0 - 500, com uma corte (Break) entre 30-40 e intervalo após este corte (Post Break) igual a 100. As análises parasitológicas foram realizadas no Laboratório de Parasitologia Ambiental do Departamento de Ciências Biológicas (DCB) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), as análises microbiológicas foram realizadas no Laboratório de Microbiologia do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA/ ENSP). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. NÍVEIS COLIMÉTRICOS NAS FONTES HÍDRICAS DA ILHA DE MARAMBAIA Os níveis colimétricos encontrados nas fontes hídricas utilizadas pelos moradores e trabalhadores das comunidades da porção sul da Ilha da Marambaia, tanto para coliformes totais (CT) quanto para os de Escherichia coli (EC) estiveram elevados, com média de 318,312 UFC/mL (± 759,98) para CT e 13,771 UFC/mL (± 32,06) para EC. Portanto, segundo aos padrões estabelecidos pela potabilidade da Portaria do Ministério da Saúde, as águas das fontes estavam classificadas impróprias para consumo humano. Considerando as condições das águas das fontes hídricas para contato primário, uso para balneabilidade, o monitoramento da contaminação bacteriológica nas fontes hídricas apontou que em 79,17% (19/24) das vezes, os níveis de EC estiveram “satisfatórios”, segundo padrão descrito na Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 274/2000. Sendo “satisfatórios” em 16,67% (4/24) nas Praias Suja e Praia Grande, em 12,5% (3/24) nas Praias do Cutuca, Praia do José e Pescaria Velha e somente 8,33% (2/24) na Praia da Cachoeira. Os 20,84% (5/24) das vezes que os níveis colimétricos nas fontes hídricas estiveram com níveis de E. coli acima dos VMP para contato primário, os valores superaram em 6,6 vezes os níveis considerados como satisfatórios estabelecidos pela Resolução CONAMA nº 274/2000. Como os níveis de EC indicam contaminação recente por esgoto e também por excretas de animais homeotérmicos (FELSKI et al., 2008; CUNHA et al., 2012; SOTERO-MARTINS et al., 2013), a segurança hídrica durante esses episódios, apontam riscos para as comunidades, que dependem exclusivamente desses mananciais. Somente as fontes hídricas das Praias Suja e a Praia Grande apresentaram condições satisfatórias, pelos níveis colimétricos de E. coli, segundo os VMP da Resolução CONAMA nº 274/2000, durante todas as estações sazonais. (Figura 2). 29 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 2: Níveis colimétricos encontrados nas águas das fontes naturais da porção sul da Ilha de Marambaia, monitorado nas diferentes estações pluviométricas do ano, período de 2013-2014: Períodos “Chúvoso”, “transição entre o chúvoso e seco” (CS), “Seco”, “transição entre o seco e o chúvoso” (SC). Pontos de Coleta: - Fonte da Praia Suja - CADIM (porção centro da Ilha); -Fonte da Praia Grande; – Fonte da Praia da Cutuca; – Fonte da Praia do José; – Fonte da Cachoeira (Praia da Igreja); . Fonte da Pescaria Velha. Em A. Níveis de CT expressa em UFC/mL e B. Níveis de EC, com linha de corte referente ao VMP de 9,22 UFC/mL, da Resolução 274/2000 do CONAMA para água destinada a balneabilidade. A análise dos níveis de EC são preciosos para a avaliação da contaminação da água potável, sendo esse um dos principais bioindicadores de contaminação bacteriana por presença de esgoto sanitário ou dejetos de animais, que descrito em diversas normas e legislações, nacionais e internacionais (FELSKI et al., 2008; CUNHA et al., 2012; SOTEROMARTINS et al., 2013), a avaliação da segurança hídrica através desse bioindicador pode apontar a necessidade ou não da proteção dos mananciais. A fonte hídrica da Praia da Cachoeira utilizada para consumo e contato primário, apresentou valores impróprios quando comparado aos limites descritos na Resolução CONAMA nº 274/2000. No período chuvoso os níveis colimétricos de EC apresentaram 84 vezes maiores do que no período seco. Este fato se deve ao carreamento de organismos patogênicos, através de excretas de animais e de seres humanos, de lixo e sedimentos pelas águas das chuvas lançados em corpos receptores sem tratamento prévio (CETESB, 2009). No período chuvoso, os níveis colimétricos de E. coli encontrados na fonte da Praia Grande se aproximou do valor máximo permitido (VMP) para uso em contato primário, permanecendo em condição satisfatória para recreação, porém no mesmo período, a fonte localizada na Praia do José encontrava-se não satisfatória. No período de transição entre o chuvoso e o seco, todas as fontes hídricas (Praia Suja, Praia Grande, Praia do Cutuca, Praia da Igreja, Praia do José, Praia da Cachoeira e Praia da Pescaria Velha) apresentaram condições satisfatórias para recreação, segundo a Resolução CONAMA Nº 274/2000. Contudo, quanto aos padrões para potabilidade todas as fontes não estiveram recomendadas para consumo (Figura 3). Este fato deve-se a ausência de proteção das fontes e de cuidados para esse fim. 30 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Estes dados corroboram com os achados de Amaral et al., (2003), em estudo realizado sobre a qualidade da água das fontes em propriedades leiteiras na região Nordeste do estado de São Paulo, que demonstraram que as amostras de água estavam fora dos padrões microbiológicos de potabilidade para água de consumo humano tanto no período de ocorrência de chuva (90%), como no de estiagem (83,3%). Figura 3: Detalhamento dos níveis de E. coli encontrados nas águas das fontes naturais da porção sul da Ilha de Marambaia, monitorado nas diferentes estações pluviométricas do ano, período de 2013-2014: Período “chúvoso”, “transição entre o chúvoso e seco” (CS), “seco”, “transição entre o seco e o chúvoso” (SC). Pontos de Coleta: - Fonte da Praia Suja - CADIM (porção centro da Ilha); -Fonte da Praia Grande; – Fonte da Praia da Cutuca; – Fonte da Praia do José; – Fonte da Cachoeira (Praia da Igreja); . Fonte da Pescaria Velha. Linha de corte referente ao VMP=9,22 UFC/mL de EC descrito na Resolução 274/2000 do CONAMA para água de balneabilidade. 3.2. QUALIDADE DA ÁGUA DE CONSUMO DA POPULAÇÃO RESIDENTE NA PRAIA SUJA A fonte hídrica da Praia Suja abastece as localidades do hotel de transito da Marinha do Brasil (CADIM), as casas da vila militar localizadas na porção centro da Ilha, a Escola Municipal, o Centro de Saúde e a piscina do hotel de transito de oficiais. Os níveis de coliformes totais encontrados na piscina no período chuvoso foram 2,5 vezes maiores que a fonte hídrica que a abastece, atingindo concentração máxima de 524,500 UFC/mL. Porém, apresentou níveis de E. coli baixos, em média de 1,5 UFC/mL. Estes níveis colimétricos baixos podem ser devidos a tratamentos, como cloração e limpeza da piscina, que usualmente poderiam ser utilizadas na limpeza e são medidas recomendadas para serem aplicadas em água utilizada para recreação. A água coletada no Centro de Saúde apresentou baixas concentrações de coliformes totais quando comparado aos níveis colimétricos encontrados na fonte hídrica que o abastece. O reservatório pode ter sofrido limpeza, pois na primeira campanha os níveis de CT e de EC estiveram, respectivamente, 4,80 e 1,33 vezes maiores do que os encontrados nas campanhas que seguiram (Figura 4). 31 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 4: Níveis de CT e EC encontrados nas águas das fontes naturais da Praia Suja (A) qúe “servem as comúnidades” localizadas no (B) Hotel de trânsito, (C) Centro de Saúde, (D) Água da Piscina, monitoradas nas diferentes estações pluviométricas, no período de 2013-2014: Período “chúvoso”, “transição entre o chúvoso e seco” (CS), “seco”, “transição entre o seco e o chúvoso” (SC)Não possui dado referente a esta coleta. = Níveis de CT em UFC/mL; = Níveis de EC em UFC/mL. 3.3. INFLUÊNCIA DA QUALIDADE DA “ÁGUA SERVIDA” NAS COMUNIDADES DA PRAIA DA CACHOEIRA E NA PESCARIA VELHA A fonte hídrica localizada nas encostas da localidade da Praia da Cachoeira abastece a população local desta comunidade, e parte da comunidade da Praia da Pescaria Velha. Os níveis de CT apresentados na água da fonte da Praia da Cachoeira e que servem de consumo e demais afazeres domésticos aos moradores da Praia da Pescaria Velha apresentou média de 1005,125 UFC/mL durante as diferentes estações pluviométricas, classificada como imprópria para esta finalidade (Figura 5). A comunidade localizada na Praia da Pescaria Velha tem influência na qualidade sanitária da água ofertada, que diferente da Praia da Cachoeira, apresentou média de 118 vezes maior os níveis de EC quando comparado à fonte da Pescaria Velha, durante as diferentes estações pluviométricas. Esta contaminação pode ser devido ao armazenamento precário e mal conservado em parte da encosta e/ou no sistema rudimentar de condução desta água até seu ponto de destino, que pode sofrer contaminação ao longo da distribuição, pois passa por diferentes locais até chegar do outro lado da encosta, sofrendo mais chances de contaminação, devido à distância percorrida. 32 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 5: Níveis de CT e EC encontrados nas águas das fontes naturais da Praia da Cachoeira (A), qúe “servem as comúnidades” localizadas nessa praia e na comúnidade da Praia da Pescaria Velha (B), monitoradas nas diferentes estações pluviométricas, no período de 2013-2014: Período “chúvoso”, “transição entre o chúvoso e seco” (CS), “seco”, “transição entre o seco e o chúvoso” (SC). = Níveis de CT em UFC/mL; = Níveis de EC em UFC/mL 3.4. ANALISE DOS PARÂMETROS FÍSICO - QUÍMICOS DAS ÁGUAS DAS FONTES HÍDRICAS Segundo a Portaria de Potabilidade do Ministério da Saúde, que estabelece como próprios os valores de pH (potencial hidrogeniônico) compreendidos entre 6,5 e 9,5, foi observado que todas as fontes hídricas (Praia Suja, Praia Grande, Praia do Cutuca, Praia do José, Praia da Igreja e Pescaria Velha) que servem de abastecimento as comunidades localizadas no centro e sul da Ilha de Marambaia, apresentavam fora dos padrões de potabilidade. A Praia Suja e a Praia do Cutuca, apresentaram os valores de pH dentro dos padrões estabelecidos pela normativa, durante o período chuvoso e na transição entre o chuvoso e seco, respectivamente. Quanto ao parâmetro físico de turbidez, com exceção das fontes hídricas da Praia do Cutuca e Praia do José, as demais fontes estiveram de acordo com a normativa de potabilidade, apresentando níveis de turbidez satisfatórios. Os menores níveis de turbidez encontrados foram nas praias Suja e do José com 0,4 UNT (Unidade Nefelométrica de Turbidez) e 0,5 UNT, durante os períodos de transição entre o seco e o chuvoso e o período seco, respectivamente. Estes dados corroboram com o estudo de Moura et al. (2009), observado ao longo dos meses e anos em águas do Rio Cascavel, que demonstraram valores elevados no período de verão, podendo chegar a 238,41 em relação à cor e 106,57 para turbidez, onde o índice pluviométrico é maior, levantando os sedimentos presentes no fundo. Na análise quanto aos sólidos totais dissolvidos (SDT) não ocorreu uma variação significativa nas fontes hídricas durante as diferentes estações pluviométricas, com exceção na Praia do José que apresentou 60,3 mg/L e 44,35 mg/L, nos períodos chuvoso e seco, respectivamente. Os níveis de tubidez e de STD elevados refletem a qualidade da água, sejam pela entrada de sólidos na água de forma natural (processos erosivos e detritos) ou de forma antropogênica (escoamento de resíduo sólido orgânico). Segundo, Alves et al (2008), a água com alta turbidez pode reduzir a taxa fotossintética de algas e plantas submersas, provocando um desequilíbrio no ecossistema aquático, podendo torná-la imprópria para o uso doméstico e de recreação (CETESB, 2003) . indicam que XXX (Adriana comenta: faltou discussão do risco relacionado com o 33 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 parâmetro). As maiores concentrações encontradas de STD foram nas águas que abastecem a comunidade da Praia do José, no período chuvoso e seco, apresentando uma relação inversa à concentração de coliformes fecais, sendo inferiores a 9,22 UFC/mL nestes períodos. Tabela 1: Parâmetros Físico-Químicos avaliados nas fontes hídricas da Praia Suja, Praia Grande, Praia do Cutuca, Praia da Igreja, Praia do José e Praia da Pescaria Velha Praia Suja (CADIM) Praia Grande Praia do Cutuca Praia do José Praia da Igreja Praia da Pescaria Velha Chuvoso 0,65 4,30 4,30 2,03 0,68 1,75 Transição C/S 0,60 4,30 6,00 6,00 0,90 1,20 Seco 0,90 2,50 4,30 0,50 1,80 1,10 Transição S/C 0,40 1,00 3,10 3,10 2,80 2,80 Chuvoso 6,03 5,75 5,48 5,35 5,75 5,86 Transição C/S 6,00 5,73 6,65 5,82 5,56 5,87 Seco 5,71 5,99 5,76 5,69 5,88 5,86 Transição S/C 5,07 5,33 4,94 5,06 4,97 5,32 Chuvoso 20,49 44,60 39,77 59,06 39,77 27,72 Transição C/S 14,46 14,46 13,25 15,66 13,25 8,43 Seco 34,77 52,81 33,65 53,30 33,65 27,72 Transição S/C 34,70 47,55 70,68 47,55 50,12 37,27 Chuvoso 9,10 13,64 118,18 27,27 18,18 13,64 Transição C/S 28,61 23,94 19,07 16,69 26,23 38,15 Seco 9,10 13,64 15,91 20,45 15,91 13,64 Transição S/C 9,09 13,64 9,09 9,09 4,55 13,64 Chuvoso 24,60 24,60 22,40 60,30 24,20 26,00 Transição C/S 26,25 26,50 24,10 24,90 24,60 27,80 Seco 25,00 31,80 24,25 44,35 24,40 26,00 Transição S/C 24,30 23,50 23,30 23,60 22,80 30,50 Chuvoso 18,75 12,50 25,00 18,75 18,75 31,25 Transição C/S 11,69 11,69 11,69 9,35 11,69 18,70 Seco 18,75 18,75 18,75 18,75 15,63 31,25 Transição S/C 12,50 18,75 (*) VMP – Portaria de Potabilidade do Ministério da Saúde. 25,00 18,75 18,75 31,25 Parâmetros Turbidez pH VMP* 5,0 UNT 6,0-9,5 Cloreto (mg/LCl) Dureza Total (mg/L CaCO3) STD (mg/mL) Alcalinidade Total (mg/L CaCO3) 250mg/L 500mg/mL 1000mg/mL 250mg/L Estação Pluviométrica 34 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 3.5. CONDIÇÕES BACTERIOLÓGICAS DO SOLO PERIDOMICILIAR Os solos peridomiciliares acabam tendo contato com as águas que escorrem das fontes ou de efluentes de esgoto originados nas casas localizadas nas encostas, nas comunidades: Praia Suja, Praia Grande, Praia do Cutuca, e Praia da Igreja, compondo espaços de contato direto com as comunidades. Os níveis de E. coli nestes solos e nessas águas estiveram elevados e impróprios, com valores médios de 38173,3 UFC/g e 1266,01 UFC/mL, portanto fora dos padrões estabelecidos pela Resolução da Secretaria Municipal do meio Ambiente Nº. 468/2010 (SMAC) e do Conselho Nacional do Meio Ambiente Nº. 274/2000, respectivamente. Os solos peridomiciliares das comunidades da Praia Grande, Praia do Cutuca e Praia da Igreja apresentaram relação inversa entre os níveis de E. coli encontrados na água de escoamento das fontes e efluentes domésticos originados das casas, durante diferentes estações pluviométricas, ou seja, enquanto os níveis de efluentes das praias citadas estiveram em condições satisfatórias, a qualidade do solo dessas localidades não estava adequada. Os níveis de E. coli presente no solo peridomiciliar estiveram em condições não recomendadas para contato primário, a média dos níveis de EC em todas as praias foi de 38.173,3 UFC/g, portanto acima do VMP na Resolução SMAC Nº 468/2010, vigente na época do estudo. Os níveis de EC mais elevados no solo foram encontrados na comunidade da Praia do Cutuca, apresentando 18956 vezes maior do que o estabelecido pela Resolução SMAC Nº 468/2010, durante a estação de transição seca e chuvosa (S/C). contudo neste mesmo período a água de recreação apresentou condições satisfatórias para recreação. Nas amostras de solo peridomiciliar das comunidades da Praia Grande, Praia do Cutuca e Praia da Cachoeira, durante o período seco foram encontrados níveis de E. coli, acima dos limites estabelecidos pela Resolução SMAC Nº 468/2010, apresentando respectivamente, 2.850; 1.036 e 1.860 vezes acima do VMP. Durante o período chuvoso ocorreu um aumento de 5.387 vezes na Praia do Cutuca e 14,2 vezes na Praia da Cachoeira. Estes dados corroboram com o estudo sobre a Qualidade Sanitária da Areia de Praias da Baía de Guanabara realizado por Rego (2010), quanto à magnitude da concentração de E. coli em UFC/g em relação Resolução 468/10, na campanha de verão teve um aumento de 5.297 vezes aos VMP recomendadas e quanto à campanha do inverno foram maiores em 23.342 aos valores padronizados como condições recomendadas. 35 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 6: Níveis de CT e EC encontrados no solo da Praia Suja (A), Praia Grande (B), Praia do Cutuca(C) e Praia da Igreja (D), monitorado nas diferentes estações pluviométricas, no período de 2013-2014: Período chuvoso, transição entre o chuvoso e seco (CS), seco, transição entre o seco e o chuvoso (SC). = Níveis de CT =Níveis de EC. Linha limite de corte referente ao VMP de 9,22 UFC/mL de EC descrito na Resolução 274/2000 do CONAMA para água de balneabilidade. Linha limite de corte referente ao VMP de 17,54 UFC/g de EC descrito na Resolução 468/2010 da SMAC. As análises de correlação estatísticas para os níveis de coliformes totais (CT) entre as amostras de água de recreação (valão) e do solo peridomiciliar encontrado na Praia Suja, Praia Grande, Praia do Cutuca e Praia da Igreja evidenciou que não houve correlação, pois apresentou um coeficiente de Pearson menor que 1 (-0,17). Contudo, a correlação dos níveis de Escherichia coli entre estas amostras mostrou que houve correlação fracamente positiva, pois foi encontrado coeficiente igual a 0,23. Portanto, evidenciando que em algumas comunidades, o lançamento de esgoto se dá nos rios que percorrem as comunidades, enquanto em outras isso não acontece, sendo lançado diretamente no solo peridomiciliar das residências. 36 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 3.6. ANÁLISES PARASITOLÓGICAS DO SOLO PERIDOMICILIAR E DAS ÁGUAS Nas vinte e seis amostras de solo coletadas durante as sete campanhas, na terceira e quinta (Primavera e Verão) foram as que apresentaram maior frequência de larvas. Estes dados podem estar associados ao favorecimento devido às condições climáticas encontradas na Ilha durante esses períodos, quando as temperaturas médias são de 27,7ºC (± 3,37) e umidade relativa do ar está em 68,4% (± 13,45), favorecendo o desenvolvimento embrionário das larvas infectantes. Estes dados não estão de encontro com os descritos por Amaral (2012), durante o período coleta nos anos de 2008 à 2011 nas praias da Baía de Guanabara, que teve mais amostras positivas em amostras de areia seca com estruturas parasitárias (helminto s/protozoários) no outono e inverno, mas nessa localidade o período de registro de maior temperatura foi durante a primavera. Nas duas primeiras campanhas, no Inverno, as condições climáticas encontradas estiveram associadas ao período chuvoso com presença de larvas filarióides. Segundo Mello (2004), no ambiente externo são liberadas larvas rabditóides (não infectantes), que saem através das fezes e podem evoluir, no meio ambiente, para a forma infectante ou adultos de vida livre, que ao se acasalarem geram novas formas evolutivas. As praias que tiveram aumento da frequência de larvas na 3ª campanha foram o canal da Praia Grande, o solo peridomiciliar da Praia Suja, Praia Grande, Praia do Cutuca e Praia da Pescaria Velha. Na quinta campanha todas as praias estiveram positivas em pelo menos uma das técnicas utilizadas e 54% destas amostras apresentavam-se positivas em ambas as técnicas de avaliação parasitológica. A maior frequência de resultados positivos para larvas foi encontrada durante a 3ª. campanha, nos solos da Praia Grande, da Praia Suja, Praia da Cutuca e Praia da Pescaria Vela. Na 5ª. campanha, também houve resultados positivos para larvas de parasitos em pelo menos uma das técnicas empregada para análise parasitológica, e 54% das amostras estiveram com resultados positivos em ambas as técnicas de avaliação parasitológica. Nas praias foram observados a presença de pelo menos um animal nas residências, entre eles cachorro, gato, galinha, porco, patos, que contribui para o aumento de larvas de nematóides no solo. Os ovos de parasitas que tiveram maior freqüência foram da ordem Ascarididae, o que era esperado, devido às condições de saneamento encontradas, seguido de ovos do gênero Ancylostoma sp, parasito comumente encontrado em cães. Os ovos da espécie Trichuris sp foram encontrados no canal localizado na praia Suja, Praia da Igreja e Praia do Cutuca, próximos aos valões, durante os períodos Chuvosos e Secos. As condições climáticas favoráveis, como temperatura média de 27,7ºC, dias ensolarados, e baixa umidade relativa do ar no período de transição entre o chuvoso e seco, e seco contribuíram para o aumento de amostras positivas de larvas filarióides e rabditóides na Praia Suja, Praia do Cutuca e Praia da Igreja. Além desses fatores ambientais, o ponto de coleta do solo peridomiciliar da Praia Suja fica próximo ao valão que servia de recreação a população. Esses fatores extrínsecos favorecem o embrionamento, desenvolvimento e sobrevivência das larvas indica a existência de condições favoráveis à infecção humana (SCHANTZ, 1991). Nas amostras de água coletadas nas fontes hídricas que servem como pontos de captação para água de consumo pelas comunidades da porção sul e central da Ilha da Marambaia, 83% estiveram positivas para parasitas. Foram encontrados ovos da Ordem Ascaridata nas fontes da Praia Grande e Praia do Cutuca, durante a segunda e terceira 37 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 campanha, respectivamente. A fonte hídrica da Praia Suja e Praia do José estiveram positivas durante uma única campanha. Este fato se deve a limpeza, que ocorreu após o início desse trabalho, realizada no reservatório que abastece as casas de militares e Hotel de Trânsito, localizado na Praia Suja. Nas amostras de água das nascentes que abastece a Praia do Cutuca e Praia da Pescaria Velha foi detectada maior frequência de larvas de nematódeos, que podem ser espécies de vida livre e/ou parasitária, o que demonstra que esses ambientes hídricos eram adequados ao embrionamento, desenvolvimento e sobrevivência destes helmintos. 4. CONCLUSÃO Foi possível constatar que a região da ilha não dispõe de serviços de saneamento básico necessários com o preconizado na Lei do Saneamento nº 11.445 de 5 de Janeiro de 2007, em que o acesso a água de qualidade e a coleta de esgoto não estão acontecendo, devido a vulnerabilidade das fontes de abastecimento de água, haja vista a predominância de sistemas individuais inadequados de disposição final dos esgotos domésticos e situações desprotegidas da rede de distribuição de água. Outro fator que corrobora com úma possível contaminação das “ágúas servidas” serem lançadas a céú aberto nos espaços peridomiciliares, sem pavimentação ocasionando infiltração no solo, e consequentemente contaminando esse ambiente. Os níveis colimétricos encontrados em todas as fontes hídricas que servem para consumo e para os demais afazeres, quanto aos níveis de CT, quanto de EC estiveram elevados e impróprios para potabilidade, segundo padrões estabelecidos pela Portaria de Potabilidade do Ministério da Saúde (MS). Portanto, estas fontes devem ser constantemente monitoradas. Em diversos locais não se observa nenhum dispositivo de proteção sanitária, a canalização geralmente possui vazamentos e contato com solo ou rios contaminados, e vão diretamente aos pontos de abastecimento nas residências. Além de outros fatores agravante, como: presença de grande quantidade de cães e chiqueiros próximos aos locais de captação de água, construções rudimentares de barragens, e dejetos dos animais dispostos diretamente sobre o solo, ocasionando infiltração da matéria orgânica decomposta, e contaminando o solo e provavelmente os locais de captação de água, que não são cercados e protegidos. A fonte de água que abastece o hotel de transito, vila militar, posto de saúde, escola e quartel é a que possui melhores condições sanitárias, pois possui barragens construídas em alvenaria, possui um conjunto de grades, telas para retirada e retenção de folhas, sistema de manobra que permite que a água seja desviada para reservatórios que distribui por gravidade para esses locais, mas assim como os demais não há tratamento da água e sem manutenção periódica. Com exceção da Praia Suja, os solos peridomiciliares das comunidades da Praia Grande, Praia do Cutuca e Praia da Cachoeira, apresentaram níveis de qualidade sanitária acima do estabelecido pela Resolução SMAC Nº 468/2010. O solo peridomiciliar que serve de recreação e de contato primário aos moradores da comunidade da Praia Suja, apresentou relação estatística fortemente positiva com os níveis de indicadores bacteriológicos detectados na água que escoa decorrente de efluentes domésticos originados das casas dos moradores destas localidades. 38 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 REFERÊNCIAS [1] ALVES, E. C.; SILVA, C. F. da.; COSSICH, E. S.; TAVARES, C. R. G.; FILHO, E. E. de S.; CARNIEL, Avaliação da qualidade da água da bacia do Rio Pirapó –Maringá, Estado do Paraná, por meio de parâmetros físicos, químicos e microbiológicos. Rev. Acta Sci. Technol,v. 30, n. 1, p. 39-48, 2008. [2] AMARAL, L. S. et al. Parasitological Indicators of Contamination at Sand of Beaches and Monitoring by Traditional Methods and Immunoenzymatic Assay. Accepted 20 October 2015. Brazilian Journal of Biosystems Engineering v. 9(4), p. 304-311, 2015. 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Escola Nacional de Saúde PúblicaSergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. 2011. 41 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Capítulo 3 Salubridade ambiental das areias de praias da Baía de Guanabara do Rio de Janeiro: período 2010 - 2015 Adriana Sotero-Martins1 2 3 Nathália Rose da Silva Gomes2 Thiago Corrêa de Almeida3 Maria José Salles1 2 Resumo: A Baía de Guanabara é circundada pelos 16 munícipios mais populosos do estado do Rio de Janeiro, tem recebido grande carga de contaminantes e poluentes em consequência de ações antrópicas, ausência ou deficiência de serviços públicos eficientes, como o esgotamento sanitário e a fiscalização de rejeitos industriais ao seu entorno. Esses fatores afetam a qualidade das praias pertencentes à Baía, e consequentemente a saúde ambiental, como também a sustentabilidade econômica da região. As praias são ambientes que possuem funções recreativas e econômica. Apesar de desempenhar importante papel, esses ecossistemas vêm sofrendo um forte processo de degradação devido a ação humana, que reflete diretamente nos níveis da qualidade da areia. Ao entrar em contato com esses ambientes, a população está exposta a um potencial risco de contaminação e desenvolvimento de doenças. O presente estudo propôsse a avaliar a qualidade sanitária das areias das praias da Baía de Guanabara, através da série histórica disponibilizada nos boletins do Programa Areia Carioca, para 35 pontos no período de 2010 a 2015. A metodologia utilizada foi a coleta de dados secundários obtidos no portal da Secretária do Meio Ambiente do município do Rio de Janeiro e no portal do Instituto Nacional de Meteorologia, foi criado um banco de dados e a partir dele avaliado as condições sanitárias da Baía de Guanabara. As praias do tipo abrigadas apresentaram 9% a mais de impróprias que praias oceânicas. Nas macrorregiões foi observado que quanto mais afastado da Baía de Guanabara o percentual de propriedade é maior com percentuais de 17% para praias próximas a Baía, 20% para praias intermediárias e 43% para afastadas. Também foi observado que a condição de propriedades e impropriedades das praias está relacionada às estações do ano. Por estarem localizadas dentro do perímetro urbano, as praias sofrem grande pressão antrópica que, associada a fatores do ambiente, refletem diretamente na qualidade da areia. Por possuírem função econômica e recreativa, se faz necessário uma fiscalização e divulgação eficaz e de amplo alcance acerca dos níveis de qualidade das areias. Palavras-chave: Condições sanitárias, areia de praia, Baía de Guanabara, qualidade sanitária, saúde ambiental. Fúndaçao Oswaldo Crúz (Fiocrúz), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Aroúca (ENSP) – Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA) 2 Programa de Pos-Gradúaçao Lato Sensú em Gestao de Tecnologias em Saneamento, ENSP/Fiocrúz 3 Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Saúde Pública e Meio Ambiente, ENSP/Fiocruz 1 42 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO 1.1. BAÍA DE GUANABARA Circundada pelos 16 munícipios mais populosos do estado do Rio de Janeiro, a Baía de Guanabara, é conhecida por sua beleza natural e pelo grande polo industrial ao seu entorno, é a segunda maior baía do Brasil, em extensão, com cerca de 380 km² de superfície e 130 km de perímetro. Sendo fundamental para a conservação da flora e fauna no litoral fluminense. Apesar de receber uma grande demanda de poluentes em suas águas, ainda é um biossistema produtivo (MONTEIRO, 2007; REGO, 2010). A bacia hidrográfica da Baía de Guanabara abrange uma área de aproximadamente 4 mil km², contendo 55 rios em 16 municípios que em média, recebe mais de 200 mil litros de água por segundo (CBBG, 2015). A população ao redor da Baía de Guanabara tem aproximadamente 11,5 milhões de habitantes, sendo 11,2 milhões de moradores das cidades que pertencem à Região Metropolitana do Rio de Janeiro, concentrando mais de 70 % da população do Estado (IBGE, 2010). A região da Baía reúne cidades que estão entre as mais antigas do país. O município do Rio de Janeiro foi um dos primeiros em relação a iniciativas e investimentos em saneamento do Brasil, apesar disso, ainda hoje a região não apresenta uma situação favorável. Devido ao avanço demográfico acelerado e a ausência de políticas públicas ao longo dos anos trouxeram uma condição precária de saneamento com consequências severas ao meio ambiente (TRATA BRASIL, 2012). De acordo com o Sistema Nacional de Informação de Saneamento (SNIS), em 2012 mais de 16% das residências dos municípios do entorno da Baía não tinham água tratada e a parcela das moradias com coleta de esgoto tinha aproximadamente 58% de coleta. Ainda que, os indicadores médios de saneamento da região estejam em condições melhores comparados com a média do Estado do Rio de Janeiro, eles tão muito aquém das situações de outros estados do sudeste como São Paulo e Minas Gerais (SNIS, 2012). 1.2. ÁREA DE RECREAÇÃO A qualidade ambiental das praias vem tomando uma importância crescente por razões ambientais e de saúde publica. Durante muito tempo a qualidade sanitária das praias era apenas monitorada pela densidade de coliforme fecal presente em suas águas, apesar de, a matriz areia ser uma possível fonte de contagio de microrganismos patogênicos (MAIER et al., 2003; REGO, 2010). Dessas acepções, podemos ressaltar que medidas de diminuição da contaminação devem estar ligadas a resultados de saúde visando à melhoria dos critérios de gestão (STEWART, 2008). Por isso, há necessidade de que os sistemas de saúde insiram a dimensão da saúde ambiental, especialmente da vigilância em saúde ambiental. Ações contínuas de monitoramento dos fatores ambientais, que interferem na saúde humana, devem estar incorporadas a esses sistemas. Essas ações proporcionam à detecção precoce de riscos a saúde publica relacionado às variáveis ambientais e permitem a adoção de medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos. E nesse contexto da vigilância ambiental que se torna essencial o desenvolvimento de metodologias de diagnostico da saúde ambiental (REGO, 2010). A presença excessiva de pombos nas praias possivelmente pode ocasionar a contaminação das areias com fungos nocivos, os quais, associados ao lixo e esgoto que 43 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 possam ser despejados, fazem desse local um propicio meio de cultura para microrganismos (MAIER et al.,2003). Habitualmente, em lugares onde se encontram concentrações desses animais, também notasse frequente proliferação de vetores (ratos, baratas e moscas), tornando esse ambiente uma fonte de transmissão de doenças, especialmente para pessoas imunocomprometidas (VIEIRA, 2007; REGO, 2010). Os animais domésticos, como: cachorros e gatos, também tem um papel epidemiológico importante na contaminação em áreas de lazer como praias, praças e parques públicos elevando consideravelmente o risco de infecção ao homem e na disseminação de infecções por variados gêneros de parasitos (ZUNINO, 2000; MATESCO et al., 2006; AMARAL, 2012). Tantom que em 2017, o estado do Rio de Janeiro aprovou a legislação estadual, a Lei 7.666 (ALERJ, 2017), apoiada em estudos do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da ENSP/Fiocruz, abrangendo a qualidade sanitária de areias de creches, praças públicas além das de praias, tornando os valores mais restritivos novamente, voltando acompanhar os níveis anteriormente descritos na Resolução 081/2000 da SMAC/RJ, porém incluindo além dos bioindicadores bacteriológicos, os micológicos (fungos) e parasitários. De acordo com a OMS (2009), entre as doenças negligenciadas de maior importância, as doenças parasitárias possuem importância epidemiológica e estão associadas ao risco de contaminação do solo: ascaridíase, ancilostomíase, amebíase e giardíase (CÔRTES, 2010; REGO, 2010). A presença de altas taxas dos bioindicadores fecais em água e areia está associada à ocorrência de doenças em humanos, sendo a gastroenterite a doença mais comum, que, associada à água poluída por esgoto, pode apresentar um ou mais dos seguintes sintomas: enjoo, vômitos, dores de estômago, diarreia, cefaleia e febre, podendo ocorrer outras manifestações, como infecções dos olhos, ouvidos, nariz e garganta (BONILLA et al., 2007; REGO, 2010). Uma das principais fontes da contaminação da areia por matéria fecal são as línguas negras, a formação das línguas negras ocorre principalmente quando há contribuição de esgoto clandestino ligado à rede fluvial ou são formadas após fortes chuvas, quando o lixo, fezes de animais e todo tipo de resíduos dos logradouros públicos são carreados pelas águas da chuva inicial de lavagem para as galerias de águas pluviais (BOUKAI, 2005). Outros fatores que auxiliam na perda de qualidade da balneabilidade das praias, dentre eles: concentração urbana na zona costeira; baixos índices de educação sanitária e ambiental; baixa eficiência no controle das fontes poluidoras e baixa cobertura de rede de esgoto (REGO, 2010). No Brasil, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) trata da qualidade das águas costeiras na Resolução nº. 274/00. Que define os critérios de balneabilidade em águas brasileiras, incluindo metodologia de monitoramento, indicadores microbiológicos e valores de referência que classificam a água marinha analisada como imprópria ou própria para execução de atividades de lazer de contato primário. Ainda na Resolução nº. 274/00 o CONOMA recomenda aos órgãos ambientais a avaliação das condições parasitológicas e microbiológicas da areia de praia. Contudo não existem padrões sanitários nacionais brasileiros para areia, somente padrões estaduais ou municipais em alguns locais (CONAMA, 2000; SOARES, 2009). 1.3. MONITORAMENTO DE AREIA DE PRAIAS NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO A Lei Municipal do Rio de Janeiro nº. 3.210 de 5 de abril de 2001, categoriza a areia como imprópria, quando a mesma apresentar larvas e ovos de parasitos em quantidade e 44 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 qualidade que possam provocar risco à saúde humana e também a presença de línguas negras nas areias de praias. E institui obrigatoriedade na divulgação da qualidade de areias das praias, e estabelece que a sociedade seja informada através de sinalizações com advertência quando a areia estiver com qualidade imprópria. O monitoramento da qualidade sanitária das areias de praias do Município para os padrões colimétricos é realizado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro (SMAC), através dos padrões estabelecidos na Resolução nº. 468/2010. E apesar do Município ter sido precursor na edição de normatização de avaliação e monitoramento da qualidade sanitária das areias das praias (Resolução nº 081/2000), e mesmo com edição da nova resolução nº. 468/2010 da SMAC, após estudo realizado por uma empresa terceirizada que monitorou por quatro anos a qualidade sanitária bacteriológica das areias de 23 praias da Cidade (10 de 35 pontos de coleta são nas praias e ilhas pertencentes à Baía de Guanabara), em moldes metodológicos similares aos realizados na antiga Resolução nº. 81/2000. Não levando em consideração a recomendação do CONAMA na Resolução nº 247/2000 para monitorar condições sanitárias quanto à presença de parasitas e outros microrganismos como fungos e vírus. Uma vez que muitas doenças de pele, infecções da unha, couro cabeludo, alergias respiratórias e outros comprometimentos orgânicos estão associados a micoses e doença parasitaria pelo contato com areia contaminada, com maior risco para crianças e idosos. Além disso, a nova Resolução se tornou menos restritiva que a anterior (SOTEROMARTINS et al., 2013). 1.4. PROGRAMA AREIA CARIOCA A SMAC regula o Programa Areia Carioca que tem por objetivo de avaliar a evolução da qualidade das areias e indicar qual praia da cidade do Rio de Janeiro requer mais cuidados e qual precisa de mais campanhas de educação ambiental (SMAC, 2014). O Programa realiza análises quinzenais durante todo o ano, em 35 pontos de diferentes praias no município (10 pontos nas ilhas e praias pertencentes à Baía de Guanabara), além do Piscinão de Ramos. Para efetuar esse monitoramento, a prefeitura informa em seu site que utiliza os padrões descritos na estabeleceu a Resolução SMAC Nº 468, de 28 de janeiro de 2010, que dispõe sobre a classificação das areias das praias: ótima, boa, regular e não recomendada (Tabela 1) (SMAC, 2014). De acordo com a SMAC, o programa também atende ao Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), que visa especificamente a orientar a utilização racional dos recursos da zona costeira, priorizando a conservação e proteção das praias que são bens públicos de uso comum. Segundo a SMAC, o monitoramento é executado por uma empresa licitada e a coleta é realizada por uma equipe especializada, sempre no horário entre 6h e 9h, em áreas já definidas previamente por pontos centrais georreferenciados, localizadas em zonas de areia de baixa umidade, próximas ao mar e não atingidas pela maré, em locais mais frequentados por crianças e idosos. Desses pontos, são retiradas cinco subamostras de areia que são encaminhadas para o laboratório, onde passar por análises físicoquímicas e microbiológicas para identificar a quantidade de coliformes fecais e da bactéria Escherichia coli, principal bioindicador de contaminação por esgoto sanitário recente. Os métodos utilizados nas análises são os especificados nas normas aprovadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (INMETRO). No ato da coleta, o único dado avaliado imediatamente é a temperatura da areia. Além 45 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 disso, no trabalho de campo o agente tem que preencher uma ficha de observação e tirar fotos do local e entorno para sanar dúvidas. Na ficha, eles preenchem as condições climáticas e descrevem todas as possíveis ocorrências, como se há lixo na região e que tipo de lixo (plástico, resto de comida, papelão), se há algum animal na areia (pombo, urubu, cachorro), se tem moradores de rua, gente acampando. Mediante a Lei municipal 3.210/2001, o resultado dessas análises é disposto quinzenalmente no site da prefeitura do Rio de Janeiro por meio de boletins, e segundos eles com resultados que expressam as condições bacteriológicas das areias das praias do Município, porém, não deixam claro que tipo de resultados expressos, esses dados são disponibilizados através do Diário Oficial do Município, do portal da prefeitura e do Centro de Operações da Cidade, além da sinalização gráfica nas praias. Contudo, nenhuma sinalização é verificada nas praias, e no site da SMAC, não constam fotos das sinalizações. 1.5. BIOINDICADORES FECAIS 1.5.1. COLIFORMES TOTAIS As bactérias que fazem parte do grupo de Coliformes Totais (CT) são da família Enterobacteriaceae, tendo como os principais gêneros: Escherichia, Salmonella, Shigella, Citrobacter, Klebsiella, Enterobacter, Proteus e Serratia (VIANA, 2011). O grupo dos coliformes totais inclui espécies de origem não exclusivamente fecal, algumas dessas bactérias como Enterobacter, Citrobacter e Klebsiella, são comumente encontradas em solo, vegetais e fezes, somente a bactéria Escheria coli destes gêneros, tem como habitat primário o trato intestinal do homem e dos animais por isso é um indicador de contaminação por esgoto sanitário recente (AMARAL, 2012; SOTEROMARTINS et al., 2013). 1.5.2. ESCHERICHIA COLI A espécie Escherichia coli (EC) pertence à família Enterobacteriaceae e representa um importante patógeno para os seres humanos e animais quando possui genes relacionados com virulência, elas crescem em meio complexo a 44-45º C, fermentam lactose e manitol com produção de ácido e gás, produzindo indol a partir do aminoácido triptofano. Sendo parte normal do intestino de humanos e animais de sangue quente, essas bactérias são carreadas por meio da água de esgoto doméstico, de lixo, vindo, portanto, a contaminar areia e água do mar, assim como outros microrganismos patogênicos (TRABULSI et al. 2005; ANDRAUS, 2006). De acordo com Pinto (2010), esta espécie microbiológica é um bioindicador fecal utilizado pela OMS, e muitos países introduziram em suas normas como um indicador primário de contaminação fecal. No Brasil, a E. coli também é utilizada na avaliação das condições sanitárias de água para balneabilidade para fins recreacionais, através da Resolução nº 274/2000 do CONAMA. E no município do Rio de Janeiro é aplicada para avaliação da qualidade de areias de praias, através da Resolução nº 468/2010 da SMAC. 46 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1.6. DOENÇAS CAUSADAS POR EXPOSIÇÃO DE AREIA CONTAMINADA Surtos de diversas doenças relacionadas à recreação no ambiente de praia ocorrem em áreas balneares de todo o mundo, especialmente nos períodos de alta temporada (verão). Diversos fatores contribuem para a ocorrência desses surtos, que são diretamente relacionados com o grau de contaminação do ambiente, características do patógeno e da população afetada (SOARES, 2009). Os dejetos humanos podem ser veículos de germes patogênicos de várias doenças, entre as quais febre tifóide e paratifóide, diarréias infecciosas, amebíase, ancilostomíase, esquistossomose, teníase, ascaridíase (SATO et. al. 2005; AMARAL, 2012). Algumas dessas doenças são causadas por parasitas e microrganismos como: Escherichia coli, Candida albicans e helmintos (MELLO, 2010; SOTERO-MARTINS et al., 2013). 2. OBJETIVO Avaliar a qualidade sanitária de areias das praias da Baía de Guanabara, através da série histórica disponibilizada nos boletins do Programa Areia Carioca. 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1. TIPO DE ESTUDO Tratou-se de um estudo com coleta de dados secundários obtidos no portal da Secretária do Meio Ambiente do município do Rio de Janeiro (SMAC) e no portal do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). O período dos dados coletados foi de janeiro 2010 até junho de 2015. Realizando assim, uma série histórica ao longo de 5 anos e meio. 3.2. ÁREA DO ESTUDO A pesquisa foi realizada através de dados secundários informativos das condições sanitárias das areias de praias e ilhas pertencentes à Baía de Guanabara dentro do Município do Rio de Janeiro. Foram estudadas 10 praias pertencentes à Baía (Figura 1), e mais 25 pontos de praias no Município do Rio de Janeiro, fora da Baía de Guanabara (Figura 2) para ter uma maior percepção da situação quanto à qualidade sanitária das areias de praias da Baía em relação a areias das demais localidades do município, que recebem outras influencias ambiental. 47 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 1 – Posição das praias pertencentes à Baía de Guanabara Fonte: Almeida, T.C. (2017). Figura 2 – Posição das praias localizadas fora da Baía de Guanabara Fonte: Almeida, T.C. (2017). 3.3. COLETA DE DADOS SECUNDÁRIOS 3.3.1. DADOS DE CONDIÇÕES BACTERIOLÓGICAS DA AREIA Os dados foram auferidos por meio de boletins publicados quinzenalmente no portal da Secretária Municipal de Meio Ambiente, esses boletins tinham informação da classificação geral, provavelmente resultado da média dos valores de CT e EC (mas isso não era informado nos boletins), não haviam valores descritos, segundo o que constavam no boletim eram que esta classificação se baseia na Resolução nº 468/2010 e conforme a quantidade de coliformes totais e de Escherichia coli por NMP/100g, de areia. E a classificação (classe) da areia da respectiva praia que aparece descrita nos boletins se dava entre 5 posições: ótima, boa, regular e não recomendada. São dispostos dados de 48 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 classificação de 36 pontos de praias, que são divididos por tipo de praias abrigadas (Quadro 1) e oceânicas (Quadro 2). Quadro 1: Praias abrigadas do Projeto “Areia Carioca”, exemplo de resúltado dos boletins quinzenais Fonte: SMAC, 2015. Quadro 2: Praias oceânicas do Projeto “Areia Carioca”, exemplo de resúltado dos boletins quinzenais Fonte: SMAC, 2015. 49 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 No estudo foram utilizados dados de 35 pontos para 32 praias, conforme os boletins iniciais, pois de novembro de 2010 para cá apareceram mais 2 pontos de praias nos boletins. O período coletado foi de janeiro de 2010 a junho de 2015. A escolha do período foi de acordo com os dados disponíveis no portal da SMAC, eles iniciaram a publicação por meio do portal em dezembro de 2009. Ao todo o estudo conteve informações em 132 boletins, sendo 24 por ano e 2 por mês estudado. 3.3.2. DADOS AMBIENTAIS Os dados ambientais (temperatura, umidade e precipitação) foram obtidos no portal do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Antes de consultar os mesmos tivemos que realizar um cadastro no portal mostrando o interesse para com os dados fornecidos, e nos comprometendo ao uso para fins científicos. Após o cadastro, realizamos uma busca a médias mensais de temperatura, umidade e precipitação no período correlacionado aos boletins da SMAC. A estação meteorológica que foi escolhida para compor às médias mensais da região de estudo localiza-se na área central do Município do Rio de Janeiro, e é de observação de superfície convencional, de acordo com o INMET, significa que é composta de vários sensores isolados que registram continuamente os parâmetros meteorológicos, e são lidos e anotados por um observador a cada intervalo e os envia a um centro coletor para análises. 3.4. DIVISÃO POR MACRORREGIÕES Todas as praias e pontos estudados foram agrupados, de modo a estar em representação em uma das sete macrorregiões definidas neste estudo, tendo como eixo a localização da Baía de Guanabara. Definimos as sete macrorregiões: Centro da Baía, Ilha do Governador, no Fundo da Baía, na Entrada da Baía, próximo à Saída da Baía, Intermediárias e Afastadas da Baía. 3.5. CRIAÇÃO DO BANCO DE DADOS Após os dados serem coletados e os pontos das praias serem transformados em macrorregiões, os dados foram organizados em planilhas no Excel versão 2003, sendo inicialmente separados por mês, e em cada planilha continham 9 colunas com dados de: tipos de praias, se eram abrigadas ou oceânicas; pontos de praias; nome da praia; macrorregião; classe geral atribuída pela SMAC; média mensal do valor para precipitação de chuva (mm³); média mensal do valor da umidade relativa (%); média mensal do valor da temperatura do ar (ºC); período relacionado. Concluindo esse processo, foram criadas notas técnicas no Word 2010, onde foram descritos atributos numéricos para cada item contidos nos parâmetros estudados, 5 para classe geral da SMAC, 35 para cada ponto de praias, 32 para praias, 7 para macrorregiões, 2 para tipo de praia, 66 por período, 52 para precipitação, 10 para temperatura e 17 para umidade. A nota técnica foi fundamental para sanar dúvidas recorrentes na criação do banco de dados. Os atributos criados foram digitados no programa UltraEdit versão 22.00, que é um editor de texto comercial, e possui ferramentas para programadores. Essencial para o estudo, pois nele foram criados os arquivos de conversão (*CNV), onde ficam as classificações definidas para cada um dos resultados. Depois desses procedimentos 50 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 compilamos todos os dados do Excel 2003 que estavam separados por mês, e o documento foi salvo em arquivo de base de dados (*DBF), onde se encontravam os resultados das classificações dos arquivos CNV. O material salvo em DBF, apresentou alguns parâmetros em números, e para a tabulação dos dados os números foram transformados em caracteres. Então usamos o programa DBF Manager versão 2.6, esse programa auxiliou na transformação de números para caracteres. Por fim abrimos o arquivo DBF, no programa TabWin versão 3.2 (uma ferramenta de análise exploratória), gerando o arquivo de definição (DEF), o banco de dados onde ficaram guardados todas as informações utilizadas na tabulação dos dados, e obtivemos os resultados do estudo. 3.6. ANÁLISE DOS DADOS Os dados foram tabulados no programa TabWin versão 3.2 um programa de análise exploratória, que foi desenvolvido pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS), com o intuito de facilitar as análises dos dados Sistema Único de Saúde. Segundo o DATASUS, esse tabulador permite selecionar e organizar os dados conforme o objetivo da pesquisa, bem como associar as tabulações a mapas, possibilitando visualização e avaliação espacial da informação. Os resultados emitidos pelo programa TabWin versão 3.2 foram salvos no Excel 2010, que junto com programa de gráficos SigmaPlot versão 11 realizamos a apresentação e a interpretação dos resultados obtidos. Os resultados foram analisados por porcentagem e através da diferença percentual. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS AREIAS DAS PRAIAS QUANTO A LOCALIZAÇÃO 4.1.1. POR TIPO DE PRAIAS: ABRIGADAS E OCEÂNICAS EM RELAÇÃO À CLASSIFICAÇÃO Observou-se de modo geral que a frequência de praias classificadas como improprias foi 9% maior entre as praias abrigadas do que entre as oceânicas. Esse tipo de resultado vai de encontro ao esperado, devido ao impacto da carga de efluentes despejados na Baia de Guanabara, que comprometem a água e a areia. Isso também pode ser explicado pela influencia da maré, praias abrigadas tem um tempo maior na troca do seú corpo d’agúa em relação a praias oceânicas. De acordo com Boúkai (2005), os efeitos das marés, mudança de estação do ano e o número de banhistas são fatores contribuintes para a sobrevivência e dispersão de microrganismos patogênicos na areia. Na Baía de Guanabara, a influência do movimento de maré é limitada, devido à deposição de sedimento que reduziu as seções transversais do canal (LIMA, 2006). Segundo Rego (2009), existe uma correlação significativa entre qualidade sanitária da areia e da água, embora não seja um fator determinante, pois em algumas situações a água do mar está imprópria para banho e a areia está própria e vice-versa. 4.1.1.1. POR CLASSE DENTRO DO GRUPO DAS PRAIAS ABRIGADAS As praias José Bonifácio, da Bica, da Guanabara e da Urca foram as que tiveram o maior percentual de classificações como praias impróprias, seus valores percentuais 51 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 foram de 3,7%, 3,5 %, 5%, 4%, respectivamente. Observamos que a Praia da Guanabara em média percentual de imprópria superou em 2 % o de classificações como própria dentro do período estudado. As praias de Sepetiba e Brisa, que não pertencem a Baía de Guanabara, apresentaram percentual de frequência de classificação como próprias para uso como áreas de recreação de 6,7% e 6,8% respectivamente, um percentual maior que os das praias José Bonifácio que foi de 4,8%, da Bica de 5,1%, da Guanabara de 3,5% e da Urca de 4,5%. A praia de Ramos foi que apresentou melhor percentual de todas as praias abrigadas, 8,2% de vezes como própria. Segundo a prefeitura do Rio de Janeiro (2013), os locais com maior frequência de banhistas e presença de animas são os mais críticos, então de acordo com o órgão municipal, significa que a qualidade das areias da Praia de Ramos aparece em melhores condições por não terem um número maior de frequentadores comparado a outras praias. Fazendo uma breve observação da balneabilidade da água com boletins emitidos pelo Instituto Estadual de Ambiente (INEA), que tem seus parâmetros estabelecidos pela Resolução nº 274/2000 do CONAMA verificamos que a condição da balneabilidade da água das praias abrigadas no período de janeiro de 2010 a junho de 2015, são que as praias da Engenhoca, Ramos, de Botafogo, Sepetiba e Brisa foram as que apareceram em piores condições, pois em nenhum boletim emitido no período consultado apresentaram uma condição de propriedade na balneabilidade de suas águas, ou seja, apareceram impróprias para banho durante os 6 anos consultados. Na praia da Bica em 2010, 2011, 2012 e 2013 apresentou-se como imprópria para banho, no ano de 2014, o boletim do mês de julho apareceu própria em 1 dos 2 períodos emitidos do mês, nos outros meses do ano sua balneabilidade foi imprópria para banho, em 2015, apareceu como própria em 1 de 2 períodos no mês de maio, e em 1 de 2 períodos de junho. A praia da Guanabara em 2010, nos meses de maio, junho e julho apresentou a balneabilidade da água como própria, porém, com restrições, contudo o INEIA não deixou claro no boletim que restrições eram essas, no resto do ano apareceu como imprópria, nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 manteve-se imprópria para banho, em 2015, apareceu própria em 1 de 2 períodos nos meses de maio e junho. Já as praias do Flamengo e da Urca, em 2010 ficaram impróprias para banho, já no ano de 2011 a praia do Flamengo apareceu própria em janeiro, fevereiro, abril, junho, somando 15 períodos nos respectivos meses, na praia da Urca, apareceu própria em maio e setembro, somando 5 períodos de próprias nos dois meses, os outros meses estiveram impróprias para banho. No ano de 2012, a praia do Flamengo nos meses de março e de junho a outubro ficou própria em 17 períodos dentro dos 6 meses, na praia da Urca, nos meses de março, julho, agosto, outubro e dezembro a balneabilidade foi de própria em 16 períodos dos respectivos meses, nos demais meses do ano apresentaram impróprias. Em 2013 a praia do Flamengo esteve própria nos meses de maio, agosto, setembro e outubro em 15 períodos de 26 dos respectivos meses, na praia da Urca, manteve-se própria em março e junho, e de setembro a dezembro somando 14 de 39 períodos, ficando o resto do ano impróprias. No ano de 2014 a praia do Flamengo ficou própria nos meses de julho a setembro e em dezembro, somando 15 períodos de 41 dos respectivos meses, já a praia da Urca esteve própria em julho a dezembro somando 34 períodos como própria em 48 dos respectivos meses, os outros meses ficaram impróprias. Em 2015, as praias do Flamengo e da Urca ficaram próprias em janeiro, fevereiro e janeiro, março e junho, respectivamente. As praias abrigadas que apresentaram melhores condições de balneabilidade foram as praias pertencentes à Ilha de Paquetá (Imbuca, Moreninha e José Bonifácio), que se apresentaram como próprias sem restrições em 119, 157 e 123 períodos respectivamente, de 280 durante janeiro de 2010 a junho de 2015. 52 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 De acordo com Lazzari (2012), a região da Ilha de Paquetá é definida pelo canal principal de circulação, e são encontradas as melhores condições ambientais devido à maior contribuição da água do mar. Essa correlação de impropriedade na água e nas areias das praias caracteriza um grande problema para a saúde pública, pois, as doenças de veiculação hídrica são causadas principalmente por microrganismos patogênicos de origem entérica, animal ou humana, transmitidas basicamente pela rota fecal-oral, ou seja, são excretados nas fezes de indivíduos infectados e ingeridos na forma de água ou alimento contaminado por água poluída com fezes (AMARAL, 2003). Segundo Sato (2005), a presença de patógenos como a Escherichia coli é fortemente associada à gastroenterite em pessoas que utilizam a água para nadar; os gêneros Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa foram também associados como responsáveis por doenças em banhistas, principalmente os que apresentam baixa imunidade. 4.1.1.2. POR CLASSE DENTRO DO GRUPO DAS PRAIAS OCEÂNICAS Dentro dos pontos das praias oceânicas, os pontos que tiveram a maior frequência percentual de resultados, com classificação imprópria foram: Praia de Copacabana, Ipanema/Maria Quitéria, São Conrado, Barra/Quebramar, Barra/Pepê, Ipanema/Arpoador, Guaratiba, 3,4%, 2%, 1,8%, 1,7%, 1,7%, 1,4%, 1%, respectivamente. E os com menores percentuais de impropriedades: Ipanema/Diabo 0,8%, Ipanema/Paul Redfern 0,6%, Praia Vermelha 0,4%, Recreio/Reserva 0,3%, Recreio Macumba 0,2%, Recreio/Pontal 0,1%, Grumari com 0,1 e Prainha 0,1%. As praias que tiveram maior destaque no grupo das praias oceânicas foram as praias de Copacabana e São Conrado como as que tiveram com maior frequência como impróprias 3,4 %, 1,8% e próprias 9,7%, 6,9%, respectivamente. Conforme o estudo de Silva & Pastura (2000), as praias oceânicas excetuando Ipanema, apresentaram areias com melhor qualidade sanitária do que as praias banhadas pela Baía de Guanabara. Essa observação sugeriu numa primeira abordagem que as praias oceânicas, por apresentarem águas geralmente menos poluídas do que as águas da Baía, tenderiam a mostrar níveis mais baixos de poluição das areias. Entretanto eles observaram que pode ocorrer em praias oceânicas como Ipanema, areias com qualidades sanitárias próximas às observadas nas praias da baía, a exemplo das praias da Bica, Ramos e Moreninha. 4.1.2. POR MACRORREGIÕES EM RELAÇÃO À CLASSIFICAÇÃO A categorização das praias por macrorregiões reflete o impacto da poluição da Baía de Guanabara, praias mais afastadas apresentam condições de classificação melhores. Enquanto que as praias na área central da Baía, entrada e na Ilha do Governador foram as que apresentaram as piores condições, ou seja, mais resultados com impropriedade da areia em relação diferença percentual de impróprias para próprias, os percentuais de próprias foram 33,22% nas afastadas, 13,27% nas intermediárias, 11,29% nas próximas a saída da Baía, 5,97% para entrada da Baía, 9,23 % para o centro da Baía, 2,78% para o fundo e 1,73% para a macrorregião Ilha do Governador. Já os percentuais de impróprias foram de: 6,60% para afastadas, 3,88% para intermediárias, 3,04% nas praias próxima a saída da Baía, 2,62 % na macrorregião de entrada, 5,10% na macrorregião do centro, 53 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 0,06% no fundo da Baía e 1,12 % para macrorregião da Ilha do Governador. Com a diferença percentual de próprias para impróprias: 26,62%, 9,39%, 8,25%, 3,35%, 4,13%, 2,72%, 0,61%, respectivamente. De acordo com Lazzari (2012), a região de entrada da Baía, está sujeita à intensa poluição orgânica oriunda dos dois centros urbanos mais desenvolvidos da região, as cidades do Rio de Janeiro (parte oeste da Baía) e Niterói (parte leste da Baía). Enquanto que a região da Ilha do Governador foi caracterizada por um elevado grau de deterioração ambiental. Recebendo o lançamento de esgotos domésticos e despejos industriais. Segundo Sotero-Martins et al. (2013), as carências de infraestrutura sanitária no Brasil resultam em fontes de poluição, que ocasionam à deterioração da água e do solo. 4.1.2.1. AVALIANDO MACRORREGIÕES PERTENCENTES AO GRUPO DE PRAIAS ABRIGADAS Observou-se que a área entrada e macrorregião da Ilha do Governador apresentaram uma diferença percentual menor quanto à condição de própria e imprópria, comparando com praias afastadas do tipo abrigadas, a macrorregião da Ilha do Governador teve 3% de impróprias e 5% de praias próprias, sua diferença percentual foi de 2% de imprópria para própria, na macrorregião de entrada da Baía de Guanabara as porcentagens de praias impróprias foram de 8% e 17 % de praias próprias, com a diferença percentual de 9%. Na macrorregião afastada da Baía de Guanabara foram de 13 % de praias próprias e 2% de impróprias, com a diferença percentual de 11% (Figura 3). De acordo com o estudo de Amaral (2012), os níveis de colimetria encontrados nas praias da Ilha do Governador e da Ilha de Paquetá estiveram acima dos valores definidos como aceitáveis pela Resolução n. 468/2010 da SMAC em todas as campanhas realizadas neste estudo e em todas as praias monitoradas, portanto impróprias para serem utilizadas como áreas de recreação. Figura 3 - Percentual de classificação da qualidade sanitária das praias nas macrorregiões dentro do grupo de praias abrigadas da Baía de Guanabara Fonte: Gomes, N.R.S. (2015). 54 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Segundo Pastura & Silva (2000), a questão básica a respeito da qualidade sanitária da areia de praia, não é a de eliminar do convívio humano a poluição e os agentes de doenças possíveis de ocorrer nesse ambiente, o que seria utopia, mas criar condições que possibilitem o estabelecimento de níveis que possam ser considerados normais ou aceitáveis. 4.1.2.2. AVALIANDO MACRORREGIÕES PERTENCENTES AO GRUPO DE PRAIAS OCEÂNICAS Nota-se que quanto mais afastado da Baía de Guanabara a proporção de praias impróprias para próprias aumentam. Prevalecendo as praias próprias, as porcentagens de praias próprias foram de 17% para praias próximas a Baía, 20 % para praias intermediárias e 43% para afastadas (Figura 4). Segundo Soares (2009), as características da praia determinam, até certo ponto, a susceptibilidade da praia à contaminação, praias com elevado hidrodinamismo, tendem a serem menos susceptíveis à contaminação, pois a areia é constantemente lavada pela água do mar e já no caso de praias mais calmas, a areia permanece mais tempo sem revolvimento, o que propicia o desenvolvimento de microrganismos patogênicos. Figura 4 - Percentual de classificação da qualidade sanitária das praias nas macrorregiões dentro do grupo de praias oceânicas da Baía de Guanabara Fonte: Gomes, N.R.S. (2015). 4.2. CORRELAÇÃO COM OS DADOS AMBIENTAIS NO PERÍODO DO ESTUDO As médias meteorológicas encontradas no período do estudo em relação à temperatura mantiveram-se entre 30 a 21 graus célsius (ºC), enquanto que a umidade relativa prevaleceu à média de 70 % dentro da variação de 61 a 79 %, a precipitação de chuva por milímetros cúbicos (mm³) foi o parâmetro aonde vimos uma grande variação, médias que foram de 5 a 334 mm³ de precipitação de chuva por período estudado (Figura 5). E mesmo a partir dos valores médios mensais, houve picos sazonais de temperatura, marcando as estações meteorológicas distintas da primavera (setembro a novembro), verão (dezembro a fevereiro), outono (março a maio) e inverno (junho a agosto) na cidade 55 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 do Rio de Janeiro, e que a umidade relativa acompanhou marcando essas estações. Os valores médios de precipitação das chuvas marcaram as duas estações climáticas: do período chuvoso (de dezembro a abril) e da época relativamente seca (de maio a novembro). Figura 5 - Média das condições meteorológicas do período analisado – janeiro de 2010 a novembro de 2015 Fonte: Gomes, N.R.S. (2015). 4.2.1. CLASSIFICAÇÃO PERCENTUAL DA PROPRIEDADE POR TEMPERATURA Observa-se que o percentual de praias impróprias diminui em temperaturas acima de 26 ºC, chegando a 0,23 % de praias impróprias na temperatura de 30º C. À medida que essa temperatura reduz o percentual de praias impróprias, elevam, chegando a 4,51 % de impropriedade em 23ºC, demostrando um efeito protetor da saúde ambiental pela radiação solar, que esteriliza a areia, fato interessante no verão, quanto há maior frequência de usuários nestes locais. 4.2.2. CLASSIFICAÇÃO PERCENTUAL DA PROPRIEDADE POR UMIDADE RELATIVA Enquanto que para umidade relativa do ar foi ao contrário, quanto mais úmido (acima de 73%) maior o percentual de praias improprias chegando a 2,82%, contudo também ocorreu um maior percentual geral de praias próprias de 12,5% (acima de 73%), provavelmente devido às chuvas intensas, que carrearam a matéria orgânica, que é substrato para manter o nível de microrganismos presentes na areia. Por isso é 56 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 importante correlacionar esses dados com os índices de precipitação de chuva nos períodos. 4.2.3. CLASSIFICAÇÃO PERCENTUAL DA PROPRIEDADE POR PRECIPITAÇÃO Observou-se na propriedade por precipitação (mm³) que acima de 87 % de precipitação (mm³) os percentuais de praias próprias são de 3,93% para 0,63% de impróprias. Quanto maior os milímetros cúbicos de precipitação de chuva, maior o percentual de propriedade das praias. Conforme o estudo de Andraus (2008), aonde foi realizado uma pesquisa sobre as condições microbiológica da areia seca, mostra que as areias das praias sofrem influencia pela estação do ano, e tem seu maior comprometimento no verão, também apresentou que a areia seca apresenta uma contaminação superior à areia úmida. De acordo com Andraus (2008), a ausência de revolvimento mecânico das areias favorece a elevação da densidade de bactérias na areia seca, dessa forma a radiação ultravioleta, com o efeito bactericida é restrito aos primeiros centímetros da superfície. De acordo com os resultados de Rocha (2007), onde foi realizado um estudo de associação com os dados pluviométricos, mostra nitidamente o aumento de ovos e larvas de helmintos nos meses posteriores a grandes picos pluviométricos, indicando uma relação da contaminação ambiental com a estação das chuvas e elevadas umidades. Enquanto que no estudo de Amaral (2012), foi observado a presença de ovos e larvas de helmintos provavelmente decorrentes a outros parâmetros ambientais, destacando especialmente temperatura e movimentação eólica. 4.3. CLASSIFICAÇÃO PERCENTUAL DA PROPRIEDADE POR PERÍODO ESTUDADO Nos períodos estudados notasse que nos meses de férias escolares e com feriados extensos, o percentual de praias impróprias é maior, o maior percentual de impropriedade em todo o período do estudo foi de 5,39 % aparecendo em 2 meses no ano de 2015, fevereiro e maio, já o maior percentual de propriedade de todo período foi 14,46 %, também em 2015, no mês de junho. No ano de 2010, encontramos como maiores percentuais de próprias e impróprias 2,5% e 6,9 % respectivamente. Em 2011, os maiores percentuais foram 3,58% e 7,87% impróprias e próprias na devida ordem. No ano de 2012, apareceram 4,76 para impróprias e 7,5 para próprias, já em 2013, foi 4,52 % impróprias e 6,91% próprias, em 2014, foi de 2,74 para impróprias e 8,12 como próprias. Notamos também diferenças sazonais (primavera, verão, outono e inverno), no período de transição entre o período chuvoso e seco (final de abril a agosto), diminuiu o percentual de praias improprias, pois começa o efeito protetor do sol, que foi até março, isso combinado ao efeito do período de maior chuva, que foi também no período mais quente. 5. CONCLUSÕES As praias abrigadas apresentam mais impropriedade que praias oceânicas. A macrorregião da Ilha do Governador, central e entrada da Baía de Guanabara, expressam um valor maior de praias impróprias relacionadas a outras macrorregiões. A condição sanitária das areias das praias da Baía de Guanabara apresenta uma qualidade inferior em relação a outras praias que ficam fora da Baía, quanto mais afastada melhor é a sua condição sanitária. O período sazonal é um fator significante na condição sanitária das 57 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 areias das praias. O presente estudo irá colaborar na realização de um estudo epidemiológico, com associação da correlação dos níveis sanitários encontrados nas praias com a incidência de doenças encontradas na população que faz uso dessas áreas. REFERÊNCIAS [1] ALERJ – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Lei Nº 7666, de 28/08/2017. Estabelece valores de referência de saúde ambiental para qualidade de areias. [2] ALMEIDA, T.C. Salubridade ambiental das areias das praias do município do Rio de Janeiro e os conhecimentos, atividades e práticas dos banhistas, 2017. Coleção ENSP - PPGSPMA - Dissertações de Mestrado [197], Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/34337?locale=pt_BR. [3] AMARAL, L.A.; FILHO, A.N.; JUNIOR, O.D.R.; FERREIRA, F.L.A.; BARROS, L.S. S. 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Foi identificado que de 133.410 habitantes, mais de 40 mil habitantes não eram contemplados pelo sistema de abastecimento de água da companhia de saneamento, dependentes de veículos transportadores de água potável (caminhões-pipa) ou de outras fontes não confiáveis de abastecimento. Através de contato telefônico com as empresas e com autônomos proprietários de caminhões, foi constatado que o valor médio cobrado por 10 m³ era de 23,77% o valor do salário-mínimo em 2017, sendo que este valor era quase cinco vezes maior que a tarifa definida pela concessionária dos serviços de abastecimento de água no município para o valor mensal de um gasto de até 15m³. Além do alto valor, foi constatado que não existia garantia quanto a segurança e qualidade da água ofertada pelas empresas e pelos autônomos. Portanto em casos como esse se faz necessário intensificar a fiscalização no momento da regularização e das atividades dos caminhões nos municípios, conforme disposto no Decreto Municipal nº 1172/2015 e entender como ocorre a fiscalização das atividades exercidas pela companhia de saneamento estadual no município. Por fim, se faz necessário estudos para avaliar o impacto causado na saúde da população não contemplada por fontes seguras de abastecimento de água. Palavras-chave: sistema de abastecimento de água, tarifas, caminhão-pipa, segurança e qualidade da água. Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão de Tecnologias em Saneamento, ENSP/Fiocruz Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Saúde Pública e Meio Ambiente, ENSP/Fiocruz 3 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) – Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA). 1 2 61 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO O município de Rio das Ostras está localizado no litoral norte Fluminense, cerca de 170 km do município Rio de Janeiro, capital do Estado Rio de Janeiro. A cidade tem como responsável pelo abastecimento de água a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) e, a partir de 2018, nos Núcleos Urbanos, terá também a atuação do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE-RO), este criado no final do ano anterior, conforme Lei Municipal nº 2036/2017 (PMRO,2017;2018). Segundo a Lei Complementar nº 0041/2014, o município divide-se em Área Urbana e Núcleos Urbanos (Figura 1). Estes são Rocha Leão, Mar do Norte, Balneário das Garças e entorno, Cantagalo e Zen (Zona Especial de Negócios). Figura 1 – Mapa adaptado conforme a Lei Complementar nº 0041/2014 Fonte: Google Earth produzido por Christiany Santoro Ferraz. De acordo o site da Prefeitura Municipal de Rio das Ostras (PMRO, 2017), o município teve um crescimento populacional expressivo, aumentando nos últimos 20 anos de 28.106 habitantes para 141.117 habitantes. Estimam-se,133.410 habitantes na Área Urbana e 7.707 habitantes nos Núcleos Urbanos com a média de moradores por domicílio ocupado de 3,3 de acordo com Censo (IBGE, 2010). Anualmente o município é sede de eventos tradicionais que aumentam ainda mais a população, como Carnaval, encontro anual de motociclistas (Ostracycle), Festival de Jazz e Blues e a Festa de São Pedro, padroeiro dos pescadores (PMRO, 2017). Faz-se necessário conhecer o sistema de distribuição de água e entender quais são as condições de abastecimento de água para consumo humano no município, pois, historicamente, se recorre ao uso de veículo transportador de água potável (caminhãopipa) como solução alternativa coletiva, seja por falta de rede de abastecimento de água 62 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 em determinados bairros ou pelo aumento sazonal da população no verão, em grandes eventos ou feriados prolongados, ocasionando no maior consumo de água. Diante disto, a prefeitura promulgou o Decreto Municipal nº 1172/2015, visando regularizar as atividades dos caminhões-pipa no município (PMRO, 2015). Segundo Carvalho (1992), o consumo de água para as necessidades pessoais varia em função do clima local, com as estações do ano e com o nível social da pessoa, variando de 150 a 350 L/dia.hab. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS (2015), informam que Rio das Ostras tem o consumo de água de 143,40 L/hab.dia. A Política Nacional de Saneamento Básico, Lei nº 11.445/2007, diz que o titular dos serviços deve garantir o acesso à água e também deve quantificar o volume per capita, sempre respeitando as legislações vigentes relativas à potabilidade da água. A água é um elemento fundamental à vida, sendo essencial nos processos químicos e biológicos, atuando como veículo e regulando a temperatura dos seres vivos. O ser humano, no seu cotidiano, necessita de água de boa qualidade e em quantidade suficiente para realizar suas atividades e satisfazer suas necessidades básicas (FREITAS, 2000). A evolução no tratamento da água para abastecimento humano acompanha o desenvolvimento tecnológico e cultural da sociedade. É, portanto, um processo contínuo que se aprimora com o passar do tempo. De acordo com o Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água – da Agência Nacional de Águas (2015), Rio das Ostras e Barra de São João – 2º Distrito de Casimiro de Abreu/RJ são atendidos pelo mesmo manancial e sistema. A água é captada no Rio Macaé, em Bicuda Pequena – Macaé/RJ, e tratada na Estação de Tratamento de Água (ETA) que fica na localidade Ponte do Baião (Figura 2). Figura 2 – ETA Ponte do Baião Fonte: Google Street View (2012). 63 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Ainda segundo o autor, atualmente a ETA tem vazão estimada de 400L/s e está subdimensionada, sendo necessária a ampliação e a readequação do sistema existente para a realidade atual. De acordo com Pádua (2009), até o século XIX, a qualidade da água, de forma geral, era avaliada por sua aparência física. A ocorrência de vários surtos de doenças de veiculação hídrica no século XX trouxe a necessidade de desenvolverem novas ferramentas técnicas e 13 legais, com o intuito de tornar tais processos mais eficientes. Ainda segundo o autor, a partir daí a qualidade da água utilizada para consumo humano passou a ser estabelecida com base em valores máximos permitidos (VMPs), com diversos indicadores de qualidade, para diversos contaminantes e organizados em normas ou padrões de potabilidade. No Brasil, a legislação que regia sobre os valores máximos permitidos (VMPs) na água para consumo humano no período do estudo era a Portaria do Ministério da Saúde MS nº 2914/2011, que dispunha sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. No Brasil, é comum o uso esparso de veículos transportadores de água potável (caminhões-pipa). A presença destes caracteriza falta de sistema de abastecimento de água ou falha, quando da existência de um sistema de abastecimento, sendo este deficitário (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006a). 1.1. SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO Segundo a Portaria MS nº 2914/2011, o sistema de abastecimento de água para consumo humano pode ser definido como a instalação composta por um conjunto de obras civis, materiais e equipamentos, desde a zona de captação até as ligações prediais, destinada à produção e ao fornecimento coletivo de água potável, por meio de rede de distribuição. Segundo o Ministério da Saúde (2006c), esses sistemas são compostos por diferentes unidades que podem ser arranjadas das mais variadas formas, objetivando levar a água tratada através de tubulações até os domicílios. Podem ser citados os principais componentes de um sistema: I. Manancial – Fonte de onde se retira a água; II. Captação – Conjunto de equipamentos e instalações utilizados na retirada de água do manancial; III. Adução – Transporte de água do manancial ao tratamento ou da água tratada ao sistema de distribuição; IV. Tratamento – Unidade onde se processam alterações nas características físicas, químicas, biológicas e organolépticas da água com a finalidade de torná-la própria para o consumo humano; V. Reservação – Armazenamento de água entre o tratamento e o consumo com os objetivos de: suprir as variações horárias de consumo, garantir a adequada pressurização do sistema de distribuição e garantir reservas de emergência; VI. Distribuição – Condução da água para as edificações e os pontos de consumo por meio de tubulações instaladas em vias públicas; VII. Ligações prediais – Derivação da água de rede de distribuição até as edificações ou pontos de consumo por meio de instalações assentadas na via pública até a entrada da edificação; 64 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 VIII. Estações elevatórias ou de recalque – Instalações de bombeamento destinadas a transportar a água a pontos mais distantes e/ou mais elevados, encontradas frequentemente nas unidades de captação e adução e em pontos intermediários do sistema de distribuição. 1.2. MANANCIAIS A água bruta pode apresentar diversas variações nas suas características físicas, químicas e biológicas, dependendo do meio em que se encontra. Tais aspectos conferem maior ou menor tratabilidade a mesma, variando os custos de tratamento, assim como os procedimentos operacionais relacionados à sua adequação aos padrões de consumos preconizados pela legislação vigente (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006b). Ademais, a variação nos regimes de chuva e de temperatura, trazem oscilações de vazão, velocidade e nível nos corpos hídricos explorados (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006d). Para o Ministério da Saúde, a escolha correta do manancial, a utilização de técnicas e equipamentos adequados, podem facilitar o tratamento, torná-lo mais econômico e, ainda, evitar eventuais interrupções no fornecimento (BRASIL, 2006d). 1.3. SOLUÇÕES ALTERNATIVAS PARA ABASTECIMENTO DE ÁGUA Na falta de um sistema de abastecimento convencional adotam-se soluções alternativas visando atender às necessidades de consumo. Dentre as quais, nascentes, poços comunitários, distribuição por veículos transportadores (caminhão-pipa), instalações condominiais verticais e horizontais. Essas soluções são classificadas como alternativas individuais ou alternativas coletivas (FUNASA, 2006). • Soluções alternativas individuais - Pode ser considerado como individual todo e qualquer tipo de solução alternativa que atenda apenas a um domicílio. Normalmente adotada em comunidades rurais com população de baixo adensamento (FUNASA, 2006); • Soluções alternativas coletivas - Todo e qualquer tipo de solução alternativa que atenda a mais de um domicílio pode ser considerada coletiva. Geralmente empregada em localidades com maior adensamento populacional, podendo ser em meio rural ou urbano (FUNASA, 2006). 1.4. VEÍCULO TRANSPORTADOR DE ÁGUA POTÁVEL (CAMINHÃO-PIPA) Ministério da Saúde (2006a) orienta que o uso de veículos transportadores de água potável requer boas práticas de higiene e cuidados no momento da distribuição, sendo alguns destes a correta identificação do caminhão transportador, a garantia da integridade do veículo e dos aparatos utilizados, segurança da água transportada e laudo das análises correspondentes à água transportada que será distribuída para consumo humano. As legislações Portaria MS nº 2914/2011, que rege sobre a potabilidade da água para o consumo humano, e o Decreto Municipal nº 1172/2015, que regulariza as práticas dos caminhões-pipa no município de Rio das Ostras, indicam as recomendações e obrigações necessárias aos veículos transportadores de água potável. 65 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 O Decreto nº 5440/2005, que dispõe sobre procedimentos de controle da qualidade da água de sistemas de abastecimento e instaura mecanismos e instrumentos para disseminação de informação ao consumidor sobre qualidade da água para consumo humano diz em seu Art. 9º: Art. 9º Os prestadores de serviço de transporte de água para consumo humano, por carros-pipa, carroças, barcos, dentre outros, deverão entregar aos consumidores, no momento do fornecimento, no mínimo, as seguintes informações: I - data, validade e número ou dado indicativo da autorização do órgão de saúde competente; II identificação, endereço e telefone do órgão de saúde competente; III - nome e número de identidade do responsável pelo fornecimento; IV - local e data de coleta da água; e V - tipo de tratamento e produtos utilizados. § 1º Cabe aos órgãos de saúde fornecer formulário padrão onde estarão contidas as informações referidas nos incisos I a V. § 2º Os prestadores de serviço a que se refere o caput deverão prover informações aos consumidores sobre cor, cloro residual livre, turbidez, pH e coliformes totais, registrados no fornecimento. No site da Prefeitura Municipal de Rio das Ostras (PMRO, 2017) encontram-se disponíveis os formulários conforme disposto nos incisos I a V do Decreto nº 5440/2005. De acordo com os formulários dispostos no site, apenas a CEDAE atende aos requisitos do Decreto Municipal nº 1172/2015 para fornecer água para consumo humano (Figura 3.a) (PMRO, 2017). Além disso, dispõe do o modelo de como as informações devem ser dispostas no veículo utilizado (Figura 3b). Figura 3- Formulários (a) Comprovante de abastecimento CEDAE (b) Modelo para identificação de veículos Fonte: Site PMRO, 2017. 1.5. ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO De acordo com Funasa (2006), a água pode ser origem ou veículo de um grande número de agentes químicos ou biológicos causadores de enfermidades e a transmissão pode se dar por diferentes mecanismos, podendo causar desde surtos de doenças até sérias epidemias. Para o Ministério da Saúde (2006b), o principal mecanismo de transmissão de doenças relacionado à qualidade da água, é o da ingestão, pois indivíduos sadios ingerem água que contém algum componente nocivo à saúde e a presença deste acarreta o 66 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 aparecimento de doença. Um segundo mecanismo está relacionado a quantidade insuficiente de água, o que, por vezes, não possibilita atos higiênicos satisfatórios abrindo caminho para o surgimento de doenças relacionadas a higiene inadequada. Além desses, as condições do espaço físico no qual a água está reservada, podendo este ser propício a vida e a proliferação de vetores ou, ainda, reservatórios de doenças. É importante destacar que tanto a qualidade da água quanto sua quantidade e regularidade de fornecimento são fatores determinantes para o acometimento de doenças no ser humano. A insuficiência de água acarreta a deficiência de higiene, além disso, cria a necessidade de reservação e esta, por vezes, é realizada de forma imprópria, criando condições para a procriação de vetores e promovendo a degradação da qualidade da água; gerando a busca por fontes alternativas, o que expõe a população a doenças por contato ou ingestão (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006b). De acordo com a legislação dispõe sobre a qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, água potável é a água cujos parâmetros microbiológicos, físicos, químicos, radioativos e organolépticos (cor, odor e sabor) atendam ao padrão de potabilidade e não ofereçam riscos à saúde (BRASIL, 2011) . De acordo com Silva (2004), os órgãos governamentais fiscalizadores têm a obrigação de manter a água potável permanentemente disponível à população. Acrescenta ainda que essa responsabilidade não é apenas pública e sim de toda a sociedade, sendo a água um bem essencial. 2. OBJETIVO Avaliar as condições de abastecimento de água para consumo humano no município de Rio das Ostras, bem como a oferta de água pelo titular dos serviços de abastecimento, as tarifas praticadas e comparação com o praticado na Região Metropolitana do Estado, o fornecimento através de veículo transportador de água potável (caminhão-pipa) e a atuação dos órgãos municipais competentes. 3. METODOLOGIA 3.1. OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES OFICIAIS PARA COMPOSIÇÃO DO BANCO DE DADOS Através de ofício institucional dirigido ao órgão Departamento de Protocolo e Arquivo Geral (DEPAG) da Prefeitura Municipal de Rio das Ostras (PMRO), foram solicitadas informações que pudessem ser relevantes para constituir um banco de dados secundários que fundamentassem o estudo, como o zoneamento do município e dados sobre abastecimento de água. Contudo, somente a prestadora do serviço poderia fornecer informações referentes ao abastecimento de água e tarifas. Dado isto, foi enviada uma carta à Gerência Regional da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE), no dia 14 de novembro de 2017, solicitando os dados de abastecimento de água do município e as tarifas vigentes. Os dados foram fornecidos, por e-mail, em 29 de dezembro de 2017, através do Ofício CEDAE – GLN nº 268/2017. Documento nos Anexos I, II, III e IV. Posteriormente, foram solicitadas informações sobre a quantidade estimada de habitantes por bairro, sendo esta fornecida pela Secretaria de Gestão Pública. Utilizou-se os dados disponibilizados pelo Atlas Brasil 2015 - Abastecimento Urbano - Agência Nacional de Águas (ANA); Sinopse por Setores, Censo 2010 - Instituto Brasileiro de 67 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Geografia e Estatística (IBGE) e SNIS Série Histórica 2015 - Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS). Por fim, utilizando a base de dados da Google e o site da Prefeitura Municipal de Rio das Ostras, foi feita uma revisão sistemática consultando publicações no jornal oficial do município, notícias disponibilizadas no site da PMRO, legislações vigentes nacionais e municipais. 3.2. OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE OS CAMINHÕES-PIPA Em pesquisa no site da PMRO (http://www.riodasostras.rj.gov.br/caminhoespipa.html) encontrou-se um espaço exclusivo com informações sobre veículos transportadores de água potável (caminhões-pipa). Dentre estas, um Cadastro Municipal de Pessoas Física e Jurídica de Veículos Transportadores de Água Potável, regularizados conforme os requisitos 20 do Decreto Municipal nº 1172/2015. Constavam informações de 20 caminhões cadastrados como Pessoa Física e 13 como Pessoa Jurídica. Estes dados foram utilizados para a realização de contato telefônico, como consumidora, visando obter uma melhor compreensão da venda da água no município. Foram realizadas ligações telefônicas para as 33 opções contidas no Cadastro Municipal de Pessoa Física e Jurídica de Veículos Transportadores de Água Potável, sendo simulada a compra de 10.000 litros (10m³) de água potável para consumo humano em bairros parcialmente contemplados e bairros ainda não contemplados pelo sistema de abastecimento de ágúa da CEDAE. Foram feitas as segúintes pergúntas: “Qúanto cústa para abastecer úma cisterna de 10.000 litros de ágúa? ”, “Tenho crianças em casa, esta água é segura? ”, “De onde vem esta ágúa? ”, “Qúanto tempo demandaria para ser entregúe? ”. 3.3. CONSTRUÇÃO DO MAPA TEMÁTICO Utilizou-se o programa Terra View Políticas Sociais, versão 4.2.2, com os dados fornecidos sobre o abastecimento por bairro. A localização de cada bairro do município de Rio das Ostras foi apontada no Google Maps, assim como a delimitação da região central que abriga os mapas, levando em consideração o mapa do Plano Diretor, disponibilizado no site da prefeitura, em http://www.riodasostras.rj.gov.br/download/leis-e-codigos/luem/41- 2014.pdf. Em seguida foi salvo esse arquivo do Google, no formato KLM, importado para o programa TerraView Políticas Sociais 4.2.2 e os dados referentes ao abastecimento informados pela CEDAE foram inseridos no programa. 3.4. COMPARAÇÃO DOS VALORES GASTOS (R$) ENTRE OS CONTEMPLADOS E NÃO CONTEMPLADOS Calculou-se o gasto (R$) médio mensal dos contemplados e não contemplados pelos serviços da prestadora de água do município. Para isto, foi utilizada a base de dados da Série Histórica (SNIS, 2015), que estima o consumo per capita do município é de 143, 40L/dia.hab, a Sinopse por Setores, Censo (IBGE, 2010), onde consta que a média de habitantes por domicílio ocupado no município é de 3,3. Ao multiplicar estes dados foi possível estimar o consumo diário de um domicílio e o consumo mensal. 68 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO MUNICÍPIO DE RIO DAS OSTRAS Mediante a análise dos documentos concedidos pela titular dos serviços de abastecimento de água, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) e da população estimada pela Prefeitura Municipal de Rio das Ostras (PMRO), foi quantificado o número de habitantes contemplados com abastecimento de água na cidade. A população na Área Urbana é de 133.410 habitantes, sendo 93.047 habitantes (69,7%) contemplados com o serviço e 40.363 habitantes não contemplados (30,3%) (Tabela 1). Com a elaboração do mapa temático (Figura 4), foi possível identificar as regiões de maior escassez e maior atendimento do sistema de abastecimento de água. Os pontos verdes, em sua maioria aglomerado na área mais central do município, denominam atendimento total ou parcial e os pontos amarelos são regiões sem abastecimento de água. Figura 4: Condições de abastecimento de água na área urbana de Rio das Ostras Fonte: Produzido por Adriana Sotero-Martins. Os dados da Tabela 1 estabelecem que dos 54 bairros existentes na Área Urbana do município, 16 deles (29,6%) têm 100% de atendimento, 15 (27,8%) são atendidos parcialmente e 23 (42,6%) não têm sistema de abastecimento de água. Apontando que 30% da população não têm acesso à água potável do sistema abastecimento da CEDAE. Importante observar que o bairro Âncora, um dos mais populosos com 18.976 habitantes, possui apenas 45%, ou seja, 8.540 habitantes não dispõem de abastecimento de água. De acordo com a documentação, a demanda de distribuição de água ocorre no regime intermitente de 24 horas por 72 horas, ou seja, durante 24 horas uma parte do sistema recebe água e a outra não (Tabela 1). A mesma ainda afirma que o cenário se torna mais complexo no aumento sazonal da população, que se dá nos eventos tradicionais da cidade e nos grandes feriados no decorrer do ano. 69 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 O regime de distribuição adotado requer atenção, pois é um cenário que pode acarretar no acometimento de doenças no ser humano e em medidas incorretas de reservação de água (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006b). Tanto quanto um regime que funciona sem intermitência, se faz necessário rigor no cumprimento da Portaria MS nº 2914/2011, bem como a fiscalização dos órgãos competentes. Tabela 1 – Dados de abastecimento de água de Rio das Ostras Fonte: Adaptado (CEDAE, 2017; PMRO, 2017). Segundo o Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água – Agência Nacional de Águas (2015), é necessária a adequação à nova realidade populacional do município, devendo a captação ser ampliada, aumentando assim a capacidade de tratamento e o que está edificado ser readequado. No site da PMRO e na documentação da CEDAE constam que toda a área norte da cidade irá receber água devido à construção de dois novos reservatórios (Figura 6). Embora estas informações sejam positivas, nada foi mencionado acerca da ampliação do sistema existente ou de uma nova captação. 70 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 4.2. TARIFAS PRATICADAS NO MUNICÍPIO E O USO DE CAMINHÕES-PIPA 4.2.1. REGIÃO METROPOLITANA E INTERIOR DO ESTADO De acordo com a CEDAE (Figura 5), duas tarifas eram praticadas no Estado do Rio de Janeiro. Na área A região Metropolitana do Estado, era cobrado um preço pelo volume consumido e na área B, interior do Estado, era cobrado outro, ambos medidos em metro cúbico (m³). Baseado nisto, Rio das Ostras é tarifado como área B. Figura 5. Documento demonstrativo da estrutura tarifária vigente da CEDAE Fonte: CEDAE, 2017. 71 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 4.2.2. CONTATO COM OS VEÍCULOS TRANSPORTADORES DE ÁGUA POTÁVEL (CAMINHÕES-PIPA) Dos 33 números telefônicos disponíveis no Cadastro Municipal de Pessoa Física e Jurídica de Veículos Transportadores de Água Potável, foi conseguido contato, na condição de consumidora com 29 destes. Dos 20 cadastrados como Pessoa Física, se obteve atendimento com 16, sendo que um dos contatados informou não trabalhar mais no âmbito. Dos 13 cadastrados como Pessoa Jurídica, 12 atenderam, sendo 05 informando não trabalhar mais neste tipo de serviço. Portanto, dos 33 cadastrados, 22 (66,7%) estão em atividade. Durante o telefonema foram feitas perguntas sobre o preço cobrado por 10 m³ de água potável, tempo de entrega, qualidade e segurança da água. Todos os motoristas e empresas alegaram que a qualidade e segurança da água para consumo humano era boa, embora não tivessem como comprovar, à exceção de duas empresas que afirmaram ter toda documentação necessária, conforme o Decreto Municipal nº 1172/2015. Ainda que eles tenham assegurado a qualidade e segurança da água, um motorista citou como manancial de captação um poço no Núcleo Urbano Rocha Leão e uma empresa citou ter poço próprio. Contudo, somente a CEDAE dispõe de permissão cadastrada para os caminhões retirarem água potável para consumo humano, conforme Figura 3. De acordo com os motoristas, o tempo de entrega varia com a demanda na cidade, sendo sinalizado no período das ligações realizadas o prazo máximo de 1 hora. O preço cobrado variou de R$190,00 a R$260,00, dando um preço médio de R$226,81 (Tabela 2). Tabela 2. Valores informados através de contato telefônico Segundo os dados do SNIS (2015), o consumo per capita do município é de 143,40 L/dia.hab. De acordo com o Censo (IBGE, 2010), a média de habitantes por domicílio ocupado no município de Rio dos Ostras é de 3,3. Multiplicando estes dados, concluiu-se que o consumo diário de um domicílio é de 473,22 litros e, logo, o consumo mensal de 14.196 litros ou 14,19 m³. A tarifa da área B da CEDAE (Figura 5), estabelece que um domicílio que gastar de 0 a 15m³ pagará o valor de R$ 50,86 por mês, ou seja, domicílios não contemplados ou com o serviço deficitário, além da incerteza quanto à qualidade e segurança da água, podem gastar até cinco vezes mais que os contemplados (Quadro 1). 72 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Quadro 1 – Simulação dos gastos dos contemplados e não contemplados pelo serviço de abastecimento de água Fontes: CENSO, 2010; SNIS, 2015; CEDAE, 2017. 4.3. FISCALIZAÇÃO NO MUNICÍPIO A Prefeitura Municipal de Rio das Ostras visa buscar melhorias. Em 2015 foi criado o Decreto Municipal nº 1172/2015 para regularizar e fiscalizar as atividades dos caminhões-pipa na cidade, sendo todo procedimento feito junto à Coordenadoria de Saneamento (COSA). Em 2016, através do Decreto Municipal nº 1396/2016, foi criada uma equipe técnica para elaborar o plano municipal de saneamento básico, visando melhoria na cidade. Contudo, no início de 2017, foi declarado estado de calamidade financeira, conforme Decreto Municipal nº 1615/2017, dificultado as tramitações inerentes as atividades do setor público. Até o semestre de 2017 a Coordenadoria de Saneamento (COSA) era responsável por fiscalizar as atividades dos veículos transportadores de água potável no município. Em outubro de 2017, através da Lei Municipal nº 2036/2017, foi criado o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE-RO), o qual, a partir de 2018, irá suprir essas demandas, sendo a COSA extinta (PMRO, 2017;2018). Não foi achada documentação que comprove a fiscalização das atividades da Companhia Estadual de Águas e Esgotos no município (CEDAE). 5. CONCLUSÕES De acordo com o estudo foi possível perceber que o município ainda não atende 40.363 habitantes da Área Urbana, estando estas pessoas susceptíveis a má conduta de reservação, consequentemente levando ao surgimento de doenças de origem ou veiculação hídrica. Com base nas informações dispostas no site da Prefeitura Municipal de Rio das Ostras, se observa melhoria, ainda que morosa, nos serviços de abastecimento de água da cidade. Faz-se necessário intensificar a regularização e fiscalização dos veículos transportadores de água potável (caminhões-pipa), sendo esta atividade agora de responsabilidade do Serviço Autônomo de Água e Esgoto. Devem-se buscar medidas para adequar a tarifa dos veículos transportadores de água potável para que a população não contemplada com o serviço de abastecimento de água da CEDAE não seja tão lesada no valor pago, visto que este chega a ser até cinco vezes mais que o valor cobrado pela prestadora. Faz-se necessário um estudo mais aprofundado para saber os impactos causados na saúde dos habitantes não contemplados pelos serviços de abastecimento de água, 73 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 estudar qual é o perfil destas pessoas, como isso tem afetado a vida delas, saber qual é a qualidade dos serviços prestados pelos veículos transportadores de água potável e entender o alto preço adotado pelos mesmos. Por fim, importante ressaltar a dificuldade em encontrar dados públicos de fácil acesso, a demora em obter resposta sobre o abastecimento de água no município de Rio das Ostras e como funcionam as atividades da Companhia Estadual de Águas e Esgotos, sendo necessário recorrer ao contato direto com a mesma. REFERÊNCIAS [1] ANA. Agência Nacional de Águas. Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água. Disponível em: <http://atlas.ana.gov.br/atlas/forms/analise/Geral.aspx?est=7&mun=3240&nav=ant&>. Acesso em: 09 de janeiro de 2018 [2] BRAGA et. al. Introdução à Engenharia Ambiental. 2 ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005, 332 p. [3] BRASIL. Congresso Nacional. Decreto nº 5440 de 04 de maio de 2005. Estabelece definições e procedimentos sobre o controle de qualidade da água de sistemas de abastecimento e institui mecanismos e instrumentos para divulgação de informação ao consumidor sobre a qualidade da água para consumo humano. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2005/decreto/d5440.htm>. Acesso em: 26 de dezembro de 2017. [4] BRASIL. Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Manual de saneamento. 4. ed. rev. -Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2006, 408 p. [5] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Inspeção sanitária em abastecimento de água / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2006a. 84 p. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos) [6] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância e controle da qualidade da água para consumo humano / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2006b. 212 p. – (Série B. Textos Básicos de Saúde) [7] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de procedimentos de vigilância em saúde ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2006c. 284 p. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos) [8] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boas práticas no abastecimento de água : procedimentos para a minimização de riscos à saúde/Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2006d. 252 p. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos) [9] BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 11.445, de 5 e janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 03 de dezembro de 2017. [10] BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria MS nº 2914 de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2914_12_12_2011.html>. Acesso em: 18 de dezembro de 2017. [11] BRISCOE, J. Evaluating water supply and other health programs: shot-run vs long-run mortality effects. Public Health, v.99, n.3, p.142-145, 1985. [12] CASALI, C. A. Qualidade da água para consumo humano ofertada em escolas e comunidades rurais da região central do Rio Grande do Sul. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Área de Concentração em Processos Químicos e Ciclagem de 74 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Elementos, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Rio Grande do Sul: Universidade de Santa Maria, 2008, 173 p. Disponível em: <http://w3.ufsm.br/ppgcs/images/Dissertacoes/CARLOSALBERTOCASALI.pdf>. Acesso em: 08 de janeiro 2018. [13] CARVALHO, D. F. Instalações elevatórias – Bombas. Departamento de Engenharia Civil, Belo Horizonte: IPUC, FUMARC, 5. ed. 1992. [14] FREITAS, V. P. Águas – aspectos jurídicos e ambientais. Curitiba: Juruá, 2000, 264 p. [15] HELLER, L. Saneamento e saúde. Brasília/DF: OPAS/OMS Representação do Brasil, 1997, 97 p. [16] IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010 – Sinopse por Setores.Disponível em <https://censo2010.ibge.gov.br/sinopseporsetores/?nivel=mn>. Acesso em: 09 de janeiro de 2018. [17] JORDÃO, E. P.; PESSÔA, C. A. Tratamento de Esgotos Domésticos. Rio de Janeiro: ABES, 1995, 3.ed., 720 p. [18] PÁDUA, V.L. PROJETO PROSAB. Remoção de mircrorganismos emergentes e microcontaminantes orgânicos no tratamento da água para consumo humano. Rio de Janeiro: ABES, 2009. 392 p. [19] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Caminhões-pipa. 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Órgão oficial do município de Rio das Ostras – Edição Especial de 10 de outubro de 2006. Disponível em: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/download/leis-e-codigos/luem/004-2006.pdf>. Acesso em: 18 de dezembro de 2017. [24] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Cidade celebra São Pedro com procissão de barcos. Disponível em: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/noticia4858.html>. Acesso em: 18 de dezembro 2017. [25] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Circuito de Praias. Disponível em: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/circuito-de-praias.html>. Acesso em: 18 de dezembro 2017. [26] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Lei Complementar nº 0041 de 19 de dezembro de 2014. Dá nova redação aos dispositivos da Lei Complementar 027/2011 e altera o anexo I. Disponível em: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/download/leis-ecodigos/luem/41-2014.pdf>. Acesso em: 18 de dezembro de 2017. [27] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Dados Populacionais de Rio das Ostras de 1996 – 2017. Disponível em: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/dados-do-municipio.html>. Acesso em: 06 de janeiro de 2018. [28] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Descubra Rio das Ostras. Disponível em: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/turismo.html>. Acesso em: 06 de janeiro de 2018. [29] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. História de Rio das Ostras. Disponível em: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/historia.html>. Acesso em: 06 de janeiro de 2018. [30] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Edição Especial nº 827 - 04 de Janeiro de 2017. 4p. Disponível em: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/download/jornaloficial/files/827.pdf>. Acesso em: 08 de janeiro de 2018. [31] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Obra vai garantir melhora no abastecimento de água. Disponível em <http://www.riodasostras.rj.gov.br/noticia4952.html>. Acesso em: 08 de janeiro de 2018. 75 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 [32] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Cria equipe técnica e dispõe sobre a elaboração do plano de saneamento básico do município de rio das ostras. Disponível em: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/transparencia/download/jornal-oficial/780.pdf>. Acesso em: 10 de janeiro de 2018. [33] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Município cria Serviço Autônomo de Água e Esgoto. Disponível em: < http://www.riodasostras.rj.gov.br/noticia5226.html>. Acesso em: 10 de janeiro de 2018. [34] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Lei Municipal nº 2036 de 29 de setembro de 2017. Dispõe sobre a criação do Serviço Autônomo de Água e Esgoto do município de Rio das Ostras e dá outras providências. Disponível em: <http://www.riodasostras.rj.gov.br/transparencia/download/jornaloficial/887.pdf>. Acesso em: 10 de janeiro de 2018. [35] PMRO. Prefeitura Municipal de Rio das Ostras. Rio das Ostras começa a elaborar seu Plano de Saneamento. Disponível em: < http://www.riodasostras.rj.gov.br/noticia3943.html>.Acesso em: 10 de janeiro de 2018. [36] SILVA, D. L. da. O direito sanitário e a água para consumo humano. Monografia (Especialização em Direito Sanitário) – Fundação Oswaldo Cruz, Brasília: 2004, 24 p.Disponível em: <http://w3.ufsm.br/ppgcs/images/Dissertacoes/CARLOS-ALBERTOCASALI.pdf>. Acesso em: 08 de janeiro 2018. [37] SNIS. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. Série Histórica. Disponível em: <http://app.cidades.gov.br/serieHistorica/>. Acesso em: 09 de janeiro de 2018. 76 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Capítulo 5 Precariedades nos quatro componentes do saneamento básico no bairro de Santa Cruz da Serra no município de Duque de Caxias-RJ Daniele Neves dos Santos Adriana Sotero-Martins Natasha Berendonk Handam Maria José Salles Resumo: Nesse estudo foi avaliado os quatro componentes do saneamento básico em um bairro do interior da região metropolitana do Rio de Janeiro, localizado no município de Duque de Caxias, chamado de Santa Cruz da Serra, que possui déficit de saneamento básico semelhante a outros no interior do Brasil. A metodologia envolveu registros fotográficos de exemplos concretos da deficiência dos serviços de saneamento, observações em campo, análise da qualidade da água bruta do rio Saracuruna, e comparação dos resultados com os padrões encontrados nas legislações vigentes CONAMA 357/05 e 274/00. Esse tipo de levantamento pode ser utilizado para fundamentar o Plano Municipal de Saneamento de Duque de Caxias, com descrição qualificada dos problemas relacionados com o saneamento da região, de modo permitir investimentos mais eficazes frente aos problemas encontrados. Palavras-chaves: Abastecimento de Água, Condições Sanitárias, Esgoto Doméstico, Saneamento, Saúde Ambiental. 77 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO O sistema de saneamento básico está fundamentado em proporcionar melhor qualidade de vida à população, pois reduz à incidência de doenças e a degradação do meio ambiente (BRASIL, 2007). A Lei 11.445/07 foi o marco legal que estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. E aborda o conjunto de serviços de abastecimento público de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo dos resíduos sólidos e manejo de águas pluviais. Define um conjunto de procedimentos adotados pelo governo com o objetivo de proporcionar uma situação higiênica e saudável para sua população urbana e rural (BRASIL, 2007). O município de Duque de Caxias, localizado no Estado do Rio de Janeiro foi considerado, em 2011, como umas das cidades com pior saneamento básico do país (TRATA BRASIL, 2011), parte da população não possuem distribuição de água tratada pela rede de abastecimento, e nem coleta e tratamento de esgoto, sendo precária a questão de saneamento básico. Além disso, a taxa de mortalidade infantil da cidade é de 14,3 para 1000 nascidos vivos, e as internações devido a diarreias são de 0.3 para cada 1.000 habitantes (IBGE, 2010). Apesar desse cenário, o município possuía bons indicadores econômicos, tem o 3º maior Produto Interno Bruto (PIB) do Estado do Rio de Janeiro (FUNDAÇÃO CEPERJ, 2014). Em relação ao conceito de saúde e de saneamento, a definição de saúde é entendida como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença. Os fatores fundamentais para a promoção da saúde são: a paz, habitação, educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade. Dentre estes fatores alguns podem tanto favorecer como prejudicar a saúde (CARTA DE OTTAWA, 1986). Neste trabalho foi avaliado os quatro componentes do saneamento básico em um bairro do interior da região metropolitana do Rio de Janeiro, localizado no município de Duque de Caxias, chamado de Santa Cruz da Serra, que possui déficit de saneamento básico semelhante a outros no interior do Brasil. Foi analisada as condições do saneamento no bairro Santa Cruz da Serra, a fim de identificar as deficiências dos serviços de saneamento através de registros fotográficos e observações em campo, além de análise de água do rio Saracuruna (rio que corta o bairro). A água do rio foi avaliada através dos parâmetros físico-químicos (pH, turbidez, DBO, temperatura, nitrogênio total, fósforo total, turbidez e resíduo total) e também pelos parâmetros biológicos (colimetria), todas as análises foram feitas de acordo com os padrões estabelecidos em resoluções e normatizações brasileiras. 2. MATERIAS E MÉTODOS A área de estudo está situada no Sudeste do Brasil na Baixada Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, Município de Duque de Caxias. O Município possui uma área de 467, 620 Km2 e população de 890.997 habitantes, e o mesmo é dividido em quatro distritos, totalizando quarenta bairros (IBGE, 2017). O bairro escolhido para coleta das informações sobre as condições de saneamento foi o de Santa Cruz da Serra, que encontrase localizado no 3º Distrito do município de Duque de Caxias (Figura 1). De acordo com (IBGE, 2010), o bairro tinha cerca de 25.103 habitantes. Segundo a delimitação do bairro disponibilizado pelo setor de geoprocessamento da Prefeitura Municipal de Duque de 78 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Caxias, e disponibilizado utilizando a ferramenta MyMaps no Google Earth, o bairro de Santa Cruz da Serra possuí uma área correspondente a 5,35 Km² (Figura 1). Figura 1 - Localização do local de estudo Bairro de Santa Cruz da Serra com área de aproximadamente 5,35 Km², Estado do Rio de Janeiro – Município de Duque de Caxias Fontes: Santos, (2017) - http://en.wikipedia.org/wiki/File:R, Prefeitura de Duque de Caxias. 2.1. A BACIA DO RIO SARACURUNA E A QUESTÃO AMBIENTAL A Bacia do rio Saracuruna se encontra em conjunto com as Bacias do rio Estrela e Inhomirim. O território abrangido pela Bacia do rio Saracuruna constitui uma área de pouco mais de 150 km², localizada na porção Oeste da Baía de Guanabara. Os Municípios que se encontram nesta Bacia são: Duque de Caxias, Petrópolis, Magé (todos parcialmente abrangidos), com maior parcela de sua área localizada no Município de Duque de Caxias (SANTOS, 2006). A Bacia do rio Saracuruna vem, ao longo dos tempos, suportando as conseqüências de um acelerado e desordenado crescimento populacional e econômico em seu espaço. Crescimento este, que começa a se dar a partir do desenvolvimento de políticas desenvolvimentistas implantadas a partir da década de 1950, principalmente no Município de Duque de Caxias - estas políticas foram orientadas para a instalação de empresas de grande porte, como é o caso da Refinaria de Duque de Caxias (REDUC), e tais práticas acabaram alterando de forma visível e profunda as condições ambientais do Município (SANTOS, 2006). 2.2. REGISTROS FOTOGRÁFICOS E DE OBSERVAÇÕES EM CAMPO SOBRE AS CONDIÇÕES DO SANEAMENTO AMBIENTAL NO BAIRRO Para registrar as condições observadas em campo sobre as condições de saneamento encontradas no bairro de Santa Cruz da Serra, foi elaborado um sistema de registro das observações realizadas pelo pesquisador em campo, tendo como princípio a identificação das deficiências dos serviços do saneamento do bairro estudado, como os despejos irregulares de resíduos, dias de coleta, observação de presença de lixeiras tanto dos domicílios quanto da prefeitura, lançamento inadequado de esgoto, observação de presença de caixa de esgoto das residências, classe social e econômica da população de cada área do bairro, condições das moradias, pavimentação das ruas, varrição, presença 79 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 de bocas de lobo relacionando a drenagem em cada área e aspectos físicos das ruas em cada área do bairro. O bairro foi dividido em 4 (quatro) áreas: Área A: 0,33 Km²; Área B: 1,23 Km²; Área C: 2,75 Km² (foi súbdividida em Área C.1: 1,45 Km² “longe do rio” e Área C.2: 1,3 Km² “próximo ao rio”, pois a mesma tinha grandes dimensões); Área D: 0,82 Km². Foram consideradas a Rodovia Washington Luiz e o Rio Saracuruna como elementos geográficos de divisão do território do bairro, e para calcular a área em Km² das cinco áreas geradas nessa divisão foi utilizado o programa GOOGLE EARTH (Figura 2). Depois foram selecionadas ruas que representaram cada área, com intuito de fazer os registros fotográficos de modo representativo e que se caracteriza cada área. Para saber à proporção que cada rua deveria ter nas áreas estudadas, foi feito primeiro o somatório de todas as ruas a partir da menor área gerada na divisão em (Km) no GOOGLE Maps, e após ter essa estimativa, foi visto o percentual da rua selecionada nesta menor área em Km, onde correspondia 15%. E depois foi aplicado para as demais áreas (Santos, 2017). Figura 2 - Divisão das quatros áreas e das ruas selecionadas no Bairro de Santa Cruz da Serra (marcadas em linhas verdes) Fonte: Santos, 2017. 80 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 2.3. ANÁLISE DA ÁGUA DO RIO SARACURUNA Foram coletadas água do rio Saracuruna em pontos dentro do bairro. Os pontos de coleta foram estabelecidos em 4 pontos, visando avaliar a influência do lançamento de esgotos domésticos no rio dentro do bairro, a marcação dos pontos foram: P1 - Montante ao bairro (Lat: 22°38'56.51"S; Long: 43°16'49.28"O); P2 - Ponte no centro (Lat: 22°38'46.90"S; Long: 43°16'47.19"O); P3 - Júsante da ponte no centro “pingúela” (Lat: 22°38'45.45"S; Long: 43°16'41.12"O); P4 - Ponte dos Coqueiros (Lat: 22°38'30.92"S; Long: 43°16'43.16"O) (Figura 3). Figura 3 - Delimitação do bairro Santa Cruz da Serra- Duque de Caxias- RJ e localização dos pontos estudados Fonte: Prefeitura e Google Earth. Foram feitas quatro campanhas de coletas de água no rio, duas durante um período seco no mês de agosto de 2017 (dias: 21 e 28) e outras duas no período de transição para o chuvoso no mês de outubro de 2017 (dias: 09 e 16). Foram realizadas as análises dos parâmetros físicos e químicos e colimétricos. Os paramêtros físicos foram temperatura da água e turbidez; os químicos foram: pH, DBO, Nitrogênio total, fósforo total e resíduo total; e a análise colimétrica foi: Coliformes totais e Escherichia coli. Os frascos adotados foram todos de plásticos, esterilizados e mantidos fechados até o momento da coleta: 1 frasco de 1 L para análise físico-química e 2 frascos de 100 mL para análise colimétrica em cada ponto de coleta devidamente identificados. A avaliação foi realizada baseada em métodos descritos no Standard Methods for the Examination of the Water and Wasterwater (EATON et al., 2012). A fim de descrever o teor de contaminação colimétrica – níveis de coliformes totais (CT) e de Escherichia coli (EC) foi utilizado o método de membrana filtrante, com meio de cultura cromogênico. Os parâmetros físico-químicos avaliados com suas metodologias foram: pH (método 81 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Potenciométria – equipamento instrumental: potenciômetro multiparâmetro Versa Star – marca Orion Thermo Scientific); Resíduo total (método Gravemétrico – equipamento instrumental: balança analítica – marca Sartórius modelo Extend); Fósforo total (método Espectofotométrico – complexação com molibidato e áscóbico – equipamento instrumental: espectofotômetro libra 560 marca Biochrom); Turbidez (método Nefelométrico – equipamento instrumental: turbidímetro 2100P – marca Hach); Nitrogênio total (método de Decomposição por combustão e detecção por quimioluminencia – equipamento instrumental: analizador TOC- L CPH/CPN – marca Shimadzu); DBO (método Oxiométria – incubação por 5 dias a 20 ºC – equipamento instrumental: potenciômetro multiparâmentro Versa Star – marca Orion Thermo Scientific), Temperatura da água e ar (Termômetro digital – Model 304 – Indoor/outdoor – thermometer clock). E os dados relacionados com os níveis de coliformes totais (CT) e de E. coli (EC) e físico-químicos encontrados nas amostras de água do rio foram comparados com os padrões definidos na resolução CONAMA 357/2005 que estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes e classificação dos corpos de água, e a 274/2000 que estabelece padrões de qualidade de balneabilidade, considerando os limites máximos aceitáveis. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1. CONDIÇÕES SANITÁRIAS DE RESÍDUOS SÓLIDOS NO BAIRRO De acordo com o Censo Demográfico e Contagem da População - SIDRA (IBGE, 2010), o bairro Santa Cruz da Serra em 2010 tinha 8.006 domicílios, e estima-se que cerca de 7.703 (96,22%) das residências têm coleta de lixo no bairro e 306 (3,82%) coletado em caçamba de serviço de limpeza. Esses dados puderam ser confirmados em campo durante as visitas, onde todas as áreas estudadas no bairro têm coleta regular de resíduos, feita três vezes por semana. Contudo essa regularidade parece não atender as necessidades dos moradores foram observados muitos resíduos nas ruas. Apesar das coletas regulares no bairro, foram observados e anotado no Registro de Observações em Campo sobre as Condições do Saneamento Ambiental em diversos pontos há despejos irregulares de resíduos, ruas sem varrição e ausência de lixeiras na frente das residências nas ruas selecionadas das cinco áreas estudadas no bairro Santa Cruz da Serra. Logo, é possível ser observado no gráfico (Figura 4) a média em (%) das áreas com maior e menor implantação de lixeiras na em frente das residências. A área com maior implantação de lixeiras pelos os moradores foi a área C.2 com 31 (9%) residências com lixeiras, e a área com menor implantação de lixeiras foi a área A com 14 (100%) das residências sem lixeiras. Em todas as áreas o percentual de residências com lixeiras foi de apenas 7%, ou seja, 93% sem lixeiras, num total de 925 residências. 82 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 4 - Percentual das áreas com implantação de lixeiras em frente das residências no bairro de Santa Cruz da Serra, Duque de Caxias (RJ) Fonte: Santos, 2017. Com relação à varrição nas ruas selecionadas e que representaram cada área, foi observado que somente a (Rua Matriz) da área C.1 e a (Rua Apucarana) da área D encontravam-se limpas e sem resíduos em todos os períodos que foram feitas as observações em campo. A área com maior foco de pontos irregulares de despejo de resíduos sólidos foi na área D, com registros de dois pontos na (Rua Giparaná), dois pontos pequenos na (Rua Coiavara) e um ponto em um terreno baldio na (Rua Penedo), como mostra a Figura 5. Figura 5 - Pontos de despejos irregulares de resíduos em terrenos baldios encontrados na área D no bairro Santa Cruz Serra- Duque de Caxias-RJ Fonte: Santos, 2017. 83 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 O lixo pode gerar riscos tanto para o ambiente contaminando a água e o solo, quanto para saúde humana. Mesmo com tantos problemas originados pelo lixo, foi possível observar nos registros fotográficos que os moradores insistem continuar jogando seus resíduos em locais irregulares, provavelmente seja pelo déficit de lixeiras que não são implantadas pela prefeitura no bairro de Santa Cruz da Serra, obtendo apenas 7% de lixeiras. 3.2. CONDIÇÕES DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA NAS RESIDÊNCIAS Em campo não foi observado nenhum hidrômetro nas residências das ruas selecionadas nas 5 áreas estudadas do bairro, portanto a CEDAE deve cobrar tarifa mínima, pois não faz a leitura do consumo nas residências. Leite (2015) afirma que no município em que o bairro de Santa Cruz da Serra está inserido, é comum que os moradores busquem outras formas de abastecimento, como poços e ligações clandestinas nas adutoras, por não receberem águas todos os dias. De acordo com um noticiário da (CEDAE, 2016), foram identificados casos de ligações clandestinas de água nas adutoras no bairro de Santa Cruz da Serra, onde eram abastecidos imóveis residenciais. Atualmente, a partir de novembro de 2021, a Cedae foi concedida a empresa Aegea, que está responsável pela distribuição de abastecimento de água em Duque de Caxias. O Censo Demográfico e Contagem da População - SIDRA (IBGE, 2010), afirma que o bairro Santa Cruz da Serra tinha cerca de 5.254 (65,63%) das residências com abastecimento de água realizado pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE), 2.357 (29,44%) são abastecidas por poços, 341 (4,26%) abastecidas por poços ou nascentes fora da propriedade, 20 (0,25%) abastecidas por carro pipa ou água de chuva, 30 (0,37%) outras. Foi possível observar e registrar fotograficamente na terceira visita em campo na área C.1, moradores do bairro apropriados de galões, baldes e garrafas d’ágúa, coletando ágúa de nascente, onde os mesmos chamam de “Mina de Parqúe Paúlista”. Esses registros confirmam que, partes da população do bairro realmente são abastecidas por poços ou nascentes fora da propriedade. No entanto, foi observado que o local está propício à contaminação e proliferação de bactérias, pois não existe higienização das torneiras onde é feita a coleta, a mesma tem pouca altura e está exposto a diversos tipos animais, podendo provocar agravos a saúde dos moradores que consume a água da nascente (Figura 6). 84 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 6 - Nascente “Mina Parqúe Paúlista” no bairro Santa Crúz da Serra, Dúqúe de Caxias (RJ) Fonte: Santos, 2017. 3.3. CONDIÇÕES DO ESGOTAMENTO SANITÁRIO NA REGIÃO Foi possível observar em campo em quase todas as áreas estudadas no bairro, diversas tubulações das residências ligadas à rede pluvial, apontando que o destino do esgoto no bairro realmente estava atrelado a uma rede geral, ou seja, o esgoto doméstico e o esgoto pluvial têm o mesmo destino. Na drenagem pluvial, apresentaram resíduos, odores característicos de esgotos domésticos e fezes, essas observações foram registradas fotograficamente. O sistema público mais utilizado no bairro de Santa Cruz da Serra era o lançamento dos efluentes na rede de geral ou águas pluviais, conhecido como sistema unitário. Tampas identificadas como esgoto sanitário e de concretos nas calçadas das residências nas áreas do bairro estudado também foram observadas em campo, referentes à existência de fossas, visualmente com aparência rudimentar. Considerando o percentual de relativo de significância de cada área a área B foi a que apresentou maior percentual de residências com fossas (28%), e a área A com menor onde não foi observado em nenhuma das casas implantações de fossas. E o percentual de fossas em todo bairro de 19%, num total de 925 residências. Na área B na (Rua Pastor Silvio Lopes) foram identificadas cerca de 22 (49%) fossas nas calçadas das residências e 23 não foram possíveis serem observadas, (Rua São Paulo) com 24 (28%) fossas num total de 85 residências e (Rua Mamoré) com 16 (18%) fossas num total de 90 residências. A área tem um somatório de 62 (28%) fossas para um total de 220 residências (Figura 7). 85 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 7 - Fossas com tampas de concreto, encontradas nas calçadas nas ruas selecionadas na área B, no bairro Santa Cruz Serra- Duque de Caxias-RJ Fonte: Santos, 2017. Foram observadas e registradas fotograficamente que as residências em ambas as ruas lançam seus esgotos diretos no rio, sem ter nenhum tipo de tratamento adequado, provavelmente por encontrarem próximas e as margens de rio e canal. Em um estudo feito no bairro de Cângulo em Duque de Caxias (VAZ, 2009), diz que 40% das residências utilizam a fossa séptica. Também 40% dos entrevistados apontaram como destino do esgoto uma rede geral que está atrelada ao sistema de drenagem e captação das águas pluviais, ou seja, o esgoto pluvial e o esgoto doméstico têm o mesmo destino. Outros 10% dos entrevistados mostraram como destino direto do esgoto as valas negras, existentes em alguns logradouros. 3.4. CONDIÇÕES DE DRENAGEM NAS RUAS DO BAIRRO No bairro em geral tem média de 86% residências com calçadas e 14% sem calçadas, num total de 925 residências e 53 terrenos sem construção, a maioria com guia (meio fio) que é um elemento da microdrenagem (Santos, 2017). Nas visitas foram registradas bocas de lobo que são elementos da microdrenagem em quase todas as áreas estudadas no bairro de Santa Cruz da Serra, exceto a área A e a (Rua Beira Rio) localizada na área C.2. Em diversos os mesmos encontravam-se com tubulações ligadas ao esgoto das residências, apresentando-se com odores fortes de esgoto e fezes, além de entupimento com acúmulo de resíduos. Um dos fatores contribuintes para que as inundações e enchentes sejam ocasionadas é o despejo e acúmulo de lixos em áreas impróprias, pois os materiais acabam sendo arrastados pela a água da chuva causando entupimento de bueiros e impedindo o escoamento da água, também contamina as águas e é fonte de proliferação de vetores e doenças. 86 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 A área com percentual maior de boca de lobo foi a área C.1 com 77%, e com menor percentual foi a área A com nenhuma boca de lobo, sendo a mesma que não existe asfaltamento. Na área C.1 foram identificados na (Rua 19) 49 boca de lobo numa metragem de 0.8 Km, 36 boca de lobo na (Rua 18) numa metragem de 0,14 Km, e 30 boca de lobo na (Rua Matriz) numa metragem de 0,6 Km, todos com grade, num total de 115 (77%) boca de lobo, num metragem total de 1.5 Km. A área C.1 foi a que teve maior percentual de implantação de bocas de lobo com (77%) em todas as ruas selecionadas (parte da a- Rua 18, b- Rua 19 e c- Rua Matriz), foram encontradas diversas bocas de lobo com esgoto e fezes. Contudo, na (Rua 19) além do esgoto foi encontrado despejo irregular de resíduos, como mostra a Figura 8. Figura 8 - Bocas de Lobo com tubulações de esgoto e fezes nas ruas e lançamento irregular de resíduos, localizadas na área C.1, no bairro Santa Cruz da Serra, Duque de Caxias (RJ) Fonte: Santos, 2017. Chuvas intensas juntamente com a falta de infraestrutura de saneamento básico e habitacional provocam danos ao bairro de Santa Cruz da Serra, onde pessoas são atingidas pelas chuvas. Em 2013, por exemplo, os rios Roncador e Saracuruna transbordaram, inundando ruas, casas e lojas da região, e os bairros como em Santa Cruz da Serra (Oscar Júnior, 2015). E até atualmente ocorre esta mesma condição, em 2021 foi registrado, onde ocorreu desabamentos na Rua Sergipe e na Rua Ceará, em Santa Cruz da Serra, no terceiro distrito, um dos mais atingidos pelos temporais (COUTINHO, 2021). 87 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 4. QUALIDADE SANITÁRIA DA ÁGUA DO RIO SARACURUNA NO BAIRRO ESTUDADO Nas margens do rio Saracuruna (rio que corta o bairro em análise), foi registrado nas visitas como mostra a (Figura 9), que se situa em uma comunidade chamada Beira Rio, com alta carência nas questões do saneamento. O rio encontra-se assoreado e em algumas partes da comunidade com a mata ciliar comprometida, com resíduos sólidos e recebimento de esgoto sem tratamento. A água do rio Saracurana que percorre o bairro de Santa Cruz da Serra é visualmente imprópria para o uso e apresenta odor forte, fato que compromete a saúde dos moradores do bairro, e também reduz a qualidade da água do referido rio. Figura 9 - Assoreamento do Rio Saracuruna, no bairro Santa Cruz da Serra- Duque de Caxias- RJ Fonte: Santos, 2017. Na área A foi registrado o lançamento de esgotos domésticos de uma residência em rio na Rua Amazonas, o que causa um direto impacto ambiental e poluição do rio, não tendo este capacidade de depuração do esgoto. Além da área A, foi identificado e registrado que na (Rua Beira Rio) localizada na área C.2 e as margens do rio, que as residências nesta área lançam seus esgotos no rio Saracuruna. E na Figura 10 mostra o lançamento de esgoto doméstico no rio Saracuruna, provavelmente sem passar por nenhum tipo de tratamento. 88 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 10 – Lançamento de esgoto em rio na área A (Rua Amazonas), no bairro Santa Cruz da Serra, Duque de Caxias (RJ) Fonte: Santos, 2017. 4.1. QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA DO RIO SARACURUNA As variações do parâmetro pH nos pontos de coleta e suas médias ao longo do Rio Saracuruna encontravam-se entre 6.89 e 7.16, ou seja, estiveram dentro dos padrões descritos na legislação CONAMA 357/2005. O pH indica se a água é ácida, básica ou neutra. Se estiver em torno de 7 a água é neutra; menor que 6 é ácida e maior que 8 é básica. O pH é muito influenciado pela quantidade de matéria morta a ser decomposta, sendo que quanto maior a quantidade de matéria orgânica disponível, menor o pH, pois para haver decomposição de materiais ocorre a produção de muito ácido como ácido húmico (GONÇALVES, 2009). Assis et al. (2012) realizando estudo no rio Taquara em Duque de Caxias, constataram que no período chuvoso o valor mínimo de pH encontrado foi de 3,75 e o máximo de 6,37. Esse baixo valor no pH é explicado pelos mesmos autores devido a uma maior quantidade de matéria orgânica, fazendo com que a água se torne mais ácida. As variações das concentrações de temperatura da água nos pontos de coleta, no período em que foram realizadas as pesquisas, apresentaram resultados com médias entre 23.6 ºC e 25.75 ºC ao longo do Rio Saracuruna. A Resolução CONAMA 357/05 não estabelece um valor de temperatura para classificação de águas I e II, entretanto estabelece que a temperatura para lançamento de efluentes em um corpo hídrico não deve ultrapassar 40ºC (BRASIL, 2005). Em todos os pontos estudados, foi possível visualizar despejo de efluentes por ligações clandestinas e também resíduos domésticos. Porém, nestes mesmos locais, a temperatura encontrada se enquadra dentro dos padrões exigidos. Em relação ao parâmetro turbidez na primeira campanha (21/08/17), os valores de turbidez foram altos, pois neste dia houve uma precipitação muito alta comparado as oútras campanhas. Na Resolúção CONAMA 357/05 limita a túrbidez de corpos d’ágúa para classe I com no máximo 40 UNT, classe II e III com no máximo 100 UNT. Assim, conclui-se que o Rio Saracuruna nos pontos 1 e 2 pelos valores apresentados entre 33 e 89 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 38.75 UNT, classifica-se em ambos os pontos como classe I, e os pontos 3 e 4 classificamse como classe II com respectivos valores 43.75 e 40.25 UNT. Os valores de Turbidez se mostraram crescentes na direção de jusante, más não ultrapassaram o limite máximo estabelecido pela resolução CONAMA. Para Gonçalves (2009) uma das causas da turbidez justifica-se pela presença de partículas em suspensão, ou de substâncias em solução, relativas à cor, e que pode concorrer para o agravamento da poluição. A turbidez limita a penetração de raios solares, restringindo a realização da fotossíntese que, por sua vez, reduz a reposição do oxigênio. Os esgotos sanitários e diversos efluentes industriais também provocam elevações na turbidez das águas. Logo, a turbidez pode influenciar nas comunidades biológicas aquáticas. Além disso, afeta adversamente os usos doméstico, industrial e recreacional de uma água. Quanto as concentrações de resíduo total (sólidos totais) foi possível observar que houve um aumento de 149 mL/L no ponto 1 a 187 mL/L no ponto 3, enquanto o ponto 4 obteve valor de 170 mg/L. As ações antrópicas são responsáveis por essas oscilações, sendo possível observar em todos os pontos estudados despejos irregulares de resíduos nas margens do Rio Saracuruna dentro do bairro estudado, além de lançamento de dejetos no rio. Em saneamento, sólidos nas águas correspondem a toda matéria que permanece como resíduo, após evaporação, secagem ou calcinação da amostra a uma temperatura pré-estabelecida durante um tempo fixado. Para o recurso hídrico, os sólidos podem causar danos aos peixes e à vida aquática. Eles podem sedimentar no leito dos rios, destruindo organismos que fornecem alimentos, ou também danificar os leitos de desova de peixes. Os sólidos podem reter bactérias e resíduos orgânicos no fundo dos rios, promovendo decomposição anaeróbica (GONÇALVES, 2009). A Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) em todos os pontos de coleta apresentaram- se elevadas e ultrapassaram os limites estabelecidos da legislação vigente. Sendo que o ponto 1 obteve média com valor de 44,75 mg/L, ponto 2 com 48.5 mg/L, ponto 3 com 52 mg/L e ponto 4 com 48.25 mg/L, demonstrando que a quantidade de matéria orgânica introduzida no Rio Saracuruna é maior que sua capacidade de assimilação. Para a Resolúção CONAMA 357/05, é exigido para corpos d’ágúas de classe I valores de 3 mg/L, classe II de 5 mg/L e para classe III de até 10 mg/L. Segundo a Agência Nacional das Águas (ANA, 2017) a Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) representa a quantidade de oxigênio necessária para oxidar a matéria orgânica presente na água através da decomposição microbiana aeróbia. A DBO em torno de 5,20 é a quantidade de oxigênio consumido durante 5 dias em uma temperatura de 20°C. Valores altos de DBO 5,20, num corpo d'água são provocados geralmente causados pelo lançamento de cargas orgânicas, principalmente esgotos domésticos. A ocorrência de altos valores deste parâmetro causa uma diminuição dos valores de oxigênio dissolvido na água, o que pode provocar mortandades de peixes e eliminação de outros organismos aquáticos. Foi verificado um aumento das médias de concentração de fósforo total ao longo do Rio Saracuruna, passando de 0.34 mg/L no ponto 1 até valores de 2.9 mg/L no último ponto (ponto 4), ultrapassando os limites da Resolução CONAMA 357/05, demonstrando que há excesso de nutrientes em todos pontos estudados, provocado pelo aumento das funções antrópicas principalmente pelo lançamento de esgoto doméstico. Para a Resolução CONAMA 357/05 é classificado como classe I Fósforo Total (ambiente lêntico) até 0,020 mg/LP, (ambiente intermediário) até 0,025 mg/LP e (ambiente lótico) até 0,1 mg/LP. Para classe II Fósforo Total (ambiente lêntico) até 0,030 90 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 mg/LP e (ambiente intermediário) até 0,050 mg/LP, e para classe III Fósforo Total (ambiente lêntico) até 0,05 mg/LP, (ambiente intermediário) até 0,075 mg/LP e (ambiente lótico) até 0,15 mg/LP. Segundo ANA (2017) o fósforo é um importante nutriente para os processos biológicos e seu excesso pode causar a eutrofização das águas. Entre as fontes de fósforo destacam-se os esgotos domésticos, pela presença dos detergentes superfosfatados e da própria matéria fecal. A drenagem pluvial de áreas agrícolas e urbanas também é úma fonte significativa de fósforo para os corpos d’ágúa. Entre os efluentes industriais destacam-se os das indústrias de fertilizantes, alimentícias, laticínios, frigoríficos e abatedouros. Em relação ao parâmetro Nitrogênio Total foi verificado que as médias se apresentaram baixas no ponto 1 com 2.1 mg/L devido à ausência de ações antrópicas elevando-se nos pontos 2, 3 e 4, principalmente no ponto 2, atingindo 8.3 mg/L em função provavelmente, das ações antropogênicas, e pelo carregamento de matéria orgânica e sua decomposição no corpo do Rio Saracuruna. A Resolução CONAMA 357/05, relaciona o parâmetro ao pH da água, classificando o limite de 3,7 mg/L para pH menor ou igual a 7,5 como classe I e II, e classe III com 13,3 mg/L. Considerando que o pH das águas do Rio Saracuruna aproxima-se de 7 e a média do ponto 1 é menor que 3,7 mg/L N, classificandose como classe I e os demais pontos em classe III, pois são menores que 13,3 mg/L. Segundo a ANA (2017) nos corpos d’ágúa o nitrogênio pode ocorrer nas formas de nitrogênio orgânico, amoniacal, nitrito e nitrato. Os nitratos são tóxicos aos seres humanos, e em altas concentrações causa uma doença chamada metahemoglobinemia infantil, que é letal para crianças. Pelo fato dos compostos de nitrogênio serem nutrientes nos processos biológicos, seú lançamento em grandes qúantidades nos corpos d’ágúa, junto com outros nutrientes tais como o fósforo, causa um crescimento excessivo das algas, processo conhecido como eutrofização, o que pode prejudicar o abastecimento público, a recreação e a preservação da vida aquática. As fontes de nitrogênio para os corpos d’ágúa são variadas, sendo úma das principais o lançamento de esgotos sanitários e efluentes industriais. 4.2. RESULTADOS DOS NÍVEIS DE COLIFORMES TOTAIS E ESCHERICHIA COLI O ponto amostral que apresentou maior contaminação colimétrica foi a amostra do Ponto 2, sendo o nível de E. coli de 2.869.375 UFC/mL (88%), 3.587 vezes maior do que o padrão estabelecido pela Resolução CONAMA 274/2000 para água destinada à recreação com qualidade satisfatória com até 800 para E. coli. Além de ultrapassar os limites da Resolução CONAMA 357/05 que estabelece 200 NMP/100 mL para classe I, 1000 NMP/100 mL para classe II e 4000 NMP/100 ml para classe III. Conclui- se que em todos os pontos estudados houve altas descargas de esgoto em período recente, o que aumenta a probabilidade de ter ovos e larvas de parasitas intestinas, visto que estas formas também podem ser eliminadas com as fezes. Trabalho de Handam et al. (2018) corrobora com esta hipótese e verificou a presença de larvas e ovos de helmintos nos rios com altos níveis de coliformes termotolerantes. As variações das concentrações de coliformes totais e Escherichia coli nos pontos de estudo e suas médias ao longo do Rio Saracuruna se encontram ilustradas (Tabela 1 e 2). 91 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Tabela 1 - Valores de Coliformes totais encontrado nos pontos estudados, suas médias, e valores estipulados no CONAMA 357/2005 Coliformes Totais (UFC/mL) Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 ago/17 885500 3102500 964000 1309500 ago/17 187000 5371000 1009500 950500 out/17 15000 5370000 1620000 1787000 out/17 467000 5803000 1464500 1489000 4911625 N.A N.A 1264500 1384000 N.A N.A MÉDIA 388625 VMP CLASSE N.A N.A- Não mencionado pela Resolução CONAMA nº 357/05. VMP- Valor Máximo Permitido. Tabela 2 - Valores de Escherichia coli encontrado nos pontos estudados, suas médias e valores estipulados no CONAMA 357/2005 e CONAMA 274/00 E. coli (UFC/mL) Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 ago/17 57500 386500 174000 149500 ago/17 <10000 898000 <59500 171500 out/17 <10000 9355000 272000 403500 out/17 <10000 838000 121000 197000 MÉDIA 21875 2869375 156625 230375 VMP CONAMA 357/05 Classe I- 200 NMP/100 mL Classe II- 1000 NMP/100 mL Classe III- 4000 NMP/100mL CLASSE N.A* CONAMA 274/00 Excelente: 200 Escherichia coli Muito Boa: 400 Escherichia coli Satisfatória: 800 Escherichia coli N.A* N.A* N.A* Imprópria Imprópria Imprópria Imprópria N.A*- Acima dos limites da Resolução CONAMA nº 357/05 e Imprópria de acordo a Resolução CONAMA 274/00. VMP- Valor Máximo Permitido. As bactérias pertencentes ao grupo dos coliformes totais podem ser encontradas na água, no solo e em vegetais, sendo que possuem capacidade de se multiplicar na água com altos teores de nutrientes. As bactérias coliformes termotolerantes ocorrem no trato intestinal de animais de sangue quente e são indicadoras de poluição por esgotos domésticos. Indicam a possibilidade da existência de microrganismos patogênicos que são responsáveis pela transmissão de doenças de veiculação. A Escherichia coli é a bactéria mais representativa dentro do grupo dos coliformes termotolerantes (SOTEROMARTINS et al., 2014; BRASIL, 2007). A Resolução CONAMA n. 357/05 traz o número máximo permitido de coliformes termotolerantes para cada classe de água doce para todos os tipos uso, exceto o uso de 92 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 recreação de contato primário que deverá obedecer a Resolução CONAMA n. 274/00 (BRASIL, 2000). Em uma pesquisa realizada sobre a qualidade microbiológica de seis rios de São Gonçalo, RJ, também contribuintes para a contaminação da Baía de Guanabara mostrou uma alta contaminação colimétrica, o que corrobora com o estudo, sendo impróprias para a saúde humana e para uso recreacional, apresentou menor valor de coliformes termotolerantes de 15.413 UFC/mL e o maior foi 383.018 UFC/mL (ARAÚJO et al., 2015). 5. CONCLUSÃO Os serviços de saneamento estão diretamente ligados a saúde pública e aos problemas ambientais, que foram observados no bairro de Santa Cruz da Serra, no município de Duque de Caxias durante o desenvolvimento da presente pesquisa. Os registros de observação em campo e fotográficos permitiram conferir a existência de uma gestão e de um gerenciamento dos serviços de saneamento no bairro, porém os serviços são executados de forma deficiente pelos setores. Havia déficit de lixeiras implantadas no bairro, o que leva os moradores a armazenarem seus resíduos nas calçadas e também em lugares impróprios e irregulares. Não foi detectado nenhum hidrômetro nas áreas estudadas. Foi registrado na área C.1 uma fonte alternativa de abastecimento de água, porém é exposta e propicia a doenças. As residências na (Rua Amazonas) na área A e na (Rua Beira Rio) na área C.2 lançavam seus esgotos diretamente no rio Saracurana e em um canal sem nome, provavelmente sem nenhum tratamento. A análise da água do rio comprovou que o rio Saracuruna sofria com influências principalmente do esgoto doméstico no bairro de Santa Cruz da Serra, influenciando na sua qualidade, onde a DBO, o Fósforo total, coliformes totais e Escherichia coli ultrapassaram os limites estabelecidos pela legislação em todos os pontos estudados. No bairro a média foi de 86% residências com calçadas, a maioria com guia (meio fio) que é um elemento da microdrenagem. A área C.1 foi a que obteve maior percentual de dispositivo instalado nas vias públicas promovendo maior drenagem no bairro com 77% de bocas de lobos, porém os mesmos encontravam-se com tubulações ligadas ao esgoto das residências, apresentando-se odores característicos de esgoto e fezes, além de entupidos com acúmulo de resíduos e isso poderá contribuir para as inundações e enchentes, além proliferação de vetores e doenças. Distribuir água da forma adequada e de qualidade para região, eliminação dos pontos de despejos irregulares de resíduos com implantações de lixeiras e tratamento do esgoto doméstico no bairro seriam as mais importantes medidas para reverter tal situação de risco à Saúde Pública. Essas medidas, adequadamente associáveis a um trabalho de sensibilização da população local, por meio de ações educativas no âmbito da educação ambiental ajudariam no esclarecimento e na mudança de hábitos, fazendo com que os mesmos reivindiquem melhores condições de saneamento básico para região. 93 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 REFERÊNCIAS [1] ARAÚJO, F. V. et al. Avaliação da qualidade das águas de seis rios de São Gonçalo e do risco de contaminação à Baía de Guanabara, RJ. Revista Biociências, Taubaté, v 21 no 1, p. 01-13, 2015. [2] BRASIL. Lei Federal de Saneamento Básico, nº 11.445, de 5 de Janeiro de 2007.Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. 2007. [3] BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), Brasília, DF, 18 mar. 2005. 2005. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res 05/res35705.pdf>. Acesso em: 11 set. 2017. [4] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional de Meio Ambiente. 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Pós - Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense- Mestrado. Niterói –2006. [18] SOTERO-MARTINS, A. et al. Controle da qualidade microbiológica e parasitária em áreas de recreação. Revista Eletrônica Gestão & Saúde, v.5, n. 03, p.2059-78, 2014. [19] VAZ, A. J. Caracterização e Avaliação dos Problemas de Saneamento e a Qualidade de Vida Ambiental no Bairro do Cangulo- Município de Duque de Caxias (RJ). Monografia (Licenciatura Plena em Geografia) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, Departamento de Formação de Professores, Duque de Caxias, 2009. 94 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Capítulo 6 Sazonalidade da dengue no estado do Rio de Janeiro no período de 2014 a 2018 Amanda Sotero Martins1 Resumo: O mosquito da espécie Aedes aegypti é o principal vetor da dengue no meio urbano, em regiões que possui condições climáticas favoráveis à proliferação e à sobrevivência desses mosquitos, aliadas à precariedade de infraestrutura urbana, de condições sanitárias, e do déficit de saneamento básico que reflete no suprimento irregular de água, provocando armazenamento, e problemas de coleta de resíduos sólidos, gerando acúmulo de material que servem de criadouros. Foi analisado a distribuição espacial e sazonal dos casos de infecções pelos vírus da dengue com ou sem internação reportados ao Sistema Nacional de Notificação Obrigatória, notificados nos municípios do estado do Rio de Janeiro e a relação da incidência destes casos com as estações seca e chuvosa, no período de 2014 a 2018. No período dos cinco anos de estudo foram registrados 119.077 casos de dengue. A taxa média de incidência nos cinco anos analisados foi de 1.164,9 casos/100.000 habitantes. As maiores taxas de incidência de dengue ocorreram nos períodos chuvosos. O índice de associação espacial, global de Moran, para os três anos epidêmicos (2015, 2016 e 2018) para a média da taxa de incidência acumulada de dengue foi 0,1434 (p=0,07), evidenciando uma correlação pouco significativa, mas com uma autocorrelação espacial positiva. A infestação do vetor Aedes aegypti pode ter crescido nos últimos anos, principalmente devido à expansão demográfica, associada às precárias condições de saneamento básico, gerando ambientes propícios para os criadouros do mosquito e sua disseminação por todo o país. Portanto, recomenda-se a eliminação dos possíveis criadouros dos mosquitos, como estratégia para evitar novos surtos da doença e controle. Palavras-chave: Dengue, Rio de Janeiro, Distribuição Temporal e Espacial, Aspectos Epidemiológicos, Sistemas de Informação Geográfica. 1 Pós-Graduação Lato Sensu (especialização) em Saúde Pública, Faculdade Iguaçu, Brasil. 95 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO O mosquito da espécie Aedes aegypti é o principal vetor da dengue no meio urbano de todas as regiões do Brasil (COELHO, 2012). A maior parte destas regiões possui condições climáticas favoráveis à proliferação e à sobrevivência desses mosquitos (TEIXEIRA et al., 2013), aliadas à precariedade de infraestrutura urbana, de condições sanitárias, e do déficit de saneamento básico que reflete no suprimento irregular de água, provocando armazenamento, e problemas de coleta de resíduos sólidos, gerando acúmulo de material que servem de criadouros. Além da não efetividade dos programas governamentais de controle de vetores (COELHO, 2012; COSTA et al., 2018). O mosquito A. aegypti é um holometábolo, portanto o seu desenvolvimento apresenta metamorfose completa, passando pelos estágios de ovo, larva, pupa e adulto (FUNASA, 2001). Para realizarem a postura de ovos, as fêmeas grávidas procuram locais com água parada, de preferência limpa, entretanto, há relatos da presença de larvas de A. aegypti em esgotos (PAPLOSKI et al 2016). A fecundação dos ovos se dá durante o momento da oviposição e logo são depositados na parede do recipiente acima do nível d’ágúa, completando o desenvolvimento em 48 horas em condições favoráveis de umidade e temperatura (NELSON, 1986; FUNASA, 2001). Figura 1 - Desenho esquemático do ciclo de vida do mosquito Aedes aegypti Fonte: modificado de CDC, 2022. A distribuição da espécie A. aegypti é fortemente influenciada pela sua natureza doméstica e intensa associação com o homem, permitindo que a espécie persista em locais que seriam inviáveis baseando-se somente em fatores climáticos. A temperatura influencia no ciclo de vida destes mosquitos (JANSEN & BEEBE, 2010; BENITÉZ et al., 2019). Atualmente, este mosquito é considerado cosmopolita, com registros de ocorrência 21 nos trópicos e subtrópicos. É raramente encontrado longe de aglomerados humanos, todavia, no Brasil restringe-se a cidades e vilarejos associado ao ambiente domiciliar e peridomiciliar humano. Durante décadas, trabalhou-se na perspectiva da erradicação do Aedes aegypti, tendo-se conseguido êxito por duas vezes. Entretanto, falhas na manutenção possibilitaram a ampla dispersão do vetor (FUNASA, 2001). Foi postulado que, devido às diferentes mudanças climáticas, o mosquito se apresentou em locais nos quais não era frequente, permitindo que o vírus se disseminasse de forma 96 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 descontrolada em diferentes regiões nas Américas (BENITÉZ et al., 2019), o que resultou em uma reintrodução da espécie no território brasileiro. A dinâmica sazonal dos vetores da dengue está associada às condições climáticas. Assim, o aumento da temperatura, do índice pluviométrico e da umidade do ar favorecem o aparecimento de maior número de criadouros para o desenvolvimento do inseto holometábolo, cujo ciclo de vida, passa por duas fases distintas: uma aquática na qual ocorrem as etapas de eclosão de ovo, desenvolvimento dos estágios de larva e de pupa, e a terrestre, que corresponde ao mosquito na forma adulta, que apresenta forma alada e maturidade reprodutiva, estando ambas as fases sujeitas às alterações ambientais e meteorológicas (TABACHNICK, 2010). A ocorrência de A. aegypti em escala global foi compilada por Kraemer et al. (2015a), que confeccionou mapas mostrando os locais com probabilidade de ocorrência do mosquito. Esta espécie está prevista para ocorrer nas regiões tropicais e subtropicais, concentrando-se na região Norte do Brasil e Sudeste asiático, porém, possui poucas áreas de adequação na Europa e na América do Norte temperada. Nas Américas, foi observado uma alta adequação para a ocorrência de A. aegypti no Brasil, estendendo-se ao norte da Argentina até a floresta amazônica (Figura 2). No continente africano, há relatos de ocorrência da espécie em mais de trinta países (KRAEMER et al., 2015a; KRAEMER et al., 2015b). Locais como Índia, sudeste asiático, leste da América do Sul, centro da África, Caribe e sul da América do Norte possuem as maiores projeções de aptidão, representados com as cores mais escuras no mapa (Figura 2). Austrália Oriental, Madagascar e as regiões costeiras do Oriente Médio também apresentam áreas de alta aptidão. Ao passo que Europa e áreas de florestas densas apresentam declínio acentuado (DICKENS et al., 2018). Figura 2 - Adequação da espécie A. aegypti em escala global. As regiões mais escuras representam as áreas de maior adaptabilidade para ocorrência deste mosquito Fonte: DICKENS et al., 2018. O mosquito A. aegypti é o principal vetor das arboviroses febre amarela urbana, dengue, Zika e Chikungunya. Essas doenças são causadas por vírus que são classificados como arbovírus, isto é, vírus que são transmitidos por artrópodes. Segundo a FUNASA (2010) a dengue dentre as doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado 97 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 (DRSAI), na classificação ambiental das infecções relacionadas com a água, na categoria das transmitidas por inseto vetor. O Atlas de Saneamento: abastecimento de água e esgotamento sanitário (IBGE, 2021) descreve a espacialidade dos dados relacionados a meio ambiente e saúde, e segundo essa referência, no período 2008 a 2019, foram notificados 11.881.430 casos de DRSAI no Brasil, com 4.877.618 internações no Sistema Único de Saúde (SUS). Dengue, Zika e Chikungunya foram a terceira causa de óbitos nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, sendo atribuído principalmente a ocorrência de esgoto a céu aberto, que colabora na proliferação dessas doenças, daí a correlação direta entre as enfermidades e o saneamento precário. O conhecimento da transmissão de patógenos humanos através de mosquitos levou os cientistas ao conceito de controle vetorial (SOUZA-NETO et al., 2019). A dengue é uma doença viral, envolvida com quatro sorotipos diferentes (DENV14), pertence à família Flaviridae e ao gênero Flavivírus. O genoma do vírus é composto por RNA de fita simples de polaridade positiva com aproximadamente 10,8 kb de comprimento (SALLES et al., 2018). Os dois primeiros vírus da dengue foram isolados em 1943 no Japão e em 1945 no Havaí, e foram nomeados como DENV1 e DENV2, respectivamente. Os primeiros relatos de DENV3 e DENV4 datam de 1953, ambos nas Filipinas e Tailândia (MESSINA et al., 2014). O vírus da dengue é responsável por infectar aproximadamente 390 milhões de pessoas por ano em todo o mundo (PORFIRIO, 2020). Este vírus infecta células de primatas não humanos e primatas humanos que foram picados pelo vetor, entretanto, apenas humanos manifestam sintomas clínicos. As manifestações clínicas da infecção pelos vírus da dengue podem variar, sendo assintomáticas ou apresentando sintomas como febre alta, dores de cabeça, mialgia, artralgia e em algumas vezes esses sintomas são acompanhados de erupção cutânea maculopapular (HEILMAN et al., 2014). Todavia, algumas pessoas podem desenvolver a forma grave da doença, que inclui sintomas como sangramento e comprometimento dos órgãos, podendo levar a óbito se não tratada de maneira adequada (ISLAM et al., 2015; OMS, 2023). Seguindo recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o diagnóstico de dengue é realizado através de métodos sorológicos e técnicas genômicas. No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda que todas as amostras consideradas suspeitas para dengue sejam sorotipadas (SALLES et al., 2018). Não há um tratamento específico para dengue. Em casos clássicos o paciente deve ser orientado a permanecer em repouso e iniciar hidratação oral. A medicação utilizada é para suporte com utilização de analgésicos e antitérmicos (GONÇALVES, 2019). Em alguns casos é necessário a hospitalização para que seja feita a reposição de líquidos e transfusão de sangue (VASCONCELLOS, 2021). O desenvolvimento de vacinas para a dengue representa um marco significativo na busca por estratégias eficazes da doença viral (OLIVEIRA & NETO, 2024). A vacina Dengvaxia® foi licenciada em vários países do continente americano, dentre eles o Brasil (SALLES et al., 2018) aprovada pela Anvisa licenciada para uso clínico no ano de 2015 (OLIVEIRA & NETO, 2024), todavia, a fabricante Sanofi Pasteur, recomenda que a administração da vacina ocorra apenas em pessoas que tiveram contato com o vírus da dengue, caso contrário, existe o risco do desenvolvimento da forma grave da doença após a vacinação (CDC, 2021). A vacina recém incorporada no Plano Nacional de Imunização (PNI), é a Qdenga®, do laboratório japonês Takeda Pharmaceutical Company, e trata-se de uma vacina do vírus da dengue atenuado, tetravalente (OLIVEIRA & NETO, 2024). Foi aprovada no Brasil em 2023, tornando-se a única vacina contra a dengue aprovada no país para utilização 98 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 tanto em indivíduos que já tiveram a doença ou não, sem necessidade de teste prévacinação (BRASIL, 2023). Em 1955, o Brasil foi considerado livre deste vetor, no entanto, ele foi reintroduzido em território nacional devido a fatores como falhas na vigilância epidemiológica, mudanças sociais e ambientais. O Plano de Erradicação do Aedes aegypti (PEAa) foi elaborado em 1996, tendo como principal objetivo a redução dos casos de dengue hemorrágica, contudo, o resultado não foi como o esperado. Em 2001, a meta de erradicar o mosquito no Brasil foi abandonada, sendo substituída por medidas que visam o controle vetorial (BRAGA & VALLE, 2007; SILVA E SCOPEL, 2008). No Brasil, as principais estratégias de controle adotadas são o controle mecânico e o controle químico, que são realizados com o auxílio dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Combate a Endemias (ACE), em colaboração com a população. Como complemento a estas estratégias, também são realizadas ações educativas durante as visitas dos agentes comunitários, que tem como designo garantir a sustentabilidade na extinção dos criadouros pelos donos das residências, em uma tentativa de romper a cadeia de transmissão das doenças (ZARA et al., 2016). O estado do Rio de Janeiro, localizado na região sudeste do Brasil, apresenta cerca de 16 milhões habitantes, o terceiro maior do país, e densidade demográfica de 366,97 habitantes/km² (IBGE, 2022). Possui 92 municípios dispostos em oito regiões de governo que apresentam afinidades socioeconômicas, demográficas e fisiográficas (Figura 3). Segundo Arouca et al. (2020), as regiões mais desenvolvidas e com presença industrial são a Região Metropolitana, Médio Paraíba e Norte Fluminense. A Região Metropolitana concentra capital, infraestrutura e força de trabalho. Constitui-se também em espaço de pressão social marcado por grandes contradições, pois o crescimento econômico não caminha com o atendimento das necessidades básicas da população. A Região do Médio Paraíba, depois da Metropolitana, é a mais industrializada do estado, tendo como destaque a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A Região Norte Fluminense é caracterizada pela agroindústria, no entanto, nas últimas décadas, o petróleo e gás natural assumiram importante papel na economia, colocando-a como uma das regiões com principais atividades econômicas do estado (CEPERJ, 2014). As demais regiões correspondem às Regiões Serrana, Baixadas Litorâneas, Costa Verde, Noroeste Fluminense e Centro-Sul Fluminense. A Região Serrana é caracterizada pelas atividades industriais e turísticas, enquanto o forte turismo e lazer na Região das Baixadas Litorâneas, nas últimas décadas, tem causado degradação ambiental, como o aúmento de despejo de esgoto “in natúra”. Assim como a Região da Costa Verde, conhecida pelas suas belezas naturais, que apresenta desenvolvimento da atividade turística. Por fim, a Região Noroeste Fluminense é marcada pela agropecuária, enquanto a Região Centro-Sul Fluminense possui a economia apoiada na criação de gado, olericultura e no turismo (CEPERJ, 2014). 99 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 3 - Mapa das regiões de governo e municípios do estado do Rio de Janeiro Fonte: Arouca et al., 2020. O Estado do Rio de Janeiro, se situa na orla litorânea da costa leste do território brasileiro e apresenta diferentes padrões climáticos. O conhecimento dos elementos de clima dessas regiões pluviometricamente homogêneas é uma importante ferramenta a compreensão dos processos climatológicos de uma região (ANDRÉ et al., 2008). Fatores como para a temperatura mínima, a altitude e a proximidade do mar também contribuem para a variação local desta variável (SILVA & DERECZYNSKI, 2014). O trabalho de Silva & Dereczynski (2014) mostra que as menores temperaturas máximas anuais oscilam entre 21,5 e 23°C no inverno e entre 26 e 27,5°C no verão na região Serrana. Já os valores mais elevados encontram-se na região Metropolitana e no Norte/ Noroeste Fluminense, oscilando na sua maior parte entre 26 e 27,5°C no inverno e entre 32 e 33,5°C no verão, onde as ilhas de calor urbanas também devem ser consideradas um fator que altera o campo de temperatura. No verão, a temperatura pode chegar a 40ºC, e nas noites de inverno pode cair a 15ºC. Ocasionalmente, um período de uma a duas semanas quente (o chamado veranico) pode ocorrer dentro do inverno, com temperaturas chegando a 30ºC. A primavera é a estação mais agradável, com temperaturas na faixa de 20 a 30ºC (Câmara et al. 2009). Em contraste, as regiões mais afastadas do oceano possuem um maior média anual das amplitudes térmicas diárias (cerca de 10 a 13°C) em função de não sofrerem a influência marítima (SILVA & DERECZYNSKI, 2014). A literatura indica que no decorrer do ano a distribuição maior parte da precipitação da região pode ocorrer nos períodos entre outubro a março ou dezembro a março, enquanto os meses mais secos entre junho a agosto e junho a setembro (ANDRÉ et al., 2008; SILVA & DERECZYNSKI, 2014). Estando os meses mais quentes 100 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 compreendidos entre novembro e abril e os mais frios, entre maio e outubro. De acordo com FIDERJ (1978), o período chuvoso da região concentra-se nos meses de novembro a abril e o período seco de maio a outubro. No Estado do Rio de Janeiro, os maiores índices pluviométricos médios anuais encontram-se na divisa da região Metropolitana e das Baixadas Litorâneas com a região Serrana. Os menores índices pluviométricos anuais são observados nas áreas das Baixadas Litorâneas, mais próximas ao mar, e na maior parte do Norte/Noroeste Fluminense (SILVA & DERECZYNSKI, 2014). Figura 4 - Totais pluviométricos (mm) anuais no Estado do Rio de Janeiro. Valores médios no período 1961 – 2012 a partir dos dados observacionais do INMET, da ANA e do Alerta Rio Distribuição de chuvas anuais no Rio de Janeiro de 1971 a 2000 Fonte: Silva & Dereczynski, 2014. Nesse contexto, este estudo objetivou analisar a distribuição espacial e sazonal dos casos de infecções pelos vírus da dengue com ou sem internação, notificados nos municípios do estado do Rio de Janeiro e a relação da incidência destes casos com os períodos de seca e chuvoso, no período de 2014 a 2018. 2. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho descritivo, de base ecológica, foi realizado tendo como base a análise espacial dos registros de casos de dengue que ocorreram no estado do Rio de Janeiro reportados ao Sistema Nacional de Notificação Obrigatória (SINAN) durante o período de janeiro de 2014 a dezembro de 2018, utilizando o município, como a unidade de análise. O estado do Rio de Janeiro, localizado na região Sudeste do Brasil, é o terceiro mais populoso do país, ocupando uma área de 43.750 Km2, dividida em 92 municípios (Figura 5). A média do número de casos nos três períodos epidêmicos, 2015, 2016, e 2018, foi analisada em relação as qúatro estações climáticas − considerando como período mais seco (abril a setembro), determinado pelas estações do inverno e primavera; e como 101 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 período mais chuvoso (outubro a março), determinado pelas estações do verão e outono − notificado como a data de início dos sintomas para os casos. Os dados foram obtidos do TabNet (DataSUS). Esses dados foram extraídos e organizados em planilhas do Excel versão 2010. Para efeito deste estudo, a taxa de incidência acumulada dos casos de dengue por 100.000 habitantes (número de casos acumulados/número de habitantes no município *100.000) foi a variável dependente considerada. As variáveis independentes consideradas foram obtidas do Sistema Nacional de Informação em Saneamento (SNIS) para o ano de 2018, para o índice de acesso a água e o índice de coleta de esgoto, que indicam a situação de acesso ao saneamento básico. As estimativas populacionais por município para os anos do período de estudo (2014 a 2018) foram obtidas no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Figura 5. Área de Estudo: 92 municípios do estado do Rio de Janeiro Fonte: Esse trabalho. As análises descritivas foram realizadas utilizando-se o software jamovi 2.3.26. A significância foi estabelecida em 5% (p < 0,05). Na elaboração dos mapas temáticos foi utilizado o programa QGIS 2.18.4 (Las Palma), e a estatística espacial de Moran que foi executada no programa TerraView Social Policies 4.2.2. A partir dos dados médios dos três anos mais epidêmicos do no período chuvoso, foram calculados os índices globais (Box Map) e os locais (Moran Map) de Moran, a fim de aferir a intensidade da autocorrelação espacial, ou seja, com as taxas médias de incidência no período chuvoso, correlacionadas dentro do espaço geográfico nos diferentes períodos climáticos. 3. RESULTADOS No estado do Rio de Janeiro, no período dos cinco anos de estudo (2014 a 2018), foram registrados 196.077 casos de dengue. A taxa média de incidência nos cinco anos analisados foi de 1.164,9 casos/100.000 habitantes. As maiores taxas medias de incidência foram registradas nos anos epidêmicos de 2015, 2016, e de 2018, sendo 1.308,7 casos/100.000 hab., 1.281,2 e 87,9 casos/100.000 hab., respectivamente. No ano de 2016, foi o ano com os maiores valores de incidência acumulada (Figura 6). 102 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 6 – Taxa de incidência acumulada da dengue em cada município do Estado do Rio de Janeiro, no período de 2014 a 2018 Fonte: Esse trabalho. Destaca-se que, no ano de 2016, todos os municípios tiveram registros de casos de dengue. Enquanto nos outros dois anos epidêmicos, de 2015 e 2018, os registros da doença não foram notificados em 2 e 5 municípios, respectivamente. Avaliando a sazonalidade da taxa de incidência, nos períodos secos e chuvosos, as maiores taxas de incidência de dengue ocorreram nos períodos chuvosos, com valor médio de 357,64, enquanto o valor médio no período seco foi de 83,8 (Figura 7). Figura 7. Distribuição sazonal da taxa de incidência média dos anos epidêmicos de dengue, nos períodos seco e chuvoso Fonte: Esse trabalho. A sazonalidade da taxa de incidência média por estação climática − nos períodos do verão (dez, jan, fev), outono (mar, abril, mai), inverno (jun, jul, ago) e primavera (set, oút, nov) − de forma coincidente foram maiores nas estações consideradas chúvosas, com valor médio encontrado de 340,7 para o verão e 374,6 para o outono e de 112,3 para o inverno e 55,3 para a primavera. As maiores taxas de incidência de dengue ocorreram nos períodos do final do verão e no outono (Figura 8), alguns municípios não declararam casos, por isso a ausência do polígono de representação, como o de Campos dos Goytacases, que está ausente no verão e no inverno. 103 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 8 – Distribuição sazonal da taxa média de incidência dos três anos epidêmicos de dengue, nos períodos das estações do verão, outono, inverno e primavera Fonte: Esse trabalho. A análise espacial dos índices percentuais de acesso à água e de coleta de esgoto do banco de dados do SNIS (SNIS, 2018), demostra que 55 municípios estão na melhor faixa de acesso a água (75-100%), destacados na Figura 9-A na cor azul escuro. Percebese que os municípios em azul mais claro (0-25%) são os que não tem acesso à água pela rede, portanto são regiões onde devem acontecer maiores reservas caseiras de água e acesso de água com qualidade duvidosa (SOTERO-MARTINS et al., 2020). Na condição de deficiência na coleta de esgoto os dados apontam que cerca de 52 municípios estavam na pior faixa, embora apenas 8 estavam declarados na base de dados do SNIS como na faixa de 0 a 25% de coleta de esgoto, 44 municípios não estavam com descrição sobre a coleta de esgoto, portanto conclui-se que nesses também não possuem coleta de esgoto, ou seja a maioria (56,5%) dos municípios estão em condições precárias de esgotamento sanitário (Figura 9-B). Figura 9 - Distribuição das proporções dos dados de saneamento (A – índice de acesso à água e B- índice de coleta de esgoto) nos municípios do Rio de Janeiro As análises espaciais, relativas ao índice global de Moran, forneceram um valor único como medida de associação espacial para todo conjunto de municípios. Nos três anos epidêmicos considerados (2015, 2016, e de 2018) a taxa média de incidência acumulada de dengue teve índice de Moran de 0,1434 (p=0,07), evidenciando uma correlação pouco significativa (p>0,05), mas com uma autocorrelação espacial positiva. Os resultados da avaliação espacial global (BoxMap) para a taxa média de incidência (Figura 10), mostrou associação espacial positiva para 62 municípios (grupos Q1 e Q2). Enquanto pelo Moran Map (Moran Local), onde a dependência espacial local 104 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 mais pronunciada é avaliada, foram apontados 69 municípios como não estatisticamente significantes (em branco), mas apontou 5 municípios como áreas críticas de ocorrência de dengue no período chuvoso, são eles: Bom Jesus; Varre-Sai, Itaperuna; Resende e Macuco. Figura 10 - Análise de global de Moran (Box Map) e local (Moran Map), para as taxas médias de incidência nos três anos epidêmicos no período chuvoso 4. DISCUSSÃO As análises espaciais dos casos no período chuvoso, considerando o índice global de Moran, forneceram um valor único como medida de associação espacial. Para a taxa de incidência acumulada dos casos de dengue, evidenciou-se p>0,05, portanto não significativa, porém com um índice de associação positiva para as taxas médias de internação nos três anos epidêmicos no período chuvoso. A falta de notificação de casos em municípios do estado do RJ nos anos epidêmicos de 2015, 2016 e 2018 foi baixa, não tendo nenhum município sem notificação para o ano de 2016. Assim, o retrato epidêmico, nos anos de maior incidência, parece ter sido bem relatado diante do quadro real. A infestação do vetor Aedes aegypti cresceu nos últimos anos, e acompanhou à expansão das cidades, tanto no aspecto territorial quanto no aspecto demográfico, sem planejamento associada às precárias condições de saneamento básico, gerando ambientes propícios para os criadouros do mosquito e sua disseminação por todo o país (COSTA & NATAL, 1998; FLAUZINO, SANTOS e OLIVEIRA, 2011). Além disso, o déficit no sistema de abastecimento de água de muitos municípios em regiões menos desenvolvidas do Rio de Janeiro, faz com que o hábito de armazenar água em reservatórios domésticos se perpetue, podendo ser estes reservatórios, os principais ambientes para proliferação dos mosquitos (SALDANHA & ALVES, 2016). Outro aspecto relevante é a circulação de diferentes sorotipos de dengue (DENV1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) que ampliam a frequência dos casos de dengue, tanto em períodos seco quanto em chuvoso, em decorrência da capacidade de adaptação dos A. aegypti ao ambiente urbano em função dos numerosos tipos de criadouros disponíveis. Portanto, os insetos vetores não dependem exclusivamente dos fatores abióticos, pois podem sobreviver, em baixa densidade, ou na forma de ovo, durante os meses menos favoráveis em termos climáticos, apontando assim a relevância da manutenção das ações de vigilância e controle dos vetores durante todo o ano (VIANA & IGNOTTI, 2013). 105 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Principalmente nas áreas de alta prioridade apontadas pelo Moran Map, nos 5 municípios que foram áreas críticas de ocorrência de dengue no período chuvoso dos anos epidêmicos (Bom Jesus; Varre-Sai, Itaperuna; Resende e Macuco). 5. CONCLUSÃO A falta de infraestrutura urbana, as características meteorológicas e ambientais favorecem a manutenção da doença dengue em muitas áreas. Na maioria dos trabalhos desenvolvidos em diferentes regiões, descreve, que o pico de densidade vetorial ocorre no período chuvoso, sugerindo a pluviosidade como o fator mais importante para o incremento da população dos vetores. Nesse sentido, ressalta-se que o ciclo de chuvas no Rio de Janeiro apresenta características marcantes climáticas, que são os meses mais chuvosos entre novembro (final da primavera), dezembro, janeiro, fevereiro (todos os meses do verão) e março (início do outono), com valores em torno de 117 a 172 mm de chuvas, e entre 10 a 12 dias com chuvas/mês, além de muitas horas com sol (média de 9,8 horas com sol), e umidade relativa do ar em média de 79% (CLIMATE DATA, 2023). Dessa forma, recomenda-se a eliminação dos possíveis criadouros dos mosquitos, como estratégia para evitar novos surtos da doença. Percebe-se ainda que, as políticas adotadas para controle e prevenção da dengue não vêm apresentando efetividade, seja em virtude da complexidade da biologia do vetor, com grande capacidade de adaptação ao ambiente urbano, seja pela dificuldade técnica e operacional de se implantarem estratégias de controle da infestação que sejam capazes de reduzir a procriação dos vetores, visto que os períodos analisados foram anos de estiagem prolongada, e a população precisou realizar armazenamento de água nos domicílios por longo período. REFERENCIAS [1] ANDRÉ, R. G. B.; MARQUES, V. S.; PINHEIRO, F. M.; FERRAUDO, A. S. Identificação de regiões pluviometricamente homogêneas no Estado do Rio de Janeiro, utilizando-se valores mensais. Rev. bras. meteorol. 23 (4) • Dez 2008 [2] AROUCA, M. C. G.; STRAUCH, J. C. M.; FRANCISCO , C. N. Análise socioespacial das doenças relacionadas ao saneamento ambiental nos Municípios Fluminenses. 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Nesse estudo foi analisado a distribuição espacial e sazonal dos casos de infecções pelos vírus da dengue com ou sem internação reportados ao Sistema Nacional de Notificação Obrigatória, notificados nos municípios do estado do Maranhão e a relação da incidência destes casos com as estações seca e chuvosa, no período de 2012 a 2016. No período dos cinco anos de estudo (2012 a 2016), foram registrados 77.873 casos de dengue, sendo notificados apenas 28 óbitos, dentre as 18.680 internações hospitalares registradas da doença. A taxa média de incidência nos cinco anos analisados foi de 225,5 casos/100.000 habitante.; taxa média de mortalidade de 3,3 óbitos/100.000 hab.; e a taxa média de internações foi de 54,5/100.000 hab. As maiores taxas de incidência de dengue ocorreram nos períodos chuvosos. O índice de associação espacial, global de Moran, para os três anos epidêmicos (2013, 2015 e 2016) para a média da taxa de incidência acumulada de dengue foi 0,15387 (p=0,01), evidenciando uma correlação significativa, e com uma autocorrelação espacial positiva. A infestação do vetor Aedes aegypti pode ter crescido nos últimos anos, devido à expansão das cidades, tanto no aspecto territorial quanto no aspecto demográfico, sem planejamento associada às precárias condições de saneamento básico, gerando ambientes propícios para os criadouros do mosquito e sua disseminação por todo o país. Portanto, recomenda-se a eliminação dos possíveis criadouros dos mosquitos, como estratégia para evitar novos surtos da doença. Palavras-chave: Dengue, Maranhão, Distribuição Temporal e Espacial, Aspectos Epidemiológicos, Sistemas de Informação Geográfica. Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental, Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ). Programas de Pos-Gradúaçao Stricto Sensú em Saúde Pública e Meio Ambiente, Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ). 3 Instituto Federal do Maranhão, Campus Timon, MA. 4 Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular de Vetores, Departamento de Bioquímica, Instituto de Química Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). (IQ/UFRJ). 5 Departamento de Virologia, Institúto de Microbiologia Paúlo de Goes, Centro de Ciencias da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). (CCS/UFRJ). 1 2 109 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO O mosquito da espécie Aedes aegypti é o principal vetor da dengue no meio urbano de todas as regiões do Brasil1. A maior parte destas regiões possui condições climáticas favoráveis à proliferação e à sobrevivência desses mosquitos2, aliadas à precariedade de infraestrutura urbana, de condições sanitárias, e do déficit de saneamento básico que reflete no suprimento irregular de água, provocando armazenamento, e problemas de coleta de resíduos sólidos, gerando acúmulo de material que servem de criadouros. Além da não efetividade dos programas governamentais de controle de vetores1,3. A dinâmica sazonal dos vetores da dengue está associada às condições climáticas. Assim, o aumento da temperatura, do índice pluviométrico e da umidade do ar favorecem o aparecimento de maior número de criadouros para o desenvolvimento do inseto holometábolo, cujo ciclo de vida, passa por duas fases distintas: uma aquática na qual ocorrem as etapas de eclosão de ovo, desenvolvimento dos estágios de larva e de pupa, e a terrestre, que corresponde ao mosquito na forma adulta, que apresenta forma alada e maturidade reprodutiva, estando ambas as fases sujeitas às alterações ambientais e meteorológicas4. De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o estado do Maranhão está situado numa região transicional entre condições mais secas que caracterizam o semiárido do Nordeste e as condições úmidas do Norte e da Amazônia 5,6. Para Silva et al.6, o estado apresenta pelo menos seis meses de padrão semiárido, e possui quatro tipos climáticos: (1) Equatorial: quente (média maior que 18 °C em todos os meses), úmido (3 meses secos); (2) Tropical Brasil Central: quente (média maior que 18 °C em todos os meses),semiúmido (4 a 5 meses secos); (3) Tropical Zonal Equatorial: quente (média maior que 18 °C em todos os meses), semiárido (6 meses secos); (4) Tropical Zonal Equatorial: quente (média maior que 18 °C em todos os meses), semiúmido (4 a 5 meses secos). Considera-se também que existem disparidades na notificação de doenças, devido às dificuldades enfrentadas com relação a cobertura laboratorial, aparato tecnológico e humano para realização de registros, de forma que a região Nordeste, encontra-se em meio às problemáticas notificatórias nos bancos de dados que são usados para o desenvolvimento de políticas para erradicação de doenças7. Nesse contexto, este estudo objetivou analisar a distribuição espacial e sazonal dos casos de infecções pelos vírus da dengue com ou sem internação, notificados nos municípios do estado do Maranhão e a relação da incidência destes casos com as estações seca e chuvosa, no período de 2012 a 2016. 2. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho descritivo, de base ecológica, foi realizado tendo como base a análise espacial dos registros de casos de dengue que ocorreram no estado do Maranhão e foram reportados ao Sistema Nacional de Notificação Obrigatória (SINAN)8 durante o período de janeiro de 2012 a dezembro de 2016, utilizando o município, como a unidade de análise. A média do número de casos nos três períodos epidêmicos (2013, 2015 e 2016) foi analisada em relação aos dois períodos climáticos, o período seco (abril a setembro) e o 110 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 período chuvoso (outubro a março), notificado como a data de início dos sintomas para os casos. O estado do Maranhão, localizado na região Nordeste do Brasil, é o segundo em extensão territorial, ocupando uma área de 331.983 Km2, dividida em 217 municípios (Figura 1). Os dados foram obtidos do TabNet (DataSUS)9. Esses dados foram extraídos e organizados em planilhas do Excel versão 2010. Para efeito deste estudo, a taxa de incidência acumulada dos casos de dengue por 100.000 habitantes (número de casos acumulados/número de habitantes no município *100.000) e taxa de internação (número de internações/número de habitantes no município *100.000), foram as variáveis dependentes consideradas. A variável independente considerada foi o produto interno bruto (PIB) per capita, que indica o nível de riqueza econômica das regiões, correlacionado com a população estimada de cada ano. As estimativas populacionais por município para os anos do período de estudo (2012 a 2016) foram obtidas no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10. Figura 1. Área de Estudo Fonte: Sotero-Martins, A. As análises descritivas foram realizadas utilizando-se o software BioEstat®. A significância foi estabelecida em 5% (p < 0,05). Na elaboração dos mapas temáticos foi utilizado o programa QGIS 2.18.4 (Las Palma), e a estatística espacial de Moran que foi executada no programa TerraView Social Policies 4.2.2. A partir dos dados médios dos cinco anos foram calculados os índices globais (Box Map) e os locais (Moran Map) de Moran, a fim de aferir a intensidade da autocorrelação espacial, ou seja, com as taxas médias de incidência e de internação, correlacionadas dentro do espaço geográfico nos dois diferentes períodos climáticos. 111 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 3. RESULTADOS No estado do Maranhão, no período dos cinco anos de estudo (2012 a 2016), foram registrados 77.873 casos de dengue, sendo notificados apenas 28 óbitos, dentre as 18.680 internações hospitalares registradas psra a doença. A taxa média de incidência nos cinco anos analisados foi de 225,5 casos/100.000 hab.; taxa média de mortalidade de 3,3 óbitos/100.000 hab.; e a taxa média de internações foi de 54,5/100.000 hab. As maiores taxas de incidência foram registradas nos anos epidemicos de 2013, 2015, e de 2016, com 100,5 casos/100.000 hab, 648,3 casos/100.000 hab e 223,5 casos/100.000 hab, respectivamente. No ano de 2015, os valores mais elevados de incidência acumulada e de mortalidade foram registrados na cidade de Campestre do Maranhão, com 4.662 casos/100.000 hab. Destaca-se que, no ano de 2013, em 53 municípios não constam registros de casos de dengue. Enquanto, nos anos de 2015 e 2016, os registros da doença não foram notificados em 76 e em 61 municípios, respectivamente. Com relação aos óbitos, a falta de notificação foi, provavelmente, ainda mais notória, pois, em 2013, não constam notificações de óbitos por dengue em 214 municípios. E nos anos de 2015 e 2016, respectivamente, 215 e 211 municípios não registram óbitos pela doença. Avaliando a sazonalidade da taxa de incidência, nos períodos secos e chuvosos, as maiores taxas de incidência de dengue ocorreram nos períodos chuvosos (Figura 2). Figura 2. Distribuição sazonal da taxa de incidência média dos anos epidêmicos de dengue, nos períodos seco (estiagem) e chuvoso As análises espaciais, relativas ao índice global de Moran, forneceram um valor único como medida de associação espacial para todo o conjunto de municípios. Nos três anos epidêmicos considerados (2013, 2015 e 2016) a média da taxa de incidência acumulada de dengue teve índice de Moran de 0,15387 (p=0,01), evidenciando uma correlação significativa, e com uma autocorrelação espacial positiva. Porém, a taxa média de internação nos respectivos anos foi considerada espacialmente inversa e sem significância (índice global de Moran= - 0,00017, p=0,49). Os resultados da avaliação espacial global (BoxMap) para a taxa média de incidência (Figura 3), mostrou associação espacial positiva para 142 municípios (grupos 112 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Q1 e Q2). Porém para a taxa média de internação com associação espacial encontrada foi apenas para 116 municípios. Figura 3. Análise de Global de Moran, para as taxas médias de incidência e de internação nos anos epidêmicos de 2013, 2015 e 2016 4. DISCUSSÃO As análises espaciais, considerando o índice global de Moran, forneceram um valor único como medida de associação especial. Para a taxa de incidência acumulada dos casos de dengue, evidenciou-se uma correlação significativa, com um índice de associação positiva e significativa, para as taxas médias de internação nos três anos epidêmicos também corroborou com o dado observados na maioria dos municípios (Figura 3). A falta de notificação de casos em 29% dos municípios do estado do MA, e a falta de registros de óbitos, em cerca de 98% dos municípios, nos anos epidêmicos de 2013, 2015 e 2016, podem ser considerados como despreparo gerencial das administrações ou como consequência do efeito seletivo exercido por surtos ou epidemias de dengue ocorridos no passado. Assim, o relato epidêmico, nos anos de maior incidência, pode ter sido ainda mais grave do que os analisados, e os valores mencionados podem estar subestimados diante do quadro real. Considerando ainda que, os dados sobre óbitos por dengue analisados foram apenas aos associados aos casos graves, em que a evolução foi descrita como "óbito pelo agravo notificado", com confirmação laboratorial e clínicoepidemiológica. A infestação do vetor Aedes aegypti cresceu nos últimos anos, e acompanhou à expansão das cidades, tanto no aspecto territorial quanto no aspecto demográfico, sem planejamento associada às precárias condições de saneamento básico, gerando ambientes propícios para os criadouros do mosquito e sua disseminação por todo o país11, 12. Além disso, o déficit no sistema de abastecimento de água de muitos municípios do MA, faz com que o hábito de armazenar água em reservatórios domésticos se perpetue, podendo ser estes reservatórios, os principais ambientes para proliferação dos mosquitos12. Neri et al. observaram na cidade de Timon – MA, que os moradores dos bairros com mais reservação de água eram os em condições de déficit de saneamento13. Outro aspecto relevante é a circulação de diferentes sorotipos de dengue (DENV1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) que ampliam a frequência dos casos de dengue, tanto em 113 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 períodos seco quanto em chuvoso, em decorrência da capacidade de adaptação dos A. aegypti ao ambiente urbano em função dos numerosos tipos de criadouros disponíveis. Portanto, os insetos vetores não dependem exclusivamente dos fatores abióticos, pois podem sobreviver, em baixa densidade, ou na forma de ovo, durante os meses menos favoráveis em termos climáticos, apontando assim a relevância da manutenção das ações de vigilância e controle dos vetores durante todo o ano14. 5. CONCLUSÃO A falta de infraestrutura urbana, as características meteorológicas e ambientais favorecem a manutenção da doença dengue em muitas áreas. Na maioria dos trabalhos desenvolvidos em diferentes regiões, descreve, que o pico de densidade vetorial ocorre no período chuvoso, sugerindo a pluviosidade como o fator mais importante para o incremento da população dos vetores. Nesse sentido, ressalta-se que o ciclo de chuvas no Maranhão apresenta características peculiares de acordo com os diferentes compartimentos climáticos nas distintas macrorregiões geográficas, tendendo a uma distribuição da precipitação pluviométrica de forma homogênea, visto que a sazonalidade ocorre em estações semelhantes. Dessa forma, recomenda-se a eliminação dos possíveis criadouros dos mosquitos, como estratégia para evitar novos surtos da doença. Percebe-se ainda que, as políticas adotadas para controle e prevenção da dengue não vêm apresentando efetividade, seja em virtude da complexidade da biologia do vetor, com grande capacidade de adaptação ao ambiente urbano, seja pela dificuldade técnica e operacional de se implantarem estratégias de controle da infestação que sejam capazes de reduzir a procriação dos vetores, visto que os períodos analisados foram anos de estiagem prolongada, e a população precisou realizar armazenamento de água nos domicílios por longo período. REFERÊNCIAS [1] COELHO G.E. Challenges in the control of Aedes aegypti. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo, 54 (18), 1314, 2012. [2] Teixeira MG, Siqueira, JB Jr, Ferreira GLC, Bricks L, Joint G () Epidemiological Trends of Dengue Disease in Brazil (2000–2010): A Systematic Literature Search and Analysis. PLOS Neglected Tropical Diseases 7(12): e2520. 2013 https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0002520 [3] COSTA, S.S.B. et al,. 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Gostos e odores na água da torneira são problemas relacionados a condições imprópria para consumo humano previsto na Portaria de Potabilidades brasileira, que levam a reclamações de consumidores principalmente durante o verão, quando ocorrer alto crescimento de cianobactérias produtoras dos compostos geosmina e o 2-metilisoborneol (2MIB). Foi realizada revisão de literatura utilizando como base as publicações relacionadas ao tema do grupo de pesquisa “Saúde, Ambiente e Saneamento” da ENSP/FIOCRUZ. Foram considerados qúatro qúesitos principais de avaliação: elementos indicadores da qualidade sanitária; motivos para estar fora da qualidade sanitária; caracterização do problema devido a não conformidade; e caracterização de indicadores para resolver o problema. Dados levantados permitiram concluir que a água entregue pela rede de abastecimento da CEDAE para a população da região Metropolitana do Rio de Janeiro apresentou alteração no padrão organoléptico (gosto e odor) nos períodos de 2020 e 2021. E que as medidas para retirar os compostos foram mais eficazes no ano de 2021, mas não eliminaram o problema. Assim como outras alterações nos padrões de potabilidade da água nos mesmos anos, entre janeiro, fevereiro e março, conforme relatado nos laudos do INEA e dados do VIGIAGUA, portanto com violações do enquadramento classe 2 principalmente no parâmetro coliformes termotolerantes. Modificações no sistema de vigilância da qualidade da água captada e de consumo precisam ser adotadas para contornar os problemas de proliferação de cianobactérias na Bacia do Guandu, pois condições favoráveis ao boom podem acontecer enquanto não forem resolvidos os problemas de saneamento dessa bacia hidrográfica. Palavras-Chave: água de consumo, saúde pública, geosmina, 2-MIB propriedades organolépticas, eutrofização, Qualidade da água Rio guandu. Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Aroúca. Fúndaçao Oswaldo Crúz (FIOCRUZ), 2 Programa de Doútorado em Saúde Pública e Meio Ambiente. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Aroúca. Fúndaçao Oswaldo Crúz (FIOCRUZ), 3 Defensoria Pública do Rio de Janeiro, atraves do Núcleo de Defesa do Direito do Consúmidor (Núdecon) 4 Institúto de Biologia Roberto Alcantara Gomes. Departamento de Biologia Celúlar. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 1 116 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO A Região Metropolitana do Rio de Janeiro é majoritariamente abastecida pela Estação de Tratamento de Água do Guandu (ETA-Guandu), que atende a cerca de 9 milhões de pessoas na região. A ETA-Guandu, sob operação da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE), tem a Bacia Hidrográfica do Guandu como principal ponto de captação de água para o tratamento (SOTERO-MARTINS et al, 2021). A Bacia Hidrográfica do Guandu possui elevado nível de eutrofização, como consequência da carga de esgoto bruto despejada nesta, proveniente das cidades a montante do ponto de captação. Com isso, a bacia possui alta poluição por efluentes sanitários e industriais e, ainda assim, a água é captada para tratamento e distribuição pela ETA. Nesse sentido, a água de abastecimento fornecida é proveniente de um reúso indireto e não intencional, responsáveis por uma série de problemas na qualidade da água de consumo da população (SOTERO-MARTINS et al, 2020; SOTERO-MARTINS et al, 2021). A eutrofização da água favorece o crescimento de microrganismos, havendo um aumento da biomassa cianobacteriana que causam florações e impactam na segurança da água. Além disso, as cianobactérias capazes de produzir cianotoxinas representam risco à saúde humana, sobretudo quando presentes em pontos de captação de água para consumo humano (MOURA et al., 2020; SOTERO-MARTINS et al, 2021). Nesse cenário, no ponto de captação da ETA-Guandu ocorreu um aumento da proliferação de cianobactérias, bem como a ocorrência de geosmina e 2-metilisoborneol (2-MIB), que gerou uma série de alterações na qualidade da água (MOURA et al., 2020). Nos períodos de verão dos anos de 2020 e 2021, a população da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro receberam água provenientes da ETA-Guandu com gosto e odor e, além disso alguns consumidores relataram turbidez incomum (MOURA et al., 2020; SOTERO-MARTINS et al., 2021). Segundo dados do Sistema Nacional De Informações Sobre Saneamento (SNIS), a RMRJ possui 80% do abastecimento dependente da ETA Guandu, com quantidades significativas de ligações ativas nos municípios de: Belford Roxo, Duque de Caxias, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados, Rio de Janeiro e São João de Meriti, totalizando 1.628.882 ligações ativas. A produção de geosmina e 2-metilisoborneol (2-MIB), por cianobactérias, são um dos principais problemas enfrentados pelas concessionárias responsáveis pelo tratamento de água, sobretudo no verão, quando a temperatura e luminosidade favorecem o crescimento desses microrganismos (SOTERO-MARTINS et al, 2021). Ainda que a legislação brasileira não estabeleça valores limites dessas duas substâncias na água potável, estas causam gosto e odor na mesma, cuja limitação está descrita na Portaria de Potabilidade da água, definida pelo Ministério da Saúde. Nesse sentido, o objetivo do trabalho foi estabelecer os problemas relacionados a qualidade da água de abastecimento proveniente da Estação de Tratamento de Água do Guandu, nos verões de 2020 e 2021, ocasionando em crises de abastecimento de água nos municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. 2. METODOLOGIA 2.1. ÁREA DE ESTUDO O estudo foi realizado considerando a operação da Estação de Tratamento de Água do Guandu (ETA-Guandu), operado pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio 117 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 de Janeiro (CEDAE). A ETA-Guandu está localizada o município de Nova Iguaçu, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) (Figura 1). É responsável pelo abastecimento de cerca de 80% da RMRJ, atendendo mais de 9 milhões de pessoas, com uma vazão de funcionamento de 43.000 l/s (SOTERO-MARTINS et al, 2021). Figura 1 - Localização da Estação de Tratamento de Água do Guandu (ETA-Guandu) no município de Nova Iguaçu/RJ Fonte: Sotero-Martins et al. (2021). A ETA-Guandu tem como principal manancial de captação o Rio Guandu, que passa por oito municípios do Estado do Rio de Janeiro: Piraí, Paracambi, Itaguaí, Seropédica, Japeri, Queimados, Nova Iguaçu e Rio de Janeiro. Após a chegada da água bruta na estação de tratamento, esta é submetida ao processo de tratamento convencional da água, que inclui as seguintes etapas: coagulação química, floculação, decantação, filtração, fluoretação, desinfecção com cloro e correção do pH (CEDAE, 2024; SOTERO-MARTINS et al, 2021). 2.2. COLETA E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES A fim de analisar os dados científicos referente a presença de Geosmina e de 2metilisoborneol (2-MIB), que causaram alterações na qualidade da água de abastecimento, foi realizada uma revisão de literatura utilizando como base as publicações relacionadas ao tema do grúpo de pesqúisa “Saúde, Ambiente e Saneamento”, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/FIOCRUZ). Para tanto, foram considerados quatro quesitos principais de avaliação: elementos indicadores da qualidade sanitária; motivos para estar fora da qualidade sanitária; caracterização do problema devido a não conformidade; e caracterização de indicadores para resolver o problema. Estes quesitos foram utilizados para elaboração de um relatório para a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, através do Núcleo de Defesa do Consumidor (NUDECON), em resposta ao Processo de Ação Civil Pública nº 004025934.2020.8.19.0001. Para cada um dos quesitos avaliados, foram estabelecidos diferentes objetivos a serem discutidos, conforme indicado abaixo: 118 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 a) Elementos Indicadores Da Qualidade Sanitária O objetivo desse quesito foi apresentar as inadequações aos padrões de potabilidade de água estabelecidos pela legislação, que estabelece os requisitos necessários para que a água seja potável, ou seja, propícia para consumo humano. Além disso, o objetivo foi também discutir se a água de abastecimento, tratada e distribuída pela CEDAE, indicou alterações no padrão organoléptico (gosto e odor) nos anos de 2020 e 2021, sobretudo no verão. Foi necessário também apresentar se houve comunicação com a população referente a situação que estava ocorrendo, bem como os riscos associados. b) Motivos Para Estar Fora Da Qualidade Sanitária Neste quesito foi discutido os motivos constatados na literatura para as alterações da qualidade da água que foram observados. Para tanto, foram utilizadas evidências científicas que apontavam a proliferação de substâncias na água bruta que impactavam a eficiência do processo de tratamento convencional de água. Além disso, também foram apontadas as causas para a proliferação destas substâncias e as medidas necessárias para evitar esta ocorrência. c) Caracterização Do Problema Devido A Não Conformidade O objetivo deste quesito foi estabelecer o tempo do problema, bem como os riscos associados. Dessa forma, buscou-se compreender o porquê a proliferação de substâncias na água bruta e as alterações na qualidade da água observadas são inadequadas, evidenciando os impactos na saúde pública, visto que estavam em desacordo com o padrão de potabilidade da água, estabelecido pelo Ministério da Saúde. d) Caracterização De Indicadores Para Resolver O Problema Nesta etapa foram estabelecidas as diferentes alternativas necessárias para a resolução do problema. Nesse sentido, foram mencionadas as medidas paliativas do governo e da CEDAE a fim de minimizar a insegurança hídrica, indicando também sua efetividade. Além disso, foram apresentadas diferentes medidas que podem ser adotadas para que esses eventos não voltem a ocorrer. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. ELEMENTOS INDICADORES DA QUALIDADE SANITÁRIA Laudos da própria empresa, embora realizados tardiamente ao início das reclamações pela população, apontaram que um dos indicadores de qualidade da água estava fora dos valores permitidos, o padrão organolético, previsto no Portaria Consolidada 05/2017 do Ministério da Saúde (em vigor na época, atualmente constante na Portaria 888/2021) tanto no ano de 2020 como no de 2021. Esses dados foram analisados e relatados no artigo científico por Sotero-Martins e colaboradores em 2021. Dessa forma, a água entregue pela rede de abastecimento da CEDAE para a população da região Metropolitana do Rio de Janeiro apresentou alteração no padrão organoléptico (gosto e odor) nos períodos contestado no processo. 119 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Os laudos do INEA e obtidos do VIGIAGUA apontavam outras alterações nos padrões de potabilidade da água nos anos de 2020 e 2021 (entre janeiro, fevereiro e março), conforme relatado em artigo por De Paula & Formiga-Johnsson (2023), que descreveram que houve violações do enquadramento classe 2 principalmente no parâmetro coliformes termotolerantes, que esteve em desconformidade a maior parte do tempo (81,6%), no período de período entre 2012 e 2021. O trabalho de Sotero-Martins e col. (2021) também descreveu que em dados de relatório do INEA o parâmetro “túrbidez”, para a amostra Ágúa Brúta Gúandú - RJ12GN0200 para o dia que eles realizaram coletas na Bacia do Guandu também esteve fora da conformidade determinada pela Portaria de Potabilidade da Água. As reclamações começaram no início de janeiro de 2020, mas somente em 15 de janeiro de 2020 é que foi relatado pedido de desculpas da CEDAE na imprensa, devido a revolta da população com a qualidade da água. No entanto, a empresa apresentou resultados das análises de intensidade para gosto e odor somente no dia 13/02/2020, cerca de 45 dias após o início das reclamações, conforme relatado no artigo intitúlado “Eventos atrelados a Geosmina e 2-metilisoborneol (2-MIB) em Manancial de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro, Brasil: estúdo de caso”, de Sotero-Martins e colaboradores. Portanto houve falhas na comunicação do problema para a população. A comunicação técnica ficou restrita ao relato que não havia riscos no consúmo, sendo relatado qúe era “apenas úm gostinho de terra”, e não foi admitido qúe tinha alteração no padrão organoléptico da água entregue para a população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro nos anos de 2020 e 2021 (entre janeiro, fevereiro e março), assim como não foi oferecido alternativas para minimizar o problema, pois estava provocando estímulos sensoriais que afetam a aceitação para consumo, não foi oferecido explicações imediatas para causas e providências que a empresa estava adotando para minimizar a causa, gerando desconfiança e medo em consumir a água pela população, que desconheciam possíveis riscos até da pouca ingesta de água. 3.2. MOTIVOS PARA ESTAR FORA DA QUALIDADE SANITÁRIA A Bacia Hidrográfica do Guandu é impactada pela falta de saneamento nas cidades a montante do ponto de captação de água utilizado pela ETA Guandu. Dessa forma, a bacia é impactada pela poluição via esgoto sanitário e pelo recebimento de efluentes industriais. Consequentemente, a região metropolitana do Rio de Janeiro está consumindo um tipo de água de reúso indireto não planejado. Portanto, esse reúso não intencional e descontrolado precisa ser modificado para o status de controlado, através do saneamento básico urgente e necessário nas cidades a montante da captação de água, a fim de não vivenciar eventos de crise hídrica (SOTERO-MARTINS et al., 2020) O lançamento de esgoto no corpo d’ágúa prodúz úma elevada carga de nútrientes para as bactérias presentes no corpo hídrico, que aliado à luminosidade e baixa movimentação da água nas lagoas que ficam próximas ao ponto de captação de água bruta, favorecem crescimento dos microrganismos nessas lagoas. Como diversas espécies de cianobactérias produzem toxinas, a liberação de efluentes contendo toxinas em um corpo receptor pode afetar a biota aquática, causando alterações na cadeia alimentar ao inibir o desenvolvimento de outros organismos, além da produção de compostos de sabor e odor (sigla em inglês é T&O) como a Geosmina e o 2-metilisoborneol (2-MIB), causando crises no abastecimento de água (SOTERO-MARTINS et al., 2021; LAPOLLI et al., 2011; FERRÃO-FILHO E KOZLOWSKY-SUZUKI, 2011; BRUCHET, 2019). Na água bruta captada para abastecimento, são utilizados processos de tratamento para evitar a presença de cianobactérias na água tratada, reduzindo assim as 120 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 concentrações de cianotoxinas prejudiciais à saúde. O crescimento maciço de cianobactérias tende a causar sabor e odor desagradáveis na água, bem como um desequilíbrio na comunidade fitoplanctônica local, uma vez que tendem a ser dominantes sobre outras espécies (SOTERO-MARTINS et al., 2020). Em 2020, a água bruta do ponto de captação apresentou níveis de coliformes totais e de Escherichia coli acima da faixa de valores máximo permitidos (VMP) descritos na Resolução 357/2000 do CONAMA (SOTEROMARTINS et al., 2020). Desta forma, a água estava imprópria para captação pela ETA Guandu. Além disso, o valor de cianotoxinas microcistina (MC) também não estava em conformidade com a resolução CONAMA nº 357/2005. Nesse período, o gênero de cianobactéria mais abundante no período crítico foi o Planktothricoides sp. Na amostra de água bruta, também foi encontrado um percentual de 5% de sequencias genéticas para cianobactérias no domínio das bactérias, que representavam 11 gêneros, do total de 12 gêneros listados como relacionados com cianobactérias como potencialmente produtoras de neurotoxinas; e também foram encontrados 14 gêneros, do total de 22 gêneros listados como relacionados com bactérias como potencialmente produtoras de hepatotoxinas indicados pelo Ministério da Saúde. (SOTERO-MARTINS et al., 2020; SOTERO-MARTINS et al., 2021). Os elevados níveis de coliformes termotolerantes podem indicar contaminação fecal, principalmente devido ao lançamento de esgoto no corpo d’ágúa, qúe aúmenta a possibilidade da existência de organismos patogênicos na água captada, que podem causar doenças de veiculação hídrica, as chamadas Doenças Relacionas ao Saneamento Ambiental Inadequado, conhecida pela sigla DRSAI. As DRSAI abrangem diversas patologias, como diarreias, doença de chagas, febre amarela e leptospirose, possuindo também diferentes modos de transmissão. Dessa forma, a manutenção da qualidade da água é fator primordial (SOTERO-MARTINS et al., 2021). 3.3. CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA DEVIDO A NÃO CONFORMIDADE A captação de água bruta contaminada com cianobactérias potencialmente produtoras de cianotoxinas constitui risco à saúde, sendo que moléculas produzidas por esses mcrorganismos podem levar a doenças crônicas e até mesmo à morte (SOTEROMARTINS et al., 2020). A produção de metabólitos odíferos por essa classe de microrganismo, como o 2metilisoborneol (MIB) e a Geosmina, por cianobactérias, causam gosto e odor na água, prejudicando o fornecimento seguro e adequado de água potável para a população. A portaria de potabilidade da água estabelece que o padrão organoléptico, gosto e odor, que provoca estímulos sensoriais que afetam a aceitação para consumo humano, sendo estimada de acordo com a intensidade, é um indicador de qualidade sanitária. Dessa forma, a água fornecida com gosto e odor estava em desacordo com o padrão de potabilidade, com diversas reclamações da população, assim como desconfiança da qualidade da água fornecida. É importante ressaltar que a legislação brasileira não determina os valores máximos permitidos (VMP) para essas moléculas geosmina e 2- MIB na água potável, porém há limites padrão descritos para gosto e odor (SOTERO-MARTINS et al., 2021). O preprint de artigo publicado por Sotero-Martins et al. em 2021 relata o período dos principais picos de duração desses eventos, porém em 2021 houve ainda outro pico, após a publicação desse artigo. 121 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 3.4. CARACTERIZAÇÃO DE INDICADORES PARA RESOLVER O PROBLEMA A região metropolitana do Rio de Janeiro está consumindo um tipo de água de reúso indireto, devido ao lançamento de efluentes de esgoto sanitário que são lançados in natura nos corpos d’ágúa dos rios da Bacia do Gúandú, qúe ficam a montante do ponto de captação da água bruta na Lagoa do Guandu. Dessa forma, esse reúso não intencional e descontrolado precisa ser modificado para o status de controlado, através do saneamento básico e necessário nas cidades a montante da captação de água, a fim de não vivenciar eventos de crise hídrica. Medidas definitivas e ações de gestão como o saneamento das bacias de drenagem dos recursos hídricos precisam ser adotadas com urgência, para garantir a segurança hídrica, de modo a não comprometer a qualidade da água de abastecimento dos usuários (SOTERO-MARTINS et al., 2020). Quanto à dosagem de cianotoxinas, o método de processamento, extração e análise deve ser ajustado de modo a aumentar o poder de detecção destes compostos. Isto é necessário para uma avaliação adequada do risco real relacionado com a presença deste tipo de contaminante na água bruta captada pela estação de tratamento de água. Por estarem muito diluídas na amostra de água bruta, muitas vezes as toxinas podem estar abaixo do limite de detecção do método utilizado, de modo que o monitoramento mais eficiente envolve a utilização de um método que aumenta a sensibilidade da análise para garantir uma melhor avaliação do risco para as populações humanas (SOTERO-MARTINS et al., 2021). Medidas iniciais foram adotadas cerca de 20 dias após o relato das primeiras reclamações, inicialmente com aplicação de carvão ativado e argila ionicamente modificada na etapa de tratamento da água da ETA Guandu, na tentativa de minimizar a presença desses compostos (SOTEROMARTINS et al., 2021). Ainda assim, o problema prevaleceu. De acordo com o descrito no artigo intitúlado “Eventos atrelados a Geosmina e 2-metilisoborneol (2-MIB) em Manancial de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro, Brasil: estúdo de caso”, por Sotero-Martins e col., em 2020, somente cerca de 40 dias depois do início das reclamações foi observado uma redução da concentração das substâncias Geosmina e 2-MIB na água, dada a demora inicial para utilização de medidas para solucionar o problema. Enquanto em 2021, a concentração desses compostos foi menor do que no ano anterior, estabilizando-se em cerca de 20 dias após o início das reclamações (Figura 2). Os dados desses autores indicam que as medidas utilizadas foram paliativas, e não resolviam o problema, tanto que em 2021, mesmo com o uso de Phoslock na bacia de captação de água bruta, houve dois episódios de picos de presença dessas substâncias foram detectados, conforme descrito no artigo de Bacha et al. (2021), conforme demostramos na Figura 2, os picos de concentração da soma das duas substâncias (MIB e geosmina) nos anos de 2020 e 2021. No ano de 2022, iniciou-se o uso de boias de radiação, e instalação de unidades de tratamento de rios (UTR) nos rios que recebem água das cidades a montante do ponto de captação de água bruta na Bacia do Guandu, porém os problemas de eutrofização dos corpos hídricos continuam sem tratamento, só mudaram de lugar (SOTERO-MARTINS et al., 2020). 122 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 2 – Concentração de substâncias produzidas por cianobactérias (2-MIB e geosmina) nos períodos das crises hídricas de 2020 e 2021. Fonte: Esse trabalho, dados dos laudos da CEDAE 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS É urgente e necessário o estabelecimento do saneamento básico nas cidades a montante da captação de água, a fim de não vivenciar eventos de crise hídrica como os enfrentados nos anos de 2020 e 2021, porém as medidas adotadas devem ser avaliadas quanto a saúde ambiental da bacia, pois certas metodologias podem retirar um problema e causar outro mais tarde. Modificações no sistema de vigilância da qualidade da água captada e de consumo precisam ser adotadas, como monitoramento periódico dos reservatórios, integrando análises de genômica, biogeoquímica e de toxicidade, como ferramenta importante para garantir a qualidade do abastecimento e fornecimento de dados para a realização do Plano de Contingência, em momentos de floração de algas potencialmente produtoras de toxinas. Assim poderá ser evitado problemas de proliferação de cianobactérias na Bacia do Guandu, pois condições favoráveis a proliferação de cianobactérias pode acontecer enquanto não forem resolvidos os problemas de saneamento dessa bacia hidrográfica. REFERÊNCIAS [1] BACHA, L. et al. Risk of Collapse in Water Quality in the Guandu River (Rio de Janeiro, Brazil). Microbial Ecology. 2021, v. 84, s/n, p. 314-324. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00248-021-01839-z. Acesso em: mar./2024. [2] CEDAE – COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS DO RIO DE JANEIRO. Sistema Guandu. Disponível em: https://cedae.com.br/sistemaguandu. Acesso em: mar./2024. [3] DE PAULA, I. X; FORMIGA-JOHNSSON, R. M. Segurança hídrica para abastecimento urbano perante condições ambientais e qualidade da água do manancial: o caso da ETA Guandu, RMRJ. Engenharia Sanitária e Ambiental. 2023, v. 28, s/n, p. 1-14. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-415220220275 [4] MOURA, P.G. et al. , Kotowski Filho, NP, Carvajal, E., Handam, NB, Jardim, R., & Martins, AS (2020). Rio de Janeiro water crisis: a metagenomic approach. In: SciELO Preprints. 2020. Disponível em: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/529/version/539. Acesso em mar./2024 [5] SNIS – SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO. Disponível em: https://www.gov.br/cidades/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-eprogramas/saneamento/snis/diagnosticos-anteriores-do-snis/agua-e-esgotos-1/202. Acesso em: mar./2024. 123 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 [6] SOTERO-MARTINS, A. et al. Characterization of Periods of Crisis and Post-Crisis in the Raw Water of Guandu System through Quality Parameters. In: SciELO Preprints. 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.571 [7] SOTERO-MARTINS, A. et al. Quality of raw water in the Guandu Basin of Rio de Janeiro state during water crisis of 2020. Revista Ambiente e Água. 2021. Rio de Janeiro, v. 16, n. 3 4, p. 1-11. DOI: https://doi.org/10.4136/ambi-agua.2703 [8] SOTERO-MARTINS, A. Eventos atrelados a Geosmina e 2-metilisoborneol (2-MIB) em Manancial de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro, Brasil: estudo de caso. In: SciELO Preprints. 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.2091 124 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Capítulo 9 Diagnóstico sazonal da saúde ambiental através de análise bacteriológica das matrizes ambientais água e areia nas bacias hidrográficas urbanas de Manaus, Amazônia Brasileira Adriana Sotero-Martins1 Antonio Nascimento Duarte1 Ormezinda Celeste Cristo Fernandes2 Natália Penhalosa Duarte (in memorian)3 Laís Cássia Monteiro de Souza Barreto3 Diego de Mello Mendes3 Washington Carlos da Silva Mendonça3 4 Ronis da Silveira3 5 Resumo: A partir do monitoramento da saúde ambiental de quatro bacias hidrográficas urbanas da cidade de Manaus/AM: Tarumã, São Raimundo, Educandos e Aleixo, através da avaliação da qualidade sanitária das águas das praias e de porções de rios que são utilizados como áreas de recreação ou de contato primário com a população, assim como da qualidade da matriz areia de praias situadas ao longo da descida do Rio Negro, e do efeito da ação antrópica nestes ecossistemas praianos de rio. Foi feito um diagnóstico da saúde ambiental dessas bacias hidrográficas a partir de pontos representativos de cada bacia urbana. Foram avaliados os níveis bacteriológicos de coliformes encontrados em diferentes estações do ano: nos períodos da cheia, seca e de transição entre esses dias estações e considerados os padrões mínimos descritos na legislação brasileira para águas de contato primário. Embora o trabalho experimental tenha ocorrido em 2011, a região ainda apresenta os mesmos problemas, portanto conhecer os problemas é importante para o diagnóstico dos desafios e das estratégias para preservação desses ambientes. A pior situação de qualidade sanitária dos ecossistemas foi na estação da seca (4ª. campanha de coleta), principalmente na praia do Porto, localizada entre as Bacias do Educandos e São Raimundo. Os impactos provocados pela falta de saneamento básico na cidade de Manaus afetam a população direta ou indiretamente, por meio da poluição e contaminação dos corpos hídricos e dos lençóis subterrâneos. Se faz necessário o monitoramento ambiental da qualidade das bacias urbanas e medidas de saneamento para acompanhar o crescimento urbano que ocorre na cidade de Manaus/AM. Palavras-chave: Amazonas, coliformes, Escherichia coli, qualidade sanitária, saneamento, ambiente. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Aroúca (ENSP), Fúndaçao Oswaldo Crúz (Fiocrúz) Institúto de Pesqúisa Leonidas e Maria Deane (ILMD), Fúndaçao Oswaldo Crúz (Fiocrúz) 3 Laboratorio de Manejo de Faúnas, Departamento de Biologia, Institúto de Ciencias Biologicas, Universidade Federal do Amazonas (UFAM) 4 Departamento de Edúcaçao Escolar Indígena, Facúldade de Edúcaçao, Universidade Federal do Amazonas (UFAM) 5 Programa de Pos-Gradúaçao em Zoologia, Institúto de Ciencias Biologicas, Universidade Federal do Amazonas (UFAM) 1 2 125 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO 1.1. O PAPEL DO SANEAMENTO NA QUALIDADE SANITÁRIA DOS ECOSSISTEMAS AMBIENTAIS As qualidades das águas e da areia aptas à recreação está intimamente associada à qualidade do sistema de saneamento, ou à ausência dele. Infelizmente a ocupação do solo precede a instalação da infraestrutura apesar de serem conhecidos os meios de contaminação e de proliferação de microrganismos patogênicos. Os recursos hídricos, incluindo as praias e rios, são, quase sempre, receptores de aporte relevante de esgoto clandestino. Entretanto, nos últimos anos, tem havido uma preocupação crescente com a contaminação significativa das áreas das praias e rios pelo descarte inadequado de lixo, dejetos de animais ou poluição trazida pelas marés, que podem conduzir bactérias, fungos e parasitas patogênicos (VIEIRA et al., 2007), trazendo risco à saúde, principalmente das crianças que, ao brincarem em areias contaminadas, podem contrair doenças devido ao seu sistema imune ainda estar em desenvolvimento (VIEIRA et al., 2001). O Brasil aumentou em 1,4% a sua rede coletora de esgoto em 2008, mas, mesmo assim, quase 50% da população ainda não tem acesso a esse serviço. No País, 52,5% dos domicílios têm coleta de esgoto, um acréscimo de 30.208 mil unidades. Porém, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009) mostra também que o número de pessoas, que possuem outro tipo de esgotamento sanitário ou nenhum, aumentou em 603 mil. Segundo PNAD em 2022, a região Sudeste é a que tem a maior percentagem de domicílios atendidos com a coleta de esgoto, mais que o dobro registrado em outras regiões, com 89,1%, contra 31,1% da região Norte, 50,1% na região Nordeste, 61,2% no Centro-Oeste e 69,8% na Sul. Cabe aos órgãos competentes, municipais e estaduais, atuar no setor de saneamento básico com responsabilidade, tanto do ponto de vista econômico quanto de saúde pública, de modo a garantir a atratividade das praias como polos de turismo, uma alternativa de grande importância para o desenvolvimento e melhoria das condições de vida da população. No entanto, além dos esforços que devem ser empreendidos pelo Estado e pelas prefeituras, a comunidade também deve desempenhar seu papel, sobretudo quando passa a exigir boas condições de balneabilidade para as praias que frequenta. A participação da comunidade, por meio de ações coletivas como campanhas e atos públicos, são fatores fundamentais na busca de soluções para os problemas ambientais (ALMEIDA et al., 2021). 1.2. SAÚDE AMBIENTAL DAS ÁREAS DE RECREAÇÃO A qualidade ambiental dos ecossistemas utilizados como áreas de recreação tem adquirido importância crescente por razões ambientais e de saúde pública. A qualidade sanitária das praias e das águas dos rios foi durante muito tempo, apenas monitorada pela densidade de coliforme fecal presente em suas águas, apesar da matriz Areia ser uma possível fonte de contágio de microrganismos patogênicos (MAIER et al., 2003). Dessas acepções, podemos ressaltar que medidas de diminuição da contaminação devem estar ligadas a resultados de saúde visando à melhoria dos critérios de gestão (STEWART, 2008). Por essa razão, a importância de que os sistemas de saúde cada vez mais utilizem a dimensão da “Saúde Ambiental”, sobretúdo da vigilância em saúde ambiental. Ações contínuas de monitoramento dos fatores ambientais, que interferem na saúde humana, e 126 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 de outros organismos, devem estar integradas a esses sistemas. Essas ações proporcionam a detecção precoce de riscos à saúde pública relacionados às variáveis ambientais e permitem a adoção de medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos. É nesse contexto da vigilância ambiental que se torna essencial o desenvolvimento de metodologias de diagnóstico da saúde ambiental (FUNTOWICZ e RAVETZ, 1997). A água consumida pode ser fonte potencial de doenças infecciosas e/ou intoxicações produzidas por compostos químicos. Mesmo a água transparente e límpida pode conter microrganismos patogênicos, podendo representar uma série de ameaças à saúde pública e ao meio ambiente, que conjuntamente podem ser nomeada como Saúde Única. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 80% das doenças relatadas em países em desenvolvimento tem como veículo de transmissão a água de má qualidade (SILVA, 2007). Em ambiente urbano ou natural, a qualidade da água representa possivelmente o principal problema ambiental brasileiro. Dentro do conceito mais amplo de gestão da qualidade de água, o saneamento representa o setor que mais claramente está vinculado à agenda ambiental, sendo certamente o principal em termos de impactos sociais e ambientais (LIMA, 2006). As doenças de origem hídrica são aquelas causadas por determinadas substâncias químicas, orgânicas ou inorgânicas, presentes na água em concentrações inadequadas, em geral superiores às especificadas nos padrões para águas de consumo humano. Essas substâncias podem existir naturalmente no manancial ou resultarem da poluição. As principais doenças de veiculação hídrica são: amebíase, giardíase, gastroenterite, febres tifoide e paratifoide, hepatite infecciosa e cólera. Em todos esses casos, o tratamento da água, higiene pessoal e condições sanitárias adequadas são formas de evitar as doenças (SIQUEIRA et al., 2017). De acordo com Madigan et al. (2010), os coliformes formam um grupo de bactérias indicadoras de contaminação da água, uma vez que normalmente estão presentes em grandes quantidades no trato intestinal de seres humanos e outros animais. Assim, sua presença na água indica contaminação fecal. De acordo com o Manual Prático de Análise de Água da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2006), o principal representante desse grupo esta a espécie de bactéria Escherichia coli. A E. coli, por ser uma bactéria de fácil isolamento e identificação em água e por seu período de sobrevivência ser semelhante ao dos patógenos mais comuns, é considerada a melhor indicadora de contaminação fecal, usada universalmente em vários países como bioindicador de contaminação por esgoto sanitário recente. Na região Norte do Brasil, é onde se encontra os piores indicadores de saneamento básico do país, onde, de acordo com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010), do total de água distribuída em sistemas públicos, 32,4% não recebem tratamento, enquanto 92,9% dos municípios não possuem sequer redes de esgotamento sanitário. No Estado do Amazonas, a população chegou a 3 milhões 483 mil moradores, porém os índices sociais de qualidade de vida não acompanharam o crescimento da população. Apenas 34% dos domicílios particulares do estado possuem sistema de água e coleta de esgoto. A falta de infraestrutura que envolve as redes de abastecimento de água e esgoto e a coleta de lixo agravam ainda mais a situação. A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico revelou que o Estado do Amazonas ocupa o segundo lugar entre os estados da região Norte com o maior percentual de 127 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 distribuição de água sem tratamento. O Estado aparece perde apenas para o Estado do Pará, que aparece com 40% (PNSB, 2008-2010). Esses aspectos ganham maior importância na região de Manaus, principalmente na periferia, devido ao rápido crescimento da população, essa região obteve a maior taxa de crescimento urbano do país nas últimas décadas, onde a população vem concentrandose sem dispor de serviços básicos adequados. É justamente nas áreas mais distantes em que há a sinergia dos fatores de risco inerentes aos processos de desmatamento para ocupação, do crescimento urbano desordenado e da precariedade de saneamento do meio (BECKER, 2005). A falta de saneamento na região não apenas representa risco para a população local, mas também para os turistas que visitam a região, pois o Estado do Amazonas tem como seu potencial turístico a Floresta Amazônica e as praias de rios de sua bacia hidrográfica. O conhecido turismo de natureza, ou ecoturismo, representa um roteiro atrativo e muito visitado durante todo o ano. Com isso, a preocupação quanto ao uso das praias vem cada vez mais sendo debatida entre organizações do Meio Ambiente devido a possibilidade de transmissão de doenças caso esses ambientes estejam contaminados pela falta de saneamento básico sistemático no Estado. A areia e o solo de contato primário em áreas de recreação são matrizes ambientais potenciais na veiculação de agentes que causam doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado, neste grupo estão as doenças infecciosas e parasitárias (CARINCROSS E FEACHEM, 1993). Podemos inferir também que a presença excessiva de pombos nas praias pode ocasionar a contaminação das areias com fungos nocivos, os quais, associados ao lixo despejado, fazem desse local um propício meio de cultura para microrganismos (MAIER et al., 2003; AMARAL et al., 2025). Vale observar que, em lugares onde há concentração dessas aves, também há frequente proliferação de vetores (ratos, baratas, moscas), portanto, desempenhando um importante papel na transmissão de várias doenças, tais como: criptococose, histoplasmose, ornitose, salmonelose, toxoplasmose, encefalite, dermatites, alergias respiratórias, doença de Newcastle, aspergilose e tuberculose aviária, que acometem humanos e animais domésticos. Em muitos lugares, o pombo doméstico atingiu a condição de praga urbana, em razão de sua superpopulação, dos prejuízos econômicos que causam e dos riscos que representam à saúde pública, sendo necessário o controle de sua proliferação. Assim podemos compreender com base em informações da World Health Organization (2003), que a sobrevivência e dispersão de patógenos, entre outros fatores, estão relacionadas com a presença de animais, principalmente com excretas de cachorros, colocando em risco a saúde de seus frequentadores, podendo causar doenças que, associadas ao banho de mar, constituem-se fundamentalmente em gastroenterites e infecções de olhos, ouvidos, nariz e garganta, sendo mais suscetíveis de adquiri-las as crianças, os idosos e as pessoas com baixa resistência imunológica. De acordo com Mancini et al. em 2005, após o processo de análise de fungos e bactérias em areia e água de praia da Itália pelo método de membrana filtrante, expressando seus resultados em unidade formadora de colônia (UFC) por 100 gramas e por 100 mL, respectivamente, encontraram um maior percentual de bactérias em areia, assim como fungos filamentosos dos gêneros Penicillium, que foi encontrado em 15%, seguidos por Aspergillus encontrado em 12%. Sendo atribuido que a ocorrência se deve ao fenômeno de bioacumulação de matéria orgânica, que serve de fonte de carbono, nitrogênio e sais minerais para proliferação dos microrganismos, fazendo com que a areia 128 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 seja geralmente mais contaminada do que a água. Shibata et al. (2004), avaliaram a qualidade microbiológica das praias de Hobie, com precária circulação e qualidade de água, e Crandon, com boa qualidade, ambas situadas na baía de Biscayne, Florida, por meio dos indicadores: Enterococos, E. coli, coliformes totais; coliformes termotolerantes e Clostridium perfringens. Os resultados mostraram que as concentrações dos indicadores não necessariamente estavam correlacionadas uma com a outra, e todos os microorganismos avaliados foram encontrados na matriz areia, portanto, servindo de fonte para eles, local onde havia presença de pessoas e animais. Assim como Bonilla et al. em 2007, que determinaram à prevalência de organismos indicadores fecais na areia seca das praias de Hollywood, Hobie e Fort. Lauderdale, também na Flórida, eles encontraram como resultado níveis 2 a 23 vezes maiores em areia úmida e 30 a 460 vezes maiores em areia seca do que os valores encontrados em 100 mL de água. Na matriz água para coliformes termotolerantes, E. coli e Enterococos, por meio da técnica de membrana filtrante 0,45 μm, expressando resúltados em UFC/100g, observaram qúe os resúltados tiveram influência da temperatura, salinidade e turbidez. 1.3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE ÁREAS DE RECREAÇÃO O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) recomenda aos órgãos ambientais a avaliação da qualidade parasitológica e microbiológica da areia para futuras padronizações, por meio da Resolução nº. 274/00 no oitavo artigo, que classifica as águas em doces, salobras e salinas destinadas à balneabilidade. Esta resolução traz os padrões para água utilizadas em áreas de recreação [Tabela 1]. Por aquela ocasião, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio de Janeiro (SMAC) e editou a Resolução nº. 081/00, que tinha caráter provisório de dois anos e tratava apenas das condições bacteriológicas, não estabelecendo a análise para fungos e parasitas, assim como não estabelecia indicadores e os respectivos limites para estes microrganismos, os quais também são importantes patógenos de praias. Uma vez que muitas doenças de pele, infecções da unha, couro cabeludo, alergias respiratórias e outros comprometimentos orgânicos estão associados a micoses e doenças parasitárias pelo contato com areia contaminada, com maior risco para crianças e idosos. De acordo com Boukai (2005) não foram realizadas pesquisas de fungos patogênicos durante o monitoramento da qualidade sanitária da areia das praias do Rio de Janeiro, no período que foi estabelecida a Resolução 081/00 da SMAC [Tabela 2]. Segundo Sarquis e Oliveira (1996), poucas são as referências sobre a micobiota específica da orla litorânea brasileira. Apesar do órgão ambiental municipal do RJ ter sido de vanguarda na edição de normatizações de avaliação e monitoramento da qualidade sanitária das areias das praias da cidade do Rio de Janeiro, e mesmo com a edição de uma nova Resolução em 2010 a Nº. 468 da SMAC, ainda não foram incorporados novos bioindicadores em seus padrões. Além do que esta nova resolução alterou os valores limites para E. coli baseados no trabalho de monitoramento realizado por uma empresa terceirizada chamada Consultoria Estudos Projetos Ltda (COHIDRO), que acompanhou por quatro anos a qualidade sanitária bacteriológica das areias de 23 praias do RJ sendo (10 de 35 pontos de coletas realizados nas praias e ilhas pertencentes à Baía de Guanabara) [Tabela 3] em moldes metodológicos semelhantes aos feitos na antiga Resolução, não sendo realizada a avaliação das condições sanitárias quanto à presença de fungos, parasitas e vírus, como era esperado. Portanto, a Resolução ainda está incompleta do ponto de vista microbiológico, e há ainda uma série de ressalvas para serem feitas pela comunidade científica que, apesar do espaço temporal entre a antiga Resolução e a nova, não foram metodologicamente incorporados os avanços científicos nesta área. Ressalta129 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 se a importância de padrões nacionais, que deveriam ser editados pelo órgão superior brasileiro, o CONAMA, como ocorre nos países desenvolvidos, que normatizam os padrões sanitários de avaliação da qualidade sanitária desses espaços de uso pela população. Tabela 1 – Classificação da Qualidade da Água de áreas de recreação usada para balneabilidade, considerando na Resolução 274/2000 do CONAMA em UFC/mL, modificada a partir de Gronewold e Wolpert (2008), segundo Rego (2010) Tabela 2 – Classificação da Qualidade da Areia de áreas de recreação usada em contato primário, considerando na Resolução 081/2000 da SMAC/RJ em UFC/g, modificada baseada nos dados do trabalho apresentado por Gronewold e Wolpert (2008), segundo Rego (2010) Tabela 3 – Classificação da Qualidade da Areia de áreas de recreação usada em contato primário, considerando na Resolução 468/2010 da SMAC/RJ em UFC/g, modificada baseada nos dados do trabalho apresentado por Gronewold e Wolpert (2008), segundo Rego (2010) Em 2017, o estado do Rio de Janeiro aprovou a legislação estadual, a Lei 7.666 (ALERJ, 2017), apoiada em estudos do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da ENSP/Fiocruz, abrangendo a qualidade sanitária de areias de creches, praças públicas além das de praias, tornando os valores mais restritivos novamente, voltando acompanhar os níveis anteriormente descritos na Resolução 081/2000 da SMAC/RJ, porém incluindo além dos bioindicadores bacteriológicos, os micológicos (fungos) e parasitários. 130 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1.4. BIOINDICADORES BACTERIOLÓGICOS PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE SANITÁRIA Os coliformes totais são bactérias do grupo coliforme, pertencentes à família Enterobacteriaceae, tendo como principais gêneros: Escherichia, Salmonella, Shigella, Citrobacter, Klebsiella, Enterobacter, Proteus, Serratia, embora vários outros gêneros pertençam ao grupo. Os coliformes são definidos como bastonetes Gram-negativos, aeróbios ou anaeróbios facultativos, não esporulados, oxidase-negativos, que fermentam lactose com formação de ácido e gás dentro de 24-48 h a 35,0 ± 0,5 °C, presentes nas fezes de animais homeotermos, indicando indiretamente a presença de fezes humanas (Pelczar et al. 1981; Prescott et al. 1996). Por essa razão, nas análises de diferentes matrizes ambientais (água, areia, sedimentos), eles constituem os parâmetros mais usados no mundo pelos órgãos ambientais, contudo mais recentemente alguns órgãos de vigilância têm usado outros parâmetros associados. A principal metodologia de detecção ainda é pela técnica de tubos múltiplos, em que se usa, por exemplo, o Caldo Fluorocult LMX, da MERCK, ref. 1.106620 em que amostra previamente diluída ou não, são semeadas em condições assépticas e incubadas a 35 ± 0,5 ºC por 24 e 48 h. A leitura é considerada positiva para coliforme total, quando, após incubação, aparece à cor azul esverdeada. Esta reação ocorre pela capacidade da enzima β-D-galactosidase em hidrolisar o substrato cromogênico (X-GAL), (5-bromo-6-cloro-3-indol-β-galactopiranosídeo), expressando os resultados em número mais provável (NMP), calculado, conforme American Públic Healt Association - APHA (2005). Contudo, metodologias mais precisas foram descritas como as encontradas em Shibata et al. (2004), Bonilla et al. (2007) e em Gronewold e Wolpert (2008), onde os resultados são descritos em unidade formadora de colônia (UFC). Na avaliação da qualidade sanitária das praias de Portugal, com o propósito da aplicação dos padrões propostos por Mendes et al. (1993), indicaram os Enterococos, que são bactérias do grupo dos Streptococos fecais, se caracterizam pela alta tolerância às condições adversas de crescimento, tais como: capacidade de crescer na presença de 6,5 % de cloreto de sódio, a pH 9,6 e nas temperaturas de 10ºC a 45ºC. Sendo a maioria das espécies desse grupo de origem fecal humana, embora possam ser isolados de fezes de animais, CONAMA em 2000, como um melhor bioindicador do que os coliformes totais e coliformes termotolerantes pesquisados. Corroborando com a U.S. Environmental Protection Agency (EPA), a qual publicou, em 1986, um relatório de qualidade de água em que recomenda dois organismos indicadores Escherichia coli e Enterococos. O Relatório concluiu que esses dois bioindicadores são melhores para prever a presença de microrganismo, que causam doenças gastrointestinais, do que os coliformes totais e coliformes termotolerantes, bioindicadores utilizados no passado para determinar a segurança das águas de recreação em Portugal. De igual maneira, no Brasil, a Resolução CONAMA nº 274/2000 aboliu os coliformes totais dessa legislação e adicionou os mesmos indicadores americanos. Outras bactérias patógenas e não patógenas como Campylobacter jejuni; Clostridium Perfringens; Pseudomonas aeruginosa; Shigella sp.; Staphilococcus sp.; Vibrio sp. foram referenciadas em estudos de qualidade sanitária de areia (BOUKAI, 2005). A espécie bacteriana E. coli pertencente à família Enterobaceriacea, pode ser identificada e enumerada rapidamente em placas de isolamento ou em caldo, por diversas técnicas baseadas em substratos enzimáticos cromôgenicos e fluorogênicos ou ambos, que envolvem a capacidade de detecção da presença das enzimas especificas ßgalactosidade e ß-glicuronidase com o emprego de substrato apropriado (Manafi, 2000) como, por exemplo, os substratos: cromogênico ONPG (o-nitrofenil-β131 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Dgalactopiranosídeo) que indica a presença de coliformes e o fluorogênico MUG (4-metil umbeliferil-β-D-glicuronídeo), que indica a presença de Escherichia coli, consumindo os carbonos do glucoronide e liberando quatro metil um beliferona, que tem fluorescência azul quando exposto à luz UV (360nn) [SILVA, 2000]. Essa espécie cresce em meio complexo a 44-45º C, fermentam lactose e manitol com produção de ácido e gás, produzindo indol a partir do aminoácido triptofano. São abundantes em fezes humanas e de animais, sendo somente encontradas em esgotos, efluentes, águas naturais e solos que tenham recebido contaminação fecal recente, CONAMA em 2000. Sendo parte normal do intestino de humanos e animais de sangue quente, essas bactérias são carreadas por meio da água de esgoto doméstico, de lixo, vindo, portanto, a contaminar areia e água do mar, assim como outros microrganismos patogênicos (ANDRAUS, 2006). É importante ressaltar que os padrões de balneabilidade, estabelecidos pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) nos Estados Unidos da América (EUA), só recomendam a detecção de E. coli para água doce, APHA em 2005. Por outro lado, no Brasil, a Resolução CONAMA nº 274/00 recomenda o parâmetro E. coli para avaliação da qualidade microbiológica de águas doces e salinas, e o parâmetro Enterococos que, nos EUA, é usado para avaliar a qualidade sanitária de ambas as águas; no Brasil, a adoção desse parâmetro se refere apenas a águas marinhas. 1.5. POTENCIAIS RISCOS À SAÚDE HUMANA RESULTANTES DA EXPOSIÇÃO A AGENTES PATOGÊNICOS NA AREIA E ÁGUA Existe crescente preocupação dos órgãos ambientais e da sociedade com a significativa contaminação das areias das praias, pelo descarte inadequado de lixo, dejetos de animais ou poluição trazida pelas marés, que podem carregar bactérias, fungos e parasitas patogênicos (BOUKAI, 2005). Com base em estudos epidemiológicos, Bonilla et al. (2007) e Alm et al. (2003) associaram as doenças intestinais com a exposição à água e areia de recreação ou ambas. Sendo a gastroenterite a doença mais comum, que, associada à água poluída por esgoto, pode apresentar um ou mais dos seguintes sintomas: enjôo, vômitos, dores de estômago, diarreia, cefaleia e febre, podendo ocorrer outras manifestações, como infecções dos olhos, ouvidos, nariz e garganta. De acordo com o estudo realizado pela Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Básico (CETESB) de São Paulo/SP, Brasil, publicado por Sato et al. (2005) existe forte correlação entre a presença dos patógenos Escherichia coli e Enterococos associada à gastroenterite em nadadores; os gêneros Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa foram também associados como responsáveis por doenças em banhistas, principalmente os que apresentam baixa imunidade. Deve-se, contudo, salientar que o fato de a praia estar imprópria não significa que todas as pessoas, que se banharem no local, irão contrair alguma dessas doenças; isso depende das condições imunológicas de cada um e do tipo de exposição de cada um como, por exemplo, se permaneceu por muito tempo na água, se mergulhou a cabeça ou se engoliu água. A impropriedade significa que existe o risco de se contrair tais doenças CETESB em 2004. Segundo Alm et al. (2003), dentre os 59 surtos de doenças ocorridos nos EUA entre 1999 e 2000, 61% são de gastroenterite associados à exposição a águas de recreação. Estudo realizado na Espanha em 2001 relaciona, por meio de entrevistas, a exposição à areia contaminada com risco à saúde e doenças gastrointestinais, e foi encontrada correlação dos sintomas com o aumento de coliforme total (PRIETO, 2001). Segundo Lee (2002), 132 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 existe, na literatura, um maior número de estudos epidemiológicos associados à água de praia no Brasil e no exterior do que os encontrados com a associação de patógenos presentes em areia (BONILLA et al. 2007), principalmente os que associam doenças intestinais à exposição de água e ou areia de recreação. Os técnicos do Setor de Águas Litorâneas da CETESB apresentaram, durante o Seminário sobre balneabilidade em Santos, um estudo que comparou a incidência de doenças gastrointestinais com a balneabilidade das praias e concluíram que existe correlação direta entre doença e exposição à água de praias contaminadas, como também o maior risco em crianças. Os EUA, por meio da EPA em 1986, concluíram que, com níveis de 200 coliformes termotolerantes por 100 mL, há o risco de se contrair doenças gastrintestinais em 15 casos por 1.000 pessoas, que frequentam águas marinhas e em 6 casos por 1.000 pessoas, que frequentam águas doces. Após avaliação da água doce em praias da região dos Grandes Lagos, nos verões de 2003 e 2005, e águas salinas na mesma estação, em 2005 e 2007, por meio de pesquisas que continuaram em diferentes praias no verão de 2009, os EUA realizaram esta pesquisa com a finalidade da descoberta de meios mais rápidos e para conhecer os verdadeiros riscos de doenças resultantes da exposição a diferentes fontes de contaminação fecal em águas de recreação, com a finalidade da obtenção de novos critérios de qualidade de água recreacional. Em função disso, os EUA vêm conduzindo a investigação e avaliação de informações relevantes para fornecer a base científica para revisão de novos critérios para o controle de qualidade de águas em 2012, EPA em 2009. Podemos ressaltar dessas acepções que são poucos os estudos sobre o potencial risco à saúde associado com exposição à areia de praia, causando doenças. Isto se deve, principalmente, à dificuldade da associação entre a ocorrência dos patógenos em seus limites permitidos, com a obtenção de dados precisos sobre o aparecimento da doença na população, que, muitas vezes, não relata a correlação com a possibilidade de ter contraído o agente na praia, pois, geralmente há desconhecimento do risco associado devido à inexistência de monitoramento periódico nestes locais. 1.6. PROBLEMAS DE SANEAMENTO NA CAPITAL DO AMAZONAS A cidade de Manaus, capital de estado do Amazonas, localiza-se no centro geográfico da Amazônia, na sub-região dos Rios Negro e Solimões, norte do Brasil, com área de 11.458,50 km2 (Silva, 2014). Manaus privatizou seu serviço de água e esgoto em 2000, e a promessa era levar os serviços de coleta de esgoto a quase toda população. A despeito de tanta água, Manaus vive historicamente intensos conflitos hídricos, revelando a ineficiência da política de saneamento adotada na cidade (Rocha, 2022). Apesar de mais de 20 anos se passarem com os serviços de abastecimento de água e de coleta de esgoto concedidos à empresa privada controladas pela Aegea, porém 75% dos moradores da cidade não têm acesso à rede de esgoto e quase 80% dos dejetos sanitários gerados no município não recebe tratamento, portanto são despejados diretamente nos rios que cortam a capital do Amazonas. Os impactos provocados pela falta de saneamento básico na cidade de Manaus podem estender-se para a população em geral, direta ou indiretamente, por meio da poluição e contaminação dos corpos hídricos e dos lençóis subterrâneos, dependendo do uso da água e da absorção de material tóxico ou contaminado. Nos dias de maior precipitação a quantidade de microrganismos proveniente do esgoto aumenta nas praias 133 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 do Rio Negro e os corpos hídricos ficam com nível mais elevado de contaminação (Casey et al., 2006; Silva, 2014). A cidade de Manaus cresce desordenadamente, e é apontada pelo Instituto Trata Brasil como uma das piores grandes cidades do país no atendimento do serviço de saneamento básico, no último levantamento de 2023 a capital amazonense ficou na 83ª posição no ranking numa lista de 100 municípios, e entre as 20 grandes cidades do país com pior saneamento. Portanto, os manauaras esperavam avanços na universalização dos serviços de água e principalmente de esgoto, mas isso não aconteceu pois a empresa não atendeu as áreas que não são economicamente viáveis e lucrativas. De acordo com análise deste Instituto feita através do banco de dados do Ministério das Cidades, mais de 187,8 mil pessoas não têm acesso às redes de abastecimento de água e coleta de esgoto. Não há normalização no estado do Amazonas, nem na cidade de Manaus que informe sobre a qualidade sanitária dos ecossistemas utilizados turisticamente ou como áreas de recreação, assim expondo ainda mais os indivíduos da comunidade a transmissão de doenças de veiculação hídrica (Silva, 2014). A falta de saneamento básico causa contaminação nos recursos hídricos, expondo a população e aos turistas que frequentam a região a doenças relacionadas com o saneamento ambiental inadequado (DRSAI). De forma que a criação de legislação competente para avaliar a qualidade de água e areia, implantação de redes coletoras para o tratamento de esgoto e implantações de estações de tratamento de água, a fim de melhorar a qualidade não só dos recursos hídricos, mas também da areia das praias, se faz urgente. 2. OBJETIVO Avaliar a associação entre os fatores socioambientais e as condições de saneamento urbano, através do monitoramento ambiental e sanitário nas matrizes ambientais (água e areia) de cinco praias da Bacia do Amazonas e de pontos representativos das principais bacias bidrográficas na área urbana da cidade de Manaus/AM. 3. METODOLOGIA Trata-se de estudo observacional, ecológico e descritivo com coleta de amostras ambientais nas matrizes ambientais de água de rios e de areia de praias na Bacia do Amazonas. Os cinco pontos de coleta de amostra de água e areia em praias foram (Figura 1): Praia da Lua, acesso feito por barco; Praia da Ponta Negra, esta praia nas primeiras duas campanhas não estava em obras, mas nas seguintes sofreu alterações significativas paisagísticas, com a vinda de areia de outras regiões, elevando a massa de areia; Praia do Porto, dentro da Base do 9º. Distrito Naval, foi necessário autorização para acesso; Praia da Estação Naval do Rio Negro, dentro da Vila militar da Marinha Buriti; Praia da Reserva Particular do Patrimônio Nacional do Centro de Pesquisa Amazônica – Associação Brasil Soka Gakkai International, foi necessário autorização para acesso. Os 22 pontos de coleta de amostras de águas de rios foram em cinco Sub-Bacias da Bacia do Amazonas na área urbana de Manaus que sofrem mais ação antrópica (Figura 2): foram 5 pontos na Bacia do Tarumá (Ponte da Bolívia; Cachoeira do Tarumã; Balneário Bené-Tarumazinho; Balneário Prainha; Cemitério-Tarumã); 5 pontos na Bacia do Educandos (Prefeitura; Chefe; Assua; Iguarapé do 40; PAM do Codajás); 7 pontos na Bacia do São Raimundo (Palácio; Carrefour; Torquato-Gelocrim; Sírio; Millenium; 134 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Japonês-Mindu; Franco); 1 ponto na Bacia do Mauazinho (); e 4 pontos na Bacia da Colônia Antônio Aleixo (). Foram realizadas sete campanhas de monitoramento, nas diferentes estações, no período de 2009 a /2012, na sequência: 1X - chuvosa (primavera, 15/02/2009); 2X intermediária seco/chuvoso (primavera, 25/10/2010), muita seca, foi comparada a seca de 1953; 3X - chuvosa (verão, 14/03/2011), nível dos rios cheio, com praias; 4X – seca (outono, 06/06/2011), nível dos rios ainda cheio; 5X seca (inverno, 18/09/2011); 6X – chuvosa (primavera, 06/12/2011), com praias; 7X – chuvosa (outono, 26/03/2012), nível alto do rio. Agrupamos a média dos dados para as duas estações meteorológicas mais marcantes (seca e chuvoso), para representação espacial dos dados no programa de geoprocessamento QGIS, versão 2.18.13. Figura 1- Imagem da Bacia do Amazonas ao longo do Rio Negro, com destaque pontos de coleta: A – Praia da Lua (Oeste); B – Praia da Ponta Negra (Oeste); C – Praia do 9º. Distrito Naval (Porto); D – Praia da Estação Naval do Rio Negro (Mauazinho – Leste); E – Praia da Reserva (Leste) Fonte: Google Earth e Fotos Sotero-Martins, A. Foram utilizados dados secundários provenientes do site do Porto de Manaus (http://www.portodemanaus.com.br/), sobre a cota máxima e mínima de enchente e vazante do Rio Negro, assim como dados referentes às condições ambientais como umidade, temperatura, e precipitação foram adquiridos através do Instituto Nacional de Meteorologia - INMET, (http://www.inmet.gov.br), da estação meteorológica de Manaus número 82331. Os dados das análises foram plotados em gráficos no SigmaPlot for Windows, versão 11.0, Build 11.0.0.77 Copyrigh 2008 Systat Software, Inc (www.systat.com). Foi utilizado software QGIS 3.30.1 para elaboração de mapas temáticos, a fim de apresentar os resultados obtidos nas últimas 5 campanhas de forma especializada. 135 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 2 – Bacias Hidrográficas da área urbana de Manaus/AM e localização dos pontos de coleta Fonte: elaboração própria. Na avaliação da qualidade sanitária das amostras de água e areia em frascos estéreis, e processadas conforme descrito em Sotero-Martins et al. (2019), utilizando meio de cultura Chromocult da Merck (Figura 3). O resultado do número de colônias foi multiplicado pelo fator de diluição, obtendo o valor esperado de Unidade Formadora de Colônia (UFC) por mL de água e por grama de areia. Figura 3 - Esquema do Processamento das Amostras, através da Técnica de Membrana Filtrante e de interpretação das cores das colônias crescidas no meio cromogênico 136 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 4. RESULTADOS 4.1. QUALIDADE SANITÁRIA DA ÁGUA DE RECREAÇÃO DAS PRAIAS DO RIO NEGRO De modo geral, sobre a qualidade sanitária das águas das praias do Rio Negro, os maiores níveis de E. coli em UFC/mL foram observadas nas praias: Praia do Porto, Praia do Mauazinho, Praia da Reserva, Praia da Ponta Negra, e em menores níveis na Praia da Lua (Figura 4), que sofre menor ação antrópica por conta da falta de saneamento na cidade de Manaus. Figura 4 - Monitoramento da qualidade sanitária colimétrica das águas das cinco praias do Rio Negro nas sete campanhas de coletas realizadas (2010 a 2012) comparando as praias em cada uma das sete campanhas. Praia da Lua (LUA); Praia da Ponta Negra (NEG); Praia do Porto (POR); Praia do Mauazinho (MAU); Praia da Reserva (RES). As colunas representam os níveis em UFC/mL para Coliformes totais (barras pretas) e de Escherichia coli (barras cinzas) 137 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 As campanhas de coleta foram executadas em diferentes estações do ano, com características meteorológicas diferentes. As campanhas que apresentaram os menores índices de coliformes foram a 1ª, 5ª. e 7ª, correspondentes aos períodos: chuvoso de 2009, de cheia dos rios; período de seca de 2011 e chuvoso de 2012, de cheia dos rios, respectivamente. O período que foi observado os maiores níveis colimétricos nas águas foi na 4ª campanha (4X), correspondente ao período que iniciava a seca, final da cheia. A Praia do Porto foi a que apresentou os maiores níveis colimétricos na maioria das vezes tanto para o indicador Coliformes Totais como para E. coli (Figura 5). A Praia da Lua teve o maior nível de contaminação na 2ª campanha (2X), a Praia da Ponta Negra foi na 4ª campanha (4X), a Praia do Porto foi na 3ª campanha (3X), e as Praia do Mauazinho e da Reserva foram nas campanhas 2ª e 4ª (2X e 4X). Figura 5 - Monitoramento da qualidade sanitária colimétrica das águas das cinco praias do Rio Negro nas sete campanhas de coletas realizadas (2010 a 2012), onde X significa vez de coleta: A. Praia da Lua (LUA); B. Praia da Ponta Negra (NEG); C. Praia do Porto (POR); D. Praia do Mauazinho (MAU); E. Praia da Reserva (RES). As linhas representam os níveis em UFC/mL para Coliformes totais* e Escherichia coli . 138 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 4.2. QUALIDADE SANITÁRIA COLIMÉTRICA DA AREIA SECA DAS PRAIAS DO RIO NEGRO Dentre as cinco praias monitoradas na porção de areia seca, foi observado que as praias com maiores níveis de contaminação foram, respectivamente: Praia da Reserva, Praia do Porto, Praia da Ponta Negra, Praia do Mauazinho e Praia da Lua. De acordo com uma resolução da cidade do Rio de janeiro sobre qualidade de areia para uso como matriz de recreação, a Resolução. 468/2010 SMAC, nenhuma das praias esteve de dentro dos padrões estabelecidos na primeira e segunda campanha. Na terceira campanha, apenas a Praia da Ponta Negra esteve própria para uso recreativo. Na quarta campanha apenas a areia Praia da Reserva esteve própria para uso, e as demais permaneciam impróprias. Na quinta, sexta e sétima campanhas, em todas as praias, as areias estavam impróprias (Figura 6), assim também de acordo com a legislação mais atual do estado do Rio de Janeiro, a Lei 7666/2017. Cabe destacar que a vigilância ambiental poderia utilizar dados legais, caso a cidade ou o estado tivesse legislação com valores máximos permitidos, para interditar praias, ou mesmo cobrar das prefeituras medidas para tratar a areia de contato primário. Figura 6 – Monitoramento da qualidade sanitária colimétrica da áreia seca das cinco praias do Rio Negro nas sete campanhas de coletas realizadas (2010 a 2012): Praia da Lua (LUA); Praia da Ponta Negra (NEG); Praia do Porto (POR); Praia do Mauazinho (MAU); Praia da Reserva (RES). As barras representam os níveis em UFC/mL para Coliformes totais e Escherichia coli 139 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 4.3. QUALIDADE SANITÁRIA COLIMÉTRICA DA AREIA ÚMIDA DAS PRAIAS DO RIO NEGRO Dentre as cinco praias monitoradas quanto à qualidade sanitária da porção de areia úmida, que sofre influência direta da qualidade sanitária da água, foi observado também que as praias com maiores níveis de contaminação foram, respectivamente: Praia da Reserva, Praia do Porto, Praia do Mauazinho, Praia da Ponta Negra e Praia da Lua (Figura 7). De acordo com uma resolução da cidade do Rio de janeiro sobre qualidade de areia para uso como matriz de recreação, a Resolução. 468/2010 SMAC, nenhuma das praias esteve de dentro dos padrões estabelecidos como própria para usos recreativos. Figura 7 – Monitoramento da qualidade sanitária colimétrica da áreia úmida das cinco praias do Rio Negro nas sete campanhas de coletas realizadas (2010 a 2012): Praia da Lua (LUA); Praia da Ponta Negra (NEG); Praia do Porto (POR): ; Praia do Mauazinho (MAU); Praia da Reserva (RES). As barras representam os níveis em UFC/mL para Coliformes totais e Escherichia coli . * : amostras não coletadas devido nível do rio 140 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 4.4. CONDIÇÕES AMBIENTAIS NAS RELACIONADAS COM AS CAMPANHAS DE COLETAS DE AMOSTRAS A avaliar das condições ambientais principalmente da precipitação, é importante no entendimento da influência do carregamento de materiais para os rios, principalmente de esgoto não tratado e resíduos sólidos, que aumentando a carga de contaminantes nos rios e consequentemente elevando os níveis de dos indicadores de qualidade sanitária como coliformes totais e de E. coli, elevando os níveis de impropriedade do uso recreativo das áreas estudadas. Na Figura 8 observa-se que nas campanhas 1ª, 4ª e 5ª foram as que tiveram maiores precipitações, e na campanha 4ª foi que a maioria das praias estiveram com níveis elevados dos indicadores sanitários das águas e areia. Figura 8 – Condições ambientais relacionadas com as cinco campanhas de coleta de amostras realizadas nos iguarapés e nas praias do Rio Negro. Umidade Relativa (%) ; Temperatura ambiental (oC)- ; Precipitação de chuvas (mm3) - . Dados registrados do dia da coleta da amostra e nos três dias antecedentes a “campanha de coleta” (X) Figura 9 – Condições do Nível do Rio Negro, com destaque para a estação climática da região na proximidade dos dias de coleta, A- no dia da campanha de coleta; B – no período anterior ao dia de coleta. e cota de altura em metros do Rio Negro; Encheu em metros; -Vazou em Metros; Temperatura média do ar; relação enche/vazia 141 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 O monitoramento da qualidade sanitária da água dos rios internos da cidade, chamados dos igarapés, começou a partir da 3ª. campanha de coleta de monitoramento das praias, e da mesma forma foi acompanhado as condições ambientais para correlacionar com os dados dos níveis sanitários encontrados nas águas desses corpos hídricos. 4.5. MONITORAMENTO DA QUALIDADE SANITÁRIA COLIMÉTRICA DA ÁGUA DOS IGARAPÉS Figura 10 – Qualidade sanitária da água dos igarapés da cidade de Manaus/AM pelo níveis do indicador Escherichia coli, em cinco estações meteorológicas, classificação conforme Resolução No. 274/2000 do CONAMA Os resultados da qualidade sanitária das águas dos corpos hídricos na Bacia do Tarumã, de análises feitas em cinco campanhas de coleta (período 2011-2012), apontam que essa bacia estava em melhores condições sanitárias que as demais bacias, pois em pelo menos 4 das 5 campanhas apresentou pontos com qualidade sanitária na faixa de Excelente qualidade (Figura 10). Na Bacia de São Raimundo apenas na 5ª campanha teve um ponto de coleta com resultados na faixa de excelente, que foi na campanha que teve também a maioria dos pontos nas bacias Educandos e do Aleixo com qualidade excelente, corroborando com os resultados da qualidade sanitária das águas das praias do Rio Negro, evidenciando alta concentração de contaminantes de esgoto sanitário nas águas, visto a baixa precipitação de chuva no período dessa campanha, portanto o esgoto estava menos diluído. 142 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 5. CONCLUSÃO Existe uma relação direta entre a falta de saneamento básico e a saúde ambiental das praias do Rio Negro e das águas dos rios das bacias urbanas de Manaus, essa contaminação pode acarretar grandes riscos à saúde pública. A falta de qualidade sanitária das matrizes ambientais dos ecossistemas analisados demostram que a degradação ambiental causada pelo crescimento populacional acelerado, pelo planejamento inadequado dos serviços de saneamento e também devido à falta de conscientização com a preservação dos elementos essenciais à vida (água, ar, solo). Os serviços de saneamento básico são primordiais e envolvem cuidados com o meio ambiente, a saúde, os aspectos sanitários e a qualidade de vida, sendo necessário preocupação no seu planejamento, por causa dos impactos que podem ser gerados pela implantação ou pela ausência do serviço com relação ao abastecimento de água, tratamento do esgoto, destino correto dos resíduos sólidos e drenagem pluvial. Espera-se que com esse estudo, que os responsáveis pela gestão da cidade possa utilizar os dados que apontam as áreas em maior risco sanitário da água e areia de recreação, e que inicie o monitoramento desses locais, incentivando criação de legislação específica com padronização da qualidade de areia das áreas de recreação da cidade de Manaus, com isso, o setor público poderá garantir o real monitoramento e melhoria na qualidade de vida da população com o desenvolvendo de ações que possam melhorar a qualidade da saúde ambiental das bacias hidrográficas urbanas de Manaus, com base na interface entre a qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável. O trabalho exposto sugere continuidade da pesquisa, focando na realização de monitoramento contínuo das áreas em risco ambiental, de modo a informar a população sobre a qualidade sanitária dos ecossistemas expostos. REFERÊNCIAS [1] ALERJ – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Lei Nº 7666, de 28/08/2017. 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Monitoramento microbiológico das águas e areias das praias do Meireles e do futuro. Bol. téc. cient. Cepnor, Belém; 7(1):17–26. 2007. 145 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Capítulo 10 Concessão privatista da principal companhia de saneamento do estado do Rio de Janeiro: mapeamento e análise espacial do processo por blocos regionais Adriana Sotero-Martins1 Maria José Salles1 Elvira Carvajal2 Natasha Berendonk Handam1 3 Norberto dos Santos Junior3 Thiago Corrêa de Almeida3 Priscila Gonçalves Moura3 Rejany Ferreira dos Santos4 Luis Eduardo Martin5 Resumo: O objetivo foi descrever os impactos da divisão regionalizada da concessão da companhia de saneamento do estado do Rio de Janeiro, no processo de privatização do saneamento no Brasil. Foram analisados indicadores de saneamento e correlacionados, para os municípios do Estado do Rio de Janeiro (ERJ) e para os bairros da capital do estado (MRJ). Com base em dados espaciais foi possível avaliar a estruturação do projeto de concessão, sendo mapeadas as condições socioeconômicas, sanitárias e de saúde da população. A dificuldade de universalização do saneamento está ligada às desigualdades sociais, portanto reduzir as desigualdades e o racismo ambiental deveria ser o foco, porém indicadores econômicos de interesse para as empresas nortearam a regionalização dos blocos de concessão. Palavras-chave: concessão do saneamento, acesso à água, coleta de esgoto, doenças relacionadas com o saneamento inadequado, COVID-19. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) 3 Programa de Pos-Gradúaçao em Saúde Pública e Meio Ambiente 4 Cooperaçao Social da Presidencia, Fúndaçao Oswaldo Crúz (FIOCRUZ) 5 FUNASA 1 2 146 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO Em meio a um cenário recente de aprovação da lei federal 14.026/2020, que mudou o Marco Regulatório do Saneamento (lei 11.445/2007), pró-mercado e favorecendo a entrada de empresas privadas no setor, desconsiderando os debates e o histórico da construção que lhe deram origem. Mesmo com exemplos internacionais e nacionais apontando os riscos da concessão dos serviços à iniciativa privada, principalmente para os municípios menos rentáveis (Pinto e Noronha, 2017). Dessa forma, com uma Agenda privatista. o Brasil caminha na contramão da tendência mundial de cidades e países que têm retomado o controle da gestão da água e do esgotamento sanitário (Morosini, 2018). A privatização da Companhia de Água e Esgoto do Estado do Rio de Janeiro (CEDAE) ficou ligada à renegociação da dívida do estado com a União (MPRJ, 2020), e o processo de concessão dos serviços de água e esgotamento sanitário foi iniciado (RIO DE JANEIRO, 2020). O projeto de concessão foi desenvolvido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As etapas de consulta pública para recebimento de propostas e de audiências públicas aconteceram de forma remota, durante o período de pandemia de COVID-19, momento que grande parte da população não conseguia interagir e se organizar, e os pesquisadores precisavam se dedicarem ao problema de saúde pública. Por isso, diferentes atores se colocaram contrários ao acontecimento da consulta em um cenário de calamidade. Tendo em vista que a audiência pública é um instrumento de participação social, fundamental ao processo decisório democrático de aprovação ou não do objeto da consulta pública, visando o interesse público, deveria assegurar os princípios constitucionais: da legalidade; da liberdade; da igualdade; da ampla defesa; da isonomia; do contraditório; da simetria; da proporcionalidade da Lei, e a vontade popular deveria se manter soberana frente ao projeto apresentado (Dal Bosco, 2003). A avaliação de políticas de saneamento ambiental e das estratégias de integração envolvendo as diferentes áreas de gestão de uma região pode ser realizada por meio da análise dos impactos gerados pelas modificações do meio ambiente. Uma das formas de se medir a efetividade de uma política de saneamento ambiental ou da ausência dela é captar o seu impacto por meio de indicadores de saúde ou da ausência dela (FUNASA, 2010). Assim o presente artigo teve como objetivo descrever o modelo de divisão regionalizada em blocos e analisar os indicadores de saneamento, de saúde e os correlatos às condições de vida da população nesse cenário de modelagem voltada para a privatização. 2. METODOLOGIA Foram construídos bancos de dados em Sistema de Informação Geográfica (SIG), com dados secundários de: casos confirmados de COVID-19; doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (DRSAI); renda per capita,; índice de desenvolvimento humano (IDH); índices de acesso a água e coleta de esgoto; para Estado do Rio de Janeiro (ERJ), Município do Rio de Janeiro (MRJ), de bairros e de Aglomerados Subnormais (ASN) do MRJ, de modo comparar os blocos propostos pelo projeto de concessão da CEDAE (RIO DE JANEIRO, 2020). Todo recorte de tempo foi baseado nos dados apresentados no relatório enviado pelo grupo na consulta pública. Os dados sobre os casos de COVID-19 147 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 no ERJ foram obtidos no site Painel Coronavírus do governo do estado (SES, 2020), acumulados até o dia 27/06/2020. Para os casos confirmados no MRJ foram no portal da prefeitura, Painel Rio COVID (SMS, 2020), casos até o dia 08/07/2020. Os casos confirmados de COVID-19 nos ASN foram consultados na publicação sobre a Voz das Comunidades (CANNABRAVA, 2020), registrados até o dia 23/07/2020. Os dados da população dos bairros do MRJ foram obtidos no site do Instituto Pereira Passos (IPP, 2020), enquanto os referentes à população dos demais municípios e dos ASN do ERJ foram obtidos no site do IBGE (2010). Os dados dos dois índices de saneamento considerados (acesso a água e coleta de esgoto) foram obtidos no Sistema Nacional de Saneamento (SNIS), para o ano de 2018. Os dados referentes às DRSAI(s) foram obtidos junto ao Datasus – Tabnet (BRASIL, 2019). Nas análises dos bairros do MRJ, consideradas informações descritas para os blocos regionais previstos no projeto de concessão da CEDAE (RIO DE JANEIRO, 2020), a saber: bloco 1 (bairros da zona sul), bloco 2 (bairros de Jacarepaguá e Anil, Barra da Tijuca, Camorim, Gardênia, Grumari, Itanhanga, Joá, Recreio dos Bandeirantes, Vargem Grande, Vargem Pequena), bloco 3 (bairros da zona oeste), bloco 4 (bairros da zona norte). As DRSAI(s) consideradas foram: dengue, esquistossomose, leishmaniose tegumentar e visceral, leptospirose, poliomielite e febre tifoide (FUNASA, 2010) no período de 8 anos (2010 a 2018). Foram calculadas as Taxas de Incidência de DRSAI/1.000 habitantes, no período considerado. Os dados dos dois indicadores socioeconômicos foram obtidos do Atlas de Desenvolvimento Humano (IBGE), e dos índices de saneamento (acesso a água e coleta de esgoto) obtidos do Sistema Nacional de Saneamento (SNIS). A construção dos mapas temáticos foi nos programas de geoprocessamento QGIS, versão 2.18.13 e TerraView Políticas Sociais, versão 4.2.2. A avaliação da correlação de Spearman (p<0,05) foram no programa BioEstat 5.3. (Pagano e Gauvreau, 2004). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. CORRELAÇÃO DA TAXA DE INCIDÊNCIA DA COVID-19 COM O ACESSO AO SANEAMENTO Atualmente existe um indicador estratégico de norteamento de políticas públicas, que é a avaliação da correlação de casos de COVID-19 e as condições de saneamento de uma região. Visto que para prevenir a transmissão do vírus SARS-CoV-2 e controlar a pandemia da doença, é extremamente importante ter acesso a água potável para realizar a higienização das mãos, das roupas, e do domicílio (UNICEF/OMS, 2020). Populações vulneráveis, que possuem falta ou condições inadequadas de saneamento, expostas a doenças relacionadas com o saneamento inadequado (DRSAI), como malária, leptospirose e dengue, podem ser ainda mais afetadas pela transmissão comunitária da doença COVID19 (Zhang et al., 2020). A taxa de incidência de COVID-19 (casos/1.000 habitantes) no estado do Rio de Janeiro, até o dia 27 de junho de 2020 era de 5,83 casos/1.000 hab. As maiores taxas ocorreram nos municípios do Bloco 1 (Figura 1). 148 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 1 - Distribuição das Taxas de Incidência da COVID-19 (até dia 27/06/2020)/1.000 habitantes (A.) e Divisão dos Municípios do ERJ em Blocos de Concessão (B.), exceto MRJ que embora esteja descrito sem bloco, estava fracionado entre os blocos A análise de dados referentes apenas à capital do estado mostrou que a Taxa de Incidência média de COVID-19 nos 163 bairros foi de 9,78 casos/1.000 hab. O valor máximo foi observado no bairro de Bonsucesso com 40,67 e o valor mínimo na Vila Kennedy com 1,12. Nos bairros de Gericinó e Grumari não houve casos confirmados até a data analisada. As análises relativas aos bairros, por regiões dos blocos, mostraram que na região do bloco 1, a média foi de 16,58, em que a maior taxa, de 39,49 foi encontrada no bairro da Gávea, enquanto ao menor de 4,14 foi observada no bairro da Rocinha. Nos bairros que compõem o bloco 2, a taxa de incidência média foi de 11,54, sendo que o bairro do Camorim apresentou a maior taxa, de 32,4, enquanto o bairro Cidade de Deus ficou a menor de, 6,25. Destaque-se que no bairro de Grumari não houve registro de casos confirmados até o momento da análise. Nos bairros do MRJ que constam do bloco 3, a média da referida taxa foi de 6,04, sendo que o bairro do Jardim Sulacap apresentou a maior taxa, de 13,12 enquanto, o bairro da Vila Kennedy ficou com o menor valor dessa taxa igual a 1,12. No bairro de Gericinó não houve o registro de casos confirmados até o momento da análise. Nos bairros do MRJ que compõem o bloco 4, a taxa média de incidência foi de 8,92, com o maior valor igual a 40,67 no bairro de Bonsucesso, enquanto no bairro do Complexo do Alemão observou-se o valor mínimo de 0,17. Os blocos 1 e 2 foram os que apresentaram as maiores taxa de incidência de COVID-19 (Figura 2). Visto que as menores taxas foram sempre encontradas em bairros com área de aglomerados subnormais (favelas), esses resultados podem ser explicados pela menor disponibilidade de testes para a população residente de áreas socioeconomicamente mais vulnerável relativamente às outras áreas. Portanto, observou-se evidente desigualdade no acesso aos testes da COVID-19, em concordância com os estudos do Boletim Epidemiológico da ENSP (ENSP, 2020). 149 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 2 - Distribuição das Taxas de Incidência da COVID-19 (até dia 08/07/2020)/1.000 habitantes, nos bairros da cidade do Rio de Janeiro (A.) e Bairros da cidade do Rio de Janeiro por regiões dos Blocos do projeto da modelagem do BNDES (B.) A cidade do Rio de Janeiro está no grupo dos 55 municípios do estado, em que mais de 75% dos domicílios da cidade possuem acesso à água por meio do sistema público de abastecimento de água. Em relação à coleta de esgoto sanitário, a referida cidade encontra-se no grupo dos 4 municípios que possuem esse serviço para 50 a 75% dos domicílios. Ou seja, segundo a classificação, o Rio de Janeiro possui baixo déficit de saneamento básico. Porém, segundo dados fornecidos pelo IBGE (IBGE, 2010), é a cidade do estado que tem a maior quantidade de aglomerados subnormais (ASN), totalizando 57,3% de ASN de todo o ERJ. Na tabela 1 a correlação foi positiva com significância estatística entre a taxa de incidência da Covid-19 e a renda per capita dos bairros do bloco 1 do Estado do Rio de Janeiro. Tabela 1 – Dados sobre a correlação entre incidência da Covid-19 (taxa) e renda per capita dos blocos dentro da cidade do Rio de Janeiro Taxa Inc de COVID-19 Bloco 1 Bloco 2 Bloco 3 Bloco 4 Renda per capita 0.3419 (p)= < 0.0001 0.2293 (p)= 0.3759 0.2429 (p)= 0.2761 0.1640 (p)= 0.0978 Os dados estatísticos produzidos pelos órgãos oficiais não demonstram as realidades das favelas, pois a estratégia aplicada é pautada em estigmatização dos moradores, por isso a produção de dados revela como a favela é tratada e percebida pelos agentes estatais (Motta, 2019). Nesse sentido a organização “Voz das Comúnidades” divulgou no Painel de Atualização de Coronavírus nas Favelas do Rio de Janeiro, o compilado das informações de dados sobre atualizações da COVID-19, por meio de dados das próprias favelas, com informações das clínicas de saúde da família, e da fonte oficial da Secretaria Municipal de Saúde (Cannabrava, 2020). Nas análises de estatística espacial (incluindo as taxas de mortalidade, recuperação para COVID-19, e de incidência acumulada), considerando as informações de 24 favelas descritas pela organização Voz das Comunidades, e a população estimada para cada uma 150 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 delas, de acordo com o IBGE (2010), foi observado que as comunidades dos bairros (Gardênia Azul e Cidade de Deus) da região do bloco 2 apresentaram as maiores taxas de incidência para COVID-19, sendo um resultado encontrado semelhante a análise realizada no nível de bairros. Os ASN localizados nos bairros Manguinhos, Jacaré, Maré, Complexo do Alemão, Penha, Caju, e Tijuca, da região do bloco 4 também apresentaram valores importantes para a taxa de incidência. No bloco 1, as favelas localizadas nos bairros Copacabana, Catete, Vidigal, e Leme se destacaram com altas taxas (Figura 3). Nos bairros da região do bloco 3, os dados dos ASN não foram fornecidos pelas fontes oficiais. Como ficou evidenciado, a cidade do Rio de Janeiro possui a maior quantidade de favelas dentre todos os municípios do estado. Paralelo a isto, junto com os dados analisados nesse estudo, fica evidente a importância de se intensificar ações e protocolos para prevenir e combater a transmissão do vírus SARS-CoV-2 entre a população nas favelas da cidade. Figura 3 – Distribuição espacial dos dados de COVID-19 analisados para as 24 comunidades descritas no site Voz das Comunidades, com gráficos das proporções das Taxas de Incidência, Taxa de Mortalidade e Taxa de Recuperação da COVID-19 (A.) e Bairros da cidade do Rio de Janeiro por regiões dos Blocos do projeto da modelagem do BNDES (B.) 3.2. CORRELAÇÃO DAS DRSAI COM O ACESSO AO SANEAMENTO A falta de saneamento favorece maiores custos financeiros para o Sistema Nacional de Saúde, devido ao aumento de consultas e ao uso excessivo de medicamentos. Estudos indicam que o número de casos de doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (DRSAI) pode ser reduzido com a implementação de um sistema adequado de abastecimento de água e de coleta esgoto na população (Renwick et al., 2019; Eshcol et al, 2009). O relatório da FUNASA intitúlado “Impactos na saúde e no sistema único de saúde decorrentes de agravos relacionados a úm saneamento ambiental inadeqúado” (FUNASA, 2010) traz uma discussão aplicada para a seleção das Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado – DRSAI, com base na classificação ambiental para doenças infecciosas (Cairncross e Feachem, 1993), considerando os dados do Sistema de Informações em Saúde – SIS e outras bases de dados de referência no Brasil. Na análise dos municípios por blocos, observa-se que no bloco 1 os municípios tiveram as maiores taxas de DRSAI (casos/1.000 hab.) em relação aos demais blocos, com taxa média no valor de 22,86. Em contraste, no bloco 2, os municípios apresentaram taxa média de 8,03, enquanto a taxa no bloco 3 foi de 9,67 e nos municípios do bloco 4 de 3,07, esses últimos apresentando as menores proporções em relação aos outros blocos (Figura 4). 151 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 4 - Distribuição das Taxas de Incidência das DRSAI /1.000 habitantes (A.), nos municípios do Rio de Janeiro (período 2010 – 2018) e Divisão dos Municípios do ERJ em Blocos de Concessão (B.), exceto MRJ que embora esteja descrito sem bloco, está fracionado entre os blocos O resultado da correlação entre os dados de acesso à água e coleta de esgoto com os casos de DRSAIs nos municípios que compõem todos os blocos apresentaram um coeficiente de Spearman positivo, porém não significativo (>0,05) (Tabela 2), indicando que não se pode rejeitar a hipótese de que não existe correlação. No entanto, um resultado “Sem significância estatística” não é igúal a “não há correlação”, apenas indica qúe é poúco provável que exista. Este resultado também indica que o acaso não pode ser excluído como uma possível explicação, porém não indica que é o responsável pelo resultado (Pagano e Gauvreau, 2004). Isso pode estar acontecendo devido a dengue ter um peso consideravelmente maior no grupo das DRSAI. Tabela 2 - Correlação de Spearman entre DRSAI e acesso à água e coleta de esgoto dos municípios atendidos pela CEDAE no estado do Rio de Janeiro, RJ Parâmetro de correlação Taxa Incidência de DRSAI Bloco 1 Bloco 2 Bloco 3 Bloco 4 Índice de Acesso à Água 0.2989 0.6071 0.6190 0.1905 (p)=0.0609 (p)= 0.1482 (p)= 0.1017 (p)= 0.6514 Índice de Coleta de Esgoto 0.2087 0.2673 0.2537 0.3952 (p)= 0.1962 (p)= 0.5623 (p)= 0.5444 (p)= 0.3325 O índice de Moran para a incidência de DRSAI foi de 0,32 (p-valor 0,01), indicando a existência de associação espacial entre os municípios, representados na cor vermelha, o Box Map apontou que dentre os 43 municípios do ERJ, em 31 municípios cobertos pela CEDAE tem associação espacial positiva do tipo Q1 (+/+) para a Taxa de Incidência de DRSAI. Enquanto, pelo Moran Map, dos 11 municípios do ERJ, 10 municípios cobertos pela CEDAE possuem dependência espacial mais pronunciada estatisticamente, com a Taxa de Incidência de DRSAI. No município do Rio de Janeiro, entre os anos de 2010 a 2016, os três bairros com maior incidência de doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (DRSAI) 152 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 foram Pedra de Guaratiba, Paquetá e Barra de Guaratiba. Curiosamente são bairros localizados nos extremos da cidade, o primeiro e o terceiro no extremo sudoeste da cidade, ao passo que a Ilha de Paquetá se encontra no extremo nordeste da cidade. Chama a atenção o predomínio de Pedra de Guaratiba, com taxa de incidência de DRSAI igual a 54,7/1000 habitantes. Observando o mapa, nota-se que o único bairro carioca que faz limite com Pedra de Guaratiba é o bairro de Guaratiba, que também se encontra no sextil superior. No entanto, no caso de Barra de Guaratiba, observa-se que esta faz limite com Grumari e Recreio dos Bandeirantes, pertencentes ao quinto e ao primeiro sextil respectivamente, no entanto, ambos não pertencem a região do bloco 3. A região dos bairros moduladas no bloco 3, teve outra área que também concentrou bairros do sextil superior, que são Bangu e Padre Miguel. No restante só houve mais um bairro do sextil superior nesse bloco, porém separado espacialmente, que foi Jardim Sulacap. Observa-se pelo mapa que há uma concentração e continuidade de territórios do sextil superior , que passa por bairros pertencentes a região do bloco 4, como São Cristóvão, Cidade Nova, Santo Cristo, Centro, Saúde, Estácio, Santa Tereza e chegando à Gloria, que por sua vez pertence a região do bloco 1 (Figura 5). Figura 5 - Distribuição da Taxa de Incidência de DRSAI (A.) por quantil nos bairros da cidade do Rio de Janeiro e Bairros da cidade do Rio de Janeiro por regiões dos Blocos do projeto da modelagem do BNDES (B.) Ao analisar-se a taxa de incidência de DRSAI por intervalos iguais, destacam-se quase isoladamente Pedra de Guaratiba, Barra de Guaratiba, Paqueta, Catumbi, Saúde, Bonsucesso e Cocota. Ao passo que os demais bairros apresentam certa homogeneidade entre si, variando com taxas entre 0,00 a 9,12. A análise estatística espacial de Moran realizada no programa TerraView Políticas Sociais, desenvolvido pelo INPE, indicou índice baixo de 0,003 (p= 0,4) de baixa correlação espacial entre os bairros quanto a esse indicador. O índice global de Moran (Box Map) indicou que os bairros de Guaratiba, Pedra de Guaratiba, Barra de Guaratiba, Cidade Universitária, Paquetá, Bonsucesso estão agrupados no quadrante 1, ou seja, estes bairros e seus vizinhos têm taxa de incidência superior à média das taxas de incidência de todos os bairros, ou seja há uma correlação espacial positiva entre eles. O mesmo pode se afirmar a respeito de bairros anteriormente mencionados como um exemplo de bairros contínuos entre si que pertenciam ao sextil superior de taxa de incidência como Santo Cristo, Praça da Bandeira, Estácio, Catumbi, Rio Comprido, Cidade Nova, Centro e Santa Tereza. Ao mesmo tempo, bairros que estão na cor verde (Figura 6), desde Anchieta, Parque Anchieta e Pavuna até Itanhangá formaram uma área que atravessa as regiões dos blocos 2, 3 e 4 quase toda preenchida com essa cor, nesse caso pertencem ao quadrante 153 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 2, ou seja, também apresentam correlação espacial positiva, no entanto pelo fato de estes bairros e seus respectivos vizinhos terem taxa de incidência de DRSAI abaixo da média de taxas de DRSAI no município. O mesmo se observa num trecho da zona sul entre Lagoa e Leblon até Flamengo e Botafogo, logo uma grande parte do bloco 1. Pelo índice de Moran local (Moran Map, observou-se que Estácio e Rio Comprido são classificados no quadrante 1, ou seja, formam uma aglomeração de bairros que contribuem para autocorrelação positiva com valores altos, ou seja, têm alta taxa de DRSAI e são cercados por bairros que fazem jus a estes. O índice Moran local também nos permite notar o oposto, é o caso do conjunto de bairros em verde, pertencentes ao bloco 2, que vai de Quintino Bocaiuva até Meier, estes bairros formam uma área de bairros que juntos espacialmente colaboram para se constatar baixas taxas de DRSAI. Benfica pertence ao quadrante 3, onde observa-se que este bairro tem alta taxa de DRSAI, embora seus vizinhos tenham baixa taxa. Bonsucesso e Centro pertencem ao quadrante 4, onde nota-se que estes bairros têm baixa taxa de DRSAI se comparados com seus vizinhos. A taxa de incidência de DRSAI nos ASN do ERJ, foi de 0,7 casos/1000 habitantes, sendo considerada baixa, visto que a taxa de incidência média de DRSAI no ERJ foi de 6,81 casos/1000 hab. Provavelmente essa foi baixa devido ao efeito da subnotificação e baixa testagem, como acontece para o COVID-19. 3.3. ANÁLISE DOS DADOS SOCIOECONÔMICOS E DE SANEAMENTO Como em todas as metrópoles do Brasil a concentração urbana, econômica e populacional é acompanhada de inúmeros desafios no âmbito da pobreza, da desigualdade de renda, do acesso ao trabalho e de acesso aos serviços público de qualidade. Estas pressões tornam as metrópoles mais complexas, assim como a busca de soluções para seus problemas. O estado do Rio de Janeiro se destaca por ser o mais metropolitano do Brasil, e a região metropolitana do Rio de Janeiro concentra 74% da população, respondendo por aproximadamente ¾ da economia do estado, com 68% das empresas e 75% do emprego de todo o estado. Mas a concentração não é apenas econômica, a região metropolitana do RJ abriga 74% da pobreza do estado, sendo que 44% do número de pobres estão em suas áreas periféricas, exceto a capital (Pero et al., 2013). A análise do desenvolvimento dos indicadores socioeconômicos tem propiciado a formulação de Planejamento Local e Planejamento Participativo, o acompanhamento da implementação de políticas públicas e de seus impactos no corpo social. Por isso, entendemos os indicadores socioeconômicos como medidas que podem representar, quantificar ou operacionalizar uma dada realidade e que se prestam para subsidiar as atividades de planejamento e formulação de políticas sociais voltadas para a melhoria das condições de vida e bem estar da população (Jannuzzi, 2002). O índice de desenvolvimento humano (IDH) pode ser utilizado em estudos exploratórios de avaliação socioeconômica de uma determinada área geográfica, assim como foi feito no trabalho de Silva et al. (2009). E a renda é um indicador importante de desigualdade, que avalia o nível de pobreza, portanto como um indicador econômico e sociais possibilita avaliar a situação e aprimoramento da sociedade. Mas é essencial à compreensão dos seus significados e limitações (Moldou, 1998). A presença do MRJ nos blocos aumenta os índices dos indicadores de saneamento: o bloco 1 sem o MRJ é o que apresenta os menores índices de coleta de esgoto e de acesso 154 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 a água, com 67,81% (d= 20,39) e 16,34% (d= 26,33), respectivamente (Figura 6). Os dados dos indicadores de saneamento do ERJ, obtidos do SNIS de 2018 (dados mais atuais no banco de dados), apontam que os municípios do bloco 1 (sem a cidade do Rio de Janeiro) são os que possuem menor percentual de abastecimento de água e de coleta de esgoto, portanto possuem carências de saneamento, com ausência ou até 25% de abastecimento de água e coleta de esgoto. Esse resultado mostra uma deficiência na modelagem do projeto de concessão proposto, pois os municípios que mais precisam de saneamento não estão sendo considerados dentro dos blocos. Além disso, foi verificado que o bloco 4 é o que possui mais municípios na faixa de 50 a 100% de abastecimento de água. Quanto a coleta de esgoto, foi verificado que o bloco 1 é o que possui menor percentual de coleta de esgoto em relação aos outros blocos, e com a maioria dos municípios com até 25% de coleta de esgoto. Segundo os dados do SNIS de 2018, 56% dos municípios do ERJ estão na faixa mais baixa de 0 a 25% de coleta de esgoto. Figura 6 - Mapas temáticos de distribuição das proporções dos dados de saneamento (A e B), da divisão dos blocos na modelagem do BNDES (C) e população total estimada atendida com esgotamento sanitário no ano de 2016, nos municípios do Rio de Janeiro A maior renda per capita esteve no município de Niterói, que detém também o maior IDHM, acompanhada da capital do Estado. As cidades de Macaé. Petrópolis, Rio das Ostras e Volta Redonda são os municípios com a terceira maior renda per capita. Essas quatro cidades apresentavam no ano de 2010, renda média entre 1,5 e 2 salários mínimos. Nos outros 86 municípios, a renda per capita era de aproximadamente entre 1,5 e meio salário mínimo (Figura 7). Das 41 cidades, propostas na modelagem do BNDES nos blocos, a cidade do Rio de janeiro foi a que apresentou a maior renda per capita, por isso o MRJ foi fracionado nos 4 blocos propostos na modelagem, de modo compensar os déficits que poderão acontecer nos municípios de menor renda. Portanto, há uma parcela considerável da população urbana e rural que não terá condições financeiras para pagar pelo serviço de forma integral caso a cidade do RJ não assine o contrato. Nos chamou muita atenção que a modelagem não apresentou essa conjuntura, nem mesmo o encaminhamento a ser dado na composição e cobrança da tarifa, assim como não aponta as diferentes tecnologias que tem que ser levadas em conta nas ações de saneamento para as áreas urbanas e rurais do Estado. 155 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 7 - Distribuição dos indicadores socioeconômicos, Renda per capita dos municípios do ERJ (A.) no ano de 2010, por intervalos iguais e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM, 2019) em (B.) O resultado da correlação entre os dados de acesso à água e coleta de esgoto com os índices de IDHM e com a média de renda per capita, foram positivas para o índice de acesso a água em todos os blocos, somente nos blocos 3 e 4 quanto ao índice de coleta de esgoto não houve correlação (Tabela 3). Tabela 3 - Correlação de Sperman entre IDHM e Renda e acesso à água e coleta de esgoto dos municípios atendidos pela CEDAE no estado do Rio de Janeiro, RJ Bloco Bloco 1 Bloco 2 Bloco 3 Bloco 4 Parâmetro de correlação IDHM Renda IDHM Renda IDHM Renda IDHM Renda Índice de Acesso à ÁGUA 0.5204 (p)=0.0006 0.4383 (p)=0.0046 0.0357 (p)= 0.9394 0.2500 (p)= 0.5887 0.5000 (p)= 0.2070 0.8571 (p)= 0.0065 0.9524 (p)= 0.0003 0.9048 (p)= 0.0020 Índice de Coleta de ESGOTO 0.3022 (p)=0.0580 0.3893 (p)=0.0130 0.0357 (p)= 0.9394 0.3563 (p)=0.4327 -0.0254 (p)= 0.9525 0.3171 (p)=0.4441 -0.2275 (p)= 0.5878 -0.1557 (p)=0.7128 O índice global de Moran, foi positivo 0,119 (p <0,05), esse índice indica a intensidade da autocorrelação espacial, considerando a área em análise e os seus vizinhos adjacentes. O Moran Map permitiu avaliar que há correlação espacial, estatisticamente significantes em 82 municípios. 156 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 8 - Distribuição dos modelos de companhias de saneamento por municípios do ERJ, segundo dados do SNIS, 2018 A presença de empresas privadas de saneamento é uma realidade em alguns municípios no ERJ, embora a CEDAE esteja presente em 64 municípios, ela nem sempre está sozinha dentro do município (Figura 8). O modelo de projeto do BNDES, não descreve com clareza de detalhes como serão os serviços nos municípios, que a CEDAE está atuando com outra companhia presente, como é o caso do MRJ. As experiências históricas de privatização da água no Brasil e no mundo têm-se demostrado processos ineficientes e altamente custosos à população, pois são desenvolvidas altas tarifas, zonas de exclusão pela inviabilidade da rentabilidade na prestação do serviço, como zonas rurais e áreas periféricas, que no modelo atual são garantidas por serem obrigações do Estado (Galeb et al., 2020, Morosini, 2018). Além da demissão dos trabalhadores das companhias estaduais, precarização do trabalho e da perda de direitos trabalhistas. Além do que há riscos para a saúde pública, visto a água como mercadoria, podendo deixar sem acesso à água os trabalhadores rurais, prejudicando a produção de alimentos, além da contaminação das águas por venenos e resíduos industriais decorrentes da problemática da distribuição das outorgas (Galeb et al., 2020). A viabilidade dos processos de privatização tem a fragmentação e o recorte das águas como um plano de negócio, para reduzir o tempo de rotação do capital, aumento da especulação, garantindo ganhos a toda cadeia produtiva, como empresas concessionárias, fornecedores, grandes compradores, seguradoras e certificadoras, governos e financiadores. Transformando a água em principal mercadoria, que é sustentado pelas tarifas que a população paga (Galeb et al., 2020). Os municípios do ERJ apresentam tarifas diferenciadas, o anexo VII da proposta descreve as tarifas diferencialmente praticadas, em (1) para os bairros da cidade do Rio de Janeiro, e (2) para municípios do estado do Rio de Janeiro que praticam a tarifa do Tipo B. Contudo, nesse último grupo há municípios que não fazem parte da CEDAE, portanto não deveriam estar sendo descritas nos documentos do processo de concessão dos serviços da CEDAE, compondo esse conjunto estão 26 municípios fora dos blocos descritos na tabela como em tarifa B. E não estava apresentado as garantias da tarifa social. 157 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 A cidade do Rio de Janeiro encontra-se descrita de forma fracionada nos blocos do edital, portanto em nenhum deles há uma metrópole, mas regiões dela. As áreas socio ambientalmente vulnerabilizadas (favelas e periferias) estão insuficientemente descritas no edital, pois não havia nenhuma descrição de como será a universalização dessas áreas, altamente adensadas, nem há descrição sobre como os serviços serão implementados, quais tecnologias de saneamento serão usadas nos locais mais irregulares. Sobre as tarifas cobradas dentro do município do Rio de Janeiro, nos bairros que compõem as regiões correspondentes aos blocos 1 e 2, todos são cobrados a tarifa A (mais cara); enquanto na região que compõe o bloco 3 há 21 bairros cobrados pela tarifa B (mais barata), e 1 bairro sem a descrição da tarifa. Por fim, na região que compõe o bloco 4 há 75 bairros abrangidos pela tarifa tipo A, e 23 bairros pelo tipo B, além de 5 bairros sem descrição da tarifa aplicada. Segundo, Pinto e Noronha (2017), entre 2003 e 2015, a tarifa das empresas privadas tiveram reajustes maiores do que as públicas, ficando 11% mais caras acima da média nacional. A divisão dos blocos de licitação e repartição da outorga fixa prevista no anexo da Resolução No. 5/2020 do Conselho Deliberativo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, artigo 10, inciso II, consta os percentuais mencionados que consideram a adesão integral dos 64 municípios contemplados no projeto de concessão, atualmente operados pela CEDAE, e foram calculados considerando a população de cada município, conforme estimativas de população divulgadas IBGE, com data de referência em julho de 2018, ou seja, defasado de 2 anos. Na eventual não adesão de algum destes municípios ensejará a alteração dos percentuais de repartição. Na divisão dos blocos de licitação e repartição da outorga fixa prevista no contrato, considerando a adesão integral de todos os municípios contemplados no projeto, mostra mais uma vez a importância do município do Rio de janeiro na viabilidade do edital, pois a cidade vai pagar a maior porcentagem dos valores de outorga fixa prevista. No bloco 1, composto de 41 municípios a cidade do Rio de janeiro é responsável pelo pagamento de 32,36% do valor total da outorga; enquanto no bloco 2, composto por 8 municípios, a porcentagem foi de 75,67%; no bloco 3, com 9 municípios, a contribuição do MRJ chega a 72,6% e no bloco 4, também com 9 municípios, a 47,09%. Esses valores foram calculados conforme estimativas de população divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, com data de referência em julho de 2018. A maior concentração de renda da cidade do Rio de janeiro estava em dois bairros, Ipanema e Lagoa localizados na zona sul da cidade, a segunda maior renda está nos bairros da Barra da Tijuca e Leblon, na zona sul e oeste da cidade. Os cinco bairros, Botafogo, Copacabana, Flamengo, Humaitá e Leme são o que possuem a terceira maior renda da cidade e estão todos localizados na zona sul da cidade de acordo com os dados do IBGE e a distribuição no mapa. Os bairros que possuem a quarta maior renda da cidade estão divididos entre a zona sul, Gávea, Jardim Botânico e Laranjeiras - Zona Norte, Grajaú, Jardim Guanabara, Maracanã e Tijuca e - zona Oeste Recreio dos Bandeirantes. Os bairros com a quinta maior renda da cidade, Andaraí, Cachambi, Lins de Vasconcelos, Méier, Rio Comprido, Todos os Santos, Vila da Penha, Vila Isabel, São Conrado, Vidigal, Centro, Santa Teresa, Freguesia (Jacarepaguá), Itanhangá, Pechincha e Vila Valqueire estão presentes nas zonas norte, sul, central e oeste, totalizando dezesseis bairros ao todo. Os bairros com renda per capita aproximadamente entre dois salários mínimos e 14 salários mínimos totalizavam 33 bairros da cidade, de um total de 160 bairros. 158 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Demostrando que menos de 21% da população da cidade do Rio de Janeiro concentra a maior parte da renda. Portanto, a concentração dessa renda está localizada principalmente na zona sul da cidade e na Barra da Tijuca. A análise demonstra que 127 bairros da cidade possuem renda per capita de 0 a dois salários mínimos. Os resultados mostram que há uma diminuição do número de bairros à medida que a renda per capita, aumenta na cidade, mostrando a importância de que seja feito o debate sobre as tarifas sociais no processo de concessão do saneamento no município, pois mais de 79% da população da cidade possuem uma renda média baixa. A cidade do Rio de janeiro representa 77% da arrecadação da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE) e no edital apresentado para o processo de concessão, não há uma descrição de como será a implementação da distribuição pelas empresas privadas nas áreas socio ambientalmente vulnerabilizadas, ou seja, favelas e periferias do município, onde mora e vive, de maneira adensado um contingente da população que não tem água e onde os demais serviços de saneamento são inexistentes ou inadequados. A maior parcela da população da cidade, possui renda entre zero a dois salários mínimos. O índice de Moran para o indicador Renda per capita foi de 0,436 (p-valor 0,01), demostrando a existência de associação espacial entre os bairros, representados na cor vermelha, o Box Map apontou 76 bairros do MRJ com associação espacial positiva do tipo Q1. Enquanto, no Moran Map, indicou que há 20 bairros que possuem dependência espacial mais pronunciada estatisticamente significante. Existem dados acadêmicos sobre as áreas irregulares, pouco abrangidas pela modelagem do projeto de concessão da CEDAE. As favelas foram consideradas como lugares problemáticos desde o seu surgimento, devido a forma de ocupação do espaço urbano, com grande proporção de população, sujeita a mortes por arma de fogo (Motta, 2019), assim como devido a doenças relacionadas com saneamento irregular (DRSAI) e mais recentemente pela COVID-19. Segundo o Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos Pereira Passos (RIO DE JANEIRO, 2012) as seguintes características definem as áreas de favela: 1) ocupação irregular da terra; 2) falta de títulos de propriedade formais, o que não significa que a ocupação seja ilegal; 3) tecido urbano disposto de forma irregular; 4) lotes pequenos e indefinidos; 5) vias estreitas; 6) infraestrutura de saneamento precária; 7) equipamentos sociais inexistentes ou insuficientes; 8) habitações precárias em desacordo com as normas; 9) inexistência de normas urbanísticas especiais; 10) não inserção dos imóveis nos cadastros Imobiliários; 11) predominância de população de baixa renda. Dentre os 92 municípios do ERJ, em 42 existem (no ano de 2010) áreas de ASN, portanto 45,6% dos municípios do ERJ tem ASN. Considerando dos 42 municípios do ERJ que possuem ASN, nem todos fazem parte dos blocos descritos no projeto de concessão da CEDAE. Portanto, o MRJ, que foi fracionado de forma desigual nos blocos, detém sozinho o maior percentual de ASN de todo o estado, sendo 57,3 % dos ASNs de todo o estado. Os demais 42,7% dos ASNs do ERJ, não estão em municípios pertencentes aos blocos. Assim ao considerar os municípios que tem ASN descritos nos blocos, detectou-se que apenas 28 municípios com ASN. Então descritos no projeto de concessão da CEDAE (28/42) estão os 66,7% municípios com ASN. E no modelo de projeto estão citados apenas os ASN do MRJ. Sendo assim, se o MRJ não autorizar a concessão nesse município, uma parcela significativa da população está desconsiderada desse modelo de projeto, caracterizando um racismo ambiental (Jesus, 2020). 159 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Considerando os indicadores de saneamento para as áreas dos ASN foi observado que deficiência de acesso a água em 8,9 % dos ASN, compreendendo a cerca de 209.386 pessoas sem acesso a rede oficial. E quanto a coleta de esgoto, esse déficit foi de 21,7 % nos ASN, correspondendo a 510.077 pessoas. A média do IDHM nos ASN de todo o ERJ foi igual a média do estado, foi de 0,71, que é um índice alto, de acordo com as faixas de desenvolvimento humano adotadas pelo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013). Contudo, a renda per capita nos ASN do ERJ no ano de 2010, foi de R$ 728,81 (ou seja, abaixo de 2 salário mínimo, que na época tinha o salário mínimo de R$ 510,00), enquanto a média do ERJ foi de R$ 791,95. Segundo IPP (2012) a renda média mensal per capita dos domicílios em reais, na favela do MRJ era de 1,5 salário mínimo enquanto a do resto da cidade era mais de 2 salários mínimos. Analisando os indicadores apenas para os 27 municípios, que não estão fracionados nos blocos, ou seja, os dados correspondentes ao MRJ ficaram de fora das contas dos valores médios para os indicadores de saneamento e dos demais, nessa parte das análises. Então para os indicadores de saneamento: % de acesso a água e de coleta de esgoto, os municípios que tem ASN no bloco 1 foram os que apresentavam os piores dados de deficiência de acesso a água em 33,7 % dos ASN, compreendendo a cerca de 58.227 pessoas sem acesso (oficial) a rede. E também quanto a coleta de esgoto foi no bloco 1 que apresentou o maior déficit sendo 52,9% de ASN nessa situação, correspondendo a 91.522 pessoas (Tabela 4). Tabela 4 – Municípios com Aglomerados Subnormais e as Proporções nos Blocos Bloco Fora (*) Bloco 1 Bloco 2 Bloco 3 Bloco 4 % S/Acesso Água 4,9 33,7 4,8 16,2 18,6 % S/Coleta Esgoto 17,1 52,9 5,9 41,1 28,0 Pessoas S/Acesso a àgua 93.226 58.227 30 16.919 33.858 Pessoas S/Coleta Esgoto 324.642 91.522 38 42.932 50.942 (*) Munícipio do RJ não está considerado nesse item, visto que declarou não assinar o contrato, então dá para ver como fica o projeto de concessão com a ausência desse município. Dos 163 bairros do MRJ, 133 bairros possuem aglomerados subnormais (ASN), ou seja em 81,6% tem áreas irregulares. Apenas em 18,4% (30 bairros) não foram descritos em 2010. Portanto os investimentos, que estão no projeto do BNDES para essas áreas precisam estar detalhados, tanto para os da cidade do Rio de Janeiro, como para os demais municípios que apresentam ASN. E o projeto do BNDES não detalha como serão prestados os serviços nos municípios em que a CEDAE atua com outra empresa, como é o caso do MRJ. Considerando que a cidade do Rio de janeiro tenha 57,3% das áreas de favelas no estado do Rio de Janeiro (ERJ), existem também áreas de favelas fora do MRJ (na figura 9, estão representados por polígonos em azul), mas esses não foram considerados nos contratos de concessão, com investimentos específicos nas metas de universalização. 160 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 9 – Representação de áreas de aglomerados subnormais (ASN) no estado do Rio de Janeiro (ERJ) e no município do Rio de Janeiro, dados IBGE de 2010. Fonte: Elaborado pelos autores As análises do percentual de ASN por regiões descritas no projeto, com o fracionamento do MRJ, apontam que na região do bloco 1 teriam 14 bairros, abrangendo 28 ANM; na região do bloco 2 teriam 15 bairros, abrangendo 136 ASN; na região do bloco 3 teriam 18 bairros, abrangendo 222 ASN; e na região do bloco 4 teriam 86 bairros, abrangendo 394 ASN. E os investimentos previstos no projeto, sem descrição da modelagem que possa indicar se são suficientes ou não. Os documentos que tratam da concessão dos serviços de água e esgotamento sanitário relativos às áreas irregulares, definem que os investimentos a serem realizados nestas áreas, não serão quantificados para fins de cálculo das metas de universalização descritas no ANEXO III – INDICADORES DE DESEMPENHO E METAS DE ATENDIMENTO. A obrigação da concessionária estará adstrita à realização de um determinado volume de investimentos ao longo dos primeiros vinte anos da celebração do contrato. De modo geral, para os ASN os indicadores de saneamento, disponíveis no IBGE (2010), indicam que há um deficit de acesso a água de 3,7% nos domicílios presentes na época, e de coleta de esgoto de 15,3%. Nas análises dos déficits dos indicadores de saneamento nas áreas irregulares (ASN) por blocos, para o indicador de acesso à água foram: na região do bloco 1 com 1,4%; na região do bloco 2 com 8,3%; na região do bloco 3 com 2.7%; na região do bloco 4 com 3,0%. Enquanto que para o indicador coleta de esgoto foram: na região do bloco 1 com 10,1%; na região do bloco 2 com 29,9%; na região do bloco 3 com 23,3% e na região do bloco 4 com 9,1%. 4. CONCLUSÕES A dificuldade de universalização dos serviços públicos de saneamento está ligada às desigualdades sociais, hoje a CEDAE realiza o ciclo completo do tratamento, distribuição de água, coleta e tratamento de esgotos, porém com a concessão da parte que confere lucro para a empresa, ela ficará apenas com a produção de água, e consequentemente deixará de cumprir seu papel primordial público, que não faz parte das prioridades de empresas privadas. O município do Rio de Janeiro que representa cerca de 77% da arrecadação da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE) e no edital do processo de concessão, não há uma descrição de como será a implementação da distribuição pelas empresas privadas nas áreas socio ambientalmente vulnerabilizadas. A proposta 161 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 apresentada pelo BNDES não contém garantias da aplicação da tarifa social, não apresenta detalhamento sobre as metas de universalização nas áreas dos aglomerados subnormais, e nem mesmo se os investimentos descritos por blocos serão suficientes para atingir a universalização do saneamento nas áreas irregulares em cada bloco de concessão. E o projeto do BNDES não detalha como serão prestados os serviços nos municípios em que a CEDAE atua com outra empresa, como é o caso do MRJ. Considerando que a cidade do Rio de janeiro tenha 57,3% das áreas de favelas no estado do Rio de Janeiro (ERJ), existem também áreas de favelas fora do MRJ, mas esses não foram considerados nos contratos de concessão, com investimentos específicos nas metas de universalização. A desigualdade no acesso aos testes da COVID-19 pela população mais vulnerável, residente em áreas socioeconomicamente carentes, ficou evidente nas análises espaciais, portanto a subnotificação dos casos, estava evidente, e o racismo ambiental marcado nesses territórios. Devido à falta de descrição das áreas rurais, há riscos para a saúde pública, visto deixar sem acesso regiões rurais produtoras de alimentos, haja vista que estas populações se encontram em risco decorrentes da utilização para consumo humano de águas contaminadas por agrotóxicos e resíduos industriais, agravada pela problemática da distribuição das outorgas, para uso agrícola e industrial, sem os devidos cuidados com os impactos que podem ocasionar nas respectivas bacias hidrográficas com os usos múltiplos da água e seus respectivos conflitos de interesse. Os bairros da cidade do Rio de Janeiro foram distribuídos na modelagem de modo a tornar os blocos viáveis quanto à remuneração do serviço. Mas como a adesão do município aos blocos é facultativa, não há informações suficientes que garantam a viabilidade dos blocos, caso o município do Rio de Janeiro não assine o contrato e integrar os blocos na forma da proposta. A eventual não adesão de algum dos municípios, previstos no edital, irá ensejar a alteração dos percentuais de repartição da outorga, prevista no contrato. Não foram descritos os recursos nos demais municípios que possuem ASN. E ainda, considerando que não há respaldo jurídico e econômico que possa sustentar o serviço público concedido nos moldes do subsidio cruzado para permitir a viabilidade, visto que não se pode remunerar um serviço deficitário. Não se pode obrigar o município do Rio de Janeiro a aderir ao projeto, de forma fracionada, de modo a garantir a viabilidade do processo de transferência de concessão, praticamente para o Estado como um todo (Sotero-Martins et al., 2020). Os dados indicam que a privatização do setor é um risco para efetivar o acesso à água e ao esgotamento sanitário como direito humano principalmente nas áreas dos aglomerados subnormais (favelas). REFERÊCIAS [1] Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. O Atlas. 2013. Como ler o IDHM 2010. 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Dados sobre as DRSAI foram obtidos do SIH/SUS. Para cálculo do Índice de Carência em Saneamento (ICS) foram utilizados dados do SISAGUA e do IBGE. Para os indicadores econômicos foram usados dados de investimentos e de despesas municipais liquidadas em saneamento provenientes do SNIS, dos relatórios de balanços da CEDAE e da Execução Orçamentária (RREO) dos municípios. Foi observado que após a concessão dos serviços (2021-2022), o investimento da CEDAE por município sofreu uma queda significativa, onde no último ano só foi destinado investimento para três municípios do estado do Rio de Janeiro. A despesa liquidada por habitante também foi reduzida após a nova lei do saneamento. Referente aos indicadores de saneamento, no geral, o acesso a rede de esgotamento sanitário indicou maior carência do que o acesso a rede de abastecimento de água. Rio de Janeiro, Niterói e Duque de Caxias são os municípios que possuem as maiores quantidades de domicílios localizados em favelas e comunidades urbanas, que indicaram deficiência de acesso a água de cerca de 8,9% e um déficit de coleta de esgoto equivalente a 21,7%, não havendo alterações depois da Lei 14.026/2020. Os maiores índices de carência em saneamento foram observados nos municípios de Maricá, Itaboraí e Magé. No que se refere às DRSAI, ao longo de todo o período pesquisado, somente o município do Rio de Janeiro nunca apresentou taxa de IH por DRSAI maior do que 1,0 casos /10.000 habitantes. Por outro lado, o município de Belford Roxo teve as maiores taxas, de 10 a 28,4 casos/10.000 habitantes durante todo o período avaliado. No geral, não foram observadas correlação estatística significativa entre os indicadores (p>0,05). No entanto, os dados demonstraram que não houveram avanços significativos nos serviços de coleta de esgoto e abastecimento de água após a nova lei do saneamento, que prometia alcançar a universalização de forma efetiva. Além disso, foi observado que os princípios dos direitos humanos não foram considerados, pois os territórios com mais áreas socioambientalmente vulnerabilizadas, que deveriam ser considerados, não estão sendo priorizados. Palavras-chave: Saneamento Básico, Lei do Saneamento, Concessão dos Serviços de Saneamento, Abastecimento de Água, Esgotamento Sanitário, DRSAI. Fúndaçao Oswaldo Crúz (Fiocrúz), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Aroúca (ENSP) – Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA) 2 Programa de Pos-Gradúaçao em Saúde Pública e Meio Ambiente, ENSP/Fiocrúz 3 Programa de Pos-Gradúaçao Lato Sensú em Gestao de Tecnologias em Saneamento, ENSP/Fiocrúz 4 Forúm Popúlar do Orçamento 5 Facúldade de Economia, Universidade Federal Rúral do Rio de Janeiro - Institúto Múltidisciplinar (UFRRJ-IM) 6 Universidade Federal Flúminense (UFF) 7 Cooperaçao Social da Presidencia, Fúndaçao Oswaldo Crúz (FIOCRUZ). 1 165 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO Em 2020, durante a pandemia de COVID-19, o senado federal aprovou uma nova lei do saneamento, a Lei nº 14.026/2020, que alterou regras do marco legal do saneamento estabelecido pela Lei nº 11.445/2007). Dentre as alterações, a nova Lei permitiu a entrada prioritária de empresas internacionais na exploração dos serviços de abastecimento de água e de coleta de esgoto, pois propiciou um ambiente atrativo para o capital externo, caminhando na contramão da tendência mundial de cidades e países que têm retomado o controle da gestão da água e do esgotamento sanitário (MARQUES et al., 2021; SOTERO-MARTINS et al., 2022). Dessa forma, ficou evidente o viés de privatização explícito na proibição de celebração dos contratos de programa, do veto presidencial ao artigo 16, como maneira de acelerar a venda de estatais, e de priorização de verbas federais para a elaboração dos planos municipais de saneamento àqueles que tivessem aprovação por atos dos titulares (LEITE et al., 2021). Neste contexto, o estado do Rio de Janeiro passava por uma crise financeira, e o poder executivo estava se preparando previamente para realizar a alienação da totalidade das ações representativas do capital social da Companhia Estadual de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro (CEDAE) (Lei Estadual nº 7.529/2017). Desta forma, com a aprovação da Lei 14.026/2020, a decisão de privatizar a empresa estatal foi concretizada. Gonçalves (2017) descreveu que a principal razão da concessão dos serviços de saneamento de água e esgoto não foram motivados pela necessidade de universalização dos níveis de acesso aos serviços, mas baseou-se fundamentalmente em interesses políticos e econômicos, constituindo uma solução imediata dirigida para mitigar a crise financeira enfrentada pelo Estado do Rio de Janeiro. Nesse período, estava em trâmite junto ao Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.683/RJ, que pleiteava a suspensão dos efeitos da Lei Estadual nº 7.529/2017, visto a violação aos princípios da eficiência e moralidade, previstos no art. 37, da Constituição Federal. Havia o argumento de que a venda da CEDAE causaria prejuízos financeiros ao Estado, na medida em que se trata de companhia superavitária, que lhe rendia dividendos, além de estarem contrária às regras do art. 167 da Constituição, que vedam a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, assim como a concessão de empréstimos pelo Governo Federal e suas instituições financeiras. No entanto, o juiz Barroso autorizou a contratação de empréstimo pelo ente estadual fluminense junto a instituições financeiras públicas, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sendo realizado no valor de R$ 3,5 bilhões, com vistas ao pagamento de despesas correntes da máquina estatal com pessoal ativo e inativo (GONÇALVES, 2017). O BNDES também realizou a modelagem da concessão dos serviços de saneamento da CEDAE, realizando leilões no ano de 2021. No projeto de concessão desenvolvido pelo BNDES, o município do Rio de Janeiro (MRJ) foi o único do Estado que teve seu território contemplado de forma fracionada, com os bairros divididos em quatro regiões por blocos de concessão. Isso ocorreu pois a capital era responsável por mais de 77% dos lucros da CEDAE, no qual sem a participação da cidade não seria possível realizar a concessão/privatização (SOTERO-MARTINS, 2020). As etapas de consulta para o recebimento de propostas e de audiências públicas aconteceram de forma remota, durante a pandemia de Covid-19 em 2020, momento em que grande parte da população se encontrava desmobilizada, assim como a comunidade científica, absorvida nas questões e demandas impostas pelo maior desafio em saúde 166 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 pública contemporâneo. Assim, durante as consultas públicas, muitos representantes da sociedade civil se colocaram contrários ao acontecimento da consulta, em meio ao cenário de emergência de saúde pública (SOTERO-MARTINS, 2021). O primeiro leilão de concessão, no dia 30 de abril de 2021, resultou na venda de três blocos por R$ 22,69 bilhões, com ágio de até 187% em um dos blocos. O bloco 1 foi arrematado pelo consórcio Aegea, por R$ 8,20 bilhões, com ágio de 103,13%. O bloco 2 ficou com o consórcio Iguá Projetos, por R$ 7,29 bilhões, com ágio de 129,68%. O bloco 3 não obteve proposta neste primeiro leilão, pois o único interessado, o consórcio Aegea, não prosseguiu na oferta. O bloco 4 foi arrematado pelo consórcio Aegea por R$ 7,20 bilhões, com ágio de 187,75% (AGÊNCIA BRASIL, 2021). Segundo divulgação da Agência Brasil, inicialmente, os blocos ficaram composto da seguinte forma: Bloco 1 (Capital: Regiões administrativas de Botafogo, Copacabana, Lagoa e Rocinha; Municípios: Aperibé, Cachoeiras de Macacu, Saquarema, Tanguá, São Sebastião do Alto, Cambuci, Cantagalo, Casimiro de Abreu, Cordeiro, Duas Barras, Itaboraí, Rio Bonito, São Francisco de Itabapoana, São Gonçalo, Magé, Maricá e Miracema; Bloco 2 (Capital: Regiões Administrativas da Barra da Tijuca, Jacarepaguá e Cidade de Deus; Municípios: Miguel Pereira e Paty do Alferes); Bloco 3 (Capital: Regiões Administrativas de Santa Cruz, Campo Grande, Realengo, Bangu e Guaratiba; Municípios: Itaguaí, Paracambi, Pinheiral, Piraí, Rio Claro e Seropédica); Bloco 4 (Capital: Regiões Administrativas de Centro, São Cristóvão, Rio Comprido, Zona Portuária, Santa Tereza, Paquetá, Tijuca, Vila Isabel, Ramos, Penha, Vigário Geral, Ilha do Governador, Complexo do Alemão, Complexo da Maré, Méier, Inhaúma, Jacarezinho, Irajá, Madureira, Anchieta e Pavuna; Municípios: Belford Roxo, Duque de Caxias, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados e São João do Meriti). O leilão para a concessão regionalizada do Bloco 3 somente foi realizado no dia 29 de dezembro de 2021, no qual a concessionária vencedora foi a Saab Participações II. Esse bloco era formado por 20 municípios do interior, além de parte dos bairros da Zona Oeste carioca, sendo arrematado por R$ 2,20 bilhões, com ágio acima da outorga mínima, em 90% (MIDR, 2021; SOTERO-MARTINS et al., 2023). Com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro pela Lei Complementar nº. 20, de 1º de julho de 1974, foi instituído um marco para a questão metropolitana fluminense, com premissas legais, da Câmara Metropolitana, do Estatuto da Metrópole (Lei 13.089, de 12 de janeiro de 2015) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº. 1842, RJ) que foi proposta pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) (LEITE et al., 2021). Desta forma a referida ADI impugnou a constitucionalidade da Lei complementar nº 87, de 16 de dezembro de 1997, do Estado do Rio de Janeiro, que instituiu a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a Microrregião dos Lagos e transferiu para o Estado do Rio de Janeiro a titularidade do Poder Concedente para a prestação de serviços públicos de interesse metropolitano, incluindo o serviço de saneamento básico (GUERRA e FILHO, 2020). Assim, os municípios que compõem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), mesmo tendo a titularidade dos serviços de saneamento, são obrigados a seguir o que for aprovado no âmbito da Câmara Metropolitana, que tem a participação compulsória dos seus municípios. Portanto, o poder concedente e a titularidade dos serviços passaram a ser do colegiado formado pelos Municípios e pelo Estado, sendo que a participação dos entes federativos nesse colegiado deveria prevenir a concentração do poder decisório no âmbito de um único ente (PEDROZA, 2019). Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do Brasil (IBGE, 2020), no ano de 2017, quase 70% dos municípios brasileiros tinham os serviços de abastecimento de água prestados por 167 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 companhias estaduais de saneamento básico (CESB). Essas companhias também eram responsáveis pelos serviços de esgotamento sanitário em cerca de 40% dos municípios brasileiros. A predominância das CESB nesses serviços se explica pelo histórico das políticas de planejamento do setor, como as previstas no Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) estabelecido na ditadura militar, que priorizava a execução dos serviços por companhias estaduais em detrimento das soluções locais (PEQUENO et al., 2023). Os aspectos do saneamento considerados prioritários para a saúde dos seres humanos são o abastecimento de água e o esgotamento sanitário. A consequência da desigualdade do acesso aos serviços de saneamento básico pode ser observada na incidência de casos de internações hospitalares por gastroenterite e diarreia infecciosas, por exemplo. Mesmo na região Sudeste do Brasil, onde o acesso à coleta de esgoto é muito superior ao das demais regiões do país, o déficit chega a 27,5% da população sem conexão com a rede geral de esgoto. A associação do saneamento com a saúde não se limita a indicadores pontuais como as infecções do trato intestinal, atingindo aspectos mais gerais como a mortalidade infantil e expectativa de vida (HELLER, 1997). No Brasil, 340 mil casos de internações causadas por infecções gastrintestinais foram registrados no ano de 2013, no qual crianças de até 14 anos de idade representavam metade desse total de pacientes (BRASIL, 2023). A maioria dessas ocorrências, não por acaso, concentra-se em áreas de saneamento deficitário (PEQUENO et al., 2023). No centro das questões ligadas ao saneamento básico, impõe-se o desafio da redução da mortalidade infantil, em especial no universo de crianças abaixo dos cinco anos de idade. Os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2021 apontam que apenas 67.8% da população do estado do Rio de Janeiro possui acesso ao tratamento de esgoto e que o índice de atendimento de água é na ordem de 90,7%, mas nas áreas de favelas ainda existem pessoas vulnerabilizadas pela falta de saneamento básico (SILVA et al., 2023). As Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI) são doenças evitadas quando os serviços de saneamento são adequados, como acesso a água potável, tratamento de esgoto e coleta de resíduos sólidos. São doenças provocadas, principalmente, por patógenos de origem entérica, animal ou humana, e transmitidos pela via fecal-oral, ou seja, excretados nas fezes de indivíduos infectados e ingeridos na forma de água ou alimento contaminado (FUNASA, 2010). Estas doenças são uma das principais causas de óbitos, que poderiam ser evitados (SIQUEIRA et al., 2017). As DRSAI são consideradas indicadores de saúde ambiental, e passam a constituir uma ferramenta de planejamento das intervenções, visando à redução dos impactos à saúde pública (FUNASA, 2010). Esse indicador permite sinalizar as áreas onde os serviços de saneamento estão precários, mostrando em que regiões o saneamento deve ser priorizado. Além disso, a falta de água potável e de coleta e tratamento de esgotamento sanitário causam impactos sociais negativos, reduzindo a qualidade de vida da população e aumentando os gastos públicos e privados em saúde para tratamento de doenças, sobrecarregando o Sistema Único de Saúde (SUS) (SOTERO-MARTINS et al., 2020). Vale ressaltar que em 2010 foi instituída uma convenção da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, Resolução A/RES/64/292 (UNGA, 2010), que reconhece e determina formalmente que a água, e o esgotamento sanitário são um direito de todas as populações humanas. Após este marco, todas as cidades devem proporcionar e garantir o abastecimento de água e o esgotamento sanitário às residências. Foi estabelecido que independente da condição social e econômica todas as pessoas possuem direito ao acesso à água potável de qualidade (NEVES-SILVA; HELLER, 2016). 168 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi avaliar de forma comparativa os municípios da RMRJ e demais citados em relatórios de investimentos da CEDAE, quanto às condições de saneamento de acesso ao abastecimento de água e esgotamento sanitário, aspectos de investimentos nesse setor e a relação com a incidência de internações por Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI), considerando o período pré e pós implementação da Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, que atualizou o marco legal do saneamento. 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1. ÁREA DE ESTUDO Foram considerados todos os municípios do Estado do Rio de Janeiro que foram citados nos Relatórios da CEDAE de forma discriminada e com valores de investimentos (Figura 1), sendo compreendidos pelos 22 (vinte e dois) municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Belford Roxo, Cachoeiras de Macacu, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, Queimados, Rio Bonito, Rio de Janeiro, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica e Tanguá); 2 (dois) municípios da Região Médio Paraíba (Barra do Piraí e Valença); 1 (um) município do Norte Fluminense (Macaé) e 1 (um) município do Noroeste Fluminense (Itaperuna). Assim, avaliou-se um total de 26 (vinte e seis) municípios descritos nos relatórios da CEDAE, mesmo os que já tinham os serviços concedidos dentro do período de 2018 a 2022. Figura 1 - Municípios citados nos relatórios da CEDAE, de 2018 a 2022, e as empresas responsáveis pelos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário a partir da concessão dos serviços em 2021 Fonte: Elaboração própria (2024). 169 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 2.2. COLETA E TRATAMENTO DE DADOS SOBRE AS DRSAI Os dados sobre as Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI) foram obtidos do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), disponibilizado pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), referente ao período de 2018 a 2022. Foram consideradas todas as DRSAI descritas em BRASIL (2010), em todas as cinco classes, sendo as mais comumente encontradas: dengue, esquistossomose, leishimaniose tegumentar e visceral, leptospirose, poliomielite e febre tifoide. Os dados do SIH/SUS são fornecidos mensalmente por todos os estabelecimentos de saúde públicos, conveniados e contratados que realizam internações. Por meio deste, foi estabelecido o perfil de morbidade e mortalidade hospitalar, bem como avaliado a atenção à saúde da população. Para cálculo da taxa de incidência de internação hospitalar. foi utilizada a seguinte equação: TIIH= X/N*10.000; onde: TIIH significa Taxa de Incidência de Internações Hospitalares por DRSAI; X: número de internações hospitalares por DRSAI do município; N: número de habitantes do município. 2.3. COLETA E TRATAMENTO DE DADOS DE SANEAMENTO Os dados para o cálculo do Índice de Carência em Saneamento (ICS) foram coletados de duas bases de dados públicos: Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). O SISAGUA é um instrumento do Programa VIGIAGUA, do Ministério da Saúde, que fornece informações obtidas rotineiramente pela vigilância. Nele, foram coletadas informações referentes ao conjunto de dados da vigilância referente aos parâmetros básicos de Coliformes Totais e Escherichia coli, para o período de janeiro de 2018 a dezembro de 2022. Dessa forma, para cada um dos indicadores, foi obtido o percentual de amostras fora do padrão de potabilidade, estabelecido de acordo com a Portaria GM/MS nº 888, de 4 de maio de 2021. Para os municípios que não apresentaram resultados para algum ano do estudo, foi considerado, para este, a média dos outros anos. No banco de dados do IBGE foram obtidos, do último censo realizado em 2010, informações a respeito da população total, acesso da população a rede de abastecimento de água e acesso ao esgotamento sanitário. Para obter uma correção dos dados para o período de 2018 a 2022, foi realizada uma estimativa por meio de informações provenientes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), considerando o período de 10 anos, de 2005 a 2015. Considerando o crescimento dos indicadores em questão para o Estado do Rio de Janeiro, foi calculada a taxa de crescimento no período de 10 anos e, a partir disso, foi possível calcular o crescimento médio anual de cada indicador de saneamento para os municípios do Estado. Na determinação do índice de carência em saneamento (ICS) foi aplicado a “Technique for Order of Preference by Similarity to Ideal Solution” (TOPSIS), úm modelo de análise multicritério. O TOPSIS consiste em um algoritmo, utilizado para tomada de decisão, que permite a utilização de diferentes atributos para classificação de um índice (ZHANG et al., 2021). Dessa forma, o índice de carência em saneamento foi calculado considerando, para cada município, três indicadores: percentual de amostras fora do padrão de potabilidade da água, percentual de acesso aos sistemas de abastecimento de água e percentual de acesso aos sistemas de esgotamento sanitário. Para cada um dos indicadores foi estabelecida uma polaridade, ou seja, se estes apresentam impactos 170 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 positivos ou negativos para o saneamento. No estudo, foi considerado que todas as dimensões possuem a mesma relevância e, portanto, todas receberam o mesmo peso. Na aplicação do modelo TOPSIS, assumindo que haviam m cidades a serem avaliadas e n indicadores, foi utilizada como base para o estudo a matriz de julgamento R=[rij]m×n, no qual o elemento i indica a linha que determinada cidade ocupa (i =1, 2, 3...m) e j representa a coluna que o indicador ocupa (j= 1, 2, 3..., n). Dessa forma, o termo [rij] representa a entrada da matriz de julgamento R. O processo de aplicação do modelo TOPSIS foi realizado em três etapas. Inicialmente foi feito o estabelecimento da solução ideal positiva e da solução ideal negativa para cada indicador avaliado, a fim de determinar o melhor e o pior desempenho de cada indicador. Para a determinação das soluções, foram considerados os valores máximos e mínimos dos indicadores de acordo com a polaridade. Posteriormente, foi calculada a distância euclidiana de cada valor da matriz normalizada para o vetor de solução ideal positiva e negativa. Assim, foi possível estabelecer o quão próximo o município avaliado se encontrava da melhor e da pior situação existente. Por fim, foi calculado o índice de carência em saneamento para todos os municípios do estudo, por meio do cálculo da proximidade relativa, em que a melhor alternativa era a mais próxima da solução ideal positiva e mais distante da solução ideal negativa. 2.4. COLETA E TRATAMENTO DE DADOS ECONÔMICOS SOBRE INVESTIMENTO EM SANEAMENTO Os dados de investimentos e de despesas municipais liquidadas em saneamento foram obtidos em três fontes: Sistema Nacional de Informações do Saneamento (SNIS), Relatórios de Demonstrações Financeiras Padronizadas e dos Balanços da Companhia Estadual de Água e Esgoto do Estado do Rio de Janeiro (CEDAE) e Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO) dos municípios. A base não curada do Sistema Nacional de Informações do Saneamento (SNIS) do Ministério das Cidades (BRASIL, 2023), embora não seja alvo de certificação por nenhum órgão e não seja sujeita a sanções legais no caso de não preenchimento das informações no sistema, é uma base de dados muito utilizada por ter geralmente uma série histórica, mas com atraso de dois anos em relação ao ano de estudo, sendo obtidos dados até 2021. Nesta base, foram considerados os itens: FN023 - Investimento realizado em abastecimento de água pelo prestador de serviços e FN024 - Investimento realizado em esgotamento sanitário pelo prestador de serviços. Os Relatórios de Demonstrações Financeiras Padronizadas e dos Balanços da Companhia Estadual de Água e Esgoto do Estado do Rio de Janeiro (CEDAE) são publicados anualmente em sua página pelos links (https://cedae.com.br/ri_informacoes) e (https://cedae.com.br/balancos). A página da Companhia foi alvo de avaliação pelo Tribunal de Contas do Estado, sendo considerado o item Programas de Obras presente nesses relatórios nos anos de 2018 a 2022. Considerou-se os investimentos para cada município descrito no Programa de Obras. No caso dos municípios de Itaguaí e Seropédica, citados em conjunto nos relatórios de 2018-2020, para que fosse possível compreender o quanto estava sendo destinado para cada município, foi realizada a divisão dos investimentos proporcionais a população de cada cidade nos respectivos anos citados. Em todos os relatórios há úma parte intitúlada “diversos múnicípios”. Para algúns dos investimentos citados nessa parte, foi possível identificar em qual município foi realizada a ação, sendo então somados ao montante total de investimentos CEDAE 171 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 discriminados por municípios. Nos casos em que não foi possível identificar o município específico onde o investimento foi realizado, não foram considerados os investimentos citados. O investimento em conjunto nos bairros dos municípios de Mesquita e Nova Iguaçu foram divididos proporcionalmente à população de cada município para que fosse possível dimensionar o quanto de investimento estaria indo para cada cidade. Nos relatórios de 2021 e 2022, havia também descrito investimento nos sistemas de produção de água que foram descritos pela CEDAE. Esses investimentos não foram considerados na discriminação de investimentos CEDAE por município, e por isso não foram considerados nas análises. Os Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO) dos municípios, disponível pelo site (https://www.tcerj.tc.br/portalnovo/pagina/relatorios-lrf) do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), possui dados sobre a situação fiscal do município, com dados sobre a execução orçamentária, da receita e da despesa de cada município em diversos anos. Foi considerado o anexo “2- Execução das Despesas por Fúnção/Súbfúnção”, no período de referência de 2018 a 2022. Neste anexo foi possível verificar o quanto a prefeitura de cada município liquidou em gastos na função/subfunção saneamento através da análise de despesa liquidada. A despesa liquidada não necessariamente engloba somente despesas para investimento em saneamento, podendo conter outras naturezas despesas como despesas de Pessoal, Encargos e outras despesas correntes. Para o múnicípio do Rio de Janeiro especificamente, foi analisado o anexo “ 2Execúção das despesas por Fúnção/Súbfúnção” disponibilizado no site: (https://controladoria.prefeitura.rio/quadros-da-lrf/), permitindo obter as despesas liquidadas para função saneamento. Para cálculo da taxa de investimento dos municípios foi considerada a população estimada, assim como foram aplicados um fator de reajuste inflacionário a fim de serem comparados os valores dos investimentos com os valores atuais. Foi utilizado como fator de correção o IPCA-E médio do ano em questão. O IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial) possui metodologia similar ao do IPCA, que é o índice que indica a inflação no Brasil, diferindo apenas no período de coleta da pesquisa que começa sempre no dia 15 de cada mês. O cálculo consiste na divisão da média simples do índice do IPCA-E do ano em que o valor será corrigido, no caso Setembro/2023, em relação ao índice do ano em que o valor foi liquidado. Para estimar a população de cada ano do estudo de 2018 a 2022, foram utilizados fatores de correção a partir da divisão da quantidade populacional de cada município em cada ano pela população correspondente descrita no Censo 2010 do IBGE. Neste trabalho foi realizada uma classificação em relação às taxas médias de investimentos (em reais) encontradas em cada Município, sendo considerado que: menor que R$1,00 por habitante - não houve investimento; de R$1,00 a R$100,00 por habitante - baixo investimento; de R$100 a R$300 por habitante - investimento médio; e acima R$300 reais - alto investimento. 2.5. ESTRATÉGIAS EXPERIMENTAIS PARA CORRELAÇÃO ESTATÍSTICA DOS DADOS A fim de avaliar se a taxa de investimentos destinados ao setor corroborou com uma possível melhoria na situação de acesso aos serviços de saneamento nos municípios citados nos relatórios da CEDAE, antes e após a Lei 14.026/2020, bem como a existência de associação com a taxa de incidência de internações hospitalares por DRSAI, foram realizadas análises dos indicadores de forma individualizada por meio do software 172 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Microsoft Excel® 2021. Após o cálculo foi utilizado o software jamovi® 2.3.21 para análise estatística e cálculo do Coeficiente de Correlação de Spearman, a fim de identificar a existência de associação entre as variáveis de interesse. Além disso, também foi avaliado se os respectivos municípios, ao longo do tempo, tiveram o índice ou taxa estudada (i) aumentada, (ii) diminuída ou (iii) mantida na classe enquadrada na comparação antes e após a implementação da Lei 14.026/2020. Foram consideradas como variáveis independentes: taxas de investimentos CEDAE, municipais e autodeclaradas no SNIS, no qual espera-se que causem efeito positivos nos indicadores de saneamento; e como variáveis dependentes (afetadas por mudanças na variável independente): índice percentual de carência de saneamento e taxa de incidência de internações hospitalares por DRSAI. 2.6. ANÁLISES ESTATÍSTICAS E ESPACIAIS UTILIZADAS Foram elaborados mapas temáticos utilizando o Sistema de Informação Geográfica (SIG), por meio do software QGIS 3.30.1, quando possível foram considerados a taxa média dos índices e taxas do período de 2018 a 2022, ou por cada ano de estudo de forma comparada na indicação da evolução temporal de índices e taxas. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. ASPECTOS ECONÔMICOS 3.1.1. INVESTIMENTOS DO ESTADO (CEDAE) Na figura 2 é possível observar as taxas de investimento realizadas pela CEDAE por habitante de cada município. Ao analisar esses indicadores, observa-se que os municípios de Itaboraí e Duque de Caxias estão entre os que possuem as maiores taxas em todo período pré-concessão dos serviços de saneamento. Além disso, os municípios de Macaé e Itaperuna estão dentre aqueles que alcançaram as maiores taxas em todo o período pré e pós concessão. Os municípios de Niterói, Paracambi, Petrópolis e Tanguá não receberam nenhum tipo de investimento pela CEDAE durante todo o período analisado (2018 – 2022). Outro fator relevante foi que após a concessão dos serviços (2021-2022), o investimento por município sofreu uma queda significativa, onde no último ano (2022) só foi destinado investimento para três municípios do estado do Rio de Janeiro. Destaca-se o valor alto em 2018 para o município de Valença (verde mais intenso) e depois cai para zero. E o índice de carência nesse ano e nos seguintes foram baixo. 173 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 2 - Investimentos da CEDAE médio por ano, os valores foram deflacionados para considerar a taxa de investimento por habitante em cada município Fonte: Elaboração própria (2024). Analisando toda a periodicidade dos dados (2018 a 2022), observou-se que os municípios com maiores taxas médias são Valença, Itaboraí, Queimados, Macaé e Itaperuna, onde estes dois últimos municípios citados permanecem com as maiores taxas médias antes e depois da concessão de serviços. Entretanto, Guapimirim, Niterói, Paracambi e Tanguá apresentaram os piores indicadores de taxa média durante todo o período do estudo. 3.1.2. DESPESAS LIQUIDADAS PARA FUNÇÃO SANEAMENTO NOS MUNICÍPIOS No período pré concessão dos serviços de saneamento (2018 - 2020), cerca de 26,92% (7) dos municípios analisados possuíam em média R$ 0,00 liquidados para a função saneamento por habitante, sendo eles (Guapimirim, Japeri, Magé, Paracambi, Rio Bonito, São Gonçalo e Seropédica). No período pós concessão dos serviços de saneamento (2021-2022), 42,31% (11) dos municípios possuíam em média R$ 0,00 liquidados para função saneamento por habitante, sendo alguns municípios já citados (Guapimirim, Japeri, Paracambi, Rio Bonito, São Gonçalo e Seropédica) e outros municípios (Itaboraí, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados e Valença). Esse fator evidencia que muitos municípios reduziram despesas nas áreas de saneamento após a concessão dos serviços. Em comparação ao período antes da nova lei do saneamento, houve diminuição de despesas para 38,46% (10) dos municípios analisados, aumento de despesas para 38,46% (10) dos municípios analisados e 23,08% (6) dos municípios mantiveram-se estagnados com média de R$ 0,00 para despesas de saneamento por habitante. Portanto, houve diminuição ou estagnação em 61,53% (16) em despesas médias liquidadas para saneamento por habitante, demonstrando que a despesa liquidada por habitante diminuiu após a concessão dos serviços de saneamento. O percentual de municípios considerados com despesas baixas em saneamento (R$1,00 a R$100,00 por habitante) permaneceu em 26,9% (7) dos municípios analisados tanto no período pré e pós concessão. As maiores taxas médias de despesas liquidadas por habitante considerando os períodos antes e após a nova lei do saneamento foram: Macaé com R$340,20/hab., Petrópolis com R$333,53/hab. e Niterói com R$ 319,54/hab., conforme demonstrado na figura 3. 174 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 3 – Despesas Liquidadas para a função saneamento por habitante coletados nos (RREOs) nos municípios por ano em reais, os valores foram deflacionados para considerar a taxa de investimento por habitante em cada município Fonte: Elaboração própria (2024). 3.1.3. TAXA DE INVESTIMENTOS AUTODECLARADAS NO SNIS Os dados sobre investimentos declarados na base de dados do SNIS por ano tiveram os valores deflacionados para considerar a taxa de investimento por habitante em cada município de forma comparável (Figura 4). Em 61,54% (16) dos municípios não ocorreram mudanças de classe. A mesma quantidade de municípios teve aumento ou redução de classe de investimentos, correspondendo a cerca 38,46% do total (5 em cada um). Portanto, a concessão dos serviços não causou alterações significativas para uma classe maior de investimentos. Os investimentos precisam ser maiores para transformar a realidade atual e alcançar a universalização dos serviços de saneamento até 2033, como determinado na Lei nº 14.026/2020. No entanto, no Brasil, os investimentos no setor não estão proporcionais às metas pretendidas (PINTO; RIBAS, 2022), assim como foi observado na avaliação dos municípios do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, o contrato de concessão dos serviços de saneamento da CEDAE não contribui para a universalização e para que os direitos sejam garantidos em um futuro próximo para toda a população, pois não garante que a população de favelas e comunidades urbanas tenham acesso aos serviços, por não serem áreas que atendam aos requisitos necessários descritos no contrato, que são: “(i) de úrbanização ou de planejamento de urbanização pelo poder público e (ii) de maiores condições de segúrança”. Tais critérios para se implementar os serviços de saneamento confrontam com os princípios dos direitos humanos, pois deveriam priorizar as áreas mais vulnerabilizadas, ademais deveriam considerar o critério de saúde pública para definir as áreas prioritárias para se implementar o saneamento. Cabe ressaltar que de acordo com a Constituição Federal Brasileira, o acesso ao saneamento é imprescindível para uma sociedade justa com desenvolvimento nacional, para a redução das desigualdades socioeconômicas e para promoção da saúde pública. Portanto, sem considerar toda a população, dificilmente estariam contribuindo para a redução das iniquidades em saúde. 175 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 4 – Taxa de Investimento Média em saneamento (água e esgoto) por habitante. Em A. Taxa Média de 2018 a 2020 (antes da Lei 14.026/2020); em B. Taxa de 2021 (após Lei 14.026/2020) Fonte: Elaboração própria (2024). 3.2. ASPECTOS REFERENTES AO ACESSO E A QUALIDADE DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO 3.2.1. ACESSO A REDE DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO Para todos os anos avaliados, os municípios do Rio de Janeiro, Niterói e Seropédica apresentaram as maiores coberturas da rede de abastecimento de água da RMRJ, respectivamente, com déficit de acesso da população inferior a 4%. Por outro lado, os municípios de Maricá, Itaboraí e Tanguá indicaram as menores coberturas da rede de abastecimento, com déficits acima de 70%. No que se refere a rede de esgotamento sanitário, as maiores coberturas foram observadas nos municípios de Nilópolis, com 97,61%, seguida pelo Rio de Janeiro (92,38%) e São João de Meriti (91,70%). Os municípios com menores coberturas à rede de esgotamento foram Maricá, Itaboraí e Cachoeiras de Macacu, com percentual de carência da população variando entre 87% e 53% (Figura 5). Figura 5 - Percentual de carência em abastecimento de água (A.) e em coleta de esgoto (B.), em municípios do Estado do Rio de Janeiro, no período de 2018 a 2022 Fonte: Elaboração própria (2024). Os dados referentes ao déficit no acesso a rede de abastecimento de água e de esgotamento sanitário não apresentaram modificações significativas, ao longo dos anos, para os municípios estudados, mesmo após a implementação da Lei 14.026/2020. Por meio da observação da Figura 6, nota-se que o acesso a rede de esgotamento sanitário, no geral, indicou maior grau de carência do que no acesso a rede de abastecimento de água, panorama também existente em todo território nacional (GARCIA; FERREIRA, 2017). 176 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Embora a rede de abastecimento de água não esteja universalizada no Brasil, esta é considerada abrangente, diferente do que ocorre com a rede de esgoto, no qual o serviço ainda é bastante deficiente (GARCIA; FERREIRA, 2017). De acordo com o mapa, somente os municípios de Itaboraí, Petrópolis e Tanguá indicaram uma melhor posição para o serviço de esgotamento sanitário quando comparado ao abastecimento de água. Os municípios do Rio de Janeiro, Niterói e Duque de Caxias são os que possuem as maiores quantidades de domicílios localizados em favelas e comunidades urbanas, respectivamente. Embora estes municípios tenham sido classificados nas menores faixas percentuais de carência para os serviços de água e esgoto, sendo os dois primeiros na faixa de 0 a 20% e o terceiro na faixa de 20 a 40%, é importante ressaltar que estes resultados não representam uma homogeneidade na oferta dos serviços. Os investimentos e planejamento para melhoria dos serviços é, geralmente, destinado justamente para áreas urbanas com melhores condições socioeconômicas, havendo uma exclusão da população mais pobre, constituintes de territórios de baixa renda. Em estudo de Sotero-Martins et al. (2021), por exemplo, foi identificado que ainda que o Rio de Janeiro tenha baixo índice de carência em saneamento, nas favelas e comunidades urbanas do estado há deficiência de acesso a água de cerca de 8,9% e um déficit de coleta de esgoto equivalente a 21,7% (SOTERO-MARTINS et al., 2021). É importante ressaltar ainda que o Rio de Janeiro é a cidade do estado que tem a maior quantidade de favelas, totalizando 57,3% das favelas de todo o Estado, que são caracterizadas por acesso insuficiente e inadequado aos serviços de saneamento, sobretudo de esgotamento sanitário (SOTERO-MARTINS et al., 2020). Nas regiões metropolitanas da Região Sudeste, principalmente, há um racionamento de água em áreas de favelas, visto que até mesmo para solicitar uma ligação domiciliar da rede de água e de esgoto são exigidos, normalmente, documentos comprobatórios da regularidade do imóvel, uma dificuldade para moradores de assentamentos irregulares (RODRIGUES, 2020). Além disso, a base de dados do IBGE considera para composição do indicador somente a existência da rede e não seu pleno funcionamento. Dessa forma, ainda que muitos domicílios tenham acesso a rede de água nas favelas, por exemplo, há uma alta variabilidade do abastecimento e da qualidade da água, sendo caracterizada por uma intermitência na oferta dos serviços. Além disso, a rede de esgoto muitas vezes não é eficiente, provocando uma insegurança hídrica no território (COMCAT, 2022). 177 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 6 - Percentual de carência em saneamento abastecimento de água antes (A) e depois (B) da Lei 14.026/2020, e em esgotamento sanitário antes (C) e depois (D) da Lei 14.026/2020, nos Municípios do Rio de Janeiro, no período de 2018 a 2022 Fonte: Elaboração própria (2024). Na Figura 6 foi possível observar que o acesso a rede de abastecimento de água e de esgotamento sanitário nos municípios não mudaram ao longo dos anos de 2018 a 2022, ou seja, mesmo dois anos depois da Lei 14.026/2020, apresentaram percentuais de nas mesmas faixas percentuais, evidenciando que não ocorreram avanços nos serviços de saneamento (água e esgoto). 3.2.2. QUALIDADE SANITÁRIA DA ÁGUA DE ABASTECIMENTO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO Considerando os cinco anos avaliados, os municípios de Niterói, Tanguá e Guapimirim apresentaram a melhor qualidade da água de abastecimento, visto que indicaram os menores percentuais médios de amostras fora do padrão de potabilidade. Ao longo dos anos, ocorreu uma variação entre os municípios com a melhor qualidade da água mas, para todos os anos, Niterói e Tanguá mantiveram-se entre os três melhores indicadores. Valença, Barra do Piraí e Magé apresentaram a pior média de qualidade de água de abastecimento do sistema de distribuição, indicando percentual de amostras fora do padrão de 28,48%, 13,36% e 22,03%, respectivamente. Nota-se a discrepância do município de Valença frente aos outros, possuindo um percentual médio 2,13 vezes superior ao segundo município com a pior qualidade. Entre os anos de 2018 e 2021, Valença foi o município com o pior índice de qualidade, chegando a possuir 41.30% de amostras fora do padrão de potabilidade da água em 2019. Em 2022, a pior qualidade foi observada em Barra do Piraí, com 37.10% amostras fora do padrão de potabilidade. Entre os 26 municípios avaliados, cerca de 35% destes apresentaram uma piora no índice de qualidade da água de abastecimento distribuída após a implementação da Lei 14.026/2020, enquanto 8% destes não apresentaram alterações na qualidade da água. 178 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Entre os municípios que tiveram piora na qualidade da água dá-se destaque a Barra do Piraí, que apresentou um percentual médio de amostras fora do padrão de 6.13% antes da nova Lei e de 24.20% depois desta, sendo então uma piora significativa e de elevado impacto no sistema de distribuição de água no município (Figura 7). Figura 7 - Percentual (%) médio de amostras fora do padrão de qualidade sanitária de abastecimento, segundo padrões estabelecidos pela Portaria GM/MS nº 888/2021, antes (A) e depois (B) da Lei 14.026/2020, nos Municípios do Rio de Janeiro, de 2018 a 2022 Fonte: Elaboração própria (2024). É importante ressaltar que de 2020 para 2021, os municípios de Barra do Piraí, Cachoeiras do Macacu, Itaguaí, Macaé, Japeri, Maricá e São João de Meriti apresentaram uma piora na qualidade da água de abastecimento, indicado pela alteração da faixa do percentual de amostras fora do padrão. Esta alteração exemplifica, de forma direta, as possíveis implicações da implementação da Lei 14.026/2020 que, entre outras medidas, incentiva a privatização e a regionalização dos serviços de saneamento. Conforme foi mencionado anteriormente, o mapa explicita que o município de Valença, para todos os anos, permaneceu na faixa de amostras fora do padrão de potabilidade, variando de 10 a 45%, enquanto o município de Barra do Piraí teve uma piora na qualidade da água a partir de 2021. Dá-se destaque também ao município do Rio de Janeiro, que apresentou uma melhoria gradativa da qualidade da água de acordo com os anos. Além disso, de 2021 para 2022 os municípios de Barra do Piraí e Itaguaí indicaram um aumento significativo no percentual de amostras fora do padrão de potabilidade, no qual o primeiro foi de 11.30% de amostras fora do padrão em 2021 para 31.10% em 2022 e o segundo foi de 3.57% para 12.30%. 3.2.3. ÍNDICE DE CARÊNCIA EM SANEAMENTO Os maiores índices de carência em saneamento foram observados nos municípios de Maricá, Itaboraí e Magé, respectivamente, para todos os anos avaliados. O município de Maricá apresentou uma média de acesso ao abastecimento de água de somente 19.58%, enquanto o acesso ao esgotamento sanitário foi de 12.58%, o que resultou em grande impacto no índice obtido pelo município, apresentando uma carência extrema em saneamento. Estes foram os menores percentuais de acesso obtidos entre todos os municípios. Maricá apresentou um percentual médio de 2.92% de amostras fora do padrão de potabilidade da água. Itaboraí apresentou um percentual de acesso ao abastecimento de água e esgotamento sanitário de 27.91% e 41.09%, respectivamente. Além disso, apresentou também um dos piores índices de qualidade da água, visto que 179 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 teve uma média de 10% de amostras fora do padrão de potabilidade da água. O município de Magé indicou 41.46% de acesso a rede de abastecimento de água e 48.84% de acesso a rede de esgotamento sanitário e, além disso, teve uma das piores qualidades da água de abastecimento, com cerca de 11% das amostras fora do padrão de potabilidade da água. Considerando todos os municípios avaliados, Valença foi o que apresentou a pior qualidade da água, no qual cerca de 28,50% das amostras estavam fora do padrão de potabilidade. Os menores índices de carência em saneamento, ou seja, os municípios que apresentaram as melhores condições de saneamento, variaram entre Nilópolis, São João de Meriti e Rio de Janeiro ao longo dos anos. Em 2018 e 2021, o menor índice de carência foi observado em Nilópolis; em 2019 e 2020 em São João de Meriti e em 2022 no Rio de Janeiro. A classificação do índice de carência em saneamento, de 2018 a 2020, pode ser observado na Figura 8. Figura 8 – Índice de Carência em Saneamento (IC) ao longo do período de 2018 a 2022, com destaque para escala que vai de extrema carência até baixo carência Fonte: Elaboração própria (2024). 3.3. TAXAS DE INCIDÊNCIA DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR (TIIH) POR DRSAI Os dados demonstram que nos municípios estudados do estado do Rio de Janeiro, no período de 2018 a 2022, a taxa média de incidência de internação por DRSAI foi de 3,61 por 10.000 habitantes. As maiores taxas foram observadas nos municípios de Belford Roxo (28,36/10.000 hab.), Tanguá (6,51/10.000 hab.) e Barra do Piraí (6,42/10.000 hab.). No ano de 2018, apenas o município de Belford Roxo apresentou taxa superior a 10 casos de IH por DRSAI por 10.000 habitantes. Em contrapartida, na faixa de incidência abaixo de 1,0 caso/10.000 habitantes ficaram os municípios de Itaguaí, Seropédica e Rio de Janeiro. Os municípios de Nilópolis, São Gonçalo, Magé, Petrópolis, Niterói, São João de Meriti, Itaboraí, Duque de Caxias, Cachoeiras de Macacu, Japeri, Maricá, Macaé, Mesquita, Guapimirim, Paracambi e Nova Iguaçu apresentaram taxas de incidência por DRSAI na faixa de 1,0 a 3,0 casos por 10.000 habitantes. Nenhum município apresentou TIIH na faixa de 3,0 a 5,0 por 10.000 habitantes em 2018. No mesmo ano, os municípios de Itaperuna, Rio Bonito, Tanguá, Queimados, Barra do Piraí e Valença apresentaram TIIH na faixa de 5,0 a 10,0 por 10.000 habitantes. Em 2019, os municípios que apresentaram taxa de IH por DRSAI maior que 10 casos por 10.000 habitantes foram Barra do Piraí e Belford Roxo. No mesmo ano, os municípios de Itaguaí e Rio de Janeiro foram os únicos a apresentarem TIIH por DRSAI 180 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 abaixo de 1,0 caso por 10.000 habitantes. Os municípios de Seropédica, Nilópolis, São Gonçalo, Japeri, Petrópolis, Magé, Seropédica, Paracambi, Niterói, Duque de Caxias, Mesquita, Itaboraí, São João de Meriti, Macaé, Maricá e Guapimirim apresentaram TIIH por DRSAI situadas entre 1,0 a 3,0 casos por 10.000 habitantes. Nova Iguaçu, Valença e Cachoeira de Macacu apresentaram TIIH na faixa entre 3,0 a 5,0 casos por 10.000 habitantes. Os municípios de Itaperuna, Queimados, Rio Bonito e Tanguá apresentaram TIIH situadas entre 5,0 a 10,0 por 10.000 habitantes. Em 2020, Belford Roxo foi o único município a apresentar TIIH superior a 10,0 casos por 10.000 habitantes. Observa-se que nesse ano os municípios de Seropédica, Itaguaí, Rio de Janeiro, Petrópolis, Guapimirim, Cachoeira de Macacu, Macaé, Japeri, Maricá, Nilópolis, Itaboraí e São Gonçalo apresentaram TIIH por DRSAI inferiores a 1,0 por 10.000 habitantes. Os municípios de Itaperuna, Niterói, Magé, São João de Meriti, Duque de Caxias e Paracambi apresentaram TIIH situadas entre 1,0 a 3,0 por 10.000 habitantes. Os municípios de Barra do Piraí, Nova Iguaçu, Mesquita e Valença apresentaram TIIH situadas na faixa de 3,0 a 5,0 casos por 10.000 habitantes. Os municípios de Tanguá, Rio Bonito e Queimados apresentaram TIIH situadas entre 5,0 a 10,0 casos por 10.000 habitantes. Em 2021, Belford Roxo, também foi o único município a apresentar TIIH superior a 10,0 casos por 10.000 habitantes. Os municípios de Seropédica, Guapimirim, Itaguaí, Rio de Janeiro, Petrópolis, São Gonçalo, Maricá, Itaboraí, Nilópolis e Niterói apresentaram TIIH abaixo de 1,0 caso por 10.000 habitantes. Os municípios de Japeri, Magé, Itaperuna, Paracambi, Duque de Caxias, São João de Meriti, Valença, Macaé e Nova Iguaçu apresentaram TIIH por DRSAI situadas entre 1,0 a 3,0 casos por 10.000 habitantes. Os municípios de Cachoeira de Macacu, Mesquita, Rio Bonito e Barra do Piraí apresentaram TIIH situadas entre 3,0 a 5,0 casos por 10.000 habitantes. Os municípios de Tanguá e Queimados apresentaram TIIH situadas entre 5,0 a 10,0 casos por 10.000 habitantes. Por fim, em 2022, os municípios de Mesquita e Belford Roxo foram os únicos a apresentarem TIIH maiores do que 10,0 casos por 10.000 habitantes. Os municípios de Guapimirim, Seropédica, Rio de Janeiro, Nilópolis e Magé apresentaram TIIH inferiores a 1,0 caso por 10.000 habitantes. Os municípios de Japeri, Maricá, Niterói, Petrópolis, Queimados, Itaboraí, São Gonçalo, Itaguaí, Itaperuna, Duque de Caxias, Valença e Paracambi apresentaram TIIH situadas entre 1,0 a 3,0 casos por 10.000 habitantes. Os municípios de Cachoeiras de Macacu, Nova Iguaçu, Barra do Piraí e São João de Meriti apresentaram TIIH situadas entre 3,0 a 5,0 casos por 10.000 habitantes. Os municípios de Tanguá, Rio Bonito e Macaé apresentaram TIIH situadas entre 5,0 a 10,0 por 10.000 habitantes. A faixa da taxa de incidência dos municípios, de 2018 a 2022, pode ser observada na figura 9. 181 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 9 - Taxa de incidência de internações hospitalares (IH) por DRSAI, por ano, para cada 10.000 habitantes, nos Municípios do Rio de Janeiro, de 2018 a 2022 Fonte: Elaboração própria (2024). Observa-se que ao longo de todo o período, somente o município do Rio de Janeiro nunca apresentou taxa de IH por DRSAI maior do que 1,0 caso /10.000 habitantes. Por outro lado, o município de Belford Roxo permaneceu com nas maiores faixas de taxas, de 10 a 28,4 casos/10.000 habitantes durante todo o período avaliado. Barra do Piraí apresentou no ano de 2018 a taxa de incidência de IH por DRSAI de 5,0 a 10,0 casos/ 10.000 habitantes. Em 2019, essa taxa aumentou para 10,0 a 28,4 casos/ 10.000 habitantes. Esse foi o período com maior taxa de internação hospitalar neste município. Nos anos seguintes (2020 a 2022), essas taxas variaram entre 3,0 a 5,0 casos/ 10.000 habitantes, demonstrando uma redução da internação hospitalar. O município de Mesquita apresentou de 2018 a 2019 taxa de incidência de 1,0 a 3,0 casos/ 10.000 habitantes. Nos anos seguintes observou-se um aumento gradativo das taxas de internações, chegando na faixa de 10,0 a 28,4 casos/10.000 habitantes em 2022. 4. ASSOCIAÇÃO DOS INDICADORES 4.1. TAXA DE INVESTIMENTOS DA CEDAE Os municípios de Guapimirim, Niterói e Petrópolis não foram considerados na correlação, visto que foram privatizados antes da nova lei do saneamento, não sendo ofertados os serviços de saneamento pela CEDAE. Nenhuma correlação estatística significativa para a taxa de investimento da CEDAE com os demais índices e taxas (p<0,05) foram observadas, nem mesmo no período antes da nova lei de saneamento (2018 a 182 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 2020), no qual a CEDAE realizava os serviços de saneamento para a maioria dos municípios (Tabela 1). Este resultado também indica que o acaso não pode ser excluído como uma possível explicação (PAGANO e GAUVREAU, 2004). Tabela 1 – Matriz de correlação de Spearman entre a taxa de investimento da CEDAE com os indicadores de saneamento e DRSAI, nos municípios do Rio de Janeiro, de 2018 a 2022 Períodos de investimento Variável dependente Índice de acesso ao saneamento Amostras fora do padrão de potabilidade Índice de Carência em Saneamento Taxa de Incidência de DRSAI 2018 a 2020 2021 a 2022 Média 2018-2022 Taxa de investimento CEDAE rs= 0.226 p= 0.300 Taxa de investimento CEDAE rs= 0.278 p= 0.200 Taxa de investimento CEDAE rs=0.295 p= 0.172 rs= 0.221 p= 0.310 rs= -0.251 p= 0.248 rs=0.034 p= 0.879 rs= -0.151 p= 0.491 rs= -0.312 p= 0.147 rs= -0.265 p= 0.222 rs= 0.055 p= 0.802 rs= -0.155 p= 0.481 rs= 0.117 p= 0.596 Fonte: Elaboração própria (2024). 4.2. TAXA DE INVESTIMENTOS MUNICIPAIS (MUN) Da mesma forma que a associação anterior, também não foi encontrada correlação estatisticamente significativa para a taxa de investimento municipal com os demais índices e taxas (p<0,05), nem mesmo do período antes da nova lei de saneamento (2018 a 2020), no qual a maioria dos municípios possuíam os serviços de saneamento ainda sem a concessão dos serviços para empresas privadas, portanto o titular do serviço deveria ter mais investimentos no setor (Tabela 2). Tabela 2 – Matriz de correlação de Spearman entre a taxa de investimento municipal (MUN) com os indicadores de saneamento e DRSAI, nos municípios do Rio de Janeiro, de 2018 a 2022 Períodos de investimento Variáveis dependentes Índice de acesso ao saneamento Amostras fora do padrão de potabilidade Índice de Carência em Saneamento Taxa de Incidência de DRSAI 2018 a 2020 2021 a 2022 Média 2018-2022 Taxa de investimento MUN rs= 0.153 p= 0.456 Taxa de investimento MUN rs= -0.017 p= 0.933 Taxa de investimento MUN rs= 0.002 p= 0.991 rs= -0.154 p= 0.452 rs= -0.007 p= 0.974 rs= -0.064 p= 0.755 rs= -0.215 rs= -0.022 p= 0.291 p= 0.916 rs= -0.075 rs= 0.047 p= 0.716 p= 0.819 Fonte: Elaboração própria (2024). rs= -0.078 p= 0.705 rs=0.018 p= 0.931 183 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 4.3. TAXA DE INVESTIMENTOS AUTODECLARADA DO SNIS Os resultados das correlações entre os dados da Taxa Média de Investimentos Autodeclaradas no SNIS com os índices de acesso ao saneamento (água e coleta de esgoto) e de DRSAI nos municípios estudados do Estado do Rio de Janeiro apresentaram coeficientes de Spearman positivos com os Índices de Acesso ao Saneamento e Internações (IH) por DRSAI, porém apresentou correlação baixa e sem significância estatística (p >0,05) (Tabela 3). Apresentou correlação negativa com o índice de carência em saneamento. No entretanto, úm resúltado “Sem significância estatística” não qúer dizer que não há correlação, apenas indica que é pouco provável que exista. Este resultado também indica que o acaso não pode ser excluído como uma possível explicação (PAGANO e GAUVREAU, 2004). Tabela 3 - Matriz de correlação de Spearman entre os indicadores de investimentos em saneamento do SNIS e os indicadores de saneamento para água e esgoto e DRSAI em municípios do Estado do Rio de Janeiro, de 2018 a 2021 Períodos dos investimentos Variáveis dependentes Índice de acesso ao saneamento Amostras fora do padrão de potabilidade Índice de Carência em Saneamento Taxa de Incidência de DRSAI 2018 a 2020 2021 Média 2018-2021 Taxa de investimento SNIS rs=0.221 p= 0.278 Taxa de investimento SNIS rs=0.133 p= 0.516 Taxa de investimento SNIS rs=0.156 p= 0.446 rs=0.041 p= 0.843 rs=-0.155 p= 0.449 rs=-0.012 p= 0.995 rs=-0.212 rs=-0.056 p= 0.299 p= 0.786 rs= -0.009 rs= -0.011 p= 0.964 p= 0.956 Fonte: Elaboração própria (2024). rs=-0.138 p= 0.501 rs= 0.017 p= 0.935 No período de 2018 a 2020 (antes da nova lei), a maioria dos municípios (69%, 18/26) estavam declarados no banco de dados do SNIS na faixa de baixas taxas de investimentos em saneamento para abastecimento de água e esgotamento sanitário (1 a 100 R$/hab), e ainda 25% (7/26) não tiveram investimentos declarados nesse período. Apenas o município de Queimados esteve na faixa média de investimentos (109 R$/hab). Mesmo após a Lei 14.026/2020, a maioria dos municípios estavam na faixa de baixas taxas de investimentos em saneamento para abastecimento de água e esgotamento sanitário (1 a 100 R$/hab). No ano de 2021, observou-se inclusive diminuição de investimentos em Belford Roxo, que reduziu 1,3 vezes, de 39 para 30 R$/hab., devido a redução de investimento com abastecimento de água. Cachoeira de Macacu teve aumento de 15 vezes devido ao maior investimento em abastecimento de água, na faixa de 0 para 15 R$/hab. Enquanto Macaé teve redução de 31 vezes, principalmente em esgotamento sanitário, de 94 para 3 R$/hab.; Japeri teve aumento de 7 vezes, de 5 para 35 R$/hab, pelos investimentos em água; Maricá houve redução de 8 vezes, de 12 para 1,5 R$/hab, diminuindo os investimentos em água e continuando sem investimentos em esgoto. Portanto, o padrão esperado de aumento significativo com a entrada das empresas privadas no setor do saneamento após a nova lei, não gerou reflexos, nem em informações autodeclaradas pelas empresas. 184 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Os municípios de Barra do Piraí, Guapimirim, Itaguaí e Valença não apresentaram investimentos para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no período de 2018 a 2021. Ao compará-los com os outros indicadores, observou-se que Valença apresentou o maior percentual de amostras fora do padrão de potabilidade entre os vinte e seis municípios avaliados, ou seja, indicou a pior qualidade da água. Além disso, com exceção de Guapimirim, todos os outros três municípios apresentaram percentual médio de amostras fora do padrão superior à média da região, de 5.58%. Guapimirim, no entanto, apresentou percentual de acesso aos serviços de saneamento de 52.50%, o quinto menor valor observado entre todos os municípios avaliados, enquanto Barra de Piraí, Itaguaí e Valença apresentaram índice de acesso variando entre 73% e 78%. Estes fatores são atribuídos a falta de investimento observada, que impedem também a manutenção e melhoria da qualidade da água de abastecimento, bem como a expansão dos serviços. De forma semelhante, com exceção de Itaguaí, estes municípios também apresentaram índice de carência em saneamento superior a média da região, de 0.331. O município de Guapimirim ainda apresentou índice de carência de 0.525, estando entre uma das maiores observadas nos municípios avaliados. No que se refere a taxa de incidência de DRSAI, destaca-se Barra do Piraí, que teve uma taxa de incidência de 3.82 internações/10.000 hab., a terceira maior observada entre todos os municípios avaliados. Destaca-se também o município de Itaboraí, que indicou taxa de investimento médio de somente R$0.41/hab.. Este apresentou percentual de acesso aos serviços de saneamento de somente 34.46% e índice de carência em saneamento de 0.716. Foi o segundo município com o menor índice de saneamento observado, depois somente de Maricá. Este teve taxa de investimento média de R$10.00/habitante e foi também o município com a maior carência no acesso aos serviços de saneamento, no qual 83.94% dos domicílios não possuíam acesso a este serviço. Outro destaque é o município de Tanguá, com taxa de investimentos em saneamento de somente R$0.28/habitante. Com o baixo investimento, indicou também baixo percentual de acesso a estes serviços, no qual somente 44.14% dos domicílios têm acesso a este. Com isso, observou-se também uma elevada taxa de incidência de DRSAI, equivalente a 6.62 internações/10.000 hab., a quarta maior taxa observada entre os municípios avaliados. As maiores taxas de investimentos foram observadas nos municípios de Queimados, Macaé e Niterói, respectivamente. Niterói apresentou o terceira maior percentual de população com acesso aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, além de não apresentar amostras fora do padrão de potabilidade, indicando a excelente qualidade da água de abastecimento, o que resultou em uma das menores taxas de incidência de DRSAI da região avaliada. A capital do estado, município do Rio de Janeiro, teve taxa de investimento de R$30.44/habitante, sendo a oitava maior taxa da região. O município obteve o menor percentual de carência no acesso ao saneamento, no qual 3.85% dos domicílios não possuem acesso a estes serviços. Dessa forma, o Rio de Janeiro indicou também um dos menores índices de carência em saneamento e as menores taxas de incidência em DRSAI. 4.4. TAXA DE INCIDÊNCIA DE INTERNAÇÕES HOSPITALARES POR DRSAI Os resultados das correlações entre os dados da TIIH por DRSAI com os índices de acesso ao saneamento (água e coleta de esgoto), padrão de potabilidade e índice de carência em saneamento nos municípios estudados do Estado do Rio de Janeiro apresentaram coeficientes de Spearman positivos com os Índices de carência em 185 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 saneamento, porém apresentou correlação baixa e sem significância estatística (p >0,05) (Tabela 4). No entanto, úm resúltado “sem significância estatística” não qúer dizer qúe não há correlação, apenas indica que há uma maior probabilidade desta ter acontecido ao acaso. Tabela 4 - Matriz de correlação de Spearman entre a Taxa de incidência de internações hospitalares por DRSAI com os indicadores de saneamento nos municípios do Estado do Rio de Janeiro, de 2018 a 2022 Períodos dos investimentos Variáveis dependentes Índice de acesso ao saneamento Amostras fora do padrão de potabilidade Índice de Carência em Saneamento 2018 a 2020 2021 a 2022 Média 2018-2022 Taxa de incidência de DRSAI rs= -0.185 p= 0.397 Taxa de incidência de DRSAI rs= -0.174 p= 0.426 Taxa de incidência de DRSAI rs= -0.171 p= 0.434 rs= 0.078 p= 0.725 rs= -0.237 p= 0.276 rs= -0.120 p= 0.585 rs= 0.142 rs= 0.057 p= 0.517 p= 0.795 Fonte: Elaboração própria (2024). rs= 0.114 p= 0.604 5. CONCLUSÃO O estudo demonstrou que não houveram avanços significativos nos serviços de coleta de esgoto e no abastecimento de água, mesmo após a implantação da nova lei do saneamento. O estabelecimento da Lei nº 14.026/2020, que entre outras medidas, incentivava a regionalização e privatização dos serviços de saneamento, foi pautada na necessidade de medidas imediatas para melhoria dos serviços de saneamento a fim de alcançar a universalização destes até o ano de 2033. No entanto, por meio do estudo, foi possível observar que a privatização do setor não apresentou avanços significativos no que se refere aos investimentos no setor, assim como na melhoria do atendimento da população. Em alguns casos, foi possível notar até mesmo uma redução de investimentos, que impactam de forma significativa nos indicadores de saneamento e na saúde da população. Por meio desses fatores, observa-se que os princípios dos direitos humanos não estão sendo considerados, visto que os territórios com mais áreas socioambientalmente vulnerabilizadas não estão sendo priorizadas pelas empresas privadas, assim como explicitado nos contratos de concessão. Fatores como este mostram a ineficiência do novo modelo de concessão do setor, visto que a universalização não pode ser alcançada enquanto parcela considerável da população for excluída do planejamento. REFERÊNCIAS [1] AGÊNCIA BRASIL. Leilão da Cedae vende três blocos da companhia por R$ 22,6 bilhões, publicado dia 30 de abril de 2021. Disponível em:https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/202104/leilao-da-cedae-vende-tres-blocos-da-companhia-por-r-226-bilhoes [2] BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de Informação Hospitalar Descentralizado (SIHD). Brasília: Ministério da Saúde. 2023. Disponível em: <http://www2.datasus.gov.br/SIHD/institucional>. Acesso em: dez. 2022. 186 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 [3] BRASIL (1998) Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Acesso em: 01 de dezembro de 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. 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International Journal of Disaster Risk Reduction, 2021. 188 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Capítulo 12 Aspectos do saneamento em áreas de favelas na Subbacia do Canal do Cunha no Rio de Janeiro Adriana Sotero-Martins1 Thiago Corrêa de Almeida2 Rejany Ferreira dos Santos3 Natasha Berendonk Handam1 2 Maria José Salles1 Resumo: O direito humano a água e ao saneamento foi reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas. A maioria da população que mora nas favelas do Rio de Janeiro não tem serviço regular de abastecimento de água. Por conta disso, acabam adotando métodos alternativos de abastecimento domiciliar. Este trabalho analisou espacialmente as áreas vulnerabilizadas da Subbacia do Canal do Cunha (SBCC), caracterizando as áreas relacionadas quanto à falta de água, esgotamento sanitário e localização geográfica das fontes alternativas de água em áreas de favelas, chamadas no ano de 2010 pelo IBGE de aglomerados subnormais (ASNs). Foram identificados dezesseis ASNs com taxas médias e baixas de acesso aos serviços de esgotamento sanitário básico no território da SBCC. Segundo dados autodeclarados pela população, no censo de 2010, a utilização de nascentes ou poços como forma alternativa de abastecimento de água constitui um total de 946 domicílios no universo de 3.328 pessoas residentes nos ASNs. A SBCC tem um alto percentual de desmatamento, e as áreas de favelas estão em sua maioria próximas das áreas ainda verdes. Analisando os domicílios que utilizam nascentes e/ou poços, observou-se que 97,77% estavam concentrados em ASNs que possuíam remanescentes de vegetação em seu perímetro domiciliar, portanto poderiam ser fontes de abastecimento de água para essa população. Palavras-chaves: áreas de vulnerabilidade, saneamento, nascentes, vegetação, bacia hidrográfica. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Programa de Pos-Gradúaçao em Saúde Pública e Meio Ambiente 3 Cooperaçao Social da Presidencia, Fúndaçao Oswaldo Crúz (FIOCRUZ). 1 2 189 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO No diagnóstico da situação de saúde das populações, as condições de vida em áreas delimitadas assumem fundamental papel no entendimento de como é possível prevenir os riscos e evitar danos à saúde (MONKEN, 2005). A segregação socioespacial ao acesso aos serviços urbanos, como o saneamento básico adequado, permite entender e correlacionar o valor da terra com a universalização dos serviços e o lugar de habitação de moradores de baixa renda, e a territorialização do processo saúde-doença (MUDEGE, 2011). Diversos estudos relatam a forte relação entre as questões de saneamento e saúde pública, evidenciando que a mortalidade infantil pode ser reduzida com o aumento do percentual da população atendida por serviços de esgotamento sanitário (ASHBOLT, 2004; TEIXEIRA e GUILHERMINO, 2006; SALLES, 1994). A Organização das Nações Unidas (ONU) ratifica a importância do saneamento básico através do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 (ODS 6), que busca assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos, abrangendo o acesso universal e equitativo de forma que as populações socioambientalmente vulnerabilizadas residente das periferias do mundo tenham direito a esse bem essencial a vida. No entanto, as políticas públicas no Brasil, voltadas para as questões que contemplam o saneamento básico em todo o território tem se mostrado insuficientes ou inadequadas. Segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), o abastecimento de água é considerado inadequado quando: inexiste canalização interna domiciliar; água fora dos padrões de potabilidade; e intermitência da fonte de abastecimento. (BRASIL, 2013). Dentro desse cenário, encontra-se grande parte da população residente nas favelas do município do Rio de Janeiro. Tais moradores convivem diariamente com a problemática da falta de água em suas casas. Por estarem excluídos do sistema regular de abastecimento, são obrigados a recorrerem a métodos alternativos para contornar essa questão. Esse processo oferece riscos à saúde da população, pois as tubulações, muitas vezes de material de baixa qualidade e assentados de forma irregular, podem ser danificados ao longo da rede construída, gerando risco de contaminação da água por esgoto ou resíduos do lixo, e assim, afetando diretamente a saúde humana (HANDAM et al, 2017). Destaca-se também que em momentos de crise hídrica, limpeza do sistema, reparo das estações de tratamento de água ou devido a necessidade de realizar manobras, as áreas periféricas do município são afetadas de forma desigual pelo desabastecimento, ocasionando sempre maior impacto nas populações socioambientalmente vulnerabilizadas (MARQUES, 1996; NERI, 2010). A bacia hidrográfica do canal do Cunha é uma região extremamente complexa, ela é o resultado de uma produção da cidade que concentra uma parte dos encargos do desenvolvimento econômico nos espaços de moradia da população mais pobre, produzindo um imenso quadro de desigualdades socioambientais. Desse modo, a bacia hidrográfica do canal do Cunha é uma das regiões hidrográficas mais vulnerabilizadas ambientalmente da capital do Estado do Rio de Janeiro, apresentando um panorama com imensas dificuldades, como: áreas com intenso grau de adensamento populacional (favelas e periferias); rios e canais com um grande nível de poluição de resíduo industrial e doméstico e resíduos sólidos; baixa cobertura vegetal e uma contínua deterioração das suas nascentes; alagamentos, bolsões d´água, enchentes e deslizamentos de terra, que impactam principalmente a população mais empobrecida dessa bacia. Soma-se a isso, as 190 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 questões referentes as inúmeras violações de direitos impostas a população residente nessa região. O que caracteriza essa bacia como uma região composta por territórios vulnerabilizados socioambientalmente e marcados por práticas de exceção. (LIMA, 2021). A Sub-bacia Hidrográfica do Canal do Cunha (SBCC) possui o maior contingente de pessoas morando em favelas, somando 133 comunidades e 24 loteamentos irregulares em um território de 7.015,99 hectares, sendo somente 415,43 hectares de áreas naturais. É considerada a sub-bacia mais poluída em termos de qualidade do ar da cidade do Rio de Janeiro. Ocupa totalmente e/ou parcialmente 36 bairros, sendo alguns deles considerados bairros com maior densidade demográfica e com os menores per capitas da cidade. É cortada por um conjunto de vias coletoras de primeira ordem e vias arteriais que fazem da região uma área de passagem, possuindo também o canal que lhe dá o nome, esse com características de poluição superiores aos padrões adotados para a classe 3 da Resolução CONAMA 357/2005. (AMARAL, 2006). As áreas de morros situadas na SBCC, assim como ocorrem em outros territórios favelizados, vivenciam a falta de abastecimento de água cotidianamente, obrigando parte da população a utilizar sistemas de bombeamento para que a ágúa alcance as partes mais altas e pontas de rede. Portanto, a falta d’ágúa atinge primeiro e, de forma mais acentuada, as áreas favelizadas, que são atendidas de forma precárias, não tem condições de pagar por serviços de qualidade, e ficam sem ter como reclamar de forma digna (PRIETO, 2011). Dentre as tecnologias ambientais que podem reduzir os problemas de saneamento em comunidades faveladas, destacam-se o aproveitamento de água das nascentes, que são comumente drenadas para pequenos córregos e rios ou diretamente conectadas às galerias de drenagem pluvial em ambientes urbanos (GENRICH, 2002). Segundo o Código Florestal nº. 12.651/2012, em vigor no Brasil, é imperativo proteger as áreas adjacente às nascentes para evitar a degradação do ambiente e a contaminação da água pelas atividades antrópicas, entretanto, na maior parte das favelas esse tipo de contaminação acaba ocorrendo (CALHEIROS et al, 2009). Diante do cenário apresentado se faz necessário realizar estudos que visem a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) e aspectos do saneamento dos aglomerados subnormais, considerando as condições das nascentes para subsidiar atividades de gestão e planejamento dos recursos hídricos, frente ao problema desencadeado pela ocupação urbana nas comunidades (SÁNCHEZ, 2008). Desta forma, esse trabalho teve como objetivo analisar espacialmente as áreas vulneráveis da SBCC, caracterizando macroáreas representativas dos principais rios quanto a falta de água, de esgotamento sanitário e localização geográfica da utilização de nascentes e/ou poços por domicílios em aglomerados subnormais. Visando apontar dentro dos territórios dos aglomerados subnormais, quais áreas com população vivendo em condições de pobreza apresentam condições de saúde pública mais vulneráveis quanto aos aspectos de saneamento. 2. MATERIAIS E MÉTODOS O estudo considerou a área geográfica da Sub-bacia Hidrográfica do Canal do Cunha (SBCC), localizada no município do Rio de Janeiro, na Região Metropolitana do estado, situada na parte oeste da bacia hidrográfica da Baía de Guanabara. Foi adotada a divisão da sub-bacia por macroáreas de influência dos rios, sendo elas: área norte (influência da região a montante do Rio Timbó, antes da junção com o Rio Faria); área oeste (influência da região a montante dos rios Faria e Faleiro); área sul 191 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 (influência da região a montante do Rio Jacaré) e área leste (região de drenagem de todos esses rios no Canal do Cunha, que deságuam na Baía de Guanabara) (Figura 1). Figura 1: Mapa da Sub-bacia do Canal do Cunha com a divisão dos aglomerados subnormais por macroáreas Fonte: Elaborado pelos autores. Os dados contendo informações sobre a utilização das nascentes por domicílio, abastecimento de água, e serviço de esgotamento sanitário dos aglomerados subnormais (ASN) foram obtidos através do portal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) seguindo o caminho: opção estatísticas; censos; censo demográfico 2010; aglomerados subnormais. Os dados coletados referem-se aos domicílios particulares permanentes em aglomerados subnormais, cuja forma de abastecimento de água era realizada mediante a captação por nascentes ou poços, localizados dentro ou fora da propriedade. O IBGE define ASN como um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas, etc.) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e/ou densa. O dado relativo ao abastecimento domiciliar refere-se ao abastecimento de água pela rede geral de distribuição da companhia responsável, enquanto o dado relativo ao esgotamento sanitário refere-se aos domicílios que possuem rede geral de esgoto ou pluvial. Tais dados foram tabulados em planilha eletrônica (Microsoft Excel 2016) 192 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 contendo colunas com nome do aglomerado subnormal, a quantidade de domicílios dentro do aglomerado que utilizavam a forma de abastecimento supracitada, a coordenada geográfica do aglomerado e seu respectivo código identificador. Para compor o dado socioeconômico de baixa renda foram considerados os valores sobre os domicílios particulares com rendimento nominal mensal per capita com 1 ou 2 salários mínimos e domicílios particulares sem rendimento nominal mensal (IBGE, 2010). A planilha gerada no programa Microsoft Excel foi salva na extensão .csv e posteriormente aberta no software livre Quantum–GIS (QGIS) 2.18, um sistema de informação geográfica licenciado pela General PublicLicense (GNU). Os dados referentes às coordenadas geográficas foram convertidos em formato vetorial de pontos para representar a localização das nascentes no mapa temático confeccionado. Foram incluídos somente os aglomerados subnormais pertencentes a área da Sub-bacia do Canal do Cunha, de acordo com os limites da base cartográfica da sub-bacia, disponibilizada no portal da Agência Nacional de Águas (ANA, 2018). Para georreferenciação dos aglomerados subnormais (favelas), hidrografia e pontos vetoriais foi adotada a Projeção Universal Transversa de Mercator (UTM) fuso 23S e Sistema de Referência Geodésico SIRGAS 2000, com escala 1:50000. A base cartográfica utilizada para representação dos aglomerados subnormais, assim como as bases cartográficas dos setores censitários foram obtidas do portal do IBGE (IBGE, 2010). A base cartográfica referente à cobertura vegetal foi obtida no portal DataRio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Os dados relativos à localização e uso das nascentes, abastecimento de água e esgotamento sanitário foram tabulados e inseridos no programa QGIS para análise. Foram calculadas as áreas de cada aglomerado subnormal presente dentro da sub-bacia com a finalidade de obter a densidade demográfica dos mesmos, assim como a densidade demográfica total dos aglomerados presentes em cada macroárea. Os valores de densidade demográfica foram calculados utilizando a fórmula: número de habitantes/área do polígono do bairro (km²), dentro do programa QGIS. Foram calculadas, em valores percentuais, a cobertura da rede de distribuição de água e de esgotamento sanitário para cada aglomerado. Posteriormente, os mesmos foram representados e analisados através de mapas temáticos. Os aglomerados subnormais foram analisados quanto ao acesso aos serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto, representados pelos números destacados na Figura 2-A: (1) Parque Nova Maracá; (2) Parque Proletário Engenho da Rainha; (3) Parque Everest; (4) R. Lagoa Redonda; (5) Morro Inácio Dias; (6) Fazendinha de Água Santa; (7) Bairro Ouro Preto; (8) Seu Pedro; (9) Santa Terezinha ; (10) Dona Francisca); (11) Vila Angela; (12) Morro do Queto; (13) Comunidade Estação Mangueira; (14) Vila União; (15) Parque Carlos Chagas (16) Avenida Canal e Patachoca. A utilização das nascente como fonte alternativa de abastecimento domiciliar foi georreferenciado no programa QGIS, gerando um mapa de distribuição espacial a nível de bairro: (1) Água Santa, (2) Abolição, (3) Benfica, (4) Bonsucesso, (5) Cachambi, (6) Caju, (7) Cascadura, (8) Cavalcanti, (9) Complexo do Alemão, (10) Del Castilho, (11) Encantado, (12) Engenheiro Leal, (13) Engenho da Rainha, (14) Engenho de Dentro, (15) Engenho Novo, (16) Higienópolis, (17) Imperial de São Cristóvão, (18) Inhaúma, (19) Jacaré, (20) Jacarezinho, (21) Lins de Vasconcelos, (22) Mangueira, (23) Manguinhos, (24) Maré, (25) Maria da Graça, (26) Méier, (25) Piedade, (28) Pilares, (29) Quintino Bocaiúva, (30) Riachuelo, (31) Rocha, (32) Sampaio, (33) São Francisco Xavier, (34) Todos os Santos, (35) Tomás Coelho e (36) Vasco da Gama (Figura 3). A representação do número de nascentes por aglomerado foi realizada utilizando o método de símbolos proporcionais. 193 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 A construção do mapa de Kernel, método estatístico de estimação de curvas de densidades, também foi empregada para aprimorar a interpretação dos padrões de distribuição e utilização das nascentes, permitindo uma análise espacial mais refinada. Embora a lei 11.945/2007 no Brasil descreva os quatro componentes do saneamento (água, esgoto, resíduos sólidos e águas pluviais), este trabalho assume como saneamento os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A área total dos aglomerados subnormais ocupa 14,53% da SBCC, e a localização dessas áreas ocorre majoritariamente próxima aos rios. Nas macroáreas de influência dos principais rios da sub-bacia, o percentual de ASN foi de: 25,22% na área norte; 18,26% na área sul; 16,52% na área oeste; e 40% na área leste. Assim, a macroárea leste possui o maior número de ASNs que sofrem com os efeitos do desague das águas provenientes de outras regiões dentro da sub-bacia. Dias e Cunha (2017) descreveram que os impactos causados pelas obras de engenharia alteraram o comportamento dos rios da SBCC e de seus principais tributários. Os autores relataram que trechos dos rios Faria, Timbó, Méier, afluente do rio Faria e do Canal do Cunha foram impactados com a construção de vias, prédios e favelas sobre os canais de curso dos rios, gerando modificações no padrão de drenagem do solo, supressão da mata ciliar, e alteração de habitats naturais. Todo o processo descrito contribuiu para intensificar a carreação de sedimentos dentro desses cursos de água. Assim, as intervenções antrópicas dentro da SBCC geraram significativas transformações fluviais, causando a artificialização dos rios e seus tributários. Destaca-se também que as obras realizadas, cujo objetivo visava solucionar os problemas das inundações, não obtiveram o êxito esperado. A partir da análise dos dados oriundos do IBGE (2010) para os ASNs da SBCC em relação ao serviço de esgotamento sanitário, foi constatado que 87,51% dos domicílios em ASNs afirmaram possuir rede geral de esgoto ou pluvial. Enquanto que 10,72% dos moradores afirmaram utilizar fossa séptica, fossa rudimentar ou vala como forma de esgotamento e somente 1,77%, lançam os efluentes diretamente nos rios. Analisando os dados pelo recorte das macroáreas, verificou-se que a área leste apresentou o maior número de domicílios que possuíam rede geral de esgoto ou pluvial (92,14%), seguido da área sul (87,69%); área oeste (86,32%); e norte (81,85%). Ao analisar o despejo de efluente domiciliar nos rios da sub-bacia, foi constatado que a área oeste apresentou o maior percentual de domicílios com essa característica (3,16%). A área sul ficou posicionada em seguida com 2,71% das residências. O setor leste apresentou 1,96% dos domicílios, e a área norte foi aquela com o menor percentual de lançamento de efluentes (0,82%). Na macroárea norte, quatro ASNs apresentaram níveis de médio a baixo acesso ao serviço da rede coletora de esgoto domiciliar sendo eles (1) Parque Nova Maracá; (2) Parque Proletário Engenho da Rainha; (3) Parque Everest; (4) R. Lagoa Redonda (Figura 2-A). Conforme na figura 2-B, somente nas localidades dos ASNs (1) e (3), respectivamente nos bairros de Tomás Coelho (35) e Del Castilho (18) possuem dados de condições socioeconômica desfavoráveis e média-alta da densidade populacional. 194 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 2: Representação da relação do acesso ao abastecimento de água pela rede geral e a rede de coleta de esgoto, com dados socioeconômicos para a SBCC. A. Percentual de domicílios com água e esgoto da rede nos ASN. Sinalizado em números cinza as regiões dos ASN com acesso domiciliar aos serviços de saneamento básico nas categorias médio (faixa com 50 - 70% domicílios) e baixo (faixa entre 0 - 50% domicílios). B. Relação da densidade demográfica e da renda por bairros. Destaque para regiões com média e alta densidade populacional e taxa de domicílios com baixa renda Fonte: Elaborado pelos autores. Na macroárea oeste, quatro ASNs apresentaram proporção de acesso domiciliar aos serviços de saneamento básico de água e esgoto (Figura 2-A), sendo as regiões (5) Morro Inácio Dias e (7) Bairro Ouro Preto, os ASNs com as piores condições de acesso aos serviços, pois apresentaram níveis de acesso a rede de esgoto e de água em baixa e média proporção (Figura 2-A). Esses dados corroboram com os descritos nas análises de mapa de calor por Kernel (Figura 3-B), pois demonstram ser as áreas que concentram domicílios com uso de água de nascentes ou poços. Enquanto nos ASNs: (6) Fazendinha 195 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 de Água Santa e (8) Seu Pedro apresentaram proporção de médio a baixo acesso somente ao serviço de coleta de esgoto domiciliar por rede (Figura 2-A), embora a condição socioeconômica nessas localidades não fosse muito desfavorável, sendo a macroárea que apresenta melhores condições nesse aspecto. Na macroárea sul também foram quatro ASNs que apresentaram problemas no acesso de saneamento para água e esgoto (Figura 2-A), sendo o ASN da comunidade (9) Santa Terezinha a única que apresentou baixo percentual de acesso de água da rede geral. Esses dados também corroboram com os descritos nas análises de mapa de calor por Kernel (Figura 3-B), por ser uma das áreas que concentram domicílios que usam água de nascentes ou poços. Enquanto que nos ASNs (10) Dona Francisca; (11) Vila Ângela e (12) Morro do Queto o baixo percentual foi relacionado somente quanto ao acesso ao esgoto (Figura 2-A). Essa macroárea apresentou dois ASNs em condições socioeconômicas desfavoráveis, com relação entre a média-alta densidade populacional, a taxa de domicílios com baixa renda e falta dos serviços de saneamento de água e esgoto, sendo elas o ASN (9) Santa Terezinha e (10) Dona Francisca, localizados no bairro de Lins de Vasconcelos e (11) Vila Ângela, localizada no bairro do Sampaio. Na macroárea leste, quatro ASNs também apresentaram proporção de médio a baixo acesso somente ao serviço de rede coletora de esgoto domiciliar (Figura 2-A), sendo em (13) Com. Estação Mangueira; (14) Vila União; (15) Parque Carlos Chagas; (16) Avenida Canal e Patachoca. Somente na localidade do ASN (15) Parque Carlos Chagas, no bairro de Manguinhos, foram encontrados condições socioeconômicas desfavoráveis e média-alta densidade populacional (Figura 2-B). Segundo Rodrigues (2016), o padrão de ocupação do solo nos ASNs apresenta duas características importantes, a autoconstrução das moradias nas favelas e a ausência de projetos de loteamento. A falta de política pública para o setor habitação e de regularização urbanística e fundiária dos terrenos terminou por gerar conflitos fundiários e consolidar as ocupações irregulares. Foi delegado às associações de moradores liderar e controlar o processo de ocupação desses territórios, o que se deu em sua maioria, pela população de baixa renda. Motivados pelas necessidades básicas de abrigo, acesso a recursos fundamentais, como água e energia elétrica, bem como transporte entre domicílio e local de trabalho. Silva et al (2018) também destaca a questão da legalidade das comunidades com os serviços públicos coletivos até o final da década de 1970. Por serem consideradas ilegais, as favelas comumente não foram interligadas aos serviços públicos de água e luz. Devido a proibição para conectar os domicílios às redes de abastecimento, muitas comunidades foram servidas por bicas (nascentes) coletivas por décadas. Essa distribuição desigual ao acesso domiciliar aos serviços de saneamento básico (rede geral de água e esgoto) permite identificar onde são necessários investimentos para que essa política pública possa atingir as localidades mais carentes (TONETO JR & SAIANI, 2010). Foram identificados 16 ASNs com índices médio e baixo de acesso aos serviços de esgotamento básico na SBCC. Desse montante, a situação é agravada em 6 ASNs, corroborando pelo fato dessas áreas possuírem o maior número de domicílios com baixas condições socioeconômicas (Figura 2), sendo eles (1) Parque Nova Maracá; (3) Parque Everest; (9) Santa Terezinha; (10) Dona Francisca); (11) Vila Ângela; (15) Parque Carlos Chagas. Esses dados indicam a necessidade do município formular um conjunto de políticas públicas, em especial de saneamento, para essas localidades, e atender prioritariamente essas 6 áreas de ASNs dentro da sub-bacia. 196 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 3.1. ABASTECIMENTO DOS ASNS POR NASCENTES E/OU POÇOS Em relação às formas de abastecimentos de água nos ASNs da SBCC, foi observado que 96,39% dos domicílios obtêm água na rede de abastecimento; 1,18% dos domicílios usam a captação por meio de nascentes ou poços; e 0,003% das residências informaram que somente utilizam água captada dos rios. As outras formas de abastecimento (caixa d'água e água da chuva armazenada) representaram 2,43% da água utilizada pelas residências. Apesar do baixo percentual de domicílios que utilizam nascentes e/ou poços como forma de abastecimento, quando comparado às outras formas de captação, esse tipo de abastecimento atende um total de 946 residências, e um universo de 3.328 indivíduos nos ASNs. O percentual de domicílios abastecidos pela água da rede oficial corrobora com os resúltados de D’Ottaviano & Pasternak (2015). Nesse estúdo os aútores realizaram uma análise comparativa das condições de infraestrutura entre domicílios localizados em aglomerados subnormais e em cidades de pequeno e médio no Brasil utilizando dados do Censo 2010 do IBGE. O resultado do indicador abastecimento de água evidenciou que os domicílios em ASNs apresentaram melhores condições de abastecimento, quando comparados com domicílios pertencentes a pequenos municípios, com cobertura de 88,43% das residências em ASNs conectadas à rede geral de abastecimento de água no país. Conhecendo a realidade sanitária das favelas no Brasil, pode-se levantar questões sobre a metodologia do questionário aplicado em ASNs para obtenção dos resultados divulgados, visto que a mesma não abrange as especificidades necessárias para captar realidade do saneamento local. Destaca-se também a relação entre os resultados encontrados e a percepção dos moradores sobre a captação de água, uma vez que a rede doméstica, embora não oficial, está conectada ao sistema de abastecimento da cidade. Segundo Britto et al. (2017), a precariedade do saneamento dentro do município incide diretamente sobre a degradação dos recursos hídricos existentes, associando as desigualdades sociais com a degradação ambiental. Enfatiza-se também a necessidade de cumprimento da Política Municipal de Saneamento Básico (PMSB) e do Plano Diretor de Manejo de Águas Pluviais vigente, cuja proposta para a região da SBCC, visa incentivar a revitalização e renovação urbana, com investimentos em infraestrutura e construção de moradia. Analisando por macroáreas, a área leste relatou 99,22% dos domicílios sendo abastecidos pela rede da companhia, seguido pela área sul com 92,35%; área oeste com 91,42% e área norte com percentual de 88,86%. O abastecimento domiciliar proveniente de nascentes e/ou poços, foram relatados com maior frequência nos domicílios da área oeste (7,62%) e sul (2,98%). A macroárea leste apresentou percentual de 0,13%, seguido pela área norte com 0,10%. A utilização de nascentes ou poços como forma alternativa de abastecimento esteve presente em 49 dos 116 ASNs analisados (42,24%). Os aglomerados subnormais do Morro Inácio Dias (área oeste – Figura 2-A, número 5) foram aqueles que apresentaram o maior percentual de domicílios que utilizavam a captação de água das nascentes e/ou poços para abastecimento (56,16%), seguido das comunidades Santa Terezinha (área sul – Figura 2-A, número 9) (33,73%), Bairro Ouro Preto (área oeste – Figura 2-A, número 7) (33,50%), Marianos (área oeste – Figura 2-A, número 5) (28,16%) e Morro da Cotia (área sul – Figura 2-A, número 10) (15,46%). Assim, o maior uso de água de nascentes ou poços ficou concentrado nas macroáreas oeste e sul, principalmente, em cinco ASNs principalmente (Figura 3-A). 197 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 3: Representação da quantidade de nascentes e/ou poços informados pela população da SBCC como utilizados para abastecimento domiciliar nos ASNs. A. Quantidade de domicílios que utilizam água de nascentes e/ou poços nos ASN. Bairros sinalizados por números. B. Relação de Kernel para as nascentes por ASNs Fonte: Elaborado pelos autores. Contudo, na análise da localização e da quantidade de nascentes dentro da SBCC empregando análise estatística de densidade de Kernel (Xie & Yan, 2008), foi possível verificar que as macroáreas oeste e sul foram as que registraram os maiores números de domicílios abastecidos com águas provindas de nascentes e/ou poços. Também foi possível comprovar a existência de altas densidades de nascentes de água em locais com pontos específicos nas macroáreas norte e leste. Na macroárea norte, essa densidade se 198 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 mostrou mais expressiva nos ASNs localizados no bairro do Complexo do Alemão (Figura 3-B, número 9). Ao analisar a densidade da macroárea leste, evidenciou-se que os ASNs localizados no bairro de Manguinhos (Figura 3-B, número 23) possuíam a maior concentração de domicílios que utilizam abastecimento por nascentes e/ou poços, com destaque para as comunidades Parque João Goulart, Parque Carlos Chagas, Vila Turismo e Parque Oswaldo Cruz. O bairro Mangueira (Figura 3-B, número 22) também apresentou significativa densidade, sendo a comunidade do Morro dos Telégrafos aquela com maior número de domicílios que utilizam essa fonte alternativa de abastecimento. Portanto, foi possível identificar oito regiões de ASNs dentro da sub-bacia, em que as populações estão mais expostas aos riscos à saúde pois, segundo Handam et al (2017), a alta densidade demográfica, associada a baixa renda mensal per capita, com baixa rede de esgoto e de coleta de lixo contribuem para o risco à saúde da população. 3.2. ÁREAS VERDES DA SBCC O uso das nascentes como forma alternativa de abastecimento e a presença de áreas verdes remanescentes também foi analisada. A análise espacial da SBCC evidenciou que as áreas verdes representam somente 14,07% do território, ocupando 8,97 km 2. Ao analisar a localização dos aglomerados subnormais em relação a presença de áreas verdes, observou-se que 31,76% dos ASNs estavam consolidados em regiões que possuíam área de vegetação remanescente. Ao examinar os domicílios que utilizavam nascentes e/ou poços, através do mapa de Kernel, foi observado que 97,77% dos domicílios estavam concentrados em ASNs que possuíam a presença de vegetação remanescente em seu perímetro, com destaque para as macroáreas norte, oeste e sul (Figura 3-B). A supressão das áreas verdes da SBCC caracteriza um cenário incompatível tanto para a manutenção do equilíbrio ecológico da sub-bacia quanto para necessidades de saneamento e bem-estar dos moradores que estão em territórios socioambientalmente vulnerabilizados. O amplo desmatamento na SBCC está relacionado com expansão territorial desordenada - sem a fiscalização dos órgãos públicos responsáveis - favorecendo a especulação imobiliária, o crescimento habitacional e comercial (Souza, 2009). Somado a isso, destaca-se o déficit de saneamento, principalmente nas áreas onde estão localizados os aglomerados subnormais. Todos esses fatores atuam sinergicamente causando graves problemas socioambientais que afetam diretamente a saúde da população local. A manutenção da vegetação, em especial a mata ciliar, tem relação direta com a preservação das nascentes, das águas subterrâneas e dos corpos hídricos superficiais (BOTELLHO e DAVIDE, 2000). No entanto, tais áreas sofrem com a constante supressão de sua vegetação nativa. Em relação às sub-bacias, Lima & Zákia (2000) ratificam a importância das áreas verdes, em especial a vegetação ciliar, para a manutenção da integridade e estabilidade das mesmas, principalmente aquelas que estão localizadas em centros urbanos com alta densidade demográfica. Segundo Felippe & Junior (2016) a legislação específica para a maior parte das zonas urbanas brasileiras não garantiu, em termos ambientais, a necessária proteção dos mananciais ao longo do tempo, em parte devido à falta de operacionalização do aparato legal e também devido aos diversos interesses especulativos e imobiliários do espaço urbano. Assim, esses fatores contribuíram para que diversas fontes de água fossem contaminadas ou drenadas, degradando ambientalmente todo o território. 199 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 4. CONCLUSÃO Apesar dos dados do IBGE demostrarem que há alta de cobertura com serviços de abastecimento de água nas favelas da sub-bacia hidrográfica do canal do Cunha, consideramos que essas informações apresentam limitações, visto que não refletem a qualidade dos serviços de saneamento, como intermitência do abastecimento da rede pública, da ligação da rede, à instalação predial e muito menos sobre a qualidade da água que chega as torneiras dos domicílios, portanto, não são condizentes com a realidade das favelas. As análises espaciais dos dados evidenciaram o efeito danoso que o déficit de acesso domiciliar aos serviços de saneamento básico – principalmente ao sistema de coleta e tratamento de esgotos – acarreta a população residente em favelas e periferias da bacia hidrográfica do canal do Cunha. Foram identificados em oito regiões de ASNs na SBCC, domicílios que fazem captação e uso direto de água de nascentes e poços, onde se situam, portanto, as populações que estão mais expostas a contrair doenças em decorrência do saneamento básico inadequado (DRSAI), a disponibilidade da água existente na maioria das vezes é insuficiente para proporcionar adequada higiene e proteção sanitária, por não haver o controle de qualidade e do padrão de potabilidade dessas águas, o que acarreta riscos e fragilidade para a saúde dos moradores dessas regiões. Em seis dessas áreas, que são de alta densidade demográfica e baixa condição socioeconômica, a situação de vulnerabilidade ainda é maior, pois aos baixos índices de acesso aos serviços de esgotamento sanitário, se soma a ocupação não planejada em áreas inadequadas. Portanto torna-se necessário que o planejamento e a execução de políticas de saúde e de intervenções a partir do saneamento básico sejam considerados de forma mútua e integrada de modo a constituir uma estratégia de Saúde Pública preventiva e social para a sub-bacia hidrográfica do canal do Cunha, dando ênfase aos territórios ocupados por favelas. Essa proposta alinha-se a algumas metas propostas na ODS 6, da Agenda 2030 estabelecida pela ONU, cujo objetivo visa assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento básico para todas e todos. REFERÊNCIAS [1] AMARAL, L. C. P. Degradação ambiental e perspectivas de saúde: um olhar retrospectivo sob a sub-bacia hidrográfica do Canal do Cunha, 2006. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fiocruz. [2] ANA. Agência Nacional de Águas. Dados abertos. 2019 dadosabertos.ana.gov.br (acessado em: 06 de setembro de 2019). [3] ASHBOLT, N. J. 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Na construção do índice foi aplicado o método desenvolvido pelo Instituto de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento Jones dos Santos Neves (IPES) para obter a pontuação dos indicadores e consequente determinação de aspectos de comparação das áreas de favelas no Complexo do Alemão, com análise espacial comparativa. O objetivo da apresentação em português é tornar mais fácil a comunicação e utilização dos dados científicos pelas pessoas da comunidade. A metodologia utilizada no estudo permitiu avaliar que dentro de um território considerado vulnerabilizado no aspecto do saneamento, existem regiões mais fragilizadas devido aos problemas de saneamento básico, e que esses dados estão correlacionados com áreas socioeconomicamente mais desfavoráveis, sendo possível a estruturação da avaliação desse tipo de vulnerabilidade. Em média o índice parcial de carência de acesso a água foi de 0,34, o parcial de coleta de esgoto foi de 0,28 e o global foi de 0,31, classificando as favelas do Complexo do Alemão na faixa de carência extrema. Essa abordagem corroborou para a validação do índice de carência em saneamento com informações em escala territorial de comunidades face ao risco provocado pelo acesso desigual ao direito humano ao saneamento. Palavras-chave: saneamento básico, coleta de esgoto, abastecimento de água, índice de carência em saneamento, favelas. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Programa de Pos-Gradúaçao em Saúde Pública e Meio Ambiente 3 Cooperaçao Social da Presidencia, Fúndaçao Oswaldo Crúz (FIOCRUZ) 4 Organizaçao nao governamental (ONG) Verdejar Socioambiental 5 Instituto Nacional de Informação Científica e Tecnológica e Comunicação em Saúde/ICICT, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) 6 Departamento de Biologia e Celular (DBC), Instituto de Biologia Roberto Alcantara Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (IBRAG), UERJ. 1 2 202 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO A escassez de água acomete mais de 40% da população no mundo, e deverá aumentar por conta das mudanças climáticas e pela falta de gestão adequada da água. O objetivo do desenvolvimento sustentável (ODS) 6 – Água Potável e Saneamento, apresenta que devemos assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos. Portanto, para atingir este objetivo, deve-se proteger às nascentes, rios e as bacias, e realizar o compartilhamento de tecnologias de tratamento de água (Palma, 2017). Independente da situação socioeconômica, todas as pessoas devem ter acesso a água potável, o que favorece a saúde coletiva, reduzem o número de mortes e de doenças, principalmente entre os mais velhos e crianças. Mortes por doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado (DRSAI) podem ser evitadas com saneamento básico adequado (Sotero-Martins et al., 2020; Neves-Silva e Heller, 2016; WHO, 2014). Além disso, a segurança hídrica impacta positivamente na qualidade de vida das pessoas, com a capacidade de tornar as comunidades mais resilientes às condições adversas, diminuindo as desigualdades socioambientais (CEPAL, 2016). O termo vulnerabilidade tornou-se palavra-chave nos estudos sobre risco ambiental (Malta et al., 2017), é um termo bastante difuso (Kuhlicke et al., 2011). Diversas definições sobre vulnerabilidade emergiram e são utilizadas em diferentes contextos disciplinares, quer relacionada a sustentabilidade (Turner et al., 2003), aos riscos naturais e ambientais (Brasil, 2007; Marandola Júnior e Hogan, 2005), quer nas áreas sociais e econômicas (Fossati, 2014). Portanto o conceito de vulnerabilidade pode ser adaptado para cada área de conhecimento (Gallopín, 2006; Malta et al., 2017). A construção de indicadores para avaliar as condições de vida e monitorar políticas públicas são utilizados com sucesso graças à simplicidade, facilidade de compreensão e pela forma mais holística e abrangente de mensurar uma determinada característica, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde (UNDP, 2022). Apesar de o IDH ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano, ele não abrange nem esgota todos os aspectos de desenvolvimento, dentre eles a questão da vulnerabilidade. Desta forma, novos índices foram desenvolvidos para mensurar uma diversidade de temas (Malta et al., 2017). O Índice de Carência em Saneamento Básico (ICSB) foi criado em 2004 pelo Instituto de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento Jones dos Santos Neves (IJSN) (IPES, 2004), para que o governo do estado do Espírito Santo pudesse verificar o acesso da população aos serviços de saneamento básico. Esse índice consiste em determinar, por meio de indicadores que estão agrupados em categorias, o índice de carência em saneamento de cada área territorial. No caso do IJSN, os indicadores utilizados foram microdados dos municípios da amostra do Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística brasileiro, os qúais foram categorizados como “adeqúados” e “inadeqúados”. Os indicadores adotados pelo estúdo levavam em consideração o abastecimento de água e o esgotamento sanitário. Segúndo o próprio estúdo, “100” corresponde ao pior valor observado (100% de carência absolúta) e “0” corresponde ao melhor valor (0% de carência). Para a obtenção do índice final que se dava pela soma das médias ponderadas de cada um dos índices parciais foram atribuídos pesos para cada categoria, nesses estudos os proponentes adotaram diferentes pesos para os indicadores parciais, sendo: 3 (ICágua) e 2 (ICesgoto). Para implementar saneamento em localidades com difícil acesso em territórios de vulnerabilidade socioambiental são recomendados uso de tecnologias sociais, como 203 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 tratamento de água de nascentes e a utilização de sistemas de evapotranspiração adequadas a realidade dos territórios, sem precisar retirar os moradores das suas localidades e ter melhorias da qualidade de vida das pessoas e do ambiente (Instituto de Tecnologia Social, 2008). Por conta dos problemas de desabastecimento público que afetam principalmente as regiões onde reside a população socioeconomicamente mais vulnerável, nas partes altas das favelas, identificar as regiões que poderiam ser prioritárias na implementação de tecnologias sociais em saneamento são desejadas (Zucoloto e Perreira, 2017). O presente trabalho teve como objetivo propor o uso de indicadores de carência em saneamento básico para áreas de favelas, possibilitando a avaliação em escala microrregional de sub-bacia hidrográfica, com intuito de indicar áreas prioritárias para instalação de tecnologias sociais em saneamento. Contribuindo, desta forma, com suporte à formulação e implantação de políticas públicas, pois para estas ações é fundamental localizar espacialmente as áreas que concentram os segmentos populacionais mais vulneráveis nas dimensões consideradas. 2. MÉTODO 2.1. ANÁLISE DO BANCO DE DADOS A partir do projeto institúcional “Tecnologias Sociais em Saneamento e Saúde”, qúe teve como objetivo definir onde seriam instalados os sistemas de filtro para tratamento de água de nascentes e de tratamento de esgoto, foi realizado levantamento das condições de acesso a água e de coleta de esgoto através de estudo transversal descritivo com amostra aleatória com 369 moradores das favelas do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, Brasil, em que foi aplicado questionário estruturado na etapa da pesquisa-ação do projeto, no período de novembro de 2021 a Maio de 2022. Estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), sob o número CAAE: 52504621.5.0000.5240, as informações foram dadas diretamente nos questionários estruturados, cobrindo 1% dos domicílios da área de favelas. 2.2. ÁREA DE ESTUDO A região de estudo se assemelha a outras regiões de favelas, em que o esgoto é lançado em sua maioria diretamente no solo, em valas e nos rios, e fica localizada na porção norte da Sub-Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara, do Canal do Cunha, no Complexo do Alemão (Almeida et al., 2021), região que foi dividida em sete microáreas, levando em consideração a influência da microbacia hidrográfica drenante do rio Timbó e a sua confluência com o rio Faria (Figura 1). Foi utilizado o termo Complexo do Alemão de forma mais geral do que o limite do bairro, por conta das porções de aglomerados subnormais (ASN) que se relacionam com os bairros de Bonsucesso, Inhaúma e Engenho da Rainha desse grande complexo de favelas localizado na Sub-Bacia do Canal do Cunha, composta por 183 áreas de setores censitários (SC) descritos pelo IBGE (2010). Foram consultados moradores em 166 SC dessa região. 204 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 1. Microáreas da região do Complexo do Alemão cobertas pelo estudo, polígonos menores correspondentes aos setores censitários (SC) descritos pelo IBGE (2010) Fonte: Organizado pelos autores. 2.3. CÁLCULO DOS INDICADORES DE CARÊNCIA EM SANEAMENTO BÁSICO (ICSB) No método de avaliação dos indicadores de saneamento foi utilizado o Índice de Carência de Saneamento Básico (ICSB), metodologia criada em 2004 pelo Instituto de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento Jones dos Santos Neves (IPES). O ICSB teve como objetivo avaliar o acesso aos serviços de saneamento por meio de indicadores de abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de resíduos sólidos, segundo os dados fornecidos pelo IBGE (IPES, 2004). Porém nesse trabalho adaptamos para considerar os dados obtidos das informações dos moradores que responderam os questionários. Para indicação de carência de cada componente do saneamento foram consideradas questões que permitiram avaliar dois índices parciais: Índice de Carência de Água (ICAGUA) e Índice de Carência em Esgoto (ICESGOTO). De forma que foi estabelecido inicialmente uma porcentagem de carência (PC) de cada componente. Para tanto, para cada um dos indicadores avaliados, foram considerados os domicílios que tinham acesso precário (para água, tinha acesso pela rede, mas precisavam também fazer uso de água por outra tipo de fonte; para esgotamento sanitário quando declarava fora da rede coletora), conforme expresso na Equação 1. 𝑃𝐶 = (𝑁º 𝑑𝑒 𝑑𝑜𝑚𝑖𝑐í𝑙𝑖𝑜𝑠 𝑎𝑐𝑒𝑠𝑠𝑜 𝑝𝑟𝑒𝑐á𝑟𝑖𝑜) (𝑁º 𝑑𝑒 𝑑𝑜𝑚𝑖𝑐í𝑙𝑖𝑜𝑠 𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙) (Equação 1) × 100 onde, PC: Porcentagem de carência. Posteriormente, o ICAGUA e ICESGOTO foram calculados por meio da seguinte Equação 2: (𝑃𝐶−𝑀𝑒𝑛𝑜𝑟 𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟) 𝐼𝐶𝑝𝑎𝑟𝑐𝑖𝑎𝑙 = (𝑀𝑎𝑖𝑜𝑟 𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟−𝑀𝑒𝑛𝑜𝑟 𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟) (Equação 2) 205 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 onde, ICparcial: Índice de carência em saneamento básico, referente a cada um dos indicadores (água como ICAGUA e esgoto como ICESGOTO) PC: Percentual de carência no determinado atributo; Maior valor: Corresponde ao pior valor, quando houve o maior percentual de carência; Menor valor: Corresponde ao melhor valor, quando houve o menor percentual de carência. Nesse cálcúlo foram considerados o “menor valor” dentre todos os percentúais das microáreas em análise referente a este mesmo indicador. Por consequência, o campo “maior valor” foi preenchido com o maior valor dentre eles. Após a definição dos índices parciais ICAGUA e ICESGOTO, foi calculado o índice de carência em saneamento básico global (ICSB), por meio das médias ponderadas em cada índice parcial, conforme Equação 3: 𝐼𝐶𝑆𝐵 = Σ (𝐼𝐶𝑝𝑎𝑟𝑐𝑖𝑎𝑙 ×𝑃𝑒𝑠𝑜 𝑑𝑎 𝐶𝑎𝑡𝑒𝑔𝑜𝑟𝑖𝑎) (Equação 3) (𝑃𝑒𝑠𝑜 𝑑𝑎𝑠 𝐶𝑎𝑡𝑒𝑔𝑜𝑟𝑖𝑎𝑠) onde, ICSB: Índice de carência de saneamento básico; ICparcial: Referente aos indicadores do ICAGUA e ICESGOTO; Peso da Categoria: Neste trabalho adotou-se para os dois indicadores de saneamento o peso 1. Os pesos para cada categoria são adotados segundo critérios e necessidades de ajustes de cada autor, como descrito no livro do Ministério da Saúde de 2004 (Brasil, 2004). O índice de carência foi categorizado em 3 níveis, variando de 0 a 1, no qual 0 representa o maior grau de carência e 1 o menor grau de carência (Castro, 2016). Assim, a classificação das microáreas, no que se refere aos serviços de saneamento considerando o índice foram determinados em três intervalos (IPES, 2004): (a) Baixo índice de carência: IC variando de 0,8 até 1; (b) Alto índice de carência: IC variando de 0,5 até 0,8; (c) Extremo índice de carência: IC variando de 0 até 0,5. 2.4. ASSOCIAÇÃO E CORRELAÇÃO DE INDICADORES A fim de avaliar a vulnerabilidade devido ao déficit de saneamento de forma comparativa com indicadores socioeconômicos (razão de renda abaixo de R$ 1.300,00; percentual de negros e pardos; densidade demográfica nos domicílios; escolaridade somente até o fundamental; recebimento de água todos os dias) das microáreas em território de favelas foi realizada análises descritivas e bivariadas (Correlação de Spearman), por meio do software Jamovi® 2.3.21. A significância estatística foi estabelecida em 5% (p-valor <0,05). Para criar os mapas temáticos foi utilizado o programa QGIS 2.18.4. 206 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 3. RESULTADOS As sete microáreas de favelas do Complexo do Alemão apresentaram diferenças na posição de cada uma delas na microbacia do Timbó (Figura 1). As microáreas localizadas nas partes mais altas, próximas da floresta da Serra da Misericórdia foram: a microárea “3_SP” - destaque na cor vermelha (região do Morro do Alemão, com as favelas do Morro dos Mineiros e do Relicário), compreenderam apenas 9 setores censitários do bairro Complexo do Alemão; e a microárea “4_SP” – destaque na cor cinza (região do Morro do Alemão, com as favelas do Morro Esperança e Morro da Baiana) que compreenderam 29 setores censitários do bairro Complexo do Alemão. Do lado direito do rio Timbó estão localizadas as microáreas: “5_SP” – destaque na cor rosa, compreenderam as favelas das comunidades do Morro do Adeus, Morro do Piancó, com 44 setores censitários dos bairros Complexo do Alemão e Bonsúcesso; e na microárea “6_SP” - destaque na cor coral, as favelas das comunidades Joaquim Queiroz (Grota), Nova Brasília e Itararé, compreenderam 40 setores censitários dos bairros Complexo do Alemão e Inhaúma. Do lado esqúerdo do rio Timbó estão as microáreas: “7_SP” - destaque na cor azul, com as favelas do Morro das Palmeiras, Parque Alvorada e Cruzeiro, com 11 setores censitários dos bairros Complexo do Alemão e Inhaúma; e a microárea “1_SP” – destaque na cor verde, com as comunidades Vila Matinha, com 39 setores censitários dos bairros Engenho da Rainha e Inhaúma. Na parte baixa da microbacia do rio Timbó, e com junção com o rio Faria no bairro de Inhaúma, possúi a microárea “2_SP” – destaque na cor lilás, que compreenderam apenas 9 setores censitários do bairro Inhaúma, com a favela da Comunidade do Parque Everest. A Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, por meio dos objetivos de desenvolvimento sustentável, que o acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito universal (ONU, 2015). Assim, a fim de verificar o acesso a esses direitos nas áreas de favelas do Complexo do Alemão, no município do Rio de Janeiro, foi avaliado o índice de atendimento da população ao abastecimento de água e a coleta de esgoto. Em média 96,48% dos domicílios teriam acesso à água pela rede pública, porém 98,64% responderam que tinham acesso à água pela rede, mas também tinham por outro sistema de acesso, fora da rede, indicando intermitência no abastecimento. Em média 79,67% dos domicílios são cerca de 1,2 vezes menor do que o descrito para o município do Rio de Janeiro, que foi informaram ter coleta de esgoto pela rede; esses dados foram de 92,08% (Silva, 2023). Quantos aos dados socioeconômicos que caracterizaram de modo geral toda região de favelas do Complexo do Alemão, em média 68,6% (DP = 12,3) da população era de etnia negra (declarados pretos ou pardos); com 56,10% (DP=14,60) da população com escolaridade até o ensino fundamental; 65,10% (DP = 9,82) com renda abaixo de um salário-mínimo; com densidade demográfica de 18,4 (DP=11,50) hab/Km2; e 45,90% (DP28,70) dos domicílios não recebem água todos os dias, por isso declararam também ter outras formas de acesso a água. Em média o índice de carência de acesso a água (ICAGUA) foi de 0,34 (DP 0,43), classificado como “extremo” índice de carência, assim como foi também classificado o índice de carência de coleta de esgoto médio (ICESGOTO), que foi de 0,28 (DP 0,40) e para o índice de carência de saneamento básico (ICSB), que foi de 0,31 (DP 0,39). A correlação entre os índices de carência em saneamento nas sete microáreas de favelas do Complexo do Alemão foi significativa entre o ICSB (geral) e o ICAGUA (parcial); 207 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 e entre ICSB (geral) e ICESGOTO (parcial), ou seja cerca de 99% de significância estatística (Tabela 1). Embora tenha sido positiva a correlação entre ICAGUA e ICESGOTO esta não foi significativa estatisticamente, p > 0,05. As variáveis socioeconômicas não tiveram correlação significativa acima de 95%, com os índices de carência em saneamento, porém foram consideradas nos comentários as que tiveram correlação positiva, sendo elas: (i) correlação entre ICAGUA e etnia, com destaque para o racismo estrutural observado nos territórios de favelas são as pessoas negras que mais sofrem com a carência do abastecimento de água, e com domicílios com maiores densidades demográficas; (ii) correlação entre pessoas de etnia negra com população com população com renda abaixo de 1 salário mínimo (rho= 0,714; p=0,088), caracterizando a vulnerabilidade social no acesso a água, marcando quem tem vulnerabilidade em saúde; (ii) em contraste, houve correlações positivas entre a variável “elevada proporção de habitantes por área” com os três indicadores de carência em saneamento (Tabela 1). Tabela 1. Correlação entre os índices de carência de saneamento básico parcial e global e características socioeconômicas da população das microáreas de favelas do Complexo do Alemão, Rio de Janeiro Variável Escolaridade até o ensino fundamental Elevada proporção de habitantes por área Proporção não recebe água todos os dias ICAGUA rho p ICESGOTO rho p ICSB rho p 0,371 0,413 -0,143 0,783 0,036 0,963 0,445 0,317 0,571 0,200 0,571 0,200 0,630 0,129 -0,036 0,963 0,250 0,595 Fonte: elaboração própria. O abastecimento de água foi o setor que apresentou os menores índices de carência (ICAGUA). A distribuição espacial do índice de carência da rede de abastecimento de água de forma separada por microárea, destaca que as microáreas SC-2, SC-4 e SC-5 as que apresentaram as piores condições, na classificação da faixa de extremo (valor = 0,0), nenhuma ficou na faixa de alto índice de carência, contudo as micro áreas SC-1 e SC-3 ficaram na faixa de baixo índice de carência de saneamento, contudo a SC-3 teve ICESGOTO na faixa extremo (valor = 0,40), por isso o ICSB global dessa microárea ficou na faixa de alto índice (valor = 0,70), isso pode ser explicado por conta da quantidade de nascentes que existem nessa localidade. A divisão da microbacia hidrográfica do rio Timbó em microáreas, na área do Complexo do Alemão permitiu avaliar de forma comparativa em sistema as microáreas em situação de vulnerabilidade em saneamento, como um território socio ambientalmente vulnerável possui regiões com maior carência dos serviços públicos de saneamento básico, através do Índice de Carência em Saneamento Básico (ICSB), a área do SC_1 foi a que apresentou ICSB baixo, a SC_3 apresentou ICSB alto e as demais áreas ICSB extremo (Figura 3), portanto foi verificar que a partir do cálculo do ICSB foi possível observar os territórios que possuem maiores vulnerabilidades em saneamento. 208 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 3 – Mapa temático para o índice de carência de saneamento básico global (ICSB) das microáreas de favelas do Complexo do Alemão, Rio de Janeiro 4. DISCUSSÃO O uso crescente da metodologia de análise multicritério no planejamento territorial e urbano está cada vez mais utilizada, com avanços consideráveis nas análises espaciais comparando às abordagens convencionais de sobreposição de mapas. Atualmente, a análise multicritério vem sendo integrada aos Sistemas de Informação Geográficas (SIG), criando uma ferramenta robusta para apoiar processos de análise espacial através da modelagem e dar suporte e apoio a decisão em questões com distribuição e consequências espaciais (Malta et al., 2017). A metodologia de integração entre análises por SIG e análise multicritério utilizando indicadores corrobora os estudos de Santos et al. (2012), na análise da fragilidade social da área urbanizada do município de Viçosa - MG; de Oliveira et al.(2012), para determinar o Índice de Sustentabilidade de Expansão do Setor Sucroalcooleiro; e Gomes e Lins (2002), na análise da qualidade de vida urbana da população do município do Rio de Janeiro. Desta forma, a metodologia de análise indicadores integrados ao SIG vem se consolidando como um recurso extremamente útil na gestão pública e na tomada de decisões. Portanto, se faz necessário entender que a ferramenta oferece recursos para reflexão dos diversos problemas de vulnerabilidades nos territórios (Jannuzzi et al., 2009). No caso específico deste artigo, a integração das metodologias visou auxiliar o processo de identificação das áreas de maior carência em saneamento, a fim de identificar locais onde se deve iniciar a universalização do saneamento no território. A urbanização concentrada em áreas dos maciços e nas poucas áreas verdes que restam nas cidades, agravou ainda mais a necessidade de infraestruturas, que não acompanharam o crescimento das cidades. Esse rápido e desordenado processo de urbanização trouxe uma série de consequências, em sua maioria negativas, como a ocupação das encostas, de forma não planejada. A falta de planejamento urbano e de uma 209 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 política econômica menos concentradora contribuiu para a ocorrência dos problemas da falta de saneamento básico. Um dos principais problemas decorrentes da acelerada urbanização é a concentração da riqueza em áreas planejadas das cidades, e como consequência o aumento das desigualdades (Malta et al., 2014). A luta pelo direito à cidade e pelo direito à moradia emergiu como contraposição a um modelo de urbanização excludente, que ao longo de décadas de urbanização acelerada absorveu, grandes contingentes de pessoas carentes, sem jamais integrá-las efetivamente às cidades (Battaus e Oliveira, 2016). Além dos problemas socioeconômicos, uma das dimensões da luta pelo direito à cidade passa pelo direito a um ambiente saudável, o que demanda o acesso a políticas de saneamento, habitação, segurança, infraestrutura e de saúde (Bodnar, 2022), e como as áreas de favelas as infraestruturas urbanas são precárias, sem condições dignas de moradia e de saneamento básico – abastecimento de água, tratamento de esgotos, coleta de resíduos e drenagem, e onde frequente ocorre desabastecimento de água, somado a alta densidade populacional, número de agregados familiares e baixa renda per capita são características comuns das comunidades, favorecendo a incidência de doenças, especialmente as associadas à vulnerabilidade social (Sotero-Martins et al., 2022). Através dos resultados encontrados neste artigo, percebe-se que os maiores valores para do ICSB se encontram nas regiões do Complexo que predominam pessoas da etnia negra (pretos e pardos), confirmando que é sobre as populações negras e carentes que recai a maior parte dos efeitos negativos da urbanização, confirmando estudos de Cutter et al. (2003), onde os autores discutem a variação da vulnerabilidade no tempo e espaço, entre diferentes grupos sociais. A metodologia e os resultados obtidos para o ICSB podem servir como suporte para as políticas de saneamento em áreas de favelas, contribuindo na minimização da segregação socioespacial e, consequentemente, uma mudança no modelo de urbanização atual, de maneira que todos os moradores tenham o mesmo direito à cidade. 5. CONCLUSÃO A metodologia de integração entre a análise do índice de carência em saneamento básico e os dados em SIG apresenta uma importante ferramenta para definir e validar o olhar para as microáreas em situação de vulnerabilidade. Desta forma foi possível identificar as áreas prioritárias carentes de políticas em saneamento básico e favorecer o seu monitoramento. Para a sua aplicação dessa metodologia em outras regiões, sugere-se a inclusão e/ou substituição de indicadores de acordo com a realidade da região a ser analisada. Desta forma, através do conhecimento espacial das áreas mais vulneráveis torna-se possível subsidiar a elaboração de planos de preparação e resposta para o enfrentamento dos problemas e, consequentemente, da sua mitigação (SOTEROMARTINS et al., 2024). 210 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 REFERÊNCIAS [1] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente (MMA). Vulnerabilidade Ambiental. Brasília: MMA; 2007 [2] BRASIL. 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Com a indisponibilidade de vacinas e recrudescimento da epidemia, as principais medidas profiláticas consistiam no isolamento social e higienização das mãos com água e sabão; ambas de difícil adoção por populações socioambientalmente vulneráveis. Dessa forma, o objetivo do trabalho foi discutir os impactos das vulnerabilidades socioeconômicoambientais na incidência de COVID-19, tomando como exemplo a SubBacia do Canal do Cunha (SBCC), que possui a maior concentração de favelas e comunidades urbanas do município do Rio de Janeiro. Foram utilizados dados secundários de casos confirmados de COVID-19, dados socioeconômicos e indicadores de saneamento para todos os bairros da SBCC. Para tanto, foi considerado o período pré-vacinação de janeiro de 2020 a janeiro de 2021. A região da SBCC apresentou uma taxa de incidência de COVID-19 de 337,95 casos/10.000 habitantes, com taxas de letalidade e mortalidade de 9,23% e 30,77 óbitos/10.000 habitantes, respectivamente. As desigualdades sociais tiveram impactos na saúde da população de áreas periféricas que, devido a precarização da habitação e falta de acesso aos serviços de saneamento, muitas vezes era impossibilitada de cumprir com as medidas não farmacológicas de prevenção à COVID-19. Palavras chave: Coronavírus, Pandemia, Saúde Pública, Áreas de Favela. Programa de Pos-Gradúaçao em Saúde Pública e Meio Ambiente, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Aroúca, Fiocrúz 2 Laboratorio de Pesqúisa Clínica em DST/AIDS, Institúto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), Fiocrúz 3 Departamento de Administraçao e Planejamento em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Aroúca, Fiocrúz 4 Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Fiocruz 1 213 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 1. INTRODUÇÃO Em dezembro de 2019, autoridades chinesas alertaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a respeito de uma pneumonia causada por um vírus que não havia sido identificado. Pouco tempo depois, em janeiro de 2020, a China confirmou a identificação de uma nova cepa de coronavírus, agente causador da doença infecciosa COVID-19. O vírus teve uma rápida propagação, se iniciando na China, mas proliferando por diversos países. Desta forma, em março de 2020 a OMS decretou estado de pandemia de COVID19, causado pelo vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus (SARS-Cov2) (OPAS, 2020; WHO, 2020). Segundo dados da OMS, de janeiro de 2020 até fevereiro de 2024, houve cerca de 774.631.444 casos confirmados de COVID-19 por todo o mundo, e 7.031.216 óbitos ocasionados pela doença (WHO, 2024). No Brasil o primeiro caso foi relatado em fevereiro de 2020, no município de São Paulo e, no mesmo mês, foi decretado uma Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) (SOTERO-MARTINS et al., 2022). Até fevereiro de 2024, o Brasil totalizou 37.519.960 casos confirmados da doença, e 702.116 óbitos (WHO, 2024). A COVID-19 é uma doença infecciosa viral de fácil transmissão, tendo como principais vias de contaminação as gotículas respiratórias e o contato direto. Por esse motivo, com indisponibilidade de vacinas e com elevado recrudescimento da epidemia, a OMS estabeleceu protocolos de profilaxia ao novo coronavírus, no qual medidas não farmacológicas de prevenção, como higienização das mãos com água e sabão e isolamento social, foram as principais medidas profiláticas (SOTERO-MARTINS et al., 2022; WHO, 2020). Considerando as medidas não farmacológicas de prevenção à COVID-19, fatores socioeconômicos, como habitação, emprego, renda e também questões culturais, influenciaram no comportamento da doença. Além desses, o acesso aos serviços de saneamento básico foi fundamental para o combate à doença, dada a necessidade de higienização para evitar a transmissão do patógeno. Dessa forma, para as populações socioambientalmente vulneráveis, muitas vezes as medidas de profilaxia recomendadas eram de difícil adoção (SOTERO-MARTINS et al., 2022; WHO, 2020). De acordo com Simoni (2020), caso o SARS-CoV-2 tivesse um DNA, este teria o gene da sociedade urbana visto que, diferente de outras doenças, a propagação do vírus foi estabelecida por um fator socioespacial. A ocorrência de COVID-19 está associada a estruturas socioeconômicas e demográficas, no qual a doença teve mais impacto em países com maiores desigualdades sociais, sobretudo nas populações em territórios periféricos (SOTERO-MARTINS et al., 2022). Fatores como estrutura de habitação precária e adensamento excessivo de imóveis estiveram diretamente relacionados aos impactos sanitários e econômicos da COVID-19. Nesse sentido, a precariedade de habitação dificultou o cumprimento das medidas de profilaxia à COVID-19 recomendadas durante a pandemia (GOMES; CALDEIRA, 2020; SILVA et al., 2023). A desigualdade existente contribuiu significativamente para o aumento da susceptibilidade de populações periféricas ao vírus SARS-CoV-2, enfatizando o contexto da iniquidade em saúde (GONÇALVES; MACIEL, 2020; SOTERO-MARTINS et al., 2021; SILVA et al., 2023). No município do Rio de Janeiro, cerca de 22% da população são moradores de favelas ou comunidades urbanas; i.e., aglomerados subnormais. Esses territórios 214 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 possuem, muitas vezes, condições de moradia e de saneamento básico precárias, além de alta densidade populacional. Fatores como este favorecem a ocorrência de doenças infecciosas, como a COVID-19, sendo intensificada devido à vulnerabilidade social (SOTERO-MARTINS et al., 2022). Com base nesses preceitos, a pandemia de COVID-19 foi responsável por expor as mazelas das desigualdades sociais, explicitando as difíceis condições da população de favelas e comunidades urbanas para realizar o isolamento social e até mesmo de higienização, devido a recorrente falta de água (RODRIGUES, 2020). Dessa forma, o objetivo do trabalho foi discutir os impactos das vulnerabilidades socioeconômicoambientais da população na incidência de COVID-19, com destaque aos bairros e favelas e comunidades urbanas da Sub-Bacia do Canal do Cunha (SBCC). 2. MATERIAIS E MÉTODOS O trabalho constitui um estudo observacional e analítico, considerando as informações epidemiológicas, referente a COVID-19, e informações socioeconomicoambientais da população. Foram utilizados dados secundários provenientes do Observatório Epidemiológico da Cidade do Rio de Janeiro (EpiRio), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema de Assentamentos de Baixa Renda (SABREN). O período avaliado foi de janeiro de 2020 até 18 de janeiro de 2021, permitindo um recorte do período pré-vacinação. A metodologia aplicada foi baseada no estudo realizado por Sotero et al. (2022) e Silva et al. (2023). 2.1. ÁREA DE ESTUDO A região da Sub-Bacia do Canal do Cunha (SBCC) fica localizada na zona norte do município do Rio de Janeiro, sendo composta por 36 bairros: Abolição, Água Santa, Benfica, Bonsucesso, Cachambi, Caju, Cascadura, Cavalcanti, Complexo do Alemão, Del Castilho, Encantado, Engenheiro Leal, Engenho da Rainha, Engenho de Dentro, Engenho Novo, Higienópolis, Inhaúma, Jacaré, Jacarezinho, Lins de Vasconcelos, Mangueira, Manguinhos, Maré, Maria da Graça, Méier, Piedade, Pilares, Quintino Bocaiuva, Riachuelo, Rocha, Sampaio, São Cristóvão, São Francisco Xavier, Todos os Santos, Tomás Coelho e Vasco da Gama (SOTERO-MARTINS et al., 2022). A SBCC é a área do município do Rio de Janeiro com o maior percentual de Favelas e Comunidades Urbanas, possuindo um dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos do município (SOTERO-MARTINS et al., 2022). Dos 36 bairros componentes da região, somente quatro destes não possuem favelas em sua composição: Abolição, Maria da Graça, Riachuelo e Rocha. A região possui, no total, cerca de 204 favelas em seu território (IPP, 2010). As favelas e comunidades urbanas ocupam, aproximadamente, 14.53% da área total da SBCC, no qual estas se localizam majoritariamente na proximidade de rios no território (ALMEIDA et al., 2021). Na Figura 1 é apresentada, de forma especializada, a localização da Sub-Bacia do Canal do Cunha no Município do Rio de Janeiro, bem como os intervalos quantitativos de habitantes em territórios de favelas em cada bairro. 215 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 1 – Bairros componentes da região da Sub-Bacia do Canal do Cunha (SBCC), localizada no município do Rio de Janeiro, e o número de habitantes em favelas e comunidades urbanas da região. Jan./2020 a jan./2021 Fonte: Elaboração própria (2024). 2.2. COLETA DE DADOS Foram utilizadas três fontes de dados principais: Observatório Epidemiológico da Cidade do Rio de Janeiro (EpiRio), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema de Assentamentos de Baixa Renda (SABREN). O EpiRio é uma plataforma de acompanhamento epidemiológico do município, que, durante a pandemia de COVID-19, centralizava os dados e fornecia informações diariamente sobre os casos confirmados da doença por meio do Painel Rio COVID-19. Neste, foram coletadas informações a respeito do número de casos confirmados e número de óbitos por COVID-19. Conforme mencionado anteriormente, foi considerado o recorte de janeiro de 2020 até 18 de janeiro de 2021, quando se deu início a vacinação no município do Rio de Janeiro. Este recorte possibilitou que fatores de imunização não fossem considerados na avaliação, mas somente fatores socioeconomicoambientais, assim como elementos de saúde e exposição. No Censo de 2010, realizado pelo IBGE, foram coletados dados socioeconômicos da população, bem como informações ambientais, e.g., o acesso aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. De forma semelhante, foi utilizado o SABREN para coletar estas informações para as populações e domicílios de favelas e comunidades urbanas, denominados anteriormente de aglomerados subnormais. 2.3. ANÁLISE DE DADOS Para avaliação epidemiológica, a partir da coleta dos dados, foi realizado o cálculo da taxa de incidência (TI), taxa de letalidade (TL) e taxa de mortalidade de COVID-19 nos bairros componentes da SBCC, conforme indicado nas Equações 1, 2 e 3. 𝑇𝑖 = 𝑁º 𝑑𝑒 𝑐𝑎𝑠𝑜𝑠 𝑑𝑒 𝐶𝑂𝑉𝐼𝐷−19 𝑃𝑜𝑝𝑢𝑙𝑎çã𝑜 𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝑑𝑒 𝑟𝑖𝑠𝑐𝑜 𝑇𝑙 = × 10.000 𝑁º 𝑑𝑒 ó𝑏𝑖𝑡𝑜𝑠 𝑝𝑜𝑟 𝐶𝑂𝑉𝐼𝐷−19 𝑁º 𝑑𝑒 𝑐𝑎𝑠𝑜𝑠 𝑑𝑒 𝐶𝑂𝑉𝐼𝐷−19 216 × 100 (Eq. 1) (Eq. 2) Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 𝑇𝑚 = 𝑁º 𝑑𝑒 ó𝑏𝑖𝑡𝑜𝑠 𝑝𝑜𝑟 𝐶𝑂𝑉𝐼𝐷−19 𝑃𝑜𝑝𝑢𝑙𝑎çã𝑜 𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝑑𝑒 𝑟𝑖𝑠𝑐𝑜 × 10.000 (Eq. 3) A análise dos dados e cálculo dos indicadores epidemiológicos foi realizada por meio da utilização do software Microsoft Excel® 2021. Para realizar o cálculo do Coeficiente de Correlação de Spearman, a fim de identificar a existência de associação entre as variáveis independentes e os indicadores epidemiológicos, foi utilizado o software jamovi® 2.3.21. Na análise, foram consideradas como variáveis independentes: população residente em territórios de favelas, população negra (pretos e pardos), Índice de Desenvolvimento Social (IDS), renda média per capita, índice de abastecimento de água e o índice de acesso à rede de esgotamento sanitário. As variáveis utilizadas para correlação de indicadores apresentaram distribuição normal, de forma majoritária, conforme indicado por meio do teste de normalidade de Shapiro-Wilk (Tabela 1). Tabela 1: Teste de normalidade de Shapiro-Wilk para as variáveis de interesse Variável W Shapiro-Wilk Pop. em territórios de favelas 0,751 População negra 0,967 IDS 0,978 Renda média per capita 0,949 Índice de abastecimento de água 0,158 Índice de coleta de esgoto 0,858 Taxa de incidência 0,982 Taxa de letalidade 0,926 Taxa de mortalidade 0,965 *p<0,05: distribuição diferente da normal Fonte: Elaboração própria (2024). p Shapiro-Wilk <0,001* 0,345 0,663 0,099 <0,001* <0,001* 0,824 0,020 0,308 Por fim, foi utilizado o software QGIS 3.30.1 para elaboração de mapas temáticos, a fim de apresentar os resultados obtidos de forma especializada. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO O território da Sub-Bacia do Canal do Cunha (SBCC), no período de janeiro de 2020 a janeiro de 2021, era composto por uma população total de 1.085.803 (um milhão, oitenta e cinco mil, oitocentos e três) habitantes, no qual cerca de 34% destes eram residentes de áreas de favelas e comunidades urbanas distribuídas entre bairros. Os 36 bairros da SBCC compreendem um total de 204 favelas, no qual cerca de 89% dos bairros são constituídos por no mínimo um território de favela. A população dos territórios de favelas possui uma maior vulnerabilidade socioeconômica, que implica em uma série de consequências. No estudo, foi observado que a renda média per capita considerando somente os domicílios em territórios de favela da SBCC foi de R$ 1215,67, enquanto nos bairros esse valor foi equivalente a R$ 3713,45. Dessa forma, obteve-se uma renda per capita três vezes inferior à população não residente nesses territórios. Além disso, o Índice de Desenvolvimento Social (IDS) médio das áreas de favela e comunidades urbanas da SBCC foi de 0,523, enquanto nos bairros foi de 0,601. Silva et al. (2023) identificaram em seu estudo que os bairros pertencentes à 217 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 zona sul do município do Rio de Janeiro, que possuem a menor quantidade de favelas, são caracterizados por uma maior renda média per capita. Por outro lado, os bairros da zona norte, que possuem a maior quantidade de favelas, possuem a segunda menor renda per capita, depois somente dos bairros da zona oeste (SILVA et al., 2023). Dessa forma, evidencia-se a maior vulnerabilidade dessa população, que pode torna-se mais suscetível também à ocorrência de doenças, sobretudo infecciosas. A fim de aderir às recomendações da OMS para prevenção a COVID-19, baseadas na higienização, o acesso aos serviços de saneamento possui papel fundamental na profilaxia da doença. A nível nacional, as regiões geográficas com menor acesso ao abastecimento de água obtiveram as maiores taxas de incidência de COVID-19 (GOVEIA, 2021). A região da SBCC apresentou um índice médio de acesso a rede de abastecimento de água e de esgotamento sanitário de 99,88% e 96,72%, respectivamente. Apesar do elevado percentual obtido, estes valores representam somente a existência da rede e não, propriamente, a efetividade dos serviços ofertados. Dessa forma, fatores como a intermitência no abastecimento de água, insuficiência no fornecimento, entre outras dificuldades, não são consideradas. Além disso, não há uma homogeneidade do acesso a estes serviços, visto que, geralmente, áreas periféricas e de territórios de favela sofrem mais com a falta de água, devido as manobras realizadas pela concessionária para abastecer outras regiões do município. Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, a administração pública adotou medidas para garantir a manutenção do abastecimento de água, como isenção tarifária aos usuários de tarifa social e suspensão de cortes pela falta de pagamento (CAPODEFERRO; SMIDERLE, 2020). No entanto, ainda foram identificados uma série de relatos na mídia e redes sociais sobre a falta de água regularmente, principalmente em favelas e comunidades urbanas (RODRIGUES, 2020). Nesse sentido, de acordo com Almeida et al. (2021), o elevado índice de acesso aos serviços de saneamento em favelas indicados pelas pesquisas estatísticas, colocam em xeque a metodologia utilizada para aplicação dos questionários nesses territórios. Segundo este, o questionário não considera as particularidades e especificidades existentes nesses territórios, sendo insuficientes para representar a realidade local. No que se refere aos aspectos epidemiológicos, os bairros da SBCC apresentaram uma taxa de incidência média de 337,95 casos/10.000 habitantes. A taxa de letalidade média foi de 9,23% e a taxa de mortalidade equivalente a 30,77 óbitos/10.000 habitantes. Silva et al. (2023), que avaliaram os dados epidemiológicos de COVID-19 nos blocos de concessão de saneamento do município do Rio de Janeiro, identificou que os bairros pertencentes ao bloco 4, onde se enquadra o território da Sub-Bacia do Canal do Cunha, apresentaram taxa de incidência de 303,82 casos/10.000 habitantes e taxa de letalidade de 9,88%, valores semelhantes ao obtido no presente estudo. Na Figura 2 são indicados os indicadores epidemiológicos de COVID-19 de forma especializada, assim como a composição de favelas e comunidades urbanas na região da SBCC. 218 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 Figura 2 – Taxa de incidência de COVID-19 (A), taxa de letalidade de COVID-19 (B), Taxa de Mortalidade de COVID-19 (C), e favelas e comunidades Urbanas (D), nos bairros da Sub-Bacia do Canal do Cunha. Jan/2020 a jan/2021 Conforme indicado no mapa, os bairros que apresentaram as maiores taxas de incidência de COVID-19 da região da SBCC foram Rocha (559,91 casos/10.000 hab.), Bonsucesso (554,66 casos/10.000 hab.), São Cristóvão (511,26 casos/10.000 hab.) e Del Castilho (492,63 casos/10.000 hab.), respectivamente. Entre estes, somente o bairro de Rocha não é constituído por favelas e comunidades urbanas. Entre todos os 36 bairros da SBCC, somente cinco destes se enquadraram na menor faixa de incidência, equivalente a 148 a 230 casos/10.000 habitantes: Complexo do Alemão (148,07 casos/10.000 hab.), Engenheiro Leal (182,34 casos/10.000 hab.), Cavalcanti (197,88 casos/10.000 hab.), Jacarezinho (212,88 casos/10.000 hab.) e Manguinhos (220,44 casos/10.000 hab.). Os cinco bairros mencionados possuem elevada concentração da população vivendo em áreas de favelas e comunidades urbanas, totalizando cerca de 125.000 habitantes nesses territórios. O Complexo do Alemão, que apresentou a menor taxa de incidência da SBCC, possui o segundo maior número de habitantes em territórios de favela da SBCC, com cerca de 62.300 habitantes. Sotero Martins et al. (2022) também identificaram em seu estudo que a menor taxa de incidência e de mortalidade de COVID-19 foram registradas no Complexo do Alemão, bairro constituído por favelas em toda sua amplitude. Ainda assim, identificou também que este estabeleceu a maior taxa de letalidade. Angelo, Leandro e Périssé (2021), de forma semelhante, identificaram que os bairros do município do Rio de Janeiro classificados como “sem favelas” tiveram as maiores taxas de incidência de COVID-19. Esses resultados podem ser justificados pelo acesso desigual à testagem para COVID-19, 219 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 no qual devido a subnotificação de casos resultou em uma invisibilidade da doença nas áreas periféricas (ANGELO; LEANDRO; PÉRISSÉ, 2021). No período crítico da pandemia, quando ainda não havia vacinação, o Sistema Único de Saúde não ofertava testes diagnósticos para o vírus SARS-CoV-2, gerando uma subnotificação, fazendo com que as menores taxas de incidência fossem detectadas no sistema justamente nas áreas com predominância de favelas e comunidades urbanas, com menor renda e menor cobertura de saneamento (SILVA et al., 2023; SOTERO-MARTINS et al., 2021). Em valores absolutos, os maiores números de casos de COVID-19 foram observados nos bairros de Maré e Méier, respectivamente. Destaca-se que a Maré possui o maior número de habitantes em territórios de favelas e comunidades urbanas da SBCC, com 82.259 pessoas, o que corresponde a cerca de 22% dos habitantes de favelas do SBCC. Já o Méier possui população de 18.067 pessoas em territórios de favelas, equivalente a 4,92%. Dessa forma, os bairros com maior número de casos possuem elevado percentual de habitantes em territórios de favelas, evidenciando a maior vulnerabilidade desta população. Estes bairros também representaram os maiores números de óbitos, no qual a Maré foi acometida com 260 óbitos, cerca de 8,41% do total de óbitos da SBCC, e o Méier com 210, equivalente a 6,8%. De forma semelhante, Sotero-Martins et al. (2022) identificaram que o Méier apresentou o maior número de casos confirmados de COVID19. O bairro com menor número de casos foi de Engenheiro Leal, com 119 casos confirmados, seguido por São Francisco Xavier, com 274 e Água Santa, com 285. O número de casos acumulados desses três bairros correspondeu a menos de 2% dos casos totais na região da SBCC. Destaca-se que estes bairros possuem menos de 2.500 habitantes em territórios de favelas, estando entre os bairros com menor percentual de pessoas nesses territórios. Estes apresentaram também os menores números de óbitos, equivalente a 11 óbitos para Engenheiro Leal, 22 em São Francisco Xavier e 27 em Água Santa. Assim como observado no número de casos, os óbitos desses bairros em conjunto representaram cerca de 2% do total de óbitos. Em concordância ao resultado obtido, Sotero-Martins et al. (2022) também identificaram em seu estudo que Engenheiro Leal foi o bairro com o menor número absoluto de óbitos na região. A letalidade é uma medida que expressa a gravidade da doença, representando o impacto desta na população já infectada pelo vírus SARS-CoV-2. A maior taxa de letalidade foi observada no bairro de Cavalcanti (16,13%), seguido pelo bairro de Pilares (11,51%) e Piedade (11,14%). Os três bairros em questão possuem favelas em seu território. São Cristóvão (6,50%) e Rocha (7,06%) apresentaram as menores taxas de letalidade. Nota-se que estes dois bairros estiveram entre os que indicaram as maiores taxas de incidência e, ainda assim, obtiveram as menores taxas de letalidade. Dessa forma, evidencia a gravidade da doença, pois mostra que os bairros sem favelas, como Rocha, ainda que tenham apresentado maior notificação, não sofreram elevado impacto com óbitos. Este fator também foi identificado em estudo de Silva et al. (2023), que avaliaram a taxa de incidência de COVID-19 em todos os bairros do município do Rio de Janeiro. De acordo com estes, os bairros de Acari e Costa Barros, que possuem elevada população residente em favelas, apresentaram as menores taxas de incidência, mas estiveram entre as maiores taxas de letalidade. A mortalidade é a unidade de medida que permite identificar o impacto da doença para a população de todo o território. O bairro de Bonsucesso apresentou a maior taxa de mortalidade da região da SBCC, equivalente a 60,87 óbitos/10.000 habitantes. O bairro 220 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 em questão é constituído por quatro favelas, com uma população média total de 3.500 habitantes. Os bairros com menor taxa de mortalidade foram Complexo do Alemão (13,41 óbitos/10.000 hab.), Engenheiro Leal (16,85 óbitos/10.000 hab.) e Jacarezinho (17,08 óbitos/10.000 hab.). Estes bairros estiveram também entre os que apresentaram menor taxa de incidência de COVID-19 na região da SBCC. Considerando a faixa etária da população, foi observado que, no geral, o grupo mais acometido com COVID-19 era pertencente a faixa de 60 anos ou mais, que corresponde a cerca de 25% dos casos, seguido pela faixa etária de 30 a 39 anos, com percentual de 21,09%. Por outro lado, a faixa menos acometida com casos de COVID-19 foi de 0 a 9 anos, com percentual de 1,34% dos casos totais da SBCC. De forma semelhante, Silva et al. (2023) identificaram em seu estudo que, no município do Rio de Janeiro, as populações mais jovens apresentaram as menores taxas de incidência, enquanto a maior incidência foi observada na população idosa. Em nível nacional, o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2021) também indicou que a população mais acometida com COVID-19 pertencia a faixa etária superior a 60 anos. Esse perfil etário pode ser justificado devido ao fato de que a existência de comorbidades, idade acima de 60 anos e indicadores socioeconômicos aumentam o risco de incidência e agravamento da doença (BRASIL, 2021; DESSIE; ZEWOTIR, 2021). Quando considerado somente os bairros com mais de 10.000 habitantes em territórios de favelas, representados por Benfica, Caju, Complexo do Alemão, Engenho Novo, Jacarezinho, Lins de Vasconcelos, Mangueira, Manguinhos, Maré e Méier, foi observado um resultado mais homogêneo. Cerca de 21% dos casos foram da população de 30 a 39 anos, 19,98% de 40 a 49 anos, 16,07% de 50 a 59 anos e 23,15% de 60 anos ou mais. A maior exposição desta população pode ser associada a uma série de características, mas principalmente a necessidade de trabalhar para a manutenção da família. Os moradores de favelas e comunidades urbanas, para se deslocar, mesmo que para utilização de serviços essenciais, muitas vezes têm a necessidade de percorrer becos e vielas que não possuem ventilação adequada e não permitem uma distância de segurança entre outras pessoas. Além disso, estes necessitam da utilização de transporte público para trabalhar e, devido a falta de circulação de ônibus nas favelas, acabam utilizando vans que impossibilitam o distanciamento (MENEZES; CORRÊA, 2020). Com relação à raça/cor, a população negra (parda e preta) foi a mais acometida com a incidência de COVID-19, equivalente a cerca de 43,33% dos casos totais. Quando considerado os bairros com mais de 10.000 habitantes em áreas de favela, esse valor foi de 50%. De forma semelhante, em estudo de Angelo, Leandro e Périssé (2021), foi apontado que, no município do Rio de Janeiro, o risco de adoecer e vir a óbito por COVID19 foi maior na população negra quando comparada à população branca. Segundo estes, até mesmo em bairros sem favelas, a taxa de incidência na população negra foi duas vezes maior do que em pessoas brancas. Resultados como este ilustram o racismo ambiental existente, no qual se perpetuam os privilégios da hegemonia branca. Nesse sentido, o racismo se apresenta como determinante social de saúde, pois constitui um obstáculo para alcançar a equidade ao possuir influência no processo saúde-doença e favorecer o quadro de morbimortalidade (JESUS, 2020). Segundo Santos (2013), existe uma relação direta entre o acesso ineficiente aos serviços de saneamento e as condições de desigualdade da população negra, que proporcionam agravos na saúde e comprometem a qualidade de 221 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 vida desta população. Essas desigualdades geram maior exposição desses indivíduos a situações de vulnerabilidade, que se reflete na precarização da saúde destes, seja esta física ou mental. A discriminação racial é fator de grande relevância para criar e perpetuar as desigualdades sociais, no qual a população negra é a mais afetada, possuindo acesso limitado a direitos fundamentais. Elevada parcela da população negra reside em favelas ou comunidades urbanas, que possuem precárias condições de habitabilidade. Dessa forma, são mais susceptíveis a ocorrência de doenças. Situações como essa indicam uma grave violação do direito à saúde desses cidadãos, que representam mais da metade dos brasileiros (SANTOS, 2013). A realização da correlação estatística de Spearman, indicada na Tabela 2, permitiu a compreensão da associação existente entre os indicadores socioeconômicos e epidemiológicos para os bairros compreendidos na região da Sub-Bacia do Canal do Cunha. Por meio desta, foi possível identificar como a subnotificação de casos, explicitada anteriormente, teve impacto na obtenção de dados da COVID-19 nesta região. Destaca-se ainda que a taxa de incidência e a taxa de letalidade tiveram uma relação inversamente proporcional, indicando que ainda que os bairros com menor população em territórios de favelas tenham apresentado maior taxa de incidência, estas foram as menos acometidas com óbitos. Dessa forma, indica que a gravidade da doença, medida pela taxa de letalidade, ainda foi maior em territórios periféricos. Tabela 2: Coeficientes de correlação de Spearman (rs) entre os indicadores epidemiológicos de COVID-19 e os dados socioeconômicos da população residente em bairros da Sub-Bacia do Canal do Cunha. Jan/2020 a jan/2021 Variável Taxa de incidência Taxa de Letalidade População em territórios rs= -0.495*; p= rs= -0.072; p= 0.677 de favelas 0.002 População negra (pretos rs= -0.429*; p= rs= 0.080; p= 0.643 e pardos) 0.010 Índice de rs= 0.619*; p <0.001 rs= -0.043; p= 0.804 Desenvolvimento Social Renda média per capita rs= 0.638*; p <0.001 rs= 0.102; p= 0.554 Índice de abastecimento rs= 0.122; p= 0.478 rs= -0.138; p= 0.421 de água Índice de coleta de rs= 0.547*; p <0.001 rs= -0.113; p= 0.512 esgoto *Nota: * p<0.05: correlação significativa Fonte: Elaboração própria (2024). Taxa de Mortalidade rs= -0.539*; p <0.001 rs= -0.399; p= 0.017 rs= 0.587*; p <0.001 rs= 0.655*; p <0.001 rs= 0.089; p= 0.604 rs= 0.563*; p <0.001 Os indicadores socioeconômicos que apresentaram correlação significativa com os indicadores epidemiológicos de COVID-19, indicaram relação inversamente proporcional para população em territórios de favelas e população negra, mas relação diretamente proporcional para os indicadores de Índice de Desenvolvimento Social (IDS) e índice de coleta de esgoto. Esse fator explicita a subnotificação de casos, onde os bairros que apresentaram maior renda e menor concentração de áreas de favelas indicaram menor número de casos. Esse fator também indica a iniquidade em saúde devido às desigualdades políticas existentes. A maior dificuldade no acesso aos serviços de saúde ou de se ausentar do trabalho podem ter sido determinantes para os resultados obtidos, 222 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 visto que fatores socioeconômicos e de habitação se relacionam diretamente com a desigualdade de acesso aos serviços de saúde (SANCHEZ, CICONELLI; 2012). Em estudo de Sotero-Martins et al. (2022), no entanto, não foram observadas correlações significativas entre os indicadores epidemiológicos e os indicadores de renda e população negra, mas também observaram correlação negativa significativa entre a taxa de mortalidade e a proporção de habitantes em bairros com favelas. É importante ressaltar que a ausência de correlação significativa não quer dizer que esta não existiu, mas que existe uma maior probabilidade desta relação ter acontecido ao acaso. A partir desses fatores, fica evidente que as desigualdades sociais existentes, assim como os determinantes sociais de saúde, favorecem a propagação de doenças infecciosas. Dessa forma, contribui para a maior vulnerabilidade da população periférica, favorecendo a morbimortalidade destes. As medidas não farmacológicas de prevenção a COVID-19, como o distanciamento social, utilização de máscara e protocolos de higienização, tiveram menor impacto em territórios de favelas, dado a maior dificuldade de implementação ocasionada pelas desigualdades de renda e habitação (SOTERO-MARTINS et al., 2022). Ainda que exista semelhança biológica na forma de contaminação pela COVID-19, as desigualdades existentes reverberam em diferentes impactos na população periférica, seja pela oferta insuficiente de leitos no serviço público, demora na assistência médica e até mesmo a impossibilidade de realizar o isolamento social (ANGELO; LEANDRO; PÉRISSÉ, 2021). Esses fatores contribuem, ainda, para a invisibilidade de casos em favelas e comunidades urbanas, que camuflam a gravidade da situação nesses territórios e, por consequência, limitam a elaboração de políticas públicas determinantes para o combate a disseminação do vírus em áreas periféricas (MENEZES; CORRÊA, 2020). 4. CONCLUSÃO A região da Sub-Bacia do Canal do Cunha apresentou uma taxa de incidência média de COVID-19 de 337.95 casos/10.000 habitantes, com taxa de letalidade de 9,23% e a taxa de mortalidade equivalente a 30,77 óbitos/10.000 habitantes, considerando o período de janeiro de 2020 a janeiro de 2021, antes do início da vacinação. Os bairros da SBCC possuem o maior percentual de favelas do município do Rio de Janeiro. A população residente em favelas e comunidades urbanas indicou maior vulnerabilidade socioeconômica, com renda média per capita cerca de três vezes inferior à população não residente nesses territórios. Além disso, esses territórios indicaram também menor Índice de Desenvolvimento Social (IDS). Fatores como esse tornam essa população mais suscetível à ocorrência de doenças, sobretudo infecciosas, como a COVID19. Foi identificado que os bairros que possuíam maior população residente de favelas tiveram menores taxas de incidência de COVID-19. Esse dado é justificado devido a subnotificação de casos devido ao acesso desigual e incipiente à testagem da doença, visto que no período crítico da pandemia, o SUS ainda não ofertava testes diagnósticos. Dessa forma, as menores taxas de incidência eram detectadas justamente nas áreas com predominância de favelas, com menor renda e menor ou nenhuma cobertura de saneamento (SILVA et al., 2023; SOTERO-MARTINS et al., 2021). A faixa etária mais acometida com a COVID-19 foi de 60 anos ou mais, correspondendo a 25% dos casos, possivelmente devido a maior existência de 223 Saneamento, Saúde e Ambiente - Volume 1 comorbidade e maior comprometimento do sistema imunológico da população mais idosa (DESSIE; ZEWOTIR, 2021). Com relação à raça/cor, a população negra (parda e preta) foi a mais acometida com a incidência de COVID-19, equivalente a cerca de 43,33% dos casos totais, demonstrando o perfil socioeconômico da doença. As desigualdades sociais refletem em impactos na população de áreas periféricas que, devido fragilidade das condições de habitabilidade, que se traduz na precarização da habitação e falta de acesso aos serviços de saneamento, eram impossibilitados de cumprir com as medidas não farmacológicas de prevenção a COVID-19 (SILVA et al., 2023). A subnotificação de casos existentes também camuflou a gravidade da proliferação do vírus em favelas e comunidades urbanas, gerando uma invisibilidade limitante para a adoção de políticas públicas que priorizasse essa população de risco. Nesse sentido, fica evidente que a incidência e letalidade de COVID-19 estão relacionadas com estruturas socioeconômicas, demográficas e ambientais. AGRADECIMENTOS A Dra. Maria de Lourdes Aguiar Oliveira do Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). REFERÊNCIAS [1] ALMEIDA, T. C. et al. Análise Espacial Dos Aspectos Do Saneamento De Aglomerados Subnormais Da Sub-Bacia Do Canal Do Cunha. In: MELLO, R. G.; FREITAS, P. G. (Org.). Variantes Do Meio Ambiente: Atuação, Interdisciplinaridade e Sustentabilidade, Vol. 2. Belo Horizonte: Editora e-Publicar, 2021, v. 2, p. 514-529. [2] ANGELO, J. R.; LEANDRO, B. B. S.; PÉRISSÉ, A. R. S. 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